Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana Scharpf
Afetividade em sala de aula:
um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
MESTRADO EM EDUCAÇÃO:
Psicologia da Educação
São Paulo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana Scharpf
Afetividade em sala de aula:
um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
MESTRADO EM EDUCAÇÃO:
Psicologia da Educação
São Paulo
2008
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de MESTRE em Educação: Psicologia da
Educação pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, sob orientação da Prof
ª Drª Vera
Maria Nigro de Souza Placco.
ads:
Banca examinadora
AGRADECIMENTOS
Ao ler outras pesquisas ou livros, não compreendia a razão de tantos
agradecimentos. Hoje, ao concluir essa etapa, posso compreender perfeitamente.
A verdade é que sozinhos, o conhecimento não se constrói! Precisamos uns dos,
e, por isso agradeço:
À Deus, por me encorajar e fortalecer nos momentos em que desejei desistir.
Ás minhas professoras-orientadoras, Dra. Vera Mª Nigro de S. Placco e Dra.
Abigail Alvarenga Mahoney.
Às professoras Vera Mª Nigro de S. Placco, mais uma vez, e Luzia Orsolon, por
acreditarem em mim e a quem devo minha entrada na pós-graduação stricto
senso.
Às Maria Lucia Gulassa e Ione Dourado, por todo o incentivo e conversas que
iluminaram meus pensamentos.
À PUC-SP.
À CAPES, pelo apoio financeiro, sem o qual eu jamais teria seguido adiante.
À minha tia Patrícia Scharpf, que também me ofereceu um apoio financeiro
primordial para o término deste trabalho.
Ao meu noivo Rogério Tupiná, que foi um anjo que Deus colocou em minha vida, e
me ajudou a seguir adiante.
À querida família Müller, que cuidam de mim de todo o coração, e aos quais sou
imensamente grata!
À Compassion do Brasil pela paciência e por todo o apoio para que eu pudesse
terminar essa pesquisa.
À toda minha família, pelo incentivo e pela paciência durante as ausências.
À Raquel Ghencev, pela correção ortográfica deste trabalho.
Ao amigo Fabrício Nespoli e Sueli Leiva, por garantir um inglês de qualidade no
Abstract.
À Tabita Rothmann Gonzáles, por ser minha pesquisadora auxiliar na coleta de
dados.
E a todos os meus amigos queridos, sem os quais, a vida não teria graça!
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi investigar, a partir da perspectiva dos
adolescentes, os sentimentos presentes na relação entre professores e alunos,
vulneráveis socialmente, na Rede Pública de Ensino.
Participaram oito adolescentes, sendo quatro meninos e quatro meninas,
alunos e alunas de uma escola pública em Campinas. Os participantes estudavam
na mesma escola, em horários e séries diferentes. Foi utilizada a metodologia de
Grupos Focais. Buscou-se compreender os sentimentos decorrentes da relação
professor-aluno em sala de aula, as situações indutoras destes sentimentos e
como os adolescentes lidam com isso. Assim, espera-se, com essa compreensão,
contribuir com os cursos de formação de professores.
O estudo apontou para a importância do papel do educador como
responsável em compreender e atender às necessidades específicas da faixa
etária e em buscar diferentes estratégias e metodologias de ensino para atrair a
curiosidade dos alunos. Pela fala destes, quando há compromisso por parte do
docente, sentem-se “vistos” e respeitados, o que gera sentimentos de bem-estar e
maior interesse pela matéria a ser ensinada. Porém, o contrário também é
verdadeiro: há professores que não se preocupam com as necessidades
específicas desses jovens, não se comprometem em elaborar uma “boa” aula,
com diferentes dinâmicas e estratégias, e, além disso, comunicam aos
adolescentes uma indiferença quanto ao seu desempenho e desenvolvimento, o
que gera sentimentos de mal-estar e reações como: fazer bagunça, sair da sala,
ficar com raiva, brigar com o professor, pixar a escola, ficar com dor de cabeça, ter
vontade de desistir dos estudos e de sumir da escola, entre outros.
Nesta análise, os sentimentos de mal-estar foram fortemente enfatizados
pelos adolescentes, embora também mencionassem as situações geradoras de
sentimentos de bem-estar. Esse fato aponta para a precariedade das relações
entre professores e alunos da rede pública de ensino; entretanto, esses jovens
ainda permanecem na escola por acreditarem que os estudos podem lhes
oferecer condições de obterem um “emprego melhor”.
Palavras-chave: afetividade, relação professor-aluno, adolescência.
ABSTRACT
The objective of this research was to investigate, from the perspective of
adolescents, the feelings in the teacher-student relationship, socially vulnerable, in
the public education system.
Eight adolescents, four boys and four girls, all students from a public school
in Campinas participated in the research. The participants studied in the same
school, but in different times and grades. The focal group methodology was used.
The aim was to comprehend the feelings resulting from the teacher-student
relationship in the classroom, the situations that induce these feelings and how the
adolescents deal with it. Thus, it is hoped, with this understanding, to contribute
with the teacher’s formation courses.
The study pointed out the importance of the role of the educator as the
person responsible for the comprehension and address of the specific needs of
each age group, and sought for different strategies and methodologies of teaching
to attract the curiosity of the students. By their talk, when there is commitment by
the teacher, they feel “seen” and respected, what generates feelings of well being
and a greater interest in the subject to be taught. However, the opposite is also
true: there are teachers who don’t worry about the specific needs of these young
people, that don’t engage in preparing a “good” class, with different dynamics and
strategies, and, beyond that, they pass indifference concerning the adolescents
performance and development, which causes bad feelings and reactions such as:
causing troubles, leaving class, becoming angry, fighting with teachers, painting
the school walls, having headaches, willing to give up studies and to fleeing from
school, among others.
In this analysis, the bad feelings were greatly emphasized by the students,
although they also mentioned the situations which generated good feelings. This
fact points the precarious relationships between teachers and students in the
public education system; however, these young people still remain at school
believing that the studies can offer them the means to obtain a “better job”.
Key words: Affection, teacher-student relationship, adolescence.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................01
CAPÍTULO I
Levantamento Bibliográfico..............................................................................07
CAPÍTULO II
Adolescência na Teoria Psicogenética
de Henri Wallon..................................................................................................15
CAPÍTULO III
Procedimentos Metodológicos ........................................................................35
CAPÍTULO IV
Análise e Interpretação dos dados..................................................................40
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................82
REFERÊNCIAS...................................................................................................87
ANEXOS..............................................................................................................92
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
2
Introdução
“Sonhar, é acordar para dentro”
(Mário Quintana)
Minha vida acadêmica se iniciou em 2001. Sempre me chamou atenção a
presença da afetividade em todas as relações, influenciando positiva ou
negativamente a vida das pessoas, e a minha própria vida, no contexto escolar e
fora dele. Durante o Ensino Fundamental e Médio, tive muitas experiências que
colaboravam ou prejudicavam o processo de ensino-aprendizagem: algumas
situações que “amava” o professor e tirava dez na matéria, e outras que eram
sempre um motivo de sofrimento.
Na Universidade, no curso de pedagogia, encontrei excelentes professores
que, cientes de que a relação pedagógica não se limita à atividade cognitiva,
davam ênfase às relações afetivas, não só considerando as necessidades afetivas
dos alunos, mas também ensinando-nos a considerar o educando como um
sujeito integral, provido não somente de cognição, mas também de dimensões
motoras e afetivas (sentimentos e emoções).
No último ano da graduação, no excepcional curso de Orientação e
Supervisão Educacional, tive uma grande oportunidade de aprofundar a discussão
sobre a questão dos sentimentos e emoções na relação pedagógica. Esse
aprofundamento aconteceu de duas formas:
1º - Convivendo com uma equipe de professores que, conscientes de sua
prática, desenvolviam um trabalho intencional, praticando e não somente falando
sobre as teorias;
2º - Entrando em contato com teorias que fundamentavam minhas
hipóteses de que a afetividade é parte integrante do processo de ensino-
aprendizagem, motivando ou inibindo o aluno em função de como a relação é
estabelecida com o educador.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
3
Ao entrar em contato com a prática e a teoria relacionadas a essas
questões, convivendo com professores absolutamente comprometidos e
realizando o trabalho com prazer, fui “contagiada” por emoções cujas tonalidades
eram muito agradáveis. Percebi que, mesmo cansada após um dia de trabalho, ir
para a aula me proporcionava prazer, o que me possibilitava absorver melhor os
assuntos estudados.
Além da minha realidade como aluna, os aspectos afetivos tornavam-se
cada vez mais evidentes também em minha prática profissional. Após o período
de graduação, deparei-me novamente com tais questões, a partir de uma outra
perspectiva, não mais como aluna, mas agora a partir do ponto de vista do
professor.
Realizando trabalhos de formação de educadores na Rede Pública,
participei de conversas informais com alguns educadores e diretores que
desabafavam suas dificuldades em lidar com os alunos. Uma diretora
confidenciou-me que a falta de habilidade dos educadores em lidar com os alunos
adolescentes estava trazendo sérias dificuldades para a rotina da escola. Na
situação em questão, a diretora procurava-me para desenvolver um trabalho de
formação e conscientização com os educadores, com o objetivo de equipá-los
para lidar com as questões afetivas em sala de aula.
Com parte da minha experiência também vinculada a adolescentes em
situações de vulnerabilidade social, levantei a hipótese de que o encontro entre os
professores da rede pública, vivendo mazelas e dificuldades inerentes à profissão
e a conjuntura social do país, com os adolescentes que vivem em condições
também desfavorecidas e violentas, ambos experimentando emoções negativas,
complexas e contraditórias, pode se tornar “explosivo”.
Assim, tendo como base as reflexões e vivências acima descritas, tomei a
decisão de dar continuidade à pesquisa iniciada na graduação sobre o tema
“Afetividade na relação pedagógica”.
Para definir o conceito de afetividade recorri a teoria de Henri Wallon, cujo
aporte teórico oferece uma rica reflexão para a compreensão da dimensão afetiva
e sua relevância ao processo de ensino-aprendizagem.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
4
Na perspectiva de Wallon, o indivíduo é considerado com uma totalidade,
na qual estão presentes as dimensões afetiva, cognitiva e motora
1
. O
desenvolvimento da inteligência e o da afetividade ocorrem de maneira simultânea
/ alternada, com predomínio e alternância do par razão e afeto, que têm como
suporte a atividade motora.
Para Wallon, a afetividade é “a disposição do ser humano de ser afetado
pelo mundo interno ou externo por sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou
desagradáveis” (Mahoney & Almeida, 2005). É um conceito amplo que engloba as
emoções, sentimentos e paixão.
Placco (2002) analisou muito bem a relação pedagógica ao afirmar que a
formação do sujeito acontece em parceria e na presença do outro, ou seja, no
encontro dos atores há uma articulação de saberes, uma troca que mobiliza e
permeia os processos cognitivos, ao mesmo tempo em que há nessa interação a
exposição de pensamentos, dos modos de interpretar a realidade, as perspectivas
de ação e reação, os motivos e intenções, desejos e expectativas, que dizem
respeito à dimensão afetiva.
Analisando os enfoques teóricos sobre relações pedagógicas na sala de
aula, a autora demonstra que há uma tendência em se considerar separadamente
dois aspectos: um referente às questões pedagógicas, cujos temas discutidos são
organização, planejamento, controle de classe, conteúdos curriculares, áreas de
conhecimento, etc; e o outro referente às relações interpessoais em sala de aula,
incluindo os temas afeto, aceitação, cumplicidade, solidariedade, necessidades,
satisfações pessoais, em estudos relacionados a relações interpessoais, que
aparecem mais vinculados a motivos, com ênfase na pessoa. No entanto, a
autora as propõe “como sendo relações unas e complexas, engendradas em
movimentos humano-interacionais, técnicos e políticos” (pág. 9 ).
Mahoney e Almeida (2005), estudiosas da obra de Wallon, no artigo em que
apontam para a relevância da afetividade para o processo de ensino-
aprendizagem, o definem, também, como uma unidade, como “faces da mesma
1
Mais informações sobre esses conceitos podem ser encontradas no capítulo II ou nos livros organizados por
Mahoney & Almeida (orgs), 2003 e 2004, vide referências bibliográficas.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
5
moeda”, no qual a dimensão afetiva está sempre presente. Para as autoras, a
relação interpessoal é fator determinante e defendem que sua compreensão é
essencial para:
que o professor possa se apropriar desse recurso, aumentando sua
eficácia.
que haja a elaboração de programas de formação de professores,
buscando compreender a relevância da dimensão afetiva para o
processo de ensino-aprendizagem.
Scavazza (2003), citando Leite e Tassoni (1999), afirma que a afetividade é
fator determinante da natureza das relações, não só interpessoais, mas também
com relação a objetos de estudos e conteúdos escolares, interferindo
conseqüentemente na disposição dos alunos diante das atividades propostas.
Essas reações podem desencadear um movimento cíclico positivo ou negativo,
em que a relação pode se tornar cada vez mais convidativa ou aversiva ao
indivíduo, podendo gerar reações emocionais cada vez mais intensas tanto ao
educador quanto ao aluno. Afirma ainda, citando Almeida (1997) que a falta de
conhecimentos sobre o funcionamento fisiológico e social da emoção gera no
profissional da educação a incapacidade de lidar com os estados emocionais,
acrescentando que o desconhecimento dos mecanismos da emoção conserva o
professor alheio “às suas mais evidentes manifestações” (p. 4).
Galvão (2001) relata que este conhecimento possibilita ao professor melhor
envolvimento com os alunos e evita a perda de controle da dinâmica do grupo. Ela
aponta a interdependência entre a inteligência e a afetividade, destacando que,
em algumas circunstâncias, a dificuldade de aprendizagem pode ser solucionada
propiciando-se uma “atmosfera afetiva adequada”, desarticulando “bloqueios
cognitivos em crianças assustadas”. Para a autora, o planejamento da ação
pedagógica deve levar em consideração que as atividades propostas terão
repercussão nos conjuntos cognitivo, afetivo e motor e, principalmente, que,
dialeticamente, as reações afetivas podem ser conseqüência e não somente
causa de problemas de aprendizagem.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
6
Dessa forma, com base nas reflexões e experiências acima descritas e com
o objetivo de contribuir para o avanço do tema e com os cursos de formação de
professores, tomei a decisão de dar continuidade às pesquisas iniciadas na
graduação sobre o tema “Sentimentos e emoções na relação pedagógica”.
O problema a ser investigado é: Do ponto de vista dos alunos, quais são
os sentimentos e emoções presentes na relação pedagógica entre
professores e adolescentes da rede pública de ensino?
A pesquisa se realizou a partir do ponto de vista dos adolescentes que
relataram os sentimentos e emoções vividos em sala de aula, as circunstâncias
em que eles ocorriam e como lidavam com isso. Para a realização dessa
pesquisa, utilizei a metodologia de Grupo Focal, permitindo que essas
informações se evidenciassem da maneira mais natural e fidedigna possível.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
7
Capítulo I
L
EVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
O tema afetividade na relação professor-aluno é um assunto ainda pouco
discutido, apesar de nas décadas de 1990 e 2000, ter sido mais rico nesse
sentido.
Segundo Mahoney (2004)
2
, o estudo da afetividade, que é uma
problemática da área da Psicologia da Emoção, teve até a década de 1970 um
estudo “marginal, supérfluo e não-cientifico”. A partir daquela década, mudanças
e estudos empíricos e teóricos passaram a ser produzidos. Segundo as autoras,
havia uma dificuldade de consenso nas definições sobre o assunto, com
enunciados que abordavam apenas um aspecto limitado da emoção.
Marin (1998) publicou um artigo em que analisa os problemas educacionais
brasileiros, demonstrando que são estruturais e históricos. Segundo a autora, a
indisciplina em sala de aula, as precárias condições de trabalho, o baixo status
profissional, a baixa remuneração e a dificuldade para enfrentar eficazmente as
características do corpo discente são entraves à realização dos ideais propostos
para a escola, sobretudo para a escola pública, contribuindo para o fracasso
escolar e para a baixa qualidade de ensino. Nesse artigo, a autora aponta para as
principais discussões em torno do assunto, nas décadas de 1970, 1980 e 1990,
afirmando que os aspectos afetivos do processo de ensino-aprendizagem
raramente são mencionados. Brandão, Baeta e Rocha (1980, apud Marin, p. 3)
analisaram pesquisas nacionais e internacionais realizadas entre 1971 e 1981.
Com relação aos problemas de rendimento escolar de alunos e aspectos relativos
aos professores, esse estudo evidenciou dois enfoques: a formação do professor
e as características das práticas docentes. Dentre os fatores enumerados pelas
pesquisas, o aspecto afetivo não é mencionado, aparecendo de forma indireta nas
seguintes afirmações: 1. “os índices de aprovação entre professores que
2
Síntese elaborada por Abigail A. Mahoney, em 2004, a partir de: Kirouac, Gilles. In Richelle, Marc e outros.
Traité de Psychologie experimentale
. Paris: PUF, 1994 (vol. 2) e Wallon, Henri. A evolução psicológica da
criança. Lisboa: Edições 70, 1995 (cap. 9: A afetividade).
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
8
lecionavam em séries de sua preferência são maiores”; 2. “o rendimento dos
alunos está relacionado à forma como o professor vivencia sua profissão”; 3. “a
presença de estereótipos e preconceitos em relação aos alunos, sobretudo os de
baixa renda”; 4. “a presença do fenômeno das profecias auto-realizadoras”; 5. “o
pouco aproveitamento com relações educativas e o desempenho altamente
formalizado, distante das crianças reais, ocasionando, portanto, o fracasso
escolar” (Marin, p. 3).
O artigo acima mencionado bem como os estudos analisados pela autora
não tiveram como foco analisar a recorrência do tema afetividade nas pesquisas
sobre o processo de ensino-aprendizagem. Portanto, é possível constatar que a
relevância do assunto é pouco considerada, uma vez que não aponta para o tema
como fator de produção do fracasso escolar, e aparece de forma indireta em
apenas um dos casos.
Já Scavazza (2003) teve como foco de sua pesquisa analisar o tema
emoção, em periódicos da área de Psicologia da Educação. Para realização dessa
pesquisa, a autora recorreu a CAPES, à bibliotecas da PUC-SP, USP (SP e
Ribeirão), UNICAMP e à bibliotecas das cidades de Bragança Paulista e São João
da Boa Vista e analisou 4 periódicos, entre 1991 a 2000, encontrando apenas 12
artigos sobre o tema.
No entanto, ao realizar o levantamento bibliográfico para essa investigação,
foi possível perceber que as décadas de 1990 e 2000 foram ricas na produção do
tema, especialmente no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da
Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; o que nos leva a
concluir que, apesar de existir a riqueza em pesquisas, o assunto ainda foi pouco
divulgado.
Para o levantamento bibliográfico desta dissertação, foram utilizadas como
palavras-chave “afetividade”, “processo de ensino-aprendizagem” e
“adolescência”, com estudos realizados entre os anos de 2000 e 2007 na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi consultada também a
Plataforma da Capes, na qual encontrei, com esse foco, um artigo no Caderno
CEDES, dois artigos na revista Estudos em Psicologia da PUC-Campinas e dois
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
9
artigos na revista Psicologia da Educação, da PUC-SP. Outras consultas foram
realizadas nas revistas Escritos sobre Educação, da Fundação Helena Antipoff,
revista Interações, da Universidade São Marcos, revista Imaginário, do Instituto de
Psicologia da USP e Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas,
entretanto não encontrei nenhum artigo especifico sobre o assunto.
Apesar de ter utilizado essa delimitação de ano e palavras-chave, para essa
pesquisa foram consultados também alguns autores da década anterior, porém foi
apenas uma consulta e não um estudo mais detalhado.
Munhoz (2007) observou os sentimentos e as emoções em relação às
atividades escolares de bons alunos de 8ª série do Ensino Médio de uma escola
particular de São Paulo. A pesquisa foi realizada com 11 professores de diferentes
áreas do conhecimento e 22 adolescentes, indicados pelos professores como
“bons alunos” e utilizou como metodologia questionários abertos. A autora afirma
que os dados mostram que o “bom aluno” adolescente estabelece uma relação
satisfatória com o professor, com os colegas e com as atividades escolares.
Nessa pesquisa, foi possível perceber que professores e alunos apresentam uma
visão dicotômica do processo de ensino-aprendizagem, cuja responsabilidade pelo
bom desempenho é individual, ou seja, depende somente do desempenho do
aluno. A autora constatou que os adolescentes mesclam atitudes de interesse e
desinteresse e são movidos pelas necessidades daquela fase do desenvolvimento
(segundo Wallon), apesar de demonstrarem sentimentos de bem-estar ao
cumprirem suas obrigações e obterem boas notas. Assim, a autora confirma sua
hipótese de que os bons alunos se relacionam bem com colegas e professores; no
entanto, na minha opinião, não é possível concluir se o bom rendimento é
responsável pela boa relação ou o contrário: se a boa relação é responsável pelo
bom desempenho. Ou os dois, já que a constituição da pessoa se caracteriza pela
dialética das relações.
Segundo (2007) buscou compreender a atuação docente que dificulta ou
facilita a aprendizagem. Para isso, utilizou um questionário aberto aplicado a 102
alunos adolescentes, cursando a 8ª série de uma escola particular de São Paulo.
A autora teve como objetivo identificar as práticas e comportamentos, por parte
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
10
dos professores, que se mostram eficazes ou ineficazes à aprendizagem,
afirmando que os resultados indicam que o conhecimento tido pelo professor
sobre os estágios do desenvolvimento e das necessidades específicas da
adolescência pode ser uma ferramenta facilitadora do processo de ensino-
aprendizagem (pág. 7). Interessante notar que a autora afirma que a pesquisa
revelou que não só a relação professor-aluno pode interferir na relação aluno-
conhecimento, mas também que a relação professor- conhecimento também
interfere na relação do aluno com o professor (p.95). Nessa pesquisa, assim como
em Lima (2005), os alunos também consideram a escola como lugar de
conhecimento, demonstrando seu querer saber, conhecer e aprender. Os
adolescentes entrevistados passam a elogiar, reconhecer ou repudiar a forma
como esse processo se dá. A autora afirma que eles desejam aulas que
despertem o interesse, que sejam dinâmicas e que se utilizem de diferentes
instrumentos para mediar o conhecimento. Além disso, querem professores que
gostem de ensinar, que se preocupem com a aprendizagem, que os ajudem nos
momentos de dificuldade, que os ouçam, respeitem-nos como sujeitos e que os
apóiem na participação no processo de ensino-aprendizagem, mesmo que
composta de sucessos e fracassos. Os alunos denunciam as aulas sem
criatividade e a falta de compromisso em esclarecer dúvidas, ensinar o conteúdo
proposto ou não corrigir.
Lima (2005) teve como objetivo analisar como os alunos de 8ª série de uma
escola de rede privada de ensino significam a adolescência e o que pensam sobre
a escola. Participaram dessa pesquisa 172 adolescentes, que responderam a um
questionário aberto. Os dados indicaram que eles entendem a adolescência como
uma fase de liberdade e de descobertas e que reconhecem a necessidade de ter
responsabilidade; no entanto, percebem a adolescência como a fase mais feliz da
vida. A escola é vista como local em que se aprende, ao mesmo tempo que é um
lugar de relacionamentos. O autor afirma que a escola é vista como sendo a 2ª
casa deles, considerando a sala de aula como uma sala de estar, além de ser um
local para cumprirem seu papel de aluno. Assim, foi possível perceber que a
escola pesquisada se preocupa com a qualidade do atendimento, proporcionando
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
11
uma excelente infra-estrutura e uma boa equipe de profissionais que são formados
para atender constantemente às necessidades dos alunos e isso se reflete na
disposição dos educandos em estar na escola, pois afirmaram que se sentem
felizes e satisfeitos por estarem em uma escola em que são vistos e respeitados.
Dessa forma, é possível constatar que, para que o aluno seja afetado por
sentimentos de bem-estar é necessário cuidar não só da qualidade da relação
professor-aluno em sala de aula, mas também de toda a infra-estrutura da escola
e da formação dos professores. O autor afirma que, quando iniciou sua pesquisa,
tinha como objetivo analisar as razões da falta de interesse e motivação frente ao
saber. No entanto, para surpresa do pesquisador, os alunos adolescentes eram
cheios de vida e tinham interesses e motivos diferentes daqueles que ele,
enquanto professor, julgava importantes. Após essa constatação, mudou seu foco
de investigação para compreender o que significa ser adolescente para o próprio
adolescente, apontando para essa fase como de constantes transformações,
conforme afirma Wallon, e que os sentimentos “a flor da pele” interferem nos
sentimentos de bem-estar ou mal-estar e na disposição de querer ou não aprender
(p. 84). O autor aponta para a necessidade do professor compreender o aluno
como um todo, ajudando-o nessa fase de mudanças internas e externas, cujas
emoções variam a cada segundo.
Lima se surpreendeu ao perceber que os adolescentes querem cumprir seu
papel em sala de aula. A escola é vista como um lugar necessário à formação
humana. Eles gostam da escola em que estudam, se sentem amados e
respeitados. Consideram importante a relação amistosa entre professores e
alunos, considerando-a importante para a aprendizagem; porém, desejam que o
professor exerça sua autoridade, pois buscam limites.
Chaves (2005) buscou investigar os sentimentos de professores diante da
indisciplina de alunos e alunas adolescentes em sala de aula. A pesquisa foi
realizada na rede pública de ensino e teve como objetivo não só identificar os
sentimentos, mas também investigar a influência das identidades sociais de
gênero nos sentimentos e nas expectativas docentes com relação aos
comportamentos considerados indisciplinados em sala de aula. Participaram da
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
12
pesquisa quatro professores, um homem e uma mulher com até nove anos de
experiência docente e outros dois, também um homem e uma mulher, com mais
de vinte anos de experiência. Nas análises iniciais a autora constatou as
diferenças de concepção de indisciplina, o que, segundo ela, oferecem elementos
para compreensão do que afeta cada entrevistado em maior ou menor
intensidade. Além das diferenças relativas ao tempo de experiência profissional, a
autora percebeu que os sentimentos e emoções expressos variam de acordo com
o gênero do participante. Consciente do par inseparável professor-aluno,
considera que a indisciplina é um fenômeno com múltiplas determinações e,
afirmou que ao analisar a partir da ótica do professor, não excluiu da análise “os
encontros resultantes desse par no processo de ensino-aprendizagem” (p. 196).
A autora afirma que, com relação à indisciplina, os professores, ao
nomearem seus sentimentos, se esforçaram para demonstrar indiferença. No
entanto, “as expressões utilizadas, a ironia presente no discurso, o conteúdo
relatado, a tonalidade vocal e as expressões corporais no momento da entrevista
foram reveladoras de sentimentos intensos não nomeados. Foram captados
sentimentos de impotência e medo” (pág. 196-197). Foram também relatados
comportamentos violentos e indisciplinados, alguns referentes aos alunos, tais
como: discussão com o professor, ameaças de morte, lançamento de faca na sala,
agarramento das alunas, xingamento, envolvimento com o narcotráfico, bagunça,
conversas paralelas e movimentação excessiva durante a aula. Com relação às
alunas, foram relatados: assédio ao professor, vestimentas inadequadas, brigas
entre si, tumultos na aula, conversas paralelas e outras formas mais sutis, como
olhares de descaso e desafio. A autora afirma que as atitudes de desatenção
manifestas nas aulas perpassam os alunos e alunas considerados indisciplinados,
nas quatro entrevistas. As reações dos professores incluem comportamentos
como: ficar parado esperando a sala se acalmar, elevar o tom de voz, registrar no
livro de ocorrência, conversar com a família, dar suspensão, encaminhar à
direção, mandar o aluno para fora da sala de aula, ignorar, conversar, usar de
recompensa e punição, ameaçar. Os professores com maior experiência buscam
refletir sobre sua ação, para não agir por impulso. A formação continuada, a
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
13
reflexão sobre sua prática, a busca por novos recursos e a didática ajudam em
suas intervenções. Já o professor com menor tempo de experiência demonstra
agir mais por impulso, indicando a necessidade de dialogar com seus pares, para
poder refletir sobre as necessidades de seus alunos, para melhorar a relação
professor-aluno, fazendo com que, no final do ano, não se sintam muito
estressados. A autora afirma que as necessidades não realizadas dos alunos (as)
são comunicadas nos comportamentos indisciplinados, fazendo com que, no final
do ano, o professor se sinta “um trapo” (pág. 197-198).
Chaves ainda afirma que os quatro professores expressam sentimentos de
impotência, frustração e inutilidade, por causa da indisciplina, e menciona Batista
e Codo (1999) ao relatar que esse sofrimento psíquico e desalento abala a crença
em si de professores e professoras.
Gonçalves (2005), procurou identificar e compreender o que provoca alegria
na escola. Os dados foram coletados a partir das redações de alunos
adolescentes de uma escola pública de São Paulo. A autora assevera que há uma
desvalorização social da obrigação, e que, por ser a escola uma obrigação social,
sentir alegria nesse contexto “poderia parecer proibido”. No entanto, a pesquisa
revelou que a alegria é parte da realidade escolar do adolescente. Tal
investigação corrobora a afirmação de Wallon de que o indivíduo é um ser
biologicamente social, ao evidenciar que as situações indutoras de alegria estão
relacionadas às relações dos educandos consigo mesmo, com os amigos, com os
adultos e com o ambiente que os cerca, o que enfatiza a importância dos
professores e de toda a escola compreenderem as necessidades dessa faixa
etária para que possam construir, com base no respeito e acolhimento, um
ambiente que contribua para o processo de ensino-aprendizagem.
Dér (2001) realizou um estudo teórico com o objetivo de analisar a
adolescência em Wallon, explicitando o tipo de articulação que é estabelecida por
ele entre adolescência e sua teoria psicogenética. A autora baseou-se nos
documentos escritos por Wallon sobre as etapas do desenvolvimento.
O resultado da análise mostra que a principal tarefa do adolescente é
escolher, definir e assumir valores que são colocados no meio social. Para isso,
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
14
precisa resolver as ambivalências de sentimentos e atitudes que permeiam todo o
estágio, ampliar a consciência que tem de si e superar a causalidade mecânica de
seu pensamento, buscando sua autonomia intelectual. Segundo a autora, a teoria
aponta para a grande responsabilidade do adulto na orientação das atividades
que possibilitam ao adolescente construir sua personalidade moral.
Dourado (2000) realizou sua pesquisa com uma professora de oitava série
da rede pública de ensino, utilizando como instrumento questionário e entrevista
semi-estruturada, com o objetivo de identificar sua concepção sobre afetividade. A
autora tinha a hipótese de que os professores de oitava série eram
despreparados, pouco conhecendo sobre a fase de desenvolvimento de seus
alunos e sobre afetividade. Essa hipótese foi refutada durante a pesquisa, ao
constatar que ambos os conceitos estão presentes na prática docente. Sendo
assim, essa análise reabilitou na pesquisadora a imagem que tinha do professor
como responsável e culpado pelas dificuldades encontradas em sala de aula,
apontando para a importância do docente refletir e ter consciência tanto de seu
papel na formação de seus alunos quanto sobre a concepção de afetividade,
afirmando que este conhecimento auxilia no ensino, pois lhe permite integrar
várias dimensões da prática em sala de aula. Enfim, a autora conclui apontando
para a responsabilidade do professor por seu trabalho, resgatando a integralidade
do aluno. Emoções, sentimentos, movimento, cognição, sociabilidade, portanto, a
afetividade, estão presentes no processo de ensino-aprendizagem, e, dessa
maneira, constituem a competência do profissional da área da educação.
A revisão não pretendeu ser exaustiva. O que se nota é que muitas das
dissertações e teses encontradas não foram publicadas em artigos ou livros. Com
relação especificamente a adolescentes da rede pública de ensino, encontrei,
nesta revisão, um número pequeno de pesquisas, o que me conduz, portanto, a
reafirmar a importância deste trabalho.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
15
Capítulo II
ADOLESCÊNCIA NA TEORIA PSICOGENÉTICA DE HENRI WALLON
“Quando a amizade e as rivalidades deixam de se basear na
comunidade ou no antagonismo das tarefas empreendidas
ou a empreender; quando esses sentimentos se procuram
justificar por afinidades ou repulsas morais; quando eles
parecem interessar mais à intimidade do ser que as
contribuições ou conflitos efectivos, isso é indício de que a
infância está já a ser minada pela puberdade.”
(Henri Wallon, 1968, p. 233)
Em um tempo de contradições, ontem e hoje, a necessidade de
conhecimentos que possam contribuir para os processos de formação do indivíduo
e da sociedade é crescente para os propósitos de delinear ações intencionais afim
de intervir na realidade. No nosso caso, tal intervenção na realidade, utiliza como
instrumento os grupos que se formam em sala de aula.
A teoria de Wallon nos permite uma compreensão do aluno dentro e fora da
escola. Os pressupostos que a embasam são instrumentos importantes para a
análise e entendimento dos fenômenos pedagógicos e psicológicos que acorrem
em sala de aula.
A elaboração dessa teoria ocorreu como síntese de sua vivência em um
contexto marcado por conflitos e antagonismos decorrentes das 1ª e 2ª guerras
mundiais,
guerra civil espanhola, guerra pela libertação das colônias
africanas, lutas de classe, avanço dos ideais socialistas e avanço dos
regimes autoritários.
Contrário às correntes deterministas de sua época – de um lado,
idealistas de caráter inatista e de outro, as concepções positivistas,
materialistas, mecanicistas - considerando-as reducionistas, Wallon
fundamentou-se nos pressupostos marxistas e nos procedimentos
metodológicos da dialética para apreender as situações relacionais.
Considerava a concepção materialista dialética de Marx e Engels capaz de
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
16
abarcar a complexidade do estudo da natureza humana de maneira
científica e crítica.
Dourado (2005) afirma que a principal pergunta que buscava responder era
“o que unia os homens entre si”. Para responder a essa questão
, remeteu-se ao
estudo da gênese do desenvolvimento psíquico
, partindo do pressuposto que o
ser humano se constitui nas relações com o meio, buscando compreender, em
cada etapa do desenvolvimento, os sistemas de relações estabelecidas entre a
criança e o meio.
O processo de desenvolvimento estende-se da concepção até a morte. No
início da vida psíquica do indivíduo, ainda nos primeiros meses de vida, há uma
indiferenciação entre o que lhe é exterior e o que é próprio do sujeito. Tudo o que
acontece permanece em sua consciência de maneira confusa, sem delimitações
entre o eu e o outro.
Durante todo o desenvolvimento, há uma busca pelo indivíduo para
diferenciar-se do outro. Em cada estágio
3
, os conjuntos funcionais - afetivo,
cognitivo e motor - se integram e se alternam, ora preponderando um, ora outro,
em uma dinâmica que define e orienta os comportamentos em cada estágio do
desenvolvimento. Duarte e Gulassa (2003), referindo-se à teoria Walloniana,
explicam que há uma preponderância da atividade motora do bebê, nos três
primeiros meses de vida, manifestando suas necessidades por meio de reflexos e
movimentos impulsivos; a afetividade e a cognição se alternam ao longo do
desenvolvimento, visando ora a formação do eu ora a elaboração do mundo
exterior. Nos períodos de preponderância afetiva, o papel do outro estará sendo
exigido em sua contraposição, ou seja, a relação é fundada no conflito e na
oposição. Já nas fases de preponderância cognitiva, há um movimento para
conhecer o mundo. Nesses estágios, as relações estão fundadas na cooperação
com o outro.
3
Os estágios definidos por Wallon são: impulsivo-emocional, sensório-motor e projetivo, personalismo,
categorial e puberdade. Neste capítulo
, abordaremos somente o estágio da puberdade. Mais informações
sobre os outros estágios podem ser encontradas em Mahoney e Almeida
, 2003 e 2004, vide referências
bibliográficas.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
17
Além da preponderância funcional, há também o que Wallon chamou de
alternância funcional, em que, ora o indivíduo está voltado para a construção de si
– direção centrípeta - ora está voltada para a elaboração da realidade externa –
direção centrífuga.
A integração funcional rege a organização das funções que
preponderam sucessivamente nos estágios do desenvolvimento. Ela se
expressa de duas maneiras: organicamente, com excitações que resultam
em novos movimentos, novos circuitos, fortalecidos pelas sinapses neurais
que estruturam a função simbólica, e sob a forma de novas operações
intelectuais e comportamentais da criança, caracterizando a sucessão para
um novo estágio de desenvolvimento. Isso significa que as novas
possibilidades orgânicas que se configuram no início de um estágio são
acrescidas e incorporadas às estruturas funcionais formadas nos estágios
anteriores, configurando um novo plano funcional e uma nova estrutura
intelectual e comportamental.
A puberdade / adolescência é um estágio do desenvolvimento em que
ocorre uma verdadeira revolução na vida do indivíduo. Iniciando-se por volta dos
11 ou 12 anos, o organismo passa por profundas e rápidas transformações físicas,
decorrente do amadurecimento das funções sexuais e, simultaneamente, operam-
se também transformações de ordem psíquica.
O excesso dessas modificações físicas e psíquicas causa no adolescente
não só um sentimento de estranheza frente ao próprio corpo, mas também com
relação aos valores morais. Como parte da caminhada para a vida adulta, o
processo de diferenciação continua intensamente e o adolescente busca sua
autonomia. Segundo nos lembra Dér (2001), tornar-se autônomo é uma das
principais tarefas que o jovem deve realizar nesse período
, que se caracteriza pela
busca de inserção na vida social.
Assim, durante essa fase há uma direção centrípeta, ou seja, o adolescente
se volta para a construção de si, e há preponderância do conjunto funcional
afetivo, o que o torna muito sensível com as relações intra e interpessoais.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
18
Os estudos realizados por Wallon permitem identificar que esse
processo de diferenciação e busca por autonomia ocorre em meio a crises,
conflitos e oposições, que se intensificam durante a adolescência.
Wallon afirma que o indivíduo é um ser biologicamente social, fato
que se revela desde o seu nascimento, pois o outro lhe é
constantemente
indispensável para que a totalidade de suas reações possa ser completada,
compensada e interpretada.
Segundo esse autor, as influências afetivas que rodeiam o indivíduo
desde o nascimento têm uma ação determinante sobre sua evolução
mental, afirmando que “o social amalgama-se com o orgânico” (Wallon,
1995, p. 136, grifo meu).
Dessa forma, o meio é parte constitutiva do indivíduo. Trata-se de um par
dialético, em que ocorre um movimento de identificação/diferenciação. O outro
internalizado é chamado de sócius
, concorrendo em um processo de
complementação e oposição.
“O sócius ou o outro é um parceiro permanente do eu na
vida psíquica. Ele é normalmente reduzido, invisível, recalcado e
como que negado pela vontade de dominação e de completa
integridade que acompanha o eu.” (Werebe e Nadel
, 1986 - p.
165)
Durante todo o seu desenvolvimento, o indivíduo empreende um
grande esforço para diferenciar-se do meio com o qual está fundido.
Durante a adolescência, esse esforço se intensifica. O adolescente quer
eliminar de si o outro, para que possa elaborar uma identidade autônoma e
afirmá-la.
Wallon aponta para um jogo de alternância de papéis que são exercícios
fundamentais para a diferenciação de si. As atitudes de oposição aparecem
freqüentemente ligadas à dependência do outro.
Com relação a esses aspectos, Dér discute:
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
19
“Verifica-se aí uma constante alternância entre a
necessidade desafiadora de independência que o adolescente
sente e a necessidade infantil de dependência, e provavelmente
está revelando uma necessidade de orientação para as tarefas
que deve realizar.” (Dér, 2001, p. 115)
Citando Wallon, Dér nos lembra que é exatamente a íntima ligação e
dependência do adulto que vai exigir um esforço de discriminação, que acontece
com a oposição. No entanto, apesar de buscar diferenciar-se do outro, o meio
ainda lhe é indispensável, pois, conforme afirma Wallon, o
amadurecimento do
organismo oferece potencialidades, mas
é o meio que vai oferecer as
condições para que essas potencialidades se concretizem, o que nos aponta para
a escola, como um dos meios funcionais para que isso aconteça.
“(...) uma efervescência afetiva e moral prepara o despertar
da personalidade, mas o meio precisa intervir para concretizar e
transformar em realidade as novas potencialidades do eu. Ao se
confrontar com os diversos meios, particularmente a família e a
escola, o adolescente adquire a consciência gradual de seu eu
sobre o plano reflexivo, descobre suas qualidades e seus defeitos,
suas possibilidades e seus limites.” (Dér, 2001, p. 124)
É importante salientar que, em um período em que há preponderância do
conjunto funcional afetivo, a vida afetiva, conforme já explicitado, torna-se intensa.
Deste modo, em diferentes circunstâncias, o adolescente pode ser tomado por
fortes emoções, o que significa dizer que, na sala de aula o professor precisa estar
preparado para essas manifestações da emoção, uma vez que Wallon afirma que
as manifestações afetivas podem obnubilar totalmente a percepção e a
inteligência, tornando o indivíduo cego e indiferente à visão exata da
realidade.
“... o abalo visceral e muscular que propaga a emoção e a
impõe se acompanha de impressões igualmente em conflito com a
percepção das coisas exteriores; são impressões inteiramente
subjetivas de força ou de angústia, de terror ou de impulso, de
impotência ou de impetuosidade, que constituem a repercussão
imediata de impressões ligadas às alterações da respiração, da
circulação, assim como os espasmos do tubo digestivo e das
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
20
vísceras, às câimbras ou ao relaxamento dos músculos.” (Wallon,
1995 a, p. 86)
Da mesma maneira e em oposão, a atividade perceptiva ou
intelectual é o método mais adequado para reduzi-la.
“Todo aquele que observa, reflete ou mesmo imagina,
abole em si mesmo a perturbação emocional. Não nos livramos da
emoção apenas ao reduzi-las às suas corretas proporções, mas
sim, e principalmente, pelo esforço para representá-la.” (Wallon,
1995 a, p. 86)
Wallon afirma que esse é um período de crises, resultantes de um esforço
despendido pelo adolescente para manter o equilíbrio entre suas possibilidades
psíquicas, ainda confusas, e as realidades do amanhã. Em meio às rápidas e
profundas transformações, sente-se desorientado não somente consigo mesmo,
mas ainda mais com o meio que o rodeia. Assim, possui um desejo de posse que
provém da necessidade de apreender a um corpo e a um meio que está em
mudança.
“Também aqui a nova idade vai reflectir em todos os
domínios da vida psíquica. Surge um mesmo sentimento
de desacordo nos da acção, da pessoa, do conhecimento;
em cada um
, existem mistérios a desvendar, e surge uma
mesma necessidade de posse, de certo modo essencial,
pois a posse actual não basta para satisfazer e procura
para si perspectivas indefinidas.” (Wallon, 1968, p. 232)
Esse estágio é marcado por sentimentos ambíguos e contraditórios:
vaidade, desejo de atrair a atenção e necessidade de surpreender os outros, ao
mesmo tempo em que sente timidez, vergonha e dúvida em relação a si mesmo.
Além dos sentimentos ambíguos e a insatisfação consigo mesmos, os
adolescentes vivem também uma necessidade de se opor às regras
estabelecidas, o que pode originar muitos conflitos com o meio em que estão
inseridos. Há um descontentamento e um desejo de mudança. No entanto, no
início, não sabem para onde voltar-se.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
21
O desejo de posse e de transformação é próprio do processo de mudança.
Com um corpo diferente e um acesso a valores novos, o adolescente tem a
necessidade de se apropriar novamente de si mesmo.
Todas essas mudanças transformam rapidamente a personalidade e a
inteligência do adolescente, uma vez que a inteligência é o recurso cognitivo para
a apreensão da realidade e solução das situações.
“O domínio de categorias cognitivas de maior nível de
abstração, nas quais a dimensão temporal toma relevo, possibilita
discriminação mais clara dos limites de sua autonomia e de sua
dependência” (Mahoney e Almeida, 2005, p.12)
Esse movimento de afirmação de si não acontece somente de forma
positiva. Dér (2001), citando Debesse (1952/1992), afirma que cinismo, insolência
e grosseria, por exemplo, costumam fazer parte das “atitudes habituais nesse
modo agudo de oposição, mas não deixam de ser também um modo de afirmação
de si” (p. 123). A autora esclarece que isso acontece porque, além da falta de
imparcialidade e experiência, “a condição de adulto que ele tanto aspira, o desejo
de se querer outro, geralmente o torna impaciente e pretensioso” (p. 123).
As questões relacionadas ao seu futuro e às suas responsabilidades
aparecem, convidando-os a refletir sobre a razão e o valor de tudo que os rodeia;
o adolescente é tomado por muitos “por quês”. O adolescente questiona-se sobre
o destino do mundo, a razão da existência das coisas; há escolhas de ordem
religiosa e de ordem política, entram em contato com as leis e questionam sobre
como as coisas vieram a existir. Com relação a essas leis, Wallon é enfático em
afirmar, “nada tem a ver com a psicogênese, mas com o nível presente da
civilização” (Wallon, 1979, p. 68)
Alguns poetas e romancistas da época de Wallon criticaram a
generalização com relação aos adolescentes, lembrando-lhe que os jovens das
classes sociais mais baixas, por terem a necessidade de trabalhar para auxiliar no
sustento da família, não teriam tempo de experimentar tais divagações.
Wallon concordou com estas colocações, mas afirmou que os adolescentes
das classes burguesas também estão expostos a certos perigos, ao serem
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
22
submetidos a sentimentos diversos, em sua dependência prolongada da família.
Por outro lado, os jovens operários poderiam se beneficiar por já estarem em
ligação com realidades que são dos adultos.
Assim, mais uma vez, o autor deixa sua posição clara ao dizer que, em
ambos os casos, os adolescentes podem estar submetidos a perigos e privilégios,
e que a influência do meio possui um papel muito importante sobre a formação de
sua personalidade.
Deixa claro, também, que os adolescentes de classes sociais menos
favorecidas sofrem tentações ao serem submetidos a filmes e jornais que
oferecem coisas impossíveis ou, mais gravemente, aventuras anti-sociais. Por não
terem tempo para as divagações no espaço, uma evasão em aventuras reais
podem conduzir a uma satisfação doentia às necessidade de mudança, de
renovação.
Apesar do perigo, Wallon enfatiza que existem elementos positivos nessa
fase da vida. O gosto e uma necessidade de aventura e de se unir a outros que
tenham o mesmo sentimento deve ser aproveitado, sendo utilizado para ajudar o
adolescente a fazer suas escolhas entre os valores do entorno. Tais aspectos
devem ser evidenciados pelo educador em sua relação com seus alunos.
Entretanto, a má orientação nessa fase pode levar à criação de grupos
hostis, que se reúnem pela necessidade natural da idade, mas que, estando
descontentes com a sociedade e não encontrando direções satisfatórias,
encontram nos “meios alternativos” as possibilidades de realização.
Segundo Wallon, há um sentimento que é a síntese das tendências
ambíguas dos desejos de possuir, dominar e se sacrificar: a responsabilidade, que
confere o direito de domínio, mas comporta também um dever de sacrifício.
Dessa forma, considerando que a teoria de Wallon foi elaborada em um
outro momento histórico, para analisarmos os adolescentes de uma maneira
coerente com a concepção histórica e dialética, precisamos verificar como esse
indivíduo, passando pelas mudanças biológicas naturais, se configura na relação
com o meio, na atualidade.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
23
Os estudos realizados pelo grupo de pesquisas da Psicologia Sócio-
Histórica da PUC-SP podem nos ajudar a responder esta indagação:
E o adolescente do nosso tempo?
Atualmente, esse é um tema que continua despertando grande interesse
por parte de pesquisadores de diversas áreas, trazendo importantes contribuições
sobre as concepções de adolescência presentes hoje.
Deve-se ressaltar que, coerentemente com as bases epistemológicas da
teoria de Wallon, para a psicologia sócio-histórica, o homem é visto como sendo
constituído numa relação dialética com o social e a história. Fatos sociais surgem
nas relações e os homens atribuem significados a esses fatos, criando conceitos.
As marcas sociais serão significações que servirão de referência para a
constituição do sujeito (Aguiar & Ozella, 2008).
Em 1999, foi realizada uma pesquisa, coordenada por Ozzela, com
cinqüenta e dois (52) psicólogos, sendo quinze (15) da área da Educação (Febem,
instituições particulares e Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua),
oito (8) da área da educação formal, nove (9) da área da Saúde Institucional
(hospitais públicos e privados, ambulatórios e postos de saúde), cinco (5) da área
da Saúde Particular (consultório particular), dois (2) da área do trabalho (serviços
de inserção do jovem no mercado de trabalho) e doze (12) da área Jurídica (Vara
da Família, varas especiais da infância e da juventude e Centros de Orientação
Psicológica – SOS Criança).
Essa pesquisa evidenciou que a naturalização, universalização e
patologização permeiam os significados compartilhados sobre adolescência. Do
total de entrevistados, trinta (30) definem que as características apresentadas
pelos adolescentes fazem parte da natureza humana, com uma visão apriorística,
como se as expressões do comportamento fossem independentes da cultura e do
meio social.
“Não existe diferença entre as características de
adolescentes ontem, hoje e amanhã. É uma fase complicada... isto
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
24
é próprio, faz parte do desenvolvimento do indivíduo.” (Profissional
da área de Educação)
Contrariamente à sua própria opinião, Ozella reconhece que a
universalização, naturalização e patologização são ainda as principais marcas
sobre as concepções correntes dessa faixa etária, afirmando que, desde o início
do século XX, a adolescência foi identificada como uma etapa marcada por
tormentos e conturbações vinculadas à sexualidade. Afirma ainda que essa visão
foi reforçada pela psicanálise, impregnando a definição do termo através de livros,
teorias, mídia, profissionais das Ciências Humanas, sendo incorporada pela
população e pelos próprios adolescentes. Segundo o autor, essa concepção
naturalística supõe igualdade de oportunidades, ocultando e legitimando as
desigualdades presentes nas relações sociais, atribuindo ao jovem toda a
responsabilidade por suas ações e insucessos.
A universalização e generalização dos conflitos e crises dos adolescentes
vêm recebendo críticas desse e outros autores do Programa de Psicologia Sócio-
Histórica, que reafirmam as determinações históricas e culturais na constituição
desses jovens. Essa questão vem sendo muito discutida:
Entender a adolescência como constituída socialmente a
partir das necessidades sociais e econômicas dos grupos sociais é
olhar e compreender suas características que vão se constituindo
no processo [...] Os modelos estarão sendo transmitidos nas
relações, através dos meios de comunicação, na literatura e
através das lições dadas pela psicologia.” (Aguiar, Bock & Ozella,
2001, p 171)
Na sociedade atual, a adolescência é vista, ainda, como um período de
preparo para o trabalho; devido às grandes exigências do mercado, é necessário
que tenham dedicado uma grande parte do tempo aos estudos.
Esses indivíduos, ainda que cheios de possibilidades de inserção em
termos cognitivos, afetivos e de capacidade de trabalho e produção, sofrem pouco
a pouco a exclusão. A sociedade lhes tira a autorização para essa inserção,
gerando angústia, conflitos, rebeldia, crises.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
25
“É dessa relação e de sua vivência enquanto contradição
que se constituirá grande parte das características que compõem a
adolescência: a rebeldia, moratória, a instabilidade, a busca de
identidade e os conflitos.” (Aguiar, Bock e Ozella, 2001, p. 170)
Ozella afirma que é preciso abandonar aquela visão cristalizada, pois, ainda
que na aparência ela corresponda ao real, isso pode caracterizar uma profecia
auto-realizadora, que leva jovens a se adaptarem às expectativas.
Essa afirmação se confirmou mais a frente, na pesquisa realizada por
Aguiar & Ozzela (2008), evidenciando que os adolescentes, de fato, se apropriam
da visão socialmente construída do que é ser adolescente e a assumem como
verdadeira.
Segundo os autores, os jovens da década de 60 eram vistos como criativos,
generosos e críticos; já os da década de 1990 têm sua imagem associada à
violência, às drogas e ao individualismo.
Aguiar e Ozella concordam com a afirmação feita por Abramo de que, à
medida que o jovem é visto como “a encarnação de impossibilidades, eles nunca
podem ser vistos, e ouvidos, e entendidos, como sujeitos que apresentam suas
próprias questões, para além dos medos e das esperanças dos outros” (Abramo
1997, apud Ozella & Aguiar 2008, p.06). Além disso, afirma que:
[...] a manutenção das concepções de que a adolescência é um
período naturalmente de crise, cumpre o papel ideológico de
camuflar a realidade, as contradições sociais, as verdadeiras
mediações que constituem tal fenômeno. (Aguiar & Ozella, 2008,
p. 6)
A pesquisa foi realizada com 856 adolescentes brancos, negros e orientais,
meninos e meninas, pertencentes às classes sociais de A a E
, no município de
São Paulo. Os dados foram organizados em sete núcleos de significação:
Núcleo 1 - Os jovens reproduzem as concepções instituídas socialmente.
Núcleo 2 - Sair da adolescência é tornar-se Responsável, Autônomo e Livre.
Núcleo 3 - Grupo: uma característica masculina.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
26
Núcleo 4 - Razão x Afetividade: elementos fundamentais na constituição do
gênero.
Núcleo 5 - O conflito nas relações familiares: mito ou realidade?
Núcleo 6 - A violência: ameaçadora ou banalizada?
Núcleo 7 - O futuro: idealização ou concretude?
O núcleo um demonstrou que todos os adolescentes, de todas as classes,
dos dois gêneros, de todas as faixas etárias e raças reproduzem as concepções
instituídas sobre o que vem a ser adolescência. Os autores afirmam que existem
diferenças nas formas de significação, mas que, no entanto, essa característica
está presente em todos. Os indivíduos das classes A e B, a maioria brancos e
poucos orientais, são o que mais expressam essa característica.
“A significação da adolescência como uma fase de crise, é
sustentada, como nos coloca Peres (1998)
, pela concepção da
ciência positiva, que, “...permite dar a idéia de desarranjo, pois a
harmonia é pressuposta como sendo de direito. Na concepção de
adolescência
, esta leitura faz sentido, na medida em que, dentro
da evolução referida, a crise é apresentada como um desvio ou um
perigo do curso natural do desenvolvimento, que deve ser cuidado
para a retomada da ordem natural.” (Aguiar & Ozella, 2008, p. 10)
Os autores reafirmam que há uma eficácia ideológica, uma vez que os
adolescentes incorporam esses conceitos e os assumem “como sendo expressão
de sua autêntica forma de ser”.
“A forma como os adolescentes significam este momento vivido
por eles, a nosso ver, revela e reforça a expectativa social, produz
e reproduz a ideologia liberal, reafirmando concepções
naturalizantes e a-históricas.” (p. 10)
Nessa categoria
, apareceu o tema “drogas”, o que revelou especificidades
entre os diferentes grupos participantes da pesquisa. Os adolescentes de classe
A/B/C/masculino de todas as idades, predominantemente brancos
, falaram sobre
o perigo das drogas, mas sem se sentirem amedrontados. As meninas dessa
classe se referiram com menos freqüência ao assunto, mas
, quando o fizeram, o
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
27
discurso foi o mesmo. Já os jovens das classes D e E revelaram uma grande
preocupação com a vida, referindo-se não somente às drogas, mas às frustrações,
aos medos e às impossibilidades. Os autores afirmam que os adolescentes
dessas classes (D e E), especialmente os mais velhos, apresentam uma visão
mais crítica sobre a sociedade, considerando as relações sociais injustas. Para as
meninas dessa mesma classe, de todas as idades, essa etapa da vida também
aparece relacionada a sofrimento, mas não com a mesma visão crítica dos
meninos. Falaram sobre gravidez precoce, que impede uma adolescência
“normal”.
Com relação ao núcleo dois (Sair da adolescência é tornar-se Responsável,
Autônomo e Livre), os adolescentes das classes A, B e C, masculino, vincularam
a responsabilidade à liberdade e independência. No entanto, contradições
apareceram ao afirmarem que tornar-se responsável é tornar-se livre, mas que o
excesso de responsabilidade também pode sacrificar a liberdade. Além disso,
enquanto são dependentes dos pais, sentem-se protegidos, pois, na vida adulta,
experimentarão uma independência “real” e precisarão trabalhar para se
sustentar, o que significa riscos de ficarem sem trabalho e de terem um salário
baixo.
Para esse grupo, a responsabilidade apareceu associada à entrada na vida
adulta e está ligada ao fim das coisas boas (predominantemente classe B/
orientais/masculino), ao mesmo tempo significa também a possibilidade de casar e
sustentar a família, o que é motivo de orgulho.
Para as classes B e C, masculino/ brancos e orientais, a responsabilidade
está associada a uma nova forma de vida, com maiores preocupações e
cobranças. Para os meninos das classes B e C, a responsabilidade se vincula a
mudanças complicadas, que são mais “pesadas”. Já os meninos da classe A
mencionaram alguns limites e cobranças, mas essas preocupações apareceram
de forma menos acentuada.
Os orientais revelaram maior preocupação com a responsabilidade. Para
estes da classe C, aparecem significados como solidão devido ao excesso de
trabalho, valorização das realizações dos pais e responsabilidade pelos próprios
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
28
atos. Além disso, a classe C, orientais e negros, associou a responsabilidade com
a necessidade de ajudar a família.
Os meninos da classe C pensam no futuro e enfatizam o risco de não
conseguirem um emprego, referindo-se, especialmente aos orientais e às
dificuldades do mercado de trabalho. Os autores afirmam que para esses
adolescentes “ser adulto está mais associado a sofrimento, a perda de condições
favoráveis e prazerosas” (p. 15).
A classe C, orientais e negros, foi o único grupo que mencionou a
necessidade de se levar os estudos a sério, apontando-o como “elemento de
distinção na passagem para a vida adulta” (p. 16). Para os outros grupos (A, B, D
e E / feminino, todas as raças e faixas de idade), a palavra estudo quase não
apareceu.
Para as classes D e E, masculino, todas as idades, predominantemente
negros, a responsabilidade apareceu associada a sofrimento, surgindo também a
preocupação com o sustento da família. Apesar de apontarem as dificuldades da
vida adulta, apresentaram uma visão otimista, na expectativa de alcançarem uma
melhora na vida. Esse é o grupo em que mais apareceu o termo “correr atrás”
Nas concepções das meninas também houve associação da
responsabilidade com a entrada na vida adulta. No entanto, “o significado dado à
responsabilidade é extremamente marcado por valores e por características que,
historicamente, vêm sendo associadas ao gênero feminino” (p. 17). A afetividade é
um diferenciador marcante entre as concepções de meninos e meninas.
As meninas das classes A, B e C, brancas e orientais, não se diferenciam
muito dos meninos de classe A e B, querem mais liberdade para poder sair, ir a
festas, namorar.
Com relação à responsabilidade, as meninas da classe A/orientais e
brancas, afirmaram não querer responsabilidade, diferenciando-se dos meninos
orientais. Elas não falaram em trabalho e projeto de futuro. Não mencionaram a
fase adulta como período de sofrimentos, que traz pressões, com a obrigação de
pagar contas e sustentar a família. Pelo contrário, pensam em família como algo
bom, especialmente ao se referirem à maternidade. A dependência do marido
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
29
apareceu como algo natural, e a independência dos pais como algo desejado. Já
para as meninas da classe B/branca, ter responsabilidade é assumir a vida
sozinhas, e mencionaram o trabalho como um forma de resolver necessidades
próprias, como: comprar um carro ou morar sozinha. Para as jovens das classes A
e B, a adolescência não aparece como algo ruim e sofrido.
Já para as meninas da classe C, brancas e negras de todas as idades,
responsabilidade significa cuidar de si mesmas sozinhas. Referem-se aos
sentimentos vinculados a essa necessidade, afirmando sentirem medo e
insegurança.
Nas classes D e E, predominantemente negras, o casamento apareceu
como uma forma de se obter liberdade. Ter um filho é uma grande possibilidade
de se verem livres da família de origem. Ser adulta significa ter maior confiança
em si mesma e vencer obstáculos. Essas meninas se assemelham aos meninos
das classe B, C, D e E, orientais e negros, ao se preocuparem mais
concretamente com o trabalho e o futuro.
“Interessante observar que todos os adolescentes (classes,
etnias, idades) tratam a idéia da entrada na vida adulta como algo
natural, que inevitavelmente é assim, por conta de características
dos próprios adolescentes e da sociedade, entendidos de uma
forma a-histórica e natural.” (Aguiar & Ozella, 2008, pp. 19-20)
O núcleo três (Grupo: uma característica masculina) evidenciou uma grande
diferença entre os meninos e as meninas. As classes A e B masculino, até os 16
anos, revelaram a grande importância dada ao grupo, considerando-o como
“orientador de comportamentos, valores, atitudes e hábitos”. Interessante notar
que, para essa classe social, o grupo aparece como algo que se modifica
constantemente, que não é estável. Já para os meninos das classes C, D e E,
predominantemente negros de todas as idades, os grupos são mais fixos,
estáveis, e parecem ter maior importância como suporte e até para garantir a
sobrevivência do adolescente.
As meninas de todas as idades, classes e raças, não mencionaram a
importância do grupo.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
30
No núcleo quatro (Razão x afetividade: elementos fundamentais na
constituição do gênero), os autores afirmam que são as meninas que expressam
maior importância aos aspectos afetivos, pois com maior freqüência mencionam
suas características psicológicas e comportamentais.
“Tais questões só podem ser compreendidas à luz de uma análise
que considere a ideologia e as condições concretas de vida em
sociedade. Uma ideologia que impõe e restringe as mulheres ao
mundo intimista dos afetos e emoções.” (Aguiar & Ozella, 2008,
p.21)
No entanto, apareceram especificidades nos sentimentos vividos pelas
meninas das diferentes classes. As das classes C, D e E, de todas as idades e
raças, falaram do sofrimento como algo presente em suas vidas. Os
pesquisadores afirmam que algo que marca também a diferença de gênero é que
elas falam muito mais de suas famílias, de suas mães, do que os meninos. Além
disso, eles se orgulham por serem observadores da realidade; já as meninas não
mencionam esse aspecto, referindo-se muito mais aos sentimentos vividos nas
experiências do que ao relato objetivo das mesmas. Os meninos definem-se pelo
que fazem, por suas experiências, e não pelo que sentem.
“Tais características vêm reafirmar as expectativas sociais
para a mulher como mais voltada para si mesma, para seus afetos,
menos ligada na realidade social.” (p. 21)
Os adolescentes das classes A e B de todas as idades valorizam a
individualidade e a razão.
“Chama a atenção que tal característica não apareça nas
classes C, D e E
. Talvez, como uma hipótese, em tais classes, a
noção de indivíduo, por conta das frustrações, da baixa auto
estima, dos impedimentos vividos, se constitua de modo diferente,
levando a que se sintam com menos potência, com menos
condições de atuar, e até de valorizarem suas ações.” (p. 22)
Para os autores, a questão de gênero é diferenciadora, mostrando-se um
determinante importante na construção das concepções de adolescência.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
31
A mulher aparece como reprodutora da ideologia dominante, cabendo a ela
a manutenção dos valores, na transmissão da afetividade e criação dos filhos.
O núcleo cinco (O conflito nas relações familiares: mito ou realidade),
revelou uma diferença interessante, especialmente entre as classes sociais e
etnias. Para os meninos das classes A e B, brancos, e meninas da classe B,
brancas, os autores afirmam que o discurso parece seguir “um script pré-definido”,
reproduzindo o papel de filho rebelde. Eles afirmam que essa rebeldia é uma
conseqüência do excesso de “repressão familiar”, apesar de reconhecerem que é
para o bem deles. Já as meninas da classe A revelam uma relação tensa com os
pais; sentem-se desrespeitadas e cerceadas em sua liberdade, apesar das
excelentes condições econômicas em que vivem. Os autores da pesquisa
destacam, ainda, que essa característica (relações conflituosas com a família)
aparece somente com os adolescentes até os 16 anos.
Para os orientais de ambos os gêneros das classes B e C, de todas as
idades, não aparecem tensões na ambiente familiar. A família é vista como algo
importante, que deve ser tratada com respeito.
Já nas classes D e E / meninos, os autores afirmam que as relações
familiares não sofrem tais conflitos.
“Estes adolescentes assumem os impedimentos colocados
pela família como sendo necessários. A família aparece como
apoio, conselheira. Assim, quando aparece a rebeldia
, não é
contra os pais, mas contra alguma situação social. Tais formas de
relação familiar vão aparecer em todas as idades e em todas as
raças.” (Aguiar & Ozella, 2008, pp. 23-24)
As meninas das classes C, D e E, afirmaram não ter a liberdade que
gostariam , mas compreendem que essa repressão é decorrente do cuidado dos
pais em protegê-las dos perigos.
“Fica evidente que não aparece rebeldia e insatisfação em
relação à família, sendo que inclusive as adolescentes justificam o
fato da família impor limites.” (p. 24)
O núcleo seis, (A violência: ameaçadora ou banalizada?) demonstrou o
seguinte: os meninos das classes A e B afirmaram que a sociedade é violenta e
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
32
essa ameaça pode levá-los a se tornarem violentos. Apesar de falarem sobre a
violência, ela aparece de forma bastante abstrata; não relataram nenhum exemplo
concreto de violência em suas vidas.
Já as meninas das classes A e B não falaram sobre a violência. Os autores
levantam a hipótese de que isso se deve à condição da mulher das camadas
sociais mais privilegiadas, que se expõem menos aos espaços públicos e,
portanto, ficam mais protegidas.
Já para as classes C, D e E, meninos e meninas de todas as idades,
“(...) a violência não aparece como uma ameaça, é
banalizada, rotineira, “natural”. Quando aparece
, vem associada
aos “irresponsáveis”, na fala deles, os “outros”, e nestes casos
, se
referem sempre ao uso de drogas e ao tráfico.” (Aguiar & Ozella,
2008, p. 25)
Para finalizar, temos o núcleo sete (O futuro: idealização ou concretude),
enfatizando que, para os adolescentes das classes A e B, masculino e feminino,
de todas as idades, a palavra trabalho não apareceu. O futuro é apresentado
como algo muito bom, mas eles não demonstram preocupações sobre como irão
viabilizá-lo. Os meninos da classe B referiram-se ao vestibular, demonstrando
preocupação com o futuro, que aparece de forma abstrata, “mas com certeza
bom”, expressando como único perigo a possibilidade de uma escolha errada.
Para os meninos da classe C, o trabalho é uma categoria presente.
Desejam estudar para que possam alcançar um posto de trabalho.
Já os meninos das classes D e E, predominantemente negros, também
acreditam que os estudos abrem possibilidades para “um futuro melhor”, mas o
que os autores enfatizam é que, para este grupo, o “bom comportamento” está
ligado e/ou favorece as condições de estudo.
“Tais colocações evidenciam as dificuldades enfrentadas
por estes adolescentes, que
, sem dúvida, convivem com situações
de risco. No entanto, mais do que uma análise das condições
sociais adversas, falam de um esforço pessoal para seguirem o
“bom caminho”, talvez assumindo, mesmo que não explicitamente,
a estigmatização da pobreza, da violência, do uso de drogas,
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
33
geralmente atribuída às populações mais carentes social e
economicamente.” (Aguiar & Ozella, 2008, p. 26)
As meninas das classes C, D e E, brancas e negras, também relacionaram
os estudos ao futuro e ao trabalho, e, diferentemente dos meninos, elas
mencionaram o vestibular como possibilidade de um futuro melhor.
“Como hipótese podemos pensar que os meninos são mais
cobrados para contribuírem financeiramente em casa, sendo,
portanto
, mais pressionados para ingressarem mais cedo no
mercado de trabalho, inviabilizando muitas vezes a possibilidade
de fazerem um curso superior.” (p. 27)
Um outro aspecto que Ozella e Aguiar destacam é que a expressão “futuro
melhor” só apareceu para as classes C, D e E, para ambos os gêneros.
Embora a pesquisa demonstre que os significados constituídos sobre a
adolescência sofrem determinação de gênero, classe, cultura e idade, foi
marcante perceber as diferenças existentes entres as classes sociais e entre os
gêneros. Por exemplo, o aumento da responsabilidade apareceu em todas as
classes, gêneros, e idades, o que levou os autores a considerar esse núcleo como
quase central na concepção de adolescência. De um modo geral, a
responsabilidade vem relacionada ao fim das coisas boas e a perda das situações
prazerosas.
Os autores constatam que os significados sociais instituídos marcam as
formas de significar a adolescência e penetram as subjetividades, constituindo-as.
“O estudo mostra o quanto a tendência ao individualismo
proporcionada pela sociedade contemporânea, onde a prerrogativa
da autonomia, da individualidade inata, da liberdade é fundamental
e marca as formas de significar dos adolescentes.” (p. 27)
“[...] tais adolescentes ao falarem das suas atividades,
medos, desejos, ansiedades, perspectivas de futuro, revelam o
quanto as condições objetivas são constitutivas, o quanto geram
outras formas de ser adolescente, portanto, outras significações.”
(p. 27-28)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
34
Os adolescentes referem-se a essa fase como “normal” e aqueles de
classes sociais mais baixas (C, D e E) se entristecem por não poder vivê-la.
Portanto, esse estudo nos permitiu verificar que, conforme explicitado pelos
autores, os significados constituídos sobre adolescência sofrem determinações de
gênero, classe, cultura e idade. Para esta pesquisa, foi interessante notar as
diferenças marcantes entre as classes sociais, nos permitindo uma compreensão
mais adequada dos participantes dessa pesquisa: adolescentes pertencentes
predominantemente às classes sociais D e E.
Aguiar & Ozella (2005) concluem afirmando que:
“Ao focarmos os adolescentes das classes C, D e E,
começamos a conhecer um adolescente diferente dos manuais de
psicologia. Um adolescente que fala de sofrimento, do medo de
não ter trabalho, de não conseguir sustentar a família, etc...
Começamos a ver um adolescente que não fala dos tradicionais
conflitos familiares, pelo contrário, fala da família como um apoio,
que não fala dos tradicionais conflitos profissionais, nem fala em
Universidade, mas fala da necessidade do esforço pessoal para
um trabalho qualquer” (Aguiar & Ozella, 2008, p. 28)
A pesquisa realizada por Ozella (1999), juntamente com psicólogos,
permite-nos afirmar que até o conhecimento acadêmico tem sido influenciado por
uma visão de mundo naturalizante e a-histórica. Sendo assim, as pesquisas
realizadas para desmistificar as concepções de adolescência são extremamente
relevantes, especialmente para que haja outros estudos focados nessa faixa
etária. Com o intuito de esclarecer e conhecer o adolescente concreto das classes
sociais analisadas, essas informações nos ajudam a evitar que cheguemos a
conclusões enviesadas, ao final desta pesquisa, devido às concepções
equivocadas sobre adolescência.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
35
Capítulo III
P
ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
1. Grupo Focal
Para a realização desta pesquisa, optei por trabalhar com a metodologia de
Grupos Focais.
O Grupo Focal é uma técnica de discussão em grupo não diretiva que tem
como objetivo levantar diferentes opiniões, atitudes, pensamentos e sentimentos
expressos verbalmente ou pelas posturas corporais, expressões fisionômicas ou
por outras reações. Segundo Placco (2005) e Gatti (2005), entrevistas com grupos
são apropriadas para estudos que buscam entender os sentimentos, atitudes,
preferências e necessidades, permitindo se obter dados qualitativos.
As autoras afirmam que, diferentemente de outras técnicas, o Grupo Focal
permite ao pesquisador levantar uma boa quantidade de informações em um
período de tempo mais curto. A definição clara de um tema e o roteiro das
questões ajudam nisso. Além disso, o trabalho com grupo também possibilita uma
maior probabilidade de fidedignidade, pois faz com que opiniões extremadas não
prevaleçam.
Para garantir tal fidedignidade, é preciso ainda respeitar o princípio da não
diretividade. Durante o levantamento dos dados, o mediador do grupo deve evitar
realizar intervenções afirmativas e negativas, emitir opiniões particulares,
conclusões ou outras formas de intervenção. Conforme esclarece Gatti, não se
trata de uma não intervenção absoluta; encaminhamentos com relação ao tema a
ser discutido poderão ser realizados, bem como intervenções que facilitem as
trocas, devendo, portanto, facilitar a discussão entre os membros do grupo,
zelando para que não se perca o foco em questão.
A escolha dos participantes deve obedecer a alguns critérios. Os
participantes devem ter algumas características em comum que os qualifiquem.
Devem ter alguma vivência com o tema a ser discutido, de tal modo que sua
participação possa trazer elementos ancorados em suas experiências cotidianas.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
36
Gatti aponta que, em casos de grupos de pesquisa, recomenda-se não
mais do que 10 pessoas. A adesão ao grupo deve ser voluntária, após um convite
motivador que sensibilizará os participantes quanto à importância do tema geral a
ser tratado. Um outro aspecto que deve ser observado é que os participantes não
sejam íntimos, isto é, não se conheçam muito, pois, conforme esclarece Gatti
(2005, p. 21), quando há excesso de intimidade, os participantes podem atuar em
bloco, monopolizando ou paralisando a discussão. Além disso, o conhecimento
mútuo pode inibir as manifestações espontâneas, reduzindo a possibilidade do
aparecimento da multiplicidade de idéias. Assim, os adolescentes participantes
desta pesquisa apesar de freqüentarem a mesma escola e Projeto Social, o fazem
em horários e salas diferentes, o que os qualificou para a participação na
pesquisa.
As formas de registro e sua importância devem ser explicitadas. A anuência
de todos quanto aos registros é imprescindível. Deve-se garantir o sigilo dos
registros e dos nomes dos participantes, enfatizando que todas as opiniões e
idéias interessam; não há certo e errado e não se espera que todos cheguem a
um consenso. É bom lembrar também que a conversa é entre eles e não precisam
atuar como se estivessem respondendo ao moderador, pois, não se trata de uma
entrevista coletiva, mas sim, de uma possibilidade de troca efetiva entre os
participantes.
Para garantir que o máximo de informações possam ser captadas nas
seqüências interacionais estabelecidas, recomenda-se a colaboração de um
observador, que deverá ser uma pessoa qualificada, que compreenda sobre o
assunto e que possa observar de acordo com os objetivos da pesquisa.
Para análise e interpretação dos dados, a ênfase recai sobre as interações
dentro do grupo, pois, segundo Morgan e Krueger (1993, apud Gatti 2005), a
pesquisa com esta técnica tem por objetivo captar, a partir das trocas realizadas
no grupo, conceitos, sentimentos, atitudes, crenças, experiências e reações. É
importante ressaltar o que foi realmente relevante para o grupo, configurando
tendências e observando as conexões.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
37
“Para análises em maior profundidade, os sentidos procurados
repousam mais nessa dinâmica interacional que nos recortes
que se possam obter como pontos de partida das análises”
(Gatti, 2005, p. 47 e 48).
“Para estudos em ciências sociais e humanas, o foco de análise
na seqüência de interações é extremamente importante, pois
permite níveis interpretativos mais aprofundados e teoricamente
mais significativos” (ibid, p. 48).
Cabe acrescentar que a teorização não deve se restringir aos dados
obtidos. Portanto, pelo fato de a produção do conhecimento científico se constituir
como um processo de construção coletiva, é importante situar o problema
proposto em uma discussão acadêmica mais ampla, não somente com um
levantamento bibliográfico, mas também com o confronto entre os resultados
obtidos e os de outras pesquisas relacionadas ao tema.
“Esses procedimentos não são formalismos acadêmicos,
mas condições necessárias à cumulatividade e transferibilidade do
conhecimento, assim como à formulação das teorias” (Mazzotti,
2001, p. 42).
2. Coleta de Dados
O grupo focal foi realizado em uma instituição social filantrópica, chamada
pela comunidade de Projeto. Essa instituição atua na assistência social e no
combate à fome, prestando serviços educacionais e de orientação familiar a
aproximadamente 600 crianças e adolescentes vulneráveis pessoal e
socialmente, cujas famílias vivem abaixo da linha de pobreza, ou seja, possuem
como renda familiar per capita até meio salário mínimo. São consideradas
vulneráveis, famílias desfavorecidas socialmente que vivem em comunidades
carentes. Devido às reduzidas possibilidades de inserção social (estudos,
trabalho, saúde, educação, lazer, cultura, etc), essas famílias ficam mais expostas
aos perigos da criminalidade, violências, morte por desnutrição, entre outros
problemas relacionados à pobreza e outros riscos pessoais e sociais. Segundo os
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
38
prontuários existentes na instituição em que foi realizada esta pesquisa, os
adolescentes participantes se enquadram nessa realidade.
Conforme os objetivos desta pesquisa – afetividade na relação professor-
aluno da rede pública de ensino - a escolha do local para o levantamento de
dados privilegiou esse aspecto, pois atende crianças que estudam
predominantemente na rede pública de ensino; assim a escola pública foi
analisada de forma indireta. Além disso, a localização e o fato da pesquisadora
conhecer pessoas na instituição influenciaram nas decisões, pois o acesso ao
local e aos participantes foi facilitado, bem como aos seus pais, que precisariam
assinar uma autorização para que os adolescentes participassem da pesquisa. A
própria instituição contactou as famílias, indo à casa delas – a maioria na favela –
para explicar os objetivos da pesquisa e obter a autorização escrita.
Para a coleta de dados, foram realizados dois encontros de 60 minutos com
o mesmo grupo. As reuniões foram gravadas e transcritas (quadros anexos) e as
observações foram realizadas com o auxílio de uma outra pesquisadora,
profissional especialista em pesquisa na instituição. Com base nas gravações, as
trocas realizadas foram estruturadas em categorias, analisadas e interpretadas
pelo pesquisador, conforme os objetivos propostos.
Participaram 8 adolescentes com a idade entre 14 e 17 anos, sendo quatro
meninos e quatro meninas que, apesar de freqüentarem a mesma escola e
Projeto, estudam em horários e turmas diferentes, o que os qualificou a participar
da pesquisa, obedecendo ao critério de “não intimidade” explicitado acima.
3. Análise e interpretação de dados
O foco da pesquisa foi investigar a afetividade na relação professor-aluno,
analisando-se, a partir da perspectiva do adolescente, os seguintes aspectos:
O que os adolescentes sentem na relação com seus professores em sala
de aula?
Quais são as situações indutoras desses sentimentos?
Como eles lidam com esses sentimentos?
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
39
Assim, foram analisados os sentimentos, as situações indutoras e a reação dos
adolescentes frente às experiências. De acordo com as interações vivenciadas
nos grupos focais, foram criadas categorias relacionadas às situações indutoras
expressas nos relatos dos adolescentes.
Categorias relacionadas às situações indutoras de sentimentos de bem-estar ou
mal-estar:
1. Modo de relacionamento com o professor: comportamento e
aparência física.
2. Modo de relacionamento com o professor: conteúdos, metodologias
e formas de avaliação.
3. Organização da sala: disciplina, número de alunos e infra-estrutura.
4. Ir para a escola.
Com base nas três perguntas decorrentes do problema de pesquisa, as
características das relações com os professores, bem como os sentimentos
decorrentes da relação, as situações indutoras e as formas como os adolescentes
lidam com esses sentimentos serão analisadas à luz da teoria de desenvolvimento
de Henri Wallon.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
40
Capítulo IV
A
NÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Ao realizar a análise, dou início com uma breve explanação sobre a
situação e o clima vigente no momento do convite à participação dos alunos na
pesquisa e nos dois grupos focais.
Quando cheguei à instituição para fazer o convite, a situação era
intimidadora. Os adolescentes demonstravam uma postura de confronto e
indiferença quanto ao que eu estava expondo. O grupo era grande e, devido à
indiferença deles, não conseguia explicar bem a proposta. Realizei o primeiro
convite com o objetivo de pedir àqueles que não tinham interesse que se
retirassem e nos deixassem conversar melhor. Fiquei com um grupo de dez e os
chamei para sentarem em círculo, para que o ambiente se tornasse mais íntimo e
próximo. Percebi a necessidade de estabelecermos vínculos naquele grupo antes
de continuar explicando a proposta do trabalho. Para isso, sugeri que cada um se
apresentasse, contando sobre si e dizendo por qual nome gostariam de ser
chamados. Nesse momento, criou-se um clima descontraído e eles ficaram mais à
vontade diante daquela situação, que já não era mais completamente estranha,
pois já sabiam o meu nome. Expliquei novamente a proposta do trabalho,
solicitando à participação, mas os deixando livres caso não quisessem. Dois
desistiram. Os outros oito demonstraram animação por poderem fazer parte de
uma pesquisa como essa.
O primeiro grupo focal aconteceu em um sábado frio e chuvoso. Pela
manhã, liguei para todos, lembrando-os do encontro logo mais às 14hs. Fiquei
com muitas dúvidas e certo temor de que eles não comparecessem à reunião.
Mas, para minha surpresa, às 14hs em ponto, estavam todos lá!
Neste primeiro encontro, os adolescentes chegaram quietos. Para iniciar a
conversa, pedi que pensassem em uma palavra que expressasse, na opinião
deles, o que significava estar na sala de aula com o professor. Aparentemente
tímidos, observavam as duas pesquisadoras sem nada responder, até que um
deles quebrou o silêncio:
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
41
Vai gente, fala aí... (menino)
O silêncio não era absoluto; atitudes estavam presentes em cada
movimento. Observavam calados até o momento que o mesmo rapaz pede para
sua colega falar. Em tom tímido, ela pede calma e diz estar pensando.
O silêncio, cortado por risadinhas e olhares curiosos, continua por mais
alguns segundos. Para ajudá-los, passamos a nos recordar da última aula que
tiveram, e eis que se contagiaram com as lembranças e começaram a falar.
Desde o primeiro contato, já foi possível perceber o processo grupal entre
os adolescentes. Durante as reuniões, se apoiavam uns nos outros para realizar
afirmações. Ao fazer comentários ou contar eventos ocorridos, de uma maneira
geral, buscavam no grupo apoio e validação. Com olhares, risadas, piadas e
outros comentários sobre o mesmo assunto, o grupo confirmava ou negava as
afirmações. Ao relatar situações com professores considerados “chatos” ou
“legais”, um deles se lembrava de algo e, em seguida, todos se agitavam, falando
ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto. Nem sempre todos concordavam, mas,
ainda assim, a opinião se sustentava com a adesão de alguns participantes do
grupo.
O segundo grupo focal, na semana seguinte, começou bem diferente. Eles
já estavam à vontade em minha presença e começaram a conversar sobre o
assunto, sem que eu fizesse uma pergunta provocadora. Fui direcionando o
diálogo deles para que não perdêssemos o foco, uma vez que já estavam mais
integrados. Durante essa segunda reunião, a importância do grupo também ficou
clara nas posturas e atitudes que sustentavam.
A teoria Walloniana afirma que, durante a adolescência, período do
desenvolvimento cujas funções preponderantes são de ordem afetiva, voltadas
para o conhecimento de si, o grupo de pares se torna essencial para que o
adolescente possa diferenciar-se do outro. Como recurso de aprendizagem, utiliza
a oposição, assim como no estágio do personalismo (3 a 6 anos), porém, com os
ganhos cognitivos adquiridos no estágio categorial (7 a 11 anos), o adolescente já
possui uma possibilidade de pensamento e processo de diferenciação mais
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
42
abstrato. Nessa faixa etária, passa-se a questionar e buscar seus próprios
valores. Assim, sua oposição não se restringe as pessoas, mas aos valores e
tradições que representam. Estar entre pares é importante, não só para
identificarem-se entre si, mas também para que a oposição ganhe força e
validação no olhar do outro.
“(...) estar sempre com os pais significa representar sempre o
papel de filho, de criança. O jovem precisa e prefere transitar com
liberdade em seu mundo de iguais, onde desempenha um novo
papel, sendo muito importante o apoio dos outros jovens para
encontrar novos caminhos. Organizar-se em grupo significa se
filiar a idéias ou ideais e sentir sua própria força de mudança.”
(Gulassa, 2004, p.112)
Conforme explicitado, as categorias foram organizadas de acordo com as
situações indutoras, às quais foram associados os sentimentos suscitados e as
formas de reação a eles, expressos pelos adolescentes. A categoria um (1) Modo
de relacionamento com o professor: comportamento e aparência física, de certa
forma, envolve outras; no entanto, para fins dessa análise, foi destacada como
categoria complementar a de número dois (2): Modo de relacionamento com o
professor: conteúdos, metodologia e avaliação.
A categoria três (3): Organização da sala de aula - envolve aspectos
diferenciados como: disciplina, número de alunos e infra-estrutura.
A categoria quatro (4): Ir para a escola - em princípio não se relacionaria ao
problema proposto. No entanto, emerge significativamente dos dados,
esclarecendo outros aspectos importantes, que nos levam a compreender a
disposição do aluno em estar na sala de aula para aprender.
1. Modo de relacionamento com o professor: comportamento e
aparência física.
Durante o grupo focal, foi possível observar que os adolescentes estão
profundamente afetados por sensações de mal-estar na relação com os
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
43
professores. O discurso foi fortemente marcado pelos aspectos negativos das
relações vivenciadas na escola. Referiram-se a professores histéricos, mal-
educados, estressados, fazendo uma distinção entre professores legais e
professores chatos. Conforme explicitado acima, nesse primeiro momento,
analisaremos, na categoria relacionamento com o professor, os sentimentos
relacionados ao comportamento e à aparência física do educador. Devido à
dialética do pensamento humano, essas informações aparecem misturadas no
discurso dos participantes da pesquisa, e que será possível perceber, na
transcrição das seqüências interacionais, um movimento dialético sempre
presente. No entanto, será feito um esforço para separar os assuntos, para que a
análise possa transcorrer de maneira didática.
Com relação à categoria um (1) - Modo de relacionamento com o professor:
comportamento e aparência física, o quadro abaixo sintetiza as situações
indutoras, os sentimentos relatados e a reação dos adolescentes:
Situação Sentimentos relatados Reação dos adolescentes
Professor chato:
Grita;
É estressado, nervoso;
Arranca o caderno;
Não explica a matéria fora
do horário da aula;
Não se importa e não dá
atenção aos alunos;
Não cumpre promessas.
Raiva;
Vontade de bater no
professor;
Vontade de xingar;
Falta de interesse
pela matéria;
Desmotivação para
estudar;
Dor de cabeça;
Humilhação;
Mal-estar por não
entender a matéria;
Dificuldade para se
concentrar.
Não reagem;
Xingam, mencionando
características que depreciam
o professor;
Discutem com o professor e
saem da sala;
Fazem bagunça até o
professor mandar para fora;
Conversam para passar o
tempo;
Brincam;
Fazem piada;
Não fazem nada durante a
aula e depois pegam a lição
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
44
com um colega;
Caem na risada;
Pixam a escola, cospem na
sala de aula;
Jogam papel no professor.
Professor legal
Conversa;
Brinca;
É educado;
Oferece atenção e ajuda
para compreensão da
matéria até fora do horário
da aula;
Quer o bem dos alunos.
Sentem mais
vontade, mais
animação.
Respeitam o professor,
prestam mais atenção na
aula.
a. Comportamento do professor
O discurso dos participantes da pesquisa foi fortemente marcado pelos
aspectos negativos da relação professor-aluno. Vejamos a transcrição de algumas
falas vinculadas à situação indutora:
Vocês se dão bem com os professores?
Alguns. (todos juntos)
Com o Tadeu... (menina)
É, alguns. Menos com a Regina, aquela juba de leão. (menino -
todos riram.)
Ela é muito chata, dona! Só quer brigar com os outros. (menino)
Não pode nem mascar chiclé que ela manda para a diretoria.
(menino)
Você está lá na carteira, ela vem, pega o nosso caderno e coloca
em outra carteira. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
45
Assim como em Thomé (2001), Lima (2005) e Segundo (2007), os alunos
participantes desta pesquisa demonstram que o mal-estar decorrente da relação
com alguns professores dificulta a aprendizagem.
Thomé (2001), corroborando a pesquisa realizada por Dér (1996), afirma
que, quando o aluno é maltratado, sente-se impotente, restando-lhe assumir um
único papel de passividade, sem nada a acrescentar.
“Expressões utilizadas pelo professor como: burra, retardado,
fizeram com que os alunos se sentissem rotulados como seres não
capazes, tentando impor-lhes a idéia de que são os únicos
culpados por serem mal-sucedidos nos estudos.” (Dér, 1996, apud
Thomé, 2001, p. 47)
Em sua pesquisa, as causas de mal-estar na relação com os professores,
relatadas pelos adolescentes, foram semelhantes às descritas neste estudo. São
elas: não ouvir, não conversar, faltar com o respeito, não cumprir o que é
prometido, demonstrar que o aluno está sempre errado e não manter um
relacionamento mais pessoal com o educando.
Com relação a essas posturas docentes descritas, os adolescentes
participantes de fato demonstraram muito mal-estar, mas a sensação de
incapacidade não foi o único sentimento aparente. Ao serem questionados sobre
como se sentem em tais circunstâncias, relataram sentimentos como raiva,
irritação, dor de cabeça, desânimo, humilhação, distração, falta de interesse e
vontade de parar de estudar.
Quando um professor incomoda, você não consegue prestar
atenção. (menina)
Dá dor de cabeça, num dá vontade de fazer nada, dá vontade de ir
embora. Aí quando chega outro professor, quando ele está
explicando, não dá para entender, porque a dor já afetou.
(menina)
Tem professor que irrita, dá vontade de desaparecer. (menino)
Quando o professor não é legal, não dá vontade de estudar.
(menina)
Ah, sei lá, me sinto muito mal! (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
46
Humilhada! (menina)
O professor Marcos tem uma vozinha assim, mas ele agüenta
bastante tempo, mas quando ele se irrita a voz dele engrossa, dá até
medo. (menino)
As reações dos adolescentes frente aos sentimentos de mal-estar são
variadas; cada um tem uma forma diferente de se expressar. Conforme podemos
observar nas falas abaixo, nem sempre a reação condiz com o impulso inicial
decorrente do mal-estar, como: bater, parar de estudar, etc. As reações
mencionadas foram: fazer bagunça para perturbar, irritar o professor até que
mande o aluno para fora, ficar conversando para passar o tempo, não prestar
atenção na aula ou não fazer nada, dar risada.
Dá vontade de bater nela, sabia? Dá vontade de bater nela, ela
irrita. (menino)
Dá uns nocautes. (menina)
E aí, o que você faz nessa hora?
Não faço nada, falo só um pouquinho pra ela. (menino)
Umas verdades. (menina)
Ah, eu me distraio, ficava conversando, ficava com as minhas amigas
tirando sarro da cara dele. Ficava dando risada, nem prestava
atenção na aula. (menina)
Não dá nem vontade mais. (menina)
A gente fica conversando, etc. É para passar o tempo. (menina)
[...]
Eu gosto de ficar quieto na sala, mas se o professor é chato aí eu
fico atormentando a sala. Por isso que eu vou para fora. Com
essa Regina aí, foi assim, por isso que eu levei falta. Eu fico
assobiando, cantando na sala, aí eu deixo ela brava, me dá falta
eu vou para fora. (menino)
Quando o professor não é legal, não dá vontade de estudar.
(menina)
Aí ela fala que vai dar nota vermelha. Ela dá nota vermelha e eu
saio da sala. Já fiquei com nota vermelha mesmo! (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
47
Quando eu saio da sala eu fico zoando nas outras salas, fico
correndo, gritando. (menino - todos riram.)
Outras reações aos sentimentos de mal-estar também se evidenciaram. Ao
contarem histórias sobre o ano letivo anterior, foi possível perceber que a tensão
presente nas relações pode trazer comportamentos ainda mais agressivos:
Tem professor que manda calar a boca. (menino)
Mas esse professor não, mandar calar a boca ele não manda.
(menino)
Manda ficar quieto. (menino)
É, pede silêncio. (menina)
Mas tem professor que manda. (menino)
No ano passado, o professor de geografia falava palavrão!
(menina)
É, aquele que virou diretor. (menino)
É, ele nem ensinava. Ele só lia o livro e já era. (menino)
Era uma pingaiada. (menino)
Ele vinha bêbado. (menina)
Só batia na gente. (menina)
Ele batia na gente, dona! Dava soco. (menina)
Não, ele não era agressivo, ele brinca!
O professor de geografia era nervoso, na sétima série ele brigou
com o Luis Gustavo. (menina)
Espancou o moleque. (menino)
Disse que ia bater nele, deu o maior rolo. Mas também o menino
mexeu com ele, disse que ia dá um soco na cara dele, aí deu a
maior confusão. (menina)
(...)
Eu enfrentava ele bastante, mesmo na brincadeira. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
48
“Cinco minutinhos sem perder a amizade”; só não pode dar no
rosto. Mas é com murro firme, dona, no peito, no braço, mas não
pode dar no rosto. (menino)
É uma brincadeira de murro firme. (menino)
Mas tem gente que leva na ignorância. (menino)
Uma vez, eu dei uma nele e ele deu uma em mim, nossa, meu
braço ficou vermelho! (menino)
Esse diálogo mostra em que nível de estresse a relação entre professores e
alunos pode chegar. Nenhuma das pesquisas consultadas no levantamento
bibliográfico revelou as sérias conseqüências das relações hostis que podem se
estabelecer na sala de aula. No entanto, as falas acima expressam claramente as
conseqüências dessa tensão: o professor que vai à escola alcoolizado e
professores e alunos brigando, até mesmo com agressões físicas. Da mesma
maneira indireta, foi possível perceber que os adolescentes também reagem, em
algumas circunstâncias, com comportamentos hostis:
No ano passado, a minha sala era a segunda mais bagunceira.
(menino)
Eu não fazia nada! (menino)
A professora dizia que dava até vergonha de passar em frente à
sala, porque quando ela via, era só papelzinho voando, gente
cuspindo no chão. (menina)
Giz. (menina)
Jogava papel no professor. (menino)
Atualmente, tem se tornado uma constante nos jornais o anúncio sobre
problemas de relacionamento no âmbito escolar, especialmente entre professores
e alunos. Além disso, em conversas informais com professores, são muitas as
reclamações de que são ameaçados e, às vezes, até precisam mudar de emprego
por estarem correndo risco de vida. Essa é uma situação extrema e cada vez mais
comum que aponta para a deterioração das relações da escola pública, o que
interfere diretamente no processo de ensino/ aprendizagem.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
49
Os dados levantados aqui reafirmam o relatório de Abramovay (2002), cuja
pesquisa, com 33.655 jovens de 15 a 24 anos e 3.099 professores de 14 capitais
do país, permitiu elaborar uma “radiografia” das relações estabelecidas no interior
do ensino público no país. Essa análise indica que a violência se manifesta de
diversas maneiras, sejam agressões verbais ou físicas entre os alunos ou entre
alunos e professores, que desenvolvem suas atividades, quando conseguem, em
um clima de permanente tensão e insegurança. Como resultados, na pesquisa da
Abramovay evidenciaram-se nos professores sentimentos de impotência, derrota,
medo, amargura, tristeza e frustração; e os alunos sentem-se insatisfeitos,
humilhados, nervosos, com dificuldade em se concentrar, revoltados e rotulados.
Esses sentimentos são semelhantes aos encontrados neste estudo.
É evidente que o baixo rendimento dos alunos não pode ser atribuído
unicamente aos problemas de relacionamento no interior da sala de aula. Dessa
forma, o relatório da Unesco, sobre objetivos do milênio de Educação para Todos
(2005), enumera cinco grandes fatores que afetam a qualidade na educação:
Características do Aluno
: aptidão, perseverança, prontidão para a escola,
conhecimento prévio e barreiras ao aprendizado.
Ensino e aprendizado
: tempo de aprendizado, métodos de ensino, avaliação,
feedback e incentivos, tamanho das turmas, material didático, infra-estrutura física
e instalações e recurso humanos (professores, diretores, inspetores, supervisores,
administradores e administração escolar.
Resultados
: Essa dimensão pode ser expressa em termos de resultados
(alfabetização, conhecimentos de matemática, etc) e em termos mais gerais, como
ganhos sociais e econômicos mais amplos.
Além disso, outros fatores podem ser arrolados
: Interação em sala de aula,
formação, experiência e salários dos professores, instalações escolares, número
de alunos por professor, materiais didáticos de qualidade e bons livros.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
50
Segundo este relatório, todos esses fatores, dentre eles a interação
professor-aluno, ou seja, a afetividade, exercem impacto na promoção de valores
e atitudes de cidadania responsável, no cultivo do desenvolvimento criativo e
emocional e no desenvolvimento cognitivo dos alunos.
1.2. Aparência física do professor
Foi possível notar que, quando o professor é considerado chato, sua
aparência física chama muito a atenção; ficou claro que depreciá-lo é uma forma
de reagir às sensações de mal-estar. Ao se referirem aos “professores chatos”,
utilizam adjetivos como “juba de leão”, “cabelo ridículo”, “bafo”, “careca”.
Eu não gosto de discutir com o professor, mas quando eu fico
nervoso, sei lá.... eu xingo mesmo, não estou nem vendo! Xingo
assim, ela é mó jubão! (todos riram.)
Dá vontade xingar ela. (menino)
Dá vontade de xingar ela de leão. (menino)
É possível inferir que esses adjetivos mencionados com bastante ênfase
são uma forma de aliviar a tensão acumulada pelo mal-estar vivido. Wallon afirma
que existem várias maneiras funcionais de aliviar as tensões emocionais e falar
(atividade cognitiva) é uma delas:
“[...] não existe método mais adequado para reduzi-la que o de lhe
opor a atividade perceptiva ou intelectual. Todo aquele que
observa, reflete ou mesmo imagina, abole em si mesmo a
perturbação emocional. Não nos livramos da emoção apenas ao
reduzi-la às suas corretas proporções, mas sim, e principalmente,
pelo esforço para representá-la.” (Wallon, 1995 a, p. 86)
Por outro lado, quando há identificação e uma boa relação com o professor,
seu aspecto físico deixa de ser algo em destaque.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
51
Assim como em Thomé (2001), Lima (2005) e Munhoz (2007), a
identificação com o docente se revela como um aspecto essencial para o processo
de ensino aprendizagem. Ela se mostra importante não somente para a
aprendizagem formal, em sala de aula, mas para o desenvolvimento da pessoa de
forma completa. Durante a adolescência, em que o jovem procura diversas formas
para afirmação do eu, além de se opor, ele procura também pessoas com as quais
se identifique. Essa identificação, baseada em um sentimento de confiança, é
importante para que os adolescentes tenham modelos a imitar. Dér (2004) afirma
que esse sentimento de amizade pode se deslocar para adultos estranhos à
família, e que, nessa fase de escolha de valores morais, quando bem orientados,
podem “florescer no adolescente um comportamento adulto autônomo” (p. 75), o
que significa que, tendo uma boa relação com professores competentes
profissionalmente e comprometidos com a aprendizagem de seus alunos,
colaboram não só com seu desenvolvimento cognitivo, mas para seu
desenvolvimento completo, como pessoa.
Podemos observar que os alunos demonstraram a necessidade de serem
ouvidos e respeitados. Assim como em Thomé (2001), eles expressaram mais
interesse e motivação para aprender ao se sentirem respeitados pelo professor:
Se ela fosse educada, conversasse com a gente seria melhor, a
gente poderia entender melhor. Quando eles conversam, ficam
legais. (menina)
[...]
Se ela fosse legal.... (menina)
Não ser daquele jeito que ela é! (menino)
Conversar com a gente, ser legal com a gente. (menina)
Por exemplo, tem professores que são legais, o Tadeu... (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
52
É, a Marta, o Ricardo... (menino)
Tipo assim, a gente começa a conviver com eles e eles ficam
legais com a gente. É uma forma de expressar assim, sabe?
(menina)
Para Wallon, esse tipo de postura ajuda ao adolescente a criar suas
opiniões e defendê-las.
Antes de passarmos para a próxima categoria, gostaria de fazer mais
algumas reflexões sobre o mal-estar discente, evidenciado nos depoimentos,
relacionados aos modos de relacionamento professor-aluno:
1º - Conforme vimos no capítulo II, a adolescência é um período marcado
por conflitos decorrentes das transformações orgânicas, físicas e psicológicas
pelas quais o jovem está passando. Assim, em busca de conhecer-se, opõe-se ao
outro, em uma tentativa de desconstruir os valores e regras instituídos, para que
possa descobrir quais são os seus próprios valores e buscar respostas para
“quem sou eu?”. Debesse (1943) afirma que a manifestação mais visível da
adolescência é a hiperemotividade. Essa característica evidenciou-se no discurso
dos participantes desta pesquisa. Assim, é preciso considerar pelo menos duas
questões ao analisar as respostas dos adolescentes com relação ao
comportamento dos professores: sem dúvida, eles estão afetados por sentimentos
de mal-estar; no entanto, o exagero na oposição e as expressões extremadas
podem ser, também, decorrentes da fase em que vivem: a puberdade.
2º - Wallon, a partir de uma concepção histórica e dialética de homem,
atribui a uma composição de fatores genéticos, históricos e culturais a constituição
da identidade do indivíduo, na relação com os meios em que vive. Conforme foi
descrito, os adolescentes em questão vivem em uma situação socioeconômica
desfavorável, sendo possível inferir que eles chegam à escola já afetados por
sentimentos de mal-estar decorrentes das situações às quais estão submetidos
dentro e fora da escola. Como exemplo, podemos citar a pesquisa realizada pela
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
53
Abramovay (2002), cuja pesquisa em âmbito nacional revelou serem várias as
situações que interferem na disposição do aluno em estar na escola, como, por
exemplo, a violência no interior das redes públicas - degradação do ambiente
escolar - interferindo nas relações em sala de aula:
Em média, 31% dos estudantes entre 15 e 17 anos
demonstraram perda de vontade de ir à escola.
48% não conseguem se concentrar nos estudos;
38% ficam nervosos e revoltados com as situações de
violência;
44% acham a escola feia e se sentem incomodados
com os problemas de higiene, especialmente nos banheiros;
24% não gostam da maioria dos professores.
- Outra questão é a presença de professores, cuja formação – inicial e/ou
continuada - inadequada não contribui para o desenvolvimento de uma
consciência crítica sobre sua própria atuação profissional. Uma das dimensões da
atividade docente é a afetiva; professores não conscientes das necessidades
afetivas próprias e de seus alunos podem criar uma relação pedagógica cujos
sentimentos de tonalidades negativas conduzem a um círculo vicioso, baixando a
produtividade do processo de ensino-aprendizagem. Almeida (1997) afirma que a
falta de informação sobre o funcionamento fisiológico e social da emoção gera no
profissional da educação a incapacidade em lidar com os estados emocionais;
acrescentando ainda que o desconhecimento desses mecanismos conserva o
professor alheio “às suas mais evidentes manifestações”. Galvão (2001) assevera
que este conhecimento possibilita ao professor melhor envolvimento com os
alunos e evita a perda de controle da dinâmica do grupo. E ainda, Leite e Tassoni
(2002) comprovam que as reações possibilitam o desencadeamento de um
movimento cíclico positivo ou negativo, cuja relação pode se tornar mais
convidativa ou aversiva ao indivíduo, gerando reações emocionais cada vez mais
intensas, tanto no educador quanto no aluno.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
54
Vale lembrar que a relação professor-aluno forma uma unidade; por isso,
deve-se também ressaltar que as experiências vividas em sala de aula não são
resultantes apenas daquelas vividas pelos alunos, mas também daquilo que os
professores experimentam em seu cotidiano:
“O professor e o aluno constituem um par unitário,
indivisível
, quando analisamos o que ocorre em sala de aula. A
aprendizagem é resultado desse encontro. A pergunta a ser feita é:
quais comportamentos ocorrem nesse encontro, em quais
situações, para termos esse resultado? A análise, a avaliação do
comportamento do aluno precisa levar em conta as situações em
que ocorre. Qualquer análise que separe essa unidade professor-
aluno-situação perde o sentido e passa a falar de abstrações que
nada têm a ver com a experiência concreta do dia-a-dia.” (Mahoney,
2003)
Com relação à unidade da relação professor-aluno, é válido dizer que, no
mesmo sentido de círculo vicioso, não são só os professores que contagiam os
alunos com sentimentos de mal-estar, mas o inverso também é verdadeiro. Nesta
pesquisa, de maneira tímida, os adolescentes assumiram que nem sempre o mal-
estar é responsabilidade do professor, que quer ensinar em algumas
circunstâncias, mas eles não estão com disposição para prestar atenção, além de
terem atitudes que provocam o docente e que precisam melhorar nisso:
Vocês deixam ele estressado, ficam conversando. (menino)
Às vezes é por conta própria mesmo. Não adianta querer colocar
toda a culpa no professor. Às vezes o professor tá com vontade de
passar a lição, a gente fica lá bagunçando. (menina)
Às vezes a gente não tá com vontade. (menino)
Ou só quer ficar conversando! (menino)
Tenho dificuldade de me concentrar, fico olhando, olhando pra
lousa e não consigo entender nada, falto muito na aula, fico
conversando. (menino)
A análise feita por Wallon, sobre o contágio das emoções, aponta para a
importância do professor: seus medos, sua segurança, seu amor pelo
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
55
conhecimento, entre outros sentimentos. Na unicidade do relacionamento dialético
que se estabelece em sala de aula, em determinado momento, é difícil separar a
causa e o efeito do mal-estar, mesmo porque a causa se torna efeito e o efeito,
causa. No entanto, é responsabilidade do professor estar consciente da dimensão
afetiva que está sempre presente na relação professor-aluno, administrando e
potencializando a aprendizagem, a partir das necessidades afetivas dos
adolescentes.
Apesar da necessidade do educador aprimorar seus conhecimentos
técnicos para lidar com as próprias emoções e com a dos alunos em sala de aula,
o que temos visto são estatísticas que demonstram que há uma grande
necessidade nesse sentido. Pesquisas vêm revelando que os professores estão
sofrendo as conseqüências de grande estresse laboral. Dos 52.000 pesquisados
por Codo (2000), 48% apresentam sintomas da síndrome de Burnout, um estresse
laboral que pode levar à desistência da profissão. Em Belo Horizonte, uma outra
pesquisa, realizada em 2007 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação, constatou que, naquela região, 30% dos professores apresentam
sintomas dessa síndrome (Jornal Nacional, 09/04/2007). Dentre as causas
mencionadas como desencadeadoras estão: pessoas submetidas constantemente
a ambientes hostis; condições precárias de trabalho; constantes reformas
educacionais; aceleradas mudanças sociais; baixos salários; não valorização;
questões relacionadas à afetividade nas relações pedagógicas em sala de aula.
Assim, é possível perceber a complexidade e a importância das relações
afetivas que permeiam o processo de ensino-aprendizagem, não sendo possível
fazer afirmações sem considerar o contexto mais amplo. Com base em
estatísticas referentes à situação de professores e alunos da rede pública de
ensino no Brasil, é possível avaliar a amplitude em que se forjam as relações em
sala de aula, sem cair em um reducionismo de responsabilizar professor ou aluno
pelo mal-estar vivido na escola, mas compreendendo a complexidade do quadro
em que essas relações se desenvolvem.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
56
2. Modo de relacionamento com o professor: conteúdos,
metodologia e avaliação.
Na atividade de grupo focal, os alunos relacionavam freqüentemente a
matéria ao professor, considerando-a chata ou legal de acordo com a forma com
que ele se comportava. O comportamento docente, mencionado neste caso,
Situação Sentimentos relatados Reação dos adolescentes
Professor que só
faz perguntinha
chata;
Horário da prova;
Ao terminar o
tempo da prova, o
professor a arranca
do aluno;
O professor pega o
aluno colando.
Nervosismo
Medo.
Raiva
Branco, não estudam
porque sabem que na
hora vai dar branco.
Só conseguem
lembrar a matéria
quando não dá mais
tempo de preencher
as questões;
Se forem mal, rasgam
a prova e jogam-na no
lixo. Não fazem nada.
Quando o professor
cumpre as
promessas: levando
os alunos na sala
de informática;
Professor que
explica bem;
Professor que
ensina a matéria
com brincadeiras;
Quando matéria é
legal.
Vontade de prestar
atenção e estudar;
Sentimento de que o
professor se importa
com os alunos.
Entendem melhor a
matéria.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
57
estava vinculado não somente aos aspectos subjetivos, como na categoria
anterior (respeito, atenção, etc), mas também, aos aspectos objetivos, como as
estratégias utilizadas para proporcionar a aprendizagem e as formas de avaliação.
Gonçalves (2005), ao investigar sobre a alegria para os adolescentes na
escola, constatou que aulas que utilizam metodologias diversificadas constituem-
se como situações indutoras deste sentimento.
Isso se confirma nesta pesquisa, pois os alunos afirmam que o professor
legal é aquele que ensina brincando, que utiliza recursos variados para a
aprendizagem, como informática e filmes, jogos e outras dinâmicas:
Nós assistimos um filme. (menino)
É, uma comédia – “As férias de Mr. Bean”. (menino e menina)
Foi bom ver filme?
Foi... (todos)
É legal! (menino)
Por que?
Porque não precisa escrever. (menino)
O que poderia deixar os momentos de fazer lição tão legais
quanto jogar na quadra?
Passar vídeo e levar na informática. (menino)
Quando o professor não leva a gente na informática, nós ficamos
nervosos com o professor. (menino)
Quando ele combina e desmarca a gente fica nervoso. (menino)
[...]
O professor de história faz dança na sala para ensinar história.
(menino)
Ele é um dos professores mais legais que tem lá. (menino)
O outro professor, o Márcio de história. É bom também porque ele
passa filme em um dia, aí no dia seguinte ele já passa algumas
perguntas e dá a nota. É só responder e já era. É fácil! (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
58
É bom porque assim a gente aprende a pesquisar melhor, a ler.
Melhor para responder. Eu acho mais legal assim! (menina)
Esse professor é legal sim! (menino)
Podemos perceber que os adolescentes admiram e elogiam professores
que brincam e têm bom humor, o que corrobora Dourado (2000), Cordeiro (1995),
Dér (1996) e Ferrari (1996), cujas entrevistas, realizadas com professores e
alunos, deixam claro que o bom humor é uma das características mais apreciadas
pelos alunos. Além disso, assim como em Segundo (2007), os participantes deste
estudo demonstraram mais interesse nas aulas quando os professores utilizam
metodologias diferenciadas, dinâmicas, que permitem a participação e consideram
as opiniões desses jovens. Gostam de ver filmes, ir à sala de informática e,
mesmo em sala de aula, gostam quando o educador usa diferentes ferramentas
para mediar o conhecimento.
Wallon afirma que o humor, assim como as outras emoções, têm um poder
de contágio. Um professor bem humorado contagia a classe de forma positiva e
cria um clima propício à aprendizagem, motivando a atenção, ao mesmo tempo
em que sustenta a autoridade.
Outro dado importante mencionado refere-se à problemática de se aprender
as matérias consideradas mais difíceis. Não foi possível perceber se a dificuldade
está associada à metodologia do professor. Os alunos simplesmente relataram os
sentimentos de mal-estar por não compreenderem determinada disciplina.
Portanto, isso nos permite inferir mais uma vez que eles obtêm melhor ou pior
rendimento de acordo com as metodologias utilizadas. Em algumas
circunstâncias, atribuem as dificuldades de aprendizagem à responsabilidade
pessoal:
Qual matéria que vocês mais gostam?
Matemática, eu sei mais matemática. (menino)
Geografia. (menino)
Matemática e Português. (menino)
Ah... eu não gosto de Português não. Não entendo nada! (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
59
Matemática, eu entendo mais. (menina)
É, eu gosto de matemática porque eu consigo racionar rápido.
(menino)
A professora de matemática é muito chata. Ela explica a aula
inteira, quando falta uns cinco minutinhos ela passa exercício... aí
não dá tempo! (menino)
Eu não sei qual a matéria que eu mais gosto... (menina)
Qual matéria você sabe melhor? (menino)
Ah... acho que eu me dou bem em história. Não sei por que... acho
que é porque ele não passa prova, aí a gente tem que fazer as
questões para tirar nota... aí eu faço, já que não tem prova eu faço
todas. Aí eu aprendo. (menina)
[...]
Ah, em história eu não faço não, não gosto. Aquelas perguntinhas
chatas. Depois eu pego com meu amigo de trás. Ele faz tudo.
(menina)
Ficou evidente que o gosto pela matéria interfere diretamente na disposição
do aluno à aprendizagem:
Vocês gostam de estudar?
Eu não gosto muito não! (menino)
Tem vezes que eu sinto vontade, aí eu faço direito (menino)
Mas às vezes é legal estudar. Tem vezes que dá vontade. (menino)
[...]
Tem matéria que não entra na minha mente não, dona! (menino)
O professor explica, explica, a gente tenta quebrar a cabeça e não
consegue entender. (menino)
Fica lá olhando, olhando e não entende nada! (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
60
Eles afirmam, também, que as matérias “mais fáceis” são mais simples de
se aprender. No entanto, não foi possível distinguir se a facilidade provém do
gosto pela matéria ou o contrário: se gostam porque é mais fácil.
O que é diferente nas aulas que dá vontade de estudar?
Quando a matéria é mais fácil de aprender. (menina)
Quando a matéria é mais difícil tem que tentar mais, estudar mais.
(menina)
Português, matemática e geografia são as mais difíceis. (menina)
Não, para mim física e química é ruim, muito difícil! (menino).
Durante os grupos focais, foi possível perceber nas atitudes que, quando o
professor utiliza recursos mais diversificados, os alunos passam a gostar mais do
conteúdo; esse sentimento de bem-estar traz conseqüências no momento da
avaliação. Notou-se que os sentimentos decorrentes da metodologia e da
afinidade ou não com os conteúdos apresentados, refletem diretamente no
rendimento e na disposição dos alunos em serem avaliados. A prova representa a
esses adolescentes um desafio.
Dá um branco. (meninas)
Fica nervosa. (menina)
A gente não lembra de nada. Chega na hora dá um branco.
(menina)
Dá um nervoso! (menino)
A gente vê os outros lá, inteligentes, dá um nervoso. (menino)
É possível inferir que os sentimentos de mal estar com relação à avaliação,
e até com o baixo rendimento, são decorrentes não somente das experiências
vividas em sala de aula, mas também do desinteresse pelos estudos e por
concepções construídas de que a avaliação é instrumento de punição, para
prejudicar.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
61
E o que o professor faz nessas horas?
Chama a atenção (menina)
Dá prova (menino).
[...]
É ruim no dia da prova, né?! Porque eu falto muito, aí chega na
hora da prova, não tem o texto. (menino)
O pior é quando a gente chega na sala e descobre que tem prova.
Aí a gente já pensa, nossa, não estudei nada. Aí tem que colar!
(menino)
Como conseqüência, os alunos afirmam reagir de diferentes maneiras:
Ai a gente tem que copiar do companheiro. (menino)
Aí a gente tem que dar uma coladinha! (menino – todos riram.)
[...]
Comigo é assim, eu não estudo porque eu sei que não vou
lembrar. Eu só lembro no final, aí não dá mais tempo. (menino)
[...]
Quando é com consulta, que a gente pode estudar o texto na hora,
é melhor. (menino)
Mas na hora não dá, a gente lê, lê, lê... (menino)
[...]
Quando é só verdadeiro ou falso a gente chuta. (menino)
Eu sou assim, se eu vou mal eu rasgo a prova e já jogo no lixo.
(menino)
Ainda com relação à categoria “avaliação”, os alunos mencionaram outras
situações indutoras de sentimentos de bem-estar ou mal-estar. Por exemplo,
professores considerados “legais”, que despertam sentimentos de bem-estar, são
lembrados, nesse momento, como aqueles que ajudam na hora da prova:
Na aula de matemática, às vezes ela dá uns exercícios antes.
(menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
62
O de geografia, ele deixa fazer em dupla e com consulta. (menino)
No entanto, os adolescentes reclamam da postura de outros professores:
O professor chega meio sério na sala... (menino)
Aí a gente já fica nervoso, dá branco. (menino)
Pior quando cola errado. (menina)
O pior quando o professor descobre que a gente colou do outro.
(menina)
Já era! (menina)
Ele vem e arranca a prova. (menina)
Às vezes a gente sabe, mas a gente tem que dar uma olhadinha
pra ver se está certo. O professor vê e já deixa sua prova
marcada. Deixa nervoso. Eu já saio da sala e falo com a diretora.
(menino)
Os docentes retiram a prova dos alunos não só quando eles “colam” dos
colegas, mas, também, quando o tempo da aula está acabando. Os adolescentes
reclamam que, devido ao nervosismo decorrente da situação, não conseguem
lembrar do conteúdo; e quando conseguem, já está acabando o tempo e, então,
não concluem a avaliação.
Você está se esforçando lá, aí o professor vem e pega a prova, aí
a gente sai. Você está lá, tentando...dá raiva! (menino)
Mas comigo nunca aconteceu do professor tirar por causa de cola.
No meu caso, estava acabando a aula aí ele vem e tira.
Só no final a gente lembra, aí você está fazendo e ele vem e tira!
(menina)
Dá raiva! Eu peço para ele deixar eu continuar, mas ele diz que já
acabou o tempo. Eu fico na sala, mas fico na raiva. (menino)
Wallon explica que as emoções, sempre acompanhadas por reações
orgânicas, podem chegar a obnubilar a percepção das coisas e da inteligência, ou
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
63
seja, a emoções decorrentes do desconforto quanto à matéria podem prejudicar a
atividade cognitiva.
“O abalo visceral e muscular que propaga a emoção e a impõe se
acompanha de impressões igualmente em conflito com a
percepção das coisas exteriores” (Wallon, 1995 a, p. 86)
“[...] o medo age da mesma forma, criando fantasmas que não
passam da intuição de si mesmo, projetada nas três dimensões do
espaço” (Wallon, 1995 a, p. 86)
Esse fato nos leva a um questionamento: Como se deve estabelecer uma
avaliação para que o aluno possa ter condições de expressar o que realmente
conhece? Essa é uma discussão sobre a qual não discorreremos; no entanto, ela
aponta mais uma vez para a importância do papel do professor quanto às suas
decisões metodológicas e quanto à necessidade de se abordar o tema
“afetividade” nos cursos de formação inicial e continuada.
3. Organização da sala: disciplina, nº de alunos e infra-estrutura.
Situação Sentimentos relatados Reação dos adolescentes
Professor que muda o
aluno de lugar por
qualquer motivo;
Professor que não tem
controle da sala;
Professor que não
permite movimentação
e conversa;
Bagunça na sala de
aula;
Salas com grande
quantidade de alunos.
Dor de cabeça,
dificuldade em se
concentrar e prestar
atenção, mal-estar por
não conseguir
entender a matéria;
Dificuldade para se
concentrar.
Não conseguem
prestar atenção;
Ficam conversando
para passar o tempo;
Não conseguem
entender a matéria.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
64
Professor que tem
controle da sala;
Professor que tem
autoridade, mas é
calmo;
Professor que sabe a
hora certa de deixar
brincar;
Salas com menos
alunos;
Professor que se
preocupa com a
ordem e limpeza da
sala;
Aspecto físico da
escola.
Bem-estar
Falta de concentração,
mal-estar.
Demonstraram
sensações de bem-
estar.
Demonstraram gostar
quando a professora
pede para limpar a
sala antes do início da
aula.
Bem-estar
Colaboram melhor
com o professor;
Conseguem ter mais
atenção do professor;
Querem permanecer
na escola.
Com relação à disciplina, foi possível perceber que os alunos são afetados
por sentimentos de mal estar em classes excessivamente indisciplinadas. Eles
mencionam situações vividas no ano anterior, relacionando a desordem na sala de
aula com a aprendizagem.
É que no ano passado a nossa sala era a pior da escola, terrível. A
professora via que a sala não queria nada com nada, então só
passava lição e deixava na lousa, quem aprendeu, aprendeu, mas
a Marta explica melhor (menina).
Foi possível perceber
, nessas seqüências, que alguns professores têm
dificuldade em lidar com as necessidades dos adolescentes que são considerados
indisciplinados. Ao se sentirem incapazes de lidar com a situação, é possível
inferir que, nesse caso, “desistem” de tentar controlar a sala, deixando os alunos
livres. O mesmo aconteceu no estudo de Chaves (2005)
, em que os docentes
expressam sentimentos de impotência, frustração e inutilidade por causa da
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
65
indisciplina. As reações deles frente a isso são semelhantes às descritas nesta
pesquisa: ficar parado esperando a sala se acalmar, elevar o tom de voz, registrar
no livro de ocorrência, conversar com a família, dar suspensão, encaminhar à
direção, mandar o aluno para fora, ignorar, conversar, usar de recompensa e
punição, ameaçar.
A análise de Chaves foi realizada só com educadores; já essa, só com
adolescentes. Foi interessante notar que, com relação a algumas das reações dos
professores acima descritas, os alunos sentem mais vontade de fazer bagunça e
dizem que se o professor conversasse com eles seria mais fácil para se
entenderem e assimilarem melhor a matéria:
Quando o professor chega, a sala está uma maior bagunça.
(menino)
Aí o professor fica parado na porta esperando a sala se organizar.
(menina)
Enquanto não estiver todo mundo sentado... (menina)
Se o professor chega e eu estou no bolinho, eu continuo no
bolinho. O professor fica só olhando. (menino)
Aí a gente fica fazendo bagunça! (menina)
Eles afirmam que, quando o docente fica bravo, sentem mais vontade de
“fazer bagunça” e têm mais dificuldades para prestar atenção:
Quando ele fica estressado, ele chama o diretor. (menino)
Quer que todo mundo fique em silêncio. (menina)
A gente fica quieto e depois começa a dar risada. (menino)
Os outros tentam controlar a sala mas não conseguem, aí não dá nem
vontade de estudar. (menino)
Os alunos
, por sua vez, nessa relação que podemos chamar de
problemática, reagem com mais indisciplina
, chegando a atitudes de vandalismo:
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
66
A professora dizia que dava até vergonha de passar em frente à sala,
porque quando ela via, era só papelzinho voando, gente cuspindo no
chão. (menina)
Giz. (menina)
Jogava papel no professor. (menino)
A gente pixava a escola, a parede do banheiro era colorida (Mas
afirmaram que a preferem limpa.)
Foi muito marcante e revelador quando, ao serem questionados se não
sentiam dó do professor, responderam que não, pois os professores também não
tinham pena deles:
Vocês não têm dó do professor?
Não, eles não têm dó da gente! (menina)
Dá pra ver no rosto dele. (menino)
Ele mesmo diz que não tem dó de ninguém. (menino)
A indisciplina aparece, portanto, não só como maneira de se opor ao
professor, mas também, como já afirmou Chaves (2005)
, como maneira de
comunicar necessidades não satisfeitas. Os alunos afirmam que nessas matérias
não aprendem quase nada:
No ano passado, nós não aprendemos nada! (menino – a turma
concordou.)
Eu não fazia nada na sala, só fazia de vez em quando. (menino)
Eu não lembro de nada, mas tinha uma professora que era legal,
ela corrigia a gente quando a gente falava errado. (menina)
Os professores de 8ª série
, entrevistados por Munhoz (2007), relacionam a
falta de interesse pela matéria e o pouco hábito de estudo com a indisciplina em
sala de aula. Interessante notar que, enquanto em Munhoz, os professores
responsabilizam os alunos pela indisciplina, nesta pesquisa acontece justamente o
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
67
contrário: os alunos responsabilizam os professores por não controlarem a sala e
afirmam que
, quando há bagunça, não conseguem prestar atenção, o que,
provavelmente, prejudica a aprendizagem:
(...) tem professor que não tem controle da sala. Porque a sala fica
aquela bagunça, a cabeça fica cheia, não dá pra prestar atenção.
(menina)
[...]
Até hoje eu não sei nada da matéria dele. Mentira, eu sei sim!
(menino)
Wallon (1975) discute sobre dois tipos de disciplina. Na primeira, chamada
por ele de formal e coletiva, há um esforço em manter o aluno quieto para se obter
tranqüilidade, silêncio e passividade, de modo que nada venha a distraí-lo dos
exercícios e nem fazer sombra as palavras do professor. O autor afirma que essa
disciplina proíbe a participação do aluno, reprime a curiosidade, as iniciativas
intelectuais e o interesse. Na segunda, existe a preocupação do professor ensinar
e educar, adaptando-se às atividades espontâneas do aluno, que são por ele
estimuladas. Conforme podemos inferir dos depoimentos, os adolescentes
demonstram que esse tipo de disciplina em sala de aula é desejada. Eles
demonstraram incômodo com as classes excessivamente indisciplinadas e
apreciam quando os professores conseguem ter o controle:
Mas quando o Tadeu e a Marta entram na sala todo mundo senta.
(menino)
Por que isso acontece?
É, porque eles são legais! (menina)
Eles controlam a sala. (menina)
Os outros tentam controlar a sala mas não conseguem, aí não dá
nem vontade de estudar. (menino)
O Tadeu conversa, respeita, deixa brincar na hora certa. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
68
Ao mesmo tempo em que consegue controlar a sala, o professor legal
também é aquele que deixa brincar na hora certa, é flexível e se relaciona de
forma simpática com os alunos:
O Tadeu conversa, respeita, deixa brincar na hora certa. (menino)
Ele é o professor mais calmo da escola. (menino)
Tem mais autoridade. (menina)
Ele é aquele professor que deixa a gente brincar, sabe? Ele chega
e enquanto está fazendo a chamada ele deixa a gente brincar. Ele
só pede para falar baixo porque quer ver quem está na sala.
(menino)
Também quando a gente está fazendo lição, ele deixa conversar.
(menino)
Ele gosta de brincar também, gosta de dar risada com a sala. Ele
conta umas piadinhas. (menino)
Quando a gente fala que não pode falar, aí ele dá risada junto.
(menino)
A gente fala que ele está tendo um caso com a inspetora, aí ele dá
risada. (menino)
A Marta também é legal! (menino)
Os alunos afirmam que a maioria dos professores não quer desordem em
sala de aula, não permitindo que se movimentem ou falem qualquer coisa que
esteja fora do conteúdo da matéria. Mas é difícil para os adolescentes se
manterem quietos. Eles sentem vontade de conversar, rir e se movimentar.
Às vezes a gente está quieta, dá uma louca assim, aí a gente começa
a dar risada.
As meninas também gostam de dar risada. Eu faço uma
palhaçadinha de nada e elas já dão risada. Eu acho engraçado!
(menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
69
A gente faz uma piadinha, as meninas dão risada, aí começa.
(menino)
É possível perceber, portanto, que a movimentação em sala de aula, em
alguns casos relatados, também parece não ser bem vista pelo professor.
Limongelli (2004) afirma que parte da literatura que trata da relação entre
movimento corporal humano e processo de ensino-aprendizagem fundamenta-se
em uma visão mecânica e estrutural; desconsidera os elementos internos da
pessoa (emoções, sentimentos e pensamentos), compreendendo o aluno de
forma fragmentada. Nessa concepção, o movimento é considerado um elemento
gerador de desatenção, que interfere negativamente no processo escolar, e passa
a ser proibido na sala de aula. (p. 49). As pesquisas de Thomé (2001) e Lima
(2005) também revelam que os professores apresentam uma visão distorcida
sobre tal questão. Os aspectos motores quase sempre são considerados como
falta de atenção e concentração, portanto, prejudiciais à aprendizagem.
Segundo Wallon, os movimentos são a base, não somente para
gerar tensão nos músculos e garantir deslocamentos corporais, mas também das
atitudes, que são o suporte físico das intenções.
“As emoções consistem essencialmente em sistemas de
atitudes que respondem a uma determinada espécie de situação”
(Wallon, 1995 b, p. 140)
Limongelli nos lembra ainda que a movimentação corporal é uma
atividade de relação da pessoa consigo mesma, com os outros e com o meio, em
que são construídos e expressos conhecimentos e valores, portanto, parte
constitutiva do processo de ensino-aprendizagem.
Foi possível perceber que, de fato, o movimento, em sala de aula, é
necessário e interfere no cotidiano escolar. Os alunos expressam essa
necessidade, vinculando esse aspecto à descrição do “professor legal” x
“professor chato”:
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
70
Aí o professor fica parado na porta esperando a sala se organizar.
(menina)
Enquanto não estiver todo mundo sentado... (menina)
Tem umas professoras que não deixam nem virar pra trás que já
começam a mudar a gente de lugar. (menina)
A fala dos adolescentes confirma que, quando os professores estabelecem
um tipo de disciplina dinâmica, em que são considerados os movimentos e as
atividades espontâneas para promover o conhecimento, de fato melhora o
processo de ensino-aprendizagem.
Com os professores legais a gente aprende melhor (menina).
O professor Tadeu e a Marta ensinam bem (menina).
A gente aprendeu mais esse ano com a Marta esse ano do que no
ano passado inteiro com a outra professora (menina).
O número de alunos por sala também interfere nos sentimentos vividos.
Normalmente
, as classes são muito numerosas, o que atrapalha a concentração e
impede que o professor dê uma atenção adequada aos adolescentes.
Quantos alunos têm na sala?
39. (menina)
Na minha têm 42. (menina)
39, mas não vai nem a metade. Vai no máximo uns 15. (menino)
Na minha freqüentam 25. (menino)
Como é melhor?
Com menos é bem melhor! (todos juntos)
Com menos é bem melhor! É bem melhor pra aprender. (menina)
Com mais gente fica mais bagunça... (menino)
Com menos gente ele explica rápido, e quem não entende ele
passa na mesa e explica. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
71
Com muita gente não para entender nada. (menino)
Com muita gente não dá pra passar na mesa de todo mundo,
porque demora. (menino)
Os alunos demonstraram se sentirem mal
, pois, com salas muito
numerosas não conseguem compreender a matéria. Em algumas circunstâncias
,
alguns deles procuram os professores fora do horário da aula. No entanto
, alguns
destes se negam a oferecer explicações
, alegando que os alunos não prestaram
atenção porque não quiseram ou porque preferiram fazer bagunça.
Dá pra falar com o professor depois, fora da aula?
Ihh, se for falar com o professor, ele diz que a gente não prestou
atenção, ficou conversando. (menino)
E já começa a falar um monte. (menino)
Não prestou atenção porque não quis! (menina)
Há alguns educadores que explicam novamente quantas vezes for preciso,
até fora do horário da aula. Esses são os considerados legais.
Mas tem alguns que até explicam de novo. (menino)
É, o Tadeu... (menino)
O Tadeu explica quantas vezes quiser. Depois da aula, fora do
horário... (menino)
É, o Tadeu explica quantas vezes quiser. Até se for fora da aula,
ele fala para passar outra hora lá e explica. (menino)
Os adolescentes afirmam que essa atitude do professor é boa
, porque
sentem que estes se preocupam e querem seu bem. Além disso
, conseguem
aprender melhor o conteúdo da matéria.
Ah... é melhor, né?! (Todos)
Ah... é melhor, a gente aprende. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
72
A gente vê que eles querem o melhor. (menina)
É bom, a gente aprende mais. (menino)
Silêncio
Quando o professor dá mais atenção para ver quem não
aprendeu... dá para ter um convívio melhor... (menina)
Os alunos também demonstraram sentimentos de bem-estar com os
professores que se importam em manter a limpeza da sala de aula:
A Marta também é legal! (menino)
Ela fala demais! (menino)
Aquela lá a gente tem que respeitar, ela gosta de respeito.
(menino)
Toda vez que ela chega na sala, ela coloca um versículo da Bíblia
na lousa. (menina)
E pede para o representante limpar a sala. (menino)
Outro aspecto mencionado
, com ênfase, foi com relação aos aspectos
físicos da escola. Os alunos mostraram o desejo por ter uma escola bonita:
A escola é bonita?
É, está reformando. (menina)
Está reformando. Antes o campinho era cheio de pedra, de terra.
(menino)
Agora dá até para jogar basquete! (menino)
Agora que a gente vai sair da escola, ela fica mó bonitona.
(menina)
É verdade! (menino)
É... antes não era. (menino)
A gente vai terminar a escola esse ano, mas nós vamos poder
entrar de final de semana, na escola da família. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
73
Os educandos gostam de usufruir da infra-estrutura escolar, como se
percebe na conversa abaixo - “para jogar bola” - mas
, em outros diálogos que
aparecem em outras categorias, também gostariam que a escola tivesse uma
boas condições para que pudessem ter mais aulas de informática, vídeo e outros.
Para jogar bola, a gente fica na escola até depois do horário.
(menino)
Nós jogamos ali no campinho todos os dias as 17hs. (menino)
Quando a escola é bonita é bom, tem árvores, é bom. Bebe uma
água geladinha... (menino)
Esse aspecto apareceu também no final do grupo focal
, em que solicitei
que resumissem em uma palavra como seria a escola dos sonhos:
Queria que tivesse piscina na escola. (menino)
Quadra na escola. (menino)
Essa escola antigamente era linda, era da hora. Tinha flores, um
gramado verde. (menino)
Tinha aula de natação, dança. O uniforme era diferente. Elas
usavam uma sainha... (menina)
Com uma meia no meio do joelho. (menino)
Que todos colaborem. (menino)
Tem computador. (menino)
Essas informações corroboram as pesquisas de Segundo (2007), Lima
(2005) e Munhoz (2007), pois a boa infra-estrutura foi fator relevante também para
o sentimento bem-estar dos alunos. Conforme esses autores, quando a escola se
preocupa com a infra-estrutura
, está demonstrando respeito e consideração pelos
estudantes
, o que faz com que eles se sintam melhor no ambiente escolar.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
74
4. Ir para a escola
Situação Sentimentos relatados Reação dos adolescentes
Ir para a escola. Isso é chato;
Preguiça;
Vontade de ficar
dormindo;
Vontade de ficar
mexendo no
computador;
Vontade de ficar
jogando bola ou sair
com os amigos;
Falta de disposição
para fazer lição.
Alguns alunos faltam
bastante, mas continuam
freqüentando a escola por
que querem uma profissão,
os pais incentivam e para
comer.
É importante frisar, mais uma vez, que “ir para a escola” não representa
diretamente uma situação indutora de sentimentos em sala de aula. No entanto,
os alunos demonstram que ir para escola é algo que desperta sentimentos
contraditórios, acentuando-se os de mal-estar, que interferem na disposição de
assistir às aulas, e, portanto, na relação com o professor.
Emoções relacionadas à freqüência escolar surgiram fortemente durante
todo o grupo focal. Logo no início do primeiro encontro
, quando mencionaram que
a escola estava em greve
, mostraram satisfação e desconforto: satisfação pela
possibilidade de não precisar ir à escola e desconforto por precisar repor as aulas
nas férias:
Está de greve. (menina)
Já faz uns dias que eu não vou pra escola. (menino - falou com um
ar de prazer.)
Burburinho: começam a reclamar da greve, pois eles se
prejudicam e depois precisam repor nas férias. Demonstraram
um ar de irritação.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
75
A aula já voltou? Já? A legal!
Legal nada, dona! (menino)
Tava legal duas semanas sem ter aula. (menino)
Os adolescentes revelaram sentimentos contraditórios nesta situação
devido ao mal-estar vivido com relação ao processo de ensino-aprendizagem,
demonstrando claramente a vontade de desistir dos estudos:
Ai, sei lá, dona, tem vezes que dá vontade de fugir da escola. Não
quero mais estudar mais não! (menino)
Ahhh, eu também, eu também! (todos)
Ao serem questionados sobre os motivos pelos quais desejam parar de
estudar
, apareceram vários deles, tais como: a escola é desinteressante, as aulas
são maçantes, os professores são chatos, sentimento de que já passaram da
idade ideal para continuar os estudos e, para aqueles que estudam a noite,
preferência em sair com os amigos a ter que ir para a escola.
Ah.... Tem vezes.... Eu sou muito velho. No ano passado tinha
muita bagunça na sala, aí eu tinha vontade parar de estudar. Mas
depois eu penso, vai que eu não arrumo serviço mais para frente.
(menino)
De sexta-feira a gente quer ir pra balada. (menino)
Porque dá vontade de ficar em casa mexendo no computador.
(menino)
Porque é legal ficar em casa... (menino)
Porque é bom ficar em casa, dormindo, dá preguiça. (menino)
É preguiça mesmo! (menina)
Por que ir na escola não pode ser legal?
Tem que ficar escrevendo cada textão, duas, três folhas daqueles
monstros ainda! (menino)
De vez em quando lá é chato! (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
76
Esse dado reafirma o relatório de Abramovay (2002)
, em que 31% dos
participantes, estudantes entre 15 e 17 anos, revelaram perda da vontade de ir à
escola.
Os adolescentes participantes deste trabalho não associam o desejo de
parar de estudar com a violência presente no cotidiano escolar, já a pesquisa da
Abramovay revela o contrário, afirmando que a violência se reflete na estrutura
sócio-organizacional da escola em três sentidos: degradação do ambiente escolar
devido à dificuldade de gestão, resultando em estruturas deficientes; infiltração de
gangues e do tráfico de drogas; características próprias de cada estabelecimento -
há escolas historicamente marcadas como violentas e outras consideradas
seguras
, mesmo se localizando em bairros considerados violentos; o que nos leva
à importância de considerarmos esse fato para compreender as razões que levam
os adolescentes a desejarem desistir dos estudos.
Em algumas circunstâncias
, meninos e meninas apresentam motivações
diferentes sobre ir ou não à escola. Eles preferem ficar na rua, passeando,
andando de bicicleta, se divertindo, ou mesmo ficar em casa dormindo; já elas
afirmam que preferem ir à escola para não terem que cumprir com os deveres
domésticos:
É melhor ficar em casa ou ir para a escola?
Ficar em casa. (menino)
Ir para a escola. (menina)
É bom ir pra escola pra não ficar limpando a casa. (menina)
Quem fica em casa tem que fazer o serviço todo! (menina)
Pra a gente é melhor não ir para poder ir para a rua. (menino)
Pra nós é melhor não ir na escola, porque podemos ir para a rua
andar de bicicleta e moto. (menino)
Interessante notar que na pesquisa de Lima (2005) e Segundo (2007)
,
realizadas em escolas particulares, os alunos participantes demonstraram prazer
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
77
em estar na escola; uma das razões mencionadas como responsável pelo bem-
estar, dentre outras, foi o relacionamento com os amigos, com o grupo. Já nesta
análise
, esse aspecto não aparece de maneira clara no diálogo. Foi possível
perceber a importância do grupo somente quando mencionavam gostar de estar
na escola para jogar futebol e ao afirmarem que, às vezes, não estão dispostos a
fazer lição e sim
, ficar conversando:
Para jogar bola, a gente fica na escola até depois do horário
(menino).
Nós jogamos ali no campinho todos os dias as 17h00 (menino).
Quando a escola é bonita, é bom, tem árvores, é bom. Bebe uma
água geladinha... (menino).
Às vezes, a gente não está disposto a fazer lição (menino).
A gente quer ficar conversando (menina).
Ao serem questionados sobre as motivações que os fazem insistir nos
estudos
, apesar do forte desejo de não ir mais à escola, os adolescentes
apresentam razões como: a importância da formação escolar para a entrada no
mercado de trabalho; a consideração e respeito aos pais, que os aconselham
dessa forma; além da alimentação oferecida neste estabelecimento:
O que bom na escola é a hora de comer (menina).
Vai à escola pra comer (menino – todos riram).
[...]
Mas depois eu penso, vai que eu não arrumo serviço mais para
frente (menino).
Tem que trabalhar de servente (menino).
Ai vai dar dor nas costas, fica com a mão toda dura de calo
(menino).
Eu não; eu já penso na minha família, e no futuro, sabe! Vontade
de sair da escola eu já tive, mas nunca quis. Minha mãe sempre
me fala que eu não devo parar de estudar, porque ela nunca teve
oportunidade. Mesmo sem vontade eu venho... (menina).
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
78
A família... (menino).
A família é o que faz a gente continuar vindo para a escola
(menina).
Ao reconhecerem a importância da escola para alcançar uma profissão
melhor, corroboram a pesquisa realizada por Ozella & Aguiar (2005), em que os
adolescentes também consideram os estudos importantes para a entrada no
mercado de trabalho. Entretanto, é interessante notar que, assim como em Ozella
& Aguiar, esses jovens não mencionaram aspirações quanto à universidade, e, em
determinada situação, um deles até afirmou não ter esse desejo:
Eu não vou fazer faculdade, não, dona! (menino)
Os autores hipotetizam que esse fato se dá devido às condições
socioeconômicas em que esses indivíduos vivem:
“Como hipótese podemos pensar que os meninos são mais
cobrados para contribuírem financeiramente em casa, sendo,
portanto, mais pressionados para ingressarem mais cedo no
mercado de trabalho, inviabilizando muitas vezes a possibilidade
de fazerem um curso superior.” (Ozella & Aguiar, 2005, p. 27)
Um outro aspecto que me chamou a atenção foi que, assim como os
participantes da pesquisa de Ozella & Aguiar, os dessa pesquisa, em comparação
aos de outras, também demonstraram formas diferentes de significar as
experiências; por exemplo, em Munhoz (2007), Thomé (2001), Lima, (2005),
Gonçalves (2005), entre outros, cujas análises foram realizadas em escolas
particulares de São Paulo, os alunos se sentem seguros e felizes devido a toda
infra-estrutura que lhes é oferecida, incluindo os recursos físicos e humanos, com
professores muito bem qualificados. Já os participantes deste estudo, integrantes
da precária escola pública, segundo os depoimentos, revelam não gostar de estar
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
79
ali; resultado semelhante ao da Abramovay (2002), no qual 44% dos alunos
expressam insatisfação com a rede pública de ensino.
Entretanto, é interessante notar que, apesar destas diferenças entre cada
contexto específico, foi possível identificar, nos adolescentes participantes de
todas essas pesquisas acima mencionadas, características comuns, relacionadas
às necessidades específicas da faixa etária. Por exemplo: o desejo, por parte de
todos, de receberem a atenção e respeito do professor; a valorização e
importância do grupo; a reivindicação, em maior ou menor grau
, de aulas mais
interessantes, dinâmicas e com professores bem formados; o descontentamento
não só com a escola, mas também consigo mesmos, por terem comportamentos
considerados indisciplinados, em algumas circunstâncias, atitudes agressivas e,
às vezes, até de vandalismo.
Esse fato confirma a visão dialética de Wallon de que a constituição da
identidade ocorre na interação entre as potencialidades genéticas e os meios,
principalmente o meio social, e vice-versa.
Para finalizar, gostaria de realizar uma última reflexão. Foi possível
perceber que, apesar de organizarmos os dados em categorias, a ação do
professor é uma só, e cada decisão pedagógica se reflete em todas as dimensões
do processo de ensino-aprendizagem.
Sobre esse assunto, Segundo (2007) nos lembra que as experiências
marcadamente positivas não se restringem às relações interpessoais entre
professor e aluno, mas também pela forma como a prática pedagógica é
desenvolvida pelo docente.
Corroborando esse ponto de vista, os dados coletados na presente
pesquisa também demonstram que os sentimentos vividos em sala de aula, sejam
eles positivos ou negativos, não se reduzem apenas a relações interpessoais com
o professor; apesar de serem fortemente marcados por elas. Foi possível perceber
que os sentimentos de bem-estar relatados se estendem a todas as dimensões do
processo escolar.
Com relação às dimensões da atuação docente, Placco (2006) afirma que o
processo de ensino-aprendizagem é marcado pelo movimento das dimensões
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
80
técnica, política, humana-interacional, crítico-reflexiva, avaliativa, estética, cultural,
ética, da formação continuada e do conhecimento para o ensino, sendo que todas
se interpenetram e influenciam.
Neste trabalho, dou destaque à dimensão afetiva, chamada por Placco
humana-interacional, no entanto, com o cuidado de ressaltar que ela está
completa e sincronicamente integrada às demais. Isto é, chamo a atenção para
uma delas, não para reforçar sua predominância, mas para mostrar que sem
considerá-la, este equilíbrio está prejudicado.
Conforme ilustra a figura 1, a autora citada acima afirma que
, durante a
atuação docente
, todas essas dimensões estão presentes, agindo
sincronicamente, ou seja, ao mesmo tempo. Pode haver predominância de uma
ou duas delas em determinados momentos, mas, sempre serão forças atuantes
durante o processo de ensino-aprendizagem.
Com tantas dimensões interferindo no desenvolvimento e na qualidade da
atuação docente, é possível compreender o que Placco quer dizer com as
relações unas e complexas. Tais dimensões são:
Formação
identitária
Humano-
Interacional
Política
Estética
Cultural
Formação
técnica
Saberes para
ensina
r
Formação
continuada
Crítico-
reflexivo
Ética
e
Intencionalidade
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
81
“[...] criadoras de significados pessoais e culturais, que
possibilitam a estruturação de si e do outro, o desenvolvimento da
consciência de si, em situações de interação e aprendizagem
significativas, em parcerias nas quais afeto e razão estão em
simultaneidade e alternância, mobilizando, construindo e
constituindo a pessoa inteira.” (Placco, 2002, págs. 12-13)
Concordo com essa afirmação, pois, conforme foi possível perceber nesta
pesquisa, a “integralidade” da pessoa e da ação do professor é sentida pelos
alunos, que, igualmente pessoas integrais, são afetados com sentimentos de bem
estar ou mal estar
, conforme a consciência e atuação intencional ou não por parte
do educador, interferindo diretamente na disposição de ambos para o processo de
ensino-aprendizagem.
“Lembramos que o professor atua com uma primordial
função: a de formar cidadãos plenos, capazes de intervenção
digna, produtiva e consistente na sociedade. Este deve ser, então,
o foco de sua formação, tornando-o capaz de promover a inclusão
social do aluno sob sua responsabilidade formativa: o aluno em
sua complexidade, o aluno em sua multiplicidade, o aluno em suas
possibilidades, o aluno em suas necessidades singulares e
coletivas.” (Placco, 2006, p. 11)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
82
Considerações Finais
O conhecimento “entra” pelos sentidos. Desperta muitas sensações...
Prazer, dor, angústia, medo, alegria, satisfação. Nessa aventura, hipóteses se
modificam ou ampliam, e as descobertas incitam a curiosidade. As indagações
inquietam nossa mente, nos conduzindo pelos labirintos da pesquisa cientifica.
Assim começou essa investigação; por um lado, o conhecimento da Rede
Pública de Ensino, em teoria e prática, provocou-me profundamente, com dúvidas
e questionamentos que não se queriam calar. Por outro lado, simultaneamente, a
convivência com adolescentes vulneráveis socialmente, os quais me causavam
sérias preocupações devido à situação em que viviam.
Conforme nos lembra Dér (2004),
“(...) o adolescente apresenta uma personalidade
permeável a todo o tipo de valores que o meio oferece, tanto os
positivos como os negativos. Como uma esponja, ele absorve tudo
o que o meio lhe oferece e devolve a ele muito do que recebeu,
sempre por meio da ação concreta.” (Dér, 2004, p. 74)
Com base neste pressuposto, que decorre da teoria de Wallon, passei a me
preocupar com a relação de professores e alunos submetidos a situações hostis
de diferentes naturezas, e questionei: como se dá a relação entre professores da
rede pública de ensino com seus alunos, adolescentes vulneráveis socialmente?
Quais os sentimentos que brotam dessa relação?
Essas perguntas surgiram pela hipótese de que, devido aos sentimentos de
mal-estar decorrentes das experiências vividas nos outros grupos e meios ao qual
pertencem, e mesmo daqueles decorrentes da própria faixa etária, ou próprias do
contexto escolar, o encontro entre esses sujeitos poderia ser conflitante. Ou seja,
os sentimentos e emoções emergentes da relação entre professores e alunos em
sala de aula poderiam estar carregados com as marcas das dificuldades vividas e,
nesse encontro, outros sentimentos, vinculados às sensações mal-estar,
ocorreriam, tornando a relação muito difícil e interferindo, não só na aprendizagem
e no desenvolvimento cognitivo, mas também no desenvolvimento da pessoa
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
83
completa, e na capacidade de escolha desses jovens quanto aos valores morais e
éticos, uma vez que, segundo Wallon, esse é o período de suas vidas em que
opções dessa natureza são feitas.
Assim, levantaram-se os seguintes questionamentos: Que sentimentos
surgem no encontro de professores e alunos? Em que circunstâncias esses
sentimentos emergem? Como os adolescentes lidam com esses sentimentos?
Conforme já explicitado, os adolescentes investigados relataram, sobre a
sala de aula, sentimentos vinculados, na maior parte dos casos, a sensações de
mal-estar: dor de cabeça, raiva, medo, tristeza, vontade de sumir da escola. As
situações indutoras destes sentimentos foram relacionadas aos professores
considerados “chatos”, que são aqueles que, conforme os depoimentos, não se
preocupam em dar uma boa aula, pois “não fazem nada”, “só ficam lendo o texto e
passando perguntinhas chatas”, “não permitem a participação dos alunos”, “gritam
o tempo todo”, “não conseguem controlar a sala”, etc.
Além disso, assim como os adolescentes de outras pesquisas, em algumas
circunstâncias, estes comunicam necessidades não satisfeitas por meio de
comportamentos considerados indisciplinados. No entanto, com relação a esse
aspecto, algo me chamou a atenção: nesta análise, diferentemente de outras
realizadas com escolas particulares, foram mencionadas situações em que as
reações aos sentimentos de mal-estar apareceram marcadas por comportamentos
violentos, como: vandalismo, destruição da escola, pixação de muros, cusparada
uns nos outros, em sala, e até agressões físicas, não só por parte dos alunos, mas
também dos professores; o que nos leva a concluir que, de fato, a relação entre
esses docentes, nas circunstâncias da rede pública de ensino, com adolescentes
também submetidos a diversas pressões e carências, pode se tornar explosiva.
Entretanto, contrariando minha hipótese inicial, não necessariamente essa
relação será “explosiva” devido às circunstâncias sociais e econômicas dos atores
do processo de ensino-aprendizagem. Apesar de ter sido necessária uma
pergunta provocadora para que os adolescentes mencionassem situações que
despertassem sentimentos de bem-estar, animaram-se ao contar os momentos
prazerosos que viviam com os professores “legais”. Dessa forma, quando é
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
84
percebido o compromisso do professor com o “bem deles”, expresso na forma de
preparar a aula, de utilizar diferentes recursos para mediar o conhecimento e de
brincar e dialogar com os alunos, relataram sentimentos como: alegria,
motivação, vontade de aprender, desejo por superar as dificuldades das matérias
mais complicadas. Por conseqüência, esse jovens reagiam colaborando com o
professor e estudando mais a matéria. Portanto, tal fato nos leva a concluir que os
adolescentes classificados como vulneráveis socialmente devido à situação
socioeconômica em que vivem, não são pessoas problemáticas, que
necessariamente causam problemas por onde quer que passem.
Em comparação com pesquisas realizadas em escolas cuja situação
financeira é mais privilegiada, notou-se que as necessidades afetivas decorrentes
do processo de desenvolvimento e diferenciação são semelhantes: eles querem
ser respeitados, precisam se afirmar para se diferenciar, gostam de atuar em
grupos, de dialogar, e, sonham; sonham muito com um futuro melhor.
Não é nosso objetivo analisar ou julgar quem está certo ou errado no par
dialético professor-aluno. É necessário um esforço para compreender a situação
de forma mais abrangente. Toda a relação de sala de aula se forja em um
contexto social maior, que, se negligenciado, pode prejudicar seriamente tanto
professores (conforme visto em Codo, 2000) quanto alunos, afetando, portanto, o
processo de ensino-aprendizagem, o que leva a outras conseqüências, mais
drásticas e violentas.
Além destas constatações, que respondem diretamente à pergunta inicial,
minha visão se ampliou: outros aspectos, antes nem imaginados, no início da
pesquisa, foram esclarecidos. Dentre eles, destaco, em primeiro lugar, a
integralidade e a sincronicidade da ação do professor: tudo o que faz em sala de
aula, intencionalmente ou não, é resultado da mobilização de sua pessoa
completa - afetividades
, aspectos motores, cognição e as outras dimensões
explicitadas por Placco (2006), que, de alguma forma, são similares ou abarcadas
por esses aspectos.
Em segundo lugar, chamo a atenção ás conseqüências da ação do
professor para com o aluno, indivíduo também integral, que, no processo de
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
85
ensino-aprendizagem, se mobiliza por inteiro para apreender os conhecimentos.
Assim, o estudo mostrou, confirmando meu foco, que a dimensão afetiva tem um
papel primordial para a vida escolar, de forma que as emoções decorrentes das
ações dos professores interferem na disposição dos alunos com o conhecimento.
No entanto, isso se refere e interfere em muitas e diferentes situações e são
resultado de reações frente a vários e diferentes momentos indutores de
sentimentos: não gostar da matéria, não gostar do professor, faltar muito às aulas,
não querer mais estudar, não prestar atenção na aula, achar o conteúdo difícil,
ficar nervoso na hora da prova.
Esta pesquisa contribuiu para reafirmar:
1. A multiplicidade das dimensões do processo de ensino-aprendizagem e
a importância do professor ter a consciência dessas dimensões, para
atuar de forma intencional e competente;
2. As necessidades afetivas dos adolescentes e a importância do professor
se utilizar dessas necessidades, transformando-as em recursos que
podem tornar a aprendizagem mais produtiva;
3. E, principalmente, sendo o foco dessa pesquisa, a evidência de que as
relações entre professores da rede pública de ensino e adolescentes
vulneráveis socialmente podem se tornar muito difíceis, mais do que
com adolescentes de outras classes sociais, devido a essa
vulnerabilidade. No entanto, podemos afirmar também que professores
bem preparados podem “conquistar” seus alunos, levando-os à
aprendizagem, apesar das situações socioeconômicas desfavoráveis a
que estão submetidos.
Há urgência não só de que esses aspectos sejam trabalhados em cursos
de formação de professores, mas, também, que sejam implementadas outras
políticas públicas que melhorem as condições de ensino de uma forma geral,
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
86
desde a infra-estrutura até a formação dos educadores, pois fica evidente que
essas condições são também fatores que causam sentimentos de bem-estar ou
mal-estar e, portanto, podem interferir no processo de ensino-aprendizagem.
Para concluir, levanto alguns questionamentos:
- O levantamento bibliográfico desta pesquisa apontou para pelo menos duas
décadas de estudos cujos resultados revelam a importância da dimensão
afetiva para o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, o que as
políticas públicas têm feito com relação a esse assunto?
- Não só esta pesquisa, mas os jornais e outros meios de comunicação vêm
mostrando a situação a que as relações entre professores e adolescentes da
rede pública de ensino podem chegar. O que tem sido feito na tentativa de
transformar essa situação, ainda que a longo prazo, tendo em vista a
importância da qualidade das relações para a formação do “homem-cidadão”?
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
87
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, M. (org). Escola e Violência. Brasília: UNESCO, 2002.
AGUIAR, W. M. J., BOCK, A. M. B., & OZELLA, S. A Orientação Profissional
com Adolescentes: um exemplo de prática na abordagem sócio-histórica. In:
BOCK, A. M. B., GONÇALVES, M. G. M. & FURTADO, O. (orgs.) Psicologia
Sócio-Histórica: uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez,
2001.
AGUIAR, W.M.J. e OZELLA, S. Desmistificando a concepção de adolescência.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo. nº 133, janeiro/2008.
ALMEIDA, L.R. de. Ser professor: um diálogo com Henri Wallon. In:
MAHONEY, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
ANDERY, M.A., at al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica.
Rio de Janeiro: Espaço e Tempo; São Paulo: Educ, 1999, 8ª ed.
ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo. nº 113, julho/2001, p. 51-64.
CARVALHO, F de A. O mal estar docente: das chamas devastadoras
(burnout) às flamas da esperança-ação (resiliência). 284f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2003.
CHAVES, R.S.L. Sentimentos de professores (as) diante da indisciplinas
de alunos (as) adolescentes no ensino fundamental. 202f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2005.
CLÍMACO, A.A.P. de S. Repensando as concepções de adolescência. 95f.
Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1999.
CODO, W. (coord.). Educação, carinho e trabalho. 2ª ed. Petrópolis: Vozes,
2000.
CORDEIRO, S.A.B. Interação professor-aluno: concepções de professores e
alunos da sétima série. 136f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da
Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
88
DANTAS, P.S. Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética. São Paulo:
Brasiliense, 1983.
DEBESSE, M. A Adolescência. Portugal: Publicações Europa – América,
Coleção Saber, 1943.
DÉR, L.C.S. A constituição da pessoa: dimensão afetiva. In: MAHONEY,
A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa na proposta de
Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
DÉR, L.C.S. Adolescência na Teoria de Desenvolvimento de Henri Wallon.
202f. Tese (Doutorado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
DÉR, L.C.S. As atitudes de atenção/desatenção em sala de aula: o que
dizem professores e alunos de 7ª série. 148f. Dissertação (Mestrado em
Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 1996.
DOURADO, I.C.P. Relações sociais: um estudo a partir da teoria de
desenvolvimento de Henri Wallon. 159f. Tese (Doutorado em Psicologia da
Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
_________, I.C.P. Concepção de afetividade segundo uma professora de
oitava série. 159f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
DUARTE, M.P. e GULASSA, M.L.C.R. Estágio Impulsivo Emocional. In:
MAHONEY, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). Henri Wallon: Psicologia e
Educação. São Paulo, Edições Loyola, 2003, 3ª ed.
ECO, U. Como se faz uma tese. São Paulo, SP, Perspectiva, 2000.
FERRARI, S.C. Necessidades dos alunos de 5ª série segundo seus
professores. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação). 111f.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000.
GALVÃO, I. Expressividade e emoção: ampliando o olhar sobre as interações
sociais. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo. supl. 4, pp. 7-30,
2001.
GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento
infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GATTI, B.A. Grupo Focal em Ciências Sociais e Humanas. Brasília, DF,
Líber Livro, 2005.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
89
GONÇALVES, M. de O. A alegria na escola: um estudo com adolescentes
paulistanos. 132f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação).
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
GULASSA, M.L.C.R. A constituição da pessoa: os processos grupais. In:
MAHONEY, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
LEITE, S.A.S & TASSONI, E.C.M. A afetividade em sala de aula: as condições
de ensino e a mediação do professor. In: AZZI e SADALLA (org). Psicologia e
formação docente: desafios e conversas. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2002.
LIMA, C.A.R. Ser adolescente: o que alunos de 8ª série pensam sobre a
escola? 91f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
LIMONGELLI, A.M. de A. A constituição da pessoa: dimensão motora. In:
MAHONEY, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
LUNA, S.V. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: Educ,
2000.
MAHONEY, A.A E ALMEIDA, L.R. de. Afetividade e processo de ensino-
aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Psicologia da Educação. São
Paulo. v. 20, 2005. Disponível em: http://scielo.bvs.org.br/scielo. Acesso em:
18/01/07.
________, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
________, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). Henri Wallon: Psicologia e
Educação. São Paulo, Edições Loyola, 2003, 3ª ed.
MAHONEY, A.A. A constituição da pessoa: desenvolvimento e aprendizagem.
In: MAHONEY, A.A. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). A constituição da pessoa
na proposta de Henri Wallon. São Paulo, Edições Loyola, 2004.
MARIN, A..J. Com o olhar nos professores: Desafios para o enfrentamento das
realidades escolares. Cadernos CEDES. Campinas. v. 19, nº 44, abril/1998.
Disponível em: http://scielo.bvs.org.br/scielo. Acesso em: 10/02/2007.
MAZZOTTI, A.J.A.. Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo. nº 113, julho/2001, p. 39-50.
MUNHOZ, T.L.T. Sentimentos e emoções, no contexto escolar: um estudo
com professores e bons alunos da 8ª série. 139f. Dissertação (Mestrado em
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
90
Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2007.
OZELLA, S. (org). Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-
histórica. São Paulo: Cortez, 2003.
PINHEIRO, M.M. Emoção e afetividade no contexto da sala de aula:
concepções de professores e direções para o ensino. 146f. Dissertação
(Mestrado em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 1995.
PLACCO, V.M.N de S. (org). Psicologia & Educação: revendo contribuições.
São Paulo: Educ, 2003.
________, V.M.N de S. Processos Multimensionais na formação de
professores. In: ARAÚJO, M.I.O. e OLIVEIRA, L.E. (orgs.). Desafios da
Formação de Professores para o Século XXI. 1ª ed. Sergipe: Editora
Universidade Federal de Sergipe, 2008, v.1.
________, V.M.N de S. Representações sociais de jovens sobre violência e a
urgência na formação de professores. Psicologia da Educação. São Paulo. v.
14/15, 1º e 2º sem./2002, pp. 347-367.
________, V.M.N. de S. e ALMEIDA, L.R. de. (orgs.). As relações
interpessoais na formação de Professores. São Paulo, Loyola, 2002.
________, V.M.N. de S. Um estudo de representações sociais de professores
do ensino médio quanto à AIDS, às drogas, à violência e à prevenção: o
trabalho com grupos focais. In: MENIN, M.S de S. E SHIMIZU, A. de M. (orgs.)
Experiência e representação social: questões teóricas e metodológicas. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
ROSENFELD, A. O pensamento psicológico. São Paulo: Perspectiva, 2006.
SCAVAZZA, M.C. Emoção: uma análise do tema em periódicos da área da
Psicologia da Educação. 78f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da
Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
SEGUNDO, T. Afetividade no processo ensino-aprendizagem: a atuação
docente que facilita ou dificulta a aprendizagem. 111f. Dissertação (Mestrado
em Psicologia da Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2007.
THOMÉ, M. O que ajuda a aprender? Características da relação professor-
aluno segundo adolescentes. 118f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da
Educação). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
91
UNESCO. Educação para Todos: imperativo de qualidade. UNESCO, 2005.
Disponível em http://unesco.org.publishing. Acesso em 20/01/2007.
WAISELFISZ, J.J. Mapa da Juventude, violência e vulnerabilidade social
na América Latina. Brasília: UNESCO: Instituto Ayrton Senna: Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, 2005, 2ª ed.
WALLON, H. As origens do Caráter na Criança. Trad. Heloysa Dantas de
Souza Pinto. São Paulo: Nova Alexandria, 1995 a.
________, H. A evolução Psicológica da criança. Trad. Cristina Carvalho.
Lisboa: Edições 70, 1995 b.
________, H. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa, Editora Vega,
1979.
________, H. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa, Editorial Estampa,
1975.
________, H. A evolução Psicológica da criança. Trad. Ana Maria Bessa.
Lisboa: Edições 70, 1968.
WEREBE, M.J.G. & NADEL BRULFERT, J. Henri Wallon. São Paulo: Ática,
1986.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
92
TRANSCRIÇÃO - DIA
ANEXOS
Eu gostaria que vocês falassem uma palavra que expresse o que vocês
sentem quando estão na sala de aula com o professor.
Silêncio
Risadinhas
Quem teve aula ontem?
Está de greve. (menina)
Já faz uns dias que eu não vou pra escola. (menino - falou com um ar de prazer.)
Burburinho: começam a reclamar da greve, pois eles se prejudicam e depois
precisam repor nas férias. Demonstraram um ar de irritação.
Quando foi o último dia que vocês tiveram aula?
Na 5ª feira.
E nós na quarta.
Como foi?
Nós assistimos um filme. (menino)
É, uma comédia – “As férias de Mr. Been”. (menino e menina)
Em que aula vocês viram?
Nas três aulas de português.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
93
Foi bom ver filme?
Foi... (todos)
É legal! (menino)
Por que?
Porque não precisa escrever. (menino)
Mas em algumas aulas tem que escrever sim, na do Ricardo escreve. (menina)
Ele dá muita lição! (menino)
Você gosta de fazer lição?
Gosto nada! Quando é pra casa eu nem faço, eu deixo pra lá. (menino)
Quando os professores cobram eu não mostro nada, aí eu vou lá pra frente.
(menino)
E como eles reagem?
Não fazem nada, só colocam negativo e abaixam a nota. (menino)
Só o negativo. (menino)
Abaixa a nota. (menina)
Vocês se dão bem com os professores?
Alguns. (todos juntos)
Com o Tadeu... (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
94
É, alguns. Menos com a Regina, aquela juba de leão. (menino - todos riram.)
Ela é muito chata, dona!
Só quer brigar com os outros. (menino)
Não pode nem mascar chiclé que ela manda para a diretoria. (menino)
Você está lá na carteira, ela vem, pega o nosso caderno e coloca em outra
carteira. (menino)
É, ela muda a gente de lugar. (menino)
Tem umas professoras que não deixam nem virar pra trás que já começam a
mudar a gente de lugar. (menina)
Dá vontade de bater nela, sabia? Dá vontade de bater nela, ela irrita. (menino)
Dá uns nocautes. (menina)
(Todos riram.)
E aí, o que você faz nessa hora?
Não faço nada, falo só um pouquinho pra ela. (menino)
Umas verdades. (menina)
Aí ela fala que vai dar nota vermelha. Ela dá nota vermelha e eu saio da sala. Já
fiquei com nota vermelha mesmo! (menino)
E quando a gente tá conversando, ela dá falta. (menino)
O que você sente quando sai da aula?
Não sinto nada, dona. (menino)
Um alívio! (menina)
Quando eu saio da sala eu fico zoando nas outras salas, fico correndo, gritando.
(menino - todos riram.)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
95
E com vocês, como é?
Eu não gosto de discutir com o professor, mas quando eu fico nervoso, sei lá....
eu xingo mesmo, não estou nem vendo! Xingo assim, ela é mó jubão! (todos
riram.)
Dá vontade xingar ela. (menino)
Dá vontade de xingar ela de leão. (menino)
E se ela fosse diferente?
Se ela fosse legal.... (menina)
Não ser daquele jeito que ela é! (menino)
Conversar com a gente, ser legal com a gente. (menina)
Por exemplo, tem professores que são legais, o Tadeu... (menina)
É, a Marta, o Ricardo... (menino)
Tipo assim, a gente começa a conviver com eles e eles ficam legais com a gente.
É uma forma de expressar assim, sabe? (menina)
O que é ser legal?
Brincar com a gente! (menina)
Ser legal é ter controle da sala, porque tem professor que não tem controle da
sala. Porque a sala fica aquela bagunça, a cabeça fica cheia, não dá pra prestar
atenção. (menina)
Uns querem fazer bagunça, outros querem prestar atenção. (menina)
O Tadeu e a Marta são legais porque conseguem controlar a sala. Têm várias
formas. Mas tem outros professores, como a Karen, nossa... ela é muito
estressada. Quando (dá) um ataque nela é terrível, ela começa a gritar, começa a
falar, aí os outros batem palma e ela gosta. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
96
Como você se sente?
Ah, sei lá, me sinto muito mal! (menina)
Humilhada! (menina)
Eu gosto de ficar quieto na sala, mas se o professor é chato aí eu fico
atormentando a sala. Por isso que eu vou para fora. Com essa Regina aí, foi
assim, por isso que eu levei falta. Eu fico assobiando, cantando na sala, aí eu
deixo ela brava, me dá falta aí eu vou para fora. (menino)
Quando o professor não é legal, não dá vontade de estudar. (menina)
Se ela fosse educada, conversasse com a gente seria melhor, a gente poderia
entender melhor. Quando eles conversam, ficam legais.
A gente fica conversando, etc. É para passar o tempo. (menina)
Quando um professor incomoda, você não consegue prestar atenção. (menina)
Dá dor de cabeça, num dá vontade de fazer nada, dá vontade de ir embora. Aí
quando chega outro professor, quando ele está explicando, não dá para
entender, porque a dor já afetou. (menina)
O Pedro é bagunceiro! (menina)
Uma hora boa na escola é comer. (menina)
A gente vai pra escola pra comer. (menina)
Essa é uma hora boa na escola. (menina)
Silêncio...
Você fica conversando, né? Outro dia ela ficou conversando. (menino)
Na segunda aula, na segunda aula quem não conversa? (menina)
A Dani ficou só conversando. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
97
Quando o professor não está prestando atenção. (menina)
Por que todo mundo conversa na 2ª aula?
O professor não estava na sala. (menina)
Ele estava na outra sala. Ele estava dando aula para duas salas ao mesmo tempo
porque faltou professor, por causa da greve. (menina)
Só tem dois professores dando aula. (menino)
Qual matéria que vocês mais gostam?
Matemática, eu sei mais matemática. (menino)
Geografia. (menino)
Matemática e Português. (menino)
Ah... eu não gosto de Português não. Não entendo nada! (menina)
Matemática, eu entendo mais. (menina)
É, eu gosto de matemática porque eu consigo racionar rápido. (menino)
A professora de matemática é muito chata. Ela explica a aula inteira, quando falta
uns cinco minutinhos ela passa exercício... aí não dá tempo! (menino)
Eu não sei qual a matéria que eu mais gosto... (menina)
Qual matéria você sabe melhor? (menino)
Ah... acho que eu me dou bem em história. Não sei por que... acho que é porque
ele não passa prova, aí a gente tem que fazer as questões para tirar nota... aí eu
faço, já que não tem prova eu faço todas. Aí eu aprendo. (menina)
O outro professor, o Márcio de história. É bom também porque ele passa filme em
um dia, aí no dia seguinte ele já passa algumas perguntas e dá a nota. É só
responder e já era. É fácil! (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
98
É bom porque assim a gente aprende a pesquisar melhor, a ler. Melhor para
responder. Eu acho mais legal assim! (menina)
Esse professor é legal sim! (menino)
É, mas às vezes ele fica nervoso. Outro dia a gente estava escolhendo a camisa
dos formandos e a gente queria azul e ele disse que ia ser preta. Ficou a maior
discussão, porque ele disse que ia ser preta e a gente queria azul. Mas ele é legal.
Se ele está fazendo a chamada, se alguém não ouvir é falta. E quando o pessoal
está distraído, ele começa a passar lição na lousa, e quem não fez fica sem nota.
(menina)
Ah, em história eu não faço não, não gosto. Aquelas perguntinhas chatas. Depois
eu pego com meu amigo de trás. Ele faz tudo. (menina)
Quantos alunos têm na sala?
39. (menina)
Na minha têm 42. (menina)
39, mas não vai nem a metade. Vai no máximo uns 15. (menino)
Na minha freqüentam 25. (menino)
Como é melhor?
Com menos é bem melhor! (todos juntos)
Com menos é bem melhor!
É bem melhor pra aprender. (menina)
Com mais gente fica mais bagunça... (menino)
Com menos gente ele explica rápido, e quem não entende ele passa na mesa e
explica.
Com muita gente não para entender nada.
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
99
Com muita gente não dá pra passar na mesa de todo mundo, porque demora.
Já aconteceu de vocês não entenderem e não terem a oportunidade de o
professor explicar de novo?
Já. (todos)
É ruim né, porque você vê todo mundo entendendo e só você que não sabe de
nada. (menina)
Aí vai ficar para trás, né? Fica na oitava série de novo. (menina)
Daí a gente vê os amigos que entenderam e vai atrás... (menina)
Dá pra falar com o professor depois, fora da aula?
Ihh, se for falar com o professor, ele diz que a gente não prestou atenção, ficou
conversando. (menino)
E já começa a falar um monte. (menino)
Não prestou atenção porque não quis! (menina)
Mas tem alguns que até explicam de novo. (menino)
É, o Tadeu... (menino)
O Tadeu explica quantas vezes quiser. Depois da aula, fora do horário... (menino)
É, o Tadeu explica quantas vezes quiser. Até se for fora da aula, ele fala para
passar outra hora lá e explica. (menino)
E como vocês se sentem com esses professores?
Ah... é melhor, né?! (Todos)
Ah... é melhor, a gente aprende. (menino)
A gente vê que eles querem o melhor. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
100
É bom, a gente aprende mais. (menino)
Silêncio
Quando o professor dá mais atenção para ver quem não aprendeu... dá para ter
um convívio melhor... (menina)
Ai, sei lá, dona, tem vezes que dá vontade de fugir da escola. Não quero mais
estudar mais não! (menino)
Ahhh, eu também, eu também! (todos)
Por que?
Ah.... Tem vezes.... Eu sou muito velho. No ano passado tinha muita bagunça na
sala, aí eu tinha vontade parar de estudar. Mas depois eu penso, vai que eu não
arrumo serviço mais para frente. (menino)
Tem que trabalhar de servente. (menino)
Aí vai dar dor nas costas, fica com a mão toda dura de calo. (menino)
Ah, eu gosto de sair! De sexta feira eu quero sair, mas tem que estudar, aí não dá
certo. (menino)
Eu não; eu já penso na minha família, e no futuro, sabe?! Vontade de sair da
escola eu já tive, mas nunca quis. Minha mãe sempre me fala que eu não devo
parar de estudar, porque ela nunca teve oportunidade. Mesmo sem vontade eu
venho... (menina)
A família... (menino)
A família é o que faz a gente continuar vindo para a escola. (menina)
E vocês que não falaram nada?
Vontade eu já tive, mas nunca quis. Minha mãe sempre me fala que eu não devo
parar de estudar, porque ela nunca teve oportunidade. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
101
Às vezes não dá vontade de ir pra escola. Sabe o que é dona, tem muita gente
mais velha na minha sala. Mas é bom que tem gente mais velha... é bom porque
eu me concentro melhor. É bom, porque se fosse com gente da minha idade não
ia dar certo, porque eu gosto de conversar, com o pessoal mais velho eu presto
atenção melhor. (menino)
Tem gente com 20 anos na 5ª série! (menino)
Às vezes os professores (falta alguma coisa aqui?) e parece que a gente não
entende. (menino)
Tem matéria que não entra na minha mente não, dona! (menino)
O professor explica, explica, a gente tenta quebrar a cabeça e não consegue
entender. (menino)
Fica lá olhando, olhando e não entende nada! (menino)
Ai a gente tem que copiar do companheiro. (menino)
Aí a gente tem que dar uma coladinha! (menino – todos riram.)
É ruim no dia da prova, né?! Porque eu falto muito, aí chega na hora da prova, não
tem o texto. (menino)
Você acha que não conseguir prestar atenção é por causa do professor?
É, porque sei lá! (menino)
Às vezes não, é por conta própria. Às vezes é por conta própria mesmo. Não
adianta querer colocar toda a culpa no professor. Às vezes o professor tá com
vontade de passar a lição, a gente fica lá bagunçando. (menina)
Às vezes a gente não tá com vontade. (menino)
Ou só quer ficar conversando! (menino)
Estudar à noite é bom porque é só metade do ano. (menino)
Como é no dia da prova?
Agora não tem prova por causa da greve. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
102
Tem prova mais de matemática. (menino)
Comigo é assim, eu não estudo porque eu sei que não vou lembrar. Eu só lembro
no final, aí não dá mais tempo. (menino)
É verdade. (menina)
Dá um branco. (meninas)
Já leva uma colinha na mão. (menina)
Fica nervosa. (menina)
Quando é com consulta, que a gente pode estudar o texto na hora, é melhor.
(menino)
Mas na hora não dá, a gente lê, lê, lê... (menino)
A gente não lembra de nada. Chega na hora dá um branco. (menina)
Dá um nervoso! (menino)
A gente vê os outros lá, inteligentes, dá um nervoso. (menino)
Quando é só verdadeiro ou falso a gente chuta. (menino)
Na aula de matemática, às vezes ela dá uns exercícios antes. (menina)
O de geografia, ele deixa fazer em dupla e com consulta. (menino)
O professor chega meio sério na sala... (menino)
Aí a gente já fica nervoso, dá branco. (menino)
O pior é quando a gente chega na sala e descobre que tem prova. Aí a gente já
pensa, nossa, não estudei nada. Aí tem que colar! (menino)
Pior quando cola errado. (menina)
O pior quando o professor descobre que a gente colou do outro. (menina)
Já era! (menina)
Ele vem e arranca a prova. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
103
Ninguém nunca me pegou! (menina)
Quando acontece comigo eu já saio da aula. Já não vou fazer mais nada mesmo
(menino)
Você está se esforçando lá, aí o professor vem e pega a prova, aí a gente que sai.
Para, você está tentando (é isso mesmo na gravação?)... dá raiva! (menino)
Às vezes a gente sabe, mas a gente tem que dar uma olhadinha pra ver se está
certo. O professor vê e já deixa sua prova marcada. Deixa nervoso. Eu já saio da
sala e falo com a diretora.
Nós é que estamos errados de colar! (menino – todos riram.)
Ah... a culpa é nossa! (menina)
Mas comigo nunca aconteceu do professor tirar por causa de cola. No meu caso,
estava acabando a aula aí ele vem e tira.
Só no final a gente lembra, aí você está fazendo e ele vem e tira! (menina)
Dá raiva! Eu peço para ele deixar eu continuar, mas ele diz que já acabou o
tempo. Eu fico na sala, mas fico na raiva. (menino)
E o que você faz?
Não faço nada, esqueço.Se eu for mal, comento com o professor, que ele deu
mancada. Se não, logo em seguida já estou brincando com o professor de novo.
(menino)
Eu sou assim, se eu vou mal eu rasgo a prova e já jogo no lixo. (menino)
Que nem o moleque da minha sala. Na aula de matemática, o menino estava
fazendo prova da matéria de Português. Aí, ele ficava levantando, e quando ele
levantou a professora tirou a prova sem ele ver. Ele ficou procurando a prova e
todo mundo ficou rindo dele. (menino)
A professora que tinha deixado ele fazer na aula dela. Ela estava explicando a
matéria dela e ele estava fazendo a prova, aí ela foi lá e tirou (menino).
Ele perdeu nota por causa dela. E ele nem terminou a prova, ficou pela metade.
Não está certo, né?! Ela tinha deixado ele fazer a prova e depois tira. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
104
E se ela pedisse por favor ao invés de tirar assim?
Aí dá para entender, né?! (menino)
Aí sim, você guarda e faz depois, na aula do professor da matéria. (menino)
Aí dá pra entender melhor. Se a gente entender o lado dela dá pra entender a
matéria também. (menino)
E com vocês, isso já aconteceu?
Não, eles só ameaçam. (menino)
Quando ele chama a atenção, a gente pensa: ih tô fazendo alguma coisa errada!
(menina)
Eles ameaçam abaixar a nota. (menino)
Salete, você vai para a escola? (menino)
Você vai para a escola, Daniela? (menino)
Eu vou! (menina?)
Pensei que você fosse faltar de novo, a semana inteira. (menino)
A aula já voltou? Já? A legal! (pesquisador)
Legal nada, dona! (menino)
Tava legal duas semanas sem ter aula. (menino)
TRANSCRIÇÃO - DIA
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
105
Por que estava legal?
Porque é melhor, né! (menino)
A gente fica sem estudar. (menina)
Porque dá para descansar melhor. (menino)
Por que ir na escola não é legal?
Tem vezes que ir na escola é legal porque não tem nada pra fazer. Mas de sexta-feira é
chato porque a gente quer ir no Brandina. (menino)
De sexta-feira a gente quer ir pra balada. (menino)
Por que não ir na escola é legal?
Porque dá vontade de ficar em casa mexendo no computador. (menino)
Porque é legal ficar em casa... (menino)
Porque é bom ficar em casa, dormindo, dá preguiça. (menino)
É preguiça mesmo! (menina)
Por que ir na escola não pode ser legal?
Tem que ficar escrevendo cada textão, duas, três folhas daqueles monstros ainda!
(menino)
De vez em quando lá é chato! (menino)
De vez em quando lá é chato?
Às vezes a gente não está disposto a fazer lição. (menino)
A gente quer ficar conversando. (menina)
Está disposto a ficar conversando. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
106
Vai na escola pra comer. (menina – todos riram.)
É melhor ficar em casa ou ir para a escola?
Ficar em casa. (menino)
Ir para a escola. (menina)
É bom ir pra escola pra não ficar limpando a casa. (menina)
Quem fica em casa tem que fazer o serviço todo! (menina)
Pra a gente é melhor não ir para poder ir para a rua. (menino)
Pra nós é melhor não ir na escola, porque podemos ir para a rua andar de bicicleta e
moto. (menino)
A escola é bonita?
É, está reformando. (menina)
Está reformando. Antes o campinho era cheio de pedra, de terra. (menino)
Agora dá até para jogar basquete! (menino)
Agora que a gente vai sair da escola, ela fica mó bonitona. (menina)
É verdade! (menino)
É... antes não era. (menino)
A gente vai terminar a escola esse ano, mas nós vamos poder entrar de final de semana,
na escola da família. (menino)
Para jogar bola, a gente fica na escola até depois do horário. (menino)
Nós jogamos ali no campinho todos os dias as 17hs. (menino)
Quando a escola é bonita é bom, tem árvores, é bom. Bebe uma água geladinha...
(menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
107
O que poderia deixar os momentos de fazer lição tão legais quanto jogar na
quadra?
Passar vídeo e levar na informática. (menino)
Quando o professor não leva a gente na informática, nós ficamos nervosos com o
professor. (menino)
Quando ele combina e desmarca a gente fica nervoso. (menino)
O que acontece na aula de informática?
O professor de história pede para a gente pesquisar. A gente mexe na internet. (menino)
Fica no computador. (menina)
É mais o Ricardo, a Marta, o Tadeu. (menino)
A Regina também leva a gente de vez em quando. (menino)
Vocês gostam de estudar?
Eu não gosto muito não! (menino)
Tem vezes que eu sinto vontade, aí eu faço direito (menino)
Mas às vezes é legal estudar. Tem vezes que dá vontade. (menino)
O que é diferente nas aulas que dá vontade de estudar?
Quando a matéria é mais fácil de aprender. (menina)
Quando a matéria é mais difícil tem que tentar mais, estudar mais. (menina)
Português, matemática e geografia são as mais difíceis. (menina)
Não, para mim física e química é ruim, muito difícil! (menino).
Qual a diferença dos professores de matérias fáceis e difíceis?
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
108
Dança. (menino)
O professor de história faz dança na sala para ensinar história. (menino)
Ele é um dos professores mais legais que tem lá. (menino)
A careca dele brilha! (menino)
É uma bola de cristal. (menino)
Mas na sala de aula ele fala muito, explica. (menino)
Passa um texto e depois fala um monte, começa a explicar, explicar. (menino)
Ele passa um texto e logo em seguida já passa as questões pra nota. (menino)
Isso é bom porque as questões já estão na mente. A gente já leu e entendeu o texto, aí
já está tudo ali. (menino)
Ele ajuda, dá dicas na hora da prova. (menino)
Vocês disseram que esse professor é legal, mas que não dá muita atenção para os
alunos: quem faz, faz quem não faz não faz... isso é bom?
Não é bom não! (menino)
Eu acho ele calmo. (menina)
Na nossa sala ele não é calmo. Ele fica nervoso. (menino)
Ele é contra racismo. (menina)
Quando ele fica estressado, ele chama o diretor. (menino)
Quer que todo mundo fique em silêncio. (menina)
Quando ele passa um filme, fica parando toda hora e não deixa ninguém prestar
atenção. Parece que ele é o narrador do filme. A cada 5 minutinhos ele dá uma pausa.
Aí não dá pra entender nada. (menino)
Se ele deixasse a gente assistir o filme todo, a gente entenderia melhor e poderia fazer o
relatório. Mas não, ele vai parando e explicando os pedaços, aí não dá para entender,
não entra na cabeça. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
109
A gente já pediu para ele não fazer isso, mas ele responde que se ele não parar o filme
nós não vamos entender. (menino)
Ele manda prestar atenção mas não dá, ele fica na frente. (menino)
Com o Marcos a gente vê o filme e depois ele explica. (menino)
Mas vocês falaram que ele fica nervoso?
É, ele fica, com a gente ele não é calmo. (menino)
Vocês deixam ele estressado, ficam conversando. (menino)
Quando ele está explicando a matéria, ele entra na discussão conversando, aí ele vai
aumentando o tom. (menina)
Brigando, brigando. (menino)
Não, é o jeito dele! (menina)
Eu acho legal. (menina – todos riram.)
Primeiro ela falou que ele é chato, agora falou que ele é legal... (menino)
O professor Marcos tem uma vozinha assim, mas ele agüenta bastante tempo, mas
quando ele se irrita a voz dele engrossa, dá até medo. (menino)
A gente fica quieto e depois começa a dar risada. (menino)
Já eu agüento, dou risada na “caruda”. (menino)
Até hoje eu não sei nada da matéria dele. Mentira, eu sei sim! (menino)
Tem professor que manda calar a boca. (menino)
Mas esse professor não, mandar calar a boca ele não manda. (menino)
Manda ficar quieto. (menino)
É, pede silêncio. (menina)
Mas tem professor que manda. (menino)
No ano passado, o professor de geografia falava palavrão! (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
110
É, aquele que virou diretor. (menino)
É, ele nem ensinava. Ele só lia o livro e já era. (menino)
Era uma pingaiada. (menino)
Ele vinha bêbado. (menina)
Só batia na gente. (menina)
Ele batia na gente, dona! Dava soco. (menina)
Não, ele não era agressivo, ele brinca!
O professor de geografia era nervoso, na sétima série ele brigou com o Luis Gustavo.
(menina)
Espancou o moleque. (menino)
Disse que ia bater nele, deu o maior rolo. Mas também o menino mexeu com ele, disse
que ia dá um soco na cara dele, aí deu a maior confusão. (menina)
E vocês prestam atenção na aula?
Ah, eu me distraio, ficava conversando, ficava com as minhas amigas tirando sarro da
cara dele. Ficava dando risada, nem prestava atenção na aula. (menina)
Não dá nem vontade mais. (menina)
Tem um professor também, dona, que não deixava a gente falar o nome do outro
professor na aula. Dizia que não gostava dele. (menino)
Porque tinha gente que gostava mais do outro. (menina)
Ah, lógico mano, o outro não fazia nada, não passava matéria. (menino)
Ele lia o livro, passava cinco perguntas e mandava procurar no livro. (menino)
Levava os meninos para jogar futebol. Só brincava! (menina)
Ele brincava bastante com a gente. (menino)
Eu enfrentava ele bastante, mesmo na brincadeira. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
111
“Cinco minutinhos sem perder a amizade”; só não pode dar no rosto. Mas é com murro
firme, dona, no peito, no braço, mas não pode dar no rosto. (menino)
É uma brincadeira de murro firme. (menino)
Mas tem gente que leva na ignorância. (menino)
Uma vez, eu dei uma nele e ele deu uma em mim, nossa, meu braço ficou vermelho!
(menino)
E as meninas?
Não, as meninas não. Só se for cinco minutinhos sem puxar o cabelo. (menino - todos
riram.)
As meninas só ficam fofocando. (menina)
É, é a Dani, fofoqueira e fominha. (menino)
Ela é aquela pessoa que nunca é ela, nunca ela está no meio. (menino)
Ela coloca o nome dos outros, mas nunca é ela. (menino)
Ah, não é não! (menina)
Aí quando ela fala pros professores, eles brigam. (menino)
Os professores brigam, mandam pra diretoria. (menino)
Outro dia falaram de mim também. A gente estava cortando as camisetas e o professor
mandou ir para a diretoria com a blusa toda rasgada. Aí o professor perguntou por que
nós fizemos isso, a gente tinha acabado de ganhar as camisetas. (menina)
E por que vocês cortaram?
Todo mundo corta, dona. É aquela moda de amarrar do ladinho. (menina)
Isso é “maria vai com as outras”. (menino – todos riram.)
Sô nada, vocês também são. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
112
Eu não cagueto os moleques. (menino)
Quando a gente vai para a diretoria, eles mandam a gente assinar no livro preto.
(menina)
Nesse livro, eles mandam a gente escrever se a gente vai continuar sendo assim ou se
vai mudar. (menino)
Eles mandam anotar no livro preto e escrever que não vai mais fazer isso. (menino)
Se assinar três vezes é expulso da escola. Mas nunca vai. Eu já assinei várias vezes o
livro e estou lá até hoje! (menina – todos riram.)
Escreve que vai mudar o comportamento e não muda. (menino)
Que comportamento vocês precisam mudar?
Eu estou quieto na sala, agora eu estou quieto. (menino)
Bagunça, muita palhaçada. (menino)
Bagunça, conversa, muita risadinha, muita zoeira, muita palhaçada. (menino)
Tem vezes que você olha para o professor... (todos riram.)
Sabe por que eu dou risada? Eu mesmo faço minhas palhaçadas e eu dou risada de
mim mesmo! (menino)
Às vezes a gente está quieta, dá uma louca assim, aí a gente começa a dar risada.
As meninas também gostam de dar risada. Eu faço uma palhaçadinha de nada e elas já
dão risada. Eu acho engraçado! (menino)
Os professores dizem que quando os meninos não vêm a sala fica quieta, só os meninos
fazem bagunça. Eles contam piada, aí começa. (menina)
A gente faz uma piadinha, as meninas dão risada, aí começa. (menino)
Por que vocês têm vontade de rir, de fazer bagunça?
As companhias. (menina)
Quando a gente não está com vontade de fazer lição. (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
113
Quando acaba a lição. (menino)
Quando começa... (menina)
Tem dia que a gente está elétrico, tem dia que a gente está mais calmo. (menina)
Ah dona, sei lá... (menino)
Quando o professor chega, a sala está uma maior bagunça. (menino)
Aí o professor fica parado na porta esperando a sala se organizar. (menina)
Enquanto não estiver todo mundo sentado... (menina)
Se o professor chega e eu estou no bolinho, eu continuo no bolinho. O professor fica só
olhando. (menino)
Aí a gente fica fazendo bagunça! (menina)
Mas quando o Tadeu e a Marta entram na sala todo mundo senta. (menino)
Por que isso acontece?
É, porque eles são legais! (menina)
Eles controlam a sala. (menina)
Os outros tentam controlar a sala mas não conseguem, aí não dá nem vontade de
estudar. (menino)
O Tadeu conversa, respeita, deixa brincar na hora certa. (menino)
Ele é o professor mais calmo da escola. (menino)
Tem mais autoridade. (menina)
Ele é aquele professor que deixa a gente brincar, sabe? Ele chega e enquanto está
fazendo a chamada ele deixa a gente brincar. Ele só pede para falar baixo porque quer
ver quem está na sala. (menino)
Também quando a gente está fazendo lição, ele deixa conversar. (menino)
Ele gosta de brincar também, gosta de dar risada com a sala. Ele conta umas piadinhas.
(menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
114
Quando a gente fala que não pode falar, aí ele dá risada junto. (menino)
A gente fala que ele está tendo um caso com a inspetora, aí ele dá risada. (menino)
A Marta também é legal! (menino)
Ela fala demais! (menino)
Aquela lá a gente tem que respeitar, ela gosta de respeito. (menino)
Toda vez que ela chega na sala, ela coloca um versículo da Bíblia na lousa. (menina)
E pede para o representante limpar a sala. (menino)
A noite não é assim. (menino)
A gente sempre suja demais! (menina)
Esses professores são mais legais. (menino)
Tem professor que irrita, dá vontade de desaparecer. (menino)
Com os professores legais a gente aprende melhor. (menina)
O professor Tadeu e a Marta ensinam bem! (menina)
A gente aprendeu mais esse ano com a Marta do que no ano passado inteiro com a
outra professora. (menina)
A outra professora não ensinava. (menina)
Ela não explicava. (menina)
É que no ano passado, a nossa sala era a pior da escola, terrível. A professora via que a
sala não queria nada com nada então só passava lição e deixava na lousa, quem
aprendeu, aprendeu, mas a Marta explica melhor! (menina)
No ano passado, a minha sala era a segunda mais bagunceira. (menino)
Eu não fazia nada! (menino)
A professora dizia que dava até vergonha de passar em frente à sala, porque quando ela
via, era só papelzinho voando, gente cuspindo no chão. (menina)
Giz. (menina)
Jogava papel no professor. (menino)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
115
Vocês não têm dó do professor?
Não, eles não têm dó da gente! (menina)
Dá pra ver no rosto dele. (menino)
Ele mesmo diz que não tem dó de ninguém. (menino)
No ano passado, nós não aprendemos nada! (menino – a turma concordou.)
Eu não fazia nada na sala, só fazia de vez em quando. (menino)
Eu não lembro de nada, mas tinha uma professora que era legal, ela corrigia a gente
quando a gente falava errado. (menina)
Bom, ela corrigia mesmo, bom! (menino)
A escola era suja, aí todos foram limpar. (menino)
A gente pixava a escola, a parede do banheiro era colorida (Mas afirmaram que a
preferem limpa.)
Um dia fizeram todo mundo ir limpar. (menino)
Agora não pixa mais. (menino)
Tem câmera na escola por causa dos invasores que vêm usar droga – isso atrapalha!
(menino)
Um dia uma professora me acusou de ter usado droga, mas não era eu, aí eu me
defendi (Ficou exaltado nessa hora), deu vontade de xingar. Ele disse que ia me levar
para o juizado. Mas não era eu. Ela chamou minha mãe, conversou com ela, aí eu a
chamei de mentirosa e fui pra aula. (menino)
Uma vez sumiu um MP3 e a professora me acusou, mas eu nem tinha visto ela
guardando. (menino)
Às vezes a gente nem vê, ela guarda um negócio, aí só porque a gente está ali ela
pensa que fomos nós que pegamos. (menino)
E uma outra vez sumiu uma bobinha de encher a bola que nós usamos, mas nós
devolvemos para a professora, vimos ela guardando e depois ela disse que não. Ela
disse que não pegou nada e que a gente ia ter que comprar outra. Mas a diretora
acreditou na gente, deu um alívio! (menina)
Afetividade em sala de aula: um estudo com adolescentes da rede pública de ensino
116
Para encerrar, gostaria que me falassem, em uma palavra, como é a escola dos
sonhos?
Queria que tivesse piscina na escola. (menino)
Quadra na escola. (menino)
Essa escola antigamente era linda, era da hora. Tinha flores, um gramado verde.
(menino)
Tinha aula de natação, dança. O uniforme era diferente. Elas usavam uma sainha...
(menina)
Com uma meia no meio do joelho. (menino)
Que todos colaborem.
Tem computador.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo