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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Faculdade de História, Direito e Serviço Social
Campus de Franca
A História em Revistas : periodismo cultural e
conhecimento histórico no Rio de Janeiro
Oitocentista
Lílian Martins de Lima
2008
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LÍLIAN MARTINS DE LIMA
A História em Revistas : periodismo cultural e
conhecimento histórico no Rio de Janeiro
Oitocentista
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de s-
Graduação em História da Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho, campus de Franca, como requisição para
obtenção de título de mestre. Sob orientação do Prof. Dr. Jean
Marcel Carvalho França.
Área de concentração: História e Cultura.
Linha de Pesquisa: História e Cultura Social.
2008
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LÍLIAN MARTINS DE LIMA
A História em Revistas : periodismo cultural e conhecimento
histórico no Rio de Janeiro Oitocentista
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Franca, como requisição
para obtenção de título de mestre. Sob orientação do Prof. Dr. Jean Marcel Carvalho França .
Área de concentração: História e Cultura.
Linha de Pesquisa : História e Cultura Social.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
PRESIDENTE: Jean Marcel Carvalho França
_____________________________________
1°EXAMINADOR
_____________________________________
2° EXAMINADOR
Franca, de de 2008.
Aos meus pais.
“A história é um palácio do qual não descobriremos toda a extensão
e do qual não podemos ver todas as alas ao mesmo tempo; assim não
nos aborrecemos nunca nesse palácio em que estamos encerrados.
[...]. Esse palácio é, para nós, um verdadeiro labirinto; a ciência dá-
nos fórmulas bem construídas que nos permitem encontrar saídas,
mas que não nos fornecem a planta do prédio”.
Paul Veyne
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Jean Marcel Carvalho França, por ser orientador no sentido pleno da palavra,
pelas críticas, sugestões e conselhos ao longo do desenvolvimento da pesquisa.
A Prof. Dra. Márcia Naxara e ao Prof. Dr. Luiz Roberto Velloso Cairo pelos comentários,
críticas e sugestões durante o exame geral de qualificação.
A CAPES pela concessão de bolsa durante dois anos, permitindo que a realização da pesquisa
ocorresse com a necessária tranqüilidade e no tempo esperado.
Aos estimados amigos Pedro Zanquetta, Thiago Sanches e Rafael Andrade, que, em diferentes
fases da pesquisa, me presentearam com a alegria de suas companhias e com uma amizade
sincera.
Ao Arquivo Edgard Leuenronth da UNICAMP, especialmente Isabel e Mário pela ajuda com
os microfilmes.
Ao Guilherme Arduini e a Angélica Job, por todos os auxílios prestados durante minha
estadia em Campinas.
As queridas amigas Danielle Padovani, Isabela Sanchez e Sabrina Rodrigues pelo apoio e
estima, pelas conversas, enfim, por tornarem a vida em Franca mais agradável. Ao Laércio
Tardochi que, à distância, me brindou com sua amizade e claro, com sua ajuda nos assuntos
referentes à informática.
Ao João Victor e a Kátia Michelan, pela inestimável amizade cultivada durante esses anos;
pelas conversas, pelos desabafos, pela gentileza e pelo apoio.
Aos colegas de orientação: César, Elisa e Michelle por sugestões, dicas e apoio.
As minhas irmãs Aline e Stephanie pelo apoio e carinho.
Aos meus pais, pelo apoio e amor incondicional.
RESUMO
Ao longo do culo XIX, os periódicos foram um dos palcos de discussão sobre o país,
promovendo nas suas variadas seções a análise de temas considerados fundamentais para o
progresso do Brasil. Pautados na idéia do caráter utilitário do conhecimento histórico, os
letrados redigiram ensaios, artigos, reflexões e comentários sobre vários episódios da história
brasileira, sempre no intuito de corrigir os erros do passado e de apontar para uma direção
segura e de sucesso para os tempos vindouros.
No presente trabalho, abordamos de que maneira a história brasileira é retratada nas revistas
que circularam na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1843 à 1869, período no qual
ocorreu a proliferação das publicações desse gênero. A partir da análise da seção de história,
foi possível compreender o destacado papel conferido e desempenhado pelo conhecimento
histórico nesse cenário, seja através da análise dos anos coloniais, da reflexão sobre o
momento vivenciado pelos letrados,ou então, por meio dos projetos vislumbrados a fim de
conduzir o país ao progresso.
PALAVRAS-CHAVES : História, Cultura Letrada, Periodismo, Século XIX.
ABSTRACT
Throughout the nineteenth century, the journals were one of the stages of discussion on the
country, promoting its various sections in the analysis of issues considered fundamental to the
progress of Brazil. Supported by the idea of the character of the historical knowledge utility,
the literate written essays, articles, thoughts and comments on several episodes of Brazilian
history, always in order to correct the mistakes of the past and point to a safe direction and
success for the times ahead.
In this work, discussing how the Brazilian history is depicted in the magazines that circulate
in the city of Rio de Janeiro between the years of 1843 to 1869, in which period there was a
proliferation of publications of this genre. From the analysis of the section of history, it was
possible to understand the prominent role played by and given historical knowledge that
setting, either through the years colonial analysis, reflection on the moment experienced by
literate, or by means of the projects glimpsed order to lead the country to progress.
KEYWORDS: History, Literate Culture, Magazines, Nineteenth century.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
Capítulo 1 – Da cultura escrita e das revistas antecessoras.................................12
Capítulo 2 – Das revistas e dos colaboradores ........................................................38
Capítulo 3 – Da História em Revistas Oitocentistas..............................................65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................98
Periódicos Oitocentistas.............................................................................................96
Catálogos .....................................................................................................................97
Estudos.........................................................................................................................97
Artigos.........................................................................................................................101
10
INTRODUÇÃO
A imprensa periódica desempenhou um importante papel ao longo da primeira metade
do século XIX. Palco privilegiado das discussões sobre o Brasil, os jornais, os panfletos, as
folhas avulsas e as revistas colocaram em pauta nas suas colunas e seções temáticas diversas
que tinham por objetivo comum auxiliar no adiantamento do país.
Na presente dissertação abordaremos um setor da imprensa periódica, as revistas que
circularam na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1843 à 1869, período em que se fixa
um formato de publicação, o qual gradativamente se consolida junto ao público leitor. Cabe
destacar que é durante tal período que essas publicações proliferaram e se afirmaram como
um meio de reflexão sobre o país, contando com a participação de um expressivo número de
colaboradores e correspondentes. Das diversas seções que compunham uma revista da época –
botânica, mineralogia, anedotas, geografia, química, economia política, modas e etiquetas –,
analisaremos a seção de história, na busca de compreender o lugar ocupado pelo
conhecimento histórico nesse cenário.
Para tal foi necessário, em primeiro lugar, conhecer o cenário, a cidade do Rio de
Janeiro, que por meio de uma série de medidas do príncipe regente D. João VI, propiciou os
meios para uma crescente reflexão sobre tudo aquilo que fosse relativo ao Brasil. A vinda de
missões estrangeiras, o estabelecimento de liceus e de aulas régias, a introdução da imprensa,
entre outras medidas, estimularam a vida cultural do país, até então pouco dinâmica como
destacam testemunhos do período. O episódio da Independência é ilustrativo do crescente
destaque da imprensa nesse cenário: a partir dos anos vinte, o número de periódicos aumenta
e as discussões que fomentam sobre os rumos do país chegam a preocupar Pedro I pelo baixo
tom utilizado.
A imprensa era concebida nesse cenário não apenas como um dos meios para se obter
informações, mas, também, como um instrumento de aperfeiçoamento do homem e da
sociedade. Logo, pautada no ideal de promover a instrução do maior número de pessoas, essas
publicações destacaram assuntos que permitissem a formação de um leitor de bom gosto,
“civilizado” como era corrente no vocabulário da época, e apto a colaborar com o progresso
do Brasil.
Uma vez compreendido o cenário e as nuances que possibilitaram o crescente lugar de
destaque da imprensa periódica, o segundo capítulo se concentra em apresentar ao leitor
algumas características das revistas e daqueles que se dedicaram à elas, seja como redator
11
chefe, como colaborador ou, então, como correspondente. As dificuldades em manter uma
revista, o apelo aos poucos rendimentos obtidos dividem espaço nos editoriais com os êxitos
conquistados junto ao público: o crescente número de assinantes, a incorporação de novas
temáticas, como a moda e a etiqueta para atrair a atenção de leitoras, são algumas tópicas
presentes nessas publicações que, na maioria das vezes contavam em seu corpo editorial com
importantes nomes da intelectualidade brasileira oitocentista. Uma breve incursão sobre os
principais colaboradores dessas revistas revela o espaço ocupado pelos homens de letras nesse
período da história brasileira: na sua maioria são profissionais liberais, médicos, advogados,
que não se dedicam exclusivamente à carreira literária, mas, também, à vida política,
ocupando cargos de deputados, governadores, senadores e contanto sempre com a proteção do
imperador Pedro II.
No terceiro e último capítulo, nossa atenção voltar-se-á exclusivamente para as seções
de história das revistas e para os debates que abrigou. Por meio da análise dessas seções é
possível evidenciar de que modo os episódios do passado, os acontecimentos do presente e
algumas considerações sobre o futuro do país são analisadas e compreendidas pelos letrados.
Para tanto, abordaremos, inicialmente, algumas discussões propostas pelos membros do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que se fizeram presentes, anos depois, nas revistas.
A discussão sobre como deveria ser escrita a história do Brasil, quais deveriam ser os marcos
cronológicos, entre outras, foram alguns dos assuntos que ocuparam a atenção não somente
dos membros do IHGB, como também dos colaboradores das revistas que, na maior parte das
vezes, também faziam parte do instituto. Em seguida, destacamos algumas temáticas na seção
de História que aparecem com freqüência, como, por exemplo, a Revolução Francesa e a
história norte americana. Esses são os assuntos mais recorrentes nas seções no que se refere
a temas de história universal , onde o destaque fica por conta do caráter providencial da
revolução de 1789, ou então, no caso dos Estados Unidos, do protagonismo ao qual estava
predestinado, de acordo com as leis da história.
A análise das seções de história, em suma, busca responder nossa indagação inicial:
qual leitura ou leituras da história do Brasil encontramos nas páginas das revistas literário-
científicas que circularam no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Almejamos,
em última instância, compreender o lugar conferido ao conhecimento histórico pelos homens
de letras oitocentistas.
12
Capítulo 1 DA CULTURA ESCRITA E DAS REVISTAS ANTECESSORAS.
1.1 O cenário carioca
Não julguei nunca achar neste Arquivo coisas tão preciosas; mas tenho a
maior pena de se lhes não dar o seu competente valor. [...]. Aqui, uma
ignorância sôfrega ou uma sofreguidão material.
Joaquim dos Santos Marrocos
Ao estudar a imprensa periódica na cidade do Rio de Janeiro do século XIX e, mais
especificamente, um setor dela – as revistas –, é necessário apresentar e compreender o
espaço ocupado pela cultura escrita num cenário que, desde os tempos coloniais, não se
mostrava profícuo para o desenvolvimento das belas letras. Qualquer referência aos anos
iniciais do país remete à exigüidade dos meios de produção de cultura, ao número restrito de
público-leitor e às dificuldades da comunicação
1
. Somem-se a tais fatores a proibição do
estabelecimento da imprensa na colônia e a inexistência de universidades e ter-se-á uma idéia
dos limites e do pouco alcance da cultura escrita.
Marrocos, um funcionário da Coroa responsável pela organização da Biblioteca Real
no Rio de Janeiro, ao longo de suas cartas, escritas entre 1811 e 1821
2
, ressalta as dificuldades
para a promoção de idéias no país. Segundo ele, a pobreza material, aliada à falta de interesse,
acabava condenando ao completo abandono os mais diversos ramos do conhecimento.
Compartilha com essa idéia o inglês John Luccock que, em visita ao país no ano de 1808,
teceu a seguinte observação sobre o atraso da cultura local: “Não é por causa dos escassos
meios de que o povo dispõe, como pela indiferença que entre eles domina [...] segue-se que a
colônia está atolada em profunda ignorância.
3
Outro comentário do início do século XIX, que também enfatiza o quadro pouco estimulante
da cultura no país, encontra-se nas Memórias, de Luiz Gonçalves dos Santos. De acordo com
o padre Perereca, no entanto, com a presença da Corte Portuguesa, em 1808, o Brasil
finalmente pôde vislumbrar as luzes :
1
Sobre esse assunto remeto às seguintes obras: MORAES, Rubens Borba de. Livros e Bibliotecas no Brasil
Colonial. São Paulo: Edusp, 1979; SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Linguagem,Cultura e Sociedade: O Rio
de Janeiro de 1808 à 1821. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, 1973 (Tese de Livre Docência), Vol.I.; RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil
(1500-1822), São Paulo: Imesp,1988.
2
CABRAL,Alfredo do Vale. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação, 1939.
3
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil. Trad. de Milton da Silva
Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia;São Paulo, Edusp,1975, p.87.
13
O Brasil até o feliz dia 13 de maio de 1808 não conhecia o que era
tipografia: foi necessário que a brilhante face do príncipe regente Nosso
Senhor, bem como o refulgente sol, viessem vivificar este país, não só
quanto à sua agricultura, comércio e indústria,mas também quanto às artes, e
ciências, dissipando as trevas da ignorância, cujas negras e medonhas
nuvens cobriam todo o Brasil e, interceptavam as luzes da sabedoria [...]
4
A ênfase nas mudanças vivenciadas pelo país com a transmigração da Corte
Portuguesa
5
, no ano de 1808, a propósito, é algo que está presente em praticamente todos os
depoimentos dos letrados do século XIX, como por exemplo,o francês Ferdinand Denis que
teceu o seguinte comentário:
Desde esse momento, o Rio de Janeiro deixou de apresentar o aspecto de
uma colônia que se explora a força de leis repressivas; despertaram as
inteligências; começou uma nova era.
6
O poeta Magalhães, por sua vez, salientou que, graças à iniciativa do monarca de
dotar o país de condições mínimas para o seu pleno desenvolvimento, como a criação de
instituições de ensino técnico, foi possível criar um ambiente de estímulo para os letrados que
formados na Europa, encontravam agora no solo pátrio as condições necessárias para o
exercício de sua atividade.
Neste século, os moços que na Europa colheriam os frutos da sapiência
trouxeram para o seio da pátria os germens de todas as Ciências e Artes;
aqui, benigno acolhimento acharam nos espíritos ávidos de saber, e destarte
se propagaram as luzes[...].
7
Da escassez dos tempos da Colônia, dão-nos notícias os estudos do padre Serafim
Leite que, na sua História da Companhia de Jesus, assevera:
a Igreja foi a única educadora do Brasil até o fim do século XVIII,
representada por todas as organizações religiosas do clero secular e do
clero regular, que possuíam casas no Brasil.
8
4
SANTOS, Luiz Gonçalves dos. Memórias para servir à História do Reino do Brasil. São Paulo : Edusp,
1981, p.210, t.1.
5
De acordo com Antonio Candido que denomina essa fase de Aufklarung: “Posto o cavaleiro entre um passado
tacteante e o século novo que se abriria triunfal como a Independência, viu o aparecimento dos primeiros
públicos consumidores regulares de arte e literatura: a definição da posição social do intelectual; a aquisição, por
parte dele, de hábitos e características mentais que o marcariam quase a os nossos dias. In: CANDIDO,
Antonio. Formação da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, , v.2, 1999 p.233,1981.
6
DENIS, Ferdinand. Brasil. Trad. João Etienne Filho e Malta Lima. São Paulo: Edusp,. 1980, p.113-4
7
MAGALHÃES, Gonçalves de. Sobre a História da Literatura. Nitheroy. Revista Brasiliense : Sciencias, Letras
e Artes. Edição Fac-Simile. São Paulo: Academia Paulista de Letras.1978, p.151.
8
Apud MORAES, Op. Cit, p.14.
14
Foram às bibliotecas dos jesuítas os principais centros de acesso à cultura durante o período
colonial, com destaque para a biblioteca de Salvador, que possuía cerca de 15.000 volumes
com grande número de obras de direito canônico, além de clássicos gregos e manuscritos –,
seguidas das bibliotecas das ordens beneditinas e franciscanas. Mediante uma licença, era
permitido aos interessados leigos terem acesso às dependências de suas bibliotecas e às obras
depositadas. Cabe notar que a posse de livros e escritos em geral era fiscalizada, uma vez
que o procedimento habitual era proibir aquelas obras que atentassem contra a ordem pública.
A partir do século XVIII, constata-se, com base nos inventários, um aumento do
consumo de livros no país, especialmente na província de Minas Gerais e São Paulo.
9
No
sentido de promover a cultura, anos depois, com a chegada do regente ao país, uma série de
medidas foi tomada como a vinda da Missão Artística Francesa, a edificação do Real Teatro
de São João, a criação da Biblioteca Real, a implantação do ensino cnico-profissionalizante,
entre outras medidas que possibilitaram uma nascente consciência sobre tudo que dissesse
respeito à recente nação. O país beneficiou-se com a vinda de inúmeras missões científicas -
comandadas por estrangeiros como Spix e Martius que buscava um maior conhecimento
sobre o Brasil; uma série de estudos foi realizada no sentido de catalogar as potencialidades
do país, como os estudos mineralógicos, geológicos e históricos exemplificam. O país, aos
poucos, adquiriu uma nova faceta, mais dinâmica do que aquela dos anos coloniais, e tornou-
se o objeto da atenção dos letrados.
A cidade do Rio de Janeiro passou a gozar, então, de um novo status, sede do governo
imperial, e, aos poucos, a vida social da cidade ganhou impulso, assim como as discussões
sobre o futuro do país. Torres Homem, em um discurso proferido no Instituto Histórico de
Paris, em 1836, ressaltou essa mudança no cenário cultural carioca a partir da transmigração
do monarca português:
A travessia de um só homem coroado inverteu as posições respectivas de
Portugal e do Brasil; o primeiro deixou de ser metrópole, o segundo, deixou
de ser colônia: os papéis foram trocados. Dessa época data o aparecimento
das ciências no Brasil; médicos, matemáticos, naturalistas, literatos para
afluíram de todos os pontos de Portugal [...].Em 1808, ano de sua chegada,
transferiu para o Rio de Janeiro a Academia da Marinha, consagrada às
ciências matemáticas e físico-matemáticas e ao estudo da artilharia, da
navegação e do desenho; três anos mais tarde, atendendo aos conselhos do
Conde de Linhares, seu ministro, fundou na mesma cidade uma Academia
Militar com um curso de sete anos, em que se ensinavam as ciências
9
ABREU, Márcia; SCHAPOCHNIK, Nelson (org.). Cultura Letrada no Brasil: objetos e práticas.
Campinas: Mercado das Letras, 2005.
15
matemáticas, militares e naturais; finalmente, anos depois, duas escolas de
medicina e cirurgia foram criadas no Rio de Janeiro e na Bahia.
10
Teatro, festas cívicas, aulas Régias, ensino técnico-profissionalizante, entre outras iniciativas
de D. João VI tiveram o mérito de, aos poucos, incentivar entre os brasileiros reflexões sobre
o país que ultrapassaram os anos joaninos
11
. Por exemplo, em 1865, Moreira de Azevedo
observava o avanço desse espírito público que, durante a Regência, foi responsável pelo
aparecimento de diversas associações políticas.
Em 1831, adquiriu o espírito público amplo desenvolvimento, e sirva de
prova mais de cem sociedades científicas, políticas e industriais que então se
criaram no Império. Logo após a abdicação de D. Pedro I desenvolveu-se o
espírito de sociabilidade, proclamando a união do povo
.
12
A instalação da Imprensa gia, em maio de 1808, por sua vez, saudada por Luiz
Gonçalves do Santos nas suas Memórias, deu-se prioritariamente por necessidades
administrativas. No momento da partida da Corte em Lisboa, os prelos oriundos da Inglaterra
ficaram sob a responsabilidade do Conde da Barca e, posteriormente, sob a supervisão do
ministro dos negócios estrangeiros, D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A imperiosa necessidade
burocrática fez-se presente na então nova sede do governo e, assim, o monarca viu-se
obrigado a instalar a imprensa que durante os séculos anteriores foi expressamente proibida.
Tendo-me constado que os prelos que se acham nesta capital eram os
destinados para a secretaria de estado dos negócios estrangeiros e da guerra;
e atendendo à necessidade que há da oficina de impressão nestes meus
estados, sou servido que a casa onde eles se estabelecerão sirva internamente
de Impressão Régia, onde se imprimam exclusivamente toda a legislação e
papéis diplomáticos que emanarem de qualquer repartição de meu real
serviço; e se possam imprimir todas e quaisquer outras obras; ficando
interinamente pertencendo o seu governo e administração à mesma
secretaria.
13
10
Apud DEBRET,Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Trad. Sergio Milliet. São Paulo :
Edusp, 1978, p. 107, t.2, 3v..
11
Essa dedicação entre os letrados de discutirem sobre tudo aquilo que fosse relativo ao país fica bem
explicitada no primeiro número da Revista Nitheroy de 1836. De acordo com os editores, muito
reconheciam eles a necessidade de uma obra periódica, que, desviando a atenção pública, sempre ávida de
novidades, das diárias e habituais discussões sobre coisas de pouca utilidade, e o que é mais, de questões sobre
a vida privada dos cidadãos, os acostumasse a refletir sobre objetos do bem comum, e de glória da
pátria.”Revista Nitheroy, número 1, 1836, s/p. (grifo nosso).
12
AZEVEDO, Moreira de. Origem e Desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro. Revista Trimestral do
Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, Rio de Janeiro, t. 28, v. 31, p. 194-5. jul/ago/set de
1865.
13
BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos Políticos da História do Brasil. Brasília : Senado Federal,
1996, p. 328.
16
No tocante ao estabelecimento da imprensa entre nós, alguns historiadores sugerem
que houve uma tentativa pioneira durante o domínio holandês. Por meio de uma carta,
14
datada de fevereiro de 1642, tem-se notícia da solicitação de um prelo e da nomeação de um
tipógrafo de nome Pieter Janszoon, em Pernambuco, mas sabe-se também que Janszoon
morreu no ano seguinte, fracassando a suposta tentativa holandesa de implantar uma
tipografia em Recife.
A historiografia destaca o ano de 1747, no Rio de Janeiro, como um marco da história
tipográfica no Brasil, isso devido ao pedido do comerciante português Antonio Isidoro da
Fonseca de instalar um prelo na cidade. Isidoro da Fonseca dirigiu-se para a capital do
Império a fim de acompanhar mais de perto a negociação com a Coroa, mas o pedido foi
negado; a justificativa para o indeferimento argumentava que não era conveniente a existência
de uma tipografia na Colônia já que os custos de produção seriam bem maiores.
Mas voltemos a 1808. Uma vez instalada, a imprensa régia tinha o monopólio da
publicação de todos os impressos do país pelo menos até o ano de 1821 –, com destaque
para a Gazeta do Rio de Janeiro, órgão de caráter oficial. Dirigia a instituição uma junta
composta por três pessoas: José Bernardes de Castro, Mariano José Pereira da Fonseca e José
da Silva Lisboa, que ocuparam o cargo até o ano de 1830, quando a direção passou a ser
exercida por apenas uma pessoa, o cônego Januário da Cunha Barbosa. Entre os trabalhos
publicados pela Imprensa Régia destacam-se Ensaios Morais de Pope (1811), Compendio da
Riqueza das Nações de Smith (1811), Elementos de Álgebra de Lacroix( 1812), Tratado de
Óptica de Caille (1813), Obras de Virgílio (1818), dentre outras publicações.
Em 1811, surge a Idade d’Ouro no Brasil
15
, revista publicada na Bahia por Manoel
Silva e Serva. Aos poucos, como notou Morales de los Rios
16
, ao enumerar os panfletos,
jornais e revistas que paulatinamente surgiram neste período, o número de publicação
expandiu-se. Apesar da vida em geral curta dessa produção, cabe destacar a sua variedade; ao
lado de publicações de cunho oficial, como a Gazeta do Rio de Janeiro, surgem folhas
dedicadas às artes, à literatura, à música, ao teatro, à medicina, à agricultura, à mulher, entre
outras.
A partir do decreto real de maio de 1808, que autorizou o funcionamento da imprensa
no país, a cidade assistiu a intensos debates sobre o futuro do país, postos em pauta nos mais
14
Informação presente na obra HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. Trad. Maria da Penha Villalobos e
Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: T. A. Queiroz Editor/Edusp,1985.
15
Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A primeira gazeta da Bahia. Idade d’Ouro do Brasil. São Paulo:
Cultrix,1978
16
RIOS FILHO, Adolfo Morales de los. O Rio de Janeiro Imperial. 2ª. Ed. Rio de Janeiro:
Topbooks/Univercidade, 2000.
17
diversos jornais, revistas, panfletos que passaram a circular. Ilustrativo do rápido e sólido
avanço da imprensa no país foi o episódio das Cortes de Lisboa, em 1821. De posicionamento
hostil às propostas vindas de Lisboa, os letrados, por meio da imprensa, guerrearam contra
aquilo que consideravam um atraso para o país. Por meio de artigos e ensaios, o duelo entre
brasileiros e portugueses preencheu cada vez mais os impressos, com intensos, e às vezes
debochados ataques de parte a parte, que contribuíram, por sua vez, para a emergência de uma
incipiente opinião pública.
Nas páginas dos jornais e panfletos dessa época é possível visualizar a contenda que
tinha como fio condutor à ameaça, vinda de Portugal, de frear os avanços alcançados pelo país
durante a administração de D. João VI. Os portugueses exigiam uma reordenação da política
imperial com vistas a assegurar uma predominância do ponto de vista lisboeta. A polêmica
instalou-se nos periódicos e estendeu-se até o episódio de 1822. A década de 20 e as seguintes
foram especialmente marcadas pelas polêmicas
17
, pelo amplo uso do anonimato na redação
dos impressos, pelo recurso ao humor, à chacota e às caricaturas
18
, e pelo tom combativo dos
escritos, a ponto de Moreira de Azevedo escrever, em 1827:
Chegamos a uma época de exaltação, de agitação política, os partidos lutam
na imprensa, e é veemente e imprópria a linguagem de que se servem;
muitos periódicos transformam-se em pasquins, não resguardo nos
termos; os nomes aparecem estendidamente; as baldas públicas e secretas, os
defeitos involuntários, os do corpo e os de geração – tudo fica patente.
19
Em maio de 1830, o monarca Pedro I
20
, por sua vez, ciente dos abusos que se
cometiam na imprensa, sentenciava:
Vigilante e empenhado em manter a boa ordem, é do meu mais rigoroso
dever lembrar-vos a necessidade de reprimir por meios legais o abuso que
continua a fazer-se da liberdade de imprensa em todo o Império. Semelhante
abuso ameaça grandes males; à Assembléia cumpre evitá-los.
21
São ilustrativos dessa fase exaltada os títulos dos pequenos panfletos e jornais que
circulavam, como O Buscapé, Doutor Tirateimas e O Enfermeiro dos Doidos (1831), cujo
caráter humorístico era expresso por meio de diálogos entre personagens que exemplificavam
17
Sobre esse assunto indico a leitura de LUSTOSA, Isabel. Insultos Impressos. A guerra dos jornalistas na
Independência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
18
Morales de Los Rios tece o seguinte comentário a respeito das caricaturas nesse cenário; [...] as caricaturas
passam a ser vistas nas esquinas das ruas onde eram pregadas como cartazes. Referiam-se à assuntos políticos,
mormente aos relativos à Independência. RIOS FILHO, Adolfo Morales de Los. Op. Cit, p.476.
19
AZEVEDO, Moreira de. Op. Cit, loc. cit.
20
Cabe notar que o monarca participou ativamente dos debates dessa época.
21
Apud VIANNA, Hélio. Contribuição à história da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Nacional, 1945,
p.147.
18
as tendências políticas do período, ou por meio de versos, como os publicados no Narciso:
Sem povo não vive rei/Sem rei existe nação”.
A crescente discussão sobre os assuntos relacionados ao país e o aumento do número
de impressos que circulavam na capital do Império foi notada pelo inglês Charles Bunbury
que, entre os anos de 1833 e 1835, visitou o país. Disse Bunbury:
Ao tempo em que os viajantes bávaros Spix e Martius visitaram o Brasil
existiam apenas dois jornais em todo o Império; agora, no Rio de Janeiro
são publicados doze ou catorze [...]. A maior parte contém mais injúrias
pessoais e impróprios do que informação ou discussão instrutivas sobre
princípios políticos.
22
Mas nem tudo era dissenso neste cenário; havia espaço para os conciliadores, para os
partidários de uma união dos reinos, como um dos mais conceituados jornalistas da época,
João da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, que era responsável pela redação do jornal O
Conciliador do Reino Unido, de 1821. O jornalista lembrava, na publicação as cartas de lei de
1815 e 1816, onde D. João VI declarava a união dos reinos de Portugal, Brasil e Algarves e,
assim, advogava a concórdia e a boa harmonia entre os cidadãos do Reino Unido.
Ao lado desses jornais publicados no Rio de Janeiro, destacou-se o Correio
Braziliense que, publicado em Londres por Hipólito José da Costa
23
, entre 1808 e 1822, se
inseriu de maneira contundente nas discussões sobre o país. Partidário do liberalismo inglês,
Hipólito advogava o uso do trabalho assalariado e a manutenção de uma forma de governo
que pudesse garantir a ordem, preservando o país das convulsões sociais. O periódico foi
proibido pela Coroa, mas circulou pelo país por meio do contrabando e teve grande impacto
na nascente opinião pública. Ilustrativo do perfil do intelectual desse período, Hipólito, um
filho da ilustração interessado em propagar o conhecimento no meio dos cidadãos, destacava
no anúncio do primeiro número do seu jornal:
[...] O indivíduo que abrange o bem geral duma sociedade vem a ser o
membro mais distinto dela: as luzes que ele espalha tiram das trevas ou da
ilusão aqueles que a ignorância precipitou no labirinto da apatia, da inépcia
ou do engano.Ninguém mais útil pois do que aquele que se destina a mostrar,
com evidência, os acontecimentos do presente, e desenvolver as sombras do
futuro.
24
Nos números seguintes da publicação, o jornalista salientou, reiteradas vezes, a necessidade
do governo português empreender reformas que possibilitassem o avanço do país:
22
Ibidem, p.151.
23
RIZZINI, Carlos. Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1957.
24
COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense ou Armazém Literário. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado, v. 1, 2001, p. 3.
19
Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém aborrece
mais do que nós sejam essas reformas feitas pelo povo. Reconhecemos as
más conseqüências desse modo de reformar desejamos as reformas, mas
feitas pelo governo e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é tempo
para que se evite serem feitas pelo povo
25
.
Ao lado da multiplicação dos jornais e impressos, a expansão das livrarias também
muito colaborou para uma maior circulação de idéias na cidade do Rio de Janeiro. De acordo
com o John Barrow, em 1793,
No Rio de Janeiro, após ter muito procurado, encontramos duas lojas de
livros. Não foi preciso muito tempo para perceber que essas casas não
tinham nada de parecido com aquilo que procurávamos. Os catálogos dessas
duas lojas compunham-se basicamente de velhos manuais de medicina e de
alquimia, além de muitas histórias da igreja e das suas querelas teológicas e
de algumas crônicas dos feitos memoráveis da casa de Bragança. Não havia
nada referente ao Brasil. Esta parte da América Meridional, uma das regiões
mais férteis do globo não mereceu da pena portuguesa uma só pagina de
história natural, de economia ou de estatística; nem mesmo a conquista do
país suscitou-lhes interesse.
26
no ano de 1820 o número de livrarias havia aumentado para dezesseis
27
, com uma clara
predominância dos franceses no exercício dessa atividade.
Morales de Los Rios, em suas anotações sobre o Rio de Janeiro Imperial, destacou :
No terreno cultural, a preponderância francesa era evidente. [...]. Na estante
dos estudiosos não deixavam de existir as obras dos poetas Molière,
Corneille, Racine, Boileau e Lamartine; do escritor poeta trágico, filósofo e
historiador Voltaire, do poeta e fabulista La Fontaine [...].
28
O mais antigo livreiro na cidade do Rio de Janeiro, Paul Martim, além de responsável
pela distribuição da Gazeta do Rio de Janeiro, mantinha um estabelecimento que contava com
grande número de impressos sobre assuntos de cunho político, sobretudo voltados para a
temática das constituições, assunto muito debatido na época. Em seus anúncios, Paul Martim
destacava, entre outras obras, o
(...) Direito das gentes e do foro ou princípios da lei natural de Vatel por
6$400; Contrato Social de Rousseau por 4$000. Estas obras que outrora
foram proibidas presentemente se tornam inteiramente clássicas e
necessárias a toda classe de pessoas, pois estão sendo citadas em todos os
escritos constitucionais.
29
25
Ibidem, p.64.
26
Apud FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Visões do Rio de Janeiro Colonial. Antologia de Textos (1531-
1800). Rio de Janeiro: Editora da UERJ/José Olympio,1999, p.219.
27
HALLEWELL, Laurence. Op. Cit, p.47.
28
RIOS FILHO, Adolfo Morales de. Op. Cit, p.449-450.
29
Apud HALLEWELL, Laurence. Op cit, p.43.
20
A predominância francesa no setor das livrarias era evidente. Entre os principais
livreiros do culo XIX, destacou-se também Plancher, que no ano de 1824 se estabeleceu no
Rio de Janeiro, na rua do Ouvidor, sendo o responsável pelas publicações das primeiras
novelas no país e do periódico Spectator Brasileiro. Outro francês que, mais tarde, se
destacou nesse setor foi Garnier, que em 1859 iniciou a publicação da Revista Popular.
No entanto, um nacional também destacou-se como um dos principais livreiros no Rio
de Janeiro do Oitocentos: Paula Brito, cuja livraria em 1831 se transformou no principal
ponto de encontro entre os homens de letras da época como, por exemplo, Gonçalves Dias,
Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida, Manuel de Araújo Porto-Alegre, e
o ator João Caetano dos Santos ,entre outros. De origem mulata, Francisco de Paula Brito foi
considerado o sucessor de Plancher , pela ótima relação que mantinha com o monarca,
conseguindo inclusive patrocínio para algumas publicações e até mesmo uma parceria na
criação da Imperial Tipografia Dois de Dezembro, cujos assuntos principais foram às
publicações de teses médicas e revistas voltadas para o público feminino.
A criação da Real Biblioteca, em 1813, com aproximadamente sessenta mil volumes
forneceu subsídios para moldar o hábito da leitura do carioca, assim como aumentou as
possibilidades do acesso ao escrito e à informação em geral, por meio da prática de salas de
leitura e gabinetes literários
30
.
Ao lado da expansão das livrarias, verifica-se também um aumento no número das
tipografias, que até o ano de 1822 restringia-se à Imprensa Régia que publicou até essa data
cerca de mil obras, com destaque para a edição de Marília de Dirceu e o Uraguai. Verifica-se
uma expansão de tipografias não na cidade do Rio de Janeiro. mas também em outras
províncias como em Minas Gerais a partir da década de 1820; e em Pernambuco que
apresentava uma intensa atividade panfletária.
Cabe observar que essa proliferação de folhas impressas, especialmente após o
episódio da Independência, manteve-se nos períodos seguintes. A tônica das discussões agora
não era mais as pressões da antiga metrópole mas sim a organização da nova nação, de modo
a garantir o progresso e a ordem social. Aliada a essa questão maior, pode-se observar nestas
publicações o crescente número de artigos que defendiam uma nova cara para o país,
exaltando o progresso técnico-científico e o uso de mão de obra imigrante. Ambas as medidas
30
Sobre esse assunto indico SCHAPOCHNIK, Nelson. Contextos de Leitura no Rio de Janeiro do século XIX:
salões, gabinetes literários e bibliotecas. IN: BRESCIANI, Stella (org). Imagens da Cidade Séculos XIX e
XX. São Paulo: Marco Zero,1993.
21
eram defendidas como fundamentais para se superar os obstáculos oriundos da época colonial,
cujas heranças ainda se faziam presentes.
Saídos do regime colonial, o estado de coisas que dominava então
devia necessariamente influir ainda por longo tempo em nossa
indústria.
Não se destrói facilmente o império do hábito, nem tão pouco,
repentina e violentamente, tomam uma justa direção as forças
produtivas de um país
.
31
Lancemos pesada nuvem de esquecimento sobre esse passado inglório
em que vivemos vida de escravos. Lancemos porque é doloroso
percorrer um passado que devemos renegar. Nossa existência, pois
começa com o grito de Liberdade aos majestosos campos do
Ipiranga[...]. A Providência dotara o nosso país de condições tais que
logo após a sua emancipação política, ele poderá marchar livremente o
caminho do progresso e de civilização.
32
Para superar os obstáculos herdados da época colonial buscava-se alinhar o país com o
que havia de mais adiantado no mundo do conhecimento, a Inglaterra e França, numa época
em que o conhecimento é visto como um meio de alcançar o tão desejado mundo moderno.
Para melhor preencher este plano pediremos auxilio aos trabalhos dos sábios
cujas luzes se esparzem pelo mundo civilizado, recorreremos às meditações
da profunda Alemanha, às produções da industriosa Inglaterra, da poética
Itália e dos autores que são a glória da França.
33
Não falamos nós em combate! Sim, trata-se de saber se havemos de ser um
povo artístico como o Grego e o Italiano ou se havemos de ser industrioso
como o Inglês da Europa e o Inglês da América.
34
Imprensa Régia, livrarias, jornais, pequenos panfletos e folhas avulsas paulatinamente
passam a marcar sua presença no cotidiano carioca, seja para a divulgação de notícias oficiais,
como decretos reais, seja para vincular discussões sobre,por exemplo,a melhor forma de
organização política para a nação que surgiu. Nestes artigos fica claro o desejo de seus
idealizadores de inaugurar uma fase na história do país, onde as belas letras teriam um
importante papel a desempenhar e as restrições dos tempos coloniais ficariam apenas
registradas no passado.
31
A Abelha: Semanário Scientifico, Industrial e Litterário, Rio de Janeiro: Typographia do Pereira, 09 de
fevereiro de 1856,p.31.
32
Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro: Typographia Vianna & Filhos, agosto de 1854, p.115.
33
Ibidem, loc. cit.
34
Chronica Litteraria: Jornal de Instrução e Recreio, Rio de Janeiro: Typographia do Editor José Ferreira
Monteiro, 02 de janeiro de 1848, p. 1.
22
Apesar das mudanças promovidas pelo monarca português, havia um longo caminho a
ser percorrido, pois, segundo notavam Manuel Porto Alegre e Joaquim Manuel de Macedo,
em 1854, na revista O Guanabara,
(...) o pensamento, aliás louvável, que dirige a marcha da nossa
educação intelectual ainda não está completo; o Estado faz grandes
sacrifícios para obter obreiros porém a lei é uma espécie de Saturno que
devora os próprios filhos. O obreiro da civilização, depois de educado nas
escolas e formado no gabinete, precisa de quem cuide da sua sorte, de quem
vigie o seu futuro porque não há progresso onde não há futuro
.
35
1.2 Um ideal de imprensa
Ao percorrermos as páginas da produção impressa desse período, desde os pequenos
panfletos até jornais e revistas de uma duração maior, é possível visualizar, por meio dos
editoriais, o ideal de imprensa presente em cada publicação, os quais na sua maioria,
compartilham de alguns pressupostos comuns. A presença desses elementos que indicaremos
mais adiante ilustra o modelo por excelência dessas publicações: a França, por meio de seu
Mercure Français, de 1611, e a Inglaterra, pelo New Letter ,de 1642.
Através de suas seções, em especial aquelas voltadas para a participação do leitor, como,
por exemplo, a correspondência, um diálogo instrutivo foi moldado com vistas a garantir o
aperfeiçoamento moral do homem, considerada uma condição sine qua non para o
desenvolvimento geral da sociedade.
O caso inglês, por exemplo, como mostra a historiadora Maria Lucia Pallares-Burke
36
exemplar: o periódico The Spectator que passou a circular a partir do ano de 1711, contou
com a colaboração de seus leitores, em especial mulheres, que, por meio de cartas, discutiam
assuntos como o valor do conhecimento na sociedade ou ,então, qual o modelo ideal de
esposa. Nas páginas do Spectator podemos vislumbrar todo um ideário que se fará presente
no oitocentos brasileiro, do qual se destaca a noção da imprensa como destinada a colaborar
para a instrução dos indivíduos e garantir uma sociedade mais avançada assim como também
o caráter evangelizador conferido à essa atividade.
As publicações, nesse período, possuíam algumas características que faziam a definição
de jornal e revista algo problemático, dada à semelhança no formato e até mesmo no próprio
35
O Guanabara: Revista Artística, Scientífica e Litterária, Rio de Janeiro: Typographia Guanabarense de L.
A. F. de Menezes, 01 de setembro de 1854, p. 212.
36
BURKE, Maria cia Garcia Pallares. The Spectator O teatro das luzes: diálogo e imprensa no século
XVIII. São Paulo:Hucitec,1995.
23
título da publicação; é comum, por exemplo, ao lado do nome da revista a presença da
expressão jornal, como podemos observar no caso da Minerva Brasiliense jornal de
ciências, letras e artes. Como esclarece Ana Luiza Martins
[a revista é] um objeto de difícil definição. Defini-la como gênero de
impresso esbarra nas fronteiras quase conjugadas às do jornal, periódico que
lhe deu origem e do qual, no passado se aproximava tanto na forma folhas
soltas e in folio- como, por vezes, na disposição do conteúdo, isto é, seções
semelhantes.
37
Além dessa semelhança na forma de exposição dos assuntos, era prática comum a
encadernação dos vários números de uma determinada publicação, que dessa maneira se
assemelhava a um livro, que a numeração das páginas era seqüencial, ou seja, os números
subseqüentes de uma revista tinham o início com base na numeração da última página do
número anterior. Surgida inicialmente como um complemento do jornal, as revistas tinham
inicialmente um custo menor e tinham como meta o alcance de um público mais extenso
como explicam os editores do Le Siecle, publicação de 1836:
Considerando a extrema modicidade do preço como a base de seu
empreendimento, os fundadores de Siècle tiveram em vista sobretudo
estender os úteis ensinamentos da imprensa ao maior número possível de
leitores. Não se trata unicamente de uma missão industrial que devem
cumprir os senhores correspondentes ao contribuírem com todos os esforços
para a propagação do jornal. Trata-se também de uma missão altamente
civilizadora
38
.
Com o passar do tempo essas publicações ganharam novas características, como o uso de
ilustrações e a incorporação de uma capa que proporcionou um manuseio mais fácil e conferiu
a essas publicações mais prestígios do que os jornais.Outra característica dessa produção está
ligada ao caráter de síntese presente nos ensaios :
[...] o estilo periodista tende à síntese, à agilidade, à amenidade, à
emoção imediata, à força direta e, geralmente à atualidade ou atualização dos
fatos.
39
Uma vez esclarecida, ainda que de forma sumária, as especificidades dessa produção,
passemos à análise dos elementos comuns presentes nas revistas que circularam no Rio de
Janeiro. Em primeiro lugar, cabe observar a maneira como os responsáveis pela publicação
anunciam o início da empreitada que, de forma geral, tinha o intuito de ser guiada pela razão,
pelo progresso e pela moralidade.
37
MARTINS, Ana Luiza. Revistas em Revistas. Imprensa e Práticas Culturais em Tempos de República. São
Paulo: Edusp, 2001, p.43.
38
Apud MEYRE, Marlyse. Folhetim : uma história. São Paulo: Companhia das letras, 1996, p.58.
39
CIMORRA, Clemente. Historia del periodismo. Buenos Aires: Atlântida, 1946, p 157. (tradução nossa).
24
As notícias das descobertas e dos progressos da ciência e das artes e
melhoramentos sociais serão admitidas, quando parecerem de interesse para
o país, assim como as matérias de moral e de literatura e as notícias da
política externa, quando lhes deixar lugar a afluência de assuntos da política
nacional. Em suma: dirigir a opinião para o verdadeiro melhoramento moral
e material do país [...]
40
.
Foi para esse fim que se fundou a Ilustração Brasileira: seus colaboradores têm por função
atingir a verdade, quer por meio da ciência, quer por meio da arte.
[...].
Sem falar agora da influência, da missão da imprensa, afirmamos que os
mesmos princípios e o mesmo espírito que presidirão sempre à todos os
nossos atos se encontraram no vasto quadro dos assuntos de que se ocupará a
Ilustração Brasileira, a saber: a moral pública, os costumes públicos, a
política de interesse geral e do domínio da história, a economia política, a
estatística e as leis de interesse geral, a eloqüência parlamentar e judiciária,
as ciências e belas artes, a literatura, a biografia, [...]
41
.
[..] Ela [a revista Idéia] pretende dar em suas páginas literatura para todas as
idades, sexos e condições; ela deseja que o pintor, o músico, o escultor, o
fabricante, o ator, o mecânico encontre na variedade dos seus escritos em
que seja especial a sua profissão e donde possa colher útil e proveitosa lição
para a doutrina da arte que professa.
42
.
Para compreendermos o ideal de imprensa presente nas publicações, devemos ter em
mente o valor então dado à educação, à instrução pública. Nesse cenário, tudo aquilo que
pudesse contribuir para o aprimoramento do homem deveria ser estimulado, desde as
inovações técnicas, que geralmente eram noticiadas na abertura das revistas, até as noções de
gramática francesa, uma vez que o conhecimento desse idioma era tido como fundamental
para a formação do bom gosto.
A educação é a base primordial da felicidade humana, a fortuna sem ela
torna-se um bem efêmero porque não pode ser aproveitada com a precisa
regularidade. A educação nos instrui das regras do justo e do honesto para
viver em sociedade com os outros homens
43
.
A educação se apresenta, pois, como um elemento de suma importância para o
desenvolvimento da sociedade como um todo; daí a ênfase dada pelos letrados do período na
40
O Indicador da Utilidade Pública: folha política, scientífica e litterária, Rio de Janeiro: Typographia de
Pereira, 12 de abril de 1836, p. 1-3.
41
Ilustração Brasileira, fevereiro de 1854, p. 1-2.
42
A Idéia: Revista Artística e Litteraria, Rio de Janeiro: Typographia de F. A. de Souza, maio de 1869, p. 34.
43
Beija Flor: Jornal de Instrução e Recreio, Rio de Janeiro: Typographia Guanabarense de L. A. F de Menezes,
02 de junho de 1849, p. 2.
25
imperiosa necessidade de instruir-se e instruir os povos. Desse modo, compreende-se o
destaque dado ao jornalismo enquanto um divulgador das idéias em geral.
É incontestável a necessidade e utilidade do jornalismo, mormente nos
países adolescentes onde a civilização se acha atrasada, tornando-se preciso
trabalhar por lhes dar o impulso conveniente para que eles possam comparar-
se na escala das nações.
[...]
As luzes difundidas pelo jornalismo na população é um grande meio de
conseguir-se o aperfeiçoamento moral de um povo nascente [...]
44
. [grifo
nosso].
A imprensa tornou em nossos dias a leitura popular, o pensamento
universal; continuou a revolução que o Evangelho tinha começado; deu a
todos o que outrora aos grandes e aos ricos se distribuía; foi procurar no
abatimento e na solidão o pobre, o pequeno e o desvalido e sacudiu sobre
eles o ramo da árvore da ciência carregado de orvalho, de fruto e flores.
45
Ao lado desse ideal de imprensa comprometida com os mais elevados princípios para a
elevação do homem, encontramos também algumas queixas sobre o desvio de tão nobre
missão . Na revista O indicador da Utilidade Pública de 1836 ,por exemplo, um longo ensaio
é dedicado a ilustrar o mau uso da imprensa que, longe de promover a prosperidade nacional,
era responsável tanto por uma série de atritos entre os diversos membros da sociedade, como
pelo incentivo à descrença nas instituições do Império. De acordo com o ensaísta, o abuso no
uso da imprensa era perceptível nas publicações que incitavam as paixões políticas e, não
cansavam de salientar o atraso geral do país, o que impedia o afluxo de investimentos
estrangeiros. Para solucionar tal situação, o ensaísta propõe que a imprensa se volte para os
seus ideais, com vistas a garantir um desenvolvimento nacional sem grandes sobressaltos; diz
o jornalista :
[...] tem tudo no Brasil servido nas mãos das facções quase unicamente
de instrumentos de insultos, de calúnias e de desmoralização; e como meio
de difundir por todas as classes da sociedade o hábito da abnegação de todos
os sentimentos nobres e o desprezo pela autoridade pública e para todos os
direitos gerais e individuais de satisfazer sórdidas ambições, ódios
rancorosos e vinganças abjetas; de estabelecer em principio a anarquia e de
relaxar e dissolver todos os vínculos da Associação.
[...] os periódicos publicados desde a Independência do Império, ou
seja, nos diferentes períodos do governo de Pedro I, ou nos que lhe
sucederam desde sua abdicação, com limitadas exceções, tem todos aberrado
mais ou menos do sublime e divino fim da arte de escrever e da faculdade da
publicação dos pensamentos; todos mais ou menos se tem apartado da linha
de conduta e do intuito a que deve tender o público escritor – a ilustração dos
44
Ibidem, loc. cit.
45
Minerva Brasiliense : Jornal de Sciencias, Letras e Artes, Rio de Janeiro: Typographia Austral, 01 de
novembro de 1843, p.7.
26
homens e especialmente dos seus compatriotas, a divulgação das verdades
úteis sobre tudo na ordem dos direitos e deveres e das necessidades e
conveniências sociais , o encaminhamento do governo [...].Os resultados
deste constante abuso da imprensa tem sido dentro do Império, como é bem
patente, uma continua flutuação e incerteza nos atos dos poderes políticos do
Estado, a agitação contínua dos espíritos; o atraso em que nos achamos nas
medidas de progresso e de melhoramentos que reclamam as necessidades
públicas e que permitem imensas faculdades desta vasta e riquíssima porção
do território americano; a fraqueza e impotência do governo nacional, o
descrédito das instituições, particularmente da liberdade de imprensa; a
violação do sagrado da vida privada; a perpetração e a repetição dos crimes
destrutivos da ordem e da tranqüilidade pública e o desenvolvimento da
imoralidade
46
.
Anos depois, em 1854, em outra revista, Guanabara, encontramos um ensaio que aborda
o papel do jornalista na sociedade e destaca o modo como esse profissional pode promover,
ao mesmo tempo, a paz e a guerra. De acordo com esse ensaio intitulado “O Jornalista”, essa
ambigüidade presente na atividade do jornalista está relacionada com a tensão entre a vida
pública e a privada.
Não é ele que sob diversas formas se introduz no lar doméstico e abstraindo das posições
sociais, acorda uns, adormece a outros, a este encanta, aquele incomoda e prende de todos
a atenção para o seu salvo aproveitar o precioso tempo.[...].
Não é ele que excita ou acalma as paixões, que alimenta ou combate os
vícios; que impele ou detém os inexpertos e faz a guerra ou a paz! Não é ele
enfim que instrui os povos ou os deprava; que os engrandece ou abate, e
anima a indústria ou a esmaga!.
47
em outra revista, a Revista Popular, entre os temas postos em discussão em janeiro de
1860, vale destacar o modo como esses literatos concebiam a sua relação com a sociedade:
Conhecer essas grandes leis que regem o mundo moral, encarná-las nas
instituições, nos costumes dos povos, traduzi-las em realidades práticas,
aluminar a terra com o raio da verdade, eis a missão do filósofo, do literato
48
.
Para desempenhar essa missão, os letrados do período se dedicaram à discussão de tudo
aquilo que pudesse ser útil à sociedade em geral - como era comum no vocabulário da época
– sendo os responsáveis pelas primeiras discussões sobre o espírito brasileiro. O poeta
Gonçalves de Magalhães,por exemplo, um dos responsáveis pela publicação da revista
46
O Indicador da Utilidade Pública, 12 de abril de 1836, p.1-3.
47
O Guanabara,07 de setembro de 1854, p.315,
48
Revista Popular : Noticiosa, scientífica, industrial, histórica, litterária, artística, biographica, anedoctica,
musical, etc, Rio de Janeiro: Typografia Moderna de Georges Bertrand, janeiro de 1860, p.92.
27
Nitheroy de 1836, observava as dificuldades encontradas naquele momento, no que concerne
à escrita de uma história literária já que nada havia sido escrito sobre o país, com exceção de
alguns textos redigidos por estrangeiros.
Aqueles que alguns lumes de conhecimentos possuem sobre a
Literatura brasileira sabem que mesquinhos e esparsos são os documentos
que sobre ela consultar-se podem. Nenhum
nacional que nós conheçamos
tenha se ocupado até hoje de tal objeto
.
49
Essa geração de intelectuais foi assim responsável pelas primeiras indagações acerca do
país em seus mais variados aspectos. Joaquim Norberto de Souza e Silva, por exemplo,
redigiu inúmeros artigos para a Revista Popular em que realizava um balanço da contribuição
indígena para a sociedade brasileira, chegando até mesmo a postular a existência de uma
poesia indígena. Porto Alegre, por seu lado, foi um dos pioneiros a se dedicar a musica e à
arte plástica. À imprensa, portanto, cabia, por meio da propagação das idéias, assegurar o
caminho da nação rumo ao progresso e, também, rumo ao desenvolvimento moral dos
indivíduos.
Esse enaltecimento da educação como um instrumento para o alcance de metas tão
elevadas é acompanhado, também, pelo conceito de civilização, outra constante na imprensa
periódica do período. Num artigo publicado em agosto de 1854, na revista Ilustração
Brasileira, com base em autores franceses especialmente Guisot - dois sentidos são dados
para a palavra civilização: num primeiro momento faz a identificação com todas as conquistas
científicas do período para, em seguida, compreender enquanto a ordem social bem
organizada.
Essa ordem social bem organizada seria alcançada, de acordo com o ideário da época
através da atuação cada vez mais presente da intelectualidade que contava com estímulos que
outrora na época colonial- não existiam. A presença da imprensa, o surgimento de
associações literário-científicas, entre outros fatores estimularam a emergência de uma espaço
de discussão sobre assuntos de ordem pública.
No parlamento, nas casas, nos pasquins e até mesmo nas ruas e praças
públicas, aqueles que pretendiam dirigir os destinos de uma sociedade que
julgava ter completado a sua emancipação da tutela metropolitana,
expunham suas idéias e programas [...]. Serviam-se de imagens e conceitos
cunhados em países distantes, buscavam referências para a compreensão do
quadro em que se moviam, assim como procuravam ser semelhantes às
nações que se apresentavam como portadoras de uma civilização.
50
49
Nitheroy,1836, p. 136.
50
MATOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. 5ª Ed. São Paulo. Hucitec, 2004, p.1.
28
Cabe notar que os responsáveis pelas publicações são, em geral, letrados que se
dedicam não apenas ao cultivo das belas letras
51
, fato esse que é comumente explicado pelos
exíguos rendimentos advindos da atividade na imprensa; aliás outra constante na produção
periódica é a lamentação dos homens de letras pelo cenário pouco estimulante para as idéias
em geral, como se podemos notar nos seguintes trechos:
Maiores misérias sobrevêm aos literatos em contato com os editores e
diretores de jornais. É um sofrer mui longo e cheio de mudanças variadas
para serem enumeradas neste pequeno artigo. Os leitores os adivinham e
podem por si conhecer as humilhações que daí surgem.[...]
52
Cumpria-nos desde já agradecer aos nossos benévolos amigos e sobretudo às
ilustradas associações, quer nacionais, quer estrangeiras que tão
generosamente tem correspondido à confiança com que lhe impetramos
auxílio e proteção [..]
[...] e como já sabemos que dentre essas mesmas pessoas e sociedades
algumas que ainda trabalham na enfadonha e desinteressada missão de
angariar assinaturas, não poderíamos por esse motivo agradecer aqui
nominalmente sem deixar de imperdoavelmente olvidar muitos nomes
desses distintos cavalheiros que tanto se tem esforçado para que a nossa
modesta empresa possa ir adiante.
53
Esses homens que se dedicavam à atividade literária também faziam parte da vida
política do país, como, por exemplo, Francisco Torres Homem, primeiro redator da Minerva
Brasiliense, que desempenhou entre outras funções, o cargo de Senador do Império.A
atividade literária, como notou Antonio Candido, era uma espécie de extensão da atividade
política e, dessa forma, as propostas para o país, postas nas páginas da imprensa periódica não
podem ser vistas como um mero recurso retórico, mas, sim como um ideal compartilhado por
um grupo de letrados que buscavam alcançar as luzes e logo, equiparar-se aos principais
centros de inteligência da época. Destarte, ao lado do ideal de uma imprensa altamente
engajada, constata-se essa estreita aliança entre literatura e política:
[...] será o dia do seu glorioso triunfo aquele em que se estabelecer como
axioma que um bom político deve ser um exímio literato
54
.
51
Com relação à esse aspecto sugiro a leitura de NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Intelectuais brasileiros
nos Oitocentos: a constituição de uma família sob a proteção do poder imperial. IN: PRADO, Emília (org). O
Estado como vocação: idéias e práticas políticas. Rio de Janeiro: Acess, 1999.
52
Chronica Litteraria,02 de julho de 1848, p.217.
53
A Idéia, setembro de 1869, p.34.
54
Chronica Litteraria, janeiro de 1848, p. 1.
29
As revistas que serão analisadas mais adiante apresentam um significativo número de
colaboradores. Destacam-se, ao lado de nomes como o de Torres Homem,por exemplo, a
participação de Manuel Araújo Porto Alegre , Santiago Nunes Ribeiro, Joaquim Manuel de
Macedo, Viriato Bandeira Duarte, dentre outros. Esses homens redigiram escritos sobre os
mais diversos assuntos e não apenas literatura, como se poderia pensar. Mais uma vez, têm
como exemplo Torres Homem, que publicou ao lado dos ensaios de cunho literário, artigos
sobre economia política e até mesmo sobre as inovações do mundo industrial oitocentista.
Porto Alegre, por sua vez, dedicou sua atenção à pintura, às belas letras e à música,
publicando algumas partituras.
Tamanha versatilidade pode ser verificada nas próprias seções das revistas cujo escopo
era amplo: desde assuntos considerados mais sérios, como ensaios de economia política até
artigos ditos frívolos ,como aqueles que versavam sobre moda e etiqueta - estes
especialmente voltados para o público feminino. Ao lado de notas sobre o vestuário, por
exemplo, encontramos ensaios que versavam sobre a educação do sexo feminino, tido como
um assunto de suma importância pois dele dependia a formação das futuras gerações, como
podemos depreender do seguinte trecho de um ensaio publicado na Nova Minerva, em
dezembro de 1845, por Dr. Valdez:
O Rio de Janeiro contém hoje um grande número de estabelecimentos
destinados à educação do belo sexo [...]. Os pais, por sua parte, não poupam
gastos nem sacrifícios para conseguir o fim de ver suas filhas adornadas com
as prendas de uma alta educação, prendas que um dia farão felizes quando,
deixando o colégio e o lar paterno, forem ser na sociedade esposas e mães de
famílias virtuosas. A sociedade brasileira parece ter compreendido em toda a
sua extensão aquela sentença de Rousseau que encerra a maior verdade
moral e social os homens serão sempre o que as mulheres querem que
sejam.
55
Ao lado desse ideal de educar a mulher para ser uma boa mãe e esposa, as revistas
reservavam um espaço para a formação de bibliotecas científico-industriais, como menciona o
número de janeiro de 1856, da revista Abelha no intuito de aprimorar o desempenho das mais
variadas atividades.
A criação de bibliotecas científico-industriais é uma idéia de grande alcance
para o adiantamento e progresso de um país qualquer. Meio poderoso de
ilustrar as classes que trabalham no desenvolvimento da indústria, as
55
Nova Minerva: periódico dedicado as sciencias, artes, litteratura e costumes. Rio de Janeiro: Typographia de
M. A. da Silva Lima, dezembro de 1845, p.9.
30
bibliotecas cientifico-industriais são férteis de resultados benéficos e
vantajosos.
56
Na configuração dos assuntos abordados pelas revistas vislumbrava-se desde
discussões sobre a substituição ou não da mão de obra escrava pela imigração, que ocupavam,
às vezes, mais de um número das revistas até a seção seguinte que versava sobre as novas
contribuições da química e ainda contava com a seção dos romances franceses traduzidos, que
eram publicados ao longo de alguns meses no rodapé dos jornais . A importância da seleção
dos assuntos a serem abordados pode ser compreendida a partir do seguinte comentário do Dr.
Lapa, presente na Minerva Brasiliense
Tão necessárias são hoje as ciências e as letras à felicidade do homem
civilizado como importantes ao progresso de sua perfeição moral;
importante, digo, porquanto os serviços que elas hão feito, e diariamente
prestam ao espírito humano e as vantagens que delas lucra a sociedade, tão
imensas são como incontestáveis. [...].
57
Os letrados do período, um misto de jornalista e escritor, destacaram em seus
editoriais a necessidade urgente de promover o avanço das belas letras compreendidas como
um reflexo da civilização; assim, os escritos literários eram tomados como a expressão da
singularidade de uma nação. Homem de Melo, por exemplo, em artigo publicado na Revista
Popular, observa que, para o florescimento das letras em nosso país, era necessário um
ambiente de paz e tranqüilidade que a conturbada fase de discussões sobre o exercício de
poder, durante o episódio da abdicação do trono, não pode propiciar. Era chegada a hora, de
acordo com Mello, da imprensa, imbuída de seus mais elevados princípios, promover o
desenvolvimento do maior número possível de conhecimentos.
De postura engajada, de caráter versátil, a imprensa periódica nesse cenário procurou,
através de seus inúmeros artigos, ensaios, romances, anedotas colaborar para os rumos do
país, tendo como máxima venha , pois, a instrução. Derrame-se por onde for possível esse
orvalho civilizador da humanidade porque é essa a fonte de todo o progresso’.
58
1.3 As primeiras tentativas : o caso das revistas
56
Abelha, 12 de janeiro de 1856,p.2.
57
Minerva Brasiliense, janeiro de 1844, p.225.
58
Álbum Literário: Periódico Instructivo e Recreativo, Rio de Janeiro: Typographia do Correio
Mercantil,março de 1861, p. 2.
31
Por muito tempo a historiografia dedicada à imprensa considerou O Patriota, jornal
político e literário, que circulou no Rio de Janeiro entre os anos de 1813 e 1814 a primeira
revista brasileira. A partir dos anos quarenta do século XX, com base nos estudos de Hélio
Vianna, verificou-se a existência de uma revista na Bahia intitulada As Variedades ou Ensaios
de Literatura que desde o ano de 1812 circulava tendo como redator o português Diogo
Soares da Silva Bivar. A revista teve uma duração curta característica comum à maioria das
publicações do período, apenas dois números vieram a lume, e pouco se sabe sobre o destino
de seu redator.
As matérias abordadas pela revista eram das mais variadas. O primeiro artigo do
número de estréia intitulava-se Sobre a felicidade doméstica e era seguida por um ensaio
denominado Da navegação entre os antigos . Em seguida vinha um Extrato da Viagem de
Mr. Thierry; fechava o número o ensaio Costumes e usos do México. Pelos títulos dos ensaios
abordados verifica-se que a revista procurava atender a uma gama variada de interesse e
buscava a formação de um leitor que pudesse se instruir e refletir sobre os mais diversos
campos do conhecimento. A bem da verdade, boa parte da imprensa periódica da época,
alicerçada num ideal de instrução como um poder transformador, visava transmitir um saber
enciclopédico para seu público leitor. Acompanhemos, a propósito desse ponto, o que
prometiam aos seus leitores os redatores da revista As Variedades:
O folheto que oferecemos ao público mostra de alguma forma o plano que
havemos concebido e que, quanto em nós é, desejamos desempenhar na
redação e publicação do presente periódico. Discursos sobre os costumes e
as virtudes morais e sociais, algumas novelas de escolhido gosto e moral;
extratos de história antiga e moderna, nacional ou estrangeira, resumo de
viagens, pedaços de autores clássicos portugueses, quer em prosa, quer em
verso, cuja leitura tenda a formar o gosto e pureza na linguagem.
59
O modelo por excelência dessa revista era a França, seguida da Inglaterra, com
destaque para o Journal dês Sçavans (1665-1795) e as revistas inglesas Edinburg Review
(1802) e o Blackwood’s Magazine (1817), que ditaram as regras para a composição das
publicações brasileiras. Regras como a divisão das publicações em seções, a existência de
uma espécie de índice da revista e um modelo de capa que utilizava ilustrações com menção
ao saber
. A propósito de tais aspectos,
as revistas que iremos abordar ao longo da dissertação
contam na sua maioria com poucos recursos gráficos, somente uma revista, a Ilustração
Brasileira, apresenta um pouco mais de sofisticação nesse aspecto. Comercializadas
geralmente em livrarias, essas publicações também se submetiam à prática de subscrições,
uma espécie de assinatura na época.
59
Apud VIANNA, Op. Cit, p. 29.
32
Mas voltemos a As Variedades. Apesar de seu pioneirismo no ramo do periodismo
cultural, pouco se conhece sobre sua história que se tomou conhecimento dela pouco
tempo, por meio de um exemplar da coleção de Marques dos Santos. Diferentemente, a
revista O Patriota, primeira a circular na cidade do Rio de Janeiro a partir do ano de 1813 não
passou por essa espécie de desaparecimento que é comum entre os contemporâneos a
menção à revista.
O redator da Patriota, Manuel Ferreira de Araújo destacava no número de estréia, as
adversidades que ele antevia para o sucesso da publicação, como o grande tempo dedicado
para a redação das várias seções da revistas, o restrito público-leitor e as dificuldades da
circulação. Mais adiante, Araújo destaca que se propõe a colaborar para o melhoramento
moral do país, utilizando-se da imprensa para esse fim exclusivo e não para fomentar conflitos
de ordem política . A maioria dos artigos e ensaios que foram publicados no Patriota
destacam a necessidade de preparar o Brasil para entrar em uma nova fase, onde o progresso e
a racionalidade tinham um destacado papel; assim como a literatura que deveria ser
estimulada com vistas a garantir nossa independência no campo literário. Ao lado dessas duas
grandes linhas de discussão postas em pauta pela revista, cabe destacar a seção onde livros e
demais publicações são anunciados, um espaço que é dedicado a incentivar a leitura e a
divulgar outras revistas que contavam com colaboradores comuns, como, por exemplo,
Manuel Araújo Porto Alegre, que publicava artigos em diversos órgãos de imprensa.
Em 1822, surge os Anais Fluminenses de Ciências, Artes e Literatura dirigido por
José Vitorino dos Santos que era também responsável pela publicação do Jornal Cientifico,
Econômico e Literário de 1826 Quanto aos Anais sabe-se que somente um número foi
publicado e que contava com a participação de José Bonifácio; os artigos da publicação
versavam sobre economia política, o Banco do Brasil de 1821, fechando com um ensaio
sobre a divisão dos bispados. Vitorino foi responsável, juntamente com Felisberto Januário
Cordeiro, pela publicação da revista Jornal Cientifico, Econômico e Literário que publicou
parte do poema Vila Rica de Cláudio Manoel da Costa, além de destacar em suas páginas
ensaios sobre a teoria do universo e química agrícola. Dedicada à assuntos ligados ao
cotidiano europeu, surge, em 1830 a primeira revista francesa feita no Brasil, a Revue
Brésilienne que publicou ensaios sobre a queda de Carlos X, tema que reaparecerá na revista
O Beija Flor, esta, de curta duração e publicada entre 1830 e 1831, destaca em um dos seus
artigos o crescente aumento das folhas impressas:
33
Se os progressos da imprensa fossem os degraus certos dum
termômetro para o adiantamento da civilização, podíamos nos felicitar do
nosso avançamento, pois que de quatro anos para o número das
publicações periódicas tem quadruplicado no Brasil. Em 1827 apenas se
contavam doze ou treze e hoje, conforme a conta tirada da Aurora, de sexta-
feira, 26 do corrente, 54 saem à luz do Império: destas, 16 pertencem à
Corte. Em 1827, apenas havia oito, e portanto, o número tem dobrado; é
verdade que as revoluções e eclipses são freqüentes neste giro de letra
redonda, uma das publicações enumeradas pela Aurora, Revue Brésilienne já
desapareceu. Mas outras duas a renderam imediatamente: o Espelho da
Justiça e Le Messager, jornal francês.
60
Na cidade do Rio de Janeiro aparecem outras revistas com contornos mais específicos
sobre assuntos variados (economia, agricultura, teatro, química) como o Semanário Político,
Industrial e Comercial que, como a grande maioria dos impressos da época, não passou do
primeiro número.
Ao lado de As Variedades e de O Patriota, que foram as primeiras tentativas de
publicação de revista no país, não podemos deixar de citar a Revista da Sociedade Filomática,
fundada em São Paulo por estudantes da faculdade de Direito no ano de 1833, que contava
com a participação de nomes como Carneiro de Campos e Bernadino Ribeiro, entre outros.
No tocante aos objetivos da publicação, os editores esclarecem que:
Sua única meta secoadjuvar a marcha lenta mas sempre progressiva da
civilização brasileira. [...]. Seus meios a publicação de memórias úteis
sobre as ciências e a literatura -, a crítica das obras notáveis que aparecerem
em nosso país-, a notícia do que forem tendo de mais interessante os povos
cultos.
61
Esse desejo de contribuir para o engrandecimento do país é um dos elementos comuns
da produção escrita desse período. Três anos depois, em 1836, por exemplo, surge uma revista
que, publicada em Paris, tratou de assuntos brasileiros, especialmente da literatura nacional: a
Nitheroy, revista de ciências, letras e artes
62
. Essa publicação que contava com a participação
dos letrados Gonçalves de Magalhães, Porto Alegre, Torres Homem e Pereira da Silva, foi
responsável por uma sistematização maior da discussão sobre o caráter brasileiro, assunto de
primeira ordem nas publicações do oitocentos.
Ao contrário das duas revistas anteriormente citadas, a história da Nitheroy é mais
conhecida: seus colaboradores eram membros do Instituto Histórico de Paris, onde realizaram
algumas palestras divulgando o Brasil na Europa, como foi o caso de Magalhães, que
dissertou sobre o amadurecimento do campo literário a partir da Independência, defendendo a
60
Apud VIANNA, Op. Cit, p.116.
61
FRANÇA, Jean Marcel Carvalho. Notas sobre o conteúdo da Revista da Sociedade Filomática (1833). In:
Jornadas de Periódicos Literários, Assis,2001.Mimeografado.
62
Nitheroy, Op. Cit.
34
idéia de uma emancipação que não era apenas política, mas que se estendia para outros
campos, com destaque para o literário, pois, segundo Magalhães, a literatura de um povo é
(...) o desenvolvimento do que ele tem de mais sublime nas idéias, de mais
filosófico no pensamento, de mais heróico na moral, e de mais belo na
Natureza, é o quadro animado de suas virtudes e de suas paixões, o
despertador de sua glória, e o reflexo progressivo de sua inteligência. E
quando esse povo ou essa geração desaparece da superfície da Terra com
todas as suas instituições, suas crenças e costumes, a Literatura só escapa aos
rigores do tempo, para anunciar às gerações futuras qual fora o caráter do
povo, do qual é ela o único representante na posteridade; sua voz como um
eco imortal repercute por toda a parte e diz: em tal época debaixo de tal
constelação e sobre tal ponto da terra um povo existia cujo nome eu
conservo, cujos heróis eu conheço; vós, porém, se pretendeis também
conhecê-lo, consultai-me, porque eu sou o espírito desse povo e uma sombra
viva do que ele foi.
63
Porto Alegre, por sua vez, dedicou-se, no primeiro número da publicação, à redação de
algumas poesias, enquanto Torres Homem foi responsável por um ensaio intitulado Comércio
do Brasil.
Na distribuição dos assuntos abordados, surgem, ao lado de seções dedicadas a
anedotas, quadrilhas e cartas enigmáticas, reflexões sobre a política, a agricultura, o teatro, as
artes em geral e, até mesmo, páginas inteiras dedicadas à debates sobre a implantação de
novas técnicas industriais, técnicas que permitiriam ao país conquistar uma posição entre as
nações civilizadas. A revista, tida como um marco do romantismo brasileiro, em razão das
discussões literárias que fomentou no país, possuía como epígrafe a frase Tudo pelo e para o
Brasil”, evidenciando o grau de importância dado aos assuntos relacionados à nação. Nesse
sentido, os temas relacionados à literatura e à história nacional receberam grande atenção dos
colaboradores da revista que não se restringiam aos três sócios fundadores, contando com a
participação de nomes como Azeredo Coutinho, Silvestre Pinheiro Ferreira e J. M. Pereira da
Silva, entre outros.
Nada de exclusão, nada de desprezo. Tudo o que puder concorrer para o
esclarecimento da história geral dos progressos da humanidade deve merecer
nossa consideração. Jamais uma nação poderá prever o futuro quando ela
não conhece o que ela é, comparativamente com o que ela foi. Estudar o
passado é ver melhor o presente, é saber como se deve marchar. [...]. Como
nós estudamos a história não com o único fito de conhecer o passado mas
sim para tirarmos úteis lições para o presente.
64
[grifo nosso].
63
Ibidem, p.132.
64
Idem, p.145.
35
O conhecimento, entendido por estes intelectuais como esclarecedor, na medida em
que indicava o caminho mais seguro a tomar diante de uma determinada situação, era visto
como algo que só deveria ser buscado se apresentasse alguma aplicação prática para a
sociedade, pois de acordo com os letrados brasileiros do oitocentos:
Buscamos a ciência como meio, como um instrumento para conquistar uma
posição. Ninguém a procura pela religião do dever. Se uma glória ruidosa
com o eco da vaidade humana não vem responder à nossa primeira
produção, lá deixamos esquecidos nossos primeiros ensaios [...].
65
Um das principais razões de êxito da Nitheroy, apesar de sua duração efêmera, foi o
espaço que dedicou às reflexões sobre a nascente cultura nacional. Os artigos e ensaios
literários e históricos buscaram evidenciar que, a partir do século XIX, a cultura brasileira não
poderia ser mais considerada como um mero apêndice da cultura portuguesa. Esboçava-se
uma espécie de maioridade do país que, agora liberto das amarras coloniais, podia, enfim,
progredir:
Não, oh, Brasil, no meio do geral movimento, tu não deves ficar
imóvel e tranqüilo como o colosso sem ambição e sem esperanças. O
gérmen da civilização depositado em teu seio pela Europa o tem
dado ainda todos os frutos que deveria dar; vícios radicais tem tolhido
o seu desenvolvimento. Tu afastaste de teu colo a mão estranha que te
sufocava, respira livremente, respira, cultiva as ciências, as artes, as
letras, a indústria e combate tudo que entrevá-los pode.
66
Na pintura desse cenário de modernidade para o país, cabe destacar as
principais medidas que os colaboradores da Nitheroy apontavam como indispensáveis.
Em primeiro lugar, a necessidade de fundar uma genuína cultura nacional que seria
expressa por meio da literatura. Gonçalves de Magalhães argumentava, com base nos
autores franceses, como Ferdinand Denis e Almeida Garret, que a natureza dos trópicos
deveria ser objeto de atenção dos literatos que deveriam se dedicar a descrever o país
nas suas obras, deixando de lado o recurso aos elementos que não expressassem a
realidade nacional.
O homem colocado diante de um vasto mar, ou no cume de uma alta
montanha, ou no meio de uma virgem e emaranhada floresta, certo
não poderá ter os mesmos pensamentos, as mesmas inspirações, como
65
Revista Popular, janeiro de 1860, p.92.
66
Nitheroy, p.146.
36
se ele assistisse aos olímpicos jogos ou na pacifica Arcádia
habitasse
.
67
Concomitante com a defesa de uma cultura nacional, outro assunto que ocupou boa
parte dos artigos e ensaios da revista foi à escravidão. Nessa altura, a Inglaterra já exercia uma
pressão para que a monarquia abolisse o tráfico de escravos, mas a atividade, apesar dos
esforços ingleses, ainda era legal. Torres Homem dedicou um ensaio à esse assunto e, ao
enumerar os males advindos da escravatura, advogou o recurso à mão de obra imigrante. A
escravatura é concebida enquanto um verdadeiro empecilho ao progresso do país:
D’outro lado os governos, expressão completa dos preconceitos, dos erros e
falsos interesses da época e desvairados pelos motivos daquela economia
que antepõe o trabalho bruto, instintivo e forçado ao livre e inteligente ,
mantinham e protegiam como altamente útil ao país um gênero de tráfego
que soube abrir uma larga ferida à humanidade, corrompendo as nascentes
da prosperidade pública.
68
Em seguida o autor esclarece que, contrariando o rumo tomado pelo restante das nações do
globo, o Brasil se apresentava como uma nação que marchava às avessas, daí todo o esforço
dos letrados do período em instruir e educar o público, para que o país pudesse trilhar o
caminho das nações ditas civilizadas, ou seja, para que adentrasse no mundo das nações onde
o trabalho é livre.
[...]se o livre trabalho na sua lata acepção é um dos destinos da espécie
humana a titulo de instrumento primordial de toda a civilização, os
povos que têm a desdita de engastar em seu solo os horrores da
escravidão doméstica comprometem de gravíssimo modo o seu porvir,
afugentando todo o prospecto de opulência e prosperidade.
69
Entre as conseqüências do uso da mão-de-obra escrava que Torres Homem enumera
está, em primeiro lugar, a resistência às inovações; daí, conclui, o caráter arcaico da
agricultura brasileira e sua baixa produtividade.
A escravatura é um instrumento ruinoso de produção: o obreiro livre
produz incomparavelmente mais que o escravo: do mesmo modo que
a liberdade do trabalhador favorece a potência da indústria e o
desenvolvimento da riqueza, a servidão produz o resultado inverso.
70
Outra característica apontada é o desprezo pelos trabalhos manuais e a valorização de
ocupações que ministram meios de influência e de ação sobre outros homens ou sobre a
67
Ibidem, p. 162.
68
Ibidem, p. 36.
69
Ibidem, p. 37.
70
Ibidem, p. 60.
37
sociedade’, dito em outras palavras, o desejo de angariar cargos blicos. Por fim, a
dificuldade de desenvolver a indústria em um ambiente onde a resistência às inovações se
fazia presente.
O seu desenvolvimento industrial [do Brasil] porém, foi retardado
pelo monstruoso corpo estranho implantado no coração de sua
organização social.A posse de escravos nos tem evidentemente
impedido de trilhar a carreira da indústria. Vede as conseqüências da
escravatura! A sede dos empregos públicos e a esquivança para as
profissões industriais são fatos mui gerais entre nós e que amiudadas
vezes hão sido assinalados pela administração como uma grave
enfermidade do corpo político.
71
No diagnóstico de Torres Homem e Gonçalves de Magalhães sobre o país, esses dois
assuntos (a literatura e a escravidão) ocupam especial destaque e se farão presentes nas
revistas que surgirão anos depois, como, por exemplo, a Revista Popular, de 1860, que em um
dos seus números aborda a tentativa de estabelecimento de colonos europeus no país. Assim
se pronunciam os editores da revista sobre a questão:
Faltam braços e não se deve perder tempo em procurá-los se se quer salvar o
futuro.[...]. Desde há muito que a colonização preocupa o país e a criação da
repartição geral das terras públicas bem demonstra a importância que o
governo liga à solução deste problema: suscitam-se todos os anos discussões
nas assembléias legislativas, apresentam-se projetos de leis e entretanto não
à questão um passo para a frente e ninguém está ainda bem de acordo
sobre o que é possível e útil.
72
Para mais, os colaboradores da Nitheroy também contribuirão nas revistas que surgem
paulatinamente a partir da década de 1840, nas quais, em alguns casos, exercerão o cargo de
redator-chefe – como foi o caso de Torres Homem, na Minerva Brasiliense.
Tendo como modelo as publicações européias e investindo na discussão sobre as
coisas públicas, as revistas buscaram, como se dizia na época, lançar os alicerces de um
espaço de debate público e de formação do indivíduo que legasse às gerações futuras um
cenário mais aprazível do que o encontrado pelo citado funcionário da Coroa, Luiz dos Santos
Marrocos. Como diziam os empenhados editores da Revista Popular:
Cumpre que trabalhemos no presente, que leguemos ao futuro o fruto de
nossas lucubrações. Vamos todos, dominados de um só pensamento, tomar
parte nos generosos esforços dessa grande geração de pensadores que fazem
a admiração dos séculos.
73
71
Ibidem,p. 69.
72
Revista Popular, março de 1859, p.350.
73
Ibidem, janeiro de 1860, p. 93.
38
Capítulo 2 DAS REVISTAS E DOS COLABORADORES
Por ora nada mais prometemos do que a nossa boa vontade para fazermos
com que esta revista tenha a maior circulação possível. O meio é somente
um: torná-la variada, mas de uma variedade que deleite e instrua, que
moralize e sirva de recreio quer nos salões do rico como no tugúrio do pobre.
Editorial d’O Espelho: Revista de Literatura, Modas, Indústria e Artes, n 01, 04 de
setembro de 1859.
2.1 A estrutura das revistas
A passagem acima uma boa idéia do quanto se esperava das revistas que
analisaremos nas páginas seguintes. Tamanha pretensão, perceptível nos ensaios, artigos,
editoriais e em outras seções, nelas contidas num objetivo central que percorre toda a
produção e escrita desses periódicos: uma obsessão de ser o mais útil possível para o público-
leitor. Esse desejo, manifesto explicitamente nas primeiras ginas das revistas do período, é
o fio condutor que guiará o processo de elaboração, configuração e escrita de tal produção
periódica.
Exemplar desse intuito, desse desejo de ser útil ao leitor são alguns trechos e epígrafes,
sobretudo de autores franceses como Voltaire e Victor Hugo, que salientam a crença na
contribuição inigualável da educação para o futuro não do indivíduo como da sociedade de
modo geral. Vejamos alguns exemplos:
Antes ser indigente que ignorante porque ao indigente não lhe faltam
senão as riquezas ao passo que ao ignorante, aquilo que o faz homem e o
distingue do bruto
.
74
O progresso da inteligência é infalível, havendo liberdade de falar,
escrever e publicar o que pensamos
75
O homem sem instrução, oculto nas trevas da ignorância, esse
gérmen atrasador do progresso, é qual diamante bruto, é um ente inútil à
sociedade
.
76
Na elaboração dessas revistas salta aos olhos o grande número de colaboradores.
Diferentemente das primeiras publicações do gênero que possuíam um número modesto e às
vezes até pequeno de correspondentes, a partir de 1840 a participação de letrados nas
publicações é grande, chegando à expressiva cifra de quarenta a sessenta por revista, como é o
caso, por exemplo, da Guanabara e, também, da Nova Minerva. Ao lado da crescente
participação de letrados, é possível notar um acréscimo no tempo de duração dessas
74
O Cysne: Jornal Litterário, Rio de Janeiro: Typographia de Quirino & Irmão, 01 de junho de 1854, s.p.
75
Epígrafe da revista Acajá : Jornal de Instrução e Recreio. Rio de Janeiro : Typographia do Pereira,1860-1861.
76
Trecho presente na revista Nova Minerva cujo microfilme apresenta falhas que não possibilitaram a
identificação exata da data e do número da publicação.
39
publicações, que outrora não ultrapassavam o sétimo número de publicação
77
, temos nesse
momento uma duração considerável - em alguns casos chegando aos cinco anos de duração,
surpreendendo até mesmo os próprios letrados que não deixavam de expressar as dificuldades
que enfrentavam. Desde a idealização do projeto de uma revista, até o momento de colocá-la
em circulação, tudo era penoso, como atentam os editores d’O Guanabara, em 1851, e da
Revista Popular, na edição de aniversário de um ano, em janeiro de 1860, respectivamente:
Quando no dia primeiro de dezembro de 1849 alguns homens
corajosos publicaram o primeiro número desta revista, mui longe estavam de
esperar que ela chegasse ao seu terceiro tomo. Foi um ensaio, uma tentativa,
como muitas outras que a tinham precedido: Deus, porém, abençoou a sua
obra e ele, que lê no fundo dos corações, conheceu que nenhum outro
pensamento senão o de promover o desenvolvimento intelectual do país
guiava a tais homens
78
.
A diretoria da revista começou bem e perseverou, e depois de um
ano o seu livro tornou-se o verdadeiro livro do povo e das famílias. Na Corte
e nas províncias, nas coisas mais conspícuas como nas mais simples, a
Revista Popular é o livro em que homens e mulheres, velhos e moços,
estadistas e eruditos, comerciantes e industriais, lavradores e artífices
buscam e acham artigos e notícias que os instruem, os divertem, os entretêm
sem causar-lhes fadigas. Bem se que tal livro era uma verdadeira
necessidade porque nem todos têm o tempo de estudar os in-folio das
bibliotecas, e de outro lado os jornais se ocupam com certas e determinadas
questões. Faltava a leitura das horas vagas para todos, a Revista veio
preencher esta lacuna.
(...) a diretoria tem agora maiores meios para levar avante a sua
empresa. Já as gravuras, o papel e a impressão têm melhorado muito, porém
contamos brevemente com melhoramentos de outra ordem que satisfaçam
cada vez mais as exigências intelectuais do público
79
.
Se nos números iniciais a nica era realçar os elevados princípios que norteavam as
publicações, agora, uma vez superado o mal dos sete números, os editores se empenhavam em
realizar um balanço do trajeto percorrido até aquele momento. Sintomático de tal sentimento é
o comentário dedicado às nossas amantes leitoras no Álbum Semanal, que destaca não apenas
o êxito da revista entre as leitoras como a incorporação de novas seções.
O vosso Álbum Semanal [...] cujo sexto número não chegaria a ver a luz
como preconizaram certos agoureiros acaba de findar o sexto mês de sua
existência e ufana-se em dizer que não só cumpriu todas as obrigações a que
se havia submetido como mesmo foi muito além de seu prospecto.[...].
Música, Figurinos não entraram em seu programa: no entanto, vai com ele
enriquecer a sua coleção. Verdade seja que o número de assinantes, a boa
77
Muitos editores mencionam com freqüência o mal dos sete números: a existência das revistas, jornais e outras
publicações que na sua maioria não ultrapassavam o sétimo número de publicação. Assim, a superação dos anos
iniciais era amplamente celebrada nos editoriais, dado o caráter pouco duradouro da maioria da imprensa do
período.
78
O Guanabara, 10 de julho de 1851, 254.
79
Revista Popular, 05 de janeiro de 1860, p. 104.
40
recepção que tem tido a folha e sobretudo a qualidade de suas espirituosas
leitoras tem levado a redação a tentar tudo, a fazer toda sorte de sacrifícios
para bem corresponder à publica expectativa. Outros seis meses vão começar
e a redação não esmorecendo procurará por todos os meios possíveis
melhorar as matérias dando sempre artigos de interesse, de moralidade, que
recreando o espírito prestam ao mesmo tempo alguma utilidade nas diversas
ocupações da vida social
80
.
No trecho acima, os editores destacam o sucesso da publicação, que durava um ano.
Tal sucesso poderia ser explicado, entre outros fatores, pelas características próprias das
revistas, como, por exemplo, a forma de exposição rápida das matérias e a linguagem ágil e de
fácil assimilação, sem prejudicar a compreensão dos assuntos abordados. O sucesso da
empreitada desses letrados pode ser medido não só pela duração das publicações, como
também pelas correspondências de leitores, que algumas vezes enfureciam os redatores. O
motivo para tanto furor era o exagerado número de pedidos de leitores para publicar algum
artigo. No parecer dos redatores, não possuíam os textos enviados as virtudes e honrosas
qualidades necessárias para a exposição pública.
Fique aqui de uma vez para sempre registrado que recebemos e
receberemos tudo quanto nos mandarem mas não ficamos por isso obrigados
a sua publicidade, nem tão pouco restituiremos os artigos que por qualquer
motivo não sejam publicados
.
81
Passadas as dificuldades dos anos iniciais, essas publicações tinham agora um público
consolidado, a ponto de receberem cartas de estima dos mesmos, sem contar os inúmeros
artigos enviados pelos leitores, como no citado exemplo d’A Idéia.
Na configuração da estrutura dessas revistas é comum a existência de três a doze
seções, de acordo com as temáticas abordadas
82
. Algumas seções não são fixas como, por
exemplo, a dedicada à filologia, à catequese, à química, à agricultura, que aparecem em
algumas publicações, sendo em alguns números substituídas por assuntos de economia
política, traduções de artigos de revistas européias e anedotas. Ao contrário, as seções de
história, literatura, biografia, variedades e poesia, além de ocuparem um número de páginas
maior comumente esses ensaios ultrapassam os dois números, têm um lugar fixo na
estrutura das publicações.
É perceptível na própria forma de exposição dos assuntos a serem abordados nas
revistas a predominância das seções de literatura e história, que contavam muitas vezes com
mais de quatro ensaios numa mesma publicação. Uma vez que para a seção de história
80
Álbum Semanal: Chronológico, Litterário, Crítico e de Modas, Rio de Janeiro: Typographia do Pereira, 09
de maio de 1852, p.101.
81
A Idéia,01 de setembro de 1869, s/p.
82
Essa é a média de seções existentes nas revistas abrangidas pela pesquisa.
41
dedicaremos um capítulo à parte, voltaremos nossa atenção aqui para as outras seções, que
também colaboraram na consolidação do formato das revistas e das temáticas discutidas.
A seção dedicada à literatura abrigou boa parte dos ensaios, artigos e resenhas das
revistas. Tal seção contava com a participação de nomes de peso da intelectualidade do
período, como Antonio Gonçalves Dias, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, Francisco
Adolfo de Varnhagen, Pereira da Silva, Joaquim Manuel de Macedo, Justiniano José da
Rocha, entre outros. O caminho para a afirmação de uma literatura nacional havia sido
traçado por Gonçalves de Magalhães, em 1836, na Nitheroy, quando teorizou sobre os
elementos constitutivos do caráter brasileiro; agora era chegada a hora de produzir e divulgar
a então nascente literatura pátria. Foi com esse intuito que em cada número dessas revistas
foram divulgados em primeira mão não romances, como também as pesquisas realizadas
por esses letrados com vistas a colaborar para a memória nacional, daí, por exemplo, as
repetidas vezes que se noticia a viagem de Gonçalves Dias para o Norte do país. Um espaço
era reservado para a divulgação de novas obras, como podemos perceber no trecho abaixo, em
que um colaborador faz a apreciação da obra de Dias:
O senhor Gonçalves Dias, cuja poesia toda brasileira, toda modulada
nos sons guaranis vão correndo de manso como a água de um córrego ou
ondulando como as ondas do Amazonas [...]. A sua poesia, cheia das
harmonias da escola moderna é um pólen terníssimo [...]. O canto do piága
nos dá bem evidentemente a idéia de sua pátria
83
.
Pautando-se no Discurso de Magalhães, publicado na Nitheroy, os ensaios literários
insistem nas vantagens oriundas do cenário tropical como fonte de inspiração para os
escritores nacionais. Atentam , para além desse pano de fundo paradisíaco , para a
sensibilidade americana que, por sua vez, seria responsável por um modo de sentir e de
expressar próprios dos americanos. Acompanhemos, a título de ilustração, algumas das idéias
acerca do caráter nacional na literatura presentes nessas revistas, idéias que, com o passar dos
anos, se tornaram tópicas do discurso literário brasileiro.
Os brasileiros têm um inesgotável manancial de poesia na virgem
natureza que os rodeia e onde se encontram mil belas e magníficos objetos
nunca até agora descritos, mil novas imagens para revestir os seus
pensamentos, mil novas impressões não sentidas pelos poetas europeus [...]
alguém nos lançou em rosto que não temos literatura nacional
porque não temos língua: ficou porém provado a toda luz que a literatura de
um povo é a voz de sua inteligência e que da influência do nosso clima, da
configuração do nosso terreno, da fisionomia de nossos vegetais, do aspecto
da natureza do nosso país, risonha ou selvagem, e de nossos usos e
costumes, tudo tão dessemelhante de Portugal devia resultar uma tal ou qual
83
O Guaracyaba: Jornal Litterario e Instructivo. Rio de Janeiro: Typographia Brasileira de J. A. Pascentini &
Souza,, 01 de dezembro de 1850, p. 96.
42
modificação nessa literatura embora portuguesa mas produzida pelos
brasileiros e consentisse que a essa modificação se chamasse, sem
impropriedade alguma, literatura brasileira
.
84
Herdeiros do caráter altivo e apaixonado dos espanhóis, e os
portugueses dotados do gênio e imaginação, habitantes de um formoso país
onde se encontram todas as formas do grande e do belo, espectadores e
atores de uma longa luta entre a liberdade e a tirania cujos sucessos
apresentam os mesmos assuntos da poesia e da eloqüência, possuindo
naquela época o patriotismo, o valor, o entusiasmo, e, sobretudo essa
sensibilidade americana tão esquisita, tão celebrada pela Europa: os sul-
americanos, dizemos, têm em si os primeiros elementos e as circunstâncias
mais favoráveis que em todo país tem dado origem ao desenvolvimento e
progresso das letras
.
85
O melhor livro, o mais belo e sublime modelo para o cultivo da
imaginação no Brasil é sem dúvida a sua graciosíssima natureza. Não um
país na Terra que tenha como ele essa expressão palpitante, esse ar
inspirador, essas cenas de íntima poesia.
[...]
86
.
Todos os países possuem uma tendência mais ou menos
pronunciada, uma queda mais ou menos distinta pelo seu local e pelos
costumes que os extremam uns dos outros, para cantarem em versos pouco
limados e com uma harmonia original que, de per si só, exprimem a natureza
[...] porém sobre eles predomina o Brasil, quer na composição dos seus
cânticos, quer no sentimento íntimo que a música liga as palavras
.
87
A seção de literatura foi, por excelência, o espaço para o debate de assuntos
polêmicos, como a questão compreendida como crucial- sobre a existência ou não de uma
cultura brasileira. Alguns autores, como o português Gama e Castro destacavam no Jornal do
Commercio a inviabilidade de tal idéia, já que tanto a literatura de Portugal quanto a do Brasil
possuíam um traço em comum: a língua portuguesa. Coube ao chileno Santiago Nunes
Ribeiro, na Minerva Brasiliense, em 1843 ,defender a existência de uma produção
especificamente brasileira que, utilizando a língua portuguesa, falava de uma sociedade
distinta daquela da mãe-pátria. As produções elaboradas pelos brasileiros, segundo Ribeiro
eram
[...] o resultado das influências, do sentimento, das crenças, dos
costumes e hábitos peculiares à um certo número de homens que estão em
certas e determinadas relações que podem ser muito diferentes entre alguns
povos, embora falem a mesma língua. As condições sociais e o clima do
Novo Mundo necessariamente devem modificar as obras nele escritas nesta
ou naquela língua da velha Europa
88
.
84
SOUSA E SILVA, Joaquim Norberto. A língua brasileira. Guanabara. s/d, p.99.
85
Nova Minerva, dezembro de 1845, p.01-2.
86
O Guaracyaba, 06 de outubro de 1850, p.41.
87
O Curupira: Jornal Litterario e Instrutivo, Rio de Janeiro: Typographia Clássica, 30 de janeiro de 1853,
p.137.
88
Minerva Brasiliense, 01 de novembro de 1843, p.24
43
Cinco anos depois, a polêmica ainda se fazia presente nas páginas da Chronica
Litterária que alertava para o surgimento de uma produção escrita que apenas compartilhava
com Portugal o uso da língua portuguesa e que caminhava cada vez mais para o seu
amadurecimento.
[...] a literatura portuguesa está formada, a brasileira forma-se e
muitos poetas ainda hão de nascer antes de ser e para ser completamente
formada; chegada porém a esse alto, só terá de comum com a portuguesa a
língua, mas não identifica: ela foi anunciada nos Suspiros Poéticos, e está
criada mas não está desenvolvida
.
89
Entretanto, alguns colaboradores, entre eles o português Alexandre Herculano, na
Chronica Litterária, alertavam para o longo caminho a ser percorrido por aqueles que se
dedicavam ao cultivo das letras. Em seu parecer sobre a obra Primeiros Cantos, de Gonçalves
Dias, Herculano observava, ao lado da inspiração tropical, algumas imperfeições, como, por
exemplo, o recurso à metrificação.
Os Primeiros Cantos são um belo livro, são inspirações de um
grande poeta. A terra de Santa Cruz que conta com outros no seu seio,
pode abençoar mais um ilustre filho.
[...].
O autor não conhecemos mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos
do escritor ainda pouco amestrado pela experiência: imperfeições de língua,
metrificação e de estilo
90
.
Em dezembro de 1845, poucos anos antes, Dutra e Mello, redigira uma apreciação
acerca da obra Marília de Dirceu do poeta árcade Tomaz Antonio Gonzaga, na qual cobrava a
ausência de cores nacionais.
Muito se lamenta ainda hoje que um pincel tão doce e harmonioso
não tivesse preferido e estampado nas suas obras as virginais e magníficas
cores de seu país [...
]
91
Em 1850, na revista O Guaracyaba, Corrêa de Azevedo analisou os escritos de Joaquim
Manuel de Macedo e aconselhou aos literatos, para o bem e progresso da literatura nacional,
uma distância dos modelos estrangeiros, em especial do francês. Observemos o seu parecer.
O senhor Dr. Macedo que estreou desde muito na poesia descritiva e
que foi sempre inspirado pelo sol brasileiro, faz sentir em suas produções
esse ardor de uma imaginação ornada das mais lindas flores de poética
feitura.
Ele ama a sua terra, os seus montes, os seus matos, os seus animais,
as suas aves e os seus pássaros, e por isso, quando sente é quando escrever.
[...].
Escrevei sempre, todos os vossos escritos são brasileiros, guardai
porém sempre o vosso romance do contágio do romantismo francês porque
89
Chronica Litterária, 18 de junho de 1848, p.195.
90
Ibidem, 02 de janeiro de 1848, p. 04.
91
Nova Minerva, dezembro de 1845, p. 01.
44
o Brasil não carece de mendigar nas ruas de Paris a Balzac e outras cenas
para os seus movimentos. Sois poetas e sois romancista brasileiro com a
pureza da originalidade
92
.
É curioso notar que freqüentemente nas revistas,os ensaístas dedicavam um pequeno
trecho para justificar o porquê da existência da seção de literatura. Segundo eles, era
necessária essa justificativa numa época em que o conhecimento em geral era avaliado pelo
seu grau de utilidade social. Desse modo, a literatura deveria também evidenciar a sua
utilidade, que, segundo os letrados, era a de exprimir o progresso de uma sociedade.
Acompanhemos uma defesa dessa tese utilitária dos escritos literários presente, na Revista
Popular.
A idéia do belo que os poetas realizam em seus cantos não é uma
idéia [...] sem utilidade social. de durar porque este fato a que
chamamos de civilização que é o desenvolvimento progressivo da
inteligência humana, todo consiste na realização da idéia do belo em todas
as coisas justas e úteis.
[...].
O belo se apresentará antes de tudo para abonar a civilização do
povo que estudais
93
Ao lado da seção de literatura, a maior receptora de artigos e ensaios foi a seção
dedicada ao sexo feminino. Com o passar dos anos, era seção voltada prioritariamente para as
mulheres, que ganhou destaque e conquistou um lugar fixo nas publicações. Inicialmente,
eram ensaios tímidos e curtos; uma vez constatado o sucesso entre o público, passaram a
ocupar um número considerável de ginas, e não mais se limitavam à publicação de
romances, mas eram dedicados às modas, à etiqueta, e, principalmente, à vida familiar.
Tomemos como exemplo a revista Álbum Semanal, Chronológico, Litterário, Crítico e
de Modas de 1851. Além de uma seção dedicada a informar sobre moda e etiqueta, ganharam
destaque inúmeros ensaios assinados por Madame M., que possuíam como foco central a
temática da vida familiar e social. Entre os assuntos mais abordados pela ensaísta estão os
conselhos para uma esposa zelosa, que ocupam dois números consecutivos da revista. Nele o
ciúme é compreendido como a ameaça mais funesta para a harmonia familiar. Para escapar de
seus efeitos, a autora sugere:
Fuja quanto puder de fazer indagações acerca do viver de seu marido
e expele de sua alma o que lhe pode produzir suspeitas dando sempre um
sentido favorável aos passos de seu consorte por mais equívocos que lhe
pareçam
94
92
O Guaracyaba, 08 de dezembro de 1850, p. 97,(grifo nosso).
93
Revista Popular, 05 de dezembro de 1859, p.274.
94
Álbum Semanal,18 de abril de 1852. Cabe notar que essa publicação não continha a numeração das páginas.
45
Quanto à vida social, a ensaísta passa três meros a explicar como uma dama deve se
comportar em festas de gala, e, como deve desempenhar o papel de anfitriã. Eis algumas das
sugestões oferecidas às leitoras.
Deve-se ter o cuidado de atender a todos, muito menos as senhoras
brilhantes e festejadas do que as esquecidas e abandonadas. Se forem
mamães,procure falar-lhes de seus filhos, que é um meio seguro de agradar-
lhes: se forem solteiras deve gabar-lhes o seu vestuário: mal ou sempre se
acha alguma coisa digna de ser louvada.
[...].
Entre nós já se vai introduzindo o costume de apresentar-se as
pessoas umas às outras. Porém não se deve fazer muito oficialmente nem
com gravidade inglesa, mas com a graça que a senhora bem educada tem em
todas as suas maneiras
95
.
A preocupação com a educação das meninas foi outro assunto que nas seções
dedicadas ao belo sexo rendeu um expressivo número de ensaios, dessa vez na Revista
Popular. Ao definir como a missão suprema da mulher a educação dos filhos, o autor Luís de
Castro passa a dissertar sobre o modo como deveria ser feita a educação das filhas. A respeito
desse assunto, aconselha:
Se a mulher é destinada à casa é preciso que desde a infância se
acostume a sentir as delícias da família. O gosto pela vida doméstica não o
pode ela adquirir senão na casa paterna, a educação num colégio só em caso
de extrema necessidade pode convir. [...]. O primeiro e mais natural ensino
para a menina e o que ela com gosto e vontade e quase por si aprende é a
costura.
[...].
Ensinai mães, ensinai a vossas filhas todos os trabalhos de mão,
próprios do seu sexo, ensinai-as a cortar, a fazer seus próprios vestidos,
ensinai-as a governar uma casa [...]
96
.
Mais adiante, Castro atenta para o grande mal que decorre da instrução excessiva dada às
mulheres. Segundo ele, era necessário ser prudente e apenas ensinar o básico, que o papel
natural da mulher era a vida doméstica e qualquer ocupação que não se resumisse ao lar
poderia desviá-la dos princípios do Criador.
A instrução não pode ser para a mulher senão um objeto secundário,
é um veneno salutar quando administrado em dose conveniente, mas mortal
se for dada em excesso porque então desvia-a da sua verdadeira missão; fá-la
esquecer a casa para a qual ela foi criada.[...]. Quanto menos livros, melhor.
Não, as mulheres não nasceram para sábias, as vigílias, os esforços da
inteligência que demanda um estudo sério são fatais aos encantos de tão
mimosa criatura
.
97
95
Ibidem, 21 de dezembro de 1851.
96
Revista Popular, 05 de junho de 1859, p. 310.
97
Ibidem, p.310.
46
Anos depois, em 1861, no Acajá, um ensaísta que assina como W. questiona-se sobre
o modo como alcançar o progresso das artes e encontra a resposta na mulher. No seu
entendimento - ao contrário do que defendia Castro na Revista Popular, ela era a responsável
pelo florescimento e amadurecimento não das artes, como das ciências e até mesmo da
religião. A mulher era considerada como um símbolo da primazia do gênero humano, que
injustamente fora relegada ao esquecimento e necessitava de instrução.
Não seria possível a existência da religião, a literatura e as ciências
seriam vãs quimeras e as belas artes que têm tido por um dos seus fins
retratar de mil formas as inúmeras belezas físicas do sexo feminino jamais
teria existido no mundo sem a existência de sua origem: a mulher
98
.
Apesar de algumas discordâncias, a maioria dos ensaios está de acordo no que diz
respeito à um aspecto: o casamento
99
como o fim último da mulher. É interessante observar
como o casamento é compreendido enquanto um instrumento de civilização e ordem, pois as
sociedades nas quais a prática da poligamia era comum, freqüentemente, eram consideradas
como atrasadas. A mulher, submetida a tais condições, desviava-se do seu natural destino o
casamento – e passava a constituir uma força retrógrada no desenvolvimento da sociedade.
[...] podemos concluir que sem a instituição do casamento não
civilização possível, porque pelo casamento são as mulheres chamadas a
exercer o seu poder moral e intelectual. Poder da mulher sobre o marido,
poder da mãe sobre o filho : desta combinação é resultado toda a sociedade
européia.
[...].
No começo do mundo, Deus criou um homem e uma mulher e até
hoje os dois sexos tem constantemente existido em igual número: assim pois
cada homem deve ter uma companheira é a lei da natureza –o mais é
barbárie e corrupção
.
100
O espaço dedicado à publicação de romances também constituiu uma seção importante
na estrutura das revistas. Com um significativo número de páginas, que durante meses
publicavam predominantemente narrações de cunho histórico e ensaios sobre universo
feminino, os romances causaram polêmicas entre os editores, colaboradores e o público.
Alguns são acusados de imorais e, portanto, sua leitura é considerada prejudicial,
especialmente quando o tema abordado versava sobre as atitudes femininas diante do amor. É
o que o autor de um ensaio intitulado O Romance, publicado na revista O Curupira, em 1853,
defende, ao comentar a aversão que essa seção provocava. No entanto, esse autor - que assina
como J. F. Novaes- salienta que tal atitude em nada colaborava para o progresso da sociedade,
98
Acajá: Jornal de Instrução e Recreio,15 de fevereiro de 1861, p.49.
99
Na Chronica Litteraria, o ensaísta destaca: “[...] porque no casamento está posta a baliza de todos os desejos,
de todos os sonhos e pensares de uma mulher”. Chronica Litterária, 08 de abril de 1848, p.114.
100
Tradução feita a partir do original francês Education des méres de famillies . Ibidem, p.122.
47
que o romance, ao retratar as virtudes e os vícios de uma determinada sociedade,
possibilitava uma reflexão que contribuía para o melhoramento dos bons modos e costumes
dos leitores. A seção, como todas as outras que compunham as revistas, não escapava do ideal
instrutivo e, se fazia referência às atitudes compreendidas como impróprias, era com o fim
especial de corrigir os excessos: tratava-se, nas palavras de Novaes, de uma experiência
teórica.
Vasto como a imensidade,[o romance] abrange todas as cenas da
vida; exato como a história : descreve-as com precisão e individualidade-;
mostra a sociedade sob todas as suas faces sendo um manancial de
experiência teórica
101
.
Percorrer a seção dos romances permite, num primeiro momento, mapear as principais
temáticas abordadas pelos autores, e compreender ,em última instância, de que forma os
papéis sociais são representados. Inicialmente cabe notar que, após a pequena seção de
anúncios de novas obras encontra-se o espaço dedicado à publicação, em pequenos
fragmentos, de romances, nacionais e traduzidos, nesse último caso, abundam especialmente
escritos do francês Alexandre Dumas
102
. Direcionados para o público feminino, é comum nos
títulos de romances os nomes de mulheres, como Júlia, Claudina, Emília, entre outras.
Nestas histórias, encontramos duas vertentes de representação da figura feminina:
inicialmente, surge nos romances a imagem de uma mulher altamente idealizada, possuidora
de grande número de virtudes, como a boa educação, a decência, a sobriedade, e que na maior
parte das vezes se encontra distante, inacessível ao seu par. É esse o caso, por exemplo, do
romance intitulado Uma vítima do Amor , publicado no Acajá Jornal de Instrução e Recreio,
em 1861, que trata dos obstáculos resultantes da distância e do compromisso firmado da
protagonista com outro pretendente. Observemos essa idealização da figura feminina no
seguinte trecho da narração:
Mil vezes a sorte de uma mariposa que, buscando saciar o seu
desejo, morre nas chamas de uma luz. Nem ao menos minhas asas sentirão o
calor dos teus carinhos
103
.
A outra vertente é representada por personagens femininas que prezam pela vida boêmia,
desregrada, sendo responsáveis pelos infortúnios que atingem aqueles que por elas se
enamoram, como na história de Claudina, onde a personagem que nome à obra é uma
101
O Curupira, 23 de janeiro de 1853, p. 124.
102
Os romances de Dumas são predominantes nessas publicações, chegando a ocupar mais de um ano o espaço
reservado para a publicação de traduções de clássicos da literatura.
103
Álbum Litterário, 05 de março de 1861, p. 03.
48
messalina que, após muitos sofrimentos, encontra a sua redenção no amor. Esse é o final dado
à maioria desses romances, romances que prendiam a atenção das leitoras por vários meses.
Essa previsibilidade do final da história era uma característica desse tipo de produção,
porém, algumas raras vezes escapava-se desse desfecho. O crítico da obra de Teixeira e
Souza, por exemplo, não deixou de destacar tal inovação, presente em A Providência,
divulgada na Guanabara.
Os personagens que representam a ação são todos tão importantes
que não é sem dificuldade que no meio deles se depara com o herói ; o que
julgamos devido à ação que certamente não é o amor como acontece em
quase todos os romances. À ação do romance, porém, ligam-se tantos
incidentes, amarram-se tantos episódios interessantes, que a intriga do
romance torna-se de tal sorte intrincada, que já no fim dele o leitor mais
hábil e acostumado a romances não pode prever o desfecho
!
104
.
No tocante aos personagens masculinos, estes são retratados como os responsáveis
pelo sustento da casa, caracterizados como moralmente virtuosos, mas que muitas vezes eram
vítimas da atroz sedução feminina. Ademais, nos romances de cunho histórico, não faltam
adjetivos para destacar o papel masculino no desenvolvimento da sociedade, como é o caso,
por exemplo, de um romance que aborda os obstáculos e as vitórias levadas a cabo pelos
jesuítas no Brasil dos tempos coloniais, publicado no Beija Flor, em 1850. Possuidores das
mais altas virtudes, como a coragem, a sabedoria, o patriotismo, esses personagens
sobrepunham-se aos homens comuns e eram enaltecidos como o modelo do cidadão ideal.
Inúmeras são as referências, nesses romances, aos primeiros colonos, ao monarca D João VI ,
à D Pedro II e, sobretudo, aos jesuítas, considerados personagens fundamentais no
estabelecimento da civilização em terras pátrias.
[...] foram eles os verdadeiros conquistadores, tanto no que toca ao
espiritual, dominando a vencedores e vencidos, como pelo que respeita ao
temporal, obtendo bastante privilégio, donativos e benefícios
[...]
105
.
Nas páginas seguintes à seção dos romances, deparamos com um espaço
especialmente dedicado a narrar a vida de brasileiros ilustres, seção denominada, em alguns
casos, de Brasileiros Célebres. Nesse pequeno espaço da revista, que na maioria dos casos
não ultrapassava duas ginas, encontramos a narração da biografia de brasileiros tidos como
exemplares. Em tom grandioso, o ensaísta apresenta aos leitores a história daqueles homens
que não mereciam o esquecimento. Por meio da biografia, os letrados buscavam incutir em
seus leitores lições de civismo, que possibilitariam a formação intelectual necessária para o
104
OGuanabara, p. 153. Nesse trecho do microfilme não é possível identificar a data de publicação.
105
Beija Flor, 15 de fevereiro de 1853, p.148.
49
adiantamento do país como um todo, conforme salientavam os editores da Nova Minerva,em
janeiro de 1846.
E, certamente não há estudo que deixe impressões mais duradouras e
que prepare mais o coração para a prática das virtudes que aquele da vida
dos homens ilustres, nem tão pouco leitura que ofereça entretenimento mais
ameno e instrução mais apropriada ao homem civilizado seja qual for a sua
condição e a sua posição na sociedade: que esse espelho mágico da
experiência que apresentam a prosperidade ou os infortúnios de outrem
.
106
Assim como nos romances históricos, D Pedro II foi o brasileiro que conquistou o maior
número de páginas das seções dedicadas aos brasileiros ilustres. Todos aqueles que se
empenharam na narração da vida e feitos do imperador são unânimes em destacar, ao lado de
suas qualidades de estadista, seu amor pelas letras e pelas ciências. O imperador é retratado
como um sábio dos trópicos que aliava o conhecimento e o amor pelo seu país. Não deixavam
os letrados de ressaltar a sua condição de homem acima dos comuns, apto a enfrentar uma
série de situações adversas, como as revoltas provinciais, ao longo do Império, e a desgastante
guerra do Paraguai.
Consideraremos pois a vida de D Pedro II como a vida de um
homem pela mão de Deus ou do destino colocado acima dos outros homens
para reinar e zelar os seus interesses
.
107
Ao lado de D. Pedro II, entre as figuras mais recorrentes no panteão dos brasileiros,
está Tiradentes, que foi abordado em três números seguidos da Acajá. Após um breve
comentário sobre o episódio da Inconfidência Mineira, o autor do ensaio dedica-se a relatar a
coragem e outras nobres virtudes daquele que não poderia ser visto como um homem comum,
mas como um herói da pátria. Outro personagem histórico colocado no panteão dos heróis
brasileiros é Manoel Beckman, alçado pelos rumos que tomou a sua tentativa de negociar
algumas tarifas com a Corte e, posteriormente, por ser um mártir incompreendido. Eis alguns
fragmentos desses verdadeiros panegíricos.
[...] foi uma vítima da volubilidade humana. Manoel Beckman, o
ídolo que até pouco antes veneravam, o nome pronunciado por todos como
o de um benemérito, o homem por quem dariam a vida, foi em virtude de
falsas informações recomendado à prisão e sua cabeça posta a preço!
[...].
Aos dois de novembro de 1685, na Praça do Armazém, hoje da
Trindade divisou-se o cadafalso erguido a espera dos mártires da liberdade e
do povo.[...]. Beckamn, que, com a maior tranqüilidade subiu os degraus
dessa civilizadora e humanitária invenção, declarando antes de entregar a
106
A Nova Minerva,janeiro de 1846, p.01.
107
Estrela do Ocidente: Periódico Semanal Instructivo, Crítico e Litterario, Rio de Janeiro: Typographia
Clássica de F. A. de Almeida,s/d, p.113.
50
cabeça ao algoz não perdoar as injúrias recebidas como igualmente que
dava contente a vida pela futura felicidade do povo maranhense
108
.
Esse homem que nada hesitou para gozar a liberdade, esse homem
que sacrificou o que tinha de mais precioso, pelo amor que consagrou à sua
pátria, esse homem teve coragem bastante para praticar um ato que ele sabia
que acarretaria sobre si o ódio implacável dos tiranos (nossos opressores)
mas que era o único meio dele concorrer para a liberdade da pátria, esse
homem que por tantos títulos merece uma página na nossa história escrita
com distinção, esse homem que foi a primeira vítima da nossa emancipação
política. [...]. Um homem de sentimentos mais nobres, de uma alma tão
elevada não é um homem comum. É um grande, é um herói
109
.
Por fim, na estrutura dessas revistas não podemos deixar de mencionar a seção de
Variedades, que tratava dos mais diversos assuntos em uma mesma página, desde notas sobre
as viagens de homens ilustres, até pequenos pensamentos, passando por notícias acerca das
últimas descobertas científicas e considerações sobre culturas de outros países.
Com relação a esse último aspecto, cabe salientar o grande número de ensaios que
dissertavam sobre as mais diversas culturas, como a chinesa, a francesa e a muçulmana, por
exemplo. Nesses fragmentos, que muitas vezes eram originários de anotações de viagem, os
leitores eram informados sobre os costumes, os modos, a culinária e as crenças de distintas
culturas e até mesmo sobre o seu comportamento social, como, por exemplo, num longo
ensaio publicado na Revista Popular sobre os modos da mulher em diferentes países. O autor,
Luís de Castro, destaca a condição subalterna da mulher em diferentes locais, como na
Inglaterra, onde a legislação não reconhece a mulher enquanto indivíduo, ou na China, onde a
viuvez é perpétua, sendo comum os casos de mulheres que se matam imediatamente após o
falecimento do marido.
110
Outros assuntos de destaque dessa seção eram as inovações, como o
aparecimento de máquinas de costura americanas, que recebeu longos elogios dos redatores
da Revista Popular,em 1862. Apesar de seu espaço ser menor se comparado com as outras
seções, coube a seção de anedotas a divulgação de episódios cômicos que somados às
charadas e às cartas enigmáticas, proporcionaram divertimento aos leitores, que percorriam as
páginas da história, da literatura, da poesia, do romance, da biografia e, finalmente ,concluíam
a leitura das revistas com uma seção que, ao promover o riso, não deixava de lado a instrução:
108
Acajá.., 31 de agosto de 1861, 23..
109
Ibidem, p.27.
110
Castro elaborou para essa seção curiosas observações sobre a condição da mulher em várias partes do globo.
Esse autor - que se destaca como o principal colaborador da seção dedicado ao belo sexo -assim se pronunciou a
respeito da condição feminina na China: O homem é o chefe e deve mandar, a mulher lhe é sujeita e deve
obedecer. Esta sujeição é perpétua: solteira, ela deve obediência a seu pai; na falta deste a seus irmãos; casada,
deve-a ao marido, e viúva fica sob a inspeção e guarda do filho mais velho. [...]. Fora de casa, não deve ela ter
negócios ou cuidados de qualquer natureza que sejam[...]Não deve dormir jamais sem luz.[...]. Revista Popular,
20 de junho de 1859, p. 213.
51
Um marquês, muito ignorante, convidou duas senhoras para irem ao
observatório de Paris, onde o lebre Cassini deveria fazer a observação de
um eclipse de sol. Chegando lá, o eclipse já se havia realizado, e, ao saber
que era muito tarde e que tudo estava acabado, o marquês acrescentou:
Subam, minhas senhoras, Monsieur Cassini é meu amigo e espero que
tornará a principiar para me obsequiar
111
.
Apresentando certo poeta uma tragédia a Piron, este, a cada verso que via
que não era dele, tirava o chapéu, o que fazia a cada momento. Vendo isto o
novo autor, perguntou a Piron qual era a razão porque obrava daquele modo.
É, respondeu ele, porque tenho o costume de cumprimentar todos aqueles
que são meus conhecidos.
112
2.2 Os Colaboradores
Responsáveis pelas temáticas postas em discussão nas seções das revistas, os
colaboradores-autores destacavam-se pelo seu caráter engajado e pela vastidão dos assuntos
que despertavam seus interesses. Desse modo, não se dedicaram a colaborar somente na sua
área de predileção, ao contrário, enveredaram por uma gama variada de assuntos, como foi o
caso de Torres Homem, que ao lado da literatura redigiu ensaios sobre a escravatura, além de
colaborar na seção sobre os avanços da biologia. Engajados porque acreditavam que somente
por meio de uma atuação forte e ativa dos intelectuais poderia a cultura brasileira avançar. Era
a missão que lhes cabia e que serviria como espólio para as gerações futuras
113
.
Tais homens, ao desempenhar com afinco a referida missão, produziram um
expressivo número de discursos, ensaios, resenhas e artigos, que, somados, dão uma idéia do
espaço que ocuparam na vida cultural oitocentista. Escrever sobre diferentes ramos da ciência,
propagar o conhecimento
114
para um número cada vez maior de leitores, combater o atraso
das idéias que emperravam o progresso do país e, por fim, consolidar um espaço para reflexão
das coisas públicas , tais eram os objetivos a serem atingidos pelos letrados brasileiros desde
o lançamento da Nitheroy,em 1836.
111
Brazil Litterário, 07 de abril de 1849, p.08.
112
O Beija Flor, 07 de abril de 1849, p. 08.
113
“Um certo número de homens virtuosos serve de modelo a seus contemporâneos; eles o úteis à sociedade
não somente durante sua vida, mas ainda depois dela, pelo exemplo que eles deram, pois que se pode dizer: a
morte de um homem virtuoso assemelha-se ao fim de um belo dia, que do passado nos deixa em doce impressão
e nos anima para o futuro”. Nova Minerva, março de 1845, p.105-6.
114
De acordo com o Ensaio econômico sobre o influxo da inteligência humana na riqueza e prosperidade das
nações de José da Silva Lisboa publicado na Revista Popular: “Se os governos se convencessem que da
superioridade da inteligência é que vem a progressiva riqueza e prosperidade das nações, e ainda a maior e
mais durável potência dos impérios, e que da multiplicidade de inteligências nos inumeráveis ramos de
emprego, de que se compõe a indústria humana e o extenso conhecimento das imutáveis relações de tudo o que
concorre a aperfeiçoar o entendimento e reger as paixões resulta outra ordem de sociedade[...].” (grifo nosso).
Revista Popular, novembro de 1859, p.41.
52
No entanto, muitas eram as dificuldades que se apresentavam para aqueles que se
engajaram nessa tarefa
115
, como podemos perceber num esboço da trajetória do literato,
publicada na Chronica Litterária e na Revista Popular, em 1848 e 1860, respectivamente.
[...]. Entramos na vida, cheios de fogo, de esperanças; mas apenas
damos um passo para o nosso fim, a experiência e a luta dissipam as nossas
ilusões risonhas, esclarecem os desgostos espalhados pela estrada e nos
mostram o prolongamento, a incerteza do resultado. Este é o resultado
comum, e ninguém pode se livrar dele.
[...]. porque profissão alguma é o cheia de dissabores, de
privações, de obstáculos, como a aventurosa, a árdua profissão do homem de
letras
116
.
No Brasil, as vocações nascentes definham tristemente por falta de
animação. Primeiro que uma inteligência terna rompa com as espessas
camadas de indiferentismo e torne suas produções conhecidas tem de vencer
as dificuldades terríveis, prevenções desfavoráveis. Seus primeiros esforços,
fracos e impotentes passam desapercebidos quando não os acolhe a má
vontade de críticos improvisados ou o despeito da mediocridade. [...].
[...].
Entretanto, o literato é o rei do futuro.[...]. Fala ao futuro pela voz da
verdade, quebra as leis do tempo e, proclama seus oráculos até à mais remota
posteridade.[...]. Sua missão abrange horizontes mais vastos. Pelo poder da
inteligência ele triunfa da lei do tempo e suas idéias alcançam os séculos
mais remotos
.
117
[...].
Entre as causas comumente enumeradas como responsáveis pelas dificuldades para o
progresso das letras no país encontravam-se a indiferença e a lisonja. A primeira se fazia
presente por meio dos críticos que tolhiam os jovens letrados.
A nascente crítica, a propósito, também tinha um espaço reservado nas revistas,
espaço comumente denominado bibliografia, onde eram divulgadas as obras dos letrados
nacionais com destaque para a participação de A. F. Dutra e Mello, o maior colaborador nessa
seção. A apreciação das obras era sempre pautada pela presença de elementos e caracteres
entendidos como constituintes de um caráter nacional, ou dito de outro modo, pelo
comprometimento com as coisas pátrias. Dessa maneira, qualquer produção escrita que
115
Sobre o empenho dos letrados no desempenho da missão que se auto-intitularam vale destacar o seguinte
trecho: “Começamos o nosso segundo ano sob os melhores auspícios, dizíamos nós, não porque tínhamos
vencido as dificuldades inerentes a este gênero de escritos, mas porque experimentamos a benevolência do
público e contraímos grande número de colaboradores cujos trabalhos não sem muito prazer deixamos
estampados em nossas colunas. Nós lhe agradecemos profundamente a cooperação que nos prestaram para que a
esta nossa folha se sustentasse até agora, e esperamos de sustentar ainda, graças ao amor que tem as letras e ao
desinteresse que os anima”. Beija- Flor, maio de 1849, p. 1-2.
116
Chronica Litteraria,02 de julho de 1848, p.209.
117
Revista Popular,05 de janeiro de 1860, p.92-3.
53
apresentasse alguma característica que comprometesse esse ideal, como, por exemplo, o uso
de modelos estrangeiros ou o recurso à mitologia, era alvo de severas críticas.
118
A lisonja, não obstante ser constantemente apontada como um dos empecilhos com
que se deparavam os letrados, constituía uma característica do meio cultural local, segundo a
opinião dos próprios intelectuais. Tratava-se da tendência ao elogio entre letrados que faziam
parte, por exemplo, de uma mesma associação literária. No Álbum Litterario Periódico
Instrutivo e Recreativo de 1860 ,um anônimo sentencia:
A lisonja, incenso corrupto que se queima no altar da estupidez,
tributo que ao ouro rendem corações prostitutos, tece coroas de louro ao
ignorante e instila gotas de fel na alma do gênio
119
.
Assim, por mais nobres que fossem os desejos de contribuir para o progresso do país,
eles não eram suficientes para garantir o sucesso da empreitada. Era necessário, para o êxito
da missão, um apoio que possibilitasse as condições fundamentais para o desempenho com
vigor de tais atividades. E não houve melhor apoio para isso do que o dado pelo monarca,
como reiteradas vezes sugeriam os editores do Indicador da Utilidade Pública, em 1836.
Para que as artes comecem a ter uma vida regular e floresçam pouco
a pouco, para que elas espalhem o seu benigno insuflo na moral pública e na
indústria, é necessário que a família artística tenha um ponto de constante
apoio no país, e este ponto é o governo: o artista é precisamente aquele
homem da Escritura que não vive só de pão
120
.
Comumente descrito pelos seus contemporâneos como um amante das letras e das ciências, o
monarca Pedro II foi uma personagem de destaque nesse cenário e desempenhou o papel de o
grande incentivador da elevada missão de tornar o país um exemplo de progresso e
civilização. Além de presidir sempre que possível as sessões do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro
121
, Pedro II estimulou o surgimento e proliferação dos periódicos.Em
uma de suas anotações, de 1861, declarou:
Leio constantemente todos os periódicos da Corte e das províncias
os que, pelos extratos que dele se fazem, me parecem mais interessantes. A
tribuna e a imprensa são os melhores informantes do monarca
122
.
118
A apreciação da então nascente crítica era muitas vezes considerada como prejudicial para o desenvolvimento
de novos talentos literários já que, no julgamento de alguns letrados “não deixa amadurecer as idéias, não espera,
julga prontamente, fatiga-se, desacoroçoa [...] . A crítica se esquece de que ela ainda está no berço, e em vez de
limitar-se a dirigi-la, açouta-a com os séculos-modelos, exige em demasia e depois queixa-se e prediz o ocaso da
poesia.” Nova Minerva, dezembro de 1845,p.06-7.
119
Álbum Litterário..,15 de novembro de 1860, p.58.
120
O Indicador da Utilidade Pública, 1836, p.67.
121
“ Sua Majestade, o Imperador tem continuado a honrar com a sua augusta presença as sessões do IHGB. Este
fato e a maneira singela porque é executado é um testemunho das eminentes qualidades de um tão alto príncipe e
o quanto o monarca americano se empenha pelo progresso das luzes no seu nascente Império. O Guanabara, p
264.
122
Apud CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras,2007, p.79, ( Coleção
Perfis Brasileiros).
54
Os editores, inclusive, reservavam, na primeira página de lançamento das revistas, um
agradecimento especial ao mecenas brasileiro. Acompanhemos, a seguir, alguns trechos
acerca da participação do monarca na vida cultural ao longo do século XIX. O primeiro,
publicado na Guanabara de 1850, agradece à D. Pedro II pelas reformas feitas na sala de
estudos do IHBG. No trecho seguinte ,os editores de O Espelho Revista de Literatura,
Modas, Indústria e Artes destacam o apoio do Imperador à iniciativa de publicar a revista em
1859.
Sua Majestade, o Imperador, dignando-se tempos de fazer uma
visita a sala onde o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro faz as suas
sessões ordinárias, mostrou-se descontente da mesquinhez do lugar e
ordenou imediatamente ao seu mordomo que mandasse preparar uma sala
digna daquela sociedade que tão bons serviços está fazendo ao país. [...].
Um novo ser se despertou em nossa alma; sentimos um justo orgulho
de pertencer a uma nação que é dirigida por um príncipe tão nobre e
espontaneamente se desenvolve; e que planta com sua própria mão as balizas
desse futuro que havíamos entrevisto nos nossos sonhos dourados [...].
Ah, não! Não foi tempo perdido para o Brasil e para a glória aquelas
horas empregadas tão dignamente e que tanto hão de frutificar
[...].
123
O Jornal, disse algures um dos nossos irmãos pelas letras, é a
democracia prática pela inteligência .[...]. Com esta convicção no espírito,
entramos nós na arena. De um lado, a proteção pública, do outro lado, a
proteção imperial, caminharemos embalados por estas duas afeições, ambas
valiosas, legítimas ambas
124
.
O apoio dado pelo monarca ao florescimento das letras e artes no país moldou o
espaço ocupado pelos intelectuais oitocentistas que se reuniram ao seu redor. Essa vinculação
é característica desse momento da história do país onde inúmeras vezes os letrados se viram
propensos não somente à vida literária mas também à vida política. A bem da verdade, tal
prática era comum entre os homens de letras, como elucida o seguinte trecho de uma revista
da década de sessenta:
uma época na vida, cheia de fé, rica de esperança em que a
mocidade, virgem do contato do mundo, crê no futuro das letras porque tem
no seu peito um culto erigido à vontade. Mais tarde, porém, lá vêm as
preocupações do presente, a exigência da vida prática, e o jovem que
antevira uma perspectiva brilhante na carreira das letras, esquece o culto da
verdade, o sacerdócio da inteligência pelas aspirações da ambição. Seus
olhos, desviados da região serena do pensamento contemplam fascinados os
embates tempestuosos da vida pública; e o literato troca as fecundas
lucubrações da inteligência pelas lutas agitadas e não poucas vezes estéreis
da política.
123
O Guanabara, setembro de 1850, p.38.
124
O Espelho, 04 de setembro de 1859, p. 03
.
55
[...].
Assim são as vocações nascentes no Brasil. Desabrocham hoje no
meio da crença e do entusiasmo para finarem-se amanhã nos terríveis
desenganos da vida prática
125
.
Como atentou o ensaísta da Revista Popular, tal configuração do ambiente intelectual era
resultado dos seus próprios limites. As páginas das revistas são insistentes em afirmar os
exíguos rendimentos oriundos da vida literária, situação essa que obrigava os letrados a
investirem paralelamente em uma outra função para a sobrevivência, como confessa um dos
colaboradores da Guanabara, em 1854:
Ninguém vive entre nós de ser homem de letras: todos têm suas
ocupações com que granjeiam o pão cotidiano: deixando-lhes estas mui
poucos lazeres para se entregarem as lucubrações literárias. A acumulação
de empregos indispensavelmente entre nós em razão dos nossos mesquinhos
ordenados absorve-nos o tempo que poderíamos dedicar ao estudo e daí a
esterilidade de algumas penas que poderiam aliás ser tão fecundas
.
126
Desse modo, o caminho comumente trilhado era o desempenho de funções públicas, como
ocorreu com muitos dos colaboradores das revistas em questão. Somada a essa dificuldade
resultante dos modestos rendimentos da atividade de letrado, a própria formação desses
homens propiciou a rápida absorção no funcionalismo público.
Na sua grande maioria são bacharéis formados em Direito e, como observou o
historiador José Murilo de Carvalho,
127
estavam aptos a ocupar altos cargos no Estado, como
a magistratura, por exemplo. Ainda com base nos estudos de Carvalho, a educação superior
garantiu certa homogeneidade à elite política, que era formada majoritariamente por
profissionais liberais: advogados, jornalistas, engenheiros, médicos, entre outros. Uma rápida
incursão sobre os principais colaboradores das revistas corroboram com essa tese.
No entanto, antes de nos ocuparmos desse assunto, uma ressalva se faz necessária:
devido ao grande número de colaboradores, decidimos selecionar aqueles cuja presença nas
revistas é mais freqüente; são colaboradores mais assíduos nas seções, raramente redigem um
ensaio ou artigo, ao contrário, escrevem para várias seções, e algumas vezes, a sua presença
predomina nas páginas de uma determinada publicação, como foi o caso, por exemplo, de
Joaquim Norberto de Souza na Revista Popular, ou de Dr. Valdez na Nova Minerva.
Entre os principais colaboradores cabe destacar, inicialmente, a figura de Domingos
José Gonçalves de Magalhães
128
, que ditou o tom das discussões que tinham como temática a
125
Revista Popular, 05 de janeiro de 1860, p.91-2. (grifo nosso).
126
O Guanabara, 01 de setembro de 1854, p.321-2.
127
CARVALHO, José Murilo de. O Teatro das Sombras. Rio de Janeiro: Relume, 1999.
128
Fundador da Nitheroy, foi colaborador de várias revistas, entre elas, da Revista Popular.
56
literatura nacional. Desde o seu ensaio sobre a história da literatura do Brasil, publicado na
revista Nitheroy em 1836, o nome de Magalhães é uma referência nas revistas do período para
todos aqueles que se dispunham a refletir sobre a construção e escrita de uma cultura
brasileira, logo o domínio de Magalhães, ou melhor, das idéias postuladas por ele é visível no
espaço dedicado à análise do futuro das letras no país.
Sua formação, sua participação na vida política, ou melhor, sua trajetória ilustra o
caminho comumente seguido pela maioria dos letrados oitocentistas: diplomado em
Medicina, exerceu o cargo de professor no colégio Pedro II, além de atuar como deputado
pela província do Rio Grande do Sul, anos mais tarde, ocupou o cargo de governador. A
vinculação entre as belas letras e a política foi coroada com os títulos de Barão e Visconde do
Araguaia, concedidos pelo Imperador Pedro II.
Uma outra presença muito marcante nas revistas foi a de Joaquim Norberto de Sousa e
Silva que, seguindo os passos de Magalhães, buscou traçar as linhas mestras de uma história
literária, o Bosquejo publicado entre os anos de 1859 à 1862 nas páginas da Revista Popular.
Membro do IHGB - chegou inclusive a ser presidente da instituição - , Norberto redigiu uma
História da Conjuração Mineira, realizou pesquisas sobre os costumes indígenas e, escreveu
algumas peças de teatro e romances, além de dedicar-se à tradução de alguns autores
franceses como, por exemplo, Molière.
Outro colaborador cujo nome é constante nas páginas das revistas é o de Francisco
Sales Torres Homem. O intelectual participou, ao lado de Gonçalves de Magalhães, da
fundação da Nitheroy e, anos mais tarde, em 1843, se dedicou à Minerva Brasiliense onde foi
responsável pela seção de literatura e de ciências, além de redigir alguns ensaios de cunho
econômico. Paralelamente à atividade literária, ocupou, ao longo dos anos, os cargos de
deputado, senador, ministro da Fazenda e presidente do Banco do Brasil. Juntamente com
Torres Homem e Gonçalves de Magalhães encontra-se João Manuel Pereira da Silva, que
além de colaborar na Nitheroy, dedicou-se à seção de bibliografia, de leitura, crítica e
sugestões de obras recém - lançadas da Revista Popular. Além de crítico literário, Pereira da
Silva
129
era tradutor e historiador publicou entre outras obras, a História da Fundação do
Império, Segundo Período do Reinado de D. Pedro I, História do Brasil de 1831 à 1840;
quanto à vida política, elegeu-se senador no final da década de 80 do Oitocentos.
129
“Chamamos a atenção dos nossos leitores para o Plutarco Brasileiro que o Sr. Dr. João Manuel Pereira da
Silva vai publicar. Não se pode negar que é um grande serviço que o sr. Pereira da Silva faz ao país, tirando do
olvido esses ilustres brasileiros que tanto honraram o seu país”. Nova Minerva, abril de 1847, p.08.
57
Aliás, a associação entre os letrados como a empreendida por Magalhães, Torres
Homem e Pereira da Silva na Nitheroy era comum nesse período. Anos depois, em 1849,
surgiu a revista Guanabara, que contava entre seus editores com Manuel Araújo Porto
Alegre, Gonçalves Dias e Joaquim Manuel de Macedo. Esse último, além de médico, foi
jornalista, professor do colégio Pedro II, membro do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro
e do Conselho Diretor de Instrução Pública da Corte em 1866. Colaborou intensamente com a
tradução e escrita de inúmeros romances, comédias e óperas, cujas estréias eram sempre
amplamente saudadas pelos críticos e pelo público.
No teatro de São Pedro representou-se uma ópera composta pelo Sr.
Dr. Joaquim Manuel de Macedo intitulada O Fantasma Branco que foi
vivamente aplaudida pelo público: é um triunfo a nova produção do autor de
A moreninha, do Moço Loiro e de Dois Amores[...]
130
Gonçalves Dias, que também era jornalista e fazia parte do corpo docente do colégio
imperial Pedro II, realizou inúmeras viagens pelo Brasil com o fim especial de analisar as
possibilidades mineralógicas da região norte - e pela Europa, sempre a mando do governo
imperial, além de participar ativamente de periódicos como o Jornal do Commercio, a Gazeta
da Corte, Chronica Litterária, entre outras publicações. Ao lado de Joaquim Manuel de
Macedo, Dias era um dos letrados comumente identificados pelos críticos da época como uma
das grandes promessas nas letras nacionais.
Manuel Araújo Porto- Alegre também um dos fundadores da Nitheroy ,além de
contribuir na Minerva Brasiliense, foi responsável pela Guanabara onde dissertou sobre a
arte musical, a literatura e o teatro no Brasil. Porto- Alegre integrava também o extenso rol de
colaboradores da Revista Popular, assim como Luiz de Castro, Antonio Feliciano de Castilho,
Justiniano José da Rocha, o cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Homem de Melo,
Francisco de Paula Brito e Francisco Adolfo de Varnhagen entre outros.
Varnhagen que ficou mais conhecido por sua contribuição no campo dos estudos
históricos – era sócio-correspondente da Academia de Ciências de Lisboa e do IHGB, além de
exercer o cargo de diplomata na Espanha, Paraguai, Venezuela, Chile, Peru e Países Baixos,
onde, em contato com arquivos e bibliotecas compilou documentos e elaborou diversas obras
como História geral do Brasil, História das Lutas contra os Holandeses no Brasil desde 1624
a 1654. Ao lado de ensaios de cunho histórico, elaborou artigos sobre a situação literária no
país, assunto do qual se ocupou também o cônego da capela Imperial Joaquim Caetano
130
O Guanabara, p.264.
58
Fernandes Pinheiro, autor de um Curso Elementar de Literatura Brasileira, publicado em
1862, cuja história de elaboração é assim apresentada nas páginas iniciais da obra.
Quando, em 1857 fomos nomeados professores de retórica, poética e
literatura nacional do Imperial Colégio Pedro II, reconhecemos praticamente
a falta de um compêndio adaptado à última parte do nosso curso. Para
preencher esse vazio, tomamos sobre os nossos débeis ombros uma empresa
que a outros melhor caberia; e o resultado é ora o que apresentamos ao
público [...]
131
.
Justiniano José da Rocha, por sua vez, dedicou-se à um espectro variado de atividades:
do jornalismo enveredou para a ficção e a crônica, além de colaborar em inúmeros
periódicos e traduziu o romance Os Miseráveis, de Victor Hugo, para a Revista Popular.
Se a seção dedicada às belas letras contava com grande número de colaboradores, o
mesmo não ocorria, por exemplo, com a seção voltada para as ciências médicas, cujo
principal colaborador era Francisco de Paula Brito. Médico formado na França, Paula Brito
era professor de física médica, terapêutica e química na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro em 1833, membro do IHGB e da Academia Filomática de Paris, sócio honorário da
Academia de Belas Artes. Paralelamente à atividade de deputado provincial, ocupou o cargo
de presidente da Junta Central de Higiene Pública, no ano de 1855, empenhando-se no
combate à epidemia de cólera que então assolava a província do Rio de Janeiro.
Ao lado desses nomes que figuraram de forma predominante nas diversas revistas que
circularam nesse período, cabe destacar também José Manuel Valdez e Palácios, que
comumente assina os artigos como Dr. Valdez. De nacionalidade peruana, Valdez, formado
em Direito, sócio do IHGB, redigiu inúmeros ensaios e artigos que, na sua maioria,
abordavam temáticas relacionadas como o universo feminino. Aliás, a participação de
estrangeiros nas revistas é notável: Émile Adet, por exemplo, participou da Minerva
Brasiliense, onde escrevia sobre literatura e teatro. Redigiu uma série de artigos em que
destacava a contribuição francesa em vários campos do conhecimento produzidos no Brasil,
especialmente na literatura. Ouçamos algumas de suas conclusões:
Percorrendo-se o círculo dos conhecimentos humanos no Brasil, vê-
se que a França é a nação que mais tem contribuído neste século para o
rápido progresso civilizador deste império. Descobre-se no seu
desenvolvimento intelectual, debaixo de todas as modificações que são
inerentes ao caráter nacional, a idéia francesa dominadora.
Portanto,percorra-se o campo da política, e distinguir-se-ão fragmentos do
sistema francês; explorem-se as ciências, físicas ou naturais, sociais ou
filosóficas, incomensuráveis domínios, a idéia francesa é que sempre
131
PINHEIRO, Joaquim Caetano Fernandes. Curso Elementar de Literatura Brasileira, Rio de Janeiro,
Garnier, 1862, p.13.
59
aparecerá.[...]. Com referências às artes industriais, às modas, máxima à
literatura nascente da época presente, é o Brasil discípulo da França
132
.
No exercício de crítico teatral, Adet sentenciou:
Um bom teatro é um foco de civilização em que um povo se pode
instruir, os ricos procurar um assunto sério e proveitoso de conversação, em
que os homens estudiosos podem achar distrações, meditar, e às vezes
desenvolver seu talento
133
.
Havia ainda, a participação embora menos freqüente de outros letrados como
foram os casos de Viriato Bandeira Duarte, Bernardo de Sousa Franco e Aureliano de Sousa e
Oliveira, colaboradores, respectivamente da Ilustração Brasileira, do Beija- Flor e da Abelha.
Viriato, que redigiu boa parte dos comentários sobre os romances publicados pelos escritores
românticos, foi Juiz Municipal em São Luís do Maranhão, Auditor Geral da Marinha, em
1864, Desembargador, Chefe da Polícia da província do Mato Grosso e deputado, entre 1853
e 1866. Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, além de juiz de órfãos, foi Ministro da
Justiça e dos Negócios Estrangeiros, entre os anos de 1840 e 1841 e, senador do Império,
entre 1843 à 1855.
Nessa breve incursão pela trajetória de alguns dos colaboradores das revistas é
possível perceber a presença de alguns elementos comuns: em primeiro lugar, o exercício de
inúmeros cargos políticos, desde o cargo de deputado provincial até o de conselheiro e
senador do Império
134
esse último representava uma espécie de coroamento para aqueles
que enveredavam pela vida pública. A concessão de títulos honoríficos também abunda nesse
cenário : quase sem exceção, todos os colaboradores foram agraciados com títulos de
Visconde ou de Barão pelo Imperador. Outra característica que se detecta nesse mapeamento
do intelectual oitocentista é sua participação não apenas em mais de uma publicação, mas
também em associações e agremiações literárias e culturais.
Neste período, inúmeras associações e sociedades foram fundadas com o fim especial
de servirem como mola propulsora para o desenvolvimento das letras, ciências e artes, como a
Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, da qual, Torres Homem, por
exemplo, foi membro. Anos mais tarde, essas associações entre homens de letras que não
necessariamente moravam no país - deram origem a inúmeros jornais e revistas, algumas com
mais de sessenta colaboradores, como foi o caso da Revista Popular.
132
Minerva Brasiliense, 15 de novembro de 1843, p.80
133
Ibidem, 01 de novembro de 1843, p.121.
134
O cargo de senador durava em média quinze anos.
60
Apoiados pelo poder imperial, seja na forma de patrocínio para viagens ao exterior ou
para publicação de obras, seja por meio do exercício de um cargo público que muitas vezes
eram ocupados por longos anos, os letrados superavam assim os problemas decorrentes dos
exíguos rendimentos da atividade literária e consolidaram sua presença junto ao imperador.
Ao desempenhar mais de um cargo, esses letrados procuraram, unir o útil ao agradável. Por
maiores que fossem os elogios atribuídos ao monarca, os letrados insistiam que as condições
estavam longe das ideais.
Em 1864, os responsáveis pelo Cysne Jornal Litterário defenderam durante mais de
dois meses a fundação de uma sociedade protetora dos Homens de Letras: uma instituição que
a cada ano premiaria aqueles que se destacassem, estimularia os homens de letras em
atividade e incentivaria aqueles que desejassem ingressar nesse universo:
Eia, pois um esforço! Faça-se alguma coisa em favor desses pobres
operários do pensamento, uma simples tentativa que demonstre ao menos a
boa vontade da parte daqueles que dirigem os negócios deste país [...]. Por
que não teremos uma instituição adaptada a premiar o mérito dos bons
escritos e a fazer por esse modo adeptos ao melhoramento intelectual, como
acontece em outros países
135
!
Outro apelo que aparece, desta vez na Nova Minerva, é para a criação de instituições
de ensino, como Liceus, Academias e Universidades. De forma insistente, os letrados
advogam a criação de um número cada vez maior de espaços dedicados à difusão do saber,
com o fim especial de suprir as lacunas que ainda se faziam presentes e obstavam o futuro
nacional, como podemos depreender do seguinte trecho:
Uma Universidade além das Academias, Cursos, Liceus e aulas
atuais preencheria muito esse vácuo imenso que ainda existe em nosso orbe
literário; e que é de tanto mais urgência quanto é certo que o nosso colossal
país deverá um dia, pelas suas proporções avantajadas ocupar um grau
distinto entre as mais adiantadas nações do globo: e que se ainda não atingiu
é quiçá porque não tem dado maior impulso às ciências e artes, fonte de sua
riqueza [...
]
136
.
Anos antes, em agosto de 1848, na Chronica Litterária, Viriato Bandeira Duarte
queixava-se das grandes somas concedidas para outras atividades, especialmente para as
industriais, e alertava que um país não era feito somente com grandes obras arquitetônicas,
mas também com idéias que davam o seu quinhão de contribuição para o avanço do
135
O Cysne, 01 de junho de 1864, p.05.
136
Nova Minerva, p. 128 . O microfilme apresenta falhas que impossibilitam a identificação da data.
61
país.
137
No entanto, nos anos seguintes, nenhuma nota ou artigo informava se tal sugestão
logrou êxito.
A freqüência da participação dos colaboradores nas revistas era variada. Em alguns
casos, como na Revista Popular, os escritos de Joaquim Norberto Silva e Sousa ocupavam
toda a sessão de literatura, com cinco ensaios,por exemplo; outros colaboradores contribuíam
com apenas um ensaio, como Manuel de Araújo Porto Alegre, na Guanabara..
Entre os principais colaboradores cabe destacar, por exemplo, ao lado de Joaquim
Norberto de Sousa e Silva na Revista Popular, Dr. Valdez na Álbum Semanal e Nova
Minerva, Torres Homem na Minerva Brasiliense, Luís Castro e Moreira de Azevedo na
Revista Popular, entre outros. Os assuntos prediletos abordados pelos letrados são, ao lado da
literatura nacional – que ocupou boa parte das revistas , estudos de cunho etnológicos-
históricos, como foi o caso, por exemplo, dos ensaios realizados por Joaquim Norberto da
Silva e Sousa, para a Guanabara, que versavam sobre a língua e costumes indígenas, artigos
que renderam, anos mais tarde, uma modesta antologia da poesia indígena.
Um colaborador que figura com um respeitável número de ensaios, artigos e
comentários nas publicações é Francisco Sales Torres Homem. Enquanto Norberto dedicou
sua atenção prioritariamente para os modos e costumes indígenas tudo isso com o fim
especial de estabelecer uma origem para a literatura nacional -, Torres Homem priorizou as
temáticas do avanço das ciências e do uso da mão de obra escrava. Como boa parte dos
intelectuais do período, o visconde de Inhomirim se mostrava entusiasmado com o advento
das máquinas, com os avanços da biologia e com a difusão dos conhecimentos científicos,
como podemos perceber no balanço que realizou sobre o século XIX, publicado no número de
estréia da Minerva Brasiliense, em 1843 :
É somente em nossos dias que se tem feito notar uma geral mudança
na direção das ciências : noutras épocas elas apresentavam uma marcha
altiva e orgulhosa : absorvidas na grandeza de suas abstrações, pouco se
cuidava em prestá-las ao serviço prático da espécie humana, aplicando-se às
artes úteis. Dprovinha que estas, sem princípios racionais, se guiavam
apenas por uma espécie de instinto empírico.[...] a nossa idade terá a glória
de haver tirado a ciência de suas compreensões egoístas. [...].a imprensa
tornou em nossos dias a leitura popular, o pensamento universal, continuou a
revolução que o Evangelho tinha começado; deu a todos o que outrora só aos
grandes e aos ricos se distribuía[...]. De todos os inventos porém de nossos
coevos é sem dúvida a navegação a vapor a mais importante, o mais
fecundo, o mais rico em promessas
138
.
137
O colaborador da Brazil Litterário assim se pronuncia acerca dessa temática: “Lembremos-lhes que o
progresso e a grandeza das nações não se limita somente ao aparato das armas e acumulação de dinheiro;
depende também da ilustração de seus súditos”. Brazil Litterário, 01 de junho de 1864, p.06.
138
Minerva Brasiliense.., 01 de novembro de 1843, p.07.
62
Torres Homem também defendeu, para o bem do futuro do país, como dizia, a
substituição gradual da mão de obra escrava pela européia e assalariada. Seu primeiro ensaio
voltado para o tema foi publicado em 1836, na Nitheroy ; anos depois a temática reaparece
na Minerva Brasiliense, na Guanabara, na Nova Minerva e na Revista Popular. O tom geral
desses ensaios confirmava o veredicto do editor-chefe da Minerva Brasiliense: se o extenso
uso de mão de obra escrava permanecesse, conseqüências funestas para o Brasil poderiam ser
esperadas. A solução encontrada pelos letrados foi a defesa e intensa propaganda da vinda de
colonos europeus. Esse era o projeto que tinham para o futuro do país. No entanto, na década
de 50
139
, com a crescente pressão inglesa, a situação se mostrava cada vez mais frágil: era
necessário prudência e organização para conquistar colonos, como aponta a Revista Popular:
Introduzir colonos no Brasil, sem saber que fazer com eles, não só é
inútil mas até danoso pois que estes colonos jamais serão contentes tendo
sido recrutados sob a de promessas vagas e mentirosas e não vendo achar
o que esperavam
.
140
.
Moreira de Azevedo, por sua vez, se destacou na seção de bibliografia, que comentava
as obras recém publicadas, uma espécie de incipiente crítica literária. Sua presença nessa
seção é marcante, abordando desde o aparecimento de novos periódicos era prática comum
divulgar e saudar as novas revistas no rodapé - até o surgimento de novos poetas.
Após essa incursão pelos principais nomes que figuraram nas revistas da época, e por
suas características de grupo,voltemos nossa atenção para alguns aspectos que nos permitam
mapear o lugar do intelectual nesse cenário. Em primeiro lugar, cabe salientar que o caráter
homogêneo desses colaboradores desde sua formação acadêmica até a ocupação de cargos
ministeriais- pode ser contemplado no seu próprio posicionamento, que raramente
apresentavam divergência. Ao percorrer as diversas revistas publicadas entre os anos de 1843
à 1869, o que se verifica é uma comunhão de idéias e visões sobre o país no tocante aos mais
distintos assuntos.
O que se percebe é um posicionamento político que advoga a condução do país para o
futuro, pautando-se pela ordem e no respeito à instituição monárquica. Desse modo,
percorrendo os ensaios, artigos e romances escritos por esse grupo de letrados, não se
encontra indícios de temperamentos revolucionários, no sentido de representar qualquer
139
Com relação à essa temática remeto às seguintes obras: CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura
no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975; HOLANDA, Sérgio Buarque de (dir). História Geral da
Civilização Brasileira – O Brasil Monárquico: Do Império à República. São Paulo: Difel,1985, vol. V.;
VIOTTI, Emília. Da senzala à colônia. São Paulo: Ed. Unesp,1998.
140
Revista Popular, maio de 1860, p.25.
63
oposição ou antagonismo no cenário oitocentista.
141
A respeito desse assunto, acompanhemos
no seguinte comentário presente na Revista Popular :
[...] mas quando dissemos livres, não queremos dizer naqueles
[países] onde reina a anarquia e a desordem, [...] a absoluta falta de poder,
[...] nem entendemos por países livres aqueles que levam o nome de
repúblicas, pois que neles pode reinar o despotismo mais do que na
monarquia, como nos comprova a história recente dos estados hispano-
americanos [...
]
142
O contato dos letrados com o Imperador era intenso, bem como com alguns
intelectuais europeus. Esse foi o caso, por exemplo, de Manuel Araújo Porto-Alegre que teve
como mestre na arte da pintura o francês Debret e conheceu durante sua estadia na capital
francesa o escritor português Almeida Garret; aliás, era freqüente, durante esse período,
viagens para a Europa e os intercâmbios com instituições e centros europeus, como o Instituto
Histórico Francês, que possuía membros–colaboradores brasileiros, Gonçalves de Magalhães
e o já citado Porto-Alegre.
Aliada à essa característica, notamos que todos esses letrados postulavam uma
autonomia do país diante das outras nações. Para tanto, estimulam estudos e iniciativas que
possibilitem o progresso do Brasil em todos os setores: dos estudos de literatura, a
catalogação de fontes para a história do Brasil, as missões científicas, a organização de
exposições dos principais produtos do país em feiras internacionais e tantas outras medidas
patrocinadas pelo governo Imperial e executadas pelos letrados. Por meio de suas atuações -
que se estenderam por vários campos do conhecimento e diversas instituições nacionais e
estrangeiras –, tais homens colaboraram intensamente para o despertar e para o
amadurecimento da vida cultural carioca oitocentista.
Um terceiro ponto de convergência entre os letrados, e intimamente ligado ao
primeiro, era o amor ao progresso. Essa crença no caminhar firme da humanidade rumo ao
aprimoramento técnico, moral e intelectual perpassava todos os colaboradores, que
compreendiam a época em que viviam como o ponto alto do desenvolvimento humano.
Assim, pautados pela crença no progresso, acreditavam num destino não menos glorioso para
si próprio: estavam destinados a lançar os alicerces para as gerações seguintes.
Estará a mocidade atual condenada a ser eterna recopiladora dos
nossos antepassados ou terá entusiasmo para se inspirar e ser útil á
Humanidade.
141
Homens de ordem e ponderação, medianos na maioria, que viviam paradoxalmente o início da grande
aventura romântica e, mesmo no aceso da paixão literária, desejavam manter as conveniências, nunca tirando um
olho do Instituto Histórico ou da jovem e circunspecta majestade de D. Pedro, ao qual dedicavam seus livros.”.
Cf. CANDIDO, Antonio. Op. Cit, p.42.
142
Revista Popular, junho de 1859, p. 08, (grifo nosso).
64
Será esta geração a conveniente para uma reforma social ou será um
autômato obrigado a ceder às vontades de certas mediocridades rotineiras,
exaustas pelos anos e sem força para imaginar
!
143
Uma quarta característica desses colaboradores era sua vinculação com o poder
imperial. Embora já tenhamos tocado nesse quesito, cabe uma vez mais reiterar que tal
postura evidencia, além dos limites das circunstâncias da época, uma aliança que, somada à
uma quinta característica, a saber, a veneração pelas culturas francesas e inglesas, deu um
caráter oscilante para essa geração de intelectuais.
Ora, esses letrados desejavam e reinvidicavam um autonomismo, ao mesmo tempo em
que pautavam suas ações culturais pelas culturas exógenas, como a francesa, por exemplo,
entendida como um modelo a ser copiado e difundido entre os brasileiros. Tal característica,
como observou Candido
144
, não pode ser vista como anacrônica, ao contrário, essa oscilação
derivava do anseio de superar o obscurantismo dos tempos passados e de inaugurar um futuro
que habilitasse o país a figurar ao lado de nações-modelos, como a França, Inglaterra e
Estados Unidos. A oscilação se dava também nas relações com o monarca: Torres Homem
certa vez, em 1848, num panfleto intitulado O libelo do povo, atacou a dinastia dos Bragança.
Anos mais tarde, em 1857, nomeado Ministro da Fazenda e membro do Partido
Conservador, reconheceu a imprudência de tal episódio e não poupou elogios à Pedro II.
Na constituição de uma cultura brasileira, ou, dito de outro modo, no estabelecimento
de uma vida cultural dinâmica no Brasil daqueles tempos, esse grupo de homens - que
estudou na, ou que tinha como modelo de conduta a Europa - buscou romper com os
obstáculos impostos à sua ação - que eram quase sempre identificados por eles como
resquícios dos tempos coloniais e apontar os novos caminhos que o país deveria trilhar,
sempre pautado pelo conhecimento racional
É o desejo de sua difusão através das revistas que reúne esses colaboradores ao longo
do século XIX. Das iniciativas pioneiras na década de 30, tímidas mas que anunciam o fio
condutor desse percurso, nos deparamos com o fortalecimento de um espaço de discussão e
reflexão que, nas décadas de 40 e 50, possibilitou a consolidação no Brasil da figura do
intelectual enquanto aquele que indicaria ao resto da sociedade o caminho a ser percorrido.
143
O Guaracyaba, 18 de janeiro de 1854, p.105.
144
CANDIDO, Antonio. Op. cit.
65
Capítulo 3 DA HISTÓRIA EM REVISTAS OITOCENTISTAS
Começamos hoje um trabalho que, sem dúvida, remediará de alguma sorte
os nossos descuidos, reparando os erros e enchendo as lacunas que se
encontram na nossa história. Nós vamos salvar da indigna obscuridade em
que jaziam até hoje muitas memórias da pátria e os nomes de seus melhores
filhos.[...].
Discurso proferido no IHGB por Januário da Cunha Barbosa.
3.1 O despertar da História
No discurso que proferiu no IHGB em 1839, o cônego Januário da Cunha Barbosa
atentava para a importância que a criação de uma associação como o Instituto teria para o
país, salvaguardando a memória nacional
145
. Afinal, tirar dos escombros fatos, episódios e
personagens até então desconhecidos, era o intuito maior dos membros do Instituto
146
. E não
só, concomitante com tal desejo, os membros do IHGB ansiavam também por corrigir o que
consideravam alguns equívocos divulgados por nacionais e estrangeiros sobre a geografia e a
história do Brasil :
Ei-nos hoje congregados para encetarmos trabalhos do proposto
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e desta arte mostrarmos às nações
cultas que também prezarmos a glória da pátria, propondo-nos a concentrar
em uma literária associação os diversos fatos da nossa história e os
esclarecimentos geográficos do nosso país, para que possam ser oferecidos
ao conhecimento do mundo, purificados dos erros e inexatidões que os
mancham em muitos impressos, tanto nacionais quanto estrangeiros.
[...]. O nosso silêncio, repreensível de certo em matéria que tanto afeta a
honra da pátria tem dado ocasião a que os historiadores uns de outros se
145
Basta atendermos ao que diz Cícero sobre a história, para conhecermos logo as vantagens que se devem
esperar de um Instituto que dela particularmente se ocupe, e composto de homens os mais conpicuos por suas
letras e por suas virtudes. A história é a testemunha dos tempos, a luz da verdade e a escola da vida. Por essa
judiciosa doutrina bem facilmente se conhece quão profícua deve ser a nossa associação,, encarregada como
em outras nações de eternizar pela história os fatos memoráveis da pátria, salvando-os da voragem dos tempos,
e desembaraçando-os das espessas nuvens que não poucas vezes lhe aglomeram a parcialidade, o espírito de
partidos, e até mesmo a ignorância. BARBOSA, Januário da Cunha. Discurso. RIHGB, jan/fev/mar de 1839,
p.11.
146
Não se compadecia com o gênio brasileiro, sempre zeloso da glória da pátria, deixar por mais tempo em
esquecimento os fatos notáveis da sua história, acontecidos em diversos pontos do Império, sem dúvida, ainda
não bem designados. Eis o motivo, Senhores, porque dois membros do conselho da Sociedade Auxiliadora
Nacional e também sócios do Instituto Histórico de Paris, participando dos generosos sentimentos dos nossos
literatos, se animaram a propor a fundação de um Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que sob os
auspícios de tão útil quanto respeitável sociedade curasse de reunir e organizar os elementos para a história e
geografia do Brasil, espalhados por suas províncias, e por isso mesmo difíceis de se colher por qualquer patriota
que tentasse escrever exatamente tão desejada história.RIHGB, Ibidem, p.16.
66
copiem, propagando-se por isso muitas inexatidões que deveriam ser
imediatamente corrigidas
.
147
A partir da sua fundação, inúmeros estudos foram empreendidos na ânsia de promover o
avanço do conhecimento histórico, até aquele momento relegado a poucas obras, - obras cuja
ausência de um caráter geral incomodava os membros do IHGB, como veremos mais adiante.
Prossigamos nas instruções dadas aos membros e sócios correspondentes na ocasião da
inauguração do Instituto.
Coligir documentos e manuscritos que auxiliassem na compreensão da história pátria:
essa era a primeira instrução dada aos membros que, nas diversas províncias do país e em
outros países, eram estimulados a realizar pesquisas em arquivos, cartórios e quaisquer
repartições onde fosse possível encontrar vestígios do passado brasileiro. A eles caberia, por
meio da coleta de documentos que abrangia não somente à história e a geografia como
também a mineralogia, a botânica, a cartografia, entre outras áreas - e dos intercâmbios com
associações culturais européias, realizar uma sistematização dos assuntos relativos à pátria e,
assim, preencher as lacunas apontadas pelo nego Januário da Cunha Barbosa. Atento à
importância da missão, na sessão de 24 de novembro de 1840, o desembargador Rodrigo de
Souza da Silva Pontes alertava para os procedimentos a serem tomados, com o fim de obter
êxito na busca por documentos relativos a historia do país. Segundo ele,
o primeiro passo portanto que deve dar o Instituto é solicitar o
consentimento dos que nos podem fazer patentes os cofres preciosos onde se
encerram tantos documentos da maior importância para a História e para a
Geografia de nossa terra natal. [...].
Quando, porém, se tratar de elucidar um ponto ou de História ou de
Geografia, ainda não suficientemente esclarecido por escritos ou mapas
existentes, outro será sem dúvida o caminho que deve pisar. Persuado-me de
que qualquer destas hipóteses convém mui principalmente as viagens
científicas
.
148
Ao lado da catalogação e organização de documentos, os sócios do IHGB são insistentes
em realçar a crença de que o estudo da História colaborava para despertar os sentimentos
cívicos. Ao fornecer exemplos de conduta e lições para as gerações posteriores, o
conhecimento histórico exercia um importante papel na construção e divulgação de modelos
da atuação do homem na sociedade. Logo, ao lado de ensaios e reflexões de cunho histórico, a
narrativa biográfica desempenhou um destacado papel neste período ao apresentar
personagens numa bem ordenada galeria, colocando-os segundo os tempos e os lugares, para
147
Ibidem, p.12.
148
PONTES, Rodrigo de Souza da Silva. Quais os meios de que se deve lançar mão para obter o maior número
possível de documentos relativos à História e a Geografia do Brasil. RIHGB, julho de 1841, p.149-50.
67
que sejam melhor percebidos pelos que anseiam seguir seus passos nos caminhos da honra e
da glória nacional. Observemos alguns trechos a esse respeito :
Na vida dos grandes homens apreende-se a conhecer as aplicações da honra,
a apreciar a glória e a afrontar os perigos que muitas vezes são as causas de
maior glória.[...].
E não oferecerá uma história verídica do nosso país essas lições que tão
profícuas podem ser aos cidadãos brasileiros no desempenho de seus mais
importantes deveres.[...?.
A nossa história abunda de modelos de virtudes, mas um grande número de
feitos gloriosos morrem ou dormem na obscuridade, sem proveito das
gerações subseqüentes.
[...]
Dentre todos os estudos que tendem e convergem mais diretamente a dar
desenvolvimento ao engenho humano, nenhum mais importante e, que
por sem dúvida, mais rápido e gigantesco opere do que o da História
149
.
A história é uma mestra, não somente do futuro, como também do presente.
Ela pode difundir entre os contemporâneos sentimentos e pensamentos do
mais nobre patriotismo. Uma obra histórica sobre o Brasil deve, segundo a
minha opinião, ter igualmente a tendência de despertar e reanimar em seus
leitores brasileiros amor da pátria, coragem, constância, indústria ,fidelidade,
prudência, em uma palavra, todas as virtudes cívicas
.
150
Ao fornecer exemplos para as gerações vindouras, o estudo da História estava tão
fortemente atrelado à biografia que, em uma rápida reflexão intitulada Do que devem
procurar nas províncias os sócios do Instituto Histórico Brasileiro para remeterem à
sociedade central do Rio de Janeiro, o cônego Cunha Barbosa enumera primeiramente as
[...] notícias biográficas impressas ou manuscritas dos brasileiros
distintos por suas letras, virtudes, armas, serviços relevantes, ou por qualquer
outra qualidade notável, desde o descobrimento do Brasil até hoje, com
explicação de seus nomes, naturalidade, tempo em que viveram e motivos de
sua celebridade
.
151
Em seguida, destaca que deveriam merecer a atenção dos letrados as cópias autênticas de
documentos interessantíssimos à nossa história, assim antiga como moderna e as notícias
sobre os costumes dos índios, sua catequese e civilização.
A propósito dos índios, no despertar de uma consciência histórica, os letrados
oitocentistas conferiam destaque aos estudos de cunho lingüísticos e etnológicos que
abordassem os seus costumes e suas tradições, a ponto de Gonçalves de Magalhães redigir
149
O Curupira, 13 de fevereiro de 1853, p.145.
150
VON MARTIUS, Karl. Como se deve escrever a história do Brasil. RIHGB, janeiro de 1845, p.409.
151
BARBOSA, Januário da Cunha. Do que devem procurar nas províncias os sócios do Instituto Histórico
Brasileiro para remeterem à sociedade central do Rio de Janeiro.RIHGB, jan/fev/mar de 1839, p.141.
68
uma memória denominada Os indígenas perante a História, onde destaca a necessidade de
reabilitar o elemento indígena para a compreensão da história do país. No parecer de
Magalhães, era fundamental que o historiador se desvencilhasse de algumas opiniões
estabelecidas que compreendiam o indígena como um ser desprovido de qualquer sentimento
de fé e de justiça, e analisasse o seu papel na história do Brasil. No entanto, para desempenhar
tal tarefa, alguns cuidados eram necessários no trato com os documentos que abordavam os
indígenas, tendo em vista que se constituíam na sua maioria, em relatos elaborados por
europeus e, portanto, deveriam ser tomados como uma versão da história, como atentou
Magalhães:
Quando no estudo da História, religião, usos e costumes de um povo
vencido e subjulgado outros documentos não temos além de crônicas e
relações dos conquistadores, sempre empenhados em todos os tempos a
glorificar seus atos com aparências de justiça, e a denegrir as suas vítimas
com imputações de todos os gêneros; engano fora se cuidássemos achar a
verdade e os fatos expostos com sincera imparcialidade e devidamente
interpretados. [...].
Quando, pois, se nos apresentam vários documentos provenientes de um
lado, cumpre-nos procurar a verdade pela crítica, e por um método
indireto, notando sempre as contradições, como fazem os juízes no
acareamento das testemunhas. [...]
.
152
Mais adiante, nas suas conclusões, o autor salienta a participação crucial dos indígenas em
episódios da nossa história, - como os da expulsão de franceses e holandeses no período
colonial -, para defender que, dado o seu caráter de observação e imitação, não era necessário
o recurso à força para integrá-los à civilização.
A reflexão realizada por Magalhães acerca da contribuição indígena na trajetória do país
é uma das problemáticas das quais se ocuparão os demais membros do IHGB na tentativa de
elaborar uma história pátria. Ilustrativo desse esforço é o concurso lançado pela instituição em
1843, com vistas a premiar àquele de elaborasse o melhor plano para a escrita de uma história
do Brasil. Dois foram os nomes que enviaram seus textos à comissão: Karl Von Martius e
Henrique Wallestein. O vencedor foi o bávaro Von Martius com o texto intitulado Como se
deve escrever a História do Brasil. Nele, Martius anuncia os pilares de uma análise histórica
que deveria privilegiar o estudo das três raças que influíram na constituição de um caráter
brasileiro: o indígena, o português e o índio. De acordo com ele,
Qualquer que se encarregar de escrever a História do Brasil, país que
tanto promete, jamais deverá perder de vista quais os elementos que aí
concorrerão para o desenvolvimento do homem. São, porém, estes
elementos de natureza muito diversa, tendo para a formação do homem
convergido de um modo particular três raças, a saber: a de cor de cobre ou
152
MAGALHAES, Gonçalves de. Os indígenas perante a História. RIHGB, janeiro de 1841, p.4
69
ameríndia, a branca ou caucasiana, e enfim a preta ou etiópica. Do
encontro, da mescla, das relações mútuas e mudanças dessas três raças,
formou-se a atual população, cuja história por isso mesmo tem um cunho
muito particular
153
.
Em seguida, Martius esclarece que o encontro de raças distintas além de ser constante na
história, possuía um caráter providencial: o aprimoramento da sociedade.
Tanto a história dos povos quanto a dos indivíduos mostram que o gênio
da história do mundo conduz o gênero humano por caminhos suja sabedoria
sempre devemos reconhecer, não poucas vezes lança mão de cruzar as raças
para alcançar os mais sublimes fins na ordem do mundo. 391.
[...].
Jamais será permitido duvidar que a vontade da providência
predestinou o Brasil à esta mescla
.
154
O outro candidato, Henrique Wallestein, com a sua Memória sobre o melhor plano de
se escrever a história antiga e moderna do Brasil, apresentava um modo de se escrever a
história muito pautado em autores da Antiguidade. Acompanhemos a sua proposta:
O plano, que parece mais acertado de se escrever a história do Brasil
é seguramente o mesmo que seguiu Tito Lívio, João de Barros e Diogo do
Couto, isto é, pelo sistema de décadas ,narrando-se os fatos acontecidos
dentro de certos períodos.
Desta maneira vão os sucessos bem encadeados, e quando aconteça
acharem-se lacunas, estas não serão sensíveis se forem de um até dois anos,
e estas lacunas, seja qualquer que for o método que se adote para escrever
uma história qualquer, sempre o de existir na falha dos fatos que o se
memoram, como de ordinário acontece, quando principia um tempo histórico
que se vai descrever séculos depois; porém, para clareza e percepção parece
que este método de décadas é o mais preferível
.
155
Apesar de premissas diversas, Martius e Wallestein concordam em um aspecto acerca
da escrita da história do Brasil: o ponto de partida deveria ser a narração dos povos indígenas
que ocupavam o país quando do desembarque dos portugueses. Ambos os autores consideram
que, para a redação de uma verdadeira história pátria, o poderia ficar ausente a presença
dos indígenas no território e as relações advindas do contato com o europeu. Esse era o marco
cronológico que deveria estar presente em qualquer obra que tratasse da história do país.
Enquanto a proposta de Wallerstein para a comissão de história do IHGB é breve, não
ocupando mais de duas páginas, o texto de Martius, ao contrário, prima pela longa e detalhada
exposição dos elementos considerados fundadores na narrativa histórica brasileira. Na análise
dos índios e do seu papel na história brasileira, o historiador deveria se questionar, de acordo
153
VON MARTIUS, Karl. Op. cit,p.390.
154
Ibidem, p.391. (grifo nosso).
155
WALLESTEIN, Henrique. Memória sobre o melhor plano de se escrever a história antiga e moderna do
Brasil. RIHGB, março de 1882, p.159.
70
com Martius, primeiramente sobre suas origens, para em seguida, se indagar sobre como se
apresentaram no momento do contato com os portugueses e, por fim, quais eram as causas
que levaram à sua redução. Respondidas essas questões, o próximo passo era a análise da
maneira como se processou o entendimento com os portugueses. Quanto aos portugueses,
Martius enfatiza que o episódio do descobrimento poderia ser compreendido como parte
das façanhas marítimas empreendidas por esse povo, responsável pela implantação de novos
costumes num território até aquele momento desconhecido. As perguntas que, nesse caso,
deveriam nortear o historiador eram as seguintes: como se estabeleceram os europeus nesse
território? de que forma a vida e os costumes europeus se transportaram para a colônia?.
Após a análise dos europeus, teria lugar, como o último elemento constituinte da
história pátria, a análise da presença dos escravos africanos no Brasil. O bávaro se questiona
sobre a natureza da contribuição africana: qual seria o desenvolvimento do país sem a
introdução dos escravos negros? . Esse é o fio condutor de sua rápida análise acerca dos
africanos. Para Martius, essa questão caberia aos historiadores responder após a realização de
uma arguta análise das influências morais exercidas por essa população de escravos. Por fim,
em sua conclusão, o bávaro alertava para a figura do historiador, que deveria atender aos
interesses de uma monarquia constitucional.
Nunca esqueça, pois, o historiador do Brasil, que para prestar um
verdadeiro serviço á sua pátria, deverá escrever como autor monárquico
constitucional, como unitário no mais puro sentido da palavra
156
.
A bem da verdade, nada mais esperado, dado o apoio concedido pelo monarca Pedro II às
iniciativas dos membros do Instituto. Além desse apoio e de comparecer as sessões, Pedro II
também discursou sobre o que considerava digno do estudo da história. Observemos a sua
posição acerca dessa temática:
Sem vida, senhores, que a vossa publicação trimestral tem prestado
valiosos serviços, mostrando ao velho mundo o apreço, que também no novo
merecem as aplicações da inteligência; mas para que esse alvo atinja
perfeitamente, é de mister que não reunais os trabalhos das gerações
passadas, ao que vos tendes dedicado quase que unicamente, como também,
pelos vossos próprios, torneis aquela a que pertenço digna realmente dos
elogios da posteridade: não dividi pois as forças, o amor da ciência é
exclusivo,e, concorrendo todos unidos para tão nobre, útil, e difícil
empresa, erijamos assim um padrão de glória à civilização da nossa pátria
157
.
O conhecimento histórico visado e pesquisado pelos integrantes do IHGB é
majoritariamente identificado com o passado e, assim, a ênfase dos ensaios e artigos prioriza
156
VON MARTIUS, Karl. Op. Cit, p.410.
157
O Guanabara, abril de 1859, p.332.
71
o período colonial, sobretudo, a presença indígena e a colonização portuguesa. Pedro II, em
seu discurso, pede para que seja dada também atenção ao tempo presente e, sobretudo, à sua
administração. No entanto, para alguns letrados, como Wallestein, a escrita da história
contemporânea era um problema para o historiador, afinal, como manter a desejada
imparcialidade diante de episódios recentes. Na sua divisão cronológica da história brasileira,
a coroação de D. Pedro I representava a última década e, a partir desse episódio, era
aconselhável que não se elaborasse nenhuma opinião ou juízo acerca dos acontecimentos.
Outro posicionamento semelhante pode ser encontrado em Francisco Adolfo de Varnhagen,
considerado o “Heródoto” nacional. Para ele, a história contemporânea do país não era
possível, não pela proximidade do historiador com os fatos ocorridos, como também pela
documentação que, muitas vezes, ainda não havia sido publicada. Acompanhemos,
respectivamente, a argumentação de Wallestein e de Varnhagen sobre os cuidados do
historiador na emissão de juízos sobre a história contemporânea.
Parece justo, que a história termine por aqui. [coroação de Pedro I],
porque escrever a história contemporânea nenhum historiador nacional o
deve fazer para não expor a juízos temerários, e a outros inconvenientes que
trazem consigo os respeitos humanos. Arquivem-se os documentos e o
tempo virá
158
.
A história dos primeiros anos do Império [...] o a poderemos nós, por
enquanto, escrever tão conscienciosamente quanto a desejáramos; não
porque as contemplações e resguardos que se devem aos vivos pediriam uma
redação que não ataria bem com a imparcialidade que guardamos do
passado, como porque os documentos e correspondências dos estadistas que
nessa época figuravam, só agora começam a ser dados no prelo
159
.
Paralelamente a esses primeiros esforços, as primeiras instruções e as primeiras reflexões
sobre a elaboração de uma história do Brasil, surge entre os anos de 1854 e 1857, a obra que
consagraria Varnhagen como o grande nome da historiografia brasileira oitocentista: a
História Geral do Brasil. Primeira tentativa de sistematizar o passado nacional, a obra de
Varnhagen, pautada nas discussões travadas entre os membros do IHGB, destaca a
colonização portuguesa e os benefícios decorrentes de tal episódio. Seguindo as orientações
dadas por Von Martius em 1843, Varnhagen aborda a presença indígena e o crescente esforço
português em elevar o país à categoria de uma nação civilizada. Frequentemente aponta
características entre os selvagens que impediam o avanço do país, como a antropofagia ou,
158
WALLESTEIN, Henrique. Op. Cit, p.160.
159
Apud RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Naciona,
1969, 3ª. Ed., p.135.
72
então, a aversão ao trabalho. Somente com a descoberta do país pelos portugueses é que fora
possível mudar o quadro de atraso que se encontrava o Brasil. O descobrimento não se
mostrava como mera obra do acaso, ao contrário, estava nos planos da Providência que,
preparava para o país, a partir daquele momento, um futuro grandioso.
Porém, nem tudo era positivo na análise feita por Varnhagen, especialmente quando o
assunto abordado era a escravidão e os escravos, que representavam, a lado dos indígenas, um
empecilho para o aprimoramento do país. Apesar da sua importância nas atividades
econômicas, o legado dos africanos era sombrio. Para Varnhagen, a influência moral que
exerciam através de seus hábitos e maneiras só conduziria o país ao desregramento de
costumes. É interessante notar como essa questão, apontada pela primeira vez por Martius, se
tornará uma constante para aqueles que se dedicarão à história do Brasil.
Por fim, o autor da História Geral do Brasil destaca o processo de independência, que no
Brasil, ao contrário das nações vizinhas, culminou na manutenção da monarquia
constitucional, fato esse compreendido como fundamental para o futuro do país. Com a
instituição da monarquia, o país dava seus primeiros passos rumo à civilização, que só poderia
ser alcançada por meio da herança européia. Nesse ponto, Varnhagen compartilha de idéias
que farão eco nos anos posteriores: se, por um lado, a contribuição indígena e africana
precisava ser analisada e avaliada, por outro, não restavam dúvidas quanto ao caráter positivo
da ação de europeus nas terras descobertas. Na interpretação que redige sobre o país,
Varnhagen prioriza a atuação européia e o seu legado, que não deveria ser objeto de estudo
apenas, mas preservado.
Tanto a análise de Martius quanto a obra de Varnhagen, ao privilegiarem o elemento
português na condução da história do país, postulam, como conseqüência da interação entre as
três raças, a crescente predominância dos portugueses no processo de aperfeiçoamento dessas
mesmas raças. Logo, com o passar dos anos, o país apresentaria diante das demais nações do
globo o resultado desse processo, ou seja, a obtenção de uma face civilizada, entendida aqui
como o predomínio da herança européia. Esse era o sentido da história do país para Martius e
Varnhagen: a mescla de elementos diversos, a superação dos obstáculos, tudo isso com o fim
especial de garantir não apenas o desenvolvimento de um povo, mas o de permitir a sua
inserção nos rumos da história universal.
Nunca, portanto, o historiador da Terra de Santa Cruz de perder de
vista que a sua tarefa abrange os mais gloriosos elementos; que não lhe
compete tão somente descrever o desenvolvimento de um povo,
circunscrito em estreitos limites, mas sim de uma nação cuja crise e mescla
atuais pertencem à história universal, que ainda se acha no meio do seu
desenvolvimento superior. Possa ele não reconhecer em tão singular
73
conjunção de diferentes elementos algum acontecimento desfavorável, mas
sim a conjuntura mais feliz e mais importante no sentido da mais pura
filantropia. Nos pontos principais, a história do Brasil será sempre a história
de um ramo de portugueses [....]
160
.
Apesar de alguns letrados postularem veementemente uma atenção maior aos povos
indígenas, como a memória escrita por Gonçalves de Magalhães, o que se verifica, no caso da
História Geral do Brasil e, mais adiante, nas seções de história das revistas, é a crescente
publicação e debate de temas relacionados à colonização portuguesa e à sua relação com o
futuro do país. A propósito, as considerações e análises acerca da história não se restringiam
tão somente a uma análise do passado do país, mas se concentravam nas conseqüências
futuras de determinados episódios. Desse modo, tanto o cônego Januário da Cunha Barbosa
quanto Von Martius e Varnhagen partilhavam da crença de que a análise do passado
permitiria traçar uma espécie de esboço do que viria no futuro. Mais do que uma ferramenta
para o despertar das virtudes cívicas, a história se apresentava como um meio eficaz de, por
meio do conhecimento do passado, corrigir os erros e apontar uma direção segura para os
anos vindouros, que a ação no presente e o planejamento do futuro ficam definitivamente
marcados pelo peso do passado’
161
. Esse é o ideal presente nos diversos ensaios, reflexões,
memórias, observações e comentários elaborados pelos sócio-correspondentes e os demais
membros do IHGB, que não deixavam de salientar a urgência em se conhecer cada vez mais o
país e sua história, especialmente agora quando ele dava os seus primeiros passos como uma
nação independente. Dotado de um novo status político, o Brasil ainda tinha um longo
caminho a percorrer para se igualar às demais nações civilizadas e, na opinião dos letrados
oitocentistas, não existia melhor auxílio nesse gradual processo de aperfeiçoamento do que as
lições legadas pela história. Através da análise dos tempos passados era possível verificar os
excessos cometidos, que obstavam o avanço da sociedade, como também projetar para o
futuro medidas e propostas que minimizassem os efeitos perniciosos dos abusos ocorridos até
aquele momento.
Por meio das iniciativas promovidas dentro do IHGB esperava-se superar a falta de
conhecimento sobre o país e de seu passado e, uma vez concretizado esse primeiro objetivo,
era possível contribuir de forma mais segura e eficiente para o seu progresso preconizado
pelas leis da Providência. A trajetória a ser percorrida nesse processo era a seguinte:
160
VON MARTIUS, Karl. Op. cit., p.406.
161
GUIMARAES, Manoel Luiz Salgado. A cultura histórica oitocentista: a constituição de uma memória
disciplinar. IN: PESAVENTO, Sandra (org). História Cultural: experiências de pesquisa. Porto Alegre: Ed. Da
UFRGS,2003, p.19.
74
Toda nação deve primeiro conhecer-se: sem isso nunca poderá ela
trabalhar com bom êxito para o seu aperfeiçoamento. É preciso que faça
justa idéia do estado em que se acha a fim de tomar medidas que convenham
a esse estado; deve conhecer os progressos que tem feito, os que lhe cumpre
fazer, e o que tem de bom ou de defeituoso para saber o que de conservar
e o que de corrigir. Sem tal conhecimento a nação será conduzida ao
acaso; tomar-se-ão muitas vezes medidas falsas e julgar-se-á obrar com
grande prudência imitando o proceder dos povos reputados hábeis sem notar
que tal regulamento ou prática salutar a uma nação é muitas vezes perniciosa
à outra. [...].
Estudemos bem o nosso território a vista dele tratemos de organizar
uma administração mais fácil, mais econômica e um sistema de colonização
próprio a civilizar a nação e a formá-la
.
162
3.2 A História nas revistas
A crença na utilidade do conhecimento histórico, que perpassa os ensaios, as reflexões
e as memórias do IHGB, ajuda-nos a compreender o destaque dado para a seção de história,
que ocupava um expressivo número de páginas. Localizada entre a seção de literatura e o
espaço dedicado às biografias, o necrológio, a seção de história dessas publicações abordava
assuntos bem distintos, em tempos e épocas diferentes, como os rumos da revolução francesa,
passando por reflexões sobre a catequese dos indígenas no Brasil e a reforma protestante na
Alemanha moderna. No entanto, um fio comum unia estas reflexões e análises: a convicção
de que o conhecimento histórico era guiado por uma lei, invariável e universal. Vejamos a
esse respeito o comentário presente na Guanabara, em dezembro de 1854 acerca do futuro
das nações.
[...] a lei invariável que rege tudo quanto é contingente, ainda mais uma vez
tinha de ser cumprida. O berço da raça humana, essa Ásia, onde outrora
cenas tão memoráveis se passaram, esse templo magnífico onde mistérios
tão sublimes se consumaram cede de seus triunfos; já não empunha a
bandeira do progresso : a adusta (sic) África acompanha-a em seu tardio
caminhar, e do mundo antigo só a culta Europa marcha na vanguarda,
profiando cada uma de suas nações a qual caberá a vitória: seu exemplo
anima o novo continente e o colosso do norte rivaliza com seus irmãos
162
O Guanabara, fevereiro de 1854, p.424-5.
75
europeus; o Brasil, monarca do meio dia americano, segue com passo
intrépido após os seus dois precursores
.
163
Tal prognóstico destacava o avanço dos Estados Unidos, o colosso do norte, em detrimento
das nações do continente asiático e africano, nações que, no parecer do ensaísta, não estavam
na dianteira do processo, inevitável, que conduziria as nações ao progresso. Assim, qualquer
análise histórica deveria salientar o lento e gradual avanço da humanidade rumo à
perfectibilidade, afinal, os rumos da história eram ditados pelo contínuo aperfeiçoamento do
homem e da sociedade. No caso brasileiro, esse avanço podia ser medido através da presença
cada vez maior das idéias, dos modos e dos costumes franceses.
Nós, que seguimos em tudo a França, a qual marcha na vanguarda da
civilização, que espalha por toda parte suas idéias civilizadoras e seus
princípios luminosos, esforcemo-nos por seguí-la par e passo porque o papel
que ela representa hoje no mundo nos está destinado
.
164
Quando uma nação copia os costumes e usos adotados nos países civilizados
os seus primeiros ensaios são passos que ela firma na estrada do progresso.
Por isso, longe de nos enfadarmos de ver todos os dias o Brasil buscando
imitar a França, esse grande centro donde parte a civilização universal, é
com prazer não destituído de patriótico sentimento que vemos já
introduzidos em nosso país, além dos fúteis usos, os usos proveitosos.
165
Para os ensaístas, redatores e editores dessas publicações, o Brasil estava destinado a
exercer um papel de destaque entre as nações do globo, não por sua dimensão continental,
como pela própria trajetória de sua história, uma trajetória distinta das marcadas por
sangrentas batalhas das nações vizinhas no processo de independência, e pela adoção da
forma monárquica constitucional, considerada como a mais perfeita forma de governo. Essa
singularidade frente às nações vizinhas assegurava ao Brasil um futuro promissor, no entanto,
essas nações vizinhas, como a Argentina e o Paraguai, não estavam à margem da História.
Desse modo, outros elementos ditavam o caminhar da história e, assim, era possível, superar
os obstáculos e garantir o seu adiantamento, como esclarece o ensaísta da Nova Minerva, em
janeiro de 1846.
O dia, pois, em que aparecer este homem em qualquer dos estados hispano-
americanos, julgamos que será aquele em que começará a época da
regeneração desse estado, cujo exemplo será seguido pelos outros, a vista da
prosperidade de que goze sob a salvaguarda de um governo firme [...]
.
166
163
Ibidem, 01 de dezembro de 1854, p.315.
164
Ilustração Brasileira, agosto de 1854, p.147.
165
Álbum Literário, 15 de agosto de 1860, p.02.
166
Nova Minerva, janeiro 1846,sp.
76
Se, por um lado, a História era guiada por leis inevitáveis e universais, por outro lado,
o homem desempenhava um importante papel nesse processo, pois, de acordo com suas
intenções e ações - bem direcionadas – obtinha um resultado satisfatório que antes somente o
passar dos anos traria. Assim, o “homem providencial”, que se apresentava em momentos de
dificuldade, era necessário para o adiantamento das sociedades e, entre os exemplos mais
recorrentes desse tipo nas revistas, está o francês Napoleão Bonaparte, que foi analisado pela
Nova Minerva nos seguintes termos :
As grandes revoluções, assim como a organização das sociedades por ela
desmontadas necessitam de um ponto de apoio, de um centro comum para se
operarem. Napoleão foi necessário para que a França dilacerada e quase
desmantelada voltasse à vida social. Washington foi necessário para
consumar a obra da independência e da democracia da América da Norte;
Luiz Felipe foi necessário para empunhar as rédeas do governo da França
que estava em risco de retrogradar com a queda do Império; Bolívar, enfim,
foi necessário para que se consumasse a independência sulamericana
167
[...].
A propósito, cabe notar o grande número de ensaios e artigos que possuíam como
temática a história da França, especialmente a Revolução de 1789. Excetuando as análises
históricas que abordavam o Brasil, a França ocupou boas páginas das revistas, sendo seguida
por observações e reflexões acerca dos Estados Unidos. A história francesa, especialmente os
episódios relacionados com a Revolução em 1789, eram debatidos através de traduções de
obras européias ou por meio de análises como a publicada na Nova Minerva em 1846. Em
Prospectos Futuros do Continente Americano, o autor, que não assina o ensaio, avalia o papel
das revoluções na história, questionando sua inevitabilidade. Ao se debruçar sobre a série de
episódios que assolou a França no século XVIII e constatar os resultados finais, sentencia:
Portanto, se a revolução francesa, tão fecunda em crimes e calamidades, deu
por último resultado a reorganização da sociedade na Europa e a
proclamação e aquisição dos princípios razoáveis que constituem a
felicidade das nações, por que não se esperará no futuro o mesmo resultado
para os estados hispano –americanos das comoções que os atingiram em sua
transição de colônias para o estado de nações independentes?
.
168
A revolução francesa, apesar de episódios violentos, apresentava, num balanço geral,
resultados positivos que, em última instância, contribuíram para o progresso daquela
sociedade; logo, o autor se questiona sobre se o mesmo não poderia ser esperado das antigas
colônias da América Espanhola.
Ao lado da revolução francesa, outro assunto que ocupou um significativo número de
páginas na seção de história das revistas brasileiras foi a ação da Europa sobre a América.
167
Ibidem, fevereiro de 1840, sp.
168
Ibidem, janeiro 1856, sp..
77
Durante o ano de 1846, a Nova Minerva dedicou vários ensaios e reflexões a esse tema. Em
linhas gerais, a revista entendia a Europa como uma guia, uma condutora que levava para
toda a parte os adiantamentos, o espírito de ordem, de indústria, de paz e de
prosperidade.No entanto, tal temática polêmica dividia os ensaístas: alguns apresentavam um
receio quanto à contribuição européia, ou melhor, quanto à contribuição portuguesa, no caso
da colonização do Brasil, que era alvo de críticas,especialmente no que toca à administração
colonial. Outros autores, ao contrário, em suas análises salientavam e elogiavam a atuação
européia nas terras do Novo Mundo, seja na América Inglesa, Espanhola ou Portuguesa.
Ouçamos alguns comentários dessas duas vertentes de interpretação:
A Europa, só o nome Europa desperta antipatias em uns e temores de
perdição e escravidão em outros. Estes sentimentos são dignos de exame.
Eles constituem uma espécie de enfermidade, nascida na verdade de um
patriotismo exaltado. [...]. Que nos ensina, no entanto, a luz da razão
desembaraçada da influencia dos erros comuns? Que a pátria não é o solo,
solo temos mais de três séculos, porém não temos pátria senão poucos
anos :A América Espanhola desde o ano de 1810 e o Brasil desde 1822. A
pátria é a liberdade, a ordem, a riqueza, a civilização no solo nativo,
organizado debaixo da bandeira e o nome do mesmo solo. Tudo isto nos tem
trazido a Europa, isto é, nos tem trazido as noções de ordem, a ciência da
liberdade, a arte da riqueza, os princípios da civilização.[...]. Poderíamos
definir a América civilizada dizendo que é a Europa estabelecida na
América
.
169
A Europa, em dez de derramar a civilização e a moralidade na
América como uma onda própria a fecundá-la, arremessa para a escória
de sua corrupção, e que além disto ao passar da linha para o Brasil enforcam
e alojam ao mar as consciências
170
Á Europa, a parte “mais adiantada” dentre as nações do globo, são dedicadas reflexões
sobre sua história, especialmente a história francesa e inglesa, que aparecem nas publicações
como um prenúncio do que se esperava em terras americanas, dito em outras palavras, por
meio da história da França, por exemplo, se buscava conhecer as leis providenciais da história
e, desse modo, melhor compreender os rumos da humanidade. Conhecer e analisar a história
européia, mais do que satisfazer a curiosidade do leitor, servia como uma lição para se pensar
o presente, compreender o passado e indagar sobre o futuro, afinal, na seção de história, não
era somente o passado que estava em destaque mas também o futuro, ou melhor, aquilo que se
esperava do futuro, pautado pelas reflexões acerca do passado. Assim, inúmeros prognósticos
são elaborados ao longo dos ensaios históricos, como o de Avellino Milagres, publicado na
169
Ibidem, março de 1845, p. 1-2.
170
Guaracyaba, 29 de janeiro de 1854, p.129.
78
Ilustração Brasileira,em 1854, que traça uma síntese sobre os principais povos que exerceram
um utilíssimo papel na história e adverte sobre o futuro da América nesse cenário:
A Grécia sucedeu à Ásia, Roma à Grécia, A Europa à Roma: a
América sucederá à Europa [...] será encarregada dos destinos do mundo.
[...]. A consideração de que um dia seremos os primeiros deve fazer
com que não poupemos sacrifício e que os conhecimentos se generalizem,
sejam postos ao alcance de todos, que é o que nos falta.
A humanidade não retrográda: ela desenvolveu-se na Ásia, cumpriu
o seu destino [...]. A Grécia foi o novo teatro da humanidade, seu sol
recebeu a civilização que lhe veio da Ásia, foi uma época brilhante mas a
Grécia cumpriu seu destino [...]. O que foi a Ásia, o que foi a Grécia, o que
foi Roma é hoje a Europa e, ela não de também sucumbir? Por certo, e a
América tomará o cetro do mundo: o fim da Europa será o começo da
América.
Ninguém pode descortinar com certeza o que há de vir, porém, se as
leis da história tem alguma força, grande deve ser o nosso futuro
171
.
O conhecimento histórico, apoiado nas idéias de progresso e de aprimoramento legava
para as gerações vindouras um importante e útil arsenal para atuar nos tempos presentes. Os
artigos publicados na seção de História dividiam-se entre aqueles dedicados ao passado que
ocuparam um maior número de ensaios -, ao presente e algumas especulações sobre o devir
histórico. No que diz respeito ao passado, esses ensaios, como expusemos até agora,
enfatizavam a grande contribuição dos europeus para a Humanidade, seja através de sua
cultura, de sua moda, de seu conhecimento científico, e também por meio da sua atuação nas
colônias americanas, possibilitando, em última instância, o alvorecer da civilização em terras
não européias. Quanto ao presente, os ensaios e artigos incidem especialmente sobre as
descobertas científicas, a expansão da forma constitucional de governo entre as nações e o
crescente progresso dos Estados Unidos.
Se a França e sua história são os modelos privilegiados de análise sobre o passado, os
Estados Unidos, ao contrário, surge como a temática para se debater o presente. A antiga
colônia inglesa é objeto de análises, comentários e reflexões que não deixam de destacar a sua
posição de vanguarda no continente americano. Na caracterização da sociedade americana
não faltam elogios para sua organização social e, principalmente, para as inúmeras
associações nos mais variados ramos do comércio, provando dessa maneira, a inegável
vocação industrial do povo americano, que transformou o que não era mais do que um
deserto em um centro de comércio mui animado. Aliada à tudo isso, estavam as características
geográficas, geológicas e climáticas do continente americano, que proporcionam vantagens
171
Ilustração Brasileira, 24 de julho de 1854, p. 147.
79
para o contínuo aprimoramento daquela sociedade. Acompanhemos uma síntese da análise
sobre o estado presente dos Estados Unidos, publicada na Nova Minerva:
Em todas as partes da União se acham estabelecimentos [...]: o
trabalho, a ordem, a economia são a base destes pequenos grupos que
constituem a Grã Família Americana. Os resultados deste espírito de
associação e desta inteligência de comércio são imensos. [...].
Do mesmo modo que o homem não pensava em outro tempo na
Itália mais do que no triunfo da arte, os Estados Unidos consagram
exclusivamente o poder que tem recebido de Deus à sua organização
material e industrial
.
172
A história americana fornecia subsídios para as demais nações do continente que
almejavam alcançar o progresso e a prosperidade, vivenciados pelos norte americanos; daí,
o enorme interesse despertado por tudo aquilo que fosse relativo aos Estados Unidos,
especialmente, sua cultura e sua história. O colosso do Norte, como era chamado, se
apresentava não apenas como a vanguarda da época, mas também como a prova irrefutável do
protagonismo ao qual estava destinado o continente americano. Para os redatores e
colaboradores das revistas, era necessário ir além do simples conhecimento da história norte
americana: era preciso visitar o país, averiguar o funcionamento de suas instituições e, na
medida do possível, aplicar aquilo que fosse benéfico em terras brasileiras, daí algumas
viagens patrocinadas pelo imperador para os Estados Unidos. Na década de 50, quando boa
parte das atenções no Brasil estava voltada para a questão da manutenção ou não do tráfico de
escravos, um colaborador da Guanabara defendeu a substituição da mão de obra escrava pela
indígena e, caso os silvícolas apresentassem alguma resistência, o autor defendia o uso da
força, tal como no caso norte americano da conquista do Oeste. A recente história dos Estados
Unidos fornecia, portanto, um exemplo de atuação no presente.
Outro assunto que aparece com freqüência na seção de história está relacionado com o
avanço da ciência, que consagrava o século XIX como um ponto alto na história da
humanidade. Toda uma série de descobertas e inventos é alvo de breves comentários, que
destacavam a superação de antigas superstições e a inauguração de uma grande era, como
podemos perceber na seguinte passagem :
Estamos no verdor de uma outra grande era. Os homens vão se emancipando
do juízo dos antigos erros, [...], a razão e o senso comum reinvidicaram o seu
cetro usurpado pela superstição, pelo fanatismo; e a humanidade, do mesmo
modo, livre do despotismo civil e religioso prosperará nos seus campos
conquistados, mais vasta e gloriosamente do que poeta ou filósofo algum
tem sonhado.
A semente da liberdade civil e religiosa que dois séculos germinava em
alguns pontos da Europa, aparece à superfície e principia a vegetar. Os
172
Nova Minerva, p. 123, sd.
80
princípios liberais e de ordem tem lançado vigorosas raízes no espírito dos
povos
.
173
No decorrer dos comentários, fica evidente, mais uma vez, o grande destaque dado aos
Estados Unidos, nação que contribuía no cenário mundial com um grande número de
inventos, fato esse comumente explicado pela grandeza de alguns homens. Durante o mês de
dezembro de 1860, a revista Acajá dedicou uma série de artigos a esses homens que eram, aos
olhos do ensaísta, responsáveis por inaugurar uma nova fase na história de seus respectivos
países, uma espécie de gênio.
A exaltação dos avanços da ciência, do uso da razão e das inovações experimentadas
pelos homens oitocentistas, no entanto, dividia espaço na seção com análises que incidiam
sobre o cristianismo e seu papel na história. Se, por um lado, os ensaístas verificavam uma
mudança nas crenças - mudanças impulsionadas pelas novidades no campo do conhecimentos
– , por outro lado, algumas permanências são enfatizadas, como o caráter benéfico do
cristianismo sobre a civilização na América. Por sua ação virtuosa, o cristianismo é saudado
como uma filosofia que possibilitaria a regeneração da humanidade. Ouçamos um comentário
sobre o tema presente na Estrela do Ocidente:
Na época em que vivemos, o ceticismo que herdamos do século passado [...]
tem tornado problemáticas as mais importantes questões sociais bem como
as questões de menos monta debatidas nos liceus e escolas.[...]. Se
aparecesse uma filosofia que pela força de seus argumentos e irresistíveis ,
pela clareza de suas provas pudesse restituir aos espíritos entorpecidos o
vigor da persuasão profunda: se essa filosofia ensinasse a abnegação do
amor próprio e aconselhasse a filantropia como o primeiro dever regenaria o
mundo, e que enquanto o progresso das ciências e das artes pula e melhora
exteriormente o gênero humano destruiria o intolerável egoísmo que destrói
o formoso edifício da civilização.
[...]. Que nos cabe, pois, preparar os nossos filhos para o destino que os
aguarda : crentes ou incrédulos que sejamos, educar religiosamente aqueles
que o progresso da humanidade exige que sejam religiosos. Ainda está
oculto no porvir qual será o mbolo universal do cristianismo mas a missão
do presente é a religiosidade
.
174
Desse modo, o conhecimento científico tinha um papel a desempenhar na história:
impulsionar o progresso nas artes e na sociedade. Enquanto o cristianismo se apresentava
como o elemento responsável pelo aperfeiçoamento dos costumes e do caráter dos povos
ainda não civilizados. Inúmeros são os ensaios que destacam o caráter regenerador da
religião cristã, como aquele intitulado Influência da civilização sobre a condição do homem e
173
Ibidem, setembro de 1845, p.78.
174
Estrela do Ocidente, março 1848, p.12.
81
da sociedade, publicado em 1846 na Nova Minerva. Nele, o autor, o peruano Dr. Valdez,
atenta primeiramente para o grau de liberdade que desfruta uma nação e, consequentemente,
o lugar que ela ocupa na escala da civilização, afinal,
A liberdade de um povo depende do progresso que é capaz de fazer; pois na
medida de sua capacidade é mais ou menos livre a proporção que ocupa um
lugar mais ou menos distinto na escala da civilização
.
175
Em seguida, o autor aborda a polêmica em torno dessa questão, entre os defensores e os
detratores da civilização. Enquanto os primeiros compreendem a civilização como aquilo que
proporciona ao homem os instrumentos para viver em sociedade
176
, os outros acreditam no
seu poder de debilitar os costumes
177
. Para Valdez, os efeitos da civilização sobre a sociedade
podem ser positivos, que, através da civilização, locais que antes não desfrutavam dos
bons costumes e da ordem, agora, por meio da ação dos europeus, podem vivenciar essa
experiência de aprimoramento social. Nesse processo, o cristianismo ocupou e ocupa um
lugar de destaque, difundindo pelas terras não européias noções de ordem, civismo e
moralidade, noções fundamentais para aquelas nações que desejam o progresso. Uma nação
civilizada, pautando-se por essas noções, não deveria, pois, temer agitações sociais, afinal,
essas convulsões apenas ocorriam em locais onde a ordem e o progresso não chegaram. Na
conclusão do ensaio, o peruano destaca :
Quando se à uma nação o título eminente de civilizada, não só se quer
dizer que é rica, ilustrada e industriosa, como também, e principalmente, que
tem bons costumes, que bem entende e pratica melhor que outra os preceitos
de justiça e da moral e que conhece quais são as condições com que podem
os homens viver mais felizes na sociedade
.
178
Ao lado da publicação de ensaios que abordavam de forma geral a temática da
civilização, os colaboradores das revistas lançaram alguns artigos em que abordavam a
“civilização dos indígenas” no continente americano. No caso da América Inglesa, os autores
geralmente destacavam o recurso à força no processo de submissão dos selvagens à ordem
desejada, utilizando para isso como justificativa as premissas de Vattel que defendia para
Aqueles que, habitando países férteis, descuidam a cultura da terra e
preferem viver da rapina, faltam a si próprios, injuriam seus vizinhos e
merecem ser exterminados como bestas feras e nocivas. O estabelecimento
de colônias no continente da América setentrional se apresentava como
175
Nova Minerva, maio de 1846, p. 01.
176
“Longe de tender a civilização para o enfraquecimento do valor civil, ele se aumenta por isso que ao passo
que nos dá mais ilustração e dignidade torna-nos mais sensíveis à injúria e menos pacientes em toda a dominação
injusta”. Nova Minerva, loc. Cit.
177
“Confessa-se que envelhecendo se civilizam porém dizem que a civilização as debilita, que degeneram, em
uma palavra, que tanto maior é o seu degeneramento quanto mais é a sua civilização. Nova Minerva, loc. Cit.
178
Ibidem, p.02-3.
82
legítimo visto que as gentes dessas vastas paragens as percorriam em vez de
habitar
179
.
O caráter nômade dos indígenas autorizava a ação dos colonos na ocupação das terras que, no
entender do ensaísta, seriam mais bem aproveitadas de forma mais industriosa, como se dizia
na época.
Por mais cruel que pudesse parecer aos olhos de estrangeiros, era necessária essa
atuação forte, com vistas a salvaguardar o futuro do colosso do Norte. Como já dissemos aqui,
o futuro, ou melhor, as especulações sobre o futuro, também ocuparam as colunas dedicadas à
História e não houve assunto que rendesse maior número de ensaios do que as supostas
providências a tomar no intuito de garantir o progresso da sociedade. Nesse sentido, civilizar
as populações autóctones era mais do que necessário, era vital para o próprio andamento da
sociedade. Se, na América Inglesa, o uso da força era não necessário como até mesmo
elogiável quando se tratava do Brasil, a tônica era outra. Alguns colaboradores destacavam
que era inútil civilizar os indígenas brasileiros, dado que desde os tempos coloniais eles
mostravam-se refratários a toda e quaisquer tentativas de regrar seus hábitos. A civilização, no
Brasil, seria possível com a crescente presença de europeus no país. Essa era a proposta
mais aceita pelas publicações, como podemos averiguar no seguinte trecho da Abelha:
Para civilizarmos o Brasil e fazermos que haja o povo brasileiro
necessitamos de ir paulatinamente acabando com a escravidão dos africanos,
necessitamos prender e avassalar temporariamente os índios bravos e
necessitamos enfim, admitir no país gente branca voluntária e arregimentada
em grupos
.
180
Deixemos, por enquanto, de lado a história do Brasil a qual voltaremos no tópico a
seguir e passemos agora nossos olhos pelo que as publicações publicaram referente à história
da América Espanhola, outro assunto de destaque nessa seção.
Até aqui, destacamos a história francesa, a ação européia no Novo Mundo e a
discussão e reflexão sobre a civilização - assuntos que tiveram grande destaque nos ensaios e
artigos da seção de história. Outra temática, que, embora em escala bem menor se comparada
à Revolução Francesa, por exemplo, teve espaço nas colunas de história foi a América
Espanhola.
A presença dessa temática pode ser encontrada o apenas na seção de história, como
também na seção de literatura, onde o número de ensaios é maior. No que diz respeito às
análises históricas destacam-se quase sempre os episódios que culminaram na independência
179
Abelha, 12 de janeiro de 1856, p. 397.
180
Ibidem, p.401.
83
das antigas colônias espanholas, episódios que suscitaram tanto artigos saudando essa nova
fase, como artigos temendo pelo futuro do continente, dada as condições em que se
processaram os acontecimentos. Primeiramente, os ensaístas destacam o progresso que
poderia ser exemplificado pelo novo status político, de nação independente, que as conduziria
rumo à prosperidade, que a liberdade era tida como uma condição sine qua non para
alcançar a perfectibilidade tão desejada. Aliada à isso, os artigos não deixavam de realçar que,
como parte do continente americano, bons augúrios eram esperados para essas novas nações,
destinada pela providência a serem a vanguarda da humanidade. No entanto, algumas
preocupações e temores dividiam espaço com essas reflexões otimistas, notadamente no que
se refere à adoção da forma republicana de governo. A forma monárquica constitucional,
considerada na época como a mais perfeita dentre as formas de governo, não era apenas
desejada como amplamente adotada pelos países civilizados, assim, nesse quesito, os
territórios da antiga América Espanhola mostravam-se no movimento contrário ao que ditava
as leis da história; como esclarece Mello Morais, colaborador da Álbum Literário:
A melhor forma que fez o homem em matérias sociais foram as
formas constitucionais de um governo representativo porque se concilia a
soberania do povo com a realeza. Nesta forma de governo, o equilíbrio dos
poderes do Estado e a responsabilidade dos ministros da Coroa fazem que o
chefe de Estado só obre o que mandam a constituição e as leis
.
181
Nos artigos dedicados á historia da América Espanhola eram recorrentes os temores de
que tal forma de governo pudesse obstruir o gradual avanço da civilização e do progresso no
continente. Daí a preocupação dos ensaístas com as conseqüências de um processo de
independência tão violento, marcado por sangrentas batalhas e pela anarquia geral. Conhecer
a história desses países, nesse caso, era também uma lição sobre aquilo que deveria ser
evitado em terras brasileiras.
3.3 Uma leitura do Brasil
Desde a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838, os esforços
dos homens de letras se concentravam na edificação de uma memória nacional, ou, melhor, na
construção de uma história para o país. As análises dedicadas aos temas nacionais indicam
que tal empenho era orientado não apenas para a publicação e divulgação da história pátria,
mas principalmente para a correção de algumas informações e interpretações, julgadas
errôneas e carentes de revisão. Um caso exemplar dessa iniciativa foi a análise desenvolvida
181
Álbum Literário, 20 de agosto de 1853, p.03.
84
por Antonio Gonçalves Dias, na Guanabara, em 1854, intitulada Reflexões sobre os Anais
Históricos do Maranhão por Bernardo Pereira de Berredo. Nesse escrito, Gonçalves Dias
além de fazer um comentário da obra, destacando as partes que julgou equivocadas, tece
algumas observações sobre a escrita da história. Vejamos alguns trechos:
[Berredo] não é um verdadeiro historiador, é um simples cronista, não
explica, expõe os fatos, enumera-os, classifica-os pelas datas e julga que
nada mais lhe resta a fazer. Justiça lhe seja feita: a exposição é quase sempre
verdadeira, as numerações são exatas, as classificações são justas; mas falta-
lhes a cor, o movimento, a vida, e por isso a sua obra é tantas vezes
fastisiosa
182
.
Para o exercício da atividade de historiador era, pois, necessário mais do que a simples
exposição e a classificação dos fatos, era preciso empreender uma análise que conferisse vida
aos mistérios do passado, como esclarece Gonçalves Dias. Além disso, no seu entender, para
ser um bom historiador era necessário ter as qualidades de um poeta ou então de um político.
Eis a sugestão que dá ao autor para que o trabalho fosse julgado digno entre os críticos:
Convinha também que nos descrevesse seus costumes [indígenas], que nos
instruísse nos seus usos e na sua religião, que nos reconstruísse todo esse
mundo perdido, que nos iniciasse nos mistérios do passado como caminho
do futuro para que saibamos donde vimos e para onde vamos: convinha
enfim que o poeta se lembrasse de tudo isto, porque tudo isto é poesia; e a
poesia é a vida do povo, como a política é o seu organismo.
Que imenso trabalho não seria este! Mas também quantas lições para a
política, quantas verdades para a história, quantas belezas para a poesia
!
183
Após essa sugestão de como deveria proceder o historiador, o poeta romântico destaca
nos Anais a predominância do elemento português e a pouca atenção dada aos indígenas, aos
franceses e aos holandeses na história maranhense, omissão que poderia ser compreendida
como um misto de patriotismo exclusivo e de cego fanatismo. Nos Anais o destaque vai para
os portugueses e para os seus feitos que possibilitaram a conquista das novas terras. No
entanto, tal enfoque é severamente criticado por Dias. Para ele, qualquer pessoa que desejasse
escrever uma obra de cunho histórico acerca do Brasil deveria principiar a sua análise pela
presença indígena. Por meio de uma reflexão que incidisse sobre os usos, os modos e as
tradições indígenas seria possível elaborar uma história do Brasil propriamente dita.
O primeiro tópico de que havemos de tratar na história do Brasil é dos
índios. Eles pertencem tanta a esta terra como os seus rios, como os seus
montes, e como as suas árvores; e por ventura não foi sem motivo que Deus
os constituiu. Tão distintos em índole e feições de outros povos.
Não digamos, como diz Berreto, que era um povo bruto e feroz, nem os
apreciemos pelos que conhecemos hoje. Não degeneraram ao contato da
182
O Guanabara, agosto de 1854, p.25.
183
Ibidem, p.30.
85
civilização porque esta não pode envilecer; mas embruteceram a força de
servir, perderam a dignidade, o caráter próprio e o heroísmo selvagem
.
184
No parecer de Gonçalves Dias, um dos maiores erros cometidos por Berreto era a ausência de
qualquer menção ao papel dos indígenas em terras maranhenses, e a referência aos indígenas
como selvagens e brutos, segundo o poeta , não era irritante como estava na contramão do
que se almejava para o país : uma narrativa histórica que demonstrasse o quão útil e gloriosa
foi a participação indígena em nossa história.
Tal perspectiva, no entanto, parece que não logrou êxito entre os colaboradores das
publicações: na Guanabara, onde há um ano Gonçalves Dias fazia o apelo para que a
contribuição indígena fosse contemplada nas obras e ensaios históricos, outro colaborador
sentenciava :
Ora, os nossos índios ou são cidadãos brasileiros ou não: para o
serem não cumprem nenhuma das obrigações da lei e andam vadiando e com
as orelhas e beiços furados em vez de serem guardas nacionais e vestir
uniforme, etc. Não sendo, ou não estando nesse gozo, por incapacidade
moral como diz a constituição, não pode a lei o direito civil ver neles
mais que uma gente estranha ao pacto social
185
.
Tal sugestão reaparece na Revista Popular, em janeiro de 1859, num artigo assinado
por Charles de Expilly, no qual a crescente preocupação com o suprimento da mão de obra é
evidente, como podemos perceber no seguinte trecho:
[...] acrescentou o nobre lord [Palmerston] que o governo imperial não
parecia ter-se apercebido da utilidade que poderia tirar da população
indígena; e por conseguinte argüiu-o por nada ter feito até o dia de hoje para
aproveitar em prol da atividade social estas forças inúteis e até perigosas que
se escondem nos desertos e nas florestas.
Lancando os olhos sobre o mapa do Brasil e considerando o território
imenso que este império abrange não é possível deixar de pensar nas
numerosas tribos que vagueiam ainda sem proveito nenhum para a
civilização
186
.
A menção aos usos e costumes indígenas é, de modo geral, contemplada nos ensaios
de forma breve; o destaque maior é dado para a chegada dos portugueses e o processo de
civilização desencadeado nas novas terras. Desse modo, a maior parte dos ensaios que
incidem sobre os indígenas na história do Brasil salienta a sua participação em episódios da
colonização como a expulsão dos holandeses e franceses, e ressaltam a urgência em torná-los
aptos para viver em sociedade. O desejo de Dias de elaborar uma história do país que
atentasse para os primitivos anos, antes da chegada portuguesa, e para a vida dos povos
184
Ibidem, p.28.
185
O Guanabara, abril de 1855, p.394.
186
Revista Popular, 05 de janeiro de 1859, p.27.
86
indígenas cedeu lugar, nas publicações, a rápidas menções às tradições indígenas e longos
debates sobre o futuro desses povos.
Nas análises históricas que versam sobre o país, os letrados não pouparam reflexões
sobre o passado com vistas a garantir um próspero futuro. Nesse sentido, o colaborador da
Guanabara destacou aquilo que considerava como o meio mais eficaz de garantir a
civilização dos indígenas. Acompanhemos suas sugestões:
Não temos outro recurso para não estarmos à espera que estes
queiram civilizar-se do que o de declarar guerra aos que se não resolvam
submeter-se e o ocupar pela força essas terras que estão roubando à
civilização. Esta guerra não tem que ser feita à custa da nação que precisa
empregar suas forças n’outros pontos: tem que ser feita exclusivamente por
cidadãos, guardas nacionais que para ela se ofereçam, organizando-se em
bandeiras.
De acordo com o ensaísta, todos os esforços deveriam ser reunidos para promover a grande
obra do século, a civilização dos indígenas. A contribuição indígena poderia acontecer
dentro dos moldes de uma sociedade inteiramente civilizada. Esse é o tom dos ensaios que se
dedicaram a pensar os indígenas e o seu papel em nossa história. O passado havia nos legado
uma população que somente por meio da atuação jesuítica alcançou resultados tidos como
positivos, a questão agora, na segunda metade do século XIX, era como proceder com essa
população desventurada sem o auxílio dos padres de Loyola. A instrução dada pelo
colaborador da Guanabara enfatizava a atuação dos cidadãos em promover o mais rápido
possível a inserção dos índios no pacto social, sem esperar que eles se decidam a fazer esse
sacrifício. Para tanto, amparada na constituição, os indígenas, dada a sua incapacidade moral,
deveriam ser tutelados pela nação, que por sua vez, seria a responsável pelo seu futuro, tal
como se incubem os tutores de crianças desvalidas.
187
Assim, guiados pelo Estado, os indígenas deveriam conviver de quinze à vinte anos
em pequenos internatos, onde seriam educados com o intuito de se tornarem cidadãos e bons
cristãos. Após esse tempo, o ensaísta atenta que a mão de obra indígena o deveria ficar
ociosa, ao contrário, era urgente que fosse aplicada em substituição aos africanos, afinal, se
questiona, por que motivo em lugar de irmos buscar africanos além dos mares para os
escravizar, não havemos antes, dentro do Brasil de prender à força os índios bravos para os
desbravar e civilizar?
188
. Na conclusão da sua proposta sobre o futuro dos indígenas, o autor
responde às reflexões de Dias de forma satírica, salientando que pseudo- filantrópicos,
187
“Sejam os índios bravos, por sua incapacidade moral, declarados pupilos da nação, que desde logo o seu
governo sentirá sob si todo o peso da responsabilidade que incumbe aos tutores das crianças desvalidas, pois
bem as crianças [...] são os índios”. Revista Popular, 05 de janeiro de 1859, p. 395.
188
Ibidem, p.392.
87
estimulados pelos escritos de Rousseau e de Voltaire, não contribuíam em nada para o
progresso e bem geral da humanidade.
189
Ao lado dessas reflexões e análises que versavam sobre os indígenas, ou melhor, sobre
a sua desejada civilização, a seção de história deu grande destaque, como um marco na
trajetória do país, ao processo de independência. A temática da Independência nas revistas
procurou, ao lado da conservação dos episódios do processo, a fundação de uma baliza
cronológica. Marco inaugural da fase que abrigava a liberdade e o progresso no país, a
independência não deveria apenas ser lembrada e comemorada, como também analisada e
compreendida enquanto uma prova do grau de aprimoramento alcançado em terras brasileiras.
Sem a presença do vulcão da discórdia civil, o Brasil conquistara de forma providencial a sua
autonomia, preservando a ordem com a manutenção da monarquia. Em 1854, na Guanabara,
Castro Lopes dedica na seção de história uma série de artigos e ensaios à independência e aos
anos que se seguiram à ela, destacando o período regencial : um momento turbulento na
história do país, no entanto, necessário para a consolidação da liberdade. Em seguida,
menciona o ano de 1848 e o episódio da insurreição de Pernambuco, considerada como a
última grande agitação social antes do pleno estabelecimento da ordem e da tranqüilidade.
Acompanhemos a sua análise:
[...] o monarca português [...] identifica-se com a sagrada causa da
liberdade do Brasil e solta o grito de Independência ou Morte cujo eco
jamais terminará suas ondulações. Mas pouco tempo goza o imortal Pedro da
magnitude de sua obra e [...] novamente as ondas dos partidos se encapolam;
nove anos de agitações enluciam o Brasil mas a providência desvelada pela
sorte do mais belo torrão do globo inspira ao filho do libertador brasileiro
um sonoro que repercute em todos os corações; e o segundo Pedro sobre
ao trono no meio da mais entusiástica demonstração de alegria. O vulcão da
discórdia civil sopita então as suas lavas, que dois anos depois deixa
escapar, parecendo pela última vez ter feito explosão em 1848 a centelha
desprendida da cratera demagógica da França, atravessando o Atlântico
ateou incêndio das paixões extinto felizmente em mente breve espaço
190
.
Na sua leitura da história da independência brasileira, Castro Lopes menciona brevemente os
anos regenciais e as conturbadas rebeliões que, em última instância, contribuíram no seu
entender para o anúncio de uma nova era, contribuíram para a consolidação das instituições
do império, sob a sábia direção do monarca Pedro II.
189
Estávamos para deixar esta simples indicação aos nossos políticos, receosos de que a exposição completa de
idéias a tal respeito prejudique as outras de nossas propostas. hoje em dia uma tal praga de falsos filantropos,
graças à Rousseau ou à Voltaire, ou não sei quem, que a gente em matéria de índios não pode dizer uma
palavras, sem que lhe caiam em cima [...] pseudo-filantrópicos. Ibidem, loc. Cit.
190
O Guanabara, setembro de 1854, p. 318-9.
88
Nesse mesmo ano, em outra revista, a Ilustração Brasileira, um colaborador não
identificado propõe uma nova divisão cronológica para o ensino da história brasileira, cujo
marco inicial seria a independência. Os episódios anteriores a esse fato não deveriam ser
considerados, afinal, o país não gozava de liberdade - que confere “vida” à história. Dessa
maneira, na via oposta do que propunha Gonçalves Dias, a história do país só tinha relevância
a partir do processo que culminou na autonomia do país em relação à sua antiga metrópole.
A época histórica do Brasil não pode ser contada senão de sua
gloriosa independência é que ela começa o índio dormia o sono da
indiferença [...] a liberdade é a independência que foi a eletricidade que
deu vida ao cadáver. Antes de nossa independência não tivemos vida, porque
a vida é liberdade e esta nos veio com a independência – éramos inerte
Nossa existência, pois começa com o grito de Liberdade aos majestosos
campos do Ipiranga fato de eterna recordação, em que Portugal perdeu o
mais brilhante diamante de sua coroa, e em que ganhou a humanidade
porque mais uma nação apareceu no horizonte
[...]
191
.
Como vimos até aqui, para a maioria dos letrados que elaboraram análises históricas, a
presença indígena no território nacional, indicada por Von Martius como um dos importantes
eixos de análise da história do Brasil, era tida como um indício de atraso, cedendo lugar como
o pontapé inicial da história para a proclamação da independência onde a lei da história se fez
presente. O país estava destinado a alcançar a liberdade e, assim, compartilhar com as demais
nações do progresso, sinalizado, entre outros fatores, pela sua autonomia política.
A partir do episódio de 1822, a trajetória do país apresentava-se em sintonia com a do
resto do globo. Nos dizeres dos redatores d’O Curupira, em 1853, a civilização se introduzira
no país e a história dos anos anteriores, marcada pelo atraso e pela servidão, deveria servir de
estímulo para que todos os cidadãos se empenharem em colaborar para levar o país ao mais
alto degrau de progresso.
[...] dizemos que o Brasil é um dos países que desde a sua
independência mais tem caminhado na estrada da civilização, e que nesses
últimos anos seus progressos tem sido o espantosos que poucas nações o
podem igualar, sobretudo se quisermos atender as dificuldades quase
insuperáveis com que tem de lutar, dificuldades provenientes de causas que
não examinaremos aqui mas que serão totalmente aniquiladas pela dedicação
de seus filhos [...].
Nosso progresso extraordinário,visto o curto espaço que tem
decorrido da nossa independência para , ninguém pode contestar para
comprová-los apreciemos o desenvolvimento individual e social do Estado
Brasileiro. Não entrando na apreciação das notabilidades que jazem no
silencio dos túmulos e que deixaram um nome brilhante nas páginas de
nossa história, porque tratamos do presente, apresentamos os nomes de
alguns contemporâneos sem analisá-los por serem bastante conhecidos em
nosso país, que os soube apreciar. Os senhores Visconde de Olinda, Paulino,
191
Ilustração Brasileira, agosto de 1854, p.146.
89
Souza Franco, Sales Torres Homem, Nabuco, Zacarias e muitos outros
fazem honra ao país onde nasceram e nada tem que invejar as capacidades
estrangeiras
192
.
Em linhas gerais, os letrados concebiam o século XIX, ou melhor, os anos posteriores
à Independência como exemplares daquilo que desejavam para o país: ordem e progresso,
deixando para trás um passado que merecia ser lembrado para ilustrar o avanço moral e
político vivenciado a partir de 1822. Além do mais, o destaque para o grito de liberdade dado
por Pedro I e para os episódios decorrentes dele serviam para reiterar, uma vez mais, a
precisão e a utilidade da atuação dos homens na história do país.
Por último, dentre os principais assuntos relacionados com a história do Brasil que
tiveram destaque nas publicações entre os anos de 1843 e 1869, estava, ao lado dos indígenas
e da Independência, a presença africana, ou melhor, a escravidão que, assim como a temática
dos indígenas, também estimulou a elaboração de projetos para o futuro entre os letrados.
Primeiramente, cabe destacar, que de forma geral, os ensaístas compreendiam a presença
africana como altamente perniciosa para o Brasil. A história da escravidão e do modo de vida
que gerou no país ao longo de mais de três séculos, comprovava o imenso prejuízo financeiro
e moral que tivera a nação.
Nos ensaios que versam sobre esse assunto, é enfática a dimensão negativa conferida à
presença africana, que já desde o episódio de Palmares anunciava conseqüências funestas para
o futuro do país. Cabe notar que, ao longo do século XIX, especialmente na década de 50, a
questão do tráfico era objeto não de artigos mas também de acordos diplomáticos firmados
com a Inglaterra. Desse modo, diante da crescente pressão inglesa em abolir a escravatura, era
necessário encontrar uma saída. Dada a crença no caráter utilitário da história, a solução foi
buscada na análise e compreensão do papel dos africanos na vida do país até aquele momento.
Pautados na história, os letrados insistem na urgência em erradicar as maléficas influências
dos africanos, que se faziam presentes não apenas na vida econômica como na sociedade de
uma forma mais ampla, afinal, o recurso à mão de obra escrava não se restringia apenas à
agricultura, mas abrangia também a vida doméstica.
Acreditava-se que a índole, os caracteres, os usos e costumes dos africanos eram
altamente prejudiciais à marcha do progresso. A solução, segundo a maioria dos ensaístas, era
incentivar a vinda de colonos europeus para os trópicos. Mais uma vez, deparamos com
análises que interpretam negativamente a presença de elementos não europeus na história
pátria e, para contornar tal problema, sugerem a maciça presença de novos colonos.
192
O Guanabara, agosto de 1854, p.10.
90
Pautados em acontecimentos como a destruição do quilombo dos Palmares, os
colaboradores da Revista Popular, em 1860, alertam para o grande obstáculo que
representavam as agremiações de antigos escravos na consolidação do Império. Subjacente a
tal crítica, estava a idéia de que a escravidão e os modos perniciosos dos africanos não eram
condizentes com o aprimoramento da humanidade.
Escuro e medonho é o vulcão que estão preparando ao Brasil os que,
sob pretextos de aumentar os braços e a cultura da cana e do café sustentam
como indispensável o tráfico dos africanos. Egoístas insensatos! E sacrificais
assim o futuro do vosso país a um conto de réis de menos ou de mais para as
alfândegas
193
.
Nada mais contrário à noção do progresso do que o crescente uso de mão de obra escrava,
quando nas outras regiões do mundo tal prática havia sido abolida. A participação dos
escravos negros na história do Brasil, essencial, num primeiro momento, para a viabilização
das lavouras de cana de açúcar, era agora condenada e julgada ultrapassada num mundo que
tinha a pretensão de ser civilizado.
A influência dos escravos, especialmente das escravas, na vida doméstica era outro
tópico da história que deveria merecia a atenção dos ensaístas. Ilustrativo do posicionamento
da maioria deles sobre o tema é o artigo publicado na Álbum Literário, que enumera os
malefícios oriundos do contato com as negras desde a infância.
O uso adotado nas nossas famílias de entregar a criação de nossos
filhos à amas, quase sempre negras, é de certo pernicioso senão perigoso.
Sabemos que as primeiras impressões gravam-se indelevelmente no ânimo
das que as recebem e, por tal modo, que não tarde e muito tarde se consegue
modificar os prejudiciais efeitos que elas causam.
No contato com as escravas [...] nossos filhos ganham em defeitos,
aprendem hábitos maus [...]. Entre os prejuízos ressalta-se a corrupção da
linguagem e o comportamento na sociedade.
A França, a Inglaterra, a Alemanha e outros países previnem-se
desses prejuízos na aquisição de governantas: livram seus filhos da
perniciosa influencia que exerce o contato e a convivência com àqueles
despidos de conhecimentos sociais, ignorantes nos usos e costumes[...].
194
Tendo sempre à mente a crença nas lições que o conhecimento histórico nos legava
através de acontecimentos, personagens e situações passadas, a trajetória dos africanos no país
era pincelada por resistências e revoltas que corroboravam com a tese, presente nas revistas,
de que a crescente utilização da mão de obra escrava era acompanhada pela decadência da
sociedade.
193
Ibidem, setembro de 1851, p.390-1.
194
Álbum Literário, 15 de agosto de 1860, p.02.
91
Um marasmo incessante pelo afrouxamento de todos os laços
morais da sociedade brasileira não podia ser outro o paradeiro de uma
civilização ou antes a barbarização africana
195
.
O que estava em jogo, então, era como se livrar dessa situação. Para responder à essa
indagação, as publicações lançaram uma enorme quantidade de ensaios que discutiam a
herança negativa da presença de mão de obra escrava no país e apontavam soluções para o
problema. Em primeiro lugar, ao descrever a introdução dos africanos como escravos no país,
os correspondentes das revistas apontam que somente com o passar dos anos e o gradual
adiantamento da humanidade fora possível perceber quão perniciosa era tal atitude para os
anos vindouros. Nesse sentido, os estrangeiros Leon Aubé e Charles Expilly redigem artigos
entre os anos de 1859 e 1860 na Revista Popular, em que apontam soluções e medidas que, a
longo prazo, contornariam a situação e levariam o país a solucionar o problema da escassez de
mão de obra. Ambos os autores destacam que havia um meio para o país superar o atraso
dos tempos passados: a vinda crescente de imigrantes europeus, especialmente alemães e
franceses. Tal proposta contava naquela altura com um forte indício a seu favor: a então
recente experiência de colonos na fazenda do senador Vergueiro. Além de trazerem para o
país, métodos e técnicas mais avançadas, os imigrantes através da sua cultura contribuiriam
também para o aprimoramento dos modos da sociedade brasileira.
No entanto, muitas atitudes deveriam ser tomadas, de preferência, o mais rápido
possível, para alcançar essa meta, afinal, a experiência de Vergueiro, considerada positiva
pelos ensaístas, era apenas um exemplo em meio a diversas tentativas fracassadas do governo
imperial de suprir a demanda por braços e, ao mesmo tempo, não comprometer o progresso do
país. A falta de planejamento, a ausência de uma infraestrutura mínina necessária para o
estabelecimento dos colonos eram alguns dos fatores que impediam o êxito na empreitada de
dotar o país de uma face mais civilizada. No diagnóstico que traçou sobre a história do país
até aquele momento, Aubé aponta os erros mais freqüentes cometidos nas tentativas de
substituir os africanos por europeus nas atividades produtivas :
As colônias são fundadas ao acaso, sem conexão entre si, sem
ligação com o que as cerca, de maneira que se pode dizer que muitas delas
estão pela sua própria posição de antemão destinadas a um triste futuro ou
pelo menos a definhar durante longos anos
[....]
196
.
Aubé esclarece que era fundamental que o governo imperial oferecesse boas condições de
existência para os colonos e fizesse intensa propaganda do Brasil nos diversos países
195
Revista Popular, 01 de maio de 1860, p.112.
196
Ibidem, 20 de outubro de 1859, p.351.
92
europeus, como França, Alemanha e Inglaterra, principais alvos de interesse do país. Dever-
se-ia evitar, por exemplo, a imigração de chineses,, vista como altamente perigosa dado o
caráter pouco afeito à integração social dos mesmos.
os artigos de Charles Expilly procuram demonstrar o avanço alcançado pelo Brasil
ao longo dos anos, atentando que tal situação só tenderia a melhorar com a vinda dos
europeus, que, como bem ilustra a própria história, foram e continuavam a ser os responsáveis
pelo progresso, pelos bons costumes, enfim, pelo ingresso do Brasil no mundo moderno. Com
considerações semelhantes às de Leon Aubé, Expilly apresenta de modo minucioso o projeto
que tinha para o futuro do Brasil, comandado pela imigração maciça de europeus. Segundo
ele, a imigração européia não traria apenas trabalhadores e capitais, mas também o
aperfeiçoamento desejado dos vários níveis da sociedade. Ao invés, por exemplo, da figura da
negra ama de leite, sugeria a contratação de jovens mulheres para desempenharem a função de
tutoras das crianças, sendo responsáveis por transmitir a elas bons gostos, bons costumes e,
até mesmo, hábitos de leitura. A governanta européia era, pois, a solução encontrada para
corrigir os vícios e excessos provocados pela presença de negras africanas na vida doméstica
de milhares de lares brasileiros.
Outra consideração feita por esse autor diz respeito às relações com os colonos. De
todas as experiências, a mais rentável era o sistema de parceria, que permitia aos colonos com
menos recursos financeiros alcançarem um resultado mais favorável do que o sistema de
pequenas propriedades, cujos gastos com a aquisição da terra eram desestimulantes. Uma vez
respeitadas e postas em práticas essas observações, o futuro do Brasil não estava mais
ameaçado, afinal, ao fazer uso de mão de obra livre, européia, o país dava um importante
passo na superação dos elementos que obstavam o seu pleno aprimoramento moral e
econômico. A introdução dos escravos africanos no país fora um grave erro que agora seria
consertado para o bem geral da humanidade, com a presença de europeus. Ao se debruçar
sobre essa parte do passado do país, os responsáveis pela seção de história das revistas,
enfatizaram as duras lições obtidas: o atraso, o afrouxamento moral e a aversão ao trabalho
manual, características que não condiziam com o que ditavam as leis da história, com aquilo
que à Providência destinara ao Brasil, enfim, com o progresso tão desejado e aclamado nas
páginas dessas publicações.
Na leitura que nacionais e estrangeiros empreenderam sobre da história do Brasil,
especialmente pautados nessas três temáticas de maior relevância nos ensaios, artigos e
reflexões, nos deparamos com julgamentos sobre o passado - identificado com o atraso que
deveria ser superado - , aclamações sobre o tempo presente, compreendido como um marco
93
para o adiantamento do país, e, por fim, alguns projetos para que o futuro do país não fosse
comprometido.
O passado, sobretudo o passado dos povos indígenas e o passado colonial mostravam
o estado primitivo do país que dormia diante da civilização. A época inaugurada com a
proclamação da independência, em 1822, ao contrário, representava o nosso despertar para o
mundo moderno, marcava a passagem do Brasil para um outro patamar político entre as
demais nações do globo. Por fim, a presença da escravidão africana surgia como um desvio no
caminho rumo ao progresso, um acidente do percurso que necessitava ser superado o mais
breve possível. Das diversas lições legadas pelo conhecimento histórico, o caráter benéfico da
presença européia era uma delas e, desse modo, foi a solução proposta durante mais de três
décadas pelas revistas que circularam no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX.
O conhecimento histórico para esses letrados, o tinha somente a função de narrar
episódios mais ou menos remotos ou recentes, a ele era conferido o poder de conduzir os
rumos do porvir. O homem, por sua vez, tinha um papel ativo a desempenhar na história,
como ilustravam o caso de Napoleão na história francesa, tantas vezes narrado nas revistas, ou
então, dos próprios letrados oitocentistas que se auto nomearam os responsáveis pelo futuro
do Brasil. A eles devemos uma rie de esforços orientados para a propagação do
conhecimento e, especialmente, as análises que redigiram sobre nossa história. No intuito de
realizar com afinco a missão que a Providência lhes havia destinado, encontraram no
conhecimento histórico o meio de, ao analisar o passado, contribuir para o futuro e, dessa
maneira, para a posteridade.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendido, analisado e divulgado como uma importante fonte de instrução e de
aperfeiçoamento, o conhecimento histórico posto nas páginas das revistas empreendeu uma
interpretação do país e de seu povo, que não se limitou a uma análise do passado, mas se
dedicou também ao tempo presente e se indagou sobre o futuro. A análise dos tempos
passados indicava os excessos e aquilo que deveria ser mudado assim como também
salientava os elementos positivos que deveriam permanecer, como, por exemplo, a ação do
homem europeu no processo de colonização das terras do Novo Mundo.
O tempo presente, por sua vez, não deveria ser posto de lado, como indicava o próprio
imperador Pedro II em sessão no IHGB: sem dúvida era preciso que os letrados se
esforçassem em catalogar, registrar e divulgar aqueles acontecimentos que haviam
contribuído para os primeiros passos do país rumo ao seu aprimoramento. Todavia, ao
constatar na história a presença de elementos que obstavam o avanço brasileiro, era
fundamental que os letrados propusessem soluções que afastassem os obstáculos e
assegurassem a inserção do país na trilha do progresso e da civilização como se dizia na
época.
Todo esse esforço levado a cabo pelos letrados oitocentistas só tinha sido possível com as
novas condições que a então colônia gozava com a presença, a partir de 1808, da Corte
Portuguesa. Por meio de inúmeras medidas, o príncipe regente D. João estimulou a maior
circulação de idéias e, assim, tornou mais dinâmica a vida cultural do Rio de Janeiro. Entre
uma série de atos empreendidos pelo monarca no intuito de dotar a colônia portuguesa de
condições míninas para o seu funcionamento, cabe destacar o estabelecimento da imprensa,
que tornou possível a proliferação de escritos impressos no país, especialmente a partir da
década de vinte. Nesse período, a discussão sobre os rumos do país ocupou a atenção dos
homens letrados que, através de panfletos, jornais, revistas e folhas avulsas, procuraram
contribuir para o adiantamento do Brasil.
Amparadas no ideal de propagar o conhecimento de forma simples e direta, as revistas
que circularam na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX se
empenharam, por meio de suas variadas seções, em ilustrar o maior número possível de
leitores e leitoras, e nos mais diversos assuntos: economia política, agricultura, idiomas,
mineralogia, botânica, geografia, história e até mesmo na curiosa seção de anedotas que, ao
relatar episódios cômicos, intentava, promovendo o riso fácil, divulgar informações e
conhecimentos tidos como úteis para a vida social. As revistas, assim como toda a imprensa
95
do período acreditava que à ela cabia uma importante missão: a de colaborar para o progresso
do Brasil.
Os colaboradores dessas seções enveredaram para uma gama de assuntos e temáticas,
todos eles unidos pelo interesse comum de inserir o país entre as nações mais adiantadas do
globo. Profissionais liberais na sua maioria, os homens de letras que participavam da
elaboração das revistas, alguns inclusive faziam parte do corpo de editores de mais de uma
publicação, eram insistentes em seus ensaios na urgência em dotar o país de instituições e
costumes que lhe garantissem uma face mais “civilizada”, daí, por exemplo, a seção de
bibliografias, que indicava as obras literárias compreendidas como exemplares para a
formação do bom gosto entre os leitores ou, então, os inúmeros ensaios históricos que
insistiam na substituição da mão de obra escrava pelo imigrante europeu, medida amplamente
divulgada e tida como uma das soluções possíveis para superar o atraso e elevar o país à
categoria de nação avançada.
Entre as diversas seções que compunham a estrutura das revistas, cabe destacar o lugar
ocupado pela seção de história e os debates nela publicados. Era comum ao período a crença
no caráter utilitário do conhecimento: a divulgação de episódios, não da história do Brasil
como da história francesa ou americana, por exemplo, era entendida como um meio de
propagar as úteis lições que o passado legava e que deveriam ser analisadas sempre com o
propósito de auxiliar no entendimento do tempo presente e indicar um caminho seguro para o
futuro.
O conhecimento histórico, assim, exerceu um importante papel entre os letrados do
Oitocentos. Fonte de conhecimento do passado, a história dava também indícios para a
compreensão do tempo presente e instrumentos para se traçar o esboço do devir.
96
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