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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
AS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS E O PAPEL
QUE NELAS EXERCEM OS RECURSOS ENERGÉTICOS
GABRIEL PESSIN ADAM
Porto Alegre
2008
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
AS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS E O PAPEL QUE
NELAS EXERCEM OS RECURSOS ENERGÉTICOS
Dissertação apresentada como exigência
para conclusão do curso de Pós-
Graduação em Relações Internacionais
da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
GABRIEL PESSIN ADAM
Orentador: Prof. Dr. Raúl Enrique Rojo
Porto Alegre
2008
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3
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho as duas mulheres da
minha vida, Regina Oliveira dos Santos e
Catarine Oliveira Adam, as quais amo eterna e
incondicionalmente. Tudo o que faço é para
vocês.
Dedico este trabalho a Dealmo Alfredo Adam.
Obrigado por ser um pai muito melhor do que
mereço. O amor, a dedicação, a paciência e a
compreensão que tens o incríveis. Por tudo
que fazes e fizeste, tu és o meu maior exemplo.
Dedico este trabalho a Lizia Pessin Adam (in
memorian). Sinto demais a tua falta.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Raúl Enrique Rojo, sem o qual a
elaboração deste trabalho seria impossível. Sentirei falta dos encontros de
orientação, os quais eram verdadeiras aulas ministradas por um mestre muito sábio,
generoso e de uma memória prodigiosa.
Agradeço ao meu irmão de todas as horas Augusto Buchweitz e ao meu grande
amigo Ricardo Barberena pelo exemplo, pelos conselhos e pela amizade
inquebrantável.
Agradeço à Regina Buchweitz, pelo constante interesse por este trabalho, bem como
por ser uma amaravilhosa para a Catarine, ajudando a suprir as horas em que o
papai não podia dar atenção à nossa Baixinha.
Agradeço aos Professores Doutores Marco Aurélio Chaves Cepik e Carlos Schmidt
Arturi, os quais fizeram críticas, indicações e apontamentos muito valiosos quando
da banca de qualificação do projeto de pesquisa.
Agradeço a Rodrigo Torsiano Martins e Fabrício Schiavo Ávila, dois colegas-amigos-
companheiros dotados de uma paixão contagiante pelo conhecimento e de um
coração enorme.
Agradeço aos colegas Denise Barreiro, Eduardo Bulhões, Leonardo Neves,
Leonardo Sozinski, Marcos Carra, Paula Lavratti, Rafael Pons e Rodrigo Corradi.
Vocês fizeram do mestrado uma experiência maravilhosa para mim.
Agradeço a todos os professores do curso de Mestrado em Relações Internacionais
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi um grande e enriquecedor
prazer ser vosso aluno.
Agradeço à Maria Beatriz Accorsi, pela eterna gentileza, simpatia, dedicação e bom
humor no trato com todos nós, alunos do mestrado.
5
RESUMO
Após a dissolução da União Soviética, pela primeira vez na história Rússia, Ucrânia
e Belarus passaram a conviver como Estados independentes. Nesta condição, eles
precisaram estabelecer contatos entre si e com os demais países do sistema
internacional. Para a Rússia, dentre todas as relações interestatais nas quais está
envolvida, aquelas que mantém com Ucrânia e Belarus o dotadas de relevância
ímpar. O mesmo ocorre com ucranianos e bielo-russos, no pertinente aos russos. O
desafio proposto consistia em investigar o porquê de tais distinções. Os resultados
demonstraram que três fatores estão entre as causas que conferem singularidade às
interações observadas. São eles: a questão cultural e identitária, a geopolítica e a
economia. Tamm foi revelado que os recursos energéticos cumprem papel de
destaque nos vínculos estudados. Estes recursos não somente corroboram a
incidência dos elementos citados nas relações observadas, como são de grande
valia na compreensão dos motivos que levam tais fatores a reforçarem o caráter
singular das interações entre os países em destaque.
Palavras-chave: União Soviética. Rússia. Ucrânia. Belarus. Identidade nacional.
Geopolítica. Economia. Recursos energéticos.
6
ABSTRACT
After the Soviet Union was dissolved, Russia, Ukraine, and Belarus had to coexist as
independent States for the first time in history. These countries had to establish
communication channels anew between them, and with other countries worldwide.
Among all other countries with which Russia maintains international relations, those
that the country maintains with Ukraine and Belarus are uniquely important. The
same is true for Ukraine and Belarus in their relation with Russia. The objective of the
present study was to investigate why these relations are so important. The results
indicate that there are three factors that render the interaction between these
countries remarkably unique: culture and identity; geopolitics; and the economy. It
was also observed that energy resources play a strong role in the relationship
between the three nations. The relevance of energy resources corroborates the
importance of the factors cited. Moreover, energy resources are of the utmost
importance for the understanding of the reasons underlying the unique
characteristics of the interactions between the countries studied.
key words: Soviet Union; Russia; Ukraine; Belarus; National Identity; Geopolitics;
Economy; Energy Resources
7
LISTA DE TABELAS
1 – Produto Interno Bruto de Rússia, Ucrânia
e Belarus – 1991-2007............................................................................................ 270
2 – O petróleo e o gás natural nas exportações russas – 1992-2007..................... 271
3 – Preço do barril de petróleo cru – 1991-2007..................................................... 272
4 – Preços do gás natural vendido pela Gazprom
para os países da CEI e países Bálticos e para os
países europeus – 2002-2006................................................................................ 273
5 - Vendas da Gazprom de gás natural
para seus principais consumidores – 2006............................................................ 273
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 12
1. PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS: RECAPITULAÇÃO HISTÓRICA DAS
RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS ........................................... 21
1.1. RUS KIEVANA E A ORIGEM DOS ESTADOS ESLAVOS ORIENTAIS ........... 22
1.1.1. A Polêmica quanto ao Status da Rus Kievana ............................................... 24
1.1.2. A Queda da Rus Kievana e seus Efeitos ....................................................... 25
1.2. O INÍCIO DO IMPÉRIO RUSSO ....................................................................... 26
1.3. O GOVERNO COSSACO ................................................................................. 28
1.4. O DOMÍNIO RUSSO SOBRE OS TERRITÓRIOS DE UCRÂNIA E BELARUS
................................................................................................................................... 29
1.5. A REVOLUÇÃO RUSSA E AS REPÚBLICAS DA UCRÂNIA E DA BIELO-
RÚSSIA .................................................................................................................... 31
1.6. O ENTRE-GUERRAS E A II GUERRA MUNDIAL ............................................ 34
1.7. O PERÍODO SOVIÉTICO E A GUERRA FRIA ................................................. 36
1.8. A GLASNOST E A PERESTROIKA .................................................................. 39
1.9. A INDEPENDÊNCIA DA FEDERAÇÃO RUSSA, DA UCRÂNIA E DE BELARUS
................................................................................................................................... 41
1.9.1. A Federação Russa ........................................................................................ 42
1.9.2. Ucrânia ........................................................................................................... 44
1.9.3. Belarus ........................................................................................................... 46
1.10. A QUESTÃO IMPERIAL .................................................................................. 47
2. HERANÇA HISTÓRICA, CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL ....................... 50
2.1. OS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA DE BUZAN E WAEVER .... 51
9
2.2. A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NA PERSPECTIVA
CONSTRUTIVISTA .................................................................................................. 57
2.3. A QUESTÃO IMPERIAL E A IDENTIDADE NACIONAL ................................... 61
2.4. A IDENTIDADE RUSSA EM RELAÇÃO À UCRÂNIA E BELARUS
................................................................................................................................... 65
2.5. UCRÂNIA .......................................................................................................... 73
2.5.1. As Regiões da Ucrânia ................................................................................... 74
2.5.2 O Fator Histórico ............................................................................................. 77
2.5.3. O Fator Étnico ................................................................................................ 82
2.5.4. A Questão Lingüística .................................................................................... 85
2.5.5. Religião ........................................................................................................... 87
2.5.6. A Paradigmática Revolução Laranja .............................................................. 88
2.6. BELARUS .......................................................................................................... 93
2.6.1. A Centralização do Poder em Minsk .............................................................. 93
2.6.2. O Nacionalismo Bielo-russo ........................................................................... 89
2.6.3. O Fator Histórico ............................................................................................ 97
2.6.4. O Fator Étnico ................................................................................................ 98
2.6.5. A Questão Lingüística .................................................................................... 99
2.6.6. Religião ......................................................................................................... 101
3. A GEOPOLÍTICA NAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS
................................................................................................................................. 103
3.1. O CONCEITO DE GEOPOLÍTICA A SER UTILIZADO ................................... 104
3.2. OS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA E A GEOPOLÍTICA ......... 110
3.3. AS PREOCUPAÇÕES GEOPOLÍTICAS RUSSAS REFERENTES À UCRÂNIA E
BELARUS ............................................................................................................... 111
3.3.1. A Ucrânia na Concepção Geopolítica Russa ............................................... 118
3.3.2. Belarus na Concepção Geopolítica Russa ................................................... 130
3.4. AS PREOCUPAÇÕES UCRANIANAS NO CONCERNENTE À RÚSSIA ....... 133
3.5. A GEOPOLÍTICA REATIVA DE BELARUS ..................................................... 139
4. O ELEMENTO ECONÔMICO NAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E
BELARUS .............................................................................................................. 141
10
4.1. OS FATORES ECONÔMICOS E SUAS RELAÇÕES COM PODER,
IDENTIDADE E SEGURANÇA ............................................................................... 143
4.2. RÚSSIA ........................................................................................................... 148
4.2.1. A Turbulência Econômica Russa no Período Yeltsin ................................... 148
4.2.2. Vladimir Putin e a Economização da Política Externa Russa ...................... 151
4.2.3. A Importância de Ucrânia e Belarus na Economização da Política Externa
Russa ..................................................................................................................... 154
4.3. UCRÂNIA: A VINCULAÇÃO HERDADA ......................................................... 161
4.3.1. O Fracasso da Opção pelo Caminho Báltico ............................................... 162
4.3.2. A Interdependência Assimétrica Ucraniana em Relação à Rússia .............. 165
4.3.3. Os Investimentos Russos ............................................................................. 171
4.3.4. Ucrânia e os Processos de Integração ......................................................... 172
4.3.4.1. União Européia .......................................................................................... 173
4.3.4.2. GUUAM ..................................................................................................... 175
4.3.4.3. Espaço Econômico Comum ...................................................................... 176
4.4. BELARUS E A FIDELIDADE À EX-METRÓPOLE .......................................... 177
4.4.1. O Governo de Alexander Lukashenko ......................................................... 178
4.4.2. Os Empréstimos e os Subsídios Russos ..................................................... 179
4.4.3. A Interdependência Assimétrica ................................................................... 182
4.4.4. A Participação nos Organismos de Integração do Espaço Pós-Soviético
................................................................................................................................. 185
5. O PAPEL DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA,
UCRÂNIA E BELARUS .......................................................................................... 188
5.1. A ESTRATÉGIA RUSSA ................................................................................. 192
5.2. A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA ......................................................................... 208
5.2.1. A Rússia Produtora versus Ucrânia e Belarus Consumidores ..................... 210
5.2.2. Rússia – País-produtor versus Ucrânia e Belarus – Países-corredor .......... 211
5.3. A DIMENSÃO ECONÔMICA ........................................................................... 222
5.3.1. Os Recursos Energéticos e a Interdependência Assimétrica ...................... 223
5.3.2. A Economização da Política Externa Russa e os Recursos Energéticos .... 227
5.4. A DIMENSÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA ................................................... 230
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 234
11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 247
ANEXO I – LISTA DE SITES CONSULTADOS ..................................................... 268
ANEXO II – TABELAS............................................................................................. 270
12
INTRODUÇÃO
No ano de 1991, o mundo presenciou um fato que alterou profundamente a
configurão do sistema internacional: a dissolução da União Soviética (URSS). Seu
desaparecimento extinguiu o equilíbrio de forças entre a superpotência soviética e a
superpotência norte-americana, vigente desde o final da II Guerra Mundial. Os
primeiros indícios de que o embate político-ideológico entre os dois pólos de poder
da arena global, que passou para a história com o nome de Guerra Fria, poderia
chegar ao final surgiram em meados da década de 1980. Nesta época, mais
precisamente em 1985, Mikhail Gorbachev assumiu o cargo de Secretário-Geral do
Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e deflagrou mudanças na estrutura
interna do país, mediante o lançamento dos audaciosos projetos da Perestroika
(reconstrução) e da Glasnost (transparência)
1
. O impacto das mudanças foi enorme
em todas as repúblicas que constituíam a URSS. Contudo, mesmo diante do
ressurgimento dos nacionalismos periféricos em muitas das Repúblicas Soviéticas e
da aparente perda de controle sobre o movimento por parte do Kremlin, poucos
imaginavam que a superpotência comunista conheceria o seu fim menos de uma
década depois, de forma relativamente pacífica e sem um derramamento de sangue
de grandes proporções
2
.
Os efeitos do fim da URSS para o sistema internacional foram de monta. Uma
Nova Ordem Mundial de suposta cooperação e irmandade entre os povos foi
1
A Glasnost e a Perestroika são abordadas no capítulo primeiro.
2
Hélène Carrere d´Encausse foi uma exceção à regra, pois ainda em 1978, em sua obra L´Empire Éclaté alertou
que os nacionalismos de algumas das repúblicas socialistas soviéticas potencialmente poderiam desagregar a
unidade soviética. Angelo Segrillo pondera que, sem se retirarem os méritos da autora francesa, ela constrói seu
argumento sobre uma visão que autonomiza a questão nacional como causa, “tornando-a uma variável em si dos
vetores que afetavam o sistema” (SEGRILLO, 2000a, p. ). Por causa deste viés, ainda segundo Segrillo (2000a,
p. 180), Carrère D´Encause deixa de observar que a questão étnica estava relacionada com outros fatores e,
principalmente, com as dificuldades econômicas enfrentadas pela União Soviética nos anos pré-perestroika. O
posicionamento de Angelo Segrillo acerca das causas da perestroika serão expostas no capítulo primeiro.
13
anunciada pela superpotência remanescente, os Estados Unidos. O avanço do
neoliberalismo; a formação de blocos regionais que tentavam seguir os passos da
União Européia, ainda que sem o mesmo desenvolvimento institucional desta, e o
suposto fortalecimento de organismos multilaterais são alguns exemplos de
fenômenos vislumbrados em vários cantos do globo. No Campo Socialista, a eleição
de governos não-comunistas era a tônica. Na região que antes fora a União
Soviética, mudanças igualmente profundas ocorreram. Quinze novos Estados
surgiram na arena internacional. Alguns povos já haviam experimentado a sensação
de serem independentes e terem esta condição reconhecida pela comunidade
internacional, mas outros vivenciavam tal prerrogativa pela primeira vez em suas
histórias.
Os desafios a serem enfrentados pelos Estados que foram Repúblicas
Socialistas Soviéticas não eram desprezíveis. No plano interno, muita coisa havia de
ser feita, pois era necessário criar instituições e legislação estatais (adaptando ou
transformando aquilo que herdaram da URSS), uma economia nacional própria, que
envolvesse relações capitalistas e a propriedade privada, além de outras tarefas de
igual complexidade. No âmbito externo, a situação não era diferente. A
transformação da condição de partes de uma mesma unidade federativa para a de
países independentes no sistema internacional exigiu que entre todos os novos
Estados fosse estabelecida uma série de relações antes inexistentes, as quais,
mesmo que reproduzissem em algum grau os contatos havidos no período soviético,
desses eram necessariamente diversas, posto que interestatais. Além disso,
precisavam lidar com outros Estados que não os seus pares (re)nascidos com a
dissolução do gigante sovtico.
Do conjunto dos novos Estados, a Federação Russa merece destaque.
Centro do poder da superpotência comunista, mesmo com o fim desta, a Rússia
permaneceu com um enorme território, dotado de vastos recursos naturais
(sobretudo energéticos), além de possuir a maior economia e o maior exército dentre
os países do espaço pós-sovtico e ser depositária o arsenal nuclear da URSS. Tais
características, aliadas a eventos de conjuntura internacional favoráveis aos
interesses russos, possibilitaram ao país retomar o papel de grande potência no
sistema internacional, após enfrentar severas dificuldades econômicas nos anos
1990. A relevância global de Moscou é espraiada para o âmbito regional. No
decorrer dos anos que separam o fim da União Soviética e o final da década de
14
2000, salvo por um breve período, a Rússia se manteve interessada e, na medida de
suas capacidades, participante quanto aos destinos dos países que outrora
dominara imperialmente. Quando a Rússia olha os pses a sua volta, Ucrânia e
Belarus sobressaem-se entre os demais. Estes Estados, os únicos do grupo com os
quais os russos compartilham a origem eslava oriental, são casos ímpares para
Moscou, o que torna singulares as relações mantidas com os mesmos. O inverso
também é verdadeiro, pois bielo-russos e ucranianos tem na Rússia um foco de
atenção especial e intenso, o que acaba por gerar relações distintas com a sua ex-
metrópole, as quais são avaliadas por Kiev e Minsk a partir de valorações positivas
ou negativas. Desde logo, vale ressaltar que Ucrânia e Belarus são dois dos Estados
que antes de seu atual estágio de independência nunca possuíram uma experiência
sedimentada como membros autônomos da comunidade internacional, o que se
visto no capítulo primeiro. Portanto, o período que se inicia em 1991 representa a
primeira vez na qual os três países eslavos orientais passaram a conviver e interagir
na qualidade de Estados formalmente independentes.
O presente trabalho almeja investigar o porquê desta distinção. Por qual
razão, afinal, as relações que envolvem ssia, Ucrânia e Belarus são singulares
para os três parceiros, diferentes das interações que eles mantêm com os demais
Estados do espaço pós-soviético e do próprio sistema internacional.
Imagina-se que uma resposta satisfatória a esta questão apenas poderá ser
alcançada por intermédio de uma investigação que aborde mais de um elemento
com potencial de conferir um caráter distintivo aos contatos interestatais
assinalados. Com este pensamento como norte, foi feita a opção de se trabalhar
com um tratamento multicausal do problema. Ou seja, parte-se do pressuposto de
que não uma única causa, ou um único fator que converta as relações russo-
ucraniano-bielo-russas em algo único do ponto de vista de cada um dos envolvidos.
Assim sendo, foram selecionados três elementos a partir dos quais os vínculos
hodiernos entre os Estados em epígrafe serão estudados. São eles: a questão
cultural e identitária, a geopolítica e o fator econômico. A escolha destes enfoques
de análise está baseada na crença de que os três conseguem abarcar muitas das
questões de política externa de quase todos os países do sistema internacional.
Além disso, tendo em vista quais são os Estados investigados no presente trabalho,
acredita-se que tais elementos constituem campo fértil para observação, o que torna
factível a tarefa proposta. Pondere-se que não se está aqui afirmando que a
15
utilização dos fatores citados esgota as complexidades inerentes à dinâmica
interestatal em epígrafe. Longe disto. O que se procura fazer, dentro dos limites
inerentes ao tipo de trabalho desenvolvido, é fugir o tanto quanto possível da análise
balizada em o somente uma possível causa, pois se assim o fosse, os resultados
finais poderiam ser por demais incompletos. Uma vez mencionados os fatores que
servem de base para a pesquisa empreendida, cabe apresentá-los, ainda que
brevemente.
O primeiro elemento a ser observado é o cultural e identitário, o qual será
tema do capítulo dois. Ressalte-se que é impossível descolar as questões
identitárias e culturais de um Estado de seu passado, pois o estudo do processo
formativo da identidade nacional dos países destacados é influenciado pela
existência de uma origem comum e de um passado compartilhado, fatos que
somados às práticas imperiais russas e soviéticas de russificação, acarretaram
fortes proximidades culturais entre Rússia, Ucrânia e Belarus. Assim sendo, no
capítulo primeiro há uma recapitulação histórica, de forma alguma exaustiva, de
eventos que envolveram russos, ucranianos e bielo-russos, os quais são relevantes
não somente para o processo formativo de suas identidades nacionais, mas também
para os assuntos tratados nos capítulos seguintes deste trabalho. O vínculo entre os
dois primeiros capítulos pode ser sucintamente exposto da seguinte forma: os fatos
históricos são refletidos nas identidades nacionais russa, ucraniana e bielo-russa,
que, por sua vez, repercutem em algum grau nas políticas externas desenvolvidas
pelos três países, em especial, quando o vetor destas políticas está direcionado aos
Estados vizinhos.
O segundo elemento utilizado é o geopotico, o qual envolve aspectos de
política internacional comumente relevantes para a ssia, como balança de
poderes e estabelecimento de zonas de influência. A localização geográfica de
Ucrânia e Belarus por si só basta para acarretar preocupações estratégicas ao
Kremlin. Além disso, o temor russo de que outras grandes potências,
notadamente a Uno Européia e os Estados Unidos, consigam se inserir no espaço
pós-soviético por intermédio de uma aproximação com os ucranianos. Por seu turno,
através da geopolítica pode se entender o objetivo por trás de alguns movimentos
ucranianos no sentido de fazer alianças dentro e fora do espaço pós-soviético e se
unir a organismos internacionais. Estas são algumas das razões que qualificam o
elemento geopolítico como um bom rumo de investigação das relações russo-
16
ucraniano-bielo-russas. No capítulo terceiro serão expostas com maior
detalhamento, além de outras, as questões estratégicas aqui referidas.
O último dos elementos a partir do qual será investigada a existência de
singularidades nas interações entre os países estudados é o econômico. A
crescente relevância do poder oriundo das capacidades econômicas de um Estado
no sistema internacional se insere na dinâmica tripartite. Isto ocorre muito em função
da linha de política externa adotada pelo presidente russo Vladimir Putin, a qual será
vista no capítulo quatro. Contudo, outras razões que tornam o fator econômico
um importante parâmetro de análise. Um exemplo que pode ser aqui citado é a
dependência que as economias ucraniana e bielo-russa têm da economia russa,
sem que o contrário seja verdadeiro em idêntica proporção.
Cumpre ressaltar que não constitui objetivo fundamental do presente trabalho
estabelecer uma graduação de relevância de cada um dos fatores investigados para
o atual estágio das relações russo-ucraniano-bielo-russas. Eventualmente, poderá
se fazer visível uma diferença de intensidade dos efeitos que um ou outro fator
geram à dinâmica observada, mas se isto ocorrer será uma conseqüência da meta
primeira de investigar se, efetivamente, cada um dos elementos selecionados
influencia nas interações entre os países estudados, tornando-as, assim, singulares
para cada um deles.
Um componente importante da pesquisa que ainda não foi mencionado é o
papel dos recursos energéticos nas interações analisadas. Acreditamos que esses
recursos servem de elemento corroborador das particularidades que as cercam. O
motivo que leva os recursos energéticos russos a fazerem parte de nossa pesquisa
é o fato de estarem invariavelmente presentes, de modo direto ou indireto, nos
cálculos de política externa dos três países quando travam contatos entre si. A
natureza deste tipo de recurso remete imediatamente a questões geopolíticas e
econômicas. No caso dos Estados em epígrafe, isto resta cristalino, uma vez que a
Rússia é uma grande produtora de gás natural e petróleo, e tem na venda de
energia sua maior fonte de divisas externas, mas para obter tais lucros depende que
os produtos sejam escoados via Ucrânia e Belarus aseus principais compradores.
Portanto, justifica-se que os recursos energéticos russos sejam destacados como
um elemento empírico que não somente confirma a presença das questões
geopolíticas, econômicas e, em menor extensão, culturais nas relações interestatais
estudadas, como até mesmo colabora na compreensão dos motivos que levam
17
aqueles fatores a transformarem as interações entre os três países em algo singular.
Os recursos energéticos russos e seus efeitos nas políticas doméstica e externa de
Ucrânia, Rússia e Belarus serão tratados no capítulo cinco.
É válido agora explanar um pouco sobre a divisão interna dos capítulos do
trabalho. No primeiro capítulo uma sucinta recapitulação histórica das relações
entre os povos estudados, na qual é dado destaque aos fatos que são úteis no
estudo desenvolvido nos capítulos seguintes. Ressalte-se que neste capítulo
também há menção a algumas das características do imperialismo russo e sovtico,
o que se mostra necessário porque a questão imperial ainda é um componente
muito forte nas relações mantidas pelos países observados.
Os capítulos dois, três e quatro pretendem auferir o impacto dos fatores
escolhidos nas relações investigadas. A primeira parte dos capítulos contém uma
exposição da teoria e dos conceitos atinentes aos assuntos tratados. Tal tarefa é
indispensável porque cada um dos elementos selecionados carrega consigo uma
carga teórica diversa e opera com conceitos diferentes. Por exemplo, no capítulo
dois a teoria que percorre toda a sua extensão é o construtivismo e sua explicação
de como se a formação das identidades nacionais, especialmente no caso de
Estados que foram subjugados por um império. Da mesma forma, se no capítulo três
não o uso de uma “teoria geopolítica”, alguns conceitos afeitos à matéria como
zona de influência, jogo de soma zero e balança de poder são amplamente
utilizados, razão pela qual precisam ser explicados. Semelhante situação ocorre com
o capítulo dedicado ao elemento econômico, no qual, por exemplo, o termo
interdependência econômica assimétrica é importante no entendimento das
fragilidades ucranianas e bielo-russas perante Moscou.
O que poderíamos classificar de “segunda parte” de cada capítulo é o espaço
no qual ocorre a dialética entre as teorias e conceitos expostos e os fatos concretos.
Em outras palavras, o mundo das previsões abstratas e ideais do imaginário teórico
e conceitual é confrontado com as interações reais havidas entre os Estados
estudados e outros atores do sistema internacional. Para fins de clareza, nestas
segundas partes, as vicissitudes de Rússia, Ucrânia e Belarus são apontadas
individualmente, ou seja, a formação das identidades nacionais, as preocupações
geopolíticas, as fraquezas e os pontos fortes de suas economias serão estudados
em seções próprias. Tal divisão possui como objetivo visualizar as situações sociais
e políticas internas de ucranianos, bielo-russos e russos e como elas se envolvem
18
com os acontecimentos e as pressões provenientes do plano externo. Igualmente é
possível desvendar a visão que cada um destes países detém de seus parceiros de
política externa, sejam eles os outros dois Estados estudados, ou ainda terceiros
países, blocos regionais (União Européia, fundamentalmente) e organizações
internacionais (OTAN em especial). Outra vantagem da abordagem individual é
poder perceber quais são os intuitos e as aspirações destes países no sistema
internacional. Isto é de suma importância porque, devido às proximidades que os
três Estados guardam, quando um deles se lança na busca de metas de política
externa, tal movimento fatalmente ocasiona efeitos aos outros dois. Por todas estas
razões, acreditamos ser este o modo mais profícuo no estudo da penetração que os
elementos de análise escolhidos possuem nas relações mantidas entre Kiev,
Moscou e Minsk.
O capítulo cinco detém uma organização interna diversa. Na medida em que
os recursos energéticos que ingressam na dinâmica tripartite o russos, o capítulo
inicia com uma exposição do tratamento que o Kremlin deu à indústria energética,
salientando-se o período de Vladimir Putin como presidente do país, posto que foi
em tal época que a comercialização de energia foi definitivamente alçada à condição
de ponto estratégico da política externa russa. Ao invés de tratar os assuntos
relativos aos recursos energéticos focando cada país, como feito nos capítulos
precedentes, neste são as dimensões geopolítica, econômica e cultural que
merecem sub-capítulos. A modificação estrutural deve-se ao fato de que a energia é
tratada na presente pesquisa como instrumento que corrobora e, simultaneamente,
reforça a presença dos fatores citados nos diálogos estabelecidos entre Rússia,
Belarus e Ucrânia. Logo, não haverá perda analítica, pois as vicissitudes nacionais já
terão sido referidas em momento anterior do trabalho.
Uma investigação que envolve múltiplas causas para explicar determinado
fenômeno político-social corre o risco de gerar um resultado final composto por
partes estanques, sem uma conexão que as aproxime e guie à indispensável
coerência interna. Com vistas a evitar tal problema, a Teoria dos Complexos
Regionais de Segurança, formulada por Barry Buzan e Ole Waever, perpassa a
integralidade do trabalho desenvolvido. O fato de esta abordagem teórica ter sido
desenvolvida prioritariamente para tratar de assuntos de segurança não impede que
seja adotada na pesquisa em voga. A fundamentação que justifica o uso dos
ensinamentos de Buzan e Waever se encontra nos segmentos do trabalho em que a
19
conotação teórica é visitada, especialmente no capítulo dois, quando pela primeira
vez a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança é apresentada. Contudo,
impende que seja feito intróito de tais justificativas. A base sobre a qual está erigida
a teoria citada é materialista e construtivista. O aspecto material advém da
localização geográfica dos países e das relações de poder que se eles estabelecem
entre si dentro da região na qual se encontram. Por sua vez, o construtivismo está
presente porque, ao estabelecerem contatos entre si, os Estados desenvolvem
padrões de amizade e de inimizade baseados no passado histórico que
compartilham e na percepção que guardam uns dos outros. Para os autores, o
elemento econômico não está na raiz da formação dos Complexos Regionais de
Segurança, porém ele se encontra presente numa concepção de segurança
alargada defendida por parte daqueles. Na atual configuração da arena global, a
situação econômica de um país de ser encarada, entendemos, como um fator de
sua segurança, não somente porque assim poderá financiar sua máquina de guerra,
mas porque em algumas instâncias o poder, o qual, na maioria das vezes, gera
seguraa no sentido lato, é obtido ou exercido a partir das capacidades
econômicas dos contendores.
Além de possuir o predicado de dialogar, de uma forma ou de outra, com
todos os elementos a partir dos quais se investigam as relações russo-ucranianas e
russo-bielo-russas, a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança é de grande
valia, a nosso ver, por estabelecer uma concepção de sistema internacional que
inclui o nível regional entre os consagrados planos unitário e global. Esta inserção
possibilita que se vislumbrem com lentes mais potentes os movimentos de política
externa de Rússia, Ucrânia e Belarus direcionados uns para os outros, pois o fato de
estarem analiticamente circunscritos a uma mesma região, classificada pelos
autores citados como o Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético,
faz com que os três Estados precisem observar a balança de poder e as alianças
políticas, econômicas e militares estabelecidas em tal realidade espacial
3
. A adoção
desta perspectiva possibilita entender melhor algumas atitudes de Minsk, Kiev e
3
Buzan e Waever consideram que dentro do Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético há
quatro sub-regiões, denominadas de Teatro Ocidental, Cáucaso, Países Bálticos e Ásia Central. O primeiro deles
é composto por Rússia, Ucrânia, Belarus e Moldávia. Tal divisão é aqui citada porque nas vezes em que for
adotado o termo “relações russo-ucraniano-bielo-russas” se estará fazendo referência às interações ocorridas
dentro da sub-região citada, excluindo-se a Moldávia, tendo em vista os fins da pesquisa em voga.
20
Moscou que não poderiam ser captadas em toda a sua profundidade caso o foco de
visualização fosse o âmbito global, ou o unitário.
No tocante às fontes, a presente pesquisa foi desenvolvida basicamente a
partir de fontes secundárias. Alguns dados, sobretudo os mencionados no capítulo
dedicado à economia, foram retirados de órgãos governamentais, como os bancos
centrais dos países ou os ministérios que divulgam esta espécie de informação.
Organizações internacionais como a Organização Mundial do Comércio ou o Comitê
de Estatística da Comunidade dos Estados Independentes tamm serviram como
local de coleta de informações. A utilização de tais fontes é consciente da
possibilidade de que os meros divulgados não correspondam exatamente à
realidade, principalmente quando governos autoritários no poder
4
. Contudo, na
medida em que os dados em questão são divulgados em sítios eletrônicos e
publicações governamentais, é forçoso considerá-los como oficiais, logo, se prestam
aos fins para os quais foram aqui utilizados. Uma última menção a ser feita quanto
às fontes diz respeito às pesquisas de opinião citadas. Algumas delas foram
retiradas de livros e de artigos publicados em revistas científicas, enquanto outras
foram obtidas diretamente dos instrumentos de divulgação dos institutos de pesquisa
russos, bielo-russos e ucranianos que as realizaram.
4
Conforme se verá no capítulo quarto, alguns autores como David Marples questionam os dados estatísticos da
recuperação econômica bielo-russa divulgados pelo governo do presidente Alexander Lukashenko.
21
CAPÍTULO 1: PROXIMIDADES E DISTANCIAMENTOS: RECAPITULAÇÃO
HISTÓRICA DAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS
O elemento histórico é fundamental nas relações mantidas por Rússia,
Ucrânia e Belarus: tanto a formação das identidades nacionais de cada um destes
Estados, quanto as considerações geopolíticas e as ligões econômicas que
interferem na dinâmica tripartite na qual estão envolvidos, são influenciadas pelo
passado que compartilharam ao longo de rios séculos. Por esta razão, antes da
análise acerca dos elementos que particularizam as relações russo-ucraniano-bielo-
russas, que se realizar uma breve, e de forma alguma exaustiva, recapitulação
histórica que aborde tais ligações. No concernente à seleção de eventos a serem
retratados, cumpre frisar que, embora inegável a riqueza do passado dos três
Estados, o objetivo do presente trabalho obriga a concessão de maior destaque aos
momentos especialmente relevantes como retratos de experiências históricas
compartilhadas, bem como aos atos praticados por um dos Estados, cujos efeitos se
propagaram aos outros dois.
O segundo ponto a ser abordado neste capítulo é o imperialismo russo.
Como restará demonstrado na recapitulação histórica, durante séculos Ucrânia e
Belarus estiveram sob o domínio de impérios, sobretudo o russo. a experiência
russa é inversa, dado que por séculos as dimensões territoriais e de poder da Rússia
foram imperiais. Portanto, a questão imperial deve ser abordada não somente
porque está ligada com a história dos países, mas tamm por ser um dado
inafastável das relações atualmente estabelecidas pelos Estados em epígrafe.
22
1.1. RUS KIEVANA E A ORIGEM DOS ESTADOS ESLAVOS ORIENTAIS
O primeiro esboço de um Estado dos eslavos orientais foi vislumbrado no
século IX, quando Riurik, um guerreiro de origem escandinava e mitificados feitos
em batalha, tornou-se o primeiro príncipe de Novgorod. Seus súditos eram os
Russos Antigos, povo que deu origem aos russos, pequenos russos (ucranianos) e
russos brancos (bielo-russos). A mesma divisão dos povos oriundos dos Russos
Antigos ocorreu com a língua que falavam, o Antigo Russo, considerada a nascente
das línguas modernas faladas pelas nações descendentes da etnia ancestral. As
origens étnicas e lingüísticas em comum levaram o historiador Ronald Hingley a
classificar os, hoje, Estados independentes da ssia, da Ucrânia e de Belarus
como os últimos herdeiros da Rus Medieval, nome atribuído pelos Russos Antigos
para descrever a si mesmos e as suas terras (HINGLEY, 2003, p. 02).
Ainda que o nascimento do primeiro Estado dos eslavos orientais seja datado
formalmente como sendo o ano de 856
5
, a rego no qual foi estabelecido já houvera
sido sucessivamente ocupada por povos e etnias acerca das quais vale fazer uma
sucinta menção. As condições geográficas do território onde atualmente se
encontram os descendentes da Rus Medieval tiveram grande peso no desenrolar de
sua ocupação primitiva, pois esta se deu de forma desigual na planície das estepes
e na zona das florestas.
Nas estepes, os primeiros habitantes do sul do Estado russo atual foram os
citas, uma tribo pertencente lingüisticamente aos iranianos, mas com estilo de vida
similar aos turco-mongóis. Nessa época, o norte do Mar Negro era ocupado por
colônias gregas, localizadas onde se encontra a rego ucraniana da Criméia
(VERNADSKI, 1944, p. 15). No século IV a. C, o povo dominante na rego eram os
sármatas, cuja tribo mais poderosa eram os alanos, de origem iraniana. Com o
tempo, a tradição nômade desse povo cedeu espaço ao cultivo agrícola, processo
durante o qual sua gente foi se misturando com as tribos eslavas orientais
pertencentes ao complexo indo-europeu. Um dos clãs de alanos era conhecido
como Rukhs As, ou “Brilhantes Alanos”. Provavelmente é desse nome que derivou a
palavra Ros, ou Rus, que posteriormente identificará os Russos Antigos.
5
A data de fundação da Rus Kievana é controversa. Segundo George Vernadsky, apesar de quase toda a
literatura atribuir o fato ao ano 862, na verdade a data correta seria 856 (VERNADSKY, 1944).
23
No século III d. C. os godos de origem germânica derrubaram o domínio dos
sármatas no sul da Rússia. O domínio godo não durou muito tempo, pois no século
seguinte os hunos vindos do Leste tomaram aquela parte das estepes. No século VI
d. C., os ávaros substituem os hunos para posteriormente serem sucedidos por outra
tribo turco-mongol, os Khazar (cazares). No meio do século VII, os cazares
estabelecem um estado estável que se estendeu do Mar Cáspio e do Baixo Volga
até o rio Dnieper e o Mar Negro.
Na região das florestas, que apresentava aos seus ocupantes maiores riscos
e dificuldades que as planas estepes, três foram os povos que inicialmente nela
habitaram. São eles os finos, os lituanos e os eslavos vindos do sul. Segundo a
Crônica de Nestor, eles fundaram Novgorod (cidade nova). Esses eslavos
constituem a etnia que formou o principal núcleo da história russa. Acredita-se que o
surgimento dos eslavos se deu entre 1000 e 6000 a. C. Somente no século VI a. C.
eles se dividiram em três grupos, sendo que os eslavos orientais, antepassados dos
russos, ucranianos e bielo-russos, se ramificaram por um grande território. Apesar
de não desenvolverem uma organização que os permitisse enfrentar os diversos
invasores de suas terras, eles mantiveram sua unidade étnica, o que viria a ser
fundamental quando da fundação de um Estado próprio.
Os cazares das estepes dominaram os eslavos orientais provenientes das
florestas, deixando-os, contudo, com considerável parcela de autonomia. Desde
meados do século VII, os cazares travaram várias guerras inconclusas com os
árabes, sofrendo fragorosa derrota no ano de 737. No desdobramento da
escaramuça, foram presos vinte mil eslavos e remetidos à Síria. O resultado potico
da vitória árabe gerou nos eslavos a perda da fé nos cazares como seus protetores,
razão pela qual começaram a procurar novos aliados, que eventualmente
encontraram nos escandinavos (VERNADSKY, 1944, p. 22). Como os suecos não
eram muito numerosos, aos poucos foram influenciados pela cultura nativa eslava.
No ano de 825, diante de nova derrota dos cazares ante os árabes, o comando
sueco dos russos proclamou independência do domínio cazar. Mas foi apenas com a
ajuda militar dos varegos, escandinavos sob o comando de Riurik, que se tornou
possível a construção do primeiro Estado russo.
Após a morte de Riurik, em 873, seu sucessor, Oleg, conquistou Kiev e
fundou, em 878, o reino de Rus Kievana. Todas as terras dominadas pelo seu
governo passaram a ser chamadas de Rus. Dada a sua importância histórica, Kiev,
24
hoje capital da Ucrânia, sempre foi considerada pelos russos como o berço de sua
civilização, razão pela qual preferem chamá-la de mãe de todas as cidades russas”,
ao invés de “mãe de todas as cidades da Rus”, a sua qualificação original (LIEVEN,
1999, p. 13).
1.1.1. A Polêmica quanto ao Status da Rus Kievana
A Rus Kievana é disputada por russos e ucranianos como a origem de seus
Estados. Durante os séculos de dominação imperial russa, a visão amplamente
divulgada era de que a Rus Kievana é o berço da Rússia.
No tocante aos ucranianos e a relação destes com a origem de Kiev, houve
uma variação importante na compreensão historiográfica sustentada pelo Kremlin. A
imagem reinante no período do império russo, findo em 1917, era de que a Ucrânia
era parte da Rússia, ou seja, desprovida de qualquer autonomia. Por sua vez,
durante o regime soviético, a Ucrânia passou a ser vista como uma nação irmã da
Rússia, ambas descendentes da Rus Kievana e ligadas por laços de cultura, religião,
língua e história compartilhada (LIEVEN, 1999, p. 14). A distinção pode parecer
apenas um detalhe, mas como lembra Andrew Wilson, “a diferença entre dois países
serem nações irmãs antes de serem duas partes da mesma nação dividida é crucial.
Entre irmãos pode ser esperado que exista um relacionamento de amor e ódio”
(WILSON, 2005, p. 25). É inegável que a ótica das lideranças soviéticas conferia à
Ucrânia um grau de independência antes inexistente. Contudo, mesmo este
abrandamento de posição não esconde a auto-imagem imperial russa, pois no fundo
permanece a compreensão de que a Ucrânia o possuiria uma origem nacional
própria, diversa da russa. No máximo, os ucranianos poderia ser encarados como
um povo irmão, com mesmos hábitos e cultura, mas restando subentendida nesse
raciocínio a qualidade de irmão caçula, destinado a obedecer à parente de maior
expressão.
A partir da independência da Ucrânia, em 1991, a vero oficial da história
proveniente de Moscou foi amplamente contestada pelos historiadores ucranianos.
Eles alegam que a sua nação é a verdadeira herdeira da Rus Kievana, ao passo que
o Reino de Moscou, não necessariamente descendente de Kiev, seria a verdadeira
25
origem da nação russa. Assim como a descendência comum reforça o
posicionamento imperial russo, o esforço revisionista ucraniano se insere
perfeitamente na tentativa da Ucrânia de estabelecer a existência de uma identidade
nacional o mais longínqua possível, cujo intuito é o de fortalecer a sua percepção
como entidade autônoma diante da nação vizinha historicamente imperialista.
A discussão empreendida por nacionalistas de ambas as partes não leva em
consideração o fato de ser perfeitamente possível que dois ou três povos (incluindo
os bielo-russos) sejam originários de uma mesma cidade comum, no caso Kiev, sem
que suas raízes sejam mutuamente excludentes (LIEVEN, 1999, p. 15). Mesmo que
nunca se alcance um ponto pacífico aceito por todos os envolvidos, a discussão em
voga é valiosa como demonstração da relevância dos fatos históricos como base
para a formação da identidade nacional, o que será discutido no capítulo seguinte.
1.1.2. A Queda da Rus Kievana e seus Efeitos
A Rus Kievana foi o poder dominante na Europa Eurasiana desde a sua
fundação até a invasão Mongol, corrida em 1237-1240. A terra original dos Rus foi
dividida entre a Polônia, a Lituânia, a Hungria, o suserano mongol e Moscou.
(WILSON, 2005, p. 26). A invasão mongol iniciou a separação entre as partes
ocidental e oriental dos Russos Antigos, gerando duas seções culturalmente
distintas (VERNADSKY, 1945, p. 46). Extensas áreas da Rus ocidental, incluindo
toda a Belarus moderna e uma grande área da Ucrânia moderna, foram
progressivamente se tornando parte do Estado expansionista da Lituânia (HINGLEY,
2003, p. 23), enquanto a Rus oriental ficou sob domínio mongol. Tal separação
detém relevância considerável na história da Ucrânia e de Belarus, pois originou a
divisão dos eslavos orientais em três ramos, os ucranianos, os bielo-russos e os
russos.
Ainda no culo XIII, o Império Mongol começa a experimentar uma divisão
interna em principados chefiados pelos descendentes de Ganges Kahn. Moscou fica
sob o comando do Principado de Djuchi, também conhecido como a Horda de Ouro.
A principal cidade da Horda de Ouro era Saltai, localizada no baixo Volga, na junção
entre as estepes e as zonas desérticas. Os mongóis possuíam tratamentos
26
diferenciados em relação ao credo e às instituições políticas dos russos. Enquanto a
religião católica ortodoxa era completamente tolerada, a vida política do Reino de
Moscou sofria restrições, sendo a principal delas a obrigação de que todos os
príncipes russos fossem à sede da Horda de Ouro para serem coroados como Grão-
Duques, bem como reconhecessem sua completa submissão ao Khan mongol.
Enquanto vigeu a Horda de Ouro, Moscou ganhou proeminência em relação aos
principados russos do leste e do norte. A ascendência de Moscou servira de impulso
para que a oeste as tribos lituanas passassem a se unir em meados do século XII.
Aproveitando a paulatina perda de poder da Horda de Ouro, o Grão-Duque
da Lituânia conquistou territórios na porção ocidental russa, muitas vezes com o
auxílio da população, que desejava se livrar da influência dos tártaros. Nesse
período, os lituanos ainda sofriam grande influência cultural dos russos, posto que a
instituição fundamental da época, a Igreja, era bem organizada na sua versão
Ortodoxa russa, o mesmo não ocorrendo com o paganismo praticado pelos lituanos.
Tal proximidade diminuiu a partir do final do século XIV, quando ao Grão-Duque
lituano de Yagailo foi oferecido o trono polonês (VERNADSKY, 1944, p. 53). Com a
aceitação da oferta, ele se converteu ao catolicismo romano em 1386, fato esse que
teve inegável efeito na separação de russos, ucranianos e bielo-russos. As terras
que circundavam Kiev foram, assim, formalmente divorciadas de Moscou.
1.2. O INÍCIO DO IMPÉRIO RUSSO
O domínio dos tártaros sobre os russos durou cem anos mais do que o
exercido sobre ucranianos e bielo-russos. Somente em 1480 Ivan III livrou o Reino
de Moscou dos últimos vestígios de domínio da Horda de Ouro, quando derrotou
Khan Akhmed, mediante aliança com o Reino da Criméia e manipulações das
disputas internas dos tártaros. Após se livrar do domínio estrangeiro, Moscou
empreendeu conquistar os territórios russos que havia perdido. A expansão de
Moscou significou muito mais do que um mero processo territorial, pois foi
acompanhada por vasto aumento de prestígio. Tanto o Patriarca residente em
Moscou quanto o Príncipe de Moscou passaram a incluir em seus títulos oficiais o de
soberano ‘de toda a Rus’, frase que foi comum e perversamente mal traduzida para
‘de todas as Rússias’” (HINGLEY, 2003, p. 27).
27
Em 1547, Ivan IV, dito o Terrível”, exigiu ser coroado como czar (do latim
ceasar), reunindo na sua pessoa o título de Eleito por Deus, o que legitimaria a
imposição de uma política absolutista, bem como a autocracia ortodoxa em Moscou.
A ligação com os Césares Romanos não era gratuita, pois a Igreja Ortodoxa Russa
era vista como a líder do ortodoxismo religioso, e Moscou como a Terceira Roma
6
.
A década de 1550 é considerada o marco inicial da expansão imperial russa,
pois foi neste período que Ivan IV derrotou e conquistou os reinos tártaros de
Astrakhan e Kazan
7
. A importância de tais conquistas reside no fato de aqueles
serem os primeiros Estados islâmicos de sofisticada organização a ficarem sob as
ordens de Moscou, o que reverteu uma lógica de trezentos anos de invasões
islâmicas sobre o território russo (LIEVEN, 2002, p. 231). Ademais, o fato “marca a
primeira expansão de Moscou para além dos territórios onde viviam
predominantemente russos” (SEGRILLO, 2000a, p. 163).
As vitórias obtidas no leste insuflaram o desejo de retomar espaço no oeste,
e, com isso, aproximar Moscou da Europa. A estratégia russa acarretou seguidas
batalhas com a Lituânia, o que acabou por fortalecer a aliança lituano-polonesa. A
Polônia, sabedora das dificuldades lituanas nas guerras contra a Rússia, procurou
convencer a nação vizinha a unificar as duas entidades, que na época lutavam
apenas como aliadas, apesar de compartilharem o mesmo rei. A assinatura do
Acordo de Lublin, em 1569, selou a junção almejada pela Polônia, em condições
desfavoráveis para a Lituânia (VERNADSKY, 1944, p. 62). A união tornou a Polônia
o maior inimigo russo do Oeste. Além da guerra com a Polônia e Lituânia, Moscou
também lutava contra a Suécia. O fato de guerrear em mais de uma frente, e de que
uma dessas era comandada pelo polonês Stephen Batory, ocasionou sucessivas
derrotas russas, até a assinatura de tratado de paz de 1583, cujo teor era muito
desvantajoso para Moscou.
6
Moscou era o único Estado do Catolicismo Ortodoxo que era independente. Os moscovitas começaram a ver a
si mesmos como o centro do cristianismo ortodoxo, uma doutrina promulgada pelo monge Philoteus em
celebrada carta que enviou ao Grande Príncipe Vassili III. Na medida em que Roma e Constantinopla haviam
caído como centros de poder, o lugar que ocupavam passou a ser de Moscou, como a Terceira Roma, a qual
deveria durar para o resto dos dias, nunca dando lugar para uma Quarta Roma (HINGLEY, 2003, p. 37).
7
Moscou anexou o reino de Kazan em 1552, Astrakhan em 1556. Para celebrar essa última conquista, Ivan, o
Terrível, mandou construir a catedral de São Basílio, o Bem Aventurado, na praça Vermelha (ou Praça Bela, em
russo antigo). A Sibéria, por sua vez, foi conquistada em 1584.
28
1.3. O GOVERNO COSSACO
A união formal e definitiva entre Lituânia e Ponia não causou efeitos apenas
aos russos. Bielo-russos e ucranianos igualmente sofreram com o seu novo
dominador. Quando sob as regras da Lituânia, a rego que hoje forma Ucrânia e
Belarus usufruía de certa liberdade, consagrada pelo laissez-faire lituano. No
entanto, com o Acordo de Lublin, a Polônia da contra-reforma trouxe uma tripla
ameaça de “polonização”, consubstanciada na assimilação forçada da língua e
cultura polonesa, no catolicismo e na servio dos camponeses (WILSON, 2005, p.
26).
Diante de tal quadro, para os ucranianos manter sua igreja independente
representava um obstáculo tanto aos avanços religiosos da Polônia, quanto às
tentativas de imposição cultural e lingüística. A defesa da Igreja Ortodoxa de Kiev
gerou três facções com posicionamentos distintos. Uma primeira pediu auxílio aos
russos contra os poloneses, mas mais em termos religiosos do que étnicos. Uma
segunda facção utilizou a mesma tática do catolicismo e desenvolveu uma espécie
de contra-reforma na Ortodoxia de Kiev, misturando elementos da Igreja Ortodoxa
com um quase-protestantismo, o que afastou o ramo ortodoxo ucraniano da Igreja
de Moscou, reforçando, com isso, a incipiente separação identitária entre as duas
nações. O terceiro grupo a reagir ao catolicismo polonês era formado pelos
cossacos ucranianos, cujas tribos estavam localizadas no lado leste da corrente do
rio Dnieper, ao sul de Kiev.
Os cossacos, conforme se verá adiante, m grande influência na construção
da identidade da Ucrânia como uma nação separada da Rússia. Entretanto, naquela
época eles não eram identificados por defenderem uma nação ucraniana, mas sim
pela sua aversão à forma de dominação polonesa, bem como pelo seu
anticatolicismo. Algumas das atitudes do governo polonês, como aumentar o preço
dos serviços e dos aluguéis de terras utilizadas pelos cossacos, acarretaram nestes
o temor de serem transformados em servos. Real ou imaginário, o risco vislumbrado
os impulsionou a exigir do governo da Polônia o título de nobres, o que evitaria a
perda das terras. Não atendidos em suas demandas, durante as primeiras décadas
do século XVII, os cossacos passaram a desafiar a autoridade do Estado que os
dominava até que em 1648, sob a liderança de Hetman Bogdam Khmelnytskyi,
irromperam em revolta armada. Com amplo apoio da população ucraniana,
29
conquistaram Kiev e porções a oeste da cidade, além de territórios que hoje
pertencem à Polônia. O quase-Estado que se formou a partir das vitórias dos
cossacos foi batizado Hetmanato”. O contra-ataque não tardou, e com o passar dos
anos se tornou cada vez mais irresistível (LIEVEN, 1999, p. 18). Sem alternativa
melhor, os líderes do Hetmanato concordaram em se submeter à soberania do czar
russo Alexei Mikhailovich, situação formalizada no Tratado de Pereiaslav, assinado
na cidade de mesmo nome em 1654. A Igreja Ortodoxa de Kiev teve grande
influência na feitura do acordo, pois reconhecia no patronato religioso russo a
liderança da Ortodoxia
8
. A partir de Pereiaslav, o czar Alexei passou a se denominar
“Czar da Grande e da Pequena Rússia”. Ressalte-se que o fato de chamar a Ucrânia
de Pequena Rússia demonstrava o sentimento russo a seu respeito.
O Tratado de Pereiaslav não era de todo claro, razão pela qual deixou
margem a várias interpretações, tanto na época na qual foi assinado, quanto hoje
9
.
Parte das demandas dos cossacos foi atendida, pois receberam o título de nobres
que desejavam, e às cidades da Ucrânia foi permitido escolher os seus líderes locais
(LIEVEN, 1999, p. 20). Contudo, não houve o cumprimento de todas as promessas
do czar, principalmente no tocante à autonomia dos ucranianos perante a Rússia. O
Hetmanato sofreu seguidas perdas de suas liberdades políticas e administrativas até
a sua extinção formal, em 1785.
1.4 O DOMÍNIO RUSSO SOBRE OS TERRITÓRIOS DE UCRÂNIA E BELARUS
Quando o Tratado de Pereiaslav foi assinado, a dinastia Romanov
comandava a Rússia. Foi sob esta linhagem que os russos experimentaram a
magnitude de seu poderio imperial. Curiosamente, foi a partir dos desdobramentos
de uma invasão polonesa que os Romanov chegaram ao poder. Entre 1584 e 1613,
a Rússia enfrentou o “Período de Problemas”, marcado pela sucessão de vários
czares desprovidos de apoio popular ou legitimidade. Os conflitos internos
8
Vale ressaltar que antes de perder sua independência em 1685-1686, por causa da submissão à Igreja russa, a
Igreja de Kiev influenciou aquela para que passasse por um processo de modernização semelhante ao ocorrido
em Kiev. O resultado foi o cisma na Igreja Russa entre os novos e os velhos fiéis do Patriarca Nikon, em 1667.
9
O conteúdo confuso do Tratado referido margem, na atualidade, à discussão entre nacionalistas russos e
ucranianos. Estes sustentam que foi um acordo entre Estados, o que o tornaria nulo quando da quebra das
promessas feitas pelo czar. Os russos, por sua vez, sustentam que o Hetmanato não era propriamente um Estado,
e que o acordo na verdade teria reunificado todas as Rússias sob o domínio de Moscou (LIEVEN, 1999, p. 21-
22).
30
ocasionaram a queda de Moscou, invadida pela Polônia. O patriarca ortodoxo, por
se recusar a aceitar formalmente o jugo polonês, foi preso e deixado para morrer de
inanição. A invasão e o tratamento ao líder religioso uniram os russos em torno de
sentimentos nacionalistas. Um exército comandado pelo príncipe Pozharsky derrotou
os poloneses e retomou Moscou em 1612. No ano seguinte, foi convocado um
Zemsky Sobor
10
, no qual foi eleito Mikhail Romanov.
Apenas três anos depois de Pereiaslav, faleceu Khmelnytskyi, fato que gerou
nova partição da política ucraniana, desta feita entre os povos a leste do Dnieper,
simpáticos a Moscou, e os localizados a oeste do rio, apoiadores da Polônia. O
Acordo de Andrusovo, firmado por Rússia e Polônia em 1667, estabeleceu o rio
Dnieper como fronteira natural da Ucrânia. O território que hoje é Belarus ficou com
a Polônia e importantes cidades ucranianas da margem oriental, como Kiev e
Smolensk, permaneceram com Moscou.
Em 1713, Pedro, o Grande, oficializa o nome Rússia para o reino de Moscou,
mas é somente no governo de Catarina, a Grande, que a expansão territorial russa
atinge novamente as terras ucranianas e bielo-russas. A tripla repartição da Polônia,
ocorrida em 1772, 1793 e 1795, colocou quase todo o território ucraniano e a
integralidade do bielo-russo nas mãos da Rússia. Apenas a porção mais ocidental
da Ucrânia ficou submetida ao Império dos Habsburgo, cuja tolerância e a
intensidade da competição com os poloneses permitiu aos ucranianos da região
“desenvolverem um forte senso de identidade distinta e, durante o curso do culo
XIX, a assentarem o nome ‘ucranianos’” (WILSON, 2005, p. 27)
11
. No resto do
território ucraniano, Catarina governava o Império Russo com mão de ferro, retirando
o resto de autonomia legal da Hetmanato e levando os cossacos à servidão.
10
O Zemski Sobor era um Congresso Popular criado por volta da segunda metade do século XVI, cuja função era
ser um foro de representação das diversas classes de Moscou, nessa época sujeita a um sistema político que
combinava um forte poder central com comunas locais. A sua origem é encontrada nos departamentos de
Moscou. Em cada departamento havia um congresso anual do qual participavam os representantes de todos os
habitantes, com o intuito de escolher uma comissão jurídica, de poderes gerais, e uma comissão financeira, que
não exercia poder sobre os proprietários de terra. O princípio de autogoverno local foi transportado para a esfera
central com os Zemski Sobor, os quais eram compostos por todas as classes da sociedade funcionários do
Estado, donos de terra, comerciantes, artesãos e camponeses. Os poderes do Zemski Sobor eram determinados
pelos costumes e não por lei. Os czares faziam uso de tal instituição quando necessitavam de assistência
(VERNADSKY, 1944, p. 67 e 80).
11
Até então os ucranianos se autodenominavam “rutênios”, a fim de evitar o nome de Pequenos Russos, que
naqueles tempos consideravam depreciativo e contrário à sua autonomia em relação aos russos. Para efeitos de
clareza, na redação do presente capítulo os ucranianos sempre foram denominados dessa forma. Note-se, ao
passar, que o nome de Rutênia Subcarpática reaparece depois da I Guerra Mundial nos tratados de Versalhes
para distinguir o extremo oriental da Tchecoslováquia (Estado conformado ademais pela Bohemia e a Moravia
austro-húngaras). Esta porção da Tchecoslováquia seria reivindicada pela URSS depois da II Guerra Mundial e
anexada à República Socialista Soviética da Ucrânia.
31
Nas primeiras décadas do Século XIX, a cultura ucraniana foi tolerada pelo
Império Russo, o que deu vazão, em 1840, à formação do movimento nacional
ucraniano, de traços meramente culturais. O crescimento do nacionalismo no seio do
Império era um fator preocupante por si só, mas foi a rebelião na porção territorial
polonesa dominada pela ssia que incitou o medo de decomposição da ordem
estabelecida. Temerosos, os russos aprovam o Decreto Valuyev em 1863, cuja
medida principal é o banimento de livros religiosos e educativos escritos na língua
ucraniana. O movimento nacionalista da Ucrânia passou, então, à condição de semi-
clandestinidade, o que não impediu a criação do Partido Revolucionário Ucraniano,
em 1900. A tentativa fracassada de revolução em 1905 acarretou um certo vel de
abrandamento das regras direcionadas à formação de partidos políticos dentro do
Império Russo, permitindo o funcionamento de organizações dessa estirpe na
Ucrânia, desde que sob supervisão da polícia russa. Todavia, com a eclosão da I
Guerra Mundial, a “liberdade vigiada” dos movimentos políticos ucranianos foi
extinta.
Por seu turno, os bielo-russos foram submetidos a políticas culturais e
lingüísticas de russificação durante todo o século XIX. Havia pequenos grupos
nacionalistas, mas eles não detinham grande influência. A população bielo-russa,
porém, não se considerava propriamente russa, mas parte de uma identidade eslava
que acreditavam partilhar com ucranianos e russos (ABDELAL, 2001, p. 131).
1.5. A REVOLUÇÃO RUSSA E AS REPÚBLICAS DA UCRÂNIA E DA BIELO-
RÚSSIA
Nas ocasiões em que um império entra em colapso por qualquer motivo,
acontece um rearranjo de forças dentro das unidades que anteriormente o
constituíam. A perda de poder, momentânea ou definitiva, do Estado imperialista
gera períodos de turbulência nas nações dominadas, nas quais é comum virem à
tona fortes sentimentos nacionalistas, acompanhados de desejos de autonomia
política, de fato e de direito. A história da Rússia e dos Estados que fizeram parte
por longos séculos de suas fronteiras imperiais ilustra muito bem tal padrão, repetido
sempre que verificado o desfazimento de uma estrutura imperial russa. Na medida
em que a Revolução Bolchevique de 1917 significou o desmantelamento da Rússia
32
imperial dos czares, não causa espécie que nos primeiros anos do que viria a ser a
União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS), quando ainda em ebulição a
guerra civil, houvesse convulsões internas, bem como tentativas de independência e
estabelecimento como Estados de algumas regiões antes dominadas pelo Imrio
Russo. Justamente isso ocorreu com a Ucrânia, que passou por um turbulento
período entre 1917 e 1921, no qual foram fundadas duas repúblicas ucranianas
distintas. Os efeitos dos acontecimentos na Ucrânia se alastraram a Belarus.
A Revolução de Fevereiro de 1917 intensificou o nacionalismo ucraniano, em
movimento liderado pelo historiador Hruchevski. Em março do mesmo ano foi
fundado o parlamento (Rada) ucraniano. Depois de negociações com o Governo
Bolchevique Provisório de Petrogrado, é proclamada em junho uma república
ucraniana autônoma, instituição ainda ligada à Rússia. Um mês após a Revolução
de Outubro, em 20 de novembro de 1917, é constituída a República Popular
Ucraniana, cujos laços com a vizinha do leste também não haviam sido formalmente
desfeitos. Na época, o território ucraniano abrigava um quinto da população da
Rússia czarista, além disto, nele estavam localizados os solos mais rteis do
império desfeito, bem como a maior parte da indústria metalúrgica e da exploração
de minas (LIEVEN, 2002, P. 57). Em função desses fatores, a União Soviética não
podia prescindir da Ucrânia. Diante da crescente busca de autonomia ucraniana, os
bolcheviques exigiram o realinhamento com a Revolução.
O endurecimento soviético levou o movimento nacionalista ucraniano a
procurar ajuda externa, encontrando-a na Alemanha. Sentindo-se protegida, a
República da Ucrânia proclamou sua independência total da Rússia soviética em
janeiro de 1918, sendo reconhecida como Estado pelos alemães dez dias depois
(CARR, 1977, p. 334). No mês seguinte, o governo soviético reconquistou Kiev. O
domínio bolchevique durou ts semanas, sendo extirpado pelas forças da Rada,
secundadas pelos exércitos da Alemanha e da Áustria. Em março de 1918 é
assinado o Tratado de Brest-Litvosk, pelo qual a Rússia perdeu os territórios do leste
da Polônia, da Ucrânia, da Letônia, da Lituânia e da Estônia, que foram entregues à
Alemanha
12
. O apoio germânico acabou por custar caro aos ucranianos, pois no mês
de abril a Rada foi desalojada do poder pelos alemães, que instituíram o governo
12
A perda territorial ocasionou sensível redução do território russo, que ficou mais ou menos com as mesmas
conformações que possuía antes das conquistas de Pedro I no ocidente (LIEVEN, 2002, p. 57).
33
marionete de Hetman Pvlo Skoropadskyi. A linha reacionária pró-germânica e pró-
senhores de terra adotada por Skoropadskyi revoltou os camponeses da Ucrânia.
Com a derrota na I Guerra Mundial, a Alemanha foi forçada a assinar um
armistício com as potências vencedoras. Entre os deveres germânicos estava a
retirada das tropas do território ucraniano. Sem o apoio externo, Skoropadskyi foi
retirado do poder pelas forças nacionalistas da Rada. Em fevereiro de 1919, os
bolcheviques retomaram Kiev e mantiveram o poder sobre a cidade, salvo por
breves períodos de perda de controle, ora para os poloneses, ora para os
mencheviques. O movimento nacionalista ucraniano se deslocou, assim, para a
porção mais ocidental do país. Em outubro de 1920, a Polônia assinou armistício
com os líderes bolcheviques e dispersou as forças nacionais ucranianas de seu
território. A perda do auxílio externo acarretou à Ucrânia o retorno ao completo
domínio dos bolcheviques no ano de 1921.
Se a queda do império russo gerou a República Popular da Ucrânia, o fim do
império dos Habsburgo possibilitou a criação da República Popular da Ucrânia
Ocidental, em novembro de 1918. Esta reclamava os territórios da Galícia, Volyn,
Transcarpátia e o que hoje são os territórios poloneses de Peremyshyl, Kholm,
Pidlachia e a região de Lemko. No mesmo período, a Polônia declarou sua
independência. Como havia disputa territorial entre poloneses e ucranianos
ocidentais, as duas partes entraram em conflito. No mês de janeiro de 1919, as duas
repúblicas ucranianas assinaram acordo, o qual foi meramente formal, pois entre
ambas havia diferenças políticas e programáticas. Alguns meses depois, em julho de
1919, a Polônia conquistou a República Popular da Ucnia Ocidental (WILSON,
2002, p. 127).
Muitos dos fatos acontecidos na Ucrânia nos anos que se seguiram à
Revolução de 1917 se repetiram em Belarus, mas com intensidade bem menor,
dado que o movimento nacionalista bielo-russo era incipiente e débil. Em agosto de
1917 foi estabelecida no Belarus uma Rada bielo-russa, a qual não obteve
reconhecimento dos soviéticos, que a derrubaram e constituíram um Conselho de
Comissários do Povo. No mês de fevereiro de 1918, o exercito alemão invadiu
Belarus, estabelecendo uma Rada sob seu poder. A derrota alemã na I Guerra
Mundial forçou a retirada do invasor germânico no final do mesmo ano, oportunidade
na qual os bolcheviques retomaram o poder sobre Belarus.
34
A escolha posta aos bielo-russos era criar uma república ou serem
incorporados à Rússia. Em janeiro de 1919 o Partido Comunista decidiu pela
gestação da República Socialista Soviética da Bielo-Rússia (CARR, 1977, p. 346), e
no mesmo ano as forças polonesas invadiram a nova república, ocupando até
mesmo Minsk. O acordo russo-polaco assinado em 1920, estabeleceu que parte do
território bielo-russo ficaria em posse da Polônia.
Ainda que a análise das identidades nacionais como elementos de
aproximação e de separação entre os Estados observados seja abordada em
momento posterior, convém desde logo ressaltar as claras diferenças entre os
movimentos nacionalistas ucraniano e bielo-russo. Enquanto na Ucrânia o
sentimento de nação detinha nível razoável de desenvolvimento, “para os russos
brancos, observa um historiador recente, ‘a nacionalidade veio como um presente da
Revolução Russa que quase o tinham solicitado’”, pois “os operários e
camponeses russos brancos sempre se consideraram uma parte do povo
trabalhador da Rússia e apenas uma parte insignificante da inteligentsia pequeno-
burguesa russo-branca era partidária da independência” (CARR, 1977, p. 347).
No mês de dezembro de 1922 foi criada a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas. na sua formação, o Estado soviético contava com as três repúblicas
eslavas: Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia. A quarta república fundadora era a da
Transcaucásia, que englobava as futuras repúblicas da Geórgia, Armênia e
Azerbaijão (SEGRILLO, 2000a, p. 347).
1.6. O ENTRE-GUERRAS E A II GUERRA MUNDIAL
Durante a década de 1920, a língua e a cultura ucranianas foram
incentivadas no aprendizado escolar e nos livros. Até mesmo o retorno do antigo
presidente da República Autônoma da Ucrânia, Hruchevski, foi permitido em 1924. O
líder voltou à nação com o intuito de disseminar o sentimento nacional no povo.
Segundo observa Andrew Wilson:
Os anos 1920 foram, então, uma era dourada para a Ucrânia de várias
maneiras, produzindo uma revivificação cultural forte o bastante para
desafiar o monopólio central secular russo da alta cultura, uma próspera
economia local baseada na agricultura camponesa e na pequena indústria e
35
um breve renascimento da independência da Igreja entre 1921 e 1930
(WILSON, 2005, p. 28).
Todavia, a relativa paz ucraniana não durou mais que uma cada, pois a
liderança soviética acreditava existir uma dupla ameaça à manutenção do país
como uma de suas repúblicas. Internamente, o nacionalismo ucraniano levava ao
afastamento de Moscou, ao passo que, externamente, existia o temor de ataques
provenientes da Alemanha ou da Polônia sobre a região. Não pode ser negada a
relação desse medo soviético com o primeiro grande revés sofrido pela Ucrânia
soviética, quando em 1930 a coletivização forçada dos campos implementada por
Stalin resultou na morte ou deportação de duzentos e cinqüenta mil ucranianos
(LIEVEN, 1999, p. 34).
A situação se agravou nos anos seguintes. A característica da Ucrânia de,
historicamente, servir como celeiro para a Rússia a transformou em principal alvo da
política de coletivização nas zonas rurais, causando revolta nos fazendeiros
ucranianos, os quais manifestaram sua contrariedade. O governo soviético, então,
além de aprofundar a coletivização, impôs a colheita forçada dos produtos
alimentícios. As medidas causaram “A Grande Fome” de 1932-1933, cujo resultado
foi a morte de mais de cinco milhões de ucranianos
13
.
Nos anos 1930, Stalin tamm perseguiu bielo-russos, exterminando grande
parte da elite da República Socialista da Bielo-Rússia, principalmente entre 1937 e
1939. A partir de então, o processo de russificação, que historicamente já havia sido
intenso em Belarus, se aprofundou.
Em 1939, a União Soviética anexou ao seu território as províncias ucranianas
da Galícia e de Volyn. Com o passar dos anos, o movimento se mostrou equivocado,
pois na medida em que nunca antes essas duas reges haviam sido dominadas
pela Rússia czarista, elas não foram assimiladas pela cultura russa e soviética no
longo período de poder comunista. Tal circunstância as tornou um constante foco de
insurgência em busca de autonomia (LIEVEN, 1999, p. 33).
Durante a II Guerra Mundial, Ucrânia e Belarus se comportaram de forma
diversa quanto à invasão nazista de 1941. Enquanto Belarus foi cenário de uma
sangrenta resistência contra os invasores alemães, que gerou uma “república
13
Recentemente, o governo ucraniano considerou o ato de Stalin como genocídio. Tal gesto desagradou ao
Kremlin. O debate entre historiadores e analistas dos dois países continua acirrado. Os ucranianos insistem na
tese do genocídio, enquanto os russos alegam que muitos russos, assim como outras etnias, morreram por causa
da política de Stalin, logo, não haveria genocídio.
36
partisan dos bosques, mas também uma repressão germânica terrível
(MIJAILOVICH, 2006), na Ucrânia se instalou um Reichkomissariat, com sede em
Rovno, junto ao qual se envolveram milícias colaboracionistas: foram elas que
perseguiram os judeus da Galícia Oriental, assim como eram ucranianos de
uniforme negro os que se encarregaram da vigilância dos campos de extermínio da
Polônia. Contudo, é certo que nem toda a Ucrânia apoiou os nazistas. Na Volyn
ucraniana se desenvolveu um movimento clandestino, o OUN (sigla inglesa da
Organização dos Nacionalistas da Ucrânia), o qual era hostil tanto aos nazistas
quanto aos soviéticos. Seu líder era Stephan Bandera, que “em 30 de junho de 1941
proclamou o restabelecimento de um Estado independente ucraniano, presidido por
Yaroslav Stetsko” (ROMERSTEIN, 2004). Dois anos depois, Stetsko fundou e foi o
presidente de uma organização intitulada Bloco Anti-Bolchevique das Nações. O
final da guerra não significou o término do movimento de Bandera, pois seus aliados
continuaram lutando contra os bolcheviques por muitos anos ainda depois de 1945.
Outro grupo ucraniano de resistência importante foi a UPA (sigla ucraniana para
Exército Insurgente da Ucrânia), que, liderado por Roman Shukhevych, tamm
manteve suas atividades até o começo dos anos 1950
14
.
Com o fim da II Guerra Mundial, Ucrânia e Belarus foram definitivamente
reincorporadas à União Soviética, com seu território grandemente aumentado graças
aos ganhos territoriais provenientes da batalha
15
. Ressalte-se que foi somente a
partir da conquista da Rutênia subcarpática, em 1945, que, pela primeira vez, todas
as regiões que hoje formam a Ucrânia passaram a estar sob o domínio soviético.
1.7. O PERÍODO SOVIÉTICO E A GUERRA FRIA
A vitória na II Guerra Mundial não significou a manutenção da aliança que
derrotou o nazi-fascismo. Dois dos seus principais membros, Estados Unidos e
14
A UPA (Ukrainska Povstanska Armiia) lutou contra os soviéticos de 1944 a 1952. Movida por um extremado
nacionalismo ucraniano, manifestado no seu desejo de construir uma Ucrânia etnicamente homogênea, ou seja,
sem a população polonesa, alemã e judaica situada no país, a organização chegou a contar com 100 mil
combatentes. Eram cinco as províncias principais de atuação da UPA, todas localizadas no Oeste da Ucrânia:
Ternopil, Lvov, Drogobych, Stanislavov e Rovno, sendo que 90% dos ataques da organização ocorreu na Galícia
(DARDEN, 2006).
15
Após a II Guerra Mundial, Ucrânia e Belarus se tornaram membros fundadores da ONU junto com a URSS;
com o pretexto dos sacrifícios sofridos durante a guerra e base jurídica no direito de legação conservado pelas
mesmas (DEBORIN, 1977).
37
União Soviética, se tornaram as duas superpotências inimigas do período que
passou para a História como Guerra Fria, cujos marcos são o fim da II Grande
Guerra, em 1945, e a dissolução formal da União Soviética, em 1991. O poderio
alcançado pela URSS durante a Guerra Fria teve impacto direto na submissão
ucraniana e bielo-russa ao poder central de Moscou.
Após o fim da II Guerra Mundial, as zonas de influência dos comunistas
soviéticos e dos capitalistas norte-americanos na Europa foram logo estabelecidas.
Immanuel Wallerstein considera a Conferência de Yalta, na qual se reuniram
Churchill, Stalin e Roosevelt, como o elemento definidor das restrições geopolíticas
de segunda metade do século XX.
Quando a guerra terminou, no dia 08 de maio de 1945, as tropas soviéticas
e as ocidentais (isto é, americanas, britânicas e francesas) estavam
localizadas em pontos particulares essencialmente ao longo de uma linha
norte-sul, no centro da Europa, que se tornou conhecida como a Linha Oder-
Neisse
16
. À parte de alguns ajustes menores, foi onde ficaram. Em
retrospectiva, Yalta foi um acordo entre ambos os lados no sentido de que
poderiam permanecer onde estavam e nenhum lado usaria a força para
expulsar o outro (WALLERSTEIN, 2004, p. 23).
A Europa restou dividida em dois blocos de países, um deles composto pelos
Estados do leste, comunistas sob a liderança da União Soviética, e outro formado
pelos Estados do oeste, capitalistas. Os últimos receberam ajuda militar e
econômica dos Estados Unidos para que freassem qualquer avanço comunista,
fosse ele externo, fosse ele fruto da política doméstica
17
. No lapso considerado
como a primeira fase da Guerra Fria, a situação na Europa permaneceu estável,
devido à “política da detenção” adotada pelas duas superpotências, calcada no
“equilíbrio do terror”.
A paridade de poder estabelecida na Europa repercutiu nas relações internas
da União Soviética, entre elas as estabelecidas entre as Repúblicas Socialistas
16
Os rios Order e Neisse constituíram, assim, a fronteira física entre Alemanha e Polônia, país este que
“recuperava”, desta forma, os territórios da Prússia Oriental Meridional, da Silésia e da Pomerânia Oriental, que
compensavam, de alguma maneira, os territórios orientais poloneses cedidos à URSS e incorporados por esta à
Reblica Socialista Soviética da Bielo-rússia pela adoção da “Linha Curzon” como fronteira leste entre Polônia
e Uno Soviética.
17
O bloco comunista era composto por Uno Soviética, Polônia, Tcheco-Eslováquia, Hungria, Albânia,
Romênia, Bulgária e Alemanha Oriental, ou República Democrática da Alemanha. A instituição militar do bloco
comunista foi criada com o Pacto de Varvia, assinado em 14 de maio de 1955. Por sua vez, a OTAN, fundada
em 1947, era a instituição militar das nações ocidentais, chefiada pelos Estados Unidos. Os seus países membros
europeus eram a Inglaterra, Portugal, Bélgica, Turquia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Luxemburgo,
Itália, Grécia, Islândia e Alemanha Ocidental, ou Republica Federal da Alemanha. Economicamente, os Estados
Unidos financiaram a reconstrução da Europa Ocidental, por intermédio do Plano Marshall.
38
Soviéticas da Rússia, da Ucrânia e da Bielo-rússia. Moscou era a grande líder de
toda a ordem soviética, e, conseqüentemente, exercia domínio sobre Kiev e Minsk.
Como já visto, as tentativas ucranianas, e, em bem menor extensão, bielo-russas, de
maior autonomia, ou mesmo de independência, sempre precisaram ser apoiadas por
forças externas européias, pois nem uma nem outra detinham capacidade política e
força militar para combater a subjugação que as assolava. Na medida em que a
situação no continente europeu estava sedimentada, e que países como Polônia e
parte da Alemanha tamm se encontravam submetidos ao controle russo, quando
não incorporados ao território da URSS como os países bálticos (Lituânia, Estônia e
Letônia), era inexistente a possibilidade de que Ucrânia e Belarus se tornassem
Estados livres do domínio imperial soviético.
Uma vez diminuídos os rompantes de libertação ucranianos, a liderança
russa passou a ver a Ucrânia, que era a segunda maior república da União
Soviética, como uma parceira confiável, mesmo que as províncias do oeste da
república continuassem a considerá-la como um território ocupado. A fim de
sedimentar a posição da Ucrânia como república irmã da Rússia dentro da estrutura
soviética, Nikita Kruschev, um ucraniano, na seqüência de seus atos de
“desestalinização” do sistema, adotou medidas que beneficiavam os ucranianos. A
primeira delas foi a transferência da Criméia para a República Socialista Soviética da
Ucrânia em 1954. Depois, foi permitido a Petro Shelest, primeiro secretário do
Partido Comunista ucraniano, que desenvolvesse uma ucranianização moderada no
sistema educacional e na mídia local (LIEVEN, 1999, p. 42). Nesse período surgiu a
organização nacionalista Rukh (movimento, em ucraniano), que lutava contra a
ameaça da assimilação da cultura russa e soviética (WILSON, 2002, p. 153).
Entretanto, a partir dos anos 1970, com Brezhnev, outro ucraniano, no topo do
poder soviético, houve uma constante diminuição das liberdades de prática do
nacionalismo ucraniano, pois Moscou considerava que ele era defendido com
excessivo entusiasmo na república (LIEVEN, 2002, p. 292). Em 1972, o conciliador
Shelest foi substituído pelo comunista linha-dura Volodymyr Shcherbytsky, que
governou a república da Ucrânia até 1989.
No concernente à República Socialista Bielo-Russa, o período da Guerra Fria
apenas manteve a russificação que estava em curso desde a década de 1920.
Como resultado, em 1980 a maioria da população falava o russo como primeira
língua, diferentemente do que ocorria em 1944, quando o bielo-russo era a forma
39
mais comum de comunicação entre o povo da república bielo-russa (ABDELAL,
2001, p. 132).
1.8. A GLASNOST E A PERESTROIKA
A eleição de Mikhail Gorbachev, em 1985, para o cargo de Secretário-Geral
do Partido Comunista, principal posto de comando da União Soviética, teve
conseqüências profundas para o Estado Socialista. Com o objetivo de modernizar o
sistema soviético, Gorbachev lançou os projetos da Perestroika e da Glasnost. A
tradução de Glasnost é transparência”, sendo tal plano voltado para os aspectos
políticos do regime. a Perestroika, ou “reconstrução”, detinha fundo econômico, e
sua meta era revitalizar a economia soviética
18
. Depois de detonado, o processo de
modificação econômica e política do sistema comunista fugiu ao controle de seus
líderes, o que resultou no desmantelamento da União Sovtica no ano de 1991
19
.
Angelo Segrillo aponta duas causas principais para a Perestroika, quais
sejam, a estagnação da economia soviética e a defasagem tecnológica entre o
sistema comunista e o capitalismo ocidental, posto que nesse, a partir da década de
1970, foi impulsionada a Terceira Revolução Industrial, ou Revolução Tecnológica-
científica. Pode ser estabelecida uma relação entre os dois motivos citados. As
características intrínsecas da Revolução Tecnológico-científica (flexibilidade, fluxos
horizontais de comando e informação) não combinavam com o planejamento
hierárquico e centralizado do Partido Comunista, mais afeito ao fordismo da era
moderna do que ao toyotismo da s-modernidade (SEGRILLO, 2000b, p. 12). As
dificuldades da União Soviética de acompanhar os avanços ocidentais levaram sua
economia à estagnação, uma vez que seus produtos perdiam competitividade no
mercado no sistema internacional, no qual os comunistas eram forçados a negociar.
No início das mudanças, Gorbachev concedeu preferência ao elemento
econômico, uma vez que nunca esteve em seu horizonte o desfazimento da unidade
política soviética. Entretanto, o líder comunista logo percebeu que a primazia do
18
Angelo Segrillo aponta queno contexto da experiência histórica soviética de meados dos anos 1980, o melhor
termo para tradução talvez seja o de reestruturação” (SEGRILLO, 2000a, p. 17).
19
Dominic Lieven faz interessante comparação entre a queda do império czarista e o fim da URSS. Segundo o
autor, o Imrio Russo enfrentou dificuldades ao procurar unir sua forma de governo autoriria com princípios
liberais ocidentais, o que o levou à desintegração. Com a URSS teria ocorrido semelhante processo, culminando,
também, na sua desintegração (LIEVEN, 2002, p. 302).
40
econômico sem a correspondência do político reduziria a Perestroika a uma
revolução tecnocrática. Assim, a partir de 1986, o conteúdo político da Glasnost
recebeu a atenção devida, e passou a caminhar, desde esse momento, lado a lado
com a Perestroika (SEGRILLO, 2000b, p. 17).
A abertura política e a descentralização econômica tiveram como um de seus
efeitos principais o renascimento de nacionalismos antes reprimidos pela mão-de-
ferro soviética, e até mesmo o surgimento de sentimentos nacionais antes não
manifestados com tamanha força
20
.
A partir do momento em que as forças centrífugas no campo econômico
começaram a se desenvolver e o poder político-econômico (antes
concentrado primariamente no PCUS) começou a ser disputado por diversas
outras correntes, a esfera das nacionalidades passou a ser um campo fértil
de catalisação e alavancagem desta disputa de poder (SEGRILLO, 2000a,
p, 176, grifo do autor).
Os países bálticos, Lituânia, Estônia e Letônia, que haviam sido Estados
independentes durante o entre-guerras, lideraram o fenômeno separatista e serviram
de exemplo aos movimentos autonomistas que se alastraram pelo solo soviético
desde a segunda metade da década de 1980
21
. Gorbachev e a nova elite dirigente
do país se mantiveram fiéis à postura mais democrática que pretendiam implementar
e não lançaram mão da violência para reprimir as declarações de independência dos
Estados que faziam parte da Uno Sovtica.
Gorbachev foi o primeiro Secretário-Geral soviético a levar em conta que na
política os meios podem ser tão importantes quanto os fins. Nesse caso, se
os meios (a força suficiente) para manter a união tivessem sido aplicados,
essa união seria diferente da que Gorbachev queria criar e preservar, e nela
a inevitável conseqüência teria sido a inversão do processo de liberalização
e democratização do sistema (BROWN, 2004, p. 43).
20
No tocante ao conceito de nacionalidade entre os povos que formavam a URSS, convém trazer à tona a
importante explicação fornecida por Angelo Segrillo. Segundo este, a nacionalidade dos povos que compunham
a URSS era reconhecida pelo ius sanguinis, ou seja, é a descendência familiar que se considerada para a
identificação da nacionalidade. Desta forma, uma pessoa pode nascer, por exemplo, em solo russo, mas será
ucraniana se um de seus pais for ucraniano, bem como se um dos pais de seus pais igualmente for ucraniano, etc.
Tal método ocasiona a perpetuação da nacionalidade de um indivíduo, não importando onde ele habite ou tenha
nascido. Com isto, as diferenças étnicas tendem a ser perpetuadas (SEGRILLO, 2000b, pp. 59 e 60).
21
A Estônia foi a primeira das Repúblicas Socialistas Soviéticas a declarar sua independência, em novembro de
1988, sendo seguida por Letônia, em maio de 1989 e Lituânia em julho de 1989.
41
A escolha de Gorbachev, somada à sua indecisão entre manter o socialismo
e aprofundar as reformas econômicas e políticas, o levaram a perder poder dentro
da União Soviética em franca decomposição. Em março de 1991, enfraquecido e
enfrentando a ascensão, entre os defensores do liberalismo, de Boris Yeltsin,
Gorbachev convocou um plebiscito, cujo intuito era angariar apoio popular para a
criação de uma nova instituição que substituiria a Uno Soviética, mas a votação foi
boicotada em importantes repúblicas
22
. Em agosto de 1991 houve uma tentativa de
golpe de Estado, capitaneada por comunistas conservadores. No episódio, a defesa
das liberdades conquistadas foi assumida por Yeltsin, Presidente da República
Socialista Federativa Soviética Russa, que assim se consolidou como o político mais
festejado pela população da Rússia. Poucos meses depois, em 08 de dezembro do
mesmo ano, as repúblicas socialistas soviéticas russa, ucraniana e bielo-russa
retiraram-se unilateralmente da URSS. No dia 21 de dezembro do mesmo ano, em
Alma-Ata, juntamente com outras oito repúblicas soviéticas
23
, assinaram acordo que,
ao mesmo tempo em que decretava o fim da União Soviética, sancionava a
Comunidade dos Estados Independentes (CEI), gesto que formalizou o fim do
império soviético e levou Gorbachev à renúncia.
1.9. A INDEPENDÊNCIA DA FEDERAÇÃO DA SSIA, DA UCRÂNIA E DE
BELARUS
O colapso da União Soviética permitiu que Rússia, Ucrânia e Belarus se
tornassem Estados soberanos. Todavia, como é esperado, cada um dos três
processos de independência guardou idiossincrasias próprias, as quais são
relevantes para o estudo dos reflexos das relações atualmente mantidas pelos
Estados em voga. Cabe, portanto, fazer um breve relato dos fatos importantes
ocorridos nas três ex-repúblicas soviéticas que levaram os nacionalismos locais a
construírem Estados nacionais.
22
Lituânia, Estônia, Letônia, Geórgia (com exceção da região da Abkhazia), Moldávia e Armênia boicotaram a
votação convocada pela liderança de Moscou.
23
Lituânia, Letônia e Geórgia não fizeram parte do ato de fundação da CEI. Posteriormente, a Geórgia ingressou
na organização.
42
1.9.1. A Federação Russa
A República Socialista Federativa Soviética Russa era a principal unidade da
União Soviética. Daquela emanavam as decisões que guiavam não apenas as
demais repúblicas, mas todo o bloco comunista do leste europeu sob o comando
soviético. Não é por outra razão que tanto o Soviete Supremo, que era
constitucionalmente considerado o órgão de governo central de um Estado
composto por várias repúblicas, regiões e territórios autônomos, quanto o Politburo,
composto pela elite do Partido Comunista Soviético, estavam localizados em
Moscou. Aliás, as decisões do Politburo eram aquelas a serem obedecidas pelas
demais células da organização partidária em todo o território soviético
24
. Assim
sendo, os eventos ocorridos e as decisões tomadas na ssia, em qualquer esfera
(econômica, política, militar), espraiavam efeitos para toda a União Soviética. Por tal
motivo, o processo de emancipação da Rússia como Estado soberano se confunde
grandemente com os atos que levaram ao fim da unidade soviética, ainda que, por
certo, a dissolução de um império não possa ser relegada aos acontecimentos de
apenas uma de suas partes, por mais importante que esta seja.
As reformas implementadas por Gorbachev levaram à acentuação das
divergências dentro do Politburo. De um lado estavam os conservadores, que
apoiavam as reformas, desde que essas não ameaçassem a hegemonia do poder
do partido ou instalassem uma economia de mercado que pudesse pôr em risco os
fundamentos socialistas do país (SEGRILLO, 2000b, p. 31). No outro campo, que
tinha à frente Aleksandr Yakovlev, era defendido o constante aprofundamento da
Glasnost, acompanhada da abertura do mercado. Apesar da posição dos
conservadores, em função do forte apoio popular e do entusiasmo das nações
ocidentais diante paulatina abertura da Cortina de Ferro, a liberalização econômica e
política do sistema adquiriram dinâmica própria desde que foram detonadas.
Diante da constatação de que o Partido Comunista não possuía mais o
controle almejado na condução das transformações sistêmicas, o próprio
24
Angelo Segrillo aponta que no início da Perestroika, ou seja, 1985, o Politburo, composto por 14 membros
votantes, era o verdadeiro locus de poder máximo da União Soviética. Isso porque o Soviete Supremo apenas se
reunia duas vezes por ano e o Comitê Central do Partido Comunista também não funcionava permanentemente.
O Politburo era, assim, na ptica, o órgão de governo permanente da União Soviética (SEGRILLO, 2000, p
1412-143).
43
Gorbachev, por vezes, se aliou a correntes mais tradicionais do partido em busca de
apoio. A sua movimentação entre os campos políticos se tornou difusa, o que o fez
enfrentar diversas críticas e, principalmente, perder espaço na política interna
soviética e russa, apesar de ainda gozar de prestígio no exterior.
No mês de março de 1990, pressionado pelo crescimento dos movimentos
nacionalistas dentro das repúblicas, Gorbachev aprovou o fim do monopartidarismo,
acabando com a exclusividade do Partido Comunista na vida política do Estado. No
mesmo dia foi criado o cargo de Presidente da União Soviética, para o qual
Gorbachev foi conduzido mediante eleição indireta.
Apenas dois meses depois, Boris Yeltsin, político de carisma que havia se
desligado do Partido Comunista em 1987, é eleito pelo voto popular direto
Presidente do Soviete Supremo da Rússia. Segundo Angelo Segrillo, desde então
“começaria a polarização entre a República Russa e o governo central da União
Soviética” (SEGRILLO, 2000b, p. 46). Os liberais, que pretendiam a criação de uma
plena economia de mercado, apoiavam fortemente Yeltsin, e “criticavam a União
Soviética por ser um Estado hiper-centralizado, atacando-a a partir de uma
perspectiva nacionalista ante o colonialismo. Crescentemente, eles enxergavam a
solução na separação da Rússia em relação ao centro e na construção de suas
próprias instituições estatais” (TSYGANKOV, 2006, p. 45).
Num de seus primeiros atos no cargo, Yeltsin declarou, em 08 de junho de
1990, que as leis russas tinham prioridade sobre as normas soviéticas, o que
equivalia a dizer que a Rússia não respeitaria mais as ordens da URSS, passando a
agir como uma entidade autônoma. Apenas três dias depois, foi declarada a
independência da Federação Russa.
O já referido plebiscito de março de 1991 representou uma das últimas
tentativas de Gorbachev de manter a união das repúblicas em torno de um projeto
único. O resultado favoreceu aos seus intentos, pois 76,4% dos votantes aprovaram
o destino comum das repúblicas. Seguiram negociações do governo central com os
governos locais, restando decidido que a nova instituição não possuiria um poder
central, pois as decisões seriam tomadas conjuntamente. No dia 20 de agosto de
1991 seria assinado um acordo selando tal compromisso entre Rússia, Belarus,
Tadjiquistão, Cazaquistão e Uzbequistão (SEGRILLO, 2000b, p. 69). Contudo, antes
desta data, dois eventos de grande magnitude ocorreram em Moscou.
44
O primeiro deles foi a eleição de Yeltsin para o cargo de Presidente da
Rússia, em 12 de junho de 1991. O segundo, crucial para os destinos da Rússia e
da União Soviética, foi a tentativa de Golpe de Estado de 19 de agosto de 1991,
data na qual Gorbachev estava em sua casa de férias (dacha). Sem rumo claro,
carentes de uma liderança determinada e desprovidos de apoio popular e militar, os
golpistas desistiram do ato três dias depois. Yeltsin, que ficara sitiado no Parlamento
Moscovita (a Casa Branca para os russos), surgiu como o grande líder da resistência
e defensor das conquistas democráticas do povo russo. Seus gestos durante a crise
o tornaram o político mais popular da Rússia, o que representou a ascendência de
seu poder sobre o de Gorbachev. Este renunciou ao cargo de presidente soviético
em 25 de dezembro de 1991, alguns dias depois da retirada unilateral da Rússia, da
Ucrânia e de Belarus da União Soviética
25
.
1.9.2. Ucrânia
Apenas um ano depois do início da implementação das políticas libertadoras
de Gorbachev, ocorreu o desastre de Chernobyl, quando uma usina nuclear
localizada em solo ucraniano explodiu. Houve grandes manifestações nas ruas da
república, contudo, seu teor ainda era menos nacionalista e mais voltado contra a
incompetência do governo de Moscou. Foi somente em 1988, em meio à ebulição
por autonomia nas repúblicas bálticas, que os movimentos nacionalistas ucranianos
ganharam força e surgiram as mobilizações populares contra o controle soviético.
Andrew Wilson elenca quatro correntes de oposição ao Partido Comunista na
política da Ucrânia no período. Duas eram de menor expressão; o sindicato dos
mineiros do Donbas e a Plataforma Democrática. As outras forças, quais sejam, a
União Ucraniana de Helsinque, formada por ex-prisioneiros do regime, e o
Movimento de Apoio Popular à Perestroika eram identificadas com o nacionalismo.
Este último ficou conhecido como Rukh, pois seus primeiros líderes eram os
25
Note-se que a secessão das repúblicas socialistas soviéticas estava consagrada no Tratado fundador da União
Soviética e nas suas constituições, mas sempre fora considerado uma relíquia meramente formal pelos
governantes e juristas soviéticos.
45
mesmos da organização nacionalista homônima dos anos 1960 (WILSON, 2002, p.
157).
Antes das eleições parlamentares de 1990, o Rukh deu uma demonstração
de força na porção ocidental da república, ao reunir um milhão de pessoas que
deram as mãos de Lviv a Kiev. Contudo, o maciço apoio localizado não foi suficiente
para garantir a vitória no pleito. De um total de quatrocentas e cinqüenta cadeiras na
Rada, o Rukh ficou com cento e oito, enquanto os comunistas elegeram trezentos e
oitenta e cinco deputados, número reduzido para duzentos e trinta e nove após
defecções partidárias. A Plataforma Democrática ganhou vinte e oito cadeiras. Em
termos regionais, as províncias ucranianas ocidentais que estiveram fora do controle
russo e soviético até a II Guerra Mundial votaram em favor do Rukh, enquanto o sul
e o leste da república, mais industrializados e com destacada presença da diáspora
russa, votaram nos comunistas (WILSON, 2005, p. 30).
O referendo convocado por Gorbachev para março de 1991 não sofreu
boicote na Ucrânia, todavia, não se restringiu à pergunta formulada pelo governo
soviético, a qual versava sobre a possibilidade de se fundar uma nova federação,
baseada na igualdade entre as repúblicas, nas liberdades e nos direitos humanos.
Ao lado do questionamento sobre o desejo de se fundar outra instituição federativa,
foi perguntado se dentro de uma eventual nova organização, a Ucrânia deveria ser
uma entidade soberana, o que aproximaria a instituição de uma união entre Estados,
afastando-a, conseqüentemente, do federalismo. O resultado foi um tanto ambíguo,
pois 70,5% dos ucranianos votaram pela construção de uma nova instituição
federativa, e 80,2% dos votantes manifestaram o desejo de soberania para a
Ucrânia. De qualquer sorte, a resposta afirmativa à segunda pergunta impulsionou o
crescimento do nacionalismo.
O fracassado golpe de Estado conservador, ocorrido em agosto de 1991,
fortaleceu ainda mais o Rukh, pois diante da repercussão negativa, os deputados
comunistas abandonaram seu partido na Rada ucraniana, filiando-se a movimentos
independentes. Aproveitando o momento, os nacionalistas convocaram uma votação
especial no parlamento, referente à independência da Ucrânia. A aprovação à
proposta foi contundente: trezentos e quarenta e seis votos contra apenas um. Foi,
então, convocado um referendo popular, a fim de ratificar a escolha indireta. Assim,
no dia de dezembro de 1991 uma maioria de 90,3% de ucranianos decidiu pela
independência de seu país. No mesmo dia, o ex-membro da nomenclatura soviética,
46
Leonid Kravchuk, foi eleito presidente ucraniano, com 61,6% dos votos (WILSON,
2005, p. 32).
1.9.3. Belarus
A política de russificação imposta pelo governo soviético obteve considerável
sucesso em Belarus, razão pela qual os movimentos nacionalistas da República
Socialista eram compostos apenas por uma reduzida elite intelectual e por uma
minoria da população. O grosso do povo bielo-russo não fazia eco aos apelos por
um resgate das tradições e costumes locais, em função de sua forte identificação
com a cultura russa. Não obstante, a sucessão de fatos que levou ao fim da União
Soviética também desencadeou a independência de Belarus.
A Glasnost permitiu que, em 1987, viesse à tona a revelação de uma
sistemática perseguição de Stalin contra intelectuais e nacionalistas bielo-russos
entre os anos de 1937 e 1939. Ainda que o grosso da população não tivesse ficado
escandalizado com o fato, ele serviu para fomentar o surgimento, no ano seguinte,
da Frente Popular Bielo-Russa. A organização se considerava um movimento de
libertação nacional, cujas metas eram a luta pela democracia e pela independência
genuína do Belarus, assim como o resgate de uma cultura bielo-russa específica,
diversa da russa (IVANOVA, 1998, p. 03). A postura do movimento era francamente
anti-comunista e anti-russa, característica que o afastava das massas.
Em meio às declarações separatistas de várias repúblicas soviéticas, o
Soviete Supremo da Bielo-Rússia aprovou lei que tornava o bielo-russo a única
língua oficial da república, com a exceção dos campos econômico e financeiro, nos
quais a língua russa continuou a ser utilizada. De qualquer forma, a promoção da
língua bielo-russa nos documentos oficiais, no sistema educacional, nas editoras e
nos órgãos de imprensa se tornou um baluarte da elite e da pequena parcela da
população que não era pró-Rússia (GOUJON, 2005, p. 13-24).
Uma prova da fidelidade à União Soviética foi dada pelos bielo-russos em
março de 1991, quando, no referendo proposto por Gorbachev, 83% da população
da república votou pela manutenção da unidade sovtica, ainda que alterada. Como
visto antes, a Bielo-Rússia era uma das repúblicas que assinaria em 20 de agosto o
47
acordo por uma nova união federal, proposta por Gorbachev. Contudo, a tentativa de
golpe de agosto de 1991 alterou a situação. Diante dos atos ocorridos em Moscou e
do poder angariado por Yeltsin, os governantes bielo-russos concluíram que a única
forma de manter os fortes laços com a Rússia era declarar sua separação da União
Soviética para, somente então, buscar uma reaproximação. E assim foi feito. No dia
25 de agosto de 1991, foi declarada a independência de Belarus, e em 08 de
dezembro o país estava junto com a Rússia e a Ucrânia quando da criação da
Comunidade dos Estados Independentes (NOGEE e DONALDSON, 2005, p. 208).
1.10. A QUESTÃO IMPERIAL
Conforme se depreende com clareza da breve recapitulação histórica
precedente, a dominação imperial russa, assumida como tal no período czarista, ou
mascarada sob a forma institucional da União Soviética, foi exercida sobre Ucrânia e
Belarus. O período transcorrido desde o fim da subjugação imperial é muito menor
do que o tempo de duração da mesma. Logo, o imperialismo é um elemento ainda
presente nas relações russo-ucraniano-bielo-russas, e seus efeitos são sentidos nas
esferas cultural, geopolítica e econômica de tais ligões. Convém, portanto, fazer
menção às características do imperialismo exercido pela Rússia.
Hannah Arendt classificou o imperialismo exercido pela Rússia antes da I
Guerra Mundial como continental, em oposição ao imperialismo ultramarino de
Inglaterra, França e demais Estados com possessões territoriais em outros
continentes que o a Europa. Segundo Arendt, o imperialismo continental pode ser
caracterizado a partir de elementos geográficos e políticos. No tocante à geografia,
ele se desenvolveu em Estados cujas conquistas ultramarinas não eram possíveis,
razão pela qual se caracterizava por uma expansão terrestre a partir de um centro
de poder. Politicamente, o imperialismo continental está fundamentado numa
“ampliada consciência tribal, a qual (...) devia unir todos os povos de origem étnica
semelhante, independentemente da história ou do lugar em que residissem”
(ARENDT, 2006, p. 255). No caso da Rússia, a gênese de sua expansão imperial
seria encontrada no movimento pan-eslavo, classificado pela autora como um
movimento de unificação étnica fruto do nacionalismo tribal, baseado na crença
48
sobre a existência de um povo único, dotado de qualidades interiores inatas, as
quais o tornavam diferente e superior a todos os demais.
Daniel Aarão Reis apresenta visão diferente quanto ao aspecto político do
imperialismo russo czarista. Reis argumenta que o Império Russo não afirmava
superioridade da nação russa sobre as demais, mas exigia a submissão ao Estado
e, particularmente, ao Tsar”, e que as propostas de russificação apenas foram
retomadas no final do culo XIX (REIS, 2005, p. 149). Andrew Wilson concorda
com a posição de Reis ao dizer que somente os dois últimos czares da dinastia
Romanov, Alexandre III (governo de 1881 a 1894) e Nicolau II (governo de 1894-
1917) empreenderam projetos de aprofundamento da russificação nos domínios do
império, o que era reflexo das medidas repressoras tomadas em 1863 e 1876
(WILSON, 2002, p. 78 e 82).
Durante o período soviético, a dimensão geográfica do império czarista, que
ligava expansão territorial e poder, continuou guiando a política externa emanada de
Moscou (LIEVEN, 2002, p. 295). Quanto à esfera político-identitária, a tônica foi uma
alternância entre a sovietização cultural, a qual era próxima da russificação do
século XIX, e as concessões às culturas locais. Angelo Segrillo aponta esta
dualidade na política soviética. Por um lado, era defendida a internacionalização do
proletariado, o que implicava em afastamento das questões nacionais. Por outro, na
organização interna do Estado soviético, havia uma relação entre territorialidade e
expressão cultural, ou seja, a divisão das repúblicas e regiões do país obedecia a
princípios étnicos. O autor lembra que esta política cultural era fruto da tática de
“dividir para governar”, empregada em função do objetivo do Kremlin controlar
processos sociais para criar uma sociedade sem classes e sem conflitos étnicos, na
qual, ao fim e ao cabo, viveria “um povo soviético” (SEGRILLO, 2000a, p. 159-
160)
26
.
Cabe ressaltar que além do temor da instabilidade interna, as ocorrências do
sistema internacional eram fatores que tamm influenciavam o ritmo das mudanças
políticas do Kremlin. Tais modificações podem ser vislumbradas nos processos de
liberalização e repressão do nacionalismo ucraniano no transcorrer do século XX.
26
Angelo Segrillo considera que a política cultural do governo soviético foi benéfica para diversas das
nacionalidades espalhadas em seu território. A situação destas teria melhorado neste período, em comparação
com o que ocorria no período czarista, posto que eram partes de um Estado multinacional e como tal podiam
expressar suas culturas com maior amplitude. Contudo, o autor atenta para o fato de que o panorama não era de
inteira calmaria, pois havia tenes de fundo étnico no país (SEGRILLO, 2000a, p. 169 e 170).
49
No imrio soviético, além dos aspectos político e geográfico, de ser
destacado o elemento econômico. Embora, ideologicamente, os criadores do Estado
soviético criticassem com veemência o traço econômico do imperialismo das
grandes potências ocidentais, e Lênin é o exemplo mais acabado disto, na prática, a
centralização política e a economia planificada do regime soviético acabaram por
gerar o domínio econômico da República Socialista Federativa Soviética Russa
sobre as demais repúblicas do país. Conforme será visto com maior detalhamento
no capítulo quatro, a economia soviética foi construída de tal forma a criar
dependência de todas as unidades do país perante Moscou, situação que ficou bem
clara quando da dissolução do Estado soviético. Portanto, não se pode afastar o
fator econômico da formação do império soviético.
No concernente à Ucrânia e Belarus, ambos sempre foram importantes para
as pretensões imperiais russas. Nos aspectos geográfico e econômico, o domínio
sobre o território ucraniano foi fundamental para que a Rússia constituísse seus
impérios. Na esfera político-cultural, manter as nações eslavas irmãs sob a tutela
russa era questão de honra para Moscou. Tanto isto é verdade que o fortalecimento
da cultura russa em Belarus foi uma constante ao longo dos anos. No pertinente à
Ucrânia, as permissividades ao nacionalismo local, concedidas principalmente em
função da porção oeste da república, somente eram toleradas enquanto não
ameaçassem a unidade russo-ucraniana, considerada a pedra fundamental da
União Soviética (LIEVEN, 2002, p. 293). Por este motivo é que qualquer entusiasmo
excessivo dos movimentos nacionalistas ucranianos foi historicamente reprimido
pelos líderes russos e soviéticos.
50
CAPÍTULO 2: HERANÇA HISTÓRICA, CULTURA E IDENTIDADE NACIONAL
Com o final da União Soviética, pela primeira vez na história Rússia, Ucrânia
e Belarus passaram a coexistir como Estados independentes, visto que durante a
breve existência das Repúblicas autônomas ucraniana e bielo-russa a Rússia estava
atravessando a transmudação que resultaria na União Soviética. A afirmação dos
novos Estados como entes individualizados do sistema internacional, com suas
próprias instituições e normas, não dependia na época, assim como não depende
hoje, tão-somente dos instrumentos legais de reconhecimento fornecidos por outros
países. Talvez mais importante do que a admissão externa como integrante do
sistema internacional, seja a legitimação interna de cada um como nação soberana,
comandante de seu destino. O sucesso na busca desse objetivo indispensável para
o fortalecimento de um Estado passa pela construção de uma identidade nacional
única, singular em suas vicissitudes, mesmo que guarde semelhanças identitárias
com outras nações.
No presente capítulo será demonstrado que os fatores culturais e o passado
compartilhado pelos países em comento são importantes na formação de suas
identidades nacionais. Identidades estas que, por sua vez, inegavelmente possuem
algum grau de influência nas políticas externas estatais. Assim, a partir de uma
análise construtivista, procurar-se-á demonstrar que as ligações culturais e históricas
de Rússia, Ucrânia e Belarus constituem elemento de incontestável importância nas
relações que os Estados em estudo atualmente desenvolvem entre si.
A fim de atingir os objetivos propostos, o capítulo será assim dividido: em um
primeiro momento, será apresentada a teoria dos Complexos Regionais de
Segurança desenvolvida por Buzan e Waever. Sua função é a de contextualizar as
relações russo-ucraniano-bielo-russas no cenário global. Ressalte-se que a visão
dos autores acerca do sistema internacional não é importante somente ao presente
51
capítulo, mas sim à pesquisa como um todo, motivo pelo qual também será
mencionada nos capítulos posteriores. Após, serão expostos os processos de
formação das identidades nacionais, com base nos ensinamentos de Alexander
Wendt e Andrei Tsygankov.
Por fim, a base teórica desenvolvida será confrontada com os elementos
emricos. Neste segmento, será observado como as identidades nacionais dos
países estudados estão sendo formadas desde o fim da URSS, e de que forma os
processos desenvolvidos geram singularidades nas relações que eles mantêm entre
si.
2.1. OS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA DE BUZAN E WAEVER
A partir do momento em que Ucrânia e Belarus se tornaram Estados
independentes, eles passaram a interagir com atores do sistema internacional com
os quais o mantinham contato direto quando eram repúblicas soviéticas. Por sua
vez, a Rússia, mesmo sendo a república central da União Soviética, a partir da
dissolução desta, precisou alterar o pado de seus contatos com os demais
Estados, pois o era mais uma superpotência. A inclusão dos três países citados
em uma nova configuração do ambiente internacional não apenas para eles, mas
também para o próprio sistema no pós-Guerra Fria, obriga a que se estude a
dinâmica russo-ucraniano-bielo-russa a partir de determinada compreensão teórica
acerca do cenário global, sob pena de se realizar uma análise desconexa da
realidade. Ressalte-se que a escolha deve recair sobre uma teoria que possua
coerência com a múltipla causalidade do atual estágio das relações entre os países
enfocados. Tendo em vista tais fatores, no presente estudo, serão utilizados os
ensinamentos de Barry Buzan e Ole Waever.
A visão do sistema internacional sustentada por Buzan e Waever confere
destaque à dimensão regional, geralmente esquecida pelas teorias de relações
internacionais, o que é bastante funcional ao estudo das relações russo-ucraniano-
bielo-russas, conforme se comprovará. E também, os autores utilizam conceitos que
colaboram na análise das relações atualmente desenvolvidas entre Rússia, Ucrânia
e Belarus. Entre estes conceitos, podem ser citados o de Complexo Regional de
Segurança Centralizado, superpotência, grande potência e potência regional. Apesar
52
tratarem prioritariamente de assuntos de segurança, os escritos de Buzan e Waever
são balizados sobre considerações tanto culturais quanto geopolíticas. Além disso, a
concepção alargada de segurança que advogam inclui o fator econômico, portanto,
a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança dialoga com os elementos
propostos na presente pesquisa como causadores de singularidade à dinâmica
tripartite observada, o que justifica sua utilização. Convém, assim, expor brevemente
os conceitos dos autores citados que serão úteis no desenvolvimento do trabalho. E
uma vez que este capítulo é centrado na questão identitária, serão mencionadas as
influências dos elementos culturais na teoria escolhida.
Uma importante característica da Teoria dos Complexos Regionais de
Segurança é a inserção que ela faz de dois níveis de análise comumente
esquecidos pelas demais teorias de relações internacionais. Entre os dois níveis de
análise tradicionais, o local (unitário ou estatal) e o sistêmico, Buzan e Waever
inserem o regional e o inter-regional. A inclusão dessas novas dimensões não é
gratuita. De acordo com os autores, o nível regional, e o conseqüente inter-regional,
permite uma melhor compreensão dos desdobramentos da política internacional. É
na dimensão regional que é possível analisar mais precisamente as relações entre
os Estados, pois é nas interações regionais que se encontra o lócus de conflito e
cooperão entre os Estados após a Guerra Fria (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 51 e
52). Isto o torna o plano regional a ferramenta a partir da qual a realidade empírica é
mais clara e a dinâmica de segurança e da política internacional é, teoricamente,
mais coerente. Ademais, os enfoques centrados nos níveis local e sistêmico são
falhos. A visão estatal sofre de um eurocentrismo e de uma generalização dos
Estados que a impede de vislumbrar as diferenças históricas e culturais entre as
unidades do sistema. Por sua vez, a observação a partir do prisma sistêmico minora
as questões regionais, deixando, com isso, de iluminar algumas vicissitudes e
padrões de amizade e inimizade que nascem, se desenvolvem e são fundamentais
nas relações entre Estados de uma mesma região.
A criação de um nível regional exige que se separe o globo em regiões.
Obviamente menores do que o sistema do qual fazem parte, as regiões
compreendem grupos de unidades que estão suficientemente ligadas, a tal ponto
que suas questões políticas e de segurança não podem ser separadas. Cada região
estabelecida pelos autores forma o que denominam de Complexo Regional de
53
Segurança
27
. Esses, assim como as regiões, são compostos por unidades do
sistema. De acordo com os autores da teoria:
Os complexos regionais de segurança são definidos por padrões duráveis
de amizade e inimizade que tomam a forma de padrões de segurança
interdependentes sub-globais e geograficamente coerentes. O caráter
particular de um Complexo Regional de Segurança será constantemente
afetado por fatores históricos, como inimizades duradouras [...], ou a
abrangência da cultura de uma área civilizacional [...]. A formação de um
Complexo Regional de Segurança deriva da interconexão entre, de um lado,
uma estrutura anárquica e sua conseqüente formação de balanças de
poder, e de outro, das preses da proximidade geográfica (BUZAN e
WAEVER, 2003, p. 45).
A característica que torna um Estado pertencente a um Complexo Regional
de Segurança é a maior intensidade da interdependência de seus assuntos políticos
e de segurança com os demais partícipes do mesmo agrupamento, em comparação
com um patamar menor de interdependência dos mesmos problemas com Estados
que se encontram fora da região.
A formação dos Complexos Regionais de Seguraa não transforma as
regiões do globo em ilhas incomunicáveis e autocentradas. A ênfase na dimensão
regional como foco de estudo não deve acarretar o descaso quanto aos níveis
global, local e inter-regional. Na verdade, os quatro níveis estão constantemente em
interação, todos operando de forma simultânea e fazendo com que cada Estado
precise observar todos eles na elaboração de suas políticas. Assim, as questões de
política interna de cada Estado, importantes na formação da identidade nacional e
no surgimento dos padrões de amizade e inimizade, formam as relações locais, que
naturalmente espargem seus efeitos à dimensão regional. Esta, basicamente, é
formada pelos contatos entre os Estados de uma mesma região. Por sua vez, os
assuntos de uma região podem influenciar a dinâmica interna de outra, o que é raro
acontecer. Por fim, a interação entre os níveis regional e global, a qual Buzan e
Waever destacam como a mais relevante, razão pela qual deve ser examinada com
maior detalhamento.
As grandes potências e/ou as superpotências podem intervir nos assuntos de
um Complexo Regional de Segurança diverso do qual originalmente fazem parte.
27
Os autores consideram haver oito Complexos Regionais de Segurança na atual conformação do sistema
internacional. São eles os Complexos Regionais de Segurança Europeu; do espaço pós-soviético; Norte-
americano; Sul-americano; do Sul da Ásia; do Leste Asiático; do Oriente Médio; Sul-africano e da África
Central.
54
Para tanto, aproveitam as oportunidades geradas a partir das balanças de poder
regionais e dos padrões de amizade e inimizade dentro de uma região para
intervirem nos assuntos desta. Buzan e Waever denominam “penetração” o
movimento através do qual poderes externos fazem alinhamentos políticos e/ou de
seguraa com um ou alguns dos partícipes de um Complexo Regional de
Segurança. “A lógica da balança de poder age naturalmente como um
encorajamento aos rivais locais para que chamem ajuda externa, e por intermédio
deste mecanismo, os padrões locais de rivalidade se tornam ligados aos globais”
(BUZAN e WAEVER, 2003, p. 46). Cabe pontuar que, em alguns casos, não é
necessário um chamamento dos rivais regionais para que as potências externas se
envolvam nos assuntos da região. As próprias grandes potências podem almejar a
inserção em determinada dinâmica regional, utilizando as rivalidades e as diferenças
de poder regionais para alcançarem seus objetivos.
A compreensão plena do mecanismo de penetração demanda a clarificação
das diferenças conceituais de superpotências, grandes poncias e potências
regionais. As superpotências são os países que reúnem exército de ponta, enorme
poder político e uma economia que possa dar subsídios aos dois primeiros
elementos. Estes atributos materiais, somados a uma capacidade de exercer o
Poder Brando, devem ser consistentes a ponto de possibilitarem a interferência nos
assuntos de todo o globo. Além disso, uma superpotência precisa ver a si mesma e
ser reconhecida pelos demais como tal. De acordo com tal classificação, Buzan e
Waever consideram que, hoje, apenas os Estados Unidos detêm este status.
Menos poderosas, as grandes potências não possuem todas as capacidades
das superpotências ao mesmo tempo. Elas podem ter um exército forte, mas uma
economia fraca, caso da Rússia
28
, ou uma economia forte e um exército fraco, como
o Japão, ou ainda economia, poder político e valores universais paradigmáticos, mas
sem um exército robusto, como é o caso da União Européia. Contudo, ainda que
não interfiram em todo o globo, elas não se subsumem aos assuntos de sua região,
e se inserem em dinâmicas de outras regiões do globo. Uma grande potência
precisa reconhecer em si mesma tal status e almejar o posto de superpotência. Esse
reconhecimento tamm precisa vir de fora, com as demais grandes potências
tratando àquela como uma igual e a incluindo em cálculos estratégicos sistêmicos
28
Quanto à Rússia, cumpre sempre relembrar que ela continua sendo a segunda maior potência nuclear do
sistema internacional.
55
(BUZAN e WAEVER, 2003, p. 34). Segundo os autores, seriam hoje grandes
potências a Rússia, a China, o Japão e a União Européia.
Por seu turno, as potências regionais têm poder apenas na região em que se
localizam. Globalmente, sua influência inexiste, não sendo reconhecidas pelas
grandes potências como tendo capacidade de atuar de forma impositiva na arena
mundial.
A definição de cada um dos tipos de potências do sistema internacional é útil
não somente para melhor se entender a atuação das superpotências ou das grandes
potências nos Complexos Regionais de Segurança alheios. A própria cadeia de
ligações existente em determinada região é influenciada pelos poderes dos Estados
que a constituem. Isso gera diferentes espécies de Complexos Regionais de
Segurança. Ao presente estudo, cabe dar ênfase aos Complexos Regionais de
Segurança do tipo centralizado.
Nos Complexos Regionais de Segurança Centralizados um núcleo
principal de poder, papel assumido por uma superpotência, uma grande potência, ou
ainda por um conjunto de instituições que regule sua vida cotidiana, como ocorre
com a União Européia. Nesse tipo de Complexo Regional de Segurança, espera-se
que a potência de nível global domine a região, e que aqueles Estados que sejam,
ou possam ser considerados potências regionais, não terão suficiente peso relativo
para definir outro pólo na rego (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 55). A existência de
um Estado Central leva a que se pergunte qual o nível de assimetria de poder dentro
da região e como é aceita a emanação de poder do Estado dominante. No caso do
Complexo Regional de Segurança formado pelo espaço pós-soviético
29
, o poderio
da Rússia é muito superior ao dos demais países, o que impede, por exemplo, que a
Ucrânia se firme como uma potência regional, mesmo que tenha condições formais
para tanto (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 55). No tocante à aceitação do poder
russo, é correto afirmar que ela varia dentro da própria região. Por exemplo, em
função das questões identitárias, em relação a Belarus uma legitimação pacífica
de tal poder, enquanto que na dividida Ucrânia a legitimação pacífica convive com
ameaças de uso de força econômica, militar e política.
A associação da teoria regional com a questão de identidade nacional,
apesar de à primeira vista parecer estranha, é plenamente possível, posto que os
29
Nome dado por Buzan e Waever à região formada pelos países que foram parte da União Soviética.
56
seus próprios formuladores acenam com a utilização de elementos do
construtivismo. A recorrência dos padrões de amizade e de inimizade nas
conceituações efetuadas demonstra a relevância que as questões culturais e
históricas possuem na concepção teórica dos Complexos Regionais de Segurança.
Segundo os autores, fatos históricos e questões específicas podem detonar relações
de conflito ou cooperação entre os Estados de uma região. Com isto, é criada uma
gama de relações influenciadas por fatores como história, cultura, religião e
geografia, cujo teor pode variar desde medo, ameaça e inimizade até auxílio,
lealdade e amizade. A reiteração de tais ligações e de seus conteúdos é parte do
processo de formação de toda a constelação que define um Complexo Regional de
Segurança (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 50). Destarte, o elemento histórico-cultural
e a formação identitária a ele conectado estão na gênese dos Complexos Regionais
de Segurança.
Ao trazer as conceituações abstratas da teoria abordada para o plano
concreto do estudo em epígrafe, tem-se que o espaço de quinze países, constituído
a partir do desmembramento da União Soviética, é um Complexo Regional de
Segurança. A liderança do agrupamento informal cabe à Rússia, a qual exerce um
duplo papel, sendo a potência central do complexo de segurança da ex-Uno
Soviética, ao mesmo tempo em que mantém o status de grande potência global
diante do cenário internacional (BUZAN e WAEVER, p. 398). Por sua vez, a Ucrânia
é um Estado que poderia ser uma potência regional, caso não houvesse uma
primazia russa tão acentuada na região. As tentativas de aproximações de Kiev com
a União Européia podem ser compreendidas como a materialização do desejo
ucraniano de sair da sombra do “urso russo” mediante a penetração de outras
grandes potências na região. Já Belarus é um país que, desde a sua independência,
mantém um padrão de amizade com Moscou, o que se explica muito pelo elemento
identitário, como sevisto. Vale aqui repisar que no entender de Buzan e Waever,
os três países citados, junto com a Moldávia, formam uma sub-região dentro do
Complexo Regional de Segurança estudado, denominada pelos autores de “Teatro
Ocidental” (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 416).
Portanto, restando clara a compatibilidade da teoria dos complexos regionais
conjuntamente com os escritos construtivistas de relações internacionais, bem como
a relevância da necessária contextualização internacional, cumpre passar para a
análise do elemento identitário propriamente dito.
57
2.2. A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NA PERSPECTIVA
CONSTRUTIVISTA
A teoria construtivista defende a utilização de categorias como a identidade
nacional e a observação de fatores como a história e a cultura na análise dos
fenômenos ocorridos no sistema internacional. A utilização desta corrente teórica
exige uma delimitação precisa dos termos Estado, nação, nacionalismo e identidade
nacional. Esta é a primeira tarefa a ser cumprida.
Estado e naçãoo duas construções históricas que estão intimamente
relacionadas, mas que não se confundem. O conceito de Estado aqui adotado é
pertinente com o modelo do Estado moderno burguês, o qual é fruto das conquistas
da burguesia e da ascensão desta à condição de classe social dominante, a partir do
fortalecimento do modo de produção capitalista. Esse Estado é constituído de um
elemento subjetivo, qual seja, uma comunidade de pessoas que são a base de sua
sociedade, e de elementos objetivos, tais como território, instituições administrativas
e forças militares. Internamente, como afirmado por Weber, o Estado possui o
monopólio da coação física, ou seja, somente ele pode utilizar a força para manter a
ordem social (ROJO, 2007). Externamente, a soberania estatal faz com que cada
estado seja um ator dotado de autonomia formal, igual aos seus pares, ainda que
haja uma hierarquia material de poder entre todos.
As discussões acerca dos conceitos de nação e de nacionalismo geraram
enormes controvérsias quanto aos significados possíveis dos dois termos. Adota-se,
no presente trabalho, a definição de nação como sendo uma idéia de comunidade
imaginada (apoiada em elementos culturais pré-existentes), lançada desde o Estado
moderno pela classe dominante burguesa para produzir uma sociedade à feição do
Estado e do território (ROJO, 2007).
A relação da nação com o Estado moderno é fundamental, pois aquela existe
em função desse. Com o fim do Estado absolutista, no qual o poder se
fundamentava em considerações divinas, era necessário o surgimento de um novo
elemento que legitimasse o poder e justificasse a centralização política na sociedade
liberal burguesa, marcada pela crescente atomização social. Sem a figura central do
rei, e dividido entre grupos com interesses distintos, o Estado buscou legitimação no
58
único fator que poderia unir o seu povo: a origem comum, cuja simbolização era
encontrada no conceito de nação. Disto decorre uma característica muito importante
da nação, qual seja, a de que para desempenhar o seu papel legitimador, ela
precisava ser considerada como algo inato, de existência imemorial, anterior,
portanto, ao próprio Estado. Ocorre, então, uma inversão abstrata da ordem
concreta dos fatos, pois o Estado-nacional, criador do conceito de nação, necessita,
para a legitimação de suas relações de poder, que a sua criatura seja considerada
anterior a si próprio
30
.
O nacionalismo, obviamente, está relacionado com a nação. Em função de
elementos como passado histórico, cultura, linguagem, mitos e mbolos uma
comunidade enxerga a si mesma como possuidora de características próprias que a
tornam única e a distingue das demais. Desta forma, uma coletividade se considera
uma nação, e não um mero ajuntamento de pessoas. O nacionalismo é justamente
este sentimento de pertencer a uma nação, vislumbrado nos âmbitos pessoal e
coletivo.
O Estado idealizado é aquele no qual dentro de um território uma única
nação. Todavia, nem sempre isso ocorre, pois, por vezes, no mesmo território se
encontram dois povos de hábitos e histórias diversas, que não constituem uma única
comunidade imaginada. Nestes casos, temos dois nacionalismos, sendo que apenas
um deles corresponde ao Estado. O outro nacionalismo, denominado periférico, é
desenvolvido por uma comunidade inserida no território de um Estado, mas que não
é a nação que corresponde a esse Estado. Na medida em que o nacionalismo
periférico não desfruta do sentimento de pertencimento ao Estado no qual está
localizado, um descompasso entre o elemento objetivo do território e o elemento
subjetivo da lealdade política ao poder central que governa o território. A sua
condição de periferia faz com que considere o Estado no qual está inserido uma
ameaça à sua existência e deseje a constituição de seu próprio Estado (ROJO,
2007). O conceito de nacionalismo periférico é de grande valia ao presente estudo,
pois os impérios russos se caracterizaram pelas conquistas de territórios, o que
30
Segundo Segrillo, há uma relação entre Estado nacional, nação como elemento legitimador de poderes e
capitalismo, uma vez que “a formação da consciência nacional e de estados nacionais forte está intrinsecamente
ligada ao desenvolvimento do capitalismo. O desenvolvimento de estados nacionais centralizados e fortes foi, na
verdade, uma das características e condições do desenvolvimento do capitalismo manufatureiro e industrial e da
expansão do comércio que a acompanhou” (SEGRILLO, 2000a, p. 178).
59
acarretava a existência, em seu seio, de vários nacionalismos periféricos
descontentes com o jugo imposto e espreitando por liberdade.
Estabelecidos os significados dos termos nação, Estado e nacionalismo, se
torna mais fácil compreender o significado da categoria fundamental do
construtivismo, a identidade nacional.
“Identidade nacional é uma identidade coletiva compartilhada por uma
população e definida pela memória histórica e por símbolos culturais, sendo
o mais importante entre todos a ‘nação’. Muitas identidades nacionais
também são conectadas pela ngua e pela religião. Identidades nacionais,
então, o fatos sociais que adquirem poder porque as coletividades sociais
acreditam nelas” (ABDELAL, 2001, p. 25)
31
.
Uma vez exposto o conceito de identidade nacional a ser utilizado, cumpre
investigar como a perspectiva construtivista explica a formação da identidade
nacional. A primeira consideração a ser feita diz respeito à presença de elementos
domésticos e exteriores no molde da identidade nacional de um Estado. As
características identitárias surgirão da conjugação de ambos fatores, sem que a
priori se tenha a prevalência de um sobre o outro. A fim de compreender como
ocorre a influência de cada um deles, é necessário que sejam observados em
separado.
No sistema internacional, os Estados são entidades autônomas que dispõem
de determinados meios e capacidades para atingirem os seus interesses nacionais,
entretanto, a autonomia desfrutada pelos Estados de forma alguma implica em
isolamento, uma vez que o meio no qual estão inseridos e buscam suas realizações
é coletivo. Assim, é correto afirmar que o simples fato de existir leva o Estado a se
relacionar com os demais atores da comunidade internacional. Esta interação será
importante na construção da identidade nacional, pois é por intermédio da troca de
informações com o ambiente externo que o Estado poderá compreender com maior
exatidão qual o seu papel no sistema internacional
32
.
A fim de explicar o processo de aprendizado social
33
pelo qual passa o
Estado no contato com seus pares, convém trazer à baila duas categorias
31
Impende ser lembrado que a concepção de identidade nacional da teoria construtivista tem como pressuposto a
existência concreta de um Estado. Portanto, os nacionalismos periféricos não podem desenvolver identidade
nacional até que atinjam o objetivo de constituírem um Estado no qual sejam a nação central.
32
Segundo Alexander Wendt, tal identidade precisa de legitimação externa, ou seja, os demais países precisam
compartilhar com o Estado a visão que este desenvolveu sobre ele próprio (WENDT, 1999, p. 224).
33
Alexander Wendt chama de aprendizado social (“social learning”) o processo que considera o mais eficiente
para explicar a formação da identidade nacional a partir dos contatos de um Estado com o sistema internacional
(WENDT, 1999, p. 326-336).
60
fundamentais à formação da identidade nacional, quais sejam, o Eu e o Outro
Significante, ou Oposto. O Eu, na perspectiva construtivista, é o Estado que possui
consciência de que é um ente separado dos demais, um foco de pensamento e de
ação dotado de memória e capacidade de análise de seus atos. O Outro Significante
é o ente com quem o Eu se relacionará, estabelecerá parâmetros de comparação e
receberá informações que colaborarão na moldagem de sua identidade nacional. No
contato entre o Eu e o Outro Significante cada um determinará para si e para seu
parceiro um papel específico. Havendo a repetição da mesma dinâmica nos
encontros posteriores entre os dois, os papéis da relação mantidos por ambos se
definirão, o que seimportante no estabelecimento da identidade nacional do Eu.
Pode-se afirmar, portanto,que o Outro Significante estabelece o contexto significativo
para a existência e o desenvolvimento do Eu, exercendo sobre este, uma influência
decisiva. A comparação que o Eu faz de si próprio com o Outro Significante
estabelece a dimensão distintiva da identidade nacional, a qual permite a um Estado
compreender o quão similar ou diferente é uma nação em comparação com outros
Estados membros da comunidade internacional (TSYGANKOV, 2001, p. 16).
Existe a possibilidade de que as ações do Outro Significante afetem uma
percepção constituída do Eu, o que revela uma faceta essencial da identidade
nacional, a de não ser imutável. Mesmo após décadas de interação contínua e
cristalizada alguns fatos podem levar à alteração na compreensão dos papéis do Eu
e do Outro Significante, justamente por ser a construção da identidade nacional um
processo ininterrupto. A origem de tais fatos pode se encontrar tanto em ações
praticadas pelo Outro Significante, quanto em eventos ocorridos na esfera interna do
Eu. Nesta última hipótese, os sinais emitidos pelo Outro se mantêm os mesmos,
mas o Eu passa a avaliá-los de forma diversa, e, conseqüentemente, modifica seu
comportamento em relação àquele. Isto se em função de modificações ocorridas
no âmbito doméstico do Eu, restando, assim, descortinada a importância dos fatores
internos de um Estado na formação de sua identidade nacional.
A representação do Estado como um bloco monolítico, sem qualquer
separação interna, sustentada pelo realismo clássico, enfrenta críticas e objeções
das quais não pode se desvencilhar. A valorização que várias teorias de relações
internacionais, e tamm no construtivismo, conferem aos eventos ocorridos na
seara interna de um Estado, está calcada na correta pressuposição de que, no seio
destes, diferentes grupos com interesses próprios, os quais se encontram em
61
constante disputa pelo poder político. Na medida em que as facções da política
doméstica, por vezes, sustentam visões muito diversas acerca dos interesses
nacionais e do papel do Estado ao qual pertencem no sistema internacional,
dependendo da ascensão ao poder de um ou de outro grupo político, as condutas
adotadas pelo Estado poderão variar bastante, ainda que o contexto externo
permaneça rigorosamente idêntico
34
.
A questão da identidade nacional está relacionada com os fatores domésticos
citados, pois as diferentes coalizões de interesses existentes em determinada
sociedade constróem visões diversas acerca do Outro Significante. A intensidade de
tal divergência ocorre dentro de um espectro muito amplo, podendo ser mínima,
circunstância em que a identidade nacional sedotada de maior homogeneidade,
ou ser bastante acentuada, ocasião na qual o aspecto identitário da nação será mais
fragmentado. A descrição de quão homogênea é uma nação ao compartilhar seus
mitos e visões sobre sua história, instituições, linguagem e religião é avaliada e
descrita pela dimensão unitária da identidade nacional (TSYGANKOV, 2001, p. 16).
Diante do exposto, pode ser dito que a constituição da identidade por parte
de um Estado resulta de um equilíbrio entre fatores advindos do exterior e de suas
disputas internas. À captação de dados oriundos das duas frentes segue o
processamento dos mesmos, o qual resultará na elaboração da percepção que o
Estado desenvolve acerca de si mesmo e do sistema internacional, que, por fim,
será um dos impulsos de suas condutas direcionadas aos seus pares.
2.3. A QUESTÃO IMPERIAL E A IDENTIDADE NACIONAL
No item anterior foi ressaltada a essencialidade do Outro Significante para a
formação da identidade nacional de um Estado. Outrossim, foi dito que a
integralidade dos países do sistema internacional enfrenta semelhante processo. No
caso dos Estados que um dia foram subjugados por um imrio, a escolha do Outro
Significante, ao menos em um primeiro momento, recairá sobre o antigo dominador,
fator que altera as dimensões unitária e distintiva de sua autocompreensão,
acarretando algumas distorções na formação de suas identidades nacionais.
34
Conforme se verá adiante, os atos da Ucrânia em relação à Rússia muitas vezes revelam as diferentes visões
sustentadas pelos grupos políticos do país.
62
Relembre-se que as identidades nacionais podem se alterar com o passar do tempo,
e é normal que percepções aparentemente imutáveis em dada época se modifiquem
no futuro. Entretanto, esse movimento não pode ser ainda vislumbrado nas relações
russo-ucraniano-bielo-russas, posto que o Estado soviético faz parte de um passado
bastante recente e o período de independência efetiva de Ucrânia e Belarus ainda é
muito menor do que a duração do domínio russo. Assim sendo, as dimensões de
unidade e de distinção nas identidades nacionais dos Estados em epígrafe
atualmente são bastante maculadas pela questão imperial que as cerca.
No tocante à dimensão unitária, quanto maior o grau de homogeneidade de
um Estado, mais rápido e melhor ele desenvolverá o sentimento de união nacional
em torno de uma identidade própria. Um Estado que foi dominado por império
apenas pode desenvolver um nacionalismo periférico enquanto durar o período de
subjugação. Por tal razão, a construção de sua homogeneidade identitária é mais
difícil. Estes empecilhos geralmente são alimentados pelo estado imperial, o qual
utiliza vários subterfúgios para manter o seu domínio, entre eles o de minar a coesão
identitária dos povos dominados, fazendo com que estes passem a pensar e agir
como se compartilhassem a identidade nacional do império, sem possuir uma
própria (TSYGANKOV, 2001, p. 18)
35
. O enfraquecimento da homogeneidade de um
nacionalismo periférico surtirá efeito quando ele se livrar dos los que o mantinham
amarrado ao seu dominador e constituir um Estado autônomo
36
.
Outrossim, a dimensão distintiva é severamente abalada pela subjugação
imperial. Devido ao domínio sofrido, o Estado que antes fora uma nação periférica
enxerga na metrópole o seu Outro Significante. Em função disso, segundo Andrei
Tsygankov, a distinção nacional de um Estado s-imperial
37
é formada quase que
exclusivamente na sua relação com o Estado pós-imperialista (TSYGANKOV, 2001,
35
Entre os artifícios usados podemos citar a revisão de um passado histórico, a desconstrução ou simples
negação dos mitos e dos feitos da nação periférica, a imposição da cultura dominante como cultura de todo o
império, além de perseguições religiosas e lingüísticas.
36
Como visto no capítulo anterior, a Rússia considerava Ucrânia e Belarus como nações eslavas irmãs, fator que
certamente favoreceu a implementação das políticas de russificação empreendidas pelo Império Russo czarista e
pela União Soviética. Da mesma forma, as tentativas ucranianas de manter sua ngua original e seus costumes
religiosos durante os períodos de ocupação russa são exemplos da busca da manutenção de algum teor de
sobrevivência de seu nacionalismo periférico, enquanto era impossível a constituição de um Estado separado do
império.
37
Tsygankov utiliza termo “nação pós-imperial” para denominar os países que já estiveram sob o domínio de um
império. Tendo em foco as diferenças entre nação e Estado expostas alhures, entendemos que o melhor é adaptar
o termo para Estado pós-imperial. O autor não estabelece um termo para o outro lo da relação. A fim de
estabelecer um contraponto, e respeitando a terminologia do autor, um país que foi dominante em uma relação
imperial, caso da Rússia, será denominado de Estado s-imperialista.
63
p. 18). Este pode ser vislumbrado a partir de uma avaliação positiva, ou desde uma
conceituação negativa, ocasião em que se tentará afastar as similitudes com o Outro
Significante e buscar uma identificação positiva com uma terceira parte. Cabe
ressaltar que em um primeiro momento, quando o desejo de um Estado é
permanecer autônomo, o trauma de não ter possuído o seu destino em suas
próprias mãos o leva a ligar fortemente sua identidade à preservação de sua
soberania. Logo, quanto maior o número de diferenças culturais, históricas,
lingüísticas e religiosas encontrar em relação ao Estado outrora dominante, mais
garantias aquele terá de sua manutenção como ente autônomo do sistema. Uma vez
garantida a independência formal, muitos Estados pós-imperiais procuram a
autonomia potica de fato
38
. Tamm neste momento, a busca de diferenciações
para com o Estado pós-imperialista e a identificação com outros Estados se
acentuada.
Os Estados pós-imperiais não são idênticos, pois a confluência dos fatores
externos e internos que formam a identidade nacional diverge de um Estado para
outro. Destarte, as considerações e os conseqüentes comportamentos dos Estados
pós-imperiais em relação aos Estados pós-imperialistas não serão uniformes. Aliás,
Ucrânia e Belarus constituem paradigmas desta divergência. Para o cumprimento da
tarefa de distinguir os Estados pós-imperiais, Andrei Tsygankov arrolou os seguintes
critérios: a experncia histórica pré-imperial como Estado; a homogeneidade étnica;
as diferenças de língua e de religião em relação à metrópole; a existência de
fronteiras estáveis; o nível de incorporação da elite política do Estado pós-imperial
nos cargos do império e o nível de desenvolvimento econômico (TSYGANKOV,
2001, p. 19). O último dos critérios citados é abordado no capítulo quatro. No
presente capítulo, tendo em vista suas limitações, serão aplicados os três primeiros
critérios, os quais são mais representativos na formação das identidades nacionais
de Ucrânia e Belarus.
A aplicação dos critérios citados resultará em Estados nos quais variarão o
grau de coesão social, os desejos de manutenção da soberania nacional e de
autonomia política, e as visões acerca da ex-metrópole. Genericamente
consideradas, essas variações colaboram no estabelecimento de três grandes
38
Por “autonomia política de fato” entende-se não sujeito à esfera de influência do Estado Pós-Imperialista.
64
grupos nos quais se encaixam os Estados pós-imperiais
39
. O primeiro é formado por
Estados que antes de serem subjugados possuíam um passado como ente
autônomo, reconhecido pela comunidade internacional como um de seus
integrantes. Mesmo com as imposições do império, eles mantiveram um conjunto de
instituições, símbolos e costumes nacionais que não esmoreceu e manteve viva uma
memória coletiva que veio à tona quando da libertação. Os Estados pertencentes a
este grupo tendem a perceber a metrópole como mais ameaçadora à sua segurança
do que o mundo exterior, o qual, a contrário senso, é visto sob um prisma amigável.
Via de conseqüência, esses Estados dificilmente farão uma identificação externa
positiva com a ex-metrópole (TSYGANKOV, p. 19).
O grupo que se situa no campo oposto é constituído por Estados que nunca
antes foram entes independentes, ou se o foram, tal fato não gerou raízes. As suas
identidades o são bem elaboradas porque a incorporação ao império não permitiu
o desenvolvimento de um sentimento nacional homogêneo. Quanto à dimensão
distintitiva, há uma grande identificação com o Estado s-imperialista, o que leva a
um débil senso de pertencimento à comunidade internacional. Em decorrência, a ex-
metrópole seenxergada como uma companheira e protetora, enquanto os demais
atores do sistema internacional serão vistos com desconfiança.
Entre os dois grupos um terceiro, uma espécie de zona mista, na qual
ingressam Estados cuja herança histórica de independência existe, mas não é o
forte a ponto de criar uma memória coletiva que, univocamente, aponte para a
dissociação com o Estado pós-imperialista. Da mesma forma, as suas sociedades
não o inteiramente homogêneas, nem seus traços culturais, religiosos e
lingüísticos são excludentes na comparação com aquele. A identidade nacional
formada por esses Estados sofrerá maiores alternâncias no tocante à visão que têm
da metrópole, que poderá ser considerada ora como aliada, ora como uma iminente
tempestade a desabar sobre a segurança nacional.
A divisão proposta, dos Estados pós-imperiais em grandes grupos, é útil não
somente porque o Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético é
composto por Estados que se amoldam a um ou a outro grupo. Como método de
trabalho, ela permite que se identifique mais precisamente o comportamento de
39
Tsygankov estabelece em sua obra dois grupos (os dois primeiros a serem analisados). Além destes, incluímos
um terceiro grupo, situado em uma zona cinzenta entre os dois outros. Essa inclusão é necessária porque a
Ucrânia, como é reconhecido pelo próprio Tsygankov, não pode ser considerada parte de nenhum dos dois
primeiros grupos.
65
Ucrânia e Belarus perante a Rússia. Uma vez especificadas tais atitudes, é possível
perceber de que forma a formação das identidades nacionais dos países citados
confere singularidade às relações que os mesmos mantêm desde suas
independências.
2.4. A IDENTIDADE RUSSA EM RELAÇÃO À UCRÂNIA E BELARUS
uma evidente diferença de tamanho, de poder e de relevância no cenário
internacional entre Rússia, Ucrânia e Belarus
40
. Enquanto a primeira quase sempre
foi um ator de destaque no “concerto das nações”, cujo auge de poderio ocorreu no
recente período da Guerra Fria, as duas últimas se estabilizaram como Estados
independentes menos de duas décadas tão-somente. E o principal fator
impeditivo enfrentado por Ucrânia e Belarus para serem entes autônomos foi
justamente a política imperial russa. As dessemelhanças estruturais e históricas
fazem com que, no processo de formação de sua identidade nacional no pós-União
Soviética, a Rússia não vislumbre Ucrânia e Belarus como seu Outro Significante
41
.
Contudo, ainda assim é possível analisar as relações russas com as duas ex-
repúblicas soviéticas a partir da perspectiva construtivista, pois a identidade nacional
russa ainda possui como um de seus elementos formativos traços de uma vocação
imperial.
Assim como durante um certo lapso após o fim de um império, os Estados
pós-imperiais mantêm uma visão acerca do Estado pós-imperialista na qual o
poder
42
deste (real ou imaginado, fonte de proteção ou de ameaça) continua sendo
uma variável importante, o antigo dominador tamm estabelece para si uma
40
A Rússia possui uma área de 17.075.400 km², para uma população de 142.200.000 habitantes (fonte: Serviço
Estatal Federal de Estatísticas. Endereço eletrônico: http://www.gks.ru/wps/portal/english). A Ucrânia detém
uma área de 603.700 km² e uma população de 46.192,300 habitantes (fonte: Comitê Estatal de Estatísticas da
Ucrânia. Endereço eletrônico: http://ukrcensus.gov.ua/eng/). Belarus tem área de 207.60 km² e uma população de
9.714.000 habitantes (fonte: Ministério de Estatísticas e Análises da República do Belarus. Endereço eletrônico:
http://belstat.gov.by/homep/en/main.html.).
41
A questão envolvendo a definição do Outro Significante russo é muito interessante, pois revela a divisão
interna da potica russa e ajuda a compreender algumas das decisões tomadas pelo Kremlin. Contudo, a
determinação do Outro Significante é um aspecto da identidade nacional russa de menor importância nas
relações do país com Ucrânia e Belarus em comparação com a permanência do sentimento imperial em tal
identidade. Por este motivo, tendo em foco as limitações do presente trabalho, não será exposta a discussão
acerca do Outro Significante da Rússia.
42
O poder é aqui considerado, como nas demais oportunidades em que o termo for usado, como a capacidade
que um Estado possui de impor seus interesses a outro(s) Estado(s), fazendo com que este(s) aja(m) de acordo
com o desejo daquele(s), sem que a contrapartida seja verdadeira, ao menos no mesmo patamar de intensidade.
66
imagem na qual o poder recebe destaque, ao menos em relação aos seus antigos
domínios. A Federação Russa se encaixa entre os Estados cuja identidade nacional
é ainda dotada de fortes cores imperiais, o que a faz considerar vários dos Estados
pertencentes ao Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético como se
ainda fossem partes de uma única unidade governada pelo Kremlin. E no conjunto
dos países do espaço pós-soviético, Ucrânia e Belarus são os mais caros à auto-
estima russa, devido a elementos sobremaneira relevantes, como a origem comum e
a proximidade cultural. Cabe aqui ressaltar que possuir uma auto-percepção com
conotação imperial não implica, necessariamente, em tentar restaurar o império
perdido, mediante conquista de territórios e absorção de Estados formalmente
independentes. Mas quando um Estado pós-imperialista deseja manter uma
hegemonia inconteste na região antes dominada, tal objetivo já revela resquícios de
imperialismo em sua identidade nacional. A Rússia hoje não almeja reconstruir a
União Soviética, posto que isto, além de lhe ser muito custoso sob todos os
aspectos, não é uma prática bem vista no atual estágio das relações internacionais,
principalmente depois da descolonização massiva ocorrida em meados do século
passado. Entretanto, é impossível negar o desejo russo de estabelecer, tanto quanto
for possível, uma posição de predomínio e influência na região formada pelos
Estados que foram repúblicas socialistas soviéticas
43
.
Antes mesmo do fim formal da União Soviética, a Rússia já indicava o desejo
de manter unidas tantas partes da União Soviética quantas fossem possíveis após o
inevitável desmembramento do Estado comunista. Yeltsin pretendia criar uma nova
forma institucional que congregasse as ex-repúblicas socialistas em molde parecido
com o do país desfeito
44
. Todavia, diante da impossibilidade de fazê-lo de imediato,
procurou estabelecer primeiro uma conformação menor. A participação da Ucrânia
em tal instituição era uma exigência russa, o que é sintomático da sua importância
para a Rússia, tanto no aspecto identitário quanto por considerações geopolíticas e
econômicas. Assim, em 08 de dezembro de 1991, os íderes de Rússia, Ucrânia e
Belarus se encontraram e concordaram em fundar uma conformação institucional
43
Ao comentar o primeiro Governo Putin, Bobo Lo alega que “embora a síndrome imperial (da Rússia) o
almeje a retomada física de suas terras, ela se manifesta na firme convião de que a ex-União Soviética
permanece como parte da esfera de influência de Moscou” (LO, 2005, p. 13).
44
Archie Brown sustenta que Yeltsin talvez não desejasse a desintegração soviética como um objetivo em si
mesmo. A perda de territórios do império russo era um preço a ser pago pela benesse de se tornar o principal
político do país, pois sem a União Soviética, Gorbachev estaria fora da disputa pelo poder. Portanto, a sda da
Rússia da União Soviética era fruto de brigas domésticas russas e não um desejo de findar o império (BROWN,
2004, p. 68).
67
diversa da soviética, algo como uma Comunidade dos Estados Eslavos. A
organização possuía menor profundidade institucional do que queria o presidente
russo, mas foi o desenlace possível ante a recusa ucraniana de formar uma nova
federação (NOGEE e DONALDSON, 2005, p. 181). Alguns dias depois, mais oito
repúblicas socialistas soviéticas responderam afirmativamente ao convite feito por
russs, ucranianos e bielo-russos, concordando, assim, em se juntar à incipiente
organização, o que resultou na criação da Comunidade dos Estados Independentes
(CEI)
45
.
Como será abordado no terceiro capítulo, a CEI era uma forma de Moscou
institucionalizar sua influência regional, bem como um reflexo dos movimentos de
integração que proliferavam na arena internacional nos últimos anos do século XX.
Por ora, interessa observar que ao tentar criar uma organização na qual seria o
centro e a liderança incontestável, a Rússia demonstrou o quão difícil era, para si,
ser encarada apenas como um Estado comum, no sentido de ser desprovido de
domínio formal sobre outro país.
Todavia, os planos russos não frutificaram. As medidas de integração militar
política e econômica propostas por Moscou não foram aceitas por todos os países
da CEI, e em especial pela Ucrânia, que desejava se afastar do seu domínio. Por
causa do fracasso da CEI e de seus graves problemas econômicos, a ssia ficou
cada vez mais fragilizada no sistema internacional. Influenciado pelos jovens
tecnocratas que o apoiavam (que mais adiante virariam os oligarcas perseguidos por
Putin), Yeltsin procurou cada vez mais socorro junto às potências ocidentais. Na
percepção do Kremlin, a ajuda apenas seria concedida se a Rússia demonstrasse
que não tinha intenção de restaurar o império soviético. Desta forma, junto com seu
Ministro das Relações Exteriores, Andrei Kosyrev, um político originalmente ligado
aos organismos e países ocidentais, Yeltsin implementou uma forma de
isolacionismo em relação aos Estados do espaço pós-soviético. No campo
identitário, um dos projetos era estabelecer a cidadania russa o pela etnia, mas
sim pela cidadania. Temerosa em perder sua identidade, a sociedade russa
manifestou seu desejo de manter os fortes laços culturais com as ex-repúblicas
soviéticas. Ademais, a situação dos russos que habitavam os novos Estados
45
A transformação da Comunidade dos Estados Eslavos em CEI ocorreu em 25 de dezembro de 1991. Os
membros iniciais desta eram Rússia, Ucrânia, Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Turcomenistão,
Tadjiquistão, Moldávia, Arnia e Azerbaijão. Posteriormente, pressionada pela Rússia, a Geórgia ingressou na
organização.
68
independentes era fonte de preocupação, pois imaginava-se que com a cidadania
cívica, aqueles fossem deixados à própria sorte, sem o apoio do governo russo.
A política isolacionista em relação aos países da CEI foi rechaçada no âmbito
interno. Nas eleições parlamentares de 1993, a grande vencedora foi a parceria
política que ficou conhecida como Coalizão Vermelha e Marrom, formada pelo
Partido Comunista e pelo Partido Democrático Liberal, este de claras inclinações
fascistas e liderado por um político polêmico, Vladimir Zhirinovski
46
. A idéia de
política externa expressada pelos dois partidos passava pela recriação do império
russo, com o avanço sobre fronteiras dos Estados vizinhos, utilizando a força caso
fosse necessário (NOGEE e DONALDSON, 2005, p. 127). Por certo, nem todos os
eleitores que votaram nos partidos citados imaginavam ser possível a reconstrução
do império, ou mesmo a desejavam, mas o resultado das urnas indicou claramente
que uma plataforma nacionalista com arroubos imperialistas tinha grande aceitação
entre os eleitores russos. Pressionado internamente, e sem resultados expressivos
na arena internacional, o próprio Kosyrev procurou alterar os rumos de sua pasta,
com a concordância de Yeltsin
47
. A modificação não foi imediata. Entre os anos de
1993 e 1996, a política externa russa foi guiada por orientações ocidentalistas e
eurasianistas, sem que houvesse uma base lida sobre a qual se definissem os
interesses nacionais ou uma estratégia coerente (WALLANDER, 2004, p. 69).
Finalmente, no ano de 1996, Kosyrev, por demais associado com as forças liberais
da sociedade russa, perdeu o cargo. O presidente Yeltsin, fiel à sua falta de
ideologia e apego pelo poder
48
, nomeou Yevgeny Primakov como Ministro das
Relações Exteriores. Logo que assumiu o posto, Primakov rompeu definitivamente
com o isolacionismo, reconhecendo a importância dos vizinhos para a Rússia. A
partir de então, as lideranças políticas russas procuraram, de uma forma ou de outra,
mediante um elemento de poder ou outro (político, econômico, cultural, etc.), manter
46
O Partido Democrático Liberal foi o partido mais votado, tendo recebido 22,92% dos votos, o que representou
59 cadeiras na Duma. O partido Comunista recebeu 12,40% dos votos os quais equivaleram a 35 cadeiras do
total de 450 da Duma.
47
Em discurso proferido na Conferência de Cooperação e Segurança da Europa, em dezembro de 1992, Kosyrev
surpreendeu a todos ao declarar que precisava reformar a política externa russa, pois o país era uma potência
eurasiana, que, como tal, via limites na sua convergência com a Europa Ocidental, especialmente por causa dos
planos ameaçadores da OTAN quanto à Bósnia e os Estados Bálticos (NOGEE e DONALDSON, 2005, p. 128).
48
A falta de projeto político definido, a completa inexistência de planejamento de longo prazo, bem como o
desejo pelo poder indissolúvel eram caractesticas muito fortes do governo de Yeltsin (SHEVTSOVA, 2004, p.
103 a 141).
69
a Rússia como o ator hegemônico no Complexo Regional de Segurança formado
pelas ex-repúblicas socialistas soviéticas.
Portanto, desde o fim da União Soviética, apenas por um breve momento o
Kremlin procurou desviar o país de uma autopercepção, de alguma forma, imperial.
A este movimento das lideranças políticas, contudo, seguiu-se um
descontentamento popular de grandes proporções. Este fato é bastante revelador,
pois a dimensão de como a idéia de grande potência imperial está arraigada na
sociedade russa
49
, a ponto de esta rejeitar políticas que, a longo prazo, poderiam
permitir a inserção de outras potências na região, o que levaria ao afastamento da
preponderância russa na mesma.
Apesar de a visão imperialista que a Rússia guarda de si mesma ser
direcionada para todos os Estados que fizeram parte da União Soviética, alguns
aspectos tornam Ucrânia e Belarus figuras destacadas dentro do conjunto
50
. Estes
aspectos estão relacionados com o passado compartilhado, com a semelhança
cultural e com as possibilidades de a Rússia ser capaz de exercer na integralidade o
poder brando.
A realidade de ter dominado Ucrânia e Belarus por longos períodos
51
por si
leva a Rússia a encarar os dois países como entes subjugados que devem
permanecer sob sua influência, mesmo que não formalmente incorporados ao
território russo, porém, ao incontroverso passado de dominação somam-se alguns
outros elementos históricos específicos, os quais se conectam a fatores culturais que
transformam Ucrânia e Belarus em casos únicos na formação do aspecto imperial da
identidade russa
52
.
49
Entre 18 e 22 de janeiro de 2008 o instituto Yury Levada Analytical Center realizou pesquisa cuja amostragem
era de 1.600 russos. Perguntados sobre o que esperavam do novo presidente russo, 51% dos entrevistados
afirmaram desejar que ele devolvesse à Rússia o status de superpotência. Ressalte-se que nenhuma outra
expectativa acerca do novo governo recebeu tantas indicações. Fonte:
http://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=CDI+Russia+Profile+List&articleid=a1202149612
50
Anatol Lieven sustenta que os russos e seu governo consideram o espaço que foi a União Soviética como área
vital dos interesses russos. Todavia, alerta para o fato de que diferença de comportamento da Rússia em
relação aos diversos Estados que formam a região, pois nem todos eles são visceralmente vistos pelos russos
como partes da “terra da Rússia, como ocorre com a Ucrânia (LIEVEN, 1999, p. 148).
51
Considera-se aqui a existência de um domínio sobre a Ucrânia desde o fim do Hetmanate, pois neste período
Kiev caiu sob o mando russo.
52
John O’Loughlin e Paul Talbot realizaram interessante pesquisa cujo intuito era investigar as preferências e as
percepções dos russos quanto a assuntos culturais e geopolíticos relacionados aos países que foram repúblicas
socialistas soviéticas. Uma das questões era: “Você gostaria de ver uma reunificação política e econômica entre
Rússia e (nome do país)? Os entrevistados respondiam sim ou não diante do nome de cada Estado do espaço
pós-soviético. A Ucrânia recebeu a votação mais alta, com 91%, seguida de Belarus (90%), Cazaquistão (79%),
Moldávia (72%) e Armênia (65%). O país menos voltado foi o Turcomenistão, com 55% de respostas positivas.
Um dado importante da pesquisa é que antes de responder os entrevistados eram avisados de que as suas
70
O principal fato histórico a ser citado como exemplo é a própria Kievan Rus,
considerada pelos russos como a origem não somente de seu Estado, mas tamm
de Ucrânia e de Belarus. Na medida em que os três povos possuem o mesmo
nascedouro, na perspectiva russa devem ser considerados como nações irmãs
53
, o
que acarreta forte identificação, tendo em vista os laços comumente estabelecidos
entre irmãos. A Rússia não nega nem a irmandade nem a identificação dela
decorrente, mas igualmente não deixa de enxergar ucranianos e bielo-russos como
irmãos menores, inexperientes, que necessitam de mando externo e proteção. Isto
porque por muito tempo, os russos se acostumaram a ser o “Grande Urso” que
comandava diretamente os outros dois povos eslavos orientais, ditando-lhes o
destino e tendo-os como fonte de apoio e poder. Uma compreensão de si mesmo
deste tipo, que, ademais, correspondia à realidade, é difícil de ser esmaecida, e no,
caso russo, continua bastante presente.
O sentimento de comunhão dos russos para com ucranianos e bielo-russos
não se resume à origem dos três. Na medida em que são povos eslavos, muitos
traços culturais aproximam os países: as nguas faladas nos três países são muito
parecidas, sendo que os russos consideram as outras duas derivadas da sua; a
religião católica ortodoxa é majoritária nos três Estados, ainda que Kiev possua uma
linhagem diferente da de Moscou. Os períodos de dominação imperial, nos quais o
que hoje são fronteiras eram meramente divisões administrativas de um único
Estado, favoreceram a mistura de costumes, tradições e hábitos cotidianos entre
russos, bielo-russos e os ucranianos do leste, do sul e, em menor extensão, do
centro da Ucrânia
54
. Pode ainda ser citado o grande mero de casamentos
interétnicos ocorridos durante o período soviético. A reforçar a intersecção das
culturas a circunstância de existir um grande contingente de russos habitando na
Ucrânia e em Belarus. Os processos de russificação empreendidos pelos czares e
pelas lideranças soviéticas inegavelmente contribuíram em algum grau na
respostas deveriam ignorar custos e dificuldades das reunificações propostas. As respostas indicam, entre outras,
dois posicionamentos dos russos. Um é de que, eliminadas as dificuldades inerentes ao processo, os russos
desejariam retomar seu domínio dos tempos soviéticos, pois o país menos votado ainda assim recebeu mais da
metade de respostas positivas. O outro é de que Ucrânia e Belarus são os Estados em relação aos quais os
sentimentos de unidade e de dominação russos são mais aflorados.
53
Conforme visto nos capítulo anterior, a irmandade entre os povos descendentes da Kiervan Rus é um
entendimento proveniente do período soviético que e manm até hoje na sociedade russa.
54
Dmitri Trenin afirma que a população das regiões fronteiriças da Ucrânia e da Rússia é etnicamente mista,
além de cultural e lingüisticamente muito próxima, a mesmo simbiótica. O nacionalismo étnico em tais
localidades seria virtualmente inexistente (TRENIN, 2001, p. 164).
71
intensificação das parecenças culturais entre russos, bielo-russos e ucranianos, por
mais que estes tenham lutado pela preservação de sua cultura diante das políticas
imperiais. Todos estes fatores culturais que o compartilhados pela Rússia com
Ucrânia e Belarus, e com mais nenhum outro Estado do espaço pós-soviético
55
,
conferem singularidade às relações entre os três países, bem como trazem os dois
povos eslavos para o centro do componente imperial da identidade nacional russa.
A capacidade de a Rússia manter a hegemonia política no Complexo
Regional de Segurança do qual é o Estado nuclear não pode mais ser lastreada
simplesmente na força bruta, como ocorreu em algumas passagens do período
soviético. No atual estágio do sistema internacional, a economia e elementos mais
abstratos como ideologia, cultura e valores, devem pertencer ao leque de opções de
Moscou. Vladimir Putin compreendeu esta realidade e em seu governo procurou
determinar para a Rússia o papel de grande potência normal, segundo definição de
Bobo Lo. Uma grande potência normal, é um Estado que compreende a mudança do
poder no culo XXI e está preparado para conquistá-lo e exercê-lo. Se, antes, o
poderio de um país se media em função de suas capacidades militares e políticas,
no mundo atual, o poderio econômico, tecnológico e cultural é igualmente
fundamental (LO, 2005, p. 59)
56
. Os tipos de poderes elencados podem ser
subdivididos em dois grupos, se tomarmos como parâmetro a classificação proposta
por Joseph Nye Jr. A capacidade econômica e militar seria o poder duro (hard
power), e a sua contrapartida seria o poder brando (soft power). Nas palavras de
Nye, o último emana em grande parte dos nossos valores. Valores que se
expressam na nossa cultura, na política que adotamos internamente e no modo
como nos comportamos internacionalmente” (NYE, 2002, p. 37). Ou seja, um país
que deseje exercer o poder brando deve ser capaz de estabelecer valores que
sejam compartilhados ou admirados por aqueles a quem se deseja dominar, pois
55
Em pesquisa realizada por John O´Loughlin e Paul Tabot, havia a seguinte questão: “Culturalmente, entre
todos os países do mundo, a Rússia é próxima de (colocar o nome do país)”. Os respondentes deveriam
responder sim ou o para cada país de uma lista que continha os nomes dos Estados do espaço pós-soviético.
Os cinco maiores percentuais de respostas positivas foram estes: Belarus (87%), Ucrânia (86%), Moldávia
(46%), Cazaquistão (39,5%) e Armênia (30%) (O’ LOUGHLIN e TALBOT, 2005, p. 36). A diferença entre os
dois primeiros dos demais denota que os russos consideram-se culturalmente muito mais próximos de ucranianos
e de bielo-russos do que das demais ex-repúblicas socialistas soviéticas.
56
Dmitri Trenin também adota a denominação de Grande Potência Moderna para se referir à Rússia idealizada
por Putin. Segundo o autor, uma potência desta espécie seria “economicamente viável, tecnologicamente
competente, social e culturalmente atrativa e militarmente forte. [...] Uma grande potência no século XXI deve
ser capaz de atuar como uma unidade autônoma num mundo onde há vários pólos principais de atração
(TRENIN, 2005, p. 06).
72
assim o será necessária a coação, que obterá seus interesses pela
aquiescência alheia. Neste prisma, “a universalidade da cultura de um país e sua
capacidade de estabelecer um conjunto de normas e instituições favoráveis que
governem setores de atividade internacional são fontes decisivas de poder” (NYE,
2002, p. 39).
A União Soviética era um Estado multi-étnico
57
, com povos cujas línguas,
costumes e tradições divergiam entre si. Em função disto, a confluência de valores e
da cultura russa com a maioria dos países que comem a CEI nem sempre é
imediata ou possível. Assim sendo, em um primeiro momento, os Estados do espaço
pós-soviético com os quais a Rússia possui maiores possibilidades de utilizar o
Poder Brando são Ucrânia e Belarus, ou seja, justamente aqueles que, com ela,
compartilham uma origem comum, e que ao longo dos séculos experimentaram
desenvolvimento cultural, religioso e lingüístico semelhantes. Logo, caso seja
necessário à Rússia lançar mão do poder brando para manter sua hegemonia
regional, o ponto a partir do qual seriam disseminados os valores russos deve ser
focado em ucranianos e bielo-russos. Na hipótese de falha na capacidade de
exercer influência ideológica e valorativa sobre estes, será muito difícil que alcance
sucesso em relação aos demais Estados da região. A CEI pode servir como exemplo
disto. Tomando por base as categorias utilizadas por Nye, pode-se considerar a CEI
como uma organização internacional a ser guiada pela Rússia e vislumbrar-se o tipo
de poder nela exercido como uma variável do poder brando. Desta forma, é possível
concluir que parte da explicação do fracasso desta organização reside na
incapacidade russa de colocar em operação uma instituição internacional baseada
em seus princípios e valores, ou seja, manejar o poder brando, diante da recusa
ucraniana em aceitar as normas propostas por Moscou.
A capacidade russa de exercer o poder brando sobre Belarus é considerável,
dada a forte penetração da sua cultura no país vizinho, sobretudo no aspecto
lingüístico. No concernente à Ucrânia, tendo em vista as características do país que
serão abordadas na seção seguinte, as possibilidades russas de usar o fator cultural
para angariar benesses políticas é controverso. Em algumas situações, o Kremlin foi
57
No último censo realizado na União Soviética, em 1979, foram resgistrados 109 grupos étnicos, os quais eram
divididos entre nacionalidades (grupos com mais de 300.000 pessoas), sub-nacionalidades (grupos com menos
de 300.000 pessoas) e minorias estrangeiras (coreanos, finlandeses, eslovacos, etc.) (SEGRILLO, 2000a, p. 156-
157).
73
feliz, como na eleição de Leonid Kuchma para presidente, em 1994
58
. No entanto,
nem outras ocasiões a tentativa de influência baseada em padrões de amizade entre
os dois países naufragou. O exemplo mais clamoroso disto são os eventos que
desembocaram na Revolução Laranja
59
. Contudo, é preciso frisar que, mesmo nesta
ocasião, a resposta do Kremlin foi baseada em aproximações institucionais e
culturais entre os Estados (TSYGANKOV, 2006, p. 155).
Destarte, pelo exposto é permitido concluir que os elementos culturais em
comum e o passado compartilhado com Ucrânia e Belarus tonificam a importância
destes Estados para a Rússia, seja em função dos próprios elos interestatais que
tais fatores edificam, seja porque reforçam a vocação imperial russa, ou ainda por
causa da capacidade que eles acarretam à Rússia de exercer o poder brando.
2.5. UCRÂNIA
Como visto alhures, nos Estados pós-imperiais as dimensões unitária e
distintiva de suas identidades nacionais sofrem os efeitos do período de subjugação
imposto por um império, razão pela qual, por determinado período, aqueles
qualificarão o Estado pós-imperialista como seu Outro Significante. A Ucrânia segue
ambos padrões, pois a questão imperial atinge o seu processo de formação
identitária e sua antiga dominadora, a Rússia, continua sendo o seu Oposto. Assim
sendo, mediante a aplicação dos critérios sugeridos por Andrei Tsygankov cabe
analisar de que forma e em que grau os anos de dominação russa afetam a
construção da identidade nacional ucraniana. A partir de então, será possível
verificar se o elemento identitário, umbilicalmente ligado a aspectos culturais e
históricos, particulariza as relações estabelecidas entre Ucrânia e Rússia desde
58
A vitória de Leonid Kuchma sobre o então presidente Leonid Kravchuk nas eleições de 1994 foi atribuída, em
grande parte, à defesa que aquele fez de uma aproximação maior com a Rússia, e de uma mudança nos rumos do
nacionalismo ucraniano, de modo que a minoria russa e as regiões do leste e do sul do país (onde residem os
russos) não fossem prejudicadas pelo governo central. Por seu turno, Kravchuk advogava uma maior
aproximação com a Europa e o aprofundamento do nacionalismo ucraniano. “A eleição, iluminou o conflito
entre as versões nacionalista e soviética da identidade ucraniana, assim como também trouxe à baila o conflito
entre a maioria ucraniana (73%) e a minoria russa (22%) (WILSON, 2002, p. 184). Andrew Wilson salienta que
a vitória de Kuchma também foi fruto do renascimento da esquerda ucraniana, diante do fracasso dos liberais e
seus planos de modernização.
59
Acerca da Revolução Laranja, ver o sub-capítulo “A Paradigmática Revolução Laranja”, pág. 88.
74
1991, sob o ponto de vista ucraniano
60
. Outrossim, será possível observar se o
modo como se deu, ao presente momento, a construção da identidade nacional
da Ucrânia favorece ou atrasa o desejo de Kiev de angariar autonomia política em
reação à Rússia.
2.5.1. As Regiões da Ucrânia
Uma característica fundamental da Ucrânia é a de ser um país fortemente
regionalizado sob os aspectos cultural, político, étnico e lingüístico. As diferenças
encontradas em cada região influenciam tanto a política doméstica quanto a política
externa ucraniana
61
, o que acarreta conseqüências à formação da sua identidade
nacional. Ressalte-se que, am da construção identitária, as considerações
geopolíticas e as diretrizes econômicas ucranianas tamm sofrem os efeitos das
divisões internas do país, o que acaba por atingir as suas relações com a Rússia,
como será visto nos capítulos subseqüentes.
Alguns autores tendem a estabelecer uma dicotomia entre a porção oeste do
país, de influência ocidental, e a leste, na qual haveria uma forte russificação. Em
que pese a distinção não ser errônea, ela é incompleta. Tomando como critério o
aspecto regional, o país pode ser dividido em quatro zonas: oeste, leste, centro e sul
(WILSON, 2005, p. 34)
62
. No Oeste localiza-se a Galícia
63
, região descendente do
Império dos Habsburgo, formada pelas províncias de Lviv, Ternopil e Ivano-
Frankvis´k, e que foi integralmente incorporada à União Soviética durante a II Guerra
Mundial. Historicamente, foi na Galícia que os movimentos nacionalistas ucranianos
ganharam mais força, o que se deve fundamentalmente a dois motivos: em primeiro
lugar, porque o Império dos Habsburgo era menos repressor do que o russo, que
60
Na seção anterior foi verificado que, sob o ângulo russo, as questões culturais, históricas e identitárias são
fatores que fortalecem os vínculos entre russos e ucranianos.
61
A divisão da Ucrânia em regiões é um exercício teórico utilizado pelos observadores do país para fins de
análise. Administrativamente, o Estado é repartido em vinte e sete unidades. São vinte e quatro províncias e três
territórios (Criméia, Sevastopol e Kiev).
62
Dominique Arel concorda com a divisão proposta por Andrew Wilson. Outros autores, como Barrignton e
Herron, dividem o país em oito regiões, pois consideram o oeste, o centro e o leste subdivididos cada um em
duas regiões. o sul permaneceria como uma região, mas apartado da Criméia, a qual é vista como um caso à
parte dentro da Ucrânia (AREL, 2006, p. 03).
63
Tecnicamente, duas “Galícias”, a oriental e a ocidental. Enquanto a primeira fica em solo ucraniano, a
última integra a Polônia.
75
dominava o centro, o sul e o leste do país; em segundo, porque os austríacos, de
certo modo, incentivavam o nacionalismo ucraniano com o intuito de diminuir a
influência polonesa na região (ABDELAL, 2001, P. 107). Outras províncias
importantes do oeste ucraniano são a Transcarpátia
64
, a Bukovina e a Volyn
65
.
A região central da Ucrânia é dividida pelo Rio Dnieper em duas partes, uma
a oeste, que foi anexada ao império czarista apenas entre 1793 e 1795, e outra a
leste, incorporada à ssia após a extinção do Estado cossaco. A capital, Kiev, fica
na porção ocidental da região central ucraniana. A repartição do Centro é sutil, o que
permite que seja considerado como uma única região. Junto com a região ocidental,
o centro da Ucrânia é considerado o núcleo histórico do país (WILSON, 2005, p. 35).
Na região leste estão localizadas as principais cidades industriais ucranianas
(Donets´k e Dnipropetrovs´k) e as províncias que formam a zona de Donbas
(Donets´k e Luhans´k), na qual é intensa a produção carvoeira. Historicamente, é a
região que por mais tempo esteve sob o domínio russo.
O sul da Ucrânia é um caso especial por causa da discussão russo-ucraniana
acerca da Criméia. Por séculos, os territórios que hoje formam a porção sul
ucraniana foram motivo de disputa entre vários povos, entre eles gregos, otomanos,
hunos e mongóis. No ano de 1784, o império Russo conquistou a região dos
otomanos e passou a chamá-la de Nova Rússia. A Criméia foi mantida como
domínio russo até 1954, quando foi passada ao controle da República Soviética da
Ucrânia por Nikita Kruschev, com o objetivo de marcar os trezentos anos da
reunificação da Rússia com a Ucrânia. Após a dissolução da União Soviética, o
domínio sobre a Criméia foi motivo de intensos debates, e até de ameaças
parlamentares de ambos os lados. Em 1992, os presidentes da Rússia, Boris Yeltsin,
e da Ucrânia, Leonid Kravchuk, assinaram um acordo no qual concordaram que
nenhum dos dois países faria reclamações territoriais em relação ao outro. Com isto,
Moscou tacitamente entregou o controle da Criméia a Kiev (NOGEE e
DONALDSON, 2005, p. 188). O acordo não aplacou os sentimentos russos, mas
desde então os ucranianos procuraram reafirmar sua soberania sobre o local. Não
64
A região também é conhecida como Subcarpátia.
65
Volyn é historicamente ligada à Galícia, o que justificou a recriação do Reino da Galícia e Londomeria em
1772 (Londomeria é a versão latina para o nome de Volodymir-Volinski, homenagem a Volodymir, o Grande,
fundador da cidade de Volhynia, em 988). Logo depois, a região passou ao controle dos Romanov. No período
entre as Guerras Mundiais, a região foi anexada pela Polônia, para em 1939 ficar sob o domínio soviético, como
conseqüência da divisão da Polônia entre a URSS e o Terceiro Reich, estabelecida no Pacto Molotov-von
Ribbentrop (WILSON, 2005, p. 34). Ocupada pelas forças nazistas, a região (como todas as regiões polonesas ao
leste da Linha Curzon) foi incorporada de jure à URSS, depois de Yalta e Potsdam.
76
obstante, a partir de 1994, a Criméia goza de relativa autonomia do governo central,
tendo inclusive estabelecido cidadania própria. Ainda que tenha sua situação
aparentemente estabilizada, a Criméia não deixa de ser um território de intensa
influência russa, eis que 62% de sua população é russa e 25% tem no russo a sua
língua nativa (LIEVEN, 1999, p. 105).
A distribuição e a popularidade do movimento nacionalista ucraniano obedece
às vicissitudes regionais do país. No oeste se localizam os nacionalistas mais
ferrenhos, os quais entendem que a Ucrânia é um país europeu, sem raízes
eurasianas, que foi vítima da subjugação perpetrada pelos russos. A imagem russa
de Estado colonizador é largamente difundida, razão pela qual advogam pelo
afastamento completo de Moscou. Aqueles que pregam a aproximação com a
Rússia e falam o russo no seu trato diário são considerados, pelos nacionalistas,
pessoas que ainda não se libertaram da dominação cultural russa, mas que cedo ou
tarde descobrirão a verdadeira identidade ucraniana. Na região central igualmente
existem nacionalistas, mas são mais moderados em comparação com os seus
parceiros do oeste. No leste e no sul do país, devido às ligações culturais, étnicas e
lingüísticas com os russos, a Rússia não é considerada a priori uma inimiga, mas
sim um Estado com quem a Ucrânia possui fortes laços históricos e identitários, que
devem ser levados em consideração pelos governos do país. Nestas regiões, o
poder político dos nacionalistas é quase nulo.
Conforme se depreende, as diferentes regiões abrigam distintos grupos
dentro da sociedade ucraniana. Grupos estes que possuem visões contrárias quanto
à evolução da política interna e externa do país, e, no que mais importa ao presente
capítulo, quanto à identidade nacional ucraniana
66
. A falta de homogeneidade do
sentimento nacional ucraniano acarreta dificuldades à dimensão unitária de sua
identidade, o que leva à polarização política. Outrossim, a dimensão distintiva é
atingida, pois a imagem acerca do Outro Significante variará de acordo com a região
do país. Neste ponto é importante ressaltar que as diferenças regionais implicam em
fragmentação identitária da Ucrânia, mas não representam risco à integralidade
territorial do Estado, pois mesmo os cidadãos de origem russa e os que falam o
russo como primeira língua, majoritariamente se consideram ucranianos e defendem
66
A orientação política do eleitorado das quatro regiões ucranianas polariza o país em duas dimensões do fator
russo, a primeira relacionada com o uso da língua russa no país e a segunda ligada ao tipo de relações que a
Ucrânia deve desenvolver com a Rússia (AREL, 2006, P. 02).
77
a soberania de seu país e, até mesmo, sua autonomia potica. Ou seja, eles
desejam que a Ucrânia mantenha algum vel de alinhamento na política externa
com a Rússia, ou ao menos não a veja como inimiga, mas não almejam nem a
incorporação de suas regiões ao Estado russo, nem uma nova união entre os dois
países
67
.
A utilização dos critérios propostos por Andrei Tsygankov para investigar a
formação da identidade nacional dos Estados pós-imperiais e das ligações destes
com o Outro Significante ajudará a elucidar tamm o porquê do forte regionalismo
ucraniano.
2.5.2. O Fator Histórico
O primeiro dos critérios a ser analisado é a existência de um passado
ucraniano como ente autônomo, livre de domínio externo. Ao resgatar uma
experiência histórica de independência, um Estado consegue reforçar a sua auto-
imagem de autonomia, bem como de pertencimento ao sistema internacional, o que
facilita a construção de uma identidade nacional própria, distinta daquela da ex-
metrópole. Assim sendo, os períodos sem qualquer subjugação externa são
poderosos símbolos a serem utilizados pelos Estados em processo de separação
identitária da metrópole.
No caso da Ucrânia, conforme já referido na recapitulação histórica, duas
foram as ocasiões em que alguma espécie de organização estatal independente
vigorou. A primeira foi a criação do Estado Cossaco, fundado em 1648 e extinto com
a assinatura do Tratado de Pereiaslav, em 1654. Apesar de, na época, ter sido
fundado como meio de enfrentar, principalmente, os atos imperiais poloneses, o
governo cossaco, em que pese sua pouca duração, tem sido largamente utilizado
pelos nacionalistas ucranianos como prova histórica de que a Ucrânia foi um
Estado independente, separado da Rússia imperial e com características culturais
próprias. A fim de reforçar a separação em relação aos russos e solidificar o mito do
67
A Criméia poderia ser considerada uma exceção, pois sua população não se sente ucraniana. Contudo, é
provável que antes de retornar para o seio de Moscou, a Criméia desejaria a sua independência estatal, tendo em
vista os movimentos nacionalistas na região, que são influenciados pelos tártaros que retornaram à província
depois da revogação de sua deportação em massa ocorrida após a II Guerra Mundial.
78
domínio externo imposto, os nacionalistas da Ucrânia sustentam que extinção do
Hetmanate não significou a união entre os povos da Rus, como é defendido na
historiografia russa e soviética, mas sim a traição de um Estado em relação a outro,
consubstanciada no descumprimento, por parte do czar, de garantias que ele havia
dado quando da assinatura do Tratado de Pereieslav.
A existência do Estado cossaco colaborou sobremaneira para que o Século
XVII detenha grande importância na formação identitária ucraniana. Foi nesta época
que os ucranianos passaram a ser conhecidos pelos nomes de cossacos e
pequenos russos, e o próprio termo Ucrânia” começou a ser difundido
68
. Outro fato
importante da época é o embrião do mito de libertação de um povo específico, o
cossaco-ucraniano, diante do domínio russo-czarista. Ou seja, pela primeira vez era
reconhecida como tal a dimensão imperial da relação entre russos e ucranianos. Por
tudo isto, Andrew Wilson alega que foi no século XVII que uma cultura ucraniana
local e distinta da russa realmente emergiu, servindo de fundação para a moderna
identidade nacional da Ucrânia (WILSON, 2002, p. 70 e 71).
A segunda experiência histórica ucraniana como Estado independente
ocorreu entre 1918 e 1921, com a criação da República Popular da Ucrânia (1918-
1921) e da República Popular da Ucrânia Ocidental (1918-1919). A formação de
duas repúblicas ucranianas, uma erigida na área onde hoje se encontram as regiões
central e leste da Ucrânia e outra constituída pela atual porção ocidental do país, é
paradigmática, pois denota tanto a regionalização ucraniana, quanto a dificuldade
perene de construção de uma unidade nacional. É verdade que ambas se uniram
por alguns meses no início de 1919, mas a união foi superficial, fruto mais das
fragilidades militares das duas repúblicas do que da existência de um nacionalismo
homogêneo.
De qualquer sorte, as duas repúblicas foram importantes para a formação da
identidade nacional ucraniana, cada uma por suas razões. A República Popular da
Ucrânia possuía como um de seus fundamentos a continuidade histórica do povo
ucraniano. Diziam seus fundadores que o novo Estado era descendente direto da
Rus e do Estado Cossaco. Ao utilizar tais signos do imaginário ucraniano, a
república em voga não somente os reforçou, mas acarretou para si mesma uma
68
A denominação Ucrânia, contudo, perdeu sua força com o passar dos anos daquele século, à medida que o
Estado Cossaco perdia sua autonomia e poder. Foi somente no culo XIX que ele re-emergiu com força, como
mencionado no capítulo destinado ao relato histórico.
79
representação simbólica relevante à formação da identidade nacional. Além disto,
vários dos símbolos e elementos nacionais da Ucrânia atual foram criados e/ou
utilizados na república ucraniana. São exemplos disto a moeda ucraniana, hryvnia, a
bandeira nacional azul e amarela
69
e a insígnia do tridente (WILSON, 2002, p.
123)
70
.
Por sua vez, a República Popular da Ucrânia Ocidental não desfruta da
importância simbólica e histórica da outra república ucraniana, mas as idéias que
continha acerca do Eu ucraniano são visíveis na sociedade ucraniana. Entre os
fundadores da república em questão havia um forte sentimento anti-russo. Isto se
devia a dois fatores principais: o primeiro era uma visão da Rússia como um Estado
imperialista; o segundo era a inexistência de qualquer processo de russificação na
região, antes dominada pelo Império dos Habsburgo, o que afastava a possibilidade
de simpatias para com Moscou. A mistura gerou uma versão identitária ucraniana
muito afeita à Europa (fruto do domínio do império dos Habsburgo) e contrária à
Rússia, considerada como antípoda dos países europeus
71
. O movimento Rukh e o
nacionalismo da região oeste da Ucrânia guardam evidentes semelhanças com a
ideologia nacional da República Popular da Ucrânia Ocidental, motivo pelo qual
pode-se dizer que esta, de algum modo, se encontra presente no debate hodierno
acerca da identidade nacional ucraniana.
Partindo da consideração de que, apesar de suas diferenças regionais, a
Ucrânia, como um todo, anseia por se manter como Estado independente e
conseguir autonomia potica de fato, a possibilidade de que os dois períodos nos
quais formalmente constituiu Estados autônomos contribuam para tal objetivo pode
ser avaliada de forma positiva.
A existência do Estado Cossaco, e, em menor extensão, das duas
Repúblicas Populares da Ucrânia, reforçam a idéia de que o país reúne condições
de construir um Estado independente, seja porque isto já foi feito no passado, ou
ainda porque as sementes da cultura e dos costumes ucranianos foram plantadas
69
A bandeira ucraniana é dividida em duas faixas horizontais, uma azul que fica acima de uma amarela. Isto
simboliza o céu sobre o milho, o que remonta ao mito da fertilidade do solo ucraniano.
70
O tridente era o brasão de armas da dinastia Riurykovych, embora alguns ucranianos atribuam a origem do
símbolo ao período Tripiliano (WILSON, 2002, p. 123).
71
O principal ideologista desta versão do nacionalismo ucraniano era Dmytro Donstov, o qual asseverava que “o
conflito entre Rússia e Europa era um conflito entre ‘duas civilizações, dois ideais políticos, religiosos, sociais e
culturais’. Em virtude da população russa amorfa apenas poder ser guiada pelo absolutismo em todas estas
esferas os líderes russos sempre viram a ordem social européia como seu oposto e procuraram destruí-la’
(WILSON, 2002, p. 130).
80
séculos atrás. O fato de que as sementes não geraram a autonomia estatal completa
não se deu porque eram débeis, ou em função de uma fusão cultural inextinguível
com a Rússia, mas sim por causa de imposições externas, praticadas por Estados
constituídos e mais poderosos. Porém, se não foi possível aos ucranianos vencer a
força, numa época do sistema internacional em que as conquistas territoriais dos
impérios eram a tônica, ao menos aquelas sementes geraram raízes que frutificaram
uma coletividade diferenciada da russa, com nacionalismo próprio, o qual
correspondeu a um Estado por pequenos períodos e se manteve periférico durante
séculos. Mas mesmo que diminutos, os lapsos de independência em relação a
Moscou foram importantes, pois serviram de lastro para o movimento nacionalista
Rukh difundir na sociedade ucraniana, após a dissolução soviética, a idéia de que
num cenário modificado (como resultou ser o do pós-Guerra Fria, leia-se: sem
impérios), um Estado ucraniano poderia novamente se tornar uma realidade, desta
feita duradoura.
Todavia, há reticências que precisam ser suscitadas quanto à capacidade
das experiências históricas relatadas reforçarem uma autocompreensão ucraniana
como Estado independente e separado da Rússia imperial. A primeira ressalva a ser
feita diz respeito à duração dos Estados ucranianos pretéritos. A brevidade dos
períodos nos quais a Ucrânia foi um ente autônomo no sistema internacional impediu
a disseminação plena, na sociedade ucraniana, de um sentimento nacional, bem
como obstou a que os governantes pudessem estabelecer instituições, regras e
fronteiras estatais moldadas de acordo com os costumes de seu povo. Por esta
razão, tanto a estrutura estatal quanto as fronteiras herdadas pela Ucrânia em 1991
são criações da era soviética. Os Estados ucranianos servem, pois, mais como mito
de independência cultural e política do que como uma realização efetiva de uma
organização estatal puramente ucraniana
72
.
O segundo aspecto a ser levantado é a forma como o Hetmanate e as
repúblicas populares ucranianas se extinguiram. Sem exceção, houve a
incapacidade dos ucranianos de manterem-se como Estados independentes, o que
foi por eles mesmo admitido, na medida em que, para lutarem contra seus
opressores de momento (poloneses, no caso dos cossacos, e soviéticos, no caso
72
de ser ponderado que a sucessão de eleições ocorridas na Ucrânia desde 2004 serve como exemplo de
construção de um sistema político legitimamente ucraniano. Adiante, esta questão será tratada com maior
detalhamento.
81
dos republicanos), solicitaram ajuda externa de outros Estados (russos, no primeiro
caso, e alemães, no segundo). A recorrência deste tipo de atitude era um dos fatores
que gerava dúvidas acerca da capacidade ucraniana permanecer como Estado
separado da Federação Russa após o fim da URSS
73
. Mesmo que hoje não se
cogite uma anexação da Ucrânia pela Rússia, é possível traçar um paralelo, com as
devidas proporções, entre o que aconteceu no passado e a busca das lideranças
ucranianas por apoio de grandes potências (União Européia e Estados Unidos) e de
organizações militares (OTAN) para que o seu país consiga sair da esfera de
influência russa.
Portanto, sopesando os aspectos positivos e negativos, temos que os
exemplos de autonomia pretérita no sistema internacional são elementos que
alimentam o ideário ucraniano e o úteis na formação de uma identidade nacional
própria. Contudo, esta identidade é fragmentada, pois o duplo processo de distinção
perante a ex-metrópole e aproximação com outros Estados é abalado pelo fato de
aqueles não serem exemplos cabais de soberania, o que dificulta aos ucranianos
enxergarem a si mesmos como entes autônomos do sistema internacional,
separados do império que os dominou por séculos.
Ainda abordando o fator histórico, convém fazer um pequeno desvio do
critério estabelecido por Tsygankov, com o intuito de lançar luzes sobre outra
espécie de influência dos registros históricos nas divergências regionais da Ucrânia.
Conforme referido no primeiro capítulo, o compatibilidade total quanto aos
períodos de dominação e às figuras dos dominantes das regiões ucranianas.
Enquanto o leste ucraniano esteve sob controle do império russo por séculos, a
região central foi conquistada pelos russos em dois momentos distintos, e o sul foi
subjugado à Rússia apenas no culo XIX. Por sua vez, a região oeste pertenceu a
impérios europeus e somente se tornou parte da União Soviética em 1945. A grande
variação de experiências históricas e culturais dentro do solo ucraniano é um forte
indicativo de por que a identidade nacional é heterogênea, não havendo um Eu
ucraniano uníssono, mas sim compreensões conflitantes acerca do mesmo, sendo
que, pelo menos uma delas, tem colorações russas.
73
Ressalte-se que a desconfiança quanto ao sucesso da Ucrânia como Estado independente era compartilhado
por russos e até mesmo por pesquisadores e lideranças políticas ocidentais.
82
2.5.3. O Fator Étnico
O primeiro aspecto a ser destacado quanto ao elemento étnico é a disputa
travada entre historiadores russos e ucranianos pela primazia de considerar a
Kievan Rus a origem de um ou de outro Estado, a qual vai além do orgulho ou da
rivalidade entre os povos. No fundo da discussão, do ponto de vista ucraniano, está
a diferenciação entre ser um povo destinado a estar sob o domínio da Rússia, ou ser
um povo livre, com história, cultura e desenvolvimento próprios, logo, distintos dos
de qualquer outro Estado.
Como referido anteriormente, a historiografia imperial russa considera
ucranianos e bielo-russos como descendentes dos russos, ao passo que os
historiadores soviéticos classificam aqueles como irmãos eslavos, mas irmãos
menores, sujeitos eternamente ao comando russo, povo líder dos eslavos orientais.
De acordo com o olhar soviético, a Kievan Rus seria a sede de todas as Rússias”,
de onde surgiram russos, pequenos russos e bielo-russos. A historiografia ucraniana
recente privilegia entendimento diverso, a partir do qual a Rus Kievana é a sede da
Ucrânia, tendo Rússia e Belarus se desenvolvido em local e época distintos
74
. Esta
visão dos fatos, disseminada com fervor pelos nacionalistas, favorece o
estabelecimento de uma identidade oposta à russa e, ao mesmo tempo, puramente
ucraniana, pois leva a crer que os ucranianos sejam considerados etnicamente
diferentes dos russos e não deles descendentes
75
. Por extensão, a diferença étnica
faz com que os constantes períodos de dominação da Rússia sejam compreendidos
como demonstrações da política colonial de um Estado diverso, e inegavelmente
mais poderoso, e não como a reunião dos povos eslavos sob o comando do irmão
maior.
Vislumbrada a questão da origem dos dois povos, cabe observar como o
elemento étnico se apresenta na sociedade ucraniana desde o fim do império
74
Taras Kuzio defende a posição de que a historiografia é um fator essencial na construção da identidade
nacional, e, conseqüentemente, nas relações que um Estado estabelece com seus pares. O autor identifica na
Ucrânia quatro linhas de pesquisa histórica (russófila, ucrainófila, sovietófila e dos eslavos orientais), cada uma
com um entendimento próprio acerca da Kievan Rus. A linha nacionalista ucraniana defende que a Kievan Rus é
a origem apenas do Estado ucraniano, sendo que seu legado não se encontra em Moscou, mas sim no Principado
da Galícia e Volynian, situados onde hoje é a região ocidental da Ucrânia (KUZIO, 2006, p. 422).
75
Ao considerarem a Kievan Rus como ponto de partida apenas da Ucrânia, os nacionalistas ucranianos podem
difundir a idéia de que os ucranianos são um povo europeu, sem nenhuma conotação eurasiana, como ocorre
com os russos (KUZIO, 2006, p. 421).
83
soviético. Os dois últimos censos demográficos realizados na Ucrânia em 1989 e
2001 apontam um decréscimo da população etnicamente russa no país. Se em 1989
o número de russos na Ucrânia girava em torno de onze milhões e quinhentas mil
pessoas, ou 22,1% da população, doze anos depois este contingente diminuiu para
pouco mais de oito milhões e trezentas mil pessoas, ou 17,3% do total de residentes
no país, o que não deixa de ser um contingente expressivo. A diminuição geral foi de
26,6% e ocorreu em todas as regiões da Ucrânia, ainda que de forma desigual
(ZAZHIGAYEV, 2006, p. 187)
76
. Entre os fatores que explicam este fenômeno estão
a constituição de dois países diversos onde antes havia unidade; a animosidade dos
nacionalistas para com os “ex-colonizadores” russos e as políticas de ucranização
levadas a cabo pelos governos da Ucrânia.
Todavia, os meros oficiais obtidos pelos recenseadores não captam com
precisão a penetração da etnia russa, e de sua cultura, na sociedade ucraniana.
Quanto a isto, um fator que primeiro vem à tona é a ocorrência de casamentos inter-
étnicos, sobretudo no leste e no sul da Ucrânia. Os filhos destes casamentos são
registrados majoritariamente como ucranianos, apesar de tamm possuírem
sangue russo
77
. Ao se analisar a questão étnica mais a fundo, a situação se mostra
ainda mais complexa.
A respeito da extensão da etnia russa e de seus valores culturais na Ucrânia,
Dominique Arel cita interessante pesquisa sobre a etnia dos ucranianos, feita pelo
Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Aos entrevistados eram oferecidas
opções gradativas de identificação étnica. Eles poderiam se qualificar como
exclusivamente ucranianos, mais ucranianos do que russos, indistintivamente russos
e ucranianos, mais russos que ucranianos ou integralmente russos. Nas regiões
oeste e central da Ucrânia, a porcentagem de total ou preferencialmente ucranianos
foi de 83% e a de total ou preferencialmente russos de 14%. No sul e no leste do
país, houve uma inversão, com 60% dos respondentes identificando-se como total
ou preferencialmente russos e 40% como total ou preferencialmente ucranianos.
Ressalte-se que no censo de 2001, apenas 30% dos ucranianos do leste e do sul do
país se identificavam como etnicamente russos (AREL, 2006, p. 08).
76
Na Criméia a população russa caiu 11,3%. Em Donets´k (leste do país) a queda foi de 20,4%. Na região
ocidental do país a queda foi mais acentuada. Em Ivano-Frankovs´k foi de 56,3% e na Volyn de 46,4%. A
população russa na capital Kiev diminuiu 37,1% em doze anos (ZAZHIGAYEV, 2006).
77
No ano de 1989, portanto no final do período soviético, 55% dos nascidos na Ucrânia com pai ou mãe russos
eram registrados como ucranianos (AREL, 2006, p. 08).
84
Outra pesquisa com semelhantes propósitos e que colheu resultados
aproximados foi referida por Andrew Wilson. No ano de 1997, foi perguntado aos
residentes na Ucrânia como se qualificavam etnicamente. Uma maioria de 56% se
considerou apenas ucraniana, enquanto 11% dos respondentes se classificaram
como apenas russos. Entre os dois grupos, 27% dos entrevistados se disseram
russos e ucranianos ao mesmo tempo. A regionalização aqui tamm se fez
presente, pois ao leste, na região de Donbas (Donets´k e Luhans´k) 51% dos
entrevistados definiram-se como “ucraniano-russos” e na Criméia 55% se disseram
russos e 21% “ucraniano-russos” (WILSON, 2002, p. 219).
Os resultados das pesquisas demonstram que quando é dada chance aos
ucranianos de revelar uma etnia dual, essa vem a lume. Portanto, a quantidade de
residentes na Ucrânia com forte ligação étnica com a Rússia é maior do que
registrada nos números oficiais, posto que muitos dos que se declaram ucranianos,
na verdade, consideram-se possuidores de duas nacionalidades.
A existência de russos na Ucrânia significa a manutenção da cultura russa na
sociedade, a qual permanece exercendo uma poderosa influência na cultura e na
identidade ucraniana (WILSON, 2002, p. 214). Por esta razão, a identidade nacional
ucraniana não é uniforme em todo o país. A compreensão do cidadão médio do
oeste da Ucrânia do que é ser ucraniano o será idêntica à compreensão do
mesmo fato por parte de um cidadão ucraniano do leste, que se declara como tal,
mas que etnicamente se considera preferencialmente russo. Outrossim, as
percepções que ambos terão acerca da Rússia serão naturalmente diversas. Essa
circunstância colabora para que as relações de Kiev com Moscou o possam ser
alteradas de modo radical, pois apenas com a auto-confiança gerada a partir da
homogeneidade identitária a Ucrânia poderia desenvolver um modo diferente de
lidar com a Rússia, que implicasse em afastamento permanente, “algo com que o
governo russo e os russos em geral não estão acostumados e algo com que os
ucranianos do leste não se sentem confortáveis” (AREL, 2005, p. 11)
78
.
78
Um exemplo recente da impossibilidade do governo ucraniano de implementar políticas com uma forte
conotação anti-Rússia é a eleição de Leonid Kuchma em 1994. O primeiro presidente da Ucrânia, Leonid
Kravchuk procurou implementar uma série de medidas que procuravam aproximar o país das potências do
Ocidente e negavam as históricas ligações com a Rússia. O resultado foi uma mobilização inédita nas porções
leste e sul da Ucrânia, a qual desembocou na vitória de Kuchma e sua plataforma de retomada de contatos
estreitos com a Rússia nas eleições de 1994. Este fato comprova que a negação dos russos residentes na Ucrânia
é impossível para Kiev. Ressalte-se que o fator étnico não foi o único a gerar a mobilização do leste e do sul da
Ucrânia. Como será visto, adiante questões econômicas também tiveram sua quota de importância, mas é
85
Portanto, quando a questão étnica é o foco de estudo, ainda parece bastante
difícil para a Ucrânia fomentar uma identidade nacional completamente diversa da
russa. O máximo a que o país pode aspirar neste estágio de sua história é a
construção de uma identidade que misture elementos puramente ucranianos e
traços russos.
2.5.4. A Questão Lingüística
A linguagem é outro fator fundamental na identidade nacional de um país,
pois ela “age como um meio para representar um sistema de valores, códigos e
entendimentos acerca do mundo. Linguagem é, neste sentido, uma lente que filtra,
seleciona e interpreta informação” (BARRINGTON, 2004, apud AREL, 2006, p. 09).
No caso de Rússia e de Ucrânia, por vezes ela é até mesmo mais importante como
elemento de diferenciação entre os dois povos que a origem étnica
79
.
Sabedores da importância da linguagem na constituição de uma identidade
nacional libertadora em um Estado s-imperial, os nacionalistas ucranianos
procuraram implementar um processo de ucranianização no país. Por um lado era a
resposta à russificação imposta pelos impérios czarista e soviético, e por outro
representava a tentativa de diminuir a influência da cultura russa. O ápice da política
de ucranianização lingüística ocorreu em 1996, quando a nova Constituição Federal
da Ucrânia determinou o ucraniano a única língua oficial do país. Na mesma seara, a
literatura russa passou a ser ministrada nas escolas como literatura universal.
Ressalte-se que estas medidas foram tomadas durante o governo Kuchma, cuja
campanha presidencial foi fortemente calcada em uma suposta aproximação com a
Rússia. Entretanto, depois de eleito, ele adotou alguns posicionamentos defendidos
pelos nacionalistas ucranianos, os quais consideram o russo a ngua dos
colonizadores.
inegável que o governo Kravchuk gerou nos russos residentes na Ucrânia um sentimento de exclusão étnica, o
qual procuraram combater.
79
Dominique Arel sustenta que a diferenciação dos votos entre as regiões da Ucrânia se dá preferencialmente em
função da língua utilizada pelos eleitores, e não pelas suas origens étnicas. Assim, aqueles que sendo russos ou
ucranianos que falam o russo em casa e nos seus contatos sociais votam nos candidatos cuja plataforma trata de
uma aproximação externa com a Rússia, enquanto os que falam ucraniano, tendem a votar nos candidatos com
uma linha na política externa mais voltada para as potências ocidentais (AREL, 2006).
86
As políticas adotadas pelo governo Kuchma tiveram pouco resultado prático
nas regiões leste e sul do país, uma vez que boa parte dos governos de tais regiões
continua usando o russo como meio de comunicação interno e nos contatos com o
público
80
. As proximidades entre as duas línguas, fruto dos laços culturais entre os
povos, não tornam a tarefa de aprender russo um grande desafio para ucranianos, e
vice-versa. Portanto, a resistência dos falantes de russo em adotarem o ucraniano
como sua língua cotidiana tem mais a ver com a disseminação da cultura russa na
Ucrânia do que uma dificuldade de se adaptar às novas regras. Ademais, entre a
população, não apenas os padrões de linguagem mudaram pouco, como houve um
crescente apoio a alguma espécie de reconhecimento formal do status da língua
russa na Ucrânia (WILSON, 2002, p. 209).
As limitações encontradas pelo processo de ucranianização lingüística
constituem outro exemplo de que as tentativas do movimento nacionalista de impor
sua visão da identidade nacional ucraniana não são aceitas pelas regiões leste e sul
do país. Logo, a forte presença da língua russa em boa parte do território ucraniano
também é um indicativo de que uma identidade ucraniana totalmente separada da
russa não é hoje verificável no Estado pós-imperial.
A questão lingüística permite que se faça alusão à suposta hierarquia entre
as culturas ucraniana e russa. Tendo em vista o crescimento soviético durante o
século XX, e a manutenção da Ucrânia como um país com larga exploração
agrícola, estabeleceu-se uma diferenciação entre as duas culturas, típica das
relações de dominação. A Rússia dominante e industrial seria detentora de uma
cultura elevada, sofisticada, enquanto a Ucrânia, formada por agricultores, possuiria
uma cultura rudimentar. Este sentimento de inferioridade complica sobremaneira a
construção da identidade nacional ucraniana, pois é um desafio de monta fazer com
que um povo esqueça décadas de rebaixamento comparativo de sua cultura e passe
a vê-la em idêntico patamar ao da cultura da ex-metrópole. Enquanto permanecer na
80
No censo de 2001, a língua ucraniana era utilizada por 67,5% da população, e a língua russa por 29,6%. Frise-
se que o censo capta as línguas que são afirmadas como nativas pelos respondentes, mas não observa se eles
utilizam tais línguas no seu trato cotidiano. A observação é importante porque muitos do que apontam sua língua
como a ucraniana utilizam o russo no seu dia-a-dia. Ainda assim, o censo aponta que quase um terço da
população ucraniana declara ser o russo a sua língua-mãe, o que é significativo. A regionalização foi captada
pelo censo. No leste do país, na província de Donetsk apenas 24,1% da população tem no ucraniano sua língua-
mãe, ao passo que na província de Luhansk 30% falam ucraniano e 68,8% falam russo. Nas regiões do oeste de
L´viv e Ivano-Frankivtsk, o uso da ngua ucraniana corresponde a 95,3% e 97,8%, respectivamente. No censo
divulgado, não há dados sobre a divisão lingüística na Criméia, nem de Sevastopol. Fonte: All Ukrainian
Population Census, 2001. Endereço eletrônico: http://ukrcensus.gov.ua/eng/regions/reg_ukr/. Último acesso em
22/03/2008.
87
sociedade ucraniana a idéia de império, a qual ainda deforma a imagem que o país
tem de si mesmo, a liberdade cultural e psicológica da Ucrânia não será totalmente
atingida (WILSON, 2002, p. 211). Tal situão atinge a construção da identidade
nacional ucraniana.
2.5.5. Religião
Um último aspecto a ser suscitado é o religioso. Assim como nos demais
países da Europa, na Ucrânia o sentimento religioso vem diminuindo, o que torna a
influência da Igreja sobre a população significativamente menor do que era na época
em que a divisão entre ortodoxos e os cristãos gregos estipulava as zonas de
influência russa e polonesa sobre território ucraniano. De qualquer sorte, os ramos
religiosos do Estado ucraniano refletem, em certo grau, os diferentes grupos
visualizados na sociedade, bem como suas visões da identidade nacional (WILSON,
2002, p. 251).
No oeste do país, mais especificamente na Galícia, a religião mais praticada
é o Cristianismo grego. Os Uniatas são próximos aos ortodoxos nos ritos, mas fiéis
ao Papa
81
. Praticada exclusivamente por ucranianos étnicos, é a religião
considerada o coração do movimento nacionalista ucraniano.
Outra religião professada apenas por ucranianos é o ramo autocéfalo da
Igreja Ortodoxa, criada em 1991. Ela foi fortemente apoiada pelo governo de
Kravchuk nos primeiros anos de independência ucraniana, pois o presidente
entendia que o país deveria ter uma igreja própria. A meta de Kravchuk estava
inserida no seu plano governamental de promover um radical afastamento ucraniano
da Rússia, o que também gerou medidas econômicas e geopolíticas, conforme se
verificará posteriormente. Os planos de Kravchuk falharam por duas razões: não
houve o reconhecimento pelo Patriarca de Constantinopla à igreja ucraniana e
inexistiu uma captação de fiéis da tradicional igreja ortodoxa ucraniana (LIEVEN,
1999, p. 76). Diante do fracasso e das críticas ao seu antecessor, o presidente
81
Trata-se de católicos de “rito oriental”, segundo o Direito Canônico.
88
Kuchma declarou que, na Ucrânia, Estado e religião não caminhavam juntos,
determinando, assim, a neutralidade do governo quanto ao assunto religioso.
O ramo ucraniano filiado à Igreja Ortodoxa Russa continua sendo a religião
mais importante e com o maior contingente de fiéis na Ucrânia (por volta de 75% da
população), formado tanto por russos quanto por ucranianos.
Tendo em vista tais características, é possível afirmar que mesmo tendo
perdido sua proeminência anterior, a religião mantém sua capacidade de servir de
parâmetro para compreender a Ucrânia. De um lado temos o europeísmo acentuado
do oeste ucraniano e a tentativa nacionalista de criar uma igreja nacional que fugisse
da influência do patriarcado russo. Contudo, a maior religião do país continuou
sendo uma que combina elementos russos e ucranianos e é seguida pelas duas
etnias. Portanto, as divisões religiosas ucranianas reforçam a idéia de que russos e
ucranianos são povos culturalmente muito próximos.
2.5.6. A Paradigmática Revolução Laranja
A Revolução Laranja de 2004, um dos maiores acontecimentos políticos do
Complexo Regional de Segurança formado pelas ex-repúblicas socialistas
soviéticas
82
, pode ser visto como um paradigma das divergências regionais e
identitárias da política ucraniana e dos efeitos destas nas relações exteriores do
país. A deflagração do movimento revolucionário ocorreu por causa da fraude nas
eleições presidenciais de 2004. No primeiro turno do pleito, o candidato
oposicionista Viktor Yushchenko, ex-primeiro-ministro de Kuchma
83
, apoiado por
uma coalizão que defendia uma maior aproximação ucraniana com as potências
ocidentais, recebeu 39,9% dos votos. Seu adversário, Viktor Yanukovich, primeiro-
ministro de Kuchma que advogava pelo estreitamento de laços com a Rússia,
recebeu 39,3% dos votos. As pesquisas dos institutos ucranianos de opino
82
Além da Revolução Laranja, ocorreram movimentos semelhantes na Geórgia (Revolução das Rosas, em 2003)
e no Quirguistão (Revolução das Tulipas, em 2005). Contudo, estes dois processos não atingiram a dimensão
regional e mundial alcançada pela Revolução Laranja, fundamentalmente porque esta ocorreu em um país-chave
para a Rússia na região, a Ucrânia.
83
Relativamente desconhecido antes de ser indicado para primeiro-ministro, Viktor Yushchenko era visto como
um economista tecnocrata. No cumprimento do cargo, angariou respeitabilidade pelo combate à corrupção. Ao
ser destituído sem razão aparente, Yushchenko viu sua popularidade aumentar. A vitória na eleição parlamentar
de 2002 pavimentou seu caminho rumo à candidatura à presidência do país (McFAUL, 2006, p. 14).
89
apontavam vitória de Yushchenko no segundo turno, todavia, após a eleição de 21
de novembro, Yanukovich foi declarado vencedor com 49,5% dos votos contra
46,6% de seu adversário (WILSON, 2005, p. 116).
O surpreendente resultado final logo foi atribuído à ocorrência de fraude
eleitoral no leste do país. Nesta rego, foco do apoio a Yanukovich, a presença de
votantes no segundo turno foi muito superior à média nacional (80,9%). A maior
evidência de irregularidades aconteceu em Donets´k, onde compareceram para
votar 96,7% dos eleitores registrados (destes, 96,2% votaram em Yanukovich), ao
passo que no primeiro turno, os votantes na província não ultrapassaram 78,1%. Na
região de Donbas, de um turno para outro, o acréscimo de votos de Yanukovich
passou de um milhão, diferença que lhe garantiu a vitória.
Estava clara a fraude. Mesmo assim, a ssia prontamente reconheceu o
resultado das eleições, posição diversa da adotada pelos países ocidentais e pela
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)
84
. No dia 22 de
novembro de 2004 teve início o movimento popular que ficou conhecido como
Revolução Laranja
85
. O primeiro grupo organizado a assentar-se na Quadra da
Independência da Ucrânia, popularmente conhecida como Maidan, foi o movimento
estudantil PORA (É Agora, em ucraniano). Com o passar dos dias, o movimento se
alastrou, recebendo centenas de milhares de adesistas. As potências ocidentais
deslocaram políticos de peso para exigir novo pleito, entre eles a Secretária de
Estado dos Estados Unidos, Condoleeza Rice (ZATULIN, 2005, p. 84)
86
. Depois de
doze dias de demonstrações massivas de inconformidade, em 03 de dezembro o
pleito foi anulado. A nova votação foi marcada para o dia 26 daquele mês. Desta
feita, Yushchenko saiu vitorioso com 51,8% dos votos contra 44,1% de Yanukovich,
sendo que 4,1% dos eleitores anularam os votos ou rejeitaram ambos candidatos.
84
O Ministro das Relações Exteriores da Holanda, Bernard Bot, falando em nome da União Européia (a
presidência do bloco no segundo semestre de 2004 cabia à Holanda), asseverou que “Nós o aceitaremos este
resultado, nós pensamos que ele é fraudulento”. No dia 23 de novembro, o Secretário de Estado norte-americano
Colin Powel disse a repórteres nos Estados Unidos que estava preocupado com a extensa e crível indicação de
fraude” no processo eleitoral ucraniano (PIFER, 2007, p. 30).
85
A Revolução foi assim batizada porque laranja era a cor do partido de Yushchenko, que foi adotada pelos seus
apoiadores. Os eleitores de Yanukovich usavam a cor azul em suas manifestações.
86
Uma comissão formada por importante políticos europeus foi formada para participar das negociações entre as
facções políticas ucranianas. Na mesa de negociação, além dos representantes de ambos os lados ucranianos,
estavam o presidente polonês Alksander Kwasniewski, o presidente lituano Valdas Adamkus, o representante da
política estrangeira e de segurança da União Européia, Javier Solana, o Secretário-Geral da OSCE Jan Kubis, e o
representante da Duma russa Boris Grizlov (PIFER, 2007, p. 31).
90
A Revolução Laranja e seus desdobramentos desvelam muito da situação
política ucraniana, da formação da identidade nacional do país, das relações com a
Rússia e de alguns aspectos do Complexo Regional de Segurança do espaço pós-
soviético. Dominique Arel alerta para alguns fatores interessantes do movimento,
aos quais outros podem ser agregados. Arel sustenta que a Revolução Laranja viu o
surgimento da sociedade ucraniana como ator político de peso. E o elemento que
propiciou tal fenômeno foi o nacionalismo da região ocidental do país
87
, a qual
possuiria uma noção de identidade nacional muito mais coesa do que a
multifacetada identidade do leste e do sul, com sua mistura de traços culturais
russos e ucranianos. Isto teria proporcionado aos oposicionistas uma organização
ímpar nos eventos de novembro de 2004. Contudo, as províncias do oeste o
bastariam para sustentar o movimento, o que foi alcançado com o apoio das
províncias centrais da Ucrânia. Unidos, pela primeira vez, de fato e não apenas
formalmente como ocorrera em 1919, o centro e o oeste do país atingiram a vitória.
Na medida em que o leste-sul e o oeste ucraniano conformam uma acentuada
polaridade e que nenhum dos dois possui força para governar sozinho, a Revolução
Ucraniana confirmou que a decisão dos rumos políticos do país cabe à região central
do país (AREL, 2006, p. 5-7).
Não objeções a serem feitas ao raciocínio de Arel, mas convém
acrescentar que mesmo com a vitória dos grupos de inspiração nacionalista nas
eleições presidenciais de 2004, a política ucraniana continuou polarizada, como o é
desde a independência do país. Os números demonstram isso. Yanukovich recebeu
uma grande votação e sua distância para o vencedor, considerando que eram
apenas dois candidatos, não foi tão acentuada. Nas regiões leste e sul do país
Yanukovich recebeu 79% e 70% dos votos, respectivamente, enquanto Yushchenko
recebeu 89% na região oeste, 72% na porção leste e 78% na porção oeste da região
central. Logo, é certo afirmar que a sociedade ucraniana agiu como protagonista
política nos eventos de 2004 a partir de uma união entre os eleitores das regiões
central e o oeste, mas tal fato não concedeu impulso decisivo em direção à
separação identitária da Ucrânia com a Rússia, nem resolveu o problema quanto à
característica multifacetária de sua identidade nacional.
87
O autor faz questão de conceituar o nacionalismo como sendo “um chamado de soberania baseado numa
reclamação de distinção cultural” (AREL, 2006, p. 05).
91
Quando o foco sai do plano interno da Ucrânia e ilumina as relações
exteriores do país, constata-se que a Revolução Laranja é útil como ferramenta para
a compreensão das relações ucraniano-russas e da dinâmica do Complexo Regional
de Segurança formado pelas ex-repúblicas soviéticas. A Rússia apoiou com ênfase
o candidato situacionista Yanukovich e praticamente foi o único país a reconhecer o
resultado do segundo turno. Os movimentos ocorridos na sociedade ucraniana
demonstraram ao Kremlin que ele perdera parte da capacidade de manipular a
política doméstica do país vizinho como fizera, por exemplo, nas eleições
presidenciais de 1994. Não que a ascendência política russa tenha se extinguido,
mas certamente desde 2004, a sua utilização demanda mais esforços do Kremlin do
que os até então empregados. A Revolução Laranja tamm significou para a
Rússia a concretização de seu maior temor, o de que outras grandes potências
consigam se imiscuir na região da qual é o centro de poder político e econômico.
Utilizando a terminologia de Buzan e Weaver, assim que as potências ocidentais
perceberam na Revolução Laranja a emersão de um padrão de inimizade entre
Rússia e Ucrânia, elas aproveitaram a brecha aberta pela última para penetrar nos
assuntos da região mediante uma aproximação com Kiev, com o intuito de, a partir
daí, tentar contrabalançar o poder russo na tradicional área de influência de Moscou.
Os desdobramentos posteriores da Revolução Laranja na política doméstica
ucraniana demonstraram que a unidade sonhada pelos nacionalistas não seria
atingida com a parceria do presidente Viktor Yushchenko com a primeira-ministra
Yulia Tymoshenko, a segunda principal figura política e simbólica da Revolão
Laranja. No mês de setembro de 2005 diferenças políticas entre as duas peças
centrais da “coalizão laranja” fizeram com que Yushchenko destituísse Tymoshenko
de seu cargo. Nas eleições parlamentares de março de 2006 o Partido das Regiões
e seu líder, Viktor Yanukovich, voltaram à cena política
88
. A rivalidade com
Tymoshenko levou Yushchenko a se aliar com Yanukovich, o qual foi nomeado
primeiro-ministro em agosto de 2006. O acordo entre os contendores de 2004
provou que a coesão entre os grupos mais “ocidentalistas” da Ucrânia o é
indissolúvel e que as regiões leste e sul do país possuem força política, razão pela
qual seus interesses não podem ser esquecidos. Menos de um ano depois, as
88
Os três partidos mais votados foram estes: Partido das Regiões (partido de Yanukovich), 32,14% dos votos e
186 cadeiras; Bloco Yulia Tymoshenko, 22,29% dos votos e 129 cadeiras, e Nossa Ucrânia (partido de
Yushchenko), 13,95% dos votos e 81 cadeiras. Fonte: Comissão Eleitoral Central da Ucrânia. Endereço
eletrônico: http://www.cvk.gov.ua/vnd2006/w6p001e.html. Último acesso em 22/03/2008.
92
diferenças programáticas entre o presidente e o seu primeiro-ministro, que foram
momentaneamente deixadas de lado em 2006, acentuaram-se, o que levou à nova
dissolução do parlamento, em 02 de abril de 2007. No dia 18 de dezembro do
mesmo ano, Tymoshenko voltou ao cargo de Primeira-Ministra
89
, porém, suas
relações com Yushchenko não são mais as mesmas de 2004.
A fragmentação identitária é uma das explicações para as dissoluções e
formações de novos gabinetes na Ucrânia desde 2004, posto que é muito difícil que
um governo consiga atender a grupos políticos cujas visões acerca da identidade e
dos interesses nacionais são ainda bastante díspares. Até mesmo entre o bloco
considerado vencedor da Revolução Laranja dissonância entre o ocidentalismo
mais radical de Tymoshenko
90
e o centrismo de Yushchenko. Apesar disso, os
acontecimentos políticos ucranianos podem ser avaliados de um ponto de vista que,
em tese, favorece a distinção da Ucrânia em relação à Rússia. A alternância de
gabinetes revela um amadurecimento das instituições democráticas ucranianas que
não é visto no país vizinho. A regra na Rússia tem sido a centralização de poder no
Kremlin em eleições nas quais o partido do governo vence com ampla maioria, sob
severas acusações de aproveitamento da máquina estatal
91
. Na Ucrânia, desde
2004, diferentes grupos com opiniões divergentes têm se revezado no poder
mediante eleições, a princípio, sem contestações e que não geram crises sociais
intensas. Pode-se então, dizer que há indícios de que a Ucrânia está se livrando do
autoritarismo político herdado dos tempos soviéticos. Se hoje este fato pode não ser
tão decisivo, no futuro ele poderá ajudar a Ucrânia na formação de uma maior
distinção identitária com o seu antigo dominador.
89
Nas eleições parlamentares de 30 de setembro de 2007, os resultados dos três maiores partidos do país foram
estes: Partido das Regiões: 34,37% dos votos, Bloco Yulia Tymoshenko: 30,71% dos votos e Nossa Ucrânia:
14,15% dos votos. Fonte: Comissão Eleitoral Central da Ucrânia.
http://www.cvk.gov.ua/vnd2007/w6p001e.html. Último acesso em 22/03/2008.
90
Presume-se que os Estados Unidos tenham apoiado Tymoshenko desde a Revolução Laranja até sua re-
nomeação como Primeira-Ministra. O objetivo norte-americano seria de defender seus interesses na Ucrânia e,
por conseguinte, na região. O modo de consegui-lo seria o fortalecimento da polarização da política ucraniana, o
que, em teoria, cria um padrão de inimizade entre parte da sociedade da Ucrânia e a Rússia (TSYGANKOV,
2007).
91
Em 2004, Vladimir Putin foi eleito para um segundo mandato, com 71,31% dos votos. Nas eleições
parlamentares de 02 de dezembro de 2006, o partido Rússia Unida, capitaneado por Putin, recebeu 64,1% dos
votos (quase a maioria absoluta de 66%, o que garantiria a aceitação de qualquer votação na Duma).
Recentemente, no pleito de março de 2008, o candidato à presidência apoiado por Putin, Dimitri Medvedev,
recebeu 70,28% dos votos. As duas últimas eleições mencionadas foram amplamente questionadas pelos
organismos de controle eleitoral europeus.
93
2.6. BELARUS
Dentre todos os novos Estados surgidos com o fim da União Soviética,
Belarus é o que manteve maior proximidade com a Rússia, chegando até mesmo a
desejar, em determinado período, um novo modelo de união formal com a ex-
metrópole. Os laços culturais e históricos compartilhados com os russos fornecem
um caminho para explicar a dificuldade que Belarus tem de seguir seu rumo como
Estado autônomo, completamente separado de seu Outro Significante. Como visto
no sub-capítulo anterior, a Ucrânia tamm está ungida cultural e historicamente
com a Rússia, e esta também é o seu Outro Significante, contudo suas atitudes
perante a ex-metrópole são bastante diversas das tomadas por Belarus. Tal
diferenciação pode ser esclarecida à luz dos processos de formação das identidades
nacionais dos dois Estados. Para tanto, convém aplicar a Belarus os mesmos
critérios de avaliação do estágio de autonomia da identidade nacional do país em
relação ao ex-império que foram utilizados quando do estudo da realidade
ucraniana. Antes de ingressar na análise dos critérios referidos, convém fazer breve
referência à estrutura espacial do poder na política bielo-russa e ao movimento
nacionalista bielo-russo, o que é útil não somente para compreender o processo de
formação identitária do país, mas tamm para traçar um paralelo com a Ucrânia.
2.6.1. A Centralização do Poder em Minsk
Internamente, Belarus é dividido em seis proncias, sendo a principal delas
aquela na qual está localizada a capital do país, Minsk. Situada no centro do
território bielo-russo, Minsk abriga uma população de um milhão e setecentos mil
habitantes, o que representa mais ou menos 20% do total da população do país
92
. A
localização geográfica, a densidade populacional, a importância econômica e a
tradição centralizadora herdada dos tempos soviéticos fazem com que a capital seja
92
Segundo o site da Presidência da República de Belarus, a população total do país é de 10.200.000 habitantes.
Fonte: http://www.president.gov.by/en/press28823.html.
94
o grande foco de poder do Estado
93
. Logo, no concernente às disputas poticas
internas, a situação de Belarus é muito diferente da ucraniana, pois o regionalismo
desta se opõe à centralização de poder bielo-russa. A diferença na distribuição do
poder doméstico reflete na formação das identidades nacionais de Ucrânia e de
Belarus, pois a centralização favorece à que bielo-russos desenvolvam um
sentimento mais ou menos unívoco em relação à ex-metrópole, o que não ocorre em
um Estado dividido como o dos ucranianos. Sentimento este que, ressalte-se, não
aponta para o afastamento da órbita russa.
2.6.2. O Nacionalismo Bielo-russo
Assim como ocorre com a Ucrânia, Belarus possui um movimento
nacionalista, a citada Frente Popular Bielo-russa (FPB). Da mesma forma que o
seu par ucraniano, o movimento nacionalista bielo-russo provém da porção oeste do
país, incorporada definitivamente à União Soviética em meio à II Guerra Mundial. A
plataforma de ambos é semelhante, posto que fundamentada no resgate da cultura
e dos costumes nacionais, na identificação do país com a Europa Central e no
desejo de afastamento da órbita da Rússia, considerada um eterno Estado
imperialista. Todavia, as similitudes param por aqui.
Uma ressalva que de ser feita quando se comparam os nacionalismos
ucraniano e bielo-russo concerne à falta de uma regionalização profunda em
Belarus, o que foi mencionado acima. Falar no oeste bielo-russo e no oeste
ucraniano significa aludir a duas realidades diversas. Além da centralização
estrutural e organizacional de Belarus, a história explica as diferenças entre as
porções oeste dos dois países. Esta parcela do território bielo-russo foi conquistada
pelo Império Russo em 1795, após a terceira partição da Polônia, e permaneceu sob
domínio de Moscou até 1921, quando foi cedida à Polônia pelo Tratado de Riga. O
controle russo foi formalmente retomado em 1939, mas apenas consubstanciado
93
O fato de estar localizada bem no meio do país faz com que Minsk seja o centro de todas as suas rotas
comerciais. Isto a torna o principal pólo de atração da população que sai da zona rural e até mesmo de outras
cidades do Estado. O seu predomínio foi acentuado na época soviética. Entre 1959 e 1973, Minsk cresceu 104%,
abrigava por volta de um terço de toda a produção industrial do país e 58% dos estudantes do ensino superior.
(MARPLES, 1999, p. 51). Portanto, desde os tempos da União Soviética, a cidade concentra o poder intelectual
e econômico do país, o que também à acarreta o poder político.
95
cinco anos depois, com o fim da invasão alemã. Portanto, durante mais de cem anos
e no transcorrer de todo o século XIX, época do florescimento do nacionalismo, o
oeste bielo-russo era parte do Império Russo, saindo de tal condição apenas por
dezoito anos.
O longo tempo de subjugação ante a Rússia foi acompanhado de intenso
processo de russificação que teve início no século XIX, foi interrompido entre 1921 e
1939, e depois seguiu na época soviética. Como se verificará a seguir, o resultado
das políticas imperiais russas em relação a Belarus produziu efeitos em “todas as
facetas da vida cultural e da consciência” do povo bielo-russo (MARPLES, 1999, p.
107). Tal fato ajuda a esclarecer porque mesmo com a independência do Belarus em
1991 o movimento nacionalista não teve apoio popular, e nem mesmo das elites
políticas do país.
Aliás, a própria declaração de independência de Belarus foi muito mais um
reflexo do que ocorria no momento com todas as outras repúblicas socialistas
soviéticas, e, em especial a russa, do que um ato ocasionado por amplas
manifestações, passeatas e reivindicações do povo bielo-russo por autonomia e
liberdade do império. Ainda assim, alguns dos símbolos nacionais defendidos pela
FPB foram adotados, como a bandeira branca com uma faixa horizontal vermelha e
o brasão do Ducado da Lituânia.
Nos anos seguintes à independência, as disputas eleitorais bielo-russas dão
um panorama da pequena aceitação das idéias nacionalistas que implicam em
afastamento da Rússia. Nas eleições parlamentares de 1990, quando Belarus ainda
era uma república socialista soviética, a Frente Popular do Belarus recebeu menos
de 8% do total de cadeiras no Soviete Supremo. A independência do país não
alterou a constituição do Parlamento, amplamente dominado pelos comunistas e ex-
comunistas.
Entre 1991 e 1993, as duas principais lideranças políticas eram Vyacheslau
Kebich e Stanislau Shuschkevitch. Embora ambos fossem ex-membros da
burocracia soviética, seus posicionamentos divergiam. O primeiro era contrário a
reformas no país, fruto que era do pensamento soviético e comunista. Já o segundo,
professor universitário, acreditava que Belarus deveria se manter como um Estado
neutro no sistema internacional e internamente haveria de sofrer reformas rumo à
democracia. A queda-de-braço pendeu para Kebich, que assumiu o poder em 1994.
96
No mesmo ano, ocorreram eleições presidenciais. No primeiro turno, o
candidato Aleksandr Lukashenko recebeu 45,1% dos votos, seguido de Kebich, com
17,4%. O candidato do Partido da Frente Popular Bielo-russa (PFPB), Zyanon
Pazniak, recebeu somente 12,9% dos votos. No segundo turno, Lukasehnko foi
eleito com 80,1% dos votos contra 14% de Kebich. Desde que assumiu a
presidência do país, cargo que mantém até hoje, Lukashenko se revelou um homem
de ação com pensamentos e práticas tipicamente soviéticas, o que o faz ser
considerado por muitos um ditador
94
. As seguidas tentativas de construir uma nova
espécie de união com a Federação Russa
95
, mas sem que a soberania de Belarus
fosse perdida, revela tintas soviéticas nos atos do presidente, pois ao mesmo tempo
em que procura uma aproximação definitiva com a Rússia, não deseja largar o poder
de que desfruta
96
.
O ano de 1995 foi revelador do encolhimento do partido nacionalista bielo-
russo. Nas eleições parlamentares, o PFPB não conseguiu eleger nenhum
deputado, nem mesmo seu líder Pazniak. Ainda naquele ano foi realizado amplo
plebiscito, cujos resultados foram sensivelmente contrários aos interesses dos
nacionalistas e favoráveis aos projetos políticos que ressaltassem uma espécie de
irmandade eslava entre bielo-russos e russos. O plebiscito era composto por quatro
perguntas. A primeira delas abordava o reconhecimento da língua russa como língua
nacional ao lado da bielo-russa. Uma imensa maioria de 83,3% aprovou a proposta.
O mesmo percentual de votantes aprovou a proposta presidencial de integração
econômica com a Rússia. A troca dos símbolos nacionais foi sustentada por 75,1%
do eleitorado
97
, ao passo que 77,7% deram poderes ao presidente para dissolver o
parlamento em caso de violação constitucional (MARPLES, 1999, p. 75).
A desilusão quanto aos rumos do movimento nacionalista pode ser medido
por declarações de seus próprios líderes. Após o referendo e as eleições de 1995,
94
As tendências francamente autoritárias de Lukashenko são consideradas as principais razões pelas quais
Belarus não consegue se aproximar da União Européia. Em carta aberta à União Européia, o líder do Movimento
pelo Belarus Livre, Aliaksandr Milinkevich (preso pelo regime de Lukashenko em 2006 em meio a
manifestações contra o governo) clama à União Européia que reconheça no Belarus um Estado europeu e que
ajude na busca de plena liberdade e democracia no país (MILINKEVICH, 2007).
95
Tendo em vista que o desejo de Lukashenko de se unir à Rússia está relacionado também com fatores
econômicos, uma análise mais detalhada sobre o assunto será realizada no capítulo destinado às ligações
econômicas entre os países.
96
A questão de como Belarus conseguiria manter sua autonomia sem ser engolfado pela Rússia numa hipotética
junção entre os dois países nunca foi claramente respondida por Lukashenko.
97
A bandeira nacional proposta por Lukashenko era idêntica à bandeira da República Socialista Soviética da
Bielo-Rússia, mas sem a foice e o martelo. O símbolo nacional passou a ser um brasão também muito parecido
com aquele utilizado durante o peodo soviético.
97
Pazniak afirmou que “a maioria dos bielo-russos é indiferente à sua cultura nacional
e à cidadania recebida”, o que seria “conseqüência de um pensamento colonial e da
inexistência de uma consciência nacional” (Pazniak, 1995, p. 150-152, apud
ABDELAL, 2001, p. 139).
Cumpre agora analisar se os fatores históricos e culturais que incidem na
formação da identidade nacional bielo-russa dão vazão ao pessimismo demonstrado
pelo líder do BFPB.
2.6.3. Fator Histórico
Adotando idêntica ordem à utilizada no tocante à Ucrânia, o primeiro dos
critérios a ser aplicado na análise de Belarus é a sua existência pretérita como
Estado autônomo. A fim de justificar a independência do país e sedimentar o
sentimento de soberania, os nacionalistas bielo-russos procuraram divulgar os feitos
do Grande Ducado da Lituânia como conquistas imemoriais do povo bielo-russo.
Segundo o posicionamento que sustentavam, as elites do ducado eram compostas
por eslavos que falavam o bielo-russo e todos os seus estatutos eram escritos nesta
língua. Estes fatores demonstrariam a influência política e cultural dos bielo-russos
no governo do ducado. A grande vitória militar dos lituano-bielo-russos ocorreu em
1514, quando derrotaram o exército de Moscou. O lapso entre tal data e o Acordo de
Lublin, em 1569, era considerado pelos nacionalistas um exemplo de que Belarus
possuíra um Estado próprio, excluído do domínio exercido pelo Império Russo e que
fazia parte da comunidade cultural e política européia (ABDELAL, 2001, p. 135).
O intuito nacionalista de utilizar o Grande Ducado da Lituânia como exemplo
de organização estatal bielo-russa ancestral enfrentava dois problemas sérios. O
primeiro era a dificuldade de se estabelecer uma relação étnica que ligasse direta e
indiscutivelmente os guerreiros da época aos bielo-russos do século XX. O segundo,
e mais grave, era intrínseco à própria história do ducado: glorificar a conquista de
1514 implicava em fortalecer uma visão negativa dos russos, que, afinal de contas,
foram os inimigos derrotados daquela batalha. Quando da independência do país,
logo após décadas de russificação e estabelecimento de laços com os russos, o
98
povo de Belaruso estava pronto para modificar tão prontamente a avaliação
positiva que possuíam de seus vizinhos do leste (TRENIN, 2001, p. 161).
Afastada a possibilidade de o Grande Ducado da Lituânia servir como modelo
de soberania, restava à elite intelectual nacionalista do país lembrar da República da
Bielo-Rússia, formada em meio à confusão dos primeiros anos da União Soviética
98
.
Contudo, melhor sorte não aguardava os líderes da Frente Popular Bielo-russa.
Além do fato de ter durado apenas dez meses, nos quais ficou sob as asas
germânicas, a República Bielo-Russa foi, antes, um movimento de intelectuais bielo-
russos do que um desejo da população por independência. Uma experiência elitista,
de curtíssima duração e subjugada aos interesses de outra poncia não poderia
gerar uma recordão popular que servisse de esteio para a criação de uma forte
identidade nacional autônoma, principalmente quando vangloriada por outro
movimento proveniente da elite intelectual de Minsk como era a FPB.
Sem conseguir recuperar uma memória coletiva de soberania, a elite
nacionalista bielo-russa não conseguiu disseminar a idéia de que Belarus havia
sido um Estado independente da influência russa e que isto deveria ser resgatado
para o bem do futuro do país. Assim sendo, não pode ser vislumbrado no passado
de Belarus um momento histórico relevante como ente autônomo do sistema
internacional, nem mesmo a construção de mitos, lendas e heróis nacionais como os
cossacos ucranianos, ou a origem primeira da Kievan Rus. Destarte, sob este
prisma, é muito difícil para os bielo-russos desenvolverem uma identidade separada
da dos russos, pois por muitos séculos fizeram parte dos impérios mantidos pelo
vizinho eslavo.
2.6.4. O Fator Étnico
No tocante à questão étnica, cabe lembrar que, como os russos, os bielo-
russos são eslavos orientais, o que garante uma ligação cultural entre os dois
98
Cabe frisar que a própria República da Bielo-Rússia também buscou estabelecer ligação com o Grande
Ducado da Lituânia, escolhendo o símbolo nacional deste para ser o seu brasão. A fim de reforçar a existência de
uma linhagem entre os três “Estados”, a Frente Popular Bielo-Russa escolheu como símbolo o mesmo brasão,
que consiste num guerreiro vestido com uma armadura branca, montado em um cavalo. O brasão do Ducado da
Lituânia foi escolhido mediante referendo como o símbolo nacional da Lituânia em 1992. No país ele é
conhecido como Vytis (cavaleiro branco) e em Belarus ele é chamado de Pahonia (caçador).
99
povos. Ligação esta que foi reforçada durantes os impérios czarista e soviético,
tendo em vista o processo de russificação sofrido por Belarus. As políticas imperiais
russas aproveitaram a inexistência de um nacionalismo ferrenho bielo-russo para
reforçar a idéia de comunhão entre os dois povos. Os dados atuais de Belarus
mostram que os planos russos atingiram seus objetivos. Apesar de o contingente de
etnicamente russos em Belarus ser de apenas 11,4% da população frente a 81,2%
de bielo-russos, a influência étnica russa é considerável
99
. Isto porque, apesar de
estabelecer diferença entre si e os russos, os bielo-russos consideram os dois povos
irmãos, pertencentes a uma comunidade eslava mais abrangente, a qual abarca
também os ucranianos (ABDELAL, 2001, p. 138).
Não é cil enxergar uma nação irmã, com a qual habitualmente se
fortaleceram laços culturais, como um oposto, alguém de quem é necessário se
diferenciar. Logo, pode-se dizer que a proximidade étnica de russos com bielo-
russos é outro elemento que dificulta sobremaneira o sucesso dos primeiros em
estabelecer uma autonomia identitária que lhe possibilite o fortalecimento de uma
autocompreensão como Estado independente, separado da ex-metrópole.
2.6.5. A Questão Lingüística
Por fim, cumpre lançar luzes sobre o aspecto dotado de maior poder
complicador para a construção de uma identidade nacional puramente bielo-russa,
qual seja, a língua do país. Os períodos de dominação russa ocasionaram efeitos
deletérios à preservação da ngua bielo-russa
100
. Foi dito que no território bielo-
russo não havia um nacionalismo exacerbado quando foi totalmente incorporado à
União Soviética. No entanto, ao menos naquela época a maioria da população da
República Socialista da Bielo-Rússia falava bielo-russo como sua primeira língua.
Passadas algumas décadas, a situação mudou. Por exemplo, durante os anos 1970,
nenhuma das noventa e cinco cidades da república possuía uma escola que
ensinasse seus alunos a falar bielo-russo. E, em 1984, apenas um terço da
99
Fonte: Portal de Internet oficial do presidente da Reblica de Belarus: endero eletrônico:
http://www.belarus.by/en/belarus/about/nationality/. Último acesso: 19/03/2008.
100
Durante os anos 1970, nenhum das noventa e cinco cidades da república possa uma escola que ensinasse
seus alunos a falar bielo-russo (MARPLES, 199, p. 50).
100
população local falava em sua língua nativa no seu dia-a-dia, sendo que esta
parcela estava desproporcionalmente concentrada na população rural com idades
entre 35 e 40 anos (MARPLES, 1999, p. 50).
No caso bielo-russo, tal situação foi configurada devido a um duplo
movimento inter-relacionado ocorrido na era soviética. A crescente industrialização
da economia da URSS retirava as pessoas do campo e as levava para as cidades.
Nestas, a utilização do russo como língua oficial em detrimento das línguas locais
era amplamente difundido, logo, quanto mais a população praticava o êxodo rural,
maior era o confinamento das línguas regionais aos campos, nos quais a população
diminuía. Belarus sentiu os efeitos desta política, pois aos poucos o bielo-russo foi
desaparecendo como língua oficial da república socialista, ficando muito restrito à
parcela da população de idade mais avançada, que se recusava a abandonar suas
terras para morar nas cidades.
A despeito das tentativas de combater a russificação, realizadas
principalmente nos tempos da Perestroika, quando havia abertura para este tipo de
movimento, a correlação do uso do russo e do bielo-russo não se alterou muito com
a independência do Belarus. Em 1999 foi realizada interessante pesquisa que
cruzou os dados entre nacionalidade e língua falada em casa pelos habitantes do
país. Do total da população, 62,8% falava o russo em seus lares, enquanto apenas
36,7% falavam o bielo-russo. Entre os de nacionalidade bielo-russa, 41,3% falava a
sua língua nativa em casa, ao passo que 58,6% do grupo falava o russo. Já entre os
russos, a situação era bem diversa, pois 95,7% destes falavam sua língua-mãe em
seus lares, sendo que apenas 4,3% falava o bielo-russo (DRAKOKHRUST, 2007,
p.141)
101
. Os resultados demonstram com clareza o nível de penetração da língua
russa na sociedade bielo-russa, eis que até mesmo os bielo-russos preferem falar o
russo no aconchego de seus lares; são concordes com a decisão popular bielo-
russa, manifestada no plebiscito de 1995, de conceder à língua russa o status de
língua oficial do país. Diante destes dados, é impossível negar a considerável
influência da cultura russa sobre a cultura bielo-russa, fruto da proximidade entre
ambas, mas também dos séculos de dominação imperial imposta por Moscou.
101
Convém frisar que o alastramento do uso da língua russa ocorre muito mais em função dos próprios bielo-
russos do que dos russos. Isto porque estes representavam, ao tempo da pesquisa em voga, apenas 12% da
população total do país.
101
foi dito anteriormente que os movimentos nacionais bielo-russos, assim
como todas as lideranças, provêm das elites intelectual e política do país. É natural
que assim seja quando o Estado não possui um forte sentimento nacional arraigado
pelas lembranças de um passado claro de autonomia. No caso de Belarus, o que
merece questionamento é até que ponto as elites do país conseguirão fomentar uma
identidade nacional distinta da russa quando o grosso da população continua
fortemente apegada a alguns traços culturais do país vizinho, fruto de cadas de
russificação (MARPLES, 1999, p. 54). O fato de que quase dois terços da população
falar a língua russa no seu cotidiano é grave para as pretensões identitárias de
Belarus, pois a língua é o traço mais elementar da cultura de um Estado. Se as
pessoas não se comunicam diariamente em bielo-russo, como esperar que elas se
sintam verdadeiramente bielo-russas, ao invés de identificarem-se como parte de
uma irmandade eslava que engloba russos e ucranianos? David Marples fornece
uma resposta negativa a esta questão, sustentando que, para Belarus, o
desenvolvimento nacional sem a língua nativa, especialmente sob a sombra de um
vizinho eslavo muito maior e com uma tradição histórica de império, é virtualmente
impossível (MARPLES, 1999, p. 52).
2.6.6. Religião
Um traço cultural cuja importância é inegável quando se estudam as
proximidades e distanciamentos entre dois países é a religião por eles professada.
Ainda que o número de fiéis religiosos em Belarus tenha diminuído ao longo dos
anos em relação aos ateus, o aspecto religioso é outro elemento que expõe o
intenso imbricamento entre russos e bielo-russos, o que reforça a identificação entre
os dois povos. Os bielo-russos que são fiéis à Igreja Ortodoxa Russa representam
entre 73% e 80% da população. Os católicos romanos variam entre 13% e 15%,
dependendo da pesquisa. Outros grupos representativos são os protestantes e os
judeus, que possuem, cada um, por volta de 2% de fiéis do total (DRAKOKHRUST,
2007, p. 143). Conclui-se que a religião dos bielo-russos é a mesma dos russos,
dado que garante entre ambos um certo nível de compartilhamento de ideais e visão
de mundo, tendo em vista que a religião organizada abastece muitos dos canais
102
pessoais e de comunicação coletiva dos símbolos e mitos étnicos. Os padres não
apenas gravam e transmitem esses mitos e lendas, eles servem de guardiões e
condutores do simbolismo...” (SMITH, 1999, p. 36, apud IOFFE, 2003, p. 1242).
Por todo o exposto, no tocante à formação identitária de Belarus é possível
fazer as considerações que seguem. O país possui homogeneidade sócio-política, o
que não é vislumbrado na regionalizada Ucrânia. Caso se considere que a dimensão
unitária de um Estado é medida pelo compartilhamento que sua sociedade tem da
sua história, de seus mitos, de sua linguagem e de sua religião, independentemente
da exclusividade destes fatores em relação a outros Estados, então Belarus possui
esta dimensão de sua identidade nacional bem formada. Todavia, a coesão
vislumbrada não leva os bielo-russos a constituírem uma identidade nacional própria,
forte e separada daquela do Estado que os dominou por séculos, eis que na base
sobre a qual se sustenta a unidade encontra-se uma profunda influência cultural,
étnica e historiográfica russa. Em função de tal situação, a dimensão distintiva da
identidade nacional bielo-russa é abalada, pois a antiga subjugadora continua sendo
encarada a partir de uma valoração muito positiva, o que fortalece os laços entre
ambas e afasta o Estado pós-imperial dos demais entes do sistema internacional.
Estas fraquezas da identidade nacional bielo-russa acarretam potenciais
constrangimentos a sua política externa, posto que um eventual afastamento
acentuado da Rússia, como ameaçou o presidente Lukashenko, não se afigura
possível. Por mais poder que o presidente segure em suas mãos, ele não poderá
ignorar por completo os laços culturais que seu povo mantém com os russos, muito
menos as afinidades provenientes desta forte ligação. E mesmo que os nacionalistas
bielo-russos conseguissem chegar ao poder num futuro próximo, se afiguraria muito
complicada uma mudança radical no vetor da política externa do Estado que é
acertadamente considerado como o maior aliado da Rússia desde o fim da União
Soviética. Destarte, conclui-se que os fatores históricos, culturais e identitários
contribuem para as relações com a Rússia sejam fundamentais para Belarus, quadro
este que não deve ser alterado no futuro próximo.
103
CAPÍTULO 3: A GEOPOLÍTICA NAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E
BELARUS
No capítulo destinado à recapitulação histórica das relações entre os Estados
em foco vimos que existiu um padrão de conquistas e perdas territoriais por parte da
Rússia desde a primeira invasão mongol sobre a Kievan Rus. As alterações na
fortuna das guerras e das invasões fomentaram nas elites e no povo russo a noção
de que a posse de territórios significava segurança e poder. Não é por outra razão
que o imperialismo russo detinha no seu imaginário a extensão geográfica como
medida de grandeza política
102
. Os movimentos de expansão e retração do império
russo invariavelmente envolveram, integral ou parcialmente, os territórios que hoje
pertencem aos Estados ucraniano e bielo-russo. Dado o padrão de interação
sedimentado durante séculos entre os países observados, cujo mote é o controle
político territorial via dominação física baseada na força, os conceitos geopolíticos
continuam presentes na formulação das políticas externas destes países,
principalmente quando é observada a dinâmica que estabelecem entre si. Portanto,
cumpre estudar qual o nível de penetração destes conceitos nas relações tripartites
em epígrafe.
Mencionar a geopolítica como um elemento influenciador nas concepções de
política externa de um Estado qualquer exige que se estabeleça criteriosamente qual
a compreensão acerca do alcance teórico deste elemento na espécie. Essa é a
primeira tarefa a ser enfrentada no presente capítulo. A segunda é realizar breve
exposição dos conceitos teóricos da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança
102
“Por séculos, a Rússia viu a si mesma como um mundo em si mesmo, uma Terceira Roma, um universo auto-
sustentado. Políticas territoriais, desde a expansão geográfica até o controle irrestrito de fronteiras eram a chave
tanto da vangloriada Idéia Russa (a qual era basicamente a de um universo imperial), quanto da percepção de
uma missão russa no mundo, bem como da organização política e econômica do Estado russo” (TRENIN, 2001,
p. 18).
104
de Buzan e Waever que são afins à concepção de geopolítica operacionalizada, e
qual a capacidade de que os mesmos colaborem com o estudo da dinâmica
tripartite. Após, será concedido destaque às visões que os três países estudados
possuem sobre as questões geopolíticas que, atualmente, manm seus destinos
imbricados.
O objetivo principal do capítulo é procurar demonstrar que as políticas
externas desenvolvidas por cada um dos Estados observados com relação aos dois
outros parceiros o influenciadas pelos fatores geopolíticos. E que esta influência,
dada a sua proeminência, acaba por conferir singularidade às relações interestatais
estudadas.
3.1. CONCEITO DE GEOPOLÍTICA A SER UTILIZADO
O conceito de geopolítica utilizado neste capítulo tem a ver com o seu
aspecto mais elementar, qual seja, a ligação da geografia com a política, ou, em
outras palavras, a análise dos efeitos do espaço geográfico sobre o poder. Não
serão defendidas, nem mesmo abordadas, as chamadas teorias clássicas
geopolíticas, como a do domínio marítimo de Alfred Mahan, ou do domínio terrestre,
sustentada por Halford Mackinder
103
. Da mesma forma, apesar de a rego estudada
pertencer à Eurásia, a análise não estará focada na correção ou não das teses
sobre a conquista do heartland, também de Mackinder, ou dos rimlands, formulada
por Nicholas Spykmam
104
. Não se está aqui duvidando ou menosprezando a
validade das chamadas teorias de geopolítica, ocorre que o foco da observação está
103
Alfred Mahan, ao analisar a história marítima, bem como o poderio do Império Britânico, sustentou que o
Estado preponderante no sistema internacional seria aquele que dominasse os mares. Por sua vez, analisando os
avanços tecnológicos como a estrada de ferro e o aumento exponencial dos veículos à combustão, Mackinder
contrariou Mahan ao dizer que o Estado mais poderoso seria aquele que possuísse o domínio terrestre.
104
Em discurso proferido na Royal Geographic Society de Londres, Mackinder lançou a tese de que a área mais
importante da política internacional era a Eurásia, tendo em vista os recursos naturais de que dispunha e sua
localização. A tese estava sustentada em três proposições: “Quem governa a Europa do leste controla o
heartland. Quem governa o heartland domina a ilha-mundo da Eurásia. E quem controla a Eurásia, controla o
mundo.” Posteriormente, com o advento das guerras mundiais e o avanço tecnológico, Nicholas Spykman
asseverou que os rimlandsreas que circundavam o heartland) é que eram as regiões a serem dominadas pelas
grandes potências, pois com isto se tornaria possível criar linhas de comunicação e crescimento industrial que
cercariam o heartland. O estudo de Spykman serviu de base para a política de contenção norte-americana em
relação à Uno Soviética (DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003, p. 209).
105
centrado nos elementos que compõem a matéria geopolítica e não nas construções
teóricas que se fizeram a partir deles.
Feita a ressalva necessária, cumpre retornar à compreensão de geopolítica a
ser usada para o desenvolvimento da análise proposta. Nas palavras de Saul B.
Cohen a essência da análise geopolítica consiste na relação entre o poder político
internacional e o contexto geográfico.” (COHEN, 1973, apud DOUGHERTY e
PFALTZGRAFF, 2003, p. 199)
105
. A definição do autor, apesar de sucinta, é precisa.
Uma das características principais do sistema internacional é ser uma arena onde a
distribuição de poder entre seus atores é um elemento fundamental. Na falta de uma
entidade superior que exerça um comando centralizado e indubitável, os partícipes
do sistema precisam angariar poder, a fim de satisfazerem seus interesses. Não há
o exagero do estado de natureza hobbesiano, mas existe uma disputa perene de
poder na política internacional, a qual se revela através dos mais variados meios,
tais como guerras, coações, alianças, negociações e até mesmo tratados e acordos
baseados nas regras do Direito Internacional.
E quem são os principais atores que compõem este sistema? Os Estados.
Estes continuam sendo o principal lócus de decisões políticas na arena
internacional, ainda que não desfrutem do poder de outrora. A aceleração da
globalização, a volatilidade do capital financeiro, o surgimento de blocos regionais
que almejam a supranacionalidade (como a União Européia), e o fortalecimento de
atores como as empresas transnacionais podem ter minado o papel do Estado, a
ponto de vários autores falarem em crise do Estado-nação
106
. Contudo, o poder
105
A escolha por utilizar o conceito de geopolítica exposto é consciente acerca da posição de alguns especialistas
que consideram tal definição ultrapassada em função das transformações ocorridas no sistema internacional,
sobretudo a partir do fim da cada de 1970, tais como a Terceira Revolução Tecnológica, a globalização, a
intensificação do fluxo de capital financeiro, a migração, os avanços da comunicação, entre outros. Citamos John
Agnew como exemplo dessa compreensão, digamos, “pós-moderna” da geopolítica (Agnew denomina a
geopolítica dos séculos XIX e XX, centralizada em Estados e zonas de influência de geopolítica moderna).
Preferimos utilizar um conceito mais clássico de geopolítica em função dos países focados, os quais ainda são
Estados fundamentalmente “modernos”, que compreendem o sistema internacional a partir de uma visão
estatocêntrica que abrange questões como zona de influência e balança de poderes, como será visto adiante.
Ressalte-se que Buzan e Weaver consideram a Rússia um estado moderno, o qual é definido pelos autores como
possuidor das seguintes características: politicamente, o governo exerce controle sobre a sociedade. No aspecto
identitário, o Estado se enxerga como uma entidade auto-suficiente, dotada de uma cultura distinta.
Economicamente, os governos de tais Estados adotam políticas mercantilistas. No tocante às fronteiras estatais,
elas são consideradas como barreiras contra influências políticas, econômicas e culturais externas. Por fim, a
soberania estatal é considerada sacrossanta (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 22).
106
Em contraponto aos autores que advogam a crise do Estado-nação, Ellen Wood assevera: No presente
momento, deveria estar claro que a globalização o é um mundo economicamente integrado e também não é
um sistema de Estados-nação decadentes. Pelo contrário, o Estado está no coração do novo sistema global [...] o
Estado continua a desempenhar seu papel essencial de criar e manter as condições da acumulação de capital; e
nenhuma outra instituição, nem agência transnacional, sequer começou a tomar o lugar do Estado-nação como
106
político internacional ainda é prioritária e fortemente disputado e exercido pelos
Estados
107
.
O segundo elemento citado por Cohen na sua definição de geopolítica, o
contexto geográfico, ingressa na equação de por que os Estados que buscam poder
e praticam a política internacional estão necessariamente localizados em
determinadas regiões do globo, o que os faz deter um grupo específico de vizinhos
com os quais precisam se relacionar de alguma forma. Os cálculos estratégicos, os
contatos diplomáticos, a segurança, a obtenção e comercialização de recursos
naturais ou de produtos manufaturados indispensáveis são variáveis existentes nas
relações interestatais com as quais os líderes de um Estado invariavelmente lidam
ao formularem a política externa de seus países. No trato com estas e outras
variáveis, aqueles deverão levar em conta, em algum grau, o elemento ambiental, ou
seja, o contexto geográfico mencionado por Cohen. Isto ocorre não apenas por
causa de fatores objetivos, como a existência ou falta de recursos naturais, por
exemplo, mas também porque em cada ambiente geográfico uma distribuição
relativa de poder entre Estados vizinhos, entre Estados de uma mesma região e,
finalmente, entre estes e as potências globais e as superpotências
108
.
É imperioso frisar que, no presente estudo, a concessão de relevância aos
fatores geopolíticos das relações entre os Estados não significa elevar a geografia à
categoria de valor absoluto, dotada da prerrogativa de determinar, sozinha, o poder
das nações. As reticências de Morgenthau à degeneração da geopolítica em uma
“metafísica política” são aqui lembradas e acatadas
109
. Uma característica da própria
geopolítica corrobora a crítica feita por Morgenthau: as perspectivas geopolíticas não
são imutáveis. Tanto o contexto geográfico quanto o equilíbrio de poder entre os
administrador e garantidor coercitivo da ordem social, das relações de propriedade, da estabilidade e da
previsibilidade dos contratos, ou de qualquer outra condição básica requerida pelo capitalismo no seu dia a dia”
(WOOD, 2003, p. 159).
107
Cabe ressaltar que o Estado aqui referido não é a representação de um bloco monolítico alheio a tensões e
divisões de sua política interna. No seio deste Estado diferentes grupos de pressão e interesse em disputa pelo
poder interno. Também não se ignora que alguns destes grupos políticos internos, porventura alijados do poder,
talvez pautem suas atuações a partir de eventos ocorridos na arena internacional ou mesmo mantenham contato
com atores estrangeiros na sua busca pelo predomínio interno. Todavia, é apenas através do aparelho estatal que
um grupo pode exercer uma política externa oficial e falar oficialmente em nome de um Estado. Por tal motivo, o
termo Estado é o escolhido para representar a unidade clássica do sistema internacional.
108
O conceito de região do mundo aqui adotado está relacionado com o de Complexo Regional de Segurança
formulado por Buzan e Waever e exposto no Capítulo dois do presente trabalho.
109
No clássico Política Entre as Nações, Morgenthau dedica algumas páginas a criticar a consideração de alguns
geopolíticos de que a geopolítica era o fator único determinante do poderio das nações. Morgenthau lembra, com
propriedade, que a geopolítica apresenta um aspecto da realidade do poder nacional, mas mesmo sendo correto,
este aspecto acaba por ser distorcido por alguns geógrafos que contemplam a questão sob apenas um ângulo, o
da geografia (MORGENTHAU, 2003, p. 308 a 310).
107
Estados pode ser alterado. Ocorrendo um ou outro, ou mesmo os dois
conjuntamente, surgirá uma nova realidade geopolítica. O evento gerador das atuais
relações russo-ucraniano-bielo-russas, qual seja, o desmembramento do gigantesco
Estado soviético em quinze novos países foi considerado, com justiça, uma
modificação de geografia política de grandes proporções. Além do surgimento de
novas fronteiras em locais que antes eram apenas divisões internas de um único
Estado, fato que por si gera impacto geopolítico substancial, o “Campo
Socialista” se desfez, ocasionando correlações de poder regionais e sistêmicas
muito diferentes das vigentes durante a Guerra Fria. Portanto, na medida em que até
mesmo as fronteiras podem mudar radicalmente, o se pode afirmar que a
geografia é o fator determinante das políticas dos Estados. Ademais, é possível que
a dinâmica geopolítica de uma região sofra mudanças sem que haja sequer um
ínfimo deslocamento de fronteiras entre os Estados que a compõem. Um movimento
assim pode ocorrer devido à fluidez da política internacional e de sua distribuição de
poder. Em tal circunsncia, o aspecto geográfico (leia-se as fronteiras estatais) se
mantém inalterado, mas o fator político fornece o elemento transformador. Neste
caso, a geografia assume um papel secundário, o que vem ao encontro da
observação de Morgenthau de que “embora o espaço seja estático, o dinâmicas
as pessoas que vivem dentro dos espaços da terra” (MORGENTHAU, 2003, p. 308).
Por certo, a localização geográfica não é o único, e nem o principal, fator que
determina o quinhão de poder, a sobrevivência e as relações com seus pares de um
Estado. Entretanto, não deve ser ignorada a existência de uma proximidade entre a
política internacional e a geografia, o que torna a geopolítica um aspecto, entre
outros, repise-se, que de ser levado em consideração tanto na formulação das
políticas externas estatais quanto no estudo dessas.
A abordagem geopolítica traz para a discussão categorias que lhe são
afeitas, tais como balança de poder, zona de influência e jogo de soma zero. Nas
relações russas com Ucrânia e Belarus, estes temas ainda estão bastante
presentes. Na medida em que eles serão recorrentemente mencionados quando da
análise das políticas exteriores empreendidas ou tencionadas pelos Estados em
voga, cabe destrinchar seus significados.
A balança de poder é considerada um dos princípios básicos da teoria
realista das relações internacionais, contudo, cumpre lembrar que o poder é inerente
à política. Assim, ainda que não se adote a teoria realista como guia de análise, ao
108
se estudar a política interestatal, as relações de poder necessariamente estarão
presentes. A balança de poder já foi objeto de muita discussão, sendo que diferentes
autores encontraram diversos sentidos para a expressão
110
. Aqui, a categoria em
destaque será utilizada como a “representação de qualquer distribuição de poder
existente em determinada região”. No caso singular, a região composta pelos quinze
países nascidos da derrocada soviética. Os Estados partícipes da dinâmica
estudada, bem como os atores externos que se envolvem, de uma forma ou outra,
na política do Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético procuram
angariar poder para si ou diminuir o poder alheio, com vistas a possuir a supremacia
na região citada, ou evitar que um único país a desfrute de modo muito acentuado.
O resultado da disputa será a configuração de uma determinada balança de poder,
ou seja, a forma como este poder almejado é distribuído entre os contendores,
partilha essa que pode espelhar um equilíbrio ou uma assimetria.
A segunda categoria acima citada é a zona de influência. Matéria corrente no
período da Guerra Fria, quando as duas superpotências procuravam dividir o mundo
entre países que gravitavam sob suas órbitas, a zona de influência continua em
voga no pensamento russo, conforme se verá adiante. Ao procurar definir
abstratamente a relação entre geografia e política, Dougherty e Pfaltzgraff
forneceram indícios para uma definição de zona de influência. Essa existiria quando
um Estado tem capacidade intertemporal de projetar o seu poder para influenciar ou
controlar outro(s) Estado(s) desejado e considerado de importância geoestratégica
(DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003, p. 202). O controle, ou influência, pode ser
efetuado sobre um conjunto de Estados que formam uma região inteira, como
ocorreu com o domínio soviético sobre o Leste Europeu, por exemplo. a
relevância geoestratégica pode dizer respeito a questões econômicas, políticas ou
de segurança.
O jogo de soma zero, por sua vez, é uma compreensão da política
internacional na qual a resolução de uma disputa qualquer gerará, necessariamente,
um perdedor e um ganhador. A vitória de uma parte está diretamente relacionada à -
e é a causa da - derrota da outra parte. Inexiste a possibilidade de que ambas
vençam e percam em alguma medida, ou que os dois vençam ou os dois percam.
Como se observa, ele encerra uma visão beligerante das relações interestatais,
110
O já citado Hans Morgenthau a utiliza com quatro sentidos distintos, ao passo que Martin Wight, em sua obra
também clássica,A Política do Poder, enumera nove significados em que ela pode ser usada.
109
sendo que, em última instância, o jogo de soma zero leva ao aniquilamento do
derrotado.
Rapidamente, pode ser citado um exemplo de como as três categorias são
interconectadas. A Rússia considera o aumento de influência dos Estados Unidos no
espaço pós-soviético como uma nova configuração de balança de poder na região,
cujo efeito é diminuir a possibilidade russa de restabelecer o local como sua zona de
influência indiscutível. A perda direta de preponderância russa diante do avanço
norte-americano demonstra um cálculo cuja raiz é o jogo de soma zero.
Por fim, impende ser ressaltado que o campo de estudo da geopolítica
clássica, o qual incluía preocupações estratégicas voltadas unicamente para a
política e a militaria, foi alargado com a passagem do tempo e as conseqüentes
modificações no cenário global. Algumas dessas alterações podem ser brevemente
mencionadas. A tecnologia e seu constante avanço geraram mudanças profundas
nas formas de comunicação, no modo de guerrear e em como os Estados podem
usufruir suas potencialidades naturais. A escassez de recursos não-renováveis,
como o petróleo, se mostra cada vez mais preocupante. A mobilidade do capital, as
rotas de distribuição de produtos e o modo de produção das empresas
transnacionais são fatores que aproximaram a economia da geografia e da política,
gerando o que alguns autores chamam de mundo geoeconômico ou
geopolinômico
111
. Todos os exemplos citados de alterações no sistema internacional
influíram nos estudos geopolíticos e, para os fins propostos neste trabalho, é de
grande valia que isto tenha ocorrido. Todavia, não foi alterada a essência da
geopolítica mencionada por Cohen, a qual está focada no poder e sua relação com o
ambiente, pois possuir capacidade econômica, deter recursos naturais desejados
pelos demais Estados, ou manipular tecnologia de ponta são fontes de poder e,
justamente por tal razão, é que são almejadas pelos atores do sistema internacional.
111
“No mundo geopolinômico ou geoeconômico, a relação entre geografia e poder encontra-se na capacidade de
transferir, de um ponto para outro, bens, serviços e informação de forma mais eficiente e rápida.”
(DOUGHERTY e PFALTZGRAFF, 2003, p. 202).
110
3.2. OS COMPLEXOS REGIONAIS DE SEGURANÇA E A GEOPOLÍTICA
A Teoria dos Complexos Regionais de Segurança, de Barry Buzan e Ole
Waever, foi abordada no capítulo destinado à influência que os fatores culturais e
identitários exercem sobre as relações russo-ucraniano-bielo-russas. A possibilidade
de que a teoria em destaque seja novamente utilizada, desta feita em capítulo no
qual a perspectiva geopolítica é privilegiada, é aberta pelos próprios autores, quando
afirmam que o alicerce da mesma é uma mistura das perspectivas materialista e
construtivista. A concepção de materialismo adotada na teoria em questão é
relacionada com a territorialidade dos Estados e com a distribuição de poder entre
os mesmos (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 04). Tal característica aproxima a Teoria
dos Complexos Regionais da abordagem geopolítica, pois os elementos
fundamentais desta, o espaço e o poder, estão tamm presentes naquela.
Especificamente, no tocante à geografia, pode-se afirmar que ela é uma
variável importante na construção teórica de Buzan e Waever. Isto pode ser
comprovado quando se observa o destaque conferido pelos autores a alguns
elementos que perpassam a Teoria dos Complexos Regionais, tais como o foco de
observação centrado no nível regional, o que demanda enxergar o globo terrestre
em termos de regiões bem definidas
112
; a premissa de que as ameaças reais ou
potenciais sofridas por um Estado viajam mais rápida e facilmente por curtas
distâncias do que por longas e o destaque à securitização forçada entre países
vizinhos. A geografia aparece novamente nos escritos de Buzan e Waever quando
criticam a teoria realista clássica, afirmando que esta estaria baseada numa
abstração geográfica e histórica que não reflete a realidade, tendo em vista que os
Estados estão localizados em lugares concretos e são imóveis, logo, o espaço no
112
É possível se traçar paralelos entre a concepção de Complexo Regional de Segurança Centralizado, formulada
por Buzan e Weaver e exposta no capítulo segundo, e a noção de região geográfica funcional. Raul Rey
Balmaceda define a região geográfica funcional como sendo aquela em que “a coesão interna e a conseqüente
organização do espaço são produto de ação de um centro urbano que atua como verdadeiro centro ou ponto
nodal em relação a um território próximo do qual a vida está sujeita, em maior ou menor medida, ao que
determina esse centro organizador” (BALMACEDA, 1977, p. 24). Uma identificação completa entre os dois
conceitos não será encontrada, nem seria lógico, tendo em vista abordarem realidades distintas que detêm
variáveis próprias, mas em linhas gerais uma aproximação entre os conceitos é possível, o que se comprova ao
substituirmos os termos “região geográfica funcional” por “complexo regional de segurança”, centro” por
“grande potência” (ou “superpotência”) e “território próximo sujeito ao centro” por “capacidade da potência de
nível global de dominar a região em que está inserido”.
111
qual estão inseridos importa nas políticas que desenvolverão em relação aos seus
pares.
A utilização da geografia na edificação de sua teoria não obsta Buzan e
Waever de censurarem as teorias geopolíticas puras e à ênfase que essas conferem
ao fator espacial. Os autores fazem questão de ressaltar que a geografia importa,
mas ela deve ser analisada dentro de um arcabouço político (BUZAN e WAEVER,
2003, p. 70). A lembrança dos autores é útil para que se frise que não se está, aqui,
afirmando que Teoria dos Complexos Regionais de Segurança é uma construção
teórica geopolítica, mas tão somente que é possível trabalhar com as duas
perspectivas em conjunto, pois ambas detêm categorias afins.
Um último aspecto a ser abordado da Teoria dos Complexos Regionais de
Segurança é que ela admite uma noção de securitização mais ampla do que
tradicional. Dizem os autores da teoria:
Na atual era, a história da segurança global se tornou mais diversificada.
Uma relativamente uniforme imagem de uma dinâmica de segurança
político-militar deu lugar a concepções multissetoriais de segurança, a uma
variedade maior de atores e a condições e dinâmicas que variam
enormemente de uma para outra. [Assim, são incluídos] novos setores no
estudo da segurança, tais como a economia, o meio-ambiente e as
identidades” (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 19).
3.3. AS PREOCUPAÇÕES GEOPOLÍTICAS RUSSAS REFERENTES À UCRÂNIA E
BELARUS
Como a Alemanha, a Rússia também tem sido um conceito geográfico. Suas
fronteiras externas definiram sua identidade cultural e internacional; e sua
organização territorial interna tem estado intimamente ligada com a natureza
do seu regime político. Para citar umas das linhas mais parafraseadas do
poeta Yevgeny Yevtushenko: “uma fronteira na Rússia é mais do que uma
fronteira” (TRENIN, 2000, p. 11).
Nesta passagem, retirada do livro The End of Eurasia”, o ex-membro do
Exército Vermelho, e hoje pesquisador do Carnegie Endowement for International
Peace, Dmitri Trenin, permite que se dimensione a relevância que os fatores
112
geográficos possuem para a Rússia, e como eles estão relacionados com a questão
identitária do país e com seu comportamento no sistema internacional.
A relação direta entre extensão territorial e poder político no imaginário russo,
exposta por Trenin, tem a ver com o fato de que em grande parte de sua história, a
Rússia constituiu impérios. A constância de um poder imperial, aliada à sucessão de
conquistas e perdas de territórios inerentes a tal situação, acarretou efeitos à auto-
percepção russa que podem ser relacionados com questões geopolíticas. O primeiro
deles é a noção compartilhada pela elite e pela sociedade do país de que a Rússia,
por seu tamanho, riqueza natural e passado de participação em grandes conflitos
mundiais, é um ator maior no sistema internacional, cujos interesses são globais e,
por isto mesmo, devem ser respeitados pelos outros Estados
113
.
O segundo efeito a ser sinalado tem a ver com a segurança do país. Na
medida em que, historicamente, a Rússia envolveu-se em rias guerras e disputas
territoriais, ela sofreu ataques provenientes de todas as direções, talvez com
exceção dos mares congelados do Norte que, porém, consistia na região fronteiriça
mais vigiada do mundo durante o período da Guerra Fria. A recorrência das disputas
com outros Estados sedimentou nas lideranças russas uma preocupação constante
com a proteção do país. Isto leva a que conceitos típicos da geopolítica, tais como
balança de poderes e esferas de influência, sejam moeda corrente no pensamento
das lideranças russas, mesmo que hoje em dia a fonte de projeção de poder seja
mais econômica do que militar e que não se fale abertamente em zonas de
influência, tendo em vista a conotação negativa do termo. Os meios podem ter se
alterado um pouco, mas os objetivos continuam os mesmos, ainda que um tanto
escamoteados. Em suma, Moscou continua sendo guiada por idéias e prioridades
oriundas da geopolítica tradicional, contudo, aprendeu a empacotá-las”
apropriadamente (LO, 2003, p. 95).
113
Em pesquisa realizada pelo centro de pesquisas russo, Instituto Yuri Levada, em 10 de agosto de 2007, a
importância que os russos conferem ao seu país na arena internacional pôde ser confirmada. À pergunta “Qual é
a influência da Rússia nos assuntos internacionais hoje? os russos escolheram as seguintes respostas:
Significante: 67%; insignificante: 26%; difícil de dizer: 7%. Fonte: Russia Analitical Digest nº 26, 2007, p. 08.
Outro instituto de pesquisa, o Centro Russo de Pesquisa de Opinião Pública realizou pesquisa parecida, cujos
resultados também foram semelhantes. Entre 24 e 25 de março de 2007, 77% de um universo de 1.600 russos
entrevistados concordaram total ou parcialmente com a assertiva de que a Rússia começou a desempenhar um
papel significativo na política mundial, enquanto 16% discordaram total ou parcialmente da assertiva citada.
Fonte: http://wciom.com/archives/thematic-archive/info-material/single/8305.html
. Último acesso em 26 de
março de 2008.
113
Os dois efeitos citados, que estão intimamente ligados à conexão que os
russos fazem entre poder político e área geográfica, são sentidos na política externa
que a Rússia desenvolve no tocante aos países que constituem o Complexo
Regional de Segurança formado pelo espaço s-soviético. Dado o passado
recente, de outra forma o poderia ser, pois estes países estiveram diretamente
envolvidos no último período de expansão territorial russo, após a II Guerra Mundial,
quando o fato de passarem a ser comandados por Moscou colaborou para que o
poderio russo no sistema internacional atingisse o seu ápice. Da mesma forma, os
Estados citados estão relacionados com a derradeira retração do território russo,
gerada pelo fim da União Soviética, fato que marcou para a Rússia o início de um
período de severo enfraquecimento e sucessivas humilhações no cenário
internacional.
Diante das circunstâncias históricas referidas, sobre as quais a memória é
recente, e da sua própria mentalidade geopolítica, é natural que o povo russo
enxergue os Estados do espaço pós-soviético como fonte de poder de seu país.
Assim sendo, se hoje é impossível reviver o domínio sobre aqueles países, seja pela
falta de capacidade russa, seja porque a comunidade internacional não vê com bons
olhos arroubos imperialistas, o raciocínio vigente é de que, ao menos, tal conjunto
de Estados de permanecer como zona de influência russa. Ressalte-se que se
uma esfera de influência não significa domínio direto, também não deixa de
simbolizar uma forma de projeção de poder sobre área geográfica superior às
fronteiras nacionais. Isto contribui para explicar porque o ato de manter os Estados
vizinhos sob sua órbita é percebido por Moscou como uma condição para que a
Rússia seja considerada um Estado forte na balança de poder do sistema
internacional, bem como para a continuação do desequibrio na distribuição do
poder dentro do Complexo de Segurança Regional liderado por Moscou.
O objetivo da Rússia, ao liderar a criação da Comunidade dos Estados
Independentes (CEI) o era outro que institucionalizar, de algum modo, a sua zona
de influência
114
. Ao comandar uma organização internacional composta pelas ex-
repúblicas soviéticas, o Kremlin acreditava que continuaria como a voz forte nos
114
Em documento oficial de 1995, Yeltsin declarou que “o principal objetivo da Rússia em relação à CEI era
criar uma associação de estados política e economicamente integrada capaz de reclamar seu próprio lugar na
comunidade internacional”. Além disso serviria para “consolidar a Rússia como a líder na formação de um novo
sistema de relações interestatais econômicas e políticas no território da ex-União Soviética” (YELTSIN, 1995,
apud BRZEZINSKI, 1997, p. 107).
114
assuntos da região, além de poder controlar as políticas externas dos novos Estados
independentes, de acordo com os seus interesses (NOGEE e DONALDSON, 2005,
p. 181).
Ao se falar em balança de poder e esferas de influência no pensamento do
Kremlin, cabe atentar ao fato de que desde 1991 os termos em voga não foram
tratados de forma idêntica pelos sucessivos Ministros de Relações Exteriores da
Rússia. É interessante, assim, ressaltar algumas vicissitudes da política externa
russa quanto a tais conceitos geopolíticos.
Como visto no capítulo anterior, nos dois primeiros anos do Governo Yeltsin,
o Ministro das Relações Exteriores, Andrei Kosyrev, procurou uma maior integração
russa com o ocidente. Por tal razão, neste período, termos comobalança de poder”
e “esferas de influência” eram negados pelo Kremlin. Quando Primakov assumiu o
posto de Ministro das Relações Exteriores, seu histórico político e suas concepções
ideológicas o fizeram trazer para a linha de frente da política externa russa conceitos
tipicamente geopolíticos. A intenção declarada do novo ministro era aproximar o país
das potências emergentes do Oriente (China e Irã, sobretudo) a fim de estabelecer
uma balança de poderes no cenário internacional baseada em uma multipolaridade,
que substituiria a unipolaridade sustentada pelos Estados Unidos. Em relação aos
países do espaço pós-soviético, a mudança de rumo da política exterior russa foi
significativa, sendo a negligência dos primeiros anos de Kosyrev deixada de lado.
Com Primakov, a Rússia retomou o pensamento de que a conquista de alguma
espécie de poder global estava associada à manutenção dos Estados que
compunham a CEI como uma zona na qual a projeção de seu poder fosse
indiscutível.
Em setembro de 1999, Vladimir Putin, ex-chefe do serviço secreto russo
(FSB), foi conduzido ao cargo de Primeiro-Ministro. O norte da política de Putin era o
pragmatismo. A Rússia deixaria de ser um país voltado exclusivamente ao Ocidente
ou ao Oriente para se transformar em um parceiro de todos que assim o
desejassem. Poucos meses depois, em março de 2000, Putin foi eleito presidente
russo. Ele nomeou para o cargo de Ministro das Relações Exteriores a Sergei
Lavrov. Juntos adotaram, em relação aos assuntos externos, políticas afeitas tanto à
primeira fase de Kosyrev, quanto ao período de Primakov
115
, sem que
115
Em artigo publicado na revista Russia in Global Affairs, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei
Lavrov defende a multipolaridade no sistema internacional, a partir da formação de novos centros de influência,
115
abandonassem uma conduta pragmática. No concernente aos países do Complexo
Regional de Segurança pós-soviético, Putin e Lavrov seguiram linha idêntica à de
Primakov, porém com outra roupagem. Moscou tenta passar a imagem de que lida
com os Estados vizinhos a partir de bases estritamente comerciais e objetivas
116
,
porém a politização desta sua atitude é evidente. Como dito anteriormente,
modificaram-se os meios, mas os objetivos russos relacionados ao poder continuam
os mesmos. Destarte, não existe óbice em se afirmar que sob a presidência de
Vladimir Putin, o comando dos conceitos geopolíticos de esfera de influência,
balança de poder e jogo de soma zero continuam vivos na estratégia do Kremlin
voltada para a região formada pelas ex-repúblicas socialistas soviéticas, bem como
para o sistema internacional como um todo.
Aqui vale abrir parênteses para destacar que as alterações dos rumos da
política externa russa sob o comando de Kosyrev, Primakov e Putin denotam a
interação entre alguns dos níveis de análise propostos por Buzan e Waever. O ponto
de partida é o nível local, representado pelas diferentes correntes políticas russas
que se alternaram no poder durante os anos Yeltsin, bem como pelo grupo político
de Vladimir Putin, o qual fez uma síntese dos interesses e visões de mundo de seus
antecessores, ora pendendo para o lado dos ocidentalistas de Kosyrev, ora para o
eurasianismo de Primakov
117
. O patamar local se insere no regional na medida em
que a variação do poder na política doméstica russa significou modificações nas
atitudes de Moscou para com os Estados da região. Outrossim, pode ser constatado
o entrelaçamento dos níveis local e global, tendo em vista que no período abordado
todos os ministros de relações exteriores da Rússia manifestaram interesses ligados
ao plano sistêmico, seja pedindo ajuda e buscando aceitação na comunidade
internacional (Kosyrev), seja almejando a retomada de poder global e o
estabelecimento de uma multipolaridade no sistema internacional (Primakov e Putin).
ao mesmo tempo em que advoga a inserção da Rússia em organizações internacionais criadas pelas potências do
Ocidente, como a OMC, por exemplo. (LAVROV, 2006, p. 14).
116
No artigo de Lavrov citado menção espefica quanto a este posicionamento russo (LAVROV, 2006, p.
15).
117
A política doméstica russa se divide em duas facções principais. De um lado, temos os Ocidentalistas, os
quais crêem que, com o passar dos anos, a Rússia absorveu instituições e valores suficientemente próximos
daqueles existentes nos países europeus, o que torna os seus laços identitários com o Velho Continente muito
fortes. A política externa do país de seguir um rumo de aproximação com a Europa. Por outro lado, os
Eurasianistas defendem a visão de que a Rússia é um país singular, com uma civilização bi-continental única, o
que a faz colher benefícios geopolíticos de sua localização entre a Ásia e a Europa. No aspecto cultural, os
eurasianistas consideram a cultura russa superior e não acreditam haver compartilhamento de valores com o
ocidente. Aliás, os países ocidentais são vistos como a maior ameaça à Rússia, posto que historicamente o país
teria sido vítima freqüente dos movimentos de expansão imperial das potências européias e dos Estados Unidos.
116
Quanto à última situação, vale frisar que os objetivos direcionados ao patamar global
dependiam, em alguma extensão, da dinâmica regional, conforme referido
anteriormente, o que intensifica a interação analisada. O caminho inverso tamm
pode ser trilhado, uma vez que as respostas decepcionantes das grandes potências
ocidentais aos anseios sistêmicos russos, logo após 1991, precipitaram a mudança
de rumo na política doméstica do país e, conseqüentemente, na sua posição acerca
dos assuntos globais. A conexão entre o plano regional e os níveis global e inter-
regional tamm existe, mas ela fica mais clara quando entram em cena as relações
russo-ucraniano-bielo-russas.
Dentre as ex-repúblicas socialistas soviéticas, Belarus e Ucrânia assumem
papel de destaque para a Rússia também no tocante às questões geopolíticas.
Antes de ingressar na análise das razões individuais que acarretam à Minsk e Kiev
tal importância, impende que seja feita alusão a dois fatores estratégicos nos quais
Moscou considera ucranianos e bielo-russos a partir de uma ótica muito similar.
O primeiro deles possui vinculação com a citação de Dmitri Trenin que abre o
sub-capítulo: a identidade internacional da Rússia é medida pelos próprios russos
em função da extensão de suas fronteiras. Em outras palavras, os russos apenas
considerarão seu Estado poderoso se ele dominar a outros, ou, como visto antes, se
ele possuir uma zona de influência. Embora valorosa por si mesma, esta assertiva
possui uma circunstância a ser destacada. Na visão russa, sem exercer alguma
espécie de domínio sobre ucranianos e bielo-russos a Rússia não alcança toda a
sua capacidade de se tornar um Estado verdadeiramente grande no cenário
internacional, pois a magnitude do país e o seu poder pressupõe a reunião dos três
povos eslavos orientais derivados dos antigos russos sob o comando do irmão
maior. Estas são idéias bastante difundidas na sociedade russa, já tendo sido
tratadas no capitulo destinado às proximidades culturais e históricas dos países
estudados.
Entretanto, não é apenas a questão identitária que está por trás do
permanente desejo russo de domínio sobre os vizinhos do oeste. fatores de
cunho geopolítico que reforçam esta visão. Durante os períodos imperiais, o sucesso
da expansão russa em direção ao Ocidente passou pela conquista, integral ou
parcial, dos territórios de ucranianos e bielo-russos. O alargamento das fronteiras
para o oeste era importante para Moscou não somente em função do aumento da
117
porção ocidental de seu território
118
, mas também porque inseria a Rússia com mais
força no concerto das nações européias, ao mesmo tempo em que afastava
substancialmente o perigo de ataques ao coração político e econômico do
império
119
, visto que as ameaças mais temidas pelo Kremlin eram as provenientes
do Ocidente
120
. Logo, para a Rússia, possuir ascendência sobre Ucrânia e Belarus
significa um aumento de território que reforça a sua auto-estima, confere segurança
ao país e lhe dá o poder necessário para que se realize como a “grande potência”
que historicamente é. Ressalte-se que esta percepção é reforçada na atualidade, na
medida em que Ucrânia e Belarus são os Estados que separam a Rússia da União
Européia. Além disto, são os dois maiores países europeus ainda pertencentes à
zona de influência russa. Logo, perder a ascendência sobre ambos, sobretudo no
tocante à Ucrânia, significa para o Kremlin estar na Europa mas não possuir nenhum
aliado com peso político e estratégico no continente, o que enfraquece em alguma
medida a sua posição na política européia, assim como nos contatos inter-regionais
dos Complexos Regionais de Segurança europeu e pós-soviético.
Tal enfraquecimento poderia levar à perda da proeminência russa na região
da qual é o centro. Sem o poder regional, a Rússia correria o risco de se ver cercada
pela superpotência norte-americana e pela grande potência da União Européia a
oeste, assim como pelas grandes potências do Japão, ao leste, e da China, a
sudeste. Um “cercamento” desta monta evocaria assuntos desagradáveis e
temporariamente esquecidos para Moscou, como o da integridade territorial
121
, da
118
Ressalte-se que hoje, caso fosse possível o controle sobre a Ucrânia, este representaria para Moscou a
absorção do segundo maior território nacional da Europa (603.700 km², atrás apenas da própria porção européia
da Rússia) e de uma população de 46.806.819 habitantes, a imensa maioria de origem eslava. Historicamente,
este foi o sentido da política de fronteiras soviética, com a reivindicação da “Linha Curzon” como fronteira com
a Polônia (em 1939 e depois em Yalta), assim como a incorporação dos países bálticos, da metade setentrional
da Prússia Oriental, da Bucovina do Norte e da Besarábia romenas e do istmo de Carelia e do corredor de
Pachenga da Finlândia foi a raiz dos tratados de paz posteriores à II Guerra Mundial.
119
Dominic Lieven cita a invasão da Finndia em 1808-9, a qual preveniria futuros ataques vindos da Suécia, e
a aquisição da Polônia e das províncias bálticas após a II Guerra Mundial como exemplos da política russa de
afastar as ameaças do ocidente do coração político e econômico dos impérios czarista (no primeiro caso) e
soviético (no segundo), ou seja, Moscou (LIEVEN, 2000, p. 214 e 215).
120
Brevemente, podemos citar a invasão napoleônica, a I e, principalmente, a II Guerra Mundial como severas
ameaças à integridade de Moscou advindas dos Estados Ocidentais, às quais podemos acrescentar o conflito
russo-polaco decorrente da Guerra Civil que se seguiu à Revolução de Outubro, e o confronto armado com a
Finlândia de 1939. Pode ser incluída neste rol a ameaça norte-americana durante a Guerra Fria, pois mesmo que
não tenha ocorrido uma invasão ao território russo, o temor nuclear foi, durante décadas, uma constante no
imaginário russo. Ainda sobre as invasões à Rússia, vale desde logo destacar que elas ocorriam
preferencialmente por um trajeto que cruzava o que hoje é o território bielo-russo.
121
Logo após o final da União Soviética, a minoração de força e o caos social na Rússia levaram muitos analistas
a questionar se a Rússia conseguiria se manter com as fronteiras existentes em 1991, ou se perderia ainda mais
territórios para Estados vizinhos ou com a criação de novos países em seu próprio seio.
118
ameaça islâmica interna
122
e a sua sensível perda demográfica
123
. Além disso, os
Estados que formaram parte, durante a Guerra Fria, do chamadoCampo Socialista”
aumentariam suas demandas contra uma Rússia internacionalmente
enfraquecida
124
. O resultado aqui sugerido pode ser catastrófico demais, mas não é
de todo impossível, quando menos no discurso de diversos operadores políticos e,
ainda, de cientistas sociais russos.
Destarte, a permanência do poder regional russo parece ser crucial para
Moscou. E tal situação passa pelas questões atinentes à Ucrânia e Belarus. Como
as preocupações geopoticas russas no tocante aos dois países não são idênticas,
cabe focalizar as duas situações em separado.
3.3.1. A Ucrânia na Concepção Geopolítica Russa
A Ucrânia é peça-chave à manutenção da liderança russa na região e no
acréscimo de poder global almejado pelo Kremlin. Quando se observa as relações
russo-ucranianas a partir do prisma da Teoria dos Complexos Regionais de
Segurança e de seus conceitos, é possível verificar com clareza tanto a dinâmica
interna de um Complexo Regional de Segurança quanto as interações dos níveis de
análise propostos pelos formuladores da teoria em destaque. As situações internas
(nível local) de ssia e Ucrânia afetam as relações que ambas mantêm entre si
(nível regional) e estas relações permitem que potências externas à região procurem
se imiscuir nos assuntos regionais (dimensão global e sua penetração no nível
122
O peso do islã aumenta sensivelmente dentro da Rússia. A Guerra da Chechênia, mesmo que não seja
considerada uma guerra religiosa propriamente dita, não deixa de possuir uma conotação étnica, pois os rebeldes
chechenos são islâmicos e reivindicam uma república deste cunho. A perda de poder internacional da Rússia tem
sido vista por certos políticos russos como uma forma de enfraquecê-la no âmbito interno e, com isto, facilitar a
batalha para os chechenos. Para essas mesmas fontes, o sucesso destes, por sua vez, poderia ocasionar um efeito
cascata, com outras regiões russas de maioria populacional islâmica exigindo independência, como a Ossétia do
Norte, o Daguestão e a Tartária.
123
A Rússia perde quase um milhão de habitantes por ano, devido ao baixíssimo crescimento populacional. Em
algumas regiões do leste do país, a situação é bastante complicada, principalmente naquelas que fazem fronteira
com a superpopulosa China. o temor de que ocorra uma imigração descontrolada de chineses nas províncias
russas com baixa densidade populacional, o que causaria um desequilíbrio étnico interno na Rússia, e
potencialmente a enfraqueceria diante da China.
124
Os países bálticos, Lituânia, Letônia e Estônia já condenaram a Rússia pela dominação dos tempos soviéticos.
Durante as comemorações pelos 60 anos da vitória na II Guerra Mundial, em Moscou, os Estados citados o
somente não mandaram representantes, como cobraram publicamente indenizações pelas perdas impingidas pelo
governo soviético. Além deles, a Polônia é outro Estado que, por ter feito parte do “Campo Socialista”,
seguidamente acusa a Rússia de práticas imperialistas.
119
regional) e até mesmo nos locais. O entrelaçamento dos níveis de alise colabora
sobremaneira para o estudo dos contatos entre ssia e Ucrânia, e, em especial,
das questões geopolíticas neles existentes.
Como visto em oportunidade anterior, Ucrânia e ssia desenvolveram ao
longo dos séculos padrões de amizade e inimizade que variam constantemente. Não
é necessário que se retroaja muito no tempo para verificar tal circunstância. Desde
1991, as disputas internas ucranianas geraram governos que eram francamente
contra a Rússia (era Kravchuk), declaradamente apoiadores de um estreitamento de
laços com os russos, mas que adotaram medidas até certo ponto contrárias a tal
posicionamento (era Kuchma), ou ainda contrários à “influência perniciosa russa”,
mas o aprioristicamente opositores aos vizinhos do leste (era Yushchenko). Os
efeitos destas mudanças na situação interna da Ucrânia causaram, como de resto
causam, preocupações de monta àssia. Sem a Ucrânia, é impossível para
Moscou conceber a restauração, ainda que em novas bases, de seu poder imperial.
Outro aspecto a ser citado é o temor russo de que a política externa ucraniana
acabe por proporcionar uma inserção incisiva de outras grandes potências ou da
superpotência norte-americana na dinâmica da região. Am do medo de influências
exógenas, a Rússia não pode assistir ao afastamento completo da Ucrânia de seu
círculo de relações próximas porque no território ucraniano estão localizadas
algumas das mais importantes rotas de comercialização dos recursos energéticos
russos, produto que está na base da retomada do crescimento econômico do país e
da recuperação de parte do prestígio da ssia na arena internacional. Mais uma
questão de peso para a Rússia no concernente à Ucrânia é a condição estratégica
do Mar Negro e da base naval russa localizada na cidade ribeirinha ucraniana de
Sebastopol.
Zgbniev Brzezinski sustenta que sem a Ucrânia, a Rússia não pode retomar o
seu império eurasiano. Uma Kiev independente e fora da órbita russa significaria
para Moscou a perda das riquezas naturais e das potencialidades econômicas
ucranianas, além de impedir a reconstituição de uma união dos povos eslavos e
prejudicar a posição russa no Mar Negro. Isto seria dramático para os planos russos,
pois sem a Ucrânia e os milhões de companheiros eslavos, qualquer tentativa de
Moscou de reconstruir um imrio eurasiano deixaria a Rússia enredada sozinha em
conflitos prolongados com nacionalidades e religiões não-eslavas, dos quais a
Guerra da Chechênia é o primeiro exemplo (BRZEZINSKI, 1997, p. 92).
120
Relativizando a posição de Brzezinski a partir da substituição do termo “império
eurasiano” por “zona de influência russa eurasiana”, é forçoso considerar que o
estrategista norte-americano possui razão em sua análise. Sem a Ucrânia, por tudo
que ela representa em termos de população, território, posição estratégica, recursos
naturais e europeísmo, a extensão do controle russo sobre o Complexo Regional de
Segurança da ex-União Soviética restaria diminuído. Seja porque a Rússia se veria
isolada como praticamente único país eslavo da região (Belarus tamm é eslavo,
mas é muito diminuto em comparação com a Ucrânia), seja porque as demais ex-
repúblicas soviéticas poderiam utilizar a própria Ucrânia para estabelecer contatos
com outras potências e assim procurar minorar suas dependências políticas e
econômicas em relação a Moscou.
A perda definitiva da influência sobre a Ucrânia prejudicaria o projeto de
poder regional e global russo tamm porque favoreceria a penetração de grandes
potências externas ao Complexo Regional de Segurança liderado pelo Kremlin. Este
é o primeiro dos temores russos acima citados em relação ao posicionamento de
política externa adotado por Kiev. Pode se dizer que eles advêm de duas fontes: os
Estados Unidos, diretamente, ou via OTAN, e a União Européia. Os tipos de
desafios que os dois representam à Rússia são diversos, mas o resultado a ser
evitado é basicamente o mesmo, qual seja, a perda de capacidade de Moscou de
comandar a região que considera uma zona de influência historicamente sua
125
.
Inimiga de primeira hora da União Soviética durante a Guerra Fria, a OTAN
não foi desfeita após o desmembramento daquela e o fim definitivo do perigo
proveniente do comunismo internacional. Uma parceria entre Rússia e a organização
militar (capitaneada pelos Estados Unidos), impensável durante grande parte do
século XX, se realizou formalmente no ano de 2002, quando as partes formaram o
Conselho OTAN-Rússia (NRC na sigla em ings). A pretensão almejada era o
estabelecimento de parcerias construtivas em assuntos de defesa militar e civil.
Contudo, o acordo assinado não evitou que as desconfianças russas em relação à
OTAN continuassem acentuadas. Bobo Lo sustenta que a aproximação russa da
125
O sentimento de aversão à influência estrangeira na região pode ser medido por pesquisa realizada pelo
instituto Yuri Levada. Diante da questão: “Qual a política que a Rússia deveria desenvolver em relação aos
países da CEI?” as respostas dadas foram as seguintes: A Rússia deveria garantir que outros Estados não
exerçam pressões danosas sobre estes países: 32%; A Rússia deve apoiar forças democráticas e mudanças
progressivas nestes países: 18%; A Rússia deve apoiar os presidentes que estão no poder nestes países, não
importando quem sejam, desde que professem lealdade à Rússia: 9%; e Difícil de dizer: 9%. Fonte Russia
Analitical Digest, nº 26, 2007, p. 09.
121
organização militar ocidental teve como ponto de partida não o desejo puro de
colaboração pela paz mundial, mas sim a percepção que este tipo de acordo era
muito mais producente na busca do objetivo de controlar o avanço da OTAN sobre o
espaço pós-soviético e assim manter a predominância russa na região (LO, 2003, p.
80).
O pragmatismo que se esconde por trás da política russa de aproximação
com a OTAN é gerado pela percepção do Kremlin de que a organização continua
sendo uma contendora no mundo, e, principalmente, no Complexo Regional de
Segurança cujo centro é Moscou
126
. Na visão russa, os discursos norte-americanos
em prol da ordem mundial e de pacificação de regiões específicas do planeta
escondem as ambições hegemônicas dos Estados Unidos, exatamente como ocorria
no período da Guerra Fria. A desconfiança russa é facilmente observada quando
assuntos polêmicos de segurança vêm a lume, como, por exemplo, a instalação de
mísseis supostamente defensivos em países do Leste Europeu. Sob a alegação de
que ameaças à Europa poderiam vir do Irã e de seu programa de enriquecimento de
urânio, os Estados Unidos pretendem instalar mísseis e escudos anti-mísseis na
Polônia e na República Tcheca. Na prática, o sistema de defesa norte-americano
acabaria por inutilizar a força nuclear estratégica russa, desequilibrando a paridade
nuclear entre ssia e Estados Unidos, em favor do último. O descontentamento
russo foi manifestado pelo próprio presidente Vladimir Putin em discurso proferido
em Berlin, no dia 10 de fevereiro de 2007, no qual o presidente russo declarou que
se os planos de instalação dos mísseis o fossem depostos, a Rússia tomaria
contra-medidas para garantir sua segurança
127
. Nessa mesma ocasião, Putin
demonstrou com clareza sua desconfiança acerca da expansão da OTAN
Eu acho que é óbvio que a expansão da OTAN não tem nenhuma relação
com a modernização da própria Aliança ou com o aumento da segurança na
Europa. Pelo contrário. Ela representa uma séria provocação que reduz o
nível de confiança mútua. E nós [os russos] temos o direito de perguntar:
contra quem essa expansão é tencionada? E o que aconteceu com as
126
Em pesquisa realizada em março de 2007 e citada precedentemente, a OTAN e a América (EUA) foram os
únicos “conceitos” que receberam avaliação negativa dos russos diante da questão: “Qual das designações
abaixo evocam emoções positivas e qual das designações abaixo evocam emoções negativas?” O percentual de
respostas negativa em relação à OTAN foi de 58%, diante de 19% de respostas positivas. os Estados Unidos
receberam 50% de respostas negativas e 32% de respostas positivas. Fonte: Russia Analitical Digest, nº 26,
2007, p. 09.
127
No discurso mencionado, Vladimir Putin foi bastante claro ao referir que as potências ocidentais,
nominalmente os Estados Unidos, e suas organizações, como a OTAN, podem vir a ser consideradas como
ameaças à Rússia, dependendo dos movimentos que fizerem no futuro.
122
garantias que nossos parceiros ocidentais fizeram após a dissolução do
Pacto de Varsóvia? Onde estão estas declarações hoje? Ninguém se lembra
delas (PUTIN, 2007).
O discurso foi criticado pela mídia ocidental, que hostilizou as preocupações
geopolíticas russas, afirmando que elas pertenciam a uma épocaextinta. Todavia,
os planos de expansão da OTAN em direção aos países do extinto “Campo
Socialista continuam
128
. o assunto dos mísseis supostamente defensivos
permanece indefinido, apesar de a Rússia ter feito propostas alternativas aos
Estados Unidos de controle das supostas ameaças iraniana e norte-coreana
129
. Em
03 de abril de 2008, durante encontro da OTAN, a organização militar aprovou os
planos norte-americanos referentes à instalação do sistema de mísseis em países
da Europa Central. De qualquer sorte, a controvérsia demonstra que os acordos
formais entre Rússia e OTAN não servem para apagar os medos e as desconfianças
históricas. Igualmente, revela a verdadeira imagem que Moscou guarda da aliança
militar, talvez nem tanto como uma ameaça real de ataque externo, mas certamente
como um inimigo disputante pela predominância político-militar na região pós-
soviética.
A Ucrânia está inserida na ainda operante rivalidade entre Rússia e OTAN. O
interesse da organização militar e dos Estados Unidos pela Ucrânia deve-se a vários
fatores, entre eles a extensão do território ucraniano; a posição estratégica do país e
sua faixa litorânea voltada para o Mar Negro; a sua importância na distribuição de
recursos energéticos à Europa; a relevância para a Rússia e a possibilidade de
fincar definitivamente a bandeira norte-americana no Complexo Regional pós-
soviético. Como se observa, os motivos que levam a OTAN e a superpotência norte-
americana a se interessar pela Ucrânia são quase os mesmos que tornam
insuportável ao Kremlin a perda definitiva da influência sobre o país. Do lado russo,
podem ser acrescentadas preocupações como o status da Criméia; a existência da
base naval russa na cidade ucraniana de Sebastopol, sede da frota russa no Mar
Negro, que por óbvio não poderia cair em mãos da OTAN; e a sensação de
128
No encontro da OTAN realizado em abril de 2008, na cidade de Bucareste, um dos assuntos em pauta foi a
admissão de Albânia, Macedônia e Croácia como novos membros da organização.
129
Em encontro realizado em março de 2008, as autoridades russas e norte-americanas não chegaram a nenhum
acordo acerca dos mísseis e do radar a serem instalados na Europa Central. A Rússia reforçou sua posição de que
os norte-americanos compartilhem parte do sistema de defesa russo que permite o monitoramento do Irã, o que
não foi aceito pelos EUA. O Ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, declarou que o melhor
modo de resolver a situação da colocação de mísseis na Europa é o abandono de tais planos e o estabelecimento
de planos conjuntos entre Rússia e Estados Unidos. Fonte: http://en.rian.ru/world/20080328/102423424.html.
123
insegurança que gerada pelo fato de que a admissão da Ucrânia na OTAN traria
para a fronteira oeste russa os armamentos e as tropas da organização militar
atlântica.
Consciente dos riscos que a aproximação de Kiev com a OTAN representam,
a Rússia não viu com bons olhos quando a Ucrânia se tornou o primeiro país das ex-
repúblicas soviéticas a assinar um acordo de Parceira para a Paz (PfP, na sigla em
ings), ainda em fevereiro de 1994. A contrariedade russa aumentou em 1997,
quando Ucrânia e OTAN assinaram novo acordo, desta feita a Carta de Parceria
Distintiva, que resultou em exercícios militares conjuntos realizados sem prévia
notificação a Moscou.
Na virada do século, o processo de adesão ucraniano junto à OTAN
arrefeceu. Isto ocorreu devido a fatores externos e às limitações internas do país. Os
fatores externos estão ligados à Rússia, pois a tática de Moscou de se aproximar da
OTAN ao invés de confrontá-la com o intuito de melhorar sua posição geopolítica na
região, funcionou nos primeiros anos do século XXI. O apoio que Vladimir Putin deu
ao presidente George Bush após o 11 de setembro, bem como a formalização do
Conselho OTAN-Rússia, diminuíram, ao menos por determinado tempo, o ímpeto da
organização militar em direção Ucrânia, pois tal movimento causaria evidente
desgosto ao Kremlin. Internamente, a incapacidade ucraniana de reformar seu
exército a impediu de levar sua parceria com a organização ocidental a um estágio
mais avançado (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 56). Outro fator de ordem
doméstica que pode ser citado como um complicador da adeo à OTAN é a ampla
rejeição da idéia junto à sociedade ucraniana
130
.
Contudo, desde meados de 2007, quando a figura de Yulia Tymoshenko
voltou com força à cena política ucraniana, o assunto da admissão na OTAN
ressurgiu. É claro que isto o se deve exclusivamente a Tymoshenko, pois as
relações entre ssia e Estados Unidos deterioraram-se nos últimos anos, e,
particularmente, após o citado discurso de Putin em Munique. Mas não se pode
negar que se o Primeiro-Ministro ucraniano ainda fosse Yanukovich, o se falaria
no presente momento em uma união da Ucrânia com a OTAN. Em janeiro de 2008,
130
Arkadi Moshes analisou as possibilidades de acesso da Ucrânia à OTAN após a Revolução Laranja e concluiu
que o maior impedimento da Ucrânia em se tornar membro da organização é o sentimento público anti-OTAN.
O autor cita pesquisa realizada pelo Razumov Center, cujo resultado indicou que até mesmo na porção ocidental
do país o apoio ao ingresso na OTAN era de apenas 30% da população, enquanto que no leste e no sul do país, a
rejeição à idéia era próxima de 80% (MOSHES, 2006, p. 152).
124
a Primeira-Ministra, o presidente Yushchenko e o porta-voz parlamentar Arseniy
Yatsenyuk assinaram e enviaram para o Secretário-Geral da OTAN um documento
no qual solicitavam formalmente o ingresso do país no Plano de Filiação
(Membership Action Plan, ou MAP) da organização
131
. Yanukovich, hoje líder da
oposição, chamou o documento de “carta dos três” e acusou seus assinantes de
tentarem dar um golpe no povo ucraniano, que seria contrário ao ingresso na OTAN.
A polêmica seguiu com o bloqueio das votações no Parlamento ucraniano, em
manobra coordenada por Yanukovich. Apenas em março de 2008 as partes
chegaram a um acordo, no qual acertaram a realização de um referendo nacional
em que o povo ucraniano aprovaria ou rejeitaria o ingresso do país na OTAN.
Somente em caso de aprovação os movimentos formais de admissão poderiam ser
retomados. Ressalte-se que mesmo sem os atos de Yanukovich, seria pouco
provável que a Ucrânia conseguisse colocar o assunto de sua aceitação no Plano de
Filião no encontro da OTAN a ser realizado em abril de 2008. Segundo Fyodor
Lukyanov, alguns fatores dificultam o caminho ucraniano. O primeiro deles seria a
divisão dentro da Aliança quanto à questão ucraniana. Enquanto os norte-
americanos defendem a aceitação da Ucrânia, os europeus, especialmente França e
Alemanha, não são favoráveis à proposta, pois temem o descontentamento e a
reação russa diante do fato
132
. Em segundo lugar, a instabilidade potica
ucraniana, oriunda não somente das divergências regionais, mas também do fato de
Yushchenko e Tymoshenko não serem mais os aliados que eram antes. Em terceiro,
a esperança de que o próximo presidente russo, Medvedev, altere um pouco a
atual retórica de Putin (LUKYANOV, 2008). Além dos fatores mencionados, há a
desaprovação da sociedade ucraniana aos planos de seu governo. Em recente
pesquisa, conduzida pelo All-Ukrainian Social Service entre fevereiro e março de
2008, apenas 11,1% dos entrevistados na Ucrânia disse que votaria a favor do
ingresso do país na OTAN
133
. Ira Straus argumenta que forçar o ingresso na OTAN,
como o governo ucraniano vem fazendo desde o fim de 2007, levará à exacerbação
131
Cabe esclarecer que a aceitação no Plano de Filiação não indica imediato acesso à OTAN. Calcula-se um
prazo de pelo menos quatro anos entre eventual aceite da Ucrânia no Plano de Filiação e o ingresso definitivo na
Aliança Atlântica (FEDYASHIN, 2008).
132
A chanceler alemã Angela Merkel declarou que a Ucrânia não cumpre um dos requisitos básicos para a
admissão na OTAN, qual seja, o de que sua população seja majoritariamente favorável ao ingresso do país na
organização militar (STRAUS, 2008).
133
Fonte: http://en.rian.ru/world/20080317/101485174.html. Último acesso em 17/03/2008.
125
da instabilidade política no país, sem que isto resulte em aprovação popular tanto à
proposta quanto aos atuais mandatários do ps (STRAUS, 2008).
No encontro da OTAN ocorrido em abril de 2008, a organização decidiu
postergar o ingresso da Ucrânia e da Geórgia no Plano de Filiação. Contudo, foi dito
que, eventualmente, no futuro os dois países poderão se tornar membros da aliança
atlântica. A declaração oficial vaga, apesar do forte apoio norte-americano à
proposta ucraniana, é reveladora das dificuldades que a admissão do país enfrenta
no seio da própria OTAN. Em que pese a pouca probabilidade de que a Ucrânia
efetivamente seja alçada à condição de membro da organização num futuro próximo,
a Rússia continua encarando este cenário como possível, e os resultados daí
advindos como uma desastrosa perda de seu poder no Complexo Regional de
Segurança pós-soviético. A penetração da superpotência remanescente na região
seria um abalo substancial na capacidade russa de manter o domínio regional que
tanto preza. Por este motivo, os pronunciamentos de Vladimir Putin e de Sergei
Lavrov têm sido duros quando abordam a expansão da OTAN no sentido do leste
europeu. Na última entrevista coletiva anual como presidente russo, concedida em
fevereiro de 2008, Vladimir Putin foi honesto e ameaçador quanto à reação russa
caso a Ucrânia se torne membro da OTAN.
No tocante à situação na Ucrânia, de acordo com a informação que eu
tenho, a grande maioria dos ucranianos se opõe ao ingresso na OTAN. Mas
as lideranças ucranianas assim mesmo assinaram certo documento dando
início aos procedimentos de acesso.[...] Se esta for a forma como as coisas
estão sendo feitas, sem perguntar a opinião de ninguém, então talvez no
futuro poderão ser estabelecidas bases e instalados componentes de
sistemas de mísseis de defesa. E o que devemos fazer? Em tal situação,
seremos obrigados a mirar nossos sseis para esses lugares, os quais
consideraremos uma ameaça a nossa segurança nacional (PUTIN, 2008).
Novamente, o presidente foi muito criticado no ocidente pela sua “retórica
belicista”. A, até certo ponto, surpreendente ameaça de Putin de apontar mísseis
para o solo ucraniano a dimensão do temor russo de que o país vizinho se torne
membro da OTAN e, conseqüentemente, aliado dos Estados Unidos.
Por seu turno, a ameaça protagonizada pela União Européia não envolve
diretamente assuntos militares e de segurança, mas isto não lhe retira o potencial
ameaçador aos interesses russos. Pelo contrário. A concepção de Grande Potência
Moderna sustentada por Vladimir Putin inclui a capacidade de exercer atração
126
mediante a pujança econômica como um das principais qualidades a serem
buscadas por um Estado no atual estágio da política internacional
134
. A leitura do
sistema mundial de Putin levou a Rússia a um grau inédito de economização de sua
política externa, o que sevisto no capítulo posterior. O destaque concedido pelo
próprio presidente russo ao potencial econômico como fonte de poder faz com que a
ameaça européia granjeie para si maior periculosidade do que os movimentos da
OTAN, uma vez que, se no aspecto militar, a União Européia é débil e irresoluta, sua
economia é forte e desenvolvida.
O alargamento da União Européia para o leste, o que incluiu as ex-repúblicas
soviéticas bálticas (Lituânia, Estônia e Letônia) e países oriundos do fenecido
“Campo Socialista” (Polônia e Romênia), trouxe a grande potência formada pelo
bloco regional para as fronteiras russas. Mais do que isto, fortaleceu a União
Européia como um forte lo de atração para todos os países do Leste Europeu. A
Ucrânia não somente respondeu ao canto da sereia européia, pouco se importando
o quão efetivo ele era, como manifestou prontamente seu desejo de fazer parte do
bloco.
A inclusão ucraniana na União Européia seria muito prejudicial à Rússia. Em
primeiro lugar, consagraria a perda definitiva da Ucrânia como Estado sob o qual a
Rússia deteria projeção de poder, uma vez que a União Européia enquanto bloco
político-econômico não parece que esmorecerá num futuro próximo e que não
registro de expulsão de seus membros após aceitos. Segundamente, em compasso
com o que foi dito anteriormente, a perda da Ucrânia geraria um enfraquecimento
brutal da Rússia no espaço pós-soviético, posto que na visão dos demais países, se
Moscou não consegue nem controlar a nação irmã ucraniana, seu poderio está
insanavelmente diminuído. Além destes fatores, relacionados com zona de influência
e balança de poder regional, um ponto estratégico da política externa russa restaria
abalado, qual seja, o controle dos recursos energéticos da região e de sua
distribuição, sobretudo para a própria Europa.
Pode ser alegado que as preocupações russas quanto à União Européia não
devem ser exacerbadas, dado que as perspectivas de inclusão da Ucrânia no bloco
regional o ainda mais improváveis nos próximos anos do que a inserção do país
na OTAN. Todavia, algumas particularidades que precisam ser ponderadas. O
134
O conceito de Grande Potência Moderna foi descrito no Capítulo dois. Ver pág. 71.
127
fato de que a força européia reside na economia facilita sua capacidade de atrair
Estados não-membros, pois negociações comerciais atravessam mais livre e
facilmente fronteiras do que exércitos e armamentos. Ou seja, existe maior
possibilidade de que a União Européia fortaleça sua presença como parceira
econômica da Ucrânia sem a formalidade da inclusão, do que a OTAN de realizar
exercícios militares sem o ingresso ucraniano na organização
135
. Outra circunstância
que deve ser levada em consideração é que a sociedade ucraniana é favorável ao
ingresso na União Européia, o que não ocorre quando o assunto é a inclusão na
OTAN. Mais um aspecto a ser citado, no caso ucraniano, é a auto-compreensão da
população da região oeste do país como legítimos europeus ocidentais, desprovidos
de qualquer traço eurasiano. Portanto, a penetração da União Européia na região
formada pelas ex-repúblicas soviéticas (e especificamente na política interna
ucraniana, apoiando grupos pró-ocidente e anti-Rússia), tem maiores possibilidades
de ocorrer do que a penetração norte-americana via OTAN. Assim sendo, o medo
russo de perder sua zona de influência tradicional e ver a balança de poder da
região na qual é o pólo dominante transformar-se em algo menos assimétrico é mais
palpável quando o risco provém da União Européia.
Destarte, não se pode negar que o poderio russo no Complexo Regional de
Segurança do qual é a única grande potência sofre assédio de outra grande
potência e de uma superpotência, que se aproveitam da relação de amizade e
inimizade entre russos e ucranianos e da balança de poder desfavorável para os
segundos, para tentarem se imiscuir na região, com o intuito de nela aumentarem
suas influências. Em função dos motivos expostos, pode se concluir que tais
ameaças incomodam de modo singular a ssia quando o Estado visado por parte
das potências externas é a Ucrânia.
Outra razão que confere essencialidade estratégica à Ucrânia nos planos
russos é o fato de que considerável parcela dos seus recursos energéticos
exportados para a Europa atravessa território ucraniano
136
. No capítulo referente às
proximidades econômicas entre Rússia e Ucrânia e, principalmente, no que abordará
os recursos energéticos, essa questão será aprofundada. Todavia, convém, por ora,
135
Não se está aqui considerando a complementaridade real das economias de Ucrânia e União Européia,
principalmente depois do ingresso dos países do Leste Europeu, mas tão-somente analisando as capacidades de
atração e de formação de parcerias teóricas dos fatores econômicos e militares.
136
Cerca de 80% do gás natural exportado pela Rússia para a Europa atravessa a Ucrânia. Fonte:
http://www.eia.doe.gov/emeu/cabs/World_Oil_Transit_Chokepoints/Russian_Export.html.
128
lançar um olhar sobre os recursos energéticos russos e sua distribuição sob o
prisma geopolítico.
Os recursos energéticos constituem exemplo de um produto que está
necessariamente ligado à geografia, posto que suas reservas estão
assimetricamente distribuídas no espaço e não podem ser alteradas. Os Estados
detentores de reservas de petróleo e gás natural, que são os principais recursos
envolvidos nas relações russo-ucraniano-bielo-russas, precisam distribuí-los, logo,
necessitam de rotas de distribuição que façam os produtos chegarem ao seu
consumidor. Novamente, a geografia se presente, pois muitas destas rotas
precisam atravessar territórios alheios, o que implica na realização de acordos entre
os países-produtores e os países-corredores que permitam a entrega dos recursos.
Ao país-produtor não é bom manter relações conflituosas com o país-corredor, pois
isto pode afetar a venda do produto. Da mesma forma, como muitos países-corredor
obtêm lucro da taxa de transporte e, no mais das vezes, tamm precisam comprar
parte dos recursos energéticos que passam por suas terras, não é desejável a estes
que o país-produtor corte o fluxo desses recursos ou desenvolva rotas alternativas.
Como se observa, entre ambos se estabelece uma relação de troca que envolve
poder, com a balança inclinando favoravelmente ao país-produtor. O fato de que os
recursos mencionados serem energéticos acresce a intensidade do poder inserido
na relação, uma vez que o mercado internacional possui grande demanda por esta
espécie de produto. Portanto, mencionar produção e distribuição de energia significa
abordar a ligação entre espaço e poder. Desta forma, os recursos energéticos
podem ser analisados a partir da concepção de geopolítica utilizada no presente
estudo.
A Rússia é a maior produtora de gás natural do mundo e a segunda maior
produtora de petróleo. A principal consumidora de seus produtos, sobretudo o gás
natural, é a União Européia. Os principais gasodutos que levam o gás aos demais
países europeus foram construídos ainda nos tempos soviéticos e hoje estão em
solo ucraniano. Assim, a ssia precisa da Ucrânia para que seus recursos
energéticos sejam entregues aos consumidores europeus. Como se observará
adiante, a comercialização de energia está na raiz do crescimento econômico russo
e, conseqüentemente, na retomada de um papel de destaque de Moscou na arena
global. A conjunção destes fatores faz com que os recursos energéticos sejam
centrais na política externa russa. Resulta disto o desejo de manter Kiev como um
129
parceiro confiável e próximo, pois assim pode controlar, de acordo com seus
interesses, tanto a produção quanto a distribuição de seus recursos energéticos. Isto
porque com a pendência da balança entre país-produtor e país-corredor inclinada
para o seu lado, a ssia pode auferir vantagens das negociações com os
ucranianos referentes aos preços de venda de gás e petróleo e de transporte. O
mesmo o ocorreria caso a Ucrânia conseguisse sua adesão à União Européia, ou
se a parceria entre ambas fosse fortalecida, pois uma vez concretizadas essas
hipóteses, a Rússia se veria obrigada a negociar os preços da energia e de seu
transporte não somente com os ucranianos e sua condição de país-corredor, mas
com os ucranianos escudados pela União Européia, a mais importante consumidora
da energia russa.
Destarte, ao manter a Ucnia dentro de sua zona de influência, a Rússia
consegue determinar parcela relevante da logística de produção e entrega de suas
reservas de gás natural e petróleo, dois dos recursos naturais não-renováveis de
maior importância geopolítica e estratégica no mercado mundial na atualidade.
Ainda no tocante à relevância geopolítica da Ucrânia para os interesses
russos, vale destacar a situação do Mar Negro. Hoje localizado entre os Estados da
Rússia, Ucrânia, Turquia, Romênia, Bulgária e Geórgia, nos tempos soviéticos o Mar
Negro era o ponto de partida da projeção de poder naval da Rússia sobre o
Mediterrâneo (BRZEZINSKI, 1997, p. 93). Não por outra rao, é nas margens do
Mar Negro que se encontra a base naval de Sebastopol, motivo de intensas disputas
entre Rússia e Ucrânia durante a década de 1990. Mesmo que devido à implosão da
União Soviética e à independência de Ucrânia e Geórgia, a Rússia tenha perdido
sua posição dominante no Mar Negro, a manutenção da Ucrânia como parceira
permite que aquela ainda resguarde um papel a ser respeitado na região, sobretudo
pela permanência de sua base naval, o que lhe permite acesso facilitado ao Mar
Mediterrâneo
137
.
137
Em pronunciamento recente, o Ministro da Defesa russo, Anatoly Serdyukov, declarou que a Rússia tem
planos de lançar uma expedição no Nordeste do Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo, similar à realizada no
Mar de Barents e no Oceano Glacial Ártico em 2006. Os objetivos são assegurar a presença naval russa nestas
áreas, além de garantir a segurança da navegação russa. Fonte: http://en.rian.ru/russia/20071205/91056421.html.
130
3.3.2. Belarus na Concepção Geopolítica Russa
Estado mais próximo da Rússia desde o fim da União Soviética, Belarus
também detém singular relevância estratégica para Moscou. Dmitri Trenin considera
que em termos puramente estratégicos, Belarus é talvez o mais importante país da
Europa para a Rússia (TRENIN, 2001, p. 160). Afora as considerações feitas
anteriormente e o fato de também ser um país-corredor no transporte de recursos
energéticos, razões geopolíticas que fazem Moscou prestar atenção em Minsk
que são diversas das que atraem os olhos moscovitas para Kiev.
Desde logo, vale referir que o comportamento de Belarus para com a Rússia
é muito diferente em comparação com o ucraniano. Enquanto Belarus sempre
procurou se manter próximo da Rússia, tentando até mesmo uma integração física, a
Ucrânia nunca escondeu o objetivo de se afastar do domínio russo, dentro das
limitações que sua política interna e o ambiente externo lhe impingem.
A proximidade política de Minsk assegura a Moscou a improbabilidade de que
uma eventual tentativa da OTAN de cooptação do país vizinho, nos moldes da
existente em relação à Kiev, se concretize. A prova disto é a posição do governo
bielo-russo, que sempre fez eco às denúncias russas contra a expansão da
organização militar em direção ao Espaço Pós-Soviético. Em declaração proferida
em Minsk, no dia 14 de dezembro de 2007, o presidente bielo-russo, Lukashenko,
afirmou que Belarus está pronto para assumir seu papel ao lado da Rússia no que
se refere à proposta de instalação de mísseis norte-americanos em países do Leste
Europeu
138
. É verdade que, em alguns momentos, Belarus procurou diminuir as
hostilidades com a OTAN, entretanto, tais movimentos podem ser considerados
como reativos às escolhas estratégicas russas de estabelecer algumas parcerias
com a organização internacional (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 57).
O estreitamento de laços de Belarus com a União Européia possui,
hipoteticamente, maiores chances de ocorrer no futuro, tendo em foco as bases
econômicas das ligações daí resultantes. Todavia, o caráter autoritário do governo
de Lukashenko o afasta da União Européia e dos princípios democráticos e de
respeito aos direitos humanos que não somente são defendidos por esta, mas
138
Na mesma oportunidade, Lukashenko reafirmou que a ssia é a principal parceira estratégica de Belarus.
Fonte: http://en.rian. ru/world/20071214/92556616.html.
131
constituem condição para se tornar membro do bloco, vide o caso da admissão da
Turquia
139
.
A relativa impossibilidade de que as duas maiores ameaças do Ocidente à
primazia russa no Complexo Regional de Segurança Pós-Soviético se concretizem
via contatos com Belarus impede a penetração das grandes potências ocidentais na
região por este caminho.
Todavia, se por intermédio do caminho da penetração não é verificado o
entrelaçamento entre os níveis global e regional nas questões geopolíticas
envolvendo Belarus e Rússia, ao se focalizar o foco na segurança russa é possível
vislumbrar a coesão dos diferentes níveis de análise. E é neste ponto que se
encontra a singularidade estratégica de Belarus para Moscou acima referida. O
território bielo-russo atual abarca o eixo de passagem leste-oeste pelo qual as
potências ocidentais invadiram militarmente a Rússia ao longo dos séculos
(TRENIN, 2001, p. 160). Por certo, o risco efetivo de que um ataque às fronteiras
russas aconteça hodiernamente é muito pequeno, senão desprezível. Entretanto,
cabe ser rememorado que os governantes russos têm na defesa do país e na
manutenção das fronteiras questões de extrema sensibilidade, seja pelo passado de
invasões, seja porque na Rússia “uma fronteira é mais do que uma fronteira”. Além
disto, tais lideranças foram forjadas nos tempos da Guerra Fria, período em que a
memória das Guerras Mundiais, a segunda delas identificada como a “Grande
Guerra Pátria”, era constantemente avivada. Por tais motivos, na visão do Kremlin,
por menor que pareça a chance de um ataque externo, ela deve ser tratada com
seriedade, o que cerca o território de Belarus de muitas preocupações estratégicas
russas. A existência de importantes bases militares russas no solo bielo-russo
comprova o temor russo de ataques provenientes do oeste que utilizem Belarus
como rota de passagem.
Ao mesmo tempo em que o eixo Leste-Oeste localizado em Belarus é fonte
de perigos militares, ele constitui a principal conexão da Rússia com os países da
Europa Central e Ocidental
140
. Portanto, as trocas mercantis russas realizadas pela
139
No mês de novembro de 1996, Lukashenko promoveu um referendo cujo resultado foi a concentração de
poder na figura do presidente do país. Desde tal evento, Belarus se viu cada vez mais isolado econômica e
diplomaticamente dos países do oeste (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 57). As tentativas bielo-russas de
aproximação com a União Européia refletem, assim, mais as relações russas com o bloco regional do que uma
clara política exterior de Minsk em tal sentido.
140
no período soviético, a principal artéria de comunicação de Moscou com a Polônia e os países da Europa
Central e Ocidental estava localizada em Belarus. Segundo Pokshishevski, essa artéria saía de Moscou, passava
132
via terrestre com sua maior parceira comercial, a União Européia, passam por
Belarus. Assim, a segurança econômica russa precisa, em algum grau, da lealdade
bielo-russa.
A característica de Belarus de ser um ponto de ligação russo não é
vislumbrada apenas no concernente aos países europeus. O território russo de
Kaliningrado
141
, que após o desmembramento da União Soviética ficou separado do
resto do país, é acessado pela Rússia via Belarus e Polônia, tendo em vista que o
acesso direto por intermédio dos países bálticos não é uma opção fácil a Moscou,
devido às recentes escaramuças mantidas com tais Estados.
Voltando às questões de segurança, há ainda um ponto a ser analisado. Com
a expansão da OTAN, Belarus foi transformada na fronteira russa frente à
organização militar. Utiliza-se o termo “fronteira russa” em virtude da fidelidade bielo-
russa em relação ao Kremlin. Dentro da perspectiva de segurança russa que
consiste em alargar o máximo possível as fronteiras do Estado, a fim de proteger o
centro emanante de poder (Moscou), a manutenção de Belarus como um aliado
incondicional é um objetivo perene da política externa russa.
Conforme se depreende, sob o ponto de vista russo, a proeminência
geopolítica de Belarus deve-se, basicamente, à posição geográfica deste. Assuntos
como zona de influência e balanças de poder são menos vitais do que a
manutenção de corredores de transporte de produtos e o bloqueio de eixos de
possíveis ameaças militares vindas de fora da região. Claro que isto não significa
que a Rússia não pense em Belarus em termos de projeção de poder, pois ela o faz.
O que joga estas questões a um segundo plano é a lealdade bielo-russa,
considerada pelos russos como algo imutável.
pelas cidades de Orsha, Minsk e Baránovichi até chegar na cidade histórica de Brest, onde se localiza a fortaleza
na qual soldados soviéticos lutaram por um mês com os invasores nazistas. Em Brest, os trens que viajavam da
URSS ao exterior, ou chegavam do exterior para seguir caminho no terririo soviético faziam os trâmites
aduaneiros e trocavam seus jogos de rodas, tendo em vista que os trilhos soviéticos eram mais largos
(POSHISHEVSKI, 1974, p. 181).
141
Até o final da II Guerra Mundial, Kaliningrado pertencia à Alemanha. Sua existência foi oficializada em abril
de 1946, quando a principal cidade da província foi batizada de Kaliningrado, em substituição ao nome
germânico Koenigsberg. No período soviético, a região, pertencente à República Socialista Soviética Federal da
Rússia, era altamente militarizada, devido a sua localização no Mar Báltico. Com o final da URSS, houve
sensível diminuição dos efetivos militares (de 103.000 para 10.500 soldados). Como não esligada ao território
russo, Kaliningrado possui algumas vicissitudes, como, por exemplo, ser alvo de grande fluxo migratório, o que,
todavia, não alterou o perfil eslavo da região, fomentado durante a URSS, pois 94% da população é eslava
(russos, ucranianos e bielo-russos). Geopoliticamente, Kaliningrado está “cercada´” por países pertencentes à
Uno Européia. Em função disto, em que pese a permanência de um medo diante de uma improvável re-
germanização do local, a província é vista por Moscou como uma fonte de aproximação econômica com a
Europa (ZVEREV, 2007, p. 09-37).
133
Por fim, impende que seja mencionada a inserção dos recursos energéticos
russos nas considerações geopolíticas russas referentes a Belarus. Na medida em
que o capítulo cinco aborda exclusivamente a questão da energia na dinâmica
interestatal estudada, cabe fazer aqui apenas breves considerações. A condição
estratégica bielo-russa na distribuição de energia proveniente das reserva russas é
similar à ucraniana, com a diferença de que Belarus é mais importante como via de
exportação de petróleo e a Ucrânia de gás natural
142
. As tensões que poderiam
surgir para o Kremlin decorrentes da dinâmica país-produtor versus país-corredor e
da eventual aproximação da União Européia com Belarus atualmente não possuem
campo para vir à tona. No tocante ao poder de barganha que Minsk detém na
qualidade de distribuidor dos recursos energéticos russos, o mesmo foi minorado
sensivelmente a partir do momento em que a estatal do gás russa, Gazprom,
adquiriu parte da estatal bielo-russa transportadora de gás natural, a Beltransgaz
143
.
Quanto à possibilidade da União Européia tentar trazer Belarus para sua órbita, e
com isto minorar a posição russa nos assuntos estratégicos ligados à energia, foi
visto que as chances disto ocorrer são muito remotas.
3.4. AS PREOCUPAÇÕES UCRANIANAS NO CONCERNENTE À RÚSSIA
No Complexo Regional de Segurança Pós-Soviético, a Ucrânia é o segundo
Estado mais importante, devido ao seu tamanho, população, estrutura e localização.
Em função de suas características, ela poderia ser considerada como uma potência
regional, entretanto, por causa do poderio da grande potência russa, a Ucrânia não
consegue atingir tal status (BUZAN e WAEVER, 2003, p. 55) A utilização dos
conceitos da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança explicita a grande
dificuldade que a Ucrânia enfrenta na arena internacional: a impossibilidade de
angariar prestígio e “liberdade de ação” na política mundial devido às limitações
impostas pela Rússia.
142
Como será visto no Capítulo cinco, a construção do gasoduto de Yamal-Europe,que passa pelo território
bielo-russo, é um projeto que visa diminuir a importância ucraniana como país distribuidor do s natural russo
para a Europa. Ao mesmo tempo, ele acresce o papel de país-corredor de Belarus.
143
A compra da estatal bielo-russa seabordada no Capítulo cinco, onde também há um histórico dos conflitos
entre Rússia e Belarus relacionados à distribuição do gás natural da primeira.
134
A falta de “liberdade de ação” no cenário internacional está relacionada com o
principal objetivo geopolítico da Ucrânia: sair o máximo possível da esfera de
influência russa. Nos primeiros anos de sua existência como Estado independente, a
Ucrânia enfrentou a desconfiança de muitos analistas acerca de suas reais
possibilidades de permanecer separada da Rússia, sem ser engolfada mais uma vez
pela sua ex-metrópole
144
. A partir do momento em que Moscou tacitamente aceitou a
Criméia e Sebastopol como pertencentes ao território ucraniano, ficou claro que
estava praticamente eliminado o risco de uma união forçada
145
. Desde então, o
interesse ucraniano passou a ser o de conseguir uma maior autonomia em relação à
Rússia.
A delimitação do objetivo ucraniano faz com que sejam suscitadas duas
ressalvas, uma delas relacionada com o regionalismo do país, e a outra com a
distinção entre desejo e realidade no sistema internacional. No tocante à polarização
da política interna ucraniana, de ser repisado que quase todas as regiões da
Ucrânia apóiam largamente a manutenção da independência do país e rejeitam com
igual veemência uma hipotética reunião com a ex-metrópole
146
. A unanimidade
muda de figura quando o tema proposto é o afastamento da Rússia e a aproximação
com as potências e organizações ocidentais, ou vice-versa. As quatro reges da
Ucrânia, abordadas em seus limites, geram dois posicionamentos de política externa
distintos, os quais seguem a polarização verificada nos pleitos ucranianos desde
1994. Enquanto o oeste e o centro do país almejam a ampliação dos contatos com a
Europa e a fuga da órbita russa, o leste e o sul preferem manter laços históricos com
Moscou. Enquanto os anseios dos nacionalistas do oeste e do centro do país são
claros, é difícil compreender se os ucranianos das últimas regiões citadas almejam a
referida “liberdade de ação” do país e entendem que ela pode ser conseguida
mesmo com a permanência de forte ligação com a Rússia, ou se eles calculam que
o grau de perda da autonomia de fato da Ucrânia, que decorreria do estreitamento
de relações entre os dois Estados eslavos consiste em preço justo a ser pago pelos
144
Apesar da forte retórica que afirmava que, sem a Ucrânia, a Rússia nunca poderia retomar seu império e
possuía uma única saída, se unir à Europa, Zgbniev Brzezinski, lançava, aqui e ali, dúvidas quanto ao sucesso da
Ucrânia enquanto Estado independente. Sua obra The Great Chessboard foi escrita em 1997, o que comprova
que a desconfiança quanto ao futuro ucraniano durou muitos anos.
145
Ver página 75.
146
A Criméia poderia ser considerada uma excão, não porque deseje uma reunião com a Rússia, mas sim pelo
seu desejo de independência tanto de Moscou quanto de Kiev. Todavia, é de se destacar que entre permanecer
sob as ordens ucranianas e as russas, por certo a Criméia preferirá o primeiro caso, pois não conseguiria com o
governo de Putin a autonomia que hoje desfruta.
135
ganhos oriundos dessa aproximação. uma terceira hipótese, a de que os
ucraniano-russos do leste e do sul estão, na verdade, preocupados com a situação
interna do país, e desta forma sua rivalidade política com os nacionalistas do oeste
tem como sua principal motivação o desejo de serem respeitados e o temor de que
estes imponham uma versão de identidade nacional excessivamente ocidentalizada.
De acordo com esta visão, os assuntos de política externa e alinhamentos
internacionais seriam fundamentalmente um meio de fortalecer os grupos da política
doméstica, permanecendo as questões geopolíticas em um segundo plano.
As divisões internas ucranianas refletem na formulação da política externa do
país, porém não chegam a desviar o foco de seu objetivo primeiro, escapar da zona
de influência russa. Tanto isto é verdade que a Ucrânia é freqüentemente apontada
como a ex-república soviética que mais procura se afastar da ssia (excluindo-se
aqui as repúblicas bálticas). Ressalte-se que mesmo que considerássemos as
regiões leste e sul do país como fontes de contrariedade ao objetivo nacional de
autonomia de fato, o que é questionável, as atitudes do governo ucraniano a partir
de 1991 demonstraram que até hoje elas conseguiram no máximo atrapalhar os
planos governamentais, mas não os extirparam da política externa do país. Como
visto anteriormente, os governos de Leonid Kravtchuk (1991 a 1994) e Viktor
Yushchenko (desde 2005) são considerados pró-ocidente, logo é de se esperar que
sejam autonomistas em relação à Rússia. Contudo, mesmo o governo de Leonid
Kuchma (1994 a 2004), o qual constantemente foi apontado como pró-russo, adotou
medidas que agradaram aos nacionalistas por deterem como meta a diminuição da
ascendência russa sobre a Ucrânia. Podemos, rapidamente, citar alguns exemplos:
foi durante a presidência de Kuchma que o ucraniano foi gravado na Constituição
Federal do país como ngua oficial nacional; a Carta de Parceria Distintiva com a
OTAN foi assinada em 1997, sendo que nesse mesmo ano foram realizados
exercícios militares conjuntos da Ucrânia com a organização militar no solo daquela;
em várias oportunidades o presidente Kuchma ou seus assessores reafirmaram a
vontade ucraniana de fazer parte da União Européia. As atitudes de Kuchma de se
negar a participar de órgãos multilaterais na CEI igualmente podem servir de
exemplo do afirmado. Diante desses fatos, resta visível que a política externa
ucraniana teve um fio condutor que foi seguido pelos seus governantes, ainda que
em velocidades diferentes, qual seja, o de tentar conseguir liberdade de movimentos
nos planos regional e global, sem tanta interferência do Kremlin.
136
Todavia, a coerência quanto ao desígnio geopolítico de política externa não
impediu que a situação local tenha servido de sensível óbice ao sucesso dos
desejos de Kiev, juntamente com os impedimentos advindos do plano externo. Deste
modo, existem fatores cruciais, entre eles os que são investigados neste estudo, que
não deixam que a Ucrânia fuja por completo da órbita russa. Neste ponto, cumpre
mencionar a segunda ressalva citada, a que diz respeito à distinção entre desejo e
realidade. O fato de que quase duas décadas após sua independência a Ucrânia
não tenha conseguido fugir da esfera de poder russa não quer dizer que ela não
deseje adquirir maior autonomia e talvez se firmar como uma potência regional.
Suas divisões internas e suas limitações perante a Rússia não eliminam tal objetivo,
elas apenas o tornam mais complicado de ser alcançado. Ressalte-se que a
diferenciação entre desejo e realidade precisa ser feita, a fim de que não se alegue
contradição quando se diz que as políticas ucranianas desejam maior liberdade em
relação à hegemonia regional russa e uma inserção mais incisiva no que se
considera a “comunidade européia”.
Várias das atitudes da Ucrânia ao longo de seu período de independência
revelam seu objetivo maior, o qual pode ser encarado tanto como uma concepção
geral da política externa do país, quanto como um movimento geopolítico. Frise-se
que Moscou é tão presente nas preocupações de Kiev que as demais metas
ucranianas de cunho geopolítico acabam por ocupar um espaço bastante secundário
na política externa do país. Por tal razão, as manobras políticas ucranianas na
esfera internacional serão observadas no presente trabalho a partir de uma ótica
decorrente do principal objetivo estratégico da política externa da Ucrânia aqui
identificado.
Logo na formação da Comunidade dos Estados Independentes era possível
enxergar os intentos da Ucrânia, posto que esta via a criação da organização não
como uma nova instituição substituta da União Soviética, mas sim como a separação
definitiva do domínio material russo. O presidente ucraniano Leonid Kravchuk
declarou que não era interesse ucraniano que a CEI possuísse lei, cidadania
comuns, nem mesmo status de ente formal perante o direito internacional (NOGEE e
DONALDSON, 2005, p. 182). No transcorrer dos anos, com a única exceção da
criação do Espaço Econômico Comum, que será abordada no capítulo seguinte, a
Ucrânia se negou a ingressar em órgãos da CEI, principalmente quando o tema em
voga era a criação de forças de segurança coletiva ou órgãos de política macro-
137
econômica. Até hoje, a atitude ucraniana é a de travar conversas bilaterais com
Moscou, pois considera, corretamente, que o fortalecimento institucional da CEI
equivalia a fortalecer a hegemonia russa na região.
No cálculo ucraniano, o afastamento da CEI não era suficiente, pois apenas
dificultava formalmente um domínio que a ssia acabava por exercer na prática. O
alcance de uma maior autonomia somente poderia ser obtido com o estabelecimento
de alianças com outros Estados desgostosos com a primazia russa. Assim, em
outubro de 1997, a Ucrânia se juntou a Geórgia, Azerbaijão e Moldávia e fundou o
GUAM
147
. Menos de dois anos depois, o Uzbequistão foi aceito como membro da
organização, que passou a se chamar GUUAM. A meta principal da GUUAM era
contrabalançar o poderio russo no Complexo Regional de Segurança
148
. Uma
paridade completa era impossível, e deste fato todos os participantes estavam
cientes, mas, sem vida, o raciocínio de que unidos eles teriam maiores
possibilidades de evitarem a dominação russa era teoricamente correto.
Os membros do GUUAM se esforçaram em dar passos específicos em
direção à cooperação na área de segurança. Todavia, as realidades nacionais
acabaram por minar a organização. Em janeiro de 2000, um governo menos
contrário à Rússia foi eleito na Moldávia e em 2002, o Uzbequistão saiu da
organização, supostamente porque com o estreitamento de relações com os
Estados Unidos tornava menos importante a parceria com os países da região
(BUZAN e WAEVER, 2003, p. 413). Sem conseguir o seu objetivo principal, ao
menos a GUUAM serviu para criar um canal de acesso aos seus participantes junto
à OTAN.
foi dito que a Ucrânia mantinha relações com a organização militar
atlântica desde 1994, assim, é mais do que mera coincidência que a formação da
GUUAM tenha ocorrido justamente no ano em que OTAN e Ucrânia começaram a
realizar exercícios militares conjuntos. Os fatos envolvendo a GUUAM
demonstraram a Kiev que as alianças em nível regional não têm estofo suficiente
para minar a centralidade russa na região, uma vez que a balança de poderes
regional é muito assimétrica. Diante deste quadro, a solução para o problema de
147
O nome GUAM provém da junção das iniciais de seus primeiros membros, Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e
Moldávia.
148
Os objetivos declarados da organização não deixavam dúvida quanto a isto, pois entre eles estava a não
aceitação de esfera de influência, a constituição de um corredor comercial que perpassaria Europa, Cáucaso e
Ásia, além de aprofundar relações com a OTAN.
138
fugir da influência russa deve ser buscada junto a Estados de fora do Complexo
Regional de Segurança do espaço pós-soviético. Tais potências estão localizadas
no ocidente. Isto se explica tanto pelo fato de a Ucrânia ser um país europeu, e
possuir na sua porção oeste uma população fortemente ligada às tradições
ocidentais, quanto pela circunstância de as grandes potências orientais (China e
Japão) não pertencerem ao horizonte de relações ucraniano
149
.
Assim sendo, permitir que a superpotência norte-americana ou a grande
potência européia se intrometam nos assuntos da região da qual faz parte é
considerado pela Ucrânia um meio possível de libertação da hegemonia russa. As
repetidas declarações ucranianas manifestando desejo de ingressar na OTAN e na
União Européia, bem como a sua aceitação da intromissão dos países ocidentais em
suas questões internas, como se viu na Revolução Laranja, são, desta forma,
expressões do objetivo geopolítico da Ucrânia de sair da zona de influência de sua
ex-metrópole.
Outro aspecto que deve ser abordado é localização geográfica ucraniana e
sua potencialidade de tornar o país um caminho para a distribuição de recursos
energéticos provenientes da Ásia Central na Europa. No Capítulo cinco, este
assunto setratado com maior abrangência. Todavia, vale referir brevemente que
esta condição espacial ucraniana faz parte das estratégias traçadas por Kiev para
minorar sua dependência econômica e política em relação a Moscou e, ao mesmo
tempo, minorar a posição russa na região.
Destarte, geopoliticamente, a Ucrânia almeja afirmar sua autonomia em
relação à Rússia. Seu objetivo passa pelo direcionamento de sua política externa, o
tanto quanto for possível, para a Europa e os Estados Unidos, potências que podem
vir a rivalizar com o poder russo no Complexo Regional de Seguranças-soviético.
Infelizmente para os ucranianos, seu intento não de fácil obtenção, razão pela qual
até o presente momento não se completou. Entre outros motivos porque nos últimos
anos a Rússia retomou parte do poder perdido na arena global e se firmou como
grande potência. A exposição das ponderações geopolíticas russas acerca da
Ucrânia demonstrou que este Estado é único em suas singularidades para os planos
do Kremlin de angariar poder não apenas regional, mas também global. Via de
conseqüência, a Rússia não mede esforços na busca do intento de manter a Ucrânia
149
Até mesmo o Brasil estabeleceu pesquisas no campo aeroespacial com a Ucrânia, em parceria efêmera.
139
como uma zona de projeção de seu poder quase irrestrito. E para tanto utiliza todo o
arsenal de que dispõe, desde o exercício do Poder Brando, baseado nas
semelhanças identitárias dos países, até pressões econômicas, lastreadas nas
vulnerabilidades ucranianas e na dependência que esta tem dos recursos
energéticos russos. As armas de persuasão russas não significam, entretanto, o
fracasso total do objetivo ucraniano. O fato de que a meta nunca foi perdida de vista,
mesmo diante das disputas regionais internas, é um fator positivo. Outro ponto
favorável diz respeito à permanência da receptividade da União Européia e da OTAN
aos anseios ucranianos. Vacilações existem, principalmente em função dos receios
de eventuais respostas russas, mas em nenhum momento a Ucrânia foi formalmente
“abandonada” nem pelo bloco regional e nem pela aliança militar. Portanto, a saída
ocidental” não pode ser descartada no futuro ucraniano, e isto concede a Kiev algum
grau de autonomia em relação à Moscou, situação que lhe acarreta poder de
barganha em questões como, por exemplo, a negativa de aprofundamento da CEI. É
um nível de autonomia menor do que o desejado, mas não deixa de existir.
Assim sendo, na medida em que os cálculos estratégicos ucranianos estão
intrinsecamente ligados a Moscou, resta cristalino que sob o ponto de vista
geopolítico, a Rússia é o país mais presente nas preocupações ucranianas. Este
fato igualmente comprova que as relações com Moscou são ímpares para Kiev.
3.5. A GEOPOLÍTICA REATIVA DE BELARUS
O alinhamento quase imediato de Belarus com a Rússia depois do fim da
União Sovtica reduziu sensivelmente as escolhas geopolíticas daquele. A eleição e
permanência no poder de um governo autoritário diminuíram ainda mais as chances
bielo-russas de buscar um caminho próprio no sistema internacional. A sua política
interna não dispõe de grupos de oposição que ameacem o poder do presidente
Lukashenko, por isto são parcas as possibilidades de que a dimensão local venha a
alterar as relações regionais mantidas pelo país com a Rússia.
Belarus faz parte da zona de influência russa e não parece ter força ou
mesmo vontade ferrenha de modificar sua situação. Inclusive, por muitos anos Minsk
procurou algum tipo de reunião com a ex-metrópole, mas o atingiu seu objetivo,
140
num primeiro momento pela sede de poder de seu presidente e após a eleição de
Putin na Rússia, em função do desinteresse do Kremlin
150
. As questões identitárias,
já abordadas, e a severa dependência econômica da Rússia, o que será visto
adiante, não colaboram em nada para uma eventual mudança de rumo.
Os fatores expostos acarretam à política externa bielo-russa a característica
de ser reativa. Ela segue a linha russa e, de tempos em tempos, precisa se adaptar
às estratégias da ex-metrópole. Assim ocorreu quanto à OTAN, após o 11 de
setembro, quando a Rússia aproximou-se da aliança, o que levou o governo bielo-
russo a suavizar a sua retórica anti-OTAN e a procurar melhorar suas relações com
a organização militar (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 57).
Uma questão que é importante para Belarus, na qual ela não segue fielmente
os interesses russos é a distribuição de recursos energéticos. Sua economia frágil e
sua dependência dos recursos naturais russos obrigam Minsk a lutar para
permanecer estrategicamente como um país-corredor de recursos naturais. Os
interesses russos de construir gasodutos e oleodutos que não atravessem território
bielo-russo, e com isto, diminuir seus custos de transporte, sobressaltam Belarus.
Primeiramente porque tal situação lhe minoraria a posição estratégica de rota
obrigaria de recursos energéticos russos para a Europa. Em segundo lugar, o
poder russo na relação interestatal se tornaria ainda maior, pois a capacidade de
barganha oriunda do fato de ser um país-corredor diminuiria. E, por fim, a perda
econômica que isto representaria potencialmente levaria à desestabilização do
governo.
Pelo exposto, impende concluir que as ambições geopolíticas bielo-russas
não vão além de acompanhar as políticas adotadas pela Rússia na matéria. O único
assunto estratégico realmente bielo-russo é a manutenção de seu status de país-
corredor dos recursos energéticos russos. Na medida em que a geopolítica bielo-
russa é um reflexo dos interesses russos, salvo a exceção mencionada, é possível
concluir que os fatores geopolíticos tornam as relações de Belarus com a Rússia
singulares para o primeiro, posto que distintas daquelas que mantém com os outros
Estados do sistema internacional.
150
O histórico dos tratados assinados entre Rússia e Belarus está exposto no capítulo quarto.
141
CAPÍTULO IV: O ELEMENTO ECONÔMICO NAS RELAÇÕES ENTRE RÚSSIA,
UCRÂNIA E BELARUS
O fato de que Ucrânia e Belarus pertenceram ao imrio russo e à União
Soviética faz com que, tamm sob o aspecto econômico, os três países
mantenham uma ligação muito próxima. Ao se tornarem independentes, todos os
Estados que hoje compõem o espaço pós-soviético precisaram desenvolver
economias nacionais, pois enquanto Repúblicas Socialistas Soviéticas estavam
econômica e politicamente subordinados às ordens provenientes de Moscou. O
processo de criação dessas economias nacionais necessariamente deveria encarar
uma interdependência econômica natural entre novos Estados que antes
constituíam um único país, e, em especial, de cada um deles em relação ao centro
da unidade desfeita, ou seja, a Federação Russa. Interdependência esta, na maioria
das vezes, bastante assimétrica, posto que dentre as Repúblicas Socialistas
Soviéticas, a russa era a que detinha a economia mais desenvolvida e diversificada,
em comparação com as demais partes da URSS. Diante disto, duas escolhas eram
possíveis: ou aqueles buscavam independência econômica de Moscou, ao custo de
severas dificuldades sociais no curto, e talvez até mesmo no médio prazo, ou
aceitavam a influência russa como algo não totalmente maligno, da qual a fuga
exigia um preço muito alto a ser pago.
Assim como ocorreu no tocante às questões culturais e geopolíticas
relacionadas com a ex-metrópole, logo após 1991 Ucrânia e Belarus tomaram rumos
distintos no concernente à condução de suas economias. A Rússia, na qualidade de
Estado pós-imperialista, procurou manter aquelas sob suas asas e para tanto as
ligações econômicas oriundas do período soviético constituíram ferramenta de
considerável valor.
142
As escolhas dos três países quanto às suas políticas externas econômicas
são o foco de análise deste capítulo. O sucesso de suas empreitadas será
investigado com o intuito de verificar se o nível de interconexão ainda existente entre
as economias dos Estados observados realmente é um fator que dota a dinâmica
tripartite de singularidade.
Os aspectos econômicos das relações russo-ucraniano-bielo-russas não
devem ser encarados a partir de um ângulo exclusivamente economicista, baseado
em dados objetivos de trocas comerciais e balanços de pagamento. Fatores já
referidos nos capítulos anteriores, tais como a influência política, o imperialismo
russo e os cálculos estratégicos e de segurança, de alguma forma, se imiscuem na
condução das economias dos três países. A primeira parte deste capítulo procurará
dar conta destas proximidades, sem olvidar que o seu foco o as questões
econômicas.
Após, será apresentada a política externa russa desenvolvida principalmente
a partir do Governo Putin, a qual procurou utilizar os canais de proximidade de sua
economia com as economias ucraniana e bielo-russa a fim de obter sucesso em seu
projeto regional de se manter como o Estado central do Complexo Regional de
Segurança pós-sovtico, bem como no seu objetivo no nível global de aumentar sua
projeção de poder na arena internacional. Conforme se verá, o poderio econômico
russo
151
passou a ser um elemento estratégico do Kremlin para manter sob sua
órbita os antigos satélites que lhe são mais caros.
A Ucrânia merecerá destaque a seguir. Nos primeiros anos de
independência, os ucranianos procuraram um afastamento da economia russa, a
exemplo do que fizeram as repúblicas bálticas da Letônia, Lituânia e Estônia.
Contudo, os liames que a uniam à Rússia eram muito fortes, os quais,
acompanhados do temor de Kiev de pagar o preço exigido pelas reformas
necessárias para atingir seus objetivos primeiros, forçaram uma troca de rumo de
sua política econômica.
151
Quando se adota aqui o termo “poderio econômico russo”, tem-se em mente a comparação da economia russa
com os demais países constituintes do Complexo Regional de Segurança Pós-Soviético. Portanto, não se deseja
afirmar que a Rússia detém uma das maiores economias do sistema internacional, ou que sua economia possa ser
equiparada com outras grandes potências como o Japão, a União Européia ou até mesmo a China.
143
Último dos Estados a ser observado, Belarus representa o grupo das ex-
Repúblicas Socialistas Soviéticas que, sabedoras de sua fragilidade estrutural
procuraram manter os vínculos econômicos que as uniam à Rússia.
Em resumo, o capítulo procurará mostrar que a herança dos tempos imperiais
e soviéticos aflige a economia dos dois parceiros mais fracos, e torna ímpares as
relações que desenvolvem com Moscou. Ao virarmos o foco para o parceiro forte,
temos que a Rússia tem em Ucrânia e Belarus dois países sobre os quais precisa
manter influência econômica, tendo em vista os planos russos de sedimentar sua
condição de grande potência no sistema internacional, ou até mesmo de retomar o
papel de superpotência revigorada no mundo multipolar com o qual sonha.
4.1. OS FATORES ECONÔMICOS E SUAS RELAÇÕES COM PODER,
IDENTIDADE E SEGURANÇA
No mundo pós-Guerra Fria, as potencialidades econômicas de um Estado
colaboram sobremaneira na sua missão de granjear poder no sistema internacional,
a fim de alcançar seus interesses. Não nada de novo em tal afirmativa, visto que
desde a formação do próprio sistema interestatal, os países que dominaram a cena
política internacional eram aqueles que lideravam determinado ciclo econômico de
acumulação de capital
152
. Convém aqui citar Giovanni Arrighi:
[...] a competição pelo capital circulante entre estruturas políticas de grande
porte, mas aproximadamente equivalentes, tem sido o fator mais essencial e
duradouro na ascenção e expansão do poder capitalista na era moderna. A
menos que levemos em conta os efeitos dessa competição sobre o poder
das nações concorrentes [...] nossas avaliações das relações de força do
sistema mundial estarão fadadas a ser fundamentalmente falhas (ARRIGHI,
2003, p. 16).
O diferencial da época atual é a menor probabilidade de que as grandes
potências se envolvam diretamente em guerras, confrontando-se umas contra as
outras pela conquista de territórios, zonas de influência e poder, em comparação
152
Sob os ciclos sistêmicos de acumulação e os países hegemônicos no sistema internacional, ver a obra seminal
de Giovanni Arrighi, “O Longo Século XX”.
144
com o que ocorria cem ou cinqüenta anos atrás. Sem que a alternativa militar
seja a primeira escolha viável na briga entre os grandes jogadores do sistema
internacional, a busca de poderio econômico assume proporções inauditas. É claro
que não se pode esquecer a importância para os Estados de manter exércitos
vigorosos e, dentro das limitações de cada país, tecnologicamente avançados, posto
que as forças armadas continuam sendo um parâmetro válido de medição de forças
no cenário global, e, em última instância, são indispensáveis na garantia da
seguraa de um país diante de ameaças externas
153
. Portanto, o que se afirma
aqui é que as potencialidades econômicas ganharam proeminência na arena global
nos últimos anos, principalmente quando comparamos o início deste século com as
Guerras Mundiais e a Guerra Fria, eventos marcantes do culo XX, mas tal
situação não contraria o fato de que a segurança e o fator militar ainda são
fundamentais no cenário internacional.
Vale, igualmente, ponderar que, em que pese a preponderância desfrutada
pelas questões econômicas no estágio atual do sistema internacional, isto não
significa que a política (e o poder a ela inerente) tenha perdido sua essencialidade.
Não é correto qualificar os lucros transações econômicas como o objetivo último a
ser alcançado pelos Estados. Nem mesmo asseverar que as capacidades
econômicas refletem diretamente nas políticas externas de um Estado. Muitas das
decisões tomadas pelos governantes dos países que compõem o sistema são
tomadas com base em cálculos estritamente políticos, o que por vezes pode
representar um lucro pecunrio menor, ou mesmo a falta dele, o que seria absurdo
segundo a lógica puramente capitalista
154
. O contrário não é verdadeiro, pois mesmo
nas decisões governamentais que privilegiem o lucro em desrespeito a uma aliança
política, aquele lucro será utilizado, de uma forma ou de outra, em ganhos de poder
futuros. Isto ocorre porque os Estados não são empresas, mas sim entes políticos
por natureza. Assim sendo, mesmo que estejam inseridos num sistema capitalista,
153
Joseph Nye faz interessante comparação ao afirmar que “desdenhar o papel e a importância central da
segurança seris o mesmo que desdenhar o oxigênio. Em circunstâncias normais, o oxigênio é abundante e recebe
pouca atenção. Mas quando as circunstâncias se alteram e nós começamos a sentir falta dele, não conseguimos
pensar em mais nada” (NYE, 2002, p. 34).
154
Um ganho econômico absoluto pode ser um ganho político apenas relativo. Por exemplo: um determinado
Estado (A) pode estar diante de uma situação na qual receberá enormes dividendos em negociar determinado
produto fundamental para o vizinho (B). Todavia, este vizinho não é politicamente confiável. Ao fechar a
negociação, o Estado A terá ganhos financeiros absolutos, mas pode ter reforçado o Estado B, que não é seu
amigo. Logo, aqueles ganhos se tornarão apenas relativos. Seguindo a lógica do lucro, a negociação deveria ser
feita, mas analisando a questão politicamente, seria indispensável um estudo dos custos e benefícios trazidos pela
negociação.
145
nas relações que os Estados mantêm com seus pares a pujança econômica não é
um fim em si mesma; mas um meio de obtenção de poder
155
. Nos sub-capítulos
dedicados à Rússia, Ucrânia e Belarus tal situação ficará mais clara quando for
vislumbrada a utilização que tais Estados fazem de suas possibilidades econômicas.
O poder aqui referido não é unicamente aquele que implica em dominar ou
projetar influência sobre outros Estados. Para determinado Estado, o poder pode
significar tão-somente a capacidade de buscar sua autonomia de fato em relação
aos seus semelhantes. No caso de países que foram dominados por impérios, usar
suas capacidades econômicas para atingir poder é nada mais do que juntar forças a
fim de se afastar da submissão frente à ex-metrópole. Por exemplo, os ucranianos
não utilizam eventuais capacidades econômicas que possuam para controlar Belarus
ou qualquer outro país; sua prioridade é conquistar “liberdade de ação política
efetiva” em relação à Rússia.
Rawi Abdelal denomina de abordagem realista da economia política
internacional a busca estatal de vantagens econômicas voltada para fins políticos de
autonomia e poder na arena global. Nas palavras do autor:
O Estado na teoria realista persegue autonomia em relação a outros
Estados e às forças do mercado, e entende dependência econômica frente a
outros Estados, especialmente no concernente aos mais poderosos, como
uma ameaça à segurança estatal (ABDELAL, 2001, p. 41).
O autor citado não considera errôneas as premissas da posição realista. Ele
até mesmo admite, indiretamente, que os Estados almejam tais objetivos. Contudo,
sustenta que a visão nacionalista da economia política
156
é mais completa em
comparação à perspectiva realista, pois consegue indicar em relação a quem os
Estados buscam sua autonomia ou aceitam a interdependência econômica. O
propósito nacional na economia mundial defendido por Abdelal está ligado com o
construtivismo e com a formação de identidades nacionais. Segundo o autor,
155
Robert Gilpin sustenta que no centro dos estudos de economia política internacional está a divergência entre a
lógica do mercado e a lógica do Estado. “Enquanto a lógica do mercado é alocar atividades econômicas aonde
elas seriam mais eficientes e lucrativas, a lógica do Estado é capturar e controlar o processo de crescimento
econômico e acumulação de capital com o intuito de aumentar seu poder e o bem estar de sua nação(GILPIN,
2001, p. 81).
156
Abdelal alega que a perspectiva nacionalista da economia defendida por Gilpin está focada no Estado, e na
sua atuação na economia como forma de se fortalecer interna e externamente. Não haveria nacionalismo nesta
perspectiva, mas sim estatismo. Já Abdelal adianta que sua perspectiva nacionalista tem a ver com a identidade
nacional do país, portanto está relacionada mais com a influência da sociedade sobre os governos do que com a
concepção de que é o Estado (na pessoa dos governantes) que dinamiza a economia e elabora a política externa
econômica (ABDELAL, 2001, p. 19).
146
principalmente nos Estados pós-imperiais
157
, a política doméstica é importante na
definição da política econômica externa. A identidade nacional de um Estado
“influencia como os governos interpretam a realidade material de sua economia e
sua relação com as economias de outros Estados” (ABDELAL, 2001, p. 38). Assim,
de acordo com a compreensão que determinado país possui de seu Outro
Significante, ele pode interpretar a interdependência econômica em relação a este
como uma ameaça a sua segurança ou como algo benéfico. E aquele mesmo país
que vê a interdependência econômica quanto ao Outro Significante como perniciosa,
pode enxergar a mesma interdependência em relação a outro Estado poderoso
como boa para os seus interesses. Um exemplo que ilustra tal situação é fornecido
pelas regiões oeste e central da Ucrânia, pois ao mesmo tempo em que elas não
vêem com bons olhos um estreitamento econômico com a Rússia, não
pestanejariam frente à possibilidade de estabelecerem uma interdependência ainda
mais profunda entre a economia ucraniana e as economias das grandes potências
européias.
Ao jogar luzes sobre a questão identitária, Abdelal sustenta ser esta a melhor
explicação acerca das decisões de economia política dos países constituintes do
Complexo Regional de Segurança s-soviético, uma vez que, por seu intermédio,
se torna possível compreender porque alguns Estados procuraram a reintegração
econômica com a Rússia enquanto outros buscaram se afastar de Moscou. Cabe
frisar que, no tocante às capacidades econômicas estatais (dados materiais e
estruturais) e às questões de poder, o autor não os descarta como influências
presentes nas decisões governamentais, apenas as insere em patamar menor.
Tendo em vista que o presente estudo é pautado pela investigação de
múltiplas causas que conferem distinção às relações russo-ucraniano-bielo-russas,
e, entre as razões propostas, merece destaque a formação das identidades
nacionais e a influência deste fator na dinâmica estudada, a teoria nacionalista de
economia política de Rawi Abdelal pode ser útil. Entretanto, ela de ser manejada
com cuidado
158
. É inegavelmente interessante suscitar a questão identitária nas
157
Aqui se usa a terminologia de Andrei Tsygankov, exposta no Capítulo dois. A objetivo da escolha é limitar ao
máximo o uso de termos distintos para determinarem as mesmas situações fáticas.
158
Em artigo muito bem fundamentado, Robert Legvold e Celleste Wallander afirmam que o melhor ponto de
partida para a compreensão dos caminhos diferentes que Belarus e Ucrânia escolheram as 1991 realmente era
a diferença em suas identidades nacionais. Entretanto, no transcorrer de sua argumentação, alegam que várias
forças estruturais que mitigaram as preferências iniciais de Ucrânia e Belarus quanto à reintegração ou
afastamento da economia russa (WALLANDER E LEGVOLD, 2004, p. 25).
147
relações econômicas mantidas entre os três Estados referidos, porém tal elemento
não deve ser considerado mais relevante do que os dados econômicos materiais
(estrutura de circulação de bens, recursos naturais, parque industrial operante, etc.)
ou as questões políticas de projeção de poder e de influência, destacadas no
capítulo destinado à geopolítica. Conforme se verificará, por exemplo, no sub-
capítulo dedicado à Ucrânia, fatores puramente econômicos, como a herança dos
sistemas de circulação de mercadorias e recursos energéticos ou a aceitação de
produtos ucranianos no mercado internacional, foram muito significativos para a
guinada de Kiev em direção a uma reaproximação com a economia russa. Assim
sendo, entre as causas possíveis dos rumos das negociações comerciais russo-
ucraniano-bielo-russas é possível se levar em consideração o elemento identitário.
Contudo, as identidades nacionais não podem assumir o papel de fator
preponderante nas escolhas de política externa econômica dos países citados, mas
tão-somente o de elemento acessório.
O fator econômico, outrossim, está ligado diretamente à questão de
seguraa. Na medida em que o poderio econômico assume papel de destaque nas
relações interestatais, a defesa da economia de um país passa a fazer parte das
preocupações atinentes à segurança nacional. Neste ponto, é possível identificar a
noção alargada de segurança constante na Teoria dos Complexos Regionais de
Buzan e Waever, mencionada no capítulo anterior. A securitização de um Estado
pode ser econômica, ou seja, estar seguro (de sua soberania efetiva, de sua
autonomia) significará a não-subjugação econômica e política diante de um Estado
mais forte, sobretudo quando este for uma ex-metrópole. Um exemplo de
securitização econômica pode ser extraído da noção compartilhada por parte da
população ucraniana e, em especial, pelas ex-Repúblicas Socialistas Sovticas
bálticas, de que a permanência dos liames estreitos com a economia russa era uma
ameaça ao objetivo destes países de sustentarem a independência conquistada.
A imbricação entre economia e segurança não reside apenas na
consideração daquela como elemento de securitização per se. A segurança nacional
de um país necessita que o mesmo possua poder político, e este poder é construído,
em parte, sobre a capacidade produtiva de sua economia, a qual, por sua vez,
deriva do crescimento econômico (WALLANDER e LEGVOLD, 2004, p. 03). Ou seja,
o crescimento econômico é um meio de alcançar poder, o qual é indispensável para
a segurança estatal. Segundo Ellen Wood, o próprio poder econômico capitalista,
148
mesmo em sua versão mais madura, que corresponde ao imperialismo capitalista,
precisa do suporte das forças extra-econômicas, arroladas pela autora como sendo
as forças políticas, militares e jurídicas (WOOD, 2005, p. 04 e 05). Celleste
Wallander é mais sucinta ao afirmar que “a saúde econômica de um Estado precisa
da segurança e esta precisa daquela” (WALLANDER, 2004, p. 64). A partir destas
considerações, observa-se que os fatores econômicos, o poder e a segurança de um
Estado estão intimamente ligados.
Portanto, quando se aborda os aspectos econômicos da política externa que
Rússia, Ucrânia e Belarus mantêm entre si estarão envolvidas disputas de poder,
projeção de influência, questões identitárias e até mesmo preocupações quanto à
seguraa dos três Estados. Por tal razão, nas partes dedicadas a cada um dos
países enfocados, os fatores econômicos terão o devido destaque, mas estarão
secundados pelos outros elementos aqui referidos.
4.2. RÚSSIA
4.2.1. A Turbulência Econômica Russa no Período Yeltsin
A transição do modo de produção comunista para o capitalismo levou a
Rússia a uma acentuada instabilidade econômica, cujo ápice foi a crise cambial de
1998, quando a fuga em massa de capital estrangeiro mergulhou a economia do
país em severas dificuldades. A complexidade e a profundidade do processo de
transformação econômica levaram conceituados economistas russos, como Vladimir
Mau e Irina Starodubrovskaia a sustentarem que durante a década de 1990, o país
passou por uma revolução sem derramamento de sangue
159
. Ângelo Segrillo
contesta a conclusão dos autores, preferindo denominar o fenômeno experimentado
pela Rússia de contra-revolução ou restauração, tendo em vista que o mergulho no
desconhecido, no imprevisível, que caracteriza uma revolução não estava presente
159
A principal obra, na qual defendem a tese de que a Rússia enfrentou uma autêntica revolução na década que
seguiu à débâcle do Estado soviético, é The Challenge of Revolution: Contemporary Russia in Historical
Perspective. Em dois artigos publicados no Brasil, os autores expuseram as principais linhas de seu pensamento
(MAU, 2005 e STARODUBROVSKAIA, 2005).
149
no processo. O fim último das transformações russas, qual seja, a criação de uma
democracia liberal capitalista já havia sido amplamente estudado e adotado no
sistema internacional. Ademais, o movimento da ssia seria de retorno a um
sistema que, mal ou bem, praticava rudimentarmente antes de 1917 (SEGRILLO,
2005, p. 317-318)
160
.
As dificuldades experimentadas pelas repúblicas socialistas nos últimos anos
do Estado soviético se agravaram quando este chegou ao fim. Houve o rompimento
da cadeia produtiva construída durante décadas pelos governos comunistas, o que
foi catastrófico, tendo em vista que a economia soviética era muito integrada, com
cada república socialista sendo especializada em determinado tipo de produto.
Ainda que possuísse a economia mais diversificada entre todas as partes da União
Soviética, a Rússia sentiu os efeitos da impossibilidade momentânea de recebimento
de diversos artigos de consumo. O desabastecimento crônico experimentado no fim
de 1991 levou o presidente Boris Yeltsin a promover a liberalização dos preços no
dia 02 de janeiro de 1992. Vários produtos voltaram às prateleiras, contudo seus
preços eram constantemente remarcados, fruto da inflação, que naquele ano foi de
2.580%.
Nos primeiros anos do governo independente russo, as rédeas da economia
ficaram a cargo de jovens economistas que preconizavam o liberalismo pleno. A
figura proeminente do grupo era Yegor Gaidar, o qual defendia que somente um
choque de mercado poderia levar a Rússia ao capitalismo e à bonança por este
prometida. O governo russo buscou ajuda dos países industrializados do ocidente e
dos organismos internacionais como o FMI. A receita macroeconômica seguida foi
semelhante à brasileira na década de 1990. A economia foi aberta para produtos
estrangeiros e os juros foram elevados como forma de atrair capital especulativo. Em
virtude de tal política, a indústria nacional foi muito prejudicada, posto que não
conseguia crédito interno e concorria com produtos vindos de fora, e de qualidade
superior. Após intensas críticas provenientes do Parlamento Russo (Duma) e da
160
Ângelo Segrillo também discorda de Mau e Starodubrovskaia quanto às causas do fim da derrocada
econômica da União Soviética. Em suma, Segrillo entende que alguns dos fatores apontados pelos economistas
russos como causas da crise do modelo soviético na verdade foram causados pela própria Perestroika
(reestruturação). O movimento de liberalização econômica de Gorbachev seria, assim, um dos motivos da ruína
econômica soviética e o um dos efeitos inevitáveis de uma crise anterior a 1985. O autor defende que dentro
dos limites da planificação soviética, era possível ao regime durar alguns anos mais do que durou, mesmo diante
de fatores como a queda dos preços do petróleo. Ele cita a China e o Vietnã como exemplos de países que
floresceram economicamente após 1990 mesmo com regimes socialistas. (SEGRILLO, 2005).
150
população russa, Gaidar foi demitido e no seu lugar assumiu Viktor Chernomyrdin,
veterano integrante do Partido Comunista Soviético.
Por causa de seu passado, era esperado que Chernomyrdin protegesse as
indústrias russas diante da invasão de produtos externos, entretanto, diversos
fatores o impediram de fazê-lo. O receituário do FMI pregava a valorização do rublo
perante o lar, a manutenção da abertura do mercado e a continuação dos juros
elevados. Ou seja, o capital financeiro era valorizado em comparação com o capital
produtivo nacional. Os resultados para a sociedade eram muito ruins, pois o
aumento da pobreza e do desemprego gerava instabilidade política. Com o intuito de
manter-se no poder diante do avanço das forças nacionalistas e comunistas, Yeltsin
tornava-se, cada vez mais, refém político do poderio econômico dos oligarcas, grupo
que conseguiu o controle sobre as maiores empresas do país (sobretudo as
energéticas) no processo de privatização, e que lucrava muito com os rumos da
macroeconomia russa
161
. A obrigação de atender aos interesses dos oligarcas e de
suas companhias, de satisfazer os organismos internacionais e de abraçar uma
espécie de populismo para não perder o apoio popular fez com que na economia o
governo Yeltsin tomasse um rumo errático, com normas diversas sendo emanadas a
toda hora. A fraqueza do poder central o levava a perder comando sobre as regiões
do país e o impedia de recolher tributos de forma ordenada. Sem receber dinheiro
de impostos para saldar suas dívidas, o Kremlin era obrigado a cada vez mais emitir
títulos da dívida pública com juros altíssimos e com curto prazo de pagamento para
atrair investidores estrangeiros.
Apesar das dificuldades, em 1997 a economia russa conseguiu crescer
positivamente pela primeira vez na década (0,8%). Todavia, no final daquele ano a
crise das bolsas foi um sinal de que a bola de neve criada pelo governo russo estava
prestes a explodir, pois a fuga de capitais significaria a impossibilidade de
pagamento das dívidas governamentais assumidas e do cumprimento do orçamento
previsto. A crise russa estourou em agosto de 1998. Suas conseqüências foram
161
Angelo Segrillo lembra que os oligarcas começaram a ganhar destaque ainda no governo Gorbachev. Eles
eram todos ex-burocratas do período soviético ou empresários que começaram suas carreiras quando da abertura
econômica russa. Sua proximidade com o governo de Yeltsin e com as novas lideranças econômicas do governo
garantiu que adquirissem, mediante métodos legais, influência e práticas escusas as melhores companhias
estatais russas a baixos preços (SEGRILLO, 2000, p. 101). Além das indústrias, geralmente eles comandavam
empresas de mídia e algum banco, logo, possuíam empresas de capital produtivo (somente as lucrativas),
especulativo e meios de divulgar os fatos de acordo com seus objetivos. Segrillo aponta sete oligarcas principais
durante a década de 1990. São eles: Vladimir Potanin, Boris Berezovsky, Vladimir Guzinsky, Mikhail
Khodorkovski, Petr Aven, Vladimir Vidogranov e Alexandr Smolenski (SEGRILLO, 2000b, p. 103).
151
graves. O rublo se desvalorizou em um terço, o governo declarou moratória de 90
dias quanto ao pagamento de credores estrangeiros e filas de pessoas tentando
resgatar suas economias se formaram na frente dos bancos (SEGRILLO, 2000b, p.
113).
Em meio ao temporal, Yeltsin nomeou como Primeiro-Ministro Yevgeny
Primakov. Como visto anteriormente, no cargo de Ministro das Relações Exteriores,
Primakov era um nacionalista que, na política externa, advogava o afastamento da
Rússia das potências ocidentais e a aproximação com os países asiáticos.
Internamente, o novo primeiro-ministro promoveu o fortalecimento dos setores
produtivos da economia, em detrimento do volátil capital financeiro. Com isto, a
Duma, dominada pelos comunistas, ganhou força enquanto os oligarcas começavam
a perder sua influência política. A desvalorização do rublo permitiu a retomada da
indústria nacional, que, incentivada pelo governo, passou a substituir os produtos
que antes eram importados. Fatores externos como o aumento da demanda por
petróleo e a conseqüente alta dos preços do produto colaboraram com a política
econômica russa (STARODUBROVSKAIA, 2005, p. 211). O PIB russo em 1999
cresceu 6,4%, e no ano seguinte o seu crescimento atingiu 10%
162
. Mesmo com a
retomada do crescimento, Primakov foi destituído por Yeltsin. Depois de um breve
período de Sergei Stepashin (19/05/1999 a 09/08/1999) como Primeiro-Ministro,
Vladimir Putin foi nomeado para o cargo.
4.2.2. Vladimir Putin e a Economização da Política Externa Russa
Ao ser eleito presidente russo, em março de 2000, Putin o somente seguiu
a linha econômica adotada por Primakov, como concedeu grande importância ao
crescimento da economia russa, seja no papel de elemento de fortalecimento da
ordem interna, seja como meio de projeção de poder no sistema internacional.
Ressalte-se, por oportuno, que durante o Governo Yeltsin por várias vezes foram
feitas declarações no sentido de que a economia deveria ser o caminho para a
162
Antes de 1999, durante quase toda a década de 1990, o PIB russo teve variação negativa, salvo o ano de 1997.
A variação do PIB russo no período foi a seguinte: Em 1991 - 5%, em 1992 – 14,5%, em 1993 - 8,7%, em 1994 -
12,6%, em 1995 -4,1%, em 1996 -3,5%, em 1997 0,8%, em 1998 - 4,8%. Fonte: World Economic Outlook 1999.
152
integração russa após a Guerra Fria. Entretanto, os fatores econômicos nunca foram
realmente o foco da política do Kremlin naquele período. A Rússia apenas se
aproximou das grandes potências ocidentais e dos organismos econômicos
internacionais porque precisava de empréstimos para pacificar suas questões
internas. Pode ser alegado que a restauração pela qual passou a Rússia não
permitia que a economia fosse uma prioridade. Contudo, o Kremlin não buscou
efetivamente a integração com as economias dos países do espaço pós-soviético,
ou mesmo acordos com a União Européia que fossem valorizados de fato, por
exemplo
163
. As questões poticas e de segurança sempre dominaram a política
externa russa durante os anos 1990, sobretudo na sua segunda metade, quando
Primakov era o Primeiro-Ministro.
A relevância concedida por Putin à economia na política externa da Rússia
vai ao encontro do conceito de Grande Potência Normal antes referido, o qual
pressupõe que um Estado aspirante a tal status deve conseguir projetar poder por
intermédio de suas potencialidades econômicas. Conhecedor desta realidade, o
governo de Vladimir Putin elegeu o poder econômico como o principal meio de a
Rússia recuperar prestígio no sistema internacional e ser reconhecida como grande
potência
164
. Bobo Lo denomina a diretriz adotada por Putin de economização da
política externa russa (LO, 2005, p. 51). Por certo, a escolha feita pelo Kremlin está
lastreada no aumento dos valores dos recursos energéticos, sobretudo o petróleo e
o gás natural, no comércio internacional, fator que possibilitou à Rússia encontrar um
nicho no qual poderia se inserir na economia internacional com grande
ascendência
165
. Como afirma Celeste Wallander, ainda que os objetivos russos no
longo prazo sejam a diversificação de sua economia e o investimento em setores
que envolvam tecnologia avançada, no presente momento, a Rússia precisa vender
163
As relações econômicas com a União Européia servem como demonstração do peso dado por Yeltsin e Putin
à economia na política externa. Enquanto o primeiro assinou o Acordo de Parceria e Cooperação com o bloco
regional, mas o fez grande esforço para o mesmo avançasse, Putin sempre procurou integrar sua economia à
da União Européia, o que resultou na criação do Mapa para a Integração Econômica entre Rússia e União
Européia, assinado em 2005.
164
A visão de Putin acerca do sistema internacional vai ao encontro das palavras de José Luís Fiori, o qual
asseverou que “não há possibilidade de que algum Estado se trnsforme numa nova potência sem dispor de uma
economia competitiva, valorosa e inovadora. Foi assim desde o início da história desse sistema, e hoje é
rigorosamente impossível conceber um processo sustentado de acumulação de poder sem que esteja apoiado por
uma economia dinâmica, expansiva e ganhadora (FIORI, 2004, p. 50).
165
É inegável que a conjuntura internacional influenciou a escolha do presidente russo, tendo em vista que o
aumento exponencial do preço do petróleo e do gás natural, artigos dos quais a Rússia é uma grande produtora e
exportadora. Todavia, é impossível retirar de Putin pelo menos o mérito de conseguir analisar a situação da
economia mundial e descobrir uma forma de inserir novamente a Rússia no concerto das grandes potências.
153
algo que, ao mesmo tempo, seja uma herança dos tempos soviéticos e detenha forte
demanda internacional. Os recursos energéticos se encaixam com perfeição nas
duas definições (WALLANDER, 2004, p. 74). A conjuntura se tornou ainda mais
favorável para Moscou diante das sucessivas crises no Oriente Médio, o que
transformou em verdadeiras incógnitas as possibilidades de alguns dos países da
região de continuarem sendo fornecedores confiáveis de tais produtos. Ademais, a
crescente demanda por energia da União Européia, bem como o acelerado
desenvolvimento econômico da China e, em menor escala, da Índia configuram
perspectivas reais de aumento do poderio econômico russo. Na visão do Kremlin,
correta, aliás, a ascendência econômica russa no cenário internacional lhe permite
angariar respeito e pleitear aceitação em organizações multilaterais como a
Organização Mundial do Comércio
166
.
Em função de seus objetivos regionais sistêmicos de poder, Moscou
constantemente declara que sua política externa econômica é baseada no princípio
da objetividade e nas leis do comércio internacional. Efetivamente, não se pode
negar que a Rússia tem procurado resolver as disputas econômicas com seus
parceiros com base nas leis de mercado
167
, nem que ela deixou de lado o fator
militar como modo de fazer valer os seus interesses. Todavia, principalmente no
tocante ao espaço pós-soviético, resta bastante claro que o uso das potencialidades
econômicas russas possui conotões estratégicas, cujo objetivo central é o de
manter, de acordo com a forma que se mostra disponível, o poder hegemônico na
região (LO, 2003, p. 68). Ao fortalecer sua posição econômica perante os países da
CEI, assia consegue mantê-los numa condição de dependência, o que lhe
permite angariar poder político. Robert Legvold assim definiu os efeitos indiretos da
dependência econômica:
166
Até agora, o acesso da Rússia na Organização Mundial do Comércio não foi implementado. As políticas
internas russas de centralização estatal do poder político e econômico servem como entrave à aceitação do país.
Além disso, alguns países antes pertencentes à Cortina de Ferro e agora integrantes da União Européia, como a
Polônia e os países bálticos, procuram retardar ao máximo o ingresso da Rússia na organização. Os interesses
russos com o ingresso na OMC passam pelo aumento de competitividade das indústrias russas, mediante o
implemento de regras internacionais, a aceitação do país como parceiro comercial e a busca de novos mercados
para os produtos do país.
167
O respeito aos valores do mercado internacional foi o principal argumento da Rússia nas disputas que
manteve com Belarus e Ucrânia acerca do fornecimento de gás natural subsidiado para estes países, as quais
serão abordadas no capítulo seguinte. Moscou alegava que não poderia mais fornecer o produto com pros
subsidiados a países que não eram mais parte de uma mesma federação, e que por isto deveriam, pagar o mesmo
valor despendido pelos outros Estados europeus.
154
O efeito indireto da economia é ainda mais fundamental. Obviamente, a
economia esno centro daquelas depenncias que ameaçam confinar a
soberania estatal [de um país], pois a outros uma alavanca por
intermédio da qual se pode cutucar ou forçar concessões que os líderes
nacionais [daquele país] em outra situação não aceitariam fazer (LEGVOLD,
2004, p. 193).
Houve, portanto, uma alteração nos meios (do geopolítico para o
geoeconômico), mas os fins almejados por Moscou continuam sendo aqueles
remanescentes dos tempos da Rússia czarista e da Uno Soviética. Eles apenas
não são declarados.
4.2.3. A Importância de Ucrânia e Belarus na Economização da Política Externa
Russa
A retomada da importância russa na arena internacional, a partir de seu
crescimento econômico, passa pela manutenção da influência de Moscou sobre os
países do espaço pós-soviético e, principalmente, sobre Ucrânia e Belarus, o que
torna os dois Estados fundamentais para os planos de política externa da Rússia.
Tal importância pode ser dividida em duas esferas, a regional e a global. No plano
regional, ou seja, aquele estritamente relacionado com a permanência da Rússia
como centro do Complexo Regional de Segurança do qual faz parte, os dois
parceiros eslavos o importantes para os interesses geoeconomicos russos.
Quando se toma como base de observação o nível global, vem a lume o fato de que
Belarus e Ucrânia o os países localizados a oeste da ssia, o que os qualifica
como rotas de escoamento natural dos seus produtos para a União Européia. Dentre
estes produtos, merece destaque a energia, que para ser levada ao seu destino
exige um sistema de transporte peculiar, via gasodutos e oleodutos. Ocorre que
estas estruturas indispensáveis à venda dos recursos energéticos para a Europa
foram construídas sobre os territórios que hoje pertencem a ucranianos e bielo-
russos.
A assimetria entre a economia da Rússia e as dos países que compõem a
CEI é considerável. Assim sendo, é natural que a sua participação na economia dos
Estados em voga seja maior do que a participação destes na economia da Rússia.
Outros fatores a serem considerados nas relações entre o Estado pós-imperialista e
os pós-imperiais citados são a integração entre as cadeias produtivas de todos eles,
155
já referida, e a pouca competitividade dos artigos produzidos pelas ex-repúblicas
soviéticas nos mercados externos à região onde se encontram
168
. Conforme o
esperado por Moscou, desde o momento em que houve a recuperação do PIB russo
e da economia do país como um todo, foi verificado um aumento do volume de
negócios realizado com os membros da CEI, o que tonificou a atrão da economia
russa perante esses Estados
169
. Tais elementos possibilitam à Rússia utilizar o
poderio de sua economia (quando comparado com as economias dos demais
Estados que a circundam) com o objetivo de ganhos políticos.
Dentre os países da CEI, ucranianos e bielo-russos são os principais
parceiros comerciais da Rússia. No ano de 2006, as exportações para a Ucrânia e
Belarus representaram 35,42% e 30,94%, respectivamente, do total de produtos
exportados pela Rússia aos membros da organização. Tomando como base todos
os países para quem a ssia exportou, as médias citadas caem para 5% (Ucrânia)
e 4,3% (Belarus)
170
. O painel das importações não é muito diferente, pois a Ucrânia
é responsável por 41,24% das importações russas provenientes dos países da CEI,
enquanto no mesmo universo, Belarus é responsável por 30,65% das importações.
Novamente abrindo o foco para a integralidade dos países de quem assia
adquiriu produtos em 2006, temos que a Ucrânia respondeu por 6,7% e Belarus por
5% das importações
171
. Tais números demonstram que no comércio com os países
do espaço pós-soviético, Ucrânia e Belarus o economicamente muito relevantes
para a Rússia. Dada a extensão proporcional desta relevância, a projeção de um
domínio econôomico regional que seja significativo aos interesses de Moscou deve
168
Cabe frisar que tal afirmação o engloba os recursos energéticos que existem em abundância em alguns dos
países pertencentes à CEI.
169
Desde 2000, o volume de trocas comerciais realizadas entre a Rússia e os países da CEI vem aumentando ano
a ano. Em 2006, as exportações russas para tais Estados atingiram US$ 42 bilhões. Em relação ao ano anterior,
houve um acréscimo de quase US$ 10 bilhões. No tocante as importações, em 2006 elas atingiram US$ 22
bilhões, o que representou um acréscimo de US$ 3,5 bilhões em relação ao ano anterior. Fonte:
http://www.gks.ru/wps/portal/!ut/p/.cmd/cs/.ce/7_0_A/.s/7_0_3SA/_th/J_0_9D/_s.7_0_A/7_0_2BD/_me/7_0_2
BC-7_0_A/_s.7_0_A/7_0_3SA. Acessado em 29/01/2008.
170
A parcela das exportações russas para a Ucrânia considerando-se apenas os países da CEI é estável, tendo
variado entre 36,13% (em 2001) a 38,01% (em 2005) entre 2000 e 2006. as exportações russas para Belarus,
consideradas dentro do mesmo grupo de países, sofreu leve queda a partir de 2005, quando o volume de
exportações representou 31,01% ante uma média de 38,06% verificada entre 2000 e 2004. Fonte: Serviço de
Estatísticas Federal Russo. Endereço eletrônico:
http://www.gks.ru/wps/portal/!ut/p/.cmd/cs/.ce/7_0_A/.s/7_0_3SA/_th/J_0_9D/_s.7_0_A/7_0_2BD/_me/7_0_2
BC-7_0_A/_s.7_0_A/7_0_3SA. Acessado em 29/01/2008.
171
As importações russas de produtos ucranianos dentro do universo da CEI cresceram de uma média de 33,15%
(entre 2000 e 2004) para 41,16% em 2005. as importações russas de Belarus sofreram um pequeno
decréscimo percentual a partir de 2005. Fonte: Serviço de Estatísticas Federal Russo. Endereço eletrônico:
http://www.gks.ru/wps/portal/!ut/p/.cmd/cs/.ce/7_0_A/.s/7_0_3SA/_th/J_0_9D/_s.7_0_A/7_0_2BD/_me/7_0_2
BC-7_0_A/_s.7_0_A/7_0_3SA. Acessado em 29/01/2008.
156
passar pela manutenção dos laços comerciais com ucranianos e bielo-russos, posto
que sem estes, o volume russo de trocas com os países da CEI diminui muito. Uma
eventual minoração de tamanho porte dificultaria a integração econômica regional, a
qual é importante para Moscou porque facilitaria a implementação em todo o espaço
pós-soviético da estratégia de economização de sua política externa. Além disto, as
conexões econômicas da Rússia com Kiev e Minsk e seus efeitos são importantes
como exemplo aos demais Estados da CEI. Explica-se: Ucrânia e Belarus eram
considerado os países de maior potencial econômico entre os novos Estados
surgidos com o fim da URSS (excetuando-se os países bálticos). Logo, se mesmo
com tais prerrogativas eles o conseguiram se afastar da influência político-
econômica proveniente da ssia, aos demais Estados da região, via de regra e
salvo exceções, as chances puramente econômicas de conseguirem escapar fo
poderio russo são bem menores.
Todavia, foi asseverado anteriormente que os objetivos russos são
direcionados para o sistema internacional como um todo, posto que o país é uma
grande potência, e não meramente uma potência regional. O alargamento do objeto
de análise do Espaço Pós-Soviético para todo o sistema demonstra que Ucrânia e
Belarus têm uma participação discreta no balanço de pagamentos russo. Isto ocorre
devido à assimetria entre as economias dos países em epígrafe. Mas, ainda assim,
no plano global é possível dizer que Kiev e Minsk possuem intensa relevância para
Moscou no aspecto comercial. Tal destaque reside na localização geográfica dos
dois países, que se encontram entre a Rússia e sua principal parceira econômica, a
União Européia.
O pragmatismo de Putin, que, em poucas palavras, significa a disposição da
Rússia em negociar com qualquer Estado que quiser se tornar seu parceiro
econômico, não alterou a realidade de que a União Européia continua sendo a
potência com quem Moscou mantém os mais estreitos laços comerciais
172
. Seja
como fonte de investimentos externos, seja como compradora dos seus produtos, o
172
Segundo dados do Banco Federal Russo, em 2006 as exportações russas para a União Européia representaram
56,6% do total das exportações de bens russos, ante um percentual de 55,3% no ano anterior. Os principais
países compradores de produtos russos neste período foram Holanda (11,9%), Itália (8,3%) e Alemanha (8,1%).
A participação da União Européia nas importações de bens russos se manteve estável entre 2005 e 2006, na faixa
de 44% do total. No tocante aos serviços, a União Européia representou 38,59% do total exportado pela Rússia e
41,89% do montante se serviços importados. Fonte: Annual Report of Central Bank of Russian Federation, 2006.
157
bloco regional é indispensável para o crescimento da economia russa
173
. A
imbricação econômica entre Rússia e União Européia é uma das razões pelas quais
vários autores apontam a aproximação do bloco regional como o melhor caminho a
ser seguido por Moscou no futuro
174
. O Kremlin reconhece a importância da União
Européia no crescimento sustentável de sua economia, por este motivo, a
manutenção dos liames comerciais com o bloco regional é essencial para Moscou.
Na medida em que Ucrânia e Belarus são sua ”janela da Europa”, ambos se tornam
fundamentais à permanência e, quiçá, ao fortalecimento dos laços econômicos
russos com os países europeus.
Ainda que a União Européia compre produtos russos que não os recursos
energéticos, estes constituem o elemento-chave da ligação da Rússia com a grande
potência européia. As disparidades econômicas entre Rússia e União Européia são
consideráveis. Enquanto a última possui uma economia diversificada e produz
artigos de tecnologia avançada e com alto valor agregado, a primeira, apesar de
deter conhecimento tecnogico em alguns setores industriais, como o de
armamentos, ainda é bastante dependente da exportação de matérias primas.
Paradoxalmente, é uma destas matérias-primas, a energia, que concede vantagem
em potencial à economia russa
175
. No capítulo dedicado aos recursos energéticos,
tal questão será avaliada com maior profundidade, mas vale agora mencionar que a
manutenção dos atuais índices da economia do bloco regional citado depende da
obtenção de um fornecedor confiável de recursos energéticos. Atualmente e, ao que
tudo indica, a curto e médio prazo, este fornecedor será a Rússia
176
. A crescente
dependência européia da energia exportada pelos russos confere a estes uma
paridade no relacionamento com aquela. O fato de o Kremlin conseguir falar de igual
para igual com a União Européia, e o mais na posição de um Estado falido e
suplicante, como ocorria há quinze anos, é um sinal de que seus objetivos de
173
Em 2003, 62% dos investimentos externos na Rússia foram realizados pelos países da União Européia.
(WALLANDER, 2004, p. 76).
174
Alexander Zhebit (2005) e Zgbiniev Brzezinski (1997) são exemplos de autores que, ainda que seguindo
motivações diversas, apontam a União Européia como a escolha possível para a Rússia se esta deseja retomar um
papel de destaque no cenário internacional.
175
A exportação de gasolina e produtos energéticos representou 65,3% do total das exportações russas em 2006.
Fonte: Annual Report of Central Bank of Russian Federation, 2006.
176
Nas próximas duas ou três décadas, a Europa importará por volta de 70% da energia que consumirá, pela qual
pagará um alto preço, devido ao crescimento previsto de 60% no consumo mundial de energia. O gás natural
hoje representa 24% da energia consumida pelos países da União Européia, e as importações desse produto
aumentao 80% nos próximos vinte e cinco anos. Fonte: Green Paper.
158
recuperar prestígio no cenário internacional certamente estão sendo atingidos
177
, o
que justifica a atual estratégia de política externa russa. Cabe aqui frisar que uma
ascendência da Rússia sobre a União Européia acabaria por fortalecer a própria
posição de Moscou frente aos países do espaço pós-soviético, pois o avanço dos
países europeus sobre as ex-repúblicas soviéticas poderia ser de algum modo
debelado pelo poder potico russo advindo de tal situação. Diante do quadro
apresentado, pode-se afirmar que as relações russas com a União Européia
resumem a posição e os objetivos de Moscou perante o sistema internacional desde
a ascensão de Vladimir Putin à presidência do país.
A Rússia possui uma chance de se modernizar, dinamizar e incrementar sua
economia e, com isto, angariar poder político. Depende, para tanto, da venda de seu
produto mais desejado no comércio internacional, os recursos energéticos. No
estágio atual da infra-estrutura russa, a comercialização de energia, tão cara aos
ambiciosos objetivos do país, depende de sua capacidade de entregar tal produto
aos seus consumidores finais. Aqui retornam à cena, e com mais força, Ucrânia e
Belarus, tendo em vista que ambos o os países transportadores dos recursos
energéticos russos. Por volta de 80% de todo o gás natural exportado pela Rússia
aos países da União Européia passa pela Ucrânia, e quase 30% de todo o petróleo
vendido para o bloco regional é comercializado pelo oleoduto Druzhba, que
atravessa o território de Belarus (PEROVIC, 2008, p. 03). Como se observa, mesmo
uma breve apresentação de alguns dados demonstra que Ucrânia e Belarus, por
serem os principais países transportadores dos recursos energéticos russos para a
União Européia, são essenciais ao sucesso da política externa econômica traçada
por Moscou.
Explicados os motivos econômicos que acarretam a Minsk e Kiev importância
ímpar no processo de economização da política externa russa, cabe verificar alguns
métodos pelos quais Moscou exerce tal pressão. Registre-se, desde logo, que o uso
dos recursos energéticos para fins políticos, estratégia amplamente usada por
Moscou, será abordado no capítulo seguinte, razão pela qual pouco destaque será
dado ao assunto nesta seção.
177
Em artigo denominado Em Direção a Uma Aliança Estratégica, Timofei Bordachev assevera que Rússia e
Uno Européia são mutuamente dependentes, pois cada uma precisa da outra política e economicamente para
levarem a cabo seus interesses no sistema internacional (BORDACHEV, 2006, p. 113).
159
Como se verificará a seguir, a economia de Belarus é amplamente
dependente da economia russa. Os governos bielo-russos não lograram realizar as
reformas estruturais necessárias a um crescimento ecomico do país pautado pela
desvinculação da ex-metrópole. Ao invés disto, procuraram alguma espécie de união
com a Rússia, na qual fosse mantida sua soberania. Com a chegada de Putin ao
poder, o Kremlin adotou a tática de manter o discurso no sentido de uma união
econômica, sem contudo acelerar o processo. No cálculo russo, assumir o
pobremente desenvolvido Belarus, com sua corrupção e alta taxa de desemprego,
não vale a pena no presente momento. Mais frutífera para os interesses russos é a
utilização dos instrumentos corriqueiros de pressão econômica, decorrentes da
grande diferença entre as economias dos dois países. Assim, Moscou incentivou o
seu setor produtivo a investir nas empresas bielo-russas (não somente as ligadas ao
transporte de energia), com o intuito de adquirir vantagens econômicas e atrelar
ainda mais as políticas dos dois países (WALLANDER, 2004, p. 87).
Outro elemento que favorece o uso dos fatores econômicos pela Rússia nas
relações que mantém com Belarus é o tipo de governo mantido por Lukashenko. O
presidente bielo-russo necessita de empréstimos e investimentos diretos da Rússia
em sua economia, bem como do fornecimento de recursos energéticos a preços
subsidiados
178
, pois somente assim pode manter sua política populista de
distribuição de renda à população sem que necessite implementar as reformas que
fortaleceriam a economia e a sociedade civil no país. O Kremlin é ciente de tal fato e
não se furta em utilizá-lo para garantir que o Estado mais leal dentre todos as ex-
repúblicas socialistas assim se mantenha.
No concernente à Ucrânia, a pressão econômica o é tão facilmente
exercida por Moscou, uma vez que na comparação com Belarus a economia
ucraniana é mais desenvolvida e possui menor grau de dependência da economia
russa. Ademais, Kiev exerce maior poder de atração na União Européia, o que lhe
possibilita usar o vetor ocidental de sua política externa como instrumento de
negociação quando as demandas russas se tornam mais incisivas. Todavia, de
forma alguma isto quer dizer que a Ucrânia está livre da influência russa baseada
em fatores econômicos. Além da evidente dependência dos recursos energéticos
russos, que será abordada no capítulo seguinte, o país também se mostra vulnerável
178
Calcula-se que por volta de 10% do Produto Interno Bruto bielo-russo é derivado dos vários subsídios
fornecidos pela Rússia (WALLANDER e LEGVOLD, 2004, p. 45).
160
ao poderio da economia russa em outros setores, tais como os débitos ucranianos
perante a Rússia e a necessidade que as empresas da Ucrânia têm de
investimentos externos.
Devido às dificuldades enfrentadas durante a década de 1990, a Ucrânia
acumulou bitos perante a Rússia, cuja origem principal é o o pagamento pela
energia recebida
179
. Sob o comando de Putin, a Rússia desvinculou a dívida de seu
nascedouro, usando-a como forma de adquirir vantagens no comércio mantido entre
os dois países, sem que necessariamente seja vislumbrada uma relação direta com
a questão energética. Impende frisar, neste ponto, a contínua dependência que um
país devedor sofre em relação aos seus credores, os quais volta e meia exigem
algumas benesses em função do débito acumulado. Esta é uma forma tipicamente
capitalista de um Estado exercer domínio sobre outro no campo político-econômico,
manobra denominada por Ellen Wood de “arma da dívida(WOOD, 2005, p. 12). A
história das dificuldades da economia brasileira por causa de sua contínua
subjugação à dívida externa é salutar como exemplo da ligação que se estabelece
entre Estado-devedor e Estados-credores.
A falta de reformas estruturais, a instabilidade política e a incerteza quanto à
aplicação das leis vigentes na Ucrânia dificultam o acesso do país a investimentos
estrangeiros produtivos, indispensáveis para qualquer país em desenvolvimento nas
suas metas de crescimento. Enquanto europeus e norte-americanos ainda vêem
com alguma desconfiança o destino de eventuais aplicações na Ucrânia, os
investidores russos, beneficiados pelo revigoramento da economia de seu país, não
têm tanto pudor em aplicar nas empresas ucranianas. Quando se observa que as
mesmas dificuldades vislumbradas na Ucrânia existem na Rússia, não é de se
estranhar a falta de receio dos investidores russos. Partindo do princípio que os
fundos cipriotas que despejam capital no país pertencem, na verdade, a empresas
russas, essas foram as maiores investidoras estrangeiras na economia ucraniana
em 2002, com 17,6% do total dos investimentos
180
. Somado a este capital a parcela
de empresas localizadas no leste ucraniano que são de propriedade direta de
russos, a participação russa nos investimentos na iniciativa privada na Ucrânia sobe
179
Após muitas discussões acerca do valor total do débito decorrente do uso de energia, os governos de Rússia e
Ucrânia selaram acordo em 2001, no qual foi reconhecida a dívida de 1,34 bilhões de dólares (ABDELAL, 2004,
p. 120).
180
Muitos autores referem que o dinheiro investido na Ucrânia, via bancos do Chipre, é de origem russa, por isso
nas estimativas que fazem sempre somam os investimentos cipriotas aos russos quando se referem ao capital
russo investido na Ucrânia.
161
em expressão (WALLANDER, 2004, p. 94). O fato de que grande parte destes
investimentos seja feita pelo capital privado não impede Moscou de utilizar esta
dependência ucraniana como instrumento de pressão econômica, pois ao fim e ao
cabo as aplicações russas no país vizinho acabam por solidificar os laços industriais
entre os dois países, com ampla desvantagem do lado ucraniano da balança.
Em suma, pelo exposto, pode-se dizer que Ucrânia e Belarus são cruciais
para a estratégia russa baseada na economização de sua política externa, seja no
âmbito regional do espaço pós-soviético, seja no nível global. Repise-se que dados
os objetivos últimos do Kremlin e o papel que a União Européia possui em tais
planos, no nível sistêmico a importância dos dois parceiros eslavos para a Rússia é
ainda mais clara e inegavelmente maior do que a de qualquer outro Estado surgido
com o fim da União Soviética. Assim sendo, ao se vislumbrar os contatos que a
Rússia mantém com Belarus e Ucrânia, tendo como foco o elemento econômico, fica
comprovado que este gera particularidades às relações em questão.
4.3. UCRÂNIA: A VINCULAÇÃO HERDADA
No capítulo dedicado à influência dos elementos culturais nas relações russo-
ucranianas foi visto que a Ucrânia está entre as ex-repúblicas socialistas soviéticas
que o desenvolveu plenamente uma identidade nacional diversa da russa, sendo
esta uma razão que a mantém vinculada à vizinha do leste. Guardadas as
proporções, fenômeno semelhante ocorreu com a economia ucraniana. Desde a
dissolução da URSS, o país não conseguiu se libertar da interdependência
assimétrica existente entre a sua economia e a economia russa. Essa situação tem
impedido a concretização do desejo recorrentemente manifestado por Kiev, ainda
que com intensidade variável, de se aproximar cada vez mais do ocidente e da
União Européia. As razões para as dificuldades ucranianas estão relacionadas tanto
com fatores internos do país, quanto com eventos provenientes do exterior,
protagonizados pela Rússia e por poncias estranhas ao Complexo Regional de
Segurança pós-soviético, em especial a União Européia. Conforme se verificará, a
partir da questão econômica ucraniana é possível identificar interconexões entre os
níveis unitário, regional, inter-regional e global, referidos no capítulo anterior.
162
4.3.1. O Fracasso da Opção pelo Caminho Báltico
A Ucrânia era considerada uma das mais ricas repúblicas socialistas
soviéticas. Fatores puramente geográficos e naturais como a posse de substanciais
reservas minerais
181
, um solo fértil e uma posição estratégica para a comercialização
de produtos na Europa (WILSON 2002, p. 53), somados a elementos cio-
econômicos, como uma mão-de-obra relativamente qualificada e a capacidade
industrial da região leste do ps
182
, concediam um bom potencial à economia
ucraniana
183
. Essas características levaram a elite política ucraniana a acreditar que
uma vez liberto o país das amarras do governo centralizado da União Soviética, sua
ascendência econômica fatalmente ocorreria e o novo Estado se integraria com
naturalidade aos fluxos comerciais europeus
184
.
Os nacionalistas da região oeste ucraniana se encarregaram de difundir no
país inteiro dados e projeções positivas quanto ao futuro de uma Ucrânia
independente
185
. Tal campanha ajuda a explicar o alto índice de ucranianos (90,3%)
que responderam sim à independência no plebiscito realizado em dezembro de
1991
186
. Fortalecidos politicamente com o resultado do referendo, os partidos
181
A Ucrânia possui por volta de 5% das reservas minerais do mundo, incluindo o maior suprimento de titânio.
Além disso, o país detém a terceira maior reserva de ferro e 30% das reservas mundiais de manganês (WILSON,
2002, p. 267).
182
A indústria ucraniana era responsável pelo grosso da produção soviética de metais, maquinário industrial,
motores a diesel e equipamentos de transporte (WILSON e RONTOYANNI, 2004, P. 32).
183
Os dados apresentados por V. Pokshishevski ilustram o peso da indústria e dos recursos naturais ucranianos
na economia soviética. Em 1969, a República Socialista Soviética da Ucrânia foi responsável por um terço do
carvão extraído, por 30% do gás e por 56% do ferro extraído e por quase metade do total de ferro fundido na
URSS. Além disso, produziu 47% dos equipamentos metalúrgicos, quase um terço dos tratores, mais da metade
dos arados de tração mecânica e 27% das escavadoras fabricadas no Estado Comunista naquele ano
(POKSHISHEVSKI, 1974, p. 185).
184
Rawi Abdelal lembra que os nacionalistas ucranianos chegaram a divulgar o entendimento de que a União
Soviética explorava os ucranianos e que estes na verdade subsidiavam o crescimento da República Socialista
Russa. Cabe frisar que este sentimento não era novo entre os ucranianos. Ainda em 1920, o economista
Mykhailo Volobuiev assegurava que a Ucrânia era uma colônia interna explorada pela União Soviética
(WILSON, 2002, p. 253).
185
Cabe ressaltar que o sentimento de que a estrutura política e econômica da União Soviética era um fardo a ser
carregado era bastante difundido entre as suas repúblicas na época da dissolução da superpotência comunista.
Portanto, a elite ucraniana não divergia muito das demais (GRIGORIEV e SALIKHOV, 2006, p. 66).
186
Este argumento é repetido porrios autores que estudam a Ucrânia, tais como Rontoyanni e Wilson (2004),
163
nacionalistas apoiaram o ex-dirigente comunista Leonid Kravchuk nas primeiras
eleições nacionais
187
.
Dentre as duas opções de rumo econômico e político que eram postas aos
novos Estados surgidos com o final da União Soviética, o governo de Kravchuk,
muito em função dos grupos que o apoiavam, escolheu o que se pode denominar de
“caminho ltico”. A opção implicava em procurar reorientar a economia nacional
para o ocidente, buscando novos parceiros com vistas a diminuir a dependência em
relação à Rússia, assim como fizeram Lituânia, Estônia e Letônia. O sucesso da
empreitada dos três Estados bálticos foi fortemente lastreado na comunhão entre os
movimentos políticos e nacionais de cada um deles, que enfrentaram com galhardia
o desafio proposto
188
. A mesma união política, porém, era impossível de ser
reproduzida na Ucrânia, devido às diferenças regionais do país, o que parece ter
sido ignorado pelos nacionalistas ucranianos. Outro grave erro de cálculo por eles
cometido foi no tocante à suposta pujança econômica do novo Estado.
A realidade bateu à porta do governo ucraniano logo nos primeiros anos de
independência. Já em 1991 o PIB sofreu uma queda de 10,6%, o que foi seguido por
quedas de 17%, 14,2% e 22,9% nos anos de 1992, 1993 e 1994 (ano eleitoral),
respectivamente
189
. A inflação de 91,2% do ano de 1991 subiu para 1.210% em
1992 e atingiu impressionantes 5.371% em 1993. O rompimento do comércio com os
países vizinhos, com quem, afinal de contas, estavam estabelecidas as principais
rotas de comércio ucranianas, gerou um déficit comercial constante
190
.
O colapso da economia ucraniana não era muito diferente daquele enfrentado
pelos demais Estados surgidos com o fim da União Soviética
191
, no entanto, foi
suficiente para que a classe industrial, localizada nas reges leste e sul do país, se
187
A conversão de ex-dirigentes comunistas em ferrenhos nacionalistas a fim de manterem-se perto do poder foi
uma constante na Ucrânia após a independência.
188
As repúblicas bálticas sempre estiveram na dianteira do processo de desintegração da URSS. Foi na Lituânia,
na Letônia e na Estônia que os movimentos nacionais se organizaram primeiro, bem como foram essas as
repúblicas que antes das demais declararam soberania em relação ao governo central soviético, em 1989, e,
depois, a independência da URSS, em 1990 (SEGRILLO, 2000a, p. 166 e 167).
189
O PIB ucraniano continuou em declínio nos anos seguintes (-12,2% em 1995, -10% em 1996, - 3% em 1997,
-1,7% em 1998, -0,2% em 1999). Apenas em 2000 experimentou variação positiva de 5,9%, tenncia que se
manteve nos anos seguintes (9,2% em 2001, 5,2% em 2002, 9,6% em 2003, 12,1% em 2004, 2,7% em 2005,
7,1% em 2006 e 7,3% em 2007). Fonte: World Economic Outlook de 1999, 2007 e 2008. Sobre o PIB da
Ucrânia, ver anexo.
190
A dívida externa ucraniana, tendo partido do zero em 1991, chegou a 3,5 bilhões de dólares em apenas um
ano. Todo o peodo de encolhimento do PIB ucraniano foi marcado pelo aumento da dívida externa do país, que
chegou a 12,4 bilhões de dólares em 1999 (WILSON, 2002, p. 256).
191
Leonid Grigoriev e Marsel Salikhov asseveram que durante o período de 1990 a 1994 todos os países do
Espaço Pós-Soviético sofreram acentuado declínio em seus indicadores econômicos, o que foi seguido por
hiperinflação e desemprego (GRIGORIEV e SALIKHOV, 2006, p. 68).
164
insurgisse contra a ineficiência governamental e apoiasse Leonid Kuchma nas
eleições de 1994, o qual venceu o pleito. O novo presidente ucraniano revogou o
extremismo do caminho báltico trilhado até aquele momento. Houve uma
reaproximação econômica com a Rússia, sendo reativado o comércio entre os dois
países
192
. É importante frisar que no governo Kuchma não ocorreu uma virada de
rumo radical na política econômica externa ucraniana, com o país se voltando
integralmente para o leste e esquecendo as potências ocidentais. O que houve foi a
busca de um equilíbrio entre as faões políticas do país, que resultou em uma
maior aproximação com a Rússia, mas sem que isto significasse o abandono do
desejo de integração com os organismos econômicos ocidentais, e, principalmente,
com a União Européia
193
.
Os eventos até aqui narrados, assim como o equilíbrio necessário entre os
interesses das regiões ucranianas, dão vazão à teoria de Rawi Abdelal de que a
condução dos interesses econômicos de um Estado pode ser influenciada por
fatores culturais e identitários. No caso ucraniano, as diferentes regiões do país
possuem visões diversas acerca dos interesses nacionais, e, conseqüentemente, de
como deve ser conduzida a política externa econômica. Fiéis à sua concepção de
que ser ucraniano obrigatoriamente implica em ser europeu e não russo
194
, os
nacionalistas do oeste acreditavam que o afastamento da esfera de influência
econômica russa era algo natural para um país de raízes européias que havia se
libertado de uma dominação imperial (ABDELAL, 2001, p. 112). Por seu turno, os
ucranianos residentes nas regiões industriais do leste e do sul não consideram a
Rússia uma ameaça à segurança nacional, entre outros fatores porque a comunhão
de costumes, traços culturais e fatos históricos faz com que a identidade nacional
russa não seja encarada como oposta à identidade ucraniana, não sendo, portanto,
necessário que esta se afaste daquela para sua auto-afirmação. Na verdade, a
cultura russa seria um dos elementos misturados no caldeirão do qual emerge uma
192
O governo ucraniano de Kravchuk chegou a criar taxas, barreiras comerciais e outras medidas para dificultar
a troca de produtos com a Rússia.
193
A complicada situação política ucraniana obriga a qualquer governo na Ucrânia a tentar atingir alguma
espécie de equilíbrio entre os diferentes grupos do país, caso deseje se manter no poder. Nem as massas do leste
e do sul que advogam a aproximação com a Rússia, nem os nacionalistas que desejam o contrário conseguem
governar sozinhos, como a história política da Ucrânia desde 1991 tem demonstrado. Assim, um governo de
centro é o que tem maiores chances de sucesso no panorama da política doméstica ucraniana (WILSON e
RONTOYANNI, 2004, p. 30).
194
Vale aqui lembrar que somente no final da II Guerra as regiões de Galícia (1939), Volhynia (1940) e Ruthênia
(1945) foram integradas ao império soviético. Antes disto, nunca haviam sido parte de nenhum outro império
russo.
165
Ucrânia multi-étnica
195
. A visão conflitante entre os segmentos de sua sociedade
pode ser considerada uma das causas pelas quais, até o presente momento, a
Ucrânia não conseguiu desenvolver políticas econômicas que lhe propiciem uma
maior liberdade política no espaço pós-soviético e no sistema internacional, sem a
sombra russa pairando sobre sua cabeça.
Todavia, explicar os rumos da economia ucraniana tão-somente a partir das
diferenças regionais do país quanto à concepção que possuem acerca do que é ser
ucraniano é contraproducente, pois resulta em uma análise incompleta. rias
características estruturais da economia da Ucrânia acarretaram a impossibilidade de
que esta trilhasse o caminho báltico com o sucesso inicialmente desejado
196
.
Impende que sejam verificadas quais são estas características e porque elas
emperram o projeto ucraniano de se afastar da Rússia e rumar em direção ao
eldorado da União Européia.
4.3.2. A Interdependência Assimétrica Ucraniana em relação à Rússia
A principal fonte das dificuldades enfrentadas pela Ucrânia na busca de sua
autonomia econômica em relação à Rússia é a interdependência assimétrica
existente entre a economias dos dois países, situação herdada dos tempos
soviéticos. A interdependência econômica assimétrica é verificável quando dois
países possuem economias vinculadas entre si, mas a economia de um deles é
muito mais dependente da economia do outro do que ocorre em sentido inverso
197
.
Ressalte-se que no caso de ssia e Ucrânia, a desproporcionalidade da
dependência econômica entre ambas é o elemento que melhor explicita o motivo
195
Rawi Abdelal, citando Dominique Arel lembra que os ucranianos destas regiões devem ser vistos primeiro
como não anti-russos” ao invés de pró-russos”, na medida em que o desejam reunificar seu país a um
eventual império russo redivivo, nem querem perder a condição de Estado independente (ABDELAL, 2001, p.
116).
196
Vale lembrar que o argumento utilizado pelas elites industriais ucranianas para mudar a condução econômica
ucraniana era puramente econômico. Elas alegaram que o país não estava preparado para sofrer as conseqüências
drásticas que adviriam com o afastamento total da Rússia, sendo muito mais palatável e inteligente passar pelo
processo de transformação econômica com os menores custos possíveis.
197
Robert Gilpin denomina de interdepenncia vulnerável a situação em que as interdependências de mercado
entre dois países possibilitam a que um deles exerça a exploração política sobre o outro (GILPIN, 2001, p. 82). A
definição do autor é muito próxima do conceito de interdependência assimétrica utilizado no presente trabalho.
166
pelo qual os fatores econômicos acarretam especificidade às relações russo-
ucranianas.
Conforme já referido, os países que formam o espaço pós-soviético surgiram
em sua conformação atual a partir de pedaços de uma única unidade, a URSS. Tal
fato lhes onerou uma herança complicada de se desvencilharem. Emanada de
Moscou, a política econômica soviética especializou as repúblicas na produção de
determinado tipo de produto, interligando as cadeias produtivas e distributivas de
todos a partir do centro. Grande parte da energia que fomentava a indústria soviética
era oriunda da República Socialista Federativa Soviética Russa, que a distribuía de
forma barata para as demais repúblicas. Com a dissolução do império comunista, os
novos Estados precisaram lidar com o fato de estarem economicamente imbricados
com as outras ex-repúblicas socialistas e, especialmente, com a Rússia. A situação
era inglória, pois em função disto, cada um deles possuía uma interdependência
econômica para com Moscou extremamente assimétrica, com o pêndulo da balança
favorecendo aos russos. Ou seja, a ssia, que naturalmente já seria a maior
economia entre os novos Estados, devido ao seu tamanho, recursos naturais e
capacidade econômica de que dispõe, teve esta posição reforçada por ser a maior
compradora em potencial dos produtos vendidos pelos demais países da região, por
servir de elo entre os mercados nacionais de muitos desses
198
e por deter os
recursos energéticos indispensáveis para o funcionamento das economias de seus
vizinhos.
A Ucrânia é um dos novos Estados surgidos com o fim da URSS que ainda
sofre com os efeitos nefastos desta herança de natureza imperial, pois a
interdependência assimétrica entre as economias russa e ucraniana concede
munição ao Kremlin para que mantenha influência sobre Kiev. Munição que se
revelou muito eficiente ao longo dos anos, tendo em vista que a imposição de poder
mediante fatores econômicos é mais discreta e palatável aos olhos da comunidade
internacional do que a coerção exercida por intermédio de ameaça militar. Ellen
Wood sustenta que o capitalismo estendeu largamente a abrangência da dominação
colonial, mediante imposição e manipulação das operações do mercado capitalista.
Nas palavras da autora: Assim como a classe dos donos do capital não precisa do
198
A venda de gás natural do Turcomenistão à Ucrânia via Rússia, que será tratado no Capítulo cinco, é um
exemplo do papel de elemento de ligação entre economias nacionais que Moscou desempenha em função do
sistema de distribuição de bens e produtos construída no período soviético.
167
domínio político direto sobre os trabalhadores que o são proprietários, os impérios
capitalitas podem confiar nas pressões econômicas para explorar as sociedades
subordinadas” (WOOD, 2005, p. 21). A economização da política externa russa sob
o comando de Putin vai ao encontro dessa realidade.
Na mesma proporção que confere poder de influência ao governo russo, a
interdependência assimétrica gera fragilidades à Ucrânia. A primeira a ser
mencionada é a mais séria de todas, qual seja, a ampla dependência que o país
possui dos recursos energéticos russos. A forma como o petróleo e o gás natural se
imiscuem na relação estudada será objeto de capítulo isolado, mas convém, por ora,
mencionar que os recursos energéticos constituem o principal instrumento de
pressão à disposição do Kremlin nas relações que mantém com Kiev, devido ao
alcance econômico, político e geoestratégico que eles detêm.
Um segundo efeito da interdependência assimétrica entre Rússia e Ucrânia é
a parcela que a primeira ainda ocupa no comércio exterior da última, o que tamm
pode ser analisado à luz do passado soviético. O sistema comunista na União
Soviética empreendeu um surpreendente processo de industrialização nas primeiras
décadas de sua existência, transformando um país quase agrário em uma potência
industrial. Entretanto, devido à própria estrutura de funcionamento político e
econômico do sistema soviético, em que as ordens obedeciam a um fluxo vertical e
havia uma rigorosa hierarquização, o país não conseguiu acompanhar o
desenvolvimento das potências ocidentais a partir da Revolução Científico-técnica,
que funcionava com fluxos horizontais de informação e utilizava uma hierarquia
menos rrea. Além disto, os países do ocidente passaram a enfatizar a qualidade
de seus produtos, ao invés da quantidade e da produção em escala, priorizadas
pelos soviéticos
199
. O resultado disto foi a crescente perda de qualidade dos
produtos do bloco comunista em comparação com seus pares produzidos nos
países capitalistas.
Com o fim da Guerra Fria, os Estados surgidos a partir da dissolução da
URSS se viram produzindo artigos qualitativamente defasados, situação que antes
era mascarada pelo comércio no bloco comunista e pelas demandas criadas pelos
próprios governos do Campo Socialista. Assim, após décadas nas quais o
isolamento do comércio mundial os impediu de desenvolver laços comerciais com os
199
Sobre a diferença de funcionamento entre o modo fordista e o modo toyotista de produção, apontada por
Ângelo Segrillo, ver capítulo II, pág. 35.
168
Estados ocidentais, quando desejaram (e precisaram) construir tais ligações, os
países do espaço pós-soviético encontraram-se em desvantagem, devido à falta de
mercado para os seus produtos. Este era um considerável empecilho aos Estados
que procuraram criar rotas comerciais diversas daquelas que possuíam com as
demais ex-repúblicas soviéticas.
A Ucrânia sentiu o peso de tais dificuldades. Como percebeu no período
entre 1991 e 1993, o rompimento de ligações comerciais com a Rússia era
impossível, não somente por causa da questão energética, mas também porque a
vizinha do leste era a maior adquirente dos produtos ucranianos
200
, os quais o
eram competitivos para atraírem compradores ocidentais. Entretanto, nem esta
dificuldade, nem a retomada do comércio com a Rússia impediram a Ucrânia de
continuar tentando colocar seus produtos no mercado europeu, pois sabia que
somente com a diversificação de seu comércio exterior, poderia escapar da
dependência da economia russa. Isso resultou no crescimento paulatino da parceria
comercial entre Ucrânia e União Européia.
Curiosamente, foi uma alteração na política econômica russa após a crise
cambial de 1998 que permitiu à Ucrânia intensificar a diversificação de sua pauta de
importações e exportações. O privilégio dado pelo Primeiro-Ministro russo, Primakov,
à indústria nacional foi sentido pela Ucrânia e pelos demais países da região. Leonid
Grigoriev e Marsel Salikhov afirmam que este foi um ponto de virada nas relações
econômicas entre Ucrânia e Rússia, uma vez que as fracas empresas ucranianas
precisaram evoluir para atingirem novos mercados, em especial o europeu
(GRIGORIEV e SALIKHOV, 2006, p. 69).
A posição de destaque da Rússia nas relações comerciais ucranianas, foi, no
entanto, mantida nos anos seguintes. Contribuiu para tanto a retomada acentuada
do crescimento econômico russo a partir da virada do século, circunstância que
aumentou a sedão russa como pólo de atração para os artigos industrializados da
Ucrânia. Assim, desde meados da primeira década do século XXI, as indústrias
ucranianas reconquistaram espaço no mercado russo, o que aumentou o volume
das exportações de seus artigos para o país vizinho
201
.
200
Cabe lembrar que a política macroeconômica russa da década de 1990 favorecia os países da CEI, pois a
valorização do rublo e a abertura do mercado interno russo facilitavam a entrada de produtos oriundos dos países
vizinhos.
201
Alguns dados demonstram a evolução das importações russas de artigos ucranianos. Em 1995, as importações
atingiram 6,6 bilhões de dólares. Em 2000, o volume caiu para 3,6 bilhões, tendo minorado ainda mais em 2002,
169
Os dados estatísticos revelam a dualidade entre uma crescente importância
da União Européia e a manutenção da relevância russa no comércio exterior
ucraniano. No ano de 1994, 10% do total de exportações ucranianas foi para países
da União Européia e 40% para a Rússia. No ano da crise cambial russa, 1998, as
exportações ucranianas para a Rússia caíram para 23%, ao passo que as
destinadas à União Européia aumentaram, chegando a 15%. No tocante às
importações, em 1994, 10% dos produtos comprados pela Ucrânia provinha da
União Européia ao passo que 59% eram originários da Rússia. Em 1998, do total de
produtos importados, 17% importados vieram da Europa e 48% da Rússia
202
. A
tendência do final da década de 1990 se manteve nos anos seguintes, mesmo com
o crescimento econômico russo. No ano de 2005, a União Européia já aparece como
principal compradora dos bens exportados pela Ucrânia (26,9% do total),
ultrapassando a ssia (21,9% do total). No tocante às importações, em 2005 a
Rússia ainda era a maior fonte de bens comprados pela Ucrânia (35,6% do total),
seguida da União Européia (32,9% do total). No ano seguinte, a situação no
pertinente às exportações continuou praticamente idêntica, com a União Européia na
liderança (28,3%) e a Rússia com o segundo posto (22,5%). Quanto às importações,
a União Européia se tornou a principal fonte de bens para a Ucrânia (34,7% do
total), seguida pela Rússia (30,6% do total)
203
.
Os números citados indicam que a política ucraniana voltada para a
diversificação de seus parceiros comerciais tem obtido relativo sucesso no
concernente à União Européia, tendo em vista o destaque que essa possui no
comércio externo ucraniano. Todavia, quando se analisa a capacidade deste fato
servir de causa para o afastamento da influência econômica e política russa sobre a
Ucrânia, dois fatores devem ser suscitados.
O primeiro é a diferença entre os aspectos econômicos e políticos da União
Européia. A força da economia do bloco geralmente contrasta com as suas
indefinições políticas, naturais em uma organização supranacional composta por
diversos países de tamanhos e poderes diferentes, que ainda não conformou por
completo uma estrutura de comando que possibilite a formulação de uma política
quando foram de apenas 3,2 bilhões de dólares. A partir de 2003, entretanto, houve um aumento significativo
para 4,4 bilhões. Desde então se firmou uma tendência de alta nas importações ucranianas para a Rússia: 6,6
bilhões de dólares em 2004, 7,8 bilhões em 2005 e 9,2 bilhões em 2006. fonte:
http://www.gks.ru/free_doc/2007/b07_12/25-06.htm, acessado em 11 de fevereiro de 2008.
202
Fonte: Interstate Statistical Comission of the Commonwealth of the Independent States.
203
Fonte: Organização Mundial do Comércio.
170
externa una e coerente
204
. Assim sendo, o exercício de influência política que
poderia advir da grande potência européia em relação à Ucrânia, sustentada na
dependência economia desta, é menos provável de ocorrer do que semelhante tipo
de pressão proveniente do Kremlin, ainda que a grande potência russa tenha
perdido o posto de principal parceira econômica da Ucrânia.
O outro ponto a ser frisado é que mesmo com esta perda, a Rússia continua
detendo uma parcela considerável do comércio exterior desenvolvido por Kiev.
Considerando os países isoladamente, e não na qualidade de pertencentes a blocos
regionais, a Rússia continua sendo o parceiro comercial mais efetivo da Ucrânia.
estabilidade na proporção de exportações ucranianas para a Rússia desde, pelo
menos, 1998. A taxa de 23% de 1998 quase que se repete em 2005 (21,9%) e em
2006 (22,5%), o que denota que uma parte mais ou menos fixa da indústria
ucraniana depende do mercado russo para sobreviver. Além disso, ao se
desconsiderar os recursos energéticos, a balança de pagamentos ucraniana é
positiva em relação à Rússia, sendo que alguns setores da economia, como a
metalurgia, por exemplo, são muito competitivos na comparação com as empresas
russas (GRIGORIEV e SALIKHOV, 2006, p. 159)
205
. Tudo isso faz com que a
Ucrânia precise do mercado russo, pois devido ao crescimento deste, e à forma
como isto atualmente se , mediante a exportação de energia, a tendência é que
os produtos ucranianos mantenham, e talvez até aumentem, o seu rol de
compradores situados na Rússia.
Um terceiro fator decorrente da interdependência econômica a mitigar a
autonomia ucraniana é a sua dívida perante a Rússia. A origem do débito é o não
pagamento pelos recursos energéticos russos recebidos. Na medida em que a
malha de fornecimento e transporte dessa espécie de bem é fruto do planejamento
econômico soviético, pode-se afirmar que a existência da dívida externa ucraniana
em relação à Rússia origina-se da interdependência assimétrica entre as economias
dos dois países. Como o Kremlin não consegue atingir seu objetivo principal de
utilizar tal bito para se tornar proprietário dos gasodutos localizados em território
204
A posição conflitante entre países antigos no bloco, como a Alemanha e a Itália, e novos integrantes, como os
Estados bálticos e a Polônia, no pertinente à Rússia, retratam a dificuldade da União Européia de firmar
posicionamentos políticos uníssonos.
205
Em 2007, a exportação de metais para a Rússia cresceu 14,7% em relação a 2006, subindo para 3.02
toneladas. A participação russa nas exportações ucranianas desses produtos subiu de 8,3% para 9,4% no mesmo
período. Fonte: portal do Governo da Ucrânia. Endereço eletrônico:
http://www.kmu.gov.ua/control/en/publish/article?art_id=110530164&cat_id=40154203.
171
ucraniano, até o presente momento ele tem se contentado em usá-lo para buscar
outros interesses na Ucrânia, de cunho econômico, político ou estratégico. Um
exemplo disto é o Tratado assinado pelos dois países em 1997, no qual ficou
acertado que o pagamento russo pelo uso da base naval de Sebastopol seria
compensado dos débitos energéticos ucranianos (ABDELAL, 2004, p. 120). Do lado
ucraniano, o governo o pode negar que o país é devedor. Como pretende evitar
que a Rússia tome conta de sua infra-estrutura energética, fica na posição ingrata de
ter de aceitar acordos com Moscou nem sempre compatíveis com os seus
interesses.
4.3.3. Os Investimentos Russos
Assim como qualquer outro país em desenvolvimento com problemas
econômicos, a Ucrânia necessita de investimentos externos para fomentar o seu
crescimento. Durante a primeira década de independência, o capital proveniente das
potências ocidentais não chegou na quantidade esperada pelo governo ucraniano. A
razão disto são os problemas internos do país, tais como a falta de um sistema
judiciário confvel, um sistema político instável devido às divergências regionais, e,
destacadamente, a falta de implementação das reformas estruturais na economia
nacional
206
. A conjunção destes fatores gerou um clima de incerteza que afastou os
investidores estrangeiros.
A dificuldade ucraniana em captar recursos possibilitou o acréscimo da
participação russa na sua economia, pois os investidores russos, sobretudo após a
recuperação econômica de seu país, enxergaram no Estado vizinho nichos
lucrativos para aplicarem seu capital. A indústria privada ucraniana aceitou de bom
grado a ajuda oferecida, pouco se importando se algumas empresas de setores
206
Andrew Wilson aponta três políticas levadas a cabo pelo presidente Leonid Kravchuk que ao ins de
reestruturarem a economia ucraniana acabaram por trazer prejuízos ao país. São elas: a impressão desmedida de
dinheiro cujo objetivo era manter a produtividade industrial, mas que gerou enorme inflação; a falta de políticas
para a construção de uma economia nacional, o que deixou o governo nas mãos das lideranças regionais e o erro
de cálculo acerca dos custos inerentes à independência do sistema soviético. O autor lembra que em 1994 o então
presidente Leonid Kuchma lançou um programa nacional de reformas que obteve algum sucesso em controlar a
inflação e criar disciplina fiscal e monetária. Entretanto, no ano seguinte, após as eleições, o passo das
mudanças diminuiu o ritmo (WILSON, 2002, p. 257 e 258).
172
importantes da economia porventura passassem ao controle de investidores
russos
207
.
Como visto alhures, a ssia utiliza a necessidade ucraniana de
investimentos externos para auferir vantagens econômicas e políticas. Por este
motivo, o Kremlin viu com bons olhos o relacionamento estabelecido entre as
iniciativas privadas dos dois países e incentivou seus aplicadores a continuarem com
o fluxo de capital para a Ucrânia. A situação configurada reforça a essencialidade
que a Rússia ainda hoje ocupa na economia ucraniana, o que acaba por atar ainda
mais os nós que unem os dois Estados.
4.3.4. Ucrânia e os Processos de Integração
De acordo com o observado até agora, alguns elementos de natureza
econômica, como a interdependência assimétrica entre as economias russa e
ucraniana e os investimentos diretos russos nas empresas do país vizinho, se
inserem com força nas relações mantidas pelos dois Estados. Poucos anos
bastaram para que os governos ucranianos chegassem à conclusão de que o
caminho a ser percorrido para a liberdade política de fato, ou seja, sem estar sob o
guarda-chuva russo, era muito árduo, e talvez nem fosse possível que um país tão
menor que o seu ex-dominante pudesse alcançá-la. Uma das estratégias adotadas
por Kiev a partir desta conclusão foi a de utilizar os processos de integração que se
tornaram a tônica do espaço pós-soviético, e do sistema internacional em geral,
desde os anos 1990 para atingir seu objetivo. A tentativa de ingressar na União
Européia pode ser encarada sob este prisma, assim como a criação da GUUAM. O
único desvio de rota observado na trajetória política ucraniana relacionada aos
processos de integração é a assinatura do tratado do Espaço Econômico Comum.
Sinale-se que é possível traçar um paralelo entre as tentativas ucranianas de obter
ajuda externa para fugir da órbita russa, vislumbradas na esfera econômica, com
aquelas de igual fim empregadas no campo estratégico, as quais foram abordadas
no capítulo anterior.
207
Um exemplo que pode ser citado é a Ukrainian Aluminium, empresa cuja cia majoritária, com 75% do
controle acionário, é a empresa russa Sibéria Aluminium (WILSON, 2002, p. 269).
173
Antes de verificar as atitudes de Kiev no tocante a cada um dos movimentos
de integração citados, cabe discorrer um pouco sobre a posição do país quanto à
Comunidade dos Estados Independentes. Na qualidade de uma das primeiras
integrantes da organização, desde o princípio, a Ucrânia sempre a encarou como a
forma disponível de selar o fim da União Soviética e, com isto, sedimentar sua
independência recém alcançada. Com o passar dos anos, a Ucrânia manteve uma
atitude negligente no pertinente à CEI, a qual decorre de seu temor de que a
organização seja utilizada pela ssia como instrumento de solidificação de sua
hegemonia na região. Ressalte-se que o entendimento ucraniano não está
equivocado, eis que o objetivo russo o era outro na época da fundação da CEI,
nem se alterou com o passar dos anos.
Na qualidade de segundo maior Estado da região e principal parceiro
econômico de Moscou entre todas as ex-repúblicas socialistas (em volumes totais de
trocas comerciais), a Ucrânia sabe que sua falta de entusiasmo no processo de
integração mina os planos do Kremlin de constituir um bloco regional forte no qual
sua lideraa seria indiscutível. A leitura correta que a Ucrânia faz da CEI baliza a
sua postura de sentar em mesas de negociação bilaterais com a Rússia, ao invés de
sessões multilaterais, com a participação de alguns ou vários países da CEI
208
. O
desinteresse ucraniano é um dos fatores que mais contribui para que o processo de
integração entre todos os países do Complexo Regional de Segurança dominado
pela Rússia não tenha avançado significativamente ao longo dos anos, para
desgosto russo.
4.3.4.1. União Européia
É inegável que o desejo reiterado da Ucrânia de se tornar membro da União
Européia visa ao crescimento econômico e social do país, tendo em vista as
melhorias sócio-econômicas experimentadas pelos Estados do leste europeu que
208
A Ucrânia assinou diversos Tratados no âmbito da CEI, em sua maioria relativos a acordos de livre comércio
bilaterais com os demais membros da organização, enquanto não é acertado um acordo de livre comércio
regional. A falta de interesse ucraniano em negociar tratados gerais é um dos motivos pelos quais a CEI não
consegue avançar como bloco regional. Cumpre frisar, ainda, que em nenhum momento a Ucrânia assinou
tratados que envolvessem política monetária, como deseja a Rússia, pois entende que isto a levaria à perda de
uma parcela de sua soberania.
174
foram beneficiados pelas rodadas de alargamento do bloco regional. Todavia, é
igualmente impossível desconsiderar o fundo geoeconômico e geoestratégico da
intenção ucraniana, uma vez que a União Européia é a melhor opção à disposição
na sua luta para sair da dependência econômica em relação à Rússia e,
conseqüentemente, da esfera de influência desta.
A Ucrânia foi o terceiro país da CEI a assinar um Acordo de Parceria e
Cooperação com a União Européia, no dia primeiro de março de 1998
209
. Ao
contrário do que ocorre com a maioria dos Estados da CEI, o acordo selado entre
Kiev e Bruxelas envolve compromisso oficial de buscar integração (BURAKOVSKI,
2004, p. 163). A particularidade é justificada pelo fato de que em seus termos atuais,
a parceria mantida pela Ucrânia com a União Européia o satisfaz o projeto de
autonomia daquela. Por certo, alguns avanços na estratégia ucraniana já foram
obtidos, como, por exemplo, uma tendência de aumento do comércio entre o país
eslavo e o bloco regional, o que serve de poder de barganha para Kiev no trato
com Moscou, pois ao contrário de muitos países da CEI, a Ucrânia possui certa
abertura comercial com a União Européia e com o ocidente. Contudo, mesmo que
significativas, até o presente momento, estas conquistas se mostraram insuficientes
para reduzir drasticamente a dependência econômica da Ucrânia para com a
Rússia, deste modo, o ingresso formal e definitivo na União Européia é uma questão
fundamental na política externa ucraniana.
Cabe, portanto, avaliar quais as reais chances da inclusão ucraniana no bloco
europeu. Tanto um lado quanto o outro já emitiram diversas declarações
posicionando-se positivamente quanto a tal adesão. No entanto, nenhum movimento
concreto foi feito e os sinais emitidos não permitem projeções em sentido contrário.
A última rodada de inclusão de países do leste europeu já rendeu a Bruxelas
questões delicadas de adaptação ainda não resolvidas, o que dificulta a abertura
para novos Estados nos futuro próximo. A dificultar a situação pode ser citada a
indefinição quanto à Constituição Européia, não aprovada até o presente momento.
Também de ser referido como fator complicador a dependência européia da
energia fornecida pela Rússia, fato que gera receio no bloco regional diante da
esperada insatisfação russa em caso de eventual adesão ucraniana.
209
O primeiro país a assinar acordo desta espécie foi Belarus, em 1995. Entretanto, até hoje tal acordo não entrou
em vigor. O segundo país foi a Rússia, no dia primeiro de dezembro de 1997.
175
Destarte, a escolha européia” do governo ucraniano se mostra correta do
ponto de vista teórico quanto às benesses que o país receberia na hipótese de ser
aceito na Uno Européia, entretanto, para a infelicidade de Kiev, sua escolha não se
mostra concretizável nos próximos anos, ao menos não na intensidade desejada.
4.3.4.2. GUUAM
A formação da organização sub-regional GUUAM, capitaneada pela própria
Ucrânia, não possui apenas conotações geopolíticas
210
. Se a economia é uma
relevante fonte de poder no mundo atual, é natural que uma organização formada
com o intuito de rebater o poderio russo no Complexo Regional de Segurança do
espaço pós-soviético detivesse interesses econômicos. Igor Burakovski sustenta que
na esfera econômica a GUUAM possui como principais objetivos estabelecer laços
de cooperação entre seus integrantes e, dadas as limitações destes, atrair
investimentos estrangeiros diretos, sobretudo de União Européia e dos Estados
Unidos. A capacidade de captação de recursos residiria no potencial que os Estados
da organização m de transportar os recursos energéticos da região do Mar Cáspio
para os mercados mundiais (BURAKOVSKI, 2004, p. 168).
Conforme se constata, mesmo unidos, os membros da GUUAM não possuem
condições de fazer frente à grande potência russa na região, necessitando de ajuda
econômica de potências externas para que atinjam seu intento. Até agora, a
organização em si não recebeu o auxílio almejado, apesar de alguns de seus
integrantes nutrirem boas relações com os Estados Unidos (Geórgia) e a União
Européia (Ucrânia). A falta de apoio econômico externo impediu a decolagem da
organização sub-regional, o que obriga os países que dela fazem parte, entre eles a
Ucrânia, a buscarem soluções individuais para suas fraquezas perante a Rússia.
Como se observa, a criação da GUUAM também foi uma escolha ucraniana que não
rendeu os resultados esperados.
210
Sobre a data de formação de GUUAM e seus Estados membros, ver capítulo anterior, pág. 137.
176
4.3.4.3. Espaço Econômico Comum
Na cidade de Yalta, em 19 de setembro de 2003, o presidente Leonid
Kuchma assinou o tratado para a criação do Espaço Econômico Comum, juntamente
com Rússia, Belarus e Cazaquistão. O gesto causou surpresa, pois até então a
Ucrânia tinha se mantido fora de qualquer tratado que implicasse em integração
econômica que fosse além de meros acordos bilaterais de livre comércio.
O parlamento ucraniano ratificou o tratado sub-regional em 20 de abril de
2004, debaixo de grande polêmica. A aliança que garantiu 265 votos para a
ratificação era composta pelos deputados aliados do presidente Kuchma e pelos
representantes do Partido Comunista. Naquela ocasião, o Primeiro-Ministro
ucraniano, Viktor Yanukovich
211
declarou que o tratado “pavimentaria o caminho
para levar a economia ucraniana a um novo nível de desenvolvimento”. Sobre a
possibilidade de o ato prejudicar a adesão ucraniana à União Européia, Yanukovich
disse que a entrada no Espaço Econômico Comum “aumentaria a competitividade
da Ucrânia no mercado mundial e proviria o acesso à União Européia sob novas
condições”
212
. A oposição não concordava com o entendimento governamental. A
então deputada Yulia Tymoshenko sustentou que votar contra a ratificação era
defender a soberania nacional. Outro deputado, um expoente oposicionista, alegou
que o acordo era, na verdade, político, pois não resolveria os problemas econômicos
ucranianos, nem mesmo os da Rússia
213
.
Apesar de o governo ucraniano declarar que seu objetivo último era o de criar
uma zona de livre comércio plena com os demais partícipes do acordo, a oposição
temia que o Espaço Econômico Comum levasse à integração monetária dos
Estados. Os oposicionistas estavam corretos, pois a criação de uma política
monetária comum era o projeto russo para o futuro do tratado, situação que lhe daria
ainda mais capacidade de intromissão na economia ucraniana.
No final de 2004, as forças contrárias ao tratado venceram as eleições
presidenciais. Por certo, a modificação das relações de poder na política ucraniana
211
Conforme narrado anteriormente, neste mesmo ano de 2004, Yanukovich viria a ser o candidato derrotado nas
conflituosas eleições presidenciais vencidas por Viktor Yushchenko.
212
Fonte: Radio Free Europe. Endereço eletrônico: http://www.rferl.org/featuresarticle/2004/04/b33e6524-6826-
44dc-adbf-ce9cb9496d71.html. Acesso em: 11 de fevereiro de 2008.
213
Fonte: http://www.ukrweekly.com/Archive/2004/170401.shtml.
177
contribuiu para que o Espaço Econômico Comum nunca fosse devidamente
implementado. A aceitação da Ucrânia na Organização Mundial do Comércio,
processo que apenas depende da ratificação parlamentar no dia 04 de julho de
2008, provavelmente inviabilizará de uma vez por todas o Espaço Econômico
Comum, pois devido às regras da OMC, novas tratativas teriam de ser feitas com
Rússia, Belarus e Cazaquistão para que o tratado fosse adaptado.
De qualquer sorte, o acordo de criação do Espaço Econômico Comum e sua
ratificação podem ser considerados uma exceção na política externa ucraniana no
tocante aos processos de integração liderados pela Rússia. As causas dessa
exceção não são claras; mas provavelmente tenham advindo da política doméstica e
do foro externo. Internamente, nas eleições parlamentares de 2002 o grande
vencedor havia sido Viktor Yushchenko, o que pavimentava seu caminho à
presidência em 2004. Sem vislumbrar meios de evitar a vitória de seu desafeto,
talvez Kuchma tenha acordado com Moscou a criação do Espaço Econômico
Comum em troca de apoio ao candidato da situação nas eleições presidenciais. No
plano externo, é possível a pressão do Kremlin sobre Kiev para a assinatura do
tratado tenha sido muito forte. Seja qual for a razão que levou o presidente
ucraniano a firmar o acordo, a exceção foi “corrigida” assim que o grupo político pró-
ocidente tomou o poder na Ucrânia.
Portanto, uma vez analisadas as relações econômicas entre Ucrâniae Rússia
sob o ponto de vista da primeira, é forçoso concluir que o fator econômico
efetivamente acarreta singularidades às interações entre os dois países.
4.4. BELARUS E A FIDELIDADE À EX-METRÓPOLE
Os desafios herdados pela República de Belarus na qualidade de Estado
independente que necessitava constituir uma economia nacional após o fim da
União Soviética eram, em sua essência, idênticos aos postos à frente da Ucrânia,
com o agravante de que a economia bielo-russa era menos desenvolvida em
comparação com a ucraniana. Apesar das situações parecidas, as escolhas dos dois
países foram diferentes. Enquanto a Ucrânia tentou trilhar o caminho báltico, Belarus
se manteve fiel à Rússia, a tal ponto que durante quase toda a década de 1990 o
assunto mais abordado nas discussões russo-bielo-russas era a possibilidade de
178
reunião dos dois Estados. Impende destacar que a política doméstica bielo-russa é
uma relevante fonte de explicação para a escolha do país de não enfrentar os
desafios herdados do passado de dominação imperial.
A atitude bielo-russa refletiu na sua política econômica externa, posto que
quase nenhum esforço foi empreendido no sentido de desfazer os fortes laços que
unem as economias de Belarus e da Rússia. Em função de tal posicionamento, as
fragilidades econômicas bielo-russas frente à Rússia, tais como a interdependência
assimétrica e a necessidade de empréstimos e investimentos russos, são elementos
constantes e de grande importância nas relações mantidas entre os dois países.
4.4.1. O Governo de Alexander Lukashenko
No caso de Belarus, a política interna é um bom ponto de partida para o
estudo sobre as causas da opção bielo-russa por firmar aliança com a ex-metrópole.
Ao contrário do que ocorreu na Ucrânia, os nacionalistas bielo-russos do partido
Frente Popular do Belarus não possuíam uma penetração na sociedade que lhes
permitisse disputar o poder quando da formação do Estado bielo-russo. A
inexistência de uma identidade nacional própria, bem definida e diversa da
identidade russa, refletia no apoio popular às plataformas políticas que mantivessem
o país próximo da Rússia, sem contudo, abrir mão da independência nacional
(WALLANDER e LEGVOLD, 2004, p. 26). Assim, desde as primeiras eleições, os
rumos do Estado se mantiveram sob as rédeas de políticos egressos do Partido
Comunista.
Como mencionado no capítulo dois, Alexander Lukashenko foi eleito
presidente do país em 1994, em pleito que na época não foi contestado pela
comunidade internacional. A aceitação da validade da eleição que deu o poder a
Lukashenko não foi seguida pela aprovação dos atos do novo presidente depois que
este assumiu o cargo. O novo mandatário do país estabeleceu um governo
autárquico, no qual a virtual eliminação da oposição, por intermédio de perseguição
política e controle da mídia, é a tônica. Com o poder centralizado em suas mãos,
179
Lukashenko foi reeleito duas vezes
214
, em pleitos considerados suspeitos, cujos
resultados não foram reconhecidos pelos órgãos internacionais de observação
eleitoral.
O apoio do Kremlin é um dos importantes instrumentos de Lukashenko na
sua perene luta pela manutenção do poder na potica bielo-russa. Sem a ajuda
russa, concedida sob a forma de subsídios, investimentos diretos e empréstimos,
seria impossível ao presidente de Belarus manter os índices macroeconômicos
favoráveis do país. Mais importante para Lukashenko do que os números da
economia são os programas sociais de seu governo, tais como a manutenção de
baixos índices de desemprego e a formação de sistemas de saúde e de educação
universais e gratuitos. Sem eles, o apoio popular que lhe permite continuar no poder
não existiria, portanto, não é exagero afirmar que a Rússia fornece relevante
sustentáculo econômico para o governo autoritário bielo-russo. Cumpre, então,
verificar o grau de penetração do dinheiro enviado, ou indiretamente concedido, pela
Rússia na economia bielo-russa.
4.4.2. Os Empréstimos e os Subsídios Russos
Na comparação com Ucrânia e Rússia, Belarus foi o primeiro entre os três
Estados a alcançar uma variação positiva de seu Produto Interno Bruto, o que
ocorreu em 1996, quando cresceu 2,8% em relação ao ano anterior. A partir de
então, o PIB do país sempre apresentou taxas de crescimento contínuas, sendo que
a recuperação econômica acumulada na década de 1990 levou o PIB do ano 2000 a
representar 88% do PIB de 1990
215
. Apenas a título de comparação, o PIB russo de
2000 representava apenas 64% do PIB de 1990, ao passo que o desempenho
214
Em 2001, Lukashenko venceu as eleições com 75,65% dos votos, ao passo que em 2006 sua vitória foi
alcançada com 83% dos votos válidos, segundo informações constantes no site da presidência de Belarus.
Endereço eletrônico: http://www.president.gov.by/en/press10003.html.
215
a evolução do PIB de Belarus desde 1997 a 2007 é a seguinte: 11,4% (1997), 8,4% (1998), 3,4% (1999),
5,8% (2000), 4,7% (2001), 5% (2002), 7,% (2003), 11,4% (2004), 9,4% (2005)e 9,9% (2006). Fonte: Ministério
das Estatísticas e Alises da República de Belarus. Endereço eletrônico:
http://belstat.gov.by/homep/en/indicators/gross.php. Sobre o PIB de Bearus, ver anexo.
180
ucraniano foi ainda pior nos anos 1990, pois seu PIB do ano 2000 correspondia a
meros 43% do PIB de dez anos antes (SEGRILLO, 2004, P. 328)
216
.
Os números positivos de Belarus em relação aos Estados vizinhos poderiam
indicar que a economia bielo-russa havia encontrado um caminho que possibilitasse
o desenvolvimento de um Estado estável e efetivamente autônomo, capaz de andar
com suas próprias pernas. A verdade, porém, se encontrava em uma situação
antípoda, pois tais indicadores refletiam a ajuda russa, fornecida mediante
empréstimos e subsídios, os quais se tornaram cada vez mais essenciais para
Belarus nos anos que se seguiram.
Os subsídios russos são repassados a Belarus de várias formas. As mais
comuns são os perdões
217
ou as renegociações da dívida bielo-russa acumulada em
função do fornecimento de energia russa e do balanço de pagamento entre os dois
países; o estabelecimento de termos de negociações e trocas favoráveis a Belarus e
o fornecimento de energia a preços abaixo da média do mercado
218
. De acordo com
cálculos feitos pelo FMI, no ano de 2000, os subsídios para a economia bielo-russa
atingiam 1,2 bilhão de dólares por ano, o que representava por volta de um décimo
do PIB do país (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 45). Em 2002, a situação
agravou-se, pois somente os subsídios mascarados nos preços por recursos
energéticos mais baixos do que os praticados no comércio mundial significavam
13,5% do PIB bielo-russo (ABDELAL, 2004, p. 117).
A dependência que a economia bielo-russa tem do capital russo continuou no
decorrer dos primeiros anos do século XXI. Em julho de 2007, os primeiros-ministros
de Rússia e Belarus sentaram para conversar acerca de um empréstimo
emergencial de 1,5 bilhão de dólares, a ser repassado da primeira para a segunda,
que serviria para cobrir os gastos que o governo bielo-russo teve de suportar com o
aumento do preço de gás em janeiro de 2007. O empréstimo não foi concedido
216
É imperioso ressaltar que alguns analistas, entre eles David Marples, sustentam que o crescimento da
economia bielo-russa a partir de 1996 é fruto de números distorcidos pelo governo. Segundo o autor,
Lukashenko estava ávido para demonstrar ao povo de seu país que suas políticas resultaram em uma lere
retomada econômica. Marples cita duas fontes de dados reconhecidamente extra-oficiais para fortalecer sua
posição (MARPLES, 1999, p. 40-43). Na medida em que as fontes de David Marples não são oficiais e que os
números apresentados pelo governo bielo-russo são utilizados por organismos internacionais como o Banco
Mundial e a OMC e pela ampla maioria dos autores que efetuam pesquisas sobre Belarus, no presente trabalho,
serão utilizados os números oficiais apresentados pelo governo bielo-russo.
217
Em 1996, a Rússia, como agradecimento à participação de Belarus no tratado de União Aduaneira assinado
em 1995, perdoou uma dívida no valor de 1,2 bilhão de dólares (ABDELAL, 2004, p. 114).
218
Ainda que Belarus não pague mais o baixíssimo valor pela energia recebida que pagava durante a década de
1990, ainda hoje, o preço que a Rússia lhe exige pelo petróleo e gás natural que recebe é menor do que o
demandado dos outros Estados do espaço pós-soviético, conforme se verá no capítulo seguinte.
181
naquele momento, o que gerou novas reclamações de Lukashenko quanto à política
russa referente à comercialização de recursos energéticos (BABICH, 2007). O
governo russo o demonstrou preocupação quanto à retórica do presidente bielo-
russo, pois sabe que não alternativas viáveis ao país vizinho de conseguir ajuda
econômica. No mês de dezembro, em encontro presidencial, foi declarado que a
Rússia emprestaria 1,5 bilhão de dólares anuais a Belarus por quinze anos, como
forma de compensar o aumento dos preços dos recursos energéticos, planejado
para os anos vindouros. Na mesma ocasião, Lukashenko aproveitou para reiterar
seu apoio a Moscou no caso da instalação de mísseis anti-balísticos norte-
americanos na Europa Central. Este episódio demonstra com clareza a necessidade
do governo bielo-russo dos subsídios e empréstimos russos, pois no fundo Minsk
desejava receber dinheiro russo para que o mesmo fosse utilizado na cobertura de
um buraco criado justamente pela diminuição de outro tipo de subsídio também
fornecido pela Rússia.
Os fatos revelam que o governo de Lukashenko acabou por colocar o país
em uma situação muito desvantajosa em relação à Rússia, onde a economia bielo-
russa está encerrada num ciclo vicioso de dependência do capital russo. As
potências ocidentais não parecem dispostas a investir seu dinheiro em Belarus,
tendo em vista a natureza autoritária do governo de Lukashenko
219
e da situação
bielo-russa diante da Rússia. Juntando a isto a necessidade que o governo de Minsk
tem de investimentos externos russos para manter os programas sociais que lhe dão
sustentação, temos uma realidade na qual não parece haver saída possível para
Belarus a não ser uma subordinação cada vez maior aos empréstimos, subsídios e
financiamentos russos. Por certo, tal cenário capacitará cada vez mais a Rússia a
exercer influência sobre a vida política e econômica bielo-russa. O fato de que, logo
após o acerto do empréstimo, Lukashenko tenha manifestado apoio aos russos em
assunto geopolítico delicado para o Kremlin revela como funcionam os vínculos
entre o elemento econômico e a política externa nas interações entre os dois países.
219
Estados Unidos e União Européia procuraram isolar politicamente o governo de Lukashenko, almejando a
implementação da democratização política e de reformas em direção à abertura dos mercados (LEGVOLD,
2004, p. 2004).
182
4.4.3. A Interdependência Assimétrica
Na qualidade de ex-república socialista soviética, quando adquiriu sua
independência Belarus também foi jogado às dificuldades de possuir uma
interdependência econômica assimétrica em relação à Rússia. O caso bielo-russo
era ainda mais grave que o da Ucrânia, retratado anteriormente, pois sua economia
era menos diversificada do que a ucraniana, além de ser um país substancialmente
menor.
Algumas condições peculiares bielo-russas tamm lhe geravam problemas.
Na especialização industrial comandada por Moscou, coube a Belarus a produção
de muitos artigos militares. Com o fim da União Soviética, e o declínio do exército
vermelho, várias indústrias bielo-russas se viram sem compradores para seus
produtos, o que exigiu das mesmas grande esforço de adaptação de suas condições
para que pudessem produzir outros artigos (MARPLES, 1999, p. 32). Por causa de
sua alta taxa de industrialização entre as repúblicas socialistas, a produção de
Belarus não estava, entretanto, limitada aos componentes militares. Além destes, os
bielo-russos produziam têxteis, maquinário agrícola, componentes eletrônicos,
fertilizantes veículos de transporte e bens de consumo durável (WILSON e
RONTOYANNI, 2004, p. 32). Contudo, pelos motivos expostos, tais produtos não
possuíam mercado fora dos países do espaço pós-soviético.
Outra semelhança entre a situação de Ucrânia e de Belarus é que este
também é um país extremamente dependente da importação de recursos
energéticos
220
. Da mesma forma como ocorre com os dados de produção industrial,
apesar de parecida, a situação bielo-russa em comparação com a ucraniana
também é pior no pertinente aos recursos energéticos, pois além de Belarus deter
uma dependência maior de energia, o seu rol de possíveis fornecedores alternativos
à Rússia é menor, em função de sua posição geográfica. Ressalte-se que quando o
assunto dos subsídios russos para a economia bielo-russa foi abordado, alguns
dados que denotam os efeitos da interdependência econômica acentuadamente
desigual entre Rússia e Belarus, no tocante aos recursos energéticos, já foram
220
Como será verificado no capítulo a seguir, Belarus importa por volta de 90% da energia que consumida pelos
lares e pelas indústrias do país. Fonte: www.eia.doe.gov.
183
apresentados. Outros serão abordados e analisados no capítulo dedicado ao papel
dos recursos energéticos nas relações russo-ucraniano-bielo-russas.
Como já dito, a similitude das situações das economias ucraniana e bielo-
russa frente à ssia não geraram atitudes parecidas. Em nenhum momento,
Belarus cogitou seguir o caminho báltico. Apenas os grupos nacionalistas defendiam
esta opção, mas eles não detinham nenhuma força efetiva na política bielo-russa. Os
custos da reformulação da economia e da diversificação da política externa
econômica, o que implicava em afastamento da Rússia, sempre pareceu às elites
bielo-russas um preço muito alto a ser pago por uma autonomia econômica e política
de resultado incerto. Por causa das limitações e da estrutura econômica do país
herdada da União Soviética, no cálculo bielo-russo era muito mais lucrativo manter-
se fiel à Rússia e procurar estabelecer com esta o maior nível de integração
econômica possível. A compreensão das elites políticas bielo-russas acerca dos
rumos que o país deveria escolher demonstra que consideravam a interdependência
econômica assimétrica como um fato normal, decorrente do passado compartilhado
pelos dois países, ou seja, algo que não era um problema a ser resolvido, mas sim
um impulso ao aprofundamento da cooperação econômica russo-bielo-russa
(ABDELAL, 2004, p. 112).
O governo bielo-russo não esperou muito tempo para colocar em prática sua
estratégia de política externa, eis que o projeto de unificação econômica com a
Rússia teve início no ano de 1993, gerando a assinatura do Tratado de Unificação
Monetária no começo de 1994, poucos meses após o colapso da zona do rublo,
ocorrido no final do ano anterior (WILSON e RONTOYANNI, 2004, p. 44).
As políticas empreendidas pelas lideranças bielo-russas, com destaque para
Lukashenko, intensificaram a interdependência da economia do país em relação à
economia russa, com evidente vantagem para Moscou. Os dados macroeconômicos
fornecidos pelo próprio governo bielo-russo revelam o elevado nível de participação
russa no comércio exterior de Belarus e, como isto causa um débito crescente a ser
suportado pelos bielo-russos. Vejamos alguns destes indicadores.
No ano de 2005, 35,8% dos produtos exportados por Belarus tiveram como
destino a ssia, ao passo que 60,4% das importações bielo-russas vieram do país
vizinho
221
. No ano seguinte, as exportações para a Rússia representaram 34,68% do
221
Fonte: Organização Mundial do Comércio.
184
total de bens e serviços exportados por Belarus, sendo que as importações de
produtos russos representaram 58,60% do total das importações bielo-russas. Em
2007, 36,50% das exportações bielo-russas foram enviadas para a Rússia, e no
tocante às importações, 59,93% do total proveio do país vizinho. É importante
ressaltar que entre 2006 e 2007 houve um acréscimo da participação russa no
comércio exterior bielo-russo na ordem de 30,7% em relação a 2006
222
. Este
aumento foi proporcionalmente maior do que o verificado no comércio exterior bielo-
russo com países fora da CEI, que foi de 20,1%. Ou seja, além de aumentar em si
mesma, a participação da Rússia no comércio exterior bielo-russo foi elevada em
comparação com a parcela desfrutada no mesmo universo pelos países estranhos à
CEI. Logo, não se pode afirmar que haja um declínio quantitativo ou qualitativo da
participação russa nas trocas comerciais internacionais estabelecidas por Minsk.
Pelo contrário, a importância russa no comércio exterior de Belarus demonstra uma
tendência de alta.
Outro dado que vale ser frisado é que o comércio realizado com a Rússia
gerou para Belarus um déficit na balança de pagamentos entre os dois países que
cresceu de 1,2 bilhão de lares em 2000 para 6,1 bilhões de dólares no ano de
2006
223
.
O nível de inserção da Rússia no comércio exterior bielo-russo possibilita a
Moscou exercer enorme pressão sobre Belarus na busca de seus interesses
políticos e estratégicos. Ao assumir o comando do Kremlin, Vladimir Putin
implementou, no concernente a Belarus, seu projeto de economização da política
externa russa. As conversas entre as lideranças dos países que giravam em torno
da unificação de ambos mudaram de tom. Balizada na interdependência assimétrica
entre as duas economias (e tamm na necessidade bielo-russa por empréstimos e
subsídios), a Rússia passou a exigir mudanças na política interna bielo-russa,
principalmente no que toca à privatização de empresas estatais, em especial
aquelas relacionadas ao transporte de energia. Com isto, Putin adotou a utilização
de meios estritamente econômicos para adquirir vantagens políticas e econômicas
de Minsk, ao invés de usar a tática de Yeltsin, que dava destaque ao apoio político
como forma de alcançar o apoio de Belarus nos planos regional e global. O
222
Todos os dados referentes ao comércio exterior bielo-russo em 2006 e 2007 foram obtidos no site do
Ministério de Estatísticas e Análises da República de Belarus. Endereço eletrônico: http://belstat.gov.by.
223
Fonte: Banco Nacional da República de Belarus. Endereço eletrônico: http://www.nbrb.by/eng.
185
resultado é deletério para Lukashenko, que ao longo dos anos fez algumas críticas à
política russa. Contudo, apesar das ameaças verbais, tanto o presidente bielo-russo
quanto o Kremlin sabem que, justamente, devido à dependência econômica de
Belarus perante a Rússia, o governo daquele se amarrado e obrigado a atender
os interesses russos.
4.4.4. A Participação nos Organismos de Integração do Espaço Pós-Soviético
Fiel à sua política de aproximação econômica com a Rússia, Belarus esteve
presente em quase todos os processos de integração promovidos por Moscou no
espaço pós-soviético. Por conseguinte, pode ser dito que, se a Ucrânia viu as
tentativas de Moscou como estratégias de dominação russa e delas se manteve
afastada, Belarus as vislumbrou como oportunidades de aproximação econômica e
política e delas fez questão de fazer parte.
de ser mencionado que Minsk também procurou participar de acordos
bilaterais com Moscou, não ficando circunscrito aos acertos multilaterais regionais.
Desde 1994, os dois países assinaram os seguintes tratados: Tratado de União
Monetária, assinado em 12 de abril de 1994 e abandonado pela Rússia um ano
depois; Tratado de União Aduaneira, firmado em 06 de janeiro de 1995, mas ainda
não implementado; Tratado de Formação de uma Comunidade, assinado em abril de
1996 e ainda pendente de harmonização das políticas econômicas; Tratado para a
Formação de uma Comunidade de Repúblicas Soberanas, assinado em abril de
1997, o qual é passível de reiteração; Tratado de Direitos Iguais aos Cidadãos,
firmado em dezembro de 1998 e Tratado de Formação de uma União entre os
Estado, assinado em dezembro de 1999 e que tamm não foi implementado.
Como se depreende, ao fim do Governo Yeltsin, a ssia assinou vários
tratados com Belarus, com diferentes níveis de integração propostos. Após 1999, a
única tentativa de união entre os dois países partiu da Rússia, que em 2002 lançou a
idéia de antecipar em um ano, para 01 de janeiro de 2004, o uso de uma única
moeda entre os dois países, previsão constante no Tratado de Formação de uma
União entre os Estados. Lukashenko foi contrário à proposta, declarando que este
deveria ser o último passo da integração, e não o primeiro. A divergência de opiniões
186
levou ao fracasso do estabelecimento de uma moeda única (VERPOEST, 2007, p.
157). Conforme se observa, a subida de Putin ao poder alterou a política externa
russa, o que refletiu na escassez de tratados entre os dois países desde 2000. Até
mesmo a proposta que fez em 2002 foi mais uma forma de pressão do que um
desejo real russo, uma vez que Putin sabia que Lukashenko não admitiria que o
Banco Central Russo controlasse a política monetária de Belarus, o que fatalmente
ocorreria a partir da adoção de uma moeda única.
Aliás, ao mencionar a proposta feita por Putin em 2002, vale lembrar um
ponto abordado, mas que pela sua importância deve ser reforçado: os governos
bielo-russos, sobretudo o de Lukashenko, nunca concordaram ou não levaram
adiante acordos nos quais a autonomia política interna do país fosse de alguma
forma afetada. Uma suposta união com a Rússia apenas poderia ser concretizada
em termos nos quais a elite política mantivesse em suas mãos o poder sobre a
sociedade bielo-russa. Por este motivo, nenhum dos tratados que visavam à
formação de uma união aduaneira ou a integração monetária foi efetivamente posto
em funcionamento pelo governo de Belarus, apesar de ocasionais pressões russas.
A intransigência de Lukashenko quanto a esta questão é outro dos fatores que levou
a Rússia a alterar sua estratégia para com Minsk, pois o atraso da economia e a
pobreza da sociedade bielo-russa tornavam desinteressante para a Rússia uma
união com o país vizinho na qual não usufruísse o poder sobre a política doméstica
deste, e, em função disto, não pudesse implantar as reformas necessárias ao
crescimento bielo-russo.
Diante dos acontecimentos recentes, é pouco provável que haja uma união
de Belarus e Rússia em um único país, ou mesmo em uma federação, uma vez que
os interesses dos dois países quanto ao assunto, hoje, são conflitantes. Todavia, os
acordos regionais constituem campo no qual ambos convergem, do lado russo
porque almeja instrumentalizar sua liderança regional, e do lado bielo-russo porque
o desenvolvimento de sua política econômica desde a sua independência o
encaminhou para uma crescente dependência da economia russa, o que impele o
Estado a participar e apoiar os projetos de integração liderados por Moscou.
A observação do atual estágio da economia bielo-russa, da ligação desta com
a economia russa, e de como tais fatores influenciam nas políticas externas
mantidas entre si pelos dois Estados eslavos deixa bem claro que o elemento
187
econômico é um fator que concede importância única para a Rússia nas relações
internacionais bielo-russas.
188
CAPÍTULO V: O PAPEL DOS RECURSOS ENERGÉTICOS NAS RELAÇÕES
ENTRE RÚSSIA, UCRÂNIA E BELARUS
O desenvolvimento sustentado da economia da Rússia no curto prazo deve
ser baseado no crescimento sistemático de seus setores econômicos
desenvolvidos e, acima de tudo, no potencial de seus recursos minerais. A
este respeito, desenvolvimento sustentado baseado em recursos naturais
significa garantir a segurança econômica do país por intermédio da criação
de uma base de recursos naturais confiáveis que vá ao encontro das atuais
e futuras necessidades da economia da Rússia, levando em consideração
os fatores ecológico, sociais, demográficos, de defesa, entre outros (PUTIN,
2006, p. 49).
A citação que abre o presente capítulo foi retirada de um artigo escrito pelo
presidente russo Vladimir Putin intitulado “Os Recursos Naturais Minerais na
Estratégia para o Desenvolvimento da Economia Russa”, o qual é um resumo da
tese por ele defendida para alcançar o grau de Candidato das Ciências em
Economia no St. Petesburg Mining Institute. Sua publicação original ocorreu em
1999, na revista anual da entidade
224
. Na época em que Putin escreveu sua tese,
em 1997, nem ele, nem ninguém no Kremlin cogitava a sua indicação para Primeiro-
Ministro russo, o que aconteceu somente em agosto de 1999. O artigo é de suma
importância na compreensão do papel desempenhado pelos recursos energéticos
na política externa russa desde 2000, tendo em vista que muitas das práticas
adotadas por Putin enquanto presidente refletem posicionamentos expostos neste
seu trabalho acadêmico.
A idéia principal do artigo de Putin é a de que os recursos minerais russos,
dadas as condições do país, constituíam o mais importante fator de desenvolvimento
do Estado no seu futuro próximo. Desenvolvimento este que permitiria à Rússia sair
224
Após a indicação de Putin para Primeiro-Ministro em agosto de 1999, o acesso à tese em voga foi bloqueado.
Somente em 2006 a revista Problems of Post-Communism conseguiu permissão para publicar a versão em inglês
do artigo de Putin originalmente difundido na Revista Anual do St. Petersburg Mining Institute (BALZER, 2006,
p. 48).
189
da grave crise na qual se encontrava
225
, bem como restaurar o seu poder em bases
qualitativamente novas (PUTIN, 2006, p. 54). No texto, algumas indicações de
como se daria o processo utilização de tais recursos para os fins propostos.
Baseado em dados da época, Putin sustentou que as empresas envolvidas
com o complexo industrial de recursos minerais do país representavam 50% do PIB
russo; a extração e a comercialização de tais recursos respondiam, direta ou
indiretamente, por 70% do total de receitas obtidas com a exportação de bens e
serviços. O quadro era compatível com a extensão das riquezas naturais russas. Em
função de tais fatores, durante boa parte do século XXI, a exploração e
comercialização de recursos minerais continuaria sendo a principal orientação da
economia russa.
Contudo, a utilização deste setor econômico como base de sustentação ao
desenvolvimento nacional de longo prazo precisaria ultrapassar algumas limitações,
entre elas a necessidade de investimentos em infra-estrutura, tendo em vista a baixa
efetividade da atividade extrativa e o desgaste dos dutos usados no transporte dos
recursos minerais
226
. A mais promissora” solução apontada pelo futuro presidente
para recondicionar os ramos de extração e transporte de recursos minerais e, com
isto, reestruturar a economia nacional era criar “fortes corporações financeiro-
industriais”, as quais receberiam todo o apoio do Estado a fim de que pudessem
atuar com força no mercado doméstico e reunissem condições de competir em
termos iguais com as corporações transnacionais do ocidente
227
. Aqui pode se
verificar que Putin vislumbrava a forte participação do Estado na economia russa,
e, principalmente, no lucrativo ramo energético. Todavia, a atuação dos
conglomerados nacionais na economia não bastava para que o controle dos
recursos minerais ficasse nas mãos do governo. A aquisição e o uso dos recursos
minerais deveriam ser regulados por normas governamentais, válidas tanto para a
iniciativa privada quanto para as empresas públicas. A política intervencionista seria
necessária porque somente o Estado age visando ao bem-estar da coletividade
social, ao passo que os proprietários privados procuram atender apenas aos seus
225
Ressalte-se que a tese foi redigida ainda antes da crise cambial de 1998, portanto em uma época na qual a
economia russa estava à deriva.
226
Putin mencionou que 60% dos gasodutos do país estavam em uso 20 anos, sendo que a regra é de que
sejam usados durante 33 anos, em média (PUTIN, 2006, p. 51).
227
Conforme se verificará adiante, a estatal russa do gás, Gazprom é o melhor exemplo do desejo do governo de
construir empresas de grande porte que pudessem competir com as empresas norte-americanas e européias do
setor energético.
190
próprios interesses. A atuação incisiva de órgãos estatais resolveria esta
discrepância a contento, pois ajudaria àqueles proprietários a chegarem a um
compromisso com a sociedade (PUTIN, 2006, p. 51). A obediência por parte das
corporações estatais e das empresas privadas do setor energético às normas
ditadas pelo Kremlin seria garantida pela atividade regulatória do Estado.
Ainda no tocante às corporações estatais imaginadas por Putin, vale observar
que o autor faz imediata ligação entre a reestruturação do setor mineral do país e a
política externa russa, ao mencionar a atuação exterior daquelas empresas.
Também é possível ressaltar em seu discurso um componente competitivo intrínseco
no relacionamento russo com as potências ocidentais, as quais, no final das contas,
são as principais sedes das corporações transnacionais.
A importância das poderosas empresas estatais russas a serem criadas não
estava conectada apenas à competição econômica internacional. Segundo Putin,
tais complexos financeiros e industriais seriam tamm um fator de integração entre
os países da CEI (PUTIN, 2006, p. 52). A menção aos Estados do espaço pós-
soviético não é gratuita, pois se um dos objetivos da Rússia, segundo Putin, era
retomar a proeminência no sistema internacional, isto envolvia recuperar o status
hegemônico regional. Os recursos minerais russos, e sobretudo petróleo e gás
natural, inegavelmente tornavam factível a tarefa, posto que a dependência
energética de quase todos os países da CEI está na raiz da conexão assimétrica de
suas economias com a economia russa. Portanto, a “integração” a ser fortalecida
pela comercialização da energia russa é menos do tipo cooperativo e mais do estilo
que forneceria inegáveis vantagens econômicas e políticas à Federação Russa.
As palavras escritas por Putin revelam que o papel dos recursos minerais no
planejamento estratégico russo se espraia para além do âmbito doméstico,
possuindo destaque tamm nos níveis regional (países da CEI), inter-regional
(União Européia) e global (Estados Unidos e continente astico) de atuação do
Kremlin. Partindo-se do pressuposto de que Vladimir Putin estava certo em sua
análise e que uma vez conduzido ao cargo de presidente ele colocou suas idéias em
prática, estudar o uso que a Rússia faz dos seus recursos energéticos possibilita
compreender com maior clareza algumas das diretrizes da política externa do país
desde meados da década de 1990. Na medida em que Ucrânia e Belarus possuem
fortes elos com a Rússia, os quais são justificados por motivos econômicos,
geopolíticos e culturais, como visto nos capítulos precedentes, nada mais natural
191
que uma marcante presença da questão energética na política externa russa se
reproduza solidamente na dinâmica entre os três países estudados. Aliás, é possível
inverter o foco e dizer que a energia está presente nas relações mencionadas não
somente como reflexo dos fatores econômicos, geopolíticas e culturais que mantêm
próximos os Estados referidos; antes disso, ela é um componente de grande ajuda
na explicação do porquê de estes fatores serem tão relevantes nas ligações ímpares
mantidas entre Rússia, Ucrânia e Belarus no atual estágio de suas existências como
Estados independentes.
Assim sendo, o objetivo do presente capítulo é analisar o nível de penetração
dos recursos energéticos russos nas relações russo-ucraniano-bielo-russas e como
esta penetração está imbricada com os elementos econômicos, geopolíticos e
culturais que unem os três países observados. Cumpre desde logo assinalar que em
função de suas características, bem como das preocupações e efeitos que
ocasionam, os recursos energéticos são mais reveladores das dimensões
geopolítica e econômica das relações interestatais estudadas. As questões
identitárias guardam com tais recursos uma relação menos direta, conforme se verá.
A fim de atingir o desafio proposto, o presente capítulo inicia com a estratégia
russa quanto ao uso de seus recursos energéticos na política externa. Primeiro será
feita uma breve apresentação das atuais condições do setor de petróleo e s
natural na Rússia. Estes dados colaboram no entendimento acerca da importância
da União Européia nos planos de Moscou, o que leva à necessidade de se analisar
as relações mantidas pela Rússia e o bloco regional no tocante à energia.
O enfoque nas relações russo-européias traz à tona Belarus e Ucrânia, tendo
em vista serem estes países as principais rotas de comercialização dos recursos
energéticos russos para a União Européia. Todavia, a importância das duas ex-
repúblicas socialistas para a Rússia não se subsume ao fato de serem países
transportadores de energia. Além de se inserirem nos contatos inter-regionais entre
as grandes potências russa e européia, Belarus e Ucrânia atuam com freqüência e
destaque nos assuntos regionais do espaço pós-soviético, o que suscita questões
geopolíticas, culturais e econômicas vislumbradas nos contatos entre os três países.
Por isso, o passo seguinte do capítulo será verificar de que maneira os recursos
energéticos trazem à tona e, concomitantemente, reforçam a presença de tais
fatores nas relações entre os Estados em epígrafe, sempre tendo em consideração
que isto ocorre em diferentes graus de intensidade.
192
5.1. A ESTRATÉGIA RUSSA
Conforme mencionado nos capítulos precedentes, as dificuldades
econômicas e políticas enfrentadas pela Rússia durante a década de 1990 levaram-
na à brusca perda de status no cenário internacional. De superpotência na época da
Guerra Fria, a Federação Russa passou a ser tratada como uma parceira menor no
arranjo de forças da Nova Ordem Mundial
228
. Os russos acusaram o golpe na sua
auto-estima de país historicamente imperialista.
Surgiu então o desafio de retomar o espaço perdido. Mas numa época em
que o poder econômico de um Estado ganhava cada vez mais proeminência em
detrimento da capacidade militar, o seu arsenal nuclear não era mais o elemento de
persuao de outrora, lição aprendida no próprio processo de dissolução da União
Soviética. E o que restava de relevante para a Rússia no campo econômico depois
de décadas de planejamento centralizado comunista? Basicamente indústrias de
armamentos convencionais e de satélites, uma planta industrial nuclear, além de
bens de exportação como metais e energia. Destes, apenas o último possuía
demanda crescente no mercado internacional naquela época (WALLANDER, 2004,
p. 74). Logo, a recuperação da economia russa passava pela exploração de seus
recursos energéticos, como analisara Putin.
Ocorre que a turbulência dos anos 1990 tamm afetou a produção de
energia da Rússia. A exploração de petróleo constitui um bom exemplo disto.
Durante o período sovtico, com a subida dos preços do petróleo devidos às crises
mundiais dos anos 1970, o Kremlin elevou as taxas de produção do produto para 12
milhões de barris por dia (mb/d), nível muito acima dos padrões russos atuais. Havia
duas razões por trás do alto patamar da produção russa. A primeira era econômica,
eis que no começo dos anos 1980, 60% das rendas soviéticas provinha da venda de
petróleo, enquanto de 15% a 20% eram oriundas do gás natural (GRACE, 2005, p.
67). A segunda estava relacionada com a lógica de competição da Guerra Fria, pois
a União Soviética detinha a posição de maior produtora de petróleo do mundo, e
228
O termo Nova Ordem Mundial foi largamente utilizado pelo governo dos Estados Unidos para simbolizar a
entrada de uma era na qual os conflitos seriam deixados para trás e a cooperação entre os Estados floresceria. O
multilateralismo pregado nos discursos não correspondia à ptica, pois baseados no neoliberalismo econômico e
no fato de que eram a única superpotência militar do mundo, os norte-americanos desejavam afeiçoar o sistema
internacional de acordo com os seus interesses.
193
mantê-la era fonte de orgulho. O problema é que a exploração desenvolvida pelos
soviéticos não obedecia a critérios de racionalidade econômica. O objetivo do
governo era conseguir a maior produção possível, o que até poderia ser justificado
quando os preços estavam em alta, porém, quando eles sofreram uma baixa
acentuada em meados dos anos 1980 não houve mudança na política extrativa, com
o volume de produção virando um fim em si mesmo (GRACE, 2005, p. 86). Inexistia
preocupação com o futuro dos campos de petróleo, nem com a manutenção de sua
infra-estrutura. Além disso, no mercado interno, o produto era praticamente dado à
população, que não pagava às refinarias, que por sua vez não pagavam às
companhias exploradoras. A manutenção dos preços baixos domesticamente
ocasionou crise no setor petroleiro soviético, pois os lucros provenientes do exterior
foram sensivelmente minorados. Em conseqüência, a produção decaiu.
Se por um lado o setor energético soviético foi uma herança que possibilitou
à Rússia manter vários dos países da CEI sob seu controle, por causa da
interdependência assimétrica que ele fortalecia, por outro, foi um legado de difícil
administração nos seus primeiros anos. Os preços domésticos não podiam ser
majorados imediatamente pela simples razão que isto geraria ainda mais prejzos a
uma indústria encolhida e a uma população empobrecida que vivia em um país
gélido. Os valores do mercado internacional não eram altos
229
, mas mesmo assim as
empresas energéticas russas mantinham um recebimento de capital que permitia ao
governo equilibrar de alguma forma as altas taxas de importações, resultantes da
política monetária imposta pelo FMI. A partir de 1995, a produção de petróleo se
estabilizou em 6 milhões de barris ao dia, o que era pouco em comparação com os
tempos soviéticos, mas era um avanço em relação à crise do começo da década.
Neste período, aconteceu grande parte das privatizações das empresas ligadas ao
setor energético
230
, as quais passaram para o controle dos chamados oligarcas por
meio do esquema de empréstimos por ações
231
. Devido às suas relações com as
potências ocidentais, os oligarcas procuraram implantar medidas administrativas
baseadas nas experiências das multinacionais européias e norte-americanas.
229
Entre 1991 e 1998, o preço do petróleo cru não ultrapassou a marca de 20,67 dólares por barril, atingida em
1996. Fonte: British Petroleum.
230
A participação geral das companhias estatais na produção de petróleo na Rússia caiu de 80% em 1995 para
38% em 1996. Fonte: Russian Analitical Digest nº 01, p. 08.
231
Os oligarcas emprestavam dinheiro de seus bancos ao governo, recebendo, em troca, ações de empresas ligas
a vários setores da economia, inclusive o energético. Como o governo não tinha capacidade de pagar o valor
emprestado ao final do prazo acordado, os bancos se tornavam proprietários das empresas (SEGRILLO, 2000b,
p. 104). Foi assim, por exemplo, que o banco Menatep, de Mikhail Khodorkovski, adquiriu a Yukos, em 1996.
194
Portanto, foi diante do quadro de grande potencial energético, de produção
estagnada nas mãos de poucos bilionários que não investiam no país os lucros que
recebiam com a venda dos recursos russos e leis de mercado extremamente
liberais, que Putin escreveu o artigo anteriormente citado.
No ano de 1998, a crise fiscal que levou à desvalorização do rublo perante o
dólar foi benéfica para o setor petroleiro pelo simples fato de que as exportações
eram pagas em dólar. Por causa disto, mesmo sem um aumento das vendas no
mercado exterior, cada dólar recebido permitia às empresas pagarem mais taxas,
obrigações e impostos em rublos ao governo. No ano de 1999, pela primeira vez
desde 1992, as empresas experimentaram lucro na exploração do petróleo (GRACE,
2005, p. 82), mas a grande virada do setor energético russo ocorreu no ano
seguinte, quando o aumento significativo do preço do petróleo cru no mercado
mundial gerou lucros fabulosos à indústria petroleira
232
.
Quando Putin assumiu a presidência, em março de 2000, as medidas de
Primakov de valorização das empresas nacionais e a alta dos preços do petróleo (a
qual puxava a alta dos preços do gás natural) eram indicativos de que sua estratégia
de balizar o crescimento da economia russa nos recursos minerais, com o foco
centralizado na energia, estava correta. Porém, faltava colocar em prática a ação
incisiva do governo no mercado doméstico, ainda desregulado e sob o controle dos
poderosos oligarcas
233
. Desde o seu primeiro mandato, Putin deixou claro que as
concessões quanto à exploração do petróleo e do gás natural russo seriam
prioritariamente fornecidas às empresas estatais. As companhias privadas e
estrangeiras que pretendiam manter suas operações na Rússia deveriam seguir a
cartilha do Kremlin, sob pena de retaliações e limitações diversas.
O caso notório da Yukos e de seu proprietário Mikhail Khodorkovski foi um
exemplo claro da política do presidente. De imediato, Khodorkovski não concordou
com as decisões de Putin e decidiu enfrentá-lo munido de seu poder econômico, que
232
O preço do petróleo cru em 2000 foi de 28,50 U$/barril. Em 1999 o preço tinha sido de 17,97 U$/barril e em
1998 de 12,72 U$/barril. Fonte: BP.
233
Impende lembrar que os oligarcas o detinham apenas empresas energéticas. Suas fortunas foram
construídas pela compra de estatais soviéticas dos mais variados ramos. O fato de também possuírem bancos
concedeu muitas vantagens na política econômica russa dos anos 1990. Segundo Segrillo, menos de dez
oligarcas dominavam, direta ou indiretamente, cerca de 80% das empresas do país (SEGRILLO, 2000, p. 100-
103). A variedade de suas empresas explica porque enriqueciam muito mesmo na época em que a indústria do
petróleo não era lucrativa na Rússia.
195
almejava transformar em poder político efetivo
234
. Além das ambições políticas de
Khodorkovski, o Kremlin não apreciava os projetos que a Yukos detinha com
empresas petrolíferas internacionais, os quais, se fossem implementados,
diminuiriam o poder do governo de centralizar as decisões referentes ao setor
energético russo (OLCOTT, 2004, p. 14). Putin venceu a batalha, cujo golpe final foi
a prisão de Khodorkovski em outubro de 2003, oficialmente acusado por operações
ilegais de seu banco, Menatep, em 1996. Com os direitos políticos cassados, o ex-
oligarca se encontra em uma prisão da Sibéria, cumprindo pena de oito anos
235
. O
recado dado por Putin foi bem entendido pelos demais oligarcas e empresas
estrangeiras que operavam na Rússia, o que facilitou a reorganização da economia
russa nos moldes expostos no artigo escrito pelo presidente.
O controle da situação no setor energético do país habilitou o Kremlin a pôr
em prática os objetivos destinados ao sistema internacional. O renascimento do
poder russo “em bases qualitativamente novas”, expressão usada por Putin em seu
trabalho acadêmico, certamente referia-se ao sistema internacional, tendo em vista
que o presidente russo nunca escondeu que a sua concepção de Rússia era a de
uma grande potência no âmbito global. Cumpre ponderar que nos planos de Moscou
a dinâmica regional é essencial, pois a eventual perda da hegemonia do Complexo
Regional de Segurança do espaço pós-soviético diminui a capacidade russa de ser
uma grande potência na ordem mundial.
As novas bases do poderio russo estão ligadas à concepção de grande
potência moderna, cujas características foram explicitadas. Uma destas
características é, justamente, conseguir exercer influência e angariar respeito às
suas posições a partir de uma economia forte, que possa conferir o mais alto nível
de independência política possível em um mundo de aprofundada interconexão
econômica. Sem uma indústria de alta tecnologia, identificada por Putin como um
elemento de crescimento econômico dos Estados desenvolvidos
236
, o elemento à
disposição da Rússia é sua riqueza em recursos energéticos. Por tal razão, petróleo
e gás natural se tornaram os maiores aliados russos na tentativa de restaurar seu
234
A inserção de políticos ligados aos oligarcas na Duma era prática usual. Após a eleição de Putin,
Khodorkovski investiu grandes somas nas eleições parlamentares de 2003, com o intuito de barrar as reformas de
Putin (OLCOTT, 2004, p. 13).
235
A prisão de Khodorkovski foi fortemente criticada pela mídia internacional, sobretudo a norte-americana.
Putin foi acusado de gerenciar um governo autoritário que almejava retomar as reservas de petróleo russas
utilizando meios escusos e obscuros típicos do período soviético.
236
Putin alega em seu artigo que o crescimento anual de 2% a 3% dos países desenvolvidos tem como base uso
de alta tecnologia em suas economias (PUTIN, 2006, p. 49).
196
prestígio internacional, o que os alçou à condição de elementos centrais da política
externa russa nos primeiros anos do culo XXI.
A focalização dos recursos energéticos como arma estratégica primordial de
Moscou nas suas relações com os demais membros da comunidade internacional
suscita diversas questões quanto à sua viabilidade em longo prazo.
Questionamentos esses que aqui o merecerão mais do que uma breve menção,
em que pese sua importância, devido às limitações do objetivo do presente trabalho.
A dúvida mais comum é quanto à capacidade que a Rússia tem de escapar da
“doença holandesa”, que vem a ser o risco de o país depositar todas a sua força no
volúvel mercado energético e com isto gerar problemas de aglutinação de lucro em
determinado setor da sociedade, causando desigualdades sociais que acabam por
enfraquecer sua posição com o tempo. Putin deu a entender, no artigo citado, que
se preocupa com tal questão ao mencionar que os recursos energéticos são a base
para o crescimento atual russo, mas que eles devem ser encarados como um
elemento basilar que servirá de trampolim para reformas estruturais na economia, as
quais envolvem o desenvolvimento da indústria de alta tecnologia e a produção de
bens de grande valor agregado
237
. Após os oito anos do governo Putin, os analistas
divergem quanto à efetividade, e até mesmo à existência, de transformações
econômicas que possam futuramente diminuir a dependência hoje vislumbrada entre
o crescimento da economia russa e a comercialização de recursos energéticos.
Outra dúvida comum diz respeito à centralização do setor energético russo
pelo Kremlin, e se tal fato não pode gerar ineficncia que minaria a capacidade de
aproveitamento de suas potencialidades. A resposta a esta questão é complicada,
pois a Rússia tem um histórico de burocracia e corrupção considerável. Até agora,
os passos dados por Moscou o permitem conclusões definitivas, pois se por um
lado o Kremlin tem parecido agir de modo um tanto desleixado quanto a assuntos
importantes, como a renovação da infra-estrutura de gasodutos e oleodutos, por
outro, suas atitudes quanto ao gerenciamento do setor não dão a entender que
estejam totalmente erradas ou que levarão a Rússia a novo colapso no futuro, tendo
237
Uma das medidas mais efetivas de Putin no sentido de diversificar a economia russa foi a criação das Zonas
Econômicas Especiais (ZEE). A lei aprovada em 2005 prevê a criação de dois tipos de ZEE, um no qual se
estabelecem indústrias de bens manufaturados e outro que serve como pólo de tecnologia, com centros de
pesquisa e comunidades científicas. Nos primeiros anos, tais empresas não seriam taxadas. Os bens que
adquirissem em prol de suas pesquisas e produção o pagariam impostos de importação. A contrapartida é que
tais empresas são obrigadas a investir ao menos 10 milhões de euros em suas operações, sendo que 1 milo
no primeiro ano. Um dado importante é que empresas dos ramos de gás natural, exploração mineral e metalurgia
não poderiam se estabelecer nas ZEE (KULIKOVA, 2005, p. 14-15).
197
em vista que muitas vezes elas são reativas a situações ainda indefinidas, como, por
exemplo, a liberalização do mercado energético europeu.
Independentemente da capacidade do Kremlin de efetuar as reformas
econômicas necessárias e de gerenciar com sucesso um setor complexo como o
energético, a escolha de Moscou foi feita. Os dados referentes aos recursos
energéticos russos ajudam a compreender o porquê da opção realizada. Vale
ressaltar que o comércio do gás natural e o do petróleo possuem vicissitudes
próprias, o que obriga que seja apresentado um painel separado de cada um.
Comecemos pelo gás natural.
A Rússia detém 26,6% das reservas comprovadas de gás natural do
mundo
238
, tendo sido calculadas em 47,7 trilhões de metros cúbicos (tmc³) no ano de
2005, volume que representa quase o dobro das reservas do segundo colocado, o
Irã
239
. A produção russa em 2005 foi de 640 bilhões de metros cúbicos (bmc³)
240
,
número que representou um avanço em relação a 2004, quando a produção russa
foi de 634 bm
241
.
A maior empresa que opera no mercado de gás natural russo é a estatal
Gazprom
242
, a qual é detentora de reservas de gás natural estimadas em 29,10 tm,
o que equivale a 60% do total das reservas provadas em solo russo. No ano de
2005, sua produção de s natural foi de 547,9 bilhões de metros cúbicos (bmc), o
que representou uma alta de 2,8 bm em relação ao ano anterior
243
. Sozinha, a
produção da Gazprom abarca 20% do total de gás natural produzido no mundo e
85% da produção de gás da Rússia.
As empresas independentes, com destaque para a Itera, Novatek e Nortgaz
respondem por volta de 6,50% da produção de gás natural da Rússia e as empresas
petrolíferas que atuam no ramo do gás natural são responsáveis por 6,60% do total
da produção. Em meros absolutos de 2004, tais porcentagens equivalem a 44,7
bmc e 44,9 bmc, respectivamente
244
.
238
Segundo o Ministério da Energia Russo, suas reservas do produto correspondem a 1/3 do total mundial.
Fonte: Sumário da Estratégia Energética para a Rússia depois de 2020.
239
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/articles/article20150.shtml.
240
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/articles/article24063.shtml.
241
Fonte: Tabela criada por Jonathan Stern baseada em dados do Serviço Russo de Estatísticas (STERN, 2005, p.
28).
242
Após uma reformulação societária em 2004, o governo russo passou a controlar 50,002% das ações da
Gazprom, segundo divulgado no próprio site da empresa.
243
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/articles/article20151.shtml.
244
Fonte: Tabela criada por Jonathan Stern, com base no World Energy Outlook de 2004 realizado pela
International Energy Agency.
198
A diferença no volume de prodão da Gazprom e das demais operadoras é
significativo, o que permite afirmar que o governo russo possui o controle sobre o
mercado de gás natural do país. A acrescer o poder do Kremlin no setor, a
circunstância de que, no tocante à distribuição doméstica, a Gazprom, por
intermédio do Sistema Unificado de Fornecimento de Gás na Rússia controla 148
companhias de distribuição regional de gás, totalizando 463.400km de gasodutos, o
que representa 75% do sistema russo de distribuição de gás
245
. No mercado
exterior, a Gazpromexport, subsidiária da Gazprom, exerce o monopólio da
distribuição do produto, situação criticada por parte da União Européia, como se verá
adiante.
A atual produção da Gazprom está centralizada em seis campos, três
maiores localizados todos no oeste da Sibéria e outros três menores, dos quais um
também se encontra no oeste da Sibéria. Desde o começo dos anos 2000, os
campos maiores entraram em declínio acentuado, diminuindo sua produção em 22
bmc ao ano. Os níveis de produção da Gazprom vem sendo mantidos em função de
um enorme campo de s natural localizado na Sibéria (STERN, 2005, p. 58). A
longo prazo, a compensação da perda de produção dos grandes campos exige que
a Gazprom escolha entre duas alternativas: explorar com maior intensidade os
campos menores, mas de baixo custo de produção, ou desenvolver os campos
gigantes da Península de Yamal
246
, a qual tem potencial de, no futuro, representar
para a Rússia o que as grandes reservas de gás da Sibéria significaram. O problema
da segunda escolha é o dinheiro que precisa ser investido no projeto (STERN, 2005,
p. 58). Ressalte-se que somente se a exploração do campo de Yamal começar antes
de 2011 se possível à Gazprom manter no final da década de 2010 o nível de
produção de 2004 (STERN, 2005, p. 33). Um dado interessante é que apesar da
Gazprom fazer previsões positivas quanto ao aumento de sua produção
247
, o
governo russo trabalha com a hipótese de que em 2010 a Gazprom não consiga
manter a porcentagem que ocupa no total da produção de gás natural russo, uma
vez que a tendência percebida pelo Kremlin é que as empresas independentes e
petrolíferas atinjam a parcela de 17% do gás natural produzido na Rússia
248
.
245
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/articles/article23898.shtml.
246
A península de Yamal pertence ao distrito autônomo de Yamal-Nenets, localizado a noroeste da Sibéria.
247
A empresa prevê que produzirá entre 550-560 bmc³ em 2010, entre 580-590 bmc³ em 2020 e 610-630 bmc³
em 2030. Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/articles/article20151.shtml.
248
Esta é a previsão do Sumário da Estratégia Energética para a Rússia após 2020.
199
No concernente ao petróleo, os meros da Rússia não são tão expressivos
quanto os do gás natural, mas ainda assim impressionam. Segundo diferentes
estimativas, a Rússia detém entre 6,2% e 13% das reservas comprovadas de
petróleo do mundo. Além disso, é a maior exportadora do produto, posição que
divide com a Arábia Saudita (GUSEINOV, DENIDOV e GONCHARENKO, 2007, p.
09). Após a queda da segunda metade dos anos 1980 e a estagnação dos anos
1990, no século XXI a produção petroleira na Rússia cresceu substancialmente.
Entre janeiro e outubro de 2007, foram produzidos em média 9,86 milhões de barris
de petróleo por dia, o que representa um aumento de 50% em relação a 1997,
quando a produção era de 6 milhões de barris ao dia
249
.
No mercado interno de petróleo, o Kremlin não detém uma empresa do porte
da Gazprom, que praticamente exerce o monopólio do setor de s natural do país.
Todavia, após o desmantelamento da Yukos, a empresa estatal Rosneft, que ficou
com os campos e reservas da ex-produtora de Mikhail Khodorkovski, se tornou a
maior produtora de petróleo do país
250
. O crescimento da Rosneft gerou o aumento
da participação do Estado russo na produção de petróleo, que passou de 13% em
2004 para 34% no ano seguinte
251
. A segunda empresa em importância no setor
petroleiro é a independente Lukoil, a qual possui 1,3% das reservas globais de
petróleo
252
.
Além destas, apenas outras duas empresas merecem destaque entre as
petroleiras russas. A primeira é a Sibneft, empresa cuja participação majoritária
(72,663%) foi adquirida pela Gazprom em 28 de setembro de 2005
253
. Ressalte-se
que a compra de uma indústria petroleira pela estatal do gás russa pode ser vista
como um passo no sentido de concretizar o plano de Putin de criar mega-
corporações do ramo de energia que pudessem competir com as multinacionais
energéticas do ocidente. Antes de comprar a maioria das ações da Sibneft, a
Gazprom havia tentado uma fusão com a também estatal Rosneft, que, na época,
ainda não detinha as reservas que eram da Yukos. A junção das empresas o deu
certo em virtude das complexidades financeiras da transação e da resistência dos
249
Fonte: Ria Novosti. Endereço eletrônico: http://en.rian.ru/business/20071217/92281512.html. Último acesso
em 17/12/2007.
250
Em 2007, a Rosneft produziu 100 milhões de toneladas de petróleo, o que representou um acréscimo de 25%
em relação a 2006. Fonte: Ria Novosti.
251
Russian Analitical Digest nº 01, p. 08.
252
Fonte: Ria Novosti. Endereço eletrônico: http://en.rian.ru/business/20071212/92143312.html. Último acesso
em 12/12/2007.
253
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/news/2005/10/18177.shtml.
200
gerentes e colaboradores da Rosneft dentro do governo, os quais desejavam a
independência da empresa e a manutenção do foco somente no petróleo (STERN,
2005, p. 219)
254
. A outra empresa a ser citada é a TNK-BP, que vem a ser uma
união entre a empresa russa TNP e a multinacional britânica British Petroleum. A
manutenção desta companhia no cenário petroleiro russo é uma experiência
interessante, tendo em vista a aversão do Kremlin quanto à intromissão de
investidores estrangeiros com posição de comando em empresas energéticas
russas.
Como se vê, no campo do petróleo também uma condensação de poder
em torno de poucas empresas, mesmo que menor do que a vislumbrada na indústria
do gás. É importante notar que as companhias que operam no ramo petroleiro
conhecem os seus limites de atuação, ou seja, jogam de acordo com as regras do
Kremlin. A posição do governo russa ainda é fortalecida pelo fato de que a estatal
Transneft detém o monopólio da distribuição de petróleo via oleodutos.
Diante de tais dados, não se pode negar que a estratégia traçada por Putin
de transformar o Estado na fonte primordial de poder sobre o setor energético da
economia russa foi bem sucedida, sendo ela boa ou não a longo prazo. Enquanto a
Gazprom é a maior produtora de gás natural do mundo, a Rosneft já é a mais
importante produtora de petróleo do país. Cabe agora verificar o impacto do setor
energético na economia russa e se as tendências apontadas por Putin em seu
trabalho acadêmico estavam corretas.
Um bom indicativo do grau de relevância dos recursos energéticos na
economia russa é a pauta de exportações do país. No ano de 2000, combustíveis e
produtos derivados de recursos energéticos representaram 53,8% das exportações
russas, rendendo ao país 103,1 bilhões de dólares. Em 2006, os mesmos produtos
representaram 65,8% do total das exportações russas, o que correspondeu a 301,5
bilhões de dólares. Cruzando os dados referentes à participação dos recursos
energéticos nas exportações
255
com a evolução do PIB russo
256
no período é
possível chegar a duas conclusões. A primeira é que, inegavelmente, a estratégia de
254
Mais um movimento da Gazprom em direção a se tornar uma corporação com atuação em todos os ramos
energéticos foi a joint venture que firmou com a Siberian Coal Energy Company (SUEK), empresa que é
detentora da sétima maior reserva de carvão do mundo e que fornece mais da metade do suprimento de carvão
utilizado no mercado russo. A fusão das duas companhias deu o controle da joint venture, com 50% + 1 das
ações da SUEK (CROTTY, 2007, p. 15).
255
Ver anexo, tabela 2.
256
Ver anexo, tabela 1.
201
Putin de conceder destaque inaudito aos recursos energéticos está em curso, pois
desde 2000 se observa que tanto a parcela proporcional quanto o valor nominal dos
recursos energéticos russos nas exportações russas têm aumentado ano após ano.
A segunda é a essencialidade da comercialização de energia com o exterior na
recuperação econômica da Rússia, pois dada a sua participação no total das
exportações, resta cristalino que o crescimento constante do PIB russo está
conectado com a venda de recursos energéticos no mercado internacional
257
.
O plano doméstico igualmente contribui para que o peso do setor energético
seja considerável na economia russa, uma vez que, ao contrário da maioria dos
Estados produtores e exportadores de energia, a Rússia possui um vasto mercado
interno, composto por um considerável parque industrial e por uma população que
depende dos recursos energéticos nacionais para sobreviver aos seus gélidos
invernos. Todavia, atualmente este mercado não é explorado em sua plenitude, por
razões históricas, sociais e políticas. O fato gera distorções econômicas ao setor
energético russo, as quais estão sendo lentamente enfrentadas pelo Kremlin.
Ao presente trabalho, é bastante útil que uma maior atenção seja dispensada
às diferenças entre os compradores dos recursos energéticos russos e os efeitos
delas decorrentes para as políticas desenvolvidas por Moscou nos planos interno e
externo. Isto porque tal aprofundamento ajuda na visualização das questões
geopolíticas e econômicas relacionadas aos recursos energéticos russos que
envolvem Ucrânia e Belarus. Sinale-se que em função dos fins almejados, a
indústria de gás natural receberá um destaque um pouco maior. Isso se explica
devido a algumas características do mercado de gás natural, tais como o seu amplo
uso na indústria e nos lares russos, o fato de que o pro do produto é acertado em
negociações diretas entre comprador e vendedor e o seu sistema de distribuição,
que continua muito dependente de gasodutos. Ainda no que toca diretamente à
Ucrânia e Belarus, as disputas que os dois países tiveram com a ssia por causa
da comercialização de energia giraram em torno do gás natural, e não do petróleo.
Os compradores do gás natural russo podem ser divididos primeiramente
entre consumidores domésticos e estrangeiros. Uma segunda divisão importante há
257
A alta dos pros do petróleo é um fator importante para a correlação entre o PIB e a comercialização de
energia russa. Segundo o Ministro das Finanças da Rússia, Alexei Kudrin, o aumento do valor do barril de
petróleo verificado entre o ano 2000 (por volta de U$ 20,00), e o começo de 2008 (superior a U$ 100,00)
significou aos cofres russos um rendimento extra de U$ 475 bilhões, o qual permitiu que as reservas
internacionais russas atingissem a marca de U$ 500 bilhões. Fonte:
http://en.rian.ru/russia/20080401/102669349.html. Acesso em: 01/04/2008.
202
de ser feita entre os últimos, colocando de um lado os países da CEI e de outro os
Estados membros da União Européia. Comecemos pela primeira repartição
efetuada.
Como dito alhures, parte não-negligenciável do gás natural vendido em solo
russo é endereçada aos consumidores residentes na própria Rússia. Nos tempos do
planejamento centralizado do comunismo soviético, a população e as empresas
russas recebiam energia virtualmente gratuita, tendo em vista os objetivos políticos e
estratégicos do Kremlin. Com o final da União Soviética, durante a conturbada e, sob
o aspecto econômico, caótica cada de 1990, o governo russo simplesmente não
podia aumentar o preço da energia fornecida aos consumidores privados porque isto
significaria a paralisação da indústria e a morte de milhões de russos. Assim, os
preços continuaram fortemente subsidiados. Desde a subida de Putin ao poder,
houve uma crescente escalada dos preços da energia consumida no país, mas
ainda hoje eles se encontram em patamares muito abaixo dos valores do mercado
mundial
258
. Atualmente, este fato causa graves distorções na economia russa, pois o
seu setor mais rentável é obrigado a ceder a maior parte de sua produção para o
mercado interno, a valores subsidiados, quando no exterior a demanda por gás
natural é crescente e os preços desses produtos sobem exponencialmente. A
própria Gazprom admite que a prática dos atuais valores no mercado doméstico
afeta a indústria do gás, pois os gastos com produção, transporte e custos de venda
do gás natural não são cobertos
259
.
Analisando o mercado do gás natural russo, Jonathan Stern fez interessante
levantamento que explicita a situação. No ano de 2002, o volume de gás natural
vendido no mercado russo foi de 298 bmc³, o que rendeu à Rússia 142,8 bilhões de
rublos. No mesmo ano foram exportados para a União Européia 128,6 bcm³ de gás
natural, sendo recebidos pelo governo russo 335,1 bilhões de rublos. Em 2003, a
situação se repetiu. Foram vendidos 308,2 bcm³ aos consumidores domésticos, o
que rendeu aos cofres russos 186,7 bilhões de rublos. As exportações à União
Européia foram de 144,7 bmc³, e o rendimento por elas foi de 422,4 bilhões de
258
O gás natural na Rússia é cobrado de acordo com um zoneamento estabelecido pelo governo. Uma das
medidas adotadas para aumentar os valores do produto no país foi substituir, em 2005, as então sete zonas de
preços existentes por onze zonas. A partir de então, os preços do gás no mercado doméstico subiram, em média,
3% em 2005, 11,9% em 2006 e 15% em 2007, segundo informa a Gazprom. Fonte:
http://www.gazprom.com/eng/articles/article20159.shtml.
259
Fonte: http://www.gazprom.com/eng/articles/article20159.shtml.
203
rublos (STERN, 200, p. 128)
260
. Os meros revelam com muita clareza a distorção
mercadológica e as perdas que os preços subsidiados causam à economia russa.
Mesmo vendendo à União Européia menos da metade do s natural que
comercializa no seu mercado interno, as exportações ao bloco regional renderam
mais do que o dobro do auferido com as vendas locais.
Com o intuito de diminuir os prejuízos sofridos, a Gazprom anunciou em
novembro de 2006 a decisão de continuar o aumento paulatino dos preços de gás
natural no mercado doméstico até que, em 2011, o valor pago pelas indústrias
russas seja equivalente aos valores de mercado, permanecendo subsídios apenas
aos consumidores residenciais e do varejo e órgãos públicos. A decisão foi
endossada pelo Kremlin (STERN, 2007)
261
. Caso isto venha finalmente a ocorrer,
será uma grande transformação no mercado russo. A indústria nacional será
obrigada a suportar o impacto da subida de preços, o que diminuiseus lucros e
aumentará ainda mais a preponderância do setor energético na economia. Contudo,
no presente momento, o fornecimento de gás natural para os consumidores
domésticos continua sendo uma fonte de perda econômica para o governo russo,
em comparação com o que poderia ganhar caso exportasse a parcela do produto
que vende localmente.
Entre os destinos estrangeiros dos produtos energéticos russos, a União
Européia aparece como a grande compradora. Uma vez que a estrutura de
exportação de energia da Rússia construída na época soviética está voltada para a
Europa, tal fato não causa espécie. Em comparação com os países da CEI e da
Europa Central (que não integram o bloco regional), os Estados da União Européia
ganham destaque por serem mercados mais desenvolvidos e porque pagam preços
de mercado, ao contrário do que ocorre com alguns dos países do Complexo
Regional de Segurança do espaço pós-soviético, que ainda recebem petróleo e gás
natural a preços subsidiados
262
. Esta é a grande diferença que justifica a separação
260
No ano de 2005, as vendas para o mercado doméstico foram de 307 bmc³. Fonte:
http://www.gazprom.com/eng/articles/article20159.shtml. No mesmo ano, as exportações para a Europa
atingiram 156,1 bmc³. Fonte: http://www.gazprom.com/eng/articles/article20160.shtml.
261
Na sua última coletiva anual para a imprensa como presidente russo, ocorrida em fevereiro de 2008, Vladimir
Putin disse que o governo decidiu que o consumidor interno pagará pela energia os preços de mercado, o que
seria atingido paulatinamente. O presidente russo, contudo, lembrou que mesmo assim os pros internos serão
menores do que os cobrados dos consumidores externos, pois neles não estão incluídos impostos e taxas de
exportação, os custos de distribuição, entre outros (PUTIN, 2008).
262
Ucrânia e Belarus constituem dois exemplos de Estados que ainda pagam valores muito abaixo do mercado
pelo gás natural que recebem da Rússia, ou por intermédio desta.
204
dos compradores estrangeiros da energia russa entre países da CEI e membros da
União Européia.
A mesma comparação que se fez entre a venda doméstica de gás natural e a
comercialização com a União Européia pode ser realizada colocando lado a lado o
bloco regional e a maioria das ex-repúblicas socialistas sovticas. No ano de 2002,
a Rússia recebeu 45 rublos por cada mil metros cúbicos de gás natural fornecidos
aos países da CEI, enquanto que as exportações para a União Européia renderam
112 rublos por mil metros bicos. Em 2003, a diferença aumentou, pois a Rússia
recebeu 41 rublos por cada mil metros cúbicos do produto vendido aos Estados da
CEI e 126 rublos a cada mil metros cúbicos de gás natural vendidos aos países do
bloco regional (STERN, 2005, p. 128).
Assim como ocorre com os preços do gás natural vendido no mercado
doméstico, o governo russo pretende cortar os subsídios existentes no fornecimento
de energia para todos os membros da CEI. As disputas com Ucrânia e Belarus, que
serão objeto de apreciação no decorrer do capítulo, o exemplos de tentativas
russas de cobrar dos países vizinhos preços de mercado pelo gás natural que
fornece. Todavia, o processo de aumento dos valores cobrados pela energia ainda
não foi totalmente implementado, o que mantém a exportação do produto para a
União Européia com o título de destino de exportações mais lucrativo para as
companhias russas do ramo energético.
Cumpre ressaltar que os países asiáticos, sobretudo Japão e China, estão
nos planos russos de expansão de sua pauta de exportações de energia, o que
significaria ao Kremlin não somente uma soma considerável de dividendos, mas
também a diversificação de seus consumidores. Diversificação esta que fortaleceria
a posição russa perante a União Européia nas negociações mantidas entre ambas
quanto ao fornecimento e transporte de energia. Entretanto, os projetos voltados
para o aumento da comercialização de recursos energéticos para o leste dependem
de pesados investimentos e de tempo para que seja construída a infra-estrutura de
transporte necessária.
Portanto, hodiernamente Moscou precisa vender gás natural, assim como
petróleo, ao mercado europeu. Caso isto não ocorra, haverá sensível diminuição do
crescimento econômico russo, o que acarretaa perda de poder político no sistema
mundial e o conseqüente abalo do projeto da Rússia de ser considerada e
respeitada como uma grande potência moderna.
205
Esta dependência nem sempre é lembrada quando são analisadas as suas
relações com a União Européia. Muitas vezes o assunto é abordado a partir de um
ângulo no qual é destacada a necessidade que vários países do bloco regional têm
de importar energia russa para manter suas economias em funcionamento. Fala-se,
então, de uma interdependência assimétrica entre Uno Européia e Rússia que
pende para a última
263
. Não resta dúvida de que a importação de energia hoje é
fonte de preocupações econômicas e geopolíticas para a União Européia, tendo em
vista que as reservas do continente estão se esgotando ao mesmo tempo em que a
disputa na arena internacional por energia se acirra. A Comissão das Comunidades
Européias admitiu esta fragilidade européia quando redigiu o Green Paper. Neste
documento são feitas algumas previsões alarmantes quanto ao futuro da Europa no
tocante aos recursos energéticos. No ano de 2006, as importações abasteciam 50%
do total da energia consumida pela União Européia. Em vinte ou trinta anos, esta
porcentagem deve ser acrescida para impressionantes 70%. No concernente ao gás
natural, seguindo a tendência mundial de aumento de consumo de energia, a
importação européia do produto crescerá 80% nos próximos vinte e cinco anos. O
quadro se torna ainda mais sombrio porque o preço a ser pago pelo produto se
mais caro, por causa do crescimento da demanda. O Green Paper aponta como
parte da solução do dilema europeu manter diálogo estrito com os maiores
fornecedores de energia, grupo no qual a Rússia se sobressai. Impende frisar que o
diálogo proposto não envolve assimetria alguma, os dois pólos o considerados
como iguais. O motivo disto é o reconhecimento de que a União Europa é o segundo
maior mercado mundial de energia, com quatrocentos e cinqüenta milhões de
consumidores
264
. Assim, por mais debilitada que seja a posição da União Européia
no concernente à produção de energia, a demanda e o poder aquisitivo de seus
membros mais proeminentes, como Alemanha, França e Itália, lhe conferem
atributos de peso nas negociações empreendidas com os países fornecedores de
energia.
A leitura feita pela Comissão das Comunidades Européia é pertinente. A
correlação entre a pujança do mercado consumidor europeu e a necessidade russa
263
James Hugues é um dos autores que conclui que a União Européia se relaciona com a Rússia em bases
desiguais, pois depende desta como fornecedora de energia (HUGUES, 2006). Segundo Jonathan Stern, boa
parte da mídia e dos líderes europeus pensam da mesma forma que Hugues, e por isto consideram a depenncia
dos recursos energéticos russos uma ameaça (STERN, 2005, p. 144).
264
Green Paper, p. 04.
206
de divisas estrangeiras que fomentem seu crescimento econômico, e, em última
instância, possam ser aplicadas na própria indústria energética, gera uma balança
cujos pratos estão mais ou menos equilibrados. E é justamente esta paridade que
proporciona a cada um dos lados adotar políticas que visem à obtenção de
vantagens no relacionamento entre ambos
265
. A estratégia comum é a busca de
diversificação; de fornecedores, por parte da União Européia, e de consumidores por
parte da Rússia. Porém, existem as táticas próprias
266
.
Pelo lado europeu, há a tentativa de introduzir leis de mercado no setor
energético russo, o que diminuiria a ingerência atual do Kremlin em tal segmento. O
Energy Charter Treaty (e o seu Protocolo de Trânsito) constitui um exemplo disto.
Assinado em 1994, ele entrou em operação em 1998. A Rússia assinou o
documento, mas nunca o ratificou. Após quase uma cada esquecido, o Energy
Charter Treaty voltou à pauta européia em função da crise russo-ucraniana por
causa do preço do gás natural em janeiro de 2006 (ROMANOVA, 2007, p. 37). A
intenção européia é internacionalizar o setor energético russo e quebrar o monopólio
da Gazprom na distribuição do gás natural extraído pela Rússia e do proveniente da
Ásia Central. Bruxelas acredita que poderá alcançar a segurança energética que
almeja caso consiga diminuir o poder do Kremlin sobre o complexo industrial de
energia da economia russa, pois assim não ficaria tão sujeita aos interesses
nacionais russos. Os anseios europeus até o presente momento não se tornaram
realidade, posto que em repetidas ocasiões Moscou se recusou a permitir que
empresas estrangeiras obtivessem acesso às rotas russas de distribuição e
exportação de energia para a Europa. Desta forma, o governo russo continua a
desempenhar papel monopólico no setor.
Por seu turno, um das táticas russas que merece menção é a de incentivar
suas companhias estatais a realizar joint ventures com empresas energéticas
265
Viacheslav Morozov argumenta que o relacionamento entre Rússia e União Européia, no que toca à questão
energética, dá a impressão de ser considerado pelas partes como um jogo de soma zero, onde o ganho de um lado
necessariamente representa a perda do outro (MOROZOV, 2005, p. 08).
266
Jonathan Stern ponderou que a principal preocupação européia quanto a sua segurança energética no
pertinente à Rússia não deve ser a eventual formação de um cartel do gás aos moldes da OPEP. O crescimento da
demanda interna russa, aliada a eventual cobrança de preços de mercado para o seu suprimento, é uma ameaça
muito mais palpável, pois isto pode acarretar a inversão da relação custo-benefício que hoje leva a Rússia a
priorizar a venda de energia à Europa. A justificativa para tanto é que a venda do mercado doméstico se
finalmente lucrativa, o somente pelos pros em si, mas também em função da eliminação das taxas de
transporte pagas aos países-corredor (STERN, 2007, p. 03).
207
européias ou mesmo adquirir participação societária destas
267
. Com isto, além de se
imiscuir no mercado europeu e abocanhar a lucrativa parte da distribuição da
energia aos consumidores finais, as empresas russas, Gazprom notadamente,
caminham no sentido de se tornarem corporações mundiais do ramo energético,
como imaginado por Putin
268
.
Em que pesem as tentativas de alterar a correlação de forças existente,
atitude que é esperada nos relacionamentos entre duas grandes potências do
sistema internacional, atualmente não preponderância nem da Rússia, nem da
União Européia quando o assunto em pauta é a questão energética. Os projetos de
diversificação de parceiros intentados por russos e europeus não devem render
frutos rapidamente. No tocante à União Européia, mesmo se bem sucedida a
celebração de contratos com Estados produtores de energia localizados no Oriente
Médio e na rego do Mar Cáspio, deve demorar pelo menos trinta anos para que
resultados concretos sejam atingidos. Isto descontando possíveis instabilidades
políticas de tais fornecedores e dos eventuais países-corredor (STERN, 2007, p. 04).
No concernente à Rússia, o aumento dos lucros no mercado doméstico e a venda de
energia aos países do leste tamm são perspectivas de médio e longo prazo, o que
resulta na manutenção de sua dependência do mercado europeu como fonte de
recursos indispensáveis às suas ambições de poder mundial. Destarte, a tendência
é que a equanimidade nas relações russo-européias atinentes à energia continue a
vigorar por um tempo bem razoável.
A necessidade de Moscou de vender energia à Uno Européia
obrigatoriamente envolve Ucrânia e Belarus, pois, como já referido anteriormente,
estes são os dois principais países que os recursos energéticos russos atravessam
para chegarem aos consumidores europeus. Todavia, afora a questão das
exportações russas para a União Européia, os recursos energéticos igualmente
267
As parceiras internacionais da Gazprom, segundo ela mesma divulga, são as seguintes: E.ON, Wintershall
AG, Verbundnetz Gas e Siemens AG (Alemanha); Gaz de France and TotalFinaElf (França); Eni (Itália); Botas
(Turquia); Fortum (Finlândia); Gasunie (Holanda); Hydro and Statoil (Noruega); CNPC and PetroChina (China);
PGNiG (Polônia); ExxonMobil, ChevronTexaco and ConocoPhillips (EUA); e a Royal Dutch Shell. Fonte:
http://www.gazprom.com/eng/articles/article20160.shtml. Um exemplo que pode ser citado de parcerias da
Gazprom é o projeto de construção do gasoduto Nord Stream Gas Pipeline. O projeto é levado adiante por uma
joint venture entre a Gazprom (com 50% das ações), as alemãs BASF (20,5%) e E.ON (20,5%) e a holandesa
Gasunie, que adquiriu 9% de participação em novembro de 2007.
268
Na lista das maiores empresas do mundo da conceituada revista Forbes, a Gazprom aparece no décimo nono
lugar em 2008. No ano anterior, a empresa estava na quadragésima quarta posição. Fonte:
http://www.kommersant.com/page.asp?id=-12294. Último acesso em 05/04/2008.
208
realçam fatores geopolíticos, econômicos e a mesmo culturais latentes na
dinâmica tripartite estudada. Cumpre verificar porque e de que forma isto ocorre.
5.2. A DIMENSÃO GEOPOLÍTICA
Como referido, os recursos energéticos podem ser estudados a partir de
uma perspectiva geopolítica, posto que suas características intrínsecas encerram
relações entre poder e geografia. As reservas de gás natural e petróleo, para
ficarmos apenas nos recursos abordados no presente trabalho, estão localizadas em
determinados países do mundo. Não há forma de transportar as reservas inteiras de
um Estado a outro, muito menos de produzir industrialmente gás natural e petróleo
cru sem a matéria prima básica. Logo, é correto afirmar que os recursos citados
estão geograficamente distribuídos, e que esta realidade o pode ser alterada.
Contudo, eles podem ser extraídos das reservas e dos campos onde se encontram
para serem transportados e comercializados. Aqui entram no lculo a política e o
capital.
A energia é um bem indispensável para todo e qualquer Estado do sistema
internacional, pois sem ela as economias nacionais não funcionam e, dependendo
do clima local, muitas pessoas podem vir a falecer. Portanto, obter acesso ao s
natural e ao petróleo por parte dos países que não foram agraciados com sua posse
originária, ou cujas reservas não cobrem integralmente suas necessidades, é um
interesse nacional perene. Ocorre que são poucos os Estados dotados de recursos
energéticos que superam a demanda doméstica e, assim, podem ser exportados. O
sistema internacional é baseado na lei de mercado, ou seja, quando um produto é
escasso e a procura por ele é alta, um aumento de sua importância, que
geralmente vem acompanhada da elevação de seu preço
269
. Em um ambiente por
natureza competitivo, o acesso a bens com tais características gera disputas
políticas entre os Estados. Disputas que podem se dar entre Estados fornecedores e
Estados consumidores ou entre Estados consumidores pelos bens de um terceiro
fornecedor. Em cada caso haverá uma balança de poder própria, que poderá pender
269
No caso do petróleo, a fixação do valor do produto obedece a uma lógica bem mais complexa, o que não
invalida o fato de ser um recurso desejado pelos motivos expostos.
209
para um ou outro contendor. E geralmente ela revelaa vitória do Estado (ou da
aliança entre Estados) mais forte globalmente, ou, em algumas situações, daquele
mais poderoso em determinada região
270
.
Outro fator que necessariamente de ser lembrado é o transporte de tais
bens. Oleodutos e gasodutos ainda são meios de distribuição de energia largamente
utilizados no mercado mundial. Muitas destas estruturas ultrapassam as fronteiras
do país-produtor e continuam o seu caminho atravessando um, dois, ou mais
Estados, até chegar ao mercado consumidor final. Mais uma vez a dimensão
espacial ganha realce, posto que as rotas de comercialização via gasodutos e
oleodutos levam em consideração a distância entre produtor e consumidor, os
territórios de Estados que existem entre um e outro, am dos acidentes geográficos,
como montanhas, lagos, rios, etc. A política tamm se insere no transporte de
energia, pois entre o país-produtor e o país-corredor surge uma nova relação de
poder, já que ambos precisam negociar para que ocorra a distribuição do produto ao
país consumidor.
Pelo exposto, pode-se concluir que o tema da energia encerra relações entre
poder e espaço, entre política e geografia. Destarte, a geopolítica é uma ferramenta
útil para entender as conexões surgidas em torno dos recursos energéticos.
Ademais, não será exagero dizer que, devido à importância delegada à energia nas
relações internacionais contemporâneas, é possível vislumbrar uma geopolítica
própria dos recursos energéticos, a qual detém alianças, conflitos, protagonistas e
potências próprias.
As relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus retratam duas das configurações
de balança de poder acima citadas. A Rússia é fornecedora de energia para os seus
parceiros, ao passo que estes são países-corredor dos recursos energéticos russos
até o mercado europeu. As duas configurações se interconectam, assim como se
misturam as considerações geopolíticas tradicionais do espaço pós-soviético com o
aspecto específico da geopolítica dos recursos energéticos referida.
Como visto no capítulo terceiro, os três países m objetivos geopolíticos
distintos. Enquanto para a Rússia manter o Complexo Regional de Segurança que
domina como uma zona de influência majoritariamente sua (sem grande intromissão
270
Esta observação tem em foco justamente o caso da Rússia, que mesmo o sendo uma superpotência como os
Estados Unidos, é a grande potência do complexo regional de segurança que comanda. Por tal razão, consegue
levar vantagens políticas e econômicas com os países da região, sobrepujando alguns interesses norte-
americanos.
210
das grandes potências ocidentais) é um pré-requisito ao poder global que sonha, o
interesse ucraniano é inverso, pois almeja sair da órbita russa e usufruir sua
independência de modo pleno. Belarus prefere seguir o caminho de fidelidade a
Moscou, até porque não lhe parece visível nenhuma outra opção no futuro imediato.
Os recursos energéticos servem de instrumento na busca dos anseios geopolíticos
dos Estados em voga.
5.2.1. A Rússia Produtora versus Ucrânia e Belarus Consumidores
Ucrânia e Belarus são países importadores de energia. No ano de 2005,
quase metade da energia consumida na Ucrânia foi composta de gás natural (49%).
O carvão ocupou a segunda posição (24%), a energia nuclear a terceira (14%) e o
petróleo a quarta (12%). Somados, gás natural e petróleo representaram 61% do
consumo total de energia no país
271
. O consumo total de gás natural em 2006 foi de
65,9 bmc³, sendo que a produção nacional no período foi de 20,7 bm(31,41% do
total)
272
, ou seja, hoje a Ucrânia importa mais de dois terços do gás natural que
consome
273
. Além do fornecimento do recurso russo, uma parte do gás consumido
pelos ucranianos vem de países da Ásia Central (Casaquistão, Uzbesquistão e
principalmente Turcomenistão), porém os gasodutos que entregam o produto estão
localizados em solo russo. Desta forma, a Rússia está envolvida na compra
ucraniana de gás, mesmo quando não é ela a produtora do bem. No tocante ao
petróleo, a imagem não é muito diversa, pois apesar de ter diminuído drasticamente
o consumo do produto durante os anos 1990 e 2000, a Ucrânia importou, em 2006,
267.000 barris de petróleo por dia (bbl/d) de um total de 343.000 bbl/d
consumidos
274
.
271
EIA Country Analysis Brief: Ukraine.
272
A produção própria ucraniana de gás natural é remanescente dos tempos soviéticos. Nos anos 1960, antes do
descobrimento das reservas da Sibéria Ocidental, a República Soviética da Ucrânia supria um terço do gás
natural consumido pela União Soviética. Devido à exploração ostensiva e irresponsável praticada pelo regime
comunista, nas décadas seguintes a participação do gás natural proveniente da Ucrânia caiu drasticamente, não
ultrapassando 12,4% em 1980 (PIRANI. 2007, p. 17).
273
Segundo dados levantados por Simon Pirani na revista Energobiznes, que utilizou fontes do Ministério da
Energia ucraniano (PIRANI, 2007, p. 28).
274
EIA Country Analysis Brief: Ukraine.
211
A situação de Belarus é pior. O país importa por volta de 98,70% do gás
natural que consome (YAFIMAVA e STERN, 2007). Até 2004, o fornecimento era
realizado pela Gazprom e pela companhia russa independente Itera, todavia, a partir
de 2005, o governo russo adotou medidas que afastaram a Itera das exportações a
Belarus
275
. Assim, naquele ano, os 19,8 bmc³ importados por Belarus foram
entregues pela estatal russa. O consumo de petróleo segue semelhante linha, pois
Minsk importa mais de 90% do total do produto consumido no país (ABDELAL, 2004,
p. 101).
A alta dependência que Ucrânia e Belarus possuem da energia russa
desequilibram a balança em favor da fornecedora Rússia, uma vez que a
paralisação do fornecimento de gás natural aos dois países lhes é extremamente
prejudicial. Assim sendo, em teoria, a Rússia tem no gás natural, e, em menor
extensão, no petróleo, uma ferramenta valiosa para conservar Minsk e Kiev em sua
esfera de influência.
5.2.2. Rússia - País-produtor versus Ucrânia e Belarus - Países-corredor
Apesar de o Kremlin possuir o poder de utilizar eventuais cortes de
fornecimento de energia para Belarus e Ucrânia como instrumento de pressão, com
o intuito de auferir vantagens políticas e econômicas, ele não pode utilizá-lo ao seu
bel-prazer, pois o risco concreto de que os consumidores do mercado europeu
acabem por sentir os efeitos da medida. Houve exemplos que geram precaução a
Moscou.
Quando a Gazprom cortou o fornecimento de gás para Belarus em janeiro de
2004, por causa de desentendimento russo-bielo-russo acerca do preço a ser pago
pelo bem, sendo seguida nos meses seguintes pelas companhias independentes, o
fornecimento do produto para a Alemanha, países bálticos, Polônia e Kaliningrado
foi interrompido. Esta foi a primeira vez que a Gazprom tomou uma medida tão
extrema. Os alemães não sentiram tanto o choque devido aos estoques de gás
natural que mantém, atitude semelhante à vivenciada pelos países bálticos. Os
275
No ano de 2006 foi aprovada lei na qual foi garantida à Gazprom a posição de única exportadora do gás
natural russo.
212
poloneses sofreram mais, pois 70% do gás que recebem chega via Belarus. A fim de
debelar eventual corte drástico no fornecimento de gás aos países citados, o
governo russo autorizou o envio do produto por intermédio dos gasodutos
ucranianos. Sem dúvida, foram os bielo-russos os maiores prejudicados, pois a
situação do país se tornou crítica, todavia, o pequeno abalo dos países da Europa
central e ocidental bastou para que a condição russa de fornecedora sofresse
arranhões.
Nos últimos dias de 2005, Rússia e Ucrânia iniciaram as negociações acerca
dos novos preços do gás natural a ser pago pela última e das taxas de transporte do
produto até a Europa a serem suportadas por parte da primeira. A Gazprom
desejava cobrar entre U$ 160,00 e U$ 230,00 por mil metros cúbicos de gás natural,
preço de venda para os países da Europa Central e Ocidental, enquanto a estatal
ucraniana Naftogaz afirmava que não podia pagar mais de U$ 80,00 por mil metros
cúbicos do produto. As partes não chegaram a um acordo, razão pela qual no mês
de janeiro de 2006 o governo russo permitiu que a Gazprom cortasse por quatro dias
o fornecimento de gás ucraniano. A medida do Kremlin foi severamente criticada na
mídia européia. Duas foram as razões: a primeira é que o momento do corte, pouco
tempo após a Revolução Laranja, deu a entender que a Rússia agia com sentimento
de vingança pelas manifestações vindas do governo de Yushchenko e Tymoshenko,
que davam conta de uma aproximação ucraniana com a OTAN e a União Européia.
A segunda está relacionada com o fato de que a maioria do s natural russo
vendido na Europa é exportada via Ucrânia. Quando a Rússia cortou o suprimento
dos ucranianos, estes se apropriaram do gás natural que deveria chegar aos
mercados europeus. Logo, houve interrupção no fornecimento de rios países da
União Européia
276
. Mesmo que a Rússia tenha afirmado na época que a quantidade
destinada aos Estados do bloco regional era religiosamente enviada, o que
evidenciaria o roubo ucraniano, a culpa pelo episódio recaiu sobre Moscou. Não
faltaram políticos e jornais europeus que questionaram a validade russa como
fornecedora confiável de recursos energéticos. As partes chegaram a um acordo em
04 de janeiro de 2006. Os principais pontos do mesmo são os seguintes: a empresa
276
No dia 02 de janeiro de 2006, rios países reclamaram de queda no volume de gás natural russo recebido.
Alguns dos países que anunciaram redução foram a Hungria (perda de 40% do total recebido), França (entre
25% e 30%), Áustria (um terço), Eslováquia (um terço), Romênia (um terço) Polônia (14%). A Alemanha
também reportou queda no fornecimento, mas não foram divulgados maiores detalhes (STERN, 2006, p. 08).
213
RosUkrEnergo
277
seria a responsável pela entrega de gás na Ucrânia, ao preço de
U$ 95,00 por mil metros cúbicos; a RosUkrEnergo e a Naftogaz criariam uma joint
venture para comercializar o gás recebido da Rússia; a exportação do gás entregue
pela Rússia não poderia ser feita pela Naftogaz e a tarifa de trânsito do gás para a
Europa passaria a ser de U$ 1,60 por mil metros cúbicos por cem quilômetros
percorridos (STERN, 2006, p. 09).
Um terceiro exemplo a ser citado são as negociações travadas entre Rússia e
Ucrânia nos primeiros meses de 2008, cujo assunto era o fornecimento e a
distribuição de gás natural. Após alguns dias de conversas, em 12 de fevereiro de
2008, os presidentes Vladimir Putin e Victor Yushchenko chegaram a um acordo
quanto ao preço do gás natural recebido pela Ucrânia (U$ 179,5 por mmc³), o qual é
proveniente da Rússia e dos países da Ásia Central antes mencionados, mas é
entregue somente pela primeira. Na mesma ocasião foi acertado o valor a ser pago
pela Rússia pelo transporte do gás natural até os países europeus (U$ 1,79 por
mm por cem quilômetros percorridos). Outras duas importantes decisões foram
tomadas: a primeira era a substituição das empresas UkGazEnegro e
RosUkrEnergo, que atuavam como intermediárias entre a Gazprom e a Naftogaz,
por outras a serem criadas pelas duas estatais
278
. A segunda era o reconhecimento
por parte de Kiev de uma dívida de U$ 1,5 bilhão, oriunda do não pagamento des
natural.
A primeira parcela do débito deveria ser paga até 14 de março de 2008. A
Primeira-Ministra Tymoshenko não gostou do acordo, principalmente porque
continuaria a haver empresas que intermediariam os negócios entre Gazprom e
Naftogaz. Segundo Tymoshenko, a Naftogaz perdia muito dinheiro ao lidar com a
UkrGazEnergo, pois era capaz e importar e comercializar sozinha o produto em solo
ucraniano. Assim, em sua visita à Rússia nos dias 20 e 21 de fevereiro, decidiu
retomar as conversas com a Gazprom e o governo russo. A indefinição irritou o
Kremlin, que ameaçou cortar parte do suprimento para a Ucrânia no começo de
março, caso uma parcela do débito não fosse paga até 27 de fevereiro. Yushchenko
pressionou Tymoshenko a efetuar o pagamento, mas a Primeira-Ministra se manteve
277
Empresa com sede na Suíça, da qual a Gazprom é a principal acionária.
278
O complicado mercado de gás natural ucraniano funcionava da seguinte forma: a Gazprom carregava o
produto em solo russo aa fronteira com a Ucrânia. A exportação do produto era feita pela RosUkrEnergo,
empresa com sede da Suíça. Do lado ucraniano, a importação do produto era feita pela UkrGazEnergo, que o
repassava para a Naftogaz, que distribuía o s de uso doméstico e separava a parte a ser exportada para a
Europa.
214
impassível, alegando que a devedora não era a Naftogaz, mas sim a intermediária
UkrGazEnergo. No dia 03 de março, a Gazprom cortou 25% do suprimento de gás
natural endereçado à Ucrânia e ameaçou outro corte de igual proporção até as
20h00min do dia seguinte se o houvesse pagamento. O governo ucraniano não
cedeu, e a estatal russa cumpriu a promessa. A redução de mais da metade do gás
natural normalmente enviado à Ucrânia (de 156 milhões de metros cúbicos para 69,3
milhões de metros cúbicos diários
279
) não atingia o fornecimento aos países
europeus. Ainda assim, a Comissão Européia para a Energia solicitou que os dois
países chegassem a um acordo e marcou uma reunião extra para o dia 11 daquele
mês. No dia 05 de março, mesmo sem o pagamento de nenhum valor por parte da
Ucrânia, a Gazprom retomou o fornecimento integral de gás natural para o país
vizinho. Um dia depois a Naftogaz admitiu pagar U$ 1 bilhão a Gazprom.
O acordo final entre as partes foi acertado em 12 de março de 2008. Em
suma, seus termos foram os seguintes: de de abril até o final de 2008, a Ucrânia
recebe49,8 bmde gás natural oriundo da Ásia Central, ao preço de U$ 179,50
por mil metros cúbicos. O produto será entregue no lado russo da fronteira pela
Gazprom, ou por alguma intermediária por esta escolhida, e será importado pela
estatal Naftogaz. A Gazprom possui o direito de fornecer não menos que 7,5 bmc³
de gás natural diretamente aos consumidores industriais ucranianos. Quanto aos
débitos de janeiro e fevereiro, a Naftogaz pagará o preço acima referido pelo gás
natural que recebeu da Ásia Central e acertará contratos de compra pelo gás natural
russo recebido, ao preço de U$ 315,00 por mil metros cúbicos. Um ponto importante
do acordo é a definição de que as negociações de preço do gás natural importado
pela Ucrânia em 2009 deverão levar em consideração os preços praticados pelos
países da Ásia Central
280
. Turcomenistão, Cazaquistão e Uzbequistão declararam
que a partir de 2009 cobrarão o valor de mercado pelo s natural que vendem à
Rússia e à Ucrânia, o que representará um significativo aumento de preço, pois as
estimativas o de que em 2009 o produto será vendido a U$ 400,00 por mil metros
cúbicos aos consumidores europeus. Os analistas ucranianos calculam que a
279
Fonte: Ria Novosti. Endereço eletrônico: http://en.rian.ru/world/20080305/100734837.html. Acesso em: 05
de março de 2008.
280
Fonte: Gazprom: Endero eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/news/2008/03/27422.shtml. Acesso em:
13/03/2008.
215
indústria do país deve se preparar para pagar algo em torno de U$ 320,00 por mil
metros cúbicos de gás natural a partir de 2009 (TOMBERG, 2008)
281
.
Os três episódios trazem à baila a segunda balança de poder típica da
geopolítica dos recursos energéticos, aquela que se estabelece entre um país-
produtor (Rússia) e um ou mais países-corredor (Ucrânia e Belarus). Ressalte-se
que o acréscimo deste enfoque permite ver com maior clareza como os recursos
energéticos podem ser utilizados pelos três como meio de alcançarem seus
objetivos geopolíticos primaciais. A dinâmica fornecedor versus consumidor concede
à Rússia uma posição muito vantajosa em relação a Belarus e Ucrânia, não se
podendo falar sequer em interdependência porque a indústria energética russa não
precisa dos mercados ucraniano e bielo-russo para obter lucro, da forma como
necessita dos consumidores europeus, por exemplo. Contudo, ao se analisar
conjuntamente as relações entre fornecedor e consumidor e aquelas vigentes entre
país-produtor e país-corredor a situação modifica-se, pois em contrapartida à
necessidade ucraniana e bielo-russa da energia russa, há a dependência de Moscou
dos gasodutos e oleodutos situados em território ucraniano e bielo-russo. Surge,
então, uma interdependência, na qual a Rússia necessita que Ucrânia e Belarus
transportem os recursos energéticos para a União Européia, ao mesmo tempo em
que Kiev e Minsk continuam atadas ao fato de que sem a energia russa suas
economias simplesmente não sobrevivem.
A Rússia sabe que a interdependência faz com que perca seu poder de
pressão sobre os países vizinhos, pois cancelar a entrega de energia por falta de
pagamento aos mesmos quase que certamente acarretará corte de fornecimento
aos consumidores do bloco regional europeu, os quais, ao fim e ao cabo, hoje são a
fonte de lucro do setor energético russo. Além disto, há o problema sério de mácula
da imagem russa como parceiro comercial leal e confiável. Mesmo que isto não
coloque Ucrânia e Belarus em de igualdade com a Rússia, eis que a
interdependência não é por natureza completamente simétrica, pois, em última
281
uma diferença entre o preço a ser pago pelos Estados da Europa Central e Ocidental e a pela Ucrânia
devido à localização geográfica de ambos. Quanto menor a distância percorrida pelo produto, menor é
quantidade de taxas e impostos cobrados por países-corredor.
216
instância, os países-produtores são os proprietários dos recursos energéticos, é
inegável que Minsk e Kiev adquirem certo poder de barganha perante Moscou
282
.
A Ucrânia é a rota de exportação de 80% do gás natural vendido pela Rússia
ao mercado europeu
283
. Kiev efetivamente procura utilizar sua condição de principal
exportadora do gás natural russo para a Europa para aliviar a pressão política
exercida pelo Kremlin. O último dos exemplos citados é um exemplo claro disso. O
corte de mais da metade do gás fornecido à Ucrânia por dois dias não foi suficiente
para dobrar o governo ucraniano. A Gazprom foi obrigada a retomar o suprimento
integral do produto mesmo sem ter recebido o pagamento que exigia, pois a União
Européia demonstrava preocupão quanto ao recebimento de gás natural russo.
Esta foi uma vitória inegável do país-corredor diante do país fornecedor, a qual
surtirá efeitos nas futuras negociações russo-ucranianas relacionadas com a compra
e distribuição de recursos energéticos.
O tabelamento dos preços do s natural importado pela Ucrânia é outra
demonstração de sucesso obtido por Kiev, uma vez que, nas negociações bilaterais
empreendidas, a ssia consegue avançar apenas muito lentamente no seu projeto
de equiparar os valores pagos pelos países da CEI pela energia recebida aos
patamares de mercado. Entre 1998 e 2005, os ucranianos pagaram apenas U$
50,00 por mil metros bicos de gás. Somente após o fim da crise do gás de janeiro
de 2006 a Ucrânia passou a pagar U$ 95,00 por mil metros cúbicos do produto. No
acordo de 2007, o valor subiu para U$ 130,00 por mil metros cúbicos e em fevereiro
de 2008, o preço a ser cobrado no decorrer do mesmo ano foi estabelecido em U$
179,50 por mil metros cúbicos. A evolução do preço pode ser significativa em si
mesma, mas está abaixo tanto das demandas russas no início de cada uma das
negociações bilaterais ocorridas, quanto dos preços pagos pelos países europeus.
A dependência econômica bielo-russa da economia russa e de políticas do
Kremlin que lhe sejam favoráveis não deixa muitas armas nas mãos do presidente
Lukashenko. Provavelmente a única que possui é a possibilidade de desviar para o
mercado doméstico o gás russo exportado pela Europa, em caso de nova
interrupção do fornecimento. Por tal razão, apesar de sua declarada lealdade às
282
Rawi Abdelal sustenta que a Rússia precisa das lucrativas exportações que atravessam a Ucrânia, logo precisa
das rotas de trânsito ucranianas, mas não precisa tão desesperadamente como a Ucrânia precisa dos recursos
energéticos russos (ABDELAL, 2004, p. 104).
283
A parcela ucraniana na distribuição de gás russo à Europa era de 90% até 2004. Sua diminuição ocorreu com a
entrada em funcionamento do gasoduto Blue Stream, que liga a Rússia à Turquia através do gasoduto de Yamal,
que exporta energia russa via Belarus (YAFIMAVA, 2007, p. 70).
217
posições de Moscou no cenário internacional, o governo de Belarus não se furta de
lutar para manter o preço dos recursos energéticos que recebe bem abaixo dos
valores pagos pelos países da União Européia. As complicadas negociações de
2004 resultaram em um aumento de preço do gás natural entregue aos bielo-russos,
que passaram a pagar U$ 46,68 por mil metros cúbicos de gás natural. No mês de
dezembro de 2006, a Gazprom anunciou que aumentaria o valor do produto para U$
200,00 por mil metros cúbicos. Nas rodadas de negociação seguintes, o preço
baixou para U$ 170,00 mil metros cúbicos, U$ 110,00 mil metros cúbicos, U$ 105,00
mil metros cúbicos, e finalmente foi fechado em U$ 100,00 mil metros cúbicos. Vale
mencionar que foi mediante a ameaça russa de cortar o suprimento em 01 de
janeiro de 2007, respondida com a ameaça bielo-russa de não entregar do gás aos
consumidores europeus, que o acordo foi assinado.
Ou seja, dezesseis anos depois do fim da União Soviética, Ucrânia e Belarus
continuam recebendo subsídios indiretos pelo gás natural que recebem da Rússia. A
situação desagrada ao Kremlin, porque evidente perda de capital, tendo em vista
os valores recebidos com a exportação de energia aos países que pagam o preço
de mercado. Todavia, a Rússia permanece presa ao que Jonathan Stern chamou de
“calcanhar de Aquiles” da Gazprom: a dependência das rotas de transporte de
energia localizadas em solo bielo-russo e ucraniano. A desconfortável realidade em
que a grande potência se vê obrigada a ceder parte de seus interesses a países que
antes dominava imperialmente exige atitudes no sentido de alterar o quadro. E é isto
que a Rússia vem tentando fazer, mediante a adoção de três táticas que se
complementam. Uma é procurar adquirir parcelas das empresas de distribuição de
energia bielo-russas e ucranianas. A segunda é construir gasodutos que evitem os
territórios dos países-corredor. E a terceira é conseguir firmar posição como parceira
dos países da Ásia Central que possuem reservas de gás natural e petróleo.
A tentativa de aquisição da infra-estrutura de transporte de recursos
energéticos localizadas na Ucrânia e Belarus é uma estratégia adotada desde longa
data por Moscou. Kiev se recusa o quanto pode a ceder parcelas das empresas
estatais que controlam o transporte de energia vinda da Rússia e entregue a
terceiros. Minsk conseguiu evitar a compra de parte de sua companhia Beltransgaz
até 2007. Como se observa, os resultados das pressões russas e da resistência
defesas ucraniana e bielo-russa têm sido diferentes.
218
A Ucrânia encara a permanência da Naftogaz, companhia responsável pelo
transporte de gás natural no país, como uma questão de suma importância para os
interesses nacionais. Todas as propostas feitas pela Rússia no sentido de utilizar o
débito ucraniano gerado pelo não pagamento da energia recebida como moeda de
troca por participação na Naftogaz foram recusadas por Kiev. O Parlamento
ucraniano declarou em mais de uma oportunidade que não deve haver empresas
estrangeiras envolvidas na rede nacional de transporte de energia (Stern, 2005, p.
87). Até quando a Ucrânia conseguirá manter esta posição é incerto, pois sua
estrutura de distribuição de energia está desgastada pelo uso.
Minsk sempre se mostrou mais favorável às ambições russas de controlar
parte da empresas bielo-russas encarregadas do transporte de energia pelo país.
Vale frisar que ao final dos anos 1990 Belarus era mais importante para Moscou
como rota de comércio de petróleo do que de gás natural. A entrada em
funcionamento do gasoduto Yamal-Europe, que sai da região homônima na Rússia
passa por Belarus e Polônia e depois chega à Europa Ocidental, modificou a
situação. Mesmo que a comparação com a Ucrânia seja desigual, o volume de 15 a
19 bmtransportados pelo gasoduto em questão não é desprezível (STERN, 2005,
p. 96).
Várias foram as tentativas do Kremlin, por intermédio da Gazprom, de
estabelecer uma joint venture com a companhia transportadora de gás bielo-russa, a
Beltransgaz, ou mesmo comprar parte desta. Negociações que abordaram o assunto
ocorreram em 1993, 1995 e 2002. Nestas oportunidades foram assinados acordos
intergovernamentais que previam a criação de uma joint venture, todavia, o
Parlamento bielo-russo, influenciado por Lukashenko, nunca ratificava os tratados
feitos. Em 2003, Minsk pediu U$ 5 bilhões pela companhia, proposta que foi
recusada pela Gazprom. A imobilidade do governo bielo-russo quanto à venda da
Beltransgaz é um dos motivos por trás da crise de 2004. Aliás, em meio às
negociações daquele ano, Vladimir Putin declarou que: “Há ainda uma oportunidade
de reorganizar a Beltransgaz como uma joint venture russa-bielo-russa. Se as partes
acordarem em levar adiante a joint venture, nós mantermos nossa promessa de
entregar gás a preços domésticos [russos]” (STERN, 2005, p. 101). O
pronunciamento do presidente russo exs de modo cristalino os interesses do
Kremlin. Finalmente, após nova disputa entre os dois países pelo preço de gás a ser
pago pelos bielo-russos, em janeiro de 2007 foi anunciado que a Gazprom
219
compraria 50% das ações da Beltransgaz por U$ 2,5 bilhões, a serem pagos em
dinheiro em quatro prestações, com vencimentos no período de 2007 a 2010
284
.
O contraste entre o sucesso obtido pela Rússia em adquirir parte da rede de
transporte de energia bielo-russa e o fracasso de tentativas semelhantes dirigidas à
Ucrânia explicita os níveis de resistência que Ucrânia e Belarus podem apresentar
diante das pressões e dos interesses russos. Ademais, por intermédio de um fato
relacionado com os recursos energéticos é possível verificar tanto a estratégia russa
de manter sua zona de influência, quanto o desejo ucraniano de sair desta esfera,
bem como a falta de alternativa de Belarus.
Outro meio do qual a Rússia lança mão com o intuito de diminuir sua
dependência das rotas de transporte de energia bielo-russas e ucranianas é a
construção de gasodutos que liguem as regiões produtoras russas aos destinatários
europeus sem passar pelos territórios de ambos os países. Três são os principais
projetos neste sentido: os gasodutos Yamal-Europe, Nord Stream (antes
denominado North European Gas Pipeline e Nord European Pipeline) e Blue Stream.
O gasoduto Yamal-Europe carrega gás russo desde a região de Yamal
passando por Belarus, Polônia a chegar na Alemanha. O objetivo da Rússia com a
construção deste gasoduto era diminuir a dependência da Ucrânia como país-
corredor. As causas alegadas eram a política ucraniana por vezes hostil à Rússia, o
roubo de gás por parte dos ucranianos e os débitos o pagos. Por certo, havia o
motivo geopolítico de poder exercer maior influência sobre a Ucrânia na medida em
que o poder de barganha de Kiev seria diminuído com a perda da condição de
transportador da energia russa
285
. Inicialmente previsto para possuir dois dutos
paralelos, o gasoduto foi concluído em 1999 com apenas um duto, o qual entrou em
operação em 1999. As crises entre Rússia e Belarus quanto aos preços de gás
obrigaram o Kremlin a enfrentar com os bielo-russos os problemas de dependência
dos quais procuraram escapar nas relações com os ucranianos. Isto levou o governo
russo a diminuir a intensidade nos esforços de conclusão do projeto, com a
construção do segundo duto de exportação. Talvez com a compra de 50% da
Beltransgaz o gasoduto Yamal-Europe volte a ser prioridade para Moscou.
284
Fonte: Gazprom. Endereço eletrônico: http://www.gazprom.com/eng/news/2007/01/22174.shtml
285
O governo ucraniano ficou muito preocupado com a construção do gasoduto Yamal-Europe, justamente por
ele representar uma diminuição do volume de gás russo exportado via Ucrânia. Yevhen Marchuk, secretário
titular da pasta do Conselho Nacional da Segurança e da Defesa afirmou em 1999 que “esforços colossais
deveriam ser feitos para evitar a construção de gasodutos que não atravessassem o território ucraniano”
(ABDELAL, 2004, p. 123).
220
O North Stream é uma parceria entre a Gazprom, as alemãs E.ON e Basf, e,
mais recentemente, a holandesa Gasunie. O gasoduto evita todo e qualquer país-
corredor, pois sai da cidade russa de Vyborg, atravessa o Mar Báltico e chega à
cidade de Greifswald, na Alemanha. Além de abastecer o mercado alemão, há
possibilidade de transportar gás para os países escandinavos, a Holanda e a
Inglaterra. O custo para a construção dos dois gasodutos paralelos de 1.200 km é de
U$ 12 bilhões. A previsão é de que um dos gasodutos entre em operação em
2010, carregando metade da capacidade total de transporte, avaliada em 55 bmc³
ao ano. O projeto foi considerado pela Comissão Européia como sendo de interesse
russo e europeu. Tendo em vista as complicações russas com Ucrânia e Belarus
durante a primeira década do século XXI, o North Stream passou a ser considerado
pelo Kremlin como o mais promissor dos projetos russos na área de exportação de
gás natural.
O terceiro gasoduto construído pela Rússia a fim de evitar o trânsito pela
Ucrânia é o Blue Stream, que liga a cidade russa de Izobilnoye diretamente à
Ancara, na Turquia, via Mar Negro. O comprimento total do gasoduto é de 1.213 km,
sendo que 372 km são submersos. Além de escapar dos países-corredor, o objetivo
russo com o projeto é o de diversificar seus compradores, com o ingresso no
mercado turco e, posteriormente, nos mercados de Israel e Síria. Entretanto, logo
após a assinatura do contrato envolvendo a Gazprom, a empresa turca Botas e a
italiana ENI, Moscou descobriu que a demanda de gás da Turquia era menor do que
a anunciada, o que resultou em menor quantidade do produto exportado e
conseqüente prejuízo, dado o montante de capital investido no projeto. As partes
chegaram a um acordo apenas em 2004, quando decidiram que, ao invés de
receber os 16 bmc³ de gás previstos inicialmente, a Turquia compraria apenas a
metade disto.
Quando posta integralmente em prática, a estratégia russa de evitar o
transporte de gás natural pela Ucrânia e Belarus realmente diminuirá a sua
dependência em relação aos países-corredor citados, porém, não resolverá o
problema de modo definitivo. A capacidade máxima de distribuição de gás natural
dos três projetos referidos é de 96 bmpor ano
286
, volume que é menor do que os
113 bm exportados para a Europa via Ucrânia em 2006. Quando se leva em
286
Considera-se aqui apenas um dos gasodutos da rota Yamal-Europe.
221
consideração que a capacidade plena dos gasodutos mencionados não será
atingida antes de muitos anos, resta claro que a dependência russa da rede de
transporte de recursos energéticos ucranianos continuará influenciando as relações
entre os dois países. No tocante a Belarus, a tendência é que as preocupações
russas quanto à capacidade bielo-russa de utilizar o fato de ser um país-corredor
como trunfo de negociação diminuam com a compra de metade da Beltransgaz.
A Ásia Central tem figurado como uma das regiões nas quais a Rússia vem
procurando exercer sua proeminência econômica com o objetivo de adquirir o
máximo controle possível sobre os recursos energéticos do local. um
componente global na manobra russa, pois quanto maior for o seu sucesso em
dominar a produção ou o transporte de energia da Ásia Central, menor serão as
chances de penetração das grandes potências ocidentais nesta parte do espaço
pós-soviético. Assim, Moscou mantém sua posição hegemônica na região, além de
engrandecer seu papel de superpotência energética. Neste ponto, a geopolítica da
energia se mistura com a geopolítica tradicional.
No concernente à dinâmica tripartite estudada, a inserção russa nos assuntos
energéticos da Ásia Central possui ligação com a Ucrânia. Os ucranianos adquirem
parte do s natural que consomem do Turcomenistão (e, em menor extensão, do
Casaquistão e do Uzbequistão). As relações entre Kiev e Ashkhabad quanto ao
fornecimento de gás natural era direta, e o transporte feito pela empresa
independente russa Itera, uma vez que a distribuição do produto obrigatoriamente
passa pelo sistema de transporte russo. Tais fatos incomodavam o Kremlin, pois a
diversidade de fornecedores de energia por parte da Ucrânia minaria o poder russo
sobre este país. Aproveitando-se da circunstância de ser uma grande compradora
do s produzido no Turcomenistão, a Rússia iniciou negociações com o governo
turcomano em 1999 com o objetivo de acertar contratos de fornecimento de longa
duração. No ano de 2003, finalmente as partes chegaram a um acordo, cuja duração
é de vinte e cinco anos. No que diz respeito à Ucrânia, o gás turcomano lhe seria
entregue via Gazprom. Além disto, quando terminassem os contratos em vigor, o
que estava previsto para ocorrer em 2006, as negociações diretas entre Kiev e
Ashkhabad igualmente cessariam (STERN, 2005, p. 77). A Rússia, desta forma,
conseguiu assegurar a posição de país-corredor dos recursos turcomanos, ao
mesmo tempo em que impediu movimentos ucranianos em direção a uma maior
liberdade em relação ao mercado energético russo. Em fevereiro de 2008, novo
222
acordo entre a Rússia e os países-produtores de gás natural da Ásia Central foi
firmado, tendo como partícipes a Gazprom, a turcomana Turkmengaz, a cazaque
Kazmunaigaz e a uzbeque Uzbekneftegaz. As quatro empresas de gás decidiram
que em 2009 cobrariam os preços de mercado pelo produto que comercializam, o
que atinge diretamente a Ucrânia, como assinalado. O acerto representa a união
dos quatro países e uma vitória geopolítica russa, pois sai fortalecida a idéia da
construção de um gasoduto que ligue o s natural do Mar spio até a Europa,
passando pelo território russo. Ao mesmo tempo, o projeto norte-americano e
europeu de construção do gasoduto Trans-Caspian Nabucco, que partiria do
Turcomenistão, atravessaria o Azerbaijão, a Turquia e os lcãs até chegar na
Europa, perdeu muito de sua viabilidade.
Consideradas em conjunto, as políticas russas empregadas com o intuito de
afastar a dependência existente perante os países-corredor Belarus e Ucrânia
obtiveram sucesso apenas relativo. No pertinente a Belarus, o avanço russo mais
significativo sem dúvida foi a tão sonhada conquista de poder decisório sobre a
Beltransgaz. Em menor extensão, a conclusão do gasoduto North Stream, tamm
melhorará a posição russa. Quanto à Ucrânia, a construção de novos gasodutos e o
controle do transporte do gás natural proveniente da Ásia Central são ferramentas
que dão força a Moscou, mas não na intensidade necessária. Caso o Kremlin não
consiga obter acesso à rede de distribuição de energia ucraniana, continuará com a
limitação de seu poder de influência causada pela possibilidade da Ucrânia cortar o
fornecimento de energia russa à União Européia. E, em virtude das fortes recusas
até hoje efetuadas por Kiev, não parece provável que num futuro próximo a Rússia
consiga tal intento. De qualquer maneira, a diminuição do poder da Rússia o é
significativa a ponto de permitir que a Ucrânia atinja o objetivo de sair da sua zona
de influência. A dependência ucraniana da energia russa é muito maior do que a
dependência de seus gasodutos por parte da ssia, correlação que enfraquece
Kiev, politicamente, diante de Moscou.
5.3. A DIMENSÃO ECONÔMICA
Conforme referido no capitulo dedicado à presença do fator econômico como
elemento que concede singularidade às relações russo-ucraniano-bielo-russas,
223
atualmente um fato concreto e uma tendência de política externa que, de certa
forma, moldam a dinâmica tripartite observada. O fato concreto é a interdependência
assimétrica entre as economias de Belarus e da Ucrânia e a economia russa. A
tendência referida é a economização da política externa russa, posta em
funcionamento pelo Kremlin a partir da chegada ao poder de Vladimir Putin. Os
recursos energéticos estão na base tanto da interdependência quanto da
economização e servem de janela para que se vislumbre como ambas determinam o
tom das conexões interestatais estudadas.
5.3.1. Os Recursos Energéticos e a Interdependência Assimétrica
Quando da primeira abordagem, no presente trabalho, acerca da
interdependência assimétrica entre Rússia e os outros países do espaço pós-
soviético, foi mencionado que ela era uma realidade que precisou ser encarada por
todos os Estados surgidos com o fim da União Soviética. Igualmente foi referido que,
no caso de Ucrânia e Belarus, os recursos energéticos constituem o principal fator
que alimenta tanto a interconexão entre suas economias e a russa, quanto a
desigualdade patente nos contatos daí surgidos.
Como visto, Ucrânia e Belarus não são auto-suficientes em energia. Muito
pelo contrário, dependem enormemente da importação de recursos desta natureza
para o funcionamento de suas economias. O Estado fornecedor de grande parte da
energia que consomem é a Rússia, que mesmo quando não produz tal energia, a
transporta. Tal fato é originado pelo passado de imperialismo que permeou as
relações entre os três países até bem pouco tempo. A herança econômica soviética
já foi abordada em suas linhas gerais no capítulo quatro, mas a dependência
energética possui algumas vicissitudes a serem destacadas.
Belarus nunca possuiu reservas expressivas de petróleo, gás natural ou
qualquer outra fonte de energia. Logo, bastou que o projeto do governo comunista
de especialização econômica determinasse a industrialização massiva da República
Socialista da Bielo-Rússia para que estivesse criada uma acentuada dependência
dos bielo-russos em relação aos recursos energéticos russos. Com a Ucrânia, o
processo ocorreu de forma um pouco diferente. Enquanto parte da União Soviética,
224
a República Socialista da Ucrânia era rica em s natural, como visto, e em
carvão. A partir da década de 1960, os estrategistas da economia soviética
passaram a alocar na república ucraniana indústrias pesadas de utilização intensa
de energia. Se inserida em um processo de industrialização normal tal circunstância
já significaria um aumento de monta no consumo de energia, quando se trata de
indústrias sovticas, que primavam pelo desperdício dos abundantes recursos
energéticos do país, o acréscimo foi abissal. Este fato ajuda a explicar porque a
partir de meados da década de 1970 a produção ucraniana de gás natural começou
a diminuir substancialmente, tendência que se confirmou com o passar dos anos.
Quando as companhias ucranianas não conseguiram mais retirar da própria
república toda a energia que consumiam, passaram a recebê-la dos campos da
Sibéria localizados na República Socialista Russa, a preços módicos. Assim, quando
se tornou um país independente, a Ucrânia detinha um parque industrial altamente
consumidor da energia russa, que era até aquele momento repassada quase de
graça. Ao analisar tais dados, Rawi Abdelal sustenta que os estrategistas soviéticos,
que estavam sempre imaginando meios de manter unidas as repúblicas soviéticas,
foram brilhantes ao institucionalizarem a dependência econômica ucraniana
(ABDELAL, 2004, p. 109).
um interessante estudo que corrobora a percepção de que a dependência
ucraniana perante a Rússia é fruto do planejamento soviético. O geógrafo Yurii Lypa
alegou em dois livros, The Division of Ukraine (1941) e The Black Sea Doctrine
(1947) que Rússia e Ucrânia pertenciam a espaços econômicos distintos,
particularmente em termos de suprimento de energia e minerais (WILSON, 2002, p.
275). A fonte natural de recursos de Moscou estaria localizada nos Urals e na
Sibéria Ocidental, enquanto a de Kiev se encontraria na Transcaucásia. Lypa
argumenta que esta “verdade” foi alterada quando o Império Russo e a União
Soviética combinaram artificialmente os espaços russo e ucraniano. Ele argumentou,
na época, que para garantir seus recursos e manter autonomia em relação à Rússia,
a Ucrânia deveria sedimentar alianças com os países da Transcaucásia. Impende
ser ressaltado que a concepção que Lypa tinha da região transcaucasiana era
diversa da que é hoje comumente aceita. Segundo mapa do livro do geógrafo
ucraniano reproduzido por Andrew Wilson, a Transcaucásia compreenderia os
territórios que atualmente pertencem à Geórgia, Azerbaijão, Armênia, Uzbequistão
Turcomenistão, parte do Casaquistão e o Cáucaso do Norte, ou russo (WILSON,
225
2001, p. 276). Destes países, apenas os três primeiros efetivamente formam a
Transcaucásia, ao passo que Uzbequistão, Turcomenistão e Casaquistão pertencem
à Ásia Central
287
. Portanto, quando se “Transcaucásia” no argumento de Lypa,
convém visualizar um somatório da região transcaucasiana com parte da Ásia
Central. Com esta visão em mente, é forçoso admitir que ao fundar a GUUAM e
procurar comprar s natural turcomano, uzbeque e casaque, a Ucrânia está,
conscientemente ou não, seguindo os ensinamentos de Lypa.
Artificial ou natural, a dependência energética ucraniana existe e está na raiz
da interdependência assimétrica que pauta suas relações econômicas com a Rússia.
O mesmo ocorre com Belarus. Constitui ponto pacífico que a economia ucraniana e
a bielo-russa, como de resto as economias de todos os Estados, precisam de
energia para se manter em funcionamento. Logo, se não produzem os recursos
energéticos que consomem são obrigadas a importá-los. Estas sentenças parecem
óbvias e já foram explanadas alhures, mas é importante que sejam aqui repetidas
porque a necessidade de Ucrânia e Belarus de comprar energia russa gera
fraquezas no campo econômico perante a Rússia, sendo, portanto, um componente
vital das relações entre os três Estados em destaque.
Caso Kiev e Minsk hoje pudessem (e quisessem) diversificar
substancialmente seus fornecedores de energia, isto traria modificações
consideráveis nas ligações econômicas que mantêm com a Rússia, principalmente
no caso ucraniano. Alguns exemplos podem ser citados. O primeiro deles é o débito
ocasionado pelo não pagamento da energia recebida. O inadimplemento deste tipo
de obrigação é uma constante por parte de ucranianos e de bielo-russos
288
. No
papel de credora, a Rússia utiliza tais débitos para angariar vantagens econômicas e
políticas, sejam elas o arrendamento do uso da armada naval do Mar Negro (no
caso ucraniano), sejam elas a aquisição de parte do sistema de transporte de
energia estatal bielo-russo. Sem a dependência energética ucraniana e bielo-russa,
os débitos de ambos países perante Moscou seriam muito menores, o que não os
obrigaria a aquiescer a alguns dos interesses russos, contrariando os seus próprios.
Outro exemplo é a perpetuação de um balanço de pagamentos negativo em
relação à Rússia. É bastante provável que Belarus, dadas as suas limitações
287
Além dos países citados, Tadjiquistão e Quirguistão complementam a região conhecida como Ásia Central.
288
Andrew Wilson menciona que em 1998 o débito ucraniano perante a Rússia pelo não pagamento de recursos
energéticos era de U$ 4 bilhões (WILSON, 2002, p. 275). Como visto, no mês de fevereiro, foi assinado acordo
entre os presidentes russo e ucraniano no qual este reconheceu uma dívida de U$ 1,5 bilhão.
226
econômicas e industriais, não conseguisse em hipótese alguma possuir um balanço
de pagamentos positivo com a Rússia. Mas há de ser considerado que a importação
de energia que realiza acresce substancialmente o problema para os bielo-russos.
No pertinente à Ucrânia, já foi dito que seu balanço de pagamentos com a Rússia é
positivo quando os recursos energéticos são afastados da análise
289
. Ou seja, sem a
dependência dos recursos energéticos russos, a Ucrânia usufruiria uma posição
econômica menos desconfortável para com a ssia, o que lhe daria maiores
chances de buscar sua autonomia política. Até mesmo seu objetivo de se aproximar
da União Européia seria facilitado, pois sem a importação de energia russa, o bloco
regional teria menos pruridos em desgostar a Rússia com as suas atitudes, logo
poderia aprofundar seus contatos com Kiev e a sua parcela nas trocas comerciais
ucranianas. Se esta hipótese seria boa ou ruim para a Ucrânia, sem que fosse
acompanhada do ingresso formal na União Européia é outra questão.
outros fatores econômicos que mantêm atadas Ucrânia e Belarus à
Rússia, os quais já foram expostos no capítulo anterior. Portanto, é impossível
asseverar que a energia é o único elemento que estabelece laços econômicos
indivisíveis entre os países estudados. Nem mesmo a interdependência assimétrica
pode ser explicada apenas a partir dos feitos causados pela dependência energética
ucraniana e bielo-russa, todavia, não se pode olvidar que sem os recursos
energéticos a Rússia não deteria tantas prerrogativas econômicas que lhe autorizam
exercer poder político sobre Ucrânia e Belarus.
Um último ponto a ser ressaltado quanto à dependência energética é que no
futuro próximo tal situação o se modificará. Construir gasodutos e oleodutos são
investimentos muito caros, que não podem ser assumidos nem por Ucrânia, muito
menos por Belarus. Aliás, sozinha a Ucrânia nem mesmo consegue reformar sua
malha energética. As grandes potências estão preocupadas em conseguir energia
para consumo próprio, logo, bielo-russos e ucranianos somente poderiam ser
beneficiados em projetos nos quais seus interesses seriam atingidos apenas por
ricochete. Um exemplo desestimulador das dificuldades de se reverter a
dependência energética perante a Rússia é fornecido pela União Européia. Ora, se o
maior bloco político-econômico do mundo, o qual é uma grande potência do sistema
internacional, se cada vez mais ungida à Rússia em termos que não o os
289
Ver capítulo 4.3.2., pág.170.
227
ideais, justamente por causa da questão energética, o que esperar Ucrânia e
Belarus quanto às chances de atingir a independência dos recursos energéticos
russos?
5.3.2. A Economização da Política Externa Russa e os Recursos Energéticos
A primeira sessão deste capítulo foi dedicada a mostrar a importância que os
recursos energéticos possuem no processo de economização da política externa
russa. O uso dos fatores econômicos como fonte geradora de poder político foi
largamente adotado pela Rússia nos seus contatos com os países da CEI, sendo a
energia um dos artifícios que melhores resultados rendeu a Moscou. No tocante à
Ucrânia e Belarus, os preços que a Rússia cobra pela energia vendida e os que ela
paga pelo transporte do produto a terceiros países são um bom exemplo de como a
energia serve aos propósitos de economização da política externa.
Antes de se falar em preços de consumo e transporte de energia, é válido
mencionar que em algumas negociações entre Rússia, Ucrânia e Belarus, os preços
foram conectados. Por este sistema, os valores que ucranianos e bielo-russos
pagavam pelo transporte seria abatido do valor que deviam alcançar à Rússia pelo
produto recebido. Nas últimas negociações intergovernamentais, esta prática foi
abandonada. Assim, Ucrânia e Belarus pagam pela energia que adquirem e a
Rússia paga àqueles pela distribuição dos recursos energéticos ao mercado
europeu.
A forma mais evidente de se utilizar os recursos energéticos como elemento
econômico capaz de gerar poder político é determinar preços baixos pelo produto. O
país-produtor cobra pouco pela energia que fornece a fim de garantir a lealdade
política do país consumidor. Como o último precisa da energia, e certamente é
melhor pagar menos do que mais na sua compra, aceita algumas imposições
políticas provenientes do primeiro. As relações russo-bielo-russas a 2007
explicitam tal dinâmica com clareza. O governo bielo-russo depende da energia
russa, e, fundamentalmente, de uma energia russa barata, tanto para se manter no
poder, quanto para movimentar sua improdutiva economia. Logo, a fim de manter o
privilégio de pagar pouco pelos recursos que precisa, ele foi obrigado a ceder diante
228
de algumas exigências russas, sendo a maior delas a venda de parte da
Beltransgaz.
No ano de 2006, a Rússia acenou que até 2011 todos os países da CEI terão
de pagar preços de mercado pelo gás natural russo que recebem. A decisão possui
objetivos econômicos mais ou menos incontestáveis. Como visto anteriormente, as
exportações para os Estados do espaço pós-soviético rendem muito menos lucro do
que aquelas destinadas à União Européia. É verdade que não chegam a dar
prejuízos como ocorre com a comercialização no mercado doméstico, mas ainda
assim não se justificam economicamente num período em que os preços do petróleo
e do gás natural aumentam exponencialmente. Tal situação se modificaria
substancialmente caso seja implementada a majoração dos valores pretendida pelo
Kremlin. A partir de então, vender recursos energéticos para os países da CEI
poderia ser até mais lucrativo para Moscou do que negociar com a União Européia,
pois o produto viajaria menos, o que representa menos tarifas de trânsito exigidas
pelos países-corredor, menos impostos a serem suportados e um mero menor de
interesses políticos a serem conciliados.
A medida em questão foi saudada com entusiasmo por parte da mídia
ocidental. Muito se falou em “despolitização” da política energética russa, pois ao
cobrar preços de mercado de seus vizinhos, Moscou perderia a capacidade de
negociar subsídios por apoio político. Em que pesem tais análises abordarem
corretamente um lado da questão, elas deixam de vislumbrar a outra face,
justamente aquela que está relacionada com a economização da potica externa
russa. As relações de Moscou com Kiev e Minsk retratam isto muito bem.
A dependência energética ucraniana e bielo-russa da Rússia é um fato
concreto. As dificuldades de Ucrânia e Belarus de diversificarem seus fornecedores
de energia são enormes. Logo, não será a majoração dos preços da energia por
parte da ssia que fará aquelas pararem de comprar o produto. Claro que os
governos dos dois países podem implementar reformas em suas economias que
diminuam o consumo do gás e do petróleo, mas hoje isto não é uma tendência
290
e
não se vê nenhum movimento em tal sentido. Portanto, a princípio, Ucrânia e
Belarus pagarão bem mais caro pela energia que compram da Rússia a partir de
290
A parcela de consumo do s natural na economia ucraniana vem aumentando ao longo dos anos as a
independência do país. Em 1993, o s natural representava 43% do total do suprimento de energia do país,
percentual que subiu para 49% em 2004. Fonte: EIA Country Analysis Brief: Ukraine.
229
2011. Uma das conseqüências disto será a exacerbação da posição desfavorável
que suas economias guardam em relação à economia russa. Apenas para ficar nos
exemplos acima citados, temos as seguintes perspectivas: os inadimplementos pelo
uso da energia tenderão a se repetir com valores mais altos dos que os atuais, seja
porque dificilmente a economia dos dois países crescerá a ponto de não sentir o
aumento do preço da energia importada, seja porque os próprios aumentos serão
empecilhos ao crescimento econômico. Via de conseqüência, o balanço de
pagamentos de Ucrânia e Belarus com a ssia será ainda mais favorável a esta.
Assim sendo, na medida em que o processo de economização da política externa
russa envolve o uso da proeminência de sua economia sobre as economias de
Belarus e Ucrânia como instrumento de conquistas econômicas e políticas, a partir
do momento em que estes passarem a pagar valores de mercado pela energia que
compram, o estratagema russo ganhará em eficácia.
de ser ponderado que o aumento do preço da energia consumida traz
consigo o acréscimo dos valores exigidos pelo transporte. Entretanto, isto não chega
a diminuir consideravelmente a vantagem russa com a cobrança dos preços de
mercado, pois seu lucro será proporcionalmente maior do que as quantias a serem
auferidas por Belarus
291
e Ucrânia.
Destarte, a “despolitização” da política energética russa para com Ucrânia e
Belarus em verdade manterá a capacidade do Kremlin de exercer influência política
sobre os dois Estados do espaço s-soviético. Ressalte-se que este tipo de poder
político é até mais vantajoso para a Rússia, por duas razões. Em primeiro lugar
porque é uma forma de projetar poder muito mais sutil do que fornecer subsídios
mediante rebaixamento de preços, além de ser o ou mais eficiente, uma vez que
vai ao encontro da prevalência atual dos fatores econômicos como fontes de poder
no sistema internacional. A segunda razão está ligada à imagem russa no cenário
internacional. Ao demandar pagamento de dívidas e compensações por eventuais
débitos geradas por contratos que respeitam as leis de mercado, Moscou estará
agindo de acordo com as leis que regem o capitalismo do sistema internacional.
Assim, não precisará se justificar perante ninguém, e nem diante do seu consumidor,
por aplicar este ou aquele preço, pois a taxação básica advirá das regras
291
Cabe lembrar que em função da aquisição de parte da Beltransgaz, o aumento dos preços de transporte é
menos sentido pela Gazprom nas relações com Belarus.
230
mercadológicas da oferta e da procura
292
. Nem mesmo poderá ser acusada de
utilizar seus imensos recursos energéticos com fins políticos, mesmo que na
verdade o faça. E isto ocorre justamente por causa da discrição intrínseca e da
disseminação hodierna do poder gerado pela força econômica.
A constatação de que os recursos energéticos estão intrinsecamente ligados
com a interdependência assimétrica entre os países estudados e com a
economização da política externa russa indica que eles constituem parte dos
motivos que levam os fatores econômicos a singularizarem as relações russo-
ucraniano-bielo-russas. E se não chegam a ter toda a razão, mesmo assim eles
possibilitam compreender o papel da economia nos laços que unem Rússia, Ucrânia
e Belarus.
5.4. A DIMENSÃO CULTURAL E IDENTITÁRIA
A relação entre os recursos energéticos russos e as questões identitárias e
culturais que unem Rússia, Ucrânia e Belarus é bem menos visível do que as
existentes com as questões geopolíticas e econômicas da dinâmica tripartite. Em
realidade, salvo algumas declarações do presidente de Belarus, nas quais há alusão
ao passado compartilhado por bielo-russos, ucranianos e russos, não é comum se
observar as questões identitárias dos países citados virem a lume nas oportunidades
em que os recursos energéticos se inserem nas dinâmicas interestatais
investigadas. Como a formação das identidades nacionais de Rússia, Belarus e
Ucrânia foi abordada individualmente no capítulo dois, cabe seguir o mesmo critério
para verificar de que forma os recursos energéticos se relacionam com o elemento
identitário.
A princípio, a política do Kremlin de cobrar dos países vizinhos o preço de
mercado pelos recursos energéticos que vende seria a antítese do uso da
proximidade cultural e identitária com Ucrânia e Belarus para auferir vantagens
políticas. Contudo, conforme exposto anteriormente, por trás deste tratamento
“objetivo e puramente “capitalista” há a estratégia de economização da política
externa russa, a qual possui como um de seus objetivos a manutenção do Complexo
292
Frise-se que o aumento dos preços da energia vendida no mercado doméstico é importante para que a Rússia
não seja acusada de subsidiar suas empresas pelos países vizinhos e pelos outros membros da OMC.
231
Regional de Segurança do espaço s-soviético como zona de influência de
Moscou. Para am de questões geopolíticas, o desejo de permanência de uma
órbita formada por satélites que giram em torno da ex-metrópole, da mesma forma
que os planetas circundam incessantemente o sol, desnuda as cores imperialistas
da identidade nacional russa. Na essência da meta russa de segurar Belarus e
Ucrânia sob suas rédeas há o elemento do poder, da dominação sobre povos
eslavos que durante culos estiveram fisicamente incorporados aos impérios russo
e soviético. Na medida em que a influência política que mantém próximos os dois
“irmãos menores” do “grande irmão” tem no poder econômico uma de suas fontes
principais, e que no cerne do elemento econômico está a necessidade inafastável de
ucranianos e bielo-russos dos recursos enerticos russos, é possível vislumbrar a
relação indireta entre estes recursos e o aspecto cultural-identitário-histórico que une
os países referidos, do ponto de vista russo. Sem o gás natural e o petróleo a se
imiscuir nas relações russo-ucraniano-bielo-russas, é provável que o sentimento
imperialista que vige na sociedade e na elite política russa não seria alimentado na
mesma intensidade que é hoje. Isto porque os meios postos à disposição de Moscou
para exercer pressão política sobre Kiev e Minsk o seriam tão eficientes,
notadamente no caso ucraniano, o que obrigaria a Rússia a encarar seus vizinhos
em termos pelo menos um pouco mais cooperativos e menos coercitivos.
No caso da Ucrânia, como visto, a regionalização do país acarreta
dificuldades na formação de uma identidade nacional completamente separada da
russa. Na política interna, tal fato gera uma acentuada polaridade e no plano
externo, ele dificulta o projeto ucraniano de se desvencilhar da influência russa. As
vicissitudes da identidade nacional ucraniana não são diretamente refletidas ou
reforçadas quando se observa o papel dos recursos energéticos nas relações
estabelecidas por Kiev e Moscou. Talvez a visão das regiões leste e sul do país de
que inexiste um componente intrinsecamente nefasto na dependência econômica
ucraniana perante a Rússia pudesse ser considerada como um indício de uma
possível ligação entre a questão identitária e a energia russa, a qual está na base
das desigualdades entre as economias dos dois Estados. Porém, isto seria uma
conexão analítica um tanto quanto distante, e nunca uma correlação direta.
Ademais, em nenhum momento o governo ucraniano utilizou a proximidade cultural
com a Rússia como argumento para desfrutar de preços menores que os de
mercado na compra da energia proveniente da vizinha do leste. Aliás, nenhuma
232
razão plausível é usada por Kiev para justificar que Moscou deve lhe vender gás
natural a valores irrisórios. De qualquer sorte, os recursos energéticos espelham
com muito maior intensidade as dimensões geopolíticas e econômicas das relações
russo-ucranianas, não sendo possível dizer o mesmo sobre a dimensão cultural que
mantém vinculados os dois Estados.
Belarus é o único dos três países que estabeleceu uma conexão direta
entre elementos históricos e identitários russo-bielo-russos e os recursos
energéticos. Durante algumas negociações envolvendo empréstimos russos e os
preços des natural, o governo bielo-russo trouxe à tona o fato de que o complexo
industrial do setor energético da Rússia, incluindo seus gasodutos e oleodutos, foi
historicamente construído com o suor de russos e bielo-russos enquanto
pertencentes a uma mesma unidade estatal. Um exemplo deste tipo de retórica é a
seguinte frase de Lukashenko:
Nós, bielo-russos e ucranianos, criamos a Gazprom, junto com os russos,
nos tempos da União Soviética, construindo oleodutos na Sibéria. É por isto
que temos o direito de obter energia pelo mesmo preço que os russos. Tudo
isto é parte de um projeto de União Estatal, o qual a Rússia destruiu
(LUKASHENKO, apud BABICH, 2007).
A declaração de Lukashenko apela para fatos históricos inegáveis pelos
russos, os quais remetem a uma irmandade entre os dois povos. Irmandade, aliás,
que é ressaltada pelo próprio presidente bielo-russo. O tom de amargura nas
palavras transcritas deixa a entender que a união entre os povos citados não deveria
ter sido desfeita, e se o foi, isto deve ser debitado na conta dos russos. O argumento
de Lukashenko claramente utiliza o elemento de proximidade identitária entre russos
e bielo-russos para justificar que ambos povos paguem preços idêntico pelo gás
natural pertencente aos primeiros.
Em função deste tipo de pronunciamento do governo bielo-russo é que se
pode afirmar que, no caso de Belarus, o fator identitário em algum grau se relaciona
com o assunto dos recursos energéticos russos. Porém, é imprescindível reiterar
que a análise dos vínculos entre Rússia e Belarus que tem como elemento central a
venda, compra e distribuição da energia russa é muito mais profícua quando
balizada nas dimensões geopolíticas e econômicas do relacionamento mantido
pelos dois países. Por óbvio, o mesmo ocorre nas relações russo-ucranianas, tendo
em vista que, no concernente à Ucrânia, o elemento cultural quase não se manifesta
233
quando o foco de atenção de seus contatos com a Rússia é a comercialização de
recursos energéticos.
234
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um bom caminho para começar a apresentação dos resultados finais da
pesquisa desenvolvida é verificar se os elementos selecionados efetivamente
confirmam a existência de um caráter distintivo às relações mantidas por Rússia,
Ucrânia e Belarus. Uma vez comprovada a singularidade pressuposta quando do
início deste trabalho, cabe analisar se os recursos energéticos realmente corroboram
as particularidades identificadas e se, dada a sua importância na dinâmica
interestatal em voga, eles aprofundam-nas. Contudo, as conclusões a que se chega
no final da jornada empreendida podem ir um pouco além da problemática proposta,
pois o levantamento de dados realizado permite que se trace um panorama geral
das interações atualmente estabelecidas pelos três Estados em destaque, e que se
faça a confrontação de tais metas com os objetivos que cada um deles detém no
tocante aos demais partícipes deste pequeno grupo. Para fins de objetividade e
clareza, os resultados serão expostos em duas seções; a primeira tratará
especificamente dos fatores cultural, geopolítico e econômico e de como eles se
inserem e conferem singularidade às relações interestatais estudadas. Na segunda
parte serão abordados o estágio hodierno destas interações e a influência que tal
estado de coisas possui nas possibilidades de cada um dos países enfocados de
atingirem seus principais objetivos concernentes aos outros dois parceiros.
A Singularidade das Relações entre Rússia, Ucrânia e Belarus
A conexão entre os fatores culturais, o passado compartilhado e a formação
da identidade nacional de Rússia, Ucrânia e Belarus e como tais fatores se inserem
235
na interação mantida entre os três países foi o primeiro dos elementos observados.
A perspectiva construtivista, enquanto teoria de relões internacionais, suscita
alguns questionamentos quanto à sua capacidade de servir de guia para o estudo do
comportamento dos Estados no sistema internacional. Quando alguns autores
construtivistas pregam que as atitudes dos Estados perante os seus pares possuem
como fundamento principal fatores como a cultura e a percepção que os povos
possuem de si mesmos e daqueles com os quais se comparam, em detrimento de
preocupações concretas que são comuns a todos os países da comunidade
internacional, como o poder e a economia política, entre outros, é impossível não
reconhecer que os críticos desta teoria possuem razão na inconformidade que
manifestam.
Todavia, acreditamos que no presente trabalho o estudo das identidades
nacionais foi de grande valia, por duas razões. A primeira é que não se procurou
explicar as singularidades da dinâmica tripartite observada tão somente com o
instrumentário construtivista. Como assinalado desde a introdução, a pesquisa
adotou a idéia de que são múltiplas as causas que geram as particularidades dos
relacionamentos travados pelos países em foco. Logo, elementos de fundamental
relevância em todas as interações entre quaisquer Estados, como as questões de
poder, de geopolítica e de economia internacional, também foram analisados. Ou
seja, não se partiu do pressuposto inicial, e nem se chegou à conclusão final, de que
a questão identitária é o fator determinante das singularidades existentes, mas que
ela faz parte de um conjunto de fatores, não sendo dentre estes, necessariamente, o
mais destacado. O segundo motivo que justifica o uso da perspectiva construtivista
está ligado ao fato de que mesmo que não seja o único, ou amesmo o principal,
no caso específico dos países estudados, o elemento identitário de ser levando
em consideração. A Ucrânia é o melhor exemplo disto. Conforme demonstrado, o
processo de formação da identidade nacional ucraniana enfrenta uma dicotomia
entre diferentes visões que o oeste nacionalista e as regiões sul e leste detêm
acerca do que é ser ucraniano. Em função de várias razões já expostas, entre elas a
dominação imperial de séculos sobre parte considerável do território ucraniano,
Moscou está no cerne deste debate identitário. Tal divergência leva a ideais de
política externa que, em geral, não podem ser postos em prática, e se o são, isto
exige relativizações e mudanças de rumo quase imediatas, justamente porque
nenhum dos grupos políticos do país pode ignorar por completo os interesses dos
236
outros, sob pena de instabilidade e eventual perda do poder. A adoção de
determinadas diretrizes econômicas da Ucrânia e o padrão de alianças que esta
estabeleceu com Estados e organizações internacionais são exemplos de campos
da política externa do país que, de uma forma ou outra, em algum momento
sofreram influência das disputas internas do país. Portanto, quando vislumbramos a
situação da Ucrânia, resta clara a utilidade da perspectiva construtivista na presente
pesquisa, pois ela ajuda a compreender porque a Rússia é o Estado que domina as
preocupações ucranianas quando da formulação de sua política externa.
Para além da situação ucraniana, quando o foco é centrado em Belarus e na
Rússia tamm é possível ver que os vínculos históricos e as conexões culturais
conferem singularidade às interações mantidas com Moscou. Em se tratando de
Rússia, a autopercepção imperial que remanesce no imaginário russo e a noção de
que bielo-russos e ucranianos o povos irmãos, mas irmãos menores que devem
estar sob o comando russo, particularizam estes dois Estados dentre todos os atores
do sistema internacional com quem o país estabelece contatos. Já no concernente a
Belarus, sua proximidade cultural, étnica e histórica com a Rússia é um dos fatores
que singularizam as relações com ela estabelecidas, posto que dificultam a
construção de uma identidade nacional própria. E isto é um impedimento concreto
de um eventual afastamento de Moscou como centro das atenções de Minsk.
A pesquisa efetuada igualmente demonstrou que algumas questões típicas
da geopolítica tradicional permanecem na pauta dos formuladores de política
externa dos três Estados. Logo, preocupações com estabelecimento e manutenção,
ou mesmo fuga, de zonas de influência; criação de alianças interestatais e balanças
de poder regionais são assuntos constantemente em pauta no Complexo Regional
de Segurança do espaço pós-soviético. A visualização de preocupações geopolíticas
nos atos praticados pelos governos dos Estados observados justifica a utilização
deste elemento no presente trabalho. E o seu uso demonstrou que este fator não
apenas está presente nas interações havidas no sub-complexo regional formado por
Rússia, Ucrânia e Belarus, como confere singularidade a tais relações.
Nos planos russos de manter sua condição de Estado central no Complexo
Regional de Segurança do qual fazem parte os países da CEI, Kiev e Minsk têm
papel destacado. Dentre os motivos pelos quais ucranianos e bielo-russos o
considerados em conjunto para os interesses russos, podemos aqui relembrar o
pensamento destes, que une territorialidade, poder e segurança, o que faz com que
237
dominar os irmãos eslavos seja fundamental para os objetivos da Rússia de ser uma
grande potência e de evitar eventuais ameaças vindas dos países ocidentais. Outra
razão, diz respeito à localização dos dois países. O fato de estarem situados entre a
Rússia e os Estados mais ao oriente da União Européia condena Ucrânia e Belarus
a estarem presentes nas aflições e metas geopolíticas russas, pois, afinal de contas,
após o ingresso dos países bálticos no bloco regional europeu, os dois países são a
janela de Moscou para a Europa. A circunstância de serem o elo entre russos e
europeus é atestada quando o assunto visado é a comercialização de recursos
energéticos da Rússia para os seus principais consumidores, os Estados da Europa
Central e Ocidental.
À parte das situões nas quais Ucrânia e Belarus são consideradas
conjuntamente, tanto um quanto o outro detém prerrogativas próprias que lhes
concede relevância nos cálculos estratégicos russos. Na medida em que o assunto
já foi esmiuçado antes, cabe apenas citar algumas destas particularidades. No que
toca a Kiev, impende ressaltar o temor do Kremlin de que os ucranianos sedimentem
alianças com União Européia e OTAN. Uma vez concretizados tais planos, haveo
ingresso decisivo da grande potência européia e da superpotência norte-americana
na região, o que é uma ria ameaça à primazia russa junto aos países da CEI.
Quanto a Belarus, sua lealdade a Moscou praticamente elimina as chances de que o
país se alie a outra grande potência, sem o aval dado pelo Kremlin. Contudo, isso
não afasta o interesse russo em relação ao vizinho, pois o território bielo-russo
historicamente é fonte de preocupações no quesito segurança, ao mesmo tempo em
que é um eixo comercial importante para Moscou.
Alterando o foco, pode-se afirmar que a Rússia está no centro dos cálculos
geopolíticos de ucranianos e bielo-russos. No concernente à Ucrânia, desde 1991 os
seus atos de política externa têm demonstrado o objetivo de tentar escapar da zona
de influência russa o tanto quanto possível. A fim de atingir tal intento, forjou
alianças com países do Complexo Regional de Segurança do espaço pós-soviético
(GUUAM), bem como procurou, na medida que suas limitações internas e externas
permitiram, se aproximar de grandes potências alheias à região. Diante deste
quadro, salta aos olhos o fato de que a Rússia está na raiz das estratégias
geopolíticas adotadas pela Ucrânia, o que confirma o caráter invulgar das relações
ucranianas com sua ex-metrópole.
238
Moscou igualmente se encontra no centro das considerações geopolíticas de
Belarus, mas sob um ângulo completamente oposto. A política externa bielo-russa
no tocante às questões estratégicas é reativa à do Kremlin, ou seja, as benesses de
uma aliança política e as ameaças sistêmicas percebidas por Moscou são valoradas
da mesma forma por Minsk. A única divergência de interesses neste campo diz
respeito à condição bielo-russa de país-corredor de recursos energéticos russos.
Por todo o exposto, impende concluir que no aspecto geopolítico, Belarus e
Ucrânia são Estados destacados nos cálculos russos, ao passo que a Rússia não
pode e não é ignorada por bielo-russos e ucranianos quando estes formulam suas
políticas externas. Assim, é correto afirmar que o elemento geopolítico é fonte de
distinção às relações mantidas entre os países citados.
A exemplo do que ocorre com os fatores cultural e geopolítico, o elemento
econômico tamm contribui na explicação do porquê das interações interestatais
observadas serem especiais aos Estados envolvidos. No caso de Ucrânia e Belarus,
a economia de ambos é muito dependente da economia russa, sem que o inverso
ocorra em idêntica proporção. Esta situação é uma herança do período soviético,
quando os três países pertenciam a um único Estado, do qual Moscou era o centro
irradiante de poder político e econômico. Como visto, o termo que define a posição
desvantajosa de ucranianos e bielo-russos perante a economia russa é o de
interdependência econômica assimétrica.
Belarus nem sequer chegou a tentar desatar os laços que unem sua
economia à russa. O resultado foi nefasto, pois hoje o governo bielo-russo de
Lukashenko necessita de empréstimos e subsídios russos para continuar os
programas sociais populistas que desenvolve, manter a sua economia em
funcionamento, e, em última instância, permanecer no poder.
Por sua vez, desde a sua independência, a Ucrânia procurou criar
alternativas que lhe permitam diminuir a dependência econômica da Rússia. Nos
primeiros anos após o fim da URSS a política econômica de Kiev, embebida do ideal
nacionalista do oeste do país e iludida por potencialidades que não detinha, foi
direcionada a um afastamento radical da economia russa. Em função de motivos
variados, tais como suas diferenças regionais, a dependência que possuem dos
recursos energéticos russos e a falta de reformas estruturais que pudessem
modernizar sua economia, tal política não obteve sucesso e a Ucrânia teve de
reconhecer suas limitações econômicas perante Moscou. Não obstante, os
239
ucranianos continuaram tentando o afastamento da ex-metrópole, mediante a
aproximação com a União Européia e a criação da GUUAM, por exemplo. Porém,
apesar dos esforços empreendidos, ainda hoje a Ucrânia tem na Rússia um
indispensável parceiro econômico, sobretudo porque o país é amplamente
dependente da energia russa, e, ressalte-se, do subsídio que ainda recebe ao pagar
pelo produto que compra preço bem inferior ao valor de mercado. Cabe também
relembrar que a indústria ucraniana precisa do mercado para vender seus produtos
nem tão competitivos na Europa.
A ssia, por seu turno, os dois vizinhos eslavos orientais como Estados
indispensáveis na sua política de obter poder econômico com o intuito de recuperar
seu status de grande potência. No decorrer do trabalho foi dito que na percepção do
Kremlin, no sistema internacional de hoje, a capacidade econômica de um país é
uma das fontes primordiais de poder. Isto o levou a adotar a estratégia de
economização da política externa russa. Ucrânia e Belarus têm importância ímpar
neste processo, seja na esfera regional, seja na esfera global. Nesta última, a
relevância dos dois Estados eslavos está relacionada com a localização de ambos,
posto que são as principais rotas de comércio dos recursos energéticos russos, bens
que estão no cerne da recuperação econômica da Rússia.
No presente trabalho, foi possível verificar que os recursos energéticos se
inserem com profundidade nas relações entre Rússia, Belarus e Ucrânia. A análise
desta penetração permite concluir que eles estão ligados com os temas geopolíticos
e econômicos que cercam a interação entre os Estados em voga. Pode se dizer que
o mesmo ocorre no tocante às questões culturais e identitárias, mas em expressão
bem menor. Além de comprovarem a presença dos fatores selecionados nas
dinâmicas observadas, tais recursos reforçam tal incidência, eis que elevam a outro
patamar as situações colocadas diante dos países citados. No tocante à dimensão
econômica das dinâmicas estudadas isto resta cristalino, pois é a comercialização
de energia russa e a necessidade ucraniana e bielo-russa deste bem que estão no
núcleo tanto da economização da política externa proveniente de Moscou, quanto da
interdependência assimétrica das economias de Ucrânia e de Belarus frente à
economia russa. Claro que os dois fenômenos não se explicam tão-somente em
função do gás natural e do petróleo russo, pois há outros fatores que incidem sobre
os mesmos. Contudo, ao se retirar os recursos em epígrafe da equação, as relações
russo-ucranianas e russo-bielo-russas se modificariam. Isto porque nem a
240
economização da política externa russa seria tão bem sucedida, nem as
dependências econômicas possuiriam a desigualdade que detêm. Por certo, a
Rússia continuaria com um grau considerável de poder econômico sobre Ucrânia e
Belarus, mas ele seria menor do que é hoje.
Quanto à dimensão geopolítica, foi visto que é possível identificarmos uma
geopolítica dos recursos energéticos, a qual possui atores, distribuição de poderes e
alianças próprias. Apesar de o que denominamos de “geopolítica da energia” ser um
recorte de análise e, como tal, estar inserida na geopotica, digamos, “geral”, esta
pode vir a sofrer os efeitos daquela. No Complexo Regional de Segurança do
espaço s-soviético a conexão entre as duas é visível. Rússia, Ucrânia e Belarus
detêm objetivos geopolíticos mais ou menos claros, os quais foram apontados
acima. A fim de atingirem tais metas, utilizam os poderes que resultam de suas
posições perante os recursos energéticos russos, ou seja, usam prerrogativas cujas
origens são os arranjos da geopolítica da energia”. Deste modo, Moscou usa a
dependência ucraniana e bielo-russa de importar energia para mantê-las na sua
zona de influência. Kiev utiliza o poder de barganha que sua condição de país-
corredor do gás natural russo lhe confere como meio de não se submeter a todos os
interesses políticos e econômicos da ssia. No concernente a Minsk, sua posição
como país inserto na órbita russa foi ainda mais salientada com a venda da estatal
bielo-russa Beltransgaz a Gazprom. Ressalte-se que tal dado é importante tamm
porque o único assunto que possui um cunho geopolítico em que há certa
divergência entre russos e bielo-russos é a distribuição de energia russa à Europa,
via Belarus.
Uma conexão entre as questões relacionadas à história, à cultura e à
identidade nacional e os recursos energéticos tamm pode ser vislumbrada, ainda
que, via de regra, apenas de forma indireta. A exceção fica por conta de alguns
discursos proferidos pelo presidente bielo-russo, Lukashenko, citados no capítulo
cinco. Apesar de ser tênue, a ligação em voga existe e deve ser citada, nem que
seja unicamente por causa de determinada posição que Belarus por vezes adota no
concernente à energia russa.
Na introdução do trabalho foi afirmado que a busca do peso relativo de cada
um dos elementos analisados sobre as relações estudadas não seria o objetivo
principal da pesquisa. Todavia, tamm foi dito que se diferenças de relevância
fossem observadas, elas seriam objeto de menção. Isto ocorreu. Os dados
241
levantados e o cruzamento dos fatores investigados permitem concluir que o
elemento econômico atualmente incide com maior força nas relações mantidas entre
Rússia, Ucrânia e Belarus, muito em função da importância que os recursos
energéticos russos detêm nesta equação. Antes de justificar tal afirmativa, convém
repisar que o elemento cultural identitário e o geopolítico inegavelmente influenciam
as políticas externas dos países em voga e tornam singulares as interações que os
mesmos mantêm entre si. Como mencionado alhures, o vínculo entre poder e
geografia é uma questão que se mantém muito viva nos lculos russos, ucranianos
e bielo-russos, ao passo que, no caso específico dos países estudados as
identidades nacionais e a proximidade cultural são aspectos que devem ser levados
em consideração.
A primazia do elemento econômico deve-se ao fato de ele ser o fator que
melhor expõe as potencialidades e as limitações de Moscou, Kiev e Minsk quanto
aos objetivos que possuem no âmbito regional e global. Além disto, ele acaba por
interferir nas outras duas esferas estudadas (identitária e geopolítica) com maior
peso do que o vislumbrado no sentido inverso. Conforme referido durante a
pesquisa, foi o crescimento econômico russo que permitiu ao Kremlin almejar a
recuperação do status de grande potência no sistema internacional, após a
complicada década de 1990. Outrossim, foi o poder econômico gerado a partir de tal
situação que possibilitou à Rússia um efetivo aumento de sua influência sobre os
países da CEI em geral, e de Ucrânia e Belarus em especial. Não que outros fatores,
como, por exemplo, a proximidade cultural e questões militares e de segurança não
sejam sentidos, pois o o, mas o salto de qualidade da pressão política exercida
pelo Kremlin sobre Kiev e Minsk ocorreu a partir da economização da política
externa russa.
Quando analisamos a situação a partir do ângulo de ucranianos e bielo-
russos, a conclusão é a mesma. Sem as fragilidades estruturais que suas economias
possuem e livres da dependência econômica perante a ssia, em grande parte
decorrente do fato de precisarem importar energia, é possível que Belarus e Ucrânia
tivessem conseguido ao longo dos anos um pouco mais de liberdade de ação diante
de sua ex-metrópole. É crível que até mesmo a situação interna relacionada à
formação das identidades nacionais dos dois países tivesse transcorrido de forma
diversa caso os laços econômicos que os aproxima da Rússia não fossem tão
presentes. Pelo menos é o que se pode concluir do episódio envolvendo a
242
derrocada econômica do governo de Leonid Kravchuk e a conseqüente eleição de
Leonid Kuchma na Ucrânia. Ressalte-se que é no campo econômico, tendo como
pano de fundo o transporte de recursos energéticos, que a Ucrânia tem conseguido
algumas vitórias importantes em embates com Moscou, posto que as alianças
realizadas com países da CEI e as almejadas com União Européia e OTAN não
surtiram os efeitos desejados. Aliás, cumpre frisar que alguns dos fracassos nesta
seara se devem justamente à dependência que os países do bloco regional europeu
possuem das exportações de energia russas. Podemos citar as discussões em torno
dos preços do gás natural importado da Rússia em janeiro de 2006 e março de 2008
como exemplos de sucessos relativos obtidos pela Ucrânia. Nas duas ocasiões, a
Rússia teve de ceder aos interesses ucranianos e retomar o fornecimento integral do
produto, sob pena de interrupção da entrega aos valiosos consumidores europeus.
Da mesma forma, as únicas vezes em que Belarus conseguiu fazer frente à
Rússia tiveram como ponto de discussão o transporte de recursos energéticos,
analisado sob a dimensão econômica.
Pelo exposto, acreditamos que na atual conjuntura das relações mantidas
entre Rússia, Ucrânia e Belarus, o elemento econômico é o que maior detém maior
peso relativo no sentido de conferir importância ímpar a tais contatos nas políticas
externas dos países estudados.
O Panorama Geral e os Objetivos de Rússia, Ucrânia e Belarus
Ao longo do trabalho, os objetivos principais dos Estados em voga no
concernente ao Complexo Regional de Segurança do qual fazem parte e quanto ao
sistema internacional foram explicitados. Cabe recordá-los: a Rússia tem como meta
regional continuar com a hegemonia do espaço pós-soviético em suas mãos e evitar
a intromissão de outras grandes potências neste seu “domínio”. No nível global,
deseja ser reconhecida como a grande potência que acredita ser, sem descartar o
sonho de retomar o posto de superpotência. Na esfera regional, a Ucrânia pretende
aumentar sua autonomia política de fato em relação à Rússia, mediante tentativas
de minorar o poderio russo e de sua afirmação como uma potência da região
formada pelos países da CEI. No plano global, o país o possui grandes
243
aspirações de poder, ou seja, ela não tem planos de se tornar uma grande potência.
Sua meta maior no nível sistêmico é se integrar cada vez mais ao ocidente, por
intermédio do ingresso na União Européia, na OTAN e em organismos multilaterais
como a Organização Mundial do Comércio, por exemplo. Belarus arrefeceu seu
ímpeto de se unir à Rússia, pois percebeu que com Vladimir Putin na presidência
russa, seria impossível consegui-lo e ao mesmo tempo manter o poder de Minsk
quanto às decisões da política doméstica bielo-russa.
O panorama geral da situação dos três países favorece os interesses russos,
mas não na medida desejada pelo Kremlin. O crescimento econômico do país, como
visto, lhe possibilitou renovar sua influência política sobre Kiev e Minsk. A constante
fidelidade bielo-russa praticamente livra a Rússia de preocupações relacionadas
com um Estado importante econômica e geopoliticamente para Moscou. O único
senão que poderia ser suscitado para os interesses de Moscou era a condição bielo-
russa de país-corredor dos recursos energéticos russos. Porém, como visto, o
caráter preocupante desta situação diminuiu bastante com a aquisição de parte do
sistema bielo-russo de transporte de energia.
Pelas razões expostas durante a pesquisa, a Ucrânia sempre representou
maiores dores de cabeça para o Kremlin. As divisões internas da política ucraniana
beneficiam Moscou uma vez que significam um óbice constante ao desejo
manifestado pelos governos ucranianos de se afastarem da hegemonia regional
russa. Mas por outro lado, a porção da sociedade ucraniana que advoga por uma
aproximação de Moscou o possui força política suficiente para tornar o país aliado
incondicional da Rússia, como ocorre com Belarus. Nesta seara, a vitória da coalizão
pró-ocidente nas eleições presidenciais de 2004 parecia significar um risco maior do
que realmente se configurou posteriormente. Negando a previsão geral de que a
Ucrânia se voltaria definitivamente para a Europa e a OTAN, os acontecimentos
posteriores desembocaram no racha entre Yushchenko e Tymoshenko e no
ressurgimento da figura de Yanukovich, um político mais próximo da Rússia do que
era Kuchma. No final de 2007, os dois deres da Revolução Laranja retomaram a
aliança vitoriosa, mas ela hoje é muito menos coesa do que um dia já foi.
A inserção de outras grandes potências no Complexo Regional de Segurança
do espaço pós-soviético, via Ucrânia, tem sido encarda pelo Kremlin como um foco
de preocupação, mas que no futuro próximo não deve se materializar em um
problema real. Quanto a isto, o último encontro da OTAN é paradigmático. O fato de
244
a organização não aceitar incluir imediatamente a Ucrânia e a Geórgia no seu Plano
de Filiação, preferindo declarar que o assunto será novamente revisto no futuro, já é
representativo, mas talvez mais simbólicas sejam as fontes da negação do pedido
ucraniano: França e Alemanha. As duas potências que estão no centro político e
econômico da União Européia demonstraram receio em contrariar tão diretamente
os interesses russos, manifestados de forma clara e veemente por Vladimir Putin.
Isto pode ser um indicativo de que os planos ucranianos referentes ao ingresso na
União Européia possuem complicadores mais intensos do que as dificuldades do
bloco regional em adaptar-se aos seus novos membros do leste europeu.
Assim sendo, o problema que parece ser o de maior gravidade para Moscou,
no caso de Kiev, é a impossibilidade russa de evitar por completo o território
ucraniano como meio de transporte de gás natural à Europa. A partir de 2009,
quando o gás natural comprado pela Ucrânia dos países da Ásia Central e
transportado via Rússia atingirá o preço de mercado, e de 2011, quando a Rússia
planeja que todos os países da CEI paguem os preços europeus pelos recursos
energéticos recebidos, talvez a situação venha a mudar em favor do Kremlin.
Contudo, as últimas negociações russo-ucranianas referentes ao comércio de s
natural têm gerado surpresas balizadas em uma força insuspeita que o papel de
país-corredor dá a Kiev, o que prejudica qualquer previsão que se possa fazer
quanto ao assunto.
A primeira consideração que deve ser feita quanto à situação da Ucrânia é a
de que sua independência é um fato consolidado. Todavia, a independência formal
não é acompanhada de “liberdade de ação” ou “autonomia de movimentos”
ucraniana perante a Rússia nos cenários regional e global. Os fatores que
fortalecem a manutenção da influência russa sobre o Estado vizinho o aqueles
que enfraquecem a posição ucraniana. A polarização política do país, amplamente
baseada em visões divergentes quanto à identidade nacional ucraniana, tem minado
as tentativas de Kiev de promover alianças e de tomar medidas que afastem a
Ucrânia da Rússia. Repise-se que tal desejo é uma constante nos governos
ucranianos, o que se verificou mesmo durante a presidência de Leonid Kuchma,
político eleito com uma plataforma pró-Rússia. Por conseguinte, o que a divisão
interna da sociedade faz não é modificar o objetivo geral da política externa
ucraniana, mas sim dificultar a sua obtenção. Assim, na medida em que, devido a
tais fatores, um governo ucraniano deve obrigatoriamente se situar numa posição de
245
centro entre as duas correntes poticas do país, os passos em direção a uma
afirmação da Ucrânia como Estado fora da sombra russa são lentos, e, até o
momento, quase ineficazes. Em favor dos propósitos ucranianos, cabe salientar que
uma sutil mudança na política interna do país vem se operando. Desde 2004,
ocorreram sucessivas eleições parlamentares que resultaram em alternâncias de
grupos no poder e alianças entre políticos rivais. Isto revela um início de maturidade
política do país em direção à democracia, fato que pode ajudar a sociedade a criar
uma identidade própria, pois as tendências autoritárias vislumbradas na política
russa estariam sendo abandonadas na Ucrânia. Além disso, é possível que com o
tempo isto leve a um apaziguamento da polarização política, o que fortaleceria o
país como um todo. Os efeitos desta incipiente transformação sobre a sociedade e
os governos ucranianos ainda não podem ser sentidos, e talvez nem o possam ser
no curto prazo, mas sem dúvida é um fato positivo para os desígnios da Ucrânia.
No plano exterior, conforme frisado, a colaboração advinda das grandes
potências que poderiam rivalizar com a Rússia é reticente e, até certo ponto,
desestimulante. Assim, resta à Ucrânia utilizar as poucas capacidades de que dispõe
para tentar fugir do controle russo. Entre elas podemos referir a anteriormente citada
condição de país-corredor, bem como a própria existência da possibilidade de
ingresso na União Européia e na OTAN, pois, por mais claudicantes que atualmente
elas sejam, bastam para gerar receios na Rússia, o que é visível no forte teor de
algumas declarações oficiais proferidas pelo governo russo. Em suma, a Ucrânia
continua com sua condição híbrida, representando oposição à Rússia dentro da CEI,
mas sem poder afastar-se em definitivo da ex-metrópole, e almejando o ingresso nos
blocos e organizações europeus, mas sem consegui-lo devido às suas divergências
internas e à pressão russa.
No concernente a Belarus, sua dependência econômica perante a Rússia
deve aumentar, seu isolamento internacional por causa de seu regime autoritário
deve continuar e a formação de uma identidade nacional própria, diversa da russa,
não é visível no horizonte. Somando estas circunstâncias ao fato de que, finalmente,
o Kremlin conseguiu acesso ao sistema de transporte bielo-russo de energia, pode-
se afirmar que Belarus provavelmente permanecerá como um parceiro leal de
Moscou. Tendo em vista que este parece ter se tornado seu objetivo principal após
as negativas explícitas e implícitas do governo russo quanto à eventual reunião dos
246
dois países, é forçoso concluir que Belarus o está atingindo, por pior que seus
resultados possam ser para si mesmo.
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ANEXO I – LISTA DE SITES CONSULTADOS
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Banco Mundial: http://www.worldbank.org/.
Banco Nacional da República de Belarus: http://www.nbrb.by/engl/
Banco Nacional da Ucrânia: http://www.bank.gov.ua/ENGL/DEFAULT.htm
Belarusian Review: http://www.belreview.cz/index.html
British Petroleum: http://www.bp.com/home.
Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Rússia: http://wciom.com/
Comitê Estatal de Estatísticas da Ucrânia: http://ukrcensus.gov.ua/eng/
Comitê Interestatal de Estatísticas da Comunidade dos Estados Independentes:
http://www.cisstat.com/eng/
Estatísticas Oficiais de Energia do Governo dos Estados Unidos:
http://www.eia.doe.gov/
Fundo Monetário Internacional: http://www.imf.org/external/index.htm
Gazprom: http://www.gazprom.com/
Institut Française des Relations Internationales: http://www.ifri.org/
Instituto Independente de Estudos Políticos e Sócio-econômicos:
http://www.iiseps.org/eindex.html
Instituto Internacional de Sociologia de Kiev:
http://www.kiis.com.ua/index.php?id=4&sp=1&lng=eng
Kommersant: http://www.kommersant.com/
Kyiv Post: http://www.kyivpost.com/
Ministério das Estatísticas e Análises da República de Belarus:
http://belstat.gov.by/homep/en/main.html
Organização Mundial do Comércio: http://www.wto.org/
Rádio Free Europe: http://www.rferl.org/
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Ria Novosti: http://en.rian.ru/
Russia Profile: http://www.russiaprofile.org/page.php?pageid=MainPage
Russian and Eurasian Security: http://www.res.ethz.ch/
Serviço Estatal Federal de Estatística da Federação Russa:
http://www.gks.ru/wps/portal/english
The Moscow Times: http://www.themoscowtimes.com/index.htm
The Ukrainian Weekly: http://www.ukrweekly.com/
Website do Presidente da Ucrânia: http://www.president.gov.ua/en/
Website da União Européia: http://europa.eu/
Website do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia:
http://www.mfa.gov.ua/mfa/en/news/top.htm
Website do Presidente da Federação Russa: http://kremlin.ru/eng/
Website do Presidente de Belarus: http://www.president.gov.by/en/
270
ANEXO II - TABELAS
Tabela 1 – Produto Interno Bruto de Rússia, Ucrânia e Belarus – 1991-2007.
ANO RÚSSIA UCRÂNIA BELARUS
1991 - 5,0 -10,6 -1,2
1992 -14,5 -17,0 -9,7
1993 -8,7 -14,2 -7,0
1994 -12,6 -22,9 -13,2
1995 -4,1 -12,2 -10,4
1996 -3,5 -10,0 2,8
1997 0,8 -3,0 11,4
1998 -4,8 -1,7 8,3
1999 6,4 -0,2 3,4
2000 10,0 5,9 5,8
2001 5,1 9,2 4,7
2002 4,7 5,2 5,0
2003 7,3 9,6 7,0
2004 7,2 12,1 11,4
2005 6,4 2,7 4,0
2006 7,4 7,1 10,0
2007 8,1 7,3 8,2
Fonte: Anos de 1991-1998: World Economic Outlook 1999, may, 1999. Ano de 1999: World Economic
Outlook 2007, july, 1997. Anos de 2000-2007: World Economic Outlook 2008, april, 2008. Todos
elaborados pelo Fundo Monetário Internacional.
271
Tabela 2 – O petróleo e o gás natural nas exportações russas – 1992-2007.
Ano Balanço de
Pagamentos
-bens e
serviços
(em milhões
de dólares)
Balanço de
pagamentos
– bens
(em milhões
de dólares)
Total de
bens
exportados
(em
milhões de
dólares)
Petróleo e
derivados
(em
milhões de
dólares)
Gás
natural
(em
milhões de
dólares)
Outros
(em
milhões de
dólares)
1992 -69 -3,700 51,681 15,222 8,757 27,702
1993 9,013 12,605 58,608 14,385 9,591 34,631
1994 7,844 16,927 67,379 14,615 10,591 42,173
1995 6,963 19,816 82,419 18,348 12,122 51,949
1996 10,847 21,592 89,685 23,412 14,683 51,590
1997 -80 14,913 86,895 22,060 16.414 8,421
1998 219 16,429 74,444 14,507 13,432 45,506
1999 24,616 36,014 75,551 19,606 11,352 46,506
2000 46,839 60,172 105,033 36,191 16,644 52,198
2001 33,395 48,121 101,844 34,364 17,770 49,750
2002 29,116 46,335 107,301 40,366 15,897 51,037
2003 35,410 59,860 135,929 53,739 19,981 62,209
2004 59,514 85,825 183,207 78,314 21,853 83,040
2005 84,443 118,364 243,798 116,525 31,671 94,883
2006 94,367 139,269 303,550 146,955 43,806 112,789
2007 78,309 132,043 355,465 121,503 52,228 136,897
Fonte: Banco Central da Rússia.
272
Tabela 3 – Preço do barril de petróleo cru – 1991-2007
Ano Preço da época
(em dólares)
Preço corrigido para 2007
(em dólares pelo sistema
Brent)
1991 20,00 30,57
1992 19,32 28,65
1993 16,97 24,52
1994 15,82 22,37
1995 17,02 23,40
1996 20,67 27,54
1997 19,09 24,97
1998 12,42 16,69
1999 17,97 22,74
2000 28,50 34,92
2001 24,44 29,03
2002 25,02 29,06
2003 28,83 32,51
2004 38,27 42,02
2005 54,52 57,90
2006 65,14 67,03
2007 72,39 72,39
Fonte: British Petroleum
Obs. Segundo o Energy Information Administration, os preços mensais do barril de pertóleo cru pelo
sistema Brent no ano de 2008 foram os seguintes: janeiro – U$ 92,18; fevereiro – U$ 94,99; março
U$ 103,64; abril U$ 109,07; maio U$ 122,80 e junho - U$ 132,32. fonte:
http://tonto.eia.doe.gov/dnav/pet/hist/rbrteM.htm.
273
Tabela 4 Preços do gás natural vendido pela Rússia para os países da CEI e
países Bálticos e para os países europeus – 2002-2006
Ano Preço pago pelos países da
CEI e países Bálticos (em
rublos por mil metros
cúbicos)
Preço pago pelos países
europeus (em rublos por mil
metros cúbicos)
2002 1.126,40 2.446,00
2003 1.056,30 2.938,70
2004 1.046,40 2.926,50
2005 1.415,70 3.964,80
2006 2.077,40 5.238,50
Fonte: Gazprom Annual Report, 2006.
Tabela 5 Vendas da Gazprom de gás natural para seus principais consumidores
2006
Comprador Volume de gás
natural vendido (em
bilhões de metros
cúbicos)
Valor total recebido
pela Gazprom (em
bilhões de rublos)
Média de preço
(rublos por mil
metros cúbicos)
Mercado Russo 356,00 316,30 1.125,40
CEI e Países Bálticos 101,00 209,70 2.077,40
Países Europeus 161,50 845,90 5.238,50
Fonte: Gazprom Annual Report, 2006.
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