Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE BELAS ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS
Linha de Pesquisa: História da Arte Brasileira
DILSON RODRIGUES MIDLEJ
JUAREZ PARAISO:
ESTRUTURAÇÃO, ABSTRAÇÃO E EXPRESSÃO NOS ANOS 1960
Salvador
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
DILSON RODRIGUES MIDLEJ
JUAREZ PARAISO:
ESTRUTURAÇÃO, ABSTRAÇÃO E EXPRESSÃO NOS ANOS 1960
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola
de Belas Artes, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Artes
Visuais.
Área de Concentração: História da Arte.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Herminia
Olivera Hernandez
Salvador
2008
ads:
Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes
M627 Midlej, Dilson Rodrigues
Juarez Paraiso: estruturação, abstração e expressão nos anos 1960 / Dilson
Rodrigues Midlej. – 2008.
200 f.: il.
Orientador: Prof. Drª Maria Herminia Olivera Hernandez.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas
Artes. 2008.
1. Paraiso, Juarez, 1934-. 2. Arte moderna - Bahia. 3. Arte abstrata.
I. Olivera Hernandez, Maria Hermínia. II. Universidade Federal da Bahia. Escola de
Belas Artes. III. Título.
CDU – 7.036 (813.8)
CDD – 709.4
DILSON RODRIGUES MIDLEJ
JUAREZ PARAISO:
ESTRUTURAÇÃO, ABSTRAÇÃO E EXPRESSÃO NOS ANOS 1960
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola
de Belas Artes, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Artes
Visuais.
Salvador,
Maria Herminia Olivera Hernandez
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da UFBA.
Brasil.
Maria de Fátima Morethy Couto
Doutora em História da Arte e Arqueologia pela Universite de Paris I
(Pantheon - Sorbonne) UPJ.
França.
Rosa Gabriella de Castro Gonçalves
Doutora em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da USP.
Brasil.
AGRADECIMENTOS
Minha família, pelo apoio e incentivo.
Minha orientadora, Profa. Dra. Maria Herminia Olivera Hernandez, pela
disponibilidade e competência.
Ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal da Bahia, a sua coordenação, funcionários e professores doutores.
À Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, a sua diretoria e
aos seus funcionários.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
pela concessão de bolsa de estudo no primeiro ano da pesquisa.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), pela
concessão de bolsa de estudo por dois meses no segundo ano da pesquisa;
A Juarez Paraiso, pela prontidão em atender-me e no favorecimento do
desenvolvimento da pesquisa.
A Eduardo Evangelista, pelo apoio dado ao ingresso no Mestrado e pela
generosidade no empréstimo de livros.
Aos colegas discentes do Mestrado.
A Justino Marinho, pelo auxílio mediante informações.
Ao Museu Lasar Segall, em São Paulo, e a sua diretora Neuza Amado, pelo
encaminhamento do catálogo A Abstração e as Bienais: Década de 1950.
Ao Museu Afro Brasil, em São Paulo, ao seu diretor Emanoel Araújo e ao
assistente de curadoria Cláudio Nakai.
Ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, a sua presidenta Milú Villela e à
bibliotecária e documentarista Léia Carmen Cassoni, por informações sobre uma
obra do artista que consta do acervo daquele Museu.
Ao Museu de Arte Moderna da Bahia, a sua diretora Solange Farkas, ao
coordenador do núcleo de arte e educação Danillo Barata e à museóloga Luzia
Ventura, pelo acesso às imagens de obras e informações sobre os artistas do acervo.
À Biblioteca do Museu de Arte de São Paulo (Stella, Evani e Bárbara), por ter
possibilitado a pesquisa em catálogos da Bienal de São Paulo.
Às Bibliotecas da Ufba: Escola de Belas Artes, Central e Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas.
A Adauto Loyola da Silva Filho, pelo apoio na parte de informática.
A Luciana Brito, pela obtenção de informações para a pesquisa e empréstimo
de livros.
Às professoras doutoras Sônia Rangel e Alejandra Munhoz, pelas
contribuições.
A Maria José Bacelar, pela revisão e normalização.
A Luciana Brito, Maristela Ribeiro e Cibele Mattos, pelas sugestões.
A Lêda Maria Ramos Costa e Alda Lima, pela confecção da ficha catalográfica.
A Taylor Van Horne, pela revisão do Abstract.
A Ilber Ascis, VigaGordilho e Therezinha Dummet, pelo apoio dado ao ingresso
no Mestrado.
“[...] a abstração [...] provou ser um meio potente para
a expressão de uma grande diversidade de experiências
e idéias. Os artistas abstratos criaram imagens originais
que se equiparam em intensidade e força às da
grande tradição da arte figurativa.”
Mel Gooding (2002, p. 9)
RESUMO
Esta dissertação aborda a abstração como recurso estilístico utilizado por alguns
artistas baianos, especificamente a criação de arte abstrata produzida na década de
1960, em Salvador, Bahia, por Juarez Paraiso. Pertencente à segunda geração
modernista da Bahia, esse artista teve uma importância fundamental na divulgação
da linguagem abstrata, através da pesquisa, do ensino, de exposições e da criação
de arte, destacando-se perante os demais artistas daquela geração. A pesquisa teve
como objetivo geral investigar a produção abstrata de Juarez Paraiso dos anos 1960
e como objetivos específicos: verificar possíveis influências do ambiente sócio-
econômico-cultural de Salvador, assim como de características barrocas em sua
poética abstrata; conhecer a produção abstrata de alguns artistas baianos
contemporâneos de Juarez Paraiso; analisar estilisticamente seus trabalhos
abstratos; e investigar sua contribuição à arte baiana e brasileira, de tendência
abstrata, pela comparação com outros artistas não-objetivos do período. Utiliza
como metodologia uma combinação dos métodos de Análise e síntese e Psicologia
da forma (Gestalt), aliados aos conhecimentos da Fenomenologia através da obra
de Merleau-Ponty e da metodologia Compreensiva. A metodologia abrange, ainda, a
valorização da História oral com depoimentos do artista. Destaca a produção de arte
abstrata de dois pioneiros da primeira geração modernista baiana, assim como dos
artistas da segunda geração. Como resultados das análises desenvolvidas, a
dissertação aponta as heranças modernista e baiana que influenciaram a trajetória
artística de Juarez Paraiso e enfoca a abstração como recurso expressivo que
caracterizou e possibilitou à geração de sessenta contrapor o regionalismo
defendido pela geração modernista precedente. Apresenta ainda as características
de dinamismo, organicidade e sensualidade presentes na produção de Juarez
Paraiso, comenta sua poética visual (seus estilos e técnicas) tomando por base três
conjuntos com características estilísticas diferenciadas. Destaca a utilização da linha
como elemento básico das composições e sua relação com os demais elementos
plásticos e identifica a contribuição do artista à arte brasileira. Conclusivamente, a
dissertação aponta a concomitância e complementaridade entre Formalismo e
Informalismo encontrada na maioria das obras abstratas do artista, o que invalida a
dicotomia Formal/Informal normalmente estabelecida em estudos sobre abstração.
Como conseqüência das análises das obras do artista e de outros, ficou evidente,
em termos qualitativos, que sua criação abstrata equipara-se às de Betty King e
Adam Firnekaes. Em relação aos demais de sua geração que trabalharam com
abstração, Juarez Paraiso sobressai-se pela originalidade de sua pesquisa, pelas
novas soluções técnicas desenvolvidas e pela duração temporal de sua produção.
Palavras-chave: Arte abstrata. Arte baiana. Década de 1960. Modernismo na Bahia.
Juarez Paraiso. Segunda geração modernista.
ABSTRACT
This dissertation focuses on abstraction as a stylistic resource used by Bahian artists
and specifically on the abstract art produced in the 1960’s in Salvador, Bahia, Brazil,
by Juarez Paraiso. Representative of Bahia’s second generation of modernists,
Paraiso stood out through his dissemination of a language of abstraction consistently
revealed in his research, teaching, exhibitions and artistic creativity. The objective of
this research was to investigate the abstract art produced by Juarez Paraiso in the
1960’s and to point out specifics results: to verify the social, economical and cultural
influencies of Salvador on Paraiso and specifically the Baroque characteristics in his
poetic abstractions; to analyze the abstract art of some of Juarez Paraiso’s
contemporaries in Bahia; to provide a stylistic analysis of their abstract art works; and
to investigate Paraiso’s contributions to Brazilian and Bahian abstract art through
comparing him to other non-objective artists of the same time period. The
methodology applied combines the Analysis and Synthesis method with the
Psychology of Form (Gestalt) allied to the Phenomenology of Merleau-Ponty and the
Comprehensive method. The methodology includes an oral history consisting on
interviews with the artist. It looks at the creation of abstract art by two pioneers of
Bahia’s first generation of modernists as well as the artists of the second generation.
As a result of these analyses, the dissertation characterizes both the modernist and
historical heritages of Bahia that influenced Paraiso’s artistic trajectory and focuses
on abstraction as an expressive resource representative of the 1960’s generation,
which was in opposition to the regionalism defended by the first modernist
generation. It reveals the dynamism and sensuality in Juarez Paraiso’s art and
comments on its visual poetics (its styles and techniques) based on three groupings
with different stylistic characteristics. It analyzes the utilization of the line as a basic
element of composition and its relationship to the other plastic elements of his work
and it evaluates the artist’s contribution to Brazilian art. Finally, the dissertation
illustrates the concomitancy and complementarity between Formalism and
Informalism, questioning the opposition normally associated with studies of Formal
and Informal abstraction. As a result of the comparison between Paraiso’s art works
and those of other artists, it becomes evident that his abstract oeuvre equals that of
Betty King or Adam Firnekaes. In relation to others of the same generation who
worked with abstraction, Juarez Paraiso stands out due to the originality of his
research, the new technical solutions that he developed and to the longevity of his art
production.
Keywords: Abstract Art. Bahian Art. Decade of 1960. Bahian Modernism. Juarez
Paraiso. Second Modernist Generation.
LISTA DE FIGURAS
1 – Emidio Magalhães. Retrato de Juarez Paraiso. Óleo sobre tela,
92 x 65 cm, s/ data
36
2 – Mario Cravo Júnior. Construção espacial. Plastelina, 13 cm, 1947 43
3 – Mario Cravo Júnior. Aquático. Cobre martelado, 42 cm, 1949 44
4 – Mario Cravo Júnior. Oração. Madeira, 210 cm, 1949 44
5 – Mario Cravo Júnior. Composição em espiral. Cobre e latão, 48 cm, 1949 44
6 – Maria Célia Amado. Abstração. Paris. Técnica mista, 73 x 100 cm. 1957 46
7 – Maria Célia Amado. Pintura. Óleo s/ tela, 1.79 x 1,33 cm, 1959 47
8 – Juarez Paraiso. Desumanização do homem. Mural em carvão sobre
eucatex, 250 x 600 cm, cerca de 1957/1958
50
9 – Juarez Paraiso. Xilogravura sobre pano, 101 x 53 cm, 1965/6 58
10 – Juarez Paraiso. Série Violência. Fotomontagem (Fotodesign),
dimensões variadas, 1982
64
11 – Juarez Paraiso. Série Violência. Fotomontagem (Fotodesign),
dimensões variadas, 1982
64
12 – Juarez Paraiso. Cristo. Arte digital. Dimensões variadas, 1995 66
13 – Juarez Paraiso. Cristo-mulher. Arte digital. Dimensões variadas, 2000 67
14 – Wassily Kandisnky. Primeira aquarela abstrata. Aquarela,
50 x 65 cm, 1910
77
15 – Reprodução de Arte e percepção visual 95
16 – Reprodução de Arte e percepção visual 95
17 – Reprodução de Arte e percepção visual 95
18 – Reprodução de Arte e percepção visual 95
19 – Betty King. Composição. Óleo s/ tela, 91,2 x 63,8 cm, s/ data 103
20 – Betty King. Composição II. Óleo s/ tela, 92 x 60 cm, s/ data 103
21 – Betty King. Composição. Óleo s/ tela, 64 x 91cm, s/ data 103
22 – Betty King. Composição. Gouache, dimensões não especificadas no
original, s/ data
104
23 – Adam Firnekaes. Composição abstrata. Óleo e colagem sobre tela,
100 x 100 cm, 1964 105
24 – Adam Firnekaes. Técnica mista e colagem, dimensões não especificadas,
s/ data
105
25 – Adam Firnekaes. Em ascensão. Técnica mista e colagem sobre tela,
62 x 14 cm, s/ data 106
26 – Jenner Augusto. Composição. Óleo s/ tela. 73 x 92cm, 1960 108
27 – Jenner Augusto. Pintura. Óleo s/ tela. 54 x 73cm, 1960 108
28 – Jenner Augusto. Campo vermelho. Óleo s/ tela. 92 x 76,1 cm, 1963 109
29 – Jamison Pedra. S/ título. Óleo s/eucatex, 100 x 60 cm, 1965 111
30 – Gley Mello. Heteroformos. Xilogravura, 30 x 20 cm, 1966 112
31 – Gley Mello. Heteroformos. Técnica mista, 50 x 35 cm, 1968 112
32 – Gley Mello. Sem título. Xilogravura, 32,5 x 44 cm, 1966 112
33 – A Tarde, Salvador, 7 mar. 1964 114
34 – Capa do catálogo da exposição Artistas abstratos da Bahia 115
35 – Calasans Neto. Grande gruta. Xilogravura, 65 x 47 cm, 1962 116
36 – Calasans Neto. Pedra de Taigara. Xilogravura, dimensões não
especificadas no original, 1964
116
37 – Riolan Coutinho. Pintura, dimensões não especificadas na fonte, 1964 117
38 – Riolan Coutinho. S/ título. Óleo s/eucatex, 76 x 55 cm, s/ data 118
39 – Riolan Coutinho. S/ título. Óleo s/tela, 89,5 x 72 cm, s/ data 118
40 – Sante Scaldaferri. Fuga. Óleo s/ tela, dimensões não especificadas na
fonte, 1960
119
41 – Sante Scaldaferri. A ilha. Óleo s/ tela, dimensões não especificadas na
fonte, 1963
119
42 – Sante Scaldaferri. Nordeste. Pintura, dimensões não especificadas na
fonte, 1964
120
43 – Luiz Gonzaga. Gouache, dimensões não especificadas na fonte, s/ data 121
44 – Luiz Gonzaga. Pintura, dimensões não especificadas na fonte, 1964 121
45 – Luiz Gonzaga. S/ título. Óleo s/eucatex, 77 x 110 cm, 1964 122
46 – Juarez Paraiso. Xilogravura, dimensões não especificadas na fonte, 1959 128
47 – Juarez Paraiso. Xilogravura, dimensões não especificadas na fonte, 1959 128
48 – Juarez Paraiso. Série Paisagem cósmica. Guache, nanquim (bico de
pena), lápis cera, 50 x 45 cm, 1962
129
49 – Juarez Paraiso. Série Paisagem cósmica. Guache, nanquim (bico de
pena), lápis cera, 45 x 50 cm, 1962
129
50 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral. Guache sobre papel.
75,9 x 56,5 cm, 1962 131
51 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral. Guache sobre papel.
90,2 x 62 cm, 1962 131
52 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral. Guache sobre papel.
79,5 x 61,2 cm, 1962 131
53 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral. Guache sobre papel.
57 x 47,3 cm, 1962 131
54 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral. Guache sobre papel.
77 x 56,5 cm, 1962 132
55 – Juarez Paraiso. Desenho abstrato 50. Nanquim (bico de pena) e lápis
cera sobre papel. 66,2 x 96,4 cm, 1962
134
56 –
Juarez Paraiso. Desenho abstrato 51. Nanquim (bico de pena),
dimensões não especificadas na fonte, 1962
136
57 – Juarez Paraiso. Paisagem cósmica 1. Nanquim (bico de pena) e lápis
cera sobre papel, 96,3 x 76 cm, 1962
136
58 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 13, buraco negro. Nanquim (bico de
pena), aerógrafo e massa sintética sobre eucatex, 66 x 95,7 cm, 1965
138
59 – Juarez Paraiso. Abstração. Xilogravura sobre pano, 69 x 46 cm, 1965 140
60 – Juarez Paraiso. Paisagem astral. Nanquim sobre suporte texturado. 44,5
x 51 cm, 1964
140
61 – Juarez Paraiso. Paisagem astral. Nanquim, aerógrafo e massa sintética
sobre eucatex, 80 x 57 cm, 1965
140
62 – Juarez Paraiso. Invertebrado. Concreto, relevos de massa de cimento e
barro, vidrotil, 300 x 900 x 100 cm, 1979
142
63 – Juarez Paraiso. Astronautas. Nanquim (bico de pena) guache e
radiografia sobre acetato. 17 x 24 cm, 1967
143
64 – Juarez Paraiso. Mural do Cinema Bahia. Baixos relevos gravados sobre
parede, 300 x 600 cm, 1968
144
65 – Juarez Paraiso. Paisagem cósmica. Nanquim (pincel seco),
96 x 66 cm, 1963 148
66 – Juarez Paraiso. Organismo. Lápis cera, 96 x 66 cm, 1962 148
67 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena), lápis cera e grafite
sobre papel, 86,7 x 64,6 cm, 1962
149
68 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena) sobre papel,
90 x 63, 1962 149
69 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 14. Nanquim (bico de pena) e massa
sintética sobre eucatex, 100 x 100 cm, 1964
149
70 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena) e grafite sobre
cartão, 96,3 x 66,4 cm, 1962
149
71 – Juarez Paraiso. Desenho abstrato 50. Nanquim (bico de pena) e grafite
sobre cartão, 77 x 56,5 cm, 1962
150
72 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena e aguada) sobre
cartão, 100,5 x 70,2 cm, [196-]
150
73 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena) sobre cartão,
112,8 x 76 cm, [196-] 150
74 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena e aguada) sobre
cartão, 100,5 x 70,2 cm, [196-]
150
75 – Juarez Paraiso. Abstração 2 (ou Paisagem astral 2). Nanquim (bico de
pena) e lápis cera sobre papel, 81 x 63 cm, 1963
151
76 – Juarez Paraiso. Abstração 2 (ou Paisagem astral 1). Nanquim (bico de
pena) sobre papel, 70 x 64 cm, 1963
151
77 – Juarez Paraiso. Sem título. Xilogravura (P& B) sobre papel,
53,8 x 38,5 cm, [196-] 155
78 – Juarez Paraiso. Sem título. Matriz xilográfica (madeira),
100 x 51 cm, [196-?] 155
79 – Juarez Paraiso. Sem título. Matriz xilográfica (madeira),
99,5 x 51 cm, [196-?] 155
80 – Juarez Paraiso. Sem título. Matriz xilográfica (madeira),
99,7 x 51 cm, [196-?] 155
81 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 22. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex e relevo, 60 x 42 cm, 1964
156
82 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 28. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 60 x 42,5 cm, 1964
156
83 – Juarez Paraiso. Paisagem astral. Nanquim (bico de pena) sobre eucatex,
44 x 60 cm, 1969
157
84 – Juarez Paraiso. Abstração 3. Nanquim (bico de pena) e cera sobre papel,
113 x 60 cm, 1963
157
85 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 25. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 60 x 42,5 cm, 1964
157
86 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 24. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 60 x 42,5 cm, 1964
158
87 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 26. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 60 X 42,5 cm, 1964
158
88 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 21. Nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 44,2 x 60 cm, 1964
158
89 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 20. Nanquim (bico de pena)
e sanguínea sobre eucatex, 42,5 x 60 cm, 1964 159
90 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 27. Óleo e nanquim (bico de pena)
sobre eucatex, 42,5 x 60 cm, 1964
159
91 – Juarez Paraiso. Sem título. Xilogravura em cores sobre papel,
53 x 36 cm, 1962 161
92 – Juarez Paraiso. Matriz xilográfica de Abstração 1 (madeira),
99,4 x 50,6 cm, 1963 161
93 – Juarez Paraiso. Abstração 1. Xilogravura sobre pano, 99,4 x 50,6 cm, 1963 161
94 – Juarez Paraiso. Abstração. Xilogravura sobre cartão, 51,5 x 99 cm, 1963 162
95 – Juarez Paraiso. Sem título. Xilogravura sobre cartão (Díptico),
93,5 x 69,5 cm, 1965 162
96 – Autor não identificado. Fotografia de exposição na Galeria Convivium, em
Salvador, em 1965
162
97 – Juarez Paraiso. Paisagem astral. Nanquim (bico de pena e aerógrafo) e
massa sintética sobre eucatex, 80 x 52 cm, 1965
164
98 – Juarez Paraiso. Paisagem astral. Nanquim (bico de pena e aerógrafo) e
massa sintética sobre eucatex, 89 x 59 cm, 1965
165
99 – Juarez Paraiso. Paisagem cósmica. Nanquim (bico de pena e aerógrafo)
e massa sintética sobre eucatex, 51 x 70 cm, 1965
165
100 – Juarez Paraiso. Sem título. Nanquim (bico de pena e aerógrafo) sobre
papel colado sobre aglomerado,152 x 122 cm, 1965
168
101 – Capa do catálogo da mostra Panorama de arte atual
brasileira 1969
169
102 – Autor não identificado. Fotografia da exposição individual de
Juarez Paraiso, no Icba, em Salvador, em 1965 171
103 – Juarez Paraiso. Duas imagens da série Mutações, apresentadas na XII
Bienal de São Paulo, em 1973
172
104 – Juarez Paraiso. Duas imagens da série Fotomontagens, apresentadas na
XII Bienal de São Paulo, em 1973
172
105 – Darel Valença Lins. Desenho n.
8. Nanquim sobre papel,
45 x 58 cm, 1963 176
106 – Mira Schendel. Sem título. Monotipia óleo sobre papel arroz,
47,1 x 23,1 cm, 1964 178
107 – Mira Schendel. Sem título. Monotipia sobre papel arroz,
46 x 23 cm, 1965 178
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Acbeu Associação Cultural Brasil-Estados Unidos
AI-5 Ato Institucional número 5
Ceao Centro de Estudos Afro-orientais da Universidade Federal da Bahia
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Desc Departamento de Educação Superior e Cultura
EBA Escola de Belas Artes
EBA Ufba Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia
EUA Estados Unidos da América
Ibeu Instituto Brasil-Estados Unidos (Rio de Janeiro)
Icba Instituto Cultural Brasil-Alemanha
Ipac Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural
MAM-BA Museu de Arte Moderna da Bahia
MAM-RJ Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
MAM-SP Museu de Arte Moderna de São Paulo
Masp Museu de Arte de São Paulo
Moma Museu de Arte Moderna de Nova York
Petrobras Petróleo Brasileiro S.A.
Ufba Universidade Federal da Bahia
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
Usis United States Intelligence Service (Serviço de Informação e Divulgação
Cultural dos Estados Unidos da América)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
15
1 ESTRUTURAÇÃO E EXPRESSIVIDADE
25
1.1 CONTEXTO POLÍTICO, SOCIAL E CULTURAL 25
1.1.1 Vinda para Salvador
29
1.2 FORMAÇÃO ACADÊMICA 32
1.3 HERANÇA MODERNISTA 37
1.4 HERANÇA BAIANA 53
1.5 O QUIXOTE ATÔMICO 63
2 A BOSSA ABSTRATA
70
2.1 ABSTRAÇÃO NO BRASIL: GEOMÉTRICA E INFORMAL 70
2.2 COMPLEMENTARIDADE FORMAL / INFORMAL 84
2.3 GERAÇÃO ABSTRATA BAIANA 98
3 O QUIXOTE ABSTRATO
123
3.1 POÉTICA VISUAL: ESTILOS E TÉCNICAS 123
3.1.1 Poética da linha
144
3.2 CONTRIBUIÇÃO “PARAISOANA” À ARTE BRASILEIRA 166
CONSIDERAÇÕES FINAIS
180
REFERÊNCIAS
185
APÊNDICE A – Modelo de Ficha Individual
200
15
INTRODUÇÃO
O abstracionismo como corrente artística começou a se desenvolver no início
do século XX, como conseqüência de uma série de fatores, dentre os quais o
advento da fotografia e sua difusão como meio de registro de imagens das
paisagens e das pessoas, antes restritas à pintura. Muitos serviços sociais (retratos,
vistas de cidades, ilustrações, entre outros) passaram do pintor para o fotógrafo
(ARGAN, 1998, p. 78) e a pintura liberou-se da tradicional tarefa de representar a
aparência verdadeira das coisas. Outro fator determinante foi a alteração perceptiva
decorrente da crescente planificação e erradicação da profundidade na pintura, que
se observou com Édouard Manet (1832-1883) e com o impressionismo, no final do
século XIX. O tratamento pictórico de superfícies planas nas pinturas de Manet
evidenciou-se claramente ao olhar, com a utilização de tintas saídas de tubos ou
potes, sem que houvesse, por parte do artista, a preocupação de tornar estes efeitos
dissimulados (FERREIRA; MELLO, 2001, p. 102).
A superfície plana e a forma do suporte, assim como as propriedades das
tintas, passaram não somente a ser valorizadas pelo modernismo como se tornaram
suas principais características formais. Assim, o enfoque da pintura no século XX
tornou-se o quadro e sua composição. Um outro fator foi o questionamento da idéia
de que a pintura e a escultura poderiam retratar a realidade do mundo por meio da
imitação (mimese) (GOODING, 2002, p. 6-7). Como conseqüência, muitos artistas
passaram a ver a representação figurativa como uma limitação de suas capacidades
de representar as realidades da experiência (incluída a experiência espiritual), com o
tipo de intensidade ou clareza que revelaria sua verdadeira natureza
1
.
A disseminação da abstração na América Latina ocorre inicialmente na
Argentina. No Brasil, o surgimento dos primeiros núcleos de artistas abstratos no Rio
de Janeiro e em São Paulo, entre 1948 e 1949, provoca reações contrárias de vários
setores da produção artística brasileira, dentre os quais estão os artistas
1
Isto é assinalado por Mel Gooding (2002, p. 7), que enumera uma série de outros fatores que
influíram para o desenvolvimento da abstração, como as realidades novas reveladas pela ciência,
assim como a matemática, física e psicologia, e a condição de transformação dinâmica das
cidades. Segundo o autor: “Tudo isso trouxe como conseqüências a rejeição das velhas formas de
arte que buscavam imitar a aparência das coisas e a invenção de novas formas que revelariam as
relações ocultas entre as coisas [...] representar as relações dinâmicas entre os objetos exigia uma
linguagem visual abstrata.” (GOODING, 2002, p. 7).
16
remanescentes do modernismo de 1922, como Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976) e
Cândido Portinari (1903-1962). Artistas abstratos estrangeiros já haviam participado
de exposições realizadas no Brasil, a partir de 1938, no segundo Salão de maio, em
São Paulo, no qual obras abstratas de Ben Nicholson (1894-1982) foram expostas
ao lado de trabalhos de artistas modernistas. Na terceira e última edição daquele
Salão, realizada no ano seguinte, pôde-se ver trabalhos de Alberto Magnelli (1888-
1971), Alexander Calder (1898-1976) e Josef Albers (1888-1976). A presença do
casal Arpad Szenes (1897-1985) e Vieira da Silva (1908-1992), de 1940 a 1947, no
Rio de Janeiro, foi também relevante no processo de familiarização e de difusão da
arte não-objetiva (sinônimo de abstrata) no país.
A produção de arte abstrata em Salvador foi uma decorrência das conquistas
e dos esforços empreendidos por artistas modernistas. O movimento modernista
baiano, que se firmou após a Segunda Guerra Mundial, defendia maior liberdade
criativa e se contrapunha ao classicismo realista em voga. O primeiro grupo
modernista na Bahia foi constituído por Carlos Bastos (1925-2004), Mario Cravo
Júnior (1923) e Genaro de Carvalho (1926-1971).
A produção desses artistas expunha uma pesquisa que resultava da
liberdade de utilização dos elementos plásticos e da adaptação de linguagens
como o expressionismo, o surrealismo e o realismo mágico (no caso de Carlos
Bastos), o expressionismo e o abstracionismo (em Mario Cravo Júnior) e a
figuração com estilização de formas e livre utilização de cores (principais aspectos
das peças de Genaro de Carvalho, porém também presentes nos outros dois).
Estas características destoavam sobremaneira do tipo de arte acadêmica praticada
e exibida na cidade.
A renovação que os trabalhos desses três criadores instauraram no meio
cultural da Bahia rompeu os padrões de arte vigentes e gerou resistências e
polêmicas. A nova arte que se observava nas obras dos três era mais condizente
com o desenvolvimento técnico e as modificações culturais por que passava a
sociedade. Nesse contexto, os modernistas foram chamados por Motta e Silva
(2000, p. 38) de “astros de esperança”. Motta e Silva (2000, p. 38) referiu-se ainda
àqueles artistas como “[...] os jovens entusiastas da livre criação artística que
trabalham para libertar a visão do público das repetidas telas interioristas e das
desbotadas paisagens praieiras”.
17
Posteriormente, quatro artistas iriam se juntar àquele trio: os baianos Rubem
Valentim (1922-1991) e Lygia Sampaio (1928), o sergipano Jenner Augusto (1924-
2003) e o argentino Carybé (1911-1997).
A renovação proposta pelo modernismo ampliou as possibilidades
expressivas do fazer artístico e possibilitou que novas experimentações pudessem
acontecer. Ao primeiro grupo sucedeu uma segunda geração que tentou firmar-se
no ambiente artístico baiano a partir dos anos sessenta. É nesta perspectiva que se
situa a atuação criativa de Juarez Paraiso (1934) na cena cultural do Estado,
produzindo arte abstrata durante toda a década de 1960. Esta década testemunhou
um período de efervescência cultural na capital baiana, cujo início se deu em
meados dos anos cinqüenta. Foram protagonistas os reflexos da contracultura, as
reverberações dos movimentos culturais bossa nova, jovem guarda e tropicalismo, a
realização das duas Bienais da Bahia, o desenvolvimento do cinema novo, do
cinema marginal (underground ou udigrudi) e o reitorado de Edgard Rego dos
Santos, fundador e responsável pela expansão da Universidade Federal da Bahia
(Ufba), a qual favoreceu as ações de suas diversas unidades, incluindo a Escola de
Belas Artes.
No Brasil, o reconhecimento do valor da arte abstrata, tanto geométrica
quanto informal, deu-se pela atuação da crítica especializada em textos publicados
em revistas e jornais de circulação nacional. O público, chocado com a novidade,
resistia a se familiarizar e continuava a inquirir sobre a significação daquele tipo de
arte. As instituições, a exemplo dos Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de
São Paulo, do Museu de Arte de São Paulo, da Bienal de São Paulo e da Galeria
Bonino, no Rio de Janeiro, dentre outras, organizavam mostras de arte abstrata. Na
Bahia, a Galeria Convivium, dirigida por Juarez Paraiso, que funcionou de 1965 a
1967, organizou exposições dos artistas baianos mais significativos, incluindo os
que se dedicavam à abstração.
Fundamental, todavia, foi a criação, em 1959, e a fundação, em 1960, do
Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), tendo Lina Bo Bardi (1914-1992) na
direção, até abril de 1964, quando foi substituída por Mario Cravo Júnior. Este
espaço teve uma expressiva atuação na cidade e já em sua inauguração expunha
obras abstrato-informais do cearense Antonio Bandeira (1922-1967). Mario Cravo
Júnior, já a partir de 1947, estabeleceu experimentações com a linguagem abstrata,
igualando-se aos pioneiros dos primeiros núcleos de artistas abstratos que
18
formavam a vanguarda carioca Ivan Serpa (1923-1973), Almir Mavignier (1925) e
Abraham Palatnik (1928) e paulista Waldemar Cordeiro (1925-1973), Luis
Sacilotto (1924-2003) e Lothar Charoux (1912-1987).
Entre o final da década de cinquenta e os anos sessenta, por intermédio do
MAM-BA e de outros espaços na cidade, o público baiano pôde entrar em contato
com obras abstratas de criadores como o francês tachista Georges Mathieu (1921),
os brasileiros Manabu Mabe (1924-1997), Cícero Dias (1907-2003), Flavio Shiró-
Tanaka (1928), o grupo inicial que formava o neoconcretismo com a Exposição de
arte neoconcreta, exibida no Belvedere da Sé, em 1959, e os artistas neoconcretos
Helio Oiticica (1937-1980) e Lygia Clark (1920-1988), premiados na Primeira Bienal
Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1966.
Juarez Paraiso, oriundo do ensino acadêmico da primeira metade da década
de cinqüenta, viria a ser o principal representante da segunda geração moderna,
dedicando-se a inúmeras atividades, dentre as quais o ensino universitário de arte
(na Escola de Belas Artes e na Faculdade de Arquitetura, ambas da Ufba), a
participação na remodelação da metodologia do ensino e das disciplinas oferecidas
aos alunos, a defesa de implantação de cursos como Publicidade, Artes gráficas e
Desenho industrial, dentre outros. Contribuiu com iniciativas como a promoção de
artistas, por meio da mencionada Galeria Convivium, a direção de arte da Revista
da Bahia e, como colunista de arte, na redação de artigos nos anos sessenta e
setenta para os jornais A Tarde, Diário de Notícias e Tribuna da Bahia. No que toca
à produção de arte, o domínio das diversas técnicas possibilitou ao artista
manifestar-se com desenvoltura na pintura, gravura, escultura, desenho, fotografia
e nos recursos aparentemente ilimitados das técnicas mistas. A maestria técnica
destes meios possibilitou-lhe também a realização de inúmeros painéis, baixos-
relevos, murais, esculturas e entalhes, tanto em ambientes privados quanto
públicos.
Ainda que sua atuação seja expressiva no ensino e em sua trajetória como
artista, pouco se tem escrito sobre Juarez Paraiso. No que toca a sua produção
abstrata, nada. A pouca informação existente é uma entrevista que o artista
concede ao amigo (e também artista) Riolan Coutinho (1932-1994), publicada
originalmente no jornal A Tarde, de 26 de dezembro de 1963, reproduzido na orelha
do livro Juarez Paraiso: Desenhos e Gravuras, editado pela Fundação Casa de
Jorge Amado, em 2001.
19
Os parcos dados existentes sobre a produção abstrata desse artista e o
desconhecimento de sua importância foram alguns dos pontos de partida que
motivaram o desenvolvimento desta pesquisa, resultado de um processo
investigativo iniciado em meados de 2004, enfocando a produção abstrata que surge
em Salvador na década de sessenta. Na ocasião, constatou-se a necessidade de um
estudo mais aprofundado sobre a criação abstrata de Juarez Paraiso, pela alta
qualidade estética e pelo pioneirismo no desenvolvimento de uma linguagem de
tendência informal extremamente rica, particular e criativa. Essa criação abstrata
carecia de maior atenção e profundidade de análise, não só pela destacada atuação
deste artista junto aos demais que produziram abstrações Riolan Coutinho, Luiz
Gonzaga (1936), Calasans Neto (1932-2006), Sante Scaldaferri (1928) e Leonardo
Alencar (1940), igualando-se em originalidade e criatividade a Adam Firnekaes
(1909-1966) e a Betty King (1932) , mas porque seus trabalhos apresentam
aspectos estilísticos bem particulares, em que se evidenciam influências da herança
barroca baiana que impregnam sua obra.
Justificava-se, portanto, o desdobramento de um estudo científico, na forma
de um registro adequado e de análises proporcionais à contribuição daquele artista.
A pesquisa teve como objetivo geral investigar a produção abstrata de Juarez
Paraiso dos anos 1960 e como objetivos específicos: verificar possíveis influências
do ambiente sócio-econômico-cultural de Salvador, assim como de características
barrocas em sua poética abstrata; conhecer a produção abstrata de alguns artistas
baianos contemporâneos a Juarez Paraiso; analisar estilisticamente seus trabalhos
abstratos; e investigar sua contribuição à arte baiana e brasileira, de tendência
abstrata, pela comparação com outros artistas não-objetivos do período.
Para alcançar os objetivos propostos, adotou-se como método de abordagem
um referencial teórico-crítico que combinasse os métodos de Análise e Síntese e
Psicologia da forma – Gestalt. Adicional a estes, considerou-se o aproveitamento de
conhecimentos oriundos da Fenomenologia abordada na obra do filósofo Maurice
Merleau-Ponty (1908-1961) e da História Oral.
Buscou-se tornar o artista em questão por ainda atuar tanto no âmbito do
ensino quanto no da produção plástica um elemento importante na constituição
dos cenários, na elucidação de dúvidas pertinentes a aspectos de sua trajetória,
inexistentes ou pouco claros nas fontes disponíveis, e, principalmente, uma fonte de
20
informações. Seus depoimentos enriquecem e complementam os dados coletados,
tornando (ou pretendendo tornar-se) esta dissertação um retrato o mais próximo
possível da experiência dos fatos e dos dados reais, cujas evidências encontram-se
fragmentadas nas diversas fontes consultadas. Assim, optou-se pela valorização da
História Oral no que toca, principalmente, aos depoimentos prestados pelo artista,
estando a informação verbal, quando utilizada, devidamente ressaltada no corpo do
texto mediante indicação de dia, mês e ano.
Uma vez que se tomam como elementos relevantes os depoimentos
prestados pelo artista, faz-se uso da conceituação compreensão (verstehen), para o
entendimento do contexto das declarações prestadas e de sua interpretação.
Pretende-se que esta interpretação seja o resultado de um ponto de vista aberto,
ampliado e atento às reais intenções e atitudes do artista e às particularidades das
informações e de suas “entrelinhas” (o conteúdo subentendido).
A compreensão — conforme distinção estabelecida por Wilhelm Dilthey
(1833-1911) em relação à explicação (erklären) — é o modo típico de procedimento
das ciências humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados
propriamente, mas visam aos processos permanentemente vivos da experiência
humana e procuram extrair deles o sentido (sinn). Os sentidos (ou significados) são
dados na própria experiência do investigador. O método da Compreensão ao estudo
de fatos humanos particulares constituiu diversas disciplinas e, na sociologia, coube
a tarefa a Max Weber (1864-1920). Tendo em vista a impertinência, nesta pesquisa,
de uma análise sociológica das inter-relações entre os fenômenos sociais, vale-se
do conceito de compreensão, tal como proposto por Max Weber (2007), restrito a
uma tentativa de entendimento das relações entre o artista e o meio cultural e, mais
precisamente, de sua trajetória.
No âmbito da fenomenologia, considerou-se como referência teórica de base
os livros O Primado da Percepção e suas Conseqüências Filosóficas e
Fenomenologia da Percepção, ambos de Maurice Merleau-Ponty (1990, 1999).
Nestas obras, o filósofo interpreta criticamente (e em determinadas ocasiões
contrapõe-se) a constatação da Gestalttheorie, na qual o caráter global ou estrutural
da percepção permite captar, mediante a forma dos objetos, seu valor e seu sentido.
Maurice Merleau-Ponty (1990, 1999) mostra-nos que a emergência de significados,
como na expressividade das linhas e cores na pintura, não seria possível se não
21
houvesse, precedendo o pensamento conceitual e lógico, a atividade intencional da
consciência.
Caracteriza-se a fenomenologia como uma corrente da filosofia que não faz
distinção entre o papel atuante do sujeito que conhece e a influência do objeto
conhecido. A consciência é sempre consciência de alguma coisa e o objeto é sempre
objeto para uma consciência. Para a fenomenologia não existe o objeto em si
destacado de uma consciência que o conhece. O objeto é um fenômeno. Este, por
sua vez, é aquilo que se mostra, que está manifesto, o revelado, não aparência
ilusória, mas algo tal como é. O estudo do fenômeno (denominado fenomenologia)
implica permitir que as coisas se manifestem como são, sem que projetemos nelas
as nossas construções intelectuais. Não somos nós que interferimos nas coisas; são
elas que se mostram a nós, que se deixam revelar, cabendo aos fenomenólogos
descrever os fenômenos e não explicá-los, atitude que se assemelha ao método da
Compreensão. Explicá-los implica interferir no fenômeno, introduzindo nele nossas
categorias lógicas. Assim, explicar é um ato artificial, enquanto descrever supõe
abordar o fenômeno da perspectiva do homem que o vivencia tal como ele se
apresenta à consciência. A fenomenologia não nega a realidade do mundo exterior e
a consciência não é algo puro, distanciado do mundo. O mundo é o meio de
realização da consciência (MERLEAU-PONTY, 1990, 1999).
Não se pretende desenvolver aqui uma análise fenomenológica da obra de
Juarez Paraiso, pois a aplicação do método de redução fenomenológica priorizaria
demasiadamente o enfoque filosófico, o que não se buscou aqui. O referido método
consistiria no desenvolvimento de descrições minuciosas das obras do artista em
textos os quais, por sua vez, passariam a ser a matéria real com a qual se trabalharia
(funcionando como uma etapa intermediária e, dessa forma, se constituiria em um
campo da expressão lingüística — o texto — e não a obra). Justifica-se, desta forma,
a opção metodológica de aproveitamento de alguns conteúdos do pensamento de
Maurice Merleau-Ponty, visto que sua obra está centrada na percepção, considerada
por ele a porta de entrada e de saída para o mundo exterior, na qual o sensível
é valorizado. Maurice Merleau-Ponty (1990, 1999) buscou evitar as separações
estipuladas pelo pensamento ocidental (idéia e fato, sujeito e objeto, espírito e corpo,
olho e intelecto, ciência e filosofia), em que tudo é consciência ou tudo é matéria. O
pensamento merleau-pontyano procura superar o dualismo entre o sentir e o
entender, defendendo a interação entre ambos. Numa relação de conhecimento, é
22
necessário um mergulho no sensível, unindo o sujeito que conhece ao objeto que é
conhecido.
A Psicologia da forma / Gestalt apresenta um corpo de conhecimento
expressivo que é utilizado aqui para instrumentalizar e balizar as análises estilísticas
das obras de Juarez Paraiso. Considera-se como Psicologia da forma o método
analítico expressado pelas idéias de Rudolf Arnheim (1904-2007), o qual, por sua
vez, parte das conquistas oriundas da Gestalt contidas, principalmente, na obra Arte
e Percepção Visual. A Gestalt defende que o juízo visual nasce no próprio ato de
ver. Neste sentido os componentes do processo visual que participam na criação,
assim como na fruição da obra, explicam também o mecanismo do pensamento de
seu autor (ARNHEIM, 1980).
A Gestalt também significou um aprendizado na trajetória do Juarez Paraiso
pesquisador e professor. No início da década de sessenta, ele debruçou-se sobre as
informações teóricas disponíveis em livros (e as mais acessíveis eram as da
Psicologia da forma), de maneira a conhecer melhor as relações que os elementos
plásticos estabeleciam entre si, segundo aquela teoria, e aplicá-las a suas criações.
Também buscou, mediante a reflexão dos conteúdos apreendidos, fundamentar as
aulas de Desenho de modelo vivo
2
que ministrava na Escola de Belas Artes, visando
a qualificação dos aprendizes e sua familiarização com dados distintos das
informações acadêmico-realistas que permeavam o programa pedagógico da Escola
de Belas Artes. Assim, com base naqueles conteúdos, criou-se a disciplina Teoria da
percepção visual, existente até hoje na grade curricular da graduação daquela
Escola. As pesquisas desenvolvidas pelo artista, baseadas nos estudos da Gestalt,
refletiram-se em sua produção criativa e, em particular, na abstrata.
A Teoria do Einfühlung, desenvolvida por Wilhelm Worringer (1881-1965),
possibilitou a separação da criação artística, a partir do início do século XX, em dois
grandes grupos: figuração e abstração. Abstração é entendida aqui como criações
artísticas que não possuam referentes no mundo concreto.
A metodologia exposta permitirá compreender-se a estruturação das formas
das obras abstratas de Juarez Paraiso. Entende-se por estruturação a capacidade
compositiva de estruturar (no sentido de criar, plasmar, construir) e dispor na
2
Segundo depoimento do artista (7 out. 2007), ele contava com o auxílio da instrutora de ensino Zélia
Maria Póvoas de Oliveira. Além das teorias da composição, aulas sobre modernismo e arte mural
também eram ministradas naquela disciplina.
23
superfície bidimensional os elementos plásticos. Desta maneira, o vocábulo
estruturação, nesta dissertação, não possui associação com o método Estrutural da
Semiologia.
No que toca aos procedimentos metodológicos, lançou-se mão de análise
documental (documentos pessoais e vinculados a instituições, fotografias, entre
outros); análise bibliográfica (livros de referência, catálogos e convites, textos em
periódicos, entre outros); análise in loco (pesquisa de campo) das obras originais do
acervo do artista e de coleções particulares; levantamento iconográfico, mediante
registro de imagens de 89 (oitenta e nove) obras realizadas entre 1959 e 1969
3
em
fichas individuais
4
; e entrevistas não-diretivas com o artista. As entrevistas foram
realizadas com roteiro prévio e aproveitamento do acaso (portanto, não-diretivas),
apoiadas nas informações prestadas pelos entrevistados e gravadas digitalmente em
áudio, em conversas informais. Ainda no âmbito dos procedimentos metodológicos,
levaram-se em consideração análises comparativas realizadas entre as obras de
Juarez Paraiso e de outros artistas, as quais envolveram basicamente a comparação
dos conteúdos e dos recursos formais dos trabalhos.
Procedeu-se ao tratamento das informações levantadas mediante análise de
conteúdo do material obtido na pesquisa de documentos, periódicos e publicações,
juntamente com a História Oral, contrapostos ao quadro de referência teórica
mencionado, cujo resultado possibilitou desdobrar o plano de dissertação em três
capítulos. No primeiro, intitulado Estruturação e Expressividade, objetivou-se enfocar
a formação educacional e identitária do artista, abrangendo também um breve
panorama do contexto político, social e cultural da década de 1960. Este capítulo
subdivide-se em cinco seções: a primeira tem o título auto-explicativo de Contexto
Político, Social e Cultural; a segunda, Formação Acadêmica, em que se situam os
primeiros desenhos, a vinda a Salvador, sua trajetória educacional, o ingresso na
Escola de Belas Artes e sua condição de professor assistente. Na terceira, Herança
Modernista, são citados os dois pioneiros da abstração na Bahia, Mario Cravo Júnior
e Maria Célia Amado (1921-1988), com inclusão de informações inéditas sobre esta
última, tendo em vista sua representatividade na produção abstrata; comenta-se a
primeira geração moderna, os primeiros Salões de Arte, dos quais Juarez Paraiso
3
Destas 89 obras, 62 são desenhos e técnicas mistas, 12 são de xilogravuras, nove referem-se a
matrizes xilográficas, cinco são relativas a pinturas a guache e um à realização de mural. Não se
consideraram, neste levantamento, as obras abstratas ou semi-abstratas posteriores à década de 60.
4
Um modelo dessa ficha constitui o Apêndice A desta Dissertação.
24
tomou parte, e o início da produção de arte abstrata desse artista. Na quarta,
Herança Baiana, observa-se o ambiente que o artista freqüentava na juventude, as
influências das heranças africana e barroca, breves considerações sobre questões
identitárias e de mestiçagem, o olhar erótico refletido nas obras e as primeiras
curvas. Por fim, O Quixote Atômico, em que se foca o homem político (liderança,
atitudes de mudanças, idealismo) assim como experimentalismo, pesquisas de
novas técnicas, a atuação nas Bienais da Bahia e a origem da expressão “Quixote
da era atômica”, criada pelo escritor baiano Jorge Amado (1912-2001).
No segundo capítulo, que tem por título A Bossa Abstrata, tratou-se das
características da abstração em três seções. Na primeira, intitulada Abstração no
Brasil: Geométrica e Informal, enfoca-se, do ponto de vista histórico/crítico, o embate
entre o geometrismo e o informalismo e introduzem-se as questões da
“organicidade” e da “desumanização” da arte. Na segunda, Complementaridade
Formal / Informal, trata-se da distinção de formalismo e informalismo, aprofunda-se o
tema “organicidade” e desdobra-se ainda a questão da “desumanização” da arte. Na
terceira seção, chamada Geração Abstrata Baiana, enfocam-se os artistas que
trabalharam com abstração na Bahia e explica-se o termo “bossa abstrata”.
No terceiro e último capítulo, de título O Quixote Abstrato, tratou-se da obra
do artista, com análise formal e conceitual. O conteúdo deste capítulo é exposto em
duas seções: Poética Visual: Estilos e Técnicas e Contribuição “Paraisoana” à Arte
Brasileira. No primeiro comenta-se uma classificação das obras do artista segundo
sua pertinência abstrata ou semi-abstrata. Destacam-se as principais obras e
técnicas exploradas e explica-se a expressão “Quixote Abstrato”. No segundo
pontua-se a contribuição da obra abstrata de Juarez Paraiso no cenário artístico
nacional.
A estes três capítulos seguem-se as Considerações Finais.
25
1 ESTRUTURAÇÃO E EXPRESSIVIDADE
1.1 CONTEXTO POLÍTICO, SOCIAL E CULTURAL
1
No ano em que Juarez Paraiso nasceu 1934 , o estado da Bahia tinha
como interventor federal Juracy Magalhães, nomeado em agosto de 1931 por
Getúlio Vargas, presidente conduzido ao poder pela vitoriosa Revolução de 1930, da
qual Juracy Magalhães foi partícipe ativo. O princípio de volta das liberdades,
defendido pelos conspiradores que fizeram esta revolução, materializou-se em
regime totalitário após o golpe de 1937 que instituiu o Estado novo, iniciando um
período que se tornou conhecido por Era Vargas.
O Brasil começava, sob ditadura, um novo período de sua História. Enquanto
desdobrava-se a guerra na Europa
2
, aqui no Brasil extinguiam-se as franquias
democráticas estabelecidas pela Constituição de 1934 e instituía-se a repressão
policial em todos os âmbitos.
Os anos posteriores a 1945 testemunharam o processo desenvolvimentista
que se deu na capital baiana e marcou sua pré-metropolização. A Bahia encontrava-
se pobre, atrasada e ferida pelas sucessivas interventorias do Estado novo. A
carestia de vida era enorme e a economia baiana mais atuante era a do cacau.
Aquele período foi marcado por migrações e grande expansão da cidade. Ao final
daquela década o governo da Bahia teve um papel importante na estruturação da
cidade, investindo recursos oriundos das novas indústrias implantadas. Em Salvador
teve início, em 1947, a exploração de petróleo em Lobato, determinante para a
criação da Petrobras, influindo na geração de empregos
3
e exercendo grande
impacto, tanto na economia regional quanto na expansão dos serviços (CARVALHO;
SOUZA, 1980, p. 77).
1
Na construção deste capítulo foram utilizadas como principais fontes as obras dos seguintes
autores: Luiz Henrique Dias Tavares (2001), Pedro Vasconcelos (2002), Inaiá Carvalho e Guaraci
Souza (1980), Mônica Celestino (2002), Antônio Risério (1995), Ionaldo Cavalcanti (1977), Octávio
Torres (1953) e Juarez Paraiso ([1996]), este último mediante depoimentos e o catálogo publicado
no período em que foi o diretor da Escola de Belas Artes.
2
Iniciada em 1
o
de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelo exército da Alemanha nazista.
3
Segundo Inaiá Carvalho e Guaraci Souza (1980, p. 77), a Petrobras gerou 13 mil empregos diretos
no Recôncavo baiano.
26
No que toca à cultura, o governador Otávio Mangabeira foi o primeiro a
realizar uma política de apoio e incentivo. Em sua administração, que iniciara em 10
de abril de 1947, a educação sofreria uma mudança radical com Anísio Teixeira, ao
inaugurar, na Secretaria de Educação e Saúde, um período de inovações e
realizações que alteraram substancialmente o quadro educacional da Bahia
4
. Para
concretizar, na prática, a política de apoio e incentivo à cultura na Bahia, o educador
Anísio Teixeira criou um Departamento de Cultura. Em pouco tempo, esse
Departamento tornou-se o grande centro de apoio e inovação para as artes
plásticas, a música, o teatro, o cinema e a literatura baiana (TAVARES, 2001, p. 462).
Nos anos cinqüenta e sessenta foram implantadas várias instituições, cujos
objetivos eram a criação de condições para o desenvolvimento do Estado
(VASCONCELOS, 2002, p. 313).
Em âmbito nacional, a década de 1960, período no qual se desenvolveu a
produção abstrata de Juarez Paraiso, objeto desta dissertação, caracterizou-se pela
ideologia esquerdista que predominava no meio artístico-cultural, em consonância
com os ideais políticos dos movimentos estudantis e operários e pela crença em um
país com oportunidades sociais mais justas, alcançadas com a diminuição das
desigualdades sociais, com maior distribuição de renda e com a implementação da
reforma agrária em um processo de socialização que aproximaria o país da ideologia
defendida pelo comunismo. Intervenções militares que se sucederam nos anos
sessenta e estenderam-se à década de setenta forçariam, entretanto, severas
mudanças. A partir do golpe de 1964, por exemplo, os agentes da censura
fiscalizavam as exposições de arte em Salvador dois dias antes da abertura ao
público, com receio de que aqueles eventos estimulassem o pensamento crítico e a
reflexão da população sobre a realidade repressiva e o cerceamento da liberdade
que estavam em prática (CELESTINO, 2002, p. 5).
A repressão militar provocou a prisão, em 1968, de dois organizadores da
Segunda Bienal Nacional de Artes Plásticas: o professor e artista plástico Juarez
Paraiso e o professor e historiador Luís Henrique Dias Tavares. O primeiro, por ter
expressado sua opinião sobre o recém-promulgado Ato Institucional n. 5 a um
jornalista e ter se recusado a retirar algumas obras daquela bienal; o segundo, pelo
4
Em um ano de governo, por exemplo, estavam em construção 258 novos prédios escolares
(TAVARES, 2001, p. 460-461).
27
cargo que ocupava no Departamento de Educação Superior e Cultura (Desc),
entidade responsável pela realização da mostra.
A década de sessenta caracterizou-se também por novas descobertas
técnico-científicas, pela crescente popularização da sociedade de massa e pelo
consumo dos produtos da indústria cultural. Estas mudanças serviram de estímulo à
renovação na expressão artística, resultando na produção de novas pesquisas
artísticas (pop art, op art e nova objetividade, dentre outras) e por sucessivas
atualizações das linguagens artísticas, tomando como modelos as evoluções de
estilos europeus e norte-americanos.
No Brasil, observavam-se atuações destacadas de artistas e intelectuais, com
o surgimento de notáveis escritores, artistas plásticos, cineastas e fotógrafos,
individualmente ou agrupados, que protagonizaram conquistas no campo da
expressão artística como testemunham, na música, a bossa nova, a jovem guarda e
o tropicalismo. Já nas artes plásticas, são exemplos a nova objetividade (também
denominada realismo crítico), que configurou a versão tupiniquim (brasileira) da pop
art, assim como as experiências neoconcretas que se iniciaram ao final da década
de 1950, no Rio de Janeiro. Outros exemplos estão relacionados à militância cinéfila
em cineclubes em Salvador, promovida pelo advogado e intelectual Walter da
Silveira, assim como o experimentalismo de Glauber Rocha no cinema. Este último
se tornaria, entre 1960 e 1962, o grande ideólogo do cinema novo (ESCOREL, 1994
apud RISÉRIO, 1995, p. 136).
A tradicional Escola de Belas Artes passou por um movimento de renovação,
estimulado em parte pela Universidade Federal, à qual se integrou em 1947
5
, pelas
ações de Mendonça Filho em sua direção e pelo completo apoio no
desenvolvimento de suas atividades, bem como no recebimento de subvenções
proporcionadas pelo reitorado do médico baiano Edgard Rêgo dos Santos, fundador
da Universidade da Bahia.
Graças a sua atuação como agente transformador, comandando a
universidade baiana entre os anos de 1946 e 1962 (RISÉRIO, 1995, p. 61; 78),
puderam materializar-se as ações culturais e artísticas dos Seminários de Música da
5
O decreto-lei n. 9.155, de 9 de abril de 1946, criou a Universidade da Bahia (UFBA, 1971, p. 9-20).
O decreto n. 22.637, de 25 de fevereiro de 1947, aprovou o Estatuto da Universidade da Bahia
(UFBA, 1971, p. 65). A incorporação da Escola de Belas Artes à Universidade da Bahia deu-se em
21 de novembro de 1947. A federalização ocorreria em 4 de dezembro de 1950, pela Lei n. 1.254
(ATA..., 27 dez. 1950, f. 41v.- 42; ATA..., 21 maio 1965, f. 179).
28
Bahia graças, particularmente, à inventividade do maestro e compositor Hans
Joachim Koellreutter , à contratação de músicos para ensinar na futura Escola de
Música, que se originou naqueles Seminários, à contratação de especialistas na
área de teatro para a Escola de Teatro (com Eros Martim Gonçalves na direção) e
aos concertos de música de vanguarda na Reitoria.
À exceção da Escola de Belas Artes, fundada em 1877, as demais unidades
da Universidade já nasceram modernas, contemplando em seus quadros um grupo
de artistas e intelectuais de vanguarda. Restaurando prédios históricos (Convento de
Santa Teresa, por exemplo), possibilitando a contratação de profissionais para a
Escola de Belas Artes (inclusive modernistas), convidando a coreógrafa e dançarina
polonesa Yanka Rudzka para dirigir a Escola de Dança, viabilizando a existência do
Centro de Estudos Afro-orientais da Universidade da Bahia (Ceao), com seu mentor,
Agostinho da Silva, possibilitando a publicação de estudos e ensaios acadêmicos e
científicos por meio do selo editorial da própria Universidade, o reitorado de Edgard
Rego dos Santos avançou.
Atento ao projeto getulista para o Brasil de que o país precisava de mão-de-
obra nacionalmente capacitada, o reitor aparelhou institutos técnico-científicos como
o geológico e o politécnico e favoreceu a criação da Faculdade de Ciências
Econômicas. Com essas atitudes defendeu, como uma questão de princípio, a
associação entre instituições de ensino e empresas de produção (a extração e o
refinamento petrolífero, por exemplo) com os novos técnicos sendo formados em
função das necessidades do comércio e da indústria.
A Escola de Belas Artes inseriu-se no momento de efervescência cultural que
transformou Salvador, no final da década de cinqüenta e início dos anos sessenta,
em um dos pólos culturais mais importantes do país. A Escola de Belas Artes
sobreviveu aos percalços das alterações políticas da ditadura Vargas nos anos trinta
e, após um período áureo, em que teve o apoio irrestrito de Edgard Rego dos
Santos, deparou-se, mais precisamente a partir de 1964, com a ditadura militar
6
, em
1968 e na década de setenta com a falta de recursos financeiros e materiais,
mantendo, todavia, a maioria de suas atividades, inclusive as extraclasse.
6
Edgard Santos já havia se afastado do reitorado em 1962 e ido morar no Rio de Janeiro, devido à
entrada do governo de Jânio Quadros e à pressão exercida pelo movimento estudantil que exigia
sua saída (RISÉRIO, 1995, p. 24; 61).
29
A efervescência dos acontecimentos sócio-políticos e o experimentalismo
característico da época estimularam e refletiram-se na experiência individual de
Juarez Paraiso, artista da segunda geração modernista baiana que começou a atuar
profissionalmente nos dois últimos anos da década de cinqüenta e início da década
de sessenta. Suas criações, a exemplo dos murais, transpunham aquelas influências
e acontecimentos para um plano acima da realidade diária, refletindo-os mediante
processos artísticos que ganharam grande visibilidade pública.
Acredita-se que a compreensão da trajetória de realizações deste artista,
exige conhecer-se de onde ele vem, como se compunha a estrutura familiar que
forjou seus valores até a maioridade e a transformação da arte que ele promoveu em
forma privilegiada de manifestação de seus ideais e crenças, contemplando valores
humanitários que se chocavam, muitas vezes, nos interesses hipócritas e
mesquinhos de exploração e desrespeito ao ser humano.
1.1.1 Vinda para Salvador
Juarez Marialva Tito Martins Paraiso nasceu por volta da meia-noite de três
de setembro de 1934, em Arapiranga (antiga Furnas), no Município de Minas de Rio
de Contas, na Bahia, região da Chapada Diamantina, localizado a 662 km de
Salvador. Foi o terceiro filho do casal Isaltino Concécio Paraiso e Eulália Martins
Alves Paraiso. Isaltino, negro, era soteropolitano e conheceu Eulália em Minas de
Rio de Contas, onde foi procurar trabalho, tendo em vista as dificuldades que
encontrava, em termos de subsistência, na capital. Eulália, branca e descendente de
portugueses, era riocontista. Conheceram-se, apaixonaram-se e, lutando contra o
preconceito racial, casaram-se e passaram a residir em Arapiranga, vilarejo
localizado a 26 km de Minas de Rio de Contas.
Cinco anos após o nascimento de Juarez Paraiso, a família estabeleceu-se em
Minas de Rio de Contas e Isaltino ocupou o posto de diretor da única escola pública
da localidade, a Escola Barão de Macaúbas, onde também lecionava. Em 1942
Isaltino viajou para Salvador, com o intuito de lá se estabelecer. Sua esposa e seis
filhos juntaram-se a ele no ano seguinte. A situação de penúria em que viviam, dada a
falta de trabalho, melhorou a partir de 1945, quando Isaltino conseguiu uma colocação
30
como contador e, logo depois, como professor no Colégio Bahiano de Ensino e,
posteriormente, no Colégio São Salvador. Àquela altura moravam em uma pequena
casa no beco Júlia Feital, no Desterro, e lá escutaram o badalar dos sinos das igrejas
da cidade celebrando o término da Segunda Guerra Mundial (PARAISO, 2007).
Os primeiros contatos de Juarez com o desenho deram-se com lápis de cores
e ocorreram quando ele ainda era criança, em Minas de Rio de Contas, ocasião em
que também brincava, modelando o barro de regiões ribeirinhas, como as demais
crianças. Pouco tempo depois, a habilidade das mãos com a modelagem exercitou-
se nos esboços de seus primeiros entalhes. Ainda garoto, esculpia com canivete a
madeira branca da imburana
7
, fornecida por conhecidos da família.
Já adolescente, era o universo das personagens das histórias em quadrinhos
que o fascinavam. Nas revistas Gibi, Guri e Globo Juvenil, o jovem era magnetizado
pelos eletrizantes universos gráficos da ficção científica Flash Gordon no planeta
Mongo, de Alex Raymond , das aventuras medievais de capa e espada
Príncipe Valente, de Harold Foster , das tramas detetivescas The Spirit, de Will
Eisner e das aventuras nas selvas Tarzan dos Macacos, criado em 1914 por
Edgar Rice Burroughs, posteriormente adaptado para os quadrinhos, tendo Burne
Hogarth como seu desenhista mais famoso (CAVALCANTI, 1977, p. 212). Talvez
venha daí o interesse e a preferência, anos depois, já adulto, pelo desenho e pela
linha, recursos nos quais desenvolveria uma habilidade excepcional.
O jovem Juarez, na expectativa de experienciar mais ativamente as
sensações proporcionadas por aquelas aventuras contadas em quadrinhos,
esmerava-se em reproduzir em desenhos aquelas concepções fantásticas,
preenchendo vários álbuns com cenas retiradas daquelas revistas. As reproduções
contemplavam também ampliações, processo relativamente complexo para
aprendizes ou desenhistas amadores. O resultado, todavia, agradava aos amigos e
orgulhava os familiares, a ponto de Isaltino mostrar um dos álbuns ao artista e
professor da Escola de Belas Artes, Raymundo Aguiar, em busca de orientação.
Criada com o nome de Academia de Belas Artes, a instituição de ensino à
qual Isaltino recorrera para exibir os desenhos de seu filho era o reduto de
profissionais reconhecidos pela persistência da aprendizagem técnica dentro das
normas acadêmicas de influência européia, inspirada pela Escola Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro e, mais notadamente, pelo neoclassicismo encampado pela
7
Também denominada umburana; pequena árvore da caatinga, muito esgalhada, da família das
burseráceas e utilizada em carpintaria e construção (FERREIRA, 1999, p. 1079).
31
Academia de Arte de Paris e também disseminado pelos ateliês franceses de
ensino, os quais serviam, muitas vezes, como treinamento preparatório de
pretendentes ao ingresso na Academia de Arte de Paris.
A Escola de Belas Artes da Bahia vinha de uma tradição iniciada com a
Academia de Bellas Artes da Bahia, em 17 de dezembro de 1877, quando de sua
fundação por um grupo
8
liderado por Miguel Navarro y Cañizares. Após funcionar
por alguns meses no ateliê
9
deste artista, foi instalada naquele mesmo ano em uma
parte do antigo palacete residencial do médico-cirurgião de origem inglesa, Jonathas
Abbott (Lambeth, Londres 1796 – Salvador, 1868), à Rua do Tijolo (e depois Rua 28
de Setembro), no Centro Histórico de Salvador.
Raymundo Aguiar reconheceu o potencial de Juarez Paraiso nos desenhos do
álbum. Recomendou, todavia, que não mais fizesse as cópias e, ao invés, se
matriculasse no Curso Anexo do Instituto Baiano de Artes Plásticas, o qual funcionava
no mesmo prédio da Escola de Belas Artes, oferecendo cursos livres e preparatórios
para o vestibular também à noite, inclusive aos sábados, compreendendo, à época,
instruções preliminares de desenhos artístico e geométrico e de modelagem.
Posteriormente, outros cursos foram acrescidos. Seguindo a recomendação de
Raymundo Aguiar, Juarez matriculou-se no Curso Anexo, à noite.
Uma nova etapa na formação educacional do jovem Juarez se deu
posteriormente, com sua aprovação no Vestibular, na forma de um curso de
habilitação
10
, aos 17 anos, marcando sua conquista como novo aluno na Escola de
Belas Artes (EBA).
Com o ingresso na EBA, o majestoso Solar Jonathas Abbott passou a acolher
aquele que iria valorizar o aprendizado como uma ferramenta renovadora de valores
e se tornaria defensor da atualização e da qualidade do ensino, para adequá-lo às
mudanças e aspirações da sociedade.
8
Conforme se observa nas transcrições feitas por Manoel Querino (1909, p. 94) e no Estatuto da
Escola de Belas Artes (EBA, 1937, p. 3), o Termo de Inauguração da Academia de Bellas-Artes da
Bahia foi assinado em 17 de dezembro de 1877, às 14 horas, à rua do Caminho Novo do Gravatá,
na presença do desembargador e presidente da Província, Henrique Pereira de Lucena. Consta
que o grupo incluía, além de Miguel Navarro y Cañizares, o pintor João Francisco Lopes
Rodrigues, Austricliano Francisco Coelho (que serviu de secretário, lavrando o Termo), Dr. Virgilio
Climaco Damásio, o engenheiro José Nivaldo Allioni, João Francisco Lopes Rodrigues Filho e
Manoel S. Lopes Rodrigues.
9
O ateliê localizava-se na residência de Cañizares, no segundo andar de um sobrado situado à Praça
do Palácio, atual Praça Thomé de Souza, no local em que a Rua da Misericórdia forma um angulo
com a Ladeira da Praça, atual Visconde Rio Branco (TORRES, 1953, p. 192-193).
10
Prestado nos dias 18, 20 e 21 de fevereiro de 1952 (HISTÓRICO..., [195-?]).
32
1.2 FORMAÇÃO ACADÊMICA
A opção feita por Juarez Paraiso, ao ingressar na Escola de Belas Artes
(EBA), foi pelo curso Pintura, o qual contemplava cinco anos de atividades
disciplinares, sendo cada ano correspondente a uma série. O início do ciclo discente
deu-se em março de 1952, logo após a aprovação no Vestibular, e estendeu-se a 17
de dezembro de 1956, com a colação de grau
11
. Teve, inicialmente, como professor,
Raymundo Aguiar (Raymundo Chaves de Aguiar, 1893-1989) e, posteriormente,
Mendonça Filho (Manoel Ignácio de Mendonça Filho, 1895-1964), Alberto Valença
(Alberto de Aguiar Pires Valença, 1890-1983) e Ismael de Barros (1898-1993),
dentre outros, quatro grandes mestres da arte acadêmica, que tiveram papel
importante em sua formação.
Ainda que Raymundo Aguiar tenha sido, como professor, importante na
formação de Juarez Paraiso, pelo fato de ter sido irrepreensível do ponto de vista da
disciplina pedagógica, enquanto artista não influenciou sua obra. Raymundo Aguiar
produzia interiores de igrejas de forma correta do ponto de vista de aplicações de
perspectiva e sombras, graças a sua vivência e domínio desse assunto. Mas essa
ênfase terminava por deixar o aspecto poético em segundo plano, comparação que
se tornava evidente, por exemplo, quando Presciliano Silva (1883-1965) pintava o
mesmo interior. Mendonça Filho dirigia a Escola de Belas Artes
12
quando da entrada
de Juarez Paraiso no corpo discente. Pintor de mérito, especializado em paisagens e
marinhas, gozava de reconhecimento nacional no ambiente acadêmico do país,
principalmente pelo sucesso de sua segunda (e última) mostra individual realizada
em São Paulo.
Dos quatro mestres citados, Mendonça Filho teria um papel fundamental, que
extrapolaria o desenvolvimento do aprendizado de Juarez Paraiso, apoiando-o
quando de sua função de professor naquela mesma Escola. Foi graças a ele que
houve tantas aberturas na EBA, pois, sensível às reivindicações da geração mais
nova de professores daquela unidade, facilitava as mudanças curriculares, tais como
a que revitalizou o ensino de Desenho de Modelo Vivo, propiciando a saída do ateliê
e a ida às ruas, ao invés de se restringir ao desenho do modelo vivo intramuros.
11
A expedição do diploma deu-se em 12 de agosto de 1958 (HISTÓRICO..., [195-?]).
12
Função iniciada em 20 de dezembro de 1947 (LIVRO..., 1924-1952, f. 81).
33
Alberto Valença foi paisagista, retratista, pintor de interiores. Em 1947
ingressou na Escola de Belas Artes como professor de pintura, tornando-se
catedrático de Modelo Vivo de 1951 até se aposentar. Além da importância que teve
sua atuação como mestre do jovem aprendiz Juarez Paraiso, há o aspecto de ter
sido este último
13
quem o substituiria na cátedra de Desenho de Modelo Vivo, em
virtude de sua aposentadoria.
O quarto grande mestre, Ismael de Barros, foi, na opinião de Juarez Paraiso,
um dos maiores artistas escultores da tendência realista da Bahia e tinha um
trabalho respeitado. Juarez Paraiso foi seu aluno em diversos períodos e, mais
notadamente, quando cursou Escultura, ocasião em que foi considerado seu melhor
aluno. Escultura foi o terceiro curso abraçado por Juarez Paraiso. Após o término de
Pintura, desejoso de angariar mais informação e na expectativa de obter maior
qualificação profissional, o jovem optou por inscrever-se em um novo Vestibular,
desta vez para Gravura, primeiro curso superior aberto no país, o qual abrangia as
diversas modalidades daquela técnica. Após a conclusão do curso Gravura, isento
da submissão a um novo concurso Vestibular
14
, Juarez Paraiso ingressou como
aluno em Escultura (PETIÇÃO..., 1960).
O papel desses quatro mestres influenciou, sobremaneira, o aprendizado de
Juarez Paraiso. Essa influência, porém, restringiu-se à dedicação da disciplina da
artesania técnica (o domínio incondicional das técnicas em geral), de que o artista
se valeria em toda a sua trajetória, e em modelos éticos de atuação profissional.
Como conseqüência, o ciclo de aprendizagem e convívio com aqueles grandes
artistas acadêmicos despertou em Juarez Paraiso o impulso à pesquisa plástica (o
que significava na prática não se satisfazer com recursos criativos gratuitos ou
fáceis, e sim criar meios para a expressão criativa), tornando a técnica um meio de
viabilizar a expressão artística.
No que toca à atividade profissional, em termos de participação do jovem
aprendiz de artista em exposições, ele já evidenciava, a partir de 1952, uma
qualificação técnica e expressiva dos recursos oferecidos pela pintura e pela escultura
13
Por decreto publicado em 4 de agosto de 1961 (ATA, 19 maio 1964, f. 152).
14
Juarez Paraiso apelou para a Portaria ministerial de 14 de fevereiro de 1958 para isentá-lo. Assim,
assinou uma petição em 25 de fevereiro de 1960, dirigida à direção da EBA, em que pleiteava o
ingresso na terceira série daquele curso, visto já ter cumprido as disciplinas comuns aos três
cursos, ministradas nas séries antecedentes. O diretor Mendonça Filho submeteu o assunto à
apreciação do Conselho Departamental e, em sessão de Congregação da Escola, realizada em
três de março daquele ano, a solicitação do peticionário foi atendida e comunicada ao requerente
no dia seguinte
(PETIÇÃO..., 1960).
34
que favoreceram seu destaque na primeira mostra coletiva: o II Salão Universitário
Baiano de Belas Artes
15
. Este evento rendeu-lhe uma Medalha de Ouro na seção de
Escultura e Menção Honrosa na seção de Pintura (PARAISO; FALCÃO, 2006, p. 344).
Um início de trajetória duplamente fulgurante e coincidente com seu ingresso na
Escola de Belas Artes, naquele mesmo ano, o que já denotava os resultados de seu
aprendizado inicial como autodidata e as orientações das aulas preparatórias ao
Vestibular, recebidas no Curso Anexo do Instituto Baiano de Artes Plásticas.
Ainda no que toca à premiação, ele obteve, no ano seguinte, a Medalha de
Ouro na seção de Desenho do III Salão Universitário Baiano de Belas Artes. Um ano
depois, em 1954, obteve o segundo prêmio de Desenho no II Congresso Nacional
de Artes Plásticas e Menção Honrosa no IV Salão Baiano de Belas Artes. Neste
último, José do Prado Valladares (1957, p. 158) destacou o nome de Juarez Paraiso,
ao lado de Arnaldo Britto, como “[...] dois pontos altos do salão, com dois quadros de
pequenas dimensões [...]” da sessão de Pintura.
No ano seguinte, 1955, na quinta edição do Salão Baiano de Belas Artes,
instalado na galeria da Diretoria Municipal de Turismo (Belvedere da Sé), Juarez
Paraiso destacou-se ao angariar o prêmio Universidade da Bahia
16
, com um estudo
de nu feminino, participando da Divisão Geral
17
(VALLADARES, 1957, p. 165).
Já no VI Salão Baiano de Belas Artes, instalado em galerias da Escola de
Belas Artes, em 1956, Juarez Paraiso não obteve premiação, porém, uma vez mais,
chamou a atenção de José do Prado Valladares (1957, p. 172-173):
Na secção de desenhos da Divisão Geral, destaca-se o “Estudo de nu” de
Juarez Paraiso, que êste ano se diploma pela Escola e para quem é de
prever uma bela carreira. Poucos artistas na Bahia serão capazes de
desenhar o corpo feminino com tanta graça. Do mesmo Juarez são pinturas
cheias de sensibilidade, vistas em Salões anteriores [...] Se estivesse ao
meu alcance, eu não hesitaria um só momento em conceder uma bôlsa para
Juarez Paraiso estudar na Europa, tão persuadido me sinto do seu
merecimento; como não está, fica o registro.
15
É provável que esse Salão tenha ocorrido na própria Escola de Belas Artes da Rua 28 de
Setembro. O artista, em depoimento ao autor, teria colocado como dois os locais prováveis em que
possa ter acontecido o evento: na Escola de Belas Artes ou no Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia. Todavia não consta registro daquela mostra de artes nos números 77 e 78 da Revista do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, relativos às atividades daquela instituição nos anos de
1952, 1953 e 1954.
16
Este prêmio era o de maior significação do ponto de vista local, instituído pelo reitor Edgard Santos
e circunscrito aos artistas com mais de cinco anos de residência no Estado (VALLADARES, 1957,
p. 158; 165).
17
Do ponto de interesse de criações abstratas, a Divisão Moderna daquele evento, ainda conforme
José do Prado Valladares (1957, p. 167-168), apresentava desenhos de Arnaldo Pedroso d’Horta e
Maria Leontina. Yolanda Mohaly é também citada, porém o autor não esclarece se ela apresentou
obra abstrata.
35
Ainda naquele mesmo ano de 1956, Juarez Paraiso festejou a conquista de
mais dois outros prêmios: no IV Congresso Nacional de Estudantes de Arte, em
Recife (primeiro prêmio de Desenho) e V Festival Universitário de Arte (segundo
lugar seção de Pintura) (PARAISO, 2001, p. 99).
A formação acadêmica de Juarez Paraiso se deu paralelamente a sua
experiência como professor, a qual não se restringiu à atividade desenvolvida por
ele aos 16 anos de idade, no Instituto Baiano de Ensino, quando iniciou suas
atividades no magistério. O empenho do jovem Juarez Paraiso e seu bom
rendimento destacou-o entre os alunos da EBA e resultou em sua contratação, em
1957, para exercer a função de Auxiliar de professor regente
18
.
Conforme depoimento de Juarez Paraiso, ele já vinha trabalhando como
assistente de Mendonça Filho. Por ter sido um aluno que sempre se destacou, logo
após se diplomar, o diretor da EBA chamou-o e ofereceu-lhe uma bolsa de estudos
na Europa. Seriam dois anos em Paris e um na Itália. Tudo indicava que Mendonça
Filho desejava que Juarez Paraiso aprimorasse seus conhecimentos para, quando
de seu retorno à Bahia, continuar no ensino acadêmico, garantindo o legado
pedagógico que o próprio mestre deixava, juntamente com os demais. A opção por
permanecer e dar continuidade ao trabalho como professor e a sua própria carreira
como artista, aqui mesmo no Brasil, levou-o a recusar a oferta da bolsa.
Dado ao relevante papel da EBA no cenário artístico baiano e nacional foi
a segunda Escola de Belas Artes do país e sendo uma importante referência no
ensino de arte, tornar-se professor daquele estabelecimento era algo que agregava
prestígio social e respeito, elementos que Juarez Paraiso sempre almejou conseguir.
Dois anos após sua contratação, juntamente com Abrahão Kosminsky (e ambos sob
a orientação de Mendonça Filho), Juarez passou a lecionar Desenho Artístico II
19
.
18
Vigorando a partir de 26 de abril daquele ano e perfazendo como salário a importância de oito mil
e trezentos cruzeiros. Dentre os registros que comprovam esta informação está o Oficio n. 2265,
de 29 abr. 1957, expedido e assinado pelo reitor Edgard Santos, endereçado ao diretor da EBA,
Mendonça Filho, comunicando a contratação de Juarez Paraiso para a função. Consta desse
documento que a remuneração estava de acordo com a “Tabela numérica de extranumerários
contratados” publicada no Diário Oficial em 17 de janeiro de 1957 e que Juarez Paraiso foi
matriculado, como servidor, sob o número 027.088. Outro registro é o Termo de Contrato entre a
Universidade da Bahia e o contratado, no qual constam as mesmas informações. Este último
acrescia, apenas, que o desempenho da função de Auxiliar de Professor Regente destinava-se à
cadeira de Desenho de Modelo Vivo e que o contratante usava da atribuição que lhe conferia o
artigo sétimo do Decreto-lei n. 5.175, de 7 de janeiro de 1943 (TERMO..., 1957).
19
Na época, denominava-se Desenho Artístico 2
a
Cadeira para distinguir-se da mesma disciplina
oferecida na 1
a
cadeira, cujos conteúdos diferiam (ATA..., 8 ago. 1959, f. 13). Segundo depoimento
de Juarez Paraiso (7 out. 2007), a disciplina constava de desenhos de observação de modelos em
36
O mestiço Juarez filho de pai negro e mãe branca (Figura 1) escapava
da triste realidade de estratificação social e étnica de uma cidade em que 50% dos
negros e 40% dos mestiços ainda eram analfabetos, conforme constatou Thales de
Azevedo (1953 apud VASCONCELOS, 2002, p. 318) em pesquisa efetuada em
Salvador, publicada em 1953.
Figura 1 – Emidio Magalhães.
Retrato de Juarez Paraiso.
Óleo s/ tela, 92 x 65 cm. Sem data.
Acervo da Escola de Belas Artes da Ufba.
Foto: Dilson Midlej
O zelo pelo aprendizado e a possibilidade que o estudo proporcionava como
instrumento de ascensão social foi um ensinamento aprendido com o pai, Isaltino,
um dos primeiros professores primários formados pela Escola Normal da Bahia, em
Salvador, também contador. Um fato ocorrido naquela Escola ilustra a distância que
a estratificação social e étnica impunha aos indivíduos negros e pobres. A presença
de Isaltino lá foi uma raridade (visto ser uma escola de freqüência
gesso. Estes variavam em complexidade, sendo os mais simples ministrados na 1
a
cadeira (sólidos
geométricos, de maior dificuldade em relação aos do Curso Anexo, folhas, detalhes do corpo
humano etc.), e os mais complexos (bustos, peças com maior abrangência do corpo humano,
corpo humano inteiro etc.) na 2
a
cadeira. Segundo Mendonça Filho, catedrático de Desenho
Artístico 1
a
Cadeira, o Programa de 1962 das 1
a
e 2
a
cadeiras de Desenho Artístico para o Ciclo
Fundamental de Belas Artes estipulava que na “[...] 2
a
cadeira de Desenho Artístico, o professor
procurará aprofundar os conhecimentos ministrados na 1
a
cadeira, desenvolvendo, sobretudo, as
partes referentes ao desenho de imaginação”. (OLIVEIRA, 1970, p. 183).
37
predominantemente feminina), forçada pela necessidade de aprendizado que lhe
possibilitasse assegurar uma formação profissional e o habilitasse a angariar um
trabalho, de forma a quebrar a barreira imposta pelo ciclo de pobreza que
acompanhava sua família desde seu avô paterno, passando por seu pai, Julio
Melquiades Paraiso, que trabalhava como estivador nas docas de Salvador. Seus
princípios morais e convicções de vencer na vida auxiliaram-no a superar
humilhações, como a imposta por um dos professores daquela Escola, que insistia,
nas chamadas diárias para marcar as presenças dos alunos, em chamá-lo de
Isaltina, com “a” ao final do nome, como se ele fosse uma mulher.
Fatos como este contribuíram para moldar a vontade férrea com que o jovem
Juarez Paraiso norteou sua trajetória educacional e, posteriormente, a profissional.
1.3 HERANÇA MODERNISTA
Jorge Amado ainda era estudante, nos idos de 1927, quando participou da
Academia dos Rebeldes
20
, sediada no Terreiro de Jesus, na sala de um centro
espírita e uma dentre as várias manifestações de renovação literária existentes na
Bahia. A Academia dos Rebeldes reagia contra os excessos
21
do modernismo
literário do sul do país, aceitando, porém, seu caráter renovador. Encontrava-se
entre os movimentos pioneiros do final da década de vinte que se inclinavam a uma
20
Além de Jorge Amado, participavam também da Academia dos Rebeldes, sob a liderança de
Pinheiro Viegas, Édison Carneiro, Sosígenes Costa, Clóvis Amorim, Walter da Silveira, João
Cordeiro, Alves Ribeiro, Dias da Costa, Aydano do Couto Ferraz e Guilherme Dias Gomes
(AMADO, 1996, p. 52; 271). Essa “Academia” publicou a revista Meridiano (FLEXOR, [2003], p. 43).
21
Excetuando-se os ligados à revista O Momento, os demais modernistas baianos, incluindo a
Academia dos Rebeldes, opuseram-se a algumas características do modernismo sulista. A busca
de raízes brasileiras era defendida por todos, porém Carlos Chiacchio e Arco & Flexa apregoavam
um modernismo baseado nas tradições, enquanto uma evolução do próprio passado, ao contrário
dos modernistas do sul do país, os quais, segundo Hélio Simões, que participava de Arco & Flexa,
tomavam “uma atitude de negativa total” e “queriam fazer tábula rasa de tudo” (ALVES, 1978, p.
119). Hélio Simões declara ainda: “Na Bahia, nós tínhamos fundamentos que não podíamos
abandonar de todo. Daí o ‘Tradicionismo Dinâmico’, porque nós queríamos ir para adiante, mas
sem renegar o passado.” (ALVES, 1978, p. 119).
Esse “excesso” por parte dos modernistas sulistas é ainda apontado no manifesto assinado por
Carlos Chiacchio (1928, p. 7) no primeiro número de Arco & Flexa, sob o título Tradicionismo
Dinâmico: “Nunca primitivismos antropofágicos, nem dinamismos desembestados. Flexa neles.
Não queremos correr cruamente com o passado. Não devemos estraçalhar as raças do presente.
Nada de violências, nem clangores. O senso da medida. O critério da seleção”. Ao invés de
oposição ao passado, os literatos vinculados à revista Arco & Flexa objetivavam extrair dele o que
tinha de significativo para a continuidade da cultura.
38
tendência moderada frente às idéias modernistas sulistas (LUDWIG, 1982, f. 27).
Inserem-se também nessa renovação os quatro números da revista Samba, surgida
em 1928, que se autodenominava Mensário Moderno de Letras, Arte e Pensamento,
os grupos literários Arco & Flexa, também surgido em 1928, sob a responsabilidade
de Carlos Chiacchio, no qual “Seus seguidores chamavam-se modernos e não
modernistas” (FLEXOR, [2003], p. 43), e ainda a revista Távola, da mesma época
(LUDWIG, 1982, f. 27).
Conforme Maria Helena Flexor ([2003], p. 40), a conceituação de arte
moderna na Bahia era bastante ambígua, com a utilização das expressões arte
moderna e modernismo como contraposição à postura clássico-realista,
enquadrando-se, nessas definições, a produção artística que marcou uma mudança
na sensibilidade, no discurso e na prática cultural. A autora propõe que se deve
entender arte moderna como “[...] etapa decorrente do movimento de construção de
um novo tempo, destruidor de uma cultura artístico-literária anterior” (FLEXOR,
[2003], p. 40) e não apenas como oposição ao classicismo e ao realismo. Entende-
se que essa percepção de construção de um novo tempo é uma imagem condizente
com o espírito modernista que se projetava nos novos trabalhos artísticos na Bahia,
inicialmente na poesia e literatura e, posteriormente, nas artes plásticas.
Além de sua produção como um escritor que valorizava a regionalização
cultural baiana, como a manifestada pelo povo, Jorge Amado teve um papel importante
nas artes plásticas no Estado. Além de agregar em torno de sua obra e de seu
convívio diversos artistas, foi graças a sua intermediação e a vinda a Salvador, em
1944, do artista paulista vinculado ao grupo Santa Helena, Manuel Martins, que
Salvador teve sua primeira
22
exposição de arte moderna (LUDWIG, 1982, f. 34).
Manuel Martins veio exclusivamente para ilustrar Bahia de Todos os Santos, um
guia da cidade de autoria de Jorge Amado, e trouxe consigo desenhos, gravuras,
22
O passo inicial para a implantação do modernismo em Salvador foi dado anteriormente, em 14 de
maio de 1932, mediante as pinturas do baiano José Tertuliano Guimarães (1899-1969), na
exposição montada no andar térreo do edifício do jornal A Tarde, na Praça Castro Alves. O artista
apresentou pinturas de influência cezanniana, com simplificações formais mais evidenciadas no
tratamento dos planos dos fundos, prescindindo de detalhes, dando, assim, abertura a
manifestações mais modernas. Daí ser José Tertuliano Guimarães considerado precursor do
modernismo baiano. Conforme Flexor ([2003], p. 46), José Guimarães foi um dos primeiros a
abordar temas regionais, como as xilogravuras que ilustraram a revista Seiva, em 1939, as quais
incluíam figuras e símbolos de Candomblé. Essas imagens encontram-se reproduzidas em
Scaldaferri (1998, p. 53-54; 58).
39
monotipias, pontas-secas e aquarelas dos modernistas
23
de São Paulo, conjunto de
obras às quais Jorge Amado e Odorico Tavares juntaram outras
24
que possuíam. E
assim, em agosto de 1944, na antiga Biblioteca Pública, na Praça Municipal “[...] foi feita
a exposição, a primeira de arte moderna realizada na Bahia”
25
(LUDWIG, 1982, f. ii-iii).
Três anos depois, naquele mesmo local, Carlos Bastos (1925-2004) expunha suas
obras modernistas.
Aludindo a uma reação da exibição de 1944, Jorge Amado (1996, p. 53)
escreveu: “Uma das repercussões dessa pequena mostra é extremamente significativa
do atraso das artes plásticas em relação à literatura na Bahia.” O escritor refere-se à
exposição caricatural que Wilson Lins e Lafayete Spínola organizaram, no Salão
Azul do Palace Hotel, dois meses depois, com o objetivo de ridicularizar o evento
modernista
26
. Comentando ainda os movimentos renovadores dos anos 1927 a
1930, com a poesia moderna e, depois, com a novelística de conotação social, Jorge
Amado (1996, p. 52) registrou: “A essa revolução literária não correspondeu, na
época, idêntica renovação do plano das artes visuais [na Bahia].”
O atraso das artes plásticas em relação à literatura, a que se referiu Jorge
Amado, foi reafirmado por Motta e Silva (1948, p. 2), em Notas Sobre as Artes
Plásticas na Bahia, publicado em outubro de 1948, no Caderno da Bahia
27
. Jorge
Amado (1996, p. 55) destaca a revista Caderno da Bahia, surgida em 1947, como
“[...] de fundamental importância na evolução literária e sobretudo na revolução das
23
Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Flávio de Carvalho, Alfredo Volpi, Francisco Rebolo, Antonio
Gomide, Quirino da Silva, Clóvis Graciano, dentre outros, além do próprio Manuel Martins
(LUDWIG, 1982, f. 34).
24
Pancetti, Portinari, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Scliar, Goeldi, Santa Rosa, dentre outros (LUDWIG,
1982, f. 34).
25
O escritor Jorge Amado (1996, p. 52) faz referência a esta exposição em sua obra Bahia de Todos
os Santos: Guia de Ruas e Mistérios.
26
Intitulada Exposição Ultramoderna e inaugurada em 14 de outubro de 1944, essa exposição
revanche, incentivada pelo jornal O Imparcial, teve duração de apenas cinco dias e constituía-se de
“[...] quadros, caricaturas, borrões, panos de aniagem, rolhas queimadas, e sarro de cachimbo”
(LUDWIG, 1982, f. 37). Consoante Sante Scaldaferri (1998, p. 99), Wilson Lins, em texto de 1981,
comentou ter sido somente uma brincadeira e nada que parecesse com um quadro teria sido
admitido. “Mas daí resultou que ela atraiu um público muito numeroso e os arrais acadêmicos
transformaram o que devia ser simples brincadeira num deboche da exposição moderna, com reflexo
na imprensa”. (SCALDAFERRI, 1998, p. 99). Já Antônio Celestino escreveu, em 1982: “Jovens
jornalistas da época, hoje consagrados senhores da maior respeitabilidade, alguns até
colecionadores da arte que tentaram ridicularizar, organizaram no Palace Hotel, o melhor da cidade,
exposição ‘revanchista’, composta de rabiscos feitos por eles mesmos e por seus empregados,
macaqueando a outra. Custa a entender, mas aconteceu!” (SCALDAFERRI, 1998, p. 99).
27
Motta e Silva (1948, p. 2) escreveu: “[...] o movimento plástico não acompanhou o mesmo ritmo da
evolução da literatura. Não possuímos, ainda, equivalentes plásticos dos romances de Jorge
Amado, Clóvis Amorim, João Cordeiro, Alina Paim, e dos poemas de Sosigenes Costa, Aydano do
Couto Ferraz, Santos Morais e de Enock Santiago Filho. A revolução que aconteceu em nossa
literatura não chegou a atingir as artes da pintura, da escultura e da arquitetura.”
40
artes plásticas baianas”. Para Carlos Vasconcelos Maia, líder do grupo responsável
pela revista, a publicação era porta-voz de um movimento de ampla envergadura
(AMADO, 1996, p. 55).
Os jovens artistas Mario Cravo Júnior (Mario da Silva Cravo Júnior 1923),
Carlos Bastos (Carlos Frederico Bastos, 1925-2004) e Genaro de Carvalho (1926-
1971) participavam desde o primeiro número. Somaram-se, posteriormente, as
contribuições de Rubem Valentim (1922-1991), Jenner Augusto (1924-2003), Lygia
Sampaio (1928), Carybé (Hector Julio Páride Bernabó, 1911-1997) e Mirabeau
Sampaio (1911-1993). (AMADO, 1996, p. 55).
Selma Ludwig (1982, f. 33) comenta que Salvador tinha uma vida cultural
deficiente na década de 1940, tendo apenas um museu — o Museu do Estado —,
cuja coleção de pintura era oriunda da pinacoteca Jonathas Abbott. Por falta de
galerias de arte, as exposições eram realizadas na Biblioteca Pública, nos halls do
Palace Hotel e do prédio do jornal A Tarde, no Centro Histórico, no Instituto
Geográfico e Histórico, à Praça da Piedade, e na Associação Cultural Brasil-Estados
Unidos (Acbeu), no bairro das Mercês. Ressalta-se que a fundação da Universidade
da Bahia, em 1946, influiu consideravelmente na vitalidade cultural da cidade.
Ainda segundo Selma Ludwig (1982, f. 40), esse quadro alterou-se a partir da
década de 1950, em função de alguns estímulos políticos
28
e da chegada à Bahia de
artistas como o pintor paulista Aldo Bonadei (Aldo Cláudio Felipe Bonadei, 1906-
1974), ligado ao grupo Santa Helena (São Paulo), que alternava pequenas
temporadas na capital baiana de um a dois meses, nos anos de 1948, 1949 e 1954;
o pintor e escultor argentino Carybé, o qual, já tendo estado anteriormente em
Salvador, retornaria à cidade em 1950, dessa vez para residir permanentemente; o
marinheiro e pintor paulista José Pancetti (1902-1958), o qual se radicou em Salvador
em 1950, recebendo, sete anos depois, o título de Cidadão Baiano; o gravador
paranaense Poty Lazzarotto (Napoleon Potyguara Lazzarotto, 1924-1998), que veio a
convite da Secretaria de Educação (VALLADARES, 1951, p. 147), em 1950, para
ministrar um curso livre de gravura aos jovens artistas locais; o gravador alemão
28
Alguns exemplos: o governo da Bahia, principalmente o de Otávio Mangabeira (1947-1951),
passou a responder diretamente ao impulso dinamizador dos movimentos culturais com apoio
financeiro a instituições culturais privadas, como o Clube de Cinema da Bahia; a inauguração e o
posterior asfaltamento da rodagem Rio-Bahia, facilitando o acesso a centros culturais do sul e
favorecendo a chegada, a Salvador, de visitantes, intelectuais e artistas de outros estados; e
Anísio Teixeira como Secretário de Educação e Saúde, com atuação no recém-criado
Departamento de Cultura (LUDWIG, 1982, f. 49; 59).
41
Hansen Bahia (Karl Heinsz Hansen, 1915-1978), que se estabeleceu em Salvador em
1955; o desenhista e pintor paranaense Lênio Braga (1931-1973), que passou a morar
em Salvador em 1956; o pintor e músico alemão Adam Firnekaes (1909-1966), o qual
transferiu sua residência do Rio de Janeiro para Salvador, em 1958, contratado para
lecionar fagote, saxofone e música de câmara nos Seminários Livres de Música da
Universidade da Bahia, atual Escola de Música da Universidade Federal da Bahia
(MIDLEJ, 2007); e breves passagens por Salvador do pintor gaúcho Iberê Camargo
(Iberê Bassani de Camargo, 1914-1994)
29
. (LUDWIG, 1982, f. 40).
O jornalista e crítico de arte José do Prado Valladares, na direção do Museu
do Estado, promoveu em 1948, na Biblioteca Pública, conferências e uma exposição
de pintura moderna com obras de estrangeiros e brasileiros
30
.
Sob o patrocínio da Secretaria de Educação e Saúde, o crítico Mário Barata
fizera diversas palestras sobre temas como: Elementos de arte moderna,
Do impressionismo ao fovismo, Do cubismo aos nossos dias, Cultura como
fenômeno nacional e arte, etc. Esses fatos tiveram o mérito de servir para
colocar a maior parte dos artistas baianos em contato com o modernismo
(FLEXOR, [2003], p. 50, grifos da autora)
31
.
Passada a Segunda Guerra Mundial, de primeiro a 30 de novembro de 1949,
a Secretaria de Educação e Saúde do governo Otávio Mangabeira, mediante os
esforços de José do Prado Valladares e Anísio Teixeira, promoveu um evento
29
Outros artistas viriam à Bahia, tais como o fotógrafo francês Pierre Verger (em 1946), o desenhista
e pintor Aldemir Martins, o gravador Marcelo Grassmann e a escultora paulista, residente em
Minas Gerais, Mary Vieira. Os três últimos freqüentaram o atelier de Mario Cravo Júnior no Porto
da Barra (PORTUGAL, 1999, p. 48). Também vieram, em épocas distintas: Djanira, Jenner Augusto,
Floriano Teixeira, Udo Knoff, Luci Calenda e Dick Menocal (SCALDAFERRI, 1998, p. 76).
30
A iniciativa teve o patrocínio da Secretaria de Educação e Saúde, comandada pelo educador Anísio
Teixeira, e a exposição ocorreu de 15 a 30 de março de 1948. Para a organização desta
exposição, foi convidado o escritor carioca Marques Rebelo, o qual proferiu conferências sobre arte
moderna, além de duas outras palestras ministradas pelo escritor Michel Simon, adido cultural da
França, sobre a Escola de Paris, e pelo arquiteto e pintor Alcides da Rocha Miranda, sobre teatro e
pintura (SCALDAFERRI, 1998, p. 143).
Marques Rebelo trouxe trabalhos dos seguintes artistas: Emílio Pettoruti e Domingos Pronsato
(Argentina), Axel de Leskoschek (Áustria), Pierre Bonnard, Mauricio Vlamink, Marie Laurencin,
Augusto Renoir, Mauricio Utrillo, Hannaux, Georges Roualt e Jean Lurçat (França), Arpad Szenes
(Hungria), Joaquim Tenreiro (Portugal), Enzen Nevan, Zmetak, Liesler, Jiri Krejci, Richard Lander,
Divica Landrova, Gabriel Karel, Karel Sigmund e Jan Zach (Tchecoslováquia) e os brasileiros:
Alberto Guignard, José Pancetti, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Oscar Meira, Ernani
Vasconcelos, João Fahrion, Edith Bhering, Djanira Gomes Pereira, Milton da Costa, Percy Deane,
Roberto Burle Marx, Percy Lau, Carlos Alberto Petrucci, Lasar Segall, Bruno Giorgi, Alfredo
Ceschiatti, José Morais, Rubem Cassa, Aldari Toledo, Iberê Camargo, Orlando Teruz, Santa Rosa,
Alcides Rocha Miranda e Clóvis Graciano (SCALDAFERRI, 1998, p. 146-148).
31
Estas palestras foram realizadas em janeiro de 1950, já na Secretaria de Educação e Saúde, no
Corredor da Vitória (SCALDAFERRI, 1998, p. 149; COELHO, 1973, f. 26, nota de rodapé 12).
42
dinamizador, marcante para as artes plásticas: o I Salão Baiano de Belas Artes
32
.
Foi o primeiro de um total de seis mostras que se estenderam até 1956 e marcaram
a institucionalização da arte moderna na Bahia. Criado como parte das
comemorações pelo IV Centenário da Fundação da Cidade do Salvador, o certame
ocupou o pavimento térreo do Hotel da Bahia ainda em construção, com montagem
feita pelo autor do projeto arquitetônico do referido hotel, Diógenes Rebouças. Esse
evento reuniu, em duas divisões, as correntes de arte acadêmica e a produção
modernista. Assim, com o nome de Divisão Geral, expuseram artistas ligados à
tendência acadêmica, tendo sido laureados Alberto Valença (Bahia), com Medalha
de Ouro, Bustamante Sá (Rio de Janeiro), com Medalha de Prata e Raymundo
Aguiar (Bahia), com Medalha de Bronze. Já na Divisão de Arte Moderna, o grande
vencedor foi o pintor austríaco, radicado em São Paulo, Lothar Charoux (São Paulo),
que obteve a Medalha de Ouro, Inimá de Paula (mineiro e residente no Rio de
Janeiro), com Medalha de Prata e Carlos Bastos (Bahia), com Medalha de Bronze.
Ainda que já tivesse aderido à abstração
33
, o trabalho apresentado por Lothar
Charoux foi uma pintura figurativa em óleo sobre papelão, intitulada Portas, na qual
utilizou uma composição em diagonais formadas por interseções de quinas de
paredes e portas. A premiação naquela mostra foi restrita somente à seção de
pintura, não tendo havido concessões de prêmios às três demais seções
(arquitetura, escultura, desenho e gravura). (PRIMEIRO…, 1949, p. 7).
No que toca à participação de artistas baianos no processo transformador
modernista, dentre os já mencionados, destacaram-se: Mario Cravo Júnior e Maria
Célia Amado (Maria Célia Amado Calmon Du Pin e Almeida, 1921-1988). O
primeiro graduou-se pela Escola de Belas Artes em 1954
34
(PORTUGAL, 1999, p.
32
Este evento teve como presidente Anísio Teixeira, vice-presidente Presciliano Silva, secretário
geral José do Prado Valladares, tesoureiro Admar Guimarães e equipe com Mendonça Filho,
Godofredo Filho, Ismael de Barros e Diógenes Rebouças. Os representantes do Rio (DF), São
Paulo e Recife foram, respectivamente, Henrique Sálvio (presidente da Sociedade Brasileira de
Belas-Artes); José Cucé (presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos); José Antonio Gonsales de
Mello Neto (diretor do Instituto Joaquim Nabuco). O júri da Divisão Geral foi formado por Presciliano
Silva (Bahia); Mendonça Filho (Bahia); Raul Deveza (Rio, DF). Do júri da Divisão de Arte Moderna
participaram Godofredo Filho (Bahia, substituindo Alcides da Rocha Miranda, do Rio de Janeiro, DF);
Aldo Bonadei (São Paulo); Diógenes Rebouças (Bahia). (PRIMEIRO..., 1949, p. 5).
33
Lothar Charoux compunha o núcleo do concretismo paulista que se tornou conhecido como grupo
Ruptura, ao ser lançado em 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Esse grupo teve a
liderança de Waldemar Cordeiro e a participação de Geraldo de Barros e Luis Sacilotto, dentre
outros (MORAIS, 1989, p. 106).
34
Seu aprendizado teve início em 1945, quando estudou por dois anos com o santeiro Pedro Ferreira, em
Salvador. Seguiu para os Estados Unidos em 1947, como aluno especial, por um semestre, do escultor
iugoslavo Ivan Mestrovic, na Universidade de Syracuse (CRAVO JR, 1983, não paginado).
43
112). No ano seguinte atuaria interinamente na cátedra Gravura, Talho Doce, Água
Forte e Xilografia
35
, como docente livre (CRAVO JR., 1983, não paginado) e, a
partir de maio de 1965, como professor de Escultura em Madeira, Pedras e Metais.
Do ponto de vista específico de produção de arte abstrata, Mario Cravo Júnior
seria o primeiro artista baiano a desenvolver obras abstratas
36
já a partir de 1947,
como comprova Construção Espacial (Figura 2) e outras obras posteriores (Figuras
3 a 5), concomitantemente às pesquisas desenvolvidas pelos primeiros núcleos de
artistas abstratos que formavam as vanguardas carioca e paulista
37
. Este artista
baiano igualava-se e inseria-se, portanto, entre os pioneiros da pesquisa abstrata
no Brasil.
Figura 2 - Mario Cravo Júnior. Construção espacial.
Plastelina, 13 cm, 1947.
Fonte: Cravo Jr. (1983, não paginado)
35
Foi nesta ocasião que, contando com uma prensa alemã para gravura em metal (prensa de água-
forte), adquirida no Rio de Janeiro, em 1949, pelo crítico de arte e diretor do Museu do Estado,
José do Prado Valladares, cedida por este e reformada pelo próprio Mario Cravo Júnior, deu-se
início a sua utilização para impressões de xilogravuras. Inicialmente, a prensa foi instalada no
ateliê do artista, um prédio inacabado e interditado (previsto para ser um cassino) no largo da
Barra, onde funciona atualmente o Grande Hotel da Barra (PORTUGAL, 1999, p. 108).
Posteriormente, segundo depoimento de Mario Cravo Júnior (27 e 28 jun. 1965, p. 2), a prensa foi
levada para a EBA. Por não ser uma prensa específica para madeira e exigir forte pressão, a
matriz xilográfica chegava próximo de se destroçar. Em termos plásticos, isso resultava em
impressões que apresentavam a característica marcante de grandes zonas negras e forçava a uma
simplificação ainda maior no entalhe da madeira, evitando traços finos e delicados e resultando em
obras de maior densidade expressional. Essa produção, em razão dessas características, veio a
ser denominada de Escola Baiana de Gravura (COELHO, 1973, f. 33).
36
Conforme já esclarecido em comunicação proferida por Dilson Midlej no 14º Encontro da
Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), realizado em 6 de outubro de
2005, em Goiânia, GO. Cf. Dilson Midlej (2005, p.149-157).
37
Ivan Serpa, Almir Mavignier e Abraham Palatnik, no Rio de Janeiro, e Waldemar Cordeiro, Luis
Sacilotto e Lothar Charoux, em São Paulo (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 16-17).
44
Figura 3 - Mario Cravo Júnior.
Aquático.
Cobre martelado, 42 cm, 1949.
Fonte: Cravo Jr. (1983,
não paginado)
Figura 4 - Mario Cravo Júnior.
Oração.
Madeira, 210 cm, 1949.
Fonte: Cravo Jr. (1983,
não paginado)
Figura 5 - Mario Cravo Júnior.
Composição em espiral.
Cobre e latão, 48 cm, 1949.
Fonte: Cravo Jr. (1983,
não paginado)
Construção Espacial (Figura 2) parece ter sido um estudo em maquete de
uma peça que o artista desenvolveria posteriormente, daí as dimensões reduzidas
(13 cm de altura) e o material com que foi feita (plastelina, espécie de massa de
modelar). Sua concepção tira proveito das relações entre as interseções de planos,
contrapondo-os, enquanto massas sólidas, aos vazios dos espaços do entorno das
superfícies. Sua estrutura compositiva econômica guarda, ainda, uma relação mais
estreita com o concretismo. A não referência a objetos e elementos reconhecíveis do
mundo assegura-lhe o vínculo com a abstração. As formas vazadas presentes nesta
peça também são utilizadas como recurso nas três outras esculturas citadas
(Figuras 3, 4 e 5). Aquático ainda guarda uma relação maior com a contraposição de
planos, pelo corpo e peso das duas estruturas principais de massas compositivas: a
vertical, que assume o posicionamento de um eixo, e a horizontal, que repousa —
ainda que de maneira dinâmica — sobre a estrutura anterior. Os contornos
irregulares e a sinuosidade de Aquático, elementos que lhe conferem graça,
delicadeza e assumem configurações orgânicas, contrapõem-se à rigidez e
racionalidade de Construção Espacial. Enquanto o equilíbrio é instável e tenso na
primeira escultura, em Construção Espacial é estável, ainda que apresente
pequenas sinuosidades (na lateral esquerda inferior e no eixo vertical que se curva
para a esquerda).
45
Oração e Composição em Espiral (Figuras 4 e 5) integraram a exposição
Novos Artistas Baianos
38
e têm em comum a exigüidade da massa escultórica.
Enquanto a madeira é tratada como uma estrutura linear em Oração, em
Composição em Espiral uma idêntica estrutura linear é moldada e retorcida sobre si
mesma, criando um dinamismo de sensações próprio das espirais. Semelhante às
duas primeiras esculturas já comentadas, estas duas outras contrastam
radicalmente entre si. Assim, Oração, pela simplicidade de elementos utilizados pelo
artista, parece “disparar” sua energia e direcionamento para cima, para o
firmamento, em uma potente diagonal, ligeiramente sinuosa e apoiada por um outro
eixo menor, também em diagonal. A espiritualidade a que o título da escultura
remete o observador é referendada pela economia de volumetrias e mesmo de
matéria escultórica, tendo em vista a quase imaterialidade da madeira utilizada. Já
Composição em Espiral mantém essa mesma imaterialidade nas circunscrições e
espirais desenhadas pelo fio de cobre e latão que revoam indômitos pelo ar. A única
exceção é seu centro, em que uma forma orgânica contrapõe-se em configuração e
peso (físico e visual) ao restante da composição, enriquecendo-a por contraste e
criando um centro gravitacional ilusório ao conjunto. Estas peças de Mario Cravo
Júnior atestam tanto a inventividade do escultor baiano, quanto o pioneirismo na
exploração da linguagem abstrata na Bahia.
Já Maria Célia Amado teve uma participação mais vinculada à Escola de Belas
Artes (local, inclusive, de sua formação educacional) e uma destacada atuação na
introdução das idéias modernistas naquela comunidade. Ela não tinha, todavia, um
currículo tão expressivo quanto o de seu colega Mario Cravo Júnior e nem a
reputação que este já gozava. Estes fatores terminaram por deixar passar
despercebida sua contribuição ao desenvolvimento da arte moderna e, de igual
maneira, da produção abstrata na Bahia. Uma ilustração disso é que ela teria,
segundo Ceres Coelho (1973, f. 17), aderido ao movimento modernista após o retorno
de Mario Cravo Júnior dos Estados Unidos, em 1959
39
. Entende-se, todavia, que isto
não condiz com a produção artística desenvolvida por Maria Célia Amado. O enfoque
38
Esta exposição foi realizada no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, de 18 a 30 de abril de
1950, e reuniu, além de Mario Cravo Júnior, Lygia Sampaio, Rubem Valentim e Jenner Augusto. A
relação das obras exibidas naquela exposição foi publicada por Sante Scaldaferri (1998, p. 75).
39
Os seguintes artistas, ainda na década de 1950, juntaram-se aos já mencionados na nota de
rodapé anterior: Carybé, Hansen Bahia,
Mirabeau Sampaio e Lênio Braga (COELHO, 1973, f. 17).
A autora destaca que, após 1959, além de Maria Célia Amado, houve também a adesão de João
Quaglia, Raimundo de Oliveira, Antonio Rebouças e Willys, “[...] todos irmanados pelo desejo de
renovar a arte baiana”. (COELHO, 1973, f. 17).
46
modernista em suas obras, e mesmo a adesão à linguagem abstracionista, deu-se
muito antes de 1959, ou seja, antes de Mario Cravo Júnior retornar dos EUA, como
comprova a pintura abstrata datada de 1957 (Figura 6) anterior, portanto, à alegada
adesão dela ao grupo liderado pelo escultor baiano. Esta pintura foi executada na
França, onde a artista esteve entre 1956 e 1957, com uma bolsa de estudos
40
.
Admite-se que também reforçam a presença modernista em sua obra — agora
se observando sua produção figurativa — os desenhos que ilustram a tese de 1955
para o concurso à cátedra de Desenho de Croquis, os quais já refletiam características
modernas de simplificação formal, de valorização de temas coloquiais e ênfase na
expressão. A produção daquela pintura abstrata coloca-a, ao lado de Mario Cravo
Júnior, como introdutora da abstração na Bahia, cabendo a Mario Cravo Júnior, como já
assinalado, a primazia de ser o primeiro artista baiano a desenvolver essa linguagem.
Figura 6 - Maria Célia Amado. Abstração.
Paris.
Técnica mista, 73 x 100 cm, 1957. Coleção Odorico Tavares.
Foto: Museu Afro Brasil, São Paulo, SP
Imagem inédita em publicação
Outra peça dessa mesma artista, ainda na linha abstrata, é uma tela de 1959
(Figura 7). Independente da afirmativa de Ceres Coelho (1973, f. 17), Maria Célia
40
Fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Essa
informação consta de um dossiê da artista que integra o arquivo documental do Setor Técnico de
Museologia do Museu de Arte Moderna da Bahia (AMADO, 2007b).
47
Amado já vinha, 13 anos antes (desde cinco de junho de 1946
41
, data de seu
juramento e posse na cadeira de Desenho Figurado II), atuando como professora
daquela disciplina no Curso Anexo da Escola de Belas Artes e, a partir de 21 de
março de 1949, regendo a cadeira de Desenho Artístico 1
a
cadeira, no curso de
Arquitetura, que ainda funcionava na EBA (LIVRO..., 1924-1952, f. 60).
Figura 7 - Maria Célia Amado. Pintura.
Óleo s/ tela, 1,79 x 1,33 cm, 1959.
Acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia,
Salvador.
Foto: Dilson Midlej.
Imagem inédita em publicação
41
Três documentos do Arquivo Histórico da EBA dão notícia de que Maria Célia Amado teria
pleiteado ao diretor Mendonça Filho inscrição para o concurso Prêmio Caminhoá, em 1945
(AMADO, 1945). O pedido foi indeferido (o motivo não é explicado nos documentos citados) e,
provavelmente como compensação, manifestou-se o desejo de compra de uma pintura dela para
integrar a pinacoteca da Escola, a ser adquirida com verba oriunda do Legado Caminhoá do ano
de 1944 (OFÍCIO..., 1946). Lisonjeada, Maria Célia Amado produziu a pintura de título No Ateliê e,
em 12 de junho de 1946, entregou-a para avaliação da comissão formada para decidir a compra
(AMADO, 1946). Tratava-se de uma pintura figurativa, representando um modelo (uma mulher
nua), recostado em um sofá coberto por um pano listrado.
Esta pintura foi reproduzida à pág. 11 do catálogo Mulheres em Movimento, exposição da Galeria
Cañizares, aberta em 5 de setembro de 2007. O ano de realização da pintura, todavia, consta
erroneamente como 195
6 (ao invés de 1946) e seu título foi trocado por Mulher na Colcha de
Retalhos, perdendo o trocadilho sugerido pelo título original No Ateliê (nu, por ser uma mulher nua,
e no, preposição, pela modelo estar no espaço físico do ateliê). Aquele catálogo apresenta ainda
duas outras datas referentes à biografia de Maria Célia Amado que são conflitantes com as que
constam dos documentos consultados por ocasião da pesquisa para esta dissertação.
48
O médico, escritor e crítico de artes plásticas do jornal Folha de São Paulo,
José Geraldo Vieira (1897-1977), refere-se
42
à produção francesa da artista: “Sua
fase francesa foi abstrata, de signos caligráficos em superfície dum cromatismo
contrastado. Sua atual fase é informal, de tectônica vanguardista.” (VIEIRA, 1961,
não paginado).
Em termos comparativos, nas duas pinturas dessa artista reproduzidas nesta
dissertação, destaca-se a oposição cromática. A de 1957, mais colorida e de
tonalidades pulsantes, guarda forte relação com a luminosidade e vibração das
cores tropicais brasileiras, influência que não passaria despercebida a alguém que
residisse na Bahia, mesmo tendo sido a pintura realizada na França. A composição
é dinâmica e a artista utiliza-se de massas cromáticas e de linhas para criar ritmos
pulsantes e feéricos que forçam a movimentação do olhar para todos os cantos e
superfícies da obra. O tratamento geral é de predomínio informal e os elementos
plásticos, associados à vibração cromática, concentram e sugam a atenção do
espectador. O olhar é bombardeado e direcionado para várias partes da superfície
da tela pela ação das cores quentes e pelo dinamismo das diagonais. Prevalece,
esteticamente falando, uma sensação dionisíaca de atordoamento e de prazer.
Já a pintura de 1959, posterior à estadia da artista na Europa, vale-se da
mesma estruturação dinâmica da composição anterior, apenas com o desenho
reforçado com linhas e planos negros e, em termos colorísticos, com a paleta
reduzida para pretos combinados ou mesclados com tons terrosos. Estes se
apresentam com contornos mais regulares, evidenciados em formas retangulares e
losangulares fechadas. Esse conjunto dinâmico é fortemente contrastado pela
luminosidade avermelhada do fundo, cor possivelmente utilizada pela artista para
prover um equilíbrio entre a dinamicidade do desenho (das linhas e formas
mencionadas) e um fundo de certa luminosidade controlada (observe-se que foi
providencial a não utilização de um tom mais luminoso de vermelho, o que criaria um
contraste demasiadamente forte). A oposição entre as tonalidades de vermelho e
alaranjado do fundo contrapõe e equilibra a força dinâmica do desenho. Comparada
com a anterior, esta pintura é mais estruturada e menos fragmentada. Essas
características percebidas nessas pinturas parecem referendar a capacidade
magnética da personalidade da artista, conforme depoimentos de quem a conheceu.
42
Em texto de apresentação da exposição de pinturas de Maria Célia Amado na Galeria Sistina, em
São Paulo, cuja abertura deu-se em 3 de agosto de 1961.
49
Conforme relato de Juarez Paraiso, que foi aluno de Maria Célia Amado em
Desenho de Croquis, ela aplicava uma metodologia nada convencional naquela
disciplina, tendo, inclusive, inserido pela primeira vez a utilização de collage (colagem)
na Escola (PARAISO, [1992?], f. 11). Possivelmente, teriam sido aquelas as primeiras
experiências com colagens para fins artísticos que só se observaram anos depois com
a larga utilização desta técnica pelo artista e músico alemão Adam Firnekaes, que
chegava à Bahia em 1958. Faz-se necessário lembrar que a colagem aparece com o
cubismo, o que vai explicar sua valorização inicialmente por Maria Célia Amado,
adepta dos ensinamentos cubistas, assim como de Adam Firnekaes, o qual utilizou a
colagem largamente, tanto em suas produções quanto no ensino de arte.
Desenho de Croquis, ainda segundo Juarez Paraiso, foi uma disciplina criada
e inserida ao currículo da EBA pelo diretor Mendonça Filho especialmente para ser
ministrada por Maria Célia Amado, sendo este um dos muitos exemplos da
cooperação e da flexibilização que esse diretor lançava mão de forma a privilegiar a
inclusão de talentos mais progressistas no corpo docente. Foi a partir de 1955 que
ela passou à condição de docente livre da cadeira de Desenho de Croquis, ocasião
em que prestou concurso e redigiu a tese intitulada Desenho..., ilustrada por vários
desenhos figurativos a pincel, em preto e branco, na forma de croquis, de sua
autoria. Ela permaneceria nessa função até 20 de maio de 1959
43
. Mudou-se de
Salvador e fixou residência em São Paulo (AMADO, 2007b, não paginado).
Os ensinamentos de Maria Célia Amado de conteúdos cubistas aprendidos
em Paris tais como as regras da Section d’or
44
, que consistia na aplicação de um
princípio matemático aplicado à composição artística , acrescidos de diversas
outras informações oriundas de leituras e pesquisas do que vinha sendo
desenvolvido nos centros culturais europeus e norte-americanos, estimularam o
43
No mesmo ano em que Mario Cravo Júnior retornou dos EUA e data em que foi registrada na Ata
da sessão de Congregação da EBA seu pedido de exoneração da regência de Desenho de
Croquis (ATA..., 20 maio 1959, f. 6). É provável que esse pedido tenha ocorrido como
conseqüência das pressões que a professora sofria dos professores acadêmicos.
44
A Section d’or ou Divine Proportion são nomes franceses para “seção áurea”, “divina proporção” ou
ainda “seção dourada”, princípio matemático aplicado à arte já existente desde o Renascimento e
invocado pelos cubistas ao intitular La Section d’or sua exposição de 1912, na Galeria La Boétie,
em Paris (MARCONDES, 1998, p. 263). Dora Vallier (1986, p. 13-15) destaca, todavia, que a
harmonia proporcionada pelo número áureo é uma experiência milenar, cuja prática foi corrente
entre os egípcios e os gregos e cuja codificação foi realizada pela primeira vez no tempo dos
romanos, por Vitruvio, no primeiro século antes de nossa era. Essa codificação foi posta a serviço
da perspectiva, em meados do século XV, graças a Leon Battista Alberti e, finalmente, levou ao
famoso tratado De Divina Proportione, publicado em 1509, em que Luca Pacioli, apoiado nas
idéias de Piero della Francesca, ligou a forma deduzida do número áureo à perfeição universal.
50
jovem Juarez Paraiso a fazer uma experimentação que terminou por funcionar como
uma espécie de purgação dos excessos academicistas de seu aprendizado.
Ao final da década de 1950
45
, ele realizou sua primeira experiência mural no
Diretório Acadêmico da própria Escola. Intitulado Desumanização do Homem (Figura
8), o artista utilizou-se do desenho em carvão sobre eucatex, preenchendo os dois
metros e meio de altura por seis metros de comprimento com figuras humanas
estilizadas e simplificadas à maneira cubista, apresentando relações de espaço e
tratamento do tema de maneira radicalmente oposta ao que aprendeu em anos
sucessivos de estudo com os pintores acadêmicos da EBA. O aspecto de purgação
se dá em função da escolha do carvão (fusain), instrumento por excelência do
ensino acadêmico, cujo uso possibilitava o registro, em desenho, de inúmeras
gradações de cinza para se obter a volumetria dos objetos retratados. Ao optar por
esta técnica, o artista teve a intenção de demonstrar que era possível fazer algo
moderno com o mesmo material (carvão) que se usava repetidamente para valorizar
a estética que permeava o ensino na EBA.
Figura 8 – Juarez Paraiso. Desumanização do homem.
Mural em carvão sobre eucatex para o
Diretório Acadêmico da Escola de Belas Artes (Rua 28 de Setembro).
250 x 600 cm, cerca de 1957/1958. Mural destruído.
Reprodução: Arquivo do artista
45
A data deste mural consta, equivocadamente, como 1967 nos dois livros sobre o artista Juarez
Paraiso: Desenhos e Gravuras (p. 118) e A Obra de Juarez Paraiso (p. 349). Todavia, esse mural
deve ter sido realizado nos últimos anos de 1950, provavelmente após a conclusão do curso
Pintura, em 1957, pois constam várias reproduções dele em Juarez Paraiso (1960). Como esta
tese foi defendida em 1960, a data de realização do mural não pode ser posterior àquele ano. As
dimensões desse painel, de igual forma, aparecem nos dois livros com medidas distintas.
Consideraram-se, aqui, as medidas do mural que constam à folha 25 daquela tese.
51
Entende-se que o título dado ao mural é um indicativo de preocupação social,
visto que, cabisbaixas, as pessoas esquematizadas nessa obra expressam abandono
social, marginalização, desfalecimento e derrota, como a apontar a miséria humana
como o real indicador de desumanização. A “desumanização” a que o título do mural
remete, portanto, é a exclusão social e não deve ser interpretada como uma crítica do
artista à idéia de desumanização associada à arte cubista. Os elementos cubistas
desta composição referendam um tratamento de atualização formal antiacadêmica e o
tema, uma preocupação constante não só de Juarez Paraiso, mas também de outros
artistas em relação à segregação e ao desrespeito humano.
Faz-se necessário destacar esse aspecto devido à pretensa desumanização
apontada por alguns intelectuais e que acomete a arte a partir do início do século XX
ou, mais precisamente, com o cubismo. A geometrização da forma (humana, de
coisas e de superfícies) vai motivar uma crítica em relação ao distanciamento do
homem, por intermédio da arte (e por se afastar da representação onde se possa
reconhecer o homem ou o aspecto humano, propriamente dito) de valores
humanísticos. Assim como o cubismo, a abstração seria, então, a comprovação
dessa “desumanização”. O jargão “desumanização” é, portanto, corriqueiro em
estudos que enfocam a abstração no decorrer do século XX, como se verá no
Capítulo 2 desta dissertação.
Tendo em vista que durante muito tempo o corpo docente da EBA foi formado
por artistas de tendências acadêmicas, a admissão naquela instituição, na década
de 1950, de Mario Cravo Júnior e Maria Célia Amado, assim como de outros artistas
modernos como João José Rescala, Henrique Carlos Bicalho Oswald e Jacyra de
Carvalho Oswald e, de igual forma, do arquiteto Diógenes Rebouças, dentre outros,
serviu para aumentar o antagonismo entre a tendência conservadora e a
renovadora. Diógenes Rebouças, inclusive, foi quem manifestou à arquiteta italiana
Lina Bo Bardi (Achillina Bo Bardi, 1914-1992) o convite da Escola de Belas Artes
para vir à Bahia ensinar Filosofia e Teoria da Arquitetura no curso de Arquitetura
(RISÉRIO, 1995, p. 79) que à época ainda era vinculado à EBA. Lina Bo Bardi veio a
Salvador, inicialmente, em abril de 1958, proferir conferências na Escola de Belas
Artes, retornando à capital baiana em agosto daquele mesmo ano (MASP, 2006, p.
43) para dar continuidade ao ensino das disciplinas mencionadas. A presença dela
na cidade, seguramente, propiciou a extensão do convite do governador Juracy
Magalhães para idealizar e implantar o Museu de Arte Moderna da Bahia e tornar-se
52
sua diretora executiva. Assim, conforme constatou Ceres Coelho (1973, f. 6-7), novas
idéias e processos de ensino foram adotados, com grande valor representativo para
o movimento artístico baiano.
Esse conjunto de fatores e os esforços dos artistas-professores para a
renovação da EBA resultaram na relevância da atuação daquele estabelecimento de
ensino no cenário artístico-cultural local, conforme atesta Juarez Paraiso (2002, p. 7,
grifo nosso):
Porém, o mais importante é que a participação da Escola de Belas Artes na
produção artístico-cultural da comunidade baiana e nordestina sempre foi
constante e significativa. A partir da presença de Maria Célia Calmon,
revolucionária precursora do ensino moderno e interativo, e de vários e
históricos acontecimentos, como o curso de extensão de gravura de Mário
Cravo Jr., em 1957, e a exposição coletiva de novos professores e alunos
no Belvedere da Sé, logo após a saída de arquitetura da escola, tem início a
reação ao ensino acadêmico. Na década de 60, a escola passa a ter uma
indiscutível hegemonia no processo da "Internacionalização da Arte
Moderna" na Bahia, pela ativa participação do seu quadro docente
renovado.
Essa expressividade de atuação da EBA na produção artístico-cultural da
comunidade baiana e nordestina a que Juarez Paraiso se refere situa aquela
unidade como uma referência do ensino de arte e arquitetura, que já no final do
século XIX atraía tanto alunos de diversos estados do país quanto artistas
estrangeiros para o ensino, tais como o pintor russo Maurice Grun e o escultor
Joseph Gabriel Sentis e, no início do século XX, o escultor italiano Pasquale de
Chirico (PARAISO, [1996], p. 3). A adesão de novos professores estrangeiros ao
corpo docente da EBA teve continuidade nas décadas posteriores.
A penetração da EBA na comunidade baiana, porém, não se restringia
apenas ao ensino regular ou aos cursos livres abertos à comunidade. Exemplo disso
foi a distribuição de obras de seus artistas-professores na cidade, tais como
inúmeros monumentos em praças públicas de Salvador, como o de Castro Alves e
do Barão do Rio Branco, ambos de autoria de Pasquale de Chirico, e diversas
esculturas de bustos de autoria de Ismael de Barros distribuídas em vários prédios.
Painéis e murais de vários professores e artistas formados pela EBA a partir dos
anos cinquenta
46
espalhavam-se por espaços públicos e privados da cidade. Obras
46
Inicialmente, por Carlos Bastos (com a decoração do Anjo Azul), Mario Cravo Júnior e Maria Célia
Amado (com os murais da Escola Parque I) e, a partir dos anos sessenta, por Juarez Paraiso e
Sante Scaldaferri, somente para citar alguns dos que estudaram ou se formaram pela Escola de
Belas Artes.
53
arquitetônicas de referência na cidade também foram frutos de professores daquele
estabelecimento.
Os estímulos de modernização da produção plástica produziram a
necessidade de se redimensionar o ensino na Escola de Belas Artes, fato que
motivou o jovem professor Juarez Paraiso a apresentar uma proposta de
renovação do ensino por intermédio de sua tese Escola de Belas Artes: Desenho
de Modelo Vivo, defendida em 1960 no concurso de livre docência. Baseada
principalmente na quase supressão da repetição e da cópia de modelos, as idéias
constantes daquela tese foram os embriões da reforma pedagógica adotada pela
EBA a partir de 1969.
1.4 HERANÇA BAIANA
O escritor baiano Jorge Amado (1996, p. 36) descreve a Bahia como ponto de
encontro de raças e costumes, desde os primórdios de sua fundação, e destaca a
mestiçagem e o sincretismo cultural como determinantes de um tipo de cultura
popular que exerce poderosa influência na produção intelectual do Estado:
Ponto de encontro de raças e costumes, primeira capital do país, rica e
famosa nos inícios da nação brasileira, porto aberto aos barcos do mundo,
às idéias e aos forasteiros, tais condições propiciaram a mestiçagem e o
sincretismo cultural (e religioso), a interpenetração de fontes e correntes de
pensamento na mistura de sangues negro, branco, indígena mistura
sempre crescente até tornar-se a característica dominante do panorama
social, dando à Bahia uma poderosa cultura popular, evidente nos diversos
aspectos da vida do Estado, estuante na Capital. Dela nos alimentamos
todos os que aqui criamos literatura e arte.
Ou ainda:
Se nós, brasileiros, possuímos um valor próprio a incorporar ao patrimônio
da cultura universal, essa contribuição é a nossa luta pela democracia
racial, a interpenetração de raças, levando ao surgimento de uma
consciência e de uma cultura mestiças. Aqui tudo se misturou: todas as
coisas estão misturadas nessa terra. Mais do que misturadas; fundidas uma
nas outras, formando uma coisa nova, baiana, brasileira. Anjos e exus, o
barroco e o agreste, o branco e o negro, o mulato e o caboclo, o candomblé
e a igreja, os orixás e os santos, tudo misturado. (AMADO, 1996, p. 45).
54
Esse processo de mesclagem que formaria “uma coisa nova, baiana,
brasileira” a que o romancista baiano se referiu, ressentiu-se de um século e meio de
declínio, compreendido desde a transferência da capital do país para o Rio de
Janeiro, conseqüência da vinda de João VI e sua corte ao Brasil, em fuga à ameaça
napoleônica. Em função dessa alteração da capital para o Rio de Janeiro, Salvador
e o Recôncavo do Estado ingressaram num longo período de declínio e relativo
isolamento, antes que a região fosse alcançada pela expansão nordestina do
capitalismo brasileiro, conforme pontua Antonio Risério (1995, p. 21-22), que
acrescenta:
Durante este século e meio insular, consolidou-se ali uma cultura própria,
formada basicamente pelo encontro assimétrico das experiências históricas
de lusos, bantos, jejes e iorubanos, com um remoto substrato ameríndio.
Era um Recôncavo estruturalmente tradicional, agro-mercantil, com seu
principal núcleo urbano, Salvador, especializado em comércio e “serviços”.
Veio então a modernização do Brasil Meridional, especialmente após a
Revolução de 1930, e a Bahia permaneceu marginalizada.
Essa marginalização pós-Revolução de 1930 a que Antonio Risério (1995)
referiu-se perdurou até que iniciativas com o intuito de implantar indústrias e
medidas modernizadoras pudessem ser adotadas. Inclui-se aí a contribuição de uma
elite modernizante que contaria, dentre outras presenças, com Edgard Santos à
frente da Universidade da Bahia, no papel de reitor, atento à convergência do poder
econômico e do poder cultural para a superação do atraso.
Nessa trajetória temporal, os nobres casarões do Pelourinho e as centenárias
ruas do Centro Histórico de Salvador formavam a ambiência dos dramas e das
alegrias de muitos personagens literários, assim como de imagens emblemáticas
encontradas nas obras plásticas de artistas de variadas gerações. Nos romances de
Jorge Amado, por exemplo, encontra-se um tipo de autor atento às particularidades
de riqueza da cultura popular, em todas as suas manifestações, e defensor da
cultura baiana como cultura que nasce do povo, como se apreende da citação
anterior e da seguinte afirmativa:
Aqui toda a cultura nasce do povo, poderoso na Bahia é o povo, dele se
alimentam artistas e escritores. Há uma tradição social na arte e na
literatura baianas que vem desde Gregório de Matos e prossegue até hoje.
Essa ligação com o povo e com seus problemas é marca fundamental da
cultura baiana. (AMADO, 1996, p. 20).
55
Ou ainda: “Nessa cidade a cultura popular é tão poderosa, possui uma tradição
tão densa, persiste porque foi defendida com tanta fúria e coragem, que ela não só
marca como condiciona toda a criação artística e literária.” (AMADO, 1996, p. 46).
Independente do determinismo que se possa inferir das afirmações desse
escritor é inegável a influência que a arquitetura dos prédios coloniais e a opulência
das igrejas (em franco contraste com a miséria da vida do povo simples), aliadas aos
tipos humanos que ali conviviam, exercem sobre toda a produção artística baiana,
incluindo as artes plásticas. Essa influência foi uma bandeira defendida pela primeira
geração modernista baiana, seguindo a busca pela identidade brasileira e regional
aberta pelo modernismo da Semana de 1922, visto que a renovação promovida pelo
modernismo defendia maior liberdade de expressão e opunha-se às regras do
academismo em voga, voltando-se para a busca das raízes e das origens culturais
brasileiras.
Dessa forma é que se pôde ver recriado o cotidiano da gente pobre que vivia
naquele cenário, no romance Suor, escrito em 1934 por Jorge Amado. As criações
posteriores desse escritor, de igual forma, continuaram a refletir aquele fantástico
ambiente: O País do Carnaval, Os Velhos Marinheiros, Dona Flor e seus Dois
Maridos e Tenda dos Milagres. A adaptação deste último romance para o cinema
favoreceu o vínculo de Juarez Paraiso com uma emblemática personagem de Jorge
Amado. Juarez Paraiso foi convidado pelo diretor Nelson Pereira dos Santos para
trabalhar como ator, em uma adaptação daquela obra para o cinema. A produção
cinematográfica deu-se em 1977 e o artista baiano representou a segunda fase da
personagem Pedro Archanjo (PARAISO; FALCÃO, 2006, p. 8). A experiência do
artista como personagem do filme Tenda dos Milagres é comentada por Jorge
Amado (1992) em seu livro de memórias Navegação de Cabotagem
47
.
Pedro Archanjo é, antes de tudo, um símbolo de valorização do negro e do
combate às injustiças sociais, lembrando a atuação real exercida pelo jornalista,
conselheiro municipal (correspondente hoje a vereador), líder operário, artista e
primeiro historiador da arte baiana, Manoel Quirino (1851-1923), a quem se credita
47
O escritor baiano descreve Juarez Paraiso como “[...] um dos principais artistas brasileiros, nada
fica a dever aos demais, é um mestre” (AMADO, 1992, p. 457). Um episódio relativo à contratação
de Juarez Paraiso pelo Governo do Estado para a realização de um mural de 170m
2
, em área
externa, para a Secretaria de Agricultura, no Centro Administrativo da Bahia, em 1974, é também
comentado espirituosamente por Jorge Amado nas páginas 457-459 de Navegação de
Cabotagem. No texto são enfatizadas as atitudes comportamentais do artista na situação que
antecedeu à realização da obra.
56
ter Jorge Amado se baseado para compor a personagem de Tenda dos Milagres
(PARAISO, 2007). Numa época de absoluta opressão, Pedro Archanjo representa
uma esperança para todos os negros. Ele busca no testemunho oral, consultando os
negros anciões, informações sobre miscigenação racial que lhe possibilitem
enfrentar os brancos responsáveis pelo preconceito. Verificou-se, então, que os
brancos que oprimiam os negros tinham uma ascendência negra, argumento que
Pedro Archanjo utilizava para desmoralizar o opressor e tentar, com isso, anular o
preconceito. Ele era bedel (auxiliar que carregava os livros dos mestres doutores) da
Faculdade de Medicina, mas se impunha e era respeitado pelos alunos por seu
conhecimento de medicina. Por ser estudioso, os alunos sempre o consultavam e
ele terminou por se constituir em um desafio para os doutores daquela Faculdade.
Por ser uma referência para todos os negros que sofriam o preconceito da
sociedade branca, Juarez Paraiso afirmou ter sido uma grande honra encarnar
personagem tão emblemática. Ademais, o artista guarda vínculos muito fortes com a
opressão que a sociedade infligia a negros e mestiços, além da atitude combativa
que sempre demonstrou contra a intolerância e a irracionalidade do preconceito.
Essas características de afirmação da herança afro-brasileira protagonizadas
por Pedro Archanjo, mencionadas anteriormente, são exemplos de identidades
culturais próprias que também podem servir de modelos de exportação, quando
convenientemente tratadas por um meio de expressão privilegiado como é a arte,
com o objetivo de proporcionar uma percepção estrangeira à cultura produzida no
Estado. É o caso, por exemplo, da exposição de artistas baianos em Madri, ocorrida
em junho de 1966, que teve o texto de apresentação escrito pelo crítico baiano e
professor de História da Arte da Escola de Belas Artes da Bahia, Clarival do Prado
Valladares (IGLESIAS, 1966, p. 196).
Naquela época de franca universalização das artes, Clarival do Prado
Valladares pontuara ser ainda possível que artistas se caracterizassem por
particularidades regionais e que tivessem em comum o fato de viverem e
trabalharem na mesma cidade, no caso, Salvador. A exposição apresentava obras
de Juarez Paraiso, Calasans Neto, Carybé, Genaro de Carvalho, Jenner Augusto,
José de Dome, José Maria, Mario Cravo Júnior e Raimundo de Oliveira. O crítico
baiano justifica a escolha dos artistas ao destacar: “Com relação ao Brasil creio,
todavia, que é válida a denominação de artistas da Bahia, único centro no país
aonde a contemporaneidade é acompanhada de traços culturais e regionais
57
próprios, tradicionais.”
48
(IGLESIAS, 1966, p. 196, tradução nossa). Essa afirmação
é comentada por José Maria Iglesias (1966, p. 196), a qual lhe parece acertada,
ainda que avalie que não se deva esperar nas obras dos artistas baianos o tipo de
arte que à primeira vista se denominaria “típica”. São trabalhos que carregam em si
forte simbolismo imagético e de conotações regionais e singulares, que expressam
uma subjetividade cuja fortaleza encontra-se justamente na diversidade das
tendências e dos enfoques temáticos. Isso reflete a crença de Maurice Merleau-
Ponty (1962, p. 341) de que “[...] um homem não pode receber uma herança de
idéias sem a transformar pelo próprio facto de que dela toma conhecimento, sem lhe
injectar a sua própria maneira de ser, e sempre outra”. Assim, a experiência vivida e
transfigurada em arte vai propiciar que o ideário do artista permaneça ainda hoje
vivo em meio à vida estético-intelectual da Bahia.
No caso de Juarez Paraiso, nesta exposição citada como exemplo, ele
participou com quatro obras abstratas. Todavia, mesmo sendo uma produção de arte
abstrata, as evoluções circulares das linhas dos dois desenhos em grandes
formatos, assim como a circularidade de formas nas duas xilografias impressas
sobre tecido (uma delas é a Figura 9) apontam para uma influência do espírito
barroco, principalmente no que toca ao movimento, assim como da sensualidade
provocativa das curvas que, mesmo em obras que não queiram estabelecer
referência com objetos reais do mundo, não deixam de exibir influências, tais como a
que se pode relacionar com as volutas das fachadas de templos, a sinuosidade dos
becos e ruas do Centro Histórico de Salvador, e a voluptuosidade das curvas das
mulheres negras e mestiças baianas.
48
Con relación al Brasil, creo que todavía es válida la denominación de artistas de Bahía, único
centro del país en donde la contemporaneidad va acompañada de rasgos culturales y regionales
propios, tradicionales.
58
Figura 9 – Juarez Paraiso.
Xilogravura sobre pano. 101 x 53 cm (dimensões
extraídas a partir da matriz xilográfica)
49
.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 181)
Clarival do Prado Valladares referiu-se à produção do artista baiano,
vinculando seu desenho abstrato, linear e ornamental aos arabescos barrocos do
desenho da filigrana dos mantos das imagens sacras do século XVIII (PONTUAL,
1969, p. 405). Naturalmente que essa associação (como tantas outras) é possível de
ser feita, tendo em vista a inserção de “arabescos” em diversos produtos da criação
humana (em particular no barroco e no rococó) e em formas encontradas na
natureza. Todavia, aceitar essa associação seria limitar o recurso estilístico daquele
artista a um tipo de produção artística erudita e religiosa que não guarda relação
com o pensamento crítico e consciente do Juarez Paraiso já adulto. Isso não exclui a
influência exercida nele pelos monumentos coloniais da arquitetura, a força e a
imponência da presença das igrejas barrocas, suas volutas e suas talhas de grande
apelo sensorial. Mas isso se dá em maior amplitude na apreensão de uma totalidade
e não restrito a um elemento decorativo, tal qual a filigrana dos mantos mencionada
por Clarival do Prado Valladares.
49
Nos dois livros sobre o artista consta este trabalho com datas diferentes: 1965 e 1966.
59
Outro aspecto que distancia o artista dessa relação é que o vínculo criado
entre o homem Juarez Paraiso e a religião católica já havia, há tempos, se dissipado
e dado lugar a uma opinião politizada e mais atenta aos mecanismos de dominação
e maniqueísmo que instituições como a Igreja católica exerciam sobre a população.
A influência para a linha curva vinha de uma estruturação imaterial de maior
amplitude, independente de ideologia religiosa ou política, captada pela
sensibilidade do artista e fruto de sua vivência e experiência existencial em relação
aos meios físico e intelectual nos quais foi forjado. Dentro desse contexto, a
decoratividade dos elementos nos mantos da imaginária católica tem pouca ou
nenhuma representatividade na criação paraisoana. Entende-se que estabelecer
esse vínculo seria negligenciar a atitude (tanto artística quanto política) da trajetória
do artista e do cidadão e restringir os recursos da utilização da linha curva e sinuosa
a um decorativismo inerte, fruto de uma repetição puramente mimética. Ao contrário
disso, a linha curva dos arabescos nas obras de Juarez Paraiso estaria mais para
uma materialização visual de seu temperamento e de seu gosto pela graça,
elegância e beleza que o artista facilmente associa ao meio, de onde recebe a
influência da graciosidade dos movimentos femininos, da observação da natureza e
da opulência da arquitetura barroca nos aspectos já mencionados de totalidade.
Essa afirmação da influência no artista baiano para a linha curva vir de um
contexto imaterial e de maior amplitude pode ser referendada em seu depoimento
sobre o período em que morou no Centro Histórico, durante o curso de Pintura (um
quarto nas dependências da própria Escola de Belas Artes, ocupado por ele com a
autorização de Mendonça Filho), e no final da década de cinqüenta e início de
sessenta, quando alugou um quarto no último andar de um sobrado colonial próximo
à esquina da Rua 28 de Setembro com a que sobe para o Convento de São
Francisco. Por quase dois anos ele dividiu aquele espaço com o gravador José
Maria
50
(1935-1985). A residência era também um ateliê de gravura freqüentado por
outros artistas amigos, tais como Hélio Oliveira, Riolan Coutinho, Ângelo Roberto e
Wilton Gerson Costa, dentre outros.
50
O gravador e pintor José Maria ingressou na Escola de Belas Artes por recomendação do pintor
Sante Scaldaferri. A partir de 1951, dedicou-se ao desenho, ocasião em que foi aluno de Juarez
Paraiso e, posteriormente, iniciou-se na gravura, com Mário Cravo Júnior e Henrique Oswald. Em
1959 iniciou sua carreira; dois anos depois foi residir no Rio de Janeiro, a convite de Oswaldo
Goeldi (MARIA, 2004, não paginado).
60
Em seu depoimento, o artista relata que se vivenciava no sobrado uma
“animação terrível”. No pavimento térreo, a malandragem mais bem vestida divertia-
se com jogos de bilhar. Nos demais andares existiam: um salão de dança, no qual
prostitutas recebiam seus fregueses (e a proximidade dos quartos favorecia batidas
policiais, ocasiões em que ocorriam pancadarias, principalmente com aquelas que
não gozavam da proteção de gigolôs, muitos deles com vínculos com a própria
policia); o Rumba dancing, espécie de salão com táxi-girls (moças que aguardavam
ser tiradas por fregueses para dançar; não eram prostitutas) muito freqüentado por
Juarez Paraiso e seus amigos. A orquestra do Rumba era constituída pelos
melhores músicos da Bahia, inclusive pelo saxofonista Vivaldo Costa Lima. Lá se
podiam ouvir todos os grandes boleros, de Agustin Lara ao trio Los Panchos, e as
grandes músicas populares da época; e o andar em que Juarez tinha seu quarto.
[...] da janela do quarto, a gente descortinava toda a Bahia, não é? A gente
apreciava todo o panorama noturno baiano que era uma beleza, né? Uma
unidade estilística muito grande [...] porque naquele tempo a arquitetura
colonial existia com muito mais proliferação e aqueles sons sempre se
alternando. Realmente era um concerto, né, a noite era um concerto de sons,
na madrugada [...] Então era essa a convivência que a gente tinha. Era uma
espécie de Montparnasse, era uma coisa assim muito inebriante do ponto de
vista da arte [...] e da aventura noturna, pra quem gosta [...] No meu caso
específico era mais pra dança e ouvir a música. (PARAISO, 28 mar. 2007).
“A noite era um jogo poético porque a escuridão era acompanhada por som”
(PARAISO, 28 mar. 2007) que se ouvia do Rumba dancing. A circulação de pessoas
à noite no Centro Histórico era grande. A movimentação começava, conforme Milton
Santos (1959, p. 125-126), a partir das dez horas da noite, principalmente na Praça
15 de Novembro e imediações, perto da zona de prostituição. “Os botequins se
tornam movimentados. A polícia afrouxa sua vigilância e as prostitutas (a quem é
proibido fazer o trottoir durante o dia) podem sair de casa e se exibir na rua. Isso se
passa na Cidade Alta.” (SANTOS, 1959, p. 126). Ainda conforme o geógrafo baiano,
a população concentrada na Rua 28 de Setembro — onde Juarez Paraiso residia ao
final dos anos cinquenta e onde se localizava a Escola de Belas Artes —, era de 568
pessoas no ano de 1950
51
. Esse ambiente do Centro Histórico, com inúmeros
51
Parece ter havido equívoco na distribuição dos anos nos gráficos demográficos das páginas 148 e
149 do livro de Milton Santos, O Centro da Cidade do Salvador. Justamente o gráfico que trata do
Sub-distrito da Sé, apresenta 1950, na primeira coluna, e 1940 na segunda, contrariando a disposição
de 1940 e 1950 das demais (p. 145, 146, 147 e 150), assim como o do Sub-distrito do Passo, na
mesma página 149 em que se encontra o término do gráfico referente à Rua 28 de Setembro.
61
estímulos oriundos da movimentação popular de pessoas, de permissividades
boêmias, da mescla de música, de dança, do convívio com os amigos, e a beleza do
patrimônio arquitetônico, sem dúvida reflete-se na produção artística de Juarez
Paraiso. É ele próprio quem destaca:
[...] eu tive alguma influência nos casarios [...] a partir do que eu via, por
exemplo, eu sempre detestava essa coisa de fazer casario, mas foi a minha
formação em termos de desenho, porque o patrimônio histórico era tão
bonito que a gente dava aula ali mesmo, olhando os detalhes do casario [...]
subia ali no São Francisco e dava aulas ali direto, quer dizer, desenho de
observação, isso depois que a gente começou a sair [...] e com as aulas de
croquis. Quer dizer, todo o patrimônio artístico e arquitetônico era o nosso
modelo, da Escola de Belas Artes, era uma beleza, ali era um prazer
imenso ir praquilo ali ficar olhando praqueles detalhes e desenhando. Então
as cadeiras de desenho, de croquis, principalmente, se beneficiaram muito
com a vizinhança [...] e no meu trabalho de gravura, que foi também um
desafio, eu consegui fazer alguma coisa em termos de casarios [...]
principalmente inspirado no trabalho de Henrique Oswald que era um artista
notável [...] era um cara que conseguia fazer alguma coisa figurativa com
uma universalidade incrível. Mas teve [influência do casario], de certo modo.
Agora nunca fui um artista escravo do tema, né. Eu sempre tentei fazer o
melhor dentro do aspecto da forma sem o comprometimento da figuração
[...] do literário e do narrativo. (PARAISO, 28 mar. 2007).
O próprio artista, atento a suas principais características estilísticas,
reconhece: “[...] eu sou um artista eminentemente barroco”
52
(FACTUM, 1998, p. 9).
Isto se reflete na preferência e no uso recorrente da forma curva e no uso de linhas
sinuosas. Essa preferência se dá por intermédio de um processo espontâneo.
Todavia, ao ser questionado quanto à influência de algum aspecto em especial para
esse tipo de preferência formal, o artista afirmou:
[...] eu acho que primeiro o meu sentimento barroco por viver numa cidade
barroca, por viver numa cidade eminentemente curva [...] mas também pela
própria infância de observar a natureza, as flores. [...] o hábito de ver coisas
curvas, também nas mulheres [...] principalmente nos desenhos de modelo
vivo, e aquela coisa do Ingres que o [Alberto] Valença sempre me alertou,
da abstração do que ele fazia da figura humana, através do contorno, do
linear e que ele sempre alcançava isso através da curva [...]. Depois, eu
tenho quase certeza, a ficção científica. Eu enxergava o mundo curvo, quer
dizer, os espaços cósmicos curvos, as elipses [...] as grandes parábolas.
Enfim, nas minhas primeiras configurações abstratas, o recurso tinha que
ser a curva [...] do ponto de vista das paisagens cósmicas, não poderia
52
O artista fez esta declaração em uma entrevista concedida à revista de arte Dendê. Ao ser
questionado por Ana Factum (1998, p. 9, grifo nosso) sobre como utilizava os processos de
digitalização, modelação, simulação e animação em seus trabalhos em computador, Juarez
Paraiso respondeu: “Não tenho usado a animação nos meus trabalhos. Como eu sou um artista
eminentemente barroco, estruturalmente orgânico, o computador foi um verdadeiro desafio para
mim. Tive que esquecer, deixar de lado todas as habilidades que eu já tinha conquistado nas artes
plásticas [...]”
62
fazê-las com retas, mas com o conhecimento do cubismo eu comecei
também a valorizar as retas [...] e a fazer essa coisa do desenho que é
muito importante, inclusive para a incidência da curva. Do ponto de vista
dialético você teria que ter realmente a exaltação do contrário [...] a
presença em termos de maioria, seria das curvas, a presença da curva seria
caracteristicamente o estilo que eu adotei [...] (PARAISO, 28 mar. 2007).
Assim, ainda que o artista tenha produzido obras abstratas que não guardam
vínculos formais de representação de objetos reconhecíveis da realidade física, quem
vê sua obra perceberá que tanto sua natureza barroca quanto sua sensibilidade foram
radicalmente influenciadas pelo meio. Essa influência é intermediada pela percepção,
através da qual sua sensibilidade obtém as qualidades tiradas da experiência vivida.
Essa relação que a percepção humana estabelece com o meio funda sentidos em si
mesma, como destaca Maurice Merleau-Ponty (1999, p. 25, grifo do autor): “Mas ver é
obter cores ou luzes, ouvir é obter sons, sentir é obter qualidades e, para saber o que
é sentir, não basta ter visto o vermelho ou ouvido um ?”
Essa mescla ou relação indivisível existente entre percepção e sentido é a
matéria da própria criação artística, manifestada pela inventividade e pelas
possibilidades poéticas. E desses elementos resultam as distintas manifestações
culturais e suas inter-relações como as observadas em culturas mestiças.
Alguns autores, tais como Antonio Risério (1995, p. 145) e o já comentado
Jorge Amado, creditam à miscigenação das culturas a autonomia cultural da Bahia. O
primeiro chegou mesmo a afirmar: “[...] foi a mestiçagem genética e simbólica, num
processo histórico específico e em circunstâncias ecológicas peculiares, que deu à
Bahia a sua autonomia cultural.” (RISÉRIO, 1995, p. 145). Para tal, o autor valeu-se,
como exemplo fundante dessa autonomia, da floração poética barroca revestida da
inventividade de Gregório de Mattos e Guerra, no século XVII, situando o Boca de
Inferno (alcunha daquele poeta satírico) como artífice do barroco tropical. “Gregório
um pé no palácio, um pé no puteiro foi a expressão estética consumada, no século
XVII, de uma sociedade sincrética que teve seu ponto de partida histórico na aldeia
euro-tupinambá de Caramuru,” (RISÉRIO, 1995, p. 145). Seguem-se a este outros
exemplos, incluindo o desembarque dos nagôs na passagem do século XVIII para o
XIX. A sociedade sincrética vai gerar frutos no âmbito da cultura mestiça, cultura
essa sinônima de afirmação do múltiplo e do diverso ou da diferença, como se
costuma dizer hoje em dia (RISÉRIO, 1995, p. 153).
63
Multiplicidade e diversidade são justamente características da produção
plástica de Juarez Paraiso, cuja trajetória criativa espelha uma grande liberdade em
relação aos ensinamentos acadêmicos de sua formação educacional.
1.5 QUIXOTE ATÔMICO
53
No mês em que o golpe militar tomou corpo, Juarez Paraiso alterava sua
hierarquia como professor dentro da Congregação da Escola de Belas Artes. Ele
ingressou pela primeira vez naquele Conselho de professores em 21 de agosto de
1961, ocasião em que foi saudado pelos presentes como “[...] o mais jovem dos
professores” (ATA..., 21 ago. 1961, f. 68). No ano do golpe militar, ele passou a
participar na condição de professor catedrático (ATA..., 12 mar. 1964, f. 140v), o que
lhe permitia o direito de votar nas deliberações. Juarez Paraiso, ao agradecer os
votos de boas vindas, relatou a humilhação pela qual vinham passando os
estudantes do curso de Licenciatura em Desenho da EBA que cursavam disciplinas
na Faculdade de Filosofia, calcado em relato de uma aluna, solicitando que ela fosse
ouvida pela Congregação, afim de que pudesse, após averiguação, ser formulada
uma denúncia. No decorrer da apuração do caso não se pôde, todavia, comprovar o
relato da aluna, ficando, porém, evidente um aspecto da persona daquele jovem
professor que se observaria também em seu percurso nos anos subseqüentes: a
indignação pelo desrespeito à integridade humana. Este fato, de igual maneira, fica
evidente em sua produção artística figurativa, notadamente nas fotomontagens da
série Violência, produzidas nos anos 1980 (Figuras 10 e 11).
53
Na construção desta seção foram utilizadas informações obtidas de Atas da Congregação da
Escola de Belas Artes, depoimentos do artista e as obras dos seguintes autores: Jorge Amado
(1996), Juarez Paraiso (2001; 2005) e Juarez Paraiso e Washington Falcão (2006).
64
Figura 10 – Juarez Paraiso. Série Violência.
Fotomontagem (Fotodesign). Dimensões variadas, 1982.
Reprodução: Arquivo do artista
Figura 11 – Juarez Paraiso. Série Violência.
Fotomontagem (Fotodesign). Dimensões variadas, 1982.
Reprodução: Arquivo do artista
Sucederam-se as reuniões da Congregação. Na ocorrida em 10 de junho de
1964, o professor Messias Lemos Lopes, participante da Congregação da EBA e
também chefe de departamento na Faculdade de Arquitetura, felicitou a entrada de
65
Juarez Paraiso como Assistente de Ensino naquela Faculdade (ATA, 10 jun. 1964, f.
153v-154).
O artista mereceu resenhas e comentários de diversos intelectuais, jornalistas
e críticos, entre os quais se encontrava Jorge Amado. O escritor baiano assinou um
texto em outubro de 1973, enfocando o artista, reproduzido posteriormente em uma
edição
de Bahia de Todos os Santos
54
. Nesse texto, intitulado Juarez Paraiso,
Criador e Promotor de Cultura
55
, Jorge Amado (1996, p. 298), descrevendo a
personalidade e o temperamento do artista, solidário com a vida e “armado em
guerra contra a injustiça”, vai denominá-lo Quixote da era atômica:
No levantamento da personalidade de tal Artista, não se enquadram os
adjetivos gastos e tradicionais da simples admiração nem tão pouco a
badalação esotérica e quase sempre grupista tão ao gosto da nossa vida
artística e literária. Carne dura, linha reta, magreza de asceta, espinhaço
indobrável — para Juarez Paraíso encontro dois adjetivos opostos mas não
contraditórios: solidário e solitário.
Solidário com a vida, com a luta do homem, com o tempo e o chão
presentes, com as vocações violentadas, com os jovens, armados em
guerra contra a injustiça, a miséria, as limitações, contra tudo quanto lhe
parece feio e mau. Armadura de Quixote, mas de um Quixote da era
atômica. Pode enganar-se e por vezes certamente se engana, rompe lança
sem sentido. Mas quase sempre abre caminhos, é o primeiro a traçar a rota
para muitos — generoso professor de arte, a educar não imitadores nem
discípulos presos à sua grilheta, e, sim, jovens artistas donos da liberdade
de criar, plenos de entusiasmo, na posse de uma lição profunda, não só de
arte mas também de vida.
A “lança” do Quixote da era atômica foi sempre usada contra tudo o que se
opusesse ao exercício democrático. Dessa forma, estruturas opressoras como a
religião, por exemplo, passaram a ser foco de comentários impiedosos feitos em
muitas obras artísticas, nas quais os símbolos da religião católica eram
resignificados e assumiam novos contextos, como comprovam as Figuras 12 e 13.
Em Cristo (Figura 12), o Redentor crucificado e seu rosto figuram ao lado de
54
Mediante informações fornecidas pela Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, supõe-se
que o texto foi inserido na 25ª ou 26ª edição de Bahia de Todos os Santos, período no qual os
livros do escritor baiano deixaram de ser publicados pela Martins Fontes e passaram para a
Record, ganhando, na versão da nova editora, uma capa diferente e inserções de novas
informações, atualizações possíveis, já que o livro era uma espécie de guia da cidade. Na 24ª
edição, de 1973, não consta o texto, enquanto a 27ª edição, datada de 1977, já o estampa. Esse
mesmo texto é reproduzido na íntegra em Juarez Paraiso (2001) e Juarez Paraiso e Washington
Falcão (2006). É deste último livro a informação, à página 8, de que o texto de Jorge Amado foi
escrito em outubro de 1973.
55
Este é o título como consta em Bahia de Todos os Santos (AMADO, 1996, p. 298). Já em Juarez
Paraiso (2001) não consta o título e, em Juarez Paraiso e Washington Falcão (2006) o mesmo foi
editado como Artista e Promotor de Cultura. A transcrição do trecho desse texto de Jorge Amado,
aqui nesta dissertação, foi extraída deste último livro.
66
estruturas do corpo humano ampliadas e distorcidas, a fim de se obter imagens
semi-abstratas e de um efeito plástico menos literal da representação da anatomia.
Essas estruturas, todavia, manipuladas digitalmente em computador pelo artista,
apresentam texturas da pele e orifícios do corpo humano e uma “materialidade” que
contrasta com a esfera espiritual e transcendente do Filho de Deus. Este aspecto é
reforçado pelos tons escarlates (simbologia do sangue de Cristo) e pelo roxo que
intermedeia a transição tonal entre o vermelho e o vinho, em direção ao preto. O
negro seria a ausência da luz, metáfora do término da vida terrestre. A figura
idealizada do Cristo cede espaço, nesta obra, a um Cristo mais humanizado e mais
próximo dos martírios terrestres (à carne e ao sangue humanos).
Figura 12 – Juarez Paraiso. Cristo.
Arte digital. Dimensões variadas, 1995.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 12)
Em Cristo-mulher (Figura 13), o artista resgata o papel feminino que por
séculos foi segregado pelo Cristianismo. A despeito da devoção à Virgem Maria e às
santas mártires, a Igreja católica apostólica romana nunca permitiu que as mulheres
pudessem celebrar missas ou tivessem expressão no poder decisório de sua
hierarquia. O aspecto iconoclasta deste trabalho é evidente pela substituição do
homem pela mulher — na crucificação —, e pela simbologia crítica que remete o
67
fruidor ao questionamento do papel social e cultural representado pelo universo
feminino na vida quotidiana, em contraste com a religião. As possibilidades de
interpretações ampliam-se consideravelmente, incluindo a que se pode estabelecer
entre a capacidade feminina de gerar vida (seguida à dor do parto) e a remissão dos
pecados terrenos e a vida eterna (pelo sacrifício de Cristo). Para este trabalho, o
artista valeu-se de uma fotografia concebida e tirada por ele mesmo, em 1973, na
qual uma mulher apresenta-se nua sobre uma “cruz” de areia.
Figura 13 – Juarez Paraiso. Cristo-mulher.
Arte digital. Dimensões variadas, 2000.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 21)
Para o artista, a religião serve para acalmar os ânimos e permitir a exploração
política e econômica que a comunidade pobre usualmente sofre nas estratificações
sociais capitalistas e imperialistas. A história de vida do artista é um testemunho de
libertação, a duras penas, do poder opressivo exercido pela religião nele próprio. O
pobre não está fadado a purgar sua condição miserável por toda a sua vida,
pagando por seus pecados, nem sua recompensa se dará após sua morte, no dia
em que ressussitará e terá direito a um paraíso celestial.
68
Contudo o exemplo mais claro da ação quixotesca de Juarez Paraiso deu-se
por ocasião do fechamento da Segunda Bienal Nacional de Artes Plásticas, a Bienal
da Bahia, logo após sua abertura, em 1968, poucos dias após a promulgação do Ato
Institucional n. 5 (AI-5). Sob a alegação de combater o “comunismo”, esse
instrumento reprimia os direitos civis e legais da sociedade democrática, exercia o
poder mediante coação, delação, tortura e perseguição. A desobediência à
orientação recebida de um emissário do Governo do Estado para retirar da mostra
10 ou 12 trabalhos considerados ofensivos ao poder político constituído provocou a
prisão de Juarez Paraiso por cerca de 30 dias.
Juarez Paraiso era o secretário geral da Bienal, mas considerou a ordem para
a retirada das obras de arte uma situação intolerável para a livre expressão de
idéias. Alegou tê-las retirado, porém, na montagem da exposição, deixou espaços
entre algumas pinturas e, momentos antes da abertura solene da mostra, repôs
todas as obras. Considerada “subversiva”, dada à mencionada dúzia de obras —
que, por sinal, em termos quantitativos, era mínima em relação ao total dos trabalhos
expostos —, o evento foi fechado. O secretário geral foi preso juntamente com Luís
Henrique Dias Tavares, seu superior hierárquico e responsável pelo Departamento
de Educação Superior e Cultura (Desc) — espécie de Fundação Cultural da época
—, sob a acusação de ter favorecido a ação de Juarez Paraiso de expor as peças
censuradas. Duas semanas depois, a Bienal foi reaberta, mas o evento foi extinto
por decreto assinado pelo então governador do estado Luiz Vianna Filho (PARAISO,
2005, p. 122). A extinção da Bienal não se deu, portanto, pela ação do Ato
Institucional n. 5, e sim devido à vontade política de Luiz Vianna Filho, medida que
tolhia uma iniciativa de sucesso e de projeção nacional.
Ao se observar a produção artística mais politizada e de denúncia social de
Juarez Paraiso, como os exemplos aqui apresentados (Figuras 10 e 11), pode-se
inquirir em que medida sua obra se torna “melhor” por causa de seus feitos enquanto
homem político ou cidadão, tal qual a decisão de contestar a censura que se tentou
infligir à Bienal da Bahia para a retirada dos trabalhos rotulados pelas autoridades
político-militares de ofensivos. Sendo duas atividades distintas (a da esfera artística
e a do âmbito político), sabe-se que não há a menor garantia ou expectativa de que
uma atividade politizada seja arte.
Sabe-se que a atuação política e sua expressão, de igual maneira, não são
arte. Nada impede, todavia, que pela linguagem da arte se desdobrem conteúdos e
69
interpretações de cunho social e político enquanto temas, desde que se garanta e se
resguarde a qualidade estética, o que se observa não apenas nos exemplos dados,
mas em boa parte da produção daquele artista. Excetuando-se a produção abstrata
(da qual esta dissertação trata) e as criações mais líricas do artista, a esmagadora
maioria de suas criações espelham essa verve de inconformismo, revolta e crítica
social. Assim, torna-se importante a compreensão desta faceta de sua atuação
política, pois sua arte vai refletir muito desse inconformismo e de seus valores
humanitários. Ademais, comprova a integridade com que o homem político e o
artista se mesclam e se expressam em ambas as esferas (artística e extra-artística),
visto se tratar de uma só pessoa e cujas vivências abrangem diversos aspectos.
Caracterizando a situação hoje bem mais complexa do que aquela
encontrada no início de sua carreira, o arquiteto e amigo pessoal do artista,
Pasqualino Magnavita, faz um prognóstico de que o artista, sem trair a coerência e
autenticidade de seu caráter, certamente continuará
[...] liderando a multidão de artistas discriminados, emprenhando-se para
que cessem as chuvas ácidas da marginalização e as gritantes
desigualdades de oportunidades. Enquanto lutará para que o saber estético
e altas tecnologias que o produzem conduzam a uma participação mais
coletiva, delineando um admirável mundo novo, menos desigual. Essa
utopia tem sido a metáfora de sua vida.
(PARAISO, 2001, p. 109).
Essa verve inconformista de sua criação sempre foi conjugada à qualidade
artística e ambos os aspectos (crítica social e qualidade estética) garantiram-lhe
respeito e a pecha de artista combativo e inquieto, de um Quixote contemporâneo
combativo, por meio de suas obras figurativas. Já as manifestações de seu lirismo
restringiram-se, basicamente, à produção abstrata.
As características da abstração no Brasil, bem como sua utilização por
artistas baianos, são alguns dos conteúdos abordados no capítulo seguinte.
70
2 A BOSSA ABSTRATA
2.1 ABSTRAÇÃO NO BRASIL: GEOMÉTRICA E INFORMAL
A primeira experiência com abstração de tendência geométrica feita por
artistas brasileiros se deu com Vicente do Rego Monteiro (1899-1970) e Cícero Dias
(1907-2003), o primeiro em 1922, com Composição Abstrata
1
, e o segundo a partir
de 1945. Ambos, todavia, viviam em Paris (COSTA, 2004, p. 12). No que toca aos
de naturalidade e residentes no Brasil, as pesquisas abstratas foram iniciadas pelos
pioneiros mundiais da arte cinética, Mary Vieira (1927-2001), em Minas Gerais, a
partir de 1947
2
e, poucos anos após, Abraham Palatnik (1928), no Rio de Janeiro,
em 1949 e nos anos subseqüentes, assim também como pelos primeiros núcleos de
artistas abstratos no Rio de Janeiro (do qual Abraham Palatnik participava) e em São
Paulo (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 86; 124).
Ainda na segunda metade da década de 1940 foram destacados pela
historiografia da arte brasileira, além dos mencionados dois artistas pioneiros da
linguagem abstrata: o cearense Antonio Bandeira (1922-1967), a partir de 1949, e o
romeno Samson Flexor (1907-1971), este último radicado em São Paulo, em 1948
3
,
ano em que iniciou sua produção de arte abstrata (MORAIS, 1989, p. 85).
O surgimento dos primeiros núcleos de artistas abstratos no Rio de Janeiro e
em São Paulo, que se deu entre 1948 e 1949, provocou reações contrárias de vários
setores da produção artística brasileira, tais como as manifestadas pelos artistas
remanescentes do modernismo de 1922, como o carioca Emiliano Di Cavalcanti
(1897-1976) e o paulista Candido Portinari (1903-1962). (COUTO, 2004b, p. 48-51).
Em São Paulo, em 1948, o crítico de arte argentino Jorge Romero Brest (1905-
1989) proferiu seis conferências sobre as tendências contemporâneas da arte e
1
Uma reprodução desta obra encontra-se na pág. 37 de Costa (2004). A informação acerca dos dois
artistas consta na pág. 12 da mesma obra.
2
Ferreira Gullar informa que a artista paulista começou a fazer esculturas geométricas abstratas por
volta de 1946 e 1947, em Minas Gerais. Acrescenta que, à época, não se tinha conhecimento disso
no Rio de Janeiro (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 86).
3
O ano de 1948, em que Samson Flexor se estabeleceu no Brasil, é dado por Maria Helena Flexor
(2007, p. 462). Segundo essa autora, Samson Flexor veio ao Brasil pela primeira vez em 1946, a
convite de Antonio Bandeira, Maria Eugênia Franco e Mário Barata.
71
abordou, com especial atenção, a abstração (KLINTOWIZT, 2004, p. 11). Ainda na
capital paulista, em 1949, Waldemar Cordeiro fundou o Art Club, uma tentativa de
promoção de intercâmbio internacional de arte. É sob a liderança deste último que
se constituiria, posteriormente, o grupo Ruptura. O manifesto desse núcleo do
concretismo paulista foi lançado em 1952, no Museu de Arte Moderna de São Paulo,
congregando: Waldemar Cordeiro — o mais ativo militante; ele polemizava as
demais tendências abstratas que não acatassem os princípios concretistas —,
Geraldo de Barros, Lothar Charoux e Luis Sacilotto, dentre outros. Esse grupo
paulista procurou sempre referenciar sua prática aos problemas teóricos do
concretismo desenvolvido por Max Bill e pela Escola de Ulm. Max Bill, por sua vez,
expôs em São Paulo, no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1950 e, um ano
depois, obteve o grande prêmio de escultura, com a peça Unidade Tripartida, na
primeira Bienal de São Paulo (que se chamava, à época, Bienal do Museu de Arte
Moderna de São Paulo).
Já o grupo Frente, do Rio de Janeiro, cultivou desde sua constituição grande
autonomia em relação aos problemas teóricos do concretismo
4
. Formado por Ivan
Serpa, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Lygia Pape e mais quatro artistas, o grupo
realizou sua primeira mostra em 1954. Alguns destes artistas iriam integrar,
posteriormente, o movimento neoconcreto.
A arte neoconcreta afirma a integração absoluta dos elementos (espaço, noções
de tempo, forma, cor) e “[...] acredita que o vocabulário geométrico que utiliza pode
assumir a expressão de realidades humanas complexas” (COCCHIARALE;
GEIGER, 1987, p. 19).
Maria de Fátima Morethy Couto (2004b, p. 40) informa que a primeira
participação de artistas abstratos estrangeiros em exposições realizadas no Brasil
data de 1938, no segundo Salão de Maio, em São Paulo, no qual obras abstratas do
4
O termo concreto foi utilizado pela primeira vez, em contexto artístico, pelo construtivista Max
Burchartz (ADES, 1997, p. 305, nota n. 7). A primeira vez que se fez um uso amplo e público da
palavra, todavia, foi no título da revista Art concret, fundada pelo modernista holandês Theo Van
Doesburg, em 1930, em Paris, e por seus colegas Otto Gustaf Carlsund, Jean Hélion, Leon
Tutundijian e um artista conhecido apenas como Wantz (ZELEVANSKY, 2004, p. 30, nota n. 8). O
concretismo pregava que a obra de arte já deveria estar inteiramente concebida e formada na
mente do artista, antes de sua execução e que nada deveria receber das formas da natureza, da
sensualidade e da afetividade. “Desejamos eliminar o lirismo, as descrições, o simbolismo, etc.” O
quadro teria que ser construído com elementos puramente plásticos (planos e cores), pois só têm
como significado eles próprios, “[...] portanto o quadro não tem outro significado senão o ‘dele
próprio’.” (ADES, 1997, p. 245).
72
era:
inglês Ben Nicholson
5
foram expostas ao lado de trabalhos de artistas modernistas.
“No ano seguinte, no terceiro e último Salão de Maio, o caráter vanguardista da
manifestação foi enfatizado pela participação de artistas abstratos consagrados
internacionalmente, como Magnelli, Calder e Josef Albers.” (COUTO, 2004b, p. 40).
Essa autora destaca também a presença do casal Arpad Szenes e Vieira da Silva,
de 1940 a 1947, no Rio de Janeiro, considerando a estadia deles como “[...]
particularmente relevante no processo de descoberta e de difusão da arte não
figurativa no país” (COUTO, 2004b, p. 43).
Em 1951 ocorre a criação do Atelier Abstração
6
, por Samson Flexor. As
atividades deste grupo contemplavam tanto o ensino de arte quanto a organização
de exposições dos alunos
7
.
A atuação mais expressiva para a disseminação da linguagem abstrata entre os
jovens artistas atuantes no Rio de Janeiro, contudo, era vinculada ao crítico Mário
Pedrosa, que voltara do exílio em 1945 e influenciou o primeiro núcleo de artistas
abstratos do Rio de Janeiro, entre 1948 e 1949: Ivan Serpa, Almir Mavignier e
Abraham Palatnik. Mário Pedrosa é o autor de Da Natureza Afetiva da Forma na
Obra de Arte, escrito para concorrer à cátedra de História da Arte e Estética da
Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro. Em poucos meses, no ano de
1949, ele redigiu aquela tese que se constituiu, na ocasião, numa das raras
tentativas, em plano mundial
8
, de utilização sistemática dos ensinamentos da
Gestalt para resolver problemas estéticos teóricos ou metodológicos e versava
sobre a natureza da experiência artística e da psicologia da arte. Na introdução de
Arte: Forma e Personalidade, Otilia Arantes, pond
A antítese clássica subjetividade versus objetividade estaria resolvida
à medida que a chave das experiências estéticas estivesse nas
propriedades intrínsecas ou na “natureza afetiva da Forma na obra de arte”.
É o que a tese [de Mário Pedrosa] tenta demonstrar através de uma
5
Algumas fontes definem Ben Nicholson como pós-cubista, visto que se dedicou, por um curto
período de tempo, à abstração. Muitas de suas obras que aparentemente se mostravam abstratas,
mantinham vínculos com a figuração. Um ano após sua participação no Segundo Salão de Maio,
por exemplo, ele dividia-se entre pinturas figurativas de paisagens e relevos abstratos nos quais
passou a aplicar cores (NICHOLSON, 2008, p. 1).
6
O Atelier Abstração estendeu-se a 1958 e foi seguido de um novo agrupamento, a partir de 1961,
tendo essa segunda formação sido denominada de Atelier Flexor e durou até 1970 (FLEXOR, 2007,
p. 466-467).
7
Tais quais uma coletiva em Nova York, uma participação na Bienal de São Paulo e uma exposição
no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com os artistas do Atelier Abstração, bem como os
Salões Paulistas de Arte Moderna, com os integrantes do Atelier Flexor (FLEXOR, 2007, p. 467).
8
Esse texto antecedeu, inclusive, Arte e percepção Visual, de Rudolf Arnheim, publicado em 1954.
73
Psicologia da Arte voltada para a obra e suas qualidades formais
(fisionômicas) que comandariam as reações afetivas do espectador.
(PEDROSA, 1979, p. 3-4).
A autora, ao observar que as propriedades emotivas inerentes à forma
(conforme demonstra Mário Pedrosa por meio da Gestalt), e que as leis estruturais
que a governam aplicam-se ao campo cognitivo e fisiológico, conclui: “Há, portanto,
um parentesco de formas, ou uma homologia perfeita entre sujeito e objeto, que torna
inócua a oposição tradicional subjetividade/objetividade.” (PEDROSA, 1979, p. 4).
A Gestalt estabelece a Lei da Boa Forma (formulada por Wertheimer) e
constata um princípio geral que se superpõe aos demais, que é o de pregnância da
forma, também chamado força estrutural. “Segundo esse princípio, as forças de
organização da forma tendem a se dirigir tanto quanto o permitem as condições
dadas no sentido da clareza, da unidade, do equilíbrio, da Boa Gestalt.” (GOMES
FILHO, 2004, p. 24).
No que toca à atuação de artistas da região Nordeste, destacou-se o pintor
pernambucano Cícero Dias, o qual, radicado em Paris, começou, por volta de 1945,
a se aproximar da expressão não-objetiva, tendo realizado, inclusive, no Recife, em
1948, um trabalho que é considerado o primeiro mural abstrato da América do Sul.
Um outro artista abstrato de destaque, o cearense Antonio Bandeira, teve a
produção mais expressiva de sua carreira desenvolvida na França
9
, ligada ao
informalismo. As obras de Bandeira, já a partir de 1949, eram vinculadas ao
informalismo, conforme comentário do crítico Antonio Bento (1987, p. 257-258), em
junho de 1969
10
, ao referir-se ao estilo do artista:
9
A repercussão no Brasil do sucesso de Bandeira em Paris (ele era festejado no Brasil pela sua
atuação junto aos pintores da vanguarda informalista Wols e Camille Bryen) foi reforçada pela
veiculação de notícias sobre o artista em jornais. Esse sucesso foi reproduzido na historiografia da
abstração no Brasil por vários autores; por exemplo, na cronologia da evolução da arte abstrata no
Brasil, ele é relacionado aos dois artistas informais citados como criadores, em 1949, na capital
francesa, do grupo Banbryols (formado pelas iniciais dos nomes dos três artistas). De igual maneira
Denise Mattar (2002, p. 107) descreve essa situação, ao afirmar ter sido ele “[...] aplaudido pela
crítica parisiense”. Esse sucesso e projeção na Europa, todavia, foi revisto e desmistificado pelos
resultados recentes de uma pesquisa de doutorado empreendida na França por Maria de Fátima
Couto (2004a). Essa pesquisadora identificou ter sido exagerada a repercussão, aqui no Brasil, das
atividades do pintor cearense. Ao analisar a escassa referência sobre Bandeira em livros que
abrangiam o período em que ele viveu na França, em dicionários internacionais de artes plásticas ou
mesmo em revistas e jornais de época publicados no exterior, Maria de Fátima Couto (2004a, p. 184)
concluiu: “Exposições das quais ele participara e que no Brasil eram celebradas como tendo
‘marcado época’, mereciam, quando muito, algumas linhas e comentários superficiais.”
10
O texto foi originalmente publicado no Catálogo da Exposição de Antonio Bandeira, Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, 20 out. a 30 nov. 1969 e reproduzido em Fernando Cocchiarale e
Anna Bella Geiger (1987, p. 253-259).
74
Com a observação de que não fazia “quadros” senão “pintura”, Bandeira
procurou manter-se fiel à arte informal, ao mesmo tempo que explicava o
nexo existente entre os trabalhos das séries de telas que ia produzindo.
O estilo de suas obras, a partir de 1949, mantém perfeita unidade, dentro do
Tachismo. Seus guaches desse ano já são totalmente informais. O pintor
faz da mancha colorida o fundamento de seu trabalho e de seu estilo. A
pintura de Bandeira passou desde então a confundir-se com o momento
mesmo em que a tinta era atirada sobre o papel ou a tela.
Observando que o tachismo (usado como sinônimo de informalismo) tinha
“em nosso tempo” a importância equivalente à pintura dos impressionistas no século
XIX, Antonio Bento (1987, p. 256) destacou Bandeira como sendo o principal
representante daquela corrente no Brasil
11
.
Tanto o concretismo paulista quanto o carioca (posteriormente neoconcreto),
opunham-se sistematicamente ao abstracionismo informal. Fernando Cocchiarale e
Anna Bella Geiger (1987, p. 20) usam o termo informal para designar todas as
tendências abstratas não geometricas.
O divisor de águas entre as duas grandes tendências do abstracionismo situa-
se, conforme aqueles autores, na “[...] compreensão oposta que cada uma tem do
impulso gerador da obra de arte [...] O Concretismo, atribui à razão um papel
essencial, o Informalismo parte da expressão sensível, intuitiva, do artista”
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 21-22).
Consoante os autores citados, o neoconcretismo, diferentemente do
informalismo, não atribuía ao inconsciente
12
lugar de destaque na expressão. As
críticas ao informalismo, no Brasil, intensificaram-se na segunda metade da década
de 1950, quando o tachismo europeu ganhou evidência nas Bienais de São Paulo.
11
O exagero que se pode inferir dessa declaração de Antonio Bento (1987) é compreensível ao se
seguir o raciocínio do crítico, cuja argumentação nos parágrafos que antecedem a referida afirmação
pontua o rompimento radical com o passado que o informalismo promovia, exemplificado pelo
dripping (técnica de gotejamento, escorrimento e disposição aleatória da tinta sobre o suporte,
desenvolvida por Jackson Pollock) da action painting norte-americana e com a subordinação da
forma à matéria, presente tanto na action painting como no tachismo. Nas palavras de Antonio Bento
(1987, p. 256): “Disso resultou um rompimento radical com o passado. A velha composição, feita do
equilíbrio de linhas, massas, formas e zonas coloridas, havia sido repudiada, em troca de uma
textura nova, de caráter essencialmente óptico e visual [...] A action painting e o tachismo marcaram
realmente uma nova época na pintura internacional deste século. Inclusive no domínio da cor, que já
não estava subordinada à forma nem ao tema da pintura, vivendo autonomamente a sua própria
vida, através da mancha lançada por acaso ou pelo ato fortuito do artista [...] O Tachismo teve assim,
em nosso tempo, importância equivalente à pintura dos impressionistas no século XIX. E Bandeira foi
o principal representante dessa corrente no Brasil.”
12
Ainda que inexistam textos críticos específicos que abordem as relações entre informalismo e
inconsciente, esse vínculo foi notado e comentado por alguns autores, tais como Giulio Argan
(1998, p. 318), ao pontuar que o aspecto “espiritual” da arte (que fundamenta o texto de Wassily
Kandinsky, Sobre o Espiritual na Arte, de 1910), é o não-racional, e Anton Ehrenzweig, no seu livro
A Ordem Oculta da Arte. Essa ordem oculta é o subconsciente e, segundo Anton Ehrenzweig, é ela
que estrutura o trabalho da criação da forma inconsciente.
75
“Considerando-o um modismo internacional, artistas e críticos favoráveis ao
geometrismo tendem a reduzi-lo apenas às manifestações tachistas.”
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 22). Segundo os autores citados eram
generalizadas como tachistas todas as correntes do informalismo.
As idéias do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, principal teórico do
neoconcretismo e autor da Teoria do não-objeto, iriam fomentar o desdobramento de
pesquisas inéditas nos artistas neoconcretos, notadamente em Lygia Clark e Hélio
Oiticica. Essas idéias foram desdobradas com base em reflexões de aspectos do
existencialismo, doutrina filosófica de herança fenomenológica que enfatizava o
dilema da liberdade pessoal e que teve em Jean-Paul Sartre e em Maurice Merleau-
Ponty dois representantes, ainda que as investigações desses filósofos tenham
seguido caminhos opostos.
Foi, notadamente, o pensamento de Maurice Merleau-Ponty que fundamentou
a pesquisa que terminou por conduzir o crítico maranhense e os dois artistas citados
à produção de obras que demandavam a interferência do espectador para se
realizarem plenamente. A arte neoconcreta, mais notadamente com os não-objetos,
promovia a alteração da concepção do perceptor (espectador) para participante e
das obras (objetos de arte) para manifestação ou acontecimento. Assim, peças
como os Bichos (esculturas em metal de Lygia Clark, sem base fixa e com planos
articulados, dos anos 1960) “pediam” a manipulação do fruidor, para que se
desenvolvessem como manifestações. O fruidor é agora transformado em partícipe
ativo ou “espectador-ator”, nas palavras da artista (CLAY, 2006, p. 13) e
integrado à criação. Na manipulação e conseqüente desenvolvimento temporal e
sensorial do objeto dar-se-á o sentido da experiência. Com a manipulação (como se
dava com os Bichos e como se propiciava também com os Bólides de Hélio Oiticica
e os poemas manipuláveis de Ferreira Gullar, dentre outros exemplos) e a imersão
do participante em ambientes e instalações, a segregação do objeto (distante,
calcado apenas no aspecto visual, intocável, rígido e estaticamente pendurado na
parede) chegara ao fim (CLAY, 2006, p. 13).
Essas características que distinguiam a criação carioca dos concretos
paulistas foi identificada por Ferreira Gullar, que cunhou o termo neoconcreto e deu
corpo à Teoria do não-objeto. Esta teoria defendia uma completa adesão dos
sentidos na fruição da obra, gerando uma experiência que se desdobra no tempo e
no espaço real e definia os não-objetos como peças que “pulavam” das molduras e
76
“saltavam” das bases das esculturas e não possuíam uma forma permanente; ou
seja, apresentavam estruturas mutáveis que exigiam o gesto humano do fruidor para
realizá-la e completá-la, sem o qual o trabalho existia apenas como potencial. O não-
objeto não tinha cima ou baixo, avesso ou direito e respondia sempre ao estímulo
humano, como organismos vivos (daí, a denominação Bicho dada por Lygia Clark).
Essa concepção neoconcreta explorava, nas artes visuais, o pensamento de
Maurice Merleau-Ponty no que toca às noções de sensação como entrelaçamento
entre sujeito e objeto e o espaço e a percepção dos objetos por todos os sentidos (a
percepção, por ser um sistema complexo, amplo e significante, não tem sensações
isoladas e vai-se alterando, ampliando-se e construindo-se gradualmente, sem
nunca se esgotar). A percepção é o modo de a consciência humana se relacionar
com o mundo exterior pela mediação do corpo. O sujeito da percepção, então, é o
corpo e não o intelecto, daí o apelo sensorial dos não-objetos.
O geometrismo que caracterizou a chamada abstração geométrica, que se
desdobrou ao longo do século XX e se estende à atualidade, é uma atitude criadora
concebida sob a égide de uma ordem e uma harmonia. Estes elementos, aos quais
se une uma outra criação abstrata que surge na Europa a partir de 1945, não têm
mais uma preocupação de busca da forma e sim “[...] o desejo de exprimir, antes da
forma e mesmo fora dela, toda a riqueza e espontaneidade da vida interior,
projectando-se o artista inteiramente na sua obra” (VALLIER, 1986, p. 16); vêm a ser
a abstração informal, também denominada abstração lírica.
É com a obra de Wassily Kandinsky (1866-1944), das primeiras décadas do
século XX, na qual figura Primeira Aquarela Abstrata (Figura 14), de 1910, que se
pode entender a ação do artista como resultado do livre exercício da subjetividade e
espontaneidade da vida interior. Dora Vallier (1986) a ela se referiu, inclusive pela
representação de manchas de cores de contornos indefinidos e elementos plásticos
como linhas e formas irregulares, que caracterizam a abstração informal.
Independentemente do caráter geométrico ou informal, o abstracionismo do qual
Wassily Kandinsky foi pioneiro — ao lado de Piet Mondrian (1872-1944) e Kazimir
Malevitch (1878-1935) — colocava, pela primeira vez e com toda clareza, a
autonomia entre arte e representação.
77
Figura 14 – Wassily Kandisnky. Primeira aquarela abstrata.
Aquarela, 50 x 65 cm, 1910. Paris, coleção Nina Kandinsky.
Fonte: Argan (1998, p. 445)
Dora Vallier (1986, p. 26) entende o informalismo como uma segunda etapa
da abstração. Ela assinalou que num primeiro momento, aspirando a um absoluto
racional, observava-se que a utilização do tira-linhas
13
fascinava o pintor, tanto
quanto o ângulo reto obcecava o escultor na abstração geométrica. “Ambos fazem o
supremo esforço de esquecer sensibilidades particulares, a fim de atingirem uma
expressão universal.” (VALLIER, 1986, p. 26). O enfoque geométrico consistiria,
inicialmente, em uma etapa da arte abstrata, cuja estrutura se modificaria para uma
segunda fase da abstração — o informalismo — na qual “[...] as definições falham e
a clareza é difícil” (VALLIER, 1986, p. 26). O que torna as abstrações geométrica e
informal tão diferentes é a oposição entre a característica racional da primeira e o
princípio irracional da segunda, sendo o irracional (e sua fonte, o subconsciente),
como é sabido, irredutível ao racional.
13
Instrumento de desenhista para traçar linhas, com tinta, sem alteração da espessura do traço. É
uma peça metálica com duas pontas ajustáveis por um parafuso (MARCONDES, 1998, p. 277).
78
Dentre as correntes que abraçaram o princípio da racionalidade geométrica
está a arte concreta
14
, sendo o já mencionado artista suíço, Max Bill, um de seus
principais representantes. A arte concreta enfatiza a idéia de estrutura e, conforme
explica Frederico Morais (1989, p. 27), citando Max Bill, não tem o objetivo de
documentar a crise do homem, mas construir uma nova realidade. Isso significa que
a arte concreta tenta eliminar os aspectos individualista e subjetivista da criação
artística, de forma a criar algo de expressão universal. Assim, a arte concreta
distinguir-se-ia da crônica sublimada da realidade que, para Max Bill (1996, p. 76-
77), era o que a arte abstrata representava. Seu objetivo era transmitir “conceitos
mentais”, sendo a arte o meio de linguagem perfeito para isso e para atingir a
universalidade desejada.
Conceitos mentais não são comunicáveis diretamente para nossa
apreensão sem a mediação da linguagem. Contudo eles podem ser
comunicados através da arte. Dessa maneira, eu creio que a arte seja um
veículo privilegiado para a transmissão de idéias, porque se elas forem
expressas por imagens ou plasticamente, não haverá risco do seu sentido
original ser alterado... por quaisquer interpretações errôneas que as
pessoas possam fazer. Assim, o mais sucinto que uma seqüência de idéias
seja exposta e quanto mais compreendida a sua idéia básica, mais próxima
ela se aproximará dos pré-requisitos da Abordagem Matemática da Arte.
Assim, o mais próximo que nós possamos atingir a causa primeira ou a
essência original das coisas por estes meios, mais universal se tornará o
alcance da arte — mais universal, isto é, livre para se expressar diretamente
e sem ambivalência; e igualmente franco e imediato no seu impacto na
nossa sensibilidade. (BILL, 1996, p. 76-77, tradução nossa).
15
O processo criador da arte concreta, segundo Frederico Morais (1989, p. 28),
agora “[...] vai da imagem-idéia à imagem-objeto, e esta transformação se dá através
de uma lei de desenvolvimento que, devidamente estudada, pode resultar em um
desenho, um quadro, um edifício ou um produto industrial”.
14
Para Theo Van Doesburg e seus pares Otto Gustaf Carlsund, Jean Hélion, Leon Tutundijian e
Wantz, o termo concreto significava a literalidade da obra mesma, ou seja, a referência ao material
utilizado. Após a morte de Theo Van Doesburg, em 1931, Max Bill passou a disseminar, com
sucesso, os preceitos da arte concreta na Europa Central e Ocidental, assim como na América do
Sul, após a Segunda Guerra Mundial (ZELEVANSKY, 2004, p. 10; 12).
15
Mental concepts are not as yet directly communicable to our apprehension without the medium of
language; though they might ultimately become so by the medium of art. Hence I assume that art
could be made a unique vehicle for the direct transmission of ideas, because if these were expressed
by pictures or plastically there would be no danger of their original meaning being perverted… by
whatever fallacious interpretations particular individuals chance to put on them. Thus the more
succintly a train of thought was expounded and the more comprehensive the unity of its basic idea,
the closer it would approximate the prerequisites of the Mathematical Approach to Art. So the nearer
we can attain to the first cause or primal core of things by these means, the more universal will the
scope of art become — more universal, that is, by being free to express itself directly and without
ambivalence; and likewise forthright and immediate in its impact on our sensibility.
79
O artista uruguaio Rhod Rothfuss (1997, p. 329-330), em seu texto A Moldura:
um Problema da Arte Contemporânea
16
, pondera sobre o aspecto geométrico das
pinturas cubistas, cuja realidade essencial os artistas tinham pretendido restaurar
com grande pureza:
E foi esse desejo de expressar a realidade das coisas que tornou a pintura
cada vez mais abstrata, passando pelo futurismo e culminando, mais
recentemente, no cubismo, no não-objetivismo, no neoplasticismo e também
em sua forma mais abstrata, o construtivismo. Nesse momento, quando o
artista parece estar mais afastado da natureza, disse Vicente Huidobro: “o
homem nunca esteve tão próximo da natureza quanto no momento atual em
que já não busca imitá-la superficialmente, mas agir como a própria natureza,
imitando-a em todas as profundezas de suas leis construtivistas, na realização
de um todo, dentro do mecanismo da produção de novas formas”.
A noção de geometria, na concepção fenomenológica de Maurice Merleau-
Ponty (1990, p. 48), representa mais um ideal do que uma presença. Ideal enquanto
um elemento (uma unidade ou uma coisa) que é possuído pela inteligência e que
toma a forma de um vocabulário racional criado e aplicado pelo homem. A geometria
euclidiana, por exemplo, dentro dessa concepção, seria uma experiência intelectual
e distanciada da imediatez física e temporal da vivência da coisa real. O elemento
(uma unidade ou uma coisa) percebido — uma presença, portanto —, na visão do
filósofo francês, não seria uma unidade ideal possuída pela inteligência, e sim “[...]
uma totalidade aberta ao horizonte de um número indefinido de perspectivas [...]”
que se oferece à percepção humana e cujas perspectivas “[...] se recortam segundo
um certo estilo, estilo esse que define o objeto do qual se trata” (MERLEAU-PONTY,
1990, p. 48). A totalidade da presença daquele objeto se desvela para a consciência
humana por intermédio da síntese perceptiva
17
“[...] pelos reflexos do sol nela, por
16
O texto foi publicado pela primeira vez na revista Arturo. Dada a sua importância foi republicado
como um documento histórico, em Dawn Ades “Arte na América Latina”.
17
Acreditando que “[...] a síntese que compõe os objetos percebidos e que afeta em certo sentido os
dados perceptivos não é uma síntese intelectual”, Maurice Merleau-Ponty (1990, p. 47-48)
pondera: “O que me impede de tratar minha percepção como um ato intelectual é que um ato
intelectual apreenderia o objeto, ou como possível, ou como necessário e que ele é, na percepção,
‘real’; ele se oferece como a soma interminável de uma série indefinida de perspectivas; cada uma
das quais lhe diz respeito e nenhuma o esgota. Não é por acidente que o objeto se oferece
deformado a mim, segundo o lugar que eu ocupo; é a este preço que ele pode ser ‘real’.” Em
função disso, o autor estabelece: “A síntese perceptiva deve pois ser completada por aquele que
pode delimitar nos objetos certos aspectos perceptivos, únicos atualmente dados, e, ao mesmo
tempo, superá-los” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 47), tendo, para isso, o corpo humano como
campo perceptivo e prático, os gestos que circunscrevem o domínio corporal e o repertório de
objetos familiares ao sujeito. Assim, a síntese perceptiva não é nada mais que a percepção
compreendida como referência a um todo. Este todo, por princípio, “[...] só é apreensível através
de certas partes ou certos aspectos seus” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 48).
80
sua cor, por sua evidência sensível. A coisa se impõe não como verdadeira para toda
inteligência, mas como real para todo sujeito [...]” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 50).
A questão da presença aqui referida ilustra a característica mais expressiva
da fenomenologia que é “[...] o laço de contato [do homem] com ‘a própria coisa’.”
(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 91). Essa coisa que constitui o fenômeno, vem a ser o
“[...] que realmente se manifesta, aquilo que verdadeiramente podemos ter a
experiência em oposição àquilo que não seria mais que construção de conceitos”
(MERLEAU-PONTY, 1990, p. 91). Para o filósofo “[...] tudo é percepção, posto que
não há uma só de nossas idéias ou reflexões que não traga sua marca [...] Perceber
é tornar algo presente a si com a ajuda do corpo, tendo a coisa sempre seu lugar
num horizonte de mundo [...]” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 92, grifo nosso).
O tornar algo presente a si com a ajuda do corpo a que Maurice Merleau-
Ponty se referiu ganhou, na arte informal, uma materialização da experiência
perceptiva que promoveu uma mudança radical na forma de arte enquanto
manifestação sensível do homem. Com base nessa premissa de valorização das
sensações e de sua transposição para a linguagem da arte, valorizando o
sentimento, a gestualidade, a espontaneidade (sem a restrição da vontade exercida
pela razão) e refletindo em signos conteúdos pré-racionais que têm como pano de
fundo (ou sua origem) o inconsciente, o informalismo foi percebido como uma
tendência desaglutinadora não somente em relação à desestruturação formal que
ele possibilitava, mas também pela radicalização do sentido de desumanização a ele
atribuído. A “desumanização” que a abstração promovia (e aí se insere, igualmente,
a arte geométrica), segundo alguns autores, a exemplo de Anton Ehrenzweig (1969)
e José Ortega Y Gasset (2005), consistia em um tipo de arte que alijava da
representação a referência visual ao corpo humano ou às coisas do universo,
material cultural humano e das formas da Natureza, que facilmente se prestavam a
projeções de sentimentos e tornavam a contemplação mais acessível e prazerosa.
Ainda que respondesse a estímulos de sensações (ou seja, de matriz expressional
humana) é na forma (ou, mais precisamente, na falta dela, pelo menos de uma em
que se possa perceber alguma regularidade) que se calcava o risco proporcionado
por tal tendência. Acrescia-se a isso seu radical afastamento da representação
geométrica e naturalista, representação que, no primeiro caso, como já especificado,
apresenta formas construídas pela mediação de processos matemáticos, mas que
ainda guardam em si a regularidade formal de seus elementos e, no segundo caso,
81
poderia produzir, conforme já demonstrara Wilhelm Worringer (1997), satisfação,
segurança e acolhimento.
Desumanização, na concepção do espanhol José Ortega y Gasset (2005, p.
10-11), não se reporta à categoria negativa antropológica e sim à desrealização, ou
seja, uma outra maneira de dizer que a arte não mais representa as coisas do
mundo físico em que vivemos. Neste sentido, promove uma espécie de
desantropomorfização da arte. Para reproduzir os objetos, a arte os reconstruía e
esse processo de reconstrução, tendo em vista a destruição das formas realistas,
desembocava em novas formas de arte, assim como o fez o cubismo, ao reconstruir
os objetos. A tarefa do artista, segundo José Ortega y Gasset (2005, p. 12; 54), é
acrescentar mundos novos. No caso das artes plásticas, é o processo de estilização
que proporciona a deformação do real. A estilização, recurso de simplificação formal,
implica a desumanização no entendimento do autor. Como ele diz: “[...] estilizar é
deformar o real, desrealizar. Estilização implica desumanização. E, vice-versa, não há
outra maneira de desumanizar além de estilizar.” (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 47).
A desumanização é também abordada pelo inglês Anton Ehrenzweig (1908-
1966), em seu livro A Ordem Oculta da Arte. Esta ordem oculta é o subconsciente, e é
ele que estrutura o trabalho da criação da forma inconsciente. Esse teórico da arte,
ligado à linha freudiana, ao enfocar a abstração, alerta-nos que esse tipo de arte está
“[...] degenerando em maneirismo nos dias que correm [...] ninguém discute que sua
origem provenha das camadas inconscientes do espírito” (EHRENZWEIG, 1969, p.132).
Na avaliação da pesquisa que se materializa nesta Dissertação, as idéias
daquele autor embutem uma postura conservadora não só em relação à criação
abstrata, como também a outras correntes modernas. Ele defende que a
desumanização da arte ocidental (que vai desembocar, posteriormente, na arte
abstrata) começou quando a contemplação da paisagem substituiu a representação
do corpo humano. “O cenário de fundo não-diferenciado anulou os atôres [sic]
humanos e assumiu a liderança. Daí em diante, foi apenas um passo
comparativamente curto para a total abstração da arte moderna” (EHRENZWEIG,
1969, p. 135). Destacando que o objeto mais importante, sob o ponto de vista
libidinoso é, na realidade, outro ser humano, Anton Ehrenzweig (1969, p. 140)
comenta: “[...] o humanismo na arte está sempre a mostrar a importância da
aparência humana. A recessão gradativa dessa importância durante séculos era o
prenúncio do anti-humanismo da arte moderna, especialmente da abstrata.”
82
O neoconcretismo brasileiro, em contraste, vai demonstrar que a abstração
pode ter aspectos sensíveis e humanísticos (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p.
19), opondo-se à rotulação anti-humanista que Anton Ehrenzweig credita à arte
abstrata. O informalismo brasileiro, igualmente, vai registrar, pela liberdade do gesto,
essa mesma valoração humanística.
O informalismo, desde seu desenvolvimento na Europa, foi definido por uma
plêiade de vocábulos com sentidos os mais distintos possíveis, mas que terminavam
por guardar estreita relação no aspecto único de ser uma tendência de antipintura,
uma vez que promovia a destruição da forma regular e estruturada enquanto figura
(como se observava nas correntes da abstração geométrica). Assim, foi denominada
de arte outra por Michel Tapié, de tachismo (numa atualização do termo empregado
anteriormente por Gustave Geffroy para designar os artistas nabis) e, o mais
utilizado, informalismo, termo cunhado no círculo do escritor Jean Paulhan, mas que
já se encontrava em Rimbaud e ao qual se referiu Camille Bryen (LAMBERT, 1969,
p. 87). Foi este artista que emprestou o sentido de antipintura que caracterizava
suas criações em pintura.
No Brasil, predominantemente na década de 1950, teve início a produção de
arte informal de vários artistas
18
, tais como: Yolanda Mohalyi (Yolanda Lederer
Mohalyi, 1909-1978), natural de Budapeste e radicada em São Paulo em 1931,
passou à abstração em 1957 (CIVITA, 1979, p. 941); Zélia Ferreira Salgado (1909),
escultora, pintora e professora paulista, estabeleceu-se no Rio de Janeiro nos anos
cinqüenta e, a partir de 1957, começou a produzir obras eminentemente abstratas
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 188); Danilo Di Prete (1911-1985), italiano,
pintor autodidata, fixou-se em São Paulo em 1946 (CIVITA, 1979, p. 897) e, a partir
de 1950, passou a produzir abstrações; Inimá de Paula (1918-1999), mineiro,
desenvolveu obras não-objetivas na década de cinquenta e estendeu-se a meados
dos anos sessenta (FUNDAÇÃO INIMÁ DE PAULA, 2007); Felicia Leirner (1904-
18
Dentre os nomes aqui relacionados pode ser lembrado também o do húngaro Laszlo Meitner (1900-
1968), radicado no Rio de Janeiro em 1940. Este artista, todavia, produziu obras que se
assemelhavam à abstração, porém guardavam referências a objetos e paisagens. Daí a não
inclusão dele entre os artistas mencionados a seguir. Alguns outros que tiveram pouca produção
ou passagem breve por um período informal, a exemplo do paulista Bernardo Cid (1925-1982) e
das cariocas Anna Letycia (1929) e Renina Katz (1925), não são citados, assim como artistas cujas
informações exíguas (pertinentes à produção abstrata informal) impediram a inclusão, casos da
escultora e ceramista paulista Elizabeth Nobling (1902- 1975) e do cearense Sérvulo Esmeraldo
(1929), escultor associado ao movimento da arte cinética, pintor e gravador que chegou a produzir
gravuras em metal informais (Cibele, de 1965, reproduzida em Arte no Brasil, por exemplo).
(CIVITA, 1979, p. 857; 859; 910).
83
1996), polonesa, veio ao Brasil em 1927 e, a partir de 1948, estudou escultura com
Brecheret e pintura com Yolanda Mohalyi (CIVITA, 1979, p. 941); Iberê Camargo,
gaúcho de Restinga Seca, por volta de 1958, com a série Carretéis, abandonou
progressivamente a representação das formas naturais e durante alguns anos
19
dedicou-se à produção de obras expressionistas abstratas, retomando a figuração
posteriormente (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 180); Wega Nery (Wega Gomes
Pinto Nery, 1912), natural de Corumbá, Mato Grosso do Sul, a partir de 1953 aderiu
ao grupo do Atelier Abstração (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 272); Frans
Krajcberg (1921), polonês, chegou ao Brasil em 1948 (KLINTOWITZ, 2004, p. 84) e,
utilizando recursos naturais (notadamente madeira), criou esculturas com as quais
se notabilizou tanto nacionalmente quanto fora do Brasil; Loio Pérsio (1927), nascido
em Tapiratiba, São Paulo, aderiu ao informalismo em fins dos anos cinqüenta
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 274); e Artur Luís Piza (1928), gravador e pintor
paulista, desenvolveu uma produção em gravura em metal, em meados da década
de cinqüenta, que guardam vínculos fortes com o informalismo (CIVITA, 1979,
p. 855; 859).
A tendência é freqüentemente associada a um restrito número de artistas, os
quais, dadas as suas origens orientais, terminaram por ser denominados grupo
nipo-brasileiro. Assim, destacam-se Manabu Mabe (1924-1997), o qual aderiu ao
informalismo em 1957, após uma fase figurativa expressionista (CIVITA, 1979, p.
937); Tomie Ohtake (1913), que chegou ao Brasil em 1937 (CIVITA, 1979, p. 939)
e, após um período de intensa produção informal, terminou por inserir também
alguns elementos e recursos da abstração geométrica em suas pinturas; Tikashi
Fukushima (1920-2001), radicado no Brasil em 1940 (CIVITA, 1979, p. 939);
Flávio-Shiró Tanaka (1928), que se estabeleceu em São Paulo por volta de 1939
(após sete anos vivendo numa colônia de japoneses em Tomé Açu, no Pará)
(KLINTOWITZ, 2004, p. 58); e Kazuo Wakabayashi (1931), que estudou no Japão
19
José Roberto Leite (1966, não paginado), em texto sobre Iberê Camargo, comentou ter o artista
iniciado o processo rumo à abstração nos três últimos anos da década de 1950, com a fase dos
carretéis. Informa também que, segundo Antônio Bento, os carretéis deixaram de existir na pintura
do artista gaúcho, dando espaço a “[...] uma rica pasta modulada, a ocupar ritmicamente todo o
espaço pictórico”. José Roberto Leite (1966, não paginado) refere ainda a afirmação de Mário
Pedrosa de que a diluição gradativa das superfícies moduladas na obra de Iberê Camargo, nas quais
ainda era possível ver restos de objetos, prolongou-se até o início da década de 1960, passando
para o informalismo em 1963 e ao texturismo de 1965. Na biografia do artista, no livro de Fernando
Cocchiarale e Anna Bella Geiger (1987, p. 180), consta: “A obra de Iberê Camargo continuou a se
desenvolver dentro da abstração informal até o início da década de 1980.” Roberto Pontual (1973, p.
199) comenta: “[...] e se mantém hoje [ano no qual o livro foi editado: 1973] abstrato.”
84
e, ao chegar ao Brasil, na década de 1960, já era um artista maduro, artisticamente
(KLINTOWITZ, 2004, p. 64).
Ainda representando a arte informal, projetaram-se Fayga Ostrower (1920-
2001), Edith Behring (1916-1996) e Anna Bella Geiger (1933), artistas que,
semelhantes aos demais citados, manifestavam-se em composições estruturalmente
mais livres e mais poéticas, movidas pela crença na liberdade da expressão
individual autônoma.
Ainda que reunisse algumas afinidades que a diferenciasse do tachismo
europeu e do expressionismo abstrato norte-americano, a vertente informal
brasileira, todavia, não se agrupou em tendências nitidamente delineadas. Ao
contrário dos concretos,
[...] os artistas informais no Brasil, como os europeus e americanos, nunca
atuaram em bloco, sendo avessos a tendências grupais e a noções de
disciplina ditadas de fora da experiência individual.
Os contatos que mantinham entre eles e com artistas de outras tendências,
sempre individualizados, dificultavam a manifestação pública de suas
divergências internas. Embora muitos artistas informais, como por exemplo,
Fayga Ostrower, tivessem preocupações intelectuais inegáveis, estas
decorriam em primeiro lugar de questões colocadas por seu trabalho e não
de exigências teóricas coletivas. O informalismo não produziu discursos de
grupo porque a questão da liberdade ocupa um lugar central em sua ação.
Sistematizá-las em princípios seria, portanto, profundamente contraditório.
(COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 20).
Este aspecto de anti-sistematização que envolveu a vertente informal
brasileira, todavia, não impossibilitou seu desenvolvimento, tampouco o posterior
reconhecimento dos artistas que abraçaram o informalismo.
2.2 COMPLEMENTARIDADE FORMAL / INFORMAL
Dois aspectos de apresentação da forma plástica configuram-se em uma
dicotomia sempre presente na criação abstrata: a distinção freqüente e segregadora
entre formal e informal. A esses dois vocábulos reportam-se todos os grandes
movimentos abstratos a partir do início do século XX, estendendo-se à
contemporaneidade.
85
Essa distinção, presente tanto na historiografia da arte como, regularmente,
entre os atores do sistema das artes visuais, tende a circunscrever a criação
abstrata geométrica como “formal” e a tendência gestual como “informal”, havendo
pouca ou nenhuma relação entre as duas vertentes. Em muitos casos, chega a uma
oposição e rivalidade sem precedentes, como se deixassem de ter as mesmas
premissas (de serem abstrações) e se configurassem em duas coisas distintas. No
Brasil, isto se observa na desavença entre os artistas concretos e os pintores
informais, já comentada.
Ao analisar-se a obra abstrata como manifestação artística (criação humana,
portanto), não se pode esquecer que tanto a vertente formal quanto a informal
apresenta características sensíveis e expressivas que as caracterizam como arte.
Isto também se aplica ao fato de que, ainda que não se reportem a aspectos
reconhecíveis de coisas e elementos do mundo real, sendo produtos humanos,
naturalmente contemplarão emoções e vínculos com a psique humana, com a qual
pretendem estabelecer suas significações e se legitimarem como produtos
expressivos. Assim, ao invés de limitar-se a promover exclusivamente uma
“desintegração” da realidade visível (como percebemos visualmente o mundo), a
criação abstrata instaura uma nova organização espacial, de conotação intuitiva
(sensível, portanto), recriada (por sínteses que passam pelo sensível e pela razão),
enfim, uma “realidade” artística. Mesmo as obras concretas, que têm a pretensão
de abolir a expressividade, é inegável que são apreendidas através da
sensibilidade.
Assim sendo, a geometrização utilizada em diversas correntes abstratas,
incluindo a concreta, carrega consigo elementos que guardam vínculos simbólicos
com o fruidor. Atento a isso, Jacob Klintowitz (2004, p. 13) pontua:
Não há, também, como negar a característica religiosa ou mística da
abstração geométrica, dada a proximidade que as formas geométricas
guardam com as manifestações espirituais registradas através das formas
mandálicas e da geometria de povos de estrutura social mítica. Neste
sentido, o depoimento pessoal de importantes físicos e matemáticos e de
artistas de alta projeção, confirma este possível caráter místico e mítico que
boa parte da abstração geométrica possui.
A forma, no decorrer da história humana, sempre que se afastou da
representação realista chegou a uma aparência de abstração, mas não abstrata
como se passou a entender esse tipo de arte a partir do início do século XX. Esta
86
tendência para a abstração, conforme Dora Vallier (1986, p.10), foi sempre o
resultado de uma vontade de estilização, de esquematização, ou ainda de contração
da forma realista até ao signo. Este entendimento levou essa autora a concluir que
em todos os casos da arte do Paleolítico, do Neolítico, da Idade do Ferro e em
certos momentos da Antiguidade, como entre os bárbaros da Alta Idade Média, “[...]
a presença da realidade persiste ao longo de todo o processo criador, que a
transforma, mas não a nega. A abstracção, relativa, que daí decorre, não passa de
um ponto de chegada. Nunca um ponto de partida”. (VALLIER, 1986, p. 10). Assim,
a arte do Islã, em que há um proposital abandono da realidade, imposto pela religião
(a qual se abstém de representar a figura humana, imagem proscrita), comumente
considerada abstrata, termina por materializar em suas linhas de arabescos formas
estilizadas de flores, pássaros e animais, configurando os referentes do mundo
objetivo em que vivemos. Em razão desse vínculo, não pode ser considerada
abstrata. De igual maneira ocorre com a ornamentação dos utensílios e das
cerâmicas daqueles períodos mencionados, visto a ornamentação partir “[...] sempre
de um motivo realista estilizado, perde-se depois no símbolo e conserva-se, desde a
alvorada da civilização, esvaziada de sentido” (VALLIER, 1986, p. 12). Sobre a
forma, a autora citada comenta:
[...] torna-se então apenas a casca vazia pelo desaparecimento do
conteúdo, ou seja, o símbolo, pois, não o esqueçamos, todos os elementos
abstractos da ornamentação, a espiral, a grega, a cruz gamada, todas estas
formas tiveram, de início, um valor simbólico, ritual mesmo, muito preciso
(VALLIER, 1986, p. 13).
Na opinião de José Ortega y Gasset (2005, p. 43), para quem a fuga da
realidade se impõe como algo difícil, esse processo de “[...] construir algo que não
seja cópia do ‘natural’ e que, não obstante, possua alguma substantividade, implica
o dom mais sublime”, pois a “[...] ’realidade’ espreita constantemente o artista para
impedir sua evasão”. Essa evasão, todavia, aqui entendida como afastamento das
formas naturalistas, é premissa da abstração, mas não a ponto de deixar de
materializar nas obras os signos da existência humana. Essa foi a grande
contribuição da arte informal que se distinguia, sobremaneira, da arte concreta por
não ter uma função prática como esta última almejava.
Giulio Carlo Argan (1998, p. 17) iria pontuar, ainda, as possibilidades de
liberdade e espontaneidade de expressão proporcionadas pelo informalismo:
87
Depois de anos de ocupação e repressão durante a Segunda Guerra
Mundial, a liberação da Europa em 1945 assinalou a renovação de todos os
aspectos da vida, incluindo a literatura e as artes. Com a maioria dos artistas
surrealistas no exílio, aquele movimento, tão central antes da guerra, tinha
agora menor presença. As abstrações geométricas de Mondrian e seus
seguidores pareciam ter pequena relevância depois das catástrofes do
fascismo e da guerra. Ainda que uma nova figuração [...] foi um essencial
aspecto da arte do pós-guerra na Europa, a arte abstrata informal ofereceu
uma ampla diversidade de possibilidades de liberdade e espontaneidade de
expressão. Comparada à arte norte-americana, a pintura na Europa parecia
menos agressiva e mais interiormente direcionada.
O modo dominante de arte produzido durante e depois da Segunda Guerra
Mundial tem sido rotulado de muitas formas: arte informal, expressionismo abstrato,
pintura de ação (action painting
20
), tachismo, abstração lírica, arte outra (art autre), e
um punhado de outros termos
21
. Caracterizado por uma intensa, pessoal e subjetiva
resposta dos artistas em relação a seus próprios sentimentos, ao veículo (meio) e ao
processo de trabalho, esse período foi predominantemente de uma arte à qual
pintores e escultores engajaram-se na busca de suas próprias identidades (STILES;
SELZ, 1996, p. 11). “Em um universo descrito por existencialistas como absurdo, o
artista carregou a questão romântica do self e da sinceridade e da autenticidade
emocional para um mundo de total incerteza”
22
(STILES; SELZ, 1996, p. 11,
tradução nossa). Dessa maneira, passou-se à valorização do correr-risco, da
descoberta e da aventura rumo ao desconhecido.
Como resultado da dominação fascista de grande parte da Europa e em face
da rigidez do autoritarismo comunista na Rússia stalinista, artistas de todos os
cantos sentiram a necessidade de estabelecer um senso de autonomia pessoal.
20
Conforme Kristine Stiles e Peter Selz (1996, p. 16, tradução nossa) foi Harold Rosenberg quem
“[...] introduziu o termo ‘action painting’ ao vocabulário da história da arte [e teria constatado que]
[...] as decisões espontâneas feitas pelo pintor confrontando a tela eram equivalentes a um ato
moral”. Ainda conforme aqueles autores, Harold Rosenberg, assim como Clement Greenberg,
foram os dois mais notáveis críticos norte-americanos que escreveram sobre os artistas da Escola
de Nova York. “O trabalho deles ajudou a legitimizar a nova pintura norte-americana a qual, na sua
maioria, era impopular porque era de difícil compreensão para o público em geral.”
Transcreve-se o original das três citações, respectivamente: For Rosenberg, who introduced the
term “action painting” into the vocabulary of art history [...]; […] the spontaneous decisions made by
the painter confronting the canvas were tantamount to a moral act; Their work helped to legitimize
the new American painting, which was most unpopular because it was difficult for the general public
to comprehend.
21
Arte nuclear era um desses outros vocábulos. Essa denominação se dava em função do
procedimento de decomposição da forma, promovido pelo fato de o informalismo se assemelhar à
desintegração da matéria física pela bomba atômica, na década de 1940 (BENTO, 1987, p. 254).
Outro exemplo era a arte antiintelectualista (ou tendência antiintelectualista), em função do
informalismo ser mais espontâneo, mais emotivo e oposto à racionalização e ao “intelectualismo” das
tendências geométrica e concreta, vocábulo igualmente utilizado por Antonio Bento (1987, p. 254).
22
In a universe described by existencialists as absurd, the artist carried the romantic quest for the
self, and for sincerity and emotional authenticity, into a world of total uncertainty.
88
Auschwitz e Hiroshima foram cataclismos de proporções monstruosas que
dificilmente os artistas visuais poderiam fazer frente com comentários diretos em
suas obras. O aparente colapso do humanismo e o desafio representado pela
crescente cultura de massa mecanizada e sua produção de bens de consumo
estimularam o senso de afastamento do artista da realidade objetiva e acentuavam a
necessidade de uma expressão individual. Esse enfoque possibilitou a valorização
(e a auto-suficiência) do resultado do próprio trabalho do artista (STILES; SELZ,
1996, p. 11). “O fato de pinturas e esculturas serem ainda objetos manufaturados
tornou-se significante e a particular qualidade do material, a fatura de cada obra, era
enfatizada.”
23
(STILES; SELZ, 1996, p. 11, tradução nossa). Os totalitarismos
fascistas, nazistas e comunistas, que pretendiam suprimir a individualidade e o
conceito do homem como ser único, substituindo-os por um homem coletivo e
numericamente descartável, fomentaram o desejo de uma arte calcada na
individualidade, no sentimento, na especulação metafísica e na manifestação de
emoções na vertente da abstração informal. A arte informal evoca o indefinido, mas
com sentido e emoções universais (STILES; SELZ, 1996, p. 14).
O historiador da arte Alfred H. Barr Jr. promoveu a então maior exposição do
Museu de Arte Moderna de Nova York, intitulada A Nova Pintura Norte-americana, a
qual itinerou por oito países europeus, entre 1958 e 1959. Assim, Alfred H. Barr Jr.
propiciou a sanção oficial que ajudou a tornar conhecida a action painting e a
construir a hegemonia da pintura norte-americana. Alfred H. Barr Jr., no prefácio do
catálogo daquela exposição, fez conexões específicas entre o pensamento
existencialista e essa nova arte e enfatizou as ramificações políticas dessa arte,
como se demonstrasse uma liberdade em um mundo no qual liberdade implica uma
atitude política (STILES; SELZ, 1996, p. 16-17).
Assim, o informalismo prevaleceu em alguns países europeus e no Japão,
entre 1950 e 1960. Já nos Estados Unidos desenvolveu-se a action painting e,
posteriormente, a abstração pós-pictórica. Estas ramificações vão ser vistas por
Giulio Carlo Argan (1998, p. 537-538) como poéticas da incomunicabilidade,
impondo-se não como uma livre escolha e sim como uma condição necessária em
que se encontra a arte numa sociedade que desvaloriza a forma e já não reconhece
a linguagem como o modo essencial da comunicação entre os homens.
23
The very fact that paintings and sculptures were still handmade objects became significant, and the
particular quality, the material, the ‘facture’ of each was emphasized.
89
Para além da linguagem, que sempre reflete uma concepção de mundo e
implica a idéia de relação, não há senão a singularidade, a irrelatividade, a
inexplicabilidade, mas também a incontestável realidade da existência. O
artista existe, e existe porque faz: não diz o que deve ou quer fazer no e
para o mundo, cabe ao mundo dar um sentido ao que faz. Em verdade, a
única coisa que pode fazer é, justamente, a existência: certo ou errado,
supõe realizar na arte um tipo de existência “autêntica” negado à média
social. (ARGAN, 1998, p. 537-538).
Para o historiador italiano, o informal é uma situação de crise e, precisamente,
da crise da arte como ciência européia. Explica-se, dessa maneira, a aparente
afinidade das tendências informais européias ao expressionismo abstrato e à action
painting norte-americana. O artista renuncia à linguagem para reduzir-se ao puro
ato; a arte européia renunciava à função que tivera numa civilização do
conhecimento, que colocava o agir na dependência do conhecer. O ato artístico dos
norte-americanos, por seu lado, insere-se numa civilização pragmatista, de ação.
Com a arte situada num nível pré-lingüistico e pré-técnico, seguindo a
argumentação de Giulio Argan (1998, p. 541), a atividade do artista reduz-se ao
gesto e a obra à matéria não-formada, mas ainda assim animada e significante. A
arte já não tem relação com a sociedade, com suas técnicas e linguagem; ela é
regressão a partir do objeto; é “[...] existência em estado puro e, como a existência
pura é a unidade ou a indistinção de tudo o que existe, na matéria o artista realiza
sua realidade humana” (ARGAN, 1998, p. 541). Para o autor citado, a valorização e
ênfase na matéria surgiram no exato momento em que a forma artística tinha
deixado de ser representação da realidade, para apresentar-se como realidade
autônoma, como se deu com a colagem cubista e o construtivismo russo. À relação
entre imagem e matéria sucedeu a concepção do quadro como um campo de forças
em equilíbrio ou tensão.
No âmbito das poéticas existenciais ou do Informal, o problema é colocado
em termos totalmente diversos: a matéria tem, sem dúvida, extensão e
duração, mas ainda não tem, ou já deixou de ter, uma estrutura espacial e
temporal. Sua disponibilidade é ilimitada; manipulando-a, o artista
estabelece com ela uma relação de continuidade essencial, de identificação.
É verdade que não tem, nem pode adquirir um significado definido, isto é,
tornar-se objeto; todavia, justamente por ser e permanecer problemática, o
artista nela identifica sua própria problematicidade, a incerteza quanto ao
próprio ser, a condição de estranhamento em que é posto pela sociedade.
(ARGAN, 1998, p. 542).
A percepção de que a “desumanização” proporcionada pela abordagem
abstrata tornou-se tão difundida que chegou a compor o ideário conceitual de vários
90
intelectuais, como os já mencionados José Ortega y Gasset (2005) e Anton
Ehrenzweig (1969), também estava presente no da arquiteta italiana Lina Bo Bardi,
para citar um exemplo relacionado à Bahia. Lina Bo Bardi (1960, p. 1) acreditava ser
“[...] necessário restabelecer a presença do homem na obra de arte, restabelecendo
as dimensões humanas depois das abstrações idealistas”
24
.
Entende-se que a discussão sobre a desumanização proporcionada pela
abstração perpassa a oposição constantemente estabelecida entre formal e informal
e, nessa divergência, situa-se a conceituação de organicidade, a qual vai variar e
assumir diferentes aspectos no ambiente da arte, tanto por quem a produz, quanto por
quem a teoriza. O ponto comum entre produtores e teóricos, todavia, é o conceito
extraído da biologia
25
e da relação humana com o ambiente natural. Organicidade vai
ser entendida, nas artes plásticas, como uma tendência a uma estrutura geral maior e
suas relações com elementos que dependam ou se interliguem uns com outros e que,
dessa maneira, formem um conjunto visualmente ou conceitualmente mais coeso e
articulado, assemelhando-se a um desenvolvimento natural. Michel Haar (2000, p. 5-
6) referenda isso: “Toda obra [de arte], e particularmente uma grande obra [...]
apresenta uma coesão, uma unidade orgânica tão poderosa, que ela remete mais a si
mesma que a qualquer outro ente no mundo.”
Dentro dessa acepção, ela pode não ter uma relação direta com organismos
vivos da natureza, e pode prevalecer mesmo na arte de tendência geométrica.
Exemplo disso é a linha orgânica de Lygia Clark, recurso utilizado pela artista para
desdobrar sua pesquisa criativa em meados da década de cinquenta. A linha
orgânica constituía-se na junção de dois planos (tela e moldura, porta e rodapé ou
ripas de madeira do assoalho dispostas umas ao lado de outras; neste último caso, a
“linha” é o interstício que separa uma ripa da outra). A “linha”, nesse contexto, é
criada com base na justaposição de dois ou mais planos e ela só existe quando as
cores das superfícies são iguais ou quando guardam certa semelhança (com
24
O contexto dessa declaração de Lina Bo Bardi era o de justificar a inserção de testemunhos dos
artistas na primeira mostra temporária do Museu de Arte Moderna da Bahia, cujas atividades
estavam prestes a ser inauguradas em 1960. O irônico desta declaração é que, dentre as mostras
inaugurais do referido museu, uma era das obras abstrato-informais do pintor cearense Antônio
Bandeira. A não ser que ela considerasse o informalismo como uma criação que apresentasse
características humanísticas existenciais e, por esse motivo, se opusesse ao idealismo da
abstração geométrica. Estas, contudo, são suposições que carecem de fundamentação para serem
consideradas verdadeiras.
25
Etimologicamente, “orgânico” deriva do grego organikós, pelo latim organicu e é relativo a órgão, a
organização, a seres organizados ou próprio de organismo. Denomina também o que é arraigado
profundamente; por exemplo: inclinação orgânica (FERREIRA, 1999, p. 1455).
91
contrastes fracos ou brandos). Se forem cores diferentes e contrastantes, a linha
desaparece “absorvida” pela cor mais escura ou mais viva. A sensibilidade da artista,
ao enxergar essa natureza da linha, levou-a a experimentações que integravam a
moldura à obra (ampliando consideravelmente a largura da moldura em relação à área
da tela e absorvendo a moldura no “interior da obra, como parte da composição).
Posteriormente, passou a desenvolver superfícies cuja “linha” percebida dava-se pela
separação de dois planos de cores iguais, sendo a linha o espaço microscópico
vazado (cavado) que resultava da junção dos planos, ao invés da linha pintada ou
desenhada sobre o plano (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 145).
Como é sabido, as pesquisas da artista mineira conduziram-na aos Contra-
relevos, depois aos Bichos e, por fim, às experiências sensoriais. A noção de linha
orgânica que desenvolveu foi migrando paulatinamente da representação
geométrica (linha ora desenhada, ora cavada na madeira) para as dobras dos
Contra-relevos e para as dobradiças dos Bichos, numa evolução “orgânica” de
dependência entre os elementos que se observava, mesmo nas Arquiteturas
biológicas, as obras-ações coletivas com participações de pessoas. Nessas últimas,
as pessoas tornavam-se células/eixos (linhas orgânicas) de relações e de ligações
entre elas próprias e as situações desencadeadas pelas vivências.
É importante destacar que mesmo as estruturas de planos geométricos
articuladas dos Bichos eram encaradas pela artista como organismos vivos, pois
“respondiam” às manipulações humanas (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 149).
Naturalmente, o aspecto “orgânico” mais recorrente é a associação com as formas,
organismos animais e vegetais (e mesmos algumas estruturas minerais) da
natureza, fatores que são, de igual maneira, transpostos para a arte abstrata, seja
ela formal ou informal. Essa organicidade também se percebe na adoção da
geometria aplicada ao dia-a-dia da cultura, tal como se processa nas raízes da
cultura brasileira, como se pode observar nas manifestações do índio (cestaria,
cerâmica, pintura corporal, artesanato etc.), na cultura popular (geometrizações das
vestimentas do Bumba-meu-boi, no artesanato de couro etc.), nas platibandas e
pinturas geométricas das fachadas das casas de cidadezinhas interioranas do país
etc. Essa imiscuidade da geometria na cultura confere-lhe um estatuto de
organicidade, ou seja, a familiaridade desses signos (geométricos) é tanta que é
feita uma associação direta ao corpo social e, assim, por meio da cultura, legitimam-
se como “naturais”, assumindo caráter orgânico.
92
Ainda que se possam identificar aspectos de organicidade na geometria
como pontuado nos parágrafos anteriores , esta é muitas vezes vista como oposta
à forma viva, como demonstra José Ortega y Gasset (2005, p. 67-68) em sua
argumentação da desumanização da arte. Na concepção desse autor, e da
esmagadora maioria de outros mais, a exemplo de Wilhelm Worringer (1997), a
forma orgânica é aquela presente na natureza. Ele descreve: “E do quadro ou da
escultura se derrama a forma orgânica sobre o ornamento. É a época das
cornucópias da abundância, mananciais de vida torrencial que ameaça inundar o
espaço com seus frutos redondos e maduros.” (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 67-
68). E inquire:
Por que o artista sente horror em seguir a linha mórbida do corpo vivo e a
suplanta pelo esquema geométrico? Todos os erros e mesmo fraudes do
cubismo não obscurecem o fato de que durante algum tempo nós nos
havíamos comprazido em uma linguagem de puras formas euclidianas.
O fenômeno se complica quando lembramos que periodicamente atravessa
a história essa fúria de geometrismo plástico. Já na evolução da arte pré-
histórica vemos que a sensibilidade começa por buscar a forma viva e
termina por eludi-la, como que aterrorizada ou enojada, recolhendo-se em
signos abstratos, último resíduo de figuras animadas ou cósmicas. A
serpente se estiliza em meandro, o sol em suástica. Às vezes esse asco à
forma viva se acende em ódio e produz conflitos públicos. A revolução
contra as imagens do cristianismo oriental, a proibição semítica de
reproduzir animais um instinto contraposto ao dos homens que
decoraram a caverna de Altamira tem, sem dúvida, junto ao seu sentido
religioso, uma raiz na sensibilidade estética, cuja influência posterior na arte
bizantina é evidente. (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 67-68).
Percebe-se a nítida relação da opinião de José Ortega y Gasset (2005) com
os postulados projetivos de empatia e abstração explanados quase vinte anos antes
por Wilhelm Worringer (1997, p. 14), em que o primeiro se relaciona estreitamente
com orgânico, ao passo que o segundo associa-se a um sentido oposto, de
supressão da vida, incorrendo em intranqüilidade, receio e medo.
A reminiscência da forma sem vida de uma pirâmide ou a supressão da vida
que é manifestada, por exemplo, nos mosaicos bizantinos, imediatamente
nos comunica que, aqui, a necessidade de empatia (a qual, por razões
óbvias, sempre tende para o orgânico), possivelmente não pôde ter
determinado a vontade artística. Na verdade, a idéia que se impõe sobre
nós é a de que temos, aqui, um impulso diretamente oposto ao de empatia,
o qual procura suprimir precisamente aquilo no qual a necessidade de
empatia encontra sua satisfação.
93
Este pólo-oposto da necessidade de empatia parece-nos ser a ânsia da
abstração
26
. (WORRINGER, 1997, p. 14, tradução nossa).
Uma nova perspectiva acerca desse tema, todavia, foi manifestada por Helio
Oiticica (1986, p. 30-31). Sua vivência artística levou-o a reflexões que apontam a
incongruência da oposição histórica entre formal e informal:
Hoje está para mim mais claro do que nunca que não é a aparência exterior
o que dá a característica da obra de arte e sim o seu significado, que surge
do diálogo entre o artista e a matéria com que se expressa. Daí o erro e
vulgaridade da distinção “informal” e “formal”. Na obra de arte tudo é
informal e formal, não sendo a aparência “geométrica” ou a aparência “sem
contornos ou de manchas” que determinam o formal e o informal. O
problema é bem mais profundo e está acima desta aparência. Quem diria
que Mondrian, p.ex., não está próximo a Wols, tão próximo na expressão de
grandeza interior e de concepção de vida. Mondrian funda um espaço
ilimitado, uma dimensão infinita, dentro da “geometrização” que lhe
atribuem, fazendo o mesmo Wols na sua “não-geometrização”. Ambos
criam o “fazer-se” do seu espaço, dando-lhe absoluta transcendência,
dimensão infinita. Quão longe estão as obras de Wols das “manchas” da
maioria dos seus seguidores, assim como as de Mondrian nada têm a ver
com os “geométricos” que vieram logo após a sua grande démarche. E, por
incrível que pareça, Mondrian está tão próximo de Wols. Pensando nos
dois, penso em Lao-Tsé. São ambos pintores de espaço, têm a faculdade
de dar ao espaço dimensão infinita e colocam a pintura numa posição ética
e vital de profundíssima significação. Nesse sentido são ambos os mais
significativos precursores do desaparecimento da pintura como veio até
agora sendo entendida. Mondrian num pólo, Wols no outro. Não se
preocupam com a aparência, mas com significados. Não tratam de destruir
a superfície e sim dão significados que transformam essa superfície de
dentro para fora. Mondrian chega ao ponto extremo da representação no
quadro pela verticalização e horizontalização dos seus meios. Daí, só para
trás, ou para a superação do quadro como meio de expressão, por estar o
mesmo esgotado. Mas Wols, no outro pólo, chega à mesma conclusão pela
não-fixação num núcleo de representação espacial e temporal dentro da
tela. Ambos são pintores do espaço sem tempo, do espaço no seu fazer-se
primordial, na sua imobilidade móvel. Não será este o limite mesmo da
pintura de representação? É. (OITICICA,
1986, p. 30-31, grifo nosso).
Diante do exposto, percebe-se que a distinção formal/informal guarda uma
relação estreita entre si e que, a depender da abordagem ou do procedimento
metodológico usado pelo artista ou pelo investigador, pode assumir aspectos ora
opositivos, ora complementares e se configuram, tanto um quanto outro, como
características intrínsecas da forma e do espaço, pois mesmo o informal torna-se
26
Recollection of the lifeless form of a pyramid or of the suppression of life that is manifested, for
instance, in Byzantine mosaics tells us at once that here the need for empathy, which for obvious
reasons always tends toward the organic, cannot possibly have determined artistic volition. Indeed,
the idea forces itself upon us that here we have an impulse directly opposed to the empathy
impulse, which seeks to suppress precisely that in which the need for empathy finds its satisfaction.
This counter-pole to the need for empathy appears to us to be the urge to abstraction.
94
visível ao olho humano por seus princípios formais. Parece paradoxal, porém, a
forma ou superfície mais irregular, gestual ou mancha que se possa materializar no
suporte bidimensional vai estar sempre subordinada às leis da forma e da percepção
visual. Ou seja, percebe-se o informal mediante os contrastes que segregam cores,
texturas, figura e fundo (na maioria das vezes, no caso do informal, essa distinção
entre figura e fundo não é clara ou, melhor dizendo, apresenta-se de maneira
ambígua). Essa oposição formal/informal, destacada pela história da arte, serve, na
realidade, a um propósito analítico em que a segregação de um ou de outro vai
variar, a depender dos ciclos históricos da produção de arte.
Um exemplo que ilustra isso é a classificação do ponto como uma forma, já
assinalada por Wassily Kandinsky (1984, p. 25; 27; 29), e as configurações espaciais
pela qual a repetição desses pontos (formas) resultam em uma relação de conjunto
que materializa uma outra configuração pela recepção daqueles estímulos pelo olhar
humano. As Figuras 15, 16 e 17 ilustram isso. A Figura 15 apresenta quatro pontos,
cuja disposição oferece à percepção humana a regularidade de um quadrado. Já a
Figura 16, quatro outros pontos dispostos diferenciadamente do primeiro exemplo.
Se vistos separadamente do primeiro conjunto, estes quatro últimos pontos
comunicam uma leitura de um losango (um quadrado inclinado). Ambas as
possibilidades vão ser percebidas pelo homem como figuras regulares geométricas.
Dificilmente se perceberá nelas quatro pontos de uma figura mais irregular como o
rosto de uma pessoa (Figura 17). Isso é explicado pela Gestalt, em sua lei básica da
percepção visual, a qual consiste no fato de que “[...] qualquer padrão de estímulo
tende a ser visto de tal modo que a estrutura resultante seja tão simples quanto as
condições dadas permitem” (ARNHEIM, 1980, p. 47), o que resulta no princípio da
simplicidade e esta, por conseqüência, conduz os estímulos a uma boa pregnância
formal.
A junção das Figuras 15 e 16 resulta em uma terceira nova forma: o círculo
(Figura 18). Neste último exemplo, o estímulo originado pela junção do conjunto
“quadrado” com o “losango” dificilmente possibilitará sua percepção separadamente.
É como se deixassem de existir e, pelo fato de se relacionarem entre si, configuram
a terceira forma geométrica (o círculo). Nisso, o fenômeno da proximidade contribui
destacadamente para a percepção daqueles pontos como um conjunto que forma o
círculo. Uma disposição espacial diferenciada, feita assimetricamente (a já citada
Figura 17), gerará um padrão formal distanciado da regularidade das três formas
95
geométricas mencionadas. Esse novo padrão, ainda que aparentemente se
apresente à percepção humana como irregular (e mesmo em se tratando de uma
figuração — um rosto de perfil), não deixa de guardar uma estruturação formal,
ainda que de maior complexidade e, em sendo assim, de maior dificuldade de leitura
por fugir à regularidade previsível dos quatro pontos que formam o quadrado. Ao
invés de reduzir sua estrutura aos quatro pontos, o perfil estabelece uma
configuração mais recortada, com saliências e reentrâncias para as quais os quatro
pontos em questão nada esclarecem de sua estrutura ou de sua configuração, pois
estas não são redutíveis ao “quadrado”. Trata-se da estruturação do informal.
Figura 15 – Estrutura do quadrado 1.
Reprodução: Arte e percepção visual
Fonte: Adaptação de Arnheim (1980, p. 46)
Figura 16 - Estrutura do losango.
Reprodução: Arte e percepção visual
Fonte: Adaptação de Arnheim (1980, p. 46)
Figura 17 - Estrutura do quadrado 2.
Reprodução: Arte e percepção visual
Fonte: Adaptação de Arnheim (1980, p. 46)
Figura 18 - Estrutura do círculo.
Reprodução: Arte e percepção visual
Fonte: Adaptação de Arnheim (1980, p. 46)
A descrição desses processos perceptivos, ilustrados pelos exemplos aqui
utilizados, caracteriza os vínculos de similaridade formal e de complementaridade
que guardam entre si. Não se justifica, portanto no contexto da pesquisa que
resultou nesta dissertação , a radicalidade da separação entre formal e informal, a
96
não ser, como já pontuado, didaticamente, como se procede a separação da luz,
cor, forma e espaço entre si, com o propósito de ressaltar uma ou outra
característica ou particularidade daqueles elementos plásticos. Sabe-se, todavia,
que esses elementos plásticos atuam em conjunto e não separadamente. Essa é,
inclusive, a forma como a percepção se dá no ser humano e como apregoou a
sensível análise do espaço perceptivo que a fenomenologia trouxe à tona,
principalmente nas reflexões de Maurice Merleau-Ponty. Justifica-se, inclusive, a
aplicação dessas idéias nos desdobramentos da arte brasileira neoconcreta e
mesmo em criações cuja ênfase ainda seja a bidimensionalidade, como se observou
no estudo que o filósofo francês fez sobre a obra de Cézanne (no texto A Dúvida de
Cézanne) e em diversas obras bidimensionais da arte brasileira, inserindo-se,
igualmente, a produção abstrata de Juarez Paraiso dos anos sessenta, conforme se
tentará demonstrar no terceiro capítulo desta dissertação.
É na perspectiva dessa evolução de complementaridade e inter-relação entre
formal e informal, do pressuposto de que a geometria não se encerra na radicalidade
da razão, do reconhecimento de que ela pode comunicar aspectos sensíveis,
emotivos e sensoriais que se norteou a produção neoconcreta no Rio de Janeiro
27
.
O programa de divulgação da produção neoconcreta no país possibilitou a
recepção, em Salvador, das obras dos artistas daquele movimento, poucos meses
após a realização da primeira exposição de arte neoconcreta, realizada no Museu de
Arte Moderna, no Rio de Janeiro, e do lançamento do Manifesto Neoconcreto, pelo
Suplemento Dominical do Jornal do Brasil.
Anunciada pela imprensa soteropolitana como uma “Grande Exposição de
Arte Neo-concreta” (INÉDITA..., 1959, p. 3), a mostra foi aberta às 18 horas
28
de 16
de novembro de 1959, uma segunda-feira, na Galeria do Departamento Municipal de
Turismo, espaço de expressiva atuação na divulgação das artes plásticas nas
décadas de cinqüenta e sessenta, mais conhecido como Belvedere da Sé, situado
no Centro Histórico de Salvador, no local onde existiu a Igreja da Sé. Identificado
27
Inicialmente, pode-se estranhar essa afirmação de inter-relação entre formal e informal na criação
neoconcreta. Todavia isso pode ser percebido na utilização de materiais como sacos plásticos
cheios d’água e outros elementos “moles”, sem rigidez formal (portanto, de configurações
informais), utilizados por Lygia Clark (em seus Objetos Relacionais, por exemplo) assim como
linhas (Baba Antropofágica) e em obras de Hélio Oiticica (areia, água, tecido etc.). A proposição
daquelas novas experiências não justificava a separação entre formal e informal, pois a
preocupação ali não era com a aparência externa da obra, e sim com sua significação estético-
sensorial, que se dava pela fruição dos perceptores.
28
O Diário de Notícias (NEOCONCRETISTAS…, 1959, p. 2) noticiou ser a abertura às 19h.
97
como “[...] o grupo do Rio, que milita no Suplemento Dominical do ‘Jornal do Brasil’”
(INÉDITA..., 1959, p. 3), o diário Estado da Bahia informava constar do evento:
pintura, desenho, gravura, prosa e poesia à maneira neoconcreta. Tratava-se de
algo que, além de visto, seria explicado ao público baiano em uma conferência que o
poeta e principal teórico do movimento, Ferreira Gullar, pronunciaria às 20h30,
naquele mesmo dia e local, ocasião em que foram convidados (pela imprensa)
poetas, escritores, pessoas interessadas em literatura e artistas em geral
(INÉDITA..., 1959, p. 3).
Dois dias antes da abertura da exposição ao público, chegaram a Salvador
Lygia Clark, Hélio Oiticica, Aloísio Carvão, Lygia Pape e os poetas Ferreira Gullar e
Cláudio Mello e Souza
29
. Segundo o mencionado periódico, o grupo “[...]
infelizmente, até o momento, [passou] desapercebido pela imprensa e por outras
pessoas do nosso meio cultural”
30
(INÉDITA..., 1959, p. 3). A exposição teve a
duração de quinze dias e ficou sob os cuidados do Diretório Acadêmico
31
do curso
de Arquitetura, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia.
O Estado da Bahia denunciou:
[...] o descaso com que os organizadores da Bahia agiram [...] [a exposição era]
sem dúvida o maior acontecimento cultural do ano na Bahia [...] não teve a
necessária cobertura jornalística, à maneira do que se faz com muitas
exposições de segunda que acontecem habitualmente. (INÉDITA..., 1959, p. 3).
29
O Diário de Notícias (NEOCONCRETISTAS…, 1959, p. 2) elencou os artistas que vieram a
Salvador, totalizando 12 pessoas. É possível que a reportagem estivesse relacionando todos os
artistas cujas obras vieram para Salvador, compondo a exposição, e não a presença física deles,
visto tratar-se de muitas pessoas e levando-se em consideração os compromissos pessoais que
muitos deles deviam ter. “São os seguintes os artistas que vieram a Salvador para divulgação do
movimento: Reinaldo Jardim, Ligia Clark, Ferreira Gullar, Ligia Pape, Claudio Melo e Souza, Carlos
Fernando Fortes de Almeida, Theon Spanudis, Willys de Castro, Hélio Oiticica, Amilcar de Castro,
Franz Weissmann e Aloisio Carvão.” (NEOCONCRETISTAS, 1959, p. 2).
duas edições do Estado da Bahia (INÉDITA…, 1959, p. 3; FERREIRA…, 1959, p. 3), noticiaram
apenas a presença de seis dos neoconcretos em Salvador: Lygia Clark, Hélio Oiticica, Aloísio
Carvão, Lygia Pape e os poetas Ferreira Gullar e Cláudio Mello e Souza.
30
O jornal dos Diários Associados comentava ainda a desorganização e a falta de apoio dos
organizadores à exposição: “Lamentavelmente ontem à noite a exposição ainda estava por montar
e a falta de qualquer assistência material aquí na Bahia, obrigou os expositores a lavarem com as
próprias mãos o chão e as paredes do Turismo e depois levantarem os painéis” (INÉDITA..., 1959,
p. 3). “Turismo”, aqui, refere-se ao local, a Galeria do Departamento Municipal de Turismo.
31
Segundo depoimento do artista e ex-professor da Escola de Belas Artes, Luiz Gonzaga de Oliveira
Cruz (GONZAGA, 6 jun. 2007), aluno de Belas Artes naquela época, o Diretório Acadêmico de
Arquitetura existia independente dos cursos de Artes Plásticas (constituídos de Pintura, Escultura e
Gravura). Luiz Gonzaga (que anos depois se tornaria representante estudantil do Diretório
Acadêmico de Artes Plásticas) esteve na abertura da exposição neoconcreta e comentou que os
trabalhos tridimensionais de Lygia Clark e de Hélio Oiticica foram os que mais chamaram sua
atenção.
98
Ainda segundo aquele jornal:
Exposição de arte que deveria, pela sua importância cultural, receber da
Bahia a maior atenção e o maior apoio, a mesma exposição que foi
recentemente convidada para ir a Stugart (Alemanha) num certame
internacional de Arte Concreta, passou até o momento pràticamente em
brancas núvens. (INÉDITA..., 1959, p. 3).
A edição do Estado da Bahia do dia seguinte à abertura da exposição
neoconcreta assim comentou a afluência à conferência de Ferreira Gullar:
[...] um pequeno mas interessado público [...] o encontro de idéias gerou
animado debate do qual participaram os poetas Carlos Anísio Melhor, João
Gil Gomes, Florisvaldo Mattos, Diretor da Biblioteca, Pericles Diniz
Gonçalves
32
e o gravador Henrique Oswald. (FERREIRA..., 1959, p. 3).
Por meio da exposição neoconcreta, a arte contemporânea fazia sua discreta
aparição no Estado
33
, ao tempo em que um grupo de artistas baianos da segunda
geração modernista exercitava suas criações abstratas e buscava legitimar uma
renovação plástica da cidade, tendo a abstração como linguagem de expressão.
2.3 GERAÇÃO ABSTRATA BAIANA
A luta contra a tradição acadêmico-realista da arte que predominava no
gosto da sociedade baiana na década de 1950 encontrou suas primeiras zonas de
conflito no batalhão de modernistas que atuou na primeira geração e introduziu
mudanças significativas nas artes plásticas, abraçando um regionalismo que
apontava como temas o modo de vida e o universo cultural da faixa
32
Outra fonte assinala ter sido Péricles Diniz Gonçalves quem criou a Galeria de Arte da Biblioteca
Pública do Estado. Referindo-se à abertura da primeira individual de Mário Campelo (aluno da EBA e
discípulo de Adam Firnekaes no curso de pintura do Icba) naquela galeria e apontando certa
dinamização do movimento plástico na capital baiana, Newton Sobral (1964c, p. 7) comentou: “Com
esta mostra, esperamos que o Diretor da BP, Sr. Péricles Diniz Gonçalves, que em bom tempo criou
aquela Galeria, volta a dinamizá-la para que possamos ter, novamente, exposições de alto nível
como as que marcaram o início dos seus trabalhos. Isto viria a bom tempo, em vista das proporções
que está assumindo o atual movimento das artes plásticas em nosso Estado e da carência de salas
[de] exposições que se sente com o fechamento temporário do Museu de Arte Moderna.”
33
Faz-se necessário observar que a exposição neoconcreta foi a primeira mostra de obras de Lygia
Clark e Hélio Oiticica em Salvador, além dos demais artistas neoconcretos. Essa exibição antecipa,
em sete anos, a participação dos dois artistas mencionados na Primeira Bienal Nacional de Artes
Plásticas, a Bienal da Bahia, aberta ao público em dezembro de 1966, no Convento do Carmo, em
Salvador, na qual ambos foram premiados. Lygia Clark granjeou o prêmio nacional de escultura.
99
economicamente pobre e socialmente relegada da população (operários,
lavadeiras, feirantes, prostitutas etc.). Essas modificações sacudiram a
mentalidade modorrenta e pouca afeita a renovações da sociedade e uma segunda
frente de batalha se deu, de igual forma, com a adoção da linguagem abstrata por
um grupo de representantes da segunda geração modernista do Estado, a postos
em suas guaritas a partir do início da década de 1960.
A abstração desenvolvida por alguns artistas desse segundo grupo
modernista serviu como estratégia de posicionamento de renovação da linguagem
plástica, entendida por muitos deles como internacionalização da arte moderna. Esta
expressão designava a adoção dos ideais e dos programas das correntes estilísticas
européias das vanguardas históricas e suas conseqüentes adaptações à expressão
pessoal de cada um deles. Era a informação cosmopolita privilegiada que chegava a
Salvador. Pretendia-se, com a adoção daqueles paradigmas, alavancar a arte no
Estado, com o intuito de diminuir a distância cultural em que a Bahia se encontrava
frente a outros estados brasileiros, notadamente os da Região Sudeste, e ainda
mais dos centros situados fora do país.
A bossa abstrata favorecia esse desejo de internacionalização da arte
moderna. Bossa abstrata deve ser entendida aqui como uma licença poética da
utilização de um vocábulo freqüente no final dos anos cinqüenta (bossa), o qual
correspondia a novidade, novo, no sentido de uma nova moda
34
e, nesta
dissertação, torna-se um substantivo composto (bossa conjugado à abstração).
Com base nessa perspectiva e na abordagem desta pesquisa, bossa abstrata
constitui-se na expressão que resume a postura (e a novidade estilística) com a
qual se podia confrontar o primeiro time de artistas modernos, assim como também
fornecer uma criativa resposta à regionalização freqüente das obras modernistas.
Um exemplo disso é fornecido por Juarez Paraiso. Adicional ao ensino e à
atividade como artista plástico, Juarez Paraiso assinava textos sobre arte
34
O termo, popular à época, estava presente na música com a Bossa-nova movimento da música
popular brasileira criado no final da década de 1950 e caracterizado pela renovação rítmica,
melódica e harmônica, por uma forma de samba suave e pausado, diferente do tradicional, e pela
valorização das letras (FERREIRA, 1999, p. 323) e no programa da TV Record O Fino da
Bossa, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, entre os anos de 1965 e 1967, que
apresentava bossa nova e samba de carnaval com forte base rítmica de jazz (GOMES, 2008).
Segundo Aurélio Ferreira (1999, p. 323) bossa designa, também, aptidão, pendor, vocação, queda.
Ex.: Tem bossa para música. Outra conotação é a de um atributo ou qualidade peculiar à pessoa
ou coisa, que faz com que elas agradem, chamem a atenção, distingam-se de uma ou de outra.
Ex.: “Este vestido é caro, mas tem muita bossa” (FERREIRA, 1999, p. 323).
100
publicados em alguns jornais de Salvador. Em um destes, no Diário de Notícias de
22 de julho de 1966, ele noticiava a exposição de guaches de Betty King no Museu
de Arte de São Paulo (Masp):
Betty King representa, e com extraordinária grandeza, toda uma geração de
artistas que se tornou independente das tradições regionais, do colorido
local e folclórico, do pitoresco enfim, que tem caracterizado grande parte de
nossos artistas conhecidos fora da Bahia. (PARAISO, 1966, p. 5).
À época, discutiam-se no país opiniões polêmicas, anunciando que a
abstração chegara ao fim, como a declaração do pintor modernista Di Cavalcanti
noticiada pela imprensa brasileira do Sul do país e replicada em Salvador pelo Jornal
da Bahia (SOBRAL, 1964b, p. 7). Dentre os três artistas sobre os quais o colunista
Newton Sobral reproduz comentários está Iberê Camargo, para quem a “[...] criação
de um artista é sempre singular e, portanto, jamais poderá deixar de existir”
Desaparecem aqueles que pintam à maneira de, “[...] os que procuram caminhar no
rastro que não é caminho” (SOBRAL, 1964b, p. 7). Newton Sobral (1964b, p. 7)
conclamava os artistas baianos abstratos a “[...] opinar sôbre [sic] o problema que é
um dos mais importantes para a pintura atual”. E assim se pautava a discussão
sobre o futuro da abstração na mídia de massa.
A reação à arte acadêmico-realista encontrou ainda um expressivo meio
instrumental nas técnicas da gravura e nas atuações e presenças de Mario Cravo
Júnior, Hansen Bahia e Henrique Oswald, que propiciaram uma mudança na
mentalidade da área artística de Salvador. Dentro do âmbito acadêmico da Escola
de Belas Artes, o carioca Henrique Oswald (Henrique Carlos de Bicalho Oswald,
1918-1965)
35
, pela intelectualidade, assim como pela produção artística
personalíssima e sofisticada na gravura e na pintura, rapidamente transformou-se
em uma espécie de guru dos jovens artistas-professores daquele estabelecimento,
35
Henrique Oswald era filho do pintor e gravador Carlos Oswald e foi casado com Jacyra Oswald. Em
1959 fixou residência em Salvador e começou a ensinar gravura em talho-doce, água forte e
xilografia na Escola de Belas Artes da Ufba (PONTUAL, 1969, p. 397). Jacyra Oswald, de igual
forma, ensinava naquela mesma instituição. Henrique Oswald chegou também a produzir obras
abstratas, conforme Roberto Pontual (1969, p. 398), que cita comentário de José Roberto Teixeira
Leite, ao se referir a ele ao lado de Hansen Bahia e Mario Cravo Júnior como um dos criadores da
moderna gravura baiana: “A pintura de Henrique Oswald, dos grandes painéis religiosos e
decorativos aos quadros de cavalete, e passando ao largo pelo período de iniciação, atravessou
três fases: a realista, sob a influência paterna, a de predominância não-representativa, como
recursos de textura, collage e grafismo, e a final, a que talvez se pudesse chamar de abstrata, visto
que nela o que se observa é a abstração plástica das formas naturais.”
101
justamente os da segunda geração moderna, e exerceu influência em diversos
alunos (PARAISO, 2007).
Os três gravadores citados contribuíram expressivamente para a produção
em gravura de Juarez Paraiso, Calasans Neto, Leonardo Alencar, José Maria,
Emanoel Araújo e Edson da Luz, dentre outros. Alguns destes artistas produziram
também obras abstratas, tais como Juarez Paraiso, Calasans Neto, Leonardo
Alencar e, de igual forma, Luiz Gonzaga, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e o
alemão Adam Firnekaes
36
.
No âmbito geral destacaram-se as presenças de Mario Cravo Júnior e Maria
Célia Amado. Como já pontuado, após seu desligamento da Escola de Belas Artes
(e antes mesmo de seu pedido de exoneração ser oficializado junto à diretoria
daquele estabelecimento), Maria Célia Amado fixou-se em São Paulo. Lá a artista
manteve um ateliê escola especializado em criações de padronagens de tecidos,
com parte das criações aproveitadas pela indústria têxtil
37
, e cursos de impressão
em tecido, assim como formação artística para professores primários e de artes para
adolescentes (PINTURA..., 1963, p. 1).
No que toca à vinda à Bahia de artistas de outros países que tiveram
relevância na produção abstrata, cita-se Betty King, Adam Firnekaes e Frans
Krajcberg (1921). O vínculo deste último com o Estado se deu pela participação na
Primeira Bienal Nacional de Artes Plásticas, quando já era um artista reconhecido
nacionalmente com mostras e premiações expressivas como a I Bienal de São
Paulo, em 1951, e as edições de 1953, 1955 e 1957 daquele certame internacional,
ganhando, nesta última, o Prêmio de melhor pintor brasileiro. O outro vínculo foi a
manutenção, a partir de 1973, de seu ateliê em Nova Viçosa, sul da Bahia. Uma
parte considerável da obra de Frans Krajcberg se dá mediante a utilização da
abstração. São exemplos muitas das esculturas feitas com resíduos ou troncos de
madeira, as quais ele trouxe para sua sala especial na Primeira Bienal Nacional de
36
A produção abstrata de Emanoel Araújo, artista da segunda geração modernista baiana, dar-se-ia
somente a partir de 1971, razão de não estar relacionado aqui.
37
Os tecidos criados com exclusividade eram assinados por ela e os que eram industrializados
recebiam a etiqueta “tirú” (MARIA..., 1963a, p. 5). Alguns tecidos pintados à mão foram exibidos no
Museu de Arte Moderna da Bahia (ainda no foyer do Teatro Castro Alves, Campo Grande) em 16
de julho de 1963, com diversas padronagens abstratas (MAMB..., 1963, p. 1).
102
Artes Plásticas, em 1966, em Salvador, retirando-as, quando soube que Lygia Clark
foi contemplada com o Grande Prêmio Bienal Nacional
38
.
Natural de New Orleans, Louisiana, Estados Unidos da América, e
descendente de família francesa (REVISTA DA BAHIA, 1965, não paginado), Betty
King (Betty King Alves de Almeida, 1932) estudou arte na Louisiana e em
Massachusetts, neste último com Hans Hoffmann e, a partir de 1954, em Paris, na
École des Beaux Arts e na Académie Grande Chaummierè. Casou-se com o
brasileiro Luiz Almeida e veio ao país em 1958, fixando-se inicialmente no Rio de
Janeiro, depois em Recife, até a vinda para Salvador. Entre o final dos anos
cinquenta e início dos sessenta, produziu desenhos e pinturas abstratas (Figuras 19,
20, 21 e 22) até uma fase figurativa, que se deu a partir de 1963, inspirada em
motivos baianos (COELHO, 1973, f. 84). Suas criações abstratas guardam uma
relação estreita com a corrente da abstração pós-pictórica norte-americana (Post-
Painterly Abstraction) e celebram a luminosidade tropical com harmonias cromáticas
de tons pastéis e texturas delicadas, em que predominam brancos, beges, amarelos
e lilases, sempre suavemente combinados com formas ora retangulares, ora
triangulares, as quais se prolongam verticalmente, criando áreas luminosas
pulsantes. Nas três pinturas em óleo aqui reproduzidas, os ritmos de formas
triangulares, trapezoidais, retangulares, ou mesmo ovóides, são acentuadamente
verticais, insinuando um direcionamento para o alto, o que deixa transparecer uma
sensação de espiritualidade e tranqüilidade, aspecto reforçado pelo predomínio de
tons claros.
38
O Grande Prêmio Bienal Nacional era de cinco milhões de cruzeiros e foi entregue a Lygia Clark
pela embaixatriz finlandesa que participou da cerimônia de premiação (ENTREGUES..., 1966, p.
8). Essa mesma reportagem do Diário de Noticias informou ainda que ”A sala que deveria estar
com os trabalhos do artista Krajcberg contém, apenas, os dizeres ‘O artista retirou os trabalhos’,
sendo uma constante pergunta dos que visitam: por que?”.
Outro periódico noticiou: “Franz Kracjberg não aceitou o Prêmio Nacional de Pesquisas Naturais no
valor de dois milhões por considerá-lo humilhante, levando em conta sua condição de vencedor da
Bienal de Veneza, e acusou o júri de provinciano e insultoso, dizendo-se vítima de ‘uma armadilha
armada por Mário Pedrosa e Mário Schemberg’, dois componentes da comissão julgadora.”
(JÚRI..., 1966, p. 2)
103
Figura 19 - Betty King. Composição.
Óleo s/ tela, 91,2 x 63,8 cm, s/ data.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto: Dilson Midlej
Figura 20 - Betty King. Composição II.
Óleo s/ tela, 92 x 60 cm, s/ data.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto: Dilson Midlej
Figura 21 – Betty King. Composição.
Óleo s/ tela, 64 x 91cm, s/ data.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Fonte: Reprodução do
Museu de Arte Moderna da Bahia
104
Figura 22 – Betty King. Composição.
Gouache. Dimensões não especificadas no original, s/ data.
Fonte: Revista da Bahia (1965, não paginado)
O outro artista-estrangeiro, o pintor, gravador e músico Adam Firnekaes
(1909-1966), nasceu em Wuerzburg, Alemanha. Sua iniciação em pintura deu-se
após a Segunda Guerra Mundial, em Munique, Alemanha, com Xaver Fuhr, na
Academia de Belas Artes. Chegou ao Brasil, no Rio de Janeiro, em 1950, e
permaneceu por oito anos como convidado da Orquestra Sinfônica daquele Estado
até transferir sua residência para Salvador, em 1958. Entre 1958 e 1961 lecionou
pintura na Escola de Belas Artes da Ufba. Como pintor, Adam Firnekaes explorava a
linguagem abstrata concomitantemente à figurativa, especializando-se em colagem,
principal característica das Figuras 23, 24 e 25, tendo sido ele a popularizar esse
procedimento como recurso de criação artística
39
.
39
Uma análise mais detalhada da trajetória e obra de Adam Firnekaes encontra-se em Dilson Midlej
(2007). No que toca à utilização da colagem, é conveniente a lembrança de ter sido Maria Célia
Amado quem introduziu essa técnica no ensino na Escola de Belas Artes, como comentado
anteriormente. Este esclarecimento faz-se necessário devido a alguns artigos de jornais dos anos
1960 terem anunciado Adam Firnekaes como o introdutor desta técnica na Bahia, o que não é
verdadeiro. Ele ajudou a tornar aquele procedimento artístico mais conhecido.
105
Figura 23 – Adam Firnekaes. Composição abstrata.
Óleo e colagem sobre tela, 100 x 100 cm, 1964.
Fonte: Paulo Darzé Galeria de Arte (2004, não paginado)
Figura 24 - Adam Firnekaes.
Técnica mista e colagem, dimensões não especificadas, s/ data.
Arquivo do artista.
Fonte: Acervo Bruno Visco, Salvador
106
Figura 25 - Adam Firnekaes. Em ascensão.
Técnica mista e colagem sobre tela,
62 x 14 cm, sem data.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Fonte: Reprodução do Museu de Arte Moderna da Bahia
Já no que tange à vinda de artistas de outros estados para Salvador, podem
ser citados Jenner Augusto (Jenner Augusto da Silveira, 1924-2003) e Leonardo
107
Alencar (1940), ambos sergipanos. O primeiro nasceu em Aracajú e mudou-se para
Salvador em junho de 1949. Autodidata, Jenner Augusto foi pioneiro da arte
moderna em Sergipe (com a realização dos murais decorativos do bar Cacique).
Trabalhou no ateliê de Mario Cravo Júnior e integrou o movimento de renovação das
artes plásticas na Bahia na década de cinqüenta, ao lado do citado escultor e de
Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Rubem Valentim e Lygia Sampaio (PONTUAL,
1974, p. 171-172). Conforme Roberto Pontual (1974, p. 172), a produção abstrata de
Jenner Augusto data de 1958, a partir da segunda exposição individual no Belvedere
da Sé (a primeira foi em 1956); dois anos depois e “Já inteiramente situado na
pesquisa da abstração lírica” (PONTUAL, 1974, p. 172) realizou uma mostra de
pinturas de grandes dimensões no Museu de Arte Moderna da Bahia, em 1960.
Todas as 23 telas daquela exposição foram vendidas, a maior parte para
colecionadores estrangeiros. Retomou a figuração em 1963, com a série de pinturas
dos Alagados, passando esse bairro de Salvador a ser um de seus temas mais
freqüentes (PONTUAL, 1974, p. 172).
As pinturas abstratas de Jenner Augusto caracterizam-se pela distribuição de
manchas cromáticas (Figuras 26 e 27) ao estilo tachista, nas quais operam, por meio
da cor e da textura da pasta pictórica, as zonas de contrastes e luminosidades que
cadenciam ritmos e tensões, criando efeitos visuais ora dramáticos, ora líricos. Ainda
que a preferência do artista se desse pela exploração intensa dos contrastes entre
matizes de cores, chegou a produzir algumas peças monocromáticas, a exemplo da
Figura 28.
Muitas peças de Jenner Augusto que compõem sua fase inicial de abstração
apresentam uma relação muito forte entre os elementos de marinha, tema
preponderante na produção do artista. Assim, percebe-se que muitas manchas das
pinturas daquele período tiveram como ponto de partida os reflexos do céu e das
rochas na água e a espuma do mar. Os ritmos e as massas de cores dispostas
horizontalmente nas Figuras 26 e 27 reforçam essa sensação.
108
Figura 26 - Jenner Augusto. Composição.
Óleo s/ tela. 73 x 92cm, 1960.
Coleção Luíza Silveira, Salvador.
Fonte: Pontual (1974, p. 110)
Figura 27 - Jenner Augusto. Pintura.
Óleo s/ tela. 54 x 73cm, 1960.
Coleção Luíza Silveira, Salvador.
Fonte: Pontual (1974, p. 140)
109
Figura 28 - Jenner Augusto. Campo vermelho.
Óleo s/ tela. 92 x 76,1 cm, 1963.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto: Dilson Midlej
O segundo artista, Leonardo Alencar, é natural de Estância, Sergipe, foi aluno
bolsista da Escola de Belas Artes da Ufba, mas não concluiu o curso. Estudou com
Mário Cravo Júnior e com Jenner Augusto e participou ativamente da vida artística
dos anos sessenta. Realizou sua primeira individual no Belvedere da Sé, em
Salvador, em 1960 e, nesse mesmo ano, em Aracajú, Sergipe (COELHO, 1973,
f. 140). Realizou obras abstratas por um período curto de tempo.
Nos anos da primeira metade da década de sessenta, alguns artistas também
experimentaram breves períodos de criação de obras abstratas, tais como os
baianos Sonia Castro e Jamison Pedra e o carioca Gley Mello
40
.
40
Pode-se lembrar, igualmente, do gravador baiano Helio Oliveira (Hélio de Souza Oliveira, 1929-
1962). Todavia, as obras aparentemente abstratas deste artista têm como motivação e resoluções
formais elementos da temática mística do Candomblé, como acontece com alguns trabalhos que
são, na verdade, pejis (altares das divindades, onde são depositadas as oferendas aos orixás).
Clarival do Prado Valladares (1962, p. 219-220) destacou este vínculo de figuração na obra de
Helio Oliveira: “[...] enquanto Calasans [Neto] tende para a abstração lírica e José Maria para um
renovado expressionismo, Hélio Oliveira, por força de sua motivação magística, tende para uma
solução simbolística” e “Suas composições de pejis correspondem ao problema da organização de
natureza morta mas implicam em significados magísticos e recônditos”.
110
Nascida em Salvador, Sonia Castro (Sonia Maria Castro, 1934) realizou seus
estudos na Bahia, iniciando-se na pintura em 1954, ao ingressar na Escola de Belas
Artes. Estudou pintura também em São Paulo, em 1958, sob a orientação de Maria
Célia Amado
41
. Posteriormente, receberia orientação em gravura de Henrique
Oswald. Sua primeira individual foi em 1960, na Biblioteca Municipal de Salvador
(SÔNIA..., 1964, p. 5).
Cenógrafa, figurinista e professora, Sonia Castro destacou-se como
gravadora, tendo como tema preponderante em suas xilogravuras e pinturas a figura
humana e, mais notadamente, a criança desvalida, miserável e sofredora, enfocada
numa atmosfera dramática. Esse período de produção artística de Sônia Castro foi
antecedido pela incursão na abstração, segundo noticia uma reportagem do Jornal
da Bahia (SÔNIA..., 1964, p. 5) acerca da inauguração de uma exposição da artista,
no dia 23 de outubro de 1964, na Galeria Goya (localizada à avenida Sete de
Setembro, 124, loja 13), instaurando “[...] uma nova tese de volta ao figurativo em
que predominam as imagens do sol, crianças e janelas”. O jornal transcrevia ainda
uma declaração da artista: “ Estava certa de que não não [sic] ia deixar de fazer
abstrato. Um dia fiz figurativo e não sal [sic] mais explica a artista. Foi uma
coisa expontanea [sic], sem previsão” (SÔNIA..., 1964, p. 5).
Jamison Pedra (Jamison Pedra Prazeres, 1938) nasceu em Valença, Bahia e
veio para Salvador em 1945. É formado pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia, onde lecionou até 1995. Expôs individualmente, pela
primeira vez, em 1963 (Galeria Bazarte, Salvador). Desde então, realizou diversas
mostras no Brasil e no exterior. Um exemplo de sua pintura abstrata é a Figura 29,
estruturada em variações de formas quadrangulares e tratamento colorístico
monocromático com predomínio de cores quentes. O artista explora as relações
41
A reportagem, de onde foi extraída a informação, grafava “Mariacélia”. Deduz-se se tratar, nesta
dissertação, de Maria Célia Amado, que Sônia Castro deve ter conhecido na Escola de Belas Artes
(EBA) e, posteriormente, mudar-se-ia para São Paulo. A data de estudos com Maria Célia Amado
em São Paulo, assinalada pelo periódico, é anterior à conclusão do curso de pintura de Sonia
Castro na EBA, que se deu em 1959 (SOBRAL, 1964a, p. 7). É possível que o aprendizado em
São Paulo tenha se dado durante os meses de férias do curso Pintura, da EBA.
Quanto a Maria Célia Amado já estar estabelecida em São Paulo, é importante lembrar que o
pedido de exoneração dela, pleiteado à EBA, somente foi avaliado pela Congregação daquele
estabelecimento em 20 de maio de 1959. Anos depois, uma reportagem do Jornal da Bahia
(MARIA..., 1963a, p. 5) dá a entender ter Maria Célia Amado se dedicado à pintura e à
padronagens de tecidos, “atividade a que vem se dedicando há seis anos, em São Paulo”; ou seja,
seguramente, Maria Célia Amado já estaria em São Paulo em 1958, ano em que Sonia Castro
estudou com ela e ano de retorno de Maria Célia Amado ao Brasil, após dois anos de gozo de
bolsa de estudo em Paris (MARIA..., 1963b, p. 1).
111
entre as formas e o fundo, criando ambigüidades de sensação de profundidade,
tendo em vista a justaposição entre figura e fundo. A tendência é o observador
considerar como forma os retângulos trabalhados com detalhamento de texturas e
inserções de retângulos de tamanhos menores e, como fundo, as superfícies menos
detalhadas ou mais uniformes.
Figura 29 - Jamison Pedra. S/ título.
Óleo s/eucatex, 100 x 60 cm, 1965.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto: Dilson Midlej
Gley Mello (Glei Cabral de Melo, 1944) nasceu no Rio de Janeiro e veio
residir em Salvador em 1963, ocasião em que passou a estudar gravura com
Henrique Oswald, na Escola de Belas Artes da Ufba. Anos depois, graduou-se em
licenciatura em desenho. Nos anos sessenta dedicou-se à produção de gravuras e
pinturas abstratas de grande dinamicidade, como comprovam as Figuras 30, 31 e
32. As duas primeiras gravuras distinguem-se pelo uso contrastante entre as massas
negras e o branco do papel ou da superfície, tirando partido da dualidade e
ambigüidade de formas positivas e negativas, ainda que não fique claro ao
observador se o que constitui a figura é o negro ou o branco. As texturas
112
acinzentadas e ranhuradas que a xilografia possibilitava eram recursos relativamente
raros nas gravuras do artista, ainda que as tenha utilizado com parcimônia, como se
vê na Figura 32.
Figura 30 - Gley Mello. Heteroformos.
Xilogravura, 30 x 20 cm, 1966.
Fonte: Mello ([2006], não paginado)
Figura 31 - Gley Mello. Heteroformos.
Técnica mista, 50 x 35 cm, 1968
Fonte: Mello ([2006], não paginado)
Figura 32 - Gley Mello. Sem título.
Xilogravura, 32,5 x 44 cm, 1966.
Acervo Museu de arte moderna da Bahia.
Fonte: Mello ([2006], não paginado)
113
Juarez Paraiso conheceu Adam Firnekaes no Instituto Cultural Brasil-
Alemanha (Icba ou Goethe Institut), local onde o pintor alemão ministrava um curso
de pintura experimental para leigos, iniciado em 1962. A partir daquele momento,
estabeleceu-se uma amizade entre os dois artistas e, em razão de objetivos e
interesses comuns, juntos, organizaram a exposição Artistas Abstratos da Bahia
42
,
aberta às 18 horas do dia 2 de março de 1964, conforme noticiaram os jornais locais
(ANTES..., 1964, p. 3; ICBA..., 1964, p. 6). A mostra reuniu as produções abstratas
dos dois às de Calasans Neto, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e Luiz Gonzaga.
Essa exposição marcou o início das atividades do Icba naquele ano. O jornal A
Tarde (ARTISTAS..., 1964b, p. 16) estampava uma foto (Figura 33), na qual
figuravam Luiz Gonzaga, Juarez Paraiso, Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e Adam
Firnekaes. Tendo como título Artistas Abstratos no Icba, o diário noticiou o evento da
seguinte maneira:
É essa a primeira vez que expõem juntos os principais representantes da
pintura abstrata na Bahia, o que, no dizer do prof. Hélio Simões, desmente
seja a Bahia, “centro e cidadela de um academismo tradicionalista e
retrógrado, ou pelo menos, de um academismo estático e saudosista”. A
exposição ocupa três amplos salões do ICBA e apresenta, o que constitui
novidade na Bahia, um catálogo bem impresso, com um texto do professor
e crítico Hélio Simões, notas bibliográficas [sic] dos artistas e reprodução de
um trabalho de cada expositor. (ARTISTAS..., 1964b, p. 16).
42
Depoimento do artista ao autor. No catálogo da mostra, todavia, consta como crédito para “Capa e
Organização” somente o nome de Adam Firnekaes, o que pode significar ter sido ele apenas o
organizador do catálogo e não uma referência à organização da exposição propriamente dita. Sante
Scaldaferri (1998, p. 89) aponta somente Adam Firnekaes como organizador daquela mostra. Não
somente Juarez Paraiso se declara organizador do evento juntamente com Adam Firnekaes, como
essa informação consta no currículo do artista baiano, no livro A Obra de Juarez Paraiso (PARAISO;
FALCÃO, 2006, p. 344), elencada na parte de exposições coletivas, ano de 1964.
114
Figura 33 – Fotografia 1.
Arquivo Adam Firnekaes, Salvador.
Da esq. para a dir.: Luiz Gonzaga, Juarez Paraiso,
Riolan Coutinho, Sante Scaldaferri e Adam Firnekaes.
Fonte
: Artistas... (1964b, p. 16)
O catálogo a que a reportagem de A Tarde se referiu (Figura 34) conferiu um
tratamento profissional à mostra e materializou um documento de registro à
posteridade.
115
Figura 34 – Capa do catálogo da exposição Artistas Abstratos da Bahia.
Acervo Luiz Gonzaga, Salvador.
Foto: Dilson Midlej
O pintor, gravador e escultor Calasans Neto (José Júlio de Calasans Neto,
1932-2006) nasceu em Salvador. Acometido de poliomielite, aos sete anos de idade,
ficou com algumas seqüelas. Na adolescência descobriu a gravura. Calasans já
conhecera Genaro de Carvalho, quando da realização do mural do Hotel da Bahia, e
recebera o convite para utilizar o ateliê deste último. Depois, seguiu-se um curso
livre com Mario Cravo Júnior, na Escola de Belas Artes. A escolha da gravura deu-se
pela afinidade e pela possibilidade de circulação da obra, conforme declarou: “[...]
descobri que trabalhando como gravador, com o múltiplo, poderia ter uma maior
facilidade de circulação. O meu trabalho podia viajar num país tão grande.”
(PORTUGAL et al., 1998, p. 119).
O trabalho abstrato de Calasans Neto tem como ponto de partida texturas
livres que formam superfícies diferenciadas entre si. Os contrastes no
entrelaçamento dessas áreas negras com as texturizadas criam dramáticas
ambientações semelhantes às que se podem observar em formações rochosas
(Figura 35), processo que evidencia a abstração como resultado de estilização
formal a que o artista submete as formações rochosas (rochas das praias, as grutas,
as ondas quebrando nos arrecifes etc.). O artista deixa entrever esse vínculo nos
títulos das obras. Um exemplo que evidencia essa estilização formal é uma imagem
que compõe o álbum Taigara (Figura 36), na qual é mais nítido o ponto de partida do
artista para a estilização, almejando alcançar uma formulação abstrata.
116
Figura 35 – Calasans Neto. Grande gruta.
Xilogravura, 65 x 47 cm, 1962.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Fonte: Museu de Arte Moderna da Bahia (2002, p. 136)
Figura 36 – Calasans Neto. Pedra de Taigara.
Xilogravura, dimensões não especificadas no original, [1964].
Obra apresentada na exposição Artistas Abstratos da Bahia, no Icba, em 1964.
Fonte: Artistas... (1964a, não paginado)
117
Riolan Coutinho (Riolan Metzker Coutinho, 1932-1994) nasceu em Pojuca,
Bahia, e teve seu aprendizado na Escola de Belas Artes, com ingresso no curso
Pintura, em 1950, concluindo-o cinco anos depois (COUTINHO, 1950-1957, p. 3).
Juntamente com Juarez Paraiso, trabalhou na organização das I e II Bienais
Nacionais de Artes Plásticas (Bienais da Bahia), em 1966 e 1968, respectivamente
(COELHO, 1973, f. 162). A produção abstrata de Riolan Coutinho secundou obras
de cunho expressionistas que realizava anteriormente e caracterizava-se pelo
tachismo, tendo em vista a ênfase em largas manchas cromáticas que o artista
explorava nas pinturas, como se observa nas Figuras 37 (obra exposta em Artistas
Abstratos da Bahia), 38 e 39. Perduraria na abstração até 1967, quando retornou à
figuração (COELHO, 1973, f. 162).
Figura 37 – Riolan Coutinho.
Pintura, dimensões não especificadas na fonte, 1964.
Obra apresentada na exposição Artistas Abstratos da Bahia – Icba, 1964.
Fonte: Artistas... (1964a, não paginado)
118
Figura 38 – Riolan Coutinho. S/ título.
Óleo s/eucatex, 76 x 55 cm, s/ data.
Coleção Luiz Gonzaga. Salvador.
Foto: Dilson Midlej
Figura 39 – Riolan Coutinho. S/ título.
Óleo s/tela, 89,5 x 72 cm, s/ data.
Acervo Museu de Arte Moderna da Bahia.
Foto: Dilson Midlej
Sante Scaldaferri (1928) é natural de Salvador. Diplomou-se em Pintura
pela Escola de Belas Artes da Ufba em 1957. A maior parte de sua produção em
pintura é figurativa e reflete a raiz popular, mais especificamente o drama do povo
dos sertões nordestinos, sua cultura e sua religiosidade. Desde 1957 usa o ex-
voto como signo-símbolo. A partir da década de 1980, passou a utilizar a técnica
de encáustica (ARTISTAS..., 1964a, não paginado). Sua produção abstrata, como
nas pinturas vistas nas Figuras 40, 41 e 42, caracteriza-se pela utilização da cor
e texturas que extraem recursos da matéria, como se fora representações de
vistas aéreas de regiões com fortes elementos matéricos, os quais, combinados
ou opondo-se uns aos outros, terminam por produzir sensações mistas de
estranheza e de beleza.
119
Figura 40 – Sante Scaldaferri. Fuga.
Óleo s/ tela. Dimensões não informadas na fonte, 1960
Fonte: Scaldaferri ([1988], não paginado)
Figura 41 – Sante Scaldaferri. A ilha.
Óleo s/ tela. Dimensões não informadas na fonte, 1963
Fonte: Scaldaferri ([1988], não paginado)
120
Figura 42 – Sante Scaldaferri. Nordeste.
Pintura, dimensões e data não especificadas na fonte.
Fonte: Reprodução de Arquivo do artista.
Obra consta no catálogo Artistas Abstratos da Bahia (1964a, não paginado).
O próprio artista pontua sua produção abstrata como realizada em dois
momentos: um que chamou de “cósmico”, representado por Fuga (Figura 40), e
outro de “aerofotogramétrico” (TRIPODI, 1999, f. 61), dos quais A ilha (Figura 41) e
Nordeste (Figura 42) são exemplos. Nordeste foi exibido na inauguração do Museu
de Arte Popular do Museu de Arte Moderna, no Solar do Unhão, em 1963. No ano
seguinte, participou de duas mostras: a mencionada Artistas Abstratos da Bahia, em
1964 e, naquele mesmo ano, na mostra de título Artistas da Bahia, na Galeria do
Serviço de Informação e Divulgação Cultural dos Estados Unidos da América
United States Intelligence Service (Usis).
E, por fim, Luiz Gonzaga (Luiz Gonzaga de Oliveira Cruz, 1936) ou Gonzaga,
como assinava suas obras, nasceu em Alcobaça, Bahia, e estudou, em 1950, na
primeira série do Curso Anexo da Escola de Belas Artes da Ufba, antes de tornar-se
aluno regular de Pintura, daquela instituição, em 1959, concluindo-o em 1963
(REVISTA DA BAHIA, 1965, não paginado).
A opção pela abstração deu-se como conseqüência do esforço empreendido
pelo artista, para evoluir do aprendizado de formação acadêmica para uma área de
criação mais livre e expressiva. Trabalhou com gouache (Figura 43), depois com
óleo e empastes de tinta e, em alguns casos, com massa de gesso e pigmento para
121
dar relevos e criar texturas específicas. Ele era ainda estudante
43
da EBA quando
participou da exposição Artistas Abstratos da Bahia, no Icba, em 1964 (Figura 44),
ano também de realização de outra pintura (Figura 45), a qual fazia parte de uma
série de cinco, de predominância de tons terrosos-avermelhados.
Figura 43 – Luiz Gonzaga. Sem título.
Gouache. Dimensões e data não especificadas na fonte.
Fonte: Revista da Bahia (1965, não paginado)
Figura 44 – Luiz Gonzaga. Sem título.
Pintura, dimensões não especificadas na fonte, 1964.
Fonte: Catálogo Artistas Abstratos da Bahia (1964a, não paginado)
43
Depoimento do artista ao autor. Após a conclusão do curso Pintura, em 1963, Luiz Gonzaga
continuou com o vínculo de aluno até seu ingresso como professor na Escola de Belas Artes da
Ufba (REVISTA DA BAHIA, 1965, não paginado).
122
Figura 45 – Luiz Gonzaga. Sem título.
Óleo s/eucatex, 77 x 110 cm, 1964.
Coleção Luiz Gonzaga. Salvador.
Foto: Dilson Midlej
O artista utiliza como recurso expressivo a pastosidade da tinta e a
texturização do suporte contrapostos a estruturas circulares e ovóides para
estabelecer relações de força e tensões entre os elementos da composição.
Resultam em obras de estruturações informais e de forte dramaticidade, como a
Figura 43. O uso de terras, beges e ocres vai configurar a monocromia da Figura 45,
como a deixar transparecer ao fruidor que as relações dinâmicas de peso e oposição
entre as formas mais estáveis podem, a qualquer instante, atingir a desestruturação
que começa a se evidenciar no centro do trabalho, alternando a harmonia da
flutuação das formas ovóides com um desprendimento de forças que implodem a
calmaria reinante.
123
3 QUIXOTE ABSTRATO
3.1 POÉTICA VISUAL: ESTILOS E TÉCNICAS
Com as descobertas e o aprofundamento do conhecimento sobre os
conceitos formais e as concepções de espaço que as novas correntes estilísticas do
início do século XX trouxeram à arte mundial desenvolveram-se pesquisas e teorias,
nas quais se observou que os elementos plásticos (linha, textura, superfície, volume,
cor, entre outros) manipulados pelos artistas podem expressar aspectos os mais
variados, de beleza, força, dinamicidade, de dramaticidade a suavidade, de graça e
delicadeza, uma vez que aqueles elementos carregam, em suas configurações,
forças sígnicas, as quais, bem exploradas em nível artístico, vão gerar estímulos que
são apreendidos sensorialmente pela cognição humana
1
.
Dentre os aspectos mencionados, assumidos pelos elementos plásticos,
observam-se alguns que se destacam na produção de Juarez Paraiso: o dinamismo
(a ênfase estrutural), a organicidade (a interdependência dos elementos plásticos e
a estruturação de imagens que se assemelham às naturais) e a sensualidade. Esta,
por sua vez, distingue-se da eroticidade. Ainda que a obra deste artista reflita uma
constante preocupação erótica, explorada em técnicas variadas e manifestada
destacadamente em trabalhos figurativos, é em sua produção de arte abstrata —
talvez pela promoção da desvinculação com o referente — que predominam os
elementos que mais notadamente traduzem visualmente a sensualidade.
Embora esteja muito próxima do erotismo, a sensualidade apela para todos
os sentidos humanos, de forma sensível e comportamental, normalmente dentro de
convenções sociais acordadas que permitem essa expressão da libido humana. Ela
se apresenta de maneira diferenciada da freqüente preocupação do erotismo, que é
a de potencializar o sexual, distinguindo-se, portanto, deste último, ainda que guarde
vínculos de proximidade e se converta numa potente forma de expressão de
1
Faz-se necessário observar que a cultura simbolista já concebia a linha como energia e como força,
a exemplo de Mackmurdo, Obrist (linha espiralada), Beardsley (linha como energia), Toulouse-
Lautrec, Chéret (linha serpentina), Horta, Endell, Toorop e Munch (FABRIS, 1987, p. 110), e que o
dinamismo plástico foi utilizado pelos futuristas italianos como contraposição à imobilidade cubista.
124
conteúdos que chegam mesmo a superar aqueles de apelos eróticos mais
evidentes. O sensual afeta os órgãos do aparelho sensorial humano e excitam os
prazeres das sensações, não necessariamente os sexuais. Exemplo disso é o
deleite produzido por coisas sensíveis que não sejam, necessariamente, eróticas.
Marlene Fortuna (2002, p. 209) argumenta que, do ponto de vista artístico,
tanto o erótico quanto o sensual podem ter dimensão de obra de arte, quando bem
trabalhados.
O erótico ativa emoções mais carnais e menos espirituais do que o sensual,
que é mais sutil. Este não cobra necessariamente apetite sexual. Ativa
sensações menos carnais e mais espirituais do que o erótico. Admite o amor
platônico mais do que o erotismo que cobra a concretude, a materialização, a
solidificação das pulsões sexuais. (FORTUNA, 2002, p. 209).
A sensualidade na obra de arte pode, todavia, corresponder a um estímulo
erótico recalcado, como observou Meyer-Shapiro (1968 apud BAZIN, 1989, p. 273)
ao comentar as maçãs pintadas por Cézanne. O motivo simplificado daquelas frutas
não somente dava ao pintor o ensejo de se concentrar em problemas de formas,
mas servia também para expressar estados de alma que no caso de Cézanne iam
desde a severa contemplação até a sensualidade e o êxtase.
Em toda a sua trajetória artística, Juarez Paraiso portou-se como um artista que
sempre valorizou, incondicionalmente, a liberdade de expressão. Não temeu a
reprovação pública a suas obras e o que poderia assumir um âmbito moral de pudor
social, aquele no qual, na concepção de Jean Claude Bologne (1990, p. 219), a obra
pronta tem que receber a aprovação do público. Não que o artista desconsiderasse a
opinião deste, mas por não condicionar sua criatividade e expressão aos padrões
morais vigentes, os quais tendem a um conservadorismo sufocante. Essa liberdade de
expressão e a relação de verdade que transparece em sua produção vão possibilitar a
materialização de elementos que comuniquem sentidos, pois, ao buscar refletir-se
inteiro na arte, ali registra suas impressões do mundo, suas ideologias e suas
preocupações existenciais, as quais assumem formas variadas de manifestações, da
representação bidimensional aos grandes murais públicos, esculturas e ambientes.
Essa atitude reflete sua relação fenomenológica com o mundo, em estreita sintonia
com o dever-ser “[...] compreender de todas as maneiras ao mesmo tempo [...] tudo
tem um sentido [...] nós reencontramos [no sentido] sob todos os aspectos a mesma
125
estrutura de ser” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 17)
2
. Este filósofo afirma ser o próprio
fato de existirmos que nos condena ao sentido: “Porque estamos no mundo, estamos
condenados ao sentido” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 18, grifo do autor).
Essa relação fenomenológica entre homem e mundo, naturalmente, não é
prerrogativa de Juarez Paraiso ou de qualquer outro artista, ou mesmo de uma
categoria profissional em especial, e sim do ser humano, pois não é algo que se
escolha ter ou não. O que ocorre é que essa relação, muitas vezes, passa
desapercebida e é camuflada pelo intelectualismo. No caso de Juarez Paraiso (e de
artistas de uma forma geral), é sua sensibilidade que o habilita à apreensão dos
sentidos que se desdobram com base nesse vínculo fenomenológico com o mundo.
Esses sentidos são facilmente percebidos em sua produção artística.
Assim, a necessidade de compreender de todas as maneiras ao mesmo
tempo, aqui referida como um postulado da fenomenologia, está presente na criação
artística de Juarez Paraiso em todas as fases de sua trajetória. Sua sensibilidade em
lidar com os temas demonstra o compromisso na apreensão das características
principais do objeto representado (nas obras figurativas), da atmosfera de suas
criações (tanto nos trabalhos figurativos quanto nos não-objetivos) e da síntese de
seus enfoques artísticos, aplicando uma espécie de metodologia criativa que se
assemelha a uma particular e pessoal redução fenomenológica, possibilitada por sua
sensibilidade e capacidade de investigação plástica, por meio da linguagem da arte,
que também lhe possibilita apreender a essência dos entes. Como conseqüência,
essa essência é transmitida em suas obras.
O artista vale-se, portanto, de uma verdade percebida sobre o assunto que
deseja tratar (no caso de obras figurativas ou objetivas) e, pelas sínteses artísticas
das quais lança mão, atinge o âmago da essência do ser (motivo da obra). Esse
percurso materializado em uma obra final, se feito com integridade de expressão e
em se tratando de uma sensibilidade extremada, produz o que se constitui verdade
artística, processo intimamente ligado ao estilo do artista e cuja verdade expressiva,
materializada na obra, oferece-se inteiramente ao perceptor (quem a vê ou a
experiencia).
2
Essa assertiva é fruto de um comentário de Maurice Merleau-Ponty (1999, p. 17) acerca de como
se deve compreender a história. Para ele, não se deve fazê-lo a partir da ideologia, da política, da
religião ou da economia, e sim de todas as maneiras, ao mesmo tempo: “Todas essas visões são
verdadeiras, sob a condição de que não as isolemos, de que caminhemos até o fundo da história e
encontremos o núcleo único de significação existencial que se explicita em cada perspectiva.”
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 17).
126
No que toca à assertiva “Porque estamos no mundo, estamos condenados ao
sentido”, Maurice Merleau-Ponty (1999, p. 18), ao explicitar o que seria o mundo
fenomenológico, pontua a relevância que possuem o sentido e a verdade (ou uma
verdade, mais especificamente, dentre as demais):
O mundo fenomenológico é não o ser puro, mas o sentido que transparece na
intersecção de minhas experiências, e na intersecção de minhas experiências
com aquelas do outro, pela engrenagem de umas nas outras [...] O mundo
fenomenológico não é a explicitação de um ser prévio, mas a fundação do
ser; a filosofia não é o reflexo de uma verdade prévia mas, assim como a arte,
é a realização de uma verdade. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 18-19).
A fenomenologia parece constituir-se em um quadro de referência teórica que,
pelos aspectos aqui pontuados e pela união que promove entre o extremo
subjetivismo (a valorização dos aspectos sensíveis) ao extremo objetivismo (a
observação e a descrição dos fenômenos), pode auxiliar a compreensão do alcance
da produção poética de Juarez Paraiso, mesmo em sua relação com a abstração.
Ainda que suas obras não apresentem imagens reconhecíveis do mundo, não deixam
de ser uma manifestação sensível de um ser-no-mundo. Graças à liberdade que a
abstração proporciona à criação, faz-se pano de fundo para sínteses expressionais do
ser, na forma de arte. Essas sínteses visuais se dão na forma de fluxos de linhas, na
dinâmica e na expressão traduzidas pelas peças abstratas, incluindo aí a
sensualidade e o gosto pela graciosidade das estruturas curvilíneas que compõem a
esmagadora maioria da produção do artista. Estas estruturas refletem uma
preferência pela busca do movimento e tensões que capturam o olhar e o conduzem a
um torvelinho mágico e ao êxtase. Esse movimento vai emprestar uma característica
“barroca” à criação do artista e, no caso das abstrações, vão espelhar uma espécie de
sentimento barroco que se caracteriza muito mais pelos aspectos mencionados do
que pelo excesso, que é também uma característica preponderante barroca.
Quanto ao dinamismo ou à ênfase estrutural, preocupações constantemente
manifestadas em sua poética abstrata, o artista vale-se de recursos oriundos de
pesquisas dos elementos plásticos (linha, forma, textura, cor, entre outros). Dentre
essas pesquisas encontram-se contribuições expressivas como a de Paul Klee,
manifestadas em suas teorias, bem como em sua produção como artista. Em suas
teorizações, partindo do simples ponto em progressão para a linha, ele a eleva,
como medida de toda proporção, à noção eminentemente energética das linhas de
127
força atuantes nas estruturas dinâmicas da representação plástica, assim como as
correntes de água o fazem ao rio. Paul Klee substitui a velha noção estática de
simetria pela de igualização das partes desiguais, mas equivalentes, como observou
o crítico paraibano Mário Pedrosa (1900-1981) (1975, p. 77). Referindo-se ao
resumo feito pelo artista de suas lições da Bauhaus sobre energia cinética e
cromática, no livro Esboços Pedagógicos, o crítico comenta:
Na última parte, dedicada aos fenômenos energéticos, ele introduz, para
compreensão e definição dos fenômenos naturais, um elemento externo,
mas fundamental que é o quantum humano, isto é, a idéia, uma forma
simbólica. Para Klee, a “composição” só existe como “coordenação cinética
ou “solução de infinitude cinética”. A energia, como num sistema
termodinâmico, se resolve então por uma “intensificação da cor”, que se
move entre o extremo negro e o extremo branco. (PEDROSA, 1975, p. 77).
As obras abstratas que Juarez Paraiso produziu na década de 1960 situam-
se, justamente, nas extremidades do espectro de cor ou, mais exatamente, sem a
presença física-ótica da cor pigmento, uma vez que o artista baiano valeu-se,
naquela produção de arte abstrata, somente dos valores preto e branco e suas
variações acinzentadas, oriundas das texturas obtidas mediante o uso da linha
preta sobre fundo de áreas predominantemente brancas e, ocasionalmente,
trabalhadas com volumes ou aplicações de tinta nanquim vaporizada. Este recurso
confere à superfície gradações diversas de acinzentados, a depender da
concentração de tinta espalhada no suporte. O predomínio de valores observa-se
também nas pinturas a guache (Figuras 50 a 54) do artista, momento em que
poderia ter optado por cores.
Além do “quantum humano” a que Mário Pedrosa (1975, p. 77) se referiu,
vamos encontrar em outro artista, Wassily Kandinsky, uma construção teórica que
guarda certa similitude com a de paul Klee: a de campo de energia-tensão. Em
Wassily Kandinsky, consoante Mario Pedrosa (1975, p. 77): “[...] os objetos não são
outra coisa, senão um campo de energia-tensão, e, quanto à composição, é um
simples arranjo de linhas.” Ele ensinava aos alunos na Bauhaus a observar não a
aparência externa do objeto, mas seus elementos estruturais e o que ele chamava
de força lógica e tensões. Esses elementos estruturais também estão presentes na
obra de um terceiro artista e, semelhante aos dois já citados, pioneiro da abstração,
que desenvolveu uma obra cujos princípios terminaram por constituir o
neoplasticismo: o holandês Piet Mondrian.
128
Para Mondrian, o ritmo é tudo, pois sua função é expressar o movimento
dinâmico através de uma contínua oposição dos elementos da composição.
Por este meio, a obra de arte, uma pintura, é uma espécie de campo
eletromagnético onde forças contraditórias, mas organizadas exprimem o
que ele designa por ação, quer dizer, vida. (PEDROSA, 1975, p. 77).
Pondera-se que a percepção da superfície bidimensional, entendida como
uma espécie de campo eletromagnético, é uma imagem que representa bem as
forças que exprimem o dinamismo, a estruturação e a ação nas obras abstratas de
Juarez Paraiso. A maioria delas, produzida na década de 1960, apresenta fundo
branco (ou claro) em relação aos traços negros, cinzas e às texturas. Nelas, o
branco constitui fundo inseparável da unidade percebida. A Gestalt explica que não
podemos perceber unidades visuais isoladas, mas sim relações. Desta maneira, um
elemento como a linha, como se observa em Juarez Paraiso, é percebido na
dependência de outro elemento: o plano que constitui o fundo.
Ainda que o dinamismo seja, a partir do início dos anos sessenta, uma
característica das abstrações de Juarez Paraiso, sua produção inicial experimentou
um geometrismo de vida breve. Refere-se, aqui, às obras datadas de 1959, das
quais as Figuras 46 e 47 são exemplos. Essas peças traduzem uma interpretação de
espaço de formulação geométrica e constituem-se nas primeiras experimentações
do artista no campo da abstração geométrica.
Figura 46 – Juarez Paraiso.
Xilogravura, dimensões não especificadas
na fonte, 1959.
Fonte: Paraiso (2001, p. 68)
Figura 47 Juarez Paraiso.
Xilogravura, dimensões não especificadas
na fonte, 1959.
Fonte: Paraiso (2001, p. 67)
Outras obras calcadas no geometrismo foram ainda desenvolvidas no início
dos anos sessenta (Figuras 48 e 49), dessa vez em técnica mista e com aplicação
de cores. As zonas de cor apresentam-se em oposições entre chapados e áreas
129
texturadas com a utilização do lápis cera, o que confere gradações diferenciadas de
tonalidades. O predomínio de cores frias (azul, lilás, roxo, verde) e relações entre as
superfícies esféricas referendam a intencionalidade de representação de astros
celestiais, visto o artista intitulá-las Paisagens cósmicas. É uma associação que
realmente se pode estabelecer, ainda que, do ponto de vista formal, o artista
promova um tratamento abstrato de depuração dos quais os únicos vínculos com os
aspectos visuais dos corpos celestes restringem-se à circularidade dos “astros” e ao
predomínio das cores frias como alusão à imensidão do espaço.
Figura 48 – Juarez Paraiso. Série
Paisagem cósmica.
Guache, nanquim (bico de pena), lápis cera,
50 x 35 cm, 1962.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p 220)
Figura 49 – Juarez Paraiso. Série
Paisagem cósmica.
Guache, nanquim (bico de pena), lápis cera,
45 x 50 cm, 1962.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 221)
A base da produção abstrata de Juarez Paraiso se deu pelo desenho de
interpretação linear, quando teve sua sensibilidade e habilidade manual desenvolvida
pelo rigor da aprendizagem acadêmica, que consistia na execução de desenhos de
cópias de esculturas clássicas em gesso e nos estudos e trabalhos realizados com o
desenho de modelo vivo. A linha, principal elemento expressional do desenho, migrou
das formas naturalistas do aprendizado clássico para um novo contexto, em que a
motivação era a inventividade de criação de espaços e formas próprias. Para isso
utilizou apenas os valores preto, branco e cinza, resultando em obras como as já
mencionadas Figuras 46 e 47. O predomínio da formatividade naquelas xilogravuras é
caracterizado pela valorização do desenho como ordem interna e das relações
130
espaciais entre os elementos da composição. Essas gravuras foram aceitas pelo júri
da oitava edição do prestigiado Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro e
exibidas naquele certame. O artista contava, então, com 25 anos de idade.
As gravuras citadas, produzidas em preto e branco, apresentam planos
geométricos justapostos e, em algumas partes, superpostos, constituindo
composições em que se evidenciam requintados jogos plásticos formados por
contrastes entre zonas chapadas em preto e outras em branco (do próprio suporte)
e, eventualmente, a reduzidas áreas texturizadas. Quando não são justapostos, os
quadriláteros se interligam por grossas linhas, as quais servem tanto para delimitar
espaços e formas como emprestam ritmo e graça à composição. A inflexão de linhas
ligeiramente sinuosas quebra a rigidez dos planos geométricos e confere suavidade
ao conjunto. Suavizam os contrastes entre zonas negras e claras, texturas em
cinzas médios e claros, que contribuem para equilibrar as tensões. A quase
imperceptível curvatura de duas linhas no primeiro exemplo e uma no segundo é
prenúncio da inaptidão do artista a estruturas rigorosamente geometrizantes e da
proficiência das sinuosidades que constituirão os trabalhos posteriores.
Essa breve fase geométrica, que durou poucos anos, paulatinamente cedeu
espaço a uma produção diferenciada, ainda que igualmente realizada em preto e
branco e, similarmente ao que ocorria na fase geométrica, com poucos recursos
plásticos.
A partir de 1962, os planos que compunham as obras geométricas passaram
a diluir-se em áreas em que, ao invés de zonas exclusivamente negras, brancas ou
cinzas, encontram-se estes três valores transmutados em zonas texturizadas.
Estas áreas configuram-se numa exuberância visual que parece criar uma fácil
comunicação em relação ao perceptor, cujo mérito consiste apenas na utilização
das texturas criadas pela linha, recurso que determinará as gradações de cinzas e
preto. A maior concentração de linhas resulta nas zonas mais escuras. Naquelas
com menor aplicação, sobressai-se o branco do suporte (Figura 57, dentre outras).
Do ponto de vista técnico, a diferença desta para a primeira fase mencionada é
que somente com um elemento (a linha) o artista obtém a mesma gama de efeitos
dos trabalhos anteriores, com maior riqueza de expressão, tendo em vista a
obtenção de inúmeros e impactantes efeitos obtidos com o mínimo recurso
possível. Do ponto de vista da expressão, são trabalhos mais dinâmicos, mais
leves, mais texturizados, marcados pelo grafismo como resultado da
131
movimentação descritiva física do gesto (o que confere à produção do artista seu
aspecto informal), que exibem uma profusão de curvas, ovais, círculos e formas
orgânicas mais agradáveis e sedutoras ao olhar, proporcionando uma identificação
maior com o público.
O aspecto informal mencionado parece mais evidente em algumas pinturas a
guache feitas em 1962 (Figuras 50 a 54), particularmente na Figura 54, e constitui-se
numa série que o artista denominou Paisagem astral, titulação que vai estar
presente em diversas obras.
Figura 50 – Juarez Paraiso.
Série Paisagem astral.
Guache sobre papel, 75,9 x 56,5 cm, 1962.
Coleção do artista.
Reprodução: arquivo do artista
Figura 51 – Juarez Paraiso.
Série Paisagem astral.
Guache sobre papel, 90,2 x 62 cm, 1962.
Coleção do artista.
Reprodução: arquivo do artista
Figura 52 – Juarez Paraiso.
Série Paisagem astral.
Guache sobre papel, 79,5 x 61,2 cm, 1962.
Coleção do artista.
Reprodução: arquivo do artista
Figura 53 – Juarez Paraiso.
Série Paisagem astral.
Guache sobre papel, 57 x 47,3 cm, 1962.
Coleção do artista.
Reprodução: arquivo do artista
132
Figura 54 – Juarez Paraiso. Série Paisagem astral.
Guache sobre papel, 77 x 56,5 cm, 1962. Coleção do artista.
Reprodução: arquivo do artista
As características de força, de energética, de dinâmica e de intensificação,
dentre outros, notados nestes guaches e presentes na arte, de uma maneira geral,
integram o conceito de campo, o qual ajusta-se perfeitamente ao da sensibilidade
contemporânea, feita de oposições de direções e de movimentos, assim como de
intensificação e de tensões.
Um outro conceito, o de força espacial, está intimamente ligado ao de campo.
O sentido de força espacial não pode ser criado pela representação do espaço por
meio da perspectiva, pois esta nos dá uma imagem passiva do espaço. Isso é
explicado por Mário Pedrosa (1975, p. 78), que afirma ser a força espacial
constituída pela emoção-tensão:
A força é mais intimamente ligada com o plano da tela do que com o espaço
realístico retratado [...] A tensão-emoção parece ser intimamente ligada ao
deslocamento e oposição das formas na superfície da tela. O deslocamento
das formas controla na realidade a direção da emoção-tensão: é o elemento
mais poderoso com que trabalha o artista.
Comumente se faz distinção entre o espaço que para existir depende que
o reconheçamos na tela (pela profundidade criada pela perspectiva) e “[...] o
espaço sentido, ou melhor, esse sentimento de um espaço circundante que entra
como fator indispensável à evidenciação das forças componentes da tensão formal”,
complementa o autor (PEDROSA, 1975, p. 78).
133
Essa sensibilidade contemporânea, inaugurada com a arte moderna no início
do século XX, estabelece uma nova terminologia, a qual reflete as novas formas de
interpretar as qualidades plásticas. Estas passam a ser denominadas qualidades
dinâmicas, abrangendo os conceitos de tensão, energia, força, vibração e atração,
dentre outros, substituindo as noções acadêmicas. Dessa forma, segundo Mário
Pedrosa (1975, p. 79), campo de forças irá substituir a noção de composição; inter-
relações de linhas e planos em lugar de desenho; e relações espaciais ao invés de
equilíbrio ou balanceamento.
Essas conceituações definem e refletem melhor as inter-relações em obras
abstratas, como se observa em Juarez Paraiso. Os três exemplos fornecidos a
seguir são trabalhos que não possuem um grau de abstração total, uma vez que
denotam imagens de referentes da vida real, ou seja, neles estão presentes imagens
associadas à anatomia humana (o “referente”, ao qual já aludimos), o que
impossibilita classificá-los como abstratos, visto guardarem resquícios (mesmo que
sugeridos) de realidade.
No primeiro exemplo (Figura 55), de título Desenho abstrato 50, de 1962, a
alusão à mama feminina é destacada, ocupando a parte central da composição
ou campo de forças, como ensina Mário Pedrosa (1975) e todo o jogo de nuanças
de texturas e direção espacial das linhas parte dela (da região central, ou seja, do
bico de seio) ou tem relação direta com ela. A alusão à rotundidade e maciez do seio
feminino estabelece, de maneira imediata, uma relação de forte sensualidade, uma
vez que se pode levar em consideração o interesse libidinoso por essa parte do
corpo feminino, no caso do desejo masculino. Os feixes de linhas que preenchem as
zonas de texturas parecem estabelecer fortes relações espaciais que ora traduzem
suavidade (a parte “branca” do “corpo” do seio propriamente dito), ora dramaticidade
(as partes mais escuras e de direcionamentos diferentes entre si), como a querer
assinalar a vitalidade e a pulsão do desejo sexual e a reação ao estímulo de um seio
à mostra. Essa dramaticidade citada é uma exemplificação do elemento emoção-
tensão a que se referiu Mário Pedrosa (1975) e uma característica expressiva da
sensualidade na forma plástica, aspecto constantemente presente na produção de
Juarez Paraiso.
134
Figura 55 – Juarez Paraiso. Desenho abstrato 50.
Nanquim (bico de pena) e lápis cera sobre papel, 66,2 x 96,4 cm, 1962. Coleção do artista.
Fonte: Paraiso (2001, p. 16)
Ainda que se tenha do artista a indicação de tratar-se de um detalhe do corpo
feminino, são apresentadas múltiplas formas, deixando para o perceptor a
reconstrução do enfoque, de maneira que ele o faça com base na percepção dos
vários estímulos sugeridos pela obra ou mesmo caminhe em uma direção
interpretativa mais livre, o que pode incorrer em interpretação divergente daquela
proposta originalmente pelo artista. Uma situação se torna, então, evidente neste e
em muitos outros trabalhos de Juarez Paraiso: o elemento percebido pela arte não é
uma unidade estática, ideal, fechada em si mesma e que se mostra apenas de uma
maneira ou de uma forma enrijecida ou idealizada. Ao contrário, apresenta-se
totalmente aberto a um indefinido número de pontos de vista (tanto do artista quanto
do que é disponibilizado ao fruidor). É, portanto, um processo ampliado de visão ou,
melhor dizendo, de apreensão perceptiva, o que resulta em maior riqueza e, desta
forma, em significações mais relevantes e não somente calcado no que é visto, mas
também contemplando as sensações provocadas pelo contato com a obra.
Do ponto de vista de uma abordagem fenomenológica, observa-se na Figura
55 a menção aos estímulos sensoriais que o assunto possibilita. Ao invés do seio
estático (fruto de um ponto de vista fixo), optou-se por suas variantes dinâmicas,
pela representação de seus movimentos, da voluptuosidade do desejo, da
indefinição da forma (como a representar as diversas posições assumidas pelo seio
e mesmo os diferentes “lados” e “espaços” dessa parte do corpo feminino). Os feixes
135
de linhas, variados e multidirecionados, apontam as diversas “presenças” do tema
no espaço e as inter-relações que se dão entre si, daí não se configurando em uma
forma definida de “seio”, anatomicamente falando.
Essas variantes dinâmicas também estão presentes nas obras abstratas,
ainda que o tema destas não seja constituído de objetos do mundo físico. As
múltiplas “visões” dos “movimentos”, “lados” e “espaços” do que, no exemplo da
Figura 55, foi um seio são criadas, nas obras abstratas, com base na manifestação
expressiva das sensações físicas e dos estímulos sensoriais vivenciados pelo artista
enquanto ser-no-mundo e pelos elementos formais, prescindindo da figuração
representativa de objetos reais.
Uma situação semelhante ao da Figura 55 parece se desenrolar em outro
trabalho de Juarez Paraiso daquele mesmo ano, Desenho abstrato 51 (Figura 56),
possivelmente feito em seguida ao anterior, tendo em vista a seqüência da
numeração. Nesta obra, a interconexão de linhas cria formas sugeridas da
anatomia humana, no caso parece ser evidente a de um falo. As formas ovais
evidenciam uma associação ao saco escrotal masculino e a disposição dos fluxos
de linhas em diagonais acentua a virilidade do que aparenta ser uma “ereção” do
pênis e uma alusão à mobilidade física do membro sexual masculino com sua
projeção estendendo-se para a diagonal direita ascendente. A ambiência da
composição parece espelhar as sensações físicas de êxtase obtidas com a
provável ejaculação.
Uma outra possibilidade, inferida das indicações plásticas da obra, é a
representação de um coito. Assim, tratar-se-ia de uma penetração e não somente de
um corpo masculino. Qualquer que tenha sido a intencionalidade do artista, o prazer
da sensação física, aqui representado pelo meio artístico, assume uma conotação
de força expressiva e sensual que parece surtir maior efeito plástico do que teria,
caso tivesse sido feita uma alusão mais explícita e descritiva — do ponto de vista da
representação — ao pênis, à ejaculação ou ao coito.
Outro exemplo de alusão ao pênis é a Figura 57. Nesta, vê-se o membro
masculino imiscuído em uma série de formas circulares. A maior delas (na metade
superior, à direita) desenha-se como um ventre. É como uma visão da cintura de
uma pessoa, em que se expõem o ventre, a virilha e o pênis projetando-se para a
esquerda.
136
Figura 56 – Juarez Paraiso.
Desenho abstrato 51.
Nanquim (bico de pena),
dimensões não especificadas na fonte, 1962.
Fonte: Paraiso (2001, p. 17)
Figura 57 – Juarez Paraiso.
Paisagem cósmica 1.
Nanquim (bico de pena) e lápis cera sobre papel,
96,3 x 76 cm, 1962.
Coleção do artista.
Fonte: Paraiso (2001, p. 15)
Visto na forma de arte, em particular, nestes desenhos, o sentido da
existência e da manifestação do órgão sexual masculino compõe um panorama que
não se deixa contaminar pelas barreiras impostas pelas convenções sociais (morais)
ou políticas. Estas obras evidenciam que a beleza da existência humana e de suas
manifestações físicas naturais não pode ser diminuída na sua importância enquanto
integrantes da esfera da vida. Esses três trabalhos, que se apresentam como uma
mescla do orgânico com o racional e uma geometria induzida por linhas, estão,
portanto, a falar da vida.
Ainda que das obras citadas duas tenham como título Desenho abstrato
(Figuras 55 e 56), não se tratam, efetivamente, de abstração. Pelo menos de uma
abstração completa, se considerarmos que o processo de simplificação formal —
conhecido como estilização — se dá por uma gradual abstratização. Esse processo
abstratizante, todavia, não se completa, resultando na presença do referente, ou
137
seja, do vínculo com o real. Pode-se classificá-las, no melhor dos casos, como
semi-abstratas, justamente por ainda se poder reconhecer nelas um bico de seio
ou um pênis ereto, válido também para o terceiro exemplo fornecido (Figura 57). O
fato de elas terem vínculos com a figuração de elementos existentes no mundo
concreto não desmerece ou diminui seus valores artísticos. O afastamento da
verossimilhança da realidade, nesses três casos, como já assinalado, parece
favorecer uma comunicação mais criativa dos aspectos sensíveis, obtendo-se um
resultado mais efetivo de comunicação (falando-se em termos artísticos), por
possibilitar um efeito visual incomum, menos óbvio do que uma representação mais
ligada ao naturalismo. Os exemplos fornecidos apresentam-se com formas que são
mais artísticas e mais criativas do que descritivas e surpreendem justamente pelo
afastamento imitativo ou textual dos elementos do mundo físico, mais comuns e
mais familiares ao olhar.
No desenho Paisagem astral 13, buraco negro (Figura 58), de 1965, observa-
se uma criação mais livre da referência ao mundo real, ainda que seu título faça
alusão aos corpos celestes. As obras não se limitam a reproduzir plasticamente o
que os títulos sugerem. Estes existem como aproximações que o artista propõe ao
perceptor, para o diálogo que se estabelece quando se entra em contato com a
obra. Outrossim, funcionam como identificação da produção de uma determinada
criação dentre as demais existentes. Espera-se, todavia, que digam algo do que é
abordado na obra. Títulos como Paisagem astral 13, buraco negro, fornecido por
Juarez Paraiso, contudo, não inviabilizam um enfoque abstrato da obra, como não
impediu que se classificasse como abstrata as pinturas de Antonio Bandeira, cujos
títulos apresentavam-se como Vegetal branco (1958, da coleção do Museu de Arte
Moderna da Bahia), Favela (1958, do acervo do Instituto Cultural Sergio Fadel, Rio
de Janeiro) e Sol e paisagem azul (1966, pertencente ao Banco Rural, Belo
Horizonte). O título, muitas vezes, cria um direcionamento dado pelo artista que, no
caso da obra abstrata, não é necessariamente seguida pelo perceptor. Daí muitos
deles se vincularem às sensações causadas, outros às formas e cores das obras, e
mesmo a seqüências numéricas.
138
Figura 58 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 13, buraco negro.
Nanquim (bico de pena), aerógrafo e massa sintética sobre eucatex, 66 x 95,7 cm, 1965.
Coleção do artista.
Fonte: Paraiso (2001, p. 36)
As formas exclusivamente geométricas e a exigüidade de elementos plásticos
nessa obra vão favorecer uma leitura mais rápida pelo espectador. Ela materializa
um princípio geral que a Gestalt denomina de pregnância da forma ou força
estrutural, já mencionado anteriormente, que especifica a tendência de direção das
forças de organização da forma, tanto quanto o permitem as condições dadas,
visando a clareza, a unidade e o equilíbrio. A Figura 58 reúne todos estes aspectos.
No que toca à clareza, o artista acrescenta um elemento desestruturador, pois cria
certa ambigüidade, uma vez que o círculo negro pode ser, ao mesmo tempo, forma
esférica (como se fora tridimensional) ou orifício (como um buraco pertencente à
estrutura do fundo). Um outro elemento de organização da forma, com base nos
princípios gestálticos, é o fator fechamento, importante para a formação da unidade.
Este fator estabelece que as forças de organização plásticas dirigem-se,
espontaneamente, para uma ordem espacial, que tende para a unidade, em “todos
fechados”. Estes “todos fechados” segregam, tão completamente quanto possível,
uma superfície do resto do campo. Isso pode ser observado na tendência a ver-se o
orifício negro como uma forma (uma unidade) que segrega a superfície a seu redor
como fundo. Esse fundo, por sua vez, vai segregar o campo negro (visto na lateral
superior esquerda), tornando-se uma unidade, ainda que não apresente seus limites
circunscritos à área do trabalho. Tende-se a ver essa superfície acinzentada como
139
uma figura perante a área preta mencionada. Estas relações vão enriquecer a obra e
dar uma dimensão mais participativa do observador na sua apreensão.
As circularidades apresentadas no trabalho transmitem graça, beleza e
movimento e aplicam-se também às texturas da área acinzentada, as quais, de igual
maneira, apresentam-se dispostas em círculos, acrescentando movimentos rítmicos
de sinuosidades que comunicam conteúdos sensuais e, com base em suas
estruturações, criam fortes vínculos com o perceptor.
A recorrência a títulos como Paisagem astral em muitas obras de Juarez
Paraiso tem por base a admitida influência da literatura de ficção científica, de
autores como Isaac Asimov, Ray Bradbury e Kurt Vonnegut, dentre outros, e sua
ligação emocional com o universo e conceitos contidos em tais obras. Sobre isto o
artista (PARAISO, 2001, p. 31) declara:
[...] mergulhando emocionalmente nos mundos construídos por estes
autores, busquei expressar as minhas idéias, emoções e sentimentos
através de estruturas abstratas, de um mundo novo e desconhecido.
Independentemente do seu valor estético, como estrutura plástica, única e
própria, predominam nestes trabalhos evocações de espaço macro,
paisagens astrais, cósmicas, intensa dinâmica espacial, movimentos
amplos, tensões visuais centrípetas, sensação de fluxo, expansão,
prolongamento para o espaço exterior ao suporte do desenho.
A realização desses desenhos abstratos abrange uma grande variedade de
materiais, técnicas e experimentações desenvolvidas pelo artista, tais como: bico de
pena, aguada, aerógrafo (na realidade bomba de flit, proporcionando efeito similar
ao do aerógrafo), pincel a seco, lápis grafite, lápis cera, lápis de cor, colagem,
guache e utilização de rolo de gravura, assim como xilogravuras sobre pano (a já
citada Figura 9 e 59). Em algumas obras (Figuras 60 e 61) valeu-se de aplicação de
massa sintética, de base plástica, oriunda do decantamento no fundo das latas de
tintas, misturada ao gesso crê e cola, para obtenção de texturas matéricas e
volumes. Essa massa era aplicada às superfícies rígidas do eucatex, utilizado em
substituição à fragilidade do papel.
140
Figura 59 – Juarez Paraiso. Abstração.
Xilogravura sobre pano, 69 x 46 cm, 1965.
Reprodução: Arquivo do artista
Figura 60 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral.
Nanquim sobre suporte texturado,
44,5 x 51 cm, 1964.
Reprodução: Arquivo do artista
Figura 61 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral.
Nanquim, aerógrafo e massa sintética sobre
eucatex, 80 x 57 cm, 1965.
Reprodução: Arquivo do artista
141
Multiplicidade e diversidade são justamente características da produção
plástica de Juarez Paraiso. Assim, ele vai trabalhar com todos os recursos
indistintamente, tirando proveito de todo o potencial sensível fornecido pela técnica e
mesmo inventando-as, quando necessário, como solução de algum problema que
tenha se apresentado. O que importa é que a matéria possa ser manipulada de
forma a atender à fantasia criadora do artista e não se tornar um empecilho para a
materialização da obra de arte.
Juarez Paraiso (1962, f. 21) encara a técnica como o encontro da
sensibilidade com o esforço para dominar o material. Sobre a acuidade técnica
declara:
[...] ponte entre o artista e a sua criação [...] cada material empregado
precisa ser filtrado pela busca incessante de suas próprias sutilezas e
oferecimentos. O artista é íntimo do material que usa, como prêmio das
relações que honestamente manteve com êle [sic].
Seu domínio técnico abrange desenho (grafite, lápis de cor, nanquim, bico-de-
pena, aerógrafo, pastel seco, pastel a óleo, carvão, sanguínea, hidrocor), tendo
aplicado o bico-de-pena sobre eucatex, algo que não tinha sido feito anteriormente no
desenho (na pintura, o eucatex havia sido explorado por Aldemir Martins); pintura
(aquarela, ecoline, guache, têmpera, óleo, acrílica, látex ou PVA); escultura
(modelagem em barro, gesso, bronze, fibra de vidro, entalhe em madeira) e uma
mistura de cimento com barro, inventada pelo artista (naturalmente com a contribuição
da experiência dos mestres de obras com os quais trabalhou, contratados para os
inúmeros murais e esculturas que o artista realizou no Estado) e utilizada para
possibilitar a curvatura de grandes massas de formas sinuosas em esculturas tais
como Invertebrado (Figura 62), de grandes proporções, com estrutura de concreto,
relevos de massa de cimento e barro, recoberta de pastilhas vidrotil coloridas,
realizada em 1979 e exposta ao ar livre no Parque de Pituaçu, em Salvador.
A maestria técnica abrange também a gravura (xilografia, litografia, serigrafia,
água-forte, água-tinta, maneira negra e experiência com off-set); de igual forma,
inovou ao utilizar pano como suporte de xilogravuras e, juntamente com o gravador
baiano Edizio Coelho (Edizio Ferreira Coelho, 1943), criou um sistema de encaixes
na matriz de madeira que permitia, a um só tempo (de uma única vez), a impressão
de várias cores ao mesmo tempo, algo que só poderia ser obtido com impressões
separadas para cada uma das cores desejadas, após a secagem da aplicação da
142
tinta anterior. Um original colorido com base em três cores, por exemplo, sofria três
impressões. Com o sistema criado pelos dois artistas, a impressão se dava de uma
só vez.
Figura 62 – Juarez Paraiso. Invertebrado.
Concreto, relevos de massa de cimento e barro, vidrotil, 300 x 900 x 100 cm, 1979.
Parque de Pituaçu, Salvador, Bahia.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 124-125)
Ainda que pareça relativamente extensa a enumeração das técnicas citadas
como recursos utilizados por Juarez Paraiso para suas criações, deve-se acrescer
ainda a fotografia e as técnicas mistas. Nesta última categoria encontra-se a parte
mais abrangente da obra do artista, pois nela se inserem os ambientes de
calçamentos públicos realizados, de pisos para residências, de decorações de
Carnaval, de painéis e murais de grandes dimensões em espaços públicos e
privados e mesmo a junção da fotografia à gravura em metal e em madeira,
gerando, com esse hibridismo, obras de forte apelo dramático e visual.
Um exemplo de hibridismo em obra de técnica mista do artista é a série
Astronautas (Figura 63), produzida em 1967. Essa série apresentava desenhos de
tendência abstrata em preto e em vermelho, sobre filme transparente (acetato), aos
quais eram adicionados pedaços de radiografias. As partes transparentes das
radiografias deixavam sobressair o desenho ao fundo; a coloração do filme e das
regiões escuras conferia ao conjunto um contraponto de peso, visto que a estrutura
do desenho era bastante livre, aludindo à falta de gravidade vivenciada pelo
“astronauta”.
143
Figura 63 – Juarez Paraiso. Astronautas.
Nanquim (bico de pena) guache e radiografia sobre acetato, 17 x 24 cm, 1967.
Reprodução: Arquivo do artista
Do ponto de vista desta pesquisa, destaca-se o primeiro mural de tendência
abstrata
3
que o artista criou, em 1968, para o Cinema Bahia (Figura 64), hoje
destruído. A inventividade maior daquele mural, no que toca à técnica, foi a
utilização da própria parede como matéria para a realização da obra. Ele utilizou
baixos relevos gravados sobre a parede e concedeu ao mural variações cromáticas
de tons beges e ocres que se harmonizavam à própria cor da argamassa da parede.
Estilisticamente, apresenta formas irregulares que se interpenetram entre si, criando
ritmos circulares, ambivalências e ambigüidades, priorizando, como um conjunto de
formas, a zona pigmentada de ocre escuro.
3
A organicidade das formas circulares cria, facilmente, a sensação de imagens reconhecíveis do
mundo objetivo, ainda que não tenha sido esta a intenção do artista. Coloca-se aqui como uma
obra semi-abstrata, por causa dessas possibilidades de relações, uma vez que o mural foi
demolido e não se pode visualizá-lo de outra forma a não ser mediante fotografias.
144
Figura 64 – Juarez Paraiso. Mural do Cinema Bahia.
Baixos relevos gravados sobre parede, 300 x 600 cm, 1968.
Reprodução: Arquivo do artista
Observa-se neste mural que a ambigüidade desenvolve-se em dois aspectos:
o construtivo, fisicamente falando, com a utilização do material da própria parede, e
o poético, ligado à linguagem expressional do artista. As inter-relações entre as
formas e suas interdependências criam estruturas que exigem da fruição humana
um esforço para perceber o que contém e o que está contido, o que “engole” ou
abrange e o que é “engolido” ou subjugado. Essas relações dinâmicas e instáveis do
que é “dentro” e do que é “fora” não se restringem à literalidade do que se poderia
constituir numa indicação de leitura convencional. Pelo contrário, abre-se a novas
possibilidades interpretativas, valorizando o papel do perceptor.
De igual maneira e ainda no âmbito plástico, pode-se afirmar que a
ambigüidade aflora nesta e nas demais obras paraisoanas como reflexo das
hesitações, instabilidades e inseguranças existenciais do artista.
3.1.1 Poética da linha
Até o início do século XX, o desenho era associado às práticas das Belas
Artes, o que o tornava o meio do exercício acadêmico da forma, através do nu, do
desenho de observação de naturezas-mortas, de objetos diversos e cópia de
esculturas de gesso. Enfim, o desenho cumpria nas academias de Belas Artes a
etapa de aprendizagem e era interpretado exclusivamente como um estudo
145
preparatório para as técnicas mais valorizadas, como a pintura. Foi com o
modernismo que o desenho começou a ser considerado um recurso expressivo
autônomo e eficaz, desligando-se do processo no qual restringia-se exclusivamente
a parâmetro de avaliação dos avanços dos alunos pelos professores das
mencionadas academias.
Com o advento do modernismo, os elementos preponderantes na concepção
de um desenho passaram a ser percebidos em todo o seu potencial expressivo,
dando margem a estudos e investigações prático-teóricos realizados por grandes
artistas, tais como Wassily Kandinsky. Este artista defende, por exemplo, que a linha
é tempo em relação ao ponto, porque se trata de uma sucessão de pontos. Em sua
percepção, o tempo seria a fronteira entre o ponto e a linha. A linha é o traçado de
um ponto em movimento. Nos estudos de diminuição ou aumento de força, a
depender de a linha ser reta ou curva, Wassily Kandinsky conclui que o contrário da
linha reta não é a linha quebrada, interrompida, mas sim a linha curva, por causa da
plena maleabilidade que possui, por causa de sua maturidade (VALLIER, 1986, p. 70).
Wassily Kandinsky afirma ainda que a reta representa a negação absoluta da
superfície, enquanto a curva contém o núcleo da mesma superfície. Infere-se destas
informações que a linha desdobra-se, indomável, sobre um fundo indeterminado
que, na condição de fundo, se torna superfície, ainda que não se saiba sua
extensão, pois a linha ali está sobre ele e não na função constituidora de seus
contornos ou limites, o que caracterizaria o plano/superfície. Já a curva, na sua
exacerbação geométrica (que resulta no círculo), transforma a linha no elemento
constituidor do plano/superfície (o denominado círculo), superfície geométrica que
mescla o início e o final da linha e resulta na forma graciosa do círculo, à qual o
artista russo atribui estabilidade espiritual (VALLIER, 1986, p. 71).
A obra abstrata de Juarez Paraiso, desenvolvida na década de sessenta, é
preponderantemente linear, ou seja, o artista se vale da linha e estrutura suas obras
com base em suas variações, com ênfase na sinuosidade e circularidade que ela
proporciona. Como já se apontou, esta preferência vai denotar a influência barroca
do artista, bem como o já comentado aspecto de organicidade que suas obras
comunicam. Além disto, o aspecto de dinamicidade que existe na linha como
elemento de elaboração temporal do espaço, pela rapidez ou lentidão com as quais
o artista se vale como indicações de possibilidades rítmicas, extrapolando a função
da linha de mero contorno de superfícies e dotando-a de temporalidade, influirá na
146
rapidez ou nas pausas da leitura da obra pelo perceptor. Atenta a estas
possibilidades Fayga Ostrower afirmou acertadamente: “O gesto em si é um meio de
ação do artista, pelo qual se pode acelerar e até dar uma informalidade maior ao
ritmo.” (COCCHIARALE; GEIGER, 1987, p. 175).
A linha, então, vai constituir-se no elemento formal do qual o artista se vale
para expressar seus estados de espírito e dar vazão a sua fantasia criadora. Daí
surgem os Universos cósmicos, as Paisagens astrais e as inúmeras denominações
para titular uma produção rica de expressão e estilisticamente inovadora, o que a
torna inconfundível no confrontamento com a produção abstrata de outros artistas
brasileiros e o coloca em uma posição de destaque por sua qualidade e
originalidade.
No que toca às Paisagens astrais, recorrentes nos títulos dados pelo artista
baiano, constata-se o recurso a um cosmos enquanto conceito de campo vivencial
amplo, de extensões infinitas e que abarca dimensões superiores ao que o
pensamento humano alcança ou pode mensurar. A percepção desse cosmos
materializa um conjunto de dados científicos, de hipóteses e mesmo de evidências
visuais cuja complexidade ainda é incompreensível, resultando em fonte de
sucessivos enigmas e desafios fornecidos à existência humana, os quais o homem é
instigado a decifrar ou, na pior das possibilidades, a entender sua extensão para,
assim, situar-se no universo.
Nesse processo de conhecimento, a arte configura-se, igualmente, em uma
forma de prospecção dos anseios e expectativas humanas em relação aos
estímulos externos e à própria existência humana. A associação da arte ao cosmos
e a um todo superior e abrangente, que torna o homem minúsculo e o põe em
cheque, é recorrente na arte e, de igual maneira, na criação de arte informal.
Exemplo disso é fornecido pelo artista francês informal e precursor da arte
performática Georges Mathieu (1921) em seu depoimento a respeito do aspecto
semântico de sua produção artística (STILES; SELZ, 1996, p. 18 e 680). Para
Georges Mathieu, a arte era comunicação e o signo, seu principal elemento,
substituía a linguagem falada. Ele entendia a arte informal como abstração
caligráfica (VALLIER, 1986, p. 219).
Georges Mathieu era defensor do ponto de vista de que as leis da semântica,
desde tempos imemoriais, calcavam-se na relação signo-significado, que passava, a
partir daquele momento e como conseqüência de seu trabalho, a uma situação
147
reversa, à categoria de uma nova fenomenologia do domínio da expressão, a qual
demandava uma nova estrutura formal (informal, melhor dizendo) que se reerguia,
do ponto de vista da significação, a uma pseudo não-existência (e,
conseqüentemente, de uma não-significação). Assim, o signo inventado e cujo
sentido atendia a uma determinada intenção dada passava a ser viável em sua
própria encarnação, espécie de auto-suficiência na qual encontrava, na sua própria
existência, o sentido encarnado, ou seja, não mais se encontrava nela um sentido
comunicacional (e semântico) concedido pelo homem e cuja “mensagem” era
comunicada visualmente, assim como o faz uma bandeira (um signo transformado
em um símbolo), ao informar qual o país ela está ali a representar. Era um sentido
novo, fundado na relação entre o fruidor e a obra. Consoante Georges Mathieu
(1996, p. 700, tradução nossa):
Questões de finalidade não mais apareciam. O trabalho de arte se tornava
pontos de interrogações geométricos. Ao invés de “redução do Cosmos às
dimensões do homem”, o trabalho de arte é nada mais, nada menos, do que
uma abertura para o Cosmos
4
.
Esse ponto de vista de Georges Mathieu refletia-se em seu processo criativo
e na criação fenomenológica que propunha, pois seu ato de criação se dava com a
valorização do gesto, da espontaneidade, da improvisação e da busca pela
expressão de sensações sem a intermediação da razão. O artista francês integrou a
programação do primeiro ano de exposições do Museu de Arte Moderna da Bahia
(MAM-BA) e promoveu, em 1960, em sua exposição nas dependências provisórias
daquele museu, no foyer do Teatro Castro Alves, o contato de sua obra com o
público baiano. Este fato, possivelmente, serviu para estimular a produção de arte
informal no Estado, como se observa com alguns artistas da geração abstrata
baiana, em particular Riolan Coutinho.
Essa abertura do homem para o cosmos, através da arte, de que fala
Georges Mathieu, é uma aproximação que se encontra no repertório conceitual de
vários outros artistas europeus
5
, a exemplo de Max Bill, para citar um artista de
vínculo mais próximo com o desenvolvimento de uma vertente da produção abstrata
4
Questions of finality no longer arise. The work of art becomes a geometric point of interrogations.
Instead of the ‘reduction of the Cosmos to the dimensions of man’, the work of art is nothing more
nor less than an opening out into the Cosmos.
5
O francês Yves Klein e o alemão Otto Piene são alguns outros exemplos de artistas que
manifestaram opiniões relacionando arte e cosmos. No Brasil, Danilo Di Prete titulou algumas das
suas pinturas informais de Paisagem cósmica (VALLADARES, 1966, p. 57).
148
brasileira. O artista suíço escreveu, em 1949, no texto O Enfoque Matemático na
Arte Contemporânea: “E a despeito do fato da base desta aproximação matemática
na arte estar na razão, seu conteúdo dinâmico é capaz de nos lançar em vôos
astrais os quais lançam-se para o desconhecido e regiões inexploradas da
imaginação.”
6
(BILL, 1996, p. 77, grifo nosso, tradução nossa).
O mergulho nesse desconhecido e nas regiões inexploradas da imaginação é
uma imagem adequada da produção de Juarez Paraiso com a utilização da linha.
Exemplo disso são as obras do conjunto que vai da Figura 65 a 76, além das já
vistas Figuras 56 e 57.
Figura 65 – Juarez Paraiso.
Paisagem cósmica.
Nanquim (pincel seco), 96 x 66 cm, 1963.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 153)
Figura 66 – Juarez Paraiso.
Organismo.
Lápis cera, 96 x 66 cm, 1962.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 147)
6
And despite the fact the basis of this Mathematical Approach to Art is in reason, its dynamic content
is able to launch us on astral flights which soar into unknown and still uncharted regions of the
imagination.
149
Figura 67 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena), lápis cera e grafite
sobre papel, 86,7 x 64,6 cm, 1962.
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
Figura 68 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena) sobre papel,
90 x 63, 1962.
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
Figura 69 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 14.
Nanquim (bico de pena) e massa sintética sobre
eucatex, 100 x 100 cm, 1964.
Fonte: Paraiso (2001, p. 34)
Figura 70 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena) e grafite sobre
cartão, 96,3 x 66,4 cm, 1962.
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
150
Figura 71 – Juarez Paraiso.
Desenho abstrato 50.
Nanquim (bico de pena) e grafite sobre cartão,
77 x 56,5 cm, 1962.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 150)
Figura 72 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena e aguada) sobre cartão,
100,5 x 70,2 cm, [196-].
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
Figura 73 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena) sobre cartão,
112,8 x 76 cm, [196-].
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
Figura 74 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Nanquim (bico de pena e aguada) sobre cartão,
100,5 x 70,2 cm, [196-].
Foto: Dilson Midlej. Coleção do artista
151
Figura 75 – Juarez Paraiso.
Abstração 2 (ou Paisagem astral 2).
Nanquim (bico de pena) e lápis cera sobre papel,
81 x 63 cm, 1963.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 152)
Figura 76 – Juarez Paraiso.
Abstração 2 (ou Paisagem astral 1).
Nanquim (bico de pena) sobre papel,
70 x 64 cm, 1963.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 154)
Vêem-se neste conjunto 12 obras realizadas entre os anos de 1962 e 1964
(cinco de 1962, três de 1963, uma de 1964 e três sem data). Elas exemplificam a
variação do tratamento gráfico da linha promovida pelo artista, inicialmente com uma
estruturação espacial simplificada do desenho e valorização do espaço em branco
do suporte (Figuras 65 e 66), evoluindo para uma crescente complexidade com o
acréscimo de linhas e mesmo a ênfase nelas, por meio de texturas e direções
espaciais variadas (as demais Figuras, de 67 a 76). Estes elementos conferem às
obras maior dramaticidade e, por conseqüência, demandam uma leitura mais lenta
do perceptor.
A Figura 76, por exemplo, apresenta toda a superfície do suporte coberta por
gradações de texturas que alternam alguns poucos “cinzas” claros com as zonas
mais escuras. A dramaticidade aqui referida é percebida, justamente, nas relações
entre as massas escuras e claras e as tensões provocadas pelas direções espaciais
que assumem posicionamentos distintos, ora em sentidos opostos, ora em
convergência para uma mesma direção.
152
Na Figura 75, por exemplo, há uma clara expansão a partir do núcleo (da
lateral esquerda e central do desenho), de três zonas: superior (o feixe de linhas
para cima), horizontal (para a direita) e inferior (para baixo). O cruzamento destas
três zonas configura formas circulares e semicirculares, resultado das interações
entre os três direcionamentos dos feixes de linhas e constitui a área de maior
complexidade do trabalho pelas transparências, justaposições, sobreposições e
mudanças do direcionamento das linhas. Neste desenho percebem-se claramente
as duas características da linha já referidas anteriormente: enquanto elemento
plástico próprio sobre a superfície (o fundo), nos feixes que se distanciam do núcleo,
e a linha enquanto constituidora de planos, superfícies ou formas regulares (o núcleo
em questão). Neste núcleo percebe-se o entrelaçamento de diversos círculos, como
um vórtice a fazer girar sobre si os feixes de linhas. O resultado da “inércia”
provocada pelo “deslocamento” daqueles feixes que circundam o núcleo espalha-os
para fora daquele eixo e confere-lhes qualidades de direcionamentos e
“velocidades”.
Essas “velocidades” são resultantes das vigorosas dinâmicas espaciais
criadas pelo artista, com suas sensações de fluxo e expansão sugeridas visualmente
por movimentos virtuais, ou seja, não são físicos, como os encontrados nas obras
cinéticas de artistas como Mary Vieira ou Abraham Palatnik, por exemplo, cuja
expressividade se dá pelo movimento real dos elementos constitutivos das obras.
Nesse conjunto, as linhas, nas suas variações de direcionamentos,
caracterizam a informalidade das obras, enquanto suas confluências criam formas
que, tanto mais regulares se apresentem à percepção humana (como círculos, ovais,
um quarto de círculo etc.), mais acentuam a formatividade da produção de Juarez
Paraiso. Assim, as Figuras 67 a 74 apresentam-se como obras informais, enquanto
as 75 e 76 constituem-se em obras de maior formatividade.
Note-se que entre os exemplos informais citados encontra-se a Figura 70, que
apresenta um semicírculo na metade inferior. Essa regularidade interrompida pela
metade do que seria um círculo, todavia, foi sobrepujada pela irregularidade das
distribuições das linhas no restante do trabalho, ainda que a percepção humana
tenda a reconhecê-la como configuração de uma metade de círculo, dado ao fator
fechamento, lei da Gestalt já comentada, que tende para a formação de unidades
em todos fechados. Destarte, a forma somente induzida como um fragmento de um
círculo não se completa e, em razão do predomínio dos demais estímulos, é
153
percebida como uma linha circular e não como um todo fechado. Outra lei
gestaltiana percebida neste trabalho (e em muitos outros) é a segregação,
capacidade perceptiva de separar ou destacar unidades formais em um todo ou em
partes desse todo. A linha, então, é percebida pelo fator de segregação como
elemento plástico sobre o fundo (o suporte), e não o contrário.
Foi igualmente observada a unificação, que consiste na igualdade ou
semelhança dos estímulos produzidos, tais como os agrupamentos de linhas
mencionados como “feixes”, possíveis de serem percebidos devido também às leis
gestaltianas de proximidade (o que distingue um “feixe” de outro) e semelhança
(como são linhas de espessuras iguais e tomam o mesmo direcionamento, são
percebidas como unificadas).
Como já foi dito, a descoberta de tais leis pela Gestalt apóia-se na fisiologia
do sistema nervoso, para a qual a primeira sensação percebida é de forma e já é
global e unificada. Não vemos partes isoladas, mas relações. A Gestalt “[...] atribui
ao sistema nervoso central um dinamismo auto-regulador que, à procura de sua
própria estabilidade, tende a organizar as formas em todos coerentes e unificados”
(GOMES FILHO, 2004, p. 19).
Dado a esse dinamismo auto-regulador, pondera-se que o conceito gestaltiano
da forma aplicada à consideração dos problemas estéticos tende a um dogmatismo,
pois, se as formas se reduzem à sua condição física se são idênticas às leis que
regem a forma física e a forma na percepção , então é possível estabelecer o
privilégio de certas formas sobre outras, conforme notou Ferreira Gullar (1999, p. 239).
Este autor vale-se da argumentação da crítica de Maurice Merleau-Ponty à Gestalt (às
interpretações das leis descobertas pela Gestalt e não às leis gestaltianas
propriamente ditas) e contrapõe que a forma física de uma gota d’água,
[...] por realizar o princípio do máximo de matéria no mínimo de espaço
(grifo do autor), é uma forma perfeita. Mas, no campo da estética, a forma é
perfeita em relação ao que ela exprime e, como o que o artista exprime não
pré-existe à sua expressão, a perfeição da forma é encontrada ao mesmo
tempo que a forma: é a expressão mesma. (GULLAR, 1999, p. 239).
Ferreira Gullar (1999, p. 239) complementa: “[...] encarando a forma apenas
como fenômeno físico — que ela também o é, sem dúvida — a Gestalttheorie relega
para segundo plano o problema da significação [...] Mas a forma significativa é a
matéria mesma das artes visuais”.
154
O problema da percepção, portanto, não está esgotado e decifrado. Se a teoria
da Gestalt fosse excludente dos demais estudos, não restaria outro caminho para a
arte senão aquele adotado pelos pintores concretos, ou seja, da arte como ilustração
daquela teoria. A obra de arte, todavia, não se restringe aos problemas perceptivos
e a questão da perfeição da forma está ligada à expressão mesma da forma
significativa, relegada para segundo plano pela Gestalt. Daí que os parâmetros da
Gestalt tiveram pouca ou nenhuma valia para a produção de arte contemporânea
brasileira desde o neoconcretismo, mas continuam válidos para auxiliar interpretações
de obras bidimensionais, desde que conciliados com outras metodologias.
Um outro recurso plástico utilizado por Juarez Paraiso, que funciona, em
algumas obras, como um contraponto composicional, é a utilização de aguada de
nanquim com pequenas interferências em lápis cera. Estes recursos inserem novas
relações entre a linha e o suporte e enriquecem a ambiência visual, ainda que sejam
utilizados parcimoniosamente e, em alguns casos, cheguem mesmo a ser
imperceptíveis a um olhar apressado. São exemplos as Figuras 72 (três formas
circulares, em aguada de nanquim, que se entrelaçam) e 74 (uma oval que contém
um círculo, também em aguada de nanquim).
As características formais relacionadas ao conjunto de obras das Figuras 65 a
76 também podem ser aplicadas às xilogravuras do início dos anos 1960 e
posteriores produzidas pelo artista. Neste caso, como se trata de uma técnica
distinta do desenho em bico de pena sobre papel, a xilogravura não permite o uso
de linhas muito finas ou delicadas, não se adequando ao tratamento conferido pelo
artista aos desenhos. Todavia predominam ali a simplificação formal e invertem-se
as relações: se nos desenhos o uso do fundo branco emergia como uma fonte
luminosa e estabelecia-se como “fundo” para a linha, nas xilogravuras é o negro e as
cores que se destacam, como se pode constatar nas Figuras 77 a 80. As zonas
cinzas e negras substituem os feixes de linhas e criam relações de transparências
por sobreposição de planos (Figura 77). As demais, por serem matrizes xilográficas,
apresentam as superfícies rígidas da madeira pintadas com camadas de preto, cinza
e branco, com o intuito de funcionarem como peças independentes e autônomas das
suas tiragens, num procedimento de valorização das matrizes idêntico ao iniciado
pelo gravador Calasans Neto. Nestas, ganha-se peso e acentua-se a dramaticidade
pelos contrastes entre as zonas escuras.
155
Figura 77 – Juarez Paraiso. Sem título.
Xilogravura (P& B) sobre papel,
53,8 x 38,5 cm, [196-]. Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista
Figura 78 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Matriz xilográfica (madeira),
100 x 51 cm, [196-?]. Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Figura 79 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Matriz xilográfica (madeira),
99,5 x 51 cm, [196-?] Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Figura 80 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Matriz xilográfica (madeira),
99,7 x 51 cm, [196-?]. Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Um segundo conjunto apresenta uma pequena variação das características
observadas nas peças que compuseram o primeiro. As obras numeradas de 81 a 91
possuem uma complexidade maior na utilização do espaço, se comparadas às já
156
comentadas anteriormente. São trabalhos de meados da década de sessenta (de
1963 e 1964, na sua maioria). A esse grupo pertence também a Figura 60, obra na
qual o detalhismo formalista cria pequenos elementos circulares e texturizados que
se interligam entre si e formam um padrão gráfico extremamente variado que se
estende em diversas direções. As pequenas formas e linhas criam um bordado de
grande apelo surreal e onírico, pois evoca sensações de sonho, de fantasia e
liberdade, esta última reforçada pela ausência de peso gravitacional dos elementos
no espaço, os quais parecem flutuar. Não fosse a assinatura do artista, que
direciona o posicionamento da obra para ser vista pelo perceptor, ela poderia ser
contemplada em qualquer posição. Estas características vistas na Figura 60 também
estão presentes na seqüência de numeração 81 a 90, bem como na xilogravura da
Figura 91.
Figura 81 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 22.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex e relevo,
60 x 42 cm, 1964.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 159)
Figura 82 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 28.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex,
60 x 42,5 cm, 1964.
Fonte: Paraiso (2001, p. 29)
157
Figura 83 – Juarez Paraiso. Paisagem astral.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex, 44 x 60 cm, 1969.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 151)
Figura 84 – Juarez Paraiso.
Abstração 3.
Nanquim (bico de pena) e cera sobre papel,
113 x 60 cm, 1963.
Fonte: Paraiso (2001, p. 33)
Figura 85 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 25.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex,
60 x 42,5 cm, 1964.
Fonte: Paraiso (2001, p. 26)
158
Figura 86 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 24.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex,
60 x 42,5 cm, 1964.
Fonte: Paraiso (2001, p. 27)
Figura 87 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 26.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex,
60 X 42,5 cm, 1964.
Fonte: Paraiso (2001, p. 28)
Figura 88 – Juarez Paraiso. Paisagem astral 21.
Nanquim (bico de pena) sobre eucatex, 44,2 x 60 cm, 1964.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 157)
159
Figura 89 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 20.
Nanquim (bico de pena) e sanguínea
sobre eucatex, 42,5 x 60 cm, 1964.
Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Figura 90 – Juarez Paraiso.
Paisagem astral 27.
Óleo e nanquim (bico de pena) sobre
eucatex, 42,5 x 60 cm, 1964.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 158)
Os recursos plásticos utilizados neste segundo conjunto valem-se ainda da
linha, mas agora ela é conjugada a formas obtidas por massas aplicadas aos
suportes, o que confere às superfícies em alto-relevo a sugestão de volumes
salientes da planificação dos suportes. São conciliadas também áreas constituídas
por pontos ou inteiramente negras, como na Figura 83. Nesta Paisagem astral,
criada já no final da década de sessenta, a planificação presente nas demais cede
espaço a quatro indicações espaciais de profundidade: o primeiro plano é formado
por uma trama de linhas negras de distintas espessuras e configurações circulares
(todas as linhas descrevem sinuosidades, incluindo semicírculos e círculos); o
segundo é constituído exclusivamente por linhas finas, fator que influi no
uniformizante tom acinzentado, posicionado por trás do primeiro plano. No terceiro,
são texturas pontilhadas que ocupam o espaço e dão um toque de evanescência,
transcendência e mistério. Seu aspecto de suavidade (pois é uma área mais clara e
de menor contraste que as duas anteriores) serve para destacar os dois planos
superpostos a ela. Finalmente, a zona branca do suporte (observado na lateral
superior esquerda) configura a quarta indicação de espaço. Estas superposições
são fatores composicionais modernistas que o artista lança mão para a criação de
ilusão espacial sem, todavia, recorrer à perspectiva.
O aspecto onírico é também contemplado na Figura 82, na qual, uma vez
mais, concilia-se a linha com texturas resultantes de entrecruzamentos de outras
linhas, de pequeninos círculos e zonas pontilhadas, o que caracteriza maior
160
complexidade dos recursos plásticos em comparação com os do primeiro conjunto.
O mesmo se aplica à Figura 86. Nesta, inclusive, o artista se vale de uma grande
combinação de texturas, as quais criam espaços dentro de espaços. As
concentricidades das duas grandes formas que ocupam a maior parte da
composição produzem reverberações dentro de si mesmas e conferem uma
dinamização mais enfática e distinta daquelas vistas nas Figuras 81, 82 e 83. É um
dinamismo diferente, por exemplo, do percebido na Figura 90, tendo em vista o
predomínio, neste último desenho, dos fluxos de linhas horizontais e não
concêntricos.
Uma outra estruturação dinâmica e calcada exclusivamente na utilização de
linhas é a Figura 84. As indicações de espaço, diferentemente da já comentada
Figura 83, valem-se das reentrâncias e saliências da linha e suas variações
sinuosas. O grande dinamismo é uma ilustração da potência criativa do artista
sugerida em alguns trabalhos e que neste (assim como nas Figuras de número 86 e
87) explodem em partículas e estímulos visuais. Esta estruturação se diferencia
sobremaneira da Figura 85, na qual as duas superfícies (a em “L”, em primeiro
plano, de texturas regulares e escuras e a pontilhada do “céu”, na lateral superior
direita) contrastam entre si, mas criam um equilíbrio, ainda que não completamente
estável (por ser assimétrico), visto o predomínio da ocupação da superfície da zona
em “L”.
A complexidade das soluções formais encontradas nas Figuras 88 e 89
atesta, igualmente, a capacidade criativa do artista e a evolução estilística entre
estas e as obras do primeiro conjunto. As soluções plásticas e os sofisticados
recursos destas duas últimas peças denotam o grau de valorização do artista pelo
detalhamento, pela particularidade e pelo efeito que o detalhe possibilita contrapor
em relação ao conjunto. Adicional a isso, percebe-se ainda a utilização da linha
sinuosa como elemento unificador da composição e como zonas de espaços que se
intercalam entre si, criando ora transparências, ora zonas opacas como o negror da
profundidade do espaço sideral.
Essa complexidade formal espelha-se também nas xilogravuras, tais como a
Figura 9, do Capítulo 1, impressa sobre pano, datada de 1965, e a Figura 59, do
mesmo ano e reproduzida neste Capítulo. Outros exemplos são as Figuras 93 (com
sua matriz reproduzida na Figura 92), 94 e 95.
161
Figura 91 – Juarez Paraiso. Sem título.
Xilogravura em cores sobre papel, 53 x 36 cm, 1962
Foto: Dilson Midlej. Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Figura 92 – Juarez Paraiso.
Matriz xilográfica de Abstração 1 (madeira),
99,4 x 50,6 cm, 1963.
Foto: Dilson Midlej.
Acervo do artista (Atelier Itapuã)
Figura 93 – Juarez Paraiso.
Abstração 1.
Xilogravura sobre pano,
99,4 x 50,6 cm, 1963.
Fonte: Paraiso (2001, p. 79)
162
Figura 94 – Juarez Paraiso. Abstração.
Xilogravura sobre cartão, 51,5 x 99 cm, 1963.
Fonte: Paraiso (2001, p. 78)
Figura 95 – Juarez Paraiso.
Sem título.
Xilogravura sobre cartão (Díptico)
93,5 x 69,5 cm, 1965.
Tiragem 4/5. Coleção do artista.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 180)
Figura 96 – Fotografia de
exposição na Galeria Convivium.
Salvador, 1965.
Da esq. para a dir.: Juarez Paraiso,
Mario Cravo Neto e Mario Cravo Júnior.
Autor não identificado.
Reprodução: Acervo do artista
163
Nelas se observa maior ênfase na utilização das linhas, diferentemente das
xilogravuras do primeiro conjunto. As linhas obtidas mediante sulcagem da madeira
feita pelo artista e as texturas da própria fibra da madeira intercalam-se entre si e
resultam em uma só superfície. A este conjunto texturado opõem-se as zonas
chapadas negras ou de aplicação uniforme de cor e conferem diversidade às
tensões e relações entre os elementos plásticos, criando zonas de tranqüilidade
(áreas chapadas e de cor uniforme) e de dramaticidade (as curvas e estruturações
em espirais das linhas e veios da madeira).
Um terceiro conjunto, produzido igualmente em meados dos anos sessenta,
promove a integração entre linhas e pequenas zonas chapadas em uma atmosfera
obtida com o acréscimo do nanquim vaporizado por aerógrafo sobre as superfícies
em relevo da massa plástica. A massa plástica acresce fisicamente (em alto relevo)
à superfície novas modalidades de linhas e texturas que interagem ativamente com
os demais elementos utilizados pelo artista.
Dessa combinação resultam obras de grande complexidade compositiva e
atmosfera enigmática, tendo em vista a relação entre o que se oculta (pela
concentração de nanquim vaporizado em determinados trechos) e o que se oferece
à vista. As relações de apreensão imediata da totalidade da obra, perceptíveis nos
desenhos do primeiro conjunto, são contrariadas nas obras deste terceiro grupo,
diante da necessidade de maior tempo de leitura e de maior concentração do olhar
do perceptor. Estas afirmações podem ser constatadas nas Figuras 61 (já mostrada)
e 97, 98 e 99. As texturas de massa sintética nas Figuras 61 e 97 servem para criar
os ritmos que interferirão destacadamente na composição. No caso da primeira, são
formações concêntricas espiraladas (tais como os já mencionados vórtices visuais)
que direcionam e conduzem o olhar à apreensão de sensações inusitadas e
estranhas, reforçado pelo fato de se tratarem de formas abstratas. Já a segunda
apresenta uma fulguração de linhas em relevo que se assemelham às projeções das
chamas solares observadas próximas à superfície solar e, de igual forma, são
constituídas por sinuosidades e circularidades. O que se pode apreender ao se
manter contato com estas duas obras é a sensação de maravilhamento que elas
provocam.
As Figuras 98 e 99 conciliam as características mencionadas nas duas
anteriores acrescidas de complexos de formas circulares, tais como naquelas do
segundo conjunto. A diferença, nestas duas novas, é a inserção da granulação
164
acinzentada do aerógrafo e das possibilidades de clareza ou brilho que o nanquim
vaporizado oferece. As veladuras das camadas cinzentas da tinta vaporizada,
conciliadas às linhas e demais formas, criam ambiências misteriosas e enigmáticas,
desafios para o olhar dos fruidores.
Figura 97 – Juarez Paraiso. Paisagem astral.
Nanquim (bico de pena e aerógrafo) e massa sintética
sobre eucatex,80 x 52 cm, 1965.
Fonte: Paraiso (2001, p. 37)
165
Figura 98 – Juarez Paraiso. Paisagem astral [2].
Nanquim (bico de pena e aerógrafo) e massa sintética
sobre eucatex, 89 x 59 cm, 1965.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 161)
Figura 99 – Juarez Paraiso. Paisagem cósmica.
Nanquim (bico de pena e aerógrafo) e massa sintética
sobre eucatex, 51 x 70 cm, 1965.
Fonte: Paraiso e Falcão (2006, p. 160)
166
Esses três conjuntos apresentados sintetizam as características estilísticas da
criação paraisoana e dão uma idéia da sua vitalidade criativa. Essa produção se deu
solitariamente no decorrer dos anos sessenta (os demais artistas que trabalharam
com abstrações na Bahia fizeram-no por poucos anos) e nem sempre foi
reconhecida ou entendida pelo público. Com pouquíssima comercialização de obras,
foi sustentada pelo idealismo e determinismo férreo cultivado pelo artista, como se fora
um Quixote da arte abstrata, defensor ferrenho dos paradigmas internacionalizantes
do abstracionismo e de sua transfiguração em outros novos, mais afeitos à
sensibilidade cultural brasileira.
3.2 CONTRIBUIÇÃO “PARAISOANA” À ARTE BRASILEIRA
Entre o final dos anos cinqüenta e a década de sessenta, Juarez Paraiso
participou de algumas coletivas, tais como: Artistas Novos da Bahia, na Galeria do
Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu), em 1962, e Artistas da Bahia, no Copacabana
Palace (1964), ambas no Rio de Janeiro; coletiva Artistas Baianos, exibida no Peru e
em Madrid (1964 e novamente na Espanha, em 1966, com novo elenco de artistas);
Los Angeles (1965); e, no Brasil, em Porto Alegre (1967). Essas mostras contaram
com trabalhos de variadas tendências artísticas e de diferentes gerações de artistas,
incluindo os da primeira geração modernista baiana.
Ainda fora do âmbito da Bahia, suas atividades incluem participações nos XVII
e XVIII Salões do Museu de Arte da Prefeitura de Belo Horizonte (1962 e 1963,
respectivamente, atual Museu de Arte da Pampulha), uma individual na Galeria
Montmartre-Jorge, no Rio de Janeiro, em 1966, e várias coletivas, tais como dos VIII,
XII e XVI Salões Nacionais de Arte Moderna
7
, no Rio de Janeiro, respectivamente
em 1959, 1963 e 1967, e dos I, II e III Salões de Arte Moderna do Distrito Federal
(Brasília), em 1964 (com três desenhos e três gravuras), 1965 e 1966, com
premiação — Referência especial —, neste último ano, na seção de Desenho
(PONTUAL, 1969, p. 405).
7
O primeiro Salão Nacional de Arte Moderna realizou-se em 1952 e o último em 1977. No ano
seguinte já surgia o Salão Nacional de Artes Plásticas (LEITE, 1999).
167
A terceira edição do salão de Brasília foi aberta ao público no dia 4 de
novembro de 1966 e teve lugar no Teatro Nacional. Juarez Paraiso relata que sua
experiência com os salões cariocas e brasilienses foi marcada pela oposição
representada pelas filosofias desses eventos. Enquanto o salão fluminense
pretendia-se nacional, a seleção de obras era tão rígida e tão à mercê das
preferências e tendências estéticas dos membros do júri que terminava por
contemplar as linguagens mais em voga, ora tendendo à abstração geométrica, ora
à neoconcreta, passando pelo informalismo e pela nova figuração. Restringia-se,
praticamente, aos artistas daquele Estado e aos de São Paulo, acontecendo o
mesmo com os Salões Paulistas de Arte Moderna, do qual Juarez Paraiso
participaria da edição realizada em 1963.
Ao fato de as tendências artísticas aceitas dependerem da composição do júri
de seleção, acrescia-se a dificuldade de divulgação daqueles eventos no Nordeste,
devido à precariedade de comunicação entre as regiões Sudeste e Nordeste, bem
como à dificuldade para o envio de obras, no tocante ao custo e à distância. Assim,
os prejuízos causados pela viagem, a exemplo de vidros quebrados, não eram
recuperados. Em função disto, o artista era desclassificado e, portanto, não
participava da seleção. Por esta razão Juarez Paraiso aboliu o vidro e passou a
produzir seus desenhos em bico de pena sobre eucatex e imprimir suas gravuras
sobre pano. A seleção dos trabalhos era feita mediante julgamento do júri, e graças
a esta estratégia Juarez Paraiso pôde participar das três citadas edições do
respeitado Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.
Quanto ao salão de Brasília, por estar se formando, acompanhando o
crescimento daquela cidade recém-inaugurada, marco da política desenvolvimentista
de Juscelino Kubitschek, tinha uma participação mais democrática por parte da
aceitação de artistas de vários estados. Por isto mesmo, tornava-se mais
representativo (no que toca à participação) do que o salão do Rio de Janeiro. Juarez
Paraiso participou das três primeiras edições. Quando estava prestes a ocorrer a
quarta, o certame foi fechado e não mais se repetiu
8
.
8
Isso decorreu do fato de muitos artistas participantes terem enviado obras tendo como tema Che
Guevara (Ernesto Guevara), revolucionário argentino executado por soldados do Exército, em
1967, ao tentar implantar a guerrilha no interior da Bolívia. O que parecia uma manifestação de
apreço à figura e aos ideais socialistas e antiimperialistas daquele guerrilheiro, por parte dos
artistas brasileiros, resultou no fechamento do salão e na perda das obras, visto que muitos
participantes, assustados pela reação repressora, não reclamaram suas criações, inclusive Juarez
Paraiso, que também havia remetido um trabalho tendo Che Guevara como tema.
168
Dentre as coletivas das quais Juarez Paraiso participou fora da Bahia
encontram-se ainda o Panorama de Arte Atual Brasileira 1969, realizado em 1970 no
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), ocasião em que o artista doou a
obra reproduzida à Figura 100 para o acervo daquela instituição, e o XXVIII Salão
Paranaense, em Curitiba, também em 1970, no qual obteve um prêmio de aquisição.
Em ambas, Juarez Paraiso participou na condição de artista convidado.
Figura 100 – Juarez Paraiso. Sem título.
Nanquim (bico de pena e aerógrafo) sobre papel colado sobre aglomerado,152 x 122 cm, 1965.
Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Acervo: Museu de Arte Moderna de São Paulo
O artista credita a Clarival do Prado Valladares a indicação de seu nome para
integrar o Panorama de Arte Atual Brasileira 1969, tendo em vista a influência do
169
crítico baiano, residente no Rio de Janeiro desde 1963. Este artista acompanhava
ativamente o movimento cultural dos grandes centros brasileiros e das principais
instituições museológicas, incluindo a capital paulista, além de escrever
regularmente sobre arte nos veículos da rede dos Diários Associados sem, todavia,
perder contato com a Bahia (NUNES, 2007, p. 113). Independente de ter sido ou
não uma indicação de Clarival Valladares, o nome Juarez Paraiso já era familiar a
um grupo de críticos e artistas de vanguarda, devido às participações nos salões já
mencionados, do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Também os
contatos mantidos com muitos deles, em função de sua atuação como secretário
geral das duas edições da Bienal Nacional de Artes Plásticas (Bienais da Bahia),
devem ter favorecido a lembrança (ou a boa acolhida da sugestão de Clarival do
Prado Valladares) de seu nome como expositor daquela mostra, assim como da XII
Bienal de São Paulo, três anos depois. A particularidade e originalidade da criação
abstrata de Juarez Paraiso, seguramente, garantiram a indicação e aceitação de seu
nome para aquele Panorama. A obra doada ao MAM-SP (Figura 100) ilustra esta
fase criativa do artista
9
.
Figura 101 – Capa do catálogo da mostra
Panorama de Arte Atual Brasileira 1969.
Foto: Museu de Arte Moderna de São Paulo
9
O catálogo daquela mostra, cuja capa encontra-se reproduzida na Figura 101, contém o nome do
artista relacionado aos demais. Todavia não enumera as obras (não informa quantidade, títulos e
técnica), diferentemente dos demais expositores. Segundo depoimento do artista, tanto as obras
quanto os dados relativos a elas (títulos, técnica etc.) foram encaminhadas ao MAM-SP dentro dos
prazos estabelecidos. Da Bahia, além de Juarez Paraiso, também participou Genaro de Carvalho,
com um estudo para A Mariposa Branca.
170
Esta obra apresenta as características já apontadas no terceiro conjunto (das
quais participam as Figuras 97, 98 e 99). Os destaques são as zonas de brilho,
como se focos específicos de luzes desanuviassem uma fina cortina de neblina e
deixassem à mostra fragmentos dos elementos constitutivos da obra, os quais, por
sua vez, encontravam-se camuflados pelas zonas acinzentadas e negras. É como se
esses brilhos e as possibilidades do que se torna visível ao olhar com a
intermediação deles fossem indispensáveis para a produção de sentidos.
Naturalmente, para isso contribuem as volutas e redemoinhos de cinzas e negros, os
quais criam os contrastes, os ritmos e o emolduramento do que se revela ao olhar a
partir dos citados focos luminosos.
O aspecto erótico deste desenho é também acentuado com alusões à
volumetria e a orifícios do corpo feminino, tais como a rotundidade de seios e
ventres (ainda que bastante estilizados, tais como na lateral inferior direita, com
formas que se assemelham a um seio, e na “fenda” central da parte inferior do
trabalho, possível alusão à vagina).
Suas grandes dimensões garantem o impacto visual e asseguram um
aspecto de imponência, principalmente por se tratar de um desenho, visto que as
dimensões de desenhos, de uma maneira geral, restringem-se a tamanhos de
pequenas ou médias proporções. Essa obra integrou a quarta individual que o
artista realizou em Salvador, no Instituto Cultural Brasil Alemanha (Icba), em 1965
(Figura102).
171
Figura 102 – Fotografia da exposição individual de
Juarez Paraiso, no ICBA, em Salvador, em 1965.
Autor não identificado.
Vê-se ao fundo a obra que posteriormente seria exposta e doada ao MAM-SP.
Da esq. para a dir.: Riolan Coutinho, Juarez Paraiso, Sante Scaldaferri e sua esposa, Marina.
Fonte: Paraiso, Falcão (2006, p. 332)
À participação no Panorama seguiram-se a XII Bienal de São Paulo, em 1973,
com desenhos figurativos da série Mutações (Figura 103), e fotomontagens (Figura
104), com variações obtidas da mescla das expressões fisionômicas do artista com
órgãos e detalhes da anatomia humana. Esse é o período no qual o artista retoma a
produção figurativa e inicia novas pesquisas com fotografia e técnicas mistas.
172
Figura 103 – Juarez Paraiso.
Duas imagens da série Mutações, apresentadas na XII Bienal de São Paulo, em 1973.
Nanquim (bico de pena) e acetato sobre papel, 139 x 100 cm, cada.
Reproduções: Arquivo do artista
Figura 104 – Juarez Paraiso.
Duas imagens da série Fotomontagens, apresentadas na XII Bienal de São Paulo, em 1973.
Fotos: Dilson Midlej. Arquivo do artista
Destacam-se nestas obras, assim como nas demais com as quais o artista
participou dos diversos salões de arte mencionados a partir de 1959 (iniciadas com
173
as gravuras geométricas vistas nas Figuras 46 e 47), características presentes na
maior parte da produção do artista na década de sessenta, a saber:
a) ênfase na utilização do desenho, da fotografia e da gravura, técnicas
alternativas modernistas por excelência e mais acessíveis às pessoas do
ponto de vista da tiragem (no caso das duas últimas, pelas possibilidades
de maior visibilidade em vários locais simultaneamente) e do custo (preços
menores comparativamente com a pintura);
b) utilização de técnicas mistas, conjugando as três citadas anteriormente
com outras, possibilitada pelo avanço técnico (o aerógrafo, as tintas
sintéticas, a massa plástica de base para as texturas do suporte, a
impressão de gravura sobre tecido, entre outras), estimulando o espírito
de inventividade criativa respaldado pelo desenvolvimento de pesquisas
técnicas;
c) valoração do preto e branco como recurso plástico e a autonomia do
desenho como mediação técnica distinta da explorada pelos princípios
acadêmicos (estes últimos restringiam o uso do desenho como exercício
de habilidade manual da aprendizagem e recurso intermediário para as
técnicas mais nobres, a exemplo da pintura e da escultura);
d) desenvolvimento de uma produção que abraçava um princípio
internacionalizante de arte (a abstração) como recurso de linguagem, a
qual, distanciada de regionalismos e pressupondo uma atualização tanto
do vocabulário plástico quanto da prática artística, objetivava maior
alcance de significação por falar mais diretamente à percepção humana
sem a mediação conceitual exercida pela figura;
e) transformação desses princípios internacionalizantes em um tipo de
criação que diz muito da cultura brasileira, refletindo-se naquelas obras as
influências culturais já assinaladas: de herança barroca e baiana; de
linguagem plástica emotiva (com profusão de curvas e sinuosidades); de
ambigüidade existencial (as formas ambíguas e conflitantes entre os
“dentros” e “foras” intercambiáveis dos espaços plásticos); de constante
experimentação (como resultante da novidade estilística);
174
f) exploração de uma constante eroticidade, sublimada nas sinuosidades das
linhas ou explicitada nas produções figurativas, resgatando-a como tema
nestas últimas ou como princípio vital originário das soluções plásticas das
criações abstratas.
A eroticidade se espraia na criação paraisoana e ganha visibilidade, como já
assinalado, na maioria das abstrações do artista, através da sensualidade dos
elementos plásticos.
Ao se mencionar aspectos de sensualidade em arte, torna-se inevitável
estabelecer comparações com criações anteriores de outros artistas. Assim, faz-se
obrigatória a lembrança da obra do carioca Di Cavalcanti (Emiliano Augusto
Cavalcanti de Albuquerque Melo, 1897-1976). Este mestre modernista, na
expectativa do registro e apreensão da brasilidade, valeu-se de formas
arredondadas e volumetrias em suas paisagens e nas figuras humanas e entronizou
a mulher — a mulata, em particular —, em pinturas que se situam entre o onírico e o
erótico, aspecto que parece também ocorrer com a produção de Juarez Paraiso,
resguardadas as diferenças entre os dois, naturalmente.
Enquanto em Di Cavalcanti o modelo da mulher existe como metáfora da
sensualidade, em Juarez Paraiso apresenta-se sublimada ou transfigurada como
força motriz de feixes e configurações circulares nas peças abstratas e de
extremado cunho erótico nas representações figurativas. Esse erotismo reflete-se
em toda a sua produção e evidencia-se com veemência em vários trabalhos
abstratos, como já demonstrado, inclusive pela valorização e utilização de
arabescos.
Arabescos remetem à decoratividade plástica e não é difícil encontrar, na
criação artística, a conciliação entre eles (por intermédio da linha sinuosa) e a
decoratividade dos elementos gráficos de padrões de tecidos. O arabesco, enquanto
elemento expressivo da linha, não somente teve sua valorização destacada na
história da arte, como foi uma presença constante na arte moderna e um recurso
expressivo da sensibilidade de muitos artistas, dentre os quais é modelo exemplar
Henri Matisse (Henri Émile Benoit Matisse, 1869-1954), para quem “[...] as linhas
não são contornos, mas arabescos coloridos que asseguram a circulação, a
irradiação cromática de todo o tecido pictórico” (ARGAN, 1998, p. 236).
175
O papel decorativo do arabesco, seja por influência árabe ou do extremo
Oriente, exerceu enorme influência nas composições do influente pintor francês,
principalmente na forma de padrões de estampas de tecidos. Esse decorativismo e
valorização da curva, todavia, são bastante distintos do que se experiencia na obra
de Juarez Paraiso, principalmente por sua preferência pelo desenho, sem a
utilização de cores, e mesmo nas obras em que utiliza recursos cromáticos, pois a
maior parte de sua produção apresenta enfoque mais formalista do que colorista.
No que toca à afirmativa (feita no Item d) a respeito do desenvolvimento de
uma produção que abraçava um princípio internacionalizante de arte, faz-se
necessário salientar que “[...] Juarez nunca olhou a arte abstrata como um exercício
compulsional, ou de modismo, mas como um caminho de realização de sentimentos,
de emoções e ilustradora de situações” (FLEXOR, 2006, p. 150).
O enfoque na materialização de sentimentos, aliados à originalidade na
utilização da linha e sua exploração em termos compositivos nas obras abstratas de
Juarez Paraiso possibilitaram reforçar a presença do desenho como meio expressivo
e favoreceram a importância dessa técnica dentro do panorama nacional. Essa
originalidade pode ser notada comparativamente com produções em desenho de
outros artistas brasileiros atuantes na década de sessenta, como as do gravador em
metal e litógrafo pernambucano Darel Valença Lins (1924-1984).
Um exemplo deste último é Desenho n. 8 (Figura 105), bico de pena de 1963,
prêmio de desenho da VII Bienal de São Paulo. Este trabalho é uma paisagem de
tendência abstrata e segue a linha produtiva de Darel Valença Lins, cujas criações
em grande parte apresentam soluções aparentemente abstratas sem, contudo,
perder o vínculo com a figuração. Desenho n. 8, todavia, exemplifica o tipo de
organização plástica representativa do artista pernambucano, em que texturas de
linhas preenchem áreas de pequenas proporções dentro da composição, sugerindo
planos e transparências que configuram casas com janelas, palmeiras e pontes
sustentadas por arcos. Estas mesmas características são mantidas em suas demais
produções, bem como em suas pinturas a partir de 1957, posteriores a sua viagem à
Europa.
No caso de Juarez Paraiso, a execução de suas obras abrange gestos de
maior amplitude e de maior extensão em termos físicos e isso implica em maior
dificuldade de execução e em soluções para a composição. No tocante à
complexidade, as obras de Juarez Paraiso parecem (talvez por se tratarem de
176
abstrações) apresentar soluções e desenvolvimentos plásticos mais variados e
inusitados em comparação a Darel Valença Lins e aos demais artistas que se
dedicaram ao desenho nos anos sessenta.
Figura 105 – Darel Valença Lins. Desenho n.
8.
Nanquim sobre papel, 45 x 58 cm, 1963.
Prêmio desenho VII Bienal de São Paulo.
Fonte: Fundação Bienal de São Paulo (2001, p. 125)
Uma vez destacada a importância da linha em Juarez Paraiso, pode-se
estabelecer paralelos com diversos artistas brasileiros contemporâneos. Levando-se
em consideração a particularíssima e original produção do artista baiano, observou-
se que esta singularidade confere-lhe uma importância idêntica à que se observa em
alguns outros artistas de extrema sensibilidade e coerência estilística, como é o caso
de Mira Schendel (1919-1988), nascida na Suíça, que chegou ao Brasil em 1949 e
aqui se radicou.
177
A relação entre os dois artistas e o uso da linha é bastante distinta, mas
ambos possuem em comum uma “[...] expressividade subjetiva, com real impacto
emocional”,
como observou Mário Pedrosa ([19--] apud MARQUES, 2001, p. 21) ao
analisar as propriedades da arte de Mira Schendel, que, evidentemente, parecem
aplicar-se à obra de Juarez Paraiso.
Referindo-se às monotipias que desenvolveu, principalmente entre 1964 e
1965, Mira Schendel declarou, talvez referendando o aspecto auto-suficiente e
autônomo da linha: “Eu diria que a linha, na maioria das vezes, apenas estimula o
vazio.” (MARQUES, 2001, p. 28-29). No caso de Juarez Paraiso, poder-se-ia dizer
que o conceito de linha é justamente o oposto: o de estimular o cheio, assim como o
ritmo (com a repetição de linhas e fluxos) e o favorecimento da acumulação, visto
que os vazios existem na poética paraisoana somente como contraponto às massas
de texturas e linhas e, em alguns casos, como zonas luminosas. São, portanto,
relações distintas que se estabelecem entre os dois artistas, ainda que partam de
princípios idênticos de espontaneidade e liberdade criativa.
A gestualidade, a espontaneidade do traço, a liberdade e a delicadeza do
gesto eram características fundamentais da plástica de Mira Schendel, assim como
de Juarez Paraiso, observando-se, naturalmente, as diferenças entre as duas
práticas artísticas e as particularizações que denominações como “gestualidade”,
“espontaneidade do traço” e “delicadeza do gesto” assumem entre os dois.
Enquanto no trabalho do artista baiano há o predomínio da voluptuosidade visual
pelo uso da linha, no caso de Mira Schendel a exploração da linha dá-se de forma
econômica, em menor intensidade, com “Formas abertas, transitórias, como se o
desenho estivesse sempre por fazer” (MARQUES, 2001, p. 28).
As monotipias dos
anos de 1964 e 1965 são ilustrativas (Figuras 106 e 107).
178
Figura 106 – Mira Schendel. Sem título.
Monotipia óleo sobre papel arroz,
47,1 x 23,1 cm, 1964.
Coleção Marcela e Israel Furmanovich.
Fonte: Marques (2001, p. 64)
Figura 107 – Mira Schendel. Sem título.
Monotipia sobre papel arroz, 46 x 23 cm, 1965.
Coleção Marcela e Israel Furmanovich.
Fonte: Marques (2001, p. 71)
A espontaneidade do traço de Mira Schendel reforça a literalidade da linha
mesma, com suas hesitações e imperfeições como conseqüência de um gesto que
se busca materializar sem a interferência do pensamento racional. Já a
espontaneidade do traço de Juarez Paraiso é devedora de uma relação entre
aquele e outros traços a mais, sempre em conjuntos de muitas linhas e sempre
harmoniosas entre si no que toca a sua espessura e, em muitos casos,
direcionamentos e sinuosidades (os já mencionados feixes de linhas que se
movimentam em várias direções e, assim, criam relações entre si e os demais
elementos da composição).
Algumas destas características observadas na produção do artista baiano
ajudam no entendimento dos princípios observados e praticados por toda uma
geração que se posicionou criativamente em relação a seu meio e promoveu
melhorias no desenvolvimento das pesquisas artísticas que hes asseguraram uma
posição de destaque no cenário cultural da Bahia. Nesse contexto, a
intercomunicação entre as obras de Juarez Paraiso expostas no exterior e em
vários estados brasileiros possibilitou que boa parte de suas descobertas técnicas
179
e de seus desenvolvimentos estilísticos pudessem ser conhecidos, tanto fora
quanto nos maiores centros artísticos do país, contribuindo para o fortalecimento
da expressão visual brasileira, ainda que não se possa mensurar seu nível de
influência em artistas de outros estados brasileiros.
E neste cenário, Juarez Paraiso não só foi relevante como se destacou,
sobremaneira, entre os demais artistas do grupo que ficou conhecido pela
historiografia da arte na Bahia como segunda geração modernista do Estado.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção de arte abstrata que a segunda geração modernista baiana
desenvolveu no ambiente artístico do estado nos anos sessenta contou com a
atuação criativa de Juarez Paraiso durante toda a década.
O desconhecimento da importância e a exigüidade de informações acerca da
produção de arte abstrata daquela geração e, mais especificamente, a realizada por
Juarez Paraiso, foram algumas das motivações que resultaram nesta pesquisa, que
intencionou investigar a produção abstrata de Juarez Paraiso dos anos 1960, bem
como verificar as influências do ambiente sócio-econômico-cultural de Salvador e as
características barrocas em sua poética abstrata. A intenção da pesquisa também foi
conhecer a produção abstrata de alguns artistas baianos contemporâneos de Juarez
Paraiso, analisar estilisticamente os trabalhos abstratos deste artista e investigar sua
contribuição à arte baiana e brasileira, de tendência abstrata, pela comparação com
outros artistas não-objetivos do período.
O trabalho realizado identificou 89 obras abstratas realizadas entre 1959 e
1969 e dividiu-as em três grupos, nos quais identificaram-se características formais e
expressionais distintas entre elas que atestavam a profundidade e as diferentes
possibilidades da pesquisa desenvolvida pelo artista.
Nascido quatro anos após a eclosão da Revolução de 1930 e poucos anos
antes do início da Segunda Guerra Mundial, Juarez Paraiso teve sua trajetória de
vida até o período de estudos na Escola de Belas Artes (EBA) marcada por grandes
dificuldades econômicas. Sua determinação na criação de uma base sólida,
fundamentada no estudo de Arte, favoreceu-lhe a obtenção de conquistas sociais e
artísticas, bem como lhe proveu instrumentalmente de condições para desenvolver
sua carreira de artista. Antes mesmo da conclusão de seu primeiro curso (Pintura),
ele já ensinava na EBA (como Auxiliar de professor regente, em 1957) e já angariava
premiações em certames de artes plásticas. Seu segundo curso superior foi
Gravura, seguindo-se o de Escultura.
Seu contato com o modernismo se deu com a leitura, as exposições dos
Salões Baianos de Belas Artes (a partir de 1949), os quais reuniam separadamente
as produções acadêmicas (na Divisão Geral) e modernistas (na Divisão de Arte
181
Moderna). Adicionalmente, ele manteve contatos, como aluno, com Maria Célia
Amado e com a agitação promovida pelas exposições dos artistas da primeira
geração modernista, incluindo-se o convívio com Mario Cravo Júnior, nos anos 1950,
na EBA.
Como conseqüência das novas possibilidades apresentadas pelo
modernismo, Juarez comungava com outros colegas professores, assim como com
estudantes da EBA, um sentimento generalizado de necessidade de renovação do
ensino acadêmico, pela assimilação das novas soluções plásticas modernistas.
Essas propostas abrangiam também as possibilidades oferecidas pela arte
abstrata, da qual Maria Célia Amado e Mario Cravo Júnior (dois representantes da
primeira geração modernista) surgiam como pioneiros na Bahia. A segunda geração
modernista baiana, que passou a atuar nos anos 1960, vira na abstração uma nova
organização espacial que permitia a atualização do vocabulário plástico e o
posicionamento crítico frente aos conteúdos regionalistas que margeavam as obras
dos artistas da primeira geração. Esse processo foi denominado de
Internacionalização da Arte Moderna e Juarez Paraiso participava ativamente com
trabalhos, nos quais explorava exaustivamente o uso da linha sinuosa. Esta opção
sintetizava plasticamente as influências das curvaturas das ruas, becos e arquitetura
colonial do Centro Histórico de Salvador e da graciosidade e voluptuosidade do
corpo feminino, ao mesmo tempo em que expressava os conceitos modernistas de
força espacial e qualidades dinâmicas e de exploração do espaço bidimensional
como campo de forças (o equivalente a composição).
Essa produção era classificada por “informal”, termo que no Brasil designava
as tendências abstratas não geométricas. A arte informal evocava o indefinido, mas
com sentido e emoções universais, pois reforçava a individualidade e valorizava o
conceito do homem como ser único. O termo surgiu para se criar uma distinção do
“formal” (ou arte de tendência geométrica), mas ambos guardam uma relação
estreita entre si e se configuram como características intrínsecas da forma e do
espaço. Afinal, o informal se torna visível ao olho humano por seus princípios
formais e ambos se espelham na criação artística de Juarez Paraiso, de maneira
complementar, inclusive no mesmo trabalho, invalidando, portanto, a dicotomia
formal/informal. Se por uma questão didática ou metodológica é necessário
classificar a criação abstrata da década de sessenta daquele artista, então o termo
informal é o mais condizente, ainda que incompleto (visto que muitas obras
182
conciliam os aspectos de formatividade e informatividade) e reducionista, pois
simplifica, sobremaneira, sua complexidade plástica.
Espelhando o que ocorria na Europa, a oposição entre formal e informal foi
alimentada pelas vanguardas brasileiras e essa discussão estendeu-se ao início da
década de 1960, período no qual um grupo de artistas baianos da segunda geração
modernista exercitava suas criações abstratas e buscava legitimar uma renovação
plástica da cidade, tendo a abstração como linguagem de expressão. Dentre os que
trabalharam com abstração e compunham aquela geração (além de Juarez Paraiso),
encontravam-se: Betty King, Adam Firnekaes, Jenner Augusto, Leonardo Alencar,
Sonia Castro, Jamison Pedra, Gley Mello, Calasans Neto, Riolan Coutinho, Sante
Scaldaferri e Luiz Gonzaga.
A comparação entre a produção desses artistas e a de Juarez Paraiso
permitiu constatar-se que o nível de inventividade e qualidade estética da produção
deste último equiparava-se igualitariamente às obras de Betty King e Adam
Firnekaes, ainda que os recursos técnicos utilizados pelos três, assim como os
enfoques estilísticos, fossem distintos. Percebe-se, todavia, que os resultados em
nível de forma, composição, uso de cores e demais recursos plásticos obtidos pelos
três denotam uma maturidade de linguagem que busca expressar visualmente as
inquietações, sensações e reflexões dos artistas frente às problemáticas levantadas
pela abstração.
Em relação aos demais, observou-se a relevância de Juarez Paraiso, não
somente pela originalidade de sua pesquisa abstracionista, desenvolvida por meio
do desenho, da gravura, da pintura a guache e da técnica mista, como também
pelas novas soluções técnicas desenvolvidas e, principalmente, pela duração
temporal de sua produção (superior a uma década), o que favoreceu o
aprofundamento de questões pertinentes à linguagem abstracionista e possibilitou o
reconhecimento institucional dessa mesma produção pelo sistema artístico. Essa
longevidade produtiva aliada à qualidade estética, bem como a maestria em diversas
técnicas e as soluções plásticas criadas por Juarez Paraiso — bastante
diferenciadas das utilizadas pelos outros artistas —, destacam sua produção entre
os demais da segunda geração modernista baiana. Décadas depois, Juarez Paraiso
continuava desenvolvendo a abstração concomitantemente com sua produção
figurativa.
183
As principais características observadas na poética visual de Juarez Paraiso,
que se manifestam em trabalhos nos quais o artista se valeu dos recursos do preto e
branco e da linha, são o dinamismo (a ênfase estrutural); a organicidade (a
interdependência dos elementos plásticos e a estruturação de imagens que se
assemelham às naturais); e a sensualidade.
A aplicação da linha conjugada a outros elementos plásticos nos desenhos e
gravuras do artista permite que os trabalhos possam ser classificados em três
agrupamentos com características diferenciadas entre si, iniciando com uma
estruturação composicional simplificada, na qual se destacava a linha mesma,
alterando-se, em uma segunda etapa, para trabalhos de maior complexidade.
Nestes, a linha era aplicada a texturas obtidas por massas aplicadas aos suportes (o
que conferia às superfícies em alto-relevo a sugestão de volumes salientes da
planificação dos suportes), além do uso de zonas preenchidas por pontos e de
superfícies inteiramente negras. Neste segundo conjunto, percebe-se nitidamente a
valorização do caráter onírico da produção paraisoana, ausente no primeiro
agrupamento. Por fim, o terceiro conjunto promove a integração entre linhas e tinta
nanquim vaporizada por aerógrafo sobre as superfícies em relevo da massa plástica,
resultando em obras de grande complexidade compositiva e atmosfera enigmática,
tendo em vista a relação entre o que se oculta (pela concentração de nanquim
vaporizado em determinados trechos) e o que se oferece à vista.
Percebeu-se nesses três conjuntos que a linha se constituía no elemento
formal da expressão de estados de espírito e possibilitava a vazão da fantasia
criadora do artista, surgindo daí os Universos cósmicos, as Paisagens astrais e as
inúmeras denominações criadas para titular uma produção rica de expressão e
estilisticamente inovadora, como se tentou demonstrar.
Adicional a sua criação plástica, observou-se que Juarez Paraiso exerceu
lideranças significativas que resultaram em benefícios e fortalecimento do meio
cultural baiano, tais como as atuações como secretário geral das duas Bienais da
Bahia, em 1966 e 1968, a direção artística da Galeria Convívio, de 1965 a 1967, e o
exercício crítico sobre arte em artigos publicados nos jornais A Tarde, Diário de
Notícias e Tribuna da Bahia, nos anos sessenta e setenta, sempre valorizando os
talentos locais e contribuindo para informar a opinião pública sobre as características
da produção artística modernista. O fortalecimento do campo cultural da cidade
interessava-lhe sobremaneira, visto que ele também se beneficiaria, já que era
184
elemento integrante e ativo daquele sistema. Sua contribuição foi igualmente
relevante no âmbito acadêmico da Escola de Belas Artes, atividade que ainda
desenvolve na atualidade.
Ainda que a pesquisa desenvolvida tivesse objetivos gerais e específicos
definidos e se tenha lançado mão de uma metodologia que pudesse abranger tanto
o aspecto prático de análise formal, quanto o de identificação de significação e de
valoração dos aspectos sensíveis da criação artística, visando apreender e mensurar
o alcance da produção simbólica da criação abstrata de Juarez Paraiso, faz-se
necessário apontar que este estudo não só não esgota o tema como também
apresenta limitações. A maior delas foi a identificação de artistas abstratos de outros
estados brasileiros do mesmo período estudado que explorassem os recursos do
desenho, para que se pudessem estabelecer relações comparativas de estilos e
desenvolvimentos técnicos. A explicação para isto pode ter duas possíveis
respostas. A primeira possibilidade é a constatação da carência de registros
satisfatórios, tanto iconográficos quanto de pesquisa da produção artística brasileira,
em livros e publicações acessíveis ao público. A outra é que a particularidade da
poética de Juarez Paraiso, dada a sua inventividade e originalidade, não encontra
espelho ou semelhança na produção abstrata de outros artistas.
Outra limitação observada deu-se com a identificação de obras abstratas de
artistas baianos, tendo em vista a ausência da produção de muitos deles nos
acervos de instituições públicas e culturais, tais como museus e mesmo em coleções
privadas. A precariedade de dados iconográficos destes artistas impossibilitou maior
desdobramento, o que resultou em breves análises comparativas entre a produção
deles e a de Juarez Paraiso no capítulo 2, na seção 2.3, intitulada Geração Abstrata
Baiana. Faz-se necessário um posterior e mais amplo estudo sobre as
particularidades da criação abstrata dos artistas mencionados.
Pelas características enumeradas, pelas análises feitas, pelas ponderações
relativas às obras de artistas baianos e pela comparação das obras de Juarez
Paraiso com a produção artística baiana e com a brasileira de desenho na década
de 1960, conclui-se que a produção abstrata de Juarez Paraiso dos anos sessenta é
uma importante contribuição à arte brasileira e ao desenvolvimento da expressão
plástica abstrata e informal no Brasil.
185
REFERÊNCIAS
ADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna 1820-1980. São Paulo:
Cosacnaify, 1997. 380 p.
ALVES, Ivia Iracema Duarte. Arco & flexa: contribuição para o estudo do
modernismo. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1978. 151 p.
(Cabrália, 3).
AMADO, Jorge. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de
memórias que jamais escreverei. Rio de Janeiro: Record, 1992. p. 457-459.
______. Bahia de todos os santos: guia de ruas e mistérios. 40. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1996. 410 p.
______. Artista e promotor de cultura. In: PARAISO, Juarez; FALCÃO, Washington
(Orgs.). A obra de Juarez Paraiso. Salvador: Juarez Paraiso, 2006. p. 7-8.
AMADO, Maria Célia. Oficio endereçado à direção da Escola de Belas Artes.
Salvador, 1 jun. 1945. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Manuscrito.
______. Oficio endereçado à direção da Escola de Belas Artes. Salvador, 12 jun.
1946. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Manuscrito.
______. Catálogo da exposição Mulheres em movimento. Salvador: Galeria
Cañizares; Catálogo da exposição realizada de 5 set. a 5 out. 2007a. 53 p.
______. Dossiê sobre a artista. Arquivo do Setor de Museologia do Museu de Arte
Moderna da Bahia. Salvador, 2007b.
ANTES da mostra. Diário de Notícias, Salvador, Caderno 1, p. 3, 29 fev. 1964.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 710 p.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora.
São Paulo: Pioneira; Edusp, 1980. 504 p.
186
ARTISTAS abstratos da Bahia. Salvador: Instituto Cultural Brasil-Alemanha, 1964.
Não paginado. Catálogo de exposição aberta em 2 mar. 1964a.
ARTISTAS abstratos no ICBA. A Tarde, Salvador, p. 16, 7 mar. 1964b.
ATA da sessão extraordinária de Congregação, 13 maio 1949. In: LIVRO de Atas da
Congregação 1948 a 1954. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 14-15
verso. Envelope 40. Manuscrito.
ATA da sessão extraordinária de Congregação, 27 dez. 1950. In: LIVRO de Atas da
Congregação 1948 a 1954. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 41 verso-
42. Envelope 40. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 20 maio 1959. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 6. Envelope 260.
Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 8 ago. 1959. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 13. Envelope 260.
Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 16 out. 1959. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. fls. 20 verso, 21 e 21
verso. Envelope 260. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 21 ago. 1961. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 68-69. Envelope 260.
Manuscrito.
ATA da sessão extraordinária de Congregação, 9 dez. 1963. In: LIVRO de Atas da
Congregação 1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 134 verso.
Envelope 260. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 12 mar. 1964. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 140 verso. Envelope
260. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 19 maio 1964. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 152. Envelope 260.
Manuscrito.
187
ATA da sessão de Congregação, 10 jun. 1964. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. fls. 153 verso - 154.
Envelope 260. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 17 set. 1964. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. fls. 158-162. Envelope
260. Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 21 maio 1965. In: LIVRO de Atas da Congregação
1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 179. Envelope 260.
Manuscrito.
ATA da sessão de Congregação, 21 dez. 1967. In: LIVRO de Atas da Congregação
1965 a 1974. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. f. 60 - 64. Livro n. 34.
Manuscrito.
AZEVEDO, Thales de. Les elites de couleur dans une ville brésilienne. Paris:
Unesco, 1953. Apud VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador: transformações
e permanências (1549-1999). Ilhéus: Editus, 2002. 455 p.
BAHIA. Primeira bienal nacional de artes plásticas. Salvador: Governo do Estado,
1966, não paginado. Catálogo da exposição.
BARDI, Lina Bo. Museu de Arte Moderna da Bahia. Diário de Notícias, Salvador,
Caderno 3, p. 1, 6 jan. 1960.
BAZIN, Germain. Psicologia e psicanálise. In: BAZIN, Germain. História da história
da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 261-275.
BENTO, Antonio. Roteiro e coerência: passos de uma obra. In: COCCHIARALE,
Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda
brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte; Inap, 1987. p. 253-259
(Temas e debates, 5).
BILL, Max. The mathematical approach in contemporary art. In: STILES, Kristine;
SELZ, Peter Howard (eds.). Theories and documents of contemporary art: a
sourcebook of artists' writings. California: University of California Press, 1996.
1003 p. p. 74-77. (California Studies in the History of Art, 35).
188
BOLOGNE, Jean Claude. As artes plásticas e o pudor. In: BOLOGNE, Jean Claude.
História do pudor. Rio de Janeiro: Elfos; Lisboa, Portugal: Teorema, 1990.
p. 219-258.
CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; SOUZA, Guaraci Adeodato Alves de. A
produção não-capitalista no desenvolvimento do capitalismo em Salvador. In: FARIA,
Vilmar; SOUZA, Guaraci Adeodato Alves de. Bahia de todos os pobres. Petrópolis:
Vozes; Cebrap, 1980. p. 71-101.
CAVALCANTI, Ionaldo de Andrade. O mundo dos quadrinhos. São Paulo: Símbolo,
1977. 256 p.
CELESTINO, Mônica. Casa das artes. Correio da Bahia, Salvador, Repórter,
p. 3-7, 15 dez. 2002.
CHIACCHIO, Carlos. Tradicionismo dinâmico. Arco & flexa, Salvador, n. 1, nov.
1928. p. 3-8.
CIVITA, Victor. Arte no Brasil. São Paulo: Abril; Fundação Padre Anchieta, 1979.
2 vol. il.
CLAY, Jean. Lygia Clark: fusão generalizada. In: ROLNIK, Suely; DISERENS,
Corinne (Orgs.). Lygia Clark: da obra ao acontecimento: somos o molde: a você
cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006. 98 p. Catálogo
da exposição realizada de 25 jan. a 26 mar. 2006.
COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e
informal: a vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: Funarte; Inap,
1987. 310 p. (Temas e debates, 5).
COELHO, Ceres Pisani Santos. Artes plásticas: movimento moderno na Bahia.
1973. 223 f. Tese (Concurso para professor Assistente do Departamento I) – Escola
de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1973.
COSTA, Cacilda Teixeira da. Arte no Brasil 1950-2000: movimentos e meios. São
Paulo: Alameda, 2004. 96 p.
COUTINHO, Riolan Metzker. Boletim Escolar do curso Pintura da Escola de Belas
Artes. Salvador, 1950-1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, 4 p. Caixa
203. Manuscrito sobre formulário impresso em clichê.
189
COUTO, Maria de Fátima Morethy. Entre a celebração e a crítica: o relato de uma
pesquisa de doutorado sobre Antonio Bandeira. In: MEDEIROS, Maria Beatriz de
(Org.). Arte em pesquisa: especificidades. Brasília: Anpap, 2004a. v. 1. p. 183-191.
______. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasileira em busca de uma
identidade artística (1940-1960). Campinas, SP: Unicamp, 2004b. 256 p.
CRAVO JR., Mario. Cravo. Esculturas de Mario Cravo Júnior e fotografias de Mario
Cravo Neto. [S.l.]: Raízes Artes Gráficas, 1983. Não paginado.
EBA - ESCOLA DE BELAS ARTES. Estatuto da Escola de Bellas Artes da Bahia.
Salvador: Imprensa Official do Estado, 1937. 64 p. Arquivo Histórico da Escola de
Belas Artes. Envelope 287.
EHRENZWEIG, Anton. A ordem oculta da arte: um estudo sobre a psicologia da
imaginação artística. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. 288 p.
ENTREGUES prêmios aos vencedores da Bienal baiana. Diário de Notícias,
Salvador, Caderno 1, p. 8, 30 dez. 1966.
ESCOREL, Eduardo. Cinema: Arte Profana: Glauber Rocha antes de Deus e o
Diabo. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 39, jul. 1994. Apud RISÉRIO, Antonio.
Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1995. 262 p.
(Pontos sobre o Brasil).
FABRIS, Annateresa. O dinamismo plástico. In: ______. Futurismo: uma poética da
modernidade. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1987. p. 93-146. (Estudos, 94).
FACTUM, Ana Beatriz Simon. Juarez Paraiso: entrevista. Revista de arte dendê.
Salvador, ano I, n. 7, p. 6-9, set. out. 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da
língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, 2128 p.
FERREIRA Gullar entusiasma público: conferência ontem de Neoconcretos no
Turismo. Estado da Bahia, Salvador, 17 nov. 1959. p. 3.
FERREIRA, Glória; MELLO, Cecília Cotrim de (Orgs.). Clement Greenberg e o
debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 284 p.
190
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Bahia: raízes da arte moderna. In: RANDAM, José
Jorge (ed.). Artes Visuais na Bahia. [Salvador]: Contexto & Arte Editorial, [2003].
p. 37-54.
______. Juarez Paraiso, o desenhista e o gravador. In: PARAISO, Juarez; FALCÃO,
Washington (Org.). A obra de Juarez Paraiso. Salvador: Juarez Paraiso, 2006.
p. 145-191.
______. Flexor por Flexor. In: RIBEIRO, Marília Andrés; RIBEIRO, Maria Izabel
Branco (Orgs.). Anais do XXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte.
Belo Horizonte: C/Arte, 2007. p. 462-471.
FORTUNA, Marlene. A obra de arte além de sua aparência. São Paulo: Annablume,
2002. 314 p.
FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Bienal 50 anos: 1951-2001. São Paulo:
Fundação Bienal de São Paulo, 2001. 352 p. il.
FUNDAÇÃO INIMÁ DE PAULA. Site institucional. Disponível em:
<http://www.inima.org.br> Acesso em: 19 jun. 2007.
GOMES, Fabio. Elis vive. Disponível em:
<http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/elis.htm>. Acesso em: 7 fev. 2008
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 6. ed.
São Paulo: Escrituras, 2004. 128 p.
GONZAGA, Luiz. Luiz Gonzaga: depoimento 6 jun. 2007. Entrevistador: Dilson
Midlej. Salvador, gravação digital em áudio. Tipo de arquivo: Winamp media file.
Tamanho: 7,30 MB.
GOODING, Mel. Arte abstrata. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 96 p. (Movimentos
da Arte Moderna).
GULLAR, Ferreira. Arte Concreta. In: ______. Etapas da arte contemporânea: do
cubismo à arte neoconcreta. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 212-242.
HAAR, Michel. A obra de arte: ensaio sobre a ontologia das obras. Rio de Janeiro:
Difel, 2000. 126 p. (Enfoques, filosofia).
191
HISTÓRICO escolar de ex-professores da EBA, [195-?], Arquivo Histórico da Escola
de Belas Artes. Envelope 183. Manuscrito sobre formulário impresso em clichê.
ICBA realizará exposição de artistas abstratos da Bahia. Jornal da Bahia, Salvador,
[p. 6], 27 fev. 1964.
IGLESIAS, José Maria. Artistas de Bahía, em Madrid. Revista de Cultura Brasileña,
Madrid, tomo V, n. 17, p. 196-200, jun. 1966.
INÉDITA na Bahia exposição neo-concreta hoje no Belvedere. Estado da Bahia,
Salvador, p. 3, 16 nov. 1959.
JÚRI dá a 7 artistas o prêmio que Kracjberg não aceitou por ser pequeno. Jornal da
Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 2, 31 dez. 1966.
KANDINSKY, Wassily. Punto y linea sobre el plano: contribuición al análisis de los
elementos pictóricos. 7. ed. Barcelona: Barral; Labor, 1984. 214 p.
KLINTOWITZ, Jacob. Abstração como linguagem: perfil de um acervo. Rio de
Janeiro: Pinakotheke, 2004. Catálogo de exposição. 6 ago. a 5 out. 2004. 112 p.
LAMBERT, Jean-Clarence. Pintura abstracta. Madrid: Aguilar, 1969. 208 p. (Historia
general de la pintura, 23).
LEITE, José Roberto Teixeira. Iberê Camargo. In: BAHIA. Primeira bienal nacional
de artes plásticas. Salvador: Governo do Estado, 1966, não paginado. Catálogo da
exposição.
______. 500 anos da pintura brasileira: uma enciclopédia interativa. São Paulo: Log
On Informática, 1999. 1 CD-ROM. Produzido por Raul Luis Mendes Silva.
LIVRO de Atas da Congregação 1948 a 1954. Arquivo Histórico da Escola de Belas
Artes. 100 fls. Envelope 40. Manuscrito.
LIVRO de Atas da Congregação 1959 a 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas
Artes. 200 fls. Envelope 260. Manuscrito.
192
LIVRO de Termos de empossamentos dos professores nomeados pela
Congregação da Escola de Belas Artes da Bahia – 1924 a 1952. Arquivo Histórico
da Escola de Belas Artes, fls. 45, 47, 57, 60, 79, 81, 95. Caixa 327. Manuscrito.
LUDWIG, Selma Costa. Mudanças na vida cultural de Salvador 1950-70. 1982. 159
f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais – História) – Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982.
MAM – MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA. Museu de arte moderna da Bahia.
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002. 288 p.
MAMB inaugura 2 mostras com Lomanto Jr. presente. Jornal da Bahia, Salvador,
Caderno 1, p. 1, 17 jul. 1963.
MARCONDES, Luiz Fernando. Dicionário de termos artísticos. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1998. 386 p.
MARIA Célia vai expor tecidos pintados a mão. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno
1, p. 5, 14-15 jul. 1963a.
MARIA Célia expõe hoje no MAMB. Diário de Notícias, Salvador, Caderno 1, p. 1,
16 jul. 1963b.
MARIA, José. José Maria: pinturas anos 60, 70 e 80. In: PAULO DARZÉ GALERIA
DE ARTE. Catálogo de Exposição. Exposição de 15 a 30 abr. 2004. Salvador, 2004.
Não paginado. Apresentação de Juarez Paraiso.
MARQUES, Maria Eduarda. Mira Schendel. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
128 p. (Espaços da arte brasileira).
MASP – MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO. Lina Bo Bardi arquiteto. São Paulo:
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 2006. 48 p. Catálogo de exposição.
MATTAR, Denise. A força da abstração. In: MUSEU DE ARTE MODERNA DA
BAHIA. Museu de arte moderna da Bahia. Salvador: Fundação Cultural do Estado
da Bahia, 2002. p. 104-108.
MATHIEU, Georges. Towards a new convergence of art, thought and science.
In: STILES, Kristine; SELZ, Peter Howard (eds.). Theories and documents of
193
contemporary art: a sourcebook of artists' writings. California: University of California
Press, 1996. p. 698-702. (California Studies in the History of Art, 35).
MELLO, Gley. Glei Melo. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, [2006].
Não paginado. Catálogo com reproduções de obras do artista. Apresentação de
Juarez Paraiso.
MEMORIAL, 28 jul. 1922. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 3 fls.
Envelope 08.
MERLEAU-PONTY, Maurice. O homem e a adversidade. In: MERLEAU-PONTY,
Maurice. Sinais. Lisboa: Editorial Minotauro, 1962. p. 341-369.
______. O primado da percepção e suas conseqüências filosóficas. Campinas, SP:
Papirus, 1990. 94 p.
______. Fenomenologia da percepção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
662 p. (Tópicos).
MIDLEJ, Dilson. A atualidade da criação abstrata de Mario Cravo Júnior. In:
MARTINS, Alice Fátima; COSTA, Luis Edegar; MONTEIRO, Rosana Horio (Orgs.).
Cultura visual e desafios da pesquisa em artes. Goiânia: Anpap, 2005. 2 v. p.149-157.
______. Adam Firnekaes e Juarez Paraiso: duas faces da abstração na Bahia.
Revista Ohun, Salvador, ano 2, n. 2, out. 2005. Disponível em: <http://www.
revistaohun.ufba.br> Acesso em: 5 fev. 2007.
MORAIS, Frederico. Panorama das artes plásticas: séculos XIX e XX. São Paulo:
Instituto Cultural Itaú, 1989, 168 p.
NEOCONCRETISTAS vão expor em Salvador. Diário de Notícias, Salvador, p. 2,
15-16 nov. 1959.
NICHOLSON, Ben. Biography. Disponível em: http://www.
guggenheimcollection.org/site/artist_bio_118.html. Acesso em: 29 jan. 2008.
NUNES, Eliene. Raimundo Nina Rodrigues, Clarival do Prado Valladares e Marianno
Carneiro da Cunha: três historiadores da arte afro-brasileira. In: HERNÁNDEZ, Maria
Herminia Olivera (Org.). Cadernos do programa de Pós-Graduação em Artes Visuais
194
da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Ano 4, n. 4. Salvador:
Edufba, 2007. p. 109-122.
OFÍCIO 238, 16 ago. 1918a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. 2 fls.
Envelope 08. Datilografado.
OFÍCIO expedido pela Escola de Bellas Artes da Bahia, 2 set. 1918b. Arquivo
Histórico da Escola de Belas Artes. 1 f. Envelope 08. Manuscrito.
OFÍCIO expedido pela Escola de Belas Artes da Bahia, 21 jun. 1946. em papel
timbrado. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Envelope 95 Manuscrito.
OFÍCIO, 19 jan. 1952. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 2265, 29 abr. 1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Caixa 95.
Datilografado.
OFÍCIO 739, 11 dez. 1961a. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Caixa 222.
Datilografado.
OFÍCIO 8356, 11 dez. 1961b. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Caixa 222.
Datilografado.
OFÍCIO 339, 11 jun. 1962. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Caixa 222.
Datilografado.
OFICIO 19, 11 jan. 1965. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes. Envelope 8.
Datilografado.
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986. 136 p.
OLIVEIRA, Zélia Maria Póvoas de. Desenho-ensino-comunidade. Salvador: Estuário,
1970. 200 f. Tese (Concurso de Professor Assistente do Departamento II) – Escola
de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1970.
ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2005. 96 p. (Biblioteca da educação, 7, Arte e cultura, 2).
195
PARAISO, Juarez Marialva Tito Martins. Escola de Belas Artes: desenho de modelo
vivo. 29 f. Tese (Concurso para livre docência de desenho de modelo vivo) – Escola
de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1960.
______. Da importância do assunto na obra de arte: considerações didáticas. 1962.
52 f. Tese (Concurso à cátedra de desenho de modelo vivo) – Escola de Belas Artes,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1962.
______. Artes plásticas. Diário de Notícias, Salvador, Caderno 2, p. 5, 22 jul. 1966.
______. Escola de belas artes da Ufba: segunda pesquisa 1991/1992. Salvador,
[1992?]. 15 f. Não publicado.
______. Belas artes: 1877-1996. Salvador: Escola de Belas Artes da Ufba, [1996].
51 p. Catálogo com resumo histórico da atuação da instituição.
______. Juarez Paraiso: desenhos e gravuras. Salvador: Fundação Casa de Jorge
Amado: Copene, 2001. 124 p. (Casa de palavras, Desenhos, 5).
______. A importância da Escola de Belas Artes. Correio da Bahia, Salvador,
Repórter, p. 7, 15 dez. 2002.
______. Entrevista: Juarez Paraiso. Revista da Bahia, Salvador, semestral, n. 40,
p. 117-134, abr. 2005.
______. Juarez Paraiso: depoimentos 13, 20 e 28 mar., 20 abr. e 7 out. 2007.
Entrevistador: Dilson Midlej. Salvador, gravação digital em áudio. Tipos de arquivos:
Winamp media file. Tamanhos: 12,6 MB, 25,9 MB, 32,8 MB, 22,4 MB e 1.88 MB,
respectivamente.
______. FALCÃO, Washington (Orgs.). A obra de Juarez Paraiso. Salvador: Juarez
Paraiso, 2006. 392 p.
PAULO DARZÉ GALERIA DE ARTE. Catálogo de Leilão. Exposição de 26 a 30 ago.
2004. Salvador, 31 ago. 2004. Não paginado.
PEDROSA, Mário. Mira Schendel. Pinturas, trecho do texto de apresentação das
pinturas de Mira na Galeria de Arte São Luiz. Arquivo Mira Schendel. [s.l.], [19--].
196
Apud MARQUES, Maria Eduarda. Mira Schendel. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
128 p. (Espaços da arte brasileira).
PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975.
324 p. (Debates).
______ ; Arte: forma e personalidade. São Paulo: Kairós, 1979. 145 p.
PETIÇÃO de matrícula 25 fev. 1960. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes.
Envelope 95. Manuscrito e datilografado. Contém assinaturas de Juarez Paraiso e
Mendonça Filho.
PINTURA sôbre tecidos. Diário de Noticias, Salvador, Caderno 1, p. 1, 17 jul. 1963.
PONTUAL, Roberto. Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1969. 5 vol. 559 p.
______. Arte: Brasil 50 anos depois: hoje. São Paulo: Collectio, 1973. 402 p.
______. Jenner: a arte moderna na Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1974. 184 p.
PORTUGAL, Claudius (Org.). Mario Cravo Júnior: Desenhos. Salvador: Fundação
Casa de Jorge Amado; Copene, 1999. 120 p. (Casa de Palavras. Desenhos, 3).
______ et al. Calasans Neto: gravuras. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado;
Copene, 1998. 124 p.
PRIMEIRO Salão Bahiano de Belas Artes. Salvador: Secretaria de Educação e
Saúde, 1949. 60 p. Catálogo. 18,2 x 12,6cm. Realizado de 1 a 30 nov. 1949, no
Hotel da Bahia.
QUERINO, Manoel Raymundo. Artistas bahianos: indicações biographicas.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. 222 p.
REVISTA DA BAHIA. Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, ano 4, n. 4, set. 1965.
Não paginado.
197
RIBEIRO, Marília Andrés; RIBEIRO, Maria Izabel Branco (Orgs.). Anais do XXVI
Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2007.
560 p.
RISÉRIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,
1995. 262 p. (Pontos sobre o Brasil).
ROLNIK, Suely; DISERENS, Corinne (Orgs.). Lygia Clark: da obra ao
acontecimento: somos o molde: a você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do
Estado de São Paulo, 2006. 98 p. Catalogo da exposição realizada de 25 jan. a 26
mar. 2006.
ROTHFUSS, Rhod. A moldura: um problema da arte contemporânea. In: ADES,
Dawn. Arte na América Latina: a era moderna 1820-1980. São Paulo: Cosacnaify,
1997. p. 329-330.
SANTOS, Milton. O centro da cidade do Salvador: estudo de geografia urbana.
Salvador: Universidade da Bahia, 1959. 200p. (Publicações da Universidade da
Bahia, IV – 4).
SCALDAFERRI, Sante. Sante Scaldaferri. Salvador: Governo da Bahia;
Desenbanco, [1988]. Não paginado. Catálogo comemorativo de 30 anos de carreira.
______. Os primórdios da arte moderna na Bahia. Salvador: Fundação Casa de
Jorge Amado; Funceb; MAM-BA, 1998. 182 p. (Casa de palavras. Memória, 2).
______. Depoimento 24 out. 2007. Entrevistador: Dilson Midlej. Salvador, gravação
digital em áudio. Tipo de arquivo: Winamp media file. Tamanho: 9,15 MB.
SILVA, Motta e. Notas sobre as artes plásticas na Bahia. Cadernos da Bahia,
Salvador, n. 2, p. 2-9, out. 1948.
______. Catálogo de exposição. Salvador, 1949. In: BASTOS, Carlos. Carlos
Bastos. Rio de Janeiro: Carlos Bastos, 2000. p. 38-39.
SOBRAL, Newton. Artes: arte de Sônia Castro será exposição na Goya. Jornal da
Bahia, Salvador, Caderno 1, p. 7, 23 out. 1964a.
198
______. Artes: pintores abstratos reagem. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1,
p. 7, 13 nov. 1964b.
______. Artes: pintura e teatro na Biblioteca Pública. Jornal da Bahia, Salvador,
Caderno 1, p. 7, 25 set. 1964c.
SÔNIA traz o sol em nova fase de pintura. Jornal da Bahia, Salvador, Caderno 1,
p. 5, 24 out. 1964.
STILES, Kristine; SELZ, Peter Howard (eds.). Theories and documents of
contemporary art: a sourcebook of artists' writings. California: University of California
Press, 1996. 1003 p. (California Studies in the History of Art, 35).
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 10. ed. São Paulo: Unesp;
Salvador: Edufba, 2001. 544 p.
TERMO de Contrato, 26 abr. 1957. Arquivo Histórico da Escola de Belas Artes, 2 fls.
Pasta 95. Datilografado.
TORRES, Octávio. Resumo histórico da Escola de Belas Artes da Bahia. In:
Arquivos da Universidade da Bahia, Escola de Belas Artes, Salvador, v. 1, 1953.
p.191-215.
TRIPODI, Aldo. Sante Scaldaferri: uma poética do feio. 1999. 137 f. Dissertação
(Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 1999.
UFBA - UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. Documentos Históricos. Salvador:
Mensageiro da Fé, 1971. 110 p.
VALLADARES, Clarival do Prado. Paisagem rediviva. Salvador: Imprensa Oficial da
Bahia, 1962. 247 p. (Tule, 12, Ensaio)
______. A arte do fastio ou crônica da VIII Bienal. Cadernos Brasileiros, Rio de
Janeiro, ano VIII, bimestral, n. 1, p. 52-65, jan./fev. 1966.
VALLADARES, José do Prado. Dominicais: seleção de crônicas de arte 1948-1950.
Salvador: Cadernos da Bahia, 1951. 203 p.
199
______. Artes maiores e menores. Salvador: Universidade da Bahia, 1957.
(Publicações da Universidade da Bahia, 6). p. 157-176.
VALLIER, Dora. A arte abstracta. Lisboa: Edições 70, 1986. 296 p. (Arte &
comunicação, 33).
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador: transformações e permanências
(1549-1999). Ilhéus: Editus, 2002. 455 p.
VIEIRA, José Geraldo. Maria Célia: pinturas. São Paulo: Galeria Sistina, 1961.
Convite de exposição. Abertura em 3 ago. 1961. Arquivo do Museu de Arte Moderna
da Bahia.
WEBER, Max. Vida e obra. LCC Publicações Eletrônicas. Disponível em:
<http://www.culturabrasil.org/weber.htm>. Acesso em: 5 fev. 2007.
WORRINGER, Wilhelm. Abstraction and Empathy: a Contribution to the Psychology
of Style. Chicago: Elephant Paperback, 1997. 144 p.
ZELEVANSKY, Lynn (ed.). Beyond Geometry: Experiments in Form, 1940s-1970s.
Los Angeles: The MIT Press, 2004. 240 p.
200
APÊNDICE A – MODELO DE FICHA INDIVIDUAL
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo