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ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
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AULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM DIREITO
Subárea de Concentração: Direito Administrativo
Extinção do vínculo mantido com os servidores estatais
Claudio Henrique Ribeiro Dias
São Paulo
2008
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P
ONTIFÍCIA
U
NIVERSIDADE
C
ATÓLICA DE
S
ÃO
P
AULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - MESTRADO EM DIREITO
Subárea de Concentração: Direito Administrativo
Extinção do vínculo mantido com os servidores estatais
Dissertação apresentada como
exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Direito
Administrativo, sob a orientação
do Prof. Dr. Silvio Luís Ferreira da
Rocha.
Claudio Henrique Ribeiro Dias
São Paulo
2008
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B
ANCA
E
XAMINADORA
__________________
__________________
__________________
A
GRADECIMENTOS
Em um momento tão importante, não poderia deixar de manifestar minha
gratidão àqueles que, de alguma forma, seja diretamente, transmitindo-me conhecimento,
estimulando-me e provocando-me quando preciso, seja indiretamente, participando da minha
formação e me apoiando, contribuíram para a realização desse trabalho. Aos meus pais, Alfredo e
Lourdinha, e a minha irmã, Virgínia, que, com seu apoio incondicional, dedicação e incentivo
constantes, me fizeram acreditar que um sonho que é sonhado em conjunto se torna realidade.
Sem eles eu nada seria, nem nada conseguiria. A Eugênia, meu grande amor, não apenas por
existir na minha vida, mas também por ter estado ao meu lado em momentos em que nem mesmo
para mim a minha companhia parecia agradável. Com ela ao meu lado certamente a vida fica mais
fácil e prazerosa. A Paula, Ciro, Claucio, Xeraldo, Massara e Brunão, amigos que, com suas
cobranças, dedicação e estímulos, tiveram grande influência na conclusão deste trabalho. A André
e Artur, irmãos que sempre desempenharam um papel fundamental na minha vida e que, mesmo
à distância, nunca deixaram de me incentivar e ajudar. A Joel, pela eterna disponibilidade, sempre
manifestando o desejo de ajudar no que fosse preciso. A André Barachisio, Marcos, Cyntia e
Fabrício, pelo exemplo e pelas primeiras lições, que tanto colaboraram para a minha formação
profissional. Aos colegas do escritório Mallet Advogados, pelos ensinamentos diários, fundamentais
para o meu constante aprimoramento. Aos Drs. Estêvão e Olinda Mallet, pela compreensão,
confiança e ensinamentos, que contribuíram, de maneira indescritível, para o meu crescimento
profissional. Aos amigos Marcos, Priscila, Renato e Bianca, não só pela tolerância e constante
apoio, mas também pela vontade manifestada de ajudar em tudo aquilo estivesse relacionado ao
presente trabalho. Ao meu orientador, Prof. Silvio Luís Ferreira da Rocha, não apenas pelos
ensinamentos, pela infinita paciência, pela constante disponibilidade e pela colaboração, mas,
principalmente, pelas lições de brilhantismo, humildade e dedicação ao trabalho, que, certamente,
representaram grandes estímulos para a conclusão deste trabalho.
R
ESUMO
A presente dissertação é dedicada ao estudo da extinção do
vínculo mantido entre o Estado e os servidores estatais. Busca, mediante análise da
doutrina, da jurisprudência pátria e do ordenamento jurídico nacional, avaliar as
diversas hipóteses em que o rompimento do liame mantido entre o Estado e os seus
servidores se faz possível. Para tanto, inicialmente discorre a respeito das
modalidades de servidores hoje existentes nos quadros do Estado, bem como dos
regimes jurídicos a que podem estar submetidos, analisando suas diferenças
formais. Segue-se análise dos requisitos impostos à investidura em cargos e
empregos públicos, assim como do papel desempenhado pelos Tribunais de Contas
em relação ao provimento daqueles. Dedica-se atenção também à terceirização de
serviços na Administração Pública e à responsabilidade patrimonial do Estado pelos
serviços terceirizados. As modalidades de extinção do vínculo mantido entre o
Estado e os servidores titulares de cargos foram tratadas em capítulo próprio, no
qual se especial ênfase àquelas em que o rompimento do liame decorre de falta
cometida pelo servidor, bem como são analisadas algumas conseqüências oriundas
de tal fato. Em capítulo distinto se empreende verificação acerca da extinção da
relação mantida entre o Estado e os servidores submetidos ao regime celetista.
Discorre-se também a respeito dos efeitos da admissão de servidores sem a prévia
realização de concurso blico. Por fim, são analisados os pontos de aproximação e
distanciamento existentes entre os regimes a que podem estar submetidos os
servidores, no tocante à extinção do vínculo por eles mantido com o Estado.
Palavras-chave: Servidor, vínculo, extinção, hipóteses e comparação.
A
BSTRACT
This thesis addresses termination of the bond between the
State and state public servants. It also seeks—by analyzing legal writings, case law
and the Brazilian legal system—to assess the various events in which the bond
between the State and its public servants may be severed. This work initially explains
the currently existing types of State public servants, as well as the legal regimes to
which they are subject, scrutinizing their formal differences. It moves on to a review
of the requirements imposed on investiture in public jobs and offices, as well as the
role played by the Budget Oversight Boards (Tribunais de Contas) within such
context. Outsourcing of Public Administration services and the State’s liability for
damages caused by outsourced services (direito patrimonial) is also analyzed. The
modes of termination of the bond between the State and public officials who hold
offices are dealt with in a specific chapter, in which special emphasis is given to
those events in which severance of the bond arises from a fault committed by the
public official and to the consequences of such fact. A separate chapter is dedicated
to termination of the bond between the State and public servants working under the
Consolidated Labor Laws (CLT). The effects of hiring public servants that do not
submit to a prior competitive examination are also discussed. Finally, this thesis
analyzes the similarities and differences between the various regimes to which public
servants may be subject with respect to their bond with the State.
Keywords: Public servant, bond, termination, events and comparison.
S
UMÁRIO
R
ESUMO
..............................................................................................................
6
A
BSTRACT
..........................................................................................................
7
I
NTRODUÇÃO
......................................................................................................
11
C
APÍTULO
I
1. Agentes públicos ......................................................................................... 14
1.1. Classificação dos agentes públicos. .................................................... 15
2. Regimes jurídicos constitucionalmente admitidos para os servidores
públicos............................................................................................................ 19
2.1. Diferenças formais entre o regime estatutário e o regime celetista ..... 23
3. Âmbitos de aplicação dos regimes estatutário e celetista........................... 26
4. Regime jurídico concernente aos servidores contratados com espeque no
art. 37, IX, da Constituição da República......................................................... 31
C
APÍTULO
II
1. Acessibilidade aos cargos e empregos públicos......................................... 34
1.1. Concurso público.................................................................................. 36
1.1.1. Prazo de validade do concurso e direito de preferência............... 44
1.1.2. Direito de ser nomeado................................................................. 47
2. Contratação por tempo determinado........................................................... 51
3. Cargos em comissão................................................................................... 56
4. O papel dos Tribunais de Contas no provimento de cargos e empregos
públicos............................................................................................................ 59
4.1. O papel do registro efetuado pelos Tribunais de Contas no processo
de admissão de servidores.......................................................................... 64
5. Terceirização na Administração Pública...................................................... 66
5.1. Responsabilidade patrimonial do Estado pelos serviços
terceirizados................................................................................................. 70
C
APÍTULO
III
1. Prerrogativas que limitam as hipóteses de extinção do vínculo mantido
entre o Estado e o servidor titular de cargo de provimento efetivo.................. 77
1.1. Estabilidade.......................................................................................... 78
1.2. Vitaliciedade..........................................................................................
84
2. Espécies de extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor
titular de cargo................................................................................................. 86
2.1. Extinção decorrente de ato administrativo............................................
87
2.1.1. Exoneração....................................................................................
88
2.1.1.1. Exoneração decorrente da inércia do servidor.......................
92
2.1.2. Redução de despesas................................................................... 94
2.1.3. Revogação do ato de provimento..................................................
97
2.1.4. Demissão.......................................................................................
98
2.1.4.1. Prática de crime contra a Administração Pública................... 103
2.1.4.2. Abandono de cargo................................................................ 104
2.1.4.3. Inassiduidade habitual............................................................
105
2.1.4.4. Improbidade administrativa.................................................... 106
2.1.4.5. Incontinência pública e conduta escandalosa na repartição. 107
2.1.4.6. Insubordinação grave em serviço...........................................
108
2.1.4.7. Ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular..............
109
2.1.4.8. Aplicação irregular de dinheiros públicos................................
109
2.1.4.9. Revelação de segredo do qual se apropriou em razão do
cargo.....................................................................................................
109
2.1.4.10. Lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio
nacional................................................................................................
110
2.1.4.11. Corrupção..............................................................................
110
2.1.4.12. Acumulação ilegal de cargos públicos..................................
111
2.1.4.13. Inobservância dos incisos IX a XVI do art.117 da Lei
8.112/90................................................................................................
112
2.1.4.14. Processo administrativo disciplinar.......................................
113
2.1.5. Pedido de aposentadoria................................................................
119
2.1.5.1. Custeio da previdência............................................................
125
2.1.5.2. Proventos................................................................................ 128
2.2. Extinção decorrente de fato natural....................................................... 132
2.2.1. Morte...............................................................................................
133
2.2.2. Invalidez..........................................................................................
135
2.2.3. Idade-limite..................................................................................... 137
3. A cassação de aposentaria........................................................................... 140
4. Extinção do vínculo mantido com os servidores ocupantes de cargo em
comissão........................................................................................................... 142
C
APÍTULO
IV
1. A importância dos princípios...................................................................... 148
2. Os princípios do Direito Administrativo......................................................... 152
2.1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
privado.......................................................................................................... 154
2.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público...............................
155
2.3. Princípio da legalidade...........................................................................
156
2.4. Princípio da finalidade............................................................................
157
2.5. Princípio da razoabilidade......................................................................
159
2.6. Princípio da proporcionalidade..............................................................
160
2.7. Princípio da impessoalidade..................................................................
161
2.8. Princípio da publicidade.........................................................................
162
2.9. Princípio da eficiência............................................................................ 163
2.10. Princípio da segurança jurídica............................................................
165
2.11. Princípio da moralidade administrativa................................................
166
2.12. Princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos......
167
2.13. Princípio da motivação.........................................................................
168
2.14. Princípios do devido processo legal e da ampla defesa......................
171
2.15. Princípio do controle judicial dos atos administrativos.........................
172
3. Os princípios do Direito Administrativo e a motivação do ato de dispensa
dos servidores submetidos ao regime da CLT..................................................
173
4. Hipóteses de estabilidade dos servidores submetidos ao regime da CLT... 182
4.1. A estabilidade do dirigente sindical........................................................
184
4.2. A estabilidade dos representantes dos empregados junto à CIPA........
186
4.3. A estabilidade da gestante.....................................................................
188
4.4. A estabilidade do acidentado.................................................................
189
4.5 A estabilidade eleitoral............................................................................
190
4.6 A estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição da República........ 191
5. Justas causas dos servidores submetidos ao regime da CLT...................... 197
5.1. Os atos de improbidade.........................................................................
200
5.2. A incontinência de conduta e o mau procedimento...............................
202
5.3. Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador...................................................................................................
203
5.4. Condenação criminal............................................................................. 204
5.5. Desídia...................................................................................................
205
5.6. Embriaguez............................................................................................
206
5.7. Violação de segredo da empresa.......................................................... 207
5.8. Ato de indisciplina ou insubordinação....................................................
208
5.9. Abandono de emprego..........................................................................
210
5.10. Ato lesivo à honra ou boa fama praticado no serviço contra qualquer
pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições.................................... 211
5.11. Ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra
o empregador e superiores hierárquicos...................................................... 214
5.12. Prática constante de jogos de azar......................................................
215
5.13. Justas causas específicas...................................................................
216
6. Justas causas dos empregadores. Despedida indireta................................ 217
6.1. Exigência de serviços superiores à força do trabalhador, defesos por
lei, contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato............................ 218
6.2. Tratamento com rigor excessivo............................................................
220
6.3. Exposição a perigo manifesto de mal considerável...............................
221
6.4. Descumprimento, pelo empregador, das obrigações do contrato......... 222
6.5. Prática, pelo empregador, de atos lesivos à honra ou boa fama do
empregado ou de pessoas da sua família....................................................
223
6.6. Ofensa física praticada pelo empregador.............................................. 223
6.7. Redução da oferta de emprego............................................................. 224
C
APÍTULO
V
1. A nulidade decorrente da ausência de realização de concurso público....... 225
1.1. Existência, validade e eficácia...............................................................
227
1.2. Nulidade e eficácia.................................................................................
229
1.3. Efeitos da declaração da nulidade do ato de investidura...................... 234
C
APÍTULO
VI
1. Direitos a que farão jus os servidores em virtude do rompimento do
vínculo............................................................................................................... 237
2. Competência para apreciar os conflitos entre os servidores estatais e a
Administração....................................................................................................
244
3. Faltas que resultam na exclusão do servidor dos quadros do Estado.
Semelhanças e diferenças................................................................................ 254
C
ONSIDERAÇÕES
F
INAIS
....................................................................................
260
B
IBLIOGRAFIA
.....................................................................................................
268
11
I
NTRODUÇÃO
Ao Estado incumbe buscar a satisfação do interesse público. Para
alcançar tal desígnio deve intervir no plano real, praticando atos, prestando serviços,
realizando obras, enfim, modificando a realidade existente, de maneira a alcançar a
efetivação do bem comum.
Ocorre que o Estado não é dotado de existência real, isto é, não se
trata de um ser tangível, mas sim de um ente cuja existência se verifica apenas no
plano das idéias.
Assim, para poder atingir os seus objetivos e alcançar a satisfação do
interesse público, deve valer-se de pessoas físicas, ou seja, de recursos humanos
que atuem em seu nome. São os chamados agentes públicos.
Os agentes públicos podem integrar, ou não, a estrutura do Estado.
Aqueles que se subsumem à primeira hipótese, quer dizer, que se inserem nos
quadros do Estado, podem estar a ele atrelados em virtude de um liame de natureza
política ou ainda mediante vínculo de trabalho, de natureza profissional e caráter não
eventual. Nesta última hipótese se inserem os servidores estatais.
Os servidores estatais, porém, representam um gênero, dentro do qual
se abrigam diferentes espécies. À diversidade de espécies existente correspondem
distintos regimes jurídicos. Assim, hoje, os servidores que integram os quadros do
Estado não estão submetidos a um único regime jurídico. Sujeitam-se, em verdade,
a regimes jurídicos distintos, dos quais emergem diferentes direitos e deveres. Não
se trata, portanto, de um grupo uniforme de trabalhadores, ao qual se possa destinar
um tratamento indistinto.
12
Estas relações estabelecidas entre os servidores e o Estado, contudo,
não duram eternamente. Perduram apenas enquanto a sua manutenção se mostra
capaz de satisfazer o interesse blico. Mesmo os servidores que se encontram
resguardados por institutos que limitam a capacidade do Estado de romper o vínculo
com eles mantido podem, em determinadas hipóteses, ser excluídos dos quadros
daquele.
Conforme visto, porém, os servidores estatais podem estar sujeitos a
diferentes regimes jurídicos. Essa diversidade de regimes, ainda que não implique
diferenças no que diz respeito ao ingresso nos quadros do Estado, que este,
independentemente do regime a que esteja submetido o servidor, como regra, está
condicionado à prévia aprovação em concurso público de provas ou provas e títulos,
enseja o surgimento de uma multiplicidade de hipóteses em que o rompimento do
liame mantido entre o Estado e o servidor se faz possível.
Assim, de acordo com o regime a que esteja submetido, poderá o
servidor estar resguardado por diferentes garantias, que limitarão as possibilidades
do Estado de excluí-lo dos seus quadros, bem como farão com que distintas sejam
as hipóteses em que esta exclusão seja possível.
Por meio do presente trabalho buscaremos analisar as hipóteses em
que o rompimento do vínculo mantido entre o Estado e os servidores estatais se faz
possível, nos diferentes regimes a que estes podem estar sujeitos, comparando-as,
de maneira a verificar se a submissão do servidor a um ou outro regime ensejo a
diferenças substanciais no tocante às hipóteses que poderão autorizar a sua
exclusão dos quadros do Estado.
A análise do tema será feita com base na Constituição da República,
no estatuto dos servidores da União e demais diplomas a estes aplicáveis, bem
13
como com fulcro na Consolidação das Leis do Trabalho CLT e na legislação
atinente aos trabalhadores submetidos ao regime celetista.
Buscaremos, outrossim, verificar o entendimento adotado no âmbito
jurisprudencial no tocante às questões controvertidas a serem abordadas no curso
da presente dissertação.
14
C
APÍTULO
I
S
ERVIDORES
E
STATAIS
1. Agentes públicos. 1.1. Classificação dos agentes
públicos. 2. Regimes jurídicos constitucionalmente
admitidos para os servidores públicos. 2.1. Diferenças
formais entre o regime estatutário e o regime celetista. 3.
Âmbitos de aplicação dos regimes estatutário e celetista.
4. Regime jurídico concernente aos servidores
contratados com espeque no art. 37, IX, da Constituição
da República.
1. AGENTES PÚBLICOS
Consoante entendimento pacificado no âmbito do Direito Público, o
Estado possui como função primordial a realização do interesse público. Assim, no
exercício das competências que lhe são atribuídas, deve buscar, obrigatoriamente, a
satisfação do bem-estar da coletividade.
Contudo, o Estado não é dotado de existência física, ocorrendo apenas
no plano ideal. Não se verifica no plano real um ente que se possa chamar de “o
Estado”. Logo, para o desempenho das atividades que lhe o confiadas, deve
valer-se de recursos humanos.
Esses recursos humanos, empregados pelo Estado para o alcance dos
seus objetivos, são os agentes públicos, sujeitos que expressam a vontade do Poder
Público, ainda que o façam em caráter meramente eventual
1
. Agente público,
portanto, é todo aquele que desempenha funções estatais, enquanto o faz. É o
1
Neste sentido se manifesta Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo. 19.
ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 227).
15
exercício do poder estatal que define o agente público, independentemente da
freqüência com que isto venha a ocorrer.
Logo, aquele que atua em nome do Estado não precisa fazê-lo em
caráter permanente para que possa ser reputado agente público. Tampouco precisa
manter qualquer espécie de vínculo jurídico com o Poder Público, consoante ensina
Diogenes Gasparini, ao definir os agentes públicos como “todas as pessoas físicas
que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à
Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”
2
.
Assim, a noção de agente público é bastante abrangente, abarcando
desde o Presidente da República até os particulares que assumem o serviço público
em razão do abandono de seus responsáveis, agentes sujeitos, portanto, a regimes
jurídicos distintos.
Por conseguinte, a amplitude do conceito permite que dentro do
gênero agentes blicos coexistam diferentes espécies, o que margem ao
surgimento de diversas classificações, que adotam como critérios aglutinadores
distintos aspectos, consoante se verá abaixo.
1.1. Classificação dos agentes públicos
Conforme exposto no item precedente, o conceito de agente público é
deveras amplo, alcançando diversas espécies de pessoas físicas que atuam
desempenhando funções estatais. Essa amplitude ensejou o surgimento, na
doutrina, de diversas classificações, que empregam os mais variados critérios
2
GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 133.
16
distintivos, resultando assim em um número maior ou menor de espécies de agentes
públicos.
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge
Neto, ao analisarem o tema, subdividem os agentes públicos em: a) agentes
políticos, que são “os ocupantes dos cargos estruturais da organização político-
administrativa geral”; b) particulares em colaboração com o poder público, espécie
que abarca “os particulares que prestam serviços ao Estado sem um vínculo de
trabalho, a título oneroso ou gratuito”; e c) servidores públicos, “pessoas físicas que
possuem um liame de trabalho com o Estado e às entidades da Administração
indireta mediante remuneração prestam serviços”
3
. Os servidores blicos, por sua
vez, são subdivididos pelos citados autores em civis e militares, ou ainda em
servidores estatutários, empregados públicos e temporários.
Regis Fernandes de Oliveira, por sua vez, classifica os agentes
públicos em: a) agentes políticos, categoria na qual se inserem, além dos
integrantes da “alta administração”, os membros do Poder Legislativo, do Poder
Judiciário e do Ministério Público; b) servidores públicos, que podem ser
estatutários, celetistas e temporários; c) particulares em colaboração com a
Administração; d) militares; e d) servidores de Estatais
4
.
Debruçando-se sobre o tema, Diogenes Gasparini propõe classificação
diversa. Assevera que os agentes públicos podem ser subdivididos em cinco
categorias distintas, a saber, agentes políticos, agentes temporários, agentes de
colaboração, servidores governamentais e servidores públicos
5
.
3
CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O empregado
público. São Paulo: LTr, 2002, p. 37-40.
4
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Servidores públicos. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 10-13.
5
Op. cit., p. 133-247.
17
Segundo as lições do citado autor, os agentes políticos são os titulares
dos cargos da mais alta hierarquia da organização da Administração Pública,
responsáveis pela formação da vontade superior desta. Os agentes temporários, por
sua vez, são aqueles contratados com espeque no art. 37, IX, da Constituição da
República, por tempo determinado, para atender necessidade temporária de
excepcional interesse público. Já os agentes em colaboração são as pessoas físicas
que prestam serviços à Administração Pública, por vontade própria, por requisição
ou com a sua concordância. Os servidores governamentais, segundo lições do
citado autor, são aquelas pessoas que mantêm vínculo de emprego com as
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações privadas. Por fim, os
servidores blicos, que são as pessoas físicas que se ligam sob regime de
dependência à Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional
pública, mediante relação de natureza profissional e permanente, e subdividem-se, a
depender da natureza do nculo mantido, em servidores estatutários e servidores
celetistas.
Muitas outras classificações poderiam ser apontadas. Contudo,
acreditamos que aquelas acima mencionadas são suficientes para evidenciar a
diversidade existente na doutrina.
No presente trabalho, por entendermos tratar-se da classificação que
melhor retrata a diversidade de agentes existente, bem como as peculiaridades
inerentes a cada um deles, adotaremos aquela proposta por Celso Antônio Bandeira
de Mello
6
, acolhida também, com pequenas adaptações, por Maria Sylvia Zanella Di
Pietro
7
.
6
Curso de direito administrativo, cit., p. 226-33.
7
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 17. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 431.
18
Assim, seguindo as lições do citado autor, inicialmente dividimos os
agentes públicos em três grandes grupos, a saber: a) agentes políticos; b)
servidores estatais; e c) particulares em colaboração com o Poder Público.
Os agentes políticos são os responsáveis pela definição dos rumos da
atuação estatal, integrando os cargos fundamentais da organização política do país.
São, portanto, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello, “os formadores da
vontade superior do Estado”
8
, ou seja, o os integrantes do primeiro escalão do
Governo. Podem ser classificados como agentes políticos o Presidente da
República, os Governadores, os Prefeitos, os Ministros, os Secretários, os
Senadores, os Deputados, entre outros.
Os servidores estatais, por sua vez, são as pessoas físicas que
mantêm com o Estado e com as entidades da Administração indireta liame de
trabalho, de natureza profissional e caráter o eventual, sob vínculo de
dependência. Estes podem ser subdivididos em servidores públicos e servidores das
pessoas governamentais de Direito Privado.
Os servidores blicos o aqueles que, dentro do gênero servidores
estatais, mantêm vínculo com a União, Estados, Distrito Federal, Municípios, bem
como com as respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Os servidores
públicos podem ser titulares de cargos ou empregos públicos.
os servidores das pessoas governamentais de Direito Privado são
aqueles que, conforme o próprio nome já enuncia, se encontram vinculados às
empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de Direito Privado
mantidas pelo Poder Público.
8
Curso de direito administrativo, cit., p. 229.
19
Por fim, dentro do gênero agentes públicos, inserem-se ainda os
particulares em colaboração com o Poder Público, categoria que abrange todas as
pessoas físicas que, sem integrarem a estrutura do Estado, exercem função pública.
Estão inseridos na aludida categoria: a) os particulares que são requisitados para o
cumprimento de função pública, tais como os jurados e os mesários; b) aqueles que
por vontade própria assumem a gestão da coisa pública, em virtude de situação
anômala, para satisfazer necessidade pública premente; c) os contratados por
locação de serviço; e d) os concessionários e permissionários de serviços blicos,
assim como os delegados de função ou ofício público.
2. REGIMES JURÍDICOS CONSTITUCIONALMENTE ADMITIDOS PARA OS
SERVIDORES PÚBLICOS
Consoante visto anteriormente, o conceito de servidores públicos
abarca, além dos agentes vinculados à Administração direta, também aqueles que
mantêm vínculo com algumas entidades da Administração indireta. Trata-se, portanto,
de sujeitos subordinados a entidades distintas, pelo que se torna imprescindível
apurar-se, para os fins do presente trabalho, os regimes jurídicos a que se submetem.
Entende-se por regime jurídico o sistema de normas que disciplinam
determinada relação jurídica. Assim, no tocante aos servidores estatais, afirma-se
que o regime jurídico representa o conjunto de direitos e deveres a que esses
agentes passam a submeter-se a partir do momento em que se concretiza o vínculo
que os une à Administração.
20
No tocante aos servidores públicos, com vistas à aplicação do princípio
da isonomia, a Constituição de 1988, originalmente, previa a obrigatoriedade de
adoção de regime jurídico único, versando, em seu art. 39, caput, que “a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua
competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da
administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”.
A redação originalmente dada ao dispositivo em comento deu margem
a inúmeras discussões, especialmente no que tange à definição de qual seria o
regime jurídico único” preconizado pela Constituição Federal.
Havia quem, como Toshio Mukai, entendia que o regime jurídico era
único, mas não unificado. Neste sentido, asseverava o citado autor que:
o princípio da autonomia dos entes federativos impõe a liberdade de
escolha, de tal sorte que na administração direta possa ser, p. ex., o
estatutário, e, em qualquer das duas outras, o mesmo regime ou
celetista. Fora o mesmo, o constituinte teria dito unificado e não
único
9
.
Outros, porém, a exemplo de Hely Lopes Meirelles
10
, afirmavam que o
regime jurídico único apenas poderia ser o estatutário.
Aqueles que sustentavam tal entendimento o faziam com base em três
fundamentos principais, a saber: a) a impossibilidade de os Estados, Distrito Federal
e Municípios legislarem sobre direito do Trabalho (art. 22, I, da Constituição da
República), o que impediria pudessem disciplinar o vínculo mantido com os seus
servidores, na hipótese de adotar-se o regime trabalhista; b) com o regime
trabalhista aplicar-se-iam aos servidores os direitos elencados no art. 7º, da CF, e
9
MUKAI, Toshio. O regime jurídico dos servidores blicos. Revista LTr, São Paulo, v. 54, n. 6, p.
651.
10
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p.
363.
21
não no § do art. 39; e c) o fato de o Texto Constitucional utilizar os termos
“nomeação” e “cargo” ao tratar do servidor público, em seus arts. 37, 39, 40 e 41, o
que denotaria não estaria se referindo ao regime trabalhista.
Afirmava-se ainda, em favor do entendimento de que o regime jurídico
único seria o estatutário, que o regime celetista seria incompatível com o interesse
público. Assim posicionava-se, entre outros, Sérgio Luiz Barbosa Neves, afirmando
que “não pode a Administração valer-se do regime celetista para contratar pessoal.
O interesse público, finalidade primordial da Administração, não se compatibiliza
com este regime”
11
. Isso porque, consoante entendimento daqueles que assim se
posicionavam, somente o regime estatutário ofereceria as garantias imprescindíveis
para a realização do interesse público.
Também Adilson Abreu Dallari
12
preconizava que o regime jurídico
único somente poderia ser o estatutário.
Por fim, havia também quem, como Guilherme José Purvin de
Figueiredo, entendia que “a Constituição Federal estabeleceu um regime jurídico
único determinado à Administração Indireta (o regime celetista) e um regime jurídico
único (ainda indeterminado) à Administração direta, autárquica e fundacional”
13
.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 4 de junho de
1998, a discussão acerca do regime jurídico único encerrou-se. Isso porque a
aludida emenda, alterando o texto original da Constituição, extinguiu a
obrigatoriedade de implantação do regime jurídico único.
11
NEVES, Sérgio Luiz Barbosa. Regime jurídico único e os servidores municipais. Revista LTr, São
Paulo, v. 54, n. 1, p. 5.
12
DALLARI, Adilson Abreu. Regime constitucional dos servidores públicos. 2. ed. rev. e atual. de
acordo com a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 46.
13
FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. O Estado no direito do trabalho: as pessoas jurídicas de
direito público no direito individual, coletivo e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1996, p. 46.
22
Dessa forma, passou a Constituição a admitir a contratação de
servidores pela Administração, submetidos tanto ao regime estatutário, como,
também, regidos pela legislação trabalhista, ou seja, sujeitos ao regime celetista
14
,
pelo que se faz imprescindível compreender as diferenças existentes entre os dois
regimes mencionados.
Em virtude de acontecimentos recentes, a discussão a respeito de qual
seria o regime jurídico único previsto na Constituição da República, contudo,
ameaça retomar a sua importância. Isso porque, por meio de decisão publicada no
Diário Oficial da União, veiculado no dia 14-8-2007, o Supremo Tribunal Federal, por
maioria de votos, deferiu parcialmente a medida cautelar postulada na Ação Direta
de Inconstitucionalidade n. 2.135-4, determinando a suspensão da eficácia do art.
39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 19,
de 1998. Consignou, no entanto, a Corte Suprema, que a decisão proferida “terá
efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada
suspensa”, especialmente no que diz respeito aos servidores admitidos antes da
mencionada declaração.
Assim, em virtude da decisão proferida, o artigo em questão voltou a
ter a sua redação original, que prevê a obrigatoriedade de adoção de regime jurídico
único, no tocante aos servidores que ingressaram nos quadros do Estado após a
sua publicação.
14
No âmbito da Administração federal direta, autárquica e fundacional, aos servidores titulares de
empregos públicos, aplica-se a Lei n. 9.962, de 22-2-2000, diploma editado com o escopo de
disciplinar o regime de emprego público de tais servidores. Assim, o vínculo pela Administração com
estes será regido primordialmente pela mencionada legislação, somente admitindo-se a incidência da
CLT (Dec.-Lei n. 5.452/43) e da legislação trabalhista correlata naquilo em que aquela não dispuser
em contrário.
23
2.1. Diferenças formais entre o regime estatutário e o regime celetista
Dois são os regimes jurídicos aos quais podem estar submetidos os
servidores públicos que atualmente integram os quadros do Estado, a saber, o
regime estatutário e o celetista.
Tais regimes diferem entre si não apenas no que diz respeito aos
direitos e deveres que prevêem
15
, mas também no que concerne a aspectos formais
relacionados, por exemplo, ao surgimento do liame e à possibilidade de sofrerem
alterações durante a vigência do vínculo mantido entre as partes.
O regime estatutário mostra-se distinto do celetista no tocante ao
surgimento do vínculo a ser mantido entre o servidor e o Estado. Afinal, enquanto
neste o liame entre as partes surge em virtude de um acordo de vontades, por meio
do qual são estipulados os direitos e deveres de cada uma delas, no regime
estatutário a admissão do servidor, consoante pontua Maria Paula Dallari Bucci, “se
rege pelo estatuto a lei própria –, criando-se entre o indivíduo e o Estado um
vínculo de natureza institucional”
16
.
Em assim sendo, ao contrário do que ocorre com relação aos
servidores submetidos ao regime celetista, no tocante aos vinculados ao regime
estatutário podemos afirmar que o servidor adere à vontade do Estado, submetendo-
15
Importante salientar que, no tocante aos direitos e deveres que prevê, o regime estatutário, em
alguns aspectos, se assemelha ao celetista, em virtude do quanto disposto no § 3º, do art. 39, da
Constituição da República. Isso porque o dispositivo em questão expressamente determina a
aplicação aos servidores ocupantes de cargo público, portanto, submetidos ao regime estatutário, do
quanto disposto nos incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX do art.
7º da Carta Magna, artigo que, nos dizeres de Alice Monteiro de Barros, “arrola os direitos sociais dos
empregados urbanos e rurais” (Curso de direito do trabalho, 3. ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 75).
Trata-se, portanto, de dispositivo que representa a base constitucional do regime celetista, pelo que,
a sua aplicação, ainda que parcial, aos servidores submetidos ao regime estatutário, aproxima tal
regime daquele.
16
BUCCI, Maria Paula Dallari. Regimes jurídicos dos servidores públicos: aplicação do regime geral
dos empregados à administração pública. In: Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo:
Malheiros, n. 14, p. 201, 1996.
24
se aos direitos e deveres previamente previstos na lei
17
. A manifestação de vontade
do particular se limita ao nascimento do vínculo.
Dessa forma, no regime estatutário os direitos e deveres das partes
são impostos unilateralmente pelo Estado, decorrem do estatuto por este editado. O
Estado, portanto, goza da prerrogativa de, desde que observadas as limitações
impostas pela Constituição, modificar legislativamente o regime jurídico de seus
servidores.
Por conseguinte, sendo alterada a lei, ou seja, o estatuto que disciplina
o vínculo mantido entre as partes, o servidor não pode se opor às mudanças
introduzidas, que passam a produzir efeitos a partir de então (ex nunc), uma vez que
não possui a garantia de que as condições vigentes à época do surgimento do
vínculo serão mantidas.
A situação afigura-se completamente diversa, contudo, no que
concerne aos servidores submetidos ao regime celetista. Isso porque, uma vez
celebrado o contrato de trabalho entre as partes, este, na forma do quanto disposto
no art. 468 da CLT, somente poderá ser modificado mediante mútuo acordo. Não
pode o Estado, dessa forma, alterar unilateralmente o conjunto de direitos e deveres
estipulados quando do surgimento do vínculo mantido com o servidor, seja para
suprimir benefícios, seja para impor novos ônus. A única alteração unilateral que se
admite no contrato de trabalho é aquela destinada a conceder benefícios ao
servidor. Qualquer mudança que não tenha como escopo conferir ao servidor novos
benefícios será nula, salvo aquela que decorrer de alteração promovida no
ordenamento jurídico.
17
Neste sentido se manifesta Marçal Justen Filho (Curso de direito administrativo. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 579).
25
No tocante aos aspectos formais, entendemos que a principal
diferença entre os regimes celetista e estatutário diz respeito justamente à
possibilidade de a Administração alterar unilateralmente os direitos e deveres das
partes, existente unicamente no regime estatutário.
Afinal, em que pese ser possível às partes, no regime celetista, fixar,
mediante tuo acordo, os direitos e deveres recíprocos, na prática, não é o que se
verifica. Isso porque, estando a contratação de servidores, via de regra,
condicionada à realização de concurso público, não há como se falar em negociação
prévia com o escopo de fixar os direitos e deveres das partes.
Em verdade, o que ocorre é que o servidor aprovado em concurso
público, ainda que para submeter-se ao regime celetista, adere aos direitos e
deveres impostos pelo Estado por meio da legislação trabalhista, na forma prevista
no edital do certame. Ao contrário do que ocorre nas relações mantidas entre os
particulares, não espaço para discussão entre as partes, seja no tocante às
condições de trabalho, seja no que diz respeito à remuneração a ser paga.
Assim, tal como ocorre no regime estatutário, também no celetista,
naquilo que concerne às condições do vínculo a ser mantido entre as partes, o
servidor se submete à vontade do Estado, que emerge dos dispositivos legais que
compõem a legislação trabalhista. O simples fato de tais dispositivos regerem
também os vínculos de emprego mantidos entre os particulares não altera a
situação, na medida em que não deixam de representar uma manifestação do
Estado.
26
3. ÂMBITOS DE APLICAÇÃO DOS REGIMES ESTATUTÁRIO E CELETISTA
Elucidada a possibilidade de adoção, pela Administração, dos regimes
estatutário e celetista, urge analisar os âmbitos de aplicação de tais regimes.
Neste aspecto, cumpre primeiramente esclarecer que os servidores
públicos podem ser titulares de cargos, funções ou empregos.
Cargos públicos, nas sempre precisas palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello, são:
[...] as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem
expressadas por um agente, previstas em número certo, com
denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito
Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços
auxiliares do Legislativo, caso em que se criam por resolução, da
Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de
outra destas casas
18
.
Os servidores titulares de cargos submetem-se ao regime estatutário,
já analisado em item precedente, criado especificamente para disciplinar as relações
que mantêm com o Estado.
Os empregos públicos representam, assim como os cargos públicos,
uma unidade de atribuições. Contudo, o vínculo que une os servidores titulares de
empregos públicos ao Estado é de natureza contratual, de maneira que estes se
submetem à legislação trabalhista que se aplica aos contratos de emprego
celebrados entre os particulares, a CLT
19
.
18
Curso de direito administrativo, cit., p. 233.
19
Neste sentido se manifesta Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op. cit., p. 431).
27
as funções públicas, ainda nas palavras de Celso Antônio Bandeira
de Mello, são “plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a
encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de
cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche”
20
. Assemelham-se,
portanto, aos cargos em comissão. Entretanto, em virtude do disposto no art. 37, V,
da Constituição da República, devem ser ocupadas por servidores titulares de
cargos em provimento efetivo. Assim, também os servidores titulares de funções
públicas submetem-se ao regime estatutário.
Assim, pois, conforme seja titular de cargo, emprego ou função, estará
submetido o servidor ao regime estatutário ou ao regime celetista.
Contudo, importa perquirir se a Administração é livre para escolher
entre os regimes estatutário e celetista
21
. Pode simplesmente optar pela criação de
cargos ou empregos públicos? Converge a doutrina no sentido de apresentar
resposta negativa ao questionamento formulado. Indaga-se, no entanto, qual seria o
âmbito de aplicação de tais regimes. Qual o regime a ser adotado como regra geral?
No tocante às empresas públicas, sociedades de economia mista e
fundações de Direito Privado, a questão não enseja maiores discussões. Afinal, em
se tratando de pessoas jurídicas de Direito Privado, não há como se falar em cargos,
20
Custo de direito administrativo, cit., p. 234.
21
Por meio do Projeto de Lei n. 57, de 1999 (n. 4.811, de 1998, na Câmara dos Deputados), tentou-
se delimitar, ao menos em parte, o âmbito de aplicação dos regimes estatutário e celetista. Dispunha
o aludido Projeto de Lei, em seu art. 1º, que seriam regidos pela Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de
1990, os ocupantes de cargos públicos de provimento efetivo das carreiras de I Advogado da
União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União; II
Procurador e Advogado dos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União; Defensor Público da
União; III – Policial Federal, Rodoviário Federal e Policial Ferroviário Federal; e IV – de carreiras cujos
cargos sejam privativos de brasileiro nato. Dispunha ainda o mencionado Projeto de Lei, em seu art.
2º, que seria regido pela CLT e legislação trabalhista correlata o pessoal admitido na Administração
Federal direta, autárquica e fundacional para empregos públicos, no exercício de atividades não
compreendidas nas carreiras mencionadas pelo art. 1º. Pretendia-se, portanto, demarcar um feixe de
servidores que jamais poderiam estar submetidos ao regime celetista. Contudo, o mencionado art.
foi vetado pelo Chefe do Executivo.
28
mas apenas em empregos, pelo que, no que concerne aos servidores das pessoas
governamentais de Direito Privado, a adoção do regime celetista se impõe.
As divergências, porém, se manifestam no que diz respeito aos
servidores públicos.
Analisando o assunto, parte da doutrina defende a restrição do âmbito
de aplicação do regime estatutário, alegando que apenas funções típicas do Estado
demandariam a criação de cargos públicos. Neste sentido são as lições de Marcos
Juruena Villela Souto, que afirma:
A Administração moderna deve buscar uma estrutura enxuta”, na
qual deve haver cargos públicos para funções típicas do estado,
a exigir o uso do poder de império (segurança, defesa do território,
limitação de liberdade ou imposição de penalidades) ou
independência para as funções de fiscalização e controle de
legalidade dos atos da Administração. Às demais funções, ainda que
de natureza permanente, não devem corresponder cargos púbicos,
devendo ser admitida a terceirização pela via do contrato
administrativo de prestação de serviços, ou a utilização do regime
celetista
22
.
Assim, na forma do entendimento preconizado pelo citado autor, o
regime estatutário seria a exceção, somente sendo aplicável a um número restrito de
servidores.
Na mesma linha, em posicionamento, entretanto, mais abrangente,
José dos Santos Carvalho Filho, ao discorrer acerca da matéria, assevera:
[...] não há qualquer dúvida de que algumas carreiras realmente não
comportam, por sua natureza particular, a incidência do regime de
emprego público e devem continuar sujeitas ao regime estatutário,
sejam ou não consideradas as respectivas funções como “atividades
exclusivas de Estado”. Citem-se, para exemplificar, as carreiras de
diplomacia, fiscalização, polícia, advocacia blica e a carreira
militar em geral. Por conseguinte, o regime de emprego público será
22
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Servidores públicos. In: Repertório IOB de Jurisprudência, n.
24/98, Caderno 1, p. 631.
29
o adequado para os servidores que executem as funções normais
de apoio técnico e administrativo em geral, os quais, verdade seja
dita, formam a maioria esmagadora dentro dos servidores
públicos
23
.
Do trecho acima transcrito depreende-se que também José dos Santos
Carvalho Filho entende que, como regra geral, deve a Administração aplicar o
regime celetista, adotando, apenas excepcionalmente, o regime estatutário.
Manifestando entendimento distinto, Regis Fernandes de Oliveira
afirma que:
[...] o Constituinte cuidou de indicar o regime estatutário, em
diversos dispositivos, para deixar claro que pretendia que os
serviços públicos fossem prestados por servidores admitidos,
mediante um regime específico, que identificou ao longo de
dispositivos apropriados (arts. 37 e seguintes)
24
.
Com base em tal premissa, sustenta o autor que o regime a ser
adotado pela Administração deve ser o estatutário. Tal entendimento nos parece o
mais adequado por diversos motivos, a seguir abordados.
Inicialmente, não se pode perder de vista que aos servidores titulares
de cargos o legislador constituinte assegurou uma série de garantias, como, por
exemplo, a irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), a estabilidade (art. 41) e o
direito à disponibilidade (art. 41, §§ e 3º), muitas vezes não existentes em relação
aos servidores submetidos ao regime celetista.
Equivocado seria imaginar que a outorga de tais benefícios se deu
unicamente em razão de mera opção do legislador, vazia de conteúdo. Afinal,
consoante pontua Celso Ribeiro Bastos, “o poder é [...] um meio e não um fim em si
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005, p. 469.
24
Servidores públicos, cit., p. 34.
30
mesmo. Consiste no instrumento de que se vale o Estado para atingir o seu bem
comum, sua verdadeira finalidade”
25
. Assim, na qualidade de agente público, também
o legislador, ao atuar, deve ter como meta a satisfação do interesse público. Não pode
simplesmente outorgar privilégios, sem que isto contribua para a satisfação do bem
comum. Até porque, conforme alerta Caio cito, “a validade da norma de lei, ato
emanado do Legislativo, igualmente se vincula à observância da finalidade contida na
norma constitucional que fundamenta o poder de legislar”
26
.
Desta forma, se aos servidores titulares de cargos foram asseguradas
determinadas prerrogativas especiais, isto se deu em virtude de serem estas
indispensáveis para que tais servidores possam atuar com independência, tendo
como escopo unicamente a realização do interesse público. Não se trata, por
conseguinte, de privilégios desprovidos de finalidade específica. Nessa linha de
raciocínio, o regime estatutário é o que melhor se compatibiliza com a satisfação do
interesse público, na medida em que, de certa forma, garante ao servidor público a
segurança e independência necessárias à satisfação daquele, pelo que deve ser
adotado como regra geral pela Administração.
Corroborando tal entendimento, destaque-se que o legislador
constituinte conferiu especial atenção ao regime estatutário, traçando o seu perfil em
diversos incisos e artigos, dedicando-se, portanto, a compor regime distinto do
trabalhista. Ora, se assim agiu, conforme alerta Celso Antônio Bandeira de Mello,
“certamente não o fez para permitir que depois tal regime fosse desprezado e
adotado regime laboral comum”
27
.
25
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 8.
26
TÁCITO, Caio. Desvio de poder legislativo. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo:
Malheiros, n. 1, p. 68, 1993.
27
Curso de direito administrativo, cit., p. 238.
31
Do exposto, entendemos que, no tocante aos servidores públicos, o
regime estatutário deve ser a regra geral.
Não se pode olvidar, contudo, que o legislador assegurou a
possibilidade de aplicação aos servidores públicos do regime celetista. Este, porém,
em razão de tudo quanto restou acima aduzido, somente pode ser aplicado quando
isto o implicar prejuízo para o interesse público. Somente aquelas atividades nas
quais as prerrogativas asseguradas pelo regime estatutário não sejam
indispensáveis para a satisfação do interesse público poderão ser desempenhadas
sob a égide do regime celetista.
Assim, acolhendo lição de Celso Antônio Bandeira de Mello
28
,
acreditamos que apenas os servidores responsáveis pelo desempenho de atividades
materiais subalternas podem ser contratados sob o regime celetista.
4. REGIME JURÍDICO CONCERNENTE AOS SERVIDORES CONTRATADOS
COM ESPEQUE NO ART. 37, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
A Constituição da República, em seu art. 37, IX, autoriza a contratação
de servidores “por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”, reservando à lei a tarefa de definir as hipóteses em
que esta será admitida.
Trata-se, portanto, de vínculo com prazo de duração determinado,
celebrado para atender a necessidade temporária. Neste particular, cumpre salientar
28
Curso de direito administrativo, cit., p. 241-2.
32
que o caráter temporário da necessidade é indispensável, e poderá decorrer da
própria natureza da atividade a ser desempenhada, que, por ser transitória, não
justifica a criação de cargo ou emprego, nem a realização de concurso público, ou
do fato de não haver tempo hábil para realizar-se dito certame, sem prejuízo do
interesse público. Nessa última hipótese, o vínculo te a duração equivalente à
necessária para a realização do concurso. Demais disso, impende ressaltar, com
destaque, que o interesse público a ser satisfeito deve ser de caráter excepcional.
Os servidores contratados com espeque no art. 37, IX, da Carta
Magna, submetem-se a regime contratual. Entendemos que o legislador, ao
asseverar que a lei estabelecerá os casos de contratação, afastou expressamente o
regime estatutário que, consoante visto anteriormente, não possui natureza
contratual. Por conseguinte, como regra geral, tais servidores sujeitam-se ao regime
celetista.
Situação peculiar, contudo, verifica-se no âmbito federal. Isso porque,
a União Federal, ao amparo do dispositivo constitucional mencionado, editou a Lei n.
8.745
29
, de 9-12-1993, objetivando definir diversos casos considerados de
necessidade temporária de excepcional interesse público. Ocorre que o diploma em
questão, em seu art. 11, determina a aplicação, aos servidores contratados por
tempo determinado, de diversos dispositivos da Lei n. 8.112/90, que dispõe “sobre o
Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das
fundações públicas federais”.
Assim, entendemos que, no tocante a tais servidores, a aplicação da
CLT somente se faz possível naquilo em que o conflitar com aqueles dispositivos
da Lei n. 8.112, mencionados pelo art. 11, da Lei n. 8.745. Estabeleceu-se, desta
29
Alterada pela Lei n. 9.849, de 26-10-1999, e pela Lei n. 10.667, de 14-5-2003.
33
forma, regime híbrido, permeado por disposições atinentes aos regimes estatutário e
celetista.
34
C
APÍTULO
II
A
CESSIBILIDADE AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS
1. Acessibilidade aos cargos e empregos públicos. 1.1.
Concurso público. 1.1.1. Prazo de validade do concurso
e direito de preferência. 1.1.2. Direito de ser nomeado. 2.
Contratação por tempo determinado. 3. Cargos em
comissão. 4. O papel dos Tribunais de Contas no
provimento de cargos e empregos públicos. 4.1. O papel
do registro efetuado pelos Tribunais de Contas no
processo de admissão de servidores. 5. Terceirização na
Administração Pública. 5.1. Responsabilidade patrimonial
do Estado pelos serviços terceirizados.
1. ACESSIBILIDADE AOS CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS
A Constituição da República de 1988, em seu art. 37, I, alterado pela
Emenda Constitucional n. 19, de 1998, assegura a acessibilidade aos cargos,
empregos e funções blicas “aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei”
30
.
Em sua redação original
31
, o dispositivo em comento assegurava a
acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas apenas aos brasileiros que
preenchessem os requisitos estabelecidos em lei. Assim, a investidura de
30
A lei responsável por estabelecer os requisitos a serem preenchidos pelo candidato é da entidade
política titular do cargo ou emprego que se encontra vago. Assim, no tocante ao Executivo, essa lei
será de iniciativa exclusiva do Chefe desse Poder, na forma do quanto disposto no art. 61, § 1º, II, e,
da Constituição da República. No que diz respeito ao Judiciário e ao Ministério Público, a iniciativa
desta lei competirá, respectivamente, aos Tribunais Superiores, em virtude do disposto no art. 96, I, b,
e II, b, da Carta Magna, e ao Ministério Público, em razão do disposto no art. 127, § 2º, do aludido
diploma. Já quanto ao Legislativo a fixação de tais requisitos se dá por meio de resolução, de
iniciativa exclusiva do Chefe desse Poder, consoante se denota dos arts. 51, IV, e 52, XIII, da Carta
Magna.
31
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, e também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os
requisitos estabelecidos em lei; (...)”
35
estrangeiros em cargos, empregos e funções públicas ficava vedada, salvo na
hipótese de tratar-se de portugueses com residência permanente no Brasil, desde
que houvesse reciprocidade em favor dos brasileiros (art. 12, II, § 1º, da CF/88).
Com o advento da Emenda Constitucional n. 11, de 30-4-1996, que
acrescentou os §§ e 2º ao art. 207 da CF de 1988, as universidades e as
instituições de pesquisa científica e tecnológica passaram a poder admitir
professores, técnicos e cientistas estrangeiros.
Hoje, em virtude das alterações promovidas pela Emenda
Constitucional n. 19/98, a investidura de estrangeiros em cargos, empregos e
funções públicas passou a ser amplamente admitida.
Analisando-se o dispositivo em comento, contudo, verifica-se a
existência de duas normas, uma que diz respeito à acessibilidade de brasileiros e
outra concernente à acessibilidade de estrangeiros, além de dupla referência à lei. A
primeira norma é de eficácia contida, na medida em que a lei que menciona não cria
o direito, mas pode restringi-lo, prevendo requisitos para o seu exercício, desde que
esses não impeçam a correta observância do princípio da ampla acessibilidade aos
cargos, funções e empregos públicos. a norma que trata da acessibilidade de
estrangeiros, nas palavras de José Afonso da Silva, é de “eficácia limitada, pois que
o exercício do direito nela estatuído depende de forma a ser estabelecida em lei”
32
.
A amplitude da norma atinente à acessibilidade dos estrangeiros aos
cargos, funções e empregos públicos, no entanto, encontra limitações na própria
Constituição. Com efeito, a Carta Magna, em seu art. 12, § 3º, expressamente
enuncia os cargos que são privativos de brasileiros natos, quais sejam: I – de
Presidente e Vice-Presidente da República; II – de Presidente da Câmara dos
32
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed., o Paulo: Malheiros,
2000, p. 659.
36
Deputados; III de Presidente do Senado Federal; IV de Ministro do Supremo
Tribunal Federal; V da carreira diplomática; VI de oficial das Forças Armadas; e
VII – de Ministro de Estado da Defesa. Tais cargos, independentemente de qual seja
o tratamento dado à questão pelo legislador ordinário, em virtude da sua importância
estratégica dentro da estrutura do Estado, não poderão ser ocupados por
estrangeiros, nem por brasileiros naturalizados.
Ainda no que concerne às limitações à acessibilidade dos estrangeiros
aos cargos, empregos e funções públicas, importante destacar que, conforme
leciona Celso Ribeiro Bastos, “não pode a lei ordinária definir outros cargos como
privativos de brasileiros na condição de nato
33
. Assim, eventuais restrições
impostas aos brasileiros naturalizados, bem como aos estrangeiros, neste particular,
deverão decorrer diretamente do texto constitucional, o podendo ser impostas
pelo legislador ordinário.
1.1. Concurso público
Em virtude do quanto disposto no art. 37, II, da Constituição da
República de 1988, a investidura em cargo ou em emprego público, salvo exceções
previstas na Carta Magna, que serão posteriormente abordadas, fica condicionada à
prévia aprovação em concurso público
34
. Assim, o provimento de cargos e empregos
33
Curso de direito administrativo, cit., p. 413.
34
Marçal Justen Filho, definindo concurso público, afirma tratar-se de “um procedimento conduzido
por autoridade específica, especializada e imparcial, subordinado a um ato administrativo prévio,
norteado pelos princípios da objetividade, da isonomia, da legalidade, da publicidade e do controle
público, destinado a selecionar os indivíduos mais capacitados para serem providos em cargos
públicos de provimento efetivo ou em emprego público” (op. cit., p. 585).
37
públicos, ainda que no âmbito da Administração Pública indireta
35
, depende da
prévia realização de concurso público.
Note-se, neste particular, que o legislador constituinte alterou a
sistemática adotada pela Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969,
que, em seu art. 97, § 1º, condicionava à prévia aprovação em concurso público
apenas a primeira investidura em cargo público”. No texto atual da Carta Magna
não se fala mais em primeira investidura. Buscou o legislador constituinte, portanto,
coibir prática usualmente adotada anteriormente, de guindar a cargos de hierarquia
mais elevada, muitas vezes sem qualquer relação funcional com o de origem,
servidores aprovados para cargos de hierarquia inferior, conferindo-lhes, por
conseqüência, vencimentos superiores aos do cargo original, sob o fundamento de
que não se tratava da primeira investidura.
Em que pese a clareza do dispositivo em comento, diversos entes
federados permaneceram editando diplomas legais que buscavam burlar a regra do
concurso blico. Assim, com o escopo de dirimir, em definitivo, eventuais dúvidas
que porventura ainda pudessem existir e pacificar o entendimento acerca da
questão, o Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2003, editou a Súmula 685
36
,
que assevera que “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao
servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público, destinado ao seu
provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
35
Durante algum tempo discutiu-se a real extensão do dispositivo em comento. No âmbito do Tribunal
de Contas da União, por meio da decisão n. 172/1996, relatada pelo Ministro Adhemar Paladini Ghisi,
proferida no processo n. 017.062/93-4 e publicada no Diário Oficial da União de 2-7-1990, na seção
1, p. 12115, consagrou-se exegese ampla, por meio da qual se preconizava que a norma em questão
abrangia também as entidades da Administração indireta, ainda que exploradoras de atividade
econômica. Também o Supremo Tribunal se manifestou a respeito da questão, pacificando, por meio
de acórdão proferido quando do julgamento da ADin 231-1/RJ, relatada pelo Ministro Moreira Alves,
publicado no Diário da Justiça de 13-11-1992, seção 1, p. 4930, o entendimento de que a norma do
art. 37, II, é compatível e harmoniza-se com a do art. 173, § 1º, da Constituição.
36
Publicada no DJU de 9-10-2003 e 13-10-2003.
38
A obrigatoriedade de prévia aprovação em concurso público para
investidura em cargo ou emprego público representa, nas palavras de Diogo de
Figueiredo Moreira Neto, “a institucionalização do sistema de mérito para o
preenchimento ordinário”
37
dos cargos e empregos públicos.
Dessa forma, com a realização do concurso público busca-se não
apenas preservar o princípio da isonomia, garantindo-se que todos os candidatos
interessados em ocupar o cargo ou emprego vago possam concorrer em igualdade
de condições, mas também resguardar os princípios da moralidade, coibindo-se a
adoção de critérios de seleção escusos, baseados unicamente em interesses
meramente individuais, e da eficiência. Trata-se de procedimento concorrencial, que
busca assegurar sejam selecionados os indivíduos melhor habilitados para
desempenhar de forma eficaz as tarefas inerentes ao cargo ou emprego que se
busca preencher.
Como procedimento concorrencial, conforme lecionam Márcio Barbosa
Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, o concurso público se subordina a princípios
específicos:
Em conseqüência, os processos concorrenciais, além de se
subordinarem aos princípios gerais do processo administrativo
(igualdade, razoabilidade, motivação, interesse público etc.),
sujeitam-se aos postulados próprios, tais como, o princípio da
vinculação ao edital, o princípio da competitividade, o princípio da
seletividade e o princípio proibitivo da quebra da ordem de
classificação [...]
38
.
A seleção dos candidatos interessados em preencher os cargos e
empregos vagos, de acordo com o disposto no art. 37, II, da Carta Magna, será feita
37
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense,
1994, p. 202.
38
MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o
seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 23.
39
mediante a realização de provas, por meio das quais se comprova direta e
imediatamente a aptidão do interessado, ou mediante a realização de provas e
análise de títulos, que comprovam indiretamente a capacidade do interessado,
evidenciando experiência anterior em atividades relevantes e pertinentes ao objeto
do concurso. Desde a Constituição de 1967
39
a realização de seleção com base
unicamente na análise de títulos não se faz mais possível, sendo obrigatória a
efetivação de provas destinadas a avaliar a aptidão do candidato ao cargo ou
emprego a ser ocupado.
A Constituição da República não estabelece forma a ser
necessariamente adotada quando da realização dos concursos públicos. Assim, não
existe a obrigatoriedade de adoção de um procedimento específico. Aconselha Hely
Lopes Meirelles, porém, que os concursos “sejam precedidos de uma
regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os
candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas”
40
, adotando posição
também albergada por Marçal Justen Filho, para quem “a disciplina constitucional do
concurso público exige a eleição predeterminada de requisitos de participação e de
critérios de julgamento, que deverão constar de ato administrativo prévio”
41
.
Por conseguinte, os concursos devem ser precedidos de ato por meio
do qual sejam fixados os procedimentos a serem adotados na realização do
certame, os critérios de julgamento e os requisitos a serem exigidos dos candidatos.
39
Condicionava o diploma em comento, em seu art. 95, § 1º, a “nomeação para cargo público” à
“aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”. O posicionamento então
adotado pelo legislador constituinte, à época, representava flagrante inovação, uma vez que a
Constituição de 1946 limitava-se a fazer referência à realização de concurso blico, nada dispondo
acerca das formas de seleção dos interessados. A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de
1969, no § 1º, de seu art. 97, manteve a exigência da realização de provas, no que foi seguida
também pelo inciso II, do art. 37, da Constituição da República de 1988.
40
Op. cit., p. 379.
41
Op. cit., p. 586.
40
Tal ato, em respeito ao princípio da vinculação ao edital, deverá ser respeitado pela
Administração durante a realização do concurso, e mesmo após ele.
No tocante às exigências a serem impostas aos candidatos, conforme
anteriormente dito, busca-se por meio do concurso escolher os indivíduos melhor
habilitados para desempenhar de forma eficaz as tarefas inerentes ao cargo ou
emprego a ser preenchido. Assim, todo e qualquer requisito exigido deve, quando
objetivamente considerado, se mostrar necessário e razoável ao eficaz desempenho
das tarefas inerentes ao cargo ou emprego a ser ocupado. Do concorrente somente
pode exigir-se que demonstre possuir as habilidades fundamentais ao escorreito
desempenho das atividades inerentes ao cargo ou emprego a ser preenchido.
Dessa forma, a adoção unicamente de critérios subjetivos de
seleção
42
, bem como a imposição de exigências meramente discriminatórias, como,
por exemplo, relativas ao lugar de nascimento, condição financeira, raça, classe
social, religião, entre outras, são expressamente vedadas pelo ordenamento.
Com base no princípio da razoabilidade, contudo, tem-se admitido
43
a
imposição de exigências que, a princípio, poderiam ser consideradas atentatórias ao
princípio da isonomia, relacionadas, por exemplo, à idade, sexo e capacidade física
do candidato, desde que estas possuam relação com as atribuições do cargo ou
emprego a ser preenchido.
Ainda no tocante às exigências a serem impostas aos candidatos que
se submetem a concurso público, questão que, há muito tempo, tem ensejado
discussões é aquela que diz respeito aos exames psicotécnicos. Indaga-se se a
42
Não se pode olvidar que, no tocante a alguns aspectos, não como se afastar o emprego de
análises dotadas de certo teor de subjetividade. O que se busca, porém, é evitar sejam adotados
critérios subjetivos para avaliar capacidades que podem ser avaliadas por meio de critérios objetivos.
43
STF, Súmula 683: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face
do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo
a ser preenchido”.
41
Administração poderia, antes ou após as provas, submeter os candidatos a exames
destinados a apurar a higidez psicológica destes, cujos resultados sejam utilizados
para eliminar aqueles que não se adequarem a um determinado perfil, previamente
estipulado.
No que diz respeito a tal indagação, entendemos irretocável a opinião
de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, ao discorrer acerca daquela, assevera
que:
Não se nega que os sobreditos exames possam ser utilmente
aplicados para exclusão de indivíduos padecentes de graves
distúrbios da personalidade, isto é, com desequilíbrio psicológico
sério, suscetível de inabilitá-los para o serviço público. Também não
se nega que em relação a certas atividades a avaliação
psicológica seja prestante para detectar características de
personalidade incapacitantes para a função, como o seria, por
exemplo, um teor exagerado de agressividade em candidato à
carreira policial.
Entretanto, o que se nega terminantemente é que seja compatível
com o Texto Constitucional por violar a necessária objetividade
inerente a razão de ser da acessibilidade e do concurso público a
adoção de um perfil psicológico” em que devam encaixar os
candidatos, pena de exclusão do certame
44
.
Desta forma, entendemos que realização de exames psicotécnicos
somente se faz possível quando destinada a excluir candidatos que possuam
determinadas características pessoais que os inabilitem para o exercício das
atividades inerentes ao cargo a ser ocupado. o se admite, porém, a realização de
tais exames quando estes tenham por escopo não a apuração das exceções, mas,
sim, a seleção de candidatos que possuam um determinado perfil psicológico
específico.
44
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime constitucional dos servidores da administração
direta e indireta. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 67.
42
Ao analisar a questão, o Supremo Tribunal Federal se manifestou
no sentido de admitir a realização de exames psicotécnicos, consoante se denota do
voto proferido pelo Ministro Néri da Silveira ao apreciar o Recurso Extraordinário
tombado sob o n. 188.234, publicado em 24-5-2002, no qual se assevera que “o
exame psicotécnico pode ser estabelecido para concurso público desde que seja
feito por lei, e que tenha por base critérios objetivos de reconhecido caráter
científico, devendo existir, inclusive, a possibilidade de reexame
45
.
Os concursos públicos deverão ser realizados por meio de bancas ou
comissões examinadoras, compostas por elementos capazes e idôneos, que
poderão ser ou não servidores estatais. É importante, porém, que os integrantes da
banca ou comissão examinadora sejam dotados de conhecimento especializado
sobre o tema objeto do concurso realizado. O nome e a qualificação profissional dos
integrantes da comissão ou banca examinadora deverão ser previamente
divulgados, para que os candidatos possam deles tomar conhecimento.
Em face das decisões proferidas pela banca ou comissão examinadora
será admissível recurso para órgãos superiores. Afinal, conforme lecionam Sérgio
Ferraz e Adilson Abreu Dallari, em obra dedicada ao processo administrativo, o
duplo grau de jurisdição administrativa é um dos princípios que norteiam o processo
administrativo
46
. Assim, na medida em que o concurso público representa
modalidade de processo administrativo, não se pode admitir sejam proferidas, no
âmbito deste, decisões irrecorríveis.
45
Neste sentido, vejam-se, ainda, os seguintes acórdãos: RE 243.926, rel. Min. Moreira Alves, DJ,
10-8-2000; RE 466.061–AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ, 30-6-2006; AI 630.247–AgR, rel. Min.
Eros Grau, DJ, 8-5-2007; e RE 318.367–AgR, rel. Min. Celso de Mello. Corroborando admissibilidade
da realização de exames psicotécnicos, a Súmula 686, do STF, dispõe: “Só por lei se pode sujeitar a
exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”.
46
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson. Processo administrativo. 1. ed., São Paulo: Malheiros, 2003,
p. 87-9.
43
Também perante o Poder Judiciário as decisões das bancas ou
comissões examinadoras dos concursos podem ser questionadas. Contudo,
prevalece hoje na jurisprudência o entendimento de que, no âmbito judicial, a
reapreciação de tais atos fica limitada aos aspectos formais. Assim, podem ser
revistas questões relacionadas, por exemplo, à legalidade da constituição das
bancas ou comissões examinadoras, aos critérios adotados para julgamento, à
classificação dos candidatos, entre outras. Não é permitido ao Poder Judiciário, no
entanto, reapreciar o mérito das decisões proferidas, revendo, por exemplo, a
correção das provas
47
.
Ao analisar o tema, entretanto, Almiro do Couto e Silva propõe
abordagem que nos parece extremamente pertinente. O autor, em momento de
grande lucidez, diferencia as provas chamadas “dissertativas” daquelas chamadas
“objetivas”, salientando que, no tocante às provas dissertativas, em virtude do amplo
grau de subjetivismo de que se reveste a avaliação, que envolve, inclusive, uma
comparação entre as dissertações feitas por todos os candidatos, com o escopo de
estabelecer-se critérios uniformes de avaliação, “o juiz não poderá substituir os
critérios de correção adotados pela banca ou comissão examinadora pelos seus
próprios critérios, desde que aqueles se mostrem razoáveis”
48
. No que diz respeito
às provas objetivas, no entanto, a situação seria distinta, que nestas somente
haverá respostas certas ou erradas, em face do “estado atual das ciências, da
técnica ou das artes”
49
, pelo que poderia o Poder Judiciário avaliar a correção feita,
de maneira objetiva. O posicionamento adotado nos parece correto.
47
Neste sentido aponta o seguinte acórdão, proferido pelo STF: MS 88.699, rel. Min. Carlos Velloso,
DJ, 26-3-1980.
48
SILVA, Almiro do Couto. Correção de prova de concurso público e controle jurisdicional. Revista
Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 42, p. 7, 2003.
49
Idem, ibidem, p. 7.
44
Após homologado o concurso, segue-se o provimento
50
do cargo
público, que se por meio da nomeação do candidato aprovado. A nomeação é o
ato administrativo através do qual se atribui a alguém o exercício inicial de um cargo.
Completa-se com a posse, que significa a aceitação das atribuições,
responsabilidades e direitos do cargo. Marcando o início dos direitos e deveres
funcionais, gera, também, restrições, impedimentos e incompatibilidades. Segue-se
o subseqüente exercício, que é decorrência natural da posse. Em ocorrendo esta, o
cargo fica provido, pelo que o poderá ser ocupado por outrem. O provimento,
dessa forma, apenas se completa efetivamente com a entrada em exercício do
nomeado.
Logo, a investidura do servidor no cargo somente ocorre com a posse
e o posterior exercício.
1.1.1. Prazo de validade do concurso e direito de preferência
Em razão do quanto disposto no art. 37, II, da Constituição da
República, os concursos poderão ter prazo de validade
51
de até dois anos,
prorrogável por igual período.
50
Provimento, nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira, é o “procedimento administrativo pelo
qual alguém ingressa na função pública” (op. cit., p. 203).
51
Verifica-se na doutrina a existência de controvérsia a respeito de qual o termo inicial para contagem
do prazo de validade do concurso. Afirma Diogenes Gasparini que “esse prazo conta-se da data da
abertura do certame” (op. cit., p. 174). Já Hely Lopes Meirelles esposa entendimento diverso,
asseverando que o prazo de validade do concurso deve ser contado da homologação (op. cit., p.
436). Entendemos, porém, em virtude do quanto disposto no art. 37, IV, da Constituição da
República, que o termo inicial para contagem do prazo de validade do concurso é o ato de
homologação do certame. Isso porque o dispositivo em questão assegura que os aprovados no
concurso, durante o prazo de validade deste, terão prioridade sobre novos concursados, no tocante à
convocação para a assunção do cargo ou emprego que foi objeto do certame realizado, dando a
entender que o prazo de validade do concurso é aquele durante o qual este poderá produzir seus
efeitos típicos. Assim, o termo inicial do prazo de validade seria o mesmo da homologação do
concurso, ato que marca o momento a partir do qual o concurso produz os seus efeitos típicos. Ao
apreciar a questão, o STF, por meio do acórdão que apreciou o Recurso Ordinário em Mandado de
Segurança tombado sob o n. 24.119-9, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa, publicado em 14-6-
45
De acordo com o art. 37, IV, da Carta Magna, dentro do prazo de
validade os candidatos aprovados no certame possuem preferência para o
preenchimento dos cargos ou empregos por ele abrangidos. Assim, havendo
necessidade de provimento do cargo ou emprego objeto do certame, não poderá ser
nomeado candidato estranho à lista de aprovados
52
, devendo ser observada ainda a
ordem de classificação dos participantes daquele.
Logo, havendo a nomeação, ainda que a título precário, de pessoa não
concursada ou não classificada, ou mesmo a nomeação de candidato aprovado em
concurso posterior, para aqueles cargos ou empregos que foram objeto do concurso
realizado, quando ainda válido este, o candidato aprovado, que tenha sido preterido,
pode exigir, inclusive por meio do mandado de segurança, a sua nomeação. O
mesmo se pode afirmar quando a nomeação efetuada ocorre em desrespeito à
ordem de classificação dos aprovados.
Com o advento da Lei n. 8.112/90, dentro do prazo de validade do
concurso realizado, desde que existam candidatos aprovados e ainda não
convocados, sequer se pode dar início a novo certame. Isso porque, o diploma em
comento, no § 2º, do seu art. 12, expressamente dispõe que “não se abrirá novo
concurso enquanto houver candidato aprovado em concurso anterior com prazo de
validade não expirado”. Importante salientar, porém, que a vedação quanto à
realização de novo certame, dentro do prazo de validade do concurso previamente
realizado, se refere unicamente àqueles cargos ou empregos que se buscava
preencher por meio do concurso anterior.
2002, externou entendimento no sentido de que o termo inicial da contagem do prazo de validade
do concurso seria a publicação do ato por meio do qual foi homologado o concurso.
52
Por meio da edição da Súmula 15, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que
“dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o
cargo for preenchido sem observância da classificação”.
46
O prazo de validade do concurso, contudo, diz respeito apenas à
convocação dos aprovados. Realizada a convocação dentro do mencionado
interstício, a prática dos atos necessários à concretização da investidura, tais como
a nomeação e a posse, poderá ocorrer em momento posterior, ou seja, fora do prazo
de validade do concurso.
Afinal, não se pode olvidar que a própria Carta Magna, em seu art. 37,
IV, faz alusão unicamente à convocação, não à admissão. Ora, ao mencionar que a
prioridade assegurada ao aprovado no concurso, dentro do prazo de validade deste,
diz respeito apenas à convocação, o dispositivo em comento deixa claro que o prazo
de validade a que se refere o inciso III deve ser entendido como o prazo dentro do
qual deve se dar a convocação, não, necessariamente, a admissão do candidato.
Havendo necessidade de provimento do cargo ou emprego, enquanto perdurar o
prazo de validade do concurso, deverão ser convocados aqueles aprovados no
certame realizado, podendo, os atos necessários à concretização da investidura, ser
praticados após o termo final do prazo de validade do certame.
Até porque, em se entendendo que o prazo de validade previsto no
inciso III do artigo em questão diz respeito à admissão, e não à convocação, estar-
se-á admitindo o surgimento de hipóteses absurdas, certamente inaceitáveis. Seria o
caso, por exemplo, do candidato que é convocado dentro do prazo de validade do
concurso sem que, contudo, entre a data da convocação e o termo final do prazo de
validade do concurso, haja tempo hábil para a prática de todos os atos necessários
à concretização da investidura. A despeito de, em tese, possuir prioridade sobre
novos concursados, este candidato não ingressará nos quadros da Administração,
uma vez que, antes que sejam praticados todos os atos necessários à sua
47
investidura no cargo ou emprego em questão, o prazo de validade do concurso do
qual participou se expirará.
Ademais, adotar entendimento em sentido contrário implicaria reduzir
sensivelmente o prazo para a convocação, na medida em que esta teria de ser
realizada dentro de prazo que possibilitasse ainda a prática dos atos necessários à
concretização da investidura.
Portanto, por prazo de validade do concurso deve-se entender aquele
interstício dentro do qual poderão ser convocados os aprovados no certame.
1.1.2. Direito de ser nomeado
Questão que merece especial atenção é aquela que diz respeito à
existência de eventual direito do candidato aprovado no certame à posterior
nomeação. Teria o candidato aprovado no concurso direito à nomeação ou mera
expectativa de direito?
Prevalece na doutrina o entendimento no sentido de que o
candidato aprovado no concurso não adquire direito à nomeação ou
admissão, mas possui mera expectativa de direito à investidura no cargo ou
emprego disputado. Este é o pensamento albergado, por exemplo, por
Diogenes Gasparini
53
, Maria Sylvia Zanella Di Pietro
54
, Hely Lopes Meirelles
55
e Celso Ribeiro Bastos
56
, entre outros.
Também o STF acolhe este entendimento, consoante se denota do
acórdão proferido no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário,
53
Op. cit., p. 172.
54
Op. cit., p. 444-5.
55
Op. cit., p. 380.
56
Curso de direito administrativo, cit., p. 421.
48
tombado sob o n. 306.938, relatado pelo Ministro Cezar Peluso e publicado em 11-
10-2007, bem como da Súmula 15, da Corte Suprema, que evidencia a adoção de
intelecção no sentido de que dentro do prazo de validade do concurso, o candidato
aprovado somente tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem
observância da classificação.
Nesse sentido manifesta-se ainda o Superior Tribunal de Justiça,
conforme emerge do acórdão proferido no julgamento do Recurso Ordinário em
Mandado de Segurança, tombado sob o n. 24.151, relatado pelo Ministro Félix
Fischer e publicado em 16-8-2007, no qual se afirmou que “a aprovação em
concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação, competindo à
Administração, dentro de seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados
de acordo com a sua conveniência e oportunidade”.
Adotando posicionamento divergente, contudo, Marçal Justen Filho
assevera:
Os princípios da objetividade e da eficácia da atividade
administrativa impedem que o aparato estatal seja movimentado a
propósito de caprichos ou em termos irracionais. Se o Estado
promove um concurso público (inclusive efetuando despesas com
sua realização), impondo sacrifícios aos particulares e deles
exigindo disponibilidade para assunção imediata, não se pode
admitir o exercício arbitrário da competência de promover concurso
público. Se promoveu concurso público, homologando o resultado, o
estado apenas pode deixar de promover a contratação mediante
motivação satisfatória. Essa motivação não pode restringir-se à
invocação da titularidade de uma competência discricionária
57
.
A intelecção albergada pelo ilustre professor paranaense, defendida
também por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes
58
, em que pese todo o respeito devido
57
Op. cit., p. 592.
58
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2.
ed., Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 268.
49
àqueles que se posicionam em sentido contrário, nos parece de inquestionável
acerto.
Nesse sentido, preciosas também as lições de Carlos Ari Sundfeld, que
alerta que:
[...] a instauração de concurso púbico no âmbito de uma carreira
existente e em funcionamento deve decorrer da prévia verificação
das vacâncias ocorridas, da estimação das reposições previsíveis,
bem como dos planos de expansão dos serviços
59
.
Dessa forma, ainda nas palavras do citado autor, “tudo autoriza a
presunção de que na abertura de um concurso público vai embutida a decisão de
prover os cargos, como conseqüência da verificação da necessidade de fazê-lo
60
.
Ora, se à época em que se deu início ao concurso havia cargos ou
empregos vagos, tendo restado constatada a necessidade de preenchimento destes,
somente a demonstração da ocorrência de fato superveniente, que venha a tornar
tal medida desnecessária, ou momentaneamente desaconselhável, pode justificar a
não nomeação dos aprovados. Assim, deve restar claramente evidenciada a
alteração no interesse público que justificou a realização de concurso público. Caso
contrário, estar-se-ia admitindo que o Estado poderia, com base unicamente nos
interesses dos seus dirigentes, negligenciar o interesse público que justificou a
abertura do concurso, ou mesmo, realizar certames quando estes o fossem
necessários.
Aqui novamente mostram-se precisas as palavras de Carlos Ari
Sundfeld:
59
SUNDFELD, Carlos Ari. O concurso público e o direito à nomeação. In: Estudos de Direito
Administrativo em homenagem ao Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Max Limonad,
1996, p. 15-16
60
Idem, ibidem, p. 16.
50
Em havendo candidatos aprovados e vagas ativas (isto é, não
declaradas formalmente desnecessárias) a preencher, o natural é,
portanto, que o provimento se faça no prazo de validade do
concurso.
Isso, por acaso significa deverem ser efetuadas nomeações, mesmo
em havendo mudado, após a abertura do concurso, as
possibilidades e necessidades da Administração? Não, por óbvio
que não. Mas significa, isto sim, que, ocorrendo a hipótese, a
autoridade tem o dever de decidir, de forma expressa e motivada,
pelo não provimento, declarando desnecessários os cargos vagos.
Admitir o contrário aceitar que o administrador, por meio de
simples e inexplicada omissão, deixe fluir em branco o prazo de
validade do concurso, para dessa forma subtrair os direitos dos
aprovados seria reconhecer-lhe a faculdade de exercício arbitrário
do poder.
Deveras, apesar de universal a afirmação de que os atos
administrativos serão formalmente motivados, aqui se estaria
tolerando um ato (e de graves conseqüências) sem qualquer
motivação. Apesar de se exigir a presença de interesse público para
instaurar concurso, estar-se-ia, agora, permitindo sua frustração
sem qualquer interesse público a justificá-lo.
Ademais, tudo isso importaria em autorizar o administrador a se
insurgir, pura e singelamente, contra o resultado dos concursos.
Insatisfeito com a lista de habilitados, frustrado com a ordem das
classificações, poderia o agente modificar tudo com sua prolongada
e não justificada inércia.
Como o direito público moderno não aceita as competências
imperiais, é forçoso concluir, então, que o silêncio da Administração
no curso da validade do certame não destrói a presunção,
anteriormente firmada, de que o preenchimento das vagas ativas é
necessário e oportuno.
Assim, ao contrário do que ocorria no passado, a evolução
jurisprudencial acabou por reconhecer que a aprovação em
concurso e sua posterior homologação dão sim ao candidato o
direito de, no prazo de validade, ser aproveitado nas vagas ativas
que existirem, se existirem. Trata-se, por certo – e para usar a figura
dos administrativistas italianos de um direito enfraquecido, que
pode ser suprimido por um ato administrativo posterior, em função
(exclusivamente) do interesse público. Mas, de todo modo, de um
direito.
Para concluir: se a Administração deixar escoar até o fim o prazo de
validade do concurso, se existirem cargos ativos a prover e se não
houver sido expedido nenhum ato administrativo legítimo decidindo
pelo não preenchimento das vagas (declaração de desnecessidade
dos cargos), com a sempre devida motivação formal, então se
terá caracterizada a violação direito do interessado
61
.
61
SUNDFELD, Carlos Ari. O concurso público e o direito à nomeação. In: Estudos, cit., p. 16-17.
51
Assim, caso não seja demonstrada a alteração do interesse público
que justificou a realização do certame, os candidatos aprovados, classificados
dentro do limite de vagas indicadas no edital, têm direito à nomeação.
2. CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO
Ainda que a regra seja que a investidura em cargo ou emprego público
esteja condicionada à prévia aprovação em concurso público, reconheceu o
legislador constituinte a existência de situações excepcionais nas quais a realização
daquele mostra-se desaconselhável, podendo mesmo implicar vulneração ao
interesse público. Em tais hipóteses autorizou a admissão de servidores sem a
prévia realização de concurso público.
Exceção à regra da prévia aprovação em concurso público, como
condição para a investidura em cargo ou em emprego público, se verifica analisando
o art. 37, IX, da Constituição da República
62
, que autoriza a contratação de
servidores “por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”.
Trata-se, contudo, como dito, de hipótese excepcional, pelo que
somente aplicável quando preenchidos os requisitos impostos pelo dispositivo em
comento. Assim, a contratação de servidor com base no art. 37, IX, da Carta Magna
está condicionada à existência de excepcional interesse público e de necessidade
62
na Emenda Constitucional n. 1, de 1969, admitia-se, no art. 106 do aludido diploma, a
contratação de servidores em caráter temporário.
52
temporária. Uma vez constatada a presença desses requisitos, nas palavras de José
dos Santos Carvalho Filho
63
, a realização de concurso público é inexigível.
Buscou o legislador, por meio da norma ora em tela, contemplar
aquelas situações nas quais o caráter transitório da atividade a ser desempenhada
não justifica a criação de cargo ou emprego, nem a realização de concurso público,
assim como aqueloutras nas quais o transcurso do interstício necessário para a
realização de um concurso público implicaria prejuízo ao interesse público, como,
por exemplo, situações de calamidade e epidemia. Em ambas as hipóteses, a
necessidade que motiva a contratação é meramente temporária. Naquela, a própria
natureza efêmera da atividade faz com que não seja necessária a celebração de
contrato que perdure por tempo indeterminado, enquanto nesta a necessidade
somente perdura pelo tempo estritamente necessário para a realização de certame.
Nesse particular, cumpre destacar, porém, a existência de
entendimento no sentido de que a aplicação do dispositivo em comento somente se
faz possível quando a função a ser desempenhada for temporária. Dessa forma,
aqueles que defendem tal entendimento não concebem a admissão, por tempo
determinado, de servidores para o desempenho de função permanente, afirmando
que, se a necessidade é permanente, fica a investidura condicionada à prévia
realização de concurso público. Este é o entendimento albergado por Adilson Abreu
Dallari
64
, Celso Ribeiro Bastos
65
e José Cretella Júnior
66
, entre outros. Trata-se de
entendimento, porém, em que pese o notório brilhantismo daqueles que o
sustentam, com o qual não concordamos. Isso porque, analisando-se a Carta
Magna, verifica-se que o legislador constituinte não falou em função temporária, mas
63
Op. cit., p. 486.
64
Regime constitucional dos servidores públicos, cit., p. 124-6.
65
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 98, v. 3, t. III.
66
Comentários à Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p.
2203, v. 4.
53
sim em necessidade temporária. Ora, hipóteses em que, ainda que a função seja
permanente, a necessidade será temporária, como é o caso, anteriormente
mencionado, daquelas nas quais o transcurso do interstício necessário para a
realização do certame implicaria prejuízo ao interesse público, dada a urgência da
contratação.
Não se pode olvidar, aliás, que o dispositivo constitucional que autoriza
tal modalidade de contratação expressamente determina que “a lei estabelecerá os
casos de contratação”. Assim, entendemos tratar-se de norma de eficácia limitada
67
,
pelo que a contratação de servidores temporários, com base no art. 37, IX, da
Constituição, fica condicionada à existência de lei que indique as hipóteses em que
essa contratação é possível, não sendo admitida na ausência desta
68
. A admissão
também não se faz possível quando se estiver diante de situação não
expressamente prevista no diploma que disciplinar a questão.
Afinal, trata-se de exceção, pelo que, conforme alertam Márcio
Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, “em obséquio a postulado elementar
de hermenêutica, a interpretação das situações excepcionadas deve ser estrita, não
se admitindo, inclusive, o emprego de analogia”
69
.
Na esfera federal, a Lei n. 8.745, de 21 de maio de 1993, alterada
pelas Leis 9.849, de 26 de outubro de 1999, e 10.667, de 14 de maio de 2003,
estabelece as hipóteses em que a adoção de tal modalidade de contratação se faz
67
Adotando posicionamento em sentido contrário, afirma Celso Bastos que a aplicabilidade do
dispositivo em comento não fica “à mercê da superveniência de uma lei”, uma vez que “não se trata
de norma de eficácia limitada, mas sim de norma de eficácia contida” (“Cargo emprego e função
conceitos”. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional. RT, São Paulo, ano 2, n. 6, p. 172, jan./mar. 1994).
68
Neste sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal, asseverando que “a contratação por
tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, tem
como pressuposto lei que estabeleça os casos de contratação (...) Inexistindo essa lei, não há falar
em tal contratação” (STF, RE 168566/RS; Turma, rel. Min. Carlos Velloso, j. 20-4-1999, publ. DJ
de 18-6-1999, p. 23).
69
Op. cit., p. 48.
54
possível, definindo, em seu art. 2º, como situações em que considerar-se-á existente
“necessidade temporária de excepcional interesse público” as seguintes: I
assistência a situações de calamidade pública; II – combate a surtos endêmicos; III –
realização de recenseamentos e outras pesquisas de natureza estatística efetuadas
pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; IV admissão
de professor substituto e professor visitante; V admissão de professor e
pesquisador visitante estrangeiro; VI – atividades: a) especiais nas organizações das
Forças Armadas para atender à área industrial ou a encargos temporários de obras
e serviços de engenharia; b) de identificação e demarcação desenvolvidas pela
FUNAI; c) finalísticas do Hospital das Forças Armadas; d) de pesquisa e
desenvolvimento de produtos destinados à segurança de sistemas de informações,
sob responsabilidade do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança
das Comunicações CEPESC; e) de vigilância e inspeção, relacionadas à defesa
agropecuária, no âmbito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, para
atendimento de situações emergenciais ligadas ao comércio internacional de
produtos de origem animal ou vegetal ou de iminente risco à saúde animal, vegetal
ou humana; f) desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da
Amazônia SIVAM e do Sistema de Proteção da Amazônia SIPAM; g) técnicas
especializadas, no âmbito de projetos de cooperação com prazo determinado,
implementados mediante acordos internacionais, desde que haja, em seu
desempenho, subordinação do contratado ao órgão ou entidade pública; e VII
admissão de professor, pesquisador e tecnólogo substitutos para suprir a falta de
professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de cargo efetivo, decorrente de
licença para exercer atividade empresarial relativa à inovação.
55
Trata-se, contudo, de diploma aplicável apenas no âmbito federal, pelo
que os Estados e Municípios que queiram contratar servidores temporários, com
base no art. 37, IX, da Carta Magna, têm de estabelecer, por suas próprias leis
70
, as
hipóteses em que esta contratação será possível
71
.
A simples inexigibilidade da realização de concurso público, no
entanto, não autoriza a Administração a escolher aleatoriamente aqueles que serão
contratados. Deverá sempre buscar, entre os interessados, aqueles profissionais
mais capacitados, que possuam condições de satisfazer o interesse público,
desempenhando a contento todas as atividades inerentes à função a ser
desempenhada.
Nesse sentido, a Lei n. 8.745/93, em seu art. 3º, preconiza a adoção de
“processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do
Diário Oficial da União”, salvo quando a contratação a ser realizada tenha como
escopo “atender às necessidades decorrentes de calamidade pública”, bem como
“nos casos do professor visitante referido no inciso IV e nos incisos V e VI, alíneas a,
c, d, e e g, do art. 2º, quando “poderá ser efetivada à vista de notória capacidade
técnica ou científica do profissional, mediante análise do curriculum vitae”.
Conforme dito, trata-se de modalidade de contratação destinada a
satisfazer necessidade claramente temporária. Assim, somente se admite a
celebração de contrato por prazo determinado. Nesse sentido a Lei n. 8.745/93, em
seu art. , estipula os prazos máximos a serem observados, de acordo com a
70
Tem entendido o Supremo Tribunal Federal que os Estados e Municípios, no exercício desta
competência, devem editar leis que estabeleçam objetivamente as hipóteses em que será admitida a
contratação temporária, sendo vedada a instituição de hipóteses abrangentes e genéricas de
contratação temporária (acórdãos STF, ADI 3210/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j. 11-
11-2004, publ. DJ de 3-12-2004, p. 12; e STF, ADI 890/DF, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa,
j. 11-9-2003, publ. DJ de 6-2-2004, p. 21).
71
Afirma José Afonso da Silva que a Lei 8.745/93 “traz diretivas que devem ser seguidas por leis
estaduais e municipais, como, por exemplo, a indicação de casos de necessidades temporárias (art.
2º), a exigência de processo seletivo simplificado para o recrutamento do pessoal a ser contratado
(art. 3º), o tempo determinado e improrrogável da contratação (art. 4º)” (Op. cit., p. 661).
56
necessidade a ser atendida, indicando ainda, nos §§ 1º a 8º do aludido
dispositivo, os casos em que será admitida a prorrogação do contrato
celebrado, assim como os prazos.
3. CARGOS EM COMISSÃO
Na forma do quanto disposto no art. 37, II, da Constituição da
República, também a nomeação de servidores para cargos em comissão
72
,
declarados em lei de livre nomeação e exoneração, prescinde da prévia aprovação
daqueles em concurso público
73
.
Não se pode imaginar, contudo, pelo simples fato de o texto
constitucional fazer menção à livre nomeação, que o Chefe do Executivo goza de
competência arbitrária e incondicionada, podendo nomear para os cargos em
comissão quaisquer cidadãos. Isso porque, a confiança é elemento fundamental dos
cargos em comissão, justificando, inclusive, a inexigibilidade de concurso público
para a investidura em tais cargos.
72
Importante não confundir o cargo em comissão com a função de confiança. Trata-se de figuras
jurídicas próximas, porém, distintas. A função de confiança é desempenhada por servidor ocupante
de cargo de provimento efetivo, ao qual são atribuídas tarefas diferenciadas e de maior
responsabilidade, mediante o pagamento de uma remuneração adicional. Assim, a função de
confiança corresponde à ampliação das atribuições e responsabilidades de um servidor titular de
cargo de provimento, ao que corresponde o pagamento de uma gratificação pecuniária.
73
De acordo com Carlos Ari Sundfeld e Rodrigo Pagani de Souza, trata-se de dispositivo que tem
como escopo assegurar que os postos mais altos, de comando da Administração Pública,
responsáveis por imprimir o norte, o rumo, a direção da atuação administrativa, sejam ocupados por
pessoas que estejam alinhadas com o plano de governo da chefia do Executivo democraticamente
eleita, da confiança desta. Busca-se, desta forma, ainda nas palavras dos citados autores, evitar que
os ocupantes de tais postos venham a se colocar em desalinho com o plano a ser implementado,
anulando os efeitos benéficos da saudável alternância do exercício do poder, própria do regime
democrático” (As empresas estatais, o concurso público e os cargos em comissão. Revista de Direito
Administrativo. São Paulo, v. 243, p. 32-3, set./out./nov./dez. 2006).
57
Assim, o servidor nomeado deve gozar da mais absoluta confiança daquele
com quem vai trabalhar. Neste sentido, precisa é a lição de Márcio Cammarosano:
Com efeito, verifica-se desde logo que a Constituição, ao admitir que
o legislador ordinário crie cargos em comissão, de livre nomeação e
exoneração, o faz com a finalidade de propiciar ao chefe do governo
o seu real controle mediante o concurso, para certas funções, de
pessoas de absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas
que devem pautar a atividade governamental
74
.
Neste ponto, faz-se importante salientar que, em que pese tratar-se de
elemento de cuja aferição mostra-se extremamente difícil, situações limites em
que a ausência de confiança resta evidente. Seria o caso, por exemplo, daquelas
hipóteses nas quais o servidor nomeado sequer é conhecido pelo Chefe do
Executivo, ou ainda daquelas em que o servidor integra grupo político notadamente
contrário aos ideais políticos defendidos pelo Chefe do Executivo. Em tais situações a
ausência do elemento confiança é clara, pelo que a nomeação do servidor implica
flagrante desvio de função.
A confiança daquele com quem se vai trabalhar, no entanto, não é
suficiente para que possa o cidadão ocupar cargo em comissão. Deve ele ainda
possuir as habilidades indispensáveis ao desempenho das tarefas inerentes ao
cargo a ser ocupado. Afinal, o art. 37 da Carta Magna, em seu caput, é claro ao
condicionar a atuação da administração pública à busca da eficiência. Assim, não se
pode imaginar possa o cargo em comissão ser ocupado por indivíduo que não goze
das aptidões necessárias para desempenhar, de maneira eficiente, as atribuições
próprias daquele. Portanto, a simples confiança, dissociada de habilitação
específica, não autoriza a nomeação.
74
CAMMAROSANO, Márcio. Provimento de cargos públicos no direito brasileiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1984, p. 95.
58
Ademais, a liberdade de nomeação encontra limites no próprio texto
constitucional. Ocorre que a Carta Magna, em seu art. 37, V, determina que a lei
estipulará um percentual mínimo dos cargos em comissão que deverá ser
preenchido por servidores de carreira. Trata-se de dispositivo que tem como escopo
garantir que parte dos ocupantes dos cargos em comissão disponha de experiência
no exercício das atividades da carreira. Assim, ao menos uma parte dos cargos em
comissão deverá ser ocupada por servidores titulares de cargos de provimento
efetivo.
Também não é livre a criação de cargos em comissão. Em virtude da
redação conferida pela Emenda Constitucional n. 19/98 ao inciso V, do art. 37, da
Constituição da República, os cargos em comissão “destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Dessa forma, a lei criadora de
cargo em comissão não lhe pode destinar atribuições que não sejam de direção,
chefia ou assessoramento. Conforme assinala Márcio Cammarosano, “ofende a
ordem jurídica em vigor criar cargos em comissão que não consubstanciem
competências de direção, chefia e assessoramento”
75
, representando, em verdade,
inaceitável tentativa de burla à exigência da realização de concurso público.
Nesse sentido, corroborando a natureza excepcional dos cargos em
comissão, o Supremo Tribunal Federal chegou mesmo a declarar a
inconstitucionalidade de lei que criava cargos em comissão, em virtude da ausência
de proporcionalidade entre o número de cargos em comissão criados e o número de
cargos de provimento efetivo existentes
76
.
75
CAMMAROSANO, Márcio. Cargos em comissão breves considerações quanto aos limites à sua
criação. Interesse Público Revista Bimestral de Direito Público, Porto Alegre: Notadez, ano 8, n. 8,
p. 30, jul./ago. 2006.
76
AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO
MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O
NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I Cabe ao Poder
59
4. O PAPEL DOS TRIBUNAIS DE CONTAS NO PROVIMENTO DE CARGOS E
EMPREGOS PÚBLICOS
Conforme leciona Michel Temer, “o controle de contas do Executivo por
órgão distinto dele é da tradição do nosso direito constitucional”
77
. a Constituição
de 1891, em seu artigo 89, previa a existência de “um Tribunal de Contas para
liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem
prestadas ao Congresso”. A partir de então, todas as Constituições posteriores
contemplaram a existência de um controle externo a ser exercido sobre as contas do
Poder Executivo.
Nessa linha de idéias, a Constituição da República de 1988 confiou
aos Tribunais de Contas
78
a função de auxiliar o Poder Legislativo na realização do
controle externo da Administração.
Trata-se, portanto, de órgãos constitucionalmente autônomos, aos
quais são conferidas, entre outras atribuições, a verificação da compatibilidade das
receitas e despesas com a lei orçamentária, bem como a fiscalização do respeito,
Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em
relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II Pelo princípio da
proporcionalidade, que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em
comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III Agravo
improvido” (STF, RE-AgR 365368/SC, Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 22-5-2007, DJ de
29-6-2007, p. 49).
77
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 133.
78
Em seu art. 71, a Carta Magna faz referência unicamente ao Tribunal de Contas da União.
Contudo, em seu art. 75, expressamente dispõe que as normas estabelecidas na Seção I, do
Capítulo I, “aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de
Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos
Municípios”.
60
por parte da Administração, aos princípios constitucionais da moralidade,
legitimidade, impessoalidade, eficiência, publicidade, igualdade e razoabilidade.
Dessa forma, aos Tribunais de Contas incumbe realizar o controle
externo da Administração
79
, ou seja, fiscalizá-la com o escopo de assegurar que esta,
ao atuar, observe fielmente o quanto disposto no ordenamento jurídico. São, por
conseguinte, órgãos que possuem como finalidade precípua, nas sempre precisas
palavras de Carlos Ayres Britto, impedir o desgoverno e a desadministração
80
.
Entre as competências atribuídas aos Tribunais de Contas, a que mais
interessa, para os fins do presente trabalho, é aquela prevista no inciso III, do art. 71
81
, da
Lex Legum de 1988, dispositivo que determina que compete aos mencionados órgãos:
[...] apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de
admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e
indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em
comissão
82
.
Assim, aos Tribunais de Contas, no exercício do controle externo da
Administração, incumbe examinar, sob o prisma da legalidade, e registrar os atos de
79
Ao Tribunal de Contas da União incumbe realizar o controle externo da União. No âmbito dos
Estados tal controle é realizado pelos Tribunais de Contas dos Estados, responsáveis também por
auxiliar o Poder Legislativo Municipal na fiscalização das contas dos Municípios, salvo no que diz
respeito àqueles Municípios que possuíam Tribunais de Contas respectivos ou órgãos similares. Isso
porque, com o advento da Constituição de 1988, ficou vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou
órgãos de Contas Municipais (art. 31, § 1º, da CF/88), assim, no tocante àqueles Municípios que à
época da edição da Constituição de 1988 não possuíam Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas
Municipais, o controle externo será exercido com auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados.
80
BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 9, p. 11, dez. 2001. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 20-8-2007.
81
O art. 71 da Constituição da República faz referência apenas ao Tribunal de Contas da União.
Contudo, o art. 75 da Carta Magna expressamente dispõe que as normas contidas na Seção VIII, na
qual está inserido aquele dispositivo, aplicam-se, no que couber, à organização, composição e
fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e
Conselhos de Contas dos Municípios.
82
Ao atribuir aos Tribunais de Contas a competência para analisar a legalidade dos atos de admissão
de servidores, a Constituição de 1988 promoveu nítida inovação no ordenamento jurídico, acrescendo
à tradicional competência das Cortes de Contas nova competência para examinar as concessões de
aposentadoria, reforma e pensão.
61
admissão de pessoal na Administração direta e indireta, inclusive as admissões
realizadas “por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”, quando deverão analisar se se encontra presente
alguma das hipóteses previstas na lei editada com o escopo de regulamentar o art.
37, IX, da Constituição da República.
Verificada a legalidade do ato analisado, promove-se o seu registro.
Constatada, contudo, a existência de vícios naquele, os Tribunais de Contas, de
acordo com o disposto no art. 71, da Carta Magna, assinalarão prazo à
Administração para que adapte o ato à legislação pertinente. Não sendo sanado o
vício dentro do prazo assinalado, os Tribunais de Contas sustarão a execução do
ato, comunicando o ato de sustação ao Poder Legislativo
83
.
As decisões proferidas pelos Tribunais de Contas impõem-se à
Administração, podendo ser questionadas apenas perante o Poder Judiciário.
Situação distinta, porém, se verifica quando a Administração, após
haver sido devidamente registrado o ato de admissão, constata a necessidade de
anulá-lo. Nessa hipótese, não estará impedida de anular o ato já registrado, diante de
seu poder de autotutela. Contudo, na forma da Súmula 6, do Supremo Tribunal
Federal, os efeitos do ato de anulação ficarão suspensos, aguardando o seu reexame
pelo Tribunal de Contas, que reapreciará a matéria à luz dos fundamentos que
justificaram a anulação do ato. Se, porventura, forem acolhidos os argumentos da
Administração, o Tribunal de Contas procederá ao cancelamento do registro,
podendo aquela fazer valer a sua decisão, impondo seus respectivos efeitos ao
interessado. Por outro lado, se o Tribunal de Contas entender por bem não cancelar
o registro do ato, a decisão da Administração não produzirá efeitos. Assim, as
83
STF, MS n. 20.038-DF, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 1º-11-1976; MS n. 20.691-8-DF, rel. Min.
Moreira Alves, DJ de 18-12-1987; MS n. 20.615-2-RJ, rel. Min. Aldir Passarinho Jr., DJ de 20-9-
1991.
62
decisões dos Tribunais de Contas sobrepõem-se às da Administração, que poderá
apenas questionar aquelas perante o Poder Judiciário, se assim entender necessário.
Além de adotarem providências no sentido de sanar as irregularidades
constatadas nos atos analisados, os Tribunais de Contas poderão ainda, se for o
caso, impor sanções aos responsáveis pela prática destes.
Nesse sentido são as lições de Antonio Silvio Magalhães Júnior:
Aplicado o prazo, nos moldes do inciso IX do artigo 71 (CF), diante
da omissão da Administração Pública, o Tribunal de Contas, além
da tradicional providência de comunicar as autoridades e órgãos
competentes (Ministério Público e Procuradorias em geral) para que
adotem as providências cabíveis, à vista dos supostos prejuízos
financeiros e da caracterização de ato de improbidade, poderá,
paralelamente, impor sanções de natureza diversa, nos termos da
legislação infraconstitucional, como, por exemplo, o afastamento da
autoridade responsável de seu cargo, emprego ou função de
direção, ou mesmo impor-lhe multa, nos termos do artigo 71, inciso
VIII; de igual sorte, poderá, determinar a sustação da execução do
ato administrativo violador da ordem jurídica, invocando o inciso X
do art. 71 (CF)
84
. (itálico original).
Semelhante é o magistério de Carlos Thompson Costa Fernandes, que
preconiza que na hipótese de restar constatado que a ilegalidade verificada decorreu
de ato, comissivo ou omissivo, praticado com dolo ou culpa, “cabe ao Tribunal de
Contas determinar a instauração ou conversão do processo em tomada de contas
especial, com vistas à apuração de responsabilidades e conseqüente ressarcimento
dos valores pagos ilegalmente
85
.
84
MAGALHÃES JÚNIOR, Antonio Silvio. O controle externo da Administração Pública pelo Tribunal
de Contas. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,
2005, p. 157.
85
FERNANDES, Carlos Thompson Costa. A despesa pública e o Tribunal de Contas. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p.
176.
63
Na prática, porém, verifica-se que se tem tornado comum a figura da
recomendação, comumente utilizada pelo Tribunal de Contas da União, por meio da
qual, conforme assinala Antonio Silvio Magalhães Júnior:
[...] a indigitada Corte de Contas converte o julgamento em
diligência, com vistas a “sugerir”, ao órgão ou entidade fiscalizada, a
correção da ilegalidade apurada na instrução, sem contudo, chegar
a proferir de decisório final sobre a questão
86
.
Não o submetidas a registro, porém, as nomeações para cargo de
provimento em comissão, dada a precariedade de tais nomeações e, por certo, o
seu grande volume.
Isso, contudo, não significa que não possam os Tribunais de Contas
analisar a legalidade de tais atos. O que a Constituição exclui é a necessidade de
registro dos atos de admissão para cargos de provimento em comissão, não a
possibilidade de análise, por parte dos Tribunais de Contas, da legalidade de tais
atos.
Dessa forma, no tocante à admissão de servidores, aos Tribunais de
Contas restou reservada função de fundamental importância. A tais órgãos incumbe
analisar a validade dos atos de admissão de servidores, verificando a
compatibilidade destes com os preceitos contidos no ordenamento jurídico pátrio,
bem como determinando a adoção de providências para o saneamento dos vícios
porventura constatados, ou sustando aqueles, na hipótese de as providências
determinadas não serem adotadas.
86
Op. cit., p. 160.
64
4.1. O papel do registro efetuado pelos Tribunais de Contas no processo de
admissão de servidores
Como visto em item precedente, quando do registro das admissões
realizadas pela Administração, os Tribunais de Contas analisam a validade de tais
atos, investigando a compatibilidade destes com o ordenamento jurídico pátrio.
Questiona-se, contudo, se a perfeição do ato de admissão estaria condicionada ao
registro deste por parte dos Tribunais de Contas, ou seja, se o ato de registro faz
parte do conjunto de atos que compõem o procedimento de admissão de servidores,
ou se representa ato posterior a este, dele desvinculado.
quem entenda que o registro realizado pelos Tribunais de Contas
seria o ato final de uma cadeia de atos necessários à formalização válida das
admissões
87
. O ato de admissão, portanto, seria um ato composto, que somente
após o registro alcança sua plenitude, adquirindo sua perfeição e confirmando sua
validade.
Trata-se, no entanto, de entendimento que não albergamos.
A análise da questão, contudo, não prescinde de prévia compreensão
dos conceitos de perfeição e eficácia.
Com efeito, ao conceituar o ato administrativo perfeito, Celso Antonio
Bandeira de Mello afirma tratar-se do ato que completou o ciclo necessário à sua
formação. O ato administrativo é perfeito, pois, quando esgotadas todas as fases
necessárias à sua produção
88
. Neste sentido são também os ensinamentos de Regis
Fernandes de Oliveira, que assevera:
87
GUERRA, Evandro Martins. Os controles externo e interno da administração pública e os
tribunais de contas. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 71.
88
Curso de direito administrativo, cit., p. 360.
65
Diz-se perfeito o ato administrativo quando nele se encontram todos
os seus requisitos ou condições. Esgotadas as operações
necessárias para sua existência jurídica, tem-se sua perfeição.
Quando um ato completa seu ciclo de formação, possuindo todos os
seus requisitos ou condições, diz-se perfeito
89
.
Dessa forma, o ato administrativo perfeito, conforme leciona Odete
Medauar, é aquele que se mostra apto para ingressar no mundo jurídico
90
.
O momento em que o ato administrativo ingressa no mundo jurídico
marca o início da sua vigência, ou seja, o momento a partir do qual ele se mostra
capaz de produzir seus efeitos típicos.
Por conseguinte, a eficácia do ato, ou seja, nas palavras de Luís
Roberto Barroso, a sua capacidade de atingir a finalidade para a qual foi gerado
91
,
está intrinsecamente ligada à sua vigência. Para que possa ser eficaz o ato
administrativo deve estar vigente, deve integrar o mundo jurídico, o que implica
também afirmar que a eficácia do ato está condicionada à sua perfeição, na medida
em que apenas o ato administrativo perfeito mostra-se apto a ingressar no
ordenamento jurídico. Este é também o entendimento albergado por Themistocles
Brandão Cavalcanti, que assevera que o ato perfeito é aquele que satisfaz “todas as
exigências impostas pela lei, para que tenha plena eficácia”
92
, corroborado ainda por
Flávio Bauer Novelli:
Assim, o ato perfeito pode produzir, e, muitas vêzes (sic),
efetivamente produz, de imediato, as conseqüências jurídicas
próprias do esquema normativo em relação ao qual vem a ser
89
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato administrativo. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980,
p. 81.
90
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.164.
91
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 13.
92
CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1955, p. 272, v. 1.
66
reconhecido como perfeito; é, em outras palavras, eficaz ou
operativo
93
.
Ocorre que a eficácia do ato de admissão não está condicionada ao
seu registro. Antes mesmo de serem registrados, os atos de admissão produzem
os seus efeitos típicos, uma vez que a posse e o subseqüente exercício não estão
condicionados ao registro do ato de admissão por parte dos Tribunais de Contas.
Em verdade, na prática, quando é efetivado o registro do ato de admissão de
servidor, a posse ocorreu muito tempo, bem como a entrada em exercício do
servidor admitido.
Dessa forma, acreditamos que o registro não faz parte do
procedimento de admissão de servidores, que se completa com a posse e o
subseqüente exercício, decorrência natural desta. É a posse que marca o início dos
direitos e deveres funcionais, como também gera restrições, impedimentos e
incompatibilidades. Ocorrendo a posse, o cargo fica provido.
Assim, o registro é ato posterior ao de admissão, não ficando a
perfeição e eficácia deste condicionadas à prática daquele. Trata-se, em verdade, de
ato de controle, praticado posteriormente ao ato de admissão.
5. TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A terceirização é comumente definida como o processo de gestão
empresarial por meio do qual se transfere para terceiros serviços que, originalmente,
93
NOVELLI, Flávio Bauer. A eficácia do ato administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Fundação Getulio Vargas, v. 60, p. 17, abr./jun. 1960.
67
deveriam ser realizados dentro da própria empresa, ou ainda, como modo de
reorganização administrativa por meio da qual a execução de determinadas
atividades acessórias de uma pessoa jurídica, pública ou privada, são transferidas a
uma empresa contratada para esse fim.
Trata-se de prática largamente utilizada no âmbito da iniciativa privada,
cujo surgimento se deu nos Estados Unidos da América, após a eclosão da
Segunda Guerra Mundial. À época, as indústrias bélicas, optando por concentrar
esforços no desenvolvimento de armamentos a serem usados no conflito,
transferiam a empresas prestadoras de serviços a consecução de determinadas
atividades, consideradas de suporte. Assim, por meio da terceirização, buscava-se
permitir às empresas que se dedicassem a tarefas consideradas de maior relevo,
transferindo a prestadores de serviços determinadas atividades, reputadas
intermediárias no processo de produção.
No Brasil, tal processo foi introduzido nas décadas de 1950 a 1960,
pelas empresas multinacionais, especialmente pelas indústrias de automóveis, que
contratavam terceiros para a produção de peças, dedicando-se à reunião destas e
montagem dos veículos.
Com o passar do tempo a terceirização restou amplamente difundida
por todos os setores da iniciativa privada, alcançando, finalmente, a Administração
Pública, à qual se apresentou como fórmula mágica para redução do quadro de
servidores. Afinal, conforme assinala Rodolfo Pamplona Filho, “partindo-se da idéia
do Estado Mínimo, apologia máxima do neoliberalismo, terceirizar é, sem sombra de
68
dúvida, uma das soluções, senão a grande solução para a Administração Pública
moderna”
94
.
Atualmente, tal prática vem sendo largamente utilizada pelo Estado
95
,
sendo o seu emprego inclusive previsto em alguns diplomas legais, como, por
exemplo, a Lei n. 9.632/98, que dispõe sobre a extinção de cargos no âmbito da
Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e, em seu art. ,
prevê que “as atividades correspondentes aos cargos extintos ou em extinção,
constantes dos Anexos desta Lei, poderão ser objeto de execução indireta,
conforme vier a ser disposto em regulamento”; o Decreto n. 2.271/97, que dispõe
sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta,
autárquica e fundacional, asseverando, no § 1º, do seu art. 1º, que “as atividades de
conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem,
recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e
instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta”; e a Lei
Complementar n. 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, que, no § 1º, do seu art.
18, dispõe que “os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se
referem à substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados
como ‘Outras Despesas de Pessoal’”, entre outros.
Entendemos, porém, que a terceirização não pode ser indistintamente
aplicada pela Administração Pública.
94
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Terceirização e responsabilidade patrimonial da administração
pública. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, n. 11, p. 6, fev.
2002. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 26-11-2007.
95
Já em 2002, o Tribunal de Contas da União, ao analisar as contas do Governo da República, se
deparou com a questão do excesso de terceirizações operadas no âmbito do Estado, conforme se
denota da Ata n. 19, de 11-6-2002, TCU, Plenário, publicada no DOU de 29-7-2002. À época, o
Ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo, ressaltou “o acentuado crescimento da
terceirização de mão-de-obra na Administração Pública federal”, destacando que na “Administração
direta, a despesa anual com a força de trabalho terceirizada supera, atualmente, a R$1,5 bilhão,
correspondente a 24% do total de gastos despendidos com pessoal civil ativo”.
69
Em verdade, acreditamos que, em face do disposto na Constituição da
República, não é permitido ao Estado terceirizar atividades que originalmente
deveriam ser desempenhadas por servidores ocupantes de cargos públicos
96
.
Isso porque, conforme dito anteriormente, tais servidores gozam de
determinadas prerrogativas especiais, que lhes foram conferidas pela Constituição
da República. Ora, ao atribuir a tais agentes determinadas garantias excepcionais,
não extensíveis àqueles que se submetem ao regime jurídico previsto na
Consolidação das Leis do Trabalho, certamente o legislador constituinte o fez por
serem elas imprescindíveis para a satisfação do interesse público. Do contrário,
estar-se-ia diante de nítida hipótese de desvio de finalidade no exercício da função
legislativa.
Portanto, sendo tais garantias fundamentais para a satisfação do
interesse público, não se pode admitir sejam as atividades confiadas aos servidores
titulares de cargos desempenhadas por agentes que não gozem de tais
prerrogativas, como aconteceria na hipótese de admitir-se a terceirização, sob pena
de não restar plenamente satisfeito o interesse público.
Dentro dessa perspectiva, no que se refere à Administração direta,
autárquica e fundacional pública, apenas as atividades materiais subalternas podem
ser terceirizadas pelo Estado, na medida em que somente estas podem ser
desempenhadas sob o regime celetista.
Além disso, seja no que diz respeito à Administração direta, autárquica
e fundacional pública, seja no que diz respeito às empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações de Direito Privado, não se faz possível a terceirização
96
Ao analisar a questão, em diversas oportunidades, o Tribunal de Contas da União externou
entendimento no sentido de que é irregular a contratação de empresas para a prestação de serviços
quando as tarefas a ser desenvolvidas integram o elenco das atribuições dos cargos permanentes,
consoante se denota, por exemplo, dos processos TC-475.054/95-4, TC-000.384/90-9 e TC-
225.096/93-5.
70
de serviços relacionados à atividade-fim
97
do ente contratante do serviço
terceirizado, sob pena de vir a ser considerada ilícita a terceirização promovida.
Por derradeiro, também não se pode admitir a terceirização de
atividades que impliquem o exercício de poder de polícia. Afinal, não se pode atribuir
ao particular o exercício de atividades que o desigualem dos demais particulares.
Neste ponto, preciosas são as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Deveras, a restrição à atribuição de atos de polícia a particulares
funda-se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao
menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que
envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando em
causa liberdade e propriedade, porque ofenderiam o equilíbrio entre
os particulares em geral, ensejando que uns oficialmente
exercessem supremacia sobre outros
98
.
Assim, não se pode admitir a terceirização de atividades que coloquem
o particular responsável pela prestação do serviço em condição de supremacia
sobre os demais, na medida em que tal situação somente se mostra admissível em
circunstâncias excepcionais, não podendo ser adotada como regra.
5.1. Responsabilidade patrimonial do Estado pelos serviços terceirizados
Conforme anteriormente dito, com a eleição do Estado Mínimo como
ideal a ser alcançado a qualquer custo, a terceirização vem se tornando prática
largamente adotada pela Administração Pública. Cada vez mais o Estado, com o
97
No tocante à distinção entre atividades-fim e atividades-meio, reputamos precisas as palavras de
Maurício Godinho Delgado. Segundo lições do citado autor, atividades-fim são “atividades nucleares
e definitórias da dinâmica empresarial do tomador dos serviços”, ao passo que atividades-meio são
“atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços” (Curso de direito
do trabalho, 7. ed., São Paulo: LTr, 2008, p. 442-3).
98
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Serviço público e poder de polícia: concessão e delegação.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, v. 1, n. 5, p. 9, ago. 2001.
Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 26-11-2007.
71
escopo de beneficiar-se da dinâmica e agilidade inerentes à iniciativa privada, bem
como alcançar suas finalidades sem ampliar o seu quadro de servidores, busca
desempenhar suas funções por intermédio de terceiros, aos quais transfere
atividades consideradas acessórias.
Ocorre que, o que aqueles que defendem a terceirização como solução
para todos os males não revelam, é que tal prática, muitas vezes, gera para o
tomador dos serviços diversas conseqüências, que vão muito além da obrigação de
adimplir o preço contratado.
No âmbito da iniciativa privada, dada a carência de normas específicas
a respeito da questão, durante muito tempo a jurisprudência se debateu em torno do
problema relacionado à responsabilidade a ser atribuída aos contratantes de
empresas prestadoras de serviços terceirizados.
Com a edição da Súmula 331
99
, pelo Tribunal Superior do Trabalho,
porém, a celeuma restou resolvida. Pacificou-se, por meio do mencionado verbete,
entendimento no sentido de que duas podem ser as conseqüências principais
advindas da terceirização de atividades.
Caso a terceirização promovida seja reputada lícita, sendo assim
considerada, na forma do item III da Súmula n. 331, do Tribunal Superior do
99
Súmula 331 do TST:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE - Inciso IV alterado pela Res. 96/2000,
DJ de 18-9-2000.
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente
com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3-1-1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de
emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da
CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n.
7.102, de 20-6-1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à
atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto
aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas
e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem
também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666, de 21-6-1993)”.
72
Trabalho, aquela que diz respeito a trabalho temporário, nos moldes da Lei n. 6.019,
de 3-1-1974, ou ainda a serviços de vigilância, de conservação e de limpeza, bem
como a “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que
inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”, a contratante dos serviços
responderá apenas subsidiariamente, por eventuais obrigações trabalhistas que não
tenham sido cumpridas pela contratada, no que diz respeito àqueles empregados
desta que estejam vinculados à prestação dos serviços pactuados.
Nesta hipótese, a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços
encontra espeque nas idéias de culpa in eligendo e risco. Responderá a empresa
contratante pelos débitos trabalhistas da contratada por não ter selecionado
companhia idônea, bem como por ter auferido benefícios em decorrência das
atividades que deram ensejo aos débitos em discussão. É o que leciona Alice
Monteiro de Barros, ao asseverar que:
Trata-se de uma responsabilidade indireta, fundada na idéia de
culpa presumida (in eligendo), ou seja, na má escolha do fornecedor
da mão-de-obra e também no risco (art. 927, parágrafo único, do
Código Civil de 2002), que o evento, isto é, a inadimplência da
prestadora de serviços decorreu do exercício de uma atividade que
se reverteu em proveito do tomador
100
.
Outrossim, a responsabilidade da tomadora dos serviços funda-se
ainda na idéia da culpa in vigilando. Assim, em virtude de não ter fiscalizado o
cumprimento, pela contratada, das obrigações trabalhistas concernentes aos
empregados desta, responsáveis pela prestação dos serviços pactuados,
responderá a contratante pelos débitos daquela.
100
Op. cit., p. 445.
73
Caso o serviço terceirizado diga respeito à atividade-fim
101
da empresa,
ou entre esta e os empregados da empresa responsável pela atividade terceirizada
existam pessoalidade e subordinação direta, será reputada ilícita a terceirização.
Sendo considerada ilícita a terceirização, configura-se a existência de vínculo
empregatício entre a empresa contratante e o empregado da contratada responsável
pela prestação dos serviços, de maneira que aquela responderá diretamente por
eventuais obrigações trabalhistas que esta não tenha cumprido.
Tais critérios e conseqüências aplicam-se plenamente no que diz
respeito à iniciativa privada.
No que se refere à Administração Pública, porém, a questão torna-se
mais complexa, especialmente em virtude do quanto disposto no art. 71 da Lei
8.666/93, in verbis:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do
contrato.
§ A inadimplência do contratado, com referência aos encargos
trabalhistas, fiscais e comerciais não transferem à Administração
Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar
o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e
edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
§ A Administração Pública responde solidariamente com o
contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução
101
Há, porém, quem defenda que mesmo a terceirização de serviços relacionados à atividade-fim da
empresa se faz possível, contanto que os empregados das empresas terceirizadas responsáveis pela
prestação do serviço contratado não preencham, com relação à empresa tomadora do serviço, os
requisitos previsto no art. 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Neste sentido se pronunciou
Sérgio Pinto Martins, para quem “não se pode afirmar, entretanto, que a terceirização deva se
restringir a atividade-meio da empresa, ficando a cargo do administrador decidir tal questão, desde
que a terceirização seja lícita, sob pena de ser desvirtuado o princípio da livre iniciativa contido no
artigo 170 da Constituição. A indústria automobilística é exemplo típico de delegação de serviços de
atividade-fim, decorrente, em certos casos, das novas técnicas de produção e até da tecnologia, pois
uma atividade que antigamente era considerada principal pode hoje ser acessória. Contudo, ninguém
acoimou-a de ilegal. As costureiras que prestam serviços na sua própria residência para as empresas
de confecção, de maneira autônoma, não são consideradas empregadas, a menos que exista o
requisito subordinação, podendo ser consideradas empregadas em domicílio (art. da CLT), o
que também mostra a possibilidade da terceirização da atividade-fim(A terceirização e o direito do
trabalho, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 99-100).
74
do contrato, nos termos do art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de
1991.
Em razão do dispositivo em questão, há quem afirme que o Estado não
responde por eventual descumprimento, pelas empresas contratadas para prestar os
serviços porventura terceirizados, das obrigações trabalhistas concernentes aos
empregados responsáveis pelo desempenho de tais atividades. Tal intelecção,
porém, mostra-se incompatível com o contido na Carta Magna.
Isso porque, por meio do seu art. 37, § 6º, a Lex Legum consagrou a
responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes. Ora, na hipótese
de terceirização de atividades, a empresa contratada atua em nome do Estado, pelo
que, tendo aquela causado danos a terceiros, no caso, os empregados, que
restaram lesados no tocante aos seus direitos trabalhistas, este deve responder por
tais danos, independentemente de ter concorrido com culpa para a ocorrência do
prejuízo em questão. Afinal, tendo o legislador constitucional ampliado a
responsabilidade estatal, não poderia o legislador infraconstitucional limitá-la, quanto
mais suprimi-la, como ocorreria caso aplicado o dispositivo em comento.
Ainda que não fosse objetiva a responsabilidade do Estado, quando
menos, responderia ele por ter agido com culpa, seja por ter celebrado contrato com
empresa inidônea (culpa in eligendo), seja por não ter fiscalizado o cumprimento das
obrigações trabalhistas pela empresa contratada (culpa in vigilando). Nesse sentido,
precisas são as lições de Maurício Godinho Delgado:
Ora, a entidade estatal que pratique terceirização com empresa
inidônea (isto é, empresa que se torne inadimplente com relação a
direitos trabalhistas) comete culpa in eligendo (má escolha do
contratante), mesmo que tenha firmado a seleção por meio de
processo licitatório. Ainda que não se admita essa primeira
dimensão da culpa, incide, no caso, outra dimensão, no mínimo, a
75
culpa in vigilando (má fiscalização das obrigações contratuais e seus
efeitos)
102
.
Logo, não como se admitir se exima a Administração Pública de
responder pelos danos causados por aqueles que estavam atuando em seu nome,
na medida em que assumiu esse risco ao terceirizar suas atividades.
Ademais, conforme assinala Alice Monteiro de Barros:
[...] admitir a isenção contida nessa norma implica conceder à
Administração Pública [...] um privilégio injustificável em detrimento
da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho
preconizados pela própria Constituição, como fundamentos do
Estado Democrático de Direito (art. 1º, III e IV)
103
.
Em verdade, mesmo que analisado isoladamente, o dispositivo em
questão mostra-se inaceitável. Isso porque, flagrante e injustificada a dicotomia
existente entre os §§ e daquele, conforme alerta Rodolfo Pamplona Filho, ao
chamar à atenção “a situação flagrantemente anômala de convívio entre a total
irresponsabilidade (§ 1º) e a solidariedade absoluta (§ 2º), sem que haja uma
justificativa legal razoável para esse tratamento desigual”
104
. Nada justifica possa o
Estado responder solidariamente “pelos encargos previdenciários resultantes da
execução do contrato” e não possa responder subsidiariamente pelos “encargos
trabalhistas”.
Consolidando entendimento que já vinha sendo adotado no âmbito
jurisprudencial, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Resolução n. 96/2000, que
alterou o item IV, da Súmula 331, que passou
105
a prever que:
102
Op. cit., p. 461.
103
Op. cit., p. 526.
104
Op. cit., p. 7.
105
Originalmente o verbete em questão não mencionava os “órgãos da administração direta, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista”.
76
[...] o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos
serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da
administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que
hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial.
Dessa forma, atualmente, o Estado responde subsidiariamente pelos
débitos trabalhistas daquelas empresas que venham a prestar os serviços que
porventura opte por terceirizar.
No entanto, ao contrário do que ocorre no que concerne às empresas
privadas, ainda que seja reputada ilícita a terceirização praticada pela Administração
Pública, em respeito ao quanto disposto no art. 37, II, da Constituição da República,
não haverá como se falar em reconhecimento de nculo empregatício entre esta e
os empregados da empresa contratada responsáveis pela prestação do serviço
terceirizado. Neste sentido aponta o item II, da Súmula n. 331, do Tribunal Superior
do Trabalho, que dispõe que “a contratação irregular de trabalhador, mediante
empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração
pública direta, indireta ou fundacional”.
77
C
APÍTULO
III
E
XTINÇÃO DO VÍNCULO MANTIDO ENTRE O
E
STADO E OS SERVIDORES
TITULARES DE CARGOS
1. Prerrogativas que limitam as hipóteses de extinção do
vínculo mantido entre o Estado e o servidor titular de
cargo de provimento efetivo. 1.1. Estabilidade. 1.2.
Vitaliciedade. 2. Espécies de extinção do vínculo mantido
entre o Estado e o servidor titular de cargo. 2.1. Extinção
decorrente de ato administrativo. 2.1.1. Exoneração.
2.1.1.1. Exoneração decorrente da inércia do servidor.
2.1.2. Redução de despesas. 2.1.3. Revogação do ato
de provimento. 2.1.4. Demissão. 2.1.4.1. Prática de crime
contra a Administração Pública. 2.1.4.2. Abandono de
cargo. 2.1.4.3. Inassiduidade habitual. 2.1.4.4.
Improbidade administrativa. 2.1.4.5. Incontinência pública
e conduta escandalosa na repartição. 2.1.4.6.
Insubordinação grave em serviço. 2.1.4.7. Ofensa física,
em serviço, a servidor ou a particular. 2.1.4.8. Aplicação
irregular de dinheiros públicos. 2.1.4.9. Revelação de
segredo do qual se apropriou em razão do cargo.
2.1.4.10. Lesão aos cofres públicos e dilapidação do
patrimônio nacional. 2.1.4.11. Corrupção. 2.1.4.12.
Acumulação ilegal de cargos públicos. 2.1.4.13.
Inobservância dos incisos IX a XVI do art. 117 da Lei
8.112/90. 2.1.4.14. Processo administrativo disciplinar.
2.1.4.14.1. Repercussão da sentença penal no processo
administrativo disciplinar. 2.1.5. Pedido de
aposentadoria. 2.1.5.1. Custeio da previdência. 2.1.5.2.
Proventos. 2.2. Extinção decorrente de fato natural.
2.2.1. Morte. 2.2.2. Invalidez. 2.2.3. Idade-limite. 3. A
cassação de aposentaria. 4. Extinção do nculo mantido
com os servidores ocupantes de cargo em comissão.
1. PRERROGATIVAS QUE LIMITAM AS HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DO
VÍNCULO MANTIDO ENTRE O ESTADO E O SERVIDOR TITULAR DE
CARGO DE PROVIMENTO EFETIVO
Com o objetivo de assegurar que os servidores estatais submetidos ao
regime estatutário gozassem de maior independência no exercício de suas
78
competências, não se sujeitando a interesses alheios ao interesse público,
tampouco a pressões externas ou mesmo internas, o legislador constituinte
outorgou-lhes, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, determinadas
“proteções peculiares”
106
. Essas proteções possuem como escopo garantir uma
ação impessoal por parte do Estado, desvinculada de eventuais interesses políticos
ou econômicos.
Algumas destas proteções peculiares, com o escopo de evitar venha o
servidor, unicamente por medo de perder o cargo, a cumprir ordens superiores que
estejam em desacordo com a lei ou mesmo praticar atos ilícitos, limitam as hipóteses
nas quais se admite o rompimento do vínculo mantido entre o servidor e o Estado. É
o caso da estabilidade e da vitaliciedade, que, por restringirem as possibilidades de
extinção do liame mantido entre os servidores estatutários e o Estado, merecerão
análise no presente trabalho, ainda que breve.
1.1. Estabilidade
A estabilidade, em virtude do disposto no § 1º do art. 41 da Lex Legum,
é comumente conceituada pela doutrina como o direito de que goza o servidor,
titular de cargo de provimento efetivo, de não ser desligado, senão em virtude de
sentença judicial transitada em julgado, de processo administrativo em que lhe seja
assegurada ampla defesa ou ainda em razão de procedimento de avaliação
periódica de desempenho, na forma de lei complementar, no qual lhe seja
assegurada ampla defesa.
106
Curso de direito administrativo, cit., p. 238.
79
Acreditamos, porém, sem embargo do respeito devido àqueles que o
adotam, que o conceito em questão carece de ampliação. Isso porque, conforme
será analisado mais detidamente em tópico subseqüente, em virtude do quanto
disposto no § do art. 169 da Constituição da República, inserido pela Emenda
Constitucional n. 19, de 1998, o desligamento de servidores estáveis passou a ser
admitido
107
também quando tal medida se mostrar necessária à adequação das
despesas com pessoal, ativo e inativo, da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, aos limites fixados em lei complementar, desde que tal finalidade
não tenha sido alcançada mediante a adoção das providências contidas no § do
artigo em questão.
Assim, sem embargo dos questionamentos a respeito da
impossibilidade de aplicação do dispositivo em questão aos servidores que
haviam ingressado no serviço blico à época em que foi publicada a EC n. 19/98,
assunto ao qual retornaremos em tópico destinado a abordar especificamente as
hipóteses em que a extinção do liame mantido entre o servidor e o Estado decorre
da necessidade de redução de despesas, entendemos que, atualmente, a
estabilidade pode ser conceituada como sendo o direito que o servidor estatutário,
ocupante de cargo de provimento efetivo, possui de somente ser desligado dos
quadros do Estado em virtude do cometimento de falta funcional para a qual seja
prevista pena de demissão, após regular processo administrativo, em que lhe seja
assegurada ampla defesa, ou sentença judicial transitada em julgado; em razão de
procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei
complementar
108
, no qual seja respeitada a garantia da ampla defesa; ou, ainda,
107
Consoante será visto em tópico específico, a constitucionalidade da emenda promovida é
amplamente questionada pela doutrina, sendo diversas as opiniões a respeito.
108
Conforme assinala Regis Fernandes de Oliveira, o dispositivo que prea realização de avaliação
periódica de desempenho e a possibilidade de perda do cargo pelo servidor estável que o obtiver
80
quando tal providência se mostrar necessária à adequação das despesas com
pessoal, ativo e inativo, do ente ao qual esteja vinculado, aos limites fixados em lei
complementar editada com fulcro no art. 169 da Constituição da República.
Em sua redação original, a Constituição da República condicionava a
aquisição da estabilidade unicamente ao fato de, após haver sido aprovado em
concurso público, ter o servidor exercido suas atividades durante dois anos. Assim,
para que o titular de cargo de provimento efetivo pudesse tornar-se estável, bastava
que tivesse sido aprovado em concurso público e contasse com “dois anos de
efetivo exercício”. Com a Emenda Constitucional n. 19/98, porém, a situação sofreu
sensível mudança. Isso porque, em virtude das alterações promovidas pela aludida
Emenda no art. 41, da Carta Magna, a obtenção da estabilidade passou a depender
não apenas da aprovação em concurso público e do decurso do tempo, cujo
interstício restou ampliado para 3 anos
109
, em oposição aos dois anos anteriormente
previstos, mas também de “avaliação especial de desempenho por comissão
instituída para essa finalidade” (art. 41, § 4º, da CF/88).
Portanto, atualmente, para a aquisição da estabilidade, deve o
servidor, aprovado em concurso público, cumprir três anos de efetivo exercício e
desempenho satisfatório nesta, a saber, o inciso III, do § 1º, do art. 41, da Constituição da República,
“não é auto-aplicável” (Servidores públicos, cit., p. 40). Trata-se de norma de eficácia limitada, uma
vez que a sua eficácia está condicionada à edição de lei complementar. Enquanto não sancionada a
lei complementar em questão, não poderá ser realizada a avaliação de desempenho prevista no
dispositivo em questão.
Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 248-D (PLC 00043/1999), de 1998,
remetido à Câmara dos Deputados em 18-4-2000, em virtude de ter sido aprovado com emendas
pelo Senado, que disciplina a aplicação do dispositivo em questão.
O mencionado Projeto de Lei, além de estabelecer os critérios a serem empregados para a avaliação
dos servidores, que deverão ser previamente comunicados a estes, e a periodicidade com que aquela
ocorrerá, estipula ainda como será composta a comissão responsável pela elaboração do termo de
avaliação. Determina, outrossim, que, tendo apontado deficiências no servidor avaliado, o termo de
avaliação deverá propor o treinamento necessário para que o servidor atinja o desempenho desejado.
Apenas se, depois do treinamento, o servidor não melhorar o seu desempenho é que poderá ser
demitido, mediante a instauração de processo administrativo com esta finalidade, no qual lhe seja
assegurada ampla defesa.
109
O art. 24, da Emenda Constitucional 19/98, porém, assegurou àqueles servidores que, à época da
sua publicação, já haviam ingressado no serviço público, a manutenção do prazo de dois anos para
aquisição da estabilidade.
81
lograr êxito em avaliação especial de desempenho realizada por comissão instituída
para essa finalidade
110
.
Somente alcançam a estabilidade, contudo, repita-se, os servidores
titulares de cargos de provimento efetivo. Não se tornam estáveis os servidores
ocupantes de cargos em comissão. Afinal, além de a Constituição, em seu art. 41,
ao prever tal garantia, fazer expressa menção aos “servidores nomeados para cargo
de provimento efetivo em virtude de concurso blico”, tal prerrogativa é
incompatível com a transitoriedade de exercício que caracteriza os cargos em
comissão.
Durante o período de três anos que se segue à sua investidura,
denominado estágio probatório (art. 20 da Lei n. 8.112/90), o servidor deverá ter
suas atividades acompanhadas por agentes competentes, para que seja verificada a
sua aptidão para o cargo e o desempenho das funções pertinentes. Essa avaliação
deve ser feita levando em consideração fatores como assiduidade, disciplina,
capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. De acordo com o § 1º, do
art. 20, da Lei 8.112/90, quatro meses antes do rmino do estágio probatório o
processo de acompanhamento e avaliação do servidor sesubmetido à autoridade
competente para homologação.
Entendemos, porém, que, com a inclusão do § 4º, no art. 41, da
Constituição da República, promovida pela Emenda Constitucional n. 19/98, o ideal
seria que o acompanhamento do servidor fosse feito pelos próprios membros da
comissão prevista no mencionado dispositivo, que ao final do estágio probatório se
110
Caso, porém, tal comissão não seja constituída, não poderá ser o servidor prejudicado pela inércia
do Estado, pelo que, ao término do período de estágio probatório, deverá ser considerado estável.
Outrossim, havendo sido constituída tal comissão, na hipótese de esta o proferir sua decisão ao
final do interstício mencionado, deverá ser considerado estável o servidor até que a manifestação em
questão sobrevenha. Do contrário estar-se-ia dando margem a que eventualmente pudesse vir a ser
o servidor privado de tal garantia unicamente em virtude de omissão empreendida pela comissão
responsável pela realização da avaliação.
82
encarregariam de realizar a avaliação especial de desempenho. Assim, não haveria
necessidade de homologação do processo de acompanhamento e avaliação.
Ademais, evitar-se-ia entendimentos conflitantes a respeito da aptidão do servidor
para o cargo.
De qualquer forma, havendo sido constatada, no curso do estágio
probatório, a inaptidão do servidor para o cargo e o desempenho das funções
pertinentes, será ele exonerado do cargo ou reconduzido ao cargo que
anteriormente ocupava, se era efetivo. Tais providências, contudo, não
prescindem da realização de processo administrativo, no qual seja assegurada ao
servidor ampla defesa.
Uma vez estável, conforme dito, o servidor somente poderá ser
desligado dos quadros do Estado na hipótese de ter cometido falta funcional para a
qual seja prevista pena de demissão, após regular processo administrativo ou
judicial; em razão de procedimento de avaliação periódica de desempenho, no qual
lhe seja assegurada ampla defesa; ou, ainda, quando tal providência se mostrar
necessária à adequação das despesas do ente ao qual esteja vinculado aos limites
impostos por lei complementar editada com esta finalidade.
A estabilidade, porém, não pode ser interpretada como o direito ao
cargo, mas sim à permanência no serviço público
111
. Neste sentido manifesta-se
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, ao advertir que “a estabilidade se no serviço
público e nunca no cargo”
112
. Dessa forma, ainda que o servidor seja estável, o
cargo por ele ocupado poderá ser extinto ou declarado desnecessário, quando então
aquele, na forma do disposto no § 3º, do art. 41, da Carta Magna, “ficará em
111
Em que pese a estabilidade não se dar no cargo, mas sim no serviço público, na hipótese de o
servidor vir a habilitar-se a cargo de natureza diversa, integrante de carreira distinta, deverá
submeter-se a novo estágio probatório para adquirir a estabilidade.
112
Op. cit., p. 204.
83
disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, a seu
adequado aproveitamento em outro cargo”.
As garantias acima elencadas são apontadas pela Carta Magna como
traços distintivos entre os servidores dotados de estabilidade e aqueles que ainda
não alcançaram tal direito. Entendemos, porém, que, no tocante aos servidores
titulares de cargo de provimento efetivo ainda não estáveis, as principais diferenças
existentes entre eles e os servidores estáveis, no que se refere às hipóteses de
desligamento dos quadros do Estado, dizem respeito aos benefícios que estes
gozam, em face daqueles, quando necessária adoção de medidas para redução de
despesas com pessoal ativo e inativo, bem como ao direito à disponibilidade
remunerada, quando extinto ou declarado desnecessário o cargo que ocupava.
Isso porque, tal como ocorre com os servidores dotados de
estabilidade, também os servidores que ainda não sejam estáveis, na hipótese de
cometerem falta funcional que enseje a aplicação da pena de demissão, somente
poderão ser desligados dos quadros do Estado mediante a instauração de processo
administrativo, no qual lhes seja assegurada ampla defesa. Trata-se de mera
decorrência do quanto disposto no art. 5º, LIV e LV, da Carta Magna. Portanto, a
necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar, no qual seja
assegurada ampla defesa, para aplicação da pena de demissão não é prerrogativa
exclusiva dos servidores estáveis.
Outrossim, ainda no que diz respeito aos servidores titulares de cargo
de provimento efetivo que estejam no curso de estágio probatório, na hipótese de se
entender que não comprovaram aptidão para o cargo, ou seja, que não
demonstraram o preenchimento dos requisitos necessários ao desempenho deste,
tal como ocorre quando o servidor estável não logra êxito em procedimento de
84
avaliação periódica de desempenho, deve lhes ser assegurada ampla defesa. o
poderão, portanto, conforme dito, ser exonerados sem que lhes seja facultada a
oportunidade de demonstrar que aquela avaliação feita a seu respeito não condiz
com a realidade. Assim, tampouco a faculdade de contrapor-se à opinião no sentido
de que o desempenho que apresenta é insuficiente para o desempenho do cargo
que ocupa seria suficiente para distinguir tais espécies de servidores.
Já o direito à disponibilidade remunerada, na hipótese de ser extinto ou
declarado desnecessário o cargo que ocupava, bem como o direito a somente ser
excluído do serviço blico, por necessidade de adequação dos gastos com pessoal
aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, quando todas as outras providências
adotadas tiverem sido insuficientes, são inerentes à estabilidade, não se aplicando
aos servidores que não gozem desta garantia
113
, ainda que titulares de cargos de
provimento efetivo. Apresentam-se, por conseguinte, no que se refere aos
servidores titulares de cargos de provimento efetivo, como principais fatores de
distinção entre os servidores estáveis e aqueles ainda não dotados de estabilidade.
Esse raciocínio, no entanto, não se aplica aos servidores titulares de
cargos em comissão. Afinal, estes, consoante se verá em tópico específico, podem
ser exonerados unicamente com base em critérios de conveniência e oportunidade,
o que não ocorre no que diz respeito aos servidores estáveis.
1.2. Vitaliciedade
113
No que diz respeito ao direito à disponibilidade, o entendimento no sentido de que este não assiste
o servidor em estágio probatório restou pacificado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por
meio da Súmula 22, que assevera que “o Estágio probatório não protege o funcionário contra a
extinção do cargo”.
85
Analisados alguns dos aspectos concernentes à estabilidade, cumpre-
nos agora considerar outra garantia outorgada a alguns servidores, que interessa
para fins do presente trabalho: a vitaliciedade.
A vitaliciedade é a prerrogativa que impede a perda do cargo, salvo por
sentença transitada em julgado, aposentadoria compulsória, exoneração a pedido ou
morte do servidor. Assim, os servidores que gozam da garantia da vitaliciedade,
diversamente dos servidores estáveis, não podem ser excluídos dos quadros do
estado em virtude de avaliação periódica de desempenho, à qual sequer se
submetem, tampouco em virtude da necessidade de redução de despesas com
pessoal.
Atualmente, a Constituição da República outorga a prerrogativa da
vitaliciedade apenas aos magistrados (art. 95, I), aos membros dos Tribunais de
Contas (arts. 73, § 3º, e 75), aos membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, a)
e aos oficiais militares (art. 142, § 3º, VI).
A aquisição da vitaliciedade, ao contrário do que ocorre com a
estabilidade, não está condicionada à realização de avaliação especial de
desempenho. A simples investidura no cargo ou, em alguns casos, esta, acrescida
do decurso do tempo, são suficientes para produzir tal efeito. Dessa forma, os
magistrados investidos em cargos vinculados ao primeiro grau de jurisdição
adquirem a vitaliciedade após dois anos de exercício. Neste período a perda do
cargo pode decorrer de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado.
Também os membros do Ministério Público devem ter dois anos de exercício para
que possam ser considerados vitalícios. No que concerne aos demais agentes, o
direito à vitaliciedade resulta da própria investidura.
86
Tal garantia, contudo, conforme entendimento consolidado por meio da
Súmula 11 do STF, o impede a extinção do cargo. Assim, ocorrendo esta,
consoante preconiza o aludido verbete, o servidor ficará “em disponibilidade, com
todos os vencimentos”.
2. ESPÉCIES DE EXTINÇÃO DO VÍNCULO MANTIDO ENTRE O ESTADO E O
SERVIDOR TITULAR DE CARGO
O vínculo constituído entre o servidor e a Administração, como regra
geral
114
, tem por característica básica a continuidade. O liame estabelecido não
possui natureza efêmera, deve perdurar no tempo, por prazo indeterminado, não se
extinguindo em virtude do mero decurso de determinado lapso temporal. Trata-se de
característica que pode ser considerada, inclusive, decorrência lógica do Estado de
Direito, que possui como traço marcante a busca pela preservação da estabilidade
das relações constituídas sob sua égide.
Isso não significa, porém, que deva persistir eternamente ou, quando
menos, até o falecimento do servidor. Essa, seguramente, não é a hipótese.
Em verdade, o liame mantido entre a Administração e o servidor pode
sim romper-se. Quando isso ocorre são feitos os ajustes necessários, recebendo o
servidor os valores que lhe são devidos. Ocorre, conforme ensinamento de
114
Como exceção a essa regra apresenta-se o vínculo estabelecido com fulcro no art. 37, IX, tratado
no Capítulo II do presente trabalho.
87
Diogenes Gasparini, “o retorno das partes à situação de alheamento que antes
existia entre elas”
115
.
Diversas são as causas que podem ocasionar a extinção da relação
jurídica mantida entre o servidor e a Administração. Pode o rompimento decorrer de
um ato administrativo, bem como de um fato natural. Pode resultar da vontade do
servidor, ou ainda da vontade da Administração. Enfim, muitas são as razões que
podem ensejar a quebra do liame existente, razão pela qual serão elas abordadas
detalhadamente, nos itens abaixo.
2.1. Extinção decorrente de ato administrativo
Uma das causas que pode ensejar a exclusão do servidor do quadro
de pessoal da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional é a prática,
por parte desta, de um ato administrativo.
Tais atos administrativos podem ser praticados de ofício, isto é,
independentemente de provocação. Fala-se, então, em exoneração, demissão ou
revogação do ato de provimento. Também é praticado de ofício o ato que extingue a
relação institucional mantida com o servidor com o escopo de reduzir despesas, na
forma do quanto disposto no § 4º, do art. 169, da Constituição da República, em
virtude de haverem sido ultrapassados os limites impostos por lei complementar
prevista no caput do aludido artigo.
Os atos destinados a extinguir o vínculo mantido entre a Administração
e o servidor titular de cargo podem também ser perpetrados em virtude de vontade
manifestada pelo servidor, ou seja, em razão de pleito por este apresentado.
115
Op. cit., p. 232.
88
Neste particular, cumpre salientar que a natureza não contratual do
liame estabelecido entre a Administração e os servidores submetidos ao regime
estatutário impede possam esses, por vontade própria, promover a extinção do
liame mantido com aquela. Isto somente poderá correr mediante a prática de um ato
administrativo. Apenas ao Estado cabe a tarefa de promover o rompimento da
relação jurídica mantida com o servidor. Assim, este não pode, apenas em razão de
haver manifestado seu interesse em não mais permanecer vinculado à
Administração, abandonar o exercício do cargo que lhe foi confiado, devendo
aguardar que a extinção do vínculo se concretize.
Quando a vacância do cargo decorre da vontade manifestada pelo
servidor, ou seja, é resultado de um ato praticado pelo Estado mediante provocação,
fala-se em exoneração e aposentadoria facultativa.
2.1.1. Exoneração
Exoneração, nas palavras de Lúcia Valle Figueiredo, “é o ato
administrativo constitutivo cuja finalidade é extinguir a relação jurídico-funcional
entre o servidor ou funcionário e o Estado”
116
. Representa, portanto, ato por meio do
qual a Administração opera o desligamento dos seus quadros do servidor submetido
ao regime estatutário.
A exoneração pode-se dar de ofício. Contudo, não é todas as vezes
que a Administração pratica voluntariamente um ato com o escopo de romper o
liame mantido com o servidor estatutário que se pode falar em exoneração.
Conforme assinala Edimur Ferreira de Faria, a “exoneração dá-se de ofício, durante
116
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 601.
89
o período probatório, se o servidor não atender às condições do estágio, e nos
casos de servidores ocupantes de cargos comissionados ou função de confiança”
117
.
Assim, como regra, podem ser exonerados de ofício os servidores ocupantes de
cargos em provimento efetivo que ainda não tiverem completado o período de
estágio probatório e aqueles ocupantes de cargos em comissão ou função de
confiança.
Não é livre a Administração, no entanto, para exonerar tais servidores,
ainda que instável o liame com eles mantido.
No tocante aos servidores ocupantes de cargos em comissão,
trataremos da questão em item específico.
Quanto aos servidores que se encontram em estágio probatório, a
exoneração deve ocorrer quando estes não demonstrarem, durante o interstício em
questão, o preenchimento, nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, dos
“requisitos necessários para o desempenho do cargo, relativos ao interesse no
serviço, adequação, disciplina, assiduidade e outros do mesmo gênero”
118
.
Dessa forma, o servidor que, no curso do estágio probatório, não
comprova possuir aptidão para o cargo, isto é, não se mostra capaz de
desempenhar a contento as tarefas inerentes a este, deve ser exonerado. Não se
trata de uma faculdade da Administração, mas sim de um dever, na medida em que
não deve manter em seus quadros servidor cujo desempenho se mostra incapaz de
satisfazer o interesse público.
Tendo a exoneração como causa a inaptidão do servidor para o
exercício do cargo que lhe foi confiado, importante se faz, conforme alertam Lúcia
117
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 138.
118
Op. cit., p. 512.
90
Valle Figueiredo
119
, Regis Fernandes de Oliveira
120
e Diogenes Gasparini
121
, entre
outros, seja observada a garantia do contraditório. Por conseguinte, ao servidor deve
ser facultada a oportunidade de contrapor-se aos elementos que conduziram à
avaliação que lhe foi desfavorável, produzindo provas que evidenciem a incorreção
desta, bem como que preenche os requisitos necessários para o desempenho do
cargo. Não pode ser exonerado sem que lhe seja permitido demonstrar que a
avaliação feita a seu respeito não corresponde à realidade.
A exoneração pode decorrer ainda de requerimento apresentado pelo
servidor titular de cargo. Isso porque, em virtude da natureza do vínculo mantido
entre este e a Administração, não pode ele romper tal liame por um ato próprio.
Assim, nas palavras de Marçal Justen Filho, “cabe ao Estado produzir um ato
unilateral, ainda que produzido em virtude de manifestação do particular”
122
.
Dessa forma, mesmo quando ocorre em virtude de pleito apresentado
pelo servidor, a extinção do vínculo depende de ato a ser praticado pela
Administração. Por conseguinte, não pode aquele, apenas por ter manifestado
interesse em não mais permanecer vinculado ao Estado, deixar de desempenhar a
função que lhe foi confiada, sob pena, inclusive, de incorrer na falta prevista no art.
138, da Lei n. 8.112/90. Deve o servidor aguardar a prática pelo Estado do ato
destinado a promover o rompimento do liame, para, somente então, cessar suas
atividades.
Podem ser exonerados a pedido tanto os servidores ocupantes de
cargos em comissão como aqueles que são titulares de cargos em provimento
efetivo, mesmo quando já encerrado o período concernente ao estágio probatório.
119
Op. cit., p. 601.
120
Servidores públicos, cit., p. 91.
121
Op. cit., p. 234.
122
Op. cit., p. 643.
91
Como regra, não pode a Administração recusar-se a promover a
exoneração do servidor que apresenta requerimento neste sentido. Trata-se de um
direito deste, que não é obrigado a permanecer vinculado ao Estado.
Situações há, porém, em que o próprio ordenamento jurídico,
buscando preservar o interesse público, restringe a possibilidade de exoneração a
pedido. É o caso, por exemplo, do art. 95, § 2º, da Lei n. 8.112/90, que dispõe que o
servidor não poderá obter exoneração antes de completar período igual ao do
afastamento que houver fruído para estudo ou missão no estrangeiro, salvo quando
ressarcir ao Estado as despesas decorrentes de tal afastamento. O dispositivo em
comento tem como escopo evitar que o servidor valha-se de recursos públicos para
aprimorar-se profissionalmente e, posteriormente, não empregue em benefício da
coletividade o conhecimento adquirido.
Nesse sentido aponta também o art. 172, do aludido diploma, que
determina que “o servidor que responder a processo disciplinar poderá ser
exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo
e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada”. Isto ocorre em virtude de os efeitos
da exoneração serem diversos daqueles que advêm da demissão, pelo que, como
adverte José dos Santos Carvalho Filho, “não teria sentido conceder-se a
exoneração diante da visível possibilidade de o servidor vir a ser demitido”
123
.
Buscou o legislador, portanto, evitar venha o servidor, por meio do pedido de
exoneração, impedir a ocorrência de conseqüências mais gravosas, que certamente
adviriam na hipótese de concluir a Administração tratar-se de hipótese que
justificaria a sua demissão. Em tal contexto, ainda nas palavras do citado autor, o
correto “é aguardar-se o desfecho do processo administrativo: havendo demissão,
123
Op. cit., p. 517.
92
não haverá ensejo para conceder-se exoneração; sendo diversa a punição, a
exoneração pode ser normalmente concedida”
124
.
Pode ocorrer, no entanto, de a Administração, equivocadamente,
exonerar o servidor que esteja respondendo a processo disciplinar que possa
ensejar a sua demissão. Ocorrendo tal situação e concluindo-se, no processo
promovido, pela demissão do servidor, entendemos que deve ser anulado o ato de
exoneração, praticando-se ato de demissão, o que, nas palavras de José dos
Santos Carvalho Filho, “na prática, significa a conversão da exoneração em
demissão”
125
.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, contudo, adota-se
entendimento diverso. Quando do julgamento do Recurso em Mandado de
Segurança, tombado sob o n. 11.056
126
, ao analisar situação na qual o servidor foi
exonerado a pedido, de acordo com programa de demissão voluntária, e,
posteriormente, encerrou-se processo disciplinar no qual se concluiu pela sua
demissão a bem do serviço público, entendeu a aludida Corte que, uma vez
exonerado o servidor, rompeu-se o vínculo estatutário que mantinha com a
Administração, pelo que esta não pode pretender aplicar àquele pena disciplinar.
2.1.1.1. Exoneração decorrente da inércia do servidor
Fala-se também em exoneração, na forma do inciso II, do art. 34, da
Lei n. 8.112/90, quando o servidor, tendo tomado posse, não entra em exercício no
prazo estabelecido.
124
Idem, ibidem.
125
Op. cit., p. 518.
126
RMS 11.056, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 1º-10-2001.
93
Trata-se de hipótese na qual o rompimento do vínculo decorre, assim
como na exoneração a pedido, de uma manifestação de vontade do servidor, que
enseja a prática, pelo Estado, de um ato destinado a pôr fim àquele. Esta vontade,
contudo, não é externada através de uma ação, de um requerimento apresentado
pelo servidor à Administração no sentido de que seja extinta a relação jurídica com
ela mantida, mas, sim, por meio de uma omissão. Da omissão do servidor, que deixa
de entrar em exercício dentro do prazo, depreende-se a sua intenção de não se
manter vinculado à Administração.
Na forma do § 1º, do art. 15, da Lei n. 8.112/90, “é de quinze dias o
prazo para o servidor empossado em cargo público entrar em exercício”. Este
interstício deverá ser contado a partir da data da posse. Assim, se dentro do prazo
em questão o servidor não se apresentar para desempenhar as atividades inerentes
ao cargo para o qual foi nomeado, deve a Administração exonerá-lo.
Entendemos, porém, que o dispositivo em questão não pode ser
interpretado de forma fria e desarrazoada. Certamente não deve a Administração
aguardar indefinidamente que o servidor se apresente para exercer o cargo que lhe
foi confiado, até mesmo porque isso poderia ensejar prejuízo para o interesse
público. Contudo, acreditamos que, na hipótese de, antes de concretizada a
exoneração, comprovar o servidor que não entrou em exercício em virtude de motivo
alheio à sua vontade, cuja ocorrência não pôde impedir, deve-se evitar a prática do
ato destinado a pôr termo ao vínculo, admitindo-se entre em exercício o servidor.
Seria o caso, por exemplo, de servidor que, em virtude de acidente
aéreo, não consegue se apresentar para entrar em exercício, dentro do prazo
previsto no § 1º, do art. 15, da referida lei, somente o fazendo dois dias após o
aludido interstício. Em tal hipótese certamente não se afigura razoável seja impedido
94
de entrar em exercício unicamente em virtude de um atraso de apenas dois dias,
para o qual aquele não contribui e que não poderia ter evitado.
Assim, acreditamos que, tendo decorrido o atraso de fato para o qual o
servidor não concorreu e que não poderia ter evitado, apresentando-se este antes
de praticada a exoneração, deve-se admitir entre em exercício.
2.1.2. Redução de despesas
Com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, que alterou
o art. 169 da Constituição da República, criou-se nova hipótese que autoriza a
extinção do vínculo mantido entre a Administração e o servidor.
Em razão da alteração promovida na Carta Magna pela aludida
emenda, passou o Estado a ter a obrigação de romper o liame mantido com os seus
servidores, ainda que sejam estes dotados de estabilidade, quando as despesas
com pessoal ativo e inativo excederem os limites estabelecidos em lei
complementar
127
.
Não pode, contudo, fazê-lo de maneira aleatória, escolhendo
indiscriminadamente, entre os servidores estáveis e os não estáveis, aqueles que
serão excluídos dos seus quadros.
127
Atualmente estes limites encontram-se fixados pela da Lei Complementar n. 101, de 4-5-2000,
denominada “lei de responsabilidade fiscal”, que revogou a Lei Complementar n. 95, de 31-5-1999.
Em virtude do aludido diploma as despesas da União com pessoal ativo e inativo estão limitadas ao
percentual de 50% das suas receitas correntes, definidas pelo art. 2º, IV, da mencionada lei como o
somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de
serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos, no tocante à União,
os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, e as
contribuições mencionadas na alínea a do inciso I e no inciso II do art. 195, e no art. 239 da
Constituição; no que diz respeito aos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por
determinação constitucional; e na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores
para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da
compensação financeira citada no § 9
o
do art. 201 da Constituição. No que diz respeito aos Estados e
Municípios este limite foi fixado em 60% das receitas correntes destes. A Lei Complementar n. 101
estabelece ainda limites internos de distribuição dos gastos.
95
Na forma do inciso I do § do art. 169 da Constituição da República,
devem ser primeiramente reduzidas, em pelo menos vinte por cento, as despesas
com cargos em comissão e funções de confiança. Assim, inicialmente devem ser
exonerados os servidores que ocupem tais cargos, de maneira a alcançar-se uma
redução de pelo menos vinte por cento dos gastos com estes.
Se, a despeito da adoção da providência anteriormente mencionada,
os gastos com pessoal ainda ultrapassarem os marcos impostos pela lei
complementar, deve o Estado, então, exonerar os servidores não estáveis.
Apenas na hipótese de tais medidas mostrarem-se inócuas para conter
o excesso de gastos detectado é que, na forma do § 4º, do aludido dispositivo
constitucional, poderá o Estado excluir de seus quadros os servidores dotados de
estabilidade
128
. Trata-se de situação na qual ocorre, nas palavras de Lúcia Valle
Figueiredo, a “chamada ‘flexibilização’ da estabilidade para aqueles que já são
estáveis”
129
.
Essa exclusão, contudo, na forma da Lei n. 9.801, de 14 de junho de
1999, editada com fulcro no § do art. 169 da Constituição da República, que
regulamentou o § 4º, do mencionado artigo, deve ser precedida de ato normativo
128
O dispositivo em questão, inserido pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, sempre ensejou
muitas discussões no âmbito doutrinário. Parte da doutrina sustenta a inconstitucionalidade da
emenda promovida, neste particular. Corroborando tal entendimento afirma-se que a perda de cargos
por servidores estáveis ultrapassaria os limites do poder de emenda. Isso porque, não se poderia, por
tal via, suprimir direito adquirido dos servidores, de somente serem excluídos dos quadros do Estado
em virtude do cometimento de faltas funcionais para as quais seja prevista pena de demissão, após
regular processo administrativo ou judicial. Neste sentido, por exemplo, são as sempre precisas lições
de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, cit., p. 246). Também Lúcia Valle
Figueiredo questiona a aplicabilidade do dispositivo em questão. Preconiza a citada autora, contudo,
solução distinta, afirmando que “as novas disposições constitucionais constituem-se em regime novo,
apto a vigorar para as relações subjetivas surgidas pós-EC 19/98” (op. cit., p. 573). Há, contudo,
quem afirme que a emenda promovida é perfeitamente compatível com a Carta Magna, sendo
aplicável, inclusive, à relações constituídas antes da edição da referida emenda. Este é o
entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, que afirma que, “se é certo que constitui direito
adquirido dos servidores a estabilidade adquirida antes da EC 19, não menos verdadeiro é o fato
de que não há o direito a que sejam mantidos, no futuro, todos os direitos decorrentes da mesma
estabilidade”, concluindo que “ofensa ao direito adquirido ocorreria, aí sim, se a EC 19 tivesse
simplesmente deixado de considerá-los estáveis” (op. cit., p. 516).
129
Op. cit., p. 573.
96
motivado, de cada um dos Poderes, que especifique a atividade funcional, o órgão
ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal, bem como o montante a
ser economizado. Devem, portanto, inclusive com o escopo de evitar venha a
Administração a valer-se da necessidade de reduzir despesas para praticar
arbitrariedades, ser previamente definidos o percentual de despesas que se busca
reduzir, o número de servidores a serem excluídos dos quadros do Estado e os
órgãos em que estes se encontram.
Ainda assim, os servidores atingidos por tal medida não podem ser
livremente escolhidos. Por meio do ato normativo anteriormente mencionado, como
assinala José dos Santos Carvalho Filho, “para evitar discriminações pessoais entre
servidores em idêntica situação jurídica, o que seria inconstitucional por violar o
princípio da impessoalidade”
130
, devem ser estabelecidos critérios gerais e
impessoais a serem observados para identificar os servidores a serem excluídos dos
quadros do Estado. Dessa forma, somente os servidores que se adequarem a tais
critérios poderão ser excluídos dos quadros do Estado.
Como critérios cuja adoção se faz possível para identificar os
servidores a serem atingidos pelo ato em questão, a Lei n. 9.801/99, em seu art. 2º,
§ , aponta o menor tempo de serviço, a maior remuneração e a menor idade.
Estes, na forma do § 3º, do artigo em questão, poderão ser combinados “com o
critério complementar do menor número de dependentes para fins de formação de
uma listagem de classificação”.
Os cargos vagos em virtude da necessidade de redução de despesas,
em razão do disposto no art. 4º, da Lei n. 9.801, deverão ser declarados extintos,
130
Op. cit., p. 517.
97
sendo vedada a criação, em um prazo de quatro anos, de cargo, emprego ou função
com atribuições iguais ou assemelhadas.
Os servidores estáveis que vierem a ser excluídos dos quadros
estatais farão jus a uma indenização equivalente a um mês de remuneração por ano
de serviço.
2.1.3. Revogação do ato de provimento
A extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor titular de
cargo público pode decorrer ainda da revogação do provimento.
Isso porque, assim como a entrada do servidor em exercício deve
ocorrer dentro de um determinado interstício, tal como exposto no item 2.1.1.1 do
presente trabalho, também a posse deve se dar dentro de um prazo definido. Afinal,
ao realizar o concurso público, o Estado o faz por possuir cargos vagos, que
necessitam ser providos, em benefício do interesse público. Logo, não pode
aguardar indefinidamente que os servidores nomeados tomem posse.
Nesse sentido o § do art. 13 da Lei n. 8.112/90 determina que a
posse ocorrerá no prazo de trinta dias, contados da publicação do ato de
provimento.
Ocorre que, pelos mais diversos motivos, ao servidor, mesmo após a
nomeação, pode não mais interessar integrar os quadros do Estado, razão pela qual
pode ele não se apresentar para tomar posse. Em tais hipóteses, na forma do
disposto no § 6º, do art. 13, da Lei n. 8.112/90, será tornado sem efeito o ato de
provimento.
98
Trata-se de situação na qual o vínculo sequer alcança a perfeição, na
medida em que o servidor nomeado não toma posse, externando interesse em não
aceitar as atribuições, responsabilidades e direitos do cargo para o qual foi
nomeado. Esta manifestação de vontade, tal como ocorre na exoneração decorrente
da inércia do servidor, não é externada através de uma ação, mas sim através de
uma omissão, que enseja a prática, pelo Estado, de um ato. Da omissão do servidor,
que deixa de entrar em exercício dentro do prazo, depreende-se a intenção deste de
não manter vínculo estatutário com a Administração.
Neste particular, reiteramos posicionamento externado no tocante à
exoneração decorrente do fato de o servidor não se ter apresentado para entrar em
exercício dentro do prazo fixado, quanto à possibilidade de se admitir a extrapolação
do prazo fixado, desde que o atraso em questão não tenha decorrido da vontade do
servidor e não pudesse ser evitado por este.
2.1.4. Demissão
Hipóteses em que o rompimento do liame mantido entre o Estado e
servidor titular de cargo de provimento efetivo decorre de falta cometida pelo
servidor. Fala-se, então, em demissão, definida por Marçal Justen Filho como “uma
sanção consistente na extinção do vínculo estatutário mantido pelo Estado com um
servidor em virtude da prática de ato reprovável, nos termos da lei”
131
.
Trata-se, portanto, de ato que, nas palavras de Edimur Ferreira de
Faria, “tem natureza punitiva”
132
. Possui como principal escopo castigar o servidor
131
Op. cit., p. 644.
132
Op. cit., p. 138.
99
que descumpriu deveres que lhe são impostos em virtude do cargo que lhe foi
confiado, seja ele detentor de estabilidade ou não.
A demissão, contudo, pressupõe a existência de lei prevendo que
determinadas condutas, se cometidas, ensejarão a aplicação de tal modalidade de
sanção ao servidor. Não havendo lei preconizando que a prática de uma
determinada falta implicará a demissão do servidor, não poderá ser este demitido
em razão de falta que venha a praticar, por mais grave que seja esta. Nesse sentido
são as lições de Odete Medauar:
As condutas consideradas infrações devem estar legalmente
previstas; é ilegal apenar o servidor por atos ou fatos que não
estejam caracterizados, na lei, como infrações funcionais. Essa
caracterização se efetua nos estatutos e leis orgânicas,
principalmente
133
.
Afinal, seja em virtude de o regime jurídico de Direito Administrativo
punitivo se vincular ao de Direito Penal
134
, seja em virtude das características
inerentes àquele, não se pode deixar de observar o princípio da legalidade quando
da aplicação de sanções aos servidores.
A Lei n. 8.112/90, estatuto dos servidores federais, em seu art. 132,
preconiza que a prática das seguintes condutas justifica a demissão do servidor
133
Op. cit., p. 358.
134
No tocante à aplicação ao Direito Administrativo punitivo do princípio da tipicidade, inerente ao
Direito Penal, alerta Odete Medauar que esta se de forma mitigada, na medida em que, ao
contrário do que ocorre neste, no âmbito daquele admite-se sejam as infrações descritas por meio de
“fórmulas amplas e abertas” (op. cit., p. 358-9). Nesse sentido é também o entendimento esposado
por Edmir Netto de Araujo, que assevera que “não se aplica rigidamente, no processo administrativo,
o princípio da tipificação estrita, característico do Direito Penal, embora não se elimine o da ‘reserva
legal’ (nullum crimen sine lege), pois reserva-se uma certa faixa, por assim dizer, ‘discricionária’ à
autoridade, na apreciação dos fatos e na escolhe da dosimetria da punição prevista, pois não a
infração como também a adequação da penalidade são propositadamente descritas de forma mais
ampla e genérica nas leis administrativas” (Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006,
p. 885). Isso o significa, porém, a admissão do emprego de conotações subjetivas no exercício do
poder disciplinar. Ainda que diante de fórmulas amplas e abertas, o servidor responsável pelo
exercício do poder disciplinar deve atuar pautado por parâmetros objetivos.
100
titular de cargo: (I) crime contra a Administração Pública; (II) abandono de cargo; (III)
inassiduidade habitual; (IV) improbidade administrativa; (V) incontinência pública e
conduta escandalosa na repartição; (VI) insubordinação grave no serviço; (VII)
ofensa física, em serviço, a servidor ou particular, salvo em legítima defesa, própria
ou de outrem; (VIII) aplicação irregular de dinheiro público; (IX) revelação de
segredo do qual se apropriou em razão do cargo; (X) lesão aos cofres públicos e
dilapidação do patrimônio nacional; (XI) corrupção; (XII) acumulação ilegal de
cargos, empregos ou funções públicas; (XIII) transgressão dos incisos IX a XVI do
art. 117, do aludido diploma, que prevêem os seguintes comportamentos, (IX) valer-
se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade
da função pública; (X) participar de gerência ou administração de sociedade privada,
personificada ou não personificada, salvo a participação nos conselhos de
administração e fiscal de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou
indiretamente, participação no capital social ou em sociedade cooperativa
constituída para prestar serviços a seus membros, e exercer o comércio, exceto na
qualidade de acionista, cotista ou comanditário; (XI) atuar, como procurador ou
intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios
previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou
companheiro; (XII) receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer
espécie, em razão de suas atribuições; (XIII) aceitar comissão, emprego ou pensão
de estado estrangeiro; (XIV) praticar usura sob qualquer de suas formas;
(XV) proceder de forma desidiosa; e (XVI) utilizar pessoal ou recursos materiais da
repartição em serviços ou atividades particulares.
As hipóteses que acarretam a demissão do servidor, porém, não se
encontram previstas unicamente na Lei 8.112/90. Também o Código Penal versa a
101
respeito da questão, em seu art. 92, I, a, ao dispor que a condenação penal acarreta
a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, quando for imposta ao servidor
pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes
praticados com abuso de poder ou com violação de dever para com a
Administração. Da mesma forma, o art. 12, III, da Lei 8.429/1992 prevê a perda da
função pública na hipótese de condenação por crime contra a probidade
administrativa.
Conforme se denota do exposto, as hipóteses de demissão, em sua
grande maioria, dizem respeito a condutas reprováveis praticadas no âmbito das
funções administrativas. Há, contudo, hipóteses em que a conduta exterior do
servidor produz efeitos no vínculo por este mantido com a Administração, para
efeitos de punição. É o que ocorre, por exemplo, com relação às hipóteses descritas
no inciso V, do art. 132, da Lei n. 8.112/90, que diz respeito à “incontinência pública”,
ou ainda àquelas descritas nos incisos XIII e XIV, do art. 117, do mencionado
diploma, que mencionam a aceitação de comissão, emprego ou pensão de estado
estrangeiro” e a prática de “usura sob qualquer de suas formas”.
Outrossim, poderá ser demitido ainda o servidor em virtude da prática
de crime que não tenha correlação com a função pública, na forma do disposto no
art. 92, I, b, do Código Penal, caso lhe seja imposta pena privativa de liberdade com
duração superior a quatro anos
135
.
A demissão poderá ainda ser acompanhada de outras punições, que
não apenas a exclusão do servidor dos quadros da Administração. Nesse sentido,
tanto a Lei n. 8.112/90 como também a Lei n. 8.429/92 – Lei de Improbidade
135
Caso a privação de liberdade imposta seja inferior a quatro anos, o servidor permanecerá afastado
de seu cargo ou função, fazendo jus sua família à percepção de auxílio-reclusão (art. 229 da Lei n.
8.112/90).
102
Administrativa elencam hipóteses nas quais os servidores demitidos em virtude de
determinadas faltas, especialmente aquelas relacionadas à prática de atos
atentatórios à moralidade administrativa, bem como que impliquem enriquecimento
ilícito ou dano ao erário, ficam sujeitos a outras penas. É o caso, por exemplo, do
servidor que, na forma do art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90, seja demitido em virtude
da prática de ato de improbidade administrativa. Nesta hipótese, além de perder o
cargo, fica também o servidor, em virtude do disposto no art. 12 da Lei 8.429/92,
sujeito a outras sanções, tais como a perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver,
suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até
três vezes o valor do acréscimo patrimonial, entre outras. Outro exemplo que pode
ser dado é o do servidor que é demitido em razão da aplicação irregular de dinheiro
público (art. 132, VIII, da Lei n. 8.112/90). Além da demissão, em observância ao
disposto no art. 136, do aludido diploma, ficará ele também sujeito às penas de
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário dos prejuízos causados.
A depender da gravidade da conduta praticada, a demissão pode ser
ainda agravada com a proibição de o servidor voltar a ser investido em cargo,
emprego ou função pública. Tal se quando, além de ter o servidor praticado
infração grave, a sua permanência nos quadros da Administração é indesejável ao
serviço público, pelo que o seu retorno fica vedado. Nesse sentido aponta o
parágrafo único do art. 137 da Lei n. 8.112/90, ao dispor que não poderá retornar ao
serviço blico federal o servidor que for demitido em virtude de ter praticado as
condutas descritas nos incisos I, IV, VIII, X e XI do art. 132 do diploma em comento.
Assim, o servidor que houver sido demitido em razão da adoção de algum dos
103
comportamentos previstos nos dispositivos citados não mais poderá ser investido
em cargo, emprego ou função pública.
Tal proibição de retorno ao serviço público, porém, poderá ser
meramente temporária. É o que ocorre, na forma do caput do art. 132 da Lei
8.112/90, quando o servidor age de maneira que o seu comportamento se subsume
a alguma das hipóteses descritas pelos incisos IX e XI do art. 117 do mencionado
estatuto. Tendo sido o servidor excluído dos quadros da Administração em virtude
da prática de conduta descrita em algum dos dispositivos em questão, ficará proibido
de ser novamente investido em cargo público pelo prazo de cinco anos.
2.1.4.1. Prática de crime contra a Administração Pública
A primeira das condutas apontadas pelo art. 132 da Lei 8.112/90, como
capaz de justificar a aplicação da pena demissão ao servidor submetido ao regime
estatutário, é a prática de “crime contra a administração pública”.
Por crime contra a administração pública entende-se todos aqueles
praticados pelo servidor contra o Estado, independentemente do diploma em que
estejam inseridos. Assim, pratica a conduta em questão não apenas o servidor que
comete algum dos ilícitos previstos nos arts. 312 a 327, do Capítulo I (Dos crimes
praticados por funcionário público contra a Administração em geral), do Título XI
(Dos crimes contra a Administração Pública), do Código Penal, mas aquele que
perpetra qualquer espécie de delito contra o Estado, ainda que não esteja no
exercício do cargo que ocupa. Nesse sentido manifesta-se, de maneira clara,
Francisco Xavier da Silva Guimarães:
104
A primeira das causas elencadas, que enseja a pena demissória,
consiste no cometimento, pelo servidor, de “crime contra a
Administração Pública”.
O dispositivo sob exame, tal como redigido, pode induzir o leitor ao
entendimento equivocado de que os crimes que o Código Penal
tipifica como “praticados por funcionários públicos contra a
administração em geral” (arts. 312-326) são exclusivamente aqueles
que a Lei n. 8.112/90, por disciplinar a atividade funcional, estaria
acolhendo como justificadores da demissão.
Os crimes, no entanto, referidos na Lei n. 8.112/90 são todos, sem
exceção, os que se acham catalogados no Código Penal ou em leis
extravagantes, que podem ser praticados pelos servidores contra o
Estado
136
.
Assim, também a prática de crimes previstos em diplomas diversos,
como, por exemplo, aqueles previstos nos arts. 89 a 99 da Seção III do Capítulo IV
da Lei 8.666/93, autoriza a demissão do servidor, desde que o delito em questão
seja cometido contra o Estado.
2.1.4.2. Abandono de cargo
O art. 132, II, da Lei n. 8.112/90 aponta como causa de demissão do
servidor o “abandono de cargo”, conduta definida no art. 138, do aludido diploma,
como sendo a “a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias
consecutivos”.
Trata-se de dispositivo que tem como escopo evitar a descontinuidade
do serviço, evitando, dessa forma, eventual prejuízo ao interesse público. Afinal,
conforme assinala Francisco Xavier da Silva Guimarães, “se o cargo existe é porque
136
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Regime disciplinar do servidor público civil da União. Rio
de Janeiro: Forense, 2006, p. 60.
105
se faz necessário”
137
, mais ainda, se o cargo existe é porque faz-se imprescindível
para a satisfação do interesse público.
Consoante se depreende, porém, do art. 138, a ausência do servidor
tem que ser intencional. Se esta decorrer de fatores alheios à vontade do servidor,
não haverá como se falar que houve abandono do cargo. Assim, se o servidor
comprovar ocorrência de motivo de força maior ou mesmo vício de vontade capaz
de justificar a sua ausência, elide a aplicação da penalidade em questão. A ausência
injustificada, no entanto, faz presumir o desinteresse do servidor em permanecer nos
quadros do Estado.
2.1.4.3. Inassiduidade habitual
De acordo com o art. 132, III, da Lei n. 8.112/90, a inassiduidade
habitual autoriza a demissão do servidor. Por inassiduidade habitual entende-se, em
razão do disposto no art. 139, do aludido diploma, “a falta ao serviço, sem causa
justificada, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses”.
Justifica-se o dispositivo em comento na medida em que, conforme
assinala Marcos Antonio Fernandes, “o servidor não pode está claro sobrepor o
seu interesse pessoal aos da Administração Pública”
138
. Ademais, as ausências
reiteradas do servidor revelam um acentuado grau de desinteresse desse para com
o serviço, justificando assim seja excluído dos quadros do Estado, em benefício da
preservação do interesse público.
137
Op. cit., p. 70.
138
FERNANDES, Marcos Antonio. Regime jurídico do servidor público civil da União comentado. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 152.
106
Aqui, tal como ocorre no abandono de cargo, se a ausência do servidor
for justificada, em virtude do disposto no art. 139, fica afastada a aplicação da
sanção.
2.1.4.4. Improbidade administrativa
Também deverá ser apenado com a demissão, em virtude do disposto
no art. 132, IV, da Lei n. 8.112/90, o servidor que praticar ato de improbidade
administrativa.
De acordo com Vera Scarpinella Bueno, em virtude do disposto na Lei
8.429/92, para que se possa falar em ato de improbidade, necessário se faz que o
ato, além de ilegal, importe em violação de alguma das modalidades dos arts. 9º, 10
e 11. Assim, de acordo com a citada autora:
[...] são modalidades de improbidade: (a) uma ilegalidade que
importe em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) uma ilegalidade que
importe em lesão ao erário e desde que haja benefício de alguém
(art. 10); ou (c) atentar contra os princípios da administração pública,
entre eles a honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
(art.11)
139
.
Além disso, ainda de acordo com a autora citada, deve ser analisado
também o aspecto subjetivo da conduta do agente.
Assim, a configuração da improbidade independe da existência de
dano ao erário e da ocorrência de enriquecimento ilícito. Nesse sentido manifesta-se
Juarez Freitas:
139
BUENO, Vera Scarpinella. O art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e a lei de improbidade
administrativa. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 6, v. 1, p.
3, set. 2001. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 1º-2-2008.
107
Neste prisma, ainda que a ação do agente público não cause
qualquer dano material ao erário, nem enriquecimento ilícito, a
violação grave do princípio da moralidade possui o condão de
configurar a improbidade administrativa do art. 37, § 4º, da Carta
Magna, havendo improbidade por violação a princípio, desde que
como será enfatizado haja inequívoca intenção desonesta e grave
violação ao senso médio superior da moralidade vigente numa
determinada comunidade
140
.
Por conseguinte, pratica ato de improbidade o servidor que,
intencionalmente, age desonestamente, com o escopo de obter vantagem, para si
ou para outrem, ou atenta contra os princípios da Administração Pública.
A demissão do servidor em virtude da prática de ato de improbidade,
como regra, prescinde da existência de pronunciamento do Poder Judiciário acerca
da questão, podendo decorrer de regular procedimento administrativo, no qual seja
observado o devido processo legal, sendo assegurados ao servidor o contraditório e
a ampla defesa. Em se tratando, porém, de servidor detentor da garantia da
vitaliciedade, a submissão da questão ao Poder Judiciário mostra-se imprescindível
(cf. Juarez Freitas, op. cit., p. 140).
2.1.4.5. Incontinência pública e conduta escandalosa na repartição
De acordo com o art. 132, V, da Lei n. 8.112/90, deve ser apenado
com a demissão o servidor que praticar “incontinência pública e conduta
escandalosa, na repartição”.
A incontinência pública, de acordo com Francisco Xavier da Silva
Guimarães, “traduz-se na notoriedade da vida irregular, desregrada, às vezes até
140
FREITAS, Juarez. O princípio jurídico da moralidade e a lei de improbidade administrativa. Apud
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe (Coord. Geral), MOTTA, Paulo Roberto Ferreira, e CASTRO,
Rodrigo Pironti Aguirre de. Direito administrativo contemporâneo – Estudos em memória ao Professor
Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 136.
108
mesmo devassa, suficiente para produzir a perda da respeitabilidade e refletir na
confiabilidade do serviço executado”
141
. Trata-se, portanto, de atos que atentam
contra a moral e os bons costumes.
A conduta escandalosa, por sua vez, diz respeito aos procedimentos
que transcendem a normalidade, provocando, de acordo com Francisco Xavier,
“sentimento coletivo de reprovação, indignação e vergonha em geral por atitude ou
palavra indecorosa”
142
.
2.1.4.6. Insubordinação grave em serviço
Igualmente enseja a demissão do servidor, de acordo com o art. 132,
VI, da Lei n. 8.112/90, a prática de “insubordinação grave em serviço”.
Com efeito, conforme assinala Marcos Antonio Fernandes, “na relação
profissional entre a administração pública e o servidor imperam, dentre outros, dois
poderes exponenciais, que se inter-relacionam: o hierárquico e o disciplinar”
143
.
Assim, em prol da satisfação do interesse público, o servidor tem o dever de
obedecer não apenas às leis e aos regulamentos, mas também às ordens
superiores.
Dessa forma, pratica ato de insubordinação grave o servidor que se
manifesta explicitamente no sentido de descumprir ordem recebida. Trata-se, nas
palavras de Francisco Xavier da Silva Guimarães, de:
[...] espécie do gênero indisciplina e se expressa na forma
exacerbada de desrespeito, daí gerando a gravidade que se afere
141
Op. cit., p. 75.
142
Op. cit., p. 75.
143
Op. cit., p. 152.
109
pela consciente postura funcional contrária à de obediência e de
respeito exigidos para a regularidade do serviço público
144
.
2.1.4.7. Ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular
Ainda de acordo com a Lei n. 8.112/90, mais precisamente com o
inciso VII, do art. 132, do aludido diploma, a demissão do servidor será aplicada
também nos casos de “ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em
legítima defesa própria ou de outrem”.
Assim, será demitido o servidor que agredir fisicamente outro servidor
ou mesmo terceiro estranho aos quadros do Estado, desde que essa agressão não
seja praticada em legítima defesa própria ou de outrem, isto é, não tenha por escopo
repelir agressão injusta, efetiva ou iminente, de forma moderada e apropriada, e
ocorra em serviço, ou seja, no exercício da função.
2.1.4.8. Aplicação irregular de dinheiros públicos
Prevê também o art. 132, VIII, da Lei n. 8.112/90, como causa capaz
de ensejar a demissão do servidor, a “aplicação irregular de dinheiros públicos”.
Dessa forma, a aplicação de recursos pertencentes ao Estado de
forma distinta da sua original destinação ou mesmo contrária ao ordenamento
jurídico enseja a demissão do servidor.
2.1.4.9. Revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo
144
Op. cit., p. 76.
110
Aponta ainda o art. 132, da Lei n. 8.112/90, em seu inciso IX, como
causa capaz de ensejar a demissão do servidor, a “revelação de segredo do qual se
apropriou em razão do cargo”.
Pratica a conduta prevista no preceito normativo em questão o servidor
que revela informação que, pela sua natureza e relevância, deveria ter sido mantida
em segredo. É o caso, por exemplo, do servidor que revela plano econômico a ser
implantado, antes que esse seja posto em prática.
2.1.4.10. Lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio
nacional
A pena de demissão também deverá ser aplicada nos casos em que o
servidor causar “lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional” (art.
132, X, da Lei n. 8.112/90).
Pratica a conduta em questão não apenas o servidor que, em virtude
de má administração, causa prejuízo financeiro aos cofres públicos, isto é, lesa os
cofres públicos, mas também aquele que, de alguma outra forma, atinge o
patrimônio do Estado, dilapidando-o.
2.1.4.11. Corrupção
Em razão do disposto no art. 132, XI, da Lei n. 8.112/90, também
deverá ser apenado com a demissão o servidor que praticar ato de corrupção.
Alerta Marcos Antonio Fernandes, porém, que:
111
[...] aqui a figura típica é mais ampla e genérica do que a constante
do art. 317 do Código Penal. Enquanto este alude apenas à conduta
passiva (negativa) do servidor, a do Estatuto, de que ora se cogita,
abrange também, e de igual modo, a ação positiva
145
.
Assim, pratica a falta em comento não apenas o servidor que aceita
suborno, como também aquele que oferece.
2.1.4.12. Acumulação ilegal de cargos públicos
A acumulação de cargos, empregos ou funções públicas, em virtude do
teor do art. 132, XII, da Lei n. 8.112/90, implica a aplicação da pena de demissão ao
servidor que praticar tal falta.
Ocorre que, de acordo com o disposto no art. 37, XVI, da Constituição
da República, a acumulação remunerada de cargos públicos é vedada, exceto,
quando houver compatibilidade de horários e desde que observado o disposto no
inciso XI, de dois cargos de professor, de um cargo de professor com outro técnico
ou científico, ou, ainda, de dois cargos ou empregos de profissionais de saúde com
profissões regulamentadas.
Assim, constatada a acumulação indevida, de acordo com o art. 133 do
aludido diploma, o servidor será notificado “para, no prazo de cinco dias, apresentar
defesa escrita” 2º). De acordo com o § do aludido diploma, na hipótese de
restar caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de
demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação
aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal.
145
Op. cit., p. 154.
112
Contudo, dentro do prazo que lhe foi assinalado para apresentação de
defesa, poderá o servidor optar por um dos cargos, o que “configurará sua boa-fé,
hipótese em que se converterá automaticamente em pedido de exoneração do outro
cargo” (§ 5º).
Dessa forma, a demissão do servidor está condicionada à
comprovação da sua má-fé, não bastando, para ensejar a aplicação da pena em
questão, a mera acumulação de cargos.
2.1.4.13. Inobservância dos incisos IX a XVI do art. 117 da Lei
8.112/90
Poderá ainda, de acordo com o art. 132, XIII, da Lei n. 8.112/90, ser
apenado com a demissão o servidor que praticar alguma das condutas descritas nos
incisos IX a XVI do art. 117 do aludido diploma.
Assim, será demitido o servidor que: a) valer-se do cargo para lograr
proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; b)
participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não
personificada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal de
empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente,
participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar
serviços a seus membros, e exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista,
cotista ou comanditário; c) atuar, como procurador ou intermediário, junto a
repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou
assistenciais de parentes a o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; d)
receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de
113
suas atribuições; e) aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro; f)
praticar usura sob qualquer de suas formas; g) proceder de forma desidiosa; e h)
utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades
particulares.
2.1.4.14. Processo administrativo disciplinar
Dada a gravidade de que se reveste a demissão, a sua aplicação o
pode ser feita unilateralmente pela Administração. A validade da punição imputada
está condicionada à adoção de processo administrativo disciplinar
146
, definido por
Odete Medauar como “a sucessão ordenada de atos, destinados a averiguar a
realidade da falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela
concorreram e aplicar as sanções pertinentes”
147
.
Trata-se, em verdade, de desdobramento lógico do princípio do devido
processo legal e das garantias do contraditório e da ampla defesa, conforme
entendimento esposado por Dinorá Adelaide Musetti Grotti, que assevera ainda que
“o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes, vêm
assegurados em todos os processos, inclusive administrativos, desde que neles haja
acusados ou litigantes”
148
.
Havendo, porém, necessidade de apuração dos fatos que porventura
possam configurar a infração funcional, bem como quando existirem dúvidas acerca
da autoria destes, o processo administrativo disciplinar será precedido de
146
No caso dos servidores que gozem da garantia da vitaliciedade, porém, conforme anteriormente,
visto, a realização de processo administrativo disciplinar não é suficiente, estando a demissão
condicionada à obtenção de pronunciamento do Poder Judiciário.
147
Op. cit., p. 362.
148
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Devido processo legal e o procedimento administrativo. Revista
Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 18, p. 36, 1997.
114
sindicância. Trata-se, nas palavras de Edmir Netto de Araujo, da chamada
“sindicância averiguatória”
149
.
A sindicância, portanto, nesta hipótese
150
, é a peça preliminar e
informativa do processo administrativo disciplinar, por meio da qual se apura a
prática de atos que possam configurar infração disciplinar, bem como a autoria
destes. Traduz-se, consoante lição de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “numa
sucessão de atos de apuração de uma suposta irregularidade disciplinar, da qual
resultará o arquivamento da iniciativa ou a instauração do processo administrativo
disciplinar”
151
.
Trata-se, dessa forma, de procedimento investigatório, que pode
resultar no arquivamento do caso, por haver sido constatada a inexistência de
irregularidade ou ausência de autoria; ou na instauração do processo administrativo
disciplinar, em virtude de ter sido verificada a existência de irregularidade e
identificado o autor desta.
Por conseguinte, na sindicância não existem acusados ou litigantes,
razão pela qual comumente afirma-se que a observância das garantias do
contraditório e da ampla defesa não é necessária. Tal entendimento, todavia, não
nos parece o mais acertado. E aqui, mais uma vez, mostram-se plenamente
aplicáveis os ensinamentos de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, que, ao
discorrerem acerca da importância de assegurar-se a plena vigência das garantias
do contraditório e da ampla defesa, inclusive no curso da sindicância, asseveram:
149
Op. cit., p. 867.
150
O vocábulo sindicância é utilizado também, em algumas hipóteses, para designar o próprio
conjunto de atos por meio dos quais se busca analisar a falta cometida pelo servidor, as
circunstâncias em que esta ocorreu e aplicar as penalidades cabíveis. Fala-se então, segundo lição
de Edmir Netto de Araujo, em “sindicância acusatória” (op. cit., p. 867). Trata-se de processo
administrativo revestido de procedimento simplificado, em virtude da reduzida gravidade da falta
cometida, que somente pode ser adotado quando para a infração cometida são cominadas as penas
de advertência ou suspensão, esta de até trinta dias. Havendo possibilidade de aplicação de sanção
distinta, é exigido o processo disciplinar, em virtude do disposto no art. 146, da Lei 8.112/90.
151
Op. cit., p. 99.
115
Em segundo lugar, não como aceitar-se a constrição da defesa,
mesmo fora do campo da chamada sindicância punitiva, em razão
de assegurar-se, mais tarde, a ampla defesa no processo
administrativo. E disso não se fale, além do que antes
considerado (inexistência de suporte constitucional), porque o
administrado e o servidor têm interesse legítimo inclusive à não
instauração do processo em seqüência à sindicância, eis que tal
instauração os coloca em situação defensiva (e, pois, a priori
desfavorável), despoja-os do status de não-indiciados: a perda de
qualquer direito ou situação somente é admissível com a
observância do devido processo legal, o que supõe a amplitude da
defesa e da prova (repita-se: Constituição Federal, art. 5º, LIV e
LV)
152
.
Ademais, não se pode olvidar das conseqüências que um processo
administrativo pode produzir na esfera pessoal do servidor. Afinal, a simples
promoção, em face deste, de processo administrativo disciplinar que pode resultar
na sua exclusão dos quadros da Administração, além de causar-lhe conseqüências
psicológicas, muitas vezes de extrema gravidade, gera severas repercussões no seu
meio profissional, ensejando danos à sua imagem que dificilmente serão reparados
posteriormente.
Não se argumente que a simples promoção da sindicância, por si só,
causaria tais efeitos. Afinal, a gravidade das conseqüências é amplamente distinta.
Isso porque, em sendo a grande maioria das pessoas ignorantes no que diz respeito
aos trâmites atinentes à aplicação das sanções disciplinares, a propositura de um
processo administrativo disciplinar, após a realização de um procedimento
investigatório destinado a apurar o cometimento de infração funcional, induz à
crença de que o servidor que figura no pólo passivo daquele foi, de fato, o
responsável pelo cometimento da falta apurada. Acredita, a grande maioria da
população, que a ocorrência do fato foi apurada à exaustão, bem como a sua
152
Op. cit., p. 100.
116
autoria, pelo que, se, mesmo após a realização de sindicância, o servidor
permanece sendo responsabilizado por aquele, é porque realmente possui ligação
com a infração verificada.
Assim, ainda que este venha a ser absolvido no âmbito do processo
administrativo disciplinar, o dano à sua imagem terá ocorrido e dificilmente será
reparado integralmente, na medida em que, dada a falta de credibilidade que,
infelizmente, assola muitas das instituições no Brasil, tendo sido atribuída
responsabilidade ao servidor na sindicância, diversas o as hipóteses que serão
suscitadas pela população em geral para justificar tal absolvição, desde a existência
de acordos políticos a deficiências processuais. Jamais se cogitará que a absolvição
se deu unicamente por ter sido permitido ao servidor produzir provas que
evidenciassem a sua inocência. Situação distinta, porém, se verificaria se a
inocência do servidor tivesse sido apurada já no âmbito da sindicância.
Dessa forma, acreditamos que, mesmo no âmbito da sindicância,
devem ser preservadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, sendo
permitido ao servidor investigado produzir provas que comprovem a sua inocência,
seja em virtude de não ter sido cometida a falta que se acreditava teria ocorrido, seja
por não ter sido o responsável por esta.
Contudo, independentemente de terem sido garantidos, no curso da
sindicância, o contraditório e a ampla defesa, nada autoriza a supressão, no
processo administrativo disciplinar, da fase de instrução. Por conseguinte, no curso
deste devem ser fielmente observadas as garantias em questão, sendo assegurado,
ao servidor que figurar no pólo passivo daquele, o direito de manifestar-se a respeito
das acusações que lhe estejam sendo imputadas, bem como de produzir provas.
Nesse sentido, precisas são as lições de Marcos Porta, que assevera:
117
[...] como o ato administrativo final tem o caráter disciplinar e
restritivo de direitos, configura-se a situação de acusado e, em
conseqüência, a necessidade de observância do art. 5º, incisos LV e
LIV, da Constituição Federal
153
.
Assim, ao acusado deve ser permitido contrapor-se, por meio de
defesa técnica, àquelas alegações que lhe sejam desfavoráveis, bem como produzir
provas que evidenciem a veracidade das afirmações contidas em sua peça
defensiva.
Neste particular, importa destacar que, conforme alerta Régis
Fernandes de Oliveira, “a verdade sabida não mais subsiste no interior da
Administração”
154
. Nas palavras de Francisco Xavier da Silva Guimarães, “por
verdade sabida se de entender o julgamento sumário de fato irregular praticado
por servidor público, no exercício de suas funções, resultante de avaliação pelo
conhecimento direto da autoridade administrativa que detém o poder punitivo”
155
.
Assim, ainda que possua conhecimento pessoal e direto acerca da falta cometida
pelo servidor, a autoridade responsável pela aplicação da sanção não poderá fazê-lo
de imediato, sem qualquer procedimento. A acusação deve ser formalizada,
concedendo-se ao servidor a possibilidade de defesa.
A demissão do servidor sem que este possa defender-se amplamente,
no curso do processo administrativo disciplinar, implica flagrante nulidade, que
poderá ser reconhecida pelo Poder Judiciário, com a determinação de reintegração
do servidor aos quadros do Estado, com a conseqüente percepção dos vencimentos
referentes ao período em que permaneceu afastado.
153
PORTA, Marcos. Processo administrativo e o devido processo legal. São Paulo: Quartier Latin,
2003, p. 94.
154
Op. cit., p. 140.
155
Op. cit., p. 125.
118
Outrossim, em face da decisão que determinar a aplicação de sanção
disciplinar cabe a interposição de recurso administrativo, seja na modalidade pedido
de reconsideração, seja na modalidade recurso hierárquico.
Repercussão da sentença penal no processo administrativo
disciplinar
Conforme dissemos anteriormente, como regra, no curso do processo
administrativo disciplinar, em respeito ao princípio do devido processo legal e às
garantias do contraditório e da ampla defesa, deve-se assegurar ao servidor o direito
de produzir provas que evidenciem a veracidade das alegações contidas em sua
peça de defesa.
Exceção a essa regra, porém, se verifica quando a infração cometida
houver sido apurada pelo juízo criminal. Com efeito, hipóteses há em que a conduta
descrita como infração disciplinar pode também ser qualificada como crime. É o
caso, por exemplo, das condutas descritas no Capítulo I, Título XI, do Código Penal,
intitulado “Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em
geral”, que compreende os arts. 312 a 326. Assim, a mesma conduta pode estar
sendo objeto de apuração no juízo criminal e por meio de processo administrativo
disciplinar.
Ocorre que, na forma do quanto disposto no art. 935 do Código Civil,
não se pode “questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Portanto,
tendo sido constatada no juízo criminal a ocorrência do fato classificado como
infração disciplinar, bem como apurada a sua autoria, a sentença proferida repercute
119
no âmbito disciplinar. Da mesma forma, quando o servidor é absolvido no juízo
criminal, em virtude de haver sido provada a inexistência da infração ou
demonstrado que não foi ele o responsável pela prática do ato em questão, deverá
ser também absolvido no âmbito disciplinar. A instância penal, no caso, obriga a
instância administrativa, de acordo, inclusive, com previsão expressa contida no art.
126 da Lei n. 8.112/90, que determina que “a responsabilidade administrativa do
servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato
ou sua autoria”. O mesmo ocorre ainda quando a absolvição na ação penal tem
fundamento na constatação de que o ato foi praticado em estado de necessidade,
em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular
de direito, em virtude do disposto no art. 65 do Código de Processo Penal.
Se a absolvição, no entanto, tiver como fundamento a ausência de
prova do fato, ausência de prova da autoria, ausência de prova suficiente para a
condenação ou ainda o fato de a conduta analisada não constituir infração penal, a
sentença proferida pelo juízo criminal não produzirá efeitos na esfera disciplinar.
Nesse sentido aponta a Súmula 18 do STF, que dispõe que “Pela falta residual, não
compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição
administrativa do servidor público”.
2.1.5. Pedido de aposentadoria
A aposentadoria, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, “é a
denominação que se dá ao direito de alguém continuar a perceber uma quantia em
120
dinheiro mesmo depois de cessada a sua prestação laboral”
156
, ou seja, ainda
segundo o citado autor, “é o direito à inatividade remunerada”
157
.
O pedido de aposentadoria formulado pelo servidor é comumente
apontado como causa de extinção do vínculo mantido entre aquele e o Estado.
Trata-se, contudo, sem embargo do respeito devido àqueles que adotam tal
posicionamento, de entendimento com o qual não concordamos.
Não nos parece acertado afirmar que a aposentadoria do servidor
extingue o vínculo que este mantinha com o Estado. O que ocorre, em verdade, é
uma alteração na qualidade deste vínculo, que passa a possuir natureza
previdenciária na medida em que o servidor, a partir do momento em que se
aposenta, não mais integra a categoria dos servidores ativos, mas sim a dos
inativos. No entanto, repita-se, não enseja o rompimento do liame mantido com o
Estado.
Corroborando tal entendimento, a Constituição da República, ao fazer
menção aos servidores aposentados, em diversos dispositivos, como, por exemplo,
os arts. 29-A, 40, 169 e 234, utiliza-se da expressão “servidores inativos” para
designá-los. Outrossim, também a Lei n. 8.112/90 conduz a tal conclusão, na
medida em que admite que o servidor aposentado por invalidez retorne aos quadros
do Estado na hipótese de recuperar a sua capacidade. Ora, ocasionasse a
aposentadoria o rompimento do liame mantido com o Estado, certamente aquele
somente poderia retomar as suas atividades junto ao Estado caso se submetesse a
novo concurso público, o que não ocorre.
156
Op. cit., p. 434.
157
Idem, ibidem.
121
Logo, a aposentadoria não provoca o rompimento do liame mantido
entre o servidor e o Estado, mas apenas altera-o. Nesse sentido é o entendimento
esposado por Cármen Lúcia Antunes Rocha, que assevera:
Em se tratando de trabalhador público, o vínculo com o próprio
Estado continua com a aposentação; apenas se altera a condição
jurídica do agente, pois o seu status funcional passa a submeter-se
a regime jurídico próprio à sua nova situação. Pela aposentadoria
não cessa nem se extingue o vínculo jurídico que ligava o agente à
entidade empregadora. O que se é uma alteração substancial do
elo jurídico, de tal maneira que ele passa de uma a outra categoria
de agentes atados ao Estado, tanto que ainda conta com um regime
jurídico pelo qual a ele se atribuem direitos, deveres e
responsabilidades perante e para com a entidade estatal
158
.
Assim também se posiciona Miguel S. Marienhoff, ao afirmar que “la
jubilación en caso alguno produce la extinción de la relación de empleo; su único
efecto es hacer que el funcionario pase de la situación de actividad a la de
pasividad. Pero el agente público jubilado sigue siendo funcionario o empleado”
159
.
De qualquer forma, seja qual for o entendimento adotado a respeito
dos efeitos produzidos pela aposentadoria no vínculo mantido entre o servidor e o
Estado, o fato é que esta provoca a vacância do cargo, na medida em que deixa o
servidor de exercer aquelas funções que lhe foram confiadas em virtude do cargo
que ocupava.
Poderá decorrer a aposentadoria: a) do fato de haver o servidor
completado certa idade, considerada como limite temporal à sua permanência nos
quadros do Estado; b) da sua invalidez; c) do fato de ter atingido determinada idade,
158
ROCHA, Cármen Lúcia. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva,
1999, p. 412, apud MODESTO, Paulo. Reforma da previdência e regime jurídico da aposentadoria
dos titulares de cargo público. In: MODESTO, Paulo (Org.). Reforma da previdência. Análise e crítica
da Emenda Constitucional n. 41/2003. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 54.
159
MARIENHOFF, Miguel S. Tratado de derecho administrativo tomo III B Contractos
administrativos. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, p. 487.
122
bem como permanecido integrando os quadros do Estado por um número mínimo de
anos e contribuído para a previdência por interstício previamente estipulado; ou
ainda d) do fato de ter atingido determinada idade e permanecido integrando os
quadros do Estado por um número mínimo de anos.
Nas duas primeiras hipóteses acima mencionadas, que serão tratadas
em itens subseqüentes, a aposentadoria ocorre independentemente da vontade do
servidor, uma vez que se considera que ele o mais possui condições de
permanecer desempenhando função pública. Nas hipóteses contidas nas alíneas c e
d, contudo, a aposentadoria está condicionada à apresentação de requerimento por
parte do interessado. Fala-se então em aposentadoria voluntária.
A aposentadoria voluntária poderá ocorrer com proventos integrais
160
ou proporcionais ao tempo de contribuição. Ocorrerá com proventos integrais
quando o servidor, além de contar com pelo menos 10 anos de serviço blico e 5
no cargo em que se aposentará, tiver, no mínimo, 60 anos de idade e 35 de
contribuição, se homem, ou 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher. Serão
proporcionais os proventos, no entanto, quando, além de contar com pelo menos 10
anos de serviço público e 5 no cargo, o servidor tiver, pelo menos, 65 anos de idade,
se homem, e 60, acaso seja mulher.
Esta é a regra geral, aplicável a todos os servidores admitidos após o
advento da Emenda Constitucional n. 41, de 2003. Porém, no que concerne aos
servidores admitidos antes da mencionada emenda e, especialmente, antes da
Emenda Constitucional n. 20, de 1998, diversas o as hipóteses de aposentadoria,
160
Neste particular, cumpre invocar as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, que adverte que, a
partir da Emenda n. 41, “quando se diz que os proventos serão integrais, isto não significa como
ocorria no passado que corresponderão à integralidade dos vencimentos mensais que percebia na
atividade ao se aposentar. Significa isto, sim que corresponderão ao montante dos valores que
serviram de base de cálculo da sua contribuição previdenciária, apurada ao longo de toda a sua vida
funcional (art. 40, § 3º), e devidamente atualizados na forma da lei (art. 40, § 17), porém, tendo a
garantia de um determinado piso (...)” (Curso de direito administrativo, cit., p. 269).
123
em razão do emaranhado de disposições transitórias que emerge das aludidas
Emendas e da Emenda Constitucional n. 47, de 2005.
Assim, em virtude do disposto no art. 2º, da Emenda Constitucional n.
41/2003, que repetiu diretriz contida no art. 8º, da Emenda Constitucional n. 20/98,
poderão se aposentar com proventos proporcionais os servidores que, tendo
ingressado no serviço público até a data da Emenda n. 20, possuam: (a) no mínimo,
53 anos de idade, se homem, e 48, se mulher; (b) 5 anos de efetivo exercício no
cargo em que se dará a aposentadoria; (c) tempo de contribuição igual ou superior a
35 anos, se homem, e 30, se mulher, somados a um período adicional equivalente a
20% do tempo que faltaria, à época em que foi publicada a emenda em questão, para
que completasse o tempo anteriormente exigido para que pudesse aposentar-se.
Os servidores que optarem por se aposentar de acordo com a regra
contida no art. 2º, da Emenda Constitucional n. 41/2003, terão seus proventos de
aposentadoria reduzidos, para cada ano antecipado, considerando-se o limite da
regra geral, em 3,5%, para aqueles que preencheram os requisitos até 31 de
dezembro de 2005, e 5%, para os que atenderam tais condições a partir de de
janeiro de 2006.
Na hipótese de tratar-se de magistrado, de membro do ministério
Público ou de Tribunal de Contas, o tempo de serviço exercido aa publicação da
Emenda Constitucional n. 20/98 será contado com um acréscimo de 17%, se
homem. Também secontado com um acréscimo de 17%, se homem, e 20%, se
mulher, o tempo de serviço do professor, desde que este se aposente
exclusivamente com o tempo de efetivo exercício nas funções de magistério.
Outrossim, a Emenda Constitucional n. 41/2003, em seu art. 6º,
assegurou ainda, àqueles servidores que ingressaram no serviço público até a data
124
de sua publicação, o direito de se aposentar com proventos integrais, desde que
tivessem: (a) 20 anos de efetivo exercício no serviço público; (b) 10 anos de carreira;
(c) 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria; (d) 60 anos de idade, se
homem, ou 55, se mulher; e (e) 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se
mulher; desde que observado o quanto disposto no § 5º, do art. 40, da Carta Magna.
a Emenda Constitucional n. 47, de 2005, por meio de seu art. 3º,
estipulou mais uma modalidade transitória de aposentadoria. De acordo com o
dispositivo em questão, poderá aposentar-se com proventos integrais o servidor que,
tendo ingressado no serviço público até 16-12-1998, tenha (a) 35 anos de
contribuição, se homem, e 30, se mulher; (b) 25 anos de efetivo exercício no serviço
público; (c) 15 anos de carreira; (d) 5 anos no cargo em que se dará a
aposentadoria; e (d) idade correspondente a 60 anos, menos um ano para cada ano
em que haja excedido o tempo de 35 anos de contribuição, se homem, ou idade
correspondente a 55 anos menos 1 ano para cada ano que tenha excedido o tempo
de 30 anos de contribuição.
O art. da Emenda Constitucional n. 20/98 permite ainda seja
computado como tempo de contribuição o tempo de serviço considerado para efeito
de aposentadoria, ressalvando apenas a contagem de tempo de contribuição ficto,
em atenção ao § 10, do art. 40, da Carta Magna. Tal dispositivo veio evitar que, com
a mudança da regra para contagem do tempo necessário à concessão da
aposentadoria, que deixou de observar o tempo de serviço para considerar o tempo
de contribuição, restasse extremamente difícil, ou mesmo impossível, a
aposentadoria daqueles servidores que ingressaram no serviço público antes da
Emenda Constitucional n. 3, de 1993.
125
Tais regras, por óbvio, em respeito ao art. 5º, XXXVI, da Constituição
da República, não se aplicam àqueles servidores que, à época em que foi publicada
a Emenda Constitucional n. 20/98, haviam completado os requisitos para a
obtenção da aposentadoria, com base nos critérios da legislação então vigente.
Neste sentido dispôs, inclusive, a mencionada emenda, em seu art. 3º.
2.1.5.1. Custeio da previdência
Antes da Emenda Constitucional n. 3, de 1993, a aposentadoria dos
servidores submetidos ao regime estatutário representava um direito vinculado ao
exercício do cargo blico, sendo financiada inteiramente pelo Poder Público, sem
contribuição do servidor. Com o advento da aludida emenda, porém, restou
acrescido ao art. 40, da Carta Magna, o § 6º, que dispunha: “as aposentadorias e
pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos
provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei”. Assim,
em virtude da alteração constitucional promovida, os servidores federais passaram a
contribuir para o custeio dos benefícios previdenciários.
No tocante aos servidores estaduais e municipais, o art. 149, também
da Constituição, em seu parágrafo único, facultava aos Estados, Municípios e ao
Distrito Federal a instituição de “contribuição, cobrada de seus servidores, para o
custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social”.
Assim, poderiam tais entes optar por repartir, ou o, com os seus servidores o
custeio do sistema de previdência.
A Emenda Constitucional n. 20/98, por sua vez, alterou o caput do art.
40, de maneira a instituir regime de previdência de “caráter contributivo, observados
126
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. Manteve-se, dessa forma,
a obrigatoriedade de contribuição por parte dos servidores federais. Contudo,
permaneceu intocado o § 1º, do art. 149, de maneira que a questão atinente à
cobrança de contribuição, no tocante aos servidores dos Estados, Municípios e do
Distrito Federal, permaneceu inalterada.
Com a Emenda Constitucional n. 41/2003 restou alterado o § 1º, do art.
149, para determinar que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão
contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do
regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não seinferior à da
contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”. Assim, a situação
dos servidores dos Estados, Municípios e do Distrito Federal restou equiparada à
dos servidores federais.
Dessa forma, tanto no âmbito da União, como no dos Estados,
Municípios e do Distrito Federal, a previdência passou a ser custeada também como
recursos dos respectivos servidores.
Além disso, a Emenda Constitucional n. 41/2003 alterou ainda o caput
do art. 40, estabelecendo que também os servidores inativos e os pensionistas
deveriam contribuir para o custeio da previdência, com percentual igual ao
estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos, incidente sobre o
montante dos proventos de aposentadorias e pensões que superar o limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o
art. 201 18 do art. 40). Se se tratar, porém, de portador de doença incapacitante,
em virtude do disposto no § 21 do mencionado art. 40, a contribuição em questão
incidirá apenas sobre o montante que ultrapassar o dobro do limite indicado no § 18.
127
Outrossim, a aludida emenda, em seu art. 4º, estabeleceu ainda que,
mesmo aqueles que, à época da sua publicação, estavam aposentados ou no
gozo de pensões, bem como os servidores que haviam cumprido, com base na
legislação precedente, os requisitos necessários à obtenção da aposentadoria,
deveriam contribuir para o custeio da previdência, em percentual igual ao
estabelecido para os titulares de cargos públicos. Limitou, porém, a base de lculo
de tais contribuições à parcela dos proventos e pensões que supere 50% do limite
máximo de benefícios do regime geral da previdência social, caso os servidores
sejam vinculados aos Estados, Municípios ou ao Distrito Federal, e 60%, caso
vinculados à União.
Trata-se, no entanto, de dispositivo que viola de maneira flagrante o
princípio da segurança jurídica, bem como as garantias do ato jurídico perfeito e do
direito adquirido. Afinal, tais servidores e pensionistas, à época em que restou
publicada a emenda em questão, haviam adquirido o direito a fruir dos proventos,
nos moldes até então vigentes, ou seja, sem que sobre eles incidissem descontos
concernentes a eventual contribuição para manutenção da previdência. Não
poderiam, portanto, vir a sofrer descontos futuros a título de contribuição, uma vez
que desta forma estar-se-ia alterando situação já consolidada.
Neste particular cumpre ainda salientar que o ato jurídico perfeito e o
direito adquirido estão expressamente incluídos entre os direitos e garantias
individuais, pelo que são protegidos por cláusula pétrea, de acordo com o disposto
no art. 60, § 4º, IV, da Constituição da República, de maneira que não podem ser
suprimidos nem mesmo por emenda constitucional.
Contudo, a despeito da flagrante inconstitucionalidade do dispositivo
em questão, conforme assinala Celso Antônio Bandeira de Mello, “esta espantosa
128
ofensa a ato jurídico perfeito e direitos adquiridos foi amparada pelo Supremo
Tribunal Federal, que em teratológica decisão, no mês de agosto de 2004, fez
submergir no País o princípio da segurança jurídica”
161
.
Portanto, na atualidade, a Previdência tem caráter contributivo e
solidário
162
, sendo custeada mediante contribuições dos entes públicos, dos
servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial.
2.1.5.2. Proventos
A partir da Emenda Constitucional n. 41/2003, os proventos de
aposentadoria dos servidores que fazem jus à aposentação com proventos integrais,
de acordo com o § 6º, do art. 40, da Constituição da República, são calculados tendo
como base as remunerações utilizadas para fins de apuração das contribuições do
servidor aos regimes de previdência previstos nos arts. 40 e 201, da Carta Magna,
de acordo com o disposto na Lei n. 10.887, de 18-6-2004. Assim, na forma do
diploma legal em questão, o valor dos proventos será obtido pela média aritmética
simples das maiores remunerações, utilizadas para base de cálculo da contribuição
para os regimes previdenciários, relativamente a 80% de todo o tempo de
contribuição desde a competência de julho de 1994 ou desde o início da
contribuição, se ela teve início depois daquela competência. Se a média obtida
ultrapassar o valor da remuneração percebida pelo servidor por ocasião da sua
161
Curso de direito administrativo, cit., p. 274.
162
O caráter solidário da Previdência decorre do fato de que cada servidor contribui para manutenção
do sistema como um todo. Como assinala Regis Fernandes de Oliveira, a solidariedade pressupõe
que o haverá plano de aposentação individual como no Chile, em que cada servidor faz sua
aposentadoria, em conta individual” (op. cit., p. 105).
129
passagem para inatividade, o excesso será abatido, correspondendo os proventos a
quantia equivalente àquela que o servidor percebia à época da sua aposentadoria.
Assim, quando se fala em proventos integrais não se está afirmando
que o servidor aposentado perceberá proventos em valor equivalente à integralidade
dos vencimentos que recebia quando estava em atividade, como ocorria no período
anterior à mencionada Emenda.
Restaram, porém, assegurados limites mínimos aos proventos, que
corresponderão, para os servidores que percebiam vencimentos iguais ou inferiores
ao limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência
social de que trata o art. 201, da Constituição, ao total do que o servidor percebia no
cargo em que se aposentou, e, para os servidores que percebiam quantia superior a
tal limite, este montante, acrescido de 70% da diferença existente entre ele e os
vencimentos a que o servidor fazia jus no cargo em que se aposentou.
Estes limites, conquanto não sejam expressamente estabelecidos no
tocante à aposentadoria, decorrem de mera interpretação da Constituição da
República. Isso porque, o § 7º, do art. 40, daquela, expressamente estabelece tais
quantias como pisos para as pensões por morte. Ora, como assinala Celso Antônio
Bandeira de Mello, “não se suporia que a pensão a que fazem jus os beneficiários
do servidor pudesse ser maior do que a aposentaria dele”
163
. Certamente eventual
intelecção neste sentido seria completamente inadmissível, não havendo
justificativas que pudessem ampará-la. Ademais, o § 2º, do citado art. 40, equipara o
tratamento dado às pensões e às aposentadorias, no que diz respeito aos valores.
Evidente, portanto, que os mesmos limites adotados para as pensões devem ser
também empregados no que se refere às aposentadorias.
163
Curso de direito administrativo, cit., p. 270.
130
Essas balizas, porém, poderão ser desrespeitadas, na forma do § 14,
do art. 40, da Carta Magna, incluído pela Emenda Constitucional n. 20/98, na
eventualidade de restar instituído regime de previdência complementar
164
. Nesta
hipótese poderá ser fixado como limite ximo para as aposentadorias e pensões
aquele estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social
previsto no art. 201. Poderá o servidor, portanto, vir a receber quantia inferior àquela
prevista no § , do art. 40, da Constituição da República. O regime de previdência
complementar, contudo, no tocante aos servidores que ingressaram no serviço
público antes da sua instituição, somente poderá ser adotado mediante prévia e
expressa opção destes (art. 40, § 16, da CF/88).
No que diz respeito aos proventos proporcionais, são estes apurados
com base em uma proporção da totalidade das remunerações utilizadas como base
para as contribuições do servidor para a Previdência, devidamente atualizadas.
Quanto aos reajustes futuros a serem aplicados aos benefícios
concedidos aos aposentados e pensionistas, a Emenda Constitucional n. 41/2003
alterou o § do art. 40 da Carta Magna, incluído pela EC n. 20/98, que dispunha
que “os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma
proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos
servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos
pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos
servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou
reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de
referência para a concessão da pensão, na forma da lei”. Em virtude da modificação
164
Este regime, além de possuir caráter complementar, deverá ser organizado de forma autônoma
em relação ao regime geral de previdência e ao regime de previdência próprio dos servidores
submetidos ao regime estatutário. Deverá, outrossim, ser administrado por entidade fechada de
previdência complementar, de natureza pública.
131
promovida, o dispositivo em questão passou a assegurar apenas “o reajustamento
dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme
critérios estabelecidos em lei”, restando, portanto, extinta a paridade destes com os
vencimentos dos servidores em atividade.
As regras acima expostas, no entanto, se aplicam apenas aos
servidores admitidos após a Emenda Constitucional n. 41/2003. No que diz respeito
aos servidores que ingressaram no serviço público antes da publicação desta,
regras distintas, de natureza transitória, foram instituídas.
Assim, a Emenda Constitucional n. 41/2003, no § 2º, do seu art. ,
assegurou que os proventos da aposentadoria a ser concedida aos servidores que,
até a data da sua publicação, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção
desses benefícios, bem como as pensões de seus dependentes, “serão calculados
de acordo com a legislação em vigor à época em que foram atendidos os requisitos
nela estabelecidos para a concessão desses benefícios ou nas condições da
legislação vigente”.
Além disso, em seu art. 7º, a mencionada Emenda garantiu ainda que
os proventos de aposentadoria dos servidores públicos, bem como as pensões dos
dependentes destes, que estivessem sendo pagos à época da sua publicação,
além de proventos de aposentadoria dos servidores que, até tal marco temporal,
tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, assim como
as pensões de seus dependentes, “serão revistos na mesma proporção e na mesma
data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo
também estendidos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou
vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando
decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu
132
a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma
da lei”. Assegurou, desta forma, no que se refere aos sujeitos acima mencionados, a
manutenção da paridade.
Garantiu, ainda, em seu art. , aos servidores estatutários admitidos
até a data da sua publicação o direito de se aposentar com proventos integrais, “que
corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se
der a aposentadoria”, desde que preencham os seguintes requisitos: (a) 20 anos de
efetivo exercício no serviço público; (b) 10 anos de carreira; (c) 5 anos no cargo em
que se dará a aposentadoria; (d) 60 anos de idade, se homem, ou 55, se mulher; e
(e) 35 anos de contribuição, se homem, ou 30, se mulher; desde que observado o
quanto disposto no § , do art. 40, da Carta Magna. A estes servidores, em virtude
do disposto no art. 2º da EC n. 47/2005, restou assegurada também a paridade com
os servidores ativos.
Por fim, a Emenda Constitucional n. 47/2005 assegurou, aos
servidores que ingressaram no serviço público até 16-12-1998, o direito à
aposentação com proventos integrais, desde que tenham: (a) 35 anos de
contribuição, se homem, e 30, se mulher; (b) 25 anos de efetivo exercício no serviço
público; (c) 15 anos de carreira; (d) 5 anos no cargo em que se dará a
aposentadoria; e (d) idade correspondente a 60 anos, menos um ano para cada ano
em que haja excedido o tempo de 35 anos de contribuição, se homem, ou idade
correspondente a 55 anos menos 1 ano para cada ano que tenha excedido o tempo
de 30 anos de contribuição. Também a estes restou assegurada a paridade.
2.2. Extinção decorrente de fato natural
133
Nem sempre, porém, a extinção do liame mantido entre o servidor e o
Estado decorre da vontade de uma das partes.
Afinal, a alguns fatos naturais o ordenamento jurídico atribuiu o que
Roberto de Ruggiero define como “a virtude de produzir efeitos de direito
165
. Trata-
se, portanto, ainda nas lições do citado autor, de eventualidades capazes de
provocar a aquisição, a perda e a modificação de um direito”
166
, ou seja, fatos que,
em ocorrendo, provocam efeitos jurídicos.
Dessa forma, previu o legislador determinados fatos cuja ocorrência
provoca a extinção do vínculo mantido entre o servidor e o Estado ou, quando
menos, a modificação da natureza deste.
São fatos naturais, dos quais decorre a extinção ou modificação do
vínculo mantido entre o Estado e o servidor, a morte, a invalidez e o alcance de
determinada idade imposta pelo ordenamento como limite máximo à permanência
do servidor nos quadros de servidores ativos da Administração.
2.2.1. Morte
O falecimento do servidor provoca o rompimento do vínculo que este
mantinha com o Estado, uma vez que, consoante alerta Marçal Justen Filho, “a
condição de servidor não se transmite aos sucessores”
167
. Nesta hipótese a extinção
do liame se opera automaticamente, sem que seja necessária nenhuma
manifestação do Estado, única parte envolvida na relação que, por óbvio, seria
capaz de emanar alguma espécie de manifestação.
165
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Campinas: Bookseller, 1999, v.1, p. 309.
166
Op. cit., p. 309-10.
167
Op. cit., p. 645.
134
Contudo, em que pese afigure-se dispensável para o rompimento do
vínculo eventual pronunciamento do Estado, faz-se importante sejam realizadas no
prontuário do servidor as anotações cabíveis, sendo registrado o óbito.
A morte do servidor, além de pôr fim ao vínculo por este mantido com o
Estado, pode dar ensejo ao surgimento, nas palavras de Diogenes Gasparini, de
uma “nova relação jurídica, de natureza assistencial e previdenciária entre a
entidade a que se ligava o servidor público, ou que lhe faça as vezes, e sua
família”
168
. Assim, tal fato pode gerar para o Estado o dever de pagar aos
dependentes do servidor falecido pensão mensal, que poderá ser vitalícia ou
temporária. Nesse sentido o art. 215, da Lei 8.112/1990, estipula que “por morte do
servidor, os dependentes fazem jus a uma pensão mensal de valor correspondente
ao da respectiva remuneração ou provento, a partir da data do óbito”.
Esta pensão, na forma do art. 216 do aludido diploma, pode ser
temporária ou vitalícia. Serão beneficiários de pensão vitalícia: a) o cônjuge (art.
217, I, a); b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, que
percebesse pensão alimentícia paga pelo servidor falecido (art. 217, I, b); c) o
companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade
familiar (art. 217, I, c); d) a e e o pai que comprovem dependência econômica do
servidor (art. 217, I, d); e e) a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a
pessoa portadora de deficiência, que vivam sob a dependência econômica do
servidor (art. 217, I, e). Por sua vez, fazem jus a pensão temporária: a) os filhos ou
enteados do servidor, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto
durar a invalidez (art. 217, II, a); b) o menor sob guarda ou tutela do servidor
falecido, a21 (vinte e um) anos de idade (art. 217, II, b); c) o irmão do servidor
168
Op. cit., p. 238.
135
órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a invalidez, que
comprovem dependerem economicamente daquele (art. 217, II, c); e d) a pessoa
designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte e um)
anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez (art. 217, II, d).
Não fará jus a pensão, porém, na forma do art. 220, da Lei n. 8.112/90,
o beneficiário condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a
morte do servidor.
2.2.2. Invalidez
Também provoca a vacância
169
do cargo a invalidez do servidor, ou
seja, conforme definição de Marçal Justen Filho, a “perda pelo agente público das
condições físicas ou intelectuais mínimas necessárias ao desempenho das
atribuições de um cargo público”
170
.
A invalidez, portanto, caracteriza-se pela incapacidade do servidor,
superveniente à sua investidura, para desempenhar as atribuições inerentes a um
cargo blico. Tal incapacidade decorre de problema que, ainda que preexistente,
somente se manifesta após a investidura do agente. Afinal, na medida em que
impossibilita este de exercer as tarefas inerentes a um cargo público, acaso se
apresentasse à época da investidura do servidor, dever-se-ia falar na ausência de
seu provimento, pelo que sequer se aperfeiçoaria o liame estatutário.
Pode resultar tanto da perda das condições físicas como também das
intelectuais, e não precisa ser definitiva. Portanto, não é necessário que o estado em
169
No que diz respeito aos efeitos que a aposentadoria do servidor produz no vínculo mantido entre o
servidor e o Estado, nos remetemos às considerações expostas quando abordamos a questão
atinente ao pedido de aposentadoria formulado por aquele.
170
Op. cit., p. 646.
136
que se encontra o servidor, e que lhe impossibilita de desempenhar as atribuições
inerentes a um cargo público, seja irreversível. Deve, porém, ter caráter permanente,
ou seja, ter por característica a permanência por período indeterminado de tempo,
não permitindo seja precisado se o agente recuperará a sua capacidade plena e
quando isso ocorrerá. Acaso a invalidez seja meramente temporária, isto é, deva
perdurar por interstício determinável, não se falará na vacância do cargo, mas
apenas no afastamento do servidor do exercício de suas funções, por licença
médica.
Para que possa ser considerado inválido o servidor deve encontrar-se
incapaz de realizar não apenas as atribuições inerentes ao cargo que ocupava, mas
sim, nas palavras de Marçal Justen Filho, aquelas “indispensáveis ao desempenho
da função pública, ainda que em outro cargo”
171
. Isso porque, na hipótese de a
incapacidade apresentada dizer respeito unicamente às atividades inerentes ao
cargo que o agente ocupava anteriormente, na forma do caput do art. 24, da Lei
8.112/90, poderá ser ele readaptado em cargo “de atribuições e responsabilidades
compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental”.
A readaptação, no entanto, deverá ser feita em cargo com atribuições
semelhantes àquelas inerentes ao cargo que anteriormente ocupava o servidor,
sendo respeitada a habilitação exigida, o nível de escolaridade e a equivalência de
vencimentos. Não poderá servir para promover-se a progressão daquele na carreira,
tampouco o seu rebaixamento. Na hipótese de não existir cargo vago, o servidor
exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga.
O servidor que não puder ser readaptado será aposentado e passará a
perceber proventos proporcionais ao tempo de contribuição. Os proventos, porém,
171
Op. cit., p. 648.
137
de acordo com o art. 40, § 1º, I, da Constituição da República, alterado pela Emenda
Constitucional n. 20, de 1998, e com o art. 186, da Lei n. 8.112/90, serão integrais,
independentemente do tempo de contribuição, se a invalidez decorrer de acidente
em serviço, de moléstia oriunda das funções desempenhadas pelo servidor ou ainda
de doença grave, contagiosa ou incurável
172
, nos termos da lei.
A aposentadoria por invalidez pode ser requerida pelo próprio
servidor ou por seu curador, nos casos em que a invalidez implique a supressão da
capacidade daquele, ou decretada de ofício pelo Estado, quando verificar a
presença dos requisitos necessários à concessão de tal benefício,
independentemente da vontade do servidor.
A concessão da aposentadoria, no entanto, não significa,
necessariamente, que o agente fazer jus a tal benefício em caráter vitalício.
Afinal, consoante anteriormente destacado, não apenas a incapacidade definitiva
autoriza falar-se em invalidez, mas também aquela que possua caráter permanente,
sem, contudo, ser, necessariamente, definitiva. Assim, o agente poderá, mesmo
depois de aposentado, recuperar a sua capacidade plena. Ocorrendo tal hipótese,
de acordo com o art. 25, I, da Lei 8.112/90, se dará a reversão, que representa o
retorno à atividade do servidor aposentado, quando verificada a insubsistência dos
motivos que levaram à sua aposentadoria.
2.2.3. Idade-limite
172
De acordo com o § do art. 186 da Lei n. 8.112/90, consideram-se doenças graves, contagiosas
ou incuráveis, as seguintes moléstias: a) tuberculose ativa; b) alienação mental; c) esclerose múltipla;
d) neoplasia maligna; e) cegueira posterior ao ingresso no serviço público; e) hanseníase; f)
cardiopatia grave; g) doença de Parkinson; h) paralisia irreversível e incapacitante; i) espondiloartrose
anquilosante; j) nefropatia grave; k) estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante); e l)
Síndrome de Imunodeficiência Adquirida AIDS; além de outras que a lei indicar, com base na
medicina especializada.
138
Também enseja a vacância do cargo o alcance, pelo servidor, de
determinada idade, imposta pelo ordenamento jurídico como limite à sua
permanência entre os servidores ativos. A hipótese, contudo, difere completamente
daquelas anteriormente mencionadas.
Afinal, a morte do servidor e a sua invalidez criam óbices reais à
manutenção do vínculo até então existente, ao menos nos moldes anteriormente
verificados, na medida em que impedem permaneça aquele desempenhando função
pública, seja por não mais existir no plano tangível, seja por não mais possuir
capacidade para tanto. o simples fato de o agente haver atingido determinada
idade nada permite afirmar, com precisão, a respeito da sua capacidade laborativa.
Tampouco impede permaneça desempenhando a função que lhe foi confiada. Criou-
se, em verdade, com espeque em uma visão amplamente preconceituosa e,
inclusive, incompatível com o quanto disposto no art. 3º, IV, da Carta Magna, uma
presunção, absoluta
173
, de que ao atingir determinada idade o sujeito perderia as
condições necessárias ao desempenho de função pública, pelo que deveria ser
transferido à inatividade. Trata-se, no entanto, de entendimento totalmente
equivocado. Mais correto e razoável seria que cada situação fosse analisada
individualmente, de maneira a se verificar se a presunção criada corresponde à
realidade existente.
Porém, independentemente da opinião que se tenha a respeito da
questão, ou mesmo da explicação que se possa pretender dar para justificar tal
presunção, o fato é que a Carta Magna brasileira, em seu art. 40, § 1º, II, impõe
como limite à permanência do servidor na atividade a idade de 70 anos
174
. Ao atingir
173
Conforme assinala Celso Ribeiro Bastos, a presunção criada pelo art. 40, § 1º, I, da Constituição
da República, “não comporta prova em contrário” (op. cit., p. 435).
174
A primeira Constituição a prever o instituto da aposentadoria compulsória foi a de 1934, que, em
seu art. 64, alínea a, previa a idade-limite de setenta e cinco anos. A Constituição de 1937, por sua
139
70 anos de idade o servidor é aposentado compulsoriamente, “com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição”. A despeito de a redação dada ao
dispositivo em comento poder conduzir a equívocos, por óbvio, deve-se concluir que
se o servidor já tiver implementado os requisitos necessários para aposentar-se
voluntariamente com proventos integrais, em que pese aposentado de forma
compulsória, fajus a estes. Conforme assinala Régis Fernandes de Oliveira, “a
proporcionalidade dos proventos apenas ocorre quando o tempo de serviço que
possa propiciar a aposentadoria voluntária ainda não ocorreu”
175
.
Uma vez completada pelo servidor a idade-limite, a aposentadoria
compulsória ocorrerá de maneira automática. Assim, ao atingir a idade em questão
perderá ele o cargo que ocupava, passando imediatamente à inatividade,
independentemente da publicação do decreto de aposentadoria, não podendo mais
praticar nenhum ato.
Isso não significa, no entanto, deva ser preterida a formalização da
aposentadoria. A expedição do decreto de aposentadoria representa ato vinculado
que deverá ser obrigatoriamente praticado pelo administrador, podendo ser inclusive
exigido pelo seu beneficiário.
Harmonizando duas hipóteses mencionadas, ou seja, a ocorrência
automática da aposentadoria e a necessidade de sua formalização, e corroborando
esta última, o art. 187, da Lei n. 8.112/90, determina que “a aposentadoria
compulsória será automática e declarada por ato, com vigência a partir do dia
imediato àquele em que o servidor atingir a idade-limite de permanência no serviço
ativo”.
vez, em seu art. 91, alínea a, reduziu aquela para sessenta e oito anos. Posteriormente, a
Constituição de 1946, no § 1º, do seu art. 95, expandiu esta fronteira para setenta anos, marco
mantido pelo § 1º, do art. 108, da Constituição de 1967, bem como pelo § 1º, do art. 113, da Emenda
Constitucional n. 1, de 1969.
175
Op. cit., p. 114.
140
3. A CASSAÇÃO DE APOSENTARIA
Entre as sanções estabelecidas pela Lei n. 8.112/90 estão as de
cassação de aposentadoria e de disponibilidade, previstas no art. 127, IV, do aludido
diploma. Trata-se, segundo classificação proposta por José Cretella Júnior, de
penas revocatórias
176
, que têm por finalidade a salvaguarda do serviço público,
mesmo por intermédio de funcionário que não se acha na ativa, mas aposentado
ou em disponibilidade.
Tais penalidades, na forma do quanto disposto no art. 134 da citada lei,
serão aplicadas aos servidores inativos que houverem praticado, na atividade, faltas
puníveis com a demissão, e acarretam a exclusão do responsável pelo cometimento
da falta verificada do quadro de inativos, com a conseqüente cessação do
pagamento de vantagens.
A constitucionalidade da norma em questão, contudo, no tocante à
cassação da aposentadoria dos servidores inativos, é amplamente questionável.
Isso porque, entre os direitos sociais arrolados pelo art. 6º, da
Constituição da República, estão a saúde, a previdência e a assistência, direitos
que, juntos, formam o que a Carta Magna denomina, em seu art. 194, seguridade
social. Ocorre que os direitos sociais estão elencados no Capítulo II do Título II da
Lex Legum, que versa a respeito dos direitos e garantias fundamentais. Assim, são
176
CRETELLA JÚNIOR, José. Prática do processo administrativo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999, p. 76.
141
direitos fundamentais os direitos sociais, pelo que se pode afirmar que a previdência
é um direito fundamental.
Ora, sendo a previdência um direito fundamental, não se pode admitir
que a lei suprima o direito à aposentadoria. Afinal, como alerta Gilmar Ferreira
Mendes, “se admitisse que a lei poderia restringir ilimitadamente direitos
fundamentais, ter-se-ia a completa supressão do efeito vinculante desses direitos
em relação ao legislador”
177
. Nem poderia ser diferente, na medida em que
representam, os direitos fundamentais, garantias mínimas que devem ser
necessariamente respeitadas pelo Estado ou, conforme assinala Calmon de Passos,
“direitos que devem ser assegurados a todos os homens, em todos os espaços
políticos e em suas três dimensões: a política (de participação) a civil (autonomia
privada) e a social (satisfação de necessidades básicas)”
178
.
Ademais, não se pode olvidar que, atualmente, o direito à previdência
tem uma contrapartida que é a contribuição do segurado. A aposentadoria, portanto,
ao contrário do que ocorria anteriormente, não representa um direito vinculado ao
exercício do cargo público, de maneira que não é financiada inteiramente pelo Poder
Público, sem contribuição do servidor. O direito à previdência e, por conseguinte,
aos seus benefícios, depende do cumprimento de um dever por parte do servidor,
qual seja, o de contribuir.
Dessa forma, o servidor fará jus aos proventos de aposentadoria o
por ter ocupado um determinado cargo, mas sim por ter contribuído para a
177
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor Instituto Brasileiro de Direito Constitucional,
1998, p. 34-5.
178
PASSOS, J. J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. Revista Eletrônica sobre a
Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, p. 5, jun./jul./ago.
2007. Disponível em http://www.direitopublico.com.br/redae.asp. Acessado em 19-11-2007.
142
previdência social. Assim, a previdência social possui características de seguro
social.
Ora, considerando o perfil traçado pelo texto constitucional para a
previdência social, não se pode admitir que segurado contribua para obter
determinados benefícios e, quando estiver diante do risco, não possa usufruir o
benefício, pois o ordenamento prevê sua cassação como sanção disciplinar.
Demais disso, não se pode olvidar que a Constituição da República,
em seu art. 5º, inciso LXVII, letra b, veda a aplicação de penas perpétuas. No
entanto admitir a cassação da aposentadoria do servidor inativo implica anuir com a
aplicação de sanção de caráter permanente.
Evidente, por conseguinte, que a norma em questão, no tocante à
cassação da aposentadoria dos servidores inativos, mostra-se incompatível com a
Carta Magna.
Ocorre que, conforme pontua Kelsen, “quando se tem fundamento para
aceitar a validade de uma lei, o fundamento de sua validade tem de residir na
Constituição”
179
. Assim, não há como se admitir a validade do dispositivo analisado.
4. EXTINÇÃO DO VÍNCULO MANTIDO COM OS SERVIDORES OCUPANTES
DE CARGO EM COMISSÃO
O ato que provoca o rompimento do vínculo mantido entre o Estado e o
servidor ocupante de cargo em comissão pode ter natureza sancionatória, ou seja,
179
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 300.
143
ser motivado por falta cometida pelo servidor, bem como fundar-se em razões de
conveniência e oportunidade.
Quando a extinção do liame encontra espeque em infração cometida
pelo servidor fala-se, na forma do art. 135, da Lei n. 8.112/90, em destituição de
cargo em comissão. Assim, nas palavras de Francisco Xavier da Silva Guimarães, “a
destituição resulta, sempre, de ato punitivo, aplicável em casos de extrema
gravidade que denote incompatibilidade do indivíduo para com o serviço público”
180
.
Aplica-se a destituição de cargo em comissão quando o servidor
cometer infração sujeita às penalidades de suspensão e de demissão. Dessa forma,
será destituído do cargo em comissão o servidor que reincidir em qualquer das faltas
punidas com advertência
181
; violar alguma das demais proibições previstas na Lei
8.112/90, que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão;
injustificadamente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela
autoridade competente; praticar crime contra a Administração Pública; abandonar o
cargo; mostrar-se habitualmente não assíduo; cometer improbidade administrativa;
praticar incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; cometer
insubordinação grave em serviço; ofender fisicamente, em serviço, servidor ou
particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; aplicar irregularmente
dinheiro público; revelar segredo do qual se apropriou em razão do cargo; lesar os
cofres públicos e dilapidar o patrimônio nacional; praticar ato de corrupção; acumular
ilegalmente cargos, empregos ou funções públicas; ou transgredir os incisos IX a
XVI do art. 117 da Lei n. 8.112/90.
180
Op. cit., p. 83.
181
São punidas com advertência as condutas que impliquem violação de proibição constante do art.
117, incisos I a VIII e XIX, da Lei 8.112/90, ou inobservância de dever funcional previsto em lei,
regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.
144
De acordo com o disposto no art. 137, da Lei n. 8.112/90, se a
destituição do cargo em comissão tiver por fundamento a prática de alguma das
condutas descritas nos incisos IX e XI, do art. 117, do aludido diploma, ficará o
servidor impedido de ser novamente investido em cargo blico pelo prazo de cinco
anos.
Não se pode olvidar, porém, que, assim como ocorre no que diz
respeito à aplicação da pena de demissão, a destituição do cargo em comissão deve
ser necessariamente precedida de processo administrativo disciplinar no qual sejam
devidamente observadas as garantias do contraditório e a ampla defesa.
Na hipótese de ter sido o servidor exonerado a pedido ou com base em
critérios de conveniência e oportunidade e, posteriormente, constatar-se o
cometimento por ele de infração que justifique a destituição do cargo em comissão,
a exoneração será convertida em destituição.
A extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor ocupante de
cargo em comissão pode fundar-se ainda em razões de conveniência e
oportunidade. Não sendo a permanência do servidor nos quadros do Estado mais
necessária ou suficiente para a satisfação do interesse público, será ele exonerado,
sendo, por conseguinte, excluído daqueles.
Ao contrário do que ocorre no tocante aos servidores estáveis e
vitalícios, a extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor investido em
cargo em comissão não está condicionada à prática, por este, de falta funcional.
Tampouco depende, necessariamente, da comprovação de que o servidor não
possui aptidão para o cargo, como se no que diz respeito aos servidores titulares
de cargos em provimento efetivo que se encontram em estágio probatório. Nem se
145
vincula ao decurso de determinado interstício, como acontece no tocante àqueles
servidores contratados com espeque no art. 37, IX, da Constituição da República.
Isso porque, na forma do quanto disposto no art. 37, II, da Carta
Magna, os cargos em comissão são de livre exoneração, pelo que a extinção do
vínculo mantido com os servidores que ocupam tais cargos prescinde da ocorrência
de um fato específico.
Isso não significa, porém, que o ato de exoneração não deva possuir
fundamentos, nem que eles não devam ser expostos.
Afinal, em face do princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado, forçoso reconhecer, sob pena de considerar-se inválido o ato
praticado, por desvio de finalidade, que, à época em que se deu a nomeação do
servidor, esta contribuía para a satisfação do interesse público. Somente foi
nomeado o servidor porque isto contribuía para a realização do interesse público.
Assim, a sua exoneração deve encontrar fundamento em fato
superveniente, ou mesmo anterior à nomeação, mas desconhecido pela
Administração, que altere o panorama até então existente. O rompimento do vínculo
mantido com o servidor ocupante de cargo em comissão, portanto, não pode se dar
aleatoriamente, devendo estar alicerçado em fato que conduza ao entendimento de
que a permanência do servidor no cargo não é mais capaz de contribuir para a
satisfação do interesse público, seja em virtude de não mais estar presente o
elemento confiança, seja em razão de o servidor não mais se mostrar apto a
desempenhar, a contento, as atividades inerentes ao cargo que lhe foi confiado.
A simples existência de substrato fático que justifique a exoneração do
servidor, porém, não é suficiente. Deve a Administração, em virtude do princípio da
motivação, bem como em razão de se tratar de ato discricionário, expor os
146
fundamentos do ato praticado, demonstrando como aqueles justificam este. Neste
sentido são os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, que, ao discorrer
acerca do princípio em questão, assevera:
Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus
atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim
como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por
existentes e a providência tomada, nos casos em que este último
aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da
conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo
182
.
Trata-se, em verdade, de decorrência lógica do Estado Democrático de
Direito. Afinal, uma vez que todo poder emana do povo, conforme alerta Celso
Antônio Bandeira de Mello, “o mínimo que os cidadãos podem pretender é saber as
razões pelas quais são tomadas as decisões por quem tem de servi-los”
183
.
Até porque, conforme leciona Sílvio Luís Ferreira da Rocha, “o fato de
a competência da Administração ser discricionária não impede o exame dos
fundamentos fáticos que deram ensejo à atuação administrativa”
184
.
Por conseguinte, o ato de exoneração do servidor ocupante de cargo
em comissão deve, necessariamente, ser motivado.
Isso não significa, no entanto, que a prática de tal ato esteja
obrigatoriamente vinculada à ocorrência de determinados fatos específicos, mas
apenas que devem ser expostos os seus fundamentos.
Uma vez apresentados os fundamentos do ato praticado, aplica-se a
teoria dos motivos determinantes, de maneira que, conforme ensinamento de Sílvio
Luís Ferreira da Rocha, “os fatos que serviram de suporte à decisão da
182
Curso de direito administrativo, cit., p. 100.
183
Idem, ibidem, p. 101.
184
ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131.
147
Administração integram a validade do ato e, assim, vicia o ato administrativo a
invocação de motivos de fato falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados”
185
.
185
Op. cit., p. 131.
148
C
APÍTULO
IV
A
DISPENSA DOS SERVIDORES SUBMETIDOS AO REGIME CELETISTA
1. A importância dos princípios. 2. Os princípios do
Direito Administrativo. 2.1. Princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado. 2.2. Princípio
da indisponibilidade do interesse público. 2.3. Princípio
da legalidade. 2.4. Princípio da finalidade. 2.5. Princípio
da razoabilidade. 2.6. Princípio da proporcionalidade.
2.7. Princípio da impessoalidade. 2.8. Princípio da
publicidade. 2.9. Princípio da eficiência. 2.10. Princípio
da segurança jurídica. 2.11. Princípio da moralidade
administrativa. 2.12. Princípio da responsabilidade do
Estado por atos administrativos. 2.13. Princípio da
motivação. 2.14. Princípios do devido processo legal e
da ampla defesa. 2.15. Princípio do controle judicial dos
atos administrativos. 3. Os princípios do Direito
Administrativo e a motivação do ato de dispensa dos
servidores submetidos ao regime da CLT. 4. Hipóteses
de estabilidade dos servidores submetidos ao regime da
CLT. 4.1. A estabilidade do dirigente sindical. 4.2. A
estabilidade dos representantes dos empregados junto à
CIPA. 4.3. A estabilidade da gestante. 4.4. A estabilidade
do acidentado. 4.5 A estabilidade eleitoral. 4.6 A
estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição da
República. 5. Justas causas dos servidores submetidos
ao regime da CLT. 5.1. Os atos de improbidade. 5.2. A
incontinência de conduta e o mau procedimento. 5.3.
Negociação habitual por conta própria ou alheia sem
permissão do empregador. 5.4. Condenação criminal.
5.5. Desídia. 5.6. Embriaguez. 5.7. Violação de segredo
da empresa. 5.8. Ato de indisciplina ou insubordinação.
5.9. Abandono de emprego. 5.10. Ato lesivo à honra ou
boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa,
ou ofensas físicas, nas mesmas condições. 5.11. Ato
lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas
contra o empregador e superiores hierárquicos. 5.12.
Prática constante de jogos de azar. 5.13. Justas causas
específicas. 6. Justas causas dos empregadores.
Despedida indireta. 6.1. Exigência de serviços superiores
à força do trabalhador, defesos por lei, contrários aos
bons costumes ou alheios ao contrato. 6.2. Tratamento
com rigor excessivo. 6.3. Exposição a perigo manifesto
de mal considerável. 6.4. Descumprimento, pelo
empregador, das obrigações do contrato. 6.5. Prática,
pelo empregador, de atos lesivos à honra ou boa fama
do empregado ou de pessoas da sua família. 6.6. Ofensa
física praticada pelo empregador. 6.7. Redução da oferta
de emprego.
149
1. A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS
O ordenamento jurídico brasileiro, conforme tipologia proposta por
Canotilho, representa um sistema composto por normas, que se subdividem em
regras e princípios
186
.
Um princípio, de acordo com as sempre precisas palavras de Celso
Antônio Bandeira de Mello, pode ser conceituado como um “mandamento nuclear de
um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental, que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência”
187
.
Na qualidade de mandamentos centrais do sistema jurídico, os
princípios conferem uniformidade a este, na medida em que, consoante assinala
Carlos Ari Sundfeld, lhe “dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a
compreensão do seu modo de organizar-se”
188
. Assim, conforme aponta Eros
Roberto Grau, “a conexão aglutinadora das normas que compõem o sistema jurídico
daí a sua unidade encontra-se nos princípios gerais do direito (de cada
direito)”
189
.
Trata-se, desta forma, de normas que possuem vital importância no
ordenamento, conforme ressalta Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por José
Roberto Pimenta de Oliveira, ao discorrer acerca da importância dos princípios
constitucionais:
186
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed., Coimbra: Almedina, 1991, p.
171.
187
Curso de direito administrativo. cit., p. 888-9.
188
Fundamentos de direito público, 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 143.
189
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 22.
150
[...] os princípios constitucionais são, assim, o cerne da Constituição,
onde reside a sua identidade, a sua alma. A ordem constitucional
forma-se, informa-se e conforma-se pelos princípios adotados. São
eles que a mantêm em sua dimensão sistêmica, dando-lhe
fecundidade e permitindo a sua atualização permanente
190
.
Os princípios, portanto, refletem valores fundamentais albergados pelo
ordenamento jurídico, pelo que condicionam a sua compreensão. Por conseguinte, a
interpretação das normas que integram o sistema jurídico deve, necessariamente,
ser feita à luz dos princípios, que delimitam a real extensão não apenas das regras,
como também uns dos outros, harmonizando o sistema.
Contudo, os princípios não desempenham função meramente
interpretativa. Em verdade, conforme leciona Diogo de Figueiredo Moreira Neto,
invocado por José Roberto Pimenta de Oliveira, diversas são as funções
desempenhadas pelos princípios:
São múltiplas as funções desempenhadas pelos princípios na seara
jurídica. Dentre outras, pode-se realçar: a) função axiológica, pela
qual revelam, na ordem jurídica, os valores que a informam; b)
função teleológica ou finalística, visível na revelação das finalidades
em busca das quais se deve orientar a ordem jurídica; c) função
sistêmica, pois de sua aplicação resulta ordem e coerência para o
ordenamento jurídico; d) função integrativa, através da qual supre
lacunas deixadas pelos preceitos; e) função nomogenética, segundo
a qual os princípios se reproduzem em preceitos ou mesmo em
outros subprincípios; f) função irradiante, pela qual levam seu
conteúdo valorativo finalístico a todo o sistema jurídico; g) função
provocativa, pois dão ensejo a preceitos que buscam seu
desenvolvimento jurígeno, além de estimular a produção de atos
concretos com vistas à sua concreção; h) função inibidora, pela qual
obstam normas e atos concretos violadores de seu conteúdo,
retirando-lhes a validade; e i) função limitativa, na medida em que
impedem parcialmente ou condicionam a produção de regras ou de
190
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública, p. 23-5,
apud OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no
direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros: 2006, p. 35.
151
atos concretos que afetem o seu conteúdo e restrinjam de algum
modo a sua eficácia
191
.
Dessa forma, não apenas a interpretação do sistema jurídico como
também a sua integração e produção submetem-se à fiel observância daqueles
valores albergados pelos princípios.
Mas o é só. Os princípios o possuem unicamente a função de
orientar as atuações do legislador e do intérprete. Em verdade, com a chegada do
pós-positivismo e a superação, a partir da segunda metade do século XX, da fase
hermenêutica das chamadas normas programáticas, passou-se a admitir que os
princípios, assim como as regras, também vinculam a produção de atos concretos,
condicionando comportamentos.
Nesse sentido apontam as lições de Crisafulli, que, consoante assinala
Paulo Bonavides, assevera que “um princípio, seja expresso numa formulação
legislativa ou, ao contrário, implícito ou latente num ordenamento, constitui norma,
aplicável como regra (...) de determinados comportamentos públicos ou privados”
192
.
Estas lições são corroboradas por Peczenik, também citado por Bonavides, que
afirma: “Principles are normative propositions. They are not descriptive statments.
They are what ought to be and what is permited, not what actually is the case”
193
.
Antes deles, também Alexy, Dworkin e Boulanger, entre outros, já defendiam a
positividade ou normatividade dos princípios.
Dessa forma, os princípios precisam ser encarados não apenas como
vetores fundamentais para interpretação, integração e produção do ordenamento
191
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Princípios da licitação. Boletim de Licitações e Contratos,
1/428, apud OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
no direito administrativo brasileiro, cit., p. 34.
192
CRISAFULLI, Vezio. La costituzione e le sue disposizioni di principi, p. 15-16, apud BONAVIDES,
Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 273.
193
PECZENIK, Alexandre. Principles of law, in Rechtstheorie, v. 2. p. 179, apud BONAVIDES, Paulo.
Curso de direito constitucional. p. 287.
152
jurídico, mas sim como verdadeiras normas jurídicas, sem o caráter simplesmente
hipotético ou doutrinal que anteriormente lhes era atribuído. Devem, por
conseguinte, ser tomados em consideração para a solução de problemas jurídicos
concretos.
Logo, a despeito de dotados de um maior grau de abstração que as
regras, os princípios também gozam de eficácia positiva, de maneira que devem ser
obrigatoriamente observados na formalização dos atos administrativos. Conforme
esclarece Raúl Canosa Usera, invocado por Celso Ribeiro Bastos, “os princípios
consubstanciados na Constituição são normas, e como tais não são meras
construções informativas”
194
.
Desta forma, as condutas que não se mostram em conformidade com
os valores albergados pelos princípios contidos no ordenamento jurídico afiguram-se
inválidas, não podendo ser aceitas.
2. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “diz-se que uma
disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de
princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-se das demais
ramificações do Direito”
195
.
194
USERA, Raúl Canosa. Interpretación constitucional y fórmula política. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1988, p. 143, apud BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação. 2. ed.
revista e ampliada. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999,
p. 141-2.
195
Curso de direito administrativo, cit., p. 43.
153
Semelhante é o entendimento albergado por Alfredo Ruprecht, que
leciona que “um ramo jurídico pode ser dito autônomo quando reúna uma série de
requisitos, entre os quais os princípios diretores que inspiram os caracteres
distintivos dos demais ramos jurídicos”
196
.
Assim, na qualidade de disciplina jurídica autônoma, goza o Direito
Administrativo de princípios que lhe são característicos e que guardam entre si uma
relação de coerência, constituindo, juntamente com as regras, um todo harmônico,
denominado regime jurídico administrativo, ao qual se submete a atividade
administrativa no atingimento dos seus fins.
Dessa forma, toda a atividade administrativa encontra-se subsumida a
um determinado feixe de princípios, que compõem o regime jurídico administrativo.
A este se submete toda a Administração, inclusive os entes da Administração
indireta.
O regime jurídico inerente ao Direito Administrativo é erigido sob dois
princípios fundamentais, a saber, os princípios da supremacia do interesse público
sobre o privado e da indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.
Destes derivam os demais princípios que compõem o regime jurídico em questão,
quais sejam, os princípios: (a) da legalidade; (b) da finalidade; (c) da razoabilidade;
(d) da proporcionalidade; (e) da motivação; (f) da impessoalidade; (g) da publicidade;
(h) do devido processo legal e da ampla defesa; (i) da moralidade administrativa; (j)
do controle judicial dos atos administrativos; (k) da responsabilidade do Estado por
atos administrativos; (l) da eficiência; e (m) da segurança jurídica, que serão
analisados nos itens subseqüentes.
196
RUPRECHT, Alfredo. Os princípios do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p. 5.
154
2.1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado “é princípio geral de
Direito inerente a qualquer sociedade”
197
. De fato, é pressuposto intrínseco à
convivência em sociedade que os indivíduos abram mão de parte dos seus
interesses em prol do bem comum, em favor do interesse público.
Dessa forma, havendo conflito entre o interesse privado e o interesse
público, este deve prevalecer, isto é, o interesse do todo deve sobrepor-se aos
interesses individuais. Afinal, conforme pontua José dos Santos Carvalho Filho, “o
indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus
direitos, em regra, ser equiparados aos direitos sociais”
198
.
Em razão desta supremacia, pode a Administração, unilateralmente,
desde que observados os limites impostos pelo ordenamento jurídico, constituir
terceiros em obrigações. Tais obrigações, quando a lei expressamente preveja tal
hipótese ou quando a providência demandada for urgente, em virtude de existir risco
de perecimento do interesse público, e não existir outro meio igualmente eficaz que
permita alcançar o resultado buscado, poderão ser executadas diretamente pela
Administração, sem que precise ela recorrer ao Poder Judiciário. Fala-se, assim, em
auto-executoriedade dos atos administrativos.
Também em virtude da supremacia do interesse público, pode a
Administração revogar os seus próprios atos, quando inconvenientes ou
inoportunos, tendo ainda o dever de anulá-los, quando incompatíveis com o
ordenamento jurídico.
197
Curso de direito administrativo, cit., p. 85.
198
Op. cit., p. 19.
155
A aplicação do princípio em questão, no entanto, não implica afirmar
que todo e qualquer interesse privado possa ser sacrificado pela Administração em
favor do interesse público. Não significa o total desrespeito aos interesses privados.
Em verdade, trata-se de princípio cuja extensão é delimitada pelo próprio
ordenamento jurídico. Assim, o sacrifício de interesses privados somente será
admitido dentro dos limites impostos pelas normas contidas naquele.
Importante esclarecer, porém, que o interesse blico não se confunde
com o interesse do Estado. Não como se identificar o interesse público como o
interesse estatal. Conforme alerta Marçal Justen Filho, “o interesse é público não por
ser de titularidade do Estado, mas é atribuído ao Estado por ser público”
199
.
Outrossim, também não representa o interesse do aparato estatal. O interesse do
Estado, enquanto sujeito de direito, e o interesse público nem sempre coincidem.
Tampouco se pode associar o interesse público aos interesses do agente público.
Os interesses privados do agente público não influenciam o interesse público, nem
com ele se confundem.
O interesse público, portanto, representa o interesse do indivíduo
enquanto componente do todo, isto é, na qualidade de integrante da sociedade.
2.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público
Os bens e interesses blicos não pertencem à Administração,
tampouco a seus agentes. Compete-lhes apenas geri-los em prol da sociedade,
verdadeira titular daqueles. A Administração, portanto, não pode dispor livremente
199
Op. cit., p. 37.
156
dos interesses que lhe foram confiados pelo ordenamento jurídico, como se seus
fossem, uma vez que não age em nome próprio, mas sim da coletividade.
Dessa forma, conforme assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “por
não poder dispor dos interesses públicos cuja guarda lhes é atribuída por lei, os
poderes atribuídos à Administração têm o caráter de poder-dever; o poderes que
ela não pode deixar de exercer, sob pena de responder pela omissão”
200
. Logo, os
agentes públicos não podem simplesmente optar por exercer ou não as
competências que lhes foram atribuídas. Devem, sempre que isto se mostrar
compatível com os interesses da coletividade, exercê-las, de acordo com o disposto
no sistema jurídico.
O princípio da indisponibilidade do interesse público está
expressamente previsto no art. 2º, caput, da Lei n. 9.784/99, e especificado no inciso
II, parágrafo único, do aludido artigo, com a exigência de “atendimento a fins de
interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências,
salvo autorização em lei”.
2.3. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade, conforme esclarece Celso Antônio Bandeira
de Mello, “é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e
lhe dá identidade própria”
201
. Trata-se, portanto, de princípio inerente ao regime
jurídico administrativo, uma vez que o Direito Administrativo nasce como
conseqüência do Estado de Direito.
200
Op. cit., p. 70.
201
Curso de direito administrativo, cit., p. 89.
157
Assim, o princípio da legalidade implica a completa submissão do
administrador à lei. Ao contrário do que acontece no tocante ao particular, que pode
fazer tudo aquilo que o ordenamento jurídico não vedar, o administrador público
somente pode fazer aquilo que a legislação determinar. Não havendo no sistema
jurídico uma norma que autorize a Administração a praticar uma determinada
conduta, esta não poderá fazê-lo.
Por conseguinte, não apenas a medida contrária ao ordenamento será
inválida, mas também aquela adotada sem espeque em preceito de lei ou mesmo
excedendo o âmbito de permissão desta. A Administração, repita-se, somente pode
fazer aquilo que a lei determina.
No ordenamento jurídico brasileiro o princípio da legalidade encontra-
se explicitamente albergado pela Constituição da República, no caput do art. 37, que
dispõe que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade [...]”. Encontra-se radicado também nos arts. 5º, II, e 84, IV, da Carta
Magna, dispositivos que deixam claro não apenas que o particular somente pode vir
a sofrer restrições em sua liberdade em virtude de lei, como também que a atividade
da Administração tem como escopo promover a fiel execução das leis, corroborando
o conteúdo do princípio da legalidade.
2.4. Princípio da finalidade
A atividade administrativa é, por essência, teleológica, ou seja, é
voltada a um fim específico, não estando vinculada à vontade. Dessa forma, o que
pensa ou pretende o administrador é irrelevante, uma vez que o que realmente
158
importa é a finalidade a ser atingida, ou seja, o alcance da finalidade de interesse
público. Assim, de acordo com o princípio da finalidade, a Administração, ao atuar,
deve sempre buscar realizar a finalidade da lei.
Contudo, não basta que o ato alcance o interesse público, finalidade
própria de todas as leis, para que esteja em conformidade com o princípio da
finalidade. Conforme pondera Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da
finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu
encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual”
202
.
Isso porque, cada competência atribuída à Administração tem como
escopo assegurar o alcance de uma finalidade específica, que contribuirá para a
satisfação do interesse público. Logo, não pode o administrador manejar tais
competências aleatoriamente, de maneira incompatível com as finalidades que são
inerentes a cada uma delas. Ainda que objetive a satisfação do interesse público,
deve buscar atingir a finalidade específica da lei que esteja executando. O ato
praticado com vistas a alcançar finalidade distinta daquela específica da lei que está
sendo executada é nulo, por desvio de poder ou desvio de finalidade.
O princípio da finalidade, em verdade, é inerente ao próprio princípio
da legalidade e com ele, de certa forma, se confunde. Afinal, a finalidade legal é um
elemento da própria lei, pelo que, ao deixar de observar a finalidade da lei, o
administrador termina por descumpri-la.
Assim, o princípio em questão decorre do quanto disposto no caput do
art. 37 da Carta Magna. Emerge ainda, implicitamente, do disposto no art. 5º, LXIX,
da Constituição, que admite a concessão de mandado de segurança contra abuso
de poder, denotando tratar-se de prática rechaçada pelo ordenamento. Isso porque
202
Curso de direito administrativo, cit., p. 95.
159
o abuso de poder nada mais é que o uso do poder em desconformidade com os
seus limites. Logo, sendo a finalidade um dos limites do poder, o emprego deste de
maneira incompatível com aquela implica abuso de poder.
2.5. Princípio da razoabilidade
Preconiza o princípio da razoabilidade a necessidade de os atos
praticados pela Administração, no exercício da competência discricionária,
apresentarem uma coerência entre o motivo e o objeto, ou seja, consoante pontua
Lúcia Valle Figueiredo, “traduz o princípio da razoabilidade a relação de congruência
lógica entre o fato (o motivo) e a atuação concreta da Administração”
203
.
Assim, em virtude do princípio da razoabilidade, o ato praticado pelo
administrador no exercício da competência discricionária deve mostrar-se
logicamente compatível com o fato que lhe deu ensejo, de acordo com os valores do
homem médio. Trata-se, portanto, de princípio que tem por finalidade limitar a
liberdade do agente.
Importante frisar, contudo, que a aplicação do princípio da
razoabilidade não retira do administrador a possibilidade de, no exercício de
competência discricionária, decidir qual a melhor solução a ser adotada em face do
caso concreto. Apenas busca evitar providências desarrazoadas, inaceitáveis do
ponto de vista racional de pessoas equilibradas, adotadas unicamente com base em
interesses pessoais do administrador. Havendo várias providências que possam ser
reputadas razoáveis e que igualmente se mostrem capazes de satisfazer o interesse
público, poderá a Administração selecionar aquela que lhe pareça mais acertada.
203
Op. cit., p. 51.
160
Nada que esteja fora do razoável, isto é, que fira o senso comum, porém, lhe será
permitido.
Emerge o princípio da razoabilidade dos mesmos dispositivos
constitucionais que albergam os princípios da legalidade e da finalidade, a saber, os
arts. , II e LXIX, 37, caput, e 84, IV. Afinal, ao outorgar competência discricionária
ao administrador, a lei busca permitir que este, diante do caso concreto, adote a
solução que se mostre ideal, ou seja, aquela que melhor atenda ao interesse público
e à finalidade da lei. Portanto, ao adotar providência desarrazoada, não optando
pela solução ideal, o administrador viola a própria lei.
2.6. Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade enuncia a idéia de que as
competências administrativas somente podem ser validamente exercidas na
extensão e intensidade estritamente necessárias ao alcance das finalidades a que
se vinculam. A intensidade e a extensão com que é exercida a competência devem
ser proporcionais ao fim que se pretende atingir, evitando-se, desta forma, abusos.
Busca-se assim conter o excesso de poder.
Por conseguinte, com base no princípio da proporcionalidade, se
admite sejam sacrificados interesses individuais em nome do interesse público na
medida do que for estritamente necessário. As restrições aos interesses dos
particulares somente são admissíveis desde que indispensáveis à satisfação do
interesse público. Afinal, segundo enuncia Celso Antônio Bandeira de Mello, “o plus,
161
o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa,
portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual”
204
.
Uma vez que representa uma faceta do princípio da razoabilidade, o
princípio da proporcionalidade encontra espeque nos mesmos dispositivos
constitucionais dos quais emerge aquele, ou seja, nos arts. 5º, II e LXIX, 37, caput, e
84, IV, da Constituição da República.
2.7. Princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade impõe à Administração o dever de atuar
de maneira isonômica, tratando todos os cidadãos da mesma forma, sem privilégios
ou perseguições. Ao agir, aquela não pode diferenciar os particulares entre amigos e
inimigos, privilegiando alguns em detrimento de outros, evitando assim
subjetivismos.
Conforme assevera Cármen cia Antunes Rocha, ao discorrer acerca
do princípio da impessoalidade:
[...] a qualificação pessoal não conta, como não conta a situação
pessoal daquele que detém o cargo público e que se deve manter
neutro e objetivo em sua conduta, seja qual for a situação social,
econômica ou político-partidária do cidadão sobre o qual incidirão os
efeitos do ato da Administração
205
.
Trata-se de princípio que encontra fundamento na idéia de que o
agente público é administrador de bens e interesses alheios, pelo que deve atuar de
maneira objetiva, buscando satisfazer o interesse público. Assim, não pode dispor
204
Curso de direito administrativo, cit., p. 99.
205
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública, p. 23-5,
apud FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo, cit., p. 47.
162
destes bens e interesses em favor dos seus vínculos pessoais de amizade e dos
seus próprios interesses. Deve tratar os administrados de maneira isonômica.
O princípio da impessoalidade encontra-se explicitamente consagrado
pelo caput do art. 37 da Carta Magna, emergindo ainda de outros dispositivos
contidos no aludido diploma, como, por exemplo, o art. 37, II, que condiciona a
investidura em cargo ou emprego público à “aprovação prévia em concurso público”,
e o art. 37, XXI, que estabelece que “as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes”.
2.8. Princípio da publicidade
O princípio da publicidade consagra a necessidade de se tornar
transparente o exercício da função administrativa. Intenta-se, desta forma, permitir
que a sociedade e os órgãos de controle tomem conhecimento dos atos da
Administração, impugnando-os, se em desacordo com a legalidade e a moral
administrativa.
Funda-se o princípio da publicidade na idéia de que todo poder reside
no povo. Neste sentido manifesta-se Celso Antônio Bandeira de Mello, que assevera
que:
[...] não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o
poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição),
ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos
interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente
afetados por alguma medida
206
.
206
Curso de direito administrativo, cit., p. 102.
163
Na qualidade de legítima proprietária da coisa pública, a sociedade tem
o direito de tomar conhecimento dos atos da Administração, controlando-os.
Dessa forma, conforme assinala Diogenes Gasparini, “esse princípio
torna obrigatória a divulgação de atos, contratos e outros instrumentos celebrados
pela Administração Pública direta e indireta, para conhecimento, controle e início de
seus efeitos”
207
. A esta regra, contudo, escapam algumas informações, como, por
exemplo, aquelas relacionadas à segurança nacional.
Tal princípio, assim como ocorre no tocante ao princípio da
impessoalidade, encontra-se explicitamente consagrado pelo caput do art. 37 da
Carta Magna, emergindo ainda de outros dispositivos contidos no aludido diploma,
como, por exemplo, o art. 5º, XXXIII, que preconiza que “todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo
ou geral”, e XXXIV, b, que assegura a todos “a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse
pessoal”.
2.9. Princípio da eficiência
Eficiência, segundo definição contida no Dicionário Caldas Aulete, é a
“capacidade de produzir bem o efeito desejado ou realizar bem tarefas”
208
. Assim, a
eficiência traduz-se não apenas na obtenção do resultado almejado, mas sim no
alcance do efeito desejado com presteza, de maneira econômica.
Desse modo, em virtude do princípio da eficiência, deve a
Administração buscar alcançar os fins que lhe foram confiados, valendo-se dos
207
Op. cit., p. 10.
208
AULETE, Caldas. Dicionário Caldas Aulete da língua portuguesa: edição de bolso. Rio de Janeiro:
Lexikon Editora Digital, 2007, p. 380.
164
meios que maximizem os resultados e causem menos gravames para a
comunidade. Neste sentido manifesta-se Humberto Ávila, ao discorrer acerca do
princípio ora em comento:
Eficiente é a atuação administrativa que promove de forma
satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e
probabilísticos. Para que a administração esteja de acordo com o
dever de eficiência, não basta escolher os meios adequados para
promover seus fins. A eficiência exige mais do que mera adequação.
Ela exige satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à
administração. Escolher um meio adequado para promover um fim,
mas que promove o fim de modo insignificante, com muitos efeitos
negativos paralelos ou com pouca certeza, é violar o dever de
eficiência administrativa. O dever de eficiência traduz-se, pois, na
exigência de promoção satisfatória dos fins atribuídos à
administração pública, considerando a promoção satisfatória, para
esse propósito, a promoção minimamente intensa e certa do fim
209
.
A eficiência, portanto, representa a obtenção dos resultados
perseguidos com o menor custo possível, empregando-se aqui a expressão “custo”
não apenas no seu aspecto financeiro, mas também como sinônimo de gravames ou
restrições impostas aos administrados. Assim, o princípio da eficiência, conforme
leciona Paulo Modesto, impõe à Administração o dever de maximizar recursos.
Na administração prestadora, constitutiva, não basta ao
administrador atuar de forma legal e neutra, é fundamental que atue
com eficiência, com rendimento, maximizando recursos e
produzindo resultados satisfatórios
210
.
A busca da eficiência, no entanto, não pode implicar a mitigação ou
mesmo anulação do princípio da legalidade. Assim, em que pese tenha o dever de
209
ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista
Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 4, p. 23-4,
out./nov./dez. 2005. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br. Acessado em 26-12-2007.
210
Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Eletrônica de Direito
Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n. 10, p. 9, maio/jun./jul.
2007. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acessado em 26-12-2007.
165
alcançar um desempenho eficiente, não poderá o administrador, para tanto, valer-se
de comportamentos que não lhe são autorizados pelo ordenamento jurídico.
Em razão da alteração promovida no art. 37, da Carta Magna, pela
Emenda Constitucional n. 19/98, atualmente, o princípio da eficiência encontra-se
explicitamente albergado pelo aludido dispositivo.
2.10. Princípio da segurança jurídica
O princípio da segurança jurídica, conforme pontua Celso Antônio
Bandeira de Mello, é “da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado
Democrático de Direito”
211
.
Afinal, por meio da criação do Direito buscou o homem atender a um
dos seus maiores e mais antigos anseios, o de conhecer, previamente, com
precisão, as conseqüências dos seus atos. O Direito, portanto, propõe-se a gerar
estabilidade no seio da sociedade, permitindo que os homens possam planejar o seu
futuro, evitando surpresas, uma vez que sabem de antemão o que podem e o que
não podem fazer.
Assim, em virtude do mencionado princípio, deve a Administração
buscar preservar aquelas relações que já se encontram estabilizadas, evitando
sobressaltos e instabilidades. Deve, por conseguinte, eximir-se adotar medidas que,
desnecessariamente, desestabilizem a sociedade, não podendo produzir atos que,
alterando circunstância até então vigente, tenham por finalidade agravar situações
consolidadas.
211
Curso de direito administrativo, cit., p. 110.
166
Conquanto não esteja expressamente previsto na Constituição da
República, o princípio da segurança jurídica emerge de diversos institutos nela
contidos, como, por exemplo, a prescrição, a decadência, o usucapião, o direito
adquirido, a irretroatividade das leis, entre outros, tendo sido albergado pelo caput
do art. 2º, da Lei n. 9.784/99.
2.11. Princípio da moralidade administrativa
O princípio da moralidade administrativa impõe à Administração o
dever de, nas suas relações internas e ao relacionar-se com os administrados, atuar
em conformidade com princípios éticos produzidos pela sociedade. Assim, ao agir,
deve o administrador respeitar determinados valores como a lealdade, boa-fé,
sinceridade, entre outros.
Dessa forma, não basta ao administrador observar o ordenamento
jurídico, deve também comprometer-se com a preservação dos valores éticos
albergados pela sociedade. A moralidade administrativa está diretamente ligada à
moral social, à ética, à honestidade e ao respeito pela coisa pública.
Trata-se, por conseguinte, de princípio que ultrapassa os limites da
legalidade, buscando submeter a Administração também a valores eleitos pela
sociedade. O comportamento moral, desta forma, passa a ser um imperativo para o
Estado.
Imprescindível esclarecer, porém, que, conforme destaca Weida
Zancaner, com inequívoca precisão, o conceito de moralidade administrativa “não
deve ter por parâmetro a conduta social das pessoas, mas o que elas entendem
167
como moralmente correto, o que dizem ser correto como valor que exprime o
consenso social e os valores albergados pelo sistema jurídico positivo”
212
.
Na Carta Magna brasileira, o respeito ao princípio da moralidade é
preconizado não apenas no caput do art. 37, mas também no inciso LXXIII, do art.
5º, que prevê o cabimento de ação popular para anular ato que implique violação ao
princípio da moralidade.
2.12. Princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos
De acordo com o princípio em questão, albergado pelo art. 37, § 6º, da
Lex Legum, as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado
prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros.
Assim, conforme assinala Ney Jo de Freitas, “diante de um
comportamento estatal, lícito ou ilícito, causador de lesão na esfera jurídica do
cidadão, irrompe, com todas as suas conseqüências, a responsabilidade do
Estado”
213
.
Essa responsabilidade, quando o dano decorre de ato comissivo do
Estado, é objetiva, ou seja, independe da comprovação de que tenha o agente
atuado com dolo ou culpa ao praticar a conduta que veio a causar o prejuízo a ser
ressarcido. Restando comprovado, porém, o dolo ou a culpa do agente, goza a
212
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil
constitucional do estado social e democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ
Centro de Atualização Jurídica, ano I, n. 9, p. 12, dez. 2001. Disponível em
http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 26-12-2007.
213
FREITAS, Ney José de. Dispensa de empregados públicos & o princípio da motivação. 1. ed. 4. tir.
Curitiba: Juruá, 2006, p. 80.
168
Administração de direito de regresso, podendo acionar este para que a indenize dos
prejuízos que veio a sofrer.
Em se tratando, no entanto, de dano decorrente de eventual omissão
do Estado, este somente responderá pelo prejuízo causado nas hipóteses em que
restar comprovada a ocorrência de dolo ou culpa por parte do Estado.
2.13. Princípio da motivação
O administrador público, na condição de gestor da res publica, não age
em nome próprio, mas sim em nome do povo, fonte do poder que exerce. Assim, na
qualidade de titulares do poder exercido pela Administração, os cidadãos têm o
direito de saber o porquê dos atos por aquela praticados, como estes se mostram
capazes de satisfazer o interesse público, bem como se estão de acordo com o
ordenamento jurídico. Trata-se, portanto, de princípio que, em última análise,
encontra raízes na idéia de um Estado Democrático de Direito, ou, como assinala
Agustín Gordillo, na luta contra o absolutismo.
La lucha por la debida fundamentación del acto administrativo es
parte de la lucha por la racionalización de poder y abolición del
absolutismo, por la forma republicana de gobierno y la defensa de
los derechos humanos
214
.
Dessa forma, os atos administrativos devem ser motivados, ou seja,
segundo leciona Marçal Justen Filho, deve ser exposta a “representação mental do
agente relativamente aos fatos e ao direito”, bem como “os fundamentos que
214
GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo – El acto administrativo. 6. ed. Belo
Horizonte: Del Rey/Fundación de Derecho Administrativo, 2003, t. III, p. X/14.
169
conduziram a agir em determinado sentido”
215
. Assim, deve o administrador, nas
palavras de Vladmir da Rocha França, “concatenar os elementos ticos e jurídicos
relevantes para construir uma argumentação hábil para convencer a comunidade
jurídica sobre a validade e oportunidade do próprio ato”
216
, isto é, apontar os
fundamentos fáticos e jurídicos do ato praticado, demonstrando como estes
justificam a medida adotada.
Em se tratando, porém, de atos vinculados em que a aplicação da lei
ocorra quase que de modo automático, não sendo conferida ao administrador
liberdade para escolher qual a medida a ser adotada, tampouco o momento de agir,
admite-se a simples exposição dos fatos e da norma, uma vez que, em tais
hipóteses, a motivação está implícita. A mera exposição da situação tica e
invocação da norma justificam a prática do ato. Nesse sentido manifesta-se Celso
Antônio Bandeira de Mello, ao asseverar que:
Em algumas hipóteses de atos vinculados, isto é, aqueles em que
aplicação quase automática da lei, por não existir campo para
interferência de juízos subjetivos do administrador, a simples
menção do fato e da regra de Direito aplicanda pode ser suficiente,
por estar implícita a motivação
217
.
Nas hipóteses, contudo, em que o administrador gozar de alguma
espécie de discricionariedade ou em que a prática do ato demandar análise mais
detida acerca da situação existente, deverá apontar como, em face do ordenamento
jurídico e do panorama fático existente, o ato praticado se justifica.
215
Op. cit., p. 199.
216
FRANÇA, Vladmir da Rocha. Considerações sobre o dever de motivação dos atos administrativos
ampliativos. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo: Malheiros, n. 46, p. 75, 2004.
217
Curso de direito administrativo, cit., p. 100.
170
A necessidade de motivação dos atos administrativos torna-se ainda
mais evidente quando se constata que a sua ausência inviabiliza uma precisa
verificação da adequação do ato aos princípios inerentes ao regime jurídico
administrativo, como, por exemplo, da finalidade, da proporcionalidade, da
razoabilidade.
Impossibilita, dessa forma, o questionamento da validade daquele
perante o Poder Judiciário. Afinal, sem conhecer os fundamentos do ato que
pretende impugnar, não poderá o administrado infirmá-los, demonstrando, por
exemplo, que o ato praticado não se justifica em face do quadro tico existente ou
que os fatos invocados não ocorreram.
Também em virtude disso, a motivação deve ser prévia ou
contemporânea à prática do ato. Isso porque, a motivação posterior à prática do ato,
além de restringir a possibilidade de o administrado questionar aquele perante o
Poder Judiciário, conforme exposto, permite a criação de motivos que não existiam à
época em que foi praticado o ato.
A falta de motivação, assim como a indicação de motivos falsos ou
incoerentes torna o ato nulo.
O princípio da motivação, conquanto não positivado expressamente
pela Constituição da República, permeia toda a atividade administrativa e pode ser
implicitamente verificado no ordenamento jurídico.
Basta notar que a motivação suficiente é requisito imposto pelo art. 93,
X, da Carta Magna, para as decisões tomadas pelo Poder Judiciário no exercício da
função administrativa. Ora, por certo beiraria o absurdo imaginar que, a despeito de
estar o Poder Judiciário obrigado a fundamentar os atos que pratica no exercício da
função administrativa, estaria a Administração dispensada de fazê-lo quando exerce
171
a mesma atividade. Eventual intelecção neste sentido representaria um enorme
contra-senso, bem como uma ofensa à inteligência do intérprete.
2.14. Princípios do devido processo legal e da ampla defesa
Os princípios do devido processo legal e da ampla defesa decorrem do
disposto no art. 5º, LIV e LV, da Constituição da República, incisos que preconizam,
respectivamente, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal” e que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os
recursos a ela inerentes”.
Em virtude dos aludidos preceitos normativos, a Administração, antes
de adotar decisões que possam atingir a liberdade e a propriedade do cidadão, deve
oferecer-lhe a possibilidade de defender-se amplamente, contrapondo-se aos
fundamentos que conduziram ao ato a ser praticado, inclusive produzindo eventuais
provas, bem como de recorrer da decisão tomada. Não pode, portanto, atingir
direitos de alguém sem que permita a esta pessoa questionar previamente tal ato.
Terá, deste modo, de obedecer a um processo regular.
Sendo, contudo, urgente a medida a ser adotada, isto é, dependendo a
preservação do interesse público da prática imediata do ato, esta poderá ocorrer
sem a observância de um processo regular. Em tais casos, conforme assinala Celso
Antônio Bandeira de Mello, poderá haver a “postergação provisória do contraditório e
ampla defesa”
218
.
218
Curso de direito administrativo, cit., p. 104.
172
Trata-se, no entanto, de exceção, pelo que deverá a Administração
recorrer ao Poder Judiciário para que possa fazê-lo, demandando a este que
determine liminarmente a providência em questão. Somente poderá praticar o ato
sem a observância de tais princípios e sem a prévia autorização do Poder Judiciário
quando o decurso do prazo necessário à obtenção de tal autorização implicar o
sacrifício do interesse público que se busca preservar.
2.15. Princípio do controle judicial dos atos administrativos
No Direito brasileiro, em virtude do preceito normativo consignado no
art. , XXXV, da Constituição da República, nenhuma “lesão ou ameaça a direito
pode ser excluída da apreciação pelo Poder Judiciário. Assim, conforme assinala
Celso Antônio Bandeira de Mello, “não órgãos jurisdicionais estranhos ao Poder
Judiciário para decidir, com esta força específica, sobre as contendas entre a
Administração e administrados”
219
. Portanto, o Poder Judiciário pode decidir
litígios em caráter definitivo.
Dessa forma, o ato administrativo não se mostra definitivo perante o
ordenamento jurídico. Cabe ao Poder Judiciário, por conseguinte, de acordo com o
princípio analisado, anular os atos administrativos inválidos, bem como impor
condutas e condenações pecuniárias à Administração.
219
Curso de direito administrativo, cit., p. 108.
173
3. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO E A MOTIVAÇÃO DO ATO
DE DISPENSA DOS SERVIDORES SUBMETIDOS AO REGIME DA CLT
Questão relevante que se coloca, no tocante ao rompimento do vínculo
mantido entre o Estado e os servidores submetidos ao regime celetista, é aquela
que diz respeito à necessidade de motivação do ato de dispensa destes.
O problema surge quando se analisa a dispensa dos servidores
vinculados às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Isso porque, em virtude de o inciso II, do § , do art. 173, da Carta
Magna brasileira estipular que as empresas públicas, sociedades de economia mista
e “suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços” devem se sujeitar ao “regime
jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações
civis, comerciais, trabalhistas e tributários”, tem-se entendido, especialmente no
âmbito jurisprudencial, que a dispensa dos servidores vinculados a tais entes não
precisaria ser motivada.
Afinal, como regra, não estão as empresas privadas obrigadas a
motivar os atos por meio dos quais promovem a dispensa dos seus empregados. A
admissão e dispensa de empregados no âmbito da iniciativa privada, salvo em
situações atípicas, como, por exemplo, aquela em que o empregado que se
encontra resguardado pelo instituto da estabilidade, é livre. Portanto, o rompimento
do liame empregatício pelo empregador não está condicionado à prática de uma
determinada conduta pelo empregado, prescindindo de motivação. Nesse sentido
ordena-se o sistema jurídico trabalhista, desde o momento em que a adoção do
174
sistema do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGTS tornou-se obrigatória
para todos os empregados. Assim, com base em tal panorama, afirma-se que
também a dispensa dos servidores vinculados às empresas públicas e sociedades
de economia mista é livre, não dependendo de motivação.
Corroborando tal intelecção, o Tribunal Superior do Trabalho, em 20-6-
2001, editou a Orientação Jurisprudencial n. 247
220
, da SDI-1, que preconiza que “a
despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista,
mesmo admitidos por concurso blico, independe de ato motivado para sua
validade”.
Trata-se, não obstante, de entendimento com o qual não concordamos,
por diversos motivos.
Inicialmente, cumpre salientar que o art. 173, da Lex Legum, como
toda e qualquer norma, não pode ser interpretado isoladamente. Em homenagem à
unidade e harmonia do sistema constitucional, o preceito em questão deve ser
analisado em conjunto com as outras regras contidas na Carta Magna. Portanto, não
lhe pode ser conferida interpretação que conflite com estas.
Mais ainda, a norma analisada deve ser compreendida à luz dos
princípios constitucionais. Afinal, estes, conforme exposto no item 1 do presente
capítulo, representam mandamentos centrais do sistema, pelo que, além de lhe
conferirem harmonia, orientam toda a sua compreensão. Não podem, por
conseguinte, ser simplesmente ignorados no processo de interpretação das normas.
220
OJ n. 247-SDI-1 “SERVIDOR BLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA
IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.
I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo
admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;
II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à
Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das
prerrogativas de foro, prazos e custas processuais”. Inserida em 20-6-2001 (Alterada – Res. n.
143/2007 - DJ 13-11-2007).
.
175
A importância dos princípios na análise das demais normas é
enfatizada por Celso Ribeiro Bastos, que afirma que “pode-se dizer validamente que
se deve procurar uma interpretação que harmonize ao máximo a norma
interpretanda com o princípio ou princípios aos quais se vincula”
221
.
Neste sentido
manifesta-se também Geraldo Ataliba, citado por Weida Zancaner, que, salientando
o papel de destaque dos princípios no ordenamento jurídico, leciona que “mesmo no
nível constitucional, ordem que faz com que as regras tenham uma interpretação
e eficácia condicionada pelos princípios”
222
.
Dessa forma, o art. 173, § 1º, II, da Constituição deve ser interpretado
de maneira a compatibilizar-se com as demais regras constitucionais, submetendo-
se ainda aos princípios aplicáveis à hipótese analisada. Não pode ser compreendido
de maneira autônoma. O sistema constitucional deve ser compreendido como um
todo uniforme, devendo ser assim interpretado. Não se pode preterir a interpretação
sistemática, em prol de uma visão reduzida e parcial do ordenamento.
É incorreto, por conseguinte, imaginar que o simples fato de a
Administração, em algumas oportunidades, atuar sob a égide do direito privado,
contratando servidores pelo regime da CLT, tem o condão de equipará-la
completamente ao empregador privado. Eventual intelecção neste sentido, por certo,
seria deveras equivocada.
Isso porque, a mera participação da Administração em uma
determinada relação jurídica é suficiente para publicizá-la, fazendo com que passe a
221
Hermenêutica e interpretação, cit., p. 133.
222
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 6, apud
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional
do estado social e democrático de direito. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro de
Atualização Jurídica, ano I, n. 9, p. 5, dez. 2001. Disponível em http://www.direitopublico.com.br.
Acessado em 26-12-2007.
176
sofrer a influência do conjunto de princípios e regras que compõem o regime jurídico
administrativo.
Assim, conquanto submetidas ao regime de direito privado, as
empresas públicas e sociedades de economia mista também se sujeitam a normas
oriundas do regime jurídico administrativo, especialmente aos princípios que
compõem este. Nesse sentido teve oportunidade de se manifestar o Supremo
Tribunal Federal, ao apreciar o Mandado de Segurança, tombado sob o n. 21.322-
1
223
, relatado pelo Ministro Paulo Brossard. A ementa da decisão proferida no
julgamento do aludido remédio deixa claro o entendimento no sentido de serem
aplicáveis às empresas públicas e sociedades de economia mista os princípios
atinentes ao regime jurídico administrativo.
CARGOS e EMPREGOS PÚBLICOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DIRETA, INDIRETA e FUNDACIONAL. ACESSIBILIDADE.
CONCURSO PÚBLICO. A acessibilidade aos cargos públicos a
todos os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público
e princípio constitucional explicito, desde 1934, art. 168. Embora
cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a
regra, não foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para
alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem
constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se
mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo,
mas de ser público. As autarquias, empresas públicas ou
sociedades de economia mista estão sujeitas a regra, que envolve a
administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar
atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que
não colide com o expresso no art. 173, par. 1. Exceções ao
princípio, se existem, estão na própria Constituição.
Logo, o simples fato de às empresas públicas e sociedades de
economia mista ter sido atribuída personalidade jurídica de direito privado, nas
223
STF, Mandado de Segurança n. 21.322-1/DF, Relator: Ministro Paulo Brossard, Tribunal Pleno,
publ. DJU de 23-4-1993.
177
palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, “não significa, pois, que se desnature
o caráter essencial delas; a de coadjuvantes do Poder Público, como seres
integrados na totalidade de seu corpo administrativo”
224
. Situam-se, por conseguinte,
em um ponto intermediário entre as entidades de direito público e as de direito
privado instituídas por particulares, agrupando características próprias do regime
jurídico administrativo e outras do regime jurídico de direito comum.
Até porque, em que pese as atividades desempenhadas pelas
empresas públicas e sociedades de economia mista serem próprias da iniciativa
privada, conforme alerta Marlúcia Lopes Ferro, voltam-se tais entes à satisfação do
interesse público.
[...] o investimento do Estado na criação de um ente administrativo
para exercer tais funções demonstra inequivocamente um interesse
público a ser tutelado; interesse esse apto a alterar as relações
interna corporis travadas entre Estado empregador e os
empregados públicos
225
.
Portanto, de acordo com as lições de Douglas Rodrigues, uma vez que
perseguem finalidades públicas, as empresas públicas e sociedades de economia
mista devem se submeter ao regime jurídico administrativo.
Por isso, ainda que pertencentes ao universo jurídico das empresas
privadas, como prevê o art. 173 da Constituição Federal, as
empresas públicas e sociedades de economia mista perseguem
finalidades essencialmente públicas, estando, por isso vinculadas
diretamente aos diversos preceitos que orientam a atuação da
Administração Pública
226
.
224
Regime constitucional, cit., p. 61.
225
FERRO, Marlúcia Lopes. Sociedade de economia mista & despedida imotivada. São Paulo: LTr,
2007, p. 129.
226
RODRIGUES, Douglas apud SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). O servidor público e a
justiça do trabalho – Homenagem ao Ministro Ronaldo José Lopes Leal. São Paulo: LTr, 2005, p. 62.
178
Logo, a personalidade jurídica de direito privado com que se revestem
tais entes, em virtude das finalidades a serem por eles alcançadas, não tem o
condão de impedir a aplicação, às relações que constituem, dos princípios inerentes
ao regime jurídico administrativo, entre os quais se encontra o princípio da
motivação.
Dessa forma, também as empresas públicas e sociedades de
economia mista estão submetidas ao princípio da motivação, pelo que obrigadas a
justificar os seus atos, indicando os fundamentos fáticos e jurídicos que conduziram
à providência adotada.
Nem poderia ser diferente. Afinal, conforme pontua Ney José de
Freitas, “o
administrador público, na condição de gestor da res publica, não detém
liberdade para agir de acordo com a sua vontade”
227
. Por conseguinte, deve prestar
contas de seus atos, demonstrando como estes se mostram capazes de satisfazer
os interesses cuja gestão lhes foi confiada. Nesse sentido leciona também Adilson
Abreu Dallari:
Administração Pública é atividade de quem não é dono. No campo
das atividades empresárias pode ocorrer que o administrador seja
também o dono, mas na administração da coisa pública isso não
pode acontecer, pois o titular dos interesses geridos é sempre o
povo, a coletividade em seu conjunto, apenas representada pelo
Estado. Nenhum administrador público é dono dos bens e interesses
de que deve curar.
O administrador público é sempre gestor de coisa alheia. Quem gere
coisa alheia está sempre obrigado a atuar em favor do titular da
coisa e, conseqüentemente, deve prestar contas de suas ações. O
controle da administração dos interesses públicos, portanto, é algo
elementar
228
.
227
Op. cit., p. 132.
228
DALLARI, Adilson Abreu. Controle compartilhado da administração da justiça. Revista
Jurídica/Presidência da Repúbllica, Brasília: A Presidência, v. 7, n. 73, jun./jul. 2005. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_73/. Acessado em 1º-1-2008.
179
Assim, é incorreto pensar que, em virtude do disposto no art. 173, § 1º,
II, da Constituição da República, as empresas públicas e sociedades de economia
mista não precisariam motivar os atos por meio dos quais rompem o vínculo mantido
com os seus servidores. Tal interpretação mostra-se incompatível com os princípios
que compõem o regime jurídico administrativo.
Corrobora este entendimento o fato de tais entes não poderem
contratar servidores sem a prévia realização de concurso público. Ora, se m de
respeitar os princípios da moralidade, isonomia, eficiência e supremacia do interesse
público na contratação de servidores, por certo, também têm de fazê-lo quando da
dispensa destes.
Ocorre que, em se aceitando que a dispensa dos servidores vinculados
às empresas públicas e sociedades de economia mista seria livre, prescindindo de
motivação, fatalmente estar-se-ia aceitando que os aludidos princípios poderiam ser
desrespeitados, dando-se margem a atos arbitrários. Quando menos, estar-se-ia
admitindo que não seria possível apurar eventual violação àqueles.
Além disso, deve a Administração, como um todo, buscar a satisfação
do interesse público. Assim, nas palavras de Carlos Ari Sundfeld, “a validade do ato
de despedida de empregado público depende de, em concreto, ele realizar o
interesse público”
229
. Ora, à época em que o servidor foi admitido, o interesse
público justificava a sua contratação, por ter ele logrado êxito em concurso público,
comprovando ser o mais apto a desempenhar, com eficiência, as atividades
inerentes ao emprego no qual seria investido. Portanto, deve-se demonstrar a
existência de algum evento posterior que altere a realidade até então existente,
fazendo com que a manutenção deste servidor nos quadros do Estado não se
229
SUNDFELD, Carlos Ari. Não é livre a demissão sem justa causa de servidor celetista. Boletim de
Direito Administrativo, São Paulo: NDJ, ano XI, n. 7, p. 395, 1995.
180
mostre mais capaz de satisfazer o interesse público. Do contrário, estar-se-ia
admitindo poderia o administrador livremente dispor do interesse blico, o que não
se coaduna com os princípios inerentes ao regime jurídico administrativo.
Assim, a despeito do art. 173, § 1º, II, da Carta Magna, acreditamos
que as empresas públicas e sociedades de economia mista não estão eximidas do
dever de motivar os atos por meio dos quais promovem o desligamento de
servidores dos seus quadros.
Analisando o tema, a Advocacia-Geral da União, por meio de parecer
firmado pelo Consultor-Geral da União Obi Damasceno e publicado no Diário Oficial
da União de 17-4-1995, manifestou entendimento no sentido de que dispensa dos
empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista deve ser
motivada. O trecho abaixo transcrito, citado por Ney José de Freitas, ilustra o
entendimento manifestado no aludido parecer.
A dispensa do emprego, como todo ato administrativo, de ser
motivada ainda que se cuide de relação regida pela CLT, implicando
a sua falta, sem dúvida, invalidade do ato, até mesmo por se
configurar, na hipótese, abuso de poder. No âmbito da
Administração Pública, ao contrário do que se verifica na atividade
privada, não é admissível venha a autoridade, ao seu talante,
rescindir sem causa contrato de trabalho, máxime considerando
tratar-se de servidor admitido por concurso e detentor em seus
assentamentos de boas referências funcionais, como consta do
processo
230
.
A intelecção externada no parecer invocado por Ney José de Freitas
nos parece precisa. Em verdade, acreditamos que o legislador constituinte, por meio
do citado art. 173, § 1º, II, da Lex Legum, não pretendeu conferir às empresas
públicas e sociedades de economia mista privilégios, eximindo-as da obrigação de
observar os princípios que compõem o regime jurídico administrativo, mas sim
230
Op. cit., p. 135.
181
impedir que lhes fossem outorgadas prerrogativas não extensíveis às empresas
privadas.
Não destoam deste entendimento as lições de Sérgio Torres Teixeira,
que assevera:
Ao equiparar as entidades paraestatais às empresas privadas
quanto à sujeição ao regime trabalhista de natureza empregatícia, o
legislador constituinte não exclui as empresas públicas e as
sociedades de economia mista da observância dos cânones da
Administração Pública no tocante às suas relações laborais. O teor
do § do art. 173, assim, não afasta a incidência dos princípios
administrativos positivados no texto constitucional. Apenas revela o
condão de evitar que o próprio Estado venha a criar privilégios
patronais às empresas paraestatais, em detrimento das empresas
privadas, submetendo ambas a um mesmo ordenamento trabalhista,
bem como a um mesmo regime tributário
231
.
Trata-se, em verdade, de norma que busca garantir que as empresas
estatais e as empresas privadas concorram em igualdade de condições, e não
outorgar, àquelas, benefícios. Do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, no
julgamento do Mandado de Segurança tombado sob o n. 21.322-1, extrai-se lição
que confirma este entendimento.
Impõe-se observar, ainda, que a regra inscrita no art. 173, § 1º, da
Constituição Federal precisamente porque destinada a inibir, no
plano normativo, possíveis tratamentos preferenciais em benefícios
dos entes paraestatais não exonera as empresas públicas e
sociedades de economia mista da obrigação jurídico-constitucional
de, elas também, e ainda que exploradoras de atividade empresarial
na área econômica, promoverem a contratação de seus
empregados mediante prévia realização de prova seletiva de caráter
público.
231
TEIXEIRA, Sérgio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998, p. 331.
182
Dessa forma, pensamos que a dispensa dos servidores vinculados às
empresas públicas e sociedades de economia mista não é livre, devendo ser
motivada. Isso não significa, porém, que tais servidores sejam detentores de
estabilidade definitiva, que, conforme alerta José Affonso Dallegrave Neto, “uma
coisa é a estabilidade oriunda do art. 41, outra é a necessidade de motivar o ato de
dispensa”
232
, mas apenas que, consoante leciona Celso Antônio Bandeira de Mello,
que “para serem desligados é preciso que haja uma causa de interesse público
demonstrável”
233
, que deve ser externada pelo administrador.
A validade do ato por meio do qual o servidor é vinculado às empresas
públicas e sociedades de economia mista, por conseguinte, está condicionada à
existência de motivação suficiente.
4. HIPÓTESES DE ESTABILIDADE DOS SERVIDORES SUBMETIDOS AO
REGIME DA CLT
Conforme visto no item precedente, a dispensa dos servidores
submetidos ao regime da CLT não está condicionada à ocorrência de nenhum fato
específico. Não é necessário que o servidor investido em emprego público pratique
nenhuma conduta em particular para que a sua dispensa possa ocorrer.
Em verdade, a extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor
submetido ao regime celetista pode fundar-se unicamente em critérios de
232
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Motivação do ato que dispensa o servidor público celetista.
Revista LTr, São Paulo, v. 66, n. 6, p. 691, 2002.
233
Regime constitucional, cit., p. 60.
183
conveniência e oportunidade, desde que o ato que a provoca seja devidamente
motivado.
Situações há, porém, em que esta liberdade é limitada, ficando a
dispensa do empregado condicionada à prática, por este, de determinadas
condutas, taxativamente previstas pelo ordenamento jurídico. Fala-se, então, em
estabilidade, que, no âmbito trabalhista, representa o direito atribuído ao empregado,
em virtude de uma circunstância tipificada, de caráter geral, de não ser dispensado,
desde que não pratique nenhuma das condutas previstas no ordenamento como
justas causas e que o estabelecimento no qual trabalha o seja extinto por motivos
de força maior.
A estabilidade atribuída ao empregado poderá ser de natureza
provisória ou definitiva
234
, conforme a garantia que lhe tenha sido outorgada deva
perdurar por prazo indeterminado ou esteja fadada a extinguir-se após o decurso de
determinado lapso temporal.
Contudo, após a promulgação da Constituição da República de 1988,
que estendeu o regime do FGTS a todos os trabalhadores contratados sob o regime
da CLT, tornando-o obrigatório, a legislação trabalhista passou a não mais prever
hipóteses de estabilidade definitiva.
Assim, os empregados admitidos sob a égide da Carta Magna de
1988, quando detentores de estabilidade, o serão apenas em caráter provisório,
consoante restará exposto nos subitens subseqüentes, nos quais abordaremos as
hipóteses de estabilidade aplicáveis aos servidores submetidos ao regime da CLT.
234
Na doutrina comumente afirma-se que o vocábulo “estabilidade” deveria ser reservado apenas às
hipóteses de estabilidade definitiva e que as hipóteses de estabilidade provisória seriam garantias
provisórias de emprego. Neste sentido manifesta-se, por exemplo, Alice Monteiro de Barros, que
assevera que “se é provisória não poderá ser estabilidade” (op. cit., p. 953). Sem embargo do
respeito devido àqueles que sustentam tal entendimento, dele discordamos, por entendermos que o
vocábulo “estável” não se confunde com o vocábulo “definitivo”, pelo que nada impede que a
estabilidade atribuída ao empregado perdure apenas por determinado período de tempo.
184
4.1. A estabilidade do dirigente sindical
Em virtude do quanto disposto no art. 8º, VIII, da Constituição da
República, e § 3º, do art. 543, da CLT, é vedada a dispensa do empregado
sindicalizado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção
ou representação sindical, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja
eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave.
Assim, não pode ser dispensado o servidor público que esteja
concorrendo a cargo de direção ou representação de entidade sindical, desde o
registro da candidatura até a divulgação do resultado das eleições, bem como
aquele que tenha sido eleito, ainda que como suplente, aum ano após o final do
seu mandato.
Trata-se de norma que tem como escopo assegurar ao representante
da categoria independência no exercício do mandato.
O direito à estabilidade provisória prevista no preceito normativo em
questão nasce com o registro da candidatura do empregado e, caso este seja eleito,
se estende até um ano após o término do mandato.
Contudo, para tanto, a entidade sindical responsável pela realização da
eleição, de acordo com o § do art. 543 da CLT, corroborado pelo teor do inciso I
da Súmula 369
235
do Tribunal Superior do Trabalho, deve comunicar à empresa,
“dentro de 24 (vinte e quatro) horas, o dia e a hora do registro da candidatura do seu
empregado e, em igual prazo, sua eleição e posse”. Se não realizada a
235
Dirigente sindical. Estabilidade provisória. (Conversão das Orientações Jurisprudenciais n. 34, 35,
86, 145 e 266 da SDI-1) – Res. 129/2005 DJ de 20-4-2005.
I - É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma do § do art.
543 da CLT (ex-OJ n. 34 - Inserida em 29-4-1994). [...]
185
comunicação dentro do prazo estipulado, a garantia não se aperfeiçoa
236
. Afinal,
conforme leciona Alice Monteiro de Barros, a exigência prevista no preceito
normativo é forma estabelecida ad substantiam e não apenas ad probationem
tantum
237
. Até porque, se a garantia em comento implica a imposição de limites à
atuação do empregador, sua eficácia, independentemente do conhecimento deste,
infringe o princípio da razoabilidade.
Isso não significa, no entanto, que a ausência de comunicação dentro
do interstício estipulado impeça o servidor, de maneira absoluta, de fruir da
mencionada prerrogativa. Em verdade, a comunicação fora do prazo, mas no curso
do contrato de trabalho, apenas faz com que a garantia em questão somente passe
a viger a partir da prática de tal ato e não a partir do registro da candidatura. Assim,
se a dispensa do servidor ocorrer em momento anterior àquela, este não terá direito
à reintegração.
Ademais, para fazer jus à aludida garantia, o servidor submetido ao
regime da CLT deve ter sido eleito pela assembléia geral, em conformidade com o
quanto disposto no art. 522, estatuto consolidado. Outrossim, ainda em respeito ao
mencionado preceito, o número de diretores do sindicato não pode ser superior a
sete. Sendo ignorado este limite, resta configurado o abuso de direito
238
, de maneira
236
Há, porém, quem sustente que os fatos geradores da estabilidade em questão são o registro da
candidatura e a assunção do cargo de dirigente sindical. A comunicação seria, portanto, mera
formalidade, de maneira que a sua ausência, quando muito, isentaria o empregador do pagamento da
multa a que alude o art. 543, § 6º, da CLT, e dos salários relativos ao período compreendido entre a
dispensa e a efetiva reintegração do empregado. Asseveram aqueles que defendem tal linha de
pensamento que eventual entendimento contrário poderia dar ensejo a absurdos, como, por exemplo,
a ausência de comunicação pelo sindicato do registro da candidatura de integrante de chapa de
oposição, unicamente com o escopo de impedir que este venha a adquirir estabilidade. Neste sentido
se manifesta, por exemplo, Nei Frederico Cano Martins (Garantias de emprego: questões
controvertidas. Suplemento trabalhista, Ano XXVI, n. 56/90, o Paulo: LTr, p. 297), citado por Alice
Monteiro de Barros (op. cit., p. 958).
237
Op. cit., p. 958.
238
“Estabilidade sindical – Abuso de direito – Fixação do número de diretores pela Federação
Profissional acima do previsto em lei. A lei consolidada continua a prever os procedimentos de
estruturação dos entes sindicais, delineando, no art. 522, caput, o número de representantes-
administradores da entidade como de, no mínimo, três e, no máximo, sete diretores. A fixação do
186
que somente farão jus à estabilidade aqueles diretores que ocupem cargos de maior
relevância na estrutura do sindicato
239
, até o limite de sete.
O servidor que seja portador de estabilidade em virtude de ocupar
cargo de dirigente sindical somente poderá ser dispensado em razão do
cometimento de falta grave, sendo assim consideradas as condutas descritas no art.
482 da CLT, que deverá ser apurada por meio de inquérito judicial
240
.
4.2. A estabilidade dos representantes dos empregados junto à CIPA
Também o estáveis os servidores que atuam junto à Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes CIPA, na qualidade de representantes dos
número de diretores pela Federação Profissional acima do limite legal, em número de cinqüenta e
quatro, contraria a lei e a jurisprudência do STF. Por evidente que a medida tem impacto direto no
contrato de trabalho, impondo ônus destituído de esteio legal ao empregador, caracterizado na
restrição imprópria do seu poder de resilição contratual. Nessa linha de raciocínio, exsurge o abuso
de direito por parte do representante da categoria profissional em liça, conduzindo ao reconhecimento
da inexistência de estabilidade provisória sindical do empregado. Recurso de revista do empregado
conhecido e desprovido” (TST, T., RR n. 348005/97-7, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ de
17-3-2000, p. 161).
239
“Mandado de segurança Dirigente sindical Reintegração. Constado nos autos que a Diretoria
do Sindicato obreiro foi constituída em desacordo com o artigo quinhentos e vinte e dois da CLT e,
que o impetrante não exerce as atribuições previstas no parágrafo terceiro do referido artigo, tem-se
que o mesmo não é detentor da estabilidade e via de conseqüência não faz jus à reintegração
pleiteada. Segurança negada”. (TRT, 10ª Reg., Pleno MS n. 85/2000, Rel. Juiz Leônidas José da
Silva, DJDF 7-7-2000, p. 5) (RDT 06/00, p. 57).
“Estabilidade provisória do dirigente sindical – Violação ao art. 522 da CLT – Abuso de direito.
Caracteriza abuso de direito a eleição de mais de sete trabalhadores para cargos de diretoria na
entidade sindical representativa dos empregados, a teor do disposto no art. 522 da CLT. Não que
se falar em incompatibilidade com o art. 8º, I, da Constituição da República, devendo prevalecer as
disposições consolidadas a respeito do tema enquanto não for promulgada lei regulamentar.
Configurado o abuso de direito e SENDO O CARGO OCUPADO PELO RECLAMANTE DE MENOR
RELEVÂNCIA NA DIREÇÃO DO SINDICATO, não goza o mesmo de estabilidade provisória no
emprego, sendo indevida a sua reintegração e, conseqüentemente, o pagamento de salários
vencidos e vincendos, bem como outras vantagens relativas ao período de afastamento” (TRT,
Reg. 3ª T., RO 17470/2000, Rel. Juiz Eduardo A. Lobato, DJMG 25-11-2000, p. 31).
240
A despeito de o art. 8º, VIII, da Constituição da República o fazer menção à necessidade de a
falta cometida pelo dirigente sindical ser apurada por meio de inquérito judicial, em virtude do
disposto no § 3º, art. 543, da CLT, encontra-se consolidado no âmbito jurisprudencial, nos termos da
Súmula 197, do STF, e da Súmula nº 379, do TST, o entendimento no sentido de que a falta cometida
pelo empregado deve ser apurada por meio de inquérito judicial.
187
empregados. Estes, bem como seus suplentes
241
, na forma do art. 10, II, a, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, o podem ser dispensados desde o
registro da candidatura até a divulgação do resultado da eleição, ou, se eleitos, até
um ano após o final do mandato.
Trata-se de norma que possui como escopo assegurar independência
àqueles empregados que m o dever de zelar por condições de trabalho seguras,
relatando áreas de risco e solicitando ao empregador providências no sentido de
reduzi-los ou eliminá-los, com o objetivo de evitar a ocorrência de acidentes e
doenças ocupacionais. Tais empregados usualmente posicionam-se em sentido
contrário aos interesses do empregador, pelo que a garantia em questão busca
manter-lhes alheios a pressões e represálias, conferindo-lhes autonomia.
No entanto, de acordo com o art. 165 da CLT, a dispensa do
representante dos empregados junto à CIPA poderá ocorrer quando fundar-se “em
motivo disciplinar, cnico, econômico ou financeiro”. Dessa forma, os servidores
amparados pela garantia em questão poderão ser dispensados o apenas em
virtude de motivos disciplinares, sendo assim considerados aqueles elencados no
art. 482, mas também em razão de motivos cnicos, econômicos ou financeiros.
Estes, contudo, têm de ser efetivos, relevantes e atuais, a ponto de tornar
imprescindível ao empregador a ruptura do respectivo contrato.
Ao contrário do que ocorre no que diz respeito ao dirigente sindical, a
dispensa do empregado que atua como representante dos empregados junto à CIPA
241
No que diz respeito à estabilidade do suplemente de membro da CIPA, antes da Constituição de
1988, o art. 165, da CLT, se referia expressamente a titulares”. Com base neste dispositivo, o
Tribunal Superior do Trabalho negava esta garantia aos suplentes da CIPA. O art. 10, II, a, do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, no entanto, não estabeleceu nenhuma distinção entre
titulares e suplentes, estendendo a garantia em questão aos empregados eleitos para cargos de
direção. Assim, consolidou-se na jurisprudência, por meio da Súmula 339, I, do TST, o entendimento
no sentido de que tal garantia atinge também os suplentes da CIPA.
188
não precisa ser precedida de inquérito judicial, uma vez que a lei não impõe tal
exigência, como se pode verificar nos arts. 165, da CLT, e 10, II, a, do ADCT.
4.3. A estabilidade da gestante
A Constituição da República de 1988 concedeu também estabilidade
provisória à empregada que se encontra grávida ou no período imediatamente
subseqüente ao parto. Esta, de acordo com o art. 10, II, b, do ADCT, não poderá ser
dispensada desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, salvo na
hipótese de praticar alguma das condutas descritas no art. 482 da CLT.
Importante salientar, contudo, que, ainda que o preceito normativo
analisado fale em “confirmação da gravidez”, têm entendido a jurisprudência que o
aperfeiçoamento da garantia em questão não está condicionado à comunicação ao
empregador do estado gravídico da empregada. Afirma-se, em favor desta opinião,
que o Direito do Trabalho não protege simplesmente o conhecimento da gravidez
pelo empregador, mas a gestação, pelo que, havendo esta, estaria aperfeiçoada a
garantia. Alega-se ainda que os vocábulos “confirmar” e “comunicar” possuem
significados distintos, não se confundindo.
Corroborando tal intelecção, o Tribunal Superior do Trabalho editou a
Orientação Jurisprudencial n. 88, da SDI-1, posteriormente convertida no inciso I, da
Súmula 244, que preconiza que “o desconhecimento do estado gravídico pelo
empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da
estabilidade (art. 10, II, b, ADCT)”. Dessa forma, ainda que o empregador não tenha
conhecimento do estado gravídico da servidora, esta, se dispensada, fará jus à
reintegração.
189
A servidora beneficiada pela garantia ora analisada, no entanto, poderá
ser dispensada caso venha a praticar alguma das condutas descritas no art. 482, da
CLT, independentemente da instauração de inquérito judicial.
4.4. A estabilidade do acidentado
A Lei n. 8.213, de 1991, em seu art. 118, assegura, ao empregado que
sofre acidente de trabalho, a manutenção do contrato de trabalho pelos 12 meses
subseqüentes à cessação do auxílio-doença acidentário por este percebido. Trata-
se, portanto, de mais uma hipótese de estabilidade provisória aplicável aos
servidores submetidos ao regime da CLT.
De acordo com Alice Monteiro de Barros, a estabilidade em questão foi
criada em virtude de a realidade demonstrar “a freqüência de despedidas de
trabalhadores egressos de afastamentos motivados por acidentes e a dificuldade
que encontram na obtenção de novo emprego, mormente quando o infortúnio deixa
seqüelas”
242
. Dessa forma, tem por fim assegurar ao empregado uma certa
estabilidade, em uma fase em que este poderá apresentar diminuição no seu ritmo
de trabalho, em virtude do afastamento sofrido.
Assim, o servidor submetido ao regime da CLT que tenha permanecido
afastado
243
de suas atividades em virtude de acidente do trabalho, doença
profissional ou doença do trabalho, estas últimas equiparadas ao acidente do
242
Op. cit., p. 965.
243
Atualmente, com a edição da Súmula 378, pelo Tribunal Superior do Trabalho, admite-se que
mesmo o empregado que não esteve afastado de suas atividades durante o vínculo empregatício
pode fazer jus à estabilidade. Isso ocorre, na forma do inciso II do aludido verbete, quando é
constatada doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de
emprego”. Nesta hipótese o empregado deve ser reintegrado aos quadros do seu antigo empregador.
Permanecerá, contudo, afastado de suas atividades percebendo o benefício previdenciário que lhe
tenha sido concedido pelo INSS e somente após a devida alta médica retomará as suas funções,
quando então começará a ser contado o interstício de doze meses correspondente ao período
estabilitário.
190
trabalho por força do art. 20, I e II, da Lei n. 8.213/91, percebendo auxílio-doença
acidentário, tem o direito à manutenção do seu contrato de trabalho nos 12 meses
subseqüentes à cessação do benefício em questão.
Portanto, durante o aludido interstício, fica vedada a dispensa daquele,
salvo quando esta tiver por fundamento o cometimento de alguma das condutas
descritas no art. 482 da CLT.
4.5. A estabilidade eleitoral
A Lei n. 9.504/97, em seu art. 73, V, proíbe os agentes públicos de:
[...] nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem
justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios
dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio,
remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do
pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos,
sob pena de nulidade de pleno direito [...].
Trata-se de norma que busca preservar a moralidade administrativa,
evitando perseguições e privilégios. Questiona-se, contudo, a sua aplicabilidade no
que diz respeito aos servidores submetidos ao regime da CLT. Entendemos que a
resposta a este questionamento deve ser positiva.
Isso porque, ao fazer menção à contratação e à demissão sem justa
causa, o preceito normativo em questão deixa claro que o seu âmbito de aplicação
não se restringe aos servidores titulares de cargos. Afinal, o vínculo mantido entre os
servidores titulares de cargos públicos e o Estado não é de natureza contratual, mas
sim estatutária. Ademais, ainda no que diz respeito a estes, a demissão apresenta-
se como ato de natureza punitiva, pelo que o como se falar em demissão sem
191
justa causa. Logo, é evidente que o dispositivo em questão aplica-se também aos
servidores contratados sob o regime da CLT
244
.
Dessa forma, “nos três meses que o antecedem [o pleito eleitoral] e até
a posse dos eleitosos servidores submetidos ao regime da CLT não poderão ser
dispensados.
Tal limitação, porém, está adstrita à circunscrição do pleito. Não atinge,
portanto, os entes de Direito Público em que não ocorram eleições. Assim, em se
tratando de eleições presidenciais, a circunscrição será o país, enquanto nas
eleições federais e estaduais, o Estado, e nas municipais, o Município.
Ademais, havendo o servidor adotado conduta que ensejo à sua
dispensa com justa causa, a restrição em comento não prevalecerá. Afinal, esta
somente alcança os atos fundados em critérios de conveniência e oportunidade, não
atingindo aqueles praticados em virtude de falta cometida pelo servidor.
4.6. A estabilidade prevista no art. 41 da Constituição da República
Em sua redação original, dispunha o caput do art. 41, da Lex Legum,
seriam “estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em
virtude de concurso blico”. O dispositivo em questão, porém, dava margem a
discussões acerca da sua abrangência. Questionava-se, tanto no âmbito doutrinário
como no jurisprudencial, se a estabilidade assegurada pela norma em comento
alcançaria também aqueles servidores submetidos ao regime previsto na CLT, ou
seja, os servidores titulares de empregos públicos.
244
Confirmando a aplicabilidade da norma em questão aos servidores vinculados às empresas
públicas e às sociedades de economia mista, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio da SDI-1,
editou a Orientação Jurisprudencial n. 51, que preconiza a aplicabilidade da legislação eleitoral a tais
servidores.
192
Especialmente no âmbito doutrinário, a questão mostrava-se
tormentosa, dando ensejo a diferentes pronunciamentos. De acordo com censo
realizado por Ivan Barbosa Rigolin, em favor da extensão da estabilidade aos
servidores submetidos ao regime da CLT, posição defendida pelo citado autor,
posicionavam-se, entre outros, Toshio Mukai (Administração blica na Constituição
de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 62), Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito
administrativo. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 311-2), Carlos Valder do Nascimento
(Estabilidade e disponibilidade do servidor celetista. São Paulo: RT, 1990, div. p.),
Carlos Roberto Siqueira Castro (Devido processo legal e razoabilidade das leis na
nova constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, n. 15), Sérgio de Andréa
Ferreira (Comentários à Constituição. v. 3, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, p. 424) e
Augusto Henrique Werneck Martins (Regime único dos servidores, dos textos de
administração municipal, n. 6. IBAM: 1990, p. 24-6). Em sentido contrário
manifestaram-se José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo. 5.
ed. São Paulo: RT), Diogenes Gasparini (Direito administrativo. São Paulo: Saraiva,
1989) e Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Curso de direito administrativo. 7. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1989), tendo os dois primeiros posteriormente modificado o
entendimento adotado
245
.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 19, de 1998, a redação
do caput do art. 41 da Carta Magna foi alterada, de maneira que este passou a
dispor que “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados
para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”. Contudo,
conquanto o dispositivo constitucional tenha passado a fazer expressa menção à
245
RIGOLIN, Ivan Barbosa. Servidor público Três questões: 1ª) FGTS; 2ª) estabilidade de celetistas
concursados; 3ª) contratações temporárias. Apud TELLES, Antonio A. Queiroz, e ARAUJO, Edmir
Netto de (Org.). Direito administrativo na década de 90 Estudos jurídicos em homenagem ao Prof.
Cretella Júnior. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 281-2.
193
necessidade de o servidor ter sido nomeado “para cargo de provimento efetivo, a
celeuma acerca da sua abrangência não foi resolvida.
Assim, ainda hoje quem sustente que a estabilidade prevista no
caput do mencionado art. 41 aplica-se também aos servidores submetidos ao regime
jurídico previsto na CLT.
Aqueles que defendem tal entendimento, conforme assinalam Jouberto
de Quadros Pessoa Cavalcante e Francisco Ferreira Jorge Neto, o fazem alegando
que os princípios da legalidade, moralidade e motivação, aos quais se submete toda
a Administração Pública, bem como a exigência de prévia aprovação em concurso
público para a investidura em cargos e empregos públicos, restringiram a dispensa
imotivada do servidor investido em emprego público. Afirmam ainda que, tendo sido
assegurada a estabilidade aos servidores estatutários e aos empregados públicos
que contavam com mais de 5 anos de serviço à época da promulgação da
Constituição da República (art. 19, ADCT), a não-concessão desta aos empregados
públicos violaria o princípio da isonomia. Por fim, asseveram que, ao fazer referência
aos “servidores”, a norma analisada estaria se remetendo ao gênero, dentro do qual
estariam inseridos também aqueles submetidos ao regime da CLT.
Apesar de se equiparar ao empregador comum quando contrata
pela Consolidação Trabalhista, a Administração Pública quando
contrata não o faz de forma livre e aleatória, mas deve nortear seus
atos pela legalidade, moralidade e motivação, em especial, os
ditames do Texto Constitucional, os quais determinam a realização
de concurso público e restringem a dispensa imotivada após a
aprovação em estágio probatório.
Pensar de forma diversa, argumentam os opositores à primeira
corrente, implicaria em dizer que o princípio da isonomia estaria
ferido, quando concedesse estabilidade aos funcionários
estatutários, aos empregados celetistas com mais de cinco anos de
serviços, quando da promulgação do Texto Constitucional (art. 19,
ADCT) e não se reconhecesse também a estabilidade do
empregado público aprovado em concurso público.
194
[...]
Não se poderia dar ao preceito constitucional interpretação restritiva,
sendo que a própria literalidade do dispositivo constitucional não
comporta, que se refere expressamente a “servidor público”, o
qual é gênero e não espécie
246
.
Adotando postura intermediária, o Tribunal Superior do Trabalho, em
abril de 2005, editou a Súmula 390
247
, decorrente da conversão das Orientações
Jurisprudenciais n. 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial n. 22 da
SBDI-2. O aludido verbete, no tocante aos servidores submetidos ao regime
celetista, preconiza a aplicação da estabilidade prevista no caput do art. 41, da
Constituição da República, apenas àqueles que estiverem vinculados à
Administração direta, autárquica ou fundacional, excluindo da incidência de tal
garantia os empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista.
Trata-se de entendimentos, no entanto, não nos parecem os mais
acertados.
Primeiramente, cumpre notar que o legislador, ao editar a Emenda
Constitucional n. 19/98, fez questão de incluir no dispositivo analisado a expressão
“cargo de provimento efetivo”, que não existia na sua redação original. Ora, se assim
o fez, foi porque desejava deixar claro que a estabilidade prevista no caput do art. 41
somente se aplica aos servidores titulares de “cargo de provimento efetivo”.
246
Op. cit., p. 184-5.
247
“ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA
OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (Conversão das Orientações Jurisprudenciais n. 229 e 265 da
SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial n. 22 da SBDI-2) – Res. 129/2005, DJ de 20, 22 e 25-4-2005.
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da
estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1, inserida em 27-9-2002, e 22
da SBDI-2, inserida em 20-9-2000).
II - Ao empregado de empresa blica ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido
mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da
CF/1988. (ex-OJ n. 229 da SBDI-1, inserida em 20-6-2001)”.
195
Não basta, portanto, que o ingresso do servidor nos quadros da
Administração tenha se dado em virtude da sua aprovação em concurso público.
Somente torna-se estável o servidor “nomeado para cargo de provimento efetivo em
virtude de concurso público”. O dispositivo, por conseguinte, não se aplica aos
servidores que sejam titulares de empregos públicos.
Não se trata de dar interpretação restritiva ao preceito constitucional
em questão, mas sim de aplicar a distinção feita pelo próprio legislador. Afinal, cargo
público é uma coisa e emprego público é outra coisa distinta. Assim, se a norma
analisada faz referência aos servidores titulares de cargos, não pode ser aplicada
àqueles contratados sob o regime da CLT.
Importante destacar que, antes mesmo da edição da Emenda
Constitucional n. 19/98, a redação do mencionado art. 41 deixava claro que a
estabilidade que previa somente dizia respeito aos servidores investidos em cargos
públicos. Afinal, o seu § expressamente dispunha que o “servidor público estável
perderá o cargo em virtude de...”. Ora, ao associar a estabilidade a restrições no
tocante à perda do cargo, o dispositivo em questão evidenciava que tal garantia
somente se aplicava aos servidores estatutários, o que apenas restou corroborado
com a edição da citada Emenda Constitucional.
Ademais, não se pode olvidar que o art. 41 está inserido na Seção II
Dos servidores públicos, do Capítulo VII Da Administração Pública, que diz
respeito aos servidores titulares de cargos públicos.
Evidente, portanto, que a estabilidade prevista no caput do art. 41 da
Constituição da República não se aplica aos servidores titulares de empregos
públicos.
196
Não altera tal conclusão o fato de a investidura em emprego público
estar condicionada à prévia aprovação em concurso público. Afinal, a realização de
concurso público representa mera decorrência do princípio da moralidade, que não
gera para o empregado público a garantia da estabilidade. Representa, em verdade,
limite imposto à Administração, e não benefício instituído em favor do servidor.
Ademais, também não como se falar que tal distinção implicaria
violação ao princípio da isonomia. Afinal, não se está diante de situações idênticas,
mas sim distintas, uma vez que o regime a que se submetem os servidores titulares
de empregos públicos é diverso daquele a que se sujeitam os servidores titulares de
cargos.
Em verdade, violação ao princípio da isonomia haveria sim se se
atribuísse aos servidores submetidos ao regime da CLT a garantia da estabilidade.
Afinal, sem nenhum tipo de justificativa, conforme alerta Francisco Antonio de
Oliveira, estar-se-ia criando “dois tipos de celetistas: o particular, que tem direito ao
Fundo de Garantia, mas não tem estabilidade; o celetista que, na qualidade de
servidor público, tem direito ao Fundo de Garantia e estabilidade”
248
.
Mais ainda, estar-se-ia concedendo aos servidores submetidos ao
regime da CLT mais benefícios do que aos servidores titulares de cargos de
provimento efetivo. Isso porque, estes, conquanto tenham direito a estabilidade, não
têm direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS. os servidores
titulares de empregos públicos passariam a ter direito à estabilidade e ao FGTS.
Ora, bem se que distinção indevida haveria sim na hipótese de se estender a
garantia da estabilidade aos servidores submetidos ao regime celetista.
248
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários às súmulas do TST. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005, p. 912.
197
A hipótese torna-se ainda mais inaceitável quando se analisa a gênese
do instituto do FGTS. Ora, conforme esclarece Maurício Godinho Delgado, instituído
pela Lei n. 5.107, de 1966, o FGTS apresentava-se “como sistema alternativo ao
indenizatório e estabilitário da CLT
249
. Trata-se, portanto, de instituto que foi criado
como substitutivo do instituto da estabilidade. Logo, é impossível pretender que o
empregado seja, concomitantemente, beneficiado por ambos os institutos.
Assim, repita-se, entendemos que a estabilidade prevista no dispositivo
constitucional analisado somente se aplica aos servidores titulares de cargos de
provimento efetivo.
5. JUSTAS CAUSAS DOS EMPREGADOS
Conforme exposto no item 4 do presente capítulo, prevê o sistema
jurídico brasileiro situações em que a liberdade conferida ao empregador de
rescindir o contrato de trabalho mantido com os seus empregados fica, durante
determinado interstício temporal, restrita.
Esta limitação, contudo, não é absoluta, mas relativa. Isso porque,
ainda que o empregado esteja protegido pelo instituto da estabilidade, não estao
empregador totalmente impedido de dispensá-lo. Afinal, a adoção de determinados
comportamentos por aquele, em virtude da gravidade de que se revestem, inviabiliza
a manutenção do contrato de trabalho.
249
Op. cit., p. 1269.
198
Dessa forma, caso venha o servidor submetido ao regime celetista a
cometer justa causa, definida por Evaristo de Moraes Filho como “todo ato doloso ou
culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e boa-fé existente entre as
partes, tornando, assim, impossível o prosseguimento da relação”
250
, poderá o
Estado rescindir o contrato de trabalho com aquele mantido.
A gravidade da falta, no entanto, deverá ser analisada diante do caso
concreto, levando-se em conta os padrões vigentes na sociedade, o emprego
ocupado pelo servidor, o seu grau de instrução, entre outros fatores.
Para que se possa falar em justa causa, contudo, não basta que a
infração praticada pelo empregado seja grave. Em verdade, aponta a doutrina
alguns requisitos como necessários à configuração da justa causa, a saber: a) o
caráter determinante da falta; b) a atualidade ou imediatidade da falta; c) a
proporcionalidade da punição; e d) a previsão legal.
Assim, além de grave, a falta cometida pelo servidor deve ser
determinante para o rompimento do vínculo empregatício. Entre a falta cometida e a
extinção do vínculo empregatício deve haver uma relação de causa e efeito. Não
pode o Estado valer-se de infração cometida pelo servidor para justificar dispensa
que, de fato, funda-se em situação distinta. Portanto, se invoca determinada conduta
como justificativa para o rompimento do liame empregatício, não poderá,
posteriormente, valer-se de outra para fundamentar o ato praticado, por haver
constatado que aquela inicialmente mencionada mostra-se insubsistente.
Outrossim, deve haver atualidade entre a falta cometida e a punição
aplicada, isto é, não pode o Estado deixar transcorrer grande lapso temporal entre a
infração e a dispensa do empregado, sob pena de restar configurada a renúncia ou
250
FILHO, Evaristo de Moraes. A justa causa na rescisão do contrato de trabalho, 1946, p. 56, apud
MARANHÃO, Délio et al. Instituições de direito do trabalho, v. 1, 17. ed., atual. São Paulo: LTr, 1997,
p. 573.
199
o perdão tácito. Conforme assinala Délio Maranhão, “uma falta conhecida e não
punida entende-se perdoada”
251
. Nesse sentido mostram-se inequívocas as lições
de Alice Monteiro de Barros.
Configura-se a renúncia ou o perdão tácito quando o empregador
toma ciência do comportamento faltoso do empregado e mesmo
assim permite que trabalhe por um lapso de tempo relativamente
longo, não comprovando estivesse neste período aguardando
investigação contínua, cautelosa e criteriosa, a fim de, depois,
romper o ajuste
252
.
Ademais, a punição aplicada deve, ainda, ser proporcional à falta
cometida. Não se justifica, portanto, a dispensa de servidor que, por exemplo,
culposamente descumpre regulamento da empresa. Para apuração da gravidade da
falta devem ser levados em consideração fatores como a instrução do servidor, o
ambiente de trabalho, a atividade desenvolvida, entre outros.
Além de todos os requisitos anteriores, faz-se importante, ainda, que a
falta indicada como fundamento para o rompimento do vínculo empregatício seja
reconhecida pelo ordenamento jurídico como capaz de justificar a dispensa daqueles
que se sujeitam ao regime da CLT, conforme alerta Maurício Godinho Delgado, ao
definir justa causa como a “conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do
contrato de trabalho por culpa da parte comitente”
253
. Por conseguinte, somente
podem ser reputadas justas causas aquelas condutas taxativamente previstas pelo
sistema jurídico.
Como infrações capazes de justificar o rompimento do liame
empregatício mantido entre o empregador e os seus empregados, inclusive aqueles
251
Op. cit., p. 575.
252
Op. cit., p. 865.
253
Op. cit., p. 1183.
200
protegidos pelo instituto da estabilidade, a CLT, em seu art. 482, aponta as
seguintes hipóteses: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau
procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha
o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado,
passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e)
desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em
serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de
insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama
praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas
condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da
honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e
superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; e l)
prática constante de jogos de azar. Prevê ainda hipóteses específicas, concernentes
apenas a determinadas categorias profissionais, como, por exemplo, aquelas
descritas nos arts. 240 e 508, aplicáveis, respectivamente, aos ferroviários e
bancários.
5.1. Os atos de improbidade
A CLT, em seu art. 482, a, aponta como justa causa para a rescisão do
contrato de trabalho pelo empregador a prática pelo empregado de ato de
improbidade.
De acordo com Alice Monteiro de Barros, “os atos de improbidade
traduzem obtenção dolosa de uma vantagem de qualquer ordem. Caracterizam-se,
201
em geral, pela prática do furto, do roubo, do estelionato, ou da apropriação
indébita”
254
. Trata-se, portanto, de atos que, de alguma maneira, revelam uma
fraqueza no caráter do empregado, a má-fé, a desonestidade, afastando a confiança
inerente ao contrato de trabalho.
Assim, o servidor submetido ao regime da CLT não precisa,
necessariamente, atentar contra o patrimônio do seu empregador, o Estado. O ato
de improbidade caracteriza-se pela obtenção, por aquele, de uma vantagem
indevida, ou seja, pelo locupletamento ilícito do servidor.
A despeito de o preceito normativo fazer referência a ato de
improbidade”, a improbidade pode revelar-se também pela ausência de atos, ou
seja, pela omissão do servidor. Afinal, conforme alerta de Wagner Giglio, “o
intérprete da legislação trabalhista deve ser menos rigoroso, na análise do valor
técnico dos termos da lei, do que o civilista”, uma vez que “o Direito do Trabalho é
um ramo novo da ciência jurídica e, por isso, ainda não apurou sua técnica”
255
. Logo,
qualquer comportamento do servidor pode evidenciar a sua desonestidade, inclusive
eventual omissão sua, caracterizando a improbidade.
No tocante ao local da prática do ato, entendemos que, ainda que o ato
desonesto tenha sido praticado fora do horário de trabalho, resta configurada a justa
causa a autorizar o rompimento do vínculo de emprego. Isso porque, o servidor,
como todo ser humano, possui uma única personalidade. Assim, se se mostra
desonesto, revelando um aspecto de sua personalidade a então desconhecido
pelo seu empregador, ainda que não o faça no seu ambiente de trabalho, abala a
confiança inerente ao liame empregatício, autorizando a rompimento deste.
254
Op. cit., p. 869.
255
GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 55.
202
5.2. A incontinência de conduta e o mau procedimento
O art. 482, b, da CLT aponta ainda como justificativas para o
rompimento do vínculo empregatício a incontinência de conduta e o mau
procedimento.
A incontinência de conduta representa, nas palavras de Wagner Giglio,
“o desregramento de conduta ligado à vida sexual, direta ou indiretamente”
256
.
Caracteriza-se, portanto, pela ausência de pudor por parte do servidor no tocante à
sua vida sexual, exteriorizando-se por meio de gestos, palavras e atos obscenos.
Incorre em tal falta, por exemplo, o servidor que assedia sexualmente colega de
trabalho, cliente da empresa ou mesmo o próprio empregador.
A pessoa ofendida pelo ato faltoso pode ser um colega, um inferior
hierárquico do infrator ou mesmo um terceiro, estranho ao vínculo empregatício.
O mau procedimento não se confunde com a incontinência de conduta.
Configura-se, em verdade, pela violação pelo servidor das regras de convivência
social, por meio de conduta capaz de afetar a harmonia do ambiente de trabalho.
Nesse sentido leciona Alice Monteiro de Barros, ao discorrer a respeito da falta em
comento.
O mau procedimento caracteriza-se quando evidenciado o
comportamento incorreto do empregado, traduzido pela prática de
atos que firam a discrição pessoal, as regras do bom viver, o
respeito, o decoro, ou quando a conduta do obreiro configurar
impolidez ou falta capazes de ofender a dignidade de alguém,
prejudicando as boas condições no ambiente de trabalho
257
.
256
Op. cit., p. 79.
257
Op. cit., p. 873.
203
Trata-se, desta forma, da mais ampla das justas causas, pelo que
somente se configura se excluídas as demais, ou seja, apenas se pode falar em
mau procedimento se a conduta analisada não se subsumir a nenhuma das outras
hipóteses descritas no art. 482 da CLT.
5.3. Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do
empregador
Em razão do teor do art. 482, c, da CLT, também pratica conduta apta
a justificar a rescisão do seu contrato de trabalho o servidor que negocia
habitualmente, por conta própria ou alheia, desde que, ao assim agir, concorra com
a empresa para a qual trabalha ou prejudique as suas atividades.
Por negociação deve-se entender qualquer atividade, seja industrial,
comercial, rural, de transporte etc., e não apenas o simples ato de comércio. Esta,
porém, deve ocorrer com habitualidade, ou seja, de maneira costumeira, repetida.
Assim, o servidor que pratica um único ato de concorrência ou prejudicial ao serviço
não incorre na hipótese analisada.
De acordo com o preceito normativo analisado, a atividade concorrente
ou prejudicial pode ser desempenhada pelo servidor por conta própria ou alheia,
pelo que este poderá exercê-la como trabalhador autônomo, como empregador ou
subordinado.
No tocante aos empregados vinculados à iniciativa privada, em virtude
da redação dada ao dispositivo em comento, afirma-se que a permissão do
empregador para o exercício de atividade concorrente ou prejudicial ao serviço
desfigura a justa causa. Entendemos, porém, que tal exceção não se aplica aos
204
servidores submetidos ao regime da CLT. Do contrário, estar-se-ia admitindo poderia
o administrador autorizar determinado servidor a desempenhar atividade prejudicial
ao interesse público, o que implicaria flagrante violação ao princípio da
indisponibilidade do interesse público, ao qual se submete toda a Administração
Pública. A hipótese nos parece inadmissível.
Dessa forma, no que se refere aos servidores submetidos ao regime da
CLT, acreditamos que a ausência de permissão do empregador para o exercício de
atividades concorrentes ou prejudiciais aos serviços por eles desempenhados
representa uma presunção absoluta. Não podem ser tais servidores autorizados a
exercer as mencionadas atividades, pelo que, se o fizerem, incorrerão na justa
causa analisada, autorizando o rompimento dos vínculos empregatícios que
mantinham com o Estado.
5.4. Condenação criminal
Também deve ser dispensado por justa causa, com base no art. 482,
d, da CLT, o servidor titular de emprego público que for condenado criminalmente,
por decisão transitada em julgado, desde que lhe tenha sido imposta pena privativa
de liberdade e que não tenha havido suspensão da execução da pena. Afinal, em tal
situação, resta ele impossibilitado fisicamente de continuar trabalhando, pelo que
descumprirá obrigação elementar oriunda do contrato de trabalho, qual seja, a de
prestar serviços.
O mesmo pode ser dito quanto ao servidor sujeito à pena de interdição
de direitos, quando a execução desta mostrar-se incompatível com a continuidade
da prestação de serviços, tal como ocorre, por exemplo, quando aquele, na forma do
205
art. 47, II, do Código Penal, é proibido de exercer atividade, ofício, profissão ou
cargo na empresa, e ao servidor internado em estabelecimento psiquiátrico. Isso
porque, também em tais hipóteses resta o servidor impedido de desempenhar as
atividades que lhe haviam sido confiadas.
Importante destacar, no entanto, que, se ao servidor condenado a
pena privativa de liberdade for concedido o direito de cumprir a condenação em
prisão-albergue, na forma do art. 36, § 1º, do CP, restará afastada a justa causa sob
análise, na medida em que, em tal situação, nada impedirá que ele continue
trabalhando e, portanto, cumprindo as obrigações inerentes ao contrato de trabalho.
5.5. Desídia
De acordo com o art. 482, e, da CLT, pratica conduta capaz de ensejar
o rompimento do liame empregatício por justa causa o servidor que atua com
desídia no desempenho das suas funções.
A desídia, de acordo com Alice Monteiro de Barros, “implica violação
ao dever de diligência” e “caracteriza-se pelo desleixo, pela má-vontade, pela
incúria, pela falta de zelo ou de interesse no exercício das suas funções”
258
,
podendo manifestar-se por meio de produção defeituosa, de má-qualidade, ou
diminuição quantitativa do serviço
259
. Portanto, o empregado que atua com desídia
descumpre dever fundamental que decorre do contrato de trabalho celebrado, qual
seja, o de prestar os serviços contratados com diligência e produtividade normais.
258
Op. cit., p. 876.
259
Quando a diminuição da produção ou a deficiência qualitativa do serviço decorrerem de fatores
alheios à vontade do empregado, como, por exemplo, a doença daquele ou a má qualidade da
matéria-prima utilizada pela empresa, não como se falar em desídia. O elemento intencional é
imprescindível para a configuração da falta em questão.
206
Ao prever que a desídia deve ocorrer quando o empregado estiver “no
desempenho das respectivas funções”, contudo, o preceito normativo em questão
deixa claro que, conforme alerta Wagner Giglio, “só se poderá falar em desídia,
portanto, quando o empregado está executando a atividade avençada, isto é,
desempenhando seu mister, seu cargo ou sua função”
260
. Assim, se o servidor
estiver desempenhando atividade para a qual não foi contratado, não se poderá
apurar a negligência caracterizadora da desídia. Outrossim, evidencia ainda que a
falta em questão deve ser praticada quando o servidor estiver em serviço, isto é, à
disposição do seu empregador.
Como regra, a caracterização da falta analisada demanda a reiteração
do comportamento reputado desidioso, de maneira que fique configurado o desleixo,
a preguiça, o desinteresse, ou seja, a falta de diligência do servidor, e o o mero
erro eventual, inerente à falibilidade característica do ser humano. casos, no
entanto, em que uma única manifestação faltosa, dada a sua gravidade e a
intensidade da culpa do empregado, é suficiente para justificar o rompimento do
liame empregatício.
5.6. Embriaguez
Em virtude do disposto na alínea f do art. 482 da CLT, também deve
ser dispensado, por justa causa, o servidor que se embriaga habitualmente ou se
apresenta em tal estado para desempenhar as suas atividades.
O preceito normativo em comento prevê duas hipóteses distintas, a
saber, a do empregado que, fora do ambiente de trabalho, costuma permanecer
260
Op. cit., p. 132.
207
ébrio, e daquele que se apresenta embriagado para desempenhar as suas
atividades. Naquela, a embriaguez deve ser habitual, ou seja, costumeira, reiterada,
enquanto nesta, para a configuração da falta em questão, basta que o empregado
se apresente para trabalhar ébrio, ainda que isto ocorra uma única vez.
A embriaguez do empregado, conforme assinala Mozart Victor
Russomano, citado por Wagner Giglio, pode decorrer de diversos fatores:
A embriaguez pode ser motivada pelo álcool (a sua forma mais
comum), mas também pode ser resultante do uso de dezenas de
outras substâncias tóxicas e entorpecentes: morfina, cocaína, ópio,
seus derivados, etc. A lei não distinguiu. Estipulou, somente, que a
embriaguez, na forma supra-referida, constitui justa causa. É de se
entender, pois, que, qualquer que seja o tóxico usado, esse fato
autoriza a dispensa do obreiro, visto que as conseqüências para a
relação de emprego são sempre as mesmas
261
.
Independentemente da sua motivação, no entanto, deve ser voluntária,
ou seja, o elemento intencional é imprescindível. Assim, o servidor deve ter
intencionalmente consumido as substâncias que o conduziram ao estado de
embriaguez. Acaso esta decorra de fatores alheios à vontade daquele, como, por
exemplo, o uso de remédios com o escopo de tratar determinada moléstia, não
autoriza o rompimento do liame empregatício.
5.7. Violação de segredo da empresa
O art. 482, f, da CLT prevê, ainda, como hipótese que justifica o
rompimento do vínculo empregatício, a violação, pelo empregado, de segredo da
empresa.
261
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 3. ed., v. 2. Rio
de Janeiro: Konfino, 1995, p. 678, apud GIGLIO, Wagner D. Op. cit., p. 153.
208
Violar, contudo, conforme assinala Wagner Giglio, “não se confunde
com o simples revelar, significa divulgar ou explorar, abusivamente, causando
prejuízo à empresa”
262
.
Assim, incorre na falta em questão o servidor que divulga ou explora,
abusivamente, causando prejuízo ao seu empregador, informações atinentes à
produção ou ao negócio, tais como, por exemplo, patentes de invenção, métodos de
trabalho, segredos de fabricação ou informações comerciais, às quais teve acesso
em virtude das atividades que lhe foram confiadas e que, pela vontade do
empregador, deveriam permanecer em sigilo.
A revelação, porém, não basta para que se possa falar em justa causa.
É necessário também que esta se mostre capaz de gerar um prejuízo ao
empregador, ou seja, deve haver um prejuízo em potencial.
5.8. Ato de indisciplina ou insubordinação
A prática de ato de indisciplina ou insubordinação, de acordo com a
alínea h do art. 482 da CLT, também autoriza o rompimento do liame mantido com o
servidor titular de emprego público.
Trata-se de mais um preceito normativo que prevê duas hipóteses
distintas. A primeira, ou seja, a prática de ato de indisciplina, diz respeito ao
empregado que descumpre uma determinação geral do empregador, enquanto a
segunda, isto é, a prática de ato de insubordinação, concerne ao empregado que se
rebela contra uma ordem individualmente dirigida a ele. Em ambas as situações,
porém, conforme leciona JoAugusto Rodrigues Pinto, “estará sendo violado, com
262
Op. cit., p. 199.
209
igual gravidade, o dever de subordinação constitutivo de seu perfil jurídico e de sua
prestação no ajuste laboral”
263
, ou seja, descumprida obrigação que emerge do
contrato de trabalho celebrado.
A falta, entretanto, somente ocorrerá se a ordem descumprida for lícita
e emanada de quem tenha competência para tanto. Afinal, o servidor não está
obrigado a acatar ordens ilícitas. Tampouco pode ser compelido a cumprir ordens
contrárias aos bons costumes nem obrigações alheias ao contrato de trabalho
264
.
Outrossim, conforme alerta Wagner Giglio, como regra, o cometimento
isolado de um único ato de indisciplina ou insubordinação não enseja a dispensa.
Regra geral, os atos de indisciplina ou de insubordinação não são
de natureza grave e, por isso, não incompatibilizam o empregado
com a empresa. Esta lhe aplica pena diversa do despedimento, com
intuito de corrigi-lo, enquadrá-lo nas normas disciplinares vigentes
no estabelecimento e reaproveitá-lo como elemento útil à produção.
Somente a repetição de atos faltosos demonstra, com segurança, o
ânimo indisciplinado ou insubordinado do faltoso; a reiteração de
infração convence o empregador de que se trata de elemento
incorrigível, prejudicial ao bom ambiente de trabalho, incompatível
com a organização empresarial
265
.
Assim, apenas excepcionalmente a prática de um único ato faltoso
justifica o rompimento do vínculo empregatício. Isso pode ocorrer quando a situação
fática existente reveste a falta cometida de tamanha gravidade que torna
incompatível a manutenção do contrato de trabalho. Tal se dá, por exemplo, quando
evidente a intenção do servidor de desrespeitar as ordens que lhe foram dadas, ou,
ainda, quando este ocupa posição hierárquica diferenciada.
263
PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de direito material do trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p.
564.
264
O art. 483, a, da CLT, autoriza o empregado a considerar rescindido o contrato e pleitear a devida
indenização quando lhe forem exigidos serviços defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou
alheios ao contrato.
265
Op. cit., p. 221.
210
5.9. O abandono de emprego
Como decorrência lógica do contrato de trabalho, surge para o servidor
o dever de prestar serviços em favor do seu empregador. Trata-se de obrigação
primordial, pelo que o seu descumprimento justifica o rompimento do vínculo
empregatício mantido entre as partes. Nesse sentido, o art. 482, i, da CLT prevê
como justa causa para rescisão do contrato de trabalho do empregado o abandono
de emprego.
A configuração da falta em comento, conforme leciona Maurício
Godinho Delgado, pressupõe a existência de dois elementos, “o objetivo, consistente
no real afastamento do serviço; e o subjetivo, consistente na intenção, ainda que
implícita, de romper o vínculo”
266
.
No tocante ao elemento objetivo, em virtude do disposto no art. 472,
§1º, da CLT, consolidou-se no âmbito jurisprudencial entendimento, refletido pela
Súmula 32
267
do TST, no sentido de que o afastamento do empregado de suas
atividades deve ser por prazo superior a trinta dias. Este necessita, igualmente, ser
continuado, isto é ininterrupto, e ocorrer em período em que o empregado estava
obrigado a desempenhar suas atividades.
O elemento subjetivo, por sua vez, deve ser presumido com base nos
fatos e nas circunstâncias que envolvem a ausência. É a análise destes que vai
evidenciar a vontade do servidor de romper o liame mantido com o Estado. Em face
do entendimento cristalizado no âmbito jurisprudencial, afirma-se, contudo, que a
266
Op. cit., p. 1199.
267
Súmula 32 do TST: Configura-se o abandono de emprego quando o trabalhador não retornar ao
serviço no prazo de 30 dias após a cessação do benefício previdenciário, nem justificar o motivo de
não o fazer”.
211
ausência por prazo superior a trinta dias denota a intenção deste de deixar o
emprego.
Para a configuração da falta em comento, outrossim, a ausência deve
ocorrer de maneira injustificada. Somente o silêncio do servidor autoriza falar-se em
abandono de emprego. Acaso este justifique sua ausência, apresentando
fundamento plausível para o seu afastamento e manifestando intenção de voltar ao
trabalho, ou externe ao Estado a sua intenção de romper o vínculo até então
mantido com este, somente poder-se-á falar, quando muito, na segunda situação,
em rompimento do vínculo por iniciativa do servidor, jamais em justa causa.
Hipóteses há, contudo, em que o prazo acolhido pela jurisprudência
como suficiente para gerar a presunção da existência do elemento subjetivo pode
sofrer sensível redução. Isto ocorre quando as circunstâncias concretas evidenciam
a intenção do servidor de romper o pacto, como, por exemplo, quando o
empregador, no caso, o Estado, tem notícia de que aquele obteve novo emprego,
em horário incompatível com o do antigo contrato. Em tais situações prescinde-se do
elemento objetivo para a configuração do abandono.
Dessa forma, a depender da situação dar-se-á maior prevalência ao
elemento objetivo ou ao elemento subjetivo.
5.10. Ato lesivo à honra ou boa fama praticado no serviço contra qualquer
pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições
O preceito normativo contido no art. 482, j, da CLT prevê duas
situações distintas que autorizam o rompimento do vínculo empregatício. A primeira,
que corresponde à prática de “ato lesivo da honra ou da boa fama”, diz respeito ao
212
empregado que pratica injúria, calúnia ou difamação contra colegas ou terceiros.
Abrange, portanto, as ofensas morais. A segunda, ou seja, a prática de “ofensas
físicas”, se aplica ao empregado que agride ou tenta agredir fisicamente colega de
trabalho ou terceiro.
A honra é comumente dividida na doutrina em duas espécies distintas:
a honra subjetiva e a honra objetiva. Aquela é traduzida pelo juízo que a pessoa faz
de si mesma, ou seja, a imagem que a pessoa internamente constrói a seu respeito.
a honra objetiva corresponde à reputação social, ou seja, ao juízo que a
sociedade faz a respeito de uma determinada pessoa. Confunde-se, portanto, para
fins do dispositivo analisado, com a “boa-fama”.
Assim, incorre na falta em questão o servidor que, por meio de gestos,
palavras ou atitudes, causa dano à honra objetiva ou à honra subjetiva de colegas
ou terceiros.
Pratica ofensa física, por sua vez, o servidor que atenta contra a
integridade física de colegas ou terceiros. Esta agressão física poderá ser
consumada ou simplesmente tentada, sendo assim considerada, de acordo com o
art. 14 do Código Penal, aquela que, “iniciada a execução, não se consuma por
circunstâncias alheias à vontade do agente”.
Contudo, independentemente de qual seja a conduta praticada, de
acordo com o dispositivo em comento, ela deve ocorrer no ambiente de trabalho.
Conforme esclarece Maurício Godinho Delgado, conquanto o preceito normativo
analisado mencione que o ato deve ser praticado “no serviço”, não é relevante que o
ofensor esteja trabalhando, “o fundamental é que ele se encontre no âmbito
laborativo, de modo a permitir que sua infração, injustificadamente, contamine o
213
ambiente do estabelecimento ou da empresa”
268
. Assim, deve estar o servidor na
empresa ou em seus arredores.
Portanto, o ato lesivo da honra ou da boa fama, assim como a ofensa
física, perpetrados pelo servidor, contra colega ou terceiro, fora do local de trabalho,
não configurarão justa causa, salvo se praticados em conexão com o serviço.
O simples cometimento pelo servidor de uma única agressão física, em
virtude da gravidade inerente à falta em questão, como regra, é suficiente para
caracterizar a justa causa. Em se tratando, porém, de ofensa à honra ou boa fama,
conforme assinala Wagner Giglio, determinadas circunstâncias devem ser
consideradas:
No exame da gravidade das práticas faltosas, para caracterização
da justa causa, assumem grande importância a intenção do agente,
suas condições pessoais, o ambiente de trabalho e outras
circunstâncias, posto que a intensidade da ofensa varia bastante
269
.
No entanto, de acordo com o preceito normativo analisado, se as
ofensas praticadas pelo servidor resultarem de legítima defesa, não restará
configurada a falta em questão. De acordo com o art. 25 do Código Penal, age em
legítima defesa “quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Assim, pode o servidor praticar as condutas previstas no preceito
normativo em questão, desde que o faça com o escopo de repelir agressão injusta,
isto é, ilícita e não provocada, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. A
ofensa praticada pelo servidor, no entanto, não pode mostrar-se desnecessária e
desproporcional à agressão que buscava repelir.
268
Op. cit., p. 1201.
269
Op. cit., p. 326.
214
Em se tratando, porém, de servidor que busca repelir, por meio de
ofensa à honra ou à integridade física de terceiros ou de colegas, agressão à sua
honra, não como se falar em legítima defesa. Isso porque, acaso busque ele
repelir a ofensa a sua honra ofendendo a quem o insultou, haverá retorsão, de
acordo com o art. 140, § 1º, II, do Código Penal, e não legítima defesa. Outrossim,
na hipótese de reagir agredindo fisicamente seu ofensor, a falta de
proporcionalidade entre a agressão que buscava repelir e o meio utilizado inviabiliza
a configuração da legítima defesa. Assim, a legítima defesa somente se aplica aos
casos em que o servidor busca repelir ofensa física.
5.11. Ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o
empregador e superiores hierárquicos
Prevê a alínea k do art. 482 da CLT duas hipóteses muito semelhantes
àquelas descritas na alínea j, do aludido dispositivo, quais sejam, a prática de “ato
lesivo da honra ou da boa fama” ou de “ofensas físicas”. Diferencia-se da sua
antecessora, contudo, na medida em que, para configuração da falta que descreve,
além de exigir que os atos em questão sejam perpetrados “contra o empregador e
superiores hierárquicos”, admite sejam eles praticados fora do ambiente de trabalho.
A eliminação da exigência de que os atos descritos sejam praticados
“no serviço” justifica-se plenamente, na medida em que a agressão a superiores
hierárquicos, mesmo fora do ambiente de trabalho, incompatibiliza o agressor com o
exercício de suas funções.
Conforme o art. 2º da CLT, “considera-se empregador a empresa”. São
superiores hierárquicos somente aqueles que ocupam posição mais elevada, com
215
relação vertical a seus subordinados. Os superiores hierárquicos o o apenas com
relação a seus subordinados, e não aos de outro superior.
5.12. Prática constante de jogos de azar
De acordo com Dorval de Lacerda, citado por José Augusto Rodrigues
Pinto, “o jogo, praticado com habitualidade, determina, como é sabido, distúrbios
gravíssimos de natureza econômica, gera paixões ruinosas e acarreta, via de regra,
a perda do sentimento moral”
270
. A prática do jogo pelo empregado, portanto, ainda
que não gere prejuízos imediatos ao empregador, faz surgir o risco de ocorrência
destes, na medida em que muitas vezes conduz à prática de atos faltosos por parte
daquele, como, por exemplo, a improbidade.
Assim, em face desta situação, o art. 482, l, da CLT prevê como
hipótese que autoriza o rompimento do vínculo mantido com o empregado a “prática
constante de jogos de azar”.
O dispositivo em questão, no entanto, não exige que tal prática ocorra
no âmbito da empresa, mas apenas que seja constante. Assim, basta que a prática
de jogos de azar pelo servidor ocorra com habitualidade para que reste autorizado o
rompimento do vínculo empregatício.
Como jogo de azar, de acordo com o critério geral estabelecido no §
do art. 50 da Lei de Contravenções Penais, pode-se entender todo aquele cujo
resultado dependa exclusiva ou principalmente da sorte, e não das habilidades dos
praticantes.
270
LACERDA, Dorval de. A falta grave no direito do trabalho. Rio de Janeiro: Trabalhista, 1964, p.
237, apud PINTO, José Augusto Rodrigues. Tratado de direito material do trabalho, cit., p. 565.
216
A configuração da falta em comento, no entanto, segundo tem-se
entendido, demanda a busca do lucro por parte do jogador, ou seja, este, ao jogar,
deve pretender obter uma vantagem econômica.
5.13. Justas causas específicas
Além das faltas gerais descritas pelo art. 482, a CLT, em seu art. 508,
prevê ainda outra hipótese que justifica o rompimento do vínculo empregatício,
aplicável unicamente aos trabalhadores que integram a categoria profissional dos
bancários, qual seja “a falta contumaz de pagamento de dívidas legalmente
exigíveis”.
Para justificar a edição do preceito normativo em comento, afirmou o
legislador, no art. do Decreto-Lei n. 1.761, de 1939, que “o abuso ou
malbaratamento do crédito por parte dos aludidos funcionários (bancários), ainda
que em relações pessoais e privadas, atinge, moralmente, embora de modo indireto,
o estabelecimento a que servem”. O fundamento dessa justa causa específica,
portanto, reside no fato de o descontrole financeiro do empregado prejudicar a
própria imagem da instituição financeira, justamente por gerar incertezas acerca da
segurança do capital a ela confiado por seus correntistas.
A configuração da infração em comento, no entanto, demanda que a
inadimplência seja contumaz. Logo, não é a simples ausência de pagamento de uma
única dívida do servidor que enseja a aplicação da punição em questão. Outrossim,
a dívida inadimplida deve ser legalmente exigível, o que exclui, por exemplo, dívidas
de jogo. Assim, incorrem na prática dessa falta os servidores que, reiteradamente,
deixam de quitar promissórias, duplicatas ou cometem faltas semelhantes.
217
Também comete infração definida como justa causa, na forma do
disposto no art. 240 da CLT, o servidor que, atuando como ferroviário, se recusa,
sem justificativa, a executar serviço extraordinário, “nos casos de urgência ou de
acidente capazes de afetar a segurança ou regularidade do serviço”.
Por fim, de acordo com o art. 14 da Lei n. 7.783/89, comete infração
capaz de justificar o rompimento do vínculo empregatício o servidor que, durante a
greve, viola ou constrange os direitos e garantias fundamentais de outrem, ou,
então, impede o acesso ao trabalho de outros colegas.
6. JUSTAS CAUSAS DOS EMPREGADORES. DESPEDIDA INDIRETA
Conforme visto no item precedente, a adoção de determinados
comportamentos por parte do servidor submetido ao regime da CLT, em virtude da
gravidade com que tais condutas se revestem, inviabiliza a manutenção do contrato
de trabalho.
Contudo, não apenas o servidor podedescumprir as obrigações que
emergem do contrato de trabalho. Também o empregador, no caso, o Estado,
poderá dar ensejo ao rompimento do vínculo empregatício, mediante a prática de
determinadas condutas.
Isso porque, a adoção de alguns comportamentos por parte do
empregador, dada a gravidade com que estes se revestem, torna inviável a
manutenção do vínculo, autorizando o servidor a requerer seja declarada a rescisão
indireta do seu contrato de trabalho.
218
As condutas patronais que autorizam falar-se em rescisão indireta
estão taxativamente previstas no ordenamento jurídico e serão abordadas nos itens
que se seguem.
6.1. Exigência de serviços superiores à força do trabalhador, defesos por lei,
contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato
A alínea d do art. 483 da CLT prevê que o empregado pode
considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando “forem
exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons
costumes, ou alheios ao contrato”.
Assim, caso venham a ser exigidos do servidor serviços superiores às
suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes ou alheios ao contrato,
este poderá considerar rescindido o seu contrato de trabalho.
O preceito normativo em questão, portanto, aponta quatro hipóteses
distintas, que, nas lições de Wagner Giglio, “impõe [m] limites ao poder de comando
do empregador”
271
e que, uma vez verificadas, autorizam o empregado a considerar
rompido o liame empregatício.
De acordo com Mozart Victor Russomano, exige serviços superiores às
forças do empregado o empregador que impõe a realização de “tarefas impossíveis
de serem executadas com os recursos físicos ou técnicos do trabalhador”
272
. Seria o
caso, por exemplo, de se exigir do servidor o levantamento, sem o auxílio de
aparelhos mecânicos e sem que este tenha compleição física que possibilite o
271
Op. cit., p. 375.
272
RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. 13. ed., v. 1, Rio de Janeiro: Forense, p. 568,
apud BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 887.
219
cumprimento de tal tarefa, de carga muito superior ao seu peso corporal, ou ainda, o
emprego de forças intelectuais superiores àquelas que usualmente possui.
Mas não é só. Por serviços superiores entende-se também aqueles
que ultrapassam a capacidade normal de trabalho do empregado. Neste sentido
apontam, de maneira inequívoca, as lições de Giglio.
O empregador contrata e o empregado se obriga a fornecer seu
esforço normal de trabalho, e não toda sua capacidade de produzir
trabalhando até a exaustão. Por isso, os serviços superiores, cuja
exigência autoriza a rescisão do contrato, não devem ser entendidos
como aqueles que superam a possibilidade de execução do
trabalhador, mas como os que excedem sua capacidade normal de
produzir. Em outros termos, são os serviços excessivos, e não os
impossíveis de realizar, que caracterizam a justa causa
273
.
Também comete falta capaz de justificar o rompimento do vínculo
empregatício o empregador que exige do empregado a prática de serviços defesos
por lei.
O preceito normativo em comento menciona ainda, como conduta que
enseja a rescisão indireta do contrato de trabalho, a exigência, por parte do
empregador, da prestação de serviços contrários aos bons costumes.
O conceito de “bons costumes” confunde-se com o de moral social.
Dessa forma, o caso concreto não deve ser analisado à luz dos valores do servidor,
tampouco do seu superior hierárquico, mas sim em face dos costumes aceitos pela
sociedade em uma determinada época.
A última hipótese contida no preceito normativo analisado diz respeito
à exigência de serviços alheios ao contrato, isto é, tarefas não englobadas pelo
contrato de trabalho celebrado entre as partes. A norma justifica-se plenamente,
273
Op. cit., p. 376.
220
uma vez que, como assinala Wagner Giglio, “o empregador não contrata a pessoa
do empregado ... contrata apenas sua energia norma de trabalho e, ainda assim,
para determinada funções”.
O servidor contratado pelo Estado, portanto, somente se obriga a
realizar determinadas tarefas, e não toda e qualquer tarefa, desde que compatível
com o seu horário de trabalho. Dessa maneira, em lhe sendo exigido o cumprimento
de tarefas alheias ao seu contrato de trabalho, isto é, buscando o empregador
indevidamente ampliar os serviços pactuados, poderá considerar aquele rescindido.
Por fim, faz-se importante salientar que a configuração da justa causa
em comento não depende do cumprimento pelo servidor da ordem emanada do seu
superior. A simples exigência, por este, de serviços que se subsumam a alguma das
hipóteses em questão é suficiente para que se possa falar em rescisão indireta.
6.2. Tratamento com rigor excessivo
A CLT, em seu art. 483, b, preconiza que o empregado “poderá
considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização quando
for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo”.
De acordo com Valentin Carrion, verifica-se a existência de rigor
excessivo quando em face de “repreensões ou medidas disciplinares que por falta
de fundamento, repetição injustificada ou desproporção com o ato do empregado
evidenciem perseguição ou intolerância; implicância ao dar as ordens ou exigência
anormal em sua execução”
274
.
274
CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31. ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 483.
221
Trata-se, portanto, de hipótese na qual se empreende perseguição
contra o servidor, que passa a ser excessivamente cobrado, repreendido, enfim,
tratado de maneira intolerante, desproporcional aos comportamentos que adota e
mesmo incompatível com os padrões médios vigentes na sociedade. É o caso, por
exemplo, do servidor que recebe advertência escrita por ter se atrasado cinco
minutos no início da sua jornada.
Não é qualquer rigor, porém, que justifica o rompimento do liame
empregatício. Conforme assinala Alice Monteiro de Barros, “o comportamento faltoso
em exame pressupõe rigidez incomensurável, capaz de ferir a dignidade do
empregado”
275
.
6.3. Exposição a perigo manifesto de mal considerável
Também justifica o rompimento do liame empregatício, em virtude do
quanto disposto no art. 483, c, a exposição do servidor a “perigo manifesto de mal
considerável”. Subsume-se à hipótese prevista no preceito em questão o servidor
que é obrigado a trabalhar em local que coloca em risco a sua integridade física.
O perigo em questão, porém, não decorre dos riscos inerentes à
atividade desempenhada pelo servidor, mas emerge da desídia do empregador, o
Estado, no tocante à observância de padrões mínimos de segurança e higiene.
Afinal, conforme assinala Wagner Giglio, em algumas atividades o perigo é
inevitável, porque inerente à própria atividade, como ocorre, por exemplo, com o
eletricista, o escafandrista, o policial, entre outras. Nestas, o perigo normal,
decorrente da própria atividade, não configura a justa causa em questão
276
.
275
Op. cit., p. 888.
276
Op. cit., p. 397.
222
6.4. Descumprimento, pelo empregador, das obrigações do contrato
O descumprimento, pelo empregador, das obrigações contratuais, de
acordo com o disposto no art. 483, d, da CLT, também justifica o rompimento do
vínculo empregatício.
Discute-se na doutrina, porém, se por obrigações contratuais poder-se-
ia entender também aquelas decorrentes da lei, de acordos e dissídios coletivos, e
de decisões judiciais, ou apenas aquelas expressamente previstas no contrato de
trabalho. Filiamo-nos àqueles que entendem que a expressão deve ser interpretada
de maneira ampla, abarcando quaisquer obrigações, sejam elas legais,
convencionais, normativas ou contratuais.
Afinal, conforme assinala Giglio, externando entendimento que muito
se assemelha com aquele que manifestamos ao analisarmos as diferenças entre o
regime estatutário e o celetista, “a maioria flagrante das condições da prestação de
serviços subordinados é ditada pelo Estado, por meio de normas imperativas, de
ordem pública”
277
. Assim, entender que somente o descumprimento de obrigações
previstas no contrato de trabalho atrairia a incidência do dispositivo em comento
seria reduzir a eficácia deste a um mínimo inaceitável.
Ademais, não se pode olvidar que as condições impostas pela lei
integram o contrato de trabalho do empregado, pelo que, o descumprimento destas
terminaria, em última análise, por representar também uma inobservância do próprio
contrato de trabalho.
277
Op. cit., p. 401.
223
Além disso, trata-se de intelecção que poderia conduzir a absurdos,
como, por exemplo, a configuração da rescisão indireta pelo não-pagamento do
abono de férias superior ao previsto no ordenamento, estipulado no contrato de
trabalho, e a não-configuração da justa causa pela não-concessão das férias. Por
certo, não se pode admitir que a infração mais leve seja punida com sanção mais
grave que aquela aplicável à infração mais grave.
6.5. Prática, pelo empregador, de atos lesivos da honra ou boa fama do
empregado ou de pessoas da sua família
Em face do disposto no art. 483, e, da CLT, o servidor poderá
considerar rescindido o seu contrato de trabalho e pleitear a devida indenização
quando “praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua
família, ato lesivo da honra e boa fama”.
Identifica-se a hipótese ora em tela àquelas descritas nas alíneas j e k
do art. 482 da CLT, analisadas nos itens 5.10 e 5.11 do presente capítulo, aos
quais nos remetemos no que diz respeito à análise das condutas descritas no
antecedente da norma.
6.6. Ofensa física praticada pelo empregador
De acordo com o art. 483, f, da CLT, também resta configurada a justa
causa do empregador quando este ou seus prepostos ofenderem fisicamente o
empregado, salvo em caso de legítima defesa própria, ou de outrem.
224
Trata-se de dispositivo que repete, em parte, o teor das alíneas j e k do
art. 482 da CLT, analisados nos itens 5.10 e 5.11 do presente capítulo, aos quais
nos remetemos.
6.7. Redução da oferta de serviços
A última hipótese de rescisão indireta prevista no art. 483 da CLT diz
respeito à redução do “trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar
sensivelmente a importância dos salários” percebidos pelo trabalhador.
Configura-se a justa causa em comento quando, sendo o empregado
remunerado por peças produzidas ou tarefas realizadas, o empregador restringe a
sua oferta de trabalho, de maneira a reduzir sensivelmente a sua remuneração.
Caso essa redução, porém, decorra de fatores alheios à vontade do
empregador, como, por exemplo, eventual crise econômica, não como se falar na
justa causa em comento. A redução deve ocorrer por iniciativa do empregador.
225
C
APÍTULO
V
O
S EFEITOS DA ADMISSÃO DE SERVIDORES SEM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE
CONCURSO PÚBLICO
1. A nulidade decorrente da ausência de realização de
concurso público. 1.1. Existência, validade e eficácia.
1.2. Nulidade e eficácia. 1.3. Efeitos da declaração da
nulidade do ato de investidura.
1. A NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE
CONCURSO PÚBLICO
Conforme exposto no Capítulo II do presente trabalho, em virtude do
quanto disposto no art. 37, II, da Constituição da República de 1988, a investidura
em cargo ou em emprego público, salvo exceções taxativamente previstas na Carta
Magna, está condicionada à prévia aprovação em concurso público de provas ou de
provas e títulos. Trata-se de dispositivo que tem por finalidade preservar os
princípios da isonomia, moralidade e eficiência.
Dessa forma, como regra, o ordenamento jurídico brasileiro não admite
o provimento de cargo ou emprego público sem a precedente aprovação do servidor
em concurso público.
Ocorre que, conforme deixa claro Norberto Bobbio, ao asseverar que
“a possibilidade de transgressão distingue uma norma de uma lei científica”
278
, nem
278
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 2. ed. rev. trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani
Bueno Sudatti. São Paulo: EDIPRO, 2003, p. 153.
226
sempre o sistema jurídico é observado por aqueles cujas condutas objetiva
disciplinar. Havendo o descumprimento da norma, age-se sobre a conduta que se
mostra incompatível com o ordenamento, aplicando-se a sanção, definida pelo
citado autor como “o expediente através do qual se busca, em um sistema
normativo, salvaguardar a lei da erosão das ações contrárias”
279
. Busca-se por meio
da sanção, portanto, anular a conduta em conflito com o ordenamento jurídico ou,
quando menos, eliminar suas conseqüências danosas.
Assim, com o escopo de assegurar o cumprimento da norma em
questão, estipulou o legislador constituinte, no § 2º, do art. 37, que a inobservância
do disposto no inciso II, do mencionado artigo, implica “a nulidade do ato e a punição
da autoridade responsável, nos termos da lei”. Logo, o provimento de cargo ou
emprego público sem a prévia realização de concurso público é sancionado com a
nulidade do ato e a punição da autoridade responsável pela sua prática.
O ato por meio do qual se promove o ingresso nos quadros do Estado
de servidor não aprovado em concurso público é nulo, em virtude de não terem sido
observadas a forma e solenidade previstas em lei, o que, nas palavras de Maurício
Mazur, “retira a validade da investidura e autoriza a eliminação imediata do
prestador de serviços do cargo ou emprego público que até então titularizava de
modo precário”
280
. Assim, uma vez declarada a nulidade do ato, extingue-se o
vínculo mantido entre o Estado e o servidor irregularmente admitido.
Isso não significa, contudo, ao contrário do que se poderia imaginar,
que dessa investidura não decorram conseqüências. Afinal, até o momento em que
tem a sua nulidade declarada, o ato por meio do qual se deu o provimento do cargo
279
Idem, ibidem, p. 153.
280
MAZUR, Maurício. O contrato de trabalho nulo com a administração pública e o recente enunciado
n. 363 do TST. In: Síntese Trabalhista, ano XII, n. 139, p. 49, 2001.
227
ou emprego público permanece produzindo efeitos no mundo dos fatos, efeitos
esses que, conforme se verá adiante, não podem ser simplesmente apagados.
1.1. Existência, validade e eficácia
Conforme assinala Estêvão Mallet, com precisão irretocável, “seria
grave erro confundir [...] um plano do negócio jurídico com outro, equiparando
negócios inexistentes com negócios inválidos ou negócios válidos com negócios
eficazes ou, ainda, negócios inválidos com negócios ineficazes”
281
. De fato, não se
pode confundir o negócio jurídico inexistente com o negócio jurídico inválido e com o
ineficaz, assim como não se pode equiparar o negócio jurídico inválido ao ineficaz.
O plano da existência é o plano do ser. Isso porque, nem todos os
fatos cotidianos são regulados pelo Direito. Fatos que não possuem importância
para o Direito, não sendo, portanto, por ele regulados. Estes fatos, ainda nas
palavras de Estêvão Mallet, “não ingressam no mundo jurídico. Embora configurem
fatos, como acontecimentos que são, não são fatos jurídicos ou são, para dizer de
outro modo, fatos juridicamente inexistentes”
282
.
No plano da existência, por conseguinte, analisa-se se o suporte fático
descrito na hipótese da norma se compôs, isto é, se os elementos constitutivos do
negócio jurídico se fazem presentes, justificando a incidência da norma. Assim, de
acordo com Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, “é nesse plano que se
281
MALLET, Estêvão. Nulidade decorrente da contratação de empregado sem realização de concurso
público. In: MALLET, Estêvão. Direito, trabalho e processo em transformação. São Paulo: LTr, 2005,
p. 63.
282
Idem, ibidem, p. 63.
228
estudam os elementos constitutivos do negócio jurídico”
283
. O ato inexistente, dessa
forma, é o ato incompleto ou inacabado.
Não se confunde com o plano da existência o plano da validade, em
que pese sua análise esteja condicionada a uma prévia apreciação daquele, uma
vez que não se pode reputar válido ou inválido um ato que não exista. O plano da
validade, dizem Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, “trata-se, em verdade, de um
plano de adjetivação ou qualificação jurídica, em que se analisa a subsunção do
negócio jurídico existente ao ordenamento jurídico em vigor
284
.
Assim, ao se analisar a validade de um determinado ato, busca-se
verificar a sua compatibilidade com o ordenamento jurídico. Esta análise, conforme
assinala Daniele Coutinho Talamini, deve ser feita também com base nos princípios
contidos no sistema.
Em termos mais específicos, é importante lembrar que para a
validade do ato deve ser considerada não somente a observância às
regras jurídicas, mas também aos princípios jurídicos. [...] Outra
consideração de relevo é a de que todas as normas jurídicas que
disciplinam o assunto devem ser observadas para que se tenha um
ato válido, tendo-se em vista o ordenamento jurídico como um
sistema
285
.
Ao plano da validade dizem respeito as nulidades. Logo, os atos
inválidos poderão ser nulos ou anuláveis.
Por fim, mas o menos importante, se apresenta o plano da eficácia.
Neste plano se verifica a capacidade do ato de produzir in concreto os seus efeitos
próprios, ou seja, se repercute juridicamente no plano social, determinando seus
283
GAGLIANO, Pablo Stolze, e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil (abrangendo
o Código de 1916 e o novo Código Civil). V. I Parte Geral. 2. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 327.
284
Op. cit., p. 338.
285
TALAMINI, Daniele Coutinho. Revogação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 37.
229
efeitos típicos. Assim, conforme leciona Teresa Arruda Alvim Wambier, “eficácia [...]
terá o sentido de efetiva produção de efeitos típicos”
286
, isto é, aqueles efeitos
perseguidos pelo agente.
1.2. Nulidade e eficácia
É lugar comum na doutrina a assertiva no sentido de que os atos nulos
não produzem efeitos. Assim, como regra, a não-produção dos efeitos normalmente
atribuídos ao ato ou ao negócio jurídico é apontada como decorrência lógica da
nulidade. Conforme assinala Estêvão Mallet, “mostra-se freqüente em doutrina,
aliás, o estabelecimento de nexo direto entre nulidade e ineficácia, associando-se ao
conceito de nulo a idéia de não-produção de efeitos”
287
.
Trata-se, contudo, de entendimento que, sem embargo do respeito
devido àqueles que o sustentam, acreditamos ser passível de críticas. Isso porque,
consoante anteriormente exposto, não se pode confundir o plano da validade com o
da eficácia. O simples fato de um determinado ato não ser válido o significa não
produza efeitos. Em verdade, nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, “pode
ocorrer que um ato nulo nunca venha a ser como tal decretado e que tenha,
portanto, sido eficaz por toda a sua vida, embora carecendo de validade”
288
.
Os atos nulos, portanto, tendem a ser ineficazes, isto é, na observação
de José Jairo Gomes, “a invalidade de um negócio pode levar a sua ineficácia”
289
, o
286
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. ver., atual. e ampl.
de acordo com as Leis 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002 (Coleção estudos de direito de
processo – Enrico Tullio Liebman – V. 16). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 142.
287
Op. cit., p. 63.
288
Op. cit., p. 142.
289
GOMES, José Jairo. Direito civil: introdução e parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 348.
230
que não significa, porém, dizer que da nulidade decorra automaticamente a não-
produção de efeitos.
Isso porque, a ter a sua nulidade declarada o ato permanece no
mundo jurídico, produzindo efeitos, como alerta Ramón Parada, que, ao discorrer
acerca da validade do ato administrativo, afirma que “solo a partir de la declaración
formal de ésta por la Administración o los Tribunales, el acto inválido deja de
producir efectos, cediendo la presunción de validez”
290
. Ainda neste sentido, na
doutrina nacional, precisas são as lições de Antonio Carlos Araújo Cintra, que
assinala que, até ter a sua nulidade declarada, o ato permanece no mundo jurídico,
produzindo efeitos, típicos e atípicos.
Tanto os atos administrativos válidos quanto os inválidos podem
produzir efeitos. A distinção entre eles somente se põe quando
suscetíveis de apreciação, por um órgão estatal competente, no que
respeita a sua legalidade. Se dessa apreciação resulta sua
manutenção no mundo jurídico (admitimos aqui a hipótese de
decisão judicial com força de coisa julgada), são válidos. Se dela
resulta sua eliminação, são inválidos.
Antes da anulação, afirmar-se que ato administrativo inválido é
mera questão de opinião. Isso não quer dizer, porém, que à ciência
do direito não caiba indagar sobre a validade de um ato
administrativo. Se o intérprete constata que: a) foi ele produzido por
um órgão competente; b) existiu o pressuposto de fato
correspondente à hipótese legal e houve correta subsunção daquele
a esta; c) foram cumpridas as formalidades legais e d) o conteúdo
corresponde a solução de aplicação contida na moldura legal,
descreve-o como ato válido. Caso contrário, descreve-o como
inválido. Emite, assim, uma opinião científica. De um ponto de vista
jurídico, porém, não atos inválidos, senão os assim qualificados
por decisão judicial passada em julgado.
dois momentos distintos: o momento do conhecimento e o da
produção normativa. O cientista do direito, conhecendo a realidade
jurídica, pode descrever o ato como válido ou inválido, conforme ou
desconforme com a ordem legal. Essa é exatamente sua função.
Mas o ordenamento jurídico confere a um órgão especialmente
290
PARADA, Ramón. Derecho administrativo I: parte general. 15. ed. Madrid: Marcial Pons, 2004, p.
174.
231
qualificado a competência para decidir se um ato é válido ou não.
Essa decisão tem força normativa
291
.
Assim, como anota Sílvio Venosa, mesmo os atos nulos, a despeito do
que comumente se afirma, produzem efeitos.
Assim, a regra “o que é nulo não pode produzir qualquer efeito”
(quod nullum est nullum effectum producit) deve ser entendida com
o devido temperamento. Na maioria das vezes embora o ato seja
tido como nulo pela lei, dele decorrem efeitos de ordem material
292
.
No tocante aos atos administrativos a solução não discrepa,
especialmente porque, conforme assinala Héctor Jorge Escola, estes gozam de
presunção de legitimidade. Assim, até que o vício verificado seja declarado,
presume-se válido o ato.
Siendo aplicable a éstos la presunción de legitimidad que cubre, en
principio a todos los actos administrativos, los particulares están
obligados a su cumplimiento, sin perjuicio de que puedan atacarlos
por los medios legalmente admitidos a ese fin; los funcionarios
públicos tienen, a su vez, la obligación de ejecutarlos y hacerlos
cumplir
293
.
Semelhante intelecção é externada ainda por Eduardo García de
Enterría e Tomás-Ramon Fernández, que, com o escopo de evidenciar que, mesmo
nulo, o ato administrativo produz efeitos, destacam o atributo da auto-
executoriedade. Assim, salientam os citados autores que, ainda que o ato seja
inválido, a Administração poderá impor ao particular a sua observância.
291
AMARAL, Antonio Carlos Cintra. Extinção do ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1978, p. 61, apud AMARAL, Antonio Carlos Cintra. Validade e invalidade do ato administrativo.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 8, p. 11, nov. 2001.
Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acessado em 15-11-2007.
292
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 531.
293
ESCOLA, Héctor Jorge. Compendio de derecho administrativo. V. I, reimpresión. Buenos Aires:
Depalma, 1990, p. 534.
232
Los actos administrativos son, además, inmediatamente eficaces y
la Administración puede, incluso, materializar esa eficacia
imponiendo la validez, en el supuesto de que ésta haya sido
cuestionada. Pues bien, ambos privilegios, aunque independientes
de la validez o invalidez de los actos, no dejan de proyectar su
influencia en el esquema de conceptos antes avanzado desde una
perspectiva general. […]
Tratandose de actos nulos de pleno derecho, la superposición de
ambos dogmas sobre el contenido propio de la nulidad absoluta
provoca importantes distorsiones en el esquema de conceptos
generales. El juego de los mismo supone que el acto radicalmente
nulo puede modificar la realidad jurídica como si fuera acto válido,
ya que la Administración cuenta con medios para imponer en todo
caso esa modificación en el terreno de os hechos. [...]
[…] La nulidad de pleno derecho del acto administrativo en nada
afecta a la eficacia inmediata del acto como no sea para habilitar un
acuerdo expreso de suspensión de la misma en vía de recurso
294
.
A hipótese não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, que, em
determinadas situações, inclusive reconhece os efeitos produzidos pelo ato nulo. É o
caso, por exemplo, do casamento nulo, mencionado pelo art. 1.561 do Código Civil,
que dispõe que “embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos
os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os
efeitos até o dia da sentença anulatória”.
Em verdade, com o advento da Lei n. 9.868/99, que, em seu art. 27,
dispõe que “ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os
efeitos daquela declaração ou decidir que ela tenha eficácia a partir de seu
trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”, passou-se a
admitir que mesmo as normas inconstitucionais produzem efeitos.
294
ENTERRÍA, Eduardo García de, e FERNÁNDEZ, Tomás-Ramon. Curso de derecho administrativo.
12. ed. Madrid: Civitas, 2005, p. 620-1, v. I.
233
Ora, como assinala Estêvão Mallet, “a inconstitucionalidade, como se
sabe, traduz vício dos mais graves no âmbito do sistema jurídico”
295
. A despeito
disto, porém, aceita-se a idéia de que a declaração de inconstitucionalidade de uma
norma tenha efeitos prospectivos, preservando-se, portanto, inclusive em respeito ao
princípio da segurança jurídica, os efeitos que ela produziu até o momento em que
foi retirada do ordenamento jurídico em virtude de declaração proferida pelo órgão
competente para tanto
296
.
Logo, é inquestionável que o ato jurídico, mesmo quando nulo, produz
efeitos.
Por conseguinte, ao se declarar a nulidade de um ato jurídico, como
regra, busca-se não apenas evitar venha a produzir novos efeitos, mas também,
retroativamente, suprimir os efeitos que ele tenha produzido, fazendo com que os
sujeitos atingidos pelo ato retornem à situação em que se encontravam
anteriormente à edição daquele. Conforme assinala Washington de Barros Monteiro,
“o reconhecimento da nulidade opera retroativamente, volvendo os interessados ao
statu quo ante, como se o ato nunca tivesse existido”
297
.
Desse entendimento não se afasta Carlos Ari Sundfeld, que, ao
discorrer sobre o ato administrativo inválido, assinala que:
295
Op. cit., p. 66.
296
Conforme assinala Carlos Roberto Siqueira Castro [SARMENTO, Daniel (Coord.). O controle de
constitucionalidade e a Lei 9.868/99, 2. tir., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 79-84], a
possibilidade de a declaração de inconstitucionalidade gozar de efeitos prospectivos encontra-se
prevista também nos mais diversos sistemas jurídicos. Nas palavras do citado autor, na Itália, a
Constituição de 27 de dezembro de 1947, em seu art. 136, dispõe que “sempre que o Tribunal
declare a inconstitucionalidade de uma norma de lei ou de um ato com força de lei, a norma deixa de
ter eficácia desde o dia imediato ao da publicação da decisão”. No mesmo sentido, na França,
dispõem os arts. 56 a 63, da Constituição da V República, promulgada em 4 de outubro de 1958. O
art. 282, da Constituição de Portugal de 1976, com redação ditada pela Lei Constitucional n. 1, de
1982, admite, em situações predeterminadas, que o Tribunal Constitucional português atribua, à
declaração de inconstitucionalidade, efeitos futuros. Também o art. 153, da Constituição da Turquia,
de 7 de novembro de 1982, dispõe no mesmo sentido.
297
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1968,
p. 284-5.
234
Se um ato é declarado inválido, é necessário desconstituir os efeitos
que produziu e retirar-lhe aptidão para produzi-los no futuro. Por
isso, toda invalidação é também constitutiva, na medida em que não
se cifra à mera declaração, mas desfaz os efeitos produzidos ou a
aptidão do ato para produzi-los
298
.
Em algumas oportunidades, porém, o restabelecimento da situação
anterior não se faz possível. Sempre que não couber o retorno ao estado
anteriormente existente, surge a obrigação de indenizar pelo equivalente.
1.3. Efeitos da declaração da nulidade do ato de investidura
Consoante exposto no item 1 do presente capítulo, o provimento de
cargos e empregos públicos sem a antecedente realização de concurso público
implica o reconhecimento da nulidade do vínculo mantido, com a conseqüente
exclusão do servidor dos quadros do Estado.
A prévia aprovação em concurso público representa, portanto,
solenidade substancial que não pode ser preterida no procedimento de investidura
do servidor. Sem ela o ato de investidura é nulo, pelo que o liame mantido entre o
servidor e o Estado deve ser rompido.
Ocorre que, como regra, quando a nulidade em questão é declarada o
ato produziu efeitos. Afinal, usualmente o vício na admissão do servidor somente
é detectado quando este entrou em exercício e se encontra prestando serviços
muito tempo, tendo praticado diversos atos, empregando sua energia em favor da
satisfação do interesse público.
Portanto, quando ocorre o rompimento do liame mantido entre o
servidor e o Estado aquele começou a realizar suas tarefas, isto é, cumpriu
298
SUNDFELD, Carlos Ari. Ato administrativo inválido (Biblioteca estudos de direito administrativo; v.
18). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 23.
235
parte daquilo a que se havia obrigado em virtude do vínculo mantido. Assim, quando
advém a declaração da nulidade, o servidor despendeu sua força de trabalho em
favor do Estado, ou seja, empregou, em prol deste, sua energia e seu tempo,
bens, especialmente nos dias atuais, extremamente valiosos.
Essa energia, esse tempo, essa força de trabalho, no entanto, não são
restituíveis, isto é, não podem ser repostos. Não possui o Estado meios para
devolver ao servidor o tempo que ele empregou em prol da satisfação do interesse
público, não pode restituir-lhe a força de trabalho, a energia que aplicou.
Assim, em tais hipóteses o retorno à situação que existia antes da
investidura do servidor não se mostra possível, não apenas por ser impossível
restituir àquele o trabalho realizado, mas também porque, para isso, dever-se-ia,
também, desfazer tudo aquilo que foi por ele feito, o que, por certo, não atenderia ao
interesse público.
Deve-se, portanto, indenizar o servidor com valor equivalente a esse
bem transferido definitivamente ao tomador de serviços, isto é, deve-se pagar
àquele todas as verbas a que faria jus em virtude do trabalho empreendido, como,
por exemplo, salários, rias, entre outras. Assim, mesmo sendo nulo o ato que
promoveu a investidura do servidor no cargo ou emprego ocupado, faele jus aos
direitos previstos em lei como contrapartida do labor realizado.
Pensar em sentido contrário seria punir o trabalhador pela incúria do
administrador público que o admitiu sem a observância da norma impositiva da
realização de concurso público, promovendo o enriquecimento sem causa da
Administração
299
.
299
Orlando Gomes afirma que “há enriquecimento ilícito quando alguém, a expensas de outrem,
obtém vantagem patrimonial sem causa, isto é, sem que tal vantagem se funde em dispositivo de lei
ou em negócio jurídico anterior” (Obrigações. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.
250). É exatamente o que ocorreria acaso, havendo sido declarada a nulidade do ato por meio do
236
Além disso, trata-se de intelecção que se mostra incompatível com a
Carta Magna brasileira, que, em seu art. 1º, aponta os valores sociais do trabalho
entre os fundamentos sobre os quais se escora a República Federativa do Brasil.
Não fará jus o servidor, no entanto, aos valores que lhe seriam devidos
na hipótese de rompimento do vínculo, acaso este fosse válido, que o cio que
atinge o vínculo faz com que este possua natureza precária. Nesse sentido alerta
Estêvão Mallet que:
Excluem-se, todavia, da indenização equivalente, imposta pelo art.
182, do Código Civil, os direitos relacionados com a permanência do
próprio contrato ou com a rescisão imotivada, por iniciativa do
empregador. A possibilidade de extinção do vínculo, ainda que com
efeito apenas prospectivo, é inerente à sua condição de nulo
300
.
qual se deu a investidura do servidor no cargo ou emprego, estivesse o Estado desobrigado re
remunerar o labor empreendido por tal servidor. Afinal, em tal hipótese, auferiria os benefícios
oriundos do labor do servidor, sem que, para tanto, precisa remunerar este servidor, ou seja, se
locupletaria às custas da força de trabalho do servidor em questão.
300
Op. cit., p. 75.
237
C
APÍTULO
VI
E
XTINÇÃO DO VÍNCULO MANTIDO COM OS SERVIDORES ESTATUTÁRIOS
X
E
XTINÇÃO DO VÍNCULO MANTIDO COM OS SERVIDORES
SUBMETIDOS AO REGIME CELETISTA
1. Direitos a que farão jus os servidores em virtude do
rompimento do vínculo. 2. Competência para apreciar os
conflitos entre os servidores estatais e a Administração.
3. Faltas que resultam na exclusão do servidor dos
quadros do Estado. Semelhanças e diferenças
1. DIREITOS A QUE FARÃO JUS OS SERVIDORES EM VIRTUDE DO
ROMPIMENTO DO VÍNCULO
Conforme assinala Sérgio Pinto Martins, “o empregador pode
dispensar o empregado sem justa causa, cessando assim, o contrato de trabalho.
Para tanto, porém, deverá pagar as reparações econômicas pertinentes”
301
.
No tocante aos servidores estatais submetidos ao regime previsto na
CLT, conforme exposto anteriormente, esta liberdade, que incide amplamente no
que se refere aos liames constituídos totalmente sob a égide do Direito Privado,
resta mitigada pela necessidade de motivação do ato que ensejar o rompimento do
vínculo empregatício. Isso não significa, porém, que tais servidores não se
equiparem aos empregados das empresas privadas, no que diz respeito aos direitos
a que farão jus na hipótese de rompimento do vínculo empregatício.
301
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 349.
238
Assim, o servidor submetido ao regime celetista que vier a ser
dispensado sem justa causa, na forma do disposto nos arts. 7º, XXI, da Carta de
1988, e 487, da CLT, terá direito a receber aviso prévio, isto é, a ser informado, com
antecedência
302
, a respeito da intenção de seu empregador romper o liame entre
eles mantido. Da mesma forma, quando a iniciativa no sentido de extinguir o vínculo
mantido partir do servidor, este deverá comunicar o seu empregador, também com a
devida antecedência, acerca da sua intenção.
O aviso prévio, portanto, nas palavras de Octavio Bueno Magano, “é o
prazo que deve preceder a rescisão unilateral do contrato de trabalho de termo final
indeterminado e cuja o concessão gera a obrigação de indenizar”
303
. Do conceito
transcrito extrai-se que a não-concessão do aviso prévio gera o dever de indenizar o
período correspondente, ou seja, os 30 dias que deveriam ter transcorrido entre a
comunicação da intenção de romper o vínculo e a concretização desta. Assim, o
servidor que for dispensado sem receber aviso prévio fará jus a valor equivalente a
uma remuneração sua.
O aviso prévio, conforme assinala Vólia Bonfim Cassar, no tocante ao
empregado, tem como escopo assegurar a este “tempo para procurar nova
colocação no mercado”
304
. Em virtude disto, prevê a CLT, em seu art. 488, que “o
horário normal de trabalho do empregado, durante o prazo do aviso, e se a rescisão
tiver sido promovida pelo empregador, será reduzido de duas horas diárias, sem
prejuízo do salário integral”. Poderá o servidor, contudo, de acordo com o disposto
302
O art. 487 da CLT estabelece que o prazo do aviso prévio deverá corresponder a 8 dias, se o
empregado receber seu salário semanalmente ou em periodicidade inferior, ou 30, quando for
remunerado quinzenal ou mensalmente. O art. 7º, XXI, da Constituição da República, no entanto,
fixou que o prazo do aviso prévio será de, no mínimo, 30 dias.
303
MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho, v. II: Direito individual do trabalho. 3. ed.
rev. e atual. São Paulo: LTr, 1992, p. 336.
304
CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 2. ed. rev., ampl. e atual. Niterói: Editora Impetus,
2008, p. 1043.
239
no parágrafo único do aludido artigo, ao invés de ter sua carga horária reduzida,
optar por faltar ao serviço, sem prejuízo do salário integral.
Como regra, o aviso prévio é devido nos contratos de prazo
indeterminado, uma vez que, consoante esclarece Octavio Bueno Magano, “nos de
prazo determinado, nenhuma das partes é colhida de surpresa, no que concerne ao
seu termo final”
305
. O art. 481 da CLT, no entanto, esclarece que, nos contratos por
prazo determinado, se houver cláusula assegurando o direito de rescisão
antecipada, aplicam-se, caso seja exercido tal direito, as regras que tratam da
rescisão do contrato por prazo indeterminado, sendo devido, portanto, o aviso
prévio.
Fará jus, ainda, o servidor submetido ao regime celetista, de acordo
com os arts. 3º, da Lei n. 4.090, de 1962, e 7º, VIII, da Constituição da República, ao
pagamento da gratificação natalina proporcional ao número de meses
306
que tenha
trabalhado no ano. Assim, por exemplo, o empregado que for dispensado no mês de
maio fajus a 5/12 do 13º salário
307
que perceberia se tivesse trabalhado ao longo
de todo o ano. Em virtude do disposto no art. da Lei n. 4.090/62, porém, somente
fará jus à percepção do 13º salário proporcional o empregado que for dispensado
sem justa causa.
305
Op. cit., p. 336.
306
Em razão do teor do § 2º, do art. 1º, da Lei n. 4.090/62, para fins de apuração do 13º salário, a
fração igual ou superior a 15 (quinze) dias de trabalho será havida como mês integral”.
307
De acordo com o art. 7º, VIII, da Constituição da República, o 13º salário deve tomar por base a
remuneração integral do empregado. Neste sentido, dispõe ainda o art. 1º, § 1º, da Lei n. 4.090/62,
que a gratificação natalina “corresponderá a 1/12 avos da remuneração devida em dezembro, por
mês de serviço, do ano correspondente”.
240
Da mesma forma, o servidor deverá
308
receber os valores
concernentes às férias
309
vencidas, isto é, aquelas referentes aos períodos
aquisitivos
310
que tenham sido completados, que ainda não tenham sido gozadas,
se existirem, bem como a quantia proporcional ao número de meses do período
aquisitivo ainda o completado que tenham sido laborados, ou seja, férias
proporcionais. De acordo com o art. 7º, XVII, da Constituição, as férias, sejam elas
vencidas ou proporcionais, deverão ser pagas com um acréscimo de, pelo menos,
um terço
311
.
Com espeque no art. 147 da CLT, entendia-se que se o rompimento do
vínculo empregatício ocorresse por justa causa, ou ainda por iniciativa do servidor, e
aquele tivesse perdurado por menos de 12 meses, este não faria jus à percepção de
férias proporcionais.
Este entendimento, porém, foi alterado, em face dos termos da
Convenção n. 132, da OIT, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro em 23 de
setembro de 1981, por meio do Decreto Legislativo n. 47, e promulgada em 5 de
outubro de 1999, por meio do Decreto Presidencial n. 3.197. Isso porque,
308
Não terá direito a férias, no entanto, de acordo com o art. 133 da CLT, o empregado que, no curso
do período aquisitivo, (a) deixar o emprego e não for readmitido dentro dos 60 dias subseqüentes à
sua saída; (b) permanecer em gozo de licença, com a percepção de salário, por mais de 30 dias; (c)
deixar de trabalhar, com a percepção do salário, por mais de 30 dias em virtude de paralisação
parcial ou total dos serviços da empresa; e (d) tiver percebido da Previdência Social prestações de
acidente de trabalho ou auxílio-doença por mais de 6 meses, embora descontínuos.
309
O período de férias corresponderá a (a) 30 dias corridos, quando o servidor não houver faltado ao
serviço mais de 5 vezes; (b) 24 dias corridos, quando houver tido de 6 a 14 faltas; (c) 18 dias
corridos, quando houver tido de 15 a 23 faltas; e (d) 12 dias corridos, quando houver tido de 24 a 32
faltas, desde que reste observado o disposto no art. 131 da CLT, que elenca as hipóteses em que a
ausência do servidor não será considerada como falta.
310
Na forma do disposto no art. 130 da CLT, cada período de 12 meses de vigência do contrato de
trabalho do empregado corresponderá a um período aquisitivo.
311
Inicialmente questionou-se se o abono previsto no art. 7º, XVII, da Constituição da República seria
aplicável também às férias indenizadas, ou apenas àquelas que fossem gozadas pelo empregado. O
TST, contudo, elucidou a questão ao editar a Súmula 328, que dispõe que “o pagamento das férias,
integrais ou proporcionais, gozadas ou não, na vigência da CF/1988, sujeita-se ao acréscimo do terço
previsto no respectivo art. 7º, XVII”.
241
contrariando a intelecção até então albergada, o art. 11, da aludida Convenção,
dispõe expressamente:
Toda pessoa empregada que tenha completado o período mínimo
de serviço que pode ser exigido de acordo com o parágrafo do
Artigo 5º da presente Convenção deverá ter direito em caso de
cessação da relação empregatícia, ou a um período de férias
remuneradas proporcional à duração do período de serviço pelo
qual ela não gozou ainda de tais férias, ou a uma indenização
compensatória, ou a um crédito de férias equivalente.
O dispositivo em questão omitiu-se acerca dos motivos da rescisão do
contrato de trabalho, deixando claro não ser este fator determinante para o
empregado não fazer jus às férias proporcionais. A norma em comento evidencia
que a cessação da relação de emprego gera o direito à remuneração
correspondente ao período incompleto de férias, independentemente de qual tenha
sido o motivo causador desta.
Desvinculou-se, portanto, a percepção das rias proporcionais do
motivo do rompimento do vínculo empregatício, estando esta condicionada
unicamente ao cumprimento de determinado período mínimo de serviço, que, de
acordo com os termos do art. 5.2, da Convenção invocada, nunca poderá
ultrapassar seis meses:
2. Cabe à autoridade competente e ao órgão apropriado do país
interessado fixar a duração mínima de tal período de serviço, que
não deverá em caso algum ultrapassar 6 (seis) meses.
Assim, a partir da Convenção n. 132, da OIT, passou-se a entender
que mesmo o servidor que é dispensado por justa causa ou pede demissão antes
que o vínculo empregatício complete 12 meses de vigência, fará jus à percepção de
férias proporcionais, desde que tenha cumprido um período de seis meses.
242
Ao analisar a questão, o TST, em que pese tenha permanecido silente
no tocante à hipótese de dispensa por justa causa, que permanece controvertida,
manifestou-se no que diz respeito ao pedido de demissão do empregado cujo
vínculo empregatício tenha perdurado por período inferior a 6 meses, alterando a
redação dada à Súmula 261, que passou dispor que “o empregado que se demite
antes de completar 12 (doze) meses de serviço tem direito a férias proporcionais”.
Além dos direitos acima mencionados, o servidor, em virtude do
rompimento do liame empregatício, deverá perceber também o saldo salarial, isto é,
a remuneração correspondente aos dias em que houver trabalhado no mês em que
se deu o rompimento do vínculo.
Ademais, havendo sido dispensado sem justa causa, pode o
servidor, na forma do disposto no art. 20, I, da Lei n. 8.036, de 1990, movimentar a
sua conta vinculada no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGTS, sacando
os valores nela depositados. Além disso, de acordo com o art. 18, § 1º, do aludido
diploma, deverá o empregador depositar “na conta vinculada do trabalhador no
FGTS, importância igual a quarenta por cento do montante de todos os depósitos
realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho,
atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros”, quantia que
também poderá ser retirada pelo servidor.
Assim, se dispensado sem justa causa, o servidor submetido ao regime
celetista fará jus ao aviso prévio, às férias vencidas, se houver, e proporcionais, ao
13º salário proporcional, ao saldo salarial, à multa de 40% do FGTS e ao
levantamento dos valores depositados em seu nome junto ao FGTS. Se, porém, a
dispensa fundar-se em justa causa praticada pelo servidor, ele perderá o direito à
243
percepção do aviso prévio, do 13º salário proporcional, ao levantamento dos valores
depositados em seu nome junto ao FGTS e à multa de 40% deste.
No que se refere aos servidores submetidos ao regime estatutário,
contudo, a situação mostra-se distinta. Isso porque, em virtude do disposto no
sistema jurídico, nem todos os direitos acima mencionados são extensíveis a estes.
Com efeito, em face do disposto no art. 39, § , da Constituição da
República, “aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art.
7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX”.
Assim, em razão da extinção do nculo que mantêm com o Estado,
farão jus os servidores estatutários à percepção do 13º salário proporcional ao
número de meses que tiverem trabalhado no ano, às férias vencidas, se houver, e
às férias proporcionais ao número de meses que tiverem trabalhado no período
aquisitivo.
Acreditamos, porém, que, na hipótese de haver sido o servidor
demitido, isto é, se porventura sua exclusão dos quadros do Estado tenha por
fundamento a prática de alguma das condutas descritas no art. 132 da Lei n.
8.112/90, perderá ele, em razão do disposto no art. da Lei n. 4.090/62, o direito à
percepção do 13º salário proporcional.
Não tedireito o servidor, no entanto, ao aviso prévio, garantido pelo
art. 7º, XXI, da Carta Magna, na medida em que o art. 39, § 3º, da Constituição, não
prevê a aplicação do preceito normativo em questão aos servidores estatutários.
Da mesma forma, no tocante aos servidores estatutários não haverá
como se falar em pagamento da multa de 40% do FGTS, tampouco em
levantamento de valores. Isso porque o § do art. 15 da Lei n. 8.036/90 exclui do
244
regime do FGTS “os servidores blicos civis e militares sujeitos a regime jurídico
próprio”.
Em contrapartida, os servidores estatutários estáveis que forem
exonerados, na forma do art. 169, § 4º, da Lex Legum, e da Lei n. 9.801/99, farão jus
ainda a uma indenização equivalente a um mês de remuneração por ano de serviço.
Dessa forma, como se depreende do exposto no presente item, os
servidores estatutários e aqueles submetidos ao regime celetista, assim como se
assemelham, também se diferenciam, no que diz respeito aos direitos a que farão
jus em virtude do rompimento do vínculo que mantêm com o Estado.
2. COMPETÊNCIA PARA APRECIAR OS CONFLITOS ENTRE SERVIDORES
ESTATAIS E O ESTADO
A Constituição de 1934, em seu art. 122, ao instituir a Justiça do
Trabalho, atribuía a esta a competência para “dirimir questões entre empregadores e
empregados, regidas pela legislação social”.
Nesse mesmo sentido versava a Carta Magna de 1937, em seu art.
139, que estabelecia que competia à Justiça do Trabalho “dirimir os conflitos
oriundos das relações entre empregadores e empregados, reguladas na legislação
social”.
A Constituição de 1946, por sua vez, em seu art. 123, estabelecia que
a Justiça do Trabalho tinha competência para “conciliar e julgar os dissídios
245
individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais
controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial”.
Mantendo a redação da Carta de 1946, dispunha a Constituição de
1967, em seu art. 134, que competia à Justiça do Trabalho “conciliar e julgar os
dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais
controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial”.
A Emenda Constitucional n. 1, de 1969, manteve os limites gerais
impostos à competência da Justiça do Trabalho pelo art. 134 da Carta de 1946,
dispondo, em seu art. 142, competir àquela “conciliar e julgar os dissídios individuais
e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias
oriundas de relação de trabalho”. Estabeleceu, contudo, exceção, ao dispor, em seu
art. 110, que “os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a
União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquer que seja o
seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os juízes federais”.
A Lex Legum de 1988, em seu art. 114, originalmente atribuía à Justiça
do Trabalho a competência para “conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos
entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito blico externo
e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos
Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação
de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas
próprias sentenças, inclusive coletivas”.
Assim, a Constituição de 1988 ampliou a competência da Justiça do
Trabalho, eliminando a exceção contida no art. 110 da EC n. 1, ao estabelecer que
também os conflitos entre trabalhadores e os entes de direito público externo e a
246
administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos
Estados e da União deveriam ser submetidos àquela.
Questionava-se, porém, se o vocábulo “trabalhadores”, contido no
preceito normativo em questão, abrangeria também os servidores submetidos ao
regime estatutário. Analisando o dispositivo ora em destaque, a jurisprudência
pacificou o entendimento no sentido de que os litígios que envolvessem os
servidores submetidos ao regime estatutário escapariam da competência da Justiça
do Trabalho.
Confirmando tal intelecção o STJ editou a Súmula n. 97, que preconiza
que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor
público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime
jurídico único”, e a Súmula 137, que diz que “compete à Justiça Comum Estadual
processar e julgar ação de servidor público municipal, pleiteando direitos relativos ao
vínculo estatutário”. Os verbetes em questão deixam patente a pacificação, no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, do entendimento no sentido de que à Justiça
Comum competia apreciar as demandas envolvendo os servidores estatutários.
Idêntico entendimento foi adotado pelo STF, que declarou, por meio da
Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 492-1, relatada pelo Ministro Carlos Mário
Velloso (DJU, 16-11-1992, p. 21038), a inconstitucionalidade das alíneas d e e”,
do art. 240, da Lei n. 8.112/90, que previam que os servidores públicos civis teriam
direito à negociação coletiva e ao ajuizamento de ações individuais ou coletivas
perante a Justiça do Trabalho
312
. A declaração proferida teve por base o
entendimento, que vinha sendo adotado no âmbito da Suprema Corte, de que o
312
As alíneas d e e do art. 240 da Lei n. 8.112/90 foram posteriormente revogadas pela Lei 9.527/98.
247
termo “trabalhador”, contido na redação original do art. 114, não abrangeria o
servidor estatutário.
No âmbito doutrinário, José Afonso da Silva, analisando o art. 114 da
Constituição da República, afirmava que o preceito normativo em questão abrangia
apenas “os dissídios sujeitos às leis do trabalho, e jamais os regidos pelos estatutos
do funcionalismo daquelas entidades públicas”
313
. Confirmando este entendimento,
Sérgio Pinto Martins asseverava que “não se pode entender que o constituinte
tivesse o intuito de englobar o funcionário público com as expressões trabalhadores
e relação de trabalho contidas no art. 114 da Constituição”
314
, afirmando ainda que
“se vínculo estatutário o há empregador nem empregado, mas relação entre
servidor público e a administração pública”
315
.
Quando a questão parecia estar pacificada, a Emenda Constitucional
n. 45, de 2004, alterou a redação do art. 114, da Constituição da República,
reavivando a discussão acerca da extensão da competência atribuída à Justiça do
Trabalho.
Com o advento da citada emenda, o art. 114 da Carta Magna passou a
delimitar a competência atribuída à Justiça do Trabalho em diversos incisos,
dispondo, em seu inciso I, competir a esta processar e julgar “as ações oriundas da
relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da
administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios.
Em virtude da alteração constitucional promovida, passou-se a
sustentar, no âmbito doutrinário, que a competência da Justiça do Trabalho teria
sido ampliada, de maneira que a esta competiria apreciar também os conflitos entre
313
Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 490.
314
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 120.
315
Idem, ibidem, p. 121.
248
o Estado e os servidores submetidos ao regime estatutário. Nesse sentido
manifestou-se rgio Pinto Martins, destacando a amplitude da expressão “relação
de trabalho”.
O inciso I do art. 114 do Estatuto Supremo não faz mais referência a
relação entre trabalhador e empregador, mas apenas em relação de
trabalho.
Relação de trabalho é gênero, que envolve a espécie relação de
emprego, mas compreende a relação do funcionário público, que
tem relação de trabalho com a Administração Pública.
A interpretação histórica do inciso I do art. 114 da Constituição
mostra que havia exceção no dispositivo, aprovada no Senado
Federal. O dispositivo promulgado e publicado no Diário Oficial não
fez exceção em relação ao funcionário público e às pessoas que
exercem cargo em comissão. Logo, a Justiça do Trabalho tem
competência para examinar as questões dessas pessoas.
A interpretação sistemática do preceito constitucional mostra que
não se faz mais menção a empregador no inciso I do art. 114 da Lei
Maior, mas apenas a relação de trabalho. Esta expressão também é
prevista nos incisos VI, VII e IX do art. 114 da Lei Magna.
É claro o inciso I do art. 114 da Lei Maior em abranger as relações
de trabalho em que são parte “a administração pública direta e
indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios”. Não fazendo referência a empregador, significa que os
funcionários públicos da União, Estados, Distrito Federal e
municípios terão direito de ação na Justiça do Trabalho
316
.
Semelhante intelecção foi albergada por João Oreste Dalazen
317
:
Penso que a alusão a dissídios decorrentes de relação de trabalho”
com ente público é indicativa de que se transferiram para a órbita da
Justiça do Trabalho todos os dissídios de servidor público, qualquer
que seja o regime jurídico: “celetista”, ou estatutário. A meu juízo,
abarca dita competência, inclusive, a lide entre ente público e
servidor contratado por tempo determinado, sob a égide do art. 37,
316
Competência da justiça do trabalho para julgar questões de funcionários públicos. In Repertório de
Jurisprudência IOB, n. 3, v. II, p. 82, 1ª quinzena fev. 2005.
317
Neste sentido manifestam-se ainda José Augusto Rodrigues Pinto (A Emenda Constitucional n.
45/2004 e a justiça do trabalho: reflexos, inovações e impactos. Revista LTr, São Paulo, n. 5, ano 69,
p. 530, maio 2005), Bolívar Viégas Peixoto (A competência da justiça do trabalho à luz da emenda à
Constituição n. 45, de 2004. Revista LTr, São Paulo, n. 7, ano 69, p. 24, jul. 2005) e Mauro Schiavi (O
alcance da expressão relação de trabalho” e a competência da justiça do trabalho um ano após a
promulgação da EC n. 45/04. Revista LTr, São Paulo, n. 2, ano 70, p. 215 e 218, fev. 2006), entre
outros.
249
inciso IX da CF/88, “para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”
318
.
Com o escopo de corroborar sua opinião e afastar eventual tentativa
de identificar a expressão “relação de trabalho” com “relação de emprego”, salientou
o Ministro Dalazen, dando ênfase à interpretação histórica, que “ao longo da
tramitação da PEC no Congresso Nacional foram rejeitadas as emendas
apresentadas para substituir a locução ‘relação de trabalho por relação de
emprego”
319
.
Esta opinião, no entanto, não foi acolhida pelo STF. Ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395, proposta pela Associação dos Juízes
Federais do Brasil – AJUFE, o Ministro Nelson Jobim, em 1º-2-2005, deferiu a
liminar postulada, dando “interpretação conforme ao inc. I do art. 114 da CF, na
redação da EC n. 45/04. Suspendo, ad referendum, toda e qualquer interpretação
dada ao inc. I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/04, que inclua, na
competência da Justiça do Trabalho, a ‘... apreciação ... de causas que ... sejam
instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica
relação de ordem...’ ”. A liminar deferida foi referendada pelo Pleno em 5-4-2006,
tendo sido vencido o Ministro Marco Aurélio.
No julgamento da questão, ao fundamentar o entendimento adotado, o
relator, Ministro Cezar Peluso, destacou que o art. 114, em sua redação original,
fazia referência a “relação de trabalho”, e que, ao apreciar o preceito normativo em
questão, a Suprema Corte havia decidido que “a expressão ‘relação de trabalho’
318
DALAZEN, João Oreste. A reforma do judiciário e os novos marcos da competência material da
justiça do trabalho no Brasil. Revista LTr, São Paulo, n. 3, ano 69, p. 267, mar. 2005.
319
Idem, ibidem, p. 267.
250
não autorizava a inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios
relativos aos servidores públicos”.
Ressaltou ainda o relator, invocando a decisão liminar exarada pelo
Ministro Nelson Jobim, que o texto aprovado pelo Senado Federal excepcionava da
competência da Justiça do Trabalho as ações promovidas por “servidores ocupantes
de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as
autarquias e fundações públicas”, salientando que o acréscimo feito pelo Senado
apenas explicitou entendimento que já prevalecia no âmbito jurisprudencial.
Com base em tais premissas, declarou-se que “o disposto no art. 114,
I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder
Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária”.
Desse modo, prevalece hoje na jurisprudência o entendimento
preconizado pelo STF. Tanto assim que o Tribunal Regional do Trabalho da
Região, recentemente, ao julgar lide na qual se discutia a competência da Justiça do
Trabalho para apreciar demandas promovidas por servidores submetidos ao regime
estatutário, declarou:
SERVIDOR PÚBLICO REGIDO PELO DIREITO ADMINISTRATIVO
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 - INCOMPETÊNCIA
ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO LIMINAR CONCEDIDA
PELO E. STF COM EFEITOS EX TUNC
Tratando-se de servidor público regido pelo Direito Administrativo,
resta afastada a competência material da Justiça do Trabalho,
mesmo após a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004.
Questão já solucionada pelo E. STF, através da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3.395, no bojo da qual foi concedida medida
liminar com efeito ex tunc, alcançando a norma contida no artigo
114, inciso I, da Constituição Federal, desde a sua edição.
[...]
M É R I T O
Insurge-se o espólio recorrente contra a r. sentença de fls. 45/46,
que extinguiu o presente feito, sem resolução de mérito, na forma do
251
artigo 267, inciso IV, do CPC, tendo em vista a incompetência
absoluta desta Justiça Especializada, para processar e julgar o
presente feito.
Sem razão, entretanto.
Como se da narrativa da exordial, tratava-se o de cujus de
servidor público municipal, detentor de cargo efetivo, jungido ao
Município de Santana de Parnaíba com relação jurídica regida pelas
disposições da Lei n. 1809/2003, como bem assinalado pelo r.
Parecer de fl. 62. Nesse contexto, é forçoso concluir-se que se
tratava de relação jurídica de caráter administrativo, e não de
contrato de trabalho ou de emprego. Em razão disso, correta a r.
sentença recorrida, que concluiu pela incompetência absoluta desta
Justiça Especializada, para conhecer e julgar a presente demanda.
Como já apontado na r. sentença recorrida, e no r. Parecer do ilustre
representante do Ministério Público do Trabalho, à fl. 61, foi
proferida liminar pelo E. STF, em 27/01/2005, com efeito ex tunc,
pelo Exmo. Sr. Ministro Nelson Jobim, nos autos da ADIn n. 3.395,
que teve como relator o Exmo. Sr. Ministro Cezar Peluzo. O teor
dessa liminar encontra-se transcrito à fl. 61, restando claro que a
mais alta Corte do Judiciário entendeu que a Emenda Constitucional
n. 45/2004 não estendeu a competência da Justiça do Trabalho para
analisar questões relativas a servidores públicos regidos pelo Direito
Administrativo, questões essas que não se confundem com
contratos de trabalho regidos pela CLT.
Note-se que a liminar foi concedida expressamente com efeitos ex
tunc, alcançando a norma contida no artigo 114, inciso I, da
Constituição Federal desde a edição da Emenda Constitucional n.
45/2004, cuja interpretação conforme a Constituição é aquela
constante do parágrafo anterior, com efeito vinculante, estando
correta, portanto, a r. sentença recorrida.
Mantenho. [...] (TRT Região; RO 03286.2005.421.02.00-0;
Turma; Acórdão n. 20070960628; Relator: Desembargador Paulo
Augusto Câmara; julg. 06-11-2007; in D.O.E. 23-11-2007).
No tocante aos servidores temporários, contratados nos termos do art.
37, IX, da Constituição da República, inicialmente, entendia a jurisprudência que,
existindo regime estatutário para os servidores permanentes, o regime dos
servidores temporários não poderia ser o celetista, pelo que, nessa hipótese,
eventual demanda proposta pelo servidor em questão deveria ser apreciada pela
Justiça Comum, o pela Justiça do Trabalho. Nesse sentido apontavam a Súmula
n. 123, do TST, e as OJ´s n. 205 e 263, da SDI-1, também do TST.
252
Em 3-9-2004, porém, o TST, ao julgar o Recurso de revista n.
23.988/2002-006-11-00.3, cancelou a OJ n. 263, da SDI-1, que restringia a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a relação jurídica que se
estabelece entre Estado ou Município e o servidor contratado para exercer funções
temporárias ou de natureza técnica, decorrente de lei especial. Passou o TST, desta
forma, a admitir que, quando as atividades a serem desenvolvidas pelo servidor, a
despeito de fundada a contratação no art. 37, IX, da Carta Magna, não forem
transitórias, isto é, naquelas hipóteses em que a exceção prevista no aludido
dispositivo for aplicada indevidamente, a competência para apreciar a demanda
proposta por tal servidor será da Justiça do Trabalho, não da Justiça Comum.
A mudança de posicionamento, em verdade, refletiu o entendimento
que estava sendo adotado no âmbito do STF, que vinha decidindo que a
competência material da Justiça do Trabalho, no caso de contratação temporária de
servidor, deveria ser estabelecida em função da causa de pedir e do pedido
320
.
O entendimento do STF conduziu ainda a uma alteração na OJ n. 205,
da SDI-1, do TST, que passou a contar com a seguinte redação:
205. COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. ENTE
PÚBLICO. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. REGIME ESPECIAL.
DESVIRTUAMENTO. (nova redação, DJ 20.04.05).
I - Inscreve-se na competência material da Justiça do Trabalho
dirimir dissídio individual entre trabalhador e ente público se há
controvérsia acerca do vínculo empregatício.
II - A simples presença de lei que disciplina a contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
320
Este é o entendimento que emerge, por exemplo, da decisão monocrática proferida em face do
Conflito de Competência de n. 7.165, publicada em 22-9-2004, na qual o Ministro Eros Grau, ao
apreciar a reclamação proposta “por professoras contratadas sob regime diverso do celetista –
denominado ‘Designação Temporária’ – na qual se pleiteia o reconhecimento de vínculo empregatício
e o recebimento de verbas trabalhistas”, afirma que “a competência em razão da matéria é definida a
partir do pedido e da causa de pedir deduzidos na ação”. Nesse sentido apontam ainda as decisões
proferidas no AGRAG 195.633, pelo Ministro Néri da Silveira, publicada no DJU de 22-5-1998, no RE
142.008, pelo Ministro Ilmar Galvão, publicada no DJU de 9-6-1995, e no RE 212.118, pelo Ministro
Marco Aurélio, publicada no DJU de 20-4-2001, entre outras.
253
interesse público (art. 37, inciso IX, da CF/1988) não é o bastante
para deslocar a competência da Justiça do Trabalho se se alega
desvirtuamento em tal contratação, mediante a prestação de
serviços à Administração para atendimento de necessidade
permanente e não para acudir a situação transitória e emergencial.
Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, a questão
parecia caminhar para uma solução. Afinal, a relação mantida entre tais servidores e
o Estado, por certo, subsume-se ao conceito de “relação de trabalho”, pelo que à
Justiça do Trabalho, ante a nova redação dada ao art. 114 da Carta Magna,
competiria apreciar os litígios dela decorrentes. Até porque, no tocante a tal relação,
sequer poder-se-ia invocar a ressalva feita pelo Senado Federal, não incluída no
texto da emenda em questão que foi promulgado, que excluía da competência da
Justiça do Trabalho as ações promovidas por “servidores ocupantes de cargos
criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e
fundações públicas”.
Este, contudo, não tem sido o entendimento adotado pelo STF,
consoante se depreende da decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie, ao apreciar
pedido de liminar formulado na Reclamação tombada sob o n. 4.472. Com efeito,
trata-se de reclamação ajuizada pelo Estado do Amazonas contra acórdão proferido
pelo STJ, no Conflito de Competência n. 60.836, que declarava a 12ª Vara do
Trabalho de Manaus competente para processar e julgar reclamação promovida por
servidor admitido nos quadros do município, mediante contrato temporário, na
função de dentista de classe. Alegava o Estado do Amazonas, em sua exordial,
que, ao conhecer do conflito de competência, teria o STJ usurpado a competência
do STF para julgar o conflito que se instaurou entre o TST e o Juiz de Direito, bem
como que a decisão proferida afrontava a autoridade da decisão proferida na ADI n.
3.395, que suspendeu qualquer interpretação do art. 114, I, da Lex Legum, com
254
redação dada pela EC n. 45/2004, que incluísse na competência da Justiça do
Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e os seus
servidores, com base em vínculo de ordem estatutária ou de caráter jurídico-
administrativo. Ao apreciar a questão, a Ministra Ellen Gracie concedeu a liminar
perseguida pelo Estado do Amazonas, afirmando que entendia “presente, num
primeiro exame, o confronto entre a decisão proferida nos autos do Conflito de
Competência 60.836 e a decisão proferida na ADI 3.395”.
3. FALTAS QUE RESULTAM NA EXCLUSÃO DO SERVIDOR DOS
QUADROS DO ESTADO. SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Analisando-se as faltas que ensejam a exclusão do servidor dos
quadros do Estado verifica-se que, a despeito de serem apontados como realidades
diametralmente opostas, os regimes estatutário e celetista, em alguns pontos,
mostram-se muito semelhantes.
Como visto, em virtude do disposto no art. 482, a, da CLT, a prática de
atos de improbidade resulta na dispensa por justa causa do servidor submetido ao
regime celetista. O mesmo ocorre no tocante aos servidores submetidos ao regime
estatutário, em razão do contido no art. 132, V, da Lei n. 8.112/90. Portanto, a
inobservância do dever de probidade, independentemente do regime jurídico a que
esteja submetido o servidor, justifica a sua exclusão dos quadros do Estado.
Também se identificam os regimes estatutário e celetista no tocante à
extinção do vínculo mantido com o servidor em virtude da “incontinência de
255
conduta”. Isso porque, assim como a CLT, em seu art. 482, b, aponta como
justificativa para o rompimento do vínculo empregatício a incontinência de conduta,
também a Lei n. 8.112/90 preconiza, em seu art. 132, V, que deve ser apenado com
a demissão o servidor que praticar “incontinência pública.
Os preceitos normativos analisados distinguem-se, no entanto, na
medida em que, enquanto o art. 482, b, da CLT prevê ainda o “mau procedimento”
como prática capaz de ensejar a dispensa por justa causa, o art. 132, V, da Lei n.
8.112/90 faz menção à “conduta escandalosa na repartição”. Trata-se, porém, de
hipóteses que, em última análise, dizem respeito a semelhantes situações, quais
sejam, aquelas em que o servidor, por não observar as regras de convivência social,
os padrões de normalidade, termina por constranger os demais, afetando a
harmonia do ambiente de trabalho.
Os regimes estatutário e celetista se aproximam também em virtude
das disposições contidas nos arts. 482, i, da CLT, e 132, II, da Lei n. 8.112/90. Isso
porque, ambos os regimes prevêem, por meio dos aludidos preceitos normativos, a
extinção do vínculo mantido entre o Estado e o servidor, quando este se ausenta de
suas atividades, intencionalmente, abandonando o cargo ou emprego do qual é
titular. Diferenciam-se, porém, na medida em que, enquanto a CLT não estipula o
período de ausência que deve ocorrer para que se possa configurar o abandono de
emprego, confiando ao Poder Judiciário a tarefa de analisar o caso concreto e definir
se houve ou não o abandono
321
, a Lei n. 8.112/90, em seu art. 138, expressamente
estipula como sendo de trinta dias o prazo necessário para que se possa considerar
que houve o abandono do cargo.
321
Conforme exposto no item 5.9 do Capítulo IV do presente trabalho, consolidou-se no âmbito
jurisprudencial entendimento, refletido pela Súmula 32 do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido
de que, como regra, para que se possa falar em abandono de emprego, o afastamento do empregado
de suas atividades deve ser por prazo superior a trinta dias, prazo que coincide com aquele previsto
no art. 138 da Lei n. 8.112/90.
256
Outra semelhança que se verifica entre a Lei n. 8.112/90 e a CLT diz
respeito à punição do servidor que pratica ato de insubordinação com a extinção do
vínculo por ele mantido com o Estado, prevista em ambos os diplomas,
respectivamente, nos arts. 132, VI, e 482, h. Os preceitos normativos em questão,
contudo, distinguem-se em razão de a CLT fazer referência a duas hipóteses, quais
sejam, a prática de atos de indisciplina e de insubordinação, enquanto a Lei
8.112/90 faz menção a apenas uma, a prática de atos de insubordinação.
Também a falta prevista no art. 132, VII, da Lei n. 8.112/90 se
assemelha àquelas previstas na CLT. Com efeito, o preceito normativo em questão
estatui que deve ser apenado com a demissão o servidor que praticar “ofensa física,
em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de
outrem”. Trata-se de hipótese que se identifica com parte daquelas previstas nos
incisos j e k do art. 482 da CLT. Estas, porém, mostram-se um pouco mais
abrangentes, na medida em que abarcam também a prática de atos lesivos à honra
ou boa fama, sejam eles praticados contra os superiores hierárquicos do servidor,
como prevê a alínea k, sejam cometidos contra outros servidores ou terceiros, no
ambiente de trabalho, como preconiza a alínea j.
Da mesma forma, a infração contida no art. 117, XV, da Lei n. 8.112/90
encontra seu par na CLT, mais precisamente no art. 482, e, do aludido diploma, que
prevê a dispensa por justa causa do empregado que, no desempenho de suas
atividades, atuar de forma desidiosa.
O art. 482, f, da CLT, por sua vez, ao prever como hipótese que
justifica o rompimento do vínculo empregatício a violação, pelo empregado, de
segredo da empresa, também encontra equivalente na Lei n. 8.112/90, que no inciso
257
IX, do art. 132, aponta como conduta capaz de ensejar a demissão do servidor a
“revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo”.
Algumas hipóteses, no entanto, dizem respeito apenas aos servidores
submetidos ao regime celetista, ao contrário do que ocorre no tocante àquelas acima
descritas. É o caso da “prática constante de jogos de azar” (art. 482, l, da CLT); da
embriaguez habitual ou em serviço(art. 482, f, da CLT); da “negociação habitual
por conta própria ou alheia sem permissão do empregador” (art. 482, c, da CLT); e
da “condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido
suspensão da execução da pena” (art. 482, d, da CLT), condutas capazes de
ensejar a dispensa por justa causa dos servidores submetidos ao regime celetista,
mas que não ensejam punição se o servidor estiver submetido ao regime estatutário.
Da mesma forma, outras condutas dizem respeito unicamente aos
servidores submetidos ao regime estatutário. É o que ocorre no que se refere à
prática de “crime contra a Administração” (art. 132, I, da Lei 8.112/90); à “aplicação
irregular de dinheiros públicos” (art. 132, VIII, da Lei 8.112/90); à “lesão aos cofres
públicos e dilapidação do patrimônio nacional” (art. 132, X, da Lei 8.112/90); ao
cometimento de atos de corrupção (art. 132, XI, da Lei 8.112/90); à inassiduidade
habitual (art. 132, III, da Lei 8.112/90); ao aproveitamento do cargo pelo servidor
“para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função
pública” (art. 117, IX, da Lei 8.112/90); à participação na gerência ou administração
de sociedade privada, salvo a participação nos conselhos de administração e fiscal
de empresas ou entidades em que a União detenha, direta ou indiretamente,
participação no capital social ou em sociedade cooperativa constituída para prestar
serviços a seus membros, e ao exercício do comércio, exceto na qualidade de
acionista, cotista ou comanditário (art. 117, X, da Lei 8.112/90); à atuação “como
258
procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de
benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de
cônjuge ou companheiro” (art. 117, XI, da Lei 8.112/90); à percepção de “propina,
comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas
atribuições” (art. 117, XII, da Lei 8.112/90); à aceitação de comissão, emprego ou
pensão de estado estrangeiro (art. 117, XIII, da Lei 8.112/90); à prática de usura sob
qualquer de suas formas (art. 117, XIV, da Lei 8.112/90); e à utilização de pessoal
ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares (art. 117,
XVI, da Lei 8.112/90).
Tais faltas, em que pese tenham sido previstas pelo ordenamento
jurídico como capazes de justificar a demissão do servidor submetido ao regime
estatutário, não ensejam a dispensa por justa causa do servidor submetido ao
regime celetista, dada a diversidade de regimes. Não pode o Estado, por analogia,
ampliar o rol de faltas taxativamente previstas na CLT, já que, conforme anota
Carlos Maximiliano, as normas punitivas devem ser interpretadas de maneira
estrita
322
.
Isso não significa, porém, que tais condutas não possam ser adotadas
como fundamento para que o Estado promova a dispensa sem justa causa do
servidor submetido ao regime celetista.
Afinal, conforme mencionamos no Capítulo IV do presente trabalho, os
servidores submetidos ao regime celetista podem ser dispensados,
independentemente da prática de eventual conduta faltosa prevista no ordenamento,
desde que esta dispensa se mostre necessária à satisfação do interesse público.
322
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.
205.
259
Ocorre que as condutas descritas pelo art. 132 da Lei n. 8.112/90
como capazes de ensejar a demissão do servidor estatutário mostram-se
extremamente graves, suficientes mesmo para causar prejuízos ao Estado e,
conseqüentemente, a violação do interesse público. Em verdade, trata-se de
práticas que, uma vez implementadas, fazem com que a exclusão do servidor dos
quadros do Estado passe a representar providência fundamental para a satisfação
do interesse público. Isso porque, por certo, mostra-se contrária ao interesse público
a manutenção, nos quadros do Estado, de servidor que lhe causou severos
prejuízos.
Dessa forma, tendo o servidor praticado alguma das condutas em
questão, deverá o Estado dispensá-lo sem justa causa, na medida em que tal
providência afigura-se fundamental para a satisfação do interesse público.
260
C
ONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme visto ao longo do presente trabalho, para atingir os objetivos
que lhe foram confiados, isto é, para alcançar a satisfação do interesse público, o
Estado se vale dos agentes públicos, que são cidadãos que agem em seu nome,
expressando a sua vontade, ainda que em caráter temporário.
Os agentes públicos poderão estar ou não vinculados ao Estado.
Aqueles que se subsumem à primeira hipótese podem entreter com este liame de
natureza política, é o caso dos agentes políticos, ou de natureza profissional e
caráter não eventual, situação em que se encontram os servidores estatais.
Dentro do gênero “servidores estatais”, porém, se abrigam diferentes
espécies de servidores, que se sujeitam regimes jurídicos distintos. Assim, conforme
sejam titulares de cargos ou empregos públicos, estarão os servidores estatais
submetidos, respectivamente, aos regimes estatutário e celetista.
Esses regimes diferem entre si não apenas no que diz respeito aos
direitos e deveres que prevêem, mas também no tocante a aspectos formais
relacionados, por exemplo, ao surgimento do liame e à possibilidade de sofrerem
alterações durante a vigência do vínculo mantido entre as partes.
Isso porque, enquanto no regime celetista o surgimento do liame entre
o Estado e o servidor ocorre em virtude de um acordo de vontades, por meio do qual
são estipulados os direitos e deveres de cada uma das partes, que não podem ser
alterados unilateralmente de maneira prejudicial ao servidor, no regime estatutário
este adere à vontade do Estado, submetendo-se um regime previamente
estabelecido, que pode ser alterado unilateralmente pelo próprio Estado.
261
Mas o é só. Essa dualidade de regimes resulta ainda no surgimento
de uma diversidade de hipóteses em que o rompimento do vínculo mantido com o
Estado se faz possível. Algumas dizem respeito apenas aos servidores submetidos
ao regime estatutário, outras se referem unicamente àqueles que se sujeitam ao
regime celetista, havendo ainda aquelas que se aplicam a ambos.
Assim, muitas são as causas que podem ocasionar a extinção da
relação jurídica mantida entre o servidor submetido ao regime estatutário e o Estado.
Pode o rompimento decorrer de um ato administrativo, bem como de um fato natural.
Pode resultar da vontade do servidor, ou ainda da vontade do Estado.
Os atos administrativos que provocam o rompimento do vínculo
mantido com o servidor estatutário podem ser praticados de ofício ou em virtude de
pleito neste sentido apresentado por aquele.
São perpetrados de ofício os atos de exoneração, demissão e
revogação do ato de provimento. Também é cometido independentemente de
provocação o ato que extingue o vínculo com o escopo de reduzir despesas, na
forma do quanto disposto no § 4º, do art. 169, da Constituição da República, em
virtude de haverem sido ultrapassados os limites impostos pelo ordenamento.
O ato de exoneração também pode ser praticado em virtude de
requerimento apresentado pelo servidor, assim como a aposentadoria facultativa.
A exoneração, portanto, pode-se dar de ofício ou em razão da vontade
do servidor.
Como regra, podem ser exonerados de ofício os servidores ocupantes
de cargos em provimento efetivo, que ainda não tiverem completado o período de
estágio probatório, e aqueles investidos em cargos em comissão ou função de
262
confiança, isto é, os servidores que não estão protegidos pelas garantias da
estabilidade e vitaliciedade.
Quando o ato de exoneração é praticado mediante provocação, no
entanto, não sofre limites. Assim, pode atingir tanto os servidores ocupantes de
cargos em comissão, como aqueles que são titulares de cargos em provimento
efetivo, mesmo quando já encerrado o período concernente ao estágio probatório.
O ato de exoneração, quando praticado de ofício, poderá encontrar
fundamento na inaptidão do servidor para o cargo, isto é, na sua incapacidade de
apresentar desempenho capaz de satisfazer o interesse público, como ocorre no
tocante àqueles servidores investidos em cargos em provimento efetivo, que ainda
não completaram o estágio probatório, bem como na alteração do interesse público
que justificou a nomeação do servidor, como se no que diz respeito aos titulares
de cargos em comissão.
Além disso, o ato em questão podetambém encontrar espeque na
inércia do próprio servidor que, tendo tomado posse, não entra em exercício no
prazo estabelecido pelo ordenamento jurídico. Nesta hipótese, porém, entendemos
não seria possível falar-se que a exoneração ocorreu de ofício, na medida em que o
rompimento do vínculo decorre, assim como na exoneração a pedido, de uma
manifestação de vontade do servidor, ainda que por meio de uma conduta omissiva,
que enseja a prática, pelo Estado, de um ato destinado a pôr fim àquele.
A extinção do vínculo mantido com o servidor estatutário, na forma do
art. 169 da Constituição da República, pode ocorrer ainda quando as despesas com
pessoal ativo e inativo excederem os limites estabelecidos em lei complementar, que
hoje corresponde à Lei Complementar n. 101, de 4-5-2000. Nesta hipótese, devem
ser primeiramente reduzidas, em pelo menos vinte por cento, as despesas com
263
cargos em comissão e funções de confiança, mediante a exoneração dos servidores
nestes investidos. Não sendo suficiente esta medida, devem ser exonerados os
servidores não estáveis. Apenas quando estas providências se mostrarem inócuas
para conter o excesso de gastos detectado é que poderá o Estado excluir de seus
quadros os servidores dotados de estabilidade.
Também será excluído dos quadros do Estado o servidor que, tendo
sido nomeado, não tomar posse dentro do interstício para tanto imposto pelo
ordenamento jurídico. Em ocorrendo tal situação, revoga-se o provimento.
O rompimento do liame estabelecido entre o Estado e os servidores
titulares de cargos poderá ocorrer ainda em virtude do cometimento, por parte
destes, de falta prevista no ordenamento jurídico como capaz de ensejar tal
conseqüência.
Quando a falta em questão é cometida por servidor titular de cargo em
provimento efetivo fala-se em demissão. A demissão, portanto, representa o ato de
natureza punitiva por meio do qual se extingue o liame mantido com o servidor titular
de cargo em provimento efetivo, em razão de falta por ele cometida. As hipóteses de
demissão encontram-se previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/90, bem como em
dispositivos contidos em outros diplomas, como, por exemplo, o art. 92, I, a, do
Código Penal, e o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92.
A infração capaz de justificar o rompimento do vínculo pode ter sido
cometida por servidor investido em cargo em comissão. Fala-se, então, em
destituição de cargo em comissão. As hipóteses que autorizam a aplicação da
penalidade em questão encontram-se previstas no art. 135 da Lei n. 8.112/90.
O pedido de aposentadoria formulado pelo servidor é comumente
apontado como causa de extinção do vínculo mantido entre aquele e o Estado.
264
Trata-se, contudo, sem embargo do respeito devido àqueles que adotam tal
posicionamento, de entendimento com o qual não concordamos. Isso porque, o que
ocorre, segundo entendemos, em verdade, é uma alteração na qualidade deste
vínculo, que passa a possuir natureza previdenciária na medida em que o servidor, a
partir do momento em que se aposenta, não mais integra a categoria dos servidores
ativos, mas sim a dos inativos. No entanto, repita-se, não enseja o rompimento do
liame mantido com o Estado.
Nem sempre, porém, a extinção do liame mantido entre o servidor e o
Estado resulta da vontade de uma das partes. Pode decorrer de um fato natural,
como, por exemplo, a morte daquele.
A invalidez e o alcance de determinada idade imposta pelo
ordenamento como limite máximo à permanência do servidor nos quadros de
servidores ativos do Estado também são comumente apontados como fatos naturais
capazes de ensejar a extinção do vínculo mantido com o servidor. Entendemos,
porém, que nestas hipóteses, tal como ocorre na aposentadoria espontânea, não se
dá o rompimento do liame, mas apenas a sua alteração.
Dessa forma, percebe-se que a exclusão, dos quadros do Estado, dos
servidores titulares de cargos, com exceção daqueles que se encontram investidos
em cargos em comissão, como regra, está condicionada à ocorrência de fatos
específicos ou à prática de determinados atos, seja por parte do Estado, seja por
parte do servidor.
Situação diversa, porém, se verifica no que diz respeito aos servidores
submetidos ao regime celetista, isto é, que se encontram investidos em empregos
públicos. Afinal, salvo no que concerne àqueles resguardados por alguma espécie
de estabilidade, que somente poderão ser dispensados se vierem a cometer alguma
265
falta definida como justa causa ou falta grave pela legislação trabalhista, a extinção
do vínculo mantido entre o Estado e tais servidores não depende da verificação da
ocorrência de fatos ou atos específicos.
Isso não significa, porém, que a exclusão dos servidores submetidos
ao regime celetista dos quadros do Estado possa ser feita de forma arbitrária. Em
que pese a dispensa de tais servidores não esteja, via de regra, condicionada ao
acontecimento de determinada hipótese, trata-se de ato que, em respeito aos
princípios que compõem o regime jurídico administrativo, deve ser devidamente
motivado, sendo indicados os fundamentos fáticos e jurídicos que conduziram à
providência adotada. Por conseguinte, deve o Estado expor como o ato praticado
contribui para a satisfação do interesse público.
Também será excluído dos quadros do Estado o servidor que,
independentemente do regime a que esteja submetido, for admitido sem ter sido
previamente aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo
quando este se subsumir a alguma das exceções taxativamente previstas na Carta
Magna. A preterição da realização de concurso público, salvo quando, repita-se, se
tratar de alguma das exceções previstas na Lex Legum, de acordo com o disposto
no § 2º, do art. 37, da CLT, implica a nulidade do ato por meio do qual se deu a
investidura.
Nota-se, dessa forma, que, ao menos no tocante à extinção do vínculo
que entretêm com o Estado, os servidores estatutários e celetistas não se submetem
a regimes o díspares. Por certo, diferenças entre os regimes em questão há.
Contudo, muitos são também os pontos de aproximação.
Afinal, independentemente do regime a que esteja sujeito o servidor,
ele somente poderá ser excluído dos quadros do Estado mediante decisão
266
devidamente motivada, que exponha os fundamentos fáticos e jurídicos que
amparam a providência adotada. Assim, a extinção do liame está condicionada à
prévia ou, quando menos, contemporânea demonstração de como o ato praticado
contribui para a satisfação do interesse público.
Da mesma forma, analisando-se as faltas que autorizam seja o
servidor submetido ao regime celetista dispensado por justa causa, percebe-se que
muitas delas se identificam com aquelas infrações que determinam a demissão do
servidor submetido ao regime estatutário.
Assim, a falta prevista no art. 482, a, da CLT, encontra-se prevista
também no art. 132, V, da Lei n. 8.112/90. O mesmo ocorre com relação aos arts.
482, b, da CLT, e 132, V, da Lei n. 8.112/90, que prevêem, ambos, a incontinência
de conduta como comportamento capaz de ensejar, respectivamente, a dispensa do
servidor por justa causa ou a sua demissão. Também a falta prevista no art. 132, VII,
da Lei n. 8.112/90 se assemelha àquelas previstas na CLT, mais precisamente
àquelas previstas no art. 482, incisos j e k, do aludido diploma. A infração contida no
art. 117, XV, da Lei n. 8.112/90 encontra seu par na CLT, mais precisamente no art.
482, e, desta. Outros exemplos poderiam ser dados, contudo, acreditamos que
aqueles apresentados são suficientes para evidenciar a aproximação, em alguns
pontos, dos regimes estatutário e celetista.
Faz-se importante esclarecer, porém, que, no tocante a esse aspecto,
não defendemos a existência de uma identidade plena, mas apenas parcial. Afinal,
algumas condutas encontram-se descritas como infrações apenas na CLT, como é o
caso daquelas previstas nos incisos c, d, f, l do art. 482 do mencionado diploma,
enquanto outras somente dizem respeito aos servidores estatutários, como é o caso,
por exemplo, daquelas previstas no art. 132, I, III, VIII e XI, da Lei n. 8.112/90.
267
Assim, ante o exposto ao longo do presente trabalho, acreditamos que
se faz possível concluir que, ao menos no que diz respeito ao rompimento do vínculo
mantido entre o Estado e os seus servidores, os regimes estatutário e celetista, em
que pese apresentem divergências entre si, não representam realidades tão
díspares como comumente se afirma.
268
B
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