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Samara Lima Tavares Mancebo
Caminhos da Educação Pública no Brasil:
dilemas e tensões para a realização
de uma educação emancipatória
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientadora: Profª. Angela Maria de Randolpho Paiva
Rio de Janeiro
Setembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521376/CA
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Samara Lima Tavares Mancebo
Caminhos da Educação Pública no Brasil:
dilemas e tensões para a realização
de uma educação emancipatória
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-
Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.
Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Presidente / Orientador
Departamento de Sociologia e Política– PUC-Rio
Profa. Helena Maria Bousquet Bomeny
Fundação Getúlio Vargas
Profa. Vera Maria Ferrão Candau
Departamento de Educação– PUC-Rio
Prof. Ricardo Emmanuel Ismael de Carvalho
Departamento de Sociologia e Política– PUC-Rio
Prof. João Pontes Nogueira
Coordenador Setorial
do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 03 de setembro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521376/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Samara Lima Tavares Mancebo
Graduada em Ciências Sociais pela UERJ (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) em 2003 (bacharel em 2003 e
licenciada em 2005). Tem atuado como pesquisadora em
variados projetos de pesquisas desde a graduação, além de
pertencer, na atualidade, ao quadro de tutores da FGV-online
e ao quadro de professores da UNIG (Universidade Iguaçu).
Ficha Catalográfica
Mancebo, Samara Lima Tavares
Caminhos da educação pública no Brasil: dilemas e
tensões para a realização de uma educação
emancipatória / Samara Lima Tavares Mancebo;
orientadora: Ângela Maria de Randolpho Paiva. – 2007.
150 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Sociologia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2006.
Inclui bibliografia
1. Sociologia Teses. 2. Educação Pública. 3.
Cidadania. 4. Diversidade cultural. 5. Democracia
participativa. I. Paiva, Ângela Maria de Randolpho. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Sociologia. III. Título.
CDD: 301
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Dedicatória
Aos meus pais, Leci e Samuel porque sem o
seu incondicional apoio afetivo e, sobretudo,
sem o estímulo incessante para “nunca
parar de estudar”, provavelmente não
estaria aqui concluindo o mestrado, e
virando mais essa página importante da
minha vida.
Ao meu irmão amado, Leninson, e ao
pequeno Reginho, uma prova do meu
trabalho nesses últimos anos e um incentivo
para que prossigam estudando.
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Agradecimentos
À José Mauro de Freitas Junior, Maurinho, meu companheiro de todas as horas
nesses últimos quatro anos. A ele agradeço por todos os livros que empilhou sobre
a minha mesa, por todas as indicações de leitura, todas as correções
(exacerbadamente críticas) que fez ao ler meus trabalhos e esta dissertação, por
me ensinar a ler tabelas e, sobretudo, pelo carinho, paciência (e precisou de muita)
e total disponibilidade que dedicou a mim nesses dois anos de mestrado. Devo
agradecer a ele também por ter passado semanas me dando aulas e mais aulas
sobre a bibliografia recomendada para a prova do mestrado. Talvez, sem sua
ajuda, não estivesse aqui hoje para contar essa história.
À Ângela Paiva, exímia orientadora, às vezes uma verdadeira “mãezona”, que
acompanhou crítica e reflexivamente, com minuciosa atenção e interesse a
execução de cada frase e parágrafo dessa dissertação. Sempre me mostrando um
leque de caminhos a seguir, mas também sempre me trazendo de volta para o foco
do trabalho. A ela dedico cada pedacinho dessa dissertação, o prazer de cada
descoberta compartilhada, de cada novo insight, e de poder ver o produto desse
trabalho de equipe expresso nas páginas que seguirão.
A todos os professores do departamento de Sociologia e Política da PUC que, por
meio de suas aulas, artigos e livros publicados e/ou indicados, foram importantes
para a consecução desse trabalho. Um agradecimento especial ao professor
Roberto DaMatta que se mostrou um grande “incentivador” durante todo o curso.
Aos professores da banca, Helena Bomeny, Ricardo Ismael e à Vera Candau, em
especial aos dois últimos que participaram da minha banca de qualificação, cujas
críticas foram de extrema importância para o desenvolvimento final deste
trabalho.
À Vanessa, minha amiga-irmã, que me ensinou a formatar as tabelas e a calcular
percentagem no Excel. Até obter sua ajuda, estava calculando as percentagens na
calculadora e fazendo as tabelas no Word, para desespero da Ana Roxo.
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À Ana Roxo, pela paciência e por ter me enviado as regras da ABNT umas dez
vezes por email. À Mônica e Mercedes pela incansável solicitude nesses dois anos
que se passaram.
Aos meus amigos queridos, Maria Inês, Tatiana, Alline, Márcio, Beth Rosa,
Vicente, Antônio Carlos, entre muitos outros que, entendendo minha ausência nas
festas e almoços, meu sumiço, meu papo “monocórdio” sobre educação e
cidadania, souberam sempre me dar o apoio necessário para que eu não
esmorecesse, e vencesse essa batalha árdua que é fazer uma pós-graduação. Um
agradecimento especial ao Vicente e ao Rafael, meus amigos poliglotas, que
colaboraram revisando o meu abstract. Também a todos os meus colegas de
mestrado fica o agradecimento pela troca de experiências, formações e
conhecimento.
À capes pelo auxílio concedido, sem o qual o trabalho não poderia ter sido
realizado no prazo.
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Resumo
Mancebo, Samara Lima Tavares; Paiva, Ângela Maria de Randolpho.
Caminhos da Educação Pública no Brasil: dilemas e tensões para a
realização de uma educação emancipatória. Rio de Janeiro, 2007. 150p.
Dissertação de Mestrado – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A dissertação visou acompanhar um pouco da evolução do sistema de ensino
público no Brasil, partindo da década de 1930 até a atualidade buscando
compreender as possíveis causas de seu persistente déficit qualitativo, não
obstante os avanços alcançados, quanto à expansão do acesso ao ensino, desde o
final da década de 1980. Identificamos como um dos importantes componentes
para sua condição qualitativamente deficitária a forma conservadora como veio se
desenvolvendo o sistema de ensino no país, a qual se mostrou relacionada à forma
invertida como se desenvolveram os direitos de cidadania no Brasil. Partiu-se da
premissa neste trabalho de que a educação pública como está constituída não se
apresenta como democrática, dado que não capacita a todos em igualdade de
condições, a despeito de suas diferenças culturais, de renda, gênero, cor ou região,
o que acaba permitindo que as desigualdades sociais se reflitam nas desigualdades
escolares e sejam reproduzidas fora da escola. A compreensão da educação como
e para o exercício dos direitos de cidadania, associada à percepção de que um dos
motivos para sua qualidade deficitária seja justamente o esvaziamento de sua
condição de direito, nos levou a concluir que uma das possíveis alternativas para o
problema do déficit educacional público seria o estabelecimento de uma educação
orientada pelos direitos humanos e de cidadania, haja vista que esta favoreceria o
fortalecimento dos grupos desfavorecidos na sociedade civil, tornando-os
potenciais sujeitos políticos conscientes de seus direitos e deveres de cidadania,
mais aptos à participação política e à luta por realização de direitos.
Palavras-Chave
Educação Pública, cidadania, diversidade cultural, democracia participativa.
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Abstract
Mancebo, Samara Lima Tavares; Paiva, Ângela Maria de Randolpho
(Advisor). Public Education Ways in Brazil: dilemmas and tensions
towards emancipatory education. Rio de Janeiro, 2007. 150p. Msc.
Dissertation – Departamento de Sociologia e Política, Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation has analyzed the Brazilian Public Teaching System since
the 30’s until nowadays and tried to understand some causes of its quality deficit
despite the improvements on the access to basic education observed since the
80’s. Considering the causes of this deficit it is possible to stress that Brazilian
education has been developed in a conservative pattern, which is following the
inverted citizenship rights development in Brazil. This work followed the idea that
public education, as constituted, is not democratic, as it does not make all
individuals capable under the same conditions, despite their cultural, income,
color or regional differences, what allows the social inequalities to reflect on the
school inequalities, becoming natural inside school and reproducing the
inequalities outside it. In this case, the comprehension of education as and to the
exercising of citizenship rights, associated to the realization that one of the
reasons to its deficient quality is exactly the exhaustion of its condition of being a
right, lead us to the conclusion that one of the main alternatives to the deficiency
of public education in Brazil would be the establishment of education oriented by
the human and of citizenship rights. Education that, by having its structure and
pedagogical practice oriented by rights, besides stimulating the development of
critic, autonomous and reflexive pedagogic individuals, would favor the
strengthening of the unprotected groups in civil society, making them potential
political subjects aware of their rights and duties if citizenship, more capable to
political participation and to fight for their rights.
Keywords
Public Education, Citzenship, Cultural Diversity, Participative Democracy.
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Sumário
Introdução
15
Capítulo 1: A educação pública no Brasil: um pouco do caminho
trilhado pela educação no século XX e seu contexto social e
político 19
1.1: A modernização conservadora na educação pública e na
construção da cidadania..... 22
1.1.1.Modernização Conservadora: um jeitinho brasileiro... 23
1.1.2. Sobre a formação dos direitos de cidadania e o lugar
ocupado pela educação nesse processo.... 25
1.2. De 1930 a 1985: um olhar sobre a Escola Pública no Brasil. 31
Capítulo 2: E assim caminha a modernização conservadora em
educação: avanços quantitativos e a permanência do déficit
qualitativo 48
2.1. Sobre a evolução educacional no Brasil: avanços
quantitativos..... 49
2.1.1. Taxa de analfabetismo e analfabetismo funcional:
aspectos gerais. 51
2.1.2. Sobre a variação nas taxas de matrícula no ensino
fundamental e médio... 54
2.1.3. Rendimento e Movimento Escolar no ensino fundamental
e médio.... 60
2.1.4. Um panorama geral das desigualdades por grupos de cor
e renda no país... 66
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2.2. Sobre a qualidade da educação no país: resultados ainda
“críticos”.... 83
2.3. Algumas considerações sobre os dados apresentados.. 98
Capítulo 3. Sinais de mudanças no cenário sociopolítico e
econômico pós-1980: novos caminhos para uma educação
emancipatória... 108
3.1. A década de 1980: um marco divisor na sociedade
brasileira..... 111
3.2. Tensão entre globalização hegemônica e globalização
alternativa: percalços e possibilidades para a estruturação de
uma educação emancipatória.. 116
3.2.1. Cultura hegemônica x cultura alternativa: o conceito de
qualidade em educação... 123
3.3. Sobre as políticas multiculturais em educação e as
competências necessárias para o exercício da cidadania..
127
3.4. Um hiato entre leis e sua efetivação: a LDB, os PCNs e a
realidade escolar...
135
Considerações Finais... 141
Bibliografia..... 146
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Índice de Tabelas e Quadros
Tabela 1 – Analfabetismo e Analfabetismo Funcional de
Pessoas de 15 anos ou mais (2005)
52
Tabela 2 – Taxa de Analfabetismo de Pessoas de 15 anos ou
mais (2000). 53
Tabela 3 – Taxa de Matrícula na Educação Básica (2000 e
2005) 55
Tabela 4 – Matrículas no Ensino Fundamental, de 1ª a 4ª Série,
por Faixa Etária (2000 e 2005) 56
Tabela 5 – Proporção dos estudantes do Ensino Fundamental
com idade superior à recomendada para cada série em até 2
anos, por série de ensino freqüentada, segundo as Grandes
Regiões, Unidades da Federação e Regiões Metropolitanas –
2005 58
Tabela 6 – Matrículas no Ensino Fundamental, de 5ª a 8ª Série,
por faixa Etária (2000 e 2005) 58
Tabela 7 – Matrículas no Ensino Médio por Faixa Etária (2000 e
2005) 60
Tabela 8 – Total de matrículas no Ensino Fundamental (2000 e
2005) 61
Tabela 9 – Número de Aprovados, Reprovados e Afastados por
Abandono no Ensino Fundamental, por série (1999 e 2004) 62
Tabela 10 – Concluintes no Ensino Fundamental por Faixa
Etária (2000 e 2005) 64
Tabela 11 – Alunos Aprovados, Reprovados, Afastados por
Abandono e Concluintes do Ensino Médio (1999 e 2004) 65
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Tabela 12 – Alunos Concluintes do Ensino Médio por Faixa
Etária (2000 e 2005) 65
Tabela 13 – População Total – Brasil e Regiões (2005) 69
Tabela 14 – Analfabetismo de Pessoas de 15 anos ou mais, por
cor e região do país (2005) 70
Tabela 15 – Analfabetismo Funcional de Pessoas de 15 anos ou
mais, por cor e região do país (2005) 70
Tabela 16 – Freqüência escolar (%) das pessoas de 5 a 24 anos
de idade, por cor ou raça e região do país (2005) 71
Tabela 17 – Percentual de Estudantes de 18 a 24 anos de
idade, por cor ou raça e nível de ensino freqüentado (2005) 72
Tabela 18 – Média de Anos de Estudo de Pessoas de 15 anos
ou mais, por grupos de cor e região (2005) 73
Tabela 19 – Média de Anos de Estudo e Rendimento Mensal de
todos os trabalhos de Pessoas de 10 anos ou mais de idade,
ocupadas na semana de referência, com rendimentos, por
grupos de cor e região (2005) 73
Tabela 20 – Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de
idade, ocupadas na semana de referência, por grupos de cor e
anos de estudo (2005) 74
Tabela 21 – Rendimento-hora do trabalho principal das pessoas
de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por grupos de cor e anos de estudo (2005) 75
Tabela 22 – Estudantes da rede pública por quintos de
rendimento mensal familiar per capita (2005) 77
Tabela 23 – Estudantes da rede particular por quintos de
rendimento mensal familiar per capita (2005) 77
Tabela 24 – Médias de Proficiência dos alunos avaliados em
língua portuguesa e matemática na 4ª série do Ensino
Fundamental (2005)
84
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Tabela 25 – Médias de desempenho e estágios de construção
de competências para a 4ª série do ensino fundamental, em
língua portuguesa – Brasil e Regiões (1995 e 2001) 86
Tabela 26 – Médias de desempenho e estágios de construção
de competências para a 4ª série do ensino fundamental, em
matemática – Brasil e Regiões (1995 e 2001) 86
Tabela 27 – Médias de desempenho em língua portuguesa para
a 4ª série do ensino fundamental (2001) 87
Tabela 28 – Médias de desempenho em matemática para a 4º
série do ensino fundamental (2001) 87
Tabela 29 – Médias de Proficiência dos alunos avaliados em
língua portuguesa e matemática na 8ª série do Ensino
Fundamental (1995 a 2005) 88
Tabela 30 – Distribuição de alunos nos estágios de construção
de competências em língua portuguesa, na 8ª Série do ensino
fundamental (2001) 89
Tabela 31 – Percentual de alunos nos estágios de construção
de competências em língua portuguesa, na 8ª Série do ensino
fundamental (2001) 89
Tabela 32 – Distribuição de alunos nos estágios de construção
de competências em matemática, na 8ª Série do ensino
fundamental (2001) 90
Tabela 33 – Percentual de alunos nos estágios de construção
de competências em matemática, na 8ª Série do ensino
fundamental (2001) 90
Tabela 34 – Médias de desempenho em língua portuguesa para
a 8ª série do ensino fundamental (2001) 91
Tabela 35 – Médias de desempenho em matemática para a 8ª
série do ensino fundamental (2001) 91
Tabela 36 – Médias de Proficiência dos alunos avaliados em
língua portuguesa e matemática, na 3ª série do Ensino Médio
(1995 a 2005) 93
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Tabela 37 – Freqüência e percentual de alunos nos estágios de
construção de competências em língua portuguesa, na 3ª série
do Ensino Médio (2001) 95
Tabela 38 – Freqüência e percentual de alunos nos estágios de
construção de competências em Matemática, na 3ª série do
Ensino Médio (2001) 95
Quadro 1 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades de leitura de textos de gêneros variados, em cada
um dos estágios para a 4ª série do ensino fundamental (2003) 102
Quadro 2 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades na resolução de problemas em cada um dos
estágios para a 4ª série do ensino fundamental (2003) 103
Quadro 3 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades de leitura de textos de gêneros variados em cada
um dos estágios, para a 8ª série do ensino fundamental (2003) 104
Quadro 4 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades matemáticas na resolução de problemas em cada
um dos estágios, para a 8ª série do ensino fundamental (2003) 105
Quadro 5 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades de leitura de textos de gêneros variados em cada
um dos estágios, para a 3ª série do ensino médio (2003) 106
Quadro 6 – Construção de competências e desenvolvimento de
habilidades na resolução de problemas em cada um dos
estágios, para a 3ª série do ensino médio (2003) 107
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Introdução
“Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo
7, 1948).
“Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho ímpar”. (Carlos Drummond de Andrade. Igual
Desigual).
“Todos os homens são iguais perante a lei” e “Todo ser humano é um
estranho ímpar”. Nada mais atual, contemporâneo do que o reconhecimento da
singularidade do ser humano. E nada mais moderno do que a própria concepção
dos direitos humanos dos cidadãos que os concebem como iguais e portadores de
direitos imprescindíveis para a realização de uma “vida digna”.
O trabalho que ora se inicia tem como vértices principais para tratar do
tema do déficit qualitativo da educação pública no Brasil as noções de igualdade e
diferença, sempre pensando-as dentro de um arcabouço maior, o dos direitos
humanos e de cidadania. Por isso Drummond foi “convidado” a abrir este
trabalho, lado a lado com a citação de um dos artigos da Declaração dos Direitos
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16
humanos. Pensar em direitos humanos e de cidadania implica ao mesmo tempo
pensar na garantia legal de determinados direitos para todos, e em igualdade no
usufruto desses direitos. Mas também, e mais especificamente a partir de meados
do século XX – e no caso do Brasil a partir da década de 1980 – implica no
reconhecimento e valorização da diversidade cultural, isto é, das singularidades
pertinentes a cada indivíduo ou grupo.
Mas por que, sendo o tema deste trabalho a educação pública no Brasil,
começar tratando da temática dos direitos, da igualdade e da diferença? A
educação neste trabalho é concebida como um direito social e humano e, além
disso, como uma pré-condição para o exercício desses direitos humanos e de
cidadania. Na condição de direito, a educação deve ser ofertada a todos os
indivíduos em igualdade de condições, independentemente de suas
complementaridades socioeconômicas e culturais. E em sendo ela compreendida
como fundamental para a capacitação de sujeitos cognoscentes, isto é, de sujeitos
aptos a adquirir conhecimento, e a pensá-lo e transformá-lo de forma crítica,
reflexiva e autônoma, torna-se, dessa maneira, um pré-requisito para o próprio
exercício dos direitos civis e políticos. Em outras palavras, a formação propiciada
pela educação, contribui para a capacitação de sujeitos mais habilitados ao
exercício de suas liberdades, à participação política e à luta em prol da igualdade
no usufruto desses direitos considerados inalienáveis.
A temática da igualdade e da diferença se mostra muito importante uma
vez que a relação entre esses valores marca toda a discussão desenvolvida nesse
trabalho, orientada pela premissa de que uma educação pública como a que se
apresenta estruturada no Brasil, em razão de sua baixa qualidade, não se mostra
como democrática, dado que não capacita a todos em igualdade de condições e
tampouco representa toda a diversidade cultural existente no país. Nesse sentido,
partir-se-á da hipótese de que esse tipo de educação ofertada, qualitativamente
deficitária, contribui para a naturalização das desigualdades sociais dentro dos
muros escolares e para a reprodução das mesmas fora desses muros. A evolução
desse ciclo de reprodução de desigualdades dentro do qual a educação escolar se
fez representar poderá ser acompanhada, assumindo formas diferentes, no
decorrer dos capítulos, mas sempre tendo como resultado a formação de jovens
pouco habilitados às competências sugeridas por suas séries, para as demandas do
mercado de trabalho, assim como para o exercício da cidadania.
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17
Ao assumirmos a importância da educação como e para os direitos de
cidadania, com fito de tentar compreender algumas das possíveis causas de seu
déficit qualitativo na atualidade assim como suas implicações para o exercício da
cidadania, voltamos à década de 1930, dado que esta década serviu de berço para
a formação dos direitos de cidadania no Brasil, bem como para a primeira
expansão mais sistemática do ensino público no país.
No primeiro capítulo, portanto, trataremos de traçar um pouco do caminho
trilhado pela educação no século XX, mais especificamente entre as décadas de
1930 e 1980, chamando sempre a atenção, mediante essa sociologia histórica, para
a relação existente entre educação e direitos e, sobretudo, para a relação
desenvolvida entre a forma “invertida” e “conservadora” como se desenvolveram
os direitos de cidadania no Brasil, e a própria caracterização da educação pública
como sendo seletiva e reprodutora de desigualdades, ao invés de contribuir para a
promoção da igualdade e justiça social.
Atentamos neste capítulo para alguns dos avanços e retrocessos
importantes no campo educacional e dos direitos que marcaram o
desenvolvimento do sistema público de ensino, legando-nos, já no século XXI,
uma educação ainda precária do ponto de vista qualitativo, ainda que quase
universalizada sob o aspecto quantitativo. É sobre essa expansão quantitativa
aliada ao ainda persistente déficit qualitativo que trataremos no capítulo segundo
desta dissertação.
Com o retrato tirado da educação pública brasileira no primeiro capítulo,
passamos a um quadro mais contemporâneo da educação pública, que segue do
final da década de 1980 até a atualidade. Para pintá-lo, lançaremos mão de alguns
indicadores importantes para medir o quanto avançamos, e o quanto ainda
carecemos de melhorias, a fim de podermos conceber a educação pública no
Brasil como efetivamente de qualidade. Analisaremos as variações de algumas
taxas, como as de matrícula, analfabetismo, analfabetismo funcional, defasagem
série/idade, aprovação, reprovação, conclusão e afastamento por abandono, assim
como destacaremos as médias de desempenho dos alunos avaliados pelo SAEB,
com o intuito de apreender as mudanças sofridas por essa educação a partir de
1980 e identificar, mediante a análise da realidade escolar, possibilidades para
transcender o déficit de qualidade e às desigualdades que cortam o sistema de
ensino público no país.
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18
A análise do passado associada aos dados que nos delineiam a educação
pública no presente, nos permite atentar para a importância de pensar (e realizar) a
educação como um direito e de estruturar sua prática pedagógica com base na
noção de direitos e para o exercício dos direitos. Sugere-se que uma educação
como e para os direitos reconheceria e valorizaria a diversidade cultural e
favoreceria algumas importantes competências para a formação de sujeitos
cognoscentes que, por sua vez, mais do que habilitados para competir com o
mínimo de igualdade de condições por uma vaga no mercado, estariam mais aptos
à participação democrática e à luta por justiça e igualdade social. É sobre esse
possível modelo de educação orientado pelos direitos humanos e de cidadania –
que chamaremos de emancipatório – e o contexto sóciopolítico e econômico
dentro qual esse modelo pode começar a ser pensado que trataremos no capítulo
terceiro desta dissertação.
Ao sairmos da década de 1930 e chegarmos à atualidade percorreremos
um pouco do caminho trilhado pela educação pública no Brasil, destacando, a
cada parada, um pouco também dos dilemas e das tensões implicadas no
desenvolvimento e realização dessa educação para o alcance de uma educação
efetivamente de qualidade, qualidade no sentido de inclusiva, democrática e
emancipatória. Percorreremos um “caminho áspero e escarpado” (PLATÃO)
1
com fito de encontrarmos as possíveis razões do déficit qualitativo da educação
pública no Brasil e suas possíveis implicações para o exercício da cidadania e para
o fortalecimento da democracia participativa entre nós. Por fim, devemos salientar
que este caminho será trilhado de forma crítica e reflexiva com vistas à procura de
novos caminhos e possíveis alternativas para tentarmos reverter esse quadro
perverso que nos leva à naturalização e reprodução das desigualdades sociais
dentro dos muros escolares.
1
Platão, O Mito da Caverna in A República, 1993, 7º edição.
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Capítulo 1.
A educação pública no Brasil: um pouco do caminho
trilhado pela educação no século XX e seu contexto social e
político.
O problema do déficit educacional público brasileiro não pode ser
considerado um tema novo nas Ciências Sociais e Econômicas no Brasil, o que
revela a dificuldade de se encontrar soluções objetivas e eficazes para o problema.
Um dos motivos que permitem tal afirmação reside no próprio fato de o problema
relacionado às limitações do sistema educacional – sob a perspectiva do acesso ao
ensino e/ou da qualidade do mesmo – vir suscitando debates e o desenvolvimento
de pesquisas desde o início do século XX, quando se iniciou, de forma tímida, o
processo de expansão do ensino público no país. Não resolvido, e tampouco
esgotado, o problema persiste e o tema recobrou força no período de
redemocratização do país, quando, para além do campo acadêmico, o debate em
torno do assunto ganhou importância e organização para a realização de demandas
na sociedade civil, demandas estas que estavam ligadas, sobretudo, à garantia dos
direitos de cidadania prescritos na Constituição de 1988, dentre eles o direito à
educação e ao trabalho (CANDAU & SACAVINO, 2003).
Ainda hoje, passado cerca de ¾ de século desde a “concessão” legal dos
direitos de cidadania na década de 1930, dos primeiros esforços em torno da
expansão do ensino público no país, e dezenove anos da promulgação de nossa
“Constituição Cidadã”, a qual conferiu a todos os cidadãos brasileiros,
independentemente de suas complementaridades, igualdade de direitos – fossem
eles civis, políticos ou sociais –, a questão da baixa qualidade do ensino público
ainda é motivo de larga preocupação entre os que pensam as Ciências Sociais,
(CUNHA, 2001), (GENTILI, 2005) e Econômicas no Brasil (SCHWARTZMAN,
2004, 2006), assim como entre educadores (CANDAU & SACAVINO, 2003),
(HADDAD, 2006), (MATTOS, 2005), (SOUZA, 2003). Esta preocupação não é
desmedida, visto que, após décadas de pesquisas buscando compreender os fatores
capazes de propiciar o tão almejado desenvolvimento econômico do país, e
aqueles capazes de minimizar os efeitos nefastos desse desenvolvimento como a
“produção” da pobreza e o aumento das desigualdades sociais, a educação foi
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sempre – em maior ou menor grau de importância – alocada como uma variável-
chave para resolução ou minoração dos problemas existentes.
Vários autores, para citar os mais recentes, como Hasenbalg (2003),
Henriques (2001, 2002), Schwartzman (2004, 2006), Silva (2003), dentre outros,
ao analisarem a questão da pobreza e das desigualdades entre os indivíduos, nos
chamam a atenção para o fato de que, apesar de existirem uma série de
abordagens – cada uma delas lançando mão de uma variável específica – para
tratar os problemas em questão, a educação é tida como uma variável com alto
poder para a explicação da pobreza e das desigualdades no Brasil.
Não é objeto deste trabalho o tema das desigualdades sociais propriamente
dito, mas sim tratar o tema da educação pública no país em três eixos principais:
1) buscando compreender algumas das possíveis causas de seu déficit – entendido
como a incapacidade da escola pública de alcançar o mínimo desejado para
habilitar os indivíduos a fim de que tenham condições efetivas de ocupar uma
vaga no mercado de trabalho e para que possam exercer esse direito dos mais
básicos, que é a educação, para o exercício da cidadania; 2) tentando compreender
os prováveis mecanismos utilizados pelo sistema de ensino – velada ou
explicitamente – que acabam por resultar em reprodução e naturalização das
desigualdades dentro do próprio ciclo escolar e, por fim; 3) buscando uma
alternativa viável para suprir as carências do ensino atual que passará, neste
trabalho, pela sugestão de um “novo” modelo pedagógico pautado pela lógica dos
direitos humanos
1
.
Em sendo assim, apesar de não constituir o objeto do trabalho, a questão das
desigualdades sociais – regionais, de renda, oportunidades de trabalho, gênero e
cor – será de valiosa importância na medida em que se faz necessário entender a
forma como elas se configuram no contexto social e a relação que desenvolvem
com a educação para, só então, podermos legitimar ou refutar a hipótese a ser
testada ao longo da dissertação, a saber, a de que a educação pública como está
constituída – deficitariamente – acaba por permitir que as desigualdades sociais
se reflitam nas desigualdades escolares, naturalizando-se no interior da escola e
1
A idéia de um modelo pedagógico orientado pelos direitos humanos foi inspirada na leitura de
autores como Candau (2003), Haddad (2006) e Sacavino (2003), para citar alguns autores, que
trabalham com a temática da educação relacionada aos direitos humanos, e que serão tratados mais
adiante.
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reproduzindo as desigualdades fora dela. A naturalização das desigualdades no
interior do ciclo escolar, e a reprodução das mesmas fora desse ciclo, acabam
contribuindo para o aumento das desigualdades de oportunidades de trabalho,
implicando em sérios entraves para o desenvolvimento social e econômico do
país, assim como para a democratização do exercício da cidadania. A educação
como está estruturada, por sua vez, não se apresenta como democrática, dado que
não propicia a todos os indivíduos, a despeito de suas diferenças culturais, de
renda, gênero, cor ou região, condições objetivas de exercício da cidadania e de
mobilidade social, as quais passam pelo direito à igualdade de capacitação e ao
exercício das liberdades, entre elas as de oportunidade de ocupar uma vaga no
mercado de trabalho
2
.
Não obstante se reconheça a preocupação de educadores e cientistas sociais
para com os problemas relativos ao ensino público desde o início do século XX
(CUNHA, 2001), (ROMANELLI, 2005) – mais especificamente às limitações
ligadas ao acesso ao ensino –, o presente trabalho terá suas análises focadas nas
últimas três décadas, dado que foi na década de 1980, quando do período de
redemocratização do país e da promulgação de nossa “Constituição Cidadã”, que
o tema da qualidade do ensino despontou no cenário social brasileiro como central
para a efetivação democrática, para o exercício da cidadania e para diminuição da
pobreza e das desigualdades sociais
3
.
A ênfase nesse estudo, portanto, será dada à educação pública no Brasil a
partir da década de 1980, mais especificamente do período posterior à
promulgação da Constituição de 1988, buscando desvelar avanços e retrocessos
no campo educacional com o fito de compreendermos melhor o “status
(deficitário) da educação pública no Brasil contemporâneo. Entretanto, um breve
“retorno” à década de 1930 será necessário para que possamos entender melhor
como se formou e se iniciou o processo de expansão do ensino público no país e
2
Amartya Sen numa busca pela melhor forma de examinar e apreender a extensão da
desigualdade, atenta para o fato de que é preciso identificar, antes de qualquer coisa, o que deve
ser igualado. Para o autor, “as capacidades é que devem ser igualadas” (SEN, 2001, p. 12), e o faz
justificando que a igualdade de capacitação é primordial para que os indivíduos consigam
desenvolver suas liberdades na busca por seus objetivos. Pode-se dizer, nos remetendo ao foco
deste trabalho, que a igualdade de capacitação possibilitada por uma educação de qualidade é
imprescindível para que os indivíduos possam exercer suas liberdades com o mínimo de
desigualdades possível.
3
Cabe ressaltar que já na década de 1970 autores como Geraldo Langoni e Francisco Ferreira, para
citar alguns, já chamavam a atenção para a importante correlação existente entre nível educacional
e desigualdades de renda.
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em que contexto se deu essa expansão. Com essa sociologia histórica poderá ser
vista a relação existente entre a educação e os direitos de cidadania – que também
tiveram na década de 1930 o seu berço – e será possível entender um pouco
melhor o que está sendo analisado aqui como a relação perversa do déficit
educacional brasileiro com a manutenção de uma organização social construída
em base extremamente desigual.
1.1. A modernização conservadora na educação pública e na
construção da cidadania.
Quando se pensa em fazer uma análise da organização social brasileira,
independentemente do aspecto que se vá estudar, pode-se, de antemão, afirmar a
disparidade encontrada desde o início do processo de modernização do país entre
os avanços econômicos e tecnológicos e a insistente presença de uma massa de
excluídos dos benefícios trazidos por essa modernização.
Essa “disparidade” é tida por alguns estudiosos, como Jessé Souza (2000,
2003) e Werneck Vianna (1997) como sendo estrutural, inerente ao próprio
processo de modernização brasileiro – que ficou conhecido como Modernização
Conservadora – iniciado por volta da década de 1930 e que, a despeito dos ganhos
constitucionais e dos próprios ganhos relativos ao desenvolvimento econômico,
perdura até a atualidade, deixando suas marcas na cultura política do país, na
participação dos cidadãos na sociedade civil e nas próprias instituições políticas e
sociais.
Nesse caso, não se pode, ao abordar os temas da educação pública no Brasil,
da cidadania e das desigualdades sociais de uma forma geral, negligenciar a
importância que teve a década de 1930 com seu incipiente processo de
modernização para a configuração atual, tanto do sistema educacional quanto da
forma como se exercita a cidadania e se estabelecem as desigualdades sociais no
país.
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1.1.1. Modernização Conservadora: um jeitinho brasileiro.
É quase consenso entre os pensadores brasileiros (CARVALHO, 2006),
(SANTOS, 1987), (VIANNA, 1997), ao tratarem da forma como se deu a
modernização do país no início do século XX, entendê-la como um processo de
modernização conservadora
4
. A compreensão desse processo é relevante para o
trabalho a ser desenvolvido na medida em que oferece uma explicação para a
forma “regulada” (SANTOS, 1987) e desigual como se desenvolveu o mercado de
trabalho e a própria concepção de direitos no Brasil. No rastro dessa
“modernização seletiva” (SOUZA, 2000), pode-se dizer, que a educação também
fora se modernizando de maneira “conservadora”, seletiva e desigual.
De acordo com Werneck Vianna (1997), esse processo de modernização
conservadora pode ser descrito, sob quatro perspectivas, quais sejam: uma
perspectiva relacionada ao binômio “conservação-mudança”, uma relativa à noção
de “tese e antítese”, outra que diz respeito à forma assumida por esse processo,
“de cima pra baixo”, e uma última que se refere à idéia de “revolução sem
revolução”.
Por processo de modernização entende-se o período de passagem de uma
sociedade tradicional, oligárquica e escravista para uma sociedade moderna,
republicana e democrática. Ao contrário de países europeus como França e
Inglaterra, que fizeram essa “passagem” por meio de revoluções
5
, o processo de
modernização brasileiro seguiu uma linha mais passiva, isto é, por meio de uma
revolução sem revolução, incorporando o moderno sem se desprender do arcaico.
Em outras palavras, nossa revolução “liberal” – que do ponto de vista econômico
inaugurou o capitalismo industrial e do ponto de vista político representou a
formação do Estado Nacional Moderno – não se deu mediante a organização de
4
Não obstante seja sabido que cada um desses autores parte de uma matriz teórica específica para
explicar o processo de modernização conservadora, não nos cabe aqui analisá-las, dado que fugiria
do escopo deste trabalho.
5
Não se está querendo dizer aqui que o processo de modernização ocorrera da mesma forma na
França e na Inglaterra; apenas se está chamando a atenção para a diferença entre a passagem para
modernidade no Brasil – que ocorrera de forma passiva e “de cima para baixo” – e na França e na
Inglaterra – onde essa passagem contou com a participação mais ativa dos atores sociais. Para
citarmos uma diferença entre os processos ocorridos na França e na Inglaterra, podemos destacar
que, ao contrário da França que precisou de uma revolução sangrenta, “de uma queda da
Bastilha”, para configurar sua nova ordem social, na Inglaterra essa passagem se deu de forma
mais amena (o que não quer dizer passiva), com a aristocracia cedendo paulatinamente o poder
político à burguesia emergente (PAIVA, 1994).
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cidadãos e/ou grupos organizados dentro da sociedade civil, tampouco por meio
de lutas sangrentas. Foi um processo que se deu de cima para baixo, cujas
mudanças foram desenvolvidas pelas elites do país e pelo próprio Estado do qual
faziam parte, direta ou indiretamente.
Essas mudanças não se deram no âmbito social para depois serem
incorporadas ao arcabouço político; elas, na verdade, foram “confeccionadas” por
esse arcabouço e impostas na forma de “concessões” aos “cidadãos” brasileiros.
Comportamentos, atitudes e valores foram configurados por uma elite e impostos,
de cima para baixo, à sociedade tradicional sob o argumento de modernizar o país.
Em tendo sido, desde o início, o processo sem luta e de cima para baixo, resultou
dele uma forma peculiar de modernização, a saber, uma que coaduna tese e
antítese, que transforma conservando. Ou seja, aqui a tese – as elites ou estratos
dominantes – não reagiu à antítese – o agente político transformador – mas antes
se apropriou dos objetivos da mesma, transformando o que “deveria” resultar
numa revolução, num processo de conservação-mudança, donde o novo se
coaduna com o velho para sobreviver sem perda de privilégios para ambos (idem).
Sob os auspícios desse processo modernizador, ainda na Era Vargas,
acelerou-se o processo de urbanização, desenvolveram-se os direitos de cidadania,
e começaram a aumentar as demandas por acesso à educação pública no país.
Muitas foram as mudanças iniciadas nessa época. No que tange à questão
demográfica, pode-se dizer que houve uma espécie de inversão no processo de
migração no país. A entrada antes estimulada de imigrantes estrangeiros fora
substituída por uma intensa migração interna, mais especificamente de populações
do Norte e Nordeste, e das áreas rurais como um todo, para os centros mais
desenvolvidos (ou em processo de desenvolvimento mais acelerado) como São
Paulo e Rio de Janeiro para integrar o incipiente mercado industrial de trabalho.
Em sua maioria, essas populações migrantes passaram a compor as classes pobres
e operárias dos centros urbanos, classes estas que pouco tempo depois estariam
demandando a expansão do acesso ao ensino, já então identificando a educação
como um importante fator de mobilidade e ascensão social (BOMENY, 1993).
Essas classes urbanas foram também beneficiadas pela “concessão” dos direitos
de cidadania, especialmente dos direitos sociais que incluíam toda a legislação
trabalhista e previdenciária que foi sendo implantada a partir da década de 1930
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(CARVALHO, 2006). E é sobre a formação e “concessão” desses direitos de que
trataremos agora.
1.1.2. Sobre a formação dos direitos de cidadania e o lugar ocupado
pela educação nesse processo.
Sendo objeto deste trabalho a educação pública no Brasil e sendo esta um
direito social – já legalmente reconhecida como tal pela constituição de 1934 – e
compreendida como pré-condição para o exercício e realização dos demais
direitos civis e políticos (CARVALHO, 2006), (MARSHALL, 1967), faz-se
necessário discorrer acerca da forma como os direitos se constituíram no Brasil e
como se posicionou a educação, ou melhor, o sistema educacional público em
relação a esses direitos. Só assim poderemos compreender os avanços
conseguidos no campo dos direitos e da própria educação pública a partir da
década de 1980.
Antes de mais nada, cabe salientar que a cidadania implica em exercício das
liberdades, em igualdade para todos e em participação social. Com base nessas
três vertentes da cidadania convencionou-se – desde Marshall (idem) – a
desdobrá-la em três categorias, a saber, a dos direitos civis, políticos e sociais. A
cada uma dessas categorias corresponde o reconhecimento de uma gama de
direitos, assim como de instituições apropriadas para garanti-los. Por cidadania
entende-se a participação de homens livres numa comunidade – hoje em dia
também em âmbito global – com status de igualdade em relação ao usufruto dos
direitos e deveres dos cidadãos
6
.
Quanto aos direitos civis eles são constituídos como os direitos necessários à
liberdade individual que vão desde a liberdade de ir e vir, de imprensa e
pensamento até o direito à justiça que implica no direito de defender e afirmar os
direitos então garantidos em condições de igualdade e mediante instituição legal.
6
Importante frisar que o novo conceito de cidadania surgido a partir da década de 1980, para além
da garantia dos direitos já reconhecidos, incorpora à sua definição a idéia do direito a ter direitos,
inclusive a ter direito de ser diferente sem abdicar do status de igualdade formal. Mas a esse
respeito trataremos mais adiante.
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Nesse sentido, as instituições responsáveis por garantir os direitos civis são os
tribunais de justiça.
No que toca aos direitos políticos, eles dizem respeito ao direito de
participar da vida política do país como eleitor – o que implica o direito de voto –
e/ou como autoridade política – que se refere ao direito de ser eleito. Para além
desses, na atualidade, concebe-se também outros veículos de participação política
que não passam somente pelo voto, como aqueles ligados à organização de
movimentos de pressão no seio da sociedade civil, mas sobre esses novos canais
de participação trataremos no terceiro capítulo deste trabalho. São instituições
responsáveis por garantir esses direitos os partidos políticos, a Câmara, o Senado
e demais instituições ligadas ao processo de participação e representação política
no país.
Por fim, temos os direitos sociais que incluem o direito à educação, à saúde,
ao trabalho, à aposentaria, etc., isto é, direitos que estão relacionados à realização
de um mínimo de bem estar econômico e social para os cidadãos, que representam
a garantia de “participação na riqueza coletiva” (CARVALHO, 2006, p. 10), seja
ela social, econômica ou cultural, e que, como nos aponta Paiva (1994) “traduzem
os compromissos assumidos pelo Estado em relação aos governados” (idem, p.
24). Nesse sentido, as instituições responsáveis por garanti-los, como não poderia
deixar de ser, são aquelas ligadas ao sistema educacional, ao sistema público de
saúde e todos aqueles relacionados à realização de serviços sociais por parte do
Estado.
Essa conceituação de cidadania, assim como a distinção da mesma em três
categorias, foi desenvolvida por Marshall (1967) e, de acordo com este autor, na
Inglaterra esse processo de formação dos direitos se deu de forma tão lenta e
gradativa que se tornou possível situar o período de formação e desenvolvimento
de cada um a um século diferente, sem que, com isso, fossem distorcidos os fatos
históricos. Na Inglaterra, primeiro se desenvolveram os direitos civis, no século
XVIII. A aquisição destes permitiu a existência de liberdade suficiente para a
conquista dos direitos políticos no século XIX. A universalização dos direitos
civis e políticos, já no século XX, permitiu a luta dos cidadãos, mediante
participação política em movimentos sindicais ou profissionais, por direitos
sociais. Entretanto, salienta o autor que a despeito de cada um dos séculos acima
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abranger o período formativo de cada um dos direitos, existe um entrelaçamento
na conquista dos mesmos que perpassa todos os séculos em questão.
Dois pontos dentro dessa discussão merecem ser destacados: o primeiro, é o
lugar peculiar ocupado pela educação; o segundo diz respeito à forma com esses
direitos se desenvolveram no Brasil.
Vamos à educação. Na tipologia dos direitos feita por Marshall (idem) a
formação e, mais precisamente, a universalização dos direitos sociais só se
realizou quando já haviam sido universalizados os direitos civis e políticos; quer
dizer, a conquista daqueles estaria ligada à existência prévia de liberdade para
participar das decisões políticas do país. O dado peculiar de toda essa discussão se
refere ao lugar assumido pela educação dentro dessa tipologia. A despeito de ser
um direito social, o que em tese implicaria dizer que a sua conquista e realização
se dariam após o alcance dos direitos civis e políticos, a educação foi considerada
por Marshall – e ainda o é por diversos pensadores da temática da cidadania e da
própria educação como (CANDAU & SACAVINO, 2003), (HADDAD, 2006),
entre outros – como uma pré-condição para o exercício dos direitos civis e
políticos na medida em que estes, segundo o autor, “se destinam a ser utilizados
por pessoas inteligentes e de bom senso que aprenderam a ler e escrever
(MARSHALL, 1967, p. 73). Isso porque a educação é entendida em seu discurso
como capaz de permitir aos indivíduos que tomem consciência de seus direitos e
das formas possíveis de organização social capazes de garantir a realização dos
mesmos. Nesse sentido, pode-se dizer que a educação ocupa um lugar central para
a realização da cidadania, pois ao mesmo tempo em que se posiciona como um
direito manifesta-se como um pré-requisito para o exercício dos demais.
Já no século XIX, na Inglaterra, a educação primária se constituiu como
dever do Estado e, além de gratuita, ao final deste século, tornou-se obrigatória
(THOMPSON, 2004). É interessante pensarmos como à essa época em que
crianças ainda não eram consideradas cidadãs, a educação foi concedida a elas. O
direito, na verdade, não era propriamente das crianças, mas do adulto que ela viria
a se tornar. Ou seja, toda criança seria um adulto em perspectiva o qual, por sua
vez, teria o direito de ser educado. A obrigatoriedade da educação, por seu turno,
se traduzia como uma necessidade diante das recentes transformações: para além
da consciência do direito de todos à livre escolha, e que para exercer esse direito
precisariam ser minimamente educados, a consciência de que a democracia
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política que se firmava naquele momento na Inglaterra não só necessitava de um
eleitorado educado, mas também de que o capitalismo industrial demandava, para
o seu próprio desenvolvimento, a formação de técnicos e trabalhadores
qualificados. Assim, a educação tinha a função de formar cidadãos para cumprir
seus deveres públicos e de formar a mão-de-obra qualificada exigida pelo
capitalismo em expansão.
Quando nos voltamos para o caso brasileiro, percebemos que aqui a
formação dos direitos de cidadania obedeceu a um percurso totalmente diferente
do seguido pela Inglaterra de Marshall. É José Murilo (CARVALHO, 2006) quem
nos diz que duas são as principais diferenças presentes no caso brasileiro quando
o relacionamos ao Inglês. A primeira, consiste na maior ênfase dada aos direitos
sociais
7
em relação aos demais direitos civis e políticos; a segunda, diz respeito a
uma inversão da seqüência seguida pela formação dos direitos. Aqui os direitos
sociais foram “concedidos” antes mesmo da universalização dos direitos civis e
políticos, mas de forma segmentada, como será visto adiante.
Essa inversão na seqüência seguida pela formação dos direitos no Brasil,
segundo José Murilo de Carvalho (idem), apresenta três causas principais: a
primeira refere-se à nossa origem colonial que nos deixou de herança uma
sociedade que desde o início da colonização, para garantir a grande propriedade e
a economia monocultora e escravista, valorizou o privado em detrimento público
e solapou todas as possíveis chances de realização dos direitos civis e também
políticos no país. A segunda causa diz respeito à ausência de uma cultura política
comum que propiciasse uma identidade nacional ao povo (VIANNA, 1987), que
favorecesse a organização de grupos em torno de ações coletivas e, sobretudo, a
ausência de consciência de que as liberdades individuais seriam um direito e um
pré-requisito para o alcance dos demais direitos. Há que se lembrar que o
analfabetismo de grande parte da população foi a marca desse passado colonial, e
uma marca que perdurou e perpassou boa parte do século XX, sendo considerada
“a grande chaga nacional” que deveria ser combatida em prol do
desenvolvimento socioeconômico da nação (BOMENY, 1993, p. 1). Se nos
voltarmos para Marshall (1967) e pensarmos na imprescindibilidade da educação
7
Vale ressaltar que em tempos de fechamento político os direitos sociais ganham ainda mais
importância na medida em que são utilizados como uma espécie de concessão aos cidadãos por
estarem alienados de seus direitos civis em políticos.
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para consciência de direitos e exercício das liberdades e da participação política,
podemos inferir, com base no alto índice de analfabetismo (84% em 1872)
existente à essa época, que a falta de políticas educacionais contribuiu bastante
para dificultar a luta por direitos em nossa sociedade, dado que a própria
consciência dos mesmos era rarefeita entre os “cidadãos” comuns. Ao conceber a
educação com uma “arma cívica”, José Murilo de Carvalho (2006) justifica o
descaso existente pelas políticas educacionais no período colonial, já que não seria
nada interessante para os senhores dotarem seus escravos e dependentes de
condições favoráveis à consciência de direitos e à participação social. O autor
segue afirmando que “a ausência de uma população educada tem sido sempre um
dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política”
(CARVALHO, 2006, p. 11). Uma terceira causa – e conseqüência das duas
anteriores – está ligada ao predomínio de uma espécie de “razão nacional” a
despeito de uma “razão individual” na organização sociopolítica do país, razão
nacional esta que se fundamentava sobre a garantia e conservação do território,
legitimando para isso a grande propriedade de terras e a própria fusão entre
poderes públicos e privados. Nesse sentido, toda e qualquer ação que pudesse
colocar em risco essa garantia – como a garantia das liberdades individuais e do
direito de participar das decisões políticas da nação – era solapada.
A “contribuição” dada por esses três fatores atuou de modo decisivo para
que o liberalismo político, que permitiu aos ingleses as condições necessárias para
conquista dos direitos de cidadania, não se difundisse entre nós. Aqui, o programa
liberal se manteve circunscrito ao campo econômico. E foi a própria razão
econômica que orientou, em larga medida, a concessão dos direitos sociais na
década de 1930 (SANTOS, 1987). Essa afirmação se mostra mais claramente
quando nos deparamos com o fato de que os direitos sociais eram concedidos
primordialmente aos trabalhadores urbanos, sindicalizados e com carteira de
trabalho. Pode-se dizer, nesse sentido, que a concessão dos direitos sociais foi
instrumental, visava conter os conflitos na sociedade por meio de “privilégios”
(ou da cooptação desses novos atores, PAIVA, 1994) dados aos trabalhadores que
agissem de acordo com as orientações do Estado, por intermédio dos sindicatos,
visando a modernização econômica do país. Por ter sido doada a alguns em razão
de outros, a aquisição dos direitos sociais foi considerada por José Murilo de
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Carvalho (2006) como concessões ou privilégios, e não propriamente como
direitos, dado que não eram extensivos a todos indiscriminadamente.
Cabe-nos aqui, por conta do próprio tema do trabalho, reforçar a idéia de
que a educação é compreendida como um direito humano e um direito que é
considerado imprescindível para a realização dos demais, na medida em que se
entende (HADDAD, 2006) que o indivíduo que passa por processos educativos,
no caso o sistema escolar, é concebido como mais apto a exercitar e a lutar pela
realização dos demais direitos, entre eles o direito a ter trabalho, saúde,
previdência, habitação, condições iguais de participação e também o direito à
própria educação a qual, sendo ela um direito do cidadão e um dever do Estado
democrático de direitos, deve propiciar a todos igualdade de capacitação. A falta
de garantia do direito à educação e, sobretudo, a incapacidade dessa educação –
quando ofertada – de propiciar a igualdade de capacitação para o exercício da
cidadania e para a preparação para o mercado de trabalho afeta, sobremaneira, o
exercício das liberdades desses cidadãos, assim como suas chances de
participação e integração ao mercado, implicando em sérias barreiras para a
efetivação da democracia participativa e da cidadania, e, em última instância, para
o próprio desenvolvimento econômico no Brasil.
Em suma, pode-se dizer que, obedecendo à estrutura dual e conservadora
imposta pela forma de nossa modernização, os direitos de cidadania não surgiram
de lutas na sociedade civil desenvolvidas por sujeitos livres e mediante
participação política desses cidadãos; eles foram “concedidos” por um Estado
que, segundo Wanderley Guilherme (SANTOS, 1987), intencionava justamente
amainar os conflitos sociais existentes e coibir a formação de novos conflitos
através da doação de direitos. E no rastro dessas doações, e com o intuito de
conter parte das demandas crescentes por acesso à educação pública vinda das
camadas emergentes e populares – que a partir de 1930 começaram um processo
de migração intenso para os grandes centros – a educação foi se expandindo
lentamente, no que diz respeito ao número de vagas, mas conservando seu
conteúdo cultural “elitista”, se mantendo, dessa forma, e a despeito da ampliação
do acesso ao ensino, como um instrumento reforçador das desigualdades
(ROMANELLI, 2005).
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1.2. De 1930 a 1985: um olhar sobre a Escola Pública no Brasil.
A escola pública brasileira só se tornou efetiva na década de 1930, momento
este em que, como fora dito anteriormente, o Brasil passou por uma série de
transformações em sua estrutura social, político e econômica que marcou sua
entrada para a modernidade, isto é, para o capitalismo industrial. Diante dessas
condições modernizadoras – no sentido econômico posto que inaugura o
capitalismo industrial e no sentido político visto que representa a formação do
Estado Nacional Moderno – que implicou na modernização da burocracia estatal,
na crescente urbanização, na expansão do comércio e da indústria, na
complexificação das relações sociais de produção e na gestação de novas
categorias profissionais, o Estado brasileiro se viu “convocado” a garantir a
realização de bens sociais, tais como saúde e educação. Em se tornando, portanto,
a educação escolar, a partir da década de 1930, um bem social e, portanto, uma
função do Estado, a demanda por políticas públicas voltadas para o campo
educacional se tornou freqüente àquela época (MATTOS, 2005), (ROMANELLI,
2005).
É importante frisar que a forma como se processou a modernização e se
intensificou o capitalismo industrial, sem modificação efetiva na estrutura sócio-
econômica do país, permitiu, de um lado, o surgimento de novas exigências por
ampliação do acesso ao ensino e de outro, a oferta seletiva deste ensino; seletiva
no sentido de estar restrita aos centros atingidos pela industrialização, no sentido
de mesmo dentro desses centros não atender a todos os demandantes e, por fim,
seletiva no que diz respeito à própria forma constitutiva desse ensino. A esse
último aspecto, cabe-nos tratar um pouco mais detidamente.
Até a década de 1930, a educação no Brasil estava limitada às elites, dado
que era associada à aquisição e manutenção de status e privilégios de classe. Era
uma educação propedêutica (ou acadêmica) e voltada para a “ilustração”, isto é,
funcionava como um estágio preparatório para o ensino superior e atuava de modo
a garantir que os egressos do ensino, ainda que não cursassem o ensino superior,
se ilustrassem (mediante o ensino de canto, latim, francês, trabalhos manuais,
artes, filosofia, etc.) o suficiente para manter ou adquirir status dentro da
sociedade (ROMANELLI, 2005). A educação não havia adquirido até então a
conotação de um direito dos cidadãos, tampouco era entendida como necessária
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para a participação política e capacitação para o trabalho. O que é muito simples
de ser compreendido na medida em que, até a década de 1930, não haviam se
formado os direitos de cidadania, não havia preocupação com a participação
política dado que esta era restrita às elites agrárias do país e, como o Brasil era
predominantemente agrário, não havia ainda a necessidade de preparação para o
trabalho. O sistema educacional em vigor até 1930 era um sistema dualista e
discriminador que, como bem afirma Romanelli, oferecia
“de um lado, o ensino primário, vinculado às escolas profissionais, para os
pobres, e, de outro, para os ricos, o ensino secundário articulado ao ensino
superior, para o qual preparava o ingresso” (idem, p. 67).
Ou seja, o próprio fato de discriminar, ainda no momento da oferta, um ensino
elementar para pobres e outro para ricos, o sistema educacional já contribuía para
transformar diferenças em desigualdades, contrariando, dessa forma, a própria
democracia em formação.
A despeito das mudanças ocorridas a partir de 1930 no cenário sociopolítico
e econômico, já mencionadas acima, no campo educacional as mudanças se
limitaram à ampliação do acesso ao ensino. Não obstante seja essa expansão um
grande avanço, ela se mostrou insuficiente dado que a oferta se restringia aos
centros urbanos, não atendia a todos os demandantes e não era direcionada a todos
universalmente (idem).
No que diz respeito ao currículo elitista e propedêutico da educação pública,
ele não somente permaneceu configurado da mesma forma, como ditou as
exigências educacionais do período. Isto é, as massas e as classes médias
emergentes demandavam, obviamente, o mesmo tipo de ensino que até então
propiciava às classes altas maiores chances de participação e status. O ensino
profissionalizante era preterido em relação ao acadêmico por não conferir o status
almejado e, pior, por implicar em estigma para aqueles que o cursasse. O
problema verificado por Romanelli (2005) é que a expansão do ensino se
manifestou de forma improvisada e atropelada como resposta às demandas sociais
crescentes, sem mudar o modelo de educação – cujo currículo não era
diversificado, havia praticamente as mesmas matérias em todas as séries, o ensino
era excessivamente enciclopédico e de tipo acadêmico. Isso acarretava uma
defasagem entre educação e desenvolvimento, uma vez que a formação propiciada
pelo ensino não era aquela demandada pelo mercado industrial incipiente, mesmo
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aquela do ensino profissionalizante, dado que o currículo mudava muito pouco em
relação ao clássico. O resultado disso foi que a expansão do ensino não se deu de
forma satisfatória, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do qualitativo; e as
benesses associadas à educação escolar, como maiores chances de participação,
mobilidade social e inclusão no mercado de trabalho não se efetivaram conforme
esperavam as classes médias emergentes e, principalmente, as classes
trabalhadoras.
No campo dos direitos, a Constituição de 1934 – nossa primeira
Constituição a “avançar” nos caminhos da democracia – fixou a educação como
sendo um direito de todos, uma função do Estado e também um dever da família.
Entretanto, em 1937 a ditadura varguista instaurada acabou substituindo, de certa
maneira, o apoio à política de educação universal e gratuita pela valorização de
um projeto nacionalista repressor; fato este que culminou, através da promulgação
da Constituição de 1937, com a supervalorização da responsabilidade da família
sobre a educação e conseqüente minoração das responsabilidades do Estado para
com ela (MATTOS, 2005). Desde então podemos perceber o iniciar de um
processo que marcou todo o século XX, a saber, um processo de alternância entre
períodos ditatoriais e democráticos, entre avanços e contenção desses avanços no
campo educacional e dos direitos.
Podemos apreender mais claramente, ainda que de forma breve, alguns
desses avanços e retrocessos na evolução do sistema educacional do Brasil,
dividindo-o em 4 fases principais, fases estas que denotam mudanças relativas ao
campo da educação. A primeira diz respeito ao período que vai de 1930 a 1937. A
segunda abarca o período do Estado Novo que vai de 1937 a 1946. Na seqüência,
a terceira marca uma fase democrática consubstanciada na promulgação da
Constituição de 1946 seguindo até o estabelecimento da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação em 1961. A quarta fase, por sua vez, compreende todo o período
ditatorial que começa com o Golpe em 1964 e finda com a eleição de Tancredo
Neves em 1985.
O período compreendido entre 1930 e 1937 foi um período favorável ao
campo educacional
8
, tanto do ponto de vista das prescrições contidas na carta de
8
Entretanto, cabe ressaltar, como destaca Bomeny (1993), que já em 1935 há um recrudescimento
da centralização política no país, o que impõe dificuldades a iniciativas mais independentes no
campo educacional.
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direitos de 1934, quanto do ponto de vista das reformas e movimentos que
despontaram nesse período. No que tange à Constituição de 1934, ela situou a
educação como um dever do Estado e da família e um direito de todos. Nesse
sentido houve um retrocesso quando da promulgação da Constituição de 1937,
dado que a educação passou a ser tratada como um dever do Estado caso
faltassem às famílias os recursos suficientes para matricular seus filhos em escolas
particulares. Quer dizer, a Constituição de 1937 tornava a ação do Estado em
relação à educação como meramente supletiva, ao invés de um dever
(ROMANELLI, 2005).
Foi na década de 1930 também, para citar dois exemplos, que o Movimento
Renovador de Educação – iniciado na década de 1920 – ganhou força junto às
autoridades competentes e que a Reforma Francisco Campos foi efetivada. Sobre
esta última, ela foi importante por ter traçado novas diretrizes para o campo
educacional, e por ter organizado a base de um sistema nacional de ensino; dado
que até então o que existiam eram vários sistemas estaduais desarticulados do
sistema central de educação (CUNHA, 2005). A Reforma deu uma “estrutura
orgânica ao ensino secundário, comercial e superior” (ROMANELLI, 2005,
p.131), entretanto, não cuidou do ensino industrial (assim como do técnico e
científico), fato este considerado por Romanelli (idem) como um passo atrás dado
pela Reforma, já que o momento de incipiente industrialização do país demandava
a formação de profissionais (qualificados) para esse setor. Outro passo atrás, e
relacionado ao anterior, foi o fato de não ter aproveitado a oportunidade da
Reforma para romper com a estrutura rígida, enciclopédica, elitista e seletiva do
ensino, já mencionada anteriormente. Quer dizer, apesar do incipiente processo de
modernização pelo qual vinha passando o ensino público, traduzido na expansão
da oferta de vagas, ele se desenvolvia de forma conservadora, isto é, mantendo
inalterada a estrutura seletiva do ensino.
Quanto ao Movimento Renovador de Educação
9
, ele foi organizado por
educadores brasileiros que, na contramão dos defensores da Escola Tradicional, os
chamados conservadores (incluídos aí os católicos), defendiam uma “escola
9
Pode-se dizer que o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional, publicado em 1932, foi um
dos frutos desse Movimento dos Renovadores “escolanovistas” iniciado na década de 1920.
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nova”, uma escola onde o ensino fosse obrigatório, gratuito e laico. E o Manifesto
dos Pioneiros, publicado em 1932, expressa bem esse
“inconformismo de um grupo de intelectuais e educadores com a situação
precária da educação em nosso país e com a restrita oportunidade de
estudo oferecida à população em idade escolar” (BOMENY, 2003, p. 4).
A educação é considerada por esses renovadores (ou pioneiros) como um direito
de todos, mas, salientam que para que ela possa efetivamente se realizar como um
direito de todos, ela precisa ser obrigatória (já que além de um direito é uma
necessidade social e econômica), gratuita (porque só assim poderá ser assegurada
a todas as camadas sociais) e laica (para que o ensino não se misture à disputas
religiosas) (ROMANELLI, 2005). Na visão dos pioneiros, como nos aponta
Helena Bomeny,
“a escola seria a porta de entrada para a universalização de uma nova
concepção de sociedade em que privilégios de classe, de dinheiro e de
herança não fossem barreiras para que o indivíduo pudesse buscar sua
posição na vida social. Seu lugar no mundo social. A escola, portanto, tem a
função de abrir as possibilidades de melhor interação, de convívio mais
humano e democrático(grifo meu) (BOMENY, 2003, p.4).
É interessante pensarmos também na forma como a educação, a partir dessa
época, começou a ser associada pelas classes mais pobres e médias emergentes
como um meio de acesso à cultura e capaz de favorecer a mobilidade social.
Concomitantemente à incipiente consciência, por parte das classes pobres e
emergentes, desses “benefícios” sociais trazidos pela educação, começou a ser
posta em prática uma outra “função” da educação, a de controlar e subordinar os
trabalhadores. Essa função acabou se materializando mediante mecanismos
inibidores da ampliação do acesso ao ensino (tanto nas séries iniciais quanto no
ensino superior) para as camadas populares, como a carência de vagas em escolas
nas cidades, em universidades, a ausência das mesmas no meio rural e a própria
forma “elitista” com que se configurou esse ensino, que oferecia um “conteúdo
cultural” que, se por um lado garantia status e manutenção de privilégios às
classes dominantes, por outro, não propiciava às classes populares sequer as
condições necessárias para a preparação para o trabalho. Na década 1930, como
atesta Romanelli, a educação escolar já poderia ser considerada como “um
instrumento de reforço de desigualdades” (ROMANELLI, 2005, p. 24). Era
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contra esse sistema de reprodução de desigualdades e a favor da universalização
do ensino que lutavam os renovadores da educação.
No que tange à ampliação da demanda pela universalização do ensino, pode-
se dizer que essa demanda foi incorporada às classes populares urbanas, na
medida em que começaram a perceber – em tempos de modernização, ampliação
do mercado de trabalho e “conquista” de direitos – que o acesso à educação
escolar possibilitaria a eles, assim como possibilitou aos “burgueses”, maiores
chances de participação social e, sobretudo, possibilitaria conhecimentos
necessários aos seus filhos para que pudessem não somente ampliar suas chances
de participação social, mas também maximizar suas chances de ingressar no
mercado de trabalho (MATTOS, 2005).
No que diz respeito às classes média-alta e alta, a educação atuou do modo
esperado, favorecendo a ampliação da participação social. Entretanto, a educação
voltada para as classes pobres era uma educação “instrumental à industrialização
crescente” (idem, p. 105), ela servia como um instrumento capaz de docilizar e
conformar corpos e mentes para o trabalho com o fim de evitar um rompimento
com a ordem social vigente e, nesse sentido, pode-se dizer que a esses setores
mais pobres da população poucos foram os benefícios auferidos, em se tratando
de ampliação da participação, assim como das chances de mobilidade social.
Passemos então à segunda fase. O Estado Novo, que se inicia em 1937 com
o fim do governo provisório, e segue até 1946 com o florescer de um novo
período democrático no país, marcou uma fase em que a educação, a despeito dos
retrocessos sofridos mediante a promulgação da Constituição de 1937, começou a
ser vista – mesmo que de forma ainda inconsistente – como importante para o
desenvolvimento do país. Nesse período, foram decretadas as Leis Orgânicas do
Ensino e foram criados o SENAI e o SENAC. No que se refere às lutas
ideológicas entre pioneiros e conservadores no campo educacional, a fase “estado-
novista” representou um intervalo nessas lutas, intervalo que cessará com o início
da fase democrática em 1946.
Leis orgânicas do ensino foi o nome dado às reformas do ensino ocorridas
no final do Estado Novo. Como exemplos dessas reformas, podemos citar a lei
orgânica do ensino industrial em 1942; a do ensino secundário em 1943; a do
ensino comercial também em 1943; e do ensino primário, normal e agrícola em
1946. Na esteira dessas leis orgânicas foram criados também o Serviço Nacional
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de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946. Faz-se necessário lembrar que
essas leis orgânicas do ensino (entre elas as que estruturaram o ensino técnico-
profissional) ocorreram num cenário marcado pela 2º guerra mundial em que
maiores eram as dificuldades encontradas para a importação de produtos e de
mão-de-obra qualificada. A estratégia brasileira foi, no primeiro caso, a de
substituição da política de importações, impulsionando, por sua vez, o processo de
industrialização no país e, no segundo, a de preparar sua própria mão-de-obra
qualificada (mediante a criação do SENAI e SENAC, por exemplo) (CUNHA,
2005), (ROMANELLI, 2005).
Passando para uma terceira fase na evolução do sistema educacional, aquela
que vai de 1946 a 1961
10
, percebemos não somente o restabelecimento do
governo democrático consubstanciado na promulgação da Constituição de 1946,
mas também das lutas ideológicas no campo educacional, lutas estas que se
intensificaram em torno da discussão sobre a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação estabelecida em 1961 (GÓES, 2002). No que se refere à Carta de 1946,
seus enunciados foram altamente influenciados por um espírito democrático-
liberal expressos pelo reconhecimento de direitos e liberdades individuais; e
também pelas doutrinas sociais do século XX na medida em que estabelecia a
intervenção estatal como meio para assegurar a realização desses direitos e
liberdades (ROMANELLI, 2005). Era o começo “legal” do nosso estado de bem-
estar-social.
O final do governo JK foi marcado por intensa discussão na impressa, entre
os estudantes, grupos sindicais, educadores e órgãos educacionais sobre a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação que seria sancionada em 1961, já ao final do
governo de Jânio Quadros. Segundo Góes (2002), esta lei 4.024 foi resultado da
mais longa discussão, ao nível nacional, sobre educação que já se desenvolveu no
país. De acordo com este autor, esse debate “começou em 1948, quando já se
discutia o Projeto Mariani; incendiou-se a questão com o substitutivo Lacerda”
(GÓES, 2002, p. 13). A polêmica não só não foi resolvida mediante a
10
Esta fase finda em 1961 porque é neste ano que é estabelecida a 1ª Lei de Diretrizes e Bases da
Educação no país, o que implica nalgumas mudanças importantes no campo da educação, como
por exemplo, a unificação do currículo, o incipiente “privatismo da educação”, entre outras que
serão vistas logo adiante.
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promulgação desta LDB como foi solapada da vida nacional a partir de 1964, por
conta do golpe.
Pode-se dizer, grosso modo, que aquela luta ideológica entre os renovadores
(pioneiros) defensores da escola pública, e os conservadores “privatistas”, iniciada
na década de 1930, se expressou na LDB de 1961 mediante uma costura feita
entre princípios e enunciados retirados do Projeto Mariani – o qual tinha como
bandeira principal a defesa da escola pública, gratuita, obrigatória e laica – e do
Substitutivo Lacerda – que com o apoio da igreja católica defendia a liberdade de
ensino em detrimento da defesa da escola pública. O resultado dessa conciliação
foi, como fruto do substitutivo Lacerda, a “liberdade de ensino” que implica no
“direito da família” de escolher aonde seu filho deve estudar, e a “igualdade de
direitos para a escola privada, em relação à pública” (ROMANELLI, 2005, p.
182), inclusive no que diz respeito ao financiamento; e, por último, como fruto do
Projeto Mariani, a unificação do sistema, a diminuição da rigidez do currículo e a
“proposta de equiparação dos cursos de nível médio” (GOES, 2002, p. 13).
Com o fito de explicitar um pouco melhor as mudanças implementadas com
a promulgação desta Lei de Diretrizes e Bases de 1961, as dividiremos em dois
aspectos, um positivo, que remete à influência do Projeto Mariani e da luta em
defesa da escola pública, e outro negativo, que nos leva ao incipiente e paulatino
processo chamado de “privatismo da educação” (CUNHA, 2002), defendido pelos
conservadores e expresso no Substitutivo Lacerda. Se por um lado, o sistema
escolar foi unificado, o currículo perdeu um pouco de sua rigidez (dado que era
fixo para todo o território nacional), e tornou-se direito do poder público
inspecionar os estabelecimentos públicos e privados para garantir maior equidade
no ensino ofertado; por outro, a estrutura seletiva desse ensino – em todos os
ramos – foi mantida. Se, como um outro fator positivo a ser destacado, a
obrigatoriedade do ensino foi mantida, foram postas ressalvas na Lei que
comprometiam sobremaneira sua execução como, por exemplo, o artigo 30 da
mesma que isenta o indivíduo dessa obrigatoriedade caso fique “comprovado
estado de pobreza do pai ou responsável; insuficiência de escolas; matrículas
encerradas; doença ou anomalia grave da criança”. Essas ressalvas, de uma
forma ou de outra, acabam por isentar “o poder público de sua obrigação de
fornecer condições para que a obrigatoriedade seja cumprida” (ROMANELLI,
2005, p. 180-181). Na verdade, o Estado deveria criar condições para que essas
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39
ressalvas listadas acima não impedissem os indivíduos de estudar, e não
institucionalizá-las como um impeditivo. Nesse sentido, a LDB-61 oficializou
uma situação anormal ao invés de tentar buscar soluções para o problema, o que
demonstra um enorme descaso pela educação. Bárbara Freitag ao opinar sobre os
enunciados desta LDB vai além, e acusa-a de esvaziar a educação de sua condição
de direito e de traduzir em
“‘seu texto a estratégia típica da classe dominante que ao mesmo tempo que
institucionaliza a desigualdade social, ao nível da ideologia, postula sua
inexistência; [assim,] o sistema educacional além de contribuir para
reproduzir a estrutura de classes e as relações de trabalho, também
reproduz essa ideologia da igualdade’” (FREITAG in GÓES, 2002, p. 14).
A despeito da validade das críticas desferidas contra a LDB-61 por Cunha
(2002, 2005), Góes (2002), Freitag (in GÓES, 2002) e Romanelli (2005), a LDB
também pode ser vista sob um ângulo mais otimista, por assim dizer, como o fez
Anísio Teixeira ao considerá-la “uma meia vitória... mas uma vitória”
(TEIXEIRA in GÓES, 2002, p. 14). Uma vitória no sentido de que começávamos
a dar os primeiros passos para a organização de um sistema educacional unificado
e mais flexível, mas uma meia vitória na medida em que continuávamos
conservando a estrutura seletiva deste ensino, agora impulsionada pelos incentivos
públicos ao ensino privado em detrimento do público.
Até a década de 1960, portanto, a educação no Brasil ainda atendia
especialmente às classes privilegiadas e isso acontecia, em grande parte, pelo
mesmo motivo encontrado na década de 1930, qual seja, a educação continuava
estruturada sobre um modelo excludente, voltado para o acesso ao ensino superior
(de alguns poucos) e permanecia negligenciando tanto a sua condição de pré-
requisito para exercício de direitos civis e políticos – com implicações sérias sobre
o grau de participação política dos indivíduos – como sua condição de formar para
a atuação no mercado de trabalho. Permaneceram então as defasagens entre
educação e desenvolvimento econômico, e entre educação e exercício da
cidadania
11
.
11
Faz-se necessário lembrar que não estamos negligenciando os avanços, no campo educacional,
ocorridos (e mencionados anteriormente) até a década de 1960 e a busca de maior integração entre
educação e desenvolvimento expressos, por exemplo, nas reformas feitas no ensino profissional
das quais resultaram a criação do Senai e do Senac na década de 1940; apenas estamos chamando
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40
Passemos agora para a última fase desta seção, qual seja, aquela referente ao
período ditatorial que vai do Golpe de 1964 à eleição de Tancredo Neves em
1985, marcando esta o início do período de redemocratização no país. Aquela
idéia formulada por Paulo Freire de uma educação com o homem ao invés de uma
educação apenas para o homem (FREIRE in GÓES), isto é, da compreensão de
uma educação em constante processo de troca com a realidade social e
fomentadora da participação (e intervenção) social e política dos educandos na
realidade que os cerca (que começou a ter forte influência na área educacional a
partir da década de 1950), cai por terra com o golpe de 1964. A repressão é a
marca do período. E se há uma coisa não desejável pelos defensores do governo
repressivo é a idéia de educação para formação de sujeitos políticos. Nesse
sentido, e até o fim do regime, toda e qualquer movimentação de educadores,
reitores, estudantes, etc., em defesa dessa “educação para liberdade”, como
defendia Paulo Freire (2006), era respondida com repressão. O novo governo,
portanto, reprimiu os intelectuais reformistas – e todos aqueles que
compartilhavam de suas convicções – e procurou criar novos quadros que
comportassem a nova ideologia capitalista-autoritária. Contaram, para realização
de tal intento, com a ajuda da Agência Americana para o desenvolvimento
internacional – USAID. Mediante os acordos entre esta Agência e o MEC,
estabeleceu-se uma prática de ajuda ou interferência norte-americana no campo
educacional brasileiro (e também de outras nações) que começou a se manifestar
logo após a guerra fria, crescendo na década de 1950 e se intensificando no
decorrer do regime ditatorial. Esses acordos tiveram impacto tanto sobre a
formação de professores e a produção de livros didáticos, quanto sobre a
organização do ensino primário, médio e superior (GÓES, 2002), sendo este
último, segundo Cunha (2002), o mais afetado pelo que ele chamou de privatismo
na educação. Sobre esse ponto o autor nos diz que
“Vitorioso o golpe de 1964, subiram ao poder os defensores do privatismo
na educação, aqueles que defendiam a desmontagem ou, pelo menos, a
desaceleração do crescimento da rede pública de ensino. Em compensação,
as verbas públicas destinadas ao ensino deveriam ser transferidas às
escolas particulares que, então, se encarregariam da escolarização das
crianças e dos jovens. Só onde a iniciativa particular não tivesse interesse
a atenção para a conservação de aspectos tradicionais (e altamente seletivos) no processo de
modernização do ensino.
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em abrir escolas é que a escola pública seria bem vinda” (CUNHA, 2002,
p. 41).
Como exemplo desse privatismo na educação, podemos citar que no período
compreendido entre 1975 e 1980, não obstante o intenso crescimento
populacional, as matrículas no ensino de 1º grau no setor público diminuíram
cerca de 14%, ao passo que no setor privado elas aumentaram em 26%. No que
tange ao ensino superior, segundo Cunha (2002), esse privatismo foi ainda mais
intensamente sentido. Tivemos na década de 1960 um aumento na demanda por
acesso ao ensino superior, entretanto, houve uma retração do crescimento das
universidades públicas. As matrículas nas universidades e faculdades particulares,
por sua vez, avançavam fortemente no intuito de absorver os setores demandantes.
Um exemplo da retração do ensino superior público: em 1964, cerca de 75% das
matrículas eram feitas no ensino público, ao passo que em 1984, vinte anos
depois, essa taxa de matrícula caiu para 25% (idem).
Para além da retração no oferecimento de vagas, o governo oferecia diversos
incentivos às faculdades particulares e estas, por sua vez, ofereciam o sistema de
bolsas aos estudantes. Entretanto, esse sistema começou a ruir no início da crise
do milagre econômico, a partir de 1974. De acordo com Cunha (idem), a
contrapartida do sistema de subsídio do ensino particular foi a progressiva
desobrigação do Estado para com o ensino público e gratuito expresso na
diminuição das verbas para este setor, na queda da remuneração dos professores e
na própria qualidade do ensino público.
Votando um pouco mais para a organização do ensino de 1º e 2º graus, a
partir de 1968, a política educacional brasileira começou a ser mais bem definida.
O sistema educacional foi reestruturando “segundo princípios da organização das
empresas” (ROMANELLI, 2005, p. 223) com o objetivo de adequar o modelo
educacional ao econômico. O que quer dizer que a defasagem entre educação e
desenvolvimento começou a diminuir a partir daí, tanto do ponto de vista
quantitativo (dada a maior oferta de vagas), quanto do ponto de vista da estrutura,
que passou a se aproximar mais das exigências do modelo econômico. Um bom
exemplo dessa aproximação consiste no estabelecimento da LDB em 1971, a qual
tornou obrigatório o ensino profissionalizante. Este foi uma das principais apostas
do regime ditatorial que não só tornou o ensino de 2º grau profissionalizante e
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obrigatório, mas favoreceu a multiplicação dos chamados ginásios orientados para
o trabalho (GOT) que, segundo Cunha (2002), eram ultrapassados e funcionavam
em dissonância com as exigências do mercado de trabalho. Tanto para Romanelli
(2005) quanto para Cunha (2002), a idéia de acabar com o curso clássico e
científico e substituí-lo pelo ensino profissionalizante teve como principal intuito
conter a demanda por vagas no curso superior. E um dos motivos para essa
contenção, segundo Cunha (idem) seria impedir a formação de profissionais em
maior número do que o mercado poderia absorver, gerando o que temos na
atualidade: advogados-taxistas, economistas-vendedores, etc.
Voltando à LDB, a Lei 5.692 de 11 de agosto de 1971 fixa o objetivo geral
do ensino de 1º e 2º graus, a saber, o de formar para que o educando desenvolva
suas potencialidades, buscando a auto-realização, a qualificação para o trabalho e
o “preparo para o exercício consciente da cidadania”
12
(art.1). Diante de tal
enunciado, quase se esquece que esta Lei fora estabelecida em um contexto
ditatorial e, portanto, cerceador de direitos. Com essa lei juntou-se o curso
primário ao ginasial transformando-os num único curso fundamental de oito anos.
A obrigatoriedade do ensino aumentou, então, para oito anos e eliminou-se um
grande gargalo representado pelas provas de admissão do antigo primário para o
ginasial, donde antigamente muitos alunos ficavam retidos (CUNHA, 2005),
(ROMANELLI, 2005). Segundo Romanelli (idem), esse gargalo representava um
dos grandes responsáveis pela seletividade do ensino primário.
Outra mudança verificada com o estabelecimento da LDB-71 diz respeito à
dualidade do sistema educacional dividido em ensino secundário e técnico. Essa
divisão acabou a partir da
“criação de uma escola única de 1º e 2º graus – o primeiro grau com vistas,
além da educação geral fundamental, à sondagem vocacional e iniciação
para o trabalho [GOT], e o segundo grau, com vistas à habilitação
profissional de grau médio” [Ensino profissionalizante] (ROMANELLI,
2005, p. 237-238).
Há a partir de então a busca por continuidade entre um ciclo e outro e, tanto no 1º
quanto no 2º grau tornou-se obrigatória a existência de “um núcleo comum de
conhecimentos básicos” (idem, p. 237-238), em âmbito nacional.
12
Uma bela ironia esse enunciado do artigo 1º da LDB-71 o qual identifica como uma das funções
da educação “o preparo para o exercício da cidadania”, num período cujos direitos civis e
políticos foram retirados dos cidadãos.
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43
Não obstante pareça positiva essa fusão entre o primário e o ginásio, que
aumentou o tempo de escolaridade obrigatória de quatro para oito anos, Cunha
(2002), salienta que a taxa de escolaridade das crianças no nível de primeiro grau
(antigo primário – 7 a 10 anos) diminuiu de 66,3% em 1970 para 65,5% em 1980.
Essa queda na taxa de escolaridade pôde ser verificada tanto no meio urbano
quanto no rural; naquele, baixou de 82,7% para 79,9% e neste, de 48,5% para
42,2%. Esses dados nos mostram que de 1970 a 1980, uma década após a reforma
da Lei de Diretrizes e Bases, as condições de escolarização pioraram na base do
sistema escolar, isto é, nas quatro primeiras séries do ensino, o que representou a
exclusão de cerca de 1 milhão de alunos a mais do que na década anterior (idem).
É o retrato da exclusão pela base ainda hoje sentida no Brasil (ou talvez menos
sentida porque coberta pelo véu da progressão social ou automática, sobre a qual
trataremos no próximo capítulo).
No que concerne à taxa de analfabetismo, a despeito de ter sofrido queda de
uma década para outra, esta não foi expressiva, especialmente se atentarmos para
o fato de que a política educacional do regime militar prometia reduzir a taxa de
analfabetismo a menos de 10% no período de uma década
13
. Contrariando esta
promessa, as taxas de analfabetismo de pessoas de 15 anos e mais de idade que na
década de 1970 era de 33,6%, baixou para 25,4% em 1980; uma redução de
apenas 8,2% em dez anos (idem).
Para além da diminuição da taxa de escolarização das crianças no ensino
primário e da tímida diminuição da taxa de analfabetismo da década de 1970 para
1980, Cunha (2002) chama a atenção também para a média nacional da taxa de
evasão e repetência na primeira série do ensino de 1º grau, que chegou a 40%
nesse período. E o panorama que já era desolador por conta dos dados
mencionados acima, tornou-se ainda mais crítico na medida em que, com o fito de
tentar “resolver” o problema das altas taxas de evasão e repetência, ao invés de
promover uma mudança efetiva na estrutura do ensino, o governo militar utilizou
13
O Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização – foi criado no período ditatorial “para
livrar o país da sujeira do analfabetismo” (CUNHA, 2002, p. 57). Mediante, principalmente, esta
nova política educacional o governo militar prometia reduzir o analfabetismo a uma taxa de menos
de 10% do total de pessoas de 15 anos ou mais de idade. Os dados oferecidos por Cunha nos
mostram o fracasso dessa política, dado que, de 1970 a 1980, essa taxa baixou de 33,6% para
25,4%, um percentual bastante superior à promessa alardeada pelos militares, para o período.
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como recurso o sistema de progressão automática
14
que apesar de ter “aumentado
a presença do povo brasileiro na escola” tornou o processo de escolarização
absolutamente insuficiente e insatisfatório” (idem, p. 56).
Bem, quanto ao ensino profissionalizante, uma lei em 1982, a de número
7.044, revogou a obrigatoriedade do ensino profissionalizante. Entretanto, a
mudança não foi radical. De acordo com essa lei, “o ensino de 2º grau poderá
ensejar habilitação profissional”, o que, na prática, acabou por não gerar grandes
e efetivas mudanças, dado que as classes pobres continuaram a procurar pelo
ensino profissionalizante – o curso normal é um bom exemplo – e as classes altas
a optar pelo clássico e, subsequentemente, pelo superior.
Apontamos até agora dois dos problemas ligados aos mecanismos seletivos
utilizados pelo sistema educacional público no Brasil desde o início de sua
expansão na década de 1930: o primeiro, ligado ao número de vagas ofertadas,
ainda insuficiente para atender a todos os demandantes; o segundo se referiu à
discriminação social implementada quando da diferenciação feita entre ensino
profissionalizante para pobres e superior para ricos. O terceiro mecanismo, do
qual trataremos a seguir, se refere ao baixo rendimento do sistema educacional
público.
Pode-se medir o rendimento do sistema de ensino “por sua capacidade de
assegurar o acesso da população escolar do nível elementar de ensino aos níveis
médio e superior” (ROMANELLI, 2005, p. 88). Com base nessa definição e nos
dados disponibilizados por Romanelli, que aponta que "De cada 1.000 alunos
admitidos à primeira série primária, em 1960, apenas 56 tinham conseguido
ingresso no ensino superior, em 1971” (idem, p. 86), pode-se concluir que a
realidade é reveladora da desigualdade estrutural existente no país e que, passados
quase meio século do início do processo de expansão do ensino, ele ainda é
perpassado por uma série de mecanismos de exclusão e marginalização social que
tornam seu rendimento ainda muito baixo.
A questão do baixo rendimento está intrinsecamente ligada a dois fatores,
um externo e outro interno ao ciclo escolar. Por um lado, fatores como as
condições sociais, econômicas e culturais dos alunos os quais, antes mesmo de
14
Sistema utilizado nos colégios públicos e cercado por críticas tanto por parte dos educadores e
pedagogos quanto por parte dos pais dos alunos, dado que o sistema de progressão automática,
apesar de implicar na diminuição das taxas de evasão e repetência, não diminui a desigualdade na
capacitação dos egressos desse ensino.
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ingressarem no sistema de ensino, já impõem dificuldades para a garantia de sua
permanência. Por isso, um ensino elitista cujo currículo se distancie tanto da
maioria dos educandos é tão seletivo e discriminador, porque perpetua essa
desigualdade pré-existente no interior do ciclo escolar. Mutatis mutandis, a
detenção de determinado capital cultural, social e econômico por parte dos alunos
determina, em grande parte, suas chances de sucesso (permanência) ou fracasso
(repetência e/ou evasão) dentro do ciclo escolar, como aponta Bourdieu, (2005).
Para além do fator “origens sociais” na determinação do rendimento escolar,
temos um outro fator interno ao ciclo que diz respeito à forma como a escola está
estruturada, uma forma elitista, cujo conteúdo se mostra distanciado da realidade
que circunda os alunos, e cujos métodos de ensino e avaliação baseados na
memorização em detrimento da reflexão crítica e de técnicas de avaliação que
obedecem a esse processo de retenção a-crítica de informações contribuem,
sobremaneira, para as desigualdades de condições para permanência no sistema de
ensino. O próprio fato desses handicaps de capital econômico, social e cultural
serem desconsiderados, ou melhor, não serem incorporados à pratica educacional,
sendo mascarados por uma ideologia da igualdade formal que impede uma
capacitação efetivamente igualitária, já nos revela o quão distanciada a prática
educacional está da realidade dos alunos.
Quanto a esses fatores, internos e externos, trataremos de desenvolvê-los,
mais detidamente, no próximo capítulo.
E assim prosseguiu-se com a transformação ampliando-se o acesso ao
ensino, e conservou-se, na mesma medida, uma série de mecanismos seletivos que
dificultavam, quando não impediam, às classes agora beneficiadas pela educação
pública de usufruir de suas verdadeiras vantagens, a saber, ascensão social e
econômica, maiores oportunidades no mercado de trabalho, consciência de
direitos e maiores chances de participação social e política.
O retrato tirado da educação nesse período nos mostra, portanto, o quão
influenciado o sistema de ensino fora pelo modo conservador como se
modernizou o país. Da mesma forma que, no campo político e econômico, não se
rompera com o passado tradicional para se instaurar o novo, o moderno; no campo
educacional, a tensão entre as demandas emergentes por acesso à educação foram
atendidas sem se desprender do modelo tradicional do ensino até então vigente.
No que concerne à educação como um direito social, podemos afirmar com base
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no que foi desenvolvido até então, que o sistema público educacional, durante
todo esse período que vai de sua expansão na década de 1930 até a década de
1980, parece tratar a educação não como um direito, mas como uma concessão, o
que representa um problema na medida em que quando direitos deixam de ser
respeitados e garantidos como tal, e passam a ser atendidos sob a forma de
concessões, abre-se espaço para a particularização e privilégio do outro. Em
outras palavras, a frouxidão do caráter universal da educação até então (que é um
direito de todo cidadão), favoreceu os particularismos, valorizando a “pessoa”,
portanto, em detrimento do “indivíduo” (DAMATTA, 1997), contribuindo ainda
mais para reforçar as desigualdades já existentes no país
15
. Essa confusão também
tem sérias implicações sobre a construção e desenvolvimento da cidadania no
Brasil, visto que ficou “determinado” desde o inicio da instauração do Estado de
direitos que “uns são mais iguais que outros” (PAIVA, 1994), ou seja, que a
cidadania no Brasil é parcial; para alguns ela representa direitos, para outros
tantos, somente deveres.
Para terminar esta discussão, adiantaremos que algumas mudanças neste
horizonte – tanto no campo educacional quanto no dos direitos – já começam a ser
sentidas a partir do final da década de 1980, quando o país retoma o seu processo
de democratização, promove sua primeira eleição com candidato oposicionista,
após duas décadas de ditadura, em 1985, e promulga, em 1988, uma Constituição
que ficou conhecida como “Constituição Cidadã”. E, no rastro da
consubstanciação dessa Carta de direitos, a sociedade civil desperta para novas
formas de ação e mobilização social; um novo conceito de cidadania desponta
como estratégia política; ganham força as lutas por educação de qualidade e novas
Leis, diretrizes e planos são estabelecidos para o sistema educacional – como a
LDB (1996), os PCNs (1997), o PNEDH (2006)
16
– indicando uma crescente
preocupação em tornar menos deficitária (e mais relacionada aos direitos) a
educação pública existente no país.
15
Em seu livro Carnavais, Malandros e Heróis (1997), o antropólogo Roberto DaMatta argumenta
que no Brasil as relações sociais não são cortadas pela noção universalizante de igualdade, o que
conferiria a todos o papel social de indivíduos (impessoalizados), mas sim por uma noção marcada
por uma espécie de hierarquia relacional, onde os indivíduos assumem papéis sociais de pessoas,
isto é, se valem de privilégios obtidos mediante seu status e relações sociais, configurando a
existência de um tipo de cidadania invertida, cujos atores sociais se diferenciam entre pessoas e
indivíduos, com base em suas complementaridades sócio-culturais, políticas e econômicas.
16
Respectivamente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Parâmetros Curriculares Nacionais e
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
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É sobre essas mudanças que trataremos nos dois capítulos que se seguirão.
No próximo capítulo nos voltaremos para a evolução do sistema educacional e de
suas respectivas desigualdades, vislumbrando essa evolução sob duas
perspectivas, uma quantitativa e outra qualitativa. Ao passo que no capítulo três
trataremos, mais especificamente, das mudanças no cenário político-social e
econômico – explicitadas na aceleração do processo de globalização, na maior
movimentação na sociedade civil, nas lutas reivindicatórias, e pelo novo conceito
de cidadania – das reformas no campo educacional – expressas nas Leis, diretrizes
e planos de educação e, por fim, apontaremos um possível “novo” modelo
educacional que possa trazer a educação efetivamente para o campo dos direitos
favorecendo a formação tanto de sujeitos pedagógicos qualificados para exercício
de uma profissão, quanto de sujeitos políticos comprometidos com o exercício da
cidadania e da participação democrática.
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Capítulo 2.
E assim caminha a modernização conservadora em
educação: avanços quantitativos e a permanência do
déficit qualitativo.
Ao final do capítulo anterior, adiantamos que após a década de 1980, com o
processo de redemocratização do país, novas mudanças começaram a ser sentidas
tanto no campo político-social e econômico quanto no próprio campo
educacional. No que se refere às mudanças na dinâmica societária, trataremos no
próximo capítulo. Neste capítulo, nosso intento é, mais especificamente, buscar
traçar um panorama da evolução do sistema educacional público no país, assim
como das desigualdades que o acompanha, a partir do final da década de 1980 até
a atualidade. Para tal, apresentaremos a questão educacional no país segundo duas
perspectivas: uma quantitativa – usando dados da PNAD (IBGE, 2005), dos
Censos Escolares (INEP, 2000 e 2005) e do Censo Populacional (IBGE, 2000) – e
outra qualitativa – recorrendo à avaliação de desempenho dos alunos do ensino
fundamental e médio realizada pelo SAEB (INEP, 2003 e 2005).
A perspectiva quantitativa diz respeito às mudanças sentidas ao longo das
últimas décadas na taxa de analfabetismo, de analfabetismo funcional, de
matrícula, além do movimento e rendimento escolares – taxas de aprovação,
reprovação, conclusão e defasagem série/idade dos alunos – buscando através
desses indicadores vislumbrar quais têm sido os nossos progressos e retrocessos
no campo educacional e, sobretudo, que impacto essas mudanças vêm tendo sobre
o déficit educacional verificado até a década de 1980.
A perspectiva qualitativa, por sua vez, diz respeito à competência dessa
educação ofertada para capacitar os educandos em igualdade de condições em
todos os níveis e redes de ensino, em todas as regiões sem discriminá-los por
renda, gênero, cor, etnia ou cultura. Dessa forma, estaria contribuindo ao mesmo
tempo para minorar as desigualdades de oportunidades no mercado de trabalho e
para fortalecer a participação democrática no país. É a esta perspectiva qualitativa
que se liga a luta dos cidadãos na sociedade civil pela realização de direitos, uma
vez que uma educação efetivamente de qualidade – democrática e inclusiva –
além de formar o sujeito pedagógico (habilitado a uma série de competências que
veremos mais detidamente no próximo capítulo), favoreceria o fortalecimento dos
grupos desfavorecidos na sociedade civil, tornando-os potenciais sujeitos políticos
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conscientes de seus direitos e deveres de cidadania, mais aptos à participação
política e à luta por realização de direitos.
Será importante também destacar as relações existentes entre as
desigualdades sociais que assolam o país e as desigualdades existentes dentro do
próprio sistema escolar. A hipótese deste trabalho é a de que as desigualdades de
renda, gênero, cor e região se refletem tanto no interior do ciclo escolar,
naturalizando-se, e fora dele, reproduzindo ainda mais as desigualdades já
existentes. Em outras palavras, parte-se da premissa de que o ensino público, por
sua qualidade deficitária, torna-se incapaz de reverter, ou pelo menos minorar, o
quadro das desigualdades sociais existentes, fazendo com que os mais acometidos
por essas desigualdades tenham os piores desempenhos no sistema escolar, as
maiores dificuldades para conclusão do ensino básico e, como conseqüência, se
tornem menos habilitados a competir em igualdade de condições por uma vaga no
mercado de trabalho e a exercer seus direitos de cidadania.
Por fim, chamaremos a atenção também para os possíveis mecanismos
seletivos utilizados por esse sistema de ensino que, velada ou explicitamente,
acabam por resultar em naturalização das desigualdades dentro do próprio ciclo
escolar e reprodução das mesmas fora dele. No capítulo anterior, destacamos três
prováveis mecanismos de seletividade, a saber, a insuficiência na oferta de vagas,
a discriminação social implementada pelo sistema e o baixo rendimento do
sistema escolar. Mediante as análises da evolução quantitativa e qualitativa da
educação, a serem desenvolvidas neste capítulo, poderemos averiguar em que
medida esses mecanismos se conservaram ou se transformaram. A partir da
assunção desses prováveis mecanismos é que teremos condições de sugerir
alternativas viáveis para a construção de uma educação verdadeiramente de
qualidade, inclusiva, culturalmente diversa e democrática.
2.1. Sobre a evolução educacional no Brasil: avanços quantitativos.
No capítulo anterior, a título de exemplo, citamos algumas mudanças
ocorridas da década de 1970 para a década de 1980, e concluímos que a taxa de
analfabetismo na faixa de 15 anos ou mais de idade, apesar de ainda alta,
decresceu 8,2%; e que a taxa de escolarização referente aos quatro primeiros anos
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de estudo – não obstante tenha sido aumentado de quatro para oito anos o ensino
obrigatório a partir do estabelecimento da LDB de 1971 – sofreu uma queda
relativa tanto no meio urbano quanto no rural, o que representou a exclusão, ao
final de uma década, de 1 milhão a mais de crianças entre 7 e 10 anos fora da
escola (em 1970, 5,5 milhões foram excluídas do sistema escolar, ao passo que em
1980 foram 6,5 milhões de crianças). Chamamos atenção também para a taxa
média nacional de repetência e evasão de cerca de 40,0%, uma média bastante
alarmante
1
. Mas, o que nos importa agora é dar continuidade a essas análises e
tentar ver que progressos fizemos, se o fizemos, e onde ainda ficamos desejosos
por melhorias.
Também no capítulo anterior examinamos brevemente a evolução do
sistema educacional no Brasil desde a década de 1930 até o início da década de
1980. Nesta seção, o que pretendemos fazer é traçar um panorama da evolução
das desigualdades educacionais que perduraram apesar de todos os avanços
quantitativos verificados até então, e buscar averiguar, recorrendo a dados da
PNAD de 2005, dos Censos Escolares de 2000 e 2005 e do Censo Populacional de
2000, alguns avanços e retrocessos nesse campo. Vale salientar que, para além
dos dados coletados através do site do IBGE (PNAD e Censo Populacional) e do
INEP (Censos Escolares), nos valeremos também das análises de dados coletados,
em pesquisas nessa área, coordenadas por autores como Nelson do Valle Silva
(2000, 2003), Carlos Hasenbalg (2000, 2003), e Simon Schwartzman (2004,
2006), mais especificamente.
Deter-nos-emos aqui mais precisamente, para efeito de estreitar o foco de
análise, à evolução das desigualdades educacionais no ensino fundamental e
médio, visando entender melhor, mediante a evolução das taxas de analfabetismo
e analfabetismo funcional, da taxa de matrícula, e das taxas de aprovação,
reprovação, conclusão e defasagem série/idade dos alunos, as melhorias ou
retrocessos nesse campo.
A despeito da crise econômica que acometeu o país nas décadas de 1970 e
1980, o acesso à educação nas décadas de 1990 e 2000 prosseguiu em seu lento,
mas ininterrupto, processo de expansão. E foi a partir da década de 1980 que,
segundo Nelson do Valle (SILVA, 2003), começou a haver uma “evolução
1
Dados da PNAD, apud CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr. O Golpe na Educação. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar editor, 11º ed. 2002.
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51
positiva nos indicadores de desempenho do sistema educacional” (SILVA, 2003,
p. 107), que pode ser traduzida na melhoria dos resultados finais – isto é, do fluxo
– e numa diminuição das desigualdades educacionais brutas – ou seja,
desigualdades educacionais relativas à cor, gênero, região e renda das famílias.
Não obstante a sensível e gradativa diminuição nas ultimas três décadas do
grau de desigualdades educacionais, Silva (2003) aponta que essa melhoria não se
deve somente (e tampouco em maior peso) à expansão e melhorias no sistema
escolar, mas está relacionada à melhoria nas condições sociais das famílias.
Entretanto, muito embora estes dois fatores sejam importantes, com base
numa pesquisa feita por Silva e Hasenbalg (in SILVA, 2003), a qual buscou
analisar o nível médio de escolaridade de grupos de jovens com idade entre 15 e
18 anos, eles detectaram que a melhoria nas condições sociais gerais das famílias
teve um impacto maior sobre o decréscimo das desigualdades educacionais do que
a própria melhoria do desempenho escolar. Os autores puderem auferir da
pesquisa alguns efeitos positivos da expansão escolar a partir de 1980, efeitos que
se traduziram num aumento do nível geral de instrução da população e numa
diminuição das desigualdades educacionais relacionadas às variáveis cor, gênero,
região e renda das famílias. No que diz respeito à melhoria das condições sociais,
elas podem estar associadas, segundo os autores, ao aumento da urbanização, à
maior mobilidade demográfica, à estabilização monetária, à diminuição da taxa de
fecundidade com a conseqüente diminuição do tamanho médio das famílias, entre
outros fatores.
2.1.1. Taxas de Analfabetismo e Analfabetismo Funcional: aspectos
gerais.
Essa expansão contínua, que vem implicando num aumento progressivo do
nível de instrução da população, e em parte da diminuição das desigualdades
educacionais no país (HASENBALG & SILVA, 2000)
2
, pode ser sentida
mediante alguns indicadores como, por exemplo, a taxa de analfabetismo de
pessoas de 15 anos ou mais de idade que diminuiu de 33,6% em 1970, para 25,4%
em 1980, e decresceu ainda mais em 1996, chegando a 14,7% dessa população de
2
Os dados mencionados por esses autores foram retirados de PNADs, por isso é possível compará-
los com a PNAD de 2005, como será feito.
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15 anos ou mais anos de idade (idem). Com base na PNAD de 2005, percebemos
que houve uma diminuição de 3,7% nessa taxa, chegando, portanto a 11,0% a
percentagem de analfabetos nessa faixa, uma taxa ainda alta. A situação é ainda
mais alarmante se atentarmos para a taxa de analfabetismo funcional, também em
2005, que ficou em 23,5% das pessoas de 15 anos ou mais de idade. Ou seja, além
de termos no Brasil 11,0% de pessoas dessa faixa de idade incapazes de ler e
escrever, 23,5% das pessoas nessa mesma faixa etária, a despeito de saberem ler,
não conseguem compreender um texto simples (IBGE-PNAD-2005).
Se fizermos um corte por região, apesar da diminuição das desigualdades
educacionais verificadas por Silva e Hasenbalg (in SILVA, 2003), o Nordeste
ainda apresenta as maiores taxas de analfabetismo (21,9%) e de analfabetismo
funcional (36,6%) entre pessoas de 15 anos ou mais de idade, ao passo que as
melhores taxas (ou menos piores) se encontram no Sul e no Sudeste, com 5,9% e
6,5% de analfabetos, e 18,0% e 17,5% de analfabetos funcionais, respectivamente
(IBGE-PNAD-2005).
Tabela 1
Analfabetismo e Analfabetismo Funcional de Pessoas de 15 anos ou mais
Pessoas de 15 anos ou mais: Total Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Taxa de analfabetismo
11,0%
11,5% 21,9% 6,5% 5,9% 8,9%
Taxa de analfabetismo Funcional
23,5%
27,1% 36,6% 17,5% 18,0% 21,4%
Fonte: PNAD 2005.
Quanto às desigualdades educacionais relativas ao gênero, Silva e
Hasenbalg (2000) apontam que a partir da década de 1980 as mulheres
começaram a ultrapassar os homens no seu desempenho educacional. Uma das
maneiras de se verificar essa melhoria – ainda tímida – é mediante a variação das
taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional entre homens e mulheres de 15
anos ou mais de idade que, de acordo com a PNAD de 2005, era de 11,3% e
10,8% de analfabetos e 24,1% e 23,0% de analfabetos funcionais, respectivamente
(IBGE-PNAD-2005).
Com base nas desigualdades educacionais por cor, o Censo Populacional de
2000 nos diz que, em 1991, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou
mais de idade era de 11,9% para os brancos, 31,5% para os pretos, 27,8% para os
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pardos, 5,4% para os amarelos e 50,8% para os índios
3
. De 1991 para 2000 (ver
tabela 2, abaixo), portanto, as taxas decresceram para todos os grupos de cor,
entretanto a diminuição não ocorreu na mesma proporção. Ela foi mais acentuada
entre os índios, pretos e pardos, cujas taxas baixaram em 24,7%, 10,0% e 9,6%,
respectivamente. Esses dados nos indicam uma significativa – ainda que
insuficiente – redução das desigualdades para os grupos de cor com as taxas mais
elevadas de analfabetismo. Entre os brancos e amarelos, que já apresentavam as
menores taxas, a redução foi de apenas 3,6% para os primeiros (baixando de
11,9% para 8,3%) e de 0,5% para os amarelos (caindo de 5,4% para 4,9%) (IBGE-
CENSO POPULACIONAL, 2000).
Tabela 2
Taxa de Analfabetismo de Pessoas de 15 anos ou mais
Cor/Raça 1991 2000
Brancos 11,9% 8,3%
Pretos
31,5% 21,5%
Pardos
27,8% 18,2%
Amarelos
5,4% 4,9%
Indígenas 50,8% 26,1%
FONTE: Censo Populacional-2000.
De acordo com os dados mostrados até então, podemos concluir que a
despeito da redução gradativa das taxas de analfabetismo e analfabetismo
funcional, tanto ao nível nacional, quanto quando desagregadas por regiões e
grupos de cor (ver tabelas 1 e 2 acima), elas ainda são muito altas e revelam
claramente o impacto das desigualdades regionais e raciais sobre o grau de
instrução dos indivíduos. Tivemos nesse campo, portanto, uma melhoria que se
mostra ainda muito distante daquilo que se espera de um direito, como o é a
educação: sua universalização. Neste caso, a universalização do direito a ser
alfabetizado, a despeito do local de residência ou cor da pele.
3
Com relação cor dos indivíduos, a pesquisa do Censo Populacional foi feita com base na auto-
declaração dos próprios entrevistados como brancos, pretos, pardos, amarelos ou índios.
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2.1.2. Sobre a variação nas taxas de matrículas no ensino
fundamental e médio:
No que tange à evolução no número de matrículas – um bom indicador para
verificar a expansão do sistema educacional, segundo Silva e Hasenbalg (2000) –
dados dos Censos Escolares de 2000 e 2005 nos dizem que o número total de
matrículas na educação básica em 2000 aumentou de 52,7 milhões para 56,5
milhões em 2005. Desse total de matrículas em 2000, 67,4% estavam no ensino
fundamental e 15,5% no ensino médio. Ao passo que em 2005 essa percentagem
caiu para 59,4% dos matriculados no ensino fundamental e aumentou para 16,0%
no ensino médio (ver tabela 3, abaixo). Essa diminuição na taxa de matrícula no
ensino fundamental e o aumento da mesma no ensino médio, de 2000 para 2005,
pode estar relacionada a alguns fatores como, por exemplo, uma queda na taxa de
natalidade, transformações na transição demográfica do país, ou uma melhoria no
fluxo de alunos do ensino fundamental para o médio (HASENBALG & SILVA,
2000). Entretanto, esse possível aumento no fluxo não pode ser considerado, de
imediato, um indicador positivo, dado que não é sabido se os alunos estão
passando de um nível ao outro porque estão sendo melhor capacitados, estando,
portanto, mais aptos a seguir de um nível a outro. Esse indicador pode estar
apenas refletindo a incipiente “política de promoção social ou automática”
(SCHWARTZMAN, 2006, p.14). Esta, segundo Schwartzman (idem), resultou da
tentativa de resolver o problema da evasão, das repetências e reprovações, e
acabou criando um outro problema, qual seja, a melhora nos fluxos acabou
mascarando, de certa forma, a importância de se avaliar o que os estudantes
estavam aprendendo na escola e se estavam adquirindo as habilidades requeridas
por suas séries. Para fazer uma análise mais detida dessa questão, precisamos
analisar as taxas de rendimento e movimento escolar (aprovação, reprovação,
afastamento/evasão e conclusão) nesses níveis de ensino, que trataremos mais
adiante.
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Tabela 3
Taxa de Matrícula na Educação Básica
2000 2005
Total 52,7 miles 56,5 miles
Ensino Fundamental
35,7 miles 33,5 miles
homens 18,2 miles 17,1 miles
mulheres 17,5 milhões 16,4 milhões
Ensino Médio 8,2 milhões 9,0 milhões
homens 3,7 milhões 4,1 milhões
mulheres 4,5 milhões 4,9 milhões
Fonte: Censo Escolar 2000 e 2005.
Como se pode ver na tabela 3, em ambos os Censos Escolares os homens
representam a maioria nesse nível de ensino. Entretanto, a razão entre os sexos
permaneceu a mesma, o que significa que a despeito das mulheres ainda estarem
em menor número neste nível, a diminuição no número de matrículas ocorreu
proporcionalmente para ambos os sexos, não indicando aumento das
desigualdades educacionais por gênero. Para o ensino médio, notou-se uma
inversão. Em 2000, 4,5 milhões eram mulheres e 3,7 milhões homens. Em 2005,
as mulheres permaneceram com uma taxa de matrícula (4,9 milhões) superior a
dos homens (4,1 milhões). Esses dados podem estar nos indicando que as
mulheres representam a maioria dos concluintes no ensino fundamental que
prosseguem os estudos no nível médio, ou que são mais retidas no nível médio
que os homens ou ainda, que representam a maior parcela dos estudantes que
retornaram à escola, sendo matriculados no ensino médio. De acordo com Silva e
Hasenbalg (2000), essa variação é positiva e indica uma tendência das mulheres
em ultrapassar os homens no que diz respeito ao desempenho escolar. Neste caso,
poderíamos dizer que esta variação estaria refletindo um aumento do número de
mulheres concluintes no ensino fundamental que prosseguem os estudos no nível
médio.
Se subdividirmos o ensino fundamental em primeiro (1º a 4º série
4
) e
segundo segmentos (5º a 8º série), e fizermos uma comparação entre os dois
Censos Escolares (ver tabela 4, abaixo), perceberemos que da 1º a 4º série – que
segundo o MEC deveria ser cursada por alunos de uma faixa de idade que varia de
7 a 10 anos – houve um aumento, de 2000 para 2005, no número de matriculados
4
Nos dados referentes ao Censo de 2005, o primeiro segmento compreende também uma série
inicial, antes da 1º série e que, para efeito de comparação, será incorporada à 1º série, no que diz
respeito ao número de matrículas.
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nas faixas de menores de 7 anos (subindo de 493.132 para 765.809 alunos) e de 7
a 10 anos (subindo de 12,7 para 13,3 milhões). Podemos inferir, desse aumento
verificado nas matrículas da faixa dos menores de 7 anos, que as crianças estão
entrando mais cedo na escola, em razão de um aumento da oferta de vagas e/ou de
um aumento do número de mães trabalhando fora de casa, o que aumentaria a
necessidade de deixar o filho na escola. Esse aumento nas duas faixas citadas
acima também pode estar relacionado ao programa bolsa escola, mas não nos
deteremos nesse assunto para não fugirmos ao escopo deste trabalho.
Tabela 4
Matrículas no Ensino Fundamental de 1ª a 4ª Série por Faixa Etária
2000 20.211.506 493.132 12.682.237 5.286.087 973.700 244.336 201.112 98.039 232.863
2005 18.465.505 765.809 13.282.559 3.699.560 380.898 70.253 64.182 47.989 154.255
De 11 a 14
anos
De 15 a
17 anosBrasil Total
Menos de
7 anos
De 7 a 10
anos
De 18 a
19 anos
De 20 a
24 anos
De 25 a
29 anos
Mais de
29 anos
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Nas demais faixas de idade – de 11 a 14, 15 a 17, 18 a 19, 20 a 24, 25 a 29 e
maiores de 29 anos – a taxa de matrícula diminuiu substancialmente, caindo
praticamente à metade em todas as faixas. Entretanto, apesar da redução positiva
(positiva porque reflete um aumento do fluxo e diminuição da defasagem
série/idade) de 1,6 milhões de alunos, ainda é alto o número de matriculados no 1º
segmento na faixa de 11 a 14 (3,7 milhões) – quando deveriam estar cursando o 2º
segmento do nível fundamental. Pode-se deduzir, portanto, que do total de
matriculados no 1º segmento do ensino fundamental em 2005 (18,5 milhões),
cerca de 4,4 milhões estão seguramente defasados. E não estamos considerando
aqui a possível defasagem existente dentro da própria faixa que vai de menores de
7 a 10 anos.
Temos, portanto, de um lado, um positivo aumento no número de crianças
matriculadas de 1º a 4º série dentro da idade recomendada, o que reflete a
expansão do acesso ao ensino no Brasil e provavelmente o resultado de algumas
políticas sociais que visam exatamente incentivar a entrada de crianças na escola.
Nesse sentido, avançamos. Avançamos também quando verificamos a queda, de
2000 para 2005, no número de matrículas nesse segmento, de pessoas com idade
defasada para cursar este nível, nos apontando que houve uma melhoria do fluxo
desses alunos. Por outro lado, ainda é alto o número de alunos defasados,
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57
especialmente na faixa de 11 a 14 anos quando deveriam estar cursando o 2º e não
o 1º segmento do ensino fundamental. Mais uma vez avançamos, mas de forma
limitada. Ou, como talvez dissesse Anísio Teixeira, se estivesse diante deste
quadro, tivemos mais “uma meia vitória... mas uma vitória” (TEIXEIRA in
GÓES, 2002, p. 14). Outro problema também é que a possível melhora no fluxo,
assim como o aumento das matrículas nas primeiras faixas de idade, não nos diz
nada sobre a qualidade desse ensino, se melhorou ou piorou.
Segundo a PNAD de 2005
5
(ver tabela 5, abaixo), 16,5% dos estudantes
matriculados na 1º série, 20,7% dos matriculados na 2º, 24,3% matriculados na 3º
e 28,7% dos estudantes matriculados na 4º série do ensino fundamental têm idade
superior à recomendada em até dois anos. Esses dados nos mostram que o número
de alunos matriculados com defasagem de até dois anos aumenta
significativamente conforme o aumento da série. Num corte por região, verifica-se
que na 1º série a defasagem é maior no Norte (24,7%) e menor no Sudeste (9,1%).
Na 2º, 3º e 4º séries, ela é maior no Nordeste, com 32,4%, 35,7% e 44,4%,
respectivamente. As menores taxas verificadas nessas ultimas três séries são,
respectivamente, 10,9% no Sudeste, 13,1% e 15,0% no Sul. Podemos extrair
desses dados que a defasagem série/idade – um bom indicador do desempenho
dos alunos e que também revela um pouco da própria qualidade do ensino –
apesar de aumentar conforme o aumento das séries em todas as regiões, ela é
maior percentualmente nas regiões menos desenvolvidas, nos levando a inferir
que um dos indicadores externos responsáveis por essa grande percentagem de
alunos defasados, é a desigualdade de renda, maior nessas regiões. Um fator
interno estaria ligado à própria qualidade deste ensino (medida através da média
de desempenho dos alunos avaliados pelo SAEB) que, como veremos mais
adiante, também é pior nessas regiões. Ambos os indicadores interno e externo
nos apontam para a reprodução das desigualdades sociais para dentro dos muros
escolares, como sugere nossa hipótese.
5
Nota retirada da PNAD-2005: “De acordo com a adequação série-idade recomendada pelo
MEC para o ensino fundamental, considerou-se defasada a criança com 9 anos ou mais de idade
freqüentando a 1ª série; com 10 anos ou mais de idade freqüentando a 2ª série; com 11 anos ou
mais de idade freqüentando a 3ª série; com 12 anos ou mais de idade freqüentando a 4ª série; com
13 anos ou mais de idade freqüentando a 5ª série; com 14 anos ou mais de idade freqüentando a
6ª série; com 15 anos ou mais de idade freqüentando a 7ª série; e com 16 anos ou mais de idade
freqüentando a 8ª série”.
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Tabela 5
Proporção dos estudantes do Ensino Fundamental com idade superior à
recomendada para cada série em até 2 anos, por série de ensino freqüentada,
segundo as Grandes Regiões, Unidades da Federação e Regiões Metropolitanas –
2005
série 2ªrie 3ªrie série 5ªrie 6ªrie 7ªrie 8ªrie
Brasil
16,5% 20,7% 24,3% 28,7% 33,1% 32,9% 30,8% 36,4%
Norte 24,7% 31,0% 35,2% 40,9% 41,0% 42,8% 40,5% 49,7%
Nordeste
24,6% 32,4% 37,5% 44,4% 48,6% 49,8% 48,2% 53,4%
Sudeste 9,1% 10,9% 13,6% 16,4% 22,2% 20,6% 20,7% 26,6%
Sul 9,2% 11,0% 13,1% 15,0% 19,3% 20,2% 19,1% 21,8%
Centro-Oeste
10,2% 14,4% 17,0% 22,6% 28,7% 30,5% 30,6% 34,5%
FONTE: PNAD-2005.
Retornando aos Censos Escolares de 2000 e 2005, e nos atendo ao 2º
segmento do ensino fundamental (5º a 8º série), notamos que a variação segue um
padrão parecido ao do 1º segmento, tendo aumentado o número de matrículas nas
duas primeiras faixas etárias, de 2000 para 2005, e diminuído nas demais. Na
faixa dos menores de 11 anos e de 11 a 14 anos – o período recomendado pelo
MEC para cursar este 2º segmento – as matrículas aumentaram de 101.608 para
171.761 na primeira faixa, e de 8,7 milhões para 10 milhões na segunda (ver
tabela 6, abaixo).
Em todas as demais faixas de 15 a 17, 18 a 19, 20 a 24, 25 a 29 e
maiores de 29 anos, verificou-se uma queda no número de matrículas, sendo a
diminuição mais drástica na faixa de 20 a 24 anos, que foi reduzida quase à
metade, baixando de 707.801 para 355.677.
Esses resultados podem ser considerados positivos dado que, além do
aumento sentido nessa faixa de 11 a 14, é esta faixa também que comporta a
maior parte dos alunos matriculados neste segmento. Pode-se coligir, portanto,
que dos 15 milhões de alunos matriculados de 5º a 8º série, cerca 5 milhões deles
estão seguramente defasados com relação à série/idade. No entanto, é preciso
salientar que o fato de 10 milhões de alunos estarem matriculados na faixa
recomendada para este 2º segmento, que é a de 11 a 14 anos, não significa
necessariamente que não exista defasagem dentro dessa faixa.
Tabela 6
Matrículas no Ensino Fundamental de 5ª a 8ª Série por faixa Etária
Brasil
2000 15.506.442 101.608 8.770.883 4.375.001 1.093.892 707.801 225.564 231.693
2005 15.069.056 171.761 9.909.376 3.716.434 607.574 355.677 135.682 172.552
Mais de
29 anosTotal
Menos de
11 anos
De 11 a
14 anos
De 15 a
17 anos
De 18 a 19
anos
De 20 a
24 anos
De 25 a
29 anos
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
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59
Voltando à PNAD de 2005 (ver tabela 5), verifica-se que 33,1% dos
estudantes matriculados na 5º série, 32,9% dos matriculados na 6º, 30,8% dos
matriculados na 7º, e 36,4% dos estudantes matriculados na 8º série do ensino
fundamental têm idade superior à recomendada em até dois anos. Num corte por
região, nota-se que o Nordeste novamente apresenta as piores taxas relativas à
defasagem série/idade em todas as séries do 2º segmento, e o Sul as melhores.
Faz-se necessário destacar também as proporções, para todo o Brasil, dos
estudantes matriculados de 1º a 8º série do ensino fundamental com defasagens de
até dois anos em cada série freqüentada. E são elas, respectivamente, 16,5%,
20,7%, 24,3%, 28,7%, 33,1%, 32,9%, 30,8% e 36,4% (ver tabela 5). É importante
chamar a atenção para essas proporções totais a fim de que possamos averiguar
melhor o tamanho das desigualdades educacionais cortadas por região, no Brasil,
e também para chamarmos a atenção para o alto índice de alunos defasados
existentes em todas as séries e em todas as regiões.
Estes resultados mostram que as desigualdades regionais que assolam o país
continuam a se refletir claramente dentro do sistema escolar, dado que as
“melhores” taxas nos indicadores de defasagens – para todas as séries do ensino
fundamental – ficam sempre para as regiões mais desenvolvidas – Sul e Sudeste –
e as piores para as menos desenvolvidas e mais pobres, o Nordeste e o Norte. No
caso do Centro-Oeste as taxas se mostram sempre intermediárias, entre os
melhores e piores resultados. No entanto, o cenário continua ruim para todas as
regiões, ou não pode ser considerado ainda o ideal.
Passemos, então, ao nível médio. Conforme os Censos Escolares de 2000 e
2005, o aumento no total das matrículas de 8,2 milhões, em 2000, para 9 milhões
de matriculados em 2005 também foi sentido em todas as quatro séries do ensino
médio (ver tabela 7, abaixo). Se analisarmos por faixa de idade, perceberemos um
aumento das taxas de matrícula na faixa dos menores de 15 anos (de 65.710 para
81.887), de 15 a 17 anos (de 3,6 para 4,7 milhões) e dos maiores de 29 anos (de
320.114 para 354.589). Quanto às demais faixas de idade – 18 a 19, 20 a 24 e 25 a
29 – todas tiveram uma diminuição no número de matrículas, baixando de 2000
para 2005, de 2.182.528 para 2.159.570 na faixa de 18 a 19 anos, de 1,7 para 1,4
milhões na faixa de 20 a 24, e de 349.623 para 316.125 na faixa de 20 a 29 anos
de idade.
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Tabela 7
Matrículas no Ensino Médio por Faixa Etária
Brasil
2000
8.192.948 65.710 3.565.240 2.182.528 1.709.733 349.623 320.114
2005
9.031.302 81.887 4.687.574 2.159.570 1.431.557 316.125 354.589
De 20 a 24
anos
De 25 a
29 anos
Mais de
29 anosTotal
Menos de
15 anos
De 15 a 17
anos
De 18 a 19
anos
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Esses dados nos dizem que a maior percentagem dos alunos matriculados no
ensino médio está na faixa recomendada pelo MEC para freqüência a este nível, a
de 15 a 17 anos. Além disso, este nível sofreu um significativo aumento de 2000
para 2005. Se considerarmos que o total de matriculados no ensino médio
aumentou em 838.354 alunos em 2005, se comparado a 2000, podemos dizer que
o aumento verificado na faixa de 15 a 17 anos – que foi de 1.122.334 – reflete
mais do que o aumento total das matrículas, mas uma diminuição na defasagem
série/idade nesse nível, que provavelmente está ligada à melhoria do fluxo escolar
que, por sua vez, tem ligação com a já mencionada política de promoção
automática que diminui a retenção dos alunos nas séries, mesmo que estes não
estejam habilitados a ultrapassá-las. Assim, não podemos afirmar com certeza se
essa diminuição das defasagens série-idade resulta da melhoria da qualidade da
educação ofertada, e é provável que não; mas isso veremos mais adiante quando
tratarmos das avaliações qualitativas da educação, recorrendo, para tal, aos
resultados do SAEB de 2003 e 2005.
2.1.3. Rendimento e Movimento Escolar no ensino fundamental e
médio:
Os Censos Escolares de 2000 e 2005 também nos oferecem dados relativos
ao rendimento e movimento escolar dos alunos matriculados no ensino
fundamental e médio ao final de 1999 e de 2004. Quanto ao ensino fundamental
(ver tabela 8, abaixo), em 1999, 36 milhões de alunos estavam matriculados nesse
nível. 28,2 milhões foram aprovados, 3,7 milhões reprovados e 3,3 milhões
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61
afastados por abandono
6
. Dos aprovados, 2,5 milhões concluíram o ensino
fundamental. Desses, 1,3 milhões eram mulheres e 1,2 milhões homens. Em 2004,
o número de matrículas caiu para 34 milhões e desse total, 26,4 milhões foram
aprovados, 4,4 milhões reprovados e 2,6 milhões afastados por abandono
7
. Dos
aprovados, 2,5 milhões também concluíram o ensino fundamental. O número de
matriculados nesse nível, por gênero, também permaneceu basicamente o
mesmo
8
, numa comparação a 1999.
Tabela 8
Total de matrículas no Ensino Fundamental
Variação em
Porcentagem
Total
Diminuiu 5,7% de 1999
para 2004
Aprovados Diminuiu 6,3%
Reprovados Aumentou 16,8%
Afastados por
abandono
Diminuiu 19,8%
homens
mulheres
homens
mulheres
1,3 1,2 1,2 1,3
milhões milhões milhões milhões
1.326.879 1.158.093 1.134.469 1.327.850
1999 2004
2,5 milhões 2,5 milhões
28,2 milhões
3,7 milhões
3,3 milhões
26,4 miles
4,4 milhões
2,6 milhões
Concluintes
entre os
aprovados
Diminuiu 0,9 %
36 milhões 34 milhões
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Houve, portanto, de 1999 para 2004, uma diminuição de 2 milhões no total
de matriculados no ensino fundamental, uma redução de 1,8 milhões no número
de aprovados e de 700 mil no número de afastados por abandono. Entretanto,
notou-se um aumento de 700 mil no número de alunos reprovados. A taxa de
conclusão, como fora citado acima, se manteve relativamente estável, inclusive
num corte por gênero. A diminuição no número de aprovados se deu para todas as
séries do ensino fundamental, com exceção da 8ª série que aprovou cerca de 16
mil alunos a mais que em 1999 (ver tabela 9 abaixo), indicando uma diminuição
6
Não estão sendo contabilizados aqui os afastados por transferência, dado que não são
considerados alunos evadidos.
7
Também aqui não estamos considerando os afastados por transferência.
8
Digo basicamente porque estou fazendo um arredondamento das casas decimais. Se pegarmos os
números absolutos, veremos que a taxa de conclusão no ensino fundamental baixou de 2.484.972
em 1999 para 2.462.319 em 2005, uma diminuição de 22.653 alunos.
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62
da retenção (ou aumento do fluxo) dos alunos na última série do ensino
fundamental, mediante, talvez, ao programa de promoção automática.
Tabela 9
Número de Aprovados, Reprovados e Afastados por Abandono no Ensino
Fundamental, por série (1999 e 2004)
Aprovados
1999
Aprovados
2004
Reprovados
1999
Reprovados
2004
Afastados
1999
Afastados
2004
6ª série2ª série 3ª série série sérieTotal Ano Inicial 1ª série 7ª série 8ª série
28.152.598 x 4.641.484 4.113.508 3.850.336 3.654.779 3.537.409 3.138.994 2.722.774 2.493.314
26.368.619 673.274 3.699.817 3.527.164 3.566.618 3.444.386 3.209.858 3.021.511 2.715.889 2.510.102
3.735.880 x 1.023.016 683.056 398.319 343.294 499.037 357.042 248.656 183.460
4.363.909 29.989 801.411 686.338 464.946 438.943 712.848 522.517 369.638 337.279
3.303.801 x 749.810 403.867 329.715 259.451 577.698 394.987 327.213 261.060
2.648.326 40.907 409.417 240.495 222.454 211.533 504.789 377.162 325.131 316.438
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Com relação aos reprovados, o aumento foi verificado em todas as séries,
com exceção da 1ª série
9
(mais o ano inicial, dado que em 2004 o ensino
fundamental obrigatório já havia aumentado de 8 para 9 anos) que reprovou cerca
de 191 mil alunos a menos que em 1999. Essa diminuição no número de
reprovados na 1ª série, em 2004, pode estar nos indicando que a introdução de
uma série inicial está fazendo com que os alunos cheguem mais preparados (ou
menos despreparados) à 1ª série, o que acaba culminando numa redução do
número de reprovados nesta série. Entretanto, se para a 1ª série a avaliação foi
“positiva”, não se pode dizer o mesmo para as demais, dado que o número de
reprovados aumentou em todas elas. Sobre a diminuição no número de afastados
por abandono, de 1999 para 2004, apenas na 8ª série houve um aumento desse
número, sendo este de cerca de 55 mil alunos. A taxa de reprovação é um
indicador muito bom para medirmos o desempenho dos alunos dentro do ciclo
escolar e a própria qualidade do ensino, e seu aumento percentual, três vezes
maior que a queda percentual das matrículas, de 1999 para 2004, para o ensino
fundamental, não nos indica bons resultados relativos ao desempenho dos alunos e
à qualidade da educação no país. Ao contrário, nos chama a atenção para o fato de
9
Em 1999, 1.023.016 alunos forma reprovados na 1º série. Em 2004, o número de reprovados na
série inicial foi de 29.989 alunos e na 1º série foram 801.411. Mesmo somando os reprovados do
ano inicial aos da 1º série em 2004, o número total (831.400) mostra-se inferior ao de reprovados
na 1º série em 1999.
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63
que, apesar do incipiente programa fluxo, o sistema escolar ainda retém um
número bastante preocupante de alunos, mais de 4 milhões, o que representa
12,8% dos alunos matriculados no ensino fundamental.
No que tange à taxa de aprovação, entre 1999 e 2004, as matrículas
diminuíram em 5,7%, ao passo que o número de aprovados diminuiu numa
proporção maior, de cerca de 6,3%, indicando que a diminuição no número de
aprovados não pode ser justificada apenas pelo decréscimo no número de
matrículas no ensino fundamental, mas talvez possa ser pensado com base numa
melhoria do fluxo – como faz o Censo Escolar de 2005 – ou com base num
aumento das dificuldades em passar de uma série a outra, seja por carências
socioeconômicas que dificultam o desempenho dos alunos, ou mesmo por uma
queda na qualidade do ensino ofertado que também se reflete no desempenho dos
mesmos. Se pensarmos nessa diminuição da aprovação mediante essa segunda
hipótese, justificaríamos, em parte, o aumento verificado no número de
reprovados de 1999 para 2004. Quanto à questão do desempenho dos alunos e da
qualidade do ensino ofertado, trataremos um pouco mais adiante.
Apesar da diminuição de cerca de 700 mil alunos afastados por abandono de
1999 para 2004, o alto número desses em 2004 (2,6 milhões; 7,8% dos
matriculados nesse nível – ver tabela 8) ainda é preocupante e podemos destacar
dois prováveis motivos para o abandono escolar: o primeiro, está ligado à uma
posição socioeconômica desfavorecida dos alunos, tornando-se necessário o
abandono dos estudos para trabalhar; o segundo, que também pode agir
conjuntamente com primeiro, pode estar associado à baixa qualidade do ensino –
seja ela sob o aspecto da infra-estrutura e/ou da prática pedagógica – que implica
em desestímulo, por parte dos alunos, para freqüentar a escola. Outro fator que
leva ao afastamento por abandono é a reprovação prévia desses alunos, mas não
temos dados para afirmar que esse seja o caso dos alunos afastados por abandono.
O que podemos afirmar é que o quadro da educação no Brasil, a julgar pelas
preocupantes taxas de reprovação e afastamento por abandono, ainda está muito
aquém de uma educação que se pretenda de qualidade.
Com respeito aos concluintes do ensino fundamental – apesar da taxa total
entre 1999 em 2004 ter se mantido basicamente a mesma: 2,5 milhões (ver tabela
8) – a maioria deles estava na faixa de 15 a 17 anos, tanto em 1999 (1,6 milhões,
66,3% do total de concluintes) quanto em 2004 (1,9 milhões 76,9% do total de
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64
concluintes), (ver tabela 10, abaixo), indicando uma significativa – para não dizer
muito alta – defasagem, ainda em 2004, dado que grande parte dos alunos
concluintes estava dentro dessa faixa etária que é a recomendada para a conclusão
do ensino médio, e não do fundamental. A faixa recomendada para este, por sua
vez, a de menores de 15 anos de idade, apresentou as menores proporções de
concluintes em ambos os anos, 3,4% em 1999, e 4,1% em 2004. Sendo a
defasagem série/idade outro importante indicador para medir o desempenho dos
alunos e a qualidade do ensino, percebe-se que ainda temos muito o que melhorar
nesse aspecto.
Tabela 10
Concluintes no Ensino Fundamental por Faixa Etária
1999
2.484.972 84.771 1.646.513 430.753 214.075 57.428 51.432
2004 2.462.319 100.939 1.893.019 280.526 110.883 34.446 42.506
De 18 a 19
anos
De 20 a
24 anos
De 25 a
29 anos
Mais de
29 anosTotal
Menos de
15 anos
De 15 a
17 anos
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Passemos ao ensino médio. Quanto a este, em 1999, conforme nos mostra a
Tabela 11 (abaixo), 7,8 milhões de alunos estavam matriculados nesse nível. 6
milhões foram aprovados, 568.025 mil reprovados e 976.925 mil afastados por
abandono. Dos aprovados, 1,8 milhões concluíram o ensino médio, estando a
maior proporção dos concluintes na faixa de 17 a 19 anos (45,8% do total), e a
menor na faixa dos menores de 17 anos (3,1%), sugerindo, mais uma vez – e
seguindo o mesmo padrão verificado no ensino fundamental – a presença de
grande defasagem série/idade no perfil dos concluintes do ensino médio, dado que
a minoria estava concluindo este nível dentro da faixa recomendada (ver tabela
12). Em 2004, de um total de matrículas de 9,2 milhões, 6,6 milhões foram
aprovados, 956.763 mil reprovados e 1,4 milhões afastados por abandono. Dos
aprovados, 1,9 milhões concluíram o ensino médio, estando a maior proporção
dos concluintes também na faixa de 17 a 19 anos (60,0%) e a menor na faixa dos
menores de 17 anos (0,5%).
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65
Tabela 11
Alunos Aprovados, Reprovados, Afastados por Abandono e
Concluintes do Ensino Médio (1999 e 2004)
1999 2004 Variação em
porcentagem
Total de Alunos -
Ensino Médio
7,8 milhões 9,2 milhões Aumento de 18,0%
Aprovados 6 milhões 6,6 milhões Aumento de 10,0%
Reprovados 568.025 956.763 Aumento de 68,4%
Afastados por
abandono
976.925 1,4 milhão Aumento de 42,5%
Concluintes entre
os aprovados
1,8 milhão 1,9 milhão Aumento de 5,2%
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Tabela 12
Alunos Concluintes do Ensino Médio por Faixa Etária
De 20 a
21 anos
De 22 a
24 anos
De 25 a 29
anos
Mais de
29 anosTotal
Menos de
17 anos
De 17 a 19
anos
1999
1.786.827 55.885 818.439 442.470 267.843 110.535 91.655
2004
1.879.044 9.620 1.127.275 375.760 198.726 81.243 86.420
FONTE: Censo Escolar 2000 e 2005.
Ao contrário do ensino fundamental, que teve seu número de matrículas
reduzido em 5,7%, no nível médio este número aumentou em 1,4 milhões, de
1999 para 2004, um aumento percentual de cerca de 18,0%. O número de
aprovados que passou de 6 milhões para 6,6 milhões, subiu cerca de 10,0%. As
porcentagem de reprovados e afastados por abandono no ensino médio subiram,
respectivamente, de 1999 para 2004, cerca de 68,4% e 42,5%. No que concerne
aos concluintes, apesar do aumento de 5,2%, de 1999 para 2004, este foi inferior
ao aumento percentual de matrículas nesse nível (18,0%) e também não
acompanhou o aumento percentual dos aprovados, que foi de 10,0%, de 1999 para
2004.
Essas variações nos indicam que, apesar do aumento no número de
matrículas no ensino médio, do número de aprovados nesse nível e dos
concluintes, a percentagem referente a esses aumentos foi significativamente
inferior àquela referente ao aumento das matrículas. No caso das taxas de
reprovação e afastamento por abandono, além do aumento verificado de 1999 para
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2004 – um dado negativo, portanto – a proporção dos respectivos aumentos,
68,4% e 42,5%, foi bastante superior aos 18,0% de aumento na taxa de matrícula,
de 1999 para 2004.
Verificou-se, portanto, no ensino fundamental uma retração na taxa de
matrículas tanto de 1999 (36 milhões) para 2000 (35,7 milhões), quanto deste
último ano para 2004 (34 milhões). Entretanto, de 2004 para 2005 houve um
aumento de 1,5 milhões de matrículas. Este aumento pode estar relacionado aos
programas de correção de fluxo que, por evitar a retenção dos alunos, os
estimulam a prosseguir nos estudos, e/ou à políticas de incentivo a matrícula
como, por exemplo, o “bolsa escola”. O ensino médio, ao contrário, sofreu leve
queda de 2004 para 2005, (de 9,2 para 9 milhões) – primeira redução do número
de matrículas nesse nível, que vinha num contínuo processo de crescimento desde
a década de 1980. Essa queda nas matrículas está sendo interpretada pelo Censo
Escolar de 2005 como um reflexo da melhoria do fluxo escolar e da transição
demográfica em curso no país, entretanto, não devemos nos ludibriar com os
resultados dessa possível melhoria no fluxo, dado que, apesar dela, o número de
aprovados cresceu numa pequena proporção e as taxas de reprovação e
afastamento por abandono à escola aumentaram assustadoramente. De acordo
com Silva e Hasenbalg (2000), se por um lado, essas melhorias quantitativas do
sistema educacional implicaram uma diminuição nos atritos do fluxo escolar, por
outro, não foram eliminados os problemas relativos à qualidade do ensino. É o
que veremos um pouco mais adiante.
2.1.4. Um panorama geral das desigualdades por grupos de cor e
renda no país.
Nas seções anteriores tratamos de alguns indicadores importantes para
avaliar a evolução da educação no Brasil, indicadores como a taxa de matrícula,
de analfabetismo, analfabetismo funcional e defasagem série-idade. Nesta seção,
pretendemos seguir com a análise desses indicadores, só que, agora, cortando-os
pela variável cor ou raça dos indivíduos.
Além da sua grande extensão territorial, um outro aspecto marcante no
Brasil é a enorme diversidade cultural que permeia este país. Ambos os aspectos,
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apesar de conferir diferentes tipos de riquezas ao país, chama a atenção pelas
desigualdades que estão associadas a eles (FERNANDES, 2001). A dimensão
territorial nos leva, de imediato a pensar sobre o tema das desigualdades regionais
e suas implicações socioeconômicas, ao passo que a questão da diversidade
cultural, nessa mesma linha, nos leva a pensar sobre como as diferenças podem,
explícita ou sutilmente, se transformar em desigualdades tanto na forma de
desigualdades educacionais, quanto na de desigualdades de renda e oportunidades
de trabalho.
Nesse sentido, e com o intuito de entender um pouco melhor como a
diversidade cultural (em um de seus aspectos) se expressa no campo educacional e
nas próprias desigualdades de oportunidades de trabalho e renda no país, é que, de
modo breve, desagregaremos os indicadores já trabalhados na seção anterior –
como taxa de matrícula, analfabetismo, analfabetismo funcional e defasagem
série/idade – por cor ou raça. A inclusão da variável cor se faz necessária neste
momento do trabalho, para termos uma idéia, ainda que geral, de como as
diferenças relativas à cor dos indivíduos podem ser sentidas dentro do ciclo
escolar – na forma de diferenciação no êxito ou fracasso dos alunos de acordo
com a cor dos mesmos – e fora dele, na forma de diferenciação das oportunidades
econômicas por grupos de cor.
De antemão, faz-se necessário explicitar que não se pretende aqui tratar da
existência ou não no Brasil de preconceito racial; nosso foco consiste apenas em
explicitar alguns dados referentes à posição dos indivíduos, segundo sua cor ou
raça, diante das transformações que vem ocorrendo no sistema educacional no
Brasil e atentar para possíveis desigualdades educacionais relacionadas aos grupos
de cor.
De acordo com a PNAD de 2005, de um total populacional de 184,4 milhões
de pessoas no Brasil, os que se declararam brancos representam 49,9% dessa
população, os pardos, 43,2%, os pretos 6,3% e os amarelos ou indígenas apenas
0,7% da mesma. Lançando mão de uma divagação teórica, podemos dividir a
sociedade brasileira em duas: uma metade de brancos e outra composta por
pardos, pretos e amarelos ou índios. Avançando um pouco mais nessa divagação
separatista, se pudéssemos, a partir e a despeito desse separatismo, pensar na
sociedade brasileira como democrática e, portanto, minimamente igualitária,
poderíamos dizer que a mesma porcentagem de pobres, ricos, analfabetos,
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estudantes matriculados em redes de ensino, trabalhadores com “boa”
remuneração, etc., deveria ser encontrada em cada um dos dois grupos. No caso
do segundo grupo a percentagem deveria ser proporcional aos três grupos de cor
existentes dentro dela. O que pretendemos nesta seção, portanto, é, partindo deste
tipo ideal de sociedade, ver como os grupos de cor aparecem retratados
quantitativamente dentro dela, se sua representação é proporcional ao seu número
populacional e se não, como as desigualdades são reveladas. É o que tentaremos
fazer.
Comecemos primeiramente pela distribuição regional dos grupos de cor (ver
tabela 13, abaixo). Percebe-se, de acordo com a PNAD de 2005, que a
distribuição desses grupos é diferenciada de acordo com a região do país. Apesar
de representarem 49,9% da população total do Brasil, os brancos são maioria
esmagadora no Sul (80,8%), e representam mais da metade da população do
Sudeste (58,5). Duas regiões comumente apontadas como as mais desenvolvidas e
ricas do país, nas quais as desigualdades educacionais são menores e as médias de
desempenho dos alunos avaliados pelo SAEB (como veremos mais adiante) são as
melhores (ou menos piores). Os pardos representam mais da metade da população
no Norte (71,5%) e no Nordeste (63,1%), regiões com os piores indicadores
socioeconômicos e educacionais do país. Os pretos apresentam as maiores
proporções populacionais no Sudeste (7,2%) e Nordeste (7,0%), seguidos do
Centro-Oeste (5,7%) e as menores no Norte (3,8%) e Sul (3,6%). Os amarelos ou
indígenas, por sua vez, representam menos de 1,0% da população em todas as
regiões e estão em maioria, respectivamente, no Sudeste e Centro-Oeste com
0,9%, no Sul e Norte com 0,6% e no Nordeste com 0,3% – a menor taxa. De todas
as regiões, no que diz respeito à distribuição percentual por grupos de cor, o
Centro-Oeste é o que pode ser considerado o mais próximo do nosso tipo ideal
dado que a representação por cor nessa região é a que mais se aproxima do
percentual total para o Brasil. Nesta região, 43,5% são brancos, 49,9% pardos,
5,7% pretos e 0,9% amarelos ou indígenas. Entretanto, para efeitos reais, essa
distribuição não nos diz muita coisa, pois isso não nos indica que as oportunidades
educacionais e de trabalho são igualitárias para os diversos grupos de cor.
Interessante, a título de curiosidade, comentar que, nas análises das desigualdades
educacionais cortadas por região, o Centro-Oeste, na maior parte das vezes, fica
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numa posição intermediária entre as regiões mais desenvolvidas (Sudeste e Sul) e
as menos desenvolvidas (Norte e Nordeste).
Tabela 13
População Total – Brasil e Regiões
População Amarelos
Total ou Indígenas
Brasil
184,4 milhões 49,9% 6,3% 43,2% 0,7%
Norte 14,7 milhões 24,0% 3,8% 71,5% 0,6%
Nordeste
51 milhões 29,5% 7,0% 63,1% 0,3%
Sudeste 78,6 miles 58,5% 7,2% 33,4% 0,9%
Sul 27 milhões 80,8% 3,6% 15,0% 0,6%
Centro-Oeste
13 milhões 43,5% 5,7% 49,9% 0,9%
Brancos Pretos Pardos
FONTE: PNAD-2005.
Mas e quanto às desigualdades educacionais? Passemos a questão da taxa de
analfabetismo por grupos de cor e região. No início do capítulo vimos que a taxa
nacional de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade, em 2005 (ver
tabela 1), ficou em 11,0% (PNAD-2005). Embora não possamos fazer
comparações explícitas entre dados do Censo Populacional e da PNAD, devido a
diferenças metodológicas, podemos ainda assim perceber que as taxas de
analfabetismo por grupos de cor vêm diminuindo desde 1991 no país. No final da
primeira seção, com base em dados do Censo Populacional, mostramos que de
1991 a 2000 as taxas de analfabetismo para a faixa de 15 anos ou mais de idade
diminuíram para todos os grupos de cor (ver tabela 2), ficando, em 2000, em
21,5% para os pretos, 26,1% para os indígenas, 18,2% para os pardos, 8,3% para
os brancos e 4,9% para os amarelos. Se pegarmos os dados da PNAD de 2005
referentes à taxa de analfabetismo por grupos de cor (ver tabela 14, abaixo),
veremos que dessa população de analfabetos de 15 anos ou mais de idade, 15,6%
são pardos, 14,6% pretos e apenas 7,0% são brancos, configurando uma relativa
diminuição de 2000 para 2005, ainda que não percentualmente legítima dado que
os dados foram retirados de pesquisas diferentes. Essa taxa, com base na PNAD
de 2005, é menor para os brancos em todas as regiões, sendo a menor para os
brancos da região Sul (4,7%) e maior para os do Nordeste (17,6%). O Nordeste
também conta com a maioria dos analfabetos pretos (23,1%) e pardos (23,8%).
Distanciamo-nos de nosso tipo ideal. Percebe-se que, a despeito dos brancos
serem maioria populacional, a proporção de analfabetos brancos é inferior a de
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pretos e pardos em todas as regiões do Brasil, chegando a representar menos da
metade do percentual de analfabetos pardos (PNAD-2005).
Tabela 14
Analfabetismo de Pessoas de 15 anos ou mais, por cor e região do país (2005)
Brancos
7,0% 7,4% 17,6% 4,9% 4,7% 6,6%
Pretos
14,6% 14,9% 23,1% 10,3% 11,0% 12,8%
Pardos 15,6% 12,8% 23,8% 8,8% 11,5% 10,5%
Sul Centro-OesteBrasil Norte Nordeste Sudeste
FONTE: PNAD-2005
No que tange à taxa de analfabetismo funcional (ver tabela 15, abaixo), ela
segue um padrão parecido ao da taxa de analfabetismo. Vimos também na seção
anterior que essa taxa, para a faixa de 15 ou mais de idade em 2005, ficou em
23,5%. Dessa população de pessoas que, em teoria, sabem escrever com
dificuldade e mal conseguem ler um texto simples, 29,9% são pardas, 28,7%
pretas e 17,5% brancas. Essa taxa também é menor para os brancos em todas as
regiões do Brasil, sendo a menor para os brancos da região Sudeste (14,5%) e
maior para os do Nordeste (29,9%). O Nordeste novamente conta com a maior
porcentagem de pretos (37,2%) e pardos (39%) analfabetos funcionais, e o
Sudeste com as menores proporções 24,0% e 21,5%, respectivamente.
Tabela 15
Analfabetismo Funcional de Pessoas de 15 anos ou mais, por cor e região do país
(2005)
Brancos
17,5% 20,5% 29,9% 14,5% 15,7% 17,5%
Pretos
28,7% 30,4% 37,2% 24,0% 25,8% 27,3%
Pardos 29,9% 28,9% 39,0% 21,5% 27,9% 24,0%
Sudeste Sul Centro-OesteBrasil Norte Nordeste
FONTE: PNAD-2005
A PNAD também disponibiliza a taxa de freqüência escolar de estudantes de
5 a 24 anos de idade por grupos de cor e região (ver tabela 16, abaixo). Quanto a
esta, pode-se perceber que 98,0% de todos os brancos na faixa de 7 a 14 anos de
idade (a recomendada para cursar o ensino fundamental) freqüentam alguma
instituição escolar. Ao passo que 79,5% de todos os pretos e pardos dentro dessa
faixa de idade freqüentam alguma instituição escolar. Na faixa recomendada para
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cursar o ensino médio, a de 15 a 17 anos, nota-se que 85,1% de todos os brancos e
78,7% de todos os pretos e pardos nessa faixa de idade freqüentam a escola. Em
todas as demais faixas (5 a 6, 18 a 19 e 20 a 24 anos) os brancos continuam tendo
a maior percentagem de alunos freqüentando a escola que pardos e pretos.
Tabela 16
Freqüência escolar (%) das pessoas de 5 a 24 anos de idade, por cor ou raça e
região do país (2005)
5 a 6
anos
7 a 14
anos
15 a 17
anos
18 a 19
anos
20 a 24
anos
5 a 6
anos
7 a 14
anos
15 a 17
anos
18 a 19
anos
20 a 24
anos
Brasil 83,8% 98,0% 85,1% 48,1% 28,3% 79,5% 96,8% 78,7% 46,8% 21,9%
Norte 77,2% 96,5% 81,5% 54,4% 30,0% 69,5% 95,5% 76,9% 50,0% 25,4%
Nordeste 87,0% 96,7% 82,1% 53,4% 29,0% 84,7% 96,4% 78,2% 52,1% 24,8%
Sudeste 88,5% 98,6% 88,0% 45,9% 28,6% 80,8% 97,7% 80,4% 42,0% 18,2%
Sul
74,2% 98,1% 82,6% 44,8% 26,4% 70,2% 96,9% 73,1% 32,6% 15,5%
Centro-Oeste 79,7% 98,2% 84,9% 56,5% 29,9% 72,6% 97,1% 80,0% 43,8% 20,9%
Brancos Pretos e pardos
FONTE: PNAD-2005.
Para refletirmos um pouco sobre a defasagem série/idade dos alunos por
grupos de cor, podemos nos remeter ao percentual de estudantes de 18 a 24 anos
de idade que freqüenta alguma instituição escolar nos níveis fundamental, médio e
superior (ver tabela 17, abaixo). A PNAD de 2005 nos diz que a população de
brancos nessa faixa etária é de 3,9 milhões e a de pretos e pardos 3,7 milhões.
9,5% dos bancos nessa faixa etária freqüentam o ensino fundamental, 33,1% o
ensino médio e 51,6% o ensino superior (incluindo aí também mestrado e
doutorado). Verificando a porcentagem de pretos e pardos nessa mesma faixa
temos 26,0% deles matriculados no ensino fundamental, 49,6% no ensino médio e
apenas 19,0% no ensino superior. Nessa faixa de 18 a 24, de acordo com o MEC,
os alunos deveriam estar cursando, ou já ter concluído o ensino superior. Pode-se
inferir desses resultados que, embora brancos, pretos e pardos estejam defasados
em relação à idade com a qual estão cursando os respectivos níveis de ensino, a
defasagem é muito superior no caso dos pretos e pardos, indicando que, ou eles
ficam mais tempo retidos nesses níveis de ensino (em função de reprovação ou
afastamento) ou que começam a estudar mais tarde que os brancos, ou ainda, que
param de estudar (talvez por piores condições econômicas e conseqüente
necessidade de trabalhar) e retornam em idade já avançada em relação à
recomendada para cursar os níveis mencionados acima. De qualquer forma, se a
defasagem série/idade é um importante indicador de desempenho dos alunos,
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podemos inferir que pretos e pardos têm desempenho inferior ao dos brancos. Um
dado interessante se refere à diferença percentual entre brancos e pretos e pardos
no curso superior. Menos da metade (muito menos) dos pretos e pardos nesta
faixa consegue alcançar este nível de ensino, o que nos indica que o “gargalo”
ainda é muito grande para esses grupos de cor. Sendo minoria no ensino superior,
consequentemente, terão suas oportunidades de trabalho cerceadas, se comparadas
a dos brancos, no momento de disputar uma vaga no mercado de trabalho, tendo
em vista a crescente exigência do mercado por profissionais com nível superior.
Tabela 17
Percentual de Estudantes de 18 a 24 anos de idade, por cor ou raça e nível de
ensino freqüentado (2005)
Total
Ensino
Fundamental
Ensino
Médio
Pré-
Vestibular
Ensino*
Superior Total
Ensino
Fundamental
Ensino
Médio
Pré-
Vestibular
Ensino*
Superior
Brasil
3,9 milhões 9,5% 33,1% 5,1% 51,6% 3,7 milhões 26,0% 49,6% 4,0% 19,0%
Norte 182,8 mil 16,2% 40,4% 7,7% 34,7% 511,0 mil 26,9% 50,4% 5,1% 16,1%
Nordeste
753,7 mil 21,2% 40,7% 6,5% 30,3% 1,7 milhão 33,7% 48,4% 3,8% 12,2%
Sudeste 1,9 milhão 6,1% 30,9% 5,3% 57,5% 1,1 milhão 17,3% 50,7% 4,3% 27,0%
Sul
836,8 mil 5,8% 30,7% 3,5% 59,6% 131,5 mil 14,4% 55,3% 2,3% 26,2%
Brancos Pretos e Pardos
FONTE: PNAD-2005.
* Nível superior inclui graduação, Mestrado ou Doutorado.
Mas a que se deve esse afunilamento das chances de pretos e pardos de
cursar o ensino superior? À discriminação racial? Fugiria ao escopo do trabalho
medir o peso da possível existência de discriminação racial sobre a inferioridade
percentual de pretos e pardos que freqüentam alguma instituição escolar, e
também sobre a maior defasagem série/idade encontrada para esses grupos de cor
quando relacionados aos brancos. O que faremos, na verdade, é partir da variável
renda, isto é, das diferenças socioeconômicas entre esses grupos, tomando-a como
um dos possíveis mecanismos de seletividade que acometem principalmente
pretos e pardos, em relação aos brancos, no que diz respeito às desigualdades
educacionais.
A média de anos de estudo no Brasil, para as pessoas de 15 anos ou mais de
idade, de acordo com a PNAD de 2005, foi de 7,0 anos (ver tabela 18, abaixo).
Embora a variação por grupos de cor não tenha sido exorbitante, os brancos
apresentaram média superior à média nacional (7,9 anos), ao passo que pretos e
pardos tiveram média inferior à nacional, 6,2 e 6,0 anos de estudo,
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respectivamente. A média de anos de estudo por região, é maior para todos os
grupos de cor no Sudeste e menor no Nordeste. Mas que impacto a média de anos
de estudo tem efetivamente sobre as oportunidades de econômicas desses grupos?
Quando atentamos para a relação entre a média de anos de estudos das pessoas de
10 anos ou mais de idade que estavam ocupadas na semana de referência da
pesquisa (ver tabela 19) e a média de rendimentos dessas pessoas, percebemos
que brancos com uma média de 8,5 anos de estudos obtinham rendimentos médios
de 3,6 salários. E pretos e pardos com uma média de 6,4 anos, auferiam
rendimentos médios de 1,9 salários mínimos. Quer dizer, se a média de anos de
estudos tem implicações diretas sobre os ganhos auferidos pelos trabalhadores, e
se essa média é inferior para os pretos e pardos que para os brancos, pode-se
concluir que pretos e pardos numa escala socioeconômica, estão em níveis
inferiores aos brancos.
Tabela 18
Média de anos de estudo de pessoas de 15 anos ou mais, por grupos de cor e
região (2005)
Total
7 6,5 5,6 7,7 7,5 7,2
Brancos 7,9 7,5 6,6 8,3 7,8 8
Pretos 6,2 6,1 5,5 6,6 6,5 6,4
Pardos
6 6,2 5,2 6,7 6 6,7
Sudeste Sul Centro-OesteBrasil Norte Nordeste
FONTE: PNAD-2005
Tabela 19
Média de anos de estudo e rendimento mensal de todos os trabalhos de pessoas
de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, com
rendimentos, por grupos de cor e região (2005)
Média de anos de
estudo
Rendimento médio de todos
os trabalhos (em salários
mínimos)
Média de anos de
estudo
Rendimento médio de todos
os trabalhos (em salários
mínimos)
Brasil
8,5 anos 3,6 salários 6,4 anos 1,9 salários
Norte 7,9 anos 2,9 salários 6,4 anos 2,0 salários
Nordeste
7,1 anos 2,4 salários 5,4 anos 1,4 salários
Sudeste 9,1 anos 4,1 salários 7,2 anos 2,2 salários
Sul
8,3 anos 3,4 salários 6,5 anos 2,0 salários
Centro-Oeste 8,7 anos 4,2 salários 7,1 anos 2,5 salários
Brancos Pretos ou Pardos
FONTE: PNAD-2005
Das pessoas de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência, numa
comparação entre brancos e pretos ou pardos (ver tabela 20, abaixo), percebe-se
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que 25,3% dos brancos ocupados tinham até 4 anos de estudo. E 41,1% dos pretos
ou pardos ocupados também tinham até 4 anos de estudo. 23,2% dos brancos e
26,2% dos pretos ou pardos ocupados tinham de 5 a 8 anos de estudo. 31,8% dos
brancos e 26% dos pretos ou pardos ocupados tinham de 9 a 11 anos de estudo. E,
por fim, 19,1% dos brancos ocupados na semana de referência tinham 12 anos ou
mais de estudo, ao passo que apenas 6% dos pretos ou pardos ocupados nesta
semana tinham 12 anos ou mais de estudo. Esses dados nos indicam que a maior
proporção de pretos e pardos (41,1%) que está ocupada, tem até 4 anos de
instrução. Ao passo que a maior porcentagem dos brancos (31,8%) que está
ocupada tem de 9 a 11 anos de instrução. Trocando em miúdos, a maioria dos
pretos ou pardos ocupados está entre os menos instruídos, e a minoria deles entre
os mais instruídos. A porcentagem de ocupados pretos ou pardos vai diminuindo
conforme aumenta o número de anos de estudo. Só há mais pretos ou pardos que
brancos ocupados nas faixas dos com até 4 anos de estudo e dos com 5 a 8 anos de
estudo. Nas demais faixas de 9 a 11 anos e 12 anos ou mais de estudo, os brancos
representam a maioria dos ocupados.
Tabela 20
Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de
referência, por grupos de cor e anos de estudo (2005)
Até 4 anos 5 a 8 anos
9 a 11
anos
12 anos
ou mais Até 4 anos 5 a 8 anos
9 a 11
anos
12 anos
ou mais
25,3% 23,2% 31,8% 19,1% 41,1% 26,2% 26,0% 6,0%
Brancos Pretos ou Pardos
FONTE: PNAD-2005
Há um indicador que nos leva a pensar sobre a existência de preconceito
racial no país, e vale salientá-lo, ainda que este não represente o cerne de nosso
trabalho, que é o rendimento-hora do trabalho principal das pessoas de 10 anos ou
mais de idade ocupadas na semana de referência, por grupos de cor e anos de
estudo (PNAD-2005). A média de rendimentos ganhos por hora das pessoas
brancas ocupadas foi de 6,50 reais, ao passo que para pretos e pardos essa média
baixou para 3,50 reais (ver tabela 21, abaixo). Quando cortamos por anos de
estudo vemos que brancos e pretos ou pardos, mesmo com igual média de anos de
estudo apresentam rendimentos-hora diferentes. Dentre os brancos com até 4 anos
de estudo, a média de rendimento-hora é de 3,20 reais. No caso dos pretos ou
pardos, a media é de 2,30 reais. Essa média de rendimentos também é maior para
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os brancos nas demais faixas de anos de estudo (5 a 8, 9 a 11 e 12 anos ou mais).
Estes dados nos indicam que mesmo quando têm a mesma quantidade de anos de
estudo, brancos ganham mais que pretos ou pardos; que a média nacional de
rendimentos-hora para pretos ou pardos é quase a metade daquela dos brancos e
que a diferença entre rendimentos-hora de brancos e pretos ou pardos vai
aumentando na medida em que aumentam os anos de estudo. Se a média de anos
de estudo é igual para ambos os grupos de cor, e mesmo assim há diferença nos
rendimentos, podemos inferir daí duas possíveis causas: discriminação racial e/ou
qualificação educacional de pretos ou pardos inferior a de brancos. Se
trabalharmos com essa segunda possível causa podemos sugerir que a qualificação
de pretos e pardos é inferior porque eles representam a maioria nos estratos mais
pobres da população e que, portanto são dependentes da educação pública que,
por sua vez, teve sua qualidade medida pelo SAEB (2003 e 2005) como
insuficiente (para não dizer ruim) e “ineficaz justamente para os estudantes mais
carentes” (SAEB-2003-boletim 3º série). Mas isso veremos na próxima e última
seção deste trabalho.
Tabela 21
Rendimento-hora do trabalho principal das pessoas de 10 anos ou mais de idade,
ocupadas na semana de referência, por grupos de cor e anos de estudo (2005)
6,50 reais 3,20 reais 3,90 reais 5,40 reais 14,90 reais 3,50 reais 2,30 reais 2,90 reais 4,10 reais 10,70 reais
5 a 8
anosAté 4 anosTotal
5 a 8
anos
Brancos Pretos ou Pardos
9 a 11
anos
12 anos ou
maisAté 4 anosTotal
9 a 11
anos
12 anos
ou mais
FONTE: PNAD-2005
No que tange à distribuição do rendimento mensal familiar per capita das
pessoas de 10 anos ou mais de idade (com rendimentos) por grupos de cor,
percebemos que os brancos representam 26,5% dos 10% mais pobres da
população, ao passo que pretos ou pardos representam 73,5% desse contingente.
Se pegarmos os rendimentos mensais familiares per capita do 1% mais rico da
população brasileira veremos o contrário, que brancos são a esmagadora maioria
(88,4%) e pretos ou pardos uma pequena minoria de 11,6% da população maior
de 10 anos, com rendimentos. Percebe-se também que, numa divisão por decis
10
de renda mensal familiar per capita, conforme o aumento destes, a porcentagem
10
Decis são os valores que dividem uma série em 10 partes iguais. Sendo assim, como exemplo, o
1º decil equivale aos primeiros 10% da série.
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de pretos ou pardos vai diminuindo, ao contrário da de brancos, que vai aumento
progressivamente. (PNAD-2005). Nota-se também que a média de anos de estudo
vai aumentando conforme aumentam os decis de renda, o que nos indica que, se
brancos são maioria entre os decis superiores e pretos ou pardos maioria nos
inferiores, uma vez mais ratificamos a forte relação entre instrução e renda, e a
posição inferior de pretos ou pardos tanto no que diz respeito à renda mensal
familiar per capita, quanto ao grau de instrução. Essa é uma linha de
desigualdades que já passa pela questão racial, mas não nos aprofundaremos
muito mais nessa questão para não fugirmos do escopo do trabalho.
Um último aspecto a ser verificado nesta seção é a diferença entre estudantes
da rede pública e privada por quintos
11
de rendimento mensal familiar per capita.
Focaremos aqui no ensino médio e superior para termos uma noção do tamanho
do impacto da renda das famílias nas chances dos estudantes chegarem ao ensino
superior e, em que medida, estudar numa escola pública ou privada modifica essas
chances (ver tabelas 22 e 23, abaixo).
Dos alunos que estão cursando o ensino médio no Brasil, 7 milhões estão
matriculados na rede pública e 1,3 milhões na rede privada. Entre os que estudam
em escolas públicas 16,5% estão no 1º quinto de renda, 25,0% no 2º quinto,
24,6% no 3º, 23,1% no 4º e 10,8% estão no 5º quinto de renda mensal per capita.
O que indica que a minoria (10,8%) dos estudantes matriculados no ensino médio
em escolas públicas está entre o quinto de renda mensal per capita mais alto no
país. É preciso levar em consideração que aqui não se está fazendo distinção entre
escolas municipais, estaduais e federais. Podemos sugerir que desses 10,8% com
as maiores rendas, a maioria está matriculada nas escolas públicas chamadas de
excelência, as federais. Mas isso é apenas uma aposta. Dos matriculados no
ensino médio na rede pública, o Nordeste apresenta a maior percentagem de
pessoas nos dois primeiros quintis de renda e a menor no último quintil. As
menores percentagens nos dois primeiros quintis ficam com o Sul, assim como a
maior no último quintil.
11
Quintis são os valores que dividem uma série em 5 partes iguais. Sendo assim, como exemplo, o
1º quintil equivale aos primeiros 20% da série.
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Tabela 22
Estudantes da rede pública (2005)
quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto
Brasil 7 074 131 16,5 25 24,6 23,1 10,8 1 278 275 1,9 6 11,8 25,2 55,1
Norte
607 385 18,5 29,7 26,1 17,8 7,9 136 338 3,3 7,8 15,1 28,3 45,5
Nordeste 1 986 706 31,4 34,3 19,8 10,8 3,6 360 162 3,2 10,8 16,6 28 41,5
Sudeste 3 002 169 9,6 21 27,1 28,9 13,4 430 015 0,7 3,9 9,1 22,8 63,4
Sul 953 549 8,3 17 24,6 32,2 18 222 820 1,1 1,8 8,5 22,4 66,2
Centro-Oeste 524 322 11,6 21,9 27,2 26,4 12,9 128 940 1,8 5 9,7 27 56,4
Ensino Médio Ensino Superior
Distribuição percentual, por quintos de
rendimento mensal familiar per capita
Distribuição percentual, por quintos de
rendimento mensal familiar per capita
FONTE: PNAD-2005.
No que se refere aos 1,3 milhões de estudantes que cursam o ensino médio
em rede particular de ensino, pode-se dizer que 1,7% deles estão no 1º quinto de
renda, 5,7% estão no 2º quinto, 9,9% no 3º, 22,7% no 4º e 59,9% estão no 5º
quinto de renda mensal per capita. No caso do matriculados no ensino médio em
estabelecimento particular, nota-se que a maioria deles (59,9%) – mais da metade
– está no 5º quinto de renda mensal per capita e que apenas 1,7% deles estão no
1º quinto de renda mensal per capita, o mais baixo e aquele que apresenta maior
porcentagem dos matriculados no ensino médio em rede pública. Dos
matriculados no ensino médio da rede particular o Nordeste apresenta a maior
porcentagem de pessoas nos quatro primeiros quintis de renda e a menor no
último quintil. A menor porcentagem no primeiro quintil fica para o Sul assim
como a maior porcentagem no último quintil de renda familiar per capita.
Tabela 23
Estudantes da rede particular (2005)
quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto quinto
Brasil 1 177 112 1,7 5,7 9,9 22,7 59,9 3 665 361 1 2,4 7,9 22,9 65,9
Norte
69 199 2,8 7,4 16,1 21,9 51,7 165 789 2,7 4,3 11,2 22,2 59,6
Nordeste 278 885 4,2 10,9 17,8 26,9 40,1 523 284 2,1 5,3 12,1 25,7 54,8
Sudeste 570 234 0,9 3,6 7,2 21,5 66,7 1 925 977 0,6 1,7 7 22,4 68,2
Sul 163 062 0,5 5 4,5 21,1 68,8 710 430 0,7 1,8 6,4 23,3 67,8
Centro-Oeste 95 732 0,6 3,2 8 20,9 67,4 339 881 1 2,1 7,8 20,5 68,6
Ensinodio Ensino superior
Distribuição percentual, por quintos de
rendimento mensal familiar per capita
Distribuição percentual, por quintos de
rendimento mensal familiar per capita
FONTE: PNAD-2005.
Pode-se concluir, com base nos dados citados acima, que a maioria dos
estudantes matriculados no ensino médio público tem as menores rendas mensais
per capita, ao passo que aqueles que possuem as maiores rendas estão
matriculados no ensino particular. Podemos ir mais além e argumentar que, se
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pretos ou pardos representam a maioria nos menores quintis de renda, eles são
também maioria no ensino público cursando o ensino médio, mas dada sua média
baixa de instrução nesses quintis, pode-se talvez sugerir que é a minoria branca
dentro desses quintis que representa a maior parte desses estudantes (PNAD-
2005). Se pudéssemos comprovar essa hipótese, poderíamos relacionar esse fato a
uma possível maior taxa de reprovação ou abandono entre pretos ou pardos, em
relação aos brancos, o que explicaria sua baixa média de instrução, mesmo sendo
maioria entres os estratos mais pobres e, sendo estes estratos os mais
representativos no ensino médio da rede pública escolar.
Passemos ao ensino superior. 1,3 milhões dos estudantes que estão no ensino
superior estudam na rende pública e outros 3,7 milhões estudam na rede
particular. Dos que cursam o ensino superior em rede pública (ver tabela 22) de
ensino, 1,9% estão no 1º quinto de renda, 6,0% estão no 2º quinto, 11,8% no 3º,
25,2% no 4º e 55,1% estão no 5º quinto de renda mensal per capita. (PNAD-
2005).
Dentre os que estudam em rede particular de ensino (ver tabela 23), 1,0%
está no 1º quinto de renda, 2,4% estão no 2º quinto, 7,9% no 3º, 22,9% no 4º e
65,9% estão no 5º quinto de renda mensal per capita. No caso dos matriculados
no ensino superior, pode-se dizer que a distribuição por renda mensal per capita
segue um padrão semelhante na percentagem das pessoas por quintos de renda em
ambos os tipos de instituições de ensino. Estando a minoria – nos ensinos público
e particular – no 1º quinto de renda (1,9%) e (1,0%) respectivamente, e a grande
maioria (55,1%) e (65,9%) respectivamente, no último quinto de renda. O que nos
indica que a maioria das pessoas que cursa o ensino superior está nos quintis de
renda mais altos da população. E aqueles que têm as menores rendas mensais per
capita estão em menor percentagem no ensino superior, tanto no público quanto
no particular, indicando um gargalo para ingresso nesse nível de ensino,
determinado em grande parte pela desigualdade de renda da população. Mais uma
vez atentamos para sub-representação de pretos ou pardos – dada sua maioria
percentual entre os com menores rendimentos – no ensino superior, demonstrando
que estamos muito distantes daquele tipo de sociedade minimamente igualitária
idealizado no início desta seção (PNAD-2005).
Se há, portanto, uma relação direta entre a média de instrução e média de
rendimentos, com base nesses últimos dados podemos afirmar, com segurança,
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que os pretos e pardos representam a maioria dos trabalhadores com os menores
rendimentos, uma vez que têm as menores médias de instrução. O fato de
representarem a maior parte dos mais desfavorecidos, do ponto de vista dos
rendimentos, pode tanto nos indicar que em razão de suas condições
socioeconômicas terão menores oportunidades educacionais, quanto que sua
posição socioeconômica advém exatamente do fato de terem tido suas
oportunidades educacionais cerceadas – ou por terem sido obrigados a trabalhar
e/ou estudar, ou por não se sentirem motivados pela família e/ou pela instituição
de ensino a prosseguir nos estudos, dadas as várias deficiências desse ensino, ou
mesmo por não conseguirem “acompanhar” o ensino ofertado. As duas
possibilidades são perfeitamente viáveis e se interpenetram uma vez que, tanto a
educação é importante para aquisição de melhores ocupações e rendimentos,
quanto a renda é um determinante importante para o prosseguimento dos estudos,
como apontam Hasenbalg (2003) e Schwartzman (2004).
Não obstante as duas possibilidades delineadas acima se interpenetrem e se
desenvolvam como em um ciclo, parte-se neste trabalho da hipótese de que o
impacto da renda das famílias sobre o desempenho escolar de seus filhos contribui
para a reprodução das desigualdades fora do ciclo escolar, porque a qualidade do
ensino ofertado é deficitária e, nesse sentido, incapaz de compensar as
desigualdades externas ao sistema escolar. E não o faz, ainda segundo nossa
hipótese, porque o ensino ofertado, além de ser ainda precário do ponto de vista
de sua estrutura, é equivocado ao tratar a todos sob o véu de uma “igualdade
formal” (BOURDIEU, 2005) que inexiste na realidade. As desigualdades ou
defasagens exteriores ao sistema escolar devem ser incorporadas por este sistema
para que os alunos possam efetivamente participar do processo educacional,
possam efetivamente se sentir motivados a freqüentar este ensino e, sobretudo, se
sentir representados nele. Diante da grande diversidade cultural existente no país,
e sendo a educação não só um correlato importante das desigualdades
socioeconômicas, mas também um elemento importante para formação e
transformação da cultura cívica nacional, assim como fundamental para o
exercício da cidadania, ela definitivamente não pode negligenciar a diversidade
cultural do país e as desigualdades que acompanham essas diferenças.
Chamamos a atenção aqui, portanto, para dois condicionantes da
seletividade do ensino: um externo, outro interno. Um importante condicionante
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externo da seletividade do ensino é a desigualdade de renda. Esta, de acordo com
Nelson do Valle (SILVA, 2003), vai tendo mais importância para a continuação
dos estudos na medida em que os níveis de ensino vão aumentando. Sendo assim,
esta pode ser uma boa explicação para a maior percentagem de brancos com mais
anos de estudos que pretos ou pardos, sobretudo, no nível superior. Sem entrar na
questão da existência ou não de discriminação racial direta, pode-se dizer que, se a
renda é um condicionante de peso para determinar os sucesso ou fracasso escolar,
os pretos ou pardos são mais atingidos por esse determinante do que os brancos,
dado que representam a maioria nos estratos mais pobres e a minoria nos mais
ricos.
Pode-se argumentar também que essa desigualdade existente antes da
entrada dos indivíduos no ciclo escolar é mais sentida na rede pública de ensino,
dado que a maioria dos que freqüentam essa rede é constituída dos mais pobres da
população – pobres estes que, como bem afirmou DaMatta (1994-1998), são
fortemente caracterizados por sua dependência dos serviços públicos ofertados
pelo Estado, neste caso, a educação. E em sendo eles menos favorecidos, do ponto
de vista dos rendimentos, terão suas chances de êxito e conclusão do curso básico
minoradas (dado a probabilidade de evasão maior entre os com menores
rendimentos) e, como provável conseqüência, também limitadas a suas liberdades
de escolha profissional, configurando, assim, a naturalização das desigualdades no
interior do ciclo escolar, e fora dele, quando estas se apresentam expressas nas
desigualdades ocupacionais.
Quer dizer, se os mais pobres são os pretos ou pardos e estes são maioria nas
escolas públicas – cuja qualidade é questionável – eles serão os que apresentarão
as maiores dificuldades para conclusão do ensino básico e para cursar o ensino
superior, haja vista a maior probabilidade de evasão e repetência entre os com
menores rendimentos. E, quando no mercado de trabalho, em razão da baixa
escolaridade ou da ineficiente capacitação conseguida mediante uma educação
deficitária, estes terão os menores rendimentos, contribuindo, assim, para
reprodução do ciclo de desigualdades no Brasil, que tem seu início e fim,
sucessivamente, na educação escolar.
Para além da existência desse condicionante exterior ao ciclo escolar,
trabalharemos com um outro mecanismo de seleção interno a este ciclo, que,
segundo nossa hipótese acaba contribuindo ainda mais – ainda que de maneira
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velada – para a naturalização das desigualdades socioeconômicas no interior deste
e para sua reprodução fora dele. Um mecanismo que está ligado à questão da
diversidade cultural. Podemos tratar da questão da diversidade cultural sob vários
aspectos, como por exemplo, a partir de diferenças relativas à cor ou raça dos
indivíduos, à região de moradia, ao gênero, à etnia, à religião, à orientação sexual,
etc. Neste trabalho, estamos focando em um de seus aspectos, qual seja, o das
diferenças relativas à cor ou raça dos indivíduos. Nesse sentido, quando
salientamos para a possível existência de um mecanismo seletivo interno ao
sistema de ensino e que este está ligado à questão da diversidade cultural, estamos
nos referindo à presença de uma cultura dominante no currículo e na própria
prática escolar.
Se a cultura dominante implícita na prática pedagógica é a cultura de
valorização de uma cor/raça em detrimento das demais – no caso a branca em
detrimentos das preta, parda, amarela e indígena – os demais grupos culturais, ao
não se sentirem representados e, sobretudo, ao terem de “acompanhar” essa
cultura, acabam sendo desestimuladas por contas das enormes dificuldades
(handcaps de capital social e cultural – Bourdieu, 2005) em prosseguir nos
estudos, e mais aptos, portanto, a abandonar o a escola. Trocando em miúdos, é
sob a aparência de igualdade na forma do acesso à cultura, e na própria forma
como é representada a cultura dentro dos muros escolares que mais se legitima o
“poder” da escola de legitimar desigualdades. Ao tratar dessa questão da
reprodução das desigualdades sociais no interior do ciclo escolar, Bourdieu (2005)
chega à conclusão de que a seleção sofrida durante o percurso escolar, pautada
pelas origens sociais, é desigualmente severa e que seu peso recai com muito mais
força sobre os menos favorecidos. As vantagens e desvantagens sociais, portanto,
convertem-se em vantagens e desvantagens escolares para esses grupos,
aumentando o grau de sua eliminação e diminuindo suas chances de ascensão
social. O que quer dizer que “as cartas são jogadas muito cedo” (idem, p. 52) e se
refletem ao longo prazo no acesso ao ensino superior e nas chances de ser
incorporado ao mercado de trabalho.
Quanto a essas dificuldades de prosseguir nos estudos, elas estão ligadas a
diferenças no capital social herdado de suas famílias, no capital econômico e no
capital cultural “dominado” por esses alunos. E é essa ideologia da igualdade
formal encontrada logo na chegada do aluno ao sistema de ensino que já desiguala
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os indivíduos e os distanciam cada vez mais da possibilidade de concluir o ensino
básico e ingressar no ensino superior. E uma vez fora da escola e no mercado de
trabalho, em não sendo qualificados o suficiente para as demandas deste, em razão
da baixa escolaridade ou mesmo pela fraca qualidade do ensino que os capacita de
forma ineficaz (como afirma o próprio órgão avaliador da educação básica no
Brasil, o SAEB), estarão quase sempre em desvantagem para competir por uma
vaga no mercado de trabalho, quiçá por uma ocupação melhor remunerada. Daí o
ciclo das desigualdades se fecha e retoma seu caminho cíclico. Pois serão os filhos
destes mais afetados por essas desigualdades socioeconômicas e educacionais que
também terão as piores condições iniciais e, por sua vez, reproduzirão o caminho
trilhado pelos pais; salvo exceções individuais que não são devidas à melhoria da
qualidade do ensino, tampouco por uma diminuição das desigualdades ou de seus
efeitos diretos.
Pode-se falar da questão da diversidade cultural, da cultura dominante
também em um aspecto regional; quer dizer, o currículo dominante é aquele
comum para todas as regiões (segundo a LDB-1996), mas que, no geral, reflete
apenas a cultura das regiões mais desenvolvidas, no caso o Sudeste, estando São
Paulo e Rio de Janeiro na dianteira dessa máquina de exportação cultural para os
demais estados e regiões do país.
Para terminarmos esta seção, e após termos identificados dois dos possíveis
condicionantes (um externo e outro interno) das desigualdades educacionais
encontradas no ensino público brasileiro, precisamos salientar que para que a
escola possa efetivamente contribuir para a diminuição das desigualdades, ela
deve, desde o início, levar em conta as diferenças (e defasagens) culturais de seus
alunos e atentar para as desigualdades existentes para não legitimá-las e/ou
reproduzi-las (BOURDIEU, 2005), sejam estas desigualdades de capital
econômico, social ou cultural. Caso contrário, como já dissemos anteriormente, ao
tratar todos os educandos de forma igual, ignorando suas diferenças
socioeconômicas e culturais, que se expressam por meio de diferenças no acesso
ao conhecimento (ao saber) e em sua apreensão, a escola acaba por corroborar as
desigualdades iniciais relativas à cultura e reproduzi-las ao longo do percurso
escolar. É o que vai ser reforçado mediante a análise dos dados do Sistema de
Avaliação da Educação Básica no Brasil, o SAEB.
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2.2. Sobre a qualidade da educação no país: resultados ainda
“críticos”.
A título de esclarecimento, o SAEB, Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica, promove pesquisas de 2 em dois anos desde 1995, com o intuito
de avaliar a qualidade do desempenho dos alunos da educação básica no país. O
SAEB busca avaliar a qualidade do desempenho mediante exames de proficiência
em Língua Portuguesa e Matemática, feitos com alunos da 4ª e 8ª séries do ensino
fundamental e 3ª série do ensino médio. São examinados alunos de escolas
urbanas e rurais, particulares e públicas; entre estas, as municipais, estaduais e
federais; e são feitos recortes por regiões e estados no país. Dos exames resultam
médias relativas ao desempenho dos alunos quanto à aquisição de conhecimentos
nessas matérias, que são classificados por estágios: Muito Crítico, Crítico,
Intermediário, Adequado e Avançado. Esses estágios buscam medir, em língua
portuguesa, a “construção de competências e desenvolvimento de habilidades de
leitura de textos de gêneros variados em cada um dos estágios para a 4ª série do
ensino fundamental”, e em matemática, a “construção de competências e
desenvolvimento de habilidades na resolução de problemas em cada um dos
estágios para a 4ª série do ensino fundamental” (SAEB-2003-boletim-4ºsérie)
12
.
Para avaliar o desempenho dos alunos de acordo com a classificação
mencionada acima, o SAEB se baseia numa escala única de desempenho, que em
Língua Portuguesa vai de 125 a 375, e em Matemática, de 125 a 425 pontos.
O que faremos na última seção deste capítulo será, a partir dos dados do
SAEB, fornecer um panorama geral da qualidade da educação ofertada no país,
recorrendo para isso, às médias de desempenho dos alunos de 1995 e 2005,
buscando, com isso, avaliar se a evolução da qualidade da educação no país está
correspondendo aos avanços quantitativos que vem sendo alcançados por essa
educação.
Vale ressaltar que a variação das taxas de rendimento e movimento escolar
entre 1999 e 2004 – aprovação, reprovação, afastamento por abandono e
conclusão – tratadas em seção anterior, já nos apontam para a existência de um
certo déficit qualitativo na educação. E a variação de outros indicadores, no
12
Ver tabelas com definições dos estágios ao final do capítulo.
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âmbito Nacional, como as taxas de matrícula, de analfabetismo e analfabetismo
funcional, que foram apresentadas como positivas de 2000 para 2005, se cortadas
por regiões, retratam as enormes desigualdades entre elas, o que sugere, para além
de um reflexo dessas desigualdades regionais nos resultados educacionais, uma
diferenciação na qualidade da educação ofertada de acordo com as regiões do
Brasil. Outro indicador apresentado anteriormente, e que também nos aponta para
um possível déficit de qualidade educacional, é o das defasagens série/idade dos
alunos matriculados tanto no ensino fundamental quanto no médio.
O que se pretende com a análise dos dados oferecidos pelo SAEB, portanto,
é conferir legitimidade à premissa de que apesar das melhorias sentidas no campo
educacional sob uma perspectiva quantitativa, a qualidade da educação pública no
país ainda se mostra deficitária, isto é, insuficiente para desenvolver nos
educandos habilidades e competências requeridas pelos níveis de ensino, e, como
conseqüência, insuficiente para prepará-los efetivamente para exercer uma
profissão e despertá-los para o exercício da cidadania.
Voltemos aos dados do SAEB. Para efeito de melhor organização
dividiremos a análise dos dados (ou notas dos alunos) por série do ensino.
Começaremos verificando o desempenho dos alunos na 4ª série do ensino
fundamental, passaremos depois para a 8ª série e só então partiremos para o 3º ano
do ensino médio.
Vamos à 4ª série. Em língua portuguesa as médias de desempenho dos
alunos em 1995 e 2005 foram, respectivamente, 183.3 e 172.3 (ver tabela 24,
abaixo). Essa diminuição nos indica que o nível de desempenho piorou.
Entretanto, se pegarmos os resultados de 1997, 1999, 2001 e 2003, para compará-
los a 1995 e 2005, percebemos que as médias de desempenho vinham caindo
continuamente de 1995 a 2003. De 2003 para 2005 é que houve um aumento da
média, que subiu de 169.4 para 172.3 (SAEB-2005).
Tabela 24
Médias de proficiência dos alunos avaliados em língua
portuguesa e matemática na 4ª série do Ensino Fundamental
Disciplina 1995 1997 1999 2001 2003 2005
Português
Matemática
190.6 190.8 181.0 176.3 177.1 184.4
169.4 172.3188.3 186.5 170.7 165.1
FONTE: SAEB-2005.
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De acordo com a classificação por estágios realizada pelo SEAB – Muito
Crítico, Crítico, Intermediário, Adequado e Avançado – a média de desempenho
para os alunos de língua portuguesa em 1995 foi considerada intermediária, e
apesar da pequena melhora sentida de 2003 para 2005, neste último ano ela fora
classificada como crítica. Em Matemática, assim como em língua portuguesa, as
médias também decaíram de 1995 (190.6) para 2005 (184.4), seguindo um padrão
parecido de variação nos anos intermediários. Para estes alunos, apesar da
diminuição da média de desempenho de 1995 para 2005, ela continuou sendo
classificada como intermediária (idem).
Mas, afinal, o que significa ser classificado em estágios intermediário e
crítico? No que diz respeito à língua portuguesa, a média de desempenho ter
baixado do nível intermediário para o crítico indica que a média dos alunos que,
em 1995, estava “começando a desenvolver as habilidades de leitura, mas ainda
aquém do nível exigido para a série”, em 2005 refletiu a existência de leitores
não competentes “que lêem de forma truncada, apenas frases simples”. Por isso o
estágio é crítico. No caso da matemática, estar num nível intermediário significa
que a média dos alunos é capaz de desenvolver
“algumas habilidades de interpretação de problemas, porém insuficientes
ao esperado para os alunos da 4ª série”, isto é, eles “identificam, sem
grande precisão, até duas operações e alguns elementos geométricos
envolvidos no problema”. (SAEB-2003-boletim-4ºsérie).
Como a avaliação de 1995 inclui escolas urbanas e rurais; particulares,
públicas municipais, estaduais e federais, numa mesma média de desempenho; e a
de 2005 trabalha alternando esses indicadores, para efeito de comparação mais
precisa, faremos as comparações por regiões, assim como aquelas referentes à
diferença de médias entre escolas públicas e privadas, utilizando dados do SAEB
de 2003 referentes aos resultados de 2001.
Num corte por região, notamos que, em 1995, as médias de desempenho dos
alunos em língua portuguesa (ver tabela 25, abaixo) foram classificadas como
críticas no Norte e intermediárias nas demais regiões, ao passo que, em 2001, a
média de desempenho piorou em todas as regiões, embora tenha continuado
crítica no Norte e intermediária no Sul e Sudeste. O Nordeste e Centro-Oeste
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tiveram os resultados mais alarmantes, dado que passaram do estágio
intermediário para o crítico (idem).
Em matemática (ver tabela 26), as médias também baixaram em todas as
regiões de 1995 para 2001. Entretanto, Norte, Sudeste, Sul e Centro-Oeste
permaneceram no mesmo estágio classificatório, crítico no Norte e intermediário
nas demais regiões. Mais uma vez o Nordeste teve sua média de desempenho
piorada e uma queda de estágio, passando do intermediário para o crítico (idem).
Tabela 25
Médias de desempenho e estágios de construção de competências para a 4ª série
do ensino fundamental, em língua portuguesa – Brasil e Regiões
Média Estágio Média Estágio
Brasil
188.3 Intermediário 165.1 Crítico
Norte
172.6 Crítico 156.9 Crítico
Nordeste
178.0 Intermediário 146.9 Crítico
Sudeste
194.9 Intermediário 178.8 Intermediário
Sul
191.4 Intermediário 175.9 Intermediário
Centro-Oeste
193.4 Intermediário 164.4 Crítico
1995 2001
FONTE: SAEB-2003.
Tabela 26
Médias de desempenho e estágios de construção de competências para a 4ª série
do ensino fundamental, em matemática – Brasil e Regiões
Média Estágio Média Estágio
Brasil
190.6 Intermediário 176.3 Intermediário
Norte
174.5 Crítico 163.6 Crítico
Nordeste
179.5 Intermediário 158.7 Crítico
Sudeste
198.5 Intermediário 189.8 Intermediário
Sul
192.3 Intermediário 188.1 Intermediário
Centro-Oeste
193.9 Intermediário 175.7 Intermediário
1995 2001
FONTE: SAEB-2003.
Quanto às médias de desempenho dos alunos matriculados na 4º série do
ensino fundamental no ensino público e particular, em 2001, percebeu-se que,
tanto em língua portuguesa quanto em matemática, o desempenho dos alunos foi
substancialmente melhor na rede particular que na pública e em todas as regiões
do Brasil. As tabelas 27 e 28, abaixo, nos mostram com filigranas essas variações.
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87
Tabela 27
Médias de desempenho em língua portuguesa para a 4ª série do ensino
fundamental (2001)
Rede Pública Estágio Rede Particular Estágio
Brasil 159,9 Crítico 209,2 Intermediário
Norte 154,2
Crítico
194,9 Intermediário
Nordeste 141,9
Crítico
194,1 Intermediário
Sudeste
172,9
Crítico
218,7 Intermediário
Sul 171,8
Crítico
215,7 Intermediário
Centro-Oeste
159
Crítico
208,1 Intermediário
FONTE: SAEB-2003
Tabela 28
Médias de desempenho em matemática para a 4º série do ensino fundamental
(2001)
Rede Pública Estágio Rede Particular Estágio
Brasil
170,8
Crítico
221,8 Intermediário
Norte 160,9
Crítico
202,6
Crítico
Nordeste
153,8
Crítico
205,5
Crítico
Sudeste 183,6
Intermediário
232,1
Intermediário
Sul 183,8
Intermediário
229,9
Intermediário
Centro-Oeste
170 Crítico 222,4
Intermediário
FONTE: SAEB-2003
Uma análise geral destas tabelas nos mostra que, tanto em língua portuguesa
quanto em matemática, todos os resultados da rede pública foram inferiores às
médias de desempenho totais, e os da rede privada foram superiores. Isso nos
indica que o déficit qualitativo concernente ao desempenho dos alunos medido
pelo SAEB é muito maior na rede pública que na privada. Cortando por regiões,
em língua portuguesa, os melhores resultados ficam com o Sudeste e os piores
com o Nordeste, tanto na rede pública quanto na particular. Em matemática, o pior
resultado na rede pública fica para o Nordeste e o melhor para o Sul; ao passo que
na rede particular, os melhores ficam com o Sudeste e os piores com o Norte.
Esses resultados nos indicam que as desigualdades regionais se refletem
claramente nas desigualdades educacionais e que, portanto, quanto mais pobres e
menos desenvolvidas são as regiões, piores são as médias de desempenho dos
alunos (SAEB-2003-boletim-4ªsérie).
Passemos, então, à 8ª série do ensino fundamental. Segundo o SAEB (2005),
numa comparação entre os anos de 1995 e 2005, tanto em língua portuguesa como
em matemática, verificou-se uma diminuição nas médias de desempenhos dos
alunos (ver tabela 29, abaixo). Em língua portuguesa, a média diminuiu de 256.1
em 1995, para 231.9 em 2005. Não obstante a diminuição das médias, o estágio
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88
permaneceu o mesmo – intermediário. Em matemática, as médias também
diminuíram de 253.2 em 1995, para 239.5 em 2005. Quanto ao estágio em que se
encontram esses alunos, pode-se dizer que a variação encontrada nas médias de
proficiência em matemática não resultou em mudança de estágio, e que a média
da maioria ainda permanece no estágio crítico. Seguindo a própria definição de
estágios elaborada pelo SAEB, estar no nível intermediário em língua portuguesa
significa que esses alunos “desenvolveram algumas habilidades de leitura, porém
insuficientes para o nível de letramento da 8ª série (gráficos e tabelas simples,
textos narrativos e outros de baixa complexidade)”
13
(SAEB-2005).
Tabela 29
Médias de proficiência dos alunos avaliados, em língua portuguesa
e matemática, na 8ª série do ensino fundamental
Disciplina 1995 1997 1999 2001 2003 2005
Português
Matemática
253.2 250.0 246.4 243.4 245.0 239.5
232.0 231.9256.1 250.0 232.9 235.2
FONTE: SAEB-2005.
No que diz respeito aos dados do SAEB de 2003 disponibilizados para
análise, em 2001, a média de proficiência em língua portuguesa ficou em 235.2 –
também no nível intermediário. E do total de alunos que fez o exame de
qualificação (ver tabela 30, abaixo), a maioria deles, 64,8%, foi enquadrada nesse
estágio intermediário, ao passo que apenas 10,2% ficou no estágio adequado, e
uma ínfima minoria (0,1%) foi considerada em estágio avançado neste nível.
20,1% dos alunos avaliados ficaram no estágio crítico e 4,9% no estágio muito
crítico. Se fizermos um corte por região (ver tabela 31), perceberemos que em
todas as regiões a maioria dos alunos se encontra no nível intermediário e uma
ínfima minoria no avançado. Entretanto, a maior porcentagem das médias
consideradas em nível crítico e muito crítico se encontra no Nordeste, donde
26,3% estão em estágio crítico e 7,3% em muito crítico. Por outro lado, o Sul
apresenta o menor percentual de alunos em nível crítico (13,6%) e muito crítico
(2,5%) (idem).
13
Ver tabelas com definições dos estágios ao final do capítulo.
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89
Tabela 30
Distribuição de alunos nos estágios de construção de competências
em língua portuguesa, na 8ª Série do ensino fundamental (2001)
Estágio População %
Muito crítico 146.040 4,9%
Crítico 602.904 20,1%
Intermediário 1.944.369 64,8%
Adequado
307.056 10,2%
Avançado 1.903 0,1%
Total
3.002.272 100,0%
FONTE: SAEB-2003.
Tabela 31
Percentual de alunos nos estágios de construção de competências língua
portuguesa, na 8ª Série do ensino fundamental (2001)
Estágio Brasil Norte
Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Muito crítico 4,9% 4,1%
7,3% 4,6% 2,5% 3,0%
Crítico 20,1% 22,7%
26,3% 18,2% 13,6% 19,0%
Intermediário 64,8% 68,0%
60,6% 64,0% 71,4% 69,5%
Adequado
10,2% 5,2%
5,8% 13,1% 12,5% 8,5%
Avançado 0,1% 0,1%
0,1% 0,1% 0,1% 0,1%
FONTE: SAEB-2003.
No que tange ao ensino de matemática, ser considerado em estágio crítico na
matéria significa dizer que esses alunos, também na 8º série do ensino
fundamental,
“Desenvolveram algumas habilidades elementares de interpretação de
problemas, mas não conseguem transpor o que está sendo pedido no
enunciado para uma linguagem matemática específica, estando, portanto,
aquém do exigido para a 8ª série (resolvem expressões com uma incógnita,
mas não interpretam os dados de um problema fazendo uso de símbolos
matemáticos específicos; desconhecem as funções trigonométricas para
resolução de problemas)” (SAEB-2003-boletim-8ªsérie).
Em 2001, de acordo com o SAEB (2003), a média de proficiência em
matemática ficou em 243.4 – estágio crítico. Do total de alunos avaliados pelo
exame de qualificação (ver tabela 32, abaixo), 51,7% ficou neste nível, 6,7% no
nível muito crítico e apenas 2,7% foram considerados em estágio adequado. Num
recorte por região (ver tabela 32), percebe-se que, com exceção da região Sul onde
a maior percentagem das médias ficou no nível intermediário, as demais regiões
seguiram o estágio nacional, permanecendo no estágio crítico, no exame de
qualificação em matemática. Assim como no exame de língua portuguesa, em
matemática o Nordeste também apresentou a maior percentagem dos que foram
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90
considerados em estágio muito crítico (10,5%) e o Sul a menor percentagem
(2,8%) (idem).
Tabela 32
Distribuição de alunos nos estágios de construção de competências
em matemática, na 8ª Série do ensino fundamental (2001)
Estágio População %
Muito crítico 19.021 6,7%
Crítico 423.750 51,7%
Intermedrio 849.276 38,9%
Adequado
55.430 2,7%
Avançado 4.215 0,1%
Total
1.351.692 100,0%
FONTE: SAEB-2003. Crítico 4,86 4,06 7,30 4,58 2,47
2,9
Tabela 33
Percentual de alunos nos estágios de construção de competências em
matemática, na 8ª Série do ensino fundamental (2001)
Estágio Brasil Norte
Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste
Muito crítico 6,7% 7,3%
10,5% 5,8% 2,8% 4,7%
Crítico
51,7% 59,6%
60,1% 48,1% 43,1% 52,7%
Intermediário 38,9% 32,5%
28,0% 42,1% 51,5% 40,6%
Adequado 2,7% 0,6%
1,3% 3,9% 2,5% 2,0%
Avançado
0,1% 0,0%
0,1% 0,2% 0,1% 0,1%
FONTE: SAEB-2003.
O SAEB disponibilizou também um quadro comparativo entre as médias de
proficiência dos alunos por matrícula em ensino público e particular, em ambas as
matérias. Pode-se notar, seguindo o mesmo padrão dos resultados para a 4º série,
que as médias de proficiência são maiores nas escolas particulares que nas
públicas em todas as regiões do Brasil, tanto em matemática quando em língua
portuguesa. A média de desempenho nacional total de língua portuguesa em 2001
– como já fora citado anteriormente (ver tabela 29) – ficou em 235.2. Já a média
para os matriculados em escolas públicas (ver tabela 34, abaixo) foi inferior a esta,
sendo de 228.7, ao passo que a média em escolas particulares ficou em 282.0, um
número superior ao da média nacional. Tanto as médias referentes ao ensino
público quanto ao particular foram consideradas em um estágio intermediário.
Essa leitura pode ser transposta para todas as regiões do país, sendo no Nordeste
encontradas as menores médias, tanto nas instituições públicas quanto nas
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91
particulares – menores em relação às demais regiões e, inclusive, em relação à
média nacional. Em matemática, a média de desempenho nacional total em 2001
foi de 243.4 (ver tabela 29). A média em escolas particulares (ver tabela 35) ficou
em 301.1, ao passo que em escolas públicas ficou em 235.4. No que tange aos
estágios, a média das escolas particulares foi enquadrada num nível intermediário,
ao passo que a das escolas públicas ficou em um nível crítico. Cortando por
regiões, percebe-se que a menor média de desempenho em escolas públicas ficou
com o Nordeste (221.0) e a menor em escolas particulares foi encontrada no Norte
(277.9). Ambas as médias ficaram abaixo da média nacional para ambos os tipos
de instituição escolar.
Tabela 34
Médias de desempenho em língua portuguesa para a 8ª série do ensino
fundamental (2001)
Rede Pública Estágio Rede Particular Estágio
Brasil*
228.7 Intermediário 282.0 Intermediário
Norte 225.5 Intermediário 271.9 Intermediário
Nordeste
215.0 Intermediário 267.9 Intermediário
Sudeste 232.9 Intermediário 290.0 Intermediário
Sul 241.4 Intermediário 286.3 Intermediário
Centro-Oeste
231.6 Intermediário 280.7 Intermediário
FONTE: SAEB-2003.
* Média total para o Brasil: 235.2
Tabela 35
Médias de desempenho em matemática para a 8ª série do ensino fundamental
(2001)
Rede Pública Estágio Rede Particular Estágio
Brasil*
235.4 Crítico 301.1 Intermediário
Norte 227.8
Crítico
277.9 Intermediário
Nordeste
221.0
Crítico
283.3 Intermediário
Sudeste 240.3
Crítico
312.8 Intermediário
Sul 249.6
Crítico
302.1 Intermediário
Centro-Oeste
237.5
Crítico
301.0 Intermediário
FONTE: SAEB-2003.
* Média total para o Brasil: 243.4
A julgar pelos resultados dos exames de qualificação realizados pelo SAEB
e mencionados acima, pode-se dizer que a qualidade da educação ofertada no
Brasil é de baixa qualidade tanto na rede pública quanto na privada, mas
especialmente na rede pública. Pensar que mais de 64,8% dos alunos examinados
em língua portuguesa se encontram num estágio intermediário, e que 51,7% dos
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92
examinados em matemática foram qualificados como num nível crítico, dentre
outras coisas, nos revela o quão ineficiente e defasado é o ensino ofertado no
Brasil, dado que não possibilita à maioria esmagadora dos alunos as habilidades e
competências necessárias requeridas por suas séries; isso, tanto em língua
portuguesa quanto em matemática (SAEB-2003-boletim 8ªsérie). E mais, nos
revela que as desigualdades socioeconômicas existentes entre as regiões se
refletem nas médias de desempenho desses alunos, dificultando, dessa forma a
própria minoração dessas desigualdades, uma vez que a qualificação educacional
é um correlato importantíssimo dessas desigualdades. Com isso, podemos inferir
que alunos com perfis socioeconômicos piores tendem a ter os piores resultados
no que diz respeito às suas competências e habilidades e, como num ciclo, tendem
a ter minoradas suas chances de reverter esse quadro de desvantagem, haja vista
que terão menores oportunidades de alcançar postos de trabalho mais bem
remunerados. Terão também, se pensarmos na educação como um pré-requisito
para o exercício da cidadania, menores condições de participar ativamente da
sociedade da qual fazem parte.
Não obstante as desigualdades socioeconômicas se reflitam nas
desigualdades educacionais, no geral, todos os alunos de todas as regiões, mesmo
aqueles com perfil socioeconômico mais abastado, nas regiões mais
desenvolvidas, estão concluindo o ensino fundamental sem as competências e
habilidades necessárias, o que nos indica que o ensino em todo o Brasil ainda é
precário, do ponto de vista qualitativo. Nas próprias palavras do relatório do
SAEB, o ensino ofertado no Brasil nos revela
“uma ampla maioria de estudantes para a qual os oito anos formais de
escolaridade não se traduzem no conteúdo cognitivo adequado e necessário
para dotar o cidadão de instrumentos para prosseguir nos níveis superiores
de educação formal ou mesmo buscar o ensino técnico para melhor
inserção no mundo do trabalho” (SAEB-2003-boletim-8ªsérie).
Chegamos, então, à 3º série do ensino médio. Infelizmente, os dados nos
apresentam um quadro não muito diferente daquele encontrado na 4ª e 8ª série do
ensino fundamental. Vejamos, então, o que eles nos revelam. O exame de
qualificação aplicado pelo SAEB visa, assim como na 4ª e 8ª séries, auferir quanto
os estudantes, já no último ano do ensino médio, conseguiram agregar de
conhecimento. É um exame, portanto, que mede não só o quanto o aluno agregou
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93
de conhecimento nos três anos desse segmento, mas, de certa forma, em todo o
ciclo escolar. De antemão, e a julgar pelas médias de desempenho na 4ª e 8ª séries
do ensino fundamental, não se pode esperar um panorama muito positivo da
avaliação dos alunos matriculados na 3ª série do ensino médio.
De acordo com o relatório do SAEB de 2005, numa comparação entre as
médias de desempenho dos alunos desde 1995 até 2005 (ver tabela 36, abaixo),
podemos perceber que tanto em língua portuguesa quanto em matemática, houve
uma diminuição na média de desempenho dos alunos de 1995 para 2005. Em
língua portuguesa essa média veio baixando progressivamente de 1995 (290.0) a
2001, sofrendo um pequeno aumento em 2003, e decrescendo novamente em
2005, quando ficou em 257.6. Em matemática a média também diminuiu de 281.9
em 1995, para 271.3 em 2005, entretanto, subiu de 1995 para 1997, baixou de
1997 para 2001, subiu um pouco em 2003, e baixou novamente em 2005. Apesar
das pequenas variações nesses anos intermediários, em ambas as matérias, as
médias de português permaneceram no estágio intermediário e as de matemática
no estágio crítico, seguindo o mesmo padrão das avaliações paras as séries
anteriores (SAEB, 2005).
Tabela 36
Médias de Proficiência dos alunos avaliados em língua portuguesa e
matemática, na 3ª série do Ensino Médio
Disciplina 1995 1997 1999 2001 2003 2005
Português
Matemática 281.9 288.7 280.3 276.7 278.7 271.3
266.7 257.6290.0 283.9 266.6 262.3
FONTE: SAEB-2005.
Estar em um estágio intermediário em língua portuguesa, na 3ª série do
ensino médio, indica que esses alunos
“desenvolveram algumas habilidades de leitura, porém insuficientes para o
nível de letramento da 3º Série (textos poéticos mais complexos, textos
dissertativo-argumentativos de média complexidade, texto de divulgação
científica, jornalísticos e ficcionais; dominam alguns recursos lingüístico-
discursivos utilizados na construção de gêneros)”
14
.
Já em matemática, onde a média de desempenho dos alunos ficou em um nível
crítico, isso quer dizer que os alunos são capazes de desenvolver
14
Ver tabelas com definições dos estágios ao final do capítulo.
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94
algumas habilidades elementares de interpretação de problemas, mas não
conseguem transpor o que está sendo pedido no enunciado para uma
linguagem matemática específica, estando, portanto aquém do exigido para
a 3ª série do E.M. (construção, leitura e interpretação gráfica; uso de
algumas propriedades e características de figuras geométricas planas e
resolução de funções logarítmicas e exponenciais)” (SAEB, 2003-boletim-
3ªsérie).
Embora estejamos nos remetendo aos dados do SAEB de 2005, só
poderemos utilizá-los para fazer comparações entre as médias de proficiência
entre os anos de 1995 e 2005, pois ele não nos oferece uma análise relativa aos
estágios de competências dos alunos. Isso nós encontraremos no boletim do
SAEB de 2003 (com dados relativos a 2001) no qual teremos acesso às
porcentagens dos alunos em cada estágio de competência tanto no Brasil, quanto
nas regiões. Remeter-nos-emos, portanto, ao SAEB de 2003 para avaliar um
pouco da qualidade da educação ofertada para esses alunos do ensino médio,
assim como o fizemos quando tratamos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental.
Comecemos pelos dados mais gerais (ver tabela 37, abaixo). Em 2001, mais
da metade dos alunos examinados em língua portuguesa (52,5%) foram
considerados em estágio intermediário e uma grande percentagem deles (37,2%)
em estágio crítico. Num corte por regiões percebe-se que a maior percentagem dos
alunos em estágio crítico e muito crítico se encontram no Norte e no Nordeste,
tendo essas regiões também as piores percentagens nos estágios intermediário e
adequado. Por outro lado, Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentam as maiores
percentagens nos níveis intermediário e adequado, e as menores nos estágios
crítico e muito crítico. Nenhuma surpresa nesses dados. Eles, mais uma vez, e
seguindo o mesmo padrão da avaliação das séries anteriores, apenas transportam
para dentro dos muros escolares as desigualdades socioeconômicas existentes no
Brasil.
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95
Tabela 37
Freqüência e percentual de alunos nos estágios de construção de competências
em língua portuguesa na 3ª série do Ensino Médio (2001)
Muito Crítico Crítico Intermediário Adequado
População Brasil 101.654 768.903 1.086.109 110.482
Brasil 4,9% 37,2% 52,5% 5,3%
Norte
7,0% 46,6% 43,9% 2,5%
Nordeste
7,6% 44,9% 44,3% 3,2%
Sudeste 4,2% 34,4% 55,0% 6,4%
Sul 3,0% 31,3% 59,4% 6,3%
Centro-Oeste 3,1% 33,0% 57,9% 6,0%
Estágio
FONTE: SAEB-2003.
Para matemática (ver tabela 38, abaixo), o cenário não é muito diferente,
mas é ainda um pouco mais alarmante porque pior. A grande maioria dos alunos
obteve um desempenho crítico (62,6%) na avaliação de matemática e apenas 6,0%
dos alunos tiveram um desempenho adequado. No que tange às diferenças
regionais, o Norte apresenta as maiores percentagens de alunos em estágio crítico
e muito crítico e as menores nos estágios intermediário e avançado, ao passo que
o Sul obteve resultados opostos. Assim como na avaliação do desempenho em
português, em matemática também os piores resultados são encontrados no Norte
e Nordeste e os melhores – ou menos piores – no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Tabela 38
Freqüência e percentual de alunos nos estágios de construção de competências
em Matemática, na 3ª série do Ensino Médio (2001)
Muito Crítico Crítico Intermediário Adequado
População Brasil 99.969 1.294.072 549.306 123.800
Brasil 4,8% 62,6% 26,6% 6,0%
Norte
6,8% 76,4% 14,5% 2,4%
Nordeste
6,6% 69,8% 19,0% 4,6%
Sudeste 4,7% 60,7% 27,8% 6,8%
Sul 2,4% 51,7% 38,8% 7,1%
Centro-Oeste 3,0% 58,7% 31,7% 6,6%
Estágio
FONTE: SAEB-2003.
O SAEB de 2003 nos traz ainda algumas informações importantes relativas
à variação do desempenho dos alunos nesta série, de acordo com suas condições
socioeconômicas, com o fato de trabalhar ou não, de estudar durante o dia ou à
noite, dentre outros fatores que nos permitem vislumbrar que há outros
indicadores externos, além dos internos ao processo de ensino-aprendizagem, que
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têm forte impacto sobre o desempenho desses alunos. Sobre isso, o SAEB nos
informa que em 2001, 76,0% dos alunos considerados em estágio muito crítico
estavam matriculados no ensino noturno, 96,0% deles estudavam em escolas
públicas, 48,0% estudavam e trabalhavam ao mesmo tempo e 84,0% deles tinham
idade superior à recomendada para a série que estavam cursando. Por outro lado, o
que não é nenhuma grande surpresa, o quadro se inverte quando tratamos dos
alunos considerados em estágio adequado para a série em questão. Desses, 76,0%
estudavam em escolas particulares, 89,0% estavam matriculados no ensino diurno,
a grande maioria (87,0%) apenas estudava, e 84,0% estavam matriculados nas
séries recomendadas para suas faixas de idade.
Antes de nos apressarmos em concluir que escolas particulares são muito
melhores que públicas, que o ensino diurno prepara muito melhor que o noturno, e
que quem não trabalha tem sempre desempenho melhor do que quem trabalha e
estuda (o que não são inverdades), é preciso chamar a atenção para a pequena
percentagem dos alunos que tem desempenho adequado e muito crítico. O que se
pode concluir com segurança é que, seja pública ou privada, estudando durante o
dia ou à noite, trabalhando ou não, a grande maioria dos alunos examinados foram
considerados em estágio intermediário e crítico, o que nos indica que após três
anos cursando o ensino médio, e após já terem cursado outros oito anos no ensino
fundamental, a maioria dos alunos desenvolve precariamente suas habilidades de
leitura e mal consegue interpretar problemas matemáticos os quais já deveriam ter
proficiência ao final do ciclo fundamental. Esse fato nos chama atenção para a
falta de eficiência do ensino ofertado no Brasil, tanto no nível fundamental quanto
no médio (SAEB-2003-boletim-3ªsérie).
Alunos com um histórico de deficiências em saberes e habilidades
acumuladas ao longo desses dois ciclos acabam tendo minoradas – senão
impossibilitadas – suas chances de “ingressar ativamente na ‘sociedade do
conhecimento’, assumir responsabilidades sociais como cidadão[s] consciente[s]
e ético[s], contribuindo para o desenvolvimento e transformação da sociedade”
(SAEB, 2003-boletim-3ªsérie).
E esse é exatamente o nosso ponto. Atentar para o impacto negativo dessa
educação deficitária tanto para o desenvolvimento desses sujeitos pedagógicos
quanto políticos que, em razão de sua precária qualificação educacional, têm
muito mais dificuldades de reverter esse quadro de desigualdades
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socioeconômicas no qual se encontram, tanto por não poderem competir em
igualdade de condições por melhores vagas no mercado de trabalho, quanto por
não terem condições, ou mesmo consciência, para intervir politicamente nessa
sociedade a fim de modificá-la, tornando-a menos desigual e, portanto, mais
democrática. A qualidade deficitária da educação, portanto, tem implicações não
somente na reprodução das desigualdades sociais e econômicas, mas no próprio
exercício da cidadania que fica embargado pela incapacidade desse ensino de
habilitar os cidadãos para pensar crítica e reflexivamente e, como conseqüência,
para participar mais ativamente da sociedade.
Se nos voltarmos para os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino
médio e os relacionarmos à análise dos dados verificados até então, veremos que
as funções ligadas ao ensino não são realizadas. Que funções são essas?
1)“a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências
necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade
em que se situa”; 2) “o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico”; 3) “a preparação e a orientação básica para sua
integração ao mundo do trabalho, com as competências que garantam seu
aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que
caracterizam a produção no nosso tempo”; e 4) “o desenvolvimento das
competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em
níveis mais complexos de estudos”
15
(Brasil, 2002, p. 22).
Podemos inferir, além da incapacidade da educação ofertada em realizar essas
funções, a total desconexão existente no país entre prática educacional e as
diretrizes que orientam essa educação. Assim como no campo dos direitos são
garantidos legalmente uma série de direitos os quais na realidade ainda não foram
universalizados, no campo da educação, revelamos o mesmo problema. E a
educação é um ponto nodal porque sua deficiência está diretamente ligada às
dificuldades encontradas para a universalização dos direitos de cidadania, sendo
ela, inclusive, um direito que apesar de quase universalizado no que diz respeito à
oferta de vagas – como vimos no início deste capítulo – não cumpre, por
deficiência qualitativa, sua função de pré-condição para o exercício dos demais.
Por isso, torna-se premente o desenvolvimento de uma educação que incorpore à
sua prática essas diretrizes e parâmetros já assegurados legalmente. A proposta
15
BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais:
ensino médio. Brasília: MEC/Semtec, 2002.
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98
deste trabalho é a de que uma educação que tivesse sua prática orientada pelos
direitos humanos teria mais condições de efetivamente transportar para dentro dos
muros escolares as orientações democráticas e igualitárias já presentes nas leis que
orientam tanto a Constituição do país quanto as próprias diretrizes e parâmetros da
educação. É o que veremos no próximo capítulo.
2.3. Algumas considerações sobre os dados apresentados:
O que vimos no decorrer deste capítulo, quando recorremos à variação nas
taxas de matrículas entre os anos de 2000 e 2005, para o ensino fundamental e
médio, foi uma evolução positiva da educação. O primeiro nível revelou uma
diminuição do número de matrículas de 2000 para 2005, mas esse fato, de acordo
com os Censos Escolares de 2000 e 2005 indicam que houve uma melhora no
fluxo dos alunos para o ensino médio, isto é, menos alunos ficaram retidos no
ensino fundamental de 2000 a 2005. Em tese, esse é um dado positivo. Digo em
tese, porque ainda não podemos afirmar de que maneira o programa de correção
de fluxo interfere na qualidade do ensino ofertado. Com respeito ao ensino médio,
houve uma expansão no acesso ao ensino de 2000 para 2005, expansão esta que
vem se mostrando contínua desde a decada de 1990. E de acordo com Nelson do
Valle (SILVA, 2003) ela pode ser lida como um reflexo tanto do aumento da
demanda da sociedade civil (em menor grau, segundo o autor) por maior número
de vagas nas escolas, quanto pela diminuição dos custos diretos relacionados ao
acesso à educação.
Entretanto, como pudemos perceber mediante as variações nas taxas de
aprovação, reprovação, defasagem série/idade, afastamento por abandono e
conclusão, em ambos os níveis de ensino, a expansão do sistema escolar, assim
como uma possível melhoria do fluxo não implicam necessariamente em
desestratificação educacional e a prova disso reside, para além do alto número de
reprovados e afastados por abandono, nas desigualdades de desempenho e nas
chances de realização educacional encontradas entre os residentes nas regiões Sul
e Sudeste e aqueles residentes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste; ou nas
desigualdades encontrada quando desagregamos os indicadores por grupos de cor.
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99
Trocando em miúdos, não basta melhorar o acesso, torna-se necessário melhorar a
qualidade do ensino ofertado e torná-lo igual para todos.
Schwartzman (2006) sabiamente atentou para esse fato e afirmou que a
questão do acesso ao ensino já pode ser considerada uma questão secundária, e
que mais importante, hoje em dia, é tratar das questões de conteúdo e qualidade da
educação, visto serem elas “mais sérias e difíceis de enfrentar”
(SCHWARTZMAN, 2006, p. 10). Uma vez que endossamos essa tese de
Schwartzman, não podemos deixar de salientar que apesar das ainda altas e
preocupantes taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional de pessoas de 15
anos ou mais de idade, elas ainda se mostram altas não por um problema relativo à
falta de vagas nas escolas, mas sim, em razão de uma história pregressa de quase
total descaso com a educação pública no Brasil (como vimos no capítulo anterior),
afetando especialmente os mais desfavorecidos. Podemos fazer essa afirmação
com base nos dados da PNAD de 2005 que nos dizem que a grande maioria dos
analfabetos e analfabetos funcionais são pessoas de mais de trinta anos de idade,
aumentando percentualmente conforme o aumento desta, e estando mais presente
entre os estratos mais pobres da população (PNAD-2005).
Para além das deficiências qualitativas encontradas através da análise do
rendimento e movimento escolar dos alunos, entre 1999 e 2004, e do enorme
contingente de alunos defasados nas séries do ensino fundamental, médio e
superior para as idades com as quais cursam esses níveis, o SAEB, mediante sua
avaliação do desempenho da educação básica no Brasil, vem legitimar o quão
ineficiente e de baixa qualidade é a educação ofertada no país. A média de
desempenho dos alunos em todas as séries avaliadas, tanto em língua portuguesa
quanto em matemática, como vimos na seção anterior, se mostraram sempre
aquém do desempenho requerido para as séries cursadas.
Diante desse quadro geral das desigualdades educacionais traçadas nesse
período, chamamos atenção para dois condicionantes do fraco desempenho dos
alunos no sistema de ensino público no país, um externo determinado pela
desigualdade de capital econômico e outro interno relativo às desigualdades de
capital social e cultural.
No capitulo anterior, mencionamos a existência de três prováveis
mecanismos de seletividade utilizados pelo sistema de ensino para diferenciar os
alunos, mecanismos estes que acabavam por resultar em naturalização das
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100
desigualdades dentro do próprio ciclo escolar e reprodução das mesmas fora dele.
Que mecanismos eram esses? 1) a insuficiência na oferta de vagas, 2) a
discriminação social implementada pelo sistema mediante a diferenciação entre
ensino clássico e profissionalizante e, 3) o baixo rendimento do sistema escolar.
Ao nos voltarmos para a atualidade, e nos remetendo aos dados analisados no
decorrer deste capítulo, percebemos que o primeiro mecanismo fora praticamente
eliminado dada a quase universalização do acesso ao ensino básico. Por outro
lado, o segundo e o terceiro ainda permanecem contribuindo para reprodução das
desigualdades educacionais. No caso do terceiro, os dados relativos ao movimento
e rendimento escolar, às defasagens série/idade e à precária média de desempenho
dos alunos nos ensinos fundamental e médio não nos deixam nenhuma dúvida
quanto ao ainda baixo rendimento escolar.
Pulamos o segundo mecanismo. Voltemos, então, para ele agora. Pode-se
dizer, com respeito ao mecanismo de discriminação social implementado pelo
sistema de ensino, que ele sofreu alguns transformismos, mas prosseguiu em seu
caminho de conservação. A discriminação social na atualidade não se mostra
mais mediante uma diferenciação entre educação clássica e profissional, mas sim
pela progressiva “deselitização” (ou sucateamento como preferem Gentili, 2005 e
Suárez, 2005) das escolas públicas que tem como causa a também progressiva
saída das classes médias e altas dessas escolas, desde a década de 1980
16
,
deixando-as para os estratos mais desfavorecidos da população. E estes, por sua
vez, vivenciam essa discriminação social mediante dois aspectos, em especial: um
exterior ao ensino, devido à sua posição econômica desprivilegiada, e outro
interior ao ensino, devido ao seu handcap de capital cultural e social. Este último
se mostra ainda mais nocivo porquanto coberto por um véu de igualdade formal
(que trata a todos como iguais, quando, na verdade não o são), pela persistência
de um currículo elitista (o qual, a despeito dos avanços “legais”, ainda não
incorpora de forma igualitária a diversidade cultural encontrada em nosso país) e
pelo esvaziamento do conteúdo político-pedagógico da educação, destituindo-a de
sua função maior, a de formar cidadãos críticos e capazes de participar da
sociedade a que pertencem.
16
Esse processo de “deselitização” começou a partir da década de 1960 – como nos aponta
Romanelli (2005) e Cunha (2001) – mas ganhou força mesmo a partir do final da década de 1980
com o início da “grande expansão” do acesso ao ensino público.
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101
Um fator que problematiza ainda mais essa questão dos mecanismos que
conferem diferenciação no usufruto de um direito básico, que é a educação, é a
heterogeneidade dos sistemas educacionais no Brasil, no que se refere tanto às
diferenças regionais, quanto às relativas ao tipo de estabelecimento de ensino – se
privado ou público federal, estadual ou municipal. Quanto a isto Schwartzman
nos diz que
Se todos os jovens tivessem acesso ao mesmo tipo de educação e pudessem
concluir a educação secundária em igualdade de condições, teríamos uma
situação de igualdade de oportunidades, mesmo com um mercado de
trabalho restrito. No entanto, a qualidade da educação oferecida pelas
escolas públicas, que predominam nos níveis fundamental e médio, é
extremamente variada, sendo que as melhores escolas são as particulares,
só acessíveis a famílias de renda média e alta. A má qualidade da educação
pública acentua seu papel como mecanismo de inclusão/exclusão social,
situação que necessita ser analisada em profundidade”. (grifos meus)
(SCHWARTZMAN, 2004, p. 43)
Aproveitaremos a observação de Schwartzman para terminarmos este
capítulo – cujo panorama geral da educação pública no Brasil revelou a
persistente má qualidade desse ensino – para sugerir como uma possível
alternativa pedagógica para fazer frente a esse cenário desolador, a saber, o
desenvolvimento de uma educação emancipatória, uma vez que este tipo de
educação, dentre outras competências, e para além de ser concebida como um
direito humano incorpora em seu projeto a valorização da diversidade cultural –
que negada, como fora visto brevemente neste capítulo, contribui para reproduzir
e naturalizar as desigualdades sociais dentro do ciclo educacional e transplantá-las
novamente para a sociedade civil –, quesito fundamental para a radicalização ou
fortalecimento da democracia participativa. É sobre essa proposta pedagógica e
suas possíveis implicações sociais que trataremos no próximo capítulo.
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Quadro 1
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades de leitura de
textos de gêneros variados, em cada um dos estágios para a 4ª série do ensino
fundamental. SAEB-2003
Muito crítico
Não desenvolveram habilidades de leitura. Não foram
alfabetizados adequadamente. Não conseguem
responder aos itens da prova. Os alunos neste estágio
não alcançaram o Nível 1 da escala do Saeb.
Crítico
Não são leitores competentes, lêem de forma truncada,
apenas frases simples. Os alunos neste estágio estão
localizados nos Níveis 1 e 2 da escala do Saeb.
Intermediário
Começando a desenvolver as habilidades de leitura, mas
ainda aquém do nível exigido para a 4ª série. Os alunos
neste estágio estão localizados nos Níveis 3 e 4 da
escala do Saeb.
Adequado
São leitores com nível de compreensão de textos
adequados à 4a série. Os alunos neste estágio estão
localizados no Nível 5 da escala do Saeb.
Avançado
São leitores com habilidades consolidadas, algumas
com nível além do esperado para a 4ª série. Os alunos
neste estágio estão localizados no Nível 6 da escala do
Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
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103
Quadro 2
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades na resolução
de problemas em cada um dos estágios para a 4ª série do ensino
fundamental. SAEB-2003.
Muito crítico
Não conseguem transpor para uma linguagem
matemática específica, comandos operacionais
elementares compatíveis com a 4ª série (Não
identificam uma operação de soma ou subtração
envolvida no problema ou não sabem o significado
geométrico de figuras simples). Os alunos neste estágio
não alcançaram o Nível 1 da escala do Saeb.
Crítico
Desenvolvem algumas habilidades elementares de
interpretação de problemas aquém das exigidas para a 4ª
série (Identificam uma operação envolvida no problema
e nomeiam figuras geométricas planas mais
conhecidas). Os alunos neste estágio alcançaram os
Níveis 1 ou 2 da escala do Saeb.
Intermediário
Desenvolvem algumas habilidades de interpretação de
problemas, porém insuficientes ao esperado para os
alunos da 4ª série (Identificam, sem grande precisão, até
duas operações e alguns elementos geométricos
envolvidos no problema). Os alunos neste estágio
alcançaram os Níveis 3 ou 4 da escala do Saeb.
Adequado
Interpretam e sabem resolver problemas de forma
competente. Apresentam as habilidades compatíveis
com a 4ª série (Reconhecem e resolvem operações com
números racionais, de soma, subtração, multiplicação e
divisão, bem como elementos e características próprias
das figuras geométricas planas). Os alunos neste estágio
alcançaram os Níveis 5 ou 6 da escala do Saeb.
Avançado
São alunos maduros. Apresentam habilidades de
interpretação de problemas num nível superior ao
exigido para a 4a série (Reconhecem, resolvem e sabem
transpor para situações novas, todas as operações com
números racionais envolvidas num problema, bem como
elementos e características das figuras geométricas
planas). Os alunos neste estágio alcançaram o Nível 7
da escala do Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
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104
Quadro 3
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades de leitura de
textos de gêneros variados em cada um dos estágios para a 8ª série do ensino
fundamental. SAEB-2003.
Muito crítico
Não são bons leitores. Não desenvolveram habilidades
de leitura exigíveis para a 4ª série. Os alunos, neste
estágio, não alcançaram o nível 1 ou não desenvolveram
as habilidades do nível 1 da escala do Saeb.
Crítico
Ainda não são bons leitores. Apresentam algumas
habilidades de leitura, mas aquém das exigidas para a
série (textos simples e textos informativos). Os alunos,
neste estágio, alcançaram os níveis 2 ou 3 da escala do
Saeb.
Intermediário
Desenvolveram algumas habilidades de leitura, porém
insuficientes para o nível de letramento da 8ª série
(gráficos e tabelas simples, textos narrativos e outros de
baixa complexidade). Os alunos, neste estágio,
alcançaram os níveis 4 ou 5 da escala do Saeb.
Adequado
São leitores competentes. Demonstram habilidades de
leitura compatíveis com a 8ª série (textos poéticos de
maior complexidade, informativos, com informações
pictóricas em tabelas e gráficos). Os alunos, neste
estágio, alcançaram os níveis 6 ou 7 da escala do Saeb.
Avançado
São leitores maduros. Apresentam habilidades de leitura
no nível de letramento exigível para as séries iniciais do
ensino médio e dominam alguns recursos lingüístico-
discursivos utilizados na construção de gêneros. Os
alunos, neste estágio, alcançaram o nível 8 da escala do
Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
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Quadro 4
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades matemáticas
na resolução de problemas em cada um dos estágios para a 8ª série do ensino
fundamental. SAEB-2003.
Muito crítico
Não conseguem responder a comandos operacionais
elementares compatíveis com a 8ª série (resolução de
expressões algébricas com uma incógnita; características
e elementos das figuras geométricas planas mais
conhecidas). Os alunos, neste estágio, alcançaram os
níveis 1 ou 2 da escala do Saeb.
Crítico
Desenvolveram algumas habilidades elementares de
interpretação de problemas, mas não conseguem
transpor o que está sendo pedido no enunciado para uma
linguagem matemática específica, estando, portanto,
aquém do exigido para a 8ª série (resolvem expressões
com uma incógnita, mas não interpretam os dados de
um problema fazendo uso de símbolos matemáticos
específicos; desconhecem as funções trigonométricas
para resolução de problemas). Os alunos, neste estágio,
alcançaram os níveis 3 ou 4 da escala do Saeb.
Intermediário
Apresentam algumas habilidades de interpretação de
problemas, porém não dominam, ainda, a linguagem
matemática específica exigida para a 8ª série (resolvem
expressões com duas incógnitas, mas não interpretam
dados de um problema com símbolos matemáticos
específicos nem utilizam propriedades trigonométricas).
Os alunos, neste estágio, alcançaram os níveis 5 ou 6 da
escala do Saeb.
Adequado
Interpretam e sabem resolver problemas de forma
competente; fazem uso correto da linguagem
matemática específica. Apresentam habilidades
compatíveis com a série em questão (interpretam e
constroem gráficos; resolvem problema com duas
incógnitas utilizando símbolos matemáticos específicos
e reconhecem as funções trigonométricas elementares).
Os alunos, neste estágio, alcançaram os níveis 7 ou 8 da
escala do Saeb.
Avançado
São alunos maduros. Demonstram habilidades de
interpretação de problemas num nível superior ao
exigido para a 8ª série (interpretam e constroem
gráficos; resolvem problema com duas incógnitas
utilizando símbolos matemáticos específicos e utilizam
propriedades trigonométricas na resolução de
problemas). Os alunos, neste estágio, alcançaram o nível
9 da escala do Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb
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106
Quadro 5
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades de leitura de
textos de gêneros variados em cada um dos estágios para a 3ª série do ensino
médio. SAEB-2003.
Muito crítico
Não são bons leitores. Não desenvolveram habilidades
de leitura compatíveis com a 4ª e a 8ª séries. Os alunos,
neste estágio, não alcançaram o nível 1 ou
desenvolveram as habilidades dos níveis 1 ou 2 da
escala do Saeb.
Crítico
Ainda não são bons leitores. Apresentam algumas
habilidades de leitura, mas aquém das exigidas para a
série (lêem apenas textos narrativos e informativos
simples). Os alunos, neste estágio, alcançaram os níveis
3 ou 4 da escala do Saeb
Intermediário
Desenvolveram algumas habilidades de leitura, porém
insuficientes para o nível de letramento da 3ª Série
(textos poéticos mais complexos, textos dissertativo-
argumentativos de média complexidade, texto de
divulgação científica, jornalísticos e ficcionais;
dominam alguns recursos lingüístico-discursivos
utilizados na construção de gêneros). Os alunos, neste
estágio, alcançaram os níveis 5 ou 6 da escala do Saeb.
Adequado
São leitores competentes. Demonstram habilidades de
leitura compatíveis com as três séries do Ensino Médio
(textos argumentativos mais complexos, paródias,
textos mais longos e complexos, poemas mais
complexos e cartuns e dominam recursos lingüístico-
discursivos utilizados na construção de gêneros). Os
alunos, neste estágio, alcançaram os níveis 7 ou 8 da
escala do Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
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107
Quadro 6
Construção de competências e desenvolvimento de habilidades na resolução
de problemas em cada um dos estágios para a 3ª série do ensino médio.
SAEB-2003.
Muito crítico
Não conseguem responder a comandos operacionais
elementares compatíveis com a 3ª série do E.M.
(construção, leitura e interpretação gráfica; uso de
propriedades de figuras geométricas planas e
compreensão de outras funções). Os alunos, neste
estágio, alcançaram o nível 3 da escala do Saeb.
Crítico
Desenvolvem algumas habilidades elementares de
interpretação de problemas, mas não conseguem
transpor o que está sendo pedido no enunciado para
uma linguagem matemática específica, estando,
portanto aquém do exigido para a 3ª série do E.M.
(construção, leitura e interpretação gráfica; uso de
algumas propriedades e características de figuras
geométricas planas e resolução de funções logarítmicas
e exponenciais). Os alunos, neste estágio, alcançaram
os níveis 4 ou 5 da escala do Saeb.
Intermediário
Apresentam algumas habilidades de interpretação de
problemas. Fazem uso de linguagem matemática
específica, porém a resolução é insuficiente ao que é
exigido para a 3a série do E.M. (reconhecem e utilizam
alguns elementos de geometria analítica, equações
polinomiais e reconhecem algumas operações dos
números complexos). Os alunos, neste estágio,
alcançaram os níveis 6 ou 7 da escala do Saeb.
Adequado
Interpretam e sabem resolver problemas de forma
competente; fazem uso correto da linguagem
matemática específica. Apresentam habilidades
compatíveis com a série em questão. (reconhecem e
utilizam elementos de geometria analítica, equações
polinomiais e desenvolvem operações com os números
complexos). Os alunos, neste estágio, alcançaram os
níveis 8, 9 ou 10 da escala do Saeb.
Fonte: MEC/Inep/Daeb.
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Capítulo 3.
Sinais de mudanças no cenário sociopolítico e econômico
pós-80: novos caminhos para uma educação
emancipatória.
No capítulo primeiro deste trabalho, traçamos um panorama geral da
evolução da educação pública no Brasil desde os primeiros esforços em torno da
expansão do ensino, e atentamos para algumas das modernizações e retrocessos
sofridos nesse campo, relacionando-o à formação dos direitos de cidadania no
país. E concluímos que muitos dos entraves para a universalização e
democratização desse ensino até a década de 1980 mostrou-se relacionado à
própria forma conservadora e “de cima para baixo” com que se formaram e se
desenvolveram os direitos de cidadania no Brasil.
A assunção deste problema nos levou a uma análise de alguns indicadores,
no segundo capítulo, com o fito de tentar compreender que tipos de avanços foram
alcançados no sentido de democratizar e conferir qualidade a essa educação
ofertada, a partir de 1980. A análise dos indicadores nos permitiu atentar para a
conservação de alguns mecanismos seletivos implementados pelo ensino público
que, não obstante a progressiva expansão do acesso ao ensino, a partir do final da
década de 1980, eles se manifestam como elementos dificultadores, senão
impeditivos, para a configuração de uma educação de qualidade e efetivamente
democrática. Percebemos que da forma deficitária como está estruturado o ensino
público no país, ele não somente não prepara os indivíduos para o mercado de
trabalho, como também não os forma e estimula para o exercício da cidadania.
Sendo assim, passamos ao terceiro capítulo, no qual pretendemos focar
numa possível alternativa para fazer frente à essa educação deficitária que foi
retratada nos capítulos anteriores. Nossa proposta parte da compreensão da
educação como um direito social e um direito humano. Ao assumirmos a
educação como um direito e também para os direitos (HADDAD, 2006)
1
,
1
Em seu livro A Educação entre os Direitos Humanos (HADDAD & GRACIANO, 2006, orgs.),
Sérgio Haddad afirma que é muito comum a literatura tratar da educação para os direitos
humanos, e ainda um tema novo, tratá-la como um direito humano. Nesse sentido, o autor destaca
a importância de pensá-la e estruturá-la sob ambos os aspectos, dado que a educação é tanto um
direito quanto pré-condição para o exercício dos demais – como já apontava Marshall (1967) em
meados do século passado. Vale, portanto, destacarmos um parágrafo, escrito por Haddad (2006),
que reflete muito bem sua preocupação e sua proximidade teórica com Marshall (idem), cujo
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109
porquanto pré-requisito para o exercício dos demais direitos de cidadania,
estamos, não somente propondo alternativas para a problemática do déficit
qualitativo na educação pública, mas também, para a própria conceituação de
qualidade, que não deve ser medida apenas por meio de indicadores numéricos
relativos aos resultados dessa educação, mas, sobretudo, mediante as
competências (das quais trataremos mais adiante) dessa educação para a formação
de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, aptos a lutar por igualdade e
justiça social e a participar mais ativamente da sociedade da qual fazem parte.
Uma educação que desenvolvesse essas competências, articulando-as a uma
perspectiva multicultural, muito provavelmente, estaria também formando
indivíduos mais críticos, reflexivos e autônomos, mais capacitados, por sua vez, a
ingressar no mercado de trabalho.
Este capítulo, portanto, partirá de uma análise crítica acerca de como uma
educação pautada pela lógica dos direitos humanos poderia contribuir para
diminuir as desigualdades sociais no Brasil, assim como favorecer o exercício da
cidadania e estimular o fortalecimento da democracia participativa. Para alcançar
tal projeto, partir-se-á da premissa de que uma educação emancipatória, que se
constitua verdadeiramente como um direito e atue voltada para a formação
humana, favorece a igualdade de capacitação reconhecendo e valorizando a
diversidade cultural, assim como o desenvolvimento de determinadas
competências as quais contribuem para a formação de indivíduos autônomos,
críticos e reflexivos e para o exercício da cidadania. Desta forma, e ao menos em
tese, esse tipo de educação não somente habilitaria os jovens cidadãos para
desenvolver de forma menos desigual suas habilidades no mercado de trabalho –
não esquecendo que o trabalho também é um direito social – como também, e,
sobretudo, os estimularia a participar mais ativamente da sociedade da qual fazem
parte.
argumento apresentamos no primeiro capítulo deste trabalho. Um “aspecto importante e que
fundamenta a educação escolar como um direito humano diz respeito ao fato de que o acesso à
educação é em si base para realização de outros direitos. Isso quer dizer que o sujeito que passa
por processos educativos, particularmente pelo sistema escolar, é normalmente um cidadão que
tem melhores condições de realizar e defender os outros direitos humanos (saúde, habitação, meio
ambiente, participação política, etc.). A educação é base constitutiva na formação do ser humano,
bem como na defesa e composição dos outros direitos econômicos, sociais e culturais”
(HADDAD, 2006, p.3).
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110
Vale salientar neste momento que a educação emancipatória pode ser
conceituada como aquela que visa a formação de sujeitos cognoscentes (LECA in
PAIVA, 1994), isto é, de sujeitos que sejam aptos a adquirir conhecimento, a
perceber as mudanças que acontecem a sua volta e, sobretudo, que sejam capazes
e dominem as formas de participação na sociedade em que vivem. Para que a
educação possa formar esses sujeitos cognoscentes faz-se mister que ela não
prescinda de uma prática pedagógica que estimule o pensar e o agir crítico, ativo e
reflexivo (ARENDT, 1999) em detrimento do ensino ofertado na atualidade que
se estrutura sobre uma base ainda rígida e calcada na memorização a-crítica de
informações. A educação emancipatória, para além disso, e por ser concebida
como um direito e orientada pelos direitos humanos, não atua apenas dentro dos
muros escolares, e não se restringe à difusão de cartilhas ou em mera instrução
mecânica dos alunos, mas busca uma articulação entre valores democráticos,
prática pedagógica, e realidade sociopolítica e cultural na sociedade em que se
desenvolve (PERRENOUD, 2005). Neste sentido, estimula, através da formação
de indivíduos autônomos e críticos, através da valorização da diversidade de
culturas existentes dentro e fora de nossas fronteiras, o “empoderamento” de
grupos desfavorecidos na sociedade civil, a organização de movimentos em prol
da luta por garantia e realização de direitos, dentre eles o direito ao emprego, à
segurança, à justiça social e econômica, o direito à diferença, etc. O que se quer
dizer, portanto é que uma educação que conseguisse coadunar a prática
pedagógica aos valores democráticos (como o são os direitos de cidadania),
incluindo aí o próprio exercício da cidadania, estaria muito provavelmente
contribuindo para frear esse canal de reprodução de desigualdades da sociedade
para escola e, como num ciclo, da escola de volta para a sociedade. Por fim, a
educação emancipatória é aquela que relaciona diretamente o conteúdo curricular
às experiências contidas nas relações sociais, fomentando o fortalecimento dos
“bons” valores e inibindo a reprodução dos “maus”. Mas como realizar isso na
prática? Nossa aposta é a de que o desenvolvimento de determinadas
competências juntamente com o reconhecimento e valorização da diversidade
cultural atuariam no sentido de tornar menos distantes as leis, diretrizes e
parâmetros da prática educacional. Mas sobre isso trataremos mais adiante quando
focarmos na questão das competências necessárias para a formação desses sujeitos
cognoscentes, e para o exercício da cidadania.
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111
Antes de nos atermos a essa alternativa pedagógica, com suas respectivas
competências, e suas possíveis implicações sobre o cenário de desigualdades
sociopolíticas e econômicas no Brasil, precisamos compreender uma pouco das
mudanças porque vem passando o Brasil desde o final de década de 1980,
mudanças estas que fizeram com que despontasse com mais força na sociedade
civil e entre os pensadores da educação no Brasil, a temática da educação
relacionada aos direitos humanos (CANDAU & SACAVINO, 2003), (HADDAD,
2006).
3.1. A década de 1980: um marco divisor na sociedade brasileira.
A década de 1980 representa um divisor de águas para a sociedade
brasileira. Após longos períodos alternando governos autoritários e
“democráticos”, o país vive tempos de euforia em conseqüência da derrocada da
ditadura em 1985 – consubstanciada na eleição de Tancredo Neves para
presidente da República – e da almejada redemocratização do país. Este período
foi marcado por intensa organização de movimentos sociais, por lutas de variados
setores da sociedade civil em prol do mesmo objetivo: o da conquista dos direitos
democráticos. Em outras palavras, com a derrocada do regime militar em 1985, e
a partir de então, o contexto social e político se tornou fecundo para a organização
de reivindicações sociais e políticas, assim como um campo propício à
organização e atuação de movimentos sociais (MATTOS, 2005).
Este foi também um período marcado por uma das maiores crises
econômico-político-sociais já vividas pelo país; mas para além dessa crise, que
resultou no aumento da pobreza e das desigualdades (HASENBALG, 2003), da
inflação, do desemprego e no enfraquecimento das instituições político-sociais,
foi proclamada a Constituição de 1988. Quer dizer, o mesmo cenário marcado
pela precarização das condições sociopolíticas e econômicas, serviu de palco para
variadas manifestações, organizações de movimento sociais e para a apresentação
de uma carta de direitos – a Constituição de 1988 – através da qual o Estado
brasileiro se comprometeu legalmente com a ampliação de suas funções sociais,
bem como com a assunção de suas responsabilidades para com elas.
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Instaurado, portanto, o “clima” de redemocratização e a euforia pela
conquista da nova Constituição, o tema da cidadania transcendeu o discurso
oficial e difundiram-se, pela sociedade civil, as demandas de variados setores por
igualdade, liberdade, trabalho, educação, saúde, terra, dentre outros tantos
direitos, agora, legalmente reconhecidos pela Constituição de 1988 – não por
acaso identificada como “Constituição Cidadã”. Para além da justificada euforia,
que suscitava todas aquelas transformações, José Murilo de Carvalho (2006) foi
perspicaz em chamar a atenção para o fato de que a mera garantia legal dos
direitos políticos, civis e sociais não se traduziria efetivamente em segurança,
emprego e resolução das desigualdades sociais se não fossem realizadas reformas
de modo a garantir a realização desses direitos.
É nesse período que, segundo alguns autores (DAGNINO, 1994) e
(TELLES, 1994), começa a emergir no país uma nova sociedade civil com a
construção de espaços públicos plurais. Fazendo uma análise retrospectiva,
podemos atentar para os vários indícios que nos levam a essa afirmação. Foi na
década de 1980 que as lutas sindicais, os partidos políticos e os próprios cidadãos
organizados em vários tipos de associações e movimentos começaram a
incorporar às suas lutas questões como o direito ao meio ambiente, a ter qualidade
de vida, o direito a ser e ter sua cultura representada, o direito a ser diferente –
negro, índio, mulher, homossexual, etc. – sem negligenciar o direito à igualdade
no usufruto desses direitos. Foi também nesta década que as novas formas de ação
das lutas e reivindicações populares, antes violentas ou mediadas por práticas
tradicionais de mandonismo, clientelismo e assistencialismo” (TELLES, 1994, p.
99), passaram a se basear em uma espécie de novo contrato, não um contrato
mediado pela organização dos interesses privados, mas na busca de um contrato
mediado pelo reconhecimento dos direitos e pela representação plural, isto é, por
medidas de justiça e igualdade advindas dos próprios princípios orientadores dos
direitos de cidadania.
A organização desse “novo” contrato social é entendida como uma
conseqüência das rápidas e intensas transformações porque foi acometido o país a
partir da década de 1980. Transformações não somente no campo econômico, mas
na própria organização social e política do país. Pode-se dizer, então, que a crise
que perpassa a década de 1980, para além de econômica, se estruturou sobre as
formas com o próprio Estado se estrutura e se projeta na dinâmica da sociedade.
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Por um lado, percebemos que a sociedade contemporânea vem passando por
intensas e rápidas modificações fazendo com que ela se torne “cada vez mais
complexa, heterogênea, diferenciada”, fazendo com que identidades tradicionais
sejam desfeitas e outras tantas sejam criadas, “gerando uma pluralidade de
interesses e demandas nem sempre convergentes, quando não conflitantes e
excludentes” (idem, p. 94). Dentro desse contexto, atestamos a incapacidade das
organizações estatais, das referências identitárias tradicionais e dos próprios
mecanismos tradicionais de representação de dar conta da heterogeneidade social,
cultural e simbólica emergentes na vida social àquela época. E o grande problema,
nesse caso, reside em conseguir coadunar toda essa heterogeneidade, essa
pluralidade, ao arcabouço das leis e dos direitos que partem de um ideal de
igualdade, reconhecendo as variadas identidades culturais sem fragmentar a
identidade nacional, reconhecendo a diferença sem negligenciar a igualdade.
Este é também um desafio sentido no campo educacional, e que se puder ser
enfrentado talvez consigamos ter uma educação emancipatória, e efetivamente de
qualidade. Uma educação que capacite os educandos em igualdade de condições e
que, dessa forma, os habilite ao exercício de uma profissão – tornando menos
desiguais as competições por uma vaga no mercado de trabalho – e que os prepare
também para participação democrática mediante a incorporação dos princípios e
da prática da cidadania no próprio processo pedagógico. Uma educação que, ao
ser orientada pelos direitos, e ao incorporar a diversidade cultural à sua prática
pedagógica, contribua para o fortalecimento dos grupos mais desfavorecidos da
sociedade, aumentando, dessa forma, suas possibilidades de se emancipar política
e socialmente através da luta pela realização de seus direitos. Mas já voltaremos à
esse tema.
Bem, voltando às mudanças na dinâmica societária, é diante da emergência
desse novo espaço aberto à lutas e reivindicações de indivíduos e grupos (a
sociedade civil), e de todos os conflitos (até então latentes e reprimidos) que
passaram a se desenvolver dentro dele, inclusive e, sobretudo, aqueles levados a
cabo pelos movimentos sociais, que uma nova noção de cidadania emergiu como
resultado da experiência concreta desses movimentos em prol do reconhecimento
e realização de seus direitos (DAGNINO, 1994).
O conceito de cidadania que até então estava vinculado a uma noção abstrata
de direitos e que o relacionava apenas a “concessão” pelo Estado de determinados
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direitos e “serviços” sociais – como fora visto no 1º capitulo – ao cair nas graças
da sociedade civil passa a assumir, a partir da década de 1980, um caráter de
estratégia política (DAGNINO, 1994). E a tomada de consciência, espraiada por
diversos setores da sociedade civil, de que a mera garantia legal de direitos não se
traduz instantaneamente em realização dos mesmos, traz para o seio desta
sociedade, mediante a organização de movimentos sociais, a necessidade de
incorporação de novos interesses e aspirações ao tema da cidadania. Para além da
noção liberal e “universalizante” de cidadania instaurada no Brasil no início do
século XX, a “nova cidadania”, emergente ao final da década de 1980, incorpora
um elemento essencial para a “construção e difusão de uma cultura democrática”
(idem, p. 104), qual seja, o direito à diferença. Nesse sentido, a heterogeneidade
cultural valoriza-se dentro de um arcabouço igualitário, basal para a construção de
qualquer sociedade que se pretenda democrática. A nova aposta da sociedade
civil, portanto, é a de que essa nova cidadania atuaria como uma estratégia política
para a efetiva realização dos direitos de cidadania já garantidos por lei e,
conseqüentemente, para a radicalização da democracia, o que culminaria numa
sociedade mais justa e/ou menos desigual.
No rastro dessa efervescência social e política, o sistema educacional, assim
como as exigências educacionais, também se modificaram. Tanto a educação na
condição de direito social, como o sistema educacional, na condição de instituição
social não poderiam ficar imunes a todas essas modificações na dinâmica
societária. A concepção de direitos começou a mudar lentamente e novas
prescrições foram incorporadas a essa noção – como fora dito acima – como a
valorização do direito à diferença. E a instituição educacional, a escola, começou
a ser incorporada, ainda que lentamente, às lutas de educadores e cidadãos
comuns, lutas estas que já começavam a transcender àquelas relativas à expansão
da oferta de vagas e se concentravam, sobretudo, na qualidade da educação como
um direito social e para o exercício dos demais direitos de cidadania (HADDAD,
2006). Na condição de direito, essa educação deveria não somente ser extensiva a
todos (o que quer dizer que a demanda pela expansão não foi negligenciada,
apenas se tornou secundária por conta da quase universalização do acesso ao
ensino), mas apta a capacitar a todos igualmente, incorporando à sua agenda
pedagógica a nova concepção de direitos – a “nova cidadania” – e valorizando a
diversidade em detrimento de uma cultura única, dominante e pretensamente
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igualitária – baseada na ideologia da igualdade formal, como apontamos no
capítulo anterior.
Foi na década de 1980, portanto, que começaram a despontar, no campo
educacional, propostas de uma prática educacional que estivesse ligada aos
direitos humanos (CANDAU & SACAVINO, 2003). O que não é de se estranhar,
dado que estávamos ainda sob forte influência da euforia gerada pela promulgação
da carta de direitos de 1988.
Para além dessa novidade no campo da educação e dos direitos, e a despeito
da crise que vinha se desenvolvendo, a década de 1980 acabou sendo beneficiada
pelos investimentos realizados nas décadas anteriores marcadas pelo crescimento
econômico. E uma das áreas sociais que sofreu melhorias – ainda que de forma
lenta, mas constante – foi a educacional. A taxa de analfabetismo continuou seu
lento processo de queda, ao longo da década (HASENBALG, 2003), e o processo
de expansão do ensino, antes lento, acelerou-se como resposta à crescente
demanda da sociedade civil e pressão do próprio mercado por mão-de-obra mais
qualificada. Mas, não obstante a aceleração no processo de expansão do acesso ao
ensino, e a queda das taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional, ao longo
das duas últimas décadas, como fora mostrado no capítulo anterior, o sistema
educacional não promoveu os avanços esperados na qualidade desta educação.
Ampliou-se o acesso, mas os mecanismos de seleção internos ao percurso escolar
se mantiveram (apesar de ter sofrido alguns transformismos) e permaneceram
obscurecidos pela noção de igualdade formal implícita no currículo e nas práticas
educacionais vigentes. As exigências educacionais também ampliaram seu foco.
As demandas agora transcendem àquelas por vagas e se voltam para a exigência
de um ensino de qualidade que seja capaz de propiciar aquelas benesses já
identificadas no século passado – e mencionadas no 1º capítulo – como maiores
chances de mobilidade social, de participação política e inclusão no mercado de
trabalho.
Uma tensão também começa a se desenvolver nesse período, uma tensão
que impacta, de imediato, e estimula a luta por uma educação de qualidade –
qualidade no sentido de formar para a cidadania, de possibilitar a mobilidade e
justiça social, e a inclusão no mercado da forma menos desigual possível. Uma
educação de qualidade, neste caso, exigiria para além de uma boa infra-estrutura
escolar e de docentes qualificados, a capacitação de todos os educandos em
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igualdade de condições, assim como a incorporação da diversidade cultural ao
currículo e à prática educacional.
Mas que tensão seria essa? Essa tensão diz respeito à aceleração do processo
de globalização econômica a partir da década de 1990 – quando o Brasil vivia um
momento de consolidação da democracia – ao mesmo tempo em que, do ponto de
vista político-social este Estado se abria cada vez mais para responder às
demandas de grupos e movimentos sociais pela realização dos direitos legalmente
garantidos pela Constituição de 1988, entre eles o direito à educação e ao trabalho.
Esta outra face da globalização será entendida neste trabalho como globalização
alternativa
2
. E é sobre essa tensão e suas implicações sobre a qualidade da
educação que trataremos na seção seguinte.
3.2. Tensão entre globalização hegemônica e globalização
alternativa: percalços e possibilidades para a estruturação de uma
educação emancipatória.
O debate acerca de uma “educação em direitos humanos”
3
(CANDAU,
2003), (SACAVINO, 2003) no Brasil ganhou força a partir da promulgação da
Constituição em 1988, quando do período de redemocratização, que ficou
marcado por intensa mobilização por parte da sociedade civil em prol da garantia
de direitos; mas foi a partir da década de 1990, com a aceleração do processo de
globalização econômica que a discussão em torno da necessidade de uma
educação pautada pelos direitos humanos entrou na agenda educacional com mais
vigor. Isso se explica na medida em que se torna mais tensa a relação existente
entre os princípios relativos ao Estado democrático de direitos e àqueles
legitimados pela política econômica global (TORRES, 2001).
Diante dessa tensão estabelecida pelo choque entre, de um lado, a aceleração
da globalização hegemônica (ou econômica) – que implica no encolhimento das
2
Essa noção dual da globalização pôde ser pensada com base na leitura de Boaventura Santos
(2002, 2003), o qual argumentou que a globalização apresenta duas faces: uma econômica ou
hegemônica, e outra alternativa ou contra-hegemônica. Mais adiante, desenvolveremos melhor seu
argumento.
3
A utilização do termo “educação em direitos humanos” assim como sua conceituação remete à
leitura de Educar em Direitos humanos: construir democracia (2003), organizado por Suzana
Sacavino e Vera Maria Candau.
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funções e responsabilidades do Estado em gerir as políticas públicas para o bem-
estar da população, e no conceito de qualidade como voltado para formação de
mão-de-obra para o mercado de trabalho – e, de outro, o despontar de uma outra
face da globalização, a alternativa – que se relaciona às intensas transformações
políticas e sociais que tornaram o cenário nacional fértil para a organização de
partidos políticos, de movimentos sociais e de programas como o orçamento
participativo, por exemplo, que, na contramão dessa política econômica global,
estimulam a participação ativa dos cidadãos na sociedade civil e seu engajamento
nas questões públicas – faz-se necessária uma educação que possa contribuir para
pensar a questão da exclusão, das desigualdades sociais e do exercício da
cidadania.
Tentar-se-á, neste capítulo, portanto, analisar as formas pelas quais a
educação como um direito social e para o exercício dos demais direitos pode
atuar para minimizar esse cenário de desigualdades – sejam elas econômicas,
sociais ou culturais – sugerindo, de antemão, que poderia fazê-lo mediante a
promoção da igualdade de capacitação, o reconhecimento e valorização da
diversidade cultural, e ao estímulo à determinadas competências que estimulariam
a formação de indivíduos autônomos e críticos e participativos
4
. Para além de
contribuir para a diminuição das desigualdades, uma educação emancipatória
estaria – ao valorizar a diversidade cultural, capacitar igualmente os indivíduos e
ao formá-los autônomos, reflexivos e cônscios de sua condição de cidadãos –
contribuindo para o fortalecimento dos grupos desfavorecidos na sociedade civil,
para o exercício da cidadania e para a efetiva realização de uma democracia
participativa (CANDAU, 2003), (SACAVINO, 2003), (SOUZA, 2003).
Se, de um lado, tivemos o paulatino fortalecimento da política econômica
global, com sua referida ênfase na qualidade da educação para a produção de
mão-de-obra qualificada para o mercado, com sua conseqüente tentativa de
esvaziar a educação de sua condição de direito (GENTILLI, 2005), por outro,
tivemos também o endurecimento da ofensiva organizada pela sociedade civil na
tentativa de fortalecer as bases da democracia participativa no Brasil, de minorar
as desigualdades e de lutar pelo reconhecimento dos direitos de cidadania
4
Em Mudança Estrutural na Esfera Pública (2003), Habermas ressaltou a importância da
educação para a participação dos cidadãos na esfera pública, chamando a atenção para uma de suas
importantes funções que seria a de formar indivíduos críticos e reflexivos, dado que estas
“habilidades” seriam imprescindíveis para sua participação mais ativa na esfera pública.
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(CANDAU & SACAVINO, 2003). Destaque será dado, obviamente, à investida
da sociedade civil no campo educacional a qual teve impacto sobre a promulgação
de importantes “documentos” nesta área, tais como da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação em 1996, e os Parâmetros Curriculares de 1997. Não obstante as
dificuldades, ainda atuais, para a execução das orientações contidas nesta LDB e
nos PCNs, há que se considerar a vitoriosa incorporação em seus conteúdos de um
projeto que vincula a diversidade cultural à prática pedagógica e, sobretudo, de
um projeto de retomada da educação enquanto um direito social e não como uma
mercadoria a ser consumida no mercado.
O tema da globalização merece aqui ser posto em relevo, e autores como
Candau (2002, 2003), Sacavino (2003) e Boaventura Santos (2002, 2003) serão de
grande valia para o aprofundamento desta discussão na medida em que, diante de
todas as transformações impostas pela globalização – transformações culturais,
econômicas, políticas – torna-se indispensável repensar as questões relativas à
prática educacional, visto fazer também a educação parte e, ao mesmo tempo
refletir, todas essas transformações, seja do ponto de vista econômico (acirrando a
problemática da formação para o mercado de trabalho), do ponto de vista político
(pois ao tornar a educação um instrumento para a atuação no mercado retira dela o
máximo de seu conteúdo político), ou do ponto de vista cultural (na medida em
que a facilidade de troca de informações, conhecimentos, culturas por intermédio
não somente da mídia, mas também das próprias pessoas, acaba por agilizar e
intensificar os processos de luta por reconhecimento, pertencimento e por direito à
igualdade sem suplantar o direito à diferença).
Diante das transformações citadas acima, pode-se dizer que uma educação
que se construísse orientada pelos direitos humanos atuaria de forma a
potencializar as mudanças sob a perspectiva cultural, no sentido de fortalecer
ainda mais os processos incipientes de luta por reconhecimento, por direitos e
pelo direito à diferença. O que quer dizer que, uma educação emancipatória – que
é concebida neste trabalho como uma educação efetivamente de qualidade –
pressupõe, necessariamente, a existência de políticas educacionais de cunho
multicultural, isto é, de valorização da diversidade cultural. A valorização dessas
competências para a cidadania tenderia, por sua vez, a minorar o impacto das
nefastas transformações, sob as perspectivas econômica e política, sobre a
sociedade civil, na medida em que conseguisse desacelerar o contínuo movimento
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de “mercantilização da educação” (GENTILLI, 2005), (SUÁREZ, 2005), que a
toma como um instrumento para a maximização da produção, e estimula o
esvaziamento de seu conteúdo político-pedagógico, destituindo-a de sua função
maior, a de formar cidadãos críticos e capazes de participar da sociedade a que
pertencem.
O fenômeno da globalização, como fora dito acima, implica em inúmeras
mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais, mas apesar de suas
conseqüências nefastas para a questão dos direitos humanos, da justiça social, da
realização da igualdade e da própria efetivação democrática, não podemos
desconsiderar os pontos positivos também trazidos por essa globalização. Nesse
sentido, tomamos de empréstimo um “novo” conceito de globalização proposto
por Boaventura Santos (2002), que a caracteriza como dual, dividindo-a em duas
faces: uma hegemônica (ou econômica) e outra, alternativa (contra-hegemônica).
Segundo o autor, em paralelo com as “grandes transformações” que
culminaram num aumento da exclusão e das desigualdades sociais, a precarização
do trabalho, a destruição do meio ambiente, etc., deu-se o surgimento de
organizações e movimentos sociais em vários pontos do globo que, à sua maneira,
e “de baixo pra cima”, começaram a se valer das facilidades de ir e vir, de acesso
ao conhecimento, e de reconhecimento de outras culturas para lutar contra os
processos de exclusão social, de privação de direitos, de discriminação e
degradações, tanto das relações humanas quanto do meio ambiente que os cerca.
A esse processo de luta, Boaventura Santos (idem) chamou de globalização
alternativa ou contra-hegemônica, na medida em que, a despeito de também ser
fruto da globalização, organiza suas ações como resposta – ou ofensiva
(GENTILLI, 2005) – aos danos implementados pela globalização hegemônica
(SANTOS, 2002).
Seguindo na mesma linha e focando mais especificamente no cenário
brasileiro, atentamos também para o caráter dual, e porque não dizer, tensionado
da globalização. De um lado, o da globalização alternativa, são intensificados, na
década de 1990, os movimentos em prol de uma sociedade mais justa e inclusiva
pautados na realização dos direitos humanos; movimentos estes que, como
salientei acima, tiveram seu ponto de partida na década anterior. Para além da
continuidade e ampliação dos projetos começados na década de 1980, voltamos
nossos olhares também para a necessidade de incorporação de novos atores,
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inclusive e especialmente o governo federal, na luta por uma sociedade menos
desigual (CANDAU, 2003). A noção de uma “educação em direitos humanos”,
como aponta Candau (idem), encontrou lugar de destaque para a construção dessa
sociedade. E muitas foram as conquistas: a promulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente em 1990; a elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação em 1996; a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais em 1997,
assim como vários movimentos, congressos, seminários, organizações sociais,
encontros de educadores, todos voltados para a formação de uma educação como
um direito humano e para a cidadania, com o fito de criar uma alternativa mais
justa e inclusiva diante das dificuldades impostas pela adoção de um projeto
hegemônico e excludente, onde a democracia e os direitos humanos assumem, em
geral, um caráter bastante formal e, porque não dizer, seletivo. (idem). Vale
lembrar que países como o Brasil, assim como outros na América Latina,
“caracterizados pelo histórico de violações aos direitos humanos, expresso
pela precariedade e fragilidade do Estado de Direito e por graves e
sistemáticas violações dos direitos básicos de segurança, sobrevivência,
identidade cultural e bem-estar mínimo de grandes contingentes
populacionais” (PNEDH, 2006, p.15)
são ainda mais afetados pela globalização econômica, se relacionados a outros
países que já realizaram satisfatoriamente a universalização dos direitos, como
por exemplo, França e Inglaterra.
Por outro lado, a lógica estabelecida pela globalização hegemônica, ou, pelo
mercado global, impõe algumas marcas e tensiona ainda mais essa relação entre
democracia e cidadania, e fragiliza, de certa forma, a conquista de direitos civis,
políticos e especialmente sociais e culturais acirrando a produção e reprodução de
uma massa de não-cidadãos no país.
De acordo com o que vimos no capítulo primeiro deste trabalho, democracia
e cidadania, no Brasil, muito em função da forma conservadora como nos
modernizamos, desde o início, se desenvolveram como “coisas” restritas a um
pequeno número de pessoas, conservando e reproduzindo, ao longo de nossa
história, um enorme contingente de “indivíduos” excluídos, destituídos de sua
dignidade, dos direitos de emprego, moradia, saúde e educação que formam um
bolsão de marginalizados que ainda hoje se impõem à nossa realidade
(DAMATTA, 2000), (SACAVINO, 2003).
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É nesse contexto de intensificação da exclusão e da produção de
“subcidadãos” (SOUZA, 2003), em razão da aceleração do processo de
globalização que se tornam prementes a luta pelos direitos e se justifica a
existência de uma educação emancipatória, visto que esta é compreendida como
uma alternativa para a criação de uma sociedade mais justa, igualitária,
multicultural, que valoriza a dignidade dos cidadãos, seu “direito a ter direitos”
(ARENDT, 1991), e que seja efetivamente democrática.
Cabe ressaltar que, sendo a educação o tema deste trabalho, focamos em
suas possíveis contribuições para minoração das desigualdades sociais e para o
estímulo ao exercício da cidadania e à uma participação mais ativa na sociedade.
E o fazemos em razão desta variável ser considerada um importante correlato das
desigualdades sociais e um importante pré-requisito para o exercício dos direitos.
Entretanto, não se pretende aqui atribuir à educação unicamente a
responsabilidade pela resolução das mazelas sociais, isto é, tomá-la como
“redentora dos pecados da sociedade” (PERRENOUD, 2005, p. 9). O que se
pretende, no entanto, é chamar a atenção para a educação como sendo um
importante canal para o alcance da cidadania e diminuição das desigualdades
sociais, haja vista ser ela um lócus de formação e difusão de saberes, valores,
criatividade, normas, enfim, um meio propício à elaboração e transformação do
conhecimento e da formação de sujeitos cognoscentes (LECA in PAIVA, 1994),
aptos a manejar crítica e reflexivamente esses conhecimentos, estando, dessa
forma, mais habilitados a participar da sociedade a que pertencem.
A globalização, como já fora dito acima, apresenta duas faces, uma
alternativa ou inclusiva e outra excludente ou hegemônica. A face inclusiva
refere-se a maior facilidade de deslocamento, de comunicação e informação, de
acesso a bens de consumo, e incorpora ainda, e, sobretudo, a organização de
setores excluídos ou desfavorecidos da sociedade, em torno de lutas por direitos,
que vão desde direitos mais básicos, como acesso à educação, à saúde, ao
emprego, ao direito ao meio ambiente, à biodiversidade, à diferença, etc.
(SACAVINO, 2003), (SANTOS, 2002). E a luta por esses direitos se fortalece
muito em função das facilidades de troca de informação e cultura. Não obstante
essas facilidades e as maiores possibilidades de organização de movimentos
sociais, atentamos para o enorme contingente de “indivíduos” sem acesso à
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educação, saúde, habitação e emprego na atualidade. E, mesmo quando têm
garantido o acesso a esses direitos, este não vem acompanhado de uma melhoria
na qualidade, o que compromete sobremaneira a inclusão social, política e
econômica desses indivíduos.
O que quer dizer que a globalização, ao mesmo tempo em que promove o
bem-estar e o desenvolvimento, condena parte da população à exclusão e à
“subcidadania” (SACAVINO, 2003), (SOUZA, 2003). É dessa tensão entre a
globalização hegemônica – excludente e voltada para o mercado – e a
globalização alternativa – inclusiva e que implica na organização de setores
excluídos dentro da sociedade civil em prol da luta por direitos garantidos pelo
Estado, e por outros tantos que ainda se pretendem fazer direitos – que emerge,
como aponta Boaventura Santos (2002, 2003), um canal para a emancipação
social dos setores mais desfavorecidos da sociedade. É como se os caminhos para
a emancipação social fossem fruto de uma luta em prol do reconhecimento e da
realização de direitos legais – fruto de conquistas da modernidade – que a
globalização hegemônica vem tentando negligenciar. Mas de que forma a
educação se liga à essa questão da emancipação social?
Ao propormos uma educação emancipatória estamos pensando, além do que
foi dito acerca do estímulo à liberação cognitiva dos indivíduos, em sua
capacidade de incorporar ao seu projeto e prática pedagógicos, a questão da
diversidade cultural. Para tal, seria necessário que essa educação fosse orientada
por políticas de cunho multicultural. Estas, por sua vez, tendem a assumir um
conteúdo emancipatório na medida em que partem do reconhecimento do direito à
diferença sem abrir mão da valorização de um projeto igualitário, que possa
promover o mínimo de condições para uma vida digna a todos os cidadãos (num
âmbito local e/ou global), independentemente das complementaridades sócio-
econômicas e culturais dos mesmos (SANTOS, 2003). Em sendo assim, uma
educação orientada por políticas multiculturais assumiria a existência dessas
novas configurações de direitos, de identidade e de justiça, expressos na própria
concepção da “nova cidadania”, como visto anteriormente. Dessa forma, a
educação emancipatória se mostraria concatenada com as transformações sociais
e culturais de seu tempo, incitando, como conseqüência da consciência dessas
mudanças – que inclui a consciência do direito à igualdade e à diferença – a
participação mais ativa dentro da esfera pública, e favorecendo a ampliação das
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chances de emancipação social dos grupos menos favorecidos e/ou excluídos na
sociedade.
3.2.1. Cultura hegemônica x cultura alternativa: o conceito de
qualidade em educação.
Desde o início deste trabalho estamos focando na importância de tratar a
educação como um direito e para o exercício dos direitos de cidadania, dado que
a dissociação entre a educação e os direitos nos distanciaria da realização de uma
educação efetivamente de qualidade. Vimos no capítulo anterior que a educação
pública ainda se mostra deficitária do ponto de vista qualitativo. Como chegamos
a essa conclusão? Ao analisar alguns “indicadores numéricos” (HADDAD, 2006)
relativos aos resultados da educação, como, por exemplo, as taxas de aprovação,
reprovação, afastamento por abandono, defasagem série/idade e as médias de
desempenho dos alunos avaliados pelo SAEB, pudemos perceber que ainda são
muito altas essas taxas e que o desempenho dos alunos é insuficiente, e se mostra
muito aquém do desempenho esperado para as séries cursadas por eles. Outros
“indicadores numéricos” que apontam para a qualidade da educação se referem à
infra-estrutura das instituições de ensino – medida através da existência ou não de
laboratórios de informática e de ciências, bibliotecas, quadras de esporte, merenda
escolar, etc. – e à qualificação dos professores que, como nos aponta o próprio
relatório do SAEB (2003), ainda é muito precária.
Não obstante a grande importância desses indicadores para caracterizar o
perfil qualitativo da educação pública no país, e, sobretudo, para conferir
subsídios para a organização de políticas públicas que visem melhorar esse
quadro de ineficiência que assombra a educação pública, não devemos restringir a
análise da qualidade da educação focando apenas nos “indicadores numéricos de
produtividade”, como aponta HADDAD (2006, p. 4). Para além da preocupação
em torno dos resultados da educação, que não consideram a história particular dos
alunos avaliados, devemos atentar também para a qualidade no sentido de
envolvimento da escola com a comunidade, no sentido de incorporação da
diversidade cultural e de elementos que fomentem a luta por igualdade e justiça
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social no currículo e na prática escolar, e, por fim, qualidade no sentido de total
associação entre educação e direitos humanos (CAMPOS & HADDAD, 2006). É
nesse sentido que desponta a educação emancipatória, orientada pelos direitos
humanos, como uma alternativa possível para realização de um ensino
efetivamente de qualidade.
Tratar da questão da qualidade da educação é tarefa árdua e se constitui
como tal desde a adoção do conceito de “qualidade”, dado que é um conceito
polissêmico (SOUZA, 2003), que admite várias significações e interpretações,
exatamente por ser histórico e socialmente construído, variando, portanto,
conforme o contexto social, a cultura vigente com seus respectivos códigos,
valores e crenças, etc. (CAMPOS & HADDAD, 2006). Apesar de marcado pela
existência de forte polissemia em sua conceituação, trabalharemos aqui com uma
noção de qualidade que vem sendo incorporada à luta de educadores, pensadores
da educação no Brasil e de movimentos sociais ligados ao campo educacional que
resistem à uma idéia de qualidade voltada única e exclusivamente para o mercado
de trabalho. Nesse sentido, e seguindo com nossa argumentação inicial sobre a
dualidade da globalização, podemos atentar para a existência de dois discursos
distintos sobre a qualidade em educação, ainda que não totalmente opostos, haja
vista a destacada importância, em ambos os discursos, da educação para a
qualificação para o trabalho. É o que veremos agora.
Podemos dizer que o “discurso hegemônico” se manifesta mediante o
esvaziamento da cultura que dá sentido à prática escolar, ou melhor, da cultura
que caracteriza a educação como um direito social e um valor democrático,
passando, sub-repticiamente, a caracterizá-la como mais uma mercadoria,
dissociando, portanto, a instituição escolar do direito à educação (GENTILLI,
2005). Batalha não tão árdua de ser vencida num país com um histórico de
descaso tão flagrante para com o sistema educacional público, desde sua expansão
no início do século XX (ROMANELLI, 2005). Em outras palavras, o que se está
tentando dizer é que o discurso da qualidade em educação acampado por essa face
hegemônica da globalização é um discurso que dissocia a educação pública do
sistema democrático de direitos, que a esvazia, portanto, de seu conteúdo político-
pedagógico, que pode ser traduzido pela existência de um conteúdo vazio de
noções democráticas e de direito, de igualdade e de justiça, e dissociado da
realidade que a circunda. Este discurso, portanto, se mostra intimamente ligado à
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idéia de produtividade, ou seja, tanto mais qualidade tiver a educação, maior e de
maior qualidade será a produtividade do indivíduo “formado” pela escola. Esse
discurso hegemônico é comumente reconhecido como um processo de
“mercantilização da educação” (GENTILLI, 2005), (SUÁREZ, 2005).
Ao contrário desse conceito hegemônico de qualidade, o conceito de
qualidade em educação acampado pela face alternativa da globalização, e
sustentado neste trabalho, é o de qualidade para a formação de indivíduos
autônomos, críticos e reflexivos, aptos ao exercício da cidadania, cônscios de seus
direitos e deveres. Aqui a noção de qualidade é entendida como meio para o
fortalecimento da democracia. A qualidade, nesse sentido, é democratizadora,
inclusiva, e emancipatória, e não excludente e seletiva (CANDAU, 2002). De
acordo com esse viés emancipatório, inclusivo e democratizador, a qualidade do
ensino acaba assumindo um caráter de luta social, ou melhor, de luta por justiça
social; no caso da escola, uma justiça que passa pelo direito à igualdade de
capacitação e pela incorporação da diversidade cultural ao currículo escolar.
Faz-se necessário esclarecer que, não obstante se critique o discurso da
qualidade para o mercado, não se está, de forma alguma, negligenciando a
importância da educação para a qualificação profissional, tampouco condenando-
a, apenas não se concebe aqui a educação como um instrumento única e
exclusivamente voltado para isso. Apenas chamamos a atenção para a importância
de não condicionar a educação escolar apenas à sua capacidade de preparação de
mão-de-obra para o mercado, que, segundo Haddad (2006), é o que tem sido mais
fortemente destacado nos últimos anos, mas devemos atentar para sua
imprescindibilidade para a formação para a cidadania. Nesse sentido, Haddad nos
diz que
“o discurso hegemônico é o de reduzir a educação como função para o
desenvolvimento econômico, para o mercado de trabalho, para formar mão-
de-obra. Não podemos desqualificar a importância que tem a educação
como processo de preparação para o mercado, mas ela é absolutamente
insuficiente para explicar todas as dimensões do que é a educação como
direito humano”. (grifo meu) (idem, p.4).
Há um ponto que merece destaque nessa discussão, e que nos leva há uma
contradição dentro da própria conceituação de qualidade para o mercado. Se nos
voltarmos para os indicadores numéricos apontados no capítulo anterior, podemos
concluir que, à despeito da compreensão de educação voltada para a formação de
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mão-de-obra qualificada, o que temos, na realidade, são indivíduos
insuficientemente preparados para desempenhar funções das mais básicas como
compreender um texto simples ou mesmo realizar operações matemáticas não
muito complexas, quiçá preparados para exercer com competência uma profissão
no mercado de trabalho.
Parte-se da premissa, no entanto, de que a educação de qualidade que se
busca com uma educação como e para os direitos, ao favorecer o
desenvolvimento de determinadas competências, tais como, capacidade de
identificar, de avaliar, de agir autonomamente, de ser solidário, de conhecer e
lutar por direitos, estar cônscio de limites e necessidades, estar apto a agir
individual e coletivamente, a se organizar, a liderar, a participar de decisões
políticas, a lidar com situações conflituosas, com o diferente, a conhecer a
sociedade em que vive e atua, etc. (PERRENOUD, 2005), ela, necessariamente,
os estará habilitando para desenvolver suas capacidades na esfera do trabalho
5
.
Ao contrário desse ideal de qualidade em educação distanciado da noção de
educação pública como um direito social e, sobretudo, como fruto de uma
conquista democrática, uma educação que fosse concebida como um direito e
orientada por esses direitos, mediante a inclusão de políticas multiculturais na
prática pedagógica, estaria mais habilitada a estimular o conhecimento e o
reconhecimento das diferentes culturas que permeiam e constituem o tecido
social. Este é um ponto muito importante para a caracterização de uma educação
de qualidade uma vez que “estimular a memória social e histórica dos setores
subordinados” implica em “recuperar o sentido democrático de velhas lutas e
velhas conquistas”, assim como “promover, ampliar e aprofundar o debate
coletivo em torno de valores que priorizem e reivindiquem a igualdade, o respeito
às diferenças, à solidariedade, o bem público, a justiça” (SUÁREZ, 2005, p.
269).
Ou seja, uma educação emancipatória seria aquela que além de fomentar o
desenvolvimento das competências necessárias para a formação de sujeitos
cognoscentes, trabalhasse também no sentido de recuperar a memória sócio-
5
Uma vez mais, não se quer dizer com isso que se deva prescindir de “especializações”, apenas
que elas devem existir em níveis mais “avançados” da educação e não substituindo a educação
básica, que deveria formar cidadãos e não “consumidores- mais-que-perfeitos”, como apregoa
Suárez (2005).
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histórica dos grupos desfavorecidos. No jargão educacional, utiliza-se a noção de
“empoderamento” das minorias (CANDAU & SACAVINO, 2003), sendo este
“empoderamento” buscado por meio da valorização de suas culturas e identidades
no âmbito escolar, para que possam atuar em igualdade de condições na sociedade
civil e estar aptos a lutar por justiça social e por seus direitos de cidadania, sempre
que de seus direitos forem privados. O fortalecimento desses grupos
desfavorecidos, mediante a capacitação (crítica, autônoma e reflexiva) de todos os
cidadãos em igualdade de condições e orientada pela lógica dos direitos, acabaria
contribuindo, em última instância, para o próprio fortalecimento da democracia
participativa no país, haja vista a extensão da participação política aos setores até
então excluídos da sociedade.
O quadro que vem se pintando desde o início do capítulo anterior e que vem
assumindo contornos mais firmes neste capítulo, aponta para um déficit de
qualidade da educação, sendo mais nefastas as suas conseqüências em países onde
os direitos sociais ainda não lograram se universalizar, como o Brasil, por
exemplo.
Dentro desse horizonte, portanto, de déficit qualitativo, coloca-se em xeque
a própria realização da democracia participativa, que implica, ao menos em tese,
no exercício da cidadania, isto é, na ação crítica, autônoma e consciente dos
cidadãos na esfera pública. Investir em educação de qualidade, nesse sentido,
representa um importante canal para o fortalecimento da democracia participativa,
para o exercício da cidadania e, quiçá, para a diminuição das desigualdades
sociais, como sugere nossa hipótese.
3.3. Sobre as políticas multiculturais em educação e as
competências necessárias para o exercício da cidadania.
A idéia de uma educação multicultural tem origem nos EUA da década
1960, período este de intensa movimentação social em torno de lutas movidas em
prol das minorias étnico-culturais; mais especificamente os negros e latinos. A
partir de então, foi-se construindo uma espécie de pedagogia multicultural e que,
por sua vez, transpôs as fronteiras americanas e vem ganhando cada dia mais
importância no cenário internacional. O Brasil vem aderindo também a essa
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perspectiva multicultural, ainda que de forma tímida, não obstante os avanços já
feitos desde o seu surgimento no país, na década de 1980 (CANDAU, 2002).
Data, portanto, das décadas de 1980 e 1990, senão o surgimento, uma maior
organização dos pensadores da educação no Brasil, e da sociedade civil, como um
todo, em prol da organização de uma educação que atentasse para um outro
aspecto da qualidade em educação, não somente aquela focada em seus resultados
numéricos e sua preparação para o mercado, mas uma educação que focasse no
desenvolvimento de competências para a formação de sujeitos cognoscentes e que
compreendesse e valorizasse as diferentes culturas existentes no país, e também
em âmbito global. Aqui, ao contrário dos EUA, a luta em torno de uma educação
multicultural apareceu primeiramente em torno de reivindicações dos grupos
indígenas e só então se desenvolveu entre os movimentos negros. Quanto a estas
lutas, desde o início elas foram marcadas pelo questionamento mais intenso acerca
da pretensa democracia racial existente no Brasil (idem).
Dentro desse contexto de questionamentos vários em torno do debate acerca
da diversidade cultural no Brasil, emergiu de imediato a importância de se
relacionar a temática da diversidade cultural à prática escolar, visto ser a escola
entendida como
“um espaço social privilegiado... de estruturação de concepções de mundo e
de consciência social, circulação e consolidação de valores, de promoção
da diversidade cultural, de formação para a cidadania, de constituição de
sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas” (PNEDH,
2006, p. 23).
Sendo este um lócus privilegiado para a irradiação e a transformação de
culturas, ele não pode prescindir de incorporar à sua agenda de reformas – no
currículo e na prática pedagógica – o tema da política de diferenças isto é, da
valorização das diversas identidades culturais (TORRES, 2001). Isto porque, ao
negligenciar a identidade de determinados indivíduos ou grupos, está-se, ao
mesmo tempo, relegando a eles usufruto diferenciado aos direitos, quiçá a
privação dos mesmos. O que quer dizer que a questão da identidade, para além de
relacionada à educação, torna-se intrinsecamente ligada à questão da cidadania e
mais, mostra-se como uma competência para a cidadania (CANDAU, 2002).
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Grosso modo, pode-se dizer que ter identidade cultural é pertencer a um
determinado grupo e participar de um dado sistema social, assim como ser
reconhecido como pertencente e participante pelos demais membros do grupo e
sistema social.
Quanto ao conceito, o multiculturalismo se traduz pela existência, ao nível
local e global, de diversas religiões, etnias, línguas, orientações sexuais, etc., isto
é, de uma pluralidade de culturas e grupos que coexistem num mesmo sistema
social. No que tange, mais especificamente, ao multiculturalismo em educação,
ele pode ser definido por meio de sua capacidade de incluir e condensar na prática
pedagógica toda a diversidade cultural existente num determinado país, de modo a
garantir que cada um se reconheça identitariamente e reconheça a sua cultura
nessa educação. Isso provavelmente incitaria e favoreceria o processo de
construção do conhecimento por todos os alunos e não somente para os oriundos
das classes representantes da cultura dominante (CANDAU, 2002), (TORRES,
2001), minorando, assim, as chances de reprodução das desigualdades sociais
durante o percurso escolar.
Torna-se desafio, portanto, da educação que adote uma perspectiva
multicultural, permitir e promover a coexistência de várias identidades culturais
localizando todas elas num mesmo sistema social igual, mas composto de culturas
diferentes. A localização de todos em igualdade de condições dentro de um
mesmo sistema social implica também o usufruto dos direitos de cidadania por
parte de todos, visto que são iguais, ainda que diferentes (CANDAU, 2002),
(PIERUCCI, 1999). Um bom exemplo de política multicultural no campo
educacional brasileiro diz respeito à lei 10.639, sancionada em janeiro de 2003.
Esta lei determina a inclusão no currículo escolar do estudo da História e Cultura
Afro-Brasileira, partindo da história da África, passando pela história da cultura
negra no Brasil e chegando até aos movimentos de luta empreendidos pelos
negros na contemporaneidade com o fito de resgatar “a contribuição do povo
negro nas áreas social, econômica e política”
6
do Brasil. Em outras palavras,
com o intuito de fortalecer a memória social deste grupo que, por séculos, vem
tendo sua identidade negada e seus direitos negligenciados.
6
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.639.htm
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Vale frisar, por tudo isto, que o fato de sermos diferentes em habilidades,
capacidades, culturas, etnias, etc., isso não nos torna desiguais. É preciso atentar
para esse fato para não contrapormos a diferença à igualdade, para não cairmos
nessa “cilada” (PIERUCCI, 1999). A assunção da diferença assume aqui a idéia
de combate à indiferença aos diferentes, à homogeneização que solapa as
diferenças. A defesa da diferença representa uma defesa do reconhecimento do
outro, da alteridade, visto que a igualdade se encontra no reconhecimento, na
representação e em poderes iguais para todos. Por isso, a diferença não pode ser
sinônimo de desigualdade, e tampouco contraponto de igualdade (SOUZA, 2002).
Segundo o PNEDH, o reconhecimento da pluralidade e da alteridade pelo
processo formativo “são condições básicas da liberdade para o exercício da
crítica, da criatividade, do debate de idéias e para o reconhecimento, respeito,
promoção e valorização da diversidade” (PNEDH, 2006, p. 23).
Assim como o ideal de homogeneização cultural, a luta pela diferença
também é parte constituinte e indissociável da globalização (PIERUCCI, 1999).
Entretanto, o primeiro ideal está ligado a uma perspectiva hegemônica, e a
diferença, por sua vez, a uma perspectiva alternativa e inclusiva da globalização.
Da mesma forma que se pretende rechaçar a mercantilização da educação e o seu
esvaziamento político e pedagógico, pretende-se, por meio de uma educação
emancipatória, legitimar a diferença como um direito e também como uma
competência para a cidadania, visto que ao negá-la, abre-se espaço para a
reprodução “velada” das desigualdades sociais no decorrer do ciclo de estudos e,
conseqüentemente, para a desigualdade no exercício da cidadania e usufruto dos
direitos.
Salientamos no capítulo anterior que, para que a escola possa efetivamente
contribuir para a diminuição das desigualdades e para a realização de direitos, ela
deve, desde o início, levar em conta as diferenças culturais de seus alunos e
atentar para as desigualdades existentes, para não legitimá-las e reproduzi-las,
pois ao tratar todos os educandos de forma igual, ignorando suas diferenças
culturais, assim como suas desigualdades no acesso ao conhecimento e em sua
apreensão, a escola acaba por corroborar as desigualdades e multiplicá-las ao
longo do percurso escolar, e para além do mesmo. Nesse sentido Bourdieu afirma
que
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A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e
justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais
diante do ensino e da cultura transmitida, ou, melhor dizendo, exigida”...
Mas o fato é que a tradição pedagógica só se dirige, por trás das idéias
inquestionáveis de igualdade e de universalidade, aos educandos que estão
no caso particular de deter uma herança particular, de acordo com as
exigências culturais da escola” (BOURDIEU, 2005, p. 53).
No bojo da mesma discussão acerca da tensão existente entre igualdade e
diferença, Candau (2002) salienta que a educação, ao assumir uma perspectiva
multicultural tem de lidar com a velha tensão entre igualdade e diferença, entre o
universalismo e o particularismo, e destaca que uma educação universalista não
quer dizer necessariamente uma educação representativa da cultura dominante,
excludente e etnocêntrica. É possível, no entanto, segundo a autora, que exista
uma educação universal dentro da qual se expresse a diversidade cultural, a
tolerância e o respeito às diferenças, isto é, aos particularismos. É isso que se
busca com uma “educação em direitos humanos”. A autora afirma, porém, que
“Esta tensão só estará totalmente superada quando educadores (as), alunos
(as) e comunidade entenderem que tratamento igual não significa
tratamento uniformizante, que desrespeita, padroniza, e apaga as
diferenças. O que se quer é uma igualdade que se constitua num diálogo
entre os diferentes, capaz de explorar a riqueza que vem da pluralidade de
tradições e de culturas. Enquanto a diversidade cultural for um obstáculo
para o êxito escolar, não haverá respeito às diferenças, mas produção e
reprodução das desigualdades” (CANDAU, 2002, p. 71).
Ainda com relação a esta questão da homogeneização e da diferença,
Pierucci (1999) argumenta que a tendência em direção à homogeneização existe
lado a lado com o fascínio pela diferença que é “alimentado pelo marketing da
alteridade, da etnicidade, da localidade” (idem, p. 156); e este fascínio tem
estado voltado também para as culturas globais e não mais e somente para as
locais. O que quer dizer que quando se fala em incorporação da diversidade
cultural está-se falando numa perspectiva tanto local quanto global.
Não se trata de priorizar o global em detrimento do local ou vice-versa, mas
sim, de pensar na articulação entre os dois, nas diferenças e semelhanças que os
caracterizam. É preciso estar atento para o fato de que não há uma separação
estanque entre o que é global e o que é local. As identidades já não são mais
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construídas dentro dos limites do local; as identificações locais são construídas
com base em identificações globais e vice-versa. As identidades locais, agora, são
“multilocalizadas”, são construídas em vários lugares, por vários agentes
diferentes, com inúmeras finalidades também diferentes. Não há mais uma única
identidade, mas identidades múltiplas. E o que permite essa multiplicidade na
criação de identificações é, em grande parte, essa compressão espaço-tempo
deflagrada pela globalização que faz com que idéias, símbolos, valores e costumes
circulem por tantos lugares com uma velocidade tamanha que se cria rapidamente
a sensação de pertencimento (PIERUCCI, 1999). E a educação precisa estar atenta
à existência dessas múltiplas identidades para não correr o risco de continuar a
impor uma cultura dominante e fomentadora de desigualdades em detrimento de
uma cultura democrática e cidadã.
Um bom exemplo para tratar dessa questão da multiplicidade de identidades,
são os Movimentos Negros. Embora a cultura negra não seja igual em todos os
“locais” do “globo” a necessidade de se criar pertencimento faz com que os
negros de todos os locais lutem pelas mesmas causas em nome de um só
movimento, o Negro. Mas se a cultura negra não é uma só, mas múltipla, o que
promove essa identificação global? A identificação é resultado de algo que seja
igualmente compartilhado por todos os negros, a exclusão social. Este exemplo é
bastante elucidativo na medida em que demonstra como a globalização com sua
tendência à homogeneização foi, e é deveras importante para ressaltar as
diferenças e garantir paradoxalmente a hibridação à despeito da homogeneização.
A igualdade na modernidade globalizada se faz sentir, no caso dos movimentos
negros – e de outros tantos movimentos como o feminista, o dos homossexuais,
dos índios, etc. – não por meio do usufruto de direitos iguais, mas pela existência
da carência de integração (DURHAM, 1984), da discriminação racial e/ou da
exclusão social que é igualmente sentida por todos em diferentes partes do globo.
E é esse fato que os identifica e os leva a pleitear igualdade através da diferença e
a lutar por reconhecimento e redistribuição (FRASER, 1997).
O tema da discriminação racial, a despeito de não ser o tema central deste
trabalho, está presente nas entrelinhas de toda discussão acerca das desigualdades
educacionais e sociais no Brasil, como vimos no capítulo anterior. Nos EUA
também não é diferente. Não é à-toa que a idéia de uma educação multicultural
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surgiu, como bem salientou Candau (2002), motivada, principalmente, pela luta
dos movimentos negros em torno da reivindicação de seus direitos.
Guardadas as enormes diferenças entre EUA e Brasil, no que concerne às
formas de discriminação contra os negros, também aqui os movimentos negros
exerceram demasiada importância para a preocupação em torno das políticas
multiculturais em educação. E a lei 10.639 citada anteriormente é um bom
exemplo disso. E como não poderia deixar de ser, a preocupação com o
reconhecimento e valorização da cultura negra, assim como com o combate à
discriminação dentro do âmbito escolar, são alguns dos desafios assumidos por
uma educação emancipatória. Mas os desafios não se restringem aos grupos
negros, mas a todos os grupos minoritários que têm grande parte de seus direitos
negligenciados e suas chances de participação limitadas.
Para tratarmos um grupo como minoria, temos que contextualizar as
relações de poder dentro das quais ele está inserido, assim como o quão atendido
ele é, se o é, pelos direitos civis, sociais e políticos. A julgar por essa descrição e
pelos dados analisados no capítulo anterior, podemos, sem pestanejar, alocar,
além do grupo dos negros (pretos e pardos), os índios, os nortistas e os
nordestinos, por exemplo, como minorias
7
.
No caso dos negros (pretos e pardos), como fora visto no capítulo anterior,
apesar de representarem cerca de 49,5% (PNAD-2005) da população brasileira,
eles ainda são sócio-econômica e culturalmente excluídos ou sub-representados na
sociedade. Não se pretende ampliar a discussão em torno desse assunto, uma vez
que já dedicamos uma seção no capítulo anterior a ele, apenas se fez necessário
sua menção para ilustrar a importância da valorização das minorias –
apresentando como exemplo um dado relativo às desigualdades sofridas pelos
negros (pretos e pardos) – por uma educação que se pretenda democrática.
A idéia, portanto, de pensar na incorporação de um projeto que valorize a
diversidade cultural na metodologia educacional, em tempos de globalização, é
fundamental para que se chegue a uma alternativa pedagógica possível que
7
É preciso ressaltar que, a despeito de serem considerados minorias, há nuances no tipo e na
intensidade da discriminação sentida por cada grupo. Podemos destacar, a título de exemplo, que o
processo de inclusão social das mulheres tem se dado de forma mais rápida que o dos negros.
Neste último caso, podemos chamar a atenção para a possível existência de um “preconceito de
marca” (como aponta Oracy Nogueira) que dificulta ainda mais o processo de inclusão dessas
minorias.
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coadune o princípio democrático da igualdade às especificidades culturais,
garantindo a coexistência de ambos dentro de um mesmo projeto pedagógico.
Dessa forma, a escola poderia ser entendida como um espaço sócio-cultural
(SOUZA, 2002) – e não como um produto à serviço do mercado – e seus alunos
como os sujeitos políticos a que Freire (2006) tanto se referia em seus textos.
Quando se fala em incluir na metodologia e nos conteúdos educacionais
propostas pedagógicas que representem as diferentes culturas e que favoreçam a
formação para a cidadania, não se está querendo dizer que deva existir mais de um
currículo, tampouco que deva existir uma matéria especifica que “forme” para a
cidadania – e esta é a aposta dos PCNs (1997), do qual trataremos a seguir.
Defende-se apenas que dentro de um único currículo estejam representadas as
várias culturas e tradições existentes na sociedade, e que as competências para a
cidadania estejam, por sua vez, presentes em todas as matérias e práticas
pedagógicas, dado que a “a educação para a cidadania é (...) um problema de
todas as disciplinas, de todos os momentos da vida escolar” (PERRENOUD,
1999, p. 13). A educação que forma para cidadania é, portanto, aquela que
relaciona diretamente o conteúdo curricular às experiências contidas nas relações
sociais, fomentando o fortalecimento dos “bons” valores e inibindo a reprodução
dos “maus” com o objetivo de se alcançar uma “vida digna” (ARENDT, 1991).
Quanto aos “bons” valores, eles podem ser encontrados “diluídos” nas
competências a serem desenvolvidas pela educação para estimular a formação do
cidadão e o exercício da cidadania, como está delineado nos PCNs (1997). Além
das competências, num sentido mais amplo, como identidade, diferença,
diversidade cultural propostas por uma educação que forma para a cidadania, há
que se desenvolver também algumas outras competências que, de uma forma ou
de outra, estão relacionadas às competências propostas acima. São elas:
capacidade de identificar, de avaliar, de agir autonomamente, de ser solidário, de
aprender a conviver, a conhecer e a fazer, de conhecer e lutar por direitos, estar
cônscio de limites e necessidades, estar apto a agir individual e coletivamente, a
se organizar, a liderar, a participar de decisões políticas, a lidar com situações
conflituosas, com o diferente, a conhecer a sociedade em que vive e atua, assim
como as transformações pelas quais ela vem sendo acometida, etc.
(PERRENOUD, 2005), (PCNs – 1997).
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3.4. Um hiato entre leis e sua efetivação: a LDB, os PCNs e a
realidade escolar.
Em 1996, um ano antes da organização dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação a qual
sinalizou para a importância de se pensar a educação como um direito social e
relacioná-la diretamente ao exercício da cidadania. Faz-se necessário, portanto,
destacar alguns “artigos-chave” desta Lei para que possamos compreender melhor
sob que circunstâncias e bases legais os PCNs puderam ser formulados.
Vê-se delineado logo nos primeiros artigos desta Lei (LDB-96) a condição
de direito social da educação, suas finalidades e os processos que procura
abranger. No que tange ao seu reconhecimento enquanto direito, pode-se destacar
que, em seu quarto parágrafo, chama a atenção para o fato de ser dever do Estado
garantir educação pública e gratuita com “padrões mínimos de qualidade de
ensino”
8
. Esta educação ofertada pelo Estado compreende o ensino infantil –
“atendimento gratuito em creches e pré-escolas”
9
– o ensino fundamental,
médio e o superior. Deter-nos-emos aqui, mais especificamente, aos níveis
fundamental e médio. Ao tratar do ensino fundamental, a Lei 9.394 destaca
claramente a educação como um “direito público subjetivo”
10
, “obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”
11
e
segue concedendo a todos os cidadãos e grupos dentro da sociedade civil o direito
de exigi-la, caso seu acesso seja negado, sendo considerado “crime de
responsabilidade”
12
do Estado não garanti-la.
Destarte, é tomado como objetivo do ensino fundamental “a formação
básica de cidadãos”, e como suas competências,
“o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos
o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo”, “a compreensão do
ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade”, “o desenvolvimento da
capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos
e habilidades e a formação de atitudes e valores”, e “o fortalecimento dos
8
Art.4
o
, IX.
9
Art.4
o
, IV.
10
Art.5
o
.
11
Art.4
o
, I.
12
Art. 4
o
. § 4º.
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vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social”
13
.
Todas estas competências se relacionam, em alguma medida, com uma diretriz
especialmente importante para a formação de cidadãos e a participação
democrática, qual seja, “a difusão de valores fundamentais ao interesse social,
aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem
democrática”
14
.
Quanto ao ensino médio, é também garantido a ele gratuidade e
“progressiva extensão da obrigatoriedade”
15
imputada ao ensino fundamental.
Sendo a etapa final do ensino básico, este nível de ensino tem como finalidade,
delineada na LDB-96,
“a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental”; “a preparação básica para o trabalho e a cidadania
do educando”; “o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e
do pensamento crítico”; e “a compreensão dos fundamentos científico-
tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática,
no ensino de cada disciplina”
16
.
Não obstante esse enorme progresso no campo das leis que orientam a
educação no país, expressos nos artigos selecionados acima – referentes ao ensino
fundamental e médio – sua efetivação, como pudemos perceber mediante a análise
de alguns indicadores numéricos no capítulo anterior, está longe de ser realizada
na prática. A realidade é que a maioria dos alunos conclui os ensinos fundamental
e médio sem deter as competências básicas exigidas por sua formação – e
requeridas pelo MEC – deixando o ensino básico, portanto, muito pouco
qualificados para o trabalho e para o exercício da cidadania. O que não pode ser
considerado uma grande surpresa se atentarmos para a longa tradição existente no
país “de colocar nas leis, direitos que acabam não sendo implementados, ou só o
são de forma muito limitada, levando a uma oposição entre o ‘legal’ e o ‘real’
que faz parte, de longa data, do imaginário político e intelectual da nação”
(SCHWARTZMAN, 2004, p. 37).
13
Art.32
o
. I, II, III e IV, respectivamente.
14
Art.27
o
. I.
15
Art.4
o
, II.
16
Art. 35, incisos I, II, III e IV, respectivamente.
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137
Um “dever da família e do Estado”, a educação mostra-se nitidamente
relacionada aos princípios democráticos visto que, de acordo com o parágrafo
segundo, ela deve ser “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana”, tendo “por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”
17
. Nesse sentido, ela deve abranger
“processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”
18
.
Dentre os princípios enumerados no artigo terceiro a que a educação básica
(ensino infantil, fundamental e médio) deve se basear, salientaremos a
necessidade de
“igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, o
“respeito à liberdade e apreço à tolerância”, a “gestão democrática do
ensino público” e a “vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as
práticas sociais”
19
.
Com base nesses princípios, foram estipuladas ainda algumas diretrizes,
objetivos e competências a serem incorporadas ao conteúdo curricular, que podem
ser apreciadas também nos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação
(1997), e que refletem a base da educação emancipatória sugerida neste trabalho.
Por fim, cabe ressaltar que já estava presente nesta LDB a preocupação com
políticas educacionais de cunho multicultural – ainda que timidamente e
circunscrita a uma matéria – expressa no parágrafo quarto do artigo 26 o qual
determina que o Ensino da História do Brasil deve “levar em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e européia”.
Coube aos PCNs (1997), na verdade, tornar mais objetivas as disposições
contidas nesta LDB (1996) com o intento de orientar as políticas educacionais
multiculturais a serem desenvolvidas no sistema escolar. Em outras palavras, foi
através dos PCNs que puderam ser incorporadas (ao menos em teoria) às
17
Art.2
o
.
18
Art.1
o
.
19
Art.3
o
.I, IV, VIII e XI, respectivamente.
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competências educacionais as lutas desenvolvidas pelos movimentos sociais por
direitos de cidadania, ressaltando o direito à diferença e a valorização da
diversidade cultural que implica em afirmação identitária de grupos até então sub-
representados pelo sistema educacional, e na conseqüente expansão de suas
chances de participação e emancipação social. Os PCNs de 1997 incluíram
também em seus parâmetros, como nos aponta Haddad (2006), a preocupação
“com questões como o convívio social, a educação sexual e o meio ambiente”.
Mais uma vez, não obstante esses avanços legais, o autor destaca que os
movimentos sociais na atualidade “têm reivindicado propostas e mudanças nos
currículos escolares muito mais amplas do que previam os documentos oficiais”
(idem, p. 112). Podemos citar como exemplo desses movimentos aqueles ligados
às causas negras, indígenas e mesmo dos trabalhadores sem-terra.
Outro tema inovador que esteve presente nas diretrizes para a educação e
nos parâmetros curriculares, é o da interdisciplinaridade. Por interdisciplinaridade
entende-se a
“reunião das contribuições de todas as áreas do conhecimento num
processo de elaboração do saber voltado para a compreensão da realidade,
a descoberta de potencialidades e alternativas de se atuar sobre ela, tendo
em vista transformá-la” (ZEMELMAN in BORDONI, 2002).
Dessa forma, o projeto interdisciplinar visa a ampliação do exercício da
cidadania na medida em que estimula o conhecimento da realidade social, assim
como a participação e intervenção dos cidadãos nessa realidade. Pode-se dizer que
as políticas de cunho multicultural em educação, que não devem prescindir da
interdisciplinaridade, atuam no sentido de valorizar a ação dos indivíduos em
sociedade mediante a valorização de suas identidades culturais, dentro de um
arcabouço comum pautados pelos diretos de cidadania.
Todas essas propostas contidas na LDB-96 e nos PCNs-97 visam, de uma
forma ou de outra, favorecer a construção de conhecimentos, assim como as
competências necessárias para compreender e participar da vida em sociedade,
competências tais como capacidade de se informar, de distinguir informações,
opinar, criticar, refletir, argumentar, questionar, “defender um ponto de vista”;
visam ainda estimular o fortalecimento de uma cultura científica, o uso dos
“saberes para desenvolver a razão”, o reconhecimento da diferença e, sobretudo, o
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reconhecimento de que diferença não implica em desigualdades, mas ao contrário,
está calcada no princípio da igualdade (PERRENOUD, 1999). Como já foi
salientado na seção anterior, estimular todas essas competências na prática
pedagógica e nas relações dentro e fora da escola contribuem para “estimular a
memória social e histórica dos setores subordinados” (SUÁREZ, 2005, p. 269),
para estimular a emancipação social desses setores e, como conseqüência, infere-
se, para construir raízes mais sólidas para o desenvolvimento da democracia
participativa.
Entretanto, e mais uma vez nos remetendo aos dados analisados no capítulo
anterior, pode-se afirmar que a educação escolar no Brasil não estimula essas
competências descritas acima, o que dificulta, ou impede, a compreensão e
participação dos educandos na vida em sociedade, mas estimula a mera
memorização de informações, tornando o ensino burocrático e mesmo sem
sentido tanto para os educandos quanto para os professores, dada a dificuldade de
se relacionar o que estão “aprendendo” e/ou “ensinando” como a vivência
cotidiana que a realidade exige (SCHWARTZMAN, 2004). E um ensino sem
sentido, definitivamente, não qualifica ninguém para o mercado, tampouco para o
exercício da cidadania.
A proposta de uma educação emancipatória, nesse sentido, não implica na
busca por uma nova Lei de Diretrizes e Bases, ou mesmo de novos Parâmetros
Curriculares, mas, mais simples que isso, procura através da orientação da prática
educacional pelos direitos humanos, conseguir coadunar a teoria “legal”
existente, à prática pedagógica “real” desenvolvida dentro dos muros escolares.
É o que faz, por exemplo, o Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (2006), organizado pelos Ministérios da Educação e da Justiça, em
conjunto com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Neste Plano, podemos
perceber diluídas em todas as suas linhas de ação muitas das diretrizes e
parâmetros já existentes na LDB-96 e nos PCNs-97, com o diferencial que a
importância dessas leis e diretrizes são ratificadas em cada seção do plano sempre
relacionadas à necessidade de serem efetivadas, haja vista a educação ser
entendida como um direitos humano essencial. E na condição de direito humano
essencial, prover uma educação de qualidade que efetivamente capacite os
educandos para o reconhecimento, o exercício e a difusão dos direitos humanos
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deve ser um compromisso do Estado de direitos. É nesse Plano também que
vemos mais bem delineada a preocupação em torno da incorporação da
diversidade cultural existente no país. Nesse sentido, o PNEDH destaca como um
dos princípios da educação o fato de ela dever
“estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a cidadania,
o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial,
religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de
orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a
qualidade da educação” (PNEDH, 2006, p. 24).
Cabe, por fim, pensarmos, com base em muitas das competências delineadas
nos PCNs-97 e na LDB-96 que ainda não saíram do papel, como nos lembra
Cunha (2001), que um dos graves problemas existentes no Brasil para a realização
de uma educação de qualidade reside numa característica muito peculiar de nossas
políticas públicas, o fato de se constituírem como “políticas ziguezague”. Isto é,
na maioria das vezes, não há continuidade de um projeto de política pública
quando há mudança de governo, o que impede a própria “testagem” das leis que
foram elaboradas, para saber que pontos dessas leis promovem os avanços
esperados e quais deles devem ser burilados a fim de que alcancemos “nosso”
alvo, a efetivação de uma educação de qualidade.
No caso da LDB-96 e dos PCNs-97, eles permanecem orientando, de modo
geral, a formação do currículo escolar desde quando foram criados, mas
destacamos a ineficiência do ensino para colocar tais parâmetros e diretrizes em
prática. Quanto ao PNEDH (2006), fica a esperança de que fuja à regra e que
possa efetivamente contribuir para a melhoria da qualidade da educação, com a
conseqüente capacitação igualitária das crianças e jovens que passam pelo ciclo
escolar, fomentando sua participação crítica e reflexiva na sociedade em que
vivem, assim como seu reconhecimento e valorização da pluralidade e respeito
pela alteridade, de modo a tentar conter o ciclo de reprodução de desigualdades
que o processo de modernização conservadora em educação institucionalizou no
Brasil. Esta sim, seria uma educação emancipatória.
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Considerações Finais:
“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho...”
(Carlos Drummond de Andrade. No meio do Caminho).
Durante todo o trabalho buscamos compreender partes das causas da
educação pública no Brasil ser estruturada e concebida como de baixa qualidade,
dado que ao compreender minimamente as possíveis causas de seu status
deficitário, chegaríamos mais facilmente a possíveis alternativas para resolução do
problema.
Procuramos contextualizar um pouco do caminho percorrido pela educação
pública, seus avanços e retrocessos, desde sua primeira expansão mais sistemática
na década de 1930 até a década de 1980, quando fomos “brindados” com um novo
período onde a democracia e os direitos de cidadania começaram a orientar os
rumos das novas lutas sociais e das próprias demandas no campo da educação. Ao
mapear em linhas muito gerais este processo, tínhamos como intuito evidenciar
uma das principais características da evolução do sistema educacional no Brasil:
um sistema que seguiu por todo o século XX se transformando e avançando, mas
sempre conservando aspectos que quando não implicavam em retrocessos aos
avanços já alcançados, cortavam o sistema com uma série de mecanismos
geradores de desigualdades, que, ao invés de fomentar a inclusão e mobilização
social, acabavam por diferenciar os indivíduos e legitimar a sociedade hierárquica
e desigual que acostumamos a relacionar ao Brasil do passado e do presente.
A existência dessa educação qualitativamente deficitária e reprodutora de
desigualdades parece estar relacionada à própria forma como se formaram e se
desenvolveram os direitos de cidadania no Brasil. Essa relação se justifica desde o
início por ser a educação compreendida como um direito social e, mais do que
isso, uma espécie de passaporte para liberdade” (MARSHALL, 1967), uma
pré-condição para o exercício dos direitos civis e políticos. Estes, por sua vez,
exigem o mínimo de liberdade e igualdade na esfera pública para que os
indivíduos possam participar mais ativamente da sociedade que pertencem,
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usufruindo de seus direitos e tornando-se mais aptos a lutar pela efetivação dos
mesmos, caso deles sejam privados.
Devido à forma conservadora como nos modernizamos, como se
desenvolveram os direitos, e em função da alternância entre períodos autoritários
e democráticos no país, a luta pela expansão do ensino público e pela realização
de sua função maior, a de formar sujeitos cognoscentes e participativos se
mostrou muito mais tensa do que deveria. Os direitos de cidadania no Brasil
seguiram um caminho bastante diferente daquele trilhado por países hoje
considerados desenvolvidos e cujos direitos já foram universalizados. Aqui, os
direitos sociais não resultaram de lutas de indivíduos livres e participativos, não
foram conquistados, mas sim doados, concedidos, exatamente, para conter a
liberdade de participação desses indivíduos (CARVALHO, 2006). A educação, na
condição de direitos social, acabou sendo ofertada também como se fosse um
privilégio, uma concessão, e não como um direito. Estando ela atrelada ao Estado
conservador e doador de direitos, foi burilada durante boa parte do século XX
para conter a formação de potenciais cidadãos livres, iguais e participativos.
Contudo, não obstante as pedras encontradas no caminho, amealhamos uma
série de “vitórias” que podem ser expressas na paulatina expansão do acesso ao
ensino por todo o século XX, na também gradativa, porém lenta, diminuição da
taxa de analfabetismo, na luta de educadores por uma educação pública, gratuita,
obrigatória e laica e na preocupação do Estado em garanti-la para fomentar o
desenvolvimento econômico. Por outro lado, se atentarmos para a forma como a
educação foi se estruturando ao longo do século, podemos dizer que essas
“vitórias” não passaram de “meias vitórias”, haja vista a permanência de um
ensino de baixa qualidade, seletivo, desigualmente ofertado e, porque não dizer,
segregador e reprodutor de desigualdades. Boa parte dessa estrutura seletiva que
marca o sistema educacional público no Brasil pôde se manter viva por conta da
própria forma conservadora e dual como os direitos de cidadania se formaram,
dado que essa “cultura” do Estado doador de direitos, da baixa participação
política e da rarefeita consciência da existência dos direitos só contribuiu para
distanciar a educação de sua real condição de direito e, dessa forma, tornar mais
fácil sua oferta e estrutura desigual e seletiva.
O cenário sóciopolítico e econômico brasileiro começa a sofrer importantes
mudanças a partir da década de 1980. A “década perdida” com toda sua crise
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econômica, marcada pelo aumento da pobreza, da inflação, das desigualdades
sociais, e pela aceleração da globalização econômica, também foi palco da
promulgação da Constituição Cidadã de 1988, do processo de redemocratização
do país, de uma maior movimentação na emergente sociedade civil em prol da
realização dos direitos de cidadania e da emergência de uma nova concepção de
cidadania no país. Diante de tamanhas mudanças, a educação não ficou imune. A
partir dessa década, começou a haver efetivamente uma “evolução positiva nos
indicadores de desempenho do sistema educacional” (SILVA, 2003, p. 107), que
pode ser traduzida na melhoria dos resultados finais – isto é, do fluxo – e numa
diminuição das desigualdades educacionais brutas – ou seja, desigualdades
educacionais relativas à cor, gênero, região e renda das famílias. Podemos notar
que avançamos fortemente no sentido de universalizar a educação básica no
Brasil. Mas universalizar significou, nesse caso, expansão do acesso ao ensino e
não melhoria da qualidade do mesmo, o que exige sua compreensão como e para
os direitos humanos e de cidadania (HADDAD, 2006). Mais uma vez podemos
lançar mão de uma frase de Anísio Teixeira, recorrente neste trabalho, que elucida
muito bem a evolução do sistema público de ensino no Brasil, a saber, tivemos
“uma meia vitória... mas uma vitória” (TEIXEIRA in GÓES, 2002, p. 14).
Nesse sentido procuramos chamar a atenção para a variação de alguns
indicadores numéricos da educação como taxa de matrícula, de analfabetismo,
analfabetismo funcional, defasagem série/idade, aprovação, reprovação,
afastamento por abandono e conclusão, com o fito de avaliar o quanto avançamos
e o quanto ainda falta caminhar para que possamos efetivamente nos considerar
vitoriosos. A análise dos dados nos permitiu concluir que, não obstante a
aceleração da expansão do acesso ao ensino – que na atualidade chega quase a sua
universalização –, a diminuição das taxas de analfabetismo e analfabetismo
funcional, a diminuição da defasagem série/idade nos níveis fundamental e médio
(avanços que não podem ser negligenciados), a educação pública na atualidade
ainda não se universalizou como um direito social e humano e sua qualidade
ainda pode ser considerada como precária e insuficiente para desenvolver nos
educandos habilidades e competências requeridas pelos níveis de ensino e para a
formação de sujeitos cognoscentes aptos ao exercício de uma profissão e da
cidadania. Como conseqüência, o sistema educacional se mostra insuficiente para
prepará-los efetivamente para exercer uma profissão e despertá-los para o
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exercício da cidadania. Constituída desta forma a educação pública acaba por
permitir que as desigualdades sociais se reflitam nas desigualdades escolares,
naturalizando-as no interior da escola e reproduzindo as desigualdades fora dela.
A naturalização das desigualdades no interior do ciclo escolar, e a
reprodução das mesmas fora desse ciclo, acabam contribuindo para o aumento das
desigualdades de oportunidades de trabalho, implicando em sérios entraves para o
desenvolvimento social e econômico do país, assim como para a democratização
do exercício da cidadania. Destarte, podemos concluir que a educação como está
estruturada não se apresenta como democrática, dado que não propicia à grande
maioria dos indivíduos, a despeito de suas diferenças culturais, de renda, gênero,
cor ou região, condições objetivas de exercício da cidadania e de mobilidade
social, as quais passam pelo direito à igualdade de capacitação e ao exercício das
liberdades, entre elas as de oportunidade de ocupar uma vaga no mercado de
trabalho.
Trocando em miúdos, o que verificamos é que apesar de significativos os
avanços que vêm sendo alcançados no que tange aos aspectos quantitativos
relativos à expansão do acesso ao ensino, “eles não chegaram a alterar o quadro
das desigualdades sociais, as quais se combinam, no país, com as desigualdades
regionais, étnico-raciais, de gênero e para as pessoas com deficiência”
(HADDAD, 2006, p. 117). E assumir a presença dessas desigualdades dentro dos
muros escolares, mais especificamente, se reproduzindo dentro deles, nos aponta
para um cenário desalentador, um cenário onde a educação ao invés de contribuir
para a formação de sujeitos cognoscentes e potenciais cidadãos ativos e
participativos na esfera pública, se mantém envolta por mecanismos de
discriminação e exclusão social, impedindo, dessa forma, “a efetivação do direito
humano à educação” (idem, p. 119) e fomentando a violação de um outro direito
básico dos cidadãos, a igualdade para participação da vida política e social do
país, direito este que fica embargado quando as liberdades são cerceadas. No
Brasil da atualidade, podemos dizer que elas são cerceadas não mais pela
existência de um governo autoritário e sim pela existência de uma educação cuja
qualidade se mostra precária e incapaz de preparar os indivíduos para exercê-las,
ou mesmo para lutar por elas.
A despeito de não existirem receitas milagrosas e instantâneas para resolver
o problema do déficit qualitativo em educação, procuramos chamar a atenção para
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uma alternativa, um possível novo caminho a ser trilhado para que a educação
possa ser efetivamente concebida como de qualidade. Qualidade no sentido de
inclusiva, culturalmente diversa e democrática. Esse foi e continua sendo um
grande desafio da educação no Brasil. Nesse sentido, e relacionando a qualidade
do ensino a sua relação com os direitos e para os direitos, sugerimos como uma
alternativa possível para superar esse quadro de total ineficiência da educação
pública, um modelo pedagógico que estivesse orientado pelos direitos humanos e
de cidadania.
Se uma das causas do déficit qualitativo da educação se revelou atrelada à
forma conservadora como se desenvolveram os direitos de cidadania no Brasil,
não é de se estranhar que uma alternativa viável para superar esse problema esteja
ligada justamente a uma orientação mais democrática dessa educação, que a
concebe verdadeiramente como um direitos social e humano, básico e inalienável,
e imprescindível para o próprio funcionamento e fortalecimento da democracia
uma vez que cidadãos mais educados têm
“melhores condições de realizar e defender os outros direitos humanos
(saúde, habitação, meio ambiente, participação política, etc.)” porque “a
educação é base constitutiva na formação do ser humano, bem como na
defesa e composição dos outros direitos econômicos, sociais e culturais”
(HADDAD, 2006, p. 3).
Por fim, cabe-nos salientar que não pretendemos tomar a educação como a
panacéia para todos os males e desigualdades que assolam o país, mas sim
resgatar o importante papel que tem dentro desse processo. Além disso, chamar a
atenção para a forma como ela está estruturada, que não somente não contribui
para minorar as desigualdades sociais como, ao contrário, estimula a reprodução
dessas desigualdades na medida em que não capacita adequadamente os
indivíduos, não permitindo que eles possam se transformar em profissionais
competitivos e, acima de tudo, cidadãos ativos capazes de participar efetivamente
da esfera pública. A educação, portanto, longe de ser a panacéia para os males
estruturais da sociedade brasileira é, na verdade, um direito humano dos mais
básicos, uma pré-condição para o exercício dos demais direitos de cidadania e,
nesse sentido, um elemento basal para qualquer país que se pretenda democrático,
haja vista que democracia não se faz sem um mínimo de igualdade de participação
e sem liberdade para o exercício dos direitos.
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