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UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - SP
CILA
MARIA
JARDIM
A FUÃO DO MELODRAMA EM ALGUNS CONTOS QUEIROZIANOS
A
RARAQUARA
- SP
2008
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CILA MARIA JARDIM
A FUÃO DO MELODRAMA EM ALGUNS CONTOS QUEIROZIANOS
Tese apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Estudos Literários da
Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Estudos
Literários.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga
Marchezan
A
RARAQUARA
- SP
2008
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3
Jardim, Cila Maria
A função do melodrama em alguns contos queirozianos/
Cila Maria Jardim. – Araraquara
150f.
Tese – Doutorado – Faculdade de Ciências e Letras –
Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2008.
1.Eça de Queiroz 2.Contos 3. Melodrama I. Cila Maria
Jardim II.
A função do melodrama em alguns contos
queirozianos.
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CILA MARIA JARDIM
A FUÃO DO MELODRAMA NOS CONTOS QUEIROZIANOS
Tese apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Estudos Literários da
Faculdade de Ciências e Letras
Unesp/Araraquara, como requisito para
obtenção do título de Doutor em Estudos
Literários.
Data de aprovação: 25/08/2008
M
EMBROS COMPONENTES DA
B
ANCA
E
XAMINADORA
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan (Unesp Campus de
Araraquara)
Membros Titulares:
Prof. Dr. Sérgio Vicente Motta (Unesp - Campus de São José do Rio Preto)
Prof. Dr. Paulo Elias Franchetti (Unicamp)
Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (Unesp – Campus de Araraquara)
Profa. Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi (Unesp – Campus de Araraquara)
Universidade Estadual Paulista
Faculdade de Ciências e Letras
UNESP – Campus de Araraquara
5
AGRADECIMENTOS
A Deus,
Aos meus Pais e minhas irmãs,
Ao meu Rodrigo, porque um “valor mais alto se alevanta”,
Ao Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan, pelo diálogo constante, assegurando os
passos deste estudo; pela seriedade, presteza e atenção diante da dúvida e,
finalmente, pela generosidade em me orientar durante tantos anos.
6
[...] Quando dias, no terraço de Savran, ao anoitecer, te
queixavas que eu contemplasse as estrelas estando tão perto
dos teus olhos, e espreitasse o adormecer das colinas junto ao
calor dos teus ombros o sabias, nem eu te soube então
explicar, que essa contemplação era ainda um modo novo de
te adorar, porque realmente estava admirando, nas coisas, a
beleza inesperada que tu sobre elas derramas. (QUEIROZ,
2001, p.34)
7
A função do melodrama em alguns contos queirozianos
Eça de Queiroz é o autor mais representativo do realismo em Portugal no
século XIX. Sua produção é composta de vários textos ficcionais e não-ficcionais,
mas são os seus romances que lhe dão maior popularidade. No entanto, a qualidade
da originalidade, assim como a sintonia com o momento histórico e estético no qual
está inserido, permite observar outros textos com maior atenção.
Dentre esses textos, este estudo focaliza os contos, textos literários
breves cuja diegese está em harmonia absoluta com a composição narrativa para
surtir o efeito de coerência e sedução junto ao leitor. Nesse sentido, brevidade,
densidade dramática e linguagem sedutora são recursos importantes que Eça utiliza
com competência em seus contos.
A leitura deles revela que o tema amoroso é recorrente em quatro desses
contos, entre os doze publicados na primeira edição, datada de 1902, além de mais
um título de publicação póstuma. Neles, observa-se que o amor é operacionalizado
em motivos próprios do espetáculo melodramático, conforme o expediente do teatro
praticado nos palcos franceses e portugueses oitocentistas. A hipótese deste estudo
toma essas idéias e sobre elas se desenvolve: examinar a adesão na narrativa breve
dos modelos e comportamentos do melodrama em cinco títulos: “Singularidades de
uma rapariga loura”, “Um poeta lírico”, “No moinho”, “José Matias” e “Um dia de
chuva”. Constata-se, então, que as narrativas se servem de um enredo e percurso
melodramático, valorizando mais ou menos certos aspectos ou tendências
melodramáticas, tanto na forma quanto no conteúdo, envolvendo o leitor e
monitorando suas emoções, com uma preocupação moralizante e didática.
Palavras-chave: Literatura portuguesa. Eça de Queiroz. Conto. Melodrama. Amor.
Drama. Impressionismo. Século XIX.
8
The function of the melodrama in some queirozian short stories
Eça de Queiroz is the most representative author of the Realism in
Portugal in the 19
th
century. His production consists of several fictional and non-
fictional texts, but it is his novels that confer the most popularity on him. However, the
quality of originality, as well as of being tuned in to the historical and aesthetic
moment to which he belongs, allow us to observe other texts with closer attention.
Among these texts, this study focuses on the short stories, literary short
texts whose diegesis is in absolute harmony with the narrative composition in order to
foster the effect of coherence and seduction before the reader. Thus, brevity,
dramatic density and seductive language are important resources which Eça
competently employs in his short stories.
Their reading reveals that the love theme is recurrent in four of these short
stories, among the twelve published in the first edition, dated 1902, besides another
title of posthumous publication. In them one observes that love is operationalised in
motifs which are characteristic of the melodramatic spectacle, in accordance with the
expedient of the theatre practised in the nineteenth-century French and Portuguese
stages. The hypothesis of this study takes these ideas and develops from them:
examining the adherence, in the short narrative, to the models and behaviour of the
melodrama in five titles: “Singularidades de uma rapariga loura”, “Um poeta lírico”,
“No moinho”, “José Matias” and “Um dia de chuva”. One notices, then, that the
narratives make use of a melodramatic plot and course, thus valuing more or less
certain melodramatic aspects or tendencies, in both form and content, involving the
reader and monitoring their emotions, with a moralising and didactic concern.
Keywords: Portuguese literature, Eça de Queiroz, short stories, melodrama, love,
drama. Impressionism.19
th
century.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................10
1 O APRENDIZADO DE EÇA DE QUEIROZ COM O TEATRO...............................17
1.1 Os pareceres de Eça de Queiroz sobre o teatro português ..........................26
2 O MELODRAMA....................................................................................................31
2.1 Histórico.............................................................................................................31
2.2 Teóricos do melodrama....................................................................................34
3 OS CONTOS DE EÇA DE QUEIROZ....................................................................45
3.1 Localização literária..........................................................................................48
3.2 Fortuna crítica ...................................................................................................57
3.3 O corpus e a metodologia ................................................................................59
3.4 Teorias sobre o conto ........................................................................... ...........61
3.5. Estudos críticos da obra queiroziana.............................................................68
4 ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES .........................................................................72
4.1 “Singularidades de uma rapariga loira”: o melodrama do amor ..................72
4.2 “Um poeta lírico” e o amor não compreendido..............................................89
4.3 “No moinho” e uma história interrompida....................................................100
4.4 “José Matias”, um amor impossível..............................................................115
4.5 “Um dia de chuva” ..........................................................................................128
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................136
REFERÊNCIAS.......................................................................................................143
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................148
10
I
NTRODUÇÃO
[...]
A minha impressão é que vous sortez um très grand personnage.
Homem de ciência, você, amigo, era, ainda não muito tempo, um
simples amador, um diletante em artes e letras. Com os contos,
sobretudo depois da Pesca do salmão, da carta ao Ramalho sobre a
Holanda, você deixou de ser um amador e passou a ser um escritor.
(QUEIROZ
, 1961, p. 99)
1
A recorrência do tema amoroso na Literatura é indiscutível. Desde os
primeiros registros literários até a contemporaneidade, o amor comparece como
elemento comum em períodos que possuem comportamentos diferentes entre si.
Isso quer dizer que, por mais variadas e distantes que sejam, as estéticas não
desprezam o sentimento amoroso, mesmo que tomado em ângulos diversos,
constituindo uma literatura imensa cujo tema central é o amor.
Tradicionalmente, considera-se a escola romântica como a que levou tal
sentimento às últimas dimensões (as razões dessa ocorrência não cabem aqui
discutir). Determinada produção desse período faz do amor causa da vida ou da
morte, da felicidade ou do infortúnio aparente, que o romântico entende a morte
como meio de purificação.
Esse universo propagado obtém sucesso junto ao público leitor. No
entanto, para alguns escritores contemporâneos do século XIX, o mundo romântico
é uma ilusão “debilizadora” dos seres que os levam a situações irreais. É por essa
perspectiva que a Geração de 70 portuguesa o Romantismo e por isso o
combate. Eça de Queiroz, nas Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense,
proclama a necessidade de novos rumos na Literatura: a estética romântica perdera
sua validade. Segundo ele, era preciso uma literatura sintonizada com as
circunstâncias vividas.
Eça de Queiroz torna-se, assim, o nome exponencial da prosa realista
portuguesa, embora possa ser verificada na sua produção, segundo estudiosos e
pesquisadores, um momento primeiro ainda com alguns vínculos românticos,
principalmente no que se refere ao clima misterioso criado nas narrativas dessa
fase. Porém, na sua fase dita “realista” enfatiza o caráter danoso que o amor possui,
tal como outros comportamentos românticos plasmados na narrativa. Como afirma o
1
Carta ao Conde de Ficalho, escrita em 1886, conforme Referências.
11
próprio escritor, seu objetivo era compor o painel da sociedade portuguesa e nele
não desprezou a possibilidade de criticar os valores românticos, conforme enuncia
na sua conferência do Cassino Lisbonense: a arte deve viver das idéias, e não dos
sentimentos. (QUEIROZ, 2000, p. 25)
Se Eça desenvolveu essa idéia nos romances, estendeu-a também aos
contos. Sua produção contista é composta por publicações póstumas e
semipóstumas. Reunidos pela primeira vez em 1902, com a publicação a cargo de
Luís de Magalhães, os contos ganham edição crítica em junho de 2003, apoiadas no
espólio depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa que, juntamente com a
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, são responsáveis pela edição e publicação.
Realizadas as leituras dos contos, observam-se neles certas recorrências.
Uma delas é o combate a determinados temas e posturas românticas, como o amor
inquestionável, a leitura de obras que induzem ao sonho e à ilusão, conforme prega
a visão realista. Junto a estes, desponta a presença do sentimento amoroso, quer na
sua forma mais intensa, que na sua forma manifestada apenas pela admiração.
Nota-se que, nas narrativas cujo núcleo é o amor e/ou seus desdobramentos, ocorre
a ironia mais ou menos velada: são apresentadas as conseqüências morais e
emocionais (quando não as físicas) daqueles que vivenciam tal sentimento. Para
isso, o autor português se serve da modalidade teatral amplamente desenvolvida no
período romântico: o melodrama. Ironicamente marca de sua produção , Eça se
utiliza de uma espécie muito apreciada no Romantismo e a operacionaliza de forma
tal que evidencia os prejuízos morais e outros infortúnios daqueles que amam.
De acordo com a leitura realizada da edição organizada e estabelecida
por Beatriz Berrini (2000) e da edição crítica Contos II, os títulos eleitos para objeto
de estudo e que, portanto, constituem o corpus desta pesquisa são:
“Singularidades de uma rapariga loura”;
“Um poeta lírico”;
“No moinho”;
“José Matias”;
“Um dia de chuva”.
As leituras desses contos permitem observar que a temática amorosa é
nuclear para o desenvolvimento da narrativa. Em “Singularidades de uma rapariga
loura”, Macário é fortemente atraído por Luísa; “No moinho” traz à tona a intensa
atração de Maria da Piedade por Adrião, assim como em “Um poeta lírico” o amor
12
que Korriscosso nutre por Fanny é responsável pelas composições poéticas que ele
realiza e faz dele um poeta lírico. Também em “José Matias” há a ocorrência do amor
platônico, porque José Matias assim deseja, irrealizável. “Um dia de chuva” comporta
a história bem sucedida de José Ernesto e Maria Joana, por quem se interessa à
medida em que esta vai, aos poucos e pelas falas de outras personagens, surgindo
na narrativa, em meio a dias chuvosos. Em todas essas narrativas breves, constata-
se a recorrência de certas etapas e elementos próprios do melodrama. Como se
sabe, este alcançou grande repercussão no século XIX, mas seu alcance vai além
desse período. Philippe Rouyer (1987, p. 98) afirma que essa modalidade é a forma
teatral da pós-modernidade, veiculado nas telas de tevê e de cinema.
Tendo em vista a viabilização da proposta desta pesquisa, efetivou-se
uma investigação sobre a estrutura do melodrama, bem como suas principais
manifestações e estudos a seu respeito. Para isso, foram realizadas leituras de
diferentes fontes, não apenas de ordem crítica, mas também informativa.
Observa-se que desde as suas primeiras aparições com Pixérécourt
(THOMASSEAU, 2005), considerado o pai do gênero, o melodrama não perde de
vista o princípio da moralidade, da virtude triunfante. Com esse intuito, utiliza todos
os recursos visuais (e mesmo sonoros, na sua origem), tornando as cenas ricas na
sua ambientação; daí o cuidado com a descrição espacial. É preciso envolver e
impressionar a platéia, avultar sentimentos para que ela esteja sintonizada e de
acordo com a moral que se pretende estabelecer. Diante disso, pode-se dizer que o
melodrama tem pilares na Arte poética de Aristóteles: a ação apresentada deve
despertar na platéia algum tipo de reação, e é isso que pretende o melodrama. A
intenção didática se faz presente também nos contos selecionados: Eça quer corrigir
pela evidência conjugada ao proveito da adesão emocional o que considera um
equívoco. Para sua geração, a produção voltada para histórias calcadas na ilusão ou
em sentimentalismos geram fantasias distantes da realidade, o que leva o leitor e,
por extensão, a sociedade, a uma condição alienada e sonhadora. Essas
preocupações são verificadas: Macário, de “Singularidades de uma rapariga loura”,
sacrifica sua felicidade amorosa em nome da honestidade, caráter herdado da sua
família (Luísa, por quem ele se apaixona, é flagrada roubando um anel na joalheria).
Também em “No moinho” observa-se a punição a quem ousa romper com a virtude.
Maria da Piedade cai em desabono moral ao deixar filhos e marido doentes em nome
das leituras românticas e da paixão por Adrião.
13
Em “José Matias” e “Um poeta lírico” essa vertente – a da moralidade – se
opera de maneira diversificada. No primeiro, assiste-se a história de um homem que
mantém, no mínimo, grande admiração por Elisa Miranda. Casada, parece
corresponder aos olhares insistentes de JoMatias. Quando o aparente obstáculo
que impede a união do casal (como é freqüente no melodrama) o fato de ela ser
casada é removido, pois Elisa enviúva, José Matias não se aproxima; ao contrário,
distancia-se enormemente. O infortúnio cumpre-se ao extremo: José Matias falece,
sem efetivar seu relacionamento amoroso, ainda que platônico. Portanto, há um
drama amoroso, mas resolvido apenas pelos olhares, numa espécie de voyeurismo.
Também à distância, embora fisicamente próximo, a personagem
Korriscosso de “Um poeta lírico” ama. Ele, homem sensível a toda natureza de
manifestação, não tem seu amor correspondido por Fanny, que ama um soldado
rude e grosseiro. Korriscosso sente-se mergulhado em profunda tristeza, pois sua
amada não compreende os poemas feitos para ela, escritos em grego, língua
desconhecida por ela. Assim, o “amador” vive seu infortúnio: apesar de próximo ao
ser amado, depara-se com sua incompreensão. Como se observa, em nenhum dos
contos é visualizado o final feliz e, de fato, segundo Huppes (2000, p.38), o final feliz
não é um comportamento normal no melodrama quando a temática focalizada é a da
felicidade sentimental. Esse fato é previsto no cânone melodramático. Nele, o amor é
relegado a segundo plano diante da honra e por isso conhece a renúncia e o
sacrifício, ainda podendo levar à morte de um dos protagonistas, como pode ser
constatado em “José Matias”.
Outro comportamento dos textos melodramáticos apontado por Brooks
(1974, p.352) é o caráter hiperbólico de uma situação. Nas suas palavras, o
melodrama é a “retórica do excesso”: a vivência e os comportamentos das
personagens são extremadas, quer no que se refere à questão amorosa, quer no
desenho de seu perfil que antecede a cena de maior intensidade que busca
recuperar a virtude. Nesse sentido, Macário obedece fielmente aos preceitos da
honestidade familiar, mas não questiona o comportamento de Luísa até o momento
flagrante final; Maria da Piedade é a mulher assexuada que vive para seus familiares
doentes antes de conhecer a paixão desencadeada pelo primo visitante; José Matias
ama em silêncio e à distância, fato que o desequilibra; Korriscosso vive em estado
depressivo por o ser compreendido por sua Fanny, mas quer estar perto dela.
Essa condição parece estar vinculada a uma certa premissa impressionista,
14
apontada por Hauser (1995, p.914): a de reter o momento fugaz, de viver no
momento e ser absorvido por ele, o que promove uma poética de estados de alma.
Segundo o crítico, o impressionismo foi o estilo predominante na Europa e se
estendeu a todo tipo de Literatura. Na prosa, as personagens têm descritas suas
disposições e tendências espirituais. De fato, sabe-se da “formação” e da “vivência”
e, portanto, das tendências das personagens nos títulos focalizados, por meio de um
diálogo entre passado e presente. Por isso, a expectativa da impotência e da
desesperança diante da virtude ameaçada das personagens pelo amor se confirma,
para depois se ver restituída, como em “Singularidades de uma rapariga loira”.
A questão da virtude recomposta remete a outro elemento estrutural do
melodrama: o julgamento face à peripécia ocorrida na narrativa. Quando ocorre o
desequilíbrio da virtude, a personagem responsável será julgada e será punida, num
claro comportamento que tem em vista a moralidade. Assim acontece com Luísa, de
“Singularidades de uma rapariga loura” e Maria da Piedade de “No moinho”, mas não
com “José Matias” e “Um poeta lírico”. Nesses últimos, a punição não ocorre, pois
não há um julgamento moral, mas apenas a constatação da situação decadente à
qual o amor conduziu.
Apesar do gênero melodramático ter recebido críticas de toda ordem, desde a
linguagem pouco trabalhada até a superficialidade da intriga (fatores que, entre
outros, justificam o sucesso junto ao público) e mesmo críticos como Hauser (1995,
p.702) o compreendam como uma “tragédia popularizada” ou “corrompida”, não se
pode negar que o princípio aristotélico da arte se cumpre: com o drama, e com a
possível identificação do público com as personagens, vêm à tona sentimentos de
compaixão, e então ocorre a expurgação deles e absorção de uma máxima moral.
Ainda que diferente do refinado gosto clássico, o melodrama, nas palavras do
mesmo Hauser (1995, p.702), “é tudo, menos uma arte espontânea e ingênua”.
Se o melodrama é o oposto do teatro clássico e sua proposta é “tomar os
assuntos da sociedade contemporânea e colocar em cena o povo e a vida ordinária”
(FACHIN, 1992, p.223), Eça toma por empréstimo essa modalidade para “encenar” a
sociedade na qual estava inserido e, a partir de então, evidenciar o desgaste e
desequilíbrio aos quais as pessoas são expostas ao incorporarem os valores
românticos. Mais do que isso, esses valores não convinham, não acrescentavam.
Eça de Queiroz vai ao ponto caro romântico: o sentimentalismo. Ironicamente, serve-
se de uma espécie teatral romântica por excelência para criticar o próprio
15
Romantismo pelas vias do sentimento amoroso. Portanto, o amor sustenta a ironia
presente no melodrama.
Tal hipótese adveio dos estudos efetuados na dissertação de Mestrado. Nela,
foi estudada a configuração do amor em dois contos específicos, “Singularidades de
uma rapariga loira” e “No moinho” e, a partir de então, examinou-se a ocorrência
regular de certos pressupostos típicos do melodrama também em outros títulos
acima referidos. Portanto, a proposta desta pesquisa continuidade ao estudo
anterior: a tese deste trabalho propõe a utilização do modelo melodramático pelo
escritor Eça de Queiroz como forma de enfatizar a proposta da estética realista.
Em suma, os estudos realizados para a investigação da tese proposta
sobre a qual se debruça este trabalho se compõem da seguinte forma:
recepção e posicionamento de Eça de Queiroz e sua geração diante do
teatro português;
histórico do melodrama enquanto forma teatral;
estrutura melodramática; tradição e atualização da forma;
busca de fortuna crítica sobre o melodrama;
produção contista queiroziana (publicações e edições);
pesquisa de fortuna crítica sobre os contos queirozianos;
análise das estruturas dos contos;
conclusão.
Para a realização deste estudo e examinar a ocorrência e a adesão à
estrutura melodramática e, conseqüentemente, os efeitos e os sentidos gerados por
ela, são convocadas metodologias de análise textual apropriadas, notadamente os
conceitos da narratologia e, por empréstimo a fim de corroborar as análises , os
da semiótica. Ao eleger esses meios de análise literária não se pretende inventariar
conceitos teóricos próprios dos estudos literários, mas se servir de meios eficientes
que permitam perceber a construção da literariedade da narrativa, especialmente,
para este estudo, a da narrativa breve produzida por Eça de Queiroz.
Vale dizer que a grafia do sobrenome do autor adotada neste trabalho
segue a mesma utilizada pelo autor (e, por conseguinte, pela Fundação Eça de
Queiroz), salvo os casos de títulos de obras.
16
1 O APRENDIZADO DE EÇA DE QUEIROZ COM O TEATRO
Ao examinar a aproximação dos contos queirozianos do espetáculo
melodramático é importante compreender qual conhecimento o escritor português
possui dessa modalidade teatral e, assim, examinar a sua presença na produção
contista, especialmente nos títulos cujo tema norteante é o amoroso.
Diplomata, Eça de Queiroz é transferido para o consulado de Newcastle
em novembro de 1874, onde se familiariza com a língua e cultura inglesa. Lá,
mantém contato com Ramalho Ortigão (amigos desde o tempo em que estudaram
juntos na Universidade de Coimbra) por meio de cartas, pelas quais se conhecem as
impressões negativas de Eça sobre Newcastle. Embora a cidade tivesse crescido
populacionalmente, o que retém a atenção do escritor é o aspecto acinzentado da
cidade (exportadora de carvão) e a vida dos trabalhadores. Culturalmente, o lugar
não o interessa. Também em carta a Ramalho, datada de abril de 1878, queixa-se:
[...] neste degredo, faltam-me todas as condições da excitação
intelectual. um ano que não converso. O mundo inteligente
aparece-me apenas como uma coisa confusa e enevoada, através
da prosa dos jornais de Londres. (QUEIROZ, 2000, p.885).
Cansado desse lugar, pede transferência para Bristol em 1879, onde vive
dias intelectualmente mais interessantes, como atesta sua carta a Mariano Pina,
datada de 1885 (QUEIROZ, 2000, p.912). Além da atividade diplomática, Eça
continua sua produção literária na Inglaterra: em Newcastle-on-Tyne conclui O primo
Basílio, e em Bristol, A capital. Depois de lá, serve o consulado de Paris a partir de
outubro de 1888 até a sua morte, em 1900. Essa é uma cidade que lhe agrada
muito, como se pode constatar na carta ao autor de Portugal Contemporâneo,
datada de agosto de 1888, dois meses antes da instalação do autor na cidade:
Paris, como sabes, também tem sido o meu sonho. Os motivos que
me fazem desejar Paris são tão compreensíveis que nem a eles
aludo. Os motivos que o governo teria em me mandar para Paris são
também óbvios. O pouco que eu valho poderia ser de alguma
utilidade para o País, estando eu em Paris; em Bristol é que lhe não
sou de utilidade nenhuma porque carimbar manifestos de carvão
tanto o pode fazer um garçon de bureau como eu. Em Paris as
17
minhas relações imediatas de literatura e de imprensa não seriam
talvez de pequena valia. (QUEIROZ, 1988, p.692)
Eça de Queiroz entusiasma-se com a vida cultural que Paris pode
proporcionar-lhe, ao contrário de Havana, a qual se refere, em 1873, como um
“depósito de tabaco(QUEIROZ, 1988, p.246). Na capital francesa, o agora casal
Eça de Queiroz e Emília de Castro Pamplona possui uma vida calma, o que o
escritor chama de petit bourgeois retiré (conforme sua Correspondência), recebendo
alguns amigos brasileiros (Eduardo Prado, Paulo Prado e Domício da Gama) e
tantos outros portugueses. Esse “afastamento” da sociedade o que pode levar a
pensar numa certa “alienação” da realidade do país em que vive ou do seu país , é
apenas aparente. Eça mantém-se atualizado dos acontecimentos em Portugal por
meio das correspondências com seus amigos, recebendo deles folhetins e
reportagens. Ramalho Ortigão é o correspondente mais assíduo, enviando-lhe
longas cartas e números dAs Farpas. Daí a importância dessa documentação
epistolar: por meio dela, o autor mantém-se atualizado sobre os acontecimentos
portugueses e, a partir deles, tira sua conclusões. Mas, se Eça recebe informações
de Portugal (se bem que visita o país nas férias) também envia informações para ele
sobre a realidade francesa, escrevendo crônicas para jornais e revistas (Revista de
Portugal e Revista Moderna) e também em periódico brasileiro (Gazeta de Notícias).
Nesses textos, trata de questões atuais, como o anarquismo, a expansão colonial
francesa, o caso Dreyfus, etc, o que anula a idéia de que Eça não se interessa pelo
contexto social do local onde reside.
Mais evidente que o acompanhamento dos acontecimentos histórico-
sociais é o interesse pelo ambiente cultural que Paris oferece. No seu ensaio “O
francesismo”, publicado postumamente em 1912 e incluído nas “Últimas Páginas”
(escrito, provavelmente entre 1877 e 1878, de acordo com Medina, 1972), Eça
afirma que crescera em meio à cultura francesa, desde bebê, incluindo seus estudos
na Universidade de Coimbra. De fato, a cultura francesa o lhe causa
estranhamento: além do idioma pelo qual transita com familiaridade (as cartas
trocadas com os filhos, quando estão em férias ou quando está em viagem a serviço
do consulado, são escritas em francês), Eça conhecia os romances franceses, dos
quais é leitor. Se por um lado diz no artigo mencionado que Portugal é quase uma
“tradução” da França (fala sua essa ouvida também na personagem Fradique
18
Mendes) pois os lusitanos procuram seguir o modo de pensar e agir dos franceses
–, por outro constata-se a satisfação de trabalhar e morar na França e, ainda, a
admiração pela literatura francesa.
Se Eça conhece tão bem a literatura francesa, é bem possível que tenha
conhecido o teatro praticado nos palcos franceses do período, e comparado àquele
desenvolvido em Portugal. Na França, a partir da segunda metade do culo, os
melodramas começam a perder o fôlego. Aqueles tidos como “melodramas
clássicos”, cujo maior representante é Pixérécourt, sofrem intervenções, resultando
em quatro tipos: o militar, o de costumes e naturalista, de aventuras e exploração e o
policial e judiciário. Com o passar do tempo, esses dramas o se alteram,
tornando-se desinteressantes, distantes, a princípio, das renovações vistas nos
romances. Assiste-se, então, a peças de técnicas e temas tradicionais, que nas
narrativas as inovações são claras. Zola, em seu texto O naturalismo no teatro,
datado de 1881, trata da situação do drama francês (chega a sublinhar que duas
literaturas paralelas e diferentes: a teatral e a do romance), apontando a decadência
do teatro romântico e propondo a exibição da realidade nos palcos, a partir da
observação:
[...] Parte-se deste ponto: a natureza basta; é necessário aceitá-la tal
como ela é, sem modificá-la e sem nada cortar-lhe; ela é bastante
bela, bastante grande para trazer consigo um começo, um meio e um
fim. Em lugar de imaginar uma aventura, de complicá-la, de dispor
lances teatrais que, de cena em cena, a conduzem a uma conclusão
final, torna-se simplesmente na vida a história de um ser ou de um
grupo de seres, cujos atos são registrados fielmente. (ZOLA, 1982,
p.92).
Para Zola, o Romantismo teve o mérito de romper com o teatro clássico e
propor o espírito inovador também nas letras, tanto no romance como no teatro. Mas
tal como acontece com o período anterior, o movimento não apresenta nenhuma
inovação significativa após a sua “eclosão”, utilizando os mesmos procedimentos, o
que o leva ao envelhecimento e à acolhida de um novo momento com outros
referenciais de criação: “não julgo, observo”, afirma Zola (1982, p.102), princípio
naturalista esse que deve nortear também a arte dramática, estagnada na época,
segundo ao autor. Condena, então, os enredos dramáticos distanciados da verdade,
daquilo que é possível constatar na realidade dos costumes, o que leva a um
artificialismo de situações:
19
Espero que nos libertem das personagens fictícias, destes símbolos
convencionais da virtude e do vício que não tem nenhum valor como
documentos humanos. [...] Espero que não haja mais escamoteação
de nenhuma espécie, toques de varinha mágica, mudando de um
minuto a outro as coisas e os seres. Espero que não nos contem
mais histórias inaceitáveis, que não prejudiquem mais observações
justas com incidentes romanescos [...]. (ZOLA, 1982, p.122-3).
Essa situação teatral é conhecida por Eça. Embora sua correspondência
revele que sua vida em Paris é reservada, num dos seus artigos dos Ecos de Paris,
publicado em 13 e 14 de Janeiro de 1894, na Gazeta de Notícias, ele mostra-se
entusiasmado com a representação da Antígona de Sófocles, no Teatro Francês em
Paris, em 21 de Novembro de 1893. Esse texto permite concluir, então, que o autor
acompanha, ao menos de longe, as apresentações de palco. E mais: se aprecia a
tragédia encenada, nada diz sobre outros tipos de apresentações, como se essas
não merecessem sua atenção e mesmo predileção.
No entender de Barata (1993-1994), o autor manteve-se informado sobre
o teatro português por meio de almanaques. Essas publicações serviam de
“sinalizadores” da produção teatral e, normalmente, reproduzem, com pequenas
alterações, as produções francesas. De fato, Buescu (1997, p.314) sublinha que
Portugal conhece o melodrama pelas vias francesas, com traduções dos dramas
negros de Baculard d’Arnaud e dos dramas de Pixérécourt, além dos de Diderot e
Beaumarchais. A autora afirma que muitos autores cultivam o gênero em Portugal, e
elenca os mais significativos e suas respectivas peças. Daí a manifestação do
escritor português no já citado texto “O francesismo” (MEDINA, 1972) em que
observa a “cópia” da cultura estrangeira, em especial a francesa, em Portugal. As
ocorrências desse “estrangeirismo” são constatadas em vários setores, como
alimentação, vestuário, linguagem, política e também na arte, especialmente nos
romances. Seguem-se, “como patos” escreve Eça (2000b, p.301), os passos de
Zola, mesmo que isso leve a uma implicação moral, como, exemplifica o autor, o
caso do escritor que, na Franca, descreve cenas íntimas entre os pais. Para Antero
de Quental, isso seria repetido pelos jovens poetas portugueses, o que, de fato,
ocorre.
O texto faz menção, de forma breve, aos palcos. Segundo Eça, logo
quando chega a Portugal o cartaz anunciando a representação de “cançonetas
20
francesas no Casino, a brilhante Mme. Blanche, e a incomparável Blanchisseuse”
(QUEIROZ, 2000b, p.298). Conclui, então que “nem nos palcos, nem nos armazéns,
nem nas cozinhas, em parte alguma restava nada de Portugal.” (QUEIROZ, 2000b,
p.298). Essa invasão do viver francês conjugada com a aceitação e adesão pela
sociedade portuguesa faz com que a originalidade do povo português seja diluída,
mesclando-se com princípios e criações de outros povos. O olhar de Eça é de um
diplomata e de um intelectual que, visualizando à distância, enxerga com maior
nitidez o processo social lusitano. É necessário considerar também a época da
produção dessas reflexões “bioliterárias”, como aponta Berrini (2000b, p.291): Eça já
conhecera o realismo (advindo, aliás, da França, como ele mesmo afirma) e aponta
a sua decadência. Portanto, trata-se de um homem experiente, quer
profissionalmente, quer literariamente, o que anula os riscos de um deslumbramento
juvenil.
A perda da originalidade levantada anteriormente não é uma questão
nova para a época e mesmo a problemática do teatro nacional português era
conhecida desde os tempos neoclássicos. Os árcades portugueses discutem vários
aspectos do universo das letras, entre eles a restauração do teatro português,
porque acreditam que ele está fortemente influenciado pelo teatro espanhol e
italiano (CARREIRA, 1988). Assim, textos de natureza teórica tratam da comédia, da
tragédia ou do drama de modo geral. O denominador comum entre eles é a
conclusão de que o teatro é um meio de instrução, idéia essa plasmada nos textos
encenados, quer sejam originais, quer sejam traduções. Assiste-se, então, a um
grande interesse pelo teatro, tanto que poucos anos após a destruição de Lisboa
pelo terremoto de 1755, duas salas o reconstruídas. Diante da grande adesão
popular ao teatro, o governo português cria a Mesa Censória em 1768 como
“regulador” daquilo que poderá ser visto nos palcos. Esse órgão de censura evolui,
em 1795, para o Santo Ofício da Inquisição.
Examinando os títulos das peças autorizadas e impressas no período da
rigorosa censura, verifica-se a primazia de comédias e óperas traduzidas ou
adaptadas, na maioria das vezes. Enquanto a Europa conhece uma nova visão de
mundo, Portugal, graças à censura estabelecida, não permite que seja veiculado nos
palcos qualquer subsídio para essa transformação.
É em 1836 que o teatro português ganha novo fôlego: Almeida Garrett é
encarregado de preparar um planejamento para o Teatro Nacional, plano esse que
21
compreende a formação de atores e a premiação de peças. A meta é que haja o
“aperfeiçoamento da nação portuguesa” (GARRETT, 1836 apud REBELLO, 1978,
p.13), objetivo justificado pelo contexto de reconstrução nacional da época. Assim,
predominam os dramas históricos, que mais tarde são substituídos pelos dramas e
comédias da “atualidade”, isto é, com a apresentação de costumes contemporâneos.
O passado, acredita-se, cede espaço ao considerado atual. No entanto, para
Rebello (1978, p.18), trata-se apenas de uma variante do melodrama histórico.
Interessa observar que o mesmo Almeida Garrett, no romance Viagens na
minha terra, avalia a dramaturgia portuguesa da época. Sem nomeá-lo, ataca o
melodrama por considerar essa forma teatral um espetáculo cansativo e repetitivo, e
nem sempre compreensível. O fragmento é o seguinte:
É o destempero original de um drama plusquam romântico, laureado
das imarcescíveis palmas do conservatório para o abrimento das
nossas bocas! de longe aplaude-o a gente com furor, e esquece-
se que fumou todo o primeiro ato fora, que dormiu no segundo, e
conversou nos outros, até a cena da xácara, do subterrâneo, do
cemitério, ou quejanda; em que a dama, soltos os cabelos e em
penteador branco, endoidece com rigor, - o galã, passando a mão
pela testa, tira do profundo tórax três ahs! do estilo, e promete matar
seu próprio pai que lhe apareça, - o centro perde o centro da
gravidade, o barbas arrepela as barbas... e maldição, maldição,
inferno!... ‘Ah mulher indigna, tu não sabes que neste peito um
coração, que neste coração saem umas artérias, destas artérias
umas veias e que nestas veias correm sangue... sangue, sangue!
Eu quero sangue, porque tenho sede e é de sangue... Ah! Pois tu
cuidavas? Ajoelha mulher, que te quero matar... esquartejar,
chacinar’ e a mulher ajoelha, e não remédio senão aplaudir... E
aplaude-se sempre” (GARRETT, 1992, p. 174).
O que se nota é que, apesar da crítica em favor de um teatro
legitimamente português, as dramatizações seguem o modelo francês, o melodrama.
Isso é mais patente se se pensar que a peça premiada em um concurso cuidado
pelo próprio Garrett, cujo intuito é o de resgatar o teatro verdadeiramente nacional,
segue os mesmos preceitos melodramáticos, conforme Verdasca (2002).
A adesão do público português ao teatro é grande, prova disso é o
significativo número das salas teatrais: em 1871, na capital Lisboa, com 200 mil
habitantes, existem oito teatros (os da rua dos Condes, do Salitre, de S. Carlos, D.
Maria II, Ginásio, Príncipe Real, Trindade e Taborda). Até o final do culo, o
construídos mais três, além de outras salas menores, de curta duração, para
apresentação de circos e outras variedades artísticas. Nas outras cidades, somam-
22
se 75 salas de espetáculos (REBELLO, 1978). Assim, de acordo com Barata (1993-
1994), o teatro era assunto nas rodas sociais portuguesas, o que demonstra o
interesse pelo acontecimento cultural, mesmo que ele não atingisse um nível
intelectual interessante já que, como mencionado, as peças apresentadas eram
adaptações, quando não traduções.
Apesar desse interesse pela arte teatral (não exatamente pela arte,
segundo Eça, como se verá adiante), existem diferenças entre aquilo que é
veiculado nos romances das literaturas estrangeiras e o que se assiste nos palcos,
como afirmara Zola (1982), que são, tematica e tecnicamente, consideráveis.
Enquanto títulos como Introdução à medicina experimental, de Claude Bernard,
Educação sentimental, de Flaubert, Crime e castigo, de Dostoiïevski, Guerra e Paz,
de Tolstoi, para mencionar alguns, surgem no cenário literário, em Portugal, em
1869, A morgadinha de Valflor, de Pinheiro Chagas, enchia as salas de espetáculos.
Assim ocorre com dramaturgos como Costa Cascais e Gomes de Amorim. O tom
moralizante perdura até o final do século, apesar da ocorrência das Conferências
acontecidas no Casino Lisbonense (ainda que tenham acontecido ataques contra a
postura romântica, no mesmo ano é encenado O condenado, de Camilo Castelo
Branco, espetáculo que mantém o tom da postura criticada). As poucas peças de
teor realista, por serem anticlericais, proibidas em Portugal e também no Brasil,
ainda seguem os modelos convencionais do teatro romântico. É o caso de António
Enes, escritor e político que consegue levantar polêmica entre a população, mais
pela ousadia temática das peças do que pela qualidade dos textos encenados.
Esse é o panorama do teatro português no século XIX. A crítica a ele e a
visualização de uma nova postura é feita, com maior contundência, nas
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871. Embora nenhuma das
conferências tratasse especificamente do teatro, a de Eça, “A nova literatura: o
realismo como nova expressão de arte”, cujo texto integral se perdeu; o que o
artigos e comentários publicados em jornais
2
, propõe
Procurar na sociedade, nas suas lutas, nos seus sofrimentos, nos
seus trabalhos, na sua vida íntima, a matéria da arte. Estudar os
caracteres à luz da psicologia, observar os costumes no que eles
2
O texto aqui utilizado, incluído numa antologia de Beatriz Berrini, conforme bibliografia, pertence ao
irmão do escritor que reproduz a conferência.
23
têm de mais exato, de mais real, e desta maneira aprendermos a
conhecermo-nos melhor a nós mesmos, e incitarmo-nos ao
aperfeiçoamento; em uma palavra, o ideal como fim e não como
meio. (QUEIROZ, 2000a, p.24).
Esse princípio, para Eça e sua geração, deve nortear a arte, o que não
ocorria, também, nos palcos portugueses:
Em Portugal
uma arte realista?
Sem hesitar
respondo com toda
a convicção que
não há.
Percorramos os
inumeráveis
romances que tem
produzido a nossa
literatura, os
dramas dos nossos
dramaturgos, os
recolhimentos de
poesia e, sem
prevenção,
responda-me o
leitor se algumas
destas obras têm o
cunho do realismo,
ou ainda se
nelas a mais
pequena tendência
para esse ideal.
(QUEIROZ, 2000a,
p.25).
Segundo jornalistas da época, durante a sua fala, Eça percorre a
evolução da literatura francesa, concluindo que o século XIX é, portanto, de
revolução, e não de estagnação como acontecia em solo português. Convicto dessa
idéia, o escritor português escreve n’As farpas em junho de 1871, no texto de
abertura, sobre o teatro em Portugal. Reclama que o público vai ao teatro “não para
o desenvolvimento de uma idéia(QUEIROZ, 2000b, p.673), mas apenas para estar
na sala, onde pode tratar de interesses mais diversos. O problema, porém, adverte,
estende-se à qualidade das peças: a tradução é praticada em demasia, não
originalidade nos textos. Não se assiste, portanto, a peças que tratem ou
questionem o contexto português, que possam provocar (ou despertar) a sociedade
24
portuguesa para as grandes revoluções/transformações que aconteciam em outros
países da Europa.
Mas, se a Geração de 70 avalia criticamente o contexto dramático
português do período, não se dedica a, propriamente, produzir textos para serem
encenados. Dentre os participantes das Conferências Democráticas do Casino
Lisbonense não autores exatamente dramáticos, o que faz com que os novos
ares proclamados pelos moços de Coimbra na literatura (e especialmente nos
romances) não cheguem ao teatro. O único deles a idealizar algo nesse sentido,
segundo Picchio (1964, p.274), é Teófilo Braga que, numa carta, anuncia a intenção
de compor uma peça em quatro partes, na qual se assista a uma interpenetração de
espírito, carne, ciência, consciência. No entanto, essa idéia se restringe ao papel.
Nem mesmo Eça, que nos tempos em que era aluno em Coimbra atua no Teatro
Acadêmico (fundado com a ajuda do pai de Eça em 1838), participa apenas com
uma tradução, por volta de 1866, do melodrama francês Philidor, de Bouchardy.
Entre a fortuna crítica especializada, poucos são os estudos dedicados à
relação entre o mais representativo autor português realista e o teatro. No entanto,
diante dos textos produzidos por ele nos quais menciona a modalidade dramática, é
possível observar que não aprecia as peças encenadas em Portugal, e critica tanto o
conteúdo apresentado, como a formação de atores, incentivo do governo e outros.
Suas opiniões, incisivas, surgem em cartas, textos jornalísticos, por volta da cada
de 70, momento em que o autor defende, convictamente, a estética realista. Eça de
Queiroz observa o teatro português por dois eixos e sobre eles constrói sua crítica: o
primeiro, pela forma como o gênero em si se desenvolve em Portugal, a criação
(suposta); depois, o sentido da atividade cultural que significa ir ao teatro, assisti-lo.
Esses dois caminhos, acredita-se, Eça não perde de vista.
1.1 Os pareceres de Eça de Queiroz sobre o teatro português
Examinando a vasta produção textual queiroziana, especialmente a não
ficcional, encontram-se opiniões do autor sobre o teatro. É interessante notar que
seus pareceres, ainda que não sejam muitos, tratam de aspectos diferentes da arte
teatral, concentrando-se, porém, em dois eixos principais, como mencionado acima.
25
Embora seja possível localizar referências ao teatro em geral, como no
texto intitulado “A propósito do Termidor” (incluído nas “Cartas familiares” que reúne
crônicas e textos produzidos entre 1893 e 1897) ou em “A Antígona de Sófocles” e
“Les rois de Jules Lemaître”, ambos nos Ecos de Paris, outros em que é clara a
opinião de Eça sobre o teatro praticado em Portugal. Neles constata-se a discussão
e a problematização de aspectos que se referem à arte dramática, tanto no seu
plano pragmático, quanto no literário. Trata-se de dois artigos publicados nAs
Farpas, crônicas mensais de política, das letras e dos costumes publicadas por Eça
e Ramalho Ortigão entre 1871 e 1872, e reeditadas em 1890-1891 por Ramalho sob
a denominação de Uma campanha alegre.
O primeiro, texto de abertura d’As Farpas em 1871, é bastante incisivo,
mas levanta constatações acerca do teatro mais do que as discute. O assunto
continua em dezembro do mesmo ano com publicação em janeiro de 1872. No
primeiro, aponta que o teatro português se constitui de farsas melancólicas e dramas
cômicos, muitos deles traduzidos do francês, o que significa, para Eça, a baixa
qualidade intelectual para a população. Critica o público feminino: se ele vai ao
teatro, é apenas para ser visto, pois o “espírito tem até preguiça de compreender um
enredo de comédia” (QUEIROZ, 2000b, p.675):
O teatro perdeu a sua idéia, a sua significação; perdeu até o seu fim.
Vai-se ao teatro passar um pouco a noite, ver uma mulher que nos
interessa, combinar um juro com o agiota, acompanhar uma senhora
[...]. Não se vai assistir ao desenvolvimento d’uma idéia, não se vai
sequer assistir à acção d’um sentimento. Não se vai pelo que se
passa na cena; isso sabe-se de antemão que é trivial, insignificante e
inútil. Vai-se como ao Passeio em noites de calor, para estar. No
entanto como é necessário que quando se ergue o pano, se movam
algumas figuras e se troquem alguns diálogos – é esse o único
motivo porque em Portugal pretendem que existe uma literatura
dramática. (QUEIROZ, 2000b, p.673).
A continuação do tema e a sua discussão no texto de dezembro de 1871
é mais extensa e também mais problematizadora. Examina a decadência do teatro e
aponta as causas de forma convicta: a baixa exigência dos portugueses e as
condições industriais e econômicas, elementos observados até mesmo nos cartazes
anunciadores das peças. As comédias que são traduzidas encontram interpretação
grosseira e os dramalhões compostos de naufrágios, incêndios, acabam se
perdendo tecnicamente pelas más condições físicas do teatro (umidades, fios soltos,
26
etc). Subjacente a essa explicação pragmática, uma reflexão sobre a sociedade
portuguesa e, por extensão, da sua cultura: a criação dramática é um exercício de
criação difícil, de pouca tradição (Eça afirma que toda a arte dramática de seu país
está concentrada em Frei Luís de Sousa). De fato, se se considerar a presença da
censura governamental atuante no século XVIII, fica justificado o limitado trânsito da
criação no campo da dramaturgia. Além disso, como o interessante apenas é “estar”
no teatro, não é preciso investir na sua capacitação física, muito menos nos seus
detalhes, afinal, para os burgueses da época, o que importa é o exercício social, e
não o cultural.
Antes, porém, de ver o resultado (o fim do teatro português), Eça examina
o processo dessa decadência, as causas que levaram a esse fracasso. Interessa
observar que utiliza o sintagma “literatura dramática” para o teatro; isso quer dizer
que para ele a arte dramática tem importância literária, atuante na formação e no
exercício do intelecto, daí a sua indignação diante do estado em que se encontrava
essa modalidade artística. vários elementos alinhados contribuintes para essa
decadência. Primeiro, aponta os escritores que não produzem textos para serem
encenados; segundo ele, os portugueses não possuem o gênio dramático
(QUEIROZ, 2000b). O que se produz o dramas sem profundidade de elaboração,
que não retratam costumes, nem caracteres ou estudos da sociedade. Ironicamente,
Eça afirma existir mais desses elementos numa corrida de touro que nos dramas
passados em Portugal.
O autor também volta-se, novamente, para a platéia e aponta a sua
grande parcela de culpa: esse público entende o teatro como um lugar de encontros,
de visualização de quem vai às salas, uma maneira de sair das casas. Quanto ao
palco, o que é usado pelas atrizes (jóias, rendas) interessa mais do que aquilo que
se diz. O triângulo sem o qual o teatro não avança fecha-se quando se refere aos
atores: eles atuam seguindo um ofício, não uma arte. Salienta, ainda, que o teatro D.
Maria é que guarda alguns artistas natos.
Estabelecido o tripé provedor todo ele problemático –, Eça questiona a
intervenção do Estado sobre essa situação e constata o papel inoperante dele, afinal
ele subsidia o teatro S. Carlos, onde teatro italiano e não se estende a toda a
população, mas a alguns tantos burgueses que acreditam estar diante assistindo a
um espetáculo qualitativo, a que Eça chama de “velho chic pelintra–, e não custeia
o teatro português. Nesse ponto, o autor parte do mesmo princípio de Garrett, de
27
que o teatro nacional deve ser incentivado para que a criação dessa literatura
dramática seja motivada. Eça defende com veemência a arte teatral na sociedade,
uma vez que se trata de “elemento poderoso de civilização e de cultura moral”; seu
papel é construtor e regenerador:
Seria um constante apelo da atenção às coisas do espírito; a
subtração duma população ociosa e enfastiada às casas de jogo e
aos lupanares clássicos; uma influência perdurável, penetrante e sutil
nos costumes; uma forte educação pela imaginação; enfim um
elemento sadio na nossa vida, insubstituível e indispensável porque
prende com o que uma cidade tem de mais definitivo e de mais
determinante a sua inteligência e a sua moral. (QUEIROZ, 2000b,
p.795).
Nesses textos nota-se como Eça compreende a arte dramática:
verdadeiramente, um exercício do intelecto, criação notoriamente literária, cuja
produção em palcos tem efeito moral, pois pode educar o gosto, substituindo valores
degenerativos. Evidencia, também, o seu caráter abrangente e democrático no
sentido da participação de todos nas salas, e não de uma parcela da população.
Além disso, coloca em cena a responsabilidade do Estado frente à formação cultural
da nação e a sua incompetência para visualizar e viabilizar as soluções para que
arte dramática vigorasse.
Em 1893, na Gazeta de Notícias, publicada no Rio de Janeiro, Eça
escreve o artigo intitulado “Positivismo e Idealismo”, no qual trata, entre outros
assuntos, do descrédito do romance naturalista na literatura. Volta-se, então, ao
teatro, e constata que “vemos com espanto a multidão culta correr ao melodrama de
1830 e atulhar os teatrinhos populares, onde se refugiara com as suas
incomensuráveis paixões e horrores” (QUEIROZ, 2000b, p.1252). É fato que o
melodrama alcança sucesso, mesmo entre a população mais esclarecida,
constituindo-se na forma teatral do século.
Vale lembrar, ainda, os tempos em que era aluno em Coimbra. Lá, junto
aos seus companheiros, as dramatizações de Shakespeare, Victor Hugo e outras
traduções do francês são freqüentes, segundo informa o autor numa carta a seu
amigo Carlos Mayer, em novembro de 1867. Quando Teófilo Braga compõe uma
peça, o público não aprecia e logo justifica: o erro estava no fato da composição ser
portuguesa. Eça conta ter atuado em diversas peças, interpretando variados papéis,
o que demonstra seu interesse pela forma.
28
Também é válido ressaltar a atuação mais direta na produção dramática,
quando traduz para o português o texto Philidor, de Bouchardy (dramaturgo francês,
autor de melodramas de bom público) e o oferece ao teatro D. Maria para
encenação. Embora o texto não tenha sido dramatizado, o intento vale pelo que se
pode depreender dele (aliás, um dos poucos prontuários não destruído pelo incêndio
em 1964 no teatro D. Maria. O texto se encontra, atualmente, junto ao espólio
queiroziano na Bilioteca Nacional de Lisboa). Pelo enredo, sabe-se que uma
sátira ao modelo melodramático, embora Bouchardy tenha produzido peças assim.
Observa-se, então, que Eça não produz textos para a “literatura
dramática”, como o fez seu tio-avô, autor de aproximadamente 48 dramas. Sua
experiência, até onde as pesquisas em seu espólio permitem afirmar, reduz-se aos
rascunhos de folhas preliminares de uma ópera bufa, denominada “A morte do
diabo”, composta em co-autoria com Jaime Batalha Reis. O espólio também
constata a intenção em dramatizar Os Maias, intento que não se realizou. No
entanto, apesar de não se dedicar a esse tipo de produção, o autor tem consciência
da significativa importância do teatro na formação das sociedades, além de indicador
do nível cultural delas, preocupação demonstrada ao longo de seus textos não-
ficcionais e ficcionais. São os eixos sobre os quais constrói sua observação: o
desenvolvimento do gênero em palcos portugueses e, paralelamente, do gosto da
sociedade. Nota-se, então, Eça como um homem envolvido com os problemas de
seu tempo e de seu país.
29
2 O MELODRAMA
2.1 Histórico
O conceito do melodrama não permaneceu inalterado ao longo da
história; ao contrário, acompanha as mudanças que esta mesma conheceu. Se no
final do século XIX e XX o termo recebe denotação pejorativa, nos culos XVIII e a
primeira metade do XIX ele é sinônimo de sucesso. Thomasseau (2005) explica que
as origens do melodrama são encontradas no século XVII, na Itália, quando o termo
se associa a um texto musicado, equivalente à ópera, para, no século seguinte,
tornar-se a terminologia teatral mais “acolhedora”: sob essa denominação, abriga-se
todo tipo de apresentação dramática acompanhada de música e que não obedece
ao teatro clássico. A apresentação sustentada musicalmente na Itália no século XVII
segue dois caminhos mais ou menos distintos: aquele no qual a música se sobrepõe
ao texto, constituindo a ópera, e outro em que o elemento musical é funcional para
sublinhar momentos decisivos de uma peça nos quais o texto se impõe, constituindo,
então, a modalidade teatral a que, genericamente, denomina-se melodrama. É a
partir de 1795 que “melodrama” se associa a apenas dois tipos de apresentação, as
pantomimas e os dramas de ação, modalidades que deixam a música para segundo
plano em favor de um formato mais próximo da pantomima e do romanesco,
portanto, mais voltados para as encenações grandiosas, como nas festas e
30
celebrações da Revolução (THOMASSEAU, 2005), contribuição essa absorvida pela
estrutura melodramática. Embora o termo seja usual entre os críticos teatrais na
última década do século XVIII, o mesmo não ocorre entre os autores da época; por
volta de 1802 é que passam a adotá-lo como definição de suas peças.
A partir de então, o melodrama se modela, porém continua a ser o
denominador comum das formas teatrais românticas nascidas nos séculos
seguintes. De fato, alguns elementos típicos dessa modalidade se alteram,
acompanhando a transformação dos costumes sem que, no entanto, a estrutura
mínima melodramática seja modificada, como se discute adiante. Isso possibilita
examinar as peças apresentadas e apurar o seu grau de aproximação do melodrama
inicial (vale lembrar que o Coelina ou l’Enfant du mystère, de Pixérécourt, cuja
primeira apresentação data de 1800, é considerado pelos estudiosos inclusive
autores da época, como Charles Nodier (1841) –, como o primeiro melodrama
verdadeiro); de acordo com o tema desenvolvido, torna-se possível estabelecer uma
“tipologia” do gênero, classificando-o em melodrama clássico, romântico, e seus
desdobramentos: o melodrama militar, patriótico histórico, de costumes, naturalista,
de aventuras e de exploração, policial e o judiciário.
O melodrama adentra ao século XVIII com força e encontra na França um
terreno bastante favorável ao seu desenvolvimento. É que surge Pixérécourt, o
“pai do melodrama”, dramaturgo cujas apresentações ultrapassam o número de 30
mil, com mais de 60 melodramas produzidos ao longo de sua vida, colaborando
enormemente para o estabelecimento do gênero (fixando o cânone melodramático)
e para a divulgação dessa modalidade nos teatros franceses e naqueles que
recebem companhias oriundas desses palcos e acabam assimilando (e adaptando)
essa forma teatral. Outros autores também inscrevem seus nomes no gênero:
Bouchardy, Caigniez, Benjamin, Saint-Amant, Anicet-Bourgeois, George Sand,
D’Ennery, Cormon e outros (FACHIN, 1992, p.224). O teatro da Porte de Saint-
Martin atrai público grande e cativo.
O momento histórico-social francês faz do melodrama a externação
artística resultante da intensa revolução operada na França. A ascensão popular faz
com que entrem em cena personagens como camponeses e empregados
domésticos participantes de tramas narrativas que se encarregam de retratar
situações interessantes a um público agora composto, também, das classes
populares e da burguesia
. Portanto, o melodrama nasce junto com o movimento da
31
grande revolução e vai acompanhar as mudanças estruturais da sociedade
européia, refletidas elas mesmas no próprio espetáculo melodramático.
Além das representações em palco, o melodrama ganha na França
estatuto de estudo, diante da intensa adesão do público e, conseqüentemente, de
autores. Em vista desse sucesso, tratados sobre ele são produzidos, como é o caso
de Tratado do Melodrama, de Laurent Garcins, que escreve uma dissertação sobre
um drama e uma ópera, ainda em 1775. Outro comentador importante da época é
Charles Nodier, amigo pessoal de Pixérécourt, que faz a defesa do gênero no texto
Introduction au théâtre choisi de Pixérécourt:
O que vi foi que, nesta época difícil, na qual o povo pode
recomeçar sua educação religiosa e social no teatro, existe, na
aplicação do melodrama ao desenvolvimento dos princípios
fundamentais de qualquer civilização, uma visão providencial. É
necessário um teatro que coloque em cena os incômodos não
meritórios da grandeza e da glória, as manobras insidiosas dos
traidores, a dedicação por vezes arriscada das pessoas de bem. [...]
E que ninguém se engane: o melodrama não é pouca coisa, ele é a
moralidade da Revolução (NODIER apud THOMASSEAU, 2005,
p.15).
Como se observa, o gênero é visto como elemento indispensável à
sociedade daquele momento, uma vez que preenchia as faltas e os transtornos das
profundas alterações ocorridas na sociedade que o abraça por todas as suas
camadas sociais: pela classe popular, porque se reconhece na situação vivida pelas
personagens; pela burguesia que, buscando alcançar notoriedade cultural, passa a
freqüentar as salas de espetáculo agora mais acessíveis que o teatro clássico; pela
aristocracia, acompanhadora das manifestações artísticas. De certa forma, o
melodrama também interessa ao poder, já que se trata, praticamente, de uma
instituição nacional, razão essa eficiente para disseminar a idéia da reconstrução
apoiada na moral, na virtude, nos bons princípios, na ética. De fato, Nodier (1841)
compreende bem o papel funcional do teatro e sublinha o efeito educador da forma.
Com esse prestígio, no decorrer da história o melodrama conhece uma
condição ambígua: por um lado, tem seus elementos fundamentais revisitados e
continuados em formas teatrais que extrapolam o período de ebulição das
32
apresentações
3
; por outro, o termo passa a ser desprestigiado. Ainda no final do
século XIX, com a forte inclinação naturalista, o melodrama é considerado
exagerado, “anti-natural”, como Zola ataca no prefácio de Teresa Raquin:
Desafio os românticos a montarem um drama de capa e espada; o
fragor medieval de ferro, as portas secretas, os vinhos envenenados
e tudo o resto não convenceriam ninguém. O melodrama, esse
produto do teatro romântico gerado pela classe média, está ainda
mais morto e ninguém o quer. Seu falso sentimentalismo, suas
complicações de crianças raptadas, documentos recuperados, suas
descaradas improbabilidades, acarretaram-lhe tal desprezo que a
nossa tentativa de revivê-lo seria acolhida com gargalhadas... (ZOLA,
1982, p.95).
A intenção de Zola ao adaptar Térèse Raquin para o teatro, em 1873,
segundo afirma no mesmo texto, é contribuir para a otimização da arte dramática,
melhoramento tal que prevê a maior disseminação da estética naturalista agora
também plasmada nos palcos. Para ele, o teatro deve trazer a verdade e a ciência
experimental, ao contrário do que os dramas aentão executavam. No entanto,
como observa Faria (2005), a tentativa resulta em fracasso nas salas parisienses,
enquanto que no Brasil, a mesma peça montada por Furtado Coelho em junho de
1880, no Teatro Lucinda, obtém sucesso maior, resultando em diversos comentários
positivos pelos folhetinistas. É verdade que o nome de Zola e a sua proposta
naturalista é conhecida entre os brasileiros pelas vias de Eça de Queiroz, cujo
mestre – divulgava-se –, era o escritor francês.
Apesar da variação do prestígio que o nome recebe, é certo que o
melodrama influencia outros gêneros além do teatro, principalmente a espécie
folhetim, cujos autores são dramaturgos. Assiste-se, então, à identificação temática
nos palcos e no texto circulante em forma escrita, como o folhetim e o romance.
Diante da repercussão e adesão do público pelos elementos melodramáticos, tanto
academicistas quanto teóricos literários se debruçam sobre eles, inventariando a sua
história, examinando as condições de sua produção e recepção, apoiados nos
estudos sobre o texto literário e na análise do discurso.
2.2 Teóricos do melodrama
3
Carpentier (1984), avalia o melodrama como elemento incondicional para o romancista
contemporâneo.
33
O melodrama é objeto de apreciação e crítica desde o culo em que
surge e continua a ser tema atualíssimo, conforme se constata em trabalhos
acadêmicos realizados. Trata-se de assunto interessante não apenas ao âmbito dos
estudos literários, aos quais este estudo se delimita, mas a áreas da sociologia, da
antropologia, da psicologia e das artes em geral e, principalmente, desde as últimas
décadas do século XX até o momento, à mídia, cinema e as novelas. A crítica da
língua inglesa é que mais se debruça à revisão das questões do melodrama na
atualidade.
Ao realizar o levantamento de estudos e considerações a seu respeito,
constata-se que ainda no século de maior concentração da produção de peças
melodramáticas garantia de sucesso –, alguns homens do mundo das letras
registram o parecer deles sobre o melodrama. É o caso de Charles Nodier (1841),
amigo de Pixérécourt, que escreve em Introduction ao théâtre choisi de Pixérécourt,
no qual ressalta o poder moralizador e educador do gênero. No seu entender, o
enredo do melodrama e sua estrutura polarizada entre bons e maus seguida da
punição para os mal feitores constituem-se em poderosos instrumentos de
divulgação e disseminação de virtudes, verdadeiros exemplários de conduta e
justiça.
Pixérécourt, o próprio criador de melodramas dos quais se extrai o
esqueleto desse tipo de modalidade teatral, compreende o estabelecimento dessa
modalidade no teatro e a sua permanência e influência nas artes. Thomasseau
(2005) informa que três textos do pai do melodrama fundamentam o cânone
melodramático, produzidos em épocas diferentes, o que revela a sua constante
preocupação em fixar o gênero: Guerre au mélodrame (1818), Paris ou Le livre de
cent-et-un (1832) e Théâtre choisi (1841-1843). Pixérécourt comenta e fixa a
“poética” do melodrama. Em Paris ou Le livre de cent-et-un, reunião de textos de
diversos autores publicados, originalmente, em quinze volumes, Pixérécourt
estabelece a estrutura melodramática seguida pelos dramaturgos, conforme “Le
Mélodrame”, contido no Tomo 6. Nele, o autor afirma escrever para “aqueles que
não sabem ler” (THOMASSEAU, 2005, p.15), numa verdadeira democratização da
cultura, apostando, novamente, na função moralizante do melodrama. Tal idéia é
confirmada em Théâtre Choisi, onde afirma ser o melodrama o responsável pela
queda da criminalidade. No Guerre au mélodrame, Pixérécourt o aproxima da
34
tragédia, forma clássica por excelência, por provocar a catarse e a mímesis; é a
tragédia popular adaptada à época. Afirma, ainda, sua preocupação com a regra das
três unidades clássicas e justifica sua desobediência apenas quando muito
necessário, e explica que, nessas ocorrências, não o fez para dar maus exemplos a
outros teatros, conforme consta em Théâtre Choisi. Nesses tratados, que bem
podem ser considerados fundadores do melodrama, o autor atenta para dois
aspectos. Nos dois primeiros títulos, preocupa-se em verificar quais o as
constantes desse tipo de espetáculo responsáveis pela educação e, possivelmente,
transformação de costumes. nele uma certa contribuição social. Em Guerre au
mélodrame, Pixérécourt deita um olhar mais direcionado ao melodrama,
relacionando-o com as formas clássicas do teatro. Entende, então, que essa
modalidade é significativa na história do teatro, tanto na sua inovação estrutural
quanto na atuação junto à sociedade.
Além desses comentadores do século XIX, outros, no século seguinte,
retomam o assunto e sobre ele se debruçam, como forma de objeto de estudo e
análise. Embora renomados pesquisadores tratem brevemente do melodrama, como
Umberto Eco (1995) e Arnold Hauser (1995), tantos outros contribuíram de forma
significativa para as reflexões acerca do melodrama, tornando-se tradição nos
estudos desse tema. É o caso de Eric Bentley, Peter Brooks, Jean-Marie
Thomasseau, Philippe Royer, cujas considerações esta pesquisa se atém.
Eric Bentley (1967) em A história viva do teatro dedica um capítulo ao
melodrama, no qual focaliza os possíveis elementos “degenerativos” dessa
modalidade identificados pela crítica. Entende o autor que a condição mínima são as
lágrimas, isto é, um problema crítico do melodrama seria o choro fácil, no que ele
virtude, pois trata-se de um mecanismo de alívio, a catarse pregada por Aristóteles.
E, na defesa dessas lágrimas, Bentley ainda salienta que aqueles que as negam,
podem guardá-las no seu inconsciente revelado por sonhos nos quais há atuação de
um ser muito semelhante a um ator melodramático: choro, gritos, escândalos.
Outro aspecto sublinhado é a compaixão e o temor aristotélicos,
vinculados de forma inseparável. Quando se lamenta a sorte do herói do melodrama,
na verdade se lamenta a sorte daquele que assiste ao espetáculo, balizado pelo
medo, condição universal do melodrama. E, nesse sentido, a perseguição, tão
comum nesse teatro, pode representar a perseguição que os homens sentem, num
processo quase paranóico, afirma Bentley (1967). Ainda que essa situação possa
35
parecer exagerada, é isso mesmo que o melodrama propõe: o exagero, porém
gerador de sentido. “Os exageros serão idiotas se estiverem vazios de sentido”,
aponta o pesquisador (BENTLEY, 1967, p.188). Portanto, o excesso é elemento
natural da vida.
Outra consideração importante em defesa da relevância do melodrama é
a sua representação psicológica. O contraponto de pólos opostos (mal versus bem)
significa, para o autor, um retorno ao narcisismo da infância, a piedade por ele
mesmo em estados emocionais grandiosos. Lembra, ainda, que a retórica
melodramática, criticada e, por vezes, até ridicularizada, é utilizada até por Balzac. E
mesmo Zola, apesar de ter se pronunciado incisivamente contra o melodrama,
emprega elementos na sua criação ficcional típicos da estrutura do melodrama,
como o senso de fatalidade. A partir de então, examina a medida em que alguns
escritores e suas respectivas produções utilizam essa estrutura, mesmo sem
perceber (ainda que as criticassem incisivamente), como Zola e Bernard Shaw.
Em Une esthétique de l’étonnement : le mélodrame, Peter Brooks (1974)
estabelece as bases constitutivas do melodrama, elencando seus elementos
fundadores: o afrontamento, a peripécia, o espetáculo impressionante, o caráter
hiperbólico das situações (o “exagero” de que fala Bentley), frases grandiloqüentes e
a virtude triunfante. Na construção desse arcabouço, a linguagem opera de forma
hiperbólica para contrapor o bem e o mal, e, assim, enfatizar o momento do
reconhecimento da virtude, mas sem esperar, por isso, a recompensa. Por essa
mesma linguagem, constroem-se os signos, potencializados, ao ximo, de carga
emocional e moral. Esses signos envolvem desde os procedimentos retóricos e
dramáticos até aos cenários, que podem ser fechados, como um jardim cercado de
muros que contém grades, por onde podem ser visualizados os campos. Nesses,
surge a personagem intruso (disfarçado pela amizade ou pelo amor), que faz a
virtude declinar para o triunfo da maldade. Durante um período mais ou menos
extenso, ela mantém-se silenciosa, representada pelo juramento de uma
personagem de conduta incontestável ou a pedido dela. A virtude é restabelecida
quando os “julgadores” reconhecem o erro dos signos enganosos e nota-se a
oposição, agora esclarecida, entre o bem e o mal, as forças antagônicas
representadas nas personagens, denominadas por Brooks (1974) como “situação
maquiavélica”. Nesse universo de extremos, ocorrem as peripécias, revertendo o
36
destino. Essa oposição não se de maneira equilibrada e, por isso, propicia as
emoções extremas.
A partir desses elementos, Brooks atenta para a observação de Frye
(apud BROOKS, 1974) de que a busca, a evasão, juntamente com a
queda/expulsão/reabilitação constituem pilares do romance. Portanto, é reiterada
idéia de Thomasseau (2005) da aproximação entre o melodrama e o romance, até
porque muitos autores praticaram as duas modalidades. Hauser (1995) entende que
a temática melodramática e a do folhetim impresso tratam de assuntos que “giravam
em torno de seduções e adultérios, de atos de violência e crueldade” (HAUSER,
1995, p.635). De fato, estudos relativamente recentes (FOCHI, 2004) verificam a
proximidade entre o melodrama e o romance de folhetim, e apresentam a conclusão
de que ambos, com o intuito de mobilizar a participação do público, operam de
maneiras semelhantes.
Quanto à moralidade levantada por Pixérécourt (apud THOMASSEAU, 2005),
o teórico afirma serem os princípios morais as bases constitutivas do espetáculo
melodramático, com as quais ou pelas quais a trama ganha movimento, seja pela
fala das personagens, seja pelas suas ações. Quando a virtude, representante da
moral, é violentada, as peripécias e os golpes de teatro colaboram de forma
fundamental para o restabelecimento dessa moralidade, pela recomposição da
virtude; ocorrem, normalmente, em momentos de extrema dramaticidade, daí o
caráter hiperbólico da retórica. Brooks (1974) afirma que o melodrama participa do
mundo dos sonhos, em dizer aquilo que na realidade é indizível. Esse aspecto se
vincula, de alguma forma, com o fundo psicológico apontado por Bentley (1967)
relacionado, ainda, em menor ou maior intensidade, ao sucesso junto ao público.
Revisitando Aristóteles (1964), verifica-se que dois elementos importantes que
promovem (e são promovidos) pela tragédia: a mímesis e a catarse, presentes no
melodrama. Num processo mimético, a platéia se identifica com os fatos narrados no
palco; a compaixão e o terror promovidos bem podem ser os vividos por esse
público na realidade. Esse “reconhecimento” angustiante é externado pela catarse, a
purgação dos sentimentos por parte do expectador. Se o melodrama leva à
dimensão máxima os sentimentos do bem e do mal, colocando em palco de forma
intensificada os sentimentos da uma platéia também massacrada, é plausível
compreender a adesão desse público: no melodrama tudo se pode dizer.
37
Os estudos mais recentes em torno do tema cabem a Jean-Marie
Thomasseau, em O melodrama, cuja edição original data de 1984. Nele, o autor
percorre a trajetória da formação e da diversidade do modelo, assim como examina
as suas variantes. Outros pontos significativos do trabalho dizem respeito ao
sucesso alcançado dessa modalidade teatral, a qualidade dramática das obras e a
preocupação em esclarecer por que é tomado como modelo pejorativo. Para o autor,
o melodrama é filho da Revolução; junto com as profundas transformações operadas
na França, e por conseqüência em toda a Europa, o teatro responde ao novo
contexto com peças que “exorcizam e anulam os transtornos da revolução
(THOMASSEAU, 2005, p.8). Com a abertura dos teatros para toda a população a
partir do édito de 1791, a platéia passa a ser composta por populares, burgueses,
aristocracia que, interessada num aspecto com o qual se identifica, faz dos
espetáculos e da trama neles apresentada, o grande modelo teatral do século XIX,
mas que transcende esse período. O “espelhamento” entre palco e platéia garante o
envolvimento desse último elemento, que assiste aquilo que lhe é familiar ou
prazeroso, questões que remetem à discussão proposta por Brooks (1974).
Vale sublinhar a preocupação do autor em esclarecer o motivo do termo
“melodrama” ser entendido como algo pejorativo (até Pixérécourt passa a utilizar a
palavra melodrama apenas em 1802, com La femme à deux maris). Segundo ele,
ainda no século XIX os críticos desvalorizam a forma, porque levam em
consideração apenas os critérios literários, sem atentar aos efeitos utilizados e o
talento dos atores. Brooks (1974) chama a atenção para esses “recursos”: pela
surpresa, pelo encantamento, as emoções são preenchidas. A associação do termo
com a idéia de teatro popular também colabora com o pouco caso pela modalidade,
como é possível constatar na atualidade (tratado como paraliteratura, a-literatura ou
subliteratura, conforme THOMASSEAU, 2005, p. 10), ainda que, como nota Xavier
(2000, p. 82) é “a modalidade mais popular na ficção moderna, aparentemente
imbatível no mercado de sonhos e de experiências vicárias consoladoras.”
Uma diferença substancial de Thomasseau (2005) em relação aos demais
estudiosos é sua observação da diferenciação do modelo melodramático ao longo
do tempo, percebendo, inclusive, que essa variação é assistida por um público que
também se diferencia e não se massifica. Assim, o autor estabelece uma “tipologia”
dos melodramas. Para ele, como mencionado no capítulo anterior, o arquétipo desse
gênero se apoiava em bases precisas apontadas por Pixérécourt em seus textos
38
teóricos. Assim, as peças obedecem às regras das três unidades mas, quando
necessário, esse padrão é esquecido. Denominado pelo autor de “melodrama
clássico”, possui divisão em três atos (resquícios da ópera) para mais tarde evoluir
para cinco atos. Estabelecidos os atos, a trama se serve de monólogos importantes
para a compreensão da peça que possuem aspectos funcionais para que o público
compreenda o seu sentido. Tanto eles podem aparecer para recuperar
acontecimentos, revelações, peripécias ocorridas antes do tempo da cena em si
(monólogo recapitulativo), como para fazer revelações à parte pelo próprio vilão ou
pela vítima, mostrando seus medos e angústias (monólogo patético). Essa estratégia
mantém o público conhecedor de verdades ainda não reveladas na própria peça.
Para atrair o público, o melodrama clássico elabora com cuidado o título,
atenção essa que se estende às suas outras variantes. Dele, pode-se depreender a
história que pretende se contar, sempre com o triunfo da virtude. títulos com
ênfase no nome do herói/heroína seguido de um breve sintagma explicativo da sua
condição, ou do lugar onde se vive, ou, ainda, da catástrofe que marca sua
existência como, por exemplo, O Colosso de Rhodes, ou o Terremoto da Ásia, citado
por Thomasseau (2005).
Quanto à estrutura propriamente dita, algumas bases bastante
cristalizadas mantidas nas variações do melodrama e que se constituem, com efeito,
numa espécie de cânone mínimo melodramático, como pode ser depreendido de um
artigo apresentado em 1823 que comenta La pauvre Orpheline, cuja autoria
pertence a Caigniez e Pacard:
O interesse deste melodrama apóia-se na mesma base na qual se
apoiaram todos os melodramas passados, presentes e futuros; vê-
se ali um opressor e uma vítima, um poderoso celerado que abate a
fraqueza e a virtude até o momento em que o céu se manifesta a
favor do inocente e fulmina o culpado. Tudo isso não é exatamente
novo, mas nos corações dos freqüentadores do bulevar
inesgotável impulso de justiça e de humanidade. Todos os dias eles
têm novas lágrimas para a jovem perseguida e transporte de
entusiasmo para a punição do monstro, que sacrifica com suas
paixões os direitos mais sagrados da natureza. (PIXÉRÉCOURT,
1823, apud THOMASSEAU, 2005, p.34).
Desse fragmento, é possível observar o pólo bem contraposto ao mal,
circunstância em que a virtude é abalada para depois ser recomposta, seguida da
punição do vilão. Esse possui, então, papel nuclear na composição da trama
39
melodramática, porque é a partir de sua aparição que a harmonia é rompida e se
instala a perseguição, geradora da tensão que acompanha o público e grande
colaboradora para a construção da emoção e compaixão pretendidas, que, como
defende Nodier (1841), o melodrama possui caráter também educativo. Uma vez
desestabelecida a ordem, com o bem ameaçado e agredido, ocorrem reversões do
destino, reviravoltas, peripécias, advindas de maneiras normalmente não esperadas.
Como a proposta é ver o mundo novamente em harmonia, o malfeitor
deve sucumbir à verdade; a platéia deve conhecer a face do vilão e repudiar suas
maldades, tendo em vista seu conseqüente castigo exemplar, guardado para o ato
final: o reconhecimento, muitas vezes pressentido. Quando ocorre a punição, a
tensão está zerada, e o final do melodrama está próximo. Aliás, o reconhecimento
supera e anula alguns “enganos” (carta roubada ou extraviada, crianças trocadas,
avisos não dados), porque todos esses “problemas” ocorridos durante a trama são
esquecidos diante da virtude reinante após o castigo exemplar. Essa punição, que
no plano físico representa a justiça, é obra da Providência divina (mesmo que
bastante inverossímil no mundo físico, é aceitável se o referencial for o poder
celestial), intimamente ligada aos bons; o vilão é, via de regra, ateu. O esquema
básico acima descrito, embora pareça elementar, sustenta o espetáculo
melodramático e a ele um jogo dinâmico que faz a platéia manter-se fielmente
atenta. Quem salvará? Quem descobrirá a face do vilão? Qual seu castigo por
tamanha crueldade? São perguntas que atuam na curiosidade e na emoção do
público que lota os bulevares franceses.
Quanto às personagens do melodrama tido como clássico, elas são
mesmo tipificadas entre boas ou más não apenas moralmente, mas também física e
gestualmente. Basicamente, atuam o vilão, a vítima e o cômico, acompanhados por
personagens secundários que confirmam o perfil das personagens principais. O vilão
tanto pode pertencer ao grupo familiar e acabar influenciando alguma personagem
desse meio quanto pode chegar inesperadamente guardando segredos
ameaçadores ou ainda um “fidalgo malvado”, de caráter ambicioso e cruel,
disfarçado, num primeiro momento, sob as máscaras da honestidade e simpatia.
Cabem aos vilões a tarefa de dar ação, criar situações e proporcionar movimento à
trama. Por outro lado, não se nota para a vítima (mulheres ou crianças) grandes
complexidades: seu papel é submeter-se à perseguição. Para acentuar a oposição
da vítima e seu perseguidor, o seu caráter de bondade, delicadeza e sensibilidade
40
são exaltados, mas maculados diante das maldades alheias. Essa condição do
papel feminino conhece outra versão a partir de 1815, quando o adultério feminino e
suas paixões entram em cena. Se crianças, são abandonadas ou perdidas. Como se
pode notar, o herói do melodrama é um sujeito com pureza da alma, preza as
grandes virtudes e mesmo as mais simples (trabalhador, honesto, bom pai).
Restam, ainda, as personagens cômicas, atuantes nos momentos
próximos dos mais patéticos; possuem um efeito atenuador de emoções. Essas
personagens podem estar representadas pelas matronas, pelos matamouros, pelos
soldados ou pelo bobo. Desses, os mais recorrentes são os soldados que fazem
pequenas piadas ou auxiliam o herói a sair de situações complicadas e os bobos,
ingênuos que falam sem pensar, e agem inocentemente, podendo cometer, sem
intenção, a traição. Com certa raridade, aparecem, no clássico, aqueles
personagens de poder onipresente, salvador da vítima (é o “pai nobre”).
Assim, então, é construído o espetáculo melodramático. Somado à trama
dada pelo texto, existe o paratexto, fundamental na construção daquilo que é ótico.
Vale lembrar que o objetivo máximo desse acontecimento é promover a moralidade,
restabelecer a família e a propriedade, por isso o vilão é aquele que foge à
concepção da retidão de caráter. Em sentido contrário, lembra Thomasseau (2005),
as personagens da virtude gostam do dever, não reclamam do sofrimento, servem
ao seu patrão, são extremamente piedosos.
O tema amoroso não é freqüente no melodrama clássico (mas o é a partir
de 1815), porque ele pode diminuir a intensidade da convicção diante da
recuperação da virtude ou mesmo desequilibrar as ações das personagens.
Também os valores de honradez superam o sentimento amoroso; de fato, ele fica
relegado a segundo plano, exceto quando se trata do amor maternal ou fraternal.
A partir de L’Auberge des Adrets, encenada primeiramente em 1823 e
retomada em 1834 com o título Roberto Macário, o melodrama conhece uma nova
temática, especialmente no que diz respeito ao vilão; agora, ele passa a ser
compreendido como herói, que não merece ser castigado ou mesmo banido (mas
subsiste aquele tirano, conspirador, cruel). As paixões, antes ignoradas, inflamam os
palcos. Pixérécourt (1841), defensor da postura ética e moralizante do melodrama,
posiciona-se diante dos novos dramas. No já citado Dernières réflexions sur le
Mélodrame, o dramaturgo afirma tratar-se de peças maléficas, imorais.
41
Mas ainda outras alterações são conhecidas: o herói pode chegar a
cometer o suicídio, diante da não recuperação de uma falta inicial; o adultério entre
as personagens é freqüente, causando a invasão de personagens antes
desconhecidas, como os filhos bastardos, os pais desconhecidos, crianças perdidas,
além dos ideais republicanos e bonapartistas diluídos nas falas, com ações violentas
e tempestuosas. Outros tipos sociais entram em cena, como os carregadores, os
médicos, os banqueiros, advogados, costureiras.Tecnicamente, os atos passam a
cinco, subdivididos em vários quadros mais ou menos rápidos, com estadas em
esconderijos, tavernas, palácios, praças, etc. Para o encadeamento entre um quadro
e outro, insere-se o prólogo, que substitui o tão usado monólogo no melodrama
clássico.
No período do governo de Napoleão III (1852-1870), os palcos dos
bulevares voltam ser altamente freqüentados por todas as classes sociais,
apreciadoras do charme, das emoções e da prosperidade. Apresentações de óperas
e vaudevilles e romances de folhetim também fazem parte da vida cultural da época,
com forte adesão desse mesmo público. O espetáculo melodramático se atualiza:
mais personagens, mais quadros, músicas, experimentos científicos, como
hipnotismo, as novas formas de transporte. É nesse período, aliás, que as
companhias ultrapassam as fronteiras francesas e se apresentam em outros lugares.
Esse quadro de euforia pelo teatro sofre o intervalo: até por volta de 1862, quando
outras atrações cafés-concerto, operetas – tiram o público do melodrama, para ser
retomado em 1890, quando as idéias socialistas são veiculadas.
Ao encerrar seu estudo, Thomasseau (2005) atualiza a teoria sobre seu
objeto de observação. No início do século XX, duas correntes dão continuidade à
estética melodramática: uma que retoma seus princípios mais tradicionais e outra
que pretende inová-la, investindo na propriedade da “liberdade” melodramática.
Huppes (2000), em Melodrama, o gênero e sua permanência, resgata os
estudos sobre o assunto no Brasil. Nele, traça o histórico do que a autora chama de
gênero e analisa-o na produção dramática de Gonçalves de Magalhães, Martins
Pena, Gonçalves Dias, Luís Antônio Burgain e Francisco Adolfo de Varnhagen.
Nesse intento, dois pontos se destacam no trabalho: a preocupação em firmar o
melodrama como um espetáculo importante, levando-se em consideração a sua
descendência da tragédia e a sistematização do modelo. Em relação ao primeiro
aspecto, a autora partilha da visão de Bentley (1967) de que o melodrama segue os
42
passos da tragédia, porque possui o mesmo objetivo de envolver a platéia pela
identificação e, conseqüentemente, pela purificação. No entanto, elas divergem,
segundo a estudiosa, quanto à maneira de obter a adesão desse público: a tragédia
é mais comedida, debruça-se na alma humana; o melodrama intensifica sentimentos
(medo, paixão, rancor, dor) e não elabora com cuidado as conexões entre um
acontecimento e outro. Interessa, para ele, o excesso, o impressionismo da cena,
capaz de superar a lógica: é o espetáculo melodramático.
Interessa observar, como mencionado, a sistematização que Huppes
(2000) propõe acerca do modelo, especialmente no que diz respeito ao desfecho. A
estruturação é bipolar e alterna momentos de euforia e serenidade com momentos
de desolação e desespero, mais dinâmico, com arranjos visuais e sonoros que
seduzem a platéia, e buscam o desfecho. Se ele visa ao restabelecimento da justiça,
o final é positivo e moralizante; se visa à felicidade amorosa, encontra o infortúnio.
No primeiro caso, o grupo das personagens boas violadas consegue reverter a
situação e restabelecer a virtude; no segundo, a suposta impossibilidade da
realização sentimental se concretiza. O casal está em disjunção por questões
sociais, ou por equívocos que são percebidos apenas quando já não é mais possível
repará-los (ocorre a morte ou o enlace com outra pessoa).
Embora o texto se prenda ao melodrama tradicional, ele aponta a
perspectiva da permanência e mesmo a atualidade do gênero, opinião comum de
Bentley (1967), para quem o melodrama é moderno porque objetiva os sentimentos
e não a racionalidade, ainda que lide com eles de forma hiperbólica. O cinema
hollywoodiano e as telenovelas, consideradas herdeiras do romance de folhetim,
com quem o melodrama mantém intimidade e divide o mesmo público que, nas
palavras de Hauser (1995, p.895), ambos se dirigem “pelos mesmos princípios
formais e critérios estéticos”, bem recebem ao arquétipo melodramático, como
exemplifica Xavier (2000, p.83):
Titanic (1997), por exemplo, soube muito bem se inserir nesta via
aberta pela nova geração da indústria: de um lado, as agonias do par
amoroso, no caso temperadas pela oposição entre o altruísmo do
jovem plebeu e a vilania dos aristocratas (tema do século XVIII que
Hollywood não pára de reciclar); de outro, as imagens de impacto a
indiciar alta tecnologia e dinheiro. Esta articulação entre melodrama e
efeitos especiais é de uma enorme eficácia, pois nos gratifica das
mais variadas formas em sua operação de “tornar visível”. Ruínas
perdidas no fundo do mar guardam o segredo de um romance mais
43
precioso do que o diamante procurado. E a enorme engrenagem
narrativa se põe em marcha para que, no final, a pedra finalmente
ao fundo levando suas ressonâncias simbólicas, enquanto, em outro
plano, a experiência romântica que a retira de circulação atinge o
ápice do seu valor de troca.
O breve comentário observa a estrutura melodramática viva e pulsante na
produção do cinema americano. Como aponta Huppes (2000), o tema da felicidade
amorosa não se realiza, dado aos obstáculos sociais impostos: o moço não pertence
à mesma classe social que sua amada, o que é inaceitável pela família dela. A
intensidade do sentimento de ambos, construído sem dificuldades existenciais e de
maneira simplificada (a felicidade de estarem um ao lado do outro é infinita), é
mantida até o desfecho: o casal mantém-se unido até a morte. Aliado a essa trama,
o cenário ricamente construído (com o navio portentoso de alta tecnologia para a
época, pessoas da alta aristocracia em paralelo aos plebeus, festas e jantares
luxuosos), os “golpes de teatro” resolvem as tais “faltas de nexo”, como a cena em
que o moço, por uma questão de “destino”, consegue embarcar.
Todos esses pilares melodramáticos provam, mais uma vez, mesmo no
final do século XX, sua força. Tanto o filme em si como a trilha musical (o que
remete à origem do melodrama) obtiveram grande sucesso junto ao blico,
cumprindo as condições mínimas da narrativa levantadas por Aristóteles, como
aponta Umberto Eco (1995, p.194): “quer a trama siga uma curva constante ou
sinusoidal, as condições essenciais da narrativa, tais como Aristóteles as definiu na
sua Poética (início, tensão, ponto culminante, desenlace e catarse) permanecem
imutáveis”. Vale lembrar ainda que este estudo não se proponha a examinar a
questão – que o melodrama recebeu (e recebe) uma ótica depreciativa. Pensadores
e críticos, na atualidade, discutem sobre a manipulação emocional operacionalizada
que as massas são facilmente atraídas por esse tipo de fantasia, de emoção, de
catarse.
Tecnicamente, os cortes das cenas utilizadas no melodrama e o
impressionismo centrado nelas são recursos bem vivos e operantes até mesmo em
telejornais, lembra Huppes (2000). A informação não é transmitida de forma neutra,
imparcial, mas com um tom dramático, criando cenas catastróficas, numa
“espetacularização da vida”. (HUPPES, 2000, p.150).
Pelo o que é possível perceber, o melodrama recebe atenção de toda
ordem e em todo tempo, muito além do da época da sua criação. Pesquisas atuais
44
junto aos bancos de dados mostram que o assunto é objeto de trabalhos
acadêmicos recentes (teses, dissertações, congressos), o que demonstra, de fato, a
permanência e a autenticidade do modelo, como confirma Xavier (2000, p.86):
A teoria atual observa que não é o conteúdo específico das
polarizações morais que importa, mas o fato de haver tais
polarizações definindo os termos do jogo e apelando para fórmulas
feitas. melodramas de esquerda e de direita, contra ou a favor do
poder constituído, e o problema não está tanto numa inclinação
francamente conservadora ou sentimentalmente revolucionária, mas
no fato de que o gênero tradicionalmente abriga e, ao mesmo tempo,
simplifica as questões em pauta na sociedade, trabalhando a
experiência dos injustiçados em termos de uma diatribe moral
dirigida aos homens de má vontade.
3 OS CONTOS DE EÇA DE QUEIROZ
3.1 Localização literária
Ao examinar a linha de evolução, conforme Reis (1978, p.11-12), é
possível rastrear uma
[...] visão de conjunto da obra de Eça de Queiroz, que revela-nos,
antes de mais, um escritor polifacetado, porque responsável por uma
produção literária que pode ser distribuída por três sectores: um
Eça romântico (o das Prosas Bárbaras (1866-1867) e o da primeira
versão d’O Crime do Padre Amaro (1875); depois, um Eça
progressivamente atraído pelos valores do naturalismo [...], há,
finalmente, um Eça eclético, isto é, aberto a várias tendências
estéticas e sobretudo não enquadrado de modo rigoroso em
qualquer corrente específica [...].
A tradição dos estudos sobre a obra queiroziana aponta “fases”, segundo
as quais será possível observar a predominância de um estilo e até de uma estética.
Essas fases, de acordo com Oscar Lopes e José Saraiva (1969), são as seguintes:
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1ª fase: As prosas bárbaras;
2ª fase: 1871 a 1880 (fase realista);
fase: A cidade e as serras, A correspondência de Fradique Mendes,
A ilustre casa de Ramires, As vidas dos santos.
Em estudos mais recentes, com alguns “ajustes” em relação à clássica
tripartição das fases, Reis e Milheiro (1989, p.97-98) analisam os três momentos da
produção, apontando, na última fase, um certo ecletismo, uma vez que transita entre
o realismo crítico e “um certo fascínio pelo imaginativo fantástico”. Outros
estudiosos, como Grossegesse (1995), defendem a presença da ambigüidade na
produção do escritor, fruto das influências do século XIX.
Como mencionado, no início dos seus escritos que se têm registrados,
Eça produz as Prosas Bárbaras, título stumo publicado em 1903 e que resgata
folhetins publicados na Gazeta de Portugal entre 1866-1867. França (1993) diz que
“estas prosas eram ‘bárbaras’ pelo estilo recheado de imagens e pelo seu ultra-
romantismo que transportava em si a própria condenação. Florestas de
fantasmas, de espectros, onde as forcas escreviam suas memórias [...]”. Trata-se de
textos curtos, de pequena extensão. Se essa foi uma “experimentação” ou uma
“iniciação” no curso do fantástico, o estilo não se estende: como concorda Franchetti
(2007), não há continuidade nem de estilo nem de forma na sua produção. As
Prosas bárbaras representam as notáveis tendências de Vitor Hugo, Baudelaire,
Nerval, Heine, e também Comte, Hegel e Proudhon. Essas leituras se tornam mais
acessíveis com a inauguração da estrada de ferro que chega a Coimbra.
Organizados os encontros, os jovens liderados por Antero de Quental lêem e
discutem os textos com entusiasmo, seguidos de longas declamações à madrugada:
Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo.
Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico e Proudhon; e Hugo,
tornado poeta e justiceiro dos reis; e Balzac, como seu mundo
perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o Universo; e Poe, e
Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros! (QUEIROZ, 2000b,
p.815).
A transposição para a segunda fase é gradual. Em “Egito” (edição
póstuma), observa-se um estilo mais filiado ao dos moços de Coimbra, por
apresentar detalhes advindos de observações precisas. Vale lembrar que a obra é
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constituída por notas tomadas na viagem que Eça realizou ao Oriente no final de
1869.
É justamente na segunda fase que se observa a precisão da escrita que
consagra o escritor. De 1871 (ano das Conferências no Cassino) a 1880, Eça leva
ao público o resultado fecundo da sua observação aguda, crítica, apurada da
sociedade portuguesa. O crime do Padre Amaro e O primo Basílio, obras de sucesso
junto ao público, são títulos tidos como naturalistas e pertencentes a esse momento,
o da segunda fase. Porém, com a publicação de O Mandarim, pequena novela
publicada em julho de 1880 no Diário de Portugal, cujo enredo possui teor fantástico,
Eça se distancia do estilo realista-naturalista e, na colocação de Franchetti (2007)
encaminha-se para um “discurso impressionista”, desenvolvendo narrativas com
outro estilo.
São consideráveis as colocações de ordem estética que apresenta em
determinados textos, como os prefácios que escreve para livros de amigos. Em O
Brasileiro Soares (1886), de autoria de Luiz de Magalhães, Eça, aproveitando-se da
figura do “brasileiro”, evidencia uma suposta falsidade romântica. Segundo ele, os
românticos aproveitam o momento oportuno para tematizar determinado assunto.
Para exemplificar, toma o exemplo do emigrante. Este não agrada, pois “esse
labrego, largando a enxada, embarca para o Brasil num porão de galera, com um
par de tamancos e uma caixa de pinho” (QUEIROZ, 2000, p.52). Porém, quando
[...] este mesmo cavador endinheirado comovia o Romantismo até à
Elegia, quando ele era ainda o triste emigrante, parando uma
derradeira vez na estrada, para ouvir o ruído do açude entre as
carvalheiras da sua aldeia; quando ele era o pobre embarcadiço, de
noite, do mar gemente, encostado à borda da escuna Amélia,
erguendo os olhos chorosos para a lua de Portugal... Apenas voltava
porém, com o dinheiro que juntara carregando todos os fardos da
servidão – o saudoso emigrante passava logo a ser brasileiro, o
bruto, o reles, o alvar. (QUEIROZ, 2000a, p.52).
Nesse prefácio, evidencia-se a visão da estética plasmada em solo
português. O olhar agudo, preciso e incisivo capta o cotidiano e o analisa. Se antes
o emigrante era um ser que interessava ao romântico, depois passa a ser
repugnante, porque “o trabalho despoetizara o triste emigrante” (EÇA DE QUEIROZ,
2000, p.52). O emigrante, então “brasileiro”, apresentado por Luiz de Magalhães em
sua obra, traça um novo perfil desse sujeito, analisado por Eça no prefácio do título:
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Querendo estudar um brasileiro, num romance, V. faz isto, que é tão
fácil, tão útil e que nenhum dos antepassados da literatura quis
jamais fazer: abre os olhos, bem largos, bem claros, e vai de perto
olhar para o brasileiro, para um qualquer, que passe num caminho,
em Bouças, ou que esteja à porta da sua casa, na Guardeira, com o
seu casaco de alpaca. E imediatamente reconhece que ele, como V.
e como o seu vizinho, é um homem, um mero homem, nem ideal,
nem bestial, apenas humano: talvez capaz da maior sordidez, e
talvez capaz do mais alto heroísmo, podendo bem usar um horrível
colete de seda amarela, e podendo ter por baixo dele o mais nobre, o
mais leal coração: podendo bem ser ignóbil, e podendo, por que
não?Ter a grandeza de Marco Aurélio! (QUEIROZ, 2000a, p.55).
Ainda nesse segundo momento da evolução literária, não poupa as bases
burguesas. Além da família ser defeituosa na constituição (casamentos por
conveniência), focaliza a mulher, vítima de uma educação romântica, que a leva ao
adultério. Na mesma linha problemática situa-se o clero, portador de vícios
escondidos, como o desvio do celibato, a boêmia, a corrupção, enfim, a vida
desregrada não prevista nos padrões eclesiásticos. O lazer burguês também vem à
cena: os salões, por exemplo, são formados por personagens frívolas, teis, que se
divertem por meio da satisfação de vícios (jogos, bebidas, gula). Esses são frutos
das condições culturais, da educação e da literatura, que são insistentemente
atacados no meio português.
Se nesse momento de sua produção o autor português segue as
recomendações da teoria do romance realista advindas da literatura francesa, numa
análise perspicaz dos tipos sociais, adiante essa veia incisiva se dilui, tornado-se
bem menos incisiva, traço caracterizador da fase que vem recentemente
denominada entre os estudiosos ecianos de “último Eça”. o que perca sua crítica,
mas a operacionaliza de forma conjugada a outros elementos, observando
diferenças e deveres sociais, numa espécie de conscientização coletiva. É o que se
observa, por exemplo, nos contos das Últimas páginas (obra stuma),
especialmente em “S. Cristóvão”. Nele, Cristóvão se mostra um homem puro e
inocente, que ajuda espontaneamente o povo, tendo em vista a vaidade e a
hipocrisia da sociedade causadoras da exploração dos humildes, o que faz dele um
homem de ações, acima de ideologias, preocupado em resgatar valores nobres.
Juntamente com as produções ficcionais mais conhecidas, Eça de
Queiroz vai produzindo os contos, tipo de narrativa que vai acompanhá-lo durante
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toda sua história literária, ainda que, para Álvaro Lins (1959), ele os produza para
colaboração remunerada ou amizade. Levando em consideração as colaborações
para a Gazeta de Portugal e Districto de Évora constata-se que as primeiras
histórias publicadas datam de 1866, estendendo-se até 1897, atravessando,
portanto, toda a história literária do escritor e seus diferentes momentos de criação
estética. Os contos nunca foram reunidos para publicação em vida; Eça sempre os
apresentou em periódicos brasileiros e portugueses. Eles são editados dessa forma
apenas em 1902, dois anos após a morte do escritor, a pedido de sua esposa, pela
editora Lello e Irmãos Chardron. Nessa edição, que leva o título geral de Contos,
constam doze narrativas, que se tornaram conhecidos dos leitores ecianos:
“Singularidades de uma rapariga loura” (publicada no Diário de Notícias, 1874), “Um
poeta lírico” (publicada em O Atlântico, 1880), “No moinho” (publicada em O
Atlântico, 1880), “Civilização” (publicada na Gazeta de Notícias, 1892), “A aia”
(publicada na Gazeta de Notícias, 1893), “O tesouro” (publicada na Gazeta de
Notícias, em janeiro 894), “Frei Genebro” (publicada na Gazeta de Notícias, em
março de 1894), “O defunto” (publicada na Gazeta de Notícias, em 1895), “Adão e
Eva no paraíso” (publicada no Almanach Enciclopédico, 1896), “A perfeição”
(publicada na Revista Moderna, em maio de 1897), “José Matias” (publicada na
Revista Moderna em junho de 1897), “O suave milagre” (publicada na Revista
Moderna e dezembro de 1898). Trata-se, então, de textos publicados vistos e
revisados por Eça quando apresentados para os periódicos, mas não quando são
reunidos nos Contos. Dessa primeira edição não constam outros títulos contidos na
Gazeta de Portugal, talvez pela extensão ainda menor que os mencionados e por se
tratarem de narrativas tétricas, fantasiosas, influenciadas pelas leituras da juventude.
Também não estão selecionados outros títulos que Eça escreveu.
O questionamento realizado por estudiosos ecianos acerca dessa edição
se refere ao critério adotado, uma vez que não atende nem ao cronológico nem ao
temático. Outras edições posteriores a da organizada pioneiramente por Luís de
Magalhães repetem títulos, mas com pequenas alterações. É o caso da de Luiz
Fagundes Duarte (1989), que inclui o texto “Tema para versos”, introdução ao conto
“A aia” e também o conto “Milagre”. O autor cuida para que os contos sejam
agrupados por critérios temáticos contemporâneos a Eça e por temas bíblicos,
medievais ou mitológicos. Também o volume de Helena Cidade Moura (1999),
49
editado pela Livros do Brasil, traz o conto “Outro amável milagre”, título não incluído
na edição de 1902.
Contudo, outras narrativas produzidas continuavam quase no anonimato,
até que o espólio dos textos originais do escritor é comprado em 1975 e depositado
na Biblioteca Nacional de Lisboa, onde uma equipe de filólogos e queirozianos se
debruçam para estabelecer os textos originais.
Por ter suas criações amplamente publicadas, a produção queiroziana
sofre alterações, sobretudo em relação aos títulos póstumos. Quando da sua morte,
a esposa, Dona Emília, em carta a Ramalho Ortigão, solicita que ele e Luís de
Magalhães examinem os papéis que ela recolhera e consultem as editoras Lello e
Irmão e Livraria Chardron. Aceitos os pedidos, ambos passam a realizar a “revisão”
daqueles papéis. Sabe-se que Luís de Magalhães cuida para que as publicações
aconteçam. Por outro lado, Ramalho não: após sua morte, em 1915, seus filhos
encontram manuscritos de A capital, O conde de Abranhos e cartas de Fradique
Mendes, que são então enviadas a José Maria de Eça Queiroz, filho mais velho do
escritor, em 1924.
De posse dos manuscritos, e passando por dificuldades financeiras, o
filho “termina” o que era inacabado, imitando o estilo do pai. Declara que “toda obra
póstuma de meu Pai, publicada nessa casa [Lello], organizada por amigos
dedicados, de acordo com minha e, compunha-se de trabalhos completos,
quase perfeitos.” (apud REIS, 1999, p.189). A família sempre se manteve muito
reservada em relação aos assuntos mais particulares e muito atenta à forma como a
crítica se posicionava diante do autor, o que causou alguns mal-estares. O filho
declara acerca dos manuscritos: “É claro que possuímos, minha irmã e eu, cativos,
quantidades de papéis íntimos do nosso Pai, toda uma vasta correspondência,
notas, manuscritos, e tudo isso, todo esse espólio é nosso, muito nosso,
exclusivamente nosso” (SIMÕES, 1980, p. 46).
Com o objetivo maior de preparar a edição crítica dos textos queirozianos,
isto é, de restituir a autenticidade possível ou aquilo que seria a vontade final do seu
criador, a Biblioteca Nacional conserva seu espólio composto por catorze caixas,
contendo, até o momento, 309 documentos. Fazem parte desse acervo os
manuscritos originais das obras póstumas e semi-póstumas, cartas a sua esposa e
alguns “rascunhos” de textos. Esse conjunto possui extensão e natureza muito
desiguais, de acordo com o responsável pelos estudos, Carlos Reis, da
50
Universidade de Coimbra e um dos principais pesquisadores da produção
queiroziana. Segundo ele (1999, p.192-3), após todo o processo de estudo e
posterior estabelecimento dos textos, as edições críticas se estabelecem em obras
de ficção, divididas em não-póstumas, semipóstumas e póstumas; crônicas e textos
de imprensa, epistolografia, organizada em dois blocos: o doutrinária e o particular;
narrativas de viagem e traduções.
Vale dizer que a publicação das edições críticas fica a cargo da
Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Até o momento, já as possuem Textos de
Imprensa I, IV, V e VI, O crime do Padre Amaro, Alves e Cia, A ilustre casa de
Ramires, O mandarim, A Capital, Correspondências e Contos II.
Nesse último, quatro títulos pouco conhecidos vêm à tona: “A catástrofe”,
“Um dia de chuva”, “Enghelberto” e “Sir Galahad”, estabelecidos por Marie-Hélène
Piwnick, pesquisadora da produção contista de Eça. Segundo a estudiosa (2003),
esses seguiram a releitura dos filhos do escritor, e publicados, respectivamente, em
1925, 1929 (segunda e terceira narrativa mencionadas) e 1966, e apresentam-se,
agora, corrigidos e esclarecidos, apesar de sua condição ser menos acidentada do
que em outros casos. Os manuscritos, encontrados nos escritório do escritor em
Neuilly e transportados para Tormes em 1924, mostram que “A catástrofe”
(relacionada com o projeto do romance A batalha do Caia, nunca publicado) e “Um
dia de chuva” são narrativas acabadas, mas “Enghelberto” e “Sir Galahad”, não;
tratam-se de rascunhos. A leitura deles mostram que os dois primeiros estão ligados
à preocupação realista do autor, enquanto os dois últimos com as temáticas
medievais.
Além dos acima mencionados que possuem texto estabelecido
criticamente, outros títulos foram publicados postumamente. Em 1912, Luiz de
Magalhães edita as Últimas páginas teoricamente os derradeiros textos de Eça –,
contendo as três lendas dos santos (“S. Cristóvão”, “S. Frei Gil” e “Santo Onofre”).
Após a essa publicação, os originais dos dois primeiros se perderam e apenas do
último é que existem algumas folhas.
Os contos recebem maior atenção das editoras brasileiras nos últimos
anos, quando determinados títulos são publicados a custo baixo. Também em língua
estrangeira essas narrativas aparecem no mercado editorial: Rarezas de uma
51
muchacha rubia
4
, Singularités dune jeune fille blonde
5
, Une singulière jeune fille
blonde
6
.
É importante ressaltar que a aguardada edição da Obra completa,
organizada e fixada pela professora Beatriz Berrini, é completa, não só, mas
também, em relação às narrativas breves. Dela constam desde pequenos textos
chamados por Piwnick “contos latu sensu(BERRINI, 2000, p.1369), reunidos nas
Prosas bárbaras, passando pelos títulos da primeira edição dos Contos, em 1902 e
alcançando títulos póstumos, como os dos santos e aqueles com edição crítica
acima mencionados. Cabe salientar que os textos literários dos quais este trabalho
se serve pertencem a essa edição, pela sua reconhecida seriedade compartilhada
na comunidade acadêmica queiroziana.
Ainda que a narrativa breve não tenha sido exatamente a sua linha de
produção principal, ela o acompanha durante toda sua carreira de escritor. Lins
(1959, p.30) entende que
Escrevia contos, porém, com todos os requisitos do gênero, como
era conceituado no século XIX. Não fez contos-resumos de romance,
não fez contos-simples, crônica de um fato ou
apresentação de
personagens. Os de Eça são sintéticos, monocromáticos,
casuísticos. Não se sabe se conheceu os de Maupassant, mas os
seus são bem à antiga: o enredo forma-se sempre de um caso fora
do comum. Neles, Eça esquecerá um pouco os seus mestres e
esquecerá de todo as exigências da escola realista. Nos romances
estará murado pela disciplina e pelos processos naturalistas; nos
contos, sente-se mais livre para as aventuras da imaginação.
Dessa fala destaca-se a idéia da originalidade da narrativa ao tratar de
um assunto diferenciado a tal ponto de merecer ser contado. Porém, nem sempre
seus contos se distanciam dos ideais estéticos realistas defendidos e difundidos por
Eça, até publicamente. É o caso de “Singularidades de uma rapariga loira” e de “No
moinho”, para ficar nos títulos mais incisivos.
O próprio autor se manifesta, ainda que poucas vezes, sobre as suas
intenções em relação ao conto. Para ele, a linha de composição deve ser sóbria,
rápida, o que está em consonância com os comentadores da época, como Poe, no
4
QUEIRÓS, E. de. Rarezas de uma muchacha rubia. Madrid: Aguilar, 1988.
5
______. Singularités d’une jeune fille blonde. Paris: L’age d’homme, 1983.
6
QUEIRÓS, E. de. Une singulière jeune fille blonde. Paris : Gallimard, 1997.
52
que se refere à brevidade, o que parece estar ligado ao princípio do bem escrever,
bem ouvir e bem compreender. Em outras palavras, tal procedimento mantém o
leitor atento, sintonizado à história bem contada. A esse respeito, Eça de manifesta
em carta aos Condes de Arnoso e de Sabugosa, em 1895, avaliando o volume De
braço dado:
Foi um delicado prazer o ter-vos aqui, toda uma noite, ouvindo, ora a
um, ora a outro, uma linda história bem sentida, real e no entanto
poética, e contada com uma arte fina e sóbria. Positivamente, contar
histórias é uma das mais belas ocupações humanas [...]. Todas as
outras ocupações humanas tendem mais ou menos a explorar o
homem; só essa de contar histórias se dedica amoravelmente a
entretê-lo, o que tantas vezes equivale a consolá-lo. Infelizmente,
quase sempre, os contistas estragam seus contos por os encherem
de literatura, de tanta literatura que nos sufoca a vida! Vós não sois
desses: contais simplesmente, com elegância, o que observais com
verdade; e por isso nos dais histórias vivas que deixam uma emoção
viva. (QUEIROZ, 1961, p.97)
Essa carta escrita cinco anos antes de sua morte guarda a opinião do
escritor experiente, conhecedor da prática da composição e da leitura. Anos antes,
em 1884, em carta a Oliveira Martins, Eça reclama de sua “névoa intelectual” que o
impede até mesmo de encomendar com clareza uma peça ao alfaiate. Diante dessa
“incapacidade”, por uma questão de honestidade, limita –se a produzir contos para
crianças e sobre a vida dos grandes santos.
A leitura da correspondência de Eça é reveladora em relação ao cuidado
despendido pelo escritor à elaboração de seus títulos contistas. Em setembro de
1891, quando reclama de indisposição física, o autor comunica a Luís de
Magalhães, editor, que acredita ser seu conto encomendado extenso para a
publicação pretendida e que o consegue fazê-lo menor sem prejuízos. Afirma:
“Cada vez possuo menos aquela arte de concisão que caracteriza o verdadeiro
escritor”. (QUEIROZ, 1961, p.86). Um mês mais tarde, notícias ao seu editor que
o primeiro número da revista o pode conter o seu conto, porque o conseguiu
diminui-lo na sua extensão.
Eça, pelo o que pode ser observado na leitura de suas cartas, reconhece
a propriedade necessária para aliar qualidade à brevidade, compatibilidade
alcançada por ele em seus próprios contos.
53
3.2 Fortuna crítica
Em estudos anteriores (JARDIM, 2003), se observou que a produção
contista não é objeto de estudo pontual. A atualização da fortuna crítica não
aumenta o número de estudos e publicações; esparsamente encontram-se trabalhos
em eventos acadêmicos. No entanto, estudos de toda ordem sobre textos ficcionais
e não ficcionais queirozianos estão na ordem do dia, principalmente por volta do
ano 2000, um pouco mais, um pouco menos, quando é lembrado o centenário. É o
caso das publicações crítico e/ou informativas, como o de Carlos Reis, Estudos
Queirosianos Ensaios sobre Eça de Queirós e a sua obra (Lisboa, Editorial
Presença, 1999), Manuel dos Santos Alves, Eça de Queiroz: Sob o signo de
Mnemósine: intertexto, interdiscurso, dialogismo (de Tróia ao Lácio) (Braga,
Universidade do Minho, 1992); Mário Vieira de Carvalho, Eça de Queiroz e
Offenbach: a ácida gargalhada de Mefistófeles Lisboa (Edições Colibri, 1999); Aníbal
Pinto de Castro, Eça de Queiroz da realidade à perfeição pela fantasia (Lisboa, CTT
Correios de Portugal, Edição Clube do Coleccionador, 2001); Maria do
Rosário Cunha, Molduras: articulações externas do romance queirosiano (Coimbra,
Universidade Aberta, 1997), Ana Paula Guimarães, O Livro: Eça, Platão, Mallarmé e
Borges (Lisboa, Apenas Livros Lda, Colecção À Mão de Respigar n.º 9, 2003),
Eugénio Lisboa, No Eça nem com uma flor se toca Eça visto por gio (Lisboa,
Instituto Camões, 2002), A. Campos Matos, Sobre Eça de Queiroz (Lisboa, Livros
Horizonte, 2002); Ana Nascimento Piedade, Fradiquismo e Modernidade no Último
Eça Lisboa (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003), Maria do Carmo Castelo
Branco Sequeira, A Dimensão Fantástica na obra de Eça de Queiroz (Porto, Campo
das Letras, 2002), Maria João Albuquerque Figueiredo Simões, Ideias Estéticas em
Eça de Queiroz (Coimbra, Edição da Autora, 2000), Helena Carvalhão Buescu,
Descrição, ironia e antropologia literária: Eça de Queirós (Porto, Campo das Letras,
2001). Quanto às pesquisas, acrescenta-se uma tese da Universidade de São Paulo
(1999) na qual é examinada a importância e o efeito dos adjetivos na construção das
narrativas breves. Outro trabalho relativamente novo acerca dos contos queirozianos
é o de SILVA (1999), intitulado Le réalisme dans Contos de Eça de Queiroz: étude
des septs contes dits non-réalites, apresentado na Université de Paris, em 1999,
mas que não se encontra disponível nas bibliotecas digitais.
54
No entanto, os textos de maior extensão de Eça são temas de estudos em
diversos lugares, conforme revelam as pesquisas nas bases de dados nacionais e
internacionais
7
. Trabalhos mais interessantes ficam por conta de publicações que
focalizam títulos específicos, segundo levantamento bibliográfico realizado junto à
Biblioteca Nacional de Lisboa e à Fundação Eça de Queiroz, em Tormes (nome
fictício da Quinta da Vila, herança da família Eça de Queiroz, localizada em Santa
Cruz do Douro, cuja Fundação é presidida pela nora da filha do escritor). O
levantamento dos trabalhos e a leitura de seus conteúdos permitem dizer que eles
são textos curtos, publicados por ocasião de comemorações e/ou eventos
acadêmicos. Eles se prendem, na maioria das vezes, a análises estruturais dos
textos, examinando como as categorias narrativas o construídas e em quais
maior investimento narrativo, tendo em vista o efeito pretendido, como é caso de
Abel Barros Baptista (1986) ao tratar do conto “José Matias”, Jacinto Prado Coelho
(1968), no seu tradicional estudo sobre a mesma narrativa ou ainda Juan Paredes
Nunez (1985) em “José Matias’ de E. de Q.: tentativa de descrição estrutural”.
Outros fazem um recorte temático e o exploram no título escolhido, exemplo
constatado no trabalho de Ana Paula Ferreira (2002) ao analisar o tema do
homossexualismo ainda no mesmo conto (aliás, é fato que esse é o que mais recebe
atenção dos estudiosos). Por último, o grupo que se atém ao exame da forma conto
na produção eciana, verificando, assim, como o autor fixou essa forma narrativa na
literatura portuguesa do século XIX. Recentemente Carlos Reis ministrou uma
conferência acerca dos contos na França, em Clermont-Ferrand, intitulada Eça de
Queiroz: produção literária e escrita do conto, que não existe em texto. Em termos
de estudos mais amplos, as referências continuam a ser Contos de Eça de Queiroz,
7
BERRY-HORTON, Glenna. Fatal attractions in luso-brazilian literature.
SIMAS-ALMEIDA, Leonor. The reader's emotional response to the characters in “O Primo
Bazilio”, “Madame Bovary” and “The Awakening” (Eca de Queiros, Portugal, Gustave Flaubert,
France, Kate Chopin).
RIPPON, Maria Rose. Whose crime and whose punishment? Adultery in the nineteenth-century
novel (Gustave Flaubert, Eca de Queiros, Kate Chopin, Leo Tolstoy, Russia, Spain, Portugal,
France).
ABEL-QUINTEIRO, Margaret Mary. Eca beyond realism: a study of the language of flowers in “Os
Maias” .
55
de Maria Eduarda Vassalo Pereira (1983)
8
; Leitura de um conto de Eça de Queiroz:
“Singularidades de uma rapariga loura”, de Maria Adelaide Coelho e Arlete Miguel
(1991) e Introdução à leitura dos contos de Eça de Queiroz, de Henriqueta M. A.
Gonçalves (1991). Ainda no grupo de abordagens gerais enquadra-se o artigo de
Lauro Escorel, “E. de Q. contista”, no Livro do Centenário de E. de Q., lançado em
1945.
9
Diante do quadro apresentado, no qual é possível visualizar de forma
panorâmica os estudos acerca dos contos (cujos resultados e discussões serão
tomados em momento oportuno para este trabalho), observa-se que é um campo
menos investigado que os romances e, por isso mesmo, várias tônicas se mantêm
latentes. Dos trabalhos existentes de maior extensão cujos títulos foram
mencionados acima, nota-se que uma das grandes preocupações é reconhecer as
temáticas desenvolvidas em consonância ou não com a estética em voga e, a partir
de então, estabelecer um “agrupamento” ou uma aproximação entre as produções
contistas e, até, entre elas e aquelas de maior extensão.
4 O CORPUS E A METODOLOGIA
Para tratar dos títulos selecionados para este trabalho que compõem o
seu corpus, faz-se necessário retomar a proposta deste estudo, a tese sobre a qual
ele se sedimenta. Parte-se do senso comum de que Eça de Queiroz é o escritor
português realista de maior representatividade em Portugal, tanto pela sua produção
propriamente dita, como pela sua atividade militante em defesa da estética que julga
ser transformadora da sociedade, sobretudo na chamada segunda fase. Nesse
sentido, interessou em abordagem anterior (JARDIM, 2003) examinar como a
temática amorosa é tratada na produção contista do escritor, que é uma condição
cara aos românticos tão criticada pelos realistas. As conclusões desse estudo
apontam, entre outros, o uso de uma estrutura e mesmo de recursos próprios do
melodrama, espetáculo típico do século XIX cujo histórico que engloba sua evolução
já foi percorrido no segundo capítulo deste trabalho, que examina, agora, a utilização
dessa modalidade teatral plasmada na narrativa breve queiroziana.
8
Essa publicação não possui reedição, e a dificuldade de encontrá-lo é bastante grande.
9
As referências completas se encontram no final do trabalho.
56
Como é fácil concluir, o esqueleto melodramático não está presente em
todo e qualquer conto, e sim naqueles mas nem todos que tematizam o amor. A
fim de verificar a hipótese que aqui se propõe, elege-se como corpus de análise os
títulos “Singularidades de uma rapariga loira”, “No moinho”, “José Matias”, “Um poeta
lírico” e “Um dia de chuva”, cujas publicações obedeceram destinos diferentes.
“Singularidades de uma rapariga loura”, produzido em 1874 quando o
escritor trabalhava em Havana, aparece no Diário de Notícias como “brinde aos
senhores assinantes”, num suplemento. Em geral, esse conto é entendido pelos
críticos como a primeira narrativa realista portuguesa. Na carta a Eugênio de Castro,
editor da série Biblioteca Internacional, datada de 21 de fevereiro de 1896, Eça
responde ao editor que propõe a continuação (ou, talvez, a reedição) de “Rapariga
loura”:
[...] não tornei a ler, nem sequer avistar, essa ‘Rapariga loura’, desde
que ela apareceu, mais de vinte anos, no Diário de Notícias, e
estou receando que esse trabalho, assim desenterrado, necessite
muita limpeza e muito conserto. (QUEIROZ ,1961, p.101).
Apesar da manifestação “reparadora” de Eça sobre essa narrativa, não
notícias de que ele tenha voltado a trabalhar nela.
“Um poeta lírico” e “No moinho” são contemporâneos; a diferença entre a
data de publicação (a de produção não é estabelecida) difere em um s. Ambos
aparecem no jornal O Atlântico, folha comercial literária e noticiosa, em 1880. “José
Matias” é uma publicação bem mais tardia, datada de 189 pelo amor 7, na Revista
Moderna, periódico publicado em Paris que circulava também em Portugal, do qual
Eça é importante colaborador remunerado. Nele publica mais dois outros contos (“A
perfeição” e “O suave milagre”), algumas crônicas e parte de A ilustre casa de
Ramires.
“Um dia de chuva” é um caso que não se enquadra no mesmo grupo de
publicação que os outros contos selecionados, por duas razões que o distinguem
dos demais: a primeira, porque é uma publicação póstuma; a segunda porque
possui edição crítica. O conto aparece em 1929, no volume Cartas inéditas de
Fradique Mendes e mais páginas esquecidas, mas possui outras edições. A
pesquisa para a reconstituição da narrativa revela que o título não foi atribuído pelo
seu autor e muitas intromissões alheias estão presentes nos manuscritos, resultando
57
em modificações perceptíveis se comparadas com o texto de 1929. Exemplo disso
são as datações de páginas e algumas anotações a lápis. Após examinar dados da
narrativa e relacioná-los ao contexto português, aponta-se 1885 (um pouco mais, um
pouco menos) como a data de sua produção.
De posse dessas localizações temporais de publicação, colaboradoras no
nível de contextualização da história de produção literária de Eça, o trabalho passa a
verificar quais as constantes melodramáticas observáveis e a intensidade com a qual
elas comparecem nos textos selecionados. Nessa etapa, a teoria literária é solicitada
para comentar e esclarecer o discurso literário e, assim, examinar a construção da
literariedade, especificidade do texto literário. Como a proposta deste trabalho é
examinar a adesão do escritor realista a um modelo originalmente romântico, não se
faz aqui uma análise exaustiva das categorias narrativas, nem tampouco a
convocação de linhas teóricas, mas apenas referências para analisar a medida
melodramática nas narrativas focalizadas, para a qual tomam-se os estudos e
estudiosos do melodrama, especialmente Jean Marie Thomasseau (2005).
Para a análise dos contos focalizados, parte-se do princípio teórico de
que a forma conto é uma narrativa breve, como costumeiramente vem sendo
chamada pelos estudiosos. De fato, Claude Bremond, em seu artigo A lógica dos
possíveis narrativos diz que “toda narrativa consiste em um discurso integrado numa
sucessão de acontecimentos de interesse humano na unidade de uma mesma ação”
(1971, p.113). O conto atende a essas condições porque trata de relações de causa
e efeito, de causalidades, estendidas num determinado tempo, cujo foco está
voltado para as questões humanas. O discurso narrativo não caminha para o nada
ou para o desnecessário: se o seu desenvolvimento, ele interessa à narrativa,
num processo de coerência interna. Essa “unidade” geradora da economia narrativa
é muito adequada à forma conto, pois ela converge para a unidade de efeito de Poe
(1987) que realmente não permite a existência do descartável.
Entendido como uma das formas de retratar a realidade e adicionado o
fator recriação, o conto é, então, como uma narrativa de pequena extensão que
apresenta a propriedade da narratividade. Na sua construção, de acordo com a
proposta deste estudo, interessa investigar como nela estão operacionalizados os
elementos melodramáticos e que efeitos eles trazem para o texto. No momento
apropriado, tomar-se-á a teoria da narrativa que se julgar mais adequada para
examinar o texto literário nos seus processos internos.
58
5. TEORIAS SOBRE O CONTO
Considerando o conto como forma narrativa e possuidora, portanto, de
uma coerência lógica nas suas partes constitutivas, e tendo se afirmado ao longo da
história da literatura, essa modalidade passa a ser reconhecida e discutida por
estudiosos que procuram inventariar e esclarecer sua narratividade.
Herdeiro das tradições orais na evolução da sua história, o conto é muitas
vezes confundido com outras formas narrativas, nomeadamente o romance e a
novela. No período medieval não possui o status de literário, visto que o termo se
refere a relatos, acontecimentos, sem nenhum caráter propriamente estético ou
maior elaboração que ao texto outros sentidos. No entanto, nos últimos séculos
desse momento e mesmo na época renascentista, embora decline a ocorrência
desses textos, uma melhora qualitativa deles, marcadamente com Boccaccio e
seu Decameron, cujas narrativas não possuem títulos, mas números, e Chaucer,
autor de Canterbury Tales. A partir de então, a Europa passa a exercitar o conto (há
nomes importantes como Cervantes e Quevedo, na Espanha e La Fontaine na
França), até atingir maturidade no século XIX, quando, com grande adesão e prática
dos autores, trata de temáticas variadas (com modos de contar diferentes,
envolvendo procedimentos narrativos igualmente diferentes), o que leva a uma certa
“tipologia” contista, nomeada como contos satíricos, alegóricos, fantásticos, policiais,
humorísticos e outros. Ainda nesse século despontam autores que imortalizaram as
narrativas breves: Maupassant, Poe, Tcheckov, Hoffmann, Machado de Assis são
alguns nomes. Também nesse momento o termo conto começa a se desvincular de
outras modalidades das quais é considerado, freqüentemente, sinônimo, como se
disse acima, apesar de alguns escritores utilizarem indistintamente os termos novela
e conto sem maiores critérios de classificação. Mesmo Eça de Queiroz, leitor de
grande porte e conhecedor de tantos títulos (o que poderia significar a adoção de
nomenclaturas mais precisas), utiliza em “O tesouro” e “Frei Genebro” os subtítulos
“As histórias”, conforme lembra Piwnik (1997). As definições encontradas em
enciclopédias daquele período indicam ser a extensão da narrativa o principal divisor
de águas dessas modalidades, cuja proximidade está baseada no denominador
comum do gênero narrativo, a da sucessão das ações no decorrer de um período.
59
Assim, conto e novela são formas próximas, a começar pela natureza breve
norteadora das narrativas. Essas formas, juntamente com o romance, são distintas
do ponto de vista literário mais claramente na segunda metade do século XX:
La théorie littéraire voit, dans ce schématisme et cet achèvement du
contenu, l’organisation et la matrice de tout récit, qu’elle ne peut
déceler dans la nouvelle ou dans le roman, parce que là, il n’y a plus
une intrigue, mais des groupements d’intrigues ou, dans la nouvelle,
constitution d’une loi sémantique spécifique qui commande une
hiérarchie choisie des significations. (DICTIONNAIRE DES
LITTÉRATURES, 1998, p.366-7)
Embora as discussões em torno do conto apontem-no como uma das
formas mais antigas de narrar, pois falar, compartilhar, comunicar, ouvir, conhecer,
elaborar, é uma atividade propriamente humana, é com Edgar Allan Poe, escritor e
ensaísta inglês, que ele começa a receber a discussão mais direcionada para sua
estrutura em geral, embora o autor seja considerado o mestre das histórias de terror.
Nas resenhas sobre as narrativas de Nathaniel Hawthorne apresenta a sua teoria do
conto, sublinhando o mesmo princípio da composição do poema, o da brevidade, da
concisão, conforme expõe n’A filosofia da composição. Para ele, manter o leitor
interessado e atento é fundamental, caso contrário a leitura não teria o efeito
desejado. Nesse sentido, tanto o poema (o próprio autor apresenta a composição
quase matemática de seu poema O corvo) quanto a narrativa devem ter a
propriedade da totalidade, isto é, nada deve desviar a atenção do leitor daquilo que
é essencial, constituindo a unidade de efeito à qual se vincula a intensidade da
leitura. Também por isso, segundo ele, o conto é mais eficaz que o romance, uma
vez que a maior extensão narrativa leva o leitor a interromper a leitura, e daí à perda
da sua eficácia, pois a totalidade não é alcançada e as tensões são amenizadas.
Portanto, o autor deve atentar para a seleção daquilo que deseja contar e o modo
como conta, tendo em vista o domínio sobre o leitor e o efeito pretendido
(Hemingway também é do mesmo princípio: o autor deve manipular as informações
que apresenta, mas sem perder de vista a sensação da verdade). Numa verdadeira
economia dos meios narrativos, diálogos, descrições, considerações desnecessárias
são, portanto, descartáveis, que podem comprometer a extensão e o tempo de
leitura, mas não podem, de modo algum, colocar em perigo a propriedade da
60
coerência interna da história apresentada. O que é mantido respeita a estrutura do
texto e da significação, como observa Barthes (1964, p.369):
o que tem sentido em uma mensagem é a sua totalidade. Seu
sentido deriva do fato de ela ser uma estrutura e, na estrutura, como
sabemos, tudo, qualquer de suas partes, significa alguma coisa, em
um ou outro vel, visto que a significação é uma propriedade
relacional e qualquer elemento de um discurso está, por força de
pertencer a uma unidade de dependências internas, relacionado com
qualquer outro elemento dentro do mesmo discurso, e/ou com o
discurso como um todo.
Cortázar concorda com Poe no que diz respeito à economia interna do
conto. Em dois ensaios que tratam do conto, contidos em Valise de Cronópio, o
autor ratifica e amplia as idéias do escritor inglês. Para o contista e ensaísta
argentino, esse “compreendeu que a eficácia de um conto depende da sua
intensidade como acontecimento puro, isto é, que todo comentário ao acontecimento
em si deve ser radicalmente suprimido.” (CORTÁZAR, 1974, p.122). A idéia da
unidade de efeito é aceita plenamente: “Tomem os senhores qualquer grande conto
que seja de sua preferência, e analisem a primeira página. Surpreender-me-ia se
encontrassem elementos gratuitos, meramente decorativos.” (1974, p.152). No
entanto, ressalta o autor, essa economia se estende à adequação da expressão
verbal ao episódio narrado; além de centrar-se naquilo que é fundamental para a
criação da tensão e da intensidade, a narrativa deve estar atenta para utilizar uma
linguagem ajustada com essa preocupação. Com a eliminação de “acessórios” não
interessantes intimamente ao conflito central, e com todos os sintagmas trabalhando
em prol dele, juntamente com a atmosfera criada pela tensão, todas peças se
encaixam, numa verdadeira coerência interna. No conto, um núcleo narrativo,
e tudo na narrativa, a começar pelo título, contribui para o desenvolvimento ou para
a convergência desse “átomo narrativo”.
As considerações de Cortázar também tangenciam a questão do efeito de
unidade sentenciada por Poe, especialmente no que se refere à sensação causada
no leitor. Para ele, uma leitura causa ressonância quando consegue ultrapassar os
limites da história pelo modo como esta é construída e apresentada. O tratamento
literário que o tema recebe faz da narrativa uma substância ativada, com alta carga
de significação, cujo efeito é sentido naquele que a experimenta. Essa “carga de
significação” está atrelada à intensidade porque, à medida em que é descartado o
desnecessário e criada uma órbita em torno do tema, uma concentração de
61
dados, um adensamento, puramente relacionados ao elemento principal, gerador da
narrativa. Como não há nenhuma amenização, a aproximação lenta e precisa motiva
a tensão, resultante da intensidade. Contrariando Poe, pregador da idéia de compor
o conto de forma matemática, Cortázar acredita ser a criação e o produto literário
resultado de uma “batalha fraterna” entre a vida (matéria-prima) e a sua expressão.
Ricardo Piglia, ensaísta, roteirista e um dos principais escritores
argentinos da atualidade, também apresenta sua visão no ensaio “Teses sobre o
conto”, no livro O laboratório do escritor (1994). De forma muito objetiva, a primeira
tese diz que o conto clássico sempre apresenta, na verdade, duas histórias,
denominadas “história aparente” e a “história cifrada”. Por “história aparente”
entende-se história visível, compreendida sem maiores dificuldades, enquanto que a
“cifrada” trata de algo narrado de forma fragmentária, escondido na história mais
acessível. Quando uma se revela na outra, ocorre o “efeito de surpresa”, relacionado
ao “efeito de unidade” de Poe. Para ele, as duas narrativas acontecem
simultaneamente, mas a aparente guarda vias de diálogo com a cifrada, aque em
certo momento elas se encontram. Sublinha o ensaísta argentino que, nos contos
modernos, com Tchekhov e Joyce, a tensão entre as duas histórias nunca chega a
bom termo, e acabam por se confundir. Num sentido mais abstrato, Piglia afirma ser
essa forma de compreender o conto (como a somatória do visível e do oculto)
análoga à busca humana de descobrir uma verdade secreta.
Embora Cortázar entenda que “quase ninguém se interessa por essa
problemática” (1974, p.152), quando se refere ao conto, a discussão em torno dessa
breve e mais antiga forma de narrar permite ao menos fixar algumas constantes.
Brevidade, economia e comedimento são palavras norteadoras do texto contista;
delas derivam outras ações constitutivas desse tipo de narrativa: Massaud Moisés
(1992) reúne objetivamente e de modo geral seus pilares estruturais. Partindo da
idéia da unidade, o enredo se desenvolve tendo em vista um conflito, um drama,
principal. Para isso, como bem estabelece Poe, digressões de qualquer natureza
que desviem desse núcleo não existem. Se há algum tipo de digressão temporal, ela
ocorre de maneira sintética e por razões explicativas, que bem podem ser índices
para a história cifrada, conforme Piglia. Aliás, o tempo é restrito, rápido, um recorte
do cotidiano se realidade fosse.
Narrativa que é, o conto também precisa das categorias narrativas para
ser arquitetado. Ainda com Massaud Moisés (1992), o espaço pode ser variado,
62
preparadores de situações, mas apenas um guarda a densidade dramática, a
peripécia que altera o destino previsto. Poucas são as personagens porque poucas
são as que participam do conflito central; as outras contribuem para atestar algo. O
epílogo, preparado por todas as categorias presididas pelo tom da unidade desde o
início da narrativa, responde pelo clímax. Num conto bem elaborado, o ponto final
sinaliza no leitor algum alívio em relação à tensão vivida na narrativa, mas, ao
mesmo tempo, concentra-se a ressonância daquilo que a leitura provocou. De certo
modo, ocorre a catarse prevista por Aristóteles.
Além dessa espécie de cânone do conto composto pela operacionalização
dos procedimentos narrativos, importa observar que nem toda narrativa breve tem o
mesmo comportamento. Em geral, as histórias possuem um encadeamento de
ações culminantes no clímax, após passarem pela peripécia: existe uma linearidade
de acontecimentos, estabelecendo a seqüência lógica de começo, meio e fim. Por
outro lado, há aquelas em que o enredo não evolui; nada acontece e nada se
resolve. Para Marchezan (2006), o princípio da economia rege todo conto, mas com
ênfases diferentes:
Um conto trabalha economicamente os meios narrativos. Desse
modo, ele pode relatar um acontecimento tanto com ênfase no
desenlace, no caso de um conto de enredo, como ressaltar a
ambientação ou atmosfera desse acontecimento, como no caso de
um conto de situação. O conto, enfim, converte um acontecimento
em linguagem. No primeiro caso, ele narra a história de maneira
objetiva; no segundo, de maneira subjetiva. (CAMARANI;
MARCHEZAN, 2006, p.191).
Essas diferentes maneiras de conduzir a narrativa levam a resultados também
distintos. Num conto de enredo, clássico, tudo leva ao desfecho, porque acontece o
processo de sucessão de acontecimentos do qual se aguarda uma finalização; as
ações fluem para um desenlace. Porém, o percurso é descontínuo, que os pivôs
narrativos alteram a trajetória da história e colocam o leitor diante de um antes e
depois. Esses “pivôs” o referências que pautam a narração, isto é, um
acontecimento forte, marcante, que faz a narrativa ter uma outra seqüência
narrativa.
Por outro lado, os contos de atmosfera ou situação não se prendem a
grandes acontecimentos e, por isso, o desenvolvimento de ações significativas
ou de clímax que deságua no desenlace. Para V. Chklovski (1917, p.208), “Se não
63
solução, não temos a impressão de nos encontrar em face de uma trama”. Esse
tipo de composição, relacionado automaticamente à produção de Tchekhov, escritor
russo, é praticamente oposta ao modelo clássico de Poe. Ao contrário do que prega
o inglês, o conto de situação privilegia uma sensação, por vezes advinda da reflexão
e inquietação sobre a própria condição de estar no mundo e suas conseqüências.
Como a ênfase está em “traduzir em prosa” (CAMARANI;MARCHEZAN, 2006) os
estados da alma, a narrativa é subjetiva, sem preocupação com o desenlace, sem
peripécias, num ritmo contínuo.
Discutir e estudar a forma breve de narrar, tão fecunda na história da
literatura, é também pensar na maneira encontrada e escolhida pela sociedade para
retratar a sua própria história. Ao longo do tempo, estudiosos se debruçam sobre as
narrativas presididas pelo comedimento, num esforço em esclarecer, dentro do
âmbito da literariedade, os meios engendrados que levam à potencialização
narrativa. Se tudo no conto é suficiente e ajustado – pois, como concluem os
estudos tradicionais, se a história aparente deve estar sincronizada com a cifrada, se
não devem existir discursos excessivos e desnecessários nem tampouco faltar
elementos para não perder de vista o efeito desejado no leitor -, é sinal de que se
trata de um trabalho bem realizado. E, se assim for, o leitor é impulsionado a
constatar que o que parece apenas um detalhe, uma sugestão, é um elemento de
carga significativa compreendido ao fim da leitura: o máximo é construído a partir do
mínimo.
Vale dizer que a operacionalização da proposta deste estudo se torna viável
uma vez que a natureza da composição do conto possibilita a assimilação de certos
comportamentos do drama, como a aproximação entre palco e platéia traduzida, no
conto, principalmente naqueles de enredo, na leitura e leitor. Além disso, o teatro
apresenta espaços pouco variados, assim como no conto.
Como conclui Cortázar (1974, p.153), “Um conto é significativo quando
quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina
bruscamente algo que vai além da pequena e às vezes miserável história que
conta.”. A fim de entender como é feita tal operação, este estudo convoca os
estudos da Narratologia porque ela oferece instrumentos que permitem descrever a
narrativa com procedimentos apropriados, levando ao melhor entendimento da
singularidade de cada texto literário dessa natureza.
64
6 ESTUDOS CRÍTICOS DA OBRA QUEIROZIANA
Embora a proposta deste estudo não seja a de examinar a linha
historiográfica da crítica sobre a produção ficcional queiroziana, nem tampouco
estabelecê-la, importa compreender como a obra do autor é recebida e entendida ao
longo do tempo, quais os ângulos adotados e que evolução há entre esses olhares.
Percorrer essa trajetória é um trabalho de grande dimensão e por isso ela é
parcialmente apresentada e apenas alguns estudiosos são evidenciados.
Na época contemporânea às publicações, Matos (2000) assinala que Eça
recebe grande admiração dos estudantes de Coimbra na última década do século
XIX, quando até uma revista lhe é dedicada. No entanto, a crítica portuguesa da
época não se pronuncia sobre sua produção, o que lhe deixa insatisfeito, porque,
segundo o próprio escritor, o parecer de outros lhe fornece um termômetro que lhe
permite avaliar e, se necessário, corrigir seus textos. Com o silêncio da crítica,
constata-se na sua correspondência o pedido aos amigos para que opinem sobre
seus romances e, uma vez isso realizado, posiciona-se diante dessas opiniões,
agradecendo ou comentando-as, como acontece na carta a Teófilo Braga, em 1878.
Os Maias é a publicação que recebe significativa reação em Portugal,
especialmente a de Bulhão Pato, poeta ultra-romântico português que convive com
Alexandre Herculano, Almeida Garrett, entre outros; é colaborador de jornais e
revistas, entre elas O Panorama e a Revista Universal Lisbonense. No romance
queiroziano é caricaturado na figura de Tomás de Alencar, fato que provoca a
publicação de duas sátiras da obra.
É com O primo Basílio que parece haver uma significativa atenção para a
obra de Eça. Sucesso de vendas e edições, o título alcança a segunda edição em
três meses e desperta a atenção e a crítica negativa de Machado de Assis,
publicada n’O Cruzeiro em 16 de abril de 1878, que se refere, principalmente, à
superficialidade da composição da personagem Luísa, como tantos estudaram e
discutiram.
Após a morte do escritor, aparecem estudos de natureza biográfica, entre
comentários de toda ordem. João Gaspar Simões, cuja atividade de crítico literário
exerce no Diário de Lisboa, dedica ao autor português, por ocasião do centenário de
seu nascimento, uma extensa biografia de Eça (como também o faz com Fernando
65
Pessoa) intitulada Eça de Queiroz - o Homem e o Artista, datada de 1945, na qual a
vida do escritor é desvendada com fatos nem sempre correspondentes à realidade
dos fatos, segundo a própria filha do escritor, Maria, para fazer justiça à memória do
pai (Campos, 2000).
No Brasil, a perspectiva da crítica é semelhante à portuguesa no começo
do século XX. É curioso que o primeiro livro sobre Eça de Queiroz, tratando em parte
de sua biografia, é lançado em solo brasileiro antes mesmo que em Portugal. Seu
autor, Miguel Mello, organiza seu conteúdo em duas partes, a primeira com quadros
de literatura da época e questões de estilo (questões voltados para o uso de
galicismos, por exemplo), e a segunda por uma biografia construída a partir de um
questionário respondido pelo filho do escritor, José Maria Eça de Queiroz.
Em 1938, Vianna Moog, romancista e ensaísta, também segue a linha
biográfica em a de Queirós e o Século XIX, um tanto quanto fantasiado, como o
livro de Gaspar Simões. A partir de referências de suas obras ficcionais, o autor da
biografia (re)constrói o percurso de Eça. Por outro lado, em caráter mais inovador,
a produção queiroziana de maneira mais analítica em relação aos textos literários,
deixando de lado a preocupação em associá-los aos aspectos biográficos.
Álvaro Lins, mencionado, embaixador em Portugal e ocupante de uma
cadeira na Academia Brasileira de Letras, em sua História literária de Eça de
Queiroz, publicada originalmente em 1939, considera dois pólos importantes ao
tratar da obra do escritor português: a sua interpretação e o seu julgamento, critérios
distanciados dos de Moog. Apesar de Lins manifestar críticas positivas e
negativas aos romances de Eça, emitindo pareceres um tanto quanto emocionais,
como o que se refere ao volume de A cidade e as serras, a metodologia de Lins se
alicerça em leituras críticas que levam a concluir a preocupação de Eça com a obra
de arte, e não apenas com o momento estético-literário ao qual sempre é associado
o seu nome. Esse olhar se distancia de Moog, que aproxima a vida do escritor à sua
produção ficcional.
Quase na segunda metade do século, quando Eça é um ponto pacífico
entre os leitores brasileiros, tendo gerado uma “ecite” entre eles, outros ensaístas
se manifestam. Para as comemorações do centenário do autor, o historiador Jaime
Cortesão, diretor intelectual da Editora Dois Mundos, com sede no Brasil e em Portu-
gal, confia a Lúcia Miguel Pereira e a Câmara Reys a direção de um livro comemo-
rativo da data, intitulado Livro do Centenário de Eça de Queirós. Assim, nomes como
66
Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Aurélio Buarque de Holanda, Álvaro Lins, José
Lins do Rêgo, Antônio Cândido, entre outros, se debruçam para opinar sobre a obra
e a sua ressonância. Nesse mesmo ano uma publicação bastante interessante,
de Reis (1945), intitulada Eça de Queiroz no Brasil na qual um inventário de
referências de toda publicação em torno do autor português, mesmo no ano de sua
morte, passado um mês
Mas quem se volte para fatos históricos, como Paulo Cavalcanti que,
em 1959, no seu Eça de Queiroz agitador do Brasil trata da polêmica criada em
torno da visita do Imperador a Portugal em 1871. Na verdade, As farpas, dirigida por
Eça e por Ramalho Ortigão, trazem numa de suas edições “insultos” ao Imperador
quando este visita Portugal em 1871. Baseado em pesquisas históricas e em
documentos da época, Cavalcanti conclui que são criados sentimentos anti-lusitanos
em Recife, resultando em perseguições a famílias portuguesas. A preocupação do
estudioso vale pela pesquisa em documentos da época para constatar a veracidade
das informações em torno da recepção brasileira.
De modo geral, percebe-se que a crítica em torno da produção
queiroziana conhece dois tempos: o do contemporâneo a Eça de Queiroz que, em
parte, considera-a fortemente naturalista, com fortes apelos sensuais, sem maiores
preocupações de composição, ou ainda como uma imitação francesa. No entanto,
naquela época muitos o consideram altamente expressivo, afinado com a
literatura praticada da época. Depois da sua morte, a abordagem mais praticada é a
associação entre biografia e ficção, ou vice-versa. Com a chegada do salazarismo,
parte de seus últimos textos é considerada nacionalista. Aos poucos, pelos
exercícios críticos que sua obra possibilita, outro ângulo é tomado para visualizar a
importância e a qualidade de sua produção: o da dimensão estética.
67
4 ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES
4.1 “Singularidades de uma rapariga loura”: o amor e a honra
Considerada a primeira obra portuguesa realista por Fialho de Almeida,
escritor contemporâneo de Eça, “Singularidades de uma rapariga loura” é um conto
de enredo, cuja narrativa o cineasta Manoel de Oliveira pretende tornar filme no ano
de 2008. Contado por um narrador que reproduz as falas de Macário vividas há
muitas décadas antes, conhece-se a história desse homem quando jovem, um moço
ingênuo que mora com seu tio, comerciante de retidão moral; o rapaz apaixona-se
por um certa vizinha, Luísa, moça bela que o encanta e que, habilmente, dele se
aproxima. No entanto, alguns comportamentos suspeitos fazem com que o tio não
queira o casamento deles, como o parentesco incerto entre a suposta mãe e filha e
o desaparecimento de um pacote de lenços do armazém e de uma peça de ouro
(moeda) numa noite de festividades. Impedido de se casar e expulso de casa, além
de um certo desdém de sua noiva quando percebe que está bem menos abastado,
Macário se lança a Cabo Verde, onde trabalha e acumula dinheiro. Ao retornar,
marca o casamento com Luísa. Porém, surge um empecilho não previsto: o moço
torna-se fiador de um conhecido que não salda seus dividendos, razão de seu
desespero, pois, novamente, não se encontra “apto” financeiramente para se casar.
Seu tio, reconhecendo a honestidade do sobrinho, ajuda-lhe, o que lhe salva o
casamento. A cena final, quase trágica, guarda o drama de Macário, que marcará
toda sua vida: ao visitarem uma joalheria a fim de adquirirem o anel de noivado para
Luísa, ela rouba um deles e o esconde. O dono a acusa e Macário, educadamente,
paga o anel roubado e sai de braços dados com a noiva, mas a abandona
chamando-a de ladra.
Campos (2000) apresenta a recepção que tal conto obteve no tempo de
sua publicação e circulação entre os leitores. Das mais curiosas é a de Alexandre
Herculano que a considera uma tradução ruim dos contos franceses, opinião
contestada por Sampaio Bruno (1885 apud Campos, 2000) que afirma tratar-se de
uma história dramática, construída por uma linguagem perfeitamente ajustada com
os quadros apresentados, nos quais a alma das personagens são translúcidas aos
olhos do leitor.
68
Como é possível depreender, há uma série de seqüências, todas elas
coerentes entre si e organizadas logicamente; é uma história construída a partir da
sucessão de ações, acontecimentos, reviravoltas do destino. A partir de “uma
situação que abre a possibilidade de um comportamento ou de um acontecimento”,
momento inicial das tríades narrativas propostas por Bremond (1971, p.128) aqui
significado pela conversa entre dois homens que se conhecem por acaso, -se o
desenvolvimento da história. Anunciada como um “caso simples” (QUEIROZ, 2000,
p.1472), é disso que o enredo trata: “A solidariedade orgânica do conjunto rege a
ordem de sucessão das partes”, lembra Bremond (1971, p.106). se sabe, então,
que tudo converge para se conhecer o episódio da vida de Macário que, por
extensão, também se tornou “singular”. Aliás, o enredo é sinalizado pelo título: tratar-
se-á da peculiaridade de uma moça loura. Esse início informa e também interessa
ao leitor, numa tentativa de seduzi-lo e fazê-lo adentrar na história dessa
personagem que, como sugerido, promete ter um papel nuclear.
Para que o discurso narrativo se organize desde a primeira linha, é
preciso que haja uma “entidade doadora” da narração que controle esse discurso.
No conto em questão, o narrador é estrategicamente escolhido.Todo o enredo é
transmitido pelo narrador confidente de Macário, o nomeado, a quem conhece
num quarto de estalagem. uma importante vantagem narrativa com esse
procedimento porque o narrador escutou a história de Macário e, em tese, vai
reproduzi-la fielmente (com o avanço do discurso, ele passa a ser comandado pelo
próprio Macário, que torna o relato mais fidedigno), como se tratasse de uma
conversa entre as personagens/narradores. Walter Benjamin (1994, p.198) acredita
que “entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das
histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.”. Qualificada por um
narrador, de fato, anônimo, a narrativa é um convite a sua audição, programada
desde as primeiras linhas: a mulher jovem deve estar vinculada a um sujeito
chamado Macário. É por esses referenciais que o conto vai se enredar.
O espetáculo está prestes a começar e o leitor é induzido a confiar e se
envolver, pois poderia fazer parte do seu mundo real uma história de amor. Para
alcançar esse objetivo, o da adesão do leitor – que bem pode ser considerado
espectador nas considerações deste estudo –, o narrador cria a expectativa das
causas possíveis que transformam o estado de espírito de Macário. Assim, assiste-
se a uma seqüência de enunciados significativos: O homem calou-se.”;
69
“Compreendi que tinha tocado a carne viva de uma lembrança.”; “O homem estava
calado, comendo, com os olhos baixos [...]” (QUEIROZ, 2000, p.1471). É o momento
adequado e importante para cativar o espectador e mantê-lo fiel até o final.
Por meio de uma grande analepse, essa personagem de “quase sessenta
anos” (QUEIROZ, 2000, p.1472) volta no tempo e recompõe o episódio singular de
sua vida, ligada a uma mulher, significativa do ponto de vista emocional. Quando o
seu “recém amigo” refere-se a mulheres, “O homem contraiu-se num silêncio
saliente. Até estivera alegre, rindo dilatadamente, loquaz, e cheio de bonomia.
Mas então imobilizou o seu sorriso fino.” (QUEIROZ, 2000, p.1471). A impressão do
narrador instiga o leitor a querer conhecer a razão do infortúnio daquele homem.
Curiosamente, o plano fonológico traduz esse instante de oposição alegria/sorriso
versus tristeza/silêncio. Em “Até estivera alegre, rindo dilatadamente” uma
seqüência fônica de vogais abertas, seguidas da repetição /n/ no sintagma “rindo
dilatadamente”, o que dá a noção de desenvoltura. Contrastando com esse estado,
o “silêncio saliente”, que leva a um “sorriso fino”, a aliteração de /s/ lembra algo
reticente, duvidoso.
A aproximação entre eles -se num momento propício, que ambos
estão hospedados no mesmo quarto numa estalagem do Minho (o próprio narrador
guarda um preceito interessante, segundo a cultura eslava: aquilo que não se conta
ao melhor amigo, conta-o para um estranho numa estalagem). Esse espaço
abrigador de forasteiros (lá todos o desconhecidos), de algum modo fraterniza os
hóspedes que, longe do seu meio, podem compartilhar as suas angústias entre si,
induz à situação inicial. É nesse ambiente fechado que é narrado o caso intrigante.
Do espaço aberto vem o narrador e mais tarde narratário que atravessa o
caminho até a hospedaria, num cenário peculiar: “Era isto em setembro: as noites
vinham mais cedo, com uma friagem fina e seca e uma escuridão aparatosa.”
(QUEIROZ, 2000, p.1470); “Vinha de atravessar a serra e os seus aspectos pardos e
desertos. Eram oito horas da noite. Os céus estavam pesados e sujos.” (QUEIROZ,
2000, p.1470). Esse ambiente influencia o estado de espírito da personagem, apesar
de se confessar “naturalmente positivo e realista(QUEIROZ, 2000, p.1470), e o
dispõe a ouvir o estado de alma de alguém, agora, num espaço interior, fechado,
num quarto.
Segundo Bremond (1971), a narrativa pode prosseguir porque motivos
para isso. É preciso movimentá-la por meio das personagens. Interessa, então, ter
70
notícias delas, saber seus comportamentos, vícios e virtudes. A conexão é dada pelo
fato da família de Macário ser conhecida do narrador. Na juventude, ele mora e
trabalha com seu tio Francisco, em Lisboa. A família mantinha com “uma severidade
religiosa a sua velha tradição de honra e de escrúpulo” (QUEIROZ, 2000, p.1473);
Macário é um moço caseiro, sem grandes entusiasmos da juventude e sem grandes
experiências.
Defronte ao armazém da família vem morar uma dupla feminina. Primeiro,
é vista a mulher mais velha, que vai à janela sacudir seu vestido justamente quando
Macário está na varanda. Seus traços fortes, impressionantes (cabelos violentos e
ásperos, sobrolho espesso, lábio forte) fazem Macário lembrar-se dela à noite, num
ambiente penumbroso e ao som de uma xácara melodramática tocada por um
vizinho. Atraído pela beleza dessa mulher, posiciona-se novamente diante da janela
vizinha, mas, ao contrário da mulher de cabelos negros, surge uma moça de cabelos
loiros. O espaço é importante colaborador para que essa aproximação ocorra: é por
meio da janela, atrás da cortina, que os protagonistas se vêem. Se ele proporciona a
circulação de olhares, é possível que haja a comunicação ao menos visual e, daí,
aconteça uma espécie de relação de receptividade; as personagens se expõem no
espaço aberto da varanda e pela janela correspondem ou não, de modo indireto, à
manifestação apresentada. Assim ocorre com Macário que sai do interior de seu
quarto e vai para a varanda quando percebe a movimentação da vidraça onde
aparece Luísa. Lembre-se que é também pela janela que o jovem obtém suas
impressões físicas sobre as vizinhas “interessantes”, traduzidas para a narrativa por
meio de descrições. Primeiro, a suposta mãe: [...] uma mulher de quarenta anos,
vestida de luto, uma pele branca e baça, o busto bem-feito e redondo e um aspecto
desejável.” (QUEIROZ, 2000, p.1473); depois a suposta filha: “Era uma rapariga de
vinte anos, talvez, fina, fresca, loura como uma vinheta inglesa: a brancura da pele
tinha alguma coisa da transparência das velhas porcelanas [...]” (QUEIROZ, 2000,
p.1474). As janelas se abrem para mostrar o interior, e não o movimento para o
exterior. A focalização leva o leitor para dentro.
Mas, além disso, as descrições cumprem importante papel significativo na
história. O leque descrito pelo narrador e utilizado por Luísa exprime requinte não
compatível com sua condição social, conclui Macário ao vê-lo, mais uma vez da
janela, nas mãos da rapariga. Também é por meio de uma longa descrição que o
leitor visualiza a assembléia na casa do “tabelião muito rico” (QUEIROZ, 2000,
71
p.1476) na qual Macário cuida para estar a fim de ver e conversar com Luísa. Esse
encontro reúne a sociedade burguesa lisboeta e demonstra seus comportamentos
próprios da época: declamações ao gosto romântico, declamadores vestidos de
maneira requintada, porém apresentando um dente podre, enfim, uma preocupação
em mais “parecer” do que “ser”. Essas descrições contêm significados importantes:
colocam a posse do leque de Luísa sob suspeita, além de levar a crer que ela se
interessa por objetos de valor. Já na casa das Vilaças, sutilmente o narrador informa
da “unha mais polida que o marfim de Dieppe” que Luísa possui na sua mão
delicada. Nessa mesma seqüência narrativa, desaparece a peça de ouro, caída
sem fazer barulho ao lado de Luísa.
Descrição ricamente composta é a grande cena da noite na casa do
tabelião e outra na casa das Vilaça. Frantz (1976) ressalta o cuidado do melodrama
em compor “quadros” nos quais é possível conhecer a vida burguesa, chamado por
ele de “esthétique du Tableau”. Na sala do tabelião, o retratadas as roupas, os
perfis físicos, as conversas, os comportamentos, os gostos da burguesia oitocentista
de então. A ironia atravessa a narrativa ao ridicularizar sutilmente os hábitos
literários daquele espaço.
Ao menos três momentos guardam descrições com a presença das cores
e da intensidade do sol nos momentos de alegria e euforia, numa pintura
impressionista. Assim, depois da visão da mãe Vilaça pela janela, “Pareceu-lhe que
havia na rua um sol alegre, e que nos campos as sombras deviam ser mimosas e
que se estaria bem, vendo o palpitar das borboletas brancas nas madresilvas.”
(QUEIROZ, 2000, p.1474). Ainda que ironizada pela ingenuidade do protagonista e
pelo procedimento romântico de ver na natureza os reflexos de sua alma, Macário
expande sua felicidade. O sol também atrapalha quando Macário deseja ver Luísa
na janela. Por último, na cena anterior ao momento do roubo, quando alegremente
Macário passeia com sua noiva na rua do Ouro, o ambiente é claro: “O dia estava de
inverno, claro, fino, com um grande céu azul-ferrete profundo, luminoso, consolador.”
(QUEIROZ, 2000, p.1487). A adjetivação parece ser premunitória: por que ele
haveria de ser profundo e consolador?
Após o roubo percebido e ressarcido, a cena é claramente impressionista,
o que possibilita a sua visualização. Repare-se que a vivacidade saudável do
ambiente contrasta com o estado de espírito de Macário:
72
Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o gênio feliz: as
seges passavam, rolando ao estalido do chicote; figuras risonhas
passavam conversando: os pregões ganiam os seus gritos alegres:
um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado
de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol.
(QUEIROZ, 2000, p.1489)
Observa Saraiva (apud FRANCHETTI, 2007, p.152) ao tratar do
impressionismo de Eça que este “persegue a cor até ao limite em que se confunde
com a luz, intentando com a pena aquilo que os pintores impressionistas como
Manet ou Monnet – quiseram obter com o pincel.”
Por outro lado, quando Macário passa por momentos de infortúnios a
claridade desaparece; é à noite que se encontra com Luísa para que ela não veja
suas vestes velhas, como é também no escurecer que anda desorientado quando
fica empobrecido por duas vezes. Lembre-se que conta a sua infelicidade amorosa
ao narrador também numa noite, ao deitar.
A narrativa atinge esse grau de desenvolvimento porque um
enredamento de situações. Desde que os olhares entre um e outro protagonista são
compreendidos e aceitos, ou seja, dá-se a junção entre os sujeitos, tem início o
enlace amoroso e também o enlaçamento de um segundo período da história.
Estabelecidas as personagens no início do discurso, o leitor percebe que uma
diferença física acentuada entre mãe e filha; enquanto a primeira tem traços fortes, o
que transmite a idéia de vigor, experiência, a jovem é muito clara, delicada, uma
beleza quase ingênua, assim como é auto-descrito Macário: “[...] nesse tempo era
louro com a barba curta. O cabelo era anelado [...]” (QUEIROZ, 2000, p.1474).
Esse contraste físico que se relaciona a perfis também opostos, como
posteriormente se constata, fixa, desde o início, dois grupos de personagens sobre
os quais o leitor forma uma opinião. Thomasseau (2005, p. 39) afirma que
[...] há, no gênero dramático, uma identificação das funções
dramáticas com os caracteres. Esta identificação é facilitada ainda
pela aparência física e o gestual dos personagens, que devem muito
à fisiognomia de Lavater, cujas teorias eram no momento muito
populares.
.
Se, segundo a fisiognomia, o caráter da pessoa se relaciona com seus
traços físicos, as ações dessas personagens confirmam esse pressuposto. Assim, o
comportamento delas conduzem ao questionamento: o que a mãe Vilaça foi fazer no
73
armazém do tio Francisco? Comprar casimiras se elas mesmas não usavam? Em
outro sentido mas que solidificam a oposição de personalidades -, está Macário: o
fato de as mulheres Vilaça irem até o comércio era suficiente para que ele em cinco
dias estivesse apaixonado por Luísa? É fácil concluir que Macário significa o bem, o
ingênuo, enquanto que mãe e filha, as “espertalhonas”.
A oposição entre bons e maus é própria do espetáculo melodramático,
afinal a intenção moralizante, didática, é clara nesse tipo de teatro e por isso o
triunfo deve pertencer àqueles possuidores da virtude, do “bem”. O leitor/espectador
é seduzido à ótica de Macário: um homem honesto e bom, enganado por duas
mulheres golpistas: a mentora e, e a sedutora filha, que se apegam ao jovem na
sua carência afetiva, canalizada para o amor por Luísa a quem pede em casamento.
Entretanto, quando anuncia ao tio a sua decisão matrimonial e este seu parecer
incisivamente contrário, está criada a tensão dramática e a expectativa do drama:
qual será o desenlace dessa história?
Essa segunda parte concentra as peripécias narrativas desencadeadoras
do efeito pretendido. O primeiro plano narrativo tem em vista cativar a platéia, ao
anunciar, pelo narrador, a história de um homem maduro que ainda o faz chorar. A
platéia é informada do caráter de Macário:
Perguntei-lhe então se era de uma família que eu conhecera que
tinha o apelido de Macário. E como ele me respondeu que era primo
desses, eu tive logo do seu caráter uma idéia simpática, porque os
Macários eram uma antiga família, quase uma dinastia de
comerciantes, que mantinham uma severidade religiosa a sua velha
tradição de honra e de escrúpulo. (QUEIROZ, 2000, p. 1472).
O público deve tomar o partido de Macário, afinal é um homem de
histórico familiar considerado honrado, o que contribui de forma importante para
estabelecer a oposição com o grupo situado em pólo oposto. A tradição familiar,
histórica, é um recurso do qual se serve o melodrama para confirmar o sangue
honesto do herói. Macário, além da sua retidão de caráter, mora com o tio,
comerciante bem sucedido, e guarda a miniatura da fotografia da mãe, fatos que
revelam laços familiares fortes. Em pólo oposto está Luísa, cujo parentesco com a
mãe é duvidoso, a começar pela aparência física, como acima se expôs. Além
disso, o amigo do chapéu de palha coloca em dúvida a relação entre as duas ao
hesitar em responder a Macário de quem se trata a “filha” de Vilaça (nome nada
74
sugestivo para uma mãe de família). Mas até esse ponto o público leitor não tem
fixado o grupo oposto opositor do “bem”.
Em contraste, portanto, ao grupo da família Macário estão situadas as
duas vizinhas oportunistas, predicativo esse deduzido pelas ações delas. Exibir-se
na varanda, ir ao armazém dos Macários, estar disponível para seus encontros
enquanto Macário dispõe de estabilidade financeira e preparar-se para o casamento
diante da folga monetária são qualificadores nada positivos para quem ama. A vida
social dessa dupla também levanta suspeitas: conhecidas por muitas pessoas, estão
sempre a cochichar com pessoas influentes. Tal como no melodrama clássico, as
personagens opositoras à virtude são mais ativas, ágeis, tendo em vista a satisfação
plena de seus desejos, enquanto os virtuosos se esforçam para restabelecer o bem
comum, e não o seu em particular.
A adesão do leitor vai sendo gradual. O comportamento de Luísa vai
indiciando o seu verdadeiro caráter que se opõe ao seu perfil delicado, mas essas
informações (índices) são tidas pelo público (e não levadas a efeito por Macário),
numa espécie de privilégio. Tio Francisco bem compreende o que a dupla feminina
pode representar e, diante de seu caráter de honradez, ao compreender o tipo dela,
opõe-se ao casamento de forma incisiva; é ele o único a se dar conta do
desaparecimento dos lenços da Índia depois que Luísa e Vilaça vão até ao armazém
adquirir casimiras pretas, fato que Macário entende ser uma declaração de amor,
que não acredita que elas as utilizem. Outra cena muito importante é a que se passa
na festa do tabelião, fartamente descrita para o público notar algo diferente. Luísa,
sentada ao de seu amado, tem “meiga e amorosa pequenez da sua mão com
uma unha mais polida que o marfim de Dieppe”. (QUEIROZ, 2000, p.1479). Nessa
ocasião, uma peça de ouro que deve ser entregue como pagamento pelo jogo é
girada por Macário, o que a faz correr até à borda da mesa e cair para o lado de
Luísa, porém ninguém a encontra, nem ela que “ergueu-se e sacudiu com
pequenina pancada o seu vestido” (EÇA DE QUEIROZ, 2000, p.1479). As sutilezas
da descrição pertencem ao leitor, que bem pode desconfiar da agilidade da unha
polida ou do desaparecimento dos lenços. Essa onisciência privilegiada do público
presente nos espetáculos em palco do melodrama concedida por meio de apartes,
monólogos e confidências é substituída pelas descrições, mas com efeito
semelhante. O leitor começa a ter na leitura sinais do que pode acontecer no
desenrolar da narrativa.
75
Assim, numa estratégia melodramática, o narrador informa o quanto Luísa
é suspeita dos sumiços de objetos: a visita desnecessária ao armazém, a unha
polida e a mão descansada no regaço na cena do desaparecimento da moeda, são
exemplos de índices para os quais o leitor tem sua atenção dirigida, mas a
personagem, não, porque é virtuoso e ama. O espectador é uma espécie de
confidente; ele intui o que está por vir baseado naquilo que tem conhecimento.
uma identificação entre “platéia” e a intriga, o que explica, em parte, o sucesso do
gênero. O tio Francisco parece entender a diferença de caráter que há entre o
sobrinho e a sua pretendida e, talvez por isso, não consinta o casamento.
Sustentando esse emaranhado de situações que ocorrem no nível
superficial (aquele em que a história é transmitida) está a estrutura interna da
narrativa, organizada coerentemente de forma a construir o sentido da unidade.
Bremond (1972) entende que no desenvolvimento da situação inicial um
processo de melhoramento ou degradação. Segundo ele, toda narrativa tem em
vista algo relacionado a algum projeto humano e, de acordo com a aproximação ou
distanciamento dele, os acontecimentos podem assumir duas funções, a do
melhoramento e a da degradação. Cada uma delas implica em processo contínuo,
em cadeia, até atingir o equilíbrio que pode ser o fim da narrativa. Assim, o
melhoramento supera a situação anterior, mas para que ele ocorra é preciso um pré-
requisito, o obstáculo a ser superado. Para isso, precisa dos meios possíveis para
transpô-lo. De fato, Macário conhece um melhoramento inicial ao enamorar-se por
Luísa, afinal ela lhe desperta para o amor, motiva-o para a vida, a tal ponto que,
quando empobrece em virtude da expulsão da casa pelo tio e pela falta de emprego,
ele decide prontamente em tentar a sorte em Cabo Verde. O obstáculo do
descontentamento do tio e conseqüente falta de dinheiro é eliminado quando
Macário vai trabalhar em Cabo Verde. Esse meio possível (obter estabilidade
financeira) é bem sucedido porque Macário volta em plenas condições financeiras
para o casamento. Contudo, perde o dinheiro ganho, tensionando a narrativa; ocorre
a degradação, aliás já conhecida anteriormente no momento em que Macário, quase
miserável, perambula pelas ruas. Segundo Bremond (1972, p.126), se a narrativa
prossegue após o melhoramento, “o narrador deve recriar um estado de tensão, e,
para fazer isto, introduzir forças de oposição novas, ou desenvolver germes nocivos
deixados em suspenso. Um programa de degradação se instaura então.”. Como
Macário é aceito novamente na casa de sua família ao demonstrar boa vontade em
76
retornar a Cabo Verde, o seu objetivo está prestes a acontecer, num processo de
melhoramento. Para a infelicidade desse protagonista, descobre que a noiva rouba
um anel. A degradação prevalece, pois esse caso amoroso singular nunca se
resolve, mesmo depois de encerrado.
A seqüência que parece alterar o percurso da narrativa e dar a ela outros
encaminhamentos, denominada pelo próprio Bremond (1972) de “funções pivô”, é
aquela em que Macário e seu tio se indispõem. A partir de então, ocorrem ações
derivadas desse acontecimento, por meio do que se convenciona chamar de
peripécias. Elas mudam a situação das personagens; se antes o sobrinho vive com
tranqüilidade, sem maiores preocupações; depois, conhece o desalento financeiro e
amoroso, uma vez que Luísa se distancia gradualmente. Tomado pelo amor,
Macário não consegue perceber o óbvio. Sem a permissão do tio para casar-se,
viaja para Cabo Verde num trabalho intenso a fim de reverter a sua situação: tem
início a sua primeira peripécia, e o público tem o domínio, resumido em um
parágrafo, da determinação do herói, tanto como aguarda as próximas ações do
malfeitor, traduzido aqui como a “espertalhona”. De fato, agora Macário interessa a
Luísa e a sua mãe. Cria-se o clima da injustiça, da indignação, pois o moço ingênuo
e trabalhador, que ama acima de tudo e todos, está sendo alvo de interesse. É o
estabelecimento do sentimental versus o material, o que comove, afinal, alinham-se
amor, honra, ingenuidade, malfeitoria, injustiça, valores que o melodrama usa em
larga escala.
Mas, como a totalidade da narrativa nesse conto se pela junção de
uma narrativa dentro da outra, isto é, da história do narrador que conta a história de
Macário, há um pivô principal e definitivo: o flagrante do roubo por Luísa. Numa
análise panorâmica do “antes de ” e do “depois de”, nota-se que o jovem não possui
paixões nem frustrações, como se estivesse em grau zero de tensão. Ao não aceitar
nem suportar o fato de que a noiva, comprovadamente, é uma ladra e por causa
disso separar-se dela, ele torna-se um homem mal resolvido sentimentalmente, até a
idade alcançada pelo discurso narrativo, aproximadamente quarenta anos mais
tarde.
Com o reconhecimento, propriedade do melodrama no qual a
personagem é revelada em seus vícios, conforme discutido adiante, a ocorrência
da grande peripécia da narrativa, diretamente associada à mudança do percurso
indicado. Macário vê o anel cair do regaço de Luísa (reconhecimento) e então
77
despede-se dela para sempre, às vésperas de sua união matrimonial. O que era
para ser cumprido, não se cumpre.
Como se observa, o sentimento amoroso é o que sustenta o espetáculo,
desde o início até o desenlace. O leitor acompanha passo a passo todo o enredo da
infelicidade de Macário. Thomasseau (2005, p.38) atenta que no melodrama clássico
o desenvolvimento das intrigas amorosas é colocado em segundo plano, pois
na ética melodramática, o amor-paixão é uma falta contra a razão e o
bom senso, um fator de desequilíbrio pessoal e social que toca
essencialmente os traidores e tiranos. [..] Em sua escala de valores,
o amor é colocado bem atrás do senso de honra, da devoção
patriótica e do amor filial e/ou maternal.
A partir de 1815 é que os melodramas passam a tratar da temática dos
amores infelizes. Renúncias, sacrifícios e sofrimentos passam a figurar na ordem do
dia nos melodramas. “Singularidades de uma rapariga loira” está contido nesse
grupo que escolhe os sentimentos do coração e as suas conseqüências. Essa visão
se harmoniza com o procedimento realista, que também expõe a condição da paixão
como causa do extremismo patético. Assim, Macário e sua história de amor são
exemplos dessa concepção, que a personagem, ao se envolver de modo tão
absoluto com Luísa, perde a razão, num estado hiperbólico e não se dá conta da
desestabilização social sofrida: sem apoio familiar, sem moradia, sem sustento e
sem sua noiva. rio Sacramento (1945) localiza no título O mistério da estrada de
Sintra (obra produzida na década de 1870, portanto, não muito distante da época de
criação de “Singularidades de uma rapariga loura”) a fala de uma das personagens
tematizando as desilusões do amor:
Creio que te fias demais no amor! Ele não constrói nada, não resolve
nada, compromete tudo e não responde por cousa alguma. É um
desequilíbrio das faculdades; é o predomínio momentâneo e efêmero
da sensação; isto basta para que não possa repousar sobre ele
nenhum destino humano. É uma limitação da liberdade, é uma
diminuição do caráter [...] E crês na estabilidade do amor, tu?... Sim,
é possível, enquanto ele viver do imprevisto, do romance e do
obstáculo... (QUEIROZ, 1884, apud SACRAMENTO, 1945, p. 105).
O conto é publicado em 1874, período em que a forma melodramática
teatral é bastante veiculada, dado tal que não passa despercebido pela narrativa
realista que é (a preocupação em conferir à história ficcional elementos da realidade
78
é significativa: referências a regiões de Portugal, como o Minho e a cidade de Vila
Real, localização de praças e ruas de Lisboa, a descrição dos tipos físicos das
personagens e das cenas em detalhes, além de datas que marcam temporalmente a
narrativa). Nesse sentido, o melodrama é trazido para o enredo em mais de uma
referência. O próprio narrador fornece alguns indícios de que o espetáculo
melodramático aproxima-se da narrativa; em dois momentos ele utiliza o próprio
termo melodrama, o que permite compreender qual o significado atribuído a ele:
Compreendi que tinha tocado a carne viva de uma lembrança. Havia
decerto no destino daquele velho uma mulher. estava o seu
melodrama ou a sua farsa, porque inconscientemente estabeleci-me
na idéia de que o fato, o caso daquele homem, devera ser grotesco,
e exalar escárnio. (QUEIROZ, 2000, p.1471).
Observa-se que o autor distingue as duas modalidades, melodrama e
farsa. O caso responsável pelo incômodo causado remete a algo intenso, que tanto
poderia ser algo extremamente sentimental, digno de comoção, ou de algo cômico,
até grosseiro, mais próximo do riso. O narrador relaciona a figura feminina ao estado
perturbado em que fica o velho Macário, tanto pelo riso quanto pelo choro. Em todo
caso, associa os termos “grotesco, escárnio” a essas formas, numa depreciação.
Também quando o protagonista descreve seu perfil na juventude como
um rapaz de comportamentos simples e horizontes limitados, como “Jantar
alegremente numa horta, debaixo das parreiras vendo correr a água das regas” é
citada a comoção em ouvir os melodramas apresentados. A avaliação não tende a
ser positiva; ao contrário, o narrador sentencia que “eram contentamentos que
bastavam à burguesia cautelosa.” (QUEIROZ, 2000, p.1473). Outra manifestação a
esse respeito é quando Macário, recolhido em seu quarto, antes de avistar Luísa,
vive a atmosfera romântica, ricamente descrita e construída: de noite, cuidando das
cifras, ouve uma xácara agradável aos seus ouvidos, que julga ser de um
melodrama, como fosse um prenúncio do advir. A partir desse momento, nessa
mesma seqüência narrativa, a personagem visualiza a dupla feminina responsável
pelo seu infortúnio amoroso.
De modo geral, a intriga se enreda melodramaticamente. Por meio de um
plano narrativo conectado a outro (como se disse, o primeiro que estabelece o
contato entre o narrador e Macário, e segundo que relata a história amorosa de
Luísa e Macário), a narrativa avança com uma certa simetria, como aponta Simões
79
(2004). Macário empobrece por duas vezes e por duas vezes reverte a situação, a
primeira partindo a trabalho para Cabo Verde, a segunda graças a seu tio. No
intervalo dessas seqüências paralelas, o desenvolvimento narrativo que faz o
enredo caminhar, como acontece quando Macário volta de viagem e trata de seu
casamento. Antes da partida, Luísa mal quer vê-lo; depois dela, abastado, sua mãe
“abriu-lhe uns grandes braços amigos, cheia de exclamações.” (QUEIROZ, 2000,
p.1484), o que demonstra claramente os interesses daquelas mulheres. Ainda nesse
“intervalo” outros acontecimentos impulsionam o desenrolar da narrativa: ao ter que
liquidar a conta do amigo de chapéu de palha, de quem é fiador, Macário se propõe
a retornar a Cabo Verde e se recuperar financeiramente, condição essa que o faz
perambular pelas ruas pensativo. Numa espécie de rememoração (e mesmo de
repetição), ele se lembra da antiga moradia junto ao tio onde conheceu e observou
Luísa. Nesse momento, de significativa nostalgia, ele reencontra o tio que o convida
a retomar o seu posto na casa e no armazém, acolhendo-o com certa festividade
familiar. Restabelecida a harmonia no intervalo das repetições de estado da
pobreza, Macário caminha para o casamento até flagrar Luísa como uma ladra.
Portanto, o conto apresenta uma parte inicial descritiva e até mesmo informativa,
alavancadora do segundo plano narrativo, conforme já visto.
No conto focalizado, o amor é, portanto, instrumento para o “vilão” (Luísa
e Vilaça) manipular e extrair da ingênua personagem o que bem quiserem, em
benefício próprio. É verdade que para Piwnik (1993) Macário e Luísa o um caso
de “gemelidade”, pois ambos são órfãos, louros, pueris, reunidos na imaturidade
sexual, aspectos comuns em personagens melodramáticas. Mas as semelhanças
parecem ser apenas essas, porque se ele preza por seu nome, virtude e honra (em
todas as situações nas quais esses valores o colocados sob suspeita, Macário
cuida para que ela não seja abalada), Luísa, cleptomaníaca, não possui a mesma
preocupação. Se o fato de ser cleptomaníaca ameniza a avaliação de seu caráter, o
desinteresse e até um considerável desprezo por seu noivo (e pelo amor que ele lhe
devota) quando esse empobrece não deixam dúvidas quanto ao seu papel
“desonesto”. Pierre Brunel (1997, p.147) aponta o caráter temível e poderoso
feminino ao longo da mitologia grega. Mas é a partir do século XIX que essa imagem
se intensifica e se torna comum: a mulher guarda, em si, dois comportamentos: o de
ser anjo e demônio. O título Carmen, de Prosper Mérimée, é exemplo típico dessa
concepção de mulher fatal, assim caracterizada: “Carmen é uma boêmia de
80
costumes levianos que seduz e destrói um homem honesto e respeitador dos
valores sociais, que se apaixona por ela.” (BRUNEL, 1997, p.46).
Luísa tende, portanto, ao arquétipo da mulher fatal sem, contudo, se
comportar como tal. Com ar e aparência angelicais, conquista Macário sem
dificuldades (é o tipo enganador) mas cada vez que tem seu amor à prova, o
respaldo é negativo. O esquema melodramático procede assim, monitora as
respostas e conduz as emoções; o que se deseja, para ver a justiça restabelecida e
o herói vingado, é que Macário perceba qual é o real perfil de sua amada, momento
narrativo denominado reconhecimento; é a revelação seguida da punição.
Conforme o expediente do melodrama clássico, que guarda as cenas
emocionais intensas para o último ato, a narrativa breve observada deixa para esse
mesmo momento o reconhecimento por parte de Macário. um forte contraste
entre o clima harmônico antecessor ao clímax desse acontecimento e o posterior,
operando as emoções do leitor:
Macário estava então na plenitude do amor e da alegria. Via o fim da
sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em
casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras,
pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente,
nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista, num primeiro andar da
rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives
que havia embaixo, no mesmo prédio, na loja. (QUEIROZ, 2000,
p.1487).
O leitor do melodrama tem conhecimento de que está prestes o
reconhecimento, numa espécie de pressentimento:
E no entanto Luísa continuava examinando os anéis,
experimentando – os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada
montre, cintilante e preciosa. Mas de repente o caixeiro fez-se muito
pálido, e afirmou-se em Luísa, passeando vagarosamente a mão
pela cara. (QUEIROZ, 2000, p.1488).
A partir desse momento, resta apenas a expectativa de como acontecerá
a revelação. O caixeiro percebe claramente o furto do anel “com dois brilhantes”, e
comunica a Macário indiretamente se efetuará o pagamento do objeto. Ele não
entende a que o funcionário se refere, mas, diante da denúncia que o transtorna e
fere a sua retidão, impõe a sua honestidade: “Macário veio para ela, agarrou-lhe no
pulso fitando-a: e o seu aspecto era o resoluto e tão imperioso, que ela meteu a
81
mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel”. (QUEIROZ, 2000,
p.1488).
então, pela fala do caixeiro e porque, finalmente, a prova do crime,
Macário compreende que sua noiva é uma ladra. Luísa está exposta naquilo que o
caráter dele jamais admitiria, mesmo num caso de amor extremo. De fato, a
constatação do fato faz com que rompa o relacionamento de forma definitiva,
restabelecendo a ordem no mundo dos justos. A punição de Luísa é mais ou menos
discreta, mas incisiva, trazendo ao espectador a sensação de alívio, afinal ela é
“desmascarada” e excluída do futuro programado (e habilmente arquitetado) pelo
menos até aquele momento narrativo. Vê-se que a estrutura interna da narrativa é
organizada para que surta o efeito da unidade e, assim, o da intensidade dramática,
num momento breve. As tríades de Bremond (1972) poderiam ser sistematizadas:
- situação inicial que abre a possibilidade de um comportamento: O narrador se
dispõe a contar o caso singular de Macário; o leitor aceita conhecer a história, já que
parece ser tão significativa;
- passagem ao ato da virtualidade: como resposta à situação inicial, são conhecidos,
primeiramente, os protagonistas Macário e Luísa, tanto no que tange o aspecto físico
quanto o perfil de suas personalidades. Após a apresentação, ocorre a aproximação
entre ambos e o envolvimento amoroso explícito por parte de Macário, acatado por
Luísa. O amor intenso dele o impede de observar certos acontecimentos que
colocam a amada sob suspeita. Com o não consentimento do tio para o casamento,
o jovem enamorado parte para o exterior a fim de estabilizar-se e obtém êxito. No
retorno, perde dinheiro e empobrece. O tio o aceita novamente em seus negócios.
Macário marca casamento.
- resultado: apesar de todo esforço empregado para unir-se a Luísa, esse intento
não se realiza. Ele constata que ela comete o roubo e, em nome de sua honra
familiar, desiste do casamento.
Numa sistematização ainda mais breve, pode-se dizer que a narrativa se
organiza assim:
- Macário conta,
- Macário acredita,
- Macário fracassa.
Em “Singularidades de uma rapariga loira” Eça se serve da estrutura
típica do melodrama clássico para evidenciar o que o autor, no auge de sua
82
militância estética, entende como um erro romântico. Para retratar a sociedade
burguesa, o narrador povoa a diegese com personagens cabíveis no mundo real,
possibilitando a identificação do público leitor com os fatos narrados e crer que
aqueles acontecimentos bem podem ser possíveis. Assim, a construção da
personagem Luísa caminha no sentido parecer/ser, tensão constante na narrativa.
Ser que encerra em si essa dualidade, é a própria significação do embate dos
moldes românticos versus moldes realistas: a sua aparência não corresponde à sua
essência, tal como é a concepção queiroziana acerca do debate estético para o qual
colabora. Assim, Luísa é a própria representação da fragilidade do modelo
convencional romântico, demonstrando que, embora envolvente e sedutor, o
romantismo não se sobrepõe à realidade do mundo.
Para Eça, naquele momento tão absorto nas idéias realistas, o
Romantismo idealiza, falsifica, “parece ser”; o Realismo não foge à realidade: revela.
Esse descrédito ao programa romântico é evidenciado nos primeiros parágrafos do
texto:
Então, enquanto anoitecia, a diligência rolava continuamente ao trote
esgalgado dos seus magros cavalos brancos, e o cocheiro, com o
capuz do gabão enterrado na cabeça, ruminava o seu cachimbo – eu
pus-me elegiacamente, ridiculamente, a considerar a esterilidade da
vida: e desejava ser um monge, estar num convento, tranqüilo, entre
arvoredos, ou na murmurosa concavidade dum vale, e enquanto a
água da cerca canta sonoramente nas bacias de pedra, ler a
imitação e ouvindo os rouxinóis nos loureirais ter saudades do céu.
Não se poder ser mais estúpido. (QUEIROZ, 2000, p. 1471)
O amor avassalador como o de Macário em relação a Luísa,
figurativização do mito da amada angelical romântica, é destruído aos olhos dele, o
que no melodrama clássico denomina-se “reconhecimento” e ocorre, via de regra,
nas cenas finais; nesse momento, encerrada a tensão narrativa, volta-se ao ponto
zero da história. Tal como no teatro que alcançou notoriedade nos palcos franceses,
na história infeliz de Macário a realidade triunfa sobre a fantasia equivocada de
Macário em relação a Luísa, afinal, ela e sua mãe apresentam a sintomatologia de
pessoas interesseiras, pouco preocupadas com os valores de honradez
Cabe lembrar que a xima de Pixérécourt (THOMASSEAU, 2005) ao
compor melodramas clássicos é pregar a moralidade, educar a platéia, objetivo que
Eça de Queiroz compartilha pelo o que acima se expôs. Subjacente ao maniqueísmo
83
moral, perpassa a questão estética que se quer plasmar em Portugal como forma de
recuperar a sociedade.
4.2 “Um poeta lírico” e o amor não correspondido
O título do conto confirma a natureza da narrativa, o sentimento amoroso
que inflama ou que, pelo menos, sugere a produção lírica de um sujeito. De fato,
trata-se da história de Korriscosso, homem grego que trabalha no hotel Charing-
Cross, Londres, apaixonado por uma criada do mesmo hotel, chamada Fanny. Para
sua tristeza, ela o despreza em razão de um policeman, a quem presenteia com
doses de álcool; amargurado, Korriscosso dá vazão aos seus sentimentos nos
poemas produzidos em grego, idioma que Fanny não compreende. O caso é
contado pelo narrador participante da trama que, interessado pela figura triste
inicialmente, mas preconceituoso ao saber se tratar de um grego, propõe-se a
conversar com ele e conhecer sua história, mesmo que com lacunas. Homem de
significativa expressão social, envolve-se em problemas de adultério o que o faz
deslocar-se de lugar, sem ter fixação, até que acaba por trabalhar no Charing-Cross,
onde conhece Fanny, por quem se apaixona. Depois de ter conhecimento de seu
caso, o narrador passa a respeitá-lo e querê-lo bem porque, de certa forma, ocorre a
identificação entre eles, pois ambos se interessam pela poesia, ambos são leitores
dos poemas de Tennyson; aliás, é por meio dessa leitura que se aproximam
ideologicamente. O narrador, do qual quase nada se conhece, lia esse livro quando
chega ao hotel pela primeira vez e, perdido entre quartos e corredores, procurando o
local certo, encontra Korriscosso em seu alojamento e com ele seu volume. O
público leitor toma conhecimento, então, de dois poetas, mas apenas do grego é que
tem mais informações.
A apresentação de Korriscosso acontece logo no início da narrativa. O
narrador anuncia que vai tratar do caso de um poeta:
Aqui está, simplesmente, sem frases e sem ornatos, a história triste
do poeta Korriscosso; de todos os poetas líricos de que tenho notícia
é este certamente o mais infeliz. Conheci-o em Londres, no hotel de
Charing-Cross, uma madrugada regelada, de dezembro. Tinha eu
chegado do Continente, prostrado por duas horas de Canal da
Mancha... Ah que mar! (QUEIROZ, 2000, p. 1490).
84
É a introdução narrativa de que fala Tomachevski (1972). No conto, isso
ocorre quando introduz a personagem descrita em pinceladas em seus dotes físicos
mais significativos, e sinaliza algum tipo de comportamento psicológico ao comentar
que a “figura esguia” olhava o carvão da lareira, meditativo, é possível pensar. De
imediato esse homem, garçom do hotel, chama a atenção do narrador. Mais tarde,
após o banho, ao descer para o restaurante, o novamente de costas encostado à
janela e, nessa ocasião, chama-o. Nesse momento, o olhar do leitor que aceita e se
interessa em ouvir a história é direcionado de maneira ampla para a figura de
Korriscosso, num processo de observação mais profunda, contemplador da
compleição física e comportamental que impressiona o narrador. De magreza
acentuada, com barba, muito moreno, testa larga e lustrosa, a figura vestia casaca e
tinha o olhar indefinido. Segundo os princípios veiculados na época, o aspecto físico
está associado ao aspecto psicológico e, nesse sentido, o poeta-garçom parece não
ter muita vivacidade, nem ânimo. A barba, entendida simbolicamente como a
sabedoria, é curta.
A leitura de pouca extensão de “Um poeta rico” chama a atenção pelo
espaço no qual se desenvolve a narrativa (um hotel em Londres e não em solo
português), como acima já se expôs, e pelo herói grego. Pouco a pouco, nota-se que
a narração cede lugar, muitas vezes, aos quadros e às imagens sempre bem
construídas, ambientando a cena e colocando-a em coerência com o fato narrado. O
cuidado cênico é uma receita melodramática, porque colabora com o projeto de
aflorar as emoções.
No espaço que recebe o narrador e o faz observar Korriscosso, outras
imagens vão sendo transmitidas ao leitor, numa perfeita visualização. Esses
cuidados imagéticos se aplicam em diversas dimensões, pois tanto se atêm aos
personagens, como aos espaços abertos e fechados, “climatizando” o ambiente.
Assim acontece com o poeta grego, com Bracolletti, descrito fisica e moralmente,
com os espaços de Londres em neve no mês de dezembro, e os mais
particularizados, como dos quartos dos empregados. Alternando descrições
pormenorizadas mais extensas com outras de pequena extensão, às vezes sutis, as
seqüências narrativas são rápidas e atenuadas, e as descrições valorizadas.
Thomasseau (2005, p.69) aponta o desenvolvimento dessa cnica vinculada ao
85
melodrama romântico como herdeira do romance de folhetim, no qual os quadros
seguidos de descrições são comuns:
Esta técnica se aperfeiçoou na medida em que se criou o hábito de
recortar, nos romances de folhetim, as cenas a descrever e justapô-
las em quadros. Propunha-se, assim, uma visão dramática partida,
impressionista, que apelava mais às lembranças dos leitores dos
folhetins que a uma lógica dramática interna.
Da afirmação do estudioso, considera-se a parte a que se refere aos
quadros e ao impressionismo. Na verdade, quando o melodrama readapta-se aos
novos tempos, acontecem modificações técnicas, entre elas a organização em maior
número de atos desdobrados em quadros.
De fato, logo quando o narrador chega ao hotel, necessitado de calor
térmico, o foco ampliado mostra o espaço descrito de forma impressionista:
A sala estava deserta numa luz parda; os fogões flamejavam; e fora,
no silêncio de domingo, nas ruas mudas, a neve caía sem cessar
dum céu amarelado e baixo. [...] e toa sua magreza friorenta se
encolhia ao aspecto daqueles telhados cobertos de neve, na
sensação daquele silêncio lívido... (QUEIROZ, 2000, p. 1490).
A percepção imediata e a valorização da impressão, atributos das telas
impressionistas, são efeitos gerados pela descrição da cena na narrativa e dão
sentido ao quadro, técnica bem utilizada no espetáculo melodramático, como
anteriormente se disse. A impressão advinda do ambiente causa a sensação de
algo melancólico, nostálgico, idéia induzida pelo uso do advérbio, projetado na
focalização de Korriscosso: “[..] avistei logo, plantado melancolicamente ao da
larga janela, o indivíduo esguio e triste.” (QUEIROZ, 2000, p.1490). O espaço se
harmoniza com o sujeito que é visto (Korriscosso) e com aquele que vê (o narrador),
afinal, este também fica impressionado, constituindo um jogo de trocas: o ambiente
melancólico se estende à figura do poeta, descrito como alguém que possui e
também traz traços fortes e impressionistas que causam no narrador a sensação de
melancolia e singularidade e, por isso, mais tarde, interessa-se grandemente em
desvendar seu mistério e sua vida.
Vale resgatar a arquitetura do espaço como direcionador das ações. É do
espaço aberto e frio (viagem que atravessa o canal da Mancha) que vem o narrador,
86
condicionado a aproximar-se da fogueira e notar Korriscosso, como acima se
discutiu. Uma vez instalado no espaço fechado, aconchegante, perde-se no hotel, na
hora em pretende dormir. E é no quarto, delimitado, que a vida particular do poeta
grego vem à tona, revelando, afinal, o motivo de viver num ambiente que nada se
relaciona ao seu prazer: o amor pela criada Fanny. Todo o seu universo de saber,
experiências, de criação, está centrado no espaço de Charing-Cross porque é lá que
trabalha a amada, por quem tudo sacrifica. O espaço aberto é feroz; o fechado mais
confortante, íntimo, revelador.
Estabelecida a situação inicial de que fala Bremond (1972), a de dar uma
razão para que a narrativa se desenvolva, passa-se para o enredamento do conto,
após introduzir o protagonista. A narrativa, coerentemente, cuida para que aquela
figura anunciada e focalizada, seja explicada. Assim, organiza a segunda grande
seqüência, a “da passagem ao ato da virtualidade”, conforme Bremond (1972).
Como é o narrador que se volta para Korriscosso, cabe a ele retornar e esclarecer o
“assunto”. De volta ao mesmo hotel em Londres depois de um mês, depara-se
novamente com o garçom. O espaço condiciona o encontro com um amigo,
Bracolletti, a quem apresenta ao leitores como se com eles conversassem: “Não
conhecem o Bracolletti?” (QUEIROZ, 2000, p.1491). A partir de então, a narrativa
engendra-se para que o máximo de informações sejam passadas de forma rápida,
compactadas, como solicita a modalidade narrativa conto. É por meio de Bracolletti,
homem misterioso, mas entendido como doce pelo amigo narrador, que este forma a
imagem negativa de Korriscosso: o fato de ser grego o remete à lembrança de que
este olhara interessadamente para seu livro de Tennyson desaparecido.
O acaso coloca-o em conversa franca com o garçom. Perdido nos
corredores, cai no quarto dele e a edição que sumira. Numa espécie de
identificação e num espaço fechado, porque os dois são poetas, aprecia os poemas
de Tennyson, o que faz Korriscosso sentir-se à vontade para contar a sua história
cheia de lacunas, de forma condensada, como avisa o narrador. Trata-se de um
homem de formação interessante: viaja por vários lugares e se envolve com
assuntos misteriosos e às vezes problemáticos que o levam a desaparecer do
cenário e reaparecer em outro. Em Atenas, é deputado. É certo que tem bom
domínio da linguagem; isso o permite a levantar questões e transformá-las em
poemas, o que o leva a ser promovido na administração do Estado da Grécia. No
entanto, esse intento não se realiza, porque o grupo político ao qual estava atrelado
87
perde a força e desaparece. Depois de manifestações a favor da emancipação da
Polônia, esconde-se na Inglaterra, trabalhando naquele hotel.
O percurso de Korriscosso denota ser um homem experiente, inteligente,
mas nem por isso sábio, avaliação significada pela barba curta. Apesar de ter uma
boa bagagem cultural, não tira proveitos dela para viver bem; ao contrário, mora
num quarto em cujo corredor corre “um bafo morno de viela mal arejada”, usa
casacas “desgraçadamente grotescas” e possui um “olhar triste”. Produzir poemas,
especialmente na forma de espécies clássicas, como é a ode e a elegia, é a sua
alegria e escape para a alma sensível que possui. O fato das pessoas atendidas no
hotel serem educadas lhe é o bastante. Porém, não lhe agrada o fato do
constante contado com o alimento, porque não é poético alimentar o corpo; prefere
alimentar o espírito.
Como se vê, a narrativa se desenvolve de forma mais direcionada à
medida que o foco se aproxima de Korriscosso; cria-se a expectativa no espectador:
quem será esse homem? Por que ele se comporta assim? A narrativa caminha e
enreda-se até a seqüência do diálogo entre os poetas; é nesse momento que o pivô
narrativo, antes oculto, revela-se. A queda do grupo político na Grécia ao qual o
protagonista se associa, acontecimento sobre o qual o narrador tece longos
comentários, e seu deslocamento para Londres, onde encontra um novo amor,
porém não realizado, fixa a sua mudança de destino. Antes, ele era um homem com
vida estabilizada, sem se considerar os sustos da paixão; depois, submete-se a uma
vida sem encantos apenas para ver a mulher amada.
No entanto, apesar dessa reviravolta em seu destino (quando um homem
letrado e deputado imaginar-se-ia terminar como um garçom em Londres?), não se
assiste a um emaranhado de ações depois de revelado seu amor por alguém que
não entende as suas composições feitas em grego; chega-se ao desfecho da tensão
narrativa surgida a partir do momento em que o narrador observa aquele homem
esguio, e se mantém crescente até que seja explicado quem ele é e por que está lá.
O conflito da personagem é explicitado: o amor versus o amor não compreendido,
com a sobreposição do fracasso. Essa situação desencadeia naquela seqüência um
desfecho dramático: Korriscosso soluça em choro ao pronunciar essa constatação.
Então, a narrativa chega ao fim: não há tensões, nem peripécias.
Ao anunciar a causa de sua tristeza e de seu comportamento, coloca em
pauta o tema do amor. A narrativa se serve de vários motivos componentes dessa
88
temática: a moradia e o trabalho no hotel, o ar triste, as composições líricas à janela
que tomam seu sentimento como matéria, o furto do volume de Tennyson. A
temática amorosa se enreda pelos motivos organizados pela narrativa. Assim, a
questão da poeticidade é colocada desde o início da leitura, tanto pela informação
apresentada quanto pela imagem construída. Rapidamente o público é informado de
que Korriscosso é um poeta sofredor, autenticamente lírico; a imagem do mar
complementa o tom do discurso criado e indícios de que também o narrador se
sente tomado pela emoção. Korriscosso é o poeta romântico frustrado, compositor
de elegias e odes, inspiradas na sua própria vida, vazão de seu estado de espírito
recriado pela palavra; seu viver caminha em consonância com seus poemas. Para
Fanny faz suas composições e, no entanto, é quase um desconhecido para ela.
Assiste-se a uma representação do próprio romantismo, decadente, humilhado, sem
o poder de conquistar algo ou alguém, mas fortemente enraizado num homem grego
com larga experiência de vida, suficiente para optar por um comportamento.
Em oposição a essa figura de “estampa romântica” está Bracolletti, com
quem o narrador encontra na segunda estada no Charing-Cross. De ascendência
também grega, descreve-o como um homem bon vivant; não passa necessidades,
ao contrário, usa o dinheiro ganho com seu bem estar, com sorriso doce e olhar
cativantes. Sua “debilidade” está em gostar de “rapariguinhas de doze a catorze
anos” (QUEIROZ, 2000, p.1492), recolhidas dos bairros pobres de Londres e
mantidas na sua casa, onde lhe oferece bebidas. A figura de Bracolletti, traduzida
como esperto, vivo, um homem do mundo, representa a estampa realista. É de se
notar que ambos são gregos, o que remonta à Antigüidade, mas possuem
comportamentos diferentes; Korriscosso é romântico, Bracolletti tende ao realista.
Enquanto o primeiro prefere prender-se ao hotel e a um trabalho cujo ambiente não
lhe é compatível com o teor de seus poemas feitos para uma mulher, numa
verdadeira expressão da alma e da sua história pessoal, o segundo é um sujeito do
mundo, envolvido com adolescentes e com um ar misterioso. O contraste entre ele é
nítido, assim como propõe o embate romântico e realista, mediado pelo narrador
que, como se viu, é poeta confesso e leitor de Tennyson, o que é bastante
significativo dentro da narrativa. Trata-se de um escritor inglês, admirado pela rainha
Vitória, autor de poemas líricos, cujo teor faz alusão ao “mal de viver”. Sua produção
passa por uma composição em homenagem a um amigo morto e exprime dor
profunda, como também por melodramas narrativos. Porém, são os Idílios de El-Rei
89
que chamam a atenção de Korriscosso, poemas em torno das lendas do Rei Artur. O
prazer dessa leitura remete a um leitor tradicional, que gosta de lendas e fantasias.
Mas, para além da condição de índice da personalidade de Korriscosso, a
edição de Tennyson traz um outro significado, o do “efeito de real” proposto por
Barthes (1971) num ensaio de mesmo nome. Segundo ele, o referente deve ser
colocado pelo real, com elementos contidos também no mundo que não seja o
ficcional para nele surtir o efeito da realidade. Assim, é pertinente ao programa das
narrativas realistas (Barthes exemplifica com a obra de Flaubert) a estratégia de
sublinhar elementos que integrem a realidade, com o objetivo de ser criada a
sensação de que a narrativa é apenas o relato do mundo real. No título focalizado,
signos como Tennyson, a cidade de Londres e mesmo acontecimentos políticos da
Grécia pontuam esse caráter realista.
Lepecki (1994) assinala a sua leitura do conto. Segundo a estudiosa,
trata-se da discussão entre prosa e poesia, o conflito dos Antigos e dos Modernos,
representados pelo narrador (a prosa moderna) e por Korriscosso (evidentemente, a
poesia); o que poderia ser uma discussão teórica, abstrata, toma a forma de conto,
que não nenhuma discussão exata em torno do tema suposto. O narrador é o
contador de toda a história, o controlador da matéria narrativa veiculada em prosa
fluida, ao contrário de Korriscosso que fala por suas odes e elegias, ou por
Bracolletti, ou pelo próprio narrador. Lepecki (1994) apresenta, ainda, a
interpretação de uma cena metaforizada dessa relação. Trata-se da seqüência em
que, ao chegar na sala de estar do hotel onde uma lareira, o narrador conta que
“gelado e estremunhado, corri ao vasto fogão do peristilo, e ali fiquei, saturando-me
daquela paz quente em que a sala estava adormecida, com os olhos beatamente
postos na boa brasa escarlate.” (QUEIROZ, 2000, p.1490). A postura do narrador é
de entendimento prático da sala: aconchego, recolhimento, o modo pragmático,
evidente, funcional. Por outro lado, Korriscosso, também presente na sala no mesmo
momento, apenas observa “os carvões ardentes”, fica impressionado, como se
quisesse extrair o significado além do aparente, ou a sua subjetividade, o que
remete à reflexão, à introversão. E, segundo se depreende pelas falas do narrador,
do que adianta esse estado reflexivo, transposto para o poema, se não é
comunicado nem compreendido o amor sentido? Parece haver na narrativa a
insinuação da não validade desse comportamento, ou, até mesmo, a sua
ridicularização, a sua inoperância, a sua inadequação. Vê-se, então, a crítica ao
90
modelo romântico, dessa vez mais discreta e menos incisiva do que em
“Singularidades de uma rapariga loira”, talvez porque se distancie do momento
eufórico das Conferências Democráticas, quando o autor português está no auge de
sua militância estética. Ao que parece, Eça combate o ideário romântico, mas não se
separa totalmente de seus procedimentos.
Amor e desamor atravessam e norteiam o conto. Não felicidade
amorosa do protagonista, nem da personagem que despreza o sentimento, porque,
afinal, também não é correspondida pelo policeman. Mais uma vez, a felicidade
amorosa o se realiza, porém serve de suporte para outras discussões, como a
suposta por Lepecki (1994). Ainda dentro do âmbito sentimental, e numa conclusão
primária e simples, o autor confirma a sua idéia da desestabilização provocada pelo
amor, pois Korriscosso não está feliz; ao contrário, traz em seu semblante a tristeza
da alma.
Tomachevski (1971, p.178) assinala que existem histórias nas quais o
exórdio (exposição das circunstâncias que determinam a situação inicial) é
retardado; “o relato inicia-se pela ação em desenvolvimento, é apenas com o
desenrolar que o autor nos a conhecer a situação inicial do herói”. Trata-se de
uma narrativa com exórdio ex-abrupto, que mantém o leitor atento até o final da
narrativa, como pretende o programa melodramático. Acompanhar passo a passo as
emoções, monitorando-as, garante que o desfecho seja vivenciado emocionalmente
e dele se extraia alguma lição.
Embora exista uma infelicidade, um desajuste (nesse caso, amoroso), não
um grupo portador da virtude perseguido por outro que seja o vilão, como é
comum no melodrama clássico. As personagens desse conto, embora possuam
traços muito diferentes, conforme visto anteriormente, não estabelecem duelos e,
por isso, não perseguições, nem reconhecimentos. A desarmonia continua a
existir até ao que equivale, em termos seqüenciais, ao último ato, pois Korriscosso,
em momento algum, entra em consonância com sua amada. Nesse sentido, o drama
ao qual se assiste é de ordem sentimental particular, sem interferências de outros.
Por outro lado, é preciso lembrar com Thomasseau (2005) a modificação
conhecida pelo melodrama. De acordo com o pesquisador, a queda do Império na
França causa a mudança na mentalidade coletiva e, conseqüentemente, na
composição do melodrama. Pixérécourt (1841) condena o “novo” melodrama por
acreditar que ele não mais contribuía para a formação moral da sociedade. Em cena,
91
agora, os marginais e bandidos tidos como heróis injustiçados, o amor inflamado e
maculado por relações adúlteras e/ou problemáticas, dramas sem soluções
recuperadoras da harmonia e do bem viver. O conto em foco aproxima-se desse
padrão, mas sem perder de vista o tom didático, que não se observa a discussão
ou o levantamento de uma questão moral.
Korriscosso não obedece ao padrão do herói clássico, cuja família possui
nome honrado e tradicional; aliás, é um ateniense na Inglaterra, fato que o coloca
numa condição marginalizada ou pelo menos de estrangeiro, tanto que o próprio
narrador cessa sua curiosidade ao sabê-lo ser um grego, considerando-o um
“bandido”, respaldado, segundo seu pensamento, pelo desaparecimento de seu
volume de Tennyson. Apesar de sua história de vida apresentar muitas lacunas e
experiências de todo tipo (mesmo as amorosas), não nela traços desabonadores
de seu caráter. As personagens secundárias também não pertencem à alta estirpe,
afinal tanto Bracolletti quanto o narrador (de importância significativa na narrativa),
hóspedes do hotel, possuem passados desconhecidos, e se constituem em tipos
sociais novos que vão adentrando no melodrama romântico.
Se é freqüente no melodrama romântico o herói morrer, diante de uma
fatalidade, aqui o destino o se altera tanto. Korriscosso tem, de certa forma, uma
morte terrena, sentimental, interna, por três situações principais. Uma delas é que
seu trabalho não é condizente com seu perfil lírico (como “homem de guardanapo”,
as falas que lhe são dirigidas estão no nível funcional de solicitar refeições) e,
portanto, não possibilidade de distender sobre assuntos que exigem maior
reflexão interior, até mesmo pela impossibilidade lingüística (e essa é uma outra
condição da morte silenciosa). Decorrente dessas situações, surge o terceiro fator
contribuinte para a tristeza de Korriscosso, talvez o mais incisivo: ao tomar a sua
experiência como matéria prima para a composição de seus poemas e neles
expressar a intensidade de seu amor, o herói o faz para demonstrar seus
sentimentos, porém a sua estratégia é completamente frustrada. Sua vida é reduzida
àquele mundo do hotel, de pessoas que lhe o desconhecidas. A infelicidade lhe é
absoluta.
A história apresenta um encadeamento narrativo, num enredamento de
seqüências, como propõe Bremond (1971):
- situação que abre a possibilidade de um comportamento: o narrador anuncia que
vai contar a história de um poeta lírico.
92
- passagem ao ato desta virtualidade: aproximação do protagonista, direta e indireta.
- resultado da ação: o protagonista revela sua dor e estabelece empatia com o
narrador.
Ao sistematizá-las em tríades mais amplas, pode-se obter o seguinte
esquema:
- Korriscosso ama (e por isso é uma figura triste);
- Korriscosso revela;
- Korriscosso sofre.
Tal como a preocupação do melodrama, “Um poeta lírico” tem diante de si
o público. Essa consideração se apóia no uso de um narrador dramatizado, como
denomina Booth (1980) que relata ao leitor aquilo que ele mesmo viu e constatou, e
faz questão de contar, monitorando a narrativa. A certeza de haver quem o ouve é
demonstrada de forma mais direta quando indaga sobre a identidade de Bracolletti
(“Não conhecem Bracolletti?”). No entanto, apesar do poder de despertar e conduzir
emoções, como o de instaurar o espírito nostálgico ou o de comover ou não diante
do drama do poeta grego temas tão românticos conjugados com procedimentos
tão tipicamente melodramáticos –, não se assiste a uma máxima moral, nem a
peripécias dos bons nem dos maus capazes de reverter destinos, afinal, como se
observou, o quadro de Korriscosso não se altera. O erro seguido do julgamento e
punição estão ausentes dessa narrativa, justamente porque o é dessa questão
que trata o sentido profundo da obra, mas da inoperância do amor, que leva os
sujeitos à condição de equívoco. Assiste-se, então, a um modelo melodramático que
convoca elementos como amor, sofrimento, dor, mas, como de regra acontece nos
melodramas com esse tema, resultam em infelicidade, porque tal sentimento não é
compreendido.Trata-se de uma conclusão irônica, maestria queiroziana.
Outros estudos podem ser realizados no texto literário ora tomado, como,
por exemplo, a questão de que o autor pode tratar com menor incisão o tema da
modernidade realista e ressaltar como o programa romântico está desatualizado ou,
ainda, como assinala Lepecki (1994), tratar do embate prosa e poesia. Mas, para
este momento, objetiva-se a análise da apropriação de certos comportamentos
melodramáticos para se estabelecer ou se construir um sentido.
93
4.3 “No moinho” e uma história interrompida
É tradição dos estudos queirozianos ver em “No moinho” uma
minimização de O primo Basílio pela semelhança de algumas ocorrências narrativas.
Assim como Luísa, personagem do romance, Maria da Piedade é seduzida pela
presença e pelo galanteio de um primo, no seu caso, Adrião, autor de livros
românticos. Tanto uma como outra personagem vivem períodos de euforia
sentimental (impulsionadas pelas leituras românticas que realizam) desdobrada em
experiências muito diferentes daquelas conhecidas, resultando em conseqüências
não muito ajustadas: Luísa morre no final da narrativa e Maria da Piedade
transforma-se numa histérica. Mas as aproximações não vão muito além, porque as
personagens possuem comportamentos diferentes: Luísa morre sem profundas
alterações no seu comportamento; já Maria da Piedade cai em desabono moral.
“No moinho” trata da história dessa mulher de índole inquestionável,
inteiramente dedicada ao marido e filhos adoentados. Seu contato com o mundo
exterior são a sua ida à missa, a visita do médico da família e a administração dos
negócios, uma vez que seu marido é inválido. Casa-se porque, embora conhecesse
a história de seu futuro marido, seu lar familiar é bastante problemático, pois sua
mãe era “uma criatura desagradável e azeda” e seu pai, um alcoólatra agressivo. O
casamento com um homem de posses também garante a não hipoteca da casa dos
pais. No entanto, toda a sua tranqüilidade de seu “hospital” é alterada quando sabe,
via carta, que o primo escritor de seu marido virá à vila tratar da venda de uma
fazenda, a única não hipotecada, herança de seu pai. Por indicação do próprio
marido, Maria da Piedade acompanha Adrião para cuidar da venda. Sozinhos,
ambos vão abrindo maior diálogo, a que o primo escritor começa a melhor
observar Maria da Piedade e ver nela uma mulher singular, sentimento de admiração
retribuída por ela. No dia seguinte, ao visitarem o moinho, Adrião beija a prima
santa, que por ele se apaixona, e parte no dia seguinte, sem deixar vestígios. A
partir de então, passa a ler os romances, e vê neles a intensidade da paixão,
tornando-se amante do praticante da botica, caindo em desabono moral na vila e
deixando marido e filhos padecerem em meio às suas doenças.
A história é comunicada por um narrador que dessa vez não está nela, ao
contrário dos contos anteriormente analisados. Maria da Piedade é apresentada na
primeira linha do discurso com predicativos idealizados no que tange a sua
94
moralidade, trata-se de uma “senhora modelo”, uma “santa” (QUEIROZ, 2000,
p.1498). Duas personagens masculinas quando se referem a ela, têm
comportamentos significativos: um acaricia os fios de cabelo e outro tem os olhos
esgazeados. Fisicamente, é descrita como uma beleza delicada, com detalhes
interessantes: olhos cor de violeta, olhar sombrio e doce, circundados por pestanas
longas, que tanto podem realçar os traços como podem indicar algum
comportamento peculiar, se for considerada a teoria de Lavater, em voga na época.
Segundo ele, a personalidade está intimamente ligada à constituição dos fenótipos
e, sendo assim, talvez se possa esperar mais do comportamento dessa personagem
que uma boa samaritana. Vale dizer que, apesar de toda generosidade, Maria da
Piedade não é uma mulher de grandes devoções. Vai à igreja aos domingos, mas
entende que a dedicação necessária e vital a sua família é a sua oração suficiente.
É ao menos curioso o dado trazido por Reis (1987, p.125) que, ao estudar os
manuscritos queirozianos depositados na Biblioteca Nacional de Lisboa, afirma que
faz parte do projeto de trabalho do escritor português, como atestam os manuscritos,
breves descrições de várias personagens, em cujos elementos
caracterizadores se antevêem comportamentos que entre si se
condicionam e que certamente viriam a harmonizar-se na orgânica
de uma ação que é possível adivinhar.
Isso leva a crer na adesão de Eça ao princípio determinista tão veiculado
na época, à maneira de Taine, plasmado, também, nessas histórias curtas.
A narrativa prossegue caracterizando melhor a vida de (e a própria) Maria
da Piedade. Seu cotidiano em tratar a família doente, habitar em ambiente
desalentador (andar em pontas de pé, remédios pela casa, cômodos não arejados) e
viver apenas em casa, cuidando de suas costuras e negócios do marido faz de sua
vida um sacrifício quase religioso, como sugere o próprio nome. Tais condutas são
justificadas por uma analepse que procura no passado a causa de tanta abnegação,
conforme prevê o programa naturalista, apoiado no determinismo de Taine cujo
princípio é o de que o homem é resultado do meio, da raça e do momento no qual
está inserido. Assim, é preciso encontrar a fatalidade condicionadora da vida das
personagens, que pode ser hereditária, fruto da educação e leitura, assim como os
exemplos vivenciados. Por essa visão determinista, a analepse é o recurso literário
adequado para que venha à tona a razão de Maria da Piedade ter aceito a condição
do casamento. Num retorno ao passado do tempo da história, o leitor conhece sua
95
vida familiar problemática e doentia na casa dos pais. Outra manifestação do
determinismo hereditário são seus filhos, doentes. Por outro lado, esse recuo no
tempo justifica e antecipa outras explicações de fatos futuros ou, ao menos, deixa
em suspensão a idéia de que, com tantos problemas familiares, a personagem
consegue se manter em relativo estado de equilíbrio. Maria da Piedade é
caracterizada, então, como uma personagem extremamente virtuosa; nada a desvia
de seus afazeres e nada é capaz de lhe corromper.
O primeiro segmento da narrativa, o exórdio segundo Tomachevski (1970)
é longo e demorado porque esmiúça detalhes em torno da figura da protagonista.
Estabelecido o seu perfil, a narrativa arranca para seu momento de ação. A notícia
da chegada do primo de João Coutinho desestabiliza o equilíbrio da casa e de Maria
da Piedade e proporciona à narrativa a situação inicial que é desenvolvida. As
informações sobre ele são trazidas à narrativa de forma a introduzir outra
personagem antes de sua ação propriamente dita, mas contém, também, alguns
índices importantes. Romancista, autor de um livro cujo título é Madalena, é dado
como “amado das fidalgas, impetuoso e brilhante”. Adrião não parece reunir as
qualidades de um homem virtuoso; ao contrário: sinaliza ser alguém com interesses
mundanos, pequenos. Ser autor de Madalena, “um estudo de mulher trabalhado a
grande estilo, de uma análise delicada e sutil” (QUEIROZ, 2000, p.1500), guarda a
coerência com o futuro narrativo, e também uma certa ironia, porque essa
publicação o consagra como um mestre e, no entanto, durante o jantar na casa do
primo doente, fala apenas dos negócios, sem fazer referências a qualquer outro tipo
de assunto. A ironia dirige-se ao comportamento em titular pessoas por pouca coisa.
A razão que o traz à vila também não é dos mais nobres.
Adrião vem tratar de negócios, do último patrimônio que não estava
hipotecado da herança do pai. Para ajudá-lo, João Coutinho disponibiliza sua
esposa, administradora dos bens familiares. A proximidade entre grupos opostos é
uma estratégia melodramática, que no favor, na presteza, o meio de os colocar
lado a lado para evidenciar seus valores conflituosos. Maria da Piedade é a mulher
tão dedicada aos cuidados familiares que sequer deseja visita do primo ilustre,
temendo alterar o cotidiano do seu hospital domiciliar, enquanto o primo escritor,
esbanjador, refere-se a ela como “um anjo que entende de cifras” (QUEIROZ, 2000,
p.1501). O recurso utilizado pelo melodrama se coloca de acordo com a organização
narrativa, pois o motivo da aproximação (a vinda do primo) elabora a situação inicial
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proposta por Bremond, como acima se disse. Assim, algo a ser resolvido, um
motivo a ser desenvolvido: a venda da fazenda.
A partir de então, a tensão é crescente, numa estratégia que busca
incorporar o leitor como se ele também pudesse fazer parte daquela história e/ou
que ela lhe fosse familiar. Fazê-lo se ambientar a tal ponto que tenha ao menos a
sensação da realidade é um propósito realista. Para isso, há uma preocupação
importante em relação aos recursos visuais, aos quais o leitor tem amplo acesso, de
tal modo que possa representar o mundo sensível. A esse respeito, Peacock (1968,
p.31) aponta:
O contador de estórias, sejam elas em prosa ou verso, evoca o
ambiente de suas cenas, sugere a aparência de seus personagens e
locais, as casas e as salas em que vivem e trabalham, gastando toda
a sua arte para tornar tudo isso vivido para a imaginação sensorial.
Acima de tudo faz seus personagens viverem, como costumamos
dizer, indicando que dão corpo à própria matéria da vida, fazendo-
nos aceitar sua ficção em pé de igualdade com uma estória real.
Em “No moinho”, uma série de descrições que muito bem funcionam
como recursos para criar a verossimilhança, como também concorda Philippe
Hamon (1973). De fato, não as personagens são ricamente apresentadas, mas
também os espaços:
[...] havia sobre as cômodas alguma garrafada da botica, alguma
malga com papas de linhaça; as mesmas flores com que ela, no seu
arranjo e no seu gosto de frescura, ornava as mesas, depressa
murchavam naquele ar abafado de febre [...] (QUEIROZ, 2000,
p.1498).
Essas descrições alcançam outro patamar. Alem de causar a impressão
do real, também convidam o leitor que assiste a visualizar a cena e causar nele a
sensação interpretativa de que o ambiente é mesmo desconsolador. É o caso das
flores sobre a mesa. Retomando Lins (1976), o espaço oferece o ambiente em que
vive Maria da Piedade: triste, melancólico, sem vida. Tal como as flores (numa
metáfora do narrador que aproxima personagem e flor), que são bonitas e viçosas,
Maria da Piedade logo perde seu frescor naquele ambiente doentio. Assim, o ânimo
da juventude é minimizado, restando a ela apenas direcioná-lo aos cuidados
familiares.
97
A conversa em torno da transação da venda é o que proporciona o pivô
narrativo. Em harmonia com o motivo, a narrativa ambienta o espaço onde
transcorre a cena que proporciona acontecimentos desencadeadores de
sensações. Caminhar pelo campo, sem que haja obstáculos para a conversação
condiciona a aproximação e faz com que sejam rompidos os limites da timidez de
Maria da Piedade em relação ao homem jovem, cheio de vida. Solucionada a
distância verbal, ocorre a aproximação física, insinuante, sedutora. É porque estão
em meio à natureza que um galho enrosca em seu vestido e, então, num gesto
galante, Adrião desprende o objeto, resvalando na saia de Maria da Piedade, o que
lhe faz corar e amedrontar-se a tal ponto que deseja intensamente voltar para sua
casa. Mas a estrada é longa, e o silêncio entre os protagonistas torna-se improvável.
A conversa gira em torno da tristeza que na casa dos enfermos e Adrião chega
mesmo a perguntar a Maria da Piedade se não possui outras vontades, mas ela
responde numa interrogação sobre o que mais poderia desejar. A ingenuidade
aliada à pureza fazem com que ele desista da insistência e passe a falar da
paisagem, especialmente do moinho.
Como se nota, é novamente pelo espaço que a narrativa vai se
enredando. Romanticamente, ela se refere ao moinho (“o idílio da vila”) e, então,
combinam para o dia seguinte a visita ao lugar. Num ambiente impressionista que
anima Maria da Piedade (“era um dia de março fresco e claro”; “o sol tépido”), Adrião
se impressiona com sua naturalidade, doçura, simplicidade, diferenciais em relação
às outras mulheres que o fazem se interessar de maneira significativa por ela. No
entanto, sente-se reticente em desejá-la, idéia que se contrapõe à figura feminina
rara diante de si.
A tensão narrativa é crescente à medida que os dois protagonistas se
aproximam fisicamente. Numa grande cena, vão conhecer o moinho, retratado de
forma impressionista, o que não é estranho em Eça:
Era um recanto da natureza, digno de Corot, sobretudo à hora do
meio-dia em que eles foram, com a frescura da verdura, a sombra
recolhida das grandes árvores, e toda a a sorte de murmúrios de
água corrente, fugindo, reluzindo entre os musgos e as pedras,
levando e espalhando no ar o frio da folhagem, da relva, por onde
corriam cantando. (QUEIROZ, 2000, p.1503).
A criação da imagem segundo os preceitos e intenções impressionistas
influenciam diretamente nas sensações causadas pela impressão pura do objeto,
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especialmente pelos tons criados pela luminosidade; no caso da descrição acima o
da claridade e da sombra ao sol do meio-dia. Esse cenário composto provoca efeitos
na própria personagem que nele está ambientado, como no leitor ou na platéia. No
caso de Maria da Piedade, a sensação de vida e a frescura atuam na disposição
para a ação seguinte, a do beijo que a desperta, sem contar a identificação
simbólica existente entre esse cenário e a própria protagonista, como adiante se
verá ao tratar do espaço específico do moinho.
Ao iniciar a composição quase pictórica pela palavra, o narrador menciona
Corot e não é em vão. Trata-se de um pintor francês cuja técnica em registrar a
gradação de luzes e sombra é marcante, assim como o rigor na constituição das
paisagens retratadas. O impressionismo é uma técnica herdada dos folhetins,
ressalta Thomasseau (2005). Como a intenção pragmática do melodrama é envolver
o leitor e fazê-lo aderir à história contada que bem poderia ser a do próprio leitor -,
o cenário deve caprichar em seus ornamentos a fim de impressionar, provocar
sensações e fazer reter na memória a história contada, no estabelecimento de
quadros, como acima se disse. Além disso, a imagem deve provocar sensações,
as mais emocionais possíveis.
O ambiente em que Maria da Piedade e Adrião estão bastante íntimos é
convidativo para uma cena idílica: os dois adultos enamorados, sozinhos, num
ambiente silencioso apenas quebrado pelo rumor das águas, bucólico, encantador.
Adrião, condizente com o clima instalado, começa a falar em tom baixo, sedutor,
desenhando um conto de fadas, apropriado ao espaço daquela “velha edificação de
pedra secular” (QUEIROZ, 2000, p.1503), representado no enlace entre o moleiro a
sua companheira, com refeições à beira d’água e conversas ao luar. A idéia
fantasiosa passa a ser entendida como realidade e entusiasma o casal, o que
resulta no beijo sem resistência. O contato com a vida, simbolizado pela água e
concretizado pelo beijo, deixam-na chocada, com os lábios a tremer e sem voz.
O espaço que determina a mudança de estado de alma de Maria da
Piedade é discretamente trazido à narrativa pela descrição inicial do lugar onde a
personagem mora. Quando as pessoas vão passear até o moinho, vêem-na por trás
das vidraças, entre as cortinas, costurando, o que leva o leitor para o interior da casa
e permite conhecer melhor a protagonista por meio da livre circulação de olhares: é
mulher prendada, séria e reservada. Mesmo Adrião quando fica alojado na
estalagem do tio André, ressalta o privilégio de visualizar, pela janela novamente, o
99
moinho e a represa que lhe parecem deliciosos. De fato, delicioso é o lugar que lhes
aproxima intimamente, descrito como agradável, bastante diferente do ambiente
fechado em que vive com sua família. Se o espaço fechado representa a
resignação, o aberto simboliza a vida. Ao sair da “paz de seu hospital” e acompanhar
Adrião nos negócios a serem tratados, Maria da Piedade conversa com
desenvoltura, sorri, é admirada em sua beleza e capacidade de negociar, é tocada,
envolve-se em sonhos. Não é em vão que o moinho dá título ao conto, numa
espécie de prolepse. O divisor de águas da narrativa, o pivô narrativo, é habilmente
descrito pelo narrador de forma pormenorizada, o que faz lembrar um bosque
encantado. Fachin (1992, p.225) aponta que o “melodrama ancora-se num espaço
reduzido, fechado cavernas, castelos em ruínas, floresta, taberna, mar agitado...”.
Ora, nessa atmosfera idílica, não faltam o príncipe, nesse momento revestido de
galanteria (como convém), e a princesa, de beleza encantadora, de moral e doce
ingenuidade.
Importa ressaltar que o moinho é bastante significativo pelo sentido
contido nele, que estão direta e intimamente vinculados aos caminhos tomados pela
narrativa. Chevalier e Gheerbrant (2002) relacionam a água como o símbolo da fonte
de vida e, realmente, é a partir do episódio ocorrido nesse espaço que Maria da
Piedade desperta para a emoção, para o desejo, como se nascesse uma outra
vida, de força nova. Segundo o que autoriza Chevalier (2002), os românticos
cantaram a água como símbolo da valorização feminina e da sensualidade, e onde a
libido desperta. É exatamente esse o acontecimento narrativo, pois é nesse
momento que Maria da Piedade sente a vida pulsar, confirmada pela informação de
que no moinho “toda a sorte de murmúrios de água correndo, fugindo...”
(QUEIROZ, 2000, p.1503), o que figurativiza a idéia de dinâmica de sentimentos, ou
de revitalização deles.
Então, para que se o enlace amoroso, a mudança de espaço é
importante, porque depende dele a ambientação das ações. No jantar na casa do
primo doente, Adrião conversa apenas com ele, referindo-se à prima como um
“anjo”. Nesse espaço fechado, Maria da Piedade apenas o observa, avalia-o dentro
da sua óptica, mas, ao transpor esse espaço em direção ao aberto, a vida ressurge
traduzida em diálogo, sorrisos, fantasias, desejo, beijo, todos reprimidos e
impraticáveis no seu cotidiano, passado no espaço limitado, como é a sua vida
limitada. É no espaço fechado da estalagem que Adrião avalia a possibilidade de
100
envolver-se com a prima; primeiro se encanta e quer se aproximar; depois afasta-se,
radicalmente. É válido sublinhar, no entanto, que é presença daquele homem
revigorante que a faz repensar e reviver, porque, sem ele, a paisagem exterior é
uma metáfora do seu cotidiano:
A mesma paisagem que ela via da janela era tão monótona como a
sua vida: embaixo a estrada, depois uma ondulação de campos, uma
terra magra plantada aqui e além de oliveiras, e erguendo-se ao
fundo, uma colina triste e nua, sem uma casa, uma árvore, um fundo
de casal que pusesse naquela solidão de terreno pobre uma nota
humana e viva.” (QUEIROZ, 2000, p.1499)
A imagem construída do local é bastante visual, na tentativa, como afirma
Hauser (1995, p.914) de “reter o momento fugaz, a entrega ao estado de espírito
passageiro como o valor mais alto e insubstituível, o objetivo de viver no momento,
de ser absorvido por ele (...)”. De fato, ao fixar e reter o momento, todas as atenções
estão nele centradas, não havendo desperdício de movimento para outras
ocorrências. Observando com maior atenção o local descrito, nota-se semelhanças
com o sujeito que ali é revigorado, Maria da Piedade. A sua jovialidade aparece
refletida em “frescura da verdura”; a sua contenção sensual em “sombra recolhida” e
todo o seu vigor dedicado à família adoentada em “reluzindo entre os musgos e
pedras”. Esse espaço descrito é significativo porque é transformador e subjetivo:
ocorre a interação entre ele e o sujeito, num impressionismo literário e pictórico,
atingindo o leitor que imagina a riqueza do cenário.
Como se observa, o desenvolvimento da situação que abre a
possibilidade de algo a ser contado se enreda coerentemente. A mulher santificada
é apresentada, em seu perfil físico e comportamental: vivendo em ambiente doentio
quando solteira, quando casada quase nada melhora em sua vida, porque, afinal,
trata-se de uma mulher jovem, bela, que convive com a morte, com a tristeza,
distante dos ares de vida que a juventude lhe solicita. Esse estado de alma se
contrapõe com a alegria e com o ânimo de viver representado pela virilidade de
Adrião, pela atenção a ela dedicada (a brevidade desse cuidado não é levada em
consideração por ela) e, por isso, facilmente se apaixona por ele ou, ainda mais,
“amava-o”. O leitor, por meio do narrador onisciente, num procedimento das
narrativas naturalistas, acompanha o desenrolar das ações e o pensamento íntimo
das personagens. Essa onisciência permite conhecer o que sente Maria da Piedade
ao ter uma vida tão próxima da morte e também Adrião, tão admirado pela mulher
101
pura. Além dos aspectos exteriores, conhece o interior das personagens: traduz
sentimentos, comportamentos, intenções. Assim, torna-se público o que leva Maria
da Piedade às lágrimas: “Às vezes, , picando a sua costura, corriam-lhe as
lágrimas pela face: uma fadiga da vida invadia-a, como uma névoa lhe escurecia a
alma.” (QUEIROZ, 2000, p.1499). Por isso, quando um homem viçoso, com palavras
ajustadas e ainda cultuado pelas mulheres e seus leitores é tão admirado por ela,
causando-lhe uma sensação de vida, em acentuado contraste com a que conhece,
como pode ser constatado pela impressão nela causada pelo primo Adrião: “[...]
aquele poeta que os jornais glorificavam, era um sujeito extremamente simples
muito menos complicado, menos espectaculoso que o filho do recebedor!”
(QUEIROZ, 2000, p.1501). Dominador da narrativa, apresenta logo no início algo
que corresponde ao “monólogo recapitulativo” de que fala Thomasseau (2005),
apresentando as peripécias que precedem a narrativa propriamente dita, propondo a
natureza que a trama pode seguir.
Também é conhecido o pensamento mais íntimo de Adrião sobre
Maria da Piedade. Além da beleza, é uma mulher simples, talvez provinciana e de
mau gosto, alvo fácil para o “leão”, pode concluir o espectador. Após a cena
passada no moinho, Adrião não se culpa em tê-la beijado, aproveitando-se do amor
que ela possui em potencial; ao contrário, pelo narrador que tudo sabe, o leitor, que
se torna uma espécie de confidente, toma conhecimento de que o primo escritor
acredita ter sido bom ao dar-lhe um pouco de vida, mas lhe parece idiota
estabelecer-se naquele lugar que julga odioso por causa de um prazer que nem
sabe se poderá desfrutar novamente. Cheio de más intenções, como mostra a
narrativa melodramática, Adrião é fixado como o vilão praticante da maldade em
relação a sua vítima virtuosa, generosa. O espectador aguarda o desfecho.
Apresentado o caso, o leitor está em condições de avaliar e posicionar-se
diante deles, porque informações privilegiadas de um observador impiedoso dos
costumes da época, buscando acentuar a intenção moralizante como é o
procedimento do melodrama. Ao desenhar Maria da Piedade como uma “beleza
delicada e tocante”, uma “santa”, logo o público constrói a imagem favorável dessa
mulher, cujas descrições de dedicação e beleza física intensificam. Não dúvidas
que se trata da mulher romântica idealizada, abnegada de sua existência diante de
um amor maternal exacerbado. Mas, aos poucos, e para a surpresa do público leitor,
essa figura vai se transformando, como se aquela condição fosse mesmo
102
impossível; o realismo invade a narrativa até alcançar o naturalismo: Maria da
Piedade se conta do seu martírio e torna-se uma mulher sedenta de vida até ser
considerada “Vênus”. Após a partida de Adrião sem maiores considerações, a
saudade da vida lhe invade a alma, o que a faz olhar criticamente para o meio
desgraçado em que vive. No intuito de estar sintonizada com o universo do primo e
minimizar os seus desejos, os romances de sua autoria, acalmando seus ânimos.
Com o passar do tempo, desprende-se do amor de Adrião e direciona-o a qualquer
movimento que possa saciar a sua imaginação aprendida nos romances românticos,
cujo amante não mede esforços para satisfazer quem ele ama. No entanto, essa
condição abstrata não lhe satisfaz por muito tempo, e ela passa a ser amante de um
homem desclassificado.
Outras presenças naturalistas sinalizam o que se pode esperar do
comportamento da protagonista, num princípio determinista: seus pais são pessoas
desequilibradas; os filhos de pai doente também o são e precisam de cuidados, o
que acentua a sua desilusão. Índices como o fato de ela não apreciar a idéia de
constantes orações, devoções ou ir à Igreja sinalizam o pouco apego à religião e,
sendo assim, esse desapego não entraria em choque com sua conduta de amar o
primo. Com esse histórico, o leitor pode ser levado a duas reflexões: é mesmo
possível uma vida como a de Maria da Piedade? Tanta dedicação ou tanta paixão
pode levar ao estado de desequilíbrio emocional?
A tônica da narrativa é, então, a metamorfose da protagonista a partir da
paixão despertada, o que passa, novamente, pela questão amorosa. O melodrama
clássico evita relacionar os heróis com paixões, porque elas transtornam a
capacidade de discernimento; o mesmo não ocorre com o melodrama romântico que
coloca em cena os amores mais inflamados, capazes de alterar os destinos. As duas
condições parecem se realizar: classicamente é demonstrada a tese de que o amor
desequilibra o sujeito, levando-o a um estado existencial deplorável, não porque
quer viver, mas sim por cair em descrédito moral-cristão. Mais uma vez, o
espectador tem suas emoções testadas: é razoável uma mulher deixar no abandono
filhos e maridos adoentados e procurar outros homens para satisfação de seus
desejos mais íntimos? O julgamento do quadro e a conseqüente punição como
ocorre no melodrama clássico não parece acontecer, pois o que é caracterizado
como vilão o que ousa tirar a santa mulher de seus afazeres caridosos e
praticamente a molesta, e, em conseqüência desses atos, faz odiar a vida que leva –
103
, parte da vila sem nenhuma complicação, nem de consciência e nem de satisfações
mais pessoais ou familiares. E aquela que, certamente, é tida inicialmente como a
heroína romântica (bondosa, dedicada à maternidade e ao marido, sexualidade
dormente) é punida com o escândalo de toda a vila.
Não se pode perder de vista que o conto é realista-naturalista e, portanto,
a crítica ao romantismo aparece de forma mais explícita, como é o caso das leituras
realizadas por Maria da Piedade após a paixão despertada. Se antes ela lia Vida dos
Santos para seu marido entrevado, abandona essa leitura em favor de romances
românticos, que a fazem sentir alívio de suas dores:
Lentamente esta necessidade de encher a imaginação desses lances
de amor, de dramas infelizes, apoderou-se dela. Foi durante meses
um devorar constante de romances. Ia-se assim criando no seu
espírito um mundo artificial e idealizado. (QUEIROZ, 2000, p.1505-6).
O comentário do narrador é direto e impiedoso: a mulher está prestes a se
tornar uma desvairada por tomar a leitura fantasiosa romântica e imaginar a sua vida
em consonância com o mundo ficcional, em muito diferente da sua realidade que lhe
passa a ser, agora, odiosa. Essa situação induzida pelo sentimento amoroso é
alertada por Fradique Mendes numa carta ao seu sobrinho, Manoel:
Aqueles que, como Feuillet, e Sandeau e tantos outros, só
sabiam contar, com pena enternecida e graciosa, histórias de amor e
em que o amor era centro e o motor único da vida, estão
abandonados, comidos humilhantemente pelos ratos, nos
subterrâneos dos livreiros.
Nem por isso as mulheres lêem hoje versos de amor que de
resto não apreciaram em tempo algum, porque nunca uma mulher
gostou de ver outra coroada e idealizada! E além disso nem elas,
nem ninguém, por mais simples, acreditam na sinceridade dos
poemas amorosos. Todos sabemos que eles são meros exercícios
de leitura, compostos pacientemente, friamente, de chinelos, com um
dicionário de rimas. (QUEIROZ, 2000, p.121).
Maria da Piedade, de certa forma, também representa essa polêmica: o
perfil romântico era verdadeiro ou apenas superficial, forçoso e conveniente? Até
mesmo o criador de romances, o próprio Adrião possui descrição moral pouco
salutar. O autor de romances, querido pelas leitoras, “herói de Lisboa, amado das
fidalgas, impetuoso e brilhante” (QUEIROZ, 2000, p.1500), apresenta indícios de seu
caráter aproveitador quando o narrador informa que da herança de seu pai, quase
104
tudo estava hipotecado, exceto a fazenda ao da vila. É, então, um homem cujo
comportamento não condiz com a boa conduta esperada.
Piwnick (1988) nesse conto a revelação do interesse de Eça pelas
doenças nervosas, especialmente pelas publicações de Charcot intituladas Leçons
sur les malades. Maria da Piedade é o exemplo da histeria decorrente da
sexualidade frustrada, parcialmente resolvida quando envolve-se com o ajudante da
farmácia, mas é, também, na opinião da estudiosa, um sujeito à procura de uma
autovalorização que preencha suas falhas afetivas, durante toda sua vida. Como
elas o parcialmente preenchidas, o efeito é acumulativo e resulta num transtorno
histérico.
O caráter bovarista de Maria da Piedade é sublinhado por Piwnick (1988),
principalmente ao que se refere à permanente insatisfação do desejo. pontos
coincidentes; Emma e Maria da Piedade são mulheres que tiveram infância com
educação recatada (a primeira viveu em conventos e a segunda cresceu com sua
família); ambas vêem no casamento uma forma de ascensão social (porém, não se
satisfazem com ele). Além disso, se interessam por outro (no caso de Emma, por
outros) homem e lêem vorazmente obras românticas, criando ilusões que esperam
ver realizadas. O percurso traçado por elas também coincide: o matrimônio não tem
vínculos com o amor (mas o sentido de liberdade para a personagem queiroziana) e
a maternidade não é uma realização, nem uma felicidade mesmo Maria da
Piedade, apesar da dedicação exemplar que tem para com os filhos, acaba por
relegá-los ao abandono mais tarde. Portanto, as duas possuem alterações de
percurso não previstas para as personagens femininas tradicionais.
Mais um ponto observado que aproxima essas duas mulheres é a
virilidade. Emma Bovary possui comportamentos em muito diferentes daquilo que se
conhecia na ficção que lia: age com rapidez, comete o adultério, é procuradora dos
bens do marido. Vale lembrar que Maria da Piedade apresenta também essas
atitudes como, por exemplo, ser a responsável pela administração dos
empreendimentos econômicos da família: “Foi por isso com grande alegria, que
ouviu João Coutinho declarar-lhe que a mulher era uma administradora de primeira
ordem, e hábil nestas questões como um antigo rábula!...” (QUEIROZ, 2000,
p.1501). Talvez possa se dizer que em Maria da Piedade a questão do bovarismo é
menos explícita que na própria Emma.
105
Reis e Milheiro (1989) observam que no espólio queiroziano dois
cartões identificados como “Estudo de mulher” e outro como “Outro estudo de
mulher”, incompletos; num terceiro, a designação de “admirável assunto de conto”.
Neles, de acordo com os pesquisadores acima citados, uma investigação em
torno da condição feminina e seus desdobramentos, como o casamento, família,
adultério e a crise que sobre eles se constrói. Tematicamente, o tema relaciona-se
diretamente com O primo Basílio e também com “No moinho”, narrativas que estão
diretamente ligadas a estudos de casos. De fato, os dados se alinham quando o
conto referido é focalizado. No “assunto de conto” constata-se a seguinte anotação:
“uma provinciana sentimental concebe uma paixão por uma ilustração de Lisboa e é
desmoralizada por ela.”, que é o núcleo da narrativa em foco, concretização do
“estudo de mulheres”. Vale lembrar, com os autores, que Adrião, personagem
moradora de Lisboa, é autor de um livro cujo predicativo indica ser um estudo de
mulher.
“No moinho” é um conto de enredo seqüenciado melodramaticamente,
com boa dose naturalista. Dada a situação inicial, após uma explicativa introdução
narrativa que contém dados importantes sobre a protagonista, o espetáculo está
pronto para começar. De forma breve como requer o conto, a densidade dramática é
construída conforme se a anulação da distância espacial entre Maria da Piedade
e Adrião, ocorrida definitivamente no campo. A narrativa se inicia de forma
degradada, com a assexualidade da mulher fada e casamento condicionado para
fugir de um lar problemático. Depois, conhece o melhoramento apoiado na felicidade
proporcionada pelo primo galanteador para, em seguida, ser degradada em escala
crescente, porque Maria da Piedade chega à decadência, desmoralizada e
histérica. A grande cena do moinho, lugar potencializado em significações, guarda o
pivô narrativo, que altera o percurso das personagens, exceto o de Adrião. Filhos e
marido abandonados, mãe ausente. A peripécia da protagonista tem início quando
visualiza um homem admirável aos seus olhos e se completa quando o narrador
conta que ela o amava; isso a reanima e faz caminhar na busca do amor físico a
qualquer custo, resultando numa total transformação. A narrativa se enreda de forma
coerente, estruturada conforme as tríades de Bremond (1972):
- Situação que abre a possibilidade de um comportamento: chegada de uma
personagem que representa a masculinidade e a virilidade a um meio doentio,
presidido por uma mulher jovem e saudável.
106
- Passagem ao ato desta virtualidade; resposta a situação inicial: envolvimento
crescente entre os protagonistas a partir da venda da fazenda; aproximação
amorosa entre ambos e imediata separação, definitiva.
- resultado da ação: histeria e desabono moral.
Numa visualização sistematizada, vê-se:
- Maria da Piedade cuida;
- Maria da Piedade ama;
- Maria da Piedade desequilibra.
Retomando o tema das questões melodramáticas interessantes a este
estudo, observa-se a preocupação em despertar comoção, envolver o
espectador/leitor emocionalmente e mantê-lo atento ao drama. Para isso, preocupa-
se grandemente com a cena: é ela que deve conter os elementos capazes de
concentrar as atenções e estabelecer a tensão que desencadeia a comoção. É
preciso que o blico se impressione ainda que seja pelo exagero e assim se
envolva emocionalmente com a questão que se apresenta. Em “No moinho”, a
paixão desestabiliza e gera a infelicidade prevista no programa melodramático (e no
tom que pretende o autor realista), com o desenlace baseado no “castigo” (FACHIN,
1992, p.225) conseqüente da atmosfera romântica que envolve Maria da Piedade.
Brooks (1974) sublinha o caráter impressionante do melodrama, num
caráter hiperbólico da situação. Assim, as cenas impressionam: a virtude
exacerbada de Maria da Piedade, o lar da família adoentada, expectativa interior da
personagem para receber o primo escritor, a aparente felicidade de ambos ao
estarem no moinho, a histeria que se apodera da boa alma.
Mas o conto é realista, e o final feliz também não é previsto nos moldes
melodramáticos. Estabelecido o drama de uma vida (uma mulher que no
casamento uma forma de escapismo, uma união frustrada com o marido inválido e
as crianças enfermas, a sedução por um homem que a faz sentir-se viva), é o
momento de dar a nuance desejada. A idealização dessa mulher representada pelo
orgulho que a vila tem dela diante da alma generosa e dedicada é nocauteada
quando ela se torna promíscua, como constrói o tom naturalista. Ainda que
apresente causas deterministas para esse comportamento (a hereditariedade e o
meio no qual está inserida), é a paixão que a transforma. O espetáculo
melodramático impõe um julgamento, com conseqüente castigo aos malfeitores,
como e o caso de Maria da Piedade que, de generosa, passa a bruxa. Observa-se
107
que, embora o vilão dotado de poucos sentimentos seja Adriao, quem recebe a
punição e aquela que ama porque, afinal, para ele tudo o passa de algo sem
valor, enquanto que ela é tocada profundamente pelo amor. Portanto, o sentimento
despertado provoca o erro e revela-se como ledo engano, porque acabou por cair no
esquecimento (“uma carta sequer”). Portanto, utilizando-se dos recursos
melodramáticos, a história deixa sua lição: as idealizações podem ser temporárias,
nem sempre correspondentes à verdade. Num panorama fantasioso, o amor parece
ser a resolução de problemas, mas não é.
4.4 “José Matias”, um amor impossível
Sem dúvida, “José Matias” é o conto queiroziano que mais recebe
atenção dos estudiosos e é o título sempre revisto pela crítica especializada, o que
demonstra o vigor dessa leitura. Também é senso comum ser a narrativa mais
intrigante e de maior elaboração por parte de seu criador, o que, para alguns, o
coloca em posição de superioridade em relação aos outros contos do escritor
(LEPECKI, 1974).
Penúltimo conto publicado em vida, a narrativa tem início pelo diálogo
entre o narrador com um interlocutor não nomeado, convidado a seguir junto, na
mesma tipóia, o enterro do amigo José Matias de Albuquerque, de quem vai ouvindo
a história da vida. Homem de bom coração, sempre muito correto em suas
vestimentas, órfão, vai morar com seu tio, o general Visconde de Garmilde, cuja
herança, significativa, o sustenta. Ao morar em Lisboa, conhece Elisa Miranda, sua
vizinha, bela mulher, casada com Matos Miranda, admirada em toda sua beleza por
José Matias através das janelas. Essa situação permanece por dez anos, quando o
marido de Elisa falece. Seus amigos, inclusive o próprio narrador, acreditam que,
passado o período de luto tradicional, o casal vai se unir. No entanto, embora Elisa
proponha essa união conforme informa o próprio narrador, José Matias viaja para o
Porto e nega-lhe o pedido feito. A jovem viúva casa-se, então, com Torres Nogueira,
e novamente a situação se repete: ambos trocam olhares por meio das janelas. Com
a morte do segundo marido e o afastamento de José Matias, ela se torna amante de
um apontador casado das Obras públicas. Adoentado, alcoólatra, em dificuldades
financeiras, José Matias entra em profunda decadência, até a morte.
108
Vários trabalhos se realizam para encontrar veios que permitam melhor
analisar o conto em foco. Lepecki (1974) e Nunez (1985) desenvolvem suas análises
levando em consideração a formação filosófica do narrador e, a partir de então,
examinar a condução dos fatos e o próprio ser narrado (José Matias). De modo
geral, concluem que as filosofias defendidas e adotadas pelo narrador (pensadores
como Hegel, Espinosa, Malebranche e Fichte entram em cena) são refletidas em
José Matias, como um espelhamento. Um outro estudo interessante e um dos mais
clássicos é o realizado por Coelho (1969), no qual aponta a estratégia da narração
em primeira pessoa, o que contribui para a impressão do efeito de verdade
A construção da narrativa por esse narrador instala a situação inicial ao
dialogar com uma personagem oculta na seqüência do enterro de José Matias.
Como essa figura parece não saber de quem se trata, como se observa no
segmento “Estou esperando o enterro do José Matias do José Matias de
Albuquerque, sobrinho do Visconde de Garmilde... O meu amigo certamente o
conheceu [...]” (QUEIROZ, 2000, p.1600), o narrador se dispõe a relembrá-lo; essa
rememoração é responsável pelo conhecimento da história por parte do leitor.
Assim, o amigo-narrador resgata o perfil físico e comportamental de José Matias e
apresenta os dois extremos aos quais chega o protagonista que intitula o conto, o de
um moço de postura considerável, muito correto no que se refere às vestimentas e
ao comportamento social, quanto à sua intelectualidade interessante e olhar
contemplativo, como atesta a passagem em que, numa noite com amigos, fica na
ponte “com a alma e os olhos perdidos na lua!” (QUEIROZ, 2000, p.1601). Em
oposição a esse aparente equilíbrio está a situação decadente de um homem
maltrapilho e bêbado. O vazio desse circuito desperta a curiosidade em saber qual o
motivo de tamanha transformação, e anuncia, de certa forma, qual sea matéria
narrativa. Portanto, dar credibilidade ao narrador é a única condição para conhecer a
história, ainda que seja retroativa àquele momento funéreo. Essa estratégia convoca
o leitor a acompanhar ativamente a história, pois essa personagem que não possui
fala explícita e facilmente se convence a acompanhar o amigo narrador, apesar
das calças claras -, bem pode se adequar ao leitor que começa a assistir o
espetáculo com a cena do enterro que, por sinal, atrai e comove.
Embora outros estudos se debrucem exaustivamente em torno da
identidade e do perfil influenciadores do que se narra e como se narra, interessa o
de Coelho por dois motivos principais: ser um dos pioneiros a tratar do conto de
109
forma mais aprofundada em seus aspectos constitutivos e por ver no narrador a
grande inovação na narrativa breve. Essa entidade, auto-identificada como um
filósofo, possui um ponto forte a seu favor quanto à “veracidade” do que relata: ele é
amigo de José Matias e acompanhou todo o seu percurso amoroso, embora se
mostre reticente em alguns momentos, situação traduzida em linguagem no uso de
expressões de incerteza . Entre outros elementos apontados, como a distância
mantida pelo narrador em relação à personagem protagonista em seu enterro,
referindo-se a ele como “interessante moço”, destaca-se a observação sobre a
construção da ambigüidade e do contraste ao longo da narrativa. Para fixar esse
contraponto, o narrador apresenta Elisa Miranda, a “sublime beleza romântica de
Lisboa” (QUEIROZ, 2000, p.1602) de forma concisa, sem perder o ritmo da prosa,
mas com muita propriedade e efeito. Assim, é possível criar a imagem dessa mulher
como uma “encarnação de camélia muito fresca. Olhos negros, líquidos, quebrados,
tristes, de longas pestanas”, com “cabelos negros, lustrosos e ricos, em bandos
ondeados” anteriormente apresentados (QUEIROZ, 2000, p.1603), enquanto José
Matias é o “rapaz airoso, louro como uma espiga, com um bigode crespo de paladino
sobre a boca indecisa de contemplativo, destro cavaleiro, de uma elegância sóbria e
fina” (QUEIROZ, 2000, p.1600). A diferença física encontra reflexo na diferença
comportamental. Coelho (1969) assinala que a boca indecisa, os cabelos loiros
indicam a idéia do homem muito mais contemplativo do que objetivo (o que se
confirma na cena da ponte acima referida), remetendo ao ideal platônico, enquanto o
comportamento naturalista é próprio do outro, de outro homem mais objetivo e viril,
como se observa:
O que o torturava, meu amigo, o que lhe cavara longas rugas em
curtos meses, era que um homem, um macho, um bruto, se tivesse
apoderado daquela mulher que era sua!E que do modo mais santo e
mais socialmente puro, sob o patrocínio enternecido da Igreja e do
Estado, lambuzasse com os rijos bigodes negros, à farta, os divinos
lábios que ele nunca ousara roçar, na supersticiosa reverência e
quase no terror da sua divindade!Como lhe direi?... O sentimento
deste extraordinário Matias era o de um monge, prostrado ante uma
Imagem da Virgem, em transcendente enlevo – [....] (QUEIROZ,
2000, p.1609).
Em contraposição, Elisa apresenta o biotipo sensual, cheio de vida, o
que é atestado pelos casamentos sucessivos e pelo comentário dedutivo do
narrador “Certamente porque os grossos bigodes negros do Torres Nogueira
110
apeteciam mais a sua carne do que o buço louro e pensativo do Jo Matias!”
(QUEIROZ, 2000, p.1609). Caracterizadas as personagens protagonistas, José
Matias como o virtuoso e Elisa Miranda como a menos virtuosa, mas nem por isso
vilã, a narrativa se enreda de maneira a preencher o percurso até o enterro.
Numa espécie de confidência explícita, o narrador vai colocando o
interlocutor da narrativa e o leitor/espectador a par da história de José Matias,
envolvendo-se com ela e instigando suas emoções, principalmente quando fica
estabelecida a trajetória do herói: órfão, segue um perfil do dândi do século XIX
(alguns biógrafos de Eça também o consideram um deles), elegante, culto, para
depois entrar em curva descendente acentuada, tornando-se jogador, alcoólatra e
doente. A narrativa em andamento se inicia em degradação, afinal trata-se do
enterro de um homem bom, morto precocemente, vítima do abandono e descuido
voluntário. Paralelamente a esse primeiro plano narrativo, um outro vai sendo
construído, o do percurso de José Matias, até que ambas narrativas se encontrem
exatamente onde começaram; a história é, portanto, circular. Nesse segundo plano,
a narrativa é repleta de motivos, motores das seqüências articuladas desse conto de
enredos. A motivação que norteia toda a narrativa é o amor sentido, mas não
realizado, pela admirável Elisa, cujo nome em hebreu, ensina Piwnick (2000),
significa “deusa”. O leitor tem domínio da situação instalada: um casal que se ama,
mas não se aproxima. Vale lembrar, porém, como mencionado, que nos
melodramas o amor não é colocado em cena ou quando o é, não prevê em seu
programa a felicidade conjugal.
Nessa narrativa breve, porém mais extensa que as anteriormente
analisadas, o amor é sublimado, não tende ao amor carnal; ao contrário, nem o
considera. Quando José Matias vê Elisa pela primeira vez, à luz do luar, seus
amigos logo percebem que o sentimento amoroso se estabelece de forma intensa. A
partir de então, as trocas de olhares são constantes e o amor alenta (e virá a
consumir) a vida daquele moço tão virtuoso. No entanto, um obstáculo, que
impede a realização amorosa, a ser transposto, o marido de Elisa, Matos Miranda,
“diabético e tristonho” (QUEIROZ, 2000, p.1604). Espiritualmente, como afirma o
narrador, José Matias ama Elisa em silêncio e pelo olhar por dez anos, sem perder a
vitalidade. Nesse período, por aquilo que sabe o narrador, não contato físico
entre os amantes, embora, segundo ele acredite ironicamente, por uma questão de
111
facilidade espacial: “Sim, decerto faltou para se perderem, uma hora de segurança
ou uma portinha no muro” (QUEIROZ, 2000, p. 1604).
No entanto, esse amor começa lentamente a trazer degenerações para
José Matias e para o segundo plano da narrativa. Ao admirá-la acentuadamente,
passa a incorporar os seus comportamentos mais pessoais, sem examinar com
melhor critério as suas conseqüências. Quando toma conhecimento pela tia-aque
a “divina criatura” não aprecia o fumo, abandona o charuto mesmo quando está e
distante espacialmente de Elisa. O amor exacerbado, obsessivo, acaba por adoecer
mentalmente o jovem amante, provocando alucinações, como trazer e depositar
flores sobre a mesa na qual toma Café Central, sorrindo e acreditando que Elisa
estava. Em seu quarto, quer deixar o ambiente digno de sua deusa, purificando-o,
tirando gravuras e forrando pareces com cortinas de seda para, espiritualmente,
recebê-la. Ou ainda quando instala em seu camarote do teatro uma cadeira
majestosa, bordada com estrelas de ouro. Tantos equívocos consomem, aos
poucos, sua estabilidade financeira.
Vista apenas como uma imagem no sentido literal porque, enfim, ele a
pelas janelas e jardins, Elisa aparece como o ser intocável, na pura idealização
romântica da beleza, envolvida numa relação amorosa, além do casamento,
estranha, como se fosse algo irreal. Amesmo quando o narrador a nesse
momento a flagra olhando para a janela do quarto de José Matias -, é descrita com o
vestido claro ou ainda “uma figura branca, nas longas pregas de um roupão branco,
parada à beira do terraço, como esquecida numa contemplação.” (QUEIROZ, 2000,
p.1612), o que remete aos vultos inalcançáveis românticos. Ao seus olhos
platônicos, Elisa situa-se num patamar acima; é suficiente apenas vê-la entre os
jardins ou em sonhos, como cabe bem a uma mulher endeusada. A aproximação
mais efetiva entre eles parece não interessar a José Matias que “gozou nesse amor
transcendentemente desmaterializado um encanto sobre-humano” (QUEIROZ, 2000,
p.1605) e se sente feliz em -la na sua alma. Matos Miranda também guarda a
mesma distância da divina esposa, sugere o narrador, uma vez que a doença se
apodera dele e, assim, portanto, Elisa é mesmo intocável. A mulher idealizada
remete ao amor platônico, irrealizável, impossível, desprovido de qualquer interesse
sexual, conceituando-se como puro e revestido de fantasias. Ao absorver,
imaginariamente, o comportamento e a presença de Elisa, José Matias parece ter
transformado a idéia perfeita desejada, em matéria, cumprindo o protocolo
112
camoniano de “transforma-se o amador na coisa amada”, e, desta maneira, sua
alma está completa. Por isso mesmo, quando Matos Miranda, o marido de Elisa,
falece, José Matias, embora tenha em mãos a grande oportunidade de se aproximar
em definitivo da mulher divina, corre para o Porto, onde ela vai-lhe encontrar e,
diante da recusa em ser recebida, chorar e se casar com Torres Nogueira, que a
assedia. Depois de então, José Matias volta à casa em que mora e continua a ser
vizinho de Elisa, a quem espreita como nos velhos tempos. Mas acontece que
também o seu segundo marido morre e, novamente, o seu admirador desaparece.
Elisa, então, torna-se amante de um moço já casado, apontador das Obras Públicas.
Por desejar a idéia pura, e não a mulher, a viuvez o amedronta, uma vez que
representa a realização do amor, que deseja manter vivo como é, irrealizável. A sua
relação é a de contemplação e por isso o mundo lhe é desinteressante, a tal ponto
de assustar-se quando constata que é agosto.
Assim, o padecer amoroso parece ser circular para JoMatias, que
está sempre a fugir da oportunidade de estar com aquela que idolatra; o amor vai
deteriorando a personagem em seu estado físico e emocional, até culminar na sua
morte. Porém, é interessante lembrar que esse sofrimento amoroso é de dupla mão,
afinal Elisa também se interessa por José Matias, contempla-o, e não tem seu amor
realizado fisicamente. Claro está que existem grandes diferenças entre um caso e
outro; ela se casa, sacia-se sexualmente com outros maridos e amantes, procura por
ele, mesmo que não seja recebida, mas, mesmo assim, ela não tem uma
aproximação mais efetiva; o alcance máximo é o olhar. Dessa maneira, ele se
constitui num amado adorado e inacessível diante dela, do contrário a procura por
ele mesmo na mendicância até descobri-lo por meio do lume do cigarro, “como um
farol, para guiar na escuridão os amados olhos dela”. (QUEIROZ, 2000, p.1615).
É verdade que a “investigação” sobre o não-querer de José Matias gera
questões de toda ordem, passando pelo homossexualismo ao estado psicológico
da personagem. O que interessa a este trabalho, porém, é compreender se a
questão amorosa se serve da estrutura e do efeito do melodrama ou não.
De fato, o caso de José Matias (“inexplicado”, como predica o narrador) é
um mistério: se admira tanto Elisa (ou Elvira, como alternadamente aparece nos
manuscritos) e por ela vive, sentimento que lhe é correspondido, por que não se
casa com ela quando esta enviúva por duas vezes? A ambigüidade é instaurada: se
a admira, por que não lhe quer? Tamanho contraponto se anuncia também nos
113
nomes e sobrenomes das personagens, significadas e individualizadas por eles.
Como aponta Berardinelli (1996), “Matias”, em linguagem popular, significa “pateta”,
como é o comportamento patológico da referida personagem frente ao amor. E
mesmo o fato de o nome de Elisa já ter sido Elvira, segundo o que consta na Revista
Moderna, onde o conto foi publicado pela primeira vez, é bastante significativo,
que Elvira é o nome da musa de Lamartine, poeta francês das Meditações, e, por
analogia e coerência compositiva, é a do protagonista que tem por ela uma devoção
quase religiosa, no que se refere à contemplação, conforme sugere o fragmento da
cena seguinte:
Toda a sua atenção se concentrara diante do espelho, no alfinete de
coral e pérola, para prender a gravata, no colete branco que
abotoava e ajustava com a devoção com que um padre novo, na
exaltação cândida da primeira missa, se reveste da estola e do amito
para se acercar do altar. [...]E depois de enfiar a sobrecasaca, de lhe
espetar uma soberba rosa, foi com inefável emoção, sem reter um
delicioso suspiro, que abriu largamente, solenemente, as vidraças!”
(QUEIROZ, 2000, p.1604)
No seu processo orgânico, a narrativa se enreda interessantemente. Dada
a situação de abertura, a do convite para acompanhar o enterro de José Matias, cuja
circunstância da morte em muito se difere da história de vida que sempre teve, a
narrativa se desenvolve pela articulação dos motivos e seqüências melodramáticas:
a visão de Elisa ao luar, o enamoramento por ela, os passeios no jardim vistos pela
e da janela, a sua dupla viuvez, a desestabilidade emocional e física de José Matias,
empobrecimento, morte. O desenrolar da narrativa desemboca no futuro compatível
com seus viveres; José Matias morre com as faces voltadas para a varanda de Elisa,
enquanto essa, viúva pela segunda vez, tem um amante ao qual pede que leve
violetas no enterro de seu amado. Aliás, no comportamento da personagem
feminina, principalmente, vê-se a chegada do naturalismo. No primeiro casamento,
Elisa parece ser ainda uma mulher contida, mesmo que corresponda aos olhares de
seu admirador. Mais tarde, casa-se com um “pegador de touros” que, comenta o
narrador, enquanto Matos Miranda estava no jazigo dos Prazeres (referência ao
Cemitério dos Prazeres), aquele estava no leito excelente de Elisa. Bastante
sexualizada, exala sensualidade a ponto de José Matias observá-la detrás de
cortinas (Lisboa, 2001, p.67), o que não será anulado quando perde o marido e,
então, num procedimento naturalista invasor da postura romântica (Elisa é a mulher
114
admirada), para saciar seu desejo, torna-se amante de um homem casado e, sem
maiores pudores, uma mulher adúltera se vista aos olhos do romantismo.
Como se vê, o estado inicial de Elisa quanto de José Matias é alterado e
transformado, em seqüências de peripécias. Embora a narrativa se inicie pela
degradação conforme prevê Bremond (1971) nos estudos da narrativa, esse
processo é acelerado e acentuado à medida que a possibilidade da realização
amorosa se torna mais real. É o caso do episódio da morte do primeiro marido de
Elisa que, viúva, procura pelo amado à distância que sente um “terremoto de
incomparável espanto” (QUEIROZ, 2000, p.1606) ao tomar conhecimento do fato.
Esse motivo marca a narrativa porque permite visualizar a ambigüidade da
personagem amar versus não desejar, que é a grande tensão da narrativa. Por isso,
esse acontecimento nuclear desencadeador de seus orbitais é o pivô narrativo,
momento no qual a narrativa é marcada por um “antes” e um “depois”. Transposto
para a diegese: antes, acredita-se que José Matias está impedido de aproximar-se
fisicamente de Elisa porque, virtuoso e de bons precedentes morais, não manterá
um relacionamento com uma mulher casada, por cujo marido mantém “consideração
quase carinhosa” (QUEIROZ, 2000, p.1606); depois, constata-se que esse fato não
é o obstáculo para essa realização, mas é razão para a degradação crescente da
narrativa: o retorno ao tabaco, jogatinas, bebidas. Atormentado, passa a apresentar
comportamento incomum:
E, para sacudir a pungência destes tormentos, findou, ele tão sereno,
de uma tão doce harmonia de modos, por se tornar um agitado. Ah!
Meu amigo, que redemoinho e estrépito de vida! Desesperadamente,
durante um ano, remexeu, aturdiu, escandalizou Lisboa! São desse
tempo algumas das suas extravagâncias lendárias...” (QUEIROZ,
2000, p.1611)
O lento suicídio que vai sendo operacionalizado em José Matias é a
fatalidade impiedosa de que fala Thomasseau (2005) no melodrama romântico
quando leva seus heróis, não mais convencionais, à morte. Nesse conto, o herói é
positivamente qualificado quanto aos seus bons precedentes: estudante em Coimbra
(ainda que o considerassem um sujeito banal), filho de bons pais, sobrinho de um
general de quem recebe significativa herança, José Matias é um homem dentro dos
padrões formais da boa conduta. Entretanto, ao se deparar com o amor, mesmo que
não realizado porque não quer, não consegue ou não pode, sua vida caminha para a
115
decadência, numa situação hiperbólica, como lembra Brooks (1974) no contexto
melodramático. Aliás, beira o absurdo a devoção desse herói pela sua amada,
constituindo-se também num excesso melodramático. Uma paixão compartilhada,
obstáculos sociais inexistentes; tudo tende a caminhar bem, afinal mesmo o fato de
ser casada é eliminado por duas vezes e mesmo que isso não acontecesse, Elisa
pode transpor o casamento, como faz no último relacionamento relatado. Ainda
assim, o amor não se realiza no decorrer do tempo. As emoções e a instigante
dúvida do leitor são crescentes. Sintagma a sintagma ele acompanha os passos do
casal protagonista, preparando-se para o desfecho.
O cuidado cênico vinculado ao espaço onde são desenvolvidas as ações
merecem atenção porque atraem o espectador e o impressiona, cadenciando a
emoção e criando a impressão do real, a começar pela primeira linha da narrativa,
quando o narrador inicia (e encerra, tendo em vista a permanência da idéia do real,
do verdadeiro) com a expressão “Linda tarde, meu amigo!...”. É durante a trajetória
do cortejo que a narrativa vem à tona, marcada, a narrativa, por referenciais da
cidade de Lisboa, como o Café Central, o teatro S. Carlos, estação Santa Polônia,
rua de S. Bento, entre outros.
Passeios de José Matias e seus amigos ao luar pelas pontes, a visão de
Elisa ao luar na varanda ou mesmo na janela a observá-lo quando o sol batia, são
passagens plásticas comunicativas, isto é, captam e traduzem exatamente o
momento, criando a imagem e encantando o leitor que a visualiza. Mesmo nas
descrições curtas, o narrador se serve da técnica impressionista, pela qual Eça tem
predileção. A objetividade realista em retratar a cena de forma a permitir a sua
visualização ganha novas significações à medida em que os advérbios de modo que
remetem à cor, à claridade, atribuem um sentido subjetivo. Assim, ao retratar a
fisionomia de José Matias quando passa a amar Elisa, o narrador aponta: “Sorria
iluminadamente quando me abraçou, com um sorriso que vinha das profundidades
da alma iluminada; sorria delicadamente enquanto eu he contei todos os meus
desgostos no Alentejo” (QUEIROZ, 2000, p.1604). Mais do que informar sobre o ato
do sorriso, o leitor conhece a felicidade instalada na alma da personagem.
Outro momento descritivo impressionista se relaciona ao espaço onde
estão os amantes espirituais, ainda na seqüência do primeiro casamento de Elisa.
Na verdade, o leitor tem seu olhar conduzido junto com o narrador para a figura
116
feminina idealizada, cuja descrição iluminada por “manchas de ouro” solares,
permite visualizar e sentir o modo de ser de Elisa.
De sorte que, acompanhando aquele raio ditoso, logo descobri, no
terraço da Casa da Parreira, a divina Elisa, vestida de claro, com um
chapéu branco, passeando preguiçosamente, calçando
pensativamente as luvas, e espreitando também as janelas do meu
amigo, que um lampejo de sol oblíquo de sol ofuscava de manchas
de ouro.” (QUEIROZ, 2000, p.1604)
A narrativa é altamente plástica, apresentando vários lugares por meio de
descrições e visualizações, como o passar de Elisa na carruagem, seus passeios
nos jardins, as descrições dos quartos e das vestimentas. Também vale notar o
trânsito e os significados dos espaços nas dimensões mais particulares e nas mais
amplas, de grande importância no conto. Antes de apaixonar-se, José Matias é um
homem que passeia, vai à ponte, o luar; não tem medo do mundo porque o amor
não lhe ronda, mas conforme este vai se intensificando, o herói começa a se refugiar
em seu quarto em Lisboa, no Porto, no restaurante, no vão do portal. O único local
de encontro efetivo do casal é na Quinta dos Cedros, onde José Matias janta com
uma tia-avó conhecida de Matos Miranda, razão pela qual o triângulo espiritual
amoroso se encontra. Não se pode desconsiderar os espaços por onde e para onde
olhares são dirigidos, por meio de um meio físico propício (janelas), permitindo a
livre circulação de olhares que favorecem a visualização divinal de Elisa. Das janelas
dos quartos, José Matias manifesta seu sentimento e pelo mesmo código amoroso é
correspondido. Quando Elisa desce para o seu jardim (vale dizer que Coelho (1969),
enfatiza a qualidade poética da narrativa ao se referir ao simbolismo das cores,
quando dos passeios de Elisa pelos jardins, numa metáfora da sua existência
plasmada nas flores: viva, alegre, disposta) expondo-se ao mundo e talvez criando a
oportunidade de aproximação, seu amado a contempla, numa adoração fiel, mas
sem ações objetivas. Observa-se, então, os espaços dotados de sentido: nos
espaços fechados, um sujeito também fechado ao amor; nos espaços abertos, o
amor ronda figurativizado em Elisa, e por isso representa perigo. O ato de maior
insensatez de José Matias, indicador de seu desequilíbrio, acontece em espaço
aberto, no episódio da ceia, no qual ele reúne mulheres de bairros mundanos para
uma ceia e, em seguida, todas montadas em burros, o guiadas por JoMatias
até o alto de um morro para saudar o Sol. Também é de um pátio abandonado,
117
aberto, quando está em completa miséria, que ele ainda olha para a nova morada de
Elisa. Localizado espacialmente em ambientes abertos, José Matias tem suas
maiores degradações. Nesse emaranhado de ações, não preocupação com a
verossimilhança nem com o realismo; o herói se preocupa com sua lógica particular,
como é comum no melodrama romântico.
O tempo é categoria bem requisitada na composição dessa narrativa, pois
a narração da história do protagonista se dá durante a duração do enterro. É preciso
que haja uma coerente organização entre o tempo da narração e o tempo em que
ela transcorre. Essa dosagem é monitorada pelo narrador que vai pontuando o
tempo restante (“Agora é a nossa tipóia...), em alguns momentos de forma espacial
(“Já estamos em Santa Isabel!”). Há referencias temporais marcantes, como o último
ano em que José Matias ainda possui uma certa qualidade de vida, ou ainda os
anos que fica afastado de Lisboa. Outros, porém, são mais sutis num nível
superficial de leitura, porém significativos. As estações do ano são mencionadas em
harmonia com o estado de espírito do protagonista: quando Elisa pela primeira
vez, é outono, época de ventanias que varrem o bem-viver dele; retorna do “exílio
voluntário” do Porto no verão, quando o perigo de ceder fisicamente aos encantos
de Elisa não é mais problema e morre em janeiro, em pleno inverno, vencido pelo
frio.
O desfecho não é aguardado com a expectativa positiva, pois em nenhum
momento esperança para isso, que a narrativa caminha na degradação
acentuada, sem sinais de melhoramento. José Matias morre de congestão pulmonar
como é típico aos poetas românticos da época e previsto pelos leitores, e fim à
narrativa, com a tensão narrativa zerada, mas não bem resolvida. O castigo recai
sobre aquele que ama, numa espécie de punição a quem conhece o amor.
Sistematicamente, as tríades de Bremond (1972), relacionadas entre si na
constituição da narrativa, podem ser assim apresentadas:
- Situação que abre a possibilidade de um comportamento: convite para acompanhar
o cortejo de um homem cuja história é singular; sua vida, na verdade, terminara seis
anos antes, relata o narrador.
- Passagem ao ato desta virtualidade; resposta à situação inicial: desenvolvimento
da história de José Matias, seguindo seus percalços de euforia (em menor
quantidade) e acentuada disforia (degradação), norteados pelo sentimento amoroso
intenso e idealizado.
118
- resultado da ação: decadência física, mental (patológica) e morte.
Numa sistematização mais breve:
- José Matias vive;
- José Matias ama;
- José Matias morre.
O conto se organiza em torno da questão amorosa encerrada, não
efetuada e nunca resolvida, afinal José Matias morre e leva consigo respostas que,
ao menos, poderiam levar a algumas especulações mais seguras. Lembre-se que a
narrativa possui um tempo circular, iniciando e terminando com a expressão do
narrador de “uma linda tarde” e, entre os pontos coincidentes, a narração da figura
cujo enterro é acompanhado. Para este trabalho, interessa discutir a recorrência a
determinados expedientes melodramáticos, o que não significa, necessariamente, a
caracterização de um melodrama típico clássico ou romântico, na terminologia
adotada por Thomasseau (2005). Se uma obra possibilita mais de uma leitura, a
realizada neste trabalho é a de constatar a admiração exacerbada por uma mulher,
os cuidados cênicos que objetivam envolver e impressionar a platéia, observar o
condutor narrativo que encaminha as emoções e se dirige a um público
representado por uma outra personagem que escuta uma história e, assim, concluir
a presença de elementos da estrutura do melodrama na narrativa breve queiroziana
que se serve, mais uma vez, da questão amorosa para levantar outras questões.
Uma delas é, como em “Um poeta lírico”, evidenciar o quanto o romantismo,
simbolizado por José Matias, o ultra-romântico agora enterrado, é ineficaz, fechado
na sua contemplação que não se realiza, porque distante do real, simbolizada por
Elisa. Por meio dessa história de amor não-realizada, que é evidentemente o núcleo
energético dessa narrativa breve, há um outro olhar submerso: o da busca da
perfeição, da unidade, alcançada no sacrifício carnal e vislumbrada na sua morte.
4.5 “Um dia de chuva”
Conto não incluído na edição de 1902, é publicado postumamente em
1929, no volume Cartas inéditas de Fradique Mendes e mais páginas esquecidas,
última edição de textos póstumos organizada pelo filho de Eça. O texto alcança mais
três publicações, em 1948, pela Lello e Irmãos, em 2000 com edição de Obra
119
completa sob os cuidados da professora Beatriz Berrini e a edição crítica (Contos II)
em junho de 2003. O número restrito de edições é que o faz pouco conhecido do
leitor queiroziano. Apesar disso, dois importantes estudiosos citam o conto em seus
trabalhos. Um deles é a própria professora Beatriz Berrini que, entre outras
questões, trata da maneira sóbria e competente como as refeições são descritas por
Eça. Outro é Antônio Cândido (2000) que afirma ter o texto graça e originalidade e,
mesmo que não tenha a redação um polimento finalizador, é uma obra acabada
enquanto composição.
A história é simples: José Ernesto (nos manuscritos é, às vezes, chamado
de Rodolfo, conforme a edição crítica informa), jovem morador de Lisboa,
acostumado com os passeios e a urbanização da capital, sonhava ter uma casa no
campo, ampla, resultado de suas leituras inglesas. Pelo jornal toma conhecimento
da venda do Paço de Loures, cujo proprietário, D. Gaspar, tem como procurador o
padre Ribeiro. José Ernesto vai conhecer a quinta do século XVI e fechar negócio
com ele, porém uma forte chuva o impede de andar por ela e mesmo de retornar a
Lisboa. Presos ao casarão sombrio e vazio, onde dorme numa cama dura e sem
nenhuma mobília, o comprador começa a ficar impaciente, porque a única distração
é a hora das refeições. Procura, então, o padre Ribeiro, com quem até mantém
longas conversas sobre a família de D. Gaspar. Por ele, sabe da história da sua
família e da beleza de sua esposa, D. Joana, e de suas filhas, especialmente a de
Maria Joana, com impressionantes cabelos loiros. A chuva é intermitente, forte, mas
torna-se mais aconchegante à medida em que José Ernesto se inteira da família de
D. Gaspar e de sua bela filha loira. Durante a chuva, fica a imaginar como seria a
moça e conclui que em Lisboa não conhecia ninguém com cabelos daquela cor.
Quando cessa a chuva, vai tratar da compra e, então, conhece a bela moça, com
quem se casa seis meses depois, num dia de chuva.
A história, como se disse, é simples e romântica, e apresenta
composição interessante. Ela se inicia in medias res, ou seja, quando está em
andamento, mas, no entanto, esse primeiro momento mostra um recorte dentro da
diegese. Numa seqüência narrativa de certa forma extensa, José Ernesto,
protagonista da história, situa-se no quarto do Paço-de-Loures onde não consegue
adormecer porque estranha a cama, primeiramente, e sobretudo por causa de uma
intensa chuva: “E dum céu confuso, todo em flocos moles de nuvens pardas, descia
a chuva, lenta, direita, vagarosa, repousada e como estabelecida, assim para a toda
120
a eternidade.” (QUEIROZ, 2000, p.1836). Aborrecido, como informa o narrador não-
dramatizado, isto é, que não pertence à trama, mas que, oniscientemente, conhece
os pensamentos íntimos das personagens, JoErnesto reflete sobre a sua estada
nessa quinta, localizada na serra, e naquilo que o levara até ali: “pensava no
estranho impulso que o levara” (QUEIROZ, 2000, p.1834). Num processo analéptico,
a história anterior àquele momento narrativo conta a vida da personagem,
caracterizado como um moço que, quando mora com o pai, não tem melhores
condições financeiras, mas, ao herdar a fortuna de um tio, aproveita-se de tudo o
que ela lhe pode oferecer, sobretudo materialmente, com mobília cara, cadeira no
teatro e com mulheres. Para fugir da situação ingrata de ter o marido de sua amante
fazendo refeições com ele, viaja interessado na venda anunciada de Paço-de-
Loures, por ser, de certa forma, ambicioso e por influência dos amigos. Assim,
deseja muito ter uma quinta para receber amigos.
Essa seqüência recapitulativa se articula com o desenvolvimento
seguinte. Ao amanhecer, a chuva continua, colaborando efetivamente para a
configuração de uma atmosfera de tédio e até a de uma certa indignação, uma vez
que esta o impede de conhecer o exterior da quinta e mesmo de retornar a Lisboa.
Termos como “estremunhado”, “desesperado”, “furioso”, traduzem o sentimento que
invade José Ernesto. A sua fúria é comparada à uma “fera na jaula” (QUEIROZ,
2000, p.1840) no quarto, cuja descrição construída em ritmo narrativo acelerado
remete a um estado de agitação: “Mas o quarto enorme, e sem móveis, o grande
silêncio, a luz tristonha, aquele cair lento e contínuo da chuva, davam-lhe a tristeza
em que lhe era impossível a imobilidade.” (QUEIROZ, 2000, p.1840). Num casarão
com séculos de existência, sem mobília e em estado físico deteriorado, José Ernesto
convive com o estado de alma nada positivo, que piora ao ser informado sobre a
missa a qual deve comparecer. O espaço fechado, limitado pela chuva, leva o
protagonista a andar pelo terraço, da onde visualiza o cemitério que lhe parece
possuir dimensão maior do que a real, causando a impressão de estar em volto por
ele e a casa ser um dos jazigos, guardando seus mortos. Tomado por essa
sensação macabra, corre ao quarto do falante padre Ribeiro com o pretexto de pedir
um cigarro. O diálogo entre eles o maior em toda a narrativa, o que demonstra a
importância para sua estrutura orgânica -, se refere ao dono da quinta, D. Gaspar, e
sua família,composta pela esposa e três filhas.
121
Importa notar que até esse momento, não há motivos que enredam a
narrativa de maneira significativa; ao contrário,uma história de poucas ações que
não chegam a alterar percursos, mas apenas conhecer a aflição e o perfil de Jo
Ernesto. No entanto, a partir do momento em que Padre Ribeiro relata a beleza das
filhas de D. Gaspar, especialmente a de Maria Joana, moça alta e loura, descrição
confirmada pelo caseiro, a narrativa ganha um outro impulso e as ações passam ser
importantes porque movem a história, estabelecendo um “antes” e um “depois”,
constituindo, dentro da estrutura narrativa, o pivô. Agora, José Ernesto não tem mais
interesse em retornar a Lisboa como anteriormente, como pode ser observado nos
fragmentos seguintes:
[...] – e ante outras portas que abriu, noutros quartos que atravessou,
era a mesma solidão. Teve então uma saudade pungente da sua
casa de Lisboa, do ruído das tipóias, dos vizinhos, das ruas que o
levavam, seguras e secas, ao club, aos amigos, à Avenida.
(QUEIROZ, 2000, p.1840).
E depois, meio reticente:
Mas também, partir para Lisboa, depois daquela imensa jornada, que
assim lhe ficava inútil, sem sequer ter dado uma volta, feito uma idéia
da quinta, talvez excelente, e realizando bem o seu sonho de
campo? Era absurdo. E ao mesmo tempo, a volta tão rápida a
Lisboa, já o enfastiava, antevendo a Avenida cheia de pó, o club à
noite [...]” (QUEIROZ, 2000, p.1844).
Por fim: “E ao mesmo tempo sentia um desejo vago de ficar ali, muito
tempo, naquela aldeia, onde todavia a solidão lhe seria mais profunda e real.”
(QUEIROZ, 2000, p.1849).
A conversa que tem por núcleo a figura singular de Maria Joana se
intensifica e se detalha, a ponto de ser exposto o perfil político e intelectual da bela
moça, descrita como um raio de sol celestial:
É uma cor notável! Porque, quer V.Exa. creia ou não, o cabelo da
sra. D. Maria Joana, ao sol, reluz como ouro! Às vezes, no jardim...O
cartório tem janela para o jardim, e a minha banca fica justamente ao
da janela. Pois, meu caro senhor, às vezes, ela anda no jardim, lá
a tratar das suas flores, e passa assim entre duas árvores, toca-lhe
uma réstia de sol, e é ainda que se não deva misturar, o sagrado ao
profano eu lembro-me sempre, é uma auréola santa.... Ouro! Ouro
puro! (QUEIROZ, 2000, p. 1842)
122
O impressionismo visual é construído a partir da claridade dos cabelos da
personagem acentuada pelo sol, remetendo à idéia de santificação e transcendência
vislumbrada na imaginação da “auréola santa”. Entretanto, o fenótipo julgado
interessante contrasta com as “idéias singulares”, que chegam a ser republicanas e
fazem de Maria Joana uma moça diferenciada: cabelos claros, leitora, esclarecida,
interessada em questões políticas, boa cavaleira, generosa e simples; é a mulher
iluminada como metaforiza a descrição impressionista. José Ernesto pensa nela,
mesmo sem conhecê-la, de maneira entusiasmada porque trata-se de uma moça
sem igual em Lisboa:
E se não sentia só, agora, com aquelas figuras que tinham
surgido, no meio do seu tédio, e que tinham tomado relevo e
realidade o sr. D. Gaspar com suas barbas brancas, a sra. D.
Joana com os seus cabelos de ouro. Não conhecia ninguém em
Lisboa que tivesse cabelos de ouro. (QUEIROZ, 2000, p.1843)
Em meio à chuva contínua, inicialmente irritante, vai surgindo aos poucos
a figura da moça, vencendo a atmosfera de tédio e se instalando, mesmo sem ter
fala na narrativa. Os efeitos transformadores de sua presença são sentidas por Jo
Ernesto, que agora tem muito apetite, sente-se bem instalado no quarto do casarão
antigo e sem conforto, “rindo”. A sua alegria se intensifica à medida em que se
aproxima a visita ao proprietário do Paço, D. Gaspar, pai de Maria Joana, com quer
conversar pessoalmente, e não por meio de cartas. Assim, José Ernesto volta ao
quarto “cantarolando, a arrumar a maleta”, está “alegre e ligeiro”. Ao chegar o dia
seguinte, marcado para a negociação, a chuva pára com um “bocado de céu azul”, o
que os permite ir até à casa de D. Gaspar. À saída, com um ramo de rosas dentro de
um cesto, José Ernesto coloca uma delas no peito, simbolizando a alma pronta para
amar. O que conecta um estado e outro é a questão amorosa que, sutilmente, vai
sendo instalada: o cabelo loiro como não se em Lisboa, o quarto em que nasceu
a filha mais bela, a chuva que acompanhou esse dia até chegar à imagem das rosas
no peito de cada um dos personagens que acabarão por se casar.
A duração da viagem até Vila-Fria, residência de D. Gaspar, é marcada
graficamente por um espaço em branco na página, como um recurso visual para
acentuar a expectativa. Logo ao chegarem, o padre avista a família, e José Ernesto
123
reconhece a bela Maria Joana “alta, dum branco saudável e doce, com belos olhos
verdes, finos e meigos”. (QUEIROZ, 2000, p.1851), que representam física e
psicologicamente o seu perfil. A junção amorosa se quando ambos apresentam a
mesma condição anunciada na imagem das rosas no peito, “rosas da mesma
roseira”, e é efetivada seis meses depois, quando se casam. Para José Ernesto, a
relação é amadurecida desde o momento em que, no interior de seu quarto,
pensa na moça ensolarada; para ela, o enlace se desenvolve e se completa no
espaço gráfico em branco entre o penúltimo parágrafo e o último que anuncia o
casamento, num dia de chuva. Note-se que não há surpresa no desfecho, mas
apenas a conclusão.
Ao comparar a narrativa acima com o modelo melodramático são notadas
algumas diferenças importantes, justamente porque o conto é composto pela
atmosfera criada em torno da reclusão pela chuva, como observa Cândido (2000) ao
pronunciar-se sobre a produção de Eça. Para ele, trata-se, de fato, de uma
“narrativa de atmosfera, cujo princípio estrutural é a surda competição entre a chuva
que fecha o mundo e a imagem da moça que rompe as brumas”. A chuva contrasta
com a figura feminina: fora, a tempestade; dentro, a imagem ensolarada crescente
de Maria Joana. A disposição de José Ernesto para o amor é anunciada ao ser
descrito como um homem experiente com mulheres, e operacionalizada ao ficar
ilhado no Paço. O público parece estar com suas emoções zeradas, porque, como
afirma Camarani e Marchezan (2006), a narrativa de atmosfera não apresenta
descontinuidade e por isso não fortes emoções entre as seqüências narrativas.
Compartilha-se o espaço tedioso num domingo (um casarão vazio e velho); não
nenhum indício de que algo está para acontecer, tanto é que tudo parece triste para
José Ernesto, sobretudo porque no dia seguinte a chuva continua.
O espaço fechado do casarão vai se tornando insuportável para ele, a
ponto de procurar padre Ribeiro para se distrair, embora considerasse a sua
conversa interminável e cansativa. Seria pertinente imaginá-lo como um índice do
sobrenatural (ambiente vazio, antigo, local escuro, avizinhado de um cemitério) ou
digno de acontecimentos fortes, marcantes, que paralisariam a narrativa, mas, no
entanto, reserva momentos agradáveis para o comprador, como os das refeições
rica e apetitosamente descritas (como observa Beatriz Berrini, conforme referência
inicial), as quais José Ernesto imagina servir a seus amigos da capital. Pelos
124
diálogos mantidos com padre Ribeiro é que o público entra em contato com a boa
procedência de D. Gaspar, respaldada na sua genealogia nobre.
Apesar das fortes impressões plásticas da narrativa e das características
do espaço acima discutidas, o cenário não assiste a um melodrama, que poderia
abrigar. um grupo de personagens, executantes das ações do casarão, que
vivem em completa harmonia uns com os outros, com os visitantes e com o próprio
campo: cozinham o que é próprio do campo e vivem sem exaustões os dias de
chuva. Portanto, um grupo virtuoso que trabalha para uma família igualmente
virtuosa; a quem caberia, de forma muito indireta, o papel de vilão, seria a chuva,
mas que, afinal de contas, é generosa, porque é pela monotonia causada por ela
que José Ernesto estabelece o diálogo dessa vez produtivo e interessante –, com
padre Ribeiro, procurador da Quinta e “apresentador” da família. A chuva passa a
ser elemento importante na narrativa; dá título ao conto criando expectativa no
público: o que esperar de um dia assim? Sua ocorrência em dias importantes é
salientada: no dia do nascimento da filha mais bela e no casamento dela com José
Ernesto.
O elemento chuva é, então, carregado de significados para a narrativa, o
que é compatível com aquele apresentado por Chevalier e Gheerbrant (1982, p.235-
6), no qual a chuva está ligada à idéia de fecundidade do solo, fonte de toda a
prosperidade. Para José Ernesto, a capital Lisboa e suas mulheres tornam-se
distantes, cansativas e sem encantos diante da então (suposta) beleza pura da
moça loira do campo. Após conhecê-la, acompanhando o prenúncio da rosas, em
seis meses o casamento entre eles se realiza; a idéia de fecundidade se completa e
a da prosperidade se inicia, afinal duas famílias, uma de ascendência nobre e outra
de considerável estabilidade financeira se unem.
Segundo Guerra da Cal (1975, p.405), o conto se relaciona com “No
moinho”, opinião da qual discorda Piwnick (2003, p.39). Para ela, o paralelo que se
pode estabelecer é o episódio em que José Ernesto fica pensando que na capital
não existem mulheres tão puramente bonitas como a filha loira de D. Gaspar. Em
“No moinho”, quando Adrião volta do passeio com Maria da Piedade no qual ele lhe
beija, o primo fica pensando que aquela mulher é singular dentre aquelas que
conheceu. O fato de as personagens masculinas estarem no campo diverge de um
conto ao outro, se atentar-se ao detalhe de que Adrião vai vender uma propriedade
e, depois, logo parte; José Ernesto vai adquirir uma propriedade antes de se casar.
125
Piwnick (2003, p.39) assinala, ainda, haver semelhanças mais palpáveis com “A
ilustre casa de Ramires”.
Como se observa, não um maniqueísmo moral e, nesse sentido, não
peripécias, nem perseguições, nem punições ou recompensas; apenas um
enredo mínimo indispensável. O amor se realiza sem obstáculos, condução não
prevista para um melodrama, opinião dotada por Huppes (2000, p.39):
“Contrariamente ao entendimento comum, o final feliz não é a regra do melodrama”.
Trata-se de uma história de amor simples, naturalmente desenvolvido, ao contrário
das elaborações de Luísa e sua mãe em “Singularidades de uma rapariga loira”.
Também por não haver a monitoração de emoções e ilusões teatrais para conduzi-
las, o melodrama não se configura, porque não a catarse do espectador,
justamente por não excitar os dramas humanos e, sim, os dramas singulares da
alma.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apresentado no início deste trabalho, a tese sobre qual a
pesquisa se fundamenta é clara: examinar a tendência melodramática nos contos
produzidos por Eça de Queiroz cujo enredo se organize em torno das relações
amorosas, bem ou mal resolvidas. Essa idéia norteadora nasce do questionamento
sobre a forma de como é tratado o amor nas narrativas breves queirozianas, tendo
por base o princípio de que o autor, como representante ximo do realismo em
Portugal e militante incisivo dessa estética na década de setenta do culo em que
viveu, vê tal sentimento de maneira desprezível, sobretudo no período anteriormente
referido. Na carta a Teófilo Braga, datada de 1878, referindo-se ao Primo Basílio,
Eça escreve:
É necessário acutilar o mundo oficial, o mundo sentimental, o mundo
literário, o mundo agrícola, o mundo supersticioso e com todo o
respeito pelas instituições que são de origem eterna, destruir as
falsas interpretações e falsas realizações que lhes dá uma sociedade
podre.” (QUEIROZ, 2000, p.324).
O autor, dentro dos ares revolucionários da época na qual está inserido,
não poupa nenhum segmento da sociedade, tendo em vista a sua necessária
transformação, segundo o olhar da Geração de 70, da qual participa ativamente. Ou
a sociedade em sua totalidade é revista, inclusive nos sua natureza particular
sentimental ou não melhoria. Luís de Oliveira Guimarães, num texto de 1943,
destaca o fato de que a “interpretação literária do Amor varia naturalmente de
escritor para escritor” (1943, p.30) e, elencando outros autores da época e suas
diferentes maneiras de tratar o amor, conclui que Eça o trata
sem hesitação, como um sentimento puro, belo, nobre e delicado.
Não é o Amor-idílio dos livros de Júlio Dinis, nem o Amor-paixão dos
livros de Camilo: é o Amor perverso, impuro, inquietante,
essencialmente voluptuoso, [...] pura exaltação dos sentidos que, em
regra, não conduz se não a encantos efêmeros – e perduráveis
desilusões.(GUIMARÃES, 1943, p.31).
Se essa observação é válida para as composições narrativas em geral,
também é válida para as breves, para as quais a crítica literária eciana pouco se
127
volta. A leitura dos títulos possibilita selecionar e convocar aquelas narrativas
centralizadas no tema amoroso para examinar como a questão é articulada e
desenvolvida. Trabalhos anteriores (JARDIM, 2003) concluem que o autor português
se serve da estrutura melodramática para enfatizar a ironia e, numa condição
didática, propor um ensinamento moralizador, no sentido de correção de costumes
(entenda-se comportamentos). Assim, os elementos constitutivos da narrativa o
operacionalizados para produzir os efeitos pretendidos. A fim de verificar se essa
estratégia de composição é constante nos contos ou observar como ela se modifica
ao longo da produção nessa modalidade, é preciso conhecer a teoria apropriada
para perceber os elementos plasmados nas narrativas selecionadas e o histórico
delas, para que o exame da tese proposta seja balizado em discussão adequada.
Vale dizer que o estudo acerca dessa modalidade teatral nascida no
século XVIII esclarece a questão da sua qualidade, muitas vezes tomada como
depreciativa ao longo do seu exercício sempre renovado. Apesar da estrutura
simples do melodrama, isso não quer dizer que ele seja fácil ou ingênuo, como
afirma Hauser (1995). Ao contrário, um esforço de seus elementos
composicionais para surtir o efeito da mobilização das emoções e a sua expurgação
no desfecho do espetáculo. A diversidade de estudiosos e estudos acerca do
melodrama ao longo do tema demonstram a atualidade e a fecundidade da forma,
veiculada em universos ficcionais, como é o caso do cinema e dos textos literários
pertencentes aos diferentes gêneros, quanto da mídia, música, etc. Tal assimilação
revela a “maleabilidade” do melodrama, o que atesta a condição de atemporalidade
que possui.
A partir da compreensão da estrutura melodramática torna-se possível
analisar a proximidade ou não da configuração que a temática amorosa toma nos
contos. Ao estabelecer o corpus da pesquisa, é importante tomar conhecimento da
sua gênese textual (ano e local de publicação), uma vez que o estabelecimento e a
fixação dos textos queirozianos vêm recebendo atenção de uma equipe significativa
de pesquisadores mergulhados no espólio do autor depositado na Biblioteca
Nacional de Lisboa. É de domínio público, principalmente dos queirozianos, que
muitos textos póstumos sofreram alterações, e foram assim publicados. Pelas
edições críticas financiadas pela Imprensa Nacional Casa da Moeda é que eles
vêm recebendo atenção criteriosa e devida. É o caso de artigos, crônicas, romances,
correspondências e dos contos.
128
Para melhor compreender o contexto cultural no qual se insere e ver
como se relaciona com ele, observa-se o teatro desenvolvido em Portugal e
recebido, via de regra, dos palcos franceses. Quando possível, as impressões do
escritor são verificadas nas suas correspondências ou artigos publicados em
periódicos.
Analisando os cinco títulos eleitos “Singularidades de uma rapariga loira”,
“No moinho”, “Um poeta lírico”, “José Matias” e “Um dia de chuva”, nota-se que o
tema do amor entre os sujeitos é a motor das narrativas. Deles, apenas no último ele
não se torna razão de frustração, desencadeada em sofrimento, embora pudesse
abrigar uma história melodramática (tal como No moinho, os elementos da narrativa
são semelhantes: o campo que guarda a ingenuidade, o homem jovem experiente
da capital, uma moça bela, mas, aqui, com formação interessante), se o princípio de
sua composição fosse o de articular ações, observando suas causas e
conseqüências. No entanto, a sua constituição narrativa pende para a situação
vivenciada pelo protagonista e pela atmosfera criada pela circunstância do quase
isolamento no campo.
O percurso do melodrama ensina que ele evolui ao longo do tempo;
Pixérécourt divulga e estabelece o gênero que nasce na Revolução e Nodier (1841)
defende a nobreza das intenções moralizantes contidas nos espetáculos
envolventes que alcançam e falam a qualquer tipo de espectador: é o melodrama
clássico, cujas heranças não se perdem nos dias atuais. No entanto, esse caráter
honroso vai perdendo a intensidade ainda no século XVIII, quando o clássico sofre
modificações, enfatizando aspectos mais duros antes ignorados, como a morte do
herói e não a do vilão, ou então o heroísmo pertencente aos bandidos,
marginalizados, adultérios, mães solteiras, paixões doentias, procedimentos
desaprovados por Pixérécourt (apud THOMASSEAU, 2005)
Pelos textos não ficcionais de Eça é possível depreender que o escritor
não aprecia o teatro melodramático tanto o praticado na França como em Portugal,
mas reconhece o seu alcance. Talvez por isso mesmo ele se sirva de sua estrutura,
para intensificar sua ironia: por meio de uma articulação típica romântica, prova-se
uma falha ou um erro desse comportamento. Os estudos literários discutiram e
discutem a questão da ironia na composição eciana, fato inegável a qualquer leitor,
mas não é intenção deste trabalho fazê-lo mais uma vez.
129
Ao utilizar um modelo apreciado e criado pela burguesia nos contos de
núcleo temático amoroso e neles sublinhar, pela evidência – e como quer um
militante realista -, o quanto o comportamento romântico, ficcional, real e estético, é
problemático, Eça conjuga dois planos aparentemente antagônicos da qual resulta a
ironia. Vale lembrar que esse termo remete, nos seus primórdios, ao processo
maiêutico de Sócrates que o utiliza como artifício para despertar consciências a
caminho da verdade. Quando o interlocutor percebe a contradição entre as
afirmações tidas como verdadeiras, ocorre o “espanto”, desencadeador do
pensamento. Eça parece compartilhar do mesmo princípio: por esse “despertar” não
ocorreria a correção daqueles comportamentos que julga problemáticos?
As análises das narrativas breves focalizadas mostram que a estrutura é
absorvida pela narrativa (e o a narrativa que se apóia em seus pilares), criando
ilusões, ambientando emoções por meio das cenas impressionistas, num esforço
narrativo a fim de colocar em cena, quase literalmente, questões que julga
fundamentais para a formação e ajuste da sociedade. Para isso, o texto é
encaminhado para a ilusão do real, buscando alinhar realidade, público e emoção, o
que é próprio do espetáculo melodramático.
Com efeito, sobressai na narrativa, quase como um requinte, o
impressionismo, que confere a sensação por meio da descrição plástica,
sublinhando cores e tons proporcionados pela intensidade, pouca ou muita, da luz.
O movimento impressionista na pintura é conhecido pessoalmente por Eça quando
visita a Exposição Universal de Paris e, numa carta de 1878 endereçada a Ramalho
Ortigão, revela o ter se interessado pela nova corrente. Em 1885, o autor
português presencia a abertura do Salon e assim se manifesta na carta ao amigo D.
José da Câmara:
Assisti à abertura do Salon onde havia muito talento, muito ‘savoir-
peindre’, mas nenhuma página original e forte – a não ser um quadro
do grande Roll, o pintor naturalista,que apresenta um ‘chantier de
travail’ poderoso e grandemente feito” (QUEIROZ, 1961, p. 84)
Como se vê, Eça não aprecia o impressionismo e, apesar disso, observa-
se nos contos o procedimento próprio dessa corrente. Isso já ocorrera anteriormente,
quando, numa carta de 1873 a Ramalho Ortigão na qual retrata Montreal e, por lhe
parecer agradável, descreve-o com um certo impressionismo. Assim, um gosto
130
pela pintura, manifestado, além da descrição plástica, como acima se disse, pela
busca da percepção imediata e que consiste na atribuição de uma característica a
um objeto que, na realidade, pertence a outro com o qual está relacionado. Essa
transposição ocorre por um processo denominado hipálage, longamente exercitada
na prosa de Eça, o que leva Almeida Faria (2000) atribuir-lhe o nome de “o homem
das hipálages”, pela maestria em descrever depressa e bem, maneira adequada à
modalidade conto, em que tudo é breve e condensado.
Outras situações características dessa modalidade que sai dos palcos e
invade a narrativa são os excessos. Assim, em “Singularidades de uma rapariga
loira” o amor de Macário não permite que ele veja o interesse de sua amada pela
sua condição social, do mesmo modo como a paixão despertada de Maria da
Piedade de “No moinho” a leva a um estado histérico. As mesmas condições podem
ser constatadas em “Um poeta lírico”, no qual o poeta clássico Korriscosso confessa
e reelabora sua condição sentimental em relação a Fanny nas suas odes e elegias
produzidas em grego. Essa impossibilidade da compreensão, o que impede
qualquer tipo de correspondência por parte dela, leva Korriscosso a continuar a
trabalhar, frustrado, apenas para venerá-la. Em “José Matias” tal veneração é
completa, a ponto da personagem que dá título ao conto morrer em função do tipo
de vida desregrada levada por causa da distância voluntária em relação a Elisa,
embora esta queira a aproximação e ambos se correspondam por meio de janelas e
olhares. A frustração amorosa e seus desencadeamentos pertence ao modelo
melodramático romântico e não ao clássico, na sua origem. Thomasseau (2005)
lembra que o motivo do casamento entra em cena no modelo romântico, não mais
no seu desfecho, como forma de reunir a família, fortalecendo-a para enfrentar as
dificuldades da vida, e sim para dar lugar a situações mais passionais, sublinhando,
grandemente, o adultério, o que leva a uma geração de “adulterolatria”, como
conclui. O amor, então, nasce duma fatalidade ou de uma causalidade, ao qual se
submetem a candura, a beleza, a mocidade, a dedicação ao lar, mas o supera o
sentimento de honra.
A arquitetura dos contos de enredo de temática amorosa é realizada a
partir de uma situação de abertura de que fala Bremond (1972) propiciadora para o
desenvolvimento da narrativa e interessante ao leitor. Enredando por um percurso
construído nos modelos melodramáticos, a diegese prepara o acontecimento divisor
de águas, o pivô narrativo, momento de maior tensão melodramática, cuja seqüência
131
pode ser eufórica ou disfórica. Depois da sua instauração, a narrativa se desenlaça
por meio de peripécias a chegar ao desfecho, sublinhando a moralidade
construída e oferecendo emoção ao leitor.
O autor adere ao melodrama, apesar de não apreciá-lo, como atesta em
seus textos, assim como é o procedimento em relação ao movimento impressionista,
tal como se observa anteriormente. Eça assimila que o melodrama é um modelo
aceito e compreendido pela sociedade da época. Sendo assim, seria mais cil
"plasmar" a sua crítica (quando ataca os românticos) e despertar consciências (ele
acha Portugal uma nação sem desenvolvimento), que a leitura seria prazerosa e
absorvida, em tese, por essa mesma sociedade, além de, ironicamente, tomar um
modelo romântico de sucesso e fazer dele um ataque aos próprios românticos. Por
outro lado, no seu processo orgânico interno, o texto melodramático ganha forças,
tensões, construídas aqui e ali, num modelo de narrativa que deve ter o máximo no
mínimo. E, como Eça provou, o melodrama é compatível a esse tipo de narrativa.
Mas se o amor não leva à felicidade, como é de praxe no melodrama e
nos contos queirozianos é um fato –, em “Um dia de chuva” assiste-se a uma
tranqüila e natural história de amor, da qual se conhece apenas o dia do casamento.
Em todos essas narrativas, assiste-se a uma preparação para a história dramática a
ser contada e sempre o leitor se depara com um narrador que relata um caso
(lembre-se que Eça afirma ser o ato de contar e ouvir histórias uma das atividades
mais prazerosas), exceto em “Um dia de chuva” –, colocando em evidência perfis,
comportamentos, históricos familiares que configuram, em algumas delas
(principalmente em “Singularidades de uma rapariga loira” e “No moinho”) as
personagens virtuosas e os vilões; pequenos detalhes como o fato de serem órfãos,
representados por Macário e José Matias, remetem à idéia de fragilidade e
desamparo que tentam suprir por meio de outra figura feminina. Pela sua densidade,
a narrativa do conto deve se organizar coerentemente, de maneira condensada, sem
expansões; por isso, o que pode parecer insignificante, no conto não é. O próprio
Eça declara no prefácio de Azulejos do Conde de Arnoso que
[...] no conto tudo precisa de ser apontado num risco leve e sóbrio:
das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que
revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos apenas o que
caiba num olhar ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e
traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida.
(QUEIROZ, 2000, p.70)
132
Ao contar histórias que tomam o amor e fazem dele um elemento
deletério, sobretudo nos contos cuja data de produção mais se aproxima do período
das famosas Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, Eça pretende
demonstrar que o amor impuro, devasso, apoiado em instintos, incompreensível, não
leva à felicidade, mas ao amor fatal, traduzido em infelicidade, como operacionaliza
nas personagens dos contos selecionados. Isso leva a crer, por outro lado, que o
amor, quando bem realizado, é saudável, sinônimo de força, como afirma a carta de
Fradique Mendes ao seu sobrinho, Manoel:
O amor (como ensinava o meu amigo) é certamente uma força e
mesmo a maior força deste universo que dele vive e por ele se
equilibra e a notação, em boa rima, de qualquer das suas
manifestações que seja intensamente genuína e nova, constitui sem
dúvida uma aquisição excelente para o nosso conhecimento do
homem, entidade de sete palmos de altura, que, quanto mais
profundamente a si próprio se sonda, mais insondável se reconhece.
Por outro lado, os versos de amor são preciosos para aqueles que,
possuindo o sentimento, não possuem o verbo que lho vivifique, lhes
dê a consoladora certeza da sua realidade – e que precisam portanto
ver expressas, formuladas, sonoras, quase palpáveis, as coisas
indefinidas que lhes tumultuavam no peito e a que não sabiam dar
nome. (QUEIROZ, 2000, p.119)
Assim, a narrativa breve realista, ao servir-se de elementos do mundo real
(representados pelas descrições, referências de família, etc), cria a ilusão da
verdade; o narrador leva o público leitor a pensar que os acontecimentos “exibidos” e
contados bem podem acontecer com ele, deslocando o sujeito do seu mundo e
convidando-o a refletir sobre a possibilidade daquilo ser, também, a sua realidade.
Histórias de amor são universais e sensibilizam; por meio delas, Eça coloca em cena
discussões de diversas naturezas -estéticas, sociais, biológicas -, mais ou menos
aguerridas, que o mostram como um homem sensível às mudanças de seu tempo.
E, como numa tese, demonstra o que pretende, legando sempre uma contribuição
para os leitores de todos os tempos e para os leitores encantados de Eça de
Queiroz.
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