elemento de análise da história, surge a luta de classes, em conflito civil, e o marxismo. De outro
lado, há uma “transcrição francamente biológica, que se opera, aliás, bem antes de Darwin”
88
, e
que culmina no darwinismo social, com a luta social pela vida, entre grupos ou entre indivíduos.
Uma bifurcação essencial, portanto, está na base da recodificação do tema da luta de raças, no
século XIX, como luta de classes e como racismo de Estado.
O que nos interessa, no darwinismo social, no tratamento organicista da sociedade, é a
aproximação entre biologia e sociologia, e a decorrente migração de certos conceitos científicos;
sobretudo, a incorporação, pelas teorias sociológicas, das noções biológicas de adaptação ao meio,
de sobrevivência do mais apto e do mais forte, além das noções de hereditariedade (hérédité) e
degenerescência (dégénérescence), tão importantes para o racismo de Estado. Mesmo se parte da
sociologia evolucionista vai utilizar esses conceitos para a defesa de um liberalismo mais
abrangente, não apenas econômico, mas também biológico, são esses mesmos conceitos da
sociologia evolucionista que vão justificar uma ação biológica positiva do Estado, apesar de
defensiva
89
. Com o racismo de Estado, o discurso de luta de raças, que no século XVIII era, em
geral, um discurso contra o poder central monárquico, contra a cristalização do Estado, passa a ser
enunciado a partir do próprio Estado. A guerra que, no discurso historicista, acontecia entre duas
raças, exteriores uma à outra, é de certa forma interiorizada e se dá “a partir de uma raça dada
88
IDS, 52. Herbert Spencer é o nome mais conhecido dessa sociologia que, no século XIX, faz uso dos conceitos
elaborados por Darwin. Aliás, num campo, o social, totalmente alheio à teoria de Darwin. Segundo Timasheff, a
base da teoria sociológica de Spencer já havia sido publicada, em Social Statics (1850), portanto, nove anos antes
da publicação de The Origin of Species (1859), de Darwin. Destaca-se, em Spencer, a visão organicista da
sociedade, a analogia possível entre sociedade e organismo biológico, entre sociologia e biologia. Para Spencer,
entre sociedade e ser individual, até mais do que uma simples analogia, há semelhanças, “a mesma definição de
vida se aplica aos dois”. Na sociedade e no indivíduo, reconhece-se o mesmo ciclo de crescimento, maturidade e
decadência; com a evolução, em ambos, dá-se o aumento da complexidade das partes e das respectivas
funcionalidades; ambos são compostos de partes relativamente autônomas em relação ao todo. Um organismo vivo
individual pode ser considerado uma nação de unidades que vivem individualmente; como a sociedade, uma nação
de indivíduos. TIMASHEFF, Nicholas S.. Teoria sociológica. Trad. Antônio Bulhões. 4 ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1973 [1955]. P. 56.
Persistem traços de darwinismo social até mesmo em Max Weber. Depois de tratar da categoria ‘luta’, Weber fala
de ‘seleção’; “seleção é a luta (latente) pela existência, que opõe uns aos outros, sem intenção significativa de luta
[e por isso é uma luta latente] os indivíduos ou os tipos humanos, em vista de suas chances de vida ou de
sobrevivência; ela é dita ‘seleção social’, enquanto se trata das chances de indivíduos vivos, na vida ordinária, e
‘seleção biológica’, enquanto se trata das chance de sobrevivência de caráter hereditário”. E continua: “toda luta
ou concorrência que se desenvolve de modo típico ou em massa conduz, apesar de tudo, no decorrer do tempo, a
despeito dos acidentes ou fatalidades preponderantes, [...], a uma ‘seleção’ daqueles que possuem, num grau mais
elevado, as qualidades pessoais, que são em média [e circunstancialmente] importantes, para assegurar o triunfo no
curso da luta”
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. WEBER, Max. Op. cit. Cap.1, §8, p. 75. No racismo de Estado e no darwinismo social, pode-se
dizer, as categorias ‘seleção social’ e ‘seleção biológica’ não estão diferenciadas.
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Era o caso de Spencer, que, como afirma Timasheff, “queria demonstrar, pela sociologia, que os homens não
devem interferir nos processos naturais que se verificam na sociedade”. A sociedade civil, deixada a si, livremente,
desenvolve melhor os “dotes originais das raças”. A intervenção do Estado, por exemplo, com as políticas de
saúde e as medidas sanitárias, para Spencer, representavam, segundo Timasheff, “uma interferência estúpida na
evolução natural”. TIMASHEFF, Nicholas S. Op. cit. P. 59-60.