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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria Ceres Rodrigues Murad
A ópera como mediador no processo de aprendizagem e desenvolvimento de
crianças de baixa renda cursando a 1ª Série do Ensino Fundamental:
uma perspectiva vigotskiana
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria Ceres Rodrigues Murad
A ópera como mediador no processo de aprendizagem e desenvolvimento de
crianças de baixa renda cursando a 1ª Série do Ensino Fundamental:
uma perspectiva vigotskiana
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Tese apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutor em Educação: Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob orientação da
Profa. Doutora Cláudia Ferreira Leme Davis.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
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“A arte é a mais importante concentração
de todos os processos biológicos e sociais do indivíduo na sociedade,
é um meio de equilibrar o homem com o mundo
nos momentos mais críticos e responsáveis da vida.
Isto rejeita radicalmente a concepção de arte como ornamento”.
Vigotski (1999, p.328)
Dedico esta tese
Aos artistas de 6 anos de idade que
encontrei no meu caminho de educadora,
talentos extraordinários que viveram e
realizaram suas emoções através da
ópera, levando junto, às profundezas dos
sentimentos humanos, tantas e tantas
platéias, ao longo de uma década.
Ao meu marido Roosevelt, entusiasta e
incentivador incondicional deste trabalho,
também criador e construtor dos
grandiosos cenários que servem de pano
de fundo à fantasia e à emoção das
crianças e nossas, sem cujo apoio o
Projeto “Ópera para Todos” não teria
vindo à luz.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, grande companheira e amiga Cláudia Davis, pelo
incentivo à obstinada busca de horizontes mais distantes.
À Profa. Bernardete Gatti, pela lúcida contribuição ao projeto de tese.
À direção da Sociedade Beneficente Áurea Faria, pela irrestrita acolhida
ao Projeto e à pesquisa.
À professora do Projeto Juliana Ribeiro, pela sua integral dedicação ao
trabalho.
À auxiliar Ângela e às professoras de dança e música Concita e Marielce,
pela dedicação com que se empenharam para levar sabedoria, brilho e arte às
crianças da Divinéia.
À diretoria, professoras e corpocnico da Escola Prof. Luiz Pinho
Rodrigues, pela solicitude com que colaboraram conosco.
Aos dirigentes, coordenadores e professores e pais das crianças da
Educação Infantil do Colégio Dom Bosco do Maranhão, campo de trabalho primeiro
do Projeto “Ópera para Todos”, pelo apoio ao longo dos 10 anos de vida do Projeto.
A Christine Sauck, doutoranda de Psicologia da Clark University (EUA),
pela colaboração na pesquisa da literatura internacional.
Aos professores Graça Faria, Marines Merçon e Manuel Faria pela
paciente e crítica leitura dos originais.
A Irene e Helena, secretárias do Programa de Pós Graduação em
Educação: Psicologia da Educação da PUC, incansáveis guias pelos meandros da
burocracia universitária.
Aos técnicos de som, imagem e normalização Ana Helena, Mário,
Nazareno, Ângelo, Robert e Marcelo, pelo seu envolvimento e compromisso na
preparação do material da tese.
A todos os voluntários que emprestaram seu trabalho ou recursos para a
apresentação do espetáculo “Turandot” pelas crianças da Divinéia.
Aos meus filhos, Rebeca, Eric, pelo incentivo e, em especial a Raíssa,
que me precedeu no Doutorado da PUC, minha companheira de profissão,
interlocutora profícua e incondicional apoio.
Às educadoras da minha família, Odila e Consuelo; Maria Izabel;
Elizabeth; Raíssa e Isabella, que quatro gerações se dedicam à educação de
crianças e jovens do Maranhão, pelo seu edificante exemplo.
Maria Ceres Rodrigues Murad
A ópera como mediador no processo de aprendizagem e desenvolvimento de
crianças de baixa renda cursando a 1ª Série do Ensino Fundamental:
uma perspectiva vigotskiana
RESUMO
A presente pesquisa mostra como um projeto de apreciação, leitura, escrita,
desenho, musicalização, dança e encenação de uma ópera pode promover a
aprendizagem e o desenvolvimento de alunos oriundos das camadas de baixa renda
da população brasileira, freqüentando a 1ª. Série do Ensino Fundamental. Para o
estudo, foi desenvolvido o Projeto “Ópera para Todos” (POPT) junto a 31 crianças
de uma escola comunitária, situada na periferia de São Luís, Maranhão, nordeste do
Brasil. Os estudos foram realizados com base nos pressupostos teóricos
vigotskianos, em especial o de que tudo aquilo que é vivenciado por meio da ação
concreta se converte em material abstrato, ou seja, em funções mentais superiores.
Como a vivência descrita deu-se no campo das artes, as contradições implícitas
foram responsáveis por choques, destruição, superação e desenvolvimento dos
envolvidos. O estudo oferece resultados consistentes sobre o desenvolvimento da
atenção voluntária, da auto-regulação da conduta e do autoconhecimento. O
trabalho sugere, ainda, que: a) a rima é um mediador importante para a escrita de
autoria por parte de alunos que se encontram no início do processo de
aprendizagem da leitura e da escrita; b) o desenho de observação atua como
facilitador para a elaboração de desenhos de autoria, oferecendo detalhes e
referências facilmente apropriadas por crianças na faixa etária de 6 a 7 anos; e c)
que tanto a rima como o desenho de observação, ao serem exercitados, promovem
a atenção voluntária, a memória e a imaginação. A pesquisa conclui que a
apreciação e encenação de uma ópera por parte de crianças e sob a supervisão de
adultos, por empregar atividades estruturadas e materiais significativos, envolvendo
ações ativas e criativas, impulsionam o desenvolvimento humano.
Palavras-chave: teoria sócio-histórica, aprendizagem/desenvolvimento, ópera, arte
para crianças.
Maria Ceres Rodrigues Murad
Opera as a mediator on the learning and development process of children from the
lower socio-economic layers of the Brazilian population, attending the 1
st
grade of
basic schooling:
a Vygostskian perspective
ABSTRACT
The present research shows how a project aimed to develop the reading, writing and
drawing abilities of students from the lower economic layers of Brazilian population,
as well as to improve their musicality, dancing and staging promotes learning and
development for all children enrolled in the 1
st
. grade of basic schooling. For such, it
was developed a project called “Opera for All” (OFAP), involving 31 pupils of a
community school, located in the periphery of São Luís, Maranhão, a northeast state
of Brazil. The basic assumptions of the research were taken from Vygotskian social
historical theory, in special the idea that what is lived through concrete actions is
converted in abstract material, in superior mental functions. Since this is an Art
project, contradictions typical of this area were generated, provoking choc,
destruction and also overcoming of these feelings, promoting, consequently,
development. The study offers consistent results, especially in what concerns
voluntary attention, self-regulation and self-knowledge. The research points out that:
a) the rhyme is an important mediator for autonomous writing, notably when the
students are in the processing of acquiring reading and writing abilities; b)
observational drawing acts as a facilitator for the elaboration of personal drawings,
offering details and references easily appropriated by 6 to 7 years old children; c)
both rhymes and observation drawing, when practiced, promote voluntary attention,
memory and imagination. The research concludes that the staging and the
appreciation of an Opera by children, under the supervision of adults, using well
structured activities and meaningful material, involve active and creative actions,
which, in turn, propel human development.
Keywords: social historical theory, learning/development, opera, arts for children.
LISTA DE SIGLAS
COO - Creating Original Opera
LMA - Laban Moviment Analysis
PACE - Performance Assessment Collaboratives for Education
PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais
POPT - Projeto Ópera para Todos
RESEO - Réseau Europeen des Services Educatifs de Maisons d’Opera
ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 - Rua no bairro da escola 70
Foto 2 - Escola onde se realizou a pesquisa 72
Foto 3 - Alunos da escola 72
Foto 4 - Painel na sala do projeto 75
Foto 5 - Sala de aula na escola 76
Foto 6 - Análise de detalhes de figuras para desenho de observação
(arquitetura chinesa) 78
Foto 7 e 8 - Crianças tocando na bandinha, na ópera 80
Foto 9 - Crianças assistindo ao deo de uma montagem profissional da
ópera “Turandot” 82
Foto 10 - Meninas executando coreografia no espetáculo “Turandot”. Vanessa
em primeiro plano 85
Foto 11 - Claudiane em atividade de grupo 97
Foto 12 - Claudiane na sala do projeto 99
Foto 13 - Claudiane observando outras crianças em atividades 103
Fotos 14 a 17 Performance de Claudiane na dança, na ópera “Turandot” ,
concentrada e atenta às colegas 107
Foto 18 - Expressão de Claudiane antes do espetáculo 110
Foto 19 - Expressão de Claudiane depois do espetáculo 110
Foto 20 - Alexsandro na sala do Projeto 111
Fotos 21 a 29 Performance de Alexsandro como Calaf, o herói da ópera “Turandot” 120
Foto 30 - Capa do livro escrito e ilustrado pelas crianças sobre a ópera
“Turandot” 124
Figura 1 - Lista de palavras pertencentes à mesma cadeia ortográfica
maio/05 (fase de observação) 125
Figura 2 - Ditado de palavras treinadas, pertencentes à mesma cadeia
ortográfica – maio/05 (fase de observação) 125
Figura 4 - Escrita da participação da própria criança na ópera (uma fala da sua
personagem, Turandot) – nov./05 130
Figura 3 - Escrita da participação da própria criança na ópera (Timur) – nov./05 130
Figura 5 - Escrita sobre a personagem com a qual a criança mais se
identificava (Liú), segundo depoimento próprio – nov./05 131
Figura 6 - Depoimento sobre o que aprendeu com a ópera (aprendeu “que não
se bate nos coleguinhas”) – nov./05 132
Figura 7 - Depoimento sobre a ópera (“me sinto bem”) – nov./05 132
Figura 8 - Versão que excede o texto original acréscimo de elementos (“o
marido tinha abandonado-a”) – nov./05 133
Figura 9 - Texto usando a rima como apoio para a reescrita – ago./05 134
Figura 10 - Texto posterior, escrito sem o apoio da rima (mesma criança da
Figura 9) com menor qualidade – nov./05 134
Figura 11 - Rima usada como apoio da reescrita criança organiza as rimas e
complementa-as segundo sua interpretação da história – nov./05 135
Figura 12 - Texto com encadeamento lógico e fluência, mediado por rimas
nov./05 136
Foto 31 - Alexsandro recitando rimas para auxiliar a reescrita de colegas 137
Figura 13 - Cópia de acróstico (Dia das Mães) com as palavras “idolatrada” e
“nutriz”, sem apoio visual ou contextual com indícios de seu
significado – maio/05 (período de observação) 139
Figura 14 - Depoimento sobre a ópera, com emprego espontâneo da palavra
“atitude” (texto de autoria) – nov./05 140
Figura 15 - Tentativa de uso de palavra nova, não presente no texto original (“O
mandarim “denuncia”, em lugar de “anuncia”, no livro da história)
out./05 141
Figura 16 - Uso de palavra rara, ausente do texto original da história (“tribunal”)
em lugar de palavra com sonoridade semelhante (“funeral”)
nov./05 141
Figura 17 - Uso de palavra rara, presente no original da história, com grafia
incorreta (“facinado”) – dez./05 142
Foto 32 - Desenho de observação de figuras projetadas discussão coletiva
sobre detalhes 143
Foto 33 Criança executando desenho de observação 143
Figura 18 - Desenho elaborado com uso de “coringa” (“árvore de maçãs”) fora
de contexto – nov./05 144
Figura 19 - Casa com vaso de flores – desenho para o Dia das Mães – maio/05 144
Figura 20 - Casa (transformada em templo, com os beirais para cima) com o
vaso de flores (mesma criança da figura 19) – out./05 145
Figura 21 - Figura humana de cabelos encaracolados representando a mãe
maio/05 145
Figura 22 - Figura humana de cabelos encaracolados representando Turandot
(mesma criança da figura 21) – jun./05 145
Figura 23 - Turandot desenhada com suas próprias características e com
detalhes (desenho de observação, mesma criança da figura 21) -
dez./05 146
Figura 25 - Desenhos de observação elaborados e minuciosos (mesma criança
da figura 24) – ago./05. 147
Figura 26 - Desenhos de observação elaborados e minuciosos (mesma criança
da figura 24) – set./05. 147
Figura 24 - Desenho livre tosco maio/05 147
Figura 27 - Decalque maio/05 (período de observação) 148
Figura 28 - Templo vermelho, com beirais virados para cima – nov./05 149
Figuras 29 e
30 -
Diferença de qualidade em desenhos feitos no mesmo período (um
com modelo de referência visto de longe, na parede, e o outro com
modelo fotocopiado, no canto superior da folha em branco, visto de
perto) jun./05 150
Figuras 31 a
33 -
Ilustrações do livro feitas pela criança que em maio declarava “não
gostar de desenhar” – out./05 151
Fotos 34 e 35 Apresentação da ópera “Turandot” pelas crianças 153
Foto 36 - Comunidade do entorno da escola assistindo ao espetáculo 153
Foto 37 - Os ministros do reino, na apresentação da ópera“Turandot 156
Foto 38 - Performance do carrasco na ópera “Turandot” 157
Foto 39 - Samira, a Turandot, nos bastidores, antes da apresentação 158
Fotos 40 a 43 Personagem-título da ópera, em cena 159
Foto 44 - Michael Jordan, o Imperador, nos bastidores 159
Foto 45 - Família de um dos personagens recebendo um porta-retrato com a
sua foto na apresentação da ópera “Turandot”
161
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 13
1.1 Justificativa.............................................................................................. 13
1.2 Problema da pesquisa............................................................................ 17
1.3 Objeto de estudo..................................................................................... 19
2 REVISÃO DE LITERATURA.................................................................... 22
2.1 A relação entre arte e desenvolvimento acadêmico e social............. 22
2.2 Pesquisas envolvendo a ópera.............................................................. 29
3 REFERENCIAL TEÓRICO....................................................................... 33
3.1 Desenvolvimento (a construção de novos sentidos e significados
e sua apropriação autônoma pelas crianças)...................................... 33
3.1.1 O ensino e a ZDP...................................................................................... 33
3.1.2 Mediação e processo de internalização.................................................... 37
3.2 O papel do jogo no desenvolvimento................................................... 40
3.3 Concepção de arte.................................................................................. 43
3.4 A concepção de arte em Vigotski a reação estética como
mecanismo de superação...................................................................... 44
3.5 Reação estética e desenvolvimento...................................................... 48
3.6 A ópera..................................................................................................... 51
3.6.1 Turandot, o libreto..................................................................................... 57
3.6.1.
1
Sinopse..................................................................................................... 58
3.6.2 Turandot, a música.................................................................................... 59
4MÉTODO................................................................................................... 60
4.1 Objetivos.................................................................................................. 60
4.1.1 Geral.......................................................................................................... 60
4.1.2 Sub-objetivos............................................................................................. 60
4.2 A pesquisa qualitativa............................................................................ 61
4.3 Aspectos analisados............................................................................... 64
4.4 Atividades................................................................................................ 64
4.5 Material para análise............................................................................... 65
4.6 Esquema de coleta e análise de dados................................................. 66
4.6.1 Instrumentos.............................................................................................. 66
4.6.1.
1
Observação (registrada em diário de campo)........................................... 66
4.6.1.
2
Videogravação.......................................................................................... 67
4.6.1.
3
Material escrito.......................................................................................... 67
4.6.1.
4
Desenhos.................................................................................................. 68
5 ANÁLISE DOS DADOS............................................................................ 69
5.1 Aspectos gerais....................................................................................... 70
5.2 Dados coletados...................................................................................... 76
5.3 Ópera: música e drama........................................................................... 79
5.3.1 A música.................................................................................................... 79
5.3.2 O drama.................................................................................................... 82
5.3.3 A dança..................................................................................................... 84
5.4 Análise de uma atividade no início do Projeto: o reconto de um
trecho da história................................................................................... 85
5.5 O processo de duas crianças................................................................ 97
5.6 Produção das crianças........................................................................... 123
5.6.1 Turandot – o livro...................................................................................... 123
5.6.1.
1
A escrita.................................................................................................... 123
5.6.1.
2
Desenhos.................................................................................................. 142
5.6.2 Turandot - o espetáculo............................................................................ 153
6 CONSIDERAÇÕES
FINAIS......................................................................
163
6.1 Cuidados metodológicos....................................................................... 163
6.2 Conclusões.............................................................................................. 165
6.2.1 Contar a história para a classe.................................................................. 167
6.2.2 Claudiane e a dança................................................................................. 168
6.2.3 Alexsandro, o herói da trama.................................................................... 170
6.2.4 A rima........................................................................................................ 172
6.2.5 O desenho de observação........................................................................ 173
REFERÊNCIAS......................................................................................... 175
APÊNDICES.............................................................................................. 180
1 INTRODUÇÃO
1.1 Justificativa
Na tentativa de compreender melhor as inter-relações entre a arte e o
desenvolvimento infantil, venho estudando a ópera bastante tempo.
Observações realizadas com alunos em uma escola, no Maranhão, sugerem que
esta, uma manifestação artística de múltiplas facetas, pode promover o
desenvolvimento de aspectos cognitivos, motores, sociais e afetivos de crianças.
Essas observações têm uma longa história.
Quando, em 1997, na condição de diretora pedagógica de uma escola
privada
1
, iniciei a experiência de trabalhar ópera com crianças, estava interessada
em buscar materiais que pudessem tornar mais rico o processo de alfabetização
2
dos alunos. Como essa é uma escola que valoriza as artes no currículo da
Educação Infantil, as crianças estavam habituadas a ter aulas de música
(apreciando vários estilos e tocando em banda de ritmo), de dança e de artes
plásticas. Desse modo, o canto, o bailado e o desenho eram apoios sempre
utilizados para a alfabetização. Pensava que, ao integrá-los, o significado de todo o
processo poderia ser potencializado, beneficiando a aprendizagem da leitura e da
escrita.
As festas de final de ano, com a presença dos pais, eram momentos
privilegiados para apresentar o que as crianças realizavam durante o ano. Certa vez,
estavam sendo ensaiadas várias coreografias com músicas clássicas e a
apresentação foi encerrada com um belo número de dança, ao som de Les Voici, da
ópera “Carmen”, de Bizet. Um dos pais que assistia ao espetáculo, à saída, sem se
dar conta que eu escutava, fez o comentário: “Uma dança nada tem a ver com a
outra”. Comecei, então, a achar que era hora de integrar a literatura a esse contexto,
para dar mais significado ao que as crianças faziam.
No ano seguinte, foi feito um Projeto de reescrita de lendas gregas com
as classes de 6 anos de idade (alfabetização) e, no final do ano, decidi encenar com
as crianças o mito de “Eros e Psiquê”. Adaptei o texto com falas para teatro e escolhi
1
O Colégio Dom Bosco do Maranhão.
2
Embora tenha sido preservado o termo “alfabetização” em todo o documento, entendemos que, no
âmbito das atividades do Projeto “Ópera para Todos”, o seu sentido está mais próximo daquilo que
Deheinzelin (1994) define como letramento.
13
uma trilha sonora, que ia de Tchaikowsky à música “new age”, para acompanhar
cada parte da apresentação, dando o “clima“ de cada cena. Pais e professores,
ficamos todos satisfeitos com o resultado. Mas, pensei: será que não estou tentando
inventar uma coisa que existe a ópera, o teatro cantado, acompanhado pela
música?
Para o planejamento do ano subseqüente, procurei libretos de ópera e
encontrei uma versão de “A Flauta Mágica”. Surgiu daí o trabalho de ler a história
para as crianças, criando textos rimados com as falas dos personagens, para que
elas os usassem no processo de alfabetização. Buscava, sobretudo, levá-las a
compreender as regularidades da língua, provendo-as de um farto e rico material de
ilustrações, personagens, e, sem dúvida, música. É claro que há aí a questão de que
as óperas envolvem o cantorico e eu não sabia se as crianças iriam gostar disso.
Mas achei que se estivessem bem envolvidas com a história e entendessem que
cada ária era a fala de um personagem, iriam “entrar” emocionalmente na trama e
apreciar a música. Assim, o conjunto todo faria sentido! A primeira experiência com
“A Flauta Mágica” entusiasmou a todos. As crianças, deitadas no chão da classe,
deleitavam-se ouvindo a declaração de amor de Tamino para Pamina e repetiam o
verso que conheciam em português por cima da trilha cantada em alemão.
Algumas mantinham os olhos fechados. Outras se moviam ao ritmo da música.
Outras, ainda, imitavam os gestos dos personagens e sorriam. Criei, então, uma
série de atividades de língua escrita, desenho e pintura sobre a história e
começaram os ensaios de coreografias e números de bandinha rítmica com as
músicas da ópera.
No segundo semestre, foi proposto às crianças que fizessem reescritas
de partes do libreto e a parte dramática foi ensaiada com um texto que adaptei para
futura apresentação. Nesse texto, a narrativa, sincopada com a música, dirigia a
ação das crianças em cena, ao som das poderosas melodias de Mozart. Adaptei o
espetáculo para 50 minutos. Nascia o Projeto “Ópera para Todos” (POPT). Ao longo
destes 11 anos, as classes de alfabetização da Educação Infantil apresentaram: “A
Flauta Mágica”, de Mozart (1997 e 2003); “Carmen”, de Bizet (1998 e 2002);
Turandot, de Puccini (2000 e 2005), “Sansão e Dalila”, de Camile Saint Säens
(2001); Aída, de Verdi (2004 e 2007); e “O Barbeiro de Sevilha”, de Rossini (1999 e
2006).
14
O trabalho foi crescendo com o entusiasmo das crianças e dos pais e com
a afluência de público, porque, a partir de certo momento, o espetáculo passou a ser
aberto, não só para os pais, mas, também, para toda a comunidade. A audiência, a
essa altura, já contava com cerca de mil pessoas em cada edição. Em 2006, a ópera
passou a ser apresentada no Teatro Municipal Arthur Azevedo, o principal teatro de
São Luís. Dediquei-me, então, a escrever livros adaptados para crianças sobre cada
ópera trabalhada. Um deles, “Turandot”, foi publicado juntamente com um roteiro
para professores sobre como trabalhar ópera com crianças (MURAD, 2001a;
2001b). O Projeto ganhou o Prêmio Darcy Ribeiro de Educação na Comissão de
Educação da Câmara dos Deputados, em Brasília, em 2001.
Mas eu sentia, bem como as professoras e os pais, que os ganhos desse
trabalho não estavam somente na qualidade da escrita das crianças que se
aprimorava nos livros que escreviam ao final de cada ano, recontando a ópera, e
nos depoimentos sobre o que achavam do trabalho que tinham realizado.
Percebíamos que elas se envolviam de tal modo e com tal responsabilidade com os
papéis e com os ensaios, vivenciando de tal forma os personagens, que eram
reconhecidos em toda a escola. Havia nelas empenho e persistência, tendo em vista
que durante longas horas escreviam textos e desenhavam, ensaiavam com
entusiasmo e ajudavam-se uns aos outros nas coreografias ou na performance com
os instrumentos. Eram, além do mais, capazes de assistir a DVDs inteiros com a
montagem da ópera na qual trabalhavam, nos palcos da Arena de Verona ou no
Metropolitan de Nova York. A concentração delas nos surpreendia. Comecei a
pensar que os efeitos do Projeto Ópera sobre o desenvolvimento e a aprendizagem
das crianças não estava apenas ligado à escrita, mas afetava fatores emocionais,
motores, cognitivos e sociais.
Certa vez, uma das nossas pequenas prima-donas preparava-se para
viver seu papel de Rainha da Noite (A Flauta Mágica, no estudo piloto), em um
período no qual seus pais estavam se separando. A mãe dizia: -ela descarrega
todas as suas emoções nessa personagem; ela leva horas em casa ensaiando
gestos e falas”. Com efeito, nos ensaios coletivos, era assustadora a sua fúria contra
a princesa, que se apresentava quase como real, aos olhos de todos nós. O que a
Rainha da Noite tinha a dizer a essa criança? Tal como interpretava a mãe, as
emoções de raiva e ressentimento voltadas contra a princesa eram extremamente
coincidentes com aquelas que a criança vivia no momento. Ao empatizar com sua
15
personagem, ela aparentemente, estaria ajudando-a a trabalhar suas próprias
emoções, em uma situação “protegida”.
Os efeitos observados estavam bem respaldados nos estudos de Vigotski
(1999) sobre Psicologia da Arte. Nessa obra, ele mostra sua visão da arte como
eliciadora de conflitos no indivíduo, conflitos esses que o mobilizam, no sentido de
resolver contradições dolorosas, com as quais não consegue conviver. Tais
contradições impulsionam seu desenvolvimento cognitivo e emocional, abrindo-lhe
novas possibilidades de aprendizagem. A vivência de temas tão reais como o ciúme,
a inveja, o heroísmo, a crença nos ideais pareciam, de fato, servir como mediação
para o desenvolvimento, explicando o que era possível ver nas crianças.
Vivenciar esses sentimentos no espaço interpessoal talvez lhes
propiciasse revertê-los em vivências intrapessoais, levando essas crianças, não
apenas a se colocarem sob ponto de vista do outro como, também, a refletirem
sobre os impasses vividos quando na pele de personagens como Carmen, Radamés
ou Sansão.
Em outra ocasião, nas experiências anteriores com a ópera, em um dos
ensaios de “Turandot”, um menino, que fazia o papel de soldado, corria para prender
a escrava Liú, quando, de repente, parou e disse, de si para si:Eu já desenhei esta
cena”. Esse episódio, tal como vemos, implica a possibilidade de esse aluno ter
compreendido o sentido da cena, uma vez que elea construiu, anteriormente, ao
desenhá-la. Isto sugere que, no trabalho envolvendo múltiplas linguagens, uma pode
se apoiar na outra, complementando sentidos e/ou sugerindo novos.
Comecei a pensar que, ao lado dos efeitos mencionados, havia, ainda,
aqueles decorrentes do fato de usarmos muitos canais, várias modalidades de arte
para transmitir uma mesma idéia ou sentimento. Parecia-me que isso estaria
favorecendo o desenvolvimento das crianças, uma vez que o instrumental da ópera,
“a obra”, abrange música, dança, drama, artes plásticas.
Nesse meio tempo, estava envolvida com trabalho voluntário em uma
escola na periferia de São Luís. Imaginei, então, se os efeitos da ópera, que eram
observados em crianças bem assistidas de classe média, se repetiriam em crianças
de um outro nível socioeconômico e sem a estimulação familiar que aquelas
recebiam. Ainda que convicta de que o resultado poderia ser bem interessante, tive
receio de levar avante a idéia. E se fosse acusada de estar levando para essa
16
população um universo cultural inteiramente diferente do seu? Seria essa uma
atividade “descontextualizada”? Iriam as crianças se interessar?
Por outro lado, pensando na realidade dessas crianças, lembrei-me de
uma reflexão de Vigotski sobre a necessidade da arte para a superação de eventos
que parecem difíceis na vida: “Só nos pontos críticos da nossa caminhada nos
voltamos para a arte, [...] uma descarga indispensável de energia nervosa e um
procedimento complexo de equilíbrio do organismo, [...] um ato criador, de
superação” (VIGOTSKI, 1999, p. 313).
Estava disposta a tentar.
1.2 Problema da pesquisa
A pesquisa foi organizada para responder à questão: Será que a ópera
pode ser um recurso para promover a aprendizagem e o desenvolvimento de
crianças em idade escolar, independentemente do seu nível socioeconômico?
O Ensino Fundamental de a Série é um segmento escolar que
demanda pensar a criança como um todo, de modo a propiciar o desenvolvimento
integral do cidadão. Para tanto, pretende-se que ela, integrada em seu meio físico e
social, possa desenvolver habilidades cognitivas, sociais e afetivas, para saber
identificar os problemas do seu entorno, propor soluções para esses problemas e,
sobretudo, regular seu próprio comportamento na busca de suas metas.
Entretanto, como é sabido, o currículo prescrito para essa faixa de
escolaridade é segmentado em disciplinas. Muitas tentativas foram e são feitas para
integrá-las, prescrevendo-se atividades específicas para atingir os objetivos
emanados dessa visão mais global do processo educativo e de homem. Será que
parte da dificuldade em desenvolver um Projeto pedagógico que integre diversos
aspectos do desenvolvimento da criança, tal como almejado para a faixa etária de 7
a 10 anos, não se deve justamente ao fato de o currículo ser fragmentado,
privilegiando habilidades cognitivas em detrimento da criatividade, da imaginação e
da expressão pessoal? Não se pode, efetivamente, apartar esses dois aspectos
indissociáveis do desenvolvimento – o cognitivo e o afetivo.
Tradicionalmente, língua, matemática, ciências sociais e naturais são as
áreas de maior presença no currículo.o obstante, é inviável (e os documentos
oficiais dizem isso) a realização do Projeto de cidadão sem a concorrência das
17
artes. Os Referenciais Curriculares da Educação Infantil nomeiam os múltiplos
aspectos a serem desenvolvidos na criança e recomendam o emprego da arte para
alcançar tais objetivos. Segundo tais Referenciais, “[...] o desenvolvimento artístico é
resultado de formas complexas de aprendizagem, que não ocorrem
automaticamente, à medida que a criança cresce” (BRASIL, 1998, p. 88).
Ironicamente, nessa área, as práticas são ainda mais isoladas: uma
segmentação, muito bem caracterizada na literatura específica a respeito da arte na
escola, que, entre nós, privilegia as artes visuais, cuja importância, sem dúvida, está
largamente comprovada e documentada conforme os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental:
[...] uma das áreas que oferece oportunidades excepcionais para o
conhecer, apreciar e refletir sobre as produções artísticas e coletivas de
distintas culturas é a das artes visuais, concebidas como linguagens e,
portanto, como formas importantes de expressão e comunicação humanas
(BRASIL, 1997, p. 1).
Entretanto, a música, a dança, o teatro, aspectos tratados apenas
tangencialmente pela escola, são, de igual modo, universos nos quais se pode
encontrar campo fértil para desenvolver integralmente o indivíduo, levando-o a
aprender mais e melhor. De fato, incentivar a imitação e a expressão pessoal implica
explorar a realidade, dar asas à imaginação, exercitar a percepção. Não menos
importante, os personagens, ao interagirem entre si, exercitam a colaboração e a
solidariedade. Dessa forma, outras modalidades de arte auxiliam a criança a buscar
conhecimento de si e do seu entorno, como bem apontam os PCN’s (BRASIL, 1997,
p. 68). No caso da ópera, todos esses aspectos estão contemplados:
a) a expressividade, propiciada pelo teatro, amplia-se pelas melodias que
servem de pano de fundo (ou de primeiro plano) para as
representações;
b) a dança, imbricada no corpo da representação, envolve a imitação, a
auto-regulação da conduta e auto-expressão;
c) a literatura, expressa na poesia e na trama dos libretos, revela
aspectos particulares do contexto histórico de quando a ópera foi
elaborada.
18
A ópera pode ser assim compreendida como uma forma legítima de
expressão e de reconhecimento de outros universos culturais, de outro tempo e de
outro espaço, algo que promove, segundo o próprio Vigotski, a tomada de
consciência de quem somos e de onde viemos “a arte é o social em nós” (1999, p.
315). Ao trazer para perto das crianças universos distantes, a ópera abre a
possibilidade de se construir e apreciar melhor a própria identidade.
Ademais, não como ignorar a forte emoção transmitida pela música.
As composições musicais das óperas, por meio de acordes mais ou menos
vibrantes, subsidiam a interpretação do significado das cenas, permitindo apreender
sua dramaticidade. As melodias servem de guia ao ato de dramatizar: acordes fortes
e breves dão o tom cômico, acordes profundos e lentos criam um clima dramático,
caracterizando, assim, o momento vivido por cada personagem.
Se consenso, hoje, de que deve haver maior integração entre as
disciplinas do currículo do Ensino Fundamental, com propostas de
interdisciplinaridade (BARBOSA, 2003, p. 23), a ópera pode ser um instrumento
pedagógico, enquanto gênero de arte que engloba uma variada gama de
manifestações artísticas. Isso vem ao encontro, portanto, dos objetivos da educação
nesse segmento de ensino.
1.3 Objeto de estudo
O objeto de estudo
desta pesquisa é, portanto, o Projeto “Ópera para
Todos” (POPT), realizado com crianças entre 7 e 8 anos de idade, de uma escola da
periferia de São Luís do Maranhão. O foco
do estudo é buscar elementos para
elucidar como um Projeto com ações bem estruturadas, utilizando materiais
potencialmente com sentido, conduzido pelo adulto e com a participação ativa da
criança pode ter efeitos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento. O princípio
subjacente a essa proposta é o de que tudo aquilo que é ativamente vivenciado no
exterior, na ação concreta, transforma-se em material abstrato e generalizável, em
função mental superior. Assim, a ópera pode colocar a criança na condição de
trabalhar:
a) a atenção voluntária, a imaginação e a memória a partir do trabalho
com o libreto, a concentração para ouvir a história, a discussão sobre a
19
trama, o que os personagens querem dizer e as emoções implícitas em
suas falas; são, ainda, exigidas em atividades como desenho de cenas,
de cenários, figurinos e também na criação dos respectivos
personagens. Essas funções psicológicas são fundamentais para
manter o constante trânsito entre a fantasia e a realidade e estão
envolvidas na reescrita de capítulos da história; na memorização das
cenas em que as crianças atuam e do “texto musical”; na forma como
executam seu papel, tocam seus instrumentos e seguem as
coreografias das danças;
b) a auto-estima fortalecida no enfrentamento de dificuldades pessoais
e sociais, quando exercitam a capacidade de correr riscos e tolerar
frustração;
c) a empatia via discussões sobre as características psicológicas dos
personagens, em que as crianças tentam vê-los “por dentro”, colocar-
se sob o ponto de vista deles, ou seja, entender seus pensamentos e
motivações. A empatia é intensificada quando representam e, portanto,
vivem com eles – ainda que sob a proteção do caráter fictício da ação -
experiências distintas das que experimentam no mundo real, as quais
implicam ser capaz de se colocar no lugar do outro;
d) o conhecimento de si posto que, ao interagir, as crianças tomam
consciência de seus pontos fortes e de seus limites, por contraste com
os pontos fortes e os limites do outro, pela observação da atuação do
outro e, também, pelo feedback que lhes é dado pelo grupo, em
relação à sua própria atuação;
e) a cooperação fundamental para tocar na banda, dançar em grupo,
contracenar; escrever em parceria, ensaiar em grupo, aprender com o
outro (quando uns se orientam pela atuação dos outros, implícita ou
mesmo explicitamente);
f) a auto-regulação de conduta uma vez que, para encenar seu papel,
as crianças precisam entrar no universo dos personagens,
compreender os mecanismos da trama e, ainda, integrar, via imitação,
dimensões como tempo, lugar e alternância, atentando tanto para a
música como para o texto. Precisam, ainda, seguir regras, coordenar
20
movimentos, respeitar o outro e fazer-se respeitar, para que a ópera
possa ser encenada.
Embora tome, isoladamente, para efeito de análise, os aspectos acima
arrolados, a pesquisa é conduzida por uma visão integrada de criança e, assim
como na teoria vigotskiana que a sustenta, concebe o desenvolvimento humano
como um todo.
21
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 A relação entre arte e desenvolvimento acadêmico e social
A revisão da literatura realizada buscou estudos que enfocassem os
efeitos das atividades em arte sobre o desenvolvimento ou o desempenho
acadêmico especificamente. A revisão está dividida em duas seções: a primeira,
considerando estudos feitos nas diversas modalidades de arte Dança, Drama,
Música e Artes Visuais, além de estudos múltiplos, envolvendo mais de uma dessas
linguagens. A segunda parte dedicada, de modo particular, aos estudos envolvendo
a ópera.
Uma primeira questão analisada é o debate existente entre duas
correntes, tanto de pesquisadores como de educadores, a respeito do papel das
artes na educação e a natureza da sua presença no currículo (SCRIPP, 2002, p.
143; HOROWITZ; WEBB-DEMPSEY, 2002, p. 109). De um lado, estão os
instrumentalistas, defendendo que a arte se justificaria no trabalho escolar
enquanto ferramenta para o ensino de disciplinas consideradas do núcleo duro do
currículo. Assim, os efeitos das diversas modalidades de arte, enquanto associadas
a disciplinas e/ou habilidades como raciocínio matemático, capacidade de
compreensão e interpretação de dados e textos, compreensão de fenômenos
científicos, são o foco da linha de pesquisa que defende esse argumento. Dessa
forma, não haveria obrigatoriedade de se reservar um espaço no currículo para
aulas ou atividades artísticas, estas seriam instrumentais, e deveriam ser
encaixadas no espaço das demais disciplinas.
O reforço a esse argumento é de natureza prática e passa pela suposição
de que, do ponto de vista acadêmico, os alunos mais bem sucedidos são aqueles
que dominam as ciências naturais, a matemática e as ciências da informação; e pelo
descrédito na transferência de habilidades desenvolvidas nas artes para essas
outras áreas do currículo.
Por outro lado, inúmeros pesquisadores e educadores defendem a
presença das artes no currículo per se, como fonte de conhecimento, lazer ou de
desenvolvimento humano, ou seja, de desenvolvimento das capacidades humanas –
desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e psicomotor. Essas pesquisas são
numericamente inferiores às ligadas aos pressupostos anteriormente alinhados.
22
Sob esse aspecto, Baker (2002, p. 156) relata que, nas escolas
americanas, a música e as artes visuais são as de maior presença per se no
currículo. Entretanto, as artes dramáticas e as artes literárias são as mais utilizadas
interdisciplinarmente como instrumento para aprendizagem de língua e literatura, por
exemplo, o que faz com que essas áreas artísticas respondam pelo maior número
de pesquisas em arte-educação.
Scripp (2002, p. 145) defende que, do ponto de vista metodológico, é
muito difícil afirmar-se o efeito de uma causa única sobre um fenômeno, quando se
trata da análise de eventos interdisciplinares. O mais certo seria afirmar que vários
aspectos se beneficiam do uso associado de outras, em um modelo de interação
“mão dupla”. Catterall (1999), em ampla pesquisa, demonstra significativa evidência
de relação positiva entre participação em artes e desempenho acadêmico. Catterall
(1998) e Harland et al (2000) encontraram efeitos positivos do drama sobre a
empatia. Harland et al (2000) relatam efeitos semelhantes sobre a auto-confiança;
Heath (1998), sobre a capacidade de correr riscos, Baum e Owen (1997), ainda,
sobre a auto-regulação, a atenção concentrada, a iniciativa e a perseverança. Esses
relatos mostram que a influência das artes vai muito além do domínio dos conteúdos
das disciplinas em si.
As capacidades gerais da mente, as competências sociais e as disposições
pessoais desenvolvidas através da aprendizagem em artes devem ter ampla
aplicação em uma variedade de experiências tanto acadêmicas como de
vida [...]. Os pesquisadores devem considerar que [esse enfoque] [...] está
mais próximo de um “verdadeiro” trabalho em artes do que aquele que
mede habilidades e competências básicas por meio de testes
estandardizados de leitura e matemática (HOROWITZ; WEBB-DEMPSEY,
2002, p. 109).
Por outro lado, vários estudiosos (CATTERALL, 2002a, p. 58; SCRIPP,
2002, p. 146; HOROWITZ; WEBB-DEMPSEY, 2002, p. 98) defendem que o
importante para o desenvolvimento do campo de pesquisas nessa área não é tanto
“o que” a arte desenvolve, mas “como”. Apontam para o fato de que muitas dessas
pesquisas utilizam metodologias quantitativas, algumas delas são grandes
levantamentos estatísticos, que analisam macro bases de dados, sem descer ao
cotidiano da relação face-a-face com o aluno, de modo a perceber a forma como
este se desenvolve. Argumentam que pesquisas no nível micro, embora demandem
mais tempo e paciência dos pesquisadores, são as que podem contribuir para que
se compreenda a natureza dessa relação entre o fazer da arte e o desenvolvimento
23
das crianças e adolescentes: elas descrevem processos, contextos e ambientes que
apóiam a aprendizagem, documentando sua influência sobre outras áreas.
Certamente, medir esses efeitos constitui ainda uma questão aberta no campo das
pesquisas etnográficas e qualitativas, em geral.
Bradley (2002), Horowitz e Webb-Dempsey (2002, p. 110), ao registrarem
a falta de pesquisas explicativas da inter-relação entre a experiência com artes e os
processos cognitivos, levantam a suposição de que um ensino de qualidade,
centrado no aluno e acompanhando-o passo a passo (no qual o professor “põe as
suas mãos” e o aluno assume responsabilidades), pode, potencialmente, produzir
bons resultados.
No campo específico da dança, que se ressente de pesquisas na área, os
mais consistentes resultados apontados por Bradley (2002, p. 27), dentre os
analisados no Compendium coordenado por Deasy (2002), sugerem que a dança
desenvolve três aspectos do pensamento criativo: fluência, originalidade e
abstração. Ross (2000), Mentzer e Boswell (1995) mostram como o movimento e,
mais especialmente, as reflexões sobre o movimento (por meio da escrita e do
desenho) podem desenvolver a capacidade de expressão e de interpretação. Ambos
são estudos qualitativos que, para Bradley (2002), revelam uma rica direção para
pesquisas futuras: o de buscar situações em que haja contexto, fugindo de
ambientes esterilizados. Afinal, crianças são aprendizes complexos e escorregadios,
afirma.
Em relação às pesquisas sobre a dança, essa autora aponta, ainda, duas
outras questões: (1) elas devem especificar a que tipo de dança se referem
técnica, improvisação, performance ou coreografia e (2) mostrar qual o alvo
pretendido desenvolver pensamento crítico, fluência, abstração do pensamento,
melhoria da técnica, coreografias mais originais etc. Afirma que é por meio da
observação, da escrita crítica e descritiva do que é observado, da interpretação dos
detalhes do movimento que se pode chegar a conclusões sobre o desenvolvimento
daquele que se move. Ou seja, é preciso observar mais o que se faz do que o que
não se faz. Um instrumento que tem sido usado para sistematizar essas
observações é o Laban Moviment Analysis (LMA) (DAVIES, 2006), um esquema de
análise que interpreta mudanças de movimentos em atletas, políticos e dançarinos
em várias culturas.
24
As pesquisas arroladas na área da dança sugerem que, para promover o
desenvolvimento cognitivo, é preciso usar o suporte de outras atividades (como
escrita, desenho, discussão, Projetos aplicados, produções feitas no campo,
produção de performance), a fim de realizar uma análise mais apurada dos eventos
observados.
No campo do drama, Heathcote apud Catterall (2002a, p. 69), quando
afirma “[...] o drama usa as mesmas regras da vida”, defende que a arte prepara
para a vida e não precisa ser acompanhada de outra coisa para se justificar. Realça,
ainda, que as atividades dramáticas são uma oportunidade de experimentar
situações da vida, como expressão, comunicação e aprofundamento da
compreensão humana – condutas, em si, altamente desejáveis.
Por outro lado, esse autor aponta a falta de uma definição sobre o que
seja drama, expressão que, ao mesmo tempo, nomina: representações de sala de
aula (atividades de encenação de histórias, dirigidas pelos professores, algumas
vezes bem planejadas, outras não); dramatização criativa (improvisações feitas a
partir de situações e personagens fictícios); apresentações de Fantasia ( fantasy
play ) (representação das próprias histórias, com seus personagens favoritos);
Apresentações de fantasia temáticas (dramatizações guiadas por um ou mais
temas). Catterall (2002a, p. 58) aponta uma característica comum a todas essas
manifestações: a representação de um personagem, envolvendo crianças da
Educação Infantil até a 4ª Série do Ensino Fundamental.
Analisando as pesquisas encontradas, é possível verificar que uma
relação positiva entre o drama e as habilidades lingüísticas, como a compreensão
narrativa, compreensão de história oral, e compreensão de história escrita,
revelando que alunos se mostram mais capazes de recontar a história, relembrar de
detalhes e colocar os elementos da história na seqüência correta, após dramatizá-la.
Essas são transferências muito próximas compreender melhor os textos
dramatizados do que os somente lidos e praticamente constituem elementos de
uma mesma ação didática – em que uma técnica é preferencial a outra.
Nessa mesma linha, De La Cruz (1995) encontrou resultados positivos
relacionando drama com “comportamento mais cortês”, “ignorar distrações” e “uso
mais aceitável do tempo livre”. Fink (1976) encontrou evidências de
desenvolvimento, a partir do drama, deperspectiva social” definida por ele como
habilidade de lidar com as várias relações sociais inerentes a uma situação
25
envolvendo o grupo e o indivíduo. Horn (1992) demonstrou bons resultados
explorando autoconfiança e auto-imagem em adolescentes em situação de risco,
engajados na escrita de peças teatrais. Schaffner et al (1984) mostraram evidências
de atenção a dilemas morais como resultado de envolvimento com drama. Seidel
(1998) mostrou que as obras de Shakespeare são potencialmente produtoras de
efeitos positivos sobre o desempenho social e acadêmico, por causa da
complexidade das tramas e das emoções nelas envolvidas.
Catterall (2002a), ao criticar os estudos que se limitam a comparar grupos
participantes e não-participantes em pesquisas, reafirma a importância de, na
análise de estudos de drama, interpretar o que transpira do enquadramento do
drama. Aponta que “sugestões dos participantes sobre a direção, a ação ou modos
dos personagens”, “adicionar ou discutir aspectos do drama” são indicativos de
atividade metacognitiva, de engajamento e pensamento concentrado. Outro forte
indicador dos resultados do drama é, segundo Schaffner et al (1984), a reflexão dos
participantes após uma encenação. Como ficou evidenciado nesse estudo, uma
breve discussão sobre a história encenada levou as crianças à exploração de
relações interpessoais e de valores morais ligados ao que elas acabavam de
representar.
Catterall (1999) afirma que, nos estudos realizados, o drama revela
indicativos de promover pensamento crítico, questionamento, oportunidade de
direção de atividades e de reflexão, pontos que reputa importantes de serem
considerados no design de pesquisas futuras. Aponta, entretanto, a falta de estudos
que focalizem efeitos de drama além da leitura e desenvolvimento da linguagem.
Esses aspectos, em sua opinião, são supostamente: “qualidades intra e inter
pessoais”, potencialmente desenvolvidas quando a criança assume personagens e
interage para representar cenas narrativas (CATTERALL, 2002b, p. 72).
Estudos sobre caracterização de personagens são realizados por
profissionais da área do teatro. Aprender sobre o personagem, suas crenças,
pressupostos diferentes dos seus próprios, parece levar a desenvolver habilidades
altamente valiosas, como o crescimento da empatia e compreensão do ponto de
vista dos outros, afetando pessoalmente o aluno que estuda diferentes personagens.
Esse autor recomenda, com ênfase, estudos nessa área e defende a presença do
drama nas escolas.
26
Doroty Heathcoter (apud CATTERALL, 2002a, p. 62), com base na
experiência de uma vida dedicada ao teatro, apresenta algumas “garantias” de
efeitos positivos (não verificados de forma sistematizada) para os que desejam
realizar estudos sobre teatro. São eles: 1) tornar mais concretos os conceitos
abstratos; 2) propiciar melhor aprendizagem de um fato, porque o coloca em um
contexto completo; 3) introduzir artefatos que aguçam a curiosidade e a alocação de
sentido; 4) levar à reflexão sobre o que se tem em comum com os personagens; 5)
abrir as portas de áreas do curriculum nas quais se teme aventurar-se, como
ciências, matemática e literatura; 6) dar liberdade para trabalhar em pares com
responsabilidade; 7) esclarecer valores; 8) desenvolver tolerância em relação a
variadas personalidades e idéias; 9) mostrar como conviver com coisas de que não
se gosta (como poemas complexos, por exemplo); 10) aumentar o vocabulário e
refinar a retórica; 11) melhorar as condições de convívio social; 12) descobrir que se
sabe mais do que se pensava que sabia; 13) aproximar o mundo real, mostrando-o
de maneira diferente do que se aprendeu ou imaginou; 14) apreender o que está
implícito na experiência, analisar expressões e motivações individuais, refletir sobre
o que se está tentando transmitir no drama e na experiência compartilhada.
A pesquisa em música tem sido bastante direcionada para demonstrar os
efeitos que a aprendizagem da linguagem musical, ritmos e pausas podem ter sobre
o pensamento espaço-temporal. No caso da aprendizagem de música a partir de
escrita musical e pautas, indícios de que ela promova o desenvolvimento da
habilidade de leitura e de escrita (SCRIPP, 2002, p. 132). Quando se emprega a
música como ferramenta para o desenvolvimento sócio-emocional, Scripp (2002, p.
134) propõe que se faça uma distinção entre ouvir música e fazer música. Kariuki e
Honeycutt (1998) e Hallam (s/d) sugerem que ouvir música melhora o
comportamento de crianças na classe, em matemática e no desempenho em leitura,
incrementando sua motivação. Kennedy (1998) sugere que crianças com distúrbios
se beneficiam de programas de ouvir música ou tocar música, aprimorando a auto-
eficácia, o autoconceito e a autoconfiança.
Estudos descritos no Compendium editado por Deasy (2002) demonstram
a aquisição de competências sociais e cooperação com o ambiente, a partir do
envolvimento com a música. Entretanto, lembra Scripp (2002, p. 135): “[...] a música
sempre existirá por si, por sua literatura única, por seu caminho social particular,
como uma fonte de deleite e liberação emocional humana, desde os gregos.” Esse
27
autor recomenda, portanto, o estudo do efeito da música sobre questões sócio-
emocionais e sobre o comportamento como tema de futuras pesquisas. Incita,
assim, os pesquisadores a buscarem entender a música como “[...] uma janela para
as interações entre as questões sócio-emocionais, codificação de comportamento e
habilidade para aprender”. Essa recomendação busca aprofundar as pesquisas na
área para além do tão propalado efeito “Mozart faz você mais inteligente”, jargão
superficial e inútil do ponto de vista do esclarecimento dos processos envolvidos no
desenvolvimento humano (CATTERALL, 2002b, p. 151).
No campo das artes plásticas, Baker (2002) afirma que o desenho é a
modalidade de artes visuais mais utilizada na escola, em qualquer idade e com
propósitos variados. Segundo a autora, o desenho como ilustração para uso do
ensino de ciências, ou para a fixação de detalhes em reconto de história é uma
atividade muito comum nas salas de aula, algo considerado mais como “desenho
instrumental” do que artes visuais. Baker (2002, p.148) alerta, ainda, que os
benefícios da arte para a criança demandam mais estudos qualitativos, que
aproximem a complexa realidade cultural, emocional e social do desenvolvimento
humano.
Ao revisar estudos classificados como multi-arte, Horowitz e Webb-
Dempsey (2002) revelam ter encontrado resultados positivos do ensino de artes em
ambientes de aprendizagem dinâmicos, envolvendo múltiplas artes.
Ambientes de aprendizagem em artes múltiplos e integrados provêem, de
forma inerente, os professores com variadas oportunidades de desenvolver
e exercitar estratégias positivas [...]. Existe a necessidade de pesquisas que
melhor delineiem as características desses ambientes e programas de
artes, que levem a impactos mais abrangentes na aprendizagem e na
escola (HOROWITZ; WEBB-DEMPSEY, 2002, p. 99).
Esses autores analisam estudos que mostram resultados positivos
associando o trabalho em artes dentro dos muros da escola e o entorno, a cultura,
as famílias, os fatores do ambiente: o clima estabelecido no ambiente de
aprendizagem, a qualidade do ensino, a motivação crescente e o comprometimento
com a atividade (HOROWITZ; WEBB-DEMPSEY, 2002, p. 100). Finalmente,
apontam que o efeito das atividades de artes sobre diversos fatores do sucesso
acadêmico não deve desviar o foco da arte em si e de sua importância para o
desenvolvimento do homem. Faz-se importante, pois, nesse aspecto, buscar, no
cotidiano das relações educativas, o como se esse processo, tentando identificar
28
boas práticas e bons programas educacionais de promoção do homem como um
todo.
2.2 Pesquisas envolvendo a ópera
A revisão da literatura disponível encontrou vários programas de
educação para a ópera em diferentes partes do mundo, analisados em artigos,
comunicações e compêndios oficiais de educação. Tais programas têm tomado a
ópera com propósitos variados: para promovê-la e para utilizá-la como instrumento
de desenvolvimento de habilidades e competências. Dentre esses programas,
ressaltamos:
“Escreva uma Ópera” (“Write an Opera”), um programa de treinamento
de professores desenvolvido pelo Royal Opera House de Covent
Garden, Londres, Inglaterra, que provê a professores de escolas
elementares (não necessariamente com formação em música, artes
plásticas ou teatro) exercícios e estruturas que permitem trabalhar
com estudantes, fazendo-os escrever, compor, produzir (figurinos,
iluminação, cenário, divulgação) e apresentar sua própria ópera. O
Projeto, criado em 1985, treinou centenas de professores em cinco
continentes. Reeves (2002) realizou um estudo em que relata, como
resultados desse programa, o desenvolvimento de habilidades
cooperativas e interpessoais, a compreensão dos mecanismos da arte
dramática e o comprometimento e responsabilidade com as tarefas.
“Trazendo ópera à vida para crianças pequenas” (“Bringing Opera to
Life for Young Children”), uma parceria entre a Metropolitan Opera
Company, o Departamento de Educação de Nova York e a Fundação
Texaco, que tem como objetivo restaurar a prioridade da música na
educação, estabelecendo novos padrões para a educação artística.
Neelly (2002), da University of Connecticut, USA, descreve os
objetivos do programa, bem como seu modelo de reflexão cooperativa,
as estratégias para aproximar professores entre si e integrar as
diferentes áreas de conhecimento utilizadas.
29
O Réseau Europeen des Services Educatifs de Maisons d’Opera
(RESEO), uma entidade que funciona como plataforma européia da
educação para a ópera, com sede na Bélgica e 50 (cinqüenta) casas-
membro em toda a Europa. O RESEO envolve artistas, educadores,
escolas e casas de espetáculos, objetivando possibilitar intercâmbio
criativo e inovador entre profissionais, no que concerne à ópera.
Laenen (2003) apresenta um estudo preliminar sobre o Programa “Por
quê / Como Educação para a Ópera” (Why/How Opera Education?)
que, no contexto do RESEO, consiste em investigar, junto aos
envolvidos, quatro temas: a) a formação de platéias; b) a “imagem” da
ópera na sociedade; c) o papel das companhias; e d) o papel da
escola na educação para a ópera. Algumas questões interessantes
são levantadas, como a preocupação com o perfil das platéias
considerado estagnado e de idade avançada, e a relação da ópera
com novos públicos. Os resultados mostram a importância de trazer o
público jovem (a partir de 10 anos de idade) aos teatros; a
necessidade de eliminação de barreiras inibidoras aos mais jovens,
como a formalidade das apresentações e mesmo do “traje para ir ao
teatro”; a relevância do papel dos professores no fornecimento de
informações sobre o gênero, as peças e a sua dinâmica; além da
necessidade de promoverem-se apresentações em que os próprios
jovens atuem.
"Criando uma ópera original” (“Creating Original Opera COO”)
(EUA), um treinamento voltado para professores de artes que provê
informações, metodologias e atividades para orientar alunos na
escrita, produção e encenação de uma ópera na escola, como
atividade curricular. O treinamento inclui, além de freqüentar
espetáculos, a escrita, a composição musical, a produção vocal, a
atuação, o desenho de figurinos, relações públicas, documentação e
gerenciamento da produção. O objetivo é desenvolver conceitos e
habilidades próprias de cada modalidade de arte envolvida em uma
ópera. O programa foi avaliado e recomendado, em 1995, pela
Performance Assessment Collaboratives for Education (PACE), da
Escola de Educação de Harvard. Estudo, de natureza qualitativa,
30
realizado por Wolf (1999), a partir das experiências desse programa,
visou a descobrir que tipo de aprendizagem ocorre quando os
adolescentes escrevem e encenam uma ópera. Seus resultados
evidenciam disposição dos alunos para participar, conectar suas falas
com comentários prévios, fazer críticas construtivas, revisar as
próprias idéias, ligar seus comentários com idéias levantadas pelo
grupo, trabalhar cooperativamente, tomar a sua vez para falar e fazer
perguntas.
experiências isoladas com ópera, com a de Suthers e Larkin (1997)
realizaram pesquisa que parte da suposição de que as performances em artes
podem oferecer às crianças experiências de alcance além daquelas oferecidas em
casa ou na escola. Trata-se de um estudo de caso com uma criança de quatro anos
de idade, que descreve suas reações à apresentação de uma ópera baseada no
conto infantil “Os sapatos da Vovó”. Os dados, coletados a partir da observação das
reações da criança ao assistir à performance, sugerem que ela conseguiu dar
sentido à ópera e aos personagens. O estudo enfatiza a participação da criança
rindo, aplaudindo, cantando, participando, enfim, de algo que ultrapassa suas
fronteiras culturais.
Hove-Pabst (2002), uma professora de escola rural norte-americana,
documentou o processo e o produto da criação e produção de uma ópera por
estudantes da escola elementar em que leciona. Concluiu que o trabalho constitui
um instrumento eficiente e eficaz para aprendizagens sobre o “eu”, os “outros” e o
mundo. Segundo a autora, a ópera propicia a comunicação integrada do que cada
um sabe e permite o acesso a novas e inéditas aprendizagens, algo que enriquece a
vida. Dois componentes do Projeto foram salientados: a possibilidade de integração
de áreas de conhecimento e a incorporação de informações sobre diferentes
culturas e épocas históricas.
Piro (2003) realizou estudo interdisciplinar, envolvendo história, literatura
inglesa, arte dramática e tecnologia, com o objetivo de permitir que alunos
articulassem a vida nos Estados Unidos (cotidiano e desenvolvimento tecnológico)
no final do milênio e na data em que Don Pasquale, a ópera, estreou em Nova York.
O Projeto consistiu em aulas sobre acontecimentos históricos na cidade de Nova
York durante o ano de 1840, nas quais o professor procurava fazer conecções
31
interdisciplinares que provessem elementos para uma análise da diversidade da vida
cotidiana naquela cidade, à época da estréia da peça. A ópera foi utilizada como
contexto e a pesquisa histórica como metodologia. Os resultados sugerem que a
associação com a ópera levou à melhor compreensão dos temas envolvidos.
Tambling (1999) avaliou três Projetos organizados pelo Departamento de
Educação do Royal Opera House (Londres), entre 1985 e 1997. Tomou como dados
os depoimentos de estudantes, professores e artistas que, na análise, evidenciaram
ser a arte-educação mais efetiva quando os estudantes são encorajados a se verem
como artistas, criadores do seu próprio trabalho. A pesquisa aponta, ainda,
caminhos para novas investigações na área:
realizar estudos qualitativos, que retratem o cotidiano das relações no
ambiente de aprendizagem;
procurar indícios de “como” se a influência da arte sobre o
desenvolvimento, ao invés de buscar comprovar “que ela existe” e “o
que” promove;
mesclar procedimentos descritivos e interpretativos;
privilegiar estudos longitudinais, acompanhando o desenvolvimento de
um grupo, mais que comparar grupos diferentes;
promover estudos que explorem a arte como instrumento para o
desenvolvimento do homem e não simplesmente para a promoção do
sucesso escolar.
Pode ser constatado que Projetos como o apresentado na presente
pesquisa são valorizados por todos os estudos arrolados. No entanto, a maioria
deles foca apenas adolescentes. Em relação às crianças menores, os trabalhos
centram-se basicamente na formação de platéias, na educação do gosto musical e
na ampliação do repertório cultural. Desse modo, a abordagem adotada neste
trabalho é, de certa forma, diferente, podendo trazer novas luzes sobre a questão.
32
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Desenvolvimento (a construção de novos sentidos e significados e sua
apropriação autônoma pelas crianças)
Na esteira das investigações da psicologia soviética a respeito da
interação, contexto social e homem, Vigotski (1994) postulou o conceito inovador de
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), um espaço psicológico no qual o auxílio
do parceiro mais experiente leva a novas aprendizagens que, por sua vez,
impulsionam o desenvolvimento e abrem novas possibilidades de aprendizagem e
assim sucessivamente, um produz o outro.
Ao considerar o conceito de ZDP, Valsiner e Van Der Veer (1991) põem
em realce os três aspectos que o compõem: é uma “zona, como mencionado na
teoria de campo de Lewin; trata de desenvolvimento, termo freqüentemente tomado
como sucessão de faixas etárias ou como mudança estrutural dos organismos, e é
“proximal”, próximo de se efetivar, no desenvolvimento.
Para esses autores (1991), ao desenvolver a noção de ZDP, Vigotski, um
teórico da tradição histórico-cultural, está interessado em conceitualizar os
processos desenvolvimentais que operam no domínio da transformação presente-
futuro das estruturas do sistema psicológico, e afirmar a idéia germinal da pessoa
“libertando-se” a si mesma dos limites de uma dada situação, através da mediação
baseada em signos e da ação instrumental
.
3.1.1 O ensino e a ZDP
A possibilidade de promover o progresso da criança além dos níveis
presentes era bastante atrativa para o contexto da época, assim como a idéia de
libertação de limites. Entretanto, afirmam Valsiner e Van Der Veer (1991),
excetuando-se o caráter histórico-cultural dos processos de mediação, os processos
efetivos através dos quais essas possibilidades se tornam realidade ainda não
estavam completamente delineados. O mecanismo explicativo apontado por Vigotski
para esses processos é a imitação. Para esse autor (1994, p. 112), com o auxílio da
imitação na atividade coletiva guiada por adultos, a criança pode fazer muito mais do
que sua capacidade de compreensão de modo independente. A diferença entre o
33
nível das tarefas realizáveis com o auxílio dos adultos e ovel das tarefas que
podem desenvolver-se como uma atividade independente define a área de
desenvolvimento potencial da criança
Vigotski (1994) explica, na enunciação do seu conceito, que nas situações
em que a criança não consegue realizar autonomamente uma tarefa, ela o faz
através da imitação de um parceiro mais experiente. Entretanto, nem toda atividade
está ao alcance da realização das crianças, mesmo por imitação se o está, é
porque essa função se encontra próxima de desenvolver-se autonomamente, está
na Zona de Desenvolvimento Proximal e, em pouco tempo, a criança será capaz de
realizá-la sozinha.
O conceito de ZDP estimulou inúmeros pesquisadores a explorar suas
possibilidades. McNamee (1996) e colaboradores usaram a ZDP aplicando tarefas
básicas para crianças em fase de alfabetização com distúrbios de aprendizagem da
língua, explorando a mediação do instrumento. Gallimore e Tharp (1996) apontam
alguns procedimentos que podem ser úteis nesse processo: oferecer modelos,
feedback, instrução, perguntas, explicações ou mesmo reestruturar a tarefa, dividi-la,
para encaixá-la na ZDP.
Tudge (1996) trabalhou no sentido de mostrar a importância da criação
de um ambiente escolar que permita a expressão do ambiente social para a
elevação do nível de desenvolvimento da criança, acentuando a importância da
mediação da relação com o “outro”. Murad e Topping (2000) usaram a ZDP tendo
como mediadores pais de crianças em fase de alfabetização trabalhando com elas
em uma atividade de Leitura Conjunta (Paired Reading), para elevar o nível de
leitura das crianças, em especial nos aspectos de fluência e compreensão da leitura,
explorando as possibilidades de tutorias, como apontou Vigotski (1994).
Nos contextos em que se dá a aprendizagem escolar, Vigotski propõe que
a mediação na ZDP seja feita por meio de uma atividade avançada, capaz de
“puxar” o desenvolvimento. Ele é enfático ao afirmar que o bom ensino é o que se
adianta ao desenvolvimento, aquele que traz para as crianças inúmeras
possibilidades de lidarem com questões desafiantes, atividades novas. A imitação
tem um papel fundamental em um contexto de interação, em que tanto o adulto
como as próprias crianças servem de modelo à atuação.
A imitação é concebida por Vigostki, não como cópia do real, mas como
reelaboração interna do observado. Clot (2004) observou que, à medida que cada
34
ação é deliberadamente escolhida pela criança, muitas outras opções são, ao
mesmo tempo, por ela descartadas. As ações não escolhidas permanecem latentes
na ZDP, dinamizando o funcionamento mental e afetivo. Assim, uma experiência
bem estruturada fornece pistas para o desenvolvimento e, se motivada, com sentido,
admitindo a criação pessoal, impulsiona-o. Vigotski utiliza a metáfora “brotar” para
mostrar como se dá o surgimento das funções não maduras, que aparecem na ZDP
por meio da mediação, da tutoria, dos instrumentos (1994, p. 113).
Ao tratar desses instrumentos, das ferramentas psíquicas usadas pelos
humanos nas aprendizagens na ZDP, Vigotski salienta o papel dos signos como
mediadores no processo que se desenvolve entre o ambiente e o psiquismo: a
língua falada, os sistemas de notação, a língua escrita, os mapas, esquemas, os
diagramas, os desenhos e as obras de arte (HEDEGAARD, 2002, p. 16).
Entretanto, questionam Valsiner e Van Der Veer (1991), como garantir
que, ao lado do processo imitativo das ações ou operações, está ocorrendo um
efetivo desenvolvimento das funções mentais, tendo em vista que o tutor está
concentrado em que a criança desempenhe a ação colocada para ela como meta?
Será a ZDP uma arquitetação feita do exterior, sem a participação da criança? Os
autores acreditam que não. De fato, é possível postular o desenvolvimento se a
criança, por meio do auxílio de um “outro”, passa a fazer aquilo que antes não fazia.
O outro precisa, no entanto, abrir mão do controle que exerce na atividade, para que
a criança a assuma como sua.
Importante nesse processo é preservar o espaço para a criatividade e a
autonomia das crianças, de modo a que ela possa interagir com os instrumentos
culturais mediadores, com sua lógica interna e sua estrutura, com todo o seu
potencial de atração, reestruturá-los, reelaborá-los na formação de conceitos que se
transmudem em desenvolvimento de novas funções mentais, em um processo
dialético e construtivo.
Vigotski (apud Valsiner; Van Der Veer, 1991) chega a descrever a
evolução desse processo como uma unidade de evolução e involução, períodos
calmos e de crise, quando acontecem os saltos revolucionários, aos quais se
sucedem períodos de desintegração, em que se perde o que foi conquistado antes.
O que é presente na emergência dos processos mentais superiores é que,
sucedendo os períodos de crise, vem a superação, a estrutura da função psicológica
nova, qualitativamente superior, em um processo dentese dialética. Vigotski
35
deixou esse processo sem exemplos, embora tendo patenteado a importância do
papel da situação social para esse salto.
Por outro lado, uma vez que Vigotski afirma que o desenvolvimento se
adianta pela influência social adiantada, isso poderia significar que o
desenvolvimento é previsível, o que chama a atenção, mais uma vez, para a
questão da autonomia. A direção do processo deve estar em mãos da criança, de
modo a que este não se configure como uma trilha para que ela realize o que
estava previsto e programado. O importante, nesse sentido, é tentar prover esse
ambiente de desenvolvimento com situações em que esteja claro o caráter
construtivo do processo. O jogo é apontado por Vigotski como sendo essa situação
(VALSINER; VAN DER VEER, 1991).
A ZDP trata da facilitação social das funções em desenvolvimento,
auxiliando a pessoa a ir além do presente. No jogo, o enredo não é ferramenta, é
a proposta que permite o amplo uso da imaginação. O espaço para o uso da
imaginação é presente, de modo a manter ativas a criatividade e a autonomia da
criança. Em qualquer situação social, a criança constrói essas oportunidades,
criando para si situações de jogos e, mais tarde, quando adolescente e adulta,
usando o mundo da fantasia.
No âmbito do interesse em estudar e caracterizar contextos
potencialmente férteis para o desenvolvimento psíquico, afetivo, motor e social das
crianças, em especial no ambiente escolar, considera-se a ZDP, associada ao
mecanismo de imitação, uma fonte de insights, de possibilidades, por meio do uso
de modelos estruturados (textos, música, falas, referências pictóricas,
arquitetônicas) que possam eliciar esse desenvolvimento.
A proposta deste trabalho é buscar elementos para elucidar como um
Projeto com ações bem estruturadas, utilizando materiais potencialmente com
sentido, conduzidos pelo adulto e com a participação ativa da criança pode ter
efeitos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento. O princípio subjacente a essa
proposta é o de que tudo aquilo que é ativamente vivenciado no exterior, na ação
concreta, transforma-se em material abstrato e generalizável, em função mental
superior.
Entretanto, indagações importantes permanecem: Até que ponto é
possível internalizar esse conhecimento? Como as habilidades aprendidas se
transformam em desenvolvimento? Para uma melhor compreensão do processo
36
descrito por Vigotski (1994) ao conceituar a ZDP – um universo propício à análise da
mediação para a constituição das funções mentais superiores seria, ainda,
necessário aprofundar o estudo do processo de internalização.
3.1.2 Mediação e processo de internalização
É a afirmação da gênese social das funções mentais superiores que
constitui a marca da visão vigotskiana de desenvolvimento. “[as funções mentais
superiores] são relações internalizadas de uma ordem social, transferidas à
personalidade individual e base da estrutura social da personalidade” (VIGOTSKI
apud PINO, 2000, p. 60). Ao afirmar isto, Vigotski chama a nossa atenção para as
relações sociais, mostrando como elas são capazes de impulsionar o
desenvolvimento. Ele inverte o vetor da relação indivíduo-sociedade, perguntando,
não como a criança se comporta no meio social, mas como o meio social age na
criança para criar nela funções superiores, ou seja, como algo social pode constituir-
se em individual e vice-versa (VIGOTSKI apud PINO, 2000, p. 60).
Salienta, então a importância dos signos e, em especial, da palavra, como
instrumentos mediadores que agem, não no mundo concreto, mas sobre os homens,
sobre o outro e o mundo social, dotando as relações sociais de significado. Na visão
de Vigotski (apud PINO, 2000, p. 59), “[...] é a significação que confere ao social sua
condição humana”. Brunner complementa essa idéia:
[...] é a interiorização da ação manifesta que faz o pensamento,
particularmente é a interiorização do diálogo exterior que leva o poderoso
instrumento da linguagem a exercer a influência sobre o fluxo do
pensamento. (BRUNNER, in: VIGOTSKI, 1993, p. 8).
As propostas de Vigotski guardam uma relação complementar com a
teoria da atividade, de Leontiev et al (1991, p. 74), na qual se afirmam a precedência
da ação como instrumento de compreensão sobre o pensamento:
[...] para aprender conceitos e generalizações, conhecimentos, a criança
deve formar ações mentais adequadas. Isto pressupõe que estas ações se
organizem ativamente. Inicialmente, assumem a forma de ações externas
que os adultos formam na criança, e depois se transformam em ações
internas.
37
Ao mencionar a relação exterioridade/interioridade x
concretude/abstração, Leontiev et al (1991) detalham esse processo em três etapas,
a partir do momento em que o adulto orienta a criança para uma tarefa, mostrando-
lhe a ação a realizar e seu resultado: a) quando as crianças começam a realizá-la de
maneira independente, a ação adquire um caráter mais geral e começa a se
abreviar; b) a ação se transfere para o campo da linguagem e se transforma em
ação teórica, baseada em conceitos verbais; e c) a ação passa para o plano mental,
até que adquire todas as características próprias de uma operação interna do
pensamento.
As funções psíquicas superiores, ao mesmo tempo em que são
mediadoras do desenvolvimento e partem do arsenal cultural e social com que se
depara o indivíduo, se constituem nesse processo. Na interação mediada dentro da
ZDP, esse homem reconstrói os sentidos e significados da atividade na imitação e,
simultaneamente, desenvolve suas funções mentais superiores. Para Vigotski
(1994), o processo de internalização refere-se à apropriação das relações sociais
mediadas e, também, à constituição das funções mentais superiores: as relações
sociais internalizadas através do mecanismo semiótico convertem-se em funções da
pessoa (funções mentais superiores), permitindo-lhe constituir-se, transformar,
conhecer o mundo, compreender e comunicar experiências.
Uma percepção adequada das idéias de Vigotski requer que se adote a
perspectiva de causalidade não-linear, na qual um aspecto influencia o outro
concomitantemente, e não a lógica de “antes e depois”. Do mesmo modo, requer
uma concepção de totalidade dinâmica, na medida em que uma ação particular
muda a totalidade das circunstâncias e essa, por sua vez, muda a ação individual. É
por essa capacidade de afetar o todo que a ação adquire significado e é capaz de
produzir mudanças. Para Vigotski (1993), o significado é construído gradativamente,
à medida que se superam conceitos provisórios, em interação com os parceiros
mais experientes e o meio social. O significado é fruto de construção e negociações
sociais.
Em resumo, na visão de Vigotski (1994), o psicológico é a internalização
de relações sociais mediadas por signos, que dão significado a essas relações
enquanto constituem suas funções mentais. A palavra é o mais importante deles:
vem do mundo social e sobre ele incide, transformando-o, humanizando-o, ou seja,
38
os signos possibilitam que o animal humano se humanize, se torne capaz
(diferentemente dos primatas) de pensar e organizar sua atividade.
O caráter dialético das relações sociais confere-lhes dinâmica e abriga a
idéia de que são as crises, as contradições que impulsionam o desenvolvimento de
novos comportamentos adaptativos (novos conceitos e novas habilidades afetivas e
cognitivas) que, pouco a pouco, vão ganhando em abstração e estruturação, em um
processo de avanços e recuos, no qual é possível a atuação intencional.
Com a concepção de gênese social das funções mentais, Vigotski (1994)
supera não apenas a dicotomia exterior/interior, objetivo/subjetivo, mas a dicotomia
individual/social, tratada “[...] em termos de vinculação genética e não de
oposição” (GÓIS, 1991). O apontar do bebê é o exemplo trazido por Vigotski do
processo em que uma ação espontânea é interpretada socialmente e se transforma
em signo (socialmente constituído e intencionalmente utilizado). O gesto de tentar
pegar um objeto, uma vez internalizado como função simbólica, à criança o
comando da ação. Esta é a gênese do processo de auto-regulação. A criança passa
daí em diante a usar gradativamente mais signos para controlar e dirigir
voluntariamente sua ação no universo simbólico de relações, tendo como substrato
o mundo social e utilizando-se de ferramentas simbólicas para compreender e atuar
sobre si e sobre o entorno. O intrasubjetivo se forma pela internalização do
intersubjetivo, do ocorrido na relação com o outro. O que é ali aprendido transforma-
se em intrasubjetivo e em desenvolvimento. O que é aprendido na relação social, na
interação, se internaliza como função mental superior, impulsionando o
desenvolvimento.
Para Wertsch (apud GÓIS, 1991, p. 21), essa individuação se pela
“descontextualização dos recursos mediacionais, ou uma crescente independência
de significados em relação ao contexto espaço-temporal em que foram constituídos".
Cole apud Góis (1991, p. 23) propõe tomar como indicador da internalização o grau
crescente de controle das ações pelo sujeito a partir de ações partilhadas. Vigotski
(1993) complementa essas idéias quebrando mais uma dicotomia: a noção de que é
impossível separar as funções cognitivas das afetivas na análise do psiquismo. Para
ele, o social é a gênese das funções mentais e a cognição nasce do afetivo. Seu
argumento: toda ação cognitiva é desencadeada por motivos e interesses, é
afetivamente gerada. Segundo suas palavras: “O pensamento propriamente dito é
gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos
39
interesses e emoções. Por trás de cada pensamento uma tendência afetivo-
volitiva” (VIGOTSKI, 1993, p. 129).
3.2 O papel do jogo no desenvolvimento
Vigotski (1994) dedicou-se intensamente ao estudo do brincar. No uso
cotidiano, o brincar é associado à imaginação, à fantasia, ao prazer, à encenação, à
atividade simbólica, à satisfação de desejos não realizados. Em seus estudos,
aparecem três significados para o jogo: a brincadeira livre infantil do “faz-de-conta”,
os jogos mais estruturados governados por regras e a encenação ou desempenho
teatral. Esta última versão, que serviu de tema aos seus primeiros estudos a
monografia “A tragédia de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca” e a obra “Psicologia da
Arte” mais raramente tem sido investigada por psicólogos. Entretanto, no jogo
teatral estão presentes tanto as fortes conotações simbólicas, dramáticas e lúdicas
próprias da brincadeira, como a sua relação com as regras.
Para Vigotski (1994, p. 124), o que caracteriza o brincar é a criação de
uma situação imaginária. Afirma, ainda, que, ao brincar, as crianças não estão
“livres” de regras, ao contrário, demonstram maior autocontrole e não fantasiam
qualquer coisa. A regra é, portanto, outra característica inerente ao brincar. “Sempre
que houver uma situação imaginária no brincar, haverá regras – não regras que são
formuladas previamente e que mudam durante o curso do jogo, mas regras que
derivam da situação imaginária” (VIGOTSKI, 1994, p. 125).
Satisfazer regras é uma forma de prazer e possibilita à criança assumir o
controle da ação, conduzida pela imaginação. Por outro lado, o jogo exerce sobre
ela uma pressão coercitiva para agir contra o impulso imediato. Dessa forma, um
conflito permanente entre a regra e o agir espontâneo, o que, no entender de
Vigotski, favorece a construção da auto-regulação e da vontade. As regras se
tornam mais importantes à medida que o jogo passa da modalidade de brincadeira
para o jogo de regras.
O brincar à criança uma forma nova de desejos (regras). Ensina-a
desejar relacionando seus desejos a um “eu” fictício, a seu papel no jogo e
suas regras. Desse modo, as maiores conquistas das crianças são
possíveis no brincar, conquistas que amanhã se tornarão seu nível básico
de ação e moralidade (VIGOTSKI, 1994, p. 131).
40
Essa análise nos permite vislumbrar as importantes transformações que
ocorrem a partir da brincadeira. Vigotski (1994, p. 134) realça a sua enorme
importância para o desenvolvimento:
O brinquedo cria uma Zona de Desenvolvimento Proximal da criança. No
brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual
de sua idade, além do comportamento diário; no brinquedo é como se ela
fosse maior do que é na realidade. Como foco de uma lente de aumento, o
brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma
condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento.
Ao mesmo tempo em que afirma que, no jogo, a criança é superior à sua
média de idade, Vigotski (1994) postula que a criança, ao trabalhar na ZDP, é capaz
de se envolver em atividades, volitiva e conscientemente, em função dos seus
desejos e necessidades. Isso é possível, sobretudo, em ambientes planejados, por
meio da atividade mediada e dos instrumentos à sua disposição. Aqui, é preciso
considerar que a motivação pessoal surge quando se estabelece um elo entre a
atividade, os outros e os interesses prévios das crianças:
[...] a atividade dos outros em nada garante a formação de uma motivação
de atividade pessoal, sendo no máximo uma mobilização proposta. A
motivação subjetiva se constitui se a atividade dos outros puder ser
vinculada pelo sujeito às suas ‘pré-ocupações’ (CLOT, 2006, p. 165).
Esse exercício da vontade e da consciência na atividade mediada,
emocionalmente impulsionado, com o apoio de instrumentos e de mediadores à
atividade em ZDPs uma dimensão valiosa para o desenvolvimento infantil.
O jogo dramático, como o concebeu Vigotski, está identificado com a
brincadeira de faz-de-conta, em que as crianças criam simbologias, improvisam e
vivenciam situações difíceis, dramáticas e sofridas sob a proteção do “fictício”, algo
que seria inviável na vida real. Dessa forma, e por intermédio de um “outro” e da
imaginação, abre-se a possibilidade de desenvolvimento emocional, cognitivo,
social. A imitação é a estratégia.
[a imitação contribui para] organizar a experiência interior, organizar os
movimentos, de modo a concretizar objetivos, alcançar formas superiores
de comportamento vinculadas à solução de tarefas bastante complexas, que
exigem, de quem brinca, tensão, sagacidade e engenho, ação conjunta e
combinada das mais diversas faculdades e potencialidades (VIGOTSKI,
2001, p. 122).
41
Em seus escritos, Vigotski cita Bühler quando observa que uma das
coisas mais impressionantes na criança e que se perde mais tarde, no período
realista do desenvolvimento é a existência precoce da capacidade de mergulhar
inteiramente nas experiências alheias, usar a imaginação para experimentar a
liberdade de ação e observar esse efeito no outro, “[...] uma orientação exigida pela
arte, o que sugere uma afinidade entre a arte e o jogo para a criança (BÜHLER
apud VIGOTSKI, 1999, p. 326, grifo nosso).
Para pensar o potencial da arte como recurso mediacional pedagógico
que impulsiona o desenvolvimento cognitivo, por meio da ZDP pode-se examinar,
por exemplo, a literatura infantil. A sua maior ou menor inteligibilidade depende,
antes de tudo, da sua capacidade de levar as crianças a se colocarem no lugar do
herói da história e atuar com ele (TEPLOV, 1991, p. 132). Ouvir uma história ajuda a
fazer comparações, análises, deduções, inferências, analogias etc.
A fruição da arte não é uma vivência passiva, ainda que se baseie em um
esquema de reação freqüente: estimulação, elaboração e resposta. Ela permite que
se desenvolva uma atividade construtiva bastante complexa por parte do
leitor/espectador: ao experienciar subjetivamente a vivência dos personagens
apresentados, ele constrói e cria as relações que futuramente poderá vir a
efetivamente sentir. Vigotski (1999, p. 317) cita Tolstoi:Sob o influxo da música,
tenho a impressão de sentir o que propriamente não sinto e de entender o que não
entendo, de poder o que não posso”. Aqui atuam vários “outros” como mediadores
do desenvolvimento – aquele que lê para a criança, o autor, os personagens etc. Na
arte, não predomina uma visão simplificada da realidade, mas, ao contrário, uma
visão complexificada do real. “Observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho
psíquico tão simples, que não necessitava ser ensinado. Não obstante, é aí que está
o objetivo principal e o fim da educação” (VIGOTSKI, 2001, p. 351).
Ao afirmar a afinidade entre a arte e o jogo, Vigotski nos uma pista
sobre o papel pedagógico da arte. Ao interagir com a obra, o fruidor encontra vários
“outros” na figura dos artistas que atuam sobre ele, de forma intencional, dando à
arte o status de instrumento por excelência para trabalhar o sentimento, a
imaginação, a sociabilidade e a cognição, promovendo impulso para o
desenvolvimento e abrindo caminhos para novas aprendizagens um privilegiado
instrumento de educação.
42
No teatro, a imaginação é limitada pelos papéis, o enredo e as regras que
daí depreendem. Entretanto, o papel fictício bem estruturado do personagem
permite viver a realização de desejos e sentimentos. Para ele,
uma criança não se comporta de forma puramente simbólica no brinquedo;
ao invés disso, ela quer e realiza seus desejos, permitindo que as
categorias básicas da realidade passem através da sua experiência. A
criança, ao querer, realiza seus desejos. Ao pensar, ela age. [...] Por outro
lado, surge o campo do significado, mas a ação dentro dele ocorre assim
como na realidade. Por esse fato o brinquedo contribui com a principal
contradição para o desenvolvimento (VIGOTSKI, 1994, p. 132).
Essa situação de contradição impulsionadora do desenvolvimento se dá,
portanto, entre o simbolismo do brinquedo e as reações emocionais reais que essa
vivência imaginária propicia à criança, entre a realização de desejos, por meio da
fantasia; e as limitações das contingências da realidade e das regras que se
constroem na atividade do brincar.
É possível deduzir, pela análise feita até aqui, o quanto esse processo de
desenvolvimento cognitivo e emocional do homem pode ser beneficiado por meio da
atuação de um outro que exerça o papel mediador. As intervenções, vistas sob o
prisma da ZDP, sugerem a criação de ambientes onde se podem dar aprendizagens,
que incidem sobre o desenvolvimento da criança, promovendo seus aspectos
cognitivo, afetivo e psicomotor. Essas intervenções podem e devem usar a obra de
arte como mediação para a aprendizagem e o desenvolvimento.
No seu método analítico-objetivo, Vigotski (1999, p. 325) propõe recriar a
estrutura da obra de arte para recriar os mecanismos psicológicos correspondentes.
“Seria falso pensar que os processos não-conscientes posteriores não dependem da
orientação que dermos aos processos conscientes”.
Essa orientação tem, para ele, um sentido educativo.
3.3 Concepções de arte
Se voltarmos o olhar para a história, veremos que, desde a Antigüidade,
as concepções de arte refletem as diferentes expressões da visão de homem que
permeava a sociedade que as nutriu. A arte parece ter sido sempre vista como uma
pedra de toque, não só da compreensão do homem da sua própria existência, como
de suas reflexões sobre como educar as novas gerações.
43
Na Antigüidade Clássica, a arte é o cultivo do belo, com conotações
espirituais e transcendentes. Em Sócrates, além das coisas bonitas, existe um Belo,
a Beleza ela mesma, a Beleza Espiritual. Em Platão, o Belo se situa em um nível
superior, divino, do qual se pode ter apenas a idéia, pela contemplação de seu
reflexo. Aristóteles considera a Arte “catarse das paixões”, mais verdadeira do que a
Ciência.
A partir dessa noção do belo Espiritual, vem o culto à beleza moral. Keats
(apud ECO, 1996) define bem essa idéia: “a beleza é verdade, a verdade é beleza
isto é tudo o que sabeis na terra e tudo o que deveis saber”. A arte assume, assim, o
compromisso temático de expressar o bem por meio da beleza das obras. Com o
advento da psicologia, surgem outras concepções, que fazem ruir a visão única e
transcendente da Arte. Nelas, a arte e a beleza são apreendidas, criadas e
experimentadas de modo particular pelos diferentes homens, idéia bem expressa
por Hume (1760, apud SOUSA, 2003, p. 54): “Não é porque um objeto é belo em si
que irá agir universalmente, mas porque, sob todas as diferenças que separam os
indivíduos, há qualquer coisa psicológica universalmente humana que tem a ver com
os objetos belos”.
Estas teorias, embora sejam todas ligadas a questões subjetivas do
homem, adquirem conotações diversas, tomando a arte ou como expressão do
inconsciente, catarse; ou como meio, linguagem para expressar emoções,
comunicação; ou, ainda, como representação simbólica da realidade, signo. A arte é,
na maioria delas, curiosamente enfatizada como expressão dos aspectos
emocionais e sentimentais do homem, em oposição à sua vida racional. O
argumento para tal vem da análise semântica de estética, termo que vem do grego.
Para alguns, da raiz “Aisth” = sensorialidade; para outros, do grego “Aisthetike”,
ligado à alma, sentimentos, emoções. O lado racional da arte deveria ser vinculado
tão somente ao estudo das leis da Estética como ciência (leis da harmonia musical,
da prosódia poética).
3.4 A concepção de arte em Vigotski a reação estética como mecanismo de
superação
É com Nietzsche que aparece a negação do apelo da arte para o belo: a
arte, segundo esse autor, inclui o que de problemático e de nefasto na vida: “[...]
44
abarca as conseqüências longínquas e não se detém nas próximas; afirma o grande,
aponta o que é terrível, mau, problemático, não se contentando apenas em justificá-
lo” (apud SOUSA, 2003, p. 52).
Essa noção guarda um parentesco com a visão de Vigotski (1999), para
quem a função da arte é permitir que as contradições implícitas na obra de arte
provoquem um choque no universo interior do fruidor, impulsionando seu
desenvolvimento. Aqui vemos uma concepção particular de arte, que não se atém
ao lúdico, à livre-expressão, ao divertimento, à transmissão de cultura ou de valores
morais. Trata-se de entender a arte como um ato de intenso envolvimento pessoal e
humano do sujeito, com repercussões não só sobre suas emoções, mas sobre o seu
todo – cognição e emoção – aspectos inseparáveis para Vigotski.
Ao construir uma explicação para os fenômenos envolvidos na fruição da
arte, Vigotski (1999) conclui que nem a Estética nem a Filosofia são capazes de
realizar essa tarefa. a Psicologia pode isso. Em sua extensa revisão dos
conceitos explicativos do efeito da arte sobre o homem, ele mostra que a arte não
busca a simples transmissão de conhecimentos, de ideais morais (o que pode
desencadear até efeitos opostos ao pretendido, quando a identificação com algo
cruel ou malvado). Por outro lado, considera pequena a visão de arte justificada por
si e em si, pura forma, hedonismo elementar, sensualismo ingênuo, alegria
proporcionada pelas coisas belas.
Nos estudos sobre a arte, por meio da Psicologia, Vigotski (1999) aponta
o sentimento
e a imaginação como centrais para o seu entendimento. Para ele, a
correta compreensão da fruição da arte se dá pela análise do cruzamento desses
dois fenômenos. Ao estudar o sentimento, Vigotski se depara com visões
contraditórias. De um lado, aqueles que consideram o sentimento como algo
inconsciente, no qual é impossível concentrar atenção: “[...] se tentamos [pensar
sobre ele], o prazer e o desprazer se escondem de nós”. De outro lado, existem os
que consideram o sentimento sempre consciente, “[...] porque a essência do
sentimento consiste em ser experimentado, ou seja, conhecido da
consciência” (VIGOTSKI, 1999, p. 250). Nesse impasse, uma terceira corrente é
vislumbrada por Vigotski: a que afirma o sentimento como dispêndio de energia ou
descarga de energia nervosa. Aqui, ele retoma a via aberta por Aristóteles e
considera a sua concepção de catarse como ponto de referência para a elaboração
de sua teoria da arte.
45
Vigotski chama a atenção para a contradição radical e antagônica entre
os processos do pensamento e os afetos e as paixões. Para ele, esses dois lados se
manifestam de modo claro e convivem na nossa consciência como contraditórios.
Essa convivência do contraditório resolve-se na arte. Não é possível
livrar-se da contradição por meio da lei do menor esforço. Tanto artistas como
fruidores dificilmente escolhem o caminho da síntese das idéias contidas na obra
para simplificar a agonia da contradição. Vigotski enfatiza que a resolução da
contradição não se por uma economia de energia, mas por uma explosão. Isso
implica que o prazer artístico não é mera recepção, mas uma intensa atividade do
psiquismo. Essa atividade se no sentido de uma transferência de estados d’alma
para os objetos:
De dentro de nós mesmos nos inserimos na obra, projetamos nela esses ou
aqueles sentimentos que brotam do mais fundo do nosso ser e,
evidentemente, não estão na superfície dos nossos próprios receptores,
mas relacionados à complexa atividade do nosso organismo (VIGOTSKI,
1999, p. 260).
É o que Vigotski chama de empatia. Mas, para ele, a empatia não explica
toda a reação estética diante da obra de arte, uma vez que se trata de um
componente sensorial geral, presente em muitas das nossas reações. Não pode ser,
assim, considerada como um componente essencialmente estético. A empatia é
capaz de explicar apenas as co-emoções que o espectador partilha com o
personagem: seu medo, angústia ou ciúme. Mas não explica as emoções
secundárias que se vive quando, por exemplo, o espectador o personagem agir
sem saber que corre perigo. Essas são emoções do espectador.
Para Vigotski (1999, p. 264), essa relação entre emoção e fantasia pode
ser expressa na “lei da realidade dos sentimentos”. Essa lei é explicada pelo fato de
que podemos nos iludir com um objeto, um casaco no quarto, que supomos ser uma
pessoa, um ladrão. Nesse caso, “a minha vivência é falsa, e não corresponde a
nenhum conteúdo real; entretanto, é absolutamente real o sentimento de pavor que
experimento nesse ato”. Assim, as nossas vivências fantásticas e irreais transcorrem
em base emocional absolutamente real. Dessa argumentação, Vigotski depreende
que os sentimentos e a fantasia não são dois processos separados, mas o mesmo
processo – e conclui que a fantasia é a expressão central da reação emocional.
46
Ao afirmar que somos nós que nos inserimos na obra, Vigotski (1999) se
questiona se a fantasia intensifica ou arrefece a emoção, ele conclui que duas
situações: a) quando a emoção existe dentro de nós, fruto de um sentimento, a
fantasia intensifica a nossa reação, são ambos estímulos interiores e a fantasia
amplia uma reação precedente. Clot (2006) chama essa emoção existente de
“pré-ocupação”; b) no caso de a emoção ligar-se unicamente às imagens da
fantasia, ali encontra solução e a fantasia debilita a manifestação da emoção
(VIGOTSKI, 1999, p. 265). Para Vigotski, a emoção vivida pela fruição da arte é
diferente da emoção real, que se resolve na ação. A primeira, a emoção da arte, não
suscita ação: configura-se em emoção inteligente (planejada para um fim) e,
diferentemente da emoção real, é consciente, provocada intencionalmente pelo
artista. Resolve-se nas imagens da fantasia.
Mas isso não explica toda a diferença. Para esse autor, a arte lida com
sentimentos híbridos. Ela nos atrai e, ao mesmo tempo, nos faz incorporar
sensações desagradáveis, como a dor do personagem, por exemplo. Para expressar
essa dualidade de sentimentos, essa característica que lhe parece inerente à
impressão estética, cita Sócrates, em Platão (VIGOTSKI, 1999, p.268): “[...] a meta
de um mesmo homem deveria ser escrever tragédias e comédias”. A dualidade
depressão-excitação é intrínseca e necessária à obra de arte. É esse o canal que
conduz à superação:
No seu conjunto, a impressão trágica representa uma das mais
elevadas projeções de que é capaz a natureza humana, porque,
através da superação espiritual da mais profunda dor, surge a
inigualável sensação de triunfo (MUELLER-FREIENFELS apud
VIGOTSKI, 1999, p. 268).
Vigotski (1999, p. 269) afirma que toda obra de arte – a fábula, a novela, a
tragédia encerra forçosamente uma contradição emocional, suscita uma Série de
sentimentos contraditórios e provoca “curto-circuito e destruição”. É nesse momento
que, para ele, o verdadeiro efeito da obra de arte se aproxima do conceito de
catarse, observado primeiramente por Aristóteles, no teatro. Para esse pensador
grego, a catarse constituía em descarga emocional, tanto para os atores como para
o público. Vigotski (1998, p. 262) não aceita essa definição, que implica passagem
do estado de desprazer a outro prazeroso (consciente ou inconsciente). Descarta
47
também outras, como a ação moral na tragédia, a conversão de paixões em
inclinações virtuosas, a cura ou a purificação.
Entretanto, a catarse (que Vigotski considera uma enigmática palavra)
traduz, de maneira mais próxima, o fato central da reação estética. Para ele:
[...] as emoções angustiantes e desagradáveis são submetidas a
certa descarga, à sua destruição e catarse, ou seja, transformação
em contrários, e a reação estética, como tal, reduz-se no fundo a
essa complexa transformação dos sentimentos (VIGOTSKI, 1999, p.
270).
É por meio da catarse que Vigotski pretende mostrar que o artista sempre
destrói o conteúdo pela forma. A forma, o ritmo, a métrica provocam essa dualidade
de sentimentos necessária à reação estética, catarse. Assim, afirma: “Toda obra de
arte implica divergência interior entre conteúdo e forma [...] o verdadeiro segredo da
arte do mestre consiste em destruir o conteúdo pela forma” (VIGOTSKI, 1998, p.
272).
E complementa:
A base da reação estética são as emoções suscitadas pela arte e por nós
vivenciadas com toda realidade e força [...] é nessa transformação de
emoções, nessa sua autocombustão, que consiste a catarse da reação
estética (VIGOTSKI, 1998, p. 272).
A arte se baseia, portanto, na unidade sentimento-fantasia, que suscita
emoções contraditórias as quais, para serem superadas, provocam a destruição,
pela forma, das emoções do conteúdo, acarretando a explosão de carga nervosa.
Para Vigotski, esse fenômeno explica os efeitos, de uma obra de arte sobre o
homem: o de abrir-lhe o caminho da superação.
Na atávica luta da vida, a arte é
aliada e o Belo supera a Dor.
3.5 Reação estética e desenvolvimento
O efeito da reação estética do fruidor diante da obra de arte, tal como um
curto-circuito entre sentimentos e idéias contraditórios, movimenta o psiquismo,
resultando em complexificação do pensamento e da vida afetiva.
48
A arte introduz cada vez mais a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno,
modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para
o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que, sem ela, teriam
permanecido indeterminadas e imóveis (VIGOTSKI, 1999, p. 316).
O ponto de partida da arte – e o que lhe é peculiar é, portanto, sua
forma, embora não possa prescindir do conteúdo. A contradição dialética entre
forma e conteúdo confere dinâmica à relação entre ambos e estabelece a arte como
técnica social do psiquismo, que tem como função, com base no enredo, despertar
sentimentos contraditórios na consciência do fruidor para, posteriormente, reintegrá-
los. A síntese psicológica, ao promover a superação, é puro movimento: é
desenvolvimento.
Ao abordar, em seus estudos sobre a psicologia da arte, a concepção de
atividade artística como a expressão máxima da atividade superior do homem,
Vigotski (1999) ressalta a mesma concepção que permeia sua obra – a de que tanto
os processos cognitivos como os emocionais estão imbricados no funcionamento
psicológico do homem. Ao afirmar o ato artístico como criador, ressalta que essa
criação não se somente por intermédio de atos não-conscientes. Sua condição
obrigatória são as concepções, identificações, associações próprias do indivíduo, ou
seja, seu conhecimento precedente (VIGOTSKI, 1999, p. 325).
O autor considera a imaginação como inseparável do pensamento
realista. Para ele:
É impossível conhecer corretamente a realidade sem certo elemento de
imaginação, sem se afastar dela, das impressões imediatas, concretas com
que essa realidade está representada nos atos elementares da nossa
consciência (VIGOTSKI, 1998, p. 130).
E enfatiza o papel da imaginação na fruição da obra de arte:
A obra de arte nunca revela a realidade em toda a sua plenitude; é um
produto sumamente complexo de elaboração dos elementos da realidade,
de incorporação, a essa realidade, de uma Série de elementos inteiramente
estranhos a ela (VIGOTSKI, 2001, p. 329).
Pensar e imaginar são coisas diferentes, mas existe entre elas uma
contradição dialética. Assim, pode-se dizer que, para a criança, não é importante
saber se tal coisa aconteceu ou não: importa o que essa coisa provocou. A partir de
Vigotski, Teplov (1991) postulou que compreender a arte significa, sobretudo, senti-
la, experimentá-la emotivamente, com o apoio da imaginação. Este autor cita, em
49
seu texto, um depoimento de Nikolai Ostrvsky: “Na vida, eu ignorava o amor. Foi
Tchaikovsky quem me fez pensar e suscitou, na minha alma, sentimentos íntimos,
cuja existência eu nunca tinha suspeitado” (TEPLOV, 1991, p. 131).
A importância educativa fundamental da obra de arte é dada pelo fato de
ela representar um modo se ter acesso à vida íntima dos personagens à
construção de seus pensamentos, sentimentos e ações experimentando novos e
variados aspectos da vida real, inclusive as conseqüências que os conflitos trazem
para o plano social. Essa vivência, que permite ver sob diferentes prismas uma
idéia, ação ou sentimento, é importante instrumento para o desenvolvimento e uma
plataforma para novas aprendizagens.
A arte tem, ainda, o papel fundamental de transmitir a experiência
humana e social, mas não como um fim em si. A arte provoca, na vida humana,
ressonâncias cognitivas, afetivas e sociais. Decorre daí a proposta metodológica de
Vigotski: recriar os fenômenos psicológicos a partir da análise dos signos estéticos.
Assim, é possível ter acesso ao psiquismo do indivíduo para melhor entendê-lo,
apreender sua natureza “individual-social”. Para Vigotski,
A educação deve incorporar a criança à experiência estética da sociedade
humana: incorporá-la inteiramente à arte monumental e, através dela, incluir
o seu psiquismo naquele trabalho geral e universal que a sociedade
humana desenvolveu ao longo dos milênios, sublimando, na arte, o seu
psiquismo. Eis sua tarefa básica e seu objetivo (VIGOTSKI, 2001, p. 351-2).
Em síntese, o que se pretendeu argumentar, seguindo o fio teórico
deixado por Vigotski, é que:
é possível intervir no desenvolvimento da criança, por meio das
interações sociais e de material simbólico;
o ambiente e a mediação podem ser programados para levar à
aprendizagem e ao desenvolvimento;
as aprendizagens vêm da experiência social mediada que se
internaliza;
o que se passou nas relações intermentais é convertido em função
intramental: as funções mentais superiores;
um meio de preservar a autonomia da criança e o caráter construtivo
nesse processo são as situações de jogo;
50
na situação de jogo, a criança lida com regras e com a imaginação de
forma autônoma e construtiva;
o jogo dramático traz à tona a emoção e o afeto, partes de qualquer
ação, na medida em que definem seu motivo;
o drama, por meio do sentimento e da imaginação, impulsiona o
desenvolvimento, ao provocar a explosão catártica, fruto das
contradições entre idéias e afetos, propiciando novas aprendizagens;
o desenvolvimento é um todo: se uma de suas partes é afetada, o todo
também o é.
3.6 A ópera
As raízes da ópera remontam à Antigüidade, às representações das
tragédias gregas e, mais tarde, na Idade Média, aos espetáculos tanto litúrgicos
como profanos. Nos moldes como é conhecida hoje, a ópera foi uma tentativa de
músicos e literatos da renascença italiana de reviver as tragédias gregas, em um
Projeto conhecido como Cameratta Fiorentina. A primeira encenação de que se tem
notícia foi Daphne, com libreto de Ottavio Rinucci e música de Jacopo Peri e Giulio
Caccini, em 1597, no Palácio Pitti, em Florença (Coelho, 2002).
Na ópera, a trama se desenvolve com personagens principais que, em
geral, encenam o herói, a heroína e o vilão, representados por cantores-solistas, que
cantam as árias (solos vocais ou diálogos cantados). Os grandes coros são
cantados nas cenas de multidão. A ópera é executada por uma orquestra sinfônica,
que toca tanto a música instrumental como acompanha as partes vocais. Entretanto,
no século XVI, quando foi criada, era acompanhada apenas por um quarteto de
músicos.
A música na ópera é capaz de algumas façanhas. A execução de
diálogos cantados, em que as partituras de cada cantor são compostas em
harmonia, com superposições e intercalações perfeitamente compreensíveis (o que
seria impossível em um teatro falado) em duetos, tercetos e até sextetos é um
exemplo. Nesses momentos, até seis solistas cantam partituras diferentes, com
letras diversas, simultânea e alternadamente, em torno de uma mesma melodia.
51
Os bailados presentes em inúmeras óperas são uma influência do gosto
francês. Quando a ópera chegou a Paris, vinda da Itália, ou, mais especificamente
de Florença (uma vez que, àquela época, a Itália ainda não havia se constituído
como um Estado Nacional), o público era grande apreciador do balé e, sem dúvida,
do teatro de Racine. Como um artifício para conquistar o gosto das platéias
francesas, eram compostas óperas de melodias mais suaves e líricas, que incluíam
números de bailado. O Rei Luís XIV, um hábil dançarino, chegou a dançar um deles
(COELHO, 1999). de se notar que, àquela época, as apresentações de óperas
eram raras. Muitas eram encenadas uma vez. Ademais, na França, a ópera era
uma arte para a realeza. Veneza, ao contrário, teve o primeiro teatro público de
ópera. Além dos bailados, uma outra contribuição francesa para a ópera foi a
precisão e clareza exigida na pronúncia das árias, para tornar possível a apreciação
da poesia das letras. Compositores franceses exigiam pronúncias altamente
apuradas de seus solistas, o que era compreensível, em respeito ao nível de
exigência de um público habituado ao teatro poético e suas declamações perfeitas.
Um capítulo à parte na história da ópera são os cantores que, à sua
época, gozavam de grande popularidade junto ao público, o qual, muitas vezes,
acorria aos teatros apenas para os ver. Isso ocasionava o que se convencionou
chamar de “caprichos de prima-dona” e também de tenores, que chegavam a
encomendar aos compositores melodias para suas potencialidades vocais, exigindo
partituras rebuscadas que, por vezes, desvirtuavam a harmonia da obra como um
todo. Os italianos foram muito criticados por isso. Mozart notabilizou-se por ter um
jeito especial de lidar com esse delicado elenco, impondo-se sempre às exigências
que interferiam em suas composições.
A ópera evoluiu, ao longo do tempo, no sentido de se tornar uma peça em
que a unicidade e sintonia das partes que a compõem texto, música, cenários e
dança é conseguida pelo esforço conjunto de todos os artistas. “A forma artística
unificada pode ser conseguida como manifestação de um conteúdo unificado”,
escreveu Wagner em seu ensaio de 1851,Oper und Drama” (apud WALSH, 2004).
Wagner criticava a ópera do século XVIII, na qual, segundo sua avaliação, cada
número parecia ser independente do outro, sem uma real afinidade. Acreditava que,
quando se passou a compor de forma integrada, no século XIX, a ópera alcançou:
52
[...] a mais perfeita forma de arte, na qual o mais amplo espectro de
experiências é convertido em sentimentos de uma maneira tão
completamente inteligível, que a manifestação do seu conteúdo em
cada ponto da ação primeiro aparece e depois satisfaz as emoções
(WAGNER apud WALSH, 2004, p. 80).
A ópera dominou o século XIX por meio da prodigiosa criação de Wagner
e Verdi e o século XX pela genialidade de Puccini. Não se pode, entretanto,
restringir o gênero à temática clássica desses compositores. Autores modernos têm
se voltado para a composição de óperas na vertente «drama interior». Em especial,
após o refluxo do período das guerras, talentos sugiram, dos quais são exemplos
Phillip Glass (com encenações de sucesso mais recentes, “Einstein na praia” (1976)
e “Satyagraha” (1980), esta última inspirada na obra de Gandhi, e Benjamin Briten
(com “Morte em Veneza”, 1973)).
Novas produções continuam a ter lugar em importantes palcos do mundo,
incorporando outras influências, como “O Primeiro Imperador”, do compositor chinês
contemporâneo Tan Dun, que estreou em dezembro de 2006 na Metropolitan Opera
House, de Nova York. Trata-se de uma ópera épica, ambientada na corte de Qin Shi
Huangdi, o primeiro imperador da China, tendo Plácido Domingo no papel-título. Tan
Dun é um regente e compositor de vanguarda, que valoriza em suas composições
os sons da natureza, como o da água e o das pedras.
Os escritos sobre a ópera abrigam uma grande polêmica, que mobiliza
tanto artistas como críticos de arte: o que é mais importante na ópera, o texto ou a
música? Todos evitam responder a essa questão.
Algumas das mais conhecidas óperas tiveram seus libretos compostos a
partir de obras imortais, como “Otelo”, de Shakespeare ou “Fausto”, de Goethe. O
libreto consiste na composição de letras para as melodias que, assim como estas,
buscam interpretar o significado da obra que lhes origem. Alguns críticos
consideram os libretos meia literatura. Wagner, que compunha seus próprios
libretos, rejeitava esse termo. Por outro lado, compositores de óperas defendem a
grandeza da música no todo da composição. Para Mozart, a letra era uma boa filha
da música (KERMAN, 1990).
Para Teixeira (2005, p. 204), a ópera é um “gênero teatral, de caráter
trágico ou dramático, raramente alegre, inteiramente cantada e em versos,
acompanhada por música grandiosa”. Já Casoy e Feist (2002, p. 9) definem a ópera
como “teatro cantado, um espetáculo em que a ação dramática se desenvolve
53
através da música”. Tomam, assim, oteatro lírico” como sinônimo de ópera. Para
Wagner, a ópera era “a arte total“ (COELHO, 1999).
Kerman (1990), um dos mais célebres críticos de ópera do século XX,
posiciona-se, claramente, a favor da primazia da música.
Em qualquer ópera podemos descobrir que as mensagens musicais e
verbais parecem reforçar ou contradizer umas às outras, mas num caso ou
outro, devemos sempre nos apoiar na música como nosso guia para a
compreensão da concepção que o compositor tem do texto. É essa
concepção, e não o texto em si mesmo, que tem a força de definir o
significado final da obra (KERMAN, 1990, p. 14).
Esse autor dá ênfase ao potencial dramático da ópera. Defende a tese de
que a melhor forma de expressar a natureza dessa modalidade de obra de arte está
na sua própria denominação antiga dramma per musica, que define a ópera como
“uma obra em que a música serve à articulação do drama” (KERMAN, 1990, p. 11).
Examinemos, primeiramente, suas opiniões em relação à questão música
versus texto. Sua posição é clara ao afirmar que, na ópera, o dramaturgo é o
compositor: “O que conta não é a narrativa, situação, símbolo, metáfora [...]
conforme estabelecido por um libreto, mas o modo como tudo é interpretado por
uma inteligência superior. Essa inteligência escreve a música (KERMAN, 1990, p.
12).
E complementa: “Uma obra de arte em que a música não consegue
exercer a função articuladora central deveria se chamar qualquer coisa, menos
ópera” (KERMAN, 1990, p. 12). Não podemos concordar inteiramente com essa
exacerbação do papel da música na ópera. Outros aspectos, emanados do libreto,
são de importância para a atribuição de significado às questões que a ópera traz à
tona. Desse modo, a ópera é síntese dialética entre música e drama, cognitivo e
afetivo, pensamento e afetos. Ela promove um imbricamento dos aspectos
conceituais e emocionais na ópera, no momento da fruição, à maneira do construto
teórico dialético seguido por Vigotski, os aspectos cognitivos contidos, em grande
medida, no libreto (que utiliza os recursos da poesia) encontram-se com o potencial
emocional da música, tornando-a, aí sim, uma obra completa.
Tudo isso uma dimensão de quão rica é essa modalidade de arte,
apontando a razão pela qual os compositores de ópera se tornaram mitos da cultura
universal, mais que os escritores dos libretos, ainda que a história registre figuras
como Lorenzo da Ponte (parceiro de Mozart) e Arrigo Boito (parceiro de Verdi, na
54
grande façanha de transpor Shakespeare para a ópera “Otelo”). A troca de cartas
entre Verdi e Boito revela a complexidade dessa interação. Trechos de algumas
delas revelam isso:
De Verdi para Boito:
O conjunto tem, como planejamos, suas partes líricas e as partes
dramáticas fundidas, juntas. O que significa dizer que temos uma peça lírica
e melódica que se impõe sobre um diálogo dramático [...] O personagem
principal da parte lírica é Desdêmona; o da parte dramática é Iago [...] Tudo
isto estava na mente de Shakespeare e está claramente expresso em nosso
trabalho (WALSH, 2004, p. 78, tradução livre nossa).
De Boito para Verdi:
Nós concordamos que a porção lírica do conjunto deveria ter uma métrica e
a porção dos diálogos (coro incluído) outra. Isso eu arranjei. A métrica dos
diálogos é de decassílabos. [...] Você a pode quebrar, segundo sua
conveniência. Pode empregar ambas à sua discrição [...] dividi-los em linhas
de cinco acentos [...] porque decassílabos sustentados por movimento lírico
pode parecer muito sombrio e com linhas de cinco acentos, muito frívolo [...]
Estou plenamente convencido de que produziremos o efeito desejado
(WALSH, 2004, p. 78, tradução livre nossa).
Para Kerman (1990, p. 13), a ópera traduz um drama. Mas, o que é um
drama? “O drama é, ou transmite, a qualidade da ação humana a ações e eventos,
no contexto direto dessas ações e eventos. A ópera é drama quando proporciona
tais revelações”. Imprimir caráter dramático a uma obra não é algo simples. Kerman
considera a prosa um gênero de poucos recursos para tal o que faz, para ele, de
Tchecov, que escreve drama em prosa, um gênio. A poesia oferece ao dramaturgo
recursos de dramaticidade como a exploração da sonoridade e musicalidade da
língua, possível através de rimas, repetições ou recorrência de palavras com mesmo
fonema (ch, ps, ss) que foram magistralmente utilizados por Shakespeare, por
exemplo. A reação do espectador à peça é função desses recursos, habilmente
manejados pelos grandes mestres. A música dispõe de elementos dramáticos
capazes de projetar estados de espírito e fantasias, de contornos mais fortes e mais
claros que a poesia, como as recapitulações, cadências, transições, intercalações e
modulações.
No caso do teatro, os dramaturgos utilizam técnicas para garantir o
aspecto dramático e a fidelidade dos atores aos efeitos emocionais pretendidos no
texto. O próprio Vigotski (1999) ilustra essa idéia. Toma como exemplo uma peça
teatral de Stanislavsky. No texto, duas colunas: do lado esquerdo, a fala do
55
personagem e, do lado direito, as intenções ou motivos paralelos que o ator deve
imprimir à sua atuação enquanto fala. Para Vigotski, esse é um exemplo de que, em
cada gesto ou palavra, uma intenção. O aspecto cognitivo está visceralmente
ligado ao afetivo-volitivo. No teatro, para a vivência de papéis fictícios, o autor
precisa transmitir claramente ao ator os sentimentos subjacentes à atuação.
Entretanto, o próprio Shakespeare, à sua época, concebia a
necessidade de usar a música no contexto dos seus dramas poéticos para melhor
transmitir as intenções da ação humana e utilizava a banda no mezanino do palco. A
ópera levou essa idéia às últimas conseqüências:
Numa peça em versos, [os] sentimentos que fazem a diferença entre a
sinopse da obra e a obra de arte são fornecidos pela poesia; numa ópera
pela música. A velocidade e a flexibilidade mental das palavras dão ao
drama em verso um brilho intelectual impossível para a ópera e, na verdade,
a exuberância de detalhes representa um desafio para o poeta, que precisa
organizá-las em função de sua idéia dramática central [...] Mas, apesar de
toda a sensibilidade e clareza da poesia, até mesmo no mais apaixonado
dos discursos existe um nível de reserva emocional que a música consegue
passar automaticamente. A música pode ser simples e imediata na
apresentação de estados ou nuanças emocionais. Numa ópera, as pessoas
podem se entregar à sensibilidade; numa peça, ninguém consegue, em
nenhum momento, parar inteiramente de pensar (KERMAN, 1990, p. 27).
Essa preciosa descrição do autor sobre a função da poesia e da música
na transmissão de estados da alma mostra a complexidade e o poder da
composição de obras dramáticas, enfatizando a ópera como insuperável, sob esse
aspecto. Kerman (1990, p. 251) faz uma análise estrutural da ópera, que leva a uma
compreensão mais profunda dos seus elementos e do papel da música na função de
conduzir o drama. Para ele, a música pode contribuir para o drama de três formas:
1) na caracterização do personagem: uma intervenção da música pode
complementar as informações sobre o seu pensamento e sua ação, propiciando
uma visão da vida mais interior e seus sentimentos; 2) na geração da ação: a
música adapta-se especialmente bem à tarefa de espelhar, sustentar, moldar ou
qualificar ações individuais e coletivas (tais como: decidir, renunciar e se apaixonar);
e 3) na elaboração de uma atmosfera: a música, age de modo geral e penetrante,
estabelecendo um mundo particular ou um campo particular, em que certas formas
de pensamento e ação são possíveis.
Com o mesmo poder, afirma o autor, a música pode trazer efeitos
adversos ao drama: a) dar vida e veracidade a personagens inexpressivos do libreto
56
ou subverter personagens que, na música, parecem ter qualidades distintas das que
transparecem no libreto; b) sugerir ações irreais na trama
3
; c) anular uma ação ao
acompanhá-la na cena
4
, uma vez que, quando uma música retorna, ela traz consigo
recordações de certos episódios e se este recurso não for utilizado com maestria, é
capaz de, pela sua potência, anular a ação que está em cena; d) construir ou
demolir um mundo, gerando tensões profundas com a repetição de acordes e
melodias à saturação, obsessivamente, em um ritual que pode desestabilizar
emocionalmente o espectador. Por outro lado, libretos grandiosos podem ser
destruídos por melodias e acordes acanhados, anulando os esforços do libretista e
de sua trama bem construída
5
(KERMAN, 1990, p. 251).
Em síntese, se entendemos que o homem é totalidade nas relações que
estabelece ao longo da história e de sua história, que instrumento maior poderíamos
propiciar-lhe para essa auto-constituição plural? Que arte poderia “tornar humanos
os sentidos do homem”? A ópera, por envolver um universo de sensações,
sentimentos e idéias, unificados em um todo.
As descrições sobre a construção de uma ópera fazem pensar que esse
gênero de arte é inteiramente apropriado para a “técnica social do psiquismo” de que
fala Vigotski, pela pujança das emoções despertadas por um processo
intencionalmente dirigido para tal fim por artistas capazes de provocar reações
emocionais profundas. Esse é o requisito para a catarse, a combustão que leva à
superação de conflitos, promovendo a complexificação da vida afetiva e dos
processos cognitivos – o desenvolvimento.
3.6.1 Turandot, o libreto
Turandot é uma ópera italiana do século XX, composta por Giacomo
Puccini (1858-1924), a partir do libreto italiano de Giuseppe Adami e Renato Simoni,
baseado em uma peça de Carlo Tozzi, inspirada em um conto chinês. Puccini é
considerado um herdeiro genial de Verdi. Turandot foi sua última ópera, deixada
inacabada com a sua morte. A estréia, em Milão, no ano de 1926, foi regida por
Arturo Toscanini que, naquela noite, ao final da morte da personagem Liú, anunciou
3
Um libretista disse certa vez a Debussy que as árvores não se agitam quando um personagem
entra em cena, tal como o grande compositor sugeria em sua partitura.
4
Para Kerman, a música não acompanha, em verdade, ela gera a ação, que está apenas indicada
no libreto.
5
O exemplo clássico desse efeito é Fausto, a peça de Goethe, apequenada na música de Gounod.
57
ao público que ali terminava o trabalho de Puccini, a continuação era um trabalho de
Franco Alfano, por indicação do próprio autor.Turandot é um drama lírico em três
atos.
3.6.1.1 Sinopse
ATO I
Na China, em seu período áureo imperial, Turandot, a filha do Imperador
Altoum, declarou que só se casaria com um príncipe capaz de resolver três enigmas
propostos por ela. Os candidatos que falhassem à prova seriam condenados à
morte. Em praça pública, ocultos na multidão que se reúne para assistir à execução
de mais um príncipe, estão o rei exilado Timur e sua escrava Liú, quando aparece,
Calaf, filho deste rei. Ao ver Turandot, Calaf, ao mesmo tempo em que a maldiz,
apaixona-se por sua beleza e decide submeter-se à prova. Todos tentam dissuadí-
lo, até mesmo os ministros do reino, Ping, Pang e Pong.
ATO II
Enquanto os ministros lamentam o que acontece no reino, Turandot
explica que quer vingar a morte de uma de suas antepassadas, outrora raptada. Mas
Calaf resolve os enigmas e Turandot, assustada, pede ao pai que anule a prova. O
Imperador se recusa e Calaf propõe à Princesa um trato: aceita morrer se, até o
amanhecer, ela descobrir qual é o seu nome.
ATO III
Nessa noite ninguém dorme em Pequim (Nessum dorma). Os ministros
interrogam a todos para descobrir o nome do estrangeiro. Descobrem que a escrava
Liú fora vista falando com ele na praça. Os guardas a arrastam ao palácio, à
presença de Turandot, mas ela se recusa a revelar o nome daquele homem. Liú
explica sua atitude a Turandot: é o amor que sente por ele que a faz resistir. Liú
toma a arma de um dos guardas e se apunhala. Calaf recrimina Turandot por sua
crueldade e, depois, a beija apaixonadamente. A orgulhosa princesa se rende e
confessa que o ama. Calaf, então, revela-lhe, ele próprio, o seu nome. Pela manhã,
na praça, diante do Imperador e da multidão, Turandot anuncia que descobriu o
nome do estrangeiro: é Amor.
58
3.6.2 Turandot, a música
A música, em Turandot, é composta para acompanhar cada ato, cada
gesto, pensamento ou fala dos personagens não recitativos. momentos
grandiosos da música, utilizados como um roteiro para apresentar a ópera às
crianças, no Projeto Ópera para Todos (MURAD, 2001a, p. 30):
1. “Nessum dorma” a ária mais conhecida de Turandot é um ótimo
começo. Calaf a canta enquanto espera que Turandot descubra qual o seu
nome. Nessa noite, ninguém dorme (nessum dorma) em Pequim. Não é o
início da história, mas serve para despertar as crianças para a beleza da
obra musical.
2. “Gira la cote” – o coro forte da entrada do carrasco empolga e prende as
crianças.
3. “Perché tarda la luna” – lindo e suavíssimo coro, cantado quando o povo
se apieda do príncipe da Pérsia e pede à Lua que não tarde a aparecer,
para que se abrevie o sofrimento do príncipe.
4.”Non piangere Liú/Ah! Per l’ultima volta” belíssimo final do primeiro ato,
em que todo o povo implora a Calaf, pela última vez (per l’ultima volta) que
desista das provas, e ele pede a Liú que não chore (non piangere), mas que
ele vai tentar.
5. “Ai tuo piedi ci prostrami” no final do segundo ato, o povo saúda o
imperador. Belo coro.
6. “Tu che di gel cei cinta” – ária de uma beleza suave e dramática, em que
Liú diz a Turandot que o coração da princesa é de gelo porque ela não
conhece o amor e decide morrer para não revelar o segredo de Calaf.
7. “Diecimila anni” – final majestoso da ópera, já composto, após a morte de
Puccini, por Franco Alfano, em que este retoma os acordes de “Nessum
Dorma” (ainda composta por Puccini), para reapresentá-la, com novo
arranjo, no gran finale da ópera, em que o povo canta vivas ao imperador.
59
4 MÉTODO
A presente pesquisa foi inicialmente orientada pela pergunta “Será que a
ópera pode ser um recurso mediacional para promover o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças, independentemente do seu nível socioeconômico?”
Para respondê-la, foi escolhida uma abordagem qualitativa de pesquisa, que
permitisse entender os avanços ocorridos, ao longo de 9 (nove) meses de trabalho
de campo, com crianças de uma classe de Série
6
de uma escola comunitária, as
quais participaram do “Projeto Ópera para Todos” (POPT).
A participação das crianças no Projeto implica uma série de
aprendizagens, que supostamente impulsionariam o desenvolvimento (e vice-versa).
Dessa forma, a questão inicial foi refinada, de modo a explicitar os aspectos a serem
analisados, o que constituiu os sub-objetivos da pesquisa.
4.1 Objetivos
4.1.1 Geral
Buscar elementos para elucidar como um Projeto de apreciação, leitura,
escrita, desenho, musicalização, dança e encenação de uma ópera, com ações bem
estruturadas, utilizando materiais, potencialmente com sentido, conduzido pelo
adulto e com a participação da criança pode ter efeitos sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento de crianças da 1ª. Série do Ensino Fundamental, oriundas das
camadas de baixa renda da população brasileira.
4.1.2 Sub-objetivos
Verificar, por meio da análise dos registros em vídeo, da escrita das
crianças e dos seus desenhos, se ocorreram modificações:
a) cognitivas , notadamente nos aspectos: Atenção voluntária,
Imaginação e Memória;
6
Em todo o texto será preservada a nomenclatura das classes do Ensino Fundamental vigente à
época da pesquisa (2005). Hoje, a 1ª Série corresponde ao 2º Ano do Novo Fundamental.
60
b) afetivas , especificamente quanto à Auto-estima, Empatia e
Conhecimento de si;
c) sociais, notadamente a Cooperação e a Auto-regulação;
d) motoras , a partir da análise da expressão corporal e gestual.
4.2 A pesquisa qualitativa
O grande acervo de pesquisas experimentais quantitativas disponível hoje
no campo das artes tem provocado, de estudiosos na área (DEASY, 2002), um
reclamo por estudos qualitativos capazes de mostrar a realidade do ensino de artes
“por dentro”. Por outro lado, imensos esforços da pesquisa em educação no
sentido de produzir estudos que não retratem a realidade de forma estática, por
meio de rígidos métodos de coleta e análise de dados e de uma concepção única de
verdade.
No momento em que optam por uma metodologia qualitativa de pesquisa,
por considerarem mais compatível com seu objeto de estudo, os pesquisadores
estão imbuídos de duas preocupações: uma é tentar retratar a realidade da forma
mais próxima do real, buscando, para isso, tanto transmitir a atmosfera em que se
realizam os fenômenos, como expor a subjetividade do pesquisador na análise do
que tenta estudar. A outra é, justamente, evitar uma análise demasiado aberta e
excessivamente subjetiva, inútil como ciência. Ao escolher esse enfoque para tratar
da relação entre educação e arte a que se propõe este estudo, questiona-se: o que
seria uma “boa prática” qualitativa?
A transparência nos procedimentos e os critérios adotados para orientar a
prática parecem ser os grandes trunfos da pesquisa qualitativa. Esses
procedimentos implicam explicitar ao leitor as razões da escolha de sujeitos, dos
dados e dos procedimentos de coleta e análise. Os resultados são tidos como uma
das possíveis leituras dos dados coletados, posto que mesmas evidências
oferecidas podem dar origem a outras leituras, a outros insights ou a conclusões
diversas. Retratar os fatos em seu contexto, de maneira fiel, explicitando as análises
do modo mais transparente possível é uma grande contribuição da pesquisa
qualitativa em favor de uma visão mais ampla e plural de homem, no âmbito da
pesquisa acadêmica.
61
Entretanto, parece inevitável buscar, como parâmetros de qualidade, os
critérios usados pela pesquisa quantitativa. Certamente, alguns desses parâmetros
podem ser considerados importantes na avaliação de qualidade de qualquer
pesquisa. Um deles é a validade, ou seja, a capacidade do pesquisador para
organizar a pesquisa, seu delineamento, coleta e análise de dados, buscando
fornecer informações confiáveis. Na análise qualitativa, a validade depende do
esclarecimento das condições de coleta e análise de dados. No caso de pesquisas
que utilizam imagens ou palavras como dados, por exemplo, os referenciais de
codificação são um elemento importante para conferir validade às análises feitas.
Outro elemento central é a fidedignidade, ou a capacidade de uma
mesma avaliação produzir os mesmos resultados em repetidas aplicações. Esses
elementos que avaliam até que ponto um indicador empírico representa um certo
construto teórico ou hipotético adquirem, na avaliação qualitativa, uma configuração
mais complexa e até contraditória: na interpretação de um texto, por exemplo, a
validade pode ser conferida exatamente pela baixa fidedignidade. Uma vez que
certas palavras mudam de significado a depender do contexto em que estão
inseridas, uma interpretação invariante pode sugerir que o pesquisador não levou
em conta o contexto da palavra, comprometendo os resultados. Assim, baixa
fidedignidade pode ser um elemento esclarecedor do processo, demonstrando que
se trata de um texto aberto. O consenso nem sempre é a meta de uma pesquisa.
consensos majoritários pouco inteligentes e consensos produzidos por minorias que
podem se revelar mais fecundos.
A fidedignidade na interpretação de textos ou de outros materiais precisa
estar garantida no estabelecimento de categorias, que devem advir da teoria que
informa a pesquisa e serve de apoio à interpretação dos dados. Categorias
incoerentes com os construtos teóricos podem produzir interpretações
inconsistentes, de pouca fidedignidade e difícil justificativa.
O grau de generalização das pesquisas qualitativas é uma outra questão,
por envolverem, de modo geral, poucos sujeitos. Dessa forma, sua
representatividade fica comprometida, limitando as possibilidades de generalização.
Por outro lado, a pesquisa qualitativa contribui para o enriquecimento da rede de
conhecimentos a que está vinculada, na medida em que coloca à disposição dos
leitores metodologias bem descritas, resultados fielmente relatados, que podem ser
empregados como ferramentas para interpretar outras realidades e, por sua vez,
62
elaborar outras conclusões. Essa é uma contribuição nada desprezível ao debate
acadêmico.
Ao tentar responder à questão sobre o que seria “a boa prática” em
pesquisa qualitativa, Bauer e Gaskell (2002) criticam muitos estudiosos por
acusarem de “positivista” a preocupação com amostragem, validade e fidedignidade
dos métodos quantitativos. Defendem a idéia de que equivalentes funcionais a esses
requisitos devem ser buscados, com o intuito de dar à pesquisa qualitativa um
caráter de maior objetividade. Eles apresentam uma proposta que toma por base
duas amplas categorias: a confiabilidade e a relevância.
A confiabilidade, para esses autores, baseia-se no fato de que a pesquisa
qualitativa é um encontro empírico com o mundo, organizado pelos pesquisadores,
com transparência, em um determinado tempo e espaço. A confiabilidade é indicada
pela posição do autor da pesquisa que, sem descartar o autoconhecimento, procura
se descentrar em relação a sua própria posição, buscando interpretações de outras
pessoas a respeito de seus achados. O fato de o pesquisador não apenas crer na
possibilidade dessas várias leituras de dados e fenômenos, mas ir, efetivamente, em
busca delas, amplia o universo interpretativo do leitor, constituindo-se em um
elemento que advoga em favor da confiabilidade da pesquisa qualitativa.
Um outro critério de confiabilidade seria, na visão desses autores, a
transparência e a clareza nos procedimentos. Uma vez que o delineamento da
pesquisa qualitativa leva em conta as opções pessoais do pesquisador e de sua
equipe que evitam a padronização estatística dos métodos quantitativos o
esforço em explicitar procedimentos e opções pode esclarecer aquele que o
produto final e, também, funcionar como catalisador de reflexões a respeito dessas
mesmas opções e interpretações. A documentação dos dados funciona como
coadjuvante nesse processo. O registro literal das fontes, da forma mais extensa
possível, é, portanto, um importante indicador de sua confiabilidade.
Por questões ligadas à natureza da pesquisa ou aos próprios ambientes
em que ela se desenvolve, a escolha dos sujeitos decorre de sua representatividade
e não de seu número. Em qualquer pesquisa, é importante a contextualização dos
achados. Na pesquisa quantitativa, procura-se documentar a evidência com uma
discussão sobre expectativas confirmadas ou não. Um outro indicador de qualidade
apontado por Bauer e Gaskell (2002) é a validação consensual, ou seja, obter o
consentimento e a concordância dos pesquisados sobre os resultados da pesquisa.
63
Esse é, no entanto, um requisito polêmico, uma vez que nem sempre os resultados
vão ao encontro dos interesses pessoais dos sujeitos que, se consultados, os
vetariam. Essa questão, no entanto, não isenta o pesquisador de prestar atenção
aos requisitos éticos, na relação que estabelece com seus sujeitos.
4.3 Aspectos analisados
Na visão de Vigotski, os aspectos do desenvolvimento não aparecem de
maneira isolada, manifestando-se todos nos modos de ser dos indivíduos. De
acordo com essa visão, o foco desta pesquisa esteve na aprendizagem e suas
evoluções, centrando-se na (o):
1. atenção concentrada (manter o interesse em dada situação ou objeto);
2. imaginação (propor, com base na própria experiência, outras não
vivenciadas);
3. memória (lembrar-se de situações vivenciadas com ou sem ajuda de
instrumentos);
4. auto-estima (valorizar aquilo que se sabe sobre si);
5. empatia (colocar-se no lugar do outro);
6. conhecimento de si (aquilo que o indivíduo sabe sobre si);
7. cooperação (realizar operações conjuntas);
8. auto-regulação (capacidade de exercer voluntariamente a
conduta).
4.4 Atividades
Tendo como ponto de partida os aspectos enfocados na pesquisa, foram
planejadas as atividades abaixo, tomando como pressuposto que elas favoreceriam
a aprendizagem das crianças. Embora não se possa estabelecer limites para cada
atividade, foi elaborada, com base em nossa experiência precedente com o POPT,
uma lista delas para orientar a coleta e análise dos dados.
As atividades desenvolvidas com as crianças foram distribuídas nas
seguintes áreas:
64
a) LINGUAGEM ORAL: ouvir a história, recontar a história, discutir o
libreto, recitar rimas, opinar sobre as performances dos colegas,
apreciar produções suas e dos seus pares – registradas em vídeo;
b) LINGUAGEM ESCRITA: escrever listas e legendas, reescrever textos
sobre história conhecida, reescrever a história em capítulos,
escrever em parceria, escrever texto de autoria (depoimentos sobre a
ópera) – com registro em papel (alguns impressos no livro final);
c) DESENHO: desenhar personagens, cenas, cenários e figurinos
(desenhos de observação e de memória); criar cenas ou
caracterizações para os personagens (desenho livre) registradas em
papel (alguns deles foram impressos no livro final);
d) DANÇA: dançar livremente ao som das músicas, dançar em grupo,
executar as coreografias – registradas em vídeo;
e) MÚSICA: tocar um instrumento, tocar em grupo, memorizar o “texto
musical”, tocar sob regência – com registro em vídeo;
f) TEATRO: representar, contracenar, ensaiar em conjunto, executar
cenas memorizadas, imitar gestos e falas do seu personagem e dos
personagens de outras crianças, vivenciar experiências do mundo real
sob a proteção do caráter fictício da ação, caracterizar-se como
determinado personagem, apresentar-se diante do grupo e do público
– com registro em vídeo;
g) FEEDBACK: acatar sugestões do grupo no que concerne à própria
atuação, observar a atuação e dar feedback aos outros, seguir
orientações, sugerir – via registro em vídeo.
4.5 Material para análise
Para análise de dados, foi retirado das atividades propostas às crianças o
material descrito a seguir, cujo esquema de coleta e análise está apresentado na
seção 4.6:
a) Episódio ilustrativo da situação da classe no início do Projeto (2º dia -
06/06/05), retratando um reconto oral da história pela professora,
videogravado e decupado. (Apêndices E a Q e AA);
65
b) O processo de duas crianças:
Claudiane e seu percurso de não-participação nas atividades de
dança até uma performance competente, bem como as
aprendizagens derivadas desse processo ilustrado em 6 episódios
videogravados, relatados em diário de campo e analisados em grupo
focal. (Apêndices R, S, T, U e AB);
A conquista, por Alexsandro, do papel de protagonista do espetáculo,
passando por vários episódios de identificação com outros
personagens, e o comprometimento que lhe valeu o ótimo
desempenho, assim como as aprendizagens derivadas desse
processo – ilustrado em 7 episódios videogravados, relatados em
diário de campo e analisados em grupo focal. (Apêndices V, X , Y, Z e
AC).
c) A produção das crianças antes, durante e ao final do Projeto para
compor o livro elaborado por elas sobre a Ópera
“Turandot” (Apêndice AE),
17 textos de diversas crianças, ilustrando a apropriação de
vocabulário e o processo de construção do texto de autoria, tendo
como mediação as diversas atividades do Projeto, em especial o
reconto da história, a dramatização e as rimas.
16 desenhos de diversas crianças, ilustrando a apropriação de
elementos do universo cultural trazido pelo Projeto, por mediações
diversas, em especial, das várias propostas de desenho de
observação.
d) A apresentação do espetáculo da ópera, pelas crianças, registrada em
fotos e vídeo. (Apêndice AD).
4.6 Esquema de coleta e análise de dados
4.6.1 Instrumentos
4.6.1.1 Observação (registrada em diário de campo)
66
a) COLETA
Processo Datar as sessões; anotar a proposta de cada sessão;
observar e anotar as interações das crianças; elaborar diário de
campo.
Cronograma Todas as sessões, três vezes por semana, durante
os 9 meses de atividades.
b) ANÁLISE
Foco falas, diálogos, interações, gestos, expressão corporal,
expressão cênica, ritmo e envolvimento com as propostas.
Processo - Identificar eventos de interesse; cotejar com as cenas
videogravadas; comparar com reações análogas ocorridas em
outros momentos; analisar eventuais modificações; buscar teoria
explicativa.
4.6.1.2 Videogravação
a) COLETA
Processo Gravar ininterruptamente, com uma câmera fixa e outra
móvel, todas as atividades.
Cronograma
Três vezes por semana, durante os 9 meses de
atividade.
b) ANÁLISE
Foco falas, diálogos, interações, gestos, expressão corporal,
expressão cênica, ritmo e envolvimento com as propostas.
Processo
Codificar as ações; identificá-las com os aspectos
selecionados para observação; cotejar as cenas videogravadas com
as observações registradas no diário de campo; fazer transcrições
(decupagens) das ações e interações-chave;
4.6.1.3 Material escrito
a) COLETA
67
Processo Coletar atividades escritas do caderno de classe, da
fase antes do Projeto; escritas de listas e legendas do Projeto;
reescritas (as crianças reescrevem a história); textos de autoria (as
crianças escrevem as impressões que tiveram e os sentimentos que
a história/a ópera lhes despertou).
Cronograma – Antes do início do Projeto, durante e ao final.
b) ANÁLISE
Foco Características da escrita antes do Projeto; processo de
construção do texto, estrutura e seqüência narrativa; fidelidade aos
fatos; elementos do texto contidos no texto original; uso do
vocabulário do texto original; compreensão do enredo;
compreensão da motivação dos personagens.
Processo – codificar os eventos, analisá-los, discutir os insights com
a equipe.
4.6.1.4 Desenhos
a) COLETA
Processo Coletar desenhos do caderno de classe e desenhos
feitos de personagens, figurinos, cenários, adereços e cenas da
história durante o Projeto.
Cronograma
– Antes do início do Projeto, durante e ao final.
b) ANÁLISE
Foco
Nível de detalhamento, elementos contidos no material
ilustrado coletado; elementos acrescidos em relação ao material
original.
Processo Verificar se houve mudanças e de que tipo entre os
desenhos iniciais e posteriores.
68
5 ANÁLISE DOS DADOS
As crianças participantes dessa pesquisa, mais que espectadoras, são
atores, co-autores, recriaram a obra de arte na ação. Como bem diz Vigotski (2000,
p. 485): “No início, estava a ação; na palavra, é o fim”. Este busca as palavras de
Nietszche para afirmar que a arte provoca no homem “[...] a vontade de imitar seu
ritmo, colocar-se em uníssono não com os passos, como com a alma”. Para
expressar esse pensamento, usa uma frase do filósofo que tanto admirou: “Sem
versos, o homem não era nada. Com versos, tornou-se quase um deus”.
(NIETSZCHE apud VIGOTSKI, 1999, p. 311).
Este capítulo pretende realizar a análise dos dados coletados na
pesquisa, com o objetivo de elucidar se e como um Projeto de apreciação, leitura,
escrita, musicalização, dança e encenação de uma ópera pode ter efeitos sobre a
aprendizagem e o desenvolvimento de crianças de 1ª Série do Ensino Fundamental,
oriundas de camadas de baixa renda da população brasileira. Partimos do
pressuposto de que a apropriação dos novos conhecimentos sobre o mundo físico e
social provoca desenvolvimento e esse novo patamar alcançado permite novas
aprendizagens. Isso ocorre mediante um processo em que é preciso construir,
inicialmente, um campo compartilhado de interesses (com emprego de instrumentos
mediadores bem estruturados) que permita às crianças alocarem sentidos às
atividades previstas de modo a delas participar intensamente. Pela participação
ativa, mediada por instrumentos físicos e sociais, as crianças passam a realizar algo
que antes nem mesmo aventavam fazer. A mediação vai paulatinamente sendo
retirada, até que possam cumprir sem nenhuma ajuda o que antes só era feito com o
auxílio de mediadores. Trata-se, segundo os termos de Vigotski (1994), de atuar na
Zona de Desenvolvimento Próximo dos alunos, com vistas à construção de novas
habilidades cognitivas, afetivas, sociais e motoras, aspectos concebidos, de fato,
como inseparáveis: os ganhos em um implicam modificações também nos demais
aspectos do desenvolvimento.
No presente capítulo, é apresentada uma visão geral dos elementos
encontrados para realizar o trabalho, seguida da análise de uma situação de classe
no início do Projeto. É seguido o percurso de duas crianças para se ter uma visão
mais apurada do processo pelo qual passaram. Finalmente, são analisadas as
realizações das crianças ao final do Projeto, recorrendo: a) ao material produzido por
69
elas para a elaboração de um livro de escritas e desenhos; e b) às fotos e vídeo do
espetáculo da ópera “Turandot”, apresentado pelas crianças.
5.1 Aspectos gerais
A comunidade
Tentar descrever a realidade com que nos deparamos ao realizar esta
pesquisa, no bairro da Divinéia, zona suburbana de São Luís, é remetermo-nos à
realidade da periferia das capitais do nordeste do Brasil, povoada por uma
população, em sua maioria, expulsa do campo e que tenta sobreviver, longe do seu
“habitat”, em uma situação de desemprego e falta de oportunidades, agravada pela
sua carência de qualificação profissional.
Essa população é formada, basicamente, por homens que se empregam
na construção civil ou que abrem pequenas oficinas, pequenos negócios no bairro
(carpintaria, bancas na feira). As mulheres que trabalham são, quase todas,
empregadas domésticas. Nesta amostra, uma cabeleireira, uma peixeira, uma
vendedora de balas e bebida (na porta de casa). Há muitos desempregados.
Foto 1 – Rua do bairro da escola
A área em questão é uma invasão de terras, que cresceu
desordenadamente. Algumas casas ficam em “ruas” abertas dentro de terrenos
invadidos. É difícil achá-las preciso atravessar buracos no muro), os endereços
são confusos e muitos deles são em vielas e caminhos que partem de uma via
principal, alguns dos quais becos sem saída, com largura suficiente apenas para
70
tráfego de pedestres. É uma zona considerada perigosa após o anoitecer. São
facilmente vistos grupos de homens desocupados, jogando dominó nas esquinas,
mesmo durante o dia. Um dos nossos pequenos era freqüentemente atormentado
pelos colegas no recreio, que diziam: “Teu tio é traficante!”, e ele chorava, gritando:
”Não, titio não é, titioo é”. Sabemos que esse é um dos graves problemas do
local, ao lado do alcoolismo. A escola fica em frente a uma sede da Associação dos
Alcoólicos Anônimos e Associação dos Dependentes de Drogas Anônimos.
Uma das queixas da comunidade ouvidas na escola, além da falta de
água, é o acúmulo de lixo e a presença de ratos no local. A escola faz coleta seletiva
e tem Projeto de conscientização sobre o tratamento do lixo com as crianças, mas a
mudança de hábito é mais uma esperança do que uma realidade. A área não tem
rede de esgotos.
A população do bairro é basicamente católica. As missas são o principal
meio de comunicação com as famílias, sempre usado quando, durante o Projeto era
preciso enviar avisos importantes, como o do espetáculo do final de ano.
A escola
A Escola “Prof. Luiz Pinho de Rodrigues” fica no terreno de uma Igreja. É
mantida pela Sociedade Beneficente “Áurea Faria”, que oferece gratuitamente
assistências pediátrica, odontológica e programa de vacinação às crianças, além de
atendimento médico ginecológico às mulheres da região. Isso faz com que seja uma
instituição de muito prestígio entre os moradores. A escola foi, a princípio, uma
escola paroquial e, atualmente, oferece ensino de a Séries do Ensino
Fundamental, funcionando com a 1ª e Séries no turno vespertino e e 4ª Séries
no turno matutino. A escola é mantida por doações e uma parte das professoras é
paga pela prefeitura.
71
Foto 2 – Escola onde se realizou a pesquisa Foto 3 – Alunos da escola
A instituição tem cozinha própria e oferece merenda escolar. As
professoras são bem orientadas, realizam planejamento e capacitação junto com as
professoras da rede municipal. A diretora é bastante dedicada. Nas visitas à escola
e observações de classe realizadas, foi possível verificar que o planejamento da
escola segue os padrões das escolas da Prefeitura, de onde são oriundas as
professoras e, embora realizem “Projetos de trabalho” com as crianças, dentro da
proposta contida nos novos Parâmetros Curriculares Nacionais, sua orientação é
bem tradicional, utilizando livros didáticos (que nem sempre chegam às mãos dos
alunos a tempo e nem sempre para todos). A professora usa técnicas
pedagógicas também tradicionais, como exercícios de completar que são copiados
do quadro e a silabação como metodologia para a alfabetização. Tanto a direção da
Sociedade como da escola ofereceram completo apoio ao Projeto, que foi, em seu
encerramento, elogiado tanto pelos pais dos alunos como pela comunidade que
assistiu à encenação da ópera Turandot.
As crianças usam uniformes doados pela Instituição. Quando estão sem
suas fardas, as roupas são simples e alguns usam chinelos. Em geral, todos vêm
limpos e asseados para a escola, à exceção, em nossa classe, de um aluno, criado
pela avó, com grandes problemas de rejeição. Muitas vezes era necessário pedir ao
ambulatório da escola para colocar remédio em seus ferimentos, que nunca eram
tratadas em casa.
72
A professora
A primeira visita à escola ocorreu no dia 20 de abril de 2005, para
conhecermos a professora e explicarmos a ela sobre o Projeto. A professora e a
classe foram escolhidas pela diretora, dentre as duas primeiras séries, que era o
nível com o qual foi planejado trabalhar. A professora pareceu, desde o primeiro
momento, temerosa e arredia diante do desafio.
O plano era observar a classe durante quatro semanas, gravando em
vídeo as atividades durante uma hora e elaborando um diário de campo sobre o
observado. Essa seria uma forma de conhecermos as crianças e nos familiarizarmos
com o jeito de cada uma. Não haveria nenhuma interferência nossa. Isso foi
conseguido em parte porque, sem nenhuma sombra de dúvida, a nossa presença e,
especialmente, as câmeras, provocavam grande curiosidade das crianças e lhes
atraíam a atenção. E mais, intimidavam sensivelmente a professora, que chegou a
pedir à diretora para ser transferida de escola, o que não foi possível, para seu
grande pesar. Tentamos amenizar a sua tensão, explicando que o nosso interesse
eram as crianças e não o seu trabalho, mas esse expediente se revelou inútil. Ela
abandonou o Projeto no segundo dia, alegando estar passando por problemas
pessoais e não querer assumir tamanha responsabilidade, uma vez que a turma era
grande e bastante indisciplinada. Outra professora assumiu o seu lugar no Projeto,
enquanto ela continuou a realizar as atividades de sala. Após o espetáculo, no final
do Projeto, ela revelou-se muito colaborativa para a avaliação final dos alunos,
chegando a declarar:Eu não acreditava, mas vocês conseguiram”. Isso, para nós,
foi alentador, não por implicar reconhecimento do valor do trabalho realizado,
mas, e, sobretudo, por implicar reconhecimento de que todas as crianças podem
aprender se condições para isso lhes são dadas.
A equipe de pesquisa
A equipe que realizou o trabalho era composta pela pesquisadora, a
professora do Projeto, uma auxiliar (que se encarregou das filmagens), uma
professora de música e uma professora de dança (que iam, cada uma delas, à
escola duas vezes por semana, em um mesmo dia, ajudando-se uma à outra com o
som e os instrumentos). A professora de classe ficava com a metade da turma na
73
sala de aula (realizando trabalhos escolares) enquanto a outra metade estava
envolvida em atividades do Projeto, na sala de reuniões.
O cronograma
O trabalho teve início em 20 de abril de 2005, com a visita à escola e
foi encerrado em 8 de julho. Foi retomado em 17 de agosto, encerrando-se
definitivamente em 19 de dezembro de 2005, com a última sessão do Grupo Focal
para avaliar os alunos. A periodicidade do trabalho foi de três tardes por semana (no
final, algumas sessões extras se fizeram necessárias), sendo aproximadamente três
horas dedicadas a cada encontro.
As observações de classe foram feitas com a turma toda, sob direção da
professora de classe. As intervenções (as atividades do Projeto propriamente ditas),
iniciadas em 30 de maio e por todo o resto do ano, foram sessões realizadas com a
turma dividida em dois grupos (com 1 hora e meia para cada grupo), sob direção da
professora do Projeto (ex-estagiária da pesquisa, aluna de Pedagogia e com alguma
experiência como professora). No terceiro dia do Projeto, 03/06/2005, à falta da
professora, excepcionalmente, trabalhamos com a professora da outra Série
(Mariazinha).
O cronograma previsto, com base na experiência-piloto, teve que ser
alterado, tendo em vista as peculiaridades das crianças da pesquisa, embora todas
as atividades planejadas tenham sido realizadas. O mapa das atividades realizadas
está no Apêndice A.
A sala
Para realização do Projeto, foi usada a sala de reuniões da escola uma
sala de 60m², tamanho maior até do que algumas das casas dos alunos. É um
ambiente claro, piso liso e limpo, climatizado, cujas paredes enchemos de cartazes
coloridos, produções deles desenhos, nomes, rimas o que era um significativo
material de apoio. A sala de aula original é escura, quente, abafada, sem vida.
74
Foto 4 – Painel na sala do Projeto Foto 5 – Sala de aula na escola
A turma
Eram 31 (trinta e uma) crianças de Série, a maioria vindo pela primeira
vez à escola. Havia um repetente. Todas participaram de todas as atividades do
Projeto. A falta de concentração das crianças dessa classe era algo notável. Foi
registrado, no período inicial de observação, um número elevado de incidentes de
agressividade entre as crianças, de conversas e atividades paralelas em dupla ou
em pequenos grupos dentro da própria classe. Embora a questão da idade possa
ser levada em conta, se tomada em combinação com a falta de escolaridade
precedente e, é provável, de estimulação por parte da família, a outra turma de
Série, em iguais condições, era reconhecidamente muito mais tranqüila do que esta.
Na escola se comentava isso.
Pode ser que pese para essa característica da turma o fato de haver ali
várias crianças difíceis de lidar: as muito ativas, as infantis, imaturas, aquelas com
estrutura familiar atípica, as agressivas e as alheias, desligadas. A própria
professora da outra sala de Série manifestou-nos sua avaliação do quanto esta
era uma turma difícil de lidar, mesmo em comparação à sua. Com efeito, a
professora titular passava a grande maioria do tempo chamando a atenção das
crianças, apartando brigas e tentando trazê-las para a cadeira. Durante o período de
observação, pudemos atestar que ela tentou vários expedientes para obter a
atenção das crianças elaborou material didático em fichas e cartazes, arrumou a
classe em grupos, em círculos sem resultado aparente. É compreensível que o
nível de amadurecimento das crianças do Projeto piloto para as atividades propostas
75
fosse maior. Apesar disso, eles conseguiram realizar todas as atividades previstas
no Projeto, embora demandando mais tempo.
Quando iniciamos o Projeto, essa dispersão de atenção, a falta de
concentração das crianças era um fator desconcertante para nós. Pensamos que
usar outros canais, que não somente a linguagem oral e escrita, para conseguir o
envolvimento e a familiaridade com a ópera (música, dança e desenhos) foi o
diferencial do trabalho. A capacidade deles de recontar oralmente a história, com
lógica, viria depois e, mais tarde ainda, reescrever partes do libreto. Ter a língua
oral e escrita como único canal teria provavelmente retardado o envolvimento de
várias crianças que simplesmente “não ouviam” o que era falado, mas
concentravam-se por longos períodos desenhando ou tocando um instrumento, ou
mesmo dançando. Identificar um personagem pela sua indumentária, os olhos
puxados, o chapéu, era mais fácil do que pela escrita do nome e as crianças se
detinham muito nesses detalhes e os reproduziam com primor o que funcionou
como uma boa mediação para a compreensão da história, da trama que iria se
desenvolver.
5.2 Dados coletados
Antes do início do trabalho, foram feitas entrevistas com as famílias, a
professora da classe e a diretora da escola, para melhor conhecer as crianças da
pesquisa, buscar indícios para entender o modo de ser, pensar e sentir de cada uma
delas. Foram elaborados perfis individuais a partir dos dados obtidos, aos quais se
pudessem recorrer ao longo da pesquisa e mesmo ao final, para verificar eventuais
mudanças. A pauta dessas entrevistas era composta de duas partes: a primeira
aberta, em que deveriam responder à pergunta “Como é o seu filho/aluno (o nome
da criança)?” Ou “Como você o descreveria?” Na segunda parte, havia perguntas
formuladas sobre situações picas da vida das crianças (Apêndices B e C). A partir
desses dados, foi elaborado um perfil inicial de cada aluno.
Na fase preliminar, foram feitas, ainda, duas entrevistas abertas com
professoras que haviam participado do Projeto “Ópera para Todos”. A questão
colocada foi ”O que você acha que o trabalho com a ópera desenvolve nas crianças
e por quê?”. Essas entrevistas serviram para formular as hipóteses do trabalho e
selecionar aspectos a serem observados na pesquisa.
76
A coleta de dados da pesquisa abrangeu 9 meses do ano letivo de 2005.
Em abril, foram feitos os contatos preliminares com a escola e a direção da
instituição, para apresentação do Projeto, autorização dos pais dos alunos,
recolhimento de informações a respeito do projeto pedagógico e discussões sobre
como articular o Projeto ao cotidiano da escola. A estrutura e o cronograma das
observações foram planejados, ainda em abril, com a colaboração de professora do
Projeto, da auxiliar de pesquisa, da professora de classe e da diretora. Foi
transmitido à equipe da escola o sentido e o objetivo da observação das atividades
desenvolvidas pelas crianças e a professora de classe: sentir o clima, a atmosfera
de sala de aula em seu cotidiano. Tanto as observações como as atividades do
Projeto foram registradas em um diário de campo e gravadas com duas câmeras de
vídeo: uma fixa e outra móvel. Foram realizadas entrevistas com os pais e com as
crianças, ao final do ano letivo, para coleta de depoimentos e impressões sobre o
trabalho, também registradas em vídeo.
Os registros escritos e os desenhos dos alunos constituíram uma outra
valiosa fonte de dados. Dessa forma, foi elaborado um portfólio de cada criança,
com suas produções ao longo do ano. As escritas envolveram desde as listas e
ditados realizados pela professora de classe no período de observação, até as
reescritas e os depoimentos sobre a ópera, no final do Projeto.
Nesta pesquisa, o termo “reescrita” foi usado para se referir a um texto
produzido e escrito pela criança, recontando outro texto que ela conhece, com
redação própria, mantendo a idéia, mas sem compromisso com a estrutura ou
vocabulário do texto original. Nesses textos estão registros da sua observação e
compreensão a respeito da história. As “escritas de autoria” foram aqui
compreendidas como escritas realizadas pelos alunos, com texto livre, com
conteúdo e redação criados por eles. Amostras desse tipo de escrita são os
“depoimentos” a respeito da ópera, textos que contêm suas opiniões e sentimentos,
indícios de sua empatia com a história e com os personagens, as impressões sobre
a música e a dança e mesmo sobre a própria participação como ator do espetáculo.
Ao longo de todo o processo, foram propostas às crianças, além das
escritas, várias atividades de “desenho de observação”, “desenhos de memória” e
“desenho livre” de personagens, cenas, cenários, figurinos da história, que foram
datados e arquivados em cada portfólio. Alguns desenhos fazem parte do livro feito
por elas, ao final do Projeto. Nesta pesquisa, “desenho de observação” refere-se a
77
uma produção em papel, com lápis ou canetas hidrográficas coloridas, executada
pela criança a partir da observação de desenhos, fotos ou slides expostos no
momento da produção. Os desenhos de memória são produções da criança a partir
de vídeos, livros ou imagens vistos ao longo do Projeto. Os desenhos de memória
tanto podem ser feitos sobre um tema proposto (cenários, figurinos, personagens),
como fruto de uma escolha da criança (desenhe uma cena de que você gostou).
Foto 6 – Análise de detalhes de figuras para desenho de observação (arquitetura chinesa)
Não se pode ignorar que, embora oriundas da mesma cidade, as pessoas
envolvidas na equipe de pesquisa viviam em uma realidade sociocultural diferente
da dos sujeitos, o que implicou cuidados especiais para interpretar os dados. Assim,
foi realizada uma discussão com a técnica de Grupo Focal para avaliar as
modificações ocorridas com as crianças ao longo do processo. Embora todas
tivessem experiência com o universo infantil (em função da própria prática
profissional), cada universo é único e as crianças são enormes desafios, com seus
mistérios a serem decifrados. Dessa forma, essas discussões, bem como as
conversas entre os pesquisadores e com a equipe técnica da escola, foram
instrumentos de grande valia.
O material coletado com o registro do Grupo Focal foi mais um dado que
ajudou no processo de descentração na interpretação dos dados, nos insights sobre
o observado, o que, supomos, contribuiu para diminuir o grau de subjetividade nas
interpretações e conclusões. As contribuições das participantes do grupo a
professora do projeto, a auxiliar da pesquisa, a diretora da escola e a professora de
78
classe foram uma fonte importante de informações, na maioria das vezes coesas,
com poucos elementos de divergência. Permitiram, de modo geral, complementar
interpretações e hipóteses sobre inúmeros episódios. A partir da segunda sessão,
deixamos de participar do Grupo Focal, para não influenciar os pontos de vista das
demais participantes. Trechos desse material, referentes à participação das duas
crianças cujo processo foi seguido mais de perto Claudiane e Alexsandro estão
nos apêndices T e Y. Reuniões de pais ocorreram no início e final de cada semestre,
para que acompanhassem o trabalho, inteirando-se do que iria ser realizado.
5.3 Ópera: música e drama
5.3.1 A música
O Projeto contava com um material bastante rico, uma vez que tinha
como linhas mestras uma história que enfoca a cultura de um povo desconhecido
para as crianças, envolvendo lugares, época e costumes diferentes dos seus, bem
como a apreciação de um tipo desica com o qual nunca tinham tido nenhum
contato a ópera. Pontos marcantes nesse contexto foram a pujança das melodias
– muito fortes ou muito suaves – e a trama extremamente dramática, inusitada e
peculiar, que possivelmente ajudou a manter a motivação das crianças.
Não foram raras as ocasiões em que realizávamos uma atividade com
algumas crianças concentradas e as outras, dispersas, envolvidas em atividades
paralelas mexendo com o colega, tirando a borracha, folheando um livro/caderno,
contando piadinhas e dando risadas, rolando pelo chão, fazendo ponta de lápis. A
música era um bom instrumento para tirá-las desse estado de dispersão e envolvê-
las, com atenção concentrada na regente ou na professora. Percebemos que a
música acalmava as crianças; por essa razão, todas as atividades de desenho foram
realizadas com música ao fundo, o que, pensamos, facilitava a concentração deles,
o envolvimento na atividade. A música, o movimento e o corpo foram instrumentos
úteis com essas crianças, que corriam muito, atiravam-se no chão da sala, rolando
pelo espaço, de um modo às vezes difícil de controlar.
A primeira música da ópera com que trabalhamos (para a coreografia do
carrasco) era uma melodia com acordes bem fortes, intensos, com instrumentos de
percussão marcando o ritmo, quase marcial. Pedíamos às crianças que
79
acompanhassem a música com o corpo e reproduzissem a fisionomia do carrasco
(cenho franzido). Depois dessa, a coreografia das meninas era um suavíssimo
lamento da morte do príncipe da Pérsia, que se inicia quase inaudível. Nós fazíamos
com elas gestos e expressão fisionômica de pesar, dor, sofrimento. Elas
acompanhavam o jogo – apoiadas na música e conduzidas pela dramaticidade.
As noções iniciais de ritmo foram passadas por meio de jogos, em que as
crianças procuravam movimentar todo o corpo para segui-lo, indo ao chão e
levantando-se, ou batendo palmas e pés. Propostas de como se mover ao som do
vento, das ondas do mar, das batidas de martelo sons suaves, fortes, ritmados ou
longos/curtos intercaladamente, associados a situações do cotidiano, faziam as
crianças atentarem para os barulhos e sons do dia-a-dia e repeti-los, com o corpo
inteiro, com as mãos e os pés e, depois, com diferentes instrumentos.
Todas as crianças participaram das atividades da banda. Para a escolha
dos instrumentistas, usamos como critérios: para o prato, uma criança concentrada;
para as matracas ou pauzinhos, crianças com ritmo, pois esses são instrumentos de
sonoridade forte; para o chocalho, as crianças que tendiam a ser mais dispersas,
porque o erro não aparece muito; para pandeiros, crianças ativas, vibrantes, que
eles dão vida à melodia.
Fotos 7 e 8 – Crianças tocando na bandinha, na ópera.
A proposta do Projeto era tocar sobre a própria trilha da ópera. Com a
grande orquestra como fundo, a professora realizava exercícios de reconhecimento
de diferentes tipos de toques dos instrumentos, levando os alunos a compreenderem
80
que aquela “melodia” era a junção de vários tipos de som e que eles precisavam se
juntar a ela. As pausas eram conseguidas com mais dificuldade, uma vez que,
quando as crianças passavam a seguir um dado ritmo, não queriam mais parar de
tocar seu instrumento. Ouvir a melodia envolvente e “esperar a sua vez de tocar” era
um esforço que, inúmeras vezes, exigia a mediação do colega do lado, que
segurava o braço do companheiro ou o advertia: “espera!” A parceria era bastante
evidenciada nas atividades de banda. As crianças, que conheciam seus
companheiros de instrumentos, consideravam-se “um grupo” e fiscalizavam a
performance do outro. Nessa atividade, o corpo, os exercícios com sons familiares e
a atuação fiscalizadora dos parceiros foram mediadores importantes.
Com o passar do tempo, os ensaios de música passaram a ser uma das
atividades que dava grande satisfação a muitos deles. As crianças entregavam-se a
uma outra lógica condutora, que não a simples brincadeira livre divertimento fácil.
Muitas cenas gravadas mostram as crianças entretidas prazerosamente nessa
atividade. No entanto, a dificuldade de fazer pausas, de compreender o valor do
silêncio e a importância de parar de tocar seu instrumento para ouvir o do outro, era
uma dificuldade que só foi sendo superada lenta e progressivamente. A agitação dos
alunos, quando se preparavam para tocar, era uma constante.
Certa tarde, em outubro, uma equipe de TV ficou sabendo do trabalho e
foi à escola fazer uma reportagem a seu respeito. Ao chegarem (os repórteres se
atrasaram um pouco), a excitação tomava conta da classe, no habitual brincar-
brigar-correr, de um modo que assustou os visitantes. Demos os instrumentos. A
bagunça foi ainda maior. Quando a música começou a tocar, os alunos, no entanto,
imediatamente se concentraram na atividade e fizeram uma apresentação
irrepreensível, o que impressionou muito bem a todos. A música havia sido
apropriada pelas crianças. Pressentimos que o resultado final do espetáculo seria
muito bom.
81
5.3.2 O drama
Foto 9 – Crianças assistindo ao vídeo de uma montagem profissional da ópera “Turandot
De modo geral, todas as atividades do Projeto preparavam para a
dramatização a leitura do livro, o vídeo da ópera, a projeção de transparências de
cenas da ópera para apoiar a leitura do texto lido, os desenhos de observação, tudo
contribuía para fazer as crianças entenderem a história e atentarem para os detalhes
e dramatizarem depois. Para avaliar o grau de compreensão da trama, realizamos
dois recontos coletivos. As crianças foram divididas em grupos para recontarem a
história, momentos em que discutiam e juntas chegavam a um consenso sobre o
quê e como contar. A professora funcionava como escriba. Esta técnica foi aplicada
em dois momentos: após os alunos terem ouvido toda a história, no final do primeiro
semestre; e, após a apresentação do espetáculo, no final do segundo semestre.
O procedimento consistia em, dividindo a turma em três grupos, fazer a
seguinte proposta, a um grupo de cada vez: “Vamos contar a história de Turandot?
Eu vou escrevendo o que vocês ditarem”. As crianças foram informadas que tinham
que entrar em acordo sobre a história, que eles iriam contar a história de Turandot,
mas não haveria nenhum problema se não se lembrassem exatamente como ela era
no livro. À professora cabia não interferir, mas fazê-los decidir o que escrever. Nessa
ocasião, foi possível observar como era a comunicação, a antecipação dos eventos,
a interpretação da história e a convivência em grupo para discutir a ópera. No vídeo,
é possível observar crianças que queriam sempre falar, as que ouviam mais do que
falavam, as que eram muito firmes em fazer prevalecer suas opiniões, as que
narravam fatos que não tinham relação com a história, demonstrando que sua
82
compreensão ainda estava precária. Houve opiniões e histórias diferentes no
mesmo grupo, mas, pouco a pouco, um entendimento foi sendo alcançado, de modo
que foi possível acordar o que escrever.
Embora cada versão focasse detalhes diversos e situações diferentes da
história, todas elas foram fiéis à história original (Apêndice D), o que sugere que, ao
final do primeiro semestre, pelo menos coletivamente, os grupos haviam
compreendido a história, mesmo que, se tomadas individualmente, nem todas as
crianças fossem capazes de recontá-la. Atividade semelhante foi feita final do
segundo semestre, após a apresentação da ópera. Àquela altura, todas eram
capazes de recontar episódios fiéis ao original e um grande número delas com muita
riqueza de detalhes.
Todas as crianças participaram do espetáculo, dançando e tocando
instrumentos, entretanto, havia personagens especiais os protagonistas da trama.
Os demais eram “o povo” que, particularmente, na ópera “Turandot”, atua como se
fossem um personagem, com ação e falas próprias (pedindo à princesa que não
mate o príncipe da Pérsia, pedindo a Calaf que não se submeta às provas, dando
vivas ao Imperador etc.). Para escolher os protagonistas, realizávamos jogos
dramáticos: tomávamos pequenos trechos do drama e fazíamos diversas crianças
atuarem em diferentes papéis. Os critérios para a escolha desses personagens
poderiam ser: ou o tipo físico parecido com o personagem (a escolha de Michel para
Calaf); ou o fato de a criança se identificar muito com o personagem (Sara queria ser
Liú); ou o papel requerer algumas características da criança (disciplina,
concentração, veia cômica, no caso de Alexsandro como Calaf ou ministro); ser
ativo, aguerrido, no caso de Wenderson como carrasco; ser imponente, (no caso de
Michael Jordan como o Imperador); ou a criança ter jeito natural para representar e
gostar de fazer isso (Samira como Turandot); ou sentirmos que um dado papel era
muito importante para alguém (Carlos Henrique). Entretanto, uma primeira escolha
nem sempre funciona. Tivemos que trocar várias vezes as crianças, até conseguir
acertar o elenco final.
Diversas habilidades foram utilizadas e desenvolvidas, à medida que cada
criança assumia o seu papel na ópera. Em todo esse processo, os parceiros agiam
como mediadores, ensinando passos uns aos outros, controlando o ritmo do
instrumento ou a pausa do colega. Por outro lado, a dramatização funcionou como
uma boa mediadora para o desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e
83
desenho, facilitando a concentração, uma vez que dava sentido a essas atividades
ao atuar como uma liga “concreta e viva” entre elas. Diante deles, a dramatização
movia-se segundo paixões, sentimentos e motivos, que os alunos passaram a
compreender e, portanto, a com eles empatizar, no processo de ir e vir entre as
atividades.
A observação de imagens também atuou no sentido de levar as crianças
a perceberem o significado de certas expressões, humores e caracteres, os quais
eram reafirmados pela música, cuidadosamente composta para essa finalidade,
coadjutora central da trama (ou como protagonista da ópera, como afirma Kerman,
1990), que se apresentava em um todo fortemente estruturado, “construído diante
das crianças”: isso é, enfim, a ópera. Consideramos, como Vigotski, que o outro e a
obra de arte são capazes de atuar como mediadores potentes, capazes de arrastar,
criança por criança, cada qual por uma via particular, para novas aprendizagens,
propiciando-lhes (ao que tudo indica) ganhos no desenvolvimento e novas
possibilidades de aprendizagem.
5.3.3 A dança
Quanto às aulas de dança, a aceitação da maioria das crianças foi
imediata esperávamos mas, observando de perto reações individuais, foi
possível ver aquilo que a visão superficial não mostrara antes, quando realizamos,
no ano anterior, o ensaio de uma coreografia com crianças dessa escola para
apresentação na ópera do Colégio Dom Bosco, em São Luís. Não era tão fácil assim
para todas as crianças começarem com uma atividade que envolvia tanta exposição
pessoal. Após três meses de trabalho, nós não conhecíamos vários dos
“cacoetes” dos alunos, como eles também se sentiam mais à vontade para
mostrá-los. Nossa relação havia se tornado mais íntima e isso permitiu que
percebêssemos como certos conflitos eram vividos.
A dança, por exemplo, não era uma unanimidade: alguns não gostavam
de dançar, outros às vezes se recusavam; no entanto, todos se saíram muito bem
na apresentação. Para as coreografias, era necessário escolher algumas crianças-
chave para “conduzir” cada subgrupo, crianças com boa noção de espaço, iniciativa
e autonomia, para que as demais as pudessem seguir. Vanessa era uma delas.
84
Seus movimentos chegaram a atrair a atenção do fotógrafo, que conseguiu dela
excelentes tomadas mostrando seus gestos cuidados e precisos.
Foto 10 – Meninas executando coreografia no espetáculo “Turandot”. Vanessa em primeiro plano.
Para algumas, a dança gerava insegurança; para outras, puro deleite.
Vivemos momentos ricos apreciando o modo como uns ensinavam aos outros um
passo ou a sua marcação. Aos poucos, as crianças foram nos ensinando sobre elas,
suas particularidades, expectativas, ansiedade e determinação na busca do caminho
para a auto-expressão e para a fantasia.
5.4 Análise de uma atividade no início do Projeto: o reconto de um trecho da
história
Apresentaremos, nesta subseção, um episódio coletivo de 38min:25seg.,
cuja decupagem está no Apêndice F, que mostra a tentativa da professora de contar
um trecho da trama da ópera “Turandot”, em 03/06/2005, lendo a adaptação do
libreto que escrevemos para o Projeto. Antes, porém, relatamos sinteticamente a
aula anterior, em que a professora, tentando realizar a mesma atividade, fracassa
em atingir os objetivos (30/05/2005). Nesses episódios ficam evidenciadas
características bem marcantes da turma no estágio do inicial do Projeto e as
mediações utilizadas com os alunos.
Nos primeiros dias em que observamos a classe, percebemos que o nível
de atenção das crianças era muito precário. Era de impressionar a dificuldade que
85
apresentavam para se concentrar nas tarefas propostas. Cada criança estava com a
atenção voltada para uma coisa diferente ou a nova mochila do outro, ou um
pedaço de papel que encontrou no chão ou, também, em alguma querela com os
colegas menos, ou pouquíssimo, na professora ou no que ela tentava dizer ou
fazer. Alguns poucos alunos pareciam esperar que algo fosse começar, outros a
olhavam com o olhar perdido.
A professora se esgotava. Passava a maior parte do tempo tentando
trazer as crianças para a cadeira ou a apartar desavenças que não raro chegavam a
constituir incidentes de pura agressividade, pois havia crianças que batiam com
violência nos colegas. As demais, em conversas paralelas, em duplas ou em
pequenos grupos, acompanhavam de longe as brigas, que esporadicamente
chamavam a atenção de todos. Uma criança puxava constantemente a professora
pela saia, como que a pedir que ela lhe dedicasse atenção. Quando não conseguia,
vagava pela classe, rolava pelo chão, em uma brincadeira solitária. Essa foi a
atmosfera que predominou na sala durante nossas observações. Foi, pois, com
temor, que aguardamos o início do Projeto.
Quando ele começou, em seu primeiro dia (30/05/05), a professora
colocou as crianças sentadas em círculo, no chão, cada uma sobre uma peça de
tapete quadrado de borracha colorido, que havíamos comprado especialmente para
esse fim. A primeira atividade era a apresentação do livro da história que seria lida,
seguida de um levantamento de hipóteses sobre o que é uma ópera, e sobre o que
se passaria na história. No final, esperávamos que fizessem desenhos a partir da
observação de um dos personagens do livro. A professora tentou realizar a
atividade, mas havia muita dispersão. Ela apresentou o livro “Turandot” e perguntou
aos alunos “o que eles (os personagens) estão fazendo?” Não conseguiu muito:
alguns poucos palpites. A professora começou, então, a ler o livro, mesmo as
crianças estando desatentas. Lia, porém, sem entonação, tentava mostrar as
ilustrações do livro a alunos que mal lhe prestavam atenção. Pediu às crianças que
fizessem desenhos sobre o que viram no livro. Quando os alunos começaram a
jogar em cima dos outros as peças dos tapetes de borracha que havíamos trazido
para que pudessem neles se sentar, ela encerrou, abruptamente, a aula.
Passaremos à análise da aula seguinte (03/06/05), cuja proposta era
mostrar os desenhos que os alunos haviam feito na aula anterior e discutir as
hipóteses que algumas crianças haviam levantado na ocasião, colocadas em
86
cartazes. Depois, contar um trecho da história, o que não havia sido possível na aula
anterior, e tocar um trecho da ópera a ária que correspondia ao trecho a ser
contado. Para melhor compreender do ocorrido, retomamos um trecho do Diário de
Campo:
Tentamos seguir o planejamento: os desenhos das crianças foram
dispostos no chão, para que, à medida que fossem entrando na sala, cada
uma pudesse reconhecer o seu, colando-o na parede. Diante dos
desenhos, a atenção delas começou imediatamente a dispersar. Era muita
novidade, muito estímulo visual. A excitação era intensa, tanto que não foi
possível dar continuidade ao proposto. A professora voltou a insistir:
começou a contar a história enfrentando a mesma enorme dificuldade em
fazer com que as crianças se concentrassem. O barulho era muito alto e
ninguém conseguia ouvir. Aflita, ela procurava trazer as mais dispersas
para perto, o que implicava interromper a história.
Percebendo que essa situação permaneceria indefinidamente, pedi à
professora para que ela começasse a história assim mesmo, o que ela
conseguiu realizar por apenas alguns poucos minutos. Quando vi que ela
não conseguiria ser ouvida, fui para o chão, junto com as crianças, fazendo,
improvisadamente, um diálogo com a narração da professora, como que
dramatizando. Ao mesmo tempo, tentava manter o maiormero possível
de crianças junto de mim, balançando-as ao som das palavras, para mantê-
las de alguma forma em sintonia. Pareceu-me, na ocasião, que se fosse
possível envolver na narrativa o próprio corpo das crianças, elas talvez
pudessem se concentrar. Assim, puxei os mais levados, coloquei a cabeça
de Wenderson no meu joelho e, quanto a Mateus, impossível de ser
controlado, decidi colocá-lo no colo, os pés em um dos braços, a cabeça no
outro. Ninei-o como a um bebê. Aos poucos, ele foi se acalmando e assim,
balançando e afagando a um e a outro, pedi que a auxiliar colocasse uma
ária para tocar. Expliquei o que estava acontecendo naquele trecho e os
induzi a fazerem o que dizia o texto. Separei os meninos das meninas: elas
seriam as princesas e eles os príncipes e todos entraram no clima.
Improvisamos, a professora e eu, movimentos de príncipes e de princesas
e, assim, ouvimos uma ária e mais outra e outra mais, sempre
acompanhando a narrativa com o corpo, gestos e mímica. As crianças
aquietaram-se aos poucos.
Acalmada a situação, a professora distribuiu papel e lápis de cor entre as
crianças, pedindo que desenhassem um personagem. Eles, agora
interessados, deitaram-se no chão e começaram a desenhar e pintar ao
som da ópera; meninos de um lado da sala com a professora e meninas,
com a auxiliar, de outro. Enquanto pintavam e ouviam música, as duas,
quase sussurrando, recontavam o trecho da história a eles. As crianças
ficaram muito tempo pintando e foram aos poucos saindo da sala, à medida
que terminavam. Michel e Thalisson ficaram por último, caprichando muito
nos detalhes. Tínhamos conseguido chegar ao fim da atividade!
Diário de Campo 03/06/05
Para Vigotski (1994), a ação na ZDP, pela mediação, impulsiona o
desenvolvimento e complexifica as funções mentais superiores, na medida em que
propicia a aprendizagem de novas habilidades. O simples reconto oral, mesmo com
o auxílio das figuras do livro, revelou-se pouco eficaz para atrair a atenção das
crianças, fazendo-as se concentrar na atividade proposta. Por isso, fomos obrigadas
87
a lançar mão de todos os recursos mediacionais que havíamos previsto utilizar ao
longo do Projeto em um dia. Vamos analisar cada um deles, que estão descritos
em detalhes na decupagem do Apêndice F:
a) O gesto – O gesto (abraçar) foi introduzido, para um contato corporal,
facilitado pelo texto: pai e filho se encontram depois de muito tempo. A
vivência do gesto trouxe a atenção das crianças que, em seguida, se
dispersavam novo, uma vez que a própria mobilização para “o abraço”
promovia tumulto e derivava em brincadeiras. Essa reação nos
mostrou bem de perto o quanto o desenvolvimento se por meio de
avanços e recuos. Era necessário tentar outras alternativas (Apêndice
H).
b) A mímica – No trecho seguinte, introduzimos a mímica: “vamos fazer
no rosto a nossa tristeza...”, em uma tentativa de fazer as crianças
empatizarem o sentimento do povo, que se apiedava do Príncipe da
Pérsia. Fazíamos e sugeríamos que eles fizessem as expressões de
dor, de pena, de horror, para tentar trazê-los para a trama (Apêndice
I).
c) O movimento do corpo e a dança O movimento do corpo foi
introduzido, ligado ao sentimento que emanava da música, e facilitado
pelo material da ópera que inclui uma melodia que corresponde, passo
a passo, à narrativa (há uma melodia “apropriada” para a marcha dos
soldados e outra, bem diferente, para o lamento do povo pela morte do
príncipe da Pérsia, e assim por diante). É possível conseguir
diferentes movimentos, “embalados“ por diferentes melodias texto e
música atuando conjuntamente vai o príncipe, tão jovem...”, ao
som da melodia lenta. “Agora vamos levantar os braços... de um lado
para o outro, que pena...”. A música sugere o movimento e as crianças
se concentram naquela “multimídia”: som, imagem dos colegas e da
professora coordenadamente e depois o movimento do próprio corpo,
ao som da melodia, a partir do sentido dado pelo texto. Aqui, apesar
das tentativas de algumas crianças de desviar a atenção dos demais
para a brincadeira, tentando ridicularizar o gesto (eh, eh, eh), a
confluência das mediações era mais forte e sobressaía. A partir de
88
certo momento, algumas crianças levantaram para dançar
espontaneamente (28min13seg.), sugerindo que algo havia se
internalizado pela mediação, uma vez que esse era um gesto que
partiu delas, que começa com Samira e Francimara e depois, estas
funcionando como um “outro” mediador, é imitado pelas demais. Elas
giram sorrindo (28mim58seg.). Entretanto, não são mediadoras
suficientemente competentes para os meninos, que permanecem
sentados, sorrindo – mas com a atenção concentrada nelas (Apêndice
J).
d) A rima A rima, com sua musicalidade inerente, tem uma força, que é
demonstrada no episódio. Memorizada e repetida, concentra uma
idéia em palavras, que se encaixam com sonoridade. As crianças se
surpreenderam quando começamos a recitar a rima da fala do
carrasco, que sabíamos de cor, junto com a professora, sem ver o livro
que estava sendo lido por esta, do outro lado da sala. surpresa e
encantamento na expressão das crianças, como se aquilo fosse uma
mágica (“como ela sabe as palavras?”). Esse pequeno “truque” foi um
outro mediador potente para conseguir atenção concentrada das
crianças. (Apêndice L).
e) A palavra com sentido vocabulário Sabemos, como leitores
adultos e experientes, que algo que nos dispersa a atenção em uma
leitura complexa é uma palavra desconhecida. O livro que adaptamos
de Turandot, para o POPT, contém algumas palavras que não são do
vocabulário usual de crianças dessa idade, com o intuito de preservar
o sentido e propiciar avanço vocabular. Não ignoramos, no entanto,
que esses são entraves à concentração da atenção. No trecho em
questão, aparece a palavra fascinado. A leitura é interrompida, a
professora repete a palavra e pergunta-se à classe o que é
“fascinado”. Uma criança, servindo-se do seu próprio vocabulário, diz
“é vacinado”, como se a professora tivesse errado a palavra. A
pesquisadora então esclarece: fascinado é apaixonado. As crianças
repetem “apaixonado” (30h48min) e algumas batem palmas de alegria
fazia sentido, um príncipe, uma princesa... apaixonados, situação
que contribuiu para atrair a atenção de mais crianças. (Apêndice M).
89
f) O jogo teatral – O jogo teatral, a incorporação de personagens, revela
seu potencial de empatia, na medida em que, a certa altura, estava
compreendido que havia uma princesa e, à pergunta “quem quer casar
com a princesa?”, ouviu-se um EEEUUU em uníssono dos meninos
(17min54seg.). A partir daí, tínhamos personagens. Aproveitamos para
dividir a turma em “príncipes” e “princesas”. Embora Turandot fosse
uma só, as meninas agiam como se cada uma delas pudesse ser uma
princesa, para ser cortejada pelo príncipe, não importa que elas
compreendessem que Turandot era “aquela” do desenho. A divisão da
classe em personagens facilitou o trabalho, porque eles agora eram
dois grupos e tinham que se comportar de acordo com o seu papel. A
atenção voluntária foi favorecida, não mais apenas por comandos
externos, “faça isso ou aquilo”, mas por um ordenamento interno do
que cada um, uma vez incorporado o personagem, sabia que era
“próprio de um príncipe” (Apêndice N). Na subseção 5.5.2,
mostraremos como Alexsandro, o Calaf do espetáculo, levou essas
premissas às últimas conseqüências.
g) As ilustrações Ter concretamente nas paredes os personagens em
desenho, feitos por eles próprios, e trazê-los para a roda de história foi
um mediador importante para a atenção das crianças, que viam a
materialização daquilo que estava sendo contado. A ilustração grande
(havíamos ampliado os desenhos deles na fotocopiadora) facilitava a
visualização de longe para todos, o que o livro permitia apenas
àqueles que se aproximavam da professora. A certo momento, as
crianças foram solicitadas a se dirigirem ao desenho de Turandot,
como se fosse a própria princesa, para pedir a ela, com gesto e fala
teatral, que não matasse o príncipe. Esse desenho mediador
contribuiu para dar realismo à narrativa, concentrando a atenção das
crianças.
h) A música – Por fim, a música associada a um texto narrado e
representado, evidenciando-se a musicalidade, a melodia, os acordes
paradepreender o sentido a partir deles”, foi outro potente mediador.
A música mostra toda a sua força, como afirma Kerman (1990),
quando, personagens a postos, a forte melodia dos samurais toca e
90
nós cantamos o verso adaptado em português na melodia “Onde
reina Turandot...” (21min34seg.). Foi o primeiro momento de
envolvimento total e de mobilização da atenção da classe, em pleno. A
música dos samurais sugeria o sentido da cena da condenação do
príncipe, denotava a gravidade da situação. Esse sentido, depreendido
dos acordes, se somavam à narração do texto. Por outro lado, o
lamento pela morte do príncipe, em acordes suavíssimos, embala os
movimentos delicados das meninas, contribuindo para internalizar uma
“tristeza”, pela mediação de texto+música (KERMAN, 1990). Assim,
música e texto associados passavam às crianças diferentes emoções
a cada trecho: medo (Onde reina Turandot, gira a pedra de amolar...),
pena (Oh! Como ele é doce...), revolta (Princesa, não mate o
príncipe!). (Apêndice P).
i) O desenho O desenho, atividade a que as crianças se dedicavam
com interesse desde o início, permite uma atividade metacognitiva
(CATTERALL, 2002a), quando oportuniza pensar sobre o que foi visto,
vivido, o que pode repercutir sobre o desenvolvimento das funções
mentais superiores. Esse sentido das atividades de desenho foi
dado à classe graças às técnicas de desenho usadas no Projeto.
Como foi detectado no período de observação, antes, elas procuravam
um modelo para “decalcar” ou desenhavam livremente, a partir de
seus próprios devaneios. Nesta atividade, o desenho proposto é o
desenho de observação de um personagem, o que, ao mesmo tempo
em que evoca o episódio, a história, chama a atenção para detalhes
da figura. A criança, ao mesmo tempo em que desenha, está, de certa
forma, ligada à história, ou à melodia.
Ademais, a figura estavabem de perto”, fotocopiada em tamanho
reduzido no canto superior esquerdo de cada papel, o que facilitava a
concentração – as crianças não precisavam “sair do papel” para buscar
referências. Esse momento foi propício para que a professora e a
auxiliar recontassem trechos da história, fazendo perguntas sobre a
compreensão, em tom de voz bem baixo, no chão com eles, com a
música tocando ao fundo. Uma vez mais havia vários elementos
91
mediando a mobilização da atenção voluntária na história (Apêndice
Q).
Como foi dito, para contar a história, foram esgotadas todas as
mediações previstas no Projeto em um dia: drama, música, rima, mímica, dança,
desenho para conseguir o envolvimento e a participação delas. Cada um desses
recursos funcionou, de alguma forma, para algum aluno. Alguns se identificaram
mais com a rima, outros com dramatização, outros com o desenho. O fato é que, a
partir de então, a cada dia, a professora procurava contar a história usando
diferentes técnicas e estratégias. Foi necessário fazer uma adaptação no
cronograma de atividades (Apêndice A). Tinha sido planejado contar a história para
as crianças em três dias e, na verdade, foram necessárias 11 sessões. A atividade
de sentar para ouvir uma história narrada revelou-se uma coisa bastante difícil para
elas, que não conseguiam se concentrar, não tinham esse hábito, talvez por serem
crianças de série; o fato era que fazer abstrações era praticamente impossível e
recorrer apenas à oralidade implicava desviar com facilidade a pouca atenção que
tinham na ocasião.
A partir dessas observações, vimos que era necessário buscar sempre
diversos canais para conseguir a atenção voluntária dos alunos, sobre a história.
conseguimos chegar ao final do livro quase no último dia de aula do semestre. O
processo todo foi permeado de avanços e recuos, que nos faziam repensar tanto o
tempo necessário para alcançar nossos objetivos, como a adequação de cada
atividade para levar as crianças a aprenderem novos conteúdos e habilidades,
avançando em seu desenvolvimento.
Voltando o olhar sobre essas primeiras tentativas de envolver as crianças
para ouvirem a história de Turandot, podemos dizer que elas foram pautadas por
fracasso, o que nós, de certa forma, esperávamos, à luz do que havíamos
observado em classe no período que precedeu o início do Projeto. Entretanto,
apoiávamo-nos nas afirmações de Vigotski e de estudiosos de sua teoria para levar
adiante as nossas tentativas. Para Clot (2006), em atividades na ZDP, a criança é
capaz de se envolver em atividades não apenas de forma espontânea, mas volitiva e
conscientemente, sobretudo em ambientes planejados, por meio da atividade
socialmente mediada e dos instrumentos colocados à sua disposição. A motivação
92
pessoal surge quando se estabelece um elo entre a atividade, os outros e os
interesses prévios das crianças.
Tínhamos em mãos um Projeto com atividades cuidadosamente
planejadas, mas não tínhamos esse elo com os interesses prévios das crianças
iniciantes na escola, sem experiência em comum precedente que não a convivência
nas ruas do bairro. Não havia nas crianças algo que pudesse se constituir nessa
“pré-ocupação” com o trabalho de ouvir uma história e dramatizá-la: elas estavam
inteiramente imersas em um mundo à parte de brincadeiras e rusgas, certamente
fascinante, em especial quando essa oportunidade acontece na e pela escola pela
primeira vez. O trabalho foi trazido para elas, portanto, como uma atividade
estruturada, que precisava conquistar-lhes a “vontade” de participar. A atenção
voluntária era o que esperávamos que elas desenvolvessem.
Acreditávamos, seguindo Vigotski, que é possível: a) intervir no
desenvolvimento da criança por meio das interações sociais e de material simbólico;
b) programar o ambiente e também as modalidades de mediação para levar à
aprendizagem e ao desenvolvimento. Mas, como conseguir a atenção delas? Qual o
primeiro passo? Como afirma Vigotski, esse exercício da vontade e da consciência
na atividade mediada, emocionalmente impulsionado, com o apoio de instrumentos
e de mediadores, à atividade em ZDPs uma dimensão valiosa para o
desenvolvimento infantil.
Mesmo usando como mediadores as diversas linguagens da arte,
tínhamos que buscar algo próximo delas e esse primeiro elemento foi o abraço,
gesto muito próprio da vivência infantil, que toca o corpo e traz um prazer imediato.
Depois as mímicas, que não passam de caretas, brincadeira comum do cotidiano
infantil. Entretanto, Teplov (1991, p. 132) afirma que a maior ou menor
inteligibilidade da literatura infantil depende, antes de tudo, da sua capacidade de
levar as crianças a se colocarem no lugar do herói da história e atuar com ele. Para
esse autor, ouvir uma história promove comparações, análises, deduções,
inferências, analogias, sínteses etc., impulsionando o desenvolvimento.
Para promover essa empatia, precisávamos de personagens. A
constituição de personagens foi certamente uma elaboração mais complexa, mas
também mais eficiente, na medida em que ensejava gestos autônomos, movidos por
um sentido que começava a ser compreendido o romance entre um príncipe e
uma princesa. Quando as crianças se assumiram como príncipes e princesas,
93
pareceu-nos que depreendiam dali um sentido que as fez sorrir e até bater algumas
palmas quando explicamos que fascinado era apaixonado, provavelmente
deduzindo que havia um romance entre eles. Era para nós a sinalização de um
sentido em formação, sentido esse que, associado às “pré-ocupações” bem próprias
da idade, tais como contos, romances, novelas de TV, ajudava a “trazê-los” para a
história, suscitando, como preconiza Teplov (1991), aprendizagens que implicavam
análises, inferências, analogias etc. e, com isso, impulsionavam o desenvolvimento
dos alunos.
Vigotski (2001, p. 351) afirma, ainda, que: “Observar, ouvir e sentir prazer
parecia um trabalho psíquico tão simples, que não necessitava ser ensinado. Não
obstante, é aí que está o objetivo principal e o fim da educação”.
Com efeito, conseguir que as crianças desenvolvessem atenção
voluntária para ouvir a história foi algo que, para ser aprendido, precisou da ação de
vários mediadores na ZDP. Entretanto, o que sentimos com essa experiência foi que
um instrumento apenas não bastava naquele momento em que as crianças estavam
ainda longe de atingir esse objetivo. Levantamos a hipótese de que o emprego
quase simultâneo de vários mediadores, coletivamente incidiu em suas zonas de
desenvolvimento proximal, de modo que, com essa ajuda, puderam aprender a ouvir
histórias e formar e/ou mobilizar asrias habilidades cognitivas necessárias para
sua compreensão. As próprias crianças funcionaram como mediadores sociais
importantes: uma colega que dançava ou batia palmas espontaneamente levava as
demais a irem, paulatinamente, se envolvendo na trama. Ora um, ora outro, ora
vários, os alunos se revezavam na mediação e no incentivo à compreensão
participativa do que estavam ouvindo. A multiplicidade de canais e de mediadores foi
o que, para nós, marcou esse episódio. Ele aponta, talvez, para uma questão nova:
a de que para atuar na Zona de Desenvolvimento Próximo de nossos alunos é
importante usar, planejada e deliberadamente, um arsenal de mediadores e de
modalidades de expressão que assegurem que o que era nível de desenvolvimento
próximo possa se converter em nível de desenvolvimento real. E isso não se passa
apenas de forma espontânea, mas volitiva e conscientemente, em ambientes
planejados, por meio da atividade mediada e dos instrumentos à sua disposição.
Ora, o exercício da vontade implica a construção de novas Funções
Psicológicas Superiores. Mas, para que isso aconteça, é preciso que a atividade
mediada faça uso do apoio de instrumentos físicos e sociais capazes de, não
94
captar a atenção das crianças, como também de envolvê-las emocionalmente na
atividade. Criam-se, com isso, motivos que, ao impulsionarem os alunos a seguir em
frente, colocam também novas necessidades para o desenvolvimento infantil. Daí a
importância de a escola planejar e empregar, com engenho e arte, instrumentos
mediadores capazes de mobilizar as crianças para apreender novas perspectivas e,
com isso, novas maneiras de pensar, sentir e agir.
No caso da arte, sua fruição não é, de modo nenhum, uma vivência
passiva. Ao contrário, ela possibilita, como bem afirma Vigotski (2001, p. 333), que
se desenvolva uma atividade construtiva complexa por parte do leitor/espectador. Ao
experienciar subjetivamente a vivência dos personagens apresentados, ele constrói
e cria as relações que futuramente poderá vir a efetivamente sentir. Aqui atuam
vários “outros”, todos eles mediadores do desenvolvimento infantil: aquele que
para a criança, o autor, os personagens etc. No episódio em tela, foram requisitados
ainda gestos, mímica, imagens, expressão corporal, rima, dança, música e
dramatização.
A série de contradições suscitadas pela trama – a morte, a desilusão
amorosa que deflagra a crise impulsionadora do desenvolvimento, pode ser aqui
entendida, segundo Vigotski (1999), como uma cisão entre o simbolismo do
brinquedo e as reações emocionais que a vivência imaginária propicia às crianças,
por meio da fantasia. As crianças, pelas várias mediações presentes, eram
incitadas, no momento de ouvir a história, a “viver“ a tristeza pela morte do príncipe
da Pérsia “no rosto”, como dizíamos explicitamente a elas, e isso contrastava com o
clima de brincadeira infantil que reinava na classe. Esse contraste ficou evidente em
um dos momentos (27min10seg.) em que quase todos os alunos estavam
concentrados em fazer a mímica da dor e um deles começou a rir baixinho. Foi-lhe
dito suavemente: “Não pode rir; quem está triste não ri”. Essa é, de fato, uma das
regras centrais do brincar. Desse modo, o menino olhou para os demais e, vendo a
seriedade de todos, levou as mãos ao rosto, como se sentisse agora, também ele, a
dor da perda que não tiveram. Esse conflito de emoções é, para Vigotski (1999), o
que propicia a catarse emocional que, superada, adensa as emoções, enriquece o
repertório de vivências, faz com que a criança ascenda a um outro patamar de
desenvolvimento. Tais sentimentos, segundo Vigotski (1999), podem vir a ser, um
dia, sentidos na pele. No entanto, naquele momento, na sala de aula, protegidos
pela ficção, eles atuaram como se fossem emoções verídicas, mas sem a amargura
95
da realidade. E, o mais importante, aprende-se, junto com o personagem com quem
se empatiza, formas de superar a dor. As aprendizagens derivadas dessa
experiência social mediada internalizam-se, de modo que o que se passou nas
relações intermentais é, simultaneamente, convertido em função intramental em
funções psicológicas superiores.
Consideramos da maior importância, para uma percepção adequada das
idéias de Vigotski, a perspectiva de causalidade não-linear que ele atribui à relação
aprendizagem-desenvolvimento. Para esse autor, a primeira impulsiona o segundo e
vice-versa, em um processo que não segue a lógica do “antes e depois”. Do mesmo
modo, é fundamental considerar a concepção de totalidade para analisar os efeitos
da ação as manifestações das funções psíquicas, conforme Vigotski as concebe.
Tais efeitos não são pontuais, posto que a construção de uma delas muda a
totalidade das circunstâncias do sujeito, as quais, inevitavelmente, modificam, por
sua vez, o sujeito.
Assim, consideramos, ainda, que a série de mediações utilizadas para
conseguir atenção voluntária das crianças acabou por construir um espaço no qual a
reflexão, a empatia e a auto-regulação foram desenvolvidas em um todo que se
modifica à medida que essas habilidades vão sendo refinadas pela ação mediadora
da obra de arte e pela intervenção do outro. Esse outro funciona como um modelo a
ser imitado a professora, a pesquisadora ou mesmo duas ou três colegas que,
como mediadores eficientes, começam a dançar, despertando a atenção e, em
seguida, a adesão das outras crianças. Esse foi um dos momentos marcantes dessa
atividade, uma vez que as crianças, embaladas pela música, rodopiando espontânea
e prazerosamente em meio à narração, pareciam estar experenciando, vividamente,
seus personagens. Entendemos que osrios mediadores empregados incidiram
em uma zona de desenvolvimento próximo, de modo que aquilo que antes era
impensável que as crianças fizessem, agora, com nossa ajuda, elas passaram a
fazer por si mesmas. Para conseguir esse tento, foi necessário mediar,
planejadamente, não com um, mas com múltiplos instrumentos ao mesmo tempo. A
ópera oferece-nos, graciosamente, um arsenal desses instrumentos.
Para Vigotski (2001), observar, ouvir e sentir prazer, embora sejam ações
simples, podem e devem ser ensinados pela ação de mediadores e de instrumentos
programados. O jogo constitui, assim, uma situação rica, em que, a partir de um
ambiente em que a mediação é devidamente planejada, o que é vivido é passível de
96
ser internalizado, como bem afirma Vigotski. Vale lembrar que se na literatura, de
acordo com Teplov (1991), a inteligibilidade do texto vem da empatia com os
personagens, essa mesma empatia, no jogo teatral, pode suscitar ação autônoma,
fruto da internalização do papel e da situação de jogo que, por sua vez, intensifica a
construção da atenção voluntária e a participação volitiva e consciente. Cada nova
aprendizagem age sobre diversas funções mentais superiores, segundo uma
causalidade não-linear, promovendo o desenvolvimento.
5.5 O processo de duas crianças
A) Claudiane
Para a análise dos dados da pesquisa, seguiremos aqui o percurso de
Claudiane (CL), uma criança escolhida como sujeito por apresentar um perfil
irreverente, ousado, belicoso, além de demonstrar comportamento autônomo e
solidário. Suas ações se realizavam na sala de aula ao sabor de seu desejo e
interesse pessoal. Concentrava-se por pouco tempo nas atividades propostas,
quando estas não implicavam ação, desafio e/ou diversão. É uma das crianças mais
citadas no Diário de Campo, por seu comportamento sempre impetuoso e, em
grande parte, divergente das propostas das professoras para a classe. A sua
liderança na classe era bem perceptível.
Auxiliar: Claudiane (...) sempre tava liderando. Todo trabalho que se fazia
ou em parceria, ou em grupo, ela assumia, ela trazia a responsabilidade, a
liderança, para ela. (Apêndice T).
97
Foto 11 – Claudiane em atividade de grupo
Claudiane era extremamente solidária. Não havia uma briga,
desentendimento, choro ou queixa a que ela não estivesse rapidamente presente,
“dando conta” do que acontecia, chamando a professora para resolver o problema
ou resolvendo-o ela mesma. Sua enorme perspicácia era também uma habilidade
inegável. Diagnosticava com facilidade as situações, sabia quem tinha feito o quê,
informava, culpava e às vezes punia, ela própria, aquele (a) que fez algo a alguém
da classe. Essas eram características que, supomos, ajudavam a manter a sua
liderança.
Acontece um desentendimento entre Samira e Lenise. Samira começa a
correr atrás de Lenise para bater, Claudiane percebe e vai a favor de
Lenise, fica trocando socos com Samira. (Diário de Campo 30/09/05).
Houve um desentendimento, Jhuli se afasta do grupo. Claudiane se
preocupa com Jhuli e sai para falar com a colega. Aproveita esse momento
e fica fazendo algumas piruetas. (Diário de Campo 21/10/05).
Para analisar o percurso seguido por Claudiane, partimos do pressuposto
de que os traços básicos da avaliação que fazia de si mesma (sua auto-estima) eram
a vaidade pessoal e a liderança, ou uma liderança que se alimentava de sua
vaidade. Ao ter início o Projeto, tanto uma como a outra foram postas em xeque.
Desde os primeiros momentos, o seu traço vaidoso se revelou, pois a aparência
pessoal de Claudiane era, para ela mesma, uma fonte de conflito: embora se
achasse bonita, não gostava de seu cabelo crespo e irrequieto. No dia em que
iniciamos as filmagens, durante o período de observação da classe, ela foi ao
banheiro passar água no cabelo. No dia seguinte, apareceu com o cabelo todo preso
98
em pequenos elásticos coloridos, toda ela muito “produzida”. Nesse dia, sabendo-se
observada, sentou-se atrás, quieta o tempo todo, perto dos meninos, fazendo
apenas algumas discretas provocações, que mantinham o ritmo de seu dia-a-dia na
escola. Dados do Grupo Focal elucidam melhor essa questão:
Profa de Classe: No início, eu fiz uma pesquisa com os alunos de como é
que eles se viam e ela disse pra mim que se achava feia; eu perguntei por
que, ela disse que não sabia, mas se achava feia. Eu perguntei para ela:
Nunca ninguém lhe achou bonita? Ela disse: Não. Eu disse: Você não é
feia... Tem pessoas que se acham feias, mas não são. Ela disse: É, tia? E
passou as mãos nos cabelos.
Profa do Projeto: Por exemplo, ela não gosta de Graciele.
Pesquisadora: A preocupação dela é com o cabelo [Graciele tem o cabelo
liso e comprido].
Profa do Projeto: Quando ela briga com Graciele, a primeira coisa que ela
pega é o cabelo pra puxar.
Diretora: Na mente, talvez ela já tenha um padrão de beleza. Com certeza,
ela está buscando firmar a auto-estima dela. (Apêndice T).
Foto 12 – Claudiane na sala do Projeto
Com esse perfil, as mediações realizadas, em especial durante a dança e
pelo próprio grupo das crianças, quase que impuseram a Claudiane a necessidade
de superar sua enorme inquietude para alcançar níveis mais elevados de auto-
regulação, por meio dos quais pudesse construir novas habilidades motoras.
Aparentemente, seria mesmo difícil manter seu status na classe, sem tais
mudanças. Era importante que ela deixasse a irreverência de lado e passasse a
acatar mais as sugestões da professora ou dos colegas.
99
“Agora o ensaio é de música. A professora apresenta um instrumento novo,
o caxixi
7
, diz que as meninas vão tocá-lo. Claudiane saiu e voltou. Estava
sem o instrumento. Mais uma vez ela demonstra que não se submete,
gosta, ela mesma, de buscar o instrumento. Vai na sacola da professora,
que pede para que ela se sente e, com isso, ela se zanga. A professora de
dança o instrumento para ela, ela não recebe, a professora o coloca
próximo a ela, que fica meio indiferente. Quando a colega do lado quer
pegar o caxixi, ela o toma e fica com ele na mão, observando-o”. (Diário
de Campo 28/09/2005).
A tia pede que todos se sentem. Direciona alguns lugares para
determinados alunos. Indica o lugar para Lenise sentar e ela se senta sem
reclamar. E indica o lugar também para Claudiane sentar, mas ela
imediatamente reclama: ah! Tia, eu quero ficar é aqui.” (Diário de Campo
30/09/2005).
Claudiane é uma criança muito ativa, mas não obediente: sua ação partia
sempre dela, era fruto de sua iniciativa, de seu desejo. Ela fazia questão de
demonstrar sua irreverência, como bem retrata esse relato:
Profa. de classe: Aqui teve uma festinha de São João[...] e o que eu achei
interessante é que ela se arrumou, parecia uma baiana.Quando ela chegou,
todo mundo sorria, sabe? Porque ela ficou muito bonita, com aquele
rostinho dela pintado... Todo mundo estava sorrindo... E ela se sentiu tão
importante, ela não se intimidou. Ela chegou e se sentou ali, na festinha. Ela
estava se achando realmente o máximo. E a professora que havia
organizado a festa disse: Vocês já podem entrar na dança! Aí ela disse: Tia,
eu quero dançar, eu quero dançar com aquele menino ali! Ela não é uma
criança que se intimida, não. (Apêndice T).
Sua irreverência tomava, com freqüência, a forma de transgressão e de
desafio às regras. No início do período de observação, registramos em vídeo o
episódio em que ela apanha na mesa da professora um estilete para apontar o lápis,
algo que era terminantemente proibido pela docente. Lançava mão de várias
artimanhas para dissimular o que estava fazendo, escondendo-se da professora e
depois fingindo chorar, quando pega com o estilete nas mãos. No dia seguinte,
sentou-se na última carteira e brincou durante a aula com uma tesourinha de ponta,
trazida de casa. Selecionamos esse último episódio para discutir com ela em uma
das entrevistas que fizemos com as crianças, individualmente, vendo o vídeo das
atividades de classe. Claudiane negou estar com a tesourinha até o instante em que
o vídeo a mostra com o objeto. Ela então afirma: “é sem ponta”. Mas nós havíamos
capturado em zoom a tesourinha e, quando lhe mostramos que tinha sim ponta, ela
fez o mesmo gesto de baixar a cabeça na mesa, entre os braços, mas agora sem
fingir chorar: deu apenas um sorrisinho maroto.
7
Caxixi é uma espécie de chocalho feito de palha trançada, com sementes no interior.
100
Entendemos que sua vaidade foi posta em jogo na medida em que o
Projeto planejava a apresentação de uma dança, na qual todas as suas
companheiras estavam empenhadas em se sair bem, o que realmente estava
acontecendo. Claudiane acabou apresentando um desempenho bastante
competente na dança, em um percurso cheio de idas e vindas, no processo de
precisar aprender para se sobressair. Sem isso, ela deixaria de ser o centro das
atenções, algo que lhe era habitual e do qual não queria abrir mão.
Profa do Projeto: No começo, ela era uma criança muito resistente, as
coisas tinham de ser do jeito dela e na hora que ela queria fazer as coisas
e, com as atividades, quando ela percebeu que todos os colegas queriam
fazer e ainda fazer bem feito e fazer bonito... Por exemplo, na dança, todas
queriam fazer, todas estavam ali, prestando atenção. Então, com o tempo,
ela foi percebendo que ela tinha que participar dos ensaios, tinha que
aprender, para ela também fazer bonito. Ela foi percebendo que não podia
fazer do jeito dela. Ela tinha que participar, para ela também fazer bonito,
ela tinha que se interessar! Foi um aspecto bastante curioso, eu achei.
(Apêndice T).
Profa do Projeto: Ela não tinha gosto pela dança das meninas, por ser
calma, por ser lenta... Tanto é que, no começo, ela não se dedicava. Ela
fazia por fazer! Mas, no final, ela sentiu a necessidade de se dedicar mais.
(Apêndice T).
Profa do Projeto: E a gente deixava que ela ficasse à vontade; quando eu
a chamava[...], ela não fazia. Era só “não, não, não”. Aí, eu ia chamando as
outras meninas e ela foi sentindo...
Profa de classe: Que ela ia ficando...
Profa do Projeto: Aí, ela começou a se interessar, a se envolver; ela
começou a entender que não podia ser da forma dela e na hora dela.
(Apêndice T).
Ter que apresentar-se com um desempenho competente implicou grande
esforço para Claudiane, embora ela tivesse uma motricidade bem desenvolvida:
era capaz de correr, pular, dar saltos de cabeça para baixo. No primeiro dia em que
levamos a turma para conhecer o terreno onde seria armado o palco do espetáculo,
ela se soltou do grupo, disparou na frente correndo e saltou o muro do terreno
vizinho, o que nos deixou pasmas de espanto. Nem os meninos haviam ousado
aquilo! Entretanto, controlar os movimentos para acompanhar a suavidade de uma
melodia e segui-la com harmonia, isso ela não sabia fazer, era uma demanda nova
para ela. Requeria, portanto, novas aprendizagens.
Enfrentar o desafio de não ser a melhor dançarina engendrava não
questões cognitivas e motoras como também sociais e emocionais, uma vez que
101
dançar bem ou mal era algo “público”, que não podia ficar oculto no fundo da classe
ou dentro de um livro ou de um caderno. Era uma atividade que podia ser avaliada
por todos, sujeita à aprovação e à desaprovação da exigente platéia que as crianças
de uma classe formam. Nessa situação, os métodos habituais de Claudiane para
conseguir as coisas o “tapa”, desafiando, brigando, enfrentando mesmo os
meninos mais fortes e espertos da classe ou o “choro” (muitas vezes fingido) para
chamar a atenção e ser “consolada” não funcionavam. Perceber isso fez com que
buscasse outras soluções, mexeu com sua auto-estima e autoconfiança, que ficaram
efetivamente abaladas em diferentes momentos, ameaçando e isso era o pior
sua liderança na classe.
Claudiane deu-se conta de que as outras meninas “tímidas” e “caladinhas”
começaram a dançar bela e suavemente, com harmonia. O efeito era bonito e elas
passaram a ganhar uma atenção que antes era dada apenas a ela. Nesse momento,
Claudiane negou-se a dançar. Afinal, gestos suaves não eram o seu forte. Escondia-
se nos cantos da sala, embaixo das mesas. Quando entravam os meninos, com sua
coreografia de artes marciais, ela, ainda que escondida, os imitava. Corajosa e
destemida, ela liderava as meninas, mas gostava mesmo era de brincar com os
meninos. Com o tempo, essa sua atitude de dançar com os meninos foi se tornando
mais e mais aberta e passou a ser acompanhada por outras meninas.
Agora Claudiane começa a fazer os movimentos dos meninos. Concita
8
diz
que foi “dez” e pede para eles fazerem novamente. Concita diz: vem o
Carrasco”. Novamente entra Luís Carlos fazendo estrelinhas (saltos de
cabeça para baixo). Claudiane, Juliana, Brenda e Graciele fazem os
movimentos dos meninos. Observo que Claudiane faz até a “cara de mau”,
fecha a cara. (Diário de Campo 23/11/2005).
Diversas foram suas reações à proposta de dançar a coreografia das
meninas. Para melhor compreendê-las, elas foram agrupadas por semelhança, como
se constituíssem fases de participação. Encontramos cinco fases. A primeira delas
era marcada por sua “ausência das atividades, momentos em que ela não aceitava
nada que estivesse vindo de fora, que lhe parecia ser imposto ou do qual não se
achava capaz. Claudiane não ousava se arriscar “no escuro”, sem saber se
conseguiria sair-se bem, atendendo ao nível de exigência de quem está habituada a
chamar a atenção e ser líder. O medo de perder o prestígio que gozava na classe
como garota ousada e destemida pode ter sido o que a levou a observar tudo
8
A professora de dança.
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sentada em uma mesa, à parte, de cabeça baixa, aparentemente concentrada em
desenhar, escrever ou fazer outra coisa qualquer. Talvez estivesse sondando o
terreno.
Auxiliar: Por isso é que eu digo que ela não vai se atirar na coisa sem ela
ter o domínio. Ela observa, porque quando ela chegar até a coisa, ela quer
chegar conhecendo a coisa, sabendo da coisa. (Apêndice T).
Foto 13 – Claudiane observando outras crianças em atividades
Por outro lado, é possível que ela estivesse jogando uma espécie de
“queda de braço” com a professora, diante de mais uma atividade que considerava
como “imposição”. A Fase 1, em que não houve efetivamente sua participação na
dança, prolongou-se bastante e, quando supúnhamos que tinha sido superada,
Claudiane retornava a ela, como bem demonstraram os recuos na forma como
participava das atividades.
Começa o ensaio. [...] Michele, Brenda e Claudiane se afastam, não
participam do ensaio. [...] Claudiane fica distante. O jogo é ‘Dia e Noite’ (as
crianças devem deitar e levantar, mediante o comando). Depois, a
professora de dança coloca uma música relaxante e pede que todos se
deitem. (Diário de Campo 16/09/2005).
Claudiane está brincando com Brenda. Brenda até demonstra que quer
participar [do ensaio de dança], mas se deixa envolver por Claudiane, que a
acaba atrapalhando. (Diário de Campo 31/10/2005).
Em seguida, identificamos uma participação muito incipiente, que
consistia em ir rapidamente ao grupo, fazer, por instantes, a coreografia e retornar a
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alguma outra brincadeira ou atividade solitária. Essa era uma modalidade de
participação intermitente na dança (Fase 2).
Claudiane fica naquelas oscilações de comportamento, ora se envolve, ora
sai, mas quando está presente entre o grupo, ela procura fazer tudo
direitinho e com envolvimento. [...] Observo que Claudiane gosta de ficar em
lugares que sejam de destaque, centro de atenção. Quando está
interessada, sempre fica perto das professoras, tentando imitá-las. Hoje fez
tudo direitinho e depois vibrou, bateu palmas para si mesma. (Diário de
Campo 28/09/2005).
Claudiane sai, fica brincando, depois volta novamente e se integra ao
grupo. Todas fazem os passos da coreografia com perfeição. Claudiane,
com sua “importância”, dá uma rebolada. (Diário de Campo 21/10/2005)
Auxiliar: Ela não perdia o fio da meada, na hora que ela vinha para a dança
ela sabia onde é que ela ia entrar, ela podia estar embaixo da mesa, mas
estava atenta. Ela estava sem tocar os pauzinhos, mas na hora que ela
vinha, ela sabia o ritmo. Então, ela ficava, como dizem, 'antenada' o tempo
todo, ela ficava ligada. (Apêndice T).
Depois, Claudiane passou para uma fase em que participava das danças
integralmente, seguindo toda a coreografia prevista, embora demonstrasse sempre
estar atenta a uma outra coisa, mexendo com uma colega, puxando o cabelo de
outra, rindo e fazendo piadinhas para desconcentrar as demais, que faziam melhor o
que ela ainda não sabia fazer. Essa foi a Fase 3, na qual tentava dar a impressão de
não estar interessada. Queria mostrar-se apenas naquilo que julgava ter de melhor –
entreter, divertir, fazer rir a todos e manter o “pulso” firme sobre a classe,
comandando-a.
Claudiane trouxe um apito e, de vez em quando, fica apitando, mesmo
quando começa a música. Concita inicia alguns movimentos, que ela
ignora, no começo. Concita continua o ensaio, faz passos e movimentos em
sintonia com a música. Claudiane vai se aproximando mais de Concita e
começa a fazer os movimentos. (Diário de Campo 30/09/2005)
Claudiane procurava mostrar que estava “no comando” de suas próprias
ações, tanto na Fase 2, marcada por uma participação intermitente (vir e ir, ao sabor
de sua vontade), como na Fase 3, de participação “desatenta”, em que dançava
concentrada em outras coisas, tentando demonstrar que estava “desinteressada”.
Nestes momentos, brincando, improvisava, adicionava passos, rebolava, fazia
acrobacias elaboradas ou “estrelinhas” (passo da coreografia do carrasco, que
implicava fazer uma pirueta de cabeça para baixo. Isso foi tentado por todos os
meninos, com pouco sucesso, mas ela, no entanto, sabia fazer isso muito bem).
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Consideramos a Fase 4 como sendo a de participação com atenção
colada na “outra” parceira de dança. Isso tendia a ocorrer em ocasiões em que havia
“platéia”, situações em que era mais premente a necessidade de se sair bem. Assim
ela agiu em um ensaio em que estavam presentes alunos da outra série e,
também, no dia da apresentação do espetáculo. Nesses momentos, Claudiane, com
ar inseguro, observava atentamente as outras dançarinas, seguindo seus passos
para não errar. Aceitar os próprios erros era uma atitude dicil para ela e, na dança,
um grande desafio, devido ao caráter público do erro, como já foi dito anteriormente.
Com platéia, em se tratando de uma aprendizagem incipiente e ainda mal dominada,
a irreverência costumeira cedia lugar à insegurança. No ensaio com a presença da
outra turma, ela observou constantemente a colega do lado (30/11/05), mas se
distraiu por alguns minutos e acabou errando. A professora chamou seu nome para
alertá-la disso e ela conseguiu retomar a dança, muito embora tenha se negado a
fazer a segunda coreografia, provavelmente para não expor que não tinha ainda o
domínio sobre os passos. Foram momentos de insegurança que revelaram a
necessidade de contar com o apoio de um outro mediador, seguindo as
companheiras em seus movimentos. Mas o erro a fez retornar à Fase 1: ausentar-se
da atividade.
A rebeldia cedeu, paulatinamente, lugar à ação intermediada pelo “outro”,
que podia ser a parceira de dança ou a professora. À medida que Claudiane
avançava nessa aprendizagem, foi possível observar como isso repercutia
emocionalmente nela. De fato, para avançar, era precisou abrir mão da rebeldia e
aceitar o ordenamento externo, mediado pelo “outro”. Quando se perdia nos passos
e, em decorrência, perdia autoconfiança, passava a observar sua parceira de dança,
tomando-a como mediadora, como uma âncora, até que lhe fosse possível seguir,
sozinha, o ritmo, a melodia, a coreografia, agora com autonomia e segurança. Essa
foi a ponte necessária para o seu avanço.
A Fase 5, a de participação, iniciou-se quando Claudiane começou a
dançar com total concentração, alcançando um bom desempenho. Em vários dos
momentos registrados, pode ser visto que ela se deixava levar pela música,
rodopiando como fazem as bailarinas, atenta aos comandos da professora e
empenhada em fazer os movimentos com precisão. Essa evolução não aconteceu
de forma linear e, sim, como pode ser visto no Apêndice R, intercalada por muitos
recuos às fases precedentes. Mas, agora, era uma outra Claudiane que aparecia,
105
alguém disciplinado, atento, empenhado. Lidar com a competência não era uma
novidade para ela, mas a alcançar a habilidade necessária para dançar exigiu que
seguisse regras muito específicas (segundo uma coreografia, passo a passo,
contando “na cabeça” as repetições, seguindo o ritmo e a melodia) e representaram
uma nova aprendizagem, com conotações também sociais e afetivas.
Os períodos de concentração de Claudiane foram tornando-se mais
longos e, no fio de desenvolvimento aberto pela ópera, outras atividades foram
também aprimoradas. Seus desenhos, por exemplo, apresentavam maior quantidade
de detalhes, revelando uma maior concentração e uma atenção mais apurada aos
modelos oferecidos; suas escritas ficaram progressivamente mais ricas e a ortografia
passou a descolar-se da fala, indicando que a escrita tinha se tornado uma
representação de primeira ordem, com regras próprias:
Profa de classe: As atividades dela são sempre muito sujas. O Projeto
ajudou bastante a ela se organizar mais. E, às vezes, eu chegava junto e
dizia: “Claudiane, não adianta fazer desse jeito que a tia vai apagar! Você
tem que fazer direito!” Aí, ela se zangava, pegava a folha e rasgava.
Profa do Projeto: Isto aconteceu demais comigo, porque ela fazia de
qualquer jeito, ela subia letra, descia letra, eu olhava e dizia: Ah! Não, não,
não! Aí, no começo, eu apagava. no final, ela mesma apagava e fazia
tudo de novo.
Profa de classe: Dentro de todo trabalho da ópera, ela conseguiu se
encaixar e dentro da sala também. Eu noto uma mudança muito grande
nela, ela mudou sim, ela vem mudando. (Apêndice TI).
Aqui vemos, mais uma vez, exemplificados os progressos obtidos por
Claudiane no que concerne à habilidade de se auto-regular, de se concentrar, de
seguir ordens. Claudiane mudou tanto, que chegou a chamar a atenção de todos
com o seu desempenho no espetáculo, o mais marcante dos seus momentos. No
dia, ela estava bem nervosa. Como dançarina, apresentou-se, a princípio, colada na
“outra”, seguindo de perto seus passos. Pouco a pouco, no entanto, foi se soltando e
sua apresentação foi excelente. Claudiane surpreendeu por sua dedicação e pela
concentração no que estava interpretando. Mas como ela conquistou essa auto-
regulação? Inicialmente, sua rebeldia podia ser traduzida como agir pelos ditames de
seu próprio desejo, de sua própria vontade, independentemente dos apelos e das
propostas apresentadas pela professora e, mesmo, das freqüentes advertências
verbais por desafiar as regras da classe. Diante da proposta de dançar, Claudiane
recolhe-se e não participa (Fase 1). Não lhe agrada nenhuma atividade imposta, em
particular aquela. Isso, em nosso entender, colocava sua liderança em dúvida.
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Fotos 14, 15, 16 e 17 – Performance de Claudiane na dança, na ópera “Turandot”, concentrada e
atenta às colegas
Para Valsiner e Van Der Veer (1991), a autonomia (ou a livre vontade do
indivíduo) atua no sentido de estabelecer os limites inferiores e superiores daquilo
que pode ser feito diante das prescrições da vida social. A construção da autonomia
implica, pois, distinção entre o que é próprio e o que é do outro, um processo
importante por assegurar o caráter dialético da tomada de decisão. Ao longo desse
processo, as pessoas vão delimitando, ao se apropriarem das regras e normas
sociais externamente fornecidas, a maior ou menor influência do contexto. Assim é
que Claudiane, a partir de certo momento, passou a participar do Projeto Ópera,
reconhecendo, mas não acatando, as normas colocadas para a turma. Isso se passa
tanto na Fase 2, de participação intermitente, como na Fase 3, quando participa,
mas segundo “seu ritmo”, improvisando, brincando ou distraindo a atenção das
outras crianças. A verdadeira autonomia, aquela que acata a demanda do outro por
reconhecer sua validade ou a nega por razões sólidas, constrói-se paulatinamente
na e pela negociação entabulada entre os parceiros envolvidos.
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Considerando, como Vigotski (1999), que é o conflito que movimenta o
psiquismo que, de outra forma permaneceria inalterado, cabe verificar quando
Claudiane começou a participar das atividades previstas, acatando-as. A experiência
vivida mostrou-nos que se as atividades forem bem concebidas, elas se mostram
atrativas para as crianças e, dessa forma, passam a ser motivadoras. Mas, para
tanto, elas precisam adquirir uma significação própria, que gere um conflito com o
modo de agir, sentir e pensar habitual. É nesse sentido que a experiência escolar
precisa se abrir para a criação pessoal e com Claudiane não foi diferente. Para criar
novas oportunidades para si mesma, foi preciso que ela se visse forçada a
reconhecer que dançava pior do que as demais meninas e que temesse que isso
ficasse evidente para todos. Tinha medo, em especial, das situações que envolviam
uma platéia. Instalado o conflito, Claudiane entrou em crise e, para superá-la, teve
de aprender a dançar. Inicialmente, ela buscou a mediação do “outro” suas
parceiras de dança. Seus movimentos passaram, então, a seguir de perto os de
alguma colega, a qual era intensamente observada (Fase 4) para evitar o erro. Foi
nesse momento que ela superou a noção de obediência enquanto subordinação,
substituindo obedecer por acatar (DAVIS; LUNA, 1991). Reconheceu, por fim, que o
conflito seria superado se ela dançasse bem, uma vez que isso lhe permitiria
seguir na liderança da turma. Contraditoriamente, no entanto, dançar bem exigia que
passasse do papel de líder para o de liderada, requeria que seguisse alguém, algo
que lhe exigiu, compreensivelmente, grande esforço. Não é fácil deixar de manter as
rédeas nas próprias mãos.
A autonomia surge, pois, da superação do conflito, quando Claudiane
aprendeu a dançar conforme o ritmo da música e os passos da coreografia. Nesse
sentido, autonomia pode ser entendida como possibilidade de escolha e Claudiane
escolheu, por vontade própria e à luz de seus motivos (Fase 5), alcançar um novo
patamar de habilidades motoras, cognitivas, afetivas e, em especial, sociais. Com
isso, tornou-se verdadeiramente sujeito, senhora de sua vontade, dona de uma nova
capacidade de auto-regulação. Parece-nos que Claudiane se apropriou de uma nova
maneira de se situar no ambiente social, que não passava mais necessariamente
pelo desacato à autoridade da professora, o menosprezo pela colega que a ajudava
e pela indiferença à platéia, como se deu quando a outra classe foi assistir ao ensaio
em que ela não se saiu bem.
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Ainda seguindo Vigotski, podemos entender o processo vivido por
Claudiane como sendo bastante próximo daquele que se passa no jogo. O autor
um instrumento poderoso por criar zonas de desenvolvimento próximo, que nos
faz agir, pensar e sentir de modos muito alheios aos que nos são próprios. No jogo,
conflitos são vencidos, uma nova estrutura psicológica é criada, em um processo de
que nada mais é do que a resolução da contradição.
O jogo é o recurso do desenvolvimento e cria a zona de desenvolvimento
mais próximo. A ação no campo imaginário, na situação imaginada, a
construção da intenção voluntária, a reformulação do plano de vida,
motivos, vontade tudo isso emerge no jogo. (VIGOTSKI, 1966 apud
VALSINER; VAN DER VEER, 1991).
Com Claudiane, os instrumentos de mediação para poder realizar o
Projeto foram aqueles passíveis de serem empregados nas atividades da ópera. A
dança, em particular, permitiu-lhe reformular motivos e repensar estratégias, bem
como alcançar um novo patamar de auto-regulação. A nova habilidade conquistada
foi ao encontro de sua auto-estima, ao levá-la a agir de forma nova e diferente das
habituais: tomar, brigar, transgredir. Vigotski (1994, p.114) trata desse conflito
afirmando que o jogo exerce sobre as crianças uma pressão coercitiva para agir
contra o impulso imediato. Dessa forma, há um conflito permanente entre a regra e o
agir espontâneo, o que, no entender de Vigotski, favorece a construção da auto-
regulação e da vontade.
O brincar à criança uma forma nova de desejos (regras). Ensina-a a
desejar relacionando seus desejos a um “eu” fictício, a seu papel no jogo e
suas regras. Desse modo, as maiores conquistas das crianças são
possíveis no brincar, conquistas que amanhã se tornarão seu nível básico
de ação e moralidade. (VIGOTSKI, 1994, p. 131).
O processo de Claudiane exemplifica muito bem o conflito das forças
antagônicas que a desestabilizaram – a forte irreverência e a pressão social por uma
forma de dançar harmoniosa, uma situação a ser conquistada para recuperar a auto-
estima que tinha entrado em crise. Foi, portanto, uma situação de conflito, que a
encaminhou à superação e à recuperação da auto-regulação, agora em outras
bases. Claudiane apropriou-se de novos procedimentos e de novas habilidades, que
foram possíveis nas e pelas atividades estruturadas no Projeto, que previam a
constante mediação de instrumentos físicos e simbólicos. Quando os conflitos se
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dão em um ambiente onde se encontram disponíveis múltiplos instrumentos
mediadores, a superação da crise é não só possível como mais provável. Claudiane
reconstruiu sua auto-estima em patamar mais complexo por ter se apropriado de
novos conhecimentos sobre seu corpo, suas possibilidades de movimento, sobre a
importância da cooperação e da imitação. Por esse motivo, dançou seguindo a
coreografia proposta, algo bastante diferente de improvisar passos, ao som de uma
música qualquer. No final, a imagem mais marcante de Claudiane é a foto em que
ela, terminado o espetáculo, aparece, no procênio, para os aplausos, com as
mangas da fantasia arregaçadas, apoiada no gradil do palco, mostrando o sorriso
confiante de quem retomou o controle da situação. Era evidente seu contentamento.
Sua expressão era de vitória. E mais: não cansava de comentar o quanto estava se
sentindo bonita!
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Foto 18 – Expressão de Claudiane antes do espetáculo
Foto 19 – Expressão de Claudiane depois do espetáculo
B) Alexsandro
Alexsandro é um menino alegre, interessado, participativo, com boa
compreensão das atividades propostas em classe. Por outro lado, é também
irrequieto e brincalhão, com uma característica bem peculiar: ele encarna o
“engraçadinho” da sala e é apelidado pelos colegas de “papagaio falador”, por
querer sempre responder a tudo, falar, perguntar. Sentava-se, por isso mesmo, na
primeira fila.
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Foto 20 – Alexsandro na sala do Projeto
Ainda assim, Alexsandro foi uma das crianças menos mencionadas no
Diário de Campo do 1º semestre. Refletindo a esse respeito, pensamos no quanto, a
exemplo de muitas e muitas professoras de crianças, dedicamos tempo e atenção
às crianças que “dão trabalho”, “fora do padrão”, em detrimento de crianças que não
incomodam em classe, mantendo um comportamento regular, estável, com
desempenho a contento em todas as atividades. Acreditamos que essa é a
explicação mais possível acerca das razões pelas quais Alexsandro não figurava
nesses relatórios. Para analisar sua participação, tivemos que voltar aos vídeos,
reavaliá-los e tentar compreender melhor sua presença na classe (Apêndices V e X).
Um desses episódios “achados” no vídeo, não narrado no Diário de
Campo do primeiro semestre, é a tentativa dele de chamar a professora de volta
para ler o livro quando ela, em 30/05/2005, (episódio citado na subseção 5.4)
terminou a aula abruptamente, porque os alunos (inclusive ele) estavam fazendo a
maior algazarra com os tapetinhos na sala. Alexsandro volta-se para a professora,
que estava séria, sentada, abre o livro na mão dela, na página onde estava, e fica
mostrando-lhe as figuras, demonstrando, com evidência teatral, que estava
interessado, tentando convencê-la a recomeçar a lê-lo – a turma agora, calada. Esse
é Alexsandro: brincalhão, mas não a ponto de perturbar e, ao mesmo tempo, uma
criança dócil, participativa.
Sua integração na classe é evidenciada nas atividades de interpretação
oral coletiva. No episódio narrado na subseção 5.4 (Diário de Campo de
112
03/06/2005), discutindo a história da ópera, ele faz intervenções interessantes, bem
pessoais e engraçadas. A professora pergunta: “É uma rainha?” E ele responde: “É
uma rainha caipira!” (alusão às festas de São João). Em outra atividade semelhante,
a professora, ao perguntar à classe: “Como era o imperador?” Teve como resposta
dele um sonoro “Hor-ro-roooo-so!”, falado em tom exagerado (Diário de Campo de
12/09/2005). Especialmente a partir do segundo semestre, Alexsandro sobressai-se
por interpretar bem os textos e as situações vividas pelos personagens. Como
descrito no Grupo Focal (Apêndice Y), ele “pegava rápido as coisas”. Entretanto, sua
escrita era incipiente e faltava-lhe fluência na leitura, mesmo chegado outubro, como
consta do Diário de Campo de 26/10/2005. Alexsandro tinha particular interesse pela
música e costumava cantarolar partes da ópera Turandot nas aulas de bandinha.
Chegava mesmo a pedir suas árias prediletas, entoando a melodia: “[as crianças]
Pedem: Tia, coloca aquela música... Alexsandro a cantarola” (Diário de Campo,
24/10/05).
No início das atividades dramáticas, pôde-se observar uma mudança
interessante. A prática, nas oficinas de drama, era levar diversas crianças a
“fazerem” (interpretarem) diferentes personagens a cada ensaio, para que
pudéssemos verificar a identificação de cada uma delas com os vários papéis.
Quando chegou a vez de Alexsandro protagonizar Calaf (30/09/2005), ele o fez sem
chamar grande atenção da equipe. Nos ensaios subseqüentes, coube-lhe passar
pelo velho Timur, pai de Calaf (Diários de Campo de 3 e 7/10/2005). No final de
outubro, decidimos dar-lhe o papel de Ping, ministro do reino, um dos papéis
cômicos da ópera (Diário de Campo 31/10/05). O papel caiu-lhe como uma luva:
dentre os três ministros, era Alexsandro quem se sobressaía, memorizando todas as
falas. Os ensaios com os ministros salientaram o seu talento para o engraçado,
reconhecido pela classe. Sua veia cômica veio à flor da pele: ele era um ministro
perfeito e seu físico baixinho, de pernas curtas e grandes orelhas, favorecia o papel.
Mas uma mudança veio logo a seguir.
A escolha de Calaf, o príncipe, foi árdua. O primeiro escolhido, Michel,
nosso ótimo desenhista, era fisicamente um bom “par para a princesa, mas não
conseguia representar, não “entrava” na trama, embora estivesse o tempo todo
ligado ao que os outros faziam. Ele era uma criança tranqüila, muito participante,
que apreendeu o sentido da história desde o início, seguindo-a muito concentrado e
atento. Para nós, era um mistério ele não conseguir atuar. Depois, vimos que o que
113
ele gostava mesmo de fazer era observar os outros atores, ouvir a história. Não
conseguia se ligar quando dizíamos “E Calaf fez isso ou aquilo...”. Ele simplesmente
não saía do lugar. Desistimos. Michel, tanto não se importou, como até incentivou a
escolha do futuro Calaf. Aceitou com prazer o papel de Timur, o velho cego, sempre
guiado por sua escrava. E ficou ótimo! Sara, a escrava Liú, muito sabida, levava-o
para e para no palco e isso era o que ele realmente queria: assistir à trama
bem de perto!
Diante das sucessivas e inúteis tentativas de encontrar um novo príncipe,
a equipe insistiu para que experimentássemos Alexsandro. Foi uma surpresa
completa! Na primeira tentativa, ele passou instantaneamente de cômico a
dramático, com extraordinária desenvoltura. Foi ovacionado por todos e ganhou o
papel. Michel, o príncipe destituído, também o aprovou. Interessante notar que, a
certa altura dos ensaios, Samira, a Turandot, estava escolhida, mas sabia que
outros ainda experimentariam ser Calaf e torcia para que Alexsandro fosse o
escolhido, mesmo antes de a equipe ter se decidido por ele.
Samira, muito esperta, pergunta: “Marcus Vinícius vai ser Calaf agora,
não é tia?” Ela se sente mais à vontade para trabalhar ao lado de
Alexsandro, por ser ele bastante extrovertido e desinibido, algo que a ajuda
em sua interpretação. (Diário de Campo, 21/11/05).
Durante boa parte dos ensaios, Alexsandro continuava brincando e
fazendo gracinhas e a professora precisava chamar sua atenção para o gênero
“galã” que seu papel exigia. Paulatinamente, sua atuação foi ganhando densidade e,
à medida que foi incorporando o personagem, se tornava mais sério e
compenetrado. Ao mesmo tempo, sua postura na sala de aula começou a mudar.
Deixou de fazer piadinhas: o papel de galã, ele logo percebeu, não comportava essa
atitude. Tornou-se mais calado e reflexivo e, claro, passou a ser invejado por todos
os meninos ele, o baixinho engraçado, justamente ele era o príncipe! Ainda que
satisfeito em ser Calaf, Alexsandro passou todo o período de ensaios pedindo: “Me
deixa ser ministro!”. Efetivamente, esse seria um papel bem mais fácil e leve para
ele. O papel de galã lhe pesava. Mas insistíamos, dizendo: “Não para trocar.
Você é o melhor, não temos outro príncipe!”. Ele se conformou, não sem relutância.
Empenhou-se tanto que foi um dos destaques da ópera.
O fato de ter que atuar e compor um personagem levou Alexsandro a se
dedicar à leitura. Antes, quando ainda era Ping, ficava demorados momentos diante
114
dos cartazes das paredes da classe que continham as rimas das falas dos ministros,
deslizando o dedo em cima das frases e lendo baixinho (Diário de Campo, 9/11/05).
Depois, com um personagem mais difícil e participação em quase todas as cenas,
permanecia, longamente, ao lado dos cartazes que continham as falas de cada um
dos personagens, acompanhando-as. Percebemos que a firmeza e a força de
vontade em fazer o personagem eram notadas pelos colegas. Com isso, ele passou
a ser uma âncora, não só para a atuação, como para a escrita dos outros, ganhou o
status de “consultor” de reescritas dos colegas, que pediam que ele recitasse
enquanto reescreviam seus trechos da ópera, tirando dúvidas aqui e ali, narrando
diálogos, utilizando-se com desenvoltura do vocabulário específico do texto. A essa
altura, os ensaios haviam começado e a seriedade com que os estava
enfrentando, envolvido como protagonista da ópera, já produzia efeito.
Quais aprendizagens foram realizadas pelo nosso Calaf e como? Quais
foram seus mediadores? O que o levou a empenhar-se em tais mudanças?
Queremos colocar aqui em foco, em especial, no processo de Alexsandro, a
mudança de personagem de Ping, o ministro cômico, para Calaf, o galã da trama.
Vygotski (1994) afirma que a ZDP é ativada, por meio de atividades dos mais
experientes, que possam ser imitadas pelas crianças. Ao imitar, o desenvolvimento é
impulsionado. A imitação é um importante elemento para o desempenho artístico,
tanto musical, como na dança, como no teatro. Com efeito, aprender um novo papel
implica buscar modelos e a imitação foi um expediente largamente utilizado por
Alexandro nesse novo jogo a ópera notadamente porque precisava incorporar
um personagem muito diferente de si próprio.
Confiamos, para incentivá-lo a esse desafio, no que afirma Vigotski: a
criança, ao imitar ações (como as necessárias para compor um personagem), ativa
as funções psicológicas que se encontram prestes a se completarem, levando-as, na
e pela interação social (no ambiente de ensaios da ópera), a se manifestarem,
promovendo o desenvolvimento. Para isso, a direção do espetáculo forneceu-lhe
fartos elementos: dicas e sugestões de expressão facial, postura corporal, marcação
de cena, assim como a narração. Os vídeos de outras apresentações de Turandot, a
que eles assistiam, textos nos quais descreviam o seu personagem, o livro, com
figuras e desenhos eram outras fontes de informação. Além disso, contracenar,
especialmente com a princesa, fornecia a Alexsandro apoio para sua atuação e
falas. Ela – uma personagem forte e cheia de emoção, que contribuía com “pontos”,
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que eram muitas vezes pequenos puxões ou empurrões, olhares profundos ou
expressões furiosas – fazia andar a cena.
Vigotski afirma que a imitação não tem caráter especular, uma vez que é
construída pelo indivíduo, por meio da mediação. Aqui, o processo era a imitação,
mas essa variedade de elementos mediadores colocados à disposição para ajudar
Alexsandro a compor esse novo personagem contribuíram para que seu
desempenho fosse único. O seu progresso foi perceptível se considerarmos os seus
gracejos de classe como ponto de partida e sua excelente performance como
personagem dramático, como ponto de chegada. Por outro lado, Vigotski (2001, p.
122) afirma que a imitação, no jogo, contribui para:
Organizar a experiência interior, organizar os movimentos de modo a
concretizar objetivos, alcançar formas superiores de comportamento
vinculadas à solução de tarefas bastante complexas, que exige, de quem
brinca, tensão, sagacidade e engenho, ação conjunta e combinada das mais
diversas faculdades e potencialidades.
Essa possibilidade, de que fala Vigotski, de a brincadeira “juntar em um
todo organizado” elementos que podem ser desenhos, falas, rimas, imagens, gestos
e palavras, ligando tudo a uma cena do jogo dramático, por exemplo, é verbalizada
por uma criança recentemente, no POPT. Quando ela veio à sala onde estavam as
fantasias para fazer a prova da sua roupa de egípcio para a ópera Aída, exclamou:
quando eu estava desenhando, eu sabia que a gente ia vestir essa roupa”. Sentido.
Com quantos mediadores se compõe um personagem? Os enunciados, interações,
gestos, constitutivos e constituintes do psiquismo propiciam não aprendizagens
cognitivas e motoras, mas sociais e emocionais e como tal, amalgamadas nesse
“todo organizado” de que fala Vigotski, são internalizadas como fatores do
desenvolvimento. “Os elementos da imitação inseridos na brincadeira contribuem
para que a criança assimile ativamente esses ou aqueles aspectos da vida e
organize a sua experiência interior no mesmo sentido” (VIGOTSKI, 2001, p. 121).
No teatro, esse processo é explícito: faz-se diante de todos, ao longo dos
ensaios, no envolvimento da fantasia. A ópera se oferece à criança enquanto de
arte, brincadeira, jogo como um mediador privilegiado para prover esse todo
organizado, pela sintonia em que todas as suas partes componentes em diversas
modalidades se interpenetram.
116
A seriedade e o compromisso de Alexsandro, durante esses ensaios,
foram marcantes, de sorte que se viu forçado a aprender a ler e a escrever. O
desenvolvimento da escrita e da leitura veio com a necessidade de representar o
seu papel no drama, que passou a ser percebido por ele como um motivo, algo com
sentido para si (PINO, 2000) e, nesse caso específico, as rimas (diálogos rimados
dos personagens, apostos nas paredes como fonte de consulta para o processo de
escrita, como explicitado na seção 5.6) foram mediadores importantes, tanto para o
desempenho em uma como em outra atividade. Ler e escrever mostrou-se ser um
jogo fascinante, que lhe proporcionou prazer: de fato, a brincadeira de palavras
funcionou como uma ponte para aprendizagem da leitura, que ainda era difícil para
ele, mesmo já em outubro.
A sagacidade de Alexsandro aparece quando ele busca essas rimas para
apoiá-lo no papel e aproxima-se sistematicamente dos cartazes para as ler durante
os ensaios; algo que passou a fazer, mesmo com as falas de outros personagens.
Conforme Vigotski, o indivíduo utiliza-se de ferramentas para o seu desenvolvimento
também intencionalmente, segundo seus motivos. E esses instrumentos, assim
como o “outro”, fornecem-lhe pistas e aspectos novos para elaborar formas
diversificadas de ação e desenvolver novas funções psíquicas. A rima foi uma
ferramenta escolhida por Alexsandro e que muito o ajudou. Lendo e relendo os
cartazes com as falas do seu personagem, ele se preparava para os ensaios
dramáticos. sabendo o texto de cor, ele acompanhava melhor as narrativas,
compreendia a postura do seu personagem e se antecipava aos gestos e
movimentação necessários à cena. Pensamos que um fator que levou Alexsandro a
buscar o caminho das rimas foi sua facilidade de expressão, sua interatividade com
o mundo, sua curiosidade por coisas novas. Todas essas características, típicas de
um bom intérprete e de um bom falante, tinham nos passado despercebidas
inicialmente. Foi um prazer conseguir identificar essa sua capacidade de
compreensão e expressão.
Prof
a
do Projeto: A espontaneidade dele, a facilidade que ele tem, eu acho
que ajudou bastante, porque a leitura é uma forma da criança se expressar
também. E então, eu também achei que Alexsandro não sabia ler, mas ele
também não tinha medo: as rimas estavam na parede e de vez em quando
eu olhava ele lá, lendo com o dedinho. Ele tinha o interesse de aprender!
Hoje, ele termina a primeira série sabendo ler muito bem. Eu lembro
também que um dia a gente deu uns trechos da ópera para eles treinarem
em casa e ele chegou com o papelzinho para mim, lendo muito bem. Até
que não foi tão rápido...
117
Auxiliar: Eu acho que [o desempenho de Alexsandro] foi rápido, porque eu
vejo que ele sabe fazer uma leitura não do que está escrito: ele sabe
fazer uma leitura do todo, ele sabe fazer uma leitura de imagem (gravura).
[...]Dá pra gente perceber isso até na própria postura dele, quando ele vai
interpretar. As pessoas falam as palavras vazias, não passam sentimento,
não passam emoções, não passam quase nada. A pessoa não internalizou
aquilo ali, ela não está vivenciando aquilo ali e é por isso que ela não passa
nada, porque ela não vai expressar aquilo. E ele,[o Alexsandro] não. Ele
sabe fazer isso. (Apêndice Y).
Mas havia, ainda, algo peculiar que o impulsionava. Supomos que a
incorporação do papel de príncipe por Alexsandro se deu, em grande parte, graças
ao seu compromisso com a proposta, com uma tarefa entregue a ele, uma criança
sempre obediente, “o bom aluno”, “o bom menino”. Ele tinha que dar conta dessa
missão. Ademais, os colegas apoiaram a sua escolha e isso contava, era um
incentivo social importante. Como afirma Pino (2000), a criança é, desde sempre,
objeto da ação discursiva do outro, esse discurso, por meio das relações, internaliza-
se e torna-se um elemento de grande repercussão na constituição das suas funções
mentais.Tratá-lo como se trata um príncipe passou a ser um “discurso”, a princípio
da classe, depois da escola e da família. Esse aspecto social, supomos nós, levou-o
a se apropriar de posturas novas para ele. O papel vivido produziu relações sociais
que serviram de mediação para o processo de internalização, ajudando-o,
provavelmente, a construir/aperfeiçoar funções mentais como o conhecimento de si
e a auto-confiança.
Adicionalmente, havia algo que mexia com a sua auto-estima – ele jamais
havia sido considerado o galã da classe havia Wenderson e Carlos Henrique, os
mais “rapazinhos”, mais altos, esbeltos, admirados, ousados, destemidos, os
“brigões” da classe, muito diferentes dele. Mas, de repente, era ele o galã, não pelo
físico ou pelo comportamento desafiador, mas por intermédio da arte de dramatizar.
O psicológico humano nada mais é do que a internalização de relações sociais
mediadas por signos, que lhes dão significados ao mesmo tempo em que constituem
suas funções mentais (Pino, 2000). O encontro da criança com o mundo externo
torna-se funcional, fazendo surgir novas funções psicológicas superiores, na e pela
interação social que se deu em torno da ópera. Para Vigotski (1999, p. 316):
A arte introduz, cada vez mais, a ação da paixão, rompe o equilíbrio interno,
modifica a vontade em um sentido novo, formula para a mente e revive para
o sentimento aquelas emoções, paixões e vícios que, sem ela, teriam
permanecido indeterminadas e imóveis.
118
Para Alexsandro, esse equilíbrio se rompeu quando ele, que queria ser
Ping, passou a querer ser capaz de ser Calaf. Uma outra vontade se impôs de
dentro dele mesmo, mediada pelo meio social tanto por aqueles que esperavam
dele uma “boa” atuação (a mãe, a professora) como para os colegas, que
acompanhavam, passo a passo, o desenrolar desse seu drama para ser bem
sucedido. É possível que essa “pressão social“ tenha modificado sua vontade.
Supomos que o que mudou em Alexsandro não foi algo periférico, como aprender a
desenhar ou a dançar: foi algo que afetou o seu próprio modo de ser, seu auto-
conhecimento, sua auto-confiança, sua auto-estima. Sentir que podia representar e
ser aplaudido com um personagem que era ele próprio o ministro cômico o fez
se sentir feliz, realizado. Tirar-lhe o ministro para dar-lhe o papel principal, o de
maior responsabilidade – o príncipe – era um grande desafio. Vigotski (1999, p. 326)
considera admirável a capacidade que a criança tem de, desde pequena, viver
experiências alheias, projetando sentimentos que não estão na superfície, mas
brotam do mais fundo do ser.
A pele de Calaf representou, para Alexsandro, um mergulho profundo. O
que estava na superfície era Ping, o engraçado, como ele. O seu salto para o
personagem dramático foi um procedimento complexo. Ele decidiu ser Calaf e isso
lhe pesou. Ajudou-lhe o fato de estar imerso em um universo social que lhe
demandava isso. E é assim que o vemos, nos vídeos e relatórios, em sua
perseverança e luta, colado aos cartazes das paredes, tentando ler as rimas
contidas nas falas dos personagens, buscando apoio para aprimorar seu
desempenho em qualquer recurso concreto, palpável e à disposição. Vigotski (1999)
aponta: a importância educativa fundamental da obra de arte é dada pelo fato de ela
representar um modo se ter acesso à vida interior dos personagens, à construção de
seus pensamentos e a seus sentimentos, experimentando novos e variados estados
emocionais.
Para Alexsandro, a emoção de viver a experiência do outro – um príncipe
– era um desafio cuja recompensa ele provavelmente não suspeitava. Ele ignorava o
que era ser galã, par romântico ainda não havia superado as brincadeiras e a
arte de representar foi uma porta para uma radical mudança em seu modo de ser,
pensar e sentir. Vivendo esse papel ele viveu a vida e os sentimentos de um
príncipe. Ademais, as crianças, nesse Projeto, não eram meros espectadores: eram
atores, co-autores, recriaram a obra de arte exercendo ações cabíveis na vida real: a
119
tomada de decisão (se movida pela paixão ou pela razão etc.), as conseqüências
que as ações trazem para o sujeito e para seu grupo social, os conflitos que surgem
no decorrer da existência humana. Isso, supomos, intensifica as experiências
descritas por Vigotski (1999) a respeito do espectador do teatro.
A pluralidade de personagens com as quais as crianças foram colocadas
em relação podem ser também suporte para o desenvolvimento de vínculos afetivos
com o mundo e com os outros. Alexsandro acabou por construir um vínculo afetivo
com Calaf, que não tinha antes. Esse vínculo passou a ter uma significação diferente
da que tinha antes, enquanto simples ouvinte da história. Foi interpretando Calaf que
esse personagem lhe proporcionou outras repercussões afetivas. Podemos concluir,
com Vigotski (1999), que o que importa não são as idéias e os sentimentos, mas a
significação que tais aspectos têm para o eu, pois a conversão do social em pessoal
(e vice-versa) é um processo semiótico, como bem diz Pino (2000, p. 73). Esse
conjunto de signos estéticos destinados a suscitar emoções nas pessoas
(HENNEQUIM apud VIGOTSKI, 1999, p. 3) promove também a síntese psicológica.
Em “Psicologia da Arte”, Vigotski (1999) defende a idéia de que a arte
atua em especial na resolução de conflitos, ou seja, não se resolve na catarse
emocional que provoca. Ao contrário, a catarse promovida pela arte inquieta, faz
pensar. E é justamente por essa inquietação que pede reflexão que, para ele, o
desenvolvimento é impulsionado. Era um conflito para Alexsandro – e para todos
nós representar um papel diferente do que somos. Mas, como protagonista,
Alexsandro carecia incorporar um outro, o príncipe, que era tão diferente dele, sem
deixar de ser ele mesmo: eis aí o conflito!
120
Fotos 21 a 29 – Performance de Alexsandro como Calaf, o herói da ópera “Turandot”
As aprendizagens para representar o papel se transmudam em
desenvolvimento. Mergulhar inteiramente nas experiências alheias a afinidade
entre a arte e o jogo para a criança (VIGOTSKI, 1999, p. 326) permite usar a
imaginação para experimentar a liberdade de ação e observar seu efeito no outro.
Se inicialmente era importante para Alexsandro brincar (algo possível em um papel
121
cômico), mergulhar nas experiências de Calaf operou transformações, o que é
sugerido pelas suas expressões, registradas em foto e vídeo.
Para Vigotski (1999), a arte é uma necessidade psicológica, em especial
de transformação de sentimentos de realização da catarse. A catarse, na reação
estética, é definida por esse autor como sendo um ‘curto-circuito’ entre sentimentos
opostos. O curto-circuito aqui descrito não se deu entre Ping e Calaf, mas entre
Alexsandro e ele mesmo, e aquilo em que se transformou quando aceitou o papel de
Calaf – um príncipe. Seu semblante, no dia do espetáculo, mesclava concentração e
receio. A prova da bela roupa (emprestada de outro galã e encurtada às pressas) o
deixou feliz, mesmo com o chapéu um pouco grande demais, que ao se apoiar em
suas orelhas as acentuava. Alexsandro estava imponente e garboso, como se
imagina que um príncipe deve ser. Durante o espetáculo, empenhou-se
verdadeiramente. Suas cenas foram intensas, expressivas, dramáticas. Ao longo do
processo, chegaram a sumir os gracejos e piadinhas que lhe eram tão peculiares
ele estava fazendo “outro”, ele ERA outro. Como afirma Vigotski (1999, p. 270), a
contradição toma sentimentos opostos e aniquila-os, transmutando-os, não em
descarga emocional, mas em complexificação das formas de ser, de pensar e de
sentir. Esse é para ele o sentido psicológico da reação estética. “Esse processo
amplia a personalidade, enriquece-a com novas possibilidades, [...] diversifica o
comportamento, adquire um sentido educativo” (MOLOJAV apud VIGOTSKI, 1999,
p. 325).
Dias depois da apresentação, fomos à escola e encontramos Alexsandro
entre as provas do final de ano, sentado (!!!!) na biblioteca. Havia pedido à
bibliotecária que pusesse a fita da ópera realizada no ano anterior pelos alunos do
Colégio Dom Bosco e a assistia, embevecido. Parece que começou a representar
um outro personagem de si mesmo, mais complexo. Para Müller–Freienfels (apud
VIGOTSKI, 1999, p. 268), a contraposição de emoções é necessária para a reação
estética. Para Alexsandro, isso significou superar a comédia e a tragédia do dia-a-
dia por meio da ópera, empregando as mediações oferecidas e escolhidas por
motivo próprio. Assim, foi possível para ele “elevar a cabeça acima da própria
altura”. Esse processo, supomos, impulsionou-o, ainda, a uma nova conquista - a
escrita:
Prof
a
do Projeto: Por exemplo, no dia do pós-ópera [da reescrita após a
ópera], ele sentou e começou a escrever e ele foi longe, porque tava tudo
122
na cabecinha dele, do jeito que ele tinha feito, do jeito que ele tinha se
expressado. Então, ele quis passar para o papel. Nas outras atividades
[de escrita], não. Eu tinha que estar lá, estimulando. E então, isso [a ópera]
ajudou bastante. (Apêndice Y).
O conteúdo da ópera Turandot, embebido em emoção, estava pronto para
jorrar mais uma vez e Alexsandro o fez, no reconto da história, após a ópera, por
escrito, mas não antes de derramar sofregamente tudo o que estava dentro de si,
em uma roda de reconto oral coletivo.
Auxiliar: “Eu me lembro de Juliana [a professora do Projeto] ter
conversando com eles para que contassem como a ópera foi vivenciada,
para saber, depois da ópera, como é que eles ficaram, qual foi a emoção
que eles sentiram. Era para eles contarem como a ópera aconteceu e essa
felicidade dele [Alexsandro] estava tão latente, tão perceptível, que ele
quase não deixava ninguém falar, entendeu? Juliana dizia: mas isso
assim, assim... E ele: tia...! ele vinha bem pra frente e falava um
pedaço da ópera. E o que foi que Calaf disse, e porque Calaf disse isso.
Tudo que todo mundo dizia, ele sabia! Na hora que alguém queria falar, ele
dizia: Ah! não é assim! ele falava todas as palavras, bem direitinho”.
(Apêndice Y).
Finalmente, a percepção da diretora da escola forneceu a todos um belo
insight, no Grupo Focal:
Diretora: Eu acho que essa questão do pós-ópera, ele está mais dizendo
assim,[...] que era pra eternizar aquele momento, aquele momento vivido
ele só poderia eternizar se fosse assim, na escrita. Eu acho que, talvez por
isso, ele estivesse mais animado para escrever: porque ele viveu o
momento, até então tudo era teoria. (Apêndice Y).
Sim, essa é também uma das funções da escrita: eternizar momentos!
Essa foi a grande descoberta de Alexsandro, descoberta que o impulsionou ao
máximo e a querer ainda mais. Na semana seguinte ao espetáculo, ele afirmava à
auxiliar: “Oh! Tia, eu queria fazer tudo de novo!”
5.6 Produção das crianças
5.6.1 Turandot - o livro
5.6.1.1 A escrita
123
Como a presente pesquisa foi, inicialmente, orientada pela pergunta:
“Será que a ópera pode ser um recurso mediacional para promover o
desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, independentemente do seu nível
socioeconômico”?, não havia intenção de focar um tipo específico de aprendizagem
escolar. Entretanto, estávamos trabalhando com a Série, momento em que se
inicia a escolaridade da maioria das crianças brasileiras. Por esse motivo, era
desejável que déssemos atenção especial à alfabetização. Com efeito, grande parte
das atividades previstas no Projeto “Ópera Para Todos” (POPT) tem esse foco
9
.
Além do mais, a partir do material colhido nas entrevistas com pais, sentimos o
quanto estar alfabetizado é um critério de avaliação forte, não dentro da escola
como fora dela, especialmente em uma comunidade formada por tantos analfabetos.
Detectamos, nas entrevistas para elaboração do perfil das crianças, feitas com suas
respectivas mães, pais e/ou responsáveis que, ao perguntar sobre “como é seu
filho”, era constante ouvir uma referência à leitura e à escrita: “meu filho já sabe ler e
escrever” ou “meu filho ainda não sabe nem ler nem escrever”.
Foto 30 - Capa do livro escrito e ilustrado pelas crianças sobre a ópera “Turandot”
De qualquer forma, independentemente do foco, os ganhos das crianças,
em termos de escrita, podem ser avaliados no livro confeccionado por elas sobre a
9
Aqui consideramos, como já referido, que tais atividades, no Projeto “Ópera para Todos”, podem ser
identificadas mais com o conceito de letramento do que com o de alfabetização, uma vez que: “Trazer
a língua portuguesa com toda sua riqueza e complexidade para a sala de aula significa propor aos
alunos um ambiente de letramento, muito mais amplo e instigante para o pensamento do que o
ambiente estritamente alfabetizador, no qual apenas as palavras isoladas, descontextualizadas,
portanto, sem sentido, têm lugar.” (DEHEINZELIN, 1994, p. 65).
124
ópera, ao final do Projeto. Tivemos, como ponto de apoio importante para a escrita,
a produção dos alunos exposta nas paredes da classe rimas, legendas, nomes de
personagens, desenhos, textos sobre os quais eles gradativamente iam se
interessando, na medida em que atribuíam sentido à história que ouviam e
representavam no POPT. Para que fosse possível produzir um farto material escrito,
ao longo do Projeto,o exigíamos que terminassem todas as atividades ou
corrigissem todas elas, de modo a evitar que se cansassem e rejeitassem as
atividades escritas, que eram numerosas e freqüentes. Assim, os alunos foram se
envolvendo, à medida que ficavam mais interessados na ópera. A escrita não foi
trazida de princípio: veio primeiro um universo rico de estímulos, músicas, danças,
rimas, movimentos, palavras escritas e ditas. Consideramos que foi muito importante
ter começado por esses outros estímulos: visuais, auditivos, corporais.
Por meio da análise do caderno de escrita das crianças, no período
anterior ao início do Projeto, pudemos verificar que não havia escrita de autoria em
sala de aula: cópia e ditado de listas de palavras treinadas, pertencentes à
mesma cadeia ortográfica (“famílias” de palavras), como mostram os exemplos das
Figuras 1 e 2, a seguir:
Figura 1 - Lista de palavras pertencentes à mesma cadeia ortográfica – maio/05 (fase de observação)
125
Figura 2 - Ditado de palavras treinadas, pertencentes à mesma cadeia ortográfica – maio/05 (fase de
observação)
Assim, quando iniciamos o Projeto, percebemos que, para os alunos,
escrever espontaneamente era muito difícil. Havia até interesse e motivação, mas
falta de autoconfiança para escrever quando não havia modelo para copiar.
Ficavam, em sua ausência, muito inseguros. Diante da proposta de escrever um
texto, a impressão que tínhamos era a de que as crianças raciocinavam: “a tia
ensinou a família do CA, do BA e do LA, essas a gente sabe! O que não se sabe,
não se pode tentar escrever”. A proposta de fazer com que escrevessem por
“hipóteses próprias” não era utilizada. Adicionalmente, as crianças não tinham fontes
de onde tirar recursos para a escrita própria e também não estavam habituadas a
pensar por si.
Essa diferença de método em relação aos alunos do estudo piloto fez-nos
desconfiar que eles talvez não conseguissem escrever o livro ao final do ano. O
vídeo e o relatório de 28/06/05 exemplificam isso. Nesse dia, realizamos uma das
primeiras atividades de escrita – o ditado de uma rima, cuja escrita nunca havia sido
treinada antes, mas que eles haviam recitado. Quando propusemos “Vamos
escrever?”, a reação deles foi imediata: “Cadê? Onde está? Estava aqui na parede!
126
Mostra aí, mostra aí!” Procuravam desesperadamente pelo cartaz da rima. Embora
soubessem o texto quase de cor, queriam o modelo escrito da rima, e isso criou uma
angústia muito grande para eles: “Tia, eu não sei escrever”. Era penoso escrever
“tirando do nada”; eles, até então, não tinham sido autorizados a escrever sem
modelos e, portanto, isso lhes parecia impossível.s insistimos: “Escrevam como
vocês sabem”. Diante dessa inquietação, terminamos o ditado e, em seguida, demos
outro papel e pusemos a rima na parede, para que fizessem uma cópia. Eles
imediatamente correram, sentaram-se no chão de qualquer jeito, na maior
ansiedade, para copiar. Todos queriam demonstrar que sabiam “escrever”. Temos
gravadas cenas reveladoras da concentração das crianças, olhando as rimas, como
se tivéssemos acabado de dar um copo com água para alguém com muita sede. Foi
uma experiência interessante, bastante ilustrativa para nós da relação daquelas
crianças com a escrita.
O método de alfabetização usado pela professora era o da silabação, sem
preocupação explícita com o sentido. Então, tentar escrever uma rima inteira, com
palavras novas, era, como se pode prever, uma dificuldade grande para elas,
mesmo sabendo que não precisavam escrever corretamente. Dessa forma, o tempo
necessário para obter os resultados com cada atividade foi bem superior ao que
tínhamos inicialmente planejado, com base em nossa experiência anterior. As
crianças precisavam de atenção individualizada para percorrer as etapas previstas
no Projeto para as atividades de escrita de ouvir o reconto do trecho, escrever,
revisar e passar a limpo – e nós havíamos nos proposto a meta de escrever um livro
sobre a história da ópera, com produções próprias de todos os 31 alunos. Ao final,
conseguimos realizar apenas uma reescrita e um depoimento com cada criança (no
nosso piloto, por razões claras, produzíamos mais). Mesmo assim, em termos de
qualidade, o resultado foi muito bom. Os textos finais do livro surpreenderam. A
qualidade das produções escritas, tanto em termos de vocabulário, como de
estrutura, não deixou a desejar em relação às crianças do Projeto piloto. De fato,
como a ortografia exigiu mais revisões, o tempo foi suficiente para duas
produções.
O empenho pessoal da professora do Projeto foi grande, exigindo mesmo
sessões extras. Nessa fase, a assistente de pesquisa já conseguia ficar com o grupo
em uma atividade, enquanto ela trabalhava individualmente, com cada uma das
crianças. Embora o nível de concentração e de habilidades de escrita fosse inferior
127
ao dos alunos do piloto, o empenho e o esforço desses alunos eram enormes. A
essa altura, a prova de roupas, a construção do cenário, os comentários de toda a
escola, da vizinhança e das famílias os faziam se sentirem personagens
importantes. Isso ajudou a impulsionar o ritmo do trabalho. Havia desânimo muitas
vezes, mas a meta havia sido incorporada por eles próprios, pelo menos para a
maioria. Mateus e Robenilson eram crianças que não tinham tanta maturidade para
perceber isso, mas o orgulho, a satisfação de ambos, ao receberem o livro escrito
por eles, no final do espetáculo, foi imenso. Mateus estava sorridente e queria tirar
fotos segurando o livro.
O Projeto previu uma série de atividades ligadas à correção da escrita e à
sistematização da ortografia, além daquelas que davam ênfase ao sentido, coesão e
precisão aos textos produzidos, fossem eles orais ou escritos. Foram usadas
cruzadinhas, forcas, caça-palavras com nomes dos personagens, reconhecimento
de letra inicial, de semelhanças gráficas entre palavras, tudo buscando ampliar o
repertório de letras e de fontes de referência que pudessem ser utilizadas em futuras
escritas. O trabalho diário era apoiado por textos e produções dos próprios alunos,
apostos nas paredes. Para que os alunos fossem iniciados nas atividades de escrita
espontânea, como apoio à futura escrita de autoria, foram propostas primeiramente
escritas de listas de palavras ou de rimas memorizadas.
Para a escrita de listas, o texto era escolhido pela própria criança, a partir
de um mesmo universo semântico, eram propostas escritas de listas de palavras
unidas pelo sentido (“Escreva as características de Calaf” corajoso, forte...) e não
pela grafia, palavras oriundas de um mesmo universo ortográfico, com as mesmas
sílabas ou “famílias” de sílabas, sem relação de sentido entre si (“Escreva palavras
com a letra ‘V’” - vaca, vovó, Vavá...), como usado pela professora de classe antes
do Projeto. Essa diferença aponta para o fato de que a criança passou a ser
orientada para o sentido do que estava escrevendo, ao invés de focar a semelhança
ortográfica das palavras.a reescrita de rimas é uma escrita mais complexa, mas
de palavras que eles sabem quais devem ser, porque estão memorizadas. Embora
não se trate de uma escolha, o texto é “tirado” dos próprios alunos. O texto está com
eles, “dentro” deles. As rimas da ópera não são versos isolados, elas fazem sentido
dentro de um imenso contexto que é ser a fala de um personagem, parte de uma
trama, que compõe a ópera, que a criança desenhou, dançou, representou etc.
128
Garantido o conteúdo com sentido, eles podiam se concentrar, naquele momento,
no modo de escrever, na grafia, nos aspectos formais da língua.
Essas escritas atuaram como uma transição entre o ditado de textos
“prontos”, concebidos pela professora ou pelo autor do livro didático, a serem
reproduzidos ipsis literis ou a escrita de listas defamílias” de palavras que não
guardavam sentido entre si (trabalho original da professora da classe no início do
ano) e as escritas no POPT nas quais as crianças reconstruíam um texto
conhecido (a reescrita de uma história conhecida) e, posteriormente, compunham
inteiramente o texto (a escrita de autoria: os depoimentos). No caso destas duas
últimas escritas, elas produziam o conteúdo, a seqüência, o vocabulário e a
ortografia. A exemplo das demais atividades do Projeto, tratamos aqui de
desenvolver a autonomia, mesmo na atividade escrita, produto cultural tão cheio de
regras e em fase tão precoce – o princípio mesmo. É do princípio que se depreende
um modo de fazer algo, uma lógica. É quando ainda se pode trilhar o caminho da
autonomia para escrever o que se pensa e sente ou, ao contrário, o da imitação
mecânica, copiar o que os outros dizem ou pensam, o que, muitas vezes, se
prolonga até períodos bem tardios na vida do adulto membro das sociedades
letradas.
Muitas vezes, as crianças se perdiam no tempo para fazer uma lista que
dependia tão somente de elas próprias “conceberem”. A professora do Projeto teve
uma idéia original: levou um apito para a sala e o usava para determinar o fim do
tempo para escrever cada palavra. Dizia: “Agora, vamos escrever uma característica
do personagem de que gostamos” (dava um tempo e apitava); “agora, vamos
escrever outra” (tempo, apito). Esse foi um expediente extremo para apoiar as
crianças na organização de um tempo interno, evitando dispersão e divagações.
Elas tinham que se dedicar, naquele intervalo, a pensar no que escrever, porque o
apito tocaria e teriam que passar a pensar em outra coisa para escrever. Um dos
mediadores importantes para a construção da escrita foi o trabalho com os nomes
dos personagens, escritos nos cartazes que, pelo seu vasto repertório de letras e
por serem textos familiares à classe, facilitava a escrita de novas palavras, por
associações sonoras. De outro lado, os jogos de construção de novas palavras e de
rimas com alfabeto móvel foram, também, material precioso, uma ajuda inestimável
para o avanço das crianças mais lentas, com dificuldades na motricidade, que
129
usavam o tempo e a motivação unicamente para a formação das palavras, sem as
ter que “desenhar”, o que lhes era penoso.
As reescritas eram feitas sempre a partir da leitura de um trecho, que era
dramatizado pelas crianças, para maior compreensão e organização das idéias.
Posteriormente, tais idéias seriam colocadas no papel. A dramatização desses
trechos, antes da reescrita, foi um mediador de grande valor, uma vez que permitia
às crianças darem palpites, “consertando” a atuação dos colegas na trama,
discutirem o quê e como eles deveriam fazer e em que seqüência. O sentido era
produzido ao vivo e coletivamente, o que, é provável, facilitou a apropriação da
trama. Para preparar as reescritas, listavam-se, no quadro, os personagens que
iriam aparecer nesses trechos e, logo após, cada criança fazia sua própria produção.
Algumas crianças não tinham dificuldades, produzindo textos bem de acordo com a
história narrada, mostrando um bom encadeamento de idéias. Outras solicitavam
mais a ajuda da professora, pedindo-lhe que contasse de novo ou que os ajudasse a
estruturar o que iriam escrever.
O trabalho em parceria, uma constante ao longo do Projeto
especialmente nas atividades de escrita foi importante, na medida em que
propiciava a oportunidade de trocar idéias, estabelecer diálogo e elaborar produções
em conjunto, enquanto ainda não eram suficientemente hábeis para fazerem isso
sozinhas. Esse modo de trabalhar ajudou, ainda, a lidar com valores, algo de que as
crianças necessitavam muito. Várias delas tinham dificuldades de aceitar limites e de
respeitar o espaço, os direitos e as opiniões dos colegas. Não raro, as aulas eram
interrompidas por brigas, gritos, insultos e disputas que, muitas vezes, acabavam no
chão. Nem todas as crianças pediam ajuda com naturalidade e poucas eram as que
as sabiam oferecer. As duplas ou grupos de trabalho incrementaram bastante esse
tipo de relacionamento de ajuda mútua que, por sua vez, auxiliou a construção da
autonomia, a superação da timidez, a auto-regulação da conduta e, mais importante,
o conhecimento de si, de seus limites e possibilidades.
Os ensaios do drama e o envolvimento emocional refletiram-se na
qualidade das escritas. A boa mediação da dramatização é perceptível,
especialmente, quanto ao conteúdo. Michel, que era bom antes, escreve melhor a
SUA participação na ópera (como Timur), na reescrita após a apresentação (Figura
3). Isso também pode ser visto em Samira (Turandot), que escolheu os enigmas,
suas falas mais importantes, para a sua reescrita (Figura 4). Graciele escreveu
130
sobre Liú, a personagem com a qual mais se identificava, como ela própria relatou
em depoimento escrito no livro (Figura 5):
Figura 3 – Escrita da participação da própria criança na ópera (Timur) – nov./05
Figura 4 Escrita da participação da própria criança na ópera (uma fala da sua personagem,
Turandot) – nov./05
Figura 5 Escrita sobre a personagem com a qual a criança mais se identificava (Liú), segundo
depoimento próprio – nov./05
131
Por outro lado, pudemos observar a incorporação da vivência pessoal no
conteúdo das escritas e como a apropriação do conteúdo da ópera levou em conta
essas vivências. Uma criança agressiva, que batia nos colegas desde o início e
sempre, ao longo do Projeto, identificou-se enormemente com o Carrasco (chegou a
pedir para representá-lo), em seu depoimento sobre o que aprendeu com a ópera
escreveu que aprendeu “que não se bate” (Figura 6). uma outra, com vivência
pessoal e familiar extremamente conflituosa e rejeitada até mesmo por muitos
colegas na classe, escreveu que aprendeu na ópera a “se sentir bem” (Figura 7). No
primeiro caso, vemos a manifestação da empatia demonstrada com o personagem
mau, enquanto “vivia” com ele suas aventuras. O segundo, que gostava das
atividades de dança, inclusive das meninas, talvez tenha encontrado no Projeto
Ópera um espaço para deixar fluírem suas emoções e não perdeu a chance de
registrar isso na sua escrita. Sara escreve em seu texto que Turandot mandava
matar os príncipes porque o marido da prima a abandonou. Essa pode ser uma
forma singular de incorporar sua vivência, na família ou no entorno, à história da
ópera, uma vez que essa versão excede o texto original e não foi nunca mencionada
em classe (Figura 8):
Figura 6 Depoimento sobre o que aprendeu com a ópera (aprendeu “que não se bate nos
coleguinhas”) – nov./05
132
Figura 7 – Depoimento sobre a ópera (“me sinto bem”) – nov./05
Figura 8 Versão que excede o texto original acréscimo de elementos (“o marido tinha
abandonado-a”) – nov./05
As rimas e estruturação do texto
Quando analisamos a produção dos textos de reescrita das crianças,
podemos perceber que as rimas constituem, para a maioria delas, o grande apoio
para a estruturação do texto. Os menos hábeis fazem delas seu texto; os mais
hábeis a utilizam como apoio e vão além delas, as extrapolam. As primeiras
reescritas eram quase que exclusivamente rimas. Podemos observar que Brenda
escrevia mais corretamente quando escrevia a rima o texto conhecido do que
133
quando o tinha que criar inteiramente o conteúdo da escrita (Figuras 9 e 10). Sara,
que sabia escrever quando chegou ao Projeto, escreveu um excelente texto, com
encadeamento lógico, organizando as rimas e complementando-as segundo sua
interpretação da história (Figura 11). Vanessa, embora também escrevesse bem,
continuou apegada a esse apoio até o fim (Figura 12). Percebemos, nessas
crianças, que tanto a correção, como o encadeamento lógico e a fluência na escrita
foram também, em grande medida, mediados pela rima.
Figura 9 – Texto usando a rima como apoio para a reescrita – ago./05
134
Figura 10 Texto posterior, escrito sem o apoio da rima (mesma criança da FIgura 9) com
menor qualidade – nov./05
135
Figura 11 Rima usada como apoio da reescrita criança organiza as rimas e complementa-as
segundo sua interpretação da história – nov./05
136
Figura 12 – Texto com encadeamento lógico e fluência, mediado por rimas – nov./05
As crianças tinham na rima uma fonte de palavras que definiam
precisamente o que acontecia na história. Tendo a rima memorizada, parte do texto
estava “pronto” na cabeça delas na hora de escrever, expressando a fala de um
137
personagem, os diálogos da história, o que é, para elas, “meio caminho andado”,
um instrumento mediador de conteúdo e de forma da escrita. Tendo como
perspectiva as aprendizagens ocorridas no campo da escrita, reafirmamos que, no
âmbito da pesquisa, não se tratava de ver quem acabou lendo e escrevendo ou não,
quem lia ou não, mas em apreender o processo que foi realizado, os avanços na
fluência, o enriquecimento do vocabulário, a autoria e a apropriação de vivências – e
quais as mediações usadas para tal.
As atividades com rimas foram previstas tanto para permitir a descoberta
de palavras pela associação das regularidades da língua, ponto chave para o
processo de leitura, como para apoiar a escrita, fonte de referência sempre ao
alcance da criança, na medida em que, uma vez memorizada, facilitava a
localização das palavras pela sua diagramação peculiar (em linhas curtas, com finais
parecidos). As crianças eram estimuladas a recitar a rima, diante dos cartazes,
acompanhando com o dedinho as palavras, o que facilitava essa localização e a
associação som/grafia, já que eles sabiam a rima de cor.
Foto 31 – Alexsandro recitando rimas para auxiliar a reescrita de colegas
Ademais, a recitação desenvolve a capacidade de perceber a relação da
palavra escrita com sua sonoridade, aliada ao ritmo e à emoção das falas dos
personagens da trama, sempre expressa em versos, memorizados e recitados com
prazer, acompanhando ou não com o dedinho a escrita dos cartazes das paredes.
Nos momentos livres, algumas crianças se detinham lendo, recitando, consolidando
138
seu aprendizado com os textos expostos, tirando dúvidas e comparando
regularidades. As crianças não cansavam de recitar, em especial, as falas de Liú e
Calaf, mas nem todos sabiam de cor os enigmas, que tinham palavras mais
complexas e menos comuns. Alexsandro e Samira, os protagonistas do espetáculo,
obviamente, eram dois "especialistas" em tais rimas e, por isso, serviam de
consultores aos colegas, em suas escritas.
No dia em que foi apresentada a primeira rima, Mateus, que não escrevia
uma palavra (mas se envergonhava disso, queria muito saber escrever) e não
participava de praticamente nenhuma atividade, deitado no chão da classe o tempo
inteiro, teve uma reação surpreendente! Foi uma das crianças que mais se
interessou pela atividade, encaminhou-se aos cartazes e ficando longamente,
tentando “decifrar” o que ali estava escrito, enquanto buscava lembrar-se de cor das
rimas. Às vezes, olhávamos para ele e tínhamos até a impressão de que estava
completamente alheio, como se nada nele penetrasse. Sempre se acredita na força
da música, mas a rima surpreendeu ao atingi-lo. Isso sugere que cada criança tem
um canal especial de interesse e de comunicação. O trabalho com a sonoridade, no
caso da ópera, foi incrementado não apenas pela rima como na recitação
dramática, no teatro recitado mas também pela habilidade desenvolvida com as
crianças de relacionar som/ação, melodia/fala/gesto, associando a narração e a
atuação aos acordes, as pausas e o andamento das melodias, durante a narração e
representação da trama. Essa harmonia foi extremamente sedutora para as crianças
e, supomos, atuou como estímulo para novas aprendizagens.
A riqueza das atividades com rimas contribuiu, ainda, para a ampliação do
repertório vocabular, algo perceptível na linguagem usada nos textos do livro escrito
ao final do Projeto. Com efeito, o libreto usado para a leitura da história, cuja
adaptação fizemos, emprega uma linguagem que é compreensível por crianças, mas
não foi escrito apenas para crianças, contando com um vocabulário relativamente
rico para essa faixa de idade. Com a finalidade de contribuir para esse
enriquecimento, mantivemos o texto intacto, sem substituição de palavras, quer ao
contar a história, quer dramatizando com elas as falas rimadas dos personagens:
acreditávamos que o contexto acabaria dando significado às palavras
desconhecidas. No final, sentíamos que as crianças já lidavam com essas palavras,
usando-as, tanto para recitar como em outras atividades. Diziam, por exemplo: “tia,
conta de novo a parte dos enigmas!
139
Analisando as atividades pregressas da professora de classe, foi possível
verificar a diferença entre os procedimentos para incremento vocabular, antes de a
ópera oferecer uma multiplicidade de linguagens e formas de expressão.
Observamos, no caderno de sala dos alunos, que, no Dia das Mães, antes do início
do Projeto, a professora havia passado a cópia de um acróstico, no qual havia as
palavras “idolatrada” e “nutriz (Figura 13 - Brenda) como atributos da mãe. Essas
palavras foram introduzidas sem qualquer apoio visual ou contextual que pudesse
fornecer indícios de seu significado. Esse é um expediente muito comum nas
classes escolares. Usando um caminho inverso, em um texto de reescrita da ópera,
Wenderson emprega a palavraatitude” (Figura 14), em redação própria. Essa
palavra, usada largamente ao longo do trabalho (a atitude de Calaf, a atitude de
Turandot), se internaliza e aparece como produção pessoal, vinda pela mediação da
literatura, da dramatização, do desenho e das demais vivências propiciadas pelo
Projeto.
Figura 13 Cópia de acróstico (Dia das Mães) com as palavras “idolatrada” e “nutriz”, sem apoio
visual ou contextual com indícios de seu significado – maio/05 (período de observação)
140
Figura 14 Depoimento sobre a ópera, com emprego espontâneo da palavra “atitude” (texto de
autoria) – nov./05
Em outro exemplo de texto espontâneo, Michel escreve “O mandarim
denuncia” (em lugar de anuncia), em uma tentativa de uso de palavra nova, não
presente no texto original (Figura 15), mas provavelmente muito freqüente no
ambiente em que ele vivia a realidade do seu bairro – onde a criminalidade é uma
presença marcante. O interessante aqui é que a sonoridade da rima (“O mandarim
anuncia: Turandot só se casará...”) fazendo a mediação para o uso da palavra nova,
em uma escrita mais autoconfiante, revela como essa criança se permitiu ousar; ela
que antes sabia fazer cópia das palavras “vaca”, “vavá”, “vovô”, “vovó”. Em
processo semelhante, estimulada a usar novas palavras, Vanessa usa tribunal (esta
em associação correta de palavra rara, conhecida por ela previamente, mas ausente
141
do texto original da história que, no entanto, conta com a palavra funeral) (Figura
16). A sonoridade, mais uma vez é mediadora do uso de palavras raras, mesmo em
uma associação mais complexa.
Figura 15 Tentativa de uso de palavra nova, não presente no texto original (“O mandarim
“denuncia”, em lugar de “anuncia”, no livro da história) – out./05
Figura 16 Uso de palavra rara, ausente do texto original da história (“tribunal”) em lugar de palavra
com sonoridade semelhante (“funeral”) – nov./05
Interessante, também, é Vanessa usar “facinado” (tal como escreveu)
em depoimento escrito. Essa palavra ficou registrada em reconto pela professora no
dia 06/06/2007 (texto decupado, Apêndice F). Naquela ocasião, ao contar que “Calaf
ficou fascinado ao ver Turandot”, propositalmente, fizemos uma intervenção e
perguntamos “Ficou o quê, tia?”. E uma criança diz “vacinado” (em associação ao
seu cotidiano, uma vez que a escola tem posto de vacinação). A professora repete:
“fascinado” e complementamos: “apaixonado”. Vanessa recorre a essa romântica
palavra, embora com a grafia incorreta, que permaneceu em seu texto cheio de
sentido. Vimos como o vocabulário é incorporado, por mediações variadas, vivências
de dentro e de fora do Projeto, palavras raras ouvidas fora da escola (“tribunal”,
“denuncia”) e associadas, ousadamente empregadas com sentido, agora próximas
142
das crianças; enquanto isso, o vocabulário do livro didático, que fazia uso das
palavras “idolatrada” e “nutriz”, para se referir à mãe, parecia distante e poderia ser,
uma vez que o exercício se resumia a copiar ou a escrever o texto ditado. Na
reescrita, fica-se com a certeza de que a criança utilizou a palavra consciente e
voluntariamente, sugerindo que havia dela se apropriado, que ela agora fazia parte
do seu universo vocabular.
Figura 17 Uso de palavra rara, presente no original da história, com grafia incorreta
(“facinado”) – dez./05
5.6.1.2 Desenhos
O desenho é uma manifestação gráfica muito importante para as crianças
que ainda não sabem escrever. A maior parte delas não sabia se expressar em
palavras, mas aquilo que era contado a coroa de Turandot, os olhos dos chineses
era representado em seus desenhos, usados como forma de expressar a
compreensão. E elas, avidamente, usavam esse instrumento. Analisando os
desenhos, em ordem cronológica, percebemos o grande progresso feito, tanto na
disposição para a atividade, como na presença dos detalhes. Muitos dos alunos
falavam no começo: “Tia, eu não sei desenhar”. Conforme observamos na classe, a
prática usual da professora era a de propor o desenho livre, espontâneo, sem
referências, ou aceitar o decalque que as crianças faziam de livros e revistas,
quando professavam que não sabiam desenhar.
143
Foto 32 – Desenho de observação de figuras
projetadas – discussão coletiva sobre detalhes
Foto 33 – Criança executando desenho de
observação
No Projeto Ópera, uma das atividades mais importantes é o desenho de
observação, técnica que as crianças nunca tinham usado antes e que oferece uma
referência a ser observada e reproduzida livremente (ou umslide projetado na
parede, ou um cartaz, ou uma fotocópia reduzida da ilustração de um personagem
no canto superior da página em branco). Trabalhar a observação dos detalhes
produziu uma diferença grande, desde os primeiros desenhos dos personagens
com cabeça e “corpão”, de olhos abertos, ocidentais até chegar aos desenhos de
personagens com trajes cheios de adornos e com olhos puxados. Entretanto, até o
final, ainda havia criança (Francisca, uma das melhores desenhistas) que
complementava seus desenhos com aquela “árvore de maçãs” padronizada,
repetida por inúmeras crianças que, sem liberdade de desenhar, fogem do erro,
apoiando-se em um desenho sabidamente aceito. A seguir (Figura 18):
144
Figura 18 – Desenho elaborado com uso de “coringa” (“árvore de maçãs”) fora de contexto – nov./05
Brenda repete a mesma florzinha do desenho do Dia das Mães em um
dos desenhos do Projeto, embora a casa presente no primeiro tenha se
transformado em “templo”, agora com os beirais do telhado virados para cima
(Figuras 19 e 20):
Figura 19 - Casa com vaso de flores – desenho para o Dia das Mães - maio/05
145
Figura 20 – Casa (transformada em templo, com os beirais para cima) com o vaso de flores (mesma
criança da Figura 19) – out./05
Ainda no portfólio de Brenda, vemos a mesma figura humana que, em
maio, representava sua mãe (Figura 21), “virar” Turandot, em junho (Figura 22).
Mais tarde, em dezembro (Figura 23), vemos Turandot retratada por ela em todo o
seu esplendor, em desenho de observação.
Figura 21 – Figura humana de cabelos
encaracolados representando a mãe – maio/05
Figura 22 – Figura humana de cabelos
encaracolados representando Turandot (mesma
criança da Figura 21) – jun./05
146
Figura 23 Turandot desenhada com suas próprias características e com detalhes (desenho de
observação, mesma criança da figura 21) – dez./05
Paralelamente a este trabalho, as crianças tinham contato com atividades
de outra natureza: assistir ao vídeo da ópera, imaginar cenas, expressar pela
mímica os sentimentos dos personagens. Esse material era, como seria de se
esperar, incorporado às suas próprias criações. No início, as crianças não
atentavam para os detalhes nos desenhos. Mas, depois do envolvimento com a
história e a identificação com os personagens, os desenhos foram ganhando riqueza
em cores, traços, detalhes e expressões. De modo geral, surpreenderam pela
qualidade. O livro que eles produziram ao final do Projeto mostrou essa riqueza de
detalhes, como pode ser verificado pelo leitor ao comparar o desenho livre tosco ao
desenho minucioso de Michael Jordan (Figuras 24,25 e 26):
147
Figura 24 – Desenho livre tosco maio/05 Figura 25 – Desenhos de observação elaborados
e minuciosos (mesma criança da Fig. 24) -
ago./05.
Figura 26 – Desenhos de observação elaborados e minuciosos (mesma criança da figura 24) –
set./05.
148
Uma atividade que apoiou bastante o enriquecimento de detalhes dos
desenhos foi a observação coletiva e verbalizada do vestuário, da arquitetura
chinesa e das expressões fisionômicas. Por seu intermédio, buscávamos associar
atitudes e características dos personagens – é (a princesa), é cruel (o carrasco),
está apaixonado (o príncipe), está sofrendo (Liú), são engraçados (os ministros),
está feliz (Turandot, no final) à sua representação pictórica. Essa atividade, que
associava idéias abstratas sentimentos, humor e caráter – a traços concretos,
modos de olhar e de configurar a boca, por exemplo, ajudou também a chamar a
atenção das crianças para valores e sentimentos. Tudo isso, acreditamos, serviu de
mediação para o desenvolvimento da empatia. Liú, por exemplo, era a preferida de
grande parte das meninas e, provavelmente, seu caráter de “coitadinha” contribuiu
para esse favoritismo.
As referências de um universo cultural diferente do das crianças foram
empregadas como apoios para dar lógica e sentido tanto para os desenhos como
para as atividades de escrita, de reconto e de descrever os personagens. Uma aula
que se mostrou particularmente envolvente para as crianças foi aquela em que
projetamos “slides” de pagodes, para trabalhar as características da arquitetura
chinesa. Explicamos que os beirais virados para cima (ao contrário dos de São Luís,
virados para baixo) eram uma forma de eles se referirem ao seu Deus, nos templos
que construíam (Figura 28). É possível verificar, em dezenas de desenhos, a
preocupação das crianças em reproduzir esse detalhe e de selecionar o vermelho
para pintar os telhados, uma cor de conotação religiosa, que eles viram ser muito
usada pelos chineses nas suas construções. Podemos, assim, inferir um progresso
dos alunos que partiram da cópia e do decalque para chegar ao desenho de
observação, cheio de detalhes. Os decalques, os pedidos de “desenha pra
mim” (Figura 27) estão registrados no vídeo e no Diário de Campo de 18/05/2005.
Figura 27 – Decalque maio/05 (período de observação)
149
Figura 28 – Templo vermelho, com beirais virados para cima – nov./05
Uma observação interessante, que nos intrigou a princípio, e foi
esclarecida posteriormente, era a grande oscilação na qualidade dos desenhos de
observação de Carlos Henrique, dois dos quais feitos na mesma data. Analisando-os
mais detidamente, percebemos que um deles era um desenho de observação sobre
um personagem que estava na parede e, o outro, o de um personagem que estava
fotocopiado no canto superior da folha de papel em que desenhava um visto de
longe e outro de perto (Figuras 29 e 30). Em visita à família, soubemos que ele não
tinha a visão em um dos olhos, algo que não havia sido percebido antes na escola e
que poderia explicar a diferença em sua produção.
Quanto ao conteúdo dos desenhos, mesmo bastante enriquecido com o
universo cultural rico e diverso do nosso que é o da China imperial, ainda pudemos
observar certos “coringas” usados pelas crianças para complementar ou enfeitar
seus desenhos (maçãs, flores, vasos, como já referido).
150
Figuras 29 e 30 – Diferença de qualidade em desenhos feitos no mesmo período (um com modelo
de referência visto de longe, na parede e o outro com modelo fotocopiado, no canto superior da folha
em branco, visto de perto) jun./05
Finalmente, intrigava-nos desconhecer o porquê de um dos nossos
melhores desenhistas, Michel, ter declarado, no primeiro dia em que propusemos
uma atividade de desenhar, que ele “não gostava de desenhar”. Indagando-nos
sobre isso, acabamos por levantar a hipótese de que ele não gostava daquele
tipo
de proposta de desenho, na qual quem decalcasse fazia mais bonito do que quem
tentasse desenhar por si. Invertida a proposta, ele descobriu, em si mesmo, um
grande talento, largamente apreciado e elogiado pelos próprios colegas. Michel, com
justa razão, foi um dos principais ilustradores do livro (Figuras 31, 32 e 33).
151
Figuras 31,32 e 33 – Ilustrações do livro feitas pela criança que em maio declarava “não gostar de
desenhar” – out./05
152
O desenho de observação
O desenho de observação permite uma atividade metacognitiva. Dentro
do POPT, a criança volta à história, repensa, busca referências, escolhe traços e
cada um deles tem um sentido que se coliga com todos os demais elementos da
ópera, como nos revela a criança, citada, que, ao ver sua fantasia, a reconheceu
nos desenhos que havia feito de personagens e figurinos. (“Quando eu estava
desenhando, eu sabia que a gente ia vestir essa roupa”). As deduções aparecem
aqui juntando relações entre elementos de referência do contexto da ópera, como
um todo.
O desenho de observação usa um princípio fundamental da teoria
vigotskiana, que é o mediador que apóia até que a criança seja capaz de realizar
sozinha uma atividade. Não um apoio mecânico a ser copiado como em um
decalque, mas um apoio que pressupõe autonomia, reflexão e escolhas dessa
forma, garante o caráter dialético da atividade que se na ZDP durante esse
processo, por isso mesmo capaz de promover o desenvolvimento de funções
mentais superiores – supomos.
A rima, do mesmo modo, funciona como esse apoio para a construção do
texto. A criança não está sozinha, solta no processo, ela dispõe de um instrumento
com cujo conteúdo e estrutura ela está familiarizada, até memorizou (ela sabe recitar
a rima e sabe diagramar as palavras no papel, linha por linha). É esse apoio, que,
presumimos, impulsiona a autoconfiança para escrever. A criança não parte do
nada. Mas essa mediação, da mesma forma que no desenho de observação, não é
um instrumento a ser copiado mecanicamente, é evocado pela memória, reflexão e
conexões que a criança faz ao aprender a recitar uma rima. Uma vez mais vemos o
recurso mediacional suscitando novas aprendizagens dentro da ZDP, que a
criança, a partir da rima, complementa seu texto em prosa, contando o que sabe da
história, do enredo, do contexto da ópera, que lhe fornece uma infinidade de
informações sobre caráter dos personagens, características físicas, relações entre
os personagens, medos, tensão e segredos.
Tudo isso se em um ambiente lúdico, o jogo, o jogo dramático que
envolve as demais formas de manifestação de arte e chega, neste ponto, a
derramar-se sob a forma escrita.
153
Partir da cópia de “vovô e vovó” para construir um texto complexo, com
vocabulário raro não é um salto que se no vácuo, mas em um ambiente
planejado, rico em mediações e com a parceria da professora e colegas, munidos de
instrumentos eficazes.
Para o desenho, a observação de detalhes é sentida. Para a escrita, a
rima lúdica, elaborada é cheia de significados cognitivos e emocionais que,
segundo supomos, são capazes de promover o desenvolvimento de crianças na
Zona de Desenvolvimento Proximal.
5.6.2 Turandot - o espetáculo
Fotos 34 e 35 – Apresentação da ópera “Turandot”, pelas crianças
Foto 36 – Comunidade do entorno da escola assistindo ao espetáculo
Escolher desenvolver um Projeto de ópera com crianças superava, desde
o início, a intenção de formar platéia para um tipo específico de música ou arte:
estava, antes, ligado ao potencial educativo que, acreditávamos, tinha essa
proposta. Para nós, ela poderia, efetivamente, ser uma mediação importante para as
aprendizagens escolares e não escolares, permitindo desenvolver a criança
154
enquanto ser, explorando a arte enquanto arte, não apenas como um instrumento
para o sucesso escolar e ensejando ganhos cognitivos e afetivos. Foi com esse
propósito que concebemos e implementamos o POPT até hoje. Montar um
espetáculo de ópera com crianças é, certamente, o produto final, a ponta do iceberg,
de tudo o que foi trabalhado, ao longo de nove meses, com um grupo de crianças
que vivenciou, das mais variadas formas, essa obra. Fizemos sempre uso de
atividades cuidadosamente planejadas e experimentadas ao longo dos oito anos de
trabalho com esse mesmo Projeto, que antecederam esta pesquisa, o que permitiu
lapidar cada instrumento e suas condições de uso, como mediadores da
aprendizagem e do desenvolvimento infantil.
Mas, um espetáculo é um espetáculo e, como tal, causa expectativa,
ansiedade e muita emoção. Quando correu a notícia de que o estávamos
preparando e os comentários das crianças em casa foram confirmados na conversa
após a missa do domingo na Igreja, a comunidade da Divinéia tornou-se curiosa
acerca do que estávamos fazendo. O palco começou a ser armado em um terreno
anexo e a chegada de carpinteiros agitou ainda mais os comentários. As crianças
passaram a se sentir pequenas celebridades, algo que foi muito favorável ao clima
dos trabalhos, justamente nos momentos em que elas, especialmente nas atividades
de escrita, começavam a cansar. Afinal, escrever com um propósito, para um público
leitor, é diferente de fazer um exercício caseiro para a professora passar o visto no
dia seguinte. Havia agora um significado social para a escrita: mostrar à família e
aos vizinhos um livro que eles estavam escrevendo na escola e que iria ser
encenado em grande estilo.
Quando isso aconteceu, algumas mães passaram a ficar receosas acerca
do desempenho de seus filhos “diante de toda a comunidade”. Uma delas veio nos
pedir que tirasse a criança do espetáculo, tanta “certeza” tinha de que ele não
conseguiria representar. Tentamos, naquele momento, acalmá-la e transmitir
confiança confiança no filho dela, uma das coisas que muito falta nessa
comunidade e provavelmente em outras com o mesmo perfil. A mãe de outro aluno,
após o espetáculo, veio nos dizer que não podia acreditar no que vira, que nós
tínhamos feito um milagre com ele, que estava fazendo a 1ª série pela terceira vez.
Na apresentação da ópera, o POPT prevê uma representação seguindo uma
narração e a trilha musical, que são sincopadas – isto é, desde o primeiro acorde da
ópera, a narradora conta o que está acontecendo na música, ou o que a música está
155
contando e as crianças a representam, suaão sendo dirigida por essa narração.
Os coros são acompanhados pela bandinha, tocada sobre a trilha sonora e os balés
são dançados pelas crianças – todas elas personagens do espetáculo – na condição
de guardas, de povo ou príncipes e princesas.
Havia uma movimentação grande para que tudo acontecesse, afinal era
preciso a colaboração de várias pessoas. O aluguel das cadeiras e a mão-de-obra
dos carpinteiros e pintores foram doações. O engenheiro que montou o cenário fez
isso como trabalho voluntário. Professoras, também voluntárias, fizeram os
bastidores do espetáculo, vestindo, penteando e maquiando as crianças. O
fotógrafo, os cinegrafistas e os técnicos de luz e som também fizeram seu trabalho
sem nada cobrar. O equipamento foi locado com doações, bem como a edição do
livro, o figurino e o material de cenário. As reações das crianças foram bastante
variadas, porque cada uma seguiu seu ritmo e fez um percurso ao longo do Projeto.
Os ganhos em termos de aprendizagem e mesmo de desenvolvimento, não foram
os mesmos para todas, ficando na dependência da natureza de suas dificuldades
(escrever, representar, falar, expor-se, dançar, fazer piruetas, desenhar) e do
rompimento de uma infinidade de barreiras e bloqueios sociais e, em alguns casos,
emocionais.
Uma criança, por exemplo, tinha muitas dificuldades de interação, era
emocionalmente muito instável, passava rapidamente do choro à agressão.
Identificou-se, a princípio, com o carrasco (pediu, inclusive, para representar esse
papel), depois, passou a gostar de Ping, um dos ministros cômicos, e fazia mais
gracinhas, seu humor melhorou. Estava excitado e satisfeito no dia da apresentação,
mas não deixou de ocupar a cena, nos preparativos dos bastidores, com um “show”
que até choro teve. Era muita gente e muita excitação e, talvez, essa criança não
estivesse chamando tanto a atenção das pessoas como gostaria. Ao final, estava
sorridente. Sua empolgação na apresentação era visível: deixou até maquiar os
olhos e cumpriu fielmente a coreografia. Estava de ótimo humor. um outro se
recusou a fazer a coreografia dos meninos durante os ensaios, mas, com sua “cara
safada” de quem sabe que está transgredindo, imitava os gestos das meninas ao
longo dos ensaios de sua coreografia. Até bem perto do espetáculo, ele relutou em
participar com os meninos, mas, no dia, fez isso bem e de maneira integrada a seus
pares. Talvez as provas dos figurinos o tenham estimulado ou o fato de ele ter
compreendido que os personagens – samurais e dançarinas – eram muito diferentes
156
entre si. A absorção gradativa do caráter de cada personagem talvez o tenha
influenciado. São suposições. Mas, como essa criança era mais infantil que as
demais, quiçá sentisse apenas uma maior necessidade de suavidade mesmo, da
carícia da melodia, para quem, sem mãe, como ele, vive órfão no meio de tantos
primos que recebem muito afeto dos pais. Dançando com as meninas, será que ele
havia encontrado um caminho para se expressar afetivamente?
Foto 37 – Os ministros do reino, na apresentação da ópera“Turandot”
Um outro aluno, que sempre se destacara na classe por sua boa
oralidade e esperteza, não queria executar uma coreografia coletiva achávamos
que era porque ele não queria se “igualar aos outros, habituado que estava a ser o
centro das atenções. Queria, provavelmente, mais destaque. Ser o príncipe, de fato
era sua ambição. Entretanto, temíamos que seu temperamento forte e instável
pudesse fazê-lo desistir na última hora. Ademais, no dia em que a equipe da TV
local foi entrevistá-los, ele não conseguiu dar uma palavra: ficou mudo e
suspeitamos que a exposição excessiva o deixasse por demais ansioso. Dar a ele
um papel tão longo seria uma temeridade! Sem o papel do príncipe, ele foi
gradativamente se desinteressando dos ensaios, até que tivemos uma brilhante
idéia: como tinha excelente desenvoltura de movimentos, perguntamos, um dia, se
157
ele sabia fazer “estrelinhas (piruetas de cabeça para baixo) e ele fez uma bela
demonstração ali mesmo, no pátio, na hora do recreio. Exageramos nos elogios e
dissemos que ele iria ser o carrasco, que abriria a coreografia dos samurais fazendo
uma série de “estrelinhas” de um lado ao outro do palco, o que exigiria grande
equilíbrio e senso de direção. Confiávamos nele para essa tarefa. Ele concordou.
Para ele, a atitude de aceitar não ser Calaf para ser o carrasco foi um esforço
significativo que foi entendido por nós como um avanço para quem, como ele, queria
sempre concentrar todas as atenções e embirrava quando não estava “sob os
holofotes!” Sua performance no dia foi impecável, mas ele estava visivelmente
preocupado antes de o espetáculo começar. Ao final, percebia-se o alívio em sua
fisionomia.
Foto 38 – Performance do carrasco na ópera “Turandot”
Turandot brilhou, para dizer pouco! A maturidade dessa menina, ao
esperar os momentos certos da música para atuar, foi surpreendente, a despeito de
desconfiarmos disso no primeiro ensaio. Quando, pela primeira vez, narrando, no
ensaio, dissemos: “e Turandot chora diante do Imperador”, uma lágrima real
escorreu dos seus olhos! Ela era capaz de se emocionar e de se deixar envolver
pela história e pelo personagem: era uma pequena atriz! Entretanto, algo inesperado
aconteceu. Na semana anterior ao espetáculo, levamos todas as crianças para
assistir à apresentação da encenação da “Turandot do Colégio Dom Bosco. Ao
final, conversando com eles, perguntamos: “Que acharam? Na semana que vem
158
serão vocês! Vai ser lindo também”. Para nossa surpresa, a princesa da Divinéia
abaixou a cabeça, fazendo sinal de “não”. Havia sido demais para ela:
aparentemente, tudo havia sido tão grandioso que ela não se sentia capaz de se
igualar à Turandot que acabara de ver no palco. Os ensaios da última semana
foram, portanto, muito tensos para ela e também para nós. De vez em quando, ela
chegava ao meu ouvido e dizia baixinho: “eu não sei nada”. Toda a equipe dedicou-
se a encorajá-la, de modo que a prima-dona teve, mesmo, seus dias de estrela. Sua
linda performance foi uma grande conquista para ela, que teve que vencer a
insegurança e a auto-estima tão pequenina, que beirava o chão. Na véspera, ela
recebeu da Turandot do Dom Bosco uma cartinha desejando sucesso, com um
desenho que mostrava as duas, com seus respectivos trajes e pares. A outra aluna
tinha percebido o drama que a nova Turandot estava vivendo e foi assisti-la na
primeira fila da platéia no dia do espetáculo, acompanhada do pai, para incentivar a
nova amiga.
Foto 39 – Samira, a “Turandot”, nos bastidores da apresentação
O nosso imperador era plena majestade: calmo, tranqüilo, com um leve
sorriso nos lábios. Entretanto, em termos de escrita e leitura podemos dizer que
precisaria de atendimento mais individualizado.
159
Fotos 40 a 43 – Personagem-título da ópera, em cena
160
Foto 44 – Michael Jordan, o Imperador, nos bastidores
A suavidade e a precisão das bailarinas impressionaram a todos. Suas
expressões no palco, acompanhando o desenrolar da trama, estão nas fotos mais
impressionantes que temos da apresentação. Após o espetáculo, um dos alunos
sentou-se sozinho no palco para ver o livro que tinham produzido, embevecido.
Ninguém de sua família tinha comparecido. Havia um outro menino ao seu lado, as
luzes meio apagadas. Perguntamos: “Você é primo dele?” Ao que o garoto
respondeu: “Eu não, Deus me livre!”. Ficamos longo tempo pensando no porquê
desse Deus me livre. Não sabemos. Será que ele o conhecia? O que saberia sobre
ele? Seria a aparência (a roupa estava um pouco larga para ele, o quimono meio
aberto na frente, a faixa da cabeça meio torta)? Não lembrava muito um valente
samurai. Seria isso? Mas, esse menino era apenas aparentemente frágil, alguém
que fazia manha para conseguir o que queria. Ele sabia se defender quando
precisava e nós vimos o quanto ele precisava! Não se importou com o que o menino
disse: não conseguia tirar os olhos do livro.
A magia do teatro permite associar atitudes e características aos
personagens – a maldade, a comicidade, a paixão. Na ópera, esses caracteres têm
uma melodia própria, que é retomada como tema, a cada aparição do personagem
em cena, o que intensifica esses traços. As crianças captaram isso com perfeição, o
161
que os ajudou a representar seus papéis dando atenção a valores e sentimentos
que até então não haviam experimentado, algo que pode ter permitido a catarse de
que fala Vigotski (1999). Executar esse trabalho em uma comunidade com pouco
acesso à arte e com tantas fragilidades do ponto de vista material foi algo muito
recompensador. Um momento para se guardar para sempre na memória. No final do
ano, demos de presente a cada criança uma foto sua no espetáculo, em um bonito
porta-retrato. Nossa intenção era permitir que aquilo tudo pudesse ser sempre
lembrado a quantos a vissem, deixando marcado, de forma concreta, o espaço de
cada criança em sua própria casa, em sua própria rua, em sua comunidade. Um
pouco de brilho palpável em uma dura realidade.
Foto 45 - Família de um dos personagens recebendo um porta-retrato com a sua foto na
apresentação da ópera “Turandot”
162
“Penso que existe em cada personalidade humana
uma necessidade de prazer artístico e de entrega à arte
e que essa necessidade é justa e deve ser satisfeita”.
Tolstoi (apud TEPLOV, 1991, p. 150)
163
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que pretendemos mostrar nesta tese é como um Projeto de apreciação,
leitura, escrita, desenho, musicalização, dança e encenação de uma ópera, com
ações bem estruturadas, utilizando materiais potencialmente com sentido, conduzido
pelo adulto e com a participação da criança tem efeitos sobre a aprendizagem e o
desenvolvimento de crianças da série do Ensino Fundamental, oriundas de
camadas de baixa renda da população brasileira. Para tal, trabalhamos o Projeto
“Ópera para Todos” (POPT) com 31 crianças de uma escola comunitária na periferia
de São Luís. Nossa intenção foi observar possíveis ganhos em termos cognitivos,
afetivos, sociais e psicomotores nas crianças. Nossos pressupostos teóricos, com
base em Vigotski, são os seguintes:
a) tudo aquilo que é vivenciado no exterior, na ação concreta, transforma-
se em material abstrato, em função mental superior;
b) sendo essa vivência em arte, as contradições implícitas na obra de arte
provocam choque, destruição e superação, ou seja, desenvolvimento.
6.1 Cuidados metodológicos
Esta pesquisa tem como característica central buscar realizar uma análise
dinâmica da realidade de campo, constituindo uma modalidade de investigação
atualmente muito em voga e necessária, por apresentar os resultados
processualmente e em seu movimento (DEASY, 2002). Com o intuito de garantir
esses atributos e, também, aqueles preconizados por Bauer e Gaskell (2002) em
relação a uma boa pesquisa qualitativa, foram utilizados alguns instrumentos, todos
eles pensados a partir da realidade encontrada no campo e da longa experiência
com o Projeto “Ópera para Todos” (POPT). Assim, a prolongada presença da equipe
de pesquisa na escola – ao todo foram nove meses, praticamente todo um ano letivo
buscou atender a esse requisito de coleta extensiva de dados primários. Foram
elaborados Diários de Campo cheios de detalhes, enfocando cada atividade
desenvolvida e, ainda, as observações sobre aquelas registrados em vídeo, com
duas câmeras simultaneamente. Pode-se dizer que, praticamente, todos os
momentos desses nove meses de atividades foram analisados muitas e muitas
164
vezes. Os vídeos, em especial, permitiram voltar às cenas quantas vezes fosse
necessário a fim de capturar a atmosfera, a seqüência de ações, os elementos
secundários do contexto em que ela se passava, possibilitando maior acuidade na
captação da intencionalidade do gesto, da palavra, do silêncio.
Por outro lado, para evitar versões estereotipadas e, ao mesmo tempo,
aderir a uma visão única de verdade, foi empregada a técnica conhecida como
“Grupo Focal”, ao final do ano letivo. Foi uma atividade bastante rica para colher as
várias impressões sobre o Projeto e sobre as crianças no Projeto. Nesse momento,
foi possível confrontar os pontos de vista da equipe da escola e da equipe de
pesquisa sobre o trabalho, por vezes divergentes, mas, em geral, convergentes. A
liberdade de expressão que se buscou exercitar nessa atividade teve por meta
contribuir para a riqueza de interpretações, mediante a exposição subjetiva de cada
participante e o refinamento das conclusões alcançadas.
Nesta pesquisa, o valor dos sujeitos não está na sua expressão numérica,
e, sim, na posição que ocupa e representa no universo de uma sala de aula. Era
intenção avaliar como as crianças aprendiam e se desenvolviam no decorrer das
atividades do Projeto. Em discussão com a equipe de pesquisa, com a banca de
qualificação e com a orientadora desse trabalho, algumas decisões foram tomadas e
convém que o leitor delas se inteire. Uma delas diz respeito aos participantes da
pesquisa. Foram escolhidos dois alunos: a) Claudiane, uma criança rebelde, cheia
de vontades, incapaz de aceitar qualquer coisa que lhe parecesse imposta, em
especial quando vinha da parte dos adultos; e, b) Alexsandro
, um menino dócil,
participativo, com ótimo desempenho escolar e excelente oralidade, por se
considerar que ambos formavam casos ilustrativos acerca do que significou
participar do Projeto, favorecendo, ainda, leituras diversas. Uma outra decisão
importante relacionou-se aos trabalhos de escrita e aos desenhos: eles foram
selecionados muito mais em função de sua capacidade de exemplificar as diferentes
fases e aspectos do processo do que em função das características das crianças
que os produziram.
Os desenhos e as escritas de cada criança foram organizados em seu
portfólio em ordem cronológica e, portanto, a data de sua elaboração precisou ser
devidamente registrada desde o primeiro dia do Projeto. Esse recurso revelou-se um
material valioso para apoiar as análises e as conclusões a que se chegou,
constituindo um registro farto e rico que testemunho dos passos e fases do
165
processo. Cotejar essas produções com suas “condições de produção”, tal como
retratadas nos vídeos e Diários de Campo, favoreceu valiosos insights, ao longo da
pesquisa.
O esquema e as condições tanto de coleta como de análise dos dados,
descritos na seção 4.6, foram estruturados com base na experiência, que ofereceu
boas orientações, com o Projeto “Ópera para Todos” – tal a experiência orientou-me
antes e durante a pesquisa, atuando quase como se fosse um estudo piloto. A
possibilidade de confirmar ou refutar hipóteses levantadas anteriormente, em uma
realidade socioeconômica diversa, auxiliou em muito a análise e a interpretação dos
dados, servindo como contraponto importante, muitas vezes desafiante, para buscar
dados mais completos e mais sofisticados. Esse foi o caso, por exemplo, das
escritas dos alunos, para as quais já se dispunha de um padrão de qualidade prévio.
É importante registrar o papel da decupagem e da transcrição dos vídeos acerca do
Projeto, que, constituindo uma outra fonte de dados (ver apêndices), abriu espaço
para outras interpretações acerca do que foi feito. Tudo isso se demandou tempo
extra, ofereceu também uma maior validade e fidedignidade nos resultados.
Finalmente, vale mencionar que a escolha da categoria de análise
vygotskiana “funções mentais superiores” favoreceu a negociação de entendimentos
variados e orientou as conclusões, por permitir articular considerações teóricas da
proposta sócio-histórica em Psicologia da Educação, os resultados conseguidos em
termos da aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos envolvidos no Projeto,
bem como a visão de Psicologia da Arte assumida por Vigotski (1999). Finalmente,
esperamos que a variada documentação as escritas das crianças, seus desenhos,
as fotos do Projeto, os vídeos realizados, os Diários de Campo, entrevistas, Grupo
Focal, depoimentos de pais e crianças reunida ao longo dos meses de nosso
convívio na escola sirva para orientar outras pesquisas que, tais como essa,
pretendam ser elucidativas do que vem a ser “uma boa prática qualitativa”.
6.2 Conclusões
Para a apreciação dos resultados obtidos com a pesquisa, retomamos
aqui as funções mentais superiores que objetivamos promover no e pelo trabalho
realizado: atenção voluntária, imaginação, memória, auto-estima, empatia,
conhecimento de si, cooperação, auto-regulação, além da motricidade. A grande
166
amplitude da intervenção e o volume de dados produzido colocaram-nos diante da
necessidade de fazer recortes que nos permitissem uma análise mais aprofundada
para bem embasar as conclusões. No entanto, no material coletado, foram
encontradas muitas e variadas evidências de que cada um dos aspectos acima
mencionados se desenvolveu, algo que constituía, efetivamente, parte dos sub-
objetivos da pesquisa. Esses aspectos foram os seguintes:
a empatia, que pode ser notada nos textos de autoria escritos pelas
crianças no livro sobre a ópera (Figura 5) e nas reações de algumas
crianças ao personagem “carrasco”,como, por exemplo, as descritas na
133 (Fig. 6).
a cooperação, observável tanto nas atividades requeriam parceria,
como a contribuição de Samira e de Alexsandro, os protagonistas da
ópera, ao declamarem rimas para ajudar na reescrita de seus colegas
(Foto 31) ou a cumplicidade entre os protagonistas, oferecendo
“pontos” para a representação teatral do outro, ou, ainda, a atitude
colaborativa das colegas de Claudiane, ajudando-a a evoluir na dança.
a auto-estima, bem observada por meio das expressões de alegria e
de orgulho das crianças, após o recebimento do livro impresso e da
apresentação da ópera (Foto 19).
a evolução do grafismo das crianças, como registrado nos portifólios
exemplificados na seção 5.6.1.2, que falam do seu desenvolvimento
sob o aspecto motor.
Gostaríamos, entretanto de enfatizar os resultados obtidos nos recortes
feitos, mais notadamente nas três partes em que foi estruturada a análise dos
dados:
1. a análise de um episódio coletivo, no início do Projeto, que revela um
pouco das características da classe com que trabalhamos e os
mediadores que utilizamos para conseguir levar adiante o trabalho;
2. a análise do percurso de duas crianças que, por diferentes caminhos,
atingiram níveis mais aprimorados de desenvolvimento, os quais se
167
devem, em nossa visão, às aprendizagens que aconteceram no
ambiente planejado pelo Projeto;
3. a análise da produção final das crianças: um livro de reescritas e
desenhos feitos por elas a partir da ópera Turandot, de Puccini, e a
encenação do espetáculo para a comunidade do entorno da escola.
Passaremos a tecer breves conclusões sobre tais dados.
6.2.1 Contar a história para a classe
A partir do episódio coletivo, em que tentamos contar para as crianças a
história Turandot com base no libreto escrito para o POPT, pudemos observar como
era pequena a concentração das crianças no início do ano. Dispersavam-se a cada
instante, impedindo o trabalho da professora, ignorando-a mesmo. Pretendíamos
que elas tivessem “brotos” de atenção concentrada, uma das funções psicológicas
superiores que nos dispusemos a analisar neste estudo, a partir de uma visão global
e não-linear de desenvolvimento, mas percebemos que algumas das crianças
eram capazes de se deter por poucos minutos na professora; a maioria dispersava-
se muito. Para enfrentar esse problema, foi preciso replanejar: passamos a usar
como mediadores o gesto, as falas dos personagens, o movimento, a mímica, a
música e o desenho. Teria sido simples apenas diagnosticar a situação: essa
atividade não era ainda um “broto do desenvolvimento” das crianças (VIGOTSKI,
1994, p. 113). Poderíamos ter concluído que elas não eram capazes de sentar e
ouvir uma história e optar por outras atividades, como colocá-las para desenhar
livremente, o que faziam com grande prazer ou copiar alguma coisa, o que já tinham
aprendido com a professora de classe. Entretanto, estávamos dispostas a fazê-las
avançarem, de forma lúdica, usando o jogo. Para Vigotski (1994, p. 134), no jogo, a
criança tem performances acima da sua idade, é possível conseguir mais dela sem
imposições de qualquer tipo, respeitando seu ritmo e seu tempo.
Engendramos situações em que a criança pudesse atuar deliberada e
conscientemente, partindo de propostas que iam um pouco além de suas vivências
cotidianas. O lúdico, a arte e a própria vivência dos alunos foram os instrumentos
iniciais – o abraço e a mímica (“careta” infantil). Conseguimos que eles, aos poucos,
fossem sendo capazes de ouvir, participar e integrar-se à história, com atenção
168
concentrada, essa função mental superior que serviu de porta de entrada para uma
série de outras atividades que buscávamos oferecer às crianças. Levantamos aqui a
hipótese de que a multiplicidade de mediações planejadas, usadas
simultaneamente, em torno de um foco foi capaz de provocar avanços na ZDP,
mesmo de crianças cujo desenvolvimento da atenção concentrada, ainda não
revelava seu “broto”. Esperar por ele significaria inviabilizar o trabalho e, como
afirma Vigotski (2001, p. 351), “observar, ouvir e sentir prazer parecia um trabalho
psíquico tão simples, que não necessitava ser ensinado; não obstante, é aí que está
o objetivo principal e o fim da educação”.
Se tantas e variadas mediações, todas usadas em larga escala, foram
recursos centrais para chegar a esse objetivo, por outro lado, a história que conduz
a encenação de uma ópera envolve arte teatral para propiciar a empatia com
personagens, como bem explorou Vigotski, em seus estudos sobre Hamlet (1999).
Essa empatia adensa a personalidade, uma vez que “uma história ‘tornada própria’
pode criar novas atitudes e juízos de valor” (TEPLOV, 1991, p. 135). Assim:
Qualquer obra de arte pode ter valor educativo conquanto se leve a criança
a adotar determinada atitude, a começar a ‘viver’ na situação representada
e a fixar, portanto, na modalidade, nas características e atitudes humanas,
na perspectiva dessa atitude. (TEPLOV, 1991, p. 136).
A emoção move-se em direção a algo, foca nele, voluntariamente, a
atenção que, por sua vez, participa do desenvolvimento como um todo.
6.2.2 Claudiane e a dança
Claudiane foi uma das crianças, cujo percurso foi acompanhado mais de
perto, ao longo da pesquisa. Segui-la nesse processo foi certamente aprender com
ela lições de independência e auto-estima – uma criança forte, decidida e líder de
sua classe. Claudiane era alguém que sabia o que queria e que se comportava de
acordo com suas próprias regras. Vê-la avançar a partir de aprendizagens que
incidiam sobre atividades que não estavam em seu rol de predileção foi muito
recompensador. Notamos, em particular, como em sua experiência foi importante o
papel do “outro”, sem o qual não teria se desenvolvido tanto. Isso pode ser analisado
sob dois aspectos:
169
1) o “outro” membros da classe , grupo de liderados, ampliado pela
audiência da outra sala de Série aos ensaios do espetáculo. Esse
outro se fazia presente na pressão exercida pelo grupo, uma vez que
ela sempre desejava impressionar os colegas e que esses últimos a
observavam de perto, como a verificar se ela conseguiria ou não
dançar com destreza a coreografia que as demais meninas
dominavam;
2) o “outro” parceiro de dança, mediador a quem recorreu para aprender a
dançar quando achou que isso era necessário e importante para ela.
Valsiner e Van Der Veer (1991) afirmam que preservar a autonomia da
criança em atividades na ZDP é fundamental para que se assegure o caráter
dialético do processo. Assim, a professora convidava Claudiane a participar das
atividades, mas sem insistir, até porque era impossível conseguir algo quando ela
não se punha de acordo, escondida embaixo das mesas. Era-lhe franqueado apenas
observar o que se passava, se assim desejasse. Confiávamos no fato de que havia
mediadores suficientes à sua disposição no ambiente. No entanto, se Claudiane não
sofria pressões por parte da professora, a dos próprios colegas fazia-se fortemente
presente. Isso não alteraria muito o ritmo do Projeto Ópera, se os comentários e
observações feitos pelos colegas o fossem interpretados por ela como
importantes, adquirindo um significado todo especial, como aponta Pino (2000). De
fato, esse foi o principal mediador a impulsionar o desenvolvimento da aluna, mas
não se pode desconsiderar, ainda, a mediação feita pelo parceiro da dança. Sem
ele, esse alguém a quem imitar, Claudiane não teria em quem se apoiar sem chamar
a atenção para a sua ainda incipiente habilidade de dançar. Dançava, a princípio,
observando atentamente a outra colega, depois foi se soltando e tornando-se capaz
de sozinha regular sua conduta. Claudiane dançava, no final, mediante a
coreografia, os passos, o ritmo, e porque queria, porque sem isso não conseguiria
manter seu prestígio na classe e perder o prestígio parecia ser perder sua auto-
estima. “A dinâmica da personalidade é drama, mas um drama é sempre um
confronto de conexões (dever e afeto, paixão e controle, amor e ódio, confiança e
ciúme etc.)” (VIGOTSKI apud PINO, 2000).
Ter que dançar gerou um conflito: seguir fazendo o que queria (e perder o
respeito do grupo) ou seguir as regras do Projeto Ópera (e abrir mão da imagem que
170
lhe dava prestígio). Para superar essa divisão, foi preciso a mediação da parceira,
em uma atividade estruturada (a dança, de acordo com uma coreografia precisa) e
de uma situação lúdica, em que tudo era divertido: as crianças dançavam para se
distrair, para participar, para poder viver os personagens. Não se tratava mais de
acatar as demandas de uma autoridade e, sim, aquela sentida pessoalmente.
Ademais, como afirma Vigotski (1999, p. 316), a força da arte, da emoção estética,
não influencia apenas nossos sentimentos, mas “rompe o equilíbrio interno, modifica
a vontade em um sentido novo”. Esse percurso de Claudiane, segundo supomos,
levou-a a conquistar uma nova vontade, uma nova habilidade de auto-regulação,
graças ao desenvolvimento de funções psicológicas superiores intencionalmente
fomentadas por essa investigação.
Foi bastante interessante observar o processo por meio do qual Claudiane
conseguiu auto-regular sua conduta: fazendo uso da observação do Outro. Com
essa aluna, o desafiar constantemente o que era dela esperado pelos adultos foi,
não sem resistências, cedendo lugar, por intermédio da observação e da imitação, a
novas habilidades. Os desenhos de observação parecem ter contribuído para que,
também no plano da motricidade, da coordenação e da cooperação, progressos
fossem feitos, levando, conseqüentemente, à superação da conduta rebelde e
contestadora. Esse percurso, traçado em meio a escolhas difíceis, foi possível
porque os adultos, da dinâmica das aprendizagens propostas, respeitaram o ritmo da
aluna, entenderam suas dificuldades, acolheram suas diferenças. Essa relação de
tolerância e empatia parece ter sido central para promover aprendizagens capazes
de impulsionar o desenvolvimento, sem prejuízo do caráter dialético da relação que
se estabelece entre ambos.
6.2.3 Alexsandro, o herói da trama
O drama vivido por Alexsandro para representar o galã da peça, ele, que
era o cômico da classe, pode ser descrito, nas palavras de Vigotski (1999), como “a
superação da contradição entre a comédia e o drama”: a comédia do dia-a-dia vivido
em classe, em um cotidiano alegre e bem humorado e o drama do herói da ópera
para conquistar o amor da temperamental princesa Turandot, que implicava outras
posturas, outros gestos, outros olhares, outras palavras. A transformação de
Alexandro faz-nos pensar, como afirma Teplov (1991), em desenvolvimento
171
propiciado pelo adensamento de seus modos de pensar, sentir e agir, conquistado
por meio do acesso à vida interior de um “outro”, o personagem. Com essa nova
roupagem, Alexsandro experimentou a vida de um outro modo e, ao assim agir,
criou para si mesmo novas atitudes, posturas e conceitos.
O que esse aluno aprendeu não foi uma habilidade dita observável, já que
seu talento para representar apresentou-se desde a primeira vez em que participou
dos jogos dramáticos que oferecemos à classe. O que aprendeu, supomos, ao
empatizar o personagem, foi viver uma outra vida, querer outros queres,
impulsionado pelo fato de ter sido visto de uma nova maneira por seus
companheiros, que não mais o tratavam como o engraçadinho (papagaio falador,
como o chamavam), mas como um príncipe, Calaf, aquele por quem Turandot tinha
se apaixonado. Os ganhos de Alexsandro, diferentemente dos de Claudiane,
parecem estar mais ligados ao autoconhecimento obtido em razão do mergulho
profundo que ele fez nas características de seu personagem.
Vigotski considera que impressiona na arte infantil a existência precoce
de uma orientação para o belo, sugerindo uma afinidade psicológica entre arte e
jogo, em especial para as crianças. E afirma, com Bühler, (1999, p.326), o quanto é
importante que a criança possa “mergulhar inteiramente nas aventuras alheias”. A
ópera favorece isso e Alexsandro foi até suas profundezas. Um outro
desencadeador de seus avanços foi, tal como presumimos, o fato de que ele
precisava “dar conta da tarefa que lhe foi confiada”, para não romper com a idéia de
menino bom, esforçado, decepcionando a mãe e/ou a professora. Insistimos para
que ele fosse Calaf (enquanto ele pedia para ser o ministro), porque acreditamos,
como Vigotski (1994, p. 115), que, usando a imitação, em uma atividade coletiva,
sob orientação do adulto, as crianças “vão muito além dos limites de suas próprias
capacidades”.
Sim, Alexsandro podia ser Calaf e dar seu mergulho no jogo dramático.
Mas isso lhe trouxe um desequilíbrio, a catarse, reação estética e, finalmente, a
superação, como mostrou a observação tanto de seu desempenho no dia do
espetáculo, como uma de suas reações após a ópera (sentado para assistir a outros
vídeos relativos ao Projeto na biblioteca e recontando, sôfrega e avidamente, a
história de Calaf e Turandot inteirinha, na roda de reconto coletivo). A ele, o Projeto
ofereceu desafio, modelo e instrumentos mediadores para ser bem sucedido: rimas,
vídeos, a própria direção do espetáculo.
172
Gostaríamos de aqui auferir, no entanto, que na ópera, o efeito desse
processo é mais intenso do que descreveu Vigotski (1999) ao falar sobre o teatro, a
propósito da tragédia de Hamlet, o príncipe da Dinamarca. Como afirma Kerman
(1990), na ópera, música também (ou ela, prioritariamente) conta a história enquanto
conduz as emoções, multiplicando os efeitos da trama sobre o espectador. Ademais,
realçamos um segundo aspecto: no Projeto “Ópera para Todos”, as crianças não
são espectadores, são atores, co-autores, do espetáculo, algo que reforça ainda
mais nossa hipótese de que a intensidade da vivência, na representação de uma
ópera, é maior do que a descrita por Vigotski, a respeito da platéia do teatro.
6.2.4 A rima
Como analisamos no capítulo dedicado às escritas e desenhos (5.4.1),
pudemos ver que a produção final das crianças atingiu uma boa qualidade, tanto em
termos de vocabulário, como de fluência e estrutura. Queremos levantar aqui a
hipótese de que a rima é um mediador excepcional para permitir que o texto escrito
de autoria seja estruturado, por algumas razões:
a) o conteúdo da rima está pronto para ser escrito, quando memorizado
pela criança. Por outro lado, a memorização é facilitada por todo o
conjunto envolvido na dramatização: a dança, a música, o desenho e
as demais atividades do Projeto “Ópera para Todos”;
b) a estrutura da rima é também familiar às crianças, uma vez que,
trabalhar com ela, implica atentar para a configuração do texto em
linhas curtas e para a regularidade da escrita ao final de cada linha, ou
seja, para a rima propriamente dita;
c) a musicalidade do texto em verso ajuda a criança a saber se ainda
faltam palavras e quantas faltam, mesmo que não se lembre
exatamente quais são elas (o que faz algumas trocarem “funeral” por
“tribunal” e “anuncia por “denuncia”).
Essa mediação, segundo supomos, à criança autoconfiança para
escrever e para compor, já na 1ª Série, textos de até duas laudas, uma vez que não
parte do zero: ela conta com a rima como ponto de partida. No momento em que se
173
sente segura, a criança abandona a rima e faz a escrita de autoria, recontando a
história agora com estrutura e vocabulário próprio, o que pode ser observado tanto
nas reescritas, como nos depoimentos que foram coletados ao final, para o livro
(exemplificados na seção 5.6.1). Esses depoimentoso de autoria dos alunos,
tanto em termos de conteúdo como de forma. Postulamos, dessa forma, que o uso
da rima constitui um excelente mediador para a escrita, por ser um recurso
estruturado e cheio de sentido, que permite às crianças, em fase inicial do processo
de aprendizagem da escrita, redigir textos de autoria.
6.2.5 O desenho de observação
Finalmente, gostaríamos de salientar que, a exemplo da rima, o desenho
de observação é um mediador potente para o desenho de autoria, cheio de detalhes
e de significado para as crianças. O POPT prevê que seus integrantes comecem a
desenhar a partir da observação de fontes de referência figuras ou imagens – que
podem ser impressas, projetadas, dispostas nas paredes ou nos livros. Quando
iniciamos o trabalho com essa classe, as crianças realizavam basicamente dois tipos
de atividades de desenho: o livre (sem proposta) ou o decalque (quando a
professora pedia “desenhem tal coisa”, elas folheavam os livros didáticos para
selecionar um desenho, colocavam a folha do caderno por cima e copiavam o
desenho escolhido). Ao pedido “desenhe tal coisa”, sem decalque, diziam
imediatamente: "eu não sei desenhar".
Assim, se ouvimos Michel, um dos melhores ilustradores do livro do final
do Projeto, dizer, no início de uma dessas atividades, "eu não gosto de desenhar",
observamos que ficou, nesse mesmo dia, até depois do final do horário, terminando
o seu primeiro desenho de observação. De fato, a importância do desenho de
observação está em preservar a autonomia da criança, mas sem deixar de lhe dar
um apoio e um sentido particular. Com isso, a criança não está entregue à própria
sorte: ela não parte do nada! É em razão dessa segurança inicial que os alunos
podem, depois, soltar-se do modelo oferecido e executar outros, de sua autoria, com
grande riqueza de detalhes.
A criação, para Vigotski, segue dois impulsos básicos: apropriação (da
experiência humana) e criação (com base na experiência humana: nunca se cria do
nada; sempre se parte do conhecido). Esse é o motivo pelo qual, em tese, o
174
adulto tem maior amplitude para criar do que a criança: sua experiência é maior.
Quando demos às crianças um modelo, expandimos a experiência de observar, a
percepção de detalhes, a apreensão das cores e seus matizes. Isso foi a base a
partir da qual as crianças puderam se descolar do real (os desenhos de observação)
e passar a criar (imaginar).
O desenho de observação oportuniza, ainda, uma atividade
metacognitiva, que faz os alunos voltarem ao tema reflexivamente, durante o tempo
que empregam pintando, em pinceladas ritmadas, embaladas ao som da música da
ópera. Julgamos, dessa forma, que a produção do livro de desenhos e escritas, além
das escrita e motricidade, contribuiu ainda para o desenvolvimento da escrita e da
atenção voluntária, memória e imaginação, como sugere a seqüência da evolução
das produções apresentadas.
Em resumo, gostaríamos de postular que a presente pesquisa oferece
elementos que permitem concluir que a participação de crianças da série do
Ensino Fundamental em um Projeto de apreciação, leitura, escrita, desenho,
musicalização, dança e encenação de uma ópera, com ações bem estruturadas,
utilizando materiais potencialmente com sentido, conduzido por um adulto, tem
efeitos sobre a aprendizagem e o desenvolvimento daqueles nele envolvidos,
notadamente no tocante às funções psicológicas superiores, como é o caso da
atenção voluntária , da auto-regulação da conduta e do autoconhecimento. Ademais,
este trabalho apresenta indicações que parecem sugerir que:
a rima é um mediador importante para a escrita de autoria por parte de
crianças que se encontram no início do processo de aprendizagem da
leitura e da escrita;
o desenho de observação, de igual modo, atua para facilitar que
crianças na faixa etária de 6-7 anos façam um desenho de autoria
elaborado e rico em detalhes e pormenores;
ambos, ao serem exercitados, promovem a atenção voluntária; a
memória e a imaginação, colocando-as a serviço das aprendizagens
iniciais.
175
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180
APÊNDICES
Apêndice A - Cronograma de atividades executadas
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES EXECUTADAS
DIA MAIO
30 Apresentação do livro .
DIA JUNHO
3 Leitura da história em partes.
Apreciação da música.
Declamação de rima da ópera.
Movimentos de dança.
Jogo teatral.
Desenho.
6 Leitura da história em partes.
Desenho de personagens.
Pintura dos desenhos feitos.
10 Leitura da história em partes.
Apreciação da música.
Hipóteses sobre o desfecho.
Desenho de personagens.
13 Leitura da história em partes.
Apreciação da música.
Discussão sobre características físicas dos personagens.
Desenho de personagens.
15 Leitura da história em partes.
Apreciação da música.
Hipóteses sobre o desfecho.
Discussão sobre os trajes dos personagens.
Recitação de rima.
Pintura dos desenhos feitos .
20 Leitura da história em partes.
Discussão sobre os episódios.
Leitura de rima.
Discussão sobre o que é ¨enigma¨.
Discussão sobre características físicas dos personagens.
Desenho.
22 A profa tenta contar o final da história.
Análise de cenários da ópera no livro (onde é passada e quando).
Jogo de ritmo com a bola.
28 Aula com retroprojetor para tentar contar o final da história.
Recitação de rima.
Perguntas sobre o desfecho.
Interpretação da fala final de Turandot.
Ditado de rima.
Cópia de rima.
DIA JULHO
7 Reconto oral coletivo.
12 Atividades escritas de caça-palavras,forca,jogo de letras embaralhadas.
Identificação dos personagens na parede.
Características dos personagens.
DIA AGOSTO
8 Conversa sobre o trabalho do semestre.
Discussão sobre a história.
Desenho.
181
10 Assistir a um vídeo da ópera por companhia profissional.
17 Assistir a um vídeo da ópera por companhia profissional.
22 Assistir a um vídeo da ópera por companhia profissional.
24 Aula de Música - ensaio da bandinha rítmica.
Relembrada a história.
Leitura de rimas.
Recitação coletiva.
Ditado de rimas.
Correção em duplas.
26 Aula de Dança - Ensaio das coreografias.
Jogo de imitações (velho,para Timur/ luta, para guerreiros).
Imitações individuais de personagens.
Jogo de expressões fisionômicas.
29 Leitura e recitação de rimas.
Montagem de palavras que rimam com alfabeto móvel, em duplas .
Escrita no papel do que montaram .
31 Aula de música.
DIA SETEMBRO
2 Exploração das figuras do painel.
Alfabeto móvel:montagem do nome dos personagens em
dupla.
Escrita individual no papel dos nomes formados pelas duplas.
Ditado dos nomes dos personagens.
Correção de listas -discussão sobre os erros.
5 Aula de música.
Análise das suas 1as. hipóteses sobre enredo e personagens e comparação com a história.
12 Aula de dança.
Aula de música.
14 Aula de dança.
Aula de música.
Pintura de personagens para a parede.
16 Aula de dança.
21 Aula de dança.
28 Aula de dança.
Aula de música.
Oficina dramática de personagens.
30 Aula de dança.
DIA OUTUBRO
3 Aula de música.
Aula de dança.
Oficina dramática de personagens.
7 Aula de música.
Aula de dança.
Oficina dramática de personagens.
10 Aula de música.
Aula de dança.
14 Caça-palavras com nome de personagens.
Cruzadinha com nome de personagens.
Reescrita em grupo.
Depoimentos escritos.
17 Aula com transparência sobre arquitetura chinesa.
Desenho de observação da arquitetura chinesa.
21 Aula de dança.
Aula de música.
Desenho de cenas imaginadas para o livro.
182
31 Oficina dramática com todos os personagens.
Recitação de rimas.
Cópia das rimas recitadas.
Escrita de depoimentos sobre a ópera.
Desenho de cenas imaginadas.
DIA NOVEMBRO
4 Oficina Dramática.
Aula de música.
Passar a limpo depoimentos.
7 Desenho de figurino e acessórios.
Reescritas individuais.
8 Desenho de cenários.
Recitação de rimas enquanto desenham.
Reescritas individuais.
9 Ensaio geral com a narração e a música.
Aula de música.
Aula de dança.
Reescritas individuais de trechos da ópera.
11 Reescritas individuais de trechos da ópera.
16 Reescritas individuais de trechos da ópera.
17 Ensaio geral com narração e música.
Ensaio só da bandinha.
Ensaio só das coreografias.
21 Reescrita de trecho da ópera em pequenos grupos.
23 Ensaio das coreografias e banda.
24 Escrita de depoimentos, individualmente.
25 Ensaio geral.
Ensaio da coordenação da bandinha com falas do imperador.
Ensaio das falas dos personagens.
28 Depoimentos escritos sobre a ópera.
30 Ensaio geral com participação dos figurantes da outra sala.
Reescrita de trechos da ópera.
Assistência individual a alguns alunos na reescrita de trechos da ópera.
Para casa: treino das falas dos personagens
DIA DEZEMBRO
1 Ensaio geral.
5 Ensaio geral.
6 Ensaio geral.
7 Ensaio geral.
11 ESPETÁCULO
14 Coleta de depoimentos pós-ópera de pais e alunos.
15 Coleta de depoimentos pós-ópera de pais e alunos.
16 Coleta de depoimentos pós-ópera de pais e alunos.
19 Reescrita do trecho da ópera de que mais gostou.
183
Apêndice B - Entrevista com pais
Criança
___________________________________________________________________________
Pai ( ) Mãe ( )
___________________________________________________________________________
Data ____/_____/__________
1 ª. Etapa - Espontânea
Quais as características que você acha que seu filho (chamar pelo nome) tem? Como é o seu
jeito de ser em casa?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como é ele com as outras pessoas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2ª. Etapa - Induzida
1. É o tipo de criança que
a. inventa brincadeiras ( )
b. segue o que os outros fazem ( )
2. É
a. briguento ( )
b. calmo ( )
3. É
a. mais calado ( )
b. mais falante ( )
4. É
a. medroso ( )
b. corajoso ( )
5. Você diria que ele é
a. desastrado, estabanado
b. cuidadoso, jeitoso( )
6. Gosta mais de
a. ficar sozinho ( )
b. brincar com outras crianças ( )
7. Ajuda em casa ? (a mãe, outras pessoas, ou mais velhos, outras crianças)
a. sem ninguém pedir ( )
b. quando se pede ( )
c. se nega a ajudar ( )
8. Alguma vez ele revelou se preocupar com outras pessoas ?
a. nunca ( )
b. freqüentemente ( )
c. às vezes( )
9. Você acha que ele se acha
a. bonito ( )
b. feio ( )
184
c. você nunca reparou ( )
10. Você acha que ele se acha
a. inteligente ( )
b. “atrasado” ( )
11. Você acha que ele se acha
a. bom nas brincadeiras de rua ( )
b. tolo nas brincadeiras de rua ( )
12. Quando acontece algo de que ele não gosta, é do tipo que
a. chora ( )
b. briga, xinga, se enfurece ( )
13. Quando faz uma coisa errada, ele
a. chora ( )
b. briga, xinga, se enfurece ( )
14. Algum fato revela a você que ele
a. gosta de aprender com outras pessoas ( )
b. se irrita quando alguém tenta ensinar-lhe alguma coisa ( )
c. você nunca observou ( )
15. Ele é uma criança
a. nervosa ( )
b. tranqüila ( )
16. Se você o mandasse à venda da esquina comprar qualquer coisa, você acha que ele
a. iria e faria a compra certo ( )
b. iria mas não acertaria a fazer a compra ( )
c. não acertaria ir ( )
17. Quando vê alguém que está triste, sofre ou tem problemas, de modo geral ele
a. demonstra ter pena ( )
b. caçoa ( )
c. não se interessa por isso( )
18. Em relação aos adultos, ele é uma criança de
a. obedecer sempre ( )
b. discordar com calma ( )
c. desobedecer( )
19. Ele fica envergonhado na frente de pessoas estranhas?
a. sim ( )
b. não ( )
20. As outras crianças gostam de brincar com ele?
a. sim ( )
b. não ( )
21. Ele
a. se queixa dele próprio (fala mal de si mesmo) ( )
b. aparenta estar satisfeito com ele próprio ( )
c. você nunca observou ( )
22. O que você acha que ele faz bem?_________________________________________
23. O que você acha que ele não faz bem?______________________________________
24. Você acha que ele tem habilidade para
a. cantar ( )
b. dançar ( )
c. tocar um instrumento ( )
d. recitar ( )
e. representar numa peça de teatro ( )
185
25. Ele tem apelido(s)? ( ) sim. ( ) não. Qual (is)?_______________________________
26. O que as pessoas que convivem com ele dizem dele?___________________________
________________________________________________________________________
186
Apêndice C - Entrevista com a equipe da escola
PROFESSORA( ) DIRETORA( ) Data___/____/____
Criança
___________________________________________________________________________
1a. Etapa - Espontânea
Quais as características que você acha que o aluno tem? Como é o seu jeito de ser na escola?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Como é ele com as outras pessoas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2ª. Etapa - Induzida
1. Ë o tipo de criança que
a. inventa brincadeiras ( )
b. é de seguir o que os outros fazem ( )
2. É
a. briguento ( )
b. calmo ( )
3. É
a. mais calado ( )
b. mais falante ( )
4. É
a. medroso ( )
b. corajoso ( )
5. Você diria que ele é
a. desastrado, estabanado ( )
b. cuidadoso, jeitoso ( )
6. Gosta mais de
a. ficar sozinho ( )
b. brincar com outras crianças( )
7. Ajuda em classe ?( a professora, outras pessoas, outras crianças)
a. sem ninguém pedir ( )
b. ajuda quando se pede( )
c. se nega a ajudar ( )
8. Alguma vez ele revelou se preocupar com outras pessoas
a. nunca ( )
b. freqüentemente ( )
c. às vezes ( )
9. Você acha que ele se acha
a. bonito ( )
b. feio ( )
c. você nunca reparou ( )
10. Você acha que ele se acha
a. inteligente ( )
b. atrasado ( )
187
11. Você acha que ele se acha
a. bom nas brincadeiras de parque ( )
b. tolo nas brincadeiras de parque ( )
12. Quando acontece algo de que ele não gosta, é do tipo que
a. chora ( )
b. briga, xinga, se enfurece ( )
13. Quando faz uma coisa errada, ele
a. chora ( )
b. briga, xinga, se enfurece ( )
14. Algum fato revela a você que ele
a. gosta de aprender com outras pessoas ( )
b. se irrita quando alguém tenta ensinar-lhe alguma coisa ( )
c. você nunca observou ( )
15. Ele é uma criança
a. nervosa ( )
b. tranqüila ( )
16. Se você o mandasse ao ambulatório da escola dar um recado, você acha que ele
a. iria e daria o recado certo ( )
b. iria mas não acertaria a dar o recado ( )
c. não acertaria ir ( )
17. Quando vê alguém que está triste, sofre ou tem problemas, de modo geral ele
a. demonstra ter pena ( )
b. caçoa ( )
c. não se interessa por isso ( )
18. Em relação aos adultos, ele é uma criança de
a. obedecer sempre ( )
b. discordar com calma ( )
c. desobedecer ( )
19. Ele fica envergonhado na frente de pessoas estranhas?
a. sim ( )
b. não ( )
20. As outras crianças gostam de brincar com ele?
a. sim ( )
b. não ( )
21. Ele
a. se queixa dele próprio (fala mal de si mesmo) ( )
b. aparenta estar satisfeito com ele próprio ( )
c. você nunca observou ( )
22. O que você acha que ele faz bem?__________________________________________
23. O que você acha que ele não faz bem?______________________________________
24. Você acha que ele tem habilidade para
a. cantar ( )
b. dançar ( )
c. tocar um instrumento ( )
d. recitar ( )
e. representar numa peça de teatro ( )
25. Ele tem apelido(s)? ( ) sim. ( ) não.qual (is)?________________________________
26. O que as crianças e pessoas da escola dizem dele?_____________________________
________________________________________________________________________
188
27. Comparado com as outras crianças, você diria que ele é
a. do mesmo nível ( )
b. menos competente ( )
c. mais competente ( )
28. Ele
a. entende bem as tarefas ( )
b. tem dificuldades de compreender o que fazer ( )
29. Ele é uma criança
a. introvertida ( )
b. extrovertida ( )
189
Apêndice D – Versões da história
Relatório de 07/07/2005
Para atividade proposta para esse dia, dividimos a turma em três grupos, com cerca
de dez alunos cada. A professora trabalhou com um grupo por vez. Cada grupo
deveria contar a história de Turandot da forma como havia entendido. Havia opiniões
e fatos divergentes trazidos no mesmo grupo e os alunos eram estimulados a aceitar
ou discordar, criticar a opinião do colega, pois no final só poderia haver uma história
de cada grupo. A professora funcionou como escriba das versões da história.
A história do primeiro grupo:
A história acontece na China. Turandot quer matar Calaf porque ela não quer casar.
Então, ela coloca três enigmas para Calaf e ele acerta os três. Então, ela fica triste e
ele uma pergunta para ela responder: Qual é o meu nome? Então ela pega Liú,
que é a escrava, para ela dizer o nome dele, e ela não diz, pois ama Calaf e porque
ele vai morrer, se ela contar. Ele estava preso e Turandot foi onde ele estava e ele
disse o seu nome. E Turandot foi falar com seu pai para dizer que o nome de Calaf
era AMOR e que ela queria se casar com ele porque estava apaixonada. Então, eles
se casaram.
A história do segundo grupo:
Calaf ficou apaixonado por Turandot, ao olhar ela pela janela. E ele queria se casar
com ela, mas ela não queria, porque não estava apaixonada por ele. Então, ela
propôs três enigmas para ele e ele acertou os três. E ele propôs um enigma para
ela, se ela acertar, ele morre; mas, se errar, ela casa com ele. E ele pergunta: qual é
o meu nome? E ninguém na cidade da China poderia dormir antes de Turandot
descobrir o nome do estrangeiro. Então, ela mandou prender todo o povo na cidade
para descobrir o nome dele. Então, ela mandou prender Liú, a escrava, pois olharam
Liú conversando com o estrangeiro. Mas ela não contou, porque amava ele e ele
que contou para Turandot, na cadeia, o nome dele. E eles se casaram, porque ela
gostava dele e ela disse que o nome dele era AMOR. E não queria que ele morresse
e se casaram.
A história do terceiro grupo foi:
Calaf estava apaixonado por ela (Turandot), que ela não queria casar com ele e
ele queria. Então, ela propôs três provas para ele, para ele se casar com ela e ele
acertou as três provas e ela chorou, ficou triste e ele propôs uma pergunta para ela.
Qual é o meu nome? Ela mandou prender Liú para dizer o nome dele, e ela disse
que não poderia dizer, que era um segredo, e que ela amava ele. Então, Calaf disse
o nome dele. No palácio na China, Turandot falou que o nome do estrangeiro era
AMOR e, com isso, ela não mandou matar ele, porque era o amor da sua vida! E
eles casaram e foram morar no palácio na China.
190
Apêndice E - Narração da história - 03/06/05
Codificação do vídeo
VÍDEO FOCO ATIVIDADE Natureza/Mediação
1. 13’00” Tentativas de contar a
história
A professora tenta chamar a atenção da turma Dispersão
2. 15’54” Desenho de Calaf Os desenhos dos personagens feitos por eles “apareciam”,
trazidos das paredes para ilustrar o reconto
O DESENHO
3. 17’17” MovimentoAbraço O abraço, a mímica ligada ao sentimento da música e ao texto,
a entonação da narrativa,
O GESTO
4. 18’15” Movimento – Abraço O GESTO
5. 19’24” Rima Professora e pesquisadora recitam a rima de cor A RIMA
6. 20’00” Personagens: príncipes/
princesas
A incorporação de personagens (príncipes e princesas), O JOGO TEATRAL
7. 22’00” Palmas Acompanham o ritmo da música A MÚSICA
8. 22’56” Música A música associada ao texto narrado e representado –
chamando-se atenção para a musicalidade, a melodia, os
acordes para “depreender o sentido deles”
A MÚSICA
9. 23’48” Gestos – Braços O movimento do corpo ao som da melodia A DANÇA
10
.
24’19” Silêncio ouvindo a música Concentração total da turma A MÚSICA
11
.
27’50” Gestos – Braços O movimento do corpo ao som da melodia A DANÇA
12
.
30’58” Vocabulário – “fascinado” A palavra é esclarecida para dar sentido à narrativa A LINGUAGEM
13
.
33’36” Personagens - Princesas em
A turma é dividida em príncipes (meninos) e princesas
(meninas)
O JOGO TEATRAL
14
.
40’10” Desenho Proposto ao final, desenho de observação de um personagem. O DESENHO
191
Apêndice F - Decupagem (3 de junho de 2005)
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
0:20 min Estão na sala: a Juliana (JU) e Ângela
(AN), auxiliares de pesquisa e a
pesquisadora (PE).
As crianças chegam à sala e observam
seus desenhos dispostos em uma
bancada. A professora Mariazinha (M)
chega com as crianças (CR). A
princípio, silenciosamente, observam
os desenhos ampliados dos
personagens nas paredes e os seus.
Depois, agitação. A professora tenta
fazer com que eles sentem, trazendo
um a um pela mão para uma roda no
chão.
0:55 Michel vem e senta
1:01 Claudiane (CL) vem, resistindo e volta
para os desenhos.
1:21 Alexsandro vem espontaneamente e
senta
1:35 Wenderson é trazido e senta, alheio.
A música toca ao fundo, as crianças
conversam em tom calmo, alguns
levantam e voltam para as gravuras.
2:10 Wenderson levanta e vai sentar perto
das gravuras.
2:46 Todos estão sentados na roda,
mudando de lugar e arrastando se pelo
chão.
3:03 M – Agora, olha só. Crianças venham
para cá, deixem lá.
A professora ainda tenta arrumar,
pegando um e outro que se desloca.
3:07 Wenderson está sentado na roda, de
costas, olhando ao longe,
desinteressado. Ainda crianças fora
da roda e outras se levantam
Alexsandro levanta o dedo como quem
quer falar.
3:29 Mariazinha traz mais uma vez
Claudiane pela mão.
3:49 M - Gente, por que vocês estão hoje
aqui, é pra brincar?
3:57 Alex está na roda, Wenderson meio
fora, desconectado e Caudiane volta
para ver os desenhos, a professora a
pega para tornar à roda.
4:04 M - Mas nós temos que fazer coisas
bem gostosas hoje, não e?
CR - É.
M – Mas como é que a tia vai poder
falar uma história tão bonita se todos
estão correndo, se ninguém que ouvir
Ela ainda em e as crianças
sentadas.
192
a história. Vocês não já ouviram falar
de uma história bem bonita?
4:18 CR – Jáaaa!
5:32 M - Pois nós vamos continuar, mas
primeiro vamos sentar.
Vamos sentar, vem aqui, olha, eu vou
colocar uma música e quando essa
música estiver tocando... vocês já
correram, já brincaram, agora é hora
de descansar, mas só se ficarem bem
sentadinhos, vamos sentar, a tia vai
contar até três, quando fizer três,
começa a tocar a música.
Vamos começar, 1 2, 3.
Claudiane e mais duas ainda estão
vendo os desenhos dispostos na
bancada, crianças deitadas no
chão.
CR – TRÊS! Gritam
M - Podem deitar, de olhinhos bem
fechadinhos em silêncio!
A maioria deita, alguns dão gritinhos e
gargalhadas. Michel Jordan fica
sentado, inquieto.
6:32 M - Assim não é boquinha fechada
6:37 CLAUDIANE - É boquinha aberta. (risadas), Ela se senta, se diverte por
ter chamado atenção e explica.
CLAUDIANE - Se não é boquinha
fechada, então é aberta.
Todos riem e ela faz o gesto de boca
fechada: psit (passando a mão sobre
os lábios).
6:49 CLAUDIANE - Olha o sonzinho da tia,
parece uma formiga!
Rindo (chamando a atenção da turma
para o aparelho de som portátil).
6:57 A música começa a tocar e eles estão
inquietos, a professora ainda procura
uma posição para começar.
Ela, calada, espera que as crianças se
concentrem. Algumas chamam: “– tia!”,
estão em grupinhos deitadas no chão.
7:40 PE - Atenção, agora todos vão sentar...
Na rodinha
Interferi (as crianças me olham),
falando alto e devagar.
7:43 Carlos Henrique vem observar a
câmera de perto
PE - Para ouvir o que a gente tem prá
contar, vamos fazer a roda, vamos
fazer uma roda ... pronto, de mãos
dadas, isso..., falta um ali... Juliana, e
Tiago!... vem, vamos fazer uma roda.
Falando alto, lenta e ritmadamente.
As crianças começam a se arrumar.
PE - A tia Mariazinha vai contar 1, 2 ,3
e já!
PE - Era uma vez, num reino muito
distante, na China, em Pequim...
A música toca, a pesquisadora começa
(tom alto dramático e lento,
gesticulando).
9:10 PE - ... lá, aconteceu uma história de
uma...
Espera que as crianças falem.
CR –(1) ... serpente
CR – (todos) serpente!
Elas fazem referência à Ópera “A
Flauta Mágica, do POPT, cujo vídeo
na biblioteca e a secretária da
escola havia colocado para eles
193
assistirem, no 1º. horário, uma vez que
a professora titular faltara.
PE – Será? Vamos olhar os desenhos
e ver se a gente adivinha de que é a
história.
Todos correm para os desenhos,
sobem no batente-bancada
PE – Não pode subir! Desceu, desceu!
Agora vamos voltar para o lugar, 1, 2,
3 e já!
As crianças ficaram mais excitadas
9:56 PE - Agora vai sentar 1,2,3 e já, Mas
agora a tia vai contar.
Vamos fazer 1,2,3 e já!
Todos fazem.
CR - 1,2,3 e já!
M - Onde foi que aconteceu essa
história?
CR – No Dom Bosco! (Referia-se à “A Flauta Mágica”)
10:28 ALEXSANDRO - No Jaapãaaoo.
M - No Japão? Foi mesmo?
CR – Fooooi.
CR – (1) Na china.
M - Foi na China! Mas o que foi que
aconteceu na China?
CR - Os chineses...
CR – (1) A serpente correu atrás da
filha dela!
( A Flauta Mágica)
10:56 PE - Essa foi a história que vocês
viram hoje no vídeo, mas agora tia
Mariazinha vai contar outra história a
história de uma... prin...
CR - ...cesa
PE - Agora tia Mariazinha vai dizer o
nome dela. Tia Mariazinha vai dizer o
nome dessa princesa!
M - Quem quer ouvir?
CR - Euuu
M - A princesa chama-se...
ALEXSANDRO - Isabel
M - Turandot. Vocês sabem quem era
mesmo Turandot?Ela era quem?
CR - Era uma rainha.
M - Ela era uma princesa Essa
princesa, ela era boazinha ou era má?
11:52 A maioria dispersa.
Claudiane se levanta, faz uma gozação
com uma das meninas, aponta e ri
dela, depois volta para o lugar.
Barulho, conversas paralelas.
M - Quem acha mais que a princesa
era boa ou má?
CR - Boa, boazinha.
M - Por que ela era boa? Dispersão. Jogam sapatos, brincam no
chão de escorregar.
CR - Boaa, ela era muito boa. Dispersão...
CR - Ela trata bem...
M - Ela trata quem?
194
CR - Os velhos
M - Os velhos?
PE - Agora tia Mariazinha vai contar a
história
12:35 M – Então, olha só... Dispersão.
PE - Um jovem homem se aproxima
daquele velho
Alto e lentamente.
12:50 M - Vamos sentar para ouvir, vocês
vão ficar sentados para escutar bem
de perto, está bem?
Gritinhos, dispersão e alheamento,
brigas paralelas, uns levantam.
M - Então olha só. Um jovem homem...
Eu quero que depois vocês contem a
história pra mim, e como é que vão
contar a história se não querem ouvir?
Dispersão.
13:07 PE – Olha, que tia Mariazinha es
contando a história...!
A professora anda entre eles, com o
livro nas mãos e eles, no chão,
dispersos: Carlos Henrique olha para a
câmera bem de perto, outros estão
com o dedo na boca, uns olham para a
professora, esperando que comece a
história, outros se rolam no chão,
provocam pequenas brigas.
13:11 M - Um jovem homem se aproxima
para socorrer o velho.
É o seu filho, Calaf.
CR – Calaf?
13:31 M – É. Calaf foi socorrer quem?
CR + PE - O pai dele, o pai dele
M – O pai dele, muito bem! ... que o pai
pensava ter morrido.
13:45 PE - Olha! Que o pai pensava ter
morrido! Conta, tia Mariazinha, conta!
Poucas crianças olham para a
professora, há uma de pé ao seu lado.
M – Surpreso, ele exclama: meu pai!
PE - Meu pai!
M – Eu o encontrei! Então quem foi
que encontrou o pai?
CR - (Alexsandro) O filho.
M – Como é o nome do filho?
CR – O filho.
PE – Calaf.
14:14 M – Calaf é o nome do filho. Dispersão
14:17 M - Mas eu tô vendo que ninguém quer
ouvir a história, tia vai chorar...
Se ajoelha
CR - (1) Eu quero Algumas param para olhar para ela
M - Então vamos ouvir: o velho Timur,
emocionado...
CR - (1) Timur?
M - ...Conta o quanto havia chorado a
sua falta.
(um gritinho)
PE – Olha! O pai também sentiu a falta
do filho! Quem é que sente falta das
pessoas que tem saudade?
195
CR - Eeuuuu (levantam o dedo)
PE - E o que aconteceu, tia
Mariazinha, o que aconteceu?
14:56 Uma criança se levanta para ir olhar o
livro na mão da professora (quatro
agora, cinco com Michel), os outros
estão dispersos em grupos.
PE - Senta pra saber o que aconteceu
M – A tia vai contar, olha só, o velho
Timur, emocionado, conta o quanto
havia sofrido de saudade. Quando a
gente encontra alguém que a gente
tem saudade, o que a gente faz?
15:17 PE - A gente se a...
CR - ...braça
M - Mas eles se abraçaram por quê?
PE - Por que que eles se abraçaram? Risinhos.
M - Porque eles estavam com muita...
CR - ... saudade
M – Cuidadoso para não serem
reconhecidos, Calaf pergunta a Liú: “-
Quem é você?”
três vendo o livro e dois de frente
para a professora.
PE – Ah! Então Calaf... Eh! Tia Juliana,
você podia mostrar para os meninos
quem é Calaf e quem é Liú?
16:08 CR - Eu, eu, eu. Todos interessados querem pegar os
desenhos. (quase todos). Tia Juliana
traz. Um dedo para a câmera e
outro está brincando de escorregar no
chão.
PE – Sentados! Olha! Calaf ...Calaf
pergunta para Liú
Samira e outra brincam com a câmera.
Todos correm para ver os desenhos na
mão de Tia Juliana.
PE – Voltem! Vão se empurrando e brincando,
brincam diante da câmera.
PE - Senta aí, depois tia Ceres fala! E
agora, tia Mariazinha?
Sento no chão com eles e todos vêm
para cima dela ela os abraça. Estão
em bolo em torno dela. Ela se
concentra na professora, para tentar
que eles a imitem. Consegue com
alguns. Claudiane abraça duas
colegas, olhando para a câmera e se
balançando com elas e repetindo: “se
abraça, se abraça”.
16:49 M - Quem é você? Eu sou apenas uma
escrava, responde ela.
Alexsandro pula diante da câmera para
aparecer.
CR - Escrava, escrava.
PE - Quem era Liú?
M – Era uma escrava
PE- Tia Mariazinha, eles agora querem
fazer... Vamos sentar na roda pra
gente fazer como é que a gente faz
quando encontra alguém que a gente
Abraça balançando as crianças.
196
gosta? Vamos abrir a roda.
17:52 PE - Atenção, atenção, vamos ficar
sentados de mãos dadas...
(cantarolado, alto e ritmado)
Estão todos em cima, embolados um
dá a mão pro outro e puxa um e outro,
arruma, sentados a roda começa a se
formar e Claudiane está estirada bem
no meio.
PE - Senta do lado de tia Maria! Agora
nós vamos fazer como a gente faz
quando a gente encontra alguém... a
gente se a... braça. Olha aí, tia
Mariazinha, como todo mundo sabe se
abraçar! Agora, o que aconteceu tia
Mariazinha? 1, 2, 3, já, silêncio!
Eles se abraçam.
Fazem silêncio.
M - Nesse instante um cortejo adentra
a praça
PE - Olha o que está acontecendo! Um
cortejo cheio de pessoas entra na
praça! Continua, tia Mariazinha.
M - Aí vem o carrasco, grita o povo.
PE – O povo grita.
CR – Uaiii!!! Gritos contínuos e ensurdecedores.
PE – V’mbora, tia!
M – Na praça, os soldados cantam
CR - Lalaialala
17:52 PE - Vamos fazer silêncio pra ouvir o
que os soldados cantam. Conta, Tia
Mariazinha, o que eles estão cantando.
M+PE - Onde reina Turandot, gira a
pedra de amolar, vamos jovens
pretendentes, estamos prontos pra
sacrificar.
Falam ritmadamente, ao mesmo
tempo, recitando.
As crianças param, admiradas ao ver
as duas repetindo as mesmas
palavras.
PE - Onde reina Turandot, gira a pedra
de amolar, vamos jovens pretendentes,
estamos prontos pra sacrificar.Vamos
repetir esse versinho?
M+PE - Repetem. Algumas CR
repetem o verso
PE - O que eles vão fazer com os
pretendentes que quiserem casar com
a princesa?
Agumas crianças fazem o gesto de
“degolar”, passando o dedo no
pescoço
PE - Vão matar quem quiser casar com
a princesa!
CR – (Meninos)EEEUUUUU (casar com a princesa)
PE - Agora os rapazes que quiserem
casar com a princesa vão ficar desse
lado aqui, quem quer casar com a
princesa fica deste lado.
Embolam-se uns por cima dos outros,
gritam, tentando arrumar-se ao lado da
PE. Mateus cai em cima dos outros e
faz que vai chorar
Mateus - Eu, eu. Mateus muda de humor rapidamente
20:22 PE - Atenção, agora vamos ver as
princesas, quem quer ser princesa?
Levantam o dedo
CR - Eu, eu.
PE - As princesas do lado de tia
Mariazinha, os príncipes do lado de cá.
Elas se arrumam
PE - Tia Juliana, você pode colocar Estão quase todos arrumados, todos
197
essa música para nós? Atenção que
agora...
concentrados
PE - ...nós vamos... Venham depressa,
porque agora vai entrar a guarda,
Mateus fique ali, vamos, todo mundo
sentado, aqui não tem nenhum
soldado, só príncipes e princesas.
Chama todos. Uma criança mexe na
câmera, a ela fala suave e firme, só
para ela: - Saia daí senão vai derrubar!
21:34 PE - Agora nós vamos, príncipes do
lado de cá, príncipes do lado de cá,
vamos fazer silêncio e fechar os
olhinhos.
Quase todos estão concentrados.
Alguém começa a fazer ehehehehe,
para chamar atenção e desconcentrar
os outros. Claudiane aproxima-se da
câmera e dá dedo.
PE - Tiago, você pode sentar aqui?
Então tá, (a música número 1, tia
Juliana). Vamos agora fechar os
olhos, silêncio.
Fazem silêncio. A música toca.
PE - Onde reina Turandot, onde reina
Turandot... Venham jovens
pretendentes, venham jovens
pretendentes, que nós vamos
sacrificar. Onde reina Turandot...
(Cantando)
A PE canta, improvisando uma melodia
para o verso e as crianças,
espontaneamente, começam a
acompanhar com palmas a melodia
(1º. MOMENTO DE ENVOLVIMENTO
TOTAL).
PE - Silêncio,vamos ouvir... Fazem silêncio para ouvir a música do
CD.
PE - Vão prender todos os príncipes!... A música começa a tocar. Ao ouvir a
música, fazem silêncio total. A PE se
encolhe abraçada aos meninos e às
meninas, põe a mão no rosto.
PE - “onde reina Turandot...” (agora
cantando, junto com o coro e na
melodia da ópera)
A PE canta para mostrar que a melodia
está dizendo o mesmo do verso.
Juliana está dispersa. Alguns meninos
fazem gestos ao som da música. Tia
Juliana traz Claudiane, que estava
afastada.
PE – Os braços pra cima! Levanta os braços ao som da música e
todos imitam.
PE - Tia Juliana tira agora!
24:08 PE – Agora, a gente guarda os
bracinhos juntos
Todos concentrados.
PE – O que vai acontecer, tia
Mariazinha?
M – À frente do cortejo está o príncipe
da Pérsia pronto para morrer
PE Oh! A PE faz cara de horror e as crianças
imitam.
M – A multidão sente pena ao ver
como ele é jovem e como é doce a sua
face. No meio do povo, Calaf revolta-
se.
As crianças ouvem, quietas.
24:52 PE - Tia Mariazinha, vamos ouvir aqui
que a música diz que o povo está com
pena... Atenção, Francimara, chega
pra cá. E todo mundo vai fazer. Quem
Ouvindo a música bem baixo alguns
dão risinhos.
198
é que não em pena do príncipe que vai
morrer? Todo mundo tem, não é?
CR – Ééé
25:11 PE - Agora, Tia Juliana, bota a música
e todo mundo vai fazer no rosto, com
pena do príncipe.
Alguns fazem e Michel “rege” a música.
PE - Lá vai o príncipe... vamos fechar
os olhos... a gente tá com
pena....Psss....
Silêncio. A música toca. duas
crianças no colo da professora e as
outras estão arrumadas e divididas: as
meninas do lado da professora e os
meninos do lado da pesquisadora,
todos atentos. Juliana e Daniel
dispersos.
26:21 PE - Olha o povo cantando com pena
do príncipe,Silêncio, lá vai o príncipe.
O povo cantando com pena do
príncipe, o povo cantando para o
príncipe.
Alguns riem, a maioria faz.
Há silêncio, todos ouvindo a música.
27:01 Vamos fazer no rosto, no rosto.... Ps ...
sem falar. Eles estão cantando, vamos
fazer com os braços a nossa tristeza....
Levantam os braços.
27:10 PE - Sem rir, quem está triste não ri.
Vamos abaixar agora os braços.
Levantando os braços de tristeza, para
um lado e para o outro, para um lado e
para o outro.
As meninas e alguns meninos
acompanham levantando os braços de
um lado para o outro. Daniel, de frente
para os meninos, tenta tirar-lhes a
atenção.
PE - Que pena! Agora a mão no rosto,
silêncio.
As meninas fazem todos os gestos.
Daniel e Carlos Henrique olham para a
câmera e incitam os meninos a
fazerem o mesmo.
PE – Todos, agora, vamos levantar os
braços, balançar os braços,
sentadinhos. Que pena... o príncipe...
que pena... o príncipe...
Ao som da música, a PE fala
suavemente.
28:13 PE - Outra vez, levanta o braço,
sacudindo.
Algumas crianças se levantam para
dançar (Samira e Francimara).
PE – Abaixou... As meninas acompanham. Wenderson
mexendo na câmera, Tia Juliana ralha.
PE - Levanta o braço e sacode o
braço, sacode os braços.
28:58 PE - Agora os meninos sentados e as
meninas em pé. Giram, giram, as
meninas giram.
Elas giram, sorrindo.
29:19 PE - Agora as meninas sentam e todos
põem as mãos no chão.
Que pena! Agora sentou e botou as
mãos no colo. Tia Mariazinha e agora,
o que acontece? Tia Mariazinha, e
agora, o que será que acontece?
Elas sentam, os meninos riem.
29:27 M – Amaldiçoada seja, princesa cruel! Começam a dispersar.
PE - Amaldiçoada seja, princesa!
Então essa princesa é boa ou má?
CR – Booaaaa. Voltam a atenção.
199
CR - Máaaa
PE - Porque ela que mandar maaa... Daniel está olhando os desenhos,
Claudiane se levanta, a maioria está
concentrada. Carlos Henrique
disperso.
CR - ...tar
PE - Matar o príncipe da Pérsia e o
que é que Calaf diz? Repete, tia
Mariazinha.
M - Amaldiçoada seja, princesa cruel
M - De repente...
PE - De repente...
M – Ela aparece na janela do palácio.
PE - Ela aparece na janela do palácio.
Tia Juliana traz a princesa aqui. Todo
mundo vai ficar sentado, nós somos o
povo na praça. Tia Juliana vai trazer.
Só quem estiver aqui é que vai olhar. A
princesa aparece, fica com ela na
mão. Todo mundo vai dizer:
AMALDIÇOADA SEJA PRINCESA
CRUEL! De novo...
Todos concentrados, repetem a fala e
imitam o gesto com as mãos
(como quem exorta a princesa).
PE - E agora, tia Mariazinha, o que
acontece?
30:48 M - Calaf fica fascinado ao vê-la.
PE - Ah, mas Calaf, que é o outro
príncipe, fica o quê, tia Mariazinha?
M – Fascinado ao vê-la.
PE - O que é fascinado, hein?
CR-(1) Vacinado
PE - Fascinado é o que?
Apai...xo...nado
CR - Apaixonado Repetem junto (algumas palmas)
PE - Então quer dizer que o príncipe
está a...
CR - ...paixonado Participam.
PE - Pela princesa cru...
CR - ...el
PE - E agora, tia Mariazinha, o que vai
acontecer?
M – O povo implora o perdão de
Turandot.
PE - Olha, o povo implora o perdão.
Prá ela não matar.
M - Mas ela com um gesto, ela ordena
a morte do príncipe
PE - Olha aí! Vamos pedir, traz
Turandot aqui, tia Juliana, vamos pedir,
Tia Juliana vai trazer Turandot aqui e
nós vamos ficar aqui, se for lá ela não
vem, vamos pedir para ela... o que a
gente pode pedir para a princesa?
Começam a dispersar (a câmera atrai
a atenção)
CR – (1) Casamento!
CR - (1) Que não mate o príncipe!
200
PE - Não matar o príncipe? Então
vamos dizer: “Princesa, não mate o
príncipe!” De novo: “Princesa, não
mate o príncipe!”.
Eles repetem acompanhando com os
braços.
Todos participam.
PE - E o que que ela responde, tia
Mariazinha?
M - Oh sonho... A professora se perde na leitura.
PE - Mas ela, com um gesto... Lembro o texto.
M - Mas ela, com um gesto, ordena a
morte do príncipe da Pérsia
A professora retoma.
PE - Olha! Ela ordenou a morte do
príncipe! E aí, tia Mariazinha?
M - Calaf está tomado de paixão. Alexsandro brinca com amera, salta
tentando aparecer.
PE - Mas o outro príncipe está apai...
CR - ...xonado
M - Oh sonho, oh beleza divina!
PE - Olha o que ele diz! Levanto, desligo a música.
PE - Todo mundo vai dizer, vai dizer
para a princesa: “ Oh, sonho, oh,
beleza divina!
As CR repetem.
33:56 PE - E as princesas vão ficar em pé, e
os homens todos ajoelhados aqui, as
princesas lá, vamos dizer: ”Oh sonho,
oh beleza divina!
A música toca. Todos estão
arrumadinhos em duas filas. Fico
ajoelhada com os meninos. Estão, eles
ajoelhados, elas em pé.Eles repetem
PE - Tia Mariazinha, e agora, a
princesa fica apaixonada por ele?
M – Não.
CR – Nãaaaooo. Wenderson se levanta e sai
M - Sem poder tirar mais os olhos... Os meninos começam a dispersar
PE - Atenção, o príncipe não pode
mais tirar os olhos da princesa, então
todos os príncipes aqui, sentadinhos,
1,2,3 já. Sentados aqui, não pode, na
frente de tia Ceres, não pode... E Calaf
não pode mais...
Chamo com energia, voltam e se
arrumam em fila, ajoelhados (as
meninas estão quietas).
CR - ...tirar os olhos da princesa Concentrados.
PE - Muito bem, então agora nós
vamos fazer um desenho.
Levanto-me.
CR - Obaaaa Pulam e correm, excitados.
PE - As meninas vão desenhar a
princesa. As meninas vão para o outro
lado da sala e os meninos vão fazer
uma roda aqui.
Tentam se dividir
PE - Os meninos aqui, vão fazer
silêncio, em fila, vão desenhar o
Mandarim.
Gritos, excitação, correria.
36:40 M - Os meninos aqui!
M – (para um aluno): É prá você
desenhar este aqui, você vai olhar para
ele e fazer igualzinho.
Mariazinha entrega as folhas e eles
vão sentando no chão, se aquietam.
Falatório, a música começa a tocar.
36:50 Começa a ficar mais silêncioso,
crianças bem concentradas no
desenho, outras procuram lápis.
201
As meninas estão todas sentadas,
ouvem Tia Juliana.
M – A tia vai dar... aos meninos a folha, com a
fotocópia do desenho do Mandarim no
canto esquerdo e para as meninas,
com o desenho de Turandot. Pequenas
disputas e queixas entre as meninas.
38:25 CR – (1)Tia, pra que tanto papel?
CR – (1)Tia, eu não tenho!
CR – (1)Tia, já? [pergunta se pode
começar]
Tia Juliana está com as meninas,
mostrando os desenhos e recontando
partes da história. A classe está
serena, todos sentados no chão, em
duas rodas, os meninos com
Mariazinha e as meninas com Tia
Juliana. Ângela ajuda.
Claudiane procura uma cadeira para
sentar, vagando pela classe e começa
a chorar. Tia Juliana vai ter com ela.
Eles estão todos em roda perfeita,
serenos, desenhando.
A música es tocando (Música 2),
alguns conversam com outros sobre a
tarefa. Quando a música fica mais alta,
todos fazem silêncio, estão bem
quietos. Estão bastante concentrados.
CR – (1) Amanhã não tem aula Conversam enquanto desenham
M - Enquanto vocês desenham, podem
me dizer, vocês aprenderam alguma
coisa com essa história? Quem era
essa princesa má?
CR - (1) Era Michele. (uma aluna da
classe)
M – Não, como era o nome da
princesa?
CR -(1) Turandot.
M - E ela fazia o que?
CR - (1) Era má.
M – Por que ela era má? Que maldade
que ela fazia?
CR -(1) Era o dever dela que
mandaram ela fazer e ela não fez.
M - E aquele príncipe que ela mandou
matar? Como era o nome dele?
M - Era Calaf ou Mandarim?
CR – (1) Calaf
M - Calaf? Ela mandou matar Calaf ou
foi Calaf que se apaixonou por ela?
CR - Calaf que se apaixonou por ela
M – Ah, Calaf se apaixonou, Calaf se
apaixonou por Turandot e
Turandot?...Não era, gente (...)?
Mariazinha instruções, questiona os
meninos sobre os personagens e
relembra partes da história.
Fazem gozação.
44:00 JU – Como é que se chama a
princesa?
CR - Turandot
JU - Era boa ou má?
CR – Má.
Tia Juliana faz o mesmo com as
meninas.
202
CR – Ela mandou matar o príncipe
M - Ah, ela mandou matar o príncipe
(...).
44:40 M - Vocês acham que ela vai se
apaixonar por Calaf também?
CR – (meninos) Não
Concentração total.
45:00 Claudiane está isolada na mesa, com a
cabeça abaixada chorando, a PE
passa a mão na sua cabeça e ela
soluça, gemendo baixinho. As crianças
ignoram.
Samira vira de costas para a roda, de
frente para Claudiane, olha para baixo
e faz beicinho. Michele chama a
atenção de Tia Juliana, bate nas
costas de Samira carinhosamente e diz
que ela está sentindo alguma coisa (...)
A professora fala com ela suavemente,
mas continua a atividade.
47:00 Davi observa seu próprio desenho e
mostra para a profa, duas crianças
olham e perguntam: “- É teu, é?”
Michael Jordan olha o desenho de
André e faz: “Uau!” Wenderson e
Mateus concentrados.
Toca uma ária de Liú, um canto lírico
suave e intenso.
Há silêncio quase total.
48:00 Começam a entregar os desenhos
mostrando para a profa. Michael
Jordan pede lápis vermelho.
Wenderson apaga seu desenho,
caprichando.
51:17 Alexsandro, que acabou, observa o
desenho de Wenderson, a câmera se
aproxima, ele olha e sorri.
51:53 Wenderson, em close, faz um leve
sorriso sério.
52:07 Alexsandro, em close, faz expressão
satisfeita.
Davi, que terminou o desenho, faz um
barquinho, quieto, a ária é a de Calaf,
no fim do 1º. ato.
M - Você não vai pintar, Daniel? Daniel entrega o desenho sem pintar.
Alguém pede para ir ao banheiro e
outro se coloca em ordem de pedido
(depois eu!)
53:57 Ainda silêncio e concentração, com
pequenas falas paralelas.
54:47 Começam a levantar e correr, a brigar,
Daniel ainda brinca com o seu
barquinho.
55:20 Daniel bem perto do som, concentrado,
Mateus pede o vermelho ainda
203
concentrado desenhando.
56:06 PE - Agora, quem for terminando pode
ir deixando o seu material...
(fim da filmagem)
204
Apêndice G – Trecho do episódio reconto da história
Tentando atraindo a atenção das crianças
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
0:20 min A música da ópera está tocando. Estão na sala: a Juliana (JU) e Ângela
(AN), auxiliares de pesquisa e a
pesquisadora (PE).
As crianças chegam à sala e
observam seus desenhos dispostos
em uma bancada. A professora
Mariazinha (M) chega com as
crianças (CR). A princípio,
silenciosamente, observam os
desenhos ampliados dos personagens
nas paredes e os seus. Depois,
agitação. A professora tenta fazer
com que eles sentem, trazendo um a
um pela mão para uma roda no chão.
0:55 Michel vem e senta.
1:01 Claudiane (CL) vem, resistindo e volta
para os desenhos.
1:21 Alexsandro vem espontaneamente e
senta
1:35 Wenderson é trazido e senta, alheio.
A música toca ao fundo, as crianças
conversam em tom calmo, alguns
levantam e voltam para as gravuras.
2:10 Wenderson levanta e vai sentar perto
das gravuras.
2:46 Todos estão sentados na roda,
mudando de lugar e arrastando-se
pelo chão.
3:03 M Agora, olha só. Crianças, venham
para cá, deixem lá.
A professora ainda tenta arrumar,
pegando um e outro que se desloca.
3:07 Wenderson es sentado na roda, de
costas, olhando ao longe,
desinteressado. Ainda crianças
fora da roda e outras se levantam
Alexsandro levanta o dedo como
quem quer falar.
3:29 Mariazinha traz mais uma vez
Claudiane pela mão.
3:49 M - Gente, por que vocês estão hoje aqui,
é pra brincar?
3:57 Alexsandro está na roda, Wenderson
meio fora, desconectado e Claudiane
volta para ver os desenhos, a
professora a pega para tornar à roda.
4:04 M - Mas nós temos que fazer coisas bem
gostosas hoje, não e?
CR - É. O barulho aumenta
4:18 M Mas como é que a tia vai poder falar
uma estória tão bonita se todos estão
correndo, se ninguém que ouvir a estória?
Correm pela sala.
205
Apêndice H – Trecho do episódio reconto da história
Mediação do gesto
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
14:56
min
PE - Senta prá saber o que aconteceu Estão dispersos em grupos.
M A tia vai contar, olha só, o velho
Timur, emocionado, conta o quanto
havia sofrido de saudade. Quando a
gente encontra alguém que a gente
tem saudade, o que a gente faz?
Uma criança se levanta para ir olhar
o livro na mão da professora (quatro
agora, cinco com Michel)
15:17 PE - A gente se a...
CR - ...braça
M - Mas eles se abraçaram porque?
PE - Por que que eles se abraçaram? Risinhos
M - Por que eles estavam com
muita...
CR - ... saudade
M – Cuidadoso para não serem
reconhecidos, Calaf pergunta a Liú:
“- Quem é você?”
três vendo o, livro e dois de
frente para a profa
PE – Ah!Então Calaf...
Eh! Tia Juliana, você podia
mostrar para os meninos quem é
Calaf e quem é Liú?
Ia Juliana vai pegar os desenhos e
eles correm atrás
16:08 CR - Eu, eu, eu. Muitos interessados querem pegar
os desenhos. Tia Juliana traz. Um
faz um gesto para a câmera e outro
está brincando de escorregar no
chão
PE – Sentados! Olha! Calaf ...
Calaf pergunta para Liú
Todos correm para ver os desenhos
na mão de Tia Juliana.
PE Voltem! Vão se empurrando e brincando,
brincam diante da câmera.
PE - Senta aí, depois tia Ceres fala! E
agora, tia Mariazinha?
Sento no chão com eles e todos
vêem para cima dela ela os abraça.
Estão em bolo em torno dela. Ela se
concentra na professora, para tentar
que eles a imitem. Consegue com
alguns. Claudiane abraça duas
colegas, olhando para a câmera e se
balançando com elas e repetindo:
“se abraça, se abraça”.
16:49 M - Quem é você? Eu sou apenas
uma escrava, responde ela.
Alexsandro pula diante da câmera
para aparecer
CR - Escrava, escrava.
PE - Quem era Liú?
M – Era uma escrava
PE- Tia Mariazinha, eles agora
querem fazer...
Vamos sentar na roda prá a gente
fazer como é que a gente faz quando
encontra alguém que a gente gosta?
As crianças estão muito agitadas e a
PE tenta fazer com que eles façam
um movimento coordenado e as
abraça, balançando.
206
Vamos abrir a roda.
17:52 PE - Atenção, atenção, vamos ficar
sentados de mãos dadas...
(cantarolado, alto e ritmado)
Estão todos em cima, embolados um
dá a mão pro outro e puxa um e
outro, a PE arruma. Sentados, a
roda começa a se formar. Claudiane
está estirada bem no meio.
PE - Senta do lado de tia Maria!
Agora nós vamos fazer como a gente
faz quando a gente encontra
alguém... a gente se a... braça. Olha
aí, tia Mariazinha, como todo mundo
sabe se abraçar! Agora, o que
aconteceu tia Mariazinha? 1, 2, 3, já,
silêncio!
Eles se abraçam
Fazem silêncio, se concentram no
abraço.
207
Apêndice I – Trecho do episódio reconto da história
Mediação da mímica
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
21:34
min
PE - “onde reina Turandot...” (agora
cantando, junto com o coro e na
melodia da ópera)
A PE canta para mostrar que a
melodia está dizendo o mesmo do
verso.
Juliana(aluna) está dispersa. Alguns
meninos fazem movimentos ao som
da música. Tia Juliana traz
Claudiane, que estava afastada
PE Os braços pra cima! Levanta os braços ao som da
música e todos imitam
PE - Tia Juliana tira a música agora!
24:08 PE Agora, a gente guarda os
bracinhos juntos
Todos concentrados
PE O que vai acontecer, tia
Mariazinha?
M – À frente do cortejo está o príncipe
da Pérsia pronto para morrer
PE Oh! A PE faz cara de horror e as
crianças imitam
M - A multidão sente pena ao ver
como ele é jovem e com é doce a sua
face. No meio do povo, Calaf revolta-
se.
As crianças ouvem, quietas
24:52 PE - Tia Mariazinha, vamos ouvir aqui
que a música diz que o povo está com
pena... Atenção, Francimara, chega
pra cá. E todo mundo vai fazer. Quem
é que não em pena do príncipe que
vai morrer? Todo mundo tem, não é?
Ouvindo a música bem baixo alguns
dão risinhos
CR – Ééé
25:11 PE - Agora, Tia Juliana, bota a música
e todo mundo vai fazer no rosto, com
pena do príncipe.
Alguns fazem e Michel “rege” a
música
PE - vai o príncipe... vamos fechar
os olhos... a gente com
pena....Psss....
Silêncio. A música toca. duas
crianças no colo da professora e as
outras estão arrumadas e divididas:
as meninas do lado da professora e
os meninos do lado da
pesquisadora, todos atentos. Juliana
e Daniel dispersos.
26:21 PE - Olha o povo cantando com pena
do príncipe. Silêncio, vai o
príncipe... O povo cantando com pena
do príncipe, o povo cantando para o
príncipe.
Alguns riem, a maioria faz.
Há silêncio, todos ouvindo a música.
27:01 Vamos fazer no rosto, no rosto....
Ps ... sem falar. Eles estão cantando,
vamos fazer com os braços a nossa
tristeza....
Levantam os braços
27:10 PE - Sem rir, quem está triste não As meninas e alguns meninos
208
ri.Vamos abaixar agora os braços.
Levantando os braços de tristeza,
para um lado e para o outro, para um
lado e para o outro.
acompanham levantando os braços
de um lado para o outro, ao som da
música. Daniel, de frente para os
meninos, tenta tirar-lhes a atenção.
PE - Que pena! Agora a mão no rosto,
silêncio.
As meninas fazem todos os
movimentos. Daniel e Carlos
Henrique olham para a câmera e
tentam distrair a atenção dos
meninos.
209
Apêndice J – Trecho do episódio reconto da história
Mediação do movimento do corpo e da dança
PE – Todos, agora, vamos levantar os
braços, balançar os braços,
sentadinhos. Que pena... o príncipe...
que pena... o príncipe...
Ao som da música, a PE fala
suavemente
28:13
min
PE - Outra vez, levanta o braço,
sacudindo.
Algumas crianças se levantam para
dançar (Samira e Francimara).
PE – Abaixou... As meninas acompanham.
Wenderson mexendo na câmera, Tia
Juliana vai tirá-los
PE - Levanta o braço e sacode o
braço, sacode os braços
28:58 PE - Agora os meninos sentados e as
meninas em pé.Giram, giram, as
meninas giram.
Elas giram, sorrindo.
29:19 PE - Agora as meninas sentam e
todos põem as mãos no chão.
Que pena! Agora sentou e botou as
mãos no colo. Tia Mariazinha e agora,
o que acontece tia Mariazinha, e
agora, o que será que acontece?
Elas sentam, os meninos riem.
210
Apêndice L – Trecho do episódio reconto da história
Mediação da rima
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
17:52
min
M – Na praça os soldados cantam
CR Lalaialaia
PE - Vamos fazer silêncio prá ouvir o
que os soldados cantam. Conta, Tia
Mariazinha, o que eles estão
cantando.
M+PE Onde reina Turandot, gira a
pedra de amolar, vamos jovens
pretendentes, estamos prontos pra
sacrificar.
A Profa. e a PE falam ritimadamente,
ao mesmo tempo, recitando.
As crianças param, admiradas,
vendo as duas repetindo as mesmas
palavras.
211
Apêndice M – Trecho do episódio reconto da história
Mediação da palavra com sentido - vocabulário
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
PE - E agora, tia Mariazinha, o que
acontece?
30:48
min
M - Calaf fica fascinado ao vê-la.
PE - Ah, mas Calaf, que é o outro
príncipe, fica o quê, tia Mariazinha?
M – Fascinado ao vê-la.
PE - O que é fascinado, hein?
CR-(1) Vacinado
PE - fascinado é o que?
Apai...xo...nado
CR apaixonado Repetem junto (algumas palmas de
alegria)
PE - Então quer dizer que o príncipe
está a..
CR - ...paixonado Participam
212
Apêndice N – Trecho do episódio reconto da história
Mediação do jogo teatral
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
17:54
min
PE - O que eles vão fazer com os
pretendentes que quiserem casar com a
princesa?
Algumas crianças fazem o gesto
de “degolar”, passando o dedo no
pescoço
PE - Vão matar quem quiser casar com
a princesa!
CR – (Meninos)EEEUUUUU (casar com a princesa)
PE - Agora os rapazes que quiserem
casar com a princesa vão ficar desse
lado aqui, quem quer casar com a
princesa fica deste lado.
Embolam-se uns por cima dos
outros, gritam, tentando arrumar-
se ao lado da PE. Mateus cai em
cima dos outros e faz que vai
chorar
Mateus - Eu, eu Mateus muda de humor
rapidamente
20:22 PE - Atenção, agora vamos ver as
princesas, quem quer ser princesa?
As meninas levantam o dedo
CR - Eu, eu.
PE - As princesas do lado de tia
Mariazinha, os príncipes do lado de cá.
Elas se arrumam
PE - Tia Juliana, você pode colocar essa
música para nós? Atenção que agora...
Estão quase todos arrumados,
concentrados
213
Apêndice O – Trecho do episódio reconto da história
Mediação das ilustrações
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
30:48
min
PE - E agora tia Mariazinha, o que
vai acontecer?
M - O povo implora o perdão de
Turandot
PE - Olha, o povo implora o perdão.
Prá ela não matar!
M - Mas ela com um gesto ela
ordena a morte do príncipe
PE - Olha aí! Vamos pedir, traz
Turandot aqui, tia Juliana, vamos
pedir, tia Juliana vai trazer Turandot
aqui e nós vamos ficar aqui, se for
ela não vem,vamos pedir para ela...
o que a gente pode pedir para a
princesa?
Começam a dispersar ( a câmera
atrai a atenção)
Tia Juliana vai apanhar o desenho de
Turandot na parede e traz para a
roda.
CR – (1) Casamento!
CR - (2) Que não mate o príncipe!
PE - Não matar o príncipe?
Então vamos dizer: “Princesa, não
mate o príncipe!” De novo: “Princesa,
não mate o príncipe!”.
Eles repetem acompanhando com os
braços.
Todos participam
PE - E o que que ela responde, tia
Mariazinha?
M - Mas ela, com um gesto, ordena a
morte do príncipe da Pérsia
A professora retoma.
PE - Olha!Ela ordenou a morte do
príncipe! E aí, tia Mariazinha?
214
Apêndice P – Trecho do episódio reconto da história
Mediação da música
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
21:34
min
PE - Agora nós vamos, príncipes do
lado de cá, príncipes do lado de cá,
vamos fazer silêncio e fechar os
olhinhos.
Quase todos estão concentrados.
Alguém começa a fazer ehehehehe,
para chamar atenção e
desconcentrar os outros. Claudiane
aproxima-se da câmera e faz um
gesto.
PE - Tiago, você pode sentar aqui?
Então tá, (a música número 1, tia
Juliana) Vamos agora fechar os olhos,
silêncio.
Fazem silêncio. A música toca
PE - Onde reina Turandot, onde reina
Turandot... Venham jovens
pretendentes, venham jovens
pretendentes, que nós vamos
sacrificar. Onde reina Turandot...
(cantando)
A PE canta, juntando a melodia ao
verso em Português. As crianças,
espontaneamente, começam a
acompanhar a melodia batendo
palmas (1º. MOMENTO DE
ENVOLVIMENTO TOTAL)
PE – Silêncio... Vamos ouvir... Fazem silêncio para ouvir a música
do CD.
PE - Vão prender todos os príncipes! A música começa a tocar. Ao ouvir a
música, as crianças fazem silêncio
total. A PE encolhe-se abraçada aos
meninos e às meninas e coloca a
mão no rosto.
PE - “onde reina Turandot...” (agora
cantando, junto com o coro e na
melodia da ópera)
A PE canta para mostrar que a
melodia está dizendo o mesmo que
o verso.
Juliana (aluna) está dispersa. Alguns
meninos fazem movimentos ao som
da música. Tia Juliana traz
Claudiane, que estava afastada.
215
Apêndice Q – Trecho do episódio reconto da história
Mediação do desenho
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
PE - Muito bem, então agora nos
vamos fazer um desenho.
A PE se levanta.
CR –Obaaaa!!!!!!!!!!!!!! Pulam e correm, excitados.
PE - As meninas vão desenhar a
princesa, as meninas o para o
outro lado da sala e os meninos vão
fazer uma roda aqui.
Tentam se dividir
PE - Os meninos aqui, vão fazer
silêncio, em fila, vão desenhar o
Mandarim.
Gritos, excitação, correria.
36:40
min
M - Os meninos aqui!
M (para um aluno):É prá você
desenhar este aqui, você vai olhar
para ele e fazer igualzinho.
Mariazinha entrega as folhas e eles vão
sentando no chão, se aquietam.
Falatório, a música começa a tocar.
36:50 Começa a ficar mais silencioso,
crianças bem concentradas no
desenho, outras procuram lápis.
As meninas estão todas sentadas,
ouvem Tia Juliana.
M - A tia vai dar... aos meninos a folha para fazerem
desenho de observação, com a
fotocópia do desenho do Mandarim no
canto esquerdo e para as meninas,
com o desenho de Turandot. Pequenas
disputas e queixas entre as meninas.
38:25 CR – (1) Tia, prá que tanto papel?
CR – (1) Tia, eu não tenho!
CR (1) Tia, já? [pergunta se pode
começar]
Tia Juliana está com as meninas,
mostrando os desenhos e recontando
partes da história. A classe está
serena, todos sentados no chão, em
duas rodas, os meninos com
Mariazinha e as meninas com Tia
Juliana. Ângela ajuda.
Claudiane procura uma cadeira para
sentar, vagando pela classe e começa
a chorar, com a cabeça apoiada na
mesa. Tia Juliana vai ter com ela. Eles
estão todos em roda, serenos,
desenhando.
A música está tocando (Música 2),
alguns conversam com outros sobre a
tarefa. Quando a música fica mais alta,
todos fazem silêncio, estão bem
quietos. Estão bastante concentrados.
Claudiane, com a cabeça apoiada na
mesa, chora.
216
Apêndice R - Participação de Claudiane na dança
Codificação do vídeo
* F1 - FASE 1 – NÃO PARTICIPAÇÃO
F2 - FASE 2 – PARTICIPAÇÃO INTERMITENTE
F3 - FASE 3 – PARTICIPAÇÃO DESATENTA
F4 - FASE 4 – PARTICIPAÇÃO COLADA NO OUTRO
F5 - FASE 5 – PARTICIPAÇÃO CONCENTRADA E COMPETENTE
DATA ATIVIDADE
VÍDEO
(min./seg.)
PARTICIPAÇÃO
FASE
1
.
25/04/05 SALA DE AULA - ditado 00:00 – 04:28 Encara, séria, a câmera, que a observa. Arruma seus
materiais, envolve-se em pequenas rusgas, mas nada faz da
atividade
F1
2
.
16/09/05 JOGO IMAGINÁRIO dia/noite 04:29 – 05:34 Não participa F1*
3
.
21/09/05 AULA DE DANÇA –
MOVIMENTOS COM BOLA
05:35 – 10:53 Participa interessada e alegre F5
4
.
21/10/05 ENSAIO DA COREOGRAFIA -
IMPROVISO DE PASSOS
10:54 – 17:10 Boa participação, atenção intermitente
Ensaio longo, participação total intercalada com puxões de
cabelo e gracinhas. No final, fica “mole”, mostra-se cansada e
improvisa os próprios passos
F2
F3
5
.
30/11/05 ENSAIO GERAL COM A
OUTRA TURMA
17:11 20:21 Imita entusiasmada a coreografia dos meninos, junto com um
grupo de meninas
Ensaia a das meninas tensa,procurando se concentrar
Erra a coreografia, é chamada a atenção,mas logo retoma
Não ensaia a 2ª. Coreografia (Nessum Dorma)
F5
F4
F1
6
.
11/12/05 ESPETÁCULO 20:22 – 21:34 Nervosa, inicia “colada” na colega, mas faz todas as
coreografias muito bem
F4/F5
217
Apêndice S - Participação de Claudiane na dança (decupagem)
EPISÓDIO 1 – SALA DE AULA -25/04/05 – Ditado (1º. Dia de observação)
218
TEMPO
(min.:seg.)
ÁUDIO VÍDEO
00:00
É o 1º. Dia de filmagens na sala.
A professora da classe está com os alunos.
Alexsandro, sentado na 1ª. fila, abrindo e
fechando sua mochila, sorri para a câmera
00:10
Mateus - Tia, Deixa eu beber
água, Tia!
Profa. – Deixa, está quase na
hora, vamos sentar...
Há relativa calma na classe, as crianças
procuram arrumar-se para começar a escrever.
Algumas gravitam em torno da professora.
00:25
(burburinho,conversas entre
os alunos)
Claudiane está de olhos fixos na câmera, muito
séria.
00:31
(inaudível) Alexsandro entrega o lápis à professora para
que o aponte
00:40
CR -Tia, é pra começar?...
Profa. Vamos começar
CR -Tia eu não tenho lápis
Profa. - Cadê o lápis de
vocês?
Alexsandro recebe o lápis da professora, e,
pronto para escrever,espera,acompanhando
com o olhar a professora, que atende outros
alunos. Claudiane está envolvida em pequenas
rusgas com Mateus.
01:00
(burburinho) Algo aconteceu lá atrás e cerca de seis crianças
estão concentradas nisso, para ver o que
aconteceu, ignorando a professora.
Alexsandro, na 1ª. fila pronto para fazer sua
tarefa.
Claudiane está fixada na câmera.
01:08
01:18
Profa. - Vamos ver o que
vocês já escreveram.
Senta aqui!
Vamos colocar as palavrinhas
que nós já estudamos, as
palavrinhas das famílias
Claudiane se levanta e vai à mesa da
professora. Alexsandro está a postos, com lápis
na mão para começar. Dá um risinho para a
câmera.
01:25
Mateus- Tia, eu quero beber
água. Tia, já acabou (o tempo
antes do recreio).
Profa. – É rapidinho
A professora pega Claudiane e a recoloca na
cadeira. Claudiane passa em frente à câmera e
dá um sorrisinho maroto
01:38
Profa. – Vamos escrever a
palavra mamãe.
Mateus (fala chorosa)- eh,
Tia, eu não sei não.
Profa. – escreva como você
sabe que a Tia vai olhar .
Ma...
Mateus levanta o dedo para chamar a
professora
Claudiane está concentrada agora.
02:01
Alexsandro – Eh, essa daí
engraçada
Alexsandro olha para uma colega, aponta, rindo
dela (caçoa)
02:08
Alexsandro -E, Tia, eu não
sei o nome mamãe!
A professora agora passa para ver a tarefa dos
alunos mais de trás e Alexsandro, na 1ª. fila a
chama.A professora não o atende
02:18
(burburinho) Fabilene vai até a carteira de Alexsandro e
cochicha algo para ele, os dois olhando para a
câmera. Ele acha muita graça, dá uma risada
gostosa.
06:13
Alexsandro – Como é o nome
mamãe?(para Fabilene)
Aproveita a presença da colega e pergunta
02:36 A colega ensina e ele escreve
02:45
Alexsandro - Oh, já fiz! Mostra o caderno para a câmera, sorrindo
e dá um tapinha no colega que vai passando à
sua frente. Repete o gesto, achando graça da
cara do amigo.
Claudiane arruma coisas na bolsa e na carteira,
mas não dá sinais de que está escrevendo algo.
A professora está no fundo da classe vendo o
219
EPISÓDIO 2 – JOGO IMAGINÁRIO “DIA E NOITE”- 16/09/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
04:29
É aula de dança, a professora tenta reunir
as crianças para começarem uma nova
atividade. Devem imaginar o que é dito e
fazer com o corpo.
4:30
Claudiane, brincando e rindo, puxa
Wenderson
04:34
Acabou o [jogo] de
areia
04:37
Profa. de dança
-Agora vamos fazer
um castelo
Os alunos tentam fazer.
Claudiane fica séria e vai olhar as rimas nos
cartazes da parede.
04:45
Profa. de dança - Um
castelo
As crianças tentam se organizar e a
professora vai de um lado a outro da sala
para reuni-las.
Claudiane está sentada de frente para a
parede olhando os cartazes
05:05
Profa. de dança - Foi
só um minuto para
essa brincadeira.
Agora é um jogo. Eu
vou dizer “Dia!” e
todo mundo levanta,
“Noite!”, deita no
chão
As crianças ficam atentas e se preparam
para o jogo
05:11
Profa. de dança –
Dia! Noite!
As crianças obedecem aos comandos e se
divertem. Claudiane com aparente
tranqüilidade, está “distraída” com os
cartazes, alheia ao jogo.
220
EPISÓDIO 3 – AULA DE DANÇA – MOVIMENTOS COM BOLAS – 21/09/05
221
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
05:35
Profa. de dança –
Quem estiver em
silêncio, a Tia concita
vai entregar o material
que a gente vai
trabalhar hoje
Todas deitam, Claudiane, inclusive
05:50 Claudiane senta para observar as outras
06:07
Enquanto a professora arruma o aparelho
de som, claudiane ajoelha e começa uma
brincadeira de “luta” com outra colega
06:17
Toca a Música
Profa. de dança - eu
vou entregar uma
bolinha para cada
uma, mas não é pra
jogar pra cima, ta
bom?
06:29
Profa. de dança - Mas
é sentada!
Elas se aproximam para pegar as bolas
06:37
Crianças - Oba!Oba! Quando vêm o saco de bolas começam a
dar gritinhos e levantam
06:50
Crianças Eu quero
amarela! Eu quero
outra
Começa a distribuição de bolas
07:12
Profa. de dança Não é
pra jogar
Vão recebendo as bolas e jogando. Estão
alegres e tranqüilas. Claudiane está no
meio delas, fazendo o mesmo
07:37
Gritinhos excitados Claudiane vai novamente até a professora
trocar a sua bola
07:54
Profa. de dança Agora
vamos segurar a
bolinha com as duas
mãos em cima,
andando
Andam segurando as bolas, ao som da
música que toca
08:10
Crianças - Eu já sei Estão alegres, saltitando, ao som da
melodia. Claudiane está integrada
08:21
Profa. de dança - Isso!
Agora passando a
bolinha ao redor do
corpo
As crianças seguem a professora com
prazer, andando pela classe ao som da
música. Claudiane segue colada atrás da
professora
08:38
Profa. de dança -
Agora girou
Todas giram, ao som da melodia
08:53
Profa. de dança -
Agora oh, na pontinha
com muita elegância,
levantando a perna
A professora faz o movimento de passar a
bola por baixo de uma perna de cada vez,
enquanto andam pelo espaço, ao som da
melodia. Claudiane observa bem de perto
a professora e faz tudo com empenho
09:07
Profa. de dança - Isso!
Girando com os braços
abertos.Para o outro
lado.
Faz o movimento, andando pelo espaço e
é imitada pelas meninas
09:21
Profa. de dança –
Atenção, a bolinha
com a mão direita,
andando sem deixar
cair, equilibrando,
concentradas!
Elas imitam, com olhos fixos na bola.
Claudiane se esmera
09:38
Profa. de dança -
Trouou, com a mão
d
Todas participam
Duas crianças bloqueiam a câmera com
blih
222
EPISÓDIO 4 ENSAIO DA COREOGRAFIA COM PASSOS IMPROVISADOS
21/10/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
223
10:54
10:59
11:14
11:26
11:39
11:43
11:44
12:25
12:29
12:38
13:12
13:37
13:52
13:54
13:58
Música e comando da
professora sobre a
coreografia.
As meninas se preparam para mais um
ensaio da coreografia. Estão em
posição
Andam na meia ponta
Graciele sorri para a câmera
Retomam seus lugares. A musica vai
recomeçar
Claudiane pega Lenise (a menor
menina da sala) e a rodopia pelo braço,
enquanto espera.
Claudiane carrega Lenise, “brincando”,
fora da fila, enquanto as outra esperam
a musica começar, em seus lugares.
Voltam ao seu lugar. A música
recomeça, elas se movimentam com
braços em posição. Graciele vai à
frente
Claudiane segue a coreografia mas ao
passar pela outra fila dá um tapinha em
uma colega
A fila se reposiciona e Claudiane fica
perto de uma mesa da sala, apoiando
os braços depois a cabeça na mesa e
“fica” largada, como que cansada,
“dependurada" na mesa. As outras
meninas estão com as mãos na altura
do peito, saltitando em meia ponta ao
som da melodia. Quando a fila passa ,
ela segue, deixando os braços e a
cabeça caídos para baixo (mostrando-
se “exausta”.), sacode o corpo de um
lado para o outro e senta no chão.
Vai seguindo a fila , engatinhando no
chão
Todas giram, ela acompanha
Arrumam-se em nova posição
Agora o movimento é com os braços,
Claudiane ”cai” sentada na bancada
mais próxima
Claudiane volta ao lugar e faz os
movimentos
Claudiane move preguiçosamente os
braços ao redor da cabeça em um
“arremedo” do movimento correto, que
é seguido pelas outras
224
14:19
14:50
14:55
15:18
15:33
16:02
16:10
16:29
16:39
16:46
17:08
Música e comando da
professora sobre a
coreografia.
Uma a uma começam a se reposicionar
para o próximo movimento. Claudiane
também
Aproxima se da bancada, dançando e
Claudiane aproveita para sentar-se
Retoma a coreografia que agora é dar
dois passos à frente e recuar na meia
ponta, com movimento de braços
acompanhado
Claudiane observa a professora e faz
os movimentos junto com as colegas.
Claudiane realiza corretamente o
próximo movimento –braços para a
esquerda e para a direita, dobrando os
joelhos para acompanhar braços e
ritmo
Giram e ela para de frente para a
parede, aproveitando par a se apoiar.
As outras para de frente para a
professora
Agora percebe o erro e se reposiciona.
Segue preguiçosamente os braços para
dentro e para fora, de olho na
professora
Na posição, levanta a blusa e a deixa
acima da cintura como que “com calor”
Claudiane acompanha a fila e puxa o
cabelo da colega que vai passando.
Claudiane acompanha a fila com as
mãos na cintura e rebolando, em um
passo inventado por ela, mas que
segue a melodia
Dispersam e ela se joga por cima da
bancada
225
EPISÓDIO 5 - ENSAIO GERAL COM A OUTRA TURMA – 30/11/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
17:11
As duas turmas de 1ª série estão reunidas para ensaio
geral Agora é a coreografia dos meninos
Várias meninas, inclusive Claudiane, os imitam
encostadas na parede da sala.
17:42
Profa. - Agora
as meninas
As meninas começam a tomar posição para a sua
coreografia
18:08 Começa a coreografia. Claudiane é a última de sua fila
18:21
Claudiane está em dúvida sobre qual é o seu lugar. Até
que se posiciona e começa afazer os passos olhando
para a professora
18:32
Faz certinho e dá um sorriso para alguém da
assistência, que lhe diz qualquer coisa.
18:48
Profa. -
Chegue para
trás, Michele.
A professora rearruma o grupo
18:58
Claudiane faz o movimento de braços ao contrário do
grupo, mas como está atrás, as colegas não percebem
seu erro. Ela se esforça
19:48
Profa. -
Dentro, fora,
dentro, fora.
Todas fazem, imitando a professora
20:02
Auxiliar
-Claudiane!
As meninas se retiram para a roda e Claudiane fica
parada sozinha no meio da sala. A Auxiliar chama seu
nome, ela dá um sorrisinho desconcertado e segue as
outras, mexendo no cabelo.
20:06
As meninas seguem na roda, em meia-ponta,com os
braços em movimento ondulado.Ela as segue, na
marcação, mas andando normalmente, de braços
cruzados no peito.
20:13
Andando atrás das outras, tira a presilha do cabelo,
concentra-se na presilha e arruma o cabelo. Finda essa
coreografia. Claudiane não volta para dançar a próxima:
“Nessum Dorma”
226
EPISÓDIO 6 – ESPETÁCULO – 11/12/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
20:22
Música Começa primeira coreografia das meninas.
Claudiane está na segunda fila, atrás de Vanessa, que
daa muito bem. Ela dança séria, olhando sempre para
Vanessa.
20:33
As meninas começam a correm em círculos, ela olha de
um lado para outro para ver para que lado irá. Segue a
que vai à sua frente. Encaixa-se bem na coreografia
20:41
È hora de parar em fila e ela fica na frente. A dona da
posição a contorna, com naturalidade, e toma o seu
lugar. Seu erro é quase imperceptível. Ela observa a
colega, se reposiciona e prepara a posição das mãos
para realizar o próximo movimento.
20:50
Ela está em close nodeo, olhando para as colegas,
depois segue o movimento das mãos com o olhar, para
baixo e para cima, ao som da melodia, corretamente.
21:06
Agora o movimento dos braços é para a direita e para a
esquerda, ela o faz no sentido contrário ao das demais,
mas não se apercebe, pois estão em semicírculo, não há
nenhuma colega à sua frente. uma ligeira olhada
para trás, encontra o olhar do Imperador.
21:18
Agora o movimento para dentro e para fora das mãos é
bem acompanhado por ela.
21:34 Saem sob aplausos
227
Apêndice T - Grupo Focal (Dez./ 2005)
(Trecho relativo a Claudiane)
Profa. do Projeto: Vamos falar de Claudiane.
Profa. de Classe: Ah! Falar de Claudiane é o máximo.
Profa. do Projeto: Vamos falar da capacidade de seguir regras de Claudiane.
Profa. de Classe: Olha, ela não é muito de seguir regras não.
Profa. do Projeto: Tudo tem que funcionar do jeito que ela quer.
Pesquisadora: É interessante a gente colocar a evolução, o que a gente sentiu
de evolução dessa criança ao longo do ano. Eu acho que seriam aspectos bem
interessantes. O que eu percebi de Claudiane é que no começo ela era bem
mais difícil.
Profa. do Projeto: Ela era resistente.
Pesquisadora: Agora, no decorrer do processo, ela veio fazendo movimentos
bem mais soltos, leves na dança.
Profa. de Classe: Eu acho interessante porque logo que elas chegaram aqui,
eu pedi para Donária (a Diretora Geral) para separar Claudiane de Juliana, é
que elas são primas e vêm de outra escola e estudavam separadas. Elas
brigavam demais em sala, eu sinto muita dificuldade com as duas. Mas ao
longo do ano, Claudiane melhorou muito, melhorou muito mesmo, ela sempre
foi uma garota muito espontânea, muito brincalhona, o que ela tem pra dizer,
ela diz mesmo.
Profa. do Projeto: Eu acho que no começo ela era uma criança muito
resistente, as coisas tinham de ser do jeito dela e na hora que ela queria fazer
as coisas e com as atividades quando ela percebeu que todos os coleguinhas
queriam fazer, e fazer bem feito e fazer bonito. Por exemplo, na dança, todas
queriam fazer, todas estavam ali prestando atenção, então com o tempo, ela foi
percebendo que ela tinha que participar dos ensaios, tinha que aprender para
ela também fazer bonito. Ela foi percebendo que não podia fazer do jeito dela,
Ela tinha que participar para ela também fazer bonito, ela tinha que se
interessar. Foi um aspecto bastante interessante, eu achei.
Pesquisadora: Vocês podem intervir, se quiserem.
Profa. do Projeto: Elas sabem.
228
Profa. de Classe: Eu achei interessante você mencionar isso aí, porque aqui
teve uma festinha de São João e Claudiane, a turma de Ana Rosa fez uma
festinha e quem estava na dianteira da festinha era Ana Rosa. E o que eu
achei interessante é que que ela se arrumou, parecia uma baiana, quando ela
chegou todo mundo sorria, sabe? Porque ela ficou muito bonita, com aquele
rostinho dela pintado, todo mundo sorrindo e ela se sentiu tão importante, ela
não se intimidou. Ela chegou, se sentou ali na festinha. Ela estava se achando
realmente o máximo. E Ana Rosa disse assim: “vocês podem entrar na
dança”, aí ela disse: “tia eu quero dançar, eu quero dançar com aquele menino
ali”! Ela não é uma criança que se intimida, não. E os pais dela, o pai dela uma
vez conversando comigo, disse que ela é assim mesmo em casa.
Auxiliar de Pesquisa: Interessante nessa fala de Edilza que a gente observa
esta capacidade de seguir regras, ela gosta de ditar regras, ela gosta de tomar
a frente das coisas e ela conduzir. Durante o processo eu fiquei observando,
Juliana por várias vezes dizia: “Claudiane é assim... Claudiane é assim...” e ela
não. Olha, que acompanhar os ensaios, as danças e tocar o chocalho, os
pauzinhos...
Profa. do Projeto: E a gente deixava ela à vontade, enquanto eu chamava
“Claudiane, Claudiane, Claudiane”, ela não fazia, era “não, não, não”, eu
ia chamando as outras meninas e ela foi sentindo...
Profa. de Classe: Que ela ia ficando...
Profa. do Projeto: Aí ela começou a se interessar, se envolver, ela começou a
entender que não podia ser da forma dela e na hora dela.
Pesquisadora: Tem uma coisa também interessante é que ela não é nem um
pouco tímida, ela é muito atirada. que quando eles começaram a ensaiar as
músicas muito suaves, ela não se sentia à vontade de fazer aqueles
movimentos, como se ela achasse que aqueles movimentos não combinavam
com ela. E às vezes quando os meninos estavam ensaiando, ela fazia o
movimento imitando os meninos.
Profa. do Projeto: Ela se identificava com os meninos; na hora de brincar, ela
não brinca com as meninas.
Pesquisadora: Ela gosta de brincar com Wenderson. Então é interessante que
ela tem uma auto imagem de que ela é quem manda, faz e resolve. Um dos
dias em que a gente estava trabalhando em parceria, ela é que queria mandar
229
e tinha Matheus precisando de ajuda. Eu disse: “Vá e ajude”, ela foi e disse
para ele: “Faça assim, assim, assim”, ela voltou e disse: Tia, não tem jeito,
ele não quer”. Ela é muito resolvida. Agora, pra mim era um deleite vê-la no
final, dançando aqueles movimentos leves, os gestos suaves. Ver o que ela
tinha incorporado de feminilidade, dançando aqueles gestos suaves.
Profa. do Projeto: Ela não se identificava.
Pesquisadora: Ela não se identificava no começo, mas depois ela vinha
fazendo aqueles gestos.
Profa. do Projeto: É que ela sentiu a necessidade de também querer fazer
como os colegas.
Auxiliar de Pesquisa: Eu acredito que ela foi tocada, ela foi tocada pela
música, ela foi se envolvendo pela música, ela se emocionou e daqui a pouco
ela já estava lá, lentamente fazendo os movimentos.
Pesquisadora: É, eu acho também.
Auxiliar de Pesquisa: Eu vejo por aí. Às vezes ela ficava embaixo da mesa
olhando, com certeza ela sentia alguma coisa.
Profa. do Projeto: Observando, observando.
Profa. do Projeto: De repente, eu estava com a câmera aqui, focava nela,
quando eu olhava, ela estava lá, dançando, eu vibrava, achava maravilhoso,
o máximo.
Profa. do Projeto: Ela tem uma facilidade de ler o ambiente, Claudiane.
Auxiliar de Pesquisa: Foi acontecendo um processo e ela foi participando dos
ensaios do começo ao fim. Isso eu achei interessante, parece que ela foi
sentindo, assim, a responsabilidade.
Profa. do Projeto: A necessidade.
Auxiliar de Pesquisa: Ou então ela foi ficando, assim, tão auto-suficiente de
que “eu sou capaz de fazer esses movimentos leves também”, que ela foi
ficando do começo ao fim. Talvez aí foi acontecendo o progresso.
Profa. de Classe: Talvez essas dificuldades de fazer esses movimentos leves,
talvez, né? uma suposição, eu acho ela muito amadurecida para a idade.
Claudiane age diante de muitas situações de forma muito adulta, não sei se a
própria criação exige isso dela.
Profa. do Projeto: A própria mãe dela, numa entrevista que eu fiz com ela, ela
diz que Claudiane dita regras em casa para os irmãos. A própria irmã dela
230
estava me falando que Claudiane deu uma condição pro pai dela, se ela
passasse, ela queria ganhar uma bicicleta, um DVD e queria ir para o interior. A
irmã dela disse: “tia, ela estudava todo dia, ela falava das atividades do Projeto
todos os dias. Ela falava que ela iria para o interior, iria ganhar a bicicleta e o
DVD”. Então pelo fato de ela ditar as coisas do jeito dela, as coisas
aconteceram.
Diretora: Mas, realmente! O próprio jeito dela é assim até em sala de aula. Ela
se muito com Juliana e Lenise, as coisas geralmente acontecem com elas
três juntas. Claudiane é muito autoritária, ela não é de seguir regras
preestabelecidas, as coisas têm que ser do jeito dela, ela faz as próprias regras
dela.
Profa. do Projeto: Em casa mesmo ela é assim. O fato de ela dar uma
condição para o pai dela e o pai dela não questionar, aceitar, eles estão
alimentando esse jeito dela ser assim.
Pesquisadora: E a mãe dela, é difícil a gente ter acesso à mãe dela, né?
Porque ela trabalha.
Profa. do Projeto: A mãe dela só veio uma vez.
Diretora: No começo o pai dela vinha deixá-la todos os dias. Só que outro dia
eu conversei com ele, e era porque ele estava desempregado, depois ele não
veio mais porque ele arranjou emprego. Aí ela começou a vir com a Juliana.
Profa. do Projeto: Vamos falar um pouco sobre o conhecimento de suas
próprias capacidades, o que é que vocês me falam?
Profa. de Classe: Eu acho que ela sabe o que quer, ela não tem medo, ela
confia nela mesma, ela não se retrai diante de algo que você pede.
Profa. do Projeto: A partir da hora que ela quer, na hora dela, aí ela faz.
Profa. de Classe: Ainda mais se ela tem interesse por aquilo, se identifica.
Mas até mesmo nas atividades de dentro de sala.
Profa. do Projeto: No decorrer do Projeto, ela sempre foi muito autoconfiante
de que ela sabe, e podia ajudar os colegas. Mas só que sempre essa questão:
do jeito dela, na hora dela. A partir da hora que não mais a interessava, ela
deixava. Exatamente assim ela fez com a professora Ceres. Desde o começo
ela sempre mostrou que ela sabia e que podia ajudar os outros. Ela é uma
pessoa muito solidária. Desde o começo, eu observei isto em Claudiane, ela
não se nega a ajudar o colega. E o fato de ela saber que ela é capaz, aumenta
231
mais essa questão de ela querer ajudar sempre. O que é que tu me falas,
Ângela?
Auxiliar de Pesquisa: Eu estava observando uma atividade que a gente fez
uma determinada vez, dividimos a turma em dois grupos e ela, a Claudiane, ela
tava liderando, ela sempre tava liderando. Todo trabalho que se fazia ou em
parceria, ou em grupo, ela assumia, ela trazia a responsabilidade, a liderança
para ela. E nesse dia ela ficou ajudando, e ela batia palmas, ela vibrava e eu
tava filmando e não queria perder nada. Mas eu achava muito interessante que
sempre ela queria liderar, sempre ela tava liderando. Mas uma coisa que a
Juliana falou, que a professora Ceres chegava, chamava, tentava atraí-la,
como foi falado agora, mas até ali nos trabalhos em parceria, ela ia até aonde
dava pra ela, mas depois ela deixava. E eu vejo assim, quando ela não
queria participar dos ensaios, que ela se afastava, pra mim ela estava
conhecendo, ela não se atira para fazer uma coisa que ela não conhece,
primeiro ela quer saber qual é o terreno que ela vai pisar, ela fica
observando, ela: “agora eu vou fazer”. Porque ela não vai fazer uma coisa
que ela não sabe. Primeiro ela fica olhando, analisando, pra depois ela fazer. E
qualquer coisa que você mandar ela fazer, ela faz porque ela tem muita
autonomia.
Profa. do Projeto: Ela não tinha gosto pela dança por ser calma, por ser lenta.
Tanto é que no começo, ela não se dedicava. Ela fazia por fazer. Mas no final
ela sentiu a necessidade de se dedicar mais.
Pesquisadora: Viver a emoção do momento, eu achei que é uma coisa
mesmo da emoção da música que mexe. Ou talvez essa era uma capacidade
que ela não tinha certeza que ela sabia. A dança do Carrasco ela sabia, mas
os gestos suaves, ela não tinha certeza. Talvez essa consciência da
capacidade ela não tinha e com aqueles exercícios que ela vinha fazendo, ela
desenvolveu essas capacidades e essa era uma.
Profa. do Projeto: E muitas vezes ela vinha com o cabelo todo assanhado,
toda suja. E certos dias ela vinha toda arrumadinha, com o cabelo todo
arrumadinho, brinco.
Pesquisadora: É, eu sentia que ela já se produzia, botava uma legging.
Profa. do Projeto: Exatamente, ela sempre usava roupas no final que
mostravam que ela estava ali.
232
Pesquisadora: No dia das fotografias ela estava toda com uma blusa “tomara
que caia” vermelha, toda feminina.
Profa. do Projeto: Exatamente, eu acho que despertou a questão da
feminilidade.
Auxiliar de Pesquisa: E ninguém que dissesse que era feio, porque ela
defende o ponto de vista dela, de Juliana...
Profa. do Projeto: Muitas vezes ela perguntava: “Tia, eu tô bonita?”
Pesquisadora: A necessidade de ela parecer bonita, ela deixava claro. No
primeiro dia que nós chegamos pra filmar ela correu pro banheiro pra molhar o
cabelo.
Profa. do Projeto: No segundo dia, ela veio com o cabelo todo cheio de
pitozinhos e um brinco.
Profa. de Classe: No início, eu fiz uma pesquisa com os alunos de como é que
eles se viam e ela disse pra mim que se achava feia; eu perguntei por que, ela
disse que não sabia, mas se achava feia. Eu disse para ela: “Nunca ninguém
lhe achou bonita?” Ela disse: “Não”. Eu disse: “Você não é feia”...
[Profa. do Projeto: Por exemplo, ela não gosta de Graciele.]
Profa. de Classe: ... tem pessoas que se acham feias mas não são”. Ela disse:
“É, tia?” E passou as mãos nos cabelos.
Pesquisadora: A preocupação dela é com o cabelo.
Profa. do Projeto: Quando ela briga com Graciele a primeira coisa que ela
pega é o cabelo pra puxar.
Profa. do Projeto: E ela não se identificou com Turandot, ela gosta de Liú.
Uma vez eu perguntei: ”Então por que você não gostou de Turandot?” “É
porque ela é má”. “E de Liú?” “Ah! Eu gosto muito porque ela é boa”. Ela é
muito sentimento Claudiane, ela vai muito pelo sentimento.
Pesquisadora: Ela se sentiu competindo com Turandot.
Diretora: Geralmente a impressão que a gente tem das meninas é que são
mais calmas, mais tranqüilas e ela não, ela queria estar junto com os
meninos. Até porque as brincadeiras dos meninos são pesadas como as dela.
Auxiliar de Pesquisa: Eu me lembro que desde o início do processo ela nem
na rodinha ficava. Depois a coisa foi acontecendo, assim, lentamente. Depois a
Marielce (Profa de música) chegou com os instrumentos e tudo e botava de um
lado os meninos. Lá estava ela do lado das meninas, daqui a pouco ela saía e
233
ia para o lado dos meninos. Aí, daqui a pouco, Marielce atentava para isso e
mudava ela de lugar e dizia: “Você é aqui, meu amor, bem aqui”, mas daqui a
pouco ela mudava novamente para o lado dos meninos. Quando passado
algum tempo, ela não se misturava mais com os meninos, ela sabia que
aquela dança era dos meninos. Muito embora na hora que os meninos estavam
fazendo os seus passos, o seu movimento, ela os ficasse imitando.
Pesquisadora: Ela ficava de longe fazendo.
Auxiliar de Pesquisa: Ela se identifica mais com os meninos.
Flor: Talvez seja pela questão dos irmãos dela. Ali, da faixa etária dela são
todos homens. ela de mulher e aquela outra que Juliana entrevistou, uma
mais velha.
Profa. do Projeto: Então, e sobre a cooperação com os colegas?
Pesquisadora, Auxiliar de Pesquisa: Eu acho que já foi falado.
Profa. do Projeto: E a tolerância à frustração. Até que ponto Claudiane aceita
ser advertida?
Profa. de Classe: Ela não aceita com facilidade, ela resiste sim. E quando diz
“Não”, acabou. As pessoas que têm essa característica, de querer sempre
comandar... ela não aceita facilmente que você estabeleça regras e limites para
ele. E ela é dessa personalidade.
Diretora: Quando Juliana vai chamá-los, toda hora ela fica na porta e diz:
“Tia, eu! Tia, eu!” Se Juliana não leva ela logo, toda hora ela fica lá na porta.
Pesquisadora: Ela tem pouca tolerância à frustração, ela não sabe ser
contrariada. Agora, durante o processo, eu achei um grande avanço, ela
participar de tudo, fazer tudo. O espetáculo dependia de regras, todo mundo
tinha que estar totalmente “cronometrado” e ela estava completamente
encaixada, envolvida.
Profa. do Projeto: Isso foi durante o processo, porque no começo ela não
aceitava, ela não fazia de forma alguma. E com o tempo ela foi sentindo aquela
necessidade. Então ela foi melhorando, foi fazendo junto com os outros, mas
nunca tirando o seu espírito de liderança, de querer mandar.
Profa. de Classe: Dentro de todo o trabalho da ópera, ela conseguiu se
encaixar e dentro da sala também eu noto uma mudança muito grande nela,
mudou sim, ela vem mudando. Às vezes, na sala, eu sou um pouco dura com
234
eles, mas quando tem que ser mesmo. Mas é que tudo tem regras, tudo tem
normas.
Profa. do Projeto: Quando eu comecei com eles, eu percebi que eles não
tinham regras, então com o tempo, eles foram percebendo que tinha que ter
hora para as coisas, tinha o momento.
Profa. do Projeto: A auto-estima de Claudiane.
Profa. de Classe: Embora eu tenha dito pra vocês que Claudiane se achava
uma criança feia, mas mesmo assim eu acho que ela tem uma boa auto-
estima.
Profa. do Projeto: Eu concordo. Ela lidera, ela comanda, ela lidera. E o fato de
ela liderar mostra que ela tem uma boa auto-estima.
Profa. de Classe: Se ela fosse uma criança retraída, ela não ia dizer que ela
era feia, ela ia ficar calada, não é?
Profa. do Projeto: Ela é uma criança, feliz, agitada, alegre.
Flor: Na mente talvez ela tenha um padrão de beleza. Com certeza ela está
buscando firmar a auto-estima dela.
Auxiliar de Pesquisa: Por isso é que eu digo que ela não vai se atirar na coisa
sem ela ter o domínio. Ela observa porque quando ela chegar até a coisa ela
quer chegar conhecendo a coisa, sabendo a coisa.
Pesquisadora: É, ela quer é dominar.
Auxiliar de Pesquisa: eu concordo contigo. E essa auto-estima, até o fato
de nos primeiros momentos ela ficar debaixo da mesa, ela não ficava triste,
nem jururu, não, ela ficava alegre, ela ficava brincando o tempo todo. Eu
concordo com tua fala porque complementa o que eu falei.
Pesquisadora: Nesse momento, no caso da questão da auto-estima, quando
eu fui fazer às entrevistas com os vídeos, que eu mostrava pra eles coisas que
aconteciam, aí Wenderson e Matheus mostravam: “ Olha Claudiane debaixo da
mesa!”, não conseguíamos fazê-la sair de baixo da mesa. Então exatamente a
gente sentiu isso, quando os outros mostram uma coisa que ela tá fazendo de
errado ela não convive bem.
Auxiliar de Pesquisa: Ela não quer aceitar.
Pesquisadora: É. Eu coloquei em xeque determinados pontos que Matheus
tinha feito errado, Wenderson andando pelo meio da sala, bom eu disse:
235
“Agora vamos um dar um conselho pro outro!” Quando eu vi, estavam os três
debaixo da mesa, cada um sem querer ver.
Profa. do Projeto: E sobre a expressão oral de Claudiane?
Profa. de Classe: Ela tem uma facilidade muito grande de se expressar, até
porque ela se expressa de uma forma livre. Ela se expressa à vontade o que
ela quer dizer, ela diz mesmo. Eu acho que ela se expressa muito bem.
Profa. do Projeto: Eu também acho. Na hora dos depoimentos, na hora de
explicar uma situação, ela vinha pra frente e se expressava na maior facilidade,
o que ela queria. Ela tem uma facilidade enorme de falar as coisas. Agora,
algumas vezes quando eu tocava no ponto fraco dela, ela se fechava, ela
se sentia ameaçada e mudava de assunto. Tudo que ela precisava ela falava,
nas palavras dela. Eu sempre senti um sentimento, uma pessoa muito
sentimental, muito preocupado com os outros. Quando eu perguntei sobre a
ópera, o que ela tinha achado e ela disse: “Tudo muito lindo, tia, mas me bateu
uma tristeza”. E eu perguntei: “Mas tristeza, por quê?” E ela disse: “ A música,
e morreu o meu vizinho, e eu me lembrei”. Então ela é muito sentimental. E foi
no dia da ópera. E muitas vezes coisas que aconteciam na sala e muitos
queriam falar e eu dizia: “Não, só um fala!”, aí ela vinha pra frente.
Pesquisadora: Ela tem uma capacidade de compreender as situações e
sintetizar rapidinho: “Fulano faz isso por isso, por isso e por isso”.
Profa. do Projeto: Ela sempre se dá a responder, ela sempre está pronta para
responder, ela nunca se nega.
Diretora: Além de ela saber se expressar, eu vejo ela muito convincente no
que ela está falando. Porque existem pessoas que não conseguem te
convencer de verdade. E Claudiane não, ela pode estar falando a maior
mentira, mas ela fala com firmeza.
Pesquisadora: A mim, em um determinado momento, se eu não tivesse
filmado, ela me enrolava.
Profa. do Projeto: E a leitura, vamos falar sobre a leitura de Claudiane.
Profa. de Classe: Quando ela chegou, ela estava começando a ler que
com muita dificuldade, e eu senti que ela foi melhorando. Agora no final do ano
ela estava lendo direitinho, pra quem está terminado uma Série, eu acho
que ela evoluiu bastante na leitura.
236
Profa. do Projeto: Ela se identificou com Liú e as rimas que ela lia eram de
Liú. Ela não tinha interesse pelas outras. Quando eu dava o livro, ela pegava e
lia as partes somente em que tinha Liú. E durante o processo tinha dias que ela
estava super interessada nas questões de alfabeto móvel.
Pesquisadora: Ela é muito instável.
Profa. do Projeto: Exatamente, tinha que depender do dia, como ela estava e
eu ficava numa expectativa de como ela ia estar no outro dia. Mas no decorrer
do Projeto ela foi ficando mais na sala.
Auxiliar de Pesquisa: Eu observo, assim, que Claudiane tem um
comportamento, assim, muito parecido com o de Wenderson, porque ela
ficava, assim, afastada mas ela sabia tudo que estava acontecendo.
Pesquisadora: Muito.
Auxiliar de Pesquisa: Ela não perdia o fio da meada, na hora que ela vinha
pra dança, ela sabia onde é que ela ia entrar, ela podia estar embaixo da mesa,
mas estava atenta. Ela estava sem tocar os pauzinhos , mas na hora que ela
vinha, ela sabia o ritmo. Então ela fica, como dizem, “antenada” o tempo todo,
ela fica ligada.
Profa. do Projeto: E a escrita.
Profa. de Classe: Ela é interessante, ela não é organizada, ela é um
pouquinho bagunceira mesmo.
Profa. do Projeto: Ela tem preguiça.
Profa. de Classe: Pode ser. As coisas delao sempre muito sujas, ela
apaga com o dedinho.
Auxiliar de Pesquisa: No clip, no clip da ópera apareceu ela fazendo isso.
Profa. de Classe: Mas isso daí ela faz mesmo. As atividades dela são sempre
muito sujas. O Projeto ajudou bastante a ela se organizar mais. E, às vezes, eu
chegava junto e dizia: “Claudiane, não adianta fazer desse jeito que a tia vai
apagar, você tem que fazer direito”. ela se zangava e pegava a folha e
rasgava.
Profa. do Projeto: Isto aconteceu demais comigo porque ela faz de qualquer
jeito, ela subia letra, descia letra, eu olhava e dizia: “Ah! não, não, não”... Aí, no
começo, eu apagava, no final, ela mesma apagava e fazia de novo. Eu acho
que esta coisa de ficar chamando a atenção fez com que ela melhorasse.
237
Auxiliar de Pesquisa: Com relação à escrita, Juliana passava uma atividade,
uma rima pra eles fazerem, e ela ficava apontando o lápis, ela adorava ficar
mexendo no saco de lápis e eu dizia:”Claudiane, faz tua atividade, olha a hora,
Claudiane”. E ela apontava um lápis, começava a fazer atividade, depois
largava e ficava conversando. Quando estava próximo do final do horário,
ela pegava e começava a fazer, ia, ia, ia fazendo. Aí teve uma vez que ela fez
na folha sem pauta, direitinho, que tem crianças que têm dificuldades. Quando
ela estava chegando ao final e o horário estava batendo, pois ela havia
passado maior parte do horário todo enrolando, ela dizia: “Pronto, terminei,
bom?” Eu dizia: “Ah! bom, agora mostra pra Tia Juliana”. eu dizia:
“Juliana, não manda ela fazer de novo, tarde, ela se esforçou. Ela fez
sozinha, deixa pra amanhã, se tuo gostar pede pra ela fazer de novo
amanhã.”
Profa. do Projeto: Aí no outro dia ela apagou e fez de novo.
Auxiliar de Pesquisa: Quando eu olhei no livro feito eu disse: “Olha,
Juliana!” Aí ela disse: “É, no outro dia ela fez de novo”.
238
Apêndice U - Perfil Claudiane
1. Respostas da família (responsável) e da professora de classe (profa) ao
questionário inicial em abril de 2005 (APÊNDICES A e B)
Habilidades percebidas:
-Tem habilidade para dançar (professora)
Respostas*
1. Inventa, não segue brincadeiras
2. Briguenta
3. Falante
4. Corajosa
5. Jeitosa (profa), estabanada (responsável)
6. Brinca com outras crianças
7. Ajuda quando se pede
8. Preocupa-se com os outros
9. Se acha bonita (resp), feia (profa)
10.Se acha inteligente
11.Boa nas brincadeiras de rua
12.Chora quando contrariada
13.Chora quando faz alguma coisa errada
14.Se irrita quando alguém tenta ensinar-lhe alguma coisa
15.Faria compras corretamente se mandada
16.Nervosa
17. Quando alguém está triste tem pena (resp), não se interessa (profa)
18. É de obedecer sempre (resp), desobedecer (profa)
19.Envergonhada
20.As outras crianças gostam de brincar com ela
21.Se queixa de si mesma
*As respostas sem indicação foram apontadas tanto pelo responsável quanto
pela professora
2. Perfil elaborado em 30 de maio de 2005, pela professora do Projeto
CLAUDIANE
É uma criança alegre, brincalhona, crítica, com elevada auto-estima, solidária,
dócil quando chamada, mas agitada, tem espírito de liderança e sabe trabalhar
em parceria. No início do projeto, tinha dificuldade de se concentrar nas
atividades, andava pela classe, falando com um e com outro e também
provocando. É comunicativa, tem iniciativa própria, desinibida, tem ótima
percepção do que se passa ao redor. Quanto à escrita, encontra-se em nível
silábico. Foi observado que se identifica com os meninos para brincar. É
briguenta, esperta, irreverente e muito ousada.
239
Apêndice V – Alexsandro e o drama - Codificação do vídeo
DATA ATIVIDADE VÍDEO (min./seg.) PARTICIPAÇÃO FOCO
1. 25/04/05 SALA DE AULA - ditado 00:00 – 04:27 Faz gracejos, o engraçado da 1ª. Fila BRINCADEIRA/
INTERESSE
2. 30/05/05 SALA DE AULA – tentativa de
contar a história
04:30 – 09:26 Brinca durante a narração da história,
com momentos de cuidadoso interesse
BRINCADEIRA
/INTERESSE
3. 21/09/05 ENSAIO DA 1ª COREOGRAFIA
MASCULINA
09:27 – 20:37 Participação gaiata COREOGRAFIA
COM
COMICIDADE
4.
30/09/05 OFICINA DRAMÁTICA –
EXPERIMENTANDO O
PERSONAGEM CALAF, o herói
20:38 – 19:18 Participa bastante, com dramaticidade
“fingida”, entremeada de gracejos
DRAMATIZAÇÃO
COM COMICIDADE
5. 07/10/05
CDA
OFICINA DRAMÁTICA
EXPERIMENTANDO O
PERSONAGEM TIMUR, o velho
19:19 – 35:59 Participa com gestos cômicos
DRAMATIZAÇÃO
COM COMICIDADE
6. 05/12/05 LEITURA DE RIMAS NA
PAREDE (das falas)
ENSAIO DE DRAMA
36:00 – 43:35 Lê o texto na parede e depois declama no
ensaio, comprometido
LEITURA X
DRAMA
COMPROMISSO
7. 11/12/05 ESPETÁCULO – como Calaf, o
herói
43:36 – 48:18 Faz Calaf concentrado e dramático DESEMPENHO
COM
DRAMATICIDADE
240
Apêndice X - Participação de Alexsandro no drama (decupagem)
EPISÓDIO 1 – SALA DE AULA -25/04/05 – 1º. Dia de observação
241
TEMPO
(min.:seg.)
ÁUDIO VÍDEO
00:00
É o 1º. dia de filmagens na sala
A professora da classe está com os alunos.
Alexsandro, sentado na 1ª. fila, abrindo e
fechando sua mochila, sorri para a câmera.
00:10
Mateus - Tia, Deixa eu beber
água, tia.
Profa. – Deixa, está quase na
hora, vamos sentar...
relativa calma na classe, as crianças
procuram arrumar-se para começar a
escrever. Algumas gravitam em torno da
professora
00:25
(burburinho,conversas entre
os alunos)
Claudiane está de olhos fixos na câmera,
muito séria.
00:31
(inaudível) Alexsandro entrega o lápis à professora para
que o aponte
00:40
CR -Tia, é pra começar?...
Profa. Vamos começar
CR -Tia eu não tenho lápis
Profa. - Cadê o lápis de
vocês?
Alexsandro recebe o lápis da professora, e,
pronto para escrever,espera,acompanhando
com o olhar a professora, que atende outros
alunos. Claudiane está envolvida em
pequenas rusgas com Mateus.
01:00
(burburinho) Algo aconteceu atrás e cerca de seis
crianças estão concentradas nisso, para ver
o que aconteceu, ignorando a professora.
Alexsandro, na 1ª. fila pronto para fazer sua
tarefa.
Claudiane está fixada na câmera.
01:08
01:18
Profa. - Vamos ver o que
vocês já escreveram.
Senta aqui!
Vamos colocar as palavrinhas
que nós estudamos, as
palavrinhas das famílias
Claudiane se levanta e vai à mesa da
professora. Alexsandro está a postos, com
lápis na mão para começar. um risinho
para a câmera.
01:25
Mateus- Tia, eu quero beber
água. Tia, já acabou (o tempo
antes do recreio).
Profa. – É rapidinho
A professora pega Claudiane e a recoloca na
cadeira. Claudiane passa em frente à
câmera e dá um sorrisinho maroto
01:38
Profa. Vamos escrever a
palavra mamãe.
Mateus (fala chorosa)- eh, tia,
eu não sei não.
Profa. escreva como você
sabe que a tia vai olhar .
Ma...
Mateus levanta o dedo para chamar a
professora
Claudiane está concentrada agora.
02:01
Alexsandro Eh, essa daí
engraçada
Alexsandro olha para uma colega, aponta,
rindo dela (caçoa)
02:08
Alexsandro -E, tia, eu não sei
o nome mamãe!
A professora agora passa para ver a tarefa
dos alunos mais de trás e Alexsandro, na 1ª.
fila a chama.A professora não o atende
02:18
(burburinho) Fabilene vai até a carteira de Alexsandro e
cochicha algo para ele, os dois olhando para
a câmera. Ele acha muita graça, uma
risada gostosa.
06:13
Alexsandro – Como é o nome
mamãe?(para Fabilene)
Aproveita a presença da colega e pergunta
02:36 A colega ensina e ele escreve
02:45
Alexsandro - Oh, já fiz! Mostra o caderno para a câmera, sorrindo
e dá um tapinha no colega que vai passando
à sua frente. Repete o gesto, achando graça
da cara do amigo.
Claudiane arruma coisas na bolsa e na
carteira, mas não sinais de que está
escrevendo algo
242
EPISÓDIO 2 - TENTATIVA DE CONTAR A HISTÓRIA EM 30/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
04:30
A professora está tentando contar a
história, sentada e uma cadeira baixa, com
os alunos sentados no chão, ao redor dela.
Estão todos muito dispersos. Alexsandro,
sentado ao lado dela,mas de costas, e
brinca de “adivinhar números mostrados
nos dedos” com um colega.
06:14
A professora toca o seu ombro para que
ele preste atenção Ele se vira, vira o livro
de frente pra si, observa,comenta, depois
larga o livro e volta para a sua brincadeira.
06:36
A professora se volta para a turma,
tentando conseguir atenção dos outros.
07:05
A professora ainda tenta chamar a atenção
da turma, mas agora várias crianças
estão de pé, brincando de adivinhar
números nos dedos, Alexsandro, inclusive.
07:16
A profa. manda todos sentarem nas
carteiras
07:28
As crianças levantam e várias se atiram no
chão, no meio da sala, que está livre (as
carteiras estão encostadas às paredes, em
semi-círculo). Alexsandro, no meio da
classe, brinca de capoeira com um colega
A profa. os pega para levar cada um à sua
carteira.
08:02
Alexsandro - Eh, tia,
Lê a história!
A professora coloca todos os alunos
sentados, reclamando da falta de atenção.
08:48
Alexsandro - Lê a
história!
Ele pede que ela comece a história. A
professora senta no meio da roda, na
cadeira pequena e tenta mais uma vez
contar a história. Ela espera que os alunos
prestem atenção. Ele vai até ela, vira o
livro que está na mão dela de frente para
si, ajoelha em frente dela para ver melhor.
Três colegas vêem junto e ficam olhando
as gravuras do livro, na mão da professora.
O resto da turma, nas carteiras, está
fazendo confusão.
09:22
A professora levanta e vai acalmar o resto
da turma
243
EPISÓDIO 3 – ENSAIO DA COREOGRAFIA MASCULINA – 21/09/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
09:27
Os meninos se preparam para ensaiar a sua
coreografia. Alexsandro quer ficar na frente,
mas os outros o empurram. Ele empurra de
volta. Todos estão inquietos.
09:50
Profa. do projeto -
Essa turma não quer
fazer nada vou
chamar as meninas
A profa. de dança olha séria, esperando que se
arrumem. A profa. do projeto intervém. Eles
ficam quietos.
10:27
A profa. arruma os meninos para a coreografia
Alexsandro brincando
11:55
Profa. - Vamos dar
seis passos para a
direita, sem passar
na frente dos
colegas.
Alexsandro participa, empenhado, fazendo os
passos
14:28
Alexsandro Ê tia,
olha Robenilson me
chutando1
14:40
Profa. Agora de
dois a dois,
Brincando com o colega
Fazendo os passos, na brincadeira
15:38
Profa. – Um de frente
para o outro
Fazendo os passos fazendo graça , com cara
engraçada
17:35
Alexsandro - Tem
que ficar distante ,
Afasta-se um pouco para dar espaço
Faz com gracejos. Fazendo a coreografia
comicamente
19:12
Profa. - de frente
para o seu par
Expressão “séria”.
19:40 Fazendo a coreografia, contando os passos
19:45 Fazendo gracinhas enquanto faz os passos
19:54
Faz “caricatura” dos passos da coreografia do
carrasco, com gestos e expressão exagerados e
cômicos.
244
EPISÓDIO 4 - OFICINA DRAMÁTICA - EXPERIMENTANDO O
PERSONAGEM CALAF-30/09/05
TEMPO AUDIO VIDEO
20:38
Calaf, no dia, vai cantar
fazendo a mímica.
Terminada a brincadeira Concita separou
os meninos em dois grupos. E começa a
falar sobre a música da ópera, a história da
música.
Estão deitados, a profa. faz os gestos de
Calaf e eles estão ouvindo a ária Nessum
Dorma
Alexsandro está quieto,ouvindo
22:30
Profa. Agora, vamos
sentar no chão, que vai vir
um por um representar
Calaf.
Profa. - Faz Calaf, faz de
conta que você está
cantando, se declarando
para Turandot.
Chama Daniel, ele fica com vergonha e
não faz.
23:38
Profa. Vai, vai (falando
para Wenderson).
Chama Wenderson, que faz um pouco
mas também fica com vergonha
23:50
Profa. - Isto é um
laboratório, a gente vai
experimentando
Quase todos os meninos correm para a
janela.
24:07 Alexsandro começa a imitar Calaf.
24:10
Alexsandro Tia, eu
posso ser, tia?
24:49
Narração: Profa. - Tu és
linda, oh, beleza divina
Alexsandro repete o que a professora diz e
faz.
25:36
Profa. - Nós iremos fazer
todos juntos para ficar
mais fácil, ninguém olha
ninguém,
Imitação coletiva, vários fazem ao mesmo
tempo. Alexsandro muito empenhado,
fazendo com uma dramaticidade
“fingida”,com gracejos
26:24
Profa. - Ajoelhados. Eu
sou Turandot, eu quero
ver quem vai ganhar meu
coração!
Os meninos atendem
26:40 Alexsandro faz graça
27:49
Profa. – Gira assim. Os meninos giram, interpretando a melodia
e o texto.
28:51 Alexsandro, dá uma rasteira em um colega
245
28:58
Alexsandro participa,divertida e
intensamente, com gestos cômicos e
exagerados.
EPISÓDIO 5 OFICINA DRAMÁTICA – ALEXSANDRO FAZ TIMUR - 07/10/05,
TEMPO AUDIO VIDEO
19:19
Profa. A tia vai fazer
aqui e vocês vão entrando
de acordo com a cena.
A professora está com um grupo para fazer
o ensaio de algumas cenas.
30:01
Narração: Profa. - Nas
grandes muralhas da
China
A profa. narra e a música toca.
30:09 Profa. - O povo Ao demais alunos andam pela sala
30:50
Profa. - Turandot na
janela o povo pede
piedade
Samira sobe na bancada e o povo se dirige
a ele e pede
31:15
Profa. - Mas Turandot não
teve pena e a ordem
Ela ordena a morte e
entra para o palácio
Samira faz o gesto e bate o pé e sai
31:28
De repente confusão
na praça e o velho Timur
cai .
Criança – Ele morreu.
Alexsandro cai no chão
32:30
Profa. Nós iremos fazer
de novo. A confusão
acontece e você cai
Profa. - E o velho...
Profa. - cadê Liú?
Profa. - Você vai estar
aqui.
Profa. - O velho o velho
cego e derrubado no
chão. Liú pede: Ajudem-
me, meu velho senhor
caiu.
Dirige-se a Alexsandro e depois a
Francisca, que faz Liú
33:08
Profa. Todos de joelhos
pedindo:Piedade!
Profa. – Ela deu a ordem
Profa. - uma grande
confusão
As cenas se passam conforme a narração,
com a música ao fundo Calaf (Wenderson)
aparece
33:35
Profa. - Um velho cego é
derrubado no chão.
Profa. - a escrava Liú
começa a gritar ajude-me
a erguer meu velho
senhor.
Alexsandro atira-se no chão, interpretando
Timur.
35:11 Profa. Quem é você?
pergunta Calaf
246
Profa. - Eu sou Liú, a
escrava que cuida do
velho Timur
35:48
Profa. - Vem cá! Tu és
cego!Não podes andar
sozinho
Timur (Alexsandro) levanta e sai andando
com as pernas tortas, imitando
comicamente “um velho”
A professora o reposiciona e coloca Calaf
para apóiá-lo
35:55
Saem os dois abraçados, ele
“dependurado” no ombro de Calaf, “no
clima”.
EPISODIO 6 – ALEXSANDRO LÊ RIMAS ANTES DE ENSAIAR SUAS
CENAS – 05/12/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
36:00
Narração , para a cena
dos ministros, com música
Enquanto o ensaio transcorre,
Alexsandro, que não está em cena,
passa por trás dos ministros e vai para
a frente do cartaz de Calaf, para ler e
recitar para si as rimas do seu
personagem
36:19 Narração e música A banda toca
37:18 Os ministros entram em cena.
37:33
Alexsandro entra em cena. Dirige-se ao
imperador. Faz reverencia
38:00
Narração - Calaf fala:
Que quero enfrentar a
prova.
Repete a reverência
39:50
Narração e música Cena dos enigmas
Turandot está em cena ele imita os
gestos de Turandot.
40:14
Depois de “pensar”, pensar responde
ao primeiro enigma
40:50 Espera o próximo enigma concentrado
41:09
Narração - O povo grita:
fala, fala!
41:31
Narração E Calaf
responde
Declama sua resposta direitinho
41:55
Narração Turandot
lança o segundo enigma
Posicionado, com as pernas afastadas,
ouve Turandot
42:15
Narração – E Calaf pensa,
pensa, pensa...
Faz o gesto com as mãos nos lados da
cabeça
42:32
Narração Calaf diz a
resposta: é Turandot!
Declama em sincronia com a música e
a narração
Aplaude a cena
43:13
Narração - diga qual é o
meu nome
Diz o seu enigma para Turandot e
sai requebrando
247
EPISODIO 7 – ALEXSANDRO COMO CALAF no espetáculo – 11/12/05
TEMPO ÁUDIO VÍDEO
43:36 Narração e música Alexsandro-Calaf toca o gongo
43:56
Turandot diz o primeiro enigma
Alexsandro,seriamente, ouve
os enigmas..
44:16 Calaf responde
44:41 Turandot está arrasada
44:53 Turandot diz o segundo enigma
45:02 Calaf pensa
45:11 Calaf decifra o enigma seguinte
45:19
Narração – E Turandot pede;
Meu pai não me jogue nos braços
desse estrangeiro
Narração – O Imperador diz: Que se
cumpra o seu destino
Turandot se desespera e pede
ao pai que anule a prova
45:40
Narração Calaf fala:Três enigmas
você me deu , todos eu decifrei,um
agora lhe darei, se falhar, casara
comigo, mas se acertar morrerei:
diga qual é o meu nome
Calaf diz o seu enigma sério e
concentrado, com gestual
acompanhando a narração e a
melodia.
46:20
Narração - E o Imperador fala: Se os
céus permitirem, antes do
amanhecer você será meu filho.
O imperador fala a Calaf.
46:26 (A banda toca) O povo dá vivas ao imperador
46:50
A ária “Nessum dorma” Calaf interpreta
com dramaticidade
47:31
Narração e música Calaf beija Turandot e lhe fala
sobre o amor. Turandot chora.
48:09
Naração Calaf diz o seu nome e
Turandot exclama: Sei o seu nome!
Calaf fala a Turandot. Turandot
exulta.
48:18
Aplausos Calaf aparece à porta do
palácio ao final, sorridente
248
Apêndice Y - Grupo Focal (Dez./ 2005)
(Trecho relativo a Alexsandro)
Profa. do Projeto: Vamos começar com o aluno Alexsandro
Rodrigues de Assunção, vamos analisar a capacidade de seguir regras, o que
é que tu me falas, Edilza?
Profa. de Classe: Eu acho que ele tinha mais dificuldades quando
chegou aqui na escola, mas ao longo do ano eu acho que ele melhorou muito.
Hoje ele já escuta mais a gente falar com ele, hoje é mais fácil de lidar com ele.
Profa. do Projeto: Eu também concordo porque no começo do
Projeto Alexsandro era uma criança muito agitada, muito brincalhão, tudo ele
levava na brincadeira, era do jeito dele, na hora dele. E durante o processo
tinha hora para fazer as coisas, hora para desenhar, hora para ler, hora para
fazer as coisas. Alexsandro acabou se adaptando a essa rotina, aceitando se
tornar uma criança que não leva mais todas as coisas na brincadeira, ele
ficou mais sério. Eu acho que o fato também de ele ter sido personagem
principal acabou ajudando, fez ele sentir essa responsabilidade, fazer as coisas
com mais perfeição, fazer sempre o melhor. Então eu senti que ele melhorou
muito nesse aspecto.
Diretora: Eu também concordo. Pra mim, falar fica um pouco difícil,
porque eu não trabalhava com ele desde o começo do ano, porque eu
trabalhava de manhã, mas quando ele vem assim pra mim falando alto, que ele
gosta de falar alto, eu olho assim pra ele e ele sabe e vai falando
mais baixo.
Profa. do Projeto: E o que é que vocês me falam sobre o
conhecimento de suas próprias capacidades, Edilza?
Profa. de Classe: É, ele deve ser uma criança bem extrovertida, ele
consegue fazer as coisas, desde o início ele tem essas características e eu
acho muito importante, visto que ele confia na capacidade dele mesmo, fica
muito mais fácil de a gente trabalhar com ele em todos os sentidos. Por
exemplo, ele nunca diz assim: “Eu não sei fazer isso”, ele vai tentar, ele pode
até perguntar, mas ele acha que ele consegue fazer, pelo menos na sala é
assim.
Profa. do Projeto: Eu concordo, porque ele sempre tem uma auto-
estima muito elevada e isso ajudou bastante por que ele sempre se acha capaz
de fazer as coisas. Ele dizia: Tia, eu não quero ser o CALAF, eu quero ser o
Ping, eu sou engraçado que nem ele”. Então ele sabia que ele tinha a
capacidade.
Profa. de Classe: Muitas vezes na turma ele dizia: “Tia, eu fiz”, e
já estava guardando o caderninho e eu falava assim pra ele: “Mas a tia quer ver
seu caderninho”, ele já vinha sorrindo e dizia: “Oh, Tia! Deixa pra eu fazer
depois.”
Profa. do Projeto: Quando ele recebeu o Calaf, ele não queria de
jeito nenhum, mas depois ele se identificou, a gente dizia assim pra ele...
porque no começo ele não queria ser Calaf, a gente dizia que nunca
tínhamos visto alguém ter o papel principal e não querer, ele dizia que ele
gostava era de Ping, ele fazia como o Ping. Ele sempre se achou capaz de
fazer todas as atividades.
Profa. de Classe: Na sala também.
249
Profa. do Projeto: Eu ia dar uma olhadinha, mas ele sempre faz
tudo direitinho, sozinho, ele é muito autoconfiante. Isso é muito bom para a
criança.
Profa. de Classe: No início ele tinha um pouco de dificuldade,
porque às vezes ele é um pouco elétrico, então o que acontecia, ele fazia uma
parte do dever e terminava acho que esquecendo que faltava muito, então
depois que a gente começou a trabalhar na sala essa questão que ainda
faltava, ele tinha que apagar pra depois voltar a fazer o que ele deixou de fazer,
ele ficava chateado, mas com o tempo ele foi se adaptando, que as coisas têm
que ser assim. E rapidinho ele pega as coisas.
Profa. do Projeto: Exatamente, a mesma coisa nos desenhos de
observação. Ele melhorou muito porque ele foi prestando atenção nos
detalhes, mas no começo ele fazia com preguiça, ele dizia: “Tia, eu não sei
fazer”. Mas depois ele fazia e dizia: “Tia, olha como eu fiz Ping, eu sei”. Ele
mesmo sai se cobrando e querendo melhoras. E na questão da cooperação
dos colegas?
Diretora: Esse tipo de convivência, assim, de sala de aula com eles
eu não tenho. O meu contato com eles é na entrada, no recreio e na hora da
saída, então eu não tenho muito como responder certas questões, este não é
um momento de cooperação. Ele é um tipo de criança sociável.
Profa. do Projeto: Ele é uma criança prestativa, solidária, ele ajuda
os colegas no dever. Ele diz assim: “Oh! Mas tu é burro, mas eu vou te ajudar”,
aí ele sempre se doa, esta disponível. Ele gosta sempre de ajudar os meninos,
quando eu pedia pra ele ajudar uma menina ele ia, mas de cara feia, mas ele
ajudava. O que tu me falas, Edilza?
Profa. de Classe: Em sala, ele é também bastante solidário com os
colegas, está sempre disposto a ajudar. Às vezes se ele terminava um dever
primeiro, ele ajudava os coleguinhas, ele é muito dócil.
Profa. do Projeto: Carinhoso, sabe se socializar, é educado. O que
é que tu me falas, Ângela?
Auxiliar de Pesquisa: Acho que ele não sabe colaborar com os
colegas como ele também tem uma sensibilidade para perceber o outro e se
envolver com o outro. Daí essa forma de ele ser carismático.
Profa. do Projeto: Vamos falar agora da tolerância à frustração?
Profa. de Classe: Dentro de sala eu não tenho tido problemas com
ele. É claro que, como criança, de vez em quando a gente tem sempre que
estar chamando a atenção dele, mas porque criança esquece também, mas
dentro de sala, ele não me dá trabalho nesse sentido, eu acho que ele tem uma
boa aceitação no sentido do que se pede pra ele.
Profa. do Projeto: Flor, o que tu percebes na escola, na hora do
recreio?
Diretora: Eu também concordo, porque algumas vezes eu tenho
oportunidade de ficar com eles até Edilza chegar. E eu digo assim: “Crianças,
vamos pra sala”. “Ah! tia, mas a tia não chegou”, mas ele não diz: “Não vou”.
Ele diz: “Tá tia, eu tô indo pra sala”.
Profa. do Projeto: O Alexsandro é uma criança que sabe aceitar
essa questão de ser chamado atenção, de ser advertido, ele não fica chateado,
pouquíssimas vezes eu chamei a atenção dele em cima e ele retrucou. Ele
aceitava a questão de ser chamado atenção, de ver que ele estava errado, que
não é hora de ele fazer isso, não é hora de ele estar brincando, que é hora de
250
ele fazer atividades. Então era bom, porque ele via que estava na hora de fazer
atividade e não de brincar, poucas vezes ele resistiu e ficou fazendo
resistências. O que é que tu me falas, Ângela?
Auxiliar de Pesquisa: Eu estava até observando vocês falarem
porque é um aspecto que eu percebo de Alexsandro, como também de outras
crianças, é que não é que ele resistisse em ser chamado atenção, não, mas
como toda criança, ele brinca, ele é travesso e ele é realmente assim, por isso
mesmo é que ele é muito espontâneo, porque tudo que ele faz é com
espontaneidade, eu vejo. Mas o que a gente observa é que, por ser criança,
por mais que a gente chamasse atenção se pegava Alexsandro fazendo
(teimando), mas na hora que chamava atenção, ele, com aquele jeitinho dele,
se retraía timidamente, é tipo assim: quando a pessoa cai na real... mas ele
esquece e volta novamente a fazer. Mas ele não reclamava, ele não respondia
atrevidamente, ele ouvia. Então, assim, a tolerância a ser chamado atenção ele
aceitava numa boa. Agora não é dizer que o Alexsandro fosse o padrão, ele
brincava como todas as outras crianças e brinca, ele é extrovertido, ele é
irreverente, ele é espontâneo. Mas ele não é uma criança de responder
atravessado, ele respeita.
Profa. do Projeto: E a auto-estima de Alexsandro?
Profa. de Classe: Olha, eu acho que ele sempre esteve bem com
sua auto-estima, o fato de ele se aceitar é muito bom. É uma criança que sabe
o que quer, então eu acho que uma criança assim, é fácil ter uma auto-estima
boa, elevada.
Profa. do Projeto: Ele sabe do que ele é capaz. O fato de ele saber
que ele pode ajudar o colega, que ele pode se adaptar às coisas e às
situações, isso faz com que a auto-estima dele seja bem elevada mesmo. Ele
sempre foi uma criança alegre, uma criança extrovertida, uma criança que
nunca foi pra sala de aula triste, nunca chorou, pelo menos que eu visse. Ele
se acha bonito.
Diretora: Eu acho que é também ele conviver junto com pessoas
que contribuem para isso. Porque a professora dele da pré-escola quando o
olhou aqui, ficou feliz e disse assim: “Alexsandro!” (feliz) e começou a falar bem
dele, elogiar. E ele ficou todo tímido perto dela. É conforme Ângela falou; não é
que ele seja uma criança padrão, são fatores que contribuem para elevar a
auto-estima dele.
Profa. do Projeto: Concita (Profa. de expressão corporal) sempre
elogiava nos ensaios as coisas que ele fazia e ele ficava assim todo cheio. E a
expressão oral? Eu observo que ele tem uma boa facilidade, por exemplo:
quando eu estava colhendo os depoimentos deles, ele sempre teve mais
desenvoltura, mais facilidade de se expressar, de dar respostas mais
elaboradas, mais profundas, mais consistentes. Então, nos próprios
depoimentos dele, eu observei isso.
Auxiliar de Pesquisa: Eu queria falar da auto-estima que eu não
falei, pode falar agora? Depois eu falo sobre este outro item.
Profa. do Projeto: Pode. Não, não precisa pedir.
Auxiliar de Pesquisa: Ah! Tá certo. Pois é, porque essa questão da
expressão oral tá muito ligada à auto-estima dele, de a pessoa viver bem, de a
pessoa estar bem, de a pessoa viver bem com ele mesmo. Então Alexsandro
desde o início a gente percebe que todas as crianças chamam atenção por
alguma coisa. E ele chamou a atenção como os outros chamaram atenção,
251
mas ele chamou a atenção pelas características dele, algumas especialidades
que ele tinha também chamaram a atenção e deu pra gente perceber que ele
se encaixava em tal personagem, né? E Juliana sabe e professora Ceres sabe
também que eu dizia assim: vamos colocar Alexsandro para fazer, ele tem
potencial para isso. pra gente saber que ele tinha. Então ele é uma pessoa
que qualquer coisa que vo pedisse para ele fazer, ele faz, porque ele
acredita nele, ele tem uma auto-estima elevada, então por isso essa oralidade
boa, essa facilidade de se expressar, de se comunicar e elaborar o raciocínio,
porque às vezes as crianças são muito comunicativas, muito irreverentes,
muito isso e aquilo, mas não têm facilidade de elaborar seu pensamento para
falar e ele não, as coisas vão saindo assim: pá, pá, pá, pá. Por mais que ele
fale uma coisa assim, mesmo que em brincadeira, espontaneamente, ele
responde e é engraçado. Sabe aquelas pessoas que vêm e dizem assim
fulano de tal é bem espirituoso, tudo que diz tem uma resposta na ponta da
língua, parece que já está pronto para responder? Eu vejo ele assim.
Profa. do Projeto: É verdade, eu concordo com Ângela. E eu acho
também, Ângela, que a questão de ele saber se expressar bem na fala
contribui bastante, para que a auto-estima dele seja dessa forma. O que é que
tu achas, Edilza?
Profa. de Classe: Eu acho que ele realmente não tem vergonha de
falar e de se expressar na frente dos outros. Ele fala espontâneo para a idade
que ele tem, ele tem facilidade de falar, ele não tem medo de falar as coisas.
Uma criança que tem a auto-estima baixa, ela não age dessa forma.
Profa. do Projeto: Vamos falar um pouco da leitura de Alexsandro?
Profa. de Classe: Quando Alexsandro chegou aqui, ele não sabia
ler, ele não sabia ler mesmo. Mas eu achei que ele, dentre outras crianças, ele
aprendeu com muita facilidade.
Profa. do Projeto: A espontaneidade dele, a facilidade que ele tem,
eu acho que ajudou bastante, porque a leitura é uma forma de a criança se
expressar também, então eu também achei que Alexsandro não sabia ler, mas
ele também não tinha medo, as rimas que estão na parede, de vez em quando
eu olhava ele lendo com o dedinho. Ele tinha o interesse de aprender. Hoje
ele termina a primeira série sabendo ler muito bem. Eu lembro também que um
dia a gente deu uns trechos da ópera para eles treinarem em casa e ele
chegou com o papelzinho pra mim lendo muito bem. Não foi tão rápido.
Auxiliar de Pesquisa: Interessante falar de Alexsandro neste
aspecto leitura porque eu não sei a leitura de mundo de Alexsandro, mas eu sei
do pedacinho que eu convivo com ele e do que ele vivenciou com a gente, eu
não sei do além daqui, não sei em casa como é, mas dentro do que eu conheci
durante o Projeto da ópera, este foi um processo que aconteceu, eu vou
divergir um pouquinho de Juliana sobre rápido. Eu acho que foi rápido porque
eu vejo que ele sabe fazer uma leitura não do que está escrito, mas ele
sabe fazer uma leitura do todo, ele sabe fazer uma leitura de imagem (gravura)
porque pra mim, fazer leitura não é só você saber ler o alfabeto e as palavras,
é você saber interpretar, não só decodificar a coisa, mas codificar e decodificar
e isso ele sabe fazer. Por isso é que eu acho, como Juliana falou que não foi
rápido...
Profa. do Projeto: Foi, ele leu as rimas...
Auxiliar de Pesquisa: Sim, isso, mas a leitura que eu vejo, nesse
aspecto mais amplo, saber interpretar não o que está escrito, mas saber
252
explicar com suas palavras. Pra mim, a leitura vai além de você estar
alfabetizado, uma leitura de mundo. Quando ele chega e diz: não faz assim, faz
assim assado, quando ele diz para não fazer assim é porque ele percebeu de
uma outra forma e por isso ele vai ajudar o outro de acordo com a interpretação
dele, tem crianças que não sabem nem ler aquilo que está escrito, quanto mais
interpretar o que está nas entrelinhas e ele sabe. Então isso pra mim foi um
processo passo a passo e pra mim foi rápido porque essa leitura é do todo, foi
em uma dimensão bem maior. Eu vejo assim.
Profa. de Classe: Eu procurei fazer muitas atividades escritas,
trabalhei muito com caça-palavras e eu acho assim, que ele desenvolveu
rápido.
Profa. do Projeto: Eu estava falando que eu achei lento, eu falei na
questão da leitura em si. Mas nas atividades, mas eu acho assim que as
estratégias que a gente utilizou foram diferentes e contribuíram e a questão de
ele também saber se expressar.
Profa. de Classe: Na sala também, embora eu esteja com uma sala
toda, não com grupos, mas eu gosto muito de trabalhar individualmente,
com cada criança, até porque eu começo a ver a dificuldade que cada criança
apresenta, pra poder ajudar. Então tem crianças que têm mais dificuldades.
Com ele eu não tive dificuldade, na verdade, eu não senti dificuldade.
Auxiliar de Pesquisa: Quando a gente observa essa questão da
leitura, e eu falei nesse aspecto da leitura em um âmbito assim bem maior, dá
pra gente perceber isso até na própria postura dele quando ele vai interpretar,
as pessoas falam as palavras vazias, não passam sentimento, não passam
emoção, não passam nada, a pessoa não internalizou aquilo ali, ela não está
vivenciando aquilo ali, por isso que ela não vai passar nada, não vai expressar
aquilo, e ele não. Ele tem uma capacidade que pessoas de a séries às
vezes não têm e se este potencial dele for estimulado, ele vai longe.
Diretora: O Alexsandro era um dos poucos alunos que pegavam
livro pra ler e lia-os mesmo, se sentava na mesa pra ler com interesse. E
quando a criança começa a ler qualquer coisa que prazer a ele, ele quer
ler. E era assim com o Alexsandro. E ele está aos poucos criando gosto pela
leitura. Eu acho que realmente ele tem esse potencial, mas precisa continuar
sendo estimulado. Pelo pouco que conheço da mãe dele assim, mas eu acho
que ela dá apoio, ela sempre acompanha ele desde o pré-escolar.
Profa. de Classe: E ela sempre está perguntando como é que está
o Alexsandro.
Profa. do Projeto: Todos dizem que os pais passam a
responsabilidade para a escola, mas na verdade não depende da escola; a
escola precisa dessa parceria com os pais. Por exemplo, a gente acabou de
ver que o fato de a mãe estar sempre na escola, participando, perguntando,
estimulando, faz com que Alexsandro tenha essa auto-estima elevada, seja
essa criança que se acha capaz de fazer as coisas, que tenha a facilidade de
fazer leitura. E isso só ajudou bastante, tanto a gente quanto a família.
Diretora: Uma vez eu coloquei um filme e a gente estava assistindo
e ele veio e se sentou na frente perto de mim e começou a me contar o filme,
queria contar para os colegas toda hora.
Auxiliar de Pesquisa: Ele tem uma percepção bastante aguçada.
Profa. do Projeto: Exatamente, a compreensão dele é muito boa. E
a questão da escrita?
253
Profa. de Classe: A escrita de Alexsandro precisa ainda melhorar
sim, mas melhorou bastante. Porque na verdade eu vi as primeiras escritas
dele na primeira série e ele tinha muita dificuldade, ae sempre estava aqui
perguntando o que é que houve que Alexsandro engoliu muitas palavrinhas e
às vezes ele não conseguia mesmo escrever, às vezes eu tinha que pegar na
mãozinha dele para ajudá-lo a escrever, não sei se ele não aprendeu no jardim
a questão da coordenação motora, então eu vi que ele tinha muita dificuldade,
mas ele melhorou bastante.
Auxiliar de Pesquisa: A escrita de Alexsandro fica bem mais fácil
para Edilza comentar, nós acompanhamos, mas Juliana e Edilza bem mais do
que eu, mas o que eu observo é uma escrita para um aluno de primeira série
compreensível, para se compreender, para ler, não tem problemas
quanto à escrita porque isto é processual e vai melhorar nas outras séries. E
também a criança mesmo vai chegar a um nível que vai querer aperfeiçoar a
escrita dele, a caligrafia e ele vai despertar para isso. Agora uma coisa que eu
acho relevante falar é que mesmo do jeito dele, ele não se opunha a fazer
nada, ainda agora pouco eu estava digitando relatórios no Dom Bosco e
por mais que a reescrita fosse uma reescrita grande, mas ele estava
fazendo.
Profa. do Projeto: Eu acho que dependia do dia, tinha dia que
Alexsandro estava uma preguiça de escrever. Na verdade, toda criança olha
como um bicho de sete cabeças, a maioria das crianças e o Alexsandro, na
hora de se expressar, na hora de dançar, na hora do desenho, ele sempre
estava ali prestativo: “Não, tia eu quero fazer logo”, e na escrita não, eu tinha
que estar estimulando. Se eu não ficasse estimulando, se eu deixasse por
ele, ele não fazia, então eu senti que o Alexsandro, para quem está na primeira
série, ele tem uma letra compreensível, vai melhorar, eu acredito, mas eu acho
que ele precisa de pessoas que vão estimulando para que ele melhore, muitas
vezes ele fazia com preguiça e eu dizia: “Ah! mas eu não gostei, vamos fazer
de novo, vamos apagar e fazer de novo”. Eu acho que ele precisa de estímulo
porque às vezes na hora de fazer, ele resistia, mas ele via o coleguinha
fazendo, ele buscava também fazer, caprichar. Nesse ponto eu não
concordo muito com Ângela, a letra dele não é alinhada, eu acho que é devido
a ele ser muito agitado, eu acho que é da personalidade da criança, eu não
concordo com ela, porque muitas das atividades que eu pedia para ele fazer
dependia do dia, tinha dia que ele estava... fazia tudo direitinho. Por exemplo,
no dia da >>>>> pós-ópera, ele sentou e ele começou a fazer e ele foi longe,
porque tava tudo na cabecinha dele do jeito que ele tinha feito, do jeito que ele
tinha se expressado. Então ele quis passar para o papel, nas outras
atividades não, eu tinha que estar estimulando, então isso ajudou bastante,
ele precisa de estímulo.
Auxiliar de Pesquisa: Talvez a parte da ópera com que ele não se
identificava, por exemplo, às vezes eu vi não Alexsandro como outras
crianças também quando eu perguntava assim: “Do que é que vocês mais
gostam na ópera? e eles citavam, às vezes Alexsandro também dizia:
“Ah, tia, essa parte da ópera, não.”- eles não gostaram, diziam: “Essa parte é
chata”. Aí, talvez a escrita dentro dessa parte que ele não gostava talvez não
estimulasse ele também.
Profa. de Classe: Porque é normal, não é? A gente não é obrigado
a gostar de tudo, em uma peça teatral que você assiste, você comenta o que
254
você gostou e o que você não gostou, a criança também. E ele tem essa
facilidade de falar, de se expressar.
Profa. do Projeto: A maioria das crianças tem medo de escrever e
de errar. Por exemplo, Vanessa, ela dizia assim: “Tia, eu gosto mais de fazer
atividades de escrita do que de ensaiar”. E a maioria deles adorava a hora do
ensaio, é a hora que você pula, você dança, você ri, você corre, que você tem
mais facilidade de botar pra fora, de vo se expressar, na escrita não, você
tem de se concentrar, de caprichar. Eu acho que na maioria das crianças eu
senti... Com o Alexsandro eu acho que falta um pouco de estímulo, de um
incentivo.
Diretora: Eu acho que essa questão do pós-ópera ele está mais
dizendo assim para escrever, eu acho assim, que era pra eternizar aquele
momento, aquele momento vivido ele poderia eternizar se fosse assim, na
escrita. Eu acho que talvez por isso ele estava mais animado para escrever,
porque ele viveu o momento, até então tudo era teoria.
Auxiliar de Pesquisa: Bem, a Flor falou que a escrita foi uma forma
de eternizar o momento que ele viveu, um momento muito bom, muito bonito.
Eu me lembro que quando Juliana esteve conversando com eles para que eles
contassem como foi a ópera vivenciada, depois, como é que eles ficaram, qual
foi a emoção que eles sentiram, para eles contarem como a ópera aconteceu e
essa felicidade dele tava tão latente, tão perceptível, que ele quase não deixa
ninguém falar, entendeu? Juliana dizia: “Mas isso assim, assim...” E
ele:”Tia!...” ele vinha bem pra frente e falava um pedaço da ópera - o que foi
que Calaf disse, e porque Calaf disse isso. Tudo o que todo mundo dizia, ele
sabia. Na hora que alguém queria falar, ele dizia: “Ah! não é assim”. ele
falava todas as palavras direitinho. Eu acho isso muito interessante, muito
importante, por isso que Flor falou essa questão de eternizar, porque, gente, é
uma coisa tão bonita, tão interessante para a vida dessas crianças e a gente vê
não nos depoimentos delas, das famílias delas, que vai ser uma coisa que
marcou, eles não vão esquecer nunca, jamais eles vão esquecer disso, não é
só o livro, é o pensamento, porqueo crianças de sete anos, algumas oito,
né? Se fossem crianças do Maternal, Jardim I, esquece, mas essa faixa etária
não esquece, eles não vão esquecer. E ele tem tudo assim muito presente.
Alguns deles, eu conversando logo depois da apresentação, nessa semana
passada que eu vim, disseram assim: “Oh! Tia, eu queria fazer tudo de novo”.
E quando disse “Tia eu queria fazer tudo de novo”, eu me lembrei do Dom
Bosco, quando a criança que fez Turandot disse assim: “Tia, está perto,
perto da hora de entrar. Oh! Tia, perto de acabar.” Temia que acabasse,
quer dizer, o mesmo sentimento deles, não queria que acabasse, viver aquele
momento foi tão prazeroso, tão bom e bonito pra eles que eles queriam que se
estendesse por mais vezes.
Profa. do Projeto: A verdade é que foi importante que uma criança
na condição dele, na condição social... Eu acho que isso marca, mais do que
uma criança de classe média alta, tanto que eu acho que esse Projeto foi tão
importante para eles que eles passam isso com uma facilidade. E eles ficam o
tempo todo sorrindo, dizem que querem fazer tudo de novo, quando que vai ter
de novo, se eu vou vir amanhã, se tia Concita ainda vai vir, porque que não
veio, o que está faltando, o que a gente ainda vai fazer, então eles não querem
que acabe, não querem. Se eu digo assim: “Vamos fazer um desenho”, eles
não estão cansados de fazer desenhos, eles querem desenhar, então foi bem
255
marcante, principalmente para Alexsandro, que foi uma coisa em que ele se
destacou. Na verdade, quando começou o Projeto, quando eu comecei a
observá-los dentro de sala de aula, eu observava que ele era uma criança que
tinha facilidade de se expressar, de falar com os colegas, de conversar, muito
falador, falante. No começo, quando eu observava as aulas de Edilza, eu
colocava isso, ele tinha uma facilidade muito grande de interagir com os
colegas, né? Mas no decorrer do Projeto eu fui observando que o Alexsandro
tinha, além dessa facilidade de se expressar e dessa facilidade de interagir
com os colegas, era o jeito dele, o jeito dele de fazer as coisas, sempre
interessado, isso foi muito bom para ele. Eu acho que o Projeto contribuiu
bastante para que despertasse, para que ele fosse valorizado, né?
256
Apêndice Z - Perfil Alexsandro
1.Respostas da família (responsável) e da professora de classe(profa) ao
questionário inicial em abril de 2005 (ANEXOS 3 e 4)
Habilidades percebidas:
- para recitar(professora)
- é perguntador (mãe)
Respostas*:
1. Inventa brincadeiras
2. É briguento (profa), calmo (resp)
3. Falante
4. Medroso (resp), corajoso (profa)
5. Cuidadoso, jeitoso
6. Gosta de brincar com os outros
7. Ajuda quando solicitado
8. Preocupa-se com os outros
9. Se acha bonito
10.Se acha inteligente
11.Se acha bom nas brincadeiras
12. Quando não gosta de algo chora (resp), xinga (profa)
13.Quando faz algo errado xinga
14.Gosta de aprender com os outros
15. Tranqüilo (profa), nervoso (resp)
16.Faria compras corretamente se mandado
17. Quando alguém está triste tem pena(resp), não se interessa (profa)
18. É de obedecer (resp), desobedecer (profa)
19.Não é envergonhado
20.As outras crianças gostam de brincar com ele
21.Aparenta estar satisfeito consigo
*As respostas sem indicação foram apontadas tanto pelo responsável quanto
pela professora
2. Perfil elaborado em 30 de maio de 2005, pela professora do Projeto
ALEXSANDRO
Divertido, falante, comunicativo. Tem uma oralidade muito desenvolvida e
facilidade de compreender as situações. Exerce o papel de porta-voz da sala,
além de ser “o engraçado”. Não é de levar as coisas a sério, transforma tudo
em brincadeira.
257
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