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MAÍRA SUECO MAEGAVA CÓRDULA
ASPECTOS PROSÓDICOS E TEXTUAIS DO GÊNERO DIÁLOGO
DIDÁTICO EM MANUAL DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
Dissertação apresentada à Universidade de
Franca, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Flávia de
Figueiredo Pereira Bollela.
FRANCA
2008
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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca
Córdula, Maíra Sueco Maegava
C827a Aspectos prosódicos e textuais do gênero diálogo didático em manual de
ensino de língua inglesa / Maíra Sueco Maegava Córdula ; orientador: Maria
Flávia de Figueiredo Pereira Bollela. – 2008
140 f. : 30 cm.
Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Lingüística
1. Lingüística textual. 2. Prosódia. 3. Diálogo didático. 4. Gênero. 5.
Concepção de língua. I. Universidade de Franca. II. Título.
CDU – 801
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MAÍRA SUECO MAEGAVA CÓRDULA
ASPECTOS PROSÓDICOS E TEXTUAIS DO GÊNERO DIÁLOGO DIDÁTICO EM
MANUAL DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA
Presidente: Profa. Dra. Maria Flávia de Figueiredo Pereira Bollela
Universidade de Franca
Titular 1 Profa. Dra. Marina Célia Mendonça
Universidade de Franca
Titular 2 Profa. Dra. Rita de Cássia Barbirato Thomaz de Moraes
Universidade Federal de São Carlos
Franca, ____/_____/_________
DEDICO à minha mãe, Beatriz Sadaco Maegava, cujo amor e apoio
possibilitaram a realização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Profa. Dra. Maria Flávia de Figueiredo Pereira Bollela, por
seu estímulo e apoio durante a orientação desta dissertação;
às professoras-doutoras Marina Célia Mendonça e Ana Cristina Carmelino, que
compuseram minha banca de qualificação, por suas leituras cuidadosas e seus proveitosos
conselhos e sugestões;
às companheiras do curso de mestrado Rosana Cláudia da Silva e Alaíse Maria
Carrijo Ramos e Andrade, pelas leituras atenciosas, disponibilidade e apoio durante a
caminhada;
a meus amigos, em especial a Valéria Yamaguchi, Sandra Símaro e Juliana
Ferreira da Silva, além de minha tia Vera Yamashita, pela compreensão e por me ajudarem a
ter acesso a obras fundamentais para a realização desta pesquisa;
a todos meus familiares, em especial aos primos Rony Maegawa, Carolina
Yamashita, Karina e Taísa Ichiki, pela disponibilidade em me ajudar em momentos difíceis da
finalização deste trabalho;
a meus familiares, em especial minha mãe, Beatriz, e minhas tias-avós, Elza e
Helena, por sua compreensão e constante incentivo;
a meu noivo Advair, por sua paciência, estímulo e confiança.
a Deus, por permitir que todas essas pessoas pudessem fazer parte de minha
vida.
O certo é que a escrita não representa a fala, seja sob que ângulo for
que a observemos.
Luiz Antônio Marcuschi
RESUMO
CÓRDULA, M. S. M. Aspectos prosódicos e textuais do gênero diálogo didático em manual
de ensino de língua inglesa. 2008. 140 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) —
Universidade de Franca, Franca.
O presente trabalho apresenta uma análise de diálogos de abertura das unidades dos manuais
didáticos de língua inglesa destinados ao ensino de língua estrangeira durante as séries de 5ª a
8ª do Ensino Fundamental brasileiro. O objetivo desta pesquisa é conhecer como a oralidade é
representada nesse material didático em uma perspectiva sociointeracionista de linguagem a
partir de uma abordagem lingüística. Os princípios teóricos de linhas de pesquisa da área de
Lingüística considerados foram: Análise da Conversação, Lingüística Textual e Fonética e
Fonologia dos elementos prosódicos. Por meio de um levantamento das características
prosódicas e textuais aliado a uma análise sobre a esfera de atividade, temas e tipo de
composição dos diálogos, tornou-se possível caracterizar o gênero diálogo didático. Essa
caracterização permitiu uma reflexão sobre a concepção de língua presente nesse gênero, qual
seja, a de língua como um sistema abstrato de regras. A abordagem teórica adotada neste
trabalho possibilita um olhar que não está condicionado a questões de aplicação da análise
lingüística ao ensino especificamente; assim, o foco desta pesquisa gira em torno da produção
de um gênero didático e não de sua adequação a uma determinada abordagem de ensino,
como já foi investigado em outras dissertações. Por outro lado, suas conclusões também
podem servir de base para estudos de natureza aplicada ao ensino devido à natureza
pedagógica do corpus. Além disso, uma análise prosódica do material de áudio que
acompanha as séries didáticas selecionadas é apresentada. Esse exame é inédito e teve um
papel decisivo na formulação das considerações finais sobre os resultados desta pesquisa.
Palavras-chave: diálogo didático; prosódia; Lingüística Textual; gênero; concepção de
língua.
ABSTRACT
CÓRDULA, M. S. M. Aspectos prosódicos e textuais do gênero diálogo didático em manual
de ensino de língua inglesa. 2008. 140 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) —
Universidade de Franca, Franca.
This dissertation offers an analysis of the dialogues that open the units of study in textbooks
of teaching English as a foreign language to secondary students in Brazil. The aim of this
research is to learn about the representation of orality in textbooks from a sociointerationist
perspective of language and by applying a linguistic approach which includes the studies of
Conversation Analysis, Text Linguistics and Phonetics and Phonology of the suprasegmental
elements. The investigation of the textual and prosodic features of the dialogues together with
an analysis of the domains of social activity, themes and types of composition of the texts
analyzed led to a characterization of the textbook dialogue gender. This has allowed some
reflection on the concepts of language found in the gender studied, a notion of language as an
abstract system of rules. The theoretical approach of this research does not focus on the
applicability of the analysis to teaching which was the concern of the previous studies;
therefore, its objective is centered on the production of this type of gender. Due to the
pedagogical nature of the corpus, the results of the research can also serve as basis for future
studies in Applied Linguistics. Besides that, the prosodic analysis of the audio CDs, which
has not been performed before, played a significant role on the conclusions drawn in this
research.
Keywords: textbook dialogue; prosody; Text Linguistics; gender; concepts of language.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 As funções lingüísticas dos elementos supra-
segmentais prosódicos
43
Figura 2 Representação do contínuo dos gêneros textuais
na fala e na escrita
51
Figura 3 — Diálogo didático com pausas longas 88
Figura 4 — Palatalização (assimilação coalescente) em
língua inglesa
90
Figura 5 — Diálogo didático com mudança significativa de
velocidade
98
Figura 6 — Diálogo didático com mudança significativa de
entoação
98
Figura 7 Diálogo didático com padrão entoacional
desempenhando função pragmática de
desinteresse do falante.
107
Figura 8 Diálogo didático com padrão entoacional
desempenhando função pragmática de alegria do
falante.
108
Figura 9 Diálogo didático com padrão entoacional
expressando alegria e excitação
109
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 — Comparativo de formas plenas e formas
reduzidas
84
Quadro 2 — Padrões entoacionais neutras e respectivas
funções sintáticas/semânticas na língua inglesa
100
LISTA DE FAIXAS DO CD EM ANEXO
Áudio dos diálogos didáticos do livro Hello! de Morino e Faria (2006a), v. 6.
1) p. 8-9
2) p. 22-23
3) p. 36-37
4) p. 52-53
5) p. 66-67
6) p. 80-81
7) p. 96-97
8) p. 110-111
Áudio dos diálogos didáticos do livro Hello! de Morino e Faria (2006a), v. 7.
9) p. 8-9
10) p. 22-23
11) p. 38-39
12) p. 54-55
13) p. 70-71
14) p. 86-87
15) p. 102-103
16) p. 118-119
Áudio dos diálogos didáticos do livro Hello! de Morino e Faria (2006a), v. 8.
17) p. 8-9
18) p. 24-25
19) p. 40-41
20) p. 58-59
21) p. 74-75
22) p. 90-91
23) p. 108-109
24) p. 124-125
Áudio dos diálogos didáticos do livro Hello! de Morino e Faria (2006a), v. 9.
25) p. 8-9
26) p. 24-25
27) p. 42-43
28) p. 60-61
29) p. 78-79
30) p. 96-97
31) p. 114-115
32) p. 132-133
Áudio dos diálogos didáticos do livro Power English de Granger e Almeida (2005), v. 1.
33) p. 4
34) p. 10
35) p. 24-25
36) p. 38
37) p. 46
12
38) p. 52
39) p. 66
40) p. 74
Áudio dos diálogos didáticos do livro Power English de Granger e Almeida (2005), v. 2.
41) p. 4
42) p. 10-11
43) p. 24
44) p. 32
45) p. 38
46) p. 46-47
47) p. 60
48) p. 66
49) p. 74
Áudio dos diálogos didáticos do livro Power English de Granger e Almeida (2005), v. 3.
50) p. 4
51) p. 10
52) p. 24
53) p. 38
54) p. 46
55) p. 60
56) p. 66
Áudio dos diálogos didáticos do livro Power English de Granger e Almeida (2005), v. 4.
57) p. 24
58) p. 32
59) p. 46
60) p. 52-53
61) p. 66-67
62) p. 74-75
Áudio dos diálogos didáticos do livro Super Ace de Amos e Prescher (2005), v. 1.
63) p. 4
64) p. 9
65) p. 16
66) p. 21
67) p. 30
68) p. 35
69) p. 42
70) p. 47
71) p. 56
72) p. 61
73) p. 68
74) p. 73
75) p. 82
76) p. 87
77) p. 94
78) p. 99
Áudio dos diálogos didáticos do livro Super Ace de Amos e Prescher (2005), v. 2.
79) p.4
80) p. 9
81) p. 16
82) p. 21
13
83) p. 30
84) p. 35
85) p. 42
86) p. 47
87) p. 56
88) p. 61
89) p. 68
90) p. 73
91) p. 82
92) p. 87
93) p. 94
94) p. 99
Áudio dos diálogos didáticos do livro Super Ace de Amos e Prescher (2005), v. 3.
95) p. 4
96) p. 10
97) p. 18
98) p. 24
99) p. 34
100) p. 40
101) p. 48
102) p. 54
103) p. 64
104) p. 70
105) p. 78
106) p. 84
107) p. 94
108) p. 100
109) p. 108
110) p. 114
Áudio dos diálogos didáticos do livro Super Ace de Amos e Prescher (2005), v. 4.
111) p. 4
112) p. 10
113) p. 18
114) p. 24
115) p. 34
116) p. 40
117) p. 48
118) p. 54
119) p. 64
120) p. 70
121) p. 78
122) p. 84
123) p. 94
124) p. 100
125) p. 108
126) p. 114
Áudio dos diálogos didáticos do livro Take your time de Rocha e Ferrari (2004a), v. 1.
127) p. 7
128) p. 17
129) p. 33
14
130) p. 47
131) p. 61
132) p. 73
133) p. 91
134) p. 103
Áudio dos diálogos didáticos do livro Take your time de Rocha e Ferrari (2004a), v. 2.
135) p. 35
136) p. 51
137) p. 97
138) p. 109
Áudio dos diálogos didáticos do livro Take your time de Rocha e Ferrari (2004a), v. 3.
139) p. 6-7
140) p. 21
141) p. 34-35
142) p. 48-49
143) p. 83
144) p. 113
Áudio dos diálogos didáticos do livro Take your time de Rocha e Ferrari (2004a), v. 4.
145) p. 6-7
146) p. 42-43
147) p. 59
148) p. 74
149) p. 119
QUADRO DE SÍMBOLOS FONÉTICOS
Símbolo
1
Palavra-chave Símbolo Palavra-chave
[p]
pen
[iy]
each
[b]
boy
[I]
if
[t]
ten
[ey]
able
[d]
day
[E]
egg
[k]
cat
[Q]
apple
[g]
go
[uw]
ooze
[f]
food
[U]
book
[v]
voice
[ow]
own
[s]
see
[ç]
all
[z]
zoo
[çy]
oil
[m]
me
[A]
army
[n]
no
[ay]
ice
[l]
like
[aw]
out
[r]
red
[´]
up
[w]
walk
[´r]
earn
[y]
yes
[S]
she
[h]
house
[Z]
pleasure
[T]
th
in
[tS]
child
[D]
the
[dZ]
job
[N]
think ª Vibração de um toque
» Acento primário « Acento secundário
à Entoação ascendente Õ Entoação descendente
ÃÕ Entoação ascendente-
descendente
ÕÃ Entoação descendente-
ascendente
= Entoação nivelada :: pausa
1
O quadro apresenta os símbolos utilizados para a transcrição fonética do corpus desta pesquisa. É uma
adaptação do quadro de transcrição fonética apresentado por BOLLELA (2002).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................16
1 REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................................21
2 ARCABOUÇO TEÓRICO..................................................................................................26
2.1 A CONCEPÇÃO DE ORALIDADE..................................................................................26
2.2 ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO......................................................................................31
2.3 LINGÜÍSTICA TEXTUAL................................................................................................37
2.4 ANÁLISE PROSÓDICA....................................................................................................41
2.5 GÊNERO: UMA VISÃO SOCIOINTERACIONISTA DE LINGUAGEM......................45
2.5.1 Reflexões acerca do gênero: Bakhtin e Marcuschi..........................................................46
2.5.2 Gênero e concepção de língua.........................................................................................52
3 O GÊNERO DIÁLOGO DIDÁTICO: uma caracterização.............................................57
3.1 ESFERA DE ATIVIDADE................................................................................................58
3.2 CARACTERÍSTICAS TEMÁTICAS................................................................................61
3.3 CARACTERÍSTICAS COMPOSICIONAIS.....................................................................65
3.4 CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS.............................................................................70
3.4.1 Elementos textuais: análise dos textos impressos............................................................71
3.4.2 Elementos prosódicos: análise do material de áudio.......................................................81
3.5 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA............................................................................................112
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................119
REFERÊNCIAS....................................................................................................................122
ANEXOS................................................................................................................................126
INTRODUÇÃO
A presente introdução apresenta, inicialmente, o tema desta dissertação de
mestrado na área de Lingüística desenvolvida em uma linha de pesquisa que engloba
caracterizações e abordagens teóricas de processamentos e práticas textuais. Em seguida,
apresenta as justificativas, objetivos e hipóteses que nortearam o desenvolvimento deste
estudo. Finalmente, há uma breve descrição dos capítulos que compõem este trabalho.
O tema desta pesquisa é a representação da oralidade em manuais de ensino de
inglês como língua estrangeira. Tal preocupação advém de algumas observações da
pesquisadora realizadas durante sua prática docente. Ao longo desse período, o uso constante
de diálogos para promover o ensino da modalidade oral da língua estrangeira em diversos
materiais didáticos disponíveis na área foi observado. Um dos aspectos destacáveis é que
esses diálogos sofreram adaptações para o contexto didático, portanto surgiu a curiosidade de
conhecer sua caracterização em materiais de apoio ao trabalho docente no ensino de inglês
como língua estrangeira no contexto escolar brasileiro. Considerando que as habilidades orais
são principalmente trabalhadas nas séries de 5ª à 8ª, ou em nova nomenclatura do 6º ao 9º ano
do ensino fundamental, este estudo envolve os materiais voltados para essa etapa escolar.
Os diálogos que servem como modelos de interação verbal nos materiais
didáticos aparecem no início das unidades. Existem também outros diálogos cuja principal
função não é a de servir de exemplo e sim de base para a realização de exercícios escritos ou
de prática de escuta. Por exemplo, há diálogos que apresentam lacunas que devem ser
completadas com as estruturas gramaticais ou o vocabulário estudado na unidade assim como
exercícios auditivos em que se ouvem diálogos com o objetivo de completar uma tarefa
proposta no material didático. Portanto, o corpus desta pesquisa se limita aos diálogos de
abertura das unidades dos manuais de ensino, que aparentemente buscam apresentar
características da modalidade oral da língua estudada. Sendo assim, torna-se interessante
investigar até que ponto uma adaptação da oralidade em um texto didático preserva as
características de um texto oral e inclui as características de um texto escrito. Lembrando que
esses diálogos apresentam duas manifestações: uma impressa no livro didático e outra sonora
no material de áudio que acompanha o manual de ensino.
17
Este estudo considerou ainda os resultados de análise sobre mesmo tipo de
corpus apresentados em dissertações de mestrado na área de Lingüística Aplicada: Dalacorte
(1991), Natural conversation and EFL Textbook dialogs: a contrastive study; Chiaretti
(1993), Performance do diálogo no livro didático de inglês: evolução e limites do gênero, e
Nascimento (2000), O diálogo nos livros didáticos de língua inglesa: uma representação dos
gêneros do discurso oral natural?. A pesquisadora Chiaretti (1993) foi a primeira a cunhar o
termo diálogo didático, que será utilizado de agora em diante para nomear os textos em forma
de diálogo que introduzem as unidades de estudo dos materiais didáticos de língua inglesa
como língua estrangeira.
Um estudo da natureza do diálogo didático pode contribuir, principalmente, para
os estudos lingüísticos no campo da oralidade e da escrita já que o corpus de análise apresenta
características de ambos. Diante disso, uma apreciação da relação dos aspectos orais e escritos
da língua em um mesmo gênero pode ser traçada, destacando as particularidades das
incidências lingüísticas de cada modalidade.
Considerando que uma produção oral apresenta um material sonoro, a análise
fonético-fonológica fornece dados relevantes para a compreensão de seu funcionamento. Esse
exame não foi realizado pelos trabalhos que abordaram os diálogos didáticos anteriormente;
assim, torna-se necessário um estudo desse caráter. Buscando uma interpretação mais acurada
da produção de sentidos no texto falado, é, então, apropriado que se pense nas questões
prosódicas. Dessa forma, a importância desse tipo de análise reside no fato de mostrar como
nuances de significação, não lexicalizadas, estão atreladas a fatos prosódicos no diálogo
didático.
O objetivo precípuo desta pesquisa é estudar como a oralidade aparece nos
materiais didáticos de língua inglesa como língua estrangeira disponíveis no momento para o
ensino fundamental brasileiro, por meio da análise dos diálogos didáticos. Para tanto, é
preciso alcançar alguns objetivos específicos, tais como: caracterizar o gênero diálogo
didático, levantar as características de texto oral e escrito do corpus, analisar o material de
áudio e discutir qual é a concepção de língua presente nos textos sendo analisados.
As hipóteses norteadoras desta pesquisa podem ser elencadas da seguinte forma.
Primeiramente, é preciso investigar se há um gênero diálogo didático ao qual pertencem os
diálogos presentes em materiais didáticos. Se existir tal gênero, torna-se importante saber se
ele carrega características de oralidade, pois há a hipótese de que as marcas de interação oral
podem estar apagadas na adaptação dos gêneros orais. Finalmente, levando-se em
consideração que uma adaptação é feita a partir de uma concepção de língua, então, é possível
18
questionar se a língua é retratada como sistema abstrato de regras, instrumento de
comunicação ou atividade sociointeracional no gênero diálogo didático.
Para realizar o presente estudo, foram selecionadas quatro séries de material
didático para o ensino de inglês como língua estrangeira destinadas a atender as necessidades
dos alunos do ensino fundamental brasileiro, a saber: Hello! de Morino e Faria (2006a),
Power English de Granger e Almeida (2005), Take your Time de Rocha e Ferrari (2004a) e
Super Ace de Amos e Prescher (2005). Como pode ser notado pelas datas das edições, todas
são recentes, sendo a série Power English inédita e as demais reedições. O material das séries
selecionadas é constituído pelo livro didático, seu respectivo material de áudio e manual do
professor. Outro dado do corpus é que duas das séries selecionadas foram recentemente
reformuladas com o objetivo de tornar os diálogos de abertura das unidades mais naturais,
como pode ser notado nas citações seguintes: “Os diálogos de abertura estão mais naturais
[...]” (AMOS, 2005, p. 1), “Sobretudo nos diálogos de abertura, que são a base de conteúdo
para as unidades, houve um cuidado especial em retratar com mais realismo situações naturais
de comunicação próprias do mundo e do interesse dos alunos” (MORINO, 2006b, p. 1). As
outras duas séries não se manifestaram explicitamente sobre essa questão.
Foram analisados os 149 diálogos didáticos presentes nas séries escolhidas para
compor o corpus de análise (a gravação encontra-se no CD anexado a esta dissertação). Ao
longo da análise, 37 foram citados. Esses 37 foram selecionados e detalhados por
manifestarem as regularidades representativas do gênero.
Considerações sobre a fundamentação teórica da pesquisa precisam ser
explicitadas. A crença de que o pesquisador tem seu olhar marcado pelo viés teórico que
assume torna necessário apresentar qual perspectiva de linguagem embasa esta pesquisa. A
perspectiva sociointeracionista foi escolhida por permitir a incorporação de aspectos
exteriores à língua. As reflexões do Círculo de Bakhtin sobre a linguagem são fundamentais,
já que sua visão considera a história e o contexto social da enunciação. A partir desse viés
teórico, é possível trabalhar com a concretude da língua, evitando a abstração e o formalismo
puro. “Conciliam-se, assim, nos escritos de Bakhtin, as abordagens do texto ditas ‘externas’ e
‘internas’ e recupera-se, no texto, seu estatuto pleno de objeto lingüístico-discursivo, social e
histórico” (BARROS, 1996, p. 33).
Assim, às considerações dos pensadores do Círculo de Bakhtin aliam-se
conceitos lingüísticos de Marcuschi (2005a, 2007) no tocante à oralidade e ao gênero. As
regularidades do gênero consoante às questões de esfera de atividade, tema, composição e
estilo (textuais e prosódicas) serão levantadas a partir de uma comparação do gênero
19
adaptado, diálogo didático, com o gênero “original”, conversação natural. Ainda, é preciso
considerar que as adaptações advêm de uma concepção de língua e de seu funcionamento;
assim, é importante conhecer qual é a concepção de língua à qual os usuários do texto didático
para o ensino de língua estrangeira têm acesso, já que, ao conhecer as características do
gênero diálogo didático, é possível inferir sobre a concepção de língua ali presente.
Para o desenvolvimento da caracterização do diálogo didático, foram utilizados
procedimentos teóricos de diferentes linhas de pesquisa na área da Lingüística, que, além de
possuírem embasamento teórico na perspectiva sociointeracionista da linguagem, apresentam
uma preocupação com o texto falado. Consideraram-se os estudos da Análise da Conversação,
da Lingüística Textual, da Prosódia e sobre o gênero. Convém salientar que a caracterização
do gênero foi pensada no sentido de servir como elemento de entendimento do enunciado
didático do corpus de pesquisa. Além disso, para auxiliar na análise dos elementos prosódicos
encontrados no material de áudio estudado, foi utilizado o software Praat 4.6.12 para o
tratamento acústico dos dados.
São três os capítulos que compõem a exposição teórica e analítica.
O primeiro apresenta uma resenha de três dissertações de mestrado que tiveram
como corpus diálogos didáticos. Essa revisão da literatura permite observar que esta pesquisa
vem preencher a lacuna deixada pelos trabalhos anteriores, cujo foco principal era uma
preocupação com a aplicação da análise lingüística ao ensino de língua estrangeira. Desta
forma, fica claro o lugar assumido por esta investigação que lança um olhar para a produção
dos diálogos didáticos e não para seu grau de adequação a uma metodologia. A trajetória
apresentada pelos estudos anteriores também confere ineditismo à análise do material de
áudio aqui proposta.
No segundo capítulo, delineia-se a concepção de oralidade que fundamenta o
olhar teórico da análise. A partir de uma perspectiva sociointeracionista, apresentam-se as
bases para um exame do texto falado por meio dos aportes teóricos de estudos da Análise da
Conversação, da Lingüística Textual e da Análise Prosódica. Há também uma descrição do
conceito de gênero a partir de Bakhtin (1979/2003) e Marcuschi (2005a, 2006) que embasa
uma discussão sobre a questão da concepção de língua.
No capítulo seguinte, expõe-se a análise do corpus, a qual se dá a partir da
concepção de gênero. É importante ressaltar que as outras teorias desta pesquisa servem de
base para analisar os elementos que compõem os diálogos didáticos, mas a questão do gênero
perpassa toda a investigação lingüística. Dessa maneira, o terceiro capítulo evidencia os
aspectos constituintes do gênero diálogo didático: esfera de atividade, tema, composição e
20
estilo. Na análise do estilo, há uma subdivisão entre os elementos estilísticos do texto
impresso e os elementos estilísticos do material de áudio (CDs). Para finalizar, faz-se uma
reflexão sobre a concepção de língua subjacente ao gênero diálogo didático.
Esta pesquisa apresenta uma gama de observações sobre o gênero diálogo
didático por meio de múltiplos olhares embasados na perspectiva sociointeracionista de
linguagem e na abordagem lingüística. Uma apreciação desse cunho procura perceber a língua
não como um mero sistema de regras, mas como um conjunto de práticas lingüísticas nas
quais se inscrevem os seres humanos em suas relações interativas cotidianas.
Além disso, esta pesquisa pode suscitar indagações para um melhor
entendimento do material a ser analisado, contribuindo para futuros estudos sobre
possibilidades de uso do diálogo didático visando uma relação ensino-aprendizagem mais
efetiva.
21
1 REVISÃO DA LITERATURA
Para realizar a análise dos diálogos didáticos proposta nesta pesquisa, faz-se
necessária uma revisão de estudos já realizados com o mesmo tipo de corpus de análise no
campo teórico da Lingüística ou da Lingüística Aplicada. Segue-se abaixo uma resenha de
três dissertações de mestrado que se encaixam no tipo de estudo acima mencionado, a saber:
Natural conversation and EFL Textbook dialogs: a contrastive study de Dalacorte (1991),
Performance do diálogo no livro didático de inglês: evolução e limites do gênero de Chiaretti
(1993) e O diálogo nos livros didáticos de língua inglesa: uma representação dos gêneros do
discurso oral natural? de Nascimento (2000).
Dalacorte (1991) realizou um estudo contrastivo entre diálogos encontrados em
livros didáticos de ensino de inglês e conversações telefônicas em inglês e português. A
análise proposta pela autora foi motivada pela afirmação dos manuais de ensino de língua
estrangeira sobre o uso de diálogos reais para um ensino comunicativo da língua estrangeira.
Seu objetivo nesse estudo foi notar, então, se há características iguais ou semelhantes entre as
conversações naturais e os diálogos dos livros, denominados em sua dissertação textbook
dialogues.
Para realizar tal exame, a autora se apoiou nos princípios teóricos da Análise da
Conversação e da Análise do Discurso. A análise contemplou os seguintes aspectos:
seqüências de fechamento e de abertura das conversações, estratégias conversacionais —
incluindo as estratégias de polidez — e estilo conversacional. A seleção do corpus foi
condicionada à afiliação das séries didáticas à abordagem comunicativa de ensino de língua
estrangeira, assim, foram escolhidas três séries didáticas. Além disso, a análise se deteve aos
aspectos analisáveis a partir do texto impresso, com raras observações sobre acento e marcas
de entoação.
A hipótese da pesquisadora, confirmada pela análise dos dados, é que os
diálogos que aparecem em manuais didáticos não são comunicativos, mas sim pseudo-
interativos. Assim, defende que a noção de “ensino comunicativo” seja revista pelos
profissionais de ensino de língua inglesa.
É preciso destacar que o trabalho não contemplou as questões de variantes e os
aspectos fonológicos do áudio, como bem lembra a autora em sua conclusão. Ela também
22
salientou que seu objetivo não foi analisar questões metodológicas de ensino, apenas a
propriedade da língua nas conversações que aparecem nos manuais didáticos. Porém, a
questão do ensino perpassa toda a análise, há uma revisão do que é o ensino comunicativo de
inglês como língua estrangeira e sua conclusão confirma que, mesmo não defendendo um
ensino com interações reais em sala de aula, é preciso que os diálogos em livros didáticos
possam dar aos alunos ferramentas comunicativas para eles desenvolverem sua competência
comunicativa.
O estudo de Chiaretti (1993) também é motivado pela questão do ensino
comunicativo de inglês como língua estrangeira por meio dos diálogos encontrados em livros
didáticos. Esse objeto de pesquisa é chamado pela autora de “diálogos didáticos”. O aporte
teórico dessa pesquisa se encontra nos estudos da Análise do Discurso, da Análise da
Conversação, dos estudos empíricos da Sociolingüística e dos princípios da Pragmática. Tal
abordagem teórica se justifica no compartilhamento de uma visão de comunicação como
interação em todas as linhas teóricas escolhidas. Além disso, há grande consideração sobre o
desenvolvimento da competência comunicativa nos aprendizes de língua estrangeira que
estabelece um lugar para essa pesquisa dentro dos estudos da área da Lingüística Aplicada.
Seu corpus contemplou diálogos didáticos dos volumes referentes à quinta série
do ensino regular brasileiro de oito coleções de material de ensino de língua estrangeira da
década de 80, sendo que o material de áudio foi descartado por estar presente em apenas uma
série didática dentre as que compunham o corpus. Porém, além de um tratamento sincrônico
do corpus, a pesquisadora também realizou um estudo diacrônico, ou seja, uma análise de
diálogos didáticos encontrados em livros anteriores à onda do método comunicativo de ensino
de línguas. Essa perspectiva diacrônica permitiu uma caracterização dos diálogos didáticos
desde o método direto ao método comunicacional. A autora ainda desdobrou sua reflexão
sobre as metodologias de uso desse gênero, fato que não foi abordado na pesquisa anterior.
Na análise sincrônica, a hipótese de que os diálogos didáticos não reproduzem
as características de uma interação natural foi confirmada. As seguintes características foram
apontadas como falhas do gênero: a) preservação de características dos diálogos didáticos
usados no método audiolingual (uso de repetições de estruturas gramaticais, drills), b)
manutenção da base gramatical de produção desse gênero, c) quebra constante do modelo
conversacional natural e d) ausência de um tratamento adequado das questões de variação
lingüística.
Esse trabalho é concluído com uma ponderação sobre a necessidade de realizar
uma transformação dos diálogos didáticos em nível discursivo para que eles contemplem as
23
questões variacionistas e comunicativas ao mesmo tempo. Com essas mudanças, a autora
defende que os diálogos didáticos poderão servir de bons exemplos de uma interação verbal
natural.
A partir desses dois trabalhos que analisaram os diálogos de abertura dos livros
didáticos de ensino de inglês como língua estrangeira na década de oitenta, Nascimento
(2000) propõe que se olhe para o material didático da década de 90 alegando que o
desenvolvimento do ensino comunicativo já estaria consolidado nessa época. Assim, ela
oferece uma comparação entre os dados das análises empreendidos por Dalacorte (1991) e
Chiaretti (1993) com os dados dos diálogos presentes nos livros didáticos de seu corpus. Há
uma diferença na seleção do corpus neste trabalho, pois a pesquisadora inclui em seu escopo
de análise todos os diálogos que aparecem nos livros didáticos, tanto os que servem de
abertura das unidades (modelo) quanto os que aparecem incompletos como exercícios de
gramática ou os que servem como fonte para os exercícios de escuta. Outra diferença
interessante quanto à seleção do corpus nessa pesquisa é que não foram escolhidas séries
didáticas, mas livros, os quais também apresentam diversos níveis de aprendizagem da língua
estrangeira, a saber, elementar, pré-intermediário e intermediário.
O olhar teórico da pesquisadora está pautado nos estudos da Lingüística
Aplicada, da Análise da Conversação e da Análise de Gêneros de acordo com Swales (1991
apud NASCIMENTO, 2000). Esse trabalho também tem uma preocupação com a adequação
do diálogo didático com a abordagem comunicativa de ensino, mas é o primeiro a apresentar,
com mais clareza, a impossibilidade de se produzir um diálogo natural nos livros didáticos. A
partir de uma análise do gênero diálogo didático, a autora refletiu sobre a relação entre
autenticidade e ensino e ponderar sobre o verdadeiro, nas palavras da autora, papel do diálogo
didático. Assim, ela conclui que o gênero diálogo no livro didático tem uma função diferente
da que tem a conversa natural, na verdade, sua função é representar essa conversa natural. Por
isso, apoiada em estudos que valorizam a autonomia do aprendiz, Nascimento (2000) defende
um ensino em que os diálogos didáticos ocupem um lugar que possa dar base para as futuras
práticas discursivas dos alunos em uma interação real e não mais desempenhar o papel de
material autêntico.
É possível então perceber que as análises já realizadas sobre os diálogos
didáticos têm um olhar pautado pela abordagem comunicativa de ensino de língua estrangeira.
Suas conclusões apontam falhas de representação da interação (Chiaretti, 1993) e também
melhorias de adaptação (Nascimento, 2000). Há também uma preocupação em notar as
similaridades e diferenças entre os diálogos didáticos e os naturais, procurando apontar como
24
uma reprodução seria possível, exceto na última dissertação mencionada, na qual há uma
clareza quanto ao papel representativo do diálogo didático.
Partindo da afirmação de Nascimento (2000) de que o papel do diálogo didático
é representar o diálogo natural, parece possível conhecer como a oralidade é representada nos
livros didáticos. Devido à natureza impressa e sonora do gênero diálogo didático, uma
aproximação com a oralidade é desejável. Assim sendo, ao analisar a produção do gênero
diálogo didático, reflexões sobre as modalidades escrita e falada podem ser traçadas.
Desse modo, pode-se notar que os estudos supracitados não incluíram os
aspectos fonético-fonológicos no seu escopo de pesquisa. Considerando o fato de que há um
material de áudio correspondente aos textos impressos no livro didático, torna-se interessante
empreender uma análise fonético-fonológica no presente estudo dos diálogos didáticos. Para
que uma análise dessa natureza contribua para a compreensão do funcionamento desse
gênero, é interessante que haja um foco nos elementos prosódicos, que são os que mais
carreiam as significações da interação em uma interação verbal oral. Sobre a importância do
estudo dos elementos prosódicos para o lingüista, convém citar a seguinte afirmação de
Cagliari (1992, p. 150): “Análises que usam apenas uma forma (quase) ortográfica para
representar a fala na reflexão do lingüista podem deixar de lado fatos muito importantes da
linguagem que são tipicamente expressos pelos elementos supra-segmentais prosódicos”.
Considerando tal afirmação, justifica-se novamente a adequação de uma análise prosódica,
pois os diálogos didáticos se apresentam sob dois suportes materiais, o CD e o livro impresso,
sendo que no livro impresso há uma “transcrição” do texto falado no material de áudio.
O presente trabalho também se inscreve na lacuna de um estudo orientado não
por questões de ensino, mas primordialmente por questões da produção dos sentidos a partir
de uma perspectiva sociointeracionista. Tal lacuna já foi apontada por Nascimento (2000, p.
146): “No entanto, gostaria de afirmar que não constituiu objeto desta dissertação aprofundar
nas questões sócio-discursivas, componentes da linguagem natural”. Um estudo desse cunho
teórico parece necessário, pois pode trazer reflexões importantes sobre questões que subjazem
a produção do gênero diálogo didático, como a concepção de língua apresentada pelos
mesmos ao seu público-alvo. Nesse sentido, convém lembrar que: “[...] re-interpretar os dados
antigos dentro de novas tecnologias e metodologias é também uma forma de pensar a língua
de outros pontos de vista, olhar coisas escondidas, re-organizar o sistema” (CAGLIARI, 1997,
p. 9).
A partir dos estudos já realizados sobre os diálogos didáticos e da inserção deste
trabalho em uma pesquisa sobre a representação da oralidade a partir do gênero diálogo
25
didático, torna-se necessário apresentar a fundamentação teórica que permite uma análise de
cunho sociointeracionista do gênero diálogo didático em sua expressão impressa e sonora
proposta nesta dissertação.
26
2 ARCABOUÇO TEÓRICO
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso
da linguagem.
Mikhail Bakhtin
2.1 A CONCEPÇÃO DE ORALIDADE
O objetivo desta pesquisa é analisar como a oralidade está representada nos
materiais didáticos de língua inglesa como língua estrangeira no Brasil. Para tanto, faz-se
necessário responder à indagação: o que é oralidade e como é possível estudá-la?
Marcuschi (2007, p. 25-26) apresenta uma definição de oralidade ao confrontar
esse termo com os seguintes: letramento, fala e escrita. Para o autor, oralidade e letramento
são práticas sociais, a primeira é interativa, com fins comunicativos e se realiza pelo meio
sonoro, a segunda se realiza pela escrita não importando o grau de apropriação da mesma. Já a
fala e a escrita são consideradas modalidades de uso da língua, sendo que a fala pertence à
modalidade oral, ou seja, à oralidade, enquanto a escrita se caracteriza por sua constituição
gráfica. É preciso lembrar que a fala envolve mais do que uma comunicação através da
matéria sonora da língua, como afirma Marcuschi (2007, p. 25): “caracteriza-se pelo uso da
língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem como os
aspectos prosódicos, envolvendo, ainda, uma série de recursos expressivos de outra ordem, tal
como a gestualidade, os movimentos do corpo e a mímica”.
Em um primeiro momento, parece que há uma dicotomia, fala/escrita, porém
essa idéia está bem longe do que defende Marcuschi. Para ele: “as diferenças entre fala e
escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas sociais e não na relação
dicotômica de dois pólos opostos” (MARCUSCHI, 2007, p. 37, grifo do autor). Em outras
palavras, não há uma separação definitiva entre fala e escrita. Há, sim, um contínuo entre
características mais próximas da fala e outras mais próximas da escrita, já que o sistema
lingüístico é o mesmo.
27
Marcuschi (2007, p. 25-35) traça ainda um perfil de como a relação fala e
escrita tem sido tratada por teóricos e estudiosos da área. Quatro perspectivas de abordagem
da questão são apresentadas: a perspectiva das dicotomias, a tendência fenomenológica de
caráter culturalista, a perspectiva variacionista e a perspectiva sociointeracionista. A
perspectiva de abordagem de um objeto é sempre um fator constituinte de toda a análise como
já afirmou Saussure (1916/1995, p. 15): “Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de
vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto [...]”; assim, é preciso relatar
brevemente as diferentes perspectivas de abordar a questão da oralidade e justificar a
abordagem escolhida para esta pesquisa.
A principal crítica do autor à perspectiva dicotômica entre fala e escrita se
baseia no fato de os teóricos defensores dessa abordagem observarem mais as condições de
realização dos textos do que realmente as características dos textos falados e escritos.
A perspectiva da dicotomia estrita oferece um modelo muito difundido nos manuais
escolares, que pode ser caracterizado como a visão imanentista que deu origem à
maioria das gramáticas pedagógicas que se acham hoje em uso. Sugere dicotomias
estanques com separação entre forma e conteúdo, separação entre língua e uso e
toma a língua como sistema de regras, o que conduz o ensino de língua ao ensino de
regras gramaticais (MARCUSCHI, 2007, p. 28, grifo do autor).
Marcuschi (2007) também descreve um outro conjunto de perspectivas teóricas
que chama de tendência fenomenológica de caráter culturalista. Segundo o autor, esta
perspectiva não é adequada para uma observação lingüística, pois sua abordagem é macro, ou
seja, a preocupação é com os fenômenos sociais, culturais e psicológicos (cognitivos)
mediados pela fala e escrita e não com as diferenças de processamento textual entre as
modalidades da língua. Seus principais problemas de interpretação do fato lingüístico estão
relacionados a uma abordagem da escrita com um valor intrínseco de gerar desenvolvimento
às sociedades que a usam, a um olhar marcado pela cultura do pesquisador (em detrimento da
cultura em análise) e a uma visão que não distingue os grupos letrados e sim sociedades
letradas (o que não parece adequado já que as sociedades não são homogêneas).
Outra corrente citada pelo autor é a perspectiva variacionista que não faz
distinção entre fala e escrita e sim entre variedades padrão e não-padrão. Tal visão advém de
pesquisas no ensino de línguas que defendem um ensino bidialetal, ou seja, aquele em que se
ensina a norma padrão, mas respeita as características dialetais dos alunos.
Porém, convém destacar que a fala e a escrita não são necessariamente dois
dialetos e sim duas modalidades de uso da língua. Assim, Marcuschi (2007) defende uma
28
abordagem dessa relação por meio de uma perspectiva sociointeracionista de linguagem. O
autor, então, apresenta um quadro conciso dessa perspectiva apresentando os seguintes
fundamentos: dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento,
negociação, situacionalidade, coerência e dinamicidade.
Essa última linha de análise discursiva e interpretativa tem a vantagem de evitar
os preconceitos ideológicos das anteriores, oferecendo, portanto, uma visão de língua que
aborda tanto a fala quanto a escrita, percebendo suas diferenças sem lhes conferir um valor
intrínseco negativo ou positivo e também não separa essas duas modalidades da língua como
dois pólos independentes. É importante, então, que essa visão de linguagem seja mais
claramente delineada.
De acordo com Geraldi (1996, p. 27): “no quadro de uma concepção
sociointeracionista da linguagem, o fenômeno social da interação verbal é o espaço próprio da
realidade da língua”. Assim, percebe-se que nesta perspectiva a língua é concebida como
interação social. Desse modo, ela se constitui na relação dialógica entre as vozes sociais dos
interlocutores em sua inscrição em um dado momento histórico e situacional, ou seja, em um
momento de uso da língua e não como um sistema abstrato de regras.
Nesse sentido, Bernabé (2003, p. 23) acrescenta que “escrever e falar não são
mais atos de expressão individual do sistema gramatical, mas atos interativos que se voltam
para as práticas discursivas e para as atividades socioverbais produtoras de significação”.
Assim, o sentido é co-produzido na interação verbal e, nessa co-produção, funcionam vozes
sociais e juízos de valor (avaliações). Convém lembrar que “julgamentos de valor presumidos
são, portanto, não emoções individuais, mas atos sociais regulares e essenciais. Emoções
individuais podem surgir apenas como sobretons acompanhando o tom básico da avaliação
social” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1926/1976, p. 6, grifo do autor).
Dessa inscrição social da linguagem, decorre uma das grandes críticas de
Bakhtin (1929/2002, p. 95) ao objetivismo abstrato: “Na realidade, não são palavras o que
pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou
triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo
ou de um sentido ideológico ou vivencial” (grifo do autor).
Dessa forma, o dizer ocupa um lugar sócio-histórico, não é apenas um código
posto em uso, mas um enunciado irrepetível e concreto: “O enunciado em sua plenitude é
enformado como tal pelos elementos extralingüísticos (dialógicos), está ligado a outros
enunciados. Esses elementos extralingüísticos (dialógicos) penetram o enunciado também por
dentro” (BAKHTIN, 1979/2003, p. 313).
29
Assim, a linguagem não pode ser pensada com a exclusão do sujeito. Sujeito
esse que não é considerado na sua individualidade, mas na sua inscrição sócio-histórica.
[...] por um lado, todo enunciado é dialógico; por outro, as vozes que compõem a
dialogia bakhtiniana são sempre sociais. Os sujeitos, por seu turno, também são
sempre sócio-históricos, condicionados pelos processos materiais de produção, e
constituídos necessariamente na alteridade possibilitada por esse contexto sócio-
histórico. Alteridade que lhes permite um status de, digamos assim, um ‘ser
dialético’ [...] (MENDONÇA, 2006, p. 21).
Nessa abordagem da linguagem, não se procura um valor para o código,
estabelecendo os aspectos positivos e negativos das formas de linguagem como fala e escrita.
Ao contrário, há um olhar para a linguagem que permite explorar seu caráter interacional e
dialógico, além de sua inscrição sócio-histórica.
Convém destacar que a visão sociointeracionista de linguagem de Bakhtin se
apóia em fundamentações teóricas mais filosóficas do que científicas. A preocupação, por
exemplo, do círculo de Bakhtin com relação à linguagem, é em determinar o que é linguagem
e não seus métodos de análise, ou seja, trata-se de: “[...] uma reflexão geral de natureza
filosófica (uma formulação sobre o Ser da linguagem) e não em proposições de natureza
científica (formulação de método para análise de um ‘objeto calculável’)” (FARACO, 2003,
p. 105).
Marcuschi (2007, p. 32) afirma que a abordagem sociointeracionista da
oralidade é mais coerente para uma análise da oralidade como atividade social, porém defende
que tal perspectiva “[...] a rigor não forma um conjunto teórico sistemático e coerente, mas
representa uma série de postulados um tanto desconexos e difusos [...]”. Assim, ele propõe
que, aliada a esta perspectiva, adotem-se postulados de análise de outras linhas de pesquisa
lingüística como: visão variacionista, Análise da Conversação etnográfica e Lingüística
Textual.
Koch (1999, p. 173) também aprecia positivamente tal abordagem dialógica
entre diferentes correntes de estudo da linguagem em uma revisão da literatura sobre as
análises dos textos falados desenvolvidos no Brasil, afirmando que:
[...] é no interior do Projeto Temático ‘Organização Textual-Interativa no Português
Falado no Brasil’ que se têm desenvolvido, dentro da abordagem textual-interativa
que o fundamenta e, em decorrência, com a mobilização de conceitos da Lingüística
Textual, da Análise da Conversação e da Pragmática Lingüística, as principais
pesquisas sobre a natureza do texto falado, sua organização tópica, as estratégias de
construção (inserção, parafraseamento, repetição, interrupção, segmentação,
correção), os marcadores discursivos e/ou articuladores textuais, as formas de
marcação de relevo, etc.
30
Com relação a uma visão variacionista da linguagem, deve-se destacar que, com
os avanços dos estudos sociolingüísticos, torna-se difícil pensar a língua sem levar em conta
suas variantes, seja em relação aos registros, seja em relação aos dialetos. Assim, convém
destacar que a visão variacionista subjaz toda a análise empreendida neste trabalho. Além
disso, é importante destacar que, ao procurar destacar as regularidades de
incorporação/adaptação da conversação natural nos diálogos didáticos, a análise será baseada
em estudos e descrições de uso natural da língua, ou seja, em campos de comunicação nos
quais a finalidade discursiva seja outra que não a pesquisa lingüística ou o ensino de língua
estrangeira. Assim, o exame lingüístico desta dissertação contempla a língua com suas
variedades, inclusive a variedade padrão.
Os aportes teóricos da Análise da Conversação contribuem muito para a análise
proposta por oferecer uma visão da composição e estrutura das conversações naturais. A partir
dos achados dos estudos derivados desta perspectiva teórica é possível delinear comparações
entre a conversação natural em situação face a face e os diálogos didáticos cuja finalidade
primeira é modelar a interação verbal oral.
A Lingüística Textual também fornece bons instrumentos para tratar do corpus
em análise, pois os diálogos didáticos são textos falados (gravados em áudio e criados para
esse fim), mas, ao mesmo tempo, textos escritos (pois aparecem nos livros didáticos em sua
forma gráfica como um texto e não como transcrição). Assim, uma análise sobre a construção
do texto falado e escrito pode ser realizada.
Além disso, como o corpus apresenta textos produzidos também no meio
sonoro, uma análise fonético-fonológica deve oferecer novas perspectivas diante do objeto de
pesquisa. Faz-se necessário que se busque compreender o funcionamento da dimensão
pragmática dos fenômenos sonoros, assim, nesta pesquisa, optou-se por uma análise dos
elementos prosódicos, já que é neste nível de investigação fonético-fonológica que é possível
encontrar as contribuições da língua na produção de nuances semânticas e pragmáticas.
Convém lembrar que a interação entre os falantes em uma conversação face a face sofre
significativa contribuição dos gestos e posturas proxêmicas, mas, como o corpus não
31
apresenta um meio de produção em forma de vídeo, considerações sobre as influências
gestuais não serão abordadas nesta pesquisa.
1
Finalmente, no estudo do texto como enunciado, é imprescindível que se
considere a questão dos gêneros, já que são eles os tipos relativamente estáveis do enunciado,
ou seja, aqueles que podem ser passíveis de análise. Em outras palavras, a descrição de cada
enunciado pouco acrescenta, é preciso que generalizações sejam feitas no âmbito da questão
do gênero para que se possa conhecer um pouco mais dos valores que estão presentes na
produção de um gênero específico.
Dessa forma, segue-se uma apresentação dos princípios teóricos mais
significativos para a realização da análise do corpus proposta neste trabalho nas seguintes
áreas de conhecimento lingüístico: Análise da Conversação, Lingüística Textual, Análise
Prosódica (Fonética e Fonologia) e o estudo do gênero.
2.2 ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO
Os estudos na área da Análise da Conversação (AC) começaram a se expandir
no Brasil a partir dos estudos de Marcuschi (2003). Em seu livro introdutório Análise da
Conversação, o autor traça um breve histórico da área de pesquisa, apresenta os pressupostos
teóricos que regem a disciplina assim como alguns de seus resultados para que, a partir deste
trabalho, seja possível desenvolver outras pesquisas nessa área de estudo no país.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que, nesta disciplina, a conversação
não é simplesmente o resultado de um encontro face a face. “Quando se diz aqui
‘conversação’ está se tratando de todas as formas de ‘interação verbal’ existentes em nossa
sociedade [...]” (DIONÍSIO, 2006, p. 69).
Outro fator relevante é que o objeto de estudo da AC é a conversação natural,
“aquelas que são produzidas em situações naturais” (DIONÍSIO, 2006, p. 74). Esse é um dado
importante para esta pesquisa, pois seu objetivo é analisar até que ponto os diálogos didáticos
1
Sobre a relevância dos aspectos gestuais na interação verbal, há inúmeras menções nos textos que perfazem o
aporte teórico desta dissertação. Pode-se destacar, então, a seguinte citação: “Um forte parentesco une a metáfora
entoacional com a metáfora gesticulatória (na verdade, as palavras foram elas próprias originalmente gestos
linguais constituindo um componente de um gesto omnicorporal complexo) — o termo gesto sendo entendido
aqui num sentido mais amplo, incluindo a mímica como a gesticulação facial. (...) Quando uma pessoa entoa e
gesticula, ela assume uma posição social ativa com respeito a certos valores específicos e esta posição é
condicionada pelas próprias bases de sua existência social” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1926/1976, p. 9, grifo
do autor).
32
são adaptações das interações verbais face a face reais. Dessa maneira, utilizando os estudos
da AC, é possível contrastar os tipos de atividades discursivas engendradas em uma
conversação natural com relação às atividades discursivas apresentadas nos diálogos de
abertura dos livros didáticos em estudo. Portanto, os postulados teóricos da AC não servirão
como base desta análise já que o corpus não é composto por conversações naturais, mas suas
descrições da conversação natural servem de elemento contrastivo na análise do corpus. Tal
subsídio teórico também foi utilizado em estudos de diálogos não naturais como o caso de
diálogos literários (PRETI, 1999, p. 215-228).
Levando-se em conta a base teórica da AC, é preciso considerar que, de acordo
com Marcuschi (2003), ela pode ser pensada a partir de duas perspectivas: uma que se
preocupa com a estrutura da conversação privilegiando o estudo da organização da
conversação e outra que se preocupa com outros fenômenos necessários para a interação,
como o conhecimento lingüístico, paralingüístico e sociocultural. Em outras palavras, a
tendência atual nos estudos da AC privilegia a interpretação ao invés da organização da
conversação.
Por um lado, é oferecida uma noção do tipo e atividade representada pela
conversação e sua arquitetura geral, evidenciando-se que ela não é um fenômeno
anárquico e aleatório, mas altamente organizado e por isso mesmo passível de ser
estudado com rigor científico. Por outro, mostra-se como essa organização também
é reflexo de um processo subjacente, desenvolvido, percebido e utilizado pelos
participantes da atividade comunicativa, ou seja, as decisões interpretativas dos
interlocutores decorrem de informações contextuais e semânticas mutuamente
construídas ou inferidas de pressupostos cognitivos, étnicos e culturais, entre outros
(MARCUSCHI, 2003, p. 6-7).
Dessa forma, a AC, que pressupõe um caráter passível de cientificidade à
estrutura organizacional da conversação, parte de realizações singulares, a conversação
natural e “[...] visa a asserções universais (numa dada língua) e pretende, a um só tempo,
chegar a um sistema de regras ‘livres de contexto’ e ‘sensíveis ao contexto’” (MARCUSCHI,
2003, p. 7).
Ainda, Marcuschi (2003, p. 15) apresenta o sistema básico de operação da
conversação:
(a) interação entre pelo menos dois falantes;
(b) ocorrência de pelo menos uma troca de falantes;
(c) presença de uma seqüência de ações coordenadas;
(d) execução numa identidade temporal;
(e) envolvimento numa “interação centrada”.
33
Sendo que interação centrada significa uma interação com atenção que não
precisa necessariamente ser face a face como, por exemplo, as conversações telefônicas.
Primeiramente, é preciso esclarecer o que são considerados turnos
conversacionais devido à sua importância na construção das conversações. Um turno
conversacional pode ser definido como “[...] cada intervenção dos interlocutores formada pelo
menos por uma unidade construcional” (DIONÍSIO, 2006, p. 79), mas é preciso lembrar que o
silêncio também é concebido como um turno por Marcuschi (2003, p. 18): “[...] o turno pode
ser tido como aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, incluindo aí a
possibilidade do silêncio”. Um problema surge para definir o fim do turno, ou seja, a
ocorrência de um lugar relevante para transição (LRT) como apresenta Dionísio (2006, p. 79):
“esperar a vez para falar significa [...] esperar por marcas como pausas, hesitações,
entonações descendentes, uso de marcadores etc., na fala do nosso interlocutor”. Assim, “[...]
a tomada de turno pode ser vista como um mecanismo-chave para a organização estrutural da
conversação [...]” (MARCUSCHI, 2003, p. 19, grifo do autor).
Porém, é importante ressaltar que a regra de tomada de turno (um falante fala,
pára; o outro toma a palavra, fala e pára e assim sucessivamente) é violada muitas vezes. E
isso não quer dizer que a fala seja caótica, mas que os falantes utilizam outros recursos,
fugindo da regra básica, para garantir a interação, como as pausas, falas simultâneas,
sobreposições, silêncios, hesitações, reparações e correções.
Outro dado relevante é que a troca de turnos não ocorre somente quando há o
termo explícito do turno por meio do qual o falante passa a voz para o outro. Na verdade,
ocorrem assaltos (troca de falantes com ausência de pistas de LRT), quando a intervenção não
foi consentida. Esses assaltos podem ser classificados em: assalto com deixa e assalto sem
deixa.
O tipo de assalto com deixa é aquele que se dá durante hesitações, alongamentos,
entonação descendente, pausas, realizadas pelo falante que possui o turno. O assalto
sem deixa caracteriza-se por intervenções bruscas, provocando sobreposição de
vozes. (DIONÍSIO, 2006, p. 82)
Além de tomar o turno, o falante também pode sustentar o turno garantindo a
posse de seu turno. “Para isso, recorre aos marcadores conversacionais, aos alongamentos, às
repetições e à elevação de voz” (DIONÍSIO, 2006, p. 84).
Ainda com relação aos turnos conversacionais, é importante notar que eles se
subdividem em turnos nucleares, aqueles que contribuem significativamente para o
34
desenvolvimento do tópico discursivo, e turnos inseridos, ou seja, contribuições marginais ao
desenvolvimento do tema, “apesar de colaborarem para esse desenvolvimento, exercendo
sempre uma função meramente interacional” (DIONÍSIO, 2006, p. 81). Assim, podem
apresentar as seguintes funções interacionais: esclarecimento, avaliação, concordância,
discordância, por exemplo.
Outro tema importante dentro da AC é a questão da organização das
seqüências. Além da organização local dos turnos, eles também consideram uma organização
de unidades maiores que formam seqüências de dois a três turnos. “Entre essas seqüências
existem algumas altamente padronizadas quanto à sua estruturação. Devido à contigüidade e
ao tipo de relações tais seqüências são chamadas de pares adjacentes [...]” (MARCUSCHI,
2003, p. 34-35, grifo do autor).
Esses pares adjacentes são formados basicamente pela seqüência pergunta-
resposta. Sobre esse caráter dialógico dessa organização, Dittmann (1979, p. 10 apud
MARCUSCHI, 2003, p. 36) pondera: “[...] os pares podem ser tomados como indícios da
existência de compreensão ou pelo menos de uma compreensão existente, na medida em que a
segunda parte do par só pode ser produzida se a primeira parte foi, de alguma forma,
entendida. Assim, seja qual for a natureza significativa da segunda parte do par, ela é um
indicador de como os falantes analisam suas contribuições” (grifo do autor).
É importante ressaltar que as seqüências podem ser consideradas também
como pré-seqüências quando preparam e/ou verificam as condições para iniciar o tópico; por
exemplo, quando você quer convidar alguém para um encontro e pergunta antes se a pessoa já
tem planos para o horário do encontro, assim verifica sua disponibilidade e a partir daí
procede ao convite propriamente dito ou até não o faz dependendo das circunstâncias. Há
também outro tipo importante de seqüência: as seqüências inseridas que alteram o par
adjacente Pergunta-Resposta, adiando a segunda parte do par por alguns turnos. Isso ocorre,
por exemplo, quando o ouvinte não compreende a pergunta ou quer clarificar algum dado e,
em vez de responder, interroga o falante que normalmente procede a esclarecimentos e só
depois dessa seqüência é que o ouvinte toma a palavra para responder a pergunta inicial,
como ocorre no exemplo abaixo extraído do trabalho de Marcuschi (2003, p. 48):
L.A.M. — Recife — nota de campo —1985
(Contexto: S. e M. em uma situação de entrevista).
...
T1 S: você está aqui desde quando’’
T2 M: oi’’
T3 S: quando você chegou aqui’’
35
T4 M: aqui no Recife’’
T5 S: sim/ aqui
T6 M: na semana passada
...
A pergunta foi de fato colocada em T3, sendo que T1 não havia sido entendida por
M., de modo que T2 funcionou muito mais como um pedido de repetição [...] T3
será respondida em T6, ou seja, após a seqüência inserida T4-T5.
2
Os conceitos básicos da estruturação local da conversação natural já foram
apresentados, mas a AC ainda apresenta discussões sobre a organização conversacional
global. Em geral, a conversação é estruturada em três seções: abertura, desenvolvimento e
fechamento.
A seção de abertura apresenta normalmente o contato inicial, com os cumprimentos
ou algo semelhante, vindo então a seção com o desenvolvimento do tópico ou dos
tópicos e, finalmente, as despedidas ou saídas do tema geral, perfazendo a seção de
fechamento. Obviamente, também aqui se verificam subdivisões, como pré-
aberturas, seções tópicas distintas e pré-fechamentos (MARCUSCHI, 2003, p. 53).
Finalmente, há ainda ponderações importantes sobre os tipos de marcadores da
conversação. É interessante salientar que a conversação se organiza em turnos tanto
estruturalmente quanto lingüisticamente, portanto, seus marcadores se diferenciam dos do
texto escrito, pois não têm apenas uma função sintática, mas também têm uma função
comunicativa, conversacional.
Marcuschi (2003, p. 61) apresenta três tipos de marcadores conversacionais
(MC): verbais, não verbais e supra-segmentais. Dionísio (2006, p. 89) já os classifica em
marcadores conversacionais lingüísticos (verbais e prosódicos) e paralingüísticos (não-
verbais). A classificação de Dionísio é mais adequada, uma vez que os MC supra-segmentais
são também lingüísticos, o que torna a de Marcuschi contraditória. Apesar de nomenclatura
diferente, os autores citados classificam os mesmos recursos conversacionais.
Os MCs verbais, conjunto de partículas, palavras, sintagmas, expressões
estereotipadas e orações ou ainda expressões não-lexicalizadas (‘ahã’, ‘uhrum’, ‘ué’)
‘não contribuem propriamente com informações novas para o desenvolvimento do
tópico, mas situam-no no contexto geral, particular ou pessoal da conversação’
(MARCUSCHI, 2003, p. 62). Os MCs prosódicos (chamados também de supra-
segmentais), apesar de sua natureza lingüística, são de caráter não-verbal (os
contornos entonacionais, as pausas, o tom de voz, o ritmo, a velocidade, os
alongamentos de vogais etc.). Dentre eles se destacam as pausas e o tom de voz
como sendo os mais importantes para as análises das conversações. Já os MCs
paralingüísticos ou não-verbais estabelecem, mantêm e regulam a interação, por
meio de risos, olhares, gestos, meneios de cabeça (DIONISIO, 2006, p. 89).
2
T significa turno e as duas aspas finais indicam um sinal de entoação interrogativa. Maiores detalhes sobre a
transcrição podem ser encontrados em Marcuschi (2003, p. 10-13).
36
Levando-se em consideração o caráter interativo e de construção do sentido on-
line
3
da conversação, os marcadores discursivos podem aparecer no início, no meio e/ou no
fim de turnos ou de unidades comunicativas (UC). De acordo com Marcuschi (2003, p. 62):
“a expressão unidade comunicativa [...] é a expressão de um conteúdo que pode dar-se, mas
não necessariamente, numa unidade sintática tipo frase” (grifo do autor).
Enfim, Marcuschi (2003, p. 72-73) classifica os marcadores discursivos com
relação às suas formas, funções e posições em: sinais de tomada de turno (“olhe”, “mas”),
sinais de sustentação de turno (“correto?”, “sabe?”), sinais de saída ou entrega de turno
(“viu?”, “né?”), sinais de armação de quadro tópico (“agora que estamos nesse ponto”), sinais
de assentimento ou discordância (“mhm”, “como?”) e sinais de abrandamento (“fui
incumbido de”).
Além disso, muitos estudos da AC oferecem boa interpretação da questão de
polidez, ou seja, “todos os aspectos do discurso que são regidos por regras, cuja função é
preservar o caráter harmonioso da relação interpessoal” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p.
77). Nesse sentido, os interlocutores utilizam tanto estratégias verbais quanto não-verbais para
evitar o desgaste da “face” do locutor como também não afetar negativamente a “face” do
interlocutor. A análise da polidez demanda uma abordagem contrastiva de culturas, o que não
é possível realizar neste trabalho, pois, como pode ser visto no capítulo de análise, o corpus
neutraliza as variantes tanto de registro quanto de cultura, provocando até uma inadequação
de registro (há o uso de registro formal mesmo em situações que podem ser consideradas bem
informais). Assim, não será produtivo empreender tal olhar na análise sobre este corpus,
apesar de sua importância para o conhecimento de interações, no caso, verbais.
Enfim, pode-se notar que a Análise da Conversação com seu caráter etnográfico
faz observações muito importantes sobre as conversações naturais apresentando unidades de
análise significativas como as seqüências e seus desdobramentos, os turnos conversacionais
com seus modos de tomada e os marcadores conversacionais. É importante lembrar que “[...]
os sistemas organizacionais não foram propostos como normas para padrões de
funcionamento e sim como procedimentos analíticos [...]” (MARCUSCHI, 2003, p. 85). Tal
reflexão não invalida o estudo contrastivo que se segue, ao contrário, aponta para o estudo das
unidades de análise da conversação como indicadores do fazer interpretativo dos participantes
da interação, o que já foi comentado no início desta seção sobre o caráter mais interpretativo
do que organizacional das pesquisas na área da AC.
3
O termo on-line é usado nesta dissertação com o sentido de simultâneo, realizado no curso da ação, seguindo
nomenclatura utilizada por Koch (2007).
37
2.3 LINGÜÍSTICA TEXTUAL
A Lingüística Textual, tal como conceituada hoje por pesquisadores como Koch
(2007) e Marcuschi (2007), pode contribuir para a análise do corpus por dois motivos. O
primeiro é que se trata de uma teoria lingüística apoiada em uma visão sociointeracionista da
língua, assim sua teorização não é divergente da perspectiva teórica abordada nesta pesquisa.
Outro fator importante é que atualmente essa perspectiva teórica vê o texto como um processo
e não um produto, e procura oferecer descrições e reflexões sobre os conhecimentos e
estratégias de processamento textual engendrados por textos escritos e falados, caso do corpus
em análise. Em um mapeamento dos trabalhos desenvolvidos na perspectiva teórica da
Lingüística Textual no Brasil, Koch (1999, p. 172) afirma:
Já nos primeiros anos da década de 90 delineava-se uma forte inclinação para a
adoção de uma perspectiva sócio-interacional no tratamento da linguagem [...] e, em
decorrência, para o estudo dos processos e estratégias sócio-cognitivos envolvidos
no processamento textual (quer em termos de compreensão, quer em termos de
produção), especialmente por parte de pesquisadores como Marcuschi e Koch.
Dentro de uma perspectiva sociointeracionista de linguagem, o texto é
considerado como a manifestação da atividade verbal realizada entre os co-enunciadores,
portanto um processo.
Pensando, principalmente, nas estratégias de processamento textual, a
Lingüística Textual fornece perspectivas teóricas de análise que abordam o texto além de sua
composição e estrutura geral, principal contribuição da Análise da Conversação para esta
pesquisa. Há também muitos pontos de convergência entre as duas teorias de análise, pois
ambas partem de uma mesma posição teórica em relação à linguagem. Dessa forma, é
possível enumerar os seguintes elementos estudados pelas duas linhas de estudo da linguagem
em questão: estratégias de preservação da face, pausas, repetições e reformulações. Dentre os
elementos citados: o primeiro não pode ser bem tratado nesta pesquisa como já foi
mencionado na seção anterior deste capítulo, já as pausas serão melhor discutidas dentro de
uma análise fonético-fonológica que será posteriormente abordada, e, os dois últimos
elementos serão estudados nesta seção, ou seja, em uma perspectiva de estratégias de
processamento textual.
38
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que as modalidades de fala e escrita
apresentam características específicas, pois o meio de comunicação é diferente e, portanto, as
escolhas e possibilidades lingüísticas disponíveis para que haja comunicação são distintas.
Koch (2007) apresenta características do texto falado baseadas no corpus do
Projeto Gramática do Português Falado por meio de uma análise das atividades e estratégias
de processamento textual. A autora apresenta, então, as estratégias de processamento textual
divididas em três categorias: cognitivas, textuais e sociointeracionais, notando que tais
estratégias implicam “[...] a mobilização on-line dos diversos sistemas de conhecimento”
(KOCH, 2007, p. 34, grifo do autor).
As estratégias cognitivas consistem de estratégias on-line que procuram sanar
dificuldades de produção e compreensão de sentidos.
Desta forma, as estratégias cognitivas consistem em estratégias de uso do
conhecimento. E esse uso, em cada situação, depende dos objetivos do usuário, da
quantidade de conhecimento disponível a partir do texto e do contexto, bem como
de suas crenças, opiniões e atitudes, o que torna possível, no momento da
compreensão, reconstruir não somente o sentido intencionado pelo produtor do
texto, mas também outros sentidos, não previstos ou mesmo não desejados pelo
produtor (KOCH, 2007, p. 35).
Essas estratégias incluem, entre outras, estratégias de coerência, estilísticas,
retóricas, não-verbais e de inferenciação. Ainda há uma estratégia específica da modalidade
da fala da língua, a desaceleração — ou seja, pausas para ganhar tempo durante o
processamento textual.
As estratégias sociointeracionais são as que servem para manter uma boa
interação durante a conversa baseada nas regras sócio e culturalmente estabelecidas.
Entre elas, podem-se mencionar, além daquelas relativas à realização dos diversos
tipos de atos de fala, as estratégias de preservação das faces (“facework”) e/ou
representação positiva do “self”, que envolvem o uso das formas de atenuação, as
estratégias de polidez, de negociação, de atribuição de causas aos mal-entendidos,
entre outras (KOCH, 2007, p. 37).
Finalmente, as estratégias textuais são aquelas relacionadas às escolhas que os
interlocutores podem fazer na construção dos sentidos. Como Koch (2007, p. 38) afirma: “[...]
obviamente não deixam de ser também interacionais e cognitivas em sentido lato [...]”. A
autora ainda divide as estratégias textuais da seguinte maneira: estratégias de organização da
informação, de formulação, de referenciação, e de balanceamento do explícito/implícito.
39
Todos os tipos de estratégia acima mencionados são característicos tanto do
texto falado como do texto escrito. Convém apresentar em detalhes, então, as estratégias mais
comumente usadas no texto falado no tocante à interação, pois é esse o aspecto que deverá ser
bem observado na análise do corpus, já que se busca notar até que ponto a adaptação de uma
interação natural face a face ocorre em um texto didático.
Consoante às estratégias de organização da informação, ou seja, estratégias que
organizam a relação dado/novo, tema/rema, é preciso lembrar que o texto falado tem uma
característica específica chamada de segmentação:
Nestes, a integração sintática reduzida ou mesmo inexistente resulta da possibilidade
que tem o falante de introduzir de imediato um elemento temático ou remático, sem
que a relação sintática com o(s) subseqüente(s) já esteja plenamente planejada
(KOCH, 1995 apud KOCH, 2007, p. 39).
As segmentações (tematizações e rematizações) são estratégias que têm uma
função específica na construção do sentido, ou seja, o deslocamento do tema ou do rema
provoca sentidos específicos porque muda a seqüência normal tema/rema, que é a mais
comum tanto no texto escrito quanto no texto falado. Koch (2007, p. 118), ao analisar a
importância desse tipo de estratégia na construção do texto falado afirma:
[...] a segmentação permite ao locutor proceder a uma espécie de hierarquização das
unidades lingüísticas utilizadas, e apresentar um ponto de vista pessoal,
modalizando destarte seu enunciado. Desta forma, tais construções constituem
marcas da inscrição do enunciador no discurso.
As estratégias de formulação incluem estratégias de inserção e de reformulação,
enfim, tem por objetivo facilitar a interação e colaborar para a construção do sentido. Em um
texto, podem-se inserir explicações, justificativas, ilustrações, exemplificações, comentários
metaformulativos, comentários jocosos, questões retóricas, atenuações, ressalvas e avaliações.
Já as estratégias de reformulação podem ser de natureza saneadora ou retórica. As primeiras
ocorrem por meio de correções, reparos e repetições e têm como característica principal
aparecerem imediatamente após o falante perceber alguma falha na comunicação, procurando
restabelecer a interação ou a produção de sentido intencionada, portanto, é também
característica do texto falado. As segundas podem estar presentes tanto no texto falado quanto
no escrito e são realizadas por meio de repetições e paráfrases.
É importante destacar que a repetição desempenha um papel muito significativo
na construção do texto falado.
40
As pesquisas mais recentes apontam motivações cognitivas e interacionais da
repetição na fala, tanto em termos de processamento, quanto no que diz respeito a
estratégias de persuasão, além de constituir [...] importante mecanismo que permite
tornar o texto mais coeso, acessível e coerente (KOCH, 2007, p. 131).
As repetições podem ser classificadas de várias maneiras, mas convém destacar
a diferença entre a repetição da própria fala (auto-repetição) e a repetição da fala do outro
(alo-repetição). As primeiras cumprem função de ganhar tempo para continuar a construir o
texto e também função retórica importante (professores costumam utilizar a repetição dessa
maneira repetindo a pergunta na resposta quando introduzem perguntas retóricas). Já as
segundas podem ter várias funções dentre as quais se destacam: ganhar tempo para
planejamento, demonstrar interesse pelo assunto do interlocutor, aceitar ajuda do interlocutor
na formulação de seu enunciado, demonstrar opinião (ironia, desconfiança) sobre a fala do
outro e como sinal de manutenção ou entrega de turno. Enfim, a repetição desempenha uma
função fática importante no processamento do texto falado; assim, é possível dizer que se trata
de um elemento constitutivo da fala.
A repetição é particularmente constitutiva do discurso conversacional, no qual os
parceiros, conjuntamente e passo a passo, constroem o texto, elaboram as idéias,
criam, preservam e negociam as identidades, de tal forma que o texto, de maneira
icônica, vai refletir essa atividade de co-produção (KOCH, 2007, p. 145).
Convém ainda ponderar sobre o uso de digressões no texto falado. É muito
comum que o falante insira reformulações ou ilustrações no seu texto, o que, para alguns,
indicaria perda de coerência do texto, pois produziria fugas do tópico. Porém, na perspectiva
sociointeracionista de linguagem, esse tipo de digressão tem um papel importante. De acordo
com Koch (2007, p. 148), “as digressões permeiam toda e qualquer conversação, exercendo
papéis definidos tanto na regulamentação como na sustentação da conversação, contribuindo
para ela de modo substantivo e sendo, pois, extremamente importantes do ponto de vista
interacional”. Com relação ao tópico, na verdade, as digressões permitem que haja uma
dinamicidade, ou seja, que o tópico vá se alterando ou se deslocando à medida que haja
intervenções dos interlocutores. Tal característica, portanto, marca a co-produção discursiva
do texto falado.
A abordagem de análise apresentada por Koch (2007) e acima resumida serve
de base para nossa análise no tocante às contribuições teóricas da Lingüística Textual.
Ressalta-se que a autora apresenta estratégias de processamento textual tanto do texto falado
41
quanto do texto escrito, proporcionando, assim, condições de tratamento do corpus desta
pesquisa que apresenta um texto oral no áudio e sua respectiva transcrição no livro didático.
Porém, é preciso lembrar que são as características do texto falado que serão verificadas no
corpus, já que os diálogos didáticos funcionam como um modelo de interação verbal oral.
É importante notar também que o quadro de análise proposto acima evita uma
visão errônea e até prescritiva da relação entre as duas modalidades da língua — fala e escrita
— apresentada por Marcuschi (2007, p. 34-35):
O curioso é que, no geral, quem se dedica aos estudos da relação entre língua falada
e língua escrita sempre trabalha o texto falado e raramente analisa a língua escrita.
No entanto, suas observações são muitas vezes sob a ótica da escrita. Por outro lado,
as afirmações feitas sobre a escrita fundam-se na gramática codificada e não na
língua escrita enquanto texto e discurso. Em suma, o que conhecemos não são nem
as características da fala como tal nem as características da escrita: o que
conhecemos são as características de um sistema normativo da língua.
2.4 ANÁLISE PROSÓDICA
Em uma abordagem sociointeracionista de linguagem na qual tanto os aspectos
internos quanto os externos à língua são importantes, a prosódia tem um papel fundamental.
Os elementos supra-segmentais do sistema sonoro da língua vão além de uma relação
som/sentido, eles proporcionam aos interlocutores elementos significativos para a realização
da interação verbal. A entonação, por exemplo, fornece informações sobre as atitudes dos
interlocutores, suas avaliações com relação ao outro e assim por diante (cf. seção gênero: uma
visão sociointeracionista da linguagem deste capítulo).
Como o corpus de análise é composto também de um material de áudio no qual
há textos falados, é necessário que os fenômenos fonológicos da língua sejam examinados.
Dentre eles, a escolha pela análise dos elementos supra-segmentais em detrimento do estudo
dos elementos segmentais dentro do sistema fonológico da língua inglesa se deu devido ao
fato de a construção do sentido nos diálogos didáticos ser o foco desta análise e não o exame
da adequação e correção dos sons. Para conhecer esse processamento de construção de
sentidos em relação à materialidade sonora, os elementos supra-segmentais, também
chamados de elementos prosódicos, podem oferecer informações além do conteúdo do
enunciado como, por exemplo, sobre as atitudes dos interlocutores.
42
É preciso notar que hoje dentro da área da Lingüística, o termo prosódia engloba
“[...] uma gama variada de fenômenos que abarcam os parâmetros de altura, intensidade,
duração, pausa, velocidade de fala, bem como o estudo dos sistemas de tom, entoação, acento
e ritmo das línguas naturais” (SCARPA, 1999, p. 8).
Como esta dissertação apresenta uma preocupação que recai sobre os efeitos de
sentido e as características de um texto falado a partir da análise da materialidade sonora, é
preciso citar os trabalhos de Cagliari (1992), sobre as várias funções lingüísticas que os
elementos prosódicos podem desempenhar, e Bollela (2006), que propõe uma intersecção
entre estudos da língua e do discurso por meio dos elementos prosódicos. O primeiro
apresenta um levantamento das relações entre elementos prosódicos e suas variadas funções,
em especial no idioma português brasileiro; já o segundo expõe como esses elementos podem
corroborar a construção do sentido.
De acordo com os autores supracitados, os elementos prosódicos podem ser
divididos em três categorias: elementos prosódicos da variação da altura melódica, da
variação da duração e da intensidade sonora.
Os elementos que compõem a variação de altura melódica são: a tessitura (que
compreende uma alteração de grave e agudo na fala), a entoação (que engloba uma variação
ascendente e/ou descendente na melodia da frase), o tom (no qual a variação melódica ocorre
dentro dos itens lexicais) e o acento frasal (que marca mudanças significativas de acento,
saliência).
Com relação à variação de duração, há os seguintes elementos: o ritmo (que é
marcado pela repetição de acentos), a duração (que marca um alongamento de sílabas ou
fonemas), o acento (que está diretamente relacionado com o ritmo, marcando as ondulações
rítmicas da fala), a pausa (que estabelece o silêncio), a concatenação (que se refere à junção
de palavras) e a velocidade de fala, também denominada tempo na nomenclatura de Cagliari
(1992).
Finalmente, com relação à intensidade sonora, há o elemento volume que é
caracterizado pela intensidade alta ou baixa da voz.
Esses elementos podem apresentar funções lingüísticas distintas como: função
fonológica, morfológica, sintática, discursiva, dialógica, semântica, pragmática, de
identificação do falante ou da língua, de reestruturação da produção da fala e fonética, como
pode ser visto na figura 1.
43
Figura 1 — As funções lingüísticas dos elementos supra-segmentais prosódicos
Fonte: CAGLIARI, 1992, p. 148-149.
Para a análise proposta, as funções que caracterizam a interação na fala —
funções semânticas e pragmáticas — é que interessam, pois permitem observar como o texto
falado é representado/adaptado nos diálogos didáticos. Dessa forma, a análise prosódica
examina principalmente os seguintes elementos: entoação, pausa, ritmo e volume. É preciso
ressaltar que tais elementos não podem ser considerados de forma estanque, já que os
elementos prosódicos têm uma relação de interdependência na cadeia da fala. Portanto, a
velocidade da fala e a redução vocálica também serão consideradas na análise do corpus.
Além disso, é preciso lembrar que o texto oral é em língua inglesa, portanto, as
descrições sobre o funcionamento dos elementos prosódicos dessa língua devem ser levadas
em consideração.
A análise da entoação, portanto, segue as descrições de Halliday (1970) sobre a
variante britânica do inglês e Pike (1954) sobre a variante norte-americana do mesmo idioma.
44
A principal contribuição de Halliday para esta pesquisa reside na sua proposta de
sistematização do estudo da entoação, que é compartilhada por Cagliari (2007). Assim, a
análise parte do grupo tonal (GT): “Um GT representa uma ‘unidade de informação’ que o
locutor quer transmitir” (CAGLIARI, 2007, p. 163). A partir dele, é possível observar os tons
primários: “The primary tones are differentiated from one another by the pitch movement in
the tonic segment” (HALLIDAY, 1970, p. 8, grifo do autor).
4
A análise dos tons primários
permite uma apreciação da construção de sentidos gerada pela entoação. Os tons secundários
(mudanças internas no tom primário), por sua vez, acrescentam a ele nuances de significação.
Essa variação melódica secundária é detalhadamente descrita por Pike (1954), e serve para
compreender como os elementos prosódicos são utilizados no material de áudio do corpus.
Outro elemento contribuinte para a construção de sentidos do enunciado é a
pausa. Essa tem uma função aerodinâmica — permite ao falante respirar —, mas também
“[...] tem uma função de ‘segmentação’ da fala e, por isto, pode ocorrer também depois de
frases, sintagmas, palavras e até pode ser usada depois de sílabas, quando se ‘silaba’ uma
palavra” (CAGLIARI, 1992, p. 143). Um falar segmentado geralmente reforça o significado
literal do enunciado assim como pode demonstrar o desejo do falante de chamar a atenção do
ouvinte.
Uma vez que a pausa serve de elemento de segmentação da fala, é importante
verificar os momentos em que ocorre a supressão da mesma, o que pode ser observado por
meio da análise das características de encadeamento vocabular, pois:
Na cadeia da fala, as palavras proferidas ficam naturalmente sujeitas a junções.
Nestas junções ocorrem alguns fenômenos de natureza fonético-fonológica, [...]
Obviamente, na fala espontânea tais junções podem não ocorrer, isto é, as palavras
podem ser proferidas isoladamente; ficando, pois, as junções dependentes da
velocidade da fala, do nível de formalidade do enunciado, dentre inúmeros outros
fatores. (BOLLELA, 2003, p. 130)
Assim, a ausência de fenômenos característicos de uma fala coloquial
encadeada evidencia adesões maiores ou menores à formalidade da língua dos textos que
compõem o corpus.
Em relação ao ritmo em inglês, convém destacar a análise do papel da redução
vocálica na língua inglesa realizada por Bollela (2002). A autora destaca que o padrão rítmico
da língua inglesa (acentual), deve ser entendido por meio da relação de tonicidade entre as
sílabas.
4
Tradução da autora: Os tons primários se diferenciam um do outro pela marca entoacional na sílaba tônica
saliente.
45
A classificação tradicional prevê dois tipos de padrões rítmicos, silábico e
acentual:
“[...] o ritmo silábico corre nas línguas em que o tempo necessário para se produzir
um proferimento depende do seu número de sílabas e cada uma das sílabas tem
aproximadamente a mesma intensidade e duração, já nas línguas de ritmo acentual
há uma isocronia na ocorrência das sílabas tônicas (ou proeminentes)
independentemente do número de sílabas átonas entre elas, sendo as sílabas tônicas
relativamente longas e proeminentes e as sílabas átonas curtas e fracas”
(BOLLELA, 2002, p. 82, grifo do autor).
Dessa maneira, a observação da posição das vogais átonas e tônicas permite
uma análise do ritmo no corpus.
Finalmente, o volume será examinado a partir do tratamento acústico realizado
sobre as falas selecionadas. Para tanto, o programa de edição de som Praat, versão 4.6.12, será
utilizado. Esse software oferece condições de verificar em decibéis as mudanças da
intensidade sonora.
A partir das contribuições de perspectivas teóricas que têm como objeto a
oralidade, como a Análise da Conversação, a Lingüística Textual e a Análise Prosódica, pode-
se realizar a análise do corpus. Convém destacar a importância de se conhecer o corpus
levando-se em conta seu caráter sociointeracional; desse modo, além dos instrumentos de
investigação já citados, a próxima seção deste capítulo refletirá sobre a contribuição do estudo
do gênero para esta pesquisa lingüística.
2.5 GÊNERO TEXTUAL
5
: UMA VISÃO SOCIOINTERACIONISTA DE LINGUAGEM
Em uma visão sociointeracionista de linguagem, a noção de texto não é mais
separada de seu contexto. O enunciado — unidade de análise, em contraste com a
frase/oração — não é uma noção abstrata e sim um fenômeno concreto da linguagem, um
fenômeno irrepetível devido ao entorno social e histórico no qual está inserido no momento
5
Neste trabalho, será utilizado o termo gênero textual como equivalente a gêneros do discurso, que aparece nas
traduções dos textos de Bakhtin. Na perspectiva de linguagem adotada, não parece necessário fazer uma
distinção entre discurso, texto e enunciado. Assim, será dada preferência ao termo gênero textual devido às
diferentes conotações que o termo discurso vem adquirindo na área da Lingüística recentemente e cuja discussão
não faz parte do escopo da análise engendrada nesta dissertação.
46
da fala. Dessa forma, uma análise lingüística puramente formal, que se encerra em si mesma,
não faz mais sentido nos dias de hoje. De acordo com Bakhtin (1929/2002, p. 18):
A análise técnica irá então responder à questão de quais meios lingüísticos são
usados para a realização do propósito sócio-artístico da forma. Mas, se esse
propósito não é conhecido, se sua significação não é previamente elucidada, a
análise técnica será absurda.
E ainda:
O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as
peculiaridades das diversidades de gênero do discurso em qualquer campo da
investigação lingüística redundam em formalismo e em uma abstração exagerada,
deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua com a
vida (BAKHTIN, 1979/2003, p. 265).
Dessa perspectiva, uma análise do gênero torna-se interessante para que se
possa conhecer a significação do uso da língua dentro de um espaço sócio-histórico
determinado, pois “os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de
transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem” (BAKHTIN, 1979/2003,
p. 268).
A partir dessas reflexões, uma discussão sobre o conceito de gênero e sobre sua
inter-relação com visões de mundo — no caso desta análise, concepção de língua — é
apresentada a seguir.
2.5.1 Reflexões acerca do gênero: Bakhtin e Marcuschi
O conceito de gênero foi, durante muito tempo, discutido somente no âmbito
dos gêneros literários e retóricos, a partir dos estudos de Platão e Aristóteles, até que o texto
de Bakhtin (1979/2003) sobre os gêneros do discurso reacendesse a discussão sobre o tema.
Em um primeiro momento, a questão do gênero se voltava para aspectos formais e estruturais
das classificações específicas dos gêneros literários ou retóricos
6
, porém, a partir de uma
perspectiva sociointeracionista de linguagem, há uma preocupação maior, ao falar de gênero,
6
Sobre um histórico e gênese do termo gênero, ver Faraco (2003, p. 108-109) e Machado (2005, p. 151-152).
47
com questões de atividade social (funcionalidade, organização/estrutura e interação). De
acordo com Marcuschi (2006, p. 24):
Existe uma grande variedade de teorias de gênero no momento atual, mas, pode-se
dizer que as teorias de gênero que privilegiam a forma ou a estrutura estão hoje em
crise, tendo-se em vista que o gênero é essencialmente flexível e variável, tal como
o seu componente crucial, a linguagem. Pois, assim como a língua varia, também os
gêneros variam, adaptam-se, renovam-se e multiplicam-se. Em suma, hoje, a
tendência é observar os gêneros pelo seu lado dinâmico, processual, social,
interativo, cognitivo, evitando a classificação e a postura estrutural.
Bakhtin (1979/2003, p. 261) propõe seu conceito de gênero por meio do
conceito de enunciado. Para ele, as unidades de análise da língua são os enunciados “[...]
(orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana”, e não as frases isoladas, formalmente descritas e examinadas. Os gêneros
são, então, “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 1979/2003, p. 262, grifo
do autor) cujo conteúdo temático, composição e estilo são determinados pela atividade
humana e comunicacional na qual o enunciado está inserido.
Portanto, o conceito de esfera de atividade é extremamente importante na
conceituação de gênero. Esse é determinado por sua funcionalidade na interação socioverbal e
sua inserção histórica e social. Assim, pode-se ressaltar que:
Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e
determinadas condições de comunicação discursiva, específicas a cada campo,
geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos,
temáticos e composicionais relativamente estáveis. (BAKHTIN, 1979/2003, p. 266).
Ao se referir ao conceito concreto de esfera de atividade humana, Marcuschi
(2005a, p. 24) utiliza o termo domínios discursivos, que “constituem práticas discursivas
dentro das quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe são
próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas comunicativas
institucionalizadas”.
É importante destacar a importância da institucionalização das práticas
discursivas. Bakhtin, ao pensar no romance — seu objeto de análise — afirma que a
conversação cotidiana sofre modificações ao ser inserida em outra esfera, a esfera literária,
prosaica do romance. Assim, ele diferencia gêneros primários, da esfera cotidiana, dos
gêneros secundários, da esfera institucionalizada. Faraco (2003) aponta que a diferença entre
essa tipologia de gêneros apresentada por Bakhtin deve ser compreendida em sua relação com
a criação ideológica: “[...] a ideologia do cotidiano e os sistemas ideológicos constituídos” (p.
48
61, grifo do autor). Ainda, é preciso notar que não há uma dicotomia entre esses dois tipos de
gênero, mas uma constante interdependência. O mesmo autor lembra que “[...] em muitas de
nossas atividades, há uma passagem constante do plano secundário para o primário e deste
para aquele” (FARACO, 2003, p. 118).
Sobre essa tipologia, é interessante citar Bakhtin (1979/2003, p. 263):
[...] a diferença essencial entre os gêneros discursivos primários (simples) e
secundários (complexos) — não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros
discursivos secundários (complexos — romances, dramas, pesquisas científicas de
toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um
convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado
(predominantemente o escrito) — artístico, científico, sociopolítico, etc. No
processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários
(simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata.
Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem
um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os
enunciados reais alheios [...].
Assim, é possível estudar um gênero na sua relação com os gêneros primários
que incorporam e modificam na sua realização em outra esfera de atividade humana e com
outras finalidades comunicacionais. O diálogo didático, objeto desta pesquisa, relaciona-se
com as características temáticas, composicionais e estilísticas do gênero primário que
representa, na maioria das vezes. Todavia, deve-se ter um olhar especial para a esfera didática
na qual o diálogo didático se insere e notar como ele incorpora as características de uma
conversação natural como diálogos face a face e conversas telefônicas, por exemplo. De
acordo com Bakhtin (1979/2003, p. 264):
a diferença entre os gêneros primário e secundário (ideológico) é extremamente
grande e essencial, e é por isso mesmo que a natureza do enunciado deve ser
descoberta e definida por meio da análise de ambas as modalidades; apenas sob essa
condição a definição pode vir a ser adequada à natureza complexa e profunda do
enunciado (e abranger suas facetas mais importantes) [...].
Como foi mencionado anteriormente, o gênero se caracteriza não só pela esfera
de atividade humana na qual está inscrito, mas também com relação à sua funcionalidade
comunicativa, isto é, para qual finalidade cada gênero é escolhido ou é entendido pelo falante.
Marcuschi (2005a) salienta que os gêneros são modelos comunicativos, ou seja, “servem,
muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para uma determinada
reação” (p. 33). Pensando que a língua não se trata apenas de um sistema abstrato de formas
que são colocadas em ordem para realizar frases, mas sim que estas formas são incorporadas
49
pelos falantes através de enunciados concretos, pode-se concluir que os gêneros são índices de
compreensão para os interlocutores.
Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o
organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar o nosso
discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos
o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é,
uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção
composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto
do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da fala. Se os gêneros
do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los
pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e pela primeira
vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível. (BAKHTIN,
1979/2003, p. 283)
Assim, pode-se dizer que os gêneros diferem das formas da língua, enquanto
sistema abstrato, por sinalizarem mais do que regras gramaticais, isto é, regras de uso para
gerar sentidos. Porém, convém lembrar que os gêneros também não são os enunciados
concretos, eles são formas típicas de enunciado e, portanto, as individualidades são, de certa
forma, abstraídas em uma análise de gênero textual. No entanto, por ser uma forma típica de
enunciado e não da língua, o gênero carrega expressões e significados típicos a ele
relacionados:
Os gêneros correspondem a situações típicas da comunicação discursiva, a temas
típicos, por conseguinte, a alguns contatos típicos dos significados das palavras com
a realidade concreta em circunstâncias típicas. Daí a possibilidade das expressões
típicas que parecem sobrepor-se às palavras. (BAKHTIN, 1979/2003, p. 293)
Ainda é preciso considerar que há um conjunto de temas, composição e estilo
que são determinados pela esfera de atividade e pelo campo de comunicação por onde o
gênero circula.
Uma análise do tema compõe-se das considerações semânticas, dos conteúdos
temáticos de determinado gênero. É preciso lembrar que as escolhas temáticas, assim como as
escolhas composicionais e estilísticas, são determinadas pela atividade realizada pelo texto e
pelo sujeito. Bakhtin (1979/2003, p. 282) afirma: “Essa escolha [do gênero de discurso] é
determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por
considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação
discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc.”
Outro elemento importante para a análise do gênero é sua composição. As
unidades composicionais estão relacionadas a “[...] determinados tipos de construção do
50
conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos de relação do falante com outros participantes
da comunicação discursiva — com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro,
etc.” (BAKHTIN, 1979/2003, p. 266). É preciso considerar os elementos composicionais da
mesma maneira que o tema e o estilo são abordados na questão do gênero, ou seja, em sua
inter-relação com a esfera de atividade humana e condições do campo de comunicação nos
quais está inserido. Cada um desses elementos não traz sentido sozinho, exceto em um
conjunto que apresenta os elementos regulares de um determinado gênero e que, de acordo
com sua inserção sócio-histórica, sofrem modificações.
Sobre o estilo, convém salientar que não se trata de uma análise de um estilo
individual como uso individual da língua nem como atividade criativa singular.
7
Em uma
perspectiva da linguagem como interação verbal entre participantes sócio e historicamente
inseridos, o estilo é uma escolha individual determinada por configurações sociais, ou seja:
[...] a elaboração estilística da enunciação é uma atividade de seleção, de escolha
individual, mas de natureza sociológica, já que o estilo se constrói a partir de uma
orientação social de caráter apreciativo: as seleções e escolhas são, primordialmente,
tomadas de posição axiológicas frente à realidade lingüística, incluindo o vasto
universo de vozes sociais (FARACO, 2003, p. 121).
Além do mais, compartilhando da visão sobre gênero acima discutida,
Marcuschi (2007) propõe um acréscimo à análise do gênero a partir da questão da oralidade e
escrita. Já que o autor pressupõe que não há uma dicotomia entre fala e escrita e sim um
contínuo tipológico entre essas modalidades da língua, assim também funcionam os gêneros:
O contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada
modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o
contínuo das características que produzem as variações de estruturas textuais-
discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num
contínuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de contínuos
sobrepostos (MARCUSCHI, 2007, p. 42, grifo do autor).
Ao analisar a questão do gênero e da fala/escrita, Marcuschi (2007) apresenta
um olhar que distingue o meio de produção dos gêneros assim como o tipo de concepção
discursiva dos mesmos. No exemplo dado pelo autor, um noticiário de TV, pode-se notar que
ele é produzido em um meio sonoro, o locutor “fala” a notícia que chega aos ouvidos dos
telespectadores, mas o texto lido é concebido por jornalistas e editores em sua forma escrita
para uma posterior leitura. Tal diferenciação é interessante ao olhar nosso corpus que também
7
Para uma discussão das variadas abordagens do estilo, desde a época do pensamento sistêmico até os estudos
recentes da variação lingüística, ver Faraco (2003, p. 118-120).
51
tem uma concepção discursiva escrita e um meio de produção duplo: sonoro (CD de áudio) e
gráfico (livro didático).
Figura 2 – Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita
Fonte: MARCUSCHI, 2007, p. 41.
52
Convém lembrar que o contínuo tipológico dos gêneros orais e escritos não
promove uma estagnação em um ponto específico, ou seja, os gêneros da fala assim como os
gêneros da escrita não são estanques, há uma mobilidade e sobreposição de características e
variedades como foi apontado na citação feita acima e pode ser observado na figura acima. Há
a enumeração de alguns gêneros mais próximos da modalidade escrita na parte superior e do
lado esquerdo da figura classificadas sob o título de “textos acadêmicos” enquanto os gêneros
mais próximos da fala encontram-se na parte inferior e mais ao lado direito da figura sob o
título de “conversações”. Nota-se que há também um conjunto de gêneros, representados
dentro do balão, que fazem parte tanto da modalidade escrita quanto da modalidade oral da
língua de acordo com Marcuschi (2007).
2.5.2 Gênero e concepção de língua
A concepção de gênero, como discutida até agora, não pode prescindir da sua
condição como tipificação do enunciado — concreto e histórico — assim, os atos de fala são
individuais e, ao mesmo tempo, perpassados por vozes sociais. Em outras palavras, há uma
constante dinamicidade entre o repetível e o novo.
Pensando nos gêneros como formas típicas de enunciado e lembrando de sua
natureza como índice para a compreensão comunicativa entre os falantes, é necessário
destacar que, ao conhecer os gêneros, o falante faz escolhas de acordo com sua avaliação da
situação e de seus interlocutores. Segundo Voloshinov/Bakhtin (1926/1976, p. 11):
Julgamentos de valor, antes de tudo, determinam a seleção de palavras do autor e a
recepção desta seleção (a co-seleção) pelo ouvinte. O poeta, afinal, seleciona
palavras não do dicionário, mas do contexto da vida onde as palavras foram
embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor.
Não só as palavras são determinadas por esse crivo avaliativo social, mas todos
os elementos que fazem parte do estilo. Bakhtin (1926/1976) afirma que um julgamento de
valor não existe isoladamente, mas dentro do discurso, ou seja, “[...] ele [o julgamento de
valor] determina a própria seleção do material verbal e a forma do todo verbal” (p. 7, grifo
do autor). O autor, no mesmo texto, acrescenta uma explicação do estilo a partir de seu
53
elemento mais expressivo: a entoação
8
. “A entoação estabelece um elo firme entre o discurso
verbal e o contexto extraverbal — a entoação genuína, viva, transporta o discurso verbal para
além das fronteiras do verbal, por assim dizer” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1926/1976, p.
7). Convém destacar que a entoação e outros elementos do estilo e da forma, como já foi dito
anteriormente, não são atos individuais e sim socialmente determinados, pois carregam juízos
sociais e estéticos, no caso da arte. Em outras palavras:
[...] a entoação e o gesto são ativos e objetivos por tendência. Eles não apenas
expressam o estado mental passivo do falante, mas também sempre se impregnam
de uma relação forte e viva com o mundo externo e com o meio social — inimigos,
amigos, aliados. Quando uma pessoa entoa e gesticula, ela assume uma posição
social ativa com respeito a certos valores específicos e esta posição é condicionada
pelas próprias bases de sua existência social (VOLOSHINOV/BAKHTIN,
1926/1976, p. 9).
Barros (1996, p. 31) aponta a insistência de Bakhtin na avaliação interpessoal
dos interlocutores e afirma que “os interlocutores se avaliam e expressam esses valores por
meios diversos de conteúdo ou de expressão, entre os quais Bakhtin destaca a entonação,
como expressão fônica da avaliação social”.
É importante lembrar, então, que a entoação para Bakhtin tem um sentido mais
amplo do que só a variação melódica, pois inclui o tom de cada enunciado com relação ao seu
objeto, esse tom caracteriza os juízos de valores. Assim, neste trabalho, a entoação como
elemento prosódico pode nos fornecer dados importantes sobre o conteúdo expressivo do
corpus de análise. Lembrando que “[...] não só a entoação, mas toda a estrutura formal da fala
depende, em grau significativo, de qual é a relação do enunciado com o conjunto de valores
presumido do meio social onde ocorre o discurso” (VOLOSHINOV/BAKHTIN, 1926/1976,
p. 8); não só a análise estilística, mas toda a análise formal em conjunto com uma análise do
contexto (esfera de atividade humana e campo de comunicação) pode fornecer indícios dos
juízos de valor dos diálogos didáticos principalmente em relação à linguagem e à
comunicação, seu objeto de enunciação.
Outro termo que tem sua aplicação maior do que seu sentido restrito é o
diálogo. Como já foi mencionado, o diálogo das ideologias do cotidiano pode ser analisado
pelo conceito de gêneros primários e é, a partir deles, que os gêneros secundários (do âmbito
das criações socioideológicas mais complexas, ou seja, institucionalizadas) se derivam,
8
Este trabalho procura contribuir com uma análise prosódica do gênero diálogo didático e faz uso de termos da
prosódia como a entoação. Para não haver discrepâncias de terminologia, adotamos o termo entoação em
detrimento do termo entonação, usado em algumas traduções dos textos de Bakhtin que servem de fonte teórica
para esta dissertação.
54
modificando-se e adequando-se a outras situações de enunciação. Porém, o diálogo vai além
da conversação face a face e torna-se um dos conceitos-chave da visão sociointeracionista de
linguagem desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin. Nessa visão, todo enunciado pede uma
resposta, ou uma atitude responsiva, ou seja, uma contra-palavra.
Assim, o Círculo não se propõe a reduzir a questão do dizer à esfera das relações
interindividuais (como pressupõe, por exemplo, uma abordagem etnometodológica)
ou à esfera das relações sociais pensadas sobre o modo de interação entre grupos
humanos (como pressupõe a etnografia da comunicação). Seu foco efetivo de
atenção são as relações dialógicas, entendidas como relações de sentido que
decorrem da responsividade (da tomada de posição axiológica) inerente a todo e
qualquer enunciado (FARACO, 2003, p. 106).
Além disso, é preciso ressaltar que esse caráter dialógico da linguagem deve ser
levado em consideração na análise do gênero para que se possa transpor o limite da análise
formal e conhecer as vozes sociais que estão em diálogo no gênero e no enunciado.
Entende-se que os diálogos sociais não se repetem de maneira absoluta, mas não são
completamente novos, reiteram marcas históricas e sociais, que caracterizam uma
dada cultura, uma dada sociedade. Por meio do conceito de gênero, apreende-se a
relativa estabilidade dos diálogos sociais, ou seja, assimilam-se as formas
pregnantes que manifestam as razoabilidades (e também a constituição) do contexto
sócio-histórico e cultural. Assim se configura o desafio a que se propõe responder
com a noção de gênero: apreender a reiteração na diversidade, organizar a
multiplicidade buscando o comum, sem cair em abstrações dessoradas de vida.
Longe disso, é a própria dinâmica e heterogeneidade social que podem explicar os
gêneros (MARCHEZAN, 2006, p. 118, grifo do autor).
A partir da perspectiva interacionista de linguagem, há um deslocamento do
sujeito lingüístico. O sujeito em Bakhtin é social, histórico e ideológico. A língua é construída
na interação entre os interlocutores, assim também será o sentido e, também, o sujeito — ou
seja, a intersubjetividade é anterior à subjetividade. Dessa forma, o sujeito é social e, como
afirma Barros (1996, p. 28), “caracterizado por pertencer a uma classe social em que dialogam
os diferentes discursos da sociedade”. A autora conclui que, “ao substituir o sujeito individual
por vozes sociais, Bakhtin conceitua um sujeito não só social, mas também histórico e
ideológico” (BARROS, 1996, p. 28).
Esse sujeito construído na intersubjetividade é um sujeito formado na dinâmica
da interação, portanto é um sujeito dialógico também. “A realidade lingüística se apresenta
para ele primordialmente como um mundo de vozes sociais em múltiplas relações dialógicas
— relações de aceitação e recusa, de convergência e divergência, de harmonia e de conflitos,
55
de intersecções e hibridizações” (FARACO, 2003, p. 80). Dessa forma, é possível pensar em
um sujeito social e ao mesmo tempo singular.
Pode-se dizer que para o Círculo [de Bakhtin], o sujeito é social de ponta a ponta (a
origem do alimento e da lógica da consciência é externa à consciência) e singular de
ponta a ponta (os modos como cada consciência responde às suas condições
objetivas são sempre singulares, porque cada um é um evento único do Ser)
(FARACO, 2003, p. 83).
A heterogeneidade do discurso, do sujeito e da linguagem advém dessa
heterogeneidade de vozes que são reportadas sem que o sujeito tenha consciência de tal
acontecimento, porém é preciso destacar que “reportar não é fundamentalmente reproduzir,
repetir; é principalmente estabelecer uma relação ativa entre o discurso que reporta e o
discurso reportado; uma interação dinâmica dessas duas dimensões” (FARACO, 2003, p.
124). Outras vozes também estão presentes na memória discursiva e os enunciados tornam-se
bivocalizados “isto é, nossos enunciados expressam a um só tempo a palavra do outro e a
perspectiva com que a tomamos” (FARACO, 2003, p. 82). Há, portanto, constantemente uma
relação dialógica constituinte da linguagem.
Essa natureza dialógica da linguagem é notada na existência de um número
infinito de gêneros. É importante lembrar que os gêneros, sendo tipos relativamente estáveis
de enunciado, estão em constante mutação de acordo com sua inscrição social, histórica e
cultural. Sendo assim, a análise proposta neste trabalho dialoga com os diálogos didáticos e
com as conversações naturais, mas também dialoga com os diálogos didáticos que virão, pois
esta análise reconhece que eles serão diferentes a partir de tecnologias diferentes e, assim,
terão relações didáticas diferentes como também concepções de língua e de língua estrangeira
diferentes.
Convém destacar que a análise empreendida nesta pesquisa não versará sobre
características culturais, portanto, as noções de vozes sociais e juízo de valor são pensadas
dentro do quadro do dialogismo e da inscrição sócio-histórica dos sujeitos da interação verbal.
Nesse aspecto, o percurso de análise vai além da descrição das regularidades do gênero e
busca compreender como a língua é apresentada no diálogo didático, já que adaptação do
gênero diálogo natural depende de uma teoria do que é língua (sistema, instrumento, etc.) para
que se adaptem algumas características e se conservem outras desse gênero. Assim, é possível
refletir sobre como a língua é concebida na produção desses exemplos modelares de interação
verbal face a face: o diálogo didático.
56
Ao observar como se dá a incorporação do gênero primário (objeto de adaptação
no caso do corpus da presente pesquisa), nota-se como a interação verbal oral é pensada nos
livros didáticos e, logo, apresentada aos aprendizes que fazem uso desse instrumento didático
para a aquisição de uma língua estrangeira.
Com base na fundamentação teórica de gênero delineada neste capítulo, a
análise do gênero diálogo didático deste trabalho buscará, então, caracterizar as diferenças de
incorporação do diálogo primário, da ideologia do cotidiano, neste diálogo secundário, objeto
de análise desta dissertação e conhecer a concepção de língua que subjaz à produção desse
gênero.
57
4 O GÊNERO DIÁLOGO DIDÁTICO: UMA CARACTERIZAÇÃO
— (Eu te amo)
— (É isso então o que sou?)
— (Você é o amor que eu tenho por você)
— (Sinto que vou me reconhecer... estou quase me vendo. Falta tão
pouco)
— (Eu te amo)
— (Ah, agora sim. Estou me vendo. Esta sou eu, então. Que retrato de
corpo inteiro)
Clarice Lispector
Assim como o interlocutor do diálogo do poema de Clarice Lispector constrói
sua identidade na interação com o outro, o diálogo didático pode ser identificado pelo outro
— o diálogo em uma situação natural, ou seja, não didático. Com o intuito de conhecer, então,
o gênero diálogo didático, a análise deste capítulo volta-se para o corpus com um olhar
dialógico enviesado pelas características da conversação natural. Além disso, o poema acima
mostra uma interação sem falas, elas aparecem entre parênteses, assim também a análise
procurará apresentar como os elementos lingüísticos além do signo impresso são
significativos na interação verbal.
A partir da retomada da questão do gênero por Bakhtin, muitos pesquisadores
em diversas áreas de conhecimento, como a Literatura, a Lingüística, a Lingüística Aplicada,
a Pedagogia, as Ciências Sociais, têm procurado desenvolver alguns métodos de análise dos
gêneros, já que sua importância na comunicação humana é inegável atualmente. Porém, o
interesse desta pesquisa se volta para a natureza dialógica da linguagem e para a interação
verbal. Portanto, aborda-se aqui a inscrição histórica, social e ideológica dos tipos de
enunciado estudados, salientando as regularidades formais e buscando traçar as significações
advindas de uma análise do conteúdo temático, da composição e do estilo dos diálogos
didáticos. O foco desta análise, então, partindo dos estudos já realizados sobre o gênero em
questão, procura destacar as significações da incorporação da conversação em situações do
cotidiano na esfera didática do ensino de inglês como língua estrangeira por meio de manuais
didáticos. Finalmente, ainda será preciso, com um olhar dialógico, considerar o papel da
58
adaptação no gênero diálogo didático, ou seja, ver além dos aspectos textuais e prosódicos
destacados na análise e ponderar sobre o conceito de língua refletido nesse gênero.
4.1 ESFERA DE ATIVIDADE
O gênero em análise nesta dissertação são os diálogos introdutórios de manuais
didáticos de inglês como língua estrangeira para alunos brasileiros do ensino regular. Foram
selecionadas quatro séries didáticas devido à sua atualidade, a saber: Hello! de Morino e Faria
(reeditada em 2006), Power English de Granger e Almeida (lançada em 2005), Super Ace de
Amos e Prescher (reeditado em 2006) e Take your Time de Rocha e Ferrari (reeditada em
2004). A escolha foi condicionada ao fato de serem séries recentemente reeditadas ou
lançadas no mercado brasileiro. Outro fator interessante é que dois destes livros apresentaram
no prefácio do manual do professor uma alegação de que a coleção foi reformulada
recentemente de maneira a tornar os diálogos de abertura das unidades mais naturais ou mais
reais: “Os diálogos de abertura estão mais naturais [...]” (AMOS; PRESCHER, 2005, p. 1),
“Sobretudo nos diálogos de abertura, que são a base de conteúdo para as unidades, houve um
cuidado especial em retratar com mais realismo situações naturais de comunicação próprias
do mundo e do interesse dos alunos”. (MORINO; FARIA, 2006b, p. 1). Tal preocupação em
tornar os diálogos mais reais e naturais chama a atenção, pois evidencia o fato desses diálogos
serem adaptados para servirem à função de ensinar e que os autores estão buscando formas de
adaptação que tornem os diálogos menos artificiais. Considerando a questão do gênero, essa
questão de representar a realidade de uso da língua deve ser investigada, pois deve permitir a
análise da adaptação do diálogo real e do diálogo didático, objeto de estudo desta pesquisa. É
interessante ter, em um corpus de séries didáticas recentes, duas que apresentam uma
preocupação explícita em aproximar seus diálogos de abertura das unidades aos diálogos
reais, enquanto as outras duas séries não apresentam tal preocupação. Assim, pode-se notar se
essa preocupação se reflete em diferentes regularidades dentro do gênero diálogo didático.
Em primeiro lugar, é preciso descrever a situação social dos manuais didáticos
de língua inglesa no Brasil. O livro didático é um suporte material largamente utilizado na
prática docente cotidiana. Esse caráter funcional e, de certa forma, científico, empresta a essa
ferramenta uma condição de detentora de informações verídicas, reais e atuais. Dessa
maneira, o gênero livro didático autoriza seus autores e dá poder de adaptação do conteúdo
59
real para um conteúdo didático, cujo intuito é promover uma situação de interação do aluno
com o objeto de estudo, a língua inglesa.
Outro dado importante a ser considerado é que o gênero em análise pertence à
esfera didática, ou seja, foi criado para servir ao ensino. Pensando nisso, é essencial que ele
apresente um recorte do objeto real e o transponha para o livro didático com algumas
alterações, que visam a facilitar a aprendizagem. De acordo com os manuais das séries
didáticas selecionadas, o objetivo do material didático como um todo é facilitar e incentivar o
aprendizado da língua inglesa para os alunos do Ensino Fundamental no Brasil: “tornar o
aprendizado de inglês mais fácil para os alunos, ajudando-os a se lembrar do que foi
aprendido em sala de aula” (GRANGER; ALMEIDA; PARANÁ, 2005, p. 6); “apresentar os
fundamentos da língua inglesa de forma instigante e motivadora, com conteúdos e temas
apoiados em situações do cotidiano do aluno, da vida em família, da escola, entre amigos,
etc.” (MORINO; FARIA, 2006b, p. 3); contextualizar “[...] estruturas, funções da linguagem e
vocabulário, por meio de assuntos de interesse dos alunos dessa faixa etária”. (ROCHA;
FERRARI; 2004b, p. 3). Assim, a adaptação é naturalizada como necessária ao melhor
aprendizado da língua inglesa sem que se questione qual deve ser a abrangência da adaptação
dessas conversações naturais que servem como modelos de interação verbal na língua em
estudo. Nesse sentido, é possível perceber a força centrípeta predominante das vozes sociais
da esfera didática. Convém lembrar que o discurso pedagógico faz parte da esfera do
Conhecimento e da Ciência e, desse modo, tende a ser objetivo e a retratar veridicamente a
realidade, ou seja, sua produção de conhecimento tem um caráter verídico que, geralmente,
impede a circulação de questionamentos e vozes diferenciadas.
A representação da realidade é um ponto interessante de discussão com relação
ao gênero diálogo didático. Os manuais apresentam as seguintes funções para os diálogos
didáticos: “textos de abertura: diálogos, cartas e cartões-postais que apresentam as
estruturas, funções e vocabulário que serão trabalhados nas seções seguintes” (ROCHA;
FERRARI; 2004b, p. 3, grifo do autor); “diálogos com falas do cotidiano colocam os
personagens em situações divertidas” (AMOS; PRESCHER, 2005, p. IV); warm-up:
contextualiza o conteúdo a ser trabalhado através de uma situação apresentada na forma de
histórias em quadrinhos (HQ), fotos, diálogos, descrições ou uma narrativa” (GRANGER;
ALMEIDA; PARANÁ, 2005, p. 6, grifo do autor); “os diálogos constituem um eficiente
recurso de estudo da língua falada, pois apresentam as funções comunicativas e o vocabulário
a ser trabalhado em situações reais de comunicação” (MORINO; FARIA, 2006b, p. 7); as
últimas autoras acrescentam que por meio dos diálogos “o aluno vivencia diversas situações
60
cotidianas e é instrumentalizado para a prática oral do idioma” (MORINO; FARIA, 2006b, p.
7). Pode-se notar que há uma tentativa de colocar os diálogos — ou textos, em alguns casos
— de abertura como oportunidades de contextualização e vivência na língua inglesa. Há,
portanto, um apagamento da representação didática, com exceção da primeira citação deste
parágrafo, por meio de um gênero que traz “situações divertidas”, “situações reais de
comunicação” e contextualização de conteúdo.
Além da função didática, é interessante pensar também na finalidade discursiva
dos diálogos didáticos na sua representação da realidade. Em geral, eles têm a função de
apresentar formas de interação verbal em diversas situações cotidianas, porém é preciso fazer
uma ressalva: em alguns momentos, principalmente no que tange as descrições, as falas são
redundantes em relação às imagens que as ilustram; tornando, assim, a função do diálogo sem
sentido. Por exemplo, no diálogo da unidade nove do livro Super Ace, há uma imagem de um
quarto com uma estante, uma cama ao centro, uma cadeira com um suéter vermelho em cima,
sob a cadeira há uma caixa com um par de sapatos vermelhos dentro. No diálogo, a menina
pergunta ao menino onde está o suéter dela, o menino pergunta a cor, ela responde que é
vermelho, e ele diz que está sobre a cadeira. Depois ela pergunta sobre os sapatos dela, ele
pergunta a cor novamente, ela diz que são vermelhos e ele diz que eles estão dentro da caixa.
Na imagem os dois interlocutores estão olhando para o quarto. Caso a menina não tenha
deficiência visual — isso não é informado no texto — o diálogo não tem sentido, pois os dois
estão vendo o quarto e só há um suéter e um par de sapatos nele. No caso de outro livro
didático — Hello! (2006)—, o texto não-verbal também torna o diálogo que se passa no
zoológico desnecessário: há várias cenas e em uma delas, há dois personagens conversando,
quatro jacarés, uma lagoa e árvores ao fundo. Um dos interlocutores pergunta quantos jacarés
há na lagoa e o menino diz que há quatro jacarés. A não ser que o jovem não saiba contar, ou
esteja testando seu amigo sobre a capacidade de contar (o que não é indiciado por nenhum
outro elemento lingüístico, como por exemplo, a entoação), não há sentido em fazer tal
pergunta (cf. anexo A, para ilustrações dos dois diálogos didáticos mencionados). Nesse
sentido, pode-se perguntar qual é realmente a função das imagens que acompanham o
diálogo: contextualizar ou traduzir visualmente o que é dito? Tal discussão será retomada no
item características composicionais.
É importante, ainda, considerar a autoria. Os diálogos didáticos, ao contrário
dos diálogos naturais, não são construídos on-line com a co-operação entre os interlocutores.
Na verdade, eles são concebidos por um ou dois autores de antemão. As falas são planejadas
com antecedência e, só depois de elaboradas, são lidas para a gravação de áudio em estúdio,
61
sem ruído ou outras interferências. Além desse longo processo de criação que elimina várias
características do texto falado (estas são examinadas no item características estilísticas), cabe
salientar que há textos em que a autoria é mais difícil de ser identificada, ou seja, há menos
liberdade para a escolha do locutor/escritor — é o que acontece, por exemplo, em formulários
e textos já fortemente institucionalizados. Esse parece ser o caso dos diálogos didáticos,
devido à sua função e circulação dentro da esfera didática. Ao mesmo tempo em que
apresentam uma autoridade científica e não questionável de material real, os diálogos
didáticos devem ser representados objetivamente, portanto, as marcas de autoria são
minimizadas.
Ao analisar suas características temáticas, composicionais e estilísticas, como
sugere Bakhtin (1979/2003), será possível notar a busca pela generalização e neutralidade no
gênero diálogo didático.
4.2 CARACTERÍSTICAS TEMÁTICAS
Em relação às escolhas temáticas dos diálogos didáticos, pode-se dizer que elas
são recorrentes, abordam temas corriqueiros, temas que podem aparecer em situações
cotidianas de interação entre os falantes da língua. Há a recorrência de temas como:
cumprimentos, apresentações pessoais, como conseguir e fornecer dados pessoais (nome,
idade, endereço, nacionalidade, etc.), descrição de pessoas, animais e atividades sendo
realizadas no momento do diálogo, formas de localização de objetos e lugares, descrição de
estado de espírito das pessoas, descrição de pertences pessoais, compras (comida, presentes,
roupas), habilidades (esportivas e musicais), como pedir e dar informações sobre lugares
desconhecidos, rotina (familiar e escolar), preferências, fazer novas amizades, viajar
(geralmente para o exterior), festas (halloween, ação de graças, de despedida, de aniversário).
Um olhar atento sobre os temas que se repetem em todas as séries analisadas destaca o tema
do “ser estrangeiro”. A grande maioria dos temas está relacionada à apresentação pessoal e às
habilidades necessárias para poder sobreviver em um ambiente não-familiar: pedir
informações de dados pessoais e também de orientações em cidades conhecidas,
principalmente em viagens. Esses temas, tão recorrentes nos livros de língua estrangeira, não
aparecem nos livros de língua materna da mesma maneira. Assim, destaca-se o constante
status de estrangeiro do aluno.
62
Os temas dos diálogos didáticos são da esfera do cotidiano, mas é importante
compreender o que é cotidiano nesses textos. É possível notar que o cotidiano retratado é de
jovens adolescentes estudantes, a maioria dos diálogos se dá na escola ou em casa, há alguns
que são retratados em parques, festas, shoppings, ônibus e acampamento (este último com
maior freqüência no livro Super Ace). O cotidiano representado nos diálogos analisados é de
estudantes de classe média que fazem compras, comem fora, viajam para o exterior e vão para
a escola. É compreensível tal escolha para o público-alvo, mas é estranho não haver situações
com jovens que tenham outras posições e/ou atividades sociais (não-aluno, empregado, etc.),
por exemplo. Os adultos também são somente os familiares ou que têm função social muito
próxima ao jovem estudante de classe média, como professores, vendedores de loja,
instrutores de acampamento. Há, nos livros da série Take your Time, alguns momentos
diferentes dos mencionados acima, três diálogos só entre adultos e um diálogo entre um
escritor e um jovem, mas este último parece mais uma entrevista de pesquisa escolar do que
uma conversa entre pessoas de faixas etárias diferentes. Nesse diálogo didático, o jovem
questiona o escritor sem que haja espaço para uma troca de informações, só o jovem pergunta
e só o escritor responde (cf. anexo B).
Os temas são os mesmos nos primeiros livros de cada série e começam a se
diversificar somente nos últimos volumes. Tal fato evidencia uma relação forte dos diálogos
didáticos com a gramática, pois a estrutura gramatical do verb to be (ser/estar) é ensinado no
primeiro ano e, em todos os volumes iniciais de cada série, há identificação pessoal (nome,
idade, telefone, endereço, nacionalidade, país de origem, profissão) e descrição (objetos,
animais, pessoas ou estados de espírito) — todas essas informações podem ser relatadas com
o uso do verb to be. A divergência de temas começa a ocorrer nos últimos livros da série;
porém, ainda é constante a presença de viagens (relatos e planejamento).
Outra característica deste gênero é que eles foram produzidos dentro de um
material didático que busca satisfazer algumas orientações governamentais, os Parâmetros
Curriculares Nacionais, o PCN, com instruções específicas ao ensino de língua estrangeira no
Brasil. Atender a essas orientações corresponde à expectativa de outro público do livro
didático, os professores. Os livros Super Ace e Take your Time informam ao seu leitor sua
conformidade ao PCN. Dessa forma, além dos temas relacionados às situações corriqueiras do
dia-a-dia, há também a inserção dos temas transversais, tanto nos livros em que há indicação
explícita de aquiescência ao PCN tanto naqueles em que não há esse tipo de informação:
63
Na série Super Ace, além dos momentos em que são tratados de forma específica,
os conteúdos dos Temas Transversais estão manifestos na visão do mundo
subjacente aos textos, às atividades, às fotos, imagens e ilustrações e nas sugestões
dadas aos professores (AMOS; PRESCHER, 2005, p. II, grifo do autor);
Os temas abordados sempre têm a ver com sua realidade e seu interesse [do aluno] e
proporcionam reflexões sobre as questões de natureza social (Ética, Meio Ambiente,
Pluralidade cultural, Orientação sexual e Trabalho e Consumo) a fim de formar sua
consciência crítica e despertá-lo para a cidadania (MORINO; FARIA, 2006b, p. 7).
Como foi dito em uma das citações acima, esses temas não são os tópicos
principais das conversas e devem subjazer às visões de mundo das contextualizações, mas, no
livro Hello!, alguns desses temas são discutidos em forma de diálogos entre amigos na escola
ou na rua. Devido a essa preocupação de conformidade aos Temas Transversais e à
abordagem de ensino apresentada no PCN, pode-se pensar que outra significação dos temas é
o de levar o aluno a desenvolver sua cidadania. É preciso enfatizar que há uma caracterização
de uma cidadania estrangeira como já foi discutido.
É importante notar, então, que os temas são relacionados ao cotidiano de jovens
estudantes e há algumas menções aos temas levantados pelas questões sociais ligadas aos
Temas Transversais do PCN. Assim, a língua estrangeira se firma como tal e não tem
utilidade em situações em que outra emoção além da alegria está presente (cf. item análise do
material de áudio). Não há diálogos em que situações de tristeza são discutidas (há somente
alguns em que se fala de doença, mas sempre como um empecilho repentino para ir à escola),
há raros momentos de ironia (o que é discutido no item de análise estilística do gênero no
suporte material CD em que há um uso restrito de variações melódicas para caracterizar a
atitude do falante).
Cabe destacar que os personagens presentes nos diálogos, nos livros Hello e
Super Ace, são os mesmos, há uma família e uma rede de amigos que é a principal. Os
diálogos não seguem necessariamente uma história, são como flashes das vidas dessas
personagens, apenas algumas partes das interações sociais são apresentadas. Nos outros dois
livros, Power English e Take your Time, não há uma família base, mas segue-se a mesma
orientação de posições sociais fixas: pais, professores, amigos, colegas de escola, policiais,
etc. Dessa forma, percebe-se que as vozes relacionadas a determinadas posições sociais são
legitimadas e há uma estereotipação desses lugares, pois as personagens não modificam suas
posições sociais.
Os ambientes dos diálogos são, em todas as séries analisadas, de instituições
estabilizadas: casa e escola; há, ainda, alguns locais de entretenimento como: zoológico, casa
64
de amigos, shoppings, acampamentos, clubes, parques, restaurantes, lanchonetes e praia.
Apesar da preocupação com o desenvolvimento da cidadania expresso pelos manuais dos
professores dos livros analisados, é preciso notar que não há a representação de lugares
socialmente estigmatizados como delegacias, hospitais, favelas, orfanatos e asilos.
Além disso, nota-se que o contexto dos diálogos didáticos pede um registro
informal (casa, amigos, família próxima) ou relativamente pouco formal. Os ambientes mais
formais são a sala de aula quando da presença de um professor e lojas e restaurantes quando
personagens conversam com estranhos (vendedor, garçom). A escola é poucas vezes
representada dentro da sala de aula. Em geral, os diálogos se dão no pátio, no corredor, na
cantina ou na entrada e saída dos alunos. Assim, há uma predominância de situações
informais de uso da língua nos diálogos didáticos. Porém, pode-se ressaltar que, no livro
Power English, busca-se retratar situações mais formais, há uma grande quantidade de
entrevistas que são realizadas pelos alunos sobre os alunos para a TV da escola. A situação
pede um pouco mais de formalismo, mas ainda não sofre grandes coerções sociais de natureza
do registro da língua, pois é uma interação entre os alunos e para os alunos. Nota-se, no
entanto, que os diálogos didáticos que fazem parte do corpus desta pesquisa apresentam um
uso da língua formal, sem o uso de gírias, por exemplo. Há somente algumas interjeições
como Gee! (expressão de surpresa, equivalente a Puxa! em português), que podem ser
consideradas informais.
1
A análise temática realizada permite um olhar que vai além da enumeração dos
temas. Considerando a esfera didática, os temas selecionados refletem uma significação
constante de ser estrangeiro — especificamente um cidadão estrangeiro — ser estudante de
classe média em um mundo globalizado, apreender uma língua e não seu uso — já que os
temas se organizam em torna das estruturas a serem ensinadas — e, finalmente, usar a língua
em um só registro — o formal.
Ainda é preciso olhar para como se dão as relações entre os falantes, ou seja,
como a conversa dialógica se estrutura nos diálogos didáticos, portanto, tem-se abaixo uma
análise das características composicionais do gênero em estudo.
1
Vale lembrar que os termos formal e informal são genéricos, mas a diferenciação entre esses registros é
importante, pois demonstra uma maior ou menor preocupação com a variante de prestígio: “É possível
considerar dois limites extremos na transição entre os diferentes estilos possíveis: o estilo informal, em que é
mínimo o grau de reflexão sobre as formas empregadas e o estilo formal, em que é máximo o grau de reflexão
que se projeta sobre as formas lingüísticas. A diferença essencial entre os dois graus extremos reside nos
diferentes graus de adesão ao uso de formas padrão ou variantes de prestígio: no estilo informal a adesão às
formas prestigiadas ou cultas é menor do que no estilo formal” (CAMACHO, 2006, p. 60).
65
4.3 CARACTERÍSTICAS COMPOSICIONAIS
Em relação à composição do texto, o que mais chama atenção é que o diálogo
didático é um texto sincrético. Há um diálogo escrito, uma imagem ou imagens que
contextualizam o texto e um material de áudio que presentifica a situação para o aluno.
Nas quatro séries didáticas analisadas, a função das imagens, desenhos ou fotos
é a mesma: contextualizar o diálogo didático, mas a relação entre o texto verbal e o não-verbal
são diferentes. Nos diálogos do livro Hello!, há um conjunto de imagens, vários quadros no
qual o diálogo se desenvolve, e as falas estão em um balão, aproximando esta formatação dos
textos verbal e não-verbal à composição do gênero história em quadrinhos (HQ) no primeiro
volume. Além disso, há geralmente alguma frase que proporciona o riso no final,
entretenimento como a HQ (cf. anexo C). Nos outros volumes, segue-se o mesmo modelo,
mas ao invés de desenhos, há fotos; assim, há uma aproximação com o gênero fotonovela (cf.
anexo D). No livro Power English, há diálogos em que se busca ficar próximo à HQ como no
livro Hello!, mas há outros diálogos contextualizados visualmente com uma única imagem,
que é o caso dos livros Super Ace e Take your Time. Neles há uma imagem que representa a
situação, o contexto do diálogo, mostrando o local e os personagens envolvidos. É preciso
ressaltar que o último livro é o único que apresenta o contexto do diálogo verbalmente;
porém, é também, neste livro, que as imagens podem não refletir o contexto e sim o tema, ou
seja, a imagem não é de um ambiente específico da interação, mas sim uma ilustração do tema
do diálogo didático (cf. anexo E). Mesmo com diferenças composicionais no que se refere à
união do texto verbal e o não-verbal, ainda é possível caracterizá-los todos como pertencentes
ao gênero diálogo didático, na visão bakhtiniana, pois, “o que constitui um gênero é a sua
ligação com uma situação social de interação, e não as suas propriedades formais”
(RODRIGUES, 2005, p. 164).
O material de áudio também completa a organização do diálogo didático,
presentificando a situação escrita no material impresso. Ouvir os falantes atualiza a situação
de interação representada no diálogo, como se ele estivesse acontecendo naquele momento.
Além disso, sua primeira função é servir como modelo para os aprendizes da língua inglesa
no que concerne a fala, assim como a transcrição do diálogo encontrada no livro didático.
Uma análise do material de áudio detalhada pode ser vista no item destinado à análise
estilística do corpus neste capítulo.
66
Para a seleção do corpus foram relacionados todos os diálogos de abertura que
apresentassem dois falantes ou mais, eliminando-se os casos de monólogos. Porém, foi
possível notar que há uma preferência por diálogos com dois falantes e não com mais de dois.
Essa preferência chama a atenção, pois as situações diárias em que há a interação com mais de
um falante não são raras, então, estranha-se que os modelos de fala apresentados no livro
didático sigam mais o padrão de interação entre apenas dois falantes.
Outra observação interessante é que não há uma representação de disputa na
tomada de turno que é comum quando o falante se dirige a mais de um interlocutor. De
acordo com Dionísio (2006, p. 79), pela regra, só se deve falar após a conclusão da fala do
outro, “um falante pode entregar o direito de fala a um outro por meio de sinais que deixem
claro que ele terminou de falar ou por meio de um convite ao outro para falar”. Porém, a
autora frisa que tal regra é freqüentemente quebrada na conversação natural e acrescenta: “a
falta de organização nesse tipo de interação é apenas aparente, pois a harmonia e a
organização nas conversações são muito relativas” (DIONISIO, 2006, p. 79). Nos diálogos
analisados, nota-se uma freqüência maior de troca de turnos conversacionais indiretamente.
Há alguns casos em que, há uma escolha explícita do locutor pelo interlocutor ao qual ele se
dirige, fato também não muito comum já que o número de diálogos com mais de um falante é
relativamente baixo.
Em um dos diálogos didáticos analisados, há dois falantes que questionam o
terceiro, sendo que o questionado responde os dois (pai e mãe) que continuam a fazer
questões sem que o turno de um interfira no turno do outro.
Dad: Did you forget anything, Felix?
Felix: Er... No, I don’t think so.
Mom: Are you sure? Did you close your window and the door?
Dad: And did you pack your toothbrush and feed the fish?
Felix: Er... Yes, I think so.
[...]
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 46)
Esse caso é similar ao dos outros diálogos didáticos com mais de um falante,
não há um marcador claro da entrega de turno, a pergunta é dirigida a todos e eles sabem qual
deve responder a cada momento sem que haja qualquer indicação de tomada de turno ou
entrega de turno. Dessa forma, pode-se observar que não há a representação da disputa de
67
turno, no sentido de haver truncamentos e um dos falantes ter de abortar sua fala para que o
outro prossiga, prática bastante comum em conversações naturais. Segundo Dionísio (2006, p.
82): “[...] a ocorrência de sobreposições e falas simultâneas pode provocar um ‘colapso’ na
interação. Talvez seja este conhecimento prévio sobre o funcionamento da estrutura que faz
com que um dos interlocutores em sobreposição desista do turno e deixe o outro assumi-lo
[...]”. Pode-se pensar, porém, que tal característica de sobreposição de vozes é difícil de ser
transcrita na versão impressa dos diálogos didáticos, o que não impede que haja essa
ocorrência no áudio ou, pelo menos, interrupções da fala do outro para apresentar uma
característica comum da interação verbal oral que está sendo modelada nas séries didáticas.
Outra constatação interessante é que os diálogos didáticos apresentam
características de um diálogo assimétrico. Em geral, um dos falantes possui a voz e faz
perguntas para o interlocutor que, na maior parte das vezes, apenas responde o que lhe foi
perguntado. Esse traço fica claro na organização dos turnos, pois o interlocutor é escolhido
pelo falante para tomar a voz para responder a pergunta proposta e, logo após a resposta, o
falante retoma o turno. Assim, o fim do turno fica claramente marcado pela interrogação,
tanto na forma escrita (ponto de interrogação) quanto no uso da entoação interrogativa. O
diálogo assimétrico não é o modelo das conversações diárias e as últimas são as mais
retratadas nos diálogos didáticos, como é mostrado nos seguintes dados: dos 31 diálogos
didáticos do livro Power English, há 13 diálogos em situações que comumente apresentam
relações assimétricas; dos 23 do livro Take your Time, há 5; dos 32 do livro Hello!, há 4 e,
dos 64 do livro Super Ace, há 8. Foram consideradas situações favoráveis à assimetria entre os
falantes: conversa com o professor (ou instrutor) em situação de aula, entrevistas, programas
de TV, interação em lojas, restaurantes e conversas com policiais (pedindo informações ou
durante investigação policial). Situações mais informais, mesmo com um dos falantes
apresentando alguma superioridade como conhecimento (conversa com um ídolo ou com
moradores nativos em uma cidade desconhecida) foram consideradas de relações simétricas
no exame acima apresentado. Convém lembrar que nos diálogos assimétricos “[...] um dos
participantes tem o direito de iniciar, orientar, dirigir e concluir a interação e exercer pressão
sobre o(s) outro(s) participante(s)” (MARCUSCHI, 2003, p. 16) enquanto no diálogo
simétrico “[...] os vários participantes têm supostamente o mesmo direito
à
auto-escolha da
palavra, do tema a tratar e de decidir sobre seu tempo” (MARCUSCHI, 2003, p. 16). É
preciso considerar que tal simetria não é real na medida em que há diferentes papéis ocupados
pelos falantes dependendo até de sua situação sócio-econômica, mas que o modelo de diálogo
mais próximo da assimetria não é o mais comum na conversação natural. Portanto, a
68
utilização de uma organização de tomada de turno preferencialmente presente em diálogos
assimétricos precisa ser destacada, já que essa assimetria não é correspondente às relações
simétricas representadas pelo contexto e caracterização dos personagens que compõem os
diálogos didáticos.
Com relação à organização das seqüências, pode-se dizer que há um uso
predominante de pares adjacentes que desenvolvem o tópico discursivo, ou seja, há uma
pergunta e uma resposta. Existem também pré-seqüências que, no corpus, aparecem
principalmente no início dos diálogos para iniciar a interação com os cumprimentos antes de
iniciar o tópico discursivo. Há, porém em menor número, o uso de seqüências inseridas com o
intuito de esclarecimento de alguma pergunta antes que se dê a segunda parte do par adjacente
principal, como no exemplo abaixo.
Joe: Tell me, Jim, who is that blonde girl over there?
Jim: The tall one with short bangs?
Joe: Yeah.
Jim: I don’t know.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 34)
Sobre a organização geral dos diálogos, pode-se dizer que eles são trechos de
conversas e nem sempre apresentam as três seções: abertura, desenvolvimento e fechamento.
Há uma maior presença da seção de abertura do que da seção de fechamento, que é
considerada problemática na visão de Schegloff e Sacks apresentada por Marcuschi (2003, p.
60): “[...] é sempre difícil resolver a questão de interromper uma conversação sem ter a
sensação de um silêncio, mas de um final consentido e combinado. Por isso os fechamentos
[...] são com muita freqüência prefaciados com um pré-fechamento [...]” (grifo do autor). É
interessante notar que nos casos em que o fechamento aparece não há nenhuma incidência de
seqüências de pré-fechamento:
Nicholas: I see. What about music? What kind of music do you like?
Pellegrini: I like rock, pop and classical music. I always listen to The Beatles.
Nicholas: Well, I have to go now. Nice to meet you.
Pellegrini: Nice meeting you, too.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 21)
69
No exemplo acima, nota-se uma mudança brusca do tópico, sem preparação do
interlocutor sobre a eminência do fim do diálogo. Há, apenas, a inserção de um marcador de
mudança de tópico, well. Antes da inserção deste marcador não há nenhuma marca
entoacional ou pausa, ou alongamento que pudesse sugerir o fim do diálogo. Nota-se também,
nesse exemplo, a forma de um diálogo assimétrico no qual Nicholas faz perguntas e Pellegrini
responde-as sem tomar o turno para si ou sustentá-lo durante a resposta. Dessa forma,
Nicholas ao se satisfazer com as respostas termina a conversa sem negociar o fim, ou seja,
sem pré-fechamentos: ele introduz um marcador de mudança de tópico, informa a necessidade
de terminar o diálogo e despede-se, sem acordar com o interlocutor o término da conversa e,
então, o interlocutor responde à expressão de despedida.
Ainda é interessante observar que a extensão dos diálogos contribui na
organização geral dos diálogos didáticos. Os diálogos dos livros Super Ace e Take your Time
apresentam, em geral, uma extensão mediana de mais ou menos 10 trocas de turnos. Já os
diálogos do livro Power English aparecem muito na forma de mini-diálogos, sendo que há a
sobreposição de diálogos diferentes na mesma posição do livro, mostrando uma opção clara
em apresentar diálogos modelares no uso da estrutura ensinada e não uma preocupação com a
estrutura geral de abertura e fechamento do gênero (anexo F). Já os diálogos didáticos do livro
Hello! têm geralmente uma extensão mais longa e é possível notar maior negociação de
momentos de abertura, desenvolvimento e fechamento do diálogo junto com uma conseqüente
dinamicidade de troca de tópicos. No exemplo abaixo, é possível notar o início com uma
pergunta de abordagem: Where are you going?, que se desenvolve para um pedido de
continuar a conversa: Can I go with you?, uma pergunta geral sobre atividades passadas: Did
you go out on Sunday morning?, cuja resposta leva a uma discussão sobre problemas
relacionados ao meio ambiente e finalmente termina com uma apreciação de um dos
interlocutores sobre o envolvimento do outro nas atividades relacionadas ao tema e forte
afirmação do último com relação a seu amadurecimento (cf. anexo G, para diálogo completo).
Leo: Where are you going, Carol?
Carol: I’m going home.
Leo: Can I go with you? I need to talk to Jim.
Carol: Sure, Leo.
Leo: Did you go out on Sunday morning?
Carol: Yes, I went to a meeting about environmental issues.
[...]
70
Leo: I didn’t know you were so interested in environmental issues, Carol.
Carol: Yes, Leo. I’ve grown up! I’m not just Jim’s sister anymore. I have my
own opinion.
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 9, p. 132-133)
Convém destacar que pensar a produção do texto falado como uma construção
discursiva co-produzida na interação entre os falantes encerra necessariamente uma visão de
tópico conversacional como algo dinâmico, “[...] que se vai alterando ou deslocando a cada
intervenção dos parceiros” (KOCH, 2007, p. 156). Assim, o exemplo acima, traz mais
suavidade na troca de turnos, pois valoriza as interlocuções que não estão diretamente ligadas
ao tópico principal, mas que contribuem para o desenvolvimento do mesmo. Portanto, a pouca
presença de tal característica, dinamicidade de tópicos, leva a um empobrecimento das
características de interação em conversações naturais nos outros diálogos didáticos
examinados.
Percebe-se, então, nesta análise dos aspectos composicionais dos diálogos
didáticos que eles consistem de um texto sincrético que une texto verbal (meio impresso e
sonoro) e não-verbal. Há uma preferência pela interação entre apenas dois falantes que
representa, na maioria das vezes, uma relação assimétrica entre eles, seguindo a organização
de seqüências pergunta/resposta. Finalmente, é interessante destacar que não há uma
regularidade quanto ao aparecimento das partes que compõem a estrutura básica do diálogo:
abertura, desenvolvimento e fechamento, com um apagamento maior das seqüências que
negociam um fim de interação verbal. Além disso, a dinamicidade dos tópicos
conversacionais fica comprometida na maior parte do corpus analisado. Tais características já
apontam para modificações da conversação natural para a esfera didática.
Outras regularidades podem ser notadas no exame estilístico do gênero diálogo
didático apresentado a seguir.
4.4 CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS
Esta seção da análise está dividida em duas partes. A primeira tratará dos
aspectos textuais encontrados no suporte livro didático — meio impresso—, já a segunda
71
verificará os aspectos prosódicos do corpus no suporte material CD — meio sonoro. Convém
salientar que, em ambos os meios de produção — impresso ou sonoro —, o texto é o mesmo,
ou seja, o texto impresso é uma transcrição palavra a palavra do texto gravado em áudio.
4.4.1 Elementos textuais: análise dos textos impressos
Em relação ao estilo, algumas regularidades podem ser notadas ao analisar as
escolhas lexicais, gramaticais e fraseológicas nos textos, isto é, pode-se perceber qual tipo de
vocábulo aparece predominantemente, que tipo de estrutura gramatical é mais constante e
quais tipos de união entre as frases aparecem em determinado gênero.
Nesta análise, a seleção lexical será primeiramente analisada. Nota-se no corpus
que há uma escolha por vocábulos que permitam o desenvolvimento dos temas dos diálogos
didáticos (cf. item características temáticas). Dentre as categorias lexicais em que há
vocábulos representativos nos diálogos didáticos podem-se citar as seguintes: expressões
formulaicas de cumprimentos e despedidas, informações pessoais (nome, endereço, idade),
nacionalidades, países de origem, números, cores, profissões, características físicas (alto,
baixo, gordo, magro), características emocionais (bem, cansado, com fome, com sede),
objetos escolares, posições de objetos, as horas, verbos de ação, verbos auxiliares e modais,
interjeições, algumas expressões que marcam mudança de tópico, etc.
É interessante notar que, dentre as categorias lexicais que fazem parte do
corpus, os vocábulos costumam se repetir. Por exemplo, analisando todos os vocábulos que
exprimem um esporte no corpus, é possível notar a preferência por alguns vocábulos, ou seja,
eles aparecem em quase todas as séries didáticas. Quinze esportes foram citados em todo o
corpus: hiking, skateboarding, soccer, basketball, baseball, surfing, scuba diving, water
sport, horsebak riding, rock climbing, waterskiing, extreme sport, bungee jumping, swimming
e tennis. Dentre esses quinze nomes de esporte, 2 foram citados em três das quatro séries
analisadas: soccer e surfing (ou surf); o primeiro além de aparecer como esporte também
apareceu como profissão em duas séries: soccer player. Mais três destes vocábulos
apareceram em duas das quatro séries analisadas: hiking, skateboarding e basketball. A partir
desta análise, é possível perceber que, na escolha lexical, há uma preferência por vocábulos
mais representativos de cada categoria; assim, vocábulos mais comuns são escolhidos.
72
Considerando que os diálogos didáticos fazem parte dos textos que pertencem à esfera
didática, pode-se concluir que ao escolher os vocábulos mais comuns (futebol é considerado o
esporte nacional e é o mais mencionado de todos), os autores podem se aproximar de um
maior número de pessoas, ou seja, um maior número de alunos.
Em relação à escolha gramatical, é notável seu condicionamento à estrutura
gramatical que está sendo ensinada em cada unidade dos livros didáticos. Nota-se tal
característica ao fazer um levantamento dos tipos de estrutura de todos os primeiros volumes
de cada série didática analisada: há o uso exclusivo do tempo presente e de imperativos além
de se usar um único verbo, o verbo to be. Próximo ao fim dos livros outras opções gramaticais
surgem, mas mantendo-se ainda o tempo presente: há o aparecimento do tempo contínuo no
livro Super Ace, de verbos no tempo contínuo e do verbo modal can no livro Hello!, do modal
can e de alguns exemplos de verbos no modo imperativo no livro Power English, e do verbo
like e have no livro Take your Time. É preciso lembrar que o uso de uma só estrutura e de um
só verbo, o to be, restringe os tópicos a serem estudados e os tipos de frases a serem usadas
nos diálogos.
Uma característica bem interessante das estruturas frasais é que elas seguem o
modelo mais neutro de articulação do tema e do rema, ou seja, um modelo não marcado e que,
portanto, não traz mais contribuições de foco de sentido e atenção dos interlocutores durante a
fala. Este modelo mais comum tanto à oralidade quanto à escrita é assim definido por Koch
(2007, p. 95): “seqüências em que ocorre plena integração sintática entre elementos temáticos
e remáticos, sem nenhum tipo de segmentação (construções não marcadas), que constituem o
padrão [...]”.
Há, em todo o corpus, somente um caso em que há uma tematização marcada.
No diálogo abaixo, a personagem inicia um tópico com a expressão What about, que desloca
o tema à esquerda, colocando-o em foco, e somente depois ela desenvolve a pergunta com
relação ao tema, ou seja, faz uma construção frasal na seqüência não-marcada tema/rema.
Jackie: What about TV? Did you have TV in the 60s?
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 60)
No estudo de Koch (2007), no qual a autora se propõe a fazer um levantamento
e discutir as funções das diferentes seqüências tema/rema, há a apresentação de dezenas de
formas de tematização e de rematização. O não-aparecimento dessas seqüências é, portanto,
significativo, pois:
73
É sabido que cada língua apresenta uma variedade de formas de expressão, abrindo-
se, desta maneira, para o falante um amplo espaço de formulação, isto é, a
possibilidade de escolha entre um leque de opções possíveis. Assim, a construção
dos sentidos no texto depende, em grande parte, das escolhas que ele realiza
(KOCH, 2007, p. 93).
Ainda é preciso destacar que a única seqüência de tematização que aparece no
corpus é uma preferencialmente presente em textos formais; assim, reafirma-se a questão da
formalidade do uso lingüístico em contraste com a informalidade da maioria das situações que
contextualizam os diálogos, reflexão feita nas considerações sobre a composição do gênero
diálogo didático.
Outra característica das estruturas fraseológicas que deve ser ressaltada é que as
frases são geralmente curtas, ou seja, quase não há uso de coordenação e subordinação, exceto
subordinação com uso de pronome relativo. Sendo assim, as frases se constituem,
normalmente, de períodos simples. Os casos de subordinação se restringem à necessidade
desse tipo de construção frasal para a apresentação de alguma estrutura gramatical como é o
caso das If-clauses, ou seja, um tipo de oração com subordinação condicional, tal como ilustra
o exemplo abaixo.
Cathy: Oh, my God! Just look at the time! If I get home after 11, my mother will
kill me!
Diego: Hurry up, then! If we run, we’ll catch the bus.
Cathy: If we miss it, we won’t be home until 11:30
.
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 40, grifo nosso)
Como foi relatado no item características composicionais, há uma estruturação
do texto baseada em perguntas e respostas. As respostas, em sua grande maioria, respondem
diretamente a pergunta feita de forma completa, como no primeiro diálogo de abertura do
volume da coleção Hello!. Para melhor visualizar o fato de que as respostas aparecem de
forma completa, a resposta que seria direta está sublinhada.
Sayuri: Hi, Kitty. I am Sayuri. Where are you from?
Kitty: I am from New York. U.S.A
. And you?
Sayuri: I am from Tokyo, Japan
. How old are you?
Kitty: I am ten
years old. How about you?
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 8-9, grifo nosso)
74
Há também grande ocorrência das short forms nas respostas, geralmente
acompanhada de uma resposta mais completa, como no exemplo abaixo retirado do mesmo
livro citado acima:
Leo: Are these apples good, Dad?
John: Yes, they are. They are very good!
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 36, grifo nosso)
Em relação à estrutura das respostas, há, em número um pouco menor, o uso de
expressões monossilábicas como, yeah, yep, nope, umm-humm, ou respostas diretas, tal
incidência é tão reduzida que não chegou a ocorrer no primeiro volume da série didática
Hello!.
Nos dois exemplos acima já é possível notar outra regularidade do gênero
diálogo didático: o grande uso da estratégia de repetição na construção do texto.
[...] a repetição é constitutiva não só do texto falado, como da própria interação
social, ou, como diz Tannen, da mensagem e da metamensagem, exercendo funções
de grande relevância na compreensão, produção e conexão do discurso, bem como
intervindo de forma decisiva nos processos interacionais. (KOCH, 2007, p. 145).
No exemplo abaixo, é possível perceber que a repetição em conjunto com o
emprego de uma entoação interrogativa provoca ironia. No diálogo didático em questão, o
jovem perde seu cão e pede ajuda a um policial, alguns segundos depois uma jovem pede
ajuda ao mesmo policial, pois perdeu seu gato. Ao acharem o gato, tudo parece ter terminado
bem e o primeiro personagem usa a repetição para chamar a atenção ao fato de que seu cão
não foi achado.
Officer: Is this your cat?
Girl: Yes. Poor Fluffy!
Diego: Poor Fluffy? What about my dog, Chopper? Where’s he?
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 2, p. 82, grifo nosso)
Várias vezes ao longo do corpus, a repetição exerce muitas funções diferentes,
assim como em uma conversa natural — aquela que tem outras funções que não a de ser um
75
exemplo didático. Seguem-se abaixo mais alguns trechos de diálogos didáticos em que a
repetição exerce diferentes funções: no primeiro trecho, a repetição aliada a uma entoação
interrogativa exprime surpresa, no segundo exemplo, a repetição com o acréscimo de uma
partícula de negação exprime contradição e, no último exemplo, aparentemente, ela tem uma
função de expansão e de reduplicação.
Charlie: Yes, we did. But TVs were black and white in those days.
Jackie: Black and white? You didn’t have color TV!
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 60)
Mr. Brown: Better call the doctor.
Jim: No! Don’t call the doctor! It’s not that serious.
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 2, p. 61)
Liz: What’s your suggestion, Leo?
Leo: My suggestion is campsite in the mountains, wildlife, sports...
Tobby: That’s great! Whose idea is this?
Kitty: It’s Leo’s. It’s his idea.
Tobby: My brother’s idea is really cool!
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 53)
Porém, é preciso destacar a seguinte afirmação de Koch (2007, p. 131):
Embora sejam múltiplas as funções detectadas para a repetição na língua falada,
cabe lembrar que tais funções não são, de modo algum, exclusivas entre si, de modo
que sua classificação só pode ser feita, como bem mostra Norris (1987), em termos
de dominância relativa de uma ou outra das propriedades ou de sua presença em
grau mais elevado.
Assim, pode-se notar que, apesar do grande aparecimento de repetições e de
suas diferentes funções, na análise dos diálogos didáticos, elas têm uma função mais didática
do que de negociação, reformulação ou persuasão. Em geral, os exemplos encontrados
repetem a estrutura da frase perguntada anteriormente; oferecendo, dessa maneira, mais
exemplos do uso das estruturas gramaticais em estudo. No exemplo abaixo, assim como em
outros trechos citados anteriormente neste item do capítulo, tal uso é claro.
76
Helen: You look worried, Wendy.
Wendy: Yes, I am. We’re late. What if we miss the bus?
Helen: Don’t worry. If we miss this bus, we’ll catch the next one.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 4, p. 32)
É interessante mencionar que no livro Power English, há muitos diálogos como
o anterior, no qual as estruturas se repetem várias vezes. O diálogo acima, aparece mais três
vezes na mesma página com mudança nas ações, mas não na estrutura do diálogo e das
estruturas lingüísticas presentes. No livro Super Ace, o uso da repetição aparece na forma de
drills
2
e é também constante.
A necessidade de usar a estrutura gramatical foco da lição parece forçar a
estrutura do diálogo, tornando-o pobre em diferenças estruturais e, até mesmo, inadequado. É
o caso do exemplo abaixo, em que a repetição da estrutura de question tag
3
é exagerada e
pode ser considerada inapropriada ao contexto. A estrutura de question tag poderia ser usada
em qualquer uma das falas apresentadas no diálogo, mas sua repetição constante causa
estranheza (cf. análise prosódica da entoação desse mesmo diálogo para verificar a
inadequação da estrutura em relação ao contexto do diálogo didático, p. 103-104). No diálogo
didático abaixo, as estruturas de question tag aparecem sublinhadas (cf. anexo H).
Mariana: It’s really hot, isn’t it?
Tina: Yes, Let’s get a Coke or something.
Mariana: Hey, look at that crowd! What’s going on?
Tina: I think there’s a celebrity getting out of the car.
Mariana: Oh, my God! That’s Kylie Minogue, isn’t it?
Tina: Yes! I just love her. She’s my favorite singer!
Mariana: Who’s that tall guy next to her? Her boyfriend? He’s Australian, isn’t
he?
2
O drill é um procedimento de ensino baseado na repetição de estrutura lingüística. Tal tipo de exercício foi
muito usado no método audiolingual de ensino de línguas cujo princípio de aprendizagem era baseado em uma
abordagem behaviorista. Um levantamento de tipos de drill usados no ensino de língua estrangeira pode ser
encontrado em Richards e Rodgers (2001, p. 59-61).
3
A tag question is a short question form appended to a statement. The tag question generally contrasts in
polarity with the statement; that is, when the statement is affirmative, the tag is negative, and vice versa
(CELCE-MURCIA; LARSEN-FREEMAN, 1999, p. 259). Tradução da autora: A estrutura de question tag é
uma versão reduzida de uma pergunta anexa a uma sentença. A estrutura de question tag geralmente contrasta
com a sentença em termos de polaridade, isto é, quando a sentença é afirmativa, a question tag é negativa e vice-
versa.
77
Tina: I think so.
Mariana: He’s really good-looking, isn’t he?
Tina: Yes, he is. Anyway, I really love her voice. The ‘Can’t Get You Out of My
Head’ song was a big hit in the States, wasn’t it?
Mariana: Oh, yes. It was a smash hit. They played it on the radio nonstop here
in Australia, too, didn’t they?
Tina: Yes. For a whole year! Now the song’s in my head forever!
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 94, grifo nosso)
Considerando a fala como uma atividade social em que os sentidos são
construídos na interação entre os falantes, é preciso considerar o uso de estratégias que
servem para sanar dificuldades de compreensão entre os interlocutores, tanto em relação ao
conteúdo da fala quanto em relação à interação entre os falantes. Essas estratégias são a
inserção, a reformulação e a hesitação (ou pausa). Pelo fato de o texto falado ser construído ao
mesmo tempo em que ocorre sua manifestação, há questões de ordem pragmática que
influenciam sua sintaxe:
São elas que, em muitos casos, obrigam o locutor a “sacrificar” a sintaxe em prol
das necessidades da interação, fato que se traduz pela presença, no texto falado, não
só de falsos começos, truncamentos, correções, hesitações, mas também de
inserções, repetições e paráfrases, que têm, freqüentemente, funções cognitivo-
interacionais de grande relevância (KOCH, 2007, p. 79-80).
Mesmo com a função de ser um modelo de atividade verbal oral, os diálogos
didáticos não apresentam o uso de tais estratégias. Uma razão para a ausência de tais
estratégias talvez seja a inscrição dos diálogos na esfera didática. Os diálogos são criados
antecipadamente e não apresentam as características de uma atividade em andamento na qual
inserções e reformulações estão presentes para reparar mal entendidos ou facilitar a
comunicação. O truncamento da sintaxe pode ser visto como uma dificuldade para a
inteligibilidade do texto modelo, o diálogo didático. Porém, há, no corpus, uma ocorrência de
reformulação bastante interessante. No trecho abaixo, o segundo interlocutor não entende
completamente a fala do primeiro interlocutor e pede para que ele reformule sua fala,
parafraseie.
Edward: What about your daily routine in Brazil?
Rejane: What do you mean?
78
Edward: Well... what do you do every day?
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 2, p. 51)
Tal tipo de reformulação já permite que os aprendizes notem que o
entendimento pleno entre os interlocutores não é possível. Seria interessante encontrar
momentos em que o próprio falante procurasse ajudar o ouvinte na compreensão, talvez
utilizando a mesma expressão apresentada no exemplo acima, com o pronome na primeira
pessoa. Porém, nenhum caso de reformulação iniciada pelo próprio falante foi encontrada no
corpus.
Uma outra estratégia de correção, a pausa, é melhor analisada sob o olhar da
prosódia. No entanto, é possível notar que as hesitações, representadas pela pausa, nos
diálogos didáticos, não aparecem como uma maneira de organizar ou reformular a
comunicação no sentido de realizar uma correção, mas, mesmo assim, representam uma
maneira de o falante ganhar tempo na construção de sua fala, como pode ser notado nos
exemplos abaixo.
Joana: On foot. And you?
Betty: By bus. And... What are your school objects?
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 2, p. 35)
Andy: Do you always do your homework?
Marco: Umm... I usually do my homework, but not always.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 2, p. 32)
Um outro estudo que deve ser feito, pensando nas características fraseológicas
do gênero diálogo didático, tem relação com a forma como as frases são estruturadas, ou seja,
como elas são ordenadas e o que é usado para uni-las. Em outras palavras, é necessário
analisar como os marcadores conversacionais funcionam no gênero em estudo.
Ao analisar os marcadores conversacionais presentes nos diálogos didáticos,
observa-se que há alguns usos dos mesmos associados a fenômenos prosódicos, os quais têm
função fática apenas sinalizando concordância como uhm, uh-huh, oh. Porém, um olhar mais
atento nos possibilita notar que eles só aparentam ser recursos de assentimento e, na verdade,
funcionam como sinais de tomada de turno. No exemplo abaixo, Doris poderia estar apenas
mostrando interesse pela informação de Amy, incentivando-a a continuar com o uso do oh,
79
mas nesse caso, como em todos os outros encontrados no corpus, o marcador conversacional
serve para iniciar turno.
Amy: And... he plays games on the computer all the time.
Doris: Oh, is there a computer in your bedroom?
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 21)
Os sinais de assentimento e discordância aparecem quase sempre em
sobreposição de vozes. Como isso não ocorre no diálogo didático e como há uma estrutura
bem marcada de pergunta e resposta, esses sinais de assentimento, na verdade, iniciam um
outro turno. Pode-se perceber, então, que não há marcadores com a função fática, o que
demonstra uma ausência de marca importante de interação. Para que os marcadores acima
citados também pudessem ser conhecidos por sua função fática, eles poderiam aparecer
sozinhos, ou seja, sem continuação, e entre as falas de um dos falantes, de maneira a mostrar
que o segundo falante está demonstrando interesse pela fala do primeiro sem tomar o turno do
outro. Só para efeito de ilustração do explanado acima, segue-se abaixo um mini-diálogo que
não pertence ao corpus.
Lucy: Hey, Dina. What happened? I called you twice yesterday?
Mary: Oh, sorry, Lucy. I really had bad day yesterday.
Lucy: Oh.
Mary: First, I had to go to the bank, the line was huge and...
O subseqüente diálogo didático exemplifica o constante uso de marcadores
conversacionais para tomar o turno (sublinhado simples). Também é freqüente o uso de
pausas com um marcador lingüístico (sublinhado duplo) para indicar duração maior de tempo
para formular o turno:
Andy: Okay. How often do you talk to your friends in class?
Marco: Well
, I sometimes talk to them.
Andy: Do you always do your homework?
Marco: Umm…
I usually do my homework, but not always.
Andy: And are you always attentive in class?
Marco: Yes, I am.
80
Andy: Cool! How often do you leave your textbooks at home?
Marco: I never leave my textbooks at home.
Andy: Very good. Do you always bring a pen to class?
Marco: Umm… No, not always. I sometimes forget.
Andy: And the last question. How often are you late for school?
Marco: I’m hardly late for school.
Andy: Great. Thanks for answering my questions.
Marco: You’re welcome.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 2, p. 32)
No corpus analisado é possível notar, então, que os diálogos didáticos não
fogem à regra do “fala um de cada vez”, que em uma conversação natural, costuma ser
quebrada. Convém lembrar que tal quebra pode provocar o ‘colapso’ da conversação como
afirma Marcuschi (2003, p. 82), mas os falantes em situação real possuem meios lingüísticos
de reorganizar essa conversação para dar continuidade. Considerando o suporte material
impresso tal ocorrência seria difícil de ser representada, mas nada impediria que tal incidência
ocorresse no material de áudio, apresentando formas para os falantes retomarem o curso
normal de uma conversação após esse tipo de “quebra de regra” da conversação. Uma
sugestão para a representação escrita seria inserir um aviso entre parênteses de múltiplas
vozes, segue abaixo um mini-diálogo criado para ilustração.
(Everybody speaking)
Ms. Richards: Ok, class. Attention, please. One at a time. Charles, start, please.
Charles: Ok, Ms Richards. My idea is to...
Pode-se dizer, então, que os diálogos didáticos se distanciam muito das
características de um texto falado. Foi possível verificar que algumas características,
principalmente as de caráter interativo, não estão presentes no corpus estudado. Tanto as
estratégias que servem para facilitar a comunicação e promover a coesão e a coerência do
texto que é processado ao mesmo tempo em que se manifesta a fala (reformulação, inserção,
hesitação, tematização e rematização) como as características intrínsecas de um texto falado,
conversação natural (disputa por turnos, a sobreposição de vozes, logo, a re-organização para
retomar o diálogo em curso, marcadores conversacionais de função fática) não tem presença
significativa no corpus de análise.
81
A única estratégia muito comum nos textos falados e muito utilizada como
elemento que contribui para a interação entre os falantes e construção do sentido co-produzido
que aparece com freqüência no corpus é a repetição. Considerando que essa também é uma
estratégia muito utilizada como procedimento de ensino, é possível afirmar que a esfera
didática tem um peso muito grande sobre a formulação do texto do diálogo didático. Destaca-
se o fato de que a produção do gênero diálogo didático é feita de antemão, ou seja, que não
sofre realmente as coerções de uma atividade verbal on-line co-produzida entre os
interlocutores. Tal característica do texto falado é representada e, nessa representação, há um
uso exagerado de estratégias que podem contribuir didaticamente, como a repetição, e o
apagamento de outras estruturas que poderiam dificultar o entendimento imediato do aprendiz
como as estratégias de segmentação (tematização, rematização), reformulação e inserção.
Representar a fala não é possível na escrita, mas é preciso ponderar se apagar de maneira
excessiva as marcas de interação em um modelo de atividade de interação verbal oral é
interessante, mesmo por razões aparentemente didáticas.
A análise do material de áudio contribui para refletir sobre a questão levantada
no parágrafo anterior, pois é o diálogo didático gravado que permite que a situação de
interação verbal se insira no aqui e agora, no tempo presente, dos usuários do livro didático.
4.4.2 Elementos prosódicos: análise do material de áudio
A conversa era para teia de aranhas. Eu tinha de entender-lhe as
mínimas entonações, seguir seus propósitos e silêncios. Assim no
fechar-se com o jogo, sonso, no me iludir, ele enigmava. E, pá:
— Vosmecê agora me faça a boa obra de querer me ensinar o que é
mesmo o que é: fasmisgerado... faz-megerado... falmisgeraldo...
familhas-gerado...?
João Guimarães Rosa
Uma interação verbal oral não pode prescindir de seus elementos lingüísticos
sonoros por meio dos quais nuances de significação são investidas no texto falado. Dessa
forma, torna-se importante compreender o ritmo, as pausas e as entoações do material de
áudio dos diálogos didáticos para observar como esses elementos interagem no jogo da
conversação.
82
A análise, a seguir, busca destacar os elementos supra-segmentais encontrados
nos textos orais pesquisados — diálogos didáticos—, considerando os elementos prosódicos
da variação da altura melódica, da variação da duração e da intensidade sonora (CAGLIARI,
1992). Ainda é importante destacar que o corpus desta pesquisa está em língua inglesa,
portanto, no momento da análise serão feitas referências a descrições do funcionamento da
prosódia específico da LI. É preciso ressaltar que o objeto de análise nesta parte da pesquisa é
o material de áudio e não os textos encontrados nos livros didáticos como foi feito
anteriormente. Convém destacar que a escolha pela análise prosódica em detrimento da
análise dos segmentos se deve a uma preocupação com as relações de sentido produzidas nos
textos que compõem o corpus, diálogos didáticos, e não com uma correção na produção dos
sons da língua inglesa.
O primeiro elemento prosódico que chama atenção no corpus é a velocidade de
fala. O diálogo didático apresenta uma velocidade mais lenta do que a de um falar natural. É
importante lembrar que cada situação pede uma velocidade de fala, assim como isso pode ser
uma característica do falante; mas a velocidade mais lenta empreendida pelos locutores do
diálogo didático chama a atenção por sua constância e presença em todo o corpus de análise.
Um falar mais lento, geralmente, reflete um falar mais cuidadoso.
A escolha de uma velocidade mais lenta pode ser percebida pela análise do
elemento prosódico de duração, que é marcante nos diálogos estudados. A duração se reflete
no corpus em dois fenômenos, a saber, o alongamento das vogais longas e ditongos e a
redução vocálica. Além disso, pode-se notar a contribuição da pausa para a velocidade da fala
em dois momentos: a pausa sozinha ou a pausa como elemento que impede os fenômenos
fonéticos de concatenação de sons.
Em relação à duração dos sons da língua inglesa, é possível dizer que o material
de áudio em análise apresenta uma grande incidência de alongamento de ditongos /ay/, /aw/,
/ey/, /çy/, /ow/ e de vogais como /Q/, /A/, /iy/ e /uw/. Seguem-se alguns exemplos:
Carol: Hello. My name’s Carol.
[hE»low may»ney:mz »kQr´l]
4
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 7 — faixa 127
5
)
4
O colchete será utilizado nas transcrições fonéticas em detrimento das barras (transcrição fonológico-
fonêmica). A transcrição fonética traz um detalhamento no nível segmental que é apagado pela transcrição
fonológica, pois ela representa uma neutralização dos fonemas não distinguindo algumas de suas propriedades.
Apesar de a análise realizada ser prosódica, a transcrição das mudanças segmentais decorrentes de sua correlação
com elementos do supra-segmento (prosódicos) é destacada neste trabalho, por isso a opção pelos colchetes.
5
Ao lado da referência há também o número da faixa do CD correspondente ao diálogo didático analisado.
83
O ditongo /ey/ é alongado no monossílabo “name”.
Leo: [...] I’ll bring you a pamphlet containing all the information.
[AlbrINgyuw´pQ:mflIt k´nteynIN AlDiyInf´rmeyS´n]
[...]
Father: I think hiking is a great life experience, Leo.
[ayTINk»haykINIz´»grey:t »layfIks»piy:rI´ns »liy:ow]
(MORINO; FARIA, 2006, v. 9, p. 25 — faixa 26)
A duração maior de um som pode carrear um significado de atitude do falante,
como pode ser visto no exemplo anterior no alongamento do ditongo /ey/ da palavra great,
podendo expressar mais emoção e veracidade com relação à opinião positiva do falante sobre
o esporte em discussão. Mas não há necessidade fonológica ou semântico/pragmática no
alongamento da vogal /iy/ na palavra experience, tal alongamento pode indicar um reforço
exagerado do acento. Outros exemplos como os anteriores podem ser encontrados
freqüentemente no corpus.
Outro fenômeno que merece nossa atenção é a redução vocálica, um dos
processos fonológicos mais característicos da língua inglesa e que tem um papel muito
importante na produção do ritmo, que será analisado posteriormente. De acordo com Bollela
(2002, p. 71): “uma redução pode ser entendida como qualquer processo no qual um
segmento ou uma seqüência de segmentos sofre, de alguma forma, um enfraquecimento. No
caso da redução vocálica o que, geralmente, ocorre é uma centralização ou perda de vogais
átonas [...]”. A autora, ao tecer uma discussão sobre o papel da redução vocálica no sistema
fonológico da língua inglesa, também destaca a afirmação de Cook (1991 apud BOLLELA,
2002, p. 73) sobre a falta de redução vocálica caracterizar um caso de overpronunciation, ou
seja, uma pronúncia exagerada no cuidado de produzir corretamente os sons da língua inglesa.
Nota-se, então, no corpus, uma preferência pelo não uso da forma unstressed,
ou seja, não acentuada, o que não é usual na língua inglesa caracterizada pela ocorrência
freqüente de redução vocálica. Tal fato é notado nos exemplos abaixo:
Tomoko: Hello.
[hE»low]
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 1, p. 4 — faixa 33)
84
Na frase destacada acima, há a preferência pela realização plena do som
vocálico presente na sílaba inicial /E/ e não pela sua correspondente não acentuada /´/.
Student: My father told me that this is the project that might bring a new
[may»fAD´r»towldmiy«DQt DIsIzD´»prA«dZEkt «DQt»maytbrINg´»nyuw
view to medicine.
»vyuwtU»mEdIsIn]
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 9, p. 78 — faixa 29)
No trecho selecionado, nota-se uma preferência pelas formas plenas, fortes ao
invés das formas reduzidas e fracas das vogais. Compare as formas fortes das seguintes
palavras e sua correspondente fraca no quadro
6
abaixo:
ITEM LEXICAL FORMA PLENA FORMA FRACA
that
/DQt/ /D´t/
project
/»prAdZEkt/ /»prAdZIkt/
to
/tU/ //
this
/DIs/ /D´s/
is
/Iz/ /z/
Quadro 1 — Comparativo de formas plenas e formas reduzidas
A palavra that aparece com sua vogal plena /Q/ em detrimento de sua forma não
acentuada /´/ que é utilizada quando essa palavra tem a função de conjunção, o que é o caso
das suas duas aparições na fala anterior. A palavra project também não sofre nenhum
processo de redução vocálica que se esperaria quando não se chama a atenção para essa
palavra específica, como é o caso analisado anteriormente. Outra redução vocálica muito
comum é a da preposição to, que também não ocorre como esperado assim como a do
pronome this. Além da não aparição de processos de redução vocálica, também nota-se a falta
de outros processos de enfraquecimento das sílabas em posição fraca na frase, ou seja, o verbo
is normalmente aparece em sua forma não acentuada que omite a vogal /I/, permanecendo
somente a produção oral da consoante /z/.
6
As descrições tanto da forma reduzida quanto da forma plena dos itens escolhidos para a montagem do quadro
foram retiradas do dicionário de pronúncia da editora Longman (WELLS, J. C. Longman Pronunciation
Dictionary. Essex: 2000, Pearson Education Ltde.).
85
Pat: [...] and I can run to the bus stop [...]
[Qnd »aykQn»r√n tUD´bUs»stAp]
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 2, p. 24 — faixa 43)
Nesse outro exemplo, pode-se notar que a forma reduzida do verbo modal can,
/k´n/, também não ocorre. Sobre esse aspecto da língua inglesa, é possível destacar a seguinte
explicação do Dicionário de Pronúncia da Longman:
The weak form is generally used if the word is unstressed (as is usually the case
with function words). The strong form is used only
when the word is stressed,
usually because it is accented. [...] Nevertheless, the strong form is used for
unaccented function words in certain positions [...] always, when a function word is
stranded (=left exposed by a syntactic operation involving the movement or
deletion of the word on which it depends): [...]
»aI
k´n
speak English better than
ju˘
kQn
7
. (= than you can speak).
8
(WELLS, 2000, p. 843, grifo em negrito e itálico do
autor, grifo sublinhado nosso).
O fato de o exemplo em análise não produzir uma forma vocálica reduzida do
verbo modal can é significativo porque há uma quebra de regra fonológica da língua inglesa,
ou seja, na frase I can run, o verbo run é que deve estar acentuado e não o verbo modal can;
já que a forma vocálica plena, nesse caso, só pode ser usada quando acentuada (cf. grifo na
citação acima), há, portanto, um desrespeito a uma regra de acento frasal da língua inglesa.
Dessa forma, seria possível pensar em outra variante da regra, mas o verbo modal não está
funcionando como uma elipse da forma sintática já anteriormente mencionada (cf. negrito na
citação acima). Enfim, nota-se que o uso da forma plena se deve a outras escolhas não
intrínsecas à língua como, por exemplo, um falar muito lento e cuidadoso.
É importante destacar que, na língua inglesa, há uma estreita relação entre a
redução vocálica, uso da forma não acentuada — schwa /´/ —, e os elementos supra-
segmentais como acento, ritmo e entoação. A escolha de não reduzir os sons vocálicos
estabelece um modelo de acento, ritmo e entoação oferecido pelos diálogos didáticos;
portanto, interfere diretamente na realização e percepção dos elementos prosódicos. Convém
7
A transcrição fonética da citação equivale a [ayk´n] e [yuwkQn] de acordo com a tabela de símbolos para
transcrição fonética utilizada neste trabalho.
8
Tradução da autora: A forma fraca é usada geralmente se a palavra não é acentuada (como é o caso, em geral,
das palavras que exercem funções gramaticais). A forma forte é usada somente quando a palavra é acentuada [...]
No entanto, a forma forte é usada em palavras não acentuadas que exercem funções gramaticais em determinadas
posições [...] sempre que a palavra fica abandonada (=fica exposta devido a uma posição sintática envolvendo o
movimento ou o apagamento da palavra da qual ela depende): Eu posso falar inglês melhor do que você pode
(=do que você pode falar).
86
lembrar que “o ritmo está relacionado à duração, esta depende da duração das vogais, a
duração das vogais está relacionada à tonicidade e atonicidade das vogais, as vogais átonas da
LI, na sua maioria, são pronunciadas como schwa” (BOLLELA, 2002, p. 83-84). Assim, nota-
se que é dada prioridade à presença de vogais realizadas na sua forma plena nos textos
analisados em detrimento à sua forma mais corrente, ou seja, o fonema schwa
9
. O schwa é
uma vogal produzida de maneira mais relaxada, ou seja, não é articulada com muita energia, a
língua mantém uma posição central e a abertura da boca é mediana com o queixo ligeiramente
aberto. Sobre a importância desse fonema, Celce-Murcia, Briton e Goodwin (1996, p. 108)
afirmam:
One of the more striking characteristics of English is the frequency with which
reduced vowels occur in the stream of speech. Also striking is the restricted number
of vowels that tend to occur in unstressed position. At the word level, the mid-
central reduced vowel /´/, which is called schwa, is by far the most common of the
reduced NAE [North American English] vowel sounds [...].
10
O próximo exemplo evidencia essa relação entre a realização forte de vogais e
sílabas e o elemento prosódico do ritmo.
Carol: Can you spell it, please?
[kQ»nyuw»spElIt »pliyz]
Joana: J-O-A-N-A
[dZey ow ey En ey]
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 8 — faixa 127)
Além de existir uma duração maior na vogal /iy/ da palavra please, a
personagem Joana soletra cada letra de seu nome isoladamente, o que também não é
característica do falar natural inglês no qual há junções para se manter o ritmo. É importante
atentar para o fato de que o ritmo mostrado por Joana é silábico o que não é natural na LI. A
questão do ritmo ainda será retomada posteriormente na análise.
9
Uma análise abrangente da função do fonema schwa na língua inglesa é encontrada em BOLLELA, M. F. F. P.
Uma proposta de ensino da pronúncia da língua inglesa com ênfase nos processos rítmicos de redução vocálica.
Araraquara, 2002. 380 p. Tese (Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa) – Faculdade de Ciências e
Letras, Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
10
Tradução da autora: Uma das características mais marcantes do inglês é a freqüência com que as vogais
reduzidas ocorrem na cadeia da fala. Também marcante é o número restrito de vogais que tendem a ocorrer na
posição não acentuada. No nível da palavra, a vogal reduzida meio-central /´/, que é equivalente ao schwa, é de
longe a mais comum dos sons vocálicos reduzidos no inglês norte-americano.
87
Pensando na manutenção de uma velocidade lenta de produção oral, é
necessário que se olhe para as pausas e a concatenação de sons, outros elementos prosódicos
pertencentes à variação de duração.
A pausa se caracteriza por uma ausência de som no fluxo da fala, ela pode ter
funções morfológicas, como marcar as fronteiras de uma palavra, e sintáticas, principalmente
no que diz respeito à pontuação (vírgula, ponto e vírgula, ponto final). Porém, ela também
pode exercer uma função pragmática ao destacar elementos da fala por meio de um
alongamento de pausa ou por sua inserção em lugar em que comumente não é usada. Nota-se
que, no corpus, a pausa é usada desempenhando sua função sintática e, além disso, sua
duração é bem longa.
Para efeito ilustrativo, convém observar o resultado do tratamento acústico
realizado pelo programa computacional Praat sobre o diálogo didático abaixo (figura 3). É
possível, assim, visualizar a grande duração das pausas que marcam posições sintáticas
representadas graficamente por sinais de pontuação (vírgulas e pontos finais).
Antonio: Hi. I’m Antonio.
Melissa: Hello. I’m Melissa. Are you Brazilian?
Antonio: No, I’m Mexican. And you?
Melissa: I’m Australian.
Antonio: What’s your job?
Melissa: I’m a bank clerk.
Antonio: Really? My father is a bank clerk, too.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 47 — faixa 130)
88
Figura 3 — Diálogo didático com pausas longas
Para melhor visualização, o texto do diálogo foi inserido e dividido com uma
linha azul nos pontos sintaticamente demarcados. A pausa pode ser notada através da
observação do formato de onda (gráfico em cor preta). Quando há uma linha reta na posição
horizontal, há pausa; pois, quando há som, o tracejado torna-se denso na vertical. Além disso,
a intensidade do som é marcada pela linha de cor verde. À esquerda do quadro onde está o
tracejado verde, há, também em fonte de cor verde, os limites de avaliação da intensidade,
máximo: 100 decibéis, mínimo: 50 decibéis; assim, quando a linha verde se mantém no nível
dos 50 decibéis é porque não há som audível. É o caso da pausas em destaque vermelho (nota-
se no trecho destacado, uma linha contínua horizontal preta no formato de onda e uma linha
contínua verde no nível dos 50 decibéis), que compreende a duração da pausa entre a primeira
parte da fala de Antonio e a pergunta seguinte feita por ele. Nota-se que as pausas têm
duração longa e essa é uma característica comum em todo o corpus.
Pode-se dizer que a pausa tem uma função bem específica nos textos estudados.
Esse elemento prosódico da duração tem função sintática, marcando claramente a pontuação
dentro dos diálogos didáticos.
89
É importante salientar que uma fala bem pausada, como a encontrada em vários
diálogos didáticos do corpus, não costuma ser o padrão natural de fala. Cagliari (1992, p. 143)
faz a seguinte ressalva:
O fato de se falar palavra por palavra, segmentadas por pausa, pode representar um
reforço sobre o significado literal do que se diz, solicitando do interlocutor que
deixe de lado outras interpretações possíveis. Além disso, falar destacando as
palavras com pausas pode representar uma atitude do falante que deseja reforçar o
valor de sua autoridade e do que diz.
Pode-se deduzir que o modelo de interação oral disponível para aprendizes
reforça o significado literal do que se diz e, os alunos, conseqüentemente, são levados a seguir
tal modelo em suas interações de uso real da língua.
Outro elemento prosódico a ser considerado nesta análise é a concatenação
11
,
isto é, “a junção de palavras que define a maneira como as pausas ocorrem num enunciado”
(BOLLELA, 2006, p. 118). Nos diálogos analisados, a relação entre presença e ausência de
elementos do encadeamento vocabular é aleatória. Há traços de concatenação esperados em
um falar natural no mesmo diálogo em que não há outros. Um dos processos desencadeados
pela proximidade entre determinados fonemas é o processo de assimilação:
Assuming that we know how the phonemes of a particular word would be realised
when the word was pronounced in isolation, when we find a phoneme realised
differently as a result of being near some other phoneme belonging to a
neighbouring word, we call this an instance of assimilation. Assimilation is
something which varies in extent according to speaking rate and style; it is more
likely to be found in rapid, casual speech and less likely in slow, careful speech
(ROACH, 1991, p. 124).
12
É relevante observar que o ritmo desacelerado provoca a realização isolada dos
fonemas, sendo assim, processos de concatenação esperados na língua inglesa não se realizam
nos diálogos didáticos. Um deles é a assimilação coalescente que causa mudança no
vozeamento dos fonemas, a palatalização. A figura 4 exemplifica o contexto lingüístico em
que tal fenômeno ocorre na língua inglesa:
11
Para uma lista abrangente de fenômenos de encadeamento vocabular na língua inglesa, ver Bollela (2003, p.
129-143).
12
Tradução da autora: Supondo que saibamos como os fonemas de uma determinada palavra seriam realizados
quando a palavra é pronunciada isoladamente, quando encontramos um fonema realizado diferentemente como
resultado de estar próximo a outro fonema que pertence a uma palavra vizinha, nós chamamos este evento de
assimilação. A assimilação é algo que varia em extensão de acordo com a velocidade da fala e estilo, é mais
provável que seja encontrada em um falar casual e rápido e menos possível em um falar cuidadoso e lento.
90
Regras Exemplos
/s/ /S/ He’s coming this year.
/z/ /Z/ Does your mother know?
/t/ +/y/ /tS/ Is that your dog?
/ts/ /tS/ She lets your dog in.
/d/ /dZ/ Would you mind moving?
/dz/ /dZ/ She needs your help.
Figura 4 — Palatalização (assimilação coalescente) em língua inglesa
Fonte: BOLLELA, 2003, p. 139
A seguir, exemplos de contextos lingüísticos favoráveis a esse tipo de processo
de encadeamento vocabular são apresentados.
Paolo: My name’s Paolo. What’s your name?
[may»neymzpA´l´w wAts»yçr«neym]
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 1, p. 4 — faixa 33)
No exemplo acima, não ocorre a assimilação esperada para o encontro de /s / e
/y/, ou seja, não há a presença do fonema /S/ no lugar do fonema /s/ na frase acima, o que
demonstra um falar cuidadoso e lento. Esse tipo de assimilação provavelmente ocorreria na
fala espontânea de um falante nativo, o que geraria a pronúncia [wAtSy´r»neym].
Kitty: [...] How about you?
[haw´»bawtyuw]
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 9 — faixa 1)
Na frase anterior, também não ocorre o processo de palatalização no encontro
do fonema /t/ e do /y/, ou seja, substituição do fonema /t/ pelo fonema /tS/. Há, porém um
pequeno corte na realização completa do primeiro fonema em questão que é composto pela
supressão do ar e conseqüente explosão, essa última não ocorre completamente.
13
Esther: [...] Tell me about your trip to Canada.
[»tElmiy´»bawtyçr»trIptU»kQn´d´ ]
13
Esse fenômeno em que a explosão final das consoantes plosivas fica inaudível é denominado, em inglês,
unreleased consonant.
91
[...]
Esther: Did you enjoy Toronto?
[»dIdyuwIn»dZçyt´»rçntow]
[...]
Esther: [...] What a nice trip!
[wAt§´»naystrIp]
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 83 — faixa 143)
No trecho acima, não ocorre a palatalização quando da presença do fonema /y/
após o /t/ em “about your” e, ao contrário do exemplo anterior, o primeiro fonema é
inteiramente realizado. O processo de palatalização também não ocorre no encontro entre os
fonemas /d/ e /y/ em “did you” como comumente ocorre em um falar cotidiano. Porém, em
what a” aparece a transformação do fonema /t/ em um fonema lateral de vibração de um
toque [], alofone característico do sotaque do inglês norte-americano, diante de uma vogal.
Nos seguintes exemplos, outra regularidade dos diálogos didáticos se sobressai:
o não uso das formas reduzidas dos pronomes his e her, que normalmente perdem seu
primeiro fonema no encadeamento das palavras devido a um processo chamado de
apagamento. Bollela (2003, p. 141) apresenta a perda de [h] como uma das formas mais
comuns desse processo de concatenação. A não ocorrência de tal fenômeno corrobora a baixa
presença de concatenação, o ritmo lento e o falar cuidadoso do material estudado.
Harry: Really? What’s his name?
[riy´»liy«wAtshIz»neym]
Franz: Otto. And the girl is my sister
[»owt§´w Qnddª´»gIrl zmay»sIst´r]
Harry: Uhm. What´s her name?
[m] [wAtsh´r»neym]
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 7 — faixa 127)
Kitty: And we can help her, Mom.
[Qndwiyk´n»hElph´rm´m]
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 7, p. 71 — faixa 13)
Observa-se, ainda, no último exemplo, que não há a elisão da vogal /d/ na
palavra and, o que é muito comum no falar natural. Tal elisão raramente ocorre nos diálogos
didáticos em exame. Considerando a afirmação de Wells (2000, p. 28): “The presence or
92
absence of
d
in the weak form is not sensitive to phonetic context: the choice depends on the
fact that the weak form
´nd
is slightly more formal than
´n
” (grifo do autor)
14
, pode-se pensar
que a preferência generalizada, no corpus, pela não-supressão da última consoante do
conectivo em questão promove um modelo de fala mais próximo ao registro formal, mesmo
que os diálogos didáticos representem interação verbal em situações informais e cotidianas de
uso da língua.
Vários são os exemplos em que os processos de concatenação são evitados,
porém alguns deles se realizam em alguns diálogos didáticos. É importante lembrar que esses
processos de encadeamento vocabular não são obrigatórios na língua inglesa, mas sua
presença em um falar corriqueiro e cotidiano é preferencial em relação à sua ausência. Em
outras palavras, a ausência de características comuns de encadeamento vocabular indica que o
ouvinte deve prestar mais atenção, pois o falante está destacando as palavras passíveis de
sofrerem alteração, mas que não as sofrem. Dessa forma, o modelo de comunicação em língua
inglesa apresenta uma prosódia que, se reproduzida pelos aprendizes, deve gerar significados
não desejados pelo falante.
Com relação à variação da duração, pode-se destacar o elemento prosódico do
ritmo que se caracteriza “[...] pela expectativa de um repetição das saliências fônicas
marcadas por durações estabelecidas” (BOLLELA, 2006, p. 116-117). De acordo com
Massini-Cagliari e Cagliari (2006, p. 116), a noção de ritmo está relacionada a uma concepção
de tempo e devido a isso “[...] esta noção tem sido tradicionalmente, dentro da Fonética,
trabalhada com base na idéia de isocronia
15
(grifo do autor). De acordo com a definição de
ritmo em relação à isocronia, é possível classificar as línguas naturais em dois tipos: línguas
de ritmo silábico e línguas de ritmo acentual. Nas primeiras, tende-se a ter um mesmo
intervalo de tempo entre a produção de cada sílaba na fala não importando a situação em que
ela ocorre; já, nas últimas, a tendência é que os acentos frasais apresentem o mesmo intervalo
de tempo entre eles. O inglês faz parte desse último grupo. Dessa forma, espera-se que a
isocronia se dê entre os acentos frasais e não entre todas as sílabas. Nota-se, porém, que tal
expectativa nem sempre se realiza no corpus de nossa pesquisa.
O seguinte exemplo foi retirado de um diálogo didático no qual há a interação
entre dois interlocutores e um robô. No trecho abaixo o interlocutor humano, Victor, interroga
14
Tradução da autora: A presença ou ausência do [d] na forma fraca não é sensível ao contexto fonético: a
escolha depende do fato de que a forma fraca [´nd] é um pouco mais formal do que [´n].
15
A isocronia é uma concepção temporal de ritmo, ou seja, a preocupação é com a organização dos elementos
salientes da fala com relação à duração.
93
a robô, Roberta, sobre suas habilidades matemáticas. As sílabas acentuadas estão assinaladas
com um traço sublinhado.
Roberta: Yes, of course I can. Give me a problem.
Victor: Okay. What does a
2
+ b
2
equal?
Roberta: c
2
.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 2, p. 4 — faixa 41)
A fala do robô se caracteriza por um som metálico e por um falar de ritmo
silábico, já que se pode notar a repetição de saliências acentuais em praticamente cada sílaba
pronunciada pela personagem Roberta. Além disso, no trecho que extraímos, o interlocutor
humano apresenta uma fala não comum — uma fórmula matemática —; essa fala também não
apresenta um contorno de ritmo acentual. Destaca-se que cada elemento da fórmula
matemática é dito com o mesmo intervalo de tempo entre as sílabas, sendo que todas são
acentuadas. Para melhor compreensão, segue-se abaixo uma versão expandida da fórmula em
questão com as sílabas acentuadas marcadas pelo traço sublinhado:
a
2
+ b
2
> a square plus b square
Convém lembrar que o centro de cada sílaba é uma vogal e que, em inglês, há a
representação gráfica de vogais que não são pronunciadas. É o caso da vogal e em posição
final, como nas palavras square do exemplo acima e course do exemplo anterior. Assim, das
5 possíveis sílabas que poderiam ser acentuadas na fórmula matemática apresentada acima,
todas foram acentuadas marcando, portanto, um ritmo silábico e não acentual.
Tal regularidade que soa artificial na língua inglesa, naturalmente de ritmo
acentual, é característico só de produção oral de fórmulas matemáticas e recebe, neste diálogo
didático, a função de caracterizar também a voz da personagem robô. Porém, tal ritmo aparece
constantemente em outros trechos dos diálogos analisados nos livros que compõem nosso
corpus de análise.
Mais alguns exemplos de uma fala de ritmo silábico encontrado no corpus estão
citados a seguir:
94
Mariana: It’s really hot, isn’t it?
[...]
Mariana: Hey, look at that crowd! What’s going on?
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 94 — faixa 123)
Nick: There are two jars.
[...]
Nick: There are two big cartons. [...]
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 3, p. 70 — faixa 104)
Nick: Mom, where’s my cap?
[...]
Mrs. Carson: Yes, it is.
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 1, p. 47 — faixa 70)
Jenny: I’m going downtown.
Celina: Cool. Have a good time. Bye.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 2, p. 60 — faixa 47)
Interviewer: [...] That sounds like fun. [...]
Pepe: Yes, I do. [...]
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 4 — faixa 50)
É importante destacar que as short answers — ou seja, as respostas constituídas
somente de sim/não, o sujeito e o verbo auxiliar — como a exemplificada no trecho do
diálogo didático acima, são comumente faladas de forma silábica no corpus. Ainda, é
interessante observar que a fala com ritmo silábico ocorre em variados contextos lingüísticos,
frases longas, curtas, afirmações, interrogações, etc. Além disso, não é uma característica
específica de um dos livros, mas dos diálogos didáticos analisados.
Há mais exemplos que devem ser levados em consideração, os citados a seguir
não apresentam um ritmo staccato
16
como os anteriores, mas é possível notar que os acentos
16
O termo staccato é utilizado para se referir a um ritmo em que todas as sílabas são igualmente acentuadas na
frase.
95
frasais se repetem em intervalos muito pequenos de sílabas, ou seja, a fala fica silabada. As
palavras acentuadas aparecem sublinhadas.
Nick: [...] What are we going to do?
[...]
Kin: Good idea! [...]
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 48, grifo nosso — faixa 117)
Mariana: Yes! Isn’t it amazing? Dad said the trip was my birthday gift.
[...]
Mariana: No, never. I can’t wait! I’m so excited!
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 64, grifo nosso — faixa 119)
Carlos: Dan, you’re coming to my party tonight, aren’t you?
Dan: Yes, I am.
Carlos: But Jason, you can’t come, can you?
Jason: That’s right. I have to stay at home this evening.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 4, p. 74, grifo nosso — faixa 62)
Leo: Soccer is really a very exciting sport!
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 111, grifo nosso — faixa 8)
É preciso lembrar que “velocidades muito rápidas ou muito vagarosas fazem
com que as sílabas percam suas durações intrínsecas e passem a ter todas uma mesma
duração” (CAGLIARI, 1992, p. 143). Assim, é possível pensar que uma fala de ritmo silábico
seja produzida nos diálogos didáticos como conseqüência de uma velocidade lenta que é
empreendida nos mesmos.
A velocidade lenta de fala acarreta muitos processos fonológicos que já foram
observados acima, porém um texto (áudio), que se pretende modelar, deve procurar respeitar
as regras da língua. O diálogo didático busca fazer isso e procura proporcionar exemplos em
ritmo acentual; porém, é preciso destacar que muitos enunciados são exageradamente
pronunciados a ponto de o ritmo se tornar silábico. Tal fato pode ser provocado pelo falar
lento e pela função atribuída ao diálogo didático de modelar a língua que está sendo utilizada.
96
Um gênero que serve de modelo da interação verbal oral e que não respeita
regras intrínsecas da língua pode promover entendimentos errôneos do funcionamento da
língua como também provocar dificuldades de comunicação na utilização desse ritmo mais
silábico, staccato, ao produzir oralmente uma língua cujo ritmo é acentual. Bollela (2002) traz
uma citação interessante de Anderson-Hsieh que mostra a interdependência entre o ritmo, a
acentuação de sílabas e seu significado pragmático:
Appropriate rhythm, or the timing of syllables and accents, is also important for
intelligibility. A staccato, syllable-timed rhythm is difficult for native speakers to
understand not only because it is out of step with English rhythm but also because
the unstressed syllables and function words are not sufficiently reduced, making it
difficult for the listener to hear the content words and the accents, which carry the
major meaning (1995, p. 18 apud BOLLELA, 2002, p. 81).
17
Convém lembrar que a diferença apresentada na citação acima entre as palavras
que constroem o significado do enunciado (content words), como substantivos, verbos
principais, adjetivos e advérbios, e as palavras que desempenham função gramatical (function
words), como artigos, conjunções, preposições, pronomes e verbos auxiliares, é muito
importante para a manutenção do ritmo acentual na língua inglesa e sua produção depende de
um fenômeno muito importante: a redução vocálica. Assim, as primeiras devem ser
acentuadas para que a atenção do falante seja direcionada a elas enquanto as outras devem
aparecer em sua forma reduzida (geralmente com a presença do fonema schwa [´]). A função
semântica de tal fenômeno é tão importante que uma mudança pode acarretar em uma
diferente significação, como salienta Underhill (2005, p. 70):
In general, therefore, it is the lexical words of an utterance that are given
prominence and the grammatical words that are not. But any word or even any
syllable can be given a
lexical role and made prominent where the meaning requires
it, often in a contrasting or correcting capacity (grifo nosso).
18
17
Tradução da autora: O ritmo apropriado, o controle de tempo de sílabas e acentos, também é importante para a
inteligibilidade. Um ritmo silábico, staccato, é difícil de ser entendido por falantes nativos não só porque fica
descompassado em relação ao ritmo do inglês, mas também porque as sílabas não acentuadas e palavras que
exercem função gramatical não são suficientemente reduzidas, tornando difícil para o ouvinte distinguir as
palavras de conteúdo e os acentos, que constroem o sentido.
18
Tradução da autora: Em geral, portanto, são as palavras lexicais de um enunciado que recebem proeminência e
as palavras gramaticais que não recebem. Mas qualquer palavra ou até qualquer sílaba pode receber um papel
lexical e ser produzida com proeminência quando o significado o requer, geralmente com uma capacidade de
contraste ou correção.
97
Cagliari (1992, p. 145) acrescenta que: “línguas de ritmo acentual usam uma
fala silabada (que se assemelha ao ritmo silábico) para destacar o que se diz, sobretudo para
chamar a atenção para o que se diz, por se considerar muito importante”.
Considerando que os diálogos didáticos, em sua maioria, utilizam uma fala
silabada com velocidade lenta e cheia de pausas, características que têm a função de destacar
o que se diz em um falar natural, é possível concluir que os diálogos didáticos não utilizam os
elementos prosódicos comuns em uma conversação natural e sim os destacáveis, ou seja,
aqueles que carreiam funções semânticas específicas. Assim, a não adequação do ritmo ao
falar natural da língua inglesa dos diálogos didáticos pode levar a uma falha de comunicação
pela falta de redução das palavras que não devem ser consideradas importantes e,
conseqüentemente, pelo uso exagerado da acentuação que leva o ouvinte a prestar atenção a
tudo o que é dito. Pensando no aprendiz na posição de ouvinte, tal característica dos diálogos
didáticos dificulta sua discriminação auditiva em relação ao processo de produção de sentidos.
Em outras palavras, o aprendiz acostuma-se a ouvir tudo com clareza, mas, em situação de
uso natural da língua inglesa, deve ter dificuldades em lidar com o processo de redução
vocálica que é apagado no material didático ao qual teve contato.
No entanto, é preciso considerar que há o uso de elementos prosódicos com o
intuito de gerar significações mais complexas de atitude do falante em alguns exemplares do
diálogo didático. No trecho a seguir, o ritmo acelerado impede que o interlocutor interrompa o
locutor. A interlocutora utiliza a aceleração da velocidade (parte sublinhada no exemplo
abaixo) para manter a atenção dos participantes da conversa ao tópico de sua fala.
Leo: Hum, aren’t you hungry? Eat some popcorn, Kitty!
Kitty: Not now, Leo! I’m watching the match. Look at Chris Klein, he’s ahead!
Sports spokeman: Goooaaal!!
Everybody: Yes!
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 111, grifo nosso — faixa 8)
Na figura 5, produzida pelo software Praat, é possível observar o aumento da
velocidade. A primeira fala de Leo segue a velocidade comum dos outros diálogos didáticos
apresentando espaços repetidos de pausa, já a fala de Kitty, ao chegar à parte sublinhada no
exemplo acima, suprime pausas e a repetição das sílabas são em intervalos menores de tempo,
as duas frases sublinhadas são representadas pelo gráfico na parte destacada em vermelho.
98
Figura 5 — Diálogo didático com mudança significativa de velocidade.
Figura 6 — Diálogo didático com mudança significativa de entoação.
99
Corroborando a aceleração da velocidade, nota-se também que há um crescendo
do tom
19
. Tal fato é observável na figura 6 em que as linhas azuis mostram o contorno
entoacional da fala analisada acusticamente pelo programa de edição de som Praat. A frase
em que ocorre a mudança citada está em destaque vermelho na figura acima.
Em relação aos elementos prosódicos da variação de altura melódica, é notável
o papel da entoação, ou seja, da “variação melódica ascendente ou descendente” (BOLLELA,
2006, p. 116) nos diálogos didáticos analisados. Segundo Cagliari (1992, p. 139) “de todos os
elementos supra-segmentais prosódicos, a entoação é o que está mais intimamente ligado a
fatos sintáticos. Por outro lado, a entoação é ainda o elemento mais usado para a
caracterização das atitudes do falante [...]”. No corpus, é possível notar que a função sintática
da entoação é destacada e realizada com marcações bem nítidas.
É preciso lembrar que a análise da entoação deste trabalho leva em conta os
pressupostos de análise de Halliday (1970) e Cagliari (2007). Em primeiro lugar, uma análise
auditiva foi realizada, depois houve a seleção dos diálogos a serem mais cuidadosamente
examinados, em seguida, foi feito um tratamento acústico pelo software Praat e, finalmente, a
transcrição da entoação considerando os grupos tonais e desprezando outros padrões
secundários. É importante ressaltar que a transcrição fonética dos dados não seguiu a notação
dos autores cuja descrição serviu de suporte teórico para este trabalho na tentativa de oferecer
uma melhor visualização da análise.
20
Há um padrão entoacional distintamente assinalado no corpus no que diz
respeito às regras de entoação de ordem sintática. Pike (1954, p. 44) postula que o padrão
decrescente de entoação no inglês de variante norte-americano padrão significa semântica e
sintaticamente o centro de atenção da fala e acrescenta que antes da pausa ele indica
finalização. Tal padrão é utilizado em afirmações, perguntas que não questionam sobre a
impossibilidade de algo ocorrer (caso das perguntas iniciadas por conjunções interrogativas e
de question tag com possível possibilidade de acordância do falante). Já o padrão entoacional
crescente indica incompletude (PIKE, 1954, p. 59), ou seja, explicita a necessidade do
19
O termo tom, nesta análise, está se referindo a padrões entoacionais e não a tons relativos às línguas tonais.
De acordo com Bollela (2006, p.116), o tom é a “variação melódica que, nas línguas tonais, se dá no espaço de
sílabas (diferente do que acontece com as línguas entoacionais em que a variação melódica se dá no espaço de
grupos tonais)”.
20
A notação proposta pelos autores é clara, mas realizada na própria frase, utilizando-se de barras e números que
marcam cada uma dos possíveis contornos. Assim, o leitor precisaria sempre consultar o significado dos
números e, além disso, sua visualização do diálogo seria cortada pelas barras. As setas utilizadas neste trabalho
não oferecem tantos detalhes como a transcrição acima, mas permitem uma visualização rápida e
suficientemente elucidativa.
100
enunciado ser complementado; portanto, é usado em partes de frases incompletas, em
interrogações cujas respostas podem ser sim ou não e em perguntas do tipo question tag em
que há a possibilidade de o interlocutor responder se opondo à pergunta do falante. Convém
lembrar que esses padrões são os padrões considerados neutros ou preferenciais para
desempenhar os tipos de enunciado acima descritos. Halliday, ao comentar sobre o sentido da
palavra “neutro” no tipo de análise fonética-fonológica que está sendo realizada aqui, afirma:
“[...] we are referring to a form that is preferred except where there is ‘good reason’ for
choosing something else”.
21
Os padrões entoacionais neutros da língua inglesa e suas respectivas funções
sintáticas e semânticas podem ser visualizadas no quadro abaixo.
PADRÃO ENTOACIONAL FUNÇÃO SINTÁTICA/SEMÂNTICA
Entoação crescente
Incompletude de fala
Perguntas com resposta do tipo sim/não
Perguntas do tipo question tag em que há
possibilidade de resposta contrária à pergunta.
(contradição)
Entoação decrescente
Declarações (completude)
Perguntas abertas (iniciadas por pronome
interrogativo)
Perguntas do tipo question tag em que se espera uma
resposta que concorde com a pergunta
(concordância)
Quadro 2 — Padrões entoacionais neutros e respectivas funções sintáticas/semânticas na
língua inglesa
Seguem-se exemplos do corpus que respeitam o padrão apresentado:
(a) Padrão crescente:
(i) Incompletude de fala
= ÃÕ
Betty: [...] And... what are your school subjects?
21
Tradução da autora: [...] estamos nos referindo a uma forma que é preferida exceto quando há uma ‘boa razão’
para escolher alguma outra forma.
101
à à à à à Ã
Joana: Portuguese, Mathematics, History, Geography, Science, English,
à à Õ
Physical Education, Art and Religion.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 2, p. 36 — faixa 135)
à Õ
Diego: Too bad they started the show an hour late because of the rain.
Õ Õ Ã
Cathy: Oh, my God! Just look at the time! If I get home after 11, my mother
Õ
will kill me!
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 40 — faixa 116)
(ii) Perguntas (yes/no)
Ã
Allan: Did you see her in the afternoon?
Ã Õ Ã
Carol: Yes, I did. We went to the Japanese Consulate and checked her
Õ
passport.
Ã
Jim: Was everything OK?
à à Õ
Carol: Yes, her passport, airplane ticket... She was all ready to go back to
Õ
Japan.
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 8, p. 58-59 — faixa 20)
à à Ã
Mom: Did you turn off your TV and the light? And did you make your bed
Ã
and clean your room?
Õ = Õ Õ
Felix: Yes, I did. Er... No, I didn’t. I don’t know.
à à Ã
Felix: Mom, Dad? Can I go back in and check my room?
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 46 — faixa 54)
102
(iii)Question tag com possível oposição ao que foi dito.
Õ Ã Ã
Mariana: Who’s that tall guy next to her? Her boyfriend? He’s Australian,
Ã
isn’t he?
Õ
Tina: I think so.
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 94 — faixa 123)
(b) Padrão decrescente
(i) Declarações
Õ Ã
Jessica: A bag of popcorn, please.
Õ
Mr. Brown: Here it is.
Õ
Jessica: How much is it?
Õ
Mr. Brown: 50 c.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 92 — faixa 133)
(ii) Perguntas iniciadas por conjunções (wh-questions)
Õ
Allan: Where were you last Sunday?
à Õ
Leo: I was in Honolulu, Hawaii.
Ã
Allan: Were you alone?
Õ Õ
Leo: No. I was with my family.
Õ
Allan: What was the weather like?
Ã Õ Õ
Leo: It was warm and sunny during the weekend. The temperature was about
Õ
83 ºF.
(MORINO; FARIA, 2006a, v. 7, p. 118-119 — faixa 16)
103
(iii)Question tag com possível confirmação do que foi dito
Õ Õ Õ
Carlos: But Jason, you can’t come, can you?
Õ Ã Õ
Jason: That’s right. I have to stay at home this evening.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 3, p. 46 — faixa 54)
Nota-se então a obediência dos padrões entoacionais realizados nos diálogos
didáticos às funções sintáticas e semânticas de padrões neutros, porém é importante notar que
há uma contradição em relação a perguntas do tipo question tag e a variação melódica
encontrada no corpus.
Como mencionado anteriormente, há dois padrões de entoação com distinta
significação nas question tags: tom crescente, contradição e tom decrescente, confirmação.
Em geral, a dúvida em relação ao que foi dito no uso de question tag costuma ser suave,
então, espera-se uma maior aparição de um padrão entoacional decrescente neste tipo de
estrutura sintática, ou seja, espera-se que o ouvinte confirme o que foi dito. Porém, o oposto
ocorre no corpus. Dentre todas as aparições das perguntas tipo question tag, 23, apenas 3
apresentam um padrão entoacional decrescente. Convém destacar que, além de modelar um
padrão oposto ao comum, há usos inadequados em relação à carga semântica do enunciado.
No exemplo abaixo, isso pode ser notado claramente.
Ã Õ Ã
Mariana: He’s really good-looking, isn’t he?
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 94 — faixa 123)
No diálogo didático ao qual o trecho acima pertence, Mariana vê uma cantora
famosa e começa a conversar sobre ela com a amiga Tina (cf. anexo H para melhor
compreensão do contexto). Em um trecho anterior ao citado acima, ela também comenta sobre
o namorado da cantora que a acompanha no momento do diálogo e faz comentários sobre ele
usando a forma de question tag. A primeira afirmação torna-se uma pergunta pelo padrão
entoacional crescente utilizado, significando que Mariana não está certa sobre a nacionalidade
do namorado da cantora Kylie Minogue e pede uma resposta de Tina. Porém, no trecho acima
transcrito, Mariana está dando uma opinião pessoal sobre ele que, em geral, não se apresenta
104
em forma de pergunta como aparece no áudio e sim como um comentário, portanto, pedindo
um padrão entoacional decrescente. Assim, pode-se verificar que há uma regularidade de usos
dos padrões entoacionais nos diálogos didáticos fiéis a seus usos sintáticos, mas quando esses
se interpõem com funções semânticas e pragmáticas ocorre uma inadequação de uso. Assim, o
diálogo didático mantém-se modelar no que concerne a estrutura da língua, mas apresenta
inconsistências no que se refere às suas significações pragmáticas e semânticas. Considerando
que o diálogo didático pretende ser o modelo de interação verbal para os aprendizes, seu
público-alvo, ele oferece um modelo inapropriado à situação social e comunicacional, tal fato
não condiz com uma abordagem sociointeracionista da língua e incorre em dificuldades de
aprendizado da língua estrangeira no campo da comunicação.
Neste caso, ainda seria possível pensar que a produção oral inadequada
supracitada é de um falante estrangeiro; porém, não é possível notar no corpus uma
abordagem variacionista e dialetal; ao contrário, busca-se neutralizar o uso da língua. Há, por
exemplo, uma personagem australiana cuja fala não apresenta características do falar
australiano em relação a traços fonéticos ou fonológicos. No livro Super Ace, o mesmo ocorre
com a personagem Sayuri que é de origem japonesa e é estudante estrangeira na comunidade
apresentada nos diálogos didáticos, e sua fala, porém, não apresenta traços dialetais. Nas
outras séries, essa abordagem também não é percebida: nos livros Take your Time e Power
English, não há um histórico das personagens e não há traços fonéticos nem fonológicos que
indiquem uma abordagem variacionista.
Um outro exame interessante é sobre os tons dos monossílabos. Nota-se que
eles apresentam entoação de forma bem clara marcando a pergunta e a resposta.
Ã
Paolo: Hi.
Õ
Tomoko: Hello.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 1, p. 4 — faixa 33)
A entoação ascendente na palavra hi e a entoação descendente na palavra hello
demonstram a relação de pergunta e resposta, ou seja, enunciado e réplica. O personagem
Paolo cumprimenta Tomoko e esta responde o cumprimento.
No entanto, é preciso olhar ainda para os tons secundários. A explicação de
Halliday (1970, p. 9) sobre o que deve ser analisado ao pensar em tons secundários é clara:
105
The tonic secondary tones are the finer grades of pitch movement in the tonic
segment: For example, within the primary tone 1 (falling tonic) we can distinguish,
as secondary tones, a wide fall (high to low), a medium fall (mid to low) and a
narrow fall (mid-low to low).
22
Massini-Cagliari e Cagliari (2006, p. 118-119) acrescentam que os tons
secundários “[...] costumam trazer acréscimos ao significado literal de um enunciado,
chamado de atitude do falante. Nesse sentido, um enunciado pode revelar alegria, tristeza,
raiva, dúvida, incerteza, escárnio, zombaria etc.” (grifo do autor). Dessa forma, a análise do
corpus centra-se, agora, em falas cuja prosódia pode implicar atitude do falante.
No próximo exemplo, há a aparição de um monossílabo sem significado
semântico, não há entoação ascendente ou descendente, a entoação é nivelada, ou seja, level
(ROACH, 1991, p. 140). A entoação não muda. Se fosse fall-rise (descendente/ascendente)
poderia indicar o interesse do falante pela pessoa que é o objeto da conversa. Se fosse um
contorno nivelado, mas com uma maior duração, poderia indicar um momento pensativo do
falante escolhendo o que falar. Mas da forma como aparece, padrão entoacional nivelado e
curto, não parece trazer sentido para o diálogo. Em outras palavras, o elemento prosódico da
entoação não corrobora os outros elementos, portanto, não realiza uma função lingüística
dentro do texto e, assim, não contribui para a construção de sentido.
ÃÕ Õ
Franz: Otto. And the girl is my sister.
= Õ
Harry: Uhm. What´s her name?
=
Franz: Frieda.
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 8 — faixa 127)
Esse uso neutro da entoação é muito comum em expressões de empatia (uhm,
oh, I see, etc.) dentro do corpus, há preferência por um padrão entoacional nivelado como o
acima ou descendente sem grande mudança na altura do tom como pode ser visto no próximo
diálogo. O padrão entoacional decrescente do exemplo é empregado como se apenas uma
22
Tradução da autora: Os tons secundários são uma classificação mais apurada do movimento melódico no
grupo tonal. Por exemplo, dentro do tom primário 1 (tom decrescente), podemos distinguir como tons
secundários, uma grande queda (tom alto para tom baixo), uma queda média (tom médio para tom baixo) e uma
queda estreita (tom meio-baixo para tom baixo).
106
resposta estivesse sendo dada. Não há variações ou outras curvas entoacionais na expressão
sublinhada abaixo.
Õ
Pellegrini: [...] I live on a small farm.
Õ Õ
Nicholas: I see.
What about music? [...]
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 21, grifo nosso — faixa 140)
Há um diálogo em que a mãe interpela sua filha, Bonny, que responde
demonstrando um pouco de indiferença. O padrão entoacional é mais curvado, não há uma
linha ascendente ou descendente muito rápida e de grande intervalo.
à à Ã
Mom: Are you okay, Bonny? Are you sad?
ÃÕÃÕ ÃÕ
Bonny: No, I’m not. I’m okay.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 1, p. 46 — faixa 37)
A curvatura do contorno entoacional das frases acima pode ser melhor
visualizada no tratamento acústico gerado pelo programa Praat (figura 7).
Na figura 7, os tons entoacionais estão marcados pela linha azul. É possível
notar que, nas falas da mãe, o padrão é crescente sem significativa mudança de orientação; já,
na fala de Bonny (em destaque vermelho), há uma inversão de direção que ocorre por meio de
uma curvatura de forma suave, ou seja, há um alongamento do tom nivelado. Essa pequena
diferença provoca nuances de significação, isto é, a entoação apresenta uma função
pragmática específica.
107
Figura 7 — Diálogo didático com padrão entoacional desempenhando função pragmática de
desinteresse do falante.
Compare com o fim do mesmo diálogo em que Bonny se anima ao ver seus
colegas chegando.
à à Õ
Mom: Oh. Look. Here are your friends.
à à ÃÕ ÃÕ
Bonny: My friends? Great! Bye Mom. See you later.
(GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 1, p. 46 — faixa 37)
108
Figura 8 — Diálogo didático com padrão entoacional desempenhando função pragmática de
alegria do falante.
Observando a figura 8, é possível perceber que as linhas azuis que representam
o contorno dos tons entoacionais são mais pontiagudas, mostrando brusca mudança de direção
do tom. Além disso, também há grandes saltos e quedas, ou seja, grande distância melódica
entre o início e o fim dos contornos entoacionais.
É muito importante destacar que o estado de espírito do falante só pode ser
percebido lingüisticamente através da entoação neste diálogo didático. Uma análise das
escolhas lexicais não revelaria o desânimo e tédio de Bonny. A personagem repete seguidas
vezes que está bem (cf. anexo I, para contexto visual e diálogo completo), mas pelo “tom”, ou
seja, pela escolha de padrão entoacional, pode-se chegar à atitude do falante.
Expressões de alegria são um pouco mais freqüentes no corpus.
Mariana: Yes! Isn’t it amazing? Dad said the trip was my birthday gift.
Cathy: Wow! Have you ever been to Australia?
Mariana: No, never. I can’t wait! I’m so excited!
(AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 64 — faixa 119)
109
Figura 9 — Diálogo didático com padrão entoacional expressando alegria e excitação.
Na figura 9, nota-se uma maior distância entre os níveis iniciais e finais dos
tons, além de um ponto de mudança de contorno pontiagudo, em outras palavras, mais
marcado.
Outros elementos que corroboram a entoação para expressar algumas atitudes
do falante são qualidade de voz, pausa e volume; porém, esses casos foram raros no corpus.
Um exemplo é o do trecho abaixo em que uma das personagens, Amy, engendra elementos
prosódicos na palavra brother que obriga sua interlocutora, Doris, a questionar sobre qual era
o problema de Amy dividir o quarto com seu irmão.
Doris: [...] And you? Do you like your bedroom?
Amy: No, I don’t. It’s small... and I have to share it with my brother.
Doris: So what?
(ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 21 — faixa 140)
110
No texto escrito, acima reproduzido, não há nenhuma marca especial na palavra
brother, mas, ao ouvir o áudio, podem-se destacar alguns elementos prosódicos: uma pausa
antes da palavra brother, diminuição do volume e significativa mudança na qualidade de voz
de clara para fechada, mais arredondada e mais anterior (fechando os dentes).
É importante lembrar também que a direção do contorno entoacional pode ser o
mesmo em várias enunciados, mas a distância entre os tons pode ser diferente. Pike (1954) em
sua descrição detalhada do inglês americano propõe que sejam distinguidos quatro tons
(níveis) para que uma análise fonológica possa ser feita.
23
Ao explanar sobre diferenças entre
os tons relativas à menor ou maior distância entre eles — por exemplo, a diferença entre os
tons crescentes do nível 4 para 3 ou do nível 4 para o 1 — ele sempre comenta que, nos tons
em que há maior distanciamento entre os níveis de variação melódica, há mais intensidade da
significação comum do tom. Considerando tal afirmação, é possível dizer que, em geral, os
diálogos didáticos apresentam uma entoação marcada com intensidade, ou seja, os contornos
entoacionais são mais longos (distância de altura) do que os dos contornos preferenciais.
Enfim, foi possível perceber que, quando é preciso marcar alguma atitude do
falante em relação ao que foi dito, não é possível verificar o uso corrente de elementos
prosódicos no corpus. Há algumas tentativas de marcar algumas atitudes do falante
(preferencialmente, alegria) como mostra as análises da entoação anteriores; no entanto, na
maioria das vezes, o padrão entoacional utilizado é mais neutro, portanto, não reflete a atitude
do falante.
É preciso ponderar que proporcionar um modelo de interação verbal oral no
qual funções pragmáticas são geralmente neutralizadas, exceto casos de alegria e raros casos
de surpresa e indiferença, deve levar a uma aprendizagem muito distante do real e,
provavelmente, não muito funcional no quesito comunicação. Cagliari (1992, p. 149), ao
comentar sobre as funções semânticas e pragmáticas exercidas pelos elementos prosódicos,
lembra que há várias opções para se produzir determinados efeitos semânticos/pragmáticos,
mas que “[...] nem tudo serve para tudo [...] na verdade, têm-se muito mais restrições do que
liberdade de escolha”. Levando tal afirmação em consideração, é preciso refletir sobre o
apagamento das funções pragmáticas na prosódia dos diálogos didáticos. Em primeiro lugar,
sem a devida referência, o aprendiz pode imitar o modelo e produzir apenas falas em que se
23
“As variações melódicas da fala devem ser encaradas como medidas relativas de variação do fundamental do
som e não em termos absoluto. Para a descrição lingüística, não há a necessidade de se marcar todo tipo de
variação melódica que se ouve na fala. O importante é sempre marcar as variações que se relacionam de um
modo ou de outro com funções gramaticais ou com manifestações semânticas da língua” (CAGLIARI, 2007,
p.166).
111
destaca tudo sem conseguir expressar suas atitudes dentro da língua estrangeira. Além disso, o
aluno pode tentar utilizar o modelo prosódico de sua língua-mãe que nem sempre corresponde
ao da língua estrangeira, não conseguindo expressar-se adequadamente na língua estrangeira.
Finalmente, a exploração do aspecto entoacional enriquece a fala, como foi visto por meio dos
exemplos em que houve uma relação entre o padrão entoacional usado e sua função
semântico-pragmática; assim, uma “neutralidade” no uso desse aspecto limita o conhecimento
do aluno sobre a língua em estudo e permite que dificuldades de produção e compreensão oral
sejam perpetuadas no uso da língua inglesa pelos aprendizes que têm os diálogos didáticos
como modelo de interação verbal oral.
Ainda é preciso considerar que, em relação à intensidade sonora, não há marcas
relevantes para a análise engendrada neste trabalho além das anteriormente citadas.
Entretanto, já que o volume “[...] acompanha as marcas fonéticas de saliência ou de redução
que o falante imprime à sua fala. É uma espécie de ‘reforço’ para o valor de outros elementos
supra-segmentais prosódicos” (CAGLIARI, 1992, p. 146), deve-se salientar o uso pouco
freqüente das formas reduzidas /´/, nos textos orais analisados, como já foi dito anteriormente.
Nota-se que há um uso reduzido de características prosódicas da língua inglesa
as quais servem para enriquecer o sentido e fornecer informações sobre as atitudes do falante,
informações estas que são necessárias para que uma atividade interativa e produtiva se
desenvolva. Além disso, também foi possível notar alguns usos inadequados da prosódia da
língua inglesa o que deve incorrer em um aprendizado deficiente
24
.
A partir da análise estilística apresentada, pode-se concluir que várias
características do texto falado assim como características prosódicas de um falar natural não
estão presentes nos diálogos didáticos. Em outras palavras, há um grande grau de adaptação
tanto do texto escrito no livro didático quanto do seu material de áudio correspondente. No
término da análise do material impresso, concluímos que a esfera didática impõe-se à busca
de aproximação do diálogo didático ao seu objeto de representação, a conversação natural.
Porém, por meio da análise do material de áudio, foi possível constatar que, além do
distanciamento da representação dos elementos prosódicos em sua realização natural, há
problemas de adequação do uso dos mesmos nos diálogos didáticos. Foi possível perceber que
vários fenômenos que ocorrem no nível segmental derivados dos elementos de velocidade de
fala e de ritmo foram prejudicados a ponto de afetar os sentidos semânticos por ele carreados,
24
É preciso destacar que os parâmetros prosódicos analisados apontam para a produção de sentidos no texto em
detrimento de uma correção de acordo com uma norma prescritiva da língua. Dessa forma, a inadequação
prosódica presente nos diálogos didáticos afeta diretamente os sentidos produzidos por determinado padrão
entoacional ou rítmico empregado.
112
ou seja, há um empobrecimento da comunicação no gênero diálogo didático em suporte
material CD. Em conseqüência disso, é possível que a finalidade didática também seja
prejudicada. Uma adaptação em um nível muito alto pode gerar problemas também para o
ensino (esfera de atividade do gênero estudado), por exemplo, com as modificações
encontradas nos diálogos didáticos com relação aos elementos prosódicos, a habilidade de
escuta dos aprendizes é facilitada para textos didáticos e, ao mesmo tempo, dificulta o
entendimento de textos usados com outras finalidades. Portanto, tais modificações podem
comprometer a fluência e a acuidade auditiva dos alunos quando estes se encontrarem em
situação real de uso da língua por não lhes oferecer as estratégias de processamento do texto
falado nem as características prosódicas naturais da fala na língua estudada.
A partir da análise das regularidades temáticas, composicionais e estilísticas do
gênero diálogo didático e seu contraste com características de um falar natural, é possível
refletir sobre a adaptação da conversação natural no gênero em questão e sobre a concepção
de língua a ele subjacente.
4.6 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA
Em primeiro lugar, é notável que os diálogos didáticos busquem uma
representação da interação verbal face a face, para tanto apresentam algumas características
básicas de um diálogo: interação entre mais de um falante, uso de seqüência de perguntas e
respostas e trocas de turno. Por outro lado, muitas características marcantes de um texto co-
produzido no curso da ação são apagadas no diálogo didático, entre elas, pode-se citar: a
ausência de seqüências de abertura e, principalmente, de fechamento, que são problemáticas
em conversações naturais; apagamento de estratégias de tomada de turno, apresentando
somente trocas pacíficas; e ausência de estratégias de processamento de um texto falado no
que se refere à organização textual como inserções, reformulações e hesitações, o que gera
falta de dinamismo tópico, característica intrínseca do texto falado.
Em relação a essa ausência de traços característicos, é preciso comentar sobre a
natureza de uso de padrões para analisar atividades dinâmicas. Marcuschi (2003, p. 85)
pondera: “[...] como toda a abordagem categorial de fenômenos dinâmicos está fadada ao
risco do insucesso explicativo e descritivo, deve-se encarar os resultados como formas de
perceber organizações e processos e não como propostas normativas para os fenômenos
113
analisados”. Partindo desse pressuposto, pode-se olhar para a ausência de alguns traços
interativos nos diálogos didáticos como marcas passíveis de interpretação do texto oral, ou
seja, a ausência significa. Marcuschi (2003, p. 85-86) apresenta um exemplo interessante:
[...] tomando, por exemplo, a noção de relevância condicional dos pares adjacentes,
podemos observar que ela não é estringente em todos os casos. Mas, a cada vez que
A dirige uma pergunta a B e este demora um pouco para responder ou não responde,
A infere algo de acordo com a atividade em curso. Se a resposta estiver fora do que
era esperado, pode ocorrer a volta da pergunta ou um comentário sobre a qualidade
da resposta. Neste sentido, aquela noção não prevê uma necessidade, mas organiza
uma fatia de interação” (grifo do autor).
Assim, pode-se retomar a questão do gênero secundário que é presente no livro
didático e que adapta certas características do gênero primário, aqui tratado como conversação
natural. É importante lembrar que os indícios ao leitor do livro didático de um diálogo em
língua estrangeira se restringem a determinadas características da oralidade enquanto outras
são eliminadas e não compõem traços regulares deste gênero.
Dessa forma, convém lembrar a afirmação de Koch (2007, p. 79) de que as
características da fala são geralmente apresentadas a partir do modelo da escrita, ou seja,
“costuma-se olhar a língua falada através das lentes de uma gramática projetada para a escrita,
o que levou a uma visão preconceituosa da fala (descontínua, pouco organizada, rudimentar,
sem nenhum planejamento)” e levantar a questão de que a adaptação do livro didático de
língua estrangeira com relação à modalidade da fala parte de uma projeção das características
de processamento da escrita na fala.
A questão da oralidade nos livros didáticos não é só uma preocupação do
ensino de língua estrangeira, Marcuschi (2005b, p. 30) discute sobre a relevância de um
ensino de língua materna que aborde a questão da língua falada, pois “a análise da interação
verbal oral pode ser tida [...] como uma contribuição para a compreensão do que se entende
quando se afirma que o homem é um ser social”. Ao analisar manuais de ensino de língua
portuguesa, Marcuschi afirma que a oralidade ainda é pouco tratada, já que apenas 2% do
número geral de páginas dos livros didáticos examinados pelo autor é dedicado à língua
falada. Mesmo quando estudada, a fala aparece como sinônimo de uma produção lingüística
não-padrão, ligada ao uso de gírias e coloquialismos; além disso, costuma aparecer como
atividade que culmina em uma atividade escrita sem que a relação entre as diferenças das duas
modalidades seja considerada. Dessa forma, conclui-se que a concepção de língua falada nos
manuais didáticos de língua portuguesa no Brasil carece de “uma noção de língua que possa
114
sustentar uma visão de língua falada de maneira coerente e produtiva” (MARCUSCHI,
2005b, p. 30).
Tal visão de língua, delineada no capítulo teórico desta dissertação e baseada
em uma perspectiva sociointeracionista de linguagem, é resumida nas palavras de Faraco
(2003, p. 105-106):
Podemos dizer que o Círculo parte da asserção de que a realidade fundamental da
linguagem é o fenômeno social da interação verbal [...]. Nesse sentido, a linguagem
verbal não é vista primordialmente como sistema formal, mas como atividade, como
um conjunto de práticas socioculturais — que têm formatos relativamente estáveis
(concretizam-se em diferentes gêneros de discurso) e estão atravessadas por
diferentes posições avaliativas sociais (concretizam diferentes vozes sociais) (grifo
do autor).
A língua, então, não pode ser vista mais como uma entidade homogênea e
formal, ao contrário, ela é vista como heterogênea, dialógica, construída na interação, inscrita
sócio e historicamente. Nesse sentido, é possível pensar que a fala e a escrita são modalidades
e não dicotomias estanques, assim não é preciso considerar uma como sendo a modalidade
padrão e a outra, a não-padrão, como ocorre correntemente nos manuais didáticos de língua
portuguesa.
A abordagem da oralidade nos manuais didáticos de língua estrangeira tem
uma característica diferente da dos livros de língua materna. Em primeiro lugar, a oralidade
tem um lugar de destaque nestes manuais, ou seja, os diálogos didáticos são os textos de
abertura das unidades. Pode-se destacar que o diálogo é quase o único tipo de texto possível
nessa posição, como é o caso dos livros Hello! e Super Ace; já na série Power English das 44
unidades, 30 são iniciadas com diálogos didáticos e na série Take your Time das 32 unidades,
23 apresentam diálogos como seu texto de abertura. Esse lugar de destaque da oralidade
representa a grande importância dada ao ensino da modalidade falada no ensino da língua
estrangeira. Além disso, a fala não é retratada como a modalidade não-padrão; ao contrário,
ela é vista como a modalidade padrão. Sendo assim, tanto os manuais didáticos de língua
materna quanto os de língua estrangeira não abordam os diferentes gêneros da língua falada.
Outra observação importante derivada da análise das regularidades do gênero
diálogo didático é que há um constante apagamento das características que marcam a
interação e seu papel na construção do sentido. Tal tendência permite dizer que a concepção
de língua presente nos diálogos didáticos não é condizente com uma perspectiva
sociointeracionista, como já foi mencionado anteriormente. Dessa forma, é relevante que se
trate de outras concepções de língua que já fizeram ou que fazem parte dos estudos
115
lingüísticos para que se possa melhor apreciar como a língua está sendo representada no
gênero em estudo.
Richards e Rodgers (2001), ao analisarem a história dos métodos e abordagens
de ensino de língua estrangeira e fazerem uma descrição dos mesmos, levantam a importância
de se observar a natureza das teorias de língua e de ensino/aprendizagem que subjazem os
métodos. Os autores reconhecem três visões teóricas diferentes sobre a língua: a estruturalista,
a funcionalista e a interacionista. A primeira vê a língua como um sistema de elementos
distintos que se organizam dentro de uma estrutura; a língua é um código e o ensino deve
promover a apreensão dos elementos fonológicos, gramaticais, lexicais e operacionais da
língua. A segunda perspectiva vê a língua como um veículo, um instrumento para a
comunicação; o ensino de línguas, então, deve focar em categorias de significado e função ao
invés de elementos da estrutura e gramática da língua. Já a terceira teoria de língua a vê como
um veículo para a realização de interação interpessoal, “language is seen as a tool for the
creation and maintenance of social relations
25
(RICHARDS; RODGERS, 2001, p. 21);
assim, o ensino deve se organizar a partir de modelos de troca e de interação entre falantes.
Nascimento (2006) também faz um relato de concepções de língua que servem
de base para formar as diretrizes curriculares dos cursos de letras no sistema de ensino
superior brasileiro. Nesse artigo, a autora também reconhece três palavras que fundamentam
posturas diferenciadas diante do ensino de língua materna no Brasil: estrutura, variação e
discurso. Nota-se que a tripartição é muito semelhante à de Richards e Rodgers (2001), mas é
preciso destacar algumas considerações de Nascimento (2006). A primeira postura cuja visão
é de língua como uma estrutura prevê uma homogeneidade da língua: “A descrição dessas
estruturas determina uma língua homogênea que deverá ser usada pelo cidadão ideal,
portanto, abstrato, fora da sociedade em que vive” (Nascimento, 2006, p. 33). A segunda
visão, funcionalista, já reconhece uma heterogeneidade da língua que “[...] permite explicar as
diversidades lingüísticas dos falantes da língua portuguesa, quer sejam elas diastráticas,
diatópicas, diacrônicas ou diafásicas” (Nascimento, 2006, p. 34). Finalmente, a terceira
concepção de língua como discurso é difundida na década de 90, “com a ampliação da noção
de texto, como qualquer plano de expressão que tenha coesão e coerência, e com uma nova
concepção de leitura como interpretação de discursos [...]” (Nascimento, 2006, p. 36).
Rojo (no prelo) também traça um perfil das concepções de textos que
influenciaram e influenciam o ensino de línguas, identificando três períodos de mudança de
25
Tradução da autora: A língua é vista como uma ferramenta para a criação e a manutenção das relações sociais.
116
foco no ensino: a virada pragmática/comunicativa, a virada textual e a virada discursiva. O
período antecedente à virada pragmática se caracterizava por um ensino de gramática e de
texto como modelos do bem escrever. Com a virada pragmática na década de 70, o foco do
ensino não é mais a gramática e sim os processos de comunicação por meio dos textos, ou
seja, o texto ainda não é o objeto de estudo escolar. Já na década de 80, a partir de alguns
estudos da Lingüística Textual o texto passa a ser objeto de estudo da disciplina de língua
portuguesa por meio de uma gramaticalização do texto. Enfim, com o advento de novas
pesquisas na área da lingüística mais próximas a uma preocupação com o discurso, década de
90, há uma mudança teórico-metodológica — a chamada “virada discursiva”.
Um olhar para esse perfil do papel do texto no ensino de língua materna feito
pela autora supracitada ajuda a refletir sobre o papel das teorias lingüísticas e sua
incorporação no ensino de língua. Nota-se que a teoria lingüística não é apropriada do modo
como nasce na pesquisa, ela é adaptada para uso com fins didáticos. Esse é o mesmo caso dos
diálogos didáticos. Dessa forma, a seguinte afirmação de Rojo (no prelo, p. 3) sobre a virada
textual ressoa significativamente na análise do diálogo didático: “Mas a ‘história se repete’ e
as práticas didáticas gramaticais resistem. O texto também se torna, ao mesmo tempo,
pretexto para análises gramaticais e termina, ele próprio, gramaticalizado” (grifo do autor).
Partindo das reflexões teóricas sobre concepções de língua expostas acima e
olhando para o corpus desta pesquisa, pode-se notar que a concepção de língua presente nos
diálogos didáticos não é a da língua como um veículo de interação, já que muitas marcas de
interação (por exemplo, disputa de turno, uso de pré-seqüências especialmente de fechamento,
uso de marcadores conversacionais de função fática, uso de recursos expressivos como a
entoação que marcam a inscrição do falante) são apagadas nesses textos assim como várias
estratégias necessárias (estratégias de inserção, reformulação e hesitação) para a interpretação
do texto falado, como já foi mencionado. Dessa forma, o aluno, público-alvo dos diálogos
didáticos, não vê a fala como um texto a ser interpretado e no curso da qual se constrói a
interação. Portanto, pode-se concluir que a terceira visão de língua, interacionista na
classificação de Richards e Rodgers ou discursiva na classificação de Nascimento e Rojo, não
é a evidente nos diálogos didáticos analisados.
Além disso, nota-se um apagamento das diferenças regionais, sociais, de
gênero ou de idade dos falantes no corpus selecionado tanto na forma impressa quanto no
respectivo material de áudio. É importante destacar que o registro de uso da língua é o
mesmo: seja em conversa com amigos e pais, seja em interações verbais com desconhecidos e
autoridades (professores, policiais, etc.). Assim, o público do livro didático tem a impressão
117
de que a língua é homogênea, a mesma nas mais diferentes situações, o que não condiz com
uma visão funcionalista ou variacionista de língua.
É possível, então, notar que a noção de língua encontrada no corpus é de um
sistema abstrato, pois nota-se a representação de uma comunicação sem ruídos, na qual os
interlocutores se entendem sem dificuldades e sabem exatamente quando devem falar e o que
falar, sem recorrer a recursos que possam oferecer nuances de significado (como entoação,
repetição e hesitação). Na verdade, os diálogos didáticos neutralizam a intenção dos falantes
ao apagar as marcas de interação, apresentando, então, uma língua clara, homogênea e,
portanto, abstrata.
Por outro lado, ainda seria possível argumentar que os diálogos didáticos
buscam apresentar a língua como um veículo de comunicação já que os livros selecionados
propõem, em seus índices, as funções comunicativas a serem enfocadas na lição. Somente o
livro de Granger e Almeida (2005, p. 9) não apresenta funções comunicativas em seu índice,
somente modelos gramaticais, porém os autores afirmam em seu teacher´s guide que a
abordagem comunicativa faz parte de “[...] algumas das abordagens que consideramos úteis
para o trabalho em sala de aula” (GRANGER; ALMEIDA; PARANÁ, 2005, p. 10).
A abordagem comunicativa do ensino de línguas parte de uma teoria de língua
como comunicação como afirmam Richards e Rodgers (2001, p. 159): “the Communicative
Approach in language teaching starts from a theory of language as communication
26
, ou
seja, interacionista. Nota-se, no entanto, que a preocupação gramatical supera o interesse
comunicativo nos diálogos didáticos analisados. Tal conclusão se baseia no fato de que, em
primeiro lugar, não há variações lingüísticas sendo representadas nos diálogos didáticos e, em
segundo lugar, há comprometimento do contexto em detrimento da prática gramatical; como
pode ser visto nos exemplos sobre o uso da repetição no formato de drills no item de análise
estilística do material impresso neste capítulo. Além do mais, foi notado também que há um
uso exagerado da repetição de certas estruturas gramaticais o que induz ao uso inapropriado
em determinadas situações, gerando inclusive, inadequações de outros elementos lingüísticos
como a entoação, por exemplo.
Em relação à adaptação, é preciso ressaltar, portanto, que várias características
do texto falado foram adaptadas com intuito didático no corpus, mas foi possível perceber
durante a análise que as adaptações acabaram por favorecer o ensino do uso inadequado de
elementos lingüísticos importantes para a construção do sentido do texto como a repetição e a
26
Tradução da autora: A abordagem comunicativa de ensino de línguas começa a partir de uma teoria de língua
como comunicação.
118
entoação. Dessa forma, convém questionar se o nível de adaptação empreendido pelos
diálogos didáticos é realmente necessário para sua inserção na esfera didática ou se, na
verdade, as adaptações são apenas repetições de uma forma não muito recente de ver a língua,
inspirada nos primeiros livros didáticos de ensino de língua nos quais o ensino sobre a língua
(gramática) sobrepõe-se ao ensino da língua (uso). Convém lembrar que, de acordo com
Marcuschi (2007, p. 125):
[...] o seu uso [da língua] assume um lugar central e deve ser o principal objeto de
nossa observação porque só assim se elimina o risco de transformá-la em mero
instrumento de transmissão de informações. A língua é fundamentalmente um
fenômeno sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de
maneira decisiva para a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente
humanos.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o intuito de conhecer como ocorre a representação da oralidade em
manuais de ensino de língua inglesa direcionados ao ensino fundamental no Brasil, esta
pesquisa teve como propósito analisar diálogos didáticos. A partir da leitura de trabalhos de
natureza da Lingüística Aplicada, foi possível perceber que esse gênero, muito comum em
livros didáticos, apresentava uma inadequação de acordo com uma concepção de ensino de
língua estrangeira de abordagem comunicativa. Este trabalho procurou, então, investigar a
partir de outro lugar teórico, não o da adequação do material a um método de ensino, mas sim
o dos processos de produção do gênero em questão.
Para alcançar tal objetivo, foi necessário que o olhar da pesquisadora estivesse
embasado em uma perspectiva teórica que permitisse uma abordagem da oralidade de maneira
não preconceituosa, ou seja, que não olhasse para a fala como uma modalidade inferior da
língua. Assim, optou-se pela análise a partir de uma perspectiva sociointeracionista de
linguagem. Foi preciso, então, tomar emprestado alguns procedimentos de linhas teóricas de
análise lingüística que compartilhassem de tal princípio sociointeracionista de linguagem. Foi,
nesse sentido, que os estudos na área da Análise da Conversação, Lingüística Textual, Análise
fonético-fonológica com especial preocupação com a prosódia e, finalmente, uma análise de
gênero a partir de contribuições de Bakhtin e Marcuschi contribuíram para esta pesquisa.
Após um levantamento das regularidades do gênero diálogo didático com base
em suas características temáticas, composicionais e estilísticas foi possível notar que há um
constante apagamento de aspectos prosódicos e textuais que marcam a interação entre os
interlocutores de uma atividade verbal oral face a face. Tal apagamento poderia ser um
resultado da inserção desse gênero na esfera didática, porém uma observação mais atenta
expôs que o uso de certos elementos textuais (como a repetição) e prosódicos (como a
entoação e a ausência de reduções vocálicas que compromete o ritmo) dos diálogos didáticos
contribuem para um ensino distorcido e inapropriado do funcionamento da língua inglesa. Tal
inadequação lingüística foi notada no uso excessivo da estratégia da repetição em que as
mesmas estruturas lingüísticas apareciam sem contribuir para construção do sentido do texto;
ao contrário, causando a sensação de artificialidade do texto do diálogo didático. Além disso,
120
o uso inadequado do padrão entoacional apresentado nas produções orais da estrutura da
question-tag leva a uma percepção semântica e pragmática errônea do uso da variação
melódica da língua inglesa.
A análise prosódica foi muito importante, portanto, para as conclusões desta
pesquisa, pois permitiu notar que a função didática do gênero em estudo é prejudicada pela
adaptação da conversa natural. O uso de um falar lento e cuidadoso, ao invés de gerar
facilidade de entendimento, conduz a uma dificuldade de desenvolvimento da acuidade
auditiva dos aprendizes além de induzir a entendimentos errôneos de significação das
mensagens produzidas com padrões rítmicos e entoacionais diferentes dos da língua inglesa
em seu uso natural.
Finalmente, a partir da caracterização do gênero, também foi possível perceber
a qual concepção de língua os diálogos didáticos se associam. O levantamento dos aspectos
prosódicos e textuais apresentou uma interação que busca ser “neutra”, ou seja, busca apagar
as marcas dos julgamentos de valor e da construção mútua de sentidos de um texto. Assim,
pode-se dizer que os diálogos didáticos estão mais próximos de uma concepção de língua
como sistema abstrato do que de uma língua concreta e fundada na interação de sujeitos
sociais e históricos. É preciso destacar que tal visão de língua não parece mais ser adequada
nem para os estudos lingüísticos nem para o ensino de línguas. A seguinte afirmação de
Bakhtin (1929/2002, p. 95) reflete tal preocupação:
Em suma, um método eficaz e correto de ensino prático [ensino de línguas
estrangeiras vivas] exige que a forma seja assimilada não no sistema abstrato da
língua, i. é, como uma forma sempre idêntica a si mesma, mas na estrutura concreta
da enunciação [enunciado], como um sino flexível e variável.
Pode-se concluir que o gênero diálogo didático ‘representa’ o diálogo de
interação cotidiana como um modelo, de certa forma, abstrato da língua, pois os usos de
estratégias de processamento do texto falado assim como usos significativos dos elementos
prosódicos da língua inglesa são evitados. Dessa forma, esse gênero faz o aluno, seu público-
alvo, conhecer e interagir com uma língua abstrata e não com as regularidades de um diálogo
cotidiano natural. Uma vez que os índices de entendimentos fornecidos pelo diálogo didático
permitem apenas uma interação com textos adaptados e não com o texto falado em outras
condições de interação que não seja a didática, é possível fazer questionamentos sobre o uso
desses diálogos como fonte para promover o desenvolvimento de habilidades auditivas e de
produção oral em uma outra língua. As conseqüências de um ensino de língua estrangeira em
121
que o diálogo didático é dado como modelo de interação oral devem ser estudadas. Futuras
pesquisas que tratem de outros procedimentos de ensino da modalidade oral além do diálogo
didático, já aqui estudado e também em outras dissertações citadas na revisão da literatura
apresentada, podem contribuir para um ensino de características da interação verbal mais
adequado a uma interação natural.
Ainda é preciso destacar que o tratamento dos aspectos fonético-fonológicos
do corpus foi fundamental, pois evidenciou como a análise prosódica pode contribuir para
uma interpretação de sentidos em um gênero, mesmo que ele não seja considerado natural,
caso do diálogo didático. A apreciação fonética e fonológica fornece, portanto, informações
significativas sobre o funcionamento dos sentidos em qualquer interação verbal oral.
Em suma, pode-se dizer que o trabalho aqui apresentado atingiu o objetivo de
conhecer a produção do gênero diálogo didático a partir de uma perspectiva
sociointeracionista de linguagem, permitindo uma abordagem da representação da oralidade
em manuais de ensino de língua inglesa. Além disso, sua contribuição não se restringe aos
resultados dos dados de análise para o ensino de línguas estrangeiras, mas também ao uso de
uma metodologia interdisciplinar cujo princípio interacionista possibilitou uma análise
profícua em interpretações lingüísticas.
122
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WELLS, J. C. Longman pronunciation dictionary. Essex, Inglaterra: Longman, 2000.
126
ANEXOS
ANEXO A — Diálogos didáticos com imagem redundante ao texto
Fonte: AMOS; PRESCHER, 2005, v. 1, p. 56.
127
128
Fonte: MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 80-81.
129
ANEXO B — Diálogo didático entre falantes de diferente faixa etária com caráter velado de
entrevista
Fonte: ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 3, p. 21.
130
ANEXO C – Diálogo didático em forma de história em quadrinho
131
Fonte: MORINO; FARIA, 2006a, v. 6, p. 36-37.
132
ANEXO D – Diálogo didático em forma de fotonovela
133
Fonte: MORINO; FARIA, 2006a, v. 7, p. 42-43.
134
ANEXO E – Diálogos didáticos com imagem que retoma o tema
Fonte: ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 61.
135
Fonte: ROCHA; FERRARI, 2004a, v. 1, p. 103.
136
ANEXO F — Mini-diálogos didáticos com diferentes contextos e mesma estrutura lingüística.
Fonte: GRANGER; ALMEIDA, 2005, v. 4, p. 32.
137
ANEXO G — Diálogo didático de maior extensão, maior negociação de sua estrutura e
dinamicidade de tópico.
138
Fonte: MORINO; FARIA, 2006a, v. 9, p. 132-133.
139
ANEXO H — Diálogo didático com inadequação de uso de estruturas gramaticais e de padrão
entoacional ao contexto.
Fonte: AMOS; PRESCHER, 2005, v. 4, p. 94.
140
ANEXO I — Diálogo didático em que a entoação desempenha papel significativo na
compreensão da atitude do falante.
Fonte: GRANGER; ALMEIDA, 2005, v.1, p. 46.
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