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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
ARLENE KOGLIN
A TRADUÇÃO DE METÁFORAS GERADORAS DE HUMOR NA SÉRIE
TELEVISIVA FRIENDS: UM ESTUDO DE LEGENDAS
FLORIANÓPOLIS, SC
MARÇO DE 2008
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ARLENE KOGLIN
A TRADUÇÃO DE METÁFORAS GERADORAS DE HUMOR NA SÉRIE
TELEVISIVA FRIENDS: UM ESTUDO DE LEGENDAS
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
graduação em Estudos da Tradução da
Universidade Federal de Santa Catarina como
requisito parcial à obtenção de grau de mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Ana Cláudia de Souza
FLORIANÓPOLIS, SC
MARÇO DE 2008
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ARLENE KOGLIN
A TRADUÇÃO DE METÁFORAS GERADORAS DE HUMOR NA SÉRIE
TELEVISIVA FRIENDS: UM ESTUDO DE LEGENDAS
Dissertação de mestrado em Estudos da Tradução
Universidade Federal de Santa Catarina
Aprovada em 28 de março de 2008.
Comissão Examinadora:
______________________________
Drª. Ana Cláudia de Souza (UFSC) — Orientadora
______________________________
Dr. Maurício Brito de Carvalho (UNIRIO)
______________________________
Dr. Markus J. Weininger (UFSC)
______________________________
Dr. Werner Heidermann (UFSC)
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que contribuíram para refinar as idéias e tornar mais
sólidos os argumentos no decorrer da pesquisa.
Também àqueles que, de alguma forma, seja pela palavra amiga, pela
companhia, pelo respeito ou, ainda, pelo silêncio, contribuíram para que
eu concluísse meu estudo.
À CAPES, pelo suporte financeiro.
À minha família, pelo constante apoio e compreensão.
E, de modo especial, sou grata à minha orientadora Profª. Drª. Ana
Cláudia de Souza pela oportunidade concedida, pela compreensão,
dedicação e inestimável orientação.
A linguagem e a vida são uma coisa só. Quem não
fizer do idioma o espelho de sua personalidade não vive; e
como a vida é uma corrente contínua, a linguagem
também deve evoluir constantemente. Isto significa que
como escritor devo me prestar contas de cada palavra e
considerar cada palavra o tempo necessário até ela ser
novamente vida. O idioma é a única porta para o infinito,
mas infelizmente está oculto sob montanha de cinzas.
João Guimarães Rosa
RESUMO
Este estudo visa investigar a tradução de metáforas geradoras de humor
no contexto da legendação. Pretende-se, também, descrever as escolhas
tradutórias bem como discutir suas implicações diante do propósito
humorístico do objeto de pesquisa. No decorrer da análise do corpus,
composto de expressões metafóricas provenientes do seriado televisivo
norte-americano Friends, buscou-se o procedimento tradutológico
adotado mais freqüentemente em duas legendas: uma disponível em
DVD e outra no site http://www.friendslegendas.cjb.net. A perspectiva
adotada para a análise é descritivista à luz do modelo de tradução de
metáforas de van den Broeck (1981) e da proposta de complementação
de Toury (1995). de-se constatar, neste estudo, que o procedimento
predominante adotado nas duas traduções (DVD e site) foi o stricto
sensu, isto é, transferir o pico e o veículo do texto fonte para o texto
alvo.
Palavras-chave: tradução; legendação; metáforas; humor; cultura
ABSTRACT
This study aims at investigating the translation of metaphors that produce
humor in the context of subtitling. Besides, we intend to describe the
translation choices and discuss their implications considering the
humorous purpose of the object of study. In the course of the corpus
analysis, which is made up of metaphorical expressions originating from
Friends an American television mini-series we searched for the most
frequent translation strategy in the subtitles available on the DVD format
and at the website http://www.friendslegendas.cjb.net. The descriptive
perspective was adopted, and the analysis is based both on the model of
metaphors translation developed by van den Broeck (1981) and its
complementary proposal by Toury (1995). It was possible to conclude that
stricto sensu transfering both topic and vehicle from source text to target
text - was the predominant strategy choosen by subtitlers from both the
DVD and the website.
Keywords: translation; subtitling; metaphor; humor; culture
Sumário
1 - Introdução............................................................................................. 9
1.1 – Apresentação do tema................................................................... 9
1.2 - Justificativa................................................................................... 11
1.3 – Objetivos...................................................................................... 12
1.4 – Organização do estudo................................................................ 13
2 - Tradução, cultura, metáfora e humor: possíveis relações .................. 14
2.1 - Tradução e cultura: interdependências ........................................ 15
2.2 – Legendação: aspectos lingüísticos de tradução.......................... 20
2.2.1 – Oralidade x escrita ................................................................ 20
2.2.2 - Tradução intersemiótica......................................................... 22
2.2.3 – Os aspectos pragmáticos e técnicos da legendação ............ 24
2.3 – Tradução e metáfora ................................................................... 27
2.3.1 – A abordagem contemporânea de metáfora........................... 27
2.3.2 – Estratégias de tradução das metáforas................................. 30
2.4 – Humor: é possível defini-lo? ........................................................ 34
2.4.1 - Tradução do humor................................................................ 36
2.4.2 – Tradução do humor expresso metaforicamente.................... 40
2.5 – Legendação, cultura, metáfora e humor: pontos de imbricação..43
3. Friends: considerações sobre a série, análise e discussão dos dados 45
3.1 – A série Friends ............................................................................ 45
3.1.1- Caracterização........................................................................45
3.1.2 - Abrangência...........................................................................50
3.2 – Procedimentos e seleção dos excertos textuais para análise ..... 52
3.3 - Análise.......................................................................................... 54
3.3.1 – O humor metafórico no discurso da personagem Phoebe....54
3.3.1.1 - AMOR É UM JOGO............................................................ 54
3.3.1.2 - AMOR É LOUCURA ........................................................... 60
3.3.1.3 - AMOR É TRABALHO ......................................................... 63
3.3.1.4 - AMOR É MATEMÁTICA ..................................................... 66
3.3.2 - O discurso metafórico da personagem Rachel ...................... 75
3.3.2.1 – CASAMENTO É UM NEGÓCIO......................................... 75
3.3.3 – O discurso metafórico do guru de Ross................................ 80
3.3.3.1 - AMOR É CURA................................................................... 80
3.4 - Discussão..................................................................................... 85
4 - Considerações Finais ......................................................................... 90
Referências.............................................................................................. 92
Anexo 1.................................................................................................... 97
Anexos 2.................................................................................................. 98
9
1 - Introdução
1.1 – Apresentação do tema
Parece possível que a linguagem seja considerada como o meio
dominante da expressão humorística. O humor verbal é
fundamentalmente lingüístico; porém, até mesmo o humor visual pode,
freqüentemente, derivar de uma expressão lingüística subjacente como a
metáfora convencional (VEALE, 2003). Na esfera cinematográfica,
elementos verbais e visuais coocorrem e precisam ser considerados
conjuntamente na investigação do humor verbal, pois o vínculo entre eles
é essencial para a produção de sentido e de efeito humorístico.
Diante do exposto, este estudo propõe-se investigar a tradução de
um elemento lingüístico desencadeador de humor: a metáfora. A
investigação será conduzida sob uma perspectiva descritivista, ou seja,
objetiva-se explicar e descrever o fenômeno da tradução e não apresentar
normas de como ela deve ser realizada.
Tomando como base o mapa de Holmes (1972), esta pesquisa se
insere nos estudos descritivos da tradução orientados ao produto, ou seja,
ao texto traduzido. Além disso, dado o caráter multidisciplinar dos estudos
da tradução, a investigação pode ser considerada do tipo teórica, parcial e
restrita a um problema – tradução de metáforas.
A tradução de metáforas é um dos aspectos considerados
delicados nesta área de estudo por duas razões principais: as
peculiaridades de cada língua e as diferenças culturais que interferem não
somente nas criações e compreensões das metáforas, mas também nas
percepções de tais usos lingüísticos. Com o advento da perspectiva
cognitivista, a metáfora é vista como uma forma de conceitualização do
mundo a partir das experiências cotidianas. Ao ser considerada como
parte constituinte do nosso sistema conceitual, sua tradução sofre
10
implicações que abrangem desde as variações culturais das línguas
envolvidas até as experiências pessoais do tradutor e do receptor do texto
traduzido.
No âmbito da legendação, modalidade tradutória enfocada nesta
investigação, é necessário considerar, também, todo o conjunto de
especificidades que invariavelmente afetam a tarefa de quem traduz neste
meio.
Os legendadores realizam a tradução condicionados a algumas
normas, tais como: limite de tempo tanto de exposição da legenda na
tela quanto de prazo para entrega da tarefa —, mero de caracteres e
de linhas pré-estabelecido, e sincronia entre imagem e legenda. Além
disso, os tradutores de legendas precisam lidar com a censura imposta
pela distribuidora, que pode exigir que eles omitam ou abrandem
enunciados com críticas, substituam palavras agressivas ou minimizem
vocábulos obscenos.
Em decorrência desta situação brevemente delineada, neste
contexto, podem surgir dificuldades adicionais para recriar a metáfora,
sobretudo em função da questão do espaço limitado, que restringe as
possibilidades de tradução. Este quadro pode ficar mais delicado, quando
a metáfora constitui o principal recurso para produção do humor, como
em seriados ou filmes de caráter humorístico, por exemplo.
O fenômeno cinematográfico está imerso em uma complexa trama
sociocultural de cada época que, conseqüentemente, gera e representa
conteúdos e formas expressivas, que se encontram em constante
interação com o meio (NOGUERA, 2002). Os aspectos socioculturais
também afetam a criação e/ou percepção tanto do humor como da
metáfora; portanto, sua tradução exige uma rede de conhecimentos que
ultrapassa o código lingüístico.
Conseqüentemente, o sentido terá que ser recriado considerando
todos esses aspectos, pois, “como em todas as situações em que
alguma troca verbal, aquelas que envolvem o humor também implicam
11
cooperação e, por isso mesmo, estão sujeitas a conflitos” (ROSAS, 2003,
p.142).
1.2 - Justificativa
Esta proposta de investigação emergiu da observação, na
literatura, de poucos estudos relacionados à tradução audiovisual, apesar
de ser uma das modalidades de tradução mais praticadas no mundo
(CARVALHO, 2005). Autores como Delabastita (1990), Fawcett (1996) e
Sierra (2004) não apontam para esta lacuna como enfatizam a
importância de dedicar maior atenção às questões relacionadas a este
campo de estudo, seja na legendação ou na dublagem.
Na esfera da legendação, um aspecto que pode ocasionar
dificuldades de tradução é a recriação de metáforas de uma língua/cultura
para outra. Esta questão é abordada por Souza (2007), que assinala
algumas das possíveis razões que podem levar a inadequações na
tradução das metáforas em filmes, a saber: questões decorrentes de
experiências pessoais, aspectos culturais, indeterminação semântica da
metáfora e a busca pela literalidade na legendação.
As razões apontadas pela autora constituem um indicativo de como
a tradução de metáforas é um processo complexo no contexto
audiovisual. É possível que esta tarefa seja ainda mais árdua ao
legendador quando as metáforas aparecem em filmes humorísticos.
No caso da comédia, a tradução das metáforas envolve o a
compreensão por parte do espectador, mas também o êxito do produto
enquanto objeto de entretenimento. Em razão disso, o efeito humorístico
terá que permanecer como prioridade do processo tradutório (SIERRA,
2004).
Outro aspecto pelo qual se justifica a ênfase na tradução de
metáforas geradoras de humor é que, “embora, [...] se tenha registrado
12
um crescente interesse pelo estudo do humor verbal nos últimos anos, o
ângulo do enfoque quase nunca é especificamente lingüístico” (ROSAS,
2003, p.158). Constatou-se, em publicações desta área, que há uma
predominância de investigação do humor em piadas, jogo de palavras,
anedotas, e em relação a estereótipos e gênero, etc; porém, é mais raro o
enfoque em material verbal como metáforas, por exemplo.
Além disso, Rosas (2003, p.158) destaca a importância de que “se
reveste o humor (e a tradução!) na constituição de uma língua-cultura”
bem como “nos estudos da lingüística ou nos da tradução”.
Com base neste panorama, é de suma relevância investigar como
os tradutores procedem e quais estratégias eles utilizam ao se depararem
com metáforas geradoras de humor, na esfera cinematográfica.
1.3 – Objetivos
Com base no que foi anteriormente exposto, este estudo pretende
investigar a tradução do humor verbal expresso lingüisticamente por
metáforas presentes em um episódio da série televisiva Friends.
Esta investigação terá como ponto de partida a análise do
procedimento utilizado mais freqüentemente em duas traduções das
legendas desta série (uma disponível no DVD Friends - temporada - e
outra obtida no site da Internet <http://www.friendslegendas.cjb.net>),
tendo como base tanto o modelo descritivista de tradução das metáforas
de van den Broeck (1981) quanto a proposta de complementação desse
modelo apresentada por Toury (1995).
A partir dos dados, objetiva-se analisar as decisões tradutórias do
legendador para o DVD e do tradutor das legendas disponíveis no site
bem como suas possíveis implicações para o público espectador.
Além disso, pretende-se descrever as escolhas tradutórias das
expressões metafóricas que suscitam humor, isto é, os procedimentos
13
utilizados pelos tradutores para recriar a metáfora e/ou o efeito
humorístico da língua fonte na língua alvo.
1.4 – Organização do estudo
Este trabalho está organizado em dois grandes capítulos um
teórico e outro de análise e discussão dos dados que se dividem em
sub-capítulos.
O primeiro apresenta o quadro teórico embasador para a análise.
Em um primeiro momento, trata-se da tradução de uma forma geral e de
seu nculo com aspectos culturais. A seguir, discutem-se os aspectos
lingüísticos, pragmáticos e cnicos da legendação modalidade
tradutória enfocada nesta investigação. A abordagem de metáfora
adotada e suas estratégias de tradução são apresentadas na seção
subseqüente. Encerra-se o capítulo com uma discussão sobre a
possibilidade de definição do humor e sobre a utilização da metáfora
como um mecanismo de produção de humor, com enfoque na sua
tradução. Retomam-se, também, os quatro eixos da pesquisa
(legendação, cultura, metáfora e humor) destacando suas possíveis
relações.
O segundo capítulo traz, primeiramente, uma contextualização
sobre o objeto de estudo e os procedimentos adotados para a seleção
dos dados. Por fim, apresentam-se a análise das metáforas selecionadas
e a discussão dos dados obtidos.
14
2 -
Tradução, cultura, metáfora e humor: possíveis relações
Este capítulo desenvolve-se com base em quatro tópicos: tradução
e cultura, aspectos da legendação, tradução de metáforas, tradução do
humor e as relações entre todos estes tópicos.
A primeira seção, tradução e cultura, abordará as questões
concernentes à tradução em geral bem como a sua relação de
interdependência com os aspectos culturais de cada língua.
Posteriormente, em uma segunda seção, tratar-se-á dos vários
aspectos envolvidos na legendação, tais como: princípios e/ou restrições
impostas ao legendador, tradução intersemiótica, e presença de dois
códigos - oral e escrito - na tarefa do tradutor de legendas.
A terceira seção, tradução de metáforas, apresentaa concepção
de metáfora adotada neste estudo, com um destaque especial às
metáforas na legendação e seus desafios para a prática tradutória. Além
disso, serão expostos os procedimentos para sua tradução, com base no
modelo descritivista de van den Broeck (1981) e na proposta de
complementação a este modelo, apresentada por Toury (1995).
Uma menção geral às características do humor e suas
possibilidades e dificuldades de tradução devido à sua ligação com
aspectos sócio-culturais serão apontadas na última seção. Além disso,
serão discutidas as possibilidades de a metáfora ser explorada no
discurso como mecanismo de produção de humor.
Por fim, com o objetivo de harmonizar as relações teóricas
possíveis entre estes tópicos ainda tão pouco investigados na literatura,
discorrer-se-á brevemente sobre o conjunto teórico em relação ao objeto
e aos objetivos da pesquisa.
15
2.1 - Tradução e cultura: interdependências
O ato de traduzir é praticado desde a antiguidade. À parte os
períodos pouco claros da história da tradução, a primeira grande atividade
tradutória conhecida em nossa cultura foi feita do hebraico para o grego
entre os séculos III a.C. e I a.C. (FURLAN, 2001). Todavia, os estudos da
tradução
1
e a reflexão sobre esta atividade somente emergiram e estão
em desenvolvimento desde o século passado.
Embora a tradução como campo de estudos seja recente, uma
variedade de definições de tradução dependendo da perspectiva adotada
lingüística, funcionalista, descritivista. Tal multiplicidade é confirmada
por Shuttleworth e Cowie (1997, p.181), que, ao apresentarem uma
tentativa de definição para o termo tradução, afirmam que este possui
uma noção ampla e pode ser entendido de muitas formas. Segundo esses
autores, a tradução pode ser compreendida tanto como o processo ou
produto. Além disso, eles mencionam subtipos de tradução: tradução
literária, tradução técnica, tradução automática e legendação.
Na perspectiva lingüística, por exemplo, Catford (1980, p. 22)
define tradução como “a substituição de material textual numa língua (LF)
por material textual equivalente noutra língua (LM)
2
”. Conforme podemos
observar, sua definição está centrada na noção de equivalência. Ele
considera, portanto, a possibilidade de as línguas possuírem uma
correspondência exata e parece não ponderar sobre os aspectos
históricos e culturais inerentes a cada cultura.
Por sua vez, conforme salienta Nord (2001), as idéias
funcionalistas de Katharina Reiss e Hans J. Vermeer (1984) mudaram os
paradigmas do conceito de equivalência e, conseqüentemente, o conceito
1
A designação Translation Studies (Estudos da Tradução) foi sugerida de forma
pioneira por James Holmes em 1972 em uma comunicação proferida no III
Congresso Internacional de Lingüística Aplicada, realizado em Copenhagen. A
comunicação de Holmes, “The name and nature of translation studies” foi
revisada diversas vezes pelo autor e publicada em livro apenas em 1988.
2
Neste caso, utilizou-se a sigla LM (língua meta) para manter a terminologia
adotada por Catford.
16
de tradução. Segundo Nord (2001), Vermeer e Reiss propõem uma noção
de tradução que utiliza o princípio da funcionalidade. Além disso, a autora
aponta que a atividade tradutória deverá ser realizada levando em conta
seus encargos tradutórios. A tradução, que era considerada um processo
fundamentalmente lingüístico, passa a ser um processo também cultural,
em que o tradutor deve utilizar as estratégias tradutórias mais adequadas
para atingir os propósitos e as intenções do texto alvo.
para o descritivista Toury (1995, p. 56), a tradução se define
como “um tipo de atividade que, inevitavelmente, envolve pelo menos
duas línguas e duas tradições culturais”
3
4
. Assim como para os
funcionalistas, está evidente que, na perspectiva descritivista, o ato de
traduzir abrange mediação de culturas. Conforme Holmes (1972), os
estudos descritivistas têm como objetivo descrever os fenômenos do ato
de traduzir e da tradução como eles se manifestam em nossas
experiências.
O modelo pioneiro de Holmes divide os Estudos Descritivos da
Tradução em três áreas: estudos da tradução orientados à função,
estudos da tradução orientados ao processo e estudos da tradução
orientados ao produto. Em relação a essa subdivisão, Toury (1995)
argumenta que as três abordagens fazem parte de um todo complexo
cujas partes constitutivas são separadas apenas para fins de estudo,
que interdependência entre os três aspectos. O autor explica esta
relação entre função, produto e processo dizendo que a função
5
de uma
tradução no contexto da cultura receptora determinará as características
3
Todas as citações diretas, cujos textos tenham sido produzidos originalmente
em língua inglesa ou espanhola, foram traduzidas para a língua portuguesa pela
autora deste estudo. Os dicionários consultados para a tradução em língua
inglesa foram: Cambridge Advanced Learner’s Dictionary, Cambridge
International Dictionary of English e Oxford Advanced Learner’s Dictionary e em
língua espanhola Merriam-Webster online e Espanhol 3 em 1. As citações na
língua original são apresentadas em notas de rodapé.
4
A kind of activity which inevitably involves at least two languages and two
cultural traditions.
5
O termo função adotado por Toury tem um uso diferenciado daquele utilizado
pelos funcionalistas. Toury o emprega no sentido semiótico, como ‘valor’
conferido a um item pertencente a um determinado sistema.
17
do produto na língua alvo, que, por sua vez, influenciará os
procedimentos/estratégias seguidos pelo tradutor.
A partir deste paradigma, Toury propõe uma abordagem
descritivista e orientada ao texto alvo para justificar e descrever os
procedimentos do tradutor. Sua proposta se caracteriza pela observação
primeiramente da tradução na língua alvo. Além disso, o ponto de partida
para a investigação são os fatos observáveis o produto e, somente
depois, é feita a reconstrução dos fatos não observáveis, ou seja, o
processo tradutório, as tomadas de decisões do tradutor.
Com base nas premissas anteriormente mencionadas, o autor
propõe alguns procedimentos para o estudo descritivo da tradução,
focalizando, primeiramente, a observação da aceitabilidade do texto no
sistema da língua alvo sem comparar com o texto fonte. Nesse momento,
possivelmente ocorre a primeira tentativa de explicação de fenômenos
lingüístico-textuais individuais, considerando que o texto é uma tradução.
A seguir, estabelece-se uma análise comparativa entre o texto fonte e o
alvo a fim de verificar as soluções propostas aos problemas de tradução.
Então, identificam-se e descrevem-se as relações do par “problema-
solução” a fim de reconstruir os problemas de tradução. Por fim,
formulam-se as generalizações/hipóteses em primeiro nível, levando em
conta tanto o texto como um todo quanto as unidades de tradução.
Somente depois disso, reconstroem-se as decisões tomadas pelo
tradutor.
Quanto à seqüência a ser seguida, o autor salienta que o curso
normal dos procedimentos descritos não é a linearidade, mas sim a forma
espiral, isto é, as hipóteses são formuladas desde o início, porém, à
medida que o estudo avança, as explicações tornam-se mais elaboradas,
e isso não impede um retorno às fases anteriores.
De forma a complementar a abordagem proposta por Toury, é
preciso considerar a sua afirmação de que a atividade tradutória está
condicionada à cultura alvo, uma vez que é ela que impulsiona o processo
tradutório.
18
As traduções são fatos das culturas alvo;
ocasionalmente são fatos especiais, algumas vezes, até
mesmo constituem (sub)sistemas próprios. Porém, elas
são da cultura alvo em qualquer situação
6
(TOURY,
1995, p. 29).
Também Nord (2001), baseada em Witte (1987) e dentro da
perspectiva funcionalista, aponta para a idéia de a tradução estar
permeada por aspectos culturais.
Traduzir significa comparar culturas. Os tradutores
interpretam os fenômenos da cultura fonte tendo por
base o seu próprio conhecimento cultural específico
acerca da cultura fonte, a partir de uma visão tanto
interna quanto externa, dependendo se a tradução é de
ou para a língua-e-cultura nativa do tradutor
7
(NORD,
2001, p. 34).
Isso implica que o tradutor é o receptor não apenas de uma outra
língua, mas também de sua cultura. Portanto, ele “deve ser tanto bilíngüe
quanto bicultural, ou até mesmo multicultural” (KARAMANIAN, 2002). O
desconhecimento dessa premissa pode acarretar dificuldades à
execução de sua tarefa, bem como incoerências semânticas no produto
final, isto é, na tradução em si, pois a compreensão do texto traduzido
será determinada pela cultura de quem o recebe.
A partir da reflexão acerca da interdependência entre cultura e
linguagem na tradução, faz-se necessária a definição de cultura. Azenha
(1999), com base em Heinz Göhring (1977), apresenta um conceito
dentro do âmbito dos estudos da comunicação intercultural:
6
Translations are facts of target cultures; on occasion facts of a special status,
sometimes even constituting identifiable (sub)systems of their own, but of the
target culture in any event.
7
Translating means comparing cultures. Translators interpret source-culture
phenomena in the light of their own culture-specific knowledge of that culture,
from either the inside or the outside, depending on whether the translation is from
or into the translator’s native language-and-culture.
19
Cultura é tudo aquilo que um indivíduo precisa conhecer,
dominar e sentir, a fim de poder avaliar em que
situações os indivíduos naturais de uma sociedade, no
desempenho de seus diferentes papéis, se comportam
conforme as expectativas, ou de forma inusitada, e a fim
de ele próprio poder se comportar conforme as
expectativas dentro de uma sociedade em questão,
desde que queira isto e não esteja preparado para arcar
com as conseqüências oriundas de um comportamento
adverso às expectativas ... (AZENHA, 1999, p. 29).
Göhring acredita que a cultura é um conjunto amplo de situações
que emolduram o comportamento, as ações e o modo de compreensão
dos sujeitos de uma dada sociedade. Traçando um paralelo entre este
conceito e a tradução, pode-se inferir que o aspecto cultural constitui um
desafio ao tradutor.
No âmbito da tradução de legendas, esta face da tarefa tradutória
constitui-se como uma particularidade, uma vez que o telespectador,
especialmente o de cinema, não tem a possibilidade de parar a leitura das
legendas para processar um referente cultural desconhecido no seu
contexto. Desse modo, cabe ao legendador conhecer as culturas da
língua alvo e fonte, a fim de que possa realizar a tradução sem gerar
inconsistências semânticas que gerem obstáculos à compreensão.
Além dessas inconsistências semânticas, algumas vezes,
presentes na legendação, situações em que ocorrem até mesmo
desvios de sentido. Com isso, não se pretende afirmar que os desvios
ocorrem apenas nesta modalidade de tradução, porém na legendação
existe a possibilidade de o telespectador comparar
8
o que é dito na língua
fonte com a tradução na língua alvo. Devido a esta possibilidade de
comparação, há uma maior suscetibilidade à identificação das
discrepâncias entre a enunciação oral e a escrita (SOUZA, 2007).
Souza (2007, p.4) sugere que as possíveis inconsistências entre a
enunciação verbal oral e sua tradução podem ser atribuídas a falhas no
processo tradutório, a aspectos inerentes à oralidade e à escrita mesmo
8
Esse tipo de comparação somente é possível quando o telespectador possui
certo grau de proficiência na língua fonte, que permita que ele possa
compreender o que está sendo enunciado.
20
que a legendação permaneça muito mais no universo oral que no escrito -
como também à necessidade de adaptação decorrente das
características deste tipo de tradução. Apesar da possível coocorrência
de múltiplos fatores, há uma tendência de o público receptor das legendas
julgar tais discrepâncias como sendo falhas do legendador. Isso
normalmente ocorre em virtude de os espectadores desconhecerem o
conjunto de questões lingüísticas, cnicas e extralingüísticas envolvidas
no processo.
2.2 – Legendação: aspectos lingüísticos de tradução
2.2.1 – Oralidade x escrita
A legendação possui particularidades quanto aos aspectos
lingüísticos envolvidos na tradução, especialmente porque esta
modalidade envolve códigos lingüísticos com características distintas: o
oral e o escrito. De acordo com Araújo (2002, p. 148):
como a legenda parte do texto oral para o escrito e a fala
não necessariamente acompanha a escrita, uma vez que
falamos sempre mais do que escrevemos, o volume de
texto na versão legendada [...] é quase sempre menor
que o texto original.
Além disso, o legendador enfrentará dificuldades, uma vez que a
recriação do sentido ocorrerá a partir de um enunciado oral que pode se
estruturar de uma forma nem sempre satisfatória/aceitável do ponto de
vista de uma audiência letrada. Ademais, ainda existem convicções
generalizadas de que a escrita seja superior à oralidade. Em função
disso, o legendador precisa pensar em uma maneira de traduzir de modo
que o enunciado pareça oral, mas que, ao mesmo tempo, não desrespeite
as regras da escrita.
21
No que tange à relação entre oralidade e letramento, Marcuschi
(2007) observa que elas são práticas socialmente determinadas. Ele
enfatiza que “os usos da escrita [...] quando arraigados numa dada
sociedade, impõem-se com uma violência inusitada e adquirem um valor
social a superior à oralidade” (2007, p.17). A partir dessa afirmação,
talvez seja possível entender o motivo da cobrança (na maioria das vezes
ditada pela empresa que contrata o legendador) para que a linguagem de
baixo calão seja amenizada ao ser traduzida para o código escrito.
Ainda na perspectiva de língua como um conjunto de práticas
sociais, Marcuschi (2007, p. 15) aponta que:
[...] não se podem observar satisfatoriamente as
semelhanças e diferenças entre fala e escrita [...] sem
considerar a distribuição de seus usos na vida cotidiana.
Assim, fica difícil, se não impossível, o tratamento das
relações entre estas últimas, centrando-se
exclusivamente no código.
Esta afirmação de Marcuschi nos leva à proposição de que o
próprio enunciado, seja ele oral ou escrito, é determinado pelo contexto
social e histórico de cada cultura. Assim, cabe ao legendador definir como
fará a recriação de uma língua para outra e, ao mesmo tempo, de um
código para outro, dependendo das convicções sociais da língua alvo,
sem deixar de respeitar o sentido do enunciado.
Segundo Marcuschi (2007), embora não predomine mais a relação
dicotômica de escrita e oralidade, não se pode ter uma como
representação da outra. De acordo com este autor, isso se deve, em
parte, ao fato de que a escrita não consegue reproduzir muitos dos
fenômenos da oralidade, tais como a prosódia, os gestos, os movimentos
do corpo e dos olhos, etc. Em contrapartida, a escrita possui elementos
próprios, ausentes na fala, tais como diferentes tamanhos, cores,
formatos e tipos de letras que podem representar graficamente aspectos
da fala.
No caso da legendação, embora não se tenham muitas alternativas
de escolha quanto a cores e tamanhos de letras, pode-se afirmar que a
22
impossibilidade de representação entre um código e outro, apontada por
Marcuschi, é amenizada pelas imagens, gestos, olhares, movimentos
corporais das personagens que permanecem na tela, pois estes
contribuem para dar mais concretude à transposição semântica das
legendas.
Outro aspecto a destacar é que a fala normalmente apresenta-se
de forma redundante, pois o modo de pensar oral seria mais agregativo
do que analítico (GALVÃO; BATISTA, 2006). Esta característica faz com
que o tradutor de legendas tenha que eliminar as repetições em razão da
limitação de espaço, de caracteres e de tempo de permanência das
legendas na tela.
Além da tarefa de traduzir a partir de um texto oral para um escrito,
o que implica a eliminação de redundâncias e o abrandamento de
palavrões, existem casos em que o legendador precisa se utilizar da
tradução intersemiótica para ajudar na compreensão do contexto
fornecido pela película, conforme será tratado a seguir. Há que se apontar
que este tipo de tradução é adotado quando presença de elementos
imagéticos específicos da cultura fonte e que são fundamentais para a
compreensão da obra cinematográfica.
2.2.2 - Tradução intersemiótica
A tradução intersemiótica é um dos três tipos de distinções de
tradução escrita feitas por Jakobson (1959)
com base em Pierce.
Segundo este, há três maneiras de se interpretar um signo verbal: traduzi-
lo para outros signos da mesma língua, em outra língua ou em outro
sistema de símbolos não-verbais. Também chamada de “transmutação”, a
tradução intersemiótica foi definida por Jakobson como sendo aquele tipo
de tradução que consiste na interpretação de signos verbais por meio de
sistemas de signos não verbais. Em relação a esta possível interpretação,
23
Laranjeira (2003) afirma que os signos podem ser total ou parcialmente
substituídos por signos de outro código. Por exemplo:
um romance levado à tela cinematográfica manteria, na
sua nova formulação, parte dos seus elementos
lingüísticos: a substituição por outro código seria apenas
parcial, havendo, pois, apenas parcialmente tradução
intersemiótica (LARANJEIRA, 2003, p. 17).
A afirmativa do autor se sustenta à medida que a tradução
intersemiótica de romances para filmes ocorrerá apenas em situações nas
quais a descrição verbal de um cenário, paisagem, ou personagem, ao
ser transposta para filmes, é substituída por um código imagético, isto é,
as próprias imagens representam a descrição verbal. Em contrapartida,
os diálogos (código verbal) presentes no romance serão mantidos na
película, alterando apenas o seu meio de expressão, que passará de
escrito para oral. Por essa razão, é possível ver a tradução intersemiótica
de um romance para um filme como sendo apenas parcial.
Contudo, cabe destacar que a situação de tradução intersemiótica
descrita acima não criará uma dificuldade propriamente dita para o
legendador. Este poderá enfrentar situações desafiadoras, quando
precisar realizar a tradução intersemiótica dentro do próprio filme, isto é,
quando houver símbolos ou imagens específicas da cultura fonte e
desconhecidas do público alvo cuja transposição para a linguagem verbal
é necessária para um melhor entendimento do enredo. Este tipo de
desafio poderá advir do fato de que, em alguns casos, o legendador não
tem acesso ao filme ou pode assisti-lo apenas uma vez. Às vezes, ele
apenas recebe o roteiro, o que dificulta ou, até mesmo, impossibilita o seu
conhecimento de situações em que se faz necessário traduzir
verbalmente algumas imagens relevantes à compreensão pela audiência.
Conforme Carvalho (2005, p. 104):
[...] na maioria das vezes o roteiro exerce o papel de
original para o tradutor, visto que geralmente ele terá
acesso ao material audiovisual e ainda assim acesso
talvez restrito a uma única exibição após a tradução
24
inicial do produto com base exclusivamente no roteiro
(grifos meus).
Aliadas à carência ou ao não acesso ao material audiovisual,
surgem constantemente as influências das restrições econômicas
9
,
pragmáticas e técnicas ao trabalho do legendador. O resultado disso é o
surgimento de comentários negativos na mídia ou até mesmo por parte do
espectador acerca da tradução-legendação.
2.2.3 – Os aspectos pragmáticos e técnicos da legendação
A legendação pode tornar-se alvo de críticas aos “desvios” de
tradução devido a dois aspectos principais: suas dimensões pragmáticas
e as restrições técnicas muitas vezes desconhecidas pela audiência.
Além disso, ela é facilmente alvo de críticas por apresentar uma
característica peculiar: o telespectador tem contato simultaneamente com
dois textos paralelos (um falado e outro escrito) em duas línguas
diferentes, o que lhe possibilita comparar e avaliar a tradução (SOUZA,
2007). Acresce-se a isso o fato de que é provável que as legendas sejam
uma modalidade de tradução cuja abrangência seja mais ampla que a
tradução de textos escritos, ou seja, as legendas atingem a um público
mais vasto e diversificado em comparação ao público de textos escritos.
Com relação ao aspecto das dimensões pragmáticas da
legendação, Gottlieb (1998) explica que elas remetem ao foco adotado na
tradução, ou seja, as intenções e os efeitos o mais importantes que os
elementos lexicais isolados. Ele afirma que esta dimensão permite ao
tradutor certas liberdades lingüísticas. No entanto, a possibilidade de livre
arbítrio parece ser verdadeira apenas em parte, pois, no decorrer do
texto, o autor aponta que tais liberdades devem ser tomadas tendo em
9
Inevitavelmente, a desvalorização econômica do profissional de tradução
reflete-se no produto final, isto é, na tradução.
25
mente um todo polissemiótico
10
maior. Na seqüência, ele faz menção a
algumas das restrições técnicas, como a limitação de caracteres e o
tempo de permanência da legenda na tela. Estas limitações obrigam o
legendador a fazer uma redução nos diálogos que, dependendo das
variações lexicais e sintáticas entre as línguas, pode chegar a um terço do
volume total do texto (GOTTLIEB, 1998). Deduz-se, portanto, que a
liberdade lingüística do tradutor mencionada por Gottlieb está
condicionada a muitas restrições técnicas da legendação.
Por outro lado, a necessidade de redução apontada por Gottlieb
pode ser motivada por outros fatores além das exigências técnicas. Ainda
de acordo com este autor, uma das motivações da concisão pode ser a
redundância intersemiótica que permite ao telespectador complementar o
conteúdo das legendas com as imagens e a prosódia. O outro fator
mencionado por ele é a redundância intrassemiótica do diálogo. Isso
ocorre principalmente no discurso espontâneo no qual o estilo verbal ou o
conteúdo podem apresentar-se redundantes. Neste caso, uma leve
condensação nas legendas não prejudicaria a mensagem.
Quanto às restrições técnicas, não se pode esquecer de que,
quando tratamos de legendação - “uma das modalidades de tradução
mais praticadas no mundo” (CARVALHO, 2005, p. 94) -, existem vários
fatores que constituem desafios e, às vezes, até mesmo obstáculos aos
tradutores, os quais sofrerão influências no resultado e na qualidade do
produto. Dentre eles, podem ser enumerados os seguintes aspectos:
Número de caracteres, que varia de 40 a 60 e que deve
permanecer no máximo seis segundos para que o
espectador tenha tempo de realizar a leitura. Isso
acarreta a presença de duas linhas de legenda, no
máximo. Em face dessas restrições, quanto mais denso
for o filme, maior é a dificuldade de o legendador fazer a
10
Termo referente aos diversos sistemas de signos (imagens, gestos,
vestuários, falas) que estão presentes simultaneamente na obra cinematográfica.
26
redução do conteúdo verbal sem prejudicar a mensagem
original;
Sincronia da entrada e saída da legenda com as falas das
personagens;
Período curto para realização da tradução que, conforme
Franco (1996), é de uma semana em média. Segundo
ela, somente legendadores de cinema têm quinze dias
como tempo limite;
Exigências do revisor para realizar modificações de
ordem lingüística (amenizar linguagem de baixo calão) e
cultural (substituir ou excluir determinadas críticas com
fundo social).
O software empregado para a legendação, pois o espaço
- mero de caracteres disponível para disposição das
legendas varia de acordo com o tipo de software adotado.
É fundamental que o legendador respeite essas características,
pois o objetivo das legendas é auxiliar na compreensão do que está
sendo expresso na língua fonte, sem impedir que o espectador consiga,
ao mesmo tempo, estar atento às demais linguagens estéticas da obra
contemplada. Para que isso aconteça, as legendas
precisam ser breves, para poderem ser inteiramente
lidas ao mesmo tempo em que o texto oral é
pronunciado, e de leitura simples e direta, de modo a
não demandarem mais atenção visual e cognitiva do que
a estritamente necessária (CARVALHO, 2005, p.97).
À parte os fatores extralingüísticos, o legendador ainda precisa
lidar com os desafios lingüísticos e culturais desta modalidade de
tradução.
Não como desvincular estes dois aspectos, pois as questões
culturais moldam os textos, refletem-se nos textos e são afetadas pelos
27
textos (MALMKJAER, 2005). Devido a esta relação, mesmo que o
legendador tenha competências lingüísticas satisfatórias, a tradução de
aspectos culturais específicos, tais como referências a costumes,
provérbios e metáforas, pode representar uma dificuldade.
2.3 – Tradução e metáfora
2.3.1 – A abordagem contemporânea de metáfora
Tradicionalmente, a metáfora era - e ainda é - considerada, tanto
por teóricos da linguagem quanto por leigos, apenas um ornamento
lingüístico, um recurso estético sem nenhum valor cognitivo. Contudo, no
início dos anos 80, inaugurou-se um novo paradigma nos estudos da
metáfora com a publicação da obra reconhecida como precursora
Metaphors we live by, de autoria de Lakoff e Johnson.
Nesta nova perspectiva, a metáfora adquire um valor conceitual,
isto é, ela passa de uma figura de linguagem a um processo de
pensamento, o que gera novas implicações na maneira como é
concebida.
Como parte dos processos de pensamento, a metáfora estrutura
formas de pensar e de conceitualizar o mundo com base nas experiências
cotidianas. A partir dessas experiências, geram-se valores diferentes, os
quais estão profundamente arraigados no contexto e na cultura de cada
indivíduo (SOUZA, 2004).
Com o advento da concepção moderna de metáfora, também a
percepção taxonômica do vocábulo alterou-se. Na abordagem
contemporânea, metáfora refere-se aos mapeamentos conceituais de um
domínio mental (domínio fonte) para outro (domínio alvo), enquanto a
expressão metafórica – equivalente ao termo metáfora na abordagem
tradicional - diz respeito à expressão lingüística (palavras, frases) que é a
28
manifestação da metáfora. Neste estudo, a metáfora é entendida como
um processo cognitivo que envolve a “superposição de dois ou mais
esquemas conceituais, levando à suspensão de conceitos ordinários
envolvidos, ao rearranjo e à criação de um novo esquema conceitual”
(SOUZA, 2004, p.51).
A título de ilustração, recorreremos à metáfora AMOR É UMA
VIAGEM
11
, analisada por Lakoff e Johnson (1993, 2002). Ela pode ser
entendida com base no mapeamento de um domínio conceitual, amor, em
termos de outro completamente diferente, viagem. Sob essa ótica, o amor
é conceitualizado como uma viagem na qual amantes correspondem a
viajantes, a relação amorosa corresponde ao veículo, os objetivos
comuns dos amantes correspondem ao destino comum da viagem e as
dificuldades na relação correspondem aos obstáculos na viagem. Dessa
relação, surgem expressões metafóricas comuns na linguagem cotidiana
como: Veja a que ponto chegamos; Estamos em uma encruzilhada.
Muitas das expressões metafóricas presentes no discurso são
convencionais (expressões idiomáticas), ou seja, a ocorrência delas é
bastante freqüente a ponto de estarem dicionarizadas. Em
contraposição, as metáforas novas, que são menos freqüentes e
familiares quanto à ocorrência. Convém lembrar que com o uso contínuo
e repetido, elas também se tornam convencionais.
Em termos de sentido, na visão tradicional, argumenta-se que as
expressões idiomáticas têm significados arbitrários; porém, à luz das
teorias cognitivas, defende-se que o significado apresenta uma
motivação, embora nem sempre seja possível recuperá-la em função da
convencionalidade da expressão.
Em termos tradutológicos, as metáforas novas são vivas, criativas
e resistentes à paráfrase, enquanto as metáforas convencionais
11
As metáforas conceituais são aqui apresentadas com letras maiúsculas, com
base no procedimento adotado por Lakoff e Johnson (2002). As expressões
lingüísticas metafóricas, ou seja, as manifestações, concretizações das
metáforas conceituais são apresentadas em letras minúsculas.
29
(expressões idiomáticas) são expressões corriqueiras e equivalentes em
significado a expressões literais simples (GIBBS, 1994).
Quanto aos tipos de metáforas, ainda as denominadas
imagéticas, cujo mapeamento ocorre de uma imagem convencional para
outra. Nas metáforas imagéticas, a conceitualização emerge de uma
imagem mental e não das palavras em si (LAKOFF, 1993). Muitas obras
cinematográficas apresentam imagens que refletem diferentes conceitos
metafóricos acerca de nossas experiências (GIBBS, 1994).
Segundo Lakoff e Johnson (2002), as metáforas refletem a forma
como o indivíduo conceitualiza o mundo. Tal conceitualização pode variar
de cultura para cultura, uma vez que as metáforas se constituem a partir
de realidades físicas, temporais e geográficas, passíveis de variações
sutis ou completamente diferentes. Conseqüentemente, os indivíduos
apresentam papéis sociais e valores condizentes com sua cultura e sua
realidade que subjazem às metáforas utilizadas.
No intuito de ilustrar o exposto, consideremos a metáfora MENTE É
MÁQUINA e a sua recente manifestação lingüística Preciso deletar isso
da minha cabeça. Com o advento e propagação da ciência da
computação, o verbo deletar foi incorporado à linguagem cotidiana com
sentido metafórico. Convém destacar que esse sentido somente será
percebido e compreendido por falantes de realidades geográficas e
temporais que compartilham dos conhecimentos relacionados à ciência
da computação. Caso contrário, o mapeamento entre os domínios fonte e
alvo não será efetivado.
Em relação aos mapeamentos metafóricos, eles variam quanto à
universalidade; alguns parecem ser universais, outros amplamente
difundidos e alguns específicos a uma dada cultura ou grupo de
indivíduos (LAKOFF, 1993).
No caso deste estudo, cabe enfatizar que a tradução das metáforas
abarcará a compreensão não dos códigos lingüísticos, mas também
dos sistemas conceituais intrínsecos às línguas envolvidas, visto que os
mapeamentos conceituais baseiam-se em nossos pensamentos, cujos
30
valores variam de acordo com cada cultura e com as experiências
pessoais.
Além disso, como os conceitos metafóricos são coerentes com os
valores de cada cultura (LAKOFF; JOHNSON, 2002), e as expressões
lingüísticas metafóricas geradas a partir destes poderão ter diferentes
significações, traduzir metáforas pode apresentar-se como uma
dificuldade ao legendador, que ele seo responsável por apresentar
uma tradução adequada, isto é, que produza sentido ao espectador do
filme no contexto da cultura alvo.
2.3.2 – Estratégias de tradução das metáforas
Considerando o exposto na seção anterior acerca da concepção
cognitivista de metáfora e levando em conta a presença de variadas
expressões metafóricas em filmes, é importante ponderar que “o sentido
pretendido pelo roteirista pode não ser percebido e construído pelo
tradutor, o que inevitavelmente afetará a abordagem do espectador”
(SOUZA, 2007, p.8). No caso de comédias, a não percepção do sentido
metafórico pode afetar não a construção de sentido pelo
telespectador, mas também o propósito humorístico do filme.
Na tentativa de apresentar soluções que evitem inadequações nos
processos tradutórios de metáforas, alguns autores sugerem abordagens
prescritivas, as quais buscam uma reprodução ideal das metáforas.
Entretanto, é possível que tais regras possam não atender a todas as
dificuldades tradutórias em virtude da variação semântica da metáfora,
isto é, sua interpretação dependerá das experiências de mundo do
tradutor, bem como dos valores culturais atrelados às línguas envolvidas
no processo de tradução.
Schäffner (2004) afirma que, se uma metáfora possui diferentes
associações nas duas culturas envolvidas no processo tradutório, o se
deve traduzi-la literalmente, mas optar por uma metáfora correspondente
31
na língua alvo ou por uma paráfrase. Porém, segundo a autora, quando
se pretende enfatizar a especificidade cultural da língua fonte, seria
melhor reproduzir a metáfora da língua fonte e acrescentar uma
explicação em nota de rodapé, por exemplo. No entanto, essa alternativa
não pode ser adotada pelo legendador, uma vez que seu trabalho está
fortemente condicionado às restrições técnicas da legendação, dentre
estas o limite de caracteres. Dessa forma, o tradutor de legendas precisa
encontrar outra opção para solucionar este tipo de dificuldade, pois a
inserção de explicações adicionais
12
ao texto da legenda o é
recomendável chegando a ser impossível em alguns contextos.
É, talvez, por intermédio dos estudos descritivos da tradução de
metáforas que se torna possível a busca de alternativas mais adequadas
por meio da observação e da investigação de decisões tradutórias bem
sucedidas. Dentre os autores que apresentam estratégias para traduzir
metáforas nesta abordagem, vamos considerar as perspectivas de van
den Broeck (1981) e de Toury (1995).
Para explicar e descrever as soluções propostas pelos tradutores,
van den Broeck (1981) sugere três possibilidades de tradução, abaixo
apresentadas.
Tradução stricto sensu: transferir o tópico e o veículo do
texto fonte para o texto alvo. Exemplo: Em And you could
start with a money salad!, é possível fazer a tradução
literal por Vocês podiam começar com uma salada de
dinheiro! sem afetar a compreensão.
Substituição: substituir o veículo do texto fonte por um
veículo no texto alvo que tenha um teor parecido.
Exemplo: na expressão Give yourself a break, a tradução
literal ou stricto sensu poderia soar estranha ao leitor da
língua portuguesa e/ou afetar a compreensão do seu
12
Por explicação adicional, entendem-se notas, paráfrases, glosas.
32
sentido. Nesse caso, a substituição por Não seja tão dura
consigo mesma evitaria uma possível construção de
sentido inadequada à situação, ou uma incompreensão,
ou até mesmo estranhamento.
Paráfrase: traduzir a metáfora do texto fonte por uma
expressão não metafórica no texto alvo. Esta
possibilidade pode ser ilustrada pelo seguinte exemplo,
proveniente da série Friends: That’s supposed to be a
duck, right? ‘Cause otherwise, this is way out of my
league./ Ele é um pato, certo? Senão... Não poderei fazer
nada. A expressão metafórica this is way out of my league
foi parafraseada por Não poderei fazer nada, para, pelo
menos, manter a idéia da expressão em inglês.
Toury (1995), ao contrário da maioria dos estudiosos que tratam
dos problemas da tradução de metáforas - incluindo van den Broeck -,
considera não somente as metáforas no texto fonte, mas também as
presentes no texto alvo. Em razão disso, o autor sugere a adição de mais
três possibilidades de tradução, as quais complementam o modelo
apresentado por van den Broeck. São elas:
Omissão da metáfora (metáfora 0): apagar, no texto alvo,
uma metáfora do texto fonte. Segundo o autor, a não
menção a esta possibilidade pelos teóricos que consideram
as metáforas somente no texto fonte reflete a priori uma
atitude prescritiva, pois certa recusa de legitimidade para
esta solução de tradução. Tomemos, como exemplo, a
expressão metafórica Often these things are nothing more
than just negative energy trying to escape your body. Nas
legendas do site, houve o seu apagamento.
33
Não metáfora em metáfora: adicionar uma expressão
lingüística metafórica em um enunciado não metafórico. No
exemplo
13
Well, you know, if Joey and I played with matches
we could get you to even a hundred / Se Joey e eu
brincarmos com fósforos, a gente podia arredondar a sua
conta
14
, a expressão we could get you to even a hundred foi
traduzida por uma expressão metafórica - a gente podia
arredondar a sua conta -, embora o enunciado da língua
fonte não apresente sentido metafórico.
No âmbito da legendação, este tipo de estratégia tradutológica
poderá ser uma alternativa viável para a economia de caracteres, uma
vez que as “metáforas são um meio compacto de comunicação [...] e
podem carregar imagens mais vívidas, detalhadas e ricas de nossas
experiências subjetivas” (SOUZA, 2007, p.8). Pelo viés do humor, se o
legendador utilizar-se de metáforas criativas, o efeito humorístico poderá
ser maximizado.
Inserção de metáfora (0 metáfora): adicionar uma
metáfora no texto alvo sem motivação lingüística no texto
fonte, conforme pode ser ilustrado pela expressão
metafórica o que vai pro espaço são as juras e, na conta, os
juros, presente na tradução da seguinte piada.
Marriage is like a bank account. You put it in, you take it
out, you lose interest (ROSS, 1998, p.64).
Qual a diferença entre o casamento e uma conta
bancária? Nos dois, você põe e tira. que, no casamento,
13
Exemplo proveniente da série Friends - temporada - cujo contexto é o
seguinte: Joey e Chandler são apresentados ao namorado de Phoebe. Ele é
bombeiro e menciona aos dois amigos que já realizou 98 salvamentos.
14
Sintaxe mantida conforme tradução disponível no site da Internet
<http://www.friendslegendas.cjb.net>).
34
o que vai pro espaço são as juras e, na conta, os juros
(ROSAS, 2002, p.90).
Observa-se que Rosas (2002), ao apresentar sua proposta de
tradução a essa piada, valeu-se desta última estratégia apontada por
Toury (1995) quando utilizou a expressão metafórica O que vai pro
espaço são as juras, pois não havia motivação lingüística no texto fonte
para tal inserção. Convém lembrar que uma sugestão metafórica no
vocáculo interest em virtude de seu caráter polissêmico na língua fonte.
Entretanto, no texto alvo, a metaforicidade foi explicitada e recriada com o
jogo de palavras juras e juros.
É oportuno salientar que, no contexto da legendação, esta
estratégia parece ser uma opção bastante improvável de ocorrer, visto
que ela contraria um dos aspectos pragmáticos da legendação: a redução
na densidade vocabular do enunciado. A estratégia inserção de metáfora
(0 metáfora) sugere justamente o contrário, a inclusão de enunciado
metafórico sem motivação lingüística no texto fonte.
A proposta de complementação apresentada por Toury amplia o
escopo para descrição da tradução de metáforas, especialmente quando
elas são geradoras de humor. Como também o humor está vinculado aos
aspectos culturais, a utilização de um enunciado metafórico podetanto
potencializar o efeito de humor como criá-lo, dependendo da situação.
2.4 – Humor: é possível defini-lo?
Embora o humor esteja consolidado em nosso discurso, parece
que não há a mesma solidez e familiaridade quando se trata de teorizá-lo.
Isso não quer dizer que estudiosos de várias disciplinas, desde a filosofia,
a psicologia, a sociologia aa lingüística, não abordem o tópico e, por
vezes, apresentem uma tentativa de definição.
35
Evrard (1996) justifica que o humor pertence a uma categoria de
palavras cuja definição apresenta uma elasticidade semântica muito
grande. Atualmente, segundo o autor, o conceito de humor é empregado
comumente de forma geral e confusa para descrever o que faz rir e sorrir.
Mas o que faz alguém rir? A pergunta reflete a subjetividade do conceito,
visto que uma série de fatores como cultura, idade, personalidade,
educação, região, época e contexto que determinam a percepção do
humor.
De acordo com Ross (1998), o contexto social é importante não
para a recepção do humor, mas também para sua criação. É bastante
difícil fazer o humor cruzar os limites do tempo ou de diferentes grupos
sociais, visto que, freqüentemente, depende de atitudes específicas e
aspectos culturais.
Esta relação de interdependência entre o humor e o contexto sócio-
cultural o torna ainda mais instável, ambíguo e relativo. Ademais, o humor
joga com a dúvida sobre o real e institui uma incerteza interpretativa que,
conseqüentemente, pode retardar ou até mesmo anular o riso (EVRARD,
1996).
A subjetividade do humor e a imprecisão quanto à sua definição e
classificação é explicitada por Chaves.
Uma definição que se deseje precisa do ato de humor é
uma tarefa difícil, pois aquele surge imbricado por uma
complexa ordem de características sócio-cognitivas que
o influencia e o especifica (CHAVES, 2003, p.53).
No que diz respeito à classificação do humor, Evrard (1996) afirma
que a indeterminação advém do fato de que o humor não pode ser
considerado como um gênero ou mesmo sub-gênero do cômico, visto que
ele não se caracteriza por um quadro (trope) específico, isto é, sua
variedade de graus, procedimentos e temas são aspectos sutis e difusos,
tornando-o, portanto, um fenômeno difícil de localizar e de definir. Em
razão deste “aspecto enigmático” do humor, o autor menciona que somos
levados a fazer aproximações prudentes e não definições abruptas.
36
Outra dificuldade em definir o humor, segundo Jaskanen (1999),
reside no fato de que a terminologia utilizada para descrevê-lo não é
explícita. Ainda no que diz respeito à definição de humor, tal autora
também sublinha a necessidade de se levar em conta o propósito para o
qual a noção de humor será utilizada ao tentar defini-lo.
Diante deste quadro, é relevante tecer algumas observações em
relação às especificidades do humor audiovisual, foco deste estudo.
Salienta-se que os excertos que são apresentados como exemplificação
no decorrer do texto ou, amesmo, na análise de dados desta pesquisa
dificilmente suscitarão o mesmo efeito humorístico do seu contexto
original sobre o leitor. Isso se deve ao fato que, por serem oriundos do
meio televisivo, o podem ser desvinculados das apelações típicas da
imagem, do som, das expressões faciais e até mesmo do potencial
humorístico de cada personagem – características ausentes na escrita.
Além das características do humor audiovisual, que se
considerar o gênero de humor televisivo escolhido para este estudo
sitcoms – cujo tipo de humor é peculiar, pois o componente do seu
discurso são as situações cotidianas.
O conjunto de especificidades do humor televisivo também deve
ser considerado quando se pensa sob o enfoque de sua tradução, pois
neste contexto as decisões tradutórias devem ser tomadas levando em
conta um todo polissemiótico (GOTTLIEB, 1998).
2.4.1 - Tradução do humor
No âmbito da legendação, uma relação muito estreita entre o
material verbal e o visual. Desse modo, é possível que, em algumas
situações, o humor resulte de uma incongruência entre o que é dito e o
que é mostrado na imagem, isto é, a incongruência pode ser gerada pelo
contexto da situação e não apenas por uma incongruência dentro da
37
língua. Portanto, o humor verbal do meio televisivo não é um fenômeno
puramente lingüístico (JASKANEN, 1999).
Acresce-se a esta peculiaridade do humor televisivo a questão dos
aspectos culturais, que, inclusive, geram discussões em torno da
viabilidade ou não da tradução de textos humorísticos, dependendo da
concepção de tradução adotada. Como este estudo enfoca a produção do
humor a partir de enunciados metafóricos, é pertinente discutir a relação
de interdependência entre cultura, metáfora e humor.
A complexidade da tradução do humor se sustenta em suas raízes
culturais. A natureza cultural do humor significa que ele está atrelado às
nossas experiências; portanto, sua produção e sua percepção têm como
elemento chave o conhecimento prévio de mundo que temos e que
compartilhamos (SIERRA, 2004).
Um aspecto essencial a ser considerado por quem traduz é que um
mesmo enunciado metafórico pode produzir um efeito humorístico em um
determinado contexto/língua e não em outro devido à estreita ligação
tanto da metáfora quanto do humor com os valores de cada cultura.
Dependendo da solução proposta pelo tradutor de legendas, a audiência
pode até entender o sentido da metáfora apresentada na tradução, pom
ela poderá não suscitar o riso. Questões como essas, de acordo com
Rosas (2003, p.134)
exigem uma reflexão sobre os elementos que entram em
jogo na produção, leitura/interpretação e tradução de
textos humorísticos; uma reflexão que, não visando a
explicar especificamente o seu porquê, se volte para o
modo como esses textos funcionam do ponto de vista
lingüístico. Esse ponto de vista, diga-se desde já, não
pode deixar de ser também cultural, pois, para abordar a
prática da tradução, é inevitável adotar uma visão que
reúna as mais diversas formas de investigação, tendo
sempre como horizonte o tecido cultural das línguas de
partida e de chegada [...] envolvidas no processo.
Por outro lado, Jaskanen (1999) aponta para a questão da
tradução do humor como um fenômeno social. A autora afirma que
traduzir humor é uma tarefa complexa, pois o tradutor precisa, além de
38
julgar se o leitor entenderá o humor em um determinado texto, saber se o
humor funciona como tal na língua alvo.
No âmbito da tradução audiovisual, o legendador encontrar-se-á
face-a-face com os aspectos sociais, culturais e lingüísticos. Ademais, o
processo de recriação do humor terá que respeitar a coerência texto-
imagem devido à sua interdependência para criação do riso, sobretudo no
contexto da legendação. Esta relação entre imagem e texto para criação
de humor é explicada por Asimakoulas (2002, p.73):
A imagem é o fator contextual responsável pela natureza
polimidiática dos filmes. Certas ações, objetos, ou
entidades estão fisicamente presentes na tela. Em
alguns casos, os elementos constituintes da imagem são
explorados e cria-se um jogo de palavras verbo-
pictórico
15
.
Outro aspecto a ser considerado na legendação é que a audiência
tem certas expectativas ao assistir a comédias. Jaskanen (1999) destaca
que o humor televisivo poderia ser descrito como um gênero específico
em que o telespectador espera ver um programa fortemente marcado por
situações cômicas que provoquem o riso.
O surgimento do riso é um processo que requer algumas condições
a fim de que ele aconteça. Segundo Propp (1992, p.31), “o riso ocorre em
presença de duas grandezas: de um objeto ridículo e de um sujeito que ri
ou seja, do homem”. A afirmação do autor evidencia que não basta
apenas um agente causador de riso, é essencial a presença de um
indivíduo para que o processo se complete. Na esfera da tradução
audiovisual, esta premissa tem um papel norteador sobre as tomadas de
decisões do tradutor, uma vez que cabe a ele mediar a comicidade entre
duas culturas diferentes.
É evidente que a tradução de textos humorísticos está associada a
desafios que vão além dos problemas lingüísticos. As dificuldades podem
15
Image is the contextual factor accounting for the polymedial nature of films.
Certain actions, objects or entities are physically present on the screen. In some
cases, the constituents of the image are exploited and verbo-pictorial wordplay is
created.
39
residir, também, nas condições de ordem histórica, social e até mesmo
pessoal. Ross (1998), ao mencionar o momento histórico e a sociedade,
sugere que é interessante que se observem quais tipos de situações são
potencialmente humorísticas para a sociedade de um determinado
período histórico. Nesta mesma direção, Propp (1992, p.32) aponta que
“cada época e cada povo possui seu próprio e específico sentido de
humor e de cômico, que às vezes é incompreensível e inacessível em
outras épocas”. Isso pode ser claramente observado na leitura de textos
com fundo humorístico - especialmente charges que tratam de fatos
locais ou acontecimentos políticos. Estes possuem alto grau de
efemeridade, enquanto aqueles são de conhecimento de uma pequena
parcela de sujeitos.
Em relação à efemeridade das situações humorísticas que
envolvem eventos políticos, Peñamarin (1998) enfatiza que elas são
entendidas pelas pessoas informadas daquele momento. Para ser
compreendido em outra época, o texto te que ser acompanhado de
explicações extensas de forma a contextualizá-lo; isso, porém, segundo
ela, fará com que se perca o impacto humorístico. No caso de legendas, a
perda da comicidade será mais abrangente, visto que não como
recuperar o contexto do acontecimento em virtude do limitado espaço
textual escrito.
Assumindo os problemas lingüísticos, sociais e culturais envolvidos
na tradução do humor, não se pode deixar de falar da existência das
diversidades nacionais. Para Propp (1992, p. 32):
é evidente que no âmbito de cada cultura nacional
diferentes camadas sociais possuirão um sentido
diferente de humor e diferentes meios para expressá-lo.
As diversidades nacionais caracterizam-se não pelas diferentes
camadas sociais apontadas pelo autor, mas também pelas marcas
regionais dos falantes de uma mesma língua. Pode-se afirmar que esta
característica é bastante forte entre os falantes da língua portuguesa no
Brasil. Ao assumir esta posição, é possível que as decisões tradutórias
40
tomadas pelo legendador de Friends possam não ter o mesmo efeito para
todos os telespectadores da língua alvo pelo viés do humor.
Dentro dos limites citados, também é imprescindível considerar a
segunda “grandeza” necessária para que o riso aconteça: o homem
(PROPP, 1992). É preciso lembrar que mesmo entre indivíduos
provenientes de uma mesma cultura, o enunciado pode ou não se tornar
engraçado e suscitar o riso. Esta dificuldade pode residir tanto nas
diferenças de experiências pessoais quanto “no fato de que o nexo entre
o objeto cômico e a pessoa que ri não é obrigatório nem natural” (PROPP,
1992, p.31). para Alberti (1999), um deslocamento na questão de
saber por que o homem ri. A resposta a essa pergunta, segundo ela, está
na sociedade e não no indivíduo.
Embora a tradução do humor seja permeada por todos os desafios
discutidos anteriormente, isso não significa que ele seja intraduzível. Mas,
certamente, o tradutor precisa estar atento aos vários aspectos envolvidos
bem como ao principal objetivo do texto: produzir humor. No âmbito da
tradução audiovisual, também é necessário considerar, além do propósito
da comédia, a provável audiência e o meio no qual o filme será veiculado
– cinema, DVD ou canais da TV fechada.
2.4.2 – Tradução do humor expresso metaforicamente
Antes de abordar a tradução de metáforas geradoras de humor,
faz-se necessário discutir a relação entre estes dois elementos. Evrard
(1996), ao mencionar a suscetibilidade da metáfora ser explorada na
escritura humorística, afirma que ela pode levar à incongruência e à
redundância - traços que podem provocar o efeito humorístico.
Ainda quanto ao desencadeamento do humor, o autor afirma que,
de um ponto de vista formal, o discurso humorístico apresenta uma
estrutura particularmente marcada pela ruptura entre o significante e
41
significado, estrutura essa que leva à ambigüidade. do ponto de vista
semântico, a ruptura (décalage) está ligada à interrupção das evidências
aceitas por todos.
A partir da caracterização de Evrard (1996), pode-se considerar a
possibilidade de ruptura semântica em termos de metáfora conceitual. A
título de ilustração, tomaremos como exemplo uma situação do objeto de
estudo desta investigação. No decorrer da trama, emerge a metáfora
AMOR É MATEMÁTICA no discurso da personagem Phoebe, que revela
sua concepção acerca deste sentimento. A conceitualização
lógica/racional da personagem rompe com as evidências da
conceptualização subjetiva de amor, que é aceita e esperada pelo
espectador.
Também Aladro (2002), ao tratar do humor sob uma perspectiva
cognitivista, tece considerações acerca da criação do humor, a partir das
quais algumas relações podem ser estabelecidas com a metáfora.
Uma das condições básicas do humor, segundo a autora, é que em
qualquer mensagem de cunho humorístico há um plano de significação
duplo ou múltiplo. É possível afirmar que, igualmente, na metáfora tem-se
essa duplicidade de planos - o literal e o metafórico -, embora nem
sempre o primeiro deles seja acessado (GIORA, 1997, 2002; SOUZA,
2004). Além disso, casos em que uma mesma metáfora pode ter mais
de um sentido metafórico, dependendo do seu contexto de utilização.
Ainda em relação ao humor, Aladro (2002) afirma que ele parece
construir representações analógicas e imagens no seu processo de
comunicação.
O humor nos indica que o cérebro trabalha com
representações analógicas, a última base do raciocínio,
tanto para produzir como para comunicar. A partir destas
imagens, o cérebro retira novos elementos, que geram
outras representações, porém cuja capacidade
esquemática, estrutural, é aproveitada, também, devido
42
a sua rapidez, automatismo e síntese informativa
16
(ALADRO, 2002, p. 320).
Similarmente, estrutura-se a metáfora cuja composição baseia-se
em dois termos: o tópico e o veículo. O primeiro se refere àquilo de que
falamos, enquanto o segundo diz respeito ao termo da afirmativa a partir
do qual a analogia é criada, sendo que apenas algumas características do
veículo o transferidas ao tópico. Observa-se, deste modo, que tanto a
criação do humor quanto da metáfora possuem semelhanças no que diz
respeito aos seus aspectos cognitivos.
Mesmo que nem sempre a metáfora seja geradora de humor, é
importante considerar dois aspectos: a) tanto o humor quanto as
metáforas constituem-se e são coerentes culturalmente, e b) a
incongruência
17
semântica cujo foco é o elemento surpresa - é um fator
presente no humor e nas metáforas, contanto que sejam novas. Sob esta
circunstância, a metáfora pode funcionar como um dispositivo humorístico
de incongruência nos diálogos, gerando o riso (ROSS, 1998).
Quanto às metáforas mortas que não apresentam o elemento
surpresa e, conseqüentemente, não seriam geradoras de humor —,
Asimakoulas (2002) aponta que, ainda assim, há casos em que metáforas
mortas podem produzir o efeito humorístico quando, por exemplo, elas
são reavivadas ou entendidas literalmente no contexto fílmico.
Em relação à tradução de textos humorísticos, Rosas (2002) afirma
que ele pode apresentar dificuldades quando:
[...] não compartilhamento de referências culturais
entre os membros das duas línguas-culturas envolvidas
e [...] não há correspondência, em algum nível lingüístico
(sintático, morfológico, fonético, semântico, pragmático),
entre as estruturas dessas línguas-culturas (2002, p. 89).
16
El humor nos indica que el cerebro trabaja, para producir o comunicar, com
representaciones analógicas, la base última del razonamiento. De estas
imágenes el cerebro extrae elementos nuevos, que generam outras
representaciones, pero cuya capacidad esquemática, estructural, aprovecha
también por su rapidez, automatismo y condensación informativa.
17
Segundo Ross (1998), o termo incongruência refere-se à possibilidade de dois
significados serem apreendidos a partir da mesma expressão.
43
Entretanto, quando o humor é gerado pela presença de metáforas,
a tradução abrange, além do significado, também o seu efeito. Em função
disso, o legendador necessita recriar não o elemento lingüístico - no
caso dessa investigação metáforas que contribuem para o humor - e seu
sentido, mas também uma situação na qual o humor funcione para os
espectadores da cultura alvo.
2.5 – Legendação, cultura, metáfora e humor: pontos de imbricação
Diante do exposto no decorrer do capítulo acerca dos eixos
centrais desta investigação (legendação, metáfora, humor e cultura), cabe
retomar, brevemente, nesta seção final, como eles se mantêm imbricados.
Pode-se afirmar que a questão cultural encontra-se na base da
tradução/legendação da metáfora e do humor. Devido à indissociabilidade
entre língua e cultura, a tarefa do legendador está atrelada não a
competências lingüísticas, mas também ao conhecimento dos aspectos
culturais.
No caso das metáforas, traduzi-las abarca, além de competências
lingüísticas satisfatórias, o domínio das culturas fonte e alvo para que se
possa compreendê-las, visto que a metáfora estrutura formas de pensar e
de conceitualizar o mundo com base nas experiências cotidianas
(LAKOFF, JOHNSON, 2002). Portanto, a criação, a compreensão e a
percepção de um enunciado metafórico baseiam-se no contexto cio-
cultural bem como na experiência individual tanto do tradutor quanto do
receptor.
Dentre os principais usos da metáfora, destaca-se que ela pode se
constituir como um mecanismo de produção do humor, cuja percepção e
construção também estão vinculadas aos aspectos sócio-culturais. A não
percepção do sentido metafórico de uma expressão poderá afetar não
44
a construção de sentido pelo espectador, mas também o propósito
humorístico do filme.
A tradução de metáforas geradoras de humor no âmbito da
legendação está condicionada também às restrições cnicas desta
modalidade, que apresenta limites pré-estabelecidos de espaço e de
tempo para exibição da legenda.
Dada a complexidade da tradução de metáforas geradoras de
humor, potencializada pelas restrições técnicas inerentes à legendação,
assinala-se a importância de investigar e refletir sobre as estratégias
adotadas para sua tradução. Além disso, a investigação (e percepção) do
humor metafórico no contexto cinematográfico implica considerar o seu
vínculo com as imagens bem como o potencial humorístico de cada
personagem, conforme será analisado no capítulo a seguir.
45
3. Friends: considerações sobre a série, análise e
discussão dos dados
Este capítulo está organizado com base em três seções
principais: contextualização do objeto de estudo (Série Friends),
procedimentos adotados na investigação e na análise e discussão dos
dados selecionados.
A primeira seção subdivide-se em dois tópicos: caracterização e
abrangência da série Friends. Será apresentado um panorama geral
acerca da série, que contemplará a sinopse e a caracterização dos
personagens do episódio selecionado bem como a abrangência da
série.
A segunda seção apresentará os critérios para a escolha do
episódio e os procedimentos adotados para a seleção das metáforas bem
como para a condução da análise.
Por fim, na terceira seção, serão desenvolvidas a análise das
metáforas geradoras de humor e a discussão dos dados.
3.1 – A série Friends
3.1.1- Caracterização
Antes de introduzir a caracterização dos personagens e o enredo
do episódio selecionado para este estudo, cabe discorrer sobre as
peculiaridades da comédia de situação (sitcom), uma das variedades do
humor televisivo na qual se insere a série Friends, uma vez que, conforme
exposto anteriormente, o humor é influenciado e especificado por suas
complexas características sócio-cognitivas (CHAVES, 2006).
46
Ross (1998) afirma que sitcoms são baseados na idéia de uma
situação e de personagens com potencial para humor. Os personagens
permanecem no decorrer de toda a série, cujos enredos ocorrem em
episódios, com duração aproximada de trinta minutos. Grimm (1997)
explica que:
[...] cada episódio descreve uma situação cômica
específica acerca da vida dos personagens principais,
[...], fornecendo, dessa forma, aos espectadores uma
idéia geral sobre os personagens e a relação entre eles
(p.380)
18
.
Outra peculiaridade mencionada por Grimm (1997) é que sitcoms
são, normalmente, gravados perante uma audiência ao vivo e, somente
depois, são exibidos na televisão.
Do ponto de vista humorístico, o seriado Friends tem seu efeito de
humor criado a partir de situações cotidianas, comuns ao dia-a-dia de
qualquer telespectador. Dado o exagero ou a forma caricatural como
estas situações são abordadas, por mais trágicas que pareçam ser no
momento em que ocorrem, elas se tornam engraçadas quando vistas por
alguém de fora ou após algum tempo (VALENZI, 2003).
Quanto à contextualização, a rie Friends é uma obra norte-
americana, produzida por Kevin Bright, Marta Kauffman e David Crane, e
exibida no período entre 1994 e 2004. Com um total de 10 temporadas,
foi uma série extremamente popular e a comédia mais assistida da
televisão americana. Prova disso é que, mesmo tendo encerrado em
2004, a série ainda é reproduzida diariamente, em horários alternativos,
no canal Warner Channel.
Esta série, cujas cenas acontecem normalmente nos próprios
apartamentos dos personagens ou então na cafeteria Central Perk, retrata
o cotidiano de seis amigos - Monica, Phoebe, Rachel, Chandler, Joey e
Ross. O dia-a-dia do grupo - seus anseios, sexualidade, amor, trabalho,
18
[...] each episode depicts a specific comedic situation in the main characteres’
lives, [...], thus giving the viewers a general idea of the characters and the
relationships between them.
47
amizades - assim como os estereótipos associados a cada personagem
constituem a base para a criação do humor no seriado.
Como o cotidiano humano é um tópico muito amplo, torna-se um
pouco difícil delinear um único enredo para todos os episódios. Por isso,
pode-se afirmar que apenas o tema - aspectos da vida diária dos seis
amigos - é mantido, mas cada episódio possui uma trama única. Com
esta afirmação não se pretende descartar a hipótese de alguns casos nos
quais um episódio possa ter continuidade no seguinte; normalmente,
porém, eles se apresentam com uma certa independência, o que o
afeta substancialmente a compreensão do telespectador que não
acompanha toda a seqüência.
Dado este caráter da série quanto às suas tramas, apresenta-se a
seguir uma breve sinopse do enredo do episódio selecionado para esta
análise: The one with Ross’s thing / Aquele da coisa do Ross, a fim de
contextualizá-lo (Conferir o episódio disponibilizado nos anexos).
Neste episódio, desenvolvem-se basicamente três histórias
paralelas: Ross tenta desvendar o aparecimento de algo estranho no seu
corpo, Phoebe está namorando dois sujeitos ao mesmo tempo, e Monica
terá uma conversa surpresa com seu atual namorado, Pete, cujo assunto
ela desconhece.
A estranha mancha que aparece no corpo de Ross não é
diagnosticada pelo seu médico, então ele pede ajuda aos amigos
Chandler e Joey. Eles também não conseguem identificá-la. Então, por
sugestão de Phoebe, ele decide consultar um guru. Durante sua interação
com o guru é possível observar o surgimento da metáfora AMOR É
CURA, que se manifesta fundamentalmente através da seguinte
expressão lingüística metafórica: Temo que tenhamos que usar uma
ferramenta mais poderosa: amor.
O discurso de Phoebe acerca de seu namoro simultâneo entre um
bombeiro e um professor também é marcado por várias expressões
lingüísticas metafóricas, as quais são derivadas das seguintes metáforas:
AMOR É UM JOGO, AMOR É LOUCURA, AMOR É TRABALHO e AMOR
48
É MATEMÁTICA. As expressões criadas a partir dessas metáforas
contribuem para o efeito humorístico deste episódio. Algumas delas são:
AMOR É UM JOGO
Quero fazer gol dos dois lados.
Estou jogando no meio de campo.
AMOR É LOUCURA Estou enlouquecendo.
AMOR É TRABALHO É que não parece que estou jogando, parece
trabalho.
AMOR É MATEMÁTICA
Preciso desmanchar com alguém. Jason é
sensível, (levanta um dedo) mas Vince também é
(levanta um dedo da outra mão). Depois, Vince
tem um corpo maravilhoso, (levanta mais dois
dedos no lado de Vince) então... é uma questão
de matemática.
19
na terceira história, emerge uma metáfora conceitual em relação
ao casamento: CASAMENTO É UM NEGÓCIO. Rachel e os demais
amigos estão na casa do namorado de Monica. Depois de os dois
conversarem por telefone, Monica anuncia que Pete precisa ter uma
conversa com ela. Rachel, então, deduz que a conversa surpresa que o
namorado quer ter com sua amiga Monica é sobre o pedido de
casamento, já que ao visitarem a casa do namorado milionário, Joey
encontra o rascunho de um pagamento no valor de U$ 50.000,00 a um
desenhista, que Rachel supõe ser de anéis. A metáfora surge no seguinte
diálogo, quando o grupo de amigos está voltando da casa de Pete.
Rachel exclama: Meu Deus! Ela vai casar com um milionário. [...] Precisa
de um tema para o casamento. Que tal... "Veja quanto dinheiro temos!"
Pode r dinheiro nos convites... nas toalhas de mesa e servir salada de
dinheiro. Ficará seca, mas os convidados vão gostar.
Além da sinopse, é importante conhecer um pouco dos traços
típicos de cada uma das personagens, a fim de compreender como se
19
explicações em parênteses, pois a metáfora é imagética e é a única forma
de marcá-la textualmente.
49
organizam os aspectos humorísticos desta comédia televisiva, bem como
a razão por que algumas metáforas tornam-se geradoras de humor
naquele contexto específico.
Monica (Courteney Cox Arquette) é uma chefe de cozinha que foi
obesa quando criança e, agora, é obcecada por limpeza e gosta de
manter sua vida sob controle. Freqüentemente, os amigos referem-se a
essa sua obsessão.
Rachel (Jennifer Aniston) é a melhor amiga de Monica desde a
época da escola. Ela trabalhou primeiramente como garçonete e, mais
tarde, com moda. Rachel apresenta-se como um estereótipo do
comportamento de menina mimada. Esta característica emerge de
evidências de natureza diversa (atitudes, comportamento, vestimenta). É
importante ressaltar que tal aspecto também contribui para a identificação
da metáfora CASAMENTO É UM NEGÓCIO.
Phoebe (Lisa Kudrow), a ex-colega de quarto de Monica, uma
pessoa sempre otimista, às vezes ingênua e inocente, divide seu tempo
entre cantar sicas exóticas e trabalhar como massagista. Em vários
momentos, ela também se apresenta imprevisível e cria situações
humorísticas por meio de respostas inesperadas tanto pelos amigos
quanto pelos telespectadores. Esse caráter de imprevisibilidade torna
Phoebe uma personagem com grande potencial humorístico. Observe
este exemplo: Phoebe e um de seus namorados avistam um incêndio de
carro e ele sugere chamar os bombeiros. Diante disso, ela contesta: Não,
não, não precisamos de bombeiro... e sim de um bom mecânico. O
namorado indaga: O quê? e Phoebe responde: talvez seja falta de
refrigerante. E exclama: Meu Deus! vem eles [bombeiros]. Temos que
ir embora. Novamente, o namorado questiona: Por quê?
E ela rebate: se
eu gostasse de bombeiro, namoraria um.
Joey (Matt LeBlanc), o ex-colega de quarto de Chandler, que
ganha a vida como ator, tem fama de mulherengo e, às vezes, é
caracterizado como ignorante. Normalmente, esta caracterização não se
concretiza lingüisticamente.
50
Ross (David Schwimmer), irmão de Monica, é professor de
paleontologia e se divorciou três vezes, o que freqüentemente é motivo
para gozação entre os amigos, conforme pode ser observado na seguinte
situação: Rachel supõe que Pete irá pedir sua amiga Monica em
casamento. Monica considera tudo muito repentino e não tem certeza se
realmente deve casar-se imediatamente. Perante suas dúvidas, seu irmão
Ross diz com ares de entendimento: Ela tem razão. Estamos falando de
casamento aqui. Não pode se precipitar. Rachel contesta: Olha quem fala.
Casou com uma lésbica.
Para completar este grupo de amigos, está Chandler (Matthew
Perry), que, embora nem sempre fique clara sua profissão, trabalha com
processamento de dados. A principal fonte de humor deste personagem
para a série são suas atitudes e comportamento que, em alguns casos,
fazem-no parecer homossexual.
3.1.2 - Abrangência
Friends tornou-se uma comédia muito conhecida no mundo inteiro,
e pode-se dizer que foi um dos sitcoms mais populares na história da
televisão norte-americana. O primeiro episódio foi ao ar no dia 22 de
setembro de 1994, e o último foi transmitido no dia 6 de maio de 2004. A
reprodução televisiva dos episódios ocorreu em inúmeros países no
mundo todo, além de as dez temporadas (235 episódios no total) terem
sido disponibilizadas em DVD.
Um estudo da Universidade de Navarra (Espanha), realizado pela
professora María Del Mar Grandío (2006), aponta que o sucesso da
audiência de Friends se deve ao fato de as histórias contadas serem
comuns, próximas à realidade cotidiana. Isso, por sua vez, permite que a
audiência se identifique com as experiências das personagens.
51
O estudo de Grandío é parte de sua tese de doutorado, intitulada
European audiences and the acculturation of American television values:
a case study of the reception of the TV sitcom Friends in Spain, e foi
realizado com uma amostra de 2.494 fãs da série, que responderam a um
questionário online elaborado pela pesquisadora.
Com base nos dados levantados a partir do questionário online, a
pesquisadora afirma que 63% da audiência pensa que as histórias
narradas nesta comédia de situação são universais. Além disso, estes
mesmos sujeitos apontam a existência de paralelismos entre os eventos
da série e a sua própria vida.
Outros dados que merecem ser destacados são os relacionados ao
nível humorístico da série e o nível de satisfação/prazer gerado por ela na
audiência. A investigação mostrou que 82,8% pensam que a série é
extremamente prazerosa e 15,1% pensam ser muito prazerosa. Com
relação ao humor, 61,5% consideram Friends extremamente engraçada e
36% avaliam como muito engraçada.
Os dados levantados no estudo de Grandío ajudam a evidenciar a
popularidade da série televisiva Friends da mesma forma que contribuem
para justificar a relevância da escolha desta série como objeto de estudo
da tradução do humor.
52
3.2 – Procedimentos e seleção dos excertos textuais para análise
A escolha do episódio teve como principal critério de seleção a
riqueza metafórica. Além disso, as metáforas presentes deveriam ser
parte essencial para a criação do humor, visto que este estudo propõe-se
investigar o humor expresso lingüisticamente. Este aspecto foi encontrado
mais vividamente no episódio The one with Rosss thing / Aquele da coisa
do Ross, que faz parte da 3ª temporada da série, exibida em 1997.
O passo seguinte foi transcrever as legendas apresentadas no
episódio em DVD, bem como as falas das personagens (Ver Anexos).
Num segundo momento, foi realizado o levantamento de expressões
lingüísticas metafóricas geradoras de humor presentes no texto alvo, ou
seja, nas legendas, e, quando possível, elas foram agrupadas para
análise de acordo com seus conceitos metafóricos subjacentes. Tal
procedimento permitiu observar os diferentes valores culturais envolvidos
no processo tradutório.
Tendo feito isso, foi iniciada então a análise, que consistiu na
comparação das traduções das metáforas apresentadas na legendação
do DVD e nas legendas retiradas do site
http://www.friendslegendas.cjb.net. Cabe observar que as legendas
provenientes da Internet são traduções realizadas por um grupo de
pessoas de forma independente e sem remuneração. As legendas são
disponibilizadas àqueles que baixaram episódios de Friends da Internet e,
por não dominarem a língua fonte, necessitam do texto das legendas
como instrumento de auxílio à compreensão da obra fílmica.
Inicialmente, foi observado qual procedimento de tradução foi
adotado com base no modelo descritivista de tradução de metáforas de
van den Broeck (1981) e na proposta de complementação desse modelo
apresentada por Toury (1995). Em um segundo momento, foram descritas
as opções de tradução apresentadas e suas possíveis implicações
53
levando em conta tanto as restrições técnicas da legendação quanto o
propósito humorístico do texto.
54
3.3 - Análise
Esta análise estabelece-se a partir das personagens centrais das
três histórias paralelas desenvolvidas no episódio e das respectivas
metáforas conceituais utilizadas por cada uma delas. Optou-se por esta
forma dada a pertinência do contexto e dos traços de cada personagem
para a percepção das metáforas e do humor.
3.3.1 – O humor metafórico no discurso da personagem Phoebe
O discurso desta personagem caracteriza-se por expressões
metafóricas derivadas de diferentes metáforas relacionadas ao amor. Os
casos analisados são predominantemente de metáforas convencionais.
3.3.1.1 - AMOR É UM JOGO
No episódio selecionado, o discurso da personagem Phoebe é
marcado pela presença de metáforas, sendo que a primeira a ser utilizada é
AMOR É UM JOGO. Ao ser questionada pelos amigos sobre o namoro com
dois rapazes concomitantemente, ela se posiciona como se estivesse em um
jogo no qual ela afirma jogar no meio de campo. A conversa reproduzida no
fragmento abaixo acontece depois que Phoebe apresenta um dos
namorados, Vince, para os amigos que se encontram na cafeteria Central
Perk. Após a saída do rapaz para o trabalho, desenrola-se o seguinte
diálogo entre Rachel, Phoebe e Joey.
55
Enunciado original:
Rachel: Wow, he’s cute, Pheebs! But I thought you just started dating that
kindergarten teacher.
Phoebe: Oh, Jason? Yeah, uh-huh, we’re seeing each other tonight.
Rachel: What Pheebs! Two dates in one day? That’s so unlike you.
Phoebe: I know, I know! I’m like playing the field. Y’Know? Like, juggling two
guys, Im sowing my wild oats. Y’know? Y’Know, this kind’ve like y’know
oat-sowing, field-playing juggler.
Joey: So Pheebs, do they know about each other?
Phoebe: Does a dog’s lips move when he reads?
(Joey makes an ‘I don’t know face’ and looks to Chandler and Rachel who are
also stumped)
Phoebe: Ok! No, they don’t.
Tradução para o DVD:
Rachel: Ele é uma graça. Mas não namora o professor?
Phoebe: Jason? Sim, vamos sair hoje.
Rachel: Ei, Pheebs? Dois encontros no mesmo dia? Nunca faz isso.
Phoebe: Eu sei. Estou no meio do campo. Driblando dois caras. Quero fazer
gol dos dois lados. É tipo driblar-para-marcar-de-qualquer-jeito.
Joey: Eles sabem um do outro?
Phoebe: Um cão mexe os lábios quando lê?
Phoebe: Não, não sabem.
Tradução para o site:
Rachel: Ele é uma gracinha. Mas eu achei que você tava namorando aquele
professor de maternal.
Phoebe: Jason? A gente vai se ver hoje à noite.
Rachel: O que Pheebs? Dois encontros em um dia? Isso não é você.
Phoebe: Eu sei. jogando no meio de campo. Tipo, driblando dois caras pra
ver quem faz gol primeiro. Sou tipo um driblador de meio de campo.
Joey: Eles sabem da existência de um e do outro?
Phoebe: Um cachorro move os lábios quando lê?
Phoebe: Não, eles não sabem.
56
Nesse excerto, as expressões lingüísticas metafóricas são
responsáveis para acentuar o caráter humorístico do fragmento, visto que
elas apresentam um plano de significação duplo, uma das condições básicas
para que uma mensagem apresente cunho humorístico (ALADRO, 2002).
Essa afirmativa se sustenta, na medida em que examinamos
cuidadosamente a explicação de Phoebe à amiga sobre os dois
relacionamentos simultâneos. Ao optar pelo enunciado metafórico, em vez
de simplesmente responder-lhe que está saindo com dois sujeitos ao mesmo
tempo, o efeito humorístico da situação fica evidenciado.
Ainda quanto ao desencadeamento do humor, observa-se que um
segundo momento em que ele se manifesta neste excerto. Após a
explicação metafórica de Phoebe a respeito de seus relacionamentos, Joey
indaga-lhe se os rapazes sabem um do outro. A esta pergunta Phoebe
responde: Um cão mexe os bios quando lê?/
Um cachorro move os lábios
quando lê?. Ao perceber que o enunciado é defeituoso na sua literalidade,
Joey (e provavelmente também o espectador) mostra-se surpreso e procura
por possíveis sentidos que lhe permitam compreender a asserção. Assim, o
efeito de humor é criado a partir do conflito entre a resposta esperada e a
resposta que é realmente fornecida pela personagem (ROSS, 1998).
Ademais, o discurso metafórico proporciona a criação de uma imagem
mental incongruente. Isso acontece em função da sobreposição de imagens
criadas pela metáfora, que permite planos múltiplos de significação
(ALADRO, 2002; ROSS, 1998).
É necessário, porém, enfatizar que a situação se torna engraçada não
apenas por intermédio do discurso lingüístico metafórico. Para que se
entenda o motivo de o trecho conter traços humorísticos, é fundamental
considerar, além do enunciado metafórico, a situação e os traços típicos de
cada personagem. A naturalidade na resposta de Phoebe diante da surpresa
de Rachel contribui para o caráter humorístico do excerto.
A sobreposição de aspectos como linguagem - nesse caso as
metáforas -, personagens e características da situação para a criação do
humor em sitcoms é mencionada por Ross (1998). Segundo a autora, o
57
humor em uma comédia de situação pode surgir a partir das possibilidades
cômicas de cada personagem que no caso de Phoebe é a estranheza de
suas respostas - e de sua interação na situação.
No que diz respeito à tradução do fragmento aqui apresentado,
observa-se que a referência metafórica à AMOR É UM JOGO está presente
no conjunto das duas traduções
20
(legendas do DVD e legendas retiradas do
site), porém com algumas diferenças de escolhas lexicais e de estilo que
podem afetar a compreensão local de cada um dos enunciados, conforme
pode ser observado a seguir
21
:
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
I know, I know! Im
like playing the
field.
Eu sei. Estou no
meio do campo.
Eu sei. jogando
no meio de campo.
DVD – substituição
Site – substituição
Like, juggling two
guys, I’m sowing
my wild oats.
Driblando dois
caras. Quero fazer
gol dos dois lados.
Tipo, driblando
dois caras pra ver
quem faz gol
primeiro.
DVD – substituição
Site – substituição
20
Apesar de intensa pesquisa, não foi possível obter o nome dos tradutores (DVD e
site). Como não menção no DVD ao legendador ou, pelo menos, à empresa
legendadora, contatou-se, inicialmente, a empresa Warner Bros na tentativa de
conseguir informações sobre a tradução dos episódios da série. Mesmo tendo feito
contato com vários de seus departamentos, nada foi obtido. Na seqüência, outras
empresas legendadoras como Videolar e Drei Marc foram contatadas também sem
sucesso. Por fim, em conversa com outros pesquisadores da série, descobriu-se
que a empresa legendadora de Friends era a CareWare. Ao contatá-la, o
responsável informou que os tradutores eram freelance e não constavam mais nos
arquivos da empresa. Além disso, enfatizou que os créditos são da empresa, não
da pessoa física. Quanto ao tradutor das legendas para o site, contatou-se o
endereço eletrônico disponibilizado na página. Ele pertencia à responsável pela
criação e manutenção do site. Inicialmente, ela informou que as traduções eram
realizadas por uma equipe de colaboradores sendo que, geralmente, cada membro
era responsável por uma temporada. Em um segundo contato, ao informá-la sobre
a temporada a qual pertence o episódio aqui analisado, ela afirmou que não era
possível identificar o tradutor, pois as temporadas iniciais tinham sido traduzidas há
cinco anos atrás e não havia registro do responsável pela tradução.
21
Cambridge Advanced Learner’s Dictionary, Cambridge International Dictionary of
English e Oxford Advanced Learner’s Dictionary foram os dicionários consultados
para a realização da análise da tradução dos dados deste estudo.
58
Continuação da tabela
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
Y’know? Y’Know,
this kind’ve like
y’know oat-sowing,
field-playing
juggler.
É tipo driblar-para-
marcar-de-
qualquer-jeito.
Sou tipo um
driblador de meio
de campo.
DVD – substituição
Site – substituição
Does a dog’s lips
move when he
reads?
Um cão mexe os
lábios quando lê?
Um cachorro move
os lábios quando
lê?
DVD stricto
sensu
Sitestricto sensu
Embora as duas traduções apontem para a metáfora AMOR É UM
JOGO, aquela disponibilizada no site apresenta indícios lingüísticos maiores,
como o próprio verbo jogar e a expressão driblador de meio de campo.
nas legendas do DVD, a solução tradutológica do legendador para
a expressão metafórica playing the field interfere na compreensão local.
Isoladamente, a frase Estou no meio do campo, o apaga a metáfora,
mas também modifica completamente o sentido da frase. Ao se pensar no
jogo de futebol brasileiro, por exemplo, estar no meio do campo e jogar no
meio de campo (escolha do site) possuem diferentes sentidos. No primeiro
caso, a referência é a um local, ou seja, a posição no gramado, enquanto o
segundo se refere à posição do jogador, cuja função é atacar ou defender.
Sendo assim, parece que a idéia de estar envolvido com mais de um
parceiro(a) expressa pelas duas expressões metafóricas playing the field e
sowing the wild oats do texto fonte está mais presente na escolha do
legendador do site. A metáfora AMOR É UM JOGO é mantida na tradução
para o DVD, porque reincidência da mesma metáfora no decorrer do
diálogo, o que de certa forma anula o sentido de meio do campo como lugar
onde se está.
Outro aspecto a ser observado é que na tradução do DVD, Phoebe
quer fazer gol dos dois lados. Na tradução do site, um dos caras vai fazer o
gol primeiro. Esta diferença na opção tradutória afeta a compreensão e o
59
sentido locais, pois a expressão querer fazer gol dos dois lados aponta para
uma relação descompromissada e simultânea com duas pessoas. Por outro
lado, a expressão driblar dois caras pra ver quem faz gol primeiro parece
incoerente com o contexto global. Essa alternativa pode indicar uma
possibilidade de a personagem escolher um dos rapazes.
Independentemente das opções tradutórias adotadas, a compreensão
global da situação parece não ter sofrido alterações substanciais, pois a
metáfora AMOR É UM JOGO subjaz às duas traduções, além de fazer parte
do sistema conceitual de amor também na cultura alvo.
Como o sistema conceitual humano emerge a partir de sua
experiência no contexto cultural em que vive (LAKOFF; JOHNSON, 2002), o
aspecto cultural subjacente à metáfora AMOR É UM JOGO parece não criar
obstáculos à compreensão, visto que o jogo de futebol é um esporte
mundialmente conhecido, especialmente na cultura brasileira, que é o alvo
dessas legendas.
A opção pela metáfora conceitual
AMOR É UM JOGO parece ter
contribuído para a manutenção do cunho humorístico entre os falantes da
língua alvo. Ao utilizar como estratégia
22
de tradução a substituição exceto
para a expressão Does a dog’s lips move when he reads? -, os
legendadores
23
A e B mantiveram o caráter humorístico do fragmento,
principalmente porque a decisão tradutória de ambos apresenta uma
referência cultural jogo de futebol que é compartilhada por membros de
todas as idades e regiões do Brasil. Em um país o vasto como o Brasil, a
busca por um referente cultural o menos restrito possível é fundamental, pois
no âmbito de cada cultura nacional sempre haverá sentidos diferentes de
humor e diferentes meios de expressá-lo, dependendo das camadas sociais
e das diferenças regionais (PROPP, 1992).
Quanto ao estilo discursivo adotado por cada tradutor, observa-se que
o segundo (site) procurou aproximar-se mais da oralidade, optando,
22
É importante lembrar que essa análise observará as estratégias de tradução
apenas das metáforas.
23
Sempre que for mencionado legendador A e legendador B, a menção será ao
legendador para o DVD e ao do site respectivamente.
60
inclusive, por registros informais como , enquanto o primeiro (DVD)
procurou ficar mais próximo da escrita.
Ao optar por um registro informal, o legendador para o site permitiu a
economia de caracteres, uma das restrições técnicas da legendação que
pode causar dificuldades à tarefa do tradutor, especialmente quando as falas
são muito densas. A densidade pode decorrer do fato de a fala não
necessariamente acompanhar a escrita e normalmente se apresentar de
forma redundante, pois normalmente falamos mais do que escrevemos
(ARAÚJO, 2002). Em razão disso, a questão do restrito espaço na tela exige
que o tradutor busque alternativas de condensação do discurso, sem
prejudicar o conteúdo da mensagem.
o legendador para o DVD optou por estou em vez de . Embora o
registro tô seja bastante usual na oralidade e é uma opção que propicia a
economia de caracteres, parece que ainda não é uma alternativa muito
utilizada por boa parcela de legendadores. É provável que isso aconteça
devido ao fato de que a inserção de um registro informal na legenda (código
escrito) pode não ser muito bem aceita por espectadores letrados, visto que
a escrita pode adquirir um valor social superior à oralidade, dependendo das
convicções sociais de uma dada sociedade (MARCUSCHI, 2007).
Neste episódio, a busca dos legendadores por soluções
tradutológicas para enunciados metafóricos permanece. A imprevisibilidade
característica da personagem Phoebe se reflete nas diferentes
representações sobre sua experiência amorosa que surgem no decorrer do
episódio. Para descrever suas emoções, ela faz uso de diferentes metáforas.
No desenvolvimento da trama, o amor passa a ser concebido como loucura.
3.3.1.2 - AMOR É LOUCURA
Conforme já foi mencionado brevemente na seção anterior, a visão da
personagem Phoebe acerca do amor muda. O advento de uma mudança de
61
perspectiva pode ser observado inicialmente no excerto a seguir, por meio
do qual é possível notar que a personagem demonstra sentir-se
desconfortável diante da possibilidade de ser descoberta por um dos
parceiros sobre seus dois relacionamentos simultâneos. A personagem se
sente “enlouquecida” e afirma não suportar mais a situação. Neste momento,
Phoebe passa a compreender sua relação amorosa como loucura. Embora a
situação torne-se enlouquecedora em razão do conflito da personagem em
ser descoberta por um dos sujeitos e não em decorrência do sentimento de
amor, considerou-se a metáfora AMOR É LOUCURA, pois a expressão
metafórica it’s making me crazy utilizada por Phoebe - enquadra-se no
grupo de expressões consideradas por Lakoff e Johnson (2002)
manifestações da metáfora conceitual AMOR É LOUCURA.
Enunciado original:
Phoebe: (entering with Rachel) and I - I can't take it! Y'know? I'm just always
afraid one of them is gonna catch me with the other one. It's making me
crazy.
Rachel: Well honey, then why don't you break up with one of them?
Tradução para o DVD:
Phoebe: Não agüento mais! Temo que um deles me pegue com o outro. Estou
enlouquecendo.
Rachel: Por que não desmancha com um?
Tradução para o site:
Phoebe: ...eu não agüento mais! Estou sempre com medo de um dos dois me
pegar com o outro. Estou enlouquecendo.
Rachel: Então por que você não termina com um deles?
Para que se perceba o efeito de humor no excerto apresentado, é
preciso considerar o seu vínculo com o contexto anterior no qual Phoebe
conceitualiza o amor como um jogo e revela-se confortável nessa situação.
Entretanto, há uma inversão no seu comportamento que se desvela por
62
intermédio do seu discurso metafórico do excerto acima. Isso ocasiona uma
quebra de expectativa e surpresa na audiência que, por sua vez, produz o
humor. Além disso, o efeito humorístico pode ser associado à personalidade
específica da personagem Phoebe, cujas atitudes e respostas costumam
não ser triviais. Assim, o humor é explorado com base na estranheza de
suas respostas (ROSS, 1998).
Quanto aos aspectos tradutológicos, as duas traduções analisadas
mantêm a metáfora conceitual O AMOR É LOUCURA, visto que os dois
legendadores, por meio do procedimento stricto sensu, mantiveram a
expressão metafórica It’s making me crazy, guardadas as diferenças na
organização sintática de cada um dos sistemas lingüísticos envolvidos
24
.
É interessante observar que aparecem outras duas expressões
metafóricas no mesmo fragmento (I'm just always afraid one of them is
gonna catch me with the other one. / then why don't you break up with one of
them?). Embora elas não sejam manifestações da metáfora AMOR É
LOUCURA, ambas contribuem para ilustrar que discursos acerca das
emoções são compreendidos metaforicamente (LAKOFF, 1993).
Quanto à estratégia de tradução utilizada pelos legendadores nas
duas expressões acima mencionadas, ambos valeram-se do procedimento
stricto sensu na primeira delas (I'm just always afraid one of them is gonna
catch me with the other one.). No caso da expressão Well honey, then why
don't you break up with one of them?, o legendador A empregou a estratégia
stricto sensu, ao passo que o legendador B optou pela paráfrase.
Retomando a trama, a personagem Phoebe sente-se desconfortável
em manter dois relacionamentos simultâneos. O desconforto é tanto que o
jogo do amor, antes agradável, transformou-se em loucura. Para descrever
uma nova face do seu quadro emocional, Phoebe recorre a metáfora AMOR
É TRABALHO.
24
Ressalta-se que, nesta pesquisa, consideram-se os procedimentos de tradução
das metáforas selecionadas. Não se discutem questões de ordem sintática relativas
às línguas envolvidas. No caso do exemplo “It´s making me crazy”, a metáfora
convencional se situa no emprego da expressão “crazy”, mantida nas duas
traduções analisadas.
63
3.3.1.3 - AMOR É TRABALHO
Depois que a personagem Phoebe, por alguns instantes, concebe o
amor como loucura, chega o momento em que ela o apresenta sob uma
nova concepção. Essa segunda percepção é mostrada no excerto a seguir,
a partir do qual pode-se observar que o amor deixa de ser loucura e passa a
ser trabalho.
Após Phoebe ter mencionado a sua apreensão em ser descoberta por
um dos dois namorados, seu amigo Joey faz a seguinte indagação.
Enunciado original:
Joey: What ah, what happened to playing the field?
Phoebe: Well, it just, it doesn’t feel like playing anymore. It feels like work. I’m
like working in the field.
Tradução para o DVD:
Joey: Não vai mais jogar no meio do campo?
Phoebe: Não parece mais um jogo. Parece que estou trabalhando.
Tradução para o site:
Joey: O que aconteceu com o lance de jogar no meio de campo?
Phoebe: É que não parece que estou jogando... parece trabalho. É como se eu
estivesse trabalhando no campo.
Essa mudança no discurso metafórico da personagem corrobora as
teorias cognitivistas de metáfora cujos aportes teóricos baseiam-se na
premissa que nosso sistema conceitual é metafórico por natureza. Ademais,
as metáforas estruturam a maneira como percebemos, pensamos e agimos
(LAKOFF, JOHNSON, 2002).
No intuito de descrever ao amigo, de forma compreensível, suas
emoções diante de sua experiência, a personagem utiliza uma metáfora
nova. A metaforicidade da frase I’m like working in the field é dada pelo
64
contexto, o qual se refere ao quadro emocional da personagem e não à sua
área de atuação – uma experiência concreta.
Na primeira situação vivenciada por Phoebe, o amor é visto por ela
como algo divertido e descompromissado. Para ilustrar essa forma de
perceber a realidade, ela fez uso de expressões metafóricas que
transmitissem essa idéia abstrata, como, por exemplo, playing the field /
sowing wild oats. Entretanto, em um momento posterior, ao utilizar-se da
metáfora, AMOR É TRABALHO, emergem outras implicações acerca de sua
experiência.
Com base em nosso contexto cultural e experiências pessoais, temos
ciência de que trabalho envolve disciplina, cooperação, sacrifícios e,
sobretudo, compromisso – valor ausente no momento em que a personagem
descrevia sua relação como playing the field. Estes são possíveis
mapeamentos a serem realizados quando a personagem utiliza a nova
metáfora e que contribuem para transmitir uma idéia abstrata.
Além de elucidar a maneira como Phoebe concebe o amor naquele
determinado momento, a utilização de metáfora nova também contribui para
acentuar o caráter humorístico da série. Como o seu uso ainda não está
convencionalizado, a incongruência entre o literal e o metafórico é mais
saliente e, conseqüentemente, pode gerar surpresa no espectador. É claro
que, também, é preciso considerar outros aspectos envolvidos na criação do
humor audiovisual como o contexto, a imagem, as características da
personagem e, até mesmo, a predisposição do espectador ao riso, visto que
o humor apela à conivência e à cumplicidade do público (EVRARD, 1996).
É pertinente observar que a compreensão da metáfora nova utilizada
pela personagem ocorre não apenas com base no mapeamento das
características do domínio de trabalho, mas também pela sua oposição com
a metáfora convencional (playing the field) utilizada anteriormente. Ao servir-
se da expressão playing the field, no texto fonte, a personagem acentuou a
questão do descompromisso que, em um momento posterior, leva o
telespectador a mapear compromisso do domínio de trabalho.
65
A opção da personagem de criar uma metáfora nova a partir de uma
convencional empregada anteriormente na mesma sessão de diálogo
conduz o espectador para a mudança na experiência emocional da
personagem.
Consideremos, agora, os procedimentos de tradução adotados para
as expressões lingüísticas metafóricas presentes no excerto onde emerge a
metáfora AMOR É TRABALHO.
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
What ah, what
happened to
playing the field?
Não vai mais jogar
no meio do
campo?
O que aconteceu
com o lance de
jogar no meio de
campo?
DVD– substituição
Site – substituição
Well, it just, it
doesn’t feel like
playing anymore.
Não parece mais
um jogo.
É que não parece
que estou
jogando...
DVD stricto
sensu
Site - stricto sensu
It feels like work. Parece que estou
trabalhando.
Parece trabalho. DVD stricto
sensu
Site - stricto sensu
I’m like working in
the field.
É como se eu
estivesse
trabalhando no
campo.
DVD omissão da
metáfora.
Site - stricto sensu
Observa-se a predominância da estratégia stricto sensu. A
substituição apenas é utilizada na expressão metafórica playing the field
para manter a coerência com o enunciado anterior onde ela aparece pela
primeira vez e, também, é substituída. Há, ainda, um terceiro procedimento,
omissão da metáfora, utilizado pelo legendador A. A expressão metafórica
I’m like working in the field não possui uma expressão correspondente direta
66
no texto alvo
25
. Cabe salientar que essa solução apagou apenas a
expressão metafórica, mas não a metáfora conceitual subjacente, que foi
mantida no conjunto do diálogo.
No caso destas expressões metafóricas, embora os dois
legendadores tenham utilizado praticamente as mesmas estratégias de
tradução (exceto omissão da metáfora), a questão do número de caracteres
vale ser observada. O legendador para o site utiliza uma quantidade superior
ao legendador do DVD. um caso (1ª linha da tabela anterior) em que o
número de caracteres ultrapassa inclusive os do enunciado original. Isso
pode ser problemático para a audiência na medida em que exigirá mais
tempo de leitura e, por conseguinte, poderá afetar o acompanhamento das
demais linguagens estéticas da obra cinematográfica. As legendas precisam
ser breves e de leitura simples para não demandarem mais atenção visual e
cognitiva do que a estritamente necessária (CARVALHO, 2005).
Voltando ao contexto do episódio, tudo indica que haverá uma
mudança de atitude da personagem Phoebe, pois ela está incomodada com
sua experiência. Esta modificação será analisada no decorrer da próxima
seção sob o olhar de uma nova metáfora: AMOR É MATEMÁTICA.
3.3.1.4 - AMOR É MATEMÁTICA
Estimulada pela amiga Rachel, Phoebe decide escolher um dos dois
rapazes e encerrar o relacionamento com o outro a fim de acabar com o
desconforto e os riscos de relacionar-se com duas pessoas ao mesmo
tempo. Como ela precisa de algum critério para fazer a escolha, começa a
contabilizar as vantagens de cada um dos rapazes, conforme pode ser
observado no seguinte excerto. Nesse momento emerge outra metáfora no
seu discurso: AMOR É MATEMÁTICA.
25
Como se trata de investigação no âmbito da legendação, considerou-se cada
trecho (legenda) para a realização da análise.
67
Enunciado original:
Monica: Yeah. Which one do you like more?
Phoebe: Well, Vince is great, y'know `cause, he's like a guy, guy. Y'know? He's
so burly, he's sooo very burly.
Joey: Okay, good, so there you go. Go with Vince.
Phoebe: Yeah, but Jason's really sensitive.
Chandler: Well sensitive is important, pick him.
Phoebe: Yeah.
Joey: Oh sure, go with the sissy.
Phoebe: Jason is not a sissy!
Joey: Oh no-no-no-no, I meant Chandler.
Tradução para o DVD:
Monica: Escolha um. De qual deles gosta mais?
Phoebe: Vince é incrível, porque tem mais tipo de homem. Ele é muito forte. É
super-troncudo.
Joey: Certo. Então, fique com Vince.
Phoebe: Mas Jason é muito sensível.
Chandler: Isso é importante. Fique com ele.
Joey: Claro, vá atrás do mariquinha.
Phoebe: Jason não é mariquinha!
Joey: Estava falando de Chandler.
Tradução para o site:
Monica: Escolha um deles. Qual deles você gosta mais?
Phoebe: Vince é ótimo, porque ele é o tipo de homem homem. Ele é tão
gostoso ele é tãooo muito gostoso.
Joey: Que bom, então aí está. Fique com Vince.
Phoebe: É, mas Jason é sensível.
Chandler: Sensibilidade é importante, escolha ele.
Joey: Claro, vá com o maricas.
Phoebe: Jason não é maricas!
Joey: Não, tava falando do Chandler.
68
Embora, no trecho anterior, não haja expressões metafóricas
derivadas diretamente da metáfora AMOR É MATEMÁTICA, é possível
observar o seu surgimento, ainda que indireto, por meio da contagem das
qualidades de cada rapaz. Por outro lado, o diálogo é permeado por
metáforas convencionais para descrever os dois moços, as quais permitem
que Phoebe expresse mais claramente a sua idéia acerca de cada um. As
metáforas ajudam a capturar a sua experiência mais vividamente, que, ao
utilizá-las, a personagem consegue transmitir imagens mais vívidas e
detalhadas de sua “avaliação” subjetiva sobre os rapazes do que por meio
da linguagem literal (GIBBS, 1994).
Ao reportar-se a Vince, a personagem afirma: Vince is great, y'know
`cause he's like a guy, guy. Ao utilizar a expressão metafórica He’s like a guy
guy, por exemplo, é provável que ela evoque várias imagens mentais no
telespectador fornecendo nuances que dificilmente seriam transmitidas de
outra forma.
Por outro lado, as variadas nuances transmitidas através do uso de
uma linguagem metafórica podem criar múltiplos planos de significação que,
por sua vez, podem criar o humor, dependendo da experiência de cada
espectador.
O efeito de humor, no excerto anterior, apresenta-se de forma
gradativa. Ele inicia com a descrição física metafórica do primeiro rapaz,
Vince, que pode suscitar sentidos cômicos ou não, dependendo do público.
Depois, o efeito continua quando Phoebe afirma que o outro rapaz, Jason, é
sensível e Joey associa tal característica à homossexualidade. E, por último,
o efeito humorístico culmina com o elemento surpresa. O discurso está
organizado de forma que o espectador acredite que Joey esteja se referindo
ao rapaz descrito Vince - ao dizer Oh sure, go with the sissy e então
uma quebra de expectativa quando ele afirma Oh no-no-no-no, I meant
Chandler. É claro que, além do recurso lingüístico, é preciso considerar
também os demais aspectos envolvidos no humor televisivo, sobretudo a
imagem.
69
pelo viés da tradução, a percepção das metáforas bem como as
decisões tradutórias do legendador também podem afetar o efeito
humorístico. Descreveremos suas escolhas observando o seguinte quadro:
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
Well, Vince is
great, y'know
`cause, he's like a
guy, guy.
Vince é incrível,
porque tem mais
tipo de homem.
Vince é ótimo,
porque ele é o tipo
de homem
homem.
DVD– substituição
Site – stricto sensu
Y'know? He's so
burly, he's sooo
very burly.
Ele é muito forte.
É super-troncudo.
Ele é tão gostoso
ele é tãooo muito
gostoso.
DVD –
Ausência de
metáfora fonte e
alvo
Site não
metáfora em
metáfora
Oh sure, go with
the sissy.
Claro, atrás do
mariquinha.
Claro, vá com o
maricas.
DVD Stricto
sensu
Site - Stricto
sensu
Jason is not a
sissy!
Jason não é
mariquinha!
Jason não é
maricas!
DVD Stricto
sensu
Site - Stricto sensu
Com base na tabela acima, pode-se observar que a estratégia
predominante foi a stricto sensu, seguida de uma substituição e de uma não
metáfora em metáfora. Esta última foi utilizada para a fala he's so burly, he's
sooo very burly pelo legendador para o site. Embora gostoso não seja um
correspondente direto de burly, o termo, de certa forma, faz menção aos
atributos físicos sugeridos por burly. o legendador para o DVD manteve a
conotação não metafórica forte/troncudo, porém eliminou os intensificadores
sooo very, importantes para o contexto global.
70
Ainda em relação às estratégias anteriormente apresentadas, outra
escolha tradutológica merece reflexão: maricas/mariquinhas. Embora exista
equivalência semântica entre o termo sissy e as escolhas
maricas/mariquinhas, parece-me que alternativas como fruta ou frufru
poderiam contemplar outros aspectos. No que concerne à questão da
contemporaneidade, os termos fruta ou frufru são mais usuais e recentes,
especialmente entre o público mais jovem que é o espectador alvo da série
Friends. Além disso, a opção por frufru, além de economizar caracteres,
reproduziria de forma análoga a musicalidade criada pela aliteração de sissy.
Tecidas as considerações acerca do excerto que introduz a metáfora
AMOR É MATEMÁTICA, passaremos agora a um segundo momento do
discurso de Phoebe que continuidade à sua tomada de decisão sobre
qual rapaz será dispensado.
No fragmento anterior, a personagem apenas faz um levantamento
das qualidades de cada rapaz, porém não apresenta sua decisão. No
excerto abaixo, Phoebe explicita que decidiu terminar o relacionamento com
Vince, apesar de seus atributos físicos.
Enunciado original:
Phoebe: All right. I gotta go. I have to break up with Vince.
Chandler: Oh, so you’re going with the teacher, huh?
Phoebe: Yeah, I like Vince a lot, y'know? But, it’s just Jason’s so sensitive,
y'know? And in the long run, I think sensitive it’s just better than having
just like a really, really, really nice (pause) body. (Her eyes glaze over
thinking about the body.) (pause) Jason! Definitely Jason! Okay, wish me
luck!
All: Good luck!
Tradução para o DVD:
Phoebe: Preciso ir. Vou desmanchar com Vince.
Chandler: Vai ficar com o professor?
Phoebe: Sim, gosto muito do Vince. Mas Jason é tão sensível. Creio que a
sensibilidade é melhor do que ter um corpo super, super gostoso.
71
Definitivamente, Jason! Me desejem sorte.
Todos: Boa sorte.
Tradução para o site:
Phoebe: Tá legal. Tenho que ir. Tenho que terminar com Vince.
Chandler: Então você vai ficar com o professor?
Phoebe: Eu gosto muito do Vince. Mas, é que o Jason é tão sensível. E a
longo tempo, eu acho que sensibilidade é melhor do que ter um corpo
super, super, super gostoso. Jason! Definitivamente, Jason! Desejem-me
sorte!
(Omissão da resposta dos amigos nessa tradução)
Nesta passagem, similarmente ao excerto anterior, não
expressões lingüísticas metafóricas diretas que apontem para a concepção
AMOR É MATEMÁTICA. Entretanto, a maneira como a personagem realiza
a escolha dos rapazes por meio de um raciocínio lógico e objetivo não
introduz esta perspectiva metafórica, mas também reflete a forma de
conceber sua experiência.
Quanto ao desencadeamento do humor, este se através da
retomada metafórica das qualidades de cada rapaz. No entanto, é
conveniente mencionar que sem a imagem, a situação e, especialmente, o
caráter cômico da personagem Phoebe, o efeito humorístico pode tornar-se
quase imperceptível (Ver episódio anexado ao final desta dissertação). Cabe
salientar que o humor televisivo pode envolver não somente elementos
lingüísticos isolados. Conforme Ross (1998), em sitcoms, uma das
variedades de comédia televisiva, o humor advém das possibilidades
cômicas de cada tipo específico de personagem e da interação entre os
personagens.
Ainda no que diz respeito ao caráter metafórico do excerto, os
tradutores tomaram decisões diferentes em relação à metáfora convencional
break up que aparece no texto fonte. O legendador A optou pela estratégia
stricto sensu desmanchar -, enquanto que o legendador B escolheu a
paráfrase e traduziu como terminar.
72
Voltando ao enredo do episódio, vimos, no excerto previamente
analisado, que Phoebe decidiu, por meio de uma escolha lógica, terminar
com Vince, pois segundo a personagem ele não era sensível. Porém, para
sua surpresa, ela se depara com um homem sensível. A revelação desta
sensibilidade desconhecida pela personagem vem à tona exatamente no
momento em que ela tenta romper o relacionamento com Vince. Ele afirma
que não quer conversar sobre o assunto, mas irá escrever sobre isso no seu
diário. Além disso, em um diálogo posterior, Phoebe revela aos amigos que
Vince, além de manter o diário, também pinta. Diante dessa situação, ela
não termina o relacionamento, e o impasse continua.
Perante o questionamento da amiga Monica - sobre a possibilidade
de romper o namoro com o outro rapaz, Jason, Phoebe faz uma nova
apuração de qualidades, conforme pode ser observado no excerto a seguir.
Enunciado original:
Monica: So then, are you going to dump Jason?
Phoebe: Well, yeah, because I have to break up with someone, and, Okay so
Jason is sensitive, (holds up one finger) but now so’s Vince (holds up one
finger on her other hand) Plus, Vince has the body y'know? (holds up two
more fingers on the Vince side) So, It’s really just about the math.
Tradução para o DVD:
Monica: Vai desmanchar com Jason?
Phoebe: Preciso desmanchar com alguém. Jason é sensível, mas Vince
também é. Depois, Vince tem um corpo maravilhoso, então... é uma
questão de matemática.
Tradução para o site:
Monica: Você vai terminar com Jason?
Phoebe: Porque eu tenho que terminar com alguém, e...Então Jason é
sensível, mas agora Vince também é... Mais, Vince tem um corpaço.
Então... é só uma questão de matemática.
73
Neste fragmento, os indícios de que a personagem concebe o amor
como matemática estão presentes não apenas no discurso oral, mas
também nas imagens. Na medida em que Phoebe menciona as qualidades
de cada rapaz, ela as registra por meio de uma contagem utilizando os
dedos das mãos.
Na situação descrita, observa-se o que Lakoff (1993) denomina
metáfora imagética. A utilização da imagem da mão, cujos dedos registram
os atributos físicos, ajudam a refletir a concepção metafórica de Phoebe
acerca de sua experiência. Cada mão representa um dos rapazes, e os
dedos são a ferramenta de contagem matemática e lógica. Assim,
conceitualizamos e entendemos sua situação diante dos dois
relacionamentos simultâneos em termos de nossa compreensão a respeito
da lógica matemática.
Neste excerto, a conceitualização do amor como matemática fica
evidente. Além da metáfora imagética, aparecem também evidências
lingüísticas. O termo plus / mais que, na língua fonte, remete diretamente ao
campo semântico da operação matemática adição. Por fim, para representar
explicitamente sua concepção lógica e objetiva do amor, Phoebe declara
que sua escolha por um dos rapazes é simplesmente uma questão de
matemática: So, It’s really just about the math.
Quanto ao desenvolvimento humorístico, este ocorre com base na
incongruência. Porém, a incongruência do trecho não se constitui
lingüisticamente, mas sim conceitualmente, isto é, a concepção do amor
como um sentimento lógico e objetivo pode gerar certa surpresa para o
espectador que usualmente se depara com concepções subjetivas,
emocionais. A incongruência ganha corpo e presença com a metáfora
imagética das mãos e culmina com a declaração final So, It’s really just
about the math. Desse modo, o humor é criado a partir do conflito entre a
concepção subjetiva de amor, que é esperada pelo espectador, e a
concepção lógica/atitude racional, que realmente é revelada pelo discurso
metafórico.
74
Como se trata de humor no meio televisivo, devem-se considerar
também outros elementos. O contexto e o potencial cômico da personagem
Phoebe ajudam a completar o quadro humorístico, mas também é preciso
que haja cumplicidade do espectador, isto é, que seu gosto pessoal aprecie
a situação como cômica (ROSS, 1998).
Quanto às estratégias de tradução das metáforas, as escolhas dos
legendadores serão descritas a partir do quadro abaixo.
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
So then, are you
going to dump
Jason?
Vai desmanchar
com Jason?
Você vai terminar
com Jason?
DVD– substituição
Site – paráfrase
Well, yeah,
because I have to
break up with
someone
Preciso
desmanchar com
alguém.
Porque eu tenho
que terminar com
alguém e, ...
DVD stricto
sensu
Site - paráfrase
So, It’s really just
about the math.
então... é uma
questão de
matemática.
Então... é uma
questão de
matemática.
DVD stricto
sensu
Sitestricto sensu
Em termos de implicações, duas escolhas em especial
(desmanchar/terminar) merecem ser observadas. O legendador A utilizou
desmanchar e o legendador B usou terminar tanto para break up quanto
para dump no texto fonte. Estas expressões possuem um sentido análogo
na língua fonte, mas com características de uso e comportamento distintas.
Além de break up ser mais recorrente, parece ser uma escolha lexical mais
branda que dump. E essas peculiaridades foram apagadas com a escolha
tradutória apresentada.
A finalidade do exposto no parágrafo anterior não é criticar as
escolhas dos legendadores, mas sim promover reflexão sobre tradução de
metáforas convencionais (expressões idiomáticas) sob um prisma
cognitivista. A utilização de dump ou break up não é arbitrária e representa
75
um comportamento que privilegia um sentido em detrimento de outro.
uma motivação para a escolha, que está associada a uma imagem mental
convencional (GIBBS, 1994). A imagem que se tem de dump é deixar
algo/alguém sem se importar enquanto break up sugere apenas o término de
uma condição ou situação.
Em face do exposto, é possível afirmar que traduzir metáforas,
mesmo as convencionais, envolve compreender as imagens mentais que
elas evocam bem como o funcionamento delas dentro das culturas.
3.3.2 - O discurso metafórico da personagem Rachel
No discurso de Rachel, as expressões metafóricas analisadas são
manifestações da metáfora CASAMENTO É UM NEGÓCIO. Quanto ao tipo,
a maioria das expressões metafóricas se enquadram como convencionais.
3.3.2.1 – CASAMENTO É UM NEGÓCIO
Esta metáfora surge no seguinte contexto: o namorado de Monica
está viajando e, por telefone, lhe diz que precisam conversar sobre “algo
bom”. Na seqüência, durante uma visita à casa dele, Joey encontra o
rascunho de um pagamento no valor de U$ 50.000,00 a um desenhista, que
Rachel supõe
26
ser de anéis. A partir dessas informações, Rachel deduz que
a conversa surpresa que o namorado quer ter com sua amiga Monica é
sobre o pedido de casamento. Então, ela inicia o planejamento do
casamento, conforme pode ser observado no diálogo a seguir.
26
Utiliza-se o verbo supõe, pois no enunciado da língua fonte, a personagem ainda
não tem informações suficientes para saber o sentido exato do vocábulo ring, em
virtude do seu caráter polissêmico.
76
Enunciado original:
[Monica and Rachel are returning from Pete’s house.]
Rachel: Mon you definitely have to make it a theme wedding, and the theme
could be, "Look how much money we’ve got!" Y'know, I mean you could
put, you could put money in-in the invitations! You-you could have like
little money place settings. And ah, you could start with a money salad! I
mean it’ll be dry, but people will like it.
Tradução para o DVD:
Rachel: Precisa de um tema para o casamento. Que tal... "Veja quanto
dinheiro temos!" Pode pôr dinheiro nos convites... nas toalhas de mesa e
servir salada de dinheiro. Ficará seca, mas os convidados vão gostar.
Tradução para o site:
Rachel: Mon você devia fazer um casamento com motivo, e o motivo devia ser:
"Olha quanto dinheiro nós temos!" Vocês podiam colocar dinheiro nos
convites! Vocês podiam colocar dinheiro como guardanapo. Vocês
podiam começar com uma salada de dinheiro! Quero dizer, ia ficar meio
seca, mas as pessoas iam adorar.
Observa-se, no trecho, que a personagem Rachel aborda todos os
aspectos envolvidos em um casamento como tema, decoração, convites,
cardápio de forma a criar uma metáfora imagética, cujo veículo é o dinheiro.
Por um lado, parece que esta metáfora não se identifica com a cultura
fonte, pois Gibbs (1994), ao mencionar as metáforas utilizadas pelos
americanos para se referir ao casamento, explica que um exame de várias
horas de discurso revelou apenas oito classes de metáforas utilizadas por
americanos ao descrever esta situação. São elas: metáforas de
compartilhamento (Para mim, o casamento é uma parceria), metáforas de
durabilidade (É o sentimento de confiança que temos um no outro que nos
mantêm juntos), metáforas de benefício mútuo (O casamento é uma coisa
boa para nós dois), metáforas de compatibilidade (A melhor coisa no nosso
casamento é que nos encaixamos bem), metáforas de esforço (Ela trabalha
mais que eu no nosso casamento), metáforas de dificuldade (Aquela foi uma
77
das piores barreiras que superamos), metáforas de sucesso ou fracasso
(Nós sabíamos que estava funcionando) e metáforas de risco (O casamento
está em dificuldades). Segundo o autor, essas oito classes de metáforas
refletem os elementos conceituais que juntos definem o modelo de
casamento americano. Eles esperam, por exemplo, que o casamento seja
compartilhado, mutuamente benéfico e duradouro. No entanto, ao se
considerar a metáfora presente no excerto analisado, é possível notar que o
casamento é apresentado como benéfico apenas para uma das partes. É
importante apontar que tal benefício pode ser interpretado apenas pelo viés
financeiro, visto que a personagem não menciona sentimentos.
Por outro lado, é possível perceber, de forma subjacente, os valores
de uma sociedade materialista e de consumo no discurso metafórico da
personagem. Historicamente, tais valores da cultura fonte surgiram com o
puritanismo, que considerava o trabalho como uma forma de agradar a Deus
que, por sua vez, lhes recompensaria com uma vida próspera,
principalmente em termos financeiros. Pregando a busca pelo sucesso
material, o puritanismo se difundiu no território norte-americano, a ponto de
influenciar o modo de vida da sociedade e, conseqüentemente, seus valores.
Ao se pensar na tradução, pode-se dizer que os valores presentes no
excerto fonte não se identificam totalmente com os da cultura alvo. É claro
que o consumismo tem se estabelecido também no Brasil, sobretudo em
decorrência da globalização, porém o materialismo é incompatível com o
cristianismo, predominante na cultura brasileira. Em muitos casos, no Brasil,
os indivíduos o induzidos a comportar-se de tal forma que o consumismo
aparece como uma figuração de cidadania, uma forma de se sociabilizar
(IANNI, 2000). na cultura norte-americana o consumismo constitui-se um
elemento para a busca da felicidade.
Diante do quadro sócio-cultural anteriormente exposto, é provável que
o efeito humorístico possa ter sido diferente ao ser traduzido para a cultura
alvo em função dos valores distintos. Esta relação de interdependência entre
o humor e o contexto sócio-cultural torna o valor humorístico ainda mais
instável e relativo (EVRARD, 1996).
78
Neste excerto, o humor advém, sob o ponto de vista semântico, da
ruptura causada pelo uso da metáfora imagética CASAMENTO É UM
NEGÓCIO. A metáfora não está nas expressões lingüísticas, mas na
imagem mental que elas criam. A imagem do cenário do casamento, cuja
decoração, convites e alimentos são associados à imagem de cédulas,
rompe com as evidências socialmente compartilhadas de que o casamento é
baseado em afeto.
Em relação ao aspecto tradutológico do excerto, tanto o legendador A
quanto o B utilizaram o procedimento stricto sensu, se considerarmos a
tradução da metáfora imagética. Lingüisticamente, houve diferenças de
escolha apenas na fala You-you could have like little money place settings
que foi substituída por Pode r dinheiro [...] nas toalhas de mesa no DVD e
por Vocês podiam colocar dinheiro como guardanapo no site. Entretanto, a
substituição de tais detalhes, não modificou a imagem global.
A visão materialista acerca do casamento continua na seqüência do
episódio. Monica afirma não saber se Pete irá lhe propor o casamento de
fato, que eles têm um relacionamento muito recente. Enquanto os amigos
opinam em relação à possibilidade de casar e ponderam sobre o sentimento
existente na relação do casal, Rachel surpreende-os com o seguinte
comentário.
Enunciado original:
Rachel: Pete gets down on his knee and pulls out that pumpkin-sized diamond
ring.
Tradução para o DVD:
Rachel: Pete vai se ajoelhar e tirar um anel com um diamante
enorme...
Tradução para o site:
Omissão desta fala.
79
Nesta fala, aparece uma expressão metafórica pumpkin-sized
diamond ring que ajuda a reforçar o materialismo característico da cultura
fonte. Quanto à sua tradução, o legendador A optou pela paráfrase, ao
passo que o legendador B empregou a omissão da metáfora.
Em relação ao desenvolvimento do humor, este acontece com base
no elemento surpresa. Em outras palavras, os amigos e, conseqüentemente,
a audiência, são surpreendidos pelo comentário não esperado de Rachel,
isto é, seu destaque para um aspecto o sentimental, um enfoque oposto
ao dos demais amigos de Monica.
Uma situação similar em termos de desencadeamento do humor
ocorre no excerto subseqüente. Enquanto os amigos estão discutindo outros
assuntos, Rachel exclama:
Enunciado original:
Rachel: OH MY GOD!!! (She holds her hands up in triumph and the gang all
look at her.) Sorry, I was just imagining what it’d be like to catch the
money bouquet.
Tradução para o DVD:
Rachel: Meu Deus. Desculpe. Imaginei como seria pegar o buquê de
dinheiro.
Tradução para o site:
Rachel: Me desculpe. Só tava imaginando como seria pegar o buquê de
dinheiro.
Além do comentário inesperado, acresce-se, neste excerto, a imagem
de alegria e êxtase estampada na face de Rachel ao mencionar o buquê de
dinheiro. A partir do seu comportamento, é possível observar os valores da
cultura fonte na qual se estabelece uma relação direta entre dinheiro e
felicidade. A busca da felicidade a partir do consumismo e do materialismo
participa ativamente da sociedade capitalista norte-americana e produz
sentidos na construção da identidade cultural desta nação (VALENZI, 2003).
80
Quanto à estratégia de tradução adotada, os dois legendadores A e B
utilizaram o procedimento stricto sensu.
3.3.3 – O discurso metafórico do guru de Ross
Durante a interação discursiva entre Ross e o guru que ele decidiu
consultar, emerge uma metáfora conceitual em relação ao amor, que é
concebido como uma forma de cura. As expressões lingüísticas analisadas
são predominantemente convencionais.
3.3.3.1 - AMOR É CURA
No início do episódio, Ross apresenta uma anomalia na pele que
nenhum dos médicos que ele consulta consegue diagnosticar e tratar. Por
intermédio da indicação de Phoebe, ele decide consultar um guru.
Desenvolve-se, então, o seguinte diálogo.
Enunciado original:
Guru Saj: (motions to the table) Come on, have a seat. (looks at it) Eeh, huh.
As I suspected, it’s a kundus!
Ross: What’s a kundus?
Guru Saj: I don’t know, what’s a kundus with you? (starts laughing as if that joke
was funny, Ross only looks at him, and he stops) Please, lie down! I’ve
got a salve that ought shrink that right up.
Ross: I guess it’s worth a try.
Guru Saj:
Oh sure, we should see results. Whoa!! Clearly not the way to
go!! (quickly wipes it off)
Ross: What?! What?!
Guru Saj: We appear to have angered it.
Ross: We?! We angered it?!
Guru Saj: Oh, I think I see the problem. And I’m afraid we’re gonna have to use a
much stronger tool. (Ross gives him a ‘What?’ look) Love.
81
Ross: Oh God!
Guru Saj: Ross! Often these things are nothing more than just negative energy
trying to escape your body. Now, this is not gonna come off unless you
learn to love it, my friend. So, let me hear you say, you will love the
kundus.
Ross: I love the kundus.
Guru Saj: (He starts moving his hands around in circles above the thing.) Ross,
there is absolutely no way this is going to come off unless you start to....
Ross: Ow!!
Guru Saj: Oops.
Ross: What was, what was that?
Guru Saj: Well it’s gone.
Ross: What?! How’s that?
Guru Saj: It got caught on my watch.
Tradução para o DVD:
Guru Saj: Sente-se. Como suspeitei. É um kundus!
Ross: O que é um “kundus”?
Guru Saj: Não sei. E você kundus” isso? Deite! Acho que tenho algo que fará
isso sumir.
Ross: Deve fazer efeito...
Guru Saj: Isso não vai adiantar!
Ross: O que foi?
Guru Saj: Nós o irritamos.
Ross: “Nós” o irritamos?
Guru Saj: Já sei qual é o problema. Creio que vamos ter que usar algo bem mais
forte. Amor.
Ross: Deus!
Guru Saj: Normalmente é uma energia negativa tentando escapar. Não
desaparecerá se não aprender a amá-la. Quero ouvir você dizer que amará sua
“kundus”.
Ross: Amo “kundus”.
Guru Saj: Não há chance disso sair a não ser que comece ...
Ross: O que foi isso?
Guru Saj: Sumiu.
82
Ross: Como?
Guru Saj: Prendeu no meu relógio.
Tradução para o site:
Guru Saj: Venha, sente-se. Como eu suspeitava, é um kundus!
Ross: O que é um kundus?
Guru Saj: Eu não sei, o que é um kundus com você? Por favor, deite-se! Tenho
um bálsamo que pode encolhê-lo rapidamente.
Ross: Acho que vale a pena tentar.
Guru Saj: Oh claro, devemos ter resultados... Claramente não devia ter feito isso!
Ross: O quê? O quê?
Guru Saj: Parece que nós o enfurecemos.
Ross: Nós? Nós o enfurecemos?
Guru Saj: Acho que sei qual é o problema. E temo que tenhamos que usar uma
ferramenta mais poderosa. Amor.
Ross: Oh Deus!
Guru Saj: Ross, não há um meio disso sair... a não ser que você comece a....
Ross: O que, o que foi isso?
Guru Saj: Bem, ele se foi.
Ross: Como isso aconteceu?
Guru Saj: Ficou preso no meu relógio.
Observa-se que, no primeiro momento de contato com o guru, a
anomalia na pele de Ross é nomeada como Kundus. Embora o personagem
desconheça o significado dessa denominação, ele demonstra um certo alívio
ao ouvir do guru uma proposta de tratamento: a aplicação de uma espécie
de bálsamo, visto que nenhum médico consultado por ele anteriormente
apresentou alguma possibilidade de tratamento. Entretanto, o medicamento
não atinge os resultados esperados. Então, emerge a metáfora AMOR É
CURA. O guru afirma que será necessário utilizar uma ferramenta mais
poderosa para eliminar a suposta anomalia que, segundo ele, trata-se de
uma energia negativa que precisa ser amada para desaparecer. Para alívio
de Ross, a anomalia realmente desaparece depois que ele afirma amá-la.
Quanto ao desencadeamento do humor, pode-se afirmar que este se
apresenta de forma gradativa e ligado às metaforizações presentes no
83
excerto. O efeito humorístico se inicia com a própria denominação singular
kundus que causa surpresa não só ao espectador como também ao próprio
personagem. O termo parece não ser conhecido amplamente, pois em
buscas pelo seu significado, encontraram-se poucas referências a ele e
nenhuma delas podia ser conectada ao contexto do excerto. Logo, acredita-
se que a denominação Kundus é utilizada justamente no intuito de
aproximar-se do exótico e indefinido.
Na seqüência, o efeito de humor continua quando o guru afirma que o
bálsamo parece ter enfurecido/irritado o Kundus. A estranheza da
denominação associada à referência metafórica enfurecer/irritar e à reação
de Ross diante da referida metaforização provoca o efeito de humor. A
seguir, o efeito humorístico encaminha-se para seu ponto culminante com a
sugestão do guru de utilizar o amor como instrumento de cura da anomalia.
Diante disso e da declaração de Ross de que ele ama seu Kundus, o
espectador é levado a acreditar que o problema desaparecerá por essa
razão. Porém, a audiência é surpreendida com a explicação do guru de que
Kundus ficou preso no seu relógio. Assim, o efeito de humor culmina com o
elemento surpresa ocasionado por essa resposta inesperada. Acresce-se a
este aspecto, a incongruência da afirmativa Ficou preso no meu relógio em
relação ao discurso metafórico de que AMOR É CURA.
Quanto ao aspecto tradutológico das expressões metafóricas
presentes no excerto, observemos a tabela a seguir.
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
We appear to have
angered it.
Nós o irritamos.
Parece que nós o
enfurecemos.
DVD Stricto
sensu
Site Stricto
sensu
We?! We angered
it?!
“Nós” o irritamos?
Nós? Nós o
enfurecemos?
DVD –
Stricto sensu
Site Stricto
sensu
84
Continuação da tabela
Enunciado
original
Legenda DVD Legenda para o
site
Procedimento de
tradução
And I’m afraid
we’re gonna have
to use a much
stronger tool.
Love.
Creio que vamos
ter que usar algo
bem mais forte.
Amor.
E temo que
tenhamos que
usar uma
ferramenta mais
poderosa. Amor.
DVD – substituição
Site - substituição
Often these things
are nothing more
than just negative
energy trying to
escape your body.
Normalmente é
uma energia
negativa tentando
escapar.
Fala omitida. DVD Stricto
sensu
Site Omissão da
metáfora
Pode-se observar que o procedimento predominante é o stricto sensu.
Há, também, dois casos de substituição e um de omissão da metáfora.
Embora os dois legendadores tenham adotado a substituição para traduzir a
expressão metafórica And I’m afraid we’re gonna have to use a much
stronger tool. Love, a metáfora conceitual AMOR É CURA está presente
tanto no texto fonte como no alvo. Isso aponta para uma proximidade
conceitual e possibilidade de entrecruzamento entre as estratégias de
tradução stricto sensu e substituição, conforme será abordado na seção de
discussão dos dados a seguir.
85
3.4 - Discussão
A recorrência de metáforas relacionadas ao amor nos dados
investigados neste estudo corrobora a afirmativa de Lakoff (1993) de que
conceitos emocionais como o amor, por exemplo, são compreendidos
metaforicamente. Segundo o autor, quando nos afastamos das
experiências físicas concretas e começamos a falar de abstrações e
emoções, a utilização do discurso metafórico é uma norma.
Quanto às estratégias de tradução das expressões lingüísticas
metafóricas, observemos a tabela abaixo:
Estra-
tégias
tradu-
tórias
Stricto
Sensu
Substituição
Paráfrase
Omissão
da
metáfora
Não
metáfora
em
metáfora
Inserção
de
metáfora
DVD 18 5 1 1 -- --
Site 16 3 3 2 1 --
No total de 25 expressões metafóricas analisadas, constatou-se
que o procedimento tradutório predominante foi o stricto sensu. As demais
estratégias ocorreram com uma freqüência bem menor, com exceção da
inserção de metáfora que, conforme esperado, não foi utilizada em
nenhum dos casos analisados. Ao comparar os procedimentos adotados
pelos legendadores A e B, observa-se que houve aproximações entre as
suas escolhas tradutológicas.
A utilização predominante da estratégia stricto sensu em
detrimento da substituição (ou outra estratégia) corrobora a afirmativa
feita no decorrer deste estudo, com base em Araújo (2003) e Souza
(2007), de que existe uma tendência de se buscar a literalidade no
processo tradutório da legendação. A última autora aponta esta questão
como uma das prováveis razões para que haja inadequações na tradução
de metáforas.
86
que se considerar, ainda, a falta de autonomia do legendador,
cujas traduções podem ser alteradas sem consulta pela empresa que o
contrata. A tendência à literalidade pode se justificar justamente na
tentativa de garantir algum respeito ao trabalho realizado. Além disso, a
contratação de legendadores não implica a exigência de formação
específica na área. Normalmente, consideram-se apenas os
conhecimentos lingüísticos do profissional. Isso pode levar a uma
tradução mais voltada ao texto fonte.
Ademais, parece oportuno explicar a predominância da literalidade
pelo viés do tipo predominante de metáforas no objeto de estudo, a saber,
metáforas convencionais, visto que elas costumam ser equivalentes em
significado a expressões literais simples (GIBBS, 1994). Além da
convencionalidade, uma estreita aproximação entre o uso de tais
metáforas nas línguas-culturas fonte e alvo.
Quanto à aplicação do modelo de tradução de metáforas sugerido
por van den Broeck (1981), concluímos que o uso dos procedimentos
stricto sensu e substituição em detrimento da paráfrase podem ser
explicados por dois motivos: restrições técnicas da legendação e a
carência de metáforas culturais específicas ou metáforas novas no corpus
analisado, as quais poderiam exigir paráfrase. Mesmo que houvesse
metáforas estritamente peculiares à cultura da língua fonte, a paráfrase
poderia não ser uma estratégia plausível em virtude do espaço limitado na
tela e da impossibilidade de explicações adicionais, como notas de
rodapé, um recurso admissível em outras modalidades tradutórias.
Outro aspecto a destacar a respeito do modelo de van den Broeck
é a dificuldade observada no decorrer da análise de se estabelecer um
limite entre as estratégias stricto sensu e substituição. Em alguns casos
de aplicação de tais procedimentos, observou-se que a conceitualização
apresentada pelo autor não dava conta das necessidades de análise. A
delimitação das fronteiras entre um e outro procedimento se mostrou
insuficiente na prática, embora na conceitualização pareça clara. A título
de ilustração, retomaremos a escolha tradutológica desmanchar adotada
87
pelo legendador A para a expressão break up. A imagem mental
associada a este vocábulo remete a algo que se divide em pedaços,
enquanto desmanchar alude a alguma coisa que se dissolve. Ingredientes
como sal e açúcar, por exemplo, desmancham, dissolvem. Devido à
polissemia da palavra, também é possível que desmanchar, similarmente
a break up, evoque a imagem de algo reduzido a pedaços como
desmanchar uma casa, um carro, por exemplo. Em face disso, torna-se
difícil determinar qual procedimento (stricto sensu ou substituição) seria o
mais adequado.
Em relação à aplicação da proposta de Toury (1995) de
complementação ao modelo de van den Broeck, cabe apontar sua
relevância apesar de ter sido observada em pouquíssimos casos
analisados (ver tabela página 85). Ademais, foi confirmada, nos dados
aqui analisados, a hipótese de incompatibilidade da estratégia inserção de
metáfora no âmbito da legendação, apontada no decorrer desta pesquisa.
Nesse contexto, esta estratégia parece ser uma opção bastante
improvável de ocorrer, visto que ela contraria um dos aspectos
pragmáticos da legendação: a redução na densidade lexical do
enunciado. A estratégia inserção de metáfora sugere justamente o
contrário, a inclusão de enunciado metafórico sem motivação lingüística
no texto fonte.
Ainda quanto aos aspectos tradutológicos do corpus analisado,
emergiram outras duas questões que merecem ser comentadas: omissão
de pronomes pessoais e redução na densidade das falas.
Em relação à questão dos pronomes pessoais, o legendador para
o site os manteve em grande parte das legendas. Uma das estratégias
comumente utilizada pelos legendadores é omiti-los, uma vez que a
desinência número-pessoal dos verbos na língua portuguesa identifica
a pessoa e o número. Portanto, a omissão dos pronomes contribuiria para
a economia de caracteres. Como não foi possível contato com o
legendador sequer se teve acesso ao seu nome, apesar da busca —,
somente pode-se considerar a hipótese de que parece ter havido um
88
desconhecimento da estratégia de omissão. Cabe lembrar, também, as
circunstâncias peculiares do legendador para o site que realiza a tradução
de forma independente e não-remunerada
27
. Conseqüentemente, parece
não existir um processo de revisão das legendas nem orientações
técnicas por parte de empresas de legendagem. O quadro aqui exposto
aponta para a necessidade de capacitação e reflexão acerca dos
elementos envolvidos na legendação.
Em termos de número de caracteres, parece não ter havido
preocupação por parte do legendador B (do site) em traduzir utilizando o
menor número de caracteres possível para que o espectador pudesse
contemplar as demais linguagens estéticas. As legendas são densas e,
normalmente, aproximam-se de uma tradução quase que absoluta, em
detrimento de uma tradução que privilegiasse o sentido.
O processo de construção do sentido de obras legendadas envolve
a integração de diversas fontes de informação as quais são pidas e
simultâneas (SOUZA, 2007). Essa característica não permite que o
espectador dedique atenção demasiada a determinado aspecto.
A leitura das legendas somada à exibição das imagens demanda
uma atividade cognitiva significativa do espectador. Assim, se este tiver
que focalizar de forma mais demorada em uma determinada passagem
lingüística, outras partes da obra deixarão de serem contempladas. Além
disso, a compreensão da trama fílmica poderá ser afetada em virtude da
curta duração das legendas na tela que não permite a concentração
duradoura em determinado vocábulo.
Em relação às metáforas analisadas neste estudo, é importante
salientar que algumas delas não são meramente lingüísticas. Somente é
possível identificá-las e compreendê-las considerando um contexto mais
amplo ou a imagem. ainda as situações em que uma nítida relação
de interdependência entre o elemento lingüístico, a imagem e o contexto.
27
Informações obtidas por intermédio de contato com o endereço eletrônico do
responsável pela manutenção do site que disponibiliza as legendas.
89
Conseqüentemente, o vínculo entre esses elementos também é crucial
para a percepção do efeito de humor produzido pelas metáforas.
Por fim, é pertinente lembrar que a percepção do humor es
vinculada, também, à cumplicidade do espectador, isto é, que seu gosto
pessoal aprecie as situações como cômicas. Neste objeto de estudo,
trata-se de um humor que, de certa maneira, ridiculariza os indivíduos e,
muitas vezes, pode ser caracterizado como preconceituoso. Logo, é
preciso que o espectador predisponha-se a rir de tais situações. Além
disso, o humor de Friends lida com aspectos bastante usuais que
permitem à audiência identificar-se e criar paralelismos entre os eventos
da ficção e os de sua vida.
90
4 - Considerações Finais
Neste estudo, à luz da teoria cognitivista de metáfora e da
perspectiva descritivista de tradução, procurou-se discutir os elementos
envolvidos na tradução de metáforas geradoras de humor, com ênfase no
contexto da legendação.
Dentre os vários aspectos vinculados à atividade tradutológica,
este trabalho focalizou as relações de interdependência entre questões
sócio-culturais, metáfora e humor. Pelo fato de o estudo situar-se no
contexto da tradução audiovisual, foram consideradas, também, as
restrições técnicas e as peculiaridades inerentes à legendação, as quais
inevitavelmente afetam a tarefa do legendador.
Levando em consideração as questões mencionadas, este estudo
visou investigar a tradução de metáforas geradoras de humor na série
televisiva Friends. Com base no modelo descritivista de van den Broeck
(1981) e na proposta de complementação de Toury (1995), buscou-se o
procedimento tradutório utilizado com maior freqüência pelos
legendadores do DVD e para o site.
Por meio da análise dos dados, pôde-se constatar que houve a
predominância da estratégia stricto sensu nas duas traduções (DVD e
site). Araújo (2003) afirma que uma tradução literal será cobrada tanto
pelo espectador, quanto pelos profissionais envolvidos na tradução do
filme. O legendador não pode justificar suas escolhas devido à
impossibilidade de inclusão de explicações adicionais, como notas de
rodapé. Ademais, não tem contato direto com a distribuidora responsável
pelo filme. Logo, o produto final pode sair diferente da proposta do
tradutor se a distribuidora ou a empresa legendadora não concordarem
com sua tradução. Assim, muitas vezes, o legendador procura a tradução
que mais se aproxima da língua fonte, para que não ocorram grandes
modificações em seu trabalho.
91
Quanto à possibilidade de se explorar a metáfora como um recurso
para produção de humor, foi possível observar, nesta investigação, que
em termos lingüísticos elas podem constituir-se elementos centrais para
criação do efeito humorístico. Portanto, faz-se necessário discutir e refletir
acerca de suas dificuldades e estratégias de tradução, sobretudo no
âmbito da legendação, cujas restrições técnicas e regulações dos
distribuidores compõem uma dificuldade adicional à atividade.
Ao relacionar metáfora e humor, pode se supor que, para garantir
maior efeito humorístico, seria aconselhável o uso da metáfora nova, pois
esta possibilitaria maior surpresa e novidade ao telespectador.
Devido à predominância de metáforas convencionais e à
ocorrência de um pequeno número de casos de metáforas geradoras de
humor envolvendo temas culturais específicos nesse estudo, a questão
da tradução de metáforas merece ser estudada futuramente no intuito de
investigar outras perspectivas de análise bem como graus de
complexidade superiores/diferentes aos aqui abordados, pois o tipo de
metáfora e de humor explorados (universal ou específico) em uma
comédia de situação contribuem para a sua maior ou menor dificuldade
de tradução.
Outro ponto a ser mencionado é a necessidade de conscientização
sobre a multiplicidade de aspectos envolvidos na tradução/legendação,
pois ainda imperam as concepções equivocadas de que traduzir é realizar
uma transposição de significados estanques e desprovidos de contexto
por meio da tradução literal. Descrever as estratégias adotadas pelos
tradutores ao se depararem com metáforas e explicar os efeitos das
soluções propostas contribuem para a reflexão sobre nossas tomadas de
decisão e sobre como aprimorá-las como pesquisadores e tradutores.
Em conclusão, citam-se as palavras de Souza (2007, p.10)
segundo a qual:
[...] impõe-se a necessidade de geração de massa crítica
e de capacitação científica que permitam sociabilizar os
conhecimentos específicos à legendação e aos
processos de construção do sentido das obras pelo
espectador.
92
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Não paginado.
97
Anexo 1
Cópia de Friends – 3ª temporada
Nota: A reprodução do DVD Friends temporada, disponibilizada
nestes anexos, destina-se, exclusivamente, a fins de pesquisa e de
avaliação deste estudo. Por tratar-se de investigação acerca do humor
representado em diferentes linguagens, escapam à simples menção
lingüística aos traços humorísticos elementos geradores do riso e
constituintes das metáforas analisadas.
98
Anexos 2
Transcrições das falas originais
Traduções/legendas do DVD e do Site
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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