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EMPRESÁRIO Então, Doutor, como ficamos ?
DOUTOR Ficamos mal, muito mal. Enfim, é a vida.
EMPRESÁRIO Se tirarmos a peça do cartaz hoje, domingo, que peça vamos
dar na sexta-feira? É preciso renovar o repertório.
DOUTOR Do repertório cuido eu.
EMPRESÁRIO Somos sócios. (NUNES, 1988, p. 26).
Esta cena ocorre no domingo, e a próxima cena já é mostrada como se fosse o dia da
estréia; a sexta-feira. Nesse tempo da narrativa existe uma elipse, pois não se revelam os dias
que antecedem o dia da estréia, mas está implícito que todos passaram a semana produzindo o
espetáculo, em especial o autor, que trabalha sem parar, e, até o último instante, não havia
escrito a cena final. Com algumas horas de atraso, o Doutor (o ator principal) chega da rua
para ajudá-lo a escrever essa cena. No diálogo abaixo, está transcrito o momento em que ele
acaba de chegar (NUNES, 1988, p. 37 e 38).
AUTOR Falta a cena que o doutor prometeu escrever....
DOUTOR E se eu lhe garantir que a última cena não tem mistérios? Será
uma cena curta, muito curta, quando finalmente, está tomando
nota, seu Abadie?
AUTOR Sim, senhor.
DOUTOR Tudo se resolve! A última cena conterá o título da peça.
Em toda a peça o espaço é único: o Teatro Trianon. No início da peça, o público está
diante dos bastidores do teatro; somente quando a representação da peça de Abadie acontece,
a platéia se transforma na platéia do Trianon, como se estivesse um palco dentro do outro; e,
ainda assim, se continuam a ver os bastidores da cena. A rubrica abaixo revela a existência de
um metaespaço:
INTERVALO
(Aos poucos a platéia do teatro vai transformando-se no Teatro Trianon. São
colocados dois camarotes e a ribalta. Entra vestido a caráter Esse Menino de
apontador de lugares, funcionando também como cabo da claque, convocados
sutilmente alguns espectadores a fazerem parte desta. A seguir a Mocinha
substituindo a baleira, vendendo balas e bombons em benefício da Casa dos Artistas
que o doutor pretende construir. O empresário Staffa, saudando a presença de todos
os presentes. Em determinado momento surge do centro do palco uma figura que
vem abrir o espetáculo da noite. Ao final de suas palavras a cortina se abre e temos
então o início do segundo ato.) (NUNES, 1988, p.39).
Segundo Ryngaert (1996, p.80), o tempo da representação é um tempo real, diferente
do tempo da ficção, que é uma abstração, uma metáfora que engloba a organização da