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Universidade
Estadual de Londrina
MARIA VIRGINIA BREVILHERI BENASSI
CRÔNICAS HUMORÍSTICO-OPINATIVAS DE JOSÉ SIMÃO:
A ANÁLISE LINGÜÍSTICA NA LEITURA
LONDRINA
2008
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MARIA VIRGINIA BREVILHERI BENASSI
CRÔNICAS HUMORÍSTICO-OPINATIVAS DE JOSÉ SIMÃO:
A ANÁLISE LINGÜÍSTICA NA LEITURA
Dissertação apresentada ao Curso de pós
graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito ao título de Mestre em Estudos da
Liguagem.
Orientadora: Profª Drª Regina Maria Gregório
LONDRINA
2008
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Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
B456c Benassi, Maria Virginia Brevilheri.
Crônicas humorístico-opinativas de José Simão : a análise lingüístic
a
na leitura / Maria Virginia Brevilheri Benassi. – Londrina, 2008.
138f.
Orientador: Regina Maria Gregório.
Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) Universidade
Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, 2008.
Bibliografia: f.134-138.
1. Análise do discurso – Teses. 2. Gêneros textuais – Teses.
3. Análise lingüística (Lingüística) – Teses. I. Gregório, Regina Maria.
II. Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências
Humanas. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
III. Título.
CDU 801
MARIA VIRGINIA BREVILHERI BENASSI
CRÔNICAS HUMORÍSTICO - OPINATIVAS DE JOSÉ SIMÃO:
A ANÁLISE LINGÜÍSTICA NA LEITURA
Dissertação apresentada ao Curso de pós
graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito ao título de Mestre em Estudos da
Liguagem.
COMISSÃO EXAMINADORA
Profª Drª Regina Maria Gregorio
Prof. Orientador
Universidade Estadual de Londrina
Profª Drª Alba Maria Perfeito
Prof. Componente da Banca
Universidade Estadual de Londrina
Profª Drª Elódia Constantino Roman
Prof. Componente da Banca
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Londrina, 17 de junho de 2008
A Deus por me iluminar em todos os momentos
de minha vida, meu refúgio e minha fortaleza.
À minha família abençoada, meu marido Luiz e
minhas filhas, Amanda e Heloisa, razões do
meu viver. Obrigada pelo total apoio,
compreensão e amor ... e por entenderem as
tantas ausências...
Aos meus pais Denice e Waoriples ... Um dia o
amor se tornou vida e de suas vidas eu existi ...
Muito obrigada pela força e amparo, por
sempre me fazerem acreditar que sou capaz.
Aos meus irmãos Fernando e Júlio César, dois
grandes exemplos de luta, dedicação e
sabedoria .
A todos da família Macedo, minha querida
sogra, sogro, cunhadas, cunhados, sobrinhos e
sobrinhas, pelo imenso apoio e precioso
atendimento ao meu marido e às minhas filhas
durante esta trajetória.
AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente a minha orientadora profª Drª Regina Maria
Gregorio, não só pela constante orientação neste trabalho, mas sobretudo pela sua
amizade, paciência, dedicação, carinho e por entender os meus anseios.
À professora Alba Maria Perfeito pela valiosa atenção, amizade e
compreensão em toda a caminhada.
Às amigas do mestrado Claudia e Ana Paula pelos momentos de
descontração, as piadas, os passeios e o apoio em todos as horas, enfim, vocês
serão inesquecíveis. Quanta saudade!
À amiga Silvana Quintilhano Ferreira, pelo incentivo e ombro amigo
nos momentos difíceis.
À amiga Gladys Plens de Quevedo Camargo, pela sua prontidão e
sempre me oferecendo boas razões para que eu superasse meus obstáculos.
Ao amigo Cipriano Luiz Sanches, pela força e auxílio nas normas do
trabalho.
Ao Disque-gramática e em especial à profª Cristina Valéria B. Simon,
pela correção final.
“A mente que se abre a uma nova idéia jamais
volta ao seu tamanho original”
Albert Einstein
BENASSI, Maria Virginia Brevilheri. Crônicas humorístico-opinativas de José
Simão: a análise lingüística na leitura. 2008. 138 fls. Dissertação (Mestrado em
Estudos da Linguagem) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO
Atualmente, percebe-se a dificuldade dos professores de língua materna em
trabalhar com a gramática contextualizada, ou seja, aquela inserida na construção
de sentidos de um texto. O presente trabalho tem como objetivo efetuar a análise
lingüística do gênero discursivo crônica jornalística opinativa, do colunista-humorista
José Simão, da seção coluna Ilustrada da Folha de S. Paulo. A intenção é buscar
uma compreensão dos textos de José Simão sob uma perspectiva bakhtiniana. Este
estudo é parte de um projeto, de caráter etnográfico, na área de Lingüística
Aplicada, desenvolvido pelo Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas da
Universidade Estadual de Londrina (UEL), intitulado “Escrita e ensino gramatical: um
novo olhar para um velho problema”, procurando proporcionar aos professores da
rede pública uma outra percepção de ensino da gramática contextualizada às
práticas de leitura e de produção textual, via abordagens de gêneros discursivos.
Sendo assim, realizou-se neste trabalho uma pesquisa de cunho analítico-descritivo,
selecionando cinco crônicas a serem analisadas em relação ao contexto de
produção, conteúdo temático, forma composicional e as marcas lingüístico-
enunciativas do gênero crônica jornalística. Na seqüência, propõe-se contribuir com
sugestões metodológicas direcionadas para uma sala de aula de oitava série do
ensino fundamental. Como aportes teóricos da dissertação, serão abordadas teorias
fundamentadas em Bakhtin, Rojo, Dolz e Schneuwly, como também serão
apresentadas as Concepções de linguagem de Língua Portuguesa e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). Sob tal ótica, pretende-se contribuir para a reflexão
do professor de Língua Portuguesa sobre o seu trabalho em sala de aula ao inovar,
mobilizar conteúdos e interagir de modo mais produtivo, significativo e crítico com
seus alunos.
Palavras-chave: Gramática contextualizada. Gênero discursivo. Crônica jornalística.
Análise lingüística.
BENASSI, Maria Virginia Brevilheri. José Simão’s humoristic opinative
chronicles: linguistic analysis in reading. 2008. 138 fls. Dissertation (Masters in
Language Studies) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT
Nowadays one can notice mother tongue teachers’ difficulty in working with
contextualized grammar, that is, the one inserted in the construction of the meanings
in a text. The present work aims at presenting a linguistic analysis of the discursive
genre journalistic chronicle, written by the columnist Jose Simão, from the section
“Ilustrada” in the newspaper “Folha de São Paulo”. The intention is to search to
develop more and more the work with the language in the reading and
comprehension of oral and written texts, showing one of the forms of working with
genres by using Bakhtin’s theoretical concepts. This study is part of an Applied
Linguistics ethnographic project developed by the Department of Vernacular and
Classical Languages of the State University of Londrina (UEL) entitled "Writing and
grammar teaching: a new look to an old problem”, aiming at providing public teachers
another perception of contextualized grammar teaching to the skills of reading and
textual production through discursive genres.Thus, this work intends to make a
descriptive-analytical research by selecting five chronicles to be analyzed in relation
to the production context, thematic content, compositional form and the linguistic-
enunciative marks of the genre journalistic chronicle. In addition, this work contributes
methodological suggestions of work directed to the eighth grade of the primary
education. Theoretically speaking, this research is based on the concepts proposed
by Bakhtin, Rojo, Dolz and Schneuwly, as well as the language concepts in the
Portuguese Language and the National Curricular Directives (PCNs). From this
perspective, it intends to contribute for the reflection of Portuguese Language teacher
on his/her work in classroom when innovating, to mobilize contents and to interact in
more productive, significant and critical way with you students.
Key-words: Contextualized grammar. Discursive genre. Journalistic chronicle.
Linguistic analysis.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................10
2 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL E AS CONCEPÇÕES DE
LINGUAGEM ................................................................................................................14
2.1 L
EITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ANÁLISE LINGÜÍSTICA................................................26
2.2 O
S PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) ..................................................33
3 GÊNEROS DISCURSIVOS........................................................................................38
4 A HISTORICIDADE DA CRÔNICA E SUAS CARACTERÍSTICAS ..........................49
4.1 A I
MPRENSA NO BRASIL.............................................................................................55
4.2 F
OLHA DE SÃO PAULO...............................................................................................57
4.3 A C
RÔNICA E OUTROS GÊNEROS QUE APARECEM NUM JORNAL ..................................58
5 METODOLOGIA ........................................................................................................61
5.1 C
ARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA.................................................................................61
5.2 C
ONTEXTUALIZAÇÃO ..................................................................................................62
6 ANALISANDO AS CRÔNICAS .................................................................................64
6.1 A
S CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO, A ESTRUTURAÇÃO E AS MARCAS LINGÜÍSTICAS DA
CRÔNICA JORNALÍSTICA DE JOSÉ SIMÃO: RECORRÊNCIAS..................................................64
6.1.1 Contexto de Produção e Relação Autor/Leitor/Texto ...........................................64
6.1.2 Conteúdo Temático..............................................................................................69
6.1.3 Estrutura Composicional ......................................................................................69
6.1.4 Marcas Lingüístico-enunciativas ..........................................................................70
6.2 A A
NÁLISE LINGÜÍSTICA NA LEITURA DAS CRÔNICAS DE JOSÉ SIMÃO............................78
6.2.1 Ambigüidade .......................................................................................................79
6.2.2 Dialogismo e Polifonia..........................................................................................80
6.2.3 Formas Populares de Linguagem ........................................................................81
6.2.4 Intertextualidade...................................................................................................82
6.2.5 Hipérbole .............................................................................................................83
6.2.6 Metáforas e Comparações...................................................................................84
6.2.7 Neologismo ..........................................................................................................87
6.2.8 Pontos de Exclamação.........................................................................................88
6.2.9 Trocadilhos e Jogos de Palavras .........................................................................88
6.2.10 Os Efeitos da Ironia nas Crônicas de José Simão .............................................90
6.2.11 Análises das Crônicas........................................................................................91
6.2.12 Conclusões Parciais...........................................................................................120
6.3 M
ODELO DE SUGESTÃO DE ENCAMINHAMENTO PEDAGÓGICO.......................................122
6.4 P
RODUÇÃO TEXTUAL .................................................................................................130
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................132
REFERÊNCIAS.............................................................................................................134
10
1 INTRODUÇÃO
Recentes pesquisas têm abordado o ensino de Língua Portuguesa,
apresentando propostas no que diz respeito ao ensino-aprendizagem. De acordo
com Rojo (2005), essas discussões visam a um maior aprofundamento sobre novas
práticas implementadas no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, com base
nos PCNs (BRASIL, 1998) do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental, os quais
privilegiam os gêneros discursivos como objeto de ensino, já que todo texto se
organiza dentro de determinado gênero.
Nesse sentido, este trabalho fundamenta-se na teoria bakhtiniana
dos gêneros discursivos, com o propósito de enfatizar uma reflexão sobre as
práticas de leitura e escrita, presentes na escola e fora dela, em diferentes esferas
de circulação da linguagem escrita.
Na presente pesquisa, será abordada a crônica jornalística
contemporânea, sob a perspectiva da análise lingüística integrada à atividade de
leitura. A preocupação de propiciar ao aluno a familiarização com uma proposta de
integração de diferentes práticas de uso e reflexão, observando o contexto de
produção, o conteúdo temático, a organização geral e as marcas lingüísticas dos
textos do gênero crônica.
A idéia do trabalho com gêneros surgiu de reflexões realizadas em
reuniões do projeto de pesquisa intitulado “Escrita e ensino gramatical: um novo
olhar para um velho problema”, desenvolvido na Universidade Estadual de Londrina.
Nele são discutidos os gêneros como objeto de ensino, procurando proporcionar aos
professores da rede pública uma percepção relativa ao ensino da gramática
contextualizada, sem utilizar o texto como pretexto, aprimorando sua formação
profissional – via diagnóstico e intervenção, por meio da reflexão prática-teoria-
prática.
O projeto em questão, de cunho processual, etnográfico, de
diagnóstico e de intervenção, teve início no ano de 2003 e foi encerrado em outubro
de 07. Caminhou desde a gravação em áudio de aulas de português, envolvendo
professores de quatro escolas públicas e uma particular de 4ª a 8ª série até a
proposta de ensino gramatical contextualizado às práticas de leitura e de produção
textual, via gêneros discursivos.
11
Foi desenvolvido, junto aos professores participantes do projeto de
pesquisa, um curso de 80 h/aula, realizado entre maio e outubro de 2007. O projeto
se propõe a desenvolver um trabalho com a linguagem, em que os gêneros
discursivos passam a ser o centro motivador para o ensino e a aprendizagem da
linguagem, exigindo uma compreensão mais aprimorada dos conteúdos por parte
dos professores, a fim de desenvolver a análise lingüística contextualizada às
práticas de leitura e produção textual e de observar não só a organização estrutural
dos enunciados, mas também os processos de construção da significação, o léxico,
as redes semânticas e os modos de organização dos discursos.
Dessa forma, o aluno poderá interagir com diversos gêneros, que
muitas vezes ele não conhece, ou que aprende sob a forma de uma tipologia textual
– narração, descrição, dissertação, como por exemplo a notícia, a reportagem, as
crônicas, os editoriais, as cartas de reclamação, os comunicados, as biografias, a
bula de remédio, entre muitos outros. Por parte do professor, essa nova concepção
de linguagem propiciará a este ter a consciência de que o ensino não deve ser
pautado somente em normas gramaticais com ênfase na linguagem escrita, mas
trabalhado de forma integrada com as práticas de leitura, de produção e de análise
lingüística, via gêneros discursivos como eixo de articulação e de progressão
curricular.
De acordo com Bronckart (1999) e Schneuwly e Dolz (2004), além
de o gênero como objeto de ensino, adota-se também a noção de gênero como
ferramenta que atua no processo de aprendizagem, sendo encarado como um
verdadeiro instrumento para o desenvolvimento dos três tipos de capacidades de
linguagem: as de ação, as discursivas e as lingüístico-discursivas, cada qual
envolvendo um aspecto diferenciado dentro da produção textual, fazendo o aluno
interagir nas diferentes situações sociais.
Após leituras dos PCNs (BRASIL, 1998), vinculados a estudos
bakhtinianos, percebemos que a teoria dos gêneros discursivos constitui-se como
referência para as discussões curriculares da área de Língua Portuguesa, no sentido
de contribuir com os professores no processo de revisão e de elaboração de
propostas didáticas, a fim de criar, nas escolas, condições que permitam aos alunos
ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos
como necessários ao exercício da cidadania.
Os PCNs (BRASIL,1998) têm como proposta capacitar o aluno a
12
interpretar diferentes textos que circulam socialmente e produzi-los com eficácia nas
mais variadas situações, com o objetivo de interagir pela linguagem e realizar uma
atividade discursiva. A partir dessa visão, considera-se que, na segunda etapa do
Ensino Fundamental, os alunos passam a se inteirar mais dessa família de textos
com uma série de semelhanças, desde os mais informais aos mais formais e em
todos os contextos e situações da vida cotidiana.
O foco da presente pesquisa é o estudo do gênero discursivo
crônica jornalística contemporânea, na qual se observarão a organização estrutural
dos enunciados e a construção da significação, abordando a análise lingüística na
leitura, de modo a propiciar ao aluno a familiarização com esse gênero,
primeiramente para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para em seguida compreendê-
lo e até produzi-lo na escola ou fora dela.
Partindo-se da hipótese de que os professores de Língua
Portuguesa geralmente encontram dificuldades em trabalhar a gramática
contextualizada, este trabalho tem como objetivo geral analisar cinco textos do
gênero crônica humorística-opinativa de José Simão na perspectiva bakhtiniana,
com vista à transposição didática, priorizando a análise lingüística.
Nesse sentido, têm-se como objetivos específicos identificar as
marcas lingüístico enunciativas das crônicas de José Simão, relacionadas às
condições de produção, ao seu conteúdo temático e à sua construção
composicional, resgatar o histórico do gênero crônica, definir as crônicas de José
Simão como gênero discursivo e apontar possibilidade de trabalho pedagógico,
contextualizando a análise lingüística às atividades de leitura e de produção textual.
Segundo Brait e Melo (2005), o enunciado, dependendo das
diferentes teorias lingüísticas, enunciativas e discursivas, na qual está inserido,
equivale a frase ou a seqüências frasais, entretanto, em outras, assume um outro
valor se adotado um ponto de vista pragmático. O termo e o conceito “enunciado”
são utilizados, em oposição a frase, como uma seqüência de palavras organizadas
de acordo com a sintaxe, portanto passível de ser analisada “fora de contexto”.
O enunciado, nessa perspectiva, é concebido como unidade de
comunicação, como unidade de significação, necessariamente
contextualizada. Uma mesma frase realiza-se em um número infinito de
enunciados, uma vez que esses são únicos, dentro de situações e
contextos específicos, o que significa que a “frase” ganhará sentido
diferente nessas diferentes realizações “enunciativas” (BRAIT; MELO, 2005,
p. 63).
13
Sendo assim, cabe ao enunciado configurar o processo interativo,
implicando muito mais no que está visível na materialidade lingüística, podendo,
pois, dar origem a diferentes sentidos/interpretações conforme as condições de
produção.
Sob tal perspectiva, com o intuito de colaborar com a reflexão dos
professores de Língua em relação ao enfoque de suas práticas pedagógicas, e
despertar no aluno o senso crítico, a partir dos gêneros, a dissertação está
organizada da seguinte forma:
O capítulo I apresenta o Ensino de Língua Portuguesa no Brasil e as
Concepções de Linguagem, enfatizando a concepção de linguagem como forma de
interação.
O capítulo II versa sobre os gêneros discursivos e destaca a
importância de se trabalhar com gêneros na área de ensino aprendizagem de
Língua Portuguesa, sob o enfoque teórico de Bakhtin.
No capítulo III, discute-se a historicidade da crônica, sua inserção no
gênero jornalístico e a imprensa no Brasil.
No capítulo IV, explicita-se a metodologia utilizada no estudo em
questão .
Já no capítulo V, faz-se a análise de cinco crônicas de José Simão,
com o objetivo de apresentar aos professores uma forma de trabalhar a gramática
contextualizada, tendo o gênero discursivo como objeto de ensino. Finalizamos com
sugestões de encaminhamento pedagógico, para uma possibilidade de ampliar
novos horizontes na relação professor/aluno/texto e as considerações finais.
14
2 O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL E AS CONCEPÇÕES DE
LINGUAGEM
Só a partir da segunda metade do século XVIII é que o Brasil pôde
começar a ser definido como um espaço de língua dominante portuguesa, devido à
conhecida política lingüístico-cultural desenvolvida pelo Marquês de Pombal. A
repressão ao uso de línguas indígenas, sobretudo de base tupi - tronco lingüístico
mais difundido na área já colonizada, desencadeada por essa orientação política,
tirou o Brasil de um rumo que poderia tê-lo levado a ser um país de base lingüística
majoritariamente indígena (PARANÁ, 2006).
Os dois séculos e meio de colonização que precederam à decidida
política pombalina recobrem múltiplas situações de contato lingüístico, entre falantes
da língua portuguesa e centenas de línguas nativas, que ainda continuam vivas, e
múltiplas línguas africanas. O surgimento da Língua Portuguesa no Brasil está
profunda e inseparavelmente ligado ao processo de constituição da Nação
Portuguesa. A cada conquista, os desbravadores impunham aos vencidos, seus
hábitos, suas instituições, os padrões de vida e a língua.
Entretanto, a Língua Portuguesa passou a integrar os currículos
escolares brasileiros somente nas últimas décadas do século XIX, depois de já há
muito organizado o sistema de ensino. Devido a alguns fatores históricos, a
formação da nação brasileira deve à língua muito da sua identidade.
A preocupação com a formação do professor dessa disciplina teve
início nos anos 30 do século XX (PARANÁ, 2006). Assim, Faraco salienta que:
[...] com a expansão quantitativa da rede escolar, passaram a freqüentar a
escola em número significativo falantes de variedades do português muito
distante do modelo tradicionalmente cultivado pela escola. Passou a haver
um profundo choque entre modelos e valores escolares e a realidade dos
falantes: choque entre a língua da maioria das crianças (e jovens) e o
modelo artificial de língua cultuado pela educação da lingüística tradicional;
choque entre a fala do professor e a norma escolar; entre a norma escolar e
a norma real; entre a fala do professor e a fala dos alunos (FARACO, 1997,
p. 57).
Pensar no ensino de Língua Portuguesa significa pensar numa
realidade que permeia todos os nossos atos cotidianos: a realidade da linguagem.
Ela nos acompanha onde quer que estejamos e serve para articular não apenas as
15
relações que estabelecemos com o mundo, como também a visão que construímos
sobre o mundo. É via linguagem que nos constituímos enquanto sujeitos no mundo,
é a linguagem que, com o trabalho, caracteriza a nossa humanidade, que nos
diferencia dos animais.
A atividade mental, própria do homem, é organizada pela linguagem.
É ela que nos possibilita pensar nos objetos e operar com eles na sua ausência. É
importante entendermos a transformação do homem para compreendermos o
surgimento da própria linguagem.
Não vivemos sem nos comunicar. A sociedade humana não existe
sem as palavras, sem a expressão. Para comunicar o que vivemos, o que sentimos,
para resgatar a memória, para se imaginar o futuro precisamos das palavras, de
uma linguagem para nos expressarmos. Há muitos estudiosos que buscam um
conceito sobre linguagem.
Para Azeredo (2000, p.16), a linguagem é a “capacidade humana de
criar símbolos e servir-se deles na comunicação”. Fazendo uma reflexão dos
conceitos, pode-se dizer que a linguagem é o produto da vida em sociedade, ou
seja, a capacidade e o instrumento da comunicação humana. Nesse sentido, não se
separa a linguagem de seu contexto social. Dessa forma, entende-se que o objetivo
do ensino de Língua Portuguesa é procurar desenvolver no aluno a prática da
oralidade, da leitura e da escrita, ou seja, fazer com que o aluno interaja socialmente
e domine atividades de leitura e de escrita, refletindo sobre a própria linguagem.
Partindo desse contexto, em toda a prática pedagógica o professor
prioriza uma concepção de linguagem. Nessa concepção, o professor irá direcionar
o seu trabalho, construindo sua metodologia, seus conteúdos e sua forma de
avaliação.
Segundo Geraldi (1984), para conceituar o termo concepção de
linguagem e sua abordagem perante a postura educacional, há três modos
basicamente de se conceber a linguagem: como expressão do pensamento e como
instrumento de comunicação e como forma de interação. Travaglia (2000) e Castilho
(1998), preocupados com um ensino comunicativo também postulam a mesma idéia.
Sendo assim, todo professor na sua prática em sala de aula prioriza uma concepção
de linguagem, a qual direciona o seu trabalho e sua maneira de encaminhar o seu
fazer pedagógico, moldando sua forma de ensinar.
16
De acordo com Perfeito (2005), no que tange à expressão de
pensamento, essa concepção de linguagem é um princípio sustentado pela tradição
gramatical, a Gramática de Port-Royal (1612-1694), que tem sido considerada a
mais expressiva contribuição da França em relação aos estudos lingüísticos e a
análise da linguagem em geral. Port-Royal abordou uma gramática que consolidava
a tradição gramatical construída desde Platão.
Segundo essa concepção, o ser humano exteriorizará seu
pensamento através de uma linguagem organizada e articulada. Nesse sentido,
conforme Bakhtin (1995) para se referir à concepção em foco, utiliza-se do termo
subjetivismo individualista o qual apóia sobre a enunciação monológica como ponto
de partida da sua reflexão sobre a língua, ou seja, um ato individual, como
expressão da consciência individual, de seus desejos, suas intenções, seus
impulsos criadores, seus gostos, etc.
O ensino de língua pautado na concepção que considera a
linguagem como expressão do pensamento privilegia o domínio dos conceitos
básicos e normativos da gramática normativa.
Até 1967, o ensino de Língua Portuguesa manteve sua característica
elitista até meados do século XX, quando se iniciou, no Brasil, “um processo de
“democratização” do ensino, com a ampliação de vagas, a eliminação dos chamados
exames de admissão, entre outros fatores “(FREDERICO; OSAKABE, 2004, p. 61).
Em conseqüência desse processo de democratização, a multiplicação de alunos, as
condições escolares e pedagógicas, as necessidades e as exigências culturais
passaram a ser outras, bem diferentes”.
O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o
centro da discussão acerca da necessidade de se melhorar a sua qualidade no país.
O eixo dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, na leitura
e na escrita dos alunos, responsável pelo fracasso escolar que se expressa com
clareza nas séries iniciais.
Quanto à questão gramatical, para que haja clareza e precisão no
uso da linguagem, impreterivelmente há regras a serem seguidas. Isso significa que
a gramática teórico-normativa, conceitua, classifica, para depois, entender e seguir
prescrições, em relação à concordância, à regência, à acentuação, à pontuação, ao
uso ortográfico, à morfologia, à sintaxe e à pragmática. É comum termos a
17
consciência de que, para dominarmos uma língua, internalizamos regras de
estruturação e itens lexicais.
Com a lei 5692/71, a disciplina de português era nomeada, no
primeiro grau, Comunicação e Expressão (nas séries iniciais) e Comunicação em
Língua Portuguesa (nas últimas séries). Portanto, a gramática deixava de ser o
enfoque principal do ensino de língua e a teoria da comunicação passava a ser o
referencial, mas ainda predominando o normativismo. Durante a década de 1970 e
no início da década de 1980, o ensino de Língua Portuguesa se restringia a
exercícios estruturais, técnicas de redação e treinamento de habilidades de leitura.
Esses exercícios se resumiam no preenchimento de lacunas ou nos
questionários de simples verificação de ocorrência, desconsiderando a interação
com o texto e não havendo, assim, um incentivo para as atividades de leitura. A
concepção de linguagem como expressão do pensamento foi rompida por Saussure
ao estabelecer a dicotomia saussureana
1
.
De acordo com Sausurre (1969, p. 23), há uma outra concepção: a
linguagem como instrumento de comunicação, influenciada por postulados
lingüísticos, denominada de Estruturalismo, a qual alega que a língua “é a parte
social da comunicação, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la,
nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato
estabelecido entre os membros da comunidade.”
Diante desse contexto, entende-se que a língua pode ser estudada
separadamente da fala. A fala, segundo o autor, é um ato individual, sujeito a
variações. Nessa ótica, a língua, é vista como um código. Ainda prevalece na
concepção como instrumento de comunicação o ensino gramatical, mas a leitura e a
produção textual ganham mais relevância na escola.
A linguagem como instrumento de comunicação é orientada pelo
pensamento filosófico-lingüístico denominado objetivismo abstrato. A língua é vista
como um código, capaz de transmitir uma mensagem de um emissor a um receptor,
isolada de sua utilização. Essa concepção se associa à Teoria da Comunicação, na
qual cada signo é constituído de um significado e um significante e, através desses
signos, é possível o falante transmitir uma mensagem ao receptor.
1
A dicotomia saussureana acaba sendo analisada em termos de código-mensagem e o estudo da língua passa a
ser concebido enquanto código virtual, isolado do contexto enunciativo, relacionando-se à teoria da
comunicação de Jakobson (1973).
18
A concepção de linguagem como instrumento de comunicação se
fundamenta em Saussure e Chomsky, com alguns diferentes conceitos. Para
Saussure, “a língua é um patrimônio de toda uma comunidade e não de cada
falante, que retém apenas uma parte do sistema” (SAUSSURE, 1969, p. 23); mas
para Chomsky, “cada falante retém a gramática de sua língua, graças a sua
competência lingüística”. (CHOMSKY, 1965, p. 17).
Na década de 60 e início de 70, as propostas de reformulação do
ensino de Língua Portuguesa indicavam, fundamentalmente, mudanças no modo de
ensinar, pouco considerando os conteúdos de ensino. Acreditava-se que valorizar a
criatividade seria condição suficiente para desenvolver a eficiência da comunicação
e expressão do aluno. Essas propostas se restringiam aos setores de classe média,
sem pensar nas conseqüências que as camadas mais pobres sofreriam.
O ensino de Língua Portuguesa orientado pela perspectiva
gramatical ainda parecia adequado, ou seja, os alunos que freqüentavam a escola
falavam uma variedade lingüística bastante próxima da chamada variedade padrão e
traziam representações de mundo e de língua semelhantes às que ofereciam livros e
textos didáticos (BRASIL, 1998).
Diante dessa situação, a nova crítica do ensino de Língua
Portuguesa, no entanto, só se estabeleceria mais consistentemente no início dos
anos 80, quando as pesquisas produzidas por uma lingüística independente da
tradição normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em variação lingüística e
psicolingüística, entre outras, possibilitaram avanços nas áreas de educação e
psicologia da aprendizagem, principalmente no que se refere à aquisição da escrita.
Essas novas pesquisas para a concepção da linguagem foram interpretadas por
correntes de estudos da língua, reunidas, conforme Geraldi (1984), Travaglia (2000),
Antunes (2003) e Cardoso (1999), ou seja, nomeadas como Lingüística da
Enunciação.
No entanto, passamos a discutir a terceira concepção de linguagem,
a qual será mais abordada nesse capítulo, por estar ligada às teorias interacionistas,
ou seja, a partir de 1997, o foco da pesquisa está voltado para o trabalho com
gênero discursivo. Na linguagem como processo de interação verbal a língua é um
fato social cuja existência funda-se nas necessidades de comunicação (BAKHTIN,
1995). Em decorrência disso, pensar a linguagem como atividade interativa é
necessário que se estabeleça como unidade de trabalho o texto e, como objeto de
19
ensino, o gênero discursivo. Destacamos ainda, de acordo com Cardoso (1999, p.
27), que:
Dentre as visões da linguagem apresentadas acredita-se hoje que a
linguagem como interação tem maior possibilidade de fundamentar uma
prática pedagógica que visa, como bem expressam os Parâmetros, ä
encontrar formas de garantir a aprendizagem da leitura e da escrita.
Anterior aos PCNs, Geraldi (1984), inserido na concepção de
linguagem como forma de interação, preconizava há mais de vinte anos, o ensino
gramatical contextualizado, integrado, sem artificialidade, às atividades de leitura e
produção textual, ou seja, o texto como objeto de ensino. Por conseguinte, em sua
obra Portos de Passagem (1991), expõe sobre suas experiências como professor de
1º e 2º graus de Língua Portuguesa, seu início de carreira, levando consigo a crença
de como era ser professor.
Logo em seguida, foram citados alguns aspectos que tratavam a
crise escolar, a baixa qualidade da escola e desqualificação dos professores, ou
seja, todo um sistema, o qual não possibilita condições de trabalho. Desse modo,
Geraldi (1991), aborda ainda a crise no ensino de Língua Portuguesa, a necessidade
de se ver o ensino da língua em um sentido mais amplo. Repensar o ensino de
Língua Portuguesa, tendo em mente a importância e o papel da linguagem na nossa
constituição como seres humanos. Não se trata de confinar a questão do ensino de
Língua Portuguesa à linguagem, mas pensá-lo à luz da linguagem.
Sob tal enfoque, é necessário focalizar a linguagem a partir da
relação do processo interlocutivo e, com este olhar, pensar o processo educacional e
instaurá-lo sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição. O autor
critica os estudos tradicionais de língua através de afirmações “de que pessoas que
não conseguem se expressar, não pensam” (GERALDI, 1984). Isto leva à hipótese
de que a natureza da linguagem é racional, por entender que os homens pensam
conforme regras universais.
Os recursos expressivos levam inevitavelmente o outro a um
processo de compreensão e este processo depende também das expressões
usadas e não só de supostas intenções que o interlocutor atribua ao locutor. Não se
domina uma língua pela incorporação de um conjunto de itens lexicais.
Segundo Faraco (2003), principalmente a partir da década de 1980,
tem havido um esforço por parte dos professores de língua portuguesa e
20
pesquisadores de Língua Materna para enfrentar e criar alternativas que consideram
a crise do ensino. Para ele “o quadro pedagógico tem mudado pouco, porque ainda
não conseguimos fazer e disseminar a crítica radical ao que se denomina
normativismo” (FARACO, 2003, p. 22).
No entanto, o que está sendo pesquisado obviamente com o objetivo
de melhoria é a questão da gramática ensinada de forma descontextualizada, pois o
aluno só se preocupa com a prova e a aprovação final, uma prática pedagógica que
vai da metalinguagem para a língua, por meio de exemplos, exercícios de
reconhecimento e memorização de terminologia (BRASIL, 1998). O que deve ser
ensinado não responde às imposições de organização clássica de conteúdos na
gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das
necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção textual, leitura
e escrita de textos.
Nesse contexto, o papel da escola e dos professores do ensino
médio e fundamental quanto ao exercício do ensino-aprendizagem de Língua
Materna, é um processo de visão sem preconceitos à diversidade do português que
aqui se fala e a consciência de que a norma padrão também precisa ser cultivada e
difundida como um fator de inclusão sociocultural do cidadão, bem como das
políticas sociais necessárias para a melhoria na qualidade de vida do indivíduo.
Dessa forma, o domínio de diferentes níveis de concretização da língua viabiliza a
ampliação do conhecimento sobre as atividades de escrita e de leitura, já que, por
meio delas, o educando pode e deve ganhar uma certa autonomia para suas leituras
e produções textuais.
De acordo com Geraldi (1991), o ensino da gramática se apresenta
como um processo de “fetichização”, ainda sendo usado por alguns professores que
se esquecem de trabalhar o texto como parte do conteúdo de ensino, sendo que
este é um fator fundamental no processo discursivo, onde há a relação do eu e o tu,
onde se faz o imaginário, pois se penso em escrever tenho que pensar no público
que lê. Um texto pode significar várias coisas, dependendo do interlocutor.
Na década de 1990, buscava-se que o texto fosse o ponto de partida
e chegada das três práticas: leitura, produção e análise lingüística em Língua
Portuguesa. É através deste que o aluno expõe suas emoções e sentimentos.
Antigamente o texto era tido apenas como um modelo de leitura em voz alta (para
21
toda a classe) como um objeto de imitação. Fazia-se uma leitura do texto sem
análise interpretativa, apenas a leitura superficial.
É preciso observar detalhadamente tudo o que existe no texto, a fim
de propiciar condições necessárias e fundamentais à produção de sentidos na
leitura, preencher os espaços em branco, aceitos como inevitáveis, em função da
natureza do próprio funcionamento da linguagem, com preenchimentos
diferenciados não só em conseqüência de diferentes interpretações das estratégias
de produção, mas também como conseqüência do pertencimento a universos
discursivos diferentes (autor/leitor) e ao uso da linguagem em instâncias diferentes,
tem seu preenchimento agenciado a partir das pistas que este oferece (GERALDI,
1991, p. 111-112).
A questão não é “corrigir” leituras com base numa leitura privilegiada e
apresentada como única; mas também não é admitir qualquer leitura como
legitimável (ou legítima), como se o texto não fosse condição necessária à
leitura e como se o autor não mobilizasse os recursos expressivos em
busca de uma leitura possível. Trata-se agora de reconstruir, em face de
uma leitura de um texto, a caminhada interpretativa do leitor: descobrir por
que este sentido foi construído a partir das “pistas” fornecidas pelo texto
(GERALDI, 1991, p. 112).
É com base nessa perspectiva como professores que é necessário
analisar a leitura do texto dos alunos, percorrendo toda uma caminhada
interpretativa, interagindo com esse texto, construindo e reconstruindo idéias,
através de diálogos, entendendo e esclarecendo dúvidas, tornando-se assim um
processo mais produtivo para ambos, professor e aluno.
Em relação à questão do locutor, interlocutor eu e tu, é fundamental
pensar em um contexto para que o texto possa ser interpretado de maneira
coerente. Mesmo tendo vários significados dentro desse contexto, deve existir um
sentido interpretativo, isso varia das múltiplas estratégias de interpretação, pois as
comunidades lingüísticas não são homogêneas e assim temos diferentes
construções de enunciados, com várias interpretações.
O objetivo do ensino de Língua Materna, diante da concepção de
linguagem como forma de interação, é desenvolver a competência comunicativa do
aluno, levando-o a adequar a língua às mais diversas situações. Nesse contexto, a
unidade de ensino só pode ser o texto e toda a sua dimensão discursiva,
propulsores da reflexão crítica e imaginativa do aluno como leitor e produtor.
22
A prática de ensino muitas vezes guiada pelo livro didático ainda
segue uma concepção de linguagem que não prioriza a história, o sujeito e o
contexto, restringindo-se em demonstrações de regras e nos macetes da gramática
tradicional (PARANÁ, 2006). Portanto, é importante que a gramática seja trabalhada
no sentido de auxiliar a construção de sentidos no texto, de acordo com as
condições de produção e do gênero a que pertence.
Nesse contexto, o ensino de Língua Portuguesa deveria levar em
conta as necessidades trazidas por esses alunos para o espaço escolar, ou seja, a
presença de registros lingüísticos e padrões culturais diferentes dos até então
admitidos na escola. Essas novas propostas pedagógicas teriam o intuito de cada
vez mais aprimorar o ensino de Língua Portuguesa inovando e buscando qualificar o
aluno para o mercado de trabalho (PARANÁ, 2006).
Com base nesses objetivos foram implantados e entregues aos
professores das séries finais do ensino fundamental os Parâmetros Curriculares
Nacionais, a fim de ampliar e aprofundar um debate educacional envolvendo
escolas, pais, governos e sociedades, buscando a melhoria do sistema de ensino no
Brasil e cuja finalidade é “constituir-se como referência para as discussões
curriculares da área em curso há vários anos em muitos estados e municípios e
contribuir com técnicos e professores no processo de revisão e elaboração de
propostas didáticas” (BRASIL, 1998, p. 4a).
Segundo os PCNs (BRASIL, 1998, p.18), há algumas críticas que se
faziam ao ensino tradicional destacando-se entre elas:
[...] a desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos, a
excessiva escolarização das atividades de leitura e produção de texto; o uso
do texto como pretexto para ensinar aspectos gramaticais; a excessiva
valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de exceção,
com o conseqüente preconceito contra as formas de oralidade e as
variedades não-padrão; o ensino descontextualizado da metalinguagem,
normalmente associado a exercícios mecânicos de identificação de
fragmentos lingüísticos em frases soltas; a apresentação de uma teoria
gramatical inconsistente, uma espécie de gramática tradicional mitigada e
facilitada.
No entanto, é importante lembrar que, apesar de ainda imperar no
tecido social uma atitude “corretiva” e preconceituosa em relação às formas não
canônicas de expressão lingüística, as propostas de transformação do ensino de
Língua Portuguesa consolidaram-se em práticas de ensino em que tanto o ponto de
partida quanto o ponto de chegada é o uso da linguagem. A partir dessa idéia,
23
observa-se que hoje é praticamente consensual que as práticas devam partir do uso
possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades lingüísticas,
particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita.
Perceber a natureza social da linguagem, enquanto produto de uma
necessidade histórica do homem, leva-nos à compreensão do seu caráter dialógico,
interacional. Em outras palavras, tudo o que dizemos, dizemos a alguém e é esse
alguém interlocutor, presente ou não no ato da nossa fala, que acaba por determinar
aquilo que vamos dizer. Nossas palavras dirigem-se a interlocutores concretos, isto
é, pessoas que ocupam espaços bem definidos na estrutura social. Mais do que
isso, as nossas idéias sobre o mundo se constroem nesse complexo processo de
interação.
A interação verbal ocupa um lugar na produção da linguagem e dos
sujeitos, que neste processo se constituem pela linguagem. Quanto a essa
abordagem, admite-se que a língua funciona com um sentido sociolingüístico, os
sujeitos se constituem à medida que interagem com os outros e as interações não se
dão fora de um contexto social e histórico mais amplo. Tudo o que se tem a dizer
exige uma expressão adequada, pronta e disponível.
De acordo com os PCNs (BRASIL, 1998), no que diz respeito à
linguagem, há algumas condições de possibilidade de plena participação social, isto
é, o domínio da mesma, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da
língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade lingüística.
Logicamente, pela linguagem, os homens e mulheres se comunicam, têm acesso à
informação, defendem seu ponto de vista, constroem sua visão de mundo e
produzem cultura. “Pela linguagem se expressam idéias, pensamentos e intenções,
se estabelecem relações interpessoais anteriormente inexistentes e se influencia o
outro, alteram suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de suas
reações” (BRASIL, 1998, p. 20).
A partir desses pressupostos, decorrem três idéias básicas: 1- o
complexo universo das relações determina aquilo que vamos dizer e como vamos
dizer. 2- dizemos coisas para alguém que está socialmente situado. 3- dizemos
coisas do ponto de vista do grupo social e da época a que pertencemos. Esse
raciocínio nos leva a compreender que a palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.
24
No entanto, queremos dizer que a palavra adquire o sentido que o
contexto social e histórico lhe confere; nessa perspectiva, seu sentido estará,
portanto, subordinado a um determinado ponto de vista, este também ideológico,
porque construído no social e na história. Essas novas pesquisas tomaram corpo,
efetivamente, a partir dos anos 1980, com as contribuições de alguns pensadores
que integram o Círculo de Bakhtin. Dessa forma, a língua se configura num espaço
de interação entre sujeitos que se constituem por meio dessa interação, ou seja,
constitui-se pelo uso e pelos sujeitos que interagem. Tal concepção diverge das
abordagens de cunho formalista-estruturalista que enfocam o caráter normativo da
língua.
Partindo dessa definição, para que o aluno desenvolva de forma
competente a capacidade da escrita, é necessário que ele tenha conhecimento de
diferentes tipos de textos. A oportunidade de criar seu próprio texto permite ao aluno
expandir seu conhecimento de gênero discursivo. Dessa forma, segundo Rojo
(2005), os PCNs (BRASIL, 1998) explicitam os gêneros como objeto de ensino e
destacam a importância de considerar suas características na leitura e produção
textual. Ainda de acordo com Rojo essa consideração tem provocado uma explosão
das pesquisas que tomam por base teórica a teoria dos gêneros.
Conforme a visão dialógica de Bakthin (1997), é na interação verbal,
estabelecida pela língua com o sujeito falante e com os textos anteriores e
posteriores, que a palavra se torna real e recebe diferentes sentidos conforme o
contexto. O autor considera o homem um ser social e histórico, cheio de valores, e a
língua, na qual e pela qual se constitui, como reflexo das relações estáveis entre os
falantes. Em conseqüência, é de acordo com o contexto, a época, o grupo social, a
situação que irão dizer qual variante domina naquele momento, índices que existem
diferentes e infinitos “modos de dizer.”
A partir dessa concepção interacionista de Bakhtin, difundem-se os
conceitos de dialogismo e dos gêneros discursivos, cujo conhecimento e
repercussão suscitaram novos caminhos para o trabalho pedagógico com a
linguagem verbal, surgindo uma nova abordagem para o ensino de Língua. Nesse
sentido, Bakhtin se posiciona da seguinte forma:
25
A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos),
concretos e únicos que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da
atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as
finalidades de cada uma das esferas, não só por seu conteúdo (temático) e
por seu estilo verbal, ou seja, para seleção operada nos recursos da língua
– recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais -, mas também, e sobretudo,
por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo
temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente
no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de
uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado
isoladamente, é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo assim isso
que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1997, p. 279).
No ensino de Língua Portuguesa no 3º e 4º ciclos do ensino
fundamental, os PCNs procuram focar o item relacionado à análise lingüística, visto
que é nesse período da escolarização intensificado o ensino de gramática. Mesmo
que não concordemos com isso, não podemos negar que é assim que funciona o
cotidiano escolar brasileiro: o professor de 3º e 4º ciclos tradicionalmente ensina
gramática, faz exercícios de leitura e produção textual. Com base nesse contexto,
Araújo (2001) destaca também que, quando são mencionadas as atividades de
leitura e de produção, são levados em consideração textos orais e escritos.
Travaglia (2000) tem como proposta trabalhar a gramática em uma
perspectiva formal mais ampla, perante o funcionamento textual-discursivo dos
elementos da língua. Para ele, a língua funciona em textos que atuam em situações
específicas de interação comunicativa e não em palavras e frases isoladas,
abstraídas de qualquer situação de comunicação:
A perspectiva textual tem a possibilidade de fazer com que a gramática seja
flagrada em seu funcionamento, evidenciando que a gramática é a própria
língua em uso. Isto muda também o conceito de gramática que será usado
no ensino de língua materna, pois passa-se a ver como integrando a
gramática tudo que é utilizado e/ou interfere na construção e uso dos textos
em situações de interação comunicativa e não só conhecimento de alguns
tipos de unidades e regras de língua restritas aos níveis morfológico (classe
de palavras, flexão verbal e nominal e as categorias que elas expressam:
gênero, número, flexão verbal modo, voz e aspecto) e sintático (termos da
oração, tipos de orações e períodos, regras de concordância e regência,
etc.) (TRAVAGLIA, 2000, p. 109).
Supostamente inserido nesse contexto, pode-se dizer que
procuramos seguir a ordem do bem falar e do bem escrever, sendo assim prevalece
o ensino da gramática normativa, com uma visão mais ampla, não somente se
restringindo a regras gramaticais. Atualmente o que se procura enfatizar é a questão
da leitura, pois além do conhecimento gramatical, se o aluno não prioriza o hábito da
26
leitura, não conseguirá se expressar de forma coerente tanto na parte de produção
escrita quanto oral.
Para promover atividades visando ao domínio efetivo da linguagem,
tanto na oralidade como na escrita, através do uso da própria linguagem, o professor
deverá conhecer os resultados dos trabalhos científicos que vêm sendo feitos,
principalmente no que se refere à questão da concepção de linguagem, da variação
lingüística e do texto.(PARANÁ, 1994).
Para que tal proposta seja alcançada e alcancemos melhores êxitos
no ensino de Língua Materna, é de grande valia o trabalho com a leitura, produção
de textos e análise lingüística. Nesse caso, o centro do processo pedagógico deve
estar voltado para o trabalho com o texto.
2.1 L
EITURA, PRODUÇÃO TEXTUAL E ANÁLISE LINGÜÍSTICA
De acordo com Antunes (2003), para que se realize um processo de
interação verbal, devem-se empreender os trabalhos com texto em sala de aula, a
fim de que se possa buscar aquilo que se ensina e que se aprende. Uma atividade
interativa, implica uma ação conjunta entre duas ou mais pessoas, cujas ações
tenham a mesma finalidade. A oralidade e a escrita servem à interação verbal, sob a
forma de diferentes gêneros. “Tanto a fala quanto a escrita podem variar, podem
estar mais planejadas ou menos planejadas, podem estar mais, ou menos, cuidadas
em relação à norma padrão, podem ser mais ou menos formais, pois ambas são
igualmente dependentes de seus contextos de uso.” (ANTUNES, 2003, p. 100).
No entanto, de acordo com esse contexto, oralidade e escrita
caminham juntas no trabalho com textos. Sabe-se que os mesmos se desenvolvem
a partir de um tema específico que surgiu de um determinado assunto. O aluno
verifica, por meio da análise de um texto, os aspectos discursivo, textual e
lingüístico, a fim de perceber os efeitos de sentido que transmitem ao discurso.
Dessa forma, podemos observar que a crise no ensino-
aprendizagem de língua materna nos faz refletir como a gramática age no
funcionamento da linguagem e como ela pode ser considerada um dos suportes que
auxilia o desenvolvimento da capacidade comunicativa dos alunos, se trabalhada de
27
uma forma contextualizada. Sob tal enfoque, Travaglia (2000, p. 23) expõe que “a
interação comunicativa se dá pela produção de efeitos de sentido entre os
interlocutores, em uma dada situação de comunicação em um contexto sócio-
histórico e ideológico”.
Cardoso (1999) ressalta a importância do conhecimento das três
concepções de linguagem, por estar convencida de que a escola tem que
alfabetizar, garantir o uso eficaz da linguagem em todos os níveis. Segundo os
PCNs (BRASIL, 1998), cabe à escola viabilizar o acesso ao universo dos textos que
circulam socialmente, ou seja, gêneros diferenciados, ensinar a produzi-los e
interpretá-los, para que seja possibilitado ao aluno ampliar o exercício de formas de
pensamento mais elaboradas e abstratas, algo importante para a sua participação
crítica em uma sociedade.
Conseqüentemente, os PCNs (BRASIL, 1998) preconizam que a
prática de análise e reflexão sobre a língua é fundamental para a expansão da
capacidade de produzir e interpretar textos. A partir dela, é possível explicitar
saberes implícitos dos alunos, abrindo espaço à sua reelaboração, no caso da
escrita, ou à discussão sobre diferentes sentidos atribuídos ao texto, no caso da
leitura, e sobre elementos discursivos que validam ou não essas atribuições de
sentido.
Quanto ao conceito de leitura, mediante a visão interativa, Perfeito
(2005, p. 58) enfatiza que “a leitura é vista como co-produtora de sentidos”. A leitura
propicia diferentes maneiras de ver, de avaliar o mundo e de reconhecer o outro.
Dessa forma, a leitura deve ser praticada desde o período da alfabetização, na
atribuição de sentido ao texto, dentro de um interacionismo dialógico, e nas relações
com a intertextualidade, a fim de que o aluno possa multiplicar suas possibilidades e
desenvolver seu senso crítico, a partir de sua experiência de vida.
Para a AD, a leitura é uma produção de sentido e a relação entre
leitor e texto é fundamental. Essa relação não é direta, mas mediada por formações
imaginárias. De acordo com Orlandi (2006) que estabelece a distinção entre leitor
virtual e leitor real: o primeiro está inscrito no texto, é constituído no próprio ato da
escrita. Trata-se do leitor imaginário, “aquele que o autor imagina (destina) para seu
texto e para quem ele se dirige. tanto pode ser um ‘cúmplice’ quanto um seu
adversário” (ORLANDI, 2006, p.9).
No que se refere ao leitor real, Orlandi o define como “aquele que lê
28
o texto, se apropria do mesmo, já encontra um leitor aí constituído com o qual ele
tem de se relacionar necessariamente”. (ORLANDI, 2006, p. 9). Ler é, pois, produto
de uma prática histórica: social e ideológica. Tanto o leitor virtual quanto o real estão
inscritos em formações discursivas, disto resultando a possibilidade, a dificuldade e
a facilidade da leitura. Na busca do sentido, o leitor real tem de se relacionar com
um texto que apresenta um leitor virtual inscrito nele: “o sentido não está nem no
texto nem no leitor, mas na relação entre os dois”. (ORLANDI, 2006, p. 11). Portanto,
o texto não é auto-significativo, muito menos acabado, pronto, produto, a não ser se
tomado como objeto empírico.
No que tange à produção textual, entende-se que é um processo
onde o aluno mobiliza recursos expressivos em função de seu conhecimento, pois é
no trabalho com textos que o professor pode ter noção de como avaliar as
dificuldades dos alunos. Sendo base do ato comunicativo, o texto é um processo
para muitos autores. É o seu percurso que permite ir e vir, em busca da melhor
forma de expressar-se com alguém, sobre algo, em uma dada situação e com
determinado objetivo. Nessa produção estão inseridas as atividades que fortalecem
a capacidade cognitivo-discursiva e lingüística de seus autores: a leitura crítica, a
escrita com objetivo e leitor definidos, a compreensão e a interpretação, a reflexão
sobre a própria linguagem.
No entanto, a dificuldade que os alunos enfrentam em relação à
produção de texto escrito é causa de preocupação. Portanto, uma das soluções que
pode mudar essa situação se traduz na busca dos professores por uma forma
adequada, tanto lingüística quanto discursiva, para desenvolver as habilidades
básicas na formação de cidadãos proficientes e críticos.
Em meio a essas razões que justificam essa procura, estão alguns
questionamentos que permeiam o cotidiano em sala de aula e, além disso, o fato de
os alunos, após todo o ensino fundamental, não conseguirem, em sua maioria,
apresentar um resultado minimamente adequado ao domínio da leitura e da escrita.
Os problemas surgem quando os alunos têm necessidade de se expressar
formalmente e, segundo Antunes (2003), agravam-se no momento de produzir textos
mais complexos, de gêneros especializados, já que um percentual considerável
deles ainda não consegue, após vários anos de escolaridade, entender que há
diferenças sócio-históricas marcantes entre falar e escrever.
Diante dessa discussão, além da leitura e escrita, ressaltamos a
29
análise lingüística como um outro processo que permita ao aluno se inteirar de
diferentes gêneros discursivos (orais e escritos), que circulam em diversos domínios
sociais, (esferas da atividade humana). Para Perfeito (2005, p. 60), entende-se por
análise lingüística:
[...] o processo reflexivo (epilingüistico) dos sujeitos aprendizes, em relação
à movimentação de recursos textuais, lexicais e gramaticais, no que tange
ao contexto de produção e os gêneros veiculados, no processo de leitura,
de construção e de reescritas textuais (mediado pelo professor).
Segundo Geraldi (1991), a análise lingüística se encontra no interior
das práticas de leitura e produção textual, por meio de operações discursivas que
constroem os sentidos. Todavia, o trabalho de análise lingüística é de grande
prioridade, pois é por meio dos recursos utilizados (léxico, escolhas sintáticas, etc)
que se constroem os efeitos de sentido pretendidos.
Ainda citando Perfeito (2005, p. 60), a análise lingüística pode ser
levada a efeito em dois momentos, mais especificamente:
[...] na mobilização dos recursos linguísticos-expressivos, propiciando a co-
produção de sentidos, no processo de leitura;no momento da reescrita
textual, local de análise de produção de sentidos; de aplicação de
elementos, referentes ao arranjo composicional, às marcas lingüísticas (do
gênero) enunciativas (do sujeito-autor), de acordo com o gênero(s)
selecionado(s) e com o contexto de produção, na elaboração do texto. E,
desse modo, oportunizar a maior abordagem de aspectos formais e da
coerência (progressão retomada, relação de sentidos e não –contradição),
sempre de acordo com a situação de comunicação, socialmente produzida.
Em se tratando de trabalhar com gêneros discursivos (e não
textuais), Rojo (2005) afirma que “ambas as vertentes encontravam-se enraizadas
em diferentes releituras da herança bahktiniana, sendo que a primeira – teoria dos
gêneros do discurso – centrava-se sobretudo no estudo das situações de produção
dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos”. Portanto, segundo a
autora, essa vertente tende a selecionar os aspectos da materialidade lingüística,
seguindo os parâmetros da enunciação, sem pretender esgotar a descrição dos
aspectos lingüísticos, mas ressalta as marcas lingüísticas decorrentes ou produzidas
pelas significações e temas de relevância no contexto.
Para Bakhtin (1997), separar a linguagem do seu conteúdo
ideológico ou vivencial é um grande equívoco da lingüística formalista, mostrando
que esta é influenciada pela filologia que se fundamenta em enunciações isoladas,
fechadas e monológicas, por ignorar o contexto em que a enunciação ocorre. De
30
acordo com Rojo (2005, p. 196), os gêneros do discurso apresentam três dimensões
essenciais e indissociáveis:
os temas- conteúdos ideologicamente conformados – que se tornam
comunicáveis (dizíveis) através do gênero;
os elementos de estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas
pelos textos pertencentes ao gênero (forma composicional);
as configurações específicas das unidades de linguagem, traços da
posição enunciativa do locutor e da forma composicional do gênero
(marcas linguisticas ou estilo).
Analisando a visão de Rojo, o centro organizacional de toda
enunciação não é interior, mas exterior, situado no meio social onde está o
indivíduo. Nesse sentido, não pode ser um fato individual, uma vez que é organizado
fora dele, pelas condições determinadas pelo meio social. Assim, o autor define a
elaboração da enunciação: “A estrutura da enunciação e da atividade mental a
exprimir é de natureza social [...]. Cada elo dessa cadeia é social, assim como toda a
dinâmica de sua evolução” (BAKHTIN, 1997, p. 308-316).
Para Geraldi (1991), a análise lingüística não deve ser entendida
como a gramática aplicada ao texto, mas como um deslocamento da reflexão
gramatical, a fim de construir conhecimento e não reconhecer as estruturas. Emerge,
portanto, a idéia de que a compreensão da língua não é um sistema abstrato de
formas lingüísticas, mas a interação verbal que constitui a sua realidade
fundamental. Para Perfeito (2005), considera-se que na concepção interativa de
linguagem, o discurso, quando produzido, se manifesta por meio de textos e todo
texto se organiza dentro de determinado gênero.
Dessa forma, existem sempre modos diferentes de falar, muitas
linguagens, constituídas pelo extralingüístico, refletindo a diversidade da experiência
social. Logo, podemos considerar a língua inseparável do fluxo da comunicação
verbal, sendo transmitida, não como um produto acabado, mas como algo que se
constitui continuamente na corrente da comunicação verbal.
Assim, nas últimas décadas, sobretudo, a partir da Lingüística da
Enunciação, da Análise do Discurso e da Pragmática, há uma mudança de enfoque
no ensino de Língua Materna: a linguagem passa a ser vista como uma forma de
interação, servindo para o indivíduo agir sobre o outro e sobre a linguagem, ou seja,
para interagir. (KOCH, 2003).
31
No entanto, a partir dos anos 90 no Brasil, a prática da Escola
Histórico-Crítica, aponta o professor não mais como um mero transmissor de
informações, mas como um mediador do conhecimento. Nessa perspectiva, o aluno
passa a ser um sujeito concreto, com sua história de vida, dentro de um contexto
sócio-cultural. Já na prática pedagógica, há ênfase na construção de significados, na
contextualização, no diálogo em sala de aula. Por sua vez, aquela visão em que
somente a norma culta deve ser privilegiada vai sendo substituída pela eficácia e
proficiência no uso das modalidades lingüísticas, nas diferentes situações de fala,
adequadas ao contexto educacional do indivíduo.
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo
ato psicofisiológico da sua produção, mas pelo fenômeno social da
interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua
(BAKHTIN, 1995, p. 123).
Para Geraldi (1991), não só a linguagem se constitui pelo trabalho
dos sujeitos, como estes se constituem pelo trabalho lingüístico, em processo
recíproco. Neste, dá-se uma ação própria da linguagem que limita e estabiliza
formas de raciocínio e formas de compreensão do mundo. Por sua vez, as ações
com a linguagem a as ações sobre a linguagem produzem a possibilidade de ir além
desses limites, de forma que se repete a oscilação entre a estabilidade e a mudança.
Esse autor defende que, em ambas, o trabalho lingüístico constrói uma e outra, tanto
as possibilidades de raciocínio lógico-linguístico quanto os sistemas de referência,
ou seja, de acordo com Bakhtin (1995), sistemas ideológicos (moral, arte, religião,
ciência), cristalizando-se em uma interação dialética constante.
Partilhando dessa mesma concepção, Geraldi (1991) afirma que a
Língua e seu ensino, ao contemplar seu caráter evolutivo, identifica-se com o
processo de viver e com o processo de interagir. O ensino de Língua Portuguesa, se
não identificado com o meio social, torna-se mais um elemento excludente na
escola, pois não se percebe seu reflexo na ação cidadã de compreender e interagir
com a linguagem social do indivíduo
Sob a ótica bakhtiniana, é no fluxo da interação verbal que a palavra
se concretiza como signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes
significados, de acordo com o contexto em que ela surge. Dessa forma, o diálogo
revela-se como a tessitura da vida pela linguagem. Assim, à medida que o
32
conhecimento é sistematizado, na interação dialética constante, as idéias e as
experiências dos homens são difundidas textualmente.
É importante salientar que, na concepção de linguagem como
interação, o uso lingüístico é visto com um processo histórico e social. Nessa
concepção, o objeto de trabalho não é mais a palavra ou frases isoladas, mas sim o
texto e toda a sua dimensão discursiva. Com base nessa idéia, Perfeito argumenta
que:
[...] discurso, gênero e texto, e não mais possibilidades e explicação dos
fenômenos básicos da frase, passam a ser considerados, aliados aos novos
estudos sobre pensamento e linguagem, nos quais a prevalência e
importância desta sobre aquele é (re)estabelecida (PERFEITO, 2005, p. 48).
Nesse contexto, o objetivo do ensino de línguas, segundo a
concepção de linguagem como forma de interação, é desenvolver a competência
comunicativa do aluno, levando-o a adequar o uso da língua às mais diversas
situações e tendo como objeto de ensino o gênero, uma vez que ninguém se
comunica somente por frases. Quando o indivíduo utiliza a língua de modo variado,
automaticamente ele produz diferentes efeitos de sentido e procura adequar o texto
a diferentes situações de interlocução oral e escrita, o que contribui para a sua
competência lingüística.
Assim, consideramos que, na concepção como forma interativa, o
discurso, quando produzido, se manifesta por meio de textos e todo texto se
organiza dentro de um determinado gênero, o qual, segundo os PCNs (BRASIL,
1998), torna-se objeto de ensino.
Sob essa ótica, a importância e o valor da linguagem são
determinados historicamente segundo as exigências sociais de cada momento. A
necessidade de atender a certas exigências obriga o sistema a rever os métodos de
ensino e a constituição de práticas que possibilitem ao aluno ampliar sua
competência discursiva na interlocução, ou seja,
um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito capaz de utilizar a
língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e
adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o
que aqui se chama de competência lingüística e estilística. (BRASIL, 1998,
p. 23).
Desse modo, o ponto alto do desenvolvimento é a linguagem, é na
construção dela que os indivíduos criam vida como sujeitos, é no interior das
33
formações social e ideológica que os discursos adquirem seu significado próprio.
Nesse aspecto, “A língua se deduz da necessidade do homem de expressar-se, de
exteriorizar-se. A essência da língua, de uma forma ou de outra, resume-se à
criatividade espiritual do indivíduo” (BAKHTIN, 1997, p. 289). Isto explica porque o
texto pode ter confrontos de sentidos, reapresentando pensamentos diversos.
Pode-se, então, afirmar que ninguém está certo ou errado, mesmo
quando comete falhas gramaticais. A Língua Portuguesa não tem a função de julgar,
mas de recontar a história do Brasil, seus hábitos e culturas. Assim, a língua reflete a
imagem de seu falante, pois é um elo da identidade do povo brasileiro,
considerando-se a história da língua portuguesa como um processo dinâmico. Sua
evolução pode ser acompanhada por meio de sons, imagens, palavras, frases
completas ou expressões desconexas.
2.2 O
S PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNS)
A educação deve encarregar-se de propiciar o desenvolvimento das
pessoas e das sociedades, daí a necessidade de se construir uma escola voltada
para a formação da cidadania. Atualmente, há uma competição exacerbada entre os
que disputam um espaço no mercado de trabalho, provavelmente em razão dos
progressos e avanços tecnológicos, que reduziram a oferta de emprego. Como o
mercado de trabalho impõe novas exigências, o sistema (educacional) exige uma
revisão dos currículos, cuja função é orientar o trabalho cotidiano realizado pelos
professores, especialistas e pesquisadores em educação no nosso país.
Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são
elaborados com a intenção de ampliar e aprofundar um debate educacional que
envolva escolas, pais, governos e sociedade, com o objetivo de melhorar cada vez
mais a educação em nosso país e criar condições, nas escolas, que permitam aos
jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e
reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.
O trabalho se faz com a participação de muitos educadores
brasileiros com marcas de suas experiências e de suas pesquisas, com o fim de
discussões pedagógicas atuais. Tais discussões se desenvolvem a partir de
34
documentos elaborados, por especialistas da educação e de outras áreas, além de
instituições governamentais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998,
p. 7-8) indicam como objetivos do ensino fundamental que os alunos sejam capazes
de:
compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia-a-dia,
atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro
e exigindo para si mesmo o respeito;
posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes
situações, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar
decisões coletivas;
conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,
materiais, e culturais como meio para construir progressivamente a noção de
identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao país;
conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem
como aspectos socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra
qualquer discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de
crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais;
perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,
identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente
para a melhoria do meio ambiente;
desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo, o sentimento de confiança
em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação
pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de
conhecimento e no exercício da cidadania;
conhecer o próprio corpo e dele cuidar, valorizando e adotando hábitos
saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com
responsabilidade e relação à saúde e à saúde coletiva;
utilizar as diferentes linguagens – verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e
corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas
idéias,interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e
privados, atendendo a diferentes intenções situações de comunicação;
35
saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para
adquirir e construir conhecimentos;
questionar a realidade formulando problemas e tratando de resolvê-los, utilizando
para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise
crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.
Uma das discussões mais freqüentes atualmente na área de
educação engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e seu reflexo no
ensino. No que se refere à língua portuguesa, os PCNs (BRASIL, 1998) vêm
apresentar propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno
diante da sua língua e que mostram as variedades e pluralidade de uso inerente a
qualquer idioma.
Entretanto, algumas idéias que aparecem nos PCNs (BRASIL, 1998)
não são tão recentes, pelo contrário, são objetos de debates há décadas, como é o
caso, por exemplo, dos pressupostos da Lingüística Textual. A reação dos
profissionais de educação diante desse material não tem sido das melhores. As
críticas, por vezes fundamentadas, abarcam desde o caráter dos parâmetros,
considerados por alguns como impositivo e fora da realidade brasileira, até as
teorias lingüísticas e pedagógicas que norteiam o texto. Nem sempre, porém, os
críticos se voltam para o texto dos PCNs com o olhar de quem conhece a realidade
da sala de aula e as necessidades dos alunos. É nesse aspecto que os PCNs
colaboram na formação de cidadãos críticos e conscientes.
Também nesses PCNs (BRASIL, 1998), na primeira parte, propõe-
se a interdisciplinaridade, para que o aluno considere a língua em uma perspectiva
mais ampla, e a relação da disciplina com os temas transversais que os norteiam
(ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho e
consumo); e, na segunda parte, constam informações sobre projetos, uso de
tecnologia em sala de aula e critérios de avaliação. Esses aspectos, entretanto, não
serão detalhadamente comentados, por considerar-se que eles se referem mais a
questões gerais do que à área específica de Língua Portuguesa.
Na primeira parte, a Língua Portuguesa é apresentada como uma
área em mudança no que se refere ao ensino, pois tem se passado do excesso de
regras e tradicionalismo típicos das escolas para um questionamento de regras e
comportamentos lingüísticos. Geralmente o texto é usado como pretexto para retirar
36
exemplos de “bom uso” da língua, descontextualizado e fora da realidade do aluno,
mostrando uma “teoria gramatical inconsistente” (BRASIL, 1998, p.18).
No entanto, a perspectiva mais crítica de ensino de língua apresenta
a leitura e a produção de textos como a base para a formação do aluno, mostrando
que a língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas
pelo uso e pela situação discursiva. Assim, o texto é visto como unidade de ensino e
a diversidade de gêneros deve ser privilegiada na escola.
O ponto de discussão dessa perspectiva de ensino de língua mais
produtivo aparece no próprio texto dos PCNs onde “toda educação comprometida
com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa
desenvolver sua competência discursiva” (BRASIL, 1998, p. 23). É, portanto, na
percepção das situações discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão
e exercer seus direitos como usuário da língua.
Para que essa idéia possa ser aplicada, é necessário que o foco do
ensino saia das regras pré-estabelecidas para se basear na análise de textos,
visando à compreensão e produção. A novidade dos PCNs (BRASIL,1998) é a
inclusão de textos orais no ensino de línguas, porque não é comum os livros
didáticos e os professores enfatizarem a oralidade na sala de aula. Portanto, é a
pluralidade de textos, orais ou escritos, literários ou não, que fará o aluno perceber
como se estrutura a língua.
Outro aspecto importante, nesse contexto, é a importância do
trabalho com textos produzidos pelos próprios alunos. As chamadas “redações”,
geralmente textos sem objetivos e produzidos meramente como avaliação,
passariam a ser material de apoio para os professores, uma vez que poderiam ser
analisadas e utilizadas em sala para mostrar aos alunos que eles são produtores de
textos e que a gramática não é algo tão abstrato. Sugere-se, então, que se refaçam
os textos dos alunos como exercício de análise lingüística e prática textual. Assim,
pode-se fazer uma reflexão sobre língua e linguagem e, comparando textos orais e
escritos, dos mais diversos gêneros, o aluno vai percebendo as variações
lingüísticas.
Com relação à segunda parte dos PCNs de ensino fundamental para
terceiro e quarto ciclos, o que mais chama a atenção é a maneira como são
apresentadas as diferentes práticas de trabalho com a linguagem, cujo objetivo é
desenvolver no aluno:
37
[...] o domínio da expressão oral e escritas em situações de uso público da
linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do
texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s)
e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da
produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados
para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática,
semântica e gramatical. (BRASIL, 1998, p. 49).
Dessa forma, a prática de escuta de textos orais / leitura de textos
escritos, a prática de produção de textos orais e escritos e a prática de análise
lingüística formariam um tripé no qual se sustenta o ensino de língua portuguesa,
funcionando como um bloco na formação dos alunos. Os conteúdos partem,
portanto, de textos, sempre, conforme já foi dito, valorizando e destacando
diferenças e semelhanças, fazendo com que o aluno discuta o que vê lê para
conseguir se sentir usuário da língua e participante do processo de aprendizagem.
Em resumo, tem-se o princípio uso – reflexão – uso. (BRASIL, 1998, p. 65).
Quanto à prática de análise lingüística, ressalta-se, no texto dos
PCNs, que ela não é um novo nome para o ensino de gramática, mas uma maneira
de perceber fenômenos lingüísticos e relacioná-los aos textos.
Quando se pensa o texto como unidade de ensino, ainda que se
considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma caracterização
preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades lingüísticas dos gêneros
em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isso
aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros
(BRASIL, 1998, p. 78-79).
38
3 GÊNEROS DISCURSIVOS
Conforme posto, a atenção se volta para o trabalho com os gêneros,
prova disso são os documentos oficiais que sinalizam e orientam para a importância
dos gêneros como objeto de ensino.
Segundo Bakhtin (1997), denomina-se gênero discursivo “qualquer
enunciado considerado isoladamente, é claro, individual, mas cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados sendo
isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997, p. 279). Os gêneros
do discurso, segundo esse autor, são uma porta de acesso para a interação verbal
entre os homens nas esferas sociais.
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a
variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa
atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai
diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se
desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 279)
Dessa forma, ressaltamos a heterogeneidade dos gêneros do
discurso (orais e escritos), que envolvem diferentes tipos de diálogos e as mais
variadas formas de exposição científica e modos literários. Nesse sentido, os
gêneros variam assim como a língua, a qual é viva e não estanque, ou seja,
conforme Bakhtin (1997), toda manifestação lingüística se dá como discurso.
Foi Bakhtin, no começo do século XX, que mencionou a idéia de que
os “tipos de textos” são incontáveis e que todos têm um conjunto de características
relativamente estáveis que os diferenciam dos demais: tema, estrutura e estilo. Nada
mais justo que diversificar os textos em aula.
Atualmente, parece haver um consenso na área de ensino de língua
materna - se não efetivado nas práticas escolares, pelo menos verbalizado
teoricamente – de que é necessário trabalhar com uma diversidade textual,
na medida em que não existe um tipo de texto prototípico que possa
“ensinar” a compreender e a produzir textos pertencentes a todos os tipos
existentes (BARBOSA, 2000, p. 152).
Nesse sentido, percebe-se que há diversos “tipos de textos”, pois as
comunidades lingüísticas são heterogêneas e nelas se encontram várias formas de
linguagem, onde são verificados os efeitos de sentido que o texto produz de acordo
com suas condições de produção.
39
A esse respeito, Brait (2000) discute as diferenças existentes entre
gêneros discursivos e tipologias textuais, relacionando algumas conseqüências para
o ensino de leitura e produção de textos. Com base teórica bakhtiniana, mas em
diálogo com outras concepções que privilegiam o texto, a idéia em questão é
enfatizar que :
Na medida em que o conceito de linguagem e de ensino privilegiados
envolvem indivíduo, história, cultura e sociedade,em uma relação dinâmica
entre produção, circulação e recepção de textos, os conceitos de gêneros
discursivos e tipologias textuais, feitas as devidas diferenças e observado o
diálogo constitutivo que os une, contribuem para um trabalho efetivo com a
língua e a literatura, tanto no que diz respeito a suas estabilidades quanto
instabilidades, provocadas pelas coerções do uso nas diversas atividades
humanas em diferentes momentos históricos (BRAIT, 2000, p. 14).
Conforme Bakhtin, os enunciados e os gêneros do discurso são o
resultado do produto social, e as ações comunicativas acontecem na sociedade,
sendo a mesma a responsável pelos enunciados entrecruzados, que são os elos da
cadeia do discurso comunicativo. Nesse sentido, a comunicação só é possível
através dos gêneros discursivos. “Se não existissem os gêneros do discurso, se não
os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala,
se tivéssemos que construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal
seria quase impossível.” (BAKHTIN, 1997, p. 302).
Rodrigues (2005) enfatiza que as idéias bakhtinianas têm provocado
discussões teóricas e desenvolvimentos pedagógicos na área de ensino de línguas
a partir de meados da década de 80. Nessa perspectiva, o conhecimento de Língua
Materna redimensiona as composições vocabulares e estruturas gramaticais,
enfocando enunciados concretos que produzimos e ouvimos nas comunicações
discursivas, com as pessoas de nosso convívio.
A comunicação verbal na vida cotidiana não deixa de dispor de gêneros
criativos. Esses gêneros do discurso nos são dados quase como é dada a
língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe
estudemos a gramática. A língua materna – a composição de seu léxico e
sua estrutura gramatical – não a aprendemos nos dicionários e nas
gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos
e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os
indivíduos que nos rodeiam (BAKHTIN, 1997, p. 301).
Nessa abordagem, percebemos que, quando aprendemos a falar,
estruturamos enunciados, portanto os gêneros do discurso organizam nossa fala da
40
mesma forma que organizam as formas gramaticais, entretanto modelamos nossa
fala através dos gêneros.
Em decorrência, optamos nesse trabalho pela noção bakhtiniana de
gêneros do discurso, pelo conceito de gênero como objeto discursivo ou enunciativo,
por estarem fundamentados nos PCNs (BRASIL, 1998) de Língua Portuguesa e por
centrar-se nas situações de produção dos enunciados ou textos em seus aspectos
sócio-históricos (ROJO, 2005). As dimensões dos gêneros discursivos de Bakhtin
(1997), já citadas anteriormente, são determinadas pelos parâmetros da situação de
produção dos enunciados e pela apreciação valorativa do locutor a respeito dos
temas, do interlocutor e de seu discurso. Nesse aspecto, o objetivo é abordar as
marcas lingüísticas que se refletem e se refratam no enunciado/texto,
Segundo Bakhtin (1997), em toda comunidade lingüística, os textos
produzidos se distribuem em gêneros reconhecidos como tais; gêneros que têm, em
geral, nomes que permitem designá-los, falar deles, avaliá-los, e que regulam em
grande parte o comportamento de linguagem. Mais precisamente, e sempre com
base em Bakhtin, podem-se definir três dimensões que formam a identidade de um
gênero: o que é dizível por meio dele (o conteúdo temático), a forma de organização
do dito (a estrutura composicional) e os meios lingüísticos que operam para dizê-lo
(o estilo). A partir dessas dimensões, Rojo (2005, p. 197) afirma :
São elementos essenciais desta situação social mais imediata os parceiros
da interlocução: o locutor e seu interlocutor, ou horizonte/auditório social, a
quem a palavra do locutor se dirige. São as relações sociais, institucionais e
interpessoais desta parceria, vistas a partir do foco da apreciação valorativa
do locutor, que determinam muitos aspectos temáticos, composicionais e
estilísticos do texto ou discurso.
Desta maneira, as relações dos parceiros da enunciação seguem
uma estrutura organizada nos devidos lugares sociais, nas diferentes instituições e
situações de produção de discursos, tanto nas esferas do cotidiano quanto dos
sistemas ideológicos constituídos.
Segundo Machado (2005), em outra época, os gêneros eram
classificados como formas poéticas: lírico, épico e dramático. Foi na literatura que se
consagrou o gênero literário. Para Bakhtin (1997), os gêneros passam a ser
focalizados como relações interativas, processos produtivos de linguagem. Há
muitos gêneros híbridos, devido a algumas variabilidades e mobilidades discursivas
nos gêneros prosaicos. A prosificação da cultura letrada pode ser considerada um
41
processo de grande evolução, pois é possível discutir idéias e criar senso crítico em
relação ao mundo. Bakhtin (1997) discorre sobre a transmutação dos gêneros e a
assimilação de um gênero por outro gerando novos.
De acordo com o exposto, as relações entre os parceiros da
interlocução são determinadas pelas esferas comunicativas, que são divididas em
dois grupos, de acordo com Bakhtin (1997), que distingue os gêneros primários
(cotidiano), aqueles que não precisam ser ensinados na escola, dos secundários
(comunicação produzida a partir de códigos culturais elaborados, como a escrita),
esses gêneros exigem maior planejamento para serem usados. Precisam, pois, ser
ensinados na escola para que os alunos possam dominá-los como instrumento de
comunicação, indispensável para o exercício da cidadania.
De acordo com Brait e Melo (2005, p. 89), em relação à esfera de
atividade humana, gênero e estilo:
[...] cada esfera conhece gêneros apropriados as suas especificidades. A
esses gêneros correspondem determinados estilos. Uma dada função, seja
ela científica, técnica, religiosa, oficial, cotidiana, somada às condições
específicas de cada uma das esferas da comunicação, geram um dado
gênero, ou seja, um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto
de vista temático, composicional e estilístico. Aqui, sem dúvida, se
pensamos no estágio atual da construção do conhecimento, em nossa
cultura e nos círculos acadêmicos em geral, certamente saberemos apontar
alguns gêneros e as coerções que determinam sua temática,sua forma
composicional e seu estilo. Mas saberemos, também, em meio às
estabilidades, apontar o que há de marca autoral em artigos, monografias,
teses, aulas expositivas, seminários, conferências.
Nesse contexto, cada esfera conhece gêneros apropriados a suas
especificidades, no entanto, a esses gêneros correspondem determinados estilos.
Segundo os PCNs de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), o trabalho com textos, via
gêneros do discurso, é relevante, pois os textos se organizam sempre dentro de
certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os
caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero (BRASIL, 1998, p. 23).
Pelo fato de os gêneros existirem em um número ilimitado, é necessário que a
escola os priorize, de acordo com a necessidade dos alunos.
O gênero é fundamental na escola, visto que, segundo Schneuwly e
Dolz (2004, p. 71), é utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e
os objetos escolares, mais particularmente, no domínio do ensino da produção de
textos orais e escritos. No afã de favorecer a aprendizagem da escrita de textos, a
42
escola sempre teve contato com gêneros, mas restringiu seus ensinamentos aos
aspectos estruturais ou formais dos textos.
Para Lopes-Rossi (2002), cabe ao professor, selecionar de acordo
com sua turma os gêneros a serem desenvolvidos, criar condições para que os
alunos possam apropriar-se de características discursivas e lingüísticas de diversos
gêneros para que eles tenham uma certa competência para desenvolver
conhecimentos lingüísticos referentes ao léxico e à estrutura da língua. Nesse
contexto, Bakhtin afirma:
São muitas as pessoas que, dominando magnificamente a língua, sentem-
se logo desamparadas em certas esferas da comunicação verbal,
precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gênero
de uma dada esfera [...] É de acordo com nosso domínio dos gêneros que
usamos com desembaraço, que descobrimos mais depressa e melhor
nossa individualidade neles (quando isso nos é possível e útil), que
refletimos, com maior agilidade,a situação irreproduzível da comunicação
verbal, que realizamos, com o máximo de perfeição, (o intuito discursivo que
livremente concebemos) (BAKHTIN, 1997, p. 303-304).
A idéia de introduzir gêneros discursivos como proposta para o
ensino, oferece oportunidade ao aluno de ter contato com diferentes textos que
circulam na sociedade. Segundo Lopes-Rossi (2002, p. 37), “a percepção do
professor com relação às necessidades de seus alunos e às possibilidades de
criação em sala de aula de um contexto adequado à produção de determinados
gêneros o guiará as escolhas.”
Barbosa (2000), ao discutir os gêneros discursivos, afirma que sua
eleição como objeto de ensino de Língua Portuguesa pode contemplar o complexo
processo de produção e compreensão de textos e com isso fornecer parâmetros
mais claros acerca do que se deve ensinar e avaliar. A partir dessa visão, considera-
se que, na segunda etapa do ensino fundamental, os alunos possam se inteirar mais
do que é recorrente nos gêneros, desde os textos mais informais aos mais formais e
em todos os contextos e situações da vida cotidiana.
Utilizando as palavras de Bakhtin (1997), gêneros são modelos
comunicativos e servem, muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e
prepará-lo para uma determinada reação. Importa aqui situar a questão de se
trabalhar gêneros nas escolas, apontando a diversidade de possibilidades de
observação, procurando saber diferenciá-los, tanto na oralidade quanto na escrita.
43
No que tange aos gêneros no contexto escolar, deveríamos manter
nossas aulas mais dinâmicas, para que pudéssemos solicitar dos alunos um trabalho
buscando como base seu conhecimento prévio, em situações discursivas de seu
cotidiano e de outros contextos que desejamos explorar. É claro que tudo depende
da motivação que investimos em nossos alunos e de que forma iremos propiciar as
atividades. Posto isso, temos a consciência de que os alunos podem se tornar
capazes de apresentar desempenhos de grande valia, desde que estejam inseridos
em seu ambiente. Para Bazerman (2006):
[...] o gênero é uma ferramenta para descobrir os recursos que os alunos
trazem consigo, ou seja, os gêneros que trazem de sua formação e de sua
experiência na sociedade. É também uma ferramenta para definir os
desafios que levarão os alunos a novos domínios até então não explorados
por eles, mas não tão diferentes dos domínios que conhecem a ponto de
serem ininteligíveis (BAZERMAN, 2006, p. 31).
Diante dessas considerações, vemos que a idéia de gênero como
meio de articulação está relacionada às práticas de linguagem e de atividades de
linguagem. Segundo Dolz & Schneuwly (2004), no que se refere às práticas de
linguagem, implicam-se tanto dimensões sociais como cognitivas e lingüísticas do
funcionamento da linguagem numa situação de comunicação particular. Nesse
sentido, as práticas sociais “são o lugar de manifestações do individual e do social
na linguagem” (BAUTIER, 1995, p. 203).
Quanto à atividade de linguagem, ela funciona como uma interface
entre o sujeito e o meio e responde a um motivo geral de representação-
comunicação, e sempre se origina nas situações de comunicação, desenvolvidas em
zonas de cooperação social determinadas. Atribui-se às práticas sociais um papel
determinante na explicação de seu funcionamento. Neste aspecto, a atividade pode
ser definida como um sistema de ações, que produzem, compreendem, interpretam
ou memorizam um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos.
Nesse sentido, para Dolz e Schneuwly (2004), toda ação de
linguagem opera em diversas capacidades por parte do sujeito: capacidades de
ação, capacidades discursivas e capacidades lingüístico-discursivas. Como dizem os
autores, “é através dos gêneros que as práticas de linguagem materializam-se nas
atividades dos aprendizes” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 74). Dessa forma, como
os gêneros permitem a possibilidade de comunicação, estabilizam os elementos
formais e rituais das práticas de linguagem.
44
Para definir um gênero como suporte de uma atividade de linguagem três
dimensões parecem essenciais: 1) os conteúdos e os conhecimentos que
se tornam dizíveis por meio dele; 2) os elementos das estruturas
comunicativas e semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como e
pertencentes ao gênero; 3) as configurações específicas de unidades de
linguagem, traços, principalmente, da posição enunciativa do enunciador e
dos conjuntos particulares de seqüências textuais e de tipos discursivos que
formam sua estrutura. O gênero, assim definido, atravessa a
heterogeneidade das práticas de linguagem e faz emergir toda uma série de
regularidades no uso (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 75).
Partindo dessa idéia, é que se insere a questão da aprendizagem,
mediante as práticas e as atividades de linguagem. Por meio delas, o aluno será
capaz de construir seu próprio trabalho de produção escrita. Nesse sentido, o
gênero passa a ser considerado um megainstrumento que fornece subsídios em
várias situações de aprendizagem. A prática de linguagem fornece um ponto de vista
contextual e social das experiências humanas (e do funcionamento da linguagem);
as atividades de linguagem abrangem um aspecto psicológico para dar conta dos
mecanismos de construção interna das experiências acumuladas pela sociedade no
decorrer de sua história. “É através dos gêneros que as práticas de linguagem
marterializam-se nas atividades dos aprendizes” (SCHNEWLY; DOLZ, 2004, p. 74).
Para Barbosa (2003), os gêneros são instrumentos que medeiam,
dão forma, viabilizam a materialização de uma atividade de linguagem e fornecem
pistas sobre o que e como ensinar de forma contextualizada.
Megainstrumento no sentido de que um gênero não só é um instrumento de
uso da língua em si mesmo, como também traz dentro de si instrumentos
menores: aspectos estruturais, formas gramaticais, etc. Apropriar-se de um
gênero e relacioná-lo com seu(s) contexto(s) de produção é garantir grande
parte do caminho andado na direção da mestria e domínio do seu uso, seja
para atividades de compreensão, seja para atividades de produção, ou ,
ainda, para atividades de análise lingüística. (BARBOSA, 2003, p. 6).
Dessa forma, a escola pode ampliar e enriquecer seus programas
curriculares, possibilitando ao professor o trabalho com diferentes gêneros
discursivos como objeto de ensino. Neste contexto, o professor deve ter em mente
que não existe só um tipo de texto, considerando que cada gênero supõe
capacidades diferentes para sua compreensão e produção.
O trabalho com os gêneros leva em conta usos e funções numa
situação comunicativa. Com eles, as aulas de Língua Portuguesa podem deixar de
ter um caráter dogmático ou fossilizado, pois os alunos podem trocar experiências e
construir conhecimento na interação com o objeto de estudo. Gêneros são tidos
45
como um valioso instrumento, pois abordam vários assuntos: “gênero dá forma a
nossas ações e intenções” (BAZERMAN, 2006, p. 10), ainda segundo o autor:
Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de
ser. São frames para a ação social. São ambientes para a aprendizagem.
São os lugares onde o sentido é construído. Os gêneros moldam os
pensamentos que formamos e as comunicações através das quais
interagimos. Gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos
para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os
modelos que utilizamos para explorar o não familiar. (BAZERMAN, 2006, p.
23).
A partir disso, convém salientarmos que o gênero é um lugar de
interação humana, onde obtemos novos domínios discursivos, a fim de fazermos uso
da linguagem para as nossas atividades sociais, pois os gêneros são enunciados
variados, múltiplos e heterogêneos. Assim, toda atividade lingüística acontece em
forma de discurso, não isolada, mas provém de muitos outros discursos inseridos na
sociedade.
Ainda citando Bazerman (2006, p. 29), “os gêneros constituem um
recurso rico e multidimensional que nos ajuda a localizar nossa ação discursiva em
relação a situações altamente estruturadas”.
Dolz Schneuwly (2004), para efeitos de organização do trabalho
pedagógico, apresentam uma proposta de categorização por agrupamentos de
gêneros em ordens ainda que incompleta e flexível, sujeita a incorporações de
gêneros e de ordens e à discussão de hibridismos. A categorização, para fins
pedagógicos, faz-se necessária, segundo os autores, em virtude da diversidade dos
gêneros, seu número muito grande, praticamente inesgotável, tais como gêneros do
narrar, do relatar, do argumentar, do expor e do instruir. Não querem dizer com isso
que se esgotam as possibilidades de existência de gêneros para as diferentes
práticas culturais e determinadas pelas sociedades em que se inserem os falantes
da língua.
Perfeito (2005), ao retomar as idéias veiculadas pelos PCNs
(BRASIL, 1998), reitera que o gênero deve ser tomado como objeto de ensino de
língua e o texto, como unidade de ensino: elemento integrador. A proposta do
agrupamento dos gêneros por ordens é definida pelos domínios sociais, aspectos
tipológicos e capacidades de linguagem dominantes, conforme o quadro abaixo:
46
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem dominantes
Exemplos de gêneros orais
e escritos
Cultura literária ficcional
Narrar
Mimeses da ação através da criação da
intriga no domínio do verossímil
conto maravilhoso
conto de fadas
fábula
lenda
narrativa de aventura
narrativa de ficção científica
narrativa de enigma
narrativa mítica
sketch ou história engraçada
biografia romanceada
romance
romance histórico
novela fantástica
conto
crônica literária
adivinha
piada
Documentação e memorização das ações
humanas
Relatar
Representação pelo discurso de
experiências vividas, situadas no
tempo
relato de experiência vivida
relato de viagem
diário íntimo
testemunho
anedota ou caso
autobiografia
curriculum vitae
...
notícia
reportagem
crônica social
crônica esportiva
...
histórico
relato histórico
ensaio ou perfil biográfico
biografia
...
Domínios sociais de comunicação
Aspectos tipológicos
Capacidades de linguagem dominantes
Exemplos de gêneros orais
e escritos
Discussão de problemas sociais
controversos
Argumentar
Sustentação, refutação e negociação
de tomadas de posição
textos de opinião
diálogo argumentativo
carta de leitor
carta de reclamação
carta de solicitação
deliberação informal
47
debate regrado
assembléia
discurso de defesa (advocacia)
discurso de acusação (advocacia)
resenha crítica
artigos de opinião ou assinados
editorial
ensaio
...
Transmissão e construção de saberes
Expor
Apresentação textual de diferentes
formas dos saberes
texto expositivo (em livro didático)
exposição oral
seminário
conferência
comunicação oral
palestra
entrevista de especialista
verbete
artigo enciclopédico
texto explicativo
tomada de notas
resumo de textos expositivos e
explicativos
resenha
relatório científico
relatório oral de experiência
...
Instruções e prescrições
Descrever Ações
Regulação mútua de comportamentos
instruções de montagem
receita
regulamento
regras de jogo
instruções de uso
comandos diversos
textos prescritivos
Quadro 1 - Proposta provisória de agrupamento de gêneros
Fonte: Dolz e
Schneuwly , 2004, p. 60-61.
Mediante essas categorias, privilegia-se nesta dissertação o gênero
discursivo crônica jornalística, da ordem do relatar, o qual está cada vez mais
presente nas aulas e manuais de línguas, não só no Brasil mas também em outros
países (o que demonstra a influência da mídia no mundo em geral e uma prática de
letramento presente e difundida entre vários povos). Considerando-se que os
gêneros jornalísticos apresentam uma grande relevância social, as pesquisas desse
tipo podem trazer subsídios não só para os profissionais da área do jornalismo,
como também para a educação e formação do cidadão crítico.
48
Segundo Bazerman (2006), o gênero é uma ferramenta para
descobrir os recursos que os alunos trazem consigo, ou seja, os gêneros que trazem
de sua formação e de sua experiência na sociedade. É também uma ferramenta
para definir os desafios que levarão os alunos a novos domínios até então não
explorados por eles, mas não tão diferentes dos domínios que conhecem a ponto de
serem ininteligíveis.
Diante dessa abordagem, o gênero discursivo dentro da concepção
bakhtiniana repercute no processo de interação verbal, não apenas por palavras,
mas por linguagens da comunicação, seja dos ritos ou das mediações tecnológicas.
Ao valorizar as esferas de usos da linguagem, abriu-se caminho para as realizações
que vão além do domínio da voz, tais como os meios de comunicação de massa e
as mídias eletrônico-digitais.
Um dos objetivos deste trabalho é justamente a análise lingüística na
leitura do gênero crônica jornalística, como objeto de ensino, possibilitando com
essa amostragem um novo caminho interpretativo da linguagem.
49
4 A HISTORICIDADE DA CRÔNICA E SUAS CARACTERÍSTICAS
Saber um pouco mais sobre o papel da crônica como gênero
jornalístico e literário é um dos principais pontos discutidos neste capítulo. Incluem-
se observações sobre a história e o papel do gênero, quando apresentado em um
veículo de comunicação no jornal impresso. Os cronistas, “historiadores das coisas
miúdas”, foram e ainda são de extrema importância para os leitores de um modo
geral.
De acordo com o exposto, foram escolhidas para este trabalho as
crônicas jornalísticas do colunista-humorista José Simão da Folha de São Paulo,
pelo fato de as mesmas servirem para atenuar o impacto de notícias desagradáveis,
pois a estrutura de sua linguagem e os recursos estilísticos usados possibilitam a
construção do efeito humorístico. Vale lembrar, no entanto, que a intenção não foi
fazer uma biografia do autor escolhido, e sim, mostrar suas atuações através da
análise de seus textos.
Segundo Melo (2005), a crônica é um gênero do jornalismo
contemporâneo, cujas raízes localizam-se na história e na literatura, constituindo
suas primeiras expressões escritas. Na literatura, a crônica afigura-se como texto
primário, produzido por espectadores privilegiados. A crônica histórica assume,
portanto, o caráter de relato circunstanciado sobre feitos, cenários e personagens, a
partir da observação do próprio narrador ou tomando como fonte de referência as
informações reunidas junto a protagonistas ou testemunhas oculares. A intenção é
explicitamente resgatar episódios da vida social para o uso da posteridade,
impedindo, segundo Heródoto (apud MELO, 2005, p. 140),que as ações realizadas
pelos homens se apaguem com o tempo”.
No princípio, a crônica teve uma função histórico-narrativa; em
Portugal, no século XV, Fernão Lopes destacou-se escrevendo a história de seu
país, foi o cronista-mor do reino. No século XVI, o gênero, com feição mais
descritiva, abarcava as crônicas de viagens dos autores que, deslumbrados com o
novo continente, tentavam passar o que viam, da maneira mais documental possível,
para o leitor europeu. É desta época nossa crônica mais famosa: a carta de
descobrimento do Brasil (HARTUIQUE, 2003).
Para Bender e Laurito (1993, p. 15), a crônica jornalística dos dias
50
de hoje teve sua origem no folhetim francês do século XIX, que se destinava a
entreter o leitor e a lhe dar uma pausa para o descanso, “em meio à enxurrada de
notícias graves e pesadas que ocupavam [...] as páginas dos periódicos”. A palavra
“crônica” permaneceu na língua portuguesa com o sentido antigo de narrativa
vinculada ao registro de acontecimentos históricos.
Nessa perspectiva, a palavra grega chronos significa “tempo”
(BENDER; LAURITO, 1993, p.15). Na mitologia clássica, o deus Cronos é a
personificação do tempo. A palavra crônica não deixa de radicar-se no sentido
original de cronos (tempo). Porém, este termo mudou de sentido em sua evolução,
mas não perdeu o vínculo com o sentido etimológico de sua formação. Em sua
acepção atual, crônica é o enfoque dos fatos do dia-a-dia. Assim, a palavra crônica
pode significar tanto notícias do mundo, como eventos culturais, informes sobre
saúde ou língua, conversas com o público no sentido de resolver dúvidas ou
problemas, narrativas históricas, notícias e/ou comentários esportivos, notícias
sociais. Desta lista, exclui-se “o tecido textual do cronista literário”.
É interessante que, em uma vasta bibliografia, são várias as
definições para a crônica, principalmente aquela encontrada nos jornais e revistas.
Existe quem a considere subliteratura; outros, soma de jornalismo e literatura. Enfim,
ela é mesmo um gênero não satisfatoriamente identificado. Todavia, perturbador,
atraente e gratificante ao mesmo tempo.
Da História e da Literatura, a crônica passa ao jornalismo, sendo um
gênero cultivado pelos escritores que ocupam as colunas da imprensa diária e
periódica para relatar os acontecimentos pessoais. “O característico da verdadeira
crônica é a valoração do fato ao tempo em que se vai narrando. O cronista, ao
relatar algo, nos dá sua versão do acontecimento; põe em sua narração um toque
pessoal” (MELO, 2005, p. 141).
Nesse sentido, de uma forma bem genérica, a crônica se apresenta
como um texto literário dentro do jornal, cuja função é a de ser uma espécie de
avesso, do negativo da notícia. Cada notícia procura a todo custo convencer o leitor
de que determinado fato é importante, crucial. Contudo, na notícia ou artigo
assinado, o propósito é fazer o leitor se incomodar, tomar partido, exigir soluções,
etc. O propósito da crônica é fixar um ponto de vista individual, externo aos fatos,
externo ao próprio jornal. (MELO, 2005).
Em relação ao exposto, percebe-se que a crônica é um gênero
51
indefinível, caracteriza-se pela ambigüidade que não aparece nos outros gêneros. O
cronista na coluna do jornal tem toda uma certa liberdade que permite que ele
retrate uma realidade que ele vê e expõe em sua linguagem.
Sobre a posição da crônica no jornal, Medeiros (2003) afirma que
apenas esporadicamente ela aparecia nos suplementos literários, pois seu lugar era
quase sempre no primeiro caderno, na página do editorial. O percurso da crônica foi
do rodapé no século XIX para a vizinhança do editorial e das colunas dos
articulistas.
Para Alves (2006), a crônica também se apropria da realidade do
cotidiano, como o jornalismo factual, mas procura ir além e mostrar o que está por
trás das aparências. Nutre-se do mundo real, alimenta-se dele, é nele que o cronista
vai buscar inspiração, é nele que encontra assuntos para escrever um texto por dia.
Sem esse alimento, a crônica correrá o risco de se tornar apenas algo banal.
Por pertencer ao jornalismo e à literatura, a crônica se caracteriza por uma
ambigüidade que não aparece nos outros gêneros. Até onde vai o jornalista,
onde começa o escritor? [...]. por jornalismo literário não se deve entender o
jornalismo que se ocupe de assuntos literários; e sim o que se caracteriza
pela potência literária do jornalista -escritor. Um característico relativamente
fácil de ser captado: contanto que se dê tempo ao tempo (BENDER;
LAURITO, 1993, p. 50).
Como se percebe, a crônica é um gênero de classificação ambígua.
Escreve fatos do cotidiano. É um gênero que mistura o épico e o lírico, focaliza
façanhas de heróis ou mostra a felicidade e sensibilidade de pessoas bastante
comuns, e pode ter caráter jornalístico.
Nesse aspecto, não importa se o assunto tratado na crônica é
política, polícia ou esporte. O que vale no texto é o que o cronista capta em um
breve instante, ou seja, são os pequenos momentos que fazem parte da condição
humana, não copiados do real, mas recriados pelo autor e que possibilitam ao leitor
aprender a ler na história "inventada ou recriada" a sua própria história, da qual ele
mesmo faz parte.
É fato que há uma crença de que a crônica seja uma gênero fácil de
escrever, ou até um gênero menor de ficção, sem comprometimento do autor.
Segundo Bender e Laurito (1993, p. 27-28), “esse suposto descompromisso do
cronista - sujeito comprometidíssimo com o seu ofício - não implica mediocrização
do texto”; trata-se de artifício para atrair o leitor.
52
Hartuique (2003), questiona: a crônica é um gênero ligado ao
jornalismo ou à literatura? E cita Bender e Laurito (1993, p. 53), que afirmam que “o
exercício da crônica pode permitir ao prosador que seja também poeta, ao jornalista
que seja filósofo ou místico, ao contador de casos que seja um historiador do
cotidiano ou um trágico que a ela se dedique”, uma vez que, ao falar do cotidiano, o
cronista acaba incluindo, em seus textos, seus sentimentos. No que se refere à
forma, ele se utiliza dos vários modos de organização do discurso: modo
enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo, sem que haja o predomínio de um
sobre os demais. A crônica mistura gêneros discursivos e tem por característica
essa ambigüidade.
Hartuique (2003) cita a proposta de classificação de textos, de
Carneiro (1996, p. 67-69), que emprega, para tal, as propostas da Retórica Clássica
de Aristóteles para os gêneros literários e a classificação das funções da linguagem
de Jakobson. No caso da crônica, a autora questiona se ela se enquadraria na
função criativa (dos gêneros literários clássicos) ou na função interativa (diversos
textos: didáticos, informativos, fáticos, normativos, exortativos, divinatórios,
emotivos). Ela conclui, pela análise da crônica que constitui o corpus de seu
trabalho, que se trata de texto ambíguo, pois pode exercer tanto a função criativa
quanto a interativa.
De acordo com Hartuique (2003), esse texto mais se aproxima de
uma conversa, que é, sem dúvida, o texto mais livre das classificações tipológicas.
Segundo Medeiros (2003), são inúmeros os escritores que escrevem
na imprensa; são muitos os cronistas presentes nos jornais. Os homens de letras
buscavam encontrar no jornal o que não encontravam no livro: notoriedade, em
primeiro lugar; um pouco de dinheiro, se possível. Nesse caso, cada cronista tem
seu estilo peculiar, inclusive quanto à escolha do tipo de texto a que se dedica mais,
pode usar sua produção para uma autocrítica, mas já se sabe humilde e consciente
de sua simplicidade.
Medeiros (2003) conclui que
a crônica é difícil de ser caracterizada,
até porque é polimórfica, como o espaço a ela destinado. A crônica vai tendo suas
marcas fixadas a partir da forma como é escrita em confronto com o que seriam as
marcas do local onde se instala: o jornal, entretanto a crônica vai sendo definida em
oposição a algumas das ilusões características do discurso jornalístico.
53
Ainda hoje há a relação da crônica e o jornalismo. Os jornais ainda
publicam crônicas diariamente, mas seu aspecto literário já é indiscutível. O próprio
fato de conviver com o efêmero propicia uma comunicação que deve ser reveladora,
sensível, insinuante e despretensiosa como só a literatura pode ser. É uma forma de
conhecimento de meandros sutis de nossa realidade e de nossa história.
No Brasil, a crônica se consolidou por volta de 1930 e atualmente
vem adquirindo uma importância maior em nossa literatura graças aos excelentes
escritores que resolveram se dedicar exclusivamente a ela, como Rubem Braga e
Luís Fernando Veríssimo, além dos grandes autores brasileiros como Machado de
Assis, José de Alencar e Carlos Drummond de Andrade, que também resolveram se
dedicar seus talentos a esse gênero. Tudo isso fez com que a crônica se
desenvolvesse no Brasil de forma extremamente significativa (ALVES, 2006).
Hoje, porém, quando se fala em crônica, logo se pensa num gênero
muito diferente da crônica histórica. Agora se trata simplesmente de um relato ou
comentário de fatos corriqueiros do dia-a-dia, fatos de atualidade que alimentam o
noticiário dos jornais desde que se tornaram instrumentos de informação de grande
tiragem, no século passado. A crônica virou uma seção de jornal ou da revista. Para
que se possa compreendê-la adequadamente, em seu modo de ser e sua
significação, deve ser pensada, sem dúvida, em relação com a imprensa, a que
esteve sempre vinculada sua produção.
De acordo com o exposto pela teoria de Dolz e Schneuwly (2004) da
ordem do relatar, o gênero crônica jornalística parte de um conceito de jornalismo de
onde se exclui o relato poético, em detrimento da própria prática jornalística. A
crônica transmite ao leitor seu juízo sobre fatos, idéias e estados psicológicos
pessoais e coletivos. Conforme Coutinho (1965), a crônica jornalística pode ser
definida como uma composição em prosa, breve, que tenta ou experimenta
interpretar a realidade à custa de uma exposição das reações pessoais do artista
frente ao assunto de experiência, podendo assim ser considerada um gênero.
elástico, flexível e livre, que permite maior liberdade no estilo, no assunto e no
método.
Assim como os demais gêneros jornalísticos, a crônica está
intimamente relacionada à atualidade, mas diferentemente do jornalismo mundial,
que vincula o termo “crônica” à narração de fatos de forma cronológica, como
54
documento produzido por cronistas e legitimado pela literatura que a recolheu como
representativa da expressão de uma determinada época no Brasil.
Sob tal ótica, percebe-se que a crônica pretende fazer o leitor pensar
sobre os mais diversos temas corriqueiros que, muitas vezes, escapam aos olhos do
leitor comum. O subjetivismo do autor é marca do gênero e o seu exercício é
definitivamente o que vai aproximar o público do cronista. Enquanto o jornalismo tem
no fato o seu objetivo, seja para informar divulgando-o, seja para comentá-lo
dirigindo a opinião, para a crônica o fato só vale, nas vezes em que ela o utiliza,
como meio ou pretexto, de que o artista retira o máximo partido, com as
virtuosidades de seu estilo, de seu espírito, de sua graça, de suas faculdades
inventivas. É um gênero altamente pessoal, uma reação individual, íntima, ante o
espetáculo da vida, das coisas, dos seres. O cronista é um solitário com ânsia de
comunicar-se.
De acordo com Arrigucci Júnior (1987), a crônica, quase sempre
parte de um flagrante do cotidiano, é um gênero aberto, que admite tanto a narração
como o comentário. É considerado também o casamento entre o jornalismo e a
literatura, que produziu grandes cronistas-escritores. Outro aspecto interessante é
que o cronista pode estar à distância dos fatos, já que a crônica exige um estilo
dinâmico de escrever, pois ela pede um tipo de relato em que o autor não precisa
estar presente quando se dá o episódio, para relatá-lo, podendo recriá-lo pela
invenção.
Conforme já exposto, a crônica tem um ar de aprendizado de uma
matéria literária nova e complicada, pelo grau de heterogeneidade e discrepância de
seus componentes, exigindo também novos meios lingüísticos de penetração e
organização artística: é que nela se afloram em meio ao material do passado,
herança persistente da sociedade tradicional, as novidades burguesas trazidas pelo
processo de modernização do país, de que o jornal é um dos instrumentos
(ARRIGUCCI JÚNIOR, 1987).
Podem ser encontrados na crônica os mesmos recursos estilísticos dos
outros gêneros. Linguagem metafórica, alegorias, repetições, antíteses,
paradoxos, gradação, metonímia, hipérbole, eufemismo, ironia, diminutivos
afetivos, aumentativos depreciativos, suspense... tudo que a elaboração
literária permite pode estar lá, naquele texto, jornalístico também,
aparentemente despretensioso, que parece ao leitor ser fácil, pois “é só
passar para o papel o que a gente pensa ou fala!”. Mas é arte e depende de
talento (BENDER; LAURITO, 1993, p. 76).
55
Segundo Bender e Laurito (1993), o cronista é um “equilibrista do
cotidiano”, pois ele transfere a seus textos acontecimentos do cotidiano, com uma
linguagem livre, mais aberta e cria uma certa intimidade com o leitor, fazendo-o
refletir sobre vários fatos comuns da vida.
Portanto, a crônica é um artigo de jornal que, em vez de relatar ou
comentar acontecimentos do dia, oferece reflexões sobre literatura, teatro, política,
acidentes, crimes e processos, e sobre os pequenos fatos da vida cotidiana, enfim,
sobre todos os assuntos. A crônica sempre se prende à atualidade, mas sem excluir
a nostalgia do passado. Pode ser tendenciosamente crítica, mas sem agressividade.
Costuma misturar sentimentalismo e humorismo. Trata-se de um gênero que,
embora jornalístico, pertence (ou pode, pelo menos, pertencer) à literatura.
Para tanto, a crônica se enquadra também na sociologia da literatura
e tem importância notável para a situação material dos escritores, muitos dos quais
não poderiam sobreviver sem escrever crônicas, enquanto outros as escrevem por
vocação. Por esse motivo, a crônica é gênero cultivado por tão grande número de
escritores que sua história completa equivaleria a um corte transversal através das
literaturas ocidentais dos séculos XIX e XX.
4.1 A I
MPRENSA NO BRASIL
A Colônia portuguesa era decadente e não tinha qualquer tipo de
imprensa, os jornais que vinham para o Brasil eram produzidos na Inglaterra e
chegavam com, pelo menos, 30 dias de atraso, pois vinham de navio. O primeiro
jornal brasileiro foi o Correio Brasiliense com uma tiragem de 200 a 800 exemplares
e tinha reflexões sobre a política brasileira.
Surge também a Gazeta do Rio de Janeiro (trabalhando para o
governo). Com o advento da independência, em 1822, e a nova Constituição (1824),
surgem os debates: Monarquia ou República? O país não tinha qualquer tipo de
tecnologia, muito menos papel que tinha de ser importado. Os jornais nasciam e a
maioria eram folhetins. Somente a partir de 1850, os jornais brasileiros começam a
se modernizar, tendo como base os padrões franceses e ingleses. Porém, somente
com o advento de Canudos e da Guerra do Paraguai, é que se pôde ver um pouco
56
mais de consumo de jornal no Brasil.
Os baixos índices de leitura do povo brasileiro justificavam a falta de
consumidores e, além do mais, os jornais eram vendidos por assinatura, que era
muito cara. Somente após a segunda década do século XX, teremos o advento dos
jornais que hoje são conhecidos do nosso dia-a-dia. Em 1921, nasce a Folha de São
Paulo, 1925. O Globo e o Diário de São Paulo. Grande parte desse impulso se deu
com o processo de modernização e renovação cultural através da Semana de Arte
Moderna (1922).
O surgimento do Rádio no Brasil tem o papel de nacionalizar as
informações, pois os jornais escritos circulavam apenas na “Corte”. Neste período
nasce a primeira escola de Jornalismo em Nova York (1908), e com isto começa a
ser empregado o estilo americano com “lead” (o que, como, onde, quando e por
que), onde o redator começa a tratar as matérias com um padrão gostoso, direto e
objetivo. Por volta dos anos 50, nascem os manuais de redação.
O Brasil conta hoje conta com 400 diários (jornais) com cerca de
8.000.000 de exemplares diários durante a semana e 12.000.000 aos domingos, que
é um número bastante pequeno. Como dado comparativo, a Argentina, que tem um
quinto da nossa população, tem a mesma tiragem do Brasil.
As agências de informação são fechadas e formam verdadeiros
monopólios, vinculados aos veículos de comunicação arrendados a terceiros. As
televisões estão fundamentadas em verdadeiros oligopólios.
A Rede Globo com cerca de 45% da audiência, 200 emissoras e
75% do faturamento publicitário está em 1º lugar neste patamar. Em 2º, vem o SBT,
em 3º a RECORD, em 4º a REDE TV, em 5º a BANDEIRANTES.
No setor de jornais escritos, o domínio é de família, sendo que a
maioria dos diários brasileiros tem uma tiragem entre 15.000 e 45.000 exemplares e
vivem principalmente às custas de publicidades oficiais dos governos municipais,
estaduais e federais.
A notícia se constitui numa cadeia de gêneros discursivos que
podem ser entendidos a partir dos recursos próprios da edição do jornal, tais como:
título, imagens (fotografias, ilustração, infografia, selo, charges). A edição pode,
também, exigir recursos gráficos (olho, linhão) que também se enquadram como
gêneros discursivos. Além disso, é da notícia que surgem outros gêneros como a
crônica, o comentário, a análise, a crítica, a opinião. No jornal impresso diário, na
57
maioria absoluta das vezes, esses são gêneros que se originam depois da notícia, a
qual, por sua vez, “nasceu” depois da informação.
Os jornais diários Folha de São Paulo, O Globo, O Dia, O Estado de
São Paulo, Diário Popular, além da divisão em editoriais e cadernos temáticos
mencionados acima, apresentam ainda outras seções de conteúdo jornalístico
porém não-noticioso.
Não se pode esquecer de que o jornal é feito pelos jornalistas
(empresa) e comprado (pelo leitor). Se o leitor não gostar do jornal, ele não compra
e a troca acaba (não existe comunicação). O jornal deixa de existir. Enfim, é
necessário evidenciar que não há nenhuma idéia ingênua descartando o fato
ideológico e de jogos de interesse pessoal (do jornalista ou grupo que ele tem
condições de representar). Sob esse ponto de vista, para se alcançar a dinâmica
ideológica é preciso lançar para o jornal um olhar cibernético não apenas como
controle, mas também como forma de organização e manutenção de uma ordem de
coisas.
4.2 F
OLHA DE SÃO PAULO
A Folha de S. Paulo, ou simplesmente Folha, é um jornal Brasileiro
editado na cidade de São Paulo. É o jornal de maior circulação do Brasil, segundo
dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC). Ao lado de O Estado de São
Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, a Folha é um dos jornais mais influentes do país.
Tem um formato Standard com sede em São Paulo (SP), e com circulação no Brasil.
Os assinantes do jornal citado, em geral, são pessoas com um certo
nível cultural a fim de saber discernir as várias informações nele inseridas. Fundado
em
19 de fevereiro de 1925, com o nome original de Folha da Manhã, por Olival
Costa e Pedro Cunha, o jornal foi comprado na década de 1960 pelos empresários
Octavio Frias Oliveira e Carlos Caldeira Filho, quando o mesmo foi rebatizado. No
início da década de 1990, a Folha começou a investir na criação de novos produtos
e suplementos dentro do jornal, como a Revista da Folha, o caderno Folhateen e a
TV Folha. Tendo como aliada uma grande campanha publicitária, em que o próprio
diretor de redação Matinas Suzuki aparecia na TV anunciando as novidades do
58
jornal, a Folha passou a liderar as vendas em São Paulo, superando o Estado de
São Paulo.
O jornal impresso diário apresenta uma estrutura própria, particular,
que o determina, fazendo com que ele seja diferente de qualquer outro veículo. Tal
estrutura se concentra num núcleo textual que é a notícia. Porém, o ponto de partida
para a compreensão do jornal como sistema semiótico é a definição de sua
estruturalidade a partir da informação. Dela resulta a notícia que, por sua vez, é o
foco gerador que estará sempre presente nas mais variadas formações textuais do
jornal impresso: os assim chamados gêneros discursivos. Neles reside a noção de
jornal como sistema modelizante. Portanto, para o jornal ser jornal é, antes de mais
nada, necessário que haja informação, mas não qualquer informação, mas sim a
narração resumida dessa informação, tendo como princípio o novo, aquilo que não é
conhecido do público-leitor. A novidade é o motor do jornal e do jornalismo.
4.3 A C
RÔNICA E OUTROS GÊNEROS QUE APARECEM NUM JORNAL
De acordo com Barbosa (2001), um jornal sempre visa interessar
seus leitores para que possa obter maior tiragem e, portanto, maior lucro. Por isso,
além de informar, o jornal também comenta os fatos ocorridos, veicula opiniões,
fornece outros tipos de serviço a seus leitores, procura diverti-los etc. Um jornal não
vive só dos episódios acontecidos no dia anterior, mas também da discussão, do
debate e da análise de fatos ou situações que estão acontecendo, já aconteceram
ou que possam acontecer.
Como sabemos o jornal comporta variada gama de gêneros
discursivos conectados pelos lides da primeira página, propicia ao leitor definir o
fluxo de sua leitura, sem se prender a uma seqüência linear. Transita, no texto
jornalístico, significativa parcela de vozes e discursos, estabelecendo uma relação
dialógica autor- texto- leitor, preenchendo, assim, a função social da leitura
(Barbosa, 2001).
A não-linearidade pode ser observada na esfera jornalística, que
possui uma estratégia de organização textual composta por muitos gêneros: o
informativo, o opinativo, as cartas do leitor, a crônica, o editorial, etc. Importante
59
destacar, ainda, que cada um desses gêneros trata de assuntos diferentes, como já
foi dito anteriormente, mas interligados pela trama do cotidiano.
Os gêneros veiculados pela esfera jornalística são essencialmente
interativos. O jornal é um agente provocador e circulador de significados, com
grande potencial. Do ponto de vista da especificidade da mídia contemporânea,
podem-se enumerar os seguintes requisitos exigidos pelo texto jornalístico: popular,
polissêmico, social, persuasivo, convencional, realista e intertextual.
Mediante esse contexto, fortalece-se a visão de que os textos não
são enunciados independentes, mas uma cadeia de enunciados que se
complementam entre si, indicando a necessidade de se trabalhar, na escola, com
textos numa perspectiva intertextual engajada, questionadora e responsiva, o que
vem a caracterizar a leitura crítica. Em segundo lugar acreditamos que a leitura
realizada numa concepção dialógica mediada pela noção de gênero discursivo
poderia proporcionar a construção de repertórios de textos pertencentes a cada
gênero. O conhecimento intertextual e discursivo propiciaria a apresentação do
modo específico de organização dos enunciados de cada gênero.
A leitura dos gêneros da esfera jornalística numa perspectiva
intertextual e hipertextual permite que os alunos interajam com textos mais próximos
do seu contexto social. Dessa forma, abordaremos o gênero crônica no âmbito
jornalístico, para poder distingui-lo e analisá-lo com o propósito de buscar o gosto
pela leitura, e possibilitar o diálogo com outros textos, outras vozes.
Na literatura, a crônica afigura-se como texto primário, produzido por
espectadores privilegiados, os viajantes ou epistológrafos, que traduzem para
leitores distantes as suas impressões de paisagens vistas e gentes conhecidas.
Quanto à crônica jornalística, Martin Vivaldi apud Melo, 2005, p. 141)
“explica que a determinação se torna necessária para diferenciá-la de ”outras
crônicas”, anteriores e posteriores ao jornalismo como atividade de comunicação
social”. O característico da verdadeira crônica é a valoração do fato ao tempo em
que se vai narrando. De forma bem genérica, a crônica se apresenta como um texto
literário dentro do jornal. Sua função é a de ser uma espécie de avesso, de negativo
da notícia.
Uma das afirmações recorrentes nos estudos teóricos pós-modernos
é a de que tanto a literatura como a história são construtores lingüísticos “altamente
convencionalizados em suas formas narrativas”, assim como nada transparentes e
60
marcadamente intertextuais. Desde os estudos de Bakhtin (1997), destacou-se a
importância do estudo de textos na área das ciências humanas. Na visão do autor,
as ciências humanas não se referem a um objeto mudo ou a um fenômeno natural,
referem-se ao homem em sua especificidade. O homem tem a especificidade
sempre (falar), ou seja, de criar um texto (ainda que potencial). A função do cronista,
evidencia o quanto as nossas memórias discursivas, textuais formam verdades,
conceitos e instituem a legitimação de saberes, crenças, certezas, dúvidas e toda a
possibilidade de produção de sentidos que sustenta a condição humana.
Portanto, na realidade, esse narrador dá corpo a um verbo que
aglutina pólos importantes de significação do romance: o ato de buscar e o percurso
daquele que, ao mostrar como construiu a narrativa e as personagens, desloca o
olhar dos leitores em direção a um foco em processo de deslizamento constante.
Nesse sentido, se a literatura no século XIX sustentou-se pelo exercício de sua
função enciclopédica, trazendo respostas e explicações no domínio discursivo às
comunidades de leitores, provavelmente pela não popularização ainda do discurso
científico em grande escala; em fins do século XX, constituído pela e na linguagem.
No Brasil, por exemplo, com tão escassos conhecimentos sobre a
história das outras comunidades, até mesmo nas de língua portuguesa, a literatura
ainda aciona funções do século XIX, ao mesmo tempo em construção dos saberes e
o quanto esses procedimentos engendram leitores e suas leituras. No próximo
capítulo abordaremos algumas crônicas de José Simão, as quais serão analisadas a
partir das categorizações do gênero em pauta, focando principalmente as marcas
lingüístico-enunciativas com as marcas do autor (estilo).
61
5 METODOLOGIA
A metodologia utilizada no estudo em questão é a pesquisa
qualitativa de cunho analítico-descritivo, pois visa à perspectiva interpretativa. O
estudo em pauta surgiu das discussões e trabalhos desenvolvidos no Projeto de
Pesquisa em Lingüística Aplicada – “Escrita e ensino gramatical: um novo olhar para
um velho problema”, desenvolvido e coordenado pela professora doutora Alba Maria
Perfeito. O referido projeto tem como preocupação o professor de língua portuguesa,
focaliza a formação do mesmo e principalmente o trabalho com análise lingüística.
Nesse processo de discussões, o gênero discursivo é considerado objeto de ensino,
eixo de articulação e progressão curricular e é estudado e analisado a partir dos
textos, que são os articuladores de três práticas: leitura, produção de textos e
análise lingüística.
5.1 C
ARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
Pretende-se, através dessa análise, colaborar para o ensino de
língua materna, buscando aportes teóricos através de um encaminhamento teórico-
metodológico com o domínio da língua oral e escrita, fundamentando-se na
concepção dialógica de Bakhtin, trabalhando os gêneros do discurso a fim de
suscitar novos caminhos para o trabalho pedagógico com a linguagem verbal, com
uma nova abordagem para o ensino de Língua Portuguesa.
Para isso, utiliza-se da pesquisa de caráter qualitativo-interpretativo,
a qual apresenta como características, segundo Moreira:
[...] foco na interpretação [...]; ênfase na subjetividade [...] orientação para o
processo e não para o resultado; preocupação com o contexto, no sentido
de que o comportamento das pessoas e a situação ligam-se intimamente na
formação da experiência. (MOREIRA, 2002, p. 57).
As abordagens da pesquisa qualitativa começaram a ganhar
reconhecimento em 1970. Durante os anos 70 e 80, a pesquisa qualitativa começou
a ser usada em outras áreas, além da antropologia e tornou-se significativa no
62
campo educacional, em estudos sobre deficiência de trabalhos sociais, estudos de
gerenciamento, serviço de enfermagem, estudos dos serviços humanos, psicologia e
muitos outros campos de trabalho.
Segundo Trivinõs (1987), há autores que entendem a pesquisa
qualitativa como “expressão genérica”, ou seja, ela compreende atividades de
investigação que podem ser denominadas específicas. Por outro lado, essas
atividades podem ser caracterizadas por traços comuns. Nesse aspecto, isso é uma
idéia fundamental para um pesquisador que tem por objetivo atingir uma
interpretação da realidade sob o ângulo qualitativo.
Na pesquisa qualitativa, de forma geral, há uma escolha do assunto
ou problema, uma coleta e a análise das informações. Essas informações,
geralmente, são interpretadas e isto pode originar a exigência de novas buscas de
dados.
Dessa forma, o pesquisador inicia sua investigação apoiado numa
fundamentação teórica geral, o que significa revisão aprofundada da literatura em
torno do tópico em foco, a maior parte, neste sentido, se realizando-se no processo
de desenvolvimento do estudo.
5.2 C
ONTEXTUALIZAÇÃO
As crônicas que compõem este trabalho foram coletadas no período
de 29/08/2006 a 30/09/06 aleatoriamente, do jornal Folha de S. Paulo. Para a
seleção do corpus, foram escolhidas cinco crônicas e analisadas, a fim de refletir
sobre o gênero escolhido, contextualizar a gramática às práticas de leitura, através
de propostas de ensino inseridas na concepção de linguagem interacionista. As
crônicas não foram selecionadas em uma seqüência diária, para que não ficassem
repetitivas.
Primeiramente, antes de iniciar o trabalho com as crônicas
separadamente, selecionamos as expressões repetidas e o seu papel nos textos de
José Simão, a partir da categorização dos gêneros discursivos, ou seja, as
condições de produção do autor, a estrutura composicional do gênero em questão e
o estilo, observando quais os efeitos de sentido que o autor pretende provocar em
63
suas crônicas.
Dando prosseguimento, partimos para a análise de 5 crônicas
completas. Para finalizar, utilizamos uma crônica que não pertence ao grupo
temático das analisadas para apresentar uma sugestão de encaminhamento
pedagógico.
64
6 ANALISANDO AS CRÔNICAS
Em relação às análises, a opção foi trabalhar com cinco crônicas de
José Simão, depois de dez textos analisados, tendo como base o contexto das
eleições para presidente, governador, deputado e senador, nos meses de agosto e
setembro do ano de 2006. A primeira crônica, pois, é datada de 29/08/2006 e a
última, de 30/09/2006, não seguindo uma seqüência lógica.
Neste capítulo, serão apresentadas as análises das marcas
lingüístico-enunciativas em relação ao contexto de produção, conteúdo temático e
forma composicional no processo de construção de sentidos do gênero discursivo
crônica jornalística de José Simão.
A partir das categorizações dos gêneros em grupo e das
características do gênero já citado anteriormente, Barbosa (2003), fundamentando-
se em Bronckart (1999), elabora uma proposta para a análise do gênero Crônica
Jornalística.
Contexto de produção : inclui o autor, o leitor (ou ouvinte) e seus papéis sociais,
objetivo do texto, locais por onde circulam ( ou são publicados) esse texto, etc.
Conteúdo temático – temas que são tratados em textos pertencentes ao gênero
em questão.
Forma composicional e estilo: sua organização geral e marcas lingüísticas e
enunciativas características.
Fonte: Barbosa (2003, p. 11).
6.1 A
S CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO, A ESTRUTURAÇÃO E AS MARCAS LINGÜÍSTICAS DA
CRÔNICA JORNALÍSTICA DE JOSÉ SIMÃO: RECORRÊNCIAS
6.1.1 Contexto de Produção e Relação Autor/Leitor/Texto
A crônica jornalística de José Simão trata de acontecimentos que o
leitor encontra todos os dias, seja em casa ou nas ruas. Portanto, o escritor apela
65
para o eu e usa e abusa do dia-a-dia, compondo retratos, tipos de personagens,
cenas cômicas ou comentários. Para isso, ele utiliza uma linguagem simples, leve e
despretensiosa (coloquial), sempre carregada de humor e bastante natural, para
mostrar a oralidade no texto escrito. Portanto, mantém ainda um certo ar de família e
se parece com uma “conversa fiada” sobre algum assunto. Mesmo quando tem a
intenção de comentar ou informar, a crônica procura divertir o leitor.
Sob este aspecto, pode-se enfatizar que as crônicas de José Simão
se inserem em uma espécie de crítica da mídia. É um tipo de crônica que se tornou
coluna
2
no jornal, por se enquadrar em um paradigma que tem que ser seguido.
Simão emoldurou essa coluna servindo-se de intertextualidade, ambigüidade, humor
sexual e esforço do leitor para depreender os sentidos, não é vulgar mas traz
conotação vulgar.
José Simão acumulou funções ao longo de sua vida: titular do
Monkey News”, programa de TV do portal UOL, comentarista da Rádio “Bandnews”
e cronista diário da Folha de S. Paulo e mais dez jornais espalhados por todo o país.
Por intermédio de Waly Salomão
3
, aproximou-se da “Folha de São Paulo” no início
da década de 1980. De acordo com Sallum (2003), as crônicas de José Simão
circulam desde 1987, quando a primeira coluna foi publicada. Há dezesseis anos,
mantém sua seção entre as mais lidas da Folha de S. Paulo, sua crônica está
inserida na seção Ilustrada, com publicação diária. Quando a coluna de Simão
começou a aparecer, muita gente achava que seu autor não existia.
Diante disso, Simão trazia para o universo do jornalismo “sério” no
Brasil a tirada rápida, de frase curta, das gags
4
, sketches
5
, trocadilhos e bordões
humorísticos de rádio, das piadas de circo e do teatro de revista. Uma tradição oral
recuperada para o novo jornalismo brasileiro. (SIMÃO, 2007).
No que se refere às condições de produção, as crônicas em tela
abordam a campanha política para eleição presidencial do ano de 2006, com
exceção de uma delas do dia 04/04/2006 que foi acrescentada às demais por conter
recursos bastante criativos. As crônicas foram publicadas na Folha de S. Paulo nos
meses de agosto e setembro, na coluna Ilustrada onde José Simão aborda, de
2
Coluna se classifica como “uma divisão vertical das páginas de jornal, revista ou livro. Seção editorial de jornal
ou revista, publicada com regularidade e, em geral, ocupando o mesmo espaço.” (LAGE, 2004, p. 69).
3
Waly Dias Salomão (1943-2003) era poeta nascido em Jequié, Bahia. Atuou em diversas áreas da cultura
brasileira
. Seu primeiro livro foi “Me segura que eu vou dar um troço” de 1972.
4
Piadas
5
Esboço, em breves traços, de desenho ou de pintura (croquis).
66
forma irônica e debochada, o humor, satirizando “socialites” e políticos, com um alto
teor de humor que, muitas vezes, perpassa o limite da simples ironia e chega a
níveis mordazes.
O humor de José Simão sempre procura olhar a vida com “malícia”,
ou seja, acontecimentos do cotidiano, pelo olhar perspicaz e rápido e parece ter uma
segunda visão, poder expor ao público em outro sentido ou sem sentido algum, non
sense”. Essa malícia para espiar o mundo gera uma linguagem de duplo-sentido,
cheia de insinuações. (SIMÃO, 2007, p. 12). Diverte-se com possibilidades de
significado e com as sonoridades das palavras para produzir o instante prazeroso de
uma nova e desconcertante revelação.
Simão (2007) enfatiza que esta diversão com a sonoridade das
palavras é algo que aproxima o humorista do poeta. Na política, as diferenças são
cada vez menores; as dessemelhanças estão nas nuances de linguagem. No auge
do “tucanato”, para usar a expressão de Élio Gaspari, Simão mostrou, que uma das
facetas mais interessantes da política naquele momento estava na maneira de falar
dos pessedebistas
6
.
Os personagens de José Simão são os fatos. O bom humor é
passageiro, assim como o bom jornalismo é passageiro. Nesse caso, “os melhores
são os que sabem lidar com o efêmero, não os que sonham com a posteridade”.
(SIMÃO, 2007, p. 14).
O cronista argumenta que o humor no Brasil é fácil, as piadas estão
prontas. Daí o seu bordão “No País da Piada Pronta”. Irreverente, ao se denominar
Macaco Simão – “O Esculhambador Geral da República”, supõe-se que José Simão
se coloca como o macaco, animal que figurativiza todas as peraltices, a ironia, o
pular de galho em galho, o não ter compromisso com ninguém, o que lhe permite
caçoar, zombar e “esculhambar” com tudo e todos. O texto de Simão se caracteriza
como um zapping dos acontecimentos do dia, dentre os quais, entram temas
políticos e sociais, como a crônicas as quais serão analisadas abordando o tema das
eleições presidenciais de 2006, como já foi exposto acima.
De acordo com França (2006), José Simão criou um tipo de crônica
cujo estilo revela e anuncia mudanças no próprio gênero da crônica jornalística
escrita, no entanto reproduz a forma de transmissão oral de notícias seguidas de
6
Políticos do PSDB
67
comentário hilários. Neste trecho de Almeida, afirmamos as “macaquices” presentes
no texto de José Simão:
De gargalhada em gargalhada, o Macaco Simão atira na cabeça de
personagens que figuram o panorama político,social e televisivo nacional,
enquanto vira cambalhotas e piruetas enlaçadas pelo rabo. Atira em todos
aqueles que passam debaixo de sua árvore; em alguns acerta, mas outros
tiros se perdem apenas no exercício de atirar. Afinal, as colunas são diárias.
(ALMEIDA, 1998, p. 15).
O cômico de José Simão tem características da sátira e da ironia,
expresso por meio de epigramas, frases curtas e mordazes. Seu texto é irônico,
gozador, agressivo e escrachado, exagerando e deformando a realidade pra
provocar o riso. Ridiculariza pessoas e situações, alvos facilmente identificáveis pelo
leitor atualizado.
De acordo com Brait (1996, p. 56-57), a ironia para alguns
estudiosos e escritores da literatura é concebida como princípio de estruturação de
um texto. A idéia de ironia, como princípio estruturador de um discurso ou de um
texto, pode auxiliar a compreensão não apenas de discursos literários irônicos, mas
também dos não literários e de suas especificidades.
A intertextualidade, que pode ser uma das denominações para algumas
formas de discurso reportado, assume nesses discursos uma função crítica,
a fim de estabelecer um perfil da vítima, do alvo a ser atingido, quer para
assinalar pólos de abertura. (BRAIT, 1996, p. 57).
Esse fato explica o porquê de José Simão abordar a ironia como
forma de caracterizar o seu estilo e a sua visão de mundo. De acordo com Sallum
(2003), as crônicas de José Simão têm como o objeto do riso as pessoas mais
eminentes da sociedade brasileira.
O objetivo das crônicas de José Simão é de criar um clima de humor
através de suas metáforas cômicas, inseridas em suas piadas, onde apreende
algumas denominações caricaturescas, num processo metonímico-metafórico. Seu
texto é dirigido a um público adulto em geral, com uma certa tendência para discernir
as atualidades das notícias através de sátiras. O jogo com a sonoridade e os
significados das palavras, parece ser uma das grandes categorias do riso. De acordo
com Bergson (2001, p. 120), “uma personagem cômica geralmente é cômica na
exata medida em que ela se ignora. O cômico é inconsciente”.
Sob este aspecto, há ainda duas observações que nos parecem
relevantes para se entender o papel desempenhado pela alusão no discurso das
68
crônicas de José Simão. A primeira diz respeito a um prazer especial que sente o
leitor, quando desvenda uma alusão. A segunda é que elas são fontes do lúdico,
sendo assim, o leitor acaba em certo sentido participando de uma “brincadeira”. O
autor não só insiste no fato de que elas são responsáveis por criarem uma
intimidade entre o cronista e seus leitores, mas também o valor persuasivo que
possibilita ao orador confundir-se com o seu auditório.
Segundo Eco (1986), em relação às alusões, crônicas desse estilo
instigam o riso. Ás vezes, o desvendar delas passa pela necessidade de que o leitor
domine outras informações, que não as rememoradas pelo autor. O leitor,
supostamente ciente de que os jogos de palavras e brincadeiras verbais relacionam-
se a acontecimentos recentes, saberá identificar as alusões e buscará meios de
resolvê-las.
Nessa perspectiva, Simão (2007) trabalha com a interatividade do
leitor, e com o advento da Internet os leitores passaram a ler e participar ainda mais,
através dos e-mails. Em conseqüência dessa participação, o leitor passivo passa a
ser ativo. “Porque leitor é passivo, internauta é mais ativo [...]” (SIMÃO, 2007, p. 20).
Sob tal enfoque, Simão enfatiza que sempre escreveu em voz alta.
Para ele o ritmo é tão importante quanto o conteúdo. O autor não consegue um
público somente na televisão. Se a pessoa está lendo e não tem ritmo, procura outro
tipo de informação. Em qualquer texto, seja oral ou escrito, deve haver todos os
climas possíveis, todos os tipos de pensamentos. “[...] eu tenho que juntar todos os
pensamentos e o leitor que tire suas conclusões, ou não! Tenho que fazer um
mosaico e dizer: olha, está aqui!” (SIMÃO, 2007, p. 25).
As crônicas de José Simão têm um caráter crítico em relação ao
comportamento das pessoas. Por ser um humor inteligente, se trabalhado com
alunos do ensino fundamental 3º e 4º ciclos, poderá ser muito interessante e
produtivo a fim de despertar no aluno a capacidade de discernimento e senso
crítico, envolvendo-os nas situações do cotidiano.
69
6.1.2 Conteúdo Temático
Do ponto de vista do conteúdo temático, os textos, grosso modo,
voltam-se basicamente para os colunáveis do mundo político, artístico e esportivo,
sempre com o intuito de ridicularizá-los, seja debochando das gafes cometidas, seja
surpreendendo-nos em situações inusitadas. A nossa dedução é que o texto de José
Simão criou um gênero híbrido, misto de efemérides, notícias, coluna social,
verbetes de dicionário, slogans onde tudo parece funcionar como pretexto para o
humor.
Por tratar de temas da atualidade, sua coluna nunca perde o vigor e
está sempre na “boca do povo”, por serem temas que mais deliciam os brasileiros:
sexo, política e futebol, denominados pelo autor como o trio elétrico do brasileiro
“real, bunda e bola”.
6.1.3 Estrutura Composicional
Quanto à estrutura composicional, a crônica jornalística apresenta,
de início, um título para chamar a atenção do leitor, acompanhada de uma
ilustração, apontando-lhe uma idéia mais abrangente do tema a ser relatado,
provocando o leitor para seguir a leitura, através de seus neologismos, ou seja,
“palavras inesperadas”, termos recém-criados, novas estruturas lexicais, ou ainda, a
ressignificação de termos já existentes. Podemos considerá-lo um texto narrativo-
opinativo-humorístico em 1ª pessoa.
Os termos diferenciados ou em destaque usados no texto
caracterizam-se como um espaço enunciativo. Ao colocar palavras entre aspas, a
intenção é chamar a atenção do interlocutor. Por ser uma crônica jornalística
humorística, explora termos e situações do cotidiano com a presença da linguagens
coloquial, hipérboles, ironia, formas populares de linguagem, etc.
70
6.1.4 Marcas Lingüístico-enunciativas
Em relação às marcas enunciativas do autor, as crônicas em foco,
tratam de algo acontecido na realidade. Por meio de uma linguagem despojada,
permeada por gírias e marcas de oralidade, com jeito de conversa fiada, na qual o
humor geralmente está presente, o cronista-colunista dissemina sua visão de
mundo, ao relatar (narrar) ou comentar fatos do cotidiano. [...]
retoma notícias em pauta na mídia, num movimento parodístico: brinca com
manchetes do mesmo dia ou do dia anterior; subverte pelo riso
pronunciamentos políticos, debochados astros do esporte e da televisão, faz
caçoadas sobre o uso da língua por determinados grupos sociais. (DISCINI,
2005, p. 50).
José Simão não poupa políticos, socialites, jogadores de futebol,
nem celebridades. Em sua coluna não há baixo astral. Suas piadas sempre vêm
após uma notícia de grande importância, as quais carregam uma “maldadezinha”
gratuita e inteligente, por ser lúdica, leve e superficial.
Algumas expressões utilizadas no decorrer dos textos de Simão
(marcas lingüístico-enunciativas) idealizam a sátira e a ironia, são expressões que
sempre estão inseridas em todas as suas crônicas, seja qual for o contexto. Fazem
parte do seu próprio estilo, como a utilização de: exclamações de valor interjetivo,
mostradas geralmente no título, nos primeiros parágrafos e no decorrer das crônicas,
tais como:
Ueba! Uau! Rarará!
Segundo Simão (2007), o título tem que ser escandaloso, algo na
realidade, sensacionalista. A expressão onomatopaica de riso Rarará, reforça o
prazer do orador em ironizar os seus personagens. Rarará também pode ser um uso
irônico do tipo Olha a nossa situação! O que há de engraçado nisso?? É engraçado?
Rarará é lamentável! Também se tornou constante, à época das eleições, algumas
expressões de deboche a todo o processo eleitoral, visto que reflete a condição de
muitos de nossos candidatos a cargos públicos, como se lê nos exemplos:
71
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O Esculhambador-Geral da
República! Direto do Pleito Caído! A Galera Medonha! A Micareta dos Picaretas!
Direto do País da Piada Pronta!
A famosa expressão Buemba! Buemba! do colunista social Ibrahim
Sued (1924-1995), que significa Bomba! Bomba! é usada para chamar a atenção,
cujo efeito é acentuado pelo uso da caixa alta e pela seqüência de frases interjetivas
de pequena extensão! Simão demonstra com essa expressão que é necessário
atrair, fazer escândalo. Bomba! Bomba!
7
Era assim que, na década de 70, Ibrahim
Sued, se envolvia com comentários políticos, deixando os militares de “cabelo em
pé”, anunciava uma notícia que pretendia ser um “furo” de reportagem! Trinta anos
depois, José Simão, o irreverente colunista da Folha, destila todo o seu veneno
anunciando: Buemba! Buemba! A intenção é sempre a mesma: valorizar a notícia,
ou seja, dar a ela a força e o impacto do ineditismo.
Em função disso, o uso de “Buemba”! tem a finalidade de “brincar”
com a presença de ditongos no espanhol: buemba/bomba. (SCHMITZ , 2007, p. 20).
A maioria de suas expressões, por sinal, não é criação própria,
mexicanizou o Bomba! Bomba! “Já que o brasileiro é supermelodramático, inerente
aos mexicanos e tão ao gosto dos brasileiros”, segundo José Simão [...]. “e eu adoro
chamar atenção mesmo, nada melhor que um bom Buemba! Buemba! para começar
o dia", explica José Simão (2007, p. 34).
José Simão se auto-denomina Macaco Simão, principalmente
porque ele assume “tal máscara” e, “macaqueando”, imita, caricaturiza e parodia a
realidade observada. Tudo de forma muito rápida por meio de comentários curtos e
sempre variados. O codinome surgiu devido a um personagem infantil chamado
Macaco Simão e também porque o macaco é um animal esperto, o que lembra algo
bem brasileiro.
Ainda para mostrar, ironicamente, a questão da máfia dos políticos,
o cronista destaca algumas expressões como Direto do Pleito Caído o que seria a
7
BOMBA!Bomba. Disponível em: <www.eventoshumanos.blogspot.com>. Acesso em: 3 ago. 2007.
72
política desmoralizada e sem escrúpulos, a fim de ironizar a campanha política
juntamente com os candidatos que fazem parte de uma Galera Medonha.
A Micareta dos Picaretas significa um carnaval temporão, o qual
acontece na maioria das capitais brasileiras. Por exemplo, em Sergipe em um ano
houve duas micaretas, ambas financiadas com recursos públicos a fim de lançar a
campanha do prefeito petista Marcelo Deda a governador do Estado. A folia
começou no mês de março com apresentação de cantores famosos.
A expressão Direto do País da Piada Pronta, sempre presente em
suas crônicas, enfatiza a situação da política brasileira, mostrando que não é muito
difícil fazer piada no Brasil, o país já é uma piada.
Diante do exposto, não nos é difícil afirmar que José Simão, dadas
as constantes inovações, criou um tipo de crônica cujo estilo revela e anuncia
mudanças no próprio gênero da crônica jornalística escrita, pois reproduz a forma de
transmissão oral de notícias, seguidas de comentários hilários. Observa-se a crítica
contida no trecho referente ao horário eleitoral:
E o hilário eleitoral devia passar na TV AL Jazira
Crônica nº 2- 01/09/06
O elemento coesivo E é usado reiteradas vezes no início dos
parágrafos, dando idéia de acréscimo e criando um paralelismo sintático. Recurso
que faz aproximação da escrita com a fala, já que no texto escrito há operadores
argumentativos que fazem essa ligação entre as idéias. A própria superfície textual
das crônicas revela o macaquear contínuo, a mudança constante dos alvos de José
Simão, principalmente pelo uso de enunciados, iniciados pelo conector aditivo E
seguido de novo sujeito alvo. Sugerem um pulo para um novo assunto, um novo
galho. Alguns exemplos são colocados no quadro abaixo:
E a urna eletrônica? Parece microondas. Microondas cívico.
Crônica nº 5- 30/09/06
73
Nesses exemplos, além de enfatizarmos o elemento coesivo E, a
expressão de interrogação também é uma marca característica inserida nas crônicas
de José Simão. Mostram atos de questionamento, dirigindo-se ao leitor e fazendo-
lhes perguntas que conduzem para as suas críticas. O uso da forma interrogativa é
abordado retoricamente, desperta e envolve a curiosidade do leitor que sempre está
na expectativa. O cronista faz questionamentos por meio das interrogações.
Neste aspecto, o autor trabalha com uma grande variedade de
gêneros menores presentes nas crônicas tais como: piadas, adivinhas, provérbios,
fofocas, com o objetivo de informar as relações cotidianas da oralidade desses
gêneros e da própria crônica.
Para o autor, há um diferencial entre as crônicas tradicionais e as
suas crônicas porque estas estabelecem um contato com o leitor, que muitas vezes
é colaborador de parte dos seus textos e da organização textual. Essa colaboração
é marcada pelo uso das aspas, e pela maneira como inicia suas frases introdutórias,
como nos exemplos abaixo:
E como diz um amigo meu: “Estou esperando um candidato que vá trabalhar
por mim, ir lá na senzala bater meu cartão”.
Crônica nº 1- 29/08/06
O uso de aspas indica o discurso direto, a fim de ressaltar e enfatizar
o enunciado. São usadas sempre para introduzir os discursos relatados, que deixa
transparecer uma alusão irônica ou sarcástica. Um outro detalhe importante refere-
se ao uso de dois pontos, recurso que indica um esclarecimento a fim de matizar
uma enunciação anterior, e ressaltar argumentos, onde o autor sustenta seu ponto
de vista. É comum nas crônicas de José Simão a repetição de períodos inteiros,
como mostram os exemplos acima, períodos que se repetem anaforicamente. A
expressão “Estou esperando um candidato que vá trabalhar por mim, ir lá na
senzala bater meu cartão” nos remete a idéia de que o povo é escravizado.
Outras expressões equivalentes já fazem parte de suas crônicas
diárias independentemente do contexto que o cronista irá explicitar:
74
É mole? É mole? Ou como diz o outro: é duro, mas desce!
Crônica nº1- 29/08/06
É mole, mas sobe! Ou como diz o outro: é mole mas se provocar, ressuscita
Crônica nº 4- 09/09/06!
Sob este aspecto, as formas populares acima significam uma
repetição intensificadora da mesma frase e também faz uso de antítese. José Simão
trabalha com a interação do locutor e interlocutor, recurso que ele utiliza para
aproximar-se da linguagem oral. Explicita uma expressão que o autor sempre utiliza
em suas crônicas, quer dizer, a situação está difícil, mas se tivermos paciência tudo
vai melhorar, utilizando-se da ironia, obviamente.
O operador argumentativo mas, usado algumas vezes nos textos,
contrapõe um argumento, para conclusões contrárias. Um outro operador
argumentativo de disjunção inclusiva, presente nesse trecho:
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica
campanha “Morte ao Tucanês” Acabo de receber mais um exemplo hilário de
antitucanês. É que em Porto Velho tem um motel chamado Motel das cobras.
Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
Crônica nº 1- 29/08/06
Quando o autor diz: Continuo com a minha heróica e
mesopotâmica
8
campanhaMorte ao Tucanês”, a palavra “mesopotâmica”
enfatiza a idéia de que os mesopotâmicos eram povos conhecidos como os faróis do
saber, era uma civilização antiga e muito inteligente, dominaram o mundo por
séculos e foram bravos, foi o berço da civilização, o autor quer nos mostrar algo
muito antigo, e faz referência ao partido dos tucanos.
Quanto ao termo “tucanos”,
9
esse nome se originou devido a uma
das reuniões preparatórias do PSDB em Brasília no mês de abril de 1988. Todavia, a
8
MESOPOTÂMICA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/>. Acesso em: 3 ago 2007.
9
TUCANOS. Disponível em: <www.psdb.org.br/o partido/porquetucano.asp>. Acesso em: 28 fev. 2008.
75
representação de Minas Gerais propôs que houvesse um símbolo para simplificar a
identificação do partido e facilitar sua comunicação, portanto sugeriu que o símbolo
fosse tucano. Isso se deu pelo fato do tucano ter três importantes significações, tais
como: o peito amarelo que lembra a cor da campanha das eleições diretas, sendo
também cor e símbolo da luta pela democracia no Brasil.
Um outro fator importante é que o tucano é um dos símbolos do
movimento ecológico e da defesa do meio ambiente, é uma ave “brasileira”,
característica importante para indicar nossa preocupação com as realidades
nacionais de nossa terra e de nossa gente. Dessa forma, a figura do tucano tornou-
se o símbolo-marca do partido. Passou a ser intensamente utilizado nas campanhas
de comunicação.
Segundo Simão (2007, p. 20-21), o idioma “tucanês” e o verbo
“tucanar”, produzem um efeito eufemístico. Esses vocábulos surgiram depois da
posse do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram vocábulos criados por ele
para indicar a forma com que os democratas falavam, politicamente correto. Já o
“antitucanês” seria o Brasil escancarado, o oposto do Brasil, na época, idealizado
pelos tucanos. Conforme o autor citado, o “tucanês” também se define como os
políticos que se julgam de primeira classe em um país de terceira.
A expressão Acabo de receber mais um exemplo hilário de
antitucanês, enfatiza a idéia de que uma novidade está por vir. O marcador mais,
usado no sentido de “mais um entre tantos outros”.
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.
Nessa passagem, o autor faz uso da ironia quando se refere à
“cartilha do Lula”, a fim de desqualificar a imagem do presidente Lula como
analfabeto. Simão (2007), esclarece que, quando terminou o mandato do presidente
Fernando Henrique Cardoso e assumiu o presidente Lula, ele mudou o contraponto
da enciclopédia, no caso o “tucanês”, pela cartilha, então ficou “cartilha do Lula”. O
dicionário “Lulês”, inserido no livro de José Simão “No país da piada pronta”, aborda
76
o que é a caricatura do que muita gente pensa do Lula, a ignorância, ou seja, a
chave do óbvio lulante, que na realidade o termo existente é “óbvio ululante”.
10
O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza, hoje só amanhã!
É comum nas crônicas de José Simão o trecho acima citado “o
lulês é mais fácil que o inglês”. Nesta passagem, Simão evidencia que é mais fácil
entender a fala do Lula do que a Língua Inglesa. Em uma entrevista de José Simão
à Revista de Língua Portuguesa, ele afirma que o presidente se comunica bem, mas
fala erradamente. Quanto à composição de palavras (lula+ês), as letras acrescidas
no final das palavras são analisadas como um processo de derivação por sufixação.
Nesse caso a palavra lulês se classifica como um adjetivo pátrio, por exemplo
“baiano/baianês”, pelo fato do acréscimo do sufixo ês indicar origem, procedência ao
substantivo.
Já, de acordo com Simão (2007), a segunda expressão “Nóis sofre,
mais nóis goza”, também utilizada em todas as suas crônicas, foi inspiração em um
bloco carnavalesco de Olinda, no Estado de Pernambuco. Esse enunciado sintetiza
a liberdade, o superar a opressão, é um sinônimo de alegria. Simão diz que é a
expressão de que mais gosta, porque mostra a vingança do povo injustiçado, ele
afirma ser uma filosofia de vida. Dessa forma, o povo sofre, mas continua nas
épocas das eleições, acreditando em candidatos que não trazem melhora para o
país, ou seja, literalmente o povo sofre, mas é feliz.
Na seqüência, a expressão “hoje só amanhã” significa que as
notícias de hoje só serão publicadas amanhã, indica temporalidade, como função de
operador argumentativo. Simão afirma tê-la ouvido de uma mulher nas ruas da
Bahia. Essa expressão também nos lembra a frase dita pelo povo brasileiro “fiado só
amanhã”, que nos remete a idéia de um dêitico temporal amanhã. Segundo
Benveniste (1995), nos dêiticos, o espaço e o momento de enunciação inscrevem-se
em outras formas da língua que só podem ser elucidadas a partir da situação de
enunciação. O advérbio amanhã organiza a relação espaço-temporal.
10
Evidente, claríssimo, gritante. (FERREIRA, 2001).
77
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
A famosa expressão acima, como presença constante no
encerramento de suas crônicas, foi enviada por um leitor. O autor apropriou-se da
expressão e nos remete à idéia de que quanto mais alucinado ele se encontra, mais
surgem idéias debochadas para escrever suas crônicas.
A Volta da Galera Medonha! A Hora do Espanto! Poltergeist 3!
O autor destaca novamente a questão da Galera Medonha, como já
foi citado anteriormente, a desmoralização da política, os candidatos corruptos, uma
analogia aos filmes da década de 80, A Hora do Espanto e Poltergeist 3, uma
situação tão aterrorizante que pode ser comparada a um filme de terror.
E o Ciro Botelho
11
me disse que o Lula tá igual a cavalo de parada: fazendo,
andando e sendo aplaudido! Crônica nº 4- 09/09/06
No primeiro trecho faz uso dos verbos no gerúndio, fazendo,
andando e sendo, forma nominal que dá uma idéia de alongamento da ação e
funciona com uma marca de enunciação gradativa. O verbo ser (é) no segundo
excerto indica mudança de estado. A expressão tá igual indica uma comparação do
presidente com um cavalo.
Nos quadros abaixo, é importante ressaltar a semelhança entre
alguns aspectos inseridos nos títulos das crônicas de José Simão, os títulos os quais
sempre em caixa alta, introduzem o relato seguido de expressões de valor interjetivo
e exclamativo. Até no título o autor mantém uma interação com o interlocutor, pois
em ambos os exemplos faz questionamentos e exclamações: dando a idéia de um
11
Humorista, redator do show do Tom
78
“assalto” em “a bolsa ou a vida”, isto é, o dinheiro ou a vida; em Inadimplência ou
Morte!, ou o país continua com a mesma desordem de sempre ou todos morrem.
O uso do operador discursivo ou estabelece relação de exclusão
entre os elementos enunciados, o título também tenta convencer o leitor mediante
um apelo, mesmo abordando o lado irônico de José Simão. O mesmo operador
disjuntivo “ou” mantém a mesma função nos dois títulos citados.
Lulalá 2006! A Bolsa ou a Vida?!
Crônica nº 3- 02/09/06
Buemba! Inadimplência ou Morte!
Crônica nº 4- 09/09/06
Portanto, conforme expusemos, José Simão externa seu humor por
meio da linguagem. O humor com que ele trabalha surge no decorrer da interação
diária das pessoas. Sem a linguagem não há humor. A própria estrutura da
linguagem e os recursos lingüísticos de cada idioma possibilitam a confecção do
humor por parte de diferentes usuários. Pelo visto, José Simão tem um grande dom
para usar a estrutura sintática, morfológica, léxica e fonológica para a elaboração de
textos humorísticos. Suas crônicas servem para amenizar o impacto dos leitores ao
se depararem com notícias desagradáveis.
6.2 A A
NÁLISE LINGÜÍSTICA NA LEITURA DAS CRÔNICAS DE JOSÉ SIMÃO
Apresentaremos, nos itens a seguir, alguns recursos expressivos
(marcas lingüísticas e enunciativas) que serão priorizados nesta análise, no sentido
de reforçar o enunciado usado pelo locutor, a fim de fornecer um efeito irônico nas
suas crônicas. Tais marcas permitem-nos explicitar a posição do locutor (autor) em
relação aos seus interlocutores.
79
6.2.1 Ambigüidade
É a possibilidade de um enunciado admitir mais de um sentido. No
entanto, geralmente é provocada pela má organização das palavras na frase.
Segundo Jakobson (1973), pode-se definir ambigüidade como a co-presença de dois
sentidos, um que postula a referência ao mundo, o outro que emana das
combinações do contexto:
A ambigüidade é uma propriedade intrínseca, inalienável, de toda a
mensagem centrada sobre si mesma, logo, é um corolário obrigatório da
poesia. [...] Não somente a própria mensagem, mas também o destinador e
o destinatário tornam-se ambíguos. Além do autor e do leitor, há o “eu”do
herói lírico ou do narrador fictício e o “tu”ou “vós” do destinatário suposto
dos monólogos dramáticos, das súplicas, das epístolas (JAKOBSON, 1973,
p. 238).
Diante disso, a ambigüidade pode abarcar todos os níveis
lingüísticos. Fenômenos não lexicais podem ser ambíguos, como por exemplo a
transferência de referentes anafóricos, como certas expressões que José Simão
aborda em uma das passagens de suas crônicas. A expressão do quadro abaixo
sempre está presente no início de suas crônicas, a qual Simão trabalha com a
ambigüidade, com a elegância de um esculhambador. ”Na realidade eu desconstruo,
começo por pensamento hermético e depois desconstruo. Você tem que
desconstruir”. (SIMÃO, 2007, p. 19).
Essa expressão mostra a maneira como José Simão irá abordar o
seu texto, com muita piada. O vocábulo “esculhambar” tem um sentido negativo e
um positivo. Quem “esculhamba” pode de fato tornar algo desorganizado ou
desordenado. Mas quem esculhamba, no sentido positivo, colabora com a
sociedade graças a sua crítica aos desmandos reinantes no cenário nacional e
internacional.
80
“ Esculhambador Geral da República! ”
E as ex-aeromoças da Varig que posaram nuas para a “Playboy”? É a primeira
empresa que faliu por excesso de fundos! Rarará.
Nesse exemplo, Simão faz uma associação com a decadência da
empresa aérea Varig e com suas aeromoças que posaram nuas na revista Playboy.
A expressão excesso de fundos apresenta ambigüidade.
6.2.2 Dialogismo e Polifonia
Segundo Barros e Fiorin (2003), o dialogismo é concebido como
princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso. Nesse
sentido, primeiramente examina-se o dialogismo discursivo, desdobrado em dois
aspectos: o da interação verbal entre o enunciador e o enunciatário do texto, e o da
intertextualidade no interior do discurso.
O termo polifonia significa como um coro de vozes que se manifesta
normalmente no discurso, visto ser o pensamento do outro constitutivo do nosso,
não sendo possível separá-los radicalmente.
“Ou como diz o outro”
Segundo Koch (2003), em relação ao emprego da polifonia, pode ser
definida como a incorporação que o locutor faz ao seu discurso de asserções
atribuídas a enunciadores ou personagens discursivos, a terceiros ou à opinião
pública em geral. A expressão acima está presente em todas as crônicas de Simão.
81
A expressão “Ou como diz o outro” pode ser também caracterizada como uma
expressão corriqueira, oral e popular, para trazer ao nosso texto o lugar comum, o
conteúdo. Ou, estabelece relação de inclusão de outros elementos no discurso, ou
seja, transmite ao leitor uma alternativa.
E a charge do Ivan
12
com um candidato: “Prometo lutar pelo adicional de
periculosidade para todo o genro que morar com a sogra”. Esse com certeza vai
ganhar estourado!
Crônica nº 4- 09/09/06
Uma das características das crônicas de Simão é o uso do
dialogismo como já podemos notar, com a utilização de aspas, indicando duas vozes
(a dele e a do outro). Bakhtin (1995), concebe dialogismo como o princípio
constitutivo da linguagem e a condição do discurso, no caso do dialogismo
discursivo, percebe-se dois aspectos: o da interação verbal entre o enunciador e o
enunciatário e do texto, a intertextualidade no interior do discurso. O verbo prometer
com valoração performativa realiza a ação enunciada.
6.2.3 Formas Populares de Linguagem
O autor faz uso de algumas expressões que mostram o baixo nível
dos candidatos. Nesse sentido, são expressões que mostram um exemplo de
“antitucanês”, que pode ser definido como a linguagem que vem direto das ruas,
sempre com muita astúcia, segundo o dicionário de José Simão. Os exemplos a
seguir explicitam essa definição.
12
Nascido em Areia Branca, em 1963, o cartunista e chargista Ivan Cabral, ocupa lugar de destaque na Página de
Opinião do Diário de Natal, desde 1988.
82
Audácia da cabrita! E não avisa antes. Traidora! Como é que ela ousa mudar de
roupa sem consultar a nação? Tem que ter plebiscito!
Como os comentários pressupõem um leitor bem informado, há
neles muitas alusões que contam com a necessidade de outras informações. Nesse
caso, a expressão Audácia da cabrita , nos faz lembrar a candidata Heloisa Helena
por ela ser nordestina, já que no Nordeste eles costumam usar esse tipo de alusão a
nomes de animais a nomes de pessoas. Além disso, naquela época a então
senadora mudou seu figurino austero. A candidata do partido PSOL, costumava usar
somente um estilo de roupa e de repente resolveu mudar. Isso explica a colocação
do cronista a fazer uso do questionamento, ironizando o porquê de a candidata ter
mudado de roupa. Na seqüência, o uso da expressão Tem que ter aparece no
sentido de obrigação, expressa uma ordem.
E um amigo meu foi assistir ao hilário eleitoral, e sumiu a cor da TV. Tão
roubando até a cor da TV .
Crônica nº 3- 02/09/2006
6.2.4 Intertextualidade
De acordo com Cardoso (1999), define-se intertextualidade pela
relação de um texto com outros previamente existentes, efetivamente produzidos,
pois todo texto é um intertexto, ou seja, outros textos estão presentes nele. A
intertextualidade pode ser tanto explícita, quando é feita a citação da fonte do
intertexto, (discurso relatado, citações de referências, resumos, traduções, etc),
quanto implícita quando cabe ao interlocutor recuperar a fonte na memória para
construir o sentido do texto (alusões, paródias, certas paráfrases, certos casos de
ironia).
83
Antitucanês Reloaded, a Missão
A expressão citada no quadro acima, evidencia a questão da
intertextualidade, expressão usada em todas as crônicas de José Simão, isto é o
mesmo filme, a mesma situação novamente, nos lembra o filme Matrix II, o qual
ocorre em um universo paralelo semelhante ao da política. A expressão antitucanês
composta de prefixo+base+sufixo, faz uma referência ao PSDB, partido dos tucanos,
o verbo reloaded em inglês significa repetir. Nesse contexto, a volta dos tucanos na
presidência. Simão faz uso do estrangeirismo reloaded para o próprio efeito
pragmático e humorístico de seus textos.
Inadimplência ou Morte!
Crônica Nº 4- 09/09/2006
Na expressão acima, é intensificada a questão da intertextualidade,
pelo fato de o autor fazer uma referência à Independência do Brasil, pois faz
colocação de uma frase oriunda de uma pessoa famosa, D. Pedro I, na proclamação
do seu discurso “Independência ou Morte”. Simão coloca uma frase para ser
comparada, mas obviamente no sentido de sátira.
6.2.5 Hipérbole
Em retórica, ocorre hipérbole quando há exagero numa idéia
expressa, de modo a acentuar de forma dramática aquilo que se quer dizer,
transmitindo uma imagem inesquecível. É freqüente na linguagem corrente. Os
exemplos abaixo nos mostram a presença da figura de linguagem em questão.
(NICOLA; INFANTE , 1997).
84
E uma amiga minha disse: o Rio tá virando uma Neverland! É mole, mas sobe!
Ou, como diz o outro: é duro, mas desce!
Crônica referente às sugestões metodológicas
E o Lula gastou US$ 10 milhões só para o astronauta ficar levantando o dedão
em sinal de positivo? O dedão tá desafiando a lei da gravidade.
Crônica referente às sugestões metodológicas
6.2.6 Metáforas e Comparações
De acordo com Faraco (2005), as metáforas e as comparações
pertencem ao mesmo processo cognitivo de estabelecer relações de semelhanças
entre eventos, pessoas, objetos, sentimentos. Em algumas ocasiões, deixamos a
comparação explicita na expressão; outras vezes ela aparece condensada (temos
então uma metáfora).
Desse modo, metáfora é uma
figura de estilo (ou tropo linguístico),
que consiste numa comparação entre dois elementos por meio de seus significados
imagísticos, causando o efeito de atribuição "inesperada" ou improvável de
significados de um termo a outro. Didaticamente, pode-se considerá-la como uma
comparação que não usa conectivo (por exemplo, "como"), mas que apresenta de
forma literal uma
equivalência que é apenas figurada. As metáforas cômicas se
aproximam da caricatura, ao colocar um aposto nas pessoas citadas, ao seu visual e
ao comportamento, como no exemplo a seguir:
E em Floripa tem o João do ovo: “João do ovo, este é o povo”. O quê? O João ou
o Ovo? Rarará!
Crônica nº 1- 29/08/2006
Há uso de metáforas cômicas “João do Ovo, este é do povo”,
chamando o governador de Santa Catarina de João do ovo, por ser calvo. A
metáfora vai além da simples apresentação de propriedades comuns, pensamos
85
uma realidade nos termos de uma outra, nos leva a alguma descoberta e nos
proporciona um prazer estético.
O cronista faz com que o leitor identifique quem é o governador
através de uma associação com um ovo. Essa mesma explicitação também é
demonstrada no quadro das crônicas dos dias 01/09 e 02/09, pois compara o
governador Quércia ao personagem da literatura Frankenstein, devido a sua
aparência.
E os óculos do Enéas
13
são duas TVs de 29 polegadas.
Crônica nº 1- 29/08/2006
Em vários momentos, o autor utiliza figuras de linguagem, faz jogos
de palavras com uso de comparação E os óculos do Enéas são duas TVs de 29
polegadas, devido ao tamanho dos óculos do candidato Enéas, comparados a uma
televisão.
E o Alckmin Picolé de Chuchu? Como é que o povo fica gritando “Acorda,
Gerardo”, se ele é anestesista?
Crônica nº 2- 01/09/2006
A associação que o cronista faz em relação ao Alckmin Picolé de
Chuchu foi um apelido dado por ele, ao ex-governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, derrotado do PSDB às eleições presidenciais de 2006, isso, de certa forma,
nos leva a entender, que chuchu não tem graça, não tem gosto de nada, portanto,
Alckmin também não tem graça. Ele é um chuchu.
13
Enéas Ferreira Carneiro (Rio Branco, 5 de novembro de 1938 – Rio de Janeiro, 6 de maio de 2007) foi um
político e médico cardiologista brasileiro. Como político fundou o Partido da Reedificação da Ordem Nacional,
o PRONA, que hoje é o Partido da República (PR) numa fusão com o Partido Liberal (PL). Foi três vezes
candidato à Presidência da República e, em 2002, foi eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo,
recebendo votação recorde de mais de 1,57 milhão de votos.
86
E o Quércia tá parecendo Frankenstein. É só colocar um parafuso atravessado na
cabeça! Frankensquércia!
Crônica nº 2- 01/09/2006
No décimo parágrafo, ele cita o político Quércia, comparando-o ao
personagem dos filmes de terror Frankenstein, E o Quércia tá parecendo um
Frankenstein, faz uso de metáfora cômica, porque o rosto do personagem se
assemelha ao do Frankenstein, quadrado e comprido e também há uma certa
comparação à história do Dr. Frankenstein um cientista que cria o monstro “a
criatura” a partir de partes de cadáveres. Nesse caso, Quércia vai se aliando a vários
partidos, não importa se é bom ou ruim, pois tem a intenção de ser prefeito de São
Paulo.
E qual é o nome da psicanalista? Doutora PARASMO! Para um parado no
marasmo, nada como a doutora Parasmo! Rarará!
Crônica nº 3- 02/09/2006
Nessa passagem, o autor usa a expressão PARASMO quando se
refere a Geraldo Alckmin, faz uso de metáfora cômica com seu nome pois ele é
conhecido como alguém extremamente “parado e devagar”, sendo assim até o nome
da sua psicanalista lembra algo inerte.
E adorei a charge do Sinovaldo com o Lula conversando com uma piranha: “Com
a minha bolsa criei cinco filhos”. E o Lula: “E com a minha vou criar 30 milhões de
votos”.
Crônica nº 3- 02/09/2006
No seguinte trecho, onde aparece Lula conversando com uma
piranha, há a comparação de uma mulher com a piranha, que é um peixe que
possui dentes numerosos e cortantes. Obviamente, nos dá a idéia de que as bolsas
que o presidente Lula oferece ao povo, se comparam às mulheres de condições
87
precárias e de “vida fácil” que se prostituem para criar os filhos, na linguagem vulgar
“rodam bolsinhas”, isto é, se elas sustentam os filhos nessa situação, qualquer um
pode fazer o mesmo com as bolsas que o Lula oferece.
E São Paulo agora está assim: o Nurikassab e o Não Lembo parecem um dos
três porquinhos. E o Lembo parece diretor de usina nuclear. Aliás, um bom
presente para o Lembo seria uma tesourinha de aparar sobrancelha. Rarará!
Crônica referente às sugestões metodológicas
O NuriKassab e o Não Lembo parecem um dos três porquinhos.
E o lembo parece diretor de usina nuclear, Tesoura de aparar sobrancelha. O
autor cita o atual prefeito de São Paulo (Kassab) o qual nunca sabe de nada e
Cláudio Lembo (governador na época) o qual ele satiriza por não se lembrar de
nada. Quando aborda a questão da tesoura, é devido à espessura da sobrancelha
de Cláudio Lembo e o fato de ele ter uma certa semelhança com um cientista
maluco diretor de usina nuclear. A colocação dos três porquinhos é a comparação
com um dos porquinhos da história infantil, que era o mais atrapalhado.
6.2.7 Neologismo
De acordo com Gabas Júnior (2001), quando um item é inserido no
léxico de uma língua, seja por mecanismos internos ou externos, denominamos
neologismo, dessa forma é um fenômeno
lingüístico que consiste na criação de uma
palavra ou expressão nova, ou na atribuição de novo sentido a uma antiga. Pode ser
fruto de um comportamento espontâneo, próprio do ser humano e da
linguagem, ou
artificial, para fins
pejorativos ou não. Portanto, é extremamente comum, no mundo
humorístico de José Simão os colunáveis receberem nomes diferentes, então, seus
leitores passam a conhecer as verdadeiras identidades. Simão cria neologismos
para produzir efeito humorístico Na realidade, Simão tem uma grande
conscientização da riqueza da linguagem , pois foi capaz de “inventar” duas línguas,
o “tucanês” e o “lulês”.
88
UEBA! SAIU A CAMPANHA ANULALÁ!
Crônica nº 2- 01/09/2006
6.2.8 Pontos de Exclamação
Usamos o ponto de exclamação depois de interjeições, expressões
exclamativas e em enunciados que expressam espanto, surpresa, alegria,
perplexidade. (FARACO, 2005). Usamos também em orações imperativas e em
chamamentos. Nas crônicas de José Simão, as expressões seguidas de pontos de
exclamação, aparecem com a finalidade de chamar a atenção do leitor, pois são
colocadas com letras grandes e chamativas e geralmente vem inseridas no título da
crônica, próximas à ilustração, os quais tem que ser bombásticas. O ponto de
exclamação completa a emoção que o autor quer demonstrar no texto, isto é, uma
nova revelação está por vir.
UEBA! UAU! RARARÁ
BUEMBA! BUEMBA!
6.2.9 Trocadilhos e Jogos de Palavras
Segundo França (2006), do ponto de vista lingüístico, os trocadilhos
são fenômenos que envolvem o significante. De um ponto de vista menos específico,
trocadilhos representam brincadeiras faladas, que devem ser lidas em voz alta. Os
trocadilhos são lúdicos, são combinações espirituosas. O trocadilho brinca com a
capacidade interpretativa do leitor, submetendo-o a avanços e recursos, erros e
acertos, a revisões e revelações. “Na verdade, os trocadilhos representam um jogo
89
espirituoso para produzir efeito” (TRINGALI, 1998, p. 141).
E diz que o Bin Laden tem um primo gay: o Min Raben! Rarará!
Crônica nº 2- 01/09/2006
E o hilário eleitoral devia passar na TV Al Jazira, todos com cara de terrorista! Até
aqueles vídeos do Bin Laden gravados na caverna são melhores
Crônica nº 2- 01/09/2006
Nos quadros acima, há a presença dos trocadilhos nas expressões
Bin Laden e Min Raben. O uso de brincadeiras sonoro/semântica são constantes
nas crônicas de José Simão e podem ser revelados nos pares hilário/horário,
expressão que José Simão utiliza em todas as suas crônicas.
Chega de pleito! Queremos blunda! Crônica nº 5- 30/09/2006
Aliás tem que botar silicone nesse pleito Crônica n٥ 2- 01/09/2006
Nas duas primeiras frases, Simão empregou como marca registrada
em todas as suas crônicas da campanha pré-eleitoral, inseridas sempre nos dois
últimos parágrafos do texto, com exceção da crônica do dia 30/09/06, pois, as frases
foram abordadas logo no título.
Partindo de um trocadilho paradigmático, percebe-se um jogo sonoro
semântico, com a criação da palavra blunda, subentende-se como uma brincadeira
lingüística quase infantil, portanto, peito (pleito) e bunda (blunda).
Quanto ao efeito que o autor quer provocar no leitor, entende-se que
a política está totalmente desmoralizada, entretanto precisa de sutiã, algo que apoie,
ou seja, faz a comparação do objeto silicone, pois dá a idéia de algo em pé, feito
para sustentar. Segundo Koch (2004), logo no segundo parágrafo é importante
observar o operador discursivo aliás, que matiza uma enunciação anterior e exerce
a função de ajustamento, de precisão do sentido.
90
6.2.10 Os Efeitos da Ironia nas Crônicas de José Simão
A ironia e a sátira, assim como o humor e a paródia, passam a
chamar tipos de discursos cômicos“, os quais estão relacionados ao riso. Mas,
segundo Brait (1996), a ironia não é necessariamente cômica”, contudo, pode ser
uma argumentação, como afrontamento de idéias, como situações de polêmica ou
até mesmo como estratégia defensiva. Diante dessa idéia, afirma:
É possível, assim, abandonar a série caracterizada como sendo a das
figuras de linguagem, da frase de efeito que compõe um texto, e mesmo da
comicidade, delineando-se o horizonte de uma outra perspectiva. Esta,
concebendo a ironia como uma forma de discurso, pode compreender o
humor, a paródia, a intertextualidade, a interdiscursividade e outros
elementos elencados ao universo anteriormente mencionado, como
mecanismos que participam, ao mesmo tempo ou não, da estruturação de
um discurso irônico, ou que se oferecem como efeito de sentido provocado
pela ironia (BRAIT, 1996, p. 58).
Isso explica, os efeitos de sentido que José Simão costuma provocar
no leitor, quando ele exterioriza seu humor. A estrutura da linguagem e os próprios
recursos lingüísticos de cada idioma que ele utiliza possibilitam a criação do humor
por parte de diferentes usuários. Schmitz (2007), expõe que nos tempos de hoje,
com tantas guerras, conflitos, enfim notícias caóticas, o humor serve como
instrumento para não levarmos a vida tão a sério, pois tudo é passageiro. Nas
crônicas de José Simão, é natural algumas figuras públicas e colunáveis receberem
apelidos tais como: Belzebush, Ronalducho, Chuchu, Rita Cadilata e muitos outros.
O fato de José Simão criar seus próprios neologismos e brincar com a própria
linguagem, mostra que há uma certa riqueza no seu discurso, em todas as suas
manifestações.
Nesse aspecto, podemos observar que alguns fatores contextuais,
funcionam como sinais enunciativos. Por exemplo, logo no título das crônicas de
Simão na seção Ilustrada da Folha de S. Paulo, já é abordado seu estilo metafórico
e a frase inserida provoca o riso, mesmo antes de o leitor conhecer o conteúdo do
texto. Entretanto, levando-se em consideração algumas informações obtidas no
contexto:
91
Esses fatores contextuais, ainda que o contexto seja entendido aqui como
espaço discursivo circunscrito pelo jornal impresso, funcionam como sinais
enunciativos, uma vez que não há nenhuma marca no enunciado que
autorize o reconhecimento da ironia, ou de um sentido diferente daquele que
o significado de cada palavra e a organização sintática oferecem. Os sinais
contextuais, portanto de ordem enunciativa, promovem no plano da
significação uma cumplicidade entre o enunciador e o enunciatário, de tal
modo que imediatamente o leitor pode compreender que aquilo que o
locutor assume e enuncia como fato é a tradução de um desejo coletivo e
não de uma realidade. Daí o efeito de humor (BRAIT, 1996, p. 59).
O prazer do leitor é tentar descobrir o efeito que o autor provoca em
um determinado momento irônico, caracterizando o seu estilo e visão de mundo,
ampliando o campo produtivo da ironia. Além disso, se o leitor for capaz de discernir
essa generalização, ou seja, um maior detalhamento da forma como mecanismos
produtores da ironia aparecem em diferentes discursos, ele pode compreender
vários tipos de discursos, sejam eles literários ou não.
6.2.11 Análises das Crônicas
Crônica 1
UEBA! HELOÍSA LANÇA BLUSA- FAMÍLIA
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador -
Geral da República! Direto do Pleito Caído! A Galera Medonha! A Micareta dos
Picaretas!
E a frase de revolta do Lula: “Quem disse que eu não estudei? Só no
ABC, fiquei 20 anos” Rarará!
E o chargista Iotti já sabe como se livrar do hilário eleitoral.
Desencapetamento. Desencapetamento é a solução.
Junta um monte de gente em volta do aparelho e começa a gritar:
Abandona esse aparelho que não te pertence! Abandona esse aparelho que não te
pertence!”
92
E o clássico do rebaixamento já tá garantido; Corinthias X Plutão!
E tem um candidato chamado Ouchana! “Saúde, segurança,
emprego, Ouchana!” O que é isso? Múltipla escolha. Eu fico com a letra D! Emprego
Ouchana? Rarará!
E em Floripa tem o João do ovo: “João do ovo, este é o povo”. O
quê? O João ou o Ovo? Rarará!
E tem um que fica esfregando as mãos o tempo todo. Parece que tá
na frente do caixa do banco vendo o funcionário contar notas.
E os óculos do Enéas são duas TVs de 29 polegadas.
E como diz um amigo meu: “Estou esperando um candidato que vá
trabalhar por mim , ir lá na senzala bater meu cartão”. Eu também quero um
candidato que VÁ ATÉ A SENZALA E BATA O MEU CARTÃO!
Audácia da cabrita! E não avisa antes. Traidora! Como é que ela
ousa mudar de roupa sem consultar a nação? Tem que ter plebiscito!
Trocou aquela blusinha de primeira comunhão por uma camiseta
com um sol! O logotipo do PSOL. Patrocínio Sundown. E diz que ela vai lançar o
novo programa: BLUSA-FAMÍLIA! É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz o outro:
é duro, mas desce!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e
mesopotâmica campanha “Morte ao Tucanês”.
Acabo de receber mais um exemplo hilário de antitucanês. É que em
Porto Velho tem um motel chamado Motel das cobras. Mais direto impossível. Viva o
antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.
“Postulado”: companheiro que foi jogado para escanteio.
Aliás, o Lula jogou todos os companheiros pra escanteio. Rarará!
Nóis sofre, mais nóis goza. Hoje só amanhã
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
Chega de pleito!
Queremos blunda!
(SIMÃO, 2006a, p. E5).
93
Análise
Quanto ao contexto de produção, todas as crônicas foram
publicadas na Folha de S. Paulo, na coluna Ilustrada, do período que antecedeu as
eleições. No título do texto, podemos observar a característica irônica do autor, pois
ele usa o nome de uma candidata à presidência da República ao usar a expressão
BLUSA- FAMÍLIA”. O autor, para causar um efeito de humor, faz sátira com a
blusa de Heloisa Helena e o bolsa-família da campanha do presidente Lula.
Algumas expressões utilizadas no decorrer do texto de Simão
(marcas lingüístico-enunciativas) já foram explicitadas e analisadas no item anterior,
pois tais expressões se repetem em todas as suas crônicas.
Quem disse que eu não estudei? Só no ABC fiquei 20 anos.
E o chargista Iotti já sabe como se livrar do hilário eleitoral.
Desencapetamento é a solução
No primeiro quadro, além de demonstrar um questionamento, devido
ao instrumento lingüístico de pergunta quem , e ao ponto de interrogação, o trecho
nos dá a informação de que alguém disse que ele não estudou. Com relação ao
advérbio de negação não, o autor demonstra no texto acima uma diferente maneira
de negar, mostra um relevante sentido para o enunciado. Há o uso da negação, mas
ele expõe que estudou, a negação não incide sobre a proposição negada, é a
enunciação desse termo que é posta em questão, não o seu conteúdo. Há também
a sátira em relação ao presidente Lula, quanto ao tempo que o presidente demorou
a se alfabetizar.
Diante desse mesmo enunciado, a expressão Só no ABC fiquei 20
anos
, demonstra a idéia de adjunto adverbial de tempo, relativo ao tempo passado,
e a sigla ABC, além de nos passar a idéia do lugar onde o presidente Lula morou, o
ABC paulista, também enfatiza a questão do ABC de uma cartilha e aborda a
questão da ironia. O verbo fiquei no pretérito perfeito indica permanência de estado.
94
Na expressão modalizadora Quem disse que eu não estudei?, o
enunciado é representado pelo o verbo disse que, que produz um efeito de
pergunta. No segundo quadro, o autor destaca um comentário sobre o chargista
Lotti
14
, enfatizando um sentido de afirmação pelo uso do operador argumentativo já
em já sabe.
Convém ressaltar que a palavra desencapetamento indica um
neologismo criado por José Simão e nos dá a idéia de que política é algo cheio de
maldades e subornos. Para se livrar dessa situação só se os políticos agissem de
boa fé, passasse por algum ritual de desencapetamento, se livrar do que há de ruim,
ou seja, nos lembra um ritual de exorcismo, da igreja católica e de algumas igrejas
protestantes.
Junta um monte de gente em volta do aparelho e começa a gritar: Abandona
esse aparelho que não te pertence! Abandona esse aparelho que não te
pertence!”
Na expressão junta um monte de gente, o autor faz uso da
linguagem oral generalizando a quantidade, a qual não nos traz uma informação
numérica exata. A repetição intensificadora da mesma frase Abandona esse
aparelho que não te pertence! aparece por duas vezes, aproximando-se
novamente das características da linguagem oral. Essa expressão semelhante
também aparecia no programa “Zorra Total” Isso não te pertence mais, que foi ao
ar na Rede Globo aos sábados após a novela das oito. Seria uma expressão do
senso comum, abrangendo a questão da intertextualidade.
14
Carlos Henrique Iotti, jornalista e cartunista brasileiro formado pela UFRGS. Atualmente trabalha em Zero
Hora e Jornal Pioneiro. É mais conhecido como o criador do personagem de história em quadrinhos Radicci, um
personagem apresentado dentro do contexto dos imigrantes italianos que colonizaram a região da Serra Gaúcha.
95
E o clássico do rebaixamento já tá garantido: Corinthians X Plutão!
O elemento (já) como marcador de suficiência de asserção,
responsável pelo encadeamento de um novo segmento discursivo.
Como já é de costume em suas crônicas, José Simão sempre faz
uma “maldadezinha” no mundo dos esportes, portanto, ele argumenta sobre o
rebaixamento do time do Corinthians e satiriza comparando-o com o Planeta Plutão
que não é mais planeta, pois foi retirado, ou seja, rebaixado do sistema solar, assim
como o time.
E tem um candidato chamado Ouchana! “Saúde, segurança, emprego, Ouchana!”
O que é isso? Múltipla escolha. Eu fico com a letra D! Emprego Ouchana? Rarará!
O emprego de slogans de candidatos, “Saúde, segurança,
emprego, Ouchana!”, nos mostra claramente que os mesmos não têm competência
política, a palavra Ouchana nos lembra um termo “chulo”, uma brincadeira na
composição do nome, ou+chana.
Nesse contexto, o autor nos mostra alguns nomes de candidatos
extremamente vulgares. “Não tenho problemas com isso. Uso um parâmetro: no
momento que falou no Domingão do Faustão, pode! É o parâmetro, domingo à
tarde, a maior audiência do Brasil, se o cara falou... pode!” (SIMÃO, 2007, p. 25). O
cronista conclui que, se em um programa todos podem assistir a comentários com
um certo índice de vulgaridade, então nessa circunstância, ele também tem a
liberdade de fazer uso dessas linguagens em seus textos.
E diz que ela vai lançar um novo programa:
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno
96
Uso dos dêiticos eu /ela exercendo a função de pronome pessoal,
os quais indicam os participantes da comunicação, os elementos fisicamente
presentes na situação de fala.
BLUSA FAMÍLIA, VÁ ATÉ A SENZALA E BATA O MEU CARTÃO, ABC.
Enfatiza essas expressões com o objetivo de falar da opressão do
povo escravizado e oprimido, grafadas em letras maiúsculas, com o objetivo de
chamar a atenção, enfim, escandalizar.
Trocou aquela blusinha de primeira comunhão por uma camiseta com um sol!
Na passagem acima, o Pretérito Perfeito “trocou” representa uma
perspectiva retrospectiva em relação ao tempo Presente.
Crônica 2
UEBA! SAIU A CAMPANHA ANULALÁ
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral
da República! Direto do Pleito Caído!
Aliás, tem que botar silicone nesse pleito. O pleito não ta caído, ta
desabado!
E o hilário eleitoral devia passar na TV Al Jazira, todos com cara de
terrorista! Até aqueles vídeos do Bin Laden gravados na caverna são melhores.
97
E diz que o Bin Laden tem um primo gay: o Min Raben! Rarará! E a
frase dodia sobre Plutão: “Foi só mandar um brasileiro pro espaço que já sumiu um
planeta”. Rarará.
E a frase da Heloísa Helena: “Sou terninha e limpinha”. Errado! A
frase seria: “Sou lanterninha, limpinha e lavo minha blusinha”.
Ereções 2006! Adorei a candidata do rio: “Pelo idoso e pelos
animau, Superzefa para federal. Vote 7001: sete, dois ovo e um pau”.
Rarará!
E tem aquele outro; “Não sou político profissional.Vivo do meu
trabalho”. E se eleito, passa a viver do NOSSO trabalho!
E o Alckmin Picolé de Chuchu? Como é que o povo fica gritando
“Acorda, Gerardo”, se ele é anestesista? É verdade, é formado em anestesia. O
Geraldo tá anestesialdo! E o Lulalelé é uma mala que só promete bolsa!
E o Quércia tá parecendo Frankenstein. É só colocar um parafuso
atravessado na cabeça! Frankensquércia!
E tem o Zé Gaiola, único candidato que já vem preso! E tem uma
amiga minha, Lenora de Barros, que tá lançando a campanha: ANULALÁ! Rarará!
Sabe o que quer dizer PIB? Pobreza Individual do Brasileiro!
É mole?
É mole, mas sobe! OU, como diz aquele outro: é mole, mas, se
provocar, ressuscita!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e
mesopotâmica campanha “Morte ao Tucanês”. Acabo de receber mais um exemplo
irado de antitucanês.
É que em Florianópolis tem uma casa de móveis chamada a Arte de
sentar.
Rarará.
Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil! E atenção!
Cartilha do lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. “Corega”: companheiro que
deixou o partido e foi pro Japão gastar o mensalão. Rarará.
O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mais nóis goza. Hoje só
amanhã.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
Chega de pleito!
98
Queremos blunda!
(SIMÃO, 2006b, p. E11)
Análise
José Simão procura mostrar a campanha do presidente Lula, usando
a expressão ANULALÁ
, logo no título, associada ao verbete do dicionário de José
Simão, “Lula lá é Lula lá, ué”. Satiriza fazendo uma modificação da palavra lulalá,
tem-se a impressão de que o país continuará da mesma forma que está, então
anular o voto seria a melhor solução.
O objetivo da crônica abordada é criar um clima de humor, através
de seus neologismos e expressões cômicas. Quanto ao destinatário, como já foi
colocado em suas análises anteriores, obviamente será alguém que seja leitor da
Folha de S. Paulo. Seu texto é dirigido a um público adulto, em geral, que
acompanha a situação política do país e conseguirá discernir o contexto em pauta.
Com relação às alusões propostas por José Simão, as quais
geralmente partem para o riso, às vezes, a resolução delas passa pela necessidade
de que o leitor domine outras informações, e não as colocadas pelo autor. Contudo,
a impressão que Simão nos transmite é que o autor confia em que seu leitor buscará
tais informações, desde que tenha o hábito da leitura.
No tema abordado, Simão faz uso do título em caixa alta UEBA!
SAIU A CAMPANHA ANULALÁ, justamente para contextualizar o universo político
dos grandes grupos sociais e também para intensificar sua enunciação.
E o hilário eleitoral devia passar na TV Al Jazira, todos com cara de terrorista!
Até aqueles vídeos do Bin Laden gravados na caverna são melhores.
99
Quando o autor se refere a Tv Al Jazira
15
a expressão funciona
como adjunto adverbial de lugar, é uma emissora de televisão jornalística do Catar
16
.
Devido a esse conceito, José Simão compara o horário com essa TV, pois as
pessoas são parecidas com os terroristas, isto é, o horário político é tão horrível que
é preferível assistir a emissora de TV Al Jazira, até com vídeos do Bin Laden
17
gravados, o horário eleitoral. O autor faz uso do adjetivo melhores, estabelecendo
uma relação de comparação. O operador argumentativo todos funciona como idéia
de abrangência universal, afirmação plena de um enunciado anaforicamente
referido, pois segundo Ilari (2001), as expressões anafóricas servem, tipicamente
para “retomar” outras passagens do mesmo texto.
E diz que o Bin Laden tem um primo gay: o Min Raben! Rarará! E a frase do dia
sobre Plutão: “Foi só mandar um brasileiro pro espaço que já sumiu um planeta”.
Rarará.
Quando o autor utiliza a afirmação diz que, essa forma verbal
exprime impessoalidade como se empregasse o que comumente se diz, sem
comprometimento. “E se diz por aí...? O tempo verbal predominante nas crônicas de
José Simão é o Presente do Indicativo do verbo ter, tem, o qual constitui o tempo
fundamental empregado dentro do relato, designando uma atitude comunicativa de
engajamento com o leitor e o texto.·”.
Nessas passagens, quando Simão fala sobre o primo de Bin Laden,
ele maliciosamente utiliza a expressão Min Rabin, querendo, na verdade, dizer outra
coisa, bastante vulgar. O autor faz uma referência à sonoridade similar ao árabe e
ao efeito sonoro. Diante desse contexto, José Simão aborda o humor sexual, o qual
15
Essa TV foi criada em 1996 pelo emirado do Catar e suas transmissões iniciaram em 1º de novembro daquele
ano. Logo se destacou por alcançar um nível de liberdade de expressão e de oposição raramente visto no mundo
árabe.
16
Catar é um país da Arábia que ocupa uma península do Golfo Pérsico e algumas ilhas adjacentes, de nível
elevado.
17
Osama Bin Laden, comumente conhecido como Bin Laden - (10 de março de 1957), terrorista internacional,
filho de um pobre imigrante iemenita que se tornou o homem mais rico e poderoso da
Arábia Saudita depois do
próprio rei. Graduado em Engenharia Civil, possui 53 irmãos, 5 esposas e 12 filhos.
100
sempre vem inserido em suas crônicas. De fato, o humor sexual é uma de suas
marcas, livre e despreocupado com a crítica e com a moral.
E a frase do dia sobre Plutão: “Foi só mandar um brasileiro pro espaço que já
sumiu um planeta”. Rarará.
No que se refere ao planeta Plutão, quando o presidente Lula
mandou um brasileiro para a Lua, há a idéia de que não houve benefício nenhum
para o nosso país, e o planeta Plutão até sumiu, isto é, subentende-se que o
brasileiro roubou o planeta da constelação, o que está implicitamente escrito é, que
o brasileiro é ladrão e corrupto.
E a frase da Heloísa Helena: “Sou terninha e limpinha”. Errado! A frase seria:
“Sou lanterninha, limpinha e lavo minha blusinha”.
Em relação ao comentário da frase de Heloísa Helena “sou
lanterninha, limpinha e lavo minha blusinha”, tão adequadamente mostra que
Heloísa Helena continua cuidando da sua roupinha, a blusinha branca e a calça
jeans desbotada, a roupa que sempre está acostumada a usar, mas o seu partido
está sem representatividade, o PSOL parece uma lanterninha, fraquinha, não tem
brilho, está em último lugar, apesar de lembrar um sol e a marca da cerveja Skol.
Simão destaca ainda o uso dos adjetivos lanterninha e limpinha
que indicam valoração dos fatos ou algo relacionado ao discurso, são usados com
um sufixo indicando diminutivo. Poderia constar que o sufixo “inha” tem efeito
estilístico pejorativo. O autor também estabelece o uso do verbo no Futuro do
Pretérito seria, introduzido por um tempo comentador, o qual se passou ao relato.
Portanto, tem-se uma metáfora temporal, que limita a validade do comentário,
atribuindo-o a um outro interlocutor, certamente Heloisa Helena.
101
Ereções 2006! Adorei a candidata do rio: “Pelos idoso e pelos animau, Superzefa
para federal. Vote 7001: sete,dois ovo e um pau”.01/09/06
Estas expressões mostram o baixo nível dos candidatos. Superzefa,
uma personagem totalmente “tosca”, veiculada no “You Tube” sem cultura alguma.
O “sete dois ovos e um pau” é uma afirmação mesquinha colocada em seu discurso
para os eleitores não se esquecerem do seu número (7001), comportamento típico
de alguns candidatos não conhecidos que aparecem no exíguo horário político. O
cronista faz uma crítica ao absurdo de algumas candidaturas, faz brincadeiras com
seus nomes e slogans, um deboche à campanha eleitoral.
Ainda no mesmo trecho, observa-se o erro de concordância nominal
e ortografia. Pelos idoso e pelos animau, superzefa para federal.
Um outro fator bastante abrangente nas crônicas de José Simão e
muito utilizado na época das eleições são as expressões de cunho sexual. Como já
foi dito, seus textos são marcados pelo humor sexual, já que as eleições, assuntos
da notícia, passam a ser ereções 2006, decorrendo daí a presença de vocábulos
ligados à sexualidade, no entanto, por meio deles o humor é deflagrado.
Não sou político profissional. Vivo do meu trabalho. “E se eleito, passo a viver do
NOSSO trabalho!)
Há o predomínio da intertextualidade com o suposto discurso de
Eduardo Suplicy, o qual nunca afirma ser político profissional, mas é da elite e
político desde 1980. A palavra NOSSO grafada em letra maiúscula, com o intuito de
chamar a atenção do leitor, sugere que ele viverá do trabalho do povo brasileiro.
102
E o Alckmin Picolé de Chuchu? Como é que o povo fica gritando “Acorda,
Gerardo”, se ele é anestesista? É verdade, é formado em anestesia. O Geraldo tá
anestesiado! E o Lulalelé é uma mala que só promete bolsa!
Nesse contexto, seria importante frisar a colocação que Simão faz
da palavra anestesiado, ironicamente a fim de satirizar o candidato que é médico
anestesista, sendo assim ele está devagar, ele está parado tanto profissionalmente
como em sua campanha a presidente da república. Ainda no mesmo quadro,
podemos detectar o uso do operador argumentativo se como introdutor de
suposição. A oração modalizadora É verdade identifica uma declaração,
assinalando a força ilocucionária.
Convém ainda destacar, no mesmo parágrafo, a frase em que Simão
ironiza o presidente Lula, ao fazer uma composição de palavras com o seu nome
lula+ lelé, onde ocorre o acréscimo de um sufixo a um radical, a uma palavra
primitiva ou derivada. A expressão Lulalelé nos lembra o personagem da história em
quadrinhos de Maurício de Souza
18
da turma do Chico Bento “Zé Lelé”
19
e uma
comparação com a seleção lexical “mala”, um objeto usado para transportar roupas
que metaforicamente podemos comparar ao presidente Lula, que só promete e não
cumpre, sempre com o mesmo discurso que todos já estão cansados de ouvir. A
palavra “mala” nesse contexto significa pessoas cansativas, que só dizem lamúrias e
não tem noção de que estão sendo inconvenientes.
E tem o Zé Gaiola, único candidato que já vem preso! E tem uma amiga minha,
Lenora de Barros, que tá lançando a campanha: ANULALÁ! Rarará! Sabe o que
quer dizer PIB? Pobreza Individual do Brasileiro!
18
É um dos mais famosos cartunistas do Brasil. Criador da turma da Mônica.
19
Segundo o site Wikipédia, Zé Lelé é um personagem da história em quadrinhos da turma do Chico Bento. É o
menos inteligente do grupo. Sempre tira nota zero nas provas. (ZÉ LELÉ. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Z%C3%A9_Lel%C3%A9>. Acesso em: 3 ago. 2007.
103
Nessa passagem o autor comenta sobre um outro candidato “tosco”
do hilário eleitoral, Zé Gaiola, mais um dos alvos de José Simão, apresenta-se para
servir de piada ao público.
A colocação do pronome relativo que retoma um termo expresso
anteriormente, a argumentação do porquê do nome Zé Gaiola. Simão enfatiza que
Zé Gaiola é um dos corruptos que já está na prisão.
O autor também argumenta sobre o PIB, que significa Produto
Interno Bruto e satiriza dizendo que é Pobreza Individual do Brasileiro, mas na
realidade o autor quer enfatizar que a maior parte da população é pobre, então os
políticos estão cada vez mais ricos. Ele aborda a diferença social e lingüística ao
utilizar o termo “pobreza”.
É que em Florianópolis tem uma casa de móveis chamada A Arte de Sentar.
Nessa passagem Simão implicitamente insinua que em Florianópolis
há muito homossexual, ou seja, gostam de sentar em madeira (pau). Essa mesma
expressão explicita um adjunto adverbial de lugar em Florianópolis.
Usa da ironia quando se refere à cartilha do Lula, “Corega”. O autor
nessa passagem tem o objetivo de desqualificar a imagem do presidente Lula como
um analfabeto, preguiçoso, incompetente, perdedor e radical, que não tem
condições de governar o país. Quando ele fala da expressão corega, ele se refere a
um amigo de origem japonesa que foi para o Japão gastar o mensalão. Na realidade
“corega” é a palavra “colega” falado erradamente.
Crônica 3
LULALÁ 2006! A BOLSA OU A VIDA?!
104
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral
da República! Direto do País da Piada Pronta!
Socorro! Todos para o abrigo! Me mate um bode! Lulalelê vai lançar
mais uma bolsa: A BOLSA OU A VIDA! Rarará!
E todo dia eu dou a definição definitiva do Lula: uma mala que só
promete bolsa! E o PIB? Agora se fala em PIB: Pobreza Individual do Brasileiro. PIB:
Produto Interno Bruto! Ainda bem que é bruto; se fosse líquido, o Lula beberia!
Rarará!
E mais uma da Galera Medonha: tem uma candidata no Rio
chamada Maria chupetinha. Tá certo! Em tempo de sanguessuga é melhor uma
Chupetinha. Rarará!
Datapraia informa. Quando estou em São Paulo é Datapadaria,
margem de erro zerro. Mas, como estou na Bahia é Datapraia: margem de erro
100%. Aqui na praia só dá eleitor da Heloísa Helena. Todos tomando um PSOL!
E o Geraldo? Continua anestesialdo! Apareceu uma psicanalista
dizendo que o Geraldo tem que ser mais agressivo, tem que bater. E qual é o nome
da psicanalista? Doutora PARASMO! Para um parado no marasmo, nada como a
doutora Parasmo! Rarará!
E adorei a charge do Sinovaldo com o Lula conversando com uma
piranha: “Com a minha bolsa criei cinco filhos”. E o Lula: “E com a minha vou criar 30
milhões de votos”.
A Galera Medonha! A Hora do Espanto! Tem um chamado Oreia:
“Oreia, o que houve a população”. Esse não aprendeu português de ouvido,
aprendeu pelas oreia!
E em Santa Tereza do Oeste, Paraná: “Sentado, em pé ou de
croque vote no Roque”. Esse aprendeu português de croque! Tão assaltando a
gramática.
E um amigo meu foi assistir ao hilário eleitoral, e sumiu a cor da TV.
Tão roubando até a cor da TV. Pior aquele candidato que foi preso dando golpe do
bilhete premiado. Não pode! Não pode roubar antes de ter mandato para isso.
Rarará.
É mole? É mole, mas sobe. Ou como diz aquele outro: é mole, mas
se provocar, ressuscita!
105
Antitucanês Reloaded, A Missão. Continuo com a minha heróica e
mesopotâmica campanha “Morte ao tucanês”. Acabo de receber mais um exemplo
irado de antitucanês. É que em Itu em um local para eventos chamado Salão de
Festas do Tistão! Cruzes! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!’
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
Chega de pleito.
Queremos blunda!
(SIMÃO, 2006c, p. E11)
Análise
O objetivo das crônicas de José Simão é de mostrar constantes
inovações, com seu estilo humorístico e muitas vezes sarcástico. A crônica faz uso
da ironia, que percorre todo o texto, e é utilizada como um recurso retórico Lulalelê
vai lançar mais uma bolsa: A BOLSA OU A VIDA! Rarará. Revela e anuncia
sempre algo que está por vir, mostrado logo nas expressões iniciais de seus textos.
Obviamente, as notícias seguem com comentários irônicos.
Em relação ao destinatário, pressupõe-se que será alguém que seja
leitor da Folha de S. Paulo, portanto um leitor que domine vários tipos de
informações. Desse modo, um leitor ciente de que os jogos de palavras e as
brincadeiras verbais se referem a acontecimentos recentes.
Socorro! Todos para o abrigo! Me mate um bode! Lulalelê vai lançar mais uma
bolsa: A BOLSA OU A VIDA! Rarará!
Logo no segundo parágrafo, o autor utiliza o operador argumentativo
todos, o qual funciona como idéia de abrangência universal, afirmação plena Todos
para o abrigo! Me mate um bode. A questão do bode nos lembra um animal do
Nordeste, colocado nessa situação pelo fato de o Lula ser nordestino.
106
E todo dia eu dou a definição definitiva do Lula: uma mala que só promete bolsa!
E o PIB? Agora se fala em PIB: Pobreza Individual do Brasileiro. PIB: Produto
Interno Bruto! Ainda bem que é bruto; se fosse líquido, o Lula beberia! Rarará!
A crônica é construída através de relatos, fatos marcados pelo
tempo e pelas ações. O texto apresenta o tempo verbal no Presente do Indicativo, o
qual aproxima o leitor do que está sendo relatado E todo o dia eu dou a definição
definitiva, há o uso de uma redundância proposital por parte do autor, ele
argumenta, relata, ou seja, ele é dado como fonte de um discurso.
O operador argumentativo ainda bem soma argumentos a favor da
sugestão anterior; afirma que é melhor que o produto seja bruto, pois se fosse
líquido supostamente o Lula beberia. O verbo fosse como Pretérito Imperfeito do
Subjuntivo acompanhado do operador discursivo se faz parte do relato, mas quando
usado como metáfora temporal, exprime irrealidade.
No mesmo trecho, o autor coloca a questão do PIB, satirizando a
sigla com uma outra definição: Pobreza Individual do Brasileiro, expondo a situação
do país em que, a maior parte da população é pobre, o político enche os bolsos, e
não está preocupado com a “massa”. Isso é uma outra questão já observada em
outra crônica analisada.
O verbo beberia no Futuro do Pretérito tem função de metáfora
temporal de validez limitada, o qual pode ser considerado como um fenômeno da
polifonia, em que se incorpora ao enunciado algo que se pode atribuir a um locutor
real ou virtual, a um conjunto de enunciadores. O locutor, ser do discurso, resulta de
uma constante dispersão e aglutinação de vozes, sociais e ideologicamente
marcadas. Portanto, o locutor como responsável pelo enunciado, ao qual se refere o
pronome eu e as outras marcas de primeira pessoa presentes no discurso, é
diferente do sujeito falante, ser empírico, que é um elemento real da experiência,
uma representação externa da fala, estranha àquela veiculada pelo enunciado
(KOCH, 2004).
107
E mais uma da Galera Medonha: tem uma candidata no Rio chamada Maria
chupetinha. Tá certo! Em tempo de sanguessuga é melhor uma Chupetinha.
Rarará!
No quarto parágrafo o autor cita o nome de uma candidata do Rio de
Janeiro, Maria Chupetinha, e comenta Em tempo de sanguessuga é melhor uma
Chupetinha. Esta expressão metafórica, faz uma alusão ao humor sexual e mostra
que o Brasil está cheio de sanguessugas, políticos que cada vez mais se aproveitam
da situação do país. O uso da palavra “chupetinha”, que significa “sexo oral”
supostamente seria pelo fato de causar menos dano, ser menos prejudicial, porém
“sanguessuga”, apropria-se dos bens dos outros. Há o uso da expressão adjetiva é
melhor indicando valoração do fato.
Datapraia informa. Quando estou em São Paulo é Datapadaria, margem de erro
zero. Mas, como estou na Bahia é Datapraia: margem de erro 100%. Aqui na
praia só dá eleitor da Heloísa Helena. Todos tomando um PSOL!
Segundo Simão (2007), datapadaria, é uma instituição brasileira,
principalmente em São Paulo, onde todos se encontram e fazem comentários sobre
o que está acontecendo, realmente é um centro de discussão, um fórum.
“...exatamente um fórum romano” (SIMÃO, 2007, p. 42). E o datapraia seria a
mesma definição, mas em uma cidade do litoral, como na Bahia. No entanto, esses
termos também nos remetem à ironia que se faz ao Datafolha
20
.
20
O Datafolha é um instituto de pesquisa pertencente ao Grupo folha. Foi criado como departamento de pesquisas
do jornal folha de S. Paulo em 1983 e em 1990 o instituto se estabelece com estrutura independente para atender
clientes externos.
108
A Galera Medonha! A Hora do Espanto! Tem um chamado Oreia: “Oreia, o que
houve a população”. Esse não aprendeu português de ouvido, aprendeu pelas
oreia!
O autor, nessa passagem, comenta sobre um outro candidato
“tosco” do hilário eleitoral e faz sátira com seu pseudônimo “Oreia”. O pronome
demonstrativo esse é usado como referência contextual , utilizado para substituir o
sujeito da frase. A palavra “oreia” no final da frase exerce uma outra função, a de
substantivo comum, orelha. Essa repetição recebe o nome de diáfora.
E em Santa Tereza do Oeste, Paraná: “Sentado, em pé ou de croque vote no
Roque”. Esse aprendeu português de croque! Tão assaltando a gramática.
O autor inicia com o operador argumentativo geográfico Santa
Tereza do Oeste, dando a idéia de adjunto adverbial de lugar. O lugar referido,
interior do Paraná, possui uma característica lingüística, distanciada da norma culta.
O objetivo principal do slogan é atingir a grande massa da população, que
supostamente é formada por iletrados. Dentro dessa concepção, o cronista faz uso
de rima e sátira com as palavras “croque”, que na realidade seria cócoras, uma
forma de se agachar sobre os calcanhares, com o nome do candidato “Roque”.
E um amigo meu foi assistir ao hilário eleitoral, e sumiu a cor da TV. Tão
roubando até a cor da TV. Pior aquele candidato que foi preso dando golpe do
bilhete premiado. Não pode! Não pode roubar antes de ter mandato para isso.
Rarará.
109
A repetição Não pode! Não pode! vale como recurso estilístico, pois
tem a finalidade de reforçar a idéia de que um cargo político autoriza a corrupção.
O Pretérito Perfeito também é um tempo predominante nessa
crônica, pois indica uma retrospectiva de fatos acontecidos em um passado próximo
E adorei a charge do Sinovaldo
21
.
É que em Itu tem um local para eventos chamado Salão de Festas do Tistão!
O autor cita ironicamente Salão de Festas do Tistão, referindo-se
a um museu da cidade de Itu, que em 18 de abril de 1873, realizou uma reunião no
prédio construído no mandato de Francisco de Almeida Prado
22
, que efetivou as
bases do Partido Republicano Paulista, mais conhecida como convenção de Itu,
transformado em museu pelo presidente do estado Washington Luís Pereira de
Sousa. A questão de citar Itu, então, é uma pista semântica para dar coerência e
coesão ao texto em afirmar que a República em que vivemos é um universo paralelo
e pela palavra Tistão estar no aumentativo e lembrar que em Itu tudo é grande.
Crônica 4
BUEMBA! INADIMPLÊNCIA OU MORTE!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral
da República! Direto do Pleito Caído! E as ex-aeromoças da Varig que posaram
21
Mario Arthur Junges, nasceu em Novo Hamburgo no Rio Grande do Sul - 1950, é cartunista e gerente de arte
do Grupo Editorial Sinos. Criador do personagem Vavau e sua turma, Valeca, Raton e Pilha-fraca. Diariamente
cria charges e tirinhas para o Jornal NH, Diário de
Canoas e VS de São Leopoldo.Vavau nasceu de um cachorro
da rua, a inspiração veio daquele ser independente e mal humorado, e com desejos humanos. As histórias são
sempre retiradas do cotidiano das pessoas.
22
Francisco de Almeida Prado, Prefeito da cidade de Itu-SP em 1873, proprietário do imóvel onde ocorreu a
convenção do Partido Republicano Paulista em 1873, hoje o edifício está instalado o Museu Republicano na
Cidade de Itu-SP, extensão do Museu Paulista —Universidade de São Paulo.
110
nuas para a “Playboy”? É a primeira empresa que faliu por excesso de fundos!
Rarará.
E uma frase ouvida no ônibus sobre o Alckmin Picolé de Chuchu:
“Por que eu quero um walkman se eu posso comprar um DVD”? Rarará! E o Ciro
Botelho me disse que o Lula tá igual a cavalo de parada: fazendo, andando e sendo
aplaudido! E um amigo diz que vai entrar no banco e gritar: “Inadimplência ou
Morte!”Rarará!
E o Lulalelé continua de sauto auto, no alto das pesquisas! E adorei
a charge do Kacio com o Geraldo gritando pro Lula: “Desce daí se for homem”.
Rarará.
E uma amiga minha vai criar um partido chamado PAU. Partido da
Alternativa Única. Menos Pão e Mais Pau! Rarará!
A Volta da Galera Medonha! A Hora do Espanto! Poltergeist 3! A
Micareta dos Picaretas! Tem um candidato chamado Nosangue: “Chega de votar em
nó cego, vote Nosangue”. E quem garante que ele não tá contaminado?
E a Heloísa Helena, a Chiquinha do Chaves, é tão do contra, mas
tão do contra, que, quando uma revista ofereceu a capa, ela recusou: só aceito a
contracapa.
E eu vou perguntar todo dia: quem vai me dar o nome do
descabeleireiro da Heloísa Helena? Aquele ninho de jaburu!
E a charge do Ivan com um candidato: “Prometo lutar pelo adicional
de periculosidade para todo o genro que morar com a sogra”. Esse com certeza vai
ganhar estourado! Rarará! É mole? É mole, mas sobe! Ou como diz o outro: é mole,
mas se provocar, ressuscita!
Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e
mesopotâmica campanha “Morte ao Tucanês”. Acabo de receber mais um exemplo
irado de antitucanês. É que em rio Formoso, Pernambuco, tem uma marcenaria que
tem o nome de Dois Cacetes! Uau! Mais direto, impossível. Viva o antitucanês! Viva
o Brasil!
E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.
“Comensal”: companheiro que come uma vez por mês! A vizinha! Rarará! O lulês é
mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mais nóis goza! Hoje só amanhã!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Chega de pleito!
111
Queremos blunda!
Rarará!
(SIMÃO, 2006d, p. E 7).
Análise
Neste texto, Simão aborda como de costume as notícias do contexto
das eleições, celebridades, políticos, os quais dão lugar aos fatos e acontecimentos
da época.
E as ex-aeromoças da Varig que posaram nuas para a “Playboy”? É a primeira
empresa que faliu por excesso de fundos! Rarará.
O pronome relativo que exerce a função de oração adjetiva
explicativa e justifica uma asserção anterior. O autor comenta sobre os fundos da
empresa, ou seja, o capital, e maliciosamente sobre os fundos das aeromoças,
relacionado a uma das partes do corpo.
“Por que eu quero um walkman se eu posso comprar um DVD?” Rarará!
A respeito desse trecho, nos é oportuno registrar um exemplo de
estrangeirismo walkman. O autor, faz uso de expressões na Língua Inglesa nas
suas crônicas. Essa questão de comprar um DVD, pressupõe que na campanha de
José Serra, tentaram incriminá-lo, vendendo um DVD com gravações
comprometedoras a seu respeito, nas quais supostamente ele estaria envolvido no
caso do mensalão. Uma outra abordagem é a colocação das aspas, como um
recurso retórico polifônico, a fim de incorporar o discurso de outras vozes. As aspas
são utilizadas nos enunciados relatados em discurso direto para marcar sua
112
alteridade, manifestada pela ruptura sintática entre o discurso que cita e o discurso
citado.
E o Lulalelé continua de sauto auto, no alto das pesquisas! E adorei a charge do
Kacio
23
com o Geraldo gritando pro Lula: “Desce daí se for homem”. Rarará.
A explicitação das palavras sauto auto nos remete à idéia de
sozinho, independente, pode se referir a saltar, estar de salto alto, individualismo,
como se o resto não importasse. Expressão usada para mudar o sentido e
transformar, muda a letra e provoca outro sentido, alto, de altura, e auto, de
autonomia. Com relação à palavra sauto escrita de forma errada, o autor também
faz referência à pouca escolaridade do Lula.
O discurso direto “Desce daí se for homem” indica um ato de
autoridade, ordem, pelo fato de o verbo descer estar no Imperativo.
Tem um candidato chamado Nosangue: “Chega de votar em nó cego, vote
Nosangue”. E quem garante que ele não tá contaminado?
Nessa passagem, subentende-se que em ninguém se pode confiar,
com relação aos políticos, pois até o sangue pode estar contaminado.
E a Heloísa Helena, a Chiquinha do Chaves, é tão do contra, mas tão do contra,
que, quando uma revista ofereceu a capa, ela recusou: só aceito a contracapa.
Ainda para mostrar ironicamente, José Simão faz comparação da
candidata Heloisa Helena com a Chiquinha do seriado Chaves, por estar sempre
23
Chargista do correio Braziliense.
113
usando a mesma roupa e por aparentar um certo semblante de ingenuidade. Na
expressão tão do contra, inserida duas vezes no texto, o autor utiliza uma figura de
repetição com a finalidade de reforçar uma idéia. A oração consecutiva que [...] ela
recusou, exprime um fato de conseqüência , um efeito e uma causa.
E eu vou perguntar todo dia: quem vai me dar o nome do descabeleireiro da
Heloísa Helena? Aquele ninho de jaburu!
Simão ainda destaca a questão da composição de palavras por
prefixação e sufixação na palavra descabeleireiro, na qual é acrescido um prefixo e
um sufixo à palavra cabeleireiro, no sentido de cabelo desarrumado, bagunçado. O
autor faz comparação ao ninho da ave jaburu, por ser um local feito de uma grande
quantidade de galhos secos de árvores. O pronome demonstrativo aquele faz
inferência ao cabelo de Heloisa Helena.
E a charge do Ivan
24
com um candidato: “Prometo lutar pelo adicional de
periculosidade para todo o genro que morar com a sogra”. Esse com certeza vai
ganhar estourado!
A palavra periculosidade indica perigo, ou seja, todo genro que
mora com sogra merece um adicional, pois sogra tem fama de ser uma pessoa
maldosa, isso sarcasticamente explicando. Temos essa noção pelo fato de existirem
muitas piadas sobre sogras, e estas serem fortes aliadas do humor.
Também se tornou constante, à época das eleições, a citação de
slogans de candidatos nas crônicas, muitas com comentários hilários.
O pronome demonstrativo esse indica referência ao candidato de
nome não identificado. Observemos, ainda, a oração modalizadora com certeza,
24
Nascido em Areia Branca, em 1963, o cartunista e chargista Ivan Cabral, ocupa lugar de destaque na Página de
Opinião do Diário de Natal, desde 1988.
114
dando idéia de afirmação, funcionando como indicador da intenção, demonstrando a
opinião do locutor, em relação ao discurso citado.
É que em rio Formoso, Pernambuco, tem uma marcenaria que tem o nome de
Dois Cacetes!
A expressão rio formoso, Pernambuco exerce a função de lugar,
geográfico. O uso da expressão “Dois Cacetes” nos mostra um exemplo de
antitucanês, que pode ser definido como a linguagem que vem direto das ruas,
sempre com muita “sacanagem”, segundo o dicionário de José Simão.
E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. “Comensal”:
companheiro que come uma vez por mês! A vizinha! Rarará! O lulês é mais fácil
que o inglês.
É importante ressaltar novamente a cartilha do Lula, onde a palavra
“comensal”, vem seguida de um significado diferente do inserido. No dicionário da
norma culta o significado seria cada um daqueles que comem juntos.
Crônica 5
CHEGA DE PLEITO! QUEREMOS BLUNDA!
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral
da República! Direto do País do Pleito Caído! E o debate da Grobo? Que tédio.
Aquilo não era um debate, era um DEBATÉDIO.
Prefiro debater banana com o Neston. E sabe por que o Lula não
115
foi? Porque NÃO SABIA! Se ele nunca sabe de nada, como ia saber do debate?
“Debate? Não sei de nada. Vou mandar a Polícia Federal investigar.
Prende todo mundo do debate”. Mas o Lula foi muito mal-educado. Podia ter
mandado flores!
E o Geraldo tava desmaialdo. Acho que ele tomou uma overdose de
coristina com groselha! E a Heloísa Helena a Chiquinha do Chaves, não nos
decepcionou: foi com aquela blusinha de primeira comunhão. Como ela quer mudar
o Brasil, se não consegue nem mudar de roupa? Rarará! De tanto debater, nada foi
debatido. Prefiro debater uma bronha! Rarará!
Amanhã! Ereções 2006! Ai que preguiça! Não dá pra votar por
telefone? Tem que ter um 0800! E eu vou quebrar a urna na cabeça do mesário. Vou
dar um piti na zona! O mesário é o garçom da democracia!
Rarará!
E a urna eletrônica? Parece um microondas. Microondas cívico.
Aquela urna tá boa pra estourar pipoca! E a urna vai parecer um trem fantasma.
Você tecla, aparece a foto e desmaia. Só tem gente horrorosa. Tecla UUUUU. Tecla
outro. UAU. Tecla outro número. UUUUUUI! Trem fantasma!
E aqueles com mais de 40 não podem esquecer de levar os óculos.
Pra ler a cola. Um amigo meu levou a cola e na hora percebeu que era a lista do
supermercado: uma dúzia de banana,seis iogurtes e 200 cervejas. Foi o melhor voto
da vida dele.
Rarará!
E o perigo de cheirar cola e ficar indeciso se vota no Enéas ou na
Heloísa Helena. Rarará!
Anularam o voto nulo! Voto nulo na urna eletrônica não tem graça!
Antigamente que era bom. Que você desabafava escrevendo: “Filhos duma
quenga”, “Viva Rita Lee”, “Jesus pra presidente”, Abaixo a Rede Globo”. Voto com
humilhação. Rarará.
E quem quer mudanças vote na Granero. Quer mudanças? Vote na
Granero! É mole? É mole, mas sobe!
E, pra terminar, os versos do poeta pernambucano: eleição é apenas
o dia marcado/ para o povo abestalhado/ escolher a marca da vaselina/ com que vai
ser enrabado.
Rarará. A baixaria vem de cima. Nóis sofre, mais nóis goza. Hoje, só
116
amanhã.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
(SIMÃO, 2006e, p. E 9)
Análise
Nesta crônica, o título é composto pela expressão com a qual Simão
finalizou todas as suas crônicas durante a época das eleições 2006. Chega de
pleito! Queremos blunda!
E o debate da Grobo? Que tédio. Aquilo não era um debate, era um DEBATÉDIO.
Como as pessoas já estão cansadas e saturadas das propagandas
políticas, assistir ao debate é realmente um debatédio. A palavra aquilo é um
elemento dêitico indicando um evento extra textual Na mistura de debate+tédio
ocorre uma justaposição. A palavra Globo vem grafada com um desvio da norma
padrão para expor que esse debate é uma piada. A expressão DEBATÉDIO grafada
em letra maiúscula também mostra o momento polêmico das eleições,
principalmente quando os candidatos vão para o debate. O autor reúne numa
mesma palavra, a figura de estilo oxímoro, designativa de uma realidade, pois
debate, que é debate, nunca seria um tédio.
Prefiro debater banana com o Neston. E sabe por que o Lula não foi? Porque
NÃO SABIA! Se ele nunca sabe de nada, como ia saber do debate?
Convém notar, nesse trecho, que é mais interessante bater com
banana e Neston do que assistir ao debate dos candidatos. Na palavra debater
117
entende-se haver ambigüidade “prefiro debater/ de bater”. Um outro elemento,
bastante comum é aquele que associamos às adivinhas E sabe por que o Lula não
foi?, em que o enunciador questiona o leitor com perguntas que despertam a
curiosidade e a expectativa. O leitor aguarda a resposta e se depara com o humor.
“Debate? Não sei de nada. Vou mandar a Polícia Federal investigar. Prende todo
mundo do debate”. Mas o Lula foi muito mal-educado. Podia ter mandado flores!
Neste trecho, Simão faz uma sátira, onde percebemos que o
presidente Lula está tão alienado do que está acontecendo. O presidente Lula se
desculpa pelo fato de não ter ido ao debate. O que fica sugerido é que ele não teve
coragem para enfrentar um debate. Pressupõe que o leitor deva conhecer tal
realidade para que faça as inferências inerentes nesse discurso.
A oração modalizadora negativa Não sei de nada apresenta
ambigüidade. A negação interage com outras operações, determinando diferentes
possibilidades de interpretação. Nesse caso, devido ao escândalo do mensalão, o
presidente Lula afirmou não saber de nada, o que deixou todos céticos.
E o Geraldo tava desmaialdo. Acho que ele tomou uma overdose de coristina com
groselha! E a Heloísa Helena, a Chiquinha do Chaves, não nos decepcionou: foi
com aquela blusinha de primeira comunhão. Como ela quer mudar o Brasil, se
não consegue nem mudar de roupa? Rarará! De tanto debater, nada foi debatido.
Prefiro debater uma bronha! Rarará!
Novamente, o autor faz alusão ao candidato Geraldo Alckmin, utiliza-
se de uma hipérbole caricatural, figura presente na paródia jornalística, e inserida
nas crônicas de José Simão. Traços marcantes são evocados em relação a alguns
candidatos às eleições, como é o caso de Geraldo Alckmim: a sua magreza e a
pouca vivacidade quando comparado ao um Picolé de Chuchu. Quanto a Heloisa
118
Helena, o mesmo jeito sem graça e com aquele vestuário não diversificado, arcaico.
Como alguém poderá mudar o Brasil se não muda nem de roupa? (SIMÃO, 2007).
Amanhã! Ereções 2006! Ai que preguiça! Não dá pra votar por telefone? Tem que
ter um 0800! E eu vou quebrar a urna na cabeça do mesário. Vou dar um piti na
zona! O mesário é o garçom da democracia!
Através desse trecho, Simão demonstra a desilusão do povo
brasileiro com as eleições, realçando a vontade de cometer atos de vandalismo, em
função da descrença em relação à política .A oração modalizadora Tem quer ter um
0800 nos expressa a idéia de ordem e a questão do 0800 nos remete a idéia de
votar sem ter despesas. Em Vou dar um piti na zona, o autor enfatiza que vai sair
fora do seu estado normal, na zona expressa o lugar de votação, (zona eleitoral)
E a urna eletrônica? Parece um microondas. Microondas cívico. Aquela urna tá
boa pra estourar pipoca! E a urna vai parecer um trem fantasma. Você tecla,
aparece a foto e desmaia. Só tem gente horrorosa. Tecla UUUUU. Tecla outro.
UAU. Tecla outro número. UUUUUUI! Trem fantasma!
Neste ponto, o que nos chama a atenção é a associação que o autor
faz da urna eletrônica com um microondas, devido ao seu barulho. Na seqüência,
faz alusão às fotos dos candidatos que aparecem, como um trem fantasma. As
expressões UUUUU, UAU representam a figura de estilo onomatopéia, pela qual se
procura representar sons através de sinais gráficos que nem sempre são palavras.
As onomatopéias são conjuntos de fonemas criados não para denominar um ser ou
fato, mas para imitar aproximadamente sons ou ruídos.
119
E aqueles com mais de 40 não podem esquecer de levar os óculos. Pra ler a cola.
Um amigo meu levou a cola e na hora percebeu que era a lista do supermercado:
uma dúzia de banana,seis iogurtes e 200 cervejas. Foi o melhor voto da vida dele.
Importa aqui dizer que é mais produtivo levar uma cópia errada do
número dos candidatos do que votar no número certo. A expressão Foi o melhor
voto da vida dele enfatiza a idéia de grau superlativo o melhor, no sentido de o
mais intenso em relação a outros. Há o uso do verbo factivo perceber que indica
estado psicológico completado pela enunciação.
E o perigo de cheirar cola e ficar indeciso se vota no Enéas ou na Heloísa Helena.
Rarará
Os candidatos à presidência da época não eram expressivos. Os
eleitores, desorientados, buscavam saber quem não era tão ruim para que
pudessem votar.
A desilusão é tanta que José Simão estabelece o seu jogo lúdico
entre cronista e leitor em qual dos dois candidatos seria pior votarmos?
Anularam o voto nulo! Voto nulo na urna eletrônica não tem graça! Antigamente
que era bom. Que você desabafava escrevendo: “Filhos duma quenga”, “Viva Rita
Lee “, Jesus pra presidente”, Abaixo a Rede Globo”. Voto com humilhação.
Rarará.
Antigamente, quando os votos eram escritos, as pessoas podiam
ironizar escrevendo bobagens nos seus votos, muitas vezes nomes de pessoas
120
famosas, para bagunçar ou por não concordar com os candidatos. Agora, com a
urna eletrônica isso não acontece mais.
E quem quer mudanças vote na Granero. Quer mudanças? Vote na Granero! É
mole? É mole, mas sobe!
Pelo fato de a Granero ser uma empresa de transportes, José Simão
inclui seu humor relacionando a empresa com as mudanças políticas.
E, pra terminar, os versos do poeta pernambucano: eleição é apenas o dia
marcado/ para o povo abestalhado/ escolher a marca da vaselina/ com que vai
ser enrabado.
Concluindo, Simão utiliza a expressão acima em forma de versos,
para explicitar que a política no Brasil é uma verdadeira “piada pronta”, como ele
sempre aborda em todas as suas crônicas.
O eleitor, de antemão, sabe que será o único prejudicado,
indiferentemente de quem seja o eleito, pois, não resta no fim das contas outra
alternativa senão votar e continuar com sua vida de sempre.
6.2.12 Conclusões Parciais
Considerando as análises explicitadas a crônica é um gênero de
narrativa curta, de entrecho nem sempre bem definido, em que o autor procura
apreender um determinado momento, real ou imaginário, comentando-o de forma
arguta e espirituosa. Embora muitas vezes os temas enfocados sejam triviais e
pobres de sugestão, o poder de criação do autor consegue transmitir à crônica um
121
caráter poético, humorístico ou tragicômico (como as crônicas de José Simão,
Rubem Braga, Carlos Heitor Cony, Lia Luft e Luís Fernando Veríssimo). A linguagem
do cronista costuma ser amena, coloquial; o tom é predominantemente cativante,
determinando que o encadeamento das idéias se dê mais por nexo imaginativo que
lógico. É por isso que o cronista consegue estabelecer uma atmosfera de intimidade
com os leitores.
Outro aspecto interessante é que o cronista pode estar à distância
dos fatos, já que a crônica exige um estilo dinâmico de escrever, pois ela pede um
tipo de relato em que o autor não precisa estar presente quando se dá o episódio
para relatá-lo, podendo recriá-lo pela invenção.
Na efemeridade das páginas de um jornal ou na eternidade de uma
página de livro, a crônica está sempre ensinando alguma coisa, fazendo o leitor
refletir, prestar atenção naquilo que, a princípio, parecia menor; apresentando uma
realidade recriada. A crônica pode, portanto, exercer um papel fundamental na vida
de um leitor, apesar de ser um espaço curto, principalmente nos jornais, mas com o
intuito de tirar o público da passividade, pelo menos de pensamento.
Com base nesse contexto, são analisadas as crônicas de José
Simão, um dos mais irreverentes cronistas da imprensa brasileira. Ele possui um
estilo de escrita peculiar e capaz de levar a informalidade e a zombaria ao
paroxismo. Os temas geralmente abordados em suas crônicas são futebol, cultura,
política e as mazelas do cotidiano da cidade. Seus textos são compostos de
períodos curtos e ágeis, os quais se constituem em leitura mais acessível e
motivadora para uma sala de aula da segunda etapa do Ensino Fundamental. O
cronista externa o humor por meio da linguagem.
Como quem fica parado é poste... José Simão, o colunista mais engraçado
da cidade não pára um minuto em busca da melhor piada. Dono de uma
língua afiada e uma gargalhada inconfundível, ele diverte os seus leitores
há dezesseis anos com sátiras hilárias sobre gente famosa. (SALLUM,
2003).
De acordo com Schmitz (2007), Simão não escolhe um determinado
assunto, escolhe o que está se passando no dia. Seu humor é crítico e social. “Eu
gosto de mexer na palavra, sinto prazer, então eu crio trocadilhos”. (SIMÃO, 2007, p.
15).
122
6.3 M
ODELO DE SUGESTÃO DE ENCAMINHAMENTO PEDAGÓGICO
Crônica
UEBA! PSDB É PREFEITO SERRA DEU O BOLO!
Buemba! Buemba! Macaco Simão urgente! O esculhambador-geral
da República! Direto do País da piada Pronta! Sabe como se chama a cidade que
mais sofreu atentados até hoje no Iraque? KERBALA! E sabe o que quer dizer
PSDB? Prefeito Serra Deu o Bolo! E o que considero mais grave na violação do
sigilo bancário do caseiro: o pai biológico depositou R$ 38 mil na conta do filho para
ninguém saber que ele era o pai e agora o BRASIL INTEIRO FICOU SABENDO!
E o Lula gastou US$ 10 milhões só para o astronauta ficar
levantando o dedão em sinal de positivo? O dedão tá desafiando a lei da gravidade.
Ele só fica fazendo uma única coisa no espaço: sinal de positivo para a Globo! E
grandes coisas que o Lula gastou US$ 10 milhões para mandar um brasileiro ao
espaço... O Corinthians não gastou US$ 20 milhões para trazer um argentino ao
Brasil? Rarará.
E, depois do escândalo dos 400 vestidos, a dona Lu Alckmin foi
apelidada de dona Luxo. Dona Luxo Alckmin! E o que eu considero mais grave no
escândalo dos 400 vestidos: já imaginou ela experimentando um por um antes de
sair? Rarará.
E o Lula diz que está só. Mas o chargista Myrria acrescentou: “E mal
acompanhado”. O Lula está só e mal acompanhado! E adorei a charge do Clauro
com o Lula gritando pro espelho: “cadê a minha imagem que estava aí?”. O espelho
abandonou o Lula. Até o espelho abandonou o barco! Rarará.
E São Paulo agora está assim: o Nurikassab e o Não Lembo
parecem um dos três porquinhos. E o Lembo parece diretor de usina nuclear. Aliás,
um bom presente para o Lembo seria uma tesourinha de aparar sobrancelha.
Rarará.
E uma amiga minha disse: o Rio tá virando uma Neverland! É mole,
123
mas sobe! Ou, como diz o outro: é duro, mas desce!
Antitucanês Reloaded, a missão. Continuo com a minha heróica
mesopotâmica campanha “Morte ao Tucanês”. Acabo de receber mais um exemplo
irado de antitucanês. É que em Camaragibe tem um inferninho chamado O Canto da
Rola. Rarará. Mais direto, impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!
E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante.
Eucaristia: aumento do custo de vida. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis
sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã .
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.
No pingolim...
Para ver se bate no teto!
UFA!
(SIMÃO, 2006f, p. E5)
Análise
No tema abordado UEBA! PSDB É PREFEITO SERRA DEU O
BOLO!, podemos observar a característica irônica do autor, pois ele usa a sigla de
um partido político, o PSDB, para satirizar o prefeito de São Paulo, portanto, nos dá
a idéia de que o prefeito José Serra possa ter passado alguém para trás, para sair
candidato único, ou seja, o tema se contextualiza no universo político dos grandes
grupos sociais.
Sabe como se chama a cidade que mais sofreu atentados até hoje no Iraque?
KERBALA! E sabe o que quer dizer PSDB? Prefeito Serra Deu o Bolo! E o que
considero mais grave na violação do sigilo bancário do caseiro: o pai biológico
depositou R$ 38 mil na conta do filho para ninguém saber que ele era o pai e
agora o BRASIL INTEIRO FICOU SABENDO!
124
Em seguida, o autor faz uso da pergunta sabe como se chama a
cidade que mais sofreu atentados até hoje no Iraque? e da resposta KERBALA!
para fazer referência à guerra no Iraque:“quer bala” (tiro). E sabe o que quer dizer
PSDB? (Partido Socialista Democrático Brasileiro) as quais mostram atos de
questionamento, dirigindo-se ao leitor e fazendo-lhe perguntas que direcionam para
sua primeira crítica, utilizando para isso de um acróstico da sigla do partido Prefeito
Serra Deu o Bolo!, para se referir ao personagem real.
Na seqüência utiliza o recurso gráfico (uso de letras maiúsculas)
para intensificar sua enunciação O BRASIL INTEIRO FICOU SABENDO!, onde fala
sobre um tal caseiro que descobriu falcatruas a respeito do político Palocci. Foi
violada a conta bancária do caseiro e descoberto que o seu pai biológico havia
depositado R$ 38 milhões na sua conta, por isso a frase o “Brasil inteiro ficou
sabendo”).
A partir de então, começa uma seqüência de relatos, com o
predomínio do Presente do Indicativo que é o tempo fundamental empregado dentro
da crônica (e o que considero) e do Pretérito Perfeito (o pai biológico depositou)
para indicar situações anteriores ao momento enunciado.
E o Lula gastou US$ 10 milhões só para o astronauta ficar levantando o dedão
em sinal de positivo? O dedão tá desafiando a lei da gravidade. Ele só fica
fazendo uma única coisa no espaço: sinal de positivo para a Globo! E grandes
coisas que o Lula gastou US$ 10 milhões para mandar um brasileiro ao espaço...
O Corinthians não gastou US$ 20 milhões para trazer um argentino ao Brasil?
Rarará.
O uso de dois pontos, tanto no primeiro quanto no segundo
parágrafos indicam um esclarecimento a fim de matizar uma enunciação anterior, e
ressaltar argumentos. Na passagem, Ele só fica fazendo uma única coisa no
espaço: sinal de positivo para a Globo!, nessa passagem o autor quis mostrar a
quantidade absurda de dinheiro que o presidente Lula gastou para mandar o
astronauta para a Lua, e não trouxe benefício algum para o Brasil.
125
E, depois do escândalo dos 400 vestidos, a dona Lu Alckmin foi apelidada de
dona Luxo. Dona Luxo Alckmin! E o que eu considero mais grave no escândalo
dos 400 vestidos: já imaginou ela experimentando um por um antes de sair?
Rarará.
E, depois do escândalo dos 400 vestidos, a dona Lu Alckmin foi
apelidada de dona Luxo. Dona Luxo Alckmin!. Em relação a esse comentário, o
autor faz uma crítica à sociedade, ao luxo. O que se supõe é que um costureiro
paulistano queria lançar sua marca e aproveitou a fama da esposa do governador de
São Paulo, Lu Alckmin e lhe ofertou 400 vestidos para se promover, os quais foram
para leilão e o benefício doado a uma instituição de caridade.
E o Lula diz que está só. Mas o chargista Myrria acrescentou: “E mal
acompanhado”. O Lula está só e mal acompanhado! É adorei a charge do Clauro
com o Lula gritando pro espelho: “cadê a minha imagem que estava aí?”. O
espelho abandonou o Lula. Até o espelho abandonou o barco! Rarará.
E o Lula diz que está só. Mas o chargista Myrria acrescentou: “E
mal acompanhado” .O Lula está só e mal acompanhado! Esta expressão mostra
que a assessoria de Lula está em uma situação decadente, que além de ele estar só
, está mal acompanhado. Em uma das charges do Chargista Myrria
25
, as quais são
publicadas em vários jornais do Brasil e edições on-line. Também nessa passagem,
há o uso da palavra imagem, pois faz referência a representação gráfica do
presidente Lula, quando na verdade está diretamente criticando a imagem pública
dele. Explicita a imagem que está sumindo até do espelho devido a tantas coisas
erradas que são feitas, as mesmas foram mostradas na charge do cartunista
Clauro
26
. A Repetição intensificadora da mesma frase. É mole? É mole? O espelho
25
Cartunista do jornal “A crítica”
26
Chargista e cartunista do site UOL e do Diário de Criciúma.
126
abandonou o Lula. Até o espelho abandonou o barco!, aparece por duas vezes,
aproximando-se novamente das características da linguagem oral.
E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Eucaristia:
aumento do custo de vida. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre,
mas nóis goza. Hoje só amanhã.
Há uso da Ironia quando se refere à Cartilha do Lula. Uso de
expressão indicando lugar É que em Caramagibe tem um inferninho chamado O
Canto da rola. Quer dizer que quem manda agora é Lula (rola) e não mais os
tucanos.
Em vários momentos utiliza figuras de linguagem, como a hipérbole
o Rio tá virando uma Neverland!, isto é, o Rio tá virando uma ilha do nunca. Nesta
passagem o autor faz uma comparação com o Rancho Neverland de Michael
Jackson na Califórnia, onde há zoológico e até um parque temático, sendo assim, se
assemelha a um lugar que nunca cresce.
E atenção. Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. Eucaristia:
aumento do custo de vida. Rarará. O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre,
mas nóis goza. Hoje só amanhã.
A crônica é finalizada quando o autor fala da cartilha do Lula e
satiriza a forma como o presidente se expressa durante seu discurso, devido a
algumas expressões que ele utiliza de forma errada. Na palavra Eucaristia, o autor
aborda um significado do dicionário Lulês, que seria aumento do custo de vida, que
não se assemelha ao real sinônimo, que significa um dos sete sacramentos da
igreja. Encerra também com suas expressões de valor interjetivo, como já é de
costume em suas crônicas.
Conforme os aspectos analisados, sugere-se que o gênero
discursivo crônica jornalística de José Simão, possa ser trabalhado com uma 8ª
127
série do ensino fundamental, no processo de construção de sentidos, para que o
aluno tenha condições de, além de produzir e interpretar de forma mais motivadora o
gênero abordado, possa relacioná-lo com o seu contexto sócio-histórico de
produção. A opção por uma 8ª série se dá pelo fato de a mesma já ter uma certa
maturidade, experiência e condições de identificar os gêneros, para que possa ser
explorada toda a parte gramatical, mas de uma forma contextualizada durante a
prática de exercícios que promovam o estudo das marcas lingüístico-enunciativas.
É evidente que a abordagem aqui se refere a apenas um texto e
apresenta-se como sugestão de trabalho a ser adaptado, reformulado, ampliado,
enfim redimensionado, de acordo com a situação de uso.
Diante disso, é importante que os professores tomem consciência de
que trabalhar com gênero, abre grandes esferas para o exercício da cidadania,
desenvolvendo cada vez mais o trabalho com a linguagem, pois o conceito de
gêneros não se limita a considerar apenas aspectos formais ou estruturais do texto,
mas é preciso que se forme uma produção discursiva.
Também, salientamos mais uma vez, que as várias sugestões de
atividade, procurando integrar, sem artificialidade, as práticas pedagógicas de
leitura, análise lingüística e de produção textual, englobam aspectos referentes às
condições de produção; ao tema; ao arranjo composicional.
A maior parte das atividades da crônica jornalística pode ser
debatida apenas oralmente, em um primeiro momento, após a veiculação e
discussão da mesma. O professor deve se aprofundar no estudo do gênero
discursivo em foco, na sala de aula, propiciando aos alunos o contato com várias
crônicas do mesmo periódico ou de diferentes jornais, tendo sempre em vista a
relação entre o grau de complexidade da tarefa e o contexto de produção da
mesma.
Dessa forma, são apresentadas, a seguir, as sugestões para um
trabalho em sala, em termos de seqüência didática, com a contextualização da
análise lingüística às práticas de leitura e de produção textual.
Leia apenas o título do textos. Eles chamam sua atenção?
Por quê?
Quando foi escrita a crônica?
O que você entende com o título do autor como
Esculhambador-Geral da República?
128
Por que o autor utiliza a sigla de um partido logo no título?
Leia, agora, o texto e discuta:
José Simão escreve humoristicamente sobre os fatos e
personagens de notícias do dia-a-dia, sobretudo do mundo
político. Podemos dizer que este texto é do gênero crônica
jornalística de humor. Além destas crônicas que acabou de
ler, você se lembra de ter lido outras? Conhece autores que
escrevem crônicas reais ou fictícias (inventadas) como de
humor? Se conhecer, cite alguns. Se não conhecer, pesquise
para a próxima aula.
Quem são os prováveis leitores desta crônica? Justifique sua
resposta.
O que significa “Reloaded” e “mesopotâmica”?
O que é uma charge?
Quem é Clauro?
Mesmo sendo uma sátira uma “esculhambação” que
mostra “miudezas do cotidiano”, a crônica aborda várias
informações críticas. Cite 5 delas.
O que significa a expressão KERBALA? Porque foi escrita
com letra maiúscula?
O que são os tucanos?
Assinale as alternativas corretas
O título do texto:
( ) explica detalhes da vida do prefeito Serra.
( ) contém verbo no presente, para indicar relato.
( ) tem uma linguagem humorística para atrair o leitor.
( ) utiliza letras maiúsculas e uso de aspas para chamar atenção.
Por que motivo é colocado o valor que Lula gastou com o
astronauta?
Você deve ter percebido que, ao relatar um fato acontecido,
utilizamos com mais freqüência um tempo verbal: o pretérito
perfeito - que indica situações anteriores ao momento atual
129
(fatos acontecidos). Retire do texto quatro frases com verbos
no pretérito perfeito e construa outras frases .
A palavra e (elemento de coesão - progressão de sentidos
do texto) aparece com freqüência na crônica de José Simão,
como nas frases:.. “E o Lula, E uma amiga. E o lembo”.
Qual o significado deste elemento no texto?
Por que o autor usa a expressão metafórica “O canto da
rola”?
No quarto parágrafo, há o uso da palavra “imagem”. Em qual
sentido ela está empregada?
O que você entende pela expressão : “É mole, mas sobe! É
duro, mais desce”!
Em vários momentos o autor utiliza figuras de linguagem. O
que são figuras de linguagem? Explique entre elas: hipérbole
(exagero), antítese (significações opostas), jogos de palavras
com uso de comparação (consiste no confronto de duas
realidades), e composição de palavras (processo do qual se
criam palavras novas pela junção de palavras ou radicais já
existentes). Isto faz parte do texto humorístico e do estilo do
autor. Abaixo estão algumas figuras de linguagem. Ao lado,
veja se as reconhece, nomeando-as.
lulante: lula + militante, lul+ês _____________________
O Rio tá virando uma Neverland____________________
É mole, mas sobe!_______________________________
O lulês é mais fácil que o inglês_____________________
O que o autor quer dizer quando ele utiliza a expressão nóis
sofre, mais nóis goza? O que essa expressão sintetiza? Ele
usou uma linguagem culta ou popular?
Quais as condições de produção desse gênero? (Em qual
jornal o autor escreve? Qual público ele atinge? Em que
caderno estão localizadas as suas crônicas?)
130
Na expressão alucinógeno; qual a relação entre o tal colírio,
o pingolin e o teto?
6.4 P
RODUÇÃO TEXTUAL
Com o objetivo de construir um melhor conhecimento dos gêneros
discursivos, foi elaborada uma proposta para uma atividade de produção textual a
ser aplicada, para que o aluno tenha noção da compreensão das condições de
produção, das características temáticas, estilísticas e composicionais próprias do
gênero crônica jornalística.
A fim de que o trabalho tenha um bom desenvolvimento, é
necessário que os alunos observem algumas técnicas, que são relevantes na
produção textual, tais como: leitura com objetivo definido, ou seja, ler o texto
cuidadosamente para a produção escrita do gênero abordado, trabalhar com a
intertextualidade, ler outros textos do mesmo autor e discutir alguns tópicos,
reconhecer características temáticas, estilísticas e composicionais, relacionadas às
situações de produção e recepção do gênero.
O trabalho abaixo poderá ser realizado em dupla ou em grupo a uma
maior interação e produção.
Reúna-se com mais um colega e procure levantar
informações em jornais, revistas, televisão, internet, a respeito de
um tema do qual deseja falar (crônica jornalística) esportes, política,
vida social, etc. As crônicas podem ser de outros jornais, não
necessariamente a Folha de S. Paulo e também de um outro
cronista que trabalhe com o humor e a ironia. Pense em um público
que deseja atingir e um jornal em que gostaria que sua crônica fosse
escrita. Escreva, então, seguindo o modelo de José Simão, uma
crônica sem fazer cópias. Lembre-se do que deve estar contido no
título, no corpo da crônica. Não se esqueça de localizar a crônica no
tempo e no espaço e, também, do uso adequado dos tempos
verbais, dos neologismos, do discurso direto e indireto, a
131
reconstrução temporal, paralelismo das funções sintáticas e frases
curtas que você irá criar. Procure palavras que deixem seu texto
mais real e concreto. Use adjetivos e figuras de linguagem. Sua
crônica deve ter clareza e despertar interesse de seu público-alvo,
por meio do humor e da sátira. Importante enfatizar, em momento
posterior, o processo de refacção textual e a necessária circulação
do texto, produzido e reescrito, seja via murais, ou como leitura da
crônica em sala de aula.
132
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trabalhar a gramática de forma contextualizada tornou-se um
desafio aos professores que, muitas vezes por comodismo ou má formação,
enfocam o texto como pretexto para o ensino da gramática, sendo que isso não
basta para o ensino efetivo da língua nem é a única forma de ensino.
Ao analisar, nessa pesquisa, o gênero crônica jornalística e perceber
as marcas lingüístico enunciativas em relação ao contexto de produção, conteúdo
temático e forma composicional. Compreendemos que o trabalho em sala de aula
com a língua deve promover discussão, interação e continuamente a reflexão.
Pelo fato de o gênero crônica tratar de muitos assuntos
diversificados e por ser um gênero de classificação ambígua, caracteriza-se como
um meio de comunicação de grande abrangência, por tratar de temas que fazem
parte do cotidiano do aluno. No entanto, ele pode refletir e ao mesmo tempo se
distrair pelo simples fato de poder interagir com um gênero que lhe traz rápida
informação de uma forma bastante natural com uma certa dose de humor. Sob
essas características que elegemos as crônicas de José Simão como foco de
análise.
Em suas crônicas, ao provocar o humor e a sátira, José Simão leva
o enunciatário a repensar questões fundamentais da nossa sociedade e sobre o
discurso ideológico do poder. A partir do vocabulário inovador, entre o “lulês e o
tucanês”, traça o perfil da política do país, que a princípio gera o riso e a
descontração, mas abre espaço para a reflexão e a crítica. Logo, um leitor atento
percebe a escrita engajada do colunista, reproduzida dentro da oralidade do
cotidiano. Cabe ao professor propiciar um contexto discursivo-textual privilegiando
um trabalho focado nos gêneros discursivos, nas particularidades do texto e seus
propósitos. Afinal, como já foi dito, a língua é resultante de um trabalho coletivo e
histórico.
Com base nesse contexto, por ser um humor inteligente e por ter um
caráter crítico em relação ao comportamento das pessoas, se trabalhado com alunos
do ensino fundamental , 8ª série, esse público supostamente já assimila o assunto
em questão e terá capacidade de emitir opiniões em relação aos fatos que envolvem
seu cotidiano.
133
Nesse sentido as análises poderão servir de suporte pedagógico nas
práticas de docentes que atuam no ensino fundamental, buscando novos caminhos
para o ensino da Língua Portuguesa que priorize o desempenho lingüístico e os
efeitos de sentido de um texto. Em vista do exposto, que a sala de aula passe a ser
um ambiente formador de sujeitos críticos e expressivos na sociedade.
134
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