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Além dos casos de menores, no sentido proposto por Vianna (2002)
10
, a mudança
de paradigma de um olhar centrado na materialidade da ofensa a uma visão jurídica
que passa a priorizar os elementos invisíveis e morais do delito pode ser percebida, na
legislação brasileira, a partir da comparação dos textos do Código Penal de 1890 e do
Código Penal
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de 1940, que vigora até hoje, com algumas alterações. No Código de
1890, o delito de estupro
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era definido pelo artigo 269 como “ato pelo qual o homem
abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não”
13
. No Código de 1940, por
sua vez, ‘estupro’
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é entendido como “cópula sexual (...) do homem com a mulher,
mediante o emprego por aquele de violência física (vis corporalis) ou moral (vis
compulsiva), com a intromissão do pênis na cavidade vaginal” (Prado, 2006:195).
Observa-se, então, que o CP de 1940 passa a diferenciar violência física de violência
moral, considerando também a segunda na tipificação do delito de estupro.
Além disso, o CP de 1940 substituiu o antigo crime de ´defloramento´, do CP de
1890, pelo crime de ´sedução de menores´
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, de modo que o hímen deixou de ser um
atestado exclusivo de pureza, que passou a ser avaliada a partir da totalidade da
conduta da mulher. O bem jurídico tutelado, a partir do CP de 1940, deslocou-se da
virgindade física para a virgindade moral.
Tratou-se de um novo enfoque (em relação ao Código Penal de 1890), um
realinhamento na hierarquia dos fatores tidos pelos profissionais do direito como
possíveis de comprovarem a ´honestidade feminina´, com os aspectos
sociológicos e psicológicos, comportamentais e morais, ganhando precedência
sobre os ´elementos anatômicos´ (Duarte, 2000: 159).
Ou seja, o código de 1890 salientava a ‘menoridade’ e a ‘virgindade’ da vítima. O
código posterior, por sua vez, salienta a ‘inexperiência’ ou ‘justificável confiança’, de
modo que “para obter o título de vítima não bastará a moça provar que era virgem
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Segundo a autora, a menoridade não se refere, obrigatoriamente, à idade, mas, sim, a qualquer
incapacidade legal de auto-gestão. “Menores podem ser mulheres, escravos, filhos não casados,
agregados, loucos, índios, enfim, todos aqueles que, em uma configuração social específica, sejam
compreendidos como incapazes (ou relativamente incapazes) de responderem de forma integral por
seus atos” (Vianna, 2002: 07).
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Opto por comparar os Códigos Penais e não outros diplomas legais, como os Códigos de Menores
(1927 e 1979) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) porque nesta parte foco minha análise
na problemática das ofensas sexuais e estas são disciplinadas pelos primeiros.
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“Art. 268/1980. Estuprar mulher vigem ou não, mas honesta. Pena – de prisão celular de um a seis
anos. Parágrafo 1
o
: Se a estuprada for mulher pública ou prostituta. Pena – de prisão celular por seis
meses a dois anos” (Trechos do código Penal de 1980. In: VIEIRA, 2007: 22).
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Trechos do código Penal de 1980. In: VIEIRA, 2007: 22
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Art. 213 do Código Penal de 1940: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou
grave ameaça: Pena – reclusão, de 6 a 10 anos”.
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Art. 217 do Código Penal de 1940: “Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de
catorze, e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”.