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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A CONTRIBUIÇÃO POLÍTICA E PEDAGÓGICA DO PROGRAMA INTEGRAR
PARA OS RUMOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
DOCIMAR QUERUBIN
Porto Alegre
2008
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9
DOCIMAR QUERUBIN
A CONTRIBUIÇÃO POLÍTICA E PEDAGÓGICA DO PROGRAMA INTEGRAR
PARA OS RUMOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul como requisito parcial à
obtenção do Título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Alberto Rosa
Ribeiro
Porto Alegre
2008
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Para Claudia que sempre esteve ao meu
lado com muito amor.
Ao Bernardo que nasceu durante a
elaboração da pesquisa e encheu a casa e a
vida de muita alegria e muito amor.
.
11
AGRADECIMENTOS
A Ignez, minha mãe, que leu e se emocionou diversas vezes com o texto “trajetória de vida,
de educação e de trabalho”, presente no projeto de pesquisa e que coloco novamente aqui
como forma de homenageá-la. Minha mãe repassou o texto para toda a família e todos se
encontraram com o passado, com suas lutas, com a teimosia de acreditar que o futuro poderia
e deveria ser melhor, e encontraram acima de tudo, forças para continuar construindo o
presente. Ignez, mulher lutadora, incansável e geradora de uma energia que contagia a todos
os que a cercam: obrigado pela vida.
Aos trabalhadores e dirigentes sindicais metalúrgicos que lutam e mostram a cada dia que é
possível acreditar num amanhã melhor.
Ao Prof. Jorge Ribeiro pela motivação e pela orientação ao trabalho, sempre possibilitando o
retorno ao caminho planejado.
Aos companheiros que coordenam o Integrar: Marino, Chitolina, Fernando por possibilitar
que eu pudesse construir essa trajetória no Integrar.
À Solange e Soloá pelo incentivo e força para chegar até aqui.
À Rosaura, Romilda, Aldaci e Junior que em diferentes momentos desse trabalho souberam a
importância que o mesmo representou e a sua maneira souberam ajudar.
Ao Edenilson, motivador para iniciar a empreitada e animador nos momentos em que o
cansaço chegava.
Ao João Marcelo, pelo aprendizado ao longo dos últimos anos.
A Ângela, pelas sugestões e dicas na organização do trabalho.
Ao Elton Scapini, motivador no inicio de minha militância em 1986 e responsável pela vinda
ao Integrar.
12
ABREVIATURAS
CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica.
CNM – Confederação Nacional dos Metalúrgicos
CODEFAT - Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEF –Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação
Mte – Ministério do Trabalho e Emprego
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organizações Não Governamental
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
Planfor - Plano Nacional de Qualificação Profissional
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio
PPS – Partido Popular Socialista
PROEP - Programa de Expansão da Educação Profissional
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSTU- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT – Partido dos Trabalhadores
PV – Partido Verde
SEFOR - Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional
SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem dos Industriários
SINE - Sistema Nacional de Emprego
13
RESUMO
Esta dissertação de mestrado tem como objetivo analisar a trajetória do Programa
Integrar dos Metalúrgicos da CUT e as contribuições que o referido programa deu ao debate
da educação profissional no Brasil. Para isso, procurei sistematizar alguns aspectos das
inovações metodológicas e pedagógicas que o Integrar construiu em seus 13 anos de
existência. O Programa Integrar foi criado em 1995 a partir de duas experiências
desenvolvidas pelos metalúrgicos de formação em reestruturação produtiva e ação sindical. A
partir desses dois cursos e de uma pesquisa realizada no Largo 13 de Maio em São Paulo, a
Confederação Nacional dos Metalúrgicos CNM/CUT vê-se diante do desafio de pensar e
organizar um processo de educação para trabalhadores desempregados que rompesse com a
lógica dos programas que tradicionalmente vinham sendo executados, seja por entidades
empresariais, seja por entidades públicas, mas que na maioria das vezes estava distante da
educação desejada aos trabalhadores. O estudo parte de uma análise da reestruturação
produtiva vivenciada no Brasil, principalmente nos anos de 1990, e procura apontar alguns
elementos de analise da ação sindical frente a essa nova conjuntura e as ações pensadas e
organizadas no âmbito dos metalúrgicos da CUT no sentido de enfrentar o período marcado
principalmente pelo crescimento no nível de desemprego dos trabalhadores. Para isso o estudo
buscou aprofundar, a partir de autores da sociologia do trabalho e da educação dos
trabalhadores e dos documentos sistematizados pelo Integrar ao longo de seus 13 anos. As
configurações do Sistema Público de Emprego organizado no Brasil e a criação do Fundo de
Amparo ao Trabalhador, serviram como pano de fundo para que os metalúrgicos da CUT
ousassem e desenvolvessem um programa que foi capaz de construir, após o regime militar
(pós 64) experiência exitósa sobre a educação profissional. Os resultados dessa experiência
foram geraram no âmbito do movimento sindical e da sociedade a perspectiva de que é
possível construir projetos inovadores na ótica do trabalho.
Palavras-chaves: Educação profissional, educação e trabalho, formação integral,
profissionalização, Movimento Sindical.
14
ABSTRACT
This Master's dissertation is intended to analyze the trajectory of the Integrar Program for
Metalworkers from CUT and its contributions to the debate about professional education in
Brazil. For that purpose, I tried to systematize some aspects of the methodological and
pedagogical innovations that the Integrar Program has built for the last 13 years of existence.
The Integrar Program was created in 1995 from two experiments developed by metalworkers,
training in productive restructuring and trade union action. From these two courses and from a
survey conducted in Largo 13 de Maio in Sao Paulo, the National Confederation of
Metalworkers - CNM / CUT faced the challenge of thinking and organizing a process of
education for unemployed workers, which would break with the logic of traditionally
performed programs, either by corporate entities or by public entities. In most of the cases,
those programs were far from the desired education for workers. The study departs from a
review of the productive restructuring experienced in Brazil, mainly in the 90’s, and it is
aimed at indicating some review elements from trade union action towards new circumstances
and moves designed and organized in the metallurgical field by CUT in order to face a period
marked mainly by a growth in the unemployment rate, affecting workers. This study also
sought to examine the work of authors from the Sociology of Work and Education for
Workers and documents that had been systematized by the Integrar Program over those 13
years. The settings for the Public System of Employment, organized in Brazil and the creation
of the Fundo de Amparo ao Trabalhador (the Workers’ protection Fund), served as the
background for the metalworkers at CUT to dare develop a program that was able to build,
after the Military Regime (after the year of 64) a successful experience on professional
education. From the point of view of work itself, the results of this experience have generated,
within the union movement and society, the perspective that it is possible to build innovative
projects.
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................
9
1 TRAJETÓRIA DE VIDA, DE EDUCAÇÃO E DE TRABALHO.....................................
12
2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, A FLEXIBILIDADE E A EXIGÊNCIA DE
NOVAS QUALIFICAÇÕES .................................................................................................
18
2.1 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO BRASIL.........................................................
26
2.2 O MOVIMENTO SINDICAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO
TRABALHO................................................................................................................................
32
3. A EDUCAÇÃO PARA OS TRABALHADORES NOVOS COMPONENTES
QUALIFICACIONAIS........................................................................................................
44
3.1 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL – DO ESTADO NOVO AOS ANOS 90..
45
3.2 A OFENSIVA NEOLIBERAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NOS ANOS 90.................
53
3.3 DA QUALIFICAÇÃO PARA A COMPETÊNCIA PROFISSIONAL ................................ 60
3.4 A EDUCAÇÃO A PARTIR DA ÓTICA DOS TRABALHADORES................................ 73
3.5 O MOVIMENTO SINDICAL BRASILEIRO E AS INICIATIVAS EM PROJETOS DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ...........................................................................................
79
4. O CONTEXTO NO SURGIMENTO DO PROGRAMA INTEGRAR ............................
89
4.1 SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO NO BRASIL E A CRIAÇÃO DO FUNDO DE
AMPARO AO TRABALHADOR – FAT............................................................................
91
4.2 EXPECTATIVAS E OBJETIVOS COM O PROGRAMA INTEGRAR..............................
107
4.3 O PROGRAMA INTEGRAR E O DIÁLOGO COM A PEDAGOGIA SOCIAL ...............
115
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................
124
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................
138
16
INTRODUÇÃO
As décadas de 1980 e 1990 foram significativas em função das profundas
transformações ocorridas no mundo do trabalho. No dizer de Ricardo Antunes, essas
mudanças foram tão intensas que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise do
século, impactando a sua forma de ser (ANTUNES, 2003). Essas transformações provocaram,
aos poucos, o rompimento da relação homem/máquina que fundamentou o modelo fordista e
contribuíram para a redução no nível do emprego e tem no setor metalúrgico um dos mais
atingidos. Conforme dados da Relação Anual de Informações Sociais Rais e do Cadastro
Geral de Empregados e Desempregados, de 1985 à 1993 houve uma queda no nível de
emprego de 17,24%, e em 2001 essa queda representou mais de 27%. No Brasil segundo
Mattoso (1999) foram destruídos mais de três milhões de empregos nos anos 1990.
Na primeira parte do trabalho intentarei mostrar que o movimento sindical, que
enfrentou o longo período militar buscando formas de reação e resistência, adentrou
esperançoso a década de oitenta. O cenário de democratização no Brasil criou essa esperança
e gerou novas possibilidades de ação e busca de conquistas para os trabalhadores. Percebe-se
que, ao contrário disso, o período é marcado pela reestruturação produtiva e redução no nível
de emprego. Mesmo conseguindo aumentar a sindicalização, que passou de 4% à 17% de
1960 até a década de 2000 (POCHMANN 2007), teve poucos avanços nas conquistas
econômicas e na liberdade de representação. Para ANTUNES (2000), os sindicatos foram
forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada vez mais imediata e passaram a
lutar para manter o mais elementar e defensivo dos direitos da classe trabalhadora - o direito
ao trabalho.
Na segunda parte do trabalho procurarei resgatar os aspectos da educação para os
trabalhadores. Num primeiro momento, retornarei aos anos de 1930 e, utilizando
principalmente os estudos de CUNHA (2000), perceber que a educação dos trabalhadores, no
estado novo, esteve marcada primeira pela ausência de projeto educacional e depois com a
industrialização e o surgimento de maquinarias a necessidade de operários qualificados e com
isso é criado em 20 de janeiro de 1942 o Senai e em dezembro do mesmo ano a lei orgânica
do ensino industrial, através do decreto 4.078.
Os anos de 1990 foram marcados pelo avanço do neoliberalismo com a política de
redução do papel do estado nas políticas públicas. A educação, sobre isso, impactos profundos
17
e novos componentes qualificacionais fazem parte da educação para os trabalhadores. A
reestruturação produtiva impôs a necessidade de reestruturação na educação profissional, pois
aos trabalhadores passaram a ser exigidos novos requisitos de formação. O discurso da
competência profissional passa a substituir o da qualificação profissional, com isso, exigido
do trabalhador a capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou
previsíveis (MANFREDI, 1998).
Nessa trajetória os trabalhadores construíram elementos de resistência e tentativas de
construção de projeto diferenciado na educação profissional. A educação, na ótica do
trabalho, passou por lutas de diferentes atores: educadores, dirigentes, sindicatos, ONG’s etc.
para a construção de projetos que possibilite a educação do trabalhador numa perspectiva
integral e pelo desenvolvimento de experiências capazes de contrapor a lógica da educação na
ótica do capital.
Com isso, na terceira parte do trabalho procurarei construir os elementos que
possibilitaram o surgimento no interior da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT
do Programa Integrar. Em 1995 acontece em São Paulo o III Congresso dos Metalúrgicos da
CUT, neste momento como vimos o mundo do trabalho passava por inúmeras transformações.
Essas transformações significaram mudanças profundas no universo fabril e através de um
grande salto tecnológico com a automação, a robótica e a microeletrônica. A reestruturação
produtiva, a flexibilidade e as exigências de novas qualificações tomam conta de novo
momento de mudanças.
É importante registrar que o Brasil construiu tardiamente um sistema público de
emprego, isto é, somente 30 anos após a convenção da OIT, que propunha aos países
signatários a criação de um sistema de emprego, que o Brasil toma iniciativa em 1975 através
do decreto 76.409 dar início a questão da intermediação da mão-de-obra. A partir dos anos de
1990, com a criação do CODEFAT e da SEFOR, tem início o desenvolvimento de projetos de
educação profissional pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Com isso em 1995, os Metalúrgicos da CUT encontram a ‘brecha’ necessária para a
organização do Programa Integrar. Com base em duas experiências de formação
desenvolvidas em São Paulo e por uma pesquisa feita junto aos trabalhadores do Largo 13 de
Maio surge o desafio de pensar e organizar um programa de educação para trabalhadores
18
desempregados e que procurasse romper a lógica dos programas que tradicionalmente eram
oferecidos pelos sistemas públicos ou privados.
O Programa Integrar inseriu-se na perspectiva de uma formação integral, que respeita
a trajetória construída pelos trabalhadores e valoriza os conhecimentos de cada um. O
desenvolvimento do programa, como diz Fernando Lopes, “impactou profundamente a vida
dos sindicatos metalúrgicos envolvidos, influenciou o debate sobre educação dos
trabalhadores tanto na academia como no poder público”. Foi capaz de inovar a ação
pedagógica por romper com um currículo tradicionalmente compartimentado e fragmentado
que separava a formação geral e a educação profissional. MANFREDI (2002) mostra que a
proposta de educação desenvolvida pelo projeto no interior da CUT contribuiu para as
formulações teóricas e metodológicas, primeiro por ter a centralidade do trabalho aos
construir o eixo central da proposta; segundo, por ter a visão histórico-dialética de construção
e apropriação do conhecimento; terceiro pela valorização de uma postura critica diante das
concepções socialmente hegemônicas e que dão suportes à exclusão social; e, quarto pela
valorização da trajetória e dos processos coletivos de construção de experiências pedagógicas.
Na última parte retomarei o debate a partir dos impactos do Programa Integrar com
base em três elementos. Primeiramente analisando o projeto no campo da disputa de
hegemonia na sociedade proposta pelos metalúrgicos da CUT; segundo, sobre a ação
pedagógica e as inovações que o programa ofereceu; e, finalmente sobre a contribuição que a
ação dos metalúrgicos trouxe para o debate da educação profissional.
19
1 TRAJETÓRIA DE VIDA, DE EDUCAÇÃO E DE TRABALHO
“Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração”.
(Roda Viva - Chico Buarque)
Foi no ano de 1978, mais precisamente no dia 7 de setembro, eu então com doze anos
de idade. Por volta das 6h30min, um caminhão velho, com problemas em toda a sua estrutura,
parou em frente a nossa casa, no interior de Tapejara, no Rio Grande do Sul. A comunidade
na qual vivíamos era uma reserva indígena, portanto, uma ocupação ilegal de pequenos
agricultores sem terra.
Fomos colocando em cima do pequeno caminhão tudo o que tínhamos, nossas roupas,
utensílios, alguns móveis e parte da produção agrícola daquele ano (milho, farinha, feijão e
batatas). A maior parte dos objetos eram lembranças daquela vida no meio do mato.
Representavam mais o desejo de manter vivos na memória os últimos 30 ou 40 anos de nossa
família, do que imaginar que supririam nossas necessidades básicas na cidade.
Quando o caminhão saiu da frente de nossa velha casa foi um momento de dor e
lágrimas. Estávamos nos separando, deixando para trás, muitos sonhos, brincadeiras, uma
vida que, mesmo sofrida e batalhada, era o que nos ligava àquele espaço. Conforme o
movimento lento pelas estradas cheias de obstáculos, alguns sonhos continuavam a cair do
caminhão, mas outros aos poucos passavam a fazer parte de nosso imaginário com a
expectativa do que seria a nossa nova vida.
A chegada em Getúlio Vargas deu-se repleta de expectativas, desejos, medos e novos
sonhos. Assim que o caminhão chegou a nossa nova casa, em um conjunto habitacional da
Cohab, passava em frente um grupo de alunos da Escola Municipal Pedro Hererias (que viria
a ser minha primeira escola urbana) para o desfile em comemoração a Independência do
20
Brasil. A mudança de uma área de terra enorme, onde havia apenas duas casas (a nossa e de
nossa tia, onde nossos vizinhos mais próximos ficavam a pelo menos 30 minutos de
distância), para um lugar em que as casas eram separadas por dois ou três metros umas das
outras, e que podíamos escutar as vozes e barulhos da casa ao lado, provocou um impacto
grande demais em nosso cotidiano.
Pela primeira vez nossa casa ganhava mais claridade, além das paredes pintadas, não
precisávamos mais do lampião de querosene que iluminava precariamente a casa deixando
uma marca no teto da fuligem que queimava, agora tínhamos finalmente luz elétrica. Também
havia água nas torneiras, sem a necessidade de ir até a fonte buscá-la, com pequenos
recipientes, para encher a panela. Levávamos de duas a três horas nessa tarefa de transportar a
água que beberíamos. Porém, não havia mais o riacho para os banhos nos dias de calor, nem
as árvores, das quais tirávamos as frutas que comíamos ali mesmo.
De uma escola que todas as séries eram organizadas numa mesma sala e com apenas
uma professora para todos, passei para uma em que cada série tinha um professor e uma sala.
Sofri, junto de meus irmãos, diversos preconceitos por sermos ‘colonos’. Éramos chamados
de “meninos da grota”, pelos meninos da cidade. Nossa maneira de falar, de nos comportar e
de estar naquele espaço eram motivos de chacotas. Ao mesmo tempo, era motivo também
para novas descobertas. Possibilidade de conhecer novas pessoas, aquelas que viriam a ser
minhas novas e duradouras amizades.
Dos trabalhos no campo, como a capina, a colheita, o trato dos animais; passei a
desenvolver um novo e completamente diferente: vender frutas na rodoviária de Getúlio
Vargas. Obviamente, no início era ‘passado para trás’ pelos outros meninos que tinham a
‘vivência e a malandragem da cidade’. Trabalhei como vendedor de maçã e laranja para meu
primeiro patrão (dono de uma fruteira e de um açougue).
Meu pai, sempre muito solidário e querendo me ajudar nesta nova atividade,
emprestou-me algum dinheiro para ajudar no troco e algumas dicas para facilitar a minha
venda. Cheguei em casa, porém, depois do acerto no final do dia na fruteira, sem dinheiro,
inclusive sem o troco que ele havia me dado. Uma grande decepção, mas não suficiente para
que me fazer desistir. No dia seguinte estava eu novamente na rodoviária, agora com novas
dicas de meu pai e dos demais meninos de como vender e fazer o troco.
21
Pela primeira vez escutei meu patrão, dono do açougue e da fruteira, que disse que
trabalhando eu poderia ajudar minha mãe. Aquilo criou certa confusão, pois não imaginava
que estava trabalhando, talvez por que acreditava que trabalhar não era aquilo que eu estava
fazendo ou que era coisa para adultos, com carteira assinada, etc.
O meu patrão tinha métodos nada éticos de fazer negócios, comprava gado dos
agricultores e nos colocava junto com outros meninos em cima do caminhão para aumentar o
peso antes de ir até a propriedade e assim ganhar mais ao fechar o negócio. Fico feliz hoje ao
perceber que minha formação ética foi orientada pela luta incansável de minha mãe, apesar
das adversidades que a vida colocou em suas mãos, para garantir-nos uma vida digna.
A vida foi se construindo nas contradições, nas alegrias, nas tristezas e nos desafios
impostos pelo novo espaço de convivência.
Meu trabalho no setor produtivo começou cedo, com 14 anos trabalhava em uma
olaria. A formação profissional aconteceu no equipamento e com algumas dicas de uma
pessoa mais experiente. No segundo dia estava ‘dominando’ a máquina, um risco muito
grande para a pouca experiência de trabalho, pois a mesma tinha o poder de ‘transformar’ o
que era barro em telhas, tijolos e lajotas. Pode-se imaginar o que poderia fazer com nossas
mãos, caso não estivéssemos atentos aos seus movimentos.
Hoje refletindo, percebo que vivenciei o processo de trabalho fordista: a esteira que
trazia o barro, cada trabalhador produzindo no tempo dela e o patrão visto como monstro que
fungava em todos os cantos como assombração. Ele estava sempre olhando e cuidando se
tudo estava no ritmo estabelecido e se não estávamos ‘tramando’ algo. Como por exemplo,
ficar alguns minutos sem trabalhar, escondidos no meio das prateleiras de tijolos e telhas, ou
simplesmente conversando sobre como foi o final de semana de cada um. Fiquei quatro
longos anos nesta fábrica. No segundo momento de trabalho fui para uma indústria de
artefatos do couro (bolsas, casacos, etc.) e continuei estudando, fazendo o primeiro e o
segundo grau.
Em 1986 dei início a minha participação em um grupo de jovens da comunidade.
Agora a cidade, a comunidade, o bairro não assustavam mais, eu estava completamente
acolhido pelo espaço da cidade. A agricultura sim é que foi ficando mais distante de minha
imaginação.
22
Dois anos depois, em 1988, fui convidado para trabalhar como coordenador da
Pastoral da Juventude na região de Erechim. Com isso saí da indústria e comecei a
desenvolver um trabalho de Educação Popular. Mudei-me de Getúlio Vargas para Erechim.
Pela primeira vez saí de casa e fui cortando o cordão que ainda me ligava à vivência diária
com a família.
As atividades pedagógicas na Educação Popular passaram a ser meu objetivo central
de trabalho e de atuação. Essas atividades consistiam em acompanhamento, num primeiro
momento, aos grupos de jovens desenvolvendo ações de formação para a cidadania. Num
período como o final dos anos 80, fim da ditadura e possibilidade de reflexão sobre temas
como da conjuntura, do mundo do trabalho, da exploração do mundo capitalista, aliados a
temas de uma espiritualidade comprometida com as causas sociais, foram os marcos deste
momento. A Teologia da Libertação e a referência como Frei Leonardo Boff, Frei Beto, Dom
Pedro Casaldaliga, Dom Elder Câmara e outros teólogos e religiosos comprometidos com a
transformação foram contribuindo para a minha formação política e meu trabalho como
jovem juntamente com os jovens na igreja católica da região de Erechim.
A passagem para o trabalho junto com os movimentos populares aconteceu de forma
natural. Através da participação e colaboração em cursos de formação política desenvolvidos
na região junto aos sindicatos dos trabalhadores (urbanos e rurais) e movimentos sociais
contribuem para o trabalho de Educação Popular.
Com isso, a militância, nos movimentos sociais e no Partido dos Trabalhadores, foi
uma questão que começou a fazer parte de minha trajetória. Em 2002, voltei para Getúlio
Vargas e tive uma experiência interessante: candidatei-me a vereador. Minha ligação com os
jovens e com as comunidades levou o partido a lançar minha candidatura. Não fui eleito, mas
os votos contabilizados naquele momento (121 votos, sendo que eram necessários pelo menos
200 para ser eleito) não foram apenas uma soma numérica, estava o sonho da juventude, da
possibilidade de transformações e mudanças. Daquele momento resultou um rico
aprendizado. Continuei minha militância partidária, mas não com o desejo de candidatar-me
novamente. Retornei para Erechim para trabalhar no Centro de Educação Popular. O ingresso
no curso de História serviu como possibilidade de ampliação da opção político-pedagógica
que já vinha sendo construída desde a entrada no grupo de jovens.
23
Em 1997, dirigi-me para Porto Alegre, realizando um antigo desejo, que alimentava
desde que estava em Erechim, de trabalhar na capital do estado. Fui então convidado para
trabalhar com os metalúrgicos da CUT, no Instituto Integrar.
A ação do Programa de Educação Profissional contribuiu para que eu trouxesse toda a
bagagem que construí como educador e militante. Encontrei a possibilidade de trabalhar em
um projeto que buscava, na sua ação político-pedagógica, romper com a lógica da educação
bancária, de divisão disciplinar dos conhecimentos, e que busca na reflexão histórica da luta
social e política dos trabalhadores a possibilidade de construção de um novo projeto de
educação.
O início do trabalho ocorreu no acompanhamento aos educadores e educandos,
contribuindo no planejamento da ação pedagógica no espaço da sala de aula, como assistente
de formação. Em 1999 convidaram-me a ser educador em um projeto também inovador de
formação de dirigentes sindicais. O mesmo tinha como objetivo principal pensar o processo
formativo articulado com a escolarização a partir das ações formativas e de luta que o próprio
movimento sindical vivencia em seu cotidiano.
A atuação como Educador no programa levou-me a organizar, junto com os dirigentes
sindicais, o livro “Trajetórias de Vida”. Foi um momento enriquecedor e muito especial. A
construção da trajetória de formação, de trabalho e de vida dos metalúrgicos colaborou para
que eu pudesse resgatar minha própria trajetória, e também a de minha família, desde antes do
dia 07 de setembro de 1978, e foi de encontro com as trajetórias dos trabalhadores
metalúrgicos da região metropolitana de Porto Alegre.
No Instituto Integrar iniciei em 1999, como assessor pedagógico. Minhas experiências
na Educação Popular e no curso de História serviram para que eu pudesse contribuir na
construção curricular e nos espaços da Formação de Formadores. Ajudei na organização do
livro: “Educação de Adultos – A experiência do Programa Integrar”. O trabalho sistematizado
por educadores que registrou o quanto é rico o programa desenvolvido no meio sindical. A
possibilidade de pensar a Educação Profissional dos trabalhadores, articulada com suas
trajetórias formativas, vai sendo mostrada nesses relatos de vivência dos educadores.
É com essa trajetória de vida, de trabalho e de educação aliada a trajetórias de outros
trabalhadores, educadores e pessoas que me ajudaram nestes 40 anos que desenvolvi o
24
presente trabalho no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
“A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra
Roda mundo”.
(Roda Viva - Chico Buarque)
25
2 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, A FLEXIBILIDADE E EXIGÊNCIA DE
NOVAS QUALIFICAÇÕES
Ao passar no centro da cidade de São Paulo, você pára um minuto em
frente a um portal desses grandes bancos, dessas catedrais de dinheiro,
e olha o que a mão do homem produz na manipulação do aço. Isso
sem desmerecer, por exemplo, a engenharia de alvenaria. O homem
sempre foi inteligente e ele fez coisa que ninguém mais repete. São
coisas maravilhosas. Você passa na Estação da Luz e vai olhando as
estruturas, todas aquelas cabecinhas redondas que você vê. São
rebites. Naquele tempo era tudo rebitado, não usava solda. Depois é
que a solda veio se implantar. A manipulação do o pelo homem é
uma coisa que prazer, porque você monta um negócio e fala: ‘Eu
que fiz’. Era um negócio que dependia de você pensar, de você ajeitar,
de você manipular. É por isso que trabalhar o aço sempre me deu uma
satisfação muito grande. Philadelpho Braz (Memórias do Trabalho
CNM/CUT & Museu da Pessoa, 1999, p.59).
Nos países do capitalismo avançado a cada de 80 representou profundas
transformações no mundo do trabalho, nas formas de inserção na estrutura produtiva e nas
formas de representação sindical e política. Ricardo Antunes destaca que “foram tão intensas
as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais
aguda crise deste século, que atingiu não a sua maternidade, mas teve profundas
repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua
forma de ser” (ANTUNES, 2003, p.23).
Para Antunes (2003), em 10 anos essas mudanças podem ser sistematizadas da
seguinte maneira: grande salto tecnológico, a automação, a robótica e a microeletrônica.
Vive-se no mundo da produção um conjunto de experiências, mais ou
menos intensas, mais ou menos consolidadas, mais ou menos presentes,
mais ou menos tendenciais, mais ou menos embrionárias. O fordismo e o
taylorismo já não são únicos e mesclam-se com outros processos produtivos
(neo-fordismo, neotaylorismo e pós-fordismo), decorrentes das experiências
da ‘Terceira-Itália’, na Suécia (na região de Kalmar, do que resultou o
chamado ‘kalmarianismo’), do Vale do Silício nos EUA, em regiões da
Alemanha, entre outras, sendo em alguns casos até substituídos, como a
experiência japonesa a partir do toytismo permite constatar (ANTUNES,
2003, p.23-24).
26
Com isso novos processos produtivos emergem, onde o cronômetro e a produção em
série são substituídos, em parte, pela flexibilização da produção. Produtividade e formas de
adequação da produção à lógica do mercado são as palavras de ordem no processo produtivo.
Por flexibilização na produção, creio que a definição apresentada por Ricardo Antunes
expressa de forma bastante satisfatória o que pretendo abordar no presente trabalho. Para
Ricardo Antunes que busca em C. Sabel e M. Piore, os quais ele define como pioneiros na
tese da especialização flexível, esta seria uma expressão de uma processualidade que, “...
tendo especialmente a ‘Terceira Itália’ como experiência concreta, teria possibilitado o
advento de uma nova forma produtiva que articula, de um lado, um significativo
desenvolvimento tecnológico, e de outro, uma desconcentração produtiva baseada em
empresas médias e pequenas, ‘artesanais” (ANTUNES, 2003, p. 25).
O novo desenho no processo de produção industrial é caracterizado pelo rompimento
da relação homem/máquina que fundamentou o modelo fordista. A idéia central que sustenta
o processo produtivo flexível é a chamada polivalência
1
do trabalhador, que mais do que
significar a capacidade do trabalhador em operar várias máquinas combina varias tarefas ao
mesmo tempo.
Dessa forma, esse novo paradigma produtivo expressaria também, para Antunes, “um
modelo produtivo que recusa a produção em massa, típico da grande indústria fordista, e
recupera uma concepção de trabalho que, sendo mais flexível estaria isenta da alienação do
trabalho intrínseca à acumulação de base fordista”. Antunes (2003) destaca que é atribuído a
Sabel e Piore um pionerismo na expressão da tese da ‘especialização flexível’. Paras os
autores esse novo paradigma produtivo expressaria um modelo produtivo que recusa a
produção em massa, típico da grande indústria fordista, e recupera uma concepção de trabalho
que, sendo mais flexível, estaria isenta da alienação do trabalho intrínseca à acumulação de
base fordista.
Um processo ‘artesanal’, mais desconcentrado e tecnologicamente
desenvolvido, produzindo para um mercado mais localizado e regional, que
1
Polivalência diz respeito a um tipo de perfil de qualificação humana, caracterizado pela capacidade do
trabalhador de se mostrar funcionalmente flexível. A essa capacidade também se atribui o nome de
multifuncionalidade. [...] O trabalhador tem oportunidade de exercer funções diferentes, mas dentro de
determinados limites e obedecendo a prescrições orientadas por princípios pragmáticos. (...) Ele tem chances de
manejar equipamentos diferentes, atuar em equipes, ampliar sua visão do processo de trabalho, despertar sua
curiosidade, iniciativa e atenção. Mas isso não significa, necessariamente, ganhos significativos de qualificação.
(Fidalgo, Fernando & Machado, Lucília: Dicionário da Educação Profissional, 2000).
27
extingue a produção em série, comportando experiência bem-sucedidas
também em regiões industriais nos EUA, na Alemanha e na França, entre
outras áreas, inspirado num neoprodutivismo, seria então responsáveis pela
superação do modelo produtivo que até recentemente dominou o cenário da
produção capitalista. O elemento causal da crise capitalista seria encontrado
nos excessos do fordismo e da produção em massa, prejudiciais ao trabalho,
e supressores da sua dimensão criativa (SABEL & PIORE, 1984, apud,
ANTUNES, 2003, p. 25-26).
Historicamente o Japão tentou introduzir o método fordista de produção nos anos 1920
a partir de empresas americanas, todas de Detroit, que criam suas filiais em território japonês.
Os fabricantes dos Estados Unidos têm ‘tamanha vantagem no domínio da produção em
massa que podem inundar o Japão com veículos baratos, tarefa impossível para os
concorrentes locais’. Para Gounet, 1999
O governo fascista de Tóquio decide então proteger a produção
japonesa, indispensável aos seus projetos de expansão. Em 1936 edita a lei
da indústria automobilística, criando obstáculos para as importações e, o
que é mais importante, proíbe a produção estrangeira em território japonês.
As empresas norte-americanas são convidadas a fazer as malas. podem
permanecer, provisoriamente, na ausência de similares locais, sobretudo
para a fabricação de certos componentes. Em 1939, as três companhias de
Detroit deixam definitivamente o arquipélago (GOUNET, 1999, p. 23).
Em 1945, com a derrota do Japão na guerra mundial, foi retomada a intervenção
norte-americana no conjunto do aparelho econômico, político e militar japonês. A constatação
é de que, em função do mercado japonês ser restrito, e que a demanda é por veículos menores
e mais diversificada o modelo americano de produção não pode funcionar, é preciso adaptá-
lo. Em 1950, após a Guerra da Coréia, o Ministério do Comércio Internacional e da Indústria,
declarou que a Indústria de automobilística era um setor prioritário da economia nacional e
apoiou os fabricantes nacionais. Novamente ergueram-se barreiras alfandegárias para proteger
o setor local da invasão procedente dos EUA. Além disso, foi concedido empréstimo
subsidiado para ajudar projetos nacionais, houve uma tentativa de racionalizar a industrial
automobilística, de racionalizar o ramo de autopeças, desenvolverem a infra-estrutura e por
fim, organizar programas de pesquisa, sobretudo na esfera da alta tecnologia (GOUNET,
1999, p.23 a 25).
A nova organização de trabalho foi implantada progressivamente, entre os anos de
1950 e 1970, na Toyota.
28
O modelo Japonês de Produção (Toyotismo) pode ser caracterizado por uma série de
mudanças na organização do processo de produção e de trabalho das empresas. Para Fidalgo e
Machado, nos anos 50 a experiência pioneira foi desenvolvida por Taiichi Ohno, engenheiro
da Toyota.
Visando o máximo controle sobre a qualidade dos produtos e dos
processos, a busca da contínua inovação, a maior produtividade e
competitividade, caracteriza-se pelo uso das chamadas ferramentas de
Controle da Qualidade Total, de técnicas e métodos de organização do
trabalho e da gestão da produção como o CEP Controle Estatístico do
processo -, o Just-in-time, o Kanban, os círculos de controle de Qualidade
(CCQS), o Kaisen, entre outros. O fluxo da produção sofre uma inversão,
pois ela passa a ser empurrada pela demanda (Just-in-time), eliminando-se os
estoques. Essa lógica é a mesma a orientar as relações tanto entre empresas
quanto entre setores internos a elas (FIDALGO & MACHADO, 2000,
p.211).
O advento do toyotismo ocorreu primeiro na indústria automobilística japonesa, pois a
mesma necessitava de um trabalhador que operasse simultaneamente várias máquinas. Em
segundo, a partir da necessidade da empresa em responder às crises financeiras, aumentando
com isso a produção sem aumentar o número de trabalhadores. E a terceira, com a importação
de técnicas de gestão dos supermercados dos Estados Unidos, que deram origem ao Kanban
2
.
Para que isso fosse implantado no Japão havia que enfrentar o sindicalismo japonês,
que teve uma atuação marcada por diversos confrontos grevistas e desta forma se constituía
num entrave à expansão do toyotismo. Antunes aponta que em 1950 houve um expressivo
movimento grevista contra o processo de demissão em massa na Toyota (de 1600 a 2000
trabalhadores).
2
Kanban é uma palavra japonesa que significa literalmente registro ou placa visível. Em administração da
produção significa um cartão de sinalização que controla os fluxos de produção em uma indústria. Coloca-se um
Kanban em peças ou partes específicas de uma linha de produção, para indicar a entrega de uma determinada
quantidade. Quando se esgotarem todas as peças, o mesmo aviso é levado ao seu ponto de partida, onde se
convertem num novo pedido para mais peças. O Kanban permite agilizar a entrega e a produção de peças. Pode
ser empregado em indústrias montadoras, desde que o nível de produção não oscile em demasia. Os Kanbans
físicos (cartões ou caixas) transitam entre os locais de armazenagem e produção substituindo formulários e
outras formas de solicitar peças, permitindo enfim que a produção se realize Just in time - metodologia
desenvolvida e aperfeiçoada na Toyota (Japão) por Taiichi Ohno.
29
A longa greve dos trabalhadores metalúrgicos japonês foi derrotada
pela Toyota. Foi, nessa nova contextualização, a primeira derrota do
sindicalismo combativo do Japão. [...] Após a repressão que se abateu sobre
os principais líderes sindicais, as empresas aproveitaram a desestruturação
do sindicalismo combativo e criaram o que se constituiu no traço distintivo
do sindicalismo japonês da era toyotista: o sindicalismo de empresa, o
sindicato-casa, atado ao ideário e ao universo patronal (ANTUNES, 2003, p.
32-33).
Um segundo choque entre patrões e sindicatos ocorreu na Nissan, em 1953, com
conseqüências ainda maiores.
Os trabalhadores pararam fazendo reivindicações salariais. Logo o
presidente da Nissan promove um locaute na fábrica e espera que a greve se
esgote. Ele tem tempo: dois bancos, sendo um o Fuji Bank, pertencente ao
mesmo grupo da montadora, emprestaram-lhe o equivalente aos negócios de
um ano. Depois, quando sente que pode resolver o conflito em seu proveito,
ele faz com que os líderes sindicais sejam presos e cria um novo sindicato,
por intermédio de um operário colaboracionista. Este visita os grevistas,
aconselha-os a entrar no novo sindicato e retomar ao trabalho, para não
perder o emprego. Esfaimados, desmobilizados, chateados, os trabalhadores
voltam à empresa. A Nissan criou o sindicato-casa, aquele que hoje é o
típico sindicato japonês, rapidamente imitado em todo o arquipélago
(GOUNET, 1999, p. 31).
A relação capital/trabalho no processo de produção foi estabelecida sob novo papel
atribuído ao trabalhador. Se antes a produção dependia de forma significativa da atividade
individual que o trabalhador realizava, agora os mesmos eram divididos em grupos e equipes
produtivas, sendo que o esforço da equipe ‘garantia’ a recompensa de adicional aos salários.
Nesta nova posição, além de programarem e controlarem coletivamente sua produção e
desempenho gerou-se uma integração de seus interesses e compromissos com os
empregadores. O sindicalismo, neste quadro, é pensado pelas empresas como elemento ou
fator interno à produção, resultando daí a proliferação dos sindicatos de empresas que
negociam e auxiliam na interação (SOUZA, SANTANA & DELUIZ, 1999, p.54).
Para Lopes (2000) a produção da subjetividade é a principal matéria-prima da
evolução das forças-produtivas em suas formas mais desenvolvidas.
O Japão é o país-exemplo de uma economia que vem crescendo em
função de um longo processo de adequação da subjetividade operária o
‘modelo japonês’ de organização do trabalho. A ordem capitalista torna-se
30
eficaz porque consegue projetar-se com eficiência tanto na realidade do
mundo quanto na realidade psíquica. Sua ordenação incide ‘nos esquemas de
conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de sentimento, de
afeto, nas montagens de percepção, da memorização, na modernização das
instâncias intra-subjetivas’ [...] Sem um trabalho anterior de sujeição das
forças produtivas e dos padrões de consumo existentes não se consegue
controlar as realidades sociais locais, uma vez que a indústria moderna
necessita para sua produção de um trabalho material e semiótico (LOPES,
2000, p. 228).
Assim, a crise dos movimentos de representação (sindicatos e partidos) foi sendo
inserida no contexto da conjuntura dominada pelo capital monopolista do pós-guerra, na qual
a ‘revolução técnica-científica’ evoluiu do taylorismo/fordismo aos modelos mais avançados
de mecanização/automação.
Ao mesmo tempo em que isso representou uma diminuição da classe operária
industrial tradicional, efetivou-se
[...] uma expressiva expansão do trabalho assalariado, a partir da
enorme ampliação do assalariamento no setor de serviços; verificou-se uma
significativa heterogeneização do trabalho, expressa também através da
crescente incorporação do contingente feminino no mundo operário;
vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente na
expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado,
‘terceirizado’, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado [...]
(ANTUNES, 2003, p. 49).
Antunes aponta que o resultado brutal dessas transformações que acontecem no
mundo do trabalho é a ‘expansão sem precedente na era moderna, do desemprego estrutural
3
’,
que atinge o mundo em escala global. Com isso, surgiu um processo maior de
heterogeinização, fragmentação e complexificação da classe trabalhadora.
A nova forma de captura da subjetividade operária no ‘novo chão-de-fábrica’
encontrava-se como principal maneira de conquistar nova tranqüilidade de produtividade.
3
O Desemprego estrutural é mais profundo (na relação com o desemprego conjuntural), pois é a própria
estrutura econômica a responsável pela sua emergência implicando a extinção, sem perspectiva de retorno, de
postos de trabalho. O desemprego estrutural é causado por mudanças tecnológicas de grande alcance (aumento
intensivo e extensivo da mecanização e da automação) ou por alterações profundas no funcionamento do
mercado. É entendido como um componente do sistema econômico e é gerado pelo próprio modelo de
desenvolvimento adotado. É capaz de provocar a repentina desqualificação de grande parte da mão-de-obra. A
reestruturação econômica que está na sua origem decorre das políticas implementadas pelas empresas com o
objetivo de reduzir custos e aumentar a competitividade (FIDALGO & MACHADO, 2000, p. 93).
31
Se o taylorismo foi uma tentativa de reduzir a atividade simbólica e
subjetiva dos trabalhadores à execução de comandos; ou, ainda, se Taylor
buscou excluir, por técnicas disciplinares e dispositivos de poder, a
subjetividade operária que oferecia resistência às prescrições da gerência, as
novas formas de gestão da força de trabalho, ao contrário, objetivam
agenciá-las e torná-las aderentes às finalidades do capital. O trabalhador-
colaborador da grande empresa deve em uma nova perspectiva patronal
ter a capacidade de analisar uma situação, de avaliar qual a melhor decisão a
ser tomada, de se antecipar e controlar situações imprevistas (LOPES, 2000,
p. 235-236).
Assim o operário devia,
[...] interagir com o grupo, para que os fluxos operacionais e o sistema
técnico não sofram estrangulamentos. Não se trata mais de funcionários que
realizam tarefas prescritas, operações codificadas previamente, mas de
trabalhadores capacitados a proporem e efetuarem mudanças no processo e
no produto, a lidarem com uma gama enorme de conteúdos informacionais,
inscrevendo-se como ‘ponto de solda’ entre a equipe de trabalho e os
sistemas técnicos (LOPES, 2000, p.236).
Para Ricardo Antunes (2003) estamos percebendo uma tendência em direção a uma
maior qualificação, ou intelectualização, do trabalho por uma parcela da classe trabalhadora.
Para Antunes, Jean Lojkine desenvolve a tese de que:
[...] a imagem do trabalhador manual não mais permite dar conta do
novo trabalho operário nas indústrias. Este converteu-se, em vários ramos
mais qualificados, o que se constata, por exemplo, na figura do operador
vigilante, do técnico de manutenção, do programador, do controlador de
qualidade, do técnico da divisão de pesquisa, do engenheiro encarregado da
coordenação técnica e da gestão da produção. As antigas clivagens estariam
sendo questionadas pela necessária cooperação entre os trabalhadores
(ANTUNES, 2003 p. 59-60).
Por isso houve mutações no universo da classe trabalhadora, que variaram de ramo e
setores. Enquanto alguns se aperceberam diante da diminuição da necessidade de
qualificação, outros foram praticamente todos informatizados.
Nestes setores percebeu-se
32
[...] de um lado, à desespecialização do operário industrial oriundo do
fordismo e, por outro, à massa de trabalhadores que oscila entre os
temporários (que não tem nenhuma garantia no emprego), aos parciais
(integrados precariamente às empresas), aos subcontratados, terceirizados
[...], aos trabalhadores da ‘economia informal’, enfim, a este enorme
contingente que chega até a faixa de 50% da população trabalhadora dos
países avançados, quando nele se incluem também os desempregados, que
alguns chamam de proletariado pós-industrial e que preferimos denominar
de subproletariado moderno (ANTUNES, 2003, p. 60).
Essa segmentação da classe trabalhadora se intensificou de tal modo que é possível
segundo Antunes, indicar que, no centro do processo produtivo encontrava-se o grupo de
trabalhadores, em processo de retração em escala mundial, mas que permanecia em tempo
integral dentro das fábricas, com maior segurança no trabalho e mais inserido na empresa.
Desta forma na periferia da força de trabalho compreendem-se dois subgrupos diferenciados:
[...] o primeiro consiste em empregados em tempo integral com habilidades
facilmente disponíveis no mercado de trabalho, como pessoal do setor
financeiro, secretárias, pessoal especializado’. Esse subgrupo tende a se
caracterizar por uma alta rotatividade no trabalho.O segundo grupo situado
na periferia ‘oferece uma flexibilidade numérica ainda maior e inclui
empregados em tempo parcial, empregados casuais, pessoal com contrato
por tempo determinado, temporários, subcontratação e treinados com
subsídios públicos, tendo ainda menos segurança de emprego do que o
primeiro grupo periférico’. Este segmento tem crescido significativamente
nos últimos anos (ANTUNES, 2003, p.61-62).
Com isso, evidencia-se que ao mesmo tempo em que é exigido novo elemento
qualificacional no trabalho, percebe-se também uma tendência de mudanças das qualificações
dos trabalhadores, que acabam configurando um processo contraditório que superqualifica
determinados setores produtivos e desqualificam outros. Como percebemos, estes elementos
para Antunes (2003) possibilitam que se constate que de um lado, a um efetivo processo de
intelectualização do trabalho manual e de outro, em sentido radicalmente inverso, uma
desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, presentes no trabalho precário,
informal, temporário, parcial, etc.
33
2.1 REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NO BRASIL
É assim: existe um torno e tem as ferramentas que prendem uma parte do
torno, prendem a peça numa placa. E as ferramentas é a gente mesmo que
faz. Pega o aço e faz de acordo com a necessidade. O torno é assim uma
máquina operatriz, a principal de uma mecânica. A maior quantidade de
peças é redonda. E se é redondo tem que ser feito no torno. A Laminação
Nacional de Metais, em 1948, era uma indústria grande. E lá, na mecânica,
havia 24 tornos e duas fresas. E tinha as retíficas, para retificar o cilindro de
laminar os metais que eram laminados lá. A fresa é uma máquina também
operatriz, que a ferramentaria usa muito. E engrenagens, ela fabrica
engrenagens. Hoje com o modernismo, a engrenagem está quase sumida.
Eles têm outro meio de movimentar a máquina. Antigamente era tudo
engrenagem ou correia, correião em couro que passa em duas polias. Então
sai do motor elétrico e movimenta a máquina por meio da correia ou
engrenagem. Qualquer movimento numa máquina é por intermédio de
engrenagem. Hoje não se usa mais. É tudo eletrônico. Anésio de Oliveira
(Memórias do Trabalho CNM/CUT & Museu da Pessoa, 1999, p.60).
Os anos 90 caracterizaram-se por grandes transformações na América Latina e no
Brasil. De um lado, o avanço significativo do modelo neoliberal e seu receituário de
privatizações, política de estado mínimo e abertura comercial desenfreada. De outro, o mundo
do trabalho passando por um processo intenso de modernização das empresas através da
reestruturação produtiva e do avanço tecnológico no chão da fábrica, aumentando com isso o
desemprego que aliado a concentração urbana, fruto das décadas anteriores, amplia
seriamente os problemas sociais.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio PNAD, realizada em
1990 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE indicava que 74% da
população concentravam-se nas cidades. Em 1999, o mesmo levantamento registrou que esse
percentual passou para 80% da população vivendo nas áreas urbanas. “A maior parte dos
trabalhadores brasileiros, cerca de 50,5%, é constituída por jovens adultos na faixa de 20 a 39
anos e 59,6% destes tem menos de oito anos de estudos” (DIEESE, 2001, p. 46). Esses dados
associados à queda no nível de emprego no Brasil, superior aos anos 80, gerou uma situação
de regressão no mercado de trabalho.
Para Pochmann (2002), um dos elementos que gerou o aumento significativo do nível
de desemprego nesse período foi resultante ‘da emergência da terceira revolução industrial
sob a forma de uma modernização conservadora’. Esse movimento provocou “mudanças
34
estruturais, tecnológicas, produtivas e organizacionais em meio ao colapso da velha ordem
econômica internacional e das instituições que articulavam os diferentes Estados e interesses
nacionais” (POCHMANN, 2002, p. 37).
Marcio Pochmann (2002) afirma que a ‘terceira revolução industrial e tecnológica’
estava ainda em sua fase de maturação e encontrava-se incompleta no que tange às
transformações de suas bases energéticas e de transportes. Mesmo se mostrando menos
abrangente que as revoluções industriais anteriores, seus efeitos são amplos para todos os
setores de atividade econômica, inclusive de serviços, pois “o progresso técnico não alcança
somente os novos campos da atividade econômica como a biotecnologia, a informática e a
automação industrial, mas tem-se difundido amplamente, com investimentos racionalizadores
na produção e no emprego em setores mais tradicionais” (POCHMANN, 2002 pág. 33).
No âmbito da organização industrial, a reestruturação em curso alterou os arranjos
produtivos. Para Nadia Guimarães (2004), terceirização e reconfiguração das cadeias
produtivas tornaram-se uma tendência importante especialmente a partir da primeira metade
dos anos 90, quando a economia brasileira se abrira rapidamente para o mercado
internacional.
No que se refere às condições de trabalho, os estudos passaram a
apontar um processo de deterioração, tanto mais visíveis quanto mais se
percorresse a cadeia à jusante, o qual incluía a manutenção de trabalhos
repetitivos e desqualificados, aumentos de ritmos, intensificação do controle,
elevação de incidência de doenças profissionais; já no que se refere às
condições de contratação do emprego, os trabalhos (pesquisas) sublinharam
a precarização que se desencadeou, apontando para o aumento da
informalidade, diminuição dos salários, aumento das jornadas e perda de
benefícios (GUIMARAES, 2004, p. 67).
Ocorreu então que a possibilidade do pleno emprego, de uma maior estabilidade, e
de um ganho maior nos salários, foi sepultada. Surgindo o subemprego, a rotatividade, a
precarização nas relações trabalhistas e os baixos salários.
Para Ricardo Antunes (2003), o capitalismo contemporâneo produziu nos países
avançados uma “desproletarização do trabalho industrial fabril com repercussão nas áreas
industrializadas do terceiro mundo”. Desta forma, ‘houve uma diminuição da classe operária
industrial tradicional’ (ANTUNES, 2003, p. 49). O resultado dessas transformações refletiu-
35
se na expansão do ‘desemprego estrutural’ que atingiu o mundo em escala global.
Aumentando o trabalho precário, a alta rotatividade e os baixos salários.
A evolução do desemprego teve resultado em um grande contingente de
trabalhadores marginalizados da atividade produtiva, com grande desperdício da força de
trabalho, e aumentando de forma perversa a exclusão social. “Estar desempregado priva o
indivíduo do seu principal meio de sobrevivência na sociedade moderna. E pode até
comprometer sua identidade como trabalhador pertencente a uma categoria ocupacional e
membro de uma classe social” (DIEESE, 2001, p. 53).
No Brasil, a década de 90 pode ser definida como um divisor de águas nas
trajetórias dos indicadores da situação de trabalho. O projeto de um estado que assegure aos
cidadãos o bem-estar-social difundido no pós-guerra e que deveria cumprir a tarefa para alem
do controle e regulação da economia não estrutura uma rede de segurança do trabalho.
O crescimento econômico e dos postos de trabalho permitiram um
processo continuo de mobilidade social que ampliava as perspectivas dos
trabalhadores, principalmente dos jovens. O jovem podia esperar que sua
inserção no mercado de trabalho se daria em condições mais favoráveis que
a de seus pais, oriundos do mundo rural e das regiões economicamente
descobertas do país (DIESSE, 2001, p. 12).
Para Marcio Pochmann (2001) as políticas neoliberais empreendidas no início dos
anos 90, consolidaram o mito de que o esvaziamento do papel do Estado levaria ao
crescimento econômico sustentado e à expansão do nível do emprego.
[...] após cinco décadas de ampla manifestação de um padrão de
intervenção do Estado favorável ao crescimento econômico e ao emprego,
observou-se, a partir de 1990, a adoção de um novo modelo econômico que
resultou pouco positivo para a economia e para o trabalho no Brasil. Não
apenas o desemprego assumiu volume sem paralelo histórico nacional,
como o rendimento do trabalho alcançou uma das mais baixas participações
na renda nacional. Ao mesmo tempo, o novo modelo econômico terminou
por não recolocar a economia nacional no curso do desenvolvimento
sustentado, tendo, por isso mesmo, levado o país a registrar a pior década
quanto à variação do Produto Interno Bruto e todo o século
XX(POCHMANN, 2001, p. 11).
A partir do Governo Collor de Mello, o desemprego iniciou uma trajetória de
crescimento.
36
A permanência do desemprego elevado, acompanhado pelo
desemprego de longa duração, corrói a segurança no mercado de trabalho.
Os jovens perderam a expectativa de mobilidade social e os adultos, a
estabilidade em seus projetos de vida. Os efeitos desse processo sobre a crise
social são profundos: cresce a exclusão social, a miséria, a desesperança e a
marginalidade (DIEESE, 2001, p. 12).
O quadro de desemprego veio acompanhado de mudanças significativas no padrão
de uso e remuneração da força de trabalho, que se manifestou no avanço da
desregulamentação do mercado de trabalho, a flexibilização dos contratos de trabalho e das
legislações sociais e trabalhistas, a queda nas taxas de sindicalização e no número de greves e
que revelou um maior grau de autonomia das empresas” (POCHMANN, 2002, p. 34).
Na avaliação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos – DIEESE,
isso gera insegurança no emprego,
O que antes era um paradigma de relações de trabalho, o emprego por
tempo integral, de longa duração, protegido pela legislação trabalhista e
pelos contratos de trabalho acordados pelos sindicatos, passa, na década de
90, por um implacável ataque. Os vínculos vulneráveis vão aumentando sua
participação no mercado de trabalho. Crescem o assalariamento sem carteira
assinada, o trabalho de autônomos que operam em condições precárias, o
emprego doméstico, a ocupação de crianças e idosos. O núcleo protegido dos
empregos diminui e aumenta a margem dos vulneráveis (DIEESE, 2001, p.
12).
Pochmann(2002) apresenta um quadro que pode ser tomado como a síntese do
processo atual de estratégia de reestruturação capitalista:
37
Efeitos Características Conteúdo
Emprego Outros
Conduta
empresarial
Desverticalização da
produção, focalização
em atividades
competitivas e
lançamentos de novos
e diversificados
produtos.
Redução do emprego
direto e maior
subcontratação de
trabalhadores
Produtividade
aumenta.
Investimento em
tecnologia
Mudanças da base
técnica de produção
Redução do emprego
direto na produção
Produtividade e
qualidade aumentam.
Novas relações de
produção
Alteração da
organização da
produção (
just in time,
lay aut,
logística,
redução do tamanho
da planta, terceirização
e parcerias com
fornecedores).
Redução do emprego
no controle de
qualidade, na
manutenção, na
administração e
controle de estoques,
entre outros.
Rapidez nas decisões
sobre o que e quanto
produzir.
Novas formas de
gestão dos recursos
humanos
Alteração da
organização interna do
trabalho, com redução
de hierarquia, trabalho
em
ilhas
, trabalho mais
qualificado nas
atividades secundárias.
Redução do emprego
nos segmentos
administrativos e de
supervisão
Maior treinamento dos
empregados, eventual
estabilidade e alteração
na jornada no trabalho,
informalização do
trabalho nos postos
secundários.
Mudanças no
sistema de relações
de trabalho
Formas participativas
nas decisões
empresariais, com
incentivos monetários
de acordo com meta
de produção,
negociação
descentralizada para o
núcleo estável dos
empregados, tendo a
remuneração nos
postos secundários a
referência no salário
mínimo e a perda de
vantagens sociais.
Redução do emprego
regular nas atividades
secundárias
(segurança,
alimentação,
transporte, limpeza,
entre outras).
Maior disciplina e
eficiência no trabalho,
com crescimento do
espírito de corpo dos
funcionários.
Fonte: POCHMANN, 2002. p. 35-36.
Por conseguinte, as principais características do processo de reestruturação capitalista,
estão diretamente relacionadas aos ganhos de produtividade e de competitividade e à redução
do emprego. Por isso, “[...] postos tradicionais são eliminados por força dos investimentos em
novas tecnologias, na racionalização das técnicas de produção e em novas formas de gestão
dos recursos humanos” (POCHMANN, 2002, p. 36).
38
Para Deluiz (1999) no cenário de crescente globalização é possível caracterizar as
transformações em curso na esfera produtiva com os seguintes aspectos:
[...] as grandes empresas vão sendo substituídas por outras de porte
menor e com produtividade maior ou equivalente; a produção se daria
baseada em trabalhadores polivalentes/flexíveis que, de posse de ferramentas
flexíveis, teriam como resultado de seu trabalho um produto flexível; a
parcela de trabalho fora do foco principal da empresa passa a ser
subcontratada e outras empresas (ou terceirizadas); o setor industrial perde
sua centralidade para o setor de serviços e a flexibilização produtiva é
seguida, de perto, pelo aumento do espaço da informalidade nos contratos de
trabalho (SOUZA, SANTANA & DELUIZ, 1999, p.35-36).
O setor metalúrgico foi, sem sombra de dúvidas, um dos mais atingidos no que se
refere à perda dos empregos. O processo da reestruturação produtiva, aliado a abertura da
economia no início de 1990, foi decisivo para que isso acontecesse. Segundo dados do
Ministério do Trabalho, divulgado através da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e
do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, de 1985 a 1993 houve uma queda no
nível de emprego de 17,24%, em 2001 havia reduzido em mais de 27,4%. No total, durante
todo o período, mesmo que em alguns momentos tenha apresentado crescimento, a queda do
emprego metalúrgico foi de 38,1% de 1985 a 2002. “Se compararmos com o melhor ano, o de
1987, quando o emprego chegou a 2,8 milhões de trabalhadores metalúrgicos a queda no
emprego metalúrgico foi de 52,4%” (CNM/CUT, 2004, p. 14).
É importante perceber que as mudanças do cenário econômico no início dos anos 90
trouxeram uma regressão do setor de bens de capital, sendo as máquinas e equipamentos
utilizados na cadeia produtiva providos crescentemente através de importações. “Alguns
setores do governo admitem que o impacto da recente política de investimento e
competitividade para o setor de bens de capital mantém-se como uma incógnita, o que reflete
um descaso para com este setor que se configurou num dos alicerces do processo de
desenvolvimento econômico nacional, tendo se destacado tanto em termos tecnológicos como
de remuneração e qualificação da mão-de-obra” (CNM/CUT, 2004, p. 49).
39
O gráfico acima mostra a oscilação do emprego no setor metalúrgico dos anos de 1995
a 2007. Percebemos que no final dos anos 90 o setor apresentava queda acentuada em relação
ao emprego, e a partir de 2001 um reaquecimento dos postos de trabalho. Em 2007 chegou
a superar todos os períodos anteriores, é provável que isso tenha acontecido em função da
retomada do crescimento econômico e de algumas políticas de desenvolvimento que estavam
sendo adotadas pelo governo federal.
2.2 O MOVIMENTO SINDICAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO
TRABALHO.
Na greve de 1979, era presidente o general João Figueiredo. Era
ditadura e sempre vinha a política. Em São Bernardo do Campo, a prefeitura
liberou o estádio na Vila Euclides para as assembléias, porque na rua polícia
não deixava. Mas depois o estádio também foi fechado e as reuniões
passaram para a igreja, lá em São Bernardo. O bispo liberou a igreja. Do
lado de fora, ficava a tropa de choque. Anésio de Oliveira (Memórias do
Trabalho CNM/CUT & Museu da Pessoa, 1999, p.91).
As transformações que acontecem no mundo do trabalho têm impactado o movimento
sindical. Para Souza (1999)
40
[...] as empresas mudaram sua forma de organização ou foram
substituídas por outras de porte menor com produtividade equivalente ou
maior, a produção passou a ser baseada em trabalhadores
polivalentes/flexíveis que, de posse de ferramentas flexíveis, teriam como
resultado de seu trabalho um produto flexível; a parcela do trabalho fora do
foco principal da empresa passa a ser subcontratada a outras empresas (ou
terceirizadas); o setor industrial perde sua centralidade para o setor de
serviços e a flexibilização produtiva é seguida de perto, pelo aumento do
espaço da informalidade nos contratos de trabalho (SOUZA; SANTANA &
DELUIZ, 1999, p. 36).
Isso foi gerando aos sindicatos poucas possibilidades de ação, uma vez que os mesmos
não conseguiram se desvencilhar de uma realidade marcada pelo grande porte, pela
exterioridade às empresas, pela rigidez e pelo enfrentamento direto. No Brasil dos anos 80, o
‘sindicalismo brasileiro andou no contrafluxo da crise, conseguindo apresentar altos índices
mobilizatórios, não logrou manter o ímpeto na década seguinte’ (SOUZA; SANTANA &
DELUIZ, 1999, p.36).
O quadro acima mostra que na região do ABC paulista, das históricas greves do final
do ano 79 e inicio dos anos 80 teve uma queda acentuada de trabalhadores, principalmente
após 1993, ao mesmo tempo a taxa de sindicalização naquela região manteve-se relativamente
estável e com alguns momentos de crescimento. Obviamente esses dados não se repetem em
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Ano 1984 1986 1989 1993 1995 1998
anos
%
Trab x1000
Sind x1000
Taxa Sind (%)
Fonte: metalúrgicos do ABC – número de trabalhadores x sindicalizados – Informações FIPE, n. 243, dezembro de
2000.
41
outras regiões do Brasil. Algumas empresas, principalmente da montagem de automóveis,
saíram de São Paulo e se instalaram em outras regiões do Brasil, estabelecendo com isso outra
perspectiva para a ação sindical.
Pochmann (2007) publicou em agosto de 2007 uma pesquisa que traz na primeira
parte a trajetória da sindicalização no Brasil. O autor destaca que a atuação sindical no Brasil
foi representada por três fases bem distintas. A primeira transcorreu ainda quando o País não
possuía efetivamente uma classe operária, tendo a maior parte da população trabalhadora
comprometida com as atividades agropecuárias. Essa fase durou até a década de 1930,
prevalecendo “a organização sindical livre, sem intervenção do Estado, com sedes
modestíssimas e atuação marcada pela forte combatividade em algumas categorias
profissionais”.
Em 1920, por exemplo, 51% do total dos operários industriais do País
(275,5 mil trabalhadores) localizavam-se no Rio de Janeiro e São Paulo.
Esses dois mercados regionais de trabalho eram bem diversificados, com
prevalência de operariado mais nacionalizado (ex-escravos e brancos
nascidos no Brasil) no Rio de Janeiro e a predominância de mão-de-obra
imigrante em São Paulo, o que ocasionava diversidade de orientações
políticas e ideológicas (POCHMANN, 2007 p. 6).
A segunda fase de atuação sindical deu-se durante a década de 1930 e 1950, quando o
País deixava de ser uma grande ‘fazenda produtora de bens primários’ para se converter numa
economia urbano e industrial. “Com o desenvolvimento do capitalismo industrial, ganhou
dimensão a classe operária nacional (com restrições legais à imigração de mão-de-obra),
circunscrita a pequenas empresas e organizada por sindicatos oficiais (reconhecidos pelo
Estado), cuja base política de maior expressão era corporativa na defesa dos direitos sociais e
trabalhistas” (POCHMANN, 2007, p. 6).
a terceira fase da atuação sindical fundamentou-se a partir do Plano de Metas do
Presidente JK (1956/60), neste período a principal característica foi a de instalação de grandes
empresas privadas, e o Brasil apresentar uma forte expansão na sua economia. “Ao mesmo
tempo em que o mercado de trabalho alcançava a dimensão nacional, avançou a estruturação
do trabalho, com novas demandas, cada vez mais evidenciadas pelo chamado novo
sindicalismo urbano, com aumento significativo no seu poder de barganha no interior das
42
grandes empresas estatais e privadas que se difundiram pelo País, especialmente nas regiões
Sul e Sudeste” (POCHMANN, 2007, p. 7).
No Brasil, mesmo no período da ruptura democrática (pós-64), prevaleceu a
continuidade no aumento da sindicalização. Para Pochmann, isso continuou acontecendo
movido principalmente “pela ampliação significativa de números de sindicatos e
sindicalizados por força da generalização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o
meio rural e da expansão da prestação de serviços aos trabalhadores associados”. O Gráfico
abaixo mostra a evolução na taxa geral de sindicalização (% do total da ocupação). Podemos
perceber que da década de 1960 até a década de 2000 o percentual de sindicalizados saiu dos
4% e passou para aproximadamente 17%.
Por fim, a terceira fase de atuação do movimento sindical no Brasil chegou na década
de 80 com significativo crescimento na taxa geral de sindicalização. O que permitiu, na
avaliação de Pochmann (2007) “alcançar uma das maiores adesões relativas de trabalhadores
de toda a sua história. Com a constituição Federal de 1988, os sindicatos obtiveram maiores
liberdades formais, incluindo, inclusive, a possibilidade de sindicalização na administração
pública, o que favoreceu a maior expansão do associativismo no meio urbano”
(POCHMANN, 2007, p. 11).
Fonte: Pesquisa de Entidades Sindicais, IBGE (Pochmann, 2007, p. 10.);
43
Assim sendo, o Novo Sindicalismo registra uma das maiores taxas de adesão dos
trabalhadores de todo o século 20. “Entre 1979 e 1989, por exemplo, a taxa de sindicalização
foi crescente, chegando a atingir quase um a cada três trabalhadores ocupados em todo o
país”. Nos anos de 1989 e 1999, a taxa de sindicalização caiu significativamente. A redução
da filiação do conjunto dos ocupados sindicalizados foi de 42,5%. O novo sindicalismo foi
perdendo importância relativa ao que havia obtido na representação do conjunto dos
interesses do mundo do trabalho.
Com a adoção de políticas neoliberais se tornou comum a
convergência em torno da adoção de medidas de natureza anti-labor,
conforme definição da literatura especializada. Em geral, tratou-se de um
conjunto de políticas mais favoráveis à estabilização monetária e à
liberalização e flexibilização do trabalho, como tentativa de socializar os
riscos de produção e estimular tanto o investimento privado e como o
controle das finanças públicas (revisão do papel do estado) (POCHMANN,
2007, p. 12).
Como podemos observar no quadro a taxa de sindicalização no Brasil caiu quase 18%
nos anos de 1992 e 2002. Tal queda foi acompanhada em outros países: no Japão (-14,5%), na
Coréia do Sul (-9,6%), em Taiwan (-8,5%), na Suécia (-8,5%) e nos Estados Unidos (-5,0).
Neste mesmo período Cingapura registrou a maior elevação na taxa de sindicalização
(77,0%), seguida da China (29,8%), Noruega (13,8%) e Finlândia. (POCHMANN, 2007, p.
13).
Fonte: OIT, DIEESE, IBGE. Pochmann, 2007, p. 13
44
Rodrigues (1998) aponta alguns elementos que poderiam ser as causas dos fatores
associados à queda nos índices de sindicalização nos principais países da Organização para
Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCED) e da América do Norte. Dentre esses
fatores Rodrigues destaca as mudanças na estrutura dos empregos, provocados pelo avanço
tecnológico e pela automação; fatores políticos como a existência maior de governos
conservadores do que governos social-democratas e trabalhistas, que tendem a uma maior
aproximação dos sindicatos; a natureza da organização sindical (sindicatos mais centralizados,
por exemplo); e como fatores ideológicos o fim dos regimes socialistas do Leste Europeu,
derrotas eleitorais dos partidos de esquerda na década de 80, avanços das concepções liberais
e individualistas e hostilidade de parte importante da opinião pública ao poder dos lideres
sindicais, etc. (RODRIGUES, 1998, p. 2).
no Brasil, Costa (2005) comenta que o sindicalismo vem passando por uma série de
dificuldades. Algumas das razões dessas dificuldades, segundo Costa, se assemelham ao que
Rodrigues aponta anteriormente. Costa destaca: “(a) às transformações do processo produtivo,
que foram observadas de forma mais significativa a partir dos anos de 1990; b) às questões
macroeconômicas de inflação – e dos vários planos de estabilização durante a década de 1980
e a primeira metade da de 1990 do pagamento da dívida externa, das elevadas taxas de
juros, da distribuição de renda, etc. e c) às questões políticas de repressão, corrupção e
outras” (COSTA, 2005 p. 5).
Ainda de acordo com Costa (2005),
A ação sindical brasileira passou por um momento de grande exclusão
da política e dos locais de trabalho durante o período do regime militar,
tendo pouco espaço para apresentar reivindicações formais. Porém, em finais
da década de 1970, surgiu uma nova fase na ação sindical no país, com o
denominado ‘Novo Sindicalismo’, contrariando a tendência internacional. ...
Desta forma o ‘Novo Sindicalismo’, no Brasil, foi uma resposta e uma
oposição ao sindicato populista e burocrático vigente na época. Assim, foi a
partir do final dos anos de 1970 que grande parte dos sindicatos conseguiu
recuperar seus espaços no cenário político nacional, sendo que verificou-se
um crescimento na taxa de sindicalização, no número de greves e na maior
presença dos sindicatos na vida nacional (COSTA, 2005, p. 6).
Se por um lado houve uma tendência de queda na taxa de sindicalização, por outro
aumentou o número de sindicatos. Desde a década de 80, observa-se um crescimento no
número de sindicatos no país, “entre 1988 e 1992, a taxa de crescimento médio anual no
45
número de sindicatos no país foi de 5,3% e, entre 1992 e 2001, essa taxa foi de cerca de 4%,
sendo que o número de sindicatos no Brasil passou de 11.193, em 1992, para 15.961 em 2001,
com expressiva importância para o crescimento de sindicatos de trabalhadores autônomos”
(COSTA, 2005, p. 7).
As resoluções da 7ª Plenária Nacional da CUT realizadas em setembro de 1995,
apontam os problemas enfrentados pelo movimento sindical. De acordo com a CUT:
Estamos neste momento diante de uma importante encruzilhada
quanto ao novo modelo sindical. Por um lado, vivemos com uma estrutura
sindical arcaica, corporativista e baseada no modelo fascista da unicidade,
das taxas compulsórias, das datas bases, do poder normativo da Justiça do
Trabalho (que quase sempre julga contra o interesse dos trabalhadores) etc.;
e por outro, enfrentando as transformações no mundo do trabalho, com
novas formas de gerenciamento, terceirização, globalização da economia,
privatização do Estado, inovações tecnológicas, etc. (CUT, 1995).
Com isso aconteceram mudanças no mercado de trabalho que têm provocado “a
diferenciação entre os trabalhadores com a criação de um núcleo mais estável de
trabalhadores multiqualificados, responsáveis pela condução da produção nas novas empresas
e a desqualificação profissional de um contingente expressivo de trabalhadores” (CUT, 1995).
Na avaliação da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, uma das repercussões da
reestruturação produtiva foi o processo de cooptação dos trabalhadores, sendo adotadas pela
empresa ações como: maior envolvimento dos trabalhadores no processo produtivo; maior
autonomia dos trabalhadores, muitas vezes realizando tarefas antes desempenhadas por
chefias; adoção crescente de programas de qualidade total; iniciativas no sentido de dar ao
trabalhador maior visibilidade de aspectos relativos à concorrência e maior preocupação com
a requalificação do trabalhador para sua adaptação ao novo processo produtivo. Para a
CNM/CUT-DIEESE (1998) “[...] muitas dessas iniciativas estimulam a concorrência entre os
próprios trabalhadores levando à fragmentação da categoria e dificultando a organização nos
locais de trabalho. [...] a crescente rotatividade da força de trabalho, a redução dos salários e a
presença crescente de doenças ocupacionais” (CNM/CUT-DIEESE, 1998, p. 9).
Como possibilidade de reação do movimento sindical, a CNM/CUT apontou em
1998 a necessidade de pensar uma nova organização sindical “que busque reduzir o
46
distanciamento entre os dirigentes sindicais, a categoria, o chão-da-fábrica e a comunidade e
que resolva o problema da atual fragilidade de grande parte dos sindicatos”.
Segundo Ricardo Antunes:
O entendimento dos elementos constitutivos essenciais dessa crise é
de grande complexidade, uma vez que nesse mesmo período ocorreram
mutações intensas, econômicas, sociais, políticas, ideológicas, com fortes
repercussões no ideário, na subjetividade e nos valores constitutivos da
classe-que-vive-do-trabalho, mutações de ordens diversas e que no seu
conjunto, tiveram forte impacto (ANTUNES, 2000, p.35).
Os sinais de uma nova fase começam a ser observados nos anos 90. Para Nadya
Guimarães (2004):
As mudanças na política econômica (com rápida abertura comercial
num contexto de crise de crescimento e retração do mercado interno), ao
lado da redefinição na forma de intervenção do Estado (menos proteção a
partir de mecanismos regulatórios diversos, em especial fiscais e
financeiros), obrigaram as empresas a reorientar seus objetivos e estratégias.
Destacam-se as múltiplas medidas de contenção de custos, conducentes a
concentrar esforços na renovação de práticas organizacionais, na adoção de
novas formas de gestão da mão-de-obra, que lograssem compatibilizar as
medidas de redução de efetivos e de flexibilização do trabalho com as
necessidades de envolvimento dos trabalhadores num contexto mais
competitivo e regido por novas formas (econômicas e políticas) de regulação
da ação (sindical e empresarial) (GUIMARÃES, 2004, pág. 62).
Resultou na aceleração da difusão de programas de qualidade e produtividade,
alterando o discurso empresarial.
[...] passou a dirigir-se, com insistência, para novos temas, tais como:
a qualificação da mão-de-obra, a simplificação das estruturas de cargos e de
salários e a diminuição dos níveis hierárquicos, a obtenção do compromisso
ativo dos trabalhadores. Por isso mesmo, as políticas abertamente
autoritárias de relacionamento com os operários passaram a ser desafiadas
pela necessidade de interpelar o trabalhador individual, assegurando o seu
compromisso ativo, de modo a introduzir formas menos conflituosas de
gerenciamento do trabalho (GUIMARÃES, 2004, p. 62).
47
Como foi visto no item 3.1, a referida crise permitiu que fosse implementado um
amplo processo de reestruturação do capital, com o objetivo de recuperar o ciclo reprodutivo,
influenciando diretamente o mundo do trabalho.
Os sindicatos então:
[...] foram forçados a assumir uma ação cada vez mais defensiva, cada
vez mais atada à imediatidade, Gradativamente foram abandonando seus
traços anticapitalistas, visando a preservar a jornada de trabalho
regulamentada, os demais direitos sociais já conquistados e, quanto a
‘revolução técnica’ do capital avançava, lutavam para manter o mais
elementar e defensivo dos direitos da classe trabalhadora, sem os quais sua
sobrevivência está ameaçada: o direito ao trabalho, ao emprego (ANTUNES,
2003, p. 150).
A redução da representatividade sindical no mundo do trabalho aconteceu também em
função de o movimento sindical não ter conseguido incorporar outros segmentos não estáveis
da força de trabalho. “Houve, na década de 80, redução do número de greves em vários países
do centro. Aumentaram os casos de corporativismo, xenofobia, racismo, no seio da própria
classe trabalhadora” (ANTUNES, 2003, p. 152).
Nos dias 29 e 30 de abril de 1999 a Escola Sindical da CUT de São Paulo organizou
um encontro chamado “A crise Brasileira no final do Século XX – Perspectiva para o
Movimento Sindical”. A análise que o movimento sindical fez da crise que ele enfrentara,
apontou para a necessidade de mudanças na forma e na maneira de atuar. Essa avaliação
mostrou a necessidade de mudar a forma de atuar e de representar os trabalhadores, não
bastando mais o movimento sindical representar apenas os trabalhadores que estão
empregados com carteira assinada, mas também avançar para a representatividade dos que
estão à margem. Paul Singer (1999) destaca que:
Os sindicatos têm que mudar sua identidade, os sindicatos têm que
mudar a quem representam tradicionalmente, isso vem desde a legalização
dos sindicatos em 1932. Os sindicatos representam trabalhadores com
carteira assinada. [...] Quando o companheiro perde o emprego,
automaticamente ele perde a condição de membro do sindicato, isso é
dramático. Não foi ele que quis sair [...] O fato de ele ter deixado de ser
assalariado não o transforma em um não metalúrgico, em um não tecelão,
em um não bancário, e assim por diante, nós temos que romper com a ficção
48
legal de que o sindicato é uma associação que representa trabalhador com
uma situação regular (SINGER, 1999, p. 64).
Presente no mesmo seminário, Iram Jácome Rodrigues ressalta que:
O processo de reorganização da produção que tem se desenvolvido
nas últimas duas décadas colocou em xeque, de certa maneira, o sindicato,
atingindo de modo indiscriminado a organização coletiva dos trabalhadores e
mudando significativamente a correlação de forças entre capital e trabalho.
As mudanças no perfil do mercado de trabalho, o aumento do desemprego e
a desregulamentação das relações de trabalho são fatores que têm levado à
diminuição da eficácia da ação sindical nos países centrais. Esta dinâmica
também está presente nos países em desenvolvimento, em particular
naqueles que adotaram políticas de ajuste econômico, abertura do mercado
etc. (RODRIGUES, 1999, p. 74).
O Movimento Sindical apresentou os primeiros sinais de uma transição que poderia,
na avaliação de Guimarães (2004), levá-lo da “antiga postura de resistência incondicional
que caracterizou a prática sindical no início do processo de modernização industrial, inspirada
no sentido confrontacional que identificou o ‘novo sindicalismo’ para posições mais afeitas à
negociação e à contratação das condições de introdução das inovações” (GUIMARÃES,
2004, p.64). Com isso, Guimarães destaca acerca do Movimento Sindical:
[...] amadurecera e, mais do que isto, legitimara uma reflexão própria,
construída e difundida a partir de instituições não-acadêmicas que se
consolidaria ao longo do tempo. [...] o campo do conhecimento sobre o
trabalho passava a conter mais de um produtor de discurso legítimo. As
instituições e atores do movimento sindical haviam passado a produzir um
discurso analítico sólido, que os qualificava como intérpretes; seus porta-
vozes podem agora interagir com a Sociologia academicamente sediada,
sendo finalmente por ela reconhecidos como parte de um mesmo campo
discursivo, e não apenas como seus ‘objetos’ (GUIMARÃES, 2004, p. 63-
64).
O 4º congresso dos metalúrgicos da CUT, realizado em junho de 1998, apontou
algumas questões sobre a necessidade de mudanças na estrutura e na organização sindical.
Tendo em vista fazer frente aos desafios de organização dos trabalhadores metalúrgicos. O
congresso ressaltou em sua análise que as mudanças em curso nas relações de trabalho, os
processos de reestruturação produtiva e a introdução de novas formas de gerenciamento
interferiram na formação da consciência dos trabalhadores. Destaca ainda que:
49
[...] as inovações técnicas e organizativas, a exigência de uma
qualificação cada vez maior dos trabalhadores, a necessidade de negociação
permanente com cada empresa, impõem aos sindicatos um conhecimento
maior sobre o que ocorre dentro das fábricas; [...] independente de nossa
vontade ou da força organizativa dos trabalhadores, os processos de
reestruturação produtiva vêm alterando o tamanho das entidades sindicais;
[...] o modelo sindical imposto aos trabalhadores pela classe dominante
mais de 50 anos faz hoje parte da cultura, [...] essa cultura, compreende a
organização sindical como uma instituição que funciona fora dos locais de
trabalho; (CNM/CUT, 1998
(a)
, p. 52).
Tendo como base a avaliação o Congresso dos Metalúrgicos da CUT, a mesma
aponta para a necessidade de transformar a estrutura organizativa e buscar interferir na cultura
sindical imposta aos trabalhadores. Para a nova direção da CNM/CUT ficaria o desafio de
“superar a idéia do sindicato de porta de fábrica e transformar no sindicato de dentro das
fábricas”. A proposta dos metalúrgicos da CUT foi além e propôs uma concepção de estrutura
sindical que considerasse as Federações e os Sindicatos filiados em uma única organização
nacional dos metalúrgicos da CUT (CNM/CUT, 1998, p. 53).
O referido Congresso chegou a propor as mudanças nos Estatutos da CNM/CUT e
propôs em seu planejamento a realização, dentro de seis meses, de um seminário após o
congresso, com o tema “Organização sindical dos metalúrgicos da CUT”. Com isso as
federações estaduais se transformariam em Confederações estaduais.
Para os metalúrgicos da CUT essa proposta colocaria a CNM/CUT
[...] na ofensiva para transformar não apenas a sua estrutura
organizativa, mas acima de tudo buscará interferir na cultura sindical
imposta aos trabalhadores há mais de meio século. Queremos superar a idéia
do sindicato de porta de fábrica e nos transformar no sindicato de dentro das
fábricas. Para isso, os metalúrgicos da CUT não ficarão na defensiva das
iniciativas do governo e de seus aliados do movimento sindical, defensores
da política neoliberal, e nem tão pouco daqueles que, em nome da
preservação de uma pseudo unidade dos trabalhadores, camuflam uma
posição autoritária e conservadora [...] (CNM/CUT, 1998
(a)
, p. 53).
Outro item aprovado dizia respeito à constituição dos Comitês Sindicais de Base.
Esses comitês tinham a intenção de levar o sindicato “para dentro das empresas”, isso
significava:
50
[...] estabelecer no chão das fábricas as instâncias organizativas do
sindicato. Hoje, as direções dos sindicatos contam muitas vezes com dois ou
mais diretores dentro de uma mesma empresa. No entanto, estes não atuam
enquanto instância do sindicato; são individualmente apenas diretores do
sindicato dentro da empresa. Para constituirmos instâncias organizativas do
sindicato dentro da fábrica, necessitamos muito mais de vontade política de
nossa parte do que uma legislação que regulamente a forma de representação
sindical no ambiente do trabalho. Para a CNM/CUT, a responsabilidade de
regular a forma de organizar a representação dos sindicatos dentro da fábrica
ou fora da fábrica é tarefa das organizações sindicais (CNM/CUT, 1998
(a)
, p.
56).
Apesar do esforço da nova direção, em encaminhar as deliberações desse congresso na
prática, tal tarefa tornou-se inviável e não se concretizou. A razão disso esteve vinculada às
divergências internas, pois na direção eleita nem todos os grupos concordavam com tais
encaminhamentos e acarretou que a mudança, amplamente discutida, e que tinha a intenção de
reorganizar a estrutura sindical dos metalúrgicos não aconteceu. Pode-se perceber também
que as deliberações dos metalúrgicos da CUT estiveram centradas a partir da organização dos
metalúrgicos da região do ABC em São Paulo e que talvez não tenha considerado as
especificidades locais e regionais dos diferentes espaços e formas de organização sindical no
Brasil.
Desse modo, o movimento sindical metalúrgico tentou buscar alternativas para uma
nova fase de organização e enfrentamento ao processo de Reestruturação Produtiva
vivenciado no Brasil, mas encontrou problemas internos (diferentes grupos e tendências que
compõem a organização dos metalúrgicos) e externos (relação com as empresas metalúrgicas
e com o próprio estado) que dificultaram a realização das propostas.
51
3 EDUCAÇÃO PARA OS TRABALHADORES NOVOS COMPONENTES
QUALIFICACIONAIS
Terminei o curso primário em 1943. Eu não tinha idade para entrar em
fábrica. Eles pegavam com 14 anos. eu cismei que queria aprender a
ser torneiro mecânico. Eu nem sabia o que era isso. Minha mãe me
matriculou na Júlio de Mesquista, em Santo André, uma escola industrial.
Foi meio no sacrifício, mas terminei o curso da escola profissional. Começou
assim. A profissão que eu arrumei? Torneiro mecânico. Anésio de Oliveira,
1930 (Depoimento sobre profissões em extinção. Memórias do Trabalho.
CNM/CUT e Museu da Pessoa, São Paulo, 1999, p. 21).
As transformações que aconteceram no mundo do trabalho, principalmente nas últimas
décadas, tornaram as relações, entre o trabalho e a educação, cada vez mais complexas. “Os
processos de internacionalização do capital que trazem em seu bojo a aplicação maciça da
ciência e da tecnologia aos processos produtivos, além de novas formas de gerenciamento da
força de trabalho, têm afetado toda a sociedade e, de modo especial, os trabalhadores”
(DONALDO; SANTANA & DELUIZ, 1999, p. 19).
Assim o movimento sindical, principalmente através das Centrais Sindicais, ampliou o
debate sobre as mudanças no mundo do trabalho e os impactos sobre as próprias condições de
trabalho, de sociabilidade dos trabalhadores e da organização sindical.
Compreender essas transformações e principalmente buscar a relação com a educação
dos trabalhadores parece-me fundamental para o entendimento das razões que levaram o
movimento sindical a desenvolver programas de educação profissional no Brasil. Portanto,
intenciono agora resgatar alguns aspectos que considero relevantes na trajetória da educação
profissional para os trabalhadores, quer seja na ótica do capital como, principalmente, na do
trabalho.
52
3.1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL – DO ESTADO NOVO AOS ANOS 90
Até 1930, no Brasil, a educação escolar da classe trabalhadora não tinha muito
significado para a constituição da sociedade, por isso foi tratada de forma desorganizada e
assistemática. Fundamentava-se numa concepção que “outorgava a este tipo de ensino um
caráter eminentemente assistencial em função da conotação negativa atribuída ao trabalho
manual, considerado uma atividade degradante, relacionada à pobreza e à escravidão”
(SOUZA, 2002, p. 03).
O governo de Getúlio Vargas, instituído pela Revolução de 1930, não tinha
propriamente um projeto educacional para ser desenvolvido.
O Governo instituído pela Revolução de 1930 o tinha propriamente
um projeto educacional a ser desenvolvido. Poucas e fragmentadas eram as
referências, no seu programa, à questão educacional e à formação da força
de trabalho. O ensino secundário e o superior, segmentos do aparelho escolar
destinado à educação das elites, merecem todo um item da plataforma. [...] A
Educação aparecia, também, no item referente à ‘questão social’. Dizia-se aí
que o proletariado urbano e rural necessitava de ‘dispositivos tutelares’,
entre os quais a educação e a instrução, particularmente as ministradas pelas
escolas técnico-industriais e agrárias (CUNHA, 2000, p. 18).
Na avaliação de Cunha (2000) a ‘ausência’ de um projeto educacional articulado não
constituía necessariamente uma omissão do governo de Vargas. O programa da Aliança
Liberal foi aplicado pelo governo provisório. Ao mesmo tempo em que o Estado incorporou
as reivindicações dos trabalhadores como: salário mínimo, férias remuneradas, limitação da
jornada de trabalho, limitação da exploração da força de trabalho feminina e infantil, entre
outras, estabeleceu os ‘dispositivos tutelares’ destinados a controlar a atuação política dos
sindicatos dos trabalhadores
(CUNHA, 2000, p. 18).
A substituição do modelo agroexportador pelo modelo de industrialização foi realizada
com pesados investimentos públicos na criação da infra-estrutura necessária para o parque
industrial brasileiro.
53
Para Manfredi (2002) a política educacional no Estado Novo ‘legitimou a separação
entre o trabalho manual e o intelectual’ com isso foi ressaltada a sintonia entre a divisão social
do trabalho e a estrutura escolar. “Um ensino secundário destinado às elites condutoras e os
ramos profissionais do ensino médio destinado às classes menos favorecidas. Outra
característica desse período é o papel central do Estado como agente de desenvolvimento
econômico” (MANFREDI, 2002, p. 95). Os sindicatos no período de 1935 a 1942 foram
silenciados pela repressão.
Nos anos 20 e em toda a década de 30 houve importantes mudanças nos destinatários
do ensino profissional no Brasil. Com a industrialização e o surgimento das maquinarias nas
manufaturas surgiu a necessidade de operários qualificados. A alternativa inicial foi a de
buscá-los no exterior, solução que acarretaria alguns inconvenientes.
Primeiro, os operários contratados não formavam seus substitutos
locais, guardando para si o monopólio da operação das máquinas, o que
aumentava seu preço. Segundo, era comum eles trazerem para práticas e
idéias consideradas atentatórias à ordem estabelecida, como a paralisação da
produção para pressionar os patrões pela melhoria dos salários e das
condições de trabalho e até mesmo a organização sindical. Para evitar esses
inconvenientes, começou a surgir toda uma ideologia de valorização do
trabalho ‘do elemento nacional’, cuja propalada inaptidão e inconstância
não era vista como natural, senão como resultado da falta de oportunidades
(CUNHA, 2000, p. 06).
Até dezembro de 1941, a organização do ensino industrial no Brasil era muito
diferenciada e confusa. Para Cunha (2000), havia escolas de aprendizes artífices, mantidas
pelo Governo Federal, ensinando ofícios a menores que não trabalhavam, ao mesmo tempo
em que era ministrado o ensino primário. Seu rendimento era extremamente baixo, resultado
das precárias condições de vida dos alunos e de suas famílias. A evasão era alta e a qualidade
de ensino precária. Os Estados, além do Governo Federal,
[...] mantinham suas próprias escolas industriais com diretrizes e
critérios unificados em cada qual, mas distintos dos utilizados pela rede
federal. Instituições privadas (religiosas e laicas) mantinham também escolas
de aprendizes artífices enfatizando, mais do que as governamentais, seu
papel assistencial. As Forças Armadas, por sua vez, tinham suas próprias
instituições de ensino de ofícios, diferindo de todas as demais, instaladas
junto a fábrica de material bélico e estaleiros (CUNHA, 2000, p. 35).
54
Em 1941 foi concluído o anteprojeto de lei orgânica do ensino industrial, cuja resultou
de uma composição dos vários interesses conflitantes do Ministério do Trabalho e do
Ministério da Educação.
Havia neste momento três grandes ambições. A maior era a criação de
um amplo sistema de educação profissional, que não se diferenciasse das
outras formas de educação secundária a o ser pelas diferentes "vocações"
dos estudantes, a serem descobertas pelos sistemas de seleção e orientação
profissional. Este sistema deveria ser coroado pela regulamentação dos
direitos e deveres de cada uma das profissões, dando à sociedade uma
estrutura corporativa perfeitamente ajustada e coordenada. Na prática, a
educação profissional continuou sendo uma educação para as classes baixas,
e a regulamentação das profissões técnicas não foi conseguida. A segunda
ambição era colocar todo o sistema sob a tutela do Ministério da Educação e
Saúde. Aqui, o Ministério do Trabalho e a Federação das Indústrias se
mostraram mais fortes e conseguiram criar seu sistema de educação
profissional como achavam mais conveniente: de forma mais pragmática,
mais ajustada a seus interesses imediatos e livres da tutela ministerial. A
terceira, finalmente, era a da escola-modelo para a definição de padrões de
excelência, que fosse para o ensino industrial o que o Colégio Pedro II fora
para o secundário, e o que a Universidade do Brasil deveria ser para o
superior. Aqui, a ausência de uma tradição de ensino profissional anterior, a
não consideração dos processos reais de aprendizagem e a crença ingênua
nos efeitos dos grandes projetos são os responsáveis pelo fracasso
(SCHWARTZMAN; BOMENY & COSTA, 2000).
Prevaleceu a posição do Ministério da Educação a montagem do sistema de
aprendizagem industrial, “a lei orgânica acabou resultando de uma solução salomônica: a
aprendizagem foi apresentada como uma das modalidades, mas admitia, simultaneamente, seu
oferecimento por ‘serviços’. Por isso, a lei orgânica praticamente nada normalizou a respeito
da aprendizagem” (CUNHA, 2000, p. 36).
A lei orgânica do ensino industrial, através do decreto 4.078 de 30 de janeiro de 1942,
trazia como principal inovação, o deslocamento de todo o ensino profissional para o grau
médio, que “tinha a função principal de permitir que a própria escola primária selecionasse os
alunos mais ‘educáveis’”. O ensino primário passou a ter conteúdo exclusivamente geral
(CUNHA, 2000 p. 36).
As novas escolas industriais previam, para o ingresso dos alunos, a realização de
‘exames vestibulares’ e de testes de aptidão física e mental. Para Cunha (2002), ‘a pobreza
deixava de ser, então, critério suficiente para o aprendizado de um ofício, embora não
55
perdesse seu caráter necessário. A aptidão para um ofício, incluindo as atitudes
consideradas adequadas para o desempenho de uma atividade industrial qualquer, passava a
ser um fator prioritário na admissão’ (CUNHA, 2002, p. 36).
É importante conhecer que a lei orgânica estipulava que os empregadores seriam
obrigados a manter menores, ‘em regime de aprendizagem, naquela atividade cujo exercício
demandasse formação profissional’. Para Cunha (2000),
A aprendizagem deveria ser conduzida metodicamente, em escolas
mantidas pela indústria junto às oficinas ou nas suas proximidades, durante o
horário de trabalho e sem prejuízo do salário. Sua duração seria de um a
quatro anos, abrangendo disciplinas de cultura geral e cultura técnica. Previa,
também, significativamente, a substituição dessas escolas de aprendizagem a
‘serviços’, numa alusão óbvia ao Senai (CUNHA, 2000, p. 37).
Em 20 de janeiro de 1942, através de decreto-lei, foi criado o Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial – SENAI. As atividades iniciaram em São Paulo. O SENAI é
financiado através da contribuição parafiscal de 1% sobre o total da folha de pagamento
mensal das empresas.
Desde sua fundação, o SENAI representa a principal agência nacional
de formação profissional, ministrando cursos regulares e livres, técnicos e de
especialização, em suas próprias escolas, em empresas e nos sindicatos.
Embora mantido com recursos públicos, sua gestão é de natureza privada.
Apenas as federações e confederações empresariais têm ingerência efetiva na
definição de suas políticas de formação e sua gestão administrativa (CNM
Rede Unitrabalho, 1999, p. 88).
A implantação do Sistema Senai foi muito rápida e conseguiu logo o reconhecimento
dos industriais e do governo, principalmente pela exigência conjuntural da Segunda Guerra
Mundial.
Muitos produtos manufaturados, antes importados, tiveram de ser
produzidos internamente, exigindo esforço sem precedente em projetos,
improvisação de equipamentos e formação de força de trabalho. Devido à
dificuldade de importação de componentes, a manutenção dos equipamentos
exigiu operários qualificados em quantidade crescentes. Máquinas
operatrizes foram especialmente produzidas para o ensino dos ofícios ligados
à mecânica; prédios foram construídos ou ocupados mediante cessão; séries
metódicas de ofícios foram elaboradas para as diversas especialidades;
instrutores foram recrutados na indústria (CUNHA, 2000, p. 55).
56
O Senai herdou a metodologia de ensino do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção
Profissional e desde o início de seu funcionamento as séries metódicas de ofício como sua
pedagogia.
Para Cunha (2000), as séries metódicas correspondiam a três razões a certas
exigências das circunstâncias da entidade, quando da sua criação.
Em primeiro lugar, o taylorismo. As séries metódicas permitiram a
delimitação de um oficio (ou parte dele) a ser ensinado, mas de forma que
ele fosse entendido como um conjunto de operações que poderiam ser
apreendidas separadamente. Assim, a divisão técnica do trabalho estava
associada diretamente e univocamente ao processo de aprendizagem. Em
segundo lugar, a necessidade de improvisação. Quando da sua criação, o
Senai (como, aliás, a maioria das entidades de ensino profissional na
primeira metade dos anos 40) não dispunha de um corpo de instrutores
conhecedores dos diversos ofícios que se pretendia ensinar. Em
conseqüência, impunha-se a improvisação de instrutores, para o que o
material didático deveria ser quase tão detalhado quanto o dos alunos-
aprendizes. Em terceiro lugar, a opção pela padronização. Sendo uma
entidade de âmbito nacional, mas administrada segundo padrões
federativos, o Senai logrou alcançar um alto grau de padronização dos
métodos de ensino [... ] (CUNHA, 2000, p. 66-67).
As oficinas de aprendizagem do Senai procuravam reproduzir as condições
encontradas nas empresas industriais: a disposição das máquinas e dos equipamentos, áreas de
circulação, cores, avisos, etc. Procuravam incutir no aprendiz uma atitude de responsabilidade
ante o posto de trabalho. Diz Cunha (2000) que:
[...] todo o pessoal do Senai, da direção até os instrutores, existe a
certeza de que a ordem, a disciplina e a responsabilidade pessoal são
condições indispensáveis para que a produção se a contento. E para que
essas condições existam, é necessária a existência da autoridade, isto é,
‘alguém que tem o direito de mandar e o poder de se fazer obedecer’. A
hierarquia de poder na empresa é apresentada como tendo a função de
propiciar que a organização atinja os objetivos com os melhores resultados.
O fato de um indivíduo ocupar um certo nível de poder na hierarquia quer
dizer que ele tem competência para isso (CUNHA, 2000, p. 75).
Cunha (2000) compreende que a relação conflituosa entre patrões e empregados foi
apresentada como resultante da existência de preconceito destes contra aqueles, pois ‘não
existe mau patrão, mas maus empregados, que a preocupação dos patrões é sempre com o
melhor resultado da produção, razão pela qual eles valorizarão e promoverão os que mais
57
contribuírem com esse objetivo, ou seja, o bom operário.’ Desse modo, o contraponto da
eficácia do curso de aprendizagem é o ‘enquadramento intelectual condiciona o aprendiz a se
limitar à reprodução de conhecimentos já elaborados, além do que conduz a uma acomodação
ao status de operário e de conformismo à ordem social’ (CUNHA, 2000, p. 75-76).
No final dos anos 60 e início dos 70, o Brasil foi marcado pela concepção de que a
‘educação deveria vincular-se aos planejamentos econômicos globais, que tivessem por meta
o desenvolvimento do capitalismo no país e sua inserção nas economias centrais’. A Teoria do
Capital Humano -TCH
4
responde ideologicamente a esta possibilidade e aspiração e constitui-
se como ‘referencial capaz de transformar a educação, de um lado, em determinante do
desenvolvimento econômico da nação e, de outro lado, em fator promotor da distribuição de
renda’ (FRIGOTO, 1984 apud, SOUZA; DELUIZ & SANTANA
,
1999, p. 62).
Segundo Saviani (2005), a Teoria do Capital Humano na década de 60 foi saudada
como a demonstração do ‘valor econômico da educação’. Desta forma a educação passou a
ser entendida como algo não meramente ornamental, um mero bem de consumo, mas como
algo decisivo do ponto de vista do desenvolvimento econômico, um bem de produção.
Em seguida, na década de 70, sob a influência da tendência crítico-
reprodutivista, surge a tentativa de empreender a crítica da ‘teoria do capital
humano’. Buscou-se, então, evidenciar que a subordinação da educação ao
desenvolvimento econômico significava torná-la funcional ao sistema
capitalista, isto é, colocá-la a serviço dos interesses da classe dominante: ao
qualificar a força de trabalho, o processo educativo concorria para o
incremento da produção da mais-valia, reforçando, em conseqüência, as
relações de exploração (SAVIANE, 2005, p.19).
Mateo Alaluf (1986) afirma que a teoria do capital humano considera a educação
escolar como um investimento produtivo e constituiu a base daquilo que se chama no presente
de economia da educação. Em conseqüência, os diferentes autores dessa teoria apontam as
seguintes hipóteses:
4
Para Fidalgo e Machado Capital Humano refere-se às habilidades, aptidões ou, resumidamente, à capacidade de
trabalho nos níveis teórico e prático que os indivíduos possuem e que, quando aplicadas ao processo de trabalho,
podem agregar mais valor ao produto final. Esta capacidade é desenvolvida em diferentes espaços ao longo da
vida, mas especialmente em espaços de educação, de formação profissional. (...) refere-se ao conjunto dos
investimentos realizados no sentido de desenvolver aquela capacidade, ou seja, são os investimentos feitos por
iniciativas do poder público ou diretamente do capital para elevar o vel de formação da mão de obra com o
intuito de fazer acrescer o valor do produto final. O conceito de capital humano ganha uma elaboração
sistemática com T. Schultz, no final dos anos 1950 e está filiado à escola neoclássica de economia. (...) As
criticas a este conceito ressaltam seu caráter apologético, que mistifica as relações capitalistas e esconde as
verdadeiras razões das desigualdades e contradições do sistema. (FIDALGO & MACHADO, 2000, p. 46).
58
1. a educação escolar e universitária produz efeitos sobre a produção
das atividades mercantis e não-mercantis, ao longo de todo o ciclo de vida;
2. os alunos e suas famílias escolhem a duração e o tipo de formação de tal
sorte que o rendimento marginal de seus estudos, função das capacidades
próprias da criança e da situação do mercado de trabalho, não seja inferior ao
seu custo marginal (ALALUF, 1986, p. 101).
Na opinião do autor, tais hipóteses constituem o ‘núcleo duro’ da teoria do capital
humano. “Os diferentes autores se interessam pela contribuição da educação em relação aos
indivíduos e a sociedade, isto é, aos efeitos da educação, e não ao seu conteúdo, já que a
educação é considerada por esta teoria como uma acumulação de conhecimentos equivalentes:
ela é medida em equivalente dinheiro, como um capital material” (ALALUF, 1986, p. 101).
Para Souza, Santana e Deluiz (1999), no Brasil, a Lei 5.692/71 sob inspiração da
Teoria do Capital Humano pretendeu resolver no interior da escola (através de ato legal) a
contradição inerente às relações capitalistas de produção, ou seja, a separação entre teoria e
prática enquanto expressão da divisão social e técnica do trabalho.
Assim, as esperanças contendedoras da demanda por ensino superior
depositadas no caráter profissionalizante terminal introduzido no ensino
médio, se viram frustradas em decorrência dos próprios limites estruturais
imposto pelo capitalismo à divisão do trabalho e pelas resistências que os
setores atingidos pela reforma opuseram à profissionalização (SOUZA;
SANTANA; DELUIZ, 1999, p.62).
A teoria do capital humano marcou o Brasil no final dos anos 60 e inicio dos anos 70,
onde a educação deveria estar vinculada aos planejamentos econômicos. Para Oliver Bertrand,
durante os anos de 1960, para a teoria do capital humano “o investimento no ensino e na
formação fará aumentar as competências e os conhecimentos [...]. Essas competências e
esses conhecimentos aumentam a produtividade, principalmente no setor moderno”
(BERTRAND, 2005 In DELORS, p. 121).
Nesta perspectiva o que importa, do ponto de vista da formação para o trabalho, é a
garantia de que os trabalhadores sejam preparados exclusivamente para desempenhar tarefas
especificas e operacionais. Kuenzer (in Manfredi, 1998) destaca que a formação profissional
está alicerçada numa concepção em que o ensino/aprendizagem das tarefas/habilidades deve
59
dar-se numa seqüência lógica, objetiva e operacional, enfatizando os aspectos técnico-
operacionais em detrimento de sua fundamentação mais teórica e abrangente.
Nadya Guimarães (1993) chama a atenção para o fato de que a qualificação tendeu a
ser abordada a partir de um conjunto de características das rotinas de trabalho. Citando Littler
(1982), destacou três concepções principais na relação entre trabalho e qualificação:
[...] num primeiro caso, a qualificação é associada a um conjunto de
características que se expressam nas rotinas de trabalho; num segundo, está
referida ao grau de autonomia do trabalhador e, nesse sentido, é
inversamente proporcional ao grau de controle gerencial; numa terceira
versão, ela é conceptualizada como base para a atribuição ou aquisição de
posições hierárquicas de status (LITTLER, 1982 apud GUIMARÃES, 1993,
p. 216).
Por isso, a necessidade de diferenciar a ‘qualificação do posto de trabalho’ e a
‘qualificação do trabalhador’. GUIMARÃES (1993) destaca a importância nesse caso de
investigar a qualificação do trabalhador, não apenas pela ótica de quem o recruta, mas
também como ele próprio a representa e vivencia ‘como o indivíduo identifica e classifica os
saberes que mobiliza no exercício profissional, em termos de sua natureza, origem,
funcionalidade e significações para o seu desempenho’. Por fim, aponta que a qualificação
depende fortemente, tanto do costume e da tradição (socialmente construídos), quanto da
organização coletiva que sustenta definições que protegem corporações ou coletivos auto-
identificados por direitos e trajetórias profissionais (CASTRO, 1993).
A qualificação profissional no espaço do trabalho depende muito da possibilidade do
reconhecimento dos conflitos entre classes que estão presentes. A ação sindical de negociar a
formação profissional no ‘chão-da-fábrica’ coloca-se como aspecto importante no campo
político-institucional da luta sindical.
Acácia Kuenzer (2002) comenta sobre a organização do trabalho.
A forma de organizar o trabalho na fábrica contém um projeto
pedagógico, muitas vezes pouco explícito, mas sempre presente. Seu
objetivo é a constituição de certo tipo de trabalhador, conveniente aos
interesses capitalistas; em outros termos, propõe-se a habituação do
trabalhador ao processo de trabalho concreto existente na fábrica, que,
60
embora apresente certa especificidade, nada mais é do que uma manifestação
particular do trabalho capitalista em geral (KUENZER, 2002, p. 76).
É importante perceber que o projeto pedagógico presente no interior da fábrica está
articulado com o processo educativo em geral, pois se desenvolve no conjunto das relações
sociais determinadas pelo capitalismo.
Durante os anos 80 e inicio dos 90 a formação para o emprego converteu-se em uma
grande preocupação social, pelo menos no que diz respeito às declarações das políticas
governamentais. Isso o aparece pela primeira vez na história como forma de solucionar ou
resolver, a médio e longo prazo, o problema das políticas de educação no Brasil.
De modo geral, a partir dos anos 80, momento marcado por crises
econômicas, pela chamada globalização dos mercados e por uma correlação
de forças políticas na esfera internacional, a questão da educação adquire,
mais uma vez, centralidade no discurso dominante e nas políticas
governamentais. Relacionada a um conjunto de preocupações, de ordem
particularmente econômica, é convertida em resposta estratégica às
necessidades impostas pela aceleradas mudanças tecnológicas, pela nova
ordem de competição no mercado internacional. Não só o Brasil ou em
outros países periféricos, como os da América latina e Caribe, mas também
nos paises centrais do capitalismo, as políticas educativas adotadas
apresentam como característica o fato de sua elaboração estar relacionada à
questão do emprego (MORAES, 1999, p.15).
3.2 OFENSIVA NEOLIBERAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NOS ANOS 90
No verão de 1989, Francis Fukuyama deixou muitas pessoas atônitas ao afirmar em
sua tese o fim da história, baseado no ‘colapso’ do comunismo e na ‘imperturbável vitória do
liberalismo econômico e político’ (ANDERSON, 1992, p.82). Diversos autores questionaram
essa afirmação. Primeiro a idéia de conclusão histórica, qualquer que seja o seu caráter, e em
segundo, ignorar a persistência de desigualdade e miséria presentes no seio da sociedade
capitalista, inclusive em vários países avançados.
Nos últimos períodos a ofensiva neoliberal tem avançado em diversas áreas que não só
a econômica e política. Na educação essa ofensiva tem se tornado cada vez mais intensa.
61
A política do Estado mínimo que sucede o Estado de bem-estar social foi uma das
premissas na redução de gastos públicos e implementação de uma política monetária
conservadora, austera para as demandas para as políticas sociais e para a educação.
Souza (2002) crê que os interesses dos neoliberais vão convergir com os dos
neoconservadores no campo educacional, constituindo-se assim o ‘bloco’ político na
superestrutura da sociedade, que ele chama de nova direita.
No que se refere à ação governamental no setor educacional, conforme
podemos notar, a nova direita tem se preocupado mais em introduzir
mudanças de ordem gerencial e estas, quase que exclusivamente, através da
gerência de qualidade total. Nas suas propostas não se verificam iniciativas
de alterações significativas na tecnologia empregada na escola,
principalmente na escola pública, mas sim a implantação de estratégias de
ordem gerencial voltada para a garantia de maior ação dos aparelhos
privados de hegemonia no campo educacional (SOUZA, 2002, p. 93).
A nova relação que se estabeleceu entre o Estado e a sociedade civil, passou a ser
fundada numa concepção de participação popular do tipo ‘desenvolvimento comunitário’.
Desse modo, a população planejou e tomou conta com participação financeira pequena do
estado, buscando captar recursos na iniciativa privada. Essa parceria Souza (2002) chama de
‘uma forma sofisticada de mutirão que constitui estratégia sutil dos grupos dominantes para
convencer a população trabalhadora a aderir aos planos de desenvolvimento sem aumentar
sua participação na riqueza produzida’.
A palavra de ordem da qualidade total do mundo industrial passou a ser educação.
Souza (2000) citando Enguita destaca que
A qualidade se converte assim em uma meta compartilhada, no que
todos dizem buscar. Inclusive aqueles que se sentem desconfortáveis com o
termo não podem se livrar dele, vendo-se obrigados a empregá-lo para
coroar suas propostas, sejam quais forem. Qualquer proposição relativa a
conservar, melhorar ou mudar isto ou aquilo, não importa o que seja, deve
explicar-se em termos de qualidade (ENGUITA, 1995 apud SOUZA, 2002
p. 94).
Pela perspectiva neoliberal, o discurso da qualidade buscava substituir o da
democratização. Para Pablo Gentili, a vinculação do fator qualidade à educação teve seu
62
início na América Latina em fins da cada de 80, assumindo, progressivamente, a
‘fisionomia de uma nova retórica conservadora funcional e coerente com o feroz ataque que
hoje sofrem os espaços.
Do ponto de vista histórico [...] a qualidade se fazia presente no
receituário de Taylor para a administração científica da produção. Mais
tarde, na década de 30, em uma das primeiras oposições à teoria clássica da
gestão taylorista/fordista [...] Entretanto, é no contexto da crise do regime de
acumulação fordista que a qualidade passa a configurar uma nova estratégia
produtiva face o acirramento da competitividade dos mercados em torno da
diferenciação e diversificação de produtos, culminando na trilogia da
qualidade-produtividade-rentabilidade (SOUZA; SANTANA & DELUIZ,
1999, p. 71).
Do ponto de vista operacional, a qualidade entra no sistema educacional através de
novos princípios de gestão escolar e pela definição de sistema de avaliação da produtividade.
Portanto, “a qualidade e a gerência da qualidade total na educação passa a refletir um novo
tecnicismo educacional na medida em que reduz questões de ordem política à esfera técnica”
(SOUZA; SANTANA & DELUIZ, 1999, p. 72).
Ainda para os autores a oratória da qualidade na educação,
[...] reflete uma das dimensões da neo-TCH, uma vez que busca
organizar a educação de acordo com princípios que servem ao trato das
mercadorias, segundo a lógica e necessidade do setor produtivo e, a um
tempo, tratam a educação de acordo com princípios que servem ao trato das
mercadorias, segundo a lógica e necessidades do setor produtivo e, a um
tempo, tratam a educação como um espaço isento de contradições, apolítico
e neutro. Impõe-se à educação parâmetros de competitividade, eficácia e
eficiência de seu desempenho congruente aos interesses de acumulação do
mundo capitalista contemporâneo. Defende-se ainda a prática de parcerias da
escola pública com o setor privado e, até mesmo, sua ‘adoção’ por esse
setor, como forma de assegurar os parâmetros de competitividade, eficácia e
eficiência (SOUZA; SANTANA & DELUIZ, 1999, p.72).
O Brasil, assim como outros países do terceiro mundo, sofreu um impacto muito
grande dessas políticas, principalmente no final dos anos 80 e início dos 90 do século XX. A
vitória de Fernando Collor de Mello em 1989 e a consolidação da mesma política com a
vitória de Fernando Henrique Cardoso (FHC) significou, na avaliação de José dos Santos
63
Souza (2002), a implantação do modelo neoliberal para a educação, diferentes daqueles
desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos.
Com a vitória de FHC em 1994, os interesses empresariais e parcela do movimento
sindical vinculado a elite brasileira que historicamente tentaram construir e se afirmar no
Brasil, recebem um apoio importante:
O programa de FHC propunha um modelo de desenvolvimento
economicamente sustentado, de participação ativa na vida internacional de
abertura para o mundo; modelo de ‘justiça social’ no qual o direito à vida
com dignidade fosse garantido, assegurando a inserção inteligente da
economia no mundo. Como estratégia para o desenvolvimento, o PSDB
previa a estabilidade econômica e a política de intercâmbio internacional
(SOUZA, 2002, p. 121).
Para esse programa foram colocadas três condições básicas “refazer o esquema de
financiamento do desenvolvimento; eleger a criação de empregos como forma mais efetiva e
duradoura de distribuição de renda e; reorganizar o Estado fortalecendo o poder público
decisório para a realização eficiente de projetos sociais compensatórios e para a defesa dos
interesses nacionais em plano internacional” (SOUZA, 2002, p. 121).
Essa política ainda para Souza (2002) tem se apoiado na tese da “[...] necessidade de
se estabelecer parâmetros de qualidade para nortear a gestão das políticas educacionais; a de
que o Brasil não gasta pouco em políticas sociais, ele gasta mal; e, a de que o problema
educacional do Brasil não é a universalização do ensino, mas a produtividade do trabalho
escolar” (SOUZA, 2002, p. 111).
Essas teses argumentam em primeiro lugar que a matéria prima vital para o
desenvolvimento e a modernidade está na capacidade de selecionar informações, ter
criatividade e iniciativa. Por isso, a necessidade do deslocamento do investimento em infra-
estrutura e equipamento para a formação de habilidades cognitivas e competências sociais a
população, conforme aconteceria nos países industrializados. Isso converge com as
proposições de Friedman,
[...] o tipo de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que se
quer formar nas novas gerações, levando em conta as necessidades
individuais, as demandas do processo produtivo e as exigências do exercício
64
de uma cidadania plena, é uma questão que não pode ficar restrita aos
educadores, mas deve refletir algum grau de consenso da sociedade sobre
quais são as demandas a serem feitas à escola e como aferir seu atendimento.
Daí a estratégia de estabelecer um conceito de necessidades básicas de
aprendizagem para articular as políticas educacionais do governo (SOUZA,
2002, p. 113).
Em segundo lugar de que o Brasil não gasta pouco, gasta mal na medida em que mais
de 10% da renda nacional são gastos em áreas sociais (educação, saúde, nutrição, etc.), o que
representaria um esforço respeitável se comparado em termos internacionais. E por fim, a
terceira tese converge para a tese anterior, afirmando que o ensino no Brasil está praticamente
universalizado, pois ‘95% das crianças entram na escola’, o problema estaria nas altas taxas
de evasão e repetência.
Para isso Sérgio da Costa Ribeiro no livro “A Escola brasileira do professor
Raimundo”, (Souza, 2002), aponta que o caminho seria a criação de uma cultura avaliativa no
sistema educacional, de forma a ‘promover uma competição sadia entre as escolas, discutir os
resultados, divulgar os indicadores, promover o debate com toda a sociedade utilizando todos
os meios de comunicação possíveis’ (SOUZA, 2002, p. 114).
Tais idéias vão nortear a ofensiva neoliberal no campo educacional. Souza (2002)
aponta alguns momentos que isso se concretiza, através do Plano Decenal de Educação para
Todos (Governo Itamar), através da emenda constitucional n.14 em setembro de 1996 -, da
manobra parlamentar para aprovar o substitutivo de Darcy Ribeiro, da criação do FUNDEF e
da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), além de outros decretos.
O Governo de FHC conseguiu o que os demais não conseguiram. Através da emenda
institucional n. 14 de 12/09/96 estabeleceu prioridades ao ensino fundamental através da
aplicação de verbas (18% da arrecadação), abrindo com isso terreno para o investimento
privado na educação. Souza acredita que o governo conseguiu ‘restringir o direito dos jovens
e adultos e dos alunos do ensino médio à obrigatoriedade conquistada na Constituição’. Pelo
novo texto o Estado não é mais obrigado a oferecer, mas o aluno é obrigado a freqüentar.
Através de dispositivos legais o governo coloca na avaliação de Souza uma ‘camisa de força’
nos fundos estatais, limitando sua abrangência aos alunos da 1ª a 8ª série.
65
O programa de governo de Fernando Henrique Cardoso considerava que o Brasil tinha
muito a avançar na reforma da educação e nos estímulos ao desenvolvimento da ciência e
tecnologia “a educação assume assim um caráter de instrumento de competitividade e
produtividade industrial” (SOUZA, 2002, p. 122).
A prioridade máxima da política educacional do plano de governo de
FHC consiste em incentivar a universalização do acesso ao primeiro grau e
melhorar a qualidade do atendimento escolar (oito séries de ensino
obrigatório). Não estabelece relação clara entre a política para a formação
básica e a de desenvolvimento cientifico e tecnológico. Tal lacuna abre
espaço para a política educacional ser orientada pelo princípio da
empregabilidade em lugar do princípio da qualidade de vida. (SOUZA,
2002, p. 122).
O projeto de educação para os trabalhadores nos anos 90 assumiu um papel de
formação e qualificação da força de trabalho com base em um patamar mais avançado de uso
da ciência e da tecnologia no trabalho e na vida urbano-industrial, “com vista na garantia de
maior produtividade e qualidade da indústria nacional como diferencial de competitividade no
mercado globalizado”. Souza (2002) chama a atenção para o fato de que embora a definição
da política educacional nos anos 90 não estivesse voltada para a qualidade de vida, “[...] não
se pode negar que ela tem aberto novas possibilidades para a emancipação da classe
trabalhadora, na medida em que pressupõe a universalização da educação básica, diminuição
da dicotomia entre teoria e prática, trabalho e educação, ciência e vida, bem como pressupõe
maior socialização da política obtida pela redefinição da ação do bloco no poder em busca do
consenso nas massas em torno de seu projeto de sociedade como forma de manutenção da
hegemonia” (SOUZA, 2002, p. 123).
Obviamente essa proposta de educação, mesmo tendo sido vencedora, do ponto de
vista eleitoral em 94, não foi a única. O conjunto da esquerda brasileira, identificados com a
Frente Brasil Popular (PT, PCB, PCdoB, PSB, PPS, PSTU e PV), com apoio do movimento
sindical ligados a CUT apresentou um projeto que procurou considerar as singularidades no
que diz respeito ao quadro econômico, social e político brasileiro. A Frente Popular propôs
“[...] uma modernidade ética através da consolidação das instituições democráticas,
erradicação da fome e da miséria, universalização da educação infantil, erradicação de
doenças, instauração de uma nova racionalidade econômica na qual a infra-estrutura esteja a
66
serviço da sociedade, desprivatização do Estado e construção da cidadania” (SOUZA, 2002 p.
124).
O programa da Frente Popular, na avaliação de Souza “não consegue fazer uma
relação clara entre educação básica e educação profissional, nem entre educação básica e
desenvolvimento da ciência e da tecnologia enquanto força produtiva no mundo
contemporâneo”. Da mesma forma manteve uma visão genérica da educação sem fazer uma
relação com o mundo do trabalho, suas diretrizes estariam alicerçadas na valorização da
cooperação, na humanização do homem, da sociedade e da solidariedade.
Nessa visão, a educação profissional seria descontextualizada da
escola básica e ocorreria através dos centros públicos de formação
profissional, os quais não concorrem com a formação escolar, embora não
devam substituí-la, mas complementá-la. A educação profissional faz parte
das metas mais gerais desses centros na área de educação; eles visam atender
às demandas específicas e permanentes de qualificação profissional de
jovens e adultos, empregados e desempregados, e estão voltados para o
desenvolvimento humano mais geral; (SOUZA, 2002, p. 125).
Devemos considerar os conflitos entre capital e trabalho na concepção de educação
básica e educação profissional. Neste aspecto é possível perceber dois projetos distintos em
disputa.
Na ótica do trabalho (SOUZA, 2002),
[...] a educação profissional seria um ramo da educação escolar, de natureza
técnico-científica, espaço privilegiado para o aumento da capacidade
produtora da ciência e de tecnologia. As proposições do movimento sindical
para a educação profissional na atualidade impõe como objetivos, seja no
âmbito da escola básica ou no âmbito dos centros públicos de formação
profissional, o seguinte: identificar os princípios que presidem a relação
ativa entre homem e natureza e a relação orgânica entre o individuo e os
outros indivíduos ao longo da história da humanidade; aprender os
fundamentos e os conteúdos do trabalho em determinado padrão de
desenvolvimento científico e tecnológico da produção em vel
internacional, de modo a intervir autonomamente nesse processo; solidificar
uma consciência moral que atenda aos objetivos éticos de solidariedade e
participação cidadã (SOUZA, 2002, p. 55 – 56).
Essa concepção leva as reivindicações para a universalização da educação básica e das
oportunidades de educação profissional, visando maior qualidade de vida para a população.
67
Através do aumento do vel educacional de base científica e tecnológica, diminuição da
jornada de trabalho aumentando o tempo livre para o trabalhador garantindo assim o acesso a
bens e mercadorias indispensáveis à dignidade da vida humana. Já na ótica do capital,
[...] a educação profissional baseia-se na distinção entre formação para
o trabalho manual para a grande massa de trabalhadores e formação para o
trabalho intelectual para uma elite privilegiada. No entanto, para ambas
parcelas da força de trabalho, a formação profissional tem como objetivo a
constituição de um novo tipo de cidadão, voltado para o mercado, quer como
sujeito empreendedor, quer simplesmente como sujeito de consumo. Nessa
perspectiva, a formação profissional vem atender aos mecanismos sociais e
políticos da reprodução das relações sociais fundadas na estrutura de
dominação de classe (SOUZA, 2002, p. 57).
3.3 DA QUALIFICAÇÃO PARA A COMPETÊNCIA PROFISSIOINAL
As mudanças que aconteceram no mundo do trabalho, principalmente em decorrência
do processo de globalização e da adoção dos novos padrões de produção industrial,
impuseram, segundo Ramon de Oliveira (2002) “a necessidade de se reestruturar a educação
profissional, visando sua adequação aos novos requisitos exigidos dos trabalhadores, bem
como são fundamentais para a criação de um novo padrão de vida cidadã” (OLIVEIRA, 2003,
p. 32).
Considero ser importante o debate de algumas questões para tentar definir algumas
expressões como: qualificação, formação profissional e competência. Para Manfredi (1998),
essas expressões ocupam lugar de destaque nos discursos e documentos dos diferentes agentes
e instituições sociais. “O uso desses conceitos polissêmicos, na grande maioria das vezes
empregados como equivalentes e sinônimos, despertou nossa atenção, pois tanto na literatura
como nos discursos aparecem como conceitos novos, atuais e não como reatualizações”.
Manfredi destaca ainda que essas expressões aparecem por vezes como sendo “unívocas,
politicamente neutras e consensuais”. Por isso a autora busca aborda-las a partir de uma
perspectiva histórico-crítica “como uma tentativa de demarcar as diferenças existentes nas
diversas abordagens, seja no âmbito teórico ou político pois, no nosso entender, tais conceitos
expressam sentidos e intenções diferentes” (MANFREDI, 1998).
68
Quanto a noção de qualificação a autora divide o estudo a partir dos referenciais da
economia da educação e da produção e organização do trabalho. O primeiro está associado
como sinônimo de preparação de ‘capital humano’. Para Manfredi (1998), essa concepção
[...] nasceu associada à concepção de desenvolvimento
socioeconômico dos anos 50 e 60, da necessidade de planejar e racionalizar
os investimentos do Estado no que diz respeito à educação escolar, visando,
no nível macro, garantir uma maior adequação entre as demandas dos
sistemas ocupacionais e do sistema educacional. Foi elaborada a partir dos
cânones da ‘Teoria do Capital Humano’, cujos principais expoentes foram
economistas americanos como Theodore Schultz (1974) e Frederick H.
Harbison (1974). Eles defendiam a importância da instrução e do progresso
do conhecimento como ingrediente fundamentais para a formação do
chamado capital humano, de recursos humanos, isto é, a solução para a
escassez de pessoas possuidoras de habilidades-chave para atuarem nos
setores em processo de modernização. Naquele contexto histórico, por
modernização entendia-se a eleição e a adoção do modelo industrial
capitalista como modo de produção, consumo, estilo de vida, e a integração a
um padrão de desenvolvimento industrial adotado nos países capitalistas do
ocidente (MANFREDI, 1998).
A concepção de qualificação gerou uma série de políticas educacionais voltadas para a
criação de sistemas de formação profissional vinculados às demandas e necessidades dos
setores mais organizados do capital. ‘A história dos sistemas de formação profissional no
Brasil enquadra-se dentro desta lógica da qualificação entendida como preparação de mão de
obra especializada, para fazer frente às demandas técnico-organizativas do mercado de
trabalho formal’ (MANFREDI, 1998).
O segundo enfoque da qualificação está associado à produção e a organização do
trabalho. Para MANFREDI (1998) essa concepção de qualificação tem como matriz o modelo
job/skills definido a partir da posição a ser ocupada no processo de trabalho e previamente
estabelecida nas normas organizacionais da empresa, de acordo com a lógica do modelo
taylorista/fordista de organização do trabalho.
Acácia Kuenzer (2002), destaca que a qualificação do trabalhador para a produção
pode ser
[...] definida como treinamento básico, conhecimento ou formação
escolar necessários para o exercício da função; esse conhecimento ou
formação podem ter sido adquiridos ou por instrução formal ou por
69
treinamento preliminar em trabalhos de menor grau, ou pela combinação
desses meios. Daí os níveis de instrução serem definidos pelos
comportamentos esperados e não por graus de ensino, ao mesmo tempo que
se toma a experiência como substituto da escolaridade” (KUENZER, 2002,
P. 114).
Entende-se assim que o que importa do ponto de vista da formação para o trabalho, é a
garantia de que os trabalhadores sejam preparados exclusivamente para desempenhar tarefas e
funções especificas e operacionais. “Esta concepção de formação profissional está alicerçada
numa concepção comportamental rígida, por meio da qual ensino/aprendizagem das
tarefas/habilidades deve-se dar numa seqüência lógica, objetiva e operacional, enfatizando os
aspectos técnico-operacional em detrimento de sua fundamentação mais teórica e abrangente”
(MANFREDI, 1998).
Desta forma, Manfredi (1998) destaca ainda que,
A noção de hierarquia de postos de trabalho é estabelecida a partir de
uma escala de qualificações profissionais, associadas, por sua vez, a níveis
também hierárquico de escolaridade, ou melhor, a um credenciamento
escolar oficial que legitima a representação de que os que comandam e
possuem um posição mais elevada na hierarquia de especialização são mais
competentes, estabelecendo-se uma relação mecanicista entre teoria/prática e
competência, independente do ponto de vista a partir do qual se faça a
análise, seja o do executor, do prático, sempre incompetente ou do decisor,
teórico, sempre competente (MANFREDI, 1998).
Esta concepção de qualificação esteve ancorada nos modelos tayloristas e fordistas de
organização da produção e do trabalho. A mesma entrou em crise com a reorganização do
sistema de produção flexível e da criação de novas formas de organização do trabalho.
É no contexto das mudanças e transformações que aconteceram no mundo do trabalho
que a qualificação veio sendo tencionada pela noção de competência, em razão do
enfraquecimento das dimensões sociais e conceituais, em benefício da dimensão
experimental.
A primeira porque os saberes tácitos e sociais adquire relevância
diante dos saberes formais, cuja posse era normalmente atestada pelos
diplomas. A segunda porque, em face da crise do emprego e da valorização
70
de potencialidades individuais, as negociações coletivas antes realizadas por
categorias de trabalhadores passam a se basear em normas e regras que,
mesmo pactuadas coletivamente, aplicam-se individualmente. A dimensão
que se sobressai nesse contexto é a experimental. A competência expressaria
coerentemente essa dimensão, pois, sendo uma noção originária da
psicologia, ela chamaria a atenção para os atributos subjetivos mobilizados
no trabalho, sob a forma de capacidades cognitivas, socioafetivas e
psicomotoras (RAMOS, 2002, p.2).
Nos anos 80, na França, alguns sociólogos retomaram a noção de competência como:
[...] parte de uma retórica profissional destinada a convencer da
existência de uma necessidade à qual apenas os ‘profissionais’ poderiam
suprir, uma vez que foram oficialmente habilitados para tanto. A relação do
‘profissional’ com seu cliente está no cerne deste modelo profissional
associado a um conjunto de estereótipos (dedicação, empenho, confiança,
etc.) destinados a legitimar o corte entre essas profissões’ e os empregos
comuns e a reservar seus acessos àqueles que, via de regra muito tempo,
interiorizam essa retórica (DUBAR, 1998, p. 01).
Dubar (1998) chama a atenção ainda para o processo de evolução que ocorreu na
França junto com a retomada das empresas e a noção de competência. A França dos anos 80
[...] foi marcada por um conjunto de evoluções significativas que
muitos economistas e sociólogos interpretam como uma ruptura com o
antigo compromisso social (freqüentemente chamado de ‘fordista’) fundado
na negociação coletiva entre parceiros sociais’. Ao mesmo tempo,
aproveitando-se da reabilitação das empresas na sociedade francesa, com um
governo de esquerda, divulgou-se, a partir de meados dos anos 80, um
discurso sobre o ‘gerenciamento social’ que considerava a gestão dos
recursos humanos como a chave da competitividade cada vez mais associada
à noção de competência (DUBAR, 1998, p. 10).
Para Tanguy e Ropé (1997) a definição de competência expressa no Dicionário
Larousse destaca que,
[...] a competência é o conjunto de conhecimentos, qualidades,
capacidades e aptidões que habilitam para a discussão, a consulta, a decisão
de tudo o que concerne seu oficio [...] Ela supõe conhecimentos
fundamentados [...] geralmente, considera-se que não competência total
se os conhecimentos teóricos não forem acompanhados das qualidades e da
capacidade que permitem executar as decisões sugeridas (TANGUY &
TOPÉ In OLIVEIRA, 2003, p. 37).
71
Esse modelo de competência vai ao encontro a uma concepção que transforma a
empresa numa instância de socialização que garante ao mesmo tempo a ‘mobilização’ dos
trabalhadores para seus objetivos e o domínio dos critérios de reconhecimento identitário.
Com isso permitindo ao mesmo tempo a mobilização psíquica e o reconhecimento social que
implica na neutralização de outras formas de identidade como categoria profissional, por
exemplo (
DUBAR, 1998
, p. 13).
Desta forma Dubar (1998) destaca que o ‘modelo de competência’ não é novo, nem
mais radical, que os outros. Corresponde a uma concepção das relações de trabalho e da
organização que valoriza a empresa, o contrato individual de trabalho, a troca de mobilização
pessoal e a integração. O que é diferente entre qualificação e competência é que:
Ao contrário do modelo de qualificação, que implica a negociação
coletiva, o da competência tende a apagar o fato de que o reconhecimento
salarial é resultado de uma relação social dinâmica e o de um face a face
entre um indivíduo provido de competência’ a priori e de uma empresa que
as reconhece nele e as transforma em ‘desempenho’ maio ou menos
suscetível de ser medido. Não é por acaso que a (re)instauração de um
‘modelo da competência’ muitas vezes deparou com a questão da avaliação
dessas ‘competências de terceiro tipo’, que não são saberes técnicos em
know-how prático. Diante da ausência de ‘super-regras’ organizando as
negociações coletivas, essas ‘competências tornam-se rapidamente
pretextos para a exclusão dos mais frágeis, dos mais velhos e dos menos
diplomados (DUBAR, 1998, p. 14).
Hirata (1994) corrobora destacando que a noção de competência é oriunda do discurso
empresarial nos últimos dez anos, na França, e retomada em seguida por economistas e
sociólogos.
É uma noção ainda bastante imprecisa e decorreu da necessidade de
avaliar e classificar novos conhecimentos e novas habilidades gestadas a
partir das novas exigências de situações concretas de trabalho, associada,
portanto, aos novos modelos de produção e gerenciamento, e substitutiva da
noção de qualificação ancorada nos postos de trabalho e das classificações
profissionais que lhes eram correspondentes (HIRATA, 1994, apud
MANFREDI, 1998).
Para Tanguy (1997) esse movimento foi observado nas empresas francesas e buscou
introduzir novas praticas de codificação do trabalho em termos de competência, isso também
se verificou em outros países da Comunidade Européia, como
72
[...] Inglaterra, Alemanha, Itália etc. no sentido de romper com os
modos preexistentes de designação, promoção e de remuneração do trabalho,
tais como eram difundidos com o nome de job skills e job evaluation. O uso
e a difusão de um modelo centrado em saberes e habilidades possuídos pelos
trabalhadores foram iniciados nas grandes empresas multinacionais ou
transnacionais e vêm sendo acompanhados de um conjunto de operações e
práticas sociais que lhe dão forma e objetividade. ‘São justificados pela idéia
de racionalização reivindicada pelos diferentes protagonistas que estão na
sua origem e que vão desde os empresários, as autoridades governamentais,
os construtores de referenciais, passando pelos cientistas convocados para
dar legitimidade às práticas e representações que estão sendo construídas’
(MANFREDI, 1998).
No Brasil a noção de competência foi incorporada ao discurso empresarial e de
técnicos de órgãos públicos que lidam com trabalho como se fosse uma decorrência natural ao
processo de transformação. Para Manfredi (1998), no discurso empresarial uma tendência
de defini-la como ‘capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou
previsíveis’.
O exercício dessa capacidade implicaria na mobilização de competências adquiridas
ou construídas mediante aprendizagem no decurso da vida em situação de trabalho ou fora
dele. Para isso estaria reunindo:
O ‘saber fazer’, que recobre dimensões práticas, técnicas e científicas,
adquirido formalmente (cursos/treinamentos) e/ou por meio da experiência
profissional; o ‘saber ser’, incluindo traços de personalidade e caráter, que
ditam os comportamentos nas relações sociais de trabalho, como capacidade
de iniciativa, comunicação, disponibilidade para a inovação e mudança,
assimilação de novos valores de qualidade, produtividade e competitividade;
o ‘saber agir’, subjacente à exigência de intervenção ou decisão diante de
eventos - exemplos: saber trabalhar em equipe, ser capaz de resolver
problemas e realizar trabalhos novos, diversificados (MANFREDI, 1998).
Os documentos da Sefor/MTb, de 1998, referiam-se à competência como processual,
exigindo para isso um processo de educação contínua, que desenvolveria um conjunto de
habilidades. Essas habilidades classificadas como básicas, específicas e de gestão orientariam
todos os cursos desenvolvidos pelo Ministério do Trabalho com financiamento do Fundo de
Amparo ao Trabalhador que veremos no capítulo III. Esta tipologia é definida da seguinte
forma:
73
As habilidades básicas: pode ser entendidas em uma ampla escala de
atributos, que parte de habilidades mais essenciais, como ler, interpretar,
calcular, até chegar ao desenvolvimento de funções cognitivas que
propiciem o desenvolvimento de raciocínio mais elaborado. As habilidades
específicas estão estreitamente relacionadas ao trabalho e dizem respeito aos
saberes, saber-fazer e saber-ser; são exigidas por postos, profissões ou
trabalhos em uma ou mais áreas correlatas. As habilidades de gestão estão
relacionadas às competências de autogestão, de empreendimento, de trabalho
em equipe (MANFREDI, 1998).
Deluiz (2001) aponta para a importância do fato de que a adoção do modelo de
competências profissionais, pelas gerências de recursos humanos, estarem relacionadas ao
uso, controle, formação e avaliação do desempenho da força de trabalho diante das novas
exigências postas pelo padrão de acumulação capitalista.
Este modelo tende a tornar-se hegemônico em um quadro de crise do
trabalho assalariado e da organização prescrita do trabalho e do declínio das
organizações profissionais e políticas dos trabalhadores. (...) Para o capital, a
gestão por competências implica em dispor de trabalhadores flexíveis para
lidar com as mudanças no processo produtivo, enfrentar imprevistos
(incidentes/eventos) e passíveis de serem transferidos de uma função a outra
dentro da empresa requerendo-se, para tanto, a polivalência e a constante
atualização de suas competências, o que lhes a medida correta de sua
‘empregabilidade’ (DELUIZ, 2001).
Manfredi (1998) destaca que essa noção de competência consta nos documentos das
Agências Internacionais: Comission de la Comunidade Européia Fast e Unesco. “Possuem
conotações que, a nosso juízo, reatualizam alguns conceitos desenvolvidos pela Teoria do
Capital Humano, reafirmando, por meio de novas palavras, conotações que visam a
reintegração dos trabalhadores aos novos contextos de reestruturação do capital no âmbito dos
locais de trabalho” (MANFREDI, 1998).
Manfredi (1998) destaca ainda que,
Quando se compara a concepção tecnicista de qualificação com o
modelo de competência, nota-se que ambas definem a qualificação a partir
da ótica de um modelo de organização capitalista do trabalho. Quanto às
diferenças, parece haver algumas distinções de ordem qualitativa, sendo a
primeira mais restrita, limitada do ponto de vista técnico-científico, enquanto
a segunda coloca a qualificação em patamares mais abrangentes, até mesmo
multidimensional, incorporando à perspectiva meramente cnico-
74
operacional (própria da racionalidade técnica), dimensões de ordem
subjetiva, de ordem psicossocial e cultural (MANFREDI, 1998).
O uso e a apropriação das competências dos trabalhadores pelo capital, não
implicaram necessariamente um comprometimento da empresa com processos de formação. A
responsabilidade de atualização é do trabalhador.
[...] o controle da força de trabalho se expressa através de estratégias
de ressocialização e aculturação pela conformação da subjetividade do
trabalhador. A ênfase na identificação dos interesses de patrões e
empregados que se convertem em uma comunidade social de
colaboradores -; a autogestão pela internalização da disciplina; o controle
exercido sobre os trabalhadores por seus próprios colegas no trabalho em
equipe e a sobrevalorização de aspectos atitudinais (o saber-fazer) conferem
ao modelo das competências a possibilidade de um controle menos
formalizado e mais difuso sobre a força de trabalho, evitando-se as
resistências e os conflitos (DELUIZ, 2001).
Deluiz (2001) ressalta ainda o deslocamento que existe entre do conceito-chave da
sociologia do trabalho: a qualificação profissional para a noção de competências profissionais.
Se por um lado o conceito de qualificação profissional estava associado a educação escolar,
formação técnica e experiência profissional no modelo de competências, importa não a
posse dos saberes disciplinares escolares ou técnicos-profissionais, mas a capacidade de
mobiliza-los para resolver problemas e enfrentar os imprevistos na situação de trabalho. “O
modelo de competências remete, assim, às características individuais dos trabalhadores. O
modelo das qualificações ancorado na negociação coletiva cedeu lugar à gestão
individualizada das relações de trabalho” (DELUIZ, 2001).
A ameaça constante do desemprego, em um mercado de trabalho desregulamentado e
instável, confere à empresa o poder de negociação. Com isso, o movimento sindical ficou à
margem do processo. Favorecendo com isso a cooptação dos trabalhadores e a quebra de
resistência.
Deluiz (2001) chama a atenção ainda para o fato de que o mundo do trabalho do sub-
contrato, do tempo parcial, temporário, por conta própria, sem carteira, etc. os trabalhadores
75
[...] se submetem ou mesmo incorporam a cultura da flexibilidade e da
rotatividade de empregos como meio de manutenção de sua
empregabilidade, aceitando as diferenças salariais e a perda de direitos e
benefícios sociais em relação aos trabalhadores formais, como parte das
‘regras do jogo’ do mundo do trabalho atual. No mundo do trabalho dos
sem-empregos a lógica das competências leva a uma culpabilização pela sua
situação de exclusão e à busca de uma empregabilidade, situação em que o
trabalhador desempregado é pressionado a ser competente para criar ou até
mesmo inventar’ o seu próprio trabalho. Esta procura por uma
‘empregabilidade’ no mercado de trabalho é, entretanto, vazia de significado
porque condicionada pela baixa escolaridade e pela falta de políticas de
trabalho e renda com a perspectiva de criação de novos postos de trabalho
(DELUIZ, 2001).
A difusão de um novo modelo produtivo baseado na ‘especialização flexível’
contribuiu para outra modalidade de organização na produção e no trabalho. Para Carmem
Moraes, “tais mudanças deram maior impulso para a formação e reprofissionalização da mão-
de-obra, provocaram uma reformulação no conceito tradicional de formação profissional e
têm levado a tentativas de redefinição das atribuições sociais da educação escolar, ao
estabelecimento de ‘relações orgânicas entre escola e empresas’” (MORAES, 1999, p. 15).
Até o Decreto n. 2.208/97, que reformou o ensino médio de nível
técnico, apesar das variações no entendimento e na definição dos níveis
escolares e modalidades de ensino direcionadas ao mundo do trabalho
formação profissional designava de maneira geral, o conjunto das iniciativas
não escolares, informais, não submetidas à normatização legal, destinadas à
transmissão de conhecimentos específicos ao exercício profissional e
desenvolvidas por instituições de estatuto diversos públicas, privadas,
ONGs, empresas e associações empresariais, organizações sindicais etc, para
trabalhadores empregados e desempregados, bem como aos jovens em busca
do primeiro emprego (MORAES, 1999, p. 15).
O exame da nova legislação (Lei n. 9394/96 LDB e o Decreto n. 2208/97), que
regulamentou a LDB no tocante a educação profissional e a portaria n. 646, disciplinadora do
assunto no âmbito da rede federal de educação, assim como o Programa de Expansão da
Educação Profissional – PROEP, “indica ocorrência de mudanças não apenas na retórica, mas
na orientação das políticas educacionais” (MORAES, 1999, p. 15).
Carmem Moraes (1999) diz que a utilização da noção de educação profissional se
apresenta como ‘avanço conceitual’ em relação à de formação, identificada à aprendizagem
76
restrita de uma tarefa específica, em conformidade com o paradigma taylorista/fordista de
organização do trabalho, que por sua vez,
[...] não consegue, ocultar os objetivos e conseqüências das medidas
governamentais que, ao desescolarizar o ensino técnico, vêm reforçar a
dualidade de sistemas educação geral e educação profissional. Essa
reforma reproduziu a dualidade histórica do ensino brasileiro entre educação
geral e profissional, uma vez que não apenas teremos continuidades de uma
educação profissional dirigida aos que têm baixa escolaridade e inserção
social desfavorável, como também a teremos como paliativo ao desemprego
gerado pelas mesmas circunstâncias históricas que levaram o MEC a pautar
a educação pelo ‘modelo da competência’ (MORAES, 1999, p. 16-17).
José dos Santos Souza (2002) salienta que o ritmo e a direção do desenvolvimento dos
sistemas educacionais no mundo contemporâneo é determinado pelo nível de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, por isso,
[...] o estágio atual de desenvolvimento científico e tecnológico
remete-nos à consideração de dois aspectos: formação profissional, em
sentido lato, e formação profissional, em sentido estrito. No primeiro
aspecto, a formação profissional refere-se às ações educativas que visam a
conformação técnica, política e cultural da forma de trabalho às necessidades
da civilização urbano-industrial, presididas pela lógica científica da
organização do trabalho e das relações de produção. Nesta perspectiva,
formação profissional identifica-se com escolarização, que, ‘à medida que se
amplia e se aprofunda a organização científica do trabalho e da vida, requer
um patamar sempre mais complexo da capacidade de abstração do conjunto
da força de trabalho, quer ela realize tarefas simples ou complexas no mundo
da profissão ou assuma responsabilidades sóciopolítico-culturais na
organização do seu cotidiano’ (SOUZA, 2002, p. 53-54).
Já no sentido estrito o autor afirma que:
A formação profissional no mundo contemporâneo refere-se a um
ramo do sistema educacional destinado à atualização técnico-política e
cultural permanente da força de trabalho escolarizada, após o seu
enganjamento potencial ou efetivo no mundo da produção. Seu principal
objetivo é criar aptidões para o trabalho na sociedade urbano-industrial, por
meio da permanente atualização técnico-produtiva da força de trabalho
escolarizada. Neste aspecto, formação profissional identifica-se com ensino
técnico-profissionalizante ou, conforme o discurso oficial, educação
profissional. Assim, o termo educação profissional faz referência ao sentido
estrito da formação profissional, ou seja, faz referência à atualização
permanente da força de trabalho escolarizada para o domínio de aptidões
técnico-produtivas adequadas ao nível de racionalização do trabalho na
indústria contemporânea (SOUZA, 2002, p. 54).
77
Logo, a concepção de formação profissional para José dos Santos Souza, engloba
desde a escolarização básica até ações educativas voltadas para o desenvolvimento de
aptidões para a vida produtiva e que acontece tanto no âmbito da escola regular quanto no
âmbito das instituições de ensino profissionalizante, ‘rompendo de uma vez por todas com a
dicotomia entre educação profissional e escolarização, entre trabalho e educação’ (
SOUZA,
2002, p. 55).
Nesse momento, considero de grande importância discutir, mesmo que rapidamente,
alguns elementos sobre as concepções de formação profissional que está presente nas
discussões e definições nos últimos anos no Brasil. Para Carmem Moraes (1999), até o
decreto n. 2.208/97, que reformou o ensino dio de nível técnico, a noção de formação
profissional designava de maneira geral,
[...] o conjunto das iniciativas não escolares, informais, não
submetidas à normatização legal, destinadas à transmissão de conhecimentos
específicos ao exercício profissional e desenvolvida por instituições de
estatutos diversos ONGs, empresas e organizações empresariais,
organizações sindicais etc. para trabalhadores empregados e desempregados,
bem como aos jovens em busca do primeiro emprego (MORAES, 1999, p.
16).
Ainda segundo Moraes (1999) convencionou-se incluir entre essas iniciativas não
integradas ao sistema nacional de educação as ações filantrópicas, assistencialistas, dirigidas à
população desescolarizada ou de baixa escolaridade, como substitutivas do ensino regular. As
tentativas de regularização através da Lei n. 9.394/96 (LDB), do decreto n. 2.208/97, da
portaria n. 646 e do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP),
[...] indica a ocorrência de mudanças não apenas na retórica, mas na
orientação das políticas educacionais. O uso indiferenciado das duas noções
educação e formação -, ou mais exatamente, a incorporação da formação
na categoria de educação profissional, associa-se à avaliação negativa do
‘aparelho escolar formal’ que, distante de um sistema produtivo em
permanente e rápido processo de modernização, tem se mostrado incapaz de
atender com agilidade a crescente demanda por níveis mais elevados de
qualificação. Propondo-se a enfrentar esses problemas, a nova legislação
preconiza a ‘democratização e diversificação dos sistemas de Educação
Profissional’, através da construção de redes de parcerias e da articulação
com os setores produtivos (MORAES, 1999, p. 16).
78
O sistema de educação profissional proposto foi constituído por “modalidade e níveis
do sistema regular de ensino, como o técnico e o tecnológico, além de abarcar cursos não
formais, denominados stricto sensu, como de formação e/ou qualificação profissional”. Isso
possibilitaria a proximidade com o mercado de trabalho e, especificamente, com a grande
empresa através da proposta de parceria, o que na avaliação de Moraes “significa a abertura
jurídica para a privatização do sistema” (MORAES, 1999, p. 16).
O que se apresenta na nova lei como ‘avanço conceitual’ em relação a formação
restrita a uma tarefa específica, não consegue ocultar os objetivos e conseqüências da
dualidade entre a educação geral e educação profissional. Com isso, a lei reafirma a
contradição entre a formação geral e a formação técnica e impede a possibilidade da
construção de uma educação politécnica ampla e condizente com os requisitos da cidadania.
“A reforma reproduziu a dualidade histórica do ensino brasileiro entre educação geral e
profissional, uma vez que não apenas teremos a continuidade de uma educação profissional
dirigida aos que têm baixa escolaridade e inserção social desfavorável, como também a
teremos como paliativo ao desemprego gerado pelas mesmas circunstâncias históricas que
levam o MEC a pautar a educação pelo ‘modelo da competência’” (MORAES, 1999, p. 17).
Essas ações formativas foram apresentadas como instrumentos para aumentar a
produtividade, adaptar a mão-de-obra às mudanças técnicas, enfrentar o desemprego,
promover a cidadania e manter a coesão social.
A partir da justificativa de que o desenvolvimento atingido pelos países do primeiro
mundo, particularmente os europeus, foi possível através do investimento na busca e uso
intensivo de modernas tecnologias”; e para que o Brasil pudesse ingressar neste estágio é
proposta a criação do Sistema Nacional de Educação Tecnológica – SENETE, que abrange as
instituições de ensino mantidas pelo setor público federal, estadual e municipal e por
instituições particulares envolvidas na oferta de educação tecnológica incluindo o Senai e o
Senac. Através do mesmo será ofertada a seguinte modalidade:
a) qualificação ocupacional dirigida para adolescentes e adultos que
não tiveram oportunidade de freqüentar a escola regular; e para os que,
complementando o primeiro grau, queiram ter formação específica para o
exercício de uma ocupação, ela ocorrerá independente da formação escolar;
educação prática em vel de primeiro grau: integrada ao currículo de
primeiro grau, poderá ocorrer de diversas formas, incluindo sondagem de
aptidões e iniciação para o trabalho, proporcionando experiências práticas na
79
área tecnológica; b) formação técnica de nível médio, oferecida nas escolas
de segundo grau, que ofertam profissionalização em áreas definidas (Escolas
Técnicas); esta formação sipõe que os conhecimentos técnicos-científicos
respaldem-se na educação geral; c) formação técnica de nível superior,
destinada à preparação de tecnólogos através do domínio de métodos e
processos de trabalho adquiridos mediante disciplinas específicas, práticas
em laboratórios, em oficinas e estágios [...] (MORAES, 1999, p. 56).
O Sistema Nacional de Educação Tecnológica deve articular as várias iniciativas de
educação profissional, definir políticas e normas e delimitar as diversas áreas de atuação dos
diferentes órgãos de modalidade. Para Moraes (1999) a espinha dorsal do sistema é formada
pela rede de Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), e a estas unidades
articular-se-ão universidades e escolas isoladas.
Moraes (1999) destaca que a regulamentação propõe-se modernizar o ensino
profissional no país, de maneira a acompanhar o avanço tecnológico e atender às demandas do
mercado de trabalho, que exige flexibilidade, qualidade e produtividade. Na concepção da
proposta, “a educação profissional conduzirá ao permanente desenvolvimento das aptidões
para a vida produtiva e destinar-se-á a alunos e egressos do ensino fundamental, médio e
superior, bem como ao trabalhador em geral, jovem e adulto, independente da escolaridade
alcançada”.
A mesma define como objetivos da educação profissional:
a) formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior para
os diferentes setores da economia; b) especializar e aperfeiçoar (o
trabalhador em seus) conhecimentos tecnológicos; c) qualificar, requalificar
e treinar jovens e adultos com qualquer nível de escolaridade, visando à sua
inserção e melhor desempenho no exercício do trabalho (MORAES, 1999, p.
56).
Para abranger todos estes objetivos, foram definidas uma série de medidas
organizacionais que resumidamente prevêem: a) a educação profissional deve ser
desenvolvida em articulação com o ensino regular, sendo complementar ao mesmo; b) três
níveis de educação profissional: básico: destinado à qualificação, requalificação e
reprofissionalização de trabalhadores, isso independente da escolaridade; técnico: destinado a
habilitar profissionalmente alunos matriculados em cursos de nível médio ou dele egressos; e,
tecnológico, em nível superior, destinado a egressos do ensino médio e técnico, conferindo o
80
diploma de tecnólogo; c) atribuição ao MEC da competência para o estabelecimento de
diretrizes curriculares nacionais (carga horária, conteúdos mínimos, habilidades e
competências básicas); d)até 25% da carga horária das disciplinas de caráter
profissionalizante possam ser aproveitadas no currículo de habilitação profissional; e)o
currículo do ensino técnico por disciplina, definidas por áreas e setores da economia, que
poderão ser agrupadas sob a forma de módulos, podendo estes ser cursados em diferentes
instituições, dando direito a certificados de competências (MORAES, 1999, p. 58).
Moraes (1999) destaca que a concepção de educação profissional, presente no Decreto
n. 2.208/97, procura tratar ao mesmo todas as modalidades em todos os níveis, como se não
existissem especificidades; confunde competências, chamando o MEC/SEMTEC para
atribuições que não são suas e como se não houvesse espaços e atores específicos para cada
situação; repõe a dualidade estrutural, desvaloriza a educação básica ao não reconhecê-la
como fundamental para a formação científico-tecnológica; supõe ruptura entre o acadêmico,
desvalorizado por não ser prático, e o tecnológico não reconhecendo o seu caráter
transdisciplinar; e por fim, coloca a educação profissional como alternativa à educação básica,
como forma de não enfrentamento do fracasso escolar decorrente da qualidade de ensino, das
precárias condições de trabalho e de formação do professor (MORAES, 1999 p. 78).
3.4 EDUCAÇÃO A PARTIR DA ÓTICA DOS TRABALHADORES
Em dezembro de 2002, reuniu-se na cidade de Santo André-SP, um grupo de
trabalhadores, gestores de políticas públicas de trabalho, educação e formação profissional de
governos estaduais e municipais, pesquisadores de universidades e coordenadores de
programas de educação/formação profissional vinculados a entidades da sociedade civil. Este
grupo teve como objetivo avaliar as ações desenvolvidas no campo da formação profissional e
gerar subsídios para as políticas públicas do novo governo.
O resultado dos debates realizados pelo grupo apontou um documento que afirmou
dentre outra coisas:
81
[...] a necessidade de a educação profissional, em todos os seus níveis,
estar integrada à educação básica de forma a complementá-la e nunca
substituí-la, considerando-se a situação atual dos trabalhadores brasileiros,
jovens e adultos, que apresentam, em sua maioria, baixos índices de
escolaridade formal e desempenho escolar. A qualificação e a requalificação,
seja na forma de cursos ou de módulos, deveria ser organizadas de modo a
constituir itinerários formativos correspondentes às diferentes especialidade
ou ocupações pertencentes aos setores da economia e promover,
simultaneamente, a elevação de escolaridade dos trabalhadores
(FRIGOTTO; CIAVATTA e RAMOS, 2005, p.39).
Outra indicação relevante feita pelo grupo
[...] foi a necessidade de as políticas públicas de formação profissional
superarem o viés assistencialista/compensatório e promover a inclusão
social. Assim, elas devem estar necessariamente articuladas às políticas de
desenvolvimento econômico locais, regionais e nacional, ao sistema público
de emprego, trabalho e renda, sem o que não é possível oferecer perspectivas
de melhoria da qualidade de vida e possibilidades de a população prover
seus próprios meios de existência (FRIGOTTO; CIAVATTA e RAMOS,
2005, p.26).
As lutas dos diferentes setores da educação como: educadores, formadores, dirigentes,
sindicatos e ONG´s foi pela revogação do decreto, o que a tornou emblemática na disputa por
um projeto político-pedagógico de ensino médio integrado à educação profissional. Com a
eleição do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva,
Isso passou a exigir uma postura política: ou manter-se afastado do
processo, movimentando-se na crítica, buscando criar forças para um
governo com opção e força de corte revolucionário, ou entender quer é
possível trabalhar dentro das contradições do governo que possam
impulsionar um avanço no sentido de mudanças estruturais que apontem, no
mínimo, mais realisticamente, o efetivo compromisso com um projeto
nacional e popular de massa (FRIGOTTO; CIAVATTA e RAMOS, 2005,
p.26).
Assim, dentro da postura de um governo com aspectos de uma democracia restrita,
foi-se gerando o debate e as diferentes versões do que seria a minuta do decreto 5.154/2004.
Para os autores, “o documento é fruto de um conjunto de disputas e, por isso mesmo, é um
documento híbrido, com contradições que, para expressar a luta dos setores progressista
envolvidos, precisa ser compreendido nas disputas internas na sociedade, nos estados, nas
escolas” (FRIGOTTO; CIAVATTA & RAMOS, 2005, p.26-27). O decreto n. 5.154/2004
82
intencionava poder resgatar o que pretendia o projeto da LDB aprovado na Comissão da
Câmara dos Deputados, e que depois foi substituído pelo projeto apresentado pelo Senador
Darcy Ribeiro e aprovado em 20 de dezembro de 1996.
O Decreto 5.154/2004 preno seu Art. que “a educação profissional técnica de
nível médio, [...] será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, observados: I -
os objetivos contidos nas diretrizes curriculares nacionais definidas pelo Conselho Nacional
de Educação; II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; e III - as
exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto pedagógico”.
A proposta pedagógica presente no Decreto n. 5.154/2004 não se configura como
hegemônica, a ponto que possa institucionalizar um novo paradigma, ela não traduz mudanças
substanciais da ação pública que possibilite romper com a dualidade estrutural que
historicamente permeia o Ensino Médio.
O Decreto 5.154/2004 pre em seu artigo inciso que a articulação entre a
educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: integrada,
oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado
de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma
instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno” (grifo do autor). Para
Maria Ciavatta (2005) o termo integrar, assim como outros termos, participa de um e de outro
movimento da sociedade através de quem têm o poder de gerar novos fatos ou de gerar novos
discursos.
A definição de integrar para a autora, que busca também a definição em Gramsci,
remete para a seguinte compreensão:
Remetemos o termo ao seu sentido de completude, de compreensão
das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como
uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que
concretizam os processos educativos. No caso da formação integrada ou do
ensino médio integrado ao ensino técnico, queremos que a educação geral se
torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se
a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos
processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico,
tecnológico ou superior. Significa que buscamos enfocar o trabalho como
princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho
manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho
83
produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e
cidadãos (CIAVATTA, 2005, p. 84).
A autora entende que a idéia de formação integrada sugere ainda a necessidade de
superar a divisão histórica do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou
planejar. Pois,
[...] Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu
aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão
na sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social.
Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem
e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do
mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado
dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a
compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos
(CIAVATTA, 2005, p. 85).
Ciavatta (2005) crê que a origem do conceito de formação integrada está na educação
socialista que pretendia ser onilateral no sentido de formar o ser humano na sua integralidade
física, mental, cultural, política, científico-tecnológica. Assim origina-se o grande sonho de
uma formação completa para todos como queriam os utopistas do renascimento e
principalmente os socialistas utópicos da primeira metade do século XIX.
O conhecimento sempre foi uma reserva de poder das elites, nos quais
se incluíam os filósofos, os sábios, os religiosos. Na Europa, à medida que
vai desaparecendo o aprendizado tradicional da oficina de artesão e o
controle do saber pelas corporações de artes e ofícios, ocorre a criação de
escolas e sua extensão aos trabalhadores produtivos. [...] os conteúdos vão
diferir entre a formação dos dirigentes e a instrução do povo considerada
como obra beneficente e baseada no trabalho produtivo. Gramsci vai reiterar
a crítica a essa escola ‘interessada’ em detrimento de uma ‘formação
desinteressada e formativa’ dentro das necessidades de uma formação
‘matemático-mecânica’ e da escola unitária (CIAVATTA, 2005, p. 86-87).
Para Manacorda (1991) o conceito de onilateral em Marx parte da realidade da
alienação humana, na qual todo homem, alienado por outro, está alienado da própria natureza.
Por isso,
A onilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma
totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade
de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo
o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o
84
trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho
(MANACORDA, 1991, p. 81).
Nessa perspectiva, a educação integral torna-se um ato constante de tomada de
consciência em que o trabalhador se percebe enquanto classe e enquanto totalidade. Rompe
com a educação alienada, que é criada com a divisão do trabalho. A educação na ótica do
trabalho passa por um processo de aquisição de conhecimentos que são necessários ao homem
no seu intercâmbio com a natureza e com os outros indivíduos. “Esse processo de aquisição
do conhecimento ocorre no próprio contexto do processo de trabalho e dele é fruto. Se por um
lado a aquisição de conhecimentos constitui um instrumento necessário e essencial ao
processo de trabalho, por outro, o próprio conhecimento constitui o contexto desse processo”
(SOUZA, 2002, p. 59).
O trabalhador, em vários momentos da industrialização, foi ‘preparado’ para operar a
máquina, para desenvolver as funções sem a ‘necessidade’ de pensar o processo da própria
produção. A Escola e a educação geral e profissional tiveram um papel fundamental nisso.
Souza (2002), ao retomar a proposta de Gramsci sobre a escola unitária, destaca que a
mesma está centrada na idéia da liberdade concreta e universal. Por isso a escola
desinteressada do trabalho “seria uma escola preparatória que conduziria o jovem até as mais
amplas possibilidades de escolha profissional e não apenas a um oficio, preocupando-se em
formar homens e mulheres como pessoas capazes de pensar, de estudar, de dirigir ou de
controlar quem dirige a sociedade” (SOUZA, 2002, p. 60).
A escola desinteressada do trabalho coincide com a escola do trabalho, por
fundamentar seu processo de ensino/aprendizagem na aplicação direta e objetiva da ciência e
da tecnologia em processos produtivos. Souza (2002) destaca que em Gramsci a escola estaria
centrada na idéia de liberdade concreta, universal e historicamente obtida. Por isso a relação
escola/trabalho dá sentido à idéia de liberdade.
Nosella (2004), destaca que para Gramsci a relação escola-trabalho passa primeiro por
integrar teórica e praticamente o mundo do trabalho com o mundo da cultura, aciência
produtiva com a ciência humanista, a escola profissionalizante com a escola desinteressada.
O ponto de partida na concepção gramsciana era o trabalho industrial moderno, isto é a
fábrica.
85
Na intimidade dessa “molécula” social moderna, via ele em filigrama
o embrião germinativo de todas as novas formas de humanismo e de cultura:
a comissão interna, o conselho de fábrica, o Sindicato, o Partido, a Economia
Geral, enfim, a história e o socialismo; e naturalmente, também a escola
unitária. Essa concepção epistemológica constituía, para Gramsci, a sólida
base teórica para pensar coerentemente uma sociedade, uma cultura e uma
escola realmente unitárias e modernas (NOSELLA, 2004, p. 65).
É importante perceber que a escola unitária de Gramsci surgiu da problemática em que
os industriais preocupavam-se em ocupar os cérebros dos trabalhadores livres através de
escolas fundamentadas em máquina ou na ciência metafisicamente concebida.
A tendência, hoje, é a de abolir qualquer tipo de escola
‘desinteressada’ (não imediatamente interessada) e ‘formativa’, ou conservar
delas tão-somente um reduzido exemplar destinado a uma pequena elite de
senhores e de mulheres que não devem pensar em se preparar para um futuro
profissional, bem como a de difundir cada vez mais as escolas profissionais
especializadas nas quais o destino do aluno e sua futura atividade são
predeterminados. A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria
seguir esta linha: escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa,
que equilibre equanimemente o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das
capacidades de trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de
repetidas experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das
escolas especializadas ou ao trabalho produtivo (GRAMSCI, 1982, p. 110).
Souza (2002) destaca as preocupações que Gramsci evidenciava com as questões
didático-pedagógicas, orientadas pela sua concepção de vida, de cultura, de filosofia, de
história “segundo a qual o ser humano deve se educar científica e culturalmente até os níveis
mais complexos, sofisticados e modernos, partindo de uma forte e vital ligação com sua base
popular e com seu senso comum” (SOUZA, 2002, p. 66). Ainda para Souza “o interesse
oposto de uma educação voltada para a formação de um técnico abstrato, um intelectual
desenraizado e não orgânico, concebida aqui como aquela da ótica do capital”.
Sobre esse aspecto Nosella (2004), destaca a seguinte relação entre escola-trabalho em
Gramsci:
Não é fazendo uma horta nos fundos da escola, nem instalando num
canto da sala de aula uma velha máquina de torneiro mecânico que se
realiza, para Gramsci, a autêntica escola do trabalho. O trabalho moderno
86
organicamente se une à escola quando consegue inspirar nesta seu espírito de
laboriosidade, seu método disciplinar produtivo e de precisão, sua ética de
solidariedade universal com os interesses objetivos de todos, sua lógica
produtiva de organização de muitos para um fim. Esse fim, obviamente,
deverá ser diferente, pois escolas produzem algo diferente das fábricas,
como aliás também estas não produzem todas a mesma coisa. A escola
produz fundamentalmente trabalho intelectual; a brica, trabalho material
(NOSELLA, 2004, p. 71).
Ainda para Nosella (2004) a “escola se inspira no trabalho industrial moderno como
seu princípio pedagógico, não deixando de ser escola”. Por isso, a organização escolar
proposta por Gramsci vê no trabalho seu princípio educativo
O conceito e o fato do trabalho (da atividade teórico-prática) é o
princípio educativo imanente à escola elementar, que a ordem social e
estatal (direitos e deveres) é introduzida e identificada na ordem social e
ordem natural pelo trabalho. O conceito do equilíbrio entre ordem social e
ordem natural sobre o fundamento do trabalho, da atividade teórico-prática
do homem, cria os primeiros elementos de uma instituição do mundo liberta
de toda magia ou bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior
desenvolvimento de uma concepção histórico-dialética do mundo, para a
compreensão do movimento e do devenir, para a valorização da soma de
esforços e de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro
custa ao presente, para concepção da atualidade como síntese do passado, de
todas as gerações passadas, que se projeta no futuro (GRAMSCI, 1982 p.
120).
Para Ramos (2005), o principio de que o trabalho é “mediação entre o homem e o
objeto a ser investigado e que a apropriação social do conhecimento assim produzido é o que
lhe confere significado, está no fundamento do método que define, para Gramsci, a escola
ativa e criadora”. Por isso, ter o trabalho como princípio educativo implica referir-se a uma
formação baseada no processo histórico e ontológico de produção da existência humana, em
que a produção do conhecimento científico é uma dimensão (RAMOS, 2005, p. 119).
3.5 O MOVIMENTO SINDICAL BRASILEIRO E AS INICIATIVAS EM PROJETOS
DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
No Brasil, entre os anos de 1902 e 1920, antes do Estado Novo, predominavam no
movimento operário-sindical brasileiro as propostas educativas dos libertários, notadamente
87
dos grupos anarco-sindicalistas. Manfredi (1996) destaca que “no ideário dos anarquistas, a
educação sempre ocupou um papel de destaque, pois era considerada um veículo de
conscientização e transformação das sociedades, sendo responsável pela formação de ‘novas
mentalidades e ideais revolucionários” (MANFREDI, 1996, p.24).
O projeto educativo dos libertários destinava-se a toda a família, tanto os adultos como
as crianças, através da educação escolar infantil. Manfredi (2002) aponta que a questão da
Educação Profissional tinha um vínculo muito grande com o aprender no ‘chão-da-fábrica’,
na relação com os companheiros, e que, portanto, não tinha uma exigência muito grande de
domínio técnico, que as tecnologias eram menos sofisticadas. Mas quando a demanda
técnica tornou-se mais corriqueira “as organizações de trabalhadores também passaram a se
preocupar com o oferecimento de práticas de formação mais sistemáticas” (MANFREDI,
2002, p. 92).
Ainda para Manfredi (2002),
[...] a Primeira Republica se caracterizou como um período de grandes
transformações e de grande ebulição social, no qual se gestaram novas
práticas e concepções de Educação Profissional: ao lado da concepção
assistencialista e compensatória, surgiram a concepção católico-humanista,
orientada pelo trabalho como antídoto à preguiça, à vadiagem e às idéias
revolucionárias, a concepção anarco-sindicalista de educação integral e,
finalmente, a visão de formação profissional para o mercado de trabalho
para o exercício de funções e atribuições dos postos de trabalho, segundo os
padrões do regime fabril e do trabalho assalariado capitalista. As concepções
emergentes, somadas àquelas do período anterior, configurar-se-iam como
matrizes político-pedagógicas de referência ao longo de todo o século XX
(MANFREDI, 2002, p. 94).
O projeto educativo dos libertários tinha como eixo central três dimensões que se
articulavam entre si: a educação político-sindical; a educação escolar e as práticas culturais de
massa. Manfredi (1996) acreditava que a educação político-sindical efetivava-se “por um
lado, como engajamento em movimentos e lutas de reivindicações, protestos e resistência, de
outro, pela divulgação dos ideais libertários, através de conferências, debates, estudos, que
eram promovidos em sindicatos e centros de estudos” (MANFREDI, 1996, p. 24).
88
Os Centros de Estudos Sociais nada mais eram do que pequenos grupos de libertários
que se reuniam com o propósito de divulgar, entre os trabalhadores, os ideais e as propostas
anarco-sindicalistas.
Eram criados sem nenhuma formalidade. Bastava uma sala, alguns
móveis para abrigar uma pequena biblioteca. Através do intercâmbio direto e
coloquial, os membros do centro liam, estudavam e discutiam as principais
obras dos grandes teóricos anarquistas europeus; os militantes estrangeiros
dirigiam as discussões e se responsabilizavam em contatar as editoras
libertárias da Europa para a obtenção dos livros e periódicos (MANFREDI,
1996, p. 24).
Outra importante iniciativa foi a de criação das Escolas Modernas dos grupos
libertários. As mesmas eram inspiradas no ideário do grande pedagogo espanhol Francisco
Ferrer e pautavam-se na “filosofia educacional que privilegiava a educação integral; na
transmissão de uma visão de mundo baseada nos parâmetros das ciências modernas; na
educação e o questionamento de todas as formas de opressão e de cerceamento da liberdade”
(MANFREDI, 1996, p. 24-25).
Algumas das escolas que foram criadas no Brasil: Escola Nova, fundada em 1909 em
São Paulo; Escola Moderna 1, fundada em 1912, São Paulo; Escola Moderna do Ceará,
fundada em 1911 em Fortaleza; Escola Moderna Nº 2 fundada em 1912 em São Paulo; Escola
Moderna de Petrópolis fundada em 1913; Escola Moderna de Bauru; Escola Moderna de
Porto Alegre que funcionava em 1919; Escola Racional Francisco Ferres fundada em 1919 em
Belém do Pará; Nova Escola fundada em 1920 no Rio de Janeiro; e, Escola Livre fundada em
1920 pelos Operários em Fábricas de Tecidos de Petrópolis.
Além dessas, outras escolas empregaram métodos semelhantes aos da Escola
Moderna, no Brasil, como: a Escola Eliseu Réclus de Porto Alegre; a Escola da União
Operária da França; a Escola noturna da Liga Operária de Sorocaba fundada em 1912; a
Escola Operária de Maio no rio de Janeiro; a Universidade Popular de Cultura Racional e
Científica fundada em 1915, anexa à Escola Nova de São Paulo (oferecia cursos preparatórios
para professores); a Escola Joaquim Vicente, fundada em 1920 em São Paulo; a Escola
Profissional, fundada em 1920 por iniciativa da União em Fábricas de Tecidos, no Rio de
Janeiro; as Escolas para Operárias do Centro Feminino Jovens Idealistas, fundadas em1920; a
Escola da Liga da Construção Civil, fundada em 1920 em Niterói; e, o Grupo Escolar Carlos
89
Dias, "órgão do Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais Classes dos Trabalhadores em
Geral", em Salvador.
No início dos anos de 1920 a repressão ao movimento operário pelo governo de Artur
Bernardes atingiu em cheio a base de sustentação das Escolas Modernas. Essas dependiam
primariamente de organizações e militantes anarquistas. Na mesma época, em meio a uma
campanha de difamação, as autorizações de funcionamento das Escolas Modernas de São
Paulo foram cassadas.
Em 20 de março de 1904 foi fundada, no Rio de janeiro, a Universidade Popular. A
mesma não se constituía uma iniciativa exclusiva dos grupos anarquistas do movimento
operário-sindical. Manfredi (1996) destaca que ela contou com apoio de muitos literatos e
intelectuais anarquistas, mas também faziam parte do grupo alguns intelectuais socialistas. A
Universidade Popular tinha como objetivo “ministrar o ensino superior positivo, científico e
filosófico ao proletariado, [...] bem como tornar-se um centro de lazer e cultura, congregando
os trabalhadores e demais cidadãos interessados, através de caráter literário e artístico”
(MANFREDI, 1996, p.25).
Conforme o Jornal “O Amigo do Povo” de São Paulo,
A Universidade Popular, que se dirige a todos os homens de boa
vontade, sem distinção de crença ou de partido, tem por fim: fundar um
ensino superior metódico para o povo, organizar conferências periódicas
sobre os assuntos suscetíveis de interessar aos trabalhadores, fundar um
museu social e uma biblioteca, realizar representações de arte social, saraus
musicasis, festas literárias, excursões científicas, artísticas e expressivas,
publicar um boletim que seja órgão de associação, estabelecendo, enfim, um
centro popular tendo por fim às vezes o prazer e a instrução e a união
moral entre os cooperadores” (MANFREDI, 1966, p. 64).
Entre os cursos que a Universidade Popular Presidente Roosevelt oferecia,
destacavam-se: cursos básicos (alfabetização, português, história, geografia...) cursos de
cultura geral: literatura, filosofia, sociologia... Cursos visando uma melhor qualidade de vida
(higiene mental, educação sexual...); cursos profissionalizantes: de vendedores (como publico
alvo os comerciários); e, cursos político-sindicais (economia política, legislação trabalhista,
doutrina política).
90
Para Manfredi (1996)
A proposta anarquista de educação particularmente dos anarco-
sindicalistas, articulava as práticas educativas (espontâneas e planejadas),
[...] com outras práticas no campo cultural e de lazer, de caráter massivo e
popular. Teatros, festivais de músicas e poesias, piqueniques eram
constantemente promovidos pelos libertários nos bairros operários dos
centros industrializados da época (MANFREDI, 1966, p. 25-26).
O que é importante perceber no projeto educativo dos libertários é seu caráter
“globalizante”, sua diversificação, abarcando ao mesmo tempo aspectos culturais, educativos,
literários. “A complementaridade entre as atividades planejadas; caracterizando-se como um
projeto de educação classista (destinado às crianças, jovens e adultos) voltado para a
emancipação político-ideológica e cultural da classe operária” (MANFREDI, 1996, p. 26).
Parece-me que essa idéia de projeto educativo dialoga com o debate e a proposta de
escola desinteressada do trabalho, de Gramsci. Conforme Nosella (2004),
O interesse de Gramsci para as questões culturais formativas era
motivado e orientado, portanto, pela objetiva preocupação de preparar os
quadros dirigentes que haveriam de governar o futuro Estado Proletário.
Nessa direção, o problema principal, pensava, era formar pessoas de visão
ampla, complexa, porque governar é uma função difícil. Uma palavra chave
que nesse debate emerge é o termo ‘desinteressado’ (cultura desinteressada,
escola e formação desinteressada) que conota horizonte amplo, de longo
alcance, isto é, que interessa objetivamente não apenas a indivíduos ou
pequenos grupos, mas à coletividade e até à humanidade inteira. Uma
segunda palavra chave é ‘trabalho’, isto é, a cultura, a escola e a formação
devem ser classistas, proletárias, do partido-do-trabalho (NOSELLA, 2004,
p.42).
Para a pedagogia libertária a educação tem um papel fundamental no processo de
construção da liberdade.
Instrução e educação são de fundamental importância para a conquista
da liberdade, pois é através da educação seja a institucional, realizada nas
escolas, ou a informal, realizada pela família e pela sociedade como um todo
que as pessoas entram em contato com toda a cultura produzida pela
humanidade. E como a liberdade é um fenômeno social, de cultura, o contato
com o produto da civilização é indispensável para sua conquista (GALLO,
1995).
91
Para Manfredi (1996), os projetos educativos que surgem no período pós 1945 perdem
a perspectiva de globalidade e a sua abrangência setorizando e segmentando as práticas e
processos educativos (educação escolar x educação não-escolar, educação de base x educação
de quadros e educação sindical x educação política). “Estas segmentações acabam também
por gerar uma divisão de esferas e responsabilidades, cabendo ao Estado a educação escolar
(tanto da criança como dos adultos), aos partidos a educação política e a formação de quadros,
enquanto a educação ou formação sindical é de responsabilidade das entidades sindicais e
assim por diante” (MANFREDI, 1996, p. 27).
Foi na década de 1940 que a reforma de Capanema, através da promulgação das Leis
Orgânicas, que a dualidade nos cursos posteriores ao antigo primário estendeu-se aos recém-
criados cursos médios do 2º ciclo.
Para Moraes (1999),
As Leis Orgânicas, em cursos colegiais (subdivididos, por seu turno,
em clássico e colegial), de um lado, destinados ao preparo para o ingresso
nos cursos universitários e curso normal, curso agrotécnico, curso comercial
técnico e curso técnico industrial, também do mesmo nível, de outro, mas
que, diferentemente do clássico e científico, não permitiam o acesso a cursos
superiores, a não ser pela via de exames de adaptação. A existência dessa
separação e do exame de adaptação representam, ao mesmo tempo, o
reconhecimento social e legal da sobrevalorização dos conhecimentos de
natureza geral, relacionadas às ciências e às artes, e à pouca atenção
conferida a esse tipo de conhecimento nos cursos de caráter
profissionalizante (MORAES, 1999, p.54).
Com isso,
A criação do hoje denominado “Sistema S”, na mesma época, em
resposta ao processo de industrialização e urbanização experimentados pelo
país no imediato pós-guerra, acabará por contribuir também para a dualidade
acima referida, mas com um elemento a mais: diferentemente dos cursos
técnicos criados através das Leis Orgâncias, os quais contemplavam, de
alguma forma, conteúdos de cultura geral como parte integrante de sua
estrutura, os cursos oferecidos pelo SENAI e SENAC, ainda que
oferecessem tais conteúdos, o faziam de forma complementar e com o
objetivo de sanar deficiências apresentadas pelos alunos dos cursos de
aprendizagem... (MORAES, 1999, p. 54).
92
Outras experiências significativas que os trabalhadores desenvolveram em projetos de
educação surgiram no Brasil no final dos anos 60 e inicio dos 70. Organizados por sindicatos
e algumas ONGs as Escolas Operárias iniciam como resistência à ditadura militar e como
forma concreta para desenvolver um trabalho político em tempos de repressão. “São
iniciativas de trabalhadores que tomam para si a responsabilidade pela formação dos próprios
trabalhadores: uma política de ação direta em educação num contexto de ditadura explícita do
capital e de repressão aos movimentos sociais” (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999, p.375).
Desde o final dos anos 70, várias dessas iniciativas reúnem-se sistematicamente
através de encontros para troca de experiências e aprofundamentos.
Em 1989, diversas dessas escolas que, ultrapassando aqueles tempos
difíceis, haviam se consolidado enquanto escolas operárias, passam a
compor o Conselho de Escolas Operárias com o propósito de gestar, a partir
de suas experiências, uma proposta de educação para cidadãos trabalhadores.
Entre as diversas questões debatidas ressaltam-se aquelas relativas a
conteúdo, metodologias, formação política, estudo da história e, em especial,
o desenvolvimento tecnológico e suas atuais tendências e decorrências para
os trabalhadores (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999, p.375).
No Brasil as Escolas Operárias são as seguintes:
a) Centro de Aprendizagem e Desenvolvimento Técnico-Social (CADTS) de São João
de Meriti/RJ: essa escola caracteriza-se em três áreas de atuação: Escola Profissional com
cursos profissionais de Mecânica, Elétrica e Gráfica; Educação Geral com cursos de formação
geral que compõem a educação básica e atividades culturais (teatro, culinária, serigrafia e
pintura); Educação Relacional: cursos, seminários, debates, visitas, etc.
b) Ação Social Técnica (AST) de Belo Horizonte/MG: fundada em 1979 a AST tem
como objetivo a formação profissional e política de jovens filhos de trabalhadores e de
trabalhadores adultos empregados e desempregados. A escola oferece cursos de Ajustador
Mecânico, Torneiro Mecânico, Eletricista Instalador, Comandos Elétricos, Fibras Naturais e
Costura. A Escola tem sua origem ligada às formas de mobilização e organização de pessoas
da comunidade do bairro onde se localiza, na região industrial de Belo Horizonte.
93
c) Centro de Trabalho e Cultura (CTC) Recife/PE: foi criado em 1967 e em 1997
oferecia os seguintes cursos: caldeiraria, Serralheria Industrial, Ajustagem Mecânica,
Pneumática, Eletricidade Industrial, Eletrônica e Gráfica. Os cursos são destinados a
adolescentes e trabalhadores adultos.
d) Núcleo Nova Piratininga São Paulo/SP: A iniciativa partiu de militantes dos
movimentos populares e sindical e nasceu da junção de algumas experiências educativas de
resistência à ditadura de bairros operários de São Paulo. A escola desenvolve formação
profissional e formação para a cidadania. Juridicamente a escola surgem em 1981. A escola
ampliou sua ação e organizou junto com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (na
gestão Paulo Freire) um projeto piloto de curso Supletivo Profissionalizante.
e) Centro Profissional de Adolescente (CPA) São Paulo/SP: foi criado nos anos 70
na Zona leste de São Paulo, seus cursos voltaram prioritariamente ao atendimento de
adolescentes pobres, de baixa escolaridade e com problemas de inserção social. É
desenvolvido na escola cursos de mecânica geral, serralheria, elétrica, desenho técnico e
rotinas de escritório.
f) Aprender Produzir Juntos (APJ) Teófilo Otini/MG: a escola nasceu em 1984 e foi
registrada em 1987, iniciou seus cursos voltados para a lapidação de pedras preciosas e
semipreciosas muito comum na região. Outros cursos que a escola desenvolveu foram:
serigrafia, alfaiataria, mecânica industrial e outros. Hoje a escola tem dois tipos de estrutura:
casa do adolescente que acolhe 620 meninos e meninas; e, Grupos profissionalizantes e
produtivos que oferece formação para jovens acima de 15 anos em: marcenaria, mecânica de
automóveis, lanternagem, pintura, eletroauto, serralheria, lapidação, joalheria, artesanato de
pedra, confecção, serigrafia...
Especificamente no Ramo metalúrgico algumas experiências se destacam. Uma delas é
do Sindicato dos Metalúrgicos da CUT do Rio de Janeiro que desenvolve ações de formação
profissional através do Colégio Metalúrgico Elpídio Evaristo dos Santos e desenvolve cursos
de ensino médio técnico em Eletrônica, Eletrotécnica e Mecânica, alem de outros cursos
como: informática e de qualificação (elétrica, programas e controle da produção, montagem
de equipamentos eletrônicos, administração de compras e suprimentos, administração de
almoxarifado e técnica de armazenamento, eletrônica bacia...).
94
Outra experiência no campo da CUT é a Escola José César de Mesquita, em Porto
Alegre, que foi criada e é mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos da CUT. Foi reconhecida
em 1981 e tem como objetivo “a formação para a cidadania e para o trabalho” e seu projeto
político-pedagógico dirige-se fundamentalmente para “os filhos da classe trabalhadora”.
A Escola Mesquita repassou para a Cooperativa de Professores da Grande Porto
Alegre COOPROGRAN a responsabilidade e organização do Ensino Fundamental e Médio
e ficou para si a responsabilidade dos cursos técnicos de formação profissional. A Escola
oferece cursos técnicos de Mecânica, Eletrônica, Automação Industrial e Informática, todos
com direito ao registro no CREA. Alem de cursos rápidos como de Pneumática (hidráulica),
Eletricidade para Automação, Autocad, Word, Excell, Power Point, HTML, Internet e outros.
A proposta pedagógica da escola toma o “trabalho como principio educativo e está
voltada para a formação de técnicos competentes e críticos, com profundo conhecimento
técnico e politicamente comprometidos com a realidade social” (CNM/CUT Rede
Unitrabalho, 1999, p.345).
A proposta baseia-se na concepção de que o conhecimento é um
processo humano, social’, dirigido à ‘compreensão, organização e
transformação de realidades’. Considera o ato educativo como um ato
político e emancipador. Nesta perspectiva, a Escola Mesquita constrói seu
processo político, pedagógico e administrativo vinculado à realidade social e
ao contexto cultural mais amplo. Os conteúdos programáticos privilegiam
uma educação de qualidade, o desenvolvimento integral e crítico das
pessoas, de seus valores éticos, da sua competência técnica e científica.
Contempla também aspectos culturais, desportivos e artísticos, procurando
estabelecer relações estreitas entre a escola e a população local. Princípios
metodológicos baseados na ação e integração dos sujeitos com o meio sócio-
cultural inspiram o Projeto Pedagógico e viabilizam ações concretas do
cotidiano escolar (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999, p.345).
Por fim, as escolas do ramo metalúrgico que foram criadas neste período têm algumas
características que considero importante para finalizar esse item. Segundo a pesquisa da
CNM/CUT e Unitrabalho publicado em 1999 constata-se que em primeiro lugar uma
concentração grande das escolas do setor metalúrgico na Região Sul do Brasil. Em segundo
lugar, essas poucas experiência, principalmente no ramo metalúrgico, encontram grandes
dificuldades para a realização de seus objetivos. Sobretudo no que se refere às “condições de
funcionamento com qualidade, no que toca a equipamentos, informatização, realização de
95
estágios, acompanhamento de alunos egressos,...” (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999,
p.351).
A pesquisa da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT e da Unitrabalho
coordenada pela Professora Carmem Sylvia Vidigal Moraes aponta que
Se a maior partes dessas iniciativas têm origem na resistência à
ditadura militar, é importante notar que as imposições de uma nova
organização do processo produtivo, as mudanças de mentalidade, a queda do
valor do trabalho, as inovações tecnológicas e sua aceleração, o elevado
custo de investimento em uma formação profissional para os novos padrões
tecnológicos, a retração do mercado de trabalho, o desemprego, enfim, tudo
o que caracteriza o adensamento da hegemonia do capital está a exigir
formas novas de adequação dessas escolas à realidade, para que elas possam
sobreviver e levar adiante o seu trabalho político (CNM/CUT Rede
Unitrabalho, 1999, p.382-383).
Os diferentes modelos de formação profissional, integrados em diferentes interesses,
ocupam lugar de significativa importância, que acabam incorporando visões e estratégias
em relação aos trabalhadores. Conforme a CNM/CUT e Unitrabalho “[...] é de presença
recente no movimento sindical brasileiro a preocupação mais sistematizada sobre a formação
profissional articulada a um projeto político. Da mesma forma que o movimento sindical,
também os movimentos sociais e instituições de educação popular parecem construir uma
concepção de educação e formação comprometida com a realização da cidadania, com o
direito do trabalhador a uma identidade política” (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999, p.383).
A pesquisa aponta ainda que as experiências desenvolvidas por esses diversos setores
indicam o quanto é importante que todas as frentes sejam ocupadas “para que possam
desenvolver uma formação com concepção diferente daquelas que encaram o programa de
reestruturação produtiva na perspectiva empresarial, isto é, diferente da lógica da razão
instrumental, da lógica do lucro” (CNM/CUT Rede Unitrabalho, 1999, p.384).
96
4 O CONTEXTO NO SURGIMENTO DO PROGRAMA INTEGRAR
No início do item 3, do Capítulo I, o metalúrgico aposentado Philadelpho Braz afirma
que “a manipulação do aço pelo homem é uma coisa que prazer, porque você monta um
negócio e fala: eu que fiz”. É provável que o aprendizado do Philadelpho tenha se dado na
produção, mexendo com o equipamento após algumas orientações de trabalhadores mais
experientes. Philadelpho começou a trabalhar em uma metalúrgica em 22 de setembro de
1940 (CNM/CU & Museu da Pessoa, 1999, p.36). As mudanças que aconteceram no mundo
do trabalhado após esse período geraram grandes transformações, e também um grande salto
tecnológico através da automação, da robótica e da microeletrônica.
Segundo Ricardo Antunes (2003) as mudanças foram tão intensas que a classe-que-
vive-do-trabalho acabou por sofrer uma crise com repercussão na sua subjetividade, afetando
a sua forma de ser. As conseqüências dessas mudanças deram-se através da expansão do
desemprego chamado estrutural e uma fragmentação da classe trabalhadora.
O Brasil enfrentou, nos anos de 1990, grandes transformações que atingiram também a
América Latina. Parte dessas mudanças aconteceu, por um lado, através do receituário
neoliberal que aliou as privatizações, a política de estado mínimo e abertura desenfreada; e
por outro, a modernização das empresas através da reestruturação produtiva. O resultado
dessas mudanças materializou-se através da geração de um número muito grande de
desempregados, vários problemas sociais, principalmente nos grandes centros urbanos, e a
redução cada vez maior da força dos trabalhadores em seus sindicatos e organizações
representativas.
O movimento sindical, que viu com a democratização do país a possibilidade de uma
maior organização e ação efetiva após os anos duros do regime militar, se deparou com a
baixa taxa de sindicalização que teve entre os anos de 1992 e 2002 uma queda de quase 18%,
acompanhada da mesma queda em outros países do mundo. Com isso, o debate que acontecia
nos encontros, congressos e plenárias organizadas pelo movimento sindical procurava
encontrar alternativas de organização e luta para manter-se efetivamente representativo e
atuando na luta pela melhoria nas condições de vida da classe trabalhadora. Como vimos,
Ricardo Antunes (2000) chamou a atenção para o fato de que os sindicatos foram forçados a
97
assumir uma posição mais defensiva e voltada a ações imediatas, abandonando por vezes seus
traços anticapitalistas, lutando agora para manter o direito ao trabalho.
No Capitulo III percebemos um processo de disputa histórica entre a educação na
concepção de um projeto das elites, e um projeto de educação na ótica dos trabalhadores. Ao
resgatarmos o processo de educação profissional, que foi desenvolvido para os trabalhadores,
nos deparamos com a situação da quase ausência de projeto educacional no governo de
Getúlio Vargas (Cunha, 2000), incluindo nisso vários interesses conflitantes entre o
Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho.
Em janeiro de 1942 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –
SENAI, representando a principal agência nacional de formação profissional. O Senai
conseguiu, rapidamente, o reconhecimento das industriais e do governo, principalmente pelas
exigências da conjuntura do pós-guerra. Vem carregado de conteúdos e conceitos ideológicos
que favorecem o capital. Como diz Manfredi (2002) o projeto de construção do Senai “[...]
parte da estratégia empregada pelos industriais paulistas para disciplinar o trabalhador
brasileiro e garantir a paz social, alicerçando-se nas premissas de colaboração entre o capital e
o trabalho...” (MANFREDI, 2002, p. 182).
Nos anos de 1960 e 1970 o Brasil passou a ser marcado pela concepção de que a
educação deveria vincular-se aos planejamentos econômicos globais. Como resultado disso, a
Teoria do Capital Humano procurou responder ideologicamente a essa possibilidade,
buscando transformar a educação em determinante para o desenvolvimento econômico da
nação.
Nos anos de 1990 a ofensiva neoliberal avançou em várias áreas, incluindo a
educação. As mudanças aplicadas pela ação governamental no setor educacional procuraram
garantir maior ação dos espaços privados. Busca-se o discurso da qualidade para substituir a
idéia da democratização e com isso, a gerência da educação refletiu um novo tecnicismo,
reduzindo questões de ordem política à esfera técnica.
Os padrões de produção industrial marcaram o final dos anos de 1990 com a idéia de
uma adequação aos novos requisitos exigidos pelos trabalhadores: a competência profissional.
O governo brasileiro então desenvolveu, através de políticas de formação profissional, um
conjunto de ações que procuravam ‘qualificar o trabalhador para os novos tempos’.
98
Concluída essa retomada, passarei agora aos objetivos do presente trabalho: analisar a
ação dos trabalhadores metalúrgicos da CUT na Educação Profissional a partir da experiência
do Programa Integrar. Para isso, busco em um primeiro momento a criação do Sistema
Público de Emprego no Brasil e a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador, que apesar de
ser contraditório à proposta de organização do Programa Integrar, pois se construíram pela
lógica do neoliberalismo no Brasil e de seus governos, foram os espaços encontrados pelos
metalúrgicos para iniciar o processo de desenvolvimento do programa de formação.
4.1 SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO NO BRASIL E A CRIAÇÃO DO FUNDO DE
AMPARO AO TRABALHADOR – FAT
Agora melhorou bastante o modo de trabalhar. O serviço é melhor,
com mais facilidade, mas técnica. O nosso era um serviço mais braçal.
Naquele tempo é que se começou a cuidar das ferramentas, a arrumar as
ferramentas, ter almoxarifado com ferramentas próprias para o serviço e
máquinas apropriadas. Naquele tempo, para fazer uma chaveta era preciso ir
para a máquina e fazer uma chaveta. Hoje tem máquina especial para fazer
chaveta, fazer engrenagem, tudo. Severino Feliciano dos Santos; (Memórias
do Trabalho CNM/CUT & Museu da Pessoa, 1999, p.71).
Em 17 de junho de 1948, em São Francisco / EUA, a Conferência Geral da
Organização Internacional do Trabalho OIT adotou diversas proposições relativas à
organização do serviço de emprego. No primeiro artigo explicitou que:
Cada membro da Organização Internacional do Trabalho para a qual a
presente convenção está em vigor deve manter e cuidar de que seja mantido
um serviço público e gratuito de emprego; A tarefa essencial do serviço de
emprego deve-se realizar, em cooperação, quando necessário, com outros
organismos púbicos e privados interessados, a melhor organização possível
do mercado de emprego como parte integrante do programa nacional
destinado a assegurar e a manter o pleno emprego, assim como a
desenvolver e a utilizar os recursos produtivos (Convenção n. 88 OIT).
O Brasil, como País membro da OIT e signatário da resolução, criou apenas em 1975
o Sistema Nacional de Emprego SINE em pleno regime militar. Esse foi o primeiro passo
99
para a formação de um sistema público de emprego no Brasil, com o objetivo de atender aos
interesses econômicos da época. Para o DIEESE, os objetivos dos SINE “eram organizar e
estimular o mercado de trabalho, produzindo indicadores e procurando adequar oferta e
demanda de trabalho, através da intermediação da mão-de-obra, além de elevar o nível de
qualificação profissional da força de trabalho” (DIEESE, 2001, p. 264).
Nos últimos 30 anos, a questão do desemprego tem acometido sistematicamente as
sociedades capitalistas desenvolvidas. Para Dedeca; Barbosa e Moretto (2007) “a recorrência
de tal problemática ocasionou o estabelecimento de estratégias nacionais de progressiva
qualificação dos sistemas públicos de emprego, que tem absorvido mudanças institucionais
importantes”. Uma das características desse processo têm sido a maior integração e
articulação das políticas de mercado de trabalho e das funções básicas do sistema: seguro-
desemprego, intermediação da mão-de-obra e a qualificação profissional (DEDECCA;
BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 15).
Para os autores, a política de emprego passa a depender da estratégia de
desenvolvimento econômico do país. Isso inclui a definição dos setores econômicos
estratégicos, o padrão de inserção externa, o papel do Estado nos investimentos em infra-
estrutura nos incentivos ao sistema nacional de inovação e no financiamento dos gastos
sociais. Sobre o Sistema Nacional de Inovação é importante destacar que o mesmo foi
aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro através da Lei 10.973 em dezembro de 2004 e
dispõe sobre incentivos à inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente
produtivo. O objetivo do novo mecanismo foi de fortalecer a interação entre as instituições de
pesquisa, desenvolvimento e inovação e a indústria, a partir de um planejamento de longo
prazo que mobilize a sociedade em prol do avanço industrial e tecnológico do país.
Nos países desenvolvidos surgiram, num primeiro período, iniciativas isoladas, que
buscavam contornar as primeiras aparições do desemprego de massa durante as primeiras
décadas do século XX. Em um segundo período, no pós Segunda Guerra Mundial através da
“estruturação de sistemas públicos de emprego nacionais voltados para a concessão do
seguro-desemprego e a intermediação de mão-de-obra”. A estas iniciativas se agregariam
paulatinamente “as ações no campo da qualificação profissional”. E o terceiro período, que
pode ser demarcado como tendo início nos meados da década de 1970 e vem até os dias
atuais. Nesse período as mudanças na orientação das políticas de mercado de trabalho são
100
acompanhadas pelas transformações no perfil do emprego e do desemprego” (DEDECCA;
BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 17).
O financiamento das políticas de mercado de trabalho em alguns países desenvolvidos
destacou a diferença a partir do gasto em relação ao percentual do PIB. Na Europa
continental, as despesas médias correspondem a 2,5% do PIB, com níveis um pouco
superiores na França (2,85%) e na Alemanha (3,46%). “Nos Estados Unidos gasta-se pouco
mais de 0,5% do PIB com as mesmas políticas, situando-se a Inglaterra num patamar de 0,9%
do PIB. Pode-se falar de um padrão anglo-saxão de políticas menos universais, mais
segmentadas e focadas, já que o volume dessas despesas na Austrália e no Canadá mal supera
a casa de 1%” (DEDECCA; BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 25).
Em % do PIB EUA R. Unido França Alemanha EU
Intermediação de mão-de-obra 0,04 0,34 0,25 0,28 0,2
Políticas Ativas
5
0,12 0,18 0,84 0,86 0,7
Formação 0,05 0,14 0,31 0,4 0,28
Políticas passivas
6
0,37 0,37 1,77 2,31 1,44
Total 0,53 0,89 2,85 3,46 2,34
Para os autores
Ainda que se possa alegar que os níveis de desemprego sejam mais
elevados nos países europeus – a taxa de desemprego nessa região é cerca de
50% maior que nos Estados Unidos -, exigindo um maior volume de gastos,
não se deve esquecer que o percentual aplicado a essas políticas é cinco
vezes maior na União Européia. Ou seja, os países da Europa continental
vêem nas políticas de mercado de trabalho uma forma de impedir uma
flexibilização generalizada, ou ao menos de controlar o alcance desse
processo (DEDECCA; BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 26).
5
As ações ativas compreenderiam um amplo conjunto de políticas endereçadas a melhorar o acesso do
desempregado ao mercado de trabalho, às ocupações e ao desenvolvimento de habilidades a ela relacionadas,
assim como subsídios ao emprego.
6
As medidas passivas cobririam os gastos com benefícios aos desempregados e programas de aposentadoria do
trabalhador.
101
Considero importante, mesmo que rapidamente, fazer um apanhado resumido das
mudanças no sistema público de emprego em alguns países desenvolvidos para depois
direcionar ao caso específico do sistema público de emprego no Brasil e compreender as
políticas adotadas nos últimos governos.
Abordarei aqui com base no estudo de DEDECA; BARBOSA & MORETTO (2007)
três experiências de políticas do sistema público de emprego: a dos Estados Unidos, da
Inglaterra e da França. Nos Estados Unidos a consolidação do sistema público de emprego
aconteceu com a integração das políticas de seguro-desemprego e intermediação com as de
qualificação profissional a partir da Lei de Desenvolvimento Qualificação da Mão-de-obra de
1962.
Ao longo dos anos de 1970 e 1980, algumas mudanças substanciais
foram introduzidas. Em 1982, por meio da Lei de Parcerias de Qualificação
Ocupacional (Job Training Partnership Act JTPA), questionou-se a ênfase
na qualificação profissional em si mesma, bem como a excessiva
dependência dos segmentos mais vulneráveis aos programas sociais. A
qualificação teria de estar conectada aos requisitos de demanda de trabalho.
Ao mesmo tempo, os conselhos consultivos locais tiveram o aumento da
participação do setor privado, passando a ser intitulados Conselhos da
Indústria Privada (Private Industry Councils PICs) (DEDECCA;
BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 29).
No final da década de 1980 surgiu, nos EUA, um novo consenso “a necessidade de
passar da abordagem ‘primeira qualificação’ para o enfoque do ‘primeiro trabalho’”.
Chegava-se enfim, à conclusão de que “o foco exclusivo na qualificação profissional era
insuficiente, exatamente como apontaram os resultados das análises de desempenho
realizadas. Voltava-se a valorizar o papel do sistema público de emprego com ações
integradas, mais baratas e mais capazes de fornecer um atendimento ao conjunto da força de
trabalho norte-americana”
(DEDECCA; BARBOSA; & MORETTO, 2007, p. 30).
Os autores apontam que nos anos de 1990 três tendências mostraram-se predominantes
na gestão das políticas de mercado de trabalho norte-americanas: “descentralização
operacional com parâmetros nacionais; ênfase na responsabilidade pessoal (especialmente
para a mão-de-obra com maiores níveis de qualificação); e orientação para o trabalho, com o
intuito de fornecer as políticas ativas e de reinserção no mercado de trabalho em detrimento
das passivas”
(DEDECCA; BARBOSA; & MORETTO, 2007, p. 32).
102
a segunda experiência, a britânica, funcionava através dos centros de empregos
(jobcentres) voltados para o atendimento dos trabalhadores desempregados. “Os trabalhadores
que recebiam o seguro-desemprego, além de se inscrever nas agências de seguro-desemprego,
tinham de se registrar nos jobcentres, mas o uso dos serviços não era generalizado, havendo
escassa conexão entre eles. O Sistema público de emprego era gerido por uma Comissão de
Serviços de Mão-de-obra (Manpower Services Commission) com igual representação de
trabalhadores e empregados”
(DEDECCA; BARBOSA; & MORETTO, 2007, p. 34).
No governo de Margareth Thatcher predominou a visão de que o ajuste do mercado de
trabalho ocorreria por meio de uma maior flexibilidade do trabalho.
No âmbito das políticas de mercado de trabalho, veremos um conjunto
radical de reformas que alterariam sua configuração anterior. A própria
gestão tripartite das políticas seria sensivelmente questionada. Reduziram-se
os benefícios do seguro-desemprego na suposição de que se elevaria os
incentivos ao trabalho. A culminação dessa reforma foi a criação do Auxílio
aos Desempregados (Jobseekers Allowance), substituindo e reduzindo os
valores médios tanto do seguro-desemprego como dos mecanismos de
manutenção de renda não-contributivos (DEDECCA; BARBOSA &
MORETTO, 2007, p. 34-35).
O sistema inglês produziu um efeito de que partes dos desempregados de longa
duração acabaram engrossando as fileiras da proteção social através da expansão vigorosa dos
benefícios. Com o governo trabalhista, a partir de 1997, algumas mudanças foram
introduzidas, mas ainda se manteve a visão de um programa de proteção social com ênfase no
emprego.
Criaram-se programas de emprego New Deal, voltados para grupos
sociais específicos: jovens, desempregados bastante tempo, pais e mães
solteiros, pessoas com deficiências, pessoas com mais de 50 anos e parceiros
de desempregados. A idéia era tratar de forma específica os problemas
desses ‘excluídos’, os quais deveriam também assumir a responsabilidade
para ‘mudar suas vidas’. Para tanto, contariam com um gerente pessoal, que
os apoiaria nos seus esforços em busca de emprego (DEDECCA;
BARBOSA; & MORETTO, 2007, p. 35-36).
A terceira experiência surgiu de forma tardia na França, apenas em 1958, como
resultado de um acordo inter-profissional que passou a custear essa política por meio de
contribuições patronais e dos trabalhadores. “Entre 1981 e 1983, verificou-se uma mudança
103
no enfoque das políticas: prioridade para a redução da jornada de trabalho e para a criação de
emprego público direta ou indiretamente, por meio, por exemplo, da subvenção de empregos
locais ou de interesse social” (DEDECCA; BARBOSA; e, MORETTO, 2007, p. 37).
Essa perspectiva significou pouco na trajetória francesa das políticas de mercado de
trabalho, já que a partir de 1983 “os esforços voltaria a se concentrar na redução dos custos do
trabalho, no foco sobre os grupos desfavorecidos (jovens de até 26 anos e indivíduos
desempregados há bastante tempo), que passaram a contar com contratos específicos de
emprego e na redução expressiva do valor dos benefícios e do público com acesso às políticas
ditas passivas (seguro-desemprego e aposentadoria antecipada)” (DEDECCA; BARBOSA &
MORETTO, 2007, p. 38).
Com o governo socialista de Jospin, foi estimulada a geração dos empregos jovens no
setor público. “A principal inovação no campo do sistema público de emprego se deu no
então chamado ‘plano de retorno ao emprego’, que passou a oferecer aos desempregados
instrumentos de avaliação profissional e suporte na busca de ocupação, estabelecendo de
forma mais concreta e sistemática uma interação entre os programas de seguro-desemprego e
de intermediação de mão-de-obra” (DEDECCA; BARBOSA & MORETTO, 2007, p. 39).
Em 2006 o governo francês apresentou ao Congresso um projeto de lei por igualdade
de oportunidade. A partir da qual se instaurava o contrato do primeiro emprego. O governo
Francês, assim como os demais, optou por uma reestruturação profunda na forma de operação
do sistema público de emprego, no sentido de sua descentralização e maior integração e
rompeu com o monopólio da Agência Nacional pelo Emprego ANPE em relação à
intermediação de mão-de-obra.
Como vimos no inicio deste capítulo, a convenção n. 88, da Organização Internacional
do Trabalho OIT deu um grande impulso à constituição dos Serviços Públicos de Emprego
na maioria de seus países membros.
O Brasil passou a desenvolver programas e ações de Serviços Públicos de Emprego
tardiamente. Para Remigio Todeschini (2007),
As leis declaravam, desde a Constituição de 1934, a proteção aos
desempregados sem justa causa. A Constituição de 1946 inscreveu a
assistência aos desempregados no título V da Ordem Econômica e Social.
Nos anos 1940, criou-se uma estrutura paralela de educação profissional,
104
financiada pelo Estado e posta sob a administração dos empresários dos
setores da indústria e do comércio, voltada à aprendizagem profissional dos
jovens e à qualificação dos trabalhadores desses setores (SENAI e SENAC).
Somente 20 anos mais tarde é que a Lei 4923, de 1965, normatizou o auxílio
desemprego para os desempregados por motivo de fechamento parcial ou
total de uma empresa de forma restritiva (TODESCHINI, 2007, p. 66).
Com o decreto 76.409 de outubro de 1975 o Brasil iniciou sua experiência na
intermediação da mão-de-obra, isso quase 30 anos depois da Convenção da OIT. “Com a
Constituição Federal de 1988, o Programa de Integração Social (PIS) e o PASEP (para
servidores públicos), ambos criados em 1970, foram a pedra angular para a criação do Fundo
de Amparo ao Trabalhador e para a institucionalização do conselho Deliberativo do Fundo de
Amparo ao Trabalhador – CODEFAT” (TODESCHINI, 2007, p. 66).
A Declaração sobre Desenvolvimento Social e o Programa de Ação da Cúpula de
Copenhague, em 1995 estabeleceu várias metas para que os países signatários procurassem
atender, entre elas a meta três em que os países devem ‘adotar a meta de pleno emprego como
prioridade das políticas econômicas e sociais’. “O Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT é
um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e
Emprego - MTE, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono
Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico” (BRASIL, 2008).
A lei que instituiu o FAT também criou o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador o CODEFAT, órgão colegiado, de caráter tripartite e paritário e composto por
representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo atuando como gesto do
FAT.
É importante destacar que o programa do seguro-desemprego é responsável por um
tripé das políticas de emprego:
Beneficio do seguro-desemprego: promove a assistência financeira
temporária ao trabalhador desempregado, em virtude de dispensa sem justa
causa; Intermediação de mão-de-obra: busca recolocar o trabalhador no
mercado de trabalho, de forma ágil e não onerosa, reduzindo os custos e o
tempo de espera de trabalhadores e empregados. Qualificação social e
profissional: visa a qualificação social e profissional de trabalhadores,
certificação e orientação do trabalhador brasileiro, com prioridade para as
pessoas discriminadas no mercado de trabalho por questões de gênero,
raça/etnia, faixa etária e/ou escolaridade (BRASIL, 2008).
105
O Codefat passa, a partir dos anos de 1990, a definir um conjunto de resoluções que
foram orientando as diversas políticas de emprego e o próprio sistema público de emprego no
Brasil. A Constituição Federal de 1988 define no Art. 239 a destinação de 40% de seus
recursos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Social BNDES, especificamente para
investimentos no setor produtivo. Outra parcela do recurso é destinada para a assistência aos
desempregados e para o abono salarial. Para Todeschini (2007) “as leis 7.998/90 e 8.900/94
definiram as ações do Programa de Seguro-desemprego, prevendo orientação, recolocação e
qualificação, para auxiliar os trabalhadores na busca de emprego, fortalecendo, assim, os
Serviços Públicos de Emprego”. Entre os anos de 1995 e 1996, diversas resoluções do
Codefat reforçaram a gestão participativa dos estados e municípios com a criação das
Comissões Estaduais e Municipais de Emprego (TODESCHINI, 2007, p. 67).
No âmbito do Ministério do Trabalho em 1995 foi elaborado o documento chamado
“Questões críticas da Educação Brasileira”, que define a estratégia para a atuação Programa
de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria PACTI e do Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade PBQP na área educacional. O documento destaca um conjunto
de questões que considera criticas e que emergem do debate recente sobre a importância
estratégica da Educação numa economia mais globalizada e mais competitiva” (BRASIL,
1995, p. 5).
O documento aponta ainda a desvantagem do Brasil em comparação aos outros países
desde a escola elementar até o ensino superior, mesmo em relação a países com nível de renda
per capta semelhante. Conforme o documento,
A modernização, hoje, se comparada ao ciclo anterior, implica em
impactos muito maiores sobre os perfis educacionais da mão-de-obra,
principalmente ao nível do chão-de-fábrica. [...] Observa-se uma conjunção
de novas formas de automação com novas formas de organização, que
tornam a produção mais integrada e mais flexível. Esta é a essência das
novas formas de produzir. A capacidade de inovação tecnológica e gerencial
(capacitação tecnológica) e a formação de redes de parcerias entre empresas
passaram a ser os fatores preponderantes para a competitividade (BRASIL,
1995, p. 5).
Um dos diagnósticos apontados pelo documento diz que:
O melhor desempenho da força de trabalho diz respeito
principalmente ao conhecimento mais amplo do processo produtivo, ao grau
106
de abstração das novas tarefas, a relação de trabalho mais cooperativas e,
portanto, ao uso de habilidades intelectuais que são produtos da Educação
Geral, ou seja, do conjunto de conteúdos das diferentes áreas do
conhecimento que compõe os currículos do ensino regular, voltado para o
desenvolvimento pleno das capacidades/potencialidades dos indivíduos
(BRASIL, 1995 p. 7).
O mesmo documento aponta para a concepção da ‘produção moderna’ e afirma que a
mesma implica em uma visão e tratamento articulados das questões sociais e econômicas e de
aspectos da infra-estrutura, como pré-condição ao ‘sucesso de um projeto de reestruturação
produtiva’. Pois “se a meta é uma maior produtividade sistêmica, o que se deve buscar, no
que se refere à Educação, é a elevação do nível de escolaridade da população como um todo, e
não apenas daqueles que estarão mais diretamente envolvidos com as novas tecnologias. A
crise educacional brasileira afeta a economia como um todo, e desta perspectiva deve ser
enfrentada” (BRASIL, 1995, p.7).
O documento destaca ainda, “os pontos mais críticos no panorama da Educação
brasileira”. Dispensarei atenção especificamente a três elementos presentes no documento: o
primeiro é sobre o papel das Instituições de Formação Profissional, o segundo sobre a
participação dos Sindicatos de Trabalhadores e o terceiro sobre a participação dos
Empresários.
Primeiro, o documento aponta que as instituições de formação profissional estão
procurando rever seus objetivos e metas face ao novo contexto da produção industrial. “Ainda
se percebe alguma dificuldade na redefinição do papel dessas instituições quando se indaga, o
que fazer com os alunos com escolaridade insuficiente. É nesse contexto que propõem novas
formas de articulação com os sistemas públicos de ensino, de modo a garantir que seus
egressos tenham a base de Educação geral adequada ao processo de qualificação
profissional”. Segundo, quanto a participação dos sindicatos de trabalhadores, o documento
destaca que os sindicatos participam cada vez mais do debate educacional. “Em relação à
crise da Educação, pretende-se a maior participação das comunidades, dos segmentos
organizados da sociedade, principalmente os sindicatos dos trabalhadores, buscando maior
transparência e efetividade na gestão dos sistemas educacionais”. O terceiro elemento, sobre a
participação empresarial. O documento destaca que o setor empresarial ocupa ‘posição
privilegiada no que se refere à questão da relação entre escolaridade e qualificação da força-
107
de-trabalho.’ Neste sentido os empresários desempenhariam um papel importante no esforço
de elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores (BRASIL, 1995, p. 24-26).
Em 1996 o Ministério do Trabalho cria a Secretaria Nacional de Formação e
Desenvolvimento Profissional (SEFOR), e com isso passa a ocupar um plano de destaque em
grandes projetos de educação profissional, desde a criação do Senai em 1942.
A Sefor recebe as seguintes atribuições:
[...] realizar estudos objetivando a formulação de políticas e diretrizes
nas áreas de educação profissional; promover a execução de programas de
educação profissional de acordo com as necessidades do mercado de
trabalho; estudar, analisar, orientar, coordenar e supervisionar as atividades
relacionadas com a formação e o desenvolvimento profissional para o
mercado de trabalho; promover a articulação, no campo da educação
profissional, com as secretarias do trabalho dos estados, municípios, os
conselhos estaduais e municipais do trabalho, as instituições de formação
profissional e as escolas técnicas; fomentar a execução de ações na área de
educação profissional, em articulação com empresários e organizações não-
governamentais (CUNHA, 2001, p. 146-147).
Com isso a SEFOR desenvolve amplo debate sobre a educação nacional e neste
sentido envolvem instâncias governamentais, universidade, entidades representativas dos
trabalhadores e dos empresários e organizações educativas ligadas à educação de jovens e
adultos. Como vimos, as bases do novo projeto foram elaboradas a partir de um diagnóstico
crítico das atuais condições e carência da educação escolar em geral e do ensino profissional
em particular (BRASIL, 1995).
Com essas atribuições, e os recursos oriundos do FAT, a SEFOR passou a ter uma
capacidade de programar as políticas do governo incomparavelmente superior a tudo o que o
Ministério do Trabalho fizera no passado. Para Cunha (2001) a Secretaria baseou sua atuação
não na orientação da formação profissional de cursos disponíveis no mercado, mas sim
orientada pela demanda do setor produtivo, tentando com isso reunir os interesses e
necessidades de trabalhadores, empresários e comunidades. Instituiu também o conceito de
‘planejamento com foco na demanda’ oposto do que existia que era o ‘foco na oferta’
(CUNHA, 2001, p. 148).
108
Cunha (2000) chama a atenção ainda que a SEFOR pretendia inicialmente obter a
adesão preferencial do “Sistema S”, especialmente do Senai e do Senac que, no entanto,
recusaram-se em razão da definição prévia de suas missões, que não priorizavam os mesmos
destinatários. Diante disso, a SEFOR optou por induzir as secretarias estaduais e municipais
do trabalho, a organizarem os planos de qualificação, além desses, foram realizados parcerias
com organizações não governamentais, sindicatos de trabalhadores, fundações, universidades
e outras entidades com o mesmo propósito (CUNHA, 2000, p. 234-235).
Para Prestes (2006) ao mesmo tempo a política da SEFOR vai coincidir no Brasil com
uma postura de defesa por parte dos sindicatos de uma política de formação com o objetivo de
melhorar as condições de trabalho e como ‘um meio para a participação coletiva dos
trabalhadores diante das transformações técnicas e organizacionais das instituições
empregadoras’.
A formação passa, inclusive, a ser defendida tanto pelo governo como
pelos sindicatos ‘como um direito social’. Em realidade, naquele contexto de
mudanças, o trabalhador, vivenciando situações de fragilidade e de temores,
sem brechas para a mobilização coletiva, parecia não encontrar outras
alternativas para permanecer no cenário político, senão o de aceitar negociar
com os patrões e com o próprio Estado, na definição das políticas
trabalhistas.A organização paritária, vista como ‘matriz neocorporativa’ (In
Fidalgo, 1999) e envolvendo o Estado, o Capital e o Trabalho, na construção
de um novo pacto, passa a ser considerada como um dos mais importantes
mecanismos para as definições e aplicações de políticas trabalhistas e
econômicas, através da utilização da lógica e do consenso (PRESTES, 2006,
p. 120).
A SEFOR contou com a possibilidade de montar uma rede com cerca de 20 mil
entidades que atuam na educação profissional, em todo o país. Até o fim de 1998 haviam
sido cadastradas 14 mil dessas entidades. Havia a intenção, por parte da SEFOR, de apoiar a
criação dos Centros blicos de Educação Profissional. Esses centros públicos deveria
desenvolver atividades destinadas a trabalhadores em qualquer grau de escolaridade, para
desempregados e inseridos no mercado informal, especialmente em condições de trabalho
precário.
Segundo Cunha (2000) o apoio do governo aos centros públicos de educação
profissional não evidenciava se era por inspiração direta do projeto de LDB da Câmara e que
foi rejeitado pelo MEC, preferindo o projeto do Senador Darcy Ribeiro, ou ainda se por
109
inspiração da CUT que participava de um grupo de diálogo composto pelo Ministério da
Educação, CUT, Força Sindical, Central Geral dos Trabalhadores, Confederação Nacional da
Indústria, Confederação Nacional da Agricultura, Confederação Nacional do Comércio,
Confederação Nacional dos Transportes, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial,
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural,
Associação Brasileira de Organizações não Governamentais, Fundação Educacional do
Distrito Federal (CUNHA, 2000, p. 235).
Se a criação dos centros públicos aconteceu por influência da CUT é importante
perceber que a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT aprova uma resolução ainda
em 1995 no 3º Congresso dos Metalúrgicos, onde aponta a necessidade de criação dos
centros. No congresso foram chamados de centros de formação profissional com caráter
tripartite
(CNM/CUT, 1995, p.40).
A política de qualificação profissional no Brasil, organizada em 1995 no governo de
Fernando Henrique Cardoso, através do Ministério do Trabalho e Emprego é consumada
através do Plano Nacional de Qualificação Profissional PLANFOR. Para Prestes (2006) o
PLANFOR “tornou-se uma das políticas mais polêmicas em adoção no país, na conteslação
das políticas sociais dirigidas para os trabalhadores de baixa escolaridade e renda”
(PRESTES, 2006, p. 112).
Ainda para Prestes (2006), um dos motivos que acarretou no desenvolvimento do
PLANFOR, esteve alicerçado no contexto econômico em que o trabalho se tornou dispensável
e o desemprego se ampliou. Desta forma o medo se coletiviza. Para a autora, a fundamentação
central de que a qualificação deve ser vista como possibilitadora de trabalho, de combate à
pobreza e as injustiças sociais, também como facilitadora da integração social do trabalhador.
Esta concepção está fundamentada na Teoria do Capital Humano que como vimos no item
4.1 se constitui como referencial capaz de transformar a educação em determinante do
desenvolvimento econômico da nação e como fator de distribuição de renda.
Com isso, do ponto de vista do Ministério do Trabalho,
A qualificação era entendida como ‘recuperação e valorização da
competência profissional do trabalhador’, tanto no plano da competência
técnica, como nas questões relacionadas à cidadania, integrando-se a
propostas de alfabetização de jovens e adultos (na época, também incluídas
110
no financiamento dos programas de qualificação). A qualificação, aliada à
escolaridade e articulada a uma política de trabalho e renda, passaria a ser,
segundo o Planfor, de interesse da empresa, dos trabalhadores e da sociedade
como um todo. A idéia seria ‘modernizar as relações capital-trabalho’ e
‘resgatar a dívida social com o trabalhador’, propiciando-lhe direitos de
cidadania historicamente negados pela própria sociedade (PRESTES, 2006,
p. 120-121).
Para Manfredi (2002), o PLANFOR previa como linhas programáticas, o
desenvolvimento de estratégias formativas destinadas à qualificação/requalificação dos
trabalhadores jovens e adultos e à sua formação continuada, buscando superar a visão
predominante de ‘treinamento’.
Quanto a concepção e ao conteúdo dessa Educação Profissional,
em tal projeto (Planfor) a negação da dicotomia entre Educação Básica e
Educação Profissional e da sobreposição ou substituição da segunda pela
primeira. O entendimento de que a formação profissional deve enfatizar o
desenvolvimento de habilidades e de conhecimentos básicos, específicos e
de gestão, voltados para o desenvolvimento plural do indivíduo, e o
reconhecimento e a valorização dos saberes adquiridos por meio das
experiências de trabalho, e seu credenciamento garantindo a possibilidade de
reingresso no sistema educacional formal (MANFREDI, 2002, p. 116).
A política de emprego e renda no Brasil, organizada pelo Ministério do Trabalho,
durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso integrou diferentes programas e projetos.
O PLANFOR tornou-se um dos projetos prioritários com foco na “empregabilidade e oferta
de educação profissional”. Para isso procurou seguir o exemplo do que ocorria na Europa,
principalmente na Espanha em que o governo tornou-se parceiro tanto de empresários como
de organismos de representação de trabalhadores (sindicato, associações, universidades e
ONGs). Com isso, “as entidades foram consideradas co-responsáveis pela execução dos
programas, através de sua participação no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador - CODEFAT, com o objetivo de pôr em prática as suas amplas propostas
políticas de atender as necessidades do mercado e do trabalhador brasileiro, simultaneamente”
(PRESTES, 2006 p. 117-118).
Grande parte das atividades de qualificação, oferecidas pelo PLANFOR, visaram
ocupações tradicionais, aquelas que exigiam pouca escolaridade, ou para o mercado informal,
como cabeleireiro, cozinheiro, vigilante, mecânico de automóveis, garçons, etc.
Contraditoriamente, a política de qualificação profissional expressa no documento Educação
111
Profissional Formando o cidadão produtivo”, considera que o novo perfil do trabalhador
brasileiro necessita que o mesmo tenha a formação geral ampla e sólida nas novas bases
tecnológicas; que o mesmo deve saber a aprender; trabalhar em equipe; ter capacidade de
autogestão e de resolução de problemas. Para isso a Educação Profissional deveria focar-se na
empregabilidade; na cidadania e na competência; ser complemento (e não substituto) da
escolaridade básica; e ser um componente de novo padrão nas relações capital-trabalho - a
Educação Profissional como instrumento de negociação coletiva. (BRASIL, 1996). Essa
justificativa está expressa na concepção de que a nova empresa exige que o trabalhador não
apenas saiba fazer, mas é preciso também ‘conhecer’ e, acima de tudo, saber aprender.
Os cursos propostos pelo Ministério do Trabalho tinham as bases organizadas de
forma modular e eram voltados para o desenvolvimento de habilidades básicas que
contemplariam: o domínio funcional da leitura, escrita e cálculo, raciocínio, capacidade de
abstração, relacionamento, comunicação e outros componentes exigidos para trabalhar e viver
na sociedade moderna. Habilidades específicas, relacionadas a atitudes, conhecimentos
técnicos e competências demandadas pelas diferentes ocupações do mercado de trabalho; e
por fim, as habilidades de gestão que compreendiam as competências de autogestão
associativas e de empreendimento, fundamentais para a geração de trabalho e renda e para a
construção da empregabilidade (BRASIL, 1996).
Os mecanismos de implementação do PLANFOR foram os Plano Estaduais de
Qualificação PEQs, que deveriam oferecer a Educação Profissional para desempregados,
beneficiários do seguro-desemprego e outras populações em risco ou desvantagem social e a
gestão ficaria a cargo das Secretarias Estaduais de Trabalho, com a supervisão das Comissões
Estaduais e Municipais de emprego. Para a implementação dessas políticas os PEQs deveriam
mobilizar um grande número de entidades executoras públicas e privadas, e definir os
programas com foco no público-alvo e no mercado local (BRASIL, 1996).
Cunha (2000) destaca que o PLANFOR considera-se um dos programas mais
avaliados de todo o governo Federal, quer seja por órgão internos (Ipea), quer seja por
entidades externas ao governo como Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre
o Trabalho Unitrabalho e o Fórum permanente das relações Universidade-Empresa
Uniemp (CUNHA, 2000, p. 240).
112
Sobre os procedimentos de avaliação no governo de Fernando Henrique Cardoso
Prestes (2006) destaca que
[...] a avaliação ganhou relevo, especialmente a avaliação institucional
e educacional. Se, por um lado, os procedimentos avaliativos passaram a ser
vistos como um mecanismo estratégico na ‘disseminação de valores e
finalidades de mercado’ e, portanto, capazes de apoiar e favorecer os
resultados e os produtos de ações gestadas e controladas pelo Estado; por
outro, existem os que entendem a avaliação numa perspectiva emancipatória,
indutora de desenvolvimento, mudanças e transformações de políticas
institucionais e de promoção de atores nelas envolvidos. (PRESTES, 2006.
p. 122).
Prestes (2006) aponta que o PLANFOR, como política de governo, cumpria um papel
estratégico, ‘na disseminação das concepções e lógicas de natureza valorativas e/ou
axiológica e operacional’. Entretanto, “no contexto da redefinição de posturas éticas do
Estado, à medida que o governo expõe à sociedade suas políticas em processo para serem
acompanhadas e avaliadas, estas passam a ser vistas como um ato democrático de prestação
de contas ou como comprovação ou não dos recursos públicos que são destinados para
benefício da coletividade”. (PRESTES, 2006, p. 122).
As estratégias metodológicas adotadas nos processos avaliativos do PLANFOR
concentravam-se, “majoritariamente, no método quantitativo e as interpretações e análises dos
resultados, sem considerar as teias de relações e inter-relações do entorno social que
referendam o espaço onde atuam: um mundo social caracterizado por diferentes interfaces,
todas elas estabelecendo, entre si, intimas conexões” (PRESTES, 2006. p. 123).
Contrapondo-se às criticas recebidas, os organizadores do PLANFOR argumentavam
que
O papel da política de qualificação do trabalhador era possibilitar aos
trabalhadores pobres desempregados, jovens, idosos, mulheres e negros e
que nunca tiveram oportunidade de serem qualificados ou requalificados
uma oportunidade de ‘empregabilidade’, seja para permanecer no trabalho,
seja para construir novas formas de produção diante de um mundo de
trabalho em reconfiguração e que exige escolaridade, qualificação,
conhecimentos e informação. (...) era um programa que se justificava na
prática, na realidade e nas necessidades concretas das situações de vida e
trabalho das populações com pouca ou nenhuma escolaridade,
desempregadas ou em risco de perder o emprego (PRESTES, 2006 p. 121).
113
O discurso reinante nos anos 90 apontava que o Brasil tinha um enorme obstáculo a
vencer - qualificar os trabalhadores para assegurar empregos de qualidade e garantir o sucesso
do processo de modernização produtiva. Neste aspecto Costa resgata que Vieira & Alves
(1995), apontaram que a qualificação profissional no Brasil enfrentava os seguintes pontos de
estrangulamento:
Os baixos níveis de escolaridade dos trabalhadores, que têm em média
5,2 anos de estudo; o grande número de jovens egressos, a cada ano, do
sistema educacional, com preparo inadequado para enfrentar as exigências
do mercado de trabalho; a desatualização e ineficiência do sistema de
formação profissional para atender com rapidez às mudanças tecnológicas e
gerenciais; a inexistência de metodologias (já testadas) de ensino adequadas
às novas necessidades do setor produtivo e ao perfil educacional desejado do
trabalhador; e, a inexistência do componente de qualificação profissional na
política pública de combate ao desemprego (COSTA, 2006, p. 138).
Prestes (2006) salienta que os críticos dessa política argumentam primeiramente a
forma como era oferecida essa qualificação, que não assegurava a inserção e permanência do
trabalhador no mercado de trabalho. Segundo, que essa política contribuía para formar
cidadãos passivos e não mais trabalhadores, e terceiro que a qualificação oferecida pelo
PLANFOR era ineficaz pela forma como eram conduzidas e articuladas suas atividades de
qualificação profissional com outras políticas de educação formal e por reduzir seu foco de
atendimento às necessidades do mercado de trabalho e à lógica empresarial (PRESTES, 2006
p. 121).
As ações de qualificação no período do PLANFOR contaram com muitos recursos e
rápida expansão. Para Antonio Almerico Biondi Lima (2007) apesar de certos avanços, como
a ampliação do conceito de entidade executora de ações de qualificação e, de certa forma, a
manutenção da ‘vida’ das comissões de emprego, o plano não alcançou os seus objetivos,
esgotando-se em várias dimensões. Na dimensão Política as ações de qualificação eram vistas
como parte de um programa conjuntural e não como política permanente, na qual o direito à
qualificação é um princípio. Junto a isso a priorização das pessoas com maior dificuldade de
inserção no mercado de trabalho era relativa, pois os reclames da reestruturação produtiva
apontavam para o atendimento de pessoas já empregadas, com maior escolaridade e renda. Do
ponto de vista da dimensão conceitual houve um abandono da categoria ‘trabalho’ e da
perspectiva ‘trabalho como princípio educativo’ alem do que o não acolhimento da
114
qualificação como uma relação social, conflituosa, configurando relação de poder no local de
trabalho, que é fundamental ser negociada entre trabalhadores e empresários. Na perspectiva
institucional a definição dos papéis dos atores sociais e do Estado eram confusas, causando
dispersão de recursos e superposição de ações isso também levava a alguns privilégios para
determinadas entidades executarem o programa. Da perspectiva pedagógica o programa teve
baixa qualidade dos cursos e secundarização das questões metodológicas com pouca ênfase na
elevação de escolaridade. (LIMA, 2007, p. 69 a 71).
4.2 EXPECTATIVAS E OBJETIVOS COM O PROGRAMA INTEGRAR.
Entre os anos de 1994 e 1995 a Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT
CNM/CUT encaminhou um processo de revisão em sua política de formação. Naquele
momento duas experiências de educação foram avaliadas: a primeira foi o Programa de
formação de Dirigentes em Reestruturação Produtiva e Ação Sindical, a segunda foi um curso
de curta duração que vinha sendo realizado na área da matemática e controle de medidas,
voltado aos desempregados. Esse último em dezembro de 1994, com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador – FAT em São Paulo.
Os cursos tiveram como principal referência a primeira experiência de formação
desenvolvida pelo então Departamento Nacional dos Metalúrgicos
7
da CUT, através de um
convênio de cooperação com os metalúrgicos italianos vinculados à Federazione Impiegati
Operai Metallurgici – FIOM, filiada a Confederazione Generale Italiana del Lavoro-CGIL.
Os cursos de sensibilização seguiram, em linhas gerais, essa primeira
matriz de elaboração e de formação. O fio condutor da experiência
continuou sendo a análise das novas formas de organização da produção e do
trabalho implementadas pelas empresas a partir da segunda metade dos anos
80: a fábrica racionalizada, com um novo jeito de produzir, sob a lógica da
integração e da flexibilidade (CNM/CUT, 1997, p.8).
7
Em 1989, foi fundado, em Congresso, o Departamento Nacional dos(as) Metalúrgicos(as) da CUT. Em 1992,
no Congresso da categoria, o Departamento transformou-se em Confederação Nacional dos(as)
Metalúrgicos(as) da CUT, deliberou pela filiação à Federação Internacional dos Trabalhadores na Indústria
Metalúrgica - FITIM
115
A continuidade do convênio de cooperação com a Federação dos Metalúrgicos da
Suécia levou a CNM/CUT a propor o desdobramento do programa num curso de
aprofundamento dos temas trabalhados na fase de sensibilização. “O curso foi dividido em
duas etapas de cinco dias e realizado, simultaneamente, em Belo Horizonte e em
Florianópolis, para duas turmas de dirigentes de todas as regiões do País” (CNM/CUT, 1997,
p.9).
O desenvolvimento do projeto, coordenado pela CNM, envolveu um processo de
integração das escolas da Rede Nacional de Formação da CUT Escola Sul, Escola São
Paulo e Escola 7 de Outubro. “Experiência pioneira no campo da formação cutista, o projeto
destacou-se pelo rigor no tratamento dos temas, pela metodologia utilizada e pelo
envolvimento dos participantes” (CNM/CUT, 1997, p.9).
Conforme os documentos do Instituto Integrar
As duas experiências permitiram concluir que a histórica
reivindicação de constituição em bases democráticas de um sistema de
formação profissional público necessitava de fundamentos conceituais e
metodológicos e de experiências concretas. Ou seja, até então não se havia
exercitado uma proposta de educação de trabalhadores diferente na forma
tradicional, nem a discussão conceitual e pedagógica sólida. Apenas
avaliações sobre o desemprego, as conseqüências da reestruturação
produtiva, o baixo grau de escolarização dos trabalhadores, a utilização
das verbas públicas destinadas aos programas de requalificação, e forte
crítica à formação técnica compartimentada. Alem disso, o movimento
sindical havia empreendido crítica ao sistema S, pela sua metodologia
baseada no adestramento, atendimento seletivo de demanda das empresas e
gestão privada de recursos públicos (INSTITUTO INTEGRAR, 2007, p. 14)
Esse é considerado o inicio do que viria a ser o Programa Integrar. No início havia a
intenção de aprofundar o debate tendo como pauta a agenda sindical, e procurando
contemplar o debate sobre reestruturação produtiva até a educação profissional. Para Lopes
(1999),
[...] as empresas, ao transformarem sua base tecnológica e de gestão,
necessitam implementar também programas de formação, de requalificação
dos trabalhadores, e esses programas no nosso entendimento, não podem ser
decididos unicamente pela empresa, os trabalhadores devem ter propostas
concretas sobre a formação profissional, se quiserem fazer uma negociação
da reestruturação produtiva (LOPES, 1999 p. 69).
116
Ao mesmo tempo a Confederação Nacional dos Metalúrgicos desenvolveu uma
pesquisa informal entre os trabalhadores no Largo 13 de Maio em São Paulo. Da pesquisa e
conversa com esses trabalhadores foram sistematizadas algumas questões que constituíram as
bases do Programa Integrar. Grande parte desses trabalhadores metalúrgicos tinha feito
diversos cursos de formação profissional, como: torneiro, fresador, ferramenteiro, etc. na
própria empresa e no Senai e estavam desempregados.
Aqui surge, na avaliação de Fernando Lopes (2001), um dos primeiros elementos, da
proposta pedagógica, importantes na organização de um programa de formação profissional.
Para isso, Lopes destaca que a pesquisa apontou que “os trabalhadores tinham um saber
acumulado através do estudo, experiência de vida e de trabalho que não era reconhecido. Isso
significava que a metodologia do nosso programa de formação deveria construir um processo
de ensino aprendizagem específico para esses adultos e desenvolver um instrumento que
pudesse dimensionar esse saber” (LOPES, 2001).
O segundo elemento leva a uma análise sobre a questão conceitual da formação
profissional. Os trabalhadores apontavam que não havia razão para que o sindicato estivesse
preocupado com a formação profissional, ‘pois agora estão exigindo o grau completo para
a vaga de faxineiro’, isso para Lopes demonstrava que
Esses trabalhadores estavam nos dizendo que ao contrário da política
de governo de separar o ensino técnico do ensino formal, o projeto piloto da
CNM/CUT deveria desenvolver uma metodologia de integração desses
saberes, mesmo porque não existe o saber técnico em si, este deriva das
grandes áreas do conhecimento como história, matemática, física, química e
registrado para que o acúmulo pertença ao conjunto da humanidade (LOPES,
2001 p. 7).
O terceiro elemento que surgiu dessa ‘conversa’ com os trabalhadores no Largo 13,
dizia respeito à seguinte questão: por que o sindicato está preocupado com formação
profissional, se não tem emprego? Para isso a CNM/CUT apontou desde o inicio de sua ação
no programa de formação profissional que se o programa tivesse somente um caráter
educacional, restrito a dimensão escolar ou à formação técnica, isso realmente não teria
sentido. Para Fernando Lopes
[...] a decisão de implementar o Programa Integrar nasce do Congresso
dos metalúrgicos, cuja análise da realidade para a tomada de decisões indica
que o desemprego é fruto do modelo neoliberal, não é um problema
117
individual nem exclusivo do trabalhador, depende de uma política de
desenvolvimento e se articula com lutas gerais da sociedade como reforma
agrária e urbana, contra as privatizações, e, com a agenda sindical na qual a
luta mais importante é a redução da jornada de trabalho (LOPES, 2001, p. 7).
De acordo com Marino Vani (1999) presidente do Instituto Integrar Nacional,
Passamos a assumir o Integrar não como um simples curso de
formação, mas sim como um processo, onde através de um espaço de
discussão e construção do conhecimento geral e profissional, se busca
resgatar a cidadania, de forma articulada, visando a construção de espaços
alternativos e solidários de trabalho e renda, ou a própria reinserção deste
trabalhador no mercado formal de trabalho. Temos claro que o desemprego é
um problema social e econômico, que não se resolve com a formação
profissional, mas sim com políticas econômicas e governamentais, que é
responsabilidade da sociedade brasileira discutir e intervir para busca de
soluções (VANI, 1999, p. 112).
Paralelamente, a ação sindical estabeleceu um conjunto de debates e ações no sentido
de democratizar os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador e consolidar o Conselho
Deliberativo do FAT CODEFAT. Lopes (1999) destaca que no momento que foram
disponibilizados os recursos do FAT para a CNM/CUT desenvolverem os cursos se
depararam com a situação de que os conteúdos e as apostilas que foram reproduzidas se
assemelhavam mais ou menos ao que já existia e era realizado pelo próprio SENAI.
Essa experiência nos levou a refletir que a nossa reivindicação
histórica de ter um sistema de formação profissional público no Brasil, no
qual os trabalhadores tivessem a gerência desse programa, não tinha uma
base de sustentação lida. Não tínhamos elaborado conhecimento
suficiente, tanto metodológico quanto uma reflexão pedagógica do que
significaria trabalhar a formação profissional de outra forma que não a
tradicionalmente implementada. Alem do mais, nos preocupamos também
com o perigo dos sindicatos acessarem estes recursos públicos para fazer
cursos de formação. Se isso ocorresse sem que houvesse uma
direção/orientação nacional com princípios e objetivos estratégicos claros,
poderia produzir um efeito nefasto no movimento sindical, com vários
sindicatos fazendo cursos sem nenhuma ligação um com o outro, e nos
transformando simplesmente em meros executores de cursinhos de formação
profissional, sem estratégia e posicionamento político (LOPES, 1999, p. 70).
Com isso, a CNM/CUT definiu, em 1994/95, que deveria elaborar e executar em nível
nacional um programa que pudesse servir ao mesmo tempo de fundamento, para construção
de uma experiência que pudesse servir inclusive para as possíveis negociações com as
118
empresas e o governo e servir também, para apontar um caminho que contribuísse com os
sindicatos no sentido de que os mesmos “não ficassem apenas reproduzindo cursos para
responder às expectativas do mercado”.
O Congresso dos metalúrgicos da CUT em 1995, depois de um amplo espaço de
debate sobre algumas considerações da formação profissional, aprovou o que seria o inicio do
Programa Integrar. Obviamente as resoluções aprovadas neste congresso dão indicativos do
que poderia ser feito pelos metalúrgicos quanto a formação profissional, não chega a definir o
programa, mas aponta para que a nova executiva deveria reavaliar as experiências que vinham
sendo desenvolvidas por alguns sindicatos filiados a CUT e interferir “nos cursos e
reciclagens
8
profissionais existentes, para que as questões de saúde do trabalhador sejam
matéria obrigatória, diminuindo e evitando doenças profissionais e acidentes de trabalho
(grifo meu)” (CNM/CUT, 1995 p.40).
Para Lopes (1999) um dos grandes objetivos da CNM/CUT ao implantar o Programa
Integrar era
[...] desenvolver uma metodologia que contribuísse para avanços
conceituais no sentido da construção de um modelo de formação profissional
adequado à realidade dos trabalhadores, contemplando a experiência de vida,
a experiência profissional, as questões culturais, a escolaridade, ao mesmo
tempo em que estivesse vinculado à defesa dos interesses dos próprios
trabalhadores. Por isso não se tratava de desenvolver um programa de
formação profissional que tivesse como objetivo atender aos interesses do
mercado de trabalho ou das empresas, ao contrário, era desenvolver uma
formação profissional na qual os trabalhadores tivessem seus interesses
representados (LOPES, 1999, p. 71).
Quanto a metodologia Lopes (1999) destaca que
O outro objetivo seria a própria metodologia de desenvolvimento
desse modelo, que dizer, o se tratava de contratar, ou encomendar, de
agentes de formação profissionais, o desenho desse modelo, mas, através de
uma experiência assumida integralmente pela CNM, construir um rico
processo de reflexão e de formação, tanto de dirigentes como de formadores,
e construir esse modelo a partir desta prática concreta de experiência com a
formação profissional. Seria ao mesmo tempo ir definindo as linhas gerais
8
A reciclagem é termo genericamente utilizado para designar o reaproveitamento de materiais beneficiados
como matéria-prima para um novo produto. É muito comum ouvirmos a utilização deste termo para a formação
profissional, principalmente quando diz respeito a requalificação profissional. Os dirigentes sindicais utilizavam
muito esse termo para falar da formação. Apesar de que aparentemente o termo não é mais utilizado algum
sindicato é comum ouvimos a utilização do termo.
119
do projeto, exercitando e tendo por base esse exercício prático como
modelador, como orientador de novas concepções (LOPES, 1999, p. 71).
Sobre esse aspecto é importante salientar o que diz outro dirigente sindical, que
atualmente é coordenador nacional do Integrar. Marino Vani (1999), destaca que “Nós,
cutistas, temos como principio que a nossa educação e formação são intransferíveis e devem
estar sempre ligadas a nossa ação e construção de um projeto de sociedade. Este é o momento
que o trabalhador passa a ser sujeito de sua própria história (...)” (VANI, 1999, p. 112).
Outro grande objetivo no desenvolvido do Programa Integrar era de que a partir dessas
experiências o movimento sindical pudesse estabelecer uma disputa na sociedade, buscando
construir alternativas aos modelos existentes. Ao mesmo tempo em que despertaria nos
dirigentes sindicais a importância e a necessidade atuação na temática da formação
profissional. “Nossos dirigentes sindicais deveriam, a partir do exercício do Programa
Integrar, estar preparado para os debates em todos os níveis sobre a formação profissional,
assim como também estarem aptos para exercer o papel de gestores dos programas de
formação profissional” (LOPES, 1999, p. 72).
Manfredi (2002) chama a atenção para o fato de que a CUT não possuía um projeto
consensual de educação profissional e as atividades desenvolvidas em alguns de seus
sindicatos filiados eram dispersas e pontuais. “O Programa Integrar, desenvolvido pela
Confederação Nacional dos Metalúrgicos a partir de 1996, acelerou os debates no interior da
central sobre a educação integral dos trabalhadores, além de tornar-se referência para os
projetos posteriormente implantados” (MANFREDI, 2002, p.250).
A ‘brecha’ encontrada para a constituição do Programa Integrar foi a resolução nº126
de 23 de outubro de 1996, que aprovava critérios para a utilização de recursos do FAT, pela
SEFOR, com vistas à execução de ações de qualificação e requalificação profissional. Após
essa resolução, outras foram orientando e reorganizando as ações de qualificação profissional:
a resolução 194 de 23 de setembro de 1998, a resolução 258 de 21 de setembro de 2000 e por
fim, a resolução 333 de 10 de julho de 2003 que reorganiza o programa que passa a ser
chamado de Plano Nacional de Qualificação – PNQ no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Com política adotada pelo CODEFAT, para a requalificação dos trabalhadores
desempregados,
120
O movimento sindical, em um novo tipo de intervenção na questão da
formação, passa a desenvolver, diretamente, programas de qualificação de
trabalhadores e participar dos fóruns de gestão, desde o próprio CODEFAT,
até as Comissões Estaduais e Municipais de Emprego. E, ao contrário da
experiência internacional, no Brasil a formação profissional também não foi
objeto prioritário de negociação entre capital e trabalho. O empresariado do
País sempre considerou a preparação para o trabalho um assunto de domínio
privado. No presente, contudo, vêm surgindo uma nova abordagem e um
novo interesse na formação profissional, por parte do poder público e desse
empresariado (PERROTTA; ZANBERLAN & THIOLLENT, 2002, p. 8).
É importante conhecer que para o movimento sindical, a novidade do projeto está em
sua natureza, isto é, abre-se um novo espaço de negociação junto ao Governo e aos próprios
empresários. Pois, “os desafios da negociação encontra-se na capacidade de os sindicatos
apresentarem propostas para a formação profissional frente às novas formas de produzir e de
organizar a produção de bens e serviços e de tratarem o conjunto de questões que perpassam a
preparação para o Trabalho” (PERROTTA; ZANBERLAN & THIOLLENT, 2002, p. 8).
Com isso, as propostas que o movimento sindical apresenta em relação à formação
profissional resultam da conjugação de três ordens de fatores: “(I) as definições estratégicas
dos trabalhadores sobre as relações entre educação e sociedade; (II) as avaliações das práticas
correntes de formação profissional implementadas pelo patronato, nas unidades operacionais
do Sistema S, e pelos programas oficiais, em escolas públicas, escolas técnicas, centros
federais de educação tecnológica, universidades, centros e empresas de pesquisa aplicada;
(III) o acúmulo da própria experiência” (PERROTTA; ZANBERLAN & THIOLLENT, 2002,
p. 8).
Desde o início do Programa Integrar, ficou claro para a Confederação Nacional dos
Metalúrgicos – CNM/CUT que:
A qualificação profissional, por si só, não é solução para o problema
do desemprego, pois, se assim fosse, não haveria tantos trabalhadores com
titulação e desempregados. Mas é necessário reconhecer que, do ponto de
vista individual, cada trabalhador que se qualifica tem mais possibilidade de
conquistar ou manter um posto de trabalho. Também é preciso ter em conta
que a formação para a autonomia e para a criticidade contribui para a
reconstituir a identidade e reposicionar socialmente os sujeitos (Instituto
Integrar, 2007, p. 19).
121
No interior da Central Única dos Trabalhadores CUT inicia o debate sobre a
experiência desenvolvida pelos metalúrgicos. O reconhecimento da experiência dos
metalúrgicos surge na 9ª Plenária Nacional da CUT, onde registra que
O Programa Integrar, realizado pela CNM desde 1996, cuja inovação
metodológica se em vários aspectos, abrangendo a concepção da prática
educativa com trabalhadores adultos e desempregados, a formação intensiva
e participativa dos educandos, a articulação das ações educativas com as
realidades locais e sua intervenção cidadã junto aos poderes públicos
constituídos, a certificação legal dos processos educativos para os
trabalhadores. Como também, fundamentalmente, a articulação das ações
realizadas com uma clara concepção de sociedade democrática que, para se
efetivar, deve conjugar autonomia crítica, cidadania e organização coletiva
dos trabalhadores, para o enfrentamento da conjuntura atual e a disputa de
hegemonia (CUT, 1999).
Um fator que ficou presente desde o início do programa é que a CNM/CUT não
delegou para nenhuma outra instituição a tarefa de elaboração e de gestão dos seus programas
de formação. No entanto, sempre houve a preocupação de se estabelecer relações de
cooperação com universidades, centros de pesquisas, escolas de formação da rede CUT,
educadores e trabalhadores.
Para materializar essa intenção, a CNM/CUT firmou convênios com a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a Universidade Federal do
Rio de Janeiro (COPPE), a Universidade Estadual de Campinas (CESIT), a
Universidade Federal de São Carlos, o DIEESE (Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Sócio-Educativos) e, mais tarde com a Escola
Técnica Federal de São Paulo. À medida que o Programa se expandia para
outras regiões, novas relações de parceria foram sendo estabelecidas
(Instituto Integrar, 2007, p. 19).
O debate sobre o desenvolvimento de programa de educação profissional no interior
da CUT caracterizou-se pela tensão em duas vertentes: de um lado, um documento elaborado
pelas Entidades Nacionais de Trabalhadores em Educação, filiada a CUT, que apontavam que
“não é papel do sindicato substituir o Estado na oferta da formação profissional, que é de sua
responsabilidade última”. De outro lado um documento elaborado por Sebastião Lopes Neto e
Carmem Sylvia Vidigal Moraes que apontava que a CUT deveria defender o direito de todos
os trabalhadores à escola básica, pública, gratuita e de qualidade, mas também “...
desenvolver com trabalhadores, sindicatos, entidades filiadas e movimentos sociais
122
organizados políticas que respondam às necessidades colocadas pelas dramáticas condições
de vida da classe trabalhadora” (MANFREDI, 2002, p. 250).
Da mesma forma na Plenária Nacional da CUT aparece essa preocupação, a
plenária registrou que
A atuação da CUT na educação profissional não pode e não deve
substituir o sistema regular de ensino ou a obrigação do Estado em garantir
educação pública, gratuita, laica, unitária e de qualidade para toda a
população. A CUT reafirma esses princípios e sua disposição de luta para
garanti-los. Suas ações nesse campo devem propiciar e aprofundar a
contraposição sindical cutista ao modelo social excludente implementado
pelo governo, cujo recorte neoliberal traz a centralidade da educação como
um dos meios para legitimar a desregulamentação dos direitos dos
trabalhadores (CUT, 1999).
A partir da organização e desenvolvimento do Programa Integrar pelos metalúrgicos
da CUT em 1996, surgiram no interior da CUT outros programas de formação semelhantes.
Dentre eles destacam-se: o Integração sob responsabilidade direta da Secretaria Nacional de
Formação da CUT, atuou com 16 Confederações e Federações Nacional de trabalhadores,
alem das CUTs estaduais e Escolas Sindicais da CUT; o Vento Norte, foi desenvolvido pela
Escola Sindical Chico Mendes na região norte do Brasil; Nordeste, desenvolvido pela Escola
Sindical Nordeste; Centro Oeste, programa desenvolvido pela Escola Sindical Centro-Oeste;
Semear, foi desenvolvido pelas escolas sindicais São Paulo e Sete de Outubro/MG; Hotelaria
e Turismo, desenvolvido pela Escola Sindical Sul; Terra Solidária, programa voltado para a
formação dos trabalhadores da agricultura familiar; e no Estado do Rio Grande do Sul,
destacam-se ainda o projeto desenvolvido pela Federação dos Trabalhadores em Saúde
Formasus e o Recomeçar, desenvolvido pela Central Única dos Trabalhadores – CUT/RS.
4.3 O PROGRAMA INTEGRAR E O DIÁLOGO COM A PEDAGOGIA SOCIAL
Em 1995, os metalúrgicos da CUT, a partir das primeiras experiências e vendo a
necessidade e possibilidade de desenvolver um curso de formação que fosse para além das
duas experiências desenvolvidas em 1994, conversam com a educadora Maria Nilde
Mascellani. Desta conversa começou a se delinear o que seria a concepção pedagógica do
Programa Integrar.
123
Consideramos ser importante em primeiro lugar, situar um pouco da história e o
contexto que a educadora Maria Nilde surge nessa contribuição. Ela foi inspiradora do ensino
vocacional no Brasil, e coordenou as escolas que criou em São Paulo até sua prisão, em 1968.
Viveu nos Estados Unidos, onde foi consultora da Unesco, organismo dedicado à educação na
Organização das Nações Unidas. Foi professora na Universidade de São Paulo e na Pontifícia
Universidade Católica. Faleceu em 19 de dezembro de 1999, dias depois de ter defendido tese
de doutorado na USP sobre o Programa Integrar.
O Ensino Vocacional surge no Brasil antes do período militar e tinha muitas propostas
inovadoras. Em 1961 uma comissão de especialistas em educação do ensino industrial e do
secundário, constituída pela Secretaria da Educação da época e coordenado pela pedagoga
Maria Nilde Mascellani buscou uma forma de estruturar um sistema que, ao mesmo tempo,
oferecesse educação de nível médio, secundário e, de certa forma, profissionalizante ou de
orientação vocacional. Os Ginásios Vocacionais tinham muitas propostas inovadoras para a
época (hoje comuns em escolas particulares), como estudos do meio, trabalhos em grupo,
salas ambiente, interdisciplinaridade e a exploração de temas transversais. Foram
descaracterizados em 1968, fase de endurecimento da ditadura militar no Brasil, com o
advento do AI-5, quando muitos professores, orientadores e alunos foram presos sob
acusações de subversão, levando inclusive como vimos a prisão da Prof. Maria Nilde em
1968.
Para Mascellani (1999) pensar um projeto de educação transformadora deve ter como
suporte o debate sobre uma pedagogia social. Mascellani caracteriza a pedagogia social como
uma pedagogia que trabalha as relações de sociabilidades e é caracterizada por uma relação
democrática.
[...] no decorrer da história da educação, encontramos experiências
educacionais cujas características as situam na configuração de uma
pedagogia social. São exemplos a experiência de A. Makarenko, na Rússia, e
a experiência de Babiana, na Itália. A denominação pura e simples de
‘pedagogia social’ carece, no entanto, de um significado mais preciso. Uma
pedagogia social se caracteriza por uma relação democrática entre
educadores e educandos. É também uma pedagogia que trabalha as relações
de sociabilidade, as atitudes de comunicação e ação grupal, mas também
estimula as práticas de socialização (MASCELANI, 1999, p. 7)
124
Para Rossi (1981) Makarenko é considerado um dos maiores educadores soviéticos e
um dos expoentes da história da educação socialista. Sua contribuição para uma pedagogia
social surge a partir das lutas operárias que o levam a assumir um compromisso com a classe
trabalhadora. Para Makarenko “a prática pedagógica é também, uma prática política”. Rossi
destaca ainda que para Makarenko “O coletivo devia receber toda prioridade sobre o
individual. Para ele, não poderia haver educação senão na coletividade, através da vida e do
trabalho coletivo. O trabalho é uma parte essencial da educação integral”. Com isso,
Makarenko era um educador que “compreendia o caráter político da educação” (ROSSI,
1981, p. 121).
Neste sentido, ao pensar o Programa Integrar, Macellani (1999) convencionou
entendê-lo como uma pedagogia social, critica e transformadora, pois é necessário tomar a
realidade social como conteúdo, a crítica permanente como metodologia e a transformação
social como objetivo. Nessa pedagogia, Mascellani (1999) destaca que os sujeitos da
educação devem ser entendidos como seres em movimento no plano social e cultural.
Os procedimentos pedagógicos, de acordo com esta concepção, se
caracterizam como instrumentos de ensino a partir de situações
problematizadoras, sempre renovadas e situadas na realidade social. É uma
pedagogia que valoriza as relações de sociabilidade como suporte da
comunicação e a socialização como pratica de partilha solidária, ao mesmo
tempo que pretende situar o processo de avaliação como indicador de valores
vivenciados e aprendidos (MASCELLANI, 1999, p. 7).
A estrutura curricular inicial envolveu exaustivas discussões sobre o significado e as
implicações econômicas, sociais e culturais do processo de reestruturação produtiva. “Os
debates consolidaram a visão de que a formação profissional só atinge seus objetivos quando
amparada na cultura geral” (Instituto Integrar, 2007, p. 19).
Quando o debate recai sobre as áreas curriculares no programa, Mascellani (1999)
destaca que essas áreas definem os objetivos específicos e os principais conceitos com os
quais se deveriam trabalhar. “A integração curricular ou integração de áreas se assentava
sobre a seguinte concepção: se o currículo é uma seqüência de experiências vividas pelo
educando, experiências programadas pelo professor, as quais devem ter objetivos muito
claros, isto significa que os educandos poderão estudar/trabalhar na escola e fora dela, com os
colegas regulares ou com pessoas da comunidade” (MASCELLANI, 1999, p. 8).
125
É importante perceber que desde o inicio do programa o mesmo teve um debate de que
deveria ser articulado em três grandes ações: Espaço da Sala de aula, laboratório pedagógico e
oficina pedagógica. Essas três ações caracterizam-se da seguinte forma: Espaço da Sala de
Aula: No espaço da sala de aula os educandos dialogam a partir de sua bagagem sociocultural,
com o elenco de conteúdos previstos em cada eixo temático. Nesse espaço as indagações
sobre a realidade são elaboradas, e são organizados os processos de estudo e pesquisa.
Os temas levados para as oficinas e laboratórios pedagógicos são organizados na sala
de aula e retornam após a realização das oficinas e dos laboratórios, formando um movimento
circular de agregação, problematização e criação de saberes; os laboratórios pedagógicos
consistem no desenvolvimento de atividades socioculturais dirigidas ao conhecimento
organizacional de diferentes ambientes de trabalho, órgãos públicos, entidades da sociedade
civil e outros espaços da cidade. A partir dos laboratórios pedagógicos, os educandos
poderiam entram em contato com experiências de geração de trabalho e renda. As oficinas
pedagógicas são espaços de integração dos educandos com a sociedade e visam capacitar e
organizar os participantes para interação mais qualificada na comunidade. As oficinas
pedagógicas abordam temas que contribuem para identificar oportunidades de inserção
econômica, por meio do mercado formal de trabalho ou empreendimentos cooperativos e
solidários.
Nessa compreensão de currículo o conceito abordado desde o início do Integrar foi o
de Core-curriculum, como uma idéia central e mobilizadora, para a qual convergeria
conceitos das áreas em geral. Para Mascellani (1999) o core-curriculum era formulado como
uma questão ou pergunta, ou ainda, como um problema. “A integração conceitual no nível das
áreas, exige maior grau de elaboração do que os atuais projetos de ensino com base na
interdisciplinariedade ou outras denominações hoje correntes”. Desta perspectiva, pode-se
obter várias combinações hoje correntes “o modo pelo qual os conceitos vão se formando,
ampliando e aprofundando se na seqüência da apresentação dos conteúdos de ensino,
elaborados, no interior da Unidade Pedagógica” (MASCELLANI, 1999, p. 8).
Para Mascellani a Unidade Pedagógica é a ferramenta básica que
alavanca o currículo. Cada unidade pedagógica tem como norte uma questão
ou afirmação reveladoras de problemas desencadeados pelo core-curriculo.
Portanto, a Unidade Pedagógica se inicia com um debate a partir de um
questionamento ou sobre um problema. Na discussão inicial, todos os
alunos/educandos tomam parte: é a experiência de participação, da qual
126
resulta um plano de estudo da classe. Na Unidade Pedagógica sempre se
recolhem dados de campo; aliás a própria unidade pedagógica pode decorrer
de um estudo do meio. Há também a situação em que se debatem temas cujo
aprofundamento se dará através de palestras de professores ou especialistas.
A equipe de professores e orientadores deverá apresentar os conceitos,
abordagens e trabalhos práticos envolvidos naquela unidade pedagógica
(MASCELLANI, 1999, p. 8).
Mascellani (1999) destaca ainda que as unidades pedagógicas deveriam incorporar em
sua dinâmica estudos do meio, trabalho em equipe, estudo dirigido e, experiências variadas de
avaliação e auto-avaliação. Para a educadora “é preciso entender também como se produz
essa dialética de conhecimentos e auto-conhecimento, e quais são os procedimentos
pedagógicos relacionados à unidade pedagógica que permite estabelecer esse circuito.”
(MACELLANI, 1999, p.8)
O conhecimento neste aspecto é concebido como fruto de um processo construtivo e
coletivo. A aprendizagem não resulta do acúmulo de informações advindas do meio exterior.
“Ela se quando os sujeitos lançam hipóteses sobre a realidade e interagem com o real e
com os outros, em processo dialético de elaboração e reelaboração do saber” (Instituto
Integrar, 2007, p. 43).
Para o Integrar,
[...] o currículo tem significação social e política, e a justificativa para
a sua construção se faz à luz das abordagens filosóficas, psicológicas, social,
cultural, individual etc. Os educandos não entram na escola como ‘folhas em
branco’, mas sempre portam saberes produzidos individual e coletivamente.
O currículo não é elaborado no vazio ou arbitrariamente. Pelo contrário, é
levado em consideração o conhecimento forjado ao longo da vida do
educando. Sua elaboração também deve considerar o universo de
conhecimentos que servem de suporte para reconhecer situações novas,
interpretá-las e resolvê-las inteligentemente (Instituto Integrar, 2007, p. 43).
Com esse referencial, a CNM/CUT construiu a primeira proposta curricular,
constituída de cinco unidades: Reestruturação Produtiva, Matemática, Informática, Oficina de
Informática, Leitura e Interpretação de Desenho e Controles e Medidas. Obviamente podemos
perceber aqui alguns aspectos que poderíamos afirmar ser contraditório ao conceito de
unidade pedagógica e de articulação curricular, como vimos acima, pois a intencionalidade da
127
CNM/CUT não era trabalhar com questões especificas como a matemática ou a própria
Leitura e Interpretação de Desenho. Parte dessa necessidade aconteceu em função de que o
Programa Integrar teve, no inicio de seu processo, que se adaptar a um projeto de
financiamento do Fundo de Amparo ao Trabalhador. O FAT tinha seu processo formativo
dividido de forma modular com uma proposta de formação fragmentada e direcionada a
formação especifica, apesar de na sua concepção, trabalhar a idéia articulação com a formação
geral.
Um aspecto que acabou tornando-se relevante na organização dos módulos foi de que
o educando poderia entrar em qualquer momento no curso, pois a idéia não é a progressão de
módulos em que o mesmo deveria fazer um depois o outro e assim sucessivamente. Como
unidades temáticas eram articuladas por um eixo geral, que no primeiro momento foi
Reestruturação Produtiva e depois Trabalho, isso contribuía para ligar as unidades e ao
mesmo torná-las independentes uma da outra.
Quando o programa teve seu início, a grande maioria dos trabalhadores que
freqüentavam o curso eram metalúrgicos desempregados. Portanto algumas unidades tinham a
intenção de estabelecer um diálogo direto com as experiências e os conhecimentos desses
metalúrgicos, como por exemplo, Leitura e Interpretação de Desenho e Controles e Medidas.
Obviamente houve mudanças, como veremos mais adiante.
A centralidade da proposta pedagógica do Programa Integrar foi num primeiro
momento a Reestruturação Produtiva. As transformações que aconteciam no Mundo do
Trabalho nos anos 90 foram marcadas por um amplo processo de reestruturação produtiva
principalmente nas indústrias metalúrgicas no Brasil. Apesar de que isso não era consenso na
equipe de direção e coordenação do Integrar acabou permanecendo até meados de 2002,
quando a centralidade passou a ser o Trabalho.
Os pressupostos políticos e pedagógicos do Programa Integrar passaram a definir essa
centralidade da seguinte forma, a partir de 2002:
A proposta político-pedagógica do Programa Integrar tem como
centralidade o trabalho, entendido como elemento estruturante das relações
sociais, o que permite a interpretação da sociedade na perspectiva da luta de
classe. É do trabalho que resultam as condições objetivas da existência
humana e a expressão cultural. Por isso mesmo, é a categoria que
fundamenta o processo de elaboração do conhecimento, estando na raiz das
128
decisões estratégicas que definem o currículo e as formas de sua
consecução” (BRITTO et al., 2002. p. 24).
A partir da centralidade do Trabalho, três categorias paradigmáticas orientam o Ensino
Fundamental e Ensino Médio:
Trabalho: entendido como categoria fundante das relações sociais;
Democracia-cidadania: como referência para pensar a constituição política
da sociedade na perspectiva da tensão público-privado, nos diversos níveis e
espaços em que se manifestam; Cultura: para trazer à reflexão o universo de
valores, significações, expressões subjetivas e representações coletivas, que
conformam hegemonias e sugerem processos contra-hegemônicos (Instituto
Integrar, 2007, p. 44)
Com isso, buscou-se construir uma matriz teórica e metodológica que permitisse a
interpretação dos impactos da reestruturação produtiva, transformações tecnológicas,
neoliberalismo e globalização tanto no mundo da produção imediata quanto no espaço da
reprodução social.
Para Mascellani (1999), o projeto pedagógico deve,
[...] nortear-se por dados da realidade que impliquem no conhecimento
do quadro social. Esse conhecimento que deve abranger as necessidades de
um grupo social, num dado momento vai nortear as metas do processo
educativo. Porém essa apreensão da realidade não se coloca numvel
meramente descritivo, pois ela deve ser compreendida na sua dinâmica,
implicando os homens que se movimentam nessa realidade e as relações que
mantém entre si e com todo o quadro social (MASCELLANI, 1999, p. 18).
Isso exige do educador uma inserção cada vez maior na prática dos valores que estão
implícitos no currículo, pois o “fato do educando desenvolver uma visão antropológica da
cultura e preparar-se para a intervenção social, respeitados os limites de sua maturidade, exige
que o educador tenha sempre presente os objetivos que deseja atingir” (MASCELLANI,
1999, p. 19).
Ao posicionar o trabalho como eixo a partir do qual se articulam as estratégias
curriculares, o Integrar pretende elaborar uma matriz teórica e metodológica que permita
interpretar os impactos das mudanças no mundo do trabalho na produção imediata e no
129
espaço da reprodução social. “Isso requer o abandono da perspectiva da fábrica sitiada
(mundo restrito da produção) e da escola intelectual abstrata, assim como a superação da
dicotomia entre educação propedêutica e formação profissional. Na concepção adotada, o
conceito de ação intelectual é o próprio trabalho, de modo que não se imagina a atividade
intelectual e a manual como processos independentes ou de naturezas diferentes” (Instituto
Integrar, 2007, p.34).
A educação tradicional assume um papel na maioria das vezes individualista e egoísta,
pois seu modelo de formação para a competitividade seleciona os melhores para entrar no
círculo restrito de uma sociedade. A proposta construída pelo Integrar pretende ser um projeto
de educação solidário que deve romper com essa concepção de educação e de sociedade, por
meio de alternativas de saber e de organização social. Por isso, “não limitamos a educação a
simples repasse de conteúdos. A nossa prática educativa busca unir o cotidiano pedagógico e
intervenção social. Por meio da crítica aos valores dominantes, afirmamos a democracia, a
igualdade e a solidariedade entre os seres humanos” (Instituto Integrar, 2007, p. 35).
A educação dos trabalhadores na concepção do Integrar precisa despertar os
envolvidos para intervir nas políticas públicas, sobretudo aquelas relacionadas à geração de
trabalho, renda e desenvolvimento. Para o Instituto Integrar, “nossa visão de educação
considera os trabalhadores sujeitos de direitos que necessitam se encontrar e se reencontrar
com o trabalho e com a construção social” (Instituto Integrar, 2007, p. 35).
Assim, o Integrar constrói uma proposta que recusa a idéia da formação profissional
centrada na perspectiva de habilidades básicas e das competências para a empregabilidade. O
diálogo que se pretende é superar a dicotomia entre a educação profissional e a educação
propedêutica e com isso romper com a lógica de uma educação abstrata e generalista. O que
Frigotto (2005) chama de uma “expectativa social mais ampla de que se possa avançar na
afirmação da educação básica (fundamental e média) unitária, politécnica e, portanto, não
dualista, que articule cultura, conhecimento, tecnologia e trabalho como direito de todos e
condição da cidadania e da democracia efetivas”. Desta forma, não se trata de uma relação
linear com o mercado de trabalho, mas mediada, sem o que não se cumprem os dois
imperativos: de justiça social e de acompanhamento das transformações técnico-científicas do
mundo do trabalho (FRIGOTTO, 2005, p. 74).
130
O espaço para o desenvolvimento desse diálogo está na adoção, pelo Integrar, de uma
perspectiva transdisciplinar. Perspectiva essa, em que a prática educativa do Integrar
comporta dois tipos de conteúdos: os instrumentais incluem matemática, leitura e escrita, e
informática -, os quais perpassam o conjunto de temas, e o conhecimento de mundo –
transformações no mundo do trabalho, a cidade, gestão e planejamento, saúde e cidadania,
exclusão social etc. “Quando um tema, assunto ou questão são levantados pelo grupo são
abordados de maneira transdisciplinar, brotam novos problemas e se explicitam as
necessidades de conhecimentos práticos e objetivos” (Instituto Integrar, 2007, p. 37-38).
131
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve a intenção de analisar a trajetória do Programa Integrar da
Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT CNM/CUT procurando relacioná-lo à
história da educação profissional no Brasil. Criado a partir de 1995, o programa contribuiu
para o desenvolvimento de uma experiência que modificou o debate da educação profissional
no Brasil.
Pode-se ver que nos anos 90 os trabalhadores, principalmente os metalúrgicos,
presenciaram mudanças significativas no chão-da-fábrica. Essas mudanças estiveram
relacionadas ao amplo processo de reestruturação produtiva que levou a indústria a
estabelecer, a partir da flexibilização na produção e do desenho de um novo ‘chão-de-fábrica’,
exigências de novas qualificações que estiveram associadas a transformações importantes no
campo da educação dos trabalhadores, influenciados principalmente pelo avanço do modelo
neoliberal e em conseqüência por novas noções de qualificação profissional vinculado
principalmente a lógica da competência.
Neste momento pretendo resgatar alguns elementos importantes do trabalho, e a partir
disso construir algumas questões sobre os impactos e resultados da ação do Integrar. Durante
o trabalho aqui desenvolvido tive a intenção de resgatar a construção do Programa Integrar,
desenvolvido pelo movimento sindical metalúrgico no Brasil.
No Brasil a educação dos trabalhadores esteve em vários momentos sob
responsabilidade, ou do sistema público ligado às elites governantes, ou de sistemas privados
ligados aos empresários e sob sua tutela. Mas ao mesmo tempo as experiências de educação
na ótica do trabalho perpassaram ao longo da história brasileira por duas ações, uma pela luta
dos trabalhadores e dos educadores comprometidos com uma educação transformadora, e
outra pela ação direta de grupos de trabalhadores que tentaram a partir de experiências
concretas desenvolverem programas que buscassem desafiar e disputar a hegemonia na
sociedade. Essas experiências ora tiveram mais sucesso, do ponto de vista de uma ação
transformadora, ora tiveram menos, mas mesmo assim todas elas conseguiram acumular
forças e permitiram que a classe trabalhadora, ou, a classe-que-vive-do-trabalho construir a
idéia de um projeto de educação democrático e transformador ao invés de simplesmente
aceitas os receituários das elites governantes e industriais do Brasil.
132
A partir da experiência do Integrar penso que três elementos são centrais para essa
análise e final de trabalho. O primeiro diz respeito à disputa de hegemonia na sociedade
brasileira, proposta pelos metalúrgicos da CUT ao iniciar as ações do Programa Integrar. O
segundo, diz respeito à ação pedagógica e às inovações a partir do desenvolvimento do
Integrar (resgatar os princípios do integrar p. 14 e 15 junho de 1998); e o terceiro diz respeito
à contribuição que a ação dos metalúrgicos trouxe para o debate da Educação Profissional no
Brasil, nesta última década.
Primeiro, sobre a disputa de hegemonia na sociedade pensada e proposta pela ação dos
trabalhadores metalúrgicos e pelo conjunto dos trabalhadores da CUT. A CNM/CUT define
no e congresso realizados em 1995 e 1998 respectivamente que os metalúrgicos
deveriam consolidar a estratégia de “disputa de hegemonia na sociedade”, para isso define
duas grandes ações. A primeira era a intervenção nas políticas públicas (educação, saúde,
moradia, etc.), a segunda era a disputa da organização dos trabalhadores no interior das
fábricas.
Quanto ao primeiro objetivo definido pelos metalúrgicos, apontava a necessidade de
que o movimento sindical pudesse atuar na “intervenção nas políticas públicas”. Para isso os
metalúrgicos definem duas atividades centrais. A primeira diz respeito à intervenção nas
políticas de educação, saúde, moradia, etc. e a segunda ação diz respeito à intervenção nas
políticas gerais, isto é, na luta pela reforma agrária, política industrial, etc. Surge a partir
dessa definição que os metalúrgicos deveriam também investir na organização e criação de
cooperativas com caráter de economia solidária, sendo assim, em várias empresas
metalúrgicas que são fechadas começa um processo de disputa e de organização de
empreendimento solidário.
Disputar a hegemonia na sociedade
Intervenção nas
políticas públicas
(educação, saúde,
moradia, etc.)
Disputa pela hegemonia no
interior das fábricas e no controle
do processo produtivo
Construção de um
modelo de Economia
Solidária
Sindicato Nacional
implantada em cada
empresa
PLR
Processos
participativos
Contrato coletivo de
trabalho, inicialmente
por setor
Capacitação de
dirigentes (formação)
133
Para o dirigente sindical Fernando Lopes, que foi Secretário de Formação da
CNM/CUT o Programa Integrar encaixava-se como ação do debate e intervenção dos
metalúrgicos nas políticas de educação. Fernando Lopes, em entrevista para o presente
trabalho, destaca que quando a CNM pensou no Programa Integrar o fez partindo do
entendimento de que a Educação dos Trabalhadores (básica e profissional) era um tema
estratégico para a disputa de hegemonia tanto na fábrica quanto na sociedade. “Pensamos o
programa como um laboratório que permitisse a CNM elaborar através da própria experiência
adquirida com a elaboração, negociação com o poder público e empresas, execução
(pedagógica e administrativa) uma proposta concreta de Educação dos Trabalhadores capaz
de disputar com outras propostas vindas do poder público (PLANFOR) ou sistema S”.
Acredito que essas ações poderiam ser entendidas como a tentativa de organização de
uma nova fase para o sindicato e que pode ser caracterizada como a passagem do sindicato
corporativo para a construção do sindicato cidadão. Lima & Lopes (2005) destacam que o
Sindicato Cidadão “procura construir uma contratação coletiva que também assuma os
interesses de setores da população e de trabalhadores ‘excluídos’ em diversos campos:
moradia, seguridade social, renda mínima, educação, saúde, transporte, etc.” (LIMA &
LOPES, 2005, p. 27).
Dessa forma o sindicato cidadão pode ser visualizado como: a) ação sindical que
extrapola os marcos do corporativismo, indo buscar na sociedade legitimação para uma
representação que nasce do e no trabalho; b) nova forma de organização sindical, baseada na
diversidade e no território, pois o sindicato-cidadão atua em toda parte e a todo o tempo, e tem
o que dizer sobre tudo. Reconhece todos os trabalhadores como iguais em participação, mas
diferentes nas suas origens, condições, motivações e projetos; c) mudança na concepção de
representatividade e na construção de alianças; d) nova estratégia para a criação de empregos
e novas pautas de reivindicações; e) novo projeto educativo que possibilita a disputa em torno
da educação profissional e de novos direitos que permitam a qualificação do trabalho, o
controle dos processos de formação nas empresas e questionar o sistema de educação vigente;
f) nova cultura política, que passa por uma politização do cotidiano (LIMA & LOPES, 2005
p. 27).
Para a CNM/CUT não bastava apenas executar uma experiência de formação de
trabalhadores, era necessário que essa experiência significasse um processo de disputa e de
construção de um projeto de educação na sociedade. Fernando Lopes, ao ser questionado
134
sobre o resultado dessa estratégia e se a mesma foi atingida, responde que “esse objetivo
estratégico foi atingido, o Programa Integrar, impactou profundamente a vida dos sindicatos
de metalúrgicos envolvidos, influenciou o debate sobre Educação de Trabalhadores tanto na
Academia, Movimento Sindical e Poder público”. Para Fernando Lopes podemos ver sinais
do integrar em diversos programas executados pelo poder público, ONG, Sindicatos etc. “Os
(as) trabalhadores que passaram pelo programa foram impactados profundamente pela
experiência desenvolvida o que se pode notar por diversos instrumentos de avaliação
utilizados no programa que atesta um maior grau de entendimento da sociedade em que
vivemos, seus problemas etc.”
A CUT assume, desde sua fundação, um compromisso histórico de contribuir na
construção de uma sociedade socialista. Desta forma, os debates inscritos em suas teses sobre
a questão educacional revelam uma perspectiva de construção de alternativas ao capitalismo,
por meio de um projeto que, por suas características emancipatórias, possibilite a conquista da
hegemonia, revertendo a situação de miséria e de exclusão a que está submetida a maioria dos
brasileiros. Para Manfredi (2002) “a educação, a democracia e a cidadania constituem
dimensões vitais e indissociáveis da luta contra-hegemônica”. É pois dentro desse marco de
uma visão de mundo crítica, emancipatória do ponto de vista político-cultural, em que se
valorizam a solidariedade, as ações coletivas e a afirmação de direitos sociais fundamentais,
que se constroem suas propostas educacionais (MANFREDI, 2002, p.254).
Ao mesmo tempo em que a concepção de educação da CUT e de seus sindicatos
conserva a idéia da formação integral dos trabalhadores, alguns princípios e diretrizes de uma
cultura sindical de cunho socialista foram herdados das tradições educacionais libertárias,
marxistas e socialistas construídas ao longo da história do movimento sindical brasileiro.
Quanto ao segundo objetivo dessa estratégia dos metalúrgicos dizia respeito a disputa
pela hegemonia no interior das fábricas e no controle do processo produtivo. Para isso os
metalúrgicos definiram especialmente no congresso uma proposta de reorganização
estrutural da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que passaria a ser Sindicato Nacional
dos Metalúrgicos da CUT. A proposta de estrutura de Sindicato Nacional implicaria desde a
organização na fábrica (como podemos ver no organograma acima) até a possibilidade de
realizar um contrato coletivo nacional. Exemplo dessa organização acontece como a
DaimlerChrysler AG, detentora das marcas Mercedes- Benz, Chrysler, Jeep e Dodge, que
conseguem estabelecer um processo de debate e de negociação diferenciado, criado a partir da
135
luta dos trabalhadores, uma representação em comitês nacionais e internacionais para
negociar a contratação coletiva. Nos demais sindicatos do Brasil essa proposta não conseguiu
ir alem da intenção de organização.
Acredito que, com base nessa estratégia definida pelos metalúrgicos, foi possível
tornar a CNCM/CUT conhecida e presente em praticamente todos os sindicatos dos
metalúrgicos da CUT no Brasil. Não resta a menor dúvida de que contribuiu para isso a ação
do Integrar, como vimos na fala de Fernando Lopes “o Programa Integrar, impactou
profundamente a vida dos sindicatos de metalúrgicos envolvidos, influenciou o debate sobre
Educação de Trabalhadores”.
O segundo elemento diz respeito a ação pedagógica e as inovações metodológicas com
o desenvolvimento do Integrar. Em 1995 quando os metalúrgicos da CUT definiram em seu
III congresso a idéia de investir na educação profissional, a classe trabalhadora no Brasil
estava ainda no ‘olho do furacão’ no que diz respeito as transformações que estavam
acontecendo no mundo do trabalho. Antes dos anos de 1990, ainda na década de 1980, a
classe-que-vive-do-trabalho sofreu mudanças que na avaliação de Ricardo Antunes (2003)
repercutiu na sua subjetividade e começou a afetar a sua forma de ser. Como vimos no item 3,
o novo processo de produção industrial que se caracterizou pelo rompimento da relação
homem/máquina e fundamentou o modelo de produção fordista enfrenta uma crise. Novos
componentes informacionais são agregados ao processo de produção e ao trabalhador é
exigida uma ‘adequação qualificacional’ capaz de responder aos novos processos presentes no
chã-da-fábrica.
Ao mesmo tempo esse período é marcado também por uma disputa de concepção de
Estado. O neoliberalismo avançou com o governo de Fernando Henrique Cardoso, com a
lógica do Estado mínimo, das privatizações e da diminuição do gasto público. Como vimos no
item “Ofensiva Neoliberal no campo da Educação nos anos 90” o discurso da qualidade total
na educação aparece através de novos princípios de gestão escolar e de avaliação da
produtividade. A disputa de projeto de educação neste período esteve centrada de um lado
com um caráter de que a mesma deveria ser um instrumento de competitividade e
produtividade e de outro, de democratização e ampliação do ensino público no Brasil.
Assim, pensar um projeto de educação que inovasse e pudesse ir contra a onda
neoliberal, talvez tenha sido a grande contribuição dos metalúrgicos para a educação
136
profissional no Brasil. Para Lima & Lopes (2005), o Programa Integrar se configurou como
“inovador, não pela introdução de novos temas, métodos e estratégias, mas também pelo
resgate de antigas experiências educacionais da classe trabalhadora”, que estavam perdidas na
memória (ou na falta delas) coletiva, sindical e acadêmica, ou que não se imaginavam que
fossem aplicáveis a processos de educação profissional. Além disso, o Programa Integrar se
tornou, no movimento sindical pós-64, a primeira experiência de educação profissional
autônoma a se realizar de forma sistemática, com desempregados, dentro de uma estratégia
sindical voltada para este público (LIMA & LOPES, 2005, p. 31).
Obviamente o desenvolvimento de projetos de educação por parte dos Sindicatos e
Confederações ligadas a CUT gerou no seu interior um processo de disputa. O centro dessa
disputa estava na questão se era ou não papel dos sindicatos desenvolverem projetos de
educação para trabalhadores e se isso não estava contribuindo para a idéia de substituição do
papel do estado na educação ou de privatização e com isso o estado se livrar de sua
responsabilidade.
A Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, com base neste debate, definiu o
que seria os princípios do Programa Integrar a partir das resoluções dos congressos dos
metalúrgicos: a) é dever do Estado garantir educação pública e de qualidade; b) os recursos
públicos, além de serem utilizados de forma honesta, devem ser direcionados para ações que
venham ao encontro dos interesses da classe trabalhadora; c) o desemprego é uma questão
político-econômica, fruto do atual modelo de desenvolvimento e não um problema pessoal ou
de falta de formação; d) articulação entre formação/ação/construção da cidadania/
fortalecimento do movimento sindical; e) articulação da formação profissional com a
certificação de primeiro grau; f) resgate e a valorização do saber do trabalhador; g) formação
profissional não restrita ao domínio da máquina; h) formação desenvolvida de maneira
interdisciplinar, articulada por um eixo/fio condutor; i) o trabalhador como ser integral; j) um
projeto baseado nesses pressupostos deve ser entendido como algo em construção e que sofre
limites impostos pelos métodos tradicionais de formação, portanto como um programa
(CNM/CUT, 1998
(c)
, p. 14-15).
Como vimos no debate sobre o contexto em que surge o Integrar, embora o programa
estivesse voltado inicialmente para o ramo metalúrgico, os princípios gerais foram pontos de
partida para o desenvolvimento de outros projetos no interior da CUT e de suas Escolas
Sindicais. No interior da Confederação Nacional dos Metalúrgicos surgem outros programas a
137
partir da experiência com os desempregados. Sobre esses programas cabe destacar: O
Programa Integrar Empregados que tem uma característica de negociação entre o sindicato e a
empresa. Este programa teve participação especial do Laboratório Trabalho & Formação da
Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia e da Escola de Engenharia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. O estudo teve inicio com o Projeto desenvolvido pela
Organização Internacional do Trabalho – OIT em Santiago, Chile. Essa experiência, apesar de
ser negociada e ter a pesquisa feita em 21 empresas na cidade de João Monlevade vai
acontecer de fato em uma empresa de Panelas de Alumínio em São Paulo, na Panex.
Ao mesmo tempo em que acontece o Programa Integrar para desempregados e as
negociações sobre o Programa Integrar Empregados, acontece também um amplo programa
de formação de Dirigentes Sindicais. Cada um com suas características, esse teve um processo
de articulação da formação sindical com a escolarização dos dirigentes sindicais em nível de
Ensino Fundamental e de Ensino Médio. Desse programa surgem duas experiências em nível
de extensão universitária, uma com a Unicamp na área da economia do trabalho e outra com a
Universidade Federal de São Carlos – Ufscar na área das políticas públicas.
No aspecto das inovações metodológicas do Integrar, considero relevante destacar em
primeiro lugar a possibilidade que a experiência criou de organizar um currículo integrado,
tanto no que diz respeito à relação entre formação geral e educação profissional, como no que
diz respeito às áreas do conhecimento. Com isso, a proposta pedagógica do Integrar não se
limita a repasse de conteúdos: “a nossa prática educativa busca unir o cotidiano pedagógico e
a intervenção social. Por meio da crítica aos valores dominantes, afirmamos a democracia, a
igualdade e a solidariedade entre os seres humanos” (Instituto Integrar, 2007 p. 35).
Desta forma, a proposta pedagógica do Integrar tem como centralidade o trabalho,
entendido como estruturante das relações sociais em que resultam as condições objetivas da
existência e a expressão cultural dos seres humanos. “A partir do trabalho, o ser humano se
encontra consigo mesmo, com os outros seres humanos e com a natureza. [...] ao transformar
a natureza por meio do trabalho, o ser humano transforma a si mesmo” (Instituto Integrar,
2007 p. 33).
Tendo a centralidade do trabalho que articula e organiza as diferentes áreas do
conhecimento, o Programa Integrar buscou, nos diferentes eixos temáticos, a possibilidade de
mobilizar os conhecimentos específicos e os conhecimentos da cultura geral. Com isso a
138
experiência do Integrar construiu elementos capazes de superar a dicotomia entre formação
profissional e educação propedêutica e rompeu com a lógica de uma educação abstrata e
generalista, organizaram-se as atividades pedagógicas em função não dos conteúdos escolares
tradicionais ou do adestramento para o trabalho, mas de um conjunto de questões que
permitiram compreender criticamente a realidade e tecer nova racionalidade.
Acredito que essa concepção se aproxima do que Nosella (2004) escreve sobre a
escola de Gramsci. Neste aspecto estou considerando o conceito de escola não
necessariamente ligada a uma estrutura ou rede de ensino, mas a um processo amplo de
aprendizagens e construção de conhecimentos. Por isso, para Nosella, “a escola se inspira no
trabalho industrial moderno como seu princípio pedagógico, não certamente deixando de ser
escola (nem parcialmente) e sim se concretizando como uma escola historicamente moderna,
isto é, tendencionalmente socialista, centrando-se na idéia de efetivar a liberdade concreta e
universal do homem”. Os operários, quando vão à escola, não vão para continuar a produzir
os mesmos produtos que na fábrica produziam e sim para entender mais profundamente sua
fábrica, seu instrumento de trabalho e sua organização produtiva, numa perspectiva histórica,
universal e política. Assim “a escola fica escola e a fábrica fica fábrica, que a primeira
torna-se ‘escola-do-trabalho’ enquanto pertence espiritualmente ao mundo do trabalho e pelo
trabalho é inspirada; e a oficina torna-se oficina de trabalhadores ‘intelectuais’ porque passou
a ser oficina iluminada, humanizada e potencializada pela escola” (NOSELLA, 2004. p 72).
Por fim, o currículo que integra a formação geral com a formação técnica e política,
parte do pressuposto de que os educandos não entram nos espaços formativos como ‘folhas
em branco’, mas sim portadores de um saber forjados pelas histórias de vida e de trabalho ao
longo de suas trajetórias. Isso comunga da proposição de Ramos (2004), “... no currículo
integrado nenhum conhecimento é geral, posto que estrutura objetivos de produção, nem
somente específico, pois nenhum conceito apropriado produtivamente pode ser formulado ou
compreendido desarticuladamente da ciência básica” (RAMOS, 2004, p. 120-121).
O terceiro elemento sobre o Programa Integrar diz respeito à contribuição que a ação
dos metalúrgicos trouxe para o debate da Educação Profissional no Brasil, nesta última
década. Para Britto (2005), o Programa Integrar marca-se por uma intensa criatividade desde
sua fundação, caminhando no interstício de duas linhas de tensão, “por um lado, a busca de
uma educação mobilizadora, na perspectiva freiriana, e, por outro, a percepção de que a
formação do trabalhador implica a escolaridade regular”. Esta experiência “continua sendo
139
única no que tem de mais revolucionário: o abandono da perspectiva escolar disciplinar, em
troca de uma educação que se faz em função de eixos temáticos”. Os programas oficiais
tanto os exames supletivos como os núcleos de educação de adultos das secretarias de
educação e até os referenciais curriculares mantêm a idéia de educação disciplinar por área de
conhecimento (BRITTO, 2005, p. 17).
De acordo com documentos do Instituto Integrar o programa atingiu alguns resultados
relevantes nessa trajetória de debate e desenvolvimento de uma experiência de formação de
trabalhadores. Conforme o Instituto Integrar (2005) objetivamente alguns resultados no Brasil
foram: a Elaboração e implementação de uma proposta político-pedagógica inovadora para a
educação de adultos; intervenção nas políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos
através de parcerias com Prefeituras Municipais; certificação de Ensino Fundamental para
mais 10.000 trabalhadores; certificação para mais de 1.000 trabalhadores no Ensino Médio;
intervenção na organização de empreendimentos solidários; parcerias com diversas entidades
no Brasil: CEFET, Secretaria do Trabalho, Governos estaduais e municipais, Universidades,
ONG’s; publicação de mais de 160 documentos entre materiais didáticos-pedagógicos,
sistematizações, estudos e pesquisas, revistas, etc.; (Instituto Integrar, 2005, p. 13).
Ainda sobre as contribuições cabe destacar a contribuição do Programa Integrar no
que diz respeito às formulações teórico-metológica para a proposta de educação profissional
na CUT. Manfredi (2002) destaca que um desses aspectos é “à centralidade do trabalho, como
processo fundador da existência humana e constituinte do ser humano como ser social e
cultural.” Por isso ter a compreensão da importância e da valorização do trabalho humano e
de sua natureza complexa, nas sociedades capitalistas da atualidade, constitui um dos eixos
centrais das diferentes propostas pedagógicas. Ao mesmo tempo o projeto busca trabalhar a
idéia de uma visão histórico-dialética de construção e apropriação do conhecimento, que se
fundamenta na compreensão de que o ser humano constrói e elabora seu conhecimento e suas
representações socioculturais com base na vivência e na convivência com os meios natural e
social, em contexto histórico situado e datado. Manfredi (2002) descreve ainda que “à
valorização das posturas criticas ante as concepções socialmente hegemônicas que dão
suporte à exploração, à exclusão socioeconômica e política e às posturas e visões
educacionais que legitimam e respaldam tais estruturas e práticas.” Por fim, à valorização de
trajetórias e processos coletivos de construção de experiências pedagógicas, mediante a
140
adoção de práticas do trabalho de planejamento, de avaliação e de sistematização são fatores
que contribuem nessa inovação teórico-metodológica (MANFREDI, 2002, p.259).
Do ponto de vista do espaço público de educação cabe destacar dois momentos que
acredito que o Programa Integrar foi importante e possibilitou mudanças no debate e na
execução de projetos de educação profissional diferenciados.
O primeiro, diz respeito à elaboração e definição da nova política de educação
profissional do Ministério do Trabalho e Emprego. O acumulo não do Programa Integrar,
mas de outros programas que surgiram no interior da CUT a partir do Integrar foi decisivo
para que o Ministério do Trabalho e Emprego no Governo Lula elaborasse as novas
definições e políticas de formação. A Resolução nº. 333 é expressão do acumulo e da
trajetória de ação do movimento sindical em educação profissional. Para Lima & Lopes “o
reconhecimento das experiências em qualificação e educação profissional acumuladas pelos
sindicatos e por outros movimentos sociais é um ponto de partida para a democratização e a
reformulação das políticas públicas de trabalho e educação” (LIMA & LOPES, 2005, p. 39).
O segundo projeto, desenvolvido no âmbito do Ministério da Educação, e que busca
inspirar-se no Programa Integrar é o Programa Nacional de Integração da Educação
Profissional – PROEJA
9.
Conforme o Portal do MEC de 01/10/2007 a Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica Setec, após o Decreto n. 5.840, instituiu o Proeja de abrangência
não mais apenas ao Ensino Médio, mas estendendo-se a educação básica na modalidade EJA.
Segundo o documento, a diretora do Departamento de Políticas e Articulações Institucionais
da Setec/MEC, Jaqueline Moll, destaca que “embora tenha sido assumido e desenvolvido
como política pública no governo Lula, a primeira experiência de integração nos moldes do
Proeja aconteceu no Programa Integrar, da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, filiados
à Central Única dos Trabalhadores (CUT). E, nessa origem, tratava-se principalmente da
integração com o ensino fundamental” (Ministério da Educação, 2007).
9
PROEJA: O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na
Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA abrange cursos que, como o próprio nome diz,
proporcionam formação profissional com escolarização para jovens e adultos. Os cursos podem ser oferecidos de
forma integrada ou concomitante. A forma integrada é aquela em que o estudante tem matrícula única e o curso
possui currículo único, ou seja, a formação profissional e a formação geral são unificadas. Na forma
concomitante, o curso é oferecido em instituições distintas, isto é, em uma escola o estudante terá aulas dos
componentes da educação profissional e em outra do ensino médio ou do ensino fundamental, conforme o caso.
As instituições que optarem pela forma concomitante devem celebrar convênios de intercomplementaridade,
visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados – www.mec.gov.br
141
Neste mesmo período o Instituto Integrar teve uma participação ativa na elaboração do
Documento Base do PROEJA Formação inicial e continuada / Ensino Fundamental. Apesar
do Proeja ainda ser executado exclusivamente pela Rede Federal de Educação existe a
intenção para que a partir de 2008 outras entidades da sociedade possam desenvolver o
programa.
Neste final de trabalho caberia perguntar se o Programa Integrar, que teve uma atuação
em 12 estados brasileiros, que conseguiu envolver um conjunto de entidades e organizações
como parceiras para a execução, para a construção da proposta e conseguiu influenciar o
debate nacional sobre a educação profissional, ainda tem perspectiva de manutenção ou
ampliação?
Para responder a isso acredito que é necessário perceber algumas questões que me
parecem importantes. Primeiro, diz respeito aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador
– FAT, disponibilizados para a Formação Profissional. Nos últimos anos aconteceu uma
redução significativa desses recursos, principalmente a partir de 2002. Para ter uma idéia do
que representou essa redução, vou utilizar um estudo feito pelo DIEESE (2005).
Ao mesmo tempo neste período a arrecadação do PIS/Pasep destinada ao FAT seguiu
uma lógica inversa, aumentou significativamente o montante de recursos. Se em 1995 foi
Recursos para Qualificação
Profissional
0,32
3,97
5,2
5,29
4,58
4,91
4,72
1,29
0,31
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
142
arrecadado R$ 10,9 bi em 2003 esse valor subiu para pouco mais de R$ 13,7 bilhões,
conforme mostra a tabela abaixo:
Isso mostra que um dos grandes problemas que fez com que o Integrar, e outros
programas de educação profissional, não tivesse continuidade no mesmo ritmo foi sem
sombra de dúvidas a redução dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador FAT
destinados a educação profissional. Como podemos ver nas tabelas a queda foi de 5,29% em
1998 para 0,31% em 2003.
Ao mesmo tempo acredito que não podemos apenas analisando e ‘responsabilizando’
a queda nos recursos do FAT à educação profissional. Outras tentativas de convênios e
projetos que os Sindicatos e Confederação tentaram realizar com outros Ministérios e menos
com Prefeituras acabaram não logrando êxito. Acredito que foram duas razões que
contribuíram para que essa experiência não fosse assumida por outros órgãos de governo. A
primeira pode ter sido pelo fato dos Ministérios e Prefeituras não estarem preparados
burocraticamente para as possibilidades de convênios desta natureza, ou por não haver
interesse em desenvolver programas de educação de adultos na perspectiva proposta. É bom
salientar que algumas experiências aconteceram com prefeituras, principalmente na Bahia e
apenas um caso no Rio Grande do Sul, a prefeitura de Sapiranga. E a segunda, houve na
verdade pouca iniciativa dos sindicatos e confederação no sentido de buscar efetivamente
alternativa de financiamento ao projeto.
Se por um lado o Movimento Sindical acabou ficando preso aos recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador no desenvolvimento das atividades de educação profissional, por
outro faltou unidade interna entre as diferentes correntes para que a experiências de educação
Arrecadação do PIS/Pasep destinado ao
FAT Em bilhões de R$
10,9
12,1
11,2
10,4
11
12,8
12,9
12,8
13,7
0
5
10
15
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
143
profissional que vinha sendo desenvolvida pudesse ser negociada com outros parceiros e
mesmo fizesse parte da pauta das negociações coletivas com as empresas do ramo
metalúrgico.
A experiência desenvolvida que poderia dar elementos para a construção de um
projeto de longo prazo a partir das negociações coletivas não foram suficientes para
sensibilizar as direções dos sindicatos. Desta forma os sindicatos continuam negociando as
questões salariais e quando muito as condições de trabalho - muitas delas estão previstas
em regulamentação na forma de lei -, não conseguiram juntar elementos suficientes para
contrapor-se a gica da formação profissional desenvolvida pelo sistema “S”, deixando com
isso passar uma oportunidade excelente para construir experiências e negocia-las.
Apesar disso para Manfredi (2002), as principais centrais sindicais de trabalhadores
CUT, Força Sindical e CGT tem atuado em diferentes frentes de debate e construção de
políticas públicas a partir do desenvolvimento dessas experiências. Dentre essas políticas cabe
destacar: na formulação e preposição de políticas de educação básica e de educação
profissional, articuladas com outras políticas sociais; participação em fóruns que discutam os
programas de intervenção para fazer frente aos desafios resultantes do processo de
globalização do mundo do trabalho e; na contratação de questões referentes à formação
profissional mediante processos de negociações e convenções coletivas.
Para Manfredi (2002), embora tenha havido um aumento significativo da negociação
desse tema em relação aos períodos anteriores (década de 70 e 80), “a pesquisa (DIEESE)
constata ser ainda pequena a quantidade de cláusulas negociadas que estabelecem a obrigação
dos empregadores com a educação básica e a formação profissional”. Entre as entidades de
trabalhadores as reivindicações a respeito da educação, apesar de ainda serem tímidas, contam
de sua pauta como um sinal de resistência, em virtude da necessidade de se prepararem para
fazer frente aos novos processos de produção. No entanto, “tais reivindicações parecem ser
também indicativas da reafirmação da Educação Profissional como um direito social”
(MANFREDI, 2002, p. 286).
Talvez essa redescoberta da formação profissional, pelo movimento sindical brasileiro,
possa ser uma forma alternativa para recompor a própria identidade com base no trabalho e
com isso reconstruir laços de solidariedade entre os trabalhadores. Manfredi (2002) destaca
ainda que a formação profissional “responde as necessidades reais e concretas dos
144
trabalhadores e se constitui um campo privilegiado para repensar e planejar estratégias de
ação coletiva que articulem, no âmbito dos direitos sociais, lutas e reivindicações em prol do
emprego, do trabalho e da educação” (MANFREDI, 2002, p. 287).
Por isso, a Formação Profissional pode representar uma demanda concreta dos
trabalhadores nos diferentes segmentos da sociedade e, por isso, propostas e iniciativas
formativas pensadas e organizadas pelos trabalhadores podem criar novos elos para a
organização de empregados e desempregados.
O movimento sindical tem participado, nos últimos anos, em vários fóruns de debates
e de elaborações de políticas no Brasil. Isso exige também uma qualificação maior para que
seus dirigentes e interlocutores possam formular e fundamentar as propostas apresentadas. As
diferentes experiências, construídas e sistematizadas nestas últimas décadas, devem contribuir
para essa ação e podem influir positivamente na construção de mecanismos mais
democráticos, tanto no plano de sua concepção, como no da gestão de políticas educacionais
específicas e gerais.
145
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