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ROSANA CLÁUDIA DA SILVA
A EMOÇÃO “MAQUIADA” DE RAZÃO: ASPECTOS PROSÓDICOS E
ARGUMENTATIVOS DE UMA PALESTRA ESPÍRITA KARDECISTA
Dissertação apresentada á Universidade de
Franca, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Flávia de
Figueiredo Pereira Bollela.
FRANCA
2008
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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca
Silva, Rosana Cláudia da
S583e A emoção “maquiada” de razão : aspectos prosódicos e argumentativos de
uma palestra espírita kardecista / Rosana Cláudia da Silva ; orientador: Maria
Flávia de Figueiredo Pereira Bollela. – 2008
102 f. : 30 cm.
Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Lingüística
1. Lingüística Discurso Espiritismo. 2. Espiritismo (kardecismo)
Palestra. 3. Palestra espírita kardecista Aspectos prosódicos. 4. Palestra
espírita kardecista Aspectos argumentativos. I. Universidade de Franca. II.
Título.
CDU – 801:82.085:133.7
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ROSANA CLÁUDIA DA SILVA
A EMOÇÃO “MAQUIADA” DE RAZÃO: ASPECTOS PROSÓDICOS E
ARGUMENTATIVOS DE UMA PALESTRA ESPÍRITA KARDECISTA
Presidente: Profa. Dra. Maria Flávia de Figueiredo Pereira Bollela
Universidade de Franca
Titular 1 Prof. Dr. Juscelino Pernambuco
Universidade de Franca
Titular 2 Profa. Dr. Antônio Suárez Abreu
Universidade estadual Paulista - Araraquara
Franca, 10/03/08
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares pelo apoio e incentivo ao longo de toda esta jornada e,
sobretudo pela crença depositada;
à minha orientadora, Profa. Dra. Maria Flávia de Figueiredo Pereira Bollela, por
ter me mostrado o caminho a percorrer com ensinamentos que ultrapassaram o aspecto
acadêmico;
aos meus amigos pela força e, em especial, à Maíra uma alma magnânima, que
muito contribuiu para a realização deste trabalho;
aos meus sobrinhos, meu tudo na vida.
A enunciação da palavra ganha em si mesma valor de ato simbólico:
graças à voz ela é exibição e dom, agressão, conquista e esperança de
consumação do outro; interioridade manifesta, livre da necessidade
de invadir fisicamente o objeto de seu desejo: o som vocalizado vai de
interior a interior e liga sem outra mediação, duas existências.
Paul Zunthor
RESUMO
SILVA, Rosana Cláudia da. A Emoção “Maquiada” de Razão: Aspectos Prosódicos e
Argumentativos de uma Palestra Espírita Kardecista. 2008. 102 f. Dissertação (em
Lingüística) – Universidade de Franca, Franca.
Esta dissertação estuda a atuação dos elementos prosódicos na palestra espírita kardecista, um
discurso religioso de ordem doutrinária, procurando conhecer como a velocidade da fala e o
volume, elementos prosódicos, operam argumentativamente corroborando para que se efetue
a persuasão. O corpus deste trabalho é composto pela gravação em áudio de uma palestra
realizada por Divaldo Franco: Provas Científicas da Existência de Deus. São analisados os
aspectos orais do discurso religioso que toma forma de palestra em sua constituição
argumentativa, para verificar a relação entre a prosódia e a argumentação com objetivo de
persuadir. A pesquisa levou em conta os elementos verbais do discurso para a produção dos
efeitos de sentido em um discurso cuja pretensão é induzir a crença com base em raciocínios
que se pautam pela razão, mas que, no entanto, apresenta uma gama de elementos do plano da
emoção. Para realizar a ação proposta, a análise fundamentou-se na Fonética e na Fonologia,
na Nova Retórica e Argumentação e na Análise da Conversação. O estudo permitiu verificar
que a morosidade e a entoação monocórdica o traços constitutivos da palestra analisada.
Comprovou também que, os elementos prosódicos, em especial, volume e velocidade,
agregam a palestra uma maior dinamicidade. Fato que se mostra com mais evidência nos
momentos em que o orador manifesta construções discursivas ligadas mais ao ethos e ao
pathos do que ao logos. A análise revelou ainda, que os elementos prosódicos e
argumentativos articulados conjuntamente no discurso proferido pelo orador emprestam à
palestra um aspecto mais emocional do que racional em oposição ao que defende no plano
semântico. Deste modo, espera-se que a pesquisa contribua com os estudos já realizados sobre
o assunto, despertando o interesse por novas pesquisas.
Palavras Chave: Prosódia; oralidade; argumentação; palestra espírita.
ABSTRACT
SILVA, Rosana Cláudia da. Elementos Prosódicos e Argumentativos na Palestra Espírita
Kardecista com Função Persuasiva. 2008. 102 f. Dissertação (em Lingüística) Universidade
de Franca, Franca.
This dissertation studies the performance of prosodic elements, speech speed and volume, in a
kardecist spiritist lecture, a religious doctrinal discourse, in order to learn about their
argumentative working towards persuasion. The audio recording of the lecture Provas
Científicas da Existência de Deus by Divaldo Franco constitutes the corpus. The oral aspects
of this religious discourse are analyzed to verify how the relationship between prosody and
argumentation leads to the act of persuading. The research has considered the verbal elements
which produce meaning in a discourse which, on the one hand, has the aim of inducing belief
based on reasoning, and on the other hand, has a series of elements connected to the emotions.
The analysis has as its fundamentals the principles of Phonetics and Phonology, of the New
Rhetoric and Theory of Argumentation and of Conversation Analysis. This study made it
possible to verify that moroseness and monochordic intonation are constitutive traits of the
analyzed lecture. It is also important to note that the prosodic elements, especially volume and
speed, give more dynamicity to the lecture, what is most noticeable when the lecturer uses
discursive constructions more related to ethos and pathos than to logos. In addition, it can be
stated that the prosodic elements together with the argumentative ones lead the text to a more
emotional side in contrast with the rational one expressed in semantic terms. Finally, this
investigation may contribute to the studies already done in this area and also raise the interest
for new researches.
Keywords: Prosody; orality; argumentation; spiritis lecture.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 —
Saudação Espírita
42
Figura 2 —
Aconselhamento
44
Figura 3 —
Máxima Espírita
46
Figura 4 —
Hipotipose
50
Figura 5 —
Deus Morreu
51
Figura 6A
Casal Stanford
52
Figura 6B
Digressão
54
Figura 7 —
Sermão
56
Figura 8A O pescador
60
Figura 8B
Leland
62
Figura 9 —
Morte de Leland
64
Figura 10A —
Exemplo de pseudodiscurso
67
Figura 10B —
Creio
68
Figura 11 —
Submissão
70
Figura 12 —
Ironia
72
Figura 13 —
O Feminino
74
Figura 14 —
Onomatopéia
76
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10
1. O DISCURSO RELIGIOSO....................................................................................... 15
1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO RELIGIOSO ......................................... 15
1.1.2 A palestra espírita kardecista: uma breve caracterização .............................................. 16
1.1.3 A palestra de Divaldo Franco......................................................................................... 20
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS. ................................................................................. 22
2.1 A PROSÓDIA................................................................................................................. 22
2.1.1 Uma breve caracterização do termo................................................................................ 22
2.1.2 Funções dos elementos supra-segmentais prosódicos ................................................... 24
2.1.3 As diferentes funções dos elementos prosódicos no discurso ........................................ 26
2.2. A ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO ............................................................................. 29
2.3 TEORIAS RETÓRICO-ARGUMENTATIVAS ........................................................... 31
2.3.1 A retórica ........................................................................................................................ 31
2.3.2 A concepção de auditório ............................................................................................... 34
2.3.3 O acordo na argumentação ............................................................................................. 35
2.3.4 As figuras ....................................................................................................................... 36
2.3.5 Tipos de argumento ........................................................................................................ 37
3. ANÁLISE ..................................................................................................................... 38
CONCLUSÃO........................................................................................................................ 78
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 81
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ...................................................................................... 84
ANEXOS ................................................................................................................................ 85
10
INTRODUÇÃO
A presente dissertação estuda a atuação dos elementos prosódicos na
palestra espírita kardecista, um discurso religioso de ordem doutrinária,
procurando conhecer como a velocidade da fala e o volume, elementos
prosódicos, operam argumentativamente corroborando para que se efetue a
persuasão. O corpus deste trabalho é composto pela gravação em áudio de uma
palestra realizada por Divaldo Franco: Provas Científicas da Existência de
Deus. São analisados os aspectos orais do discurso religioso que toma forma de
palestra em sua constituição argumentativa para verificar a relação entre a
prosódia e a argumentação com objetivo de persuadir.
A escolha pelo estudo do discurso religioso é fruto de observações pessoais, a
partir de vivência de mudanças históricas e sociais. Além disso, foi na posição de participante
de um grupo de pesquisa, que tem o texto religioso como objeto de análise, que surgiram
questionamentos acerca do significativo número de trabalhos sobre o discurso religioso
católico e evangélico e, consequentemente, o interesse pelas manifestações lingüístico-
discursivas presentes em outras configurações religiosas.
A partir de um levantamento de pesquisas, observou-se que um dos
seguimentos religiosos que apresenta significativa relevância numérica na conjuntura
brasileira é o espiritismo. Nos dados do último censo (de 2000), os kardecistas são
mensurados em cerca de 2,2 milhões de adeptos (Lewgoy, 2006). Esse fato gerou o interesse
em conhecer o indivíduo partícipe do espiritismo em sua constituição discursiva e também
como e quais elementos lingüísticos e argumentativos são usados na palestra, além das
estratégias de convencimento que podem corroborar o êxito na recepção de novos adeptos.
A escolha por analisar os aspectos da discursividade deve-se ao fato de ser a
palestra um meio de manifestação do kardecismo pouco conhecido fora das hostes do
espiritismo, além de ser uma das formas de doutrinação coletiva de um segmento que não
apresenta um conjunto de atos ritualísticos para a pregação. A partir da observação, surgiu
uma característica marcante do grupo dos kardecistas em relação a seus textos orais: um
público silencioso, a ausência de pregações em volume alto e bastante lentas em relação á
11
velocidade de fala. Tal ocorrência lingüística levou a questionamentos sobre a função desses
elementos lingüísticos na palestra, sua contribuição para o aspecto argumentativo e
persuasivo. Assim, surgiu o interesse em investigar a palestra, um texto religioso espírita oral,
sob o escopo das teorias fonológicas, mais precisamente da Prosódica, e da teoria da
argumentação com enfoque nas figuras retóricas buscando, assim, compreender os valores
semânticos que o uso da figuras argumentativas agregam ao processo da persuasão.
Elegeu-se a oralidade por esta ser um dos poucos elementos que se assemelha
aos ritos religiosos coletivos tradicionais. Portanto, a escolha se deu pelo estudo das
incidências contidas na fala. Assim, os elementos prosódicos se revelaram um ponto
interessante para o estudo do texto como instrumento que contribui para persuadir. Scarpa
(apud BOLLELA, 2006, p. 2) evidencia os estudos prosódicos como um campo bastante
profícuo, pois estaria “na encruzilhada entre prosa e poesia, lingüística e engenharia do som,
entre sintaxe e semântica, entre fonética e fonologia entre língua e discurso”.
A pesquisa busca desenrolar-se na “intersecção entre a língua e o discurso”.
Para tanto, optou-se por dar maior ênfase ao elemento prosódico da variação da duração, a
velocidade da fala, e ao elemento prosódico da intensidade sonora, o volume que, aliados aos
conceitos da Nova Retórica e da argumentação, procuram refletir sobre os efeitos de sentido
que as modulações vocais empregadas podem trazer ao enunciado. Os demais elementos
prosódicos serão mostrados no decorrer da análise quando sua presença for significativa para
análise.
O objetivo desta pesquisa é verificar de quais formas os elementos prosódicos da
velocidade da fala e da intensidade sonora, aliados a recursos argumentativos, concorrem para
que ocorra a persuasão na palestra espírita kardecista.
Para o presente estudo, será utilizada como corpus uma palestra em áudio, com
tempo total de 73 minutos e 18 segundos, do orador Divaldo Franco cujo título é Provas
Científicas da Existência de Deus. Para a análise acústica dos elementos prosódicos utilizou-
se o programa computacional de engenharia de som: Praat (versão 4.1).
O referido orador foi escolhido por ser um dos mais tradicionais e conhecidos
divulgadores da doutrina kardecista e gozar de significativa notoriedade no meio espírita.
Com 80 anos de idade, 50 deles dedicados à doutrina, Divaldo Franco é também autor de
diversos livros de psicografia e tem ministrado palestras no Brasil e no mundo nesses 50 anos.
É um orador que realizou mais de 11.000 palestras em mais de 2.000 cidades em todo
Brasil e em 62 países. Possui ainda um programa semanal na TV Mundo Maior que se chama:
Conversando Com Divaldo Franco. Além destas atividades, o orador realiza obras sociais na
12
Bahia que são conhecidas em todo o meio religioso. Ele é, na atualidade, uma referência para
os espíritas kardecistas brasileiros.
Este trabalho poderá contribuir para entender como os elementos supra-
segmentais da velocidade e volume atuam argumentativamente no texto oral religioso espírita.
Entendimento este que poderá suscitar questionamentos que levem em consideração a
argumentação e a prosódia. Ademais, uma análise de elementos argumentativos e elementos
supra-segmentais em consonância pode suscitar novos olhares teóricos em estudos
lingüísticos futuros. Apesar da existência de muitos trabalhos sobre o discurso religioso e a
prosódia, notou-se que ainda não estudos voltados para a relação entre prosódia e
argumentação dentro do texto religioso espírita nas ciências lingüísticas e um olhar
aprofundado sobre o assunto pode contribuir com dados e reflexões em estudos futuros.
O discurso religioso vem sendo enfocado sob diferentes perspectivas,
entretanto, estas seriam basicamente a partir do aparato teórico da Análise do Discurso e
muito pouco sobre o aspecto da oralidade. Os estudos geralmente são sobre os textos
evangélicos ou católicos. Esta pesquisa se utilizará de outras vertentes metodológicas
buscando promover novos avanços enfocando os aspectos orais do texto e, mais precisamente,
a função argumentativa dos elementos prosódicos na palestra espírita que, na atualidade, não é
uma vertente muito explorada pelas ciências lingüísticas.
O espiritismo brasileiro tem sido pesquisado por diferentes áreas das ciências
humanas. São encontradas pesquisas nas áreas das ciências médicas, como é o caso da
pesquisa intitulada: Apoio social e religião: uma forma de enfrentamento dos problemas de
saúde, apresentada como dissertação de mestrado por Márcia Cristina. L. C. Pietrukowicz na
Fundação Oswaldo Cruz em 2001. Nesse trabalho, a autora se propõe a investigar a relação
entre a prática religiosa e as ações relacionadas à saúde procurando entender o papel das
entidades religiosas como apoio social. Na área de promoção de saúde existem muitas
pesquisas que fazem da religiosidade espírita seu objeto de estudo. um grande interesse
também na área da psicologia, psicanálise e psiquiatria.
O Direito também tem realizado estudos nesse campo. Algumas dissertações
que enfocam diretamente o espiritismo como: O Direito Autoral na Obra Psicografada,
dissertação de mestrado realizada na UNESP (1999) por Eliseu F. da Mota Jr, na qual discute
a questão da autoria da obra psicografada procurando responder a indagação sobre quem seria
o titular dos direitos autorais. O autor analisa outras explicações para o fenômeno da
Psicografia recordando como tais textos foram utilizados como prova judicial em processos e
cita o “caso Humberto de Campos” no qual os herdeiros do escritor, detentores dos direitos
13
autorais, moveram uma ação na justiça contra o médium Chico Xavier e a FEB (Federação
Espírita Brasileira). Pois, após a morte do escritor, surgiram na literatura mediúnica, obras
psicografadas por Chico Xavier cuja autoria foi atribuída ao escritor maranhense. A família
pedia que a justiça decidisse se as obras eram ou não do “Espírito de Humberto de Campos”.
Em caso negativo pleiteavam a apreensão das obras e punição para os responsáveis pela
circulação das mesmas. Em caso afirmativo, pediam uma decisão sobre quem seriam os
destinatários legais dos direitos autorais da obra mediúnica: a família ou a FEB. O juiz não
aceitou a ação afirmando que ao morrer, o indivíduo perde seus direitos civis, portanto,
Humberto de Campos não poderia retomá-los.
Este é um campo das ciências humanas que tem se dedicado a pesquisas que
mostram o inusitado de algumas decisões judiciais que tomaram como prova dos autos, textos
psicografados. Fatos indicativos de mudanças na área das Ciências Jurídicas, Sociais e
Aplicadas, como é o caso da obra de M. Timponi de (1959) A Psicografia Ante os Tribunais
que relata como pela primeira vez em um tribunal brasileiro os textos psicografados têm
assegurada sua autenticidade.
Outro segmento que produz estudos sob este tema é a antropologia. As
pesquisas antropológicas são as que mais têm se dedicado à questão do espiritismo na área
científica no Brasil. Destacam-se também as investigações que se voltam para a história do
movimento, como é o caso da tese de doutorado de Sandra J. Stoll (1999): Entre Dois
Mundos: o Espiritismo da França e do Brasil. Outros trabalhos traçam o perfil da doutrina
através de seu maior representante, Chico Xavier. E, ainda, outros estudos se voltam para a
questão da instrução acadêmica dos espíritas como a tese de doutorado de B. Lewgoy (2000),
Os Espíritas e as Letras - Um Estudo Antropológico Sobre a Cultura Escrita e Oralidade no
Espiritismo Kardecista, na qual investiga a questão do letramento dos espíritas no Brasil.
Nas ciências lingüísticas foi encontrado apenas um trabalho que enfoca ao
texto kardecista sob o ponto de vista do discurso: a dissertação de mestrado de A. C. Damazo
Análise de Assunto de Conto Espírita por Meio de Percurso Figurativo e do Percurso
Temático defendida em 2006, na Universidade Estadual Paulista de Marília. Convém ressaltar
que esta é uma pesquisa realizada na área da Ciência de Informação e o aparato metodológico
da Semântica Discursiva foi utilizado no processo de interação entre as duas ciências. O
discurso espírita, enfocado sob o aspecto da oralidade ou da fala em seus elementos
constitutivos, tem recebido pouco ou nenhum destaque nos estudos lingüísticos atuais. Assim,
percebê-lo sob a ótica de sua prosódia constitui-se em uma possibilidade de conhecimento
14
muito promissora para os estudos do texto em seus aspectos orais, uma vez que pode revelar
alguns aspectos da persuasão que ainda não foram contemplados ou evidenciados.
O trabalho se divide em três capítulos. O primeiro capítulo trata da constituição
do discurso religioso de modo geral e descreve as características da palestra espírita
conceituando-a como um discurso religioso e procurando apontar no corpus as incidências
apresentadas. O segundo versa sobre a fundamentação teórica utilizada: a Prosódia, que se
prestou para lançar um olhar sobre o aspecto oral do discurso e a Análise da Conversação que
se revelou mais profícua no estudo das narrativas da palestra e, por fim, a Nova Retórica com
a concepção de argumentação e figuras retóricas que forneceu bases para a investigação dos
aspectos argumentativos do corpus. O terceiro capítulo constitui-se da análise propriamente
dita, que foi realizada com o auxílio do programa computacional Praat .
A cultura brasileira se mostra permeada por práticas espíritas e, como esse
segmento religioso se mostra cada vez mais presente no cotidiano da sociedade, são
interessantes estudos que busquem conhecer o indivíduo que participa desse segmento,
conhecer as práticas sociais do homem por meio do seu discurso.
15
1.
O DISCURSO RELIGIOSO
1.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O DISCURSO RELIGIOSO
Orlandi (1987) define o discurso religioso como aquele em que “fala a voz de
Deus: do padre, do pregador ou de qualquer representante seu”. Ainda faz uma distinção entre
discurso teológico e religioso. O primeiro seria aquele em que a mediação entre a alma
religiosa e o sagrado seria feita por uma sistematização dogmática das verdades religiosas,
conseqüentemente mais formal, e o último seria aquele em que uma relação espontânea
com o sagrado, mais informal.
A palestra espírita kardecista
1
é uma atividade discursiva que se manifesta via
explanações orais e que possui uma intenção clara em sua tessitura: instruir os adeptos. Esta
finalidade específica a inclui na categoria de discurso religioso autoritário-persuasivo porque
põe, diante do ouvinte, a forma mais visível de persuasão e, concomitantemente, o mais
invisível eu persuasivo (CITELLI 2005, p. 61). A partir dessas observações, procura-se
verificar como é construída a relação do homem com Deus - que se presentifica na
conferência oral apresentada por Divaldo Franco.
As reflexões que seguem se baseiam nas teorias de Nascimento (1993) sobre o
discurso religioso católico. Conforme o autor, homem e religião se refletiriam na e pela
linguagem que oferece possibilidades de compreender o mundo, sendo ela também produtora
de discurso, um modo de o homem expressar como vive em relação a este. Assim, a palavra
objetiva constituiria um universo discursivo em que a relação homem e religião estariam em
íntima comunhão em um discurso coeso e coerente. O discurso religioso se estabeleceria na
relação simétrica e, o ato de crer, a fé, ajudaria o homem a transpor a noção do sagrado para
todas as coisas, uma vez que a concepção de religião manifestada evidenciaria com isso, a
existência de um ser que se diz na palavra.
Para o autor, o discurso religioso se estabelece simetricamente, ou seja, ambos,
Deus e homem, podem pertencer a ordens de mundos correspondentes. Ainda para
Nascimento (1993), o homem no mundo atual, na intenção de se ligar à divindade, supera a
1
O termo palestra espírita kardecista será empregado para se referir especificamente a pregação dos seguidores
de Kardec, uma vez que no Brasil, o termo espírita é também designativo das religiões afro como a umbanda e
outras.
16
dependência e ocupa o lugar dos deuses com a repetição de falas e gestos em uma construção
de mundo pautada no racional em oposição ao mundo mítico. O ritual é o espaço em que o
homem constrói racionalmente a dicotomia dos planos temporal e espiritual e todo dualismo
proveniente desta relação. O ser humano, através do sagrado, ocuparia o lugar dos deuses que
se recolheriam discursiva e dialeticamente na linguagem e nos gestos do primeiro de forma
que, a palavra de Deus e a palavra do homem ritualizado se tornariam inseparáveis no ato de
produção de sentido.
Outro aspecto considerado seria a questão da argumentação como um ato
lingüístico decorrente de uma ideologia subjacente na qual a persuasão apresentaria um
caráter ideológico, subjetivo e temporal que objetivaria alcançar o sentimento e a vontade do
ouvinte via argumentações verossímeis que o conduzissem à adesão. E a verdade, sendo um
produto cultural, não deve ser regulada, o que lhe garantiria novas e sucessivas interpretações.
Dessa forma, o discurso religioso não seria monossêmico porque sendo ele tecido, a ordem de
tessitura seria polissemia, ou de outra forma não seria inteligível. Ainda segundo Nascimento
(1993), as palavras que o constituiriam se abrem em diferentes épocas a diferentes leituras
produzidas no processo sociodiscursivo que é cultural.
Outro fator que adquire importância é a intertextualidade que, para o autor,
adquire valor de persuasão por decorrer de interpretação institucionalizada respaldada nas
teorias exegético-hermenêuticas. No discurso religioso, a intertextualidade funciona como
elemento que agrega credibilidade à relação locutor-ouvinte e ao discurso que é gerado no
processo de comunicação.
1.1.2 A palestra espírita kardecista: uma breve caracterização
Em todos os segmentos religiosos os ensinamentos se propõem a sedimentar as
relações entre o fiel e a religião. A forma oral como tais ensinamentos podem ser ministrados
variam, mas são fundamentais para a dinâmica homem/religião devido ao cunho de
proximidade que empresta à relação. Os kardecistas possuem uma interação bastante estreita
com a escrita como elemento didático de doutrinação. A leitura e o estudo das obras que
buscam instruir é um forte ponto que concerne a esse grupo. No tocante a oralidade, a forma
para doutrinar, externamente manifestada, é a palestra.
17
Como não ainda estudos detalhados na área da lingüística sobre o assunto, as
definições e descrições aqui apresentadas advêm de alguns trabalhos realizados,
principalmente na área da Antropologia bem como de observações da pesquisadora.
A forma mais corrente que os espíritas kardecistas têm para divulgar as suas
crenças e realizar os ensinamentos coletivamente é por meio das palestras - que são
consideradas conversas informais, reuniões que acontecem nas próprias casas espíritas.
Nestas, um orador, geralmente um adepto da doutrina, que pode ser da casa espírita em
questão ou convidado de outra instituição espírita, que conduz a explanação. Essas reuniões
abertas ao público têm uma curta duração, 30 minutos ou pouco mais que isso.
Essas conferências informais pretendem mostrar a mensagem espírita
estruturada de forma clara, simples e à luz dos ensinamentos da doutrina de Kardec, da
maneira mais didática possível, além de refletir o tríplice aspecto da doutrina: ética, filosofia e
ciência. Afigura-se como uma atividade comunicacional, que adota um estilo “íntimo”,
estabelecendo uma postura de familiaridade, nos ideais de amor e caridade ancorada na crença
da fraternidade universal.
Os assuntos enfocam temas atuais filtrados ou interpretados pelos ensinamentos
doutrinários. As relações interpessoais também são informais e, aparentemente, não se
estabelece uma organização hierarquizada - o que confere uma feição de informalidade nas
atividades religiosas dos espíritas.
Ainda se pensando sobre a questão da informalidade é interessante tecer algumas
considerações sobre a forma de rezar que aparece nas palestras. As preces espíritas são
“concebidas como uma relação direta de elevação e contato com a espiritualidade superior”
(CAVALCANTI apud LEWGOY, 2004, p. 271), geralmente abrem todos os “trabalhos
2
”que
acontecem nas casas espíritas. Não um padrão rígido a ser seguido, as palestras podem se
dar antes ou depois dos passes
3
. As preces curtas e sem um formato lingüístico pré-definido
estabelecido iniciam as palestras. Podem ser compostas por um pai nosso, com algumas
alterações, ou uma recitação livre, isto é, uma forma improvisada de entonação rítmica e
pausada em voz alta. A oração pode ser individual ou coletiva, realizada por algum membro
da casa espírita ou pelo próprio palestrante, e é acompanhada pelos participantes/adeptos de
três maneiras: através da recitação grupal de uma prece decorada (só no caso do Pai Nosso
2
Todas as atividades realizadas em uma casa espírita,sejam estas de doutrinação ou de assistência social
recebem o nome de trabalhos em referência direta com a concepção de serviço que a doutrina possui.
3
Passe é a projeção das mãos na troca de fluidos magnetizados, doados pelo operador, e fluidos espirituais
trazidos pelos Espíritos com poderes curativos que são absorvidos pela pessoa necessitada por meio dos centros
vitais os chacras, acumuladores e distribuidores de energias localizados no perispírito.
18
tida como oração universal e primeira pelos kardecistas), ou mentalmente sem nenhuma
expressão sonora ou em voz sussurrante, quase inaudível. As duas últimas formas são as mais
empregadas.
Durante a palestra, o auditório fica sentado e não se levanta, nem mesmo na hora
da prece. É necessário o conforto físico porque o corpo não deve interferir nas atividades do
espírito neste momento considerado como importante “instante de elevação espiritual, de
comunhão com o alto, atitude interior” (LEWGOY, 2004, p. 272).
Após a prece, inicia-se a palestra cuja temática pode ser sobre uma passagem
selecionada do Evangelho Segundo o Espiritismo
4
ou um tema livre. Este é um dado
importante, pois difere das religiões cristãs que se baseiam na Bíblia. A obra de Kardec
adquire valor de escritura sagrada. Verifica-se uma organização discursiva que obedece a uma
rigorosa observância de tempo, o orador apresenta um timing discursivo preciso para
organizar a sua fala no tempo adequado. A maioria dos oradores exibe um comportamento
retórico e lingüístico semelhante. Também a atitude corporal é bastante comedida não fazendo
uso de gestos bruscos ou largos. Há, evidentemente, diferenças de acordo com as faixas
etárias e é perceptível que esta característica de maior comedimento é mais acentuada em
oradores com mais tempo de doutrina, como é o caso do orador em questão neste estudo.
A palestra é geralmente uma apresentação oral, que pode vir acompanhada de
fundo musical ou não. Ela é feita sem tom acusatório e o que parece prevalecer é a feição de
aconselhamento. Esse discurso doutrinário tem uma roupagem persuasiva, pois o tom
empregado pelo orador é de aconselhamento, de conversa e procura levar o adepto a refletir
sobre falhas ou sobre os temas em questão nos ensinamentos que levem a reforma íntima
5
. O
orador usa um padrão vocal que não produz grandes oscilações de volume, observa-se que
poucos momentos de elevação da voz.
As palestras possuem uma função pedagógica, uma vez que os ensinamentos
devem propiciar elementos que levem o adepto a refletir e fazer a “reforma íntima”.
Consoante Lewgoy (2004), as palestras espíritas são um momento de revelação por parte do
orador, de controle de técnicas retóricas e corporais em que predominam as máximas
4
O Evangelho Segundo o Espiritismo é uma das cinco obras fundamentais para o estudo na doutrina chamadas
de Pentateuco Kardequiano. Elas são em ordem de publicação: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O
Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese. Os livros de Kardec trazem concepções
doutrinárias que buscam explicar e interligar concepções diversas como: origem da vida, as criaturas humanas e
seus destinos, conduta moral nos diferentes graus de evolução e sua conexão com a trajetória espiritual em
processos de reencarnação e formas de comunicação entre mortos e vivos
.
5
O conceito de reforma íntima concerne a mudanças comportamentais que se realiza lentamente por intermédio
da prece, meditação, prática de boas obras (no conceito do Espiritismo) e da prática do amor fraterno.
19
doutrinárias. Além disso, as explanações devem possuir mensagens acessíveis e úteis
embasadas pela razão, o cunho lógico é essencial na doutrina que busca articular os elementos
fé e razão.
É bastante comum que as palestras se pautem por um trecho determinado do
evangelho. O orador, após uma breve leitura, discorre sobre o texto da escritura que é
explicado. Pode ser também um tema livre escolhido de um fato da atualidade e comentado à
luz dos ensinamentos da doutrina kardecista.
Se a palestra é planejada, o orador poderá lançar mão dos ensinamentos e
máximas de modo generalizado, procurando encadear as partes para atuarem como elementos
de progressão do discurso e nas transposições dos assuntos abordados. No final, o orador
retoma os tópicos mais relevantes que foram abordados durante a palestra, a qual pode ser
finalizada com uma oração, citação, convocação ou ilustração.
uma apresentação improvisada apresenta uma maior descontinuidade, uma
fragmentação que faz com que
as máximas e generalizações sejam continuamente costuradas e dissertadas no
decorrer do tempo, alimentando o fluxo discursivo constituído não apenas da
estrutura tradicional de um “começo-meio-e-fim” em que as fórmulas verbais fazem
o papel de partículas aditivas entre os segmentos da fala.
(LEWGOY, 2004, p. 277)
As máximas vão se encadeando e alimentando o fluxo discursivo em constantes
idas e vindas na mensagem.
Uma palestra pode ser lida, esboçada ou decorada. No entanto, é essencial que
essa processe uma fácil transição entre o tema e as máximas que Lewgoy (2004, p. 277)
define como “uma espécie de ensinamento condensado, que permite a fixação mnemotécnica
da doutrina num corpus de frases curtas por exemplo ‘viemos ao mundo para ser testados’
ou ‘orai e vigiai’, etc. cumprindo um papel didático, como num sermão”. E, ainda, para o
autor, essas formações lingüísticas dão uma compreensão dos preceitos doutrinários nos
diversos níveis de aprofundamento em que o adepto se encontre.
Pode-se dizer que o uso das máximas é uma forma de codificação para os
adeptos do espiritismo e, ao mesmo tempo, um elemento coesivo que trabalha na construção
da argumentação do orador, evitando que este se perca no momento da ação da palestra.
Devido a sua estrutura composicional curta e de fácil memorização, as máximas atuam
também como operadores discursivos que preenchem brancos da fala e elementos que se
prestam ao efeito conclusivo no discurso. Os efeitos semânticos das máximas vão muito mais
além que a sua composição estrutural. São estratégias, que “costuram fragmentos discursivos
20
em pequenas totalidades que condensam em clichês os princípios da doutrina espírita”
(LEWGOY, 2004, p. 277).
Outra característica da palestra é a forma como os oradores procuram fundir-se
em simpatia com o auditório de um modo que pareça que compartilham suas idéias, ao
mesmo tempo em que afastam a noção de importância pessoal, vaidade e orgulho, através de
um procedimento simples, o uso do plural de modéstia ou plural majestático conjugando os
verbos na primeira pessoa do plural o “nós”, fato que também aumenta a sensação de
proximidade.
Além de todos os recursos utilizados nas palestras, as generalizações são
fundamentais para sua eficácia por permitirem uma grande mobilidade discursiva e
possibilidades variadas de adaptação aos diversos assuntos. Isto facilita a identificação do
auditório com os diversos assuntos abordados e a conseguinte incorporação da idéia, pois a
palestra busca causar uma forte impressão que leve o ouvinte a querer crer ou agir.
A palestra espírita é um momento de aprendizado coletivo para os kardecistas e,
por isso, constrói-se com o apoio das máximas que atuam como pequenos sermões cujo efeito
semântico envolve uma reflexão mais aprofundada acerca do que deve ser feito no processo
de reforma íntima.
1. 1. 3 A palestra de Divaldo Franco
O corpus, uma palestra em áudio de 73 minutos e 18 segundos proferida pelo
orador Divaldo Franco com o título de Provas Científicas da Existência de Deus, inicia-se
com uma saudação que ao mesmo tempo vale como uma prece. o uso quase constante do
plural majestático na forma de “nós” e parece ser uma palestra decorada.
Em seguida, o orador inicia uma narrativa bastante minuciosa que se projeta no
passado, mais precisamente na França pós-revolução para relatar como a figura da divindade
(Deus) foi banida em 1793 pelo discurso de Gaspard Chaumétte. Em seu lugar foi eleita a
razão como fonte de todas as crenças e a narrativa segue para 1804 quando Napoleão re-
introduz Deus de volta ao solo francês em meio a manobras políticas. As relações do homem
com Deus são traçadas na história até os anos 60, quando um professor de história natural,
Cressey Morisson, publica uma obra que traz sete razões científicas para crer em Deus.
21
A palestra é planejada e o orador vai lançando mão dos ensinamentos e das
máximas para fazer a progressão dos assuntos e a transposição para novos tópicos.
Nesse ponto da palestra, o orador vai gradativamente expondo os argumentos,
as sete razões que devem levar a confirmação da existência da Deus e, durante essa parte,
fornece também dados numéricos. Como o assunto é árido e longo, o orador introduz alguns
comentários jocosos. Após ter exposto todas as razões, insere uma máxima curta (Deus é
amor) - a qual mobilidade discursiva à palestra e opera como elemento de transição para
outra narrativa, trazendo ensinamentos de forma generalizada.
Na segunda parte da palestra, o orador conta a história do casal Stanford e seu
filho Leland e o fato que culminou na construção da Universidade de mesmo nome.
Ao final da narrativa, o orador retoma a máxima (Deus é amor) para recapitular
a primeira parte da palestra e conectá-la a um novo tópico discursivo. Além dessa, inclui uma
outra máxima (Fora da caridade não salvação) para o encadeamento discursivo. Procede a
um breve aconselhamento ao qual empresta tom de consolo e ensinamento. Para finalizar,
recita um poema que serve como convocação, o poema da gratidão.
22
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Este capítulo objetiva a apresentar as principais teorias que fornecerão subsídios
para a análise do corpus apresentado.
2.1 A PROSÓDIA
Nos textos falados, pode-se reconhecer a presença de dados que têm a intenção
de persuadir. O discurso religioso, por exemplo, é revestido de autoridade cuja intenção é
convencer de um modo mais aprofundado, levando a um agir: crer. A Prosódia é uma área das
ciências lingüísticas que permite que se lance um olhar a esse discurso, possibilitando uma
investigação do valor dos sons em uma língua, melhor dizendo, as nuances semânticas
empregadas pela voz do orador no momento da pronunciação do discurso que podem reforçar
ou induzir à adesão.
2.1.1 Prosódia: uma breve caracterização do termo
O termo prosódia em sua acepção de dicionário é tido como:
1. parte da gramática tradicional que se dedica às características da emissão dos sons
da fala, como acento, entonação; 2. boa pronúncia, ortoépia; 3. estudo da acentuação
vocabular; 4. conjunto de características que acompanham o som, mas não é um
elemento segmental, como a acentuação tônica, a duração, os tons; adaptação da
métrica de um texto de música (Dicionário Houaiss Eletrônico, 2001).
Essa é uma definição que não parece ser suficiente para uma análise lingüística.
Consoante Scarpa (apud BOLLELA, 2006, p.113-114), em sua acepção histórica, o termo
remonta da época grega antiga como um designativo dos traços melódicos que não eram
representados ortograficamente, ou seja, acentos de tom ou melódicos que futuramente
foram introduzidos na escrita sob a forma de símbolos ortográficos. Etimologicamente, o
termo prosódia vem do grego Pros e Odos, para João Nunes de Andrade (1841, apud
23
MATEUS, 1996, p. 4), Pros vale o mesmo que a palavra latina Ad e Odos, equivalente a
palavra latina Cantus e ambas trazem Accentus. Isabel Pereira (apud MATEUS, 1996, p. 4)
faz referência à mesma origem grega: Pros, junto e Ode, canto, “atribuindo uma significação
de melodia que acompanha o discurso e, na língua grega, mais precisamente, o acento
melódico que a caracteriza”. E, ainda, de acordo com Bollela (2006), os acentos tonais e
melódicos do grego clássico sofreram mudanças e o termo prosódia foi se reduzindo
passando, então, a designar diferenças de duração e acento e, por volta do século XV, foi
concebido como versificação.
No decorrer dos séculos, várias definições se colocaram para o termo prosódia.
Muitos gramáticos tinham-no como um campo que se ocupava da pronúncia dos diferentes
sons das palavras. Ou, então, apresentavam-no como algo relacionado às regras ortográficas e
como constitutivo do falar com correção, sinônimo de erudição. Em 1970, Cunha e Cintra em
sua Gramática do Português Contemporâneo trazem o verbete prosódia como sinônimo de
pronúncia correta. Para os gramáticos normativos, os aspectos prosódicos eram vistos apenas
como características fônicas de um padrão culto que envolvia a boa pronúncia de uma
variante de prestígio da língua. Também podia ser designado como o sotaque, incidência
sonora de natureza regional, social, etc.
O termo prosódia durante muito tempo se ligou às características da poesia
(ritmo, verso, tipo de rima), depois passou a se referir a diferentes aspectos do som e das
relações estabelecidas na cadeia sonora e, em outros domínios da língua, é um estudo
fundamental hoje para o conhecimento da língua principalmente no que tange à oralidade.
Scarpa (apud BOLLELA, 2006, p. 114) oferece uma definição que responde à difícil questão,
o que é prosódia?
O termo recobre, nos estudos lingüísticos, uma gama variada de fenômenos que
abarcam os parâmetros de altura, intensidade, duração, pausa, velocidade de fala,
bem como o estudo dos sistemas de tom, entoação, acento e ritmo das línguas
naturais.
A Lingüística veio se ocupar deste aspecto da ngua e, na atualidade, o termo
prosódia refere-se ao conjunto de fenômenos fônicos que se localizam além ou "acima"
(hierarquicamente) da representação segmental linear dos fonemas (cf.. BOLLELA, 2006,
p.114) Disso decorre o fato de poder utilizar, indiscriminadamente, a expressão elementos
prosódicos ou elementos supra-segmentais. “Porém, uma vez que os fatos fônicos segmentais
e os prosódicos são interdependentes, tem-se privilegiado o uso do termo prosódia em
detrimento de supra-segmento” (BOLLELA, 2006, p. 115).
24
2.1.2 Funções dos elementos supra-segmentais prosódicos
Os supra-segmentos prosódicos desempenham funções que, de modo geral,
podem ser tomadas como funções de significado estrutural (sintáticas) e funções de
significado interpretativo (semânticas). No entanto, é preciso salientar que os “supra-
segmentos dependem “do significado a que eles estão servindo” (CAGLIARI, 1992, p. 38).
Pretende-se, nesse estudo, proceder a uma descrição bastante sucinta de cada um
desses elementos quanto às funções desempenhadas e dar especial ênfase aos elementos
volume e velocidade, buscando investigar sua atuação dentro da palestra espírita.
Os elementos prosódicos se apresentam na fala juntamente com as vogais e
consoantes e produzem variações no “modo de dizer”, as quais transmitem uma informação.
Informação esta que corrobora o sentido atribuído ao texto verbalizado.
A fala possui um perfil sonoro básico: ársis e tésis. Os picos ou modulações
agudas, Cagliari (1992) classificou como ársis e a expressão tésis passou a ser a designação
para vales, ou seja, decréscimo de volume. Essa classificação constitui-se um importante
recurso no estudo dos elementos supra-segmentais concernentes ao texto oral religioso
espírita, na forma de palestra.
Cagliari (1992) explica que tais elementos variam com freqüência e de muitas
maneiras, resultando em uma fala que pode ser tomada sob a perspectiva de uma cadeia de
montanhas com vales e picos. Ainda para o autor, tais dados possuem uma função prosódica
própria que independe das funções dos elementos constitutivos. Ársis e tésis ao serem
decompostos promovem um melhor entendimento e visualização do perfil sonoro. Tal divisão
se faz em três grandes grupos: elementos prosódicos da variação da altura melódica,
elementos prosódicos da variação da duração e elementos prosódicos da intensidade sonora
(cf. CAGLIARI, 1999, p. 9).
O primeiro grupo, elementos da variação da altura melódica, traz: a Tessitura,
que são as variações que deslocam a escala melódica da fala; a Entoação que corresponde a
variação melódica que ascende ou descende; o Tom, a variação melódica que nas línguas
tonais se no espaço de sílabas e servem para caracterizar os itens lexicais. também, o
Acento Frasal (ou sílaba tônica saliente), que provém da mudança significativa da direção do
25
nível melódico em determinada sílaba, e, devido a esta tonicidade, comporta em si o acento
frasal
6
.
O segundo grupo, dos elementos prosódicos da variação da duração, compõe-se
do Ritmo (sílaba, pé, grupo tonal, etc.), que é a expectativa de uma repetição de saliências
fônicas que são marcadas por durações estabelecidas; da Duração, ou seja, a articulação
alongada dos segmentos da fala que se apresenta de duas maneiras: uma é com a função de
determinar o ritmo através das durações das sílabas e outra função é a de destacar unidades
sintáticas e semânticas pela articulação alongada. Ainda, no segundo grupo, podem-se apontar
os seguintes elementos: o Acento, que se ocupa em revelar as ondulações rítmicas da fala; O
acento tem sido motivo de variadas interpretações
7
. A Pausa, caracterizada pelo silêncio em
meio a enunciados cuja função de segmentar a fala e também como ausência de sonorização é
um dado que contribui de maneira significativa para os movimentos de ársis e tésis; a
Concatenação, ou seja, a junção de palavras que define a maneira como as pausas ocorrem em
um enunciado e, por fim, a Velocidade de fala, que indica a rapidez ou lentidão na articulação
de um enunciado.
Dentre os elementos do segundo grupo, interesse mais acentuado pelo último
elemento listado: a velocidade da fala, que será um dos aspectos estudados neste trabalho de
pesquisa. Mais precisamente, os efeitos de sentidos que a velocidade pode agregar à fala do
orador na palestra espírita.
E por fim, no terceiro grupo, o elemento prosódico da intensidade sonora, o
volume que se refere à intensidade da voz (alta ou baixa). Esse também é um tópico de
interesse do estudo presente.
Os elementos também podem exercer no discurso funções estruturais e
interpretativas que servem para caracterizar itens lexicais e acrescentar significados sem que
haja a necessidade de manifestá-los por meio de palavras. De acordo com o emprego dos
elementos prosódicos, valores semânticos e pragmáticos emergem do enunciado e se prestam,
basicamente, a caracterizar o falante ou suas interpretações pessoais (CAGLIARI, 1992, p.
149).
6
“ O acento frasal apresenta coincidência com uma sílaba que tem acento primário ou com monossílabo isolado”
( MASSINI-CAGLIARI; CAGLIARI, 2006, p.115)
7
A fonêmica (Pike, 1947) o como fonema ou unidade supra-segmental. É uma unidade abstrata que se
assemelha a qualquer fonema, servindo para distinguir palavras de significados lexicais. a Fonologia Gerativa
(Chomsky e Halle, 1968) interpreta o acento como traço distintivo, um dos elementos que podem integrar a
formação de uma vogal. E por fim a Fonologia Métrica (Libermann & Prince, 1977) que concebem o acento
como um fato pertencente à sílaba. (cf. BOLLELA, 2006, p.117).
26
Há, ainda o fato de que elementos prosódicos, como é o caso dos padrões
entoacionais e das pausas, têm funções estruturais que revelam a sistematização empregada
pelos falantes. As estruturas da língua, embora sejam geradas por regras da sintaxe, são
destacadas via elementos prosódicos como uma forma de evitar interpretações diferentes das
pretendidas pelo falante. Assim, para o autor, “a fala não pode prescindir dos elementos
supra-segmentais prosódicos, do mesmo modo que não pode prescindir dos fonemas”
(CAGLIARI, 1992, p. 149).
Os elementos prosódicos podem exercer, ainda, no discurso, onze funções
distintas. As seis primeiras, da listagem abaixo, possuem função estrutural e as cinco últimas
exprimem funções ligadas ao aspecto semântico-pragmático e são:
1) fonológica (fonêmica)
2) fonológica (geradora de processos)
3) morfológica (lexicalização);
4) sintática (categorias e funções);
5) discursiva (coesiva);
6) dialógica (turnos conversacionais);
7) semântica (conotações, subentendidos);
8) pragmática (atitudes do falante);
9) identificação do falante ou da língua;
10) reestruturação da produção da fala;
11) fonética (fatos físicos).
Das funções lingüísticas elencadas acima, serão estudadas apenas aquelas que
têm relação direta com a pesquisa. Insere-se no propósito deste trabalho um enfoque mais
estreito da função pragmática exercida, principalmente, pelo elemento prosódico da variação
da duração a velocidade e também o volume que é elemento intensidade sonora, devido à
presença significativa dos mesmos no corpus.
2.1.3 As diferentes funções dos elementos prosódicos no discurso
27
Com base nos elementos prosódicos apresentados, segue-se uma apresentação
pormenorizada dos elementos que serão objeto de análise no corpus. O embasamento se
conforme os estudos de Cagliari (1992) e Bollela (2006). Os elementos abaixo elencados
serão conceituados de acordo com as funções dentro do discurso, considerando que nesta
pesquisa as funções estudadas serão apenas as que mantêm uma relação direta com a
persuasão dentro do discurso religioso espírita.
Os elementos prosódicos desempenham as funções abaixo:
Sintática, que determina as relações dos constituintes na estrutura de uma
sentença;
Discursiva, ao atuar como elemento de coesão;
Dialógica, que organiza a fala nos turnos conversacionais;
Pragmática, que se presta a revelar a atitude do falante, as intenções
expressas pelos enunciados;
Semântica, que dá conta dos sentidos que o falante procura expressar.
O primeiro elemento apresentado é a tessitura que desempenha as seguintes
funções: sintática (categorias ou funções): destaca ou marca elementos que estão “deslocados
(tessitura geralmente mais baixa) como no exemplo
8
: A professora, porém, ignorou o
acontecido; discursiva (atua como elemento coesivo): usa-se tessitura baixa para digressões e
tessitura alta ao retornar ao assunto principal; também tem função dialógica (usada nos turnos
conversacionais): a tessitura alta indica pedido de turno durante a fala do outro, a tessitura
baixa é reservada para o final de turno; e, por fim, a função pragmática na qual os níveis mais
graves indicam mais razão, autoridade, enquanto que os níveis mais agudos indicam
contestação, exaltação, além disso, o emprego de uma tessitura bem baixa ou bem alta indica
estratégia do falante para não ser interrompido.
Na entoação, a função semântica a conhecer as conotações e subentendidos
nos quais o acento frasal corrobora para marcar foneticamente o foco de frases. A forma como
são entoadas as palavras revelam as atitudes do falante (função pragmática), uma vez que o
emprego de um tom descendente em nível alto, passando a baixo (no componente tônico)
significa uma frase afirmativa acrescida de um significado de “pedido” por parte do falante:
Fique aqui.
8
Todos os exemplos aqui mencionados foram extraídos de Bollela (2006).
28
O acento frasal traz para o enunciado, no plano semântico, conotações e
subentendidos e é por seu intermédio que se marca o foco das frases, como nos exemplos
abaixo:
Maria sempre escreve e-mails.
Maria sempre escreve e-mails.
Maria sempre escreve e-mails.
O ritmo apresenta um aspecto bastante interessante no tocante às funções
semânticas. As conotações e subentendidos são expressos por meio de uma fala silabada com
o intuito de chamar a atenção para o que se diz. Também os pedidos ou impropriedades da
língua são realizados de forma silabada. Geralmente faz-se uma súplica ou diz-se um palavrão
em ritmo silábico.
A função semântica da duração é que interessa. Essa é produzida pelo
alongamento de vogais ou consoantes que emprestam ao enunciado conotações e
subentendidos variados. O alongamento da duração da sílaba ocasiona um aumento no sentido
positivo de uma qualidade, por exemplo: Ana Cristina comprou um carro! (caaaarro).
Também se pode indicar o sentido negativo de uma qualidade (como no caso da ironia)
através do alongamento da duração da sílaba: Você é tão legal!? (tãããão). Além disso, a
duração se relaciona também com a estruturação da produção da fala. Por fim, uma função
fonética que envolve os fatos físicos: indicam elementos que marcam a saliência das sílabas
tônicas.
A velocidade é um item que revela um emprego significativo na palestra espírita.
É interessante salientar as funções: dialógicas em turnos conversacionais, nos quais
aceleração indica que um falante quer sobressair-se ao seu interlocutor, dando mais ênfase ao
que diz; pragmática, com desaceleração indicando maior valor a algo que se diz e a aceleração
indicando argumento mais importante logo adiante; e fonética, que se refere a fatos físicos
com a aceleração indicando início de enunciado e a desaceleração mostrando o fim de um
enunciado diante de uma pausa.
As funções lingüísticas do volume em um enunciado são duas e ambas muito
importantes para a pesquisa em questão. A pragmática mostra que o falante ao se expressar
em volume alto pode sinalizar atitude autoritária, ou mesmo, expressões súbitas de dor, de
perigo ou de grande perturbação; além disso, falar baixo também pode sinalizar atitude de
persuasão, timidez ou respeito. Ademais, o volume tem uma função fonética que se liga aos
fatos físicos do enunciado, pois esse elemento prosódico da variação da intensidade pode ser
29
um dos elementos que marcam a saliência das sílabas tônicas: variações no volume de voz
acompanham marcas ou saliências de redução do falante em seus enunciados e reforçam o
valor de outros elementos prosódicos.
É interessante levantar algumas considerações sobre a qualidade de voz. A
primeira é uma propriedade fonética, como os outros elementos prosódicos, a qualidade de
voz se sobrepõe aos segmentos, modificando-os de certa forma foneticamente. É também uma
forma de identificação do falante por indicar propriedades fonéticas presentes na enunciação
individual tais como fala labializada, palatizada, nasalizada, etc.
È também relevante lançar um olhar sobre as funções desempenhadas pela
pausa. As pausas definem as fronteiras entre as palavras adquirindo com isso um efeito
morfológico ao atuar como um elemento de lexicalização. Sob o aspecto semântico, a pausa
produz mudança brusca do conteúdo semântico, como no exemplo: Eu sempre vou à missa
aos domingos. // Você lembrou de comprar o jornal? Uma outra possibilidade decorrente do
uso da pausa é revelar as atitudes do falante quando estes as empregam fora do esperado
demonstrando intenção de impressionar o interlocutor, insegurança, etc. uma fala na qual
se destaca as palavras com pausas demonstra que o falante deseja reforçar sua autoridade e/ou
o valor do que diz, serve ainda para chamar a atenção para o que se vai dizer em seguida. As
pausas são usadas também para reestruturar a produção da fala; assim, o uso de pausas “fora
do esperado” (hesitação) indicam a reorganização da fala, além da ter a função aerodinâmica
que permite ao falante respirar.
2.2 A ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO
Retomando a questão das pausas, verifica-se nesta pesquisa a necessidade de
observá-las sob o aparato metodológico fornecido pela Análise da Conversação (AC) para um
exame mais consistente da narrativa que a palestra espírita apresenta. Observa-se que os
meios lingüísticos para a estruturação da palestra espírita não se estabelecem por meio de
turnos como ocorre nas conversações naturais, ou seja, naquelas construídas nas interações
espontâneas que ocorrem simultaneamente, no mesmo eixo temporal” (DIONÍSIO, 2006, p.
71). Como parte de um ritual monológico direcionado a um auditório, o que ocorre é uma
situação de diálogo por meio da qual os interlocutores “seguem um planejamento discursivo
30
previamente elaborado, assim como acontece nas novelas, nas peças de teatro, em um tipo de
interação que simboliza a conversação artificial” (DIONÍSIO, 2006, p. 71).
O objeto de estudo da AC é a conversação natural; no entanto, as teorias que lhe
subjazem podem auxiliar a análise das narrativas inseridas na palestra com a possibilidade de
emprestar um aspecto contrastivo dos dois tipos de interação no que tange aos turnos
conversacionais, ou seja, a organização da vez de quem fala.
A regra básica da conversação é que se “fale um de cada vez(MARCUSCHI,
2003, p. 19) e as inversões dos papéis entre falante e ouvinte ocorrem caracterizando uma
interação que não é localmente planejada, com interlocutores que constroem em conjunto a
interação em uma atividade co-produtiva. O orador realiza um monólogo no qual simula a
conversação e atribui turnos para demonstrar a presença de interação entre as personagens
dentro da narrativa.
Por ser a palestra espírita um monólogo, as expressões não lexicalizadas e
sinalizadoras de convergência chamadas de marcadores conversacionais (MCs) são
explicitados, sobretudo por aspectos prosódicos.
Consoante Dionísio, (2006, p.89) os marcadores conversacionais prosódicos
“apesar de sua natureza lingüística são de caráter não verbal (os contornos entoacionais, as
pausas, o tom de voz, o ritmo, a velocidade, o alongamento das vogais, etc.). Para a autora, as
pausas e o tom de voz são os MCs mais importantes para as análises das conversações afirma
ainda que os marcadores prosódicos geralmente são acompanhados de algum marcador
verbal. Os MCs paralingüísticos ou não-verbais que mantém e regulam a interação por meio
de risos, olhares e gestos não serão abordados pela pesquisa.
De acordo com Marcuschi (2003, p. 63) “nos monólogos as pausas longas tem
função cognitiva ao operarem como momentos de planejamento verbal ou organização do
pensamento”. E também Rath (apud MARCUSCHI, 2003 ) divide as pausas nos seguintes
tipos: em pausas sintáticas e pausas não-sintáticas. As sintáticas se subdividem em:
pausas de ligação que substituem um conector qualquer como “e”,
“então”, etc.;
pausas de separação que servem para delimitar ou separar
unidades comunicativas e vêm logo após o sinal de fechamento de
unidade ou abaixamento de voz.
As pausas não-sintáticas podem ser classificadas em:
31
de hesitação, que podem ser idiossincráticas ou servir para o
planejamento verbal com função de motivar, principalmente no
aspecto ligado a cognição;
de ênfase, cujo valor é de serem sinalizadores de pensamento para
reforçar ou chamar a atenção e, muitas vezes, aparecem entre o
artigo e o nome.
No presente estudo, serão abordadas somente as pausas sintáticas de ligação e
separação e a não-sintática de ênfase para efetuar-se a análise das funções da pausa como
marcador discursivo nas narrativas da palestra espírita.
2.3. TEORIAS RETÓRICO-ARGUMENTATIVAS
Das teorias retórico-argumentativas, serão aqui abordadas as concepções que
concernem à classificação do auditório, às premissas do acordo, às figuras de comunhão e de
presença, à tipologia dos argumentos e à constituição do ethos e do pathos.
2.3.1 A Retórica
Desde a antiguidade, o homem apresenta uma preocupação com a forma de falar
para que o ato resulte em uma aceitação de determinado ponto de vista. Saber apresentar as
idéias é um ponto fundamental para convencer.
A Retórica nasce da necessidade que o homem tem de se defender, de
reclamar, de se proteger, de seduzir, mas renunciando à violência para atingir seus objetivos.
Resta o caminho do diálogo e da comunicação através do discurso, do convencimento do
outro, da persuasão. Olivier Reboul (2004) propõe que a retórica seja definida como a arte de
persuadir pelo discurso. É precisamente esse aspecto que se pretende focalizar: o aspecto
persuasivo do discurso, mais exatamente, o discurso de um segmento religioso. Busca-se
levantar dados que permitam observar como a persuasão se manifesta e se constrói para os
Kardecistas através de seus textos orais denominados palestras espíritas.
32
A retórica continua tão atual hoje quanto no início da civilização ocidental, na
idade grega. Michel Meyer (1993, p. 110) defende que a “retórica renasce sempre que as
ideologias desmoronam”. As certezas tomam um caminho da dúvida e o caminho da
discussão é o único meio para se confrontar questões problemáticas. Esse é o campo da
retórica, o espaço da discussão, da argumentação, do acordo, do convencimento, da
persuasão.
Segundo Reboul (2004), um discurso persuasivo é toda produção verbal, escrita
ou oral, que se constitua por frase ou seqüências de frases com começo, meio e fim em certa
unidade de sentido e que comporte aspectos argumentativos e oratórios. Os meios para se
efetivar o discurso persuasivo podem ser racionais ou afetivos, no entanto, para o autor, em
retórica, razão e sentimento são inseparáveis.
Assim, o discurso persuasivo deve atuar em três níveis que, para Cícero, são:
docere (instruir, ensinar) é o lado argumentativo do discurso, delectare (agradar seduzir,
encantar, deleitar) é seu lado agradável, humorístico e movere (comover) que significa
persuadir pelo coração, o que abala, impressiona o auditório.
O sistema retórico apresenta quatro etapas para a organização do discurso:
inventio, dispositio, elocutio e actio.
Invenção (inventio): é a busca do orador pelos argumentos elementos
persuasivos necessários ao tema;
Disposição (dispositio: é a organização desses argumentos e consequentemente
o planejamento do discurso. Ela se divide m quatro partes: exórdio, narração, confirmação e
peroração. O exórdio inicia o discurso. Segundo Tringali (1988), a introdução tem três
objetivos: obter a benevolência dos ouvintes, obter a atenção dos ouvintes e torná-los dóceis.
A narração consiste na exposição dos fatos. Deve ser( ou parecer) objetiva e será eficaz se for
clara, breve e crível. Nesta parte o logos
9
é superior ao ethos e ao pathos. A confirmação é a
parte mais longa da disposição, pois consiste num conjunto de prova, com uma refutação que
contaria os argumentos dos adversários. Ela recorre ao pathos e desperta piedade ou
indignação. A peroração é o encerramento do discurso e pode dividir-se em várias partes. As
principais são: amplificação, paixão e recapitulação;
Elocução (elocutio) diz respeito ao estilo, à redação do discurso. É nesta fase
que se encontram as figuras de estilo;
9
De acordo com a perspectiva aristotélica entende-se por logos os raciocínios lógicos usados para convencer o
ouvinte de uma verdade, ethos é imagem que o orador projeta de si e que lhe confere credibilidade e pathos as
paixões e emoções despertadas pelo orador através do seu discurso nos ouvintes
33
Ação (actio): diz respeito à proferição do discurso propriamente dita. Inclui-se
na ação: gestos, mímica e entonação da voz. A pesquisa se aterá apenas à última parte, a actio
Para muitos autores, a memória constitui-se também numa etapa da organização
do discurso. Cícero a considerava uma aptidão, o “tesouro da mente. Para Tringali (1988
p.96) “sem memória não nasce e não robustece a sabedoria”. Quintiliano, ao contrário, a
considerava apenas uma técnica a ser aprendida.Não importa a ordem cronológica em que as
etapas são realizadas todas devem, porém, se, ser cumpridas pelo orador sob pena de seu
discurso parecer inadequado ao auditório.
A actio, ou ação, é a proferição do discurso sem a qual este não atinge o público.
É uma atividade cujo ponto principal é ocupado pela pronunciação do discurso do orador em
língua natural, ou seja, no idioma do falante e do ouvinte. Outros elementos contribuem para
que a ação se consolide de maneira eficiente como linguagens não verbais, a paralingüística e
a gestualidade. Para Tringali (1988, p. 101) “a ação é o ponto de encontro entre a Retórica e o
teatro”, é na ação que o orador dramatiza o discurso procurando emocionar, impressionar,
persuadir.
Aristóteles postula (apud Reboul, 2004) que as provas do discurso podem ser
extrínsecas ou intrínsecas (independentes da arte). As primeiras têm sua fonte em fatos ou
circunstâncias externas: como provas preexistentes, testemunhos, confissões, etc. E as
últimas, que são consideradas lógicas ou psicológicas se pautam por raciocínios, exemplos ou
exploração da afetividade.
As provas e argumentos lógicos originam a convicção intelectual geradora de
impulsos que levam à ação, já as provas intrínsecas dependem da técnica retórica e da
habilidade do orador para engendrar comoção que leve o auditório a aceitar os
aconselhamentos do orador. Os argumentos de cunho psicológico dividem-se em éticos e
patéticos.
Os argumentos éticos, que nesta dissertação são conceituados na perspectiva de
Aristóteles, ligam-se ao ethos, o caráter assumido pelo orador para inspirar a confiança do
auditório. O ethos refere-se às características ético-morais que o orador deve aparentar ter,
não importando se o fato é verdadeiro ou não. Para Aristóteles, a persuasão é obtida por efeito
do caráter moral do orador por meio do seu discurso - no qual deve mostrar-se digno de
confiança.
São três as razões que inspiram a crença no orador: phórnesis (bom senso,
prudência, sabedoria prática), arete (virtude) e eunóia (benevolência). Partindo dessas três
posições, o orador pode assumir diferentes caracteres que suscitem a confiança de seu
34
auditório. Na ótica Aristotélica, as pessoas de bem inspiram confiança mais eficazmente e
mais rapidamente em todos os assuntos, mas nas questões em que não possibilidade de
obter certeza, e que se prestam à duvida, essa confiança reveste particular importância”
(ARISTÓTELES, 2007 p. 34).
Por meio do pathos, procura-se suscitar as paixões e conduzir a mente. De
acordo com Aristóteles, as paixões influenciam os juízos e estes variam em conformidade
com os sentimentos que o indivíduo experimenta. Assim, a paixão é a “relação com o outro,
uma representação interiorizada da diferença entre nós e o outro” (MEYER, 2000, p. XXXV).
É o sentimento da própria alteridade, a resposta à outra pessoa, mais precisamente, a
representação que uma pessoa faz da outra em seu espírito (MEYER, 2000, p. XLI).
O filósofo grego supracitado faz uma lista das paixões mais representativas, no
entanto, a presente pesquisa abordará apenas as diretamente relacionadas à palestra espírita
que compõe o corpus. Essas são: a calma/a tranqüilidade, o amor, a segurança, o temor, a
compaixão e a indignação.
2.3.2 Concepção de auditório
De acordo com Perelman e Obrechts-Tyteca (2005), a argumentação é sempre
feita para um indivíduo ou um grupo de indivíduos que é chamado de auditório. Logo,
conhecer aqueles a quem se pretende conquistar é fundamental e uma das possibilidades para
fazê-lo é o orador tentar situar seu auditório em seus marcos sociais.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) postulam que há dois tipos de auditório: um
auditório universal e um auditório particular. Aquele que é constituído pela humanidade toda
chama de auditório universal. O auditório particular é aquele composto por pessoas que estão
ligadas por elementos comuns, que partilham as mesmas crenças, ideais, etc. Ainda para os
autores, os auditórios são construções do orador e o que os distingue não é o número de
indivíduos, mas sim as bases retóricas usadas nas construções discursivas, isto é, se a
argumentação se volta para a persuasão ou para o convencimento. Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005, p. 33) propõem “chamar persuasiva uma argumentação que pretende valer
para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo
ser racional”.
35
2.3.3 O acordo na argumentação
O ato de argumentar é um processo que busca criar uma comunicação voltada
para a persuasão, pois argumentar requer “apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu
consentimento, pela sua participação mental (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA,
2005, p. 160). È uma situação que exige o gosto pela participação do outro em uma situação
de diálogo, de interação. Assim como aceitar ouvir um discurso acena a possibilidade de
aceitar determinado ponto de vista, a recusa em ouvir a argumentação do outro exclui a
possibilidade, o vir a ser da adesão.
O acordo resulta do que é aceito como ponto de partida do raciocínio e,
posteriormente, pela maneira como estes se desenvolvem em um processo de ligação e
dissociação dos argumentos. Algumas proposições podem ser aceitas previamente pelo
auditório antes do início do discurso, fato que caracteriza os acordos prévios, muito
recorrentes em auditórios particulares. O orador procura transferir a adesão do auditório em
relação aos acordos prévios para a tese que apresentará por intermédio de técnicas
argumentativas. O que é aceito como verdade nos acordos estabelecidos previamente pode ser
de natureza bastante variada, como fatos públicos, algo que se refira a hierarquia de valores de
uma instituição social (como no caso de auditórios particulares), segmentos religiosos, grupos
profissionais etc. Convém salientar que a Retórica é desvinculada da noção de verdade, pois,
no mundo da opinião, da doxa, que é o universo das crenças, a verdade é construída nas
relações sociais, políticas e econômicas.
Os objetos do acordo podem ser agrupados em duas categorias: fatos,
presunções e verdades relativos ao real, melhor dizendo, aquilo que um auditório entende e
acredita ser real, e uma outra categoria relativa ao preferível que se liga a um ponto de vista
determinado, isto é, que contenha valores e hierarquias dos lugares do preferível. Consoante
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o real caracteriza os objetos do acordo para o auditório
universal e o preferível reflete acordos do auditório particular.
Quanto mais o orador conhece o auditório, maior é o número de acordos prévios
que tem a sua disposição para fundamentar a argumentação. Do contrário, corre-se o risco de
não conseguir a adesão incorrendo na “petição de princípio” que significa: supor admitida
uma tese que se desejaria fazer admitir pelo auditório. Para se evitar este erro é importante
que o orador conheça as teses admitidas pelo seu auditório, os valores e verdades que aceita.
36
2.3.4 As figuras
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) asseveram que, desde a antiguidade, existem
certos modos de expressão que não se enquadram no comum e cujo estudo geral foi incluído
nos tratados de Retórica; por isso o nome de figuras de retórica. Em decorrência do fato da
retórica em determinada fase de seu passado se limitar a problemas de estilo e de expressão,
as figuras passaram a ser consideradas apenas como ornamentos.
A partir de outra perspectiva de enfoque, Perelman e Olbrechts–Tyteca (2005)
analisam “em que e como o emprego de algumas figuras determinadas se explica pela
necessidade da argumentação” (2005, p.190). Na concepção dos autores, para que haja uma
figura é preciso uma forma e um emprego que se afaste do jeito normal de se expressar e, com
isso, chamar atenção. Lançando um novo olhar a este elemento da Retórica, Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005) propõem uma concepção mais flexível sobre as figuras considerando
sua mobilidade, ou seja, o que trazem de diferente ao discurso ou a forma de falar de acordo
com finalidades específicas. A partir disso, classificam-nas como figuras de presença, de
escolha e de comunhão. Os novos termos não designam os gêneros de certas figuras
tradicionais, mas expressam o efeito ou efeitos produzidos na apresentação dos dados: impor
ou sugerir uma escolha, aumentar a presença ou promover a comunhão com o auditório.
A definição oratória, a perífrase, a antonomásia, a prolepse ou antecipação, a
retificação a sinédoque e a metonímia são tratadas como figuras da escolha. Apontam também
a onomatopéia, a repetição, a amplificação, a sinonímia, a metábole, o pseudodiscurso, a
enálage de tempo e a hipotipose como figuras que tem por efeito tornar presente na
consciência o objeto do discurso, portanto figuras de presença.
Através das figuras de comunhão é que o orador cria ou confirma a comunhão com o
auditório. Tais figuras podem se referir a fatos culturais, tradição ou passado comum. Dentre
as figuras de comunhão encontram-se a alusão, a citação, a apóstrofe, a comunicação e a
enálage do número de pessoas.
2.3.5 Tipos de argumento
37
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) se referem a uma tipologia de argumentos que
são próprios do processo de argumentação.
Os argumentos quase-lógicos são aqueles que visam validarem-se partindo do seu
aspecto racional. No entanto, são passíveis de serem refutados porque dependem da natureza
das coisas e da interpretação humana. São denominados quase-lógicos para os autores porque
aspiram a certa força de convicção e podem apresentar-se como comparáveis aos raciocínios
formais, gicos ou matemáticos. Dentro dos argumentos quase-lógicos está o argumento
baseado no ridículo, que cria uma situação irônica em que o outro é sancionado pelo riso.
Consiste em adotar o argumento do outro e extrair conclusões que busquem ridicularizá-lo e a
ironia apresenta-se como elemento de grande valia nesse tipo de argumento. Uma
argumentação quase lógica se utiliza também dos argumentos quase matemáticos que se
configuram por meio de fórmulas matemáticas e uma delas é a divisão. O argumento da
divisão consiste na cisão de uma tese em partes como se estas possuíssem as mesmas
propriedades do todo procurando mostrar que cada uma delas tem a propriedade em questão.
os argumentos baseados na estrutura do real não estão ligados a uma descrição
objetiva dos fatos, mas a pontos de vista, ou seja, a opiniões relativas a ele” (ABREU, 2006,
p.58). São argumentos que se apóiam na experiência, nos elos conhecidos entre coisas e
pessoas, nos acordos que se exercem sobre estereótipos taticamente aceitos, na ótica do senso
comum. Opiniões essas que não estão ligadas a uma descrição objetiva dos fatos, mas a
pontos de vista relativos ao mesmo para estabelecer solidariedade entre juízos admitidos e
outros que procura promover. Um desses argumentos apresentados por Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005) é o argumento de autoridade que, consoante os autores, permite que se
justifique uma afirmação baseando se no valor de seu autor. Isto gera confiança e a
argumentação encontra sua força na moralidade e utiliza atos e juízos de uma pessoa ou de
um grupo como prova em favor de uma tese. Dentro da ciência, que parece sempre excluí-lo,
está sempre presente, principalmente nas leis, exemplo: lei de Lavoisier.
Da tipografia argumentativa de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) foram
apresentados apenas alguns aspectos abordados na obra Tratado de Argumentação e Retórica.
Os aspectos mais utilizados neste trabalho serão retomados no capítulo de análise.
38
3. ANÁLISE
Divaldo Franco profere uma palestra intitulada “Provas Científicas da Existência
de Deus”, que se divide em duas partes. Na primeira, ele expõe as sete razões que devem ser
consideradas como provas da presença de Deus e, na segunda, narra o fato que levou à
construção da universidade de Stanford. Naquela, elabora, com recursos dos elementos
prosódicos e de uma argumentação ancorada na retórica das figuras, uma discursividade que,
para se fazer crível, apóia-se em sua construção ético-científica para conduzir o auditório à
adesão. Nesta, o patético, as paixões se fazem presentes de modo mais contundente,
procurando suscitar as emoções. Em outras palavras, a explanação oral gira em torno de
construções patéticas do orador.
Convém salientar também que o orador espírita prega para um auditório
particular, pois os indivíduos, devido à crença comum na doutrina, são propensos a uma
maior facilidade na adesão e, conseqüentemente, um maior número de acordos prévios que
fundamentam sua argumentação. É um auditório que se distingue pelo uso de uma linguagem
particular. O orador faz uso de jargões próprios que os seguidores da doutrina utilizam nas
relações diárias. Divaldo Franco trabalha com um auditório particular composto por crentes,
seu discurso se vale de mais premissas para o acordo, pois consoante Vico (apud Perelman e
Olbrechts-Tyteca, 2005, p. 26) “Todo objeto da eloqüência é relativo aos nossos ouvintes, e
consoante suas opiniões é que devemos ajustar os nossos discursos”. Com essa estratégia
evita-se o risco de uma petição de princípio
È conveniente lembrar que “a retórica e a passionalidade estão estritamente
associadas desde sempre” (MEYER,1993, p.147). Na palestra espírita, as imagens suscitadas
pelo orador são claramente percebidas: com o ethos, ele pretende convencer pela razão e, com
o pathos, pela emoção, e a prosódia torna-se um elemento argumentativo uma vez que
acentua o aspecto emocional. Os elementos prosódicos são de suma importância para esse
39
processo argumentativo no corpus, em especial, a velocidade, um elemento prosódico da
variação da duração e o volume, um elemento prosódico da intensidade sonora.
Com a finalidade de persuadir, o orador procura provar a conexão entre o divino
e o científico. A argumentação retórica deve gerar credibilidade ao seu discurso e é o
instrumento para esse propósito. Os argumentos escolhidos levantam fatos, no entanto, o
esforço persuasivo carece de um elemento extra, que recorra ao passional, pois a crença
envolve emoção. Uma vez que “o acto de fala convida outrem a refletir sobre aquilo em que
talvez não tenha pensado, a tomar consciência conosco sobre aquilo que lhe pedimos para
pensar, e a responder conosco, por vezes por nós” (MEYER, 1993, p. 84), alguns valores
pragmáticos e semânticos só são perceptíveis devido a determinadas escolhas no uso do
volume e da velocidade da fala. O orador alia seu discurso retórico à prosódia para dar conta
das nuances de significação de um discurso que busca a adesão às suas idéias.
É na ação que o discurso se realiza e a pronunciação funda o discurso, pois ele se
realiza quando vem a blico. E através da pronunciação, da prosódia, é que Divaldo Franco
insere o patético na palestra. Seu grande instrumento é a voz. As variações prosódicas da fala
permitem ao orador um controle do discurso. A impostação da voz faz com que ele construa
uma imagem de si fundada na erudição, caridade, amor, paciência, com isso, construindo para
o auditório o seu ethos.
Resulta que, na pregação dos espíritas kardecistas, a constituição do ethos do
orador é feita com recursos da virtude. E, para Aristóteles (2007), as virtudes nos permitem
prestar muitos e relevantes serviços de toda sorte de domínios. O palestrante espírita
demonstra preparo vocal mantendo a fala em volume baixo, velocidade lenta e pausada. O
que reforça a idéia de equilíbrio e faz emergir a calma - essa a paixão essencial para que o
orador espírita kardecista seja ouvido.
Como conseqüência desta postura, o orador espírita busca persuadir através da
imagem que cria de si, enfocando suas virtudes para o adepto da crença que tem como lema
perfeição moral nas bases da fraternidade cristã. Por meio do ethos criado, o orador se coloca
como possuidor de sabedoria e de argumentos consistentes que se fundam na sua prática
doutrinária, em sua capacidade intelectual e na autoridade conferida pelos anos de prática dos
preceitos kardecistas, como mostra o exemplo abaixo:
10
10
A palestra encontra-se transcrita na integra no anexo 2 e o CD com o áudio está anexado à dissertação. A
transcrição segue as normas sugeridas pelo projeto NURC (cf.. tabela).
40
“Deus é amor... e a doutrina espírita...emergindo... do grande silêncio da história... vem
dizer que fora da caridade não salvação... porque caridade é o amor na sua mais elevada
expressão...porque o amor é a alma da vida... assim como a vida é a alma do amor...neste
momento grave... a certeza de que nós continuaremos além do túmulo... que a morte não
nos aniquila... que somos construtores da nossa vida através dos nossos atos graças a
reencarnação..” ( 01:06:00)
11
.
No entanto, tais formações são diluídas em uma situação de modéstia pelo ethos
de humildade que atenua no auditório a consciência do ethos de instrução (característica que
será desenvolvida mais adiante na análise), de superioridade moral e intelectual. Na verdade,
o orador reforça a humildade para persuadir seu auditório enquanto as demais características
são apresentadas como naturais e necessárias à sua condição de porta-voz do mundo espiritual
e, por isso mesmo, detentor de virtudes.
Em sua construção ética, o volume baixo e a velocidade cadenciada ajudam a
criar uma imagem de alguém culto, paciente, controlado, experiente e, por isso, apto a dar
conselhos. Não elevar a voz indica controle, tem a função pragmática de sinalizar respeito e
intenção de persuadir (cf.BOLLELA, 2006, p.123), acima de tudo, demonstra “apreço pela
adesão do interlocutor” (PERELMAN E OLBRECHTS TYTECA, 2005, p.18).
Na palestra espírita, o orador se vale da phornésis para projetar uma imagem de
si pautada na cultura acadêmica, sensatez, racionalidade e, também, parece construir seu
discurso mais com recursos do logos do que com os do pathos e do ethos. O que fica
explicitado no título da palestra: “Provas científicas da existência de Deus”. A possui o
respaldo científico para ser mais digna de crença. No entanto, isso não ocorre: ao contrário, é
a formação ética e patética que mais se sobressaem na argumentação.
Quando enuncia, o orador sabe da imagem que seu ouvinte tem em relação ao
lugar que ele, como enunciador ocupa, um indivíduo com muitos anos de estudo e prática da
doutrina, com conhecimentos, com determinado grau de elevação moral e também portador
de uma grande mediunidade e, por isso, porta-voz do mundo espiritual. E consoante Meyer
(1993, p. 36):
o ethos desempenha então um papel mais determinante: a credibilidade daquele que
fala e propõe, a sua autoridade, porá ponto final nas dúvidas, teoricamente sem fim,
sobre as respostas e propostas. De resto a autoridade assenta freqüentemente na
institucionalização: o papel social e o lugar que o orador ocupa.
11
Os números apresentados ao final dos exemplos retirados do corpus indicam a marcação de tempo do inicial
da gravação contida no CD de áudio.
41
O orador, consciente de que ocupa um lugar privilegiado, quando enuncia, usa o
plural majestático, sempre conjugando o verbo na primeira pessoa do plural para orientar o
outro, procurando aproximação com o auditório. A imagem que ele tem do interlocutor é a de
alguém que precisa de aconselhamento e que procura instruir-se na doutrina e o orador é
quem possui os requisitos para ensinar, como se pode ver no excerto abaixo:
“a certeza de que nós continuaremos além do túmulo... que a morte não nos aniquila... que
somos construtores da nossa vida através dos nossos atos graças a reencarnação...aquele
homem que nasceu dois anos antes de Napoleão consagrar-se imperador dos franceses Allan
Kardec... trouxe-nos... Jesus descrucificado... o consolador que ele prometera... para que
pudéssemos enfrentar esta grande noite... que se abate sobre a humanidade... com ternura...
com compaixão... com caridade...” (01:07:28)
Segundo Aristóteles (2007, p.87), “ aprender e admirar comportam prazer a mais
das vezes. Com efeito, na admiração está contido o desejo de aprender; por conseguinte, o que
admiramos é desejável; por outro lado, aprender é voltar ao estado natural”. O orador, ao
aparentar ser uma pessoa com ensinamentos a dar e um modelo a ser seguido, gera admiração
por parte do auditório. Seu discurso é uma pregação que visa fortalecer e instruir, por vezes,
até consolar seu auditório. Dessa maneira, provavelmente o espírita kardecista irá se
identificar com as situações apresentadas. Portanto, se o ouvinte se guiar pelo discurso
proferido, encontrar-se-á um passo a frente na caminhada rumo à perfeição moral.
Divaldo Franco cria, através de marcas estilísticas e composicionais, várias
imagens de si para o auditório, várias composições ético-morais para inspirar confiança. Ele
mostra um ethos de proximidade e igualdade que se funda nos ideais de solidariedade e
fraternidade cristã. Assim, o orador gera uma imagem de alguém benevolente, amigo e que,
em um primeiro momento, é igual ao auditório.
Já na primeira sentença da palestra, ele evidencia essa relação de proximidade. O
ethos exerce papel essencial na constituição da credibilidade de seu discurso, pois, é a partir
dele que conquista autoridade para proferir sua fala. Ele é aparentemente um igual. No
exórdio uma saudação que também se transmuta em prece. As preces espíritas o
verbalizadas em volume baixo, com muitas pausas e velocidade lenta. A prosódia é o que leva
o auditório a fazer a associação entre conteúdo e forma, a reconhecer este trecho como prece.
É o caso que se verifica abaixo:
42
Senhoras ...Senhores... jovens...queridos irmãos no ideal espírita...abençoa-nos Jesus...o
amigo... incondicional das nossas vidas...”.(00:01)
Convém ressaltar que o item lexical “irmãos” é indicativo da relação de
proximidade entre orador e auditório, construída nos ideais da doutrina. Além disso, esse item
possui um apelo argumentativo, que toca a afetividade, em referência direta ao pathos e ao
ethos. Como é mostrado pela figura gerada pelo programa de software de análise da fala
Praat em relação à frase supracitada.
Figura 1 — Saudação Espírita
Na figura , uma representação da variação dos elementos prosódicos de volume
e entoação. É possível observar pelo “formato de onda”, tracejado em cor preta, que o volume
na primeira sentença é reduzido significativamente se aproximando do sussurro e que as
pausas são longas, observando a linha reta do “formato de onda”. também um decréscimo
de velocidade conforme indicam as linhas verdes. A partir da linha vertical tracejada em
43
vermelho, nota-se uma diminuição da intensidade do enunciado, no ponto em questão, o
programa marca um volume de 68,36 dB
12
. No restante da linha uma redução de
aproximadamente 10 dB.
Essa imagem de igualdade é retomada ao final da palestra, no momento em que o
orador ao seu discurso uma roupagem mais persuasiva, com tom de aconselhamento. Ele
aconselha, buscando adquirir a confiança porque também sofre no confronto com os
problemas diários e, nesse momento, ele reduz o volume, como no excerto abaixo:
estes são dias muito graves... que nos pedem reflexão e prece... meditação e paz
interior...não nos deixemos perturbar... nem afligir... não nos contaminemos com o ódio nem
de um lado... nem do outro... respeitemos a to::dos... e agradeçamos a Deus... a infinita
honra de estarmos na Terra” (01:08:09).
A partir de “não nos deixemos perturbar” até “estarmos na Terra” há uma redução
gradual do volume. Observando os elementos prosódicos percebe-se uma conotação
semântica no momento em que o orador muda a tessitura da qualidade de voz tornando-a mais
rouca, como que embargada. Corroborando os aspectos argumentativos, nessa frase
examinada incidiram ao mesmo tempo: elementos prosódicos da intensidade sonora, da altura
melódica (entoação), da duração (função semântica), e da tessitura. A figura 2 a seguir,
mostra que a intensidade (linhas verdes) é maior no último trecho da fala no qual se dirige a
Deus. Na parte em que aconselha, apresenta um padrão vocal com intensidade menor, o que
expressa suavidade e, ao mesmo tempo, firmeza de envergadura moral, retoma seu ethos. Em
relação à altura melódica, a variação apresentada não é significativa, pode-se notar que a linha
azul aparece quase em linha reta. A palavra “todos” sofre um alongamento na primeira sílaba,
o que indica um destaque para a extensão do traço semântico de envolvimento geral da
comunidade. Finalmente, a análise da tessitura mostra o uso de uma qualidade de voz
murmurada intensificada no trecho “agradeçamos a Deus”.
12
dB = decibéis: abreviatura para unidade utilizada para medida da intensidade do som
44
Figura 2— Aconselhamento
No trecho supracitado, no entanto, também nota-se que, ao reduzir o volume e a
velocidade, o orador incita a calma. Essa é uma paixão que conduz à virtude da temperança,
da reserva, e, com isso, leva à aceitação de uma relação em que o palestrante tem o poder de
aconselhar. O orador através da calma busca reforçar o respeito de seu auditório. De acordo
com Aristóteles (2000, p. 17), “somos calmos com aqueles que se comportam de maneira
séria, com quem age seriamente”. Sendo assim, quem age com seriedade merece respeito, um
passo maior para a crença e adesão. Da parte do enunciador, estabelece-se uma supremacia
porque ele supera os problemas, ou seja, está um passo à frente do auditório, por isso pode
aconselhar e servir de exemplo positivo. Assim, institui-se um ethos de superioridade moral
que permanece por toda a palestra, sendo mais explícito do que o também instituído ethos de
superioridade intelectual, implícito no registro lingüístico por meio da correção gramatical
utilizada.
Há uma correção vernacular indicando uma modalidade de linguagem mais
próxima da escrita. Fato que pode ser comprovado pela observação do uso da colocação
45
pronominal empregada durante toda a palestra, assinalando uma conexão com o modelo
erudito da língua. na palestra as seguintes colocações pronominais: levantou-se; levantou-
se..., acercou-se, auto coroou-se..., matá-lo..., apresentou-se..., ... Leva-o, reproduzir-se,
..utilizavam-se, a multiplicar-se, alimentar-se, utilizavam-se, ... aproximamo-nos, dando-nos,
amarmo-nos, para encontrá-lo, preparam-nos, preparando-se, ... sentou-se, cantá-la, buscá-
lo, perdoa-nos, Arrependo-me, tirá-lo, mandem buscá-lo, leve-me, ajoelhou-se... segurou-lhe,
desceu-lhes, trazê-lo, colocou-o, ponham-no, perdoa-me, visitá-la, trouxe-nos..., consagrar-
se, dizer-te, embalsamá-lo, ... propôs nos amarmo-nos.
Ainda refletindo sobre essa questão, Divaldo Franco traz para seu auditório um
texto memorizado
13
e pautado na norma culta. Nesse discurso, é o portador da palavra escrita
que tem o poder de verdade. Esta é transmitida por meio impresso nas obras básicas da
doutrina kardecista. O discurso, mesmo que oral, reflete a escrita, ou seja, a verdade
doutrinária kardecista.
O ethos aparente nesse orador, que aproxima a fala da escrita, é de instrução.
Surge assim, uma pessoa letrada, culta, que se diferencia pelas boas qualidades. Destacam-se
dois pólos de convergência: a evolução moral e intelectual. A evolução intelectual é
explicitada pelo dizer correto e a evolução moral o é pelo dizer o bem, fato que para
Quintiliano é a scientia bene discendi “implica que o orador perfeito persuada bem, mas
também diga o bem” (PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 28).
Abaixo segue-se mais um exemplo:
Deus é amor... e a doutrina espírita...emergindo... do grande silêncio da história... vem dizer
que fora da caridade não salvação... porque caridade é o amor na sua mais elevada
expressão...porque o amor é a alma da vida... assim como a vida é a alma do amor..”
(01:06:00).
13
Um exemplo é o poema da gratidão que finaliza a palestra (01:08:50) e cuja duração é de exatos cinco
minutos. Nessa parte o orador evidencia habilidade mnemônica e um timing discursivo bastante apurados.
46
Figura 3 — Máxima Espírita
Na figura 3, observa-se que, ao enunciar verdades doutrinárias, o orador reforça
prosodicamente sua fala, aumentando o volume de “vem” até “caridade”. A frase “Deus é
amor” é apresentada com qualidade de voz quase inaudível, murmurante, em uma redução
drástica do volume.
A palavra “fora” é bastante enfatizada ao apresentar maior saliência de sílaba
tônica, sendo mais alta também no volume. Assim, como há redução de velocidade, a duração
é maior, e ocorre uma fala em falseto. O ritmo é marcado. O alto volume de voz tem a
função pragmática de indicar perigo para quem não pratica a caridade. Além disso, o orador
usa uma qualidade de voz chorosa para as palavras “não há salvação” que sofrem uma
redução de volume até terminam em lamento, em um gemido de pesar, o que idéia de
sofrimento. Também acontece um contraste muito acentuado na variação melódica neste
trecho, que vai do registro murmurante ao quase grito.
O excerto transcrito acima contém uma das máximas doutrinárias mais
importantes para os kardecistas “fora da caridade não salvação” (KARDEC, 2002, p. 197).
Por isso, esse enunciado recebe uma carga prosódica maior no tocante ao volume, velocidade
e duração o que destaca e solidifica o conceito de caridade.
47
O palestrante espírita se coloca em uma posição superior a do auditório quando
institui o ethos de instrução utilizando construções eruditas como:
os seus olhos são tão lindos:::... que se eu pudesse eu os arrancava... para fazer um
pedantirf”, (45:14)
“asseverou peremptório... Deus morreu... a França... que se libertou dos Bourbouns”,
(01:02)
“voz melodiosa canórica melancólica do boiadeiro...”.(01:10:12)
O ethos de instrução é reforçado com a adição de refinamento, de boa instrução,
ao recorrer a palavras de outros idiomas como o francês e o inglês. No entanto, a preferência
recai sobre o francês:
Leland apareceu lá... na estrada do palácio... todo vestido de azul... como uma tela de
Gaisnborogh”, (52:26)
“com dois funcionários de libré..”(52:21)
“e a carnificina foi tão cruel... que as águas do rio Loaré... ficaram poluídas pelo número
volumoso de cadáveres...”. (05:42)
Enfim, fica claro que o enunciador não confere a si mesmo um status superior ao
considerar-se a relação de cordialidade que estabelece com seu auditório, porém ele legitima
esse status de superioridade através da erudição de seu texto, construído por meio de
elementos escolhidos na variante de prestígio social.
A historicidade cronológica é outro elemento que confiabilidade à erudição
do palestrante espírita e ocorre em vários trechos da palestra. Ao situar os eventos em seus
marcos históricos, o orador se coloca como possuidor de grande cultura letrada. A
credibilidade deriva de sua capacidade mnemônica. O orador explicita na palestra que a
leitura é importante fonte de informações, demonstrando sua relação íntima com a
leitura/ciência como meio de obter conhecimento. Sua sabedoria não se assenta em bases
religiosas, é comprovadamente histórico-científica, como pode ser observado no exemplo a
seguir:
“...no dia 23 de Novembro de 1793... na catedral de Notre Dame em Paris... o orador
Gaspar Chaumetére.... levantou-se no púlpito e diante da nave da igreja gótica ... totalmente
repleta... proferiu o discurso... dando idéia do direcionamento da Revolução Francesa...após
as palavras iniciais... Pierre Gaspar Chaumetére asseverou peremptório... Deus morreu... a
48
França... que se libertou dos Bourbouns não tem necessidade de Deus..... a partir deste
momento... nosso Deus é a razão...dispensamos qualquer expressão de Deus e devemos
combater as religiões... a massa que se acotovelava no grande santuário parisiense... algo
aturdida... Acompanhou de imediato... uma procissão que foi improvisada e que no andor
carregava a jovem... bailarina Candeio... do teatro de ópera... vestida de branco... com o
barrete frígil representando a razão... a partir daquele momento... os revolucionários
franceses...decretaram a morte de Deus... asseveravam que a humanidade não tem
necessidade de qualquer uma ... realidade espiritual... especialmente da própria divindade...
logo depois... no ardor dessa onda de negativismo espiritualista... no ano de 1802...Napoleão
Bonaparte... para poder assentar seus arraiais em Paris...firmou a Segunda Concordata
entre o governo da França e o vaticano trazendo Deus de volta a o seu país... através desse
documento... o célebre corso desejava fortalecer sua posição... e para tanto... recorreu ao
poder teocrático da religião... para trazer... a divindade de volta ao solo francês... e Deus...”
(00:24).
Na passagem selecionada acima, que faz parte do exórdio, sobressai-se a forma
como são apresentados os dados iniciais da palestra e nela também são encontrados modos de
expressão que não se enquadram no comum, a saber, uso constante de expressões rebuscadas
como: “ levantou-se no púlpito”, “asseverou peremptório”, “o célebre corso” “barrete frígil” e
empregando qualidade de voz declamatória. Essa peculiaridade de expressão para descrever
os acontecimentos, ou seja, torná-los tão presentes à consciência gera a impressão no ouvinte
de ver os fatos se desenrolarem ante os olhos. Isso é resultado do emprego de figuras retóricas
que desempenham um papel persuasivo, como neste caso, a hipotipose.
Como recurso discursivo para esse primeiro momento, o expositor espírita se
vale de uma figura retórica, a hipotipose, para uma descrição mais acurada e vívida da cena,
aumentando assim, o sentimento de presença no auditório (PERELMAN E OLBRECHTS-
TYTECA, 2005). Ao descrever, aumenta discretamente o volume de voz e reduz a velocidade
mantendo um padrão entoacional constante, gerando um tom declamatório. Tal combinação
de elementos prosódicos tem a função pragmática de sinalizar maior valor ao que é dito. O
falar do orador, que é cuidadoso e cheio de pausas que revela outra função pragmática da
ausência de sonoridade momentânea repetida na palestra: “nos monólogos as pausas longas
têm uma função cognitiva ao operarem como momentos de planejamento de verbal ou
organização do pensamento” (MARCUSCHI, 2003, p. 63).
49
É possível dizer que o ritmo, ou seja, a simetria que resulta de proporções
regulares e certas combinações sonoras, se mantém e simula o ato de ler. O orador usa o
volume para simular a leitura e colocar a fala na mesma velocidade desta. Essa escolha no
nível prosódico provoca uma proximidade da modalidade falada com a modalidade escrita em
norma culta, seguindo um dos preceitos da boa linguagem a harmonia—, como assevera
Cegalla (2004, p. 418): Harmonia. É o elemento musical da frase. Seu segredo está na
escolha e disposição das palavras, de tal maneira que o período se imponha pelo ritmo,
equilíbrio e melodia” (grifo do autor).
Além disso, é perceptível que a as pausas quase sempre coincidem com lugares
onde a pontuação na escrita apareceria para segmentar elementos sintáticos. Processo que
facilita a compreensão para um auditório bastante acostumado com a da língua em sua
modalidade escrita. Na palestra, a prosódia serve para reforçar essa proximidade (fala/escrita).
O orador mostra de maneira sutil essa capacidade de manter a representação prosódica da
escrita na fala, atua na palestra como se estivesse lendo, apesar de não o fazê-lo em momento
algum. Este fato incide diretamente no ethos de instrução do orador, reforçando-o.
A sentença “Deus morreu”, na figura 4 a seguir, sofre uma redução significativa
no volume, marcando este enunciado como o mais importante da estrutura discursiva, como
se pode observar na parte em destaque (trecho vermelho). Ao enunciar “Deus”, o enunciador
usa volume mais alto (77.65 dB) e quando chega ao final da palavra “morreu” atinge 50.8 dB.
Se comparadas à sentença seguinte “a França” com 75.88 dB, percebe-se uma redução de
25.80 dB. A função da fala é expressa pelo tom neutro
14
e a entoação carreia uma frase que é
sintaticamente declarativa. O orador demarca pela entoação, a fala de Chaumetére na forma
de um discurso direto, em contraposição à sua fala. Todas as vezes que a morte de Deus é
verbalizada, o orador emprega, aliado ao decréscimo do volume, uma qualidade de voz
emotiva contrita.
14
O termo neutro nesta análise se refere um padrão entoacional nivelado.
50
Figura 4 — Hipotipose
Em um segundo recorte do mesmo trecho mostrado na figura 5, é visível (linha
azul) que a variação da altura melódica sofreu uma quebra antes da pronúncia de “morreu”
sinalizando uma intenção de chamar atenção para um fato grave que vem em seguida, no caso
a morte de Deus. E continua em uma pausa longa cuja função é dar tempo para que o
auditório reflita sobre o fato que é a base para a contra argumentação do orador espírita.
Procede a uma parada estratégica reduzindo gradualmente a intensidade, como visto pelas
linhas verdes, para chocar um auditório que é particular e cujas bases do acordo se assentam
na crença da divindade.
51
Figura 5 — Deus Morreu
Observa-se ainda, que orador recorre á hipotipose para aumentar o sentido de
presença na palestra. Sempre que inicia uma nova parte emprega os mesmos recursos
lingüísticos: abaixa o volume para proceder à mudança de tópico na primeira sentença e adota
uma entoação neutra. Na palestra a figura supracitada é usada duas vezes e o orador utiliza os
mesmos padrões prosódicos: o volume sofre redução e a velocidade apresenta um grande
número de pausas nas duas ocorrências de uso do recurso retórico. A hipotipose é uma figura
retórica que se presta a descrição de cenas com cunho pedagógico, pois sempre encerram uma
moral e se adaptam ao que pregam determinadas máximas espíritas.
na segunda parte da palestra, na qual a história que motivou a fundação da
Universidade Stanford é narrada, o palestrante lança mão de recursos patéticos. O orador se
vale de maiores variações do elemento prosódico volume e velocidade e também de pausas
que além da função aerodinâmica, permite ao falante respirar durante a fala em momentos
oportunos, organiza o pensamento. uma significativa incidência de pausas na parte mais
ligada ao pathos, no trecho da palestra indicado abaixo, pode-se contar 38 momentos de
52
ocorrência de pausas em aproximadamente 1 minuto e 30 segundos. Elas se juntam à figura
retórica da hipotipóse para compor um quadro descritivo detalhado.
“...no fim do século 19... nos Estados Unidos... em San Francisco da Califórnia...em uma
cidadezinha... Pallo Alto onde esteve... o futebol brasileiro... no passado recente... residia
um casal...que estava... programado para deixar o nome na história... esse casal... era
constituído por um ex senador da república... naquele momento... governador:::...do estado
da Califórnia... o senador Stanford... era casado com a mulher mais bela da América...
frágil... bela... jovem... Rica e Magra... o ideal de todas as mulheres... Ela quando passava...
provocava a ira... a inveja... a sua carruagem... recoberta de ouro e pedras preciosas...
quando corria peles ruas de San Francisco e ela acena com um lenço... de linho branco
belga... bordado... a inveja... ia atrás... para completar a felicidade de madame Stanford...que
morava em uma grande mansão... em uma colina em Pallo Alto... tinha um filho... na época
desses acontecimentos que contava com mais ou menos 11 anos... chamado Leland... (41:48).
Figura 6A — Casal Stanford.
53
Constata-se também que o orador insere um trecho móvel destacável, digressão,
por meio do qual faz um recorte, logo no início da narrativa, e se dirige ao auditório. Estes
trechos têm a função de aumentar a presença, criando entre auditório e orador a sensação de
intimidade. O efeito semântico carreado para o enunciado com a inserção da digressão “onde
esteve o futebol brasileiro no passado recente” é de atualidade no discurso. O orador com esse
desvio pretende realçar a presença provocando um desvio na distância temporal, pois, para
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), o presente tem a propriedade de proporcionar mais
facilmente o “sentimento de presença” no auditório. Com isso, o orador cria nos ouvintes a
sensação de ser incluído, de estar mais próximo dos fatos narrados através do
desenvolvimento de uma identificação afetiva. Uma estimulação prévia do passional.
No fragmento abaixo o orador relata um fato pessoal quando efetua a digressão o
que a narrativa um aspecto mais íntimo. É uma quebra momentânea do distanciamento
entre ouvinte a auditório, com isso, coloca-se no mesmo plano do ouvinte, um reforço da
paixão da confiança através da identificação de situações cotidianas e do conhecimento de
aspectos da vida pessoal do orador.
“... meu bem o que é que eu faço?... como é que eu vou ficar uma semana intei:::ra dentro de
casa?... porque há muita gente que não agüenta nem três dias... eu tenho uma amiga em
salvador... quando ela perde o emprego... ela enrola uma caixa de sapato em papel de
presente bota embaixo do braço... vai para a cidade entra numa loja entra noutra... depois
volta... pra dar a impressão que ela foi fazer compras... a caixa de presente que ela leva...
madame pergunta o que é que eu vou fazer?... E ELE que a amava:::era mais velho do que
ela... disse meu bem porque é que você não vai brincar com nosso filho...” (46:39).
Analisando, portanto, a atuação do orador, percebe-se que ele usa largamente
digressões que podem ser inseridas em qualquer momento da explanação oral. No discurso
judiciário, as digressões são usadas com a “função de distrair o auditório, mas também
apiedá-lo, indigná-lo; pode até servir de prova indireta quando feito como evocação do
passado longínquo” (REBOUL, 2004, p. 59). O palestrante espírita também lança mão dessa
estratégia para distrair e provocar sentimentos no auditório, como se vê logo a seguir.
54
Figura 6B — Digressão
As digressões do corpus analisado ocorrem sempre por meio da diminuição do
volume e velocidade da voz, além de emprego de uma tessitura mais grave (cf. figura 6B). Na
palestra de Divaldo, a digressão tem função pragmática de dar a conhecer a atitude do falante,
ou seja, a desaceleração da fala do orador indica maior valor ao que ele diz. Geralmente
encerra um comentário que na verdade pode ser uma informação, um discurso moralizador,
um pequeno sermão sem o tom de admoestação, repreensão, descompostura. Ou mesmo, por
meio da digressão, o orador apresenta uma constatação, traz uma informação.
Os trechos destacados abaixo mostram um padrão lento/baixo que se repete no
tocante às digressões. O volume da intensidade sonora indicado pela linha verde diminui
gradualmente (de 77.34 dB a 60.54dB), como se pode verificar pelo tracejado de linha em
vermelho que marca o menor pico de volume do enunciado em destaque. A velocidade de voz
lenta é notada pela quebra de continuidade (linhas azuis) ocasionada pelas pausas. É uma
estratégia prosódica usada para registrar quando algo importante é dito. Neste caso, trata-se de
uma figura que intensifica o sentimento de comunhão com o auditório, que assunto futebol
55
gera uma cumplicidade no brasileiro. Logo a seguir, o orador acelera a velocidade de voz
quando prepara o auditório para um argumento mais importante adiante. Através da
aceleração/desaceleração e da diminuição/aumento do volume é que procura fixar para o
auditório as idéias de causa e efeito essenciais em sua tese. Na palestra espírita analisada, as
digressões com força de um sermão aparecem quatro vezes e, todas na segunda parte, estas
foram transcritas abaixo:
1- “madame dizia as amigas meu filho tem tudo... ele tem três babás... uma francesa... uma
inglesa.. uma alemã... eu dei metAde da mansão para ele... ele não tinha mãe porque a
mãe não tinha tempo para ele mas isso não é importante...muitas mães hoje fazem a mesma
coisa...DÃO COISAS para não se darem... porque elas querem gozar eles os pais ... e os
filhos eles dão coisas dão presentes dão:::bicicleta moto automóvel e preparam-nos ... para
serem assassinos viciados... porque como não tem família... os pais trabalham para dar
coisas... mas não se dão... porque isto é muito mais caro... LELand tinha tudo” (43:39)
2- E ELE que a amava:::era mais velho do que ela... disse meu bem porque é que você não
vai brincar com nosso filho... porque muita gente que tem filho de brincadeirinha... o
homem:::... carregava na carteira a fotografia... olha aqui o herDEIRO... se é rapaz... olha
aqui a garota:::ça... se é menina a mãe coloca um berloquezinho de ouro tem um filho dois
três... até aí... e ai ela fica contente... mas ainda não se deram conta com exceções... da
magnitude de ser pai... de ser mãe... quando ele lembrou do filho... mas é verdade... vou
brincar com Leland saiu a correr...(47:08).
3- Leland... eu fiz a minha caridade a caridade para esta gente é assim... tirou várias
fotografias... estavam muito bonitas... posava fazendo a distribuição...agora voltemos... ele
saiu assim correndo...” (55:02).
4-“ não tinha mãe porque a mãe não tinha tempo para ele mas isso não é
importante...muitas mães hoje fazem a mesma coisa...DÃO COISAS para não se darem...
porque elas querem gozar eles os pais ... e os filhos eles dão coisas dão presentes
dão:::bicicleta moto automóvel e preparam-nos ... para serem assassinos viciados... porque
como não tem família... os pais trabalham para dar coisas... mas não se dão... porque isto é
muito mais caro... LELand tinha tudo... mas assim mesmo ele amava os pais...” (43:52).
56
Figura 7 — Sermão
É possível observar que o orador mantém um padrão quando usa as digressões
em sua palestra. Analisando o excerto 3, representado pela figura 7, abaixo, percebe-se que o
enunciado “a caridade para essa gente é assim” insere um comentário que exprime um juízo
de valor que foi marcado prosodicamente pela variação do volume (69.81 dB e 53.01dB) em
relação às sentenças entre as quais se situa. A primeira vai de 83.55dB a 60.03dB, e a terceira
oscila entre 72.24dB e 57.81dB. O enunciado em destaque traz marcas fonéticas de redução
que produzem um efeito de um comentário entre parênteses (CAGLIARI, 1992). A digressão
pode ser entendida como um desvio que o orador faz antes de retomar o “fio da meada” mais
adiante. Para atribuir valores relativos às partes que precedem, compõem e sucedem a
digressão, o orador recorre ao elemento prosódico da tessitura. Durante a digressão, o uso
de uma tessitura em nível baixo que indica o assunto secundário e a tessitura alta, retorno ao
assunto principal. Acompanhando a figura 6 é observado que a intensidade (linha verde) vai
sendo reduzida em escala descendente, até terminar com uma pausa. Também um exame do
espectro sonoro (linhas em preto acima) indica que esta é a parte com o volume mais baixa.
57
A tessitura mais baixa é usada para destacar o deslocamento da frase, ou seja,
sintaticamente é um aposto. Além disso, a tessitura, aqui tem duas funções: coesiva porque
“ela serve para lembrar o ouvinte como conectar coisas ditas antes com coisas ditas depois”
(CAGLIARI, 1992, p.140), e pragmática, uma vez que os níveis mais baixos indicam mais
razão, autoridade (BOLLELA, 2006, p. 119).
Assim, discursivamente, o enunciado se estabelece como um sermão no qual o
orador faz, brevemente, um juízo de valor negativo sobre quem pratica a caridade apenas para
se destacar, aparece aqui a paixão do desprezo. Critica essa forma de caridade deixando
implícito que outra que é a correta. Por meio dos elementos prosódicos tessitura e volume
combinados à fala do enunciador, suscita-se no auditório uma paixão que decorre do caráter
honesto. A paixão da indignação, segundo Aristóteles (2000), reflete uma não aceitação
moral. Neste caso, da forma errada como a caridade é praticada. Novamente, o palestrante
reforça para o ouvinte um ethos virtuoso ao mesmo tempo em que excita a paixão, apelando
para o sentimento moral.
Outra característica da digressão, na análise apresentada, é poder resgatar fatos
de um passado mais distante. E uma vez que uma das funções da digressão é evocar a história,
em passado longínquo (cf.. REBOUL, 2004), no corpus, o desvio momentâneo do assunto,
tem objetivo de presentificar o tempo pretérito. Além disso, atua como um argumento
retórico, ou seja, como prova indireta dos fatos que o expositor irá mencionar em seu
discurso, como é percebido nos dois fragmentos da palestra abaixo:
1- Napoleão em um gesto de audácia::: acercou-se do papa quebrou o protocolo e... auto
coroou-se... para demonstrar sua animosidade ao papa reinante... ato contínuo ele coroou
Josefina como imperatriz... mas merece recordamos... que dois meses antes apenas... no dia
3 de Outubro daquele referido 1804... na cidade de Lion... próximo a Paris 400km...
nascia... Hipolite de Lion Denizard Rivaill... que a humanidade conhecerá mais tarde com
o pseudônimo de Allan Kardec... Deus... estava agora intronizado...através de Napoleão I...
(04:19)
2- E ERGUI a universidade Stanford... Em Homenagem ao meu filho... é hoje uma das dez
maiores universidades do mundo... foi alí... em 1908... que se conseguiu pela primeira vez...
a fissão nuclear... em homenagem ao meu filho... então Felício Terra (01:06:11)
58
A digressão na palestra espírita tem duas funções, a saber: produzir o mesmo
efeito de um sermão, ou seja, comover e mobilizar as paixões do auditório e presentificar um
fato histórico, retomando-o. Tal incidência carreia para a digressão de cunho histórico um
“sentimento de presença” e, consoante Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a razão é passível
de provocar a emoção assim como também o faz a figura. Então, é possível dizer que, na
palestra espírita analisada, as ocorrências de digressão podem ser tomadas como figuras de
comunhão e de presença.
Outro elemento lingüístico que consegue trazer para a palestra o sentimento de
comunhão e presença, além de excitar as paixões, é a pausa. Na narrativa da palestra espírita,
os interlocutores seguem um planejamento discursivo que parece ser previamente elaborado
porque uma interação que simboliza uma conversação artificial (DIONÍSIO, 2006). É
interessante uma análise do elemento prosódico em questão, a pausa, que é muito usada na
segunda parte da palestra. Convém analisá-la também uma vez que ela é uma das estratégias
utilizadas para a ocorrência de troca de turnos.
Em uma construção composicional típica de interação face a face, a palestra é
um evento dialógico que, em primeiro momento, pode parecer uma situação discursiva
espontânea mesclada a discursos institucionais oriundos da doutrina, mas que depois de
analisada se configurou apenas como um simulacro de uma conversação espontânea. A
transmissão se dá em uma “situação de diálogo” cujo objetivo é convencer o auditório,
estimulando as formações patéticas da narrativa.
Os meios lingüísticos para a estruturação da palestra não se estabelecem por
meio de turnos. A palavra não é passada ao outro em nenhum momento, pois inversões dos
papéis entre falante e ouvinte não ocorrem. O orador realiza um monólogo no qual ele simula
a conversação e atribui turnos para demonstrar a presença de interação entre as personagens
dentro da narrativa. Esta se constitui em um simulacro da conversação, que Marcuschi (2003)
define como uma das primeiras formas de linguagem a que estamos expostos e como um
gênero básico da interação humana.
No trecho abaixo analisado, uma abundância de pausas, 26 momentos.
Verifica-se que as pausas são freqüentes nos momentos de grande emotividade. O fragmento
narra um caso de orfandade. A criança perde os pais da mesma maneira. O orador reduz a
velocidade da voz e o volume e utiliza de qualidade de voz murmurante, embargada, contrita
para indicar o sofrimento da personagem no momento da perda do marido:
59
o pai...e a e... levavam-no... até um rochedo... o pai pegava o barco para ir pescar... a
mãe dava adeus com o filho... e a tarde vinham buscar o pescador... todos os dias... até um
dia... que o pescador não voltou... e a mãe ficou ali com o filho... Até a manhã seguinte... e
ele não voltou... até o cair da tarde... e ele não retornou... até o outro dia... então ela disse
meu filho... as sereias do mar roubaram-me teu pai... espera por mim... eu vou buscá-lo... e
entrou no mar... e nunca mais voltou... oh Leland... que história triste meu filho... porque tu
gostas desta história?... porque aquele menino da praia... se parece muito comigo... contigo?
(49:03).
Com essa descrição e através do uso da hipotipose o orador cria o sentimento de
presença e ao mesmo tempo incita a paixão da compaixão e da indignação ao dar a conhecer
que a criança ficará sozinha devido a um ato egoísta da mãe. também uma relação de
correspondência entre os exemplos das narrativas dentro da palestra como é mostrado na fala
das personagens abaixo. Ambas ilustram o egoísmo dos pais que não percebem ou pensam
nos filhos. Um é deixado à própria sorte e o outro é ignorado apesar da riqueza. A solidão,
presente em momentos de vida dos dois meninos inspira a paixão da compaixão. Um
sentimento que junto com o arrependimento, é também implícito na fala da mãe quando ela
diz “...Oh Leland ... perdoa-nos”.
“... oh Leland... que história triste meu filho... porque tu gostas desta história?... porque
aquele menino da praia... se parece muito comigo... contigo?... sim mamãe... mas tu tens
teu pai... é verdade... no mar dos negócios e da governança... mas tu tens a mim... mamãe
vai... pelo mesmo mar... atrás de papai... eu fico sempre aqui esperando... que as ondas do
mar da vida me devolvam... um ou outro... Oh Leland... perdoa-nos....” (49:53).
Uma observação do formato de onda da figura 8 A mostra aumento de volume
na fala que começa em de “até a manhã seguinte” até para caracterizar o desespero da mulher
do pescador. O primeiro enunciado é pronunciado com qualidade de voz que expressa alarme,
desespero e cria uma expectativa sobre o desenrolar da narração. E em “até o cair da tarde” a
qualidade de voz é um pouco sussurrada indicando susto, terror diante da constatação. Os
enunciados: “e ele não voltou”, “e ele não retornou” usam o mesmo padrão de qualidade de
voz chorosa para dar idéia de sofrimento.
60
Figura 8A — O pescador
Na palestra espírita as pausas se propõem a desempenhar a função de
segmentação. Abaixo, por exemplo, encontramos a ocorrência de dezenove pausas sendo
quatro com função de conectores — e, e, pois, e (marcadas em negrito entre parênteses):
“É que estão meus irmãos órfãos... mas quando madame chegou a Roma... com seu filho
no mês de agosto verão Europeu... as noites longas... Leland contraiu uma pandemia... a
febre amarela... não havia cura na época... em um hotel de luxo na via Habia antiga... em
todo o andar cercado de empregados... o menino começou a delirar na febre e madame ficou
apavorada... chamou os melhores médicos da Itália... e eles disseram Senhora... não
cura...(pois) a febre amarela é um ciclo... (e) no término mata... madame não podia aceitar
isso... ninguém pode curar meu filho na Europa... talvez ... o médico da rainha Vitória...
mandem buscá-lo...(e) se for necessário tragam a rainha... eu posso comprar a Inglaterra...
mas salvem meu filho... uma carruagem saiu de Roma...” (59:12).
61
Na narrativa apresentada pela palestra espírita, a pausa, ou seja, o silêncio em
meio a enunciados, tem função de segmentar a fala. A falta de sonorização na fala é um
elemento de destaque e que contribui, de maneira significativa, para as mudanças dos
interlocutores, estabelecendo assim a troca de turnos. As pausas atuam como marcadores
conversacionais organizadores de turnos de fala dos personagens da narrativa oral, pois são o
único indicativo da tomada da palavra pelo outro, uma vez que o orador não modifica a
tessitura.
Verifica-se que uma característica essencial, no corpus analisado, é a sua
lentidão, um elemento lingüístico importante na estratégia argumentativa. O silêncio em meio
aos enunciados se alia à qualidade de voz emotiva para promover a adesão do ouvinte. O
orador usa conjuntamente os recursos supra-segmentais, pausa e tom de voz, para estabelecer
a mudança de turno. Nos momentos de grande comoção, como é visto acima, um
decréscimo do volume indicando atitude de querer persuadir.
Em nenhum momento, o orador recorre à mudança de tessitura para estabelecer
a mudança dos turnos usando tons graves ou agudos (usando voz em falseto para caracterizar
a personagem feminina ou infantilizando-a para representar a personagem infantil). Ele o faz
através do decréscimo do volume aliado ao alongamento de vogais ou consoantes e pausas.
“... então Felício Terra perguntou madame... e aqueles mil dólares... a senhora deu?... não...
não eram meus... eram de meu filho... eu mandei fazer uma fundação... para educar qualquer
criança órfã... de olhos verdes... em homenagem a meu filho...” (01:06:35).
Observa-se também que não ocorrem oscilações bruscas na qualidade de voz do
orador, essa é, majoritariamente, monocórdica. Há pontos de elevação do volume, mas esse se
mantém estabilizado durante quase toda a palestra indicando atitude pragmática do orador que
busca impressionar o auditório. Ao falar baixo e reduzir a velocidade da fala, Divaldo reforça
o valor do que diz e procura incitar a emotividade (cf. BOLLELA, 2006, p123).
Nos momentos trágicos da narrativa o orador intensifica a ocorrência das pausas
e um decréscimo do volume, indicando sua intenção de persuadir por meio da exploração
do pathos, mais especificamente da tristeza como paixão. Tal fato é notado no trecho abaixo
quando ele narra as últimas palavras trocadas entre mãe e filho.
62
“mamãe... ouça... a música mamãe... não meu filho... não tem música... é um delírio...
mamãe... os órfãos estão chegando... Tom... John... Mary não Leland...é um delírio...
mamãe... eles estão me chamando... eu vou mamãe... mas antes de eu ir... meu filho não
te vás... madame ajoelhou-se... segurou-lhe as mãos... não te vás mamãe antes de eu ir... eu
quero lhe fazer um pedido mamãe... tudo que queiras... mamãe quando eu for:::... você
será... uma mãe que não tem filhos não é?... é meu filho... mas você não io médico da
rainha chegará daqui a pouco... mamãe... eu quero lhe pedir... que depois que eu for... e você
se tornar uma mãe que não tem filhos... que você se transforme... na mãe dos filhos que não
tem mães... você me promete... prometo meu filho... mas não se vá... mamãe os órfãos estão
sorrindo... eles cantam... até logo mamãe... a cabeça pendeu... os olhos verdes... ficaram
abertos o médico correu... desceu-lhes as pálpebras madame deu um grito... e tombou
inanimada...” (01:01:24)
Figura 8B — Leland
63
As pausas, a qualidade de voz, o volume e a velocidade são essenciais para que o
orador emocione o auditório, uma vez que esses são os únicos elementos empregados para a
construção textual em suas narrativas orais. O orador usa efeitos teatrais através do aumento
do volume na fala da mãe: não Leland...é um delírio...” para indicar sua grande perturbação
pela eminente morte de seu único filho e a qualidade de voz é abafada como que sufocada
pela dor em contraste com a qualidade de voz empregada na fala de Leland que apresenta
traços de alegria e surpresa mamãe... os órfãos estão chegando... Tom... John... Mary. Em
todo esse trecho o orador usa as pausas mais longas para intensificar o efeito patético nas falas
da mãe. Alia a isto também qualidade de voz chorosa, sofrida, por meio da redução da
velocidade e do volume, como se pode ver pelo formato de onda no trecho em amarelo da
figura 8B. O orador procura provocar a compaixão e, por meio dela, instigar uma
identificação no auditório, uma vez que todas as pessoas podem sofrer a morte de um ente
querido. A paixão da compaixão encontra ressonância no auditório, uma vez que todos os
seres contemplam a possibilidade da perda, e para Aristóteles “esses seres são desse gênero e
suscetíveis de sofrer os males citados” (2000, p.53). O orador expressa a compaixão por meio
do murmúrio.
Na peroração, o palestrante reduz significativamente o elemento prosódico da
intensidade sonora para provocar a adesão por meio da fusão entre argumentação e emoção.
De acordo com Reboul (2004, p. 60), a peroração “é o momento por excelência em que a
afetividade se une à argumentação, o que constrói a alma da Retórica”.
Os temas tristes como a morte, geralmente, são ditos com velocidade lenta de
fala, desacelerando para provocar comoção. O patético do discurso é reforçado juntamente
com a qualidade de voz sentida, quase chorosa. A inflexão vocal é que se torna um dado
argumentativo forte, pois a adesão é construída pelo elemento que está acima do nível
segmental, através da prosódia. No trecho representado pela figura 9 abaixo, observa-se que a
velocidade e o volume foram bastante reduzidos no trecho em amarelo, se comparados ás
outras partes. Na palestra, a velocidade de voz para os temas tristes é mais lenta devido ao uso
de muitas pausas. O mesmo se dá com o volume o que reforça a indução as paixões.
até logo mamãe... a cabeça pendeu... os olhos verdes... ficaram abertos o médico correu...
desceu-lhes as pálpebras madame deu um grito... e tombou inanimada... quando ela
despertou... vestiu o seu filho...” (01:02:44)
64
Figura 9 — Morte de Leland
Outra circunstância propícia para provocar o sentimento de presença é o uso da
repetição. Examinando o corpus, detectou-se uma série de momentos em que se afigurava a
repetição. A oração “eu creio em Deus”, muito relevante para o discurso do orador devido a
seu cunho religioso, é entoada de diversos modos, acrescentando novos significados à
expressão oral que ajudam na persuasão do auditório. Nos fragmento abaixo, listados de 1 a
10, pode-se constatar que, no fragmento 4, o enunciado é proferido com volume alto e a
saliência tônica incide na palavra Deus ,com aumento concomitante da duração: “... por essa
razão... o instinto dos animais... diz o doutor Cressey Morrison eu CREIO em DEUS... mas
eu creio em Deus por um quarto fator...que se chama genes e crono/cromossomas.”,(25:39)
no fragmento 6, a tônica recai sobre a palavra com aumento da tessitura e alongamento do
ditongo “ei” e redução da velocidade na palavra “creio”: por isso eu creio em Deus...
creio em Deus por uma sexta razão... o equilíbrio...” (27:06).
A palestra pretende evidenciar-se como uma construção do logos para adquirir
valor de verdade científica irrefutável. Convém ressaltar ainda, que é constitutivo da doutrina
65
espírita crer que fé e razão são intercambiáveis. A própria epígrafe da obra Evangelho
Segundo o Espiritismo prega que “Não há fé inabalável senão aquela que pode encarar a razão
face a face, em todas as épocas da Humanidade” (KARDEC, 2002, p. 3). O orador busca na
figura de repetição, elemento de retomada do tópico discursivo, uma forma de reforçar os
preceitos doutrinários, fé e razão.
A constante repetição dos tópicos principais da sentença procura,
paulatinamente, levar o auditório à adesão, a crer que os fatos mencionados são plausíveis e
atestam o valor de verdade do discurso. Reboul afirma que a figura (qualquer que seja ela) é
essencial em um discurso eficiente e acrescenta ainda que “se o argumento é um prego, a
figura é o modo de pregá-lo” (2004, p. 114).
“Eu creio” é a oração que estrutura a palestra espírita quando o orador se propõe
a dar razões científicas que comprovem a existência de Deus e, para tanto, elege os
argumentos quase lógicos, mais precisamente os argumentos matemáticos. Por meio do
argumento da divisão, a tese é mostrada em partes como se estas possuíssem as mesmas
propriedades do todo, servindo como elemento ilustrativo que, matematicamente, irá provar a
tese defendida para o auditório. O viés da matemática empresta valor científico e cunho lógico
aos argumentos elencados, capacitando-os a ter valor de verdade, de serem críveis.
Em 41 minutos e 41 segundos de palestra, o enunciado “eu creio em Deus”
aparece (em negrito) 16 vezes, nos fragmentos numerados e abaixo. A expressão é repetida
geralmente duas vezes na mesma sentença e no fragmento 9, as palavras em Deus” estão
implícitas. O acento frasal sempre incide sobre as palavras “creio” ou “Deus”, para chamar a
atenção sobre as mesmas. O orador a cada processo de repetição também varia os padrões
entoacionais, a velocidade e o volume da fala.
1-“:::... o doutor Cressey Morrisson...
(...)
ESCREve na sua obra::; EU CREIO em DEUS...
que está na moda::: a negação de Deus...caracteriza:::ndo o ser intelectual aquele que
discorda de Deus eu tenho orgulho em afirmar::: EU CREIO em Deus e tenho sete razões:::
que me levam::: a crer em Deus...” (13:11).
2- ALGUÉM PROGRAMO::: para que pudéssemos viver:::conforme s vivemos... ENTÃO
EU CREIO EM DEUS...que CRIOU as condições::: apenas para::: o nosso planeta
existir... mas eu creio em Deus por uma segunda razão... que se chama vida...” (18:41).
3- “por isso... eu creio em Deus... ((bate palmas)) por CAUSA do milagre da vida mas eu
creio em Deus por uma terceira razão que se chama instinto dos animais...” (21:02).
66
4- “... por essa razão... o instinto dos animais... diz o doutor Cressey Morrison eu CREIO em
DEUS... mas eu creio em Deus por um quarto fator...que se chama genes e
crono/cromossomas...”(25:39).
5- ... grAças a essas descobErtas eu CREIO em Deus...mas eu creio em Deus por uma
quinta razão que se chama...a inteligência..” (26:29).
6- “por isso eu creio em Deus... creio em Deus por uma sexta razão... o equilíbrio...”
(27:06).
7- por isso eu CREIO em DEUS... pelo ecossistema... mas eu CREIO em Deus por uma
sétima razão... que se chama imaginação..” (30:36).
8- “...EU CREIO em DEUS:::...e automaticamente sentimos uma emoção...” (33:51).
9- “... agora EU CREIO::: e quando ele” (38:06).
10-“somos obrigados a curvar-nos e dizer... EU CREIO em Deus ...” (40:06).
O orador, ao usar a repetição, retoma incessantemente o objeto da sua palestra,
as sete razões para crer, e o faz através da estrutura lingüística “eu creio em Deus”. Ao mesmo
tempo em que esta estrutura funciona como um argumento de autoridade opera também, a
progressão discursiva ao retomar o elemento já dado e introduzir um novo, sucessivamente.
Considerando o exemplo número 1 supracitado, é preciso destacar que, durante
toda esta parte, o orador, por se ancorar em citação de outrem (Cressey Morrisson), emprega o
pseudodiscurso direto, a figura que “aumenta o sentimento de presença atribuindo palavras a
uma pessoa ou várias conversando entre si” (Perelman, 2005, p. 200). Esta é uma figura que,
ao se prender à hipótese, reafirma a presença.
A ocorrência do pseudodiscurso é atrelada a um argumento baseado na estrutura
do real. As palavras do professor de história natural são tomadas como prova de asserção pelo
orador e configuram um argumento de autoridade. O orador salienta através da figura uma
demarcação de quem fala. E consoante Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 350), “quem
invoca uma autoridade se compromete: não há argumento de autoridade que não repercuta em
quem o emprega”. A figura 10 logo abaixo apresenta um recorte de um pseudodiscurso da
palestra. É bem marcado sintática e prosodicamente a quem pertence a fala no momento da
efetiva enunciação e o uso do verbo “diz” além do demarcar sujeito indica a fala do outro
(Cressy Morrison). O formato de onda (parte superior em preto) da figura mostra que as
palavras no trecho destacado receberam significativa mudança em sua duração.
67
Figura 10A — Exemplo de pseudodiscurso.
Observa-se que é empregado um ritmo silábico, onde, concomitantemente,
ocorre a desaceleração da velocidade e o aumento do elemento prosódico volume. Estas são
as estratégias engendradas para obter efeitos semânticos específicos (ato de súplica). O
aumento do volume tem função pragmática de sinalizar atitude autoritária, fato que coaduna
com o argumento de autoridade. A entoação da fala adquire contornos significativos na sílaba
“eu” onde ocorre maior elevação do nível melódico. Neste ponto, acontece o aumento do
volume e o ritmo se torna cadenciado devido ao fato de as palavras serem pronunciadas
separadamente, reforçando a autoridade e o valor da sentença. Eu creio em Deus” não é voz
do orador e há dois modos de demonstrar isso, uma forma prosódica e outra sintática.
Prosodicamente, o orador recorre ao uso de qualidade de voz com volume mais alto e com
padrão entoacional mais lento, e ritmo silabado. E, sintaticamente, verifica-se a presença do
verbo dicendi (diz), assim como a reprodução literal das palavras da personagem que serve
como comprovação figurativa do que acabou de ser exposto. A sentença passa a ter cunho de
declaração categórica, plena de uma convicção que não admite réplicas.
68
Figura 10B — Creio
Em outra representação do mesmo fragmento, na figura 10B acima, verifica-se
que o orador enfatiza com mais intensidade dois momentos: nas palavras creio” e “em
Deus”. “Creio” sofre uma alteração prosódica da variação da intensidade sonora que é
ocasionada pelo aumento do volume da qualidade de voz do orador (82.02 dB). Recebe ainda,
o acento frasal que reafirma no auditório a idéia da crença. A palavra sofre um pico máximo
de intensidade nesta parte como se pode ver pela linha verde. Enquanto que a expressão “em
Deus” sofre variação em sua duração tornando a velocidade da fala mais lenta. A palavra
Deus sofre uma desaceleração de velocidade e decréscimo de volume (60.1 dB) até terminar
em pausa. O orador destaca esses dois elementos todas as vezes que introduz uma nova razão
para justificar o ato de crer ou quando finaliza uma explicação do porquê crer. A variação
prosódia recai sobre as palavras “creio” e “Deus” e, com isso, vale-se da figura de repetição.
69
Além do mais, a escolha da permanência da tônica em “creio” e “Deus”
relaciona-se com a estrutura argumentativa do discurso e é fundamental para o convencimento
de que Deus existe. Assim, ao final de cada razão dada é introduzido um novo fato que
pretende levar à comprovação da existência de Deus pela ciência com o apoio da repetição de
“Eu creio em Deus”. A enunciação do “eu creio” é o tópico que interliga a progressão
temática e remática, relaciona-se com a distribuição “dos elementos ‘dado’ (given) e ‘novo’
(new) num enunciado” (CAGLIARI; 2007, p. 164).
No enunciado, a palavra “creio” recebe maior variação no tocante ao volume. É
a parte da mensagem mais importante, pois solidifica as premissas acordadas entre as partes
envolvidas no discurso deste auditório particular.
Crer é um verbo, uma palavra indicativa de ação que dá um caráter mais pontual
ao enunciado, por indicar a aceitação do orador e, com isso, pode evocar no auditório a
mesma ação performática de crer. A palavra produz um efeito de sentido que marca um ponto
essencial no discurso e, segundo Cagliari (2007, p. 166), “o importante é sempre marcar as
variações que se relacionam de um modo ou de outro com as funções gramaticais ou com
manifestações semânticas da língua”.
No final da primeira parte, após arrolar todas as razões que progressivamente
confirmam a existência de Deus, o orador mostra-se persuadido pelas mesmas. A paixão
surgida, então, não é produto de um sentimento irrefletido, é fruto de uma análise criteriosa
uma vez que “as paixões têm uma função intelectual epistêmica; operam como imagens
mentais: informam-me sobre mim e sobre o outro tal como ele age sobre mim
(prazer/sofrimento)” (MEYER, 2000, p.XLII). A construção discursiva se assenta em bases de
comunhão que cresce por meio da figura da comunicação oratória, por intermédio da qual o
orador parece confundir-se com o seu auditório, como é possível ver no trecho extraído da
palestra abaixo transcrito:
DIANte dessa maquinaria extraordinária....que lamentavelmente o tempo não nos permite
prolongar... somos obrigados a curvar-nos e dizer... EU CREIO em Deus ... mas Deus ... é
muito mais fascinante...”(40:00)
Ocorre ainda o uso de uma outra figura argumentiva: a enálage do número de
pessoa com a permutação do “eu” e do “tu” pelo “nós”. O orador se mescla com seus ouvintes
fazendo com que a ação pretendida, curvar-se, resulte do convencimento total gerado por
todos os argumentos arrolados, uma forma de aceitação submissa e irrevogável. Essa figura
70
traz à palestra um emprego mais acentuado dos elementos prosódicos. O registro de voz
empregado marca saliência de volume maior em todo trecho destacado.
O orador grita de “somos” até “dizer”, a velocidade também sofre aceleração,
adquirindo função pragmática ao sinalizar um argumento mais importante logo adiante. O ato
de curvar-se ganha mais intensidade quando sobre a palavra incide a saliência tônica que
produz uma mudança significativa na curva melódica e na duração, o que pode ser visto na
figura 11 logo abaixo. O item lexical “curvar-se” revela, ainda, o traço semântico de
obediência e submissão.
Figura 11 — Submissão
“Eu creio em Deus” é pronunciado de modo bastante enfático. A palavra “eu”
tem um volume mais alto do enunciado (83.71 dB) e também a mais longa em duração e
intensidade, como se verifica nas linhas verdes que demarcam a intensidade. É um grito com
o qual o orador inflama as paixões e explicita a sua posição de persuadido, assinala seu
testemunho de fé. A paixão da confiança suscitada nesse momento acena como a
“proximidade dos meios de salvação” (ARISTÓTELES, 2000, p. 35) dos quais o orador se
71
encontra mais próximo devido a sua crença. Já a palavra “creio”, além de apresentar
acréscimo de volume, revela uma tessitura em nível mais agudo que manifesta exaltação, o
arrebatamento diante do poder tão absoluto que é capaz de criar: “a vida”, “as condições para
o planeta existir”, “o instinto dos animais”, “genes e crono/cromossomas..., a inteligência”,
“o equilíbrio”, “o ecossistema” e a “imaginação”.
Analisando a palestra, percebe-se que o orador estabelece um padrão: o uso de
uma figura de presença que se seguirá em toda a primeira parte: a repetição. O vocábulo
“Deus” é dito com significativo movimento do contorno melódico no sentido ascendente ou
descendente. Também os elementos volume e velocidade sofrem relevantes mudanças de
redução/aumento e aceleração/desaceleração, respectivamente, em toda a palestra. A entoação
carreia um significado de apelo ou persuasão (creia comigo). Por intermédio da oração “eu
creio em Deus” e “mas eu creio em Deus” é que o orador introduz as razões que vão
articulando a progressão discursiva da palestra e, atrelada a essa frase, existe regularmente
uma conjunção conclusiva (por isso, então). O orador, ao terminar de explicar as causas que
fundamentam sua crença, introduz uma nova razão que faz o texto caminhar. Com o
paralelismo, ou seja, a repetição das mesmas idéias com palavras ligeiramente alteradas e de
frases que possuem o mesmo esquema gramatical, efetiva-se a figura argumentativa de
presença na palestra.
Outra forma engendrada para a comunhão, para fazer o auditório participar
ativamente de sua exposição via pathos é a ironia que aciona o delectare. A ironia visa o
ethos do outro e, segundo MEYER (1993) é uma boa técnica argumentativa que evita afrontar
diretamente a identidade do outro, como podemos ver no excerto seguinte:
“...madame era magra era rica era bonita mas não era lá:::...”(53:16).
Nesse trecho, o orador se vale da prosódia para intensificar a ironia, figura que
usa para se expressar, ao mesmo tempo, de modo livre e codificado (REBOUL, 2004, p.
132.). O orador produz o efeito irônico através do alongamento do monossílabo “lá” para
externar um aumento do sentido negativo de uma qualidade, que está sintaticamente em
elipse. Observando a figura 12, nota-se que a palavra “lá”, na parte em amarelo, sofreu um
alongamento, quando comparada às outras do enunciado. O monossílabo em questão é
pronunciado com velocidade de fala lenta, pois a duração é mais alongada , assim como o
volume vai decrescendo a partir da produção de “mas não era”.
72
Figura 12 — Ironia
A duração alongada adquire função semântica de indicar o aumento do sentido
negativo da qualidade da personagem feminina na narrativa, que, se for interpretado dentro
contexto discursivo significa “muito inteligente”. Ao realizar a redução do volume na sílaba
final da sentença, o orador chama uma atenção maior sobre o que está sendo dito, revelando a
intenção de persuadir por meio do ridículo.
Ao não lexicalizar “muito inteligente”, o orador consegue a respectiva nuance de
sentido para o auditório ao alongar e enfatizar o “lá”. Por meio da prosódia, constrói um
sentido de ausência de inteligência da personagem feminina da narrativa com a qualidade de
voz que se inicia mais rápida e se interrompe de repente. As qualidades positivas (jovem,
magra, rica e bonita) são colocadas no início da sentença e contrastam com o “lá” que adquire
a função de advérbio de intensidade no nível semântico com valor de “muito”. O efeito de
sentido que carrega uma carga irônica e até mesmo cômica é conseguido por meio do
elemento prosódico da duração e também através da diminuição da velocidade. Ao diminuir a
velocidade da fala, alongando a palavra o orador introduz o argumento da contradição e
incompatibilidade: o ridículo. Esse ressalta a incompatibilidade através da ironia, uma figura
73
retórica com a função de condensar o argumento pelo riso. Com essa estratégia o orador traz
“o odioso desenvenenado, que não provoca escândalo, porém riso” (REBOUL, 2004, p. 170).
A estratégia usada para engendrar a graça à sentença é valer-se de uma figura de
comunhão que retoma visões cristalizadas baseadas em estereótipos da sociedade ocidental, a
qual prega que beleza e inteligência são atributos separados para o indivíduo, principalmente
aquele do sexo feminino. O orador usa a ironia para realizar a comunhão com o auditório,
assim os move pela emoção. Convém ressaltar que o riso é uma emoção muito significativa.
Com essa figura, a ironia, o orador simultaneamente reforça elementos do patético e ético em
seu auditório e, segundo Reboul (2004), tal estratégia consegue pôr a seu lado quem ri. E, ao
mesmo tempo, o orador consegue ressaltar a incompatibilidade da junção de dois atributos
(beleza física/capacidade intelectual) pelo uso do argumento do ridículo.
Por se tratar de ponto descortês, o orador evita lexicalizar a idéia de ironia o faz
mediante o uso da prosódia e o efeito final é uma ironia que não carrega sutileza, ao contrário,
é uma ironia pesada, esperada e que REBOUL (2004, p.132) classifica como aquela que
“sucumbe ao peso do sentido”. Apesar do teor descortês, a ironia não provoca conflito devido
à qualidade de voz empregada que suaviza os conceitos negativos por meio do riso. A
qualidade de voz risonha e os elementos prosódicos volume e velocidade criam um efeito de
relaxamento e comicidade para um assunto bastante denso. Como ocorre no trecho abaixo:
“... oportunamente proferindo essa conferência numa cidade... ao terminar veio uma moça...
meio mais ou menos madura e me perguntou... irmão Divaldo é mesmo que o universo vai
mesmo se acabar?... eu disse o universo eu não sei mas o nosso sistema sim... vai chegar um
dia... em que ele vai se acabar... QUANDO?... dentro de 15 bilhões de anos...ela disse.. Ai
meu Deus o que será de MIM que ainda não me casei?((risos))... (35:09)
Observa-se pela figura 13, que segue abaixo que há picos de elevação de volume
(5 momentos), iniciando-se com os vocábulos: “terminar”, “veio”, “quando”, “será”, “mim” e
“casei”.
74
Figura 13 — O Feminino
Uma incidência discursiva observável na palestra é a caracterização do feminino
versus masculino. O feminino é basicamente atrelado a argumentos quase lógicos que fazem
apelo ao princípio de identidade. O orador recorre à figura da ironia e sua menção é feita com
decréscimo do volume e qualidade de voz chorosa, emotiva, que leva o auditório a construir
uma imagem de falta de inteligência ou, pelo menos, de um grau de futilidade muito grande.
A velocidade de fala lenta e a qualidade de voz chorosa e assustada produzem o riso ao
externar alguém incapaz de perceber a grandiosidade dos valores numéricos mencionados (15
bilhões de anos) e só se ater a fatos pessoais que, em contraste com as informações dadas pelo
orador, se tornam insignificantes. Isso é um argumento de identidade que aliada à figura da
ironia expressada prosodicamente produz a emoção do riso no auditório através da jocosidade.
O jocoso reside na qualidade de voz sofrida que orador emprega para dar voz à
personagem feminina, mostrando-a como uma criatura fútil e preocupada com o casamento
mesmo em face da destruição do universo. Tais elementos revelam que uma preocupação
com um fato menor se comparados à seriedade da situação que o orador expõe. O palestrante
espírita, para realizar o contraste da oposição entre os conceitos inteligência/futilidade, faz
75
uso da velocidade de fala e muda a qualidade de voz. Quando pretende a inteligência,
seriedade, fala com qualidade de voz normal que é reservada à entonação masculina. No
entanto, quando pretende passar a idéia de futilidade, própria do feminino, empresta à
personagem uma qualidade de voz chorosa, com volume mais alto e sílabas mais alongadas.
Os valores semânticos e pragmáticos que a ironia e os comentários jocosos produzem, muitas
vezes, só podem ser expressos através dos elementos prosódicos.
A graça e a ironia em retórica são bastante relevantes, uma vez que o humor é
algo que desarma e que, além disso, “coloca o ironista bem acima daquilo que ele denuncia ou
critica” (REBOUL, 2004, p.133) e ainda, para o autor, é uma forma de controle que indica
fleuma no momento em que todos perdem o a cabeça: “retórica superior”. No humor,
abandona-se a seriedade e abdica-se da importância, tal processo exige calma e domínio de si.
Devido ao exposto é possível dizer que o jocoso é uma forma de excitar a paixão da calma ao
mesmo tempo em que promove a comunhão entre os indivíduos, neste caso, o auditório.
No mesmo trecho acima emerge uma outra figura que evoca a presença na
palestra espírita. O uso inusitado na pronúncia das referências numéricas cria uma sonoridade
única, onomatopaica. E consoante Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 198):
a onomatopéia é percebida como figura quando, há para evocar um ruído real, quer a
criação de uma palavra, quer o uso inusitado de palavras existentes, pouco
importando aliás, que o som reproduza exatamente ou não o ruído que se quer tornar
presente; apenas a intenção de imitação parece contar
Um exame mais minucioso permite verificar que durante toda a palestra espírita
analisada, as palavras “bilhões”, “milhões”, “bilhão” “milhão” e “mil” apresentam um volume
intensificado que incide sobre as labas tônicas para reforçar o valor numérico dos fatos
narrados. De acordo com os estudos de Bollela (2006, p. 122) “o volume é um elemento que
acompanha as marcas fonéticas da saliência”.
Neste caso, o volume marca a saliência das labas tônicas e carreia uma atitude
do falante em mostrar que o fato de crer tem respaldo em dados científicos quantitativos. A
incidência da tônica nos ditongos nasais ÕES e ÃO chamam a atenção do ouvinte para a
grandiosidade da obra de Deus, assemelhando-se a uma grande explosão. Quando usa o
argumento quase-lógico da divisão, a questão numérica adquire forte contorno apelativo.
76
Figura 14 — Onomatopéia
Na figura 14 apresentada acima, pode-se ver que a palavra bilhões (trecho em
amarelo), é alongada se comparada às demais da sentença. O traço da intensidade (verde),
mostra que o volume tem o pico mais elevado na palavra bilhões. O orador pronuncia a sílaba
final com som mais labiodental que palatoalveolar e a duração do ditongo nasal é mais
alongada.
Verifica-se nesta análise que, na palestra espírita, o orador usa variadas figuras
retóricas no intuito de instruir, convencer e comover o auditório. No entanto, o momento da
efetiva interlocução exige estratégias discursivas que promovam a presença e a comunhão
entre o orador e seu auditório. Sem os elementos prosódicos não é possível trazer para o
discurso fatos de linguagem expressos por meio de fenômenos lingüísticos que se
encontram além do nível segmental.
A prosódia às figuras usadas pelo orador em seus argumentos éticos e
patéticos um significado interpretativo que “fale” de modo mais intenso ao auditório. Sendo a
palestra um discurso que se concretiza na oralidade, mas que mantém uma estreita relação
com a escrita, a prosódia é o que vivifica a palestra. Os elementos prosódicos dão
77
gestualidade, emocionalidade a um discurso bastante monocórdico e moroso que busca ser
racional; porém, sendo o discurso religioso pautado no crer, sentir, emocionar, a prosódia
demonstra não só o explícito mais também o implícito , o “querer dizer”.
Uma incidência lingüística interessante na palestra espírita é a organização da
narrativa que simula uma conversação natural, mas que está inserida em um monológo. É
exatamente nesta parte que os argumentos patéticos têm uma presença muito intensa. A
prosódia é fundamental para a construção do discurso que aliado a figuras, como hipotipose e
ironia, mantém a tensividade discursiva. É por meio da prosódia que o orador externa a
emoção que quer fazer o auditório sentir, as paixões que busca suscitar. É importante salientar
que Divaldo Franco não se movimenta ou faz gestos largos.
15
É a carga prosódica empregada
pelo palestrante que se encarrega de estimular os argumentos patéticos e éticos.
15
O vídeo da palestra em análise não foi considerado como escopo desta pesquisa; porém, convém destacar que
a prosódia supre a ausência de gestualidade encontrada no mesmo.
78
CONCLUSÃO
A observação das condições de ocorrência dos elementos prosódicos e em
especial, o volume e a velocidade dentro da palestra espírita dos kardecistas, um discurso cuja
tessitura é oral, instigaram a curiosidade acerca da função que estes desempenhariam. A
escolha mais acertada foi eleger a Prosódia como aparato de investigação para analisar as
implicações semânticas do uso conjunto dos elementos prosódicos supracitados e das figuras
retóricas na eficácia da persuasão na palestra espírita kardecista. À primeira vista, cogitou-se
analisar apenas o volume e a velocidade por serem esses os mais evidentes no corpus
selecionado. No entanto, no decorrer da análise verificou-se que outros elementos prosódicos
atuavam concomitantemente aos elementos mencionados, a saber: tessitura, entoação,
duração, acento frasal e ritmo. Assim, surgiu a necessidade de mostrar um pouco dessa
mistura, mas mantendo maior destaque para o volume e velocidade como os elementos
prosódicos principais da palestra, e dos quais o orador se vale com mais intensidade para
buscar a adesão.
Na busca constante pelo aprendizado, o espírita kardecista encontra na palestra
uma fonte de ensinamentos que são passados no contato com o outro. A palestra doutrinária
anula a sensação de solidão dos que acreditam que a evolução moral é um processo
individual. E o adepto, por meio desse recurso, a palestra, procura reforçar as suas crenças e
sedimentar o que se acredita. O orador espírita promove, por meio da palestra, o
aprendizado conjunto. As técnicas persuasivas procuram solidificar a sensação de presença,
de comunhão, que faz esse crente sentir-se parte de uma doutrina, de um grupo.
Divaldo Franco, mesmo quando expõe argumentos de cunho científico, vale-se
do pathos e do ethos para incitar a emoção porque a palestra, como todos os discursos
religiosos, se pauta pelo fazer crer, e a crença não encontra respaldo na razão. Assim, o que
faz o orador espírita é pontificar os valores acordados, em um auditório praticamente
convertido. O grau argumentativo diminui. As provas mais enfáticas do corpus são
psicológicas, pois o crer não se liga a razão e o apelo maior se faz pela emoção.
Fato observado no início da palestra é que o orador, em sua explanação oral,
reforça mais construções patéticas e éticas do que lógicas. Demonstra prosodicamente que,
em seu discurso, a retórica e a passionalidade estão estritamente associadas. È através da
pronunciação, da prosódia, que Divaldo Franco insere o patético na palestra. Seu grande
79
instrumento é a voz. As variações prosódicas da fala permitem ao orado, dentro de um
discurso que pretende ser científico, recorrer á emoção do auditório.
Os aspectos prosódicos indicam também que o palestrante espírita demonstra
preparo vocal mantendo a fala em volume baixo, velocidade lenta e pausada. O que reforça a
idéia de equilíbrio e faz emergir a calma - essa a paixão essencial para que o orador espírita
kardecista seja ouvido. Outro elemento ainda observado é a impostação da voz que contribui
para a formação de uma imagem do orador fundada na erudição, caridade, amor, paciência,
com isso, solidificando para o auditório o seu ethos.
O orador espírita busca persuadir esse auditório particular valendo-se da imagem
que cria de si, enfocando suas virtudes para o adepto da crença que tem como lema perfeição
moral nas bases da fraternidade cristã. Por meio do ethos criado, o orador se coloca como
possuidor de sabedoria e de argumentos consistentes que se fundam na sua prática doutrinária,
em sua capacidade intelectual e na autoridade conferida pelos anos de prática dos preceitos
kardecistas.
Divaldo Franco realiza uma palestra na qual a retórica e a passionalidade estão
em estreita relação (MEYER, 1993, p.147) e as imagens originadas pelo seu discurso o
percebidas por meio das construções éticas e patéticas com as quais ele pretende convencer
pela razão ou pela emoção. A prosódia torna-se um elemento argumentativo de suma
importância para acentuar o aspecto emocional e argumentativo na palestra dos espíritas
kardecistas. Os elementos prosódicos presentes no corpus, em especial, a velocidade, um
elemento prosódico da variação da duração e o volume, um elemento prosódico da
intensidade sonora, são de suma importância para que as emoções se concretizem na fala, do
orador, e conseqüentemente, para que estas encontrem ressonância no auditório. O silêncio
que o auditório manifesta pode ser tomado como assentimento, uma resposta dialógica gerada
pela paixão da calma.
Divaldo Franco apresenta uma palestra que se divide em duas partes. Na
primeira, ele expõe as sete razões que devem ser consideradas como provas da presença de
Deus e, na segunda, narra o fato que levou à construção da universidade de Stanford. Naquela,
elabora, com recursos dos elementos prosódicos e de uma argumentação ancorada na retórica
das figuras, uma discursividade que, para se fazer crível, apóia-se em sua construção ético-
científica para conduzir o auditório à adesão. Nesta, o patético, as paixões se fazem presentes
de modo mais contundente, procurando suscitar as emoções. Em outras palavras, a explanação
oral gira em torno de construções patéticas do orador.
80
A palavra “creio, que aparece muito mais intensamente no primeiro momento da
palestra analisada, recebe maior variação no tocante ao volume. É a parte da mensagem mais
importante, pois solidifica as premissas perviamente acordadas entre o auditório particular e o
orador: a certeza da existência de Deus. Crer é um verbo, uma palavra indicativa de ação que
um caráter mais pontual ao enunciado, por indicar a aceitação do orador e, com isso, pode
evocar no auditório a mesma ação performática de crer. A palavra produz um efeito de
sentido que marca um ponto essencial no discurso. A paixão surgida, então, não é produto de
um sentimento irrefletido, é fruto de uma análise criteriosa uma vez que “as paixões têm uma
função intelectual epistêmica; operam como imagens mentais: informam-me sobre mim e
sobre o outro tal como ele age sobre mim (prazer/sofrimento)” (MEYER, 2000, p.XLII). A
construção discursiva se assenta em bases de comunhão que cresce por meio da figura da
comunicação oratória, por intermédio da qual o orador parece confundir-se com o seu
auditório.
A partir da análise da articulação dos elementos prosódicos aliados a
argumentação, pôde-se perceber que apesar do cunho pretensamente científico, na verdade, a
argumentação tende mais para o lado emocional que para o racional, sendo o último expresso
continuamente no campo semântico. Na palestra espírita a prosódia, em especial a pausa e a
velocidade se interligam em um plano de intenções discursivas do orador que lhe permitem
reforçar a crença de um auditório particular enfatizando o sentimento de presença e de
comunhão por meio das figuras. A forma de dizer incomum encontrada nas figuras serve para
realçar as entoações vocais criando um efeito de proximidade e ligação entre o homem e sua
crença.
A prosódia corrobora a persuasão na palestra espírita porque é pela voz que o
orador conduz o auditório e produz as emoções que quer ressaltar. O orador modula a voz
para, através dela, levar o outro a sentir. É a prosódia que comanda as emoções que deverão
ser sentidas ante os fatos expressos pelas figuras. Por intermédios dos elementos prosódicos é
que o palestrante atenua o aspecto moroso e monocórdico que predomina em quase toda a
palestra.
O que o orador busca na palestra espírita kardecista é mais reforçar os valores
compartilhados e, para isso, usa recursos da qualidade de voz, volume e velocidade para a
sedimentação do crer. Na palestra analisada, a emoção é que leva ao fazer-crer e não a razão.
Divaldo Franco convence mais pela paixão do que pela razão. O que diz é a razão, mas como
diz é a paixão, a emoção. reside sua força persuasiva, o orador trabalha com a força
epistêmica da paixão.
81
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KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
85
ANEXO I — Normas de Transcrição
A transcrição do evento comunicativo foi registrada no sistema ortográfico padrão,
seguindo rigorosamente o modo de enunciação. Para normalizar o estudo e proporcionar
maior clareza para a leitura e análise da amostra selecionada, optou-se pelas normas
desenvolvidas pelos estudiosos do Projeto NURC/SP (Norma Urbana Culta de São Paulo), da
Universidade de São Paulo (USP), cujos sinais de transcrição constam no Quadro 1, a seguir.
QUADRO 1: NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO
OCORRÊNCIAS SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO
Incompreensão de
palavras e segmentos
Do nível de renda... ) nível de
renda nominal...
Hipótese do que se ouviu (hipótese) (estou) meio preocupado (com
o gravador)
Truncamento (havendo
homografia, usa-se acento
indicativo da tônica e/ou timbre)
/ e comé/ e reinicia
Entonação enfática Maiúscula porque as pessoas reTÊM
moeda
Prolongamento de vogal e
consoante (como s, r)
:: podendo
aumentar para :::: ou
mais
Ao emprestarem os... éh ::: ... o
dinheiro
Silabação - por motivo tran-sa-ção
Interrogação ? e o Banco... Central... certo?
Qualquer pausa ... São três motivos... ou três
razões... que fazem com que se retenha
moeda... existe uma... retenção
Comentários descritivos
do transcritor
((minúscula)) ((tossiu))
Comentários que
quebram a seqüência temática da
exposição, desvio temático
- - - - ... a demanda de moeda - -
vamos dar essa notação - - demanda de
moeda por motivo
Superposição,
simultaneidade de vozes
Ligando as
linhas
A. na casa da sua irmã
B. sexta feira?
A. fizeram lá...
B. cozinharam lá?
Indicação de que a fala
foi tomada ou interrompida em
determinado ponto. Não no seu
início, por exemplo.
(...) (...) nós vimos que existem...
Citações literais ou
leituras de textos, durante a
gravação
“ “ Pedro Lima... ah escreve na
ocasião... “O cinema falado em ngua
estrangeira não precisa de nenhuma
baRREIra entre nós”...
86
ANEXO II — Transcrição
PALESTRA DE DIVALDO PEREIRA FRANCO – PROVAS CIENTÍFICAS DA
EXISTÊNCIA DE DEUS.
Senhoras ...Senhores... jovens...queridos irmãos no ideal espírita...abençoa-nos
Jesus...o amigo... incondicional das nossas vidas... no dia 23 de Novembro de 1793... na
catedral de Notre Dame em Paris... o orador Gaspar Chaumetére.... levantou-se no púlpito e
diante da nave da igreja gótica ... totalmente repleta... proferiu o discurso... dando idéia do
direcionamento da Revolução Francesa...após as palavras iniciais... Pierre Gaspar Chaumetére
asseverou peremptório... Deus morreu... a França... que se libertou dos Bourbouns não tem
necessidade de Deus..... a partir deste momento... nosso Deus é a razão...dispensamos
qualquer expressão de Deus e devemos combater as religiões... a massa que se acotovelava no
grande santuário parisiense... algo aturdida... Acompanhou de imediato... uma procissão que
foi improvisada e que no andor carregava a jovem... bailarina Candeio... do teatro de ópera...
vestida de branco... com o barrete frígio representando a razão... a partir daquele momento...
os revolucionários franceses...decretaram a morte de Deus... asseveravam que a humanidade
não tem necessidade de qualquer uma ... realidade espiritual... especialmente da própria
divindade... logo depois... no ardor dessa onda de negativismo espiritualista... no ano de
1802...Napoleão Bonaparte... para poder assentar seus arraiais em Paris...firmou a Segunda
Concordata entre o governo da França e o vaticano trazendo Deus de volta a o seu país...
através desse documento... o célebre corso desejava fortalecer sua posição... e para tanto...
recorreu ao poder teocrático da religião... para trazer... a divindade de volta ao solo francês... e
Deus... que havia sido exilado... através do debate de um orador arrebatado... era trazido de
volta... por meio de um decreto imperial...no dia 2 de Dezembro de 1804... naquela mesma
catedral... Napoleão Bonaparte era consagrado... como... o novo primeiro imperador da
França... enquanto um coro de duzentas vozes cantavam a música que foi elaboRADA
especialmente para aquele momento... pompa e circunstância... o papa Pio VII ... que fora
convocado especialmente para a solenidade... levantou-se... ergueu a almofada de veludo que
tinha coroa imperial... e Napoleão em um gesto de audácia::: acercou-se do papa quebrou o
protocolo e... auto coroou-se... para demonstrar sua animosidade ao papa reinante... ato
contínuo ele coroou Josefina como imperatriz... mas merece recordamos... que dois meses
87
antes apenas... no dia 3 de Outubro daquele referido 1804... na cidade de Lion... próximo a
Paris 400km... nascia... Hipolite de Lion Denizard Rivaill... que a humanidade conhecerá mais
tarde com o pseudônimo de Allan kardec...Deus... daquele referido 1804... através de
Napoleão I... como supremo governante da França... no entanto... no ano de 1815 ... uma
reação de natureza clerical... para poder impor Deus aos seus adversários...matou...15 mil
protestantes... que eram vítimas de um certo Trestelon e a carnificina foi tão cruel... que as
águas do rio Loaré... ficaram poluídas pelo número volumoso de cadáveres... logo depois... a
cultura francesa e européia... entrava num período de modorra... e apesar do século
dezenove... ser considerado... o século das luzes... o materialismo passou a tomar conta::: das
mentes humanas... a partir de 1859... com as experiências notáveis de Charles Darwin... e a
sua descoberta teorizada do processo da evolução... da seleção natural... da diferença das
espécies... nascia uma doutrina que demonstrava...o flagrante erro bíblico... a respeito da
criação... e o materialismo tomou conta da Europa.... através de homens e mulheres
notÁveis... que na intimidade de seus laboratÓrios ... recentemente libertados do tacão
dogmático... e fora dos velhos porões medievais... gritAvam da desnecessidade a respeito de
Deus... entre otros ... o pensamento do grande alemão... Friedrich Nietzsche... que havia uma/
escrito obra revolucionária... ELE... colocAva na BOca ...da personagem principal... uma
grande ironia a respeito de Deus... é verdade que Deus morreu?.... pergunta o LOUco na praça
pública... do célebre assim falava Zaratustra... se ele moRREU quem cuidARÁ da acender as
estrelas á noite... dar alimento aos pássaros e aos peixes no mar... e uma grande tristeza se
abateu sobre a massa... e o LOUco continuou dizendo...agOra que Deus MORREU...para que
as igrejas ... para que as catedrais... elas serão transformadas em mausoléus::: para guardarem
a memória de Deus... e Nietzsche... ao escrever essa obra revolucionária negando a realidade
de Deus...já colocava na BOca do Loco ... o tormento esquizofrênico... que logo mais iria
matÁ-LO... no mesa de Agosto do ano seguinte... 1900... mas ao lado dele Schopenhauer
também alemão... também pregava a desnecessidade de Deus... e os mais eminentes
pesquisadores na área da CIÊncia::: nas grandes universidades européias::: diziam a alma... a
alma não existe... a alma é uma sudorese cerebral...da mesma FORma que o fígado produz a
bílis... e os rins produzem a urina... e o cérebro produz a alma... na HOra em que o cérebro
deixa de funcionar... a Alma desaparece e alguns intelectuais anátomo patologistas... com
Florence de Vier... e outro ...declaravam zombeteiramente... nos temos dissecado milhAres de
cadÁveres e NUnca vimos a alma ... o materialismo::: tomou conta da cultura do fim do
século dezenove::: e apresentou-se sob três aspectos::: o materialismo dialético... o
materialismo histórico...e o materialsimo mecanicista... quando irrOmpe ::: o século vinte .... e
88
quando vem ... a terrível hecatombe de 1914 e1918... o materialismo ceifava as vidas::: que
depois de estioladas... deixaram classificada::: a era do terror... fazendo que as pessoas logo
depois se voltassem a procura de Deus... quando... aconteceu a Segunda Guerra Mundial... E
A TERMINAR ESSA HECATOMBE cujas cicatrizes ainda não estão concluídas ... nos
subterrâneos de Paris... nos metrôs de Londres... nas cidades dizimadas... apareceram
filosofias esdrúxulas... como o Nadaísmo::: patrocinado por Jean Paul Sartre... Madame de
Beauvoir ... e pelo cinismo da juventude que o tinha Deus...e que dizia para que Deus?...
nos vimos a guerra.::: aonde estavam os religiosos?... nos vimos Pais entregarem filhas por
uma barra de chocolate... nós vimos pessoas descErem aos subterrâneos do metrô caçando
lagartixas e ratos para poder comer... para que uma vida digna?... de repente vem a BOMba:::
e tudo desaparece...e novamente uma onda de caos... tomou conta:::daquele período do século
vinte...negando Deus::: e demonstrando que DEus era uma utopia:::... foi quando...
religiosos holandeses ... escrevendo a respeito da vida de Jesus... publicaram o célebre
catecismo...o qual... teólogos da Holanda diziam... nós somos cristãos... mas não acreditamos
em Deus... NÓS TEMOS a prova histÓrica da presença de Jesus... mas DEUS deve ser uma
utopia:::uma personalidade mítica:::foi nesse período dos anos 60:::... quando os hippies...
abandonaram a civilização na busca da depravação... rotulada de amor... e fugiram do
chamado contexto... para usar cocaína e ópio... no Afeganistão... e em outros países da Ásia e
do Tibet...e otros onde::: o comércio de drogas era lícito... Deus... pareceu deseparecer das
páginas da história... foi nesse momento... QUE Apareceu uma... obra extraordinária:::
escrita::: por um professor de história natural dos Estados Unidos:::... o doutor Cressey
Morrisson... EXAMINANDO essa onda de materialismo::: Ele que havia sido diretor do
museu de história natural de Nova Iorque... por quarenta anos... ESCREve na sua obra::; EU
CREIO em DEUS... já que está na moda::: a negação de Deus...caracteriza:::ndo o ser
intelectual aquele que discorda de Deus eu tenho orgulho em afirmar::: EU CREIO em Deus e
tenho sete razões::: que me levam::: a crer em Deus...por exemplo... primeiro... se qualquer
um de nós... pegarmos 10 moedas... metálicas de 1 real... e as enumerarmos de 1 até 10... e
colocarmos em nosso bolso...vamos tentar uma experiência... tentEmos retirar a moeda
número 1... a nossa probabilidade de êxito... é de 1 vez em 10 tentativas... porque são dez
moedas... imaginemos que retiramos a moeda número 1 e devolvemos...Vamos tentar retirar a
moeda número 2... a nossa probabilidade de êxito ... é de 1 vez em 100 Vezes... se nós
devolvErmos a moeda número 2... e tentarmos retirar a número 3 imediatamente... a nossa
probabilidade de êxito...é de 1 vez... EM MIL... e se devolvermos a moeda número 3... e
formos retirando até a número 10... a nossa probabilidade de êxito é de uma vez em 10
89
BILHÕES de vezes... logo... uma coisa tão simples que os senhores podem tentar... QUANdo
eu olho a Te::rra... e vejo a beleza do universo...eu creio em Deus...porque... se por exemplo...
a atmosfera da Terra...mede 60km não é por acaso... SE FOSSE por exemplo::: 40km... a
VIda na Terra seria impossível... porque os meteOros meteoritos... que diariamente caem na
Terra e são ralados pela atmosfera... tomariam e destruiriam tudo que existe...porque eles
caem diariamente aos milhares... e GRAças a essa atmosfera de 60km... ELES VÃO RAlados
e terminam como pequeninas pedras insignificantes... logo... alguém pensou...a velocidade da
Terra::: é de 1600km por hora em volta do seu eixo central... graças a isso:::... nós temos 12
horas de luz... 12 horas de trevas...mas imaginemos::: se por acaso... se por acaso essa
velocidade fosse de apenas 160km por hora ... os dias mederiam .120 horas e as noites 120
horas... e a vida seria impossível... porque DURANTE as 120 horas de calor Tudo morreria...
e aquilo que sobrevivesse... durante o frio de uma noite de 120 horas tudo morreria logo
alguém pensou... se a crOsta da Terra ::: fosse fosse mais Alta apenas 3 metros... a vida na
Terra seria totalmente impossível... porque faltaria oxigênio suficiente... para manter a nossa
existência... se fundo do mar ... fosse mais fundo apenas 3 metros... TODO oxigênio que está
na atmosFERA iria para a intimidade das águas e nós::: os animais da superfície NÃO
poderíamos viver... se por acaso... a lua estivesse apenas 70mil::: quilômetros de nós... a vida
seria impossível... porque o magnetismo da lua :::é o responsável pelas marés...e estando o
perto da Terra... as marés seriam tão altas...que diariamente lavariam Terra::: duas vezes...
produzindo erosão e destruição... o sol... está distante de nós 150 MILHÕES de km... mas não
é por acaso...imaginemos... que ele estivesse a apenas 10 milhões ... a vida seria
impossível...por causa das altas temperaturas... e dos raios infra-vermelhos....ultra-violetas...
MAS imaginemos que ele estivesse a 200milhões de km::: a vida seria impossível porque a
Terra estaria coberta por uma espessa camada de gelo... Logo alguém pensou... NÃO foi por
acaso... Somente esses pequenos dados... DEmonstram que::: para que a vida na Terra fosse
factível:::ALGUÉM PROGRAMO::: para que pudéssemos viver:::conforme nós vivemos...
ENTÃO EU CREIO EM DEUS...que CRIOU as condições::: apenas para::: o nosso planeta
existir... mas eu creio em Deus por uma segunda razão... que se chama vida... se eu perguntar
aqui aos senhores o que é a vida:::... cada um me dará uma definição:::...diferente... ninguém
dará a mesma definição...SE a pessoa for biólogo... dirá que a vida é resultado desse
automatismo celular ... a fatalidade biológica...se for filósofo... dirá que a vida::: é esse
passeio encantado no país da fantasia ... se for poeta::: escritor... agricultor... analfabeto...cada
um tem da vida ... uma definição mais compatível consigo mesmo... e até HOJE ninguém
conseguiu definir a vida... de uma maneira global... porque a vida escapa... a vida é resultado
90
da união de dois fatores... um protoplasma... permite que ele se biparta... é o fenômeno da
cissiparidade celular ) e Ele vai se multiplicando até construir a vida ...mas a vida::: é um
químico maravilhoso... uma PlAnta introduz uma raiz em um adubo apodrecido e transforma
em perfume da flor... em um fruto saboroso::: agradável... nos é momento de exuberância... a
vida é um grande escultor... basta que nos OLHEmos as folhas de quaisquer plantas... os:::
mais importantes biólogos... têm comparado as folhas das árvores.... e NUNCA descobriram
DUAS folhas absolutamente iguais... PORque a VIDA é caprichosa::: MAS a vida esse
extraordinário engenheiro que TRAnsforma água e húmus em açúcar e madeira por isso... eu
creio em Deus... ((bate palmas)) por CAUSA do milagre da vida mas eu creio em Deus por
uma terceira razão que se chama instinto dos animais... todos nós falamos sobre o instinto...
mas ninguém sabe onde ele se localiza... nós dize/mos eu tirei a mão por instinto eu reagi por
instinto:::...é só uma palavra:::... MAS esse mecanismo...nos ainda não sabemos... nós não
sabemos por exemplo:::porque o salmão... quando chega a época da desova... Ele abandona
TOdas as águas dos rios em que estão... e nadando contra a correnteza... Eles VÃO desovar
nos lugares em que nasceram... se pegarmos um salmão e o colocarmos no afluente do mesmo
RIO...que é diferente esse afluente...Ele sabe que está errado... Ele retém a desova::: e
continua nadando até encontrar águas típicas do lugar onde ele nasceu...para depois ele
morrer... quem ensinou ao salmão?... bem o instinto.. a VESpa ... a Vespa quando vai
desovar... ela sabe uma porção de coisas... ela sbe que todos os insetos nascem adultos... e
que tOdo inseto nasce com fome... parece até brasileiro do nordeste... ENTÃO A VESPA
sabe... que os seus descendentes... podem comer CARne... CARne viva... se comerem
carne morta eles morrem... a vespa... faz um buraco no chão... desce... abre uma câmara...
subterrânea... pega um Barro.. um pouco de argila... um grão.. tapa o buraco... VOA... e vai
procurar uma larva... ou um gafanhoto...ela uma picada no gafanhoto... ele fica imóvel...
ninguém conseguiu... dAR uma picada igual no gafanhoto sem matar... Ela caRREga o
gafanhoto...Abre o buraco... LEva-o até acâmara... deSOva... na parte secundária do
gafanhoto... na extremidade do abdome...voa... tapa o buraco... e MORRe... os seus filhos
quando nascem... começam a comer o gafanhoto...do abdome até a cabeça... QUANdo o
gafanhoto morre eles estão em condição de voar e::: cuidar da própria vida ...quem ensinou...a
vespa... esse mecanismo?... se ele errar todas as vespas morrerão...as enguias... QUANDO as
enguias VÃO reproduzir-se... todas elas no mundo inteiro.... abandOnam as águas dos mares e
dos oceanos... nAdam na direção das águas das Bermuda... que SÃo a parte mais abissal dos
oceanos do mundo... chegandO ALI ela se reproduzem e morrem... os seus descendentes...
VOLtam para os mesmos lugares...de onde vieram seus pais... as enguis européias:::...porque
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estão muito longe das Bermudas... tem a sua reprodução atrasada um ano... para terem tempo
de nadar... e chegArem naquele lugar na mesma Hora em que chegam as suas irmãs
americanas... e nunca se encontrou... enguias americanas em águas européias... ou enguias
européias em águas americanas...porquê?... por causa do instinto...o João de barro...QUANdo
chega a primaVEra ... ele trepa no galho mais alto da floresta... e coloca o bIco na direção do
vento... então ele descobre... em que direção faz soprar o vento do futuro inverno...constrói
sua casa... com a porta no sentido oposto... para que o vento não entre para matar seus
descendentes...e não erra nunca...porque se ele errar... a prole morre...o que mata de inveja o
serviço de meteorologia que não acerta nunca... por essa razão... o instinto dos animais... diz o
doutor Cressey Morrison eu CREIO em DEUS... mas eu creio em Deus por um quarto
fator...que se chama genes e crono/cromossomas... todos nós... somos resultados de genes e
cromossomas... se por acaso:::reduzisse a população da Terra... 5 BILHÕES 700 milhões de
pessoas... A condição de genes e cromossomas toda a humanidade caberia no dedal de
costureiras... e não encheria o dedal... ali nós temos a humanidade inteira... a cor do cabelo
dos olhos a rie dentária... o caráter a personalidade as emoções... grAças a essas
descobErtas eu CREIO em Deus...mas eu creio em Deus por uma quinta razão que se
chama...a inteligência...porque o instinto... é semelhante a uma nota monótona que se repete
sempre a mesma sempre igual...o primeiro João de Barros agiu assim... e o derradeiro vai agir
assim... MAS a inteligência... são sete notas musicais...é essa capacidade de CONCEBER...
essa capacidade de descrever... é toda a sinfonia da natureza... por isso eu creio em Deus...
creio em Deus por uma sexta razão... o equilíbrio... que existe.. no ecossistema...nós
sabemos... já o dissemos...que todo inseto nasce adulto... os insetos respiram através de
tubos... a medida que eles crescem ... os tubos não crescem... então eles morrem por falta de
ar... é o que acontece com a cigarra... Ela não morre de CANTAR::: a cigarrra primeiro não
canta... ela atrita as patas e produz...ESSE agradável ruído que ninguém agüenta... através das
patas... MAS a medida que ela vai crescENdo...os tubos não dão o ar necessário...ela morre...
mas não é por acaso... a ciência já descobriu...750 mil famílias de insetos na Terra...já
imaginaram se:::eles crescessem e os tubos crescessem na saída daqui não poderíamos porque
as formigas todas estariam com corpo de elefante e as pulgas com corpos enormes de
rinoceronte... então...alguém... pensou para manter o equilíbrio... Os australianos...num
continente um país extraordinário... mas não podiam plantar por causa dos ventos que
sopravam dos oceanos... Eles tiveram a idéia de fazer sebes... cercas vivas... cercas vegetais...
importaram uma palmácea... um cactus... para servir de parede natural contra os ventos... mas
eles não se lembraram... de que aquele cactus transplantado para a Austrália... não tinha
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inimigos naturais... não tinha insetos... que se encarregassem de alimentar-se deles... e em
breve... foi uma calamidade... porque os cactus começaram a multiplicar-se...destruíram
fazendas... cidades... e em 10 anos eles ocuparam uma área maior que o império britânico na
Europa... ELES jogavam herbicidas...utilizavam-se de lança chamas... da tratores... mas o
vento carregava o pólen... e apareciam em todo lugar... a Austrália esteve por desaparecer do
mapas... por causa do cactus...fizeram um encontro de entomologistas... de estudiosos de
insetos na cidade de Sidney... e depois de debaterem por vários dias... alguém disse temos que
salvar a Austrália... encontrando o inseto que... seja bom reprodutor... que se alimente de
cactus... porque a coisa estará resolvida... começou busca internacional... e os senhores não
sabem onde foram encontrados... famosos e bons reprodutores... esfaimados...no nordeste do
Brasil... ((risos)) levaram os insetos brasileiros os besouros e os jogaram nos cactus... eles
começaram a comer os cactus e a se reproduzir... e os australianos ficaram apavorados...agora
quando acabar os cactus o que faremo9s com os besouros((risos))...mas entrou a lei do
equilíbrio e em breve::: ficaram besouros para cactus e cactus para besouros... e está a
Austrália... por isso eu CREIO em DEUS... pelo ecossistema... mas eu CREIO em Deus por
uma sétima razão... que se chama imaginação... através da imaginação... que se pode
conceber i inconcebível... através da imaginação... é que se pode pensar em termos de
finito dentro do infinito... e é a imaginação que me leva a conceber DEUS como disse o
salmista Davi no canto 19 versículo1 os céus proclamam a glória de Deus e o universo fala da
obra das suas mãos... é verdade...se numa noite de inverno de céu transparente... em
iluminação artificial... sairmos caminhando por uma estrada... e olharmos o
empírio...ficaremos deslumbrados com os astros... e diremos MEU DEUS eu vejo MILHÕES
de estrelas... e nos enganamos...porque somente são visíveis a olho nu... 5.000 estrelas... quer
dizer 2.500... porque as outras 2.500 estão do outro lado... quem duvidar hoje a noite pode
começar a contar((risos))...mas se nós usArmos um binóculo...podemos ver 15.000... se
usarmos::: o telescópio medial...poderemos ver 150.000 se usarmos o telescópio de Monte
Palomar na Califórnia... poderemos ver 30 milhões... se usarmos o telescópio Hubble
poderemos ver um BILHÃO... de estrelas... apenas... na nossa galáxia...e erguemos aqueles
seus/ Betelgeuse... é a espiga da virgem...porque as estrelas são como as mulheres... quando
jovens...brilham... são estrelas de primeira grandeza... a medida em que o tempo passa... ficam
amarelas como o sol... uma estrela de quinta grandeza... e a medida que o tempo passa ficam
com manchas... AVErmelhadas é uma estrela em decadência... Poderemos mostrar as estrelas
de acordo com os seus brilhos... e saberemos... por exemplo que o sol... é 1 milhão e 500 mil
vezes maior que a Terra... e que Betelgeuse é um miLHÃO e 500 mil vezes maior que o sol E
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OLHAMOS A nossa galáxia... a via Láctea tem 200 BILHOES de estrelas:::... e o nosso
universo tem... 100 miLHÕES de galáxias... através do telescópio Hobble...diariamente
podemos ver as galáxias que são absorvidas pelos buracos negros... e outras galáxias que
surgem:::então dizemos...EU CREIO em DEUS:::...e automaticamente sentimos uma
emoção... diante deste infinito que é tão grande... que o doutor James Jeans astrofísico
inglês... disse para nós os que não somos astrônomos QUEREIS ter uma idéia das distâncias...
que separam as esTRElas umas das outras...tomai um avião supersônico... viajai sobre a
Eurásia... pegai 3 abelhas... e atiraI-as pela janela... elas terão menos espaço para voar::: do
que os astros no infinito... E iremos Entender a GRAndiosidade da criação quando olhamos o
nosso sol... esse calorzinho que ainda estamos sentindo... é resultado de sua combustão
interna...ele gasta... 420 miLHÕES de toneladas de massa.. por segundo... que converte em
energia... o que equivale dizer... que dentro de 15 milhões de anos... o sol vai morrer... e todo
o sistema... oportunamente proferindo essa conferência numa cidade... ao terminar veio uma
moça... meio mais ou menos madura e me perguntou... irmão Divaldo é mesmo que o
universo vai mesmo se acabar?... eu disse o universo eu não sei mas o nosso sistema sim... vai
chegar um dia... em que ele vai se acabar... QUANDO?... dentro de 15 bilhões de anos...ela
disse.. Ai meu Deus o que será de MIM que ainda não me casei?((risos))... nós olhando este
universo grandioso... automaticamente... levamos a língua ao véu palatino... e naturalmente
tragamos em seco... quando nóis fazemos isto... DEUS já não está mais:::lá no universo
apenas... está dentor de nós...neste movimento da ngua... nós acionamos... incontáveis
nervos ....e por acaso neste momento::: sentimos sentimos o odor de uma carninha assada
fora... de imediato começamos a::: apresentar os ácidos os sais...que vão se encarregar...da
futura digestão...começam as papilas da nossa língua... que são... 5 miLHÕES a secretar a
saliva::: que é encarregada de iniciar a digestão na boca... aproximamo-nos do churrasco... e
quando vamos peGAR a bOCA cheia d´água... s dizemos Meu Deus agora me lembrei que
sou vegetariano... larga o churrasco pra lá...E pensamos em uma salada maravilhosa... então
as nossas papilas jogam fora aquela substância e começam a trabalhar outras... porque não
servem aqueles ácidos para a digestão...E NÒS temos agora o op/organismo preparado
para:::a alimentação vegetariana... mas no justo momento/ não eu vou preferir mesmo um pão
com um copo de leite... a boca/estômago diz eu não agüento com esse rapaz joga tudo
fora... e se prepara::: cantando a glória de Deus... se nós tomarmos uma picada de alfinete...
destruímos milhares de capilares... outros vêm::: e tomam o lugar...mas se tomarmos um corte
imediatamente vem a hemorragia... que faz o organismo?... condensa:::na ferida:::que está
aberta:::uma substância especial...e compõe um coágulo tampão...para impedir que todo o
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nosso sangue se esvaia::: numa providência a ciência diz que morre diariamente em nosso
sangue... TRINTA MILHÕES de glóbulos vermelhos... por segundo... e nascem 30 milhões
de glóbulos vermelhos por segundo... cantando a glória de Deus... o indivíduo leva a mão á
cabeça e diz... agora EU CREIO::: e quando ele põe a mão na cabeça::: ele está segurando o
mais notável computador que a humanidade sequer pode imaginar... por dentro deste crânio...
existem no cérebro CEM BILHÕES DE NEURÔNEOS... células nervosas que nunca se
repetem... que depois que foram concebidas... que nascem conosco...a medida que vão
morrendo... a 100 mil por dia... são responsáveis... pelo nosso envelhecimento pele nossa
memória pela nossa inteligência... pelos nossos movimentos... todos ali... codificados nas
chamadas sinapses cerebrais ... ENTÃO de imediato sentimos uma emoção::: e coloco a mão
no PEITO essa bomba:::que é o coração... é a bomba mais resistente que a humanidade jamais
viu... não existe na Terra... um equipamento elástico:::igual ao coração... que começa a pulsar
após a fecundação e quando pára::: encerra a vida biológica... eu tenho um amigo que está
com 110 anos... 110 anos... que o coração produz diástole e sístole... sem parar... sem
descansar... sem repouso... é justo que de repente ele diga agora pra mim... chega... e pare um
pouco... mas este coração ... é tão notável ele ter essa função... ele bombeia o sangue para a
cabeça coração:::... cabeça coração... pé... coração... com a velocidade ... de 70 metros por
segundo... cantando as glórias de Deus... NÒS... DIANte dessa maquinaria
extraordinária....que lamentavelmente o tempo não nos permite prolongar... somos obrigados
a curvar-nos e dizer... EU CREIO em Deus ... mas Deus ... é muito mais fascinante... como
dizia São João Evangelista... no amor:::...vários definiram Deus... Sócrates Platão... chamava
Deus Eidos... o mundo da idéia e da energia ... Aristóteles... primu moveis ... o primeiro
motor... Baruk Spinossa:::o filósofo holandês naturas naturans... a natureza das naturezas... as
definições em nome de Deus variam o infinito... mas foi João... Evangelista... quem teve
ocasião de dizer... DEUS É AMOR ... e Jesus ... dando-nos a grandeza de Deus... propôs nos
amarmo-nos... uns aos outros... como ele havia amado... estabelecendo num mandamento
único a lei aos profetas... que é o amor de Deus acima de todas as coisas... e ao próximo como
a si mesmo... no amor... na hora em que nós nos amarmos... Deus permanecerá no infinito do
espaço... e no absurdo do cosmo... e dentro do nosso ser... para encontrá-lo... é necessário
viajar NÃO PARA FORA... senão para dentro...para... sintonizar com a sua vibração...no fim
do século 19... nos Estados Unidos... em San Francisco da Califórnia...em uma cidadezinha...
Pallo Alto onde esteve... o futebol brasileiro... no passado recente... residia um casal...que
estava... programado par deixar o nome na história... esse casal... era constituído por um ex
senador da república... naquele momento... governador:::...do estado da Califórnia... o senador
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Stanford... era casado com a mulher mais bela da América... frágil... bela... jovem... Rica e
Magra... o ideal de todas as mulheres... Ela quando passava... provocava a ira... a inveja... a
sua carruagem... recoberta de ouro e pedras preciosas... quando corria peles ruas de San
Francisco e ela acena com um lenço... de linho branco belga... bordado... a inveja... ia atrás...
para completar a felicidade de madame Stanford...que morava em uma grande mansão... em
uma colina em Pallo Alto... tinha um filho... na época desses acontecimentos que contava com
mais ou menos 11 anos... chamado Leland... Leland... era frágil... possuía dois olhos verdes...
os cabelos eram levemente... alourados... ele era terno e doce... amava os pais... na razão
direta em que os pais não tinham tempo para cuidar dele... madame dizia as amigas meu filho
tem tudo... ele tem três babás... uma francesa... uma inglesa.. uma alemã... eu dei metAde da
mansão para ele... ele não tinha mãe porque a mãe não tinha tempo para ele mas isso não é
importante...muitas mães hoje fazem a mesma coisa...DÃO COISAS para não se darem...
porque elas querem gozar eles os pais ... e os filhos eles dão coisas dão presentes
dão:::bicicleta moto automóvel e preparam-nos ... para serem assassinos viciados... porque
como não tem família... os pais trabalham para dar coisas... mas não se dão... porque isto é
muito mais caro... LELand tinha tudo... mas assim mesmo ele amava os pais... madame se
acreditava uma mãe maravilhosa... e dizia as amigas eu sou cumpridora dos deveres... uma
vez por semana... eu dedico a tarde para ficar com meu filho...uma vez por semana...
QUANdo Leland acordava de manhã mamãe estava dormindo por causa das festas... quando
mamãe acordava Leland estava estudando... quando Leland ia fazer a refeição mamãe estava
no cabeleleiro na manicure... quando mamãe estava... preparando-se para a festa... era a hora
que ele tinha de recreio... Mas era a primeira dama do estado... tinha muito o que fazer... mas
assim mesmo eles se amavam... madame... muitas vezes quando estava com Leland... aqueles
dois olhos de esmeraldas... Ela dizia meu filho... os seus olhos são tão lindos:::... que se eu
pudesse eu os arrancava... para fazer um pedantirf... e colocava no meu pescoço... Leland
sorria... pálido... frágil... adorável... um ditado que afirma... não felicidade que sempre
dure... nem desgraça que um dia não se acabe... A Felicidade de madame... em determinado
foi interrompida:::... porque madame tinha uma tia... uma dessas velhas pobres que tem
coragem de nascer em família rica... ((risos)) e que morava numa rua modesta... de São
Francisco... e quando a velha morreu.. morreu na primavera... quando podia ter morrido no
inverno e não chamava a atenção... MAS ELA MORREU na primavera e o cronista social da
cidade descobriu... colocou na primeira página do jornal... madame Stanford... está de luto...
porque morreu a sua tia... que era uma lady inglesa... que morava num bairro pobre... para
ver como pobre vive ((risos))... quando madame ficou revoltada... aquela infeliz tinha que
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morrer na abertura da ópera?... agora tenho que... cuidar do luto... uma semana de luto dentro
de casa... na manhã seguinte ela foi dizer ao marido... meu bem o que é que eu faço?... como é
que eu vou ficar uma semana intei:::ra dentro de casa?... porque muita gente que o
agüenta nem três dias... eu tenho uma amiga em salvador... quando ela perde o emprego... ela
enrola uma caixa de sapato em papel de presente bota embaixo do braço... vai para a cidade
entra numa loja entra noutra... depois volta... pra dar a impressão que ela foi fazer compras... a
caixa de presente que ela leva... madame pergunta o que é que eu vou fazer?... E ELE que a
amava:::era mais velho do que ela... disse meu bem porque é que você não vai brincar com
nosso filho... porque há muita gente que tem filho de brincadeirinha... o homem:::... carregava
na carteira a fotografia... olha aqui o herDEIRO... se é rapaz... olha aqui a garota:::ça... se é
menina a mãe coloca um berloquezinho de ouro tem um filho dois três... até aí... e ai ela
fica contente... mas ainda não se deram conta com exceções... da magnitude de ser pai... de ser
mãe... quando ele lembrou do filho... mas é verdade... vou brincar com Leland saiu a correr...
foi para a ala esquerda da casa mansão... e quando empurrou a porta:::o filho estava no
clavicórdio... tocando uma balada... era uma balada triste... madame entrou suavemente... ela
amava o filho... ao seu modo... sentou-se no tapete espesso... colocou a cabeça na perna magra
do menino... e olhou de baixo para cima... os olhos ver:::des nublaram-se de lágrimas... ele
continuou tocando... ela emocionada disse toque mais:::... QUAndo ele parou ela perguntou
meu filho:::que linda balada... ele disse é uma balada francesa da Normandia... que a minha
babá me ensinou...E Você sabe cantá-la? O sim mãezinha... então cante-a para mim... a voz de
um rouxinol magoado... começou a ecoar daquelas paredes ricas... ELE CANTOU... quando
terminou madame chorava... e ela perguntou... meu filho o que significa esta história?... é uma
história triste mamãe... é a história de uma criança... que morava na praia da Normandia filha
de pescadores... diariamente:::... o pai:::e a mãe:::... levavam-no ... até um rochedo... o pai
pegava o barco para ir pescar... a mãe dava adeus com o filho... e a tarde vinham buscar o
pescador... todos os dias... até um dia... que o pescador não voltou... e a mãe ficou ali com o
filho... Até a manhã seguinte... e ele não voltou... até o cair da tarde... e ele não retornou... até
o outro dia... então ela disse meu filho... as sereias do mar roubaram-me teu pai... espera por
mim... eu vou buscá-lo... e entrou no mar... e nunca mais voltou... oh Leland... que história
triste meu filho... porque tu gostas desta história?... porque aquele menino da praia... se parece
muito comigo... contigo?... sim mamãe... mas tu tens teu pai... é verdade... no mar dos
negócios e da governância... mas tu tens a mim... mamãe vai... pelo mesmo mar... atrás de
papai... eu fico sempre aqui esperando... que as ondas do mar da vida me devolvam... um ou
outro... OH Leland... perdoa-nos... ((suspiro)) a partir de agora nós vamos brincar e sorrir...
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vem comigo... e Leland... começou... a viver porque agora tinha sol... semelhante a uma
planta bafejada pelo Heliotropismo... depois de quatro dias... ele perguntou mamãe... porque
vida está tão diferente... você está dentro de casa... porque é que agora você passa o dia inteiro
comigo?... porque estou de luto meu filho... e o que é luto mamãe?... é uma::.((estalo de
língua)) é um ritual social social quando morre alguém da família... a gente fica não deve se
apresentar na sociedade... nas festas... mamãe... e morreu alguém da nossa família... morreu
Leland... uma tia minha... E quantos dias vai durar o luto?... uma semana Leland... Mamãe e
quantos tias você ainda tem?... ((risos)) não Leland... não é exatamente assim... então a vida
naquela semana... foi diferente... no sábado... uma amiga de madame sabendo que ela estava
triste e deprimida... porque não estava na rua... foi a ela e disse querida descobri uma coisa...
Eu descobri que aqui... Em São Francisco existe um orfanato... e me veio a idéia... para você
visitar o orfanato... você manda preparar... doces guloseimas... e amanhã vai na sua
carruagem... com dois pagéns de libré... fazer a caridade aos órfãos.... e eu vou avisar o jornal
porque caridade é assim... tem que ser publicada pelo jornal... eu vou levar os jornalistas... e
você sai... desta mansão... madame achou uma maravilha... deu ordens na cozinha... e no dia
seguinte as nove da manhã... ela se vestiu de grife... desceu a escadaria de mármore... e entrou
na carruagem que estava cheia de bandeja de prata... com doces guloseimas... e dois...
funcionários de libré... bem vestidos... na hora que ela ia fechando a porta... Leland apareceu
lá... na estrada do palácio... todo vestido de azul... como uma tela de Gainsborough... nunca
havia passeado com mamãe na carruagem... mamãe agora que o amava... olhou para ele e
perguntou Leland:::tu queres vir comigo? Leland entrou correndo bateu a porta da
carruagem... aonde vamos mamãe?... a um orfanato... mamãe... a carruagem partiu... que é
orfanato... ora Leland tu não sabes?... não mamãe eu nunca ouvi essa palavra... orfanato:::...
orfanato é um lugar onde tem órfãos... mamãe e o que são órfãos?... órfãos... tu não sabes?...
não mamãe mas essas professoras de hoje não ensinam mais nada a ninguém... or/órfãos...
como direi?... madame era magra era rica era bonita mas não era lá:::...((risos)) órfãos... já
sei... são esses moleques de ruas... são esses a ralé... são esses meninos que não tem pais e que
não tem mães mamãe... e existem crianças que não tem mães? Existem Leland... mas não é o
papai o governador da cidade?... porque que isso acontece?... política Leland... não nos
envolvemos em política... e ademais é problema de Deus... não temos nada com isso mas
mamãe... cala-te Leland... vamos ao orfanato... quando chegaram no orfanato... os órfãos
apareceram à porta... e eles são iguais no mundo inteiro em todas as épocas... magros
malcuidados mal penteados rasgados sujos... os dentes à mostra... os olhos desvairados...
agressivos... esquecidos... quando Leland viu disse mamãe... os órfãos... são meninos e
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meninas... como é seu nome...Tom... você... John... você... Mary... mamãe ele pegou uma
bandeja... coma Tom... coma John... coma Mary e como os órfãos comem... ((risos)) comem
com os olhos com a boca e com as mãos colocando no bolso... como eles comem... e Leland
diz assim... mamãe veja Eles não tem comida e tem fome... e em casa tem tanta comida e
eu não tenho fome... sãos os paradoxos... quando madame viu que ele estava envolvido com
aquela ralé ela disse Leland... não te quero misturado com este povo... é a ralé da cidade não
mamãe... são crianças não é Tom?... Leland... eu fiz a minha caridade a caridade para esta
gente é assim... tirou várias fotografias... estavam muito bonitas... posava fazendo a
distribuição...agora voltemos... ele saiu assim correndo... EU VOU VOLTAR... os órfãos
deram adeus... ele entrou na carruagem acenou pelo vidro... voltou-se para a mãe e perguntou
mamãe... quando é que nós vamos voltar aqui... nunca mais... mamãe... nunca mais... não
Leland.... eu não te quero misturado com... os órfãos... tu és filho do senador... o governador
da Califórnia é teu pai... é um dos homens mais ricos da América... eu não te quero misturado
com esta gente... mamãe... você não sentiu um certo odor... que vinha de de dentro?...
Leland eu senti muita coisa ruim... pois é mamãe... você se lembra que no natal meu padrinho
me deu mil dólares... lembro é claro... coloquei... numa caderneta de poupança... no banco de
seu pai... naquele tempo já tinha... caderneta... de poupança... já tinha na América... eu
coloquei pra render nada Leland... então sabe mamãe... estou pensando em doar meus mil
dólares para os órfãos não senhor... aquele dinheiro é teu... que teu padrinho te deu... mamãe o
que são mil dólares para nós... você está usando agora um colar de pérolas da Índia que custou
seiscentos mil e você tem vários não é pelo dinheiro... e que nós não vamos mais falar sobre
órfãos... quando chegaram em casa... Leland correu para sua ala mamãe venha cá... de que
lado está o orfanato?... alí Leland... ah mamãe então... é lá... que estão... os meus irmãozinhos
os órfãos... Leland... tu és filho único meu filho... tu não tens irmãos... ah mamãe eu tenho que
voltar ao orfanato... não iremos... no dia seguinte pela manhã... quando é que iremos voltar ao
orfanato?... já te disse que nunca mais... no 3º dia... ele amanheceu febril... delirando...
mãezinha leve-me ao orfanto... prefiro... qualquer coisa... a isso... Arrependo-me de ter te
levado lá... chamado o médico... ele percebeu que era uma somatização... era uma febre...
resultado de sua ansiedade... a única cura seria leVá-lo ao orfanato ou tirá-lo dos Estado
Unidos... prefiro a hipótese... faremos uma viagem a Europa... madame mandou preparar o
seu iate de luxo... e logo depois anunciou que ia fazer um cruzeiro à Europa... levando o
filho... Leland foi...ela na última hora preferiu pegar um grande paquite transatlântico... o
marido e o povo... foram até o porto dar adeus... a medida que o navio desaparecia... Leland
perguntava mamãe... de que lado está São Francisco ali... Leland... então é lá:::... que
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estão:::... os órfãos... é Leland... chegaram a Barcelona... seu primeiro porto... mamãe:::... de
que lado está a América?... Daquele lado meu filho... então deve estar... a oeste... São
Francisco... e o orfanato... os meus irmãozinhos...... madame desvairava... viajou a Madrid...
depois foi a Paris Londres Haia... desceu a Itália e em todo lugar... Leland perguntava...
mamãe... aonde está San Francisco? É lá que estão meus irmãos órfãos... mas quando madame
chegou a Roma... com seu filho no mês de agosto verão Europeu... as noites longas:::...
Leland contraiu uma pandemia... a febre amarela... não havia cura na época... em um hotel de
luxo na via Habia antiga... em todo o andar cercado de empregados... o menino começou a
delirar na febre e madame ficou apavorada... chamou os melhores médicos da Itália... e eles
disseram Senhora... não cura... a febre amarela é um ciclo... e no término mata... madame
não podia aceitar isso... ninguém pode curar meu filho na Europa... talvez ... o médico da
rainha Vitória... mandem buscá-lo... se for necessário tragam a rainha... eu posso comprar a
Inglaterra... mas salvem meu filho... uma carruagem saiu de Roma... e naquela noite de
calor... madame... médicos... para-médicos... enfermeiros estavam... na imensa suíte... e
Leland... pálido... o olhar esgazeado numa cama... coberta de cetim azul... de repente disse
mamãe... leve-me a janela... madame carregou seu tesouro... uma enfermeira abriu... a
cremaleira e as portas imensas... chegaram a sacada... a noite quente leland perguntou mamãe
de que lado está são Francisco?... ali meu filho... fica bom Leland... para eu te levar... a casa
dos teus irmãozinhos os órfãos... fica bom... mamãe eu estou tão cansado... madame trouxe e
colocou seu tesouro sobre a cama... derepen:::te... ele aumentou.. o volume dos olhos e disse
mamãe... ouça... a música mamãe... não meu filho... não tem música... é um delírio... mamãe...
os órfãos estão chegando... Tom... John... Mary não Leland... é um delírio... mamãe... eles
estão me chamando... eu vou mamãe... mas antes de eu ir... meu filho não te vás... madame
ajoelhou-se... segurou-lhe as mãos... não te vás mamãe antes de eu ir... eu quero lhe fazer um
pedido mamãe... tudo que queiras... mamãe quando eu for... você será... uma mãe que não tem
filhos não é?... é meu filho... mas você não irá o médico da rainha chegará daqui a pouco...
mamãe... eu quero lhe pedir... que depois que eu me for... e você se tornar uma mãe que não
tem filhos... que você se transforme... na mãe dos filhos que não tem mães... você me
promete... prometo meu filho... mas não se vá... mamãe os órfãos estão sorrindo... eles
cantam... até logo mamãe... a cabeça pendeu... os olhos verdes... ficaram abertos o médico
correu... desceu-lhes as pálpebras madame deu um grito... e tombou inanimada... quando ela
despertou... vestiu o seu filho... mandou embalsamá-lo... pediu permissão das autoridade para
trazê-lo para a América... colocou-o no caixão de mogno... e tampo de cristal... e menos de 3
semanas depois... ela chegava a São Francisco... não era a mesma mulher... a DOR envelhecê-
100
ra-a... ela ficara curvada... a cidade inteira foi para o porto... o senador governador... levou... a
orquestra sinfônica de São Francisco... e quando a guarda militar desceu aquele caixão... com
o rosto de Leland... por debaixo do tampo de cristal... a cidade se comoveu... madame beijou o
marido e disse ponham-no na carruagem.. e agora vamos ao orfanato... foi tocando... a marcha
fúnebre de Chopin... quando chegaram ao orfanato... madame abriu as portas da carruagem...
o caixão estava de pé... e parecendo louca ela começou a dizer meu filho... está os órfãos...
perdoa-me Leland... por Deus... perdoa-me meu filho... aí estão os teus irmãozinhos os
órfãos... levou o esquife para Pallo Alto... e no cimo do monte... ela plantou o corpo do filho
amado... colocou uma lápide... de mármore branco de Carrara... onde escreveu... aqui
dormem... os olhos verdes de meu filho... plantou uma trepadeira vermelha... para que na
primavera o vento arrancasse pétalas de sangue... naquele ano... madame deu... 20 mil dólares
ao orfanato... no ano seguinte... madame construiu... dois orfanatos... no imediato... o senador
morreu... 20 anos depois... madame morava numa casa pobre numa ruela de São Francisco...e
um jornalista brasileiro Felício Terra foi visitá-la... a veneranda velhinha... a ex rainha da
moda americana...a cabeleira alva... um pouco rechonchuda... recebeu o jornalista com muito
afeto e disse perdoe-me... mas eu não tenho cadeira para a visita sentar ... tudo que eu tinha...
eu dei para meus filhos órfãos... toda a minha fortuna... tapeçarias quadros cristais jóias
pratarias... porque eu descobri....que os órfãos... necessitam de mães... e de pães... mas
também de educação... E ERGUI a universidade Stanford... EM Homenagem ao meu filho... é
hoje uma das dez maiores universidades do mundo... foi alí... em 1908... que se conseguiu
pela primeira vez... a fissão nuclear... em homenagem ao meu filho... então Felício Terra
perguntou madame... e aqueles mil dólares... a senhora deu?... não... não eram meus... eram de
meu filho... eu mandei fazer uma fundação... para educar qualquer criança órfã... de olhos
verdes... em homenagem a meu filho... Deus é amor... e a doutrina espírita...emergindo... do
grande silêncio da história... vem dizer que fora da caridade não salvação... porque
caridade é o amor na sua mais elevada expressão...porque o amor é a alma da vida... assim
como a vida é a alma do amor...neste momento grave... a certeza de que nós continuaremos
além do túmulo... que a morte não nos aniquila... que somos construtores da nossa vida
através dos nossos atos graças a reencarnação...aquele homem que nasceu dois anos antes de
Napoleão consagrar-se imperador dos franceses Allan Kardec... trouxe-nos... Jesus
descrucificado... o consolador que ele prometera... para que pudéssemos enfrentar esta grande
noite... que se abate sobre a humanidade... com ternura... com compaixão... com caridade...
e... estes são dias muito graves... que nos pedem reflexão e prece... meditação e paz
interior...não nos deixemos perturbar... nem afligir... não nos contaminemos com o ódio nem
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de um lado... nem do outro... respeitemos a todos... e agradeçamos a Deus... a infinita honra
de estarmos na Terra... neste momento... em que a grande noite vai dar lugar... a madrugada
da era nova ...dizendo meu Deus...como eu gostaria de dizer-te que eu amo a vida... que para
mim é bela e consentida... muito obrigado senhor pelo que me deste pelo que me dás...
obrigado pelo ar pelo pão pela paz... muito obrigado pela beleza que meus olhos vêem no altar
da natureza...olhos que fitam o céu... a Terra e o mar... que acompanham a ave ligeira que
corre fagueira pelo céu de anil... e se detém na terra verde salpicada de cores em tonalidades
mil... muito obrigado porque eu posso ver o meu amor... mas diante da minha visão... eu
enxergo os cegos... que andam na escuridão tropeçam na multidão que vivem na solidão... por
eles eu oro... e a ti eu imploro comiseração...porque eu sei que depois desta lida... nas outras
vidas eles também enxergarão... obrigado pelos ouvidos meus... que me foram dados por
Deus... ouvidos que ouvem... o tamborilar da chuva no telheiro... a melodia dos ventos no
salgueiro... a música do povo que desce do morro na praça a cantar... a melodia dos imortais...
que a gente ouve uma vez e não esquece nunca mais... a voz melodiosa canórica melancólica
do boiadeiro e a dor que geme que chora no coração do mundo inteiro... pela minha faculdade
de ouvir... pelos surdos eu te quero pedir... porque eu sei... que depois desta dor no teu reino
de amor... eles voltarão a ouvir... muito obrigado pela minha voz... e pela sua voz... pela voz
que ama que canta que ensina que alfabetiza que ilumina que legisla... que trauteia uma
canção... e que teu nome profere com sentida emoção... diante da minha melodia... eu quero
rogar pelos que sofrem de afasia... eles não cantam de noite... não falam de dia... oro por
eles... porque eu sei que depois desta prova na vida nova... cantarão... obrigado... pelas minhas
mãos... mãos que curam... mãos que semeiam os que agasalham... mãos de ternura... mãos
que libertam da amargura... mãos que apertam mãos... mãos de solidariedade de caridade
mãos dos adeuses... mãos... de cirurgias... de psicografias... de poesias... mãos... de sinfonias...
pelas mãos que atendem a velhice a dor e o desamor... pelas mãos que embalam no seio o
corpo de um filho alheio sem receio... e pelos pés... que me levam andar... sem reclamar...
muito obrigado senhor porque eu posso caminhar... diante do meu corpo perfeito... eu te quero
louvar... porque eu vejo na Terra aleijados amputados marcados infelizes paralisados e eu
posso bailar:::... eu oro por eles porque eu sei que depois desta expiação na outra
reencarnação eles também bailarão... muito obrigado por fim... pelo meu lar... é tão
maravilhoso ter um lar... mas não é importante se este lar é uma mansão uma tapera um ninho
de grabato doce se está numa favela... um bangalô seja o que for... mas que dentro dele
exista a figura do amor ... o amor de mãe ou de pai de mulher de marido de filho de irmão a
presença de um amigo alguém que nos a mão... pelo menos a companhia de um cão...
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porque é muito triste viver na solidão... mas se eu... a ninguém tiver para me amar... nem um
teto para me agasalhar ... nem uma cama para repousar... nem reclamarei... nem maldirei...
pelo contrário eu cantarei... obrigado senhor porque eu nasci... obrigado porque eu creio em
ti... pelo teu amor obrigado senhor... pela sua atenção... muito obrigado senhores...( aplausos))