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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
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ARARAQUARA SP.
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HELIO ROBERTO DE MORAES
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Tese de Doutorado, apresentado ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências
e Letras Unesp/Araraquara, como requisito
para obtenção do título de Doutor em
Lingüística e Língua Portuguesa.
Linha de pesquisa ou Eixo temático:
Estudos do léxico; Análise fonológica,
morfossintática, semântica e pragmática.
Orientador: Prof. Dr. Bento Carlos Dias da
Silva
Bolsa: CNPq
ARARAQUARA SP.
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HELIO ROBERTO DE MORAES
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Tese de Doutorado, apresentado ao Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências
e Letras Unesp/Araraquara, como requisito
para obtenção do título de Doutor em
Lingüística e Língua Portuguesa.
[Estudos do léxico; Análise fonológica,
morfossintática, semântica e pragmática.]
[CNPq]
Data de aprovação: 10/04/2008
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador:
Membro Titular:
Membro Titular:
_____________________________________________________________________
Membro Titular:
_____________________________________________________________________
Membro Titular:
____________________________________________________________________________________
Local: Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
Dedico este trabalho a Edna e a minha mãe Ivanilde.
AGRADECIMENTOS
Quero expressar meus agradecimentos:
Primeiramente a Deus;
Ao Professor Dr. Bento Carlos Dias da Silva e à Maria Helena, por tudo;
À minha família;
À amigas de tantas horas de Celic Ana Eliza e Aline, pelo auxílio;
Ao CNPq, pela concessão de bolsa de estudo.
MORAES, Helio Roberto. Aspectos sintaticamente relevantes do signficado
lexical: estudo dos verbos de movimento. 2008. 119f. Tese (Doutorado em
Lingüística e Língua Portuguesa) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de
Ciências e Letras, Araraquara, 2008.
RESUMO
Esta tese investiga a correlação entre as propriedades semânticas do verbo e os modos de
realização dos seus argumentos. O objetivo, do ponto de vista teórico, é o estudo dos
componentes de significado do verbo que são sintaticamente relevantes. Do ponto de vista
empírico, é a formação de duas classes semânticas de verbos do português cujos respectivos
membros compartilham os mesmos modos de realização dos argumentos. Esse critério de
classificação foi empregado para o inglês por Levin (1993). O processo de formação das
classes de verbos do português contribui para o desenvolvimento da rede Wordnet do
português do Brasil. Uma wordnet é uma rede semântica implementada computacionalmente
que organiza os itens lexicais em synsets (conjuntos de itens lexicais que apontam para o
mesmo conceito). Uma etapa de construção da rede é o alinhamento de synsets de verbos do
português aos synsets equivalentes da Wordnet americana. A formação das classes sintático-
semânticas do português beneficia-se desse alinhamento. A estratégia adotada foi inverter o
alinhamento, ou seja: (a) selecionar um verbo de uma classe sintático-semântica do inglês; (b)
identificar os synsets da WN.Pr que contemplam o significado do verbo; (c) alinhar o synset
da WN.Pr aos synset da WN.Br; (d) examinar o comportamento sintático do verbo do
português. Essa estratégia de análise foi aplicada a dois grupos de verbos do inglês
subclassificados como “Verbos de Movimento”. As análises de (a) a (d) resultaram na
formação de duas subclasses de verbos do português que são equivalentes às subclasses do
inglês. As subclasses do português são coerentes tanto do ponto de vista do significado,
quanto do ponto de vista da sintaxe. Os verbos da primeira subclasse do português, que pode
ser exemplificada por subir, descrevem o deslocamento direcionado de entidade animada e
são intransitivos. Os verbos da segunda subclasse, que pode ser exemplificada por rolar,
descrevem o modo de movimento de entidade inanimada, sendo que o movimento pode ou
não ser acompanhado de deslocamento. Esses verbos são tanto transitivos quanto
intransitivos, i.e., participam da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa. As
subclasses formadas para o português evidenciam, então, a correlação entre a semântica do
verbo e sua sintaxe.
Palavras-chave: verbos; verbos de movimento; classificação dos verbos; representação do
significado; Wordnet.Pr; Wordnet.
ABSTRACT
This thesis investigates the correlation between verb meaning and the syntactic expressions of
its arguments. From a theoretical point of view, it investigates grammatically relevant
meaning components of verbs. From an empirical point of view, it builds two classes of
Portuguese verbs whose members share both meaning components and the possibilities of
realization of their arguments. This classification system was applied to English verbs by
Levin (1993). The process of building Portuguese verb classes contributes to the development
of Brazilian Portuguese Wordnet (WN.Br). A Wordnet is a computerized semantic net
organized around the notion of synset (set of lexical items that point to a concept). The
development of WN.Br includes the alignment of its synsets to the equivalent synsets of the
American Wordnet (WN.Pr). The process of building Portuguese verb classes takes advantage
of the synset alignments. The strategy adopted inverts the alignment direction, so the
methodological steps includes: (a) to select the verbs from a particular verb class in Levin
(1993); (b) to check its members compatibility with the WN.Pr synsets; (c) to align the
synsets identified in (b) with the Brazilian Portuguese synset; (d) to examine the Portuguese
verbs identified in the WN.Br synsets to check their syntactic and semantic coherence. This
methodology was applied to two subclasses of Levin’s “Motion Verbs”. The analyses
included in the steps from (a) to (d) resulted in two subclasses of Brazilian Portuguese verbs,
which are semantically equivalent to the English subclasses. The Brazilian Portuguese verb
classes are coherent from both semantic and syntactic properties. The first class, which can be
exemplified by subir (ascend), describes direction of motion. The verbs in this subclass are all
intransitive. The second class, which can be exemplified by rolar (roll), describes the
particular manner implied in the motion. The verbs in these classes participate in the so called
Causative-Inchoative Alternation. The Brazilian Portuguese classes are evidences of the
correlation between verb meaning and their lexical syntactic patterns.
Keywords: verbs; motion verbs; verb classes; meaning representation; Wordnet.Pr;
Wordnet.Br
SUMÁRIO
0 Introdução ______________________________________________________________10
0.1 Objetivos _________________________________________________________________ 12
0.2 A correlação de propriedades léxico-sintáticas e léxico-semânticas__________________ 13
0.3 Estudos de classes de verbos no português ______________________________________ 20
0.4 Estrutura do trabalho_______________________________________________________ 23
1 Conjuntos de verbos e componentes de significado gramaticalmente relevantes_______25
1.1 As redes semânticas do tipo Wordnet __________________________________________ 28
1.1.1 Características de uma WN________________________________________________________ 28
1.1.2 Relações semântico-conceituais representadas na WN___________________________________ 31
1.1.3 A rede EuroWordNet ____________________________________________________________ 34
1.1.4 A Base da WN.Br _______________________________________________________________ 39
1.2 A classificação sintático-semântica dos verbos do inglês proposta por Levin __________ 41
1.2.1 A classificação de Levin (1993) ____________________________________________________ 42
1.2.2 Motivações para a classificação sintático-semântica dos verbos ___________________________ 47
1.2.3 Componentes de significado sintaticamente relevantes __________________________________ 50
1.2.4 Síntese da subseção 1.2___________________________________________________________ 56
1.3 Síntese da Seção 1 __________________________________________________________ 56
2 A Estrutura de Argumentos ________________________________________________59
2.1 A representação léxico-sintática_______________________________________________ 59
2.1.1 “Prolegomenos” para uma estrutura de argumentos _____________________________________ 60
2.1.2 Síntese da Subseção 2.1 __________________________________________________________ 66
2.2 A representação léxico-semântica em termos de papéis semânticos__________________ 67
2.2.1 As propriedades ________________________________________________________________ 67
2.2.2 Os problemas __________________________________________________________________ 69
2.2.3 As soluções____________________________________________________________________ 71
2.2.4 Síntese da subseção 2.2___________________________________________________________ 74
2.3 A associação entre argumentos sintáticos a argumentos semânticos _________________ 74
2.3.1 As hierarquias temáticas __________________________________________________________ 75
2.3.2 Princípios de associação direta 1: papéis semânticos e posições configuracionais______________ 78
2.3.3 Princípios de associação direta 2: propriedades léxico-semânticas e relações gramaticais _______ 79
2.3.4 Princípios de associação intermediada por macropapéis _________________________________ 80
2.4 Síntese da seção 2___________________________________________________________ 83
3 Abordagens de representação léxico-semântica_________________________________84
3.1 A representação lingüística dos eventos ________________________________________ 84
3.1.1 A Estrutura aspectual do significado do verbo _________________________________________ 86
3.1.2 Decomposição de predicados e reificação do evento ____________________________________ 87
3.2 Estrutura Semântica e Conteúdo Semântico ____________________________________ 91
3.3 Abordagens de representação léxico-semântica__________________________________ 97
3.2.1 A abordagem Localista ___________________________________________________________ 97
3.2.2 A abordagem Aspectual _________________________________________________________ 100
3.2.3 A abordagem Causal____________________________________________________________ 107
3.4 Síntese da seção 3__________________________________________________________ 108
4 A semântica conceitual ___________________________________________________110
4.1 Os eventos e os significados do verbo _________________________________________ 110
4.2 Os conceitos e a sua aquisição _______________________________________________ 112
4.3 A semântica conceitual e a semântica de valor de verdade________________________ 116
4.4 A estrutura do sistema lingüístico ____________________________________________ 118
4.4.1 A categorias ontológicas e a estrutura de argumentos __________________________________ 120
4.5 Síntese da seção 4__________________________________________________________ 124
5. A seleção e classificação dos verbos do português _____________________________125
5.1 A metodologia de montagem das subclasses de verbos do português________________ 125
5.1.1 Estratégia metodológica de análise: seleção dos verbos da Subclasse 1’ ____________________ 126
5.2 A Formação das Subclasses 1’ e 3a'___________________________________________ 133
5.2.1 A construção da Subclasse 1’ _____________________________________________________ 133
5.2.2 A construção da Subclasse 3a' ____________________________________________________ 143
5.3 Síntese contrastiva das Subclasses 1’ e 3a’ _____________________________________ 152
5.4 Representação esquemática dos verbos das Subclasses 1’ e 3a' ____________________ 153
5.5 Síntese da seção 5__________________________________________________________ 158
6 Considerações Finais ____________________________________________________160
Referências ______________________________________________________________163
0 Introdução
Este trabalho investiga, da perspectiva da Semântica Lexical, propriedades
semânticas de verbos do português que são correlacionadas às suas propriedades sintáticas.
Teorias de princípios gerais de associação de argumentos semânticos dos predicadores a
funções sintáticas são freqüentemente chamadas teorias de Linking. Essas teorias procuram
explicar a associação de argumentos semânticos a relações gramaticais. Freqüentemente, as
condições que regulam a associação são explicadas em função de propriedades semânticas do
verbo. Conseqüentemente, buscam-se, no conteúdo semântico do verbo, propriedades que, em
parte, determinam os seus contextos sintáticos de ocorrência ou esquema de subcategorização
(LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, 2002). Koenig e Davis (2006) sistematizam essa
idéia como a Hipótese de Base Semântica:
Hipótese de Base Semântica: Se o falante conhece uma língua e ele se
depara com um novo verbo da língua, ele pode prever grande parte do
seu esquema de subcategorização (possivelmente tudo, se o verbo
não for irregular) (KOENIG; DAVIS, 2006, p. 72).
A capacidade de previsibilidade dessa hipótese não deve ser superestimada: ela não
permite que se antecipem os contextos sintáticos de ocorrência de um determinado verbo dada
apenas a sua denotação. No mínimo, as previsões de realização sintática dos argumentos do
verbo devem ser restritas por eventuais irregularidades sintáticas que o verbo possa apresentar
e pelas propriedades particulares da língua a qual o verbo pertence.
Em outras palavras, dado o significado do verbo, a classe semântica do seu
significado e o fato do verbo ser sintaticamente regular, recupera-se o seu esquema de
subcategorização. O embasamento semântico de parte do esquema de subcategorização do
verbo reduz a necessidade de estipulação da informação sintática das entradas lexicais
individuais, devolvendo a explicação do comportamento sintático dos predicadores à sua
origem mais plausível, o significado dos itens lexicais. Além disso, a Hipótese de Base
Semântica pode ser usada pelas crianças como uma regra heurística para o aprendizado do
significado de novos verbos, como diz Jackendoff (2002, p. 138):
O que está em jogo é a questão da aquisição da linguagem. Se o
comportamento sintático de uma palavra (incluindo-se a sua estrutura de
argumentos sintáticos) sempre for rigorosamente ligado ao seu significado
(incluindo-se a estrutura de argumentos semânticos) haveria muito menos
idiossincrasias para a criança aprender. (JACKENDOFF, 2002, p. 138).
1
A Hipótese de Base Semântica têm sua origem em teorias sintáticas criadas a partir
dos anos 80 (WASOW, 1985). Essas teorias postulam que muitas propriedades sintáticas da
frase são projeções de seu núcleo lexical (o verbo ou, eventualmente, outros predicadores nela
presente). Conseqüentemente, muitas propriedades sintáticas passaram a ser explicadas em
função das propriedades do verbo, em especial, das propriedades do seu significado.
Dessa perspectiva, a estudo da interface entre a Semântica Lexical e a Sintaxe
oferece instrumental para a identificação das propriedades lexicais que compõem o
conhecimento que o falante tem dos itens lexicais de sua língua. A relevância da interface
Semântica Lexical-Sintaxe é exemplificada pela existência de regularidades de associação de
argumentos semânticos a relações gramaticais entre as línguas. O exemplo mais comum desse
tipo de regularidade é a associação de Agente para Sujeito e de Paciente para Objeto
existente na maioria das línguas acusativas (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005).
A interface é também relevante, considerando-se que o conhecimento cito que o
falante demonstra ter em relação às propriedades sintáticas dos verbos de sua língua inclui o
significado do verbo e os modos alternativos de realização de seus argumentos. Esse
conhecimento ultrapassa em muito a concepção do Léxico de Bloomfield (1933), que
concebia o léxico como uma lista de irregularidades. Uma evidência de que o léxico é muito
mais estruturado do que Bloomfield sugeriu decorre da possibilidade de se identificar verbos
da língua que compartilham propriedades tanto sintáticas quanto semânticas.
O trabalho de Levin (1993) é uma obra referencial dessa abordagem. Essa autora
classificou 3.024 verbos do inglês (4.186 significados) em 191 classes de verbos. A
classificação foi realizada considerando-se dois critérios: o compartilhamento de alguma
propriedade semântica; e o compartilhamento dos mesmos modos de realização dos
argumentos. O critério de classificação sintática empregou um conjunto de 79 alternâncias
sintáticas do inglês. O trabalho de Levin (1993) inspirou classificações sintático-semânticas
1
No original: What is at stake is the issue of language acquisition. If a word’s syntactic behavior (including its
syntactic argument structure) were always tightly linked to its meaning (including semantic argument structure),
there would be far less idiosyncrasy for the child to learn (JACKENDOFF, 2002, p. 138).
de verbos em outras línguas (JONES, 1994). Do mesmo modo, este trabalho procura
identificar correlações entre propriedades sintáticas e semânticas de um grupo de verbos do
português. Os verbos aqui estudados compõem a classe nocional “Verbos de Movimento”.
A investigação das propriedades sintáticas e semânticas dos verbos dessa classe
desenvolve-se em meio à estruturação de outra classificação, essa eminentemente semântica:
a construção da rede wordnet para o português do Brasil, doravante WN.Br (DIAS DA
SILVA, 2003, 2004; DIAS-DA-SILVA; DI FELLIPO; HASEGAWA, 2006; DIAS-DA-
SILVA; OLIVEIRA; MORAES, 2002, 2003). Uma wordnet é uma rede semântica
implementada computacionalmente. Os nós da rede são conjuntos de itens lexicais que
apontam para o mesmo conceito, conhecidos como synsets (do inglês synonym set). Os arcos
da rede são relações semântico-conceituais: antonímia, hiperonímia/hiponímia, causa e
acarretamento. A rede Wordnet original – conhecida como WordNet, doravante WN.Pr – vem
sendo desenvolvida na Universidade de Princeton desde meados dos anos 80 (FELLBAUM,
1998; MILLER; FELLBAUM, 1991)
2
.
Inserido no contexto da montagem da rede WN.Br, a investigação de correlações de
propriedades semânticas e sintáticas do verbo, desenvolvida neste trabalho, identifica os
verbos a serem investigados por meio do alinhamento dos synsets da WN.Br aos synsets da
WN.Pr. Por um lado, o alinhamento contribui para o desenvolvimento da WN.Br, por outro,
beneficia-se dos dados da base, que inclui um conjunto de mais de onze mil verbos
exemplificados por frases-exemplo e distribuídos em mais de quatro mil synsets. Essa
estratégia, como será visto (na seção 1), permite a comparação das propriedades dos verbos
do inglês e do português.
0.1 Objetivos
O objetivo deste trabalho é testar a construção de classes sintático-semânticas do
português análogas às construídas para o inglês por Levin (1993). As classes propostas para o
inglês são consideradas evidências da correlação entre a semântica do verbo e suas
2
As propriedades da WN.Pr. (FELLBAUM, 1998),
da WN.Br (DIAS-DA-SILVA, 2003, 2004) e da
classificação de Levin
(1993) serão discutidas na Seção 1.
propriedades sintáticas (LEVIN, 1993). Dessa perspectiva, a formulação de classes para o
português é uma comprovação da existência dessa correlação.
A formação das classes de verbos do português parte da classificação proposta para o
inglês. Mais especificamente, o procedimento de formação das classes parte de duas
subclasses de um mesmo domínio semântico: a classe rotulada Motion Verbs
3
(“Verbos de
Movimento”). As duas subclasses enfocadas neste trabalho incluem verbos que expressam o
deslocamento direcionado de entidade animada, como ir, vir, subir, entre outros, e verbos que
expressam o modo especifico de movimento de entidade inanimada, como rolar, quicar,
derrapar, entre outros. A estratégia de se investigarem duas subclasses de um mesmo
domínio semântico possibilita que as duas subclasses formadas para o português possam ser
comparadas entre si. A comparação das classes apresenta um modo de se identificarem
semelhanças e diferenças expressas pelos significados dos verbos do português.
Esse primeiro objetivo entrelaça-se com o segundo: o estudo de propriedades léxico-
semânticas do verbo que se correlacionam com as suas realizações semânticas. Se existe uma
correlação entre as alternâncias sintáticas de que o verbo participa e o seu significado, classes
de verbos formadas a partir desses dois critérios são dados relevantes para a investigação dos
componentes de significado sintaticamente relevantes.
Outro objetivo deste trabalho é contribuir para o desenvolvimento da rede WN.Br. A
contribuição pode ocorrer de duas formas. A primeira, de natureza prática, resulta em uma re-
análise dos synsets de verbos da base e do alinhamento desses synsets aos synsets equivalentes
da WN.Pr. A segunda, de natureza metodológica, resulta da formulação de um critério
adicional para a montagem de synsets: os verbos que compõem um dado synset devem
apresentar os mesmos padrões sintáticos.
0.2 A correlação de propriedades léxico-sintáticas e léxico-
semânticas
A classificação de Levin (1993) evidencia uma propriedade do léxico de verbos que
decorre de aspectos semânticos compartilhados por eles. Esses aspectos comuns, chamados
“componentes de significado” devem compor a representação léxico-semântica dos verbos.
3
Cf. Levin (1993, p. 263).
Por hipótese, deve existir um conjunto de componentes de significado que se relaciona aos
modos de realização dos argumentos do verbo (TALMY, 1985; LEVIN; RAPPAPORT-
HOVAV, 1995, 1996).
Além disso, se um determinado componente de significado se revelar sintaticamente
relevante, i.e., se a presença ou a ausência desse componente no significado do verbo
influencia de alguma maneira as propriedades léxico-sintáticas do verbo, o componente é
também relevante para o sistema da interface Semântica Lexical-Sintaxe. Uma característica
dos componentes de significado é a de que eles não exaurem necessariamente o valor
semântico dos verbos. Essa propriedade permite que eles componham a representação léxico-
semântica de verbos que compartilham propriedades semânticas e sintáticas, mas que não são
sinônimos. Por exemplo, os verbos caminhar, marchar e correr nocionalmente compartilham
componentes de significado, mas não são sinônimos.
Dessa perspectiva, a identificação de classes de verbos que compartilham
propriedades sintáticas e semânticas pode subsidiar a identificação dos componentes de
significado sintaticamente relevantes. Além disso, ressalta-se que a investigação das
alternâncias nos modos de realização dos argumentos é instrumental para a investigação de
como uma criança adquire o significado dos verbos (PINKER, 1994).
A metodologia empregada na classificação de Levin (1993) parte do conhecimento
tácito que o falante demonstra ter dos verbos da língua. Esse conhecimento inclui os modos
alternativos de o verbo realizar seus argumentos. O falante sabe que (1) e (2) são frases bem
formadas do português e que (3) e (4), sem as devidas marcas entonacionais, não o são
4
.
1. João construiu uma casa de tijolos para Maria.
2. João construiu uma casa para Maria com tijolos.
3. *João construiu para Maria de tijolos uma casa.
4. *João construiu de tijolos para Maria uma casa.
Além disso, o falante também sabe quando um verbo pode (exemplos 5 e 6) ou não
(exemplos 7 e 8) participar de Alternâncias de Transitividade, que alteram o número de
argumentos sintáticos exigidos pelo verbo.
5. João quebrou o copo.
6. O copo quebrou.
4
O sinal * (asterisco) indica agramaticalidade.
7. João construiu a casa.
8. *A casa construiu.
Para corroborar a hipótese de que uma correlação entre as propriedades sintáticas
e as propriedades semânticas do verbo, Levin (1993) estuda as propriedades sintático-
semânticas de quatro verbos transitivos do inglês: break (‘quebrar’), cut (‘cortar’), hit (‘bater’,
‘dar pancada’) e touch (‘tocar’), exemplificados de (9) a (12), respectivamente
5
.
9. Janet broke the vase.
‘Janet quebrou o vaso.’
10. Margareth cut the bread.
‘Margareth cortou o pão.’
11. Carla hit the door.
‘Carla golpeou a porta.’
12. Terry touched the cat.
‘Terry tocou o gato.’
Os quatro verbos diferenciam-se em relação às Alternâncias de Transitividade de que
seus argumentos podem participar. Com efeito, como ilustram os exemplos de (13) a (16),
break e cut realizam a construção medial, mas hit e touch não:
13. Crystal vases break easily.
‘Vasos de cristal quebram(-se) facilmente.’
14. The bread cuts easily.
O pão corta(-se) facilmente.’
15. *Door frames hit easily.
‘* Batentes de portas golpeiam-se facilmente.’
16. *Cats touch easily.
‘*Gatos tocam facilmente.’
5
Os exemplos apresentados nesta seção são sistematizados de Levin (1993).
Outra diferença sintática manifesta-se com a participação dos verbos cut e hit da
Alternância Conativa, exemplificada em (18) e (19), respectivamente. Note-se que break (17)
e touch (20) não compartilham com cut e hit dessa propriedade.
17. *Janet broke at the vase.
18. Margareth cut at the bread.
‘Janet quase cortou o pão.’
19. Carla hit at the door.
‘Carla quase golpeou a porta.’
20. *Terry touched at the cat.
Nessa alternância, ausente no português, o argumento que normalmente é realizado
como Objeto realiza-se em um sintagma preposicional nucleado por at (the bread, em 18; the
door, em 19). A frase conativa altera o significado expresso na frase transitiva. Nesta, os
eventos ‘cortar o pão’ e ‘golpear a porta’, em (10) e (11), são consumados, ou seja, a
denotação de pão é cortada, assim com a denotação de porta é afetada por um golpe. Na
forma intransitiva, em (18) e (19), os eventos ‘cortar o pão’ e ‘golpear a porta’ não são
consumados. A frase conativa expressa uma tentativa do argumento Agente de realizar a ação
expressa pelo verbo. Vendo de outro modo: as denotações de o pão e a porta são concebidas
como alvos para as ações expressas por cortar e bater (LEVIN, 1993; BAKER, 1997).
Além disso, conforme mostram os exemplos de (21) a (24), os verbos cut, hit e touch
diferenciam-se de break porque este não participa da Alternância de Alçamento de Parte do
Corpo, mas aqueles sim.
21. (a) Janet broke Bill’s finger.
‘Janet quebrou o dedo de Bill.’
(b) *Janet broke Bill on the finger.
Janet.Suj quebrar.pass. Bill.Obj em o dedo
‘Janet quebrou o dedo de Bill’
22. (a) Margareth cut Bill’s arm.
‘Margareth cortou o braço de Bill.’
(b) Margareth cut Bill on the arm.
‘Margareth cortou Bill no braço.’
23. (a) Carla hit Bill’s back.
‘Carla golpeou as costas de Bill.’
(b) Carla hit Bill on the back.
‘Carla golpeou Bill nas costas.’
6
24. (a) Terry touched Bill’s shoulder.
‘Terry tocou o ombro de Bill.’
(b) Terry touched Bill on the shoulder.
‘Terry tocou Bill no ombro.’
Os verbos que participam dessa alternância projetam três argumentos: (a) o Agente,
que é realizado como Sujeito; (b) o argumento que expressa ‘o possuidor’; (c) o argumento
que expressa uma ‘parte inalienável do corpo do possuidor’. Essa estrutura de argumentos
realiza-se sintaticamente de duas formas alternativas. Na primeira, um único sintagma
nominal, que exerce função de Objeto, realiza os dois argumentos. Na segunda, os
argumentos realizam-se em dois constituintes separados: (i) um sintagma nominal, que exerce
a função de Objeto e realiza o argumento “possuidor” e (ii) um sintagma preposicional, que
exerce a função de Adjunto e realiza o argumento que expressa ‘parte inalienável do corpo do
possuidor’.
O quadro (1) resume as propriedades sintáticas dos quatro verbos em função das
alternâncias apresentadas.
Alternâncias Verbos
cut hit break
touch
Alçamento de parte do corpo Sim Sim Não Sim
Conativa Sim Sim Não Não
Medial Sim Não Sim Não
Quadro 1: As alternâncias de break, cut, hit e touch (LEVIN, 1993, p. 7).
A partir dessas três alternâncias identificam-se os componentes de significado a elas
correlacionados (LEVIN, 1993).
Como os verbos cut, hit e touch participam de uma mesma alternância (a Alternância
de Alçamento de Parte do Corpo) busca-se um componente de significado que seja comum a
esses três verbos. Note-se que os verbos que expressam eventos em (22), (23) e (24)
pressupõem o contato de dois tipos de argumentos, um deles exercendo o papel temático de
Agente e outro de Paciente. Já o evento expresso pelo verbo break, em (21), não apresenta
essa exigência. Não precisa haver contado dessa natureza para que o evento ‘quebrar’ ocorra.
6
O sinal ? (interrogação) indica indecisão no julgamento da agramaticalidade.
Conclui-se que se verifica a seguinte correlação: à Alternância de Alçamento de Parte do
Corpo pode estar associado o componente de significado ‘contato’.
Embora essa alternância revele que esses três verbos compartilham o componente de
significado ‘contato’ e que, em princípio, devam formar uma mesma classe semântica, a
análise mais acurada dos verbos cut e hit mostra que, diferentemente do verbo touch, eles
também participam da Alternância Conativa (cf. os exemplos 18 e 19). Essa propriedade
sinaliza que deve haver algum outro componente de significado compartilhado por esses dois
verbos. Com efeito: os eventos expressos por cut e hit envolvem movimentos específicos. Por
exemplo, o evento ‘cortar’ envolve algum tipo de movimento transversal e o evento ‘golpear’
envolve movimento com o emprego de força. o evento denotado por touch não envolve
movimento específico. Esse evento pode ocorrer como conseqüência de vários tipos de
movimento, inclusive involuntários, como, por exemplo, ‘esticar o braço’. Esse fato indica
que ‘movimento’ não é uma propriedade semântica inerente ao verbo touch. Dessa forma, é
possível correlacionar a Alternância Conativa ao componente de significado MOVIMENTO.
Os verbos break e cut, diferentemente dos verbos hit e touch, participam da
Alternância Voz Ativa/Voz Média. Mais uma vez, parte-se em busca de uma propriedade
semântica comum. Os eventos expressos por esses verbos acarretam uma mudança de estado,
o que não ocorre com os eventos expressos por hit e touch. A identificação do significado
‘mudança de estado’, inerente a break e cut, é corroborada pela análise dos respectivos
substantivos deverbais: cut (‘corte’) e break (‘quebra’) expressam o resultado da ação,
enquanto touch (‘toque’) e hit (‘golpe’), a própria ação. A conclusão é que, à Alternância Voz
Ativa/Voz Média, pode estar correlacionado o componente de significado ‘mudança de
estado’.
Embora break e cut sejam intuitivamente considerados verbos de “mudança de
estado”, cut, além do componente de significado ‘mudança de estado’, apresenta também os
componentes ‘contato’ e ‘movimento’. Break expressa, em seu uso intransitivo, apenas o
componente MUDANÇA DE ESTADO e, em seu uso transitivo, além desse, o componente
de significado CAUSA. A Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa, não
compartilhada pelo verbo cut, evidencia essa propriedade semântica de break (25 e 26).
25. (a) The window broke.
‘A janela quebrou.’
(b) The little boy broke the window.
‘O garotinho quebrou a janela.’
26. (a) Margareth cut the string.
‘Margareth cortou o cordão.’
(b) *The string cut.
* ‘O cordão cortou.’
O quadro (2) sintetiza toda a análise, que identifica os verbos, a correlação entre suas
propriedades sintáticas e seus núcleos de significado, e apresenta uma glosa de classificação.
Correlação entre a sintaxe-semântica
Verbos
Alternâncias (sintaxe) - Componentes de Significado (semântica)
Glosa Classificatória
cut
alçamento de parte do corpo - CONTATO
conativa - MOVIMENTO
voz ativa/voz média - MUDANÇA DE ESTADO
mudança de estado
de uma entidade,
resultante do
movimento de um
instrumento que com
ela entra em contato
hit
alçamento de parte do corpo - CONTATO
conativa - MOVIMENTO
"contato com uma
entidade, resultante
do movimento de um
instrumento”
break
voz ativa/voz média - MUDANÇA DE ESTADO
causativa/incoativa – CAUSA/MUDANÇA DE ESTADO
mudança de estado
de uma entidade”
touch
alçamento de parte do corpoCONTATO
"apenas contato com
uma entidade"
Quadro 2. Caracterização semântica de cut, hit, break e touch.
Esse estudo ilustra como o fato de um verbo participar de alternâncias sintáticas
distintas pode ser utilizado como promissora estratégia de análise para o recorte de classes de
verbos semanticamente coerentes e evidencia, também, possíveis correlações entre
alternâncias sintáticas e componentes de significado.
Observe-se que, dentre as propriedades que os membros de cada classe
compartilham, estão uma possível expressão e interpretação de seus argumentos e a extensão
da análise para os deverbais (corte, golpe e toque, por exemplo).
Deve-se ressaltar que o fato de o português não apresentar a Alternância Conativa
não significa que o português também não expresse o componente de significado associado a
ela no inglês, ‘movimento’, como atestam as traduções dos exemplos (18) e (19), com o
advérbio quase. É esperado que as línguas apresentem variações, que podem originar-se em
função de variações nos padrões de lexicalização
7
de cada língua e não nos componentes de
7
Padrões de Lexicalização se referem a generalizações que dizem respeito aos tipos de componentes de
significado que podem ser associados aos verbos de uma língua (TALMY, 1985).
significado em si mesmos. Além disso, línguas diferentes podem dar pesos diferentes para
cada componente de significado, de forma que um determinado argumento não terá a mesma
expressão em línguas diferentes (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1996). Por fim, Koenig e
Davis (2006) advertem para o fato de que a capacidade de se inferir os contextos de
ocorrência de um verbo a partir de seu significado é válida, mas restrita pelas propriedades da
língua a que o verbo pertence e por qualquer eventual irregularidade sintática que o verbo
possa demonstrar. A correlação entre as propriedades sintáticas do verbo e suas propriedades
semânticas, portanto, não pode ser superestimada.
No entanto, a classificação sintático-semântica dos verbos do inglês apresentada por
Levin (1993) é uma evidência de que há componentes de significado do verbo que são
correlacionados a suas propriedades sintáticas. Essa evidência nos motiva a investigar, no
português, verbos que compartilham propriedades sintáticas e semânticas, de acordo com a
hipótese inicial de Levin (1993): dado que o comportamento sintático do verbo pode co-variar
com seu valor semântico, uma classe de verbos cujos membros compartilham a participação
de um mesmo conjunto de alternâncias deve constituir uma classe semanticamente coerente.
O isolamento dos verbos em uma dada classe permite que os verbos que compõem essa classe
sejam examinados com vistas à identificação dos componentes de significado compartilhados.
0.3 Estudos de classes de verbos no português
Se, para o inglês, a estratégia de buscar regularidades sintático-semânticas dos verbos
vem se concretizando em trabalhos de fôlego, como foi apresentado na subseção anterior, para
o português do Brasil, são poucos os investimentos nesse sentido. Na literatura, encontram-se
trabalhos como o de Cançado (2002, 2005) e Naves (2005), que focalizam o estudo dos
verbos “psicológicos” e o de Arrais (1974), que focaliza o estudo dos verbos que expressam
“deslocamento”.
Os verbos psicológicos têm sido o foco de pesquisadores como Grimshaw (1994),
Tenny (1994), Belleti e Rizzi (1988) e Baker (1997), devido a suas particularidades na
projeção de papéis temáticos. Esses verbos apresentam um argumento Experienciador, que
pode ser realizado sintaticamente como Sujeito ou como Objeto, com pares de verbos quase
sinônimos, como mostram, respectivamente, os exemplos (27) e (28).
27. João teme cachorros.
28. Cachorros assustam João.
Cançado (2002), a partir da investigação de propriedades sintáticas e de projeções de
papéis temáticos, classifica os “verbos psicológicos” em quatro classes, representadas pelos
verbos (i) temer, (ii) preocupar, (iii) acalmar e (iv) animar. A autora, trabalhando no âmbito
da Teoria Generalizada dos Papéis Temáticos (CANÇADO, 2002), teoria inspirada no
trabalho de Dowty (1991), demonstra que o significado dos verbos “psicológicos”
correlaciona-se a suas propriedades sintáticas. Além disso, Cançado postula um conjunto de
propriedades semânticas que seriam as propriedades semânticas gramaticalmente relevantes
para o português brasileiro (CANÇADO, 2002, p. 104-105):
‘desencadeador’, que é a propriedade acarretada pelo predicador a um de
seus argumentos quando ele tem algum papel no desenrolar do começo do
processo.
‘afetado’, que é a propriedade acarretada pelo predicador a um de seus
argumentos quando ele muda do estado A para o estado B.
‘estativo’, que é a propriedade acarretada pelo predicador a um de seus
argumentos quando ele não é nem o desencadeador, nem é afetado pelo
processo.
‘controle’, que é a propriedade acarretada pelo verbo a um de seus
argumentos quando ele tem a capacidade de começar ou de interromper o
processo ou de interromper o estado.
Essas propriedades são entendidas como decorrentes da relação do verbo com seus
argumentos na predicação, ou seja, os traços propostos definem os papéis semânticos (ou
temáticos). A realização sintática de um determinado argumento do verbo é condicionada por
uma hierarquia temática definida em função dos traços: ‘desencadeador’/‘controle’ >
‘desencadeador’ > ‘afetado’/‘controlador’ > ‘afetado’ > estado’/‘controle’ > ‘estado’. Dessa
forma, o trabalho de Cançado (2002, 2005) é mais um exemplo de que as propriedades
sintáticas dos verbos correlacionam-se às suas propriedades semânticas.
Naves (2005) estuda os verbos psicológicos que participam da alternância sintática
em (29). A alternância sintática dos verbos psicológicos é explicada em função da presença de
dois traços semânticos do verbo: [télico] e [mudança de estado]. Dessa forma, o verbo
preocupar deve expressar esses dois traços, pois participa da alternância (29a-b); por outro
lado, o verbo temer não expressa os traços, pois não participa da alternância (30a-b). Nas
palavras da autora, “a idéia central é a de que os traços [télico] e [mudança de estado] sejam
os responsáveis por explicar tanto o mapeamento
8
quanto a interpretação física ou psicológica
dessa classe de predicados” (NAVES, 2005, p. 179). No entanto, a restrição apontada por
Naves não explica todos os verbos que participam da alternância, já que há verbos que
participam da mesma alternância (31a-b), mas que não expressam o traço [télico] (32a-b). Da
mesma forma, também verbos que participam da alternância (31a-b), mas que não
expressam o traço [mudança de estado].
29. a) A ameaça de greve preocupa o governo.
b) O governo se preocupa com a ameaça de greve.
30. a) * A ameaça de greve (se) teme com o governo.
b) O governo teme a ameaça de greve.
31. a) O jogador rolou a bola.
b) A bola rolou por horas.
32. a) As ondas sacudiram o navio.
b) O navio sacudiu.
Arrais (1974), trabalhando no âmbito da Gramática de Casos (FILLMORE, 1968),
concentra o seu estudo nos seguintes verbos que expressam ‘deslocamento’: ir, vir, voltar,
partir, chegar, sair, entrar, andar e correr. Propõe que esses verbos, do ponto de vista
sintático, projetam, como configuração sintática típica, a seguinte estrutura: Sujeito+Verbo+
Adjunto. Do ponto de vista semântico, o argumento que exerce a função de sujeito expressa o
papel semântico Agente ou o papel Tema e o argumento que exerce função de Complemento
Locativo expressa os papéis: Origem, Meta e Extensão. Os argumentos do verbo ir, por
exemplo, expressam os três papéis conjuntamente. Em (33), (a) realiza o argumento
8
O termo mapeamento é entendido por Naves (2005) como o processo de associação de argumentos semânticos
a relações gramaticais. A escolha pelo termo mapeamento pode ser decorrência do termo mapping do inglês.
Mapping é empregado em Teorias de Linking para sinalizar uma função, no sentido lógico. Uma função é um
tipo especial de relação que se estabelece entre um elemento de um domínio (p.ex. a Semântica) e um elemento
do contradomínio (p.ex. a Sintaxe), de modo que o elemento do domínio aponta para o elemento do contra-
domínio, formando pares ordenados (ALLWOOD; ANDERSON; DAHL, 1977). Nesse sentido, o termo
mapeamento no português não é equivalente a função, por isso, opto por não usar o termo mapeamento.
Agentivo, (b) Origem, (c) Meta e (d) Extensão. As propriedades do exemplo em (33) são
esquematizadas em uma “arquifrase”, ilustrada em (34). Nessa representação, o traço
“_______” representa o predicador; os parênteses indicam opcionalidade; o símbolo /
expressa “e/ou”; A ou O indica que o primeiro argumento do predicador pode ser Agentivo
ou Objetivo; Do indica que o segundo argumento é Direcional de Origem; Dm indica que o
terceiro argumento é Direcional de Meta; e De indica que o quarto argumento é Direcional
de Extensão.
33. (a) João foi de (b) Araraquara (c) para Matão (d) pela estrada velha.
34. [ _______ (A ou O) Do/ Dm/ De]
A descrição dos Verbos de “Movimento” proposta neste trabalho soma-se aos
trabalhos de Cançado (2002, 2005) e de Naves (2005) na busca de propriedades semânticas
correlacionadas à realização sintática dos verbos. Ao mesmo tempo, este trabalho soma-se ao
trabalho de Arrais (1974) na descrição dessa classe de verbos para o português. Na próxima
subseção, apresentamos a estrutura do trabalho.
0.4 Estrutura do trabalho
Além da Introdução, este trabalho se estrutura da seguinte forma:
A seção 1 divide-se em três partes. A primeira apresenta o modelo das redes Wordnet
(FELLBAUM, 1998) (subseção 1.1) e o modelo de classificação de Levin (1993) (subseção
1.2). A subseção 1.1 apresenta as características (subseção 1.1.1) e as relações da WN.Pr
(subseção 1.1.2). A subseção 1.1.3 apresenta o modelo da EuroWordnet (VOSSEN, 1998),
com destaque para a interligação das várias redes do tipo wordnet e, por fim, o projeto da
WN.Br (1.1.4) (DIAS-DA-SILVA; DI FELLIPO; HASEGAWA, 2006). A subseção 1.2
apresenta o modelo de classificação sintático-semântico de Levin (1993), exemplificando-o
com a classe de “Verbos de Movimento” (1.2.1), de onde parte o estudo dos verbos deste
trabalho. A subseção 1.2.2 apresenta as motivações para esse tipo particular de classificação.
Finalmente, a subseção 1.2.3 apresenta argumentos pela pesquisa dos componentes de
significado dos verbos que são sintaticamente relevantes. A subseção 1.3 sintetiza as
discussões da seção 1.
A seção 2 investiga a Estrutura de Argumentos (EA). A subseção 2.1 discute os
aspectos léxico-sintáticos da EA. A subseção 2.2 investiga os modelos de representação
léxico-semântica baseados nos papéis semânticos expressos pelos argumentos projetados pelo
verbo, apontando suas propriedades (subseção 2.2.1), problemas (subseção 2.2.2) e soluções
propostas para esse modelo de representação léxico-semântica (subseção 2.2.3). A subseção
2.3 investiga teorias de realização dos argumentos do verbo, uma vez que essas teorias, por
vezes, fazem referência a componentes de significado do verbo. A subseção 2.4 sintetiza a
seção a 2.
A seção 3 investiga abordagens de representação léxico-semântica baseadas na
decomposição de predicados. A subseção 3.1 enfoca a representação lingüística dos eventos.
A subseção 3.2 discute a bipartição do significado do verbo em Estrutura Semântica e
Estrutura do Conteúdo. A subseção 3.3 apresenta três abordagens para a representação do
significado dos verbos. A subseção 3.4 sintetiza a seção 3.
A seção 4 apresenta a Teoria das Estruturas Léxico-conceituais. A subseção 4.1
discute as propriedades dos eventos enquanto conceitualizações. A subseção 4.2 discute a
questão da aquisição dos conceitos, a subseção 4.3 estuda as propriedades da Semântica
Conceitual em oposição à Semântica de Valor de Verdades. A subseção 4.4 apresenta a
estrutura do sistema lingüístico para a Teoria das Estruturas Conceituais. A subseção 4.5
apresenta o modelo de representação da Teoria. A subseção 4.5 sintetiza a seção 4.
A seção 5 apresenta a formação de duas subclasses sintático-semânticas dos verbos
do português. A subseção 5.1 apresenta a metodologia de formação da subclasse. A subseção
5.2 apresenta a formação das subclasses. A subseção 5.2.1 apresenta a formação da primeira
subclasse (5.2.1.1), que parte da subclasse original do inglês e chega a um conjunto de verbos
candidatos à classe do português por meio do alinhamento de synsets da WN.Pr aos synsets da
WN.Br (5.2.1.2). A subseção 5.2.1.3 apresenta as propriedades da classe. A subseção 5.2.1
segue os mesmos passos para a formação da segunda subclasse. A subseção 5.3 apresenta
uma comparação entre as duas subclasses formadas para o português. A subseção 5.4
apresenta as representações léxico-semânticas esquemática dos verbos das classes estudadas.
A seção 6 apresenta as considerações finais
1 Conjuntos de verbos e componentes de significado
gramaticalmente relevantes
O léxico é um componente complexo das línguas naturais, seja pelo volume de itens
lexicais que ele contém, seja pelos vários modos possíveis de estudá-lo. Do ponto de vista do
volume, números precisos não são consensuais, mas estima-se que o léxico mental de um
falante adulto educado aproxime-se de 30.000 itens e que o falante seja capaz de acessar de
120 a 150 palavras por minuto (LEVELT, 1992). Essa estimativa está muito distante do
repertório registrado em obras lexicográficas. O dicionário do inglês Random House
Webster’s Unabridged Eletronic Dictionary registra aproximadamente 260.000 entradas
(FLEXNER, 1997). No caso dos dicionários do português contemporâneo, publicados no
Brasil, Borba (2002) registra cerca de 68 mil entradas, Ferreira (1999) registra cerca de 168
mil, Weiszflog (1998) registra cerca de 178 mil entradas e Houaiss registra cerca de 228 mil
entradas.
Do ponto de vista do estudo do Léxico, as possibilidades são muitas. Entre elas,
incluem-se, por exemplo: (a) o estudo (do processo) da sua constituição; (b) o estudo dos
processos morfológicos de criação dos itens lexicais, como a derivação e a composição; (c) o
estudo das propriedades sintáticas, semânticas e do uso especializado desses itens; (d) o
estudo das variações lexicais condicionadas por fatores sócio-econômicos. Mesmo
circunscrito ao âmbito de um desses domínios, é esperado que o estudo do Léxico aponte
particularidades. Por exemplo, focalizando-se o domínio das propriedades semânticas do
léxico, diferentes linhas de estudo coexistem.
A semântica do lexical, por exemplo, pode ser estudada de perspectivas diferentes e
com objetivos diferentes. Cruse (1986), por exemplo, estuda um conjunto de relações léxico-
conceituais que se expressam entre os itens lexicais; nessa abordagem relacional-estrutural da
Semântica Lexical, a teia de relações léxico-semânticas que se estabelece entre os itens
lexicais de uma língua define a macroestrutura do Léxico. Pustejovsky (1995), que postula
o léxico de uma língua natural como sendo altamente estruturado, investiga as propriedades
semânticas internas ao item lexical, o modo como essas propriedades podem explicar
processos de polissemia lógica, i.e., casos em que um determinado item lexical expressa um
mesmo significado básico e independente dos contextos em que ocorrem e, sobretudo,
defende uma configuração “gerativa” para o léxico de uma língua natural, que, de alguma
forma, é responsável pela previsão de novos significados lexicais a partir de regras gerativas
de sentidos (regras de coerção de tipos, de mudança de tipos, de co-composição e de ligação
seletiva) e de informações presentes no léxico, em oposição à configuração enumerativa de
“léxico”, que simplesmente prevê uma listagem do itens lexicais e seus sentidos
cristalizados no uso. Levin e Rappaport-Hovav (1995, 2005), por sua vez, estudam as
propriedades semânticas dos verbos que são determinantes para a realização sintática dos seus
argumentos, em que “realização” compreende a categoria sintática que expressa o argumento
(sintagma nominal (SN), sintagma preposicional (SPrep) ou oração) e a função gramatical
que essa categoria desempenha na configuração sintática da oração (Sujeito, Objeto ou
Complemento Oblíquo).
A investigação das propriedades léxico-sintáticas que são determinadas por
propriedades léxico-semânticas parte da constatação de que classes semânticas de verbos
cujos membros compartilham os modos alternativos de realização dos seus argumentos. A
classificação sintático-semântica dos verbos do inglês desenvolvida por Levin (1993)
(subseção 1.2), como foi dito na Introdução, é o principal empreendimento nessa direção
investigativa.
Como também foi mencionado na Introdução, uma rede WN é uma rede semântica
computacionalmente codificada com o objetivo primordial de representar uma parcela do
conhecimento lexical que o falante de uma determinada língua possui. Particularmente, esse
tipo de rede busca representar a estrutura e a organização dos conceitos expressos por
substantivos, verbos, adjetivos e advérbios de uma dada língua. A WN.Pr
9
conta atualmente
com 11.529 verbos cujos significados são representados por 25.047 synsets. A construção da
WN.Pr inspirou a construção de redes do tipo WN para outras línguas. Entre as redes
construídas ou em fase de construção, destaca-se o projeto EuroWordNet, que desenvolve
WNs interligadas para um conjunto de nguas européias, entre elas: o alemão, o espanhol, o
estoniano, o francês, o holandês, o italiano e o tcheco (MILLER; FELLBAUM, 1991;
FELLBAUM 1998; VOSSEN, 1998).
Atualmente, uma WN para o português do Brasil, aqui denominada WN.Br, está em
desenvolvimento (DIAS DA SILVA, 2003, 2004; DIAS-DA-SILVA; DI FELLIPO;
HASEGAWA, 2006; DIAS-DA-SILVA; OLIVEIRA; MORAES, 2002, 2003). No atual
estágio, a base lexical da WN.Br (a Base da WN.Br) contém 44.678 mil itens lexicais, assim
distribuídos: 17.388 substantivos, 15.072 adjetivos,11.078 verbos e 1.113 advérbios. Esses
9
A WordNet de Princeton está disponível para consulta e download no endereço eletrônico:
http://wordnet.princeton.edu/. Este trabalho usa exclusivamente exemplos retirados da versão 2.0 da WN.Pr.
itens organizam-se, como na Base da WN.Pr, em termos de synsets. No total cerca de
dezenove mil synsets. Em particular, os verbos da Base da WN.Br distribuem-se em 4.129
synsets e são assim descritos: cada verbo é ilustrado com uma ou mais frases-exemplo
selecionadas do córpus de referência selecionado para o projeto (DIAS-DA-SILVA, et al.
2006): (a) os textos do córpus do Nilc
10
, composto de mais de 1 milhão e novecentas frases do
português contemporâneo do Brasil
11
; e (b) os textos em português do Brasil disponíveis na
web e localizáveis pelo motor de busca Google
12
. No total, 19.747 frases-exemplo estão
inseridas na base.
É no contexto da classificação dos verbos baseada em critérios sintáticos e semânticos
de Levin (1993) e no contexto da construção da Base da WN.Br que este trabalho se insere. O
objetivo principal é investigar em que medida o léxico de verbos do português, como Levin
(1993) demonstrou para o inglês, organiza-se em (sub)classes de verbos construídas devido à
propriedade “compartilhamento de um conjunto específico de propriedades semânticas e de
propriedades sintáticas”. A identificação de (sub)classes semânticas gramaticalmente
relevantes pode oferecer condições de se determinar até que ponto as propriedades sintáticas
projetadas pelo verbo podem ser correlacionadas, ou, no limite, determinadas por suas
propriedades semânticas, e quais são os componentes do significado do verbo que são
relevantes para a realização sintática dos seus argumentos.
A construção da Base da WN.Br, por sua vez, beneficia este trabalho quanto dele
também poderá se beneficiar. O trabalho beneficia-se pela construção de uma WN, sobretudo,
porque os synsets da Base da WN.Br registram dois tipos de conhecimento. O primeiro
decorre do fato de os synsets serem montados para representar um único conceito lexicalizado
pelos verbos que o constituem
13
. Dessa forma, os synsets de verbos representam uma coleção
de conceitos lexicalizados no português do Brasil. O segundo decorre do fato de que as frases-
exemplo, acrescidas aos verbos para ilustrar o conceito expresso pelo synset, fornecerem
informação preliminar para o estudo do comportamento sintático do verbo. Esses
conhecimentos permitem que os verbos da Base da WN.Br sejam tomados como objeto do
estudo das propriedades semânticas sintaticamente relevantes.
Este trabalho também pode beneficiar a construção da Base da WN.Br, ao se
estabelecer, como é proposto neste trabalho, (i) a “projeção” da classificação de verbos de
10
Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional (http://www.nilc.icmc.usp.br/nilc/).
11
O córpus do Nilc está disponível para consultas em: http://www.linguateca.pt/ACDC/.
12
Disponível em: www.google.com.br.
13
Lexicalização, aqui, denomina a expressão lexical de conceitos, isto é, a relação de correspondência que se
verifica entre um item lexical e a configuração conceitual que nele está lingüisticamente codificada (TALMY,
1985).
Levin (1993) sobre os synsets de verbos da Base da WN.Pr, (ii) o alinhamento semântico
entre os synsets (já classificados) dessa base e os da Base da WN.Br (iii) e a composição de
classes análogas às de Levin para o português. Essa classificação não acrescenta às Bases
de WNs a importante informação que estabelece a relação entre o significado e a realização
sintática dos verbos como também fornece um critério adicional para o processo de montagem
dos synsets do português, uma vez que a exploração dos synsets da Base da WN.Br para a
identificação das classes semânticas do português implica uma reanálise do conteúdo dos
synsets abordados e um critério adicional para a construção de novos synsets.
1.1 As redes semânticas do tipo Wordnet
Nesta subseção, descrevem-se as propriedades da rede WN.Pr e de dois projetos
inspirados nessa rede. Na subseção 1.1.1, apresentam-se as principais características desse
tipo de rede semântica. Na subseção 1.1.2, apresentam-se as principais relações semântico-
conceituais representadas na WN.Pr. Na subseção 1.1.3, apresenta-se o projeto EuroWordNet,
com ênfase no sistema de interligação de synsets de línguas diferentes. Na subseção 1.1.4,
apresenta-se o projeto WN.Br e ilustra-se o processo de associação de synsets da Base da
WN.Br a synsets da Base da WN.Pr.
1.1.1 Características de uma WN
Nesta subseção, descrevem-se as principais propriedades das redes WNs, com ênfase
na codificação feita para os verbos. De forma geral, as redes construídas, ou em construção,
seguem o modelo de representação do conhecimento lexical adotado pela WN.Pr
(FELLBAUM, 1998). Em função disso, descrevem-se as principais características desse tipo
particular de rede semântica, tomando a WN.Pr como exemplo.
A WN.Pr e as demais redes do mesmo tipo são construídas a partir do construto
denominado synset, do inglês synonym set (conjunto de sinônimos). Cada synset reúne itens
lexicais de uma mesma categoria gramatical que, em tese, compartilham um mesmo conceito.
O synset, então, representa a correspondência entre formas lexicais e o conceito por elas
expresso, isto é, os conceitos lexicalizados nas formas que compõem o synset. O emprego do
synset como construto representacional assume que o falante tem acesso aos conceitos
expressos/denotados pelos itens lexicais da sua língua. A WN.Pr adota a noção de sinonímia
contextual para a montagem dos synsets. De acordo com essa noção de sinonímia, “duas
unidades lexicais são sinônimas em um contexto C, se a substituição de uma pela outra em C
não altera o valor de verdade de C” (MILLER; FELLBAUM, 1991, p. 202). A sinonímia
contextual contrapõe-se à sinonímia absoluta, segundo a qual “duas expressões são sinônimas
se a substituição de uma pela outra em uma frase nunca muda o valor de verdade da frase”
(MILLER; FELLBAUM, 1991, p. 202). Assim, se o falante não conhece o significado de uma
determinada forma lexical, uma forma sinônima é suficiente para que ele identifique o
conceito apropriado, ou seja, se o falante desconhece a forma X e essa forma é parte do synset
Y e o falante conhece as formas Z e K desse synset, então, porque a forma desconhecida X é
parte de Y, o falante passa a ter acesso ao significado da forma X. Por exemplo, se o falante
não conhece o significado da forma lexical atroar, ele pode acessar esse significado a partir
do synset {atroar, estrondear, ressoar, rebombar, retumbar}, recorrendo ao conhecimento que
possui do significado das outras formas que compõem o synset.
14
Os synsets são construídos a partir da possibilidade de se efetuar a substituição dos
itens lexicais alvos (isto é, os candidatos a constituírem um synset) no contexto mínimo de
uma frase. Por exemplo, o verbo conduzir pode ser substituído, em (35a), por comandar e, em
(35b), por levar
15
. A relação de sinonímia contextual que se estabelece entre conduzir e
comandar em (35a) e entre conduzir e levar em (35b) autoriza a criação dos dois synsets,
exemplificados em (36).
35. a) O presidente Fernando Henrique vai precisar, além do talento, de muita sorte
para conduzir/comandar a política econômica, este ano.
b) O assalto ao prospector bancário começou na manhã do crime, quando um dos
indivíduos conduziu/levou outros dois até junto ao restaurante do Galanta.
14
Esse conhecimento é amplamente usado pelos lexicógrafos quando optam por não explicitarem
descritivamente o sentido das entradas do dicionário: atroar: Retumbar com estrondo.” (WEISZFLOG, 1998).
Uma descrição do significado codificado nesse synset, isto é, a glosa do synset, poderia, por exemplo, ser:
“emitir um som profundo, prolongado e que produz eco” (cf. o quadro 3).
15
Exemplos selecionados da Base da WN.Br (DIAS-DA-SILVA, 2004; DIAS-DA-SILVA et al., 2006).
36. a) {conduzir, comandar}
b) {conduzir, levar}
Além de conter itens lexicais que compartilham o mesmo conceito, cada synset da
WN.Pr apresenta: (a) um número que identifica o synset; (b) o tipo semântico do conceito
representado no synset; (c) uma glosa, i.e., uma definição informal do conceito representado;
(d) exemplos extraídos de córpus; (c) um conjunto de indexadores (pointers), que indexam as
relações semântico-conceituais entre os synsets (TENGI, 1998). As relações semântico-
conceituais representadas na WN.Pr são apresentadas na subseção 1.1.2, com ênfase nas
relações propostas para interligar os synsets de verbos. As demais informações do synset estão
sistematizadas no quadro (3), a partir do synset da Base da WN.Pr em (37a), que se alinha ao
synset 2592 da WN.Br em (37b).
37.
a) {01947900} <verb.motion> arrive, get, come4 -- (reach a destination; arrive by movement or
progress; "She arrived home at 7 o'clock"; "She didn't get to Chicago until after midnight")
b) {chegar, vir}
Tipos de informações associadas aos synset Valores dessas informações
(a) Número de identificação do synset {01947900}
(b) Tipo semântico do conceito expresso pelo synset <verb.motion>
(c) Lista de itens lexicais constituintes do synset arrive, get, come
(d) Glosa
‘reach a destination; arrive by movement or
progress’
‘alcançar um destino; chegar devido a movimento
ou progresso’.
(e) Frases-exemplo
i) "She arrived home at 7 o'clock" (‘Ela chegou
em casa às 7 horas);
ii) She didn't get to Chicago until after midnight
(‘Ela não chegou a Chicago antes da meia-noite’)
Quadro 3. Informações associadas ao synset.
Além das informações do quadro (3), cada synset de verbos da WN.Pr apresenta pelo
menos um esquema sintático genérico. Os esquemas sinalizam para o usuário o esquema de
subcategorização do verbo. A WN.Pr apresenta 34 esquemas de frases, que indicam: (a) a
transitividade do verbo; (b) a animicidade do argumento Sujeito; (c) a opção de o verbo
projetar complemento preposicionado e (d) a opção de o verbo projetar complemento
oracional. Os esquemas sintáticos associados aos synsets de verbos da WN.Pr são
exemplificados em (38a-b). Em (38a), o esquema especifica dois argumentos representados
pelo pronome somebody, indicando que os verbos do synset ao qual o esquema se aplica
projetam dois SNs. Desse esquema, infere-se também que os argumentos do verbo denotam
entidades animadas. Em (38b), o esquema especifica apenas um argumento, indicando que o
verbo é intransitivo, além disso, o pronome something indica que o argumento do verbo
denota entidade não-animada.
38. Exemplos de esquemas sintáticos dos synsets de verbos da WN.Pr
a) Esquema sintático de verbo transitivo: Somebody ------s somebody
b) Esquema sintático de verbo intransitivo: Something ------s
16
1.1.2 Relações semântico-conceituais representadas na WN
Além da sinonímia, o projeto psicolingüístico que subjaz à WN.Pr assume que o
léxico mental é estruturado por relações entre conceitos. Os conceitos lexicalizados são
representados na WN.Pr, como já foi dito, por synsets e as demais relações semântico-
conceituais são representadas como ponteiros que interligam os synsets. Todas as relações
possuem uma relação reversa, isto é, para cada relação R entre o synset {x, x’, ...} e o synset {y,
y’...}, existe uma relação R’ entre os synsets {y, y’, ...} e {x, x’, ...}.
As principais relações semântico-conceituais (CRUSE, 1985; LYONS, 1979;
MILLER; FELLBAUM, 1991) que estruturam os synsets e itens lexicais de uma WN são:
a) Hiperonímia/Hiponímia: trata-se da relação entre um conceito mais
generalizante (o hiperônimo) e um conceito mais específico (o hipônimo). Um
item lexical X é hipônimo de outro item lexical Y se o falante aceita frases
construídas a partir da seguinte fórmula: X é um (tipo de) Y. Por exemplo, a
aceitação das frases O carvalho é um tipo de árvore e Uma árvore é um tipo de
planta identifica o synset {carvalho} como hipônimo do synset {árvore} e {árvore}
como hipônimo de {planta}. Aplicam-se a substantivos e verbos.
b) Antonímia, trata-se da relação que engloba diferentes tipos de oposição
semântica como: (i) a antonímia complementar, que relaciona pares de itens
lexicais contraditórios em que a afirmação do primeiro acarreta a negação do
16
Nos esquemas sintáticos dos synsets da WN.Pr, o traço seguido da letra s é uma variável para indicar flexão.
segundo e vice-versa como, por exemplo, {vivo} e {morto}; (ii) a antonímia
gradual, que relaciona itens lexicais que denotam valores opostos em uma
escala como, por exemplo, {pequeno} e {grande}; (iii) a antonímia recíproca,
que relaciona pares de itens lexicais que se pressupõem mutuamente, sendo
que a ocorrência do primeiro pressupõe a ocorrência do segundo como, por
exemplo, {comprar} e {vender}. Aplica-se a substantivos, verbos e adjetivos
c) Meronímia/Holonímia: trata-se da relação entre um synset que expressa um
“todo”, o holônimo, por exemplo, o synset {carro}, e outros synsets que
expressam partes do todo, os merônimos, por exemplo, {pára-choque}, {pneu},
{direção}, {câmbio}, etc. Aplicam-se a substantivos.
A organização dos verbos em uma WN apresenta duas informações adicionais: a
classificação dos verbos em domínios semântico-conceituais (tipos semânticos) e as relações
lógico-semânticas que expressam ‘causa’ (Causa) e ‘acarretamento’ (Acarretamento).
A classificação dos verbos em domínios semântico-conceituais parte da hipótese de
que os verbos que se relacionam do ponto de vista semântico pertencem ao mesmo domínio
semântico. Isto é, dada a relação entre os synsets {X} e {Y}, os verbos que compõem esses
synsets devem pertencer ao mesmo domínio semântico. Primeiramente, a WN.Pr classifica os
verbos em ‘estados’ e ‘eventos’. Essa classificação reflete as duas categorias conceituais
maiores propostas por Jackendoff (1983). Os verbos da classe ‘eventos’, mais numerosos, são
subclassificados em catorze subclasses. As subclasses foram escolhidas a partir das classes
semânticas propostas por Miller e Johnson-Laird (1976). Além disso, as subclasses, em tese,
“acomodam virtualmente todos os verbos” (FELLBAUM, 1998, p. 70), englobando os
rotulados de ‘movimento’, ‘percepção’, ‘contato’, ‘comunicação’, ‘competição’, ‘mudança’,
‘cognição’, ‘consumo’, ‘criação’, ‘emoção’, ‘posse’, ‘cuidado com o corpo’, ‘função’ e
‘comportamento’.
As relações semântico conceituais entre os verbos representadas na WN.Pr são
baseadas na relação de Acarretamento Lexical acima referida. Essa relação verifica-se entre
dois verbos (V1 e V2) quando a proposição expressa na frase que contém o verbo V1 acarreta
a proposição expressa na outra frase que contém o verbo V2. Por exemplo, correr acarreta
deslocar-se porque a proposição expressa na frase João está correndo acarreta a proposição
expressa na frase João está se deslocando. Acarretamento é uma relação unilateral: correr
acarreta deslocar-se, mas o inverso não ocorre, porque deslocar-se não necessariamente
acarreta correr.
Pares de verbos relacionados por essa relação diferenciam-se em função das
propriedades temporais dos eventos denotados por cada elemento do par. A WN.Pr identifica
quatro tipos de acarretamentos.
O primeiro tipo relaciona pares de verbos que denotam eventos coextensivos, sendo
que, nos exemplos, o primeiro verbo do par inclui o componente semântico que expressa o
‘modo’ específico que caracteriza o evento, expresso pelo segundo verbo do par:
correr/deslocar-se, resmungar/falar. A relação que se estabelece entre os dois verbos desses
pares é chamada por Fellbaum (1998, 2002) de Troponímia.
O segundo tipo de acarretamento, denominado Inclusão Temporal, relaciona pares de
verbos em que o evento denotado por um dos elementos do par é apenas parcialmente
coextensivo ao evento denotado pelo outro. Essa relação ocorre entre verbos como
engolir/comer e sonhar/dormir, em que o evento denotado pelo primeiro verbo de cada par
pode ser considerado um estágio possível, mas não necessário, do evento denotado pelo
segundo verbo do par.
Os outros dois tipos de acarretamento relacionam pares de verbos que não o
coextensivos. Nos pares que compõem o terceiro tipo, o evento denotado pelo primeiro verbo
do par pressupõe a ocorrência prévia do evento denotado pelo segundo verbo do par. Essa
relação é denominada Pressuposição Reversa e relaciona, por exemplo, os pares
esquecer/saber e desembrulhar/embrulhar.
O quarto tipo de Acarretamento representado na WN.Pr é o da relação de Causa. Essa
relação ocorre entre pares de verbos como dar/ter e mostrar/ver, em que o primeiro verbo de
cada par denota a causa do evento denotado pelo segundo verbo do par e, o segundo verbo do
par, denota o resultado do evento denotado pelo primeiro. Além de relacionar pares desse
tipo, a WN.Pr também relaciona verbos que participam da alternância Transitiva-
causativa/Intransitiva-incoativa, como rolar e quebrar (cf. subseção 1.2), representando as
formas transitiva e intransitiva desse tipo de verbos em synsets diferentes e interligados pela
relação Causa.
As relações semântico-conceituais que interligam verbos na WN.Pr ajudaram, neste
trabalho, a identificar propriedades semânticas internas dos verbos. Propriedades semânticas
como ‘causa’, ‘modo’ e as propriedades temporais denotadas inerentemente pelos verbos o
componentes de significado em abordagens do significado lexical baseadas na decomposição
de predicados. Além disso, a presença ou a ausência desses componentes na descrição do
significado do verbo também é considerada relevante para a realização sintática dos
argumentos do verbo (JACKENDOFF, 1990; LEVIN; RAPPAPORT, 2005; TENNY, 1992).
Esses componentes serão estudados em abordagens baseadas na decomposição de predicados
na seção 3.
A próxima subseção apresenta as principais características do projeto EuroWorNet,
com ênfase no processo de interligação das diferentes WNs, com vistas a contextualizar o
procedimento de alinhamento semântico que se codifica entre as bases da WN.Pr e WN.Br,
conforme descrito em Dias-da-Silva, Di Fellipo e Hasegawa (2006).
1.1.3 A rede EuroWordNet
O sucesso da construção da rede WN.Pr motivou a construção de redes semânticas
similares nas mais diversas línguas. Nesse contexto, destaca-se o projeto EuroWordNet que,
inicialmente, construiu redes do tipo WN para o inglês europeu, o alemão, o espanhol, o
estoniano, o francês, o holandês, o italiano e o tcheco. Cada WN construída, e em construção,
no projeto EuroWordNet foi criada independentemente, com recursos próprios e disponíveis
para cada língua, como dicionários eletrônicos e bases de dados lexicais. No entanto, a
EuroWordNet interliga cada uma das WNs individuais e, com isso, constrói uma rede
multilíngüe.
17
A interligação das WNs é feita por meio da indexação dos synsets de cada WN
individual ao Inter-Lingual-Index (Índice Inter-lingual), doravante ILI. O ILI é uma lista de
conceitos não estruturados que foram identificados a partir de synsets da WN.Pr. Os conceitos
que compõem o ILI são chamados registros ILI. Synsets de WNs de línguas diferentes ligados
a um mesmo registro ILI devem expressar conceitos equivalentes entre as línguas (VOSSEN,
1998). Cada registro ILI é, inicialmente, composto de três informações retiradas dos synsets
da WN.Pr: (a) o número de identificação do synset; (b) o próprio synset e (c) a glosa.
Além disso, os registros ILI estão ligados a duas ontologias criadas para assegurar que
as WNs individuais recubram os mesmos conceitos: a Ontologia de Conceitos Gerais (Top
Concept Ontology) e a Ontologia de Rótulos de Domínio (Domain Label Ontology). A
primeira delas, independente de língua, é formada por uma coleção de 1.024 registros ILI que
representam os conceitos básicos que são recobertos pelas WNs individuais. Essa ontologia é
17
Dentre outras funções, esse tipo de rede multilíngüe pode ser acoplado a sistemas de tradução automática e de
recuperação de informação expressas em diferentes nguas. Como esclarece Allen (1995), os sistemas mais
complexos são capazes de analisar a pergunta que o usuário faz ao sistema, criar uma representação do
conhecimento expresso por ela e encontrar os textos que a satisfazem a partir de sua representação.
construída em função dos três tipos de entidades caracterizados em Lyons (1977). As
entidades de 1ª ordem denotam entidades concretas e são lingüisticamente expressas por
substantivos concretos. Na Ontologia de Conceitos Gerais, as entidades de 1ª ordem são
subclassificadas em trinta e três subtipos, que incluem: origem, forma, composição,
substância, entre outros. As entidades de ordem denotam propriedades, ações, processos,
relações e eventos e são lingüisticamente expressas por verbos, substantivos e adjetivos. As
entidades de ordem são subclassificadas em trinta subtipos, que incluem: propriedade,
relação, evento delimitado, evento não-delimitado, entre outros. Entidades de ordem, por
fim, denotam proposições e são lingüisticamente expressas por substantivos abstratos e frases.
As entidades de ordem não são subclassificadas na Ontologia de Conceitos Gerais. Porém,
está previsto um conjunto restrito de conceitos básicos de ordem que incluem: teoria, idéia,
estrutura, evidência, procedimento, entre outros. No total, os três tipos de entidades foram
refinados em 63 tipos semânticos básicos (RODRIGUES et al., 1998).
A Ontologia de Rótulos de Domínios é um conjunto de conceitos que pertencem a um
mesmo domínio semântico. Os domínios foram organizados em termos de scripts, i.e.,
estruturas de representação do conhecimento que descrevem situações e cenários comuns em
um determinado domínio de interesse (ALLEN, 1995). Por exemplo, um script para
representar uma ‘viagem de ônibus’ deve representar, no mínimo, as situações em que um
passageiro vai até uma estação, compra uma passagem e embarca em um ônibus em uma
cidade e desembarca em outra.
O conjunto de registros ILI e as duas ontologias compõem o módulo independente de
língua na EuroWordNet. Cada synset nas WNs individuais é ligado a pelo menos um registro
ILI para estabelecer a relação de equivalência entre as WNs. Conseqüentemente, os synsets
herdam as informações das duas ontologias.
1.1.3.1 Relações de equivalência entre os synsets de WNs individuais
O alinhamento semântico entre os synsets de uma WN e os registros ILI, que são
grosso modo, os synsets da WN.Pr, é especificado por um conjunto de ‘relações inter-
linguais’. Essas relações são paralelas às relações semântico-conceituais especificadas em
cada WNs. Por exemplo, se um synset corresponde plenamente a um registro ILI, esse synset
é ligado a esse registro ILI por meio da relação EQ_SYNONYM.
No entanto, é esperado que as línguas apresentem incompatibilidades entre os
conceitos que expressam por meio dos seus itens lexicais. Dois exemplos ilustram essas
incompatibilidades.
O primeiro exemplo decorre do trabalho de Talmy (1985), que estudou os
componentes de significado que são lexicalizados por verbos que expressam ‘deslocamento’.
Talmy (1985) considerou três conjuntos de língua: línguas românicas, línguas germânicas e
línguas indígenas da América do Norte, como o Atsugewi.
Cada um desses tipos de língua apresenta padrões de lexicalização diferentes para os
verbos que expressam deslocamento. Decompondo-se um evento do tipo deslocamento,
identificam-se os seguintes componentes que o caracterizam: o deslocamento, a entidade que
se desloca, o percurso e o local do deslocamento. O local do deslocamento é o ponto de
referência do deslocamento. Os verbos das línguas germânicas que expressam deslocamento
permitem que um componente que expressa o modo de desenvolvimento do evento seja
incorporado ao verbo. Dessa forma, um verbo que expressa o modo de deslocamento pode ser
empregado para descrever um evento de deslocamento, como o exemplificado em (39a), com
uma frase do inglês. Os verbos das línguas românicas que descrevem esse tipo de evento não
permitem que o componente ‘modo’ seja incorporado ao verbo. Quando esse componente é
realizado, ele ocorre lexicalizado por um verbo que expressa o modo de deslocamento. Assim,
o significado “deslocamento+modo” é expresso pela composição das duas construções
exemplificadas na frase (39b) do português, que equivale à frase (39a) do inglês. As línguas
que seguem o padrão do Atsugewi tipicamente incorporam a entidade que se desloca ao verbo,
de modo análogo ao que ocorre com os verbos chove, cuspir e rodar do português, que
descrevem o movimento das denotações dos substantivos chuva, cuspe e roda
respectivamente
18
.
39. a) John [
Deslocamento+Modo
danced into] the house.
b) João [
Deslocamento
entrou na casa] [
Modo
dançando].
18
O padrão do Atsugewi pode ser exemplificado por radicais como lup-, que descreve o deslocamento de objeto
esférico brilhante (como o olho, por exemplo) e –swal-, que descreve o deslocamento de objeto viscoso (como o
sapo, por exemplo) (TALMY, 2000, p. 58).
Esse exemplo mostra que os mesmos conceitos podem ser lexicalmente realizados de
formas diferentes em línguas diferentes. Conseqüentemente, a realização sintática de verbos
equivalentes em duas línguas pode apresentar variações.
O segundo exemplo envolve diferenças nas relações entre os conceitos lexicalizados
de diferentes línguas. Conceitos que são lexicalizados em uma língua podem não o ser em
outra. Essa propriedade de “recorte de mundo” das línguas tem reflexo na representação das
relações entre os conceitos e dificulta, para o analista, a identificação de correlações entre os
conceitos lexicalizados nas duas línguas. Por exemplo, no português, o item lexical (dedo)
lexicaliza simultaneamente tanto ‘dedo da mão’ quanto ‘dedo do pé’; já, no inglês, itens
lexicais diferentes expressam separadamente esses dois conceitos: finger lexicaliza ‘dedo da
mão’ e toe lexicaliza ‘dedo do pé’ (VOSSEN, 1998).
A combinação desses dois fatores gera quatro situações para a interligação dos
synsets (PETERS et al., 1998):
a) um conjunto de synsets das duas línguas apresenta correspondência de significados
e relações internas paralelas;
b) um conjunto de synsets das duas línguas apresenta correspondência de
significados, mas relações internas divergentes;
c) um conjunto de synsets das duas nguas apresenta incompatibilidade de
significados, mas relações internas paralelas;
d) um conjunto de synsets das duas línguas apresenta incompatibilidade de
significados e relações internas divergentes.
Assim, além da relação de equivalência em (a), para os casos de incompatibilidade, a
EuroWordNet prevê as relações aproximadas (b) e (c):
a) EQ_SYNONYM (“equivalência por sinonímia”): relação empregada
para indicar que há uma relação de equivalência “sinonímica” simples e
clara entre o synset da língua A e o synset da língua B;
b) EQ_NEAR_SYNONYM (“equivalência por sinonímia aproximada”):
relação empregada para indicar que divergência de granularidade na
especificação do conceito lexicalizado ou no synset da língua A ou no
synset da língua B;
c) EQ_HAS_HYPERONYM/EQ_HAS_HYPONYM (“equivalência por
hiperoníma/hiponímia”): relações empregadas para indicar que uma
relação de equivalência “aproximada” entre o synset da língua A e o
synset da língua B, seja porque o synset da língua A expressa um
conceito mais geral que o expresso pelo synset da língua B, seja na
situação inversa.
A arquitetura da EuroWordNet é esquematizada na figura (1) com a ilustração da
interligação do synset proposto em (36b), subseção 1.1.1, com o synset correspondente da
Wordnet do Espanhol
19
(WN.Es). O módulo independente de língua da EuroWordNet é
destacado com a cor cinza. O ponteiro rotulado EQ_SYN representa a relação inter-lingual
EQ_SYNONYM.
Como antecipado na figura (1), a WN.Br, em desenvolvimento, poderá integrar-se a
uma rede multilíngüe nos moldes da EuroWordNet. O projeto de montagem da Base da
WN.Br é apresentado na próxima subseção.
Figura 1: Esquema de interligação de synsets no modelo da EuroWordNet.
19
A WN.Es pode ser consultada em: http://garraf.epsevg.upc.es/cgi-bin/wei4/public/wei.consult.perl.
WN.Br
Synset
{conduzir,
levar}
Registros-ILI
WN.Es
Synset
{conducir,
llevar}
Ontologia de
Conceitos
Ontologia de
Domínios
Entidade de 2ª
ordem
Dinâmica
Deslocamento
{01941830}
<verb.motion> lead1,
take9, direct, conduct1,
guide -- (take somebody
somewhere)
Movimento
EQ_SYN
EQ_SYN
1.1.4 A Base da WN.Br
Como na construção das WNs do projeto EuroWordNet, a construção da Base da
WN.Br também partiu de um recurso lexical existente: a base de dados lexicais do Thesaurus
Eletrônico (DIAS-DA-SILVA; MORAES, 2003; DIAS-DA-SILVA; OLIVEIRA; MORAES,
2006), um inventário de sinônimos e antônimos armazenado na memória do computador para
ser usado acoplado a um processador de textos. A construção da base lexical do Thesaurus,
agora Base da WN.Br, adotou o synset como unidade de representação do significado e o
princípio de que cada synset aponta para um conceito lexicalizado (DIAS DA SILVA, 2003,
2004; DIAS-DA-SILVA; DI FELLIPO; HASEGAWA, 2006; DIAS-DA-SILVA;
OLIVEIRA; MORAES, 2002, 2003).
Dessa forma, a estruturação da base da WN.Br começou a partir de um inventário de
cerca de 44 mil formas de substantivos, adjetivos, verbos e advérbios que compõem uma
coleção de cerca de 19 mil synsets. No tocante aos verbos, a base da WN.Br conta com 11.078
formas distribuídas em 4.129 synsets.
Os synsets da base da WN.Br foram construídos a partir de um córpus de referência
composto de cinco dicionários do português do Brasil. Dois deles são dicionários gerais do
português contemporâneo (WEISZFLOG, 1998; FERREIRA, 1999), que, em muitos verbetes,
definem a acepção da entrada por meio de unidades lexicais que expressam sentidos similares,
ao invés de empregarem exclusivamente a definição aristotélica baseada em gênero próximo e
diferença específica (LANDAU, 1984). O exemplo, a seguir, demonstra essa propriedade dos
dicionários e o procedimento empregado na montagem dos synsets da WN.Br. Ferreira (1999)
define uma das acepções do verbete casar-se como matrimoniar-se e define matrimoniar-se
por esposar-se, que, por sua vez, é definido como casar-se. Dessa forma, Ferreira (1999)
possibilita a proposição do synset {casar-se, matrimoniar-se, esposar-se}. Ressalta-se que o
procedimento de montagem dos synsets seguiu critérios de filtragem da informação disponível
nas obras consultadas, para minorar a transposição de eventuais problemas encontrados nos
verbetes para os synsets da Base (DIAS-DA-SILVA, 2004; DIAS-DA-SILVA; MORAES,
2003).
Os outros dicionários empregados como fontes de extração de informações lexicais
para a montagem de synsets foram: (a) um dicionário específico de verbos (BORBA, 1990),
montado a partir de um córpus e que classifica os verbos em quatro classes semânticas:
‘Estado’, ‘Ação’, ‘Processo’ e ‘Ação-Processo’ (CHAFE, 1970); (b) dois dicionários de
sinônimos e antônimos (BARBOSA, 2000; FERNANDES, 1997).
Posteriormente, os synsets de verbos da WN.Br passaram por um processo de
refinamento, que incluiu a inserção de pelo menos uma frase-exemplo selecionada de um
córpus de referência para ilustrar o conceito expresso pelo synset, como foi descrito na
subseção 1.1.1. O exemplo em (40) ilustra um dos synsets da WN.Br. O rótulo ‘Glosa2591é
uma variável que posteriormente é substituída pela glosa do synset. Os verbos que compõem o
synset estão em negrito entre as chaves que delimitam o synset. À direita de cada membro do
synset, segue a respectiva frase-exemplo. Os símbolos “[” e I]”, que precedem a ocorrência
dos verbos nas frases-exemplo, indicam a origem dessas frases-exemplo. O caractere “[”
indica que a frase-exemplo foi colhida no córpus do Nilc e o símbolo “I]” mostra que a frase-
exemplo foi selecionada no motor de buscas Google.
40.
Synset 2592
S= 'Glosa2591'=
{chegar: As pessoas não [chegam mais cedo em casa.,
vir: A Joaninha e a Cláudia I]vieram a tempo de comer a pizza.}
Do ponto de vista das relações semântico-conceituais entre synsets que estruturam as
redes WNs, a Base da WN.Br conta inicialmente apenas com a interligação de 21,55% de
seus synsets por Antonímia. Restringindo-se aos synsets de verbos, a porcentagem é maior:
28,05%.
Uma das etapas de construção da WN.Br envolve o alinhamento dos seus synsets de
verbos aos synsets correspondentes da WN.Pr (versão 2.0). Por exemplo, o synset {2592} da
WN.Br, em (40), alinha-se ao synset {01947900} da WN.Pr, apresentado em (37). Como os
verbos desses dois synsets expressam, em línguas diferentes, o mesmo conceito, a glosa reach
a destination; arrive by movement or progress, proposta para o inglês, quando traduzida para
o português (alcançar um destino; chegar por deslocamento ou progressão), é apropriada
para glosar o conceito expresso pelo synset da WN.Br.
Além da adição da glosa ao synset da WN.Br, o alinhamento dos synsets da WN.Br
aos synsets da WN.Pr beneficia a construção da WN.Br em outro aspecto: a classificação
semântica presente nos synsets e as relações semântico-conceituais especificadas para o synset
do inglês podem ser herdadas pelo synset do português, como aponta a metodologia descrita
em Dias-da-Silva, Di Fellipo e Hasegawa (2006). O exemplo em (41) ilustra o alinhamento
entre o synset {01947900} da WN.Pr e o synset {2592} da WN.Br, em que a relação
EQ_SYNONYM especifica a equivalência por sinonímia entre os synsets das duas línguas.
Como demonstrado em (41), a classificação semântica do synset da WN.Pr é herdada pelo
synset do português.
41.
Synset da WN.Pr
Relação de equivalência
entre as WNs
Synset da WN.Br
{01947900}
EQ_SYNONYM
<verb.motion>
Synset 2592
reach a destination; arrive by movement
or progress
‘alcançar um destino; chegar por
deslocamento ou progressão’
arrive, get, come chegar, vir
"She arrived home at 7 o'clock"
"She didn't get to Chicago until after
midnight"
chegar: As pessoas não [chegam mais
cedo em casa.,
vir: A Joaninha e a Cláudia I]vieram a
tempo de comer a pizza.
1.2 A classificação sintático-semântica dos verbos do inglês
proposta por Levin
Nesta subseção, apresenta-se a classificação de Levin (1993). Nessa classificação, os
verbos que compartilham modos de realização sintática dos argumentos compõem classes de
equivalência semântica, pois refletem propriedades semânticas subjacentes. Na subseção
1.2.1, apresentam-se: (a) a classificação, tomando-se, como exemplo, a classe dos verbos que
são rotulados pela autora de Verbos de ‘Movimento’ (Motion Verbs) (subseção 1.2.1.1); (b) as
propriedades caracterizadoras dessa classe particular (subseção 1.2.1.2). Na subseção 1.2.2,
apresentam-se motivações para a classificação de Levin (1993). Na subseção 1.2.3, discute-se
a importância da identificação dos componentes de significado do verbo que se relacionam às
suas propriedades sintáticas. Na subseção 1.2.4, sintetiza-se as discussões e a estratégia de
investigação deste trabalho.
1.2.1 A classificação de Levin (1993)
A classificação de verbos de Levin (1993) emprega, como principal critério, as
propriedades sintáticas que os verbos projetam. Como foi dito na introdução, Levin (1993)
compilou 79 alternâncias sintáticas (relativas à mudança de transitividade a construções
particulares) que afetam SNs e SPs em posição de complemento (KORHONEN, 2002). Cada
alternância sintática caracteriza a propriedade que um verbo tem de ocorrer em duas
construções sintáticas distintas, mas relacionadas do ponto de vista do significado.
Conseqüentemente, uma alternância é a propriedade que o predicador tem de expressar os
seus argumentos em mais de uma configuração sintática. Assim, as frases que ilustram uma
alternância relacionam-se por paráfrase (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAVA, 2005).
O critério de classificação é a propriedade de os verbos da classe compartilharem (isto
é, participarem de) um determinado conjunto de alternâncias sintáticas. Esse critério
possibilitou a classificação de 3.024 verbos, que se distribuem em 48 classes semânticas.
Como classes que apresentam subclassificações, no total, a classificação de Levin isolou
191 grupos de verbos, que se associam por compartilharem determinados componentes de
significado e a participação de um conjunto específico de alternâncias sintáticas.
1.2.1.1 A classe dos ‘Verbos de Movimento’
Neste trabalho, discute-se a constituição de duas subclasses da classe de verbos do
inglês denominada ‘Classe dos Verbos de Movimento’ (Verbs of Motion Class).
20
Esses
verbos expressam um evento em que um dos seus participantes desloca-se no espaço. Esse
grupo se subdivide em sete subclasses, exemplificadas no quadro (4). Os nomes das classes de
Levin (1993) não seguem um padrão definido. A autora emprega duas estratégias de
nomeação das classes: umas são rotuladas por uma descrição do tipo do evento que os verbos
da classe expressam e outras são rotuladas pelo verbo considerado o representante da classe.
Além disso, os rótulos nem sempre são precisos e nem sempre são passíveis de tradução para
o português. Diante da inconsistência terminológica, da imprecisão dos rótulos e da
20
Trata-se da classe número 51 de Levin (1993, p. 263-270).
dificuldade de transposição dos rótulos propostos em inglês para o português, neste trabalho,
optou-se, na descrição das (sub)classes, utilizar os rótulos do quadro 4.
Subclasses Verbo representante Demais verbos
1.
Subclasse 1 (enter) ‘Verbos do tipo Enter’, como na
frase John entered the room (‘John
entrou no quarto’).
arrive (‘chegar’),
come (‘vir’).
2.
Subclasse 2 (leave) ‘Verbos do tipo Leave’, como na
frase John left the town (‘João partiu
da cidade’).
abandon
(‘abandonar’),
desert (‘desertar’).
3.
Subclasse 3a (roll)
Subclasse 3b (run)
‘Verbos do tipo Roll’, como na frase
The ball rolled across the field (‘A
bola rolou através do campo’).
‘Verbos do tipo Run, como na frase
John ran to the station (‘John correu
para a estação’).
bounce (‘quicar’),
float (‘flutuar’).
trot (‘trotar’), walk
(‘caminhar’).
4.
Subclasse 4a (skate)
Subclasse 4b (pedal)
‘Verbos do tipo Skate’, como na
frase John skated along the frozen
lake (‘John patinou pelo lago
congelado’). Esta subclasse é
denominada por Levin ‘Verbos que
são Nomes de Veículos’ (Verbs That
Are Vehicle Names).
‘Verbos do tipo Pedal’, como na
frase John pedaled to the park (‘John
pedalou até o parque de bicicleta’).
Esta subclasse é denominada por
Levin ‘Verbos que não são Nomes
de Veículos’ (Verbs That Are Not
Vehicle Names).
balloon (‘deslocar-
se usando balão’),
bike (‘deslocar-se
usando bicicleta’).
fly (‘voar’) e oar
(‘remar’).
5.
Subclasse 5 (samba) ‘Verbos do tipo Waltz’, como na
frase They waltzed across the room
(‘Eles valsaram pelo salão’).
dance (‘dançar’),
samba (‘sambar’).
6.
Subclasse 6 (chase) ‘Verbos do tipo Chase’, como na
frase The police car chased the thief
(‘O carro de polícia perseguiu o
ladrão’).
follow (‘seguir’) e
track (‘rastrear’).
7.
Subclasse 7 (accompany) ‘Verbos do Tipo Accompany’, como
na frase John accompanied Mary to
the bank (‘John acompanhou Maria
ao banco’).
conduct
(‘conduzir’) e guide
(‘guiar’).
Quadro 4. As sete subclasses da ‘Classe Verbos de Movimento’.
1.2.1.2 As propriedades caracterizadoras das classes de Levin
Duas são as propriedades relevantes para a composição das classes propostas por
Levin: (a) o compartilhamento de algum componente de significado e (b) o compartilhamento
dos mesmos modos de realização sintática dos argumentos. Por exemplo, os verbos da
Subclasse 3a (roll) compartilham, do ponto de vista do significado, o modo do movimento e,
do ponto de vista da sintaxe, a participação da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-
incoativa
21
, exemplificada em (42a-b). Essa alternância é caracterizada pela seguinte alteração
da realização dos argumentos do verbo: o argumento Agente, que se realiza como Sujeito da
construção transitiva, é excluído da construção intransitiva, ao mesmo tempo em que o
argumento Tema
22
, que se realiza como Objeto da construção intransitiva, é realizado como
Sujeito da construção intransitiva (LEVIN, 1993, p. 270). os verbos da Subclasse 7
(accompany)
23
, também transitivos, não participam dessa alternância, conforme demonstram
(42c-d).
42. Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa
a) [Bill] <Sujeito (Agente)> rolled [the ball] <Objeto (Tema)> on the field.
‘Bill rolou a bola no campo’.
b) [The ball] <Sujeito (Tema)> rolled on the field.
‘A bola rolou no campo’.
c) [Jack] <Sujeito (Agente)> accompanied [Rose] <Objeto (Tema)>.
‘Jack acompanhou Rose.’
d) *[Rose] <Sujeito (Tema)> accompanied.
* ‘Rose acompanhou’.
21
Cumpre observar que os verbos da subclasse 3b (run), por serem intransitivos, não participam dessa
alternância.
22
Os papéis semânticos (também denominados papéis temáticos ou papéis 3) Agente e Tema são,
respectivamente, definidos como: (a) o argumento cuja denotação instiga a realização do evento descrito pelo
verbo e (b) o argumento cuja denotação sofre mudança de estado ou é deslocada no espaço ou a sua posição é
asseverada no evento descrito pelo verbo (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995; VAN VALIN, 1990).
23
Cf. Levin (1993, p. 270).
Os verbos da Subclasse (4) não participam de alternância alguma. Essa propriedade
sinaliza que o critério sintático não deve ser empregado com exclusividade para a
identificação das classes de Levin. Como pode ser observado no quadro (5), os verbos dessa
subclasse descrevem eventos em que o participante se desloca em um veículo, sendo que o
tipo específico do veículo é lexicalizado no verbo (a Subclasse 4a (skate)) ou é por ele
implicado (a Subclasse 4b (pedal)). A primeira reúne verbos morfologicamente idênticos aos
substantivos de que derivam e denotam veículos como ilustra o verbo skate (‘patinar’), que é
derivado do substantivo skate. A segunda reúne verbos cujo significado está, de alguma
forma, relacionado a veículos, seja do ponto de vista das restrições selecionais impostas pelo
verbo (o verbo drive, ‘dirigir’, por exemplo, exige que seu Objeto sintático expresse uma
entidade dirigível); seja pela relação morfológica que se estabelece entre o verbo e o
substantivo de que aquele deriva. O verbo pedal, por exemplo, deriva-se morfologicamente do
substantivo pedal, que é a parte do veículo bicicleta, que é empregada na propulsão do
movimento de pedalar.
Outra característica da classificação de Levin é o desequilíbrio quantitativo entre as
propriedades sintáticas caracterizadoras de cada (sub)classe. Por exemplo, os verbos da
Subclasse 7 (accompany) apresentam uma única realização sintática dos argumentos, que pode
ser combinada com a possibilidade de realização sintática de um adjunto que expressa o
argumento semântico Meta
24
: Jackie accompanied Rose (to the store) (‘Jack acompanhou
Rose até a loja’) (LEVIN, 1993, p. 270). Por outro lado, como mostra o Quadro (5), os verbos
da Subclasse 3b (run) são caracterizados por apresentar cinco propriedades sintáticas e duas
propriedades morfológicas, que envolvem, respectivamente, alternâncias e formas nominais
morfologicamente relacionadas aos verbos.
24
Cf. Levin (1993, p270). Observe-se que argumentos semânticos são os argumentos previstos na estrutura
semântica do verbos; os “argumentos sintáticos” são aqueles argumentos da estrutura semântica que também
se manifestam na estrutura sintática. Por exemplo: na frase Todos comeram, o verbo comer “projeta” apenas o
seu argumento sintático externo (o Sujeito “Quem come”), embora a estrutura semântica preveja dois
argumentos semânticos para esse verbo “Quem digere” e “O que é digerido”.
Propriedades sintáticas Exemplos
a) Alternância da Inserção de There na Posição de
Sujeito
A rabbit jumped out of the box.
There jumped out of the box a rabbit.
‘Um coelho pulou para fora da caixa’.
b) Alternância de Ação Induzida The horse jumped over the fence.
‘O cavalo saltou sobre a cerca.’
Tom jumped the horse over the fence.
‘Tom fez o cavalo saltar sobre a cerca.’
c) Alternância de Inversão do Locativo
A rabbit jumped out of the box.
Out of the box jumped a rabbit.
‘Um coelho pulou para fora da caixa.’
d) Alternância de Queda da Preposição Locativa They skated along the canals.
‘Eles patinaram ao longo dos canais.
They skated the canals.
‘(?) Eles patinaram os canais.’
e) Sintagma Medida (cf. subseção 3.1.2) We walked five miles
‘Nós andamos cinco milhas.’
Propriedades Morfológicas Exemplos
f) Particípio Passivo Adjetival
(Adjective Passive Participle)
A galloped horse. (* Um cavalo galopado)
‘Um cavalo que foi galopado.’
g) Nominal Relacionado A jump, a run, a walk…
‘Um salto, uma corrida, uma caminhada...’
Quadro 5. Propriedades sintáticas e morfológicas dos verbos da Subclasse 3b (run).
Dentre as alternâncias no quadro (5), a alternância (a) não ocorre no português. As
alternâncias (c) e (d), por sua vez, ocorrem no português com verbos de outra classe. Por
exemplo, o verbo acomodar participa da alternância (c), em (43a-b), e o verbo correr
participa da alternância (d), em (43c-d).
43. Alternância de Inversão do Locativo:
a) [Nós] <Sujeito (Agente)> acomodamos as pessoas [nos quartos] <Adjunto (Locativo)>.
b) [Os quartos] <Sujeito (Locativo)> acomodam as pessoas.
Alternância de Queda da Preposição Locativa:
c) João correu [pela cidade toda] <Adjunto (Locativo)> à procura da irmã.
d) João correu [a cidade toda] <Adjunto (Locativo)> à procura da irmã.
Os verbos em (43a-b) permitem que o argumento que expressa o papel semântico
Locativo seja realizado sintaticamente como Adjunto (43a) ou como Sujeito (43b). Os verbos
em (43c) e (43d) realizam-se como Adjunto e Objeto, respectivamente,
A ocorrência de alternâncias sintáticas particulares em línguas diferentes é esperada, já
que as línguas apresentam variações próprias, oriundas de restrições gramaticais e de padrões
de lexicalização que lhes são próprios (TALMY, 1985). Como se discute na próxima
subseção, as classes de verbos de Levin (1993), cujos membros, em sua grande maioria,
compartilham os mesmos modos de realização dos argumentos, são consideradas reflexos do
significado dos verbos. Os verbos de cada classe compartilham pelo menos um componente
de significado que influencia a expressão sintática dos seus argumentos semânticos. Como os
componentes de significado são assumidos como universais, é possível que línguas diferentes
atribuam pesos diferentes para um mesmo componente de significado. Nesse caso, um verbo
que compõe classes equivalentes em línguas diferentes pode apresentar modos diferentes de
realização sintática de seus argumentos (TALMY, 1985; LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV,
1996).
Em resumo, a classificação de Levin (1993) agrupa verbos que compartilham modos
semelhantes de realização dos argumentos e que compartilham pelo menos um componente
de significado. As classes são coerentes do ponto vista semântico, mas, do ponto de vista
sintático, espaço para propriedades idiossincráticas de cada verbo, visto que, nas palavras
da autora, “o sistema classificatório não leva em consideração todas as propriedades dos
verbos, já que tal sistema estaria propenso a consistir de classes com apenas um membro”
(LEVIN, 1993, p. 18)
25
. Na próxima subseção, apresentam-se justificativas teóricas para a
hipótese de que o significado do verbo é um fator determinante para a sua realização sintática.
1.2.2 Motivações para a classificação sintático-semântica dos verbos
O objetivo desta subseção é fundamentar o argumento de que a realização sintática dos
argumentos do verbo correlaciona-se com propriedades semânticas da sua estrutura
conceitual, uma vez que a classificação sintático-semântica de Levin (1993) é considerada
reflexo dessa propriedade. Essa motivação advém, em primeiro lugar, de teorias sintáticas que
postulam que a estrutura sintática da frase é projetada dos seus núcleos lexicais e, em segundo
lugar, da verificação de regularidades na realização sintática dos argumentos projetados por
conjuntos de verbos das línguas.
É fundamental notar que o modelo de classificação de Levin (1993) é uma estratégia
para se investigar em que medida o valor semântico de um verbo pode se correlacionar com a
25
Tradução nossa do original: The classification system does not take into account every property of every verb,
since such a system would be liable to consist of classes having only one member (LEVIN, 1993, p. 18).
realização sintática dos seus argumentos. Essa correlação foi alertada por teorias
gramaticais como a Teoria dos Princípios e Parâmetros de Chomsky (1986) e a Gramática
Léxico-Funcional de Bresnan (1982), ambas desenvolvidas a partir dos anos 80 (cf. SELLS,
1985). Essas teorias partem do princípio de que a estrutura sintática da frase é previsível da
semântica do elemento predicador (WASOW, 1985). A Teoria dos Princípios e Parâmetros
(CHOMSKY, 1986) postula o Princípio de Projeção, que estabelece que os verbos possuem
representações lexicais estruturadas, que registram o número e o tipo dos seus argumentos, e
que as suas propriedades lexicais são configuracionalmente representadas em todos os níveis
da representação sintática. A Gramática Léxico-Funcional postula dois princípios: o Princípio
das Condições de Completude e o Princípio das Condições de Coerência. Esses dois
princípios é que garantem que os argumentos projetados pelo predicador sejam
apropriadamente realizados na representação sintática da frase: o primeiro assegura que todos
os argumentos previstos pelo predicador sejam sintaticamente realizados; o segundo, que
somente os argumentos previstos pelo predicador sejam sintaticamente realizados (LEVIN,
1987).
A hipótese de que as propriedades sintáticas do verbo são correlacionadas ao seu
significado é justificada pela existência de regularidades de associação entre papéis
semânticos e funções gramaticais. Considerando-se que o papel semântico do argumento é,
sobretudo, função do significado do verbo que o projeta, a existência de regularidades de
associação entre papéis semânticos e funções gramaticais é uma evidência de que o
significado do verbo é um fator relevante para a realização sintática da frase (LEVIN;
RAPPAPORT-HOVAV, 1995, 2005). Um exemplo desse tipo de regularidade é a regra de
realização sintática do Sujeito proposta por Fillmore (1968, p.33)
26
no âmbito da Gramática de
Casos. De acordo com essa regra: se um verbo projetar um argumento que expressa o papel
semântico Agente, esse argumento será realizado sintaticamente como Sujeito. Se o verbo
não projetar nenhum argumento que expressa o Agente, mas projetar um argumento que
expressa o papel Instrumental, então esse argumento será realizado como Sujeito. Se o verbo
não projetar argumento que expressa nem o Agente e nem o Instrumental, mas projetar um
argumento que expressa o papel Tema
27
, então esse argumento será realizado como Sujeito.
28
26
No original: If there is an Agent, it becomes the subject; otherwise, if there is an Instrument, it becomes the
subject; otherwise, the subject is the Objective (FILLMORE, 1968, p. 33).
27
Fillmore (1969, p.116) define o papel semântico Objetivo, que passou a ser mais conhecido como Tema na
literatura corrente, como o argumento do verbo cuja denotação se move, muda de estado ou cuja posição ou
existência está em consideração e o papel semântico Instrumental como o argumento do verbo cuja denotação é
o estímulo ou causa física imediata de um evento.
As regularidades de associação entre papéis semânticos e funções gramaticais ocorrem
também quando se comparam línguas diferentes. Classes de verbos que apresentam
uniformidade na realização dos argumentos em uma dada língua tendem também a apresentar
uniformidade análoga em outras línguas. Paralelamente, classes de verbos que apresentam
irregularidades na associação de papéis semânticos a relações gramaticais em uma dada
língua, tendem também a manifestar variações desse tipo de associação em outras línguas
(LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995).
Por exemplo, do ponto de vista da uniformidade de realização dos argumentos, os
verbos que projetam argumentos Agente e Paciente (por exemplo, os verbos matar,
destruir, cortar) tendem a ser transitivos em todas as línguas. Além disso, excetuando-se as
línguas Ergativas
29
, que, em tese, apresentam uma inversão regular na associação entre papéis
semânticos e funções gramaticais, esses papéis são realizados da seguinte forma: o Agente
como Sujeito e o Paciente como Objeto. Assim, os papéis semânticos Agente e Paciente
são, de algum modo, privilegiados na associação entre os papéis semânticos e as funções
gramaticais Sujeito e Objeto. Outro exemplo de uniformidade ocorre com os verbos
psicológicos. Por exemplo, o verbo assustar não apresenta variação de realização dos
argumentos entre as diversas línguas (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005), realizando o
Estímulo como Sujeito e o Experienciador como Objeto.
Do ponto de vista da variação na realização dos argumentos, os verbos psicológicos
que realizam o Experienciador como Sujeito, por exemplo, temer, tendem a apresentar
variação na realização dos argumentos. Se em nguas como português e inglês esses verbos
realizam o Experienciador como Sujeito, em línguas como o islandês, o russo e o marata,
uma das línguas oficiais da Índia, o Experienciador pode ser realizado como Oblíquo no
caso dativo, e não no nominativo, que é o caso regular do Sujeito (MOORE; PERLMUTTER,
2000; CROFT, 1991). O verbo piacere do italiano é realizado em configuração sintática desse
tipo, como atesta o exemplo transcrito como (44), em que a preposição dativa a introduz o
Experienciador realizado na função sintática de “Complemento Oblíquo”.
28
Postula-se que o papel semântico do Objeto sintático é exclusivamente determinado pelo significado do verbo
que o projeta; o papel semântico do Sujeito sintático é composicionalmente determinado pelo verbo e pelo
argumento realizado como o Objeto. Em função disso, a existência de regularidades na associação entre papéis
semânticos e relações gramaticais em uma dada língua é uma evidência de que o significado do verbo é um fator
relevante para a realização sintática das frases.
29
Nas nguas Ergativas, o Tema projetado pelos verbos transitivos é sintaticamente realizado no mesmo caso
morfológico (o Absolutivo) do argumento projetado pelos verbos intransitivos. O Agente é realizado no caso
Ergativo. Como o argumento dos verbos intransitivos é realizado como Sujeito e o caso Absolutivo é
normalmente não marcado e realizado em posição mais distante do verbo, é possível argumentar que as nguas
Ergativas realizam o Tema como Sujeito e o Agente como Objeto (BAKER, 1997).
44. Questo piace [a Gianni] <Oblíquo (Experienciador)>.
(BELLETI; RIZZI, 1988, p. 292, ex. 3)
‘Isto agrada a Gianni.’
No português, os verbos ‘psicológicos’ como agradar e adorar também apresentam
variação na realização sintática do argumento interno (isto é, o argumento que, na sintaxe,
ocupa a posição interna ao SV, o Objeto sintático do verbo) que projetam (cf. subseção 2.1).
O verbo agradar projeta como argumento interno o Experienciador e realiza sintaticamente
esse argumento como: (45a) Objeto; e (45b) Oblíquo; já o verbo agradar projeta como
argumento interno o Tema e também realiza esse argumento como Objeto (45c) e
alternativamente como Oblíquo (45d) (NAVES, 2005).
45. a) A reunião, no entanto, não agradou outros parlamentares.
30
b) O fracasso de referendo agradou à União Européia.
c) João adora a Maria.
d) João adora à Maria.
Na próxima subseção, discute-se a relevância da identificação dos componentes de
significado do verbo que são sintaticamente relevantes, considerando-se que a classificação
sintático-semântica de Levin (1993) é uma conseqüência do fato de que os verbos de cada
classe compartilham ao menos um componente de significado (1993).
1.2.3 Componentes de significado sintaticamente relevantes
A importância da identificação dos componentes de significado do verbo que são
sintaticamente relevantes é discutida, nesta seção, por meio de dois exemplos. O primeiro
mostra que os verbos de uma determinada classe, bem-formada do ponto de vista nocional,
podem divergir no que diz respeito às suas propriedades sintáticas (subseção 1.2.3.1). O
objetivo desse exemplo é demonstrar que a identificação dos componentes de significado do
verbo que são sintaticamente relevantes deve partir de classes sintático-semânticas bem-
30
Exemplos selecionados do córpus no Nilc.
formadas. O segundo mostra que há classes de verbos que apresentam comportamentos
sintáticos parcialmente coincidentes (1.2.3.2). O objetivo é demonstrar que, assim como os
verbos apresentam comportamentos sintáticos parcialmente coincidentes, eles também
expressam componentes de significados parcialmente compartilhados.
1.2.3.1 A identificação dos componentes de significado
Os componentes de significado que são gramaticalmente relevantes devem compor a
representação léxico-semântica do verbo. Se os componentes de significado gramaticalmente
relevantes forem apropriadamente identificados e representados, é possível derivar os modos
de realização dos argumentos do verbo de sua representação léxico-semântica. Seguindo
Dowty (1991, p.560-563), adota-se, como critério para o desenvolvimento de um modelo de
representação léxico-semântica, a robustez e a expressividade que o modelo apresenta na
formulação de uma Teoria de Realização de Argumentos Sintáticos (TRA). A expressividade
do modelo deve garantir que as distinções semânticas relevantes para a formulação da
representação léxico-semântica sejam aquelas que se mostrarem relevantes para a
especificação da realização sintática dos argumentos do verbo. Essa restrição decorre da
possibilidade de que os elementos semânticos relevantes para nortear a associação de
argumentos semânticos a argumentos sintáticos não sejam igualmente relevantes para outros
processos da língua, embora Levin e Pinker (1991) argumentem que exista convergência nos
tipos de elementos semânticos que várias fontes de evidência apresentam.
Como mostram as classificações semânticas da WN.Pr e de Levin (1993), os verbos
podem ser classificados levando-se em consideração aspectos diversos dos seus significados.
Não é provável que todos os aspectos do significado do verbo sejam relevantes para a sua
realização sintática. Por essa razão faz-se necessária a investigação dos componentes de
significado do verbo que são gramaticalmente relevantes. Um exemplo de modo de
identificação de componentes semânticos gramaticalmente relevantes é oferecido por
Grimshaw (2005), que discute que, embora a noção semântica de ‘cor’ seja cognitivamente
saliente, não processos gramaticais que se aplicam de modo exclusivo à classe dos verbos
que se relacionam a essa noção (por exemplo, pintar, avermelhar, alvejar, empalidecer,
escurecer, azular, entre outros). A não exclusividade de aplicação de processos gramaticais a
essa classe indica que a noção semântica de ‘cor’ não é gramaticalmente relevante.
No português, exemplifica-se essa situação com dois grupos de verbos que podem ser
rotulados como verbos que expressam ‘Emissão de Som’. Distinções semânticas como
‘volume do som produzido’, ‘impostação de voz’ e ‘tom de voz’, que individualizam o
subdomínio de verbos que expressam ‘Modos de Falar’, não influenciam o comportamento
sintático desses verbos: observe-se que os verbos que expressam ‘Falar em Voz Alta’ (gritar,
berrar, bramir, bradar, clamar, troar, trovejar, trovoar, vozear, vozeirar) e ‘Falar em Voz
Baixa’ (bisbilhar, ciciar, cochichar, murmurar, mussitar, segredar, soprar, suspirar), embora
tenham significados distintos, apresentam comportamento sintático idêntico, como ilustram os
exemplos (46) e (47).
46. a) João gritou que Maria era culpada.
b) João gritou a verdade para Maria.
c) João gritou (verdades).
47. a) João cochichou que Maria era culpada.
b) João cochichou segredos para Maria.
c) João cochichou (verdades).
Por outro lado, os verbos que denotam eventos relacionados à origem da produção do
som têm influência no comportamento sintático dos verbos que representam esses eventos.
Um subdomínio dos Verbos de ‘Emissão de Som’ verbos que expressam ‘Produção de
Som’ (ressoar, retinir, tilintar, retumbar, badalar, soar, ecoar, repercutir), além de não
poderem realizar seus argumentos como os verbos dos tipos em (46) e (47), participam, como
mostra (48), da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa. Os verbos que
expressam ‘Modos de Falar’ não participam dessa alternância que não permitem a forma
intransitiva (49b), equivalente à forma intransitiva dos verbos de ‘Produção de Som’ (48b).
48. a) O cabrito tilintou o sino.
b) O sino tilintou.
49. a) João gritou a verdade.
b) *A verdade gritou.
A diferença de comportamento sintático desses dois grupos de verbos pode ser
explicada por meio da distinção semântica entre eventos externamente causadas’ e ‘eventos
internamente causados’, introduzida por Levin e Rappaport-Hovav (1995). Os verbos que
expressam ‘Modos de Falar’ denotam ‘eventos internamente causados’. Esses verbos
projetam um argumento cuja denotação possui uma propriedade inerente que é “responsável”
pela ocorrência do evento (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 91). Como essa
propriedade é responsável pela realização do evento, nenhuma ‘força externa’ é necessária
para que o evento ocorra. Por exemplo, o argumento Agente projetado pelo verbo gritar é
conceitualizado como entidade que possui corpo independente e autocontrolável capaz de
gerar o evento descrito pelo verbo independentemente de uma ‘força externa’.
Por outro lado, os verbos que expressam ‘Emissão de Som’ descrevem ‘eventos
externamente causados’, isto é, eventos que são conceitualizados como decorrência da
atuação de uma “força externa” que tem controle imediato sobre o evento (LEVIN;
RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 92). Verbos que denotam ‘eventos’ externamente causados
tendem a ser transitivos, mas se o verbo denotar evento que pode ser conceitualizado tanto
como ‘evento externamente causado’ quanto ‘evento internamente causado’, ele pode
participar da alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa. Por exemplo, para que o
evento ‘tilintar o sino’ ocorra, é necessária a atuação de uma ‘força externa’ ao sino. Verbos
que denotam ‘eventos externamente causados’, como tilintar, são representados como eventos
complexos compostos de dois subeventos: um evento interno, que representa a emissão do
som e um evento externo, que representa a causa do evento interno (PUSTEJOVSKY;
TENNY, 2000).
Esse exemplo mostra que os verbos podem ser classificados de rias formas
diferentes e, embora algumas classes de verbos possam ser bem formadas do ponto de vista
nocional, elas podem não o ser do ponto de vista do componente semântico que seja
sintaticamente relevante. O modelo de representação léxico-semântica apropriado para a TRA
referida no início desta seção, depende da identificação dos componentes semânticos que, de
fato, afetam o comportamento sintático dos verbos. Em princípio, componentes de significado
mais abstratos como, por exemplo, ‘causa externa’ e ‘causa interna’, apresentados nesta
subseção, parecem ser candidatos a ocuparem o estatuto de elementos responsáveis pela
ocorrência de generalizações lingüísticas, e não outros de natureza nocional.
1.2.3.2 O Inter-relacionamento dos componentes de significados
A seleção de componentes de significado mais generalizantes, como ‘causa interna’ e
‘causa externa’ discutidos na subseção anterior, deve-se à existência de diferentes classes
semânticas de verbos cujos membros apresentam comportamentos sintáticos parcialmente
coincidentes. Os comportamentos sintáticos parcialmente coincidentes dos verbos de uma
mesma classe podem ser explicados pelo compartilhamento parcial dos componentes de
significado. Um modo de se observar esse inter-relacionamento se por meio do estudo dos
modos alternativos de realização dos argumentos projetados pelo verbo. Por exemplo,
verbos que projetam dois argumentos internos: o argumento Tema e o argumento Locativo.
Os verbos como colocar e despejar realizam o Tema exclusivamente como Objeto; os verbos
como cobrir e encher realizam o Locativo exclusivamente como Objeto; e os verbos como
borrifar e raspar realizam tanto o Tema quanto o Locativo como Objeto. Esses verbos
participam da Alternância do Locativo
31
. Os exemplos (50-52) ilustram esses padrões.
50.
a) João colocou [o livro] <Objeto (Tema)> [na estante] <Oblíquo (Locativo)>.
b) *João colocou [a estante] <Objeto (Locativo)> [com o livro] <Oblíquo (Tema)>.
51.
a) *João encheu [a água] < Objeto (Tema)> [no copo] <Oblíquo (Locativo)>.
b) João encheu [o copo] < Objeto (Locativo)> [com água] <Oblíquo (Tema)>.
52.
a) João borrifou [água] < Objeto (Tema)> [nas plantas] <Oblíquo (Locativo)>.
b) João borrifou [as plantas]
< Objeto (Locativo)> [com água] <Oblíquo (Tema)>.
Além disso, entre os verbos que participam da Alternância do Locativo,
exemplificada em (52), alguns deles, conforme o exemplo (53) demonstra, permitem que o
Tema seja realizado como Sujeito, quando o Agente é suprimido, e outros não, como ilustra
o exemplo (54). A configuração exemplificada em (53) é a resultante da aplicação da
Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa.
31
Outros verbos do português que participam da Alternância do Locativo são: aspergir, carregar, esfregar,
salpicar e pulverizar.
53.
a) João raspou a colher no bolo.
b) A colher raspou no bolo.
54.
a) João borrifou água nas plantas.
b) * A água borrifou nas plantas.
Os exemplos (52) e (53) demonstram que o conjunto de verbos que participam da
Alternância do Locativo não é idêntico ao conjunto de verbos que participam da Alternância
Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa. A não identidade entre os conjuntos de verbos que
participam dessas duas alternâncias indica que os componentes de significado relevantes para
que um verbo participe da primeira alternância são diferentes dos componentes relevantes
para que um verbo participe da segunda.
Dessa forma, as classes de verbos que compartilham modos alternativos de realização
dos argumentos precisam ser identificadas com precisão. Se as classes forem formadas por
propriedades nocionais, como as distinções ‘impostação da voz’ e ‘volume da voz’,
comentadas na subseção 1.3.3.1, a identificação dos componentes de significados
gramaticalmente relevantes fica comprometida. Da mesma forma, a montagem das classes
semânticas precisa considerar que há verbos que compartilham alguns modos de realização
dos argumentos, mas não todos, como raspar e borrifar. Esses verbos devem expressar
combinações de componentes de significado que explicam o compartilhamento parcial de
possibilidades de realização dos argumentos.
Por exemplo, a representação léxico-semântica dos verbos que participam da
Alternância do Locativo deve expressar a propriedade comum que permite que verbos como
borrifar realizem seus argumentos parcialmente como o verbo colocar (50), que realiza o
Tema como Objeto, e parcialmente como o verbo encher (51), que realiza o Locativo como
Objeto. Além disso, a representação léxico-semântica dos verbos que participam da
Alternância do Locativo deve explicitar o que distingue os verbos dessa classe dos verbos das
classes de colocar e encher. Essa explicitação deve ser feita a partir da identificação dos
componentes de significado sintaticamente relevante.
1.2.4 Síntese da subseção 1.2
Nas seções (1.3.1 e 1.3.2) apresentou-se a classificação de Levin (1993). Como foi
dito, as classes de Levin compõem-se de verbos que compartilham tanto propriedades
semânticas como propriedades sintáticas. O compartilhamento das propriedades aponta para
uma correlação entre os dois níveis de representação lexical: a representação léxico-sintática e
a representação léxico-semântica. Essa correlação é assumida em teorias sintáticas que
explicam a estrutura da frase como uma decorrência das propriedades léxico-gramaticais do
verbo. Além disso, a existência de regularidades de associação entre os argumentos do verbo
e as suas realizações sintáticas, que são encontradas nas línguas, é evidência para a correlação.
A estratégia de classificação sintático-semântico, possibilta a descrição dos dois níveis
de representação lexical e uma técnica de investigação do significado dos verbos. Uma vez
isolada uma classe sintático-semântica, os verbos que a compõem podem ser individualmente
investigados para se buscar a identificação dos seus componentes de significado
sintaticamente relevantes.
Por hipótese, os componentes de significado sintaticamente relevantes são universais e
existem em número limitado. Considerando-se que esses componentes de significado operam
na interface entre as representações léxico-semânticas e a representação léxico-sintática, os
modos alternativos de realização dos argumentos do verbo podem estar relacionados aos
componentes de significado que o verbo expressa (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005).
1.3 Síntese da Seção 1
Em suma, o objetivo desta seção foi apresentar e discutir as propriedades dos dois
modelos léxico-gramaticais que fundamentam este trabalho: as redes WNs e a classificação
sintático-semântica dos verbos do inglês proposta por Levin (1993).
Neste trabalho, a estratégia de formação de classes sintático-semânticas do português
parte da investigação das Subclasses 1 e 3a de Levin (1993) (cf. Quadro 4, subseção 1.2.1.1).
Essa estratégia “projeta” sobre os verbos da WN.Pr a informação sintática presente na
classificação de Levin (1993).
A estratégia, neste trabalho, é, portanto, traçar o caminho inverso ao traçado por
Levin (1993). Ao invés de, como Levin, partir da identificação de um conjunto de
propriedades sintáticas disponíveis para os verbos do inglês na tarefa de identificação das
classes semânticas dos verbos que compartilham subconjuntos específicos dessas
propriedades, neste trabalho, a estratégia é partir de classes semânticas de verbos e verificar a
consistência da classe do ponto de vista da sintaxe, ou seja, partindo-se de uma dada classe
semântica de Levin (1993), a tarefa é identificar os synsets da Base da WN.Pr formados por
verbos dessa classe, verificar a associação desses synsets aos synsets da Base da WN.Br e, por
fim, construir, a partir dessa projeção e da análise sintática dos verbos dos synsets
selecionados do português, a classe semântica procurada. A classe de verbos do português
resultante dessa associação deve expressar os componentes de significado análogos aos
isolados nas classes de Levin (1993). Essa condição pressupõe a identificação dos synsets da
WN.Pr e dos synsets correspondentes na Base da WN.Br e pressupõe ainda a verificação da
consistência semântica interna dos synsets, das duas bases. O alinhamento dos synsets do
português aos do inglês segue os seguintes procedimentos:
a) Toma-se um verbo da classe delimitada por Levin (1993);
b) Identificam-se os synsets na Base da WN.Pr (versão 2.0) que contêm esse
verbo, consultando córpus e dicionário monolíngüe (FLEXNER, 1994);
c) Identifica(m)-se o(s) synset(s) da Base da WN.Br correspondentes aos synsets
da Base da WN.Pr, consultando córpus, dicionários bilíngües (HOUAISS,
2006; TAYLOR, 2003) e monolíngüe (FLEXNER, 1994);
d) Verificam-se as propriedades sintáticas e semânticas dos verbos dos synsets do
português.
O procedimento (c) considera apenas os alinhamentos por meio de EQ_SYNONYM.
Neste trabalho, essa metodologia foi aplicada (cf. Seção 5) com sucesso na
determinação de duas subclasses de verbos do português, com base na análise de duas
subclasses de verbos de Levin (1993).
Conseqüentemente, ao se alinhar os synsets da WN.Br aos synsets da WN.Pr,
compatibilizados às Subclasses 1 e 3a, os verbos do português que compõem esses synsets da
WN.Br são candidatos a formar as Subclasses 1’ e 3a' do português.
Dessa forma, este trabalho, além de apresentar e discutir os modelos de descrição
léxico-gramatical dos modelos escolhidos para a investigação, contribui também com a
construção da WN.Br, além de propor o modo de projeção sobre os verbos dessa base, a
classificação sintático-semântica de Levin (1993).
A organização dos verbos do português em (sub)classes semânticas que compartilham
modos de expressão dos argumentos pode contribuir para a identificação de regularidades e
irregularidades na associação de argumentos semânticos a relações gramaticais. Além disso,
as propriedades semânticas identificadas como relevantes para a formação das classes de
verbos podem contribuir para a formulação da representação léxico-semântica dos verbos da
(sub)classe. Os verbos de cada (sub)classe devem possuir pelo menos um componente
semântico comum para que a classe seja considerada coerente do ponto de vista semântico.
Considerando-se que as combinações de componentes semânticos gramaticalmente relevantes
originam as (sub)classe de verbos que compartilham modos alternativos de realização dos
argumentos, as (sub)classe em si são epifenomenais (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995,
2005). Dessa perspectiva, a formação de (sub)classe sintático-semânticas de verbos do
português, então, é uma etapa que precede a investigação dos componentes de significado
sintaticamente relevantes.
Na seção 2, discute-se a Estrutura de Argumentos, pois é nesse vel de representação
lexical que se estabelece a interface entre os componentes sintático e semântico da gramática.
Por essa razão, qualquer regularidade de associação entre argumentos sintáticos e semânticos
deve, em princípio, afetar a Estrutura de Argumentos projetada pelo verbo.
2 A Estrutura de Argumentos
Nesta seção, discute-se a Estrutura de Argumentos (EA). Atuando na interface entre a
semântica e a sintaxe, a EA constitui um nível de representação lingüística em que se
representam as correlações entre as propriedades léxico-sintáticas e as propriedades léxico-
semânticas dos verbos. O objetivo da subseção (2.1) é definir os argumentos projetados pelo
verbo, em função de sua ordem de composição com o esse núcleo lexical. Apresenta-se, para
isso, o modelo de EA de Hale e Keyser (2002), que prevê, na estrutura lexical do verbo,
uma estrutura léxico-sintática potencial que norteia configuração sintática que o verbo realiza
na estrutura oracional. O objetivo é, assim, demonstrar que, enfocando explicitamente as
propriedades léxico-sintáticas dos verbos, Hale e Keyser (2002) corroboram a idéia de que
componentes do significado do verbo que se correlacionam com as suas propriedades
sintáticas. Na subseção (2.2), apresentam-se propriedades e problemas associados a modelos
de representação léxico-semântica organizados exclusivamente em função de listas de papéis
semânticos. O objetivo aí é demonstrar que esse tipo de modelo é insuficiente para representar
o significado do verbo. Na subseção (2.3), apresentam-se princípios de associação entre os
argumentos sintáticos e os argumentos semânticos do verbo. Os princípios fazem referência
direta ou indireta ao significado do verbo.
2.1 A representação léxico-sintática
Ao se investigar a EA, verifica-se que o verbo projeta argumentos que se diferenciam
em função do grau de proximidade com que se compõem com o verbo na sintaxe. Os
argumentos podem ser classificados como interno ao SV, que é o núcleo sintático que
representa a predicação, ou externo a ele. O argumento que se realiza na posição estrutural de
Especificador de I
32
é o argumento externo; o argumento que se realiza na posição estrutural
de Objeto de V é o argumento interno.
33
Os argumentos internos podem ainda ser
32
I é a abreviação de Inflection (Flexão) que, segundo Chomsky (1986), projeta o sintagma Inflection Phrase
(Sintagma Flexional), considerado a categoria que encabeça a estrutura oracional. estrutura da frase, portanto,
fora do SV,
33
O Objeto (Complemento) de V realiza-se, na estrutura sintática arbórea, como um nó irmão de V e filho do nó
V’, que é a primeira projeção sintática do verbo. O Especificador de I, por sua vez, realiza-se nessa mesma
estrutura, como um irmão de I’ (que é o nó pai de I e V’’=SV, em que V’’ é a projeção máxima de V) e filho
classificados como argumentos diretos, se forem projetados sem o intermédio de preposição,
ou argumentos indiretos, se forem projetados com o intermédio de preposição. Por exemplo,
o verbo colocar, que apresenta a estrutura de argumentos em (55), adaptada de Levin e
Rappaport Hovav (1995), projeta três argumentos: um argumento externo, representado pela
variável x, fora dos colchetes angulares em (55), um argumento interno direto, representado
pela variável y, e um argumento interno indireto, representado pela variável z, que é
obrigatoriamente introduzido como complemento da preposição (locativa), representada por
PLoc. Nessa estrutura, e representa a variável de evento a ser discutida oportunamente.
55. colocar: e, x < y, PLoc z>
2.1.1 “Prolegomenos” para uma estrutura de argumentos
Uma forma de se defender a influência do significado do verbo para a sua realização
sintática, é investigar até que ponto as propriedades da EA de um verbo explica a projeção
sintática dos seus argumentos. Considerando-se que, do ponto de vista estritamente
gramatical, a EA é o sistema de relações estruturais que se mantém entre núcleos e
complementos, Hale e Keyser (2002) propõem uma teoria de EA que procura explicar as
propriedades sintáticas projetadas pelo verbo como decorrência exclusiva de núcleos léxico-
sintáticos. No entanto, como será visto nesta seção, esses autores são forçados a admitir a
influência dos componentes de significado do verbo para a realização sintática dos seus
argumentos.
Espelhando no léxico as relações de Especificador e Complemento de Núcleo, que são
típicas da estrutura sintática das orações, Hale e Keyser (2002, p.12) postulam que esses dois
tipos de relação estruturam também as configurações que se estabelecem entre os núcleos
lexicais e os seus argumentos. Para eles, as relações entre Núcleo (lexical) e Complemento
(NC) e entre Núcleo (lexical) e Especificador (NE), definidas de modo semelhante às
definidas na sintaxe. A NC é assim definida: se X é Complemento (C) de um Núcleo (N),
então X é o único nó irmão do Núcleo na estrutura lexical arbórea, isto é, X e N estão em uma
de IP (que á projeção máxima de I). Como se verá na subseção seguinte, essas relações estruturais serão
exploradas por Hale e Keyser (2002) na especificação da EA dos verbos.
relação de c-comando
34
mútuo. NE é assim definida: se X é Especificador (Esp) de um núcleo
N, e se P
1
é a primeira projeção do Núcleo, então X é o único irmão de P
1
e filho de P
max
(projeção máxima de N). Essas configurações são exemplificadas na figura (2), em que V é o
Núcleo da categoria verbo, C é o complemento e Esp é o especificador.
Figura 1: as relações Núcleo-Complemento e Núcleo-Especificador
A identificação das duas relações permite supor que o número de configurações
estruturais disponíveis para cada categoria sintática seja limitado. A partir das relações NC e
NE, Hale e Keyser (2002, p.13) identificam os quatro tipos de EA esquematizados na figura
(3): (a) N não projeta nenhum argumento; (b) N projeta apenas o C; (c) N projeta C e Esp; (d)
N projeta o Esp. O tipo (d) ocorre em composição com N do tipo (b), em que o tipo (d) é
projetado como C do tipo (b).
34
C-comando é uma relação estrutural que se estabelece entre dois nós sintáticos, A e B, se e somente se: (i) A
não domina B e B não domina A; (ii) o primeiro ramificante que domina A também domina B. A relação de
Dominância é definida como: o nó A domina o nó B se e somente se A estiver em posição superior a B na árvore
sintática e se for possível estabelecer um percurso unicamente descendente entre A e B (HAEGEMAN, 1994).
(a) (b) (c) (d)
Figura 3: Os tipos estruturais da EA (HALE; KEYSER, 2002, p.13)
Como se mencionou, a proposta de representação da EA de Hale e Keyser (2002)
visa a explicitar no léxico propriedades sintáticas. Considerando-se que um item lexical é
uma estrutura de correspondência entre configurações fonológicas, sintáticas e semânticas
(JACKENDOFF, 1997; 2002), o modelo Hale e Keyser pode ser concebido como se
ocupando da representação das configurações sintáticas dessa estrutura. Definem um
componente diferenciado, componente Host (Hospedeiro), que representa as propriedades
sintáticas essenciais da EA. Esse componente define a categoria sintática do item lexical e
codifica as configurações sintáticas que ele projeta. O outro componente da representação,
denominado Root (Raiz), agrega os traços semânticos e fonológicos da EA (HALE,
KEYSER, 2002).
Os dois componentes sublexicais são combinados por uma operação denominada
conflation (fusão): uma operação que se estabelece exclusivamente entre Núcleo e
Comp(lemento) que estão ligados pela relação de Complementação Estrita
35
. O complemento,
por sua vez, não pode ser a projeção de uma categoria funcional, como Determinante (D), e o
núcleo precisa ser vazio ou defectivo, isto é, o núcleo não pode ter estrutura fonológica e/ou
semântica (HALE; KEYSER, 2002). A formação do verbo (a)larg(ar) do português, derivado
do adjetivo larg(-o/-a), ilustra, nas figuras (4a e 4b), a operacionalidade desse modelo de EA.
A categoria V (verbo) é tomada como o Núcleo da estrutura do tipo (b) da figura 3.
35
Hale e Keyser (2002, p.59) definem ‘complementação estrita’ como: um núcleo X é o complemento estrito de
um núcleo Y se e somente se Y está em relação de c-comando mútuo com a projeção máxima de X.
Figura 4: Representação léxico-sintática das formas incoativa (4a) e causativa (4b)
do verbo alargar.
O prefixo derivacional a preenche essa posição nuclear. Esse núcleo é defectivo
porque não possui Raiz, apenas o prefixo. A categoria Adj (adjetivo) é tomada como o Comp
da estrutura e preenchida pela Raiz larg do adjetivo. Os preenchimentos do Núcleo e do
Comp são, respectivamente, assim representados: {V,a[]ar} e {Adj, [larg]}. Satisfeitas as
condições, a operação de fusão aplica-se e funde a raiz vazia do verbo (Núcleo) com a raiz
plena do adjetivo (Comp), formando o verbo, assim, representado: {V,[a[larg]ar]}. A figura 4
mostra as configurações sintáticas do verbo antes de projetarem frases como A rua alargou
(em 4a) e Os trabalhadores alargaram a rua (em 4b), em que esta é a forma causativa
daquela.
Embora Hale e Keyser (2002) não analisem o conteúdo semântico da EA, que a
preocupação deles centra-se na “sintaxe” da estrutura lexical, eles admitem que
propriedades semânticas que afetam o comportamento sintático dos verbos. Essas
propriedades são mais apropriadamente tratadas na interface entre a EA e a representação
léxico-semântica. Por exemplo, conforme discutido na subseção 1.2.3 verbos que pertencem a
um mesmo domínio nocional podem apresentar modos diferentes de realização dos
argumentos. Outro exemplo é apresentado a seguir: os verbos cujos significados podem ser
descritos informalmente como ‘processo de colocação de uma substância sobre uma
superfície’ diferem em relação a sua participação da Alternância Transitiva-
causativa/Intransitiva-incoativa. Os verbos espirrar, esguichar, gotejar, lambuzar, pingar, e
(4a) a rua alargou.
(4b) (Os trabalhadores) alargaram a rua.
{V,[a[larg]ar]}
{V,[a[larg]ar]}
{V,[a[larg]ar]}
{Adj}
DP
a rua
{V}
{V,[a[larg]ar]}
{V}
{V}
{Adj}
DP
a rua
{V,[a[larg]ar]}
salpicar, por exemplo, participam dessa alternância em (56); mas não os verbos borrifar,
aspergir e esfregar em (57).
56.
a) João espirrou lama na parede.
b) A lama espirrou na parede.
57.
a) João borrifou água na parede.
b) * A água borrifou na parede.
Os significados desses verbos diferenciam-se uns dos outros pela a natureza da
‘substância’ que entra em contato com a ‘superfície’ e pelo modo específico do
desenvolvimento do evento. Os verbos em (56) denotam o deslocamento do argumento
‘substância’ e sua distribuição resultante sobre o argumento ‘superfície’. A representação
léxico-semântica desses verbos deve, assim, incluir um componente semântico que identifique
o ‘deslocamento espacial’, a ‘distribuição’, a ‘dispersão’ ou o ‘atributo’ do participante do
evento que é expresso pelo argumento interno direto. De acordo com essas propriedades
semânticas, o verbo espirrar expressa basicamente a mudança sofrida pela denotação do
argumento ‘substância’ e, conseqüentemente, esse argumento é obrigatoriamente realizado na
sintaxe (HALE; KEYSER, 2002).
A representação da EA, entretanto, não deve especificar a natureza do componente
semântico do verbo, mas esse componente deve estar ligado ao argumento interno do verbo
espirrar, para indicar a realização sintática obrigatória desse argumento. A representação de
espirrar, na figura (5), apresenta o argumento interno lama ligado ao verbo pelo índice {i}.
Essa anotação sinaliza que o argumento será realizado sintaticamente como Objeto se o verbo
se combinar com um argumento externo, ou como Sujeito se o verbo não se combinar com
um argumento externo. Na figura (5), o SD corresponde ao argumento interno na posição de
especificador.
Figura 5: Estrutura sintática projetada pela estrutura léxico-sintática do verbo
espirrar.
Os verbos que não participam da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-
incoativa, como borrifar, por exemplo, expressam um componente de significado adicional
em relação aos verbos como espirrar. O componente expresso por verbos como borrifar
especifica as ações particulares desempenhadas pela denotação do argumento externo, ou seja,
os gestos característicos que individualizam o evento borrifar. Dessa forma, o verbo borrifar
poderá ser realizado na sintaxe quando houver um argumento externo disponível
localmente. O argumento externo, por ser o argumento mais proeminente, ocupa a posição de
Sujeito sintático, de forma que o argumento interno não pode ser alçado a essa posição. A
estrutura sintática projetada pela estrutura léxico-sintática do verbo borrifar é mostrada na figura
(6). Nessa figura, o índice {i} não é ligado a nenhum argumento interno, dessa forma, esse
componente semântico deve ser ligado a um argumento externo, que se encontra fora da
projeção básica da EA do verbo.
Figura 6: Estrutura sintática projetada pela estrutura léxico-sintática do verbo
borrifar.
2.1.2 Síntese da Subseção 2.1
Como visto nesta subseção, A EA é o nível de representação lingüística que registra as
informações sintáticas projetadas pelos itens lexicais. Além disso, a EA funciona como
interface entre as propriedades léxico-sintáticas e as propriedades léxico-semânticas.
Na dimensão léxico-sintática, a EA é o conjunto de relações estruturais que se
estabelecem entre o verbo e os seus argumentos. No entanto, mesmo focalizando o aspecto
léxico-sintático da EA, Hale e Keyser (2002) recorrem aos componentes de significado do
verbo para explicar as alternâncias sintáticas, evidenciando a correlação entre esses dois
domínios.
Na próxima subseção, apresentam-se as propriedades da EA, vistas na sua dimensão
semântica. Como os argumentos projetados pelo verbo são comumente referidos pelos papéis
semânticos que expressam e esses papéis também constituem um modelo de representação
léxico-semântica, a próxima subseção discute as principais propriedades do modelo de
representação léxico-semântica baseada em listas de papéis semânticos.
2.2 A representação léxico-semântica em termos de papéis
semânticos
Nesta subseção, discutem-se as principais propriedades do modelo de representação
léxico-semântica composto exclusivamente pelos papéis semânticos expressos pelos
argumentos do verbo. Na subseção (2.2.1), apresentam-se as principais propriedades do
modelo; na subseção (2.2.2), apresentam-se seus problemas; na subseção (2.2.3), tentativas de
solução desses problemas. O objetivo é, com isso, demonstrar que os papéis semânticos per se
não constituem uma ferramenta analítica adequada para explicitar os componentes de
significado do verbo.
2.2.1 As propriedades
O modelo de representação léxico-semântica baseada em uma lista desestruturada de
papéis semânticos, proposto inicialmente na Gramática de Casos (GC) por Fillmore (1968),
constitui-se, basicamente, na proposição de uma lista de rótulos que identificam argumentos
de acordo com a relação semântica que estabelecem com os verbos que os projetam. Os
papéis semânticos são, assim, abstrações dos participantes do evento descrito pelo verbo. Os
conjuntos de papéis expressos pelos argumentos dos verbos ajudam a estabelecer semelhanças
entre os seus significados, que os verbos cujos argumentos expressam os mesmos papéis
semânticos devem ter significados semelhantes. Cada papel semântico define uma classe
natural de argumentos, no sentido de que os argumentos que expressam um mesmo papel
semântico compartilham propriedades semânticas.
Como os papéis semânticos são definidos pelos acarretamentos semânticos
decorrentes da relação entre o verbo e o argumento e como interseções nos acarretamentos
expressos pelos verbos, podem-se identificar tipos recorrentes de argumentos. Por exemplo,
propriedades semânticas comuns no argumento projetado como sujeito dos verbos
assassinar e nomear: o argumento denota uma entidade que realiza um ato volitivo, esse ato
volitivo é o tipo de ato que nomeia o verbo e a entidade denotada pelo argumento causa a
ocorrência de um evento que envolve outra entidade (DOWTY, 1991).
Os papéis semânticos propostos são muito variados, mas, de forma geral, alguns
papéis são recorrentes na literatura, como os ilustrados a seguir (FILLMORE; 1971;
HAEGEMAN; 1994):
Agente: o argumento cuja denotação instiga intencionalmente o evento expresso
pelo verbo;
Paciente: o argumento cuja denotação sofre a mudança expressa pelo verbo;
Tema: o argumento cuja denotação sofre o deslocamento espacial ou é
localizada no espaço;
Instrumento: o argumento cuja denotação é o estímulo ou causa física imediata
de um evento;
Origem: o argumento cuja denotação é o lugar a partir do qual o Tema se
desloca;
Meta: o argumento cuja denotação é o lugar para o qual o Tema se desloca;
Experienciador: o argumento cuja denotação é a entidade que experiencia o
estado psicológico expresso pelo verbo.
A representação léxico-semântica baseada em listas de papéis semânticos, como a
GC, apresenta quatro propriedades básicas (CROFT; 1991; DOWTY, 1991):
Os papéis semânticos o definidos como primitivos semânticos, portanto, eles
não são passíveis de análise;
O número de papéis semânticos é reduzido.
Os papéis são definidos independentemente do significado do verbo;
Cada argumento expressa apenas um papel semântico.
Essas propriedades permitem a identificação de um conjunto de problemas inerentes
às teorias que representam o significado do verbo exclusivamente como uma lista dos papéis
semânticos expressos pelos argumentos do verbo. Os problemas relacionam-se diretamente às
características identificadas por Croft (1991): (a) determinados papéis semânticos são
passiveis de análise; (b) o número de papéis pode não ser reduzido; (c) um determinado
argumento pode expressar mais de um papel semântico.
2.2.2 Os problemas
Nesta subseção, discutem-se os três problemas identificados por Croft (1991) e que se
referem à representação léxico-semântica baseada exclusivamente em uma lista de papéis
semânticos.
2.2.2.1 O Problema da análise dos papéis semânticos
papéis semânticos que podem ser re-analisados. Esse processo gera a identificação
de outros papéis. Por exemplo, Cruse (1973) re-analisa o papel Agente em quatro papéis: (a)
o Volitivo, o argumento cuja denotação realiza um ato volitivo; (b) o Efetivo, o argumento
cuja denotação exerce algum tipo de força devido a sua posição ou deslocamento; (c) o
Iniciativo, o argumento cuja denotação inicia um evento por meio de uma ordem e (d) o
Agentivo, o argumento cuja denotação desempenha uma ação empregando sua própria força.
Outro exemplo de segmentação do papel semântico se com o papel Instrumento.
Marantz (1984) observa que esse papel semântico pode ser desdobrado nos papéis semânticos
de Instrumento Intermediário e Instrumento Facilitador. O primeiro pode se realizar como
Sujeito (58a-b), mas não o segundo (59a-b).
58. (Instrumento Intermediário)
a) João abriu a porta [com a chave].
b) [A chave] não abriu a porta.
59. (Instrumento Facilitador)
a) João comeu o macarrão [com as mãos].
b) * [As mãos] comeram o macarrão.
2.2.2.2 O problema do número dos papéis semânticos
O problema da fragmentação dos papéis semânticos automaticamente aumenta o
número de papéis. Além disso, alguns verbos projetam argumentos que não podem ser
encaixados nas definições dos papéis semânticos tradicionais. Por exemplo, os papéis
semânticos expressos pelos argumentos que são realizados como Objeto de verbos como
encorajar, estudar, evitar, facilitar e ver, entre outros, não podem ser classificados como
Tema, Paciente ou como qualquer um dos papéis definidos acima. Cada um desses verbos,
então, deve projetar, pelo menos, um papel semântico particular.
Uma alternativa para se evitar a criação de papéis semânticos particulares é a adoção
de um papel “neutro”, que possa ser atribuído a qualquer argumento cuja denotação não seja
recoberta por nenhum outro papel semântico, como o papel Objetivo originalmente proposto
em Fillmore (1968). Tanto a adoção de papéis semânticos particulares quanto a adoção de um
papel neutro tornam os papéis incapazes de expressar generalizações entre classes de
argumentos.
2.2.2.3 O Problema da univocidade
Originalmente a GC postulava a existência de, no máximo, uma instância de um
determinado papel por oração e que cada argumento deveria expressar apenas um papel
semântico. Na Gramática Gerativa, o Critério Teta introduz essa mesma restrição de
univocidade: “cada argumento recebe um e apenas um papel temático; cada papel temático é
atribuído a apenas um argumento” (HAEGEMAN, 1994, p.54). No entanto, verbos que
projetam argumentos que expressam mais de um papel semântico ao mesmo tempo. Por
exemplo, o argumento Sujeito do verbo correr em Maria correu a maratona pode ser
classificado, ao mesmo tempo, como Agente e Tema. Além disso, a ambigüidade que
verifica em algumas frases deve-se à possibilidade de se interpretar um argumento como dois
papéis semânticos. Por exemplo, na frase Maria deu o livro para João, o argumento realizado
como Sujeito, Maria, pode ser interpretado tanto como Agente como Origem; da mesma
forma, o argumento realizado como Objeto Indireto, João, pode ser interpretado como Meta e
como Beneficiário.
2.2.3 As soluções
Nesta subseção, apresentam-se soluções propostas na literatura para sanar os
problemas inerentes à representação léxico-semântica baseada estritamente em listas de
papéis semânticos. Dois movimentos teóricos com esse intuito podem ser identificados: o
primeiro decompõe os papéis em conjuntos de traços semânticos e o segundo postula mais de
um nível temático para permitir que um mesmo argumento expresse mais de um papel
semântico.
A estratégia de decompor os papéis em traços explicita as propriedades semânticas e
sintáticas ligadas a eles: os papéis que apresentam algum tipo de proximidade semântica e que
compartilham (algumas) opções de realização sintática compartilham, também, traços
semânticos. Por exemplo, Reinhart (2002) analisa os papéis semânticos Agente,
Instrumento, Experienciador, Tema e Paciente em função de dois traços binários ‘causa
da mudança’ [+/- c] e estado mental’ [+/- m]: o papel Agente é analisado como [+c,+m],
porque a denotação do Agente é interpretada como o participante do evento que causa a
mudança especificada pelo verbo e como o participante que, de alguma forma, tem
consciência do evento que ele desencadeia; o papel Instrumento é decomposto nos traços
[+c,-m], ou seja, a denotação do Instrumento causa o evento descrito pelo verbo, mas não tem
consciência dele; o Experienciador é caracterizado pelo traço ‘estado mental’, mas não pode
expressar a ‘causa da mudança’ [-c,+m]; o Tema e o Paciente são igualmente decompostos
pelo conjunto de traços [-c,-m]. O sistema de traços de Reinhart (2002) permite a
subespecificação dos traços na entrada lexical dos verbos. Dessa forma, os verbos que
projetam como Sujeito tanto o Agente quanto o Instrumento, registram apenas o traço [+c],
o traço [+/- m] é subespecificado.
No entanto, a decomposição dos papéis semânticos em traços também apresenta
problemas. Por exemplo, quando um determinado conjunto de traços semânticos é empregado
na definição dos papéis, o conjunto tem de ser necessário e suficiente para a definição de
todos eles. No sistema de Reinhart (2002), por exemplo, não há como diferenciar o Tema e o
Paciente, pois os dois papéis são definidos pelo mesmo conjunto de traços, [-c,-m]. A
identidade de composição dos papéis aponta para duas causas: (a) o sistema de traços pode
estar incompleto ou (b) os dois papéis devem ser fundidos.
Outro exemplo de decomposição dos papéis semânticos em traços encontra-se em
Borba (1996), que apresenta um conjunto de nove papéis definidos em função da combinação
dos seguintes traços semânticos: ‘realizador, ‘instigador’, ‘transição’, ‘controle’, ‘afetado’ e
‘Atividade’ (cf. a tabela 1). Como no sistema de Reinhart (2002), papéis que são definidos
pelos mesmos conjuntos de traços, como, por exemplo, os papéis Experienciador,
Beneficiário, Objetivo e Resultativo, que são definidos pelo traço ‘afetado’. Além disso,
combinações de traços que não definem papéis semânticos. Dessa forma, é necessário
explicar porque algumas combinações de traços são possíveis e outras não.
Tabela 1: Papéis semânticos decompostos em traços por Borba (1996, p. 31)
TRAÇOS SEMÂNTICOS
PAPÉIS
SEMÂNTICOS
[realizador] [instigador]
[transição] [controle] [afetado] [atividade]
Agente
+ + - + - +
Causativo
+ - - - - +
Instrumental
+ - - + - +
Comitativo
+ + - - + +
Locativo
- - + - - -
Origem
- - + - + -
Meta
- - + - + -
Temporal
- - + - - -
Experienciador
- - - - + -
Beneficiário
- - - - + -
Objetivo
- - - - + -
Resultativo
- - - - + -
Outro modo de se evitar os problemas inerentes às representações léxico-semânticas
baseadas em listas de papéis semânticos é incrementar o grau de precisão do modelo teórico
(isto é o seu grau de granularidade), prevendo que o mesmo argumento possa expressar
valores semânticos distintos. Nesse sentido é que Jackendoff (1990), por exemplo, postula
dois níveis (Tiers) de representação conceitual dos argumentos de um predicador: o nível
Temático (Thematic Tier) e o nível da Ação, ou camada Actancial (Action Tier). O primeiro
nível representa os argumentos em função dos papéis que eles desempenham na representação
conceitual dos eventos dos tipos ‘deslocamento’ e ‘localização’, de acordo com os preceitos
da abordagem Localista da representação dos eventos como se discutirá na seção 3. Os papéis
semânticos do nível Temático incluem: Tema, Meta, Origem. O segundo nível, a Camada
Actancial, opera sobre relações entre os papéis Ator e Paciente. Os exemplos em (59) são
analisados em termos desses dois níveis.
59.
a) [Maria] chutou [João].
(Tema) (Meta) (Nível Temático)
(Ator) (Paciente) (Camada Actancial)
b) [João] entrou [na sala].
(Tema) (Meta) (Nível Temático)
(Ator) (Camada Actancial)
c) [Maria] recebeu [uma carta].
(Meta) (Tema) (Nível Temático)
(Camada Actancial)
d) [O sódio] emite [elétrons].
(Origem) (Tema) (Nível Temático)
(Ator) (Paciente) (Camada Actancial)
A identificação dos papéis Ator e Paciente da Camada Actancial se dá por meio dos
testes apresentados em (60a-b), respectivamente, e aplicados a (59a) em (61a-b).
60.
a) O que Y fez a X foi...
b) O que aconteceu com X foi...
(JACKENDOFF, 1990, p.126)
61.
a) O que Maria fez ao João foi chutá-lo.
b) O que aconteceu com o João foi que a Maria o chutou.
2.2.4 Síntese da subseção 2.2
Discutiu-se, assim, que a representação do significado do verbo em função dos papéis
semânticos expressos por seus argumentos apresenta problemas, como a falta de precisão na
sua definição e a recorrência de papéis semânticos particulares que não o representados no
inventário postulado. As tentativas de sanar os problemas inerentes à representação léxico-
semântica constituída unicamente de papéis semânticos refletem o cuidado em refinar e
fundamentar a própria noção de papel semântico. No entanto, qualquer que seja a solução
proposta para fundamentar papéis semânticos, é preciso levar em consideração o significado
do verbo, pois é esse significado que, em última instância, os determina. A tendência
apontada na literatura é considerar os papéis semânticos como posições argumentais na
representação léxico-semântica dos verbos, em que os rótulos Agente, Paciente, Locativo,
etc. são empregados unicamente para nomear as posições argumentais definidas na estrutura
léxico-semântica do verbo (JACKENDOFF, 1990; VAN-VALIN, 1990; LEVIN;
RAPPAPORT, 2005).
2.3 A associação entre argumentos sintáticos a argumentos
semânticos
Nesta subseção, apresentam-se propostas teóricas que tratam da associação de
argumentos semânticos a argumentos sintáticos. Na subseção (2.3.1), apresentam-se as
principais propriedades do construto Hierarquia Temática; na subseção (2.3.2), apresentam-se
os princípios que associam papéis semânticos a posições configuracionais da representação
sintática; na subseção (2.3.3), os princípios que associam diretamente propriedades léxico-
semânticas a representações sintáticas; por fim, na subseção (2.3.4), os princípios de
associação que empregam macro-papéis temáticos.
2.3.1 As hierarquias temáticas
Conforme esboçado no final da subseção (2.2.3), os argumentos do verbo podem ser
concebidos como projeções de argumentos da sua Estrutura Léxico-Semântica. A ordem de
encaixamento das posições estruturais define o construto teórico chamado Hierarquia
Temática (JACKENDOFF, 1990; VAN VALIN, 1990; GRIMSHAW, 1990). Uma hierarquia
temática é um ordenamento dos papéis semânticos expressos pelos argumentos dos verbos,
que se justifica porque, em geral, a realização sintática de um argumento que expressa um
determinado papel semântico depende do papel semântico expresso pelos demais argumentos
projetados na frase.
A hierarquização de papéis semânticos para explicar a realização sintática dos
argumentos do verbo inicia-se com a Regra de Realização Sintática do Sujeito de Fillmore
(1968), apresentada na subseção (1.3.2). A regra de Fillmore (1968) ordena os papéis, já que o
Agente tem precedência sobre o Instrumento e o Instrumento tem precedência sobre os
demais papéis para a realização do Sujeito, ou seja, a Regra de Realização do Sujeito impõe
aos papéis semânticos uma Hierarquia Temática parcial assim esquematizada: Agente >
Instrumento > Objetivo > ... .
Como a Hierarquia Temática é derivada da representação léxico-semântica do verbo,
ela pode fazer referência aos argumentos nessa representação. Por outro lado, as regras de
ligação que empregam a Hierarquia Temática podem fazer referência direta ou indireta às
realizações sintáticas dos argumentos. A regra de Fillmore (1968), por exemplo, faz referência
direta e explícita à relação gramatical de Sujeito. Outros exemplos desse tipo de regra são os
princípios de associação da Gramática Léxico-Funcional (GLF) (BRESNAN; KANERVA,
1989), que associam relações gramaticais características com os significados intrínsecos dos
papéis. A GLF postula três princípios:
a) Princípio de Codificação do Agente (Agent Encoding Principle), que estabelece
que o papel Agente só pode ser realizado como Sujeito e Oblíquo;
b) Princípio de Codificação do Tema (Theme Encoding Principle), que estabelece
que o papel Tema só pode ser realizado como Sujeito e Objeto;
c) Princípio de Codificação do Locativo (Locative Encoding Principle), que
estabelece que o papel Locativo pode ser realizado como Sujeito e
Complemento Oblíquo.
Os princípios de associação entre sintaxe e semântica da GLF são fundamentados por
generalizações na codificação gramatical dos papéis semânticos observadas em várias línguas.
Canonicamente, o Agente não é realizado como Objeto: nas línguas sintaticamente
Acusativas (português, inglês, por exemplo) o Agente é realizado como Sujeito canônico e,
em línguas sintaticamente Ergativas, o Agente é realizado como um Complemento Oblíquo.
O Tema, por sua vez, não pode ser realizado por um Complemento Oblíquo: em línguas
Acusativas, o Tema é realizado como Sujeito ou Objeto e, em nguas Ergativas, como o
Sujeito. Por fim, o Locativo é canonicamente associado às relações gramaticais
Complemento Oblíquo e Sujeito (BRESNAN; KANERVA, 1989).
Em contraste com essa abordagem de associação direta de papéis semânticos às
funções gramaticais, abordagens que evitam fazer referência direta a elas. O procedimento
adotado é estabelecer regras que se referem a configurações sintáticas. Um princípio de
associação desse tipo é encontrado em Larson (1988).
Se um verbo determina papéis semânticos
θ
1,
θ
2, ...,
θ
n, o papel menos
proeminente na Hierarquia Temática é atribuído ao argumento mais baixo
na estrutura de constituinte, o próximo papel mais baixo é atribuído ao
argumento seguinte mais baixo, e assim sucessivamente. (LARSON, 1988,
382).
36
Nessa abordagem, não há referência aos papéis temáticos. Por exemplo, o verbo
colocar, em (62), projeta três argumentos, que podem ser representados por
θ
1,
θ
2, e
θ
3,
independentemente de caracterização semântica. Os argumentos são realizados em posições
sintáticas configuracionalmente especificadas em função do ordenamento dos papéis
semânticos. O ordenamento relativo dos papéis reflete a ordem de composição com o verbo: o
argumento menos proeminente na Hierarquia é ligado ao verbo primeiramente, o segundo
argumento menos proeminente é ligado ao verbo em seguida, e assim sucessivamente para
todos os argumentos projetados pelo verbo.
62.
colocar: <θ1, θ2, θ3>
Hierarquia Temática: θ1> θ2 > θ3> ... θn
36
No original: If a verb determines theta-roles 1, 2 e ..., 3 then the lowest role on the Thematic Hierarchy
is assigned to the lowest argument in constituent structure, the next lowest role to the next lowest argument, and
so on” (LARSON, 1988, p.382).
SV
C SV
Sujeito
[θ1]
C SV'
Objeto
[θ2]
V C
[θ3]
Um problema para as abordagens da associação entre papéis temáticos e relações
gramaticais que empregam Hierarquias Temáticas é a configuração interna das Hierarquias.
Particularmente, o posicionamento dos papéis Tema e Locativo (ou Locativo analisado em
Origem, Meta e Lugar) são conflitantes. Algumas Hierarquias posicionam os Locativos
acima do Tema (GRIMSHAW, 1990; VAN VALIN, 1990; JACKENDOFF, 1972) e outras
os posicionam abaixo (JACKENDOFF, 1990; BRESNAN; KANERVA, 1989; LARSON,
1988, BAKER, 1997). Essas Hierarquias são apresentadas no quadro (6).
Grimshaw (1990)
Agente > Experienciador> Origem/Meta/Lugar>Tema
Van Valin (1990)
Agente > Efetuador > Experienciador > Locativo> Tema >
Paciente
Jackendoff (1972)
Agente > Origem > Meta > Lugar
Jackendoff (1990)
Ator > Paciente/Beneficiário > Tema
Bresnan & Kanerva (1989)
Agente > Beneficiário > Recipiente/Experienciador > Instrumento
> Tema/Paciente >Locativo
Larson (1988)
Agente > Tema > Meta
Baker (1997)
Agente>Tema/Paciente > Meta/Lugar
Quadro 6: Diferentes propostas de Hierarquias Temáticas.
A diferença na composição das Hierarquias é um reflexo do modo como elas são
empregadas na elaboração das regras de associação entre argumentos semânticos e sintáticos.
Por exemplo, na regra Realização Sintática de Fillmore (1968), o processo de seleção do
argumento que é realizado como Sujeito “percorre” a Hierarquia em sentido descendente:
partindo do argumento mais proeminente, o Agente, a regra busca o argumento que expressa
o papel semântico mais próximo ao Agente. Dessa perspectiva, o papel Objetivo (Tema ou
Paciente nas Hierarquias do quadro (3)) tem de ser mais proeminente do que o Locativo,
pois os papéis Tema e Paciente são realizados sintaticamente como Sujeito (63) com maior
freqüência do que o Locativo.
63. [A bola]<Sujeito (Tema)> correu [para o bueiro] <Oblíquo (Meta)>
.
2.3.2 Princípios de associação direta 1: papéis semânticos e posições
configuracionais
Baker (1997, p.38) elabora três princípios que associam diretamente (i.e. sem o a
mediação de uma Hierarquia Temática) papéis semânticos às posições configuracionais da
representação sintática. Os papéis semânticos refletem a ordem de composição dos
argumentos com o verbo. Baker argumenta que são poucos os papéis semânticos
sintaticamente relevantes e associa esses papéis a três posições configuracionais, que
coincidem com as posições configuracionais dos papéis semânticos indeterminados do
exemplo (62). Como cada papel semântico tem posição estrutural constante nos princípios de
Baker, a Hierarquia Temática torna-se um construto conseqüente da composição sintática do
verbo com seus argumentos, por isso a Hierarquia pode ser dispensada. Os princípios de
Baker (1997) são:
a) O argumento que expressa o Agente é o especificador do SV mais alto;
b) O argumento que expressa o Tema é o especificador do SV mais baixo;
c) O argumento com os papéis Meta, Percurso ou Lugar é o complemento do SV
mais baixo (BAKER, 1997).
Esses princípios são representados configuracionalmente em (64):
64.
SV
SN SV
[Agente]
SN SV'
[Tema]
V SPrep
[Meta, Percurso, Localização]
A proposta de Baker (1997), no entanto, não explica porque os papéis semânticos
gramaticalmente relevantes são associados às posições configuracionais representadas no
exemplo (64).
2.3.3 Princípios de associação direta 2: propriedades léxico-semânticas
e relações gramaticais
Os princípios de associação entre sintaxe e semântica não precisam necessariamente
empregar papéis semânticos para fazer referência aos argumentos de um dado verbo. Levin e
Rappaport-Hovav (1995) postulam um conjunto de princípios que especificam a realização
sintática de um argumento a partir de sua composição semântica com verbo. A descrição
semântica do argumento depende do modelo de representação léxico-semântica adotada e,
similarmente, a realização sintática do argumento depende do modelo sintático adotado. Os
princípios de Levin e Rappaport-Hovav (1996) associam partes da representação léxico-
semântica a posições configuracionais na EA.
As quatro regras de associação entre sintaxe e semântica propostas por Levin e
Rappaport-Hovav (1995) são:
a) Regra de Associação da Causa Imediata: o argumento projetado pelo verbo que
denota a causa imediata do evento expresso por esse verbo é seu argumento
externo. (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p.135).
b) Regra de Associação da Mudança Direcionada: o argumento projetado pelo verbo
que denota a entidade que sofre mudança direcionada expressa por esse verbo é
seu argumento interno direto (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p.146).
c) Regra de Associação da Existência: o argumento projetado pelo verbo que denota
uma entidade cuja existência é declarada é seu argumento interno direto (LEVIN;
RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p.152).
d) Regra de Associação Padrão: o argumento projetado pelo verbo que está fora do
escopo de qualquer uma das regras anteriores é o argumento interno direto do
verbo (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p.154).
Regras de associação entre sintaxe e semântica desse tipo são questionáveis porque
não são explanatórias. Em princípio, não razão para que as regras sejam elaboradas da
forma que são e não sejam formuladas de outra forma qualquer. Além disso, essas regras
impõem poucas restrições no conjunto de regras de associação possíveis.
2.3.4 Princípios de associação intermediada por macropapéis
Algumas teorias formulam princípios de correspondência entre a Semântica Lexical e
a Sintaxe que empregam papéis semânticos intermediários (ou Macropapéis). Esses papéis
funcionam como elementos de ligação entre a representação léxico-semântica e as relações
gramaticais. Os papéis intermediários são associados aos argumentos por meio das
propriedades semânticas de cada argumento. Há três abordagens que empregam Macropapéis,
no entanto, cada uma delas os concebe de modos diferentes.
A Gramática de Papel e de Referência (inglês, Role and Reference Grammar) (VAN
VALIN, 1990) emprega dois papéis intermediários chamados Macropapéis, porque cada um
deles engloba várias relações temáticas. Os dois Macropapéis, ACTOR e UNDERGOER,
são definidos a partir de uma hierarquia temática. O Agente é o ACTOR prototípico e o
Paciente é o UNDERGOER prototípico, mas qualquer argumento, em princípio, pode
assumir os Macropapéis. Na verdade, a atribuição dos Macropapéis depende da representação
da Estrutura Lógica
37
do verbo e da Hierarquia Temática que é derivada dessa estrutura: para
37
A Estrutura gica do verbo é uma representação formal de propriedades semânticas compartilhadas por tipos
de verbos. Os tipos são descritos a partir de um tipo básico de verbos, os verbos de Estado, e de conectivos e
operadores definidos em uma metalinguagem semântica. Van Valin (1990, p.226) propõe quatro tipos básicos de
um verbo que projeta dois argumentos, o argumento que expressa o papel semântico mais
proeminente na Hierarquia Temática é o ACTOR e o argumento que expressa o papel
semântico menos proeminente é o UNDERGOER. Por exemplo, o papel ACTOR projetado
pelo verbo ver é o Experienciador.
Os Macropapéis funcionam como interface entre as relações temáticas e as relações
gramaticais. Um verbo pode ter no mínimo zero e no máximo dois Macropapéis. Em uma
predicação transitiva, cada um dos argumentos projetados pelo verbo expressa um
Macropapel e, nessa situação, o ACTOR será o Sujeito e o UNDERGOER será o Objeto. A
figura (7), adaptada de Van Valin (1990, p.226) ilustra, por meio da orientação das setas, o
movimento descendente na Hierarquia Temática para a atribuição do Macropapel ACTOR e
movimento ascendente para a atribuição do macro-papel UNDERGOER.
ACTOR
UNDERGOER
Agente Efetuador Experienciador
Locativo Tema Paciente
Figura 7: Hierarquia para atribuição dos Macropapéis ACTOR e UNDERGOER
Dowty (1991) apresenta papéis intermediários de natureza diferente dos papéis de Van
Valin (1990). Os protopapéis de Dowty são noções prototípicas baseadas em acarretamentos
semânticos impostos sobre os argumentos, mas nenhum dos acarretamentos é uma condição
necessária ou suficiente para definir um protopapel. Dowty estipula dois Protopapéis: Proto-
Agente e Protopaciente. Como na teoria de Van Valin (1990), os dois protopapéis, quando
ocorrem conjuntamente em uma predicação, definem a realização sintática de um argumento
como Sujeito, se o argumento expressar o Proto-Agente, ou Objeto, se o argumento
expressar o Protopaciente.
A atribuição de um protopapel a um argumento depende do número de acarretamentos
de Proto-Agente e do número de acarretamentos de Protopaciente que o argumento
verbos, baseados na Tipologia de Vendler (1957), que será discutida na subseção (3.2.2), e propõe as seguintes
representações léxico-semânticas para cada tipo:
Classes de Verbos Estrutura Lógica
Estado predicado' (x) (p.ex.: O livro é pesado)
predicado’ (x,y) (p.ex.: O livro está sobre a mesa.)
Achievement BECOME predicado' (x) (p.ex.: O relógio quebrou.)
BECOME predicado' (x,y) (p.ex.: Maria chegou em casa.)
Atividade (+/- Agentivo) (DO (x) [predicado' (x)]) (p.ex.: Maria gritou.)
(DO (x) [predicado' (x,y)]) (p.ex.:João comeu peixe.)
Accomplishment
φ CAUSE Ψ em que φ é normalmente do tipo Atividade e Ψ é normalmente do tipo
Achievement (p.ex.: João quebrou o relógio).
denotar. O argumento que apresentar o maior número de acarretamentos de Proto-Agente
será o Proto-Agente e o argumento com maior número de acarretamentos de Protopaciente
será o Protopaciente. Dessa perspectiva, a Hierarquia Temática é um epifenômeno, um
reflexo do modo como vários papéis semânticos se adequam aos protótipos de Agente e
Paciente. Isto é, a Hierarquia reflete a distribuição das propriedades que caracterizam os
protopapéis nos vários papéis semânticos comumente identificados. Dessa forma, como na
teoria de Van Valin (1990), o papel temático Agente será sempre o Proto-Agente, não por
ser o argumento mais proeminente em uma Hierarquia Temática, mas porque o papel
semântico chamado Agente – entendido, grosso modo, como o argumento que causa o evento
expressa o maior número de acarretamentos do Proto-Agente. Da mesma forma, o
Paciente é considerado o argumento Protopaciente prototípico porque ele é o argumento
que expressa o maior número de acarretamentos do Protopaciente. Os acarretamentos que
Dowty (1991; 572) estipula para a atribuição dos protopapéis são apresentados no quadro (4).
Acarretamentos que contribuem para a
atribuição do papel Proto-Agente
Acarretamentos que contribuem para a
atribuição do papel Protopaciente
O participante tem envolvimento volitivo
no evento ou estado descrito pelo verbo;
O participante sofre mudança de estado no
evento descrito pelo verbo;
O participante tem percepção; O participante é um Tema Incremental
38
O participante causa o evento ou a
mudança de estado em outro participante;
O participante é afetado por outro
participante;
O participante sofre deslocamento ou
movimento em relação a outro argumento;
O participante permanece estático em relação
ao deslocamento ou movimento de outro
participante;
O participante existe independentemente do
evento descrito pelo verbo.
O participante não existe independentemente
de outro participante.
Quadro 7: Acarretamentos que definem os papéis prototípicos propostos por Dowty (1991, p.
572).
38
Dowty (1991) introduz o papel semântico Tema Incremental para se referir ao argumento projetado pelos
verbos dos tipos Accomplishment e Achievement (cf. Subseção 3.2.2) cuja denotação permite avaliar o
desenvolvimento do evento que os verbos desses tipos expressam. O Tema Incremental é associado a um
argumento que está em relação de homomorfia com o predicado do qual ele é argumento, de tal modo que as
relações de parte-todo entre a denotação do argumento e alguma propriedade interna podem ser associadas com
as relações de parte-todo do evento como um todo. Por exemplo, em aparar a grama, a denotação de a grama
associa-se ao Tema Incremental porque a partir do estado dessa denotação é possível avaliar o
desenvolvimento parcial ou total do evento aparar a grama.
2.4 Síntese da seção 2
Nesta seção, abordou-se a EA como elemento da interface entre as propriedades
léxico-semânticas e léxico-sintática do verbo. Do ponto de vista das propriedades léxico-
sintáticas, a EA projeta os argumentos que serão realizados na sintaxe. Como foi mostrado na
subseção 2.1, com a teoria de Hale e Keyser (2002), a projeção sintática dos argumentos do
verbo não pode ser explicada independentemente das propriedades semânticas do verbo.
Mesmo aplicando processos sintáticos no interior do léxico, seguindo-se a estratégia de criar
posições sintáticas para as diferenças semânticas dos predicados, a necessidade de se
recorrer aos componentes de significado do verbo para explicar a realização dos argumentos.
Do ponto de vista das propriedades léxico-semânticas, a relação semântica entre o verbo e o
seu argumento define o papel semântico expresso pelo argumento. Dessa forma, a
representação da EA desvinculada da representação da semântica do verbo, como nas teorias
compostas exclusivamente de papéis semânticos, apresenta problemas. Por fim, foram
apresentados modelos correntes de teorias que associam argumentos semânticos a relações
gramaticais. Entre os modelos apresentados, destacaram-se duas abordagens: uma emprega o
construto teórico Hierarquia Temática para explicar a realização sintática dos argumentos do
verbo. A hierarquia ajuda a explicar as regularidades de associação entre argumentos
semânticos a argumentos sintáticos. Como a Hierarquia Temática é um construto derivado da
representação léxico-semâtica do verbo, a correlação entre a semântica do verbo e suas
propriedades sintáticas se mantém. A outra abordagem explica a realização sintática dos
argumentos diretamente das propriedades semânticas do predicado (DOWTY, 1991; LEVIN;
RAPPAPORT-HOVAV, 1995). A conclusão que se chega é que o significado do verbo é
relevante para a realização sintática dos argumentos.
Na próxima seção, discutem-se as concepções da representação léxico-semântica que
atribuem pesos diferentes para os diferentes componentes de significado que são
sintaticamente relevantes.
3 Abordagens de representação léxico-semântica
Como discutido na seção anterior, uma lista de papéis semânticos não constitui uma
teoria de representação léxico-semântica suficientemente articulada para explicitar o
significado do verbo e a sua contribuição para a realização sintática dos argumentos. Em
função disso, o significado do verbo e os papéis semânticos são reanalisados em função da
representação léxico-conceitual dos eventos denotados pelos verbos (JACKENDOFF, 1990;
VAN-VALIN, 1990). O modelo de representação léxico-conceitual mais comumente
empregado decompõe o significado do verbo em predicados primitivos. (JACKENDOFF,
1990; VAN VALIN, 1990; LEVIN; RAPPAPORT, 1995). A subseção (3.1) apresenta um
estudo da representação dos eventos, enquanto elementos lingüísticos. Na subseção (3.2),
argumenta-se a favor da representação de componentes de significado estruturais (Estrutura
Semântica) e idiossincráticos (Componentes Idiossincráticos). A subseção (3.3) apresenta um
resumo das abordagens discutidas nas subseções anteriores.
3.1 A representação lingüística dos eventos
Nesta subseção, com base em Tenny e Pustejovsky (2000), discute-se, do ponto de
vista da teoria Lingüística, como relações como tempo, espaço, mudança e causa, comumente
encontradas na física, seja na disciplina Física, seja na física do senso comum, são
representadas na estrutura lexical de uma língua natural. A hipótese de que essas relações
integram a gramática das línguas naturais é relativamente nova.
A Semântica Lexical e a Semântica Lógica têm tradicionalmente construído
ferramentas analíticas distintas, uma vez que abordam aspectos distintos da composição
semântica. Enquanto a Semântica Lexical estuda o significado dos itens lexicais, a Semântica
Lógica estuda as propriedades composicionais da interpretação do significado das frases. O
fato dos eventos e, sobretudo, das estruturas de evento terem sido estudadas nesses dois
campos, e estas últimas constituírem os aparatos representacionais daqueles, fez com que
essas duas abordagens semânticas se aproximassem na investigação, por exemplo, da
semântica dos verbos. Enquanto a Semântica Lexical estuda as propriedades semânticas do
verbo que determinam como a estrutura de eventos por ele projetada contribui para a
estruturação sintático-semântica da frase, a Semântica Lógica estuda determinados modos de
representação das propriedades semânticas da frase que são oriundas da estrutura de eventos
projetada pelo verbo.
Os sintaticistas têm isolado fenômenos em que a semântica dos eventos parece
interagir com a estrutura sintática. Essa descoberta os fez recorrer aos semanticistas na busca
de representações das propriedades semânticas associadas aos eventos que são sintaticamente
relevantes. Decorre que a relação entre a sintaxe e a estrutura de evento emergiu como
importante área de pesquisa. As descobertas simultâneas sobre o modo de representação
lingüística dos eventos nos campos da Sintaxe e da Semântica devem, de alguma forma, estar
relacionadas.
Entretanto, como advertem os autores, os estudos realizados por semanticistas e
sintaticistas apresentam convergências e divergências. Além das incompatibilidades das
abordagens, a própria delimitação da noção de ‘evento’ não é consensual. Assim, na tentativa
de fornecer um quadro teórico coerente e que dê suporte a uma análise “unificada” da
representação lingüística dos eventos, segue-se aqui os autores e se faz uma sistematização
das discussões presentes na literatura sobre essa temática.
De início, os eventos podem ser concebidos como entidades gramaticais, pertencentes
à Sintaxe e à Semântica. Essa concepção, portanto, admite dois modos de abordagem dessas
entidades.
A primeira parte do pressuposto de que as gramáticas das línguas naturais, de algum
modo, representam os eventos, independentemente de qualquer estrutura interna dos eventos.
Essa abordagem investiga a natureza, os referentes, a representação, e os primitivos dessa
representação. Essa abordagem encontra-se em Reichenbach (1978) e, subseqüentemente, em
Davidson (1967), que propõe que os predicados das línguas naturais predicam sobre eventos,
isto é, eles tomam um evento como um de seus argumentos (cf. Bach, 1981).
O segundo parte do princípio de que os eventos têm uma estrutura interna e de que
essa estrutura é gramaticalizada. Nessa abordagem, a representação lingüística do evento é
formada por constituintes que se organizam em função de noções como 'causa', 'mudança' e
outros elementos temporais.
3.1.1 A Estrutura aspectual do significado do verbo
Tenny e Pustejovsky (2000) enfatizam que o significado do verbo possui tanto uma
estrutura aspectual quanto uma estrutura temporal internas. Recorrendo a Aristóteles, na
Metafísica, os autores destacam que o filósofo escreveu sobre uma tipologia de eventos
baseada em suas estruturas temporais. A partir dessa discussão filosófica, o estudo das
propriedades aspectuais e temporais dos verbos entrou no âmbito da Lingüística por meio do
trabalho de Vendler (1967). A partir de propriedades semânticas como ‘duração’, ‘término’ e
‘estrutura temporal interna’ (ou a ausência de estrutura temporal interna), Vendler elaborou
uma tipologia de eventos que distribui os verbos em quatro classes aspectuais
39
.
Verbos de ‘Estado’: classe aspectual dos verbos caracterizados
semanticamente pelos traços [–duração] e [–término], como o verbo amar na frase
João ama Maria;
Verbos de ‘Atividade’: classe aspectual dos verbos caracterizados
semanticamente pelos traços [+duração] e [–término], como o verbo caminhar na
frase João caminha na praia;
Verbos de Accomplishment’: classe aspectual dos verbos
caracterizados semanticamente pelos traços [+duração] e [+término], como o verbo
comer na frase João comeu a maçã;
Verbos de Achievement’: classe aspectual dos verbos caracterizados
semanticamente pelos traços [-duração] e [+término], como o verbo chegar na
frase João chegou.
Não se pode desconsiderar a importância de se investigarem as propriedades
aspectuais do sintagma verbal, ou mesmo da frase, e não simplesmente do verbo, dado que
fatores como a natureza do complemento do verbo e as modificações adverbiais podem
interagir com propriedade aspectuais inerentes ao verbo.
Para distinguir as propriedades aspectuais no plano da Sintaxe (estrutura sintática) das
que se verificam no plano da Semântica (estrutura de eventos), a literatura aponta o seguinte.
A classificação aspectual fundamentada nas propriedades aspectuais inerentes aos verbos trata
39
Bach (1981) cunhou o termo "eventualidade" para descrever todas as classes de Vendler. No âmbito da
Lingüística Computacional, Pustejovsky (1995) emprega o termo “evento” para descrever essas mesmas classes.
Este trabalho adota a opção de Pustejovsky.
do Aktionsarten (modos de ação), ou seja, das propriedades aspectuais inerentemente
codificadas na estrutura semântica do item lexical. Esse tipo de classificação opõe-se à
classificações que focalizam as propriedades aspectuais introduzidas por morfemas
gramaticalizados como, por exemplo, os morfemas que marcam a distinção entre os aspectos
perfectivo e imperfectivo, presentes nas línguas naturais. As duas classificações afetam,
determinam ou interagem com o aspecto, mas ainda não é certo se são dois sistemas distintos
ou se são partes do mesmo sistema, porém, operando em níveis diferentes de composição.
Essas questões aspectuais serão retomadas na subseção 3.2.2.
3.1.2 Decomposição de predicados e reificação do evento
Davidson (1967) propõe um modo de representação dos acarretamentos que se
estabelecem entre eventos. Considere como representar os acarretamentos entre (64a) e as
versões modificadas do evento ‘comer’ em (64b-e).
64
a) João come.
b) João come o bolo.
c) João come o bolo com um garfo.
d) João come o bolo com um garfo na cama.
e) João come o bolo com um garfo na cama às 3 da manhã.
Davidson representa esses acarretamentos por meio da reificação dos eventos
expressos em (1). Os eventos são tratados como entidades individuais. Essa estratégia
permite, assim, que os eventos sejam quantificados e, portanto, podem ser representados por
meio da lógica de predicados. Os acarretamentos decorrem da conjunção. Essa proposta, em
conjunto com as tipologias aspectuais, como a de Vendler, fornece um instrumental para a
análise do significado do verbo. Assim, o significado dos verbos pode ser representado por
meio de uma estrutura predicativa complexa, ao incluir a estrutura de evento. As primeiras
pesquisas com modelos semânticos decomposicionais não consideravam o evento como
objeto teórico, pelo contrário, nelas, os eventos são informalmente descritos como simples
paráfrases do conteúdo proposicional.
Desde o trabalho de Vendler (1967), muitos aspectos da estrutura semântica dos
verbos foram investigados. De modo geral, esses desenvolvimentos equacionam a
representação do significado do verbo em termos de uma representação estruturada do evento
que o verbo denota. Além disso, a estrutura interna dos eventos passa a ser analisada. Nessa
estrutura, um evento complexo decompõe-se em um evento interno e um evento externo. Este
é associado a determinados componentes de significado, como ‘causatividade’ e
‘agentividade’; aquele é associado a componentes como ‘telicidade’ e ‘mudança de estado’.
Dessa forma, um evento do tipo Accomplishment’ (como, por exemplo, o evento
denotado por João fatiou o pão) pode ser representado pela composição de um evento externo
e de um evento interno. O evento interno é o subevento télico em que o pão sofre a mudança
de estado (de não-fatiado para fatiado) em um intervalo de tempo definido. O evento externo
é o subevento em que João age intencionalmente para fatiar o pão. Uma vez que o evento
externo causa o evento interno, o evento externo é associado ao componente de significado
‘causatividade’.
O componente de significado ‘causatividade’ é geralmente representado de diferentes
maneiras: (a) como uma relação que se estabelece entre duas expressões proposicionais; (b)
como uma relação que se estabelece entre dois eventos; (c) ou como uma relação que se
estabelece entre um argumento Agente e um evento.
Um dos primeiros trabalhos lingüísticos sobre o componente ‘causatividade’ é o de
Carter (1988). Nesse trabalho, Carter representa esse componente de significado como uma
relação entre um individuo e dois eventos. Por exemplo, o verbo darken (‘escurecer’), cujo
significado pode ser glosado como “x faz com que o estado de y mude para escuro”, é
representado em (65). O predicado CAUSE é concebido como uma relação entre um
argumento causador (o indivíduo x) e uma expressão interna que representa o evento da
mudança de estado do argumento y ((y BE DARK) CHANGE).
65.
x CAUSE ((y BE DARK) CHANGE)
Levin e Rapapport-Hovav (1995, p.24), como mostra (66), seguem estratégia
semelhante, empregando o predicado CAUSE para relacionar um argumento causador (x) e
uma expressão interna que envolve a mudança de estado do argumento y. A mudança de
estado é representada pelo predicado BECOME.
66. put (‘colocar’)
[x CAUSE [ y BECOME P
loc
z]]
Jackendoff (1990) desenvolve um sistema extensivo de Representações Conceituais
que são paralelos semânticos das representações sintáticas das frases da língua. Essas
representações empregam um conjunto de predicados canônicos que incluem CAUSE, GO,
TO, ON, entre outros, e elementos canônicos (tipos) que incluem ‘Thing’, ‘Path’ e ‘Event’,
entre outros. Nesse sistema, Jackendoff (1990, p. 54) representa a frase Harry buttered the
bread (Harry amanteigou o pão) como (os índices i e j indicam a ligação dos argumentos
semânticos com os constituintes sintáticos):
67. [
Event
CAUSE ([
Thing
HARRY]
i
[
Event
GO ([
Thing
BUTTER],
Path
TO ([
Place
ON ([
Thing
BREAD]
j
)])])]
[[Harry]
i
[buttered [the bread]
j
]]
Em (67), Jackendoff faz referência explícita ao evento interno representado como o
argumento. O evento descrito pela frase é representado como uma relação causativa entre uma
entidade do tipo ‘Thing’ e um evento interno. A entidade do tipo ‘Thing é associada ao
Agente Harry e, o evento interno, encabeçado pela função GO, expressa o ‘deslocamento da
manteiga sobre o pão’.
Os exemplos em (66-67) representam o significado dos verbos por meio da
decomposição de predicados. Esse trabalho é inspirado na abordagem da Semântica Gerativa
de McCawley (1968), que analisa o verbo kill (matar) como em (68).
68.
S
S
S
CAUSE
BECOME
NOT
ALIVE
x
S
y
Uma versão recente das representações lexicais inspiradas pela Semântica Gerativa é o
trabalho de Hale e Keyser (1998, 2002), discutida na seção 1. Essa abordagem, como a de
McCawley, como já se viu, emprega estruturas sintáticas representadas em árvores para
capturar os mesmos componentes de significado ‘causatividade’ e ‘mudança de estado’ das
representações de Carter, Levin e Rappaport-Hovav e Jackendoff. A árvore de McCawley,
dentro da idéia da Semântica Gerativa de colocar a Semântica dentro da Sintaxe, é, ao mesmo
tempo, uma representação sintática e semântica.
Os tipos de decomposição de predicado codificam a relação de causa entre duas
proposições, dois eventos, ou entre um agente e um evento. Pustejovsky (1991, 1995) estende
a abordagem decomposicional concretizando explicitamente os eventos e subeventos das
expressões predicativas. Esse teórico elabora uma “sintaxe da estrutura de evento” que faz
referência explícita a eventos quantificados como parte do significado dos itens lexicais. Além
disso, introduz um grafo arbóreo para representar a ordem temporal dos subeventos e a
relação de dominância entre eles. Por exemplo, o verbo pintar denota um evento complexo,
que pode ser decomposto em dois subeventos, como em (69).
69.
e0
TRANSIÇÃO] (pintar)
e1 e2
[PROCESSO] [ESTADO]
(atividade de pintar) (resultado da atividade de pintar)
Em (69) o subevento do tipo ‘Processo’ consiste na atividade de pintar, e o subevento
do tipo ‘Estado’ representa o estado resultante dessa atividade. Grimshaw (1990) adota tipo
de representação análogo no seu trabalho sobre Estrutura de Argumentos. Pustejovsky e
Grimshaw diferenciam-se dos outros autores (Carter, Levin e Jackendoff), ao postularem um
nível específico de representação para a estrutura de evento, distinto dos outros níveis de
representação das propriedades lexicais como, por exemplo, a estrutura de argumentos, a
estrutura temática, a estrutura actancial, a estrutura qualia, entre outras.
Essa breve sistematização demonstra que várias abordagens da Semântica Lexical e da
Semântica Formal convergem para a idéia de que a gramática das línguas naturais representa
os eventos, sendo que parte deles são eventos complexos, decompondo-se em um subevento
externo, que é relacionado ao componente de significado ‘causatividade’, e um evento interno
relacionado aos componentes ‘mudança de estado’ e ‘telicidade’.
Embora a noção de evento não seja consensual, as propostas apresentadas nesta seção
revelam que as descobertas simultâneas sobre o modo de representação lingüística dos
eventos nos campos da Sintaxe e da Semântica devem, de alguma forma, estar relacionadas.
Parece ser consensual que os eventos têm uma estrutura interna e que essa estrutura é
gramaticalizada. O estudo das representações dos eventos enquanto entidades
gramaticalizadas enfoca as propriedades semânticas associadas aos eventos que são
sintaticamente relevantes. As representações propostas se baseiam na noção de que o evento
se organiza em função das noções como 'causa', 'mudança' e outros elementos temporais.
3.2 Estrutura Semântica e Conteúdo Semântico
Nesta subseção, discutem-se as noções de Estrutura Semântica e Conteúdo Semântico.
A discussão parte da investigação dos componentes de significado sub-lexicais. Essa
investigação revela que a representação léxico-semântica do verbo precisa especificar dois
tipos de componentes de significado: os componentes semânticos que expressam a parcela
estrutural do significado (a Estrutura Semântica) e os componentes que expressam a parcela
idiossincrática do significado (o Conteúdo Semântico).
Considerando-se que a representação do significado do verbo representa o evento por
ele denotado e que aspectos do significado do verbo que regulam parte de seu
comportamento sintático, a representação xico-semântica deve ser suficientemente
articulada para explicitar os componentes semânticos internos do verbo. A representação de
um evento complexo, como o denotado por colocar, por exemplo, precisa incluir a
representação tanto de um evento externo, relacionado à ‘causalidade’, como de um evento
interno, relacionado a ‘mudança de estado' e à ‘telicidade’ (TENNY; PUSTEJOVSKY, 2000).
Por exemplo, a relação de ‘causalidade’ expressa pelo verbo matar e seu argumento
externo (João em 70c) não é representada em (70d). No entanto, esse componente semântico
é, em parte, responsável pela propriedade de o verbo participar ou não da alternância
Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa
40
, em (70a-b). Embora os verbos em (70c) e (70d)
não sejam morfologicamente relacionados, como em (70a) e (70b), as frases (70a) e (70c) são
relacionadas às frases (70b) e (70d) por ‘causalidade’.
70.
a) Maria quebrou o copo.
b) O copo quebrou.
c) Maria matou João.
d) João morreu.
A representação da relação de ‘causalidade’ é comumente feita através do predicado
abstrato CAUSE. Embora a estipulação desse predicado seja controversa, pois a relação de
‘causalidade’ pode ser re-analisada em uma família de traços semânticos (TALMY, 1985,
2000; JACKENDOFF, 1990, 2002), CAUSE pode ser empregado para englobar todos os tipos
de ‘causalidade’, como ‘causa voluntária’ e ‘causa involuntária’. Além disso, CAUSE compõe
o inventário de predicados primitivos de Levin e Rappaport-Hovav (1995, 2005), Van Valin
(1990) entre outros.
A identificação do predicado CAUSE como parte do significado dos verbos quebrar e
matar, em (70a) e (70c), impõe a consideração de como representar todo o significado do
verbo. Esse predicado deve compor tanto a representação léxico-semântica de verbos que
compartilham apenas o componente semântico ‘causalidade’, quanto à representação de
verbos que compartilham, além desse, outros componentes semânticos. Como cada verbo
apresenta componentes semânticos particularidades, é preciso diferenciar os componentes
semânticos do verbo que são compartilhados e os componentes que são idiossincráticos.
Seguindo a representação proposta para o verbo kill por McCawley (1968) apresentada em
(68), esse verbo pode ser decomposto nos predicados em (71).
71. Kill: [CAUSE [BECOME [NOT [ALIVE]]]]
Os três primeiros componentes da representação em (71), os predicados CAUSE,
BECOME e NOT são comuns em teorias de representação léxico-semânticas baseadas em
40
Além de ‘causalidade’, para que o verbo participe dessa alternância, é preciso que o argumento interno do
verbo seja afetado pelo processo por ele denotado. No entanto, a forma transitiva da alternância só ocorre quando
o evento denotado pelo verbo pode ser ‘causado externamente’ (LEVIN, RAPPAPORT-HOVAV, 1995;
CHAGAS, 2000).
decomposição de predicados. De fato, os predicados CAUSE e BECOME
41
podem ser usados
para representar o significado de qualquer verbo que denote evento em que um participante
causa mudança de estado em outro participante. Mas ALIVE é um componente de natureza
diferente: ele não pode ser decomposto e nem pode ser empregado para representar um
número representativo de verbos. Problema semelhante ocorre também na representação de
verbos semanticamente relacionados como falar, conversar, cochichar, gritar, entre outros.
Não é provável que o componente semântico que individualiza cada um desses verbos possa
ser generalizado para outros verbos (JACKENDOFF, 2002).
A parcela do significado do verbo kill que o componente ALIVE recobre representa, em
composição com o predicado NOT, o componente de significado idiossincrático expresso pelo
verbo. O reconhecimento de que ALIVE representa as propriedades idiossincráticas do
significado do verbo kill, implica o reconhecimento de que esse tipo de componente de
significado tem de ser representado para todos os verbos da língua. A conseqüência para a
representação léxico-semântica baseada em decomposição de predicados é que o significado
do verbo se torna uma estrutura bipartida em: (a) o significado estrutural (o significado
genérico) e; (b) o significado idiossincrático (o significado nuclear).
O primeiro tipo representa as propriedades estruturais do significado, que podem ser
empregadas para representar classes de verbos. Grimshaw (2005) chama essa parcela do
significado dos verbos de Estrutura Semântica do verbo. As propriedades idiossincráticas do
significado do verbo que também devem ser representadas são rotuladas de várias formas,
como Constante (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995), Raiz (HALE; KEYSER, 2002;
LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005) e Conteúdo Semântico (GRIMSHAW, 2005).
A decomposição de predicados que compõe a Estrutura Semântica representa os tipos
ontológicos básicos dos eventos e é formulada de modo que os verbos que pertencem à
mesma classe semântica têm representações semânticas comuns, incluindo as mesmas
posições completadas por argumentos semânticos do mesmo tipo. A semântica dos verbos
que compartilham os mesmos componentes de significado e os mesmos modos de realização
dos argumentos, como as classes de Levin (1993), deve ser representada, então, por estruturas
semântico-conceituais semelhantes, que capturam os componentes semânticos que são
particulares a cada verbo (o Conteúdo Semântico) e os componentes que são compartilhados
por todos os verbos (a Estrutura Semântica). Por exemplo, todos os verbos que expressam
‘processos’ devem ter representações semântico-conceituais que expressem o tipo básico do
41
Esses predicados compõem, por exemplo, as Estruturas Lógicas de Van Valin (1990), citadas na nota (31), e
as representações dos tipos básicos de eventos de Levin e Rappaport-Hovav (2005).
evento. À representação do tipo básico do evento, devem ser acrescidos os componentes de
significado que especificam a Estrutura de Conteúdo particular de cada verbo.
O Conteúdo Semântico, por outro lado, pode ser representado como um argumento
que completa uma casa argumental de um predicado da Estrutura Conceitual (72a) ou como
um modificador que opera sobre o tipo de evento expresso pelo predicado (72b). (LEVIN;
RAPPAPORT, 1995, 2005). Para representar o Conteúdo Semântico, Levin e Rappaport-
Hovav propõem um rótulo entre colchetes angulares para representar o Conteúdo Semântico.
Em (72a), o Conteúdo Semântico é representado como um argumento do predicado
BECOME, e em (72b), como um modificador do predicado ACT.
72.
a) dry (secar’): [[ x ACT ] CAUSE [y BECOME <DRY>]
b) jog (‘correr’): [x ACT
<JOG>
]
A representação do Conteúdo Semântico pode ser combinada com a representação das
Estruturas Conceituais de Jackendoff (1990), que é um modelo de representação da Estrutura
Semântica (Esse modelo será apresentado na seção 4). A combinação desses dois modelos de
representação do significado foi adotada por Dorr (1996), na elaboração de uma interlíngua
para sistemas de Tradução Automática.
O exemplo (73) apresenta a proposta de representação do significado do verbo correr,
antecipando a apresentação das Estruturas Conceituais de Jackendoff (1990), que serão
abordadas na seção 4.
73. correr:
[
]
[
]
(
)
[
]
(
)
[
]
TO , X GO PlacePathThingEvent
CORRER
No exemplo (73), a Estrutura Léxico-Conceitual (ELC) do verbo correr expressa
deslocamento. A representação inclui: um predicado abstrato (GO), que representa uma
Função Conceitual do tipo Evento, modificada pelo Conteúdo Semântico particular
<CORRER>. A especificação do Conteúdo Semântico diferencia correr de outros verbos que
compartilham a mesma ELC.
A divisão do significado do verbo em dois tipos de estrutura abre a possibilidade da
existência de argumentos que são realizados como Objeto Direto que são projetados tanto por
uma quanto por outra estrutura. Os argumentos projetados pela Estrutura Semântica são
obrigatoriamente realizados na sintaxe (os argumentos sintáticos). Os argumentos projetados
pela Estrutura do Conteúdo (os argumentos semânticos) podem ser omitidos (GRIMSHAW,
2005; LEVIN, 1999).
O argumento do verbo correr, representado pela variável (X) em (73), é projetado pela
função conceitual GO, da Estrutura Semântica; assim o argumento é obrigatoriamente
realizado na sintaxe. Por outro lado, o argumento interno do verbo estudar, como em João
estuda matemática, pode ser omitido, pois o verbo expressa uma ‘Atividade’ (Cf. a subseção
3.1.1). Verbos do tipo ‘Atividade’ expressam eventos que são representados apenas por um
predicado que, por sua vez, projeta um argumento, realizado sintaticamente como Sujeito.
Desse modo, a não obrigatoriedade de realização do argumento interno de verbos transitivos
que expressam o tipo ‘Atividade’, é explicada pela constatação de que o argumento é
projetado pelo Conteúdo Semântico (GRIMSHAW, 2005). Da mesma forma, os traços
semânticos que caracterizam os verbos borrifar e espirrar e que influenciam o
comportamento semântico desses verbos (cf. subseção 2.1) devem ser projetados pelo
Conteúdo Semântico, pois eles compõem o componente idiossincrático do significado desses
verbos (HALE; KEYSER, 2002, p. 35).
Dessa forma, o significado do verbo apresenta, pelo menos, duas faces: (a) uma
‘sintaxe de predicados primitivos’, que define um conjunto de tipos de estruturas de evento e
reflete propriedades estruturais compartilhadas por classes semânticas de verbos; (b) um
conjunto de predicados que representam propriedades idiossincráticas do significado do
verbo. O significado de um item lexical se forma quando um conceito lexical, i.e., o material
de uma unidade de Conteúdo Semântico, completa os espaços abertos apropriados em um dos
tipos de estrutura de evento disponíveis (LEVIN, 1999; GRIMSHAW, 2005).
A divisão do significado do verbo em Estrutura Semântica e Conteúdo Semântico e a
constatação de que há argumentos realizados como Objetos Diretos que são projetados pela
Estrutura Semântica (Argumentos Estruturais) e argumentos realizados como Objetos Diretos
que são projetados exclusivamente pelo Conteúdo Semântico (Argumentos do Conteúdo)
geram três conseqüências, de acordo com Grimshaw (2005).
A primeira é que se os Argumentos Estruturais são obrigatoriamente realizados na
sintaxe, parcelas do comportamento sintático do verbo podem ser explicadas por essa
restrição. Por exemplo, o argumento interno de estudar, que é um Argumento do Conteúdo,
pode ser omitido (74a) e não pode ser realizado como Sujeito (74b). o verbo derreter
projeta como argumento interno um Argumento Estrutural, dessa forma, esse argumento é
obrigatoriamente realizado na frase, seja como Sujeito da frase intransitiva (74c) ou como
Objeto da frase transitiva (74d). A distinção entre Argumentos Estruturais e Argumentos do
Conteúdo ajuda a explicar a participação do verbo da Alternância Transitiva-
causativa/Intransitiva incoativa.
74.
a) João estudou (a matéria).
b) * A matéria estudou.
c) O iceberg derreteu.
d) O calor derreteu o iceberg.
A segunda conseqüência é que a divisão dos tipos de argumentos pode proporcionar
um entendimento dos problemas decorrentes da individualização dos papéis semânticos (Cf. a
subseção 2.2.2.). Os argumentos que recebem um papel semântico canônico, como o Agente,
em verbos como desenhar, matar e estudar, entre outros, são Argumentos Estruturais. Por
outro lado, os verbos que projetam argumentos que não se encaixam nos moldes dos papéis
semânticos canônicos, como os argumentos que se realizam como Objeto de verbos como
estudar, comer e ver, entre outros, devem ser Argumentos do Conteúdo. Considerando-se que
os papéis semânticos são rótulos para identificar determinadas posições de argumentos da
Estrutura Semântica, os Argumentos Semânticos são passíveis de receberem um papel
semântico.
Por fim, a terceira conseqüência é que a identificação dos dois tipos de argumentos
ajuda a explicar porque alguns verbos permitem que seu Objeto seja omitido quando ocorrem
com um SPrep aspectual, introduzido pela preposição por (75), mas não permitem a omissão
do Objeto quando o verbo ocorre com um SPrep aspectual introduzido pela preposição em
(76). Esse contraste decorre da interpretação dos eventos expressos nas frases. Em (75a-b), as
frases expressam eventos do tipo ‘atividade’, os argumentos internos projetados pelos verbos
escrever e desenhar, então, são Argumentos do Conteúdo e, por isso, podem ser omitidos. Em
(76a e 76c), as frases denotam eventos do tipo ‘criação’, eventos que projetam dois
Argumentos Estruturais, conseqüentemente, o argumento realizado como Objeto não pode ser
omitido, como demonstram (76b e 76d).
75.
a) João escreveu (cartas) por uma hora.
b) João desenhou (caretas) por uma hora.
76.
a) João escreveu uma carta em uma hora.
b) *João escreveu em uma hora.
c) João desenhou uma careta em uma hora.
d) *João desenhou em uma hora.
Dessa forma, esta subseção encontra as motivações que favorecem a adoção de
modelos que contemplem o Conteúdo do Significado na representação Léxico-Semântica do
verbo. Nas próximas subseções, discutem-se três abordagens de conceitualização dos eventos,
a Localista, a Aspectual e a Causal, apresentando suas principais características e discutindo a
relevância de cada uma delas para a identificação e representação dos componentes
semânticos gramaticalmente relevantes.
3.3 Abordagens de representação léxico-semântica
Nesta subseção, discutem-se as três abordagens de representação léxico-semântica
que são empregadas para expressar os componentes de significado gramaticalmente
relevantes expressos pelos verbos. As abordagens, por um lado, apontam para um consenso: a
estrutura da representação léxico-semântica deve explicitar as propriedades dos eventos
expressos pelos verbos que são relevantes para a sua sintaxe. Por outro lado, as abordagens
divergem em relação aos componentes semânticos que elegem como determinantes para a
realização sintática dos argumentos.
3.2.1 A abordagem Localista
Na abordagem Localista, os conceitos dos eventos ‘deslocamento’ e ‘localização
espacial’ são considerados centrais para a interpretação e para a representação conceitual de
todos os eventos codificados pela língua. Essa abordagem inicia-se com a idéia de Gruber
(1976) de que o significado dos itens lexicais é modulado pelo campo semântico em que eles
ocorrem. Dessa forma, o formalismo empregado para representar os eventos do tipo
‘deslocamento’ e do tipo ‘localização’ é empregado para representar, também, os eventos de
outros domínios semânticos, que, abstratamente, são conceitualmente formatados como se
fossem eventos dos tipos ‘localização’ e ‘deslocamento’ (cf. 77a) (JACKENDOFF, 1990,
p.25). Para implementar a abordagem Localista, Jackendoff (1983) identifica um conjunto de
domínios semântico-conceituais abstratos, como os campos dos exemplos (77b), (77c) e
(77d), e estabelece correspondências entre esses campos e os campo que ele nomeia ‘campo
posicional’. A principal evidência para esse argumento é o fato de muitos verbos e
preposições apresentarem usos em dois ou mais domínios semânticos, formando paradigmas
intuitivamente relacionados.
77.
a) ‘Deslocamento’ e ‘localização espacial’
i. O rato foi da garagem para a cozinha.
ii. O rato está na cozinha.
iii. João manteve a foto no bolso.
b) ‘Posse’
i. A herança foi para João.
ii. O dinheiro é de João.
iii. João manteve o dinheiro no banco.
c) ‘Atribuição de propriedades’
i. O sentimento ia da mais profunda tristeza a uma alegria esfuziante.
ii. A luz é vermelha.
iii. João manteve a sala aquecida.
d) ‘Programação de atividades’
i. A reunião é quarta.
ii. Vamos manter a reunião na quarta.
Embora pertencentes a domínios semânticos diferentes, em um nível abstrato, os
significados das frases em (77) são paralelos. O paralelismo reflete padrões conceituais
abstratos que podem ser aplicados a outros campos semânticos diferentes. Jackendoff (2002)
defende que os verbos ir, estar e manter, em (77), têm significados relacionados que diferem
em função do domínio semântico em que ocorrem. Isto significa que cada item lexical deve
ser aprendido com a especificação dos campos semânticos em que ele ocorre, e seu
significado é função das particularidades de cada campo. Dessa forma, o verbo ir expressa
dois significados relacionados em (77a) e (77b), mas que se diferenciam por variação do
domínio semântico que expressam. Uma dessas variações ocorre, por exemplo, nas ELCs da
preposição para que, no exemplo (77a), expressa o domínio ‘deslocamento’ e, no exemplo
(77b), expressa o domínio ‘posse’. Essas ELCs são representadas por (78a) e (78b),
respectivamente.
78.
a) para = TO
Spacial
b) para = TO
Poss
Nessa representação, TO é uma função que expressa ‘percurso’ (Path) e é neutra em
relação ao campo semântico, que, por sua vez, é especificado pelo rótulo aposto à função.
Jackendoff articula seu argumento na Hipótese das Relações Temáticas (1983):
Hipótese das Relações Temáticas:
Em qualquer campo semântico de eventos e estados, as funções principais que expressam
evento, estado, percurso ou lugar são um subconjunto das funções empregadas na análise de
deslocamento e localização espacial;
Os campos diferenciam-se de três maneiras:
- os tipos de entidades que podem ocorrer como Tema.
- os tipos de objetos que podem ocorrer como objeto de referência (por exemplo, lugares).
- o tipo de relação que assume o papel de lugar no campo das expressões espaciais.
(JACKENDOFF, 1983, p. 188).
42
A Hipótese das Relações temáticas foi desenvolvida para explicar ocorrências de
polissemia, como a exemplificada com o verbo manter em (79a-c). O que unifica os usos do
42
No original: Thematic Relations hypothesis:
In any field of events and states, the principal event, state, path and place functions are a subset of those used for
the analysis of spatial motion and location. Fields differ in only 3 ways: (a) what sort of entities may appear as
theme; (b) what sorts of entities may appear as reference objects (i.e. locations); (c) what kind of relation
assumes the role played by location in the field of spatial expressions.
verbo manter em (79) é o fato de todos poderem ser representados pela mesma ELC, como
em (80).
79.
a) João manteve a seção no texto.
b) João manteve chaleira no fogo.
c) João manteve o carro na garagem.
80.
[
]
[
]
[
]
(
)
[
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(
)
[
]
(
)
[
]
Z IN , Y STAY XCS Place ThingEvent ThingEvent ,
No entanto, com relação à realização sintática dos argumentos, a abordagem
Localista parecer ter pouco a oferecer, que Jackendoff (1990) desenvolve uma teoria de
associação de argumentos sintáticos e conceituais sem recorrer ao emprego dos conceitos
‘deslocamento’ e ‘localização espacial’. Essa teoria será apresentada na subseção (4.5).
Ressalta-se que a dimensão temática que Jackendoff (1990) chama de Camada Actancial,
descrita na subseção (2.2.3), é mais relevante para a realização sintática dos argumentos do
que o nível Temático, que expressa as noções ‘deslocamento’ e ‘localização espacial’. Como
foi dito, a camada Actancial codifica relações entre Agente e Paciente. Essas relações são
implicadas na realização das funções gramaticais de Sujeito e Objeto. Dessa forma, embora a
abordagem Localista da representação da estrutura de evento seja responsável por muitos
aspectos da conceituação dos eventos, os aspectos do significado dos verbos relacionados à
‘localização’ e ‘deslocamento’ não são tão relevantes para a realização sintática dos
argumentos quanto as noções de Agente e Paciente.
3.2.2 A abordagem Aspectual
O estudo da estrutura aspectual e da estrutura temporal interna do verbo começa na
Filosofia Clássica. Aristóteles, na Metafísica, escreveu sobre uma tipologia de eventos
baseada em estruturas temporais. Na Lingüística, o ponto de partida desses estudos é o
trabalho de Vendler (1967), que elaborou a classificação de verbos apresentada na subseção
3.1.
Classificações aspectuais, como a de Vendler, são referidas como Aktionsarten
(alemão, ‘modos de ação’). Esse tipo de classificação opõe-se às propriedades aspectuais
introduzidas por morfemas gramaticalizados como a distinção entre aspecto perfectivo e
imperfectivo, encontrada no russo, por exemplo. Aktionsarten afeta e determina ou interage
com o aspecto gramaticalizado para a expressão do aspecto, mas não consenso para se
afirmar que os dois sistemas sejam distintos ou se constituem um sistema único que opera em
níveis diferentes de composição; o primeiro operando no nível lexical e, o segundo, operando
no nível sintático (PUSTEJOVSKY; TENNY, 2000).
Na tipologia de Vendler (1967), esboçada na subseção 3.1.1, os verbos dos tipos
Achievement’ e Accomplishment’ denotam eventos télicos, i.e., temporalmente delimitados,
e os verbos dos tipos ‘Estado’ e ‘Atividade’ denotam eventos atélicos, i.e., temporalmente
ilimitados. Analisando-se os tipos de Vendler de outra perspectiva, os verbos dos tipos
Accomplishment’ e ‘Atividade’ denotam eventos com estrutura interna e os verbos dos tipos
Achievement’ e ‘Estado’ não apresentam estrutura interna.
A propriedade ‘telicidade’, que diferencia os tipos Achievement e
Accomplishmentdos tipos ‘Atividade’ e ‘Estado, reúne verbos que denotam eventos que
envolvem algum tipo de mudança. Os verbos do tipo Achievement’ denotam mudanças de
estado simples, i.e., um Achievement’ consiste de dois instantes: o último instante em que o
estado ¬ se mantém e o primeiro instante em que o estado se mantém. Os verbos do tipo
Accomplishment’, por sua vez, são núcleos de predicados que denotam mudanças complexas
que reúnem uma atividade e uma mudança. Além disso, a mudança denotada pelos predicados
do tipo Accomplishment’ diferencia-se da mudança denotada pelos predicados do tipo
Achievement’, porque aqueles são prolongados (ROTHSTEIN; 2004).
Embora os verbos sejam tipicamente associados a um determinado tipo aspectual, o
conteúdo gramatical da oração, como a flexão, pode alterar o tipo aspectual do verbo. Em
(81a-b) a flexão de tempo altera a interpretação do tipo do verbo entender. Além disso, alguns
verbos podem comportar-se tanto como uma ‘Atividade’ ou como um ‘Accomplishment
(81c-d), dependendo do contexto em que são inseridos. Por essa razão, é mais apropriado
considerar o tipo aspectual do verbo como a propriedade inerente que ele tem de ser projetado
como núcleo natural do predicado cujo tipo aspectual o caracteriza. Por exemplo, o verbo
escrever é classificado como ‘Atividade’ em (81c) porque pode ser núcleo natural de um SV
do tipo ‘Atividade’.
81.
a) João entende Japonês. (‘Estado’)
b) João entendeu o significado da vida. (‘Achievement’)
c) João escreveu (cartas) por 5 horas/ *em 5 horas. (‘Atividade’)
d) João escreveu 5 cartas em 3 horas/ * por 3 horas. (‘Accomplishment’)
(LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005, p. 90).
As classificações aspectuais podem ser entendidas de duas formas. Uma delas é
conceber as classificações como um conjunto de generalizações sobre o significado dos itens
lexicais existentes em cada língua. Dessa perspectiva, as propriedades de cada classe o
generalizações das propriedades comuns de cada instância da classe. A outra forma é
conceber as classificações como um conjunto de restrições sobre os tipos possíveis de
significados que os verbos podem ter e sobre que tipos de eventos podem ser denotados pelos
verbos.
Do ponto de vista da realização de argumentos, é relevante notar que o verbo
escrever não realiza obrigatoriamente o argumento interno quando é atélico (81c) e que o
mesmo verbo realiza esse argumento quando é télico (81d). A distinção entre os tipos
‘Atividade’ e Accomplishment’ se pelo traço semântico ‘telicidade’: o tipo ‘Atividade’
expressa evento atélico, isto é, não terminado, e o Tipo Accomplishment’ expressa evento
télico, isto é, terminado. Ainda assim, não se pode afirmar que a ‘telicidade’ seja o
componente semântico que determina o comportamento sintático do verbo escrever em (39c-
d). Como a ‘telicidade’ das frases em (81c-d) é derivada da combinação do verbo com os
sintagmas adverbiais, a expressão dessa propriedade deve ser calculada composicionalmente.
No entanto, a ‘telicidade’ é uma propriedade aspectual empregada na explicação da
realização dos argumentos (HOPPER; THOMPSON, 1980; VAN VALIN, 1990). Tenny
(1992, 1994) desenvolve uma Teoria de Realização de Argumentos motivada exclusivamente
por propriedades aspectuais dos eventos expressos pelos verbos. Essa proposta baseia-se na
Hipótese da Interface Aspectual.
Hipótese da Interface Aspectual:
Os princípios universais de projeção entre estrutura temática e estrutura de
argumentos sintáticos são regidos por propriedades aspectuais. Restrições
sobre as propriedades aspectuais associadas aos argumentos internos
diretos, argumentos internos indiretos e aos argumentos internos oblíquos
restringem os tipos de participantes do evento que podem ser associados a
essas posições. Apenas a parte aspectual da estrutura temática é visível para
os princípios de ligação (TENNY, 1992, p.2).
43
Na proposta de Tenny, a gramática não faz referência aos papéis semânticos, mas
sim, referência a certas propriedades sintático-aspectuais associadas aos papéis. Tenny
identifica duas propriedades que são relevantes para a realização sintática dos argumentos:
MEASURING OUT (mensuração) e DELIMITEDNESS (delimitação). Considere os dois
exemplos (82.a-b), adaptados de Tenny (1992).
82.
a) Traduzir um poema.
b) Empurrar um carro até o acostamento.
Em (82a), o progresso do desenvolvimento do evento é medido pelo participante que
é realizado como Objeto, o poema: se apenas metade do poema foi traduzido, apenas metade
do evento ocorreu, nesse sentido, o poema mede o evento descrito pelo verbo. Além disso,
esse participante também delimita o evento, pois ele termina necessariamente quando todo o
poema é traduzido. Em (82b), o progresso do evento também é medido pelo participante que é
realizado como Objeto, pois o desenvolvimento do evento é medido pela distância percorrida
pelo carro. Porém, o participante que delimita o evento é aquele que expressa a mudança de
estado (nesse caso, mais especificamente, a mudança de localização) do participante que se
desloca, em (82b), o argumento que expressa Meta, o acostamento.
Tenny (1994) emprega essas propriedades para restringir a realização sintática dos
argumentos. De forma geral, as restrições estabelecem que: (a) o argumento que denota o
participante do evento que o mede é sempre projetado como argumento interno direto; (b) o
43
No original: The universal principles of mapping between thematic structure and syntactic argument structure
are governed by aspectual properties. Constraints on the aspectual properties associated with direct internal
arguments, indirect internal arguments, and external arguments in syntactic structure constrain the kinds of
event participants that can occupy these positions. Only the aspectual part of thematic structure is visible to the
universal linking principles (TENNY, 1994, p. 2).
argumento que denota o participante do evento que é relevante para a sua delimitação é
sempre realizado como argumento interno (direto ou indireto). As restrições de Tenny (1994)
são descritas em (83).
83.
a) Restrição sobre a Medida expressa no Argumento Interno Direto:
(i) O argumento interno direto é restrito de tal modo que o participante por ele
denotado não sofre necessariamente mudança de estado ou deslocamento, a
menos que a mudança de estado ou deslocamento seja a medida do
desenvolvimento temporal do evento;
(ii) os participantes do evento que são denotados por argumentos internos diretos
podem medir o evento;
(iii) Não pode haver mais de um argumento que denote medida do evento. (TENNY,
1994, p.11)
b) Restrição sobre o Término expresso nos Argumentos Internos Indiretos:
(i) A denotação de um argumento interno indireto pode participar da estrutura
aspectual se especificar término, i.e., uma delimitação, para o evento descrito
pelo verbo;
(ii) Se o evento tiver um término, ele também terá um percurso, implícito ou
explícito;
(iii) Não pode haver mais de um argumento que denote a medida do evento.
Na abordagem de Tenny, o argumento Tema projetado por um verbo que expressa
‘modo de deslocamento’, como correr, por exemplo, mede o evento quando este for
delimitado. O Tema deve ser um Objeto lógico. Essa abordagem também oferece uma
explicação natural para o argumento interno projetado pelos verbos que expressam mudança
de estado (destruir, quebrar, cortar, abrir, rasgar, entre outros) e verbos que expressam
criação (construir, esculpir, desenhar, escrever, entre outros). Por exemplo, em (84a), o
argumento interno do verbo rasgar (a carta) denota o participante do evento que delimita o
desenvolvimento do evento; em (84b) o argumento interno do verbo escrever (a carta) denota
o participante que mede e delimita o evento.
84.
a) João rasgou a carta.
b) João escreveu uma carta.
No entanto, estudos contrários à abordagem aspectual argumentam que essas noções
têm pouco a contribuir para a explicação dos fatores implicados na realização sintática dos
argumentos. Por exemplo, Levin e Rappaport-Hovav (1995) discutem a pouca relevância da
abordagem aspectual para explicar as duas classes de verbos intransitivos: os inacusativos,
cujos sujeitos sintáticos são objetos lógicos, e os inergativos, cujos sujeitos sintático e lógico
coincidem. Na abordagem Aspectual, a diferença sintática dos verbos intransitivos é explicada
pela ‘telicidade’ (VAN VALIN, 1990): os verbos inacusativos são télicos e os inergativos
atélicos. Verbos que expressam ‘modo de deslocamento’, como correr e voar, seriam
inergativos quando atélicos (85a) e inacusativos quando realizados com um sintagma
preposicional que expressa Meta (85b).
85.
a) João correu a manhã toda.
b) João correu até o ginásio.
No entanto, subclasses de verbos inacusativos que diferem em relação à
‘telicidade’: por exemplo, os verbos inacusativos que expressam ‘mudança de estado’, que
inclui o verbo quebrar. O verbo quebrar é télico, pois o estado final que ele denota é
completamente alcançado. Por exemplo, na frase em (86a), o estado final da xícara é
quebrado independente do grau da quebra: se a xícara está apenas lascada ou estilhaçada, ela
está quebrada. Por outro lado, verbos formados de adjetivos que expressam propriedades
escalares, como engordar (86b), são atélicos, já que o estado que eles denotam não precisa ser
necessariamente alcançado totalmente (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 172).
86.
a) A xícara quebrou.
b) O gado até que engordou, mas ainda está muito magro.
Jackendoff (1996) argumenta que o fato de o participante denotado por um
argumento medir ou não o evento descrito pelo verbo é uma questão pragmática e depende da
natureza da entidade denotada pelo argumento do verbo e da natureza da ação denotada pelo
verbo. Por exemplo, no evento ‘tomar uma jarra de vinho’, a jarra de vinho mede o evento,
que o vinho nele contido é bebido em uma série de goles, mas no evento ‘tomar um
comprimido’, o comprimido não mede o evento, pois é ingerido de uma vez só. Além disso,
os argumentos realizados como Objetos Diretos dos verbos transitivos do tipo ‘Atividade’,
como mascar, girar, amassar, entre outros, são afetados pelo evento descrito pelo verbo e, em
alguns casos, podem sofrer mudança de estado, mas esses argumentos não delimitam e nem
medem o evento, contrariando as restrições de Tenny (1994).
Além de restrições semânticas sobre o tipo semântico do verbo e do argumento,
restrições impostas pela sintaxe. Por exemplo, nos exemplos em (84a-b), em princípio, nada
impede que uma carta seja escrita eternamente ou rasgada infinitamente. Como no caso dos
verbos que expressam tanto ‘Atividade’ quanto Accomplishment’, a combinação de traços
sintáticos do verbo e a definitude do argumento interno, em (84a-b) regem a delimitação do
evento expresso, independentemente das propriedades aspectuais do verbo. Jackendoff
(1996), como Gropen et.al (1991), assume que o componente semântico gramaticalmente
relevante para a realização sintática de um argumento como Objeto é ‘afetamento’.
Porém, Levin e Rappaport-Hovav (2005) advertem que os componentes ‘afetamento’
e ‘medida’ são relevantes para a realização dos argumentos projetados por diferentes classes
semânticas de verbos. A estipulação de uma regra de associação entre estrutura semântica e
sintática que faça referência à noção de ‘afetamento’ não seria totalmente adequada para
verbos que expressam ‘criação de um produto’, como construir, pois não faz sentido dizer que
uma entidade que não existia foi afetada por um evento. Mas, seria relevante para os verbos
mascar e chacoalhar, que são atélicos. De modo inverso, uma regra de associação baseada na
noção ‘medida’ seria adequada para o verbo construir, mas não seria para os verbos mascar e
chacoalhar. ‘Afetamento’ é uma propriedade semântica intrínseca da abordagem Causal,
apresentada a seguir (subseção 3.2.3).
3.2.3 A abordagem Causal
A abordagem Causal modela os eventos como cadeias causais que consistem de
séries de segmentos (CROFT, 1991). Cada seguimento da cadeia relaciona dois participantes
do evento e um mesmo participante pode estar envolvido em mais de um segmento. O verbo
nomeia segmentos da cadeia causal. Os princípios que sustentam a abordagem Causal são
descritos como:
a) um evento simples é um segmento da cadeia causal; o segmento o é necessariamente
atômico;
b) um evento simples é representado por uma cadeia causal que não se ramifica;
c) um evento simples envolve transmissão de força.
d) a transmissão de força é assimétrica; participantes distintos do evento expressam
‘iniciador’ e ‘término’ (CROFT, 1991, p. 173).
Croft argumenta que o evento prototípico, que segue o modelo descrito acima, é o
evento que é ‘causado direta e volitivamente e que gera uma mudança na entidade sobre a
qual se atua’ (Croft, 1991, p. 173). Por exemplo, uma frase como João quebrou o vaso, pode
ser representada por uma cadeia causal com três segmentos, que segue o esquema da figura 8:
Segmento 1: o João atua sobre o vaso;
Segmento 2: o vaso muda de estado, i.e. o vaso é afetado pelo processo;
Segmento 3: o vaso está em no estado quebrado resultante.
Essa cadeia corrobora as restrições de Croft (1991): a cadeia não se ramifica, pois
um estado resultante pode ser identificado; ocorre uma transmissão assimétrica de força de
João para o vaso; e participantes distintos expressam o ‘iniciador’ (João) e o ‘término’ (o
vaso).
As regras de realização dos argumentos são formuladas em função de determinados
pontos na cadeia causal: Sujeito e Objeto são as realizações sintáticas dos argumentos em
cada “extremidade” da cadeia lexicalizada pelo verbo. O Agente é o primeiro argumento na
cadeia. Conseqüentemente, os papéis semânticos são concebidos como pontos nas cadeias
causais possíveis. Por exemplo, na representação na figura (8) identificam-se dois segmentos
que correspondem a dois subeventos relacionados pela relação de causa. Os participantes do
evento são representados pelos argumentos x, y e z, sendo que o argumento x precede o
argumento y, que, por sua vez, precede o argumento z.
x y z
Subevento 1 Subevento 2
Figura 8: Exemplo de uma cadeia causal com três segmentos (CROFT, 1991,
p.193).
A teoria de Croft (1991) prevê dois tipos de papéis: os papéis semânticos diretos e os
papéis semânticos oblíquos. Os primeiros são definidos pelo ordenamento dos participantes
na cadeia causal e realizam-se sintaticamente como Sujeito e Objeto. Os papéis semânticos
diretos são: Agente, Estímulo, Paciente e Experimentador. Os segundos, os papéis
semânticos oblíquos são definidos pela relação entre os nós e o seguimento que compõem na
cadeia causal e realizam-se como complementos preposicionados e adjuntos. Os papéis
semânticos oblíquos são: Comitativo, Instrumento, Modo, Meio e Beneficiário. Portanto, a
vantagem da abordagem Causal é que ela impõe uma ordem natural dos participantes do
evento. A ordem tem relevância para a realização dos argumentos na medida em que
argumentos que expressam papéis “antecedentes” realizam-se como Sujeito.
3.4 Síntese da seção 3
Esta seção apresentou um estudo sobre a importância da representação dos eventos
como entidades lingüísticas. Nas representações semânticas abordadas, o evento é
representado como uma estrutura complexa que pode ser decomposta em função de relações
de ‘causalidade’ e ‘mudança de estado’. Da mesma forma, foi demonstrado que as
representações do significado estrutural do verbo precisam também representar o Conteúdo
Semântico do Verbo. A representação do Conteúdo Semântico dos verbos será explorada na
representação de uma das subclasses dos verbos de movimento que serão estudados na seção
5.
Na segunda parte da seção, foram apresentadas três concepções da representação dos
eventos. As propriedades semânticas que cada uma delas considera relevante para a realização
dos argumentos do verbo ajudam a identificar as propriedades semânticas complementares
para a realização dos argumentos. Dentre essas propostas, este trabalho adota o modelo de
Jackendoff. Essa teoria, que será esboçada na seção 4, oferece o aparato representacional para
explicitar o significado dos verbos e permite que a representação do Conteúdo Semântico seja
agregado a essa representação sem perda da expressividade do modelo. Além disso, essa
teoria agrega conceitos tanto da abordagem Localista, quanto da abordagem Causal. As
representações dos verbos estudados na seção 5 apóiam-se no modelo de Jackendoff
enriquecido com a representação do Conteúdo Semântico proposto por Levin e Rapapport-
Hovav (2005).
4 A semântica conceitual
Nesta seção, esboça-se a teoria das Estruturas Conceituais (EC) de Jackendoff (1990
e 2002). Essa teoria semântica fornece o modelo de representação que será usado para
explicitar as propriedades semânticas dos verbos estudados na seção 5. Além disso, esta seção
fornece um modo de interpretar os eventos representados nas línguas. A subseção 4.1 retorna
ao tópico dos eventos para argumentar que um mesmo evento pode ser conceitualizado de
duas formas diferentes e, em função disso, apresentar duas formas lexicais que denotam o
mesmo evento em termos de lexicalizações diferentes. O entendimento de como os eventos
são expressos na língua pode ajudar a explicar os padrões lexicais diferentes. A subseção 4.2
discute o processo de aquisição dos conceitos. A subseção 4.3 contrasta brevemente a Teoria
das ECs com a Semântica de Valor de Verdade e, por fim, a subseção 4.4 esquematiza o
modelo de representação de Jackendoff (1990).
4.1 Os eventos e os significados do verbo
Eventos são definidos como representações lingüísticas legítimas de acontecimentos
do mundo real. No léxico, acontecimentos do mundo real são representados por tipos de
substantivos, denominados eventivos (como destruição, construção, entre outros), mas,
sobretudo por tipos de verbos. Os acontecimentos do mundo real não são individualizados
pela percepção humana da mesma maneira que os objetos físicos: eles nem sempre têm
limites bem definidos e nem todas as suas propriedades são salientes para a sua
conceitualização e para a sua representação lingüística.
Um mesmo acontecimento do mundo real pode não ser interpretado como um único
evento e, conseqüentemente, pode ser lexicalizado por mais de um verbo. Se mais de uma
interpretação de um acontecimento do mundo real for possível, e essas interpretações
envolverem componentes de significado gramaticalmente relevantes diferentes, é também
possível que a língua lexicalize pares de verbos com significados semelhantes que apresentam
opções diferentes de realização dos argumentos. (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005).
Por exemplo, pares de verbos como temer e assustar
44
podem ser considerados
lexicalizações arbitrárias de um mesmo evento. Adotando-se essa hipótese, a realização
sintática inversa do papel Experienciador (89) - Sujeito de temer (89a) e Objeto de assustar
(89b) – tem de ser considerada idiossincrática.
89
a) [João] <Sujeito (Experienciador)> teme o cachorro da vizinha.
b) O cachorro da vizinha assusta [João] <Objeto (Experienciador)>.
No entanto, esses verbos representam duas interpretações diferentes do mesmo
acontecimento, isto é, temer e assustar expressam dois eventos diferentes: temer representa
um ‘estado’ psicológico do Experienciador e assustar representa o ‘processo’ de instauração
desse estado.
Os verbos comprar e vender também podem ser analisados como lexicalizações
idiossincráticas de um mesmo evento, isto é, como pontos de vistas diferentes de um mesmo
evento: comprar apresenta o evento da perspectiva de quem compra e vender, da perspectiva
de quem vende. Dessa perspectiva, a realização sintática dos argumentos desses verbos, em
(90) é arbitrária.
90.
a) João comprou a casa.
b) Maria vendeu a casa (para João).
Se os verbos comprar e vender forem lexicalizações de um mesmo evento, não deve
haver diferença nos valores de verdade das transações comerciais descritas por esses verbos.
No entanto, há eventos que podem ser descritos por comprar, mas não por vender (91).
91.
a) Ele comprou duas cervejas de uma máquina na entrada do prédio.
b) ?Uma máquina na entrada do prédio vendeu-lhe duas cervejas.
44
A classe de Verbos Psicológicos do português que realizam o Experienciador como Sujeito, além de temer,
inclui: abominar, admirar, adorar, amar, cobiçar, desejar, detestar, estimar, estranhar, hostilizar, invejar,
odiar, menosprezar, recear, respeitar, subestimar, sublimar, venerar, entre outros; A classe de Verbos
Psicológicos que realizam o Experienciador como Objeto, além de assustar, inclui: alarmar, apavorar,
atormentar, consolar, desiludir, embaraçar, entusiasmar, fascinar, fortalecer, importunar, influenciar,
intimidar, motivar, reanimar, entre outros (CANÇADO, 2002).
Além disso, evidências de que, em línguas como o lakhota e o tagalo, vender é
uma forma derivada de comprar a partir da adição de um morfema causativo: lakhota,
ophéth (comprar) / iyópheya (vender), Tagalo, bili (comprar) / mag-bili (vender). Nessas
línguas, o verbo vender é uma forma causativa de comprar. Assim, vender realiza o
argumento que expressa ‘causa’ como Sujeito, isto é, o ‘vendedor’, independentemente do
princípio que realiza o ‘comprador’ como sujeito de comprar. Esses dados sugerem que
comprar e vender, assim como temer e assustar, representam o mesmo acontecimento do
mundo real em termos de eventos distintos (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005).
O objetivo desta subseção foi demonstrar como duas conceituações de um mesmo
evento pode gerar duas formas lexicais diferentes na língua. Por essa razão, o estudo de como
a língua conceitua os eventos é também um modo de investigação dos eventos que os verbos
descrevem.
4.2 Os conceitos e a sua aquisição
As unidades básicas a partir das quais os conceitos são construídos são os conceitos
expressos pelos itens lexicais das frases, isto é, os conceitos lexicais. Esses conceitos também
não podem ser descritos por uma lista, que, a partir de um dado conceito lexical - por
exemplo, o conceito cachorro -, o falante pode categorizar entidades que ele nunca viu antes
como instâncias desse conceito. Paralelamente, como o cérebro é finito, o conceito cachorro
não pode ser uma lista de todos os cachorros que existiram ou que existirão. Um conceito
lexical deve ser algum tipo de esquema finito que pode ser comparado com representações
mentais de novos objetos para que esse novo objeto possa ser categorizado como uma
instância do conceito lexicalizado.
Duas pessoas podem não categorizar da mesma forma um mesmo objeto. Porém, isso
não implica não existirem conceitos (como cachorro) ou que essas pessoas não saibam o
significado do item lexical (cachorro). Na verdade, esse fato evidencia que as pessoas devem
ter esquemas mentais diferenciados para cachorro. Além disso, pode haver objetos novos que
não são claramente julgados como cachorro, mas esse fato também não invalida a idéia de
que o falante da língua tem um esquema conceitual internalizado. Ao contrário, isso nos leva
a concluir que graus para a indeterminação do conceito lexical ou do procedimento de
comparação dos objetos mentais.
Em suma, os conceitos de frases não podem ser listados; eles devem ser gerados
mentalmente com base em um conjunto de primitivos e princípios de combinação. Os
conceitos lexicais também não podem ser uma lista de instâncias; eles devem consistir de
esquemas finitos que podem ser criativamente comparados com novas entradas das
modalidades perceptivas.
Os conceitos lexicais também são formados a partir de uma base inata de conceitos
possíveis, modulados pela contribuição da experiência lingüística e não-lingüística. Um
falante é capaz de adquirir um número indefinidamente grande de conceitos durante sua vida.
Cada um deles é aprendido com base em experiência limitada. que os conceitos lexicais
devem ser codificados como esquemas inconscientes, a aquisição dos conceitos lexicais é um
processo que apresenta também problema paralelo ao da aquisição da Sintaxe.
Mas o argumento da criatividade se aplica de modo diferente. Se existe um estoque
indefinidamente grande de conceitos lexicais possíveis e a base inata para adquiri-los deve ser
codificada em um cérebro finito, conclui-se que a base inata deve ser constituída de um
conjunto de mecanismos gerativos, isto é, um grupo de primitivos e princípios de combinação
que coletivamente determinam o conjunto dos conceitos lexicais possíveis. Isso implica que a
maioria dos conceitos lexicais é composta e, sendo composta, os conceitos lexicais podem ser
decompostos em termos de primitivos e princípios de combinação da gramática inata dos
conceitos lexicais. Dessa perspectiva, aprender um conceito lexical implica: (a) construir uma
expressão composta com o instrumental da gramática dos conceitos lexicais; (b) associar
estruturas fonéticas e sintáticas a essa expressão composta; (c) armazenar essas três estruturas
associadas na memória.
O mundo, da maneira como é experienciado pelo seres humanos, é inevitavelmente
influenciado por processos inconscientes que organizam a informação captada do meio
ambiente por meio dos sistemas perceptivos. Não se pode perceber o mundo real da forma
como ele é. O sistema visual pode ser usado como exemplo: quando um cachorro (o animal) é
visto por um indivíduo, o sistema visual do indivíduo projeta em seu cérebro uma
representação da forma física do cachorro, que pode ser representada como #cachorro#. Por
meio de módulos apropriados da interface de percepção do mundo, o #cachorro# norteia a
construção do conceito cachorro. Isso quer dizer que o conceito é construído indiretamente
(JACKENDOFF, 1983).
Além da relação de interface com o “mundo projetado”, onde está registrado o
#cachorro#, o Conceito tem de estabelecer relações de interface com o sistema lingüístico.
Essas interfaces corroboram a divisão do conceito cachorro. Como pode ser visto na figura
(9), a divisão do conceito se entre a Estrutura Espacial (EEsp), i.e. equivalente ao
Conteúdo Semântico (cf. a subseção 3.1), expresso por cachorro, e a Estrutura Conceitual
(EC) (JACKENDOFF, 2002).
Sistema
Perceptivo
Cérebro
Mundo real
visão
Mundo
Projetado
Conceito: cachorro
Item
lexical
Estrutura
Espacial
Estrutura
Conceitual
o cachorro
(o animal)
a imagem
percebida do
cachorro
a projeção
#cachorro#
representação
espacial do cachorro
[CACHORRO]
cachorro
Figura 9: A aquisição do conceito cachorro a partir de um estímulo visual.
A EEsp é uma representação mental multidimensional da forma e da configuração
espacial do #cachorro#. A representação da EEsp tem de ser apropriada para reconhecer
objetos e eventos a partir de diferentes distâncias e perspectivas, isto é, a EEsp não é restrita a
um determinado ponto de vista, como se fosse uma imagem estática e bidimensional. A
representação espacial do conceito cachorro, por exemplo, inclui a forma física dos
cachorros, suas cores e como eles se locomovem. Jackendoff (2002), descreve outras
propriedades da EEsp:
A EEsp engloba várias ocorrências de uma categoria;
A EEsp pode incluir partes de objetos que não podem ser vistas de um único
ângulo;
A EEsp inclui informações provenientes de vários sistemas sensoriais, como a
visão, o tato e a percepção proprioceptiva, isto é, a percepção inconsciente de
movimento e de orientação espacial proveniente de estímulos internos do corpo,
como músculos e tendões (proprioception).
Por outro lado, o conceito deve ser também representado por categorias conceituais
acessíveis ao conjunto de regras que regem a formação dos conceitos compostos: a Estrutura
Conceitual (EC). A EC é a parte do conceito formada a partir da combinação dos predicados
conceituais primitivos. Dessa forma, em correspondência aos tipos de entidades projetadas:
#coisa#, #lugar#, #direção#, #evento#, #modo#, #quantidade#, Jackendoff (1983, 1990)
postula as respectivas categorias ontológicas (ou tipos): Thing, Place, Direction, Event,
Manner e Amount. Essas categorias caracterizam distinções conceituais e formam os
constituintes conceituais que o modelo das EC distingue.
Cada categoria conceitual pode ser identificada a partir de uma pergunta, que pode
ser respondida por uma forma reduzida de categoria sintática apropriada. Jackendoff (1983)
considera que o falante que enuncia uma das perguntas de (92a-f) busca completar a
informação na Estrutura Conceitual.
92.
a) O quê você comprou? Thing <-> SN (uma bola).
b) Onde está minha bola? Place <-> SPrep (no armário).
c) Aonde você vai? Direction <-> SPrep (para casa).
d) O quê aconteceu? Event <-> S (João caiu da árvore).
e) Como você preparou os ovos? Manner <-> Adv/SPrep (com queijo).
f) Qual era o tamanho do peixe? Amount <-> SN (40 cm).
Uma instância de uma das categorias ontológicas é o resultado da combinação de
predicados primitivos, concebidos como funções e argumentos, como será visto na subseção
4.4.
As duas estruturas que compõem os conceitos, isto é, EEsp e a Estrutura Conceitual
(EC), devem se sobrepor, pois os conceitos que expressam ‘objeto físico’, relações ‘parte-
todo’, relações ‘espaciais’ e relações de ‘causa e efeito’ têm reflexos nos dois sistemas.
Jackendoff (2002) defende que, em princípio, a gramática faz referência apenas à EC. Porém,
admitir a EEsp como um componente do significado lexical pode auxiliar a resolução do
problema do Conteúdo Lexical (cf. a subseção3.1). Por exemplo, as ECs de amarelo e azul
podem apresentar apenas a propriedade TIPO_DE_COR, pois a distinção sensorial entre as
duas cores deve ser codificada na EEsp.
As distinções semânticas entre verbos do mesmo campo semântico também podem
ser explicadas no âmbito da EEsp. Verbos como andar, marchar, mancar e desfilar são
semanticamente relacionados, pois todos expressam ‘autolocomoção’, mas diferem nos
modos específicos que caracterizam a locomoção. Se a EEsp codificar tanto configurações
espaciais estáticas como dinâmicas, a diferença entre os conceitos expressos por esses verbos
deve ser codificada na EEsp.
O reconhecimento da importância da EEsp para a conceitualização ajuda controlar o
sistema de traços da EC, que a informação atribuída ao Conteúdo Semântico passa a ser
representada na EEsp. Mas todas as propriedades conceituais ainda precisam ser codificadas
de algum modo. Essa posição prevê que verbos distintos semanticamente apenas no nível de
representação de EEsp, como os verbos de ‘autolocomoção’, devem ter comportamento
gramatical similar. Essa constatação corrobora a posição de Grimshaw (2005) de que esses
verbos são sinônimos para propósitos gramaticais.
4.3 A semântica conceitual e a semântica de valor de verdade
A subseção anterior empregou o termo conceito enquanto ‘representação mental do
significado de uma expressão lingüística’. Dessa forma, a interpretação de uma frase F é
construída a partir do estabelecimento da correspondência entre F e o conceito C, que é
codificado mentalmente. A estrutura interna de C é derivada da estrutura sintática de F e dos
itens lexicais que compõem F. A partir de C, são derivadas inferências, isto é, são construídos
outros conceitos que são acarretamentos gicos de C. Pode-se ainda comparar C com outros
conceitos previamente armazenados na memória e com estruturas conceituais derivadas das
modalidades sensoriais. Isto é, o valor de verdade de F pode ser especificado em função do
que se acredita ou do que se percebe.
A idéia de que o significado de uma expressão lingüística é uma representação
mental não é universalmente aceita. Talvez a tradição mais prestigiada no estudo do
significado decorra do texto Sobre o sentido e a referência de Frege (1978). Nesse estudo,
Frege dissocia cuidadosamente o sentido de uma expressão que ele considera uma entidade
objetiva e publicamente disponível das idéias que os usuários dessa expressão carregam em
suas mentes. A noção de sentido de Frege sustenta a abordagem do significado da Semântica
de Condição de Verdade ou Semântica Formal/Lógica. Isso pode ser comprovado claramente
na seguinte citação do texto Semântica Geral (General Semantics) de David Lewis (1972):
Eu diferencio dois tópicos: primeiro, a descrição de línguas e gramáticas
possíveis enquanto sistemas semânticos abstratos por meio dos quais os
símbolos são associados com aspectos do mundo; segundo, a descrição dos
fatos psicológicos e sociológicos por meio dos quais um sistema abstrato de
símbolos é empregado por um indivíduo ou por uma população. Uma
confusão pode decorrer dos embaralhamento desses dois tópicos. Este
trabalho focaliza quase que exclusivamente o primeiro
45
. (LEWIS, 1972,
p.170).
Uma comparação entre a Lingüística Gerativa e a Semântica de Condições de
Verdade mostra que os dois modelos de descrição da língua tratam a língua como um sistema
formal, mas os objetivos de cada um são radicalmente diferentes. A Semântica de Condições
de Verdade pretende explicar a Verdade, a relação entre a língua e a realidade,
independentemente do usuário da língua. Mas as condições de verdade podem ser tratadas
independentemente do usuário se a realidade e a língua que pretendem descrever também
forem independentes desse usuário. Portanto, a Semântica de Condições de verdade exige
uma teoria que considere a língua como um artefato abstrato e extrínseco ao falante.
Como foi dito, o propósito da Lingüística Gerativa é explicar os princípios
lingüísticos internalizados pelos falantes, que constituem o conhecimento da língua. Uma
afirmação comum na Lingüística Gerativa é: Falantes da língua L consideram a frase F
gramatical porque o conhecimento que eles têm de L inclui o princípio P” (JACKENDOFF,
1990, p. 12). Uma teoria semântica compatível com esse modelo deve se interessar pelos
princípios internalizados aos falantes que lhes permitem compreender uma frase e fazer
inferências e julgamentos de verdade. A Semântica Conceitual deve, portanto, ser uma teoria
de Semântica interna. Dessa perspectiva, uma afirmação comum na Semântica de Valor de
Verdade, como: “A frase F da língua L é verdadeira se e somente se a condição C for
respeitada” deve ser entendida como: “Falantes da língua L tratam a frase F como verdadeira
se e somente se sua interpretação (inglês, construal) do mundo inclui a condição C”
(JACKENDOFF, 1990, p. 12), sendo que o falante sempre está sujeito às limitações de
processamento e de atenção. Essa é base da abordagem da Semântica Conceitual, na qual um
45
No original: I distinguish two topics: first, the description of possible languages or grammars as abstract
semantic systems whereby symbols are associated with aspects of the world; second, the description of the
psychological and sociological facts whereby a particular one of these abstract semantic systems is the one used
by a person or population. Only confusion comes of mixing these two topics. This paper deals almost entirely
with the first. (LEWIS, 1972, p.170).
nível de representação mental chamado Estrutura Conceitual é considerada a forma na qual
os falantes codificam sua interpretação do mundo.
Dessa forma, a diferença fundamental entre a Semântica de Condições de Verdade e
a Semântica Conceitual é que a primeira descreve o significado das expressões lingüísticas a
partir de um modelo de realidade que se pretende objetivo e, a segunda, descreve o
significado das expressões lingüísticas a partir do modo como o mundo é conceituado pelo
falante.
Pode-se argumentar que a Semântica de Condições de Verdade não necessariamente
classifica-se como uma semântica extrínseca, já que ela é, em princípio, neutra em relação a
essa questão. Mesmo que a Semântica de Valor de Verdade tenha sido concebida tendo-se em
mente uma semântica extrínseca ao falante, sempre é possível escolher um modelo que se
conforme a restrições psicológicas e produzir uma Semântica de Valor de Verdade Interna. O
que é importante para a Semântica Conceitual é o comprometimento com o estudo do modo
como os seres humanos codificam sua compreensão do mundo.
Na próxima seção, apresenta-se a organização da gramática na Teoria das Estruturas
Conceituas.
4.4 A estrutura do sistema lingüístico
Ao adotarmos a visão de Jackendoff (1990), a organização do sistema lingüístico, a
Gramática, inclui três componentes estruturais autônomos de estrutura: a Estrutura Fonológica
(EF), a Estrutura Sintática (ES) e a Estrutura Conceitual (EC). Cada um deles tem seus
próprios primitivos e princípios de combinação e também seus próprios subcomponentes.
Cada subcomponente é descrito por um conjunto de regras de formação que descrevem as
estruturas bem formadas de cada nível. Além disso, há também regras de correspondência que
interligam EF, EC, ES.
A EC também é o donio de representação mental no qual as inferências são
definidas. Dessa forma, a organização da gramática também inclui um componente
responsável pelas regras de inferência, que mapeiam/projetam estruturas conceituais em
estruturas conceituais. Esse componente inclui inferências tanto lógicas como pragmáticas.
Essas regras de inferência são definidas no mesmo nível mental de representação e
independem das diferenças entre elas. Isso quer dizer que não um nível independente para
a representação semântica no qual apenas as propriedades lógicas seriam codificadas e outro
para a representação de inferências pragmáticas.
É importante dizer que o componente EC não é completamente dependente de
língua, que ele serve de interface entre a informação lingüística e os componentes não
lingüísticos. Além disso, todos os animais superiores, provavelmente, recorrem a um nível de
representação conceitual, embora não tão desenvolvido como o dos seres humanos. O que
diferencia o homem desses animais é o fato de a espécie humana ter desenvolvido: (a) a
capacidade de processar estruturas fonológicas e sintáticas; (b) as regras de correspondência
entre os três componentes da representação lingüística e entre os elementos lingüísticos.
Da forma como Jackendoff (1990) concebe a gramática, ela não tem um componente
lexical explícito. Um item lexical estabelece a correspondência entre fragmentos bem
formados das três estruturas (EF, ES, EC), isto é, o léxico é parte do componente Regras de
Correspondência que integram o sistema lingüístico. Por exemplo, as regras da morfologia
podem ter partes fonológicas (como um afixo que afeta a pronúncia, por exemplo), partes
sintáticas (como a categoria sintática resultante da combinação do afixo com uma dada
categoria) e partes conceituais (os tipos de significados sobre os quais um afixo pode operar e
os significados resultantes). Portanto, cada componente da gramática pode ser dividido entre
princípios lexicais (aqueles que se aplicam dentro dos limites de um item lexical) e princípios
extra-lexicais (princípios que se aplicam em domínios maiores). Contundo, o conjunto de
primitivos e de princípios de combinação é compartilhado tanto pelos princípios lexicais
quanto pelos princípios extra-lexicais.
Um ponto fundamental da Teoria as Estruturas Conceituais de Jackendoff (1990,
1997, 2000) é o abandono da centralidade da sintaxe, sempre defendida pela Teoria Gerativa,
para a qual toda a capacidade criativa da língua está nesse nível de representação lingüística;
a semântica e a fonologia são componentes interpretativos que derivam suas estruturas da
estrutura sintática. Na organização da gramática de Jackendoff (1990), ao contrário, os três
níveis são igualmente criativos e nenhum deles é derivado do outro, sendo que cada um dos
três níveis é autônomo e está em correspondência com os outros dois por meio de regras.
4.4.1 A categorias ontológicas e a estrutura de argumentos
Os elementos que compõem a EC são os constituintes conceituais, cada um dos quais
pertencentes a um conjunto de oito categorias ontológicas maiores Thing (coisa), Event
(evento), State (estado), Action (ação), Place (lugar), Path (percurso), Property (propriedade)
e Amount (quantidade). Essas categorias são muito diferentes no que diz respeito aos tipos de
referência que elas capturam, mas formalmente elas têm muito em comum.
Cada constituinte sintático da frase (excluindo-se constituintes sem valor semântico)
associa-se a um constituinte conceitual. Por exemplo, em João correu para casa, os SNs João
e casa, correspondem, respectivamente, aos constituintes conceituais do tipo Thing e Place, o
SPrep para casa corresponde ao constituinte conceitual do tipo Path e toda a frase
corresponde ao constituinte do tipo Event. O inverso não ocorre: nem todo constituinte
conceitual da representação de uma frase corresponde a um constituinte sintático.
constituintes conceituais que são realizados na sintaxe como um único item lexical, como os
substantivos que denotam a categoria Event (feijoada, festa, enterro, etc.).
Também é importante destacar que a associação se entre constituintes conceituais
e constituintes sintáticos, e não entre as categorias conceituais e sintáticas. Isso ocorre porque
a correspondência entre sintaxe e semântica é do tipo “muitos-para-muitos”. Por exemplo, um
substantivo pode expressar: Thing (por exemplo, cachorro), Event (por exemplo, feijoada),
Property (por exemplo, obesidade).
As categorias da língua permitem fazer uma distinção entre tipo (inglês, type) e
ocorrência (inglês, token). Por exemplo, muitas ocorrências do tipo Thing que são
expressas por um chapéu e muitas ocorrências do tipo Event que são expressas por João
comeu seu chapéu. A distinção entre tipo e ocorrência também é representada na EC.
Cada categoria conceitual tem realizações que são decompostas em uma estrutura de
função-argumento; cada argumento é um constituinte conceitual de alguma categoria
conceitual maior. A noção lógico-gramatical de “predicado” é um exemplo: em que a
categoria superordenada é a do tipo State ou Event. Isso quer dizer que um constituinte da
categoria conceitual Event pode tomar como argumento um constituinte da categoria Thing e
outro da categoria Event (93a); um constituinte da categoria State pode tomar um constituinte
da categoria Thing e um constituinte da categoria Place (93b), ou um constituinte da categoria
Thing e outro da categoria Path (93c); um constituinte da categoria Place pode ter como
argumento um constituinte da categoria Thing (93d); um constituinte da categoria Path pode
tomar um constituinte da categoria Place (93e) (JACKENDOFF, 1990, p 44).
93.
a) [
Event
CAUSE ([
Thing
],[
Event
])] (Paulo explodiu a casa)
b) [
State
BE ([
Thing
],[
Place
])] (A bola está no campo)
c) [
State
ORIENT ([
Thing
],[
Path
])] (A seta aponta para o sul)
d) [
Place
IN ([
Thing
])] (…na caixa)
e) [
Path
TO ([
Place
IN ([
Thing
])])] (...para dentro da caixa)
A representação da ELC de um item lexical é uma estrutura com zero ou mais casas
vazias para serem completadas pelos argumentos. Cada casa argumental define um papel
semântico. Os significados dos complementos sintáticos do item lexical completam os valores
dos espaços argumentais no significado da frase. Por exemplo, a ELC do verbo ir, na entrada
lexical em (94), expressa uma instância da categoria Event. Essa categoria é realizada pela
função conceitual GO, que tem duas casas argumentais. A primeira deve ser preenchida por
uma instância da categoria Thing e a segunda, por uma instância da categoria Path. Além da
ELC, uma entrada lexical do modelo de Jackendoff (1990, 2002) especifica: a informação
fonológica associada ao verbo ir, primeira linha da entrada, representada pela forma
ortográfica do verbo; e o esquema de subcategorização projetado pelo verbo, indexado com
subscrito j e colocado entre colchetes angulares para indicar opcionalidade, na segunda linha
da entrada. Os índices na ELC associam os argumentos conceituais às funções gramaticais.
Por exemplo, o índice i associa o argumento conceitual ao argumento externo, o índice j
associa o argumento conceitual ao primeiro argumento interno e o índice k, quando presente,
ao segundo argumento interno,
94.
a)
[ ]
[ ]
( )
j
i
j
, GO
SPrep ____
V
ir
Place ThingEvent
Na realização da frase, os argumentos são preenchidos pelas estruturas conceituais
expressas pelos argumentos. A frase em (95a) realiza a Estrutura Conceitual projetada pela
ELC do verbo ir (em 94). O primeiro argumento de GO é preenchido pela conceitualização
JOÃO e o segundo argumento de GO, da categoria Path, é preenchido pela função TO que,
por sua vez, projeta um argumento que é preenchido pela conceitualização IGREJA.
95.
a) João
i
foi à igreja
j
.
b)
[
]
[
]
(
)
[
]
(
)
[
]
ji
, IGREJA TO JOÃO GO PlacePathThingEvent
Como foi dito, na Teoria das Estruturas Conceituais, os papéis semânticos são
definidos formalmente como posições argumentais da Estrutura Léxico-Conceitual (cf. a
subseção 3). Essa propriedade também pode ser ilustrada pelo exemplo em (94). Na ELC que
representa a semântica do verbo ir, o primeiro argumento da função GO define o papel
Tema, o argumento da função TO define o papel Meta. Do mesmo modo, as posições
argumentais projetadas pelas funções conceituais definem os outros papéis semânticos da
seguinte forma:
a. O papel Agente é definido como o primeiro argumento da Função Conceitual
CS
+
, em que CS
representa ‘causa’ e o traço (
+
) representa o sucesso no
desencadeamento do evento (como em João impediu Maria de entrar na sala,
em que João teve sucesso em sua tentativa de impedir Maria). Correspondente à
função CS
+
, Jackendoff (1990) postula a função CS
-
, para representar o
insucesso no desencadeamento do evento (Como em A flecha errou o alvo, em
que a flecha não atingiu seu objetivo) e CS
i
para representar a indefinição do
sucesso no desencadeamento do evento (Como em João tentou ir embora, em
que o sucesso ou insucesso da tentativa de João fica indefinido).
b. O papel Efeito é definido como o segundo argumento de CS
+
;
c. O papel Tema é definido como o primeiro argumento da classe das Funções que
representam ‘movimentoe ‘deslocamento’: GO, BE, STAY, EXT, ORIENT,
MOVE, CONF
46
.
d. O papel Meta é definido como o argumento da Função TO;
e. O papel Origem é definido como o argumento da função FROM.
Os papéis da camada Actancial, discutida na seção 2.2.3, são definidos como
argumentos da função AFF (‘affected’):
a. Ator é o primeiro argumento da Função AFF.
b. Paciente e Beneficiário são, respectivamente, o segundo argumento de AFF- e
AFF+.
Como foi sugerido na subseção (3.3), para representar as subclasses de verbos
sintático-semânticas do português, adota-se a estratégia de inserir as Constantes propostas por
Levin e Rappaport-Hovav (2005) na representação das ELCs. Como adiantado naquele
momento, com a ELC do verbo correr, a Constante do verbo (ou Conteúdo Semântico do
verbo) pode ser inserida na ELC para representar o conteúdo idiossincrático do verbo. Para o
verbo ir, esse componente não é especificado, já que a ELC, por si, é suficiente para
representar a Estrutura Conceitual do verbo. No entanto, como será visto na seção 5, verbos
que expressam modos específicos de movimento necessitam da representação da Constante.
Aplicando-se essa estratégia, o verbo engatinhar, que teria estrutura idêntica a de ir, passa a
ser diferenciado com a inclusão da constante aposta ao verbo (96).
96.
a) [O bebê]
i
engatinhou [até [o quarto]
j
].
b)
[
]
[
]
(
)
[
]
(
)
[ ]
( )
BEBÊAFF
QUARTO TO GO
Event
PlacePathThing
,
i
j
i
ENGATINHAR
α
α
46
A função GO é empregada para representar eventos que descrevem deslocamentos espaciais (João foi para
São Paulo.); a função STAY representa eventos que descrevem estados que perduram por um período de tempo
(João permaneceu em São Paulo.); a função BE representa eventos que especificam a localização de objetos (O
cachorro está no parque.); a função EXT representa eventos que descrevem extensão de objetos lineares por um
caminho (A estrada vai de São Paulo ao Rio); a função ORIENT representa eventos que descrevem a orientação
de objetos (A placa aponta para o sul.); a função MOVE representa eventos que descrevem movimentos (Maria
dançou.); CONF representa eventos que descrevem a configuração espacial interna do Tema (Maria ficou horas
em pé.) (JACKENDOFF, 1990).
Na EC em (96b), além da inclusão da representação do Conteúdo Semântico,
também está especificada a função AFF, que é usada para representar as relações de Agente e
Paciente. Esse nível representa a Camada Actancial que foi mencionada na seção 2. O
primeiro argumento dessa função expressa o Ator, o segundo, expressa Paciente. A
representação da segunda casa argumental de AFF sem os colchetes indica que o verbo
projeta apenas o Ator. O Ator não pode ser confundido com o Agente, que é o primeiro
argumento da função CS
+.
Um Agente é sempre um Ator, mas, como o exemplo (96) mostra,
nem sempre a interpretação inversa é verdadeira. A camada Actancial, por representar
relações entre Atores e Pacientes aproxima seus argumentos da associação com a sintaxe:
Atores realizam-se como Sujeito, Pacientes como Objeto. Não uma posição argumental
na Camada Actancial para argumentos conceituais que se realizam como Adjuntos na sintaxe.
Dada a sua correlação com a realização dos argumentos na sintaxe, a denotação que preenche
o argumento da função GO é deslocado para a Camada Actancial. No entanto, o argumento
da categoria Thing da Função GO é ligado ao primeiro argumento de AFF pelo índice . Essa
indexação evita que a denotação do argumento esteja em todas as posições argumentais de
que participa.
4.5 Síntese da seção 4
Com o objetivo de descrever as principais propriedades da Teoria das ECs, esta
seção abordou a importância dos conceitos para a representação dos eventos. Os eventos são
representações lingüísticas de acontecimentos do mundo, portanto, conceitos. Dessa forma,
entender como os conceitos são adquiridos tem relevância para o estudo do significado dos
itens lexicais. Além disso, esta seção apresentou a principal diferença entre a Teoria das EC e
a Semântica de Valor de Verdade: esta trata da descrição do significado da língua a partir de
um modelo que se considera realista, aquela entende o significado como as representações
mentais dos falantes. Por fim, a seção apresentou o modelo de representação das ELC que
será empregado na próxima seção para a descrição das subclasses dos verbos de movimento.
A próxima subseção parte para o trabalho final e a meta aplicada da tese: a formação
exploratória de duas subclasses sintático-semânticas de verbos do português.
5. A seleção e classificação dos verbos do português
Nesta seção, parte-se para a formação das classes sintático-semânticas do português.
Como foi previsto na seção 1, o trabalho parte de duas subclasses sintático-semânticas que
Levin (1993) rotulou Verbs of Motion (‘Verbos de Movimento’). Se a hipótese de que a
semântica do verbo se correlaciona com suas propriedades sintáticas se mantiver, as
subclasses dos “Verbos de Movimento” formadas para o português devem refletir
propriedades sintáticas e semânticas. A estratégia de formação das subclasses é intermediado
pelo processo de alinhamento dos synsets da WN.Pr aos synsets da WN.Br. Esta seção inicia-
se com a descrição dos procedimentos metodológicos para a formação das classes (subeção
5.1) e um exemplo da seleção de verbos candidatos a formarem as subclasses do português
(subseção 5.1.1). A subseção 5.2 mostra a formação das subclasses de verbos do português.
Na seqüência, a subseção 5.3 compara as propriedades sintáticas e semânticas das subclasses
do português e, por fim, a subseção 5.4 ilustra a representação da estrutura semântica em
termos de ELC para os verbos de cada subclasse estudada. Por fim, a subseção (5.5) sintetiza
as discussões da seção.
5.1 A metodologia de montagem das subclasses de verbos do
português
Nesta subseção, descreve-se a metodologia empregada na construção de duas
subclasses de verbos do português, isto é, as Subclasses 1’ e 3a’ que correspondem às
subclasses 1 e 3a de verbos do inglês ilustradas no quadro 4 da seção 1, ou seja, as subclasses
de verbos que expressam, respectivamente, “Deslocamento Inerentemente Direcionado”
(Verbs of Inherently Directed Motion) e “Modos de Deslocamento Não-Agentivo (Manner of
Motion Verbs - non-agentive). As subclasses do português construídas neste trabalho, como se
descreveu na seção 1, beneficia-se do processo de alinhamento dos synsets da WN.Pr aos
synsets da WN.Br e segue a seguinte estratégia metodológica: (a) toma-se a lista dos verbos
do inglês que compõem subclasse do inglês que será alvo da análise; (b) compatibiliza-se essa
lista de verbos com os synsets de verbos descritos na WN.Pr, isto é, selecionam-se os synsets
da base de verbos da WN.Pr compostos por verbos da subclasse sob análise; (c) selecionam-
se, na base de verbos da WN.Br, os synsets de verbos do português semanticamente
equivalentes aos synsets da base da WN.Pr selecionados em (b); e (d) descrevem-se as
propriedades relevantes para a classificação dos verbos do português enquanto membros de
classe equivalente à subclasse do inglês. A subseção 5.1.1 apresenta uma descrição da
aplicação da metodologia de construção das Subclasses de verbos do português.
5.1.1 Estratégia metodológica de análise: seleção dos verbos da
Subclasse 1’
Nesta subseção, selecionam-se os verbos candidatos a formarem as subclasses de
verbos do português. O procedimento é apresentado tomando-se como exemplo a seleção dos
verbos que podem compor a Subclasse 1’. O procedimento tem, como ponto de partida, a
compatibilização da lista de verbos do inglês que compõem a Subclasse 1. Isolado o synset
que expressa o significado da Subclasse 1, o synset é alinhado ao synset da WN.Br.
A Subclasse 1 conta com 20 verbos, dentre os quais cross (‘cruzar’) e climb (‘subir
47
’)
são listados com um sinal de interrogação aposto, indicando a incerteza da autora com relação
à inclusão desses verbos na classe. Excluindo-se esses dois verbos, a Subclasse 1 reúne os 18
verbos listados em (96).
97. Lista dos verbos da Subclasse 1: advance (‘avançar’), arrive (‘chegar’), ascend (‘subir),
come (‘vir’), depart (‘partir’), descend (‘descer’), escape (‘escape’), enter (‘entrar’), exit
(sair’), fall (‘cair’), flee (‘fugir, escapar’), go (‘ir’), leave (‘sair’), plunge, (‘mergulhar’),
recede (‘recuar’), return (‘retornar’), rise (‘retornar’), tumble (‘despencar’).
A seleção dos synsets de verbos inicia-se pelo primeiro verbo da Subclasse 1:
advance. Esse verbo é parte de três synsets da WN.Pr que são classificados como ‘verbos de
deslocamento’, verb.motion, apresentados em (98a-c), com os respectivos esquemas
sintáticos extraídos da WN.Pr.
47
O verbo inglês climb, que expressa o significado ‘escalar’ não se insere na Subclasse 1. Esse verbo é
classificado como membro da Subclasse 3b (Levin, 1993, p.264).
98.
a)
{01935876} <verb.motion> advance, bring forward -- (cause to move forward; "Can you move the
car seat forward?")
Esquemas sintáticos:
*> Somebody ----s something
*> Somebody ----s somebody
b)
{01936238} <verb.motion> advance, set ahead-- (move forward; "we have to advance clocks and
watches when we travel eastward")
Esquema sintático:
*> Somebody ----s something
c)
{01934453} <verb.motion> advance, progress, pass on, move on, march on, go on -- (move forward,
also in the metaphorical sense; "Time marches on")
Esquema sintático:
EX: The water advances
Os synsets em (98a-b) não se classificam como verbos da Subclasse 1. O synset em
(98a) lexicaliza o conceito que expressa ‘deslocamento físico’, mas a Estrutura de
Argumentos (E.A.) projetada pelos verbos que compõem esse synset difere da E.A. projetada
pelos verbos da Subclasse 1. Os verbos dessa subclasse projetam apenas um argumento, que é
a causa e desempenha o deslocamento expresso pelo verbo. os verbos do synset (98a)
projetam dois argumentos: um que expressa o Agente causador do deslocamento e outro que
o Tema deslocado. Os dois argumentos realizam-se sintaticamente como SNs, como é
ilustrado pelos dois esquemas de subcategorização do synset. Dessa forma, os verbos desse
synset diferenciam-se dos verbos da Subclasse 1 do ponto de vista sintático e semântico.
O synset em (987b) também inclui verbos que projetam dois argumentos, mas
expressa um conceito mais específico que o de (98a), de acordo com o exemplo proposto: we
have to advance clocks and watches when we travel eastward (‘nós temos que adiantar os
relógios quando viajamos para o leste’), i.e., esse synset representa o conceito ‘adiantar o
relógio’.
Finalmente, o synset em (98c) aproximadamente expressa o conceito isolado pela
Subclasse 1. No entanto, a glosa que descreve o conceito expresso no synset indica que os
verbos desse synset expressam tanto ‘deslocamento físico’ quanto ‘deslocamento metafórico’.
O significado metafórico, por sinal, é o único registrado no exemplo oferecido pelo synset
(time marches on
48
). Dessa forma, o synset (98c) aponta para um conceito mais abrangente do
que o conceito isolado pela Subclasse 1
49
.
{01934453} <verb.motion> advance, progress, pass on, move on, march on, go on -- (move forward,
also in the metaphorical sense; "Time marches on")
Identificado o synset que inclui o verbo advance que representa o conceito isolado
pela Subclasse 1, busca-se o synset correspondente na Base da WN.Br. Essa busca inicia-se
com o verbo correspondente a advance em português: avançar, de acordo com dicionários
bilíngües inglês-português, português-inglês (TAYLOR, 2003; HOUAISS, 2006). Esse verbo
compõe nove synsets na Base da WN.Br, dentre os quais, o synset {240}, apresentado em (99a-
b) aponta para o conceito isolado pelo synset {01934453} da WN.Pr, como atestam as frases-
exemplo apresentadas para cada verbo no synset em (99a).
99.
a)
Synset 240:
S='Glosa239'
{adiantar-se: I]Loredano adiantou-se,
avançar:[Camacã, o grande chefe dos araguaias, avançou
Como o synset {240} da WN.Br expressa conceito equivalente ao synset {01934453} da
WN.Pr, os dois synsets são alinhados pela relação de EQ_SYNONYM, seguindo-se a
metodologia de construção da rede EuroWordNet (VOSSEN, 1998). Esse alinhamento é
apresentado em (99b).
48
O emprego dos verbos do synset com o significado ‘deslocamento físico’ pode ser atestado, por exemplo, por:
He advanced towards her (‘ele avançou em direção a ela’) e He passed on to an empty table (‘ele passou em
direção a uma mesa vazia’). Ocorrências colhidas em: http://sara.natcorp.ox.ac.uk/; Acesso em 14 fev 2008.
49
Uma descrição mais acurada postularia dois synsets: um para representar o conceito de ‘deslocamento físico’ e
outro para representar o conceito de ‘deslocamento metafórico’.
99.
b)
Synset 240 EQ_SYNONYM {01934453} <verb.motion> advance, progress, pass on, move on,
march on, go on -- (move forward, also in the metaphorical sense; "Time marches on")
S='Glosa239' ‘deslocar-se para frente’.
S{adiantar-se: Loredano I]adiantou-se,
avançar‘’[Avançou Camacã, o grande chefe dos araguaias., }
O procedimento de alinhamento do synset {240} da WN.Br ao synset {01934453} da
WN.Pr resultou na identificação de dois verbos do português que, potencialmente, compõem a
Subclasse 1’ do português: avançar e adiantar-se.
Para dar continuidade à seleção de verbos candidatos a formarem a Subclasse 1’,
buscam-se, na WN.Pr, os synsets que expressam o significado relevante do verbo arrive,
segundo verbo da Subclasse 1. Esse verbo ocorre em dois synsets, sendo que apenas um deles
é classificado como verb.motion: o synset {01947900}, em (99). O conceito expresso pelo
synset em (100) é glosado como reach a destination; arrive by movent and progress
(‘alcançar um destino; chegar por meio de deslocamento ou progressão’).
100.
{01947900} <verb.motion> arrive, get, come -- (reach a destination; arrive by movement or progress;
"She arrived home at 7 o'clock"; "She didn't get to Chicago until after midnight")
A partir da glosa e dos verbos que compõem o synset {01947900} da WN.Pr, identifica-
se o verbo chegar do português. Esse verbo ocorre em treze synsets da base da WN.Br. A
identificação do synset relevante para o alinhamento com o synset {01947900} da WN.Pr se dá,
primeiramente, pelos demais verbos que compõem o synset e, posteriormente, pelas frases-
exemplo que foram associadas a cada verbo. Por exemplo, dentre os treze synsets que incluem
o verbo chegar, encontram-se estes quatro synsets: (a) {chegar, avultar}; (b) {chegar,
bastar}; (c) {chegar, aportar}, (d) {chegar, vir}. O conhecimento tácito que o falante tem
dos significados dos verbos é suficiente para excluir os synsets (a) e (b). Dos dois synsets
restantes, o synset (c) expressa o conceito ‘chegar ao porto (a embarcação)’, de acordo com a
frase-exemplo em (101). Por outro lado, o synset (d) apresenta frases-exemplo compatíveis
com o conceito expresso pelo synset do inglês, como pode ser conferido no alinhamento em
(102).
101. Uma das primeiras medidas tomadas pelo príncipe regente D. João, ao aportar na Bahia,
foi a abertura dos portos da colônia as nações amigas, em 28 de janeiro de 1808.
102.
Synset 2592 EQ_SYNONYM {01947900} <verb.motion> arrive, get, come -- (reach a destination;
arrive by movement or progress; "She arrived home at 7 o'clock"; "She didn't get to Chicago
until after midnight")
S='Glosa2591 ‘Alcançar um destino; chegar por deslocamento ou progressão’.
{chegar: As pessoas não [chegam mais cedo em casa,
vir: A Joaninha e a Cláudia I]vieram a tempo de comer a pizza., }
O próximo verbo da Subclasse 1 ascend. Esse verbo ocorre em três synsets da WN.Pr,
classificados como verb.motion: {01911527}, {02043222} e {01912527}
50
, apresentados em
(103a-c). Dentre esses synsets, apenas o synset em (103c) se aproxima do conceito
lexicalizado pela classe ‘Deslocamento Direcionado’ de Levin (1993). O synset em (103a)
expressa um conceito específico que se restringe a eventos que ocorrem com corpos celestes:
the sun also rises (‘o sol também se levanta’), Jupiter ascends (‘Júpiter sobe’). O synset em
(103b) lexicaliza um conceito que seria mais apropriadamente expresso no português por um
sintagma verbal: subir o rio, conforme a glosa go along towards (a river's) source (‘ir em
direção à nascente de um rio’).
103a.
{01912527} <verb.motion> rise, come up, uprise, ascend -- (come up, of celestial bodies; "The sun
also rises"; "The sun uprising sees the dusk night fled..."; "Jupiter ascends")
103b.
{02043222}<verb.motion> ascend -- (go along towards (a river's) source; "The boat ascended the
Delaware")
103c.
50
outro synset na WN.Pr classificado como verb.motion. No entanto, essa classificação está equivocada, já
que o synset aponta para um significado estativo: the path ascended to the top of the hill (‘o caminho ascendia
até o topo da colina’).
{01911527} <verb.motion> ascend, go up -- (travel up, "We ascended the mountain"; "go up a ladder";
"The mountaineers slowly ascended the steep slope")
Há, no entanto, uma diferença sintático-semântica entre o synset em (103c) e a
propriedades sintáticas da Subclasse 1. O synset (103c) apresenta exemplos de uso transitivo
dos dois verbos. Já a Subclasse 1 enfoca o uso intransitivo. No uso transitivo, os Objetos the
mountain (a montanha) e a ladder (uma escada) dos verbos ascend e go up, respectivamente,
expressam um Tema Incremental
51
, que o desenvolvimento dos eventos denotados pelos
verbos é incrementalmente medido em função das denotações dos Objetos. Na Subclasse 1 de
Levin, os verbos são intransitivos com Complementos Locativos de Meta ou Origem.
Assim, os verbos ascend e go up podem ser classificados como verbos da Subclasse 1 quando
também projetam Complementos Locativos, como em (104a-b), em que os SPreps to the
eighteenth floor (‘para o décimo-oitavo andar’) e to the first floor (‘para o primeiro andar’)
expressam Meta.
104.
a) Buckmaster parked the Volvo in the underground garage, used the special key to
open the executive elevator door, ascended to the eighteenth floor.
b) Patrick took his tea and went up to the first floor, to the long landing window which
looked over the village green
52
.
Embora nenhum synset da WN.Pr expresse o significado isolado pela classe de Levin,
o synset {01911527} foi alinhado ao synset {3388} da Base da WN.Br (105), já que, como as
frases-exemplo demonstram, esse synset inclui verbos que projetam um Tema Incremental
como Objeto.
105.
Synset 3388 EQ_SYNONYM {01911527} <verb.motion> ascend, go up -- (travel up, "We
ascended the mountain"; "go up a ladder"; "The mountaineers slowly ascended the steep
slope")
S='Glosa3387' ‘subir com progresso contínuo ou gradual’
51
Essa noção será abordada mais adiante.
52
Os exemplos (104a-b) foram colhidos respectivamente em: http://sara.natcorp.ox.ac.uk/cgi-
bin/saraWeb?qy=ascended+to; http://sara.natcorp.ox.ac.uk/cgi-bin/saraWeb?qy=went+up.
{ galgar: Paula I]galgou os penhascos da montanha de Tanvien.,
subir: Nahum [subiu a Pedra da Gávea.}
Considerando-se a diferença sintática e semântica entre os verbos do synset {3388} e os
verbos da Subclasse 1, apenas o verbo subir foi selecionado para compor a Subclasse 1’, pois
esse verbo também projeta Complementos Locativos que expressam Meta, como atestam os
exemplos em (106)
53
.
106.
a) Não suba na árvore, você pode cair. E ele subiu na árvore e caiu e se arrebentou
todo e foi parar no hospital.
Retomando a formação da Subclasse 1’, identificaram-se os seguintes verbos como
membros potenciais da subclasse: adiantar-se, avançar, chegar, vir e subir. O próximo verbo
da Subclasse 1 é come (vir). O verbo vir já compõe a lista de verbos candidatos a comporem a
Subclasse 1’, em função de sua presença no synset {2592}, em (102). O verbo seguinte na
Subclasse 1 é depart (‘partir’). O alinhamento do synset da WN.Pr que inclui esse verbo é
apresentado em (107).
107.
Synset 727 EQ_SYNONYM {01795174} <verb.motion> go, go away, depart -- (move away from a
place into another direction; "Go away before I start to cry"; "The train departs at noon")
S='Glosa726' ‘deslocar-se a partir de um local para uma direção qualquer.’
{ ir: Todos [foram de São Paulo; eu fui de Santos.,
partir: Rubens I]partiu sem avisar.,
sair: José I]saiu à 10 horas..,}
Dessa forma, os verbos ir, partir e sair também foram selecionados como candidatos a
formarem a Subclasse 1’. O trabalho de identificação dos synsets da WN.Pr que apontam para
os conceitos expressos pelos verbos da Subclasse 1’ foi feito para cada um dos demais verbos
da Subclasse 1.
53
Exemplos colhidos no motor de buscas Google, disponível em: http://www.google.com.br/.
5.2 A Formação das Subclasses 1’ e 3a'
Nesta seção, apresentam-se a formação da Subclasse 1’ do português. A partir da
metodologia descrita em 5.1. As Subseções 5.2.1 e 5.2.2 discutem, respectivamente, a
formação e a análise das Subclasses 1’ e 3a'.
5.2.1 A construção da Subclasse 1’
Nesta seção, apresenta-se a construção da Subclasse 1’. A construção, de acordo com
a metodologia descrita, parte da Subclasse 1 do inglês (apresentada na Subseção 5.2.1.1). Os
verbos da Subclasse 1 foram compatibilizados com os synsets da WN.Pr. O alinhamento dos
synsets do inglês aos synsets do português resultou na Subclasse 1’ do português. Essa
construção é mostrada na Subseção 5.2.1.2. Na seção 5.2.1.3.resumem-se as propriedades dos
verbos da subclasse.
5.2.1.1 A Subclasse 1 dos verbos do inglês
As propriedades gerais que Levin (1993) destaca para a Subclasse 1 (a Subclasse 51.1
dos Verbs of Inherently Directed Motion) são: (i) todos eles descrevem o movimento e,
independentemente de expressão sintática, também a direção desse movimento; (ii) nenhum
deles descrevem o modo do movimento, característica marcante da Subclasse 3a, que será
descrita mais adiante; (iii) não há, entre os verbos da subclasse, um padrão único de expressão
da origem, meta ou trajetória do movimento (elementos que são representados na
especificação do tipo semântico Path): esses elementos podem ser sintaticamente realizados
por meio de um adjunto, de um objeto ou de ambos. Os verbos constituintes da subclasse são:
advance, arrive, ascend, come, depart, descend, enter, escape, exit, fall, flee, go, leave,
plunge, recede, return, rise e tumble.
A relevância desses verbos para o léxico do inglês contemporâneo foi atestada pelo
dicionário Macmillan English Dictionary (MAYOR, 2002), que inclui, em sua nomenclatura,
um conjunto de 7500 entradas que representam os itens lexicais mais freqüentes do inglês, de
acordo com o rpus que originou o dicionário. Dentre os verbos da Subclasse 1, apenas
tumble não apresenta freqüência destacada no dicionário.
De acordo com os exemplos apresentados por Levin (1993, p.263), os verbos da
Subclasse 1 projetam o argumento Tema, que se realiza como Sujeito (108a). Além desse
padrão sintático, as propriedades sintáticas da Subclasse 1 incluem: a alternativa, disponível
para apenas alguns verbos da Subclasse 1, de realizarem ou não a preposição Locativa (108b);
a existência de forma de particípio-adjetivo (108c); a possibilidade de ocorrência de sintagma
que descreve o estado do argumento do verbo (108d). Levin lista, ainda, propriedades
sintáticas que não são possíveis com os verbos da Subclasse 1, que são: (a) a não participação
da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa (108e); a impossibilidade de
realização do verbo com um sintagma que expressa a ‘medida’ do evento, embora essa
propriedade não afete todos os verbos da classe (108f); a impossibilidade de realização do
verbo com sintagma que expressa o resultado do evento descrito pelo verbo (108g).
108
54
.
a) The convict escaped.
‘O condenado escapou.’
b) The convict escaped (from) the police.
‘O condenado escapou da polícia’ em oposição à *O condenado escapou polícia.
c) an escaped convict.
‘*um condenado escapado’.
d) The convict escaped exhausted.
‘O condenado escapou exausto’.
e) * the collaborators escaped the convict./ the convict escaped.
‘*Os colaboradores escaparam o condenado./ o condenado escapou.
f) *The convict escaped three miles.
‘*O condenado escapou três milhas. ’
g) * The convict escaped exhausted. (em que a interpretação desejada seria: ‘O
convidado ficou exausto escapando’.)
54
Cf. Levin, 1993, p.263.
5.2.1.2 Da Subclasse 1 para a Subclasse 1’
O Quadro 8 é a síntese das seguintes análises: (a) a especificação da compatibilização
entre os verbos do inglês da Subclasse 1 e os verbos dos synsets da WN.Pr, isto é, a seleção
dos synsets de verbos da base da WN.Pr compostos por verbos da Subclasse 1 (colunas 1 e 2
do quadro); (b) a especificação do alinhamento, segundo metodologia proposta por Vossen et
al. (1998), Peters et al. (1998) e Dias-da-Silva, Felippo e Hasegawa (2006), dos synsets da
WN.Pr aos synsets da WN.Br, a WordNet em construção para o português (do Brasil),
descrita em Dias-da-Silva, Oliveira e Moraes, 2002; Dias-da-Silva, 2003, 2004 (colunas 2 e
3); e, finalmente, (c) a especificação dos verbos do português da Subclasse 1’. Observe-se
que, no quadro, apresentam-se os alinhamentos por EQ_SYNONYM, que é o tipo de
equivalência que “garante” equivalência semântica procurada entre os synsets das duas
wordnets
55
.
VERBOS DO
INGLÊS
(SUBCLASSE 1)
SYNSETS DA
WN.PR
56
RELAÇÃO DE
EQUIVALÊNCIA
SYNSETS DA
WN.BR
VERBOS DO
PORTUGUÊS
1.advance {01934453}
<verb.motion>
advance,
progress, pass
on1, move on,
march on, go on
-- (move forward,
also in the
metaphorical
sense; "Time
marches on")
EQ_SYNONYM Synset 240
S='Glosa239'=
‘deslocar-se para
frente’
{adiantar-se:
Loredano
I]adiantou-se,
avançar:
Camacã, o
grande chefe dos
araguaias,
[avançou., }
1.adiantar-se
2.avançar
55
Dois verbos da Subclasse 1 (flee e plunge) compõem synsets da WN.Pr que foram alinhados por
EQ_HAS_HYPONYM/EQ_HAS_HYPERONYM: verbos flee e plunge. No entanto, não se identificaram
“novos” verbos do português por meio desses alinhamentos, já que os dois alinhamentos apontam os verbos já
catalogados no Quadro 8. Os synsets do português alinhados por essas relações são: {escapar, escapulir,
evadir-se, fugir} e {abaixar, baixar, decair, decrescer, diminuir}.
56
O synsets extraídos da WN.Pr, quando necessário, foram adaptados, em termos de normalização das glosas e
correção de synsets que apresentavam imprecisões.
2.arrive
3.come
{01947900}
<verb.motion>
arrive, get, come
-- (reach a
destination; arrive
by movement or
progress; "She
arrived home at 7
o'clock"; "She
didn't get to
Chicago until
after midnight")
EQ_SYNONYM Synset 2592
S='Glosa2591'=
‘Alcançar um
destino; chegar
por deslocamento
ou progressão’
S{chegar: As
pessoas não
[chegam mais
cedo em casa.,
vir: A Joaninha e
a Cláudia
I]vieram a tempo
de comer a
pizza.,}
3.chegar
4.vir
4.ascend {01911527}
<verb.motion>
ascend2, go up10
-- (travel up, "We
ascended the
mountain"; "go up
a ladder"; "The
mountaineers
slowly ascended
the steep slope")
EQ_SYNONYM Synset 3388
S='Glosa3387'=
‘subir com
progresso
contínuo ou
gradual’
{galgar: Paula
I]galgou os
penhascos da
montanha de
Tanvien.,
subir: Nahum
[subiu a Pedra da
Gávea.,}
5.galgar
6.subir
5.depart
6.go
{01795174}
<verb.motion>
go1, go away5,
depart4 -- (move
away from a place
into another
direction; "The
train departs at
noon")
EQ_SYNONYM Synset 726
S='Glosa726'=
‘deslocar-se a
partir de um local
para uma direção
qualquer’
{ir: Todos
[foram de São
Paulo; eu fui de
Santos.,
partir: Rubens
I]partiu sem
avisar.,
sair: José I]saiu
às 10 horas.,}
7.ir
8.partir
9.sair
7.descend {01912987}
<verb.motion>
descend, fall, go
down2, come
down -- (move
downward and
lower, but not
necessarily all the
way; "The
temperature is
going down";
"The barometer is
falling"; "The
curtain fell on the
diva"; "Her hand
EQ_SYNONYM
Synset 3468b
S='Glosa3467b'=
‘mover para um
local mais baixo’
{cair: O homem
escorregou e
I]caiu a uma
velocidade
vertiginosa.,
descer: A tropa
I]desceu num
campo de futebol
sob o olhar dos
moradores das
casas.,}
10.cair
11.descer
went up and then
fell again")
8.enter {01958650}
<verb.motion>
enter, come in2,
get into, get in1,
go into, go in,
move into -- (to
come or go into;
"the boat entered
an area of shallow
marshes")
EQ_SYNONYM Synset 3753
S='Glosa3752' =
‘passar para o
lado de dentro
{adentrar: Ela
[adentrou na sede
do sindicato.,
embocar: Aoshi
I]embocou na
boate,
juntamente com
seu amigo.
entrar:
Alexandro
I]entrou no carro
dos policiais.,
introduzir-se:
Este homem
I]introduziu-se
em minha casa.,
penetrar: Os
pilotos
[penetraram
facilmente no
terreno
adversário.,}
12.adentrar
13.embocar
14.entrar
15.introduzir-
se
16.penetrar
9.escape {02015953}
<verb.motion>
escape, get away,
break loose --
(run away from
confinement;
"The convicted
murderer escaped
from a high
security prison")
dia 1º. de
agosto.,}
EQ_SYNONYM Synset 2634
S='Glosa2633'=
‘fugir de
confinamento’.
{escapar:
Abidiel Rabelo
[escapou da Casa
de Detenção.,
escapulir: A
jovem [escapuliu
pela janela.,
evadir-se: Um
recluso I]evadiu-
se da Prisão do
Linho.,
fugir: Ele [fugiu
da carceragem do
Deic, no
Carandiru.,}
17.escapar
18.escapulir
19.evadir-se
20.fugir
10.exit
11.leave
{01957725}
<verb.motion>
exit, go out, get
out1, leave --
(move out of or
depart from;
"leave the room";
"the fugitive has
left the country")
EQ_SYNONYM Synset 3698
S='Glosa3697'=
‘deslocar-se a
partir de um
lugar ou para
fora de um lugar
{partir: A
virgem [partiu,
cerrando a porta
da cabana.,
retirar-se: O
casal Cruise [se
retirou. ,
21.partir
22.retirar-se
23.sair
sair: Bruno
Câmara saiu da
audiência
satisfeito com os
resultados.., }
12.fall
13.tumble
{01914423}
<verb.motion>
fall3 -- (descend
in free fall under
the influence of
gravity; "The
branch fell from
the tree"; "The
unfortunate hiker
fell into a
crevasse".)
EQ_SYNONYM Synset 1102B
S='Glosa1101’=
‘descer em queda
livre por força da
gravidade’.
{cair: Ele [caiu
de uma altura de
30 metros.,
despencar: Ele
[despencou de
quatro metros de
altura.,}
24.cair
25.despencar
14.recede
{01848576}
<verb.motion>
recede, fall
back3, retire3 --
(move back and
away from; "The
enemy fell back")
EQ_SYNONYM Synset 245
S='Glosa244'=
‘recuar, deslocar-
se para trás’.
{recuar: As
tropas [recuaram.
}
26.recuar
15.return {01946892}
<verb.motion>
return, go back,
get back, come
back -- (come
back to place
where one has
been before, or
return to a
previous activity)
EQ_SYNONYM Synset2592A
S='Glosa2591'=
‘voltar ao lugar
onde já se esteve
antes, ou retomar
uma atividade’.
{regressar: Ela
[regressou ao
lugar de onde
partira.,
retornar: A
sobrinha
[retornou ao
Rio.,
tornar: O
guerreiro [tornou
para Coatiabo.,
voltar: Ela
[voltou para o
Brasil.,}
27.regressar
28.retornar
29.tornar
30.voltar
16.rise {01911030}
<verb.motion>
rise, lift3, arise4,
move up, go up,
come up3,
uprise1 -- (move
upward; "The fog
lifted"; "The
smoke arose from
the forest fire";
"The mist uprose
from the
EQ_SYNONYM Synset 3071A
S='Glosa3070'=
‘deslocar-se para
cima’.
{alçar-se: Ela
I]se alçou e foi
prosseguindo em
direção às águas
do Mar
Adriático.,
elevar-se: Ela
I]se elevou a
31.alçar-se
32.elevar-se
33.erguer-se
34.subir
meadows")
alguns metros do
chão.,
erguer-se: Ele
I]se ergueu ao ar
em um encanto
de levitação. ,
subir: Na
mitologia, Ícaro,
I]subiu muito
alto.,}
Quadro 8: Dos verbos classificados por Levin (Subclasse 1) aos verbos do português.
Dos trinta verbos do português identificados no Quadro (8), foram selecionados um
grupo de catorze verbos para formar a Subclasse 1’. Os verbos pronominais não foram
incluídos na subclasse, que, justamente por serem pronominais, diferenciam-se sintática e
semanticamente dos demais. Posteriormente, escolheu-se pelo menos um verbo de cada synset
que apresentasse ocorrência destacada em número de páginas identificadas pelo motor de
buscas Google. Esse procedimento seleção resultou na Subclasse 1’ em (109):
109: Subclasse 1’: avançar, descer, cair, chegar, despencar, entrar, escapar, ir, partir,
recuar, sair, subir, vir, voltar.
5.2.1.3 Análise dos verbos da Subclasse 1’
Os verbos identificados em (109) expressam o significado da subclasse do inglês, uma
vez que expressam tanto o deslocamento quanto a direção. A direção do deslocamento é parte
do significado dos verbos, que especificam a orientação do deslocamento: para cima, para
baixo, para frente, para dentro de algum lugar, etc.
Além dessa propriedade semântica, os verbos da Subclasse 1’, também compartilham
a propriedade sintática de serem todos intransitivos. Na sintaxe, esses verbos realizam um
Sujeito e, facultativamente, um Adjunto. O Sujeito expressa o argumento do tipo Thing que é
o primeiro argumento da função conceitual GO. O Adjunto expressa o argumento do tipo
Place que completa a função do tipo Path.
variação na direção do deslocamento que o adjunto expressa. Por exemplo, (110a-
d)
110.
a) Todos foram de São Paulo; eu fui de Santos.
b) Ele escapou da carceragem do Deic, no Carandiru.
c) Ele despencou de quatro metros de altura.
d) João (Tema) foi de Ubatuba (Origem) a Taubaté (Meta).
Do ponto de vista sintático, o argumento Tema realiza-se invariavelmente como SN-
Sujeito, e os argumentos Meta e/ou Origem, quando sintaticamente presentes, como SPreps-
adjuntos, como mostram os exemplos em (111).
111.
a) A menina (Tema) veio do quarto (Origem).
b) João (Tema) partiu para os Estados Unidos (Meta).
c) Geraldo adentrou para a sala contígua (Meta).
Os verbos da subclasse não admitem modos alternativos de expressão dos argumentos.
No entanto, a maioria desses verbos permite a realização de um SN que expressa a medida do
desenvolvimento do evento, como demonstram os exemplos em (112).
112.
a) Miura desceu os 2.400 metros pela encosta sul
b) Ele avançou alguns metros puxando o cabresto do cavalo
Um conjunto representativo desses verbos que admitem a construção com o ‘sintagma
medida’ é constituído por: avançar, vir, subir, ir, sair, descer, entrar, cair, despencar, recuar,
voltar. A propriedade desses verbos ocorrerem com esse tipo de sintagma correlaciona-se com
o seu significado particular. Essa propriedade pode ser explicada fazendo-se referência aos
componentes semânticos que se podem identificar em um evento do tipo ‘deslocamento’.
Um evento de ‘deslocamento e/ou movimento’ é decomponível em quatro
componentes básicos: o participante que se desloca no espaço; b) o lugar que serve de ponto
de referência para o deslocamento; c) o deslocamento propriamente dito; d) o percurso
percorrido durante o deslocamento (TALMY, 2000). Nos eventos denotados pelo conjunto de
verbos listado no parágrafo anterior, o participante que se desloca é lingüisticamente
representado pelo argumento externo e o lugar que ancora esse deslocamento no espaço é
lingüisticamente representado pelo argumento conceitual da função Path. o deslocamento e
o percurso são lexicalizados como componentes de significado internos do verbo:
‘deslocamento’ e ‘percurso’
57
.
O ‘sintagma medida’ avalia o desenvolvimento do evento expresso pelo verbo através
da mensuração do ‘percurso percorrido’. Ou seja, o sintagma ‘medida’ é um tipo de Tema
Incremental: se o ‘percurso’ foi percorrido pela metade, metade do evento ocorreu.
Considerando-se que o significado do verbo lexicaliza os componentes ‘deslocamento’ e
‘percurso’, é esperado que o desenvolvimento do evento seja medido em função da parcela
percorrida do ‘percurso’. O ‘sintagma medida’ é a expressão sintática dessa avaliação.
No entanto, alguns verbos da Subclasse 1’, em (109), não permitem a construção com
o ‘sintagma medida’. Esses verbos, exemplificados em (113), são: chegar, partir e escapar.
113.
a) *João escapou três metros da cadeia.
b) * João chegou três metros para a sala.
c) *João partiu três metros da sala.
A impossibilidade desses verbos ocorrerem com o sintagma ‘medida’ também pode
ser explicada em função de seus significados. Verbos como chegar e partir denotam eventos
instantâneos, i.e., são verbos do tipo ‘Achievement’. Em (114b), a modificação da frase em
(114a) pelo sintagma por 3 minutos força a interpretação iterativa do evento, comprovando
que se trata de um evento télico. Em (114c), o sintagma em 3 minutos denota o tempo que
antecedeu a ocorrência do evento ‘chegar’.
114.
a) João chegou em casa.
b) ?João chegou em casa por 3 minutos.
c) João chegou em casa em 3 minutos.
57
A combinação dos elementos que caracterizam um evento básico do tipo ‘deslocamentopode ser diferente:
no caso do verbo chover, por exemplo, o participante que se desloca no espaço no evento denotado pelo verbo
está representado como um componente interno do significado do verbo; no caso do verbo encaixotar, é o
lugar que ancora o deslocamento do argumento Tema que é representando como componente interno do
significado do verbo (TALMY, 2000).
Se os verbos que não permitem a realização do ‘sintagma medida’ denotam eventos
instantâneos, não é possível avaliar o desenvolvimento parcial desses eventos, mas apenas seu
estado de completude ou de incompletude. O significado desses verbos, então, faz referência a
uma oposição contraditória do tipo: estar/não-estar, presente/ ausente, etc. Por exemplo, a
descrição do evento denotado por escapar, em (115a), deve especificar uma estrutura de
oposição que decorre da relação temporal ordenada que se estabelece entre os dois estados
possíveis pelo predicador. A oposição se estabelece em função dos estados que precedem e
sucedem o evento.
115.
a) João escapou.
b)
(
)
(
)
[
]
212121 eeJelivre JelivreeeJ p¬ ,,
A representação em (115b) exemplifica a oposição de predicados expressa pelo verbo
escapar. Os estados da entidade ‘João’ que precedem e sucedem o evento ‘escapar’ são
representados como dois eventos (e
1
e e
2
) que são relacionados pela relação de precedência
( ), ou seja, o estado de ‘não livre’ de ‘João’, representado em e
1
, precede seu estado de
‘livre’ (e
2
) (PUSTEJOVSKY, 2000).
Desse modo, a Subclasse 1’, apresentada em (109), deve ser dividida em duas
subclasses. A subclasse dos verbos que lexicaliza ‘percurso’ e, em função disso, permite a
construção com ‘sintagma medida’, e a subclasse que lexicaliza uma mudança de estado
baseada em uma oposição contraditória e que não permite a construção com o ‘sintagma
medida’. É interessante destacar que essa divisão no padrão sintático dos verbos da classe
Subclasse 1’ do português também ocorre na classe equivalente do inglês. Levin (1993,
p.263) indica que o ‘sintagma medida’ não é possível com verbos da Subclasse 1: *the
convicted escaped three miles (*‘o condenado escapou três milhas’). No entanto,
posteriormente, a autora registra que um subconjunto desses verbos admite essa construção
(LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p.175), como ocorre neste exemplo: We went two
miles
58
(‘nós fomos duas milhas’).
O exercício de formação da Subclasse 1’ resulta, então, em um conjunto de verbos que
expressam conceitos equivalentes aos dos verbos da Subclasse 1 do inglês. No entanto, a
análise revelou que os verbos do português dividem-se em duas subclasses. Se, do ponto de
58
Colhido em: http://www.natcorp.ox.ac.uk/.
vista nocional, os verbos isolados da Subclasse 1’, em (108), podem ser agrupados sob um
rótulo, como “Verbos de Deslocamento Direcionado”, do ponto de vista de suas propriedades
sintáticas e semânticas, eles apresentam diferenças relevantes.
Com base no mesmo procedimento metodológico, na próxima subseção, discute-se a
formação da Subclasse 3a’ dos verbos do português. O estudo de outra subclasse dos “Verbos
de Movimento” oferece a possibilidade de se identificarem outras propriedades sintáticas e
semânticas e de contrapor essas propriedades com as propriedades da Subclasse 1’,
apresentada nesta seção.
5.2.2 A construção da Subclasse 3a'
De forma análoga à subseção 5.2.1, esta subseção apresenta a formação da Subclasse
3a'.
5.2.2.1 A Subclasse 3a dos verbos do inglês
As propriedades gerais que Levin (1993) destaca para a a Subclasse 3a (a Subclasse
51.3.1 dos Roll Verbs) são: (i) todos eles descrevem o movimento e o modo ou o meio desse
movimento; (ii) facultativamente descrevem também o deslocamento, mas nunca
especificam a direção desse deslocamento. As propriedades específicas da subclasse, por sua
vez, são: (iii) a distribuição dos verbos da subclasse em dois tipos, em função da existência ou
não de um eixo em torno do qual o movimento denotado pelo verbo se realiza: [-eixo] bounce
(‘quicar’), drift (‘vagar’), drop (‘derrubar’, ‘cair’)
59
, float (‘flutuar’), move
60
(‘mover-se’), roll
(‘rolar’), glide (‘planar’), slide (‘derrapar’), swing (‘balançar’); [+eixo] coil (‘girar, enrolar’),
59
Estes dois synsets do inglês {01919767} <verb.motion> drop1 -- (let fall to the ground; "Don't drop the
dishes") e {01918961} <verb.motion> drop -- (to fall vertically; "the bombs are dropping on enemy targets")
alinham-se por EQ_NEAR_SYNONYM, respectivamente, a estes dois synsets do português Synset2355b
S='Glosa2354b'='deixar cair' {derrubar: A praga [derruba as folhas dos laranjais.,} e
Synset1102bS='Glosa1103b'=‘cair verticalmente’{cair: As bombas I]caíram sobre o Japão.,}. Recorde-se que,
como se observou na Seção 1, os alinhamentos desse tipo não serão considerados na análise. Observe-se,
entretanto, que as formas derrubar e cair do português são, respectivamente, as formas causativa e incoativa
correspondentes à forma drop do inglês.
60
Este verbo expressa ‘deslocamento’, mas não o ‘modo’ do deslocamento. Por essa razão não foi considerado
na análise (cf. FLEXNER, 1994).
revolve (‘revolver’), rotate (‘rodar’), spin (‘girar’), turn (‘virar’, ‘revirar’), twirl (‘girar’,
‘voltear’), twist (‘torcer’), whirl (‘girar’, ‘rodopiar’), wind
61
(‘enrolar’); (iv) a característica de
que o movimento afeta entidades inanimadas; (v) o fato da especificação da direção, quando
ocorre, realizar-se na sintaxe por meio um SPrep; (vi) o fato de todos os verbos da subclasse
participarem da Alternância Transitiva-Causativa/Intransitiva-Incoativa.
62
Outras propriedades sintáticas dos verbos da Subclasse 3a, arroladas por Levin (1993,
p.265), incluem: (a) a impossibilidade de apagamento da preposição locativa (116a-b); a
possibilidade de ocorrência do verbo com sintagma resultativo, i.e., um sintagma não
subcategorizado pelo verbo que expressa o resultado do evento, por exemplo, open (‘aberto’)
em (116c); a existência de formas de particípio para os verbos da classe que possuem formas
transitivas (116d).
116.
a) The ball rolled down the hill.
(‘A bola rolou morro abaixo’).
b) *The ball rolled the hill.
(*‘A bola rolou morro’).
c) The drawer rolled open.
(*‘A gaveta rolou aberta’, com a interpretação ‘a gaveta abriu rolando’.)
d) A constantly rolled ball.
(Uma bola rolada constantemente). (LEVIN, 1993, p.265)
5.2.2.2 Da Subclasse 3a para a Subclasse 3a'
O Quadro 9 é a síntese de análises análogas às descritas no parágrafo que introduz o
Quadro 8 (referente à construção preliminar da Subclasse 1’). Desta vez, trata-se da
sistematização dos verbos do português candidatos a formarem a Subclasse 3a’, a partir dos
verbos do inglês da Subclasse 3a.
61
Este verbo não é empregado no sentido dos verbos da subclasse, mas sim no sentido “rodear, circundar”,
conforme atestam a base da WN.Pr e Flexner (1994). Por esse motivo também não foi considerado na análise.
62
A classificação de Levin (1993), equivocadamente, considera, por exemplo, que os verbos glide e drift não
participam da Alternância Transitiva-Causativa/Intransitiva-Incoativa. Entretanto, Flexner (1994) e a base da
WN.Pr demonstram que todos os verbos da subclasse participam da referida alternância.
VERBOS DO
INGLÊS
(SUBCLASSE 3a)
SYNSETS DA
WN.PR
RELAÇÃO DE
EQUIVALÊNCIA
SYNSETS DA
WN.BR
VERBOS DO
PORTUGUÊS
1.bounce {01363851}
<verb.contact>
bounce3 -- (bound
or cause to bound;
"bounce a ball")
EQ_SYNONYM
Synset 4122A
S= ‘Glosa
4121a’=
‘mover ou fazer
mover
repetidamente
para cima e para
baixo’.
{quicar: O
jogador I]quicou a
bola à frente dos
repórteres .,}
1.quicar
2.drift
63
{01820763}
<verb.motion>
drift6 -- (be carried
by or cause to be
carried by a current;
"drift the boats
downstream")
EQ_SYNONYM
Não há Não há
64
3.float
65
{01820456}
<verb.motion>
float2 -- (be afloat
or set afloat; "He
floated the logs
down the river";
"The boy floated
his toy boat on the
pond")
EQ_SYNONYM
Não há Não há
4.glide {01833637}
<verb.motion>
glide2 -- (move or
cause to move or
pass silently,
smoothly, or
imperceptibly);
“They glide the car
down the avenue”)
EQ_SYNONYM Synset 3721c
S='Glosa3722c'=
‘mover ou fazer
mover ou passar
silenciosa ou
suavemente ou
imperceptivelmen
te’.
{deslizar: O n.º
10 I]deslizou a
bola para Willy
Sagnol.,}
2.deslizar
63
Este synset da WN.Pr não se alinha a synsets da WN.Br, devido ao fato de o português não possuir a forma
causativa ou este tipo de uso do verbo vagar.
64
O rótulo ‘não há’ indica que não há um verbo do português que seja equivalente ao verbo registrado no synset
do inglês. No caso específico de drift e float, não há, no português, verbos que sejam tanto transitivo quanto
intransitivo, como os verbos do inglês. Os verbos vagar e boiar do português, que são equivalentes de drift e
float, são apenas intransitivos, de forma que os synsets da WN.Br que incluem esses verbos não se alinham aos
synsets da WN.Pr.
65
Este synset da WN.Pr também não se alinha a synsets da WN.Br. Por motivo análogo ao apresentado na nota
anterior: não possuir a forma causativa ou este tipo de uso do verbo boiar.
{01812522}
<verb.motion>
roll11, revolve2 --
(move or cause to
move by turning
over or in a circular
manner as if on an
axis; "She rolled the
ball"; "They rolled
their eyes at his
words")
66
EQ_SYNONYM Synset 2767b
'Glosa2766b'=
‘mover ou fazer
mover sobre o
eixo ou de modo
circular’.
{rolar1: Mário
I]rolou a bola para
o gol.,}
6.rolar
{01821573}
<verb.motion>
roll12 -- (move,
rock, or sway from
side to side or cause
to move rock, or
sway from side to
side; "The ship
rolled on the heavy
seas")
EQ_SYNONYM Synset 3630a
S='Glosa2006a'=
‘mover, balançar
ou oscilar de um
lado para o outro
o fazer mover
desses modos’
{oscilar: Ela
I]oscilou a cabeça
levemente.,}
7.oscilar
5.roll
{01846240}
<verb.motion>
roll10, undulate,
flap1, wave --
(move in a wavy
pattern or with a
rising and falling
motion or cause to
move in a wavy
pattern or with a
rising and falling
motion; "The
curtains undulated";
"the waves rolled
towards the beach")
EQ_SYNONYM Synset 3630
S='Glosa3629'=
‘mover em forma
de onda ou de
cima para baixo
ou fazer mover
desses modos’.
{ondear: Ela
I]ondeava a
bandeira da Cruz
Vermelha por
cima do portão.,
ondular: Ela
I]ondulava o
vestido durante o
trajeto..,
tremular: O
chileno Luis
Emílio Carrillo
I]tremulava a
bandeira do seu
país.,}
8.ondear
9.ondular
10.tremular
11.slide {02031507} slide2
-- (move smoothly
along a surface or
cause to move
smoothly along a
surface; "He slid
the money over to
the other gambler")
EQ_SYNONYM Synset 3721
S='Glosa3720'=
‘mover
suavemente sobre
uma superfície ou
fazer mover desse
modo’.
{deslizar: Ele
I]deslizou o papel
para o colega.,}
12.deslizar
{01816187}
<verb.motion>
EQ_SYNONYM Synset 3721A
S='Glosa3720A'=
13.derrapar
14.deslizar
66
Este synset da WN.Pr apresenta duas inconsistências: (i) a presença do verbo revolve2 e (ii) e a inadequação
do exemplo “They rolled their eyes at his words”. O verbo não compartilha e o exemplo não ilustra o conceito
previsto na glosa do synset. Por essa razão, esses elementos não foram considerados na análise deste
alinhamento.
skid, slip, slue1,
slew1, slide1 --
(move obliquely or
sideways, or cause
to move obliquely
or sideways,
usually in an
uncontrolled
manner; "the
wheels skidded
against the
sidewalk")
‘mover
lateralmente,
geralmente de
modo
descontrolado ou
fazer mover desse
modo’.
{derrapar: Eu
I]derrapei o carro
dele e fui
ribanceira a
baixo.,
deslizar: Eu
I]deslizei a caixa
para baixo até
ficar fixada.,
escorregar: Tinha
uma CG 88 e um
belo dia
I]escorreguei o
pneu traseiro em
baixa
velocidade.,}
15.escorregar
16.swing Synset 1410A
{02028442}
<verb.motion>
swing2 -- (move in
a curve or arc,
usually with the
intent of hitting or
cause to move in a
curve or arc,
usually with the
intent of hitting;
"He swung his left
fist"; "swing a bat")
EQ_SYNONYM Synset 1410a
S='Glosa1409a'=
‘mover
descrevendo
curvas ou arcos
ou fazer mover
desse modo,
geralmente com a
intenção de
golpear’.
{brandir: Os fãs
[brandiam
cartazes da
banda.,
vibrar: O velho
Aimoré [vibrava o
tacape com uma
força hercúlea., }
17.brandir,
18.vibrar
19.coil {01990805}
<verb.motion>
gyrate, spiral, coil
-- (to wind or move
in a spiral course or
cause to wind or
move in a spiral
course; "the
muscles and nerves
of his fine drawn
body were coiling
for action"; "black
smoke coiling up
into the sky"; "the
young people
gyrated on the
dance floor")
EQ_SYNOYM Synset 1723
S='Glosa1722'
‘mover ou fazer
mover em curso
espiral’
{espiralar: Os
espetos
aromáticos
I]espiralavam
fragrâncias pelo
ar.,}
20.espiralar
21.rotate {01986772}
<verb.motion>
revolve, go
around1, rotate1 --
(turn on or around
an axis or a center
or cause to turn on
or around an axis or
a center; "The Earth
revolves around the
Sun"; "The lamb
roast rotates on a
spit over the fire")
EQ_SYNONYM Synset 410
S='Glosa409'
girar ao redor de
um eixo ou
centro’.
{girar: Ele
I]girou o espeto
manualmente
conforme a carne
assava.,
revolver: Ele
I]revolveu a pedra
de sobre a boca
do poço., }
22.girar
23.revolver
24.spin
25.whirl
26.spin
27.twirl
{01988466}<verb.
motion> spin1,
spin around,
whirl4, reel3,
gyrate1-- (revolve
quickly and
repeatedly around
one's own axis or
cause to revolve
quickly and
repeatedly around
one's own axis;
"The dervishes
whirl around and
around without
getting dizzy")
EQ_SYNONYM Synset 2767A
‘Glosa2766A'=
‘revolver
rapidamente e
repetidamente ao
redor do próprio
eixo’
{girar: Eu [girei a
roleta.,}.,
rodar: Ela
I]rodou a roleta.,
rodopiar: Juan
rodopiou o
revolver entre os
dedos e o guardou
na cintura.,}
28.girar
29.rodar
30.rodopiar
{02031145}
<verb.motion>
turn13 -- (move or
cause to move
along an axis or
into a new
direction; "turn
your face to the
wall"; "turn the car
around"; "turn your
dance partner
around")
EQ_SYNONYM Synset 2583
S='Glosa2582'=
‘mover ou fazer
mover ao longo
de um eixo ou em
outra direção
{virar: Ele
I]virou o rosto
para a parede.,
voltar: O
deputado I]voltou
a cara para o
outro lado.,
volver: Estêvão
I]volveu a cabeça
para ver quem
era., }
32.virar
33.voltar
34.volver
31.turn
{02030130}
<verb.motion>
turn1, turn over9 -
- (move or cause to
move around a
center so as to show
another side of;
"turn a page of a
book")
EQ_SYNONYM Synset 1597
S='Glosa1596'=
'fazer mover ou
mover em torno
de um eixo para
revelar o outro
lado’
S{virar: Ele
I]virou as páginas
da partitura para
mim.,}
35.virar
{02030694}
<verb.motion>
turn2 -- (move or
cause to move
around or rotate;
"turn a key"; "turn
your palm this
way")
EQ_SYNONYM Synset 2173A
S='Glosa2172'=
‘mover ou fazer
mover ao redor de
um eixo ou
centro’.
{girar: Os
motores elétricos
I]giravam as
rodas.,
rodar1: Batista
I]rodou a chave
na fechadura,.}
36.girar
37.rodar
38.Twist
EQ_SYNONYM Synset 2173B
S='Glosa2172'=
‘fazer mover ou
mover em torno
de um eixo ou
centro’.
{girar: Eu [girei a
roleta.,}
39.girar
Quadro 9: Dos verbos classificados por Levin (Subclasse 3a) aos verbos do português
O conjunto de verbos candidatos a formarem a subclasse apresenta dezenove verbos.
Novamente, optou-se por trabalhar com os verbos mais freqüentes de cada synset, de acordo
com o número de páginas localizáveis pelo motor de buscas Google. Essa seleção resultou na
seguinte Subclasse 3a' em (117).
117. Subclasse 3a': derrapar, deslizar, espiralar, girar, oscilar, quicar, rodar,
rodopiar, rolar, ondular, vibrar, virar, voltar.
5.2.2.3 Análise dos verbos da Subclasse 3a'
Nesta subseção, descrevem-se propriedades sintáticas e semânticas dos verbos da
Subclasse 3a’, identificados no quadro 9. O objetivo é demonstrar que os verbos da Subclasse
3a' apresentam propriedades sintáticas distintas dos verbos da Subclasse 1’, reforçando a idéia
de que o significado dos verbos correlaciona-se com suas propriedades sintáticas.
Os verbos da Subclasse 3a', como os verbos da Subclasse 3a, expressam o movimento
e o modo desse movimento, mas não expressam necessariamente o deslocamento. Os verbos
de movimento da Subclasse expressam a função conceitual MOVE. Os verbos da Subclasse
3a' que não expressam o deslocamento são o verbo tremular e os verbos que descrevem
movimento sobre eixo [+ eixo]: virar, voltar e rodopiar. Os demais verbos da Subclasse 3a'
expressam conjuntamente o movimento e o deslocamento. Essa propriedade incorpora na
representação léxico-semântica do verbo as funções conceituais MOVE e GO. Nessa
situação, o verbo apresenta a propriedade de expressar a função conceitual do tipo Path,
argumento de GO, para expressar o argumento Meta, como o verbo rolar em (118).
118. A bola rolou para o gol.
Do ponto de vista sintático, a propriedade marcante dessa subclasse é participação de
todos os verbos da Alternância Transitiva-Incoativa/Intransitiva-Incoativa, exemplificada em
(119a-b)
119.
a) Mario rolou a bola (para o gol).
b) A bola rolou (para o gol)
Essa alternância, mencionada nas seções (1 e 2) é retomada na próxima seção.
5.2.2.3.1 A Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa
Os verbos que participam da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa
apresentam usos transitivos e intransitivos. A forma transitiva expressa o mesmo significado
da forma intransitiva, acrescido do componente semântico ‘causalidade’. O relacionamento
semântico entre as duas formas alternantes reflete-se nas propriedades sintáticas do verbo: o
argumento que é realizado como Objeto da forma transitiva expressa o mesmo papel
semântico que o argumento realizado como Sujeito da forma intransitiva (120).
120.
a) João (Agente) girou a roleta (Paciente).
b) A roleta girou.
Na seção 2, a participação ou não da Alternância Transitiva-Causativa/Intransitiva-
Incoativa caracterizou a descrição dos verbos espirrar, que participa da alternância, e
borrifar, que não participa. A diferença de comportamento desses dois verbos foi explicada
em função de um traço semântico que liga o verbo e um de seus argumentos. O verbo espirrar
tem o traço ligado ao argumento interno, por isso participa da alternância. O verbo borrifar,
por sua vez, tem o traço ligado ao argumento externo, por isso não participa da alternância. O
traço representa um componente de significado do verbo. Por essa razão, além do expediente
sintático de ligar o verbo a um de seus argumentos, é preciso buscar a explicação dessa
alternância na semântica.
Do ponto de vista das propriedades semânticas, as condições que permitem o verbo
participar dessa alternância dependem de seu significado. Duas propriedades do evento
denotado pelo verbo são condições necessárias para que o verbo participe da alternância. A
primeira condição é que o verbo denote ‘evento externamente causado’, isto é, o evento que o
verbo denota é desencadeado por uma entidade exterior a ele. Essa entidade desencadeadora
pode ou não exercer controle sobre o evento. Dessa forma, a entidade que denota a ‘causa
externa’ é representada como o argumento do verbo que expressa papéis semânticos de um
dos seguintes tipos: Agente, Causa ou Instrumento. A segunda propriedade que influencia
a participação de um verbo da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa é a
possibilidade do evento descrito pelo verbo ocorrer espontaneamente. Essa propriedade
relaciona-se ao argumento interno Paciente, pois ele precisa ter propriedades específicas para
que o evento seja concebido como espontâneo. Por exemplo, o verbo deslocar participa da
Alternância Transitiva-Causativa/Intransitiva-incoativa quando o seu argumento Tema
expressa um objeto físico como uma ‘peça’ (Ele deslocou a peça que estabiliza o cd. /A peça
que estabiliza o cd deslocou.), mas não ‘discussão’ (Ele deslocou a discussão./*A discussão
deslocou.). Embora nos dois casos, o verbo denote um evento desencadeado por uma causa
externa, a denotação de peça possui atributos que permitem um deslocamento espontâneo
(LEVIN, RAPPAPORT-HOVAV, 1995; SOUZA, 2000).
Os verbos da Subclasse 3a' denotam eventos que podem ser conceituados como
‘externamente causados’. Argumentos que expressam a ‘causa externa’ sempre são realizados
como Sujeito na sintaxe (LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 1995). Quando o argumento que
expressa ‘causa externa’ não é projetado na sintaxe, o evento que o verbo denota é
conceituado como uma potencialidade decorrente das propriedades internas do argumento
Tema. Quando essa potencialidade é efetivada, tem-se a forma intransitiva-incoativa.
5.3 Síntese contrastiva das Subclasses 1’ e 3a
Nesta seção, buscou-se uma caracterização dos verbos da Subclasse 1’ (ir, vir, descer
e subir, por exemplo). De forma geral, os verbos da Subclasse 1 demonstraram ter
propriedades sintáticas e semânticas compartilhadas. Do ponto de vista semântico, os verbos
da classe expressam o deslocamento e a direção do deslocamento. Essa combinação de
propriedades pode se correlacionar com a realização do ‘sintagma medida’, uma das
propriedades sintáticas que os verbos da Subclasse 1’ demonstraram ter. Os verbos da
Subclasse 1’ que não permitem o ‘sintagma medida’ (fugir, chegar, e partir) denotam
oposições semânticas binárias que não se permitem mensurar, como conseqüência, esses
verbos não permitem o sintagma ‘medida’.
Os verbos da Subclasse 3a’ expressam o modo e o movimento, facultativamente
expressam o deslocamento. Quando expressam o deslocamento, os verbos da Subclasse 3a'
apresentam a propriedade relacionada aos verbos da Subclasse 1’ de realizar na sintaxe um
Adjunto cuja denotação preenche o argumento de categoria semântica Path. Do ponto de vista
do comportamento sintático, todos os verbos dessa subclasse participam da Alternância
Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa.
As diferenças semânticas entre os verbos das duas subclasses podem ser explicadas
em função do tipo de evento que denotam.
Os verbos da Subclasse 1’ denotam ‘eventos internamente causados’. Os verbos que
denotam esse tipo de evento tendem a ser intransitivos, que o evento que denotam parte da
própria entidade envolvida no evento. os verbos da Subclasse 3a’ denotam ‘eventos
externamente causados’. Os verbos que denotam esse tipo de evento tendem a apresentar
formas transitivas, uma vez que eventos dessa natureza são complexos: compõem-se de um
subevento externo, relacionado à causalidade, e um subevento interno, relacionado à
telicidade e à mudança (subseção 3.1).
A comparação dos verbos da Subclasse 1 com os verbos da subclasse 3a' revela
correlações entre a sintaxe e a semântica das duas classes de verbos. Os verbos da subclasse
3a' denotam eventos que especificam o movimento e o modo. Comparando-se a Subclasse 1’
com um conjunto de verbos da Subclasse 3a', diferenças sintático-semânticas relevantes foram
identificadas. Os verbos da Subclasse 3a' participam da Alternância Transitiva-
Causativa/Intransitiva-Incoativa (balançar, ondear, girar e rolar, por exemplo). Essa
propriedade sintática correlaciona-se com ‘eventos externamente causados’. Os verbos da
Subclasse 1’, por sua vez, denotam ‘eventos internamente causados’.
A próxima seção sintetiza, em forma de ELCs, as propriedades semânticas do tipo de
evento que caracterizam as Subclasses 1’ e 3a'.
5.4 Representação esquemática dos verbos das Subclasses 1’ e 3a'
Na subseção (5.2), investigaram-se respectivamente a formação de duas subclasses
sintático-semânticas de verbos do português: a Subclasse 1’ e a Subclasse 3a’. As
propriedades identificadas para as subclasses foram sintetizadas na subseção anterior. Nesta
subseção, a partir das propriedades identificas para as duas subclasses do português, propõe-
se a representação esquemática em termos de ELCs incrementadas com a representação do
Conteúdo Semântico (JACKENDOFF, 1990; LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005;
GRIMSHAW 2005).
Como foi discutido, a propriedade semântica caracterizadora dos verbos da Subclasse
1’ é a expressão do deslocamento e a especificação da direção. Na teoria das Estruturas
Conceituais, esse valor semântico pode ser representado empregando-se a função GO e seus
dois argumentos. O exemplo 121 apresenta uma entrada lexical arquetípica para os verbos da
Subclasse 1’.
121. Entrada Lexical arquetípica dos verbos da Subclasse 1’
[ ] [ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
AFF
Z TO GO
SP ____
V
Event
PlacePath Thing
,
,
fon
i
j
j
α
α
Essa entrada lexical arquetípica dos verbos da Subclasse 1’ especifica, como se
discutiu na seção 4, três níveis de representação lexical: o nível fonológico, representado
esquematicamente por fon; o nível sintático, representado pela categoria V e pelo esquema de
subcategorização da Subclasse 1’; e o nível Léxico-conceitual (a ELC), que especifica a
estrutura conceitual do tipo de evento dos verbos dessa subclasse. O evento expresso pela
ELC em (121) descreve o deslocamento da entidade do tipo Thing, argumento da função GO,
em direção a um ponto final do deslocamento, o argumento Place da função TO do tipo Path.
A função AFF da camada Actancial especifica que seu argumento, coindexado ao primeiro
argumento da função GO representa o Ator. Esse argumento, indexado por i, marca o
argumento externo e, portanto, será realizado como Sujeito da frase. O argumento da função
TO é preenchido com a interpretação do SPrep com o qual está relacionado. Por exemplo, o
verbo ir, na frase (122a), realiza essa ELC na Estrutura Conceitual em (122b).
122.
a) [João]i foi para o Rio.
b)
[
]
[
]
(
)
[
]
(
)
[ ]
( )
,
,
i
α
α
JOÃO AFF
RIO TO GO
Event
PlacePathThing
Os verbos da Subclasse 3a' especificam o movimento e o modo e, facultativamente, o
deslocamento. Dessa forma, os verbos dessa subclasse, que não expressam o deslocamento
serão representados pela Função MOVE, proposta por Jackendoff (1990, p.89) acrescida do
modificador que especifica o Conteúdo Lexical ou Constante do verbo em colchetes angulares
(LEVIN; RAPPAPORT-HOVAV, 2005, p.72), como proposto na subseção 4.5.1. Essa função
é representada em (123).
123.
[
]
(
)
[
]
MOVE ThingEvent
MANNER
No entanto, os verbos da Subclasse 3a' participam da Alternância Transitiva-
causativa/Intransitiva-incoativa. Como a função em MOVE (123) prevê um argumento, ela
não permite que o argumento causativo-agentivo seja projetado na EA; conseqüentemente, a
frase transitiva não pode ser realizada. Em função disto, adota-se a proposta de Levin e
Rappaport-Hovav (1995), que representam os verbos que participam da Alternância
Transitiva-causativa/Intransitiva-incoativa como inerentemente causativos.
A representação desse tipo de evento complexo precisa representar dois subeventos: o
subevento externo e o subevento interno. A forma intransitiva é decorrente da ligação do
subevento externo na representação léxico-semântica. Essa ligação é interpretada como um
quantificador existencial. A interpretação existencial impede que o argumento do subevento
causativo (o evento representado pela função CS) seja projetado na sintaxe (LEVIN;
RAPPAPORT-HOVAV, 1995, p. 108). A ligação ocorre entre a representação léxico-
semântica e a EA. Em termos de representação Léxico-Conceitual, essa ligação pode ser
representada pelos índices que estabelecem a associação entre os argumentos semânticos e os
argumentos sintáticos. A representação em (124) apresenta o índice que associa o argumento
da função AFF ao Sujeito entre parênteses, para indicar que esse argumento pode ser ligado
na ELC e, portanto, não se realizar na sintaxe. Dessa forma, a representação da entrada lexical
arquetípica dos verbos da Subclasse 3a' expressa apenas o movimento e o modo, mas não
expressa o deslocamento, representado em (124).
124. Entrada lexical arquetípica dos verbos da Subclasse 3a' que expressam o
movimento e o modo.
[ ]
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
, AFF
, AFF
MOVE
CS
SN
V
Event
Event
Thing
Thing
ji
MANNER
j
,
,
____
fon
βα
β
β
α
A representação léxico-conceitual da entrada em (124) apresenta a composição do
evento MOVE, apresentado na representação em (123), ao evento CS
67
. Em (124), os
argumentos de MOVE e de CS associam-se aos argumentos sintáticos. Esses argumentos são
co-indexados no interior da ELC com as letras α e β. O Primeiro argumento da função AFF,
co-indexado a
α
, é anotado entre parênteses, indicando que esse argumento pode ou não se
realizar na sintaxe.
Os verbos ondular, rodopiar, vibrar e voltar, [+ eixo], que descrevem o movimento e
o modo, mas não o deslocamento, são representados por ELCs compostas apenas pela função
67
Optou-se por deixar a função CS subespecificada.
MOVE e seu argumento. Como proposto, a essa representação, é acrescida do modificador
que representa o Conteúdo Semântico desses verbos. Essa ELC insere-se na entrada lexical
arquetípica para esses verbos, proposta em (124).
A entrada lexical em (124) pode se realizar na frase (125a) e gerar a ELC em (125b):
125.
a) [Maria]i ondulava [o vestido]j.
b)
[ ]
[
]
(
)
[ ]
( )
[ ] [ ]
( )
VESTIDO ,MARIA AFF
, AFF
MOVE
CS
Event
Event
Thing
Thing
βα
β
β
α
j
i
ONDULAR
,
,
A forma intransitiva da alternância, em (126a), expressa a mesma estrutura; no
entanto, o argumento da Função AFF não é ligado a um argumento sintático, pelo índice (i),
não podendo, assim, realizar-se na sintaxe. No entanto, o subevento causativo ainda pode ser
interpretado como um quantificador existencial, conforme evidenciado.
126.
a) [O vestido]
j
ondulava.
b)
[ ]
[
]
(
)
[ ]
( )
[ ] [ ]
( )
VESTIDO , AFF
, AFF
MOVE
CS
Event
Event
Thing
Thing
β
β
β
α
j
ONDULAR
,
,
Os verbos da Subclasse 3a’ que, além do movimento e do modo, expressam também o
deslocamento, apresentam estrutura mais complexa. Esse é o caso do verbo rolar, em (127).
127.
a) Mario rolou a bola para o gol.
b) A bola rolou para o gol.
A ELC do verbo rolar, em (127a-b), precisa expressar a função MOVE, que
representa o movimento, a sua Constante e a função GO, que representa o deslocamento.
Jackendoff (1990, p.224) propõe que essa estrutura tem como predicado “matriz” a função
GO, sendo que o predicado MOVE é acrescido a essa função por meio de uma estrutura
adjunta
68
. Essa representação é apresentada em (128).
127: Entrada lexical arquetípica dos verbos da Subclasse 3a' que expressam
movimento, modo e deslocamento.
[ ]
[ ]
[ ]
( )
[ ] [ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
, AFF
, AFF
MOVE
BY
, AFF
GO
CS
SPrepSN
V
Event
Thing
Event
Path Thing
Thing
ji
MANNER
K
k
j
,
,
,
____
fon
βα
β
β
β
β
α
A representação em (127), especifica, como segundo argumento de CS, a função GO,
com seus dois argumentos dos tipos Thing e Path e o predicado MOVE que expressa o
movimento e o modo. O índice que (i) da função AFF também é representado entre
parênteses para representar a possibilidade do Agente ou da Causa não ser projetada na
sintaxe. A realização dessa estrutura para representar a frase em (127a), repetida como (128a),
é apresentada em (128b).
128
a) [Mario]
i
rolou [a bola]
j
para [o gol]
k
.
68
Jackendoff (1990, p. 224) elabora essa estrutura composta por meio de uma regra de interface que transforma
o verbo de movimento em um verbo de deslocamento. Neste trabalho, representa-se apenas o resultado da
aplicação da regra.
b)
[ ]
[ ]
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ] [ ]
( )
[ ]
( )
[ ]
( )
[ ] [ ]
( )
BOLA , MARIO AFF
, AFF
MOVE
BY
, AFF
GOL TO GO
CS
Event
Event
Path Thing
Thing
β
α
β
β
β
β
α
ji
ROLAR
k
,
,
,
A representação da forma incoativa a bola rolou para o gol, de forma análoga à
representação do verbo tremular na forma incoativa, expressa tanto o subvento externo quanto
o subevento interno. No entanto, como em tremular, o argumento do subevento externo não é
projetado na sintaxe.
5.5 Síntese da seção 5
Esta seção apresentou a construção de duas subclasses sintático-semânticas de verbos
do português. A partir da classificação original do inglês proposta por Levin (1993), realizou-
se a compatibilização dos verbos do inglês, identificaram-se os synsets da WN.Pr que
contemplam o significado dos verbos das subclasses. Com os synsets do inglês identificados,
procederam-se os alinhamentos desses synsets aos synsets da WN.Br. Os verbos do português
deram origem às subclasses do português. Esse procedimento metodológico envolveu uma
cadeia de análises: (a) a análise dos verbos das classes sintático-semântica de Levin (1993);
(b) a análise da compatibilidade dos verbos de Levin (1993) aos synsets da WN.Pr; (c) a
análise das relações de equivalência entre os synsets da WN.Pr e os synsets da WN.Br; (d) a
análise dos verbos do português para se formar a classe equivalente à do inglês.
Os verbos que formam cada uma das subclasses formadas para o português, como as
do inglês, apresentam o compartilhamento de propriedades sintáticas e semânticas. Do ponto
de vista sintático, os verbos da Subclasse 1’ são intransitivos; os verbos da Subclasse 3a'
participam da Alternância Transitiva-causativa/Intransitiva-Incoativa. Do ponto de vista
semântico, os verbos das duas subclasses também se contrapõem: os verbos da Subclasse 1’
denotam ‘eventos internamente causados’ e os verbos da subclasse 3a' denotam ‘eventos
externamente causados’. Além disso, entre os verbos da Subclasse 3a', os verbos diferenciam-
se em função da expressão ou não do deslocamento. As propriedades semânticas
compartilhadas pelos verbos das duas subclasses foram representadas esquematicamente em
termos de entradas lexicais arquetípicas para cada subclasse. As diferenças entre as
representações léxico-conceituais propostas para cada subclasse explicitam as diferenças
semânticas entre os verbos das duas subclasses.
Na próxima seção, apresentam-se as considerações finais.
6 Considerações Finais
O objetivo deste trabalho foi evidenciar, no português, a correlação entre a semântica
do verbo e suas propriedades sintáticas. A motivação para a busca desse objetivo foi a
classificação de Levin (1993) para os verbos do inglês. Nessa classificação, os verbos que
compartilham os mesmos modos de realização dos argumentos, compartilham também
componentes de significado. Em função desse compartilhamento de propriedades, as classes
de Levin são consideradas reflexos de que o significado do verbo é um dos fatores
responsáveis pela realização dos argumentos.
Se as classes do inglês são evidências do relacionamento entre as propriedades léxico-
sintáticas e as propriedades léxico-semânticas do verbo, a construção de classes para o
português, análogas às de Levin, é, ao mesmo tempo, uma forma de comprovar a correlação
entre a sintaxe e a semântica do verbo e de testar o modelo de Levin (1993). A decisão, então,
foi tentar construir classes de verbos do português equivalentes às do inglês.
Além da construção das classes, outro objetivo foi contribuir para o desenvolvimento
da WN.Br, por meio do alinhamento dos synsets dessa base aos synsets equivalentes na
WN.Pr. Em função disso, a estratégia adotada foi selecionar, para o alinhamento com os
synsets da WN.Br, os synsets da WN.Pr que contemplassem os verbos de duas subclasses dos
“Verbos de Movimento” de Levin (1993). Essa estratégia apontou duas dificuldades. A
primeira foi a escassez de descrições semânticas pormenorizadas para as classe de Levin
(1993), i.e., as classes são descritas informalmente. Além disso, devido à polissemia, a
identificação precisa do significado de um determinado verbo nas classes de Levin (1993) não
é trivial. A segunda dificuldade contrapõe-se à primeira: a multiplicidade de significados na
WN.Pr. A compatibilização dos verbos de Levin (1993) ao synset que realmente expressa o
significado da classe demanda análise atenta. Mas, além da identificação do significado do
verbo na classe de Levin, da identificação do synset que contém o verbo, ainda é necessário
alinhar o synset do inglês ao synset correspondente do português. Desse modo, a formação das
subclasses sintático-semânticas para o português, presumiu três análises em série.
Por outro lado, o objetivo do trabalho foi também a investigação dos componentes de
significado sintaticamente relevantes. Essa pesquisa iniciou-se na EA, o nível de
representação lingüístico que estabelece a interface entre as propriedades léxico-semânticas e
léxico-sintáticas. A investigação nesse nível mostrou-se ampla, mas os resultados foram
proveitosos. A teoria léxico-sintática de Hale e Keyser (2002), que tenta explicar a realização
de argumentos por meio do emprego de mecanismos sintáticos no interior do léxico, ao
reconhecer a importância das propriedades léxico-semânticas do verbo para explicar a
participação do verbo de alternâncias sintáticas foi um dado importante. Posteriormente, ainda
no domínio da EA, observou-se a inadequação de teorias de representação do significado
fundamentadas exclusivamente por listas de papéis semânticos. Uma série de problemas é
identificada com relação a essas teorias: a falta de definitude dos papéis, o problema do
número dos papéis e o problema da correspondência “um-para-um”. A investigação no âmbito
da E.A. apontou a necessidade de se buscar no significado do verbo a explicação para a
realização dos argumentos.
As representações do significado do verbo em termos de decomposições de predicados
apontam as seguintes propriedades: (a) permitem que os papéis semânticos do verbo sejam
definidos em função das posições argumentais do predicado; (b) permitem que os eventos
denotados pelo verbo sejam representados, incluindo-se nessa representação a análise
subeventual; (c) permitem a representação do Conteúdo Semântico do verbo. A representação
do evento em dois subeventos: um subevento externo, que se associa a causa, e outro, interno,
que se associa a telicidade e mudança de estado, permite identificar as propriedades do evento
que são relevantes para a realização dos argumentos: o argumento do subevento causativo é
sempre realizado como Sujeito. Já a inclusão do Conteúdo Semântico na representação léxico-
semântica ajuda a explicar a realização sintática de determinados verbos, como o argumento
que se realiza como Objeto com verbos do tipo ‘Atividade’. A representação do Conteúdo
Semântico foi acoplada à representação da Teoria das Estruturas Conceituais
(JACKENDOFF, 1990, 2002) para representar as propriedades léxico-semânticas dos verbos
estudados.
Ao final desse percurso, a hipótese de que o significado do verbo se co-relaciona com
seu significado estava teoricamente comprovada. Teorias diferentes atribuem pesos diferentes
para determinados componentes de significado, como as propriedades léxico-aspectuais
(telicidade, Tema Incremental, por exemplo), ou como as relações de causa, mas concordam
em buscar, no interior do verbo, a explicação da realização dos argumentos.
Por fim, faltava a comprovação prática. O trabalho de formação das classes sintático-
semânticas do português ofereceu a oportunidade de constatar empiricamente a co-relação
entre o significado do verbo e suas realizações sintáticas. As duas subclasses sintático-
semânticas do português apresentam propriedades particulares tanto do ponto de vista do
significado quanto das propriedades sintáticas. Os verbos da Subclasse 1’ são intransitivos e
os da subclasse 3a' participam da Alternância Transitiva-Causativa/Intransitiva-Incoativa.
Essa variação na sintaxe se co-relaciona ao significado. Os verbos da Subclasse 1’ denotam
eventos ‘internamente causados’ e os verbos da Subclasse 3a' denotam eventos ‘externamente
causados’.
É importante destacar que, no inglês, as duas subclasses que originaram as subclasses
do português também apresentam as mesmas propriedades: os verbos da classe 1 o
intransitivos e os verbos da subclasse 3a participam da alternância Transitiva-
causativa/Intransitiva-incoativa. Essa situação confirma hipótese de Levin e Rappaport-Hovav
(2005): se uma classe de verbos de uma língua A apresenta regularidades nas realizações dos
seus argumentos, a classe de verbos equivalente na língua B também apresenta regularidades.
Os objetivos propostos foram alcançados, uma vez que:
Propuseram-se, de modo exploratório, duas subclasses sintático-semânticas de
verbos do português e verificou-se que elas apontam para a correlação entre o
significado dos verbos da classe e as propriedades sintáticas de cada classe;
Contribuiu-se para o processo de montagem da base da WN.Br, na medida em
que o trabalho permitiu a proposição de mais uma categoria descritiva para os
verbos dos synsets, que deve auxiliar na revisão dos synsets atuais, na
proposição dos novos synsets e no estabelecimento do alinhamento de synsets
das Bases WN.Br e WN.Pr.
A metodologia de formação das subclasses pode ser empregada na descoberta
e descrição de outras subclasses verbos.
Isolaram-se componentes de significado do verbo que são sintaticamente
relevantes.
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