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ANDREIA CRISTINA DA SILVA
A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS FEMININO NAS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS DE MAURÍCIO DE SOUSA
Dissertação apresentada à Universidade de
Franca, como exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Lingüística.
Orientador: Professor Doutor Luiz Antônio
Ferreira.
FRANCA
2008
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ANDREIA CRISTINA DA SILVA
A CONSTITUIÇÃO DO ETHOS FEMININO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE
MAURÍCIO DE SOUSA
Presidente: ___________________________________________________
Professor Doutor Luiz Antônio Ferreira
Universidade de Franca
Titular 1: _____________________________________________________
Professora. Dra. Maria Auxiliadora Brito Silva
Universidade de Ribeirão Preto
Titular 2: _____________________________________________________
Professora Dra. Ana Cristina Carmelino
Universidade de Franca
Franca, 07/03/2008.
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DEDICO a meus pais, Odair e Ana, por tudo que me ensinaram na vida.
Seus ensinamentos me levaram a concretizar, com lucidez e muito
trabalho, vários sonhos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que se manifesta nas coisas mais simples e me fortaleceu nos momentos em que
me senti muito cansada.
ao professor Dr. Luiz Antônio Ferreira, pela valiosa orientação.
à professora Dra. Ana Cristina Carmelino, pelas preciosas contribuições ao longo do
percurso e no Exame de Qualificação.
à professora Dra. Maria Flávia de Figueiredo Pereira Bollela, pelas sugestões no Exame
de Qualificação.
à banca examinadora pela leitura atenta e pelas contribuições.
à Secretaria de Estado da Educação do Estado de São Paulo, que por meio do projeto
Bolsa Mestrado propiciou a realização deste sonho.
à Diretoria de Ensino da região de Franca, sob a administração da Professora Mestre Ivani
de Lourdes Marchesi, que me proporcionou tempo, material e espaço para reflexão e estudo do
corpus.
à Sirley, pela prontidão, atenção e carinho com que conduziu o meu processo no projeto
Bolsa Mestrado.
ao Igor, pelos momentos em que me tirou do computador e dos livros, para que
desfrutasse de agradáveis momentos de descontração e pelo carinhoso apoio sempre.
às amigas Susi, Mayra, Rosana e Roberta pelo companheirismo e debates que muito me
enriqueceram e encorajaram durante o árduo caminho.
a toda minha família, meu irmão Junior, tias, tios, primas, primos que são meu “porto
seguro” e renovaram minhas energias
à minha adorável avó Maria Aparecida de Lima, para nós Fia, que não pôde esperar
para ver a realização deste sonho, mas estará eternamente presente nas minhas conquistas. Por ter
sempre me ensinado a humanidade e a humildade. Obrigada...
“[...] a revolução sexual, que tentamos medir, está inacabada. Em
verdade, é interminável. Nesse ponto, como em todos os outros não existe
“fim da história”. É impossível, então, concluir o relato. Pode-se dizer
“era uma vez”. Invocar começos obscuros. Dizer o princípio. Mas não o
“fim”. História a continuar. História a se fazer, também”.
Michelle Perrot
RESUMO
SILVA, Andreia Cristina. A constituição do ethos feminino nas histórias em quadrinhos de
Maurício de Sousa. 2008. 121 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de
Franca, Franca.
Esta dissertação situa-se na área de estudos da Retórica e da Nova Retórica e tem o propósito de
analisar como o ethos feminino se constitui, retoricamente, nas HQs de Maurício de Sousa. As
HQs constituem-se num dos mais populares instrumentos de leitura, sobretudo entre crianças e
adolescentes. Temos por hipótese que, diante do enorme público que têm, as HQs possuem poder
para disseminar papéis sociais e comportamentos. O corpus é constituído por oito histórias
completas e alguns trechos que são significativos para a nossa análise. Elas nos permitem
verificar como a mulher ainda se encontra no embate entre velhos e novos discursos. A questão
norteadora dessa pesquisa indaga como se constitui atualmente o ethos feminino nas HQs, e em
que medida a mulher está realmente livre dos moldes estabelecidos pelo discurso dominante que
perdurou por séculos.Os resultados comprovam que a mulher, apesar de desejar viver um novo
modelo, em que pode ser livre e independente, ainda tem grandes dificuldades em libertar-se dos
padrões tradicionais. A mulher moderna não se constitui realmente numa nova mulher, mas vive
em meio a dois discursos distintos que provocam fortes conflitos e a deixa sem saber ao certo
qual é o seu verdadeiro papel.
Palavras-chave: retórica; ethos; feminino; HQs.
ABSTRACT
SILVA, Andreia Cristina. A constituição do ethos feminino nas histórias em quadrinhos de
Maurício de Sousa. 2008. 121 f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de
Franca, Franca.
This dissertation is in the Rhetoric and New Rhetoric fields and aims to analyze how the female
ethos is formed rhetorically in the Maurício de Sousa’s HQs. The HQs constitute one of the most
popular reading instruments, above all among children and teenagers. We have the hypothesis
that in the presence of this very big public that they have, the HQs own power to circulate social
and behavior papers. The corpus is formed by eight complete histories and some stretches that
are significant to our studies. They permit us to verify how the woman even meets herself in the
clash between old and new discourses. The mainly question of this research inquires how
nowadays the female’s ethos in the HQs constitute and if the woman is really free of the
traditional model established by the dominant discourse that held out by centuries. The results
show that the woman, spite of desire to live a new model, where she can be free and independent,
she even has big difficulties to free of traditional models. The called “modern woman” do not
constitute really in a new woman, but she lives between two distinct discourses that incite strong
conflicts and leave her without know exactly what is her real paper.
Key words: rethoric, ethos, female, HQs.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Feliz Aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 27
17
Figura 2
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 5
17
Figura 3
Mas, que gatinha! In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Magali . 50.
São Paulo: Editora Globo,
2005. p. 30
17
Figura 4
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 59
18
Figura 5
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 81
18
Figura 6
Mônica é daltônica? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica e a sua turma . 1
Edição histórica. São Paulo:
Ed. Globo, 2002. p. 4
21
Figura 7
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 12
23
Figura 8
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 13
24
Figura 9
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 13/14
25
Figura 10
Topa tudo por amor! In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 114. São Paulo:
Editora Globo, 1996. p. 7
26
Figura 11
Aniversário da Mônica ou
festa do Mônico? In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 237.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 11
26
Figura 12
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 11
27
Figura 13
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p.
15/16
27
Figura 14
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica Festas n 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 27
28
Figura 15
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Ed.itora
Globo, 2005. p. 14
28
Figura 16
Topa tudo por amor! In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 114. São Paulo:
Editora Globo, 1996. p. 8
29
Figura 17
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 8
30
Figura 18
Simpatias do amor...
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 9/10
31
Figura 19
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 10/11/12/15
32
Figura 20
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 52
33
Figura 21
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 53
34
Figura 22
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 57/58
35
Figura 23
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 59
36
Figura 24
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica 107.
São Paulo: Globo, 2005. p. 5
37
Figura 25
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 60/61
38
Figura 26
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p.61/62
39
Figura 27
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 5
40
Figura 28
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 57/58
40
Figura 29
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 5/7
41
Figura 30
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 7
42
Figura 31
Um sucesso no Natal. In
SOUSA, Maurício de.
Mônica Natal nº. 6. São
Paulo: Editora Globo, 2003.
p. 164
45
Figura 32
Uau! In SOUSA, Maurício
de. Almanaque Turma da
Tina nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 25
45
Figura 33
A avó da Magali. In SOUSA,
Maurício de. Magali nº. 50.
São Paulo: Globo, 2005. p. 4
45
Figura 34
Muro Lavado. In SOUSA,
Maurício de. Mônica nº. 114.
São Paulo: Editora Globo,
1996. p. 21
47
Figura 35
O pecador. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 11
47
Figura 36
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 74
47
Figura 37
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 3
54
Figura 38
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 27
55
Figura 39
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 7
56
Figura 40
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 9
56
Figura 41
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 13
57
Figura 42
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 12
57
Figura 43
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 17
57
Figura 44
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 14
58
Figura 45
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 60/61
60
Figura 46
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 62
61
Figura 47
Brincando sozinha. In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 236. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 43
62
Figura 48
O presente ideal. In SOUSA,
Maurício de. Mônica festas
nº. 47. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 65
62
Figura 49
O irmãozinho. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque da
Magali nº. 53. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 31
63
Figura 50
Choveu na cama. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque da
Magali nº. 53. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 37
63
Figura 51
Um recado importante. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
114. São Paulo: Ed. Globo,
2006. p. 79
63
Figura 52
Boas maneiras. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 38
64
Figura 53
A constipação. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 67. Rio de
Janeiro: Ed. Globo, 2002. p.
35
64
Figura 54
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 36
65
Figura 55
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 3
66
Figura 56
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 4
66
Figura 57
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 5
67
Figura 58
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 4
68
Figura 59
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 7
69
Figura 60
O pecador. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 4.
72
Figura 61
Hã, Nham, Gulp... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Magali . 26.
Rio de Janeiro: Ed. Globo,
2000. p. 20
72
Figura 62
O pecador. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 11
72
Figura 63
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 4
73
Figura 64
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 8
73
Figura 65
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 11/12
73
Figura 66
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 4
75
Figura 67
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 7
75
Figura 68
O pecador. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 11
76
Figura 69
Hã, Nham, Gulp... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Magali . 26.
Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2000. p. 20
76
Figura 70
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 26
77
Figura 71
A avó (comilona) da Magali.
In SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Magali . 50.
São Paulo: Editora Globo,
2005. p. 4
77
Figura 72
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 51
78
Figura 73
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 52
79
Figura 74
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 53
80
Figura 75
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 10
80
Figura 76
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 13/14
81
Figura 77
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 27
82
Figura 78
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo: Editora Globo,
2006. p. 53
83
Figura 79
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 68
84
Figura 80
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 70
85
Figura 81
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 5
86
Figura 82
Que estresse! In SOUSA,
Maurício de. nica nº. 236.
São Paulo:Globo, 2006. p. 54
87
Figura 83
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 79
88
Figura 84
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 79
89
Figura 85
O pecador. In SOUSA,
Maurício de. Almanaque do
Chico Bento nº. 86. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 5
89
Figura 86
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 73
90
Figura 87
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 19
91
Figura 88
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 12
92
Figura 89
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 21
92
Figura 90
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 15
93
Figura 91
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 16
94
Figura 92
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 5
94
Figura 93
Topa tudo por amor! In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 114. São Paulo:
Editora Globo, 1996. p. 6
95
Figura 94
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 7
95
Figura 95
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Editora
Globo, 2005. p. 15
95
Figura 96
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Ed. Globo,
2005. p. 12
96
Figura 97
Simpatias do amor... In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque da Mônica nº.
107. São Paulo: Ed. Globo,
2005. p. 13
97
Figura 98
Topa tudo por amor! In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 114. São Paulo:
Editora Globo, 1996. p. 10
98
Figura 99
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 18
99
Figura 100
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 19
99
Figura 101
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 21
100
Figura 102
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 24
100
Figura 103
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 24/25
101
Figura 104
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 5
102
Figura 105
Namorado tão protetor. In
SOUSA, Maurício de.
Almanaque Turma da Tina
nº. 2. São Paulo: Panini,
2007. p. 7
102
Figura 106
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 6
103
Figura 107
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 23
104
Figura 108
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 25
105
Figura 109
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica Festas . 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 16
106
Figura 110
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 69
107
Figura 111
Feliz aniversário, Mônica!!
In SOUSA, Maurício de.
Mônica festas nº. 47. São
Paulo: Editora Globo, 2005.
p. 28.
108
Figura 112
Brigas, nunca mais. Será...?
In SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p. 74
109
Figura 113
Aniversário da Mônica ou
Festa do Mônico? In
SOUSA, Maurício de.
Mônica nº. 237. São Paulo:
Editora Globo, 2006. p.
15/16
110
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
01
1. O QUE É RETÓRICA?
06
1.1. RETÓRICA É ARTE?
07
1.2. COMO TUDO COMEÇOU?
08
1.2.1. A RETÓRICA ANTIGA
09
1.2.2. O AUDITÓRIO
10
1.2.3. PROVAS OU FORMAS DE PERSUASÃO
11
1.2.4. A SAÍDA PELA JANELA
12
1.3. O RETORNO PELA PORTA DA FRENTE: A NOVA RETÓRICA
12
1.3.1 O AUDITÓRIO NA NOVA RETÓRICA
13
1.3.2. OS LUGARES
14
2. AS PAIXÕES
16
2.1. RETÓRICA CLÁSSICA E PAIXÕES
20
3. DELINEANDO O ETHOS DAS PERSONAGENS
43
3.1. A MULHER NO SÉCULO XXI: SUBVERSÃO OU
REPRODUÇÃO DO MODELO TRADICIONAL?
50
4. CONCLUSÃO
112
5. BIBLIOGRAFIA
117
1
INTRODUÇÃO
Sexo forte? Mercado de trabalho? Independência? Essas questões dominam o universo
feminino onde a mulher parece ter conquistado o lugar que desejava na sociedade. Será?
A história revela como as mulheres sofreram vários tipos de discriminação e foram
tratadas de maneira diferenciada e inferior aos homens desde os tempos mais remotos. A
diferença dos sexos e da desigualdade de valor entre eles predominou por séculos. “A hierarquia
do masculino e do feminino lhes parece da ordem de uma Natureza criada por Deus” (PERROT,
2007, p. 83). Na versão blica mais adotada, a mulher foi criada depois do homem, sugerindo a
dependência. Os santos aparecem como agentes: viajam, evangelizam, convertem. As santas, ao
contrário, preservam sua virgindade e rezam. Assim, durante muito tempo, as mulheres foram
privadas do espaço público, atuavam em família, trancadas em casa, praticamente invisíveis. As
próprias mulheres acreditaram, portanto, por longo período, que suas vidas não contavam muito.
Atualmente, porém, percebemos uma sensível mudança nesse quadro, conquistada por
meio de muito empenho e sofrimento por parte de mulheres que desejavam ocupar “seu
verdadeiro lugar”. São conquistas recentes, frutos principalmente das “lutas” dos movimentos
feministas que se organizaram nas últimas décadas.
Mas, seria essa emancipação real e definitiva? Se, por um lado, elas conseguiram quebrar
muitas divisões impostas e conquistar espaços antes predominantemente masculinos, por outro,
ainda enfrentam resquícios da sociedade patriarcal, presentes no inconsciente coletivo. Sexo
frágil? Dona de Casa? Dependência?
Esta pesquisa surge da preocupação com a imagem do feminino nos textos infantis,
sobretudo nas histórias em quadrinhos
1
. Segundo Coelho (1987), a literatura infantil ocidental
surgiu na França, em 1697, com a publicação por Perrault dos oito “Contos da Mãe Gansa”.
Segundo o autor, o surgimento dos livros para crianças relaciona-se às preocupações pedagógico-
moralizantes provenientes da necessidade da classe burguesa sedimentar seus valores a partir da
1
Doravante HQs.
2
infância. O objetivo, portanto, era divertir as crianças, especialmente as meninas, e influenciar
sua formação.
Encontramos vestígios de histórias contadas através de desenhos desde a pré-história. As
pinturas rupestres, feitas aproximadamente 20.000 anos e que narram rituais relacionados à
caça, são consideradas por muitos autores precursoras das HQs. Porém, as HQs como
conhecemos hoje surgem na metade do século XIX, acompanhando os avanços tecnológicos
da imprensa e o desenvolvimento do jornal. Sua proliferação acontece com o surgimento do
jornal humorístico ilustrado, também no século XIX. Naquela época, mais da metade da
população da Europa era analfabeta e as histórias e notícias contadas através do desenho
facilitavam a leitura e compreensão por parte dos leitores. Por esse motivo, tornaram-se
extremamente populares.
Mesmo diante de uma imensa popularidade junto ao público, a leitura de HQs foi durante
muito tempo estigmatizada pelas camadas intelectuais da sociedade que desconfiava dos efeitos
que elas poderiam causar nos leitores. Por se constituírem num meio de comunicação de enorme
consumo e com conteúdo direcionado principalmente às crianças e jovens, as HQs foram
condenadas por pais e professores do mundo inteiro. Segundo Eisner (1999), os motivos para isso
estão relacionados ao uso e temática que elas contêm: o entretenimento é a meta principal e o
humor é o tom” da maioria delas. Além disso, o uso simultâneo das linguagens verbal e não
verbal facilitam sua leitura, por isso, são mais acessíveis a pessoas com baixo grau de letramento,
que se apóiam nos desenhos para produzir sentido. Essa relativa facilidade pode ser confundida
com baixa qualidade textual e gerar uma premissa falsa: a que “ler quadrinhos é muito fácil”.
no final do século XX, com o desenvolvimento das ciências de comunicação e dos
estudos culturais, as HQs passam a ter um novo status: recebem mais atenção das elites
intelectuais e são aceitas como uma forma de manifestação artística com características próprias.
Começam a ser abordadas em sua especificidade narrativa e a ser analisadas sob uma ótica
própria e mais positiva. Com isso, ocorre uma aproximação das HQs com as práticas pedagógicas
em vários campos, inclusive em campanhas políticas e governamentais. Ao tratarmos de HQs,
vislumbramos uma realidade que contraria a “crise da leitura” que nosso país enfrenta. Muitos
jovens leitores deliciam-se com as peripécias e aventuras de diversos personagens deste tipo de
narrativa.
3
Tivemos excelentes quadrinistas no Brasil, mas as políticas editoriais e a concorrência
desigual com os quadrinhos importados não ofereceram condições para que suas produções
durassem muito tempo. Maurício de Sousa é uma exceção: ele é o autor de quadrinhos brasileiros
de maior sucesso na atualidade. Seus personagens, que começaram a surgir no final da década de
50 (Franjinha e Bidu foram os primeiros em 1959), são quase unanimidade nacional. A
personagem mais conhecida, e que nome à turma, é a garotinha Mônica. Criada em 1963,
como personagem secundária, fez sua estréia na tira de número 18 do Cebolinha. As demais
personagens femininas, abordadas nesta pesquisa, também foram criadas na década de 60 (início
das lutas dos movimentos feministas): Rosinha (1961, como namorada do Chico Bento), Magali
(1963), Tina (1964) e Pipa (1964, como amiga da Tina). É inegável o sucesso da personagem
Mônica e de sua turminha: ela é conhecida em 62 países e suas revistas têm uma tiragem mensal
de 3 milhões de exemplares. Maurício ainda associa seus personagens a mais de 5 mil itens, que
abrangem alimentos, brinquedos e materiais escolares.
A questão central é: como a figura da mulher é construída nas HQs de Maurício de Sousa?
Esta pergunta nos orienta no sentido de investigar a constituição do ethos feminino e dos recursos
persuasivos utilizados para difundi-lo, de forma que se consiga mostrar como determinadas
imagens se consolidam e se perpetuam no tempo e no espaço. Acreditamos que as imagens do
feminino que visualizamos atualmente nessas HQs podem ser investigadas a partir de marcas
persuasivas seculares, que não estão necessariamente explícitas na superfície textual, mas se
revelam também implicitamente nos intrincados processos de construção argumentativa. Por esse
motivo, utilizamos como referencial teórico para este trabalho, a Retórica, uma das heranças
deixadas por Aristóteles, mais tarde, reformulada por Perelman, Reboul, entre outros, e, cujos
conceitos abordaremos no capítulo 1.
A presença de textos do nero HQs para análise retórica poderia, a princípio, causar
estranhamento. Mas como diz Reboul: “[...] o campo da moderna retórica alargou-se muito.
Longe de limitar-se aos três gêneros oratórios dos antigos, ela vai anexando, como lhe cabe, todas
as formas modernas do discurso persuasivo, a começar pela publicidade, e mesmo dos gêneros
não persuasivos, como a poesia” (REBOUL, 2004, p. 82). Nossa análise, portanto, procurará
apresentar as características do acordo que se estabelece, os artifícios retóricos utilizados para a
adesão do auditório e os caminhos constitutivos de uma imagem do feminino no plano real
através da análise retórica dos aspectos lingüísticos, emocionais e culturais presentes nas HQs.
4
Pensaremos na argumentação como uma questão lingüística, sem esquecer que as imagens
também se constituem num forte processo de construção argumentativa e, por isso, nos ajudam
na construção de sentido. A argumentação é vista como uma forma de ação social e não derivada
de condições de verdade ou de seu caráter lógico. O homem constrói sua identidade na relação
ativa com a alteridade e, de um jeito ou de outro, assimila o movimento das crenças e paixões que
movimentam o seu meio social.
O corpus é constituído de oito histórias completas: Topa tudo por amor! (1996), Simpatias
do amor... (2005), Feliz aniversário, Mônica!! (2005), O pecador (2005), Aniversário da Mônica
ou Festa do Mônico? (2006), Brigas, nunca mais. Será...? (2006), Que estresse! (2006) e
Namorado tão protetor (2007), além de alguns trechos de outras histórias que são significativos
para a constituição do ethos das personagens. A razão da escolha dessas HQs deve-se à temática:
procuramos selecionar narrativas que tratam de assuntos tradicionalmente pertencentes ao
universo feminino como conquista amorosa, relacionamento, auto-estima, bons comportamentos,
fragilidade, proteção masculina, entre outros, para verificar como o feminino se manifesta nas
HQs. Esses temas provocam reflexões que, fatalmente, envolvem sentidos vindos de outros
discursos, situados em contextos históricos, sociais e afetivos em que o auditório se insere ou
conhece por herança. O resultado são efeitos de sentido que se interpenetram e o moldam de uma
maneira ou de outra em conformidade com o efeito persuasivo provocado.
Conforme Bakhtin (1999), o discurso é uma construção híbrida (in) acabada por vozes em
concorrência e sentidos ora em conflito, ora em diálogo. é possível o estudo dos valores e
idéias contidos nos discursos atentando para a natureza dos signos que os constroem. Assim,
procuraremos investigar como a “Turma da Mônica” revela um discurso feminino permeado por
várias vozes que constituem a sociedade atual. E, se o discurso está associado ao efeito de sentido
que o texto provoca no leitor, podemos explicar o fascínio que as personagens exercem sobre
seus leitores. Elas vivem aventuras que retratam conflitos, frustrações, expectativas que
conquistam o público porque ele se identifica com os mesmos conflitos, frustrações e
expectativas.
Conforme Aristóteles (s/d), em retórica, razão e emoção são inseparáveis, por isso a
preocupação com o pathos e com o movimento das paixões no ser humano. A paixão se constitui
no outro lado da razão (logos), é a relação do leitor com o texto que vai além da leitura, foge da
racionalidade e deixa-se influenciar pelo que o texto fala, incluindo-se a emoção despertada por
5
expressões ou palavras. O pathos controla os afetos, e, desse modo, garante a passionalidade do
leitor, pois, “as paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudança nas pessoas,
fazem variar seus julgamentos, e são seguidos de tristeza e prazer [...](ARISTÓTELES, 2000,
p. 5).
Em meio ao processo discursivo, a memória traz à tona as caracterizações humanas
conhecidas e alguma forma de movimento passional se move em cada um de nós. Se a paixão
tem o poder de direcionar o pensamento e, conseqüentemente, de construir opiniões, surge-nos
outra questão: quais as paixões que habitam os gibis da “Turma da Mônica”? Elas nos interessam
muito, pois corporificam o modo de ser que a linguagem revela. Assim, no capítulo 2, nos
concentraremos em buscar as paixões manifestadas pelas personagens, para compreender como
esse movimentar das paixões pode, de algum modo, evidenciar um ethos cultural feminino.
Por fim, procuramos o ethos: o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança
no seu auditório. Dessa forma, nosso objetivo principal é verificar como se manifesta atualmente
a imagem do feminino nos gibis de Maurício de Sousa e como se deu a constituição desse ethos.
Só sabemos quem somos, se conhecemos referências a respeito do caminho que percorremos para
chegar onde estamos. Quem é a mulher moderna? Pretendemos, no capítulo 3, “mergulhar” mais
profundamente na análise do corpus, pensar no discurso dominante sobre o feminino que se
consolidou através do tempo, como ele começou a ser “arranhado” com os movimentos
feministas nas décadas de 60 e 70, permitindo novos horizontes, e que aspectos dele ainda
predominam na sociedade moderna. A constituição do feminino nestas HQs, talvez resulte num
ethos cultural, significativamente representativo para determinar uma maneira de ser considerada
aceitável para o universo feminino.
6
1. O QUE É RETÓRICA?
Esta pesquisa tem como base teórica a Retórica. A palavra Retórica (originária do grego
rhetoriké, “arte da retórica”) tem sido entendida historicamente em acepções muito diversas.
Para Aristóteles (s/d), a retórica consiste numa argumentação rigorosa, mas diferente da
lógica que busca uma verdade irrefutável: os argumentos são convincentes, porém, por não serem
verdades absolutas, podem ser questionados. Segundo ele, o orador, que pode sustentar ou anular
uma tese, deve descobrir pelo pensamento, pela reflexão o que cada questão tem de persuasivo.
Persuadir, portanto, é o objetivo do orador. Sua missão, então, consiste em levar alguém a crer
em alguma coisa. O importante, em si, não é a “verdade”, mas o verossímil. Por isso, onde não há
decisão previamente estabelecida, a retórica tem o papel de encontrar uma solução.
Tringali (1988) afirma que a retórica necessita do verossímil, portanto está no domínio da
doxa (opinião). Ao contrário do que parece, não é fruto da incompetência ou ignorância do
auditório, mas da natureza do próprio objeto em questão. Num mundo onde tudo fosse
cientificamente comprovado, não haveria necessidade de argumentação. Questões jurídicas,
políticas, econômicas, pedagógicas, éticas, filosóficas não são tratadas com os conceitos de
verdadeiro e falso, mas com o de verossímil, ou seja, “não é verdadeiro, mas se assemelha à
verdade, se parece com a verdade, tem visos de verdade” (TRINGALI, 1988, p.72). Porém, a
argumentação não ignora elementos demonstrativos, sempre que existirem e se mostrarem
necessários, serão eticamente utilizados.
Em época recente, Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005), no “Tratado da Argumentação”,
conceituam a retórica como “o estudo das técnicas discursivas que tratam de provocar ou de
acrescentar adesão a teses apresentadas em um determinado auditório”. Para eles, em todos os
campos onde ocorre divergência de opiniões, a retórica, ao lado da dialética, é um instrumento
para se chegar a um acordo sobre os valores e sua aplicação.
Mosca, numa perspectiva condensada de vários estudiosos, resume:
Trata-se do conjunto de fatores que presidem a produção de uma manifestação
discursiva, ou seja, de uma proposta de visão da realidade e dos recursos mobilizados
7
para viabilizá-la, daí a identificação de Retórica, num sentido amplo, com Discurso,
aproximando-se o texto, ou melhor, a textualidade, de seu sentido específico, a
manifestação concreta, na busca dos meios mais eficientes para o convencimento do que
se pretende atingir e a conseqüente adesão a esse propósito. (MOSCA, 2006, p. 2)
Citelli (1990) diz ser possível afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso
como a pele ao corpo. Para ele, é muito difícil encontrarmos discursos que escapem à persuasão.
Por esse motivo analisaremos as HQs na perspectiva da retórica para verificarmos como o seu
discurso influencia o modo de pensar e viver de seu auditório.
1.1. RETÓRICA É ARTE?
A retórica está a serviço do belo ou do útil? Reboul (2004) e Quintiliano (1980 apud
Reboul 2004) conceituam retórica como “arte”. Quintiliano a considera como a arte de falar bem,
valoriza a sedução que o falar e escrever bem despertam no auditório. Reboul, por sua vez, a
conceitua como: “a arte de persuadir pelo discurso” (REBOUL, 2004, p. XIV). O termo “arte”
pode designar tanto uma habilidade natural e, portanto, produto criativo de um indivíduo, quanto
uma competência, que é desenvolvida pelo ensino. Assim, podemos dizer que existe uma retórica
espontânea e uma retórica ensinada, mas ambas apresentam procedimentos intelectuais e afetivos
que fazem dela tanto uma técnica quanto arte.
O verdadeiro orador é um artista no sentido de descobrir argumentos ainda mais eficazes
do que se esperava, figuras de que ninguém teria idéia e que se mostram ajustadas;
artista cujos desempenhos não são programáveis e que só se fazem sentir posteriormente.
(REBOUL, 2004, p. XVI)
Para o perfeito entendimento da retórica, quer como técnica quer como arte da persuasão,
acreditamos ser fundamental o conhecimento do processo histórico de sua formação e evolução,
por meio de um breve panorama de suas origens.
8
1.2. COMO TUDO COMEÇOU?
De acordo com Reboul (2004), a retórica surge na Sicília grega por volta de 465, após a
expulsão do tirano Trasíbulo. Sua origem é judiciária, pois resulta da necessidade de os cidadãos
reclamarem a restituição de terras tomadas pelo governo tirano. Como nessa época não existem
advogados, os próprios reclamantes precisam defender suas causas. Assim, Córax e seu discípulo
Tísias publicam uma coletânea de exemplos para ser usada pelas pessoas que necessitassem
recorrer à justiça. Já nesta época a retórica é vista como arte persuasiva.
Górgias (487-380 a.C.), como embaixador dos sicilianos, leva a Retórica a Atenas, e, é
nessa cidade, que ela se consolida definitivamente por obra dos sofistas. Eles abrem as primeiras
escolas de Retórica e a elaboram como arte do discurso persuasivo: ensinam a fazer belos
discursos sobre qualquer assunto. Para eles, a verdade e a justiça são relativas, dependentes
sempre de um acordo (inicial e final) entre os interlocutores. Em conseqüência, treinam seus
alunos a defender qualquer um dos dois lados de uma questão, o objetivo é ganhar a causa, não é
necessário preocupar-se com os aspectos éticos. “[...] aos alunos compete converter uma causa
fraca em forte” (TRINGALI, 1988, p. 38).
Platão (427-347 a.C.) também se ocupa da retórica, mas preocupa-se com seu aspecto
moral. Para ele, não se justifica que a Retórica seja indiferente ao justo e injusto. Ela deve ser
sempre justa, pois é preferível sofrer injustiça a praticá-la. A justiça é, então, “a suprema
felicidade do homem” (TRINGALI, 1988, p. 39). O autor ainda condena a Retórica por permitir
ao orador falar sobre o que sabe e o que não sabe, o que configura um discurso contínuo, de fácil
dispersão, repleto de digressões, que tem como objetivo apenas bajular e lisonjear as multidões.
Assim, o sábio deve substituir o orador. É por causa desta visão platônica, que a retórica adquire
um caráter pejorativo durante longo tempo.
Isócrates (436-338), grande professor de retórica, conforme Reboul (2004), tenta uma
reconciliação entre retórica e sabedoria, pois a sabedoria não vale nada sem a retórica, nem a
retórica sem a sabedoria. Ele acredita que o ensino não é todo poderoso, o orador precisa além do
ensino e da prática, de aptidões naturais. Sendo a palavra a única vantagem do homem sobre os
animais, tudo o que somos devemos a ela; conseqüentemente, se a dominamos, somos capazes
também de dominar todas as cnicas. Por isso, atribui à eloqüência papel fundamental. Postula
9
que a retórica deve, antes de tudo, ter um objetivo para depois encontrar os meios para atingi-lo
sem deixar que nada passe despercebido. E, por fim, ela é aceitável se a causa for “honesta e
nobre” e não deve ser desvalorizada por causa de pessoas que a utilizam para valores negativos.
Aristóteles (384-322 a.C.) repensa a retórica e a transforma num sistema: não desvaloriza
a elocução, porém dá mais atenção ao conteúdo. E, como essa sistematização feita por Aristóteles
se constitui na base da Nova Retórica, aprofundemos suas idéias nos itens seguintes.
1.2.1. A Retórica Antiga
Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, pequena cidade da península Calcídica, e
morreu em Cálcis, na ilha de Eubéia, em 322 a.C. Segundo Reboul (2004), as obras de Aristóteles
que conhecemos são resultados de seu ensino para alunos em cursos fechados. Percebemos seu
vasto conhecimento enciclopédico, pois é citado em quase todos os ramos da ciência. Nos
estudos da lógica temos: Categorias, Primeiros Analíticos, Segundos Analíticos, que destacam a
verdade pelo silogismo; e Tópicos que estabelece o verossímil pela dialética. Os escritos sobre
lógica são chamamos de Órganon. O segundo grupo de sua obra refere-se às ciências. O terceiro
à psicologia e metafísica. O quarto trata de Moral e Política. Por fim, o quinto grupo compreende
a Poética e a Retórica.
O autor sempre revelou grande interesse pela retórica, por isso decide estudá-la para
definir-lhe regras. Para ele, ela se constitui numa arte de argumentar, mas não se reduz apenas ao
poder de persuadir, é também a arte de achar os meios de persuasão que cada caso comporta.
A retórica tem, para Aristóteles, algo de ciência, ou seja, é um corpus com determinado
objeto e um método verificativo dos passos seguidos para se produzir a persuasão.
Assim sendo, caberia à retórica não assumir uma atitude ética, dado que seu objetivo não
é o de saber se algo é ou não verdadeiro, mas sim analítica – cabe a ela verificar quais os
mecanismos utilizados para se fazer algo ganhar a dimensão de verdade. (CITELLI,
1990, p. 10)
A retórica como técnica do discurso persuasivo utiliza a dialética como instrumento para
convencer. Segundo Aristóteles (s/d), a dialética é um jogo, em que o objetivo é provar ou refutar
10
uma tese, respeitando-se as regras do raciocínio. A um dos oponentes cabe refutar a tese do outro
colocando todos os paradoxos dos argumentos apresentados. Ao outro, cabe defendê-la por todos
os meios possíveis. É essencial que ambos demonstrem que raciocinaram bem e usaram todos os
argumentos possíveis. O que interessa aos oponentes é vencer, no caso, convencer.
1.2.2. O Auditório
Aristóteles (s/d) afirma que é absolutamente necessário que o orador se adapte ao
auditório ao proferir seu discurso. Para que o orador cumpra seu papel de persuadir, é necessário
que tenha conhecimento do auditório para o qual se dirige, pois assim é capaz de escolher
adequadamente os argumentos.
Assim, ele postula a existência de três gêneros oratórios que têm públicos distintos:
judiciário, deliberativo (político) e epidíctico. O discurso judiciário tem o tribunal como
auditório; acusa ou defende e refere-se ao passado, visto que são fatos ocorridos que
necessitam ser esclarecidos e julgados. Os valores, portanto, que servem de norma a este discurso
dizem respeito ao justo e injusto. No deliberativo, temos a assembléia como auditório; a qual
aconselha ou desaconselha em assuntos referentes à cidade, e, suas ações são relacionadas ao
futuro, pois implica decisões e projetos. Os valores que regem este discurso são relacionados ao
útil e ao nocivo. O epidíctico, por sua vez, expõe-se a espectadores que assistem a discursos de
ostentação em atos públicos como orações fúnebres e outros. Ele censura ou louva um homem ou
uma categoria e refere-se ao presente, pois o orador quer atrair a admiração momentânea dos
ouvintes. Os valores que o norteiam são relacionados ao nobre e ao vil.
11
1.2.3. Provas ou formas de persuasão
Aristóteles (s/d) afirma que as lógicas buscam persuadir através do raciocínio e
compreendem o silogismo (ou entimema) e o exemplo. O entimema constitui a parte dedutiva da
argumentação: vai do geral ao particular. É dialético ou provável: suas premissas não são
evidentes, não geram certeza; fazem parte do conhecimento comum, da opinião, e, são, por isso,
verossímeis. O exemplo é uma indução que vai do particular para o geral; a partir de fatos
passados conclui fatos futuros: pode ser tirado do dia-a-dia, das narrativas fictícias, da História.
Provas psicológicas têm o objetivo de persuadir pela emoção: atingem a afetividade
humana. Elas se subdividem em éticas e patéticas. Segundo Tringali (1988) os argumentos éticos
despertam sentimentos, enquanto os patéticos despertam paixões e emoções.
Consideramos a afetividade como atividade genérica que compreende sentimento,
afetividade fraca; emoção, afetividade forte e rápida; paixão, afetividade forte e
duradoura (TRINGALI, 1988, p. 74, grifos do autor).
O argumento ético (do grego ethos) é a imagem que o orador transmite de si mesmo ao
auditório, mesmo utilizando argumentos bastante lógicos, o orador não conseguirá persuadir seus
ouvintes se não tiver despertado sua confiança. Essa imagem varia de acordo com o objetivo da
persuasão e não é necessário que o orador fale explicitamente sobre ele mesmo. O ethos é
construído através dos implícitos contidos nos discursos. O sucesso da persuasão está diretamente
relacionado à sua construção e não preocupação com a sinceridade, o caráter transmitido é
aparente, não precisa ser real. Tringali (1988) chega a conceituá-lo como a máscara que o orador
assume.
O argumento patético (do grego pathos), por sua vez, desperta fortes paixões nos ouvintes
para que eles sejam convencidos a agir de acordo com os objetivos do orador. Aqui não é o
caráter moral do orador que importa, mas o psicológico dos públicos que ele pretende convencer.
12
1.2.4. A saída pela janela
Depois de Aristóteles, no período latino, a retórica se torna disciplina essencial e se
aproxima da eloqüência, sendo vista como sinônimo de erudição. Porém, no período imperial
sofre um enfraquecimento.
[...] uma vez que a função cria o órgão, a eloqüência desenvolveu-se na sociedade que
precisava dela, a democracia, e não sobreviveu a esta senão de maneira artificial.
(TÁCITO, 57-123 d.C. apud REBOUL, 2004, p. 53).
Na democracia, que antecede o império, todas as decisões são submetidas a debates
públicos, portanto o orador forma-se naturalmente. No Império, porém, as aulas de retórica
ocupam-se apenas de discursos fictícios, e, em conseqüência, o orador adquire caráter artificial.
O declínio da retórica realmente acontece no século XIX, quando ela quase desaparece.
Segundo Reboul (2004), são duas as correntes de pensamento que a descartam: a positivista e a
romântica. O positivismo a rejeita “em nome da verdade científica”. Mesmo a elocução,
essencialmente retórica, é substituída pela filologia e pela história científica das literaturas. Um
fim apenas aparente... Ela não morre; sobrevive nos discursos jurídicos e políticos e se renovará a
partir dos anos 60.
1.3. O RETORNO PELA PORTA DA FRENTE: A NOVA RETÓRICA
A reabilitação da retórica acontece nos anos 60 com Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-
Tyteca, cujo livro “Tratado da Argumentação A Nova Retórica” constitui uma forte teoria do
discurso persuasivo, vinculando-se à antiga retórica. Essa obra constitui-se no marco do
renascimento da retórica, e chama-se Nova justamente por consistir num reexame da obra de
Aristóteles.
Estes autores dividem a Lógica em duas partes: a lógica analítica (demonstrativa), que
versa sobre os raciocínios científicos; e a gica dialética (argumentação), que versa sobre os
13
raciocínios prováveis, verossímeis. Portanto, entre a demonstração científica e a arbitrária das
crenças, temos o domínio da argumentação.
Conforme Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005), a Nova Retórica identifica-se com a
teoria do discurso persuasivo que objetiva obter adesão de um auditório através da organização
razoável do diálogo, da razão, de um pluralismo e de sentimento crítico, e não por autoridade.
Sobre essa força da argumentação, consideram dois tipos de adesão: convicção, que obtém
adesão de todo ser racional (ou “auditório universal”), por meio de provas objetivas; e a
persuasão, que se dirige a um auditório particular e pretende atingir-lhe os sentimentos, desejos e
vontades através de argumentos verossímeis.
O objetivo desta retórica moderna não é produzir discursos, mas interpretá-los. O campo
da retórica aumenta muito, pois não se limita aos gêneros judiciário, deliberativo e epidíctico, ao
contrário, estende-se a toda manifestação discursiva que tende a persuadir, incluindo as
produções não verbais.
1.3.1. O auditório na Nova Retórica
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) postulam que os ouvintes do discurso têm funções
sociais e adotam atitudes ligadas ao papel que lhes é confiado por elas. O auditório é aspecto
fundamental na Nova Retórica como o era na aristotélica. É impossível, pois, haver
argumentação sem um acordo prévio entre orador e auditório. A escolha do gênero a ser utilizado
não é absolutamente do orador: ele deve pensar, de forma consciente, naqueles que procura
persuadir. A esse respeito vale citar:
Esse contato entre o orador e seu auditório não concerne unicamente às
condições prévias da argumentação: é essencial também para todo o
desenvolvimento dela. Com efeito, como a argumentação visa obter a adesão
daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que procura
influenciar (PERELMAN & TYTECA, 2005, p. 21).
Para os autores existem três tipos de auditório: universal, particular e constituído pelo
próprio interlocutor. O universal é formado por toda a humanidade; o particular por um ou vários
14
interlocutores que tenham as mesmas características e interesses; e o constituído pelo próprio
interlocutor é aquele em que ele mesmo representa ou delibera as razões de seus próprios atos
(ocorre em diários e monólogos, por exemplo).
Inspirar confiança pelo seu discurso, pode ser, muitas vezes, uma tarefa bastante
complicada, pois é comum que o orador necessite persuadir um auditório heterogêneo. Para
conseguir tal objetivo, ele necessita utilizar argumentos múltiplos para ser capaz de atingir os
vários ouvintes de seu auditório.
Não se concebe o conhecimento do auditório independentemente do
conhecimento dos meios suscetíveis de influenciá-lo. Isso porque o problema da
natureza do auditório é ligado ao de seu condicionamento, que implica, acima de
tudo, fatores extrínsecos ao auditório. Assim, conhecer o auditório é também
saber como é possível assegurar seu condicionamento e, a cada instante do
discurso, qual é o condicionamento que foi realizado. (CLINI, 2004, p. 26)
A conclusão de uma argumentação expressa, portanto, antes de qualquer coisa, um acordo
entre os interlocutores. O orador, ao expor a conclusão, a coloca como algo que se impõe e
encerra a discussão, por isso é desejável que seja mais forte que as premissas que a geraram. Os
ouvintes, por sua vez, podem aceitar ou não uma conclusão proferida pelo orador: não importa
saber o que o orador considera verdadeiro, mas o que os ouvintes do discurso têm a dizer a
respeito. É o auditório que determina a qualidade da argumentação.
1.3.2. Os Lugares
Ao proferir um discurso encontramos os argumentos através dos “lugares” (topoi).
Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) limitam-se ao lugar do preferível que expressa o consenso
sobre o valor. Os lugares são divididos em três tipos: lugar da quantidade, da qualidade e da
unidade. No da quantidade prevalece o muito sobre o pouco, é proveitoso para a maioria; o
normal determina a norma. O da qualidade, ao contrário, valoriza o único, o raro, o insubstituível;
e a norma não é o normal, mas o original. Por fim, o da unidade valoriza o que é único, o efeito
de um só é superior a de muitos.
15
Feitas essas considerações, passamos a tratar do corpus escolhido sob a perspectiva
teórica aqui esboçada, que será revisitada ao longo dos capítulos que seguem. Abordaremos
também o conceito de paixão sob a perspectiva aristotélica que se constitui num caminho para
chegarmos ao ethos das personagens.
16
2. AS PAIXÕES
O homem compõe-se, no plano comportamental, de razão e emoção. Assim, em retórica,
razão e emoção não se separam e quando associamos atos a paixões, temos como resultado o
ethos. Reboul (2004) lembra as definições de cero acerca das capacidades do discurso: docere
(instruir, ensinar) que constitui a parte argumentativa, delectare (agradar) que é o seu lado
agradável e movere (comover) que é o que abala o auditório. Segundo Silva (2006): “Essas
definições contribuem para a compreensão do caráter complexo do processo de argumentação,
que envolve não apenas a razão, mas os aspectos emotivos do poder da palavra” (SILVA, 2006,
p. 35). Por isso, não podemos deixar de tratar do pathos e das paixões que habitam os gibis da
Turma da Mônica, uma vez que, constituem-se caminhos fundamentais para delinearmos o ethos
das personagens.
A leitura de HQs é comum entre crianças e jovens que se deliciam com as aventuras de
diversos personagens deste tipo de narrativa. Durante muito tempo acreditou-se que o único
objetivo dos quadrinhos era divertir e agradar (delectare) por apresentar uma tetica voltada
para o entretenimento e ser relativamente acessível a pessoas com baixo grau de letramento.
Atualmente, porém, sabemos que além de divertir, as HQs instruem (docere) e, principalmente
comovem (movere). Nesse sentido, movimentam as paixões humanas. Elas têm grande força
persuasiva e influenciam maneiras de ser, compreender e comportar-se. Por isso, tomamos as
paixões como objeto de análise e concentramos nos processos passionais que desencadeiam
determinados efeitos de sentido que o auditório interpreta com base em sua leitura passional.
O elemento afetivo, então, está presente também, em maior ou em menor grau, mas
sempre presente, em todas as manifestações do compreender, do significar, do
argumentar e do próprio existir (SILVA, 2006, p. 36).
Os exemplos a seguir são bons exemplos de como as HQs de Maurício de Sousa
apresentam um forte movimento passional. As personagens femininas são constantemente
movidas por paixões que, associadas aos seus atos, constituem seu ethos.
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Figura 1 – Feliz Aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 27
Figura 2 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 5
Figura 3 – Mas, que gatinha! In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 50. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 30
18
Figura 4 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 59
Figura 5 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 81
As paixões marcam fortemente o ethos das personagens Mônica, Magali, Tina e Pipa: a
cólera desencadeada em Mônica diante de uma ofensa, a baixa auto-estima dela e de Magali por
não se enquadrarem nos modelos pré-estabelecidos e não serem aceitas, a vergonha ou culpa de
Tina por não ter correspondido às expectativas dos pais, o ciúmes e o medo de Pipa em perder o
namorado. As paixões manifestadas nestes quadrinhos são comuns aos leitores. Perelman &
Olbrechts-Tyteca (2005) afirmam que a adesão é fundamental para o acordo do ato retórico.
Portanto, entendemos que é impossível haver adesão sem considerar o pathos com seus aspectos
passionais. Ao argumentarmos, necessitamos despertar emoções no auditório para obtermos sua
adesão. As HQs de Maurício de Sousa despertam sentimentos, pois tratam de temas que afligem
19
crianças e adolescentes e, por se identificar com os conflitos e angústias das personagens, esse
auditório adere ao discurso. Grande parte dele sofre por um amor não correspondido, está
insatisfeito com seu aspecto físico, deseja um amor eterno ou sente-se diferente dos outros.
As paixões são todos e quaisquer sentimentos que podem alterar os julgamentos e causar
mudança nas pessoas. A esse respeito, na introdução da Retórica das Paixões de Aristóteles,
Fonseca (2000) afirma que:
Quando se refere a caráter, deve-se entender a autoridade do orador, a qual depende de
sua prudência, de sua virtude e de sua benevolência. As paixões não são entendidas aqui
como virtudes ou vícios permanentes, mas estão relacionadas com situações transitórias
provocadas pelo orador. É preciso, porém, considerar os hábitos ou tendências
preponderantes, as pessoas com maior ou menor inclinação para cada uma dessas
paixões e ainda os motivos que a provocam. (FONSECA, 2000, p. XV)
Se ethos e pathos acordam sentimentos e emoções, o logos constitui-se no raciocínio
lógico, e, portanto, na razão. A paixão é o lugar do Outro, foge ao logos, centrado no caráter
apodítico, proveniente da identidade redutora do sujeito. Segundo Meyer (2000), a retórica
constitui-se num ajuste da distância entre os indivíduos, e as paixões revelam, portanto, a
intensidade desta distância. Pela paixão, temos a fusão da consciência do outro com a que temos
de nós mesmos, e ao mesmo tempo, evidencia-se uma diferença entre os indivíduos que
determina a identidade de cada um. Aceitar o outro é aceitar a nós mesmos porque o outro,
independentemente da nossa vontade, está em nós, age sobre nós e vive conosco. Admitir as
diferenças, preocupar-se com o que o sensível nos permite ver nos outros é fundamental para se
alcançar uma identidade comum. No ato retórico estamos sempre prontos a debater sobre uma
identidade com o objetivo de aboli-la, mantê-la ou reforçá-la.
Aristóteles (2000) aceita as paixões, mas nega seus excessos, e postula a necessidade de
manter-se um meio termo para que elas não contrariem a razão: o excesso seria muito prejudicial.
Enquanto a virtude exige a reflexão, a paixão manifesta-se sem ela. A razão, portanto, é uma
paixão refletida, contida, subordinada a um fim pensado. Para ele, por não escolher suas paixões,
o homem não é responsável por elas, mas sim pela influência que exercem sobre suas ações. Por
isso, é possível julgar o aspecto ético do sujeito. O juízo é feito devido à possibilidade das
paixões serem dosadas: sem paixão não há como estabelecer uma escala de valores éticos.
Conforme Lebrun (1995), a grande dificuldade, em Aristóteles, para determinar se houve
desmedida, se a paixão foi além do que deveria, é que não uma referência única para todos os
20
homens: cada pessoa alcança o seu equilíbrio dentro de sua história. Mesmo que, durante a vida,
o sujeito tenha vivido suas paixões de forma desregrada, pode haver momentos em que ele
mesmo queira mudar isso. Assim, para ele, não é concebível que se considere involuntário um
comportamento passional. Como não é possível renunciar às paixões, o homem virtuoso é, desse
modo, aquele que aperfeiçoa a sua conduta para saber utilizar, nos seus atos, a medida exata de
paixão; que também deve estar a serviço do logos, do conhecimento, da razão. Portanto, ele age
em harmonia com suas paixões e alcança o equilíbrio logos/paixão.
Para Aristóteles (2000), argumentar é tentar convencer pela razão, encontrar uma
identidade onde no começo havia diferença. paixão porque ação. As paixões servem
para classificar os homens e descobrir se o que sentem é necessário para que quem deseje
convencê-los aja sobre eles. tantas paixões quantos julgamentos. Por isso, é necessário que
quem queira convencer tenha conhecimento das paixões de seu auditório. A paixão é um estado
de alma móvel, reversível, que pode sempre ser contrariado, uma representação do outro, uma
reação à imagem que este outro cria de nós, uma espécie de consciência social inata, que reflete
nossa identidade como aparece na nossa relação com os outros.
Aristóteles preocupa-se como a paixão é despertada no auditório. Considerando que ethos
e pathos se interpenetram na análise, vamos pensar no movimentar das paixões que “salta” do
texto para o auditório e como este movimento contribui para o modo de ver o mundo.
2.1 RETÓRICA CLÁSSICA E PAIXÕES
As quatorze paixões elencadas por Aristóteles são: cólera, calma, temor, confiança,
inveja, impudência, amor, ódio, vergonha, emulação, compaixão, favor, indignação e desprezo.
Para ele, elas são necessárias, pois são naturais no homem.
O que Aristóteles deseja enfatizar no estudo das paixões é seu poder persuasivo: por meio
delas, o homem consegue identificar-se com ou negar um determinado tipo de texto. Assim ele as
conceitua: “as paixões são todos aqueles sentimentos que, causando mudança nas pessoas, fazem
diferir seus julgamentos...” (ARISTÓTELES, 2000, p. 5). Conseqüentemente, o bom orador não
deve abster-se de utilizá-las se quer realmente convencer.
21
Se as paixões fazem parte do ser humano, busquemos as que se manifestam nas HQs da
Turma da Mônica. É importante lembrar que, como diz Fonseca (2000), as paixões destacadas
apesar de não serem virtudes ou vícios permanentes, apresentam-se como tendências
preponderantes nas personagens e colaboram para a caracterização do caráter de cada uma.
Busquemos no corpus as paixões que se manifestam tanto nas meninas quanto nos meninos por
entendermos que o modo de comportar-se masculino também revela marcas do ethos feminino.
Segundo Aristóteles (2000), a inveja consiste num forte sentimento de pesar pelo sucesso
atingido pelos nossos iguais. Somente as pessoas mais próximas, que têm algo em comum como
tempo, lugar, idade e reputação sentem. Sentimos inveja dos que são ou parecem iguais a nós e
possuem bens ou atos que desejamos e cremos dever pertencer-nos, por isso, ficamos alegres
quando os iguais perdem o bem desejado. A inveja deseja tirar o que o outro tem.
Figura 6 – Mônica é daltônica? In SOUSA, Maurício de. Mônica e a sua turma nº. 1 – Edição histórica. São Paulo: Ed. Globo, 2002. p. 4
22
Nas histórias da Turma da Mônica, os “amigos” da Mônica invejam a superioridade da
força física dela em relação a deles. Eles constantemente desejam “colocá-la no seu lugar”, pois,
tradicionalmente, o papel de quem domina pela força é destinado ao sexo masculino. O lugar de
“dono da rua” seria deles por direito: “Todos nós temos que participar de um movimento para
diminuir o poder da nica no bairro!”, “... E hoje vamos debater as maneiras de conter o
crescente poder da Mônica!...”. Na tentativa de atingir tal objetivo, estão sempre elaborando
planos que objetivam ridicularizar, diminuir a auto-estima e, claro a força dela: “Tudo se resume
em minarmos a autoconfiança da Mônica!”. Porém, como normalmente são descobertos, acabam
por despertar a cólera na garota.
Conforme Aristóteles (2000), a cólera é um “grito” contra alguma situação considerada
injusta pelo sujeito e desperta um sentimento de vingança: “a toda cólera se segue certo prazer,
proveniente da esperança de vingar-se” (ARISTÓTELES, 2000, p. 7). Esta paixão é normalmente
provocada por aqueles que se consideram superiores, e, para se firmarem como tal, proferem a
ofensa e despertam a cólera do ofendido. Ela é, portanto, um sinal de distanciamento. Ao
manifestá-la, o encolerizado a possibilidade dessa vingança e acredita restabelecer a justiça
que fora tirada pela afronta e pelo desprezo do outro; provando que o ofensor não é tão poderoso
quanto pensa.
23
Figura 7 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 12
24
Figura 8 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 13
25
Figura 9 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 13/14
26
Figura 10 – Topa tudo por amor! In SOUSA, Maurício de. Mônica. 114. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 7
Figura 11 – Aniversário da Mônica ou festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 11
27
Figura 12 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 11
Figura 13 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 15/16
A personagem Mônica constantemente aparece encolerizada e manifesta a raiva através de
sua força física: “SOC TUM PAF”, “SOC”, “POF”, “PAF PIF POF”. Esta paixão manifesta-se na
garota toda vez que é chamada de baixinha, dentuça, gorducha ou quando é vítima de algum
plano dos garotos para ridicularizá-la: “Então era outro plano, né?!”, “Eu acho você uma chata,
feiosa, dentuça e gorducha!!”, “Além de sermos obrigadas a vir na festa do gorducho [...]”, “Pra
que, se a bola é ele mesmo?”. Percebemos um feminino que se ressente por não enquadrar nos
moldes tradicionais, sente-se injustiçada e só pode amenizar tamanha injustiça através da cólera.
Uma menina tão dona de si, brava, agressiva, dominadora poderia ser odiada pelos
leitores, no entanto, desperta compaixão no auditório. A compaixão, segundo Aristóteles (2000),
consiste em pesar por um sofrimento que atinge quem não o merece. Ela é despertada a partir do
28
medo que temos de que a mesma coisa aconteça conosco ou a aqueles próximos de nós.
Percebemos a influência do pathos: as meninas ressentem-se juntamente com a Mônica, e, por
conviverem no dia a dia com grande receio de serem “baixinhas”, “dentuças”, “gorduchas” ou
com o peso de sustentarem um simulacro de mulher forte e independente, acabam por achar justo
que ela se encolerize e se vingue daqueles que a ofendem tão constantemente.
O temor, por sua vez, consiste numa preocupação em relação à proximidade de um mal
iminente, que pode provocar grande desgosto ou dano. Não se teme os que estão muito distantes.
Figura 14 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica Festas n 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 27
Figura 15 - Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 14
Conforme Aristóteles (2000), o temor pressupõe uma diferença considerável entre os
protagonistas, materializada por uma assimetria na relação entre eles. Os fortes, e não os fracos
são temidos. Assim, segundo ele, tememos depender dos outros, tememos aqueles que podem nos
29
denunciar ou abandonar, os que têm o poder de cometer alguma injustiça, os que sofreram
injustiça (pelo desejo de vingar-se). Por despertarem a cólera na menina, e, conseqüentemente, o
desejo de vingança, os meninos da Turma da Mônica estão constantemente tomados pelo temor
de serem vencidos por ela. É o grande temor de serem superados pelo sexo feminino. O auditório
aceita naturalmente este discurso, uma vez que é disseminado pelo discurso dominante.
A vergonha é uma paixão muito presente nas personagens femininas destas HQs. Essa
paixão refere-se à preocupação em relação à imagem que o outro faz de nós.
Figura 16 – Topa tudo por amor! In SOUSA, Maurício de. Mônica. 114. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 8
30
Figura 17 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 8
31
Figura 18 – Simpatias do amor... SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 9/10
32
Figura 19 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 10/11/12/15
33
Figura 20 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 52
34
Figura 21 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 53
35
Figura 22 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 57/58
36
Figura 23 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 59
37
Aristóteles (2000) afirma que a vergonha é certa perturbação em relação a atitudes que
podem levar à desonra. Sentimos vergonha de faltas que parecem vergonhosas a nós e a aqueles
com quem nos preocupamos e temos consideração. Nesta paixão, tornamo-nos inferiores: o olhar
do outro e seu julgamento revestem-se de importância fundamental. Ao “cair” nos planos dos
garotos, Mônica pratica naturalmente ações que a expõem diante de várias outras pessoas,
sobretudo diante daquelas a quem deseja passar uma imagem extremamente positiva. Quando se
percebe vítima de uma armação, ela imediatamente é tomada pela vergonha e preocupa-se muito
com a imagem dos outros em relação a ela: “Não consigo parar de pensar no Fabinho... e no
vexame que eu passei!”, “... Que vexame eu passei com o Ronaldinho!”. A jovem Tina reproduz
um feminino apaixonado em que a um mínimo sinal de rebeldia (normal entre os adolescentes de
hoje!) segue-se um forte sentimento de vergonha e arrependimento por tal comportamento:
“Como pude ser tão mimada e egoísta?”.
O favor também é uma paixão que se manifesta nas meninas” de Maurício de Sousa.
Figura 24 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 5
38
Figura 25 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 60/61
39
Figura 26 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p.61/62
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O favor, conforme Aristóteles (2000), consiste em prestar serviço ao outro, sem fazê-lo
por interesse: em ajudar o necessitado, sem o fim de obter vantagem pessoal: “Mas minha tia
Nena tem um livro que tem um monte. Vou ver se ela empresta.”, “Ora, vocês estão precisando
descansar!”.
A calma é uma paixão comum entre as mães das HQs de Maurício de Sousa. Ao contrário
da cólera, reflete e interioriza a imagem que o outro faz de nós e age sobre ele mantendo a calma.
Figura 27 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 5
Figura 28 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 57/58
41
Segundo Meyer: “A calma pode, a rigor, figurar a indiferença, a ausência de toda paixão,
o contrário absoluto daquilo que arrebata os homens” (MEYER, 2000, p. XLIV). Ela recria o
equilíbrio, pois consiste na aceitação de uma relação. As mães aceitam muito tranqüilamente os
papéis de donas de casa exemplares atribuídos a elas. De acordo com Aristóteles (2000), as
pessoas sentem calma em relação a quem não as desdenha. Costumeiramente as mães aparecem
satisfeitas desempenhando suas tarefas domésticas. Ao “homem” da casa cabe apenas (e,
naturalmente) fazer o “mais difícil e importante”; prover financeiramente a família: “Escolheram
o presente?”, “Ele sim tem todo o motivo do mundo para estar estressado!”.
A confiança, assim como o temor, implica uma diferença entre os envolvidos: consiste no
afastamento, suposto ou real, em relação ao que pode ser prejudicial. “O que inspira confiança é o
distanciamento do temível e a proximidade dos meios de salvação” (ARISTÓTELES, 2000, p.
36).
Figura 29 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 5/7
42
Figura 30 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 7
As personagens femininas confiam na proteção masculina. São eles que as salvam dos
perigos e angústias que tanto as afligem. Para elas, o sexo masculino é capaz de proporcionar a
segurança que necessitam.
Outras teorias se preocupam com a adesão do auditório. Nos anos de 1980 e 1990, surge
um campo de estudos semióticos que se preocupa com as paixões sob a perspectiva da produção
discursiva. De acordo com Bertrand: “trata-se [...] de construir uma semântica da dimensão
passional dos discursos, isto é, considerar a paixão não naquilo que ela afeta o ser efetivo dos
sujeitos ‘reais’, mas enquanto efeito de sentido inscrito e codificado na linguagem”
(BERTRAND, 2003, p. 357-358). Sob esse aspecto, compreendemos não ser possível pensar as
paixões apenas como manifestações individuais de um sujeito afetivo. Ao contrário, devemos
considerar, também, as condições culturais, sociais e históricas em que o discurso passional é
produzido. As paixões, portanto, são produtos da interpretação que as diferentes culturas, em
diferentes épocas, exercem sobre os sujeitos.
Desse modo, as paixões que encontramos e elencamos neste capítulo estão estreitamente
relacionadas com o discurso sobre a mulher construído ao longo da história e revelam muito
sobre o ethos das personagens. A inveja e o temor são despertados por um incômodo masculino
(garotos) diante de um feminino dominador, independente e forte (Mônica), que desperta neles a
necessidade de intervir e eliminar. Esse modelo não é aceito por eles. Porém, ao tratarmos das
paixões que aparecem nas meninas Mônica, Tina, Magali, e em suas mães, a cólera, a compaixão,
a vergonha, o favor, a calma e a confiança percebemos que não correspondem à imagem do
feminino dominador, independente e forte. Ao contrário, demonstram um forte desejo de se
adequar ao modelo tradicional sedimentado pelo discurso dominante que direcionou por muito
tempo o modo de ser feminino.
43
3. DELINEANDO O ETHOS DAS PERSONAGENS
Segundo Amossy (2005), sempre que tomamos a palavra, construímos uma imagem de
nós mesmos. Não precisamos fazer um auto-retrato ou nos descrevermos explicitamente: nosso
estilo, nosso jeito de expressarmos, nossas crenças implícitas são suficientes para construir uma
representação de nós. Essa imagem pode facilitar ou dificultar a aceitação do discurso e ocorre
constantemente no nosso dia-a-dia em qualquer ato comunicativo.
A construção de uma imagem de si constitui-se, então, peça fundamental da retórica e está
fortemente ligada à enunciação. Vários autores ocupam-se do ethos e, por isso, temos diversas
visões teóricas a respeito dele. Aristóteles, em sua época, já acredita que todo o poder de
persuasão está no caráter moral do orador. Amossy (2005) afirma que Barthes (1970, p. 315)
conceitua o ethos como: “os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco
importando sua sinceridade) para causar boa impressão [...]”. a Pragmática, segundo Amossy
(2005), conceitua o ethos como o fenômeno discursivo que não deve ser confundido com o
sujeito empírico. Modernamente, é Oswald Ducrot (1987) quem introduz o termo ethos às
ciências da linguagem pela sua teoria polifônica da enunciação. Ele considera enunciação, a
aparição de um enunciado, e não o ato que um sujeito falante produz. Concentra-se, também, em
separar as ficções discursivas, instâncias internas do discurso; do ser empírico que está fora da
linguagem. Em suma, não se interessa pelo sujeito falante real, mas pela instância discursiva do
locutor, e eles não são absolutamente a mesma coisa. A esse respeito destacamos:
Ela [a pragmático-semântica] diferencia o locutor (L) do enunciador (E) que é a origem
das posições expressas pelo discurso e é responsável por ele; ela divide o locutor em
“L”, ficção discursiva, e em λ”, ser do mundo, aquele de quem se fala (“eu” como
sujeito da enunciação e “eu” como sujeito do enunciado). Analisar o locutor L no
discurso consiste não em ver o que ele diz de si mesmo, mas em conhecer a aparência
que lhe conferem as modalidades de sua fala. (AMOSSY, 2005, p. 14)
O ethos está ligado a L, o locutor como tal: é como origem da enunciação que ele se
investido de certos caracteres que, em contrapartida, tornam essa enunciação aceitável
ou recusável. O que o orador poderia dele dizer, como objeto da enunciação, concerne
44
em contrapartida, [...] ao ser do mundo, e não é este que esem questão na parte da
retórica de que falo. (DUCROT, 1984, p. 201)
A análise pragmática examina, portanto, além das instâncias que colaboram para a
interação verbal, o locutor e a maneira como se coloca na interlocução construindo uma imagem
de si. A análise do ethos se junta, assim, ao estudo da interlocução que se preocupa com os
interactantes, o cenário e o objetivo da troca verbal.
Para a sociologia, segundo Amossy (2005), a força do discurso não está associada à língua
propriamente dita, mas sim aos quadros institucionais e rituais sociais. A autoridade do orador,
portanto, não depende da imagem de si que constrói no discurso, mas da posição social que ele
ocupa. Para Bordieu (1996), o discurso terá autoridade se for proferido por quem é legitimado
a fazê-lo, em situações legítimas diante de um auditório legítimo. Nesta concepção o ethos não
tem nada de construção discursiva, pois suas palavras concentram apenas o universo simbólico
do grupo de que faz parte e que ele deve obedecer. O discurso seeficaz se os receptores
reconhecerem a legitimidade do orador. Nessa teoria, portanto, a importância não está no que se
diz, mas, sobretudo em quem diz e no poder que ele tem aos olhos do público.
Em resumo, para a Pragmática, o ethos constrói-se com base na interação verbal e é
interno ao discurso, ao passo que para a Sociologia, ele é criado com base em mecanismos sociais
e posições institucionais exteriores. Diante destas posições, poderíamos nos perguntar: afinal, o
ethos feminino nas HQs de Maurício de Sousa deve ser considerado resultado de uma atividade
puramente linguageira (ethos discursivo) ou uma posição puramente institucional (ethos
institucional)?
Segundo Amossy (2005), na perspectiva retórica, ethos discursivo e ethos institucional
podem ser complementares. A eficácia do discurso, portanto, não é nem absolutamente interna,
nem absolutamente externa à língua: acontece em diferentes níveis. Assim, nesse estudo, não
podemos separar ethos discursivo do ethos institucional. As personagens são analisadas tanto
pelo discurso que reproduzem, quanto pela posição institucional que ocupam.
[...] a análise retórica que examina o ethos como construção discursiva em um quadro
interacional se articula, ao mesmo tempo, com a pragmática e a reflexão sociológica. A
primeira permite-lhe trabalhar a materialidade do discurso e analisar a construção do
ethos em termos de enunciação e de gênero de discurso. A segunda permite-lhe o
somente destacar a dimensão social do ethos discursivo, mas também sua relação com
posições institucionais exteriores. (AMOSSY, 2005, p. 137)
45
Neste trabalho, assumimos o conceito de ethos difundido por Aristóteles: o ethos que se
liga ao caráter que o orador parece ter diante do auditório. Mas, tais reflexões contemporâneas
também nos ajudam a constituir os princípios de análise. Assim, verifiquemos no corpus
escolhido, algumas características do ethos das personagens femininas.
Figura 31 – Um sucesso no Natal. In SOUSA, Maurício de. Mônica Natal nº. 6. São Paulo: Editora Globo, 2003. p. 164
Figura 32 – Uau! In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 25
Figura 33 – A avó (comilona) da Magali. In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 50. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 4
46
De onde vem a autoridade das personagens femininas de Maurício de Sousa? Como
explicar o enorme sucesso que fazem e, conseqüentemente, sua imensa popularidade junto ao
público infanto-juvenil? Segundo Perelman (2005), o orador consegue adesão apoiando-se nos
topoi (lugares comuns). As personagens da Turma da Mônica exercem grande fascínio sobre as
crianças exatamente por ocuparem lugares que permitem uma identificação. No caso das
meninas, percebemos a Mônica como “dona da rua”, reconhecida em seu poder: “A Mônica e o
Sansão são dez vezes mais perigosos do que qualquer coisa”, a Tina, uma “gatinha”, que
conquista os mais cobiçados garotos: “Uau!”, Magali que não sente culpa em transgredir normas
da boa educação: “Que falta de educação!”. Lugares que legitimam e autorizam essas
personagens junto ao público leitor, que, uma vez “encantado” adere ao discurso.
Perelman (2005) afirma que toda argumentação deve ser construída com base no auditório
para o qual ela é dirigida. O orador necessariamente precisa se adaptar a ele através da partilha
de valores, evidências, crenças, ou seja, da doxa comum. É por esse motivo que as HQs de
Maurício de Sousa são tão populares. Elas tratam de temas que crianças e adolescentes conhecem
bem: amizade, preconceito, amor... O discurso é eficaz na medida em que o locutor goza de
autoridade diante dos que o ouvem. Ele apóia seus argumentos na doxa partilhada com os
interlocutores e constrói seu ethos com base em representações coletivas que sejam positivas aos
membros do auditório, pois, assim como o orador faz uma imagem do seu auditório, o auditório
faz uma imagem do orador. Segundo Amossy: “O orador constrói sua própria imagem em
função da imagem que ele faz de seu auditório, isto é, das representações do orador confiável e
competente que ele crê ser as do público” (AMOSSY, 2005, p. 124).
Segundo Maingueneau (2005), a doxa compreende, também, o saber prévio que o
auditório tem do orador, que se destaca ainda mais se é muito conhecido. É o que ele chama de
ethos pré-discursivo”. Quando fala, o orador faz uma idéia de seu auditório e da maneira pelo
qual este o percebe; avalia como seu discurso é recebido e esforça-se para confirmar ou
reelaborar sua imagem. As personagens da Turma da Mônica, por serem tão populares, possuem
um ethos pré-discursivo, pois seus leitores conhecem suas características e esperam determinadas
ações. A posição que o orador ocupa dá-lhe uma legitimidade para falar e contribui para criar
uma imagem prévia. Não é necessário explicar porque nos quadrinhos seguintes os meninos estão
obedecendo a Mônica, a Rosinha se oferece para beijar o Chico Bento e a Tina está rodeada de
47
amigos numa mesa de lanchonete. Os leitores têm expectativas em relação às características e
atitudes dessas personagens.
Figura 34 – Muro Lavado. In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 114. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 21
Figura 35 – O pecador. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 11
Figura 36 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 74
48
O ethos, portanto, tem papel fundamental em qualquer discurso, uma vez que objetiva a
instaurar mundos que torna sensíveis através de seu processo de enunciação. Além de informar e
divertir, as HQs têm, junto a outros meios de comunicação de massa, um papel na formação da
criança. Assim, conseqüentemente, interfere na maneira como ela o mundo e, neste caso,
como vê o feminino.
O estudo da constituição do ethos feminino nas HQs de Maurício de Sousa engloba o
conceito de ethos cultural: produto do discurso dominante que Amossy (2005) chama de
estereótipo. Ela introduz a noção de estereótipo como fundamental ao estabelecimento do ethos.
Para que a idéia prévia em relação ao locutor e a imagem de si que ele constrói sejam
reconhecidas e, portanto, legítimas, é necessário que sejam representações partilhadas
culturalmente.
A estereotipagem, lembremos, é a operação que consiste em pensar o real por meio de
uma representação preexistente, um esquema coletivo cristalizado. Assim, a comunidade
avalia e percebe o indivíduo segundo um modelo pré-construído da categoria por ela
difundida e no interior da qual ela o classifica (AMOSSY, 2005, p. 125-126).
Assim, na argumentação, tanto a construção de um auditório, quanto a construção de uma
imagem de si, passam pela estereotipagem. O estereótipo permite conhecer as formas de pensar
de um grupo, e o orador, por sua vez “adapta sua apresentação de si aos esquemas coletivos que
ele crê interiorizados e valorizados por seu público alvo” (AMOSSY, 2005, p. 126). A partir
desse momento é o receptor quem tem a responsabilidade de construir a imagem do locutor que
se apresenta no discurso de forma implícita, indireta, lacunar.
Segundo Maingueneau (2005), é a noção de ethos que permite, na realidade, pensarmos
sobre o processo de adesão dos sujeitos a determinadas posições discursivas. Segundo ele, todo
discurso possui uma vocalidade específica, que permite associá-lo a uma fonte enunciativa
através do tom que dá autoridade ao que é dito.
Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador (e não,
evidentemente, do corpo do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância
subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito. (MAINGUENEAU, 2005, p.
98)
O fiador constitui-se em uma instância que o leitor constrói através de indícios textuais. A
ele são atribuídos um caráter, que implica traços psicológicos, e uma corporalidade, que além da
49
constituição física, contempla também a maneira de se vestir e se movimentar no espaço social. O
fiador, através de sua fala, cria para si próprio uma imagem compatível com o universo que
construirá em seu enunciado, e, quando o “leitor” se identifica com esse corpo “possuidor” de
valores socialmente especificados, ocorre a persuasão. Neste momento, podemos falar do
conceito de incorporação: que constitui a ação do ethos sobre o co-enunciador. Através da
enunciação, o co-enunciador atribui um ethos ou “corpo” ao seu fiador, para, em seguida,
incorporar sua forma de se colocar no mundo. A incorporação do ethos e da sua forma de se
inscrever no mundo permite, segundo Maingueneau (2005), a constituição de um corpo, o da
comunidade imaginária dos que comungam na adesão de um mesmo discurso.
Qualquer discurso, portanto, implica uma vocalidade e uma relação com um fiador
associado a uma corporalidade e a um caráter, mesmo que os discursos não queiram
deixar transparecer traços de tal fiador. (MAINGUENEAU, 2005, p. 100)
Podemos dizer, então, que os “conteúdos” dos enunciados não são independentes da cena
de enunciação. Segundo Maingueneau (2005), “não podemos dissociar a organização dos
conteúdos e a legitimação da cena de fala” (MAINGUENEAU, 2005, p. 99), uma vez que o
discurso acontece dentro de uma realidade sócio-histórica. O enunciador está inserido num
quadro profundamente interativo, dentro de um meio cultural que distribui papéis e lugares. O
discurso cria essa cena de enunciação para poder ser enunciado, e, através de sua enunciação ele
deve validá-la.
Maingueneau (2005) postula que a “cena de enunciação” engloba a cenografia. A
cenografia deve ser compreendida como a forma de inscrever-se e legitimar-se no discurso,
considerando um modo de existência no interdiscurso. Ela se desenvolverá se puder controlar
seu próprio desenvolvimento e se manter uma distância em relação a um co-enunciador. O
interlocutor reconstrói a cenografia através da identificação do gênero, da consideração dos níveis
da língua, do ritmo, etc. Textos que objetivam persuadir o interlocutor exigem a escolha de uma
cenografia adequada, pois precisam persuadir por meio de seu imaginário.
Em uma cenografia, como em qualquer situação de comunicação, a figura do
enunciador, o fiador, e a figura correlativa do co-enunciador são associadas a uma
cronografia (um momento) e a uma topografia (um lugar) das quais supostamente o
discurso surge. (MAINGUENEAU, 2005, p. 106)
50
Nesse sentido, pensar na cenografia das HQs analisadas parece-nos fundamental. Como a
mulher é constituída atualmente? Que valores regem sua formação? A mulher moderna está
realmente “livre” de padrões tradicionais?
3.1 A MULHER NO SÉCULO XXI: SUBVERSÃO OU REPRODUÇÃO DO MODELO
TRADICIONAL?
Conforme Perrot (2007), a história, além da seqüência de fatos, mudanças e revoluções
que orientam a sociedade, constitui-se também no relato de tudo isso. As mulheres, por muito
tempo, estiveram fora desse relato, destinadas à obscuridade, como se fossem invisíveis: “Em
muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. É
a garantia de uma cidade tranqüila” (PERROT, 2007, p. 17). Por isso, nossa história revela uma
discriminação cruel e permitida contra as mulheres que, durante muito tempo, foram
consideradas inferiores aos homens. São séculos de submissão e do conceito do que é ser
feminino sob a perspectiva masculina.
Segundo Rago (2006), no começo do século XX começa a se redefinir o lugar das
mulheres na sociedade brasileira. Nesta época, o Brasil assiste ao crescimento urbano das cidades
e à industrialização sem precedentes com a conseqüente ascensão da classe média. Este ambiente
abre, para as mulheres, novas perspectivas de trabalho e atuação. É o surgimento de uma nova
esfera pública, em que as novas formas de interação social e as relações entre homens e mulheres
são pautadas por modelos europeus, especialmente franceses e ingleses.
As mulheres das classes média e alta abandonaram as roupas sóbrias e sisudas e
passaram a se vestir de acordo com os ditames da moda francesa. As costureiras
francesas começaram a ser procuradas por mulheres de famílias ricas e por cortesãs de
luxo, estas financiadas pelos “coronéis” endinheirados. O maillot vermelho
progressivamente começou a fazer parte do guarda-roupa das jovens, especialmente nos
anos 20, quando a figura da mulher moderna, magra, ágil, agressiva e independente,
comparada à melindrosa, à suffragette ou às atrizes norte-americanas, passou a ser
admirada pelas platéias femininas e masculinas. (RAGO, 2006, p. 586)
Porém, segundo Bassanezi (2006), apesar de o Brasil ter acompanhado, “à sua maneira”,
as tendências internacionais de modernização e emancipação feminina, ainda permaneciam
51
nítidas as distinções entre os papéis femininos e masculinos. A moral sexual diferenciada
continuava muito forte. A verdade é que a “emancipação” feminina foi impulsionada pela
participação das mulheres durante a guerra, que, na ausência dos maridos, tiveram de “arregaçar
as mangas” para manter a ordem. Não foi, porém, uma emancipação real e definitiva, pois assim
que acabou a guerra, as campanhas estrangeiras passaram a defender a volta das mulheres ao lar e
aos valores tradicionais da sociedade.
Na família-modelo dessa época, os homens tinham autoridade e poder sobre as mulheres
e eram os responsáveis pelo sustento da esposa e dos filhos. A mulher ideal era definida
a partir dos papéis femininos tradicionais – ocupações domésticas e o cuidado dos filhos
e do marido e das características próprias da feminilidade, como instinto materno,
pureza, resignação e doçura. Na prática, a moralidade favorecia as experiências sexuais
masculinas enquanto procurava restringir a sexualidade feminina aos parâmetros do
casamento convencional. (BASSANEZI, 2006, p. 608-609)
Portanto, no início do século passado, o nascimento de uma nova mulher é baseado nas
relações da chamada família burguesa, marcada desde então pela valorização da intimidade e da
maternidade. Um sólido ambiente familiar: o lar aconchegante, filhos educados e esposa
exclusivamente dedicada ao marido, às crianças e desobrigada de qualquer trabalho produtivo
representavam o ideal de retidão e integridade, um tesouro social imprescindível.
De acordo com Citelli (1990), as palavras, ao se contextualizarem, passam a exprimir
valores, conceitos, pré-conceitos. Todos nós vivemos e aprendemos com outros homens através
das palavras. As palavras são incorporadas, transformadas e reproduzidas por nós propiciando um
movimento de formação e reformulação de nossas consciências. Portanto, a consciência se forma
e expressa através das palavras.
Se, [...], a palavra nasce neutra, (em estado de dicionário), ao se contextualizar, ela passa
a expressar valores e idéias, transitando ideologias, cumprindo um amplo espectro de
funções persuasivas às quais não faltam a normatividade e o caráter pedagógico.
(CITELLI, 1990, p. 30)
Os discursos que enunciamos em nosso dia-a-dia revelam as marcas das instituições de
onde derivam, por isso, quando nos apropriamos de determinados signos, acabamos por
incorporar valores institucionais. Conforme Citelli (1990), tanto as instituições maiores
(judiciário, igreja, escola, executivo, etc.), quanto as menores (família, sala de aula, etc.) falam
através dos signos fechados, monossêmicos: “São signos que, colocados como expressões de
52
“uma verdade”, querem fazer-se passar por sinônimo de “toda a verdade”” (CITELLI, 1990, p.
32). É, portanto, o discurso chamado de dominante. Ele tem um aparente ar de neutralidade e se
valida pela cientificidade: quem afirma é o médico, o padre, o professor, etc. São pessoas
autorizadas a falar que perpetuam as relações de dominação dos que falam pela instituição sobre
aqueles que são falados por ela: “Os segundos, sem a devida competência, ficam entregues a uma
espécie de marginalidade discursiva: um reino do silêncio, um mundo de vozes que não são
ouvidas” (CITELLI, 1990, p. 35). As mulheres ficaram, então, à margem, submetidas à
“ditadura” do discurso dominante elaborado pelos homens, pela igreja, pelos médicos, pelo
judiciário, que estabeleceram todo um modelo a ser seguido por elas.
Muitas vezes, as personagens femininas de Maurício de Sousa, principalmente Mônica e
Tina, revelam certa subversão da mulher ideal do início do século XX, influenciada por valores
disseminados pelos movimentos feministas, sobretudo na década de 70. Essas personagens
manifestam um discurso que instaura um novo modo de ser e viver, um discurso instituinte, que,
de certo modo, “arranha” o discurso dominante. Elas apresentam, no plano da aparência, um
ethos pré-discursivo da mulher independente, valente, que não leva desaforos para casa, é
desinibida, comanda a relação amorosa e, muitas vezes, transgride regras de bom
comportamento.
De acordo com Rago (2003), num contexto de crise e de construção de novos modelos de
subjetividade, nos anos 70, surgiu o “feminismo organizado” em movimentos de mulheres das
camadas médias, intelectualizadas em sua maioria, que buscavam novas formas de expressão da
individualidade. Na luta contra a ditadura militar, defrontavam-se com o poder masculino dentro
das organizações de esquerda, que impediam sua participação em condições de igualdade com os
homens nos movimentos existentes.
Desse modo, as primeiras organizadoras dos grupos e jornais feministas, no início desta
década, iniciaram um forte movimento de recusa dos padrões sexuais e do modelo de
feminilidade fundado no início do século XX. As feministas colocaram “em cheque” o conceito
de mulher que a colocava como sombra do homem e lhe dava o direito à existência apenas como
auxiliar do crescimento masculino.
Graças a esses movimentos, atualmente, existe uma mudança em relação ao quadro de
discriminação livre a que as mulheres foram submetidas durante tanto tempo. Hoje, elas
trabalham, estudam, escolhem seus maridos, deixam seus maridos, decidem se querem ter filhos
53
ou não, entre tantas outras conquistas. Porém, ao mesmo tempo, são herdeiras de idéias antigas,
constantemente renovadas, de que as mulheres devem ser dóceis e nascem para ser boas donas de
casa, esposas e mães, e, por isso, são “naturalmente” diferentes dos homens. Desse modo,
acabam por reproduzir, no plano da essência, o modelo feminino imposto pelo discurso
dominante.
Neste capítulo pretendemos retratar, através das HQs selecionadas, o constante
movimento de ir e vir entre a subversão e a reprodução do modelo feminino tradicional fundado
no início do século XX, e então verificar como se constitui o ethos feminino nos gibis de
Maurício de Sousa.
Bakhtin (1999) afirma que toda enunciação envolve a presença de pelo menos duas vozes:
a voz do eu e a voz do outro. Segundo ele, não há discurso individual, uma vez que, todo discurso
se constrói no processo de interação e em função de um outro (ou outros). E é no espaço
discursivo criado na relação entre o eu e o tu que os sujeitos se constituem socialmente. É no
engajamento discursivo com o outro que damos forma ao que dizemos e ao que somos. Assim, as
relações sociais ganham sentido pela palavra e a sua existência se concretiza no contexto da
enunciação.
A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou
vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que
despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 1999,
p. 95)
Portanto, para o autor, não unicidade do sujeito, ao contrário, ele é heterogêneo. O
sujeito modifica seu discurso em função das intervenções dos outros discursos, sejam elas reais
ou imaginadas. Se o sujeito emerge do outro é, por conseguinte, dialógico e seu conhecimento é
fundamentado no discurso que ele produz.
Assim, para verificar a constituição do feminino nos gibis, precisaremos pensar nos
discursos sobre o feminino que se instauram ao longo do tempo, ora como dominantes, ora como
subversivos.
[...] há brinquedos básicos que falam o idioma da humanidade inteira, e para estes não há
possibilidade de passar da moda nem de época [...] uma menina é uma pequena mãe, e
uma boneca sempre terá guarida em seus braços [...] um menino estará sempre por
aquilo que reclamam sua destreza desportiva [...] Uma pessoa que vai fazer um presente
de um brinquedo [para uma criança] deve procurar o simples, o que responda ao natural
54
instinto da criança... (JORNAL DAS MOÇAS, 08 jun. 1953 apud BASSANEZZI, 2006,
p. 609).
Figura 37 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 3
55
Figura 38 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 27
Em “Aniversário da Mônica ou festa do Mônico?” percebemos pela linguagem das
meninas um ethos que revela a doçura e meiguice que uma mulher tradicionalmente deve
manifestar. O uso exagerado de diminutivos, determinados adjetivos e expressões revela uma
linguagem “melosa” tida culturalmente como feminina: “paizinho”, “fofinhos”, “beijinho”,
“papi”, “amiguinha” “mimo”, “dengosos”, “fofa”, “meigas”, “Tudo de mágico!”.
Para Bakhtin (1999), o homem constrói sua existência dentro das condições sócio-
econômicas objetivas, de uma sociedade. Somente como membro de um grupo social, de uma
classe social é que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e a uma produtividade cultural.
O nascimento físico não é uma condição suficiente para o homem ingressar na história, pois o
animal também nasce fisicamente e não entra na história. É necessário, um segundo nascimento,
um nascimento social. Dessa forma, a ligação do homem à vida e à cultura se dá por meio da
realidade social e histórica. Os comportamentos femininos e masculinos, então, não são inatos, ao
contrário, são construídos socialmente.
56
Figura 39 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 7
Figura 40 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 9
Ao acordar como menino, o vocabulário da Mônica (agora Mônico) se transforma: não
mais o uso de diminutivos doces e meigos reforçando o estereótipo de que as mulheres devem
comportar-se diferentemente dos homens: “Que doideira!”, “Só não respondo se alguém zoar
com a minha cara!”. Podemos perceber que o uso de gírias como: “doideira”, “zoar”, de acordo
com as regras de polidez, não é adequado para uma mulher tradicional, seja ela jovem ou não.
Porém, para os homens é naturalmente aceitável.
57
Figura 41 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 13
Figura 42 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 12
Figura 43 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 17
58
Figura 44 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 14
O mesmo ocorre com todas as personagens: Magali aparece como Magalão e com uma
linguagem absolutamente descuidada: “Fala aí, barango! O arranca-rabo começou? Tomara
que sim! O meu bucho já ta revirado de tanta fome!”. Os “antigos” meninos, ao contrário,
assumem um comportamento feminino estereotipado e demonstram uma preocupação com o
vocabulário que devem usar. “Cascona” considera “lavada” um palavrão e reforça que meninas
não devem se comportar assim: “Sem usar nomes feios Cebolilda! Você não na sua casa”.
Mônica também se repreende ao dizer palavrões: “Ups! Mas eu to ficando boca suja como os
meninos!” E os adjetivos ficam por conta da antiga Turma do Bermudão: “divina”,
“maravilhótima”. Os papéis se invertem, mas o estereótipo é o mesmo: as meninas devem falar
de forma meiga, graciosa, educada, com vocabulário adequado, ao passo que os meninos não
precisam ter esses cuidados.
De acordo com Rago (2006), as mulheres, de qualquer classe social, sempre enfrentavam
grandes barreiras para participar do mundo do trabalho. Os salários eram ruins, havia intimidação
física, assédio sexual, enfim, muitos obstáculos, para entrarem num mundo considerado
masculino. O desejo dos pais era que suas filhas encontrassem um “bom partido” para se casarem
e garantirem um bom futuro. E assegurar esse desejo era praticamente renunciar ao desejo de
trabalhar fora e obter sucesso em suas profissões. O trabalho feminino gerava o perigo de a
mulher perder a feminilidade e os privilégios como respeito, proteção e sustento garantidos pelos
homens. Isso seria praticamente irreversível a partir do momento em que entrasse no mundo das
ocupações consideradas masculinas.
59
Mesmo com tantas dificuldades, muitas mulheres trabalhavam fora de casa nas primeiras
décadas do século passado, impulsionadas pelas necessidades surgidas durante a Segunda Guerra
Mundial. Apesar de mais comum, o trabalho das mulheres não era bem visto socialmente.
Segundo Rago (2006), muitos teóricos pregavam que o trabalho da mulher fora de casa destruiria
a família, tornaria os laços familiares mais fracos e debilitaria a raça, porque as crianças
cresceriam mais livres, sem a vigilância constante e cuidadosa das mães. Além do mais, ao
trabalhar fora do lar, as mulheres deixariam de ser mães dedicadas e esposas carinhosas, e,
muitas, deixariam de se interessar pelo casamento e pela maternidade.
O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica
trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes conseqüências lamentáveis, quando
melhor seria que somente o homem procurasse produzir de forma a prover as
necessidades do lar. (JORNAL A RAZÃO, 29/07/1919 apud RAGO, 2006, p. 585).
A mulher devia se restringir a seu “espaço natural”, o lar, evitando toda sorte de contato
e atividade que pudesse atraí-la para o mundo público. A medicina fundamentava essas
concepções em bases científicas, mostrando que o crânio feminino, assim como toda a
sua constituição biológica, fixava o destino da mulher: ser mãe e viver no lar,
abnegadamente cuidando da família. (RAGO, 2006, p. 592)
Portanto, nesta época, a associação entre o trabalho da mulher e a moralidade social é
freqüente. No discurso de diversos setores sociais, destaca-se a ameaça à honra feminina
representada pelo mundo do trabalho: “Enquanto o mundo do trabalho era representado pela
metáfora do cabaré, o lar era valorizado como o ninho sagrado que abrigava a “rainha do lar” e o
“reizinho” da família” (RAGO, 2006, p. 588). Esta visão, conforme a autora, está associada direta
ou indiretamente, à vontade de direcionar a mulher à esfera da vida privada.
De que modo as mulheres que passavam a trabalhar durante todo o dia, ou mesmo
parcialmente, poderiam se preocupar com o marido, cuidar da casa e educar os filhos? O
que seria de nossas crianças, futuros cidadãos da pátria, abandonados nos anos mais
importantes da formação do seu caráter? Tais observações levavam, portanto, à
delimitação de gidos digos de moralidade para mulheres de todas as classes sociais.
(RAGO, 2006, p. 588)
Porém, este aspecto foi profundamente criticado pelo movimento feminista nos anos 70
que questionava não só a opressão machista, mas também os modelos de comportamento
impostos pela sociedade. Na época, a ditadura militar promovia um processo de modernização
acelerado, o “milagre econômico”. Nesse contexto, os vínculos tradicionais estabelecidos entre
60
indivíduos e a estrutura da família nuclear se desestabilizavam, as mulheres entraram
maciçamente no mercado de trabalho e voltaram a reivindicar o direito à cidadania, denunciando
as várias formas da dominação patriarcal.
Vejamos a atitude da personagem Tina nos quadrinhos seguintes:
Figura 45 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 60/61
61
Figura 46 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 62
Percebemos, aqui, um primeiro traço de subversão do papel feminino tradicional: uma
conquista das mulheres feministas. A personagem Tina, que foi criada em 1964 e aderiu à onda
62
hippie na década de 70, procura um emprego com muita naturalidade. Não parece que o fato de a
menina trabalhar escandaliza seus pais, ao contrário, ficam felizes com a iniciativa dela. A garota
tampouco se aparenta preocupada. O fato de trabalhar não parece causar-lhe constrangimento ou
diminuí-la socialmente.
Se, por um lado, o gibi vislumbra um novo papel para a mulher no que diz respeito ao
mundo do trabalho, por outro, valoriza muito mais o modelo tradicional que a coloca dentro do
lar envolvida com os afazeres domésticos e cuidados com o marido e filhos. Como vimos, a
manifestação da calma pelas mães destas HQs, que desempenham felizmente e naturalmente as
tarefas domésticas, levam à interiorização de que as famílias “funcionam” muito melhor dessa
forma.
Figura 47 – Brincando sozinha. In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 43
Figura 48 – O presente ideal. In SOUSA, Maurício de. Mônica festas. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 65
63
Figura 49 – O irmãozinho. In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 53. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 31
Figura 50 – Choveu na cama. In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali. 53. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 37
Figura 51 – Um recado importante. In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 114. São Paulo: Ed. Globo, 2006. p. 79
64
Figura 52 – Boas maneiras. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 38
Figura 53 – A constipação. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 67. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2002. p. 35
65
Figura 54 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 36
Muitos acreditam que dependência financeira é um direito das mulheres justamente por
elas serem mulheres. Em troca, devem devotar-se a casa e orgulhar-se de sua capacidade em
limpar, organizar, receber e criar filhos. Nas histórias de Maurício de Sousa, as mães não
trabalham. São os homens que as sustentam. Elas normalmente aparecem com aventais e estão
constantemente envolvidas nas atividades do lar, no cuidado com a família. Segundo a tradição, o
bom desempenho nas tarefas domésticas, especialmente cozinhar bem, é visto como uma garantia
de conquista do marido e manutenção do casamento.
De acordo com Bakhtin (1999), a criação ideológica constitui-se num ato material e social
e é introduzida à força na consciência individual. Portanto, esta consciência é um fato sócio-
ideológico. O trabalho doméstico sempre foi fundamental na vida das sociedades. E, ainda hoje,
ele é responsabilidade das mulheres. Por isso, constitui-se num fardo pesado para os ombros
femininos. Como diz Perrot (2007), esse trabalho é também um peso em relação à sua identidade,
pois a dona-de-casa perfeita é o modelo sonhado da boa educação, e, portanto objeto de desejo
dos homens.
66
O trabalho doméstico resiste às evoluções igualitárias. Praticamente, nesse trabalho, as
tarefas não são compartilhadas entre homens e mulheres. Ele é invisível, fluido, elástico.
É um trabalho físico, que depende do corpo, pouco qualificado e pouco mecanizado
apesar das mudanças contemporâneas. O pano, a pá, a vassoura, o esfregão continuam a
ser os seus instrumentos mais constantes. É um trabalho que parece continuar o mesmo
desde a origem dos tempos, da noite das cavernas à alvorada dos conjuntos
habitacionais. (PERROT, 2007, p. 115)
Figura 55 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 3
Para Dowling (1986), quando crianças, as garotas adquirem a definição de feminilidade a
partir da observação do comportamento das mulheres que vivem ao seu redor. A partir daí, ela
percebe o que é esperado dela. Os brinquedos desejados por Mônica são tradicionalmente
considerados brinquedos de menina: “estojinho de maquiagem”, “conjunto de cozinha”,
“ursinho” que remetem e preparam para o papel tradicional da mulher: deve cuidar da beleza, da
casa e dos filhos.
Figura 56 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 4
67
Figura 57 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 5
Segundo a autora, se a garota decidir contrariar essa expectativa, assume o risco de uma
decisão tão perturbadora que se constituirá para ela numa crise moral. A menina, que cresce
vendo a mãe e outras figuras femininas ao seu redor envoltas em assuntos domésticos, pode
acabar interiorizando que qualquer outro papel para as mulheres é não-natural e imoral. O
condicionamento da menina é tão enraizado que ela nem sequer cogita brinquedos considerados
masculinos, não utilidade, nem graça neles: escolhe uma boneca com um salão de beleza
mantendo o ethos da meiguice que a mãe (extremamente zelosa do lar) prontamente aprova:
“Mas que coisa meiga!”.
Assim como era esperado que as mulheres não trabalhassem também não era aconselhável
que estudassem. Conforme Perrot (2007):
Desde a noite dos tempos pesa sobre a mulher um interdito do saber [...]. O saber é
contrário à feminilidade. Como é sagrado, o saber é o apanágio de Deus e do Homem,
seu representante sobre a terra. É por isso que Eva cometeu o pecado supremo. Ela,
mulher, queria saber; sucumbiu à tentação do diabo e foi punida por isso. (PERROT,
2007, p. 91)
Segundo a autora, os filósofos das Luzes também pensavam assim. Para eles, era preciso
ensinar as meninas apenas conhecimentos relacionados a seus deveres. Ao longo do século XIX,
a idéia de que a instrução é contrária à natureza e ao papel feminino é reiterada: “feminilidade e
saber se excluem.” (PERROT, 2007, p. 93). A leitura ofereceria o sério perigo de abrir as portas
da imaginação: “Uma mulher culta não é uma mulher.” (PERROT, 2007, p. 93). É a
68
manifestação do temor em ter seu lugar tomado pelo feminino. O saber pertenceria, por direito,
ao masculino, ele é que deveria se preocupar com os assuntos mais importantes.
Mesmo nos anos dourados a visão não se altera muito. Os homens não desejariam as
mulheres muito inteligentes. Bassanezi (2006) afirma que o magistério era o curso mais comum
entre as moças justamente por ser o mais próximo da função de “mãe”. No entanto, a maioria
delas não exercia a profissão, contentavam-se apenas com o prestígio do diploma e a chamada
“cultura geral” adquirida na escola normal.
[...] um certo nível cultural é necessário à jovem para que “saiba conversar” e agradar os
rapazes assim como é útil para o governo de uma casa e a educação dos filhos, entretanto
os rapazes evitam as garotas muito inteligentes e a “mulher culta” tem menos chances de
se casar e de ser feliz no casamento. (BASSANEZI, 2006, p. 626)
Figura 58 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 4
O direito de freqüentar a universidade foi também uma conquista das feministas.
Conforme Perrot (2007), nos anos 1970 as mulheres já representavam quase um terço das
matrículas. Atualmente, as jovens universitárias são mais numerosas que os rapazes. Como Tina,
elas freqüentam as faculdades, em diversas áreas, apesar de ainda serem mais bem recebidas em
cursos considerados “femininos”.
Efeito da modernidade, provavelmente: os homens desejam ter “companheiras
inteligentes”. Os Estados almejam mulheres instruídas para educação básica das
69
crianças. O mercado de trabalho precisa de mulheres qualificadas, principalmente no
setor terciário de serviços: correios, datilógrafas, secretárias. (PERROT, 2007, p. 95)
Figura 59 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 7
Conforme Perrot (2007), o casamento é, para a maior parte das mulheres, a condição
considerada normal: “Ápice do “estado de mulher”” (PERROT, 2007, p. 46). O maior medo das
moças dos anos dourados era que ficassem solteiras. O celibato remetia à situação de desprezadas
e “solteironas”, que seriam boas tias. O problema não era apenas a solidão, mas também o seu
sustento, uma vez que, sem marido, se tornariam um peso à família e sofreriam com o estigma de
não terem cumprido com o destino feminino. O casamento conferia status às mulheres enquanto
esposas e mães e aquelas que não se casavam não eram bem vistas socialmente. A idéia de ficar
“para a titia” deixava as jovens apavoradas.
vantagem em casar-se cedo? Sim [...] A mulher jovem tem mais energia para a
criação dos filhos [...] marido e mulher quando são jovens adaptam-se melhor [...]. Muita
gente, entretanto se insurge contra o casamento cedo tanto para mulher quanto para o
homem alegando que este precisa ‘gozar a vida’ e que aquela não deve assumir tão
jovem as canseiras de mãe de família e dona de casa. Quem argumenta assim são
espíritos fracos que têm medo à responsabilidade, pois nenhuma mulher bem casada e
que tenha personalidade lastimará os trabalhos decorrentes do casamento. Ela se sentirá
útil e esse simples pensamento a aliviará em seus momentos de canseira [...] Uma moça
com 18 anos [...] está em condições de assumir um casamento. Consideremos,
portanto, que, em situação normal, a mulher não devia casar-se antes dos 18 anos. Mas
dessa idade em diante e de preferência mesmo não muito além dela a mulher deve casar-
se. (O Cruzeiro, 11 abr. 1953 apud BASSANEZI, p. 619/620).
A emergência da família burguesa, ao reforçar no imaginário a importância do amor
familiar e do cuidado com o marido e com os filhos, redefine o papel feminino e ao mesmo
tempo reserva para a mulher, novas e absorventes atividades no interior do espaço doméstico. Os
70
médicos, os meios educativos e a imprensa, segundo D’ Incao (2006), esforçavam-se para
organizar propostas para “educar” a mulher para o seu papel de guardiã do lar e da família. A
possibilidade do ócio entre as mulheres de elite também incentivou a assimilação das novelas
românticas e sentimentais consumidas entre bordados, receitas e confidências entre amigas. As
histórias de heroínas românticas, debilitadas e sofredoras estimularam a idealização das
realizações amorosas e das perspectivas de casamento, e terminaram por solidificar um conjunto
de comportamentos ideais para as moças da época que foi rapidamente absorvido pelo discurso
dominante.
Dessa forma, o destino natural de toda mulher era ser mãe, esposa e dona de casa, pois a
maternidade, o casamento e a dedicação ao lar faziam parte da essência feminina. Isto não era
contestável. A mulher deveria dedicar todos os seus esforços para seguir os modelos
estabelecidos e ser uma boa moça de família.
A vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica seriam marcas de
feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o
espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que não seguisse seus
caminhos estaria indo contra a natureza, não poderia ser realmente feliz ou fazer com
que outras pessoas fossem felizes. Assim, desde criança, a menina deveria ser educada
para ser boa mãe e dona de casa exemplar. As prendas domésticas eram consideradas
imprescindíveis no currículo de qualquer moça que desejasse se casar. E o casamento,
porta de entrada para a realização feminina, era tido como o “objetivo” de vida de todas
as jovens solteiras. (BASSANEZI, 2006, p. 609/610)
Bassanezi afirma que “os homens procuravam para esposa uma pessoa recatada, dócil,
que não lhes trouxesse problemas especialmente contestando o poder masculino e que se
enquadrasse perfeitamente aos padrões da boa moral” (BASSANEZI, 2006, p. 612-613). As
jovens que quisessem ser boas moças de família deveriam se comportar corretamente, de forma
que não ficassem “mal faladas”. Não ficar mal falada” significava obedecer ao discurso
dominante, qualquer deslize era fatal para a moral das meninas. Elas precisavam ter gestos
delicados, respeitar os pais, preparar-se adequadamente para o casamento, e, claro, conservar sua
inocência sexual.
Nos gibis de Maurício de Sousa, como já dissemos, muitos desses valores não são
observados como aspectos determinantes para a formação do caráter das meninas. Novas formas
de pensar e comportar-se são naturalmente introduzidos pelas personagens que acabam por
desestruturar/alterar o discurso dominante e instaurar um novo. De acordo com Reboul (2004), os
71
valores estão simultaneamente na base e no termo da argumentação e variam segundo o auditório.
Mesmo os valores universais, que são admitidos por toda a sociedade, possuem conteúdos
diferentes; belo e feio, por exemplo, são noções aceitas por todos os povos, porém com conceitos
distintos. [...] todas as questões (inocente ou culpado; útil ou nocivo; belo ou feio; bem ou mal)
são formulados em termos de valor” (REBOUL, 2004, p. 165).
O movimento hippie com seu lema: “Paz e Amor” foi grande responsável pela subversão
destes valores. Esse movimento originou-se nos Estados Unidos, nos anos 60, após a Segunda
Guerra Mundial e, posteriormente, se expandiu pelo mundo. Ele introduziu o espírito de
liberdade, esperança de um mundo melhor, paz, felicidade, mudança e revolução. Os hippies
rebelaram-se contra a sociedade e seu modo de organização capitalista e desejavam expressar
suas opiniões contra esse sistema que valorizava, o consumismo, a ambição, a ganância, o
individualismo, a submissão das mulheres aos homens e à sociedade, levando os povos à
desigualdade social e a violência. Buscavam a aventura, o prazer e assim, juntavam-se para
concretizar suas vontades vivendo em comunidades. O uso abusado das drogas LSD era uma
maneira de libertar-se das opressões sociais e políticas e subverter o modelo da época.
Segundo Bassanezi (2006), a prática do flerte por parte das mulheres revelava, até a
metade do século XX, uma iniciativa feminina na conquista do homem, e isso era condenável. A
iniciativa da conquista e das declarações de amor devia partir do homem, pois a mulher deveria
sempre “saber conservar o seu lugar”. “Muitas moças precisam compreender que o que se oferece
não tem valor” (O Cruzeiro, 13 jul. 1957 apud Bassanezi p. 614). No entanto, como precisavam
se casar, as moças podiam utilizar artifícios implícitos para atrair um pretendente como: estimular
sua vaidade, estar sempre de bom humor, vestir-se bem, interessar-se pelo seu trabalho, elogiar
sua inteligência. A garota deveria fazer parecer que a iniciativa vinha do garoto.
72
Figura 60 – O pecador. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 4.
Figura 61 – Hã, Nham, Gulp... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 26. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2000. p. 20
Figura 62 – O pecador. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 11
73
Figura 63 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 4
Figura 64 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 8
Figura 65 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 11/12
74
Porém, nas HQs de Maurício de Sousa, as meninas não se intimidam em paquerar e tomar
iniciativa na relação amorosa. Rosinha sempre toma iniciativas no relacionamento amoroso com
Chico Bento, o convida para namorar e se oferece para beijá-lo constantemente: “Pois tenho uma
coisa qui quero docê!”, “Agora eu quero namora ocê!”, “Agora, dá um bejo?”. A Mônica, com
freqüência, tenta conquistar alguém e não age de forma discreta, implícita. Ao contrário, não
mede esforços para sua conquista. Em “Simpatia do Amor” se submete publicamente a atitudes
ridículas sem constranger-se diante de outras pessoas e do próprio alvo da conquista: “Saia para a
rua cantando e dançando num só, até dar de cara com seu amado”, “Quando o seu amor
trouxer a cueca, coloque-a na cabeça e saia cantando a seguinte música de carnaval...”.
Também era péssimo à reputação de uma jovem usar roupas muito ousadas, sensuais, sair
com muitos rapazes diferentes ou ser vista em lugares escuros ou em situação que sugerisse
intimidades com um homem. Era comum que os pais exigissem que elas andassem com
rapazes na companhia de outras pessoas amigas, irmãos ou parentes, aqueles que eram
chamados “seguradores de vela”. Além do mais, os namoros eram, muitas vezes, arranjados pelas
famílias para atender alianças financeiras. Conforme Perrot (2007), o amor era até desejado, mas
não indispensável.
75
Figura 66 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 4
Figura 67 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 7
76
Figura 68 – O pecador. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 11
Figura 69 – Hã, Nham, Gulp... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 26. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2000. p. 20
Nas histórias da Tina, ela normalmente aparece com roupas sensuais e namorados
diferentes que ela mesma escolhe: O Paulinho, meu novo namorado!”, “E aí? Vamos ao cinema
como havíamos combinado?”. Ela passeia sozinha com seus “namorados”, assim como Rosinha
que, na maioria das vezes, aparece só com o Chico Bento. Nos anos dourados, seria muito ruim à
fama da moça ser namoradeira, e permitir beijos ousados, abraços intensos e outras formas de
manifestar a sexualidade. Mas, como diz Reboul (2004), os valores, assim como os fatos, são
presumidos; e atualmente, todos admitem, ainda que com reservas (claro!), que as mulheres
podem sair de casa sozinhas, paquerar, escolher seus namorados, usar roupas que valorizem seus
corpos, etc. Por isso, tanto Tina quanto Rosinha têm uma boa reputação: são meninas de família.
Ir ao cinema ou beijar o namorado não estraga a reputação delas.
Encontramos também a subversão relacionada ao comportamento cotidiano das meninas.
77
Figura 70 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 26
Figura 71 – A avó (comilona) da Magali. In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Magali nº. 50. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 4
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Figura 72 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 51
79
Figura 73 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 52
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Figura 74 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 53
Figura 75 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 10
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Figura 76 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 13/14
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Figura 77 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 27
Magali está sempre preocupada única e exclusivamente com a comida. Dessa forma, não
se compromete com as conveniências sobre o que é educado ou não. Ela não faz questão de
atender as expectativas, preocupa-se com seu próprio prazer, mesmo que, por isso, seja vista
como inconveniente e mal-educada: “Ai, meu Deus! O primeiro pedaço é meu!!”, “Que falta de
educação!”. A jovem Tina discute com a mãe sem constrangimento, a culpa por suas frustrações,
seu “estresse” e por sua infelicidade: “Acho que tudo começou quando eu tinha oito anos e você
não me comprou a boneca Pimpolhinha!”; “Aos dez, você fez a festa de palhacinhos e eu tinha
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escolhido a dos cavalinhos mágicos!” Faz cobranças e mais cobranças sem medo de repreensão:
“Todos os meus amigos falam francês, menos eu!”; “O meu celular não tem câmera! [...] Não
gosto da cor das paredes do meu quarto!”; “Você não me entende!”. E, o que pensaria a
sociedade do início do século passado de uma jovem que mostra a barriga e corre pela rua, na
chuva, tão desembaraçadamente? Mônica, por sua vez, não é essencialmente feminina, não
possui movimentos delicados, ao contrário, é desajeitada e age com impetuosidade: “Então vem
dar um ablação na gente... que idéia de jacu!”, “Olhem! Ela está fuliosa!”; “A Mônica voltou
ao normal!!”.
O namoro era visto como uma etapa preparatória para o noivado e, sobretudo, para o
casamento. Por isso, as moças só poderiam namorar se o namoro conduzisse ao matrimônio. Não
era adequado perder tempo com namoros que não tivessem chance de levá-las ao altar, não
deviam se aventurar em namoros passageiros. Segundo Bassanezi (2006), as revistas femininas
dos anos 50 eram enfáticas em suas mensagens repreendiam severamente os comportamentos
considerados inadequados ou promíscuos; afirmavam que as moças que se comportassem mal
não ficariam impunes. Seriam muito solicitadas pelos rapazes, teriam muitos “admiradores”, mas
não casariam, pois os homens não desejam que a mãe de seus filhos seja apontada como uma
irresponsável.
Figura 78 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 53
84
Tina conta para a mãe que tem três rapazes querendo namorá-la. A mãe, ao invés de
escandalizar-se, ironiza: “Mas que problemão!”. Não parece considerar um problema a filha
trocar sempre de namorado, isso não parece, na perspectiva dela, atrapalhar o futuro da jovem.
No entanto, se a moça não devia aventurar-se em namoros passageiros também não podia
manter namoros ou noivados muito longos. Assim que um namoro começava, o pai da garota
pressionava o rapaz forçando uma definição das intenções da relação. Conforme Bassanezi
(2006), o tempo desses relacionamentos teria de seguir alguns padrões, não podendo durar muito,
pois poderia gerar suspeitas sobre as verdadeiras intenções do rapaz. Além disso, um namoro ou
um noivado muito longo não era favorável à reputação de uma moça que se tornava alvo de maus
comentários. A opinião da sociedade, no início do século XX, era tão importante quanto a do
namorado ou noivo. A cobrança para que o namoro conduzisse logo ao casamento tinha um
grande peso nas decisões de cada um.
Figura 79 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 68
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Figura 80 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 70
Pipa e Zecão mantêm um namoro estável muito tempo. Eles constantemente retratam
conflitos de casais: “Isso acontece pelo menos a cada três meses!”, E vocês sempre acabam
voltando”. No entanto, Pipa não é vista pela sociedade por manter um namoro tão longo. Ao
contrário, as pessoas respeitam o relacionamento dela com Zecão e estão sempre colaborando
para que se perdoem e fiquem bem.
A observância dos valores burgueses era considerada como o sustentáculo da família. As
mulheres casadas ganhavam a função de contribuir para o projeto familiar de mobilidade social
através de sua postura impecável nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral. Um dos
principais objetivos da companheira ideal era fazer o homem feliz, por isso, necessitava
acompanhar seu companheiro em todos os seus pensamentos, procurar agradá-lo, dedicar-se ao
seu bem estar e não discordar de suas opiniões. A mulher deveria ser a responsável pela
tranqüilidade doméstica e pela harmonia do casal.
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Figura 81 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 5
Em “Um namorado super protetor”, Tina se ressente por Paulinho ter maltratado Rolo,
questiona sua conduta e demonstra que não se sente satisfeita com o jeito dele pensar e agir,
contrariando a submissão desejada no início do século passado: Você não foi gentil com o meu
amigo!!”.
A mulher exigente e dominadora era o oposto da esposa perfeita. As mulheres que tinham
estas características eram condenadas à infelicidade conjugal, pois tal felicidade era prometida
apenas “às mulheres essencialmente femininas” que soubessem colocar o marido em primeiro
87
lugar”. “Pelo menos nas aparências, o “poder” em um casamento deveria estar em mãos
masculinas”. (BASSANEZI, 2006, p. 631)
A boa companheira seria capaz de adivinhar os pensamentos do marido; amar sem
medir sacrifícios visando única e exclusivamente a felicidade do amado; receber o
marido com atenção todo o dia quando ele chegasse em casa; manter o bom humor e a
integridade da família; interessar-se por vários assuntos para poder conversar com o
marido e ser uma boa anfitriã – e não envergonhá-lo na frente dos amigos -, saber falar e
calar nas horas certas, quando o marido está cansado ou aborrecido, por exemplo. A boa
esposa a principal responsável pela paz doméstica e a harmonia conjugal além de
não discutir, não se queixa, não exige atenção. Não aborrece o marido com manias de
limpeza e arrumação, futilidades, caprichos, inseguranças ou necessidades de
romantismo fora de hora – atitudes típicas das mulheres. (Bassanezi, 2006, p. 629/630)
Figura 82 – Que estresse! In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 236. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 54
A mãe de Tina se descontrola diante das cobranças da garota e não preserva o marido,
compartilha com ele suas frustrações. Ela revela uma grande intranqüilidade e um enorme mau
humor gerados pela situação.
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Bassanezi (2006) afirma que, na maioria das vezes que recebiam casos de brigas entre
casais, as revistas davam razão aos maridos. E quando, a muito custo, concordavam com as
mulheres, aconselhavam-nas a ceder e deixar com que os homens saíssem vitoriosos, pois, caso
contrário, poderiam perder o casamento ou torná-lo intolerável. Qualquer forma de protesto
feminino era desestimulada. Para conseguir o que queriam, o ideal era que usassem estratégias
mais sutis: o famoso “jeitinho feminino”.
O amor conjugal era considerado, nos primeiros anos do século XX, um golpe de sorte.
Por isso, de acordo com Perrot (2007), o amor se realizava muito mais fora do casamento. A
infidelidade feminina era inaceitável, passível de ser levada a tribunal, não podia ser perdoada.
Caso fosse descoberto um deslize da esposa era uma obrigação moral que o marido a
abandonasse. No entanto, para os homens, o adultério era amplamente tolerado sob a justificativa
de que a sexualidade masculina seria incontrolável. Não importava que fosse infiel desde que
mantivesse as aparências e continuasse sustentando suas famílias. Nestes casos, as mulheres não
deveriam se queixar, pois os homens são “naturalmente” infiéis. Portanto, em casa, a paz deveria
ser mantida mesmo diante de uma traição masculina, porque as aventuras extraconjugais eram
consideradas irrelevantes, passageiras e não chegavam a atingir um casamento.
Figura 83 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 79
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Figura 84 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 79
Pipa não aceita uma possível traição de Zecão, não mantém a “paz conjugal”. Uma
traição, na opinião dela, não pode ser explicada e, portanto, é imperdoável. Não argumentos
que justifiquem um deslize do namorado.
Diante dos aspectos analisados até aqui, percebemos que, ao compararmos o discurso
tradicional sobre o feminino com os comportamentos das personagens das HQs, verificamos que
no plano das aparências, um novo discurso aceito pela sociedade que orienta um novo modo
de viver para as mulheres. Mas, e no plano da essência?
Figura 85 – O pecador. In SOUSA, Maurício de. Almanaque do Chico Bento nº. 86. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 5
Rosinha revela um comportamento dentro dos padrões desejados pelo discurso
dominante. A própria garota define-se como: “uma minina dereita, pura i temente a Deus!” e
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atende, portanto, as expectativas da sociedade. A mulher, além de delicada, bem educada e
“prendada”, deve preservar sua inocência sexual e seguir a moral desejada pela Igreja.
Para Dowling (1986), quando as mulheres apresentam alguma dificuldade na adaptação
ao relacionamento, e, por isso surgem discussões, elas prontamente se culpam e tendem a atribuir
o problema aos próprios erros. Mesmo quando é o homem o responsável pelas discussões, as
mulheres sentem terem elas cometido um erro.
[...] E de acordo com esse papel natural chegamos a acreditar que caiba à mulher maior
parcela na felicidade do casal; porque a natureza dotou especialmente o espírito
feminino de certas qualidades sem as quais nenhuma espécie de sociedade matrimonial
poderia sobreviver bem. Qualidades como paciência, espírito de sacrifício e capacidade
para sobrepor os interesses da família aos seus interesses pessoais. Haverá mulheres de
espírito avançado que recusem esta teoria sob a alegação de que o casamento, nesse
caso, não é compensador. A estas, [...] responderiam as esposas felizes [...] [provando
quão compensador] é aceitar o casamento como uma sociedade em que a mulher um
pouquinho mais. (O Cruzeiro, 20 abr. 1960 apud BASSANEZI, 2006, p. 627).
Figura 86 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 73
Em “Brigas, nunca mais..., Será?” Pipa não atribui a Zecão a culpa pela briga que tiveram.
Ao contrário, assume naturalmente a culpa: “Não consigo tirar da cabeça a carinha tristinha que
o Zecão fez quando eu briguei com ele”. O homem aparece como vítima do descontrole
feminino: “Vou ligar para ver se ele está melhor!” (grifos meus).
Percebemos a reprodução do modelo em que homens e mulheres não devem valorizar as
mesmas coisas, tudo deve ser sistematicamente diferente. As mulheres precisam ser educadas de
forma a não reproduzir gostos masculinos. Os comportamentos reforçados nas meninas não são
91
reforçados nos meninos. A maioria dos atos que se considera “bom” em meninas é considerado
repulsivo para os meninos.
Timidez e fragilidade, ser “bem comportada” e quieta, e depender dos outros para obter
auxílio e apoio são coisas julgadas naturais – senão desejáveis – nas meninas. Os
meninos, em contrapartida, são ativamente desencorajados a apresentarem formas
dependentes de relacionamento elas os tornam “maricas”. Gradualmente, diz Judith
Bardwick. “o filho é forçado a apresentar comportamentos independentes e
“recompensado por isso”... ” (DOWLING, 1986, p. 92/93).
Figura 87 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 19
92
Na história em que Mônica é transformada num garoto encontramos esse ponto de vista.
A festa repleta de “delicadezas” planejada por ela desaparece, nada é aproveitado: “Onde estão os
chapéus do ursinho Bilu? O bolo da Princesa Adormecida? A toalha de mesa da boneca Blérbi?”
Afinal, tradicionalmente, meninos devem gostar de coisas mais “imponentes” que contribuam
para sua independência como super-heróis e espadas que, podemos compreender, também os
preparam para seu papel na sociedade: “É...É um bolo de super-herói!”; “Os copos de refri se
transformam em espadas-laser de papel!”, Ai, que lindo! O meu filhinho está preocupado com
as meninas!”.
As histórias da Turma da Mônica reforçam o mito de que a fragilidade é uma qualidade
feminina.
Figura 88 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 12
Figura 89 - Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 21
93
“Mônico” é severamente repreendido por bater nas meninas: “Você não sabe que não se
bate em damas, rapazinho?” As “meninas” não se constrangem e rapidamente assumem-se como
frágeis e desprotegidas: “Não sabia que ele ela defensor das flágeis e desplotegidas!!”. Para
Dowling (1986), a mulher vive em meio a muitos medos. Ela tem medo de represália por parte
daqueles de quem discorda, de ser criticada por fazer algo errado, de dizer não”, de explicitar as
próprias necessidades claramente. Segundo ela, esses medos existem porque as mulheres, muitas
vezes, são criadas de modo a acreditar que cuidar de si mesmas não é feminino. Elas desejam
intensamente ser atraentes, não ameaçadoras, doces, enfim, “femininas”.
Mônica, como sabemos, no plano da aparência, não se enquadra nesse mito da fragilidade:
ela “não leva desaforos para casa”, apresenta-se como extremamente segura, forte, poderosa,
dominadora, enfim, características esperadas pelo comportamento masculino. Leva uma vida
pouco submissa aos homens, é uma menina ativa, anda pelos espaços blicos, se relaciona com
amigos, participa das mesmas aventuras que os meninos e tem uma grande força física que os
incomoda profundamente.
Figura 90 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 15
94
Figura 91 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 16
Porém, mesmo com toda essa independência, Mônica não parece sentir-se completa:
justamente por não representar uma menina tradicional e submissa ao homem, ela não é aceita e
não cria possibilidades para um par romântico. Nenhum dos meninos parece interessar-se por ela,
o que desperta forte compaixão nos leitores.
Figura 92 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 5
95
Figura 93 – Topa tudo por amor! In SOUSA, Maurício de. Mônica. 114. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 6
Figura 94 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 7
Figura 95 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 15
96
No plano da essência a garota revela-se profundamente incomodada por não ser como os
garotos gostariam que fosse. E, muitas vezes, coloca-se num esforço grande para entrar no
modelo adequado. Dowling (1986) afirma que as mulheres ainda têm medo de desenvolver suas
potencialidades e, a esse medo o nome de Complexo de Cinderela. Para ela, Complexo de
Cinderela é um conjunto de atitudes e temores reprimidos que mantêm as mulheres numa
penumbra e as impede de desenvolver plenamente sua criatividade e intelecto. Muitas mulheres,
como Cinderela, vivem esperando algo externo que transforme suas vidas.
Figura 96 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Ed. Globo, 2005. p. 12
Em Simpatia do Amor”, Mônica não mede esforços para conquistar o “amor eterno”.
Como tem consciência de não ser aceita como é, recorre a uma simpatia. A crença de obter por
forças gicas o amor de Ronaldinho faz com que a menina se submeta a atitudes que não
condizem com seu comportamento cotidiano e que jamais realizaria diante dos amigos para quem
sustenta uma imagem externa de segurança e independência. Dowling (1986) afirma que muitas
mulheres mantêm internamente muitas dúvidas em relação a si mesmas, porém, externamente se
comportam com muita autoconfiança. Os atributos passividade, dependência e, principalmente,
baixa auto-estima são características que normalmente diferenciam as mulheres dos homens.
97
Figura 97 – Simpatias do amor... In SOUSA, Maurício de. Almanaque da Mônica nº. 107. São Paulo: Ed. Globo, 2005. p. 13
Mônica somente consegue ser respeitada ao reproduzir o papel de quem domina e oprime
porque tem força física. Uma inversão de papéis que reforça os estereótipos feminino e
masculino. Tradicionalmente são os homens que dominam pela força. Mônica, portanto, é
respeitada por apresentar características masculinas e não por representar um feminino forte.
98
Figura 98 – Topa tudo por amor! In SOUSA, Maurício de. Mônica. 114. São Paulo: Editora Globo, 1996. p. 10
Em “Topa tudo por amor”, depois de armar um plano para ridicularizar a menina
Cebolinha tem certeza que levará uma surra e, apenas aceita namorar Mônica, porque acredita ser
a única forma de não apanhar dela: “Eu topo tudo para não apanhar”. A garota que anseia sempre
por um amor fica muito feliz.
Mônica apenas é sinceramente correspondida quando muda seu jeito de ser. Em “Feliz
Aniversário, Mônica!!”, a paixão provoca uma mudança de comportamento nela. Ela parece ver
as coisas de outra forma, deixa de ser dominadora, agressiva, e, até mesmo, independente, o que
valoriza o comportamento tradicional em detrimento do independente.
99
Figura 99 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 18
Figura 100 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 19
100
Figura 101 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 21
Figura 102 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 24
Leitores habituados às historinhas da Mônica estranhariam ver a menina tão calma. Dar
um beijo carinhoso no Cebolinha, ser chamada de baixinha, dentuça, gorduchona, rolha de poço,
baleia e apenas dar um bocejo, sem se irar, não são atitudes cotidianas dela. E, justamente,
101
quando manifesta este comportamento mais delicado e tradicional recebe a recompensa: ““Ele”
veio!”.
Figura 103 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 24/25
Ao contrário de várias outras histórias, o amor de Mônica em “Feliz Aniversário,
Mônica!” parece ser correspondido. Ricardinho parece gostar sinceramente da menina. No
entanto, nesta história, ela se revela bem diferente do que normalmente é. Apenas por reproduzir
um modelo mais idealizado consegue obter reciprocidade no amor.
Associado ao mito de que mulher é o sexo frágil, vem também o de que ela necessita ser
protegida pelos homens. “Sempre à espreita às vezes nos momentos mais inesperados -, ataca a
tentação de reassumir o papel de innua, ou o de sedutora, ou o de menininha mimada”
(DOWLING, 1986, p. 54). Muitas vezes, as mulheres têm medo de que um comportamento
independente seja visto como não feminino. muito tempo a feminilidade é identificada com a
dependência. Ainda hoje, a maneira pela qual as meninas são socializadas predetermina um forte
conflito quanto à independência psicológica necessária para que, quando adultas, se libertem e
assumam seu lugar. Conforme Dowling (1986), professores, terapeutas e demais profissionais
que trabalham ou estudam com jovens do sexo feminino constatam a perpetuação do Complexo
de Cinderela – a crença por parte das jovens, de que sempre haverá alguém para cuidar delas. É a
manifestação da confiança no poder masculino. O homem pode protegê-la das angústias e
desafios da vida.
102
Figura 104 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 5
A jovem Tina normalmente apresenta uma auto-suficiência explícita. É ela quem
“escolhe” seus namorados e amigos, sai sozinha, faz faculdade. Porém, por um momento, em
“Um namorado tão protetor!”, ela acaba achando muito confortável e prazeroso “ter um homem
forte protegendo a gente!”. Muitas vezes, as mulheres começam a achar difícil ser auto-
suficientes e passam a almejar a proteção e segurança que convencionalmente são proporcionadas
pelo sexo masculino.
Figura 105 – Namorado tão protetor. In SOUSA, Maurício de. Almanaque Turma da Tina nº. 2. São Paulo: Panini, 2007. p. 7
103
Desse modo, ainda hoje, em pequenos detalhes as mulheres revelam que desejam
continuar a serem mimadas e servidas, especialmente, pelos homens. Esses pequenos gestos de
proteção fazem com que se sintam mais delicadas e femininas: “Ai, Paulinho! Você é tão
atencioso!”.
Para Dowling (1986), mesmo as mulheres aparentemente mais independentes manifestam
uma dependência da figura masculina, irmão, pai, namorado, marido. Para ela, as mulheres nunca
foram treinadas para a liberdade, mas para o oposto: a dependência. A necessidade de apoiar-se
em alguém ou de serem protegidas, alimentadas e cuidadas perdura através de suas vidas,
clamando por satisfação, sem serem anuladas pela necessidade igualmente presente de auto-
suficiência.
Figura 106 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 6
Mônica, com sua imagem de menina moderna e auto-suficiente, sente-se absolutamente
insegura diante da possível preferência do pai por um menino na história “Aniversário da Mônica
ou Festa do Mônico?”. No seu interior, oculta incertezas e medo de perder a sua figura masculina.
Segundo Dowling (1986), há no inconsciente feminino o pensamento de que a mulher só pode ser
aquilo que seu homem espera, e, portanto, não pode frustrar sua expectativa em relação a ela. Por
esse motivo, não corresponder à expectativa masculina, gera, muitas vezes, a vergonha. A
necessidade de atender as expectativas do pai oculta na menina o desejo de ser um garoto. É o
estilo das pessoas em estado de absoluto terror, como a mulher tão inundada por sentimentos de
104
vulnerabilidade (por causa de seu sexo) que quase preferiria ser homem” (DOWLING, 1986, p.
69).
Figura 107 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 23
Idéias tradicionais sobre o que é desejável nas mulheres continuam a prevalecer na
população masculina. Para Dowling (1986), os homens não procuram mulheres profissionais que
possam se desenvolver com tanta sofisticação e independência quanto eles. É a manifestação da
inveja, um pesar pelo sucesso do outro. O discurso masculino prega que mulheres não devem
desejar ser como os homens ou ocupar o lugar que é deles por direito, porque as conseqüências
não são boas: “Ai, ai! Em que fria eu fui me meter? Por que fui pedir isto?”.
Lugar de mulher é o lar [...] a tentativa da mulher moderna de viver como um homem
durante o dia, e como uma mulher durante a noite, é a causa de muitos lares infelizes e
destroçados. [...] Felizmente, porém, a ambição da maioria das mulheres ainda continua
a ser o casamento e a família. Muitas, no entanto, almejam levar uma vida dupla: no
trabalho e em casa, como esposa, a fim de demonstrar aos homens que podem competir
com eles no seu terreno, o que freqüentemente as leva a um eventual repúdio de seu
papel feminino. Procurar ser a noite esposa e e perfeitas e funcionária exemplar
durante o dia requer um esforço excessivo [...]. O resultado é geralmente a confusão e a
tensão reinantes no lar, em prejuízo dos filhos e da família. (Querida, nov. 1954 apud
BASSANEZI, 2006, p.624).
A menina Mônica abandona o desejo de ser um menino, nesta história, quando
descobre que se encontra no modelo aspirado pelo pai: “Então tá tudo certo!”.
105
Figura 108 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 25
Conforme Dowling (1986), as propensões à dependência se encontram profundamente
enraizadas em muitas mulheres, mesmo que não queiram deixar transparecer. Esse fato afeta o
modo pelo qual pensam, agem e falam. Mesmo as mulheres aparentemente repletas de sucesso
em suas vidas profissionais e privadas apresentam tendência a subordinarem-se a outras pessoas e
se tornarem dependentes delas.
A necessidade psicológica de evitar a independência “o desejo de salvação” me
parecia um ponto importante, provavelmente o mais importante no que concerne às
mulheres hoje. Fomos criadas para depender de um homem e sentirmo-nos nuas e
apavoradas sem ele. Fomos ensinadas a crer que, por sermos mulheres, não somos
capazes de viver por nossa conta, que somos frágeis e delicadas demais, com absoluta
necessidade de proteção. (DOWLING, 1986, p. 25)
106
Figura 109 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica Festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 16
Em “Feliz Aniversário, Mônica!”, a ausência da presença masculina desejada faz com que
Mônica sinta-se sozinha e incompleta mesmo no meio de tantos amigos. É curioso como uma
menina que se apresenta, normalmente, tão segura e confiante, de repente pareça tão frágil e
insegura: ““Ele” não está aqui?”, ““Ele” não veio?”, “De repente, eu me sinto tão sozinha...”.
107
Figura 110 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 69
Em Brigas, nunca mais... Será?” Zecão, depois de uma discussão com Pipa, procura o
amigo para uma conversa. Pipa faz a mesma coisa, porém seu ponto de vista é bem diferente. A
dependência do namorado é tão grande, que ela não considera a briga um fim no relacionamento,
mas sim o fim de sua vida: “BUÁÁÁÁ!! A minha vida acabou!!”.
Romantismo e sensibilidade exagerada sempre foram características tidas como
especialmente femininas.
108
Figura 111 – Feliz aniversário, Mônica!! In SOUSA, Maurício de. Mônica festas nº. 47. São Paulo: Editora Globo, 2005. p. 28.
109
Magali, que no plano da aparência, parece não se preocupar com nada além de comida, no
plano da essência, tem interiorizado o discurso tradicional sobre o amor. Para ela, este sentimento
revela-se todo poderoso, capaz de mudar para melhor interiormente ou exteriormente todas as
coisas. É a necessidade do feminino em encontrar “o porto seguro”. Nesta visão, o amor
corporificado no masculino é a confiança numa vida mais bela.
Figura 112 – Brigas, nunca mais. Será...? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 74
Para Dowling (1986), de certa forma, a necessidade de dependência é normal também nos
homens. Porém, as mulheres desde pequenas são incentivadas a uma dependência doentia. Pipa
depende da figura masculina para estar de bom humor. Segundo a autora, qualquer mulher que se
auto-analise percebe o quanto foi destreinada para sentir-se confiante diante da necessidade de
cuidar-se de si mesma, afirmar-se como pessoa e defender-se.
A auto suficiência não é um bem agraciado aos homens pela natureza; ela é produto de
aprendizagem e treino. Os homens são educados para a independência desde o dia de seu
nascimento. De modo igualmente sistemático, as mulheres são ensinadas a crer que,
algum dia, de algum modo, serão salvas. Esse é o conto de fadas, a mensagem de vida
que ingerimos juntamente com o leite materno. Podemos aventurar-nos a viver por nossa
conta por algum tempo. Podemos sair de casa, trabalhar, viajar; podemos até ganhar
muito dinheiro. Subjacente a isso tudo, porém, está o conto de fadas, dizendo: agüente
firme, e um dia alguém virá salvá-la da ansiedade causada pela vida. (DOWLING, 1986,
p. 13)
A dependência, por sua própria natureza, gera a baixa auto-estima. Dowling (1986) afirma
que estudos comparativos da variável gênero sexual mostram que as mulheres se julgam com
características mais negativas do que os homens se julgam. Elas se preocupam obsessivamente
110
com sua aparência e com o quanto são atraentes. Para Perrot (2007), o primeiro mandamento das
mulheres é a beleza:
Primeiro mandamento das mulheres: a beleza. “Seja bela e cale-se”, é o que se lhe
impõe, desde a noite dos tempos talvez. Em todo caso, o Renascimento particularmente,
insistiu sobre a partilha sexual entre a beleza feminina e a força masculina. [...] Até o
século XIX, perscruta-se a parte superior, o rosto, depois o busto; pouco interesse
pelas pernas. Depois o olhar desloca-se para a parte inferior, os vestidos se ajustam mais
à cintura, as bainhas descobrem os tornozelos. No século XX, as pernas entram em cena,
haja vista à valorização das pernas longilíneas na peças publicitárias. Progressivamente,
a busca da esbeltez, a busca quase anoréxica pela magreza sucedem à atração pela
generosas formas arredondadas da “bela mulher” de 1900. (PERROT, 2007, P. 50)
As feministas, na década de 70, bem que se manifestaram contra a ditadura da beleza
imposta pelo discurso dominante. Conforme Rago (2003), a estética, os cuidados de si, a saúde e
a beleza do corpo eram temas constantes nos debates das feministas. Elas criticavam os ideais de
beleza veiculados pela mídia e lançavam as discussões relativas à saúde, vista numa perspectiva
ampliada e não relacionada a opinião machista sobre o corpo feminino, aceito apenas dentro de
um determinado padrão estético:
A maior beleza é a do corpo livre, desinibido em seu jeito próprio de ser, gracioso
porque todo ser vivo é gracioso quando não vive oprimido e com medo. E’ a livre
expressão de nossos humores, desejos e odores; é o fim da culpa e do medo que
sentimos pela nossa sensualidade natural; é a conquista do direito e da coragem a uma
vida afetiva mais satisfatória; é a liberdade, a ternura e a autoconfiança que nos tornarão
belas. É essa a beleza fundamental. (KHEL, 1982 apud RAGO, 2003, p. 3).
Figura 113 – Aniversário da Mônica ou Festa do Mônico? In SOUSA, Maurício de. Mônica nº. 237. São Paulo: Editora Globo, 2006. p. 15/16
111
Porém, o esforço das feministas não conseguiu transformar o discurso dominante que
ainda dita os padrões de beleza: as mulheres devem cultuar seu corpo, precisam ser magras,
bonitas e elegantes. A cólera manifesta-se em Mônica toda vez que é chamada de gorducha,
dentuça e baixinha. Mesmo quando menino não aceita ser chamada de “gorducha” e é enfática:
“Ainda não perdi minha feminilidade!”. Percebemos aqui a idéia de que a feminilidade está
associada ao padrão de beleza ocidental e a menina ressente-se por não se enquadrar nesse
modelo.
A mulher vive, portanto, uma época em que seus papéis não estão bem definidos. As HQs
analisadas revelam um ethos inseguro, ainda muito “apegado” ao discurso instaurado no passado.
Se há um novo modelo impulsionado pela modificação no cenário cultural dos anos 70 em que as
mulheres passaram a ser vistas, concebidas, tratadas de modo diferente, também a insegurança
de mergulhar nesse modelo. Elas ainda não se mostram muito à vontade. Esta nova realidade que
atrai as mulheres para o mundo do trabalho, para a conquista de uma maior independência e
satisfação pessoal entra em conflito com as visões tradicionais sobre os papéis femininos que
ainda são amplamente valorizados, e, por isso, mesmo encontram-se fortemente enraizados nelas.
112
CONCLUSÃO
Atualmente existe uma abundância de discursos sobre a mulher. Fala-se para dizer o que
ela é e como ela deveria ser. Mas, e o que sente essa mulher diante de tantos discursos produzidos
(ainda!) muitas vezes, por mãos e mentes masculinas?
Vimos que, ao longo do tempo, construiu-se um discurso dominante que determinou, por
longo período, o modo de ser feminino. Tudo na forma de ser educada continha a mensagem de
que a mulher deveria ser boa, frágil, submissa, dependente, carinhosa, bela, além de esposa e mãe
impecável. Essas características colocavam-na na esfera da vida privada, no espaço doméstico:
seria sempre parte de alguma outra pessoa, protegida, sustentada, alimentada pela felicidade
conjugal até o dia de sua morte.
Porém, apesar de sempre terem existido subversões, por parte de mulheres que não
aceitavam este discurso, a história da mulher mudou, de forma mais abrangente e significativa a
partir do surgimento dos movimentos feministas que começaram a se destacar nas décadas de 60
e 70. Partiu-se de uma história de papéis desempenhados na vida privada para chegar a uma
história da mulher no espaço da cidade, do trabalho, enfim, do público. A mulher deixou de ser
vista como vítima para ser vista como ativa na busca por mudanças significativas. A partir desta
época começou-se a dizer que os velhos sonhos femininos de infância eram “débeis e ignóbeis, e
que existiam coisas melhores a ambicionar: dinheiro, poder e a mais ilusória das condições, a
liberdade” (DOWLING, 1986, p. 12). A idéia de que a mulher tem capacidade de escolher o que
quer fazer de sua vida foi rapidamente disseminado, mas não necessariamente assimilado.
Diante de um discurso que se perpetuou por culos e de outro relativamente recente,
procuramos analisar, nas HQs de Maurício de Sousa, como se manifesta atualmente o feminino
em relação aos dois discursos que se entrecruzam na sociedade moderna. Maurício de Sousa
trabalha com uma temática voltada a seduzir os leitores. Suas histórias invadem e seduzem o
universo infanto-juvenil, uma vez que tratam de assuntos que angustiam crianças e adolescentes.
Parte significativa de seu público “sofre” por um amor não correspondido, está insatisfeito com
sua aparência física, espera um príncipe encantado, e sente-se muito diferente dos amigos.
113
Segundo Tringali (1988), não melhor meio de educar do que a leitura que agrada, comove e
instrui. Se as HQs conseguem agradar, comover e instruir, tendo em vista o enorme público que
têm, também possuem poder para disseminar, tanto papéis sociais e comportamentos, quanto
preconceitos e complexos.
Pudemos perceber que as paixões presentes nas HQs apresentam-se como tendências
preponderantes nas personagens e contribuem para a caracterização do ethos feminino moderno.
Percebemos que elas apresentam, ora paixões que reforçam o discurso das feministas, ora
revelam movimentos passionais estereotipados na nossa cultura pelo discurso dominante. Mônica
desperta a inveja e o temor nos meninos por manifestar um modelo forte e independente. Eles
aparecem constantemente irritados e amedrontados em ter seus lugares de “donos da rua”
tomados por uma menina. Mas, vimos que ela o se sente absolutamente à vontade neste papel
auto-suficiente. No íntimo, se ressente por não se enquadrar nos moldes femininos tradicionais e
manifesta a cólera sempre que é “lembrada” desta realidade.
A vergonha por transgredir modelos impostos para uma boa moça também é comum entre
as personagens. Mônica envergonha-se diante de iniciativas frustradas na conquista amorosa e
Tina diante de suas atitudes rebeldes.
As mães, por sua vez, manifestam a calma e a confiança em relação aos seus papéis.
Aparecem tranqüilas com seus afazeres domésticos transparecendo que tudo se encontra na
ordem natural das coisas. Elas cuidam da casa e dos filhos e, ao mesmo tempo, confiam na
proteção e sustento masculinos.
Constatamos que os movimentos feministas que emergiram nas décadas de 60 e 70
provocaram alguma mudança na forma de pensar e ver as mulheres que se reflete nos gibis de
Maurício de Sousa. Tina, por exemplo, não se intimida em trabalhar e não é má vista por procurar
emprego. Também freqüenta a universidade sem constrangimento. As garotas partem para a
iniciativa da conquista amorosa, usam roupas sensuais, saem sozinhas com os namorados. Tina
rebela-se com a mãe, Mônica é desajeitada, age com impetuosidade e Magali não se preocupa
com as normas da boa educação. Muitas vezes, brigam e reivindicam mais atenção a suas
opiniões.
No entanto, os gibis valorizam muito mais o modelo tradicional associado ao mito de que
a mulher é o sexo frágil, por isso, deve se reservar ao lar e às lides domésticas. A menina Mônica
114
valoriza apenas os brinquedos que a preparam para este papel feminino tradicional: “conjunto de
cozinha”, “ursinho”, “estojinho de maquiagem”, no que é prontamente apoiada pelos pais.
Dessa forma, evidencia-se um ethos que, no plano da aparência, manifesta um perfil
moderno e independente e no plano da essência apresenta inúmeros valores tradicionais, a mulher
retratada nos gibis analisados parece delicada, frágil e necessita de alguém para protegê-la. Basta
observar o contentamento de Tina em “Um namorado tão protetor!”, as várias tentativas de
conquistas da Mônica e a decepção de Magali por não ser correspondida. O namorado forte e
protetor inicialmente aparece como um alívio para Tina e, Mônica, considera o “amor eterno”
fundamental para sua felicidade. Enorme falta de congruência entre o “eu” interno e o “eu”
externo. O “eu” externo é “forte” e “independente”; o “eu” interno um mar de dúvidas e auto-
acusações. Percebemos nos gibis que as personagens apresentam propensões à dependência. As
mães dependem financeiramente dos maridos, Mônica depende ora do “homem amado”, ora do
pai, Pipa admite não conseguir viver sem o namorado, Tina se rende por um momento à proteção
do companheiro. Portanto, as mulheres hoje se acham entre o fogo cruzado de velhas e novas
idéias sociais.
Foi o rompimento de uma estrutura, considerada adequada por tanto tempo, que levou a
mulher de hoje a sentir-se tão perdida. A estrutura dependente foi visualizada como sendo
apropriadamente feminina por todos os segmentos sociais, inclusive pela própria mulher durante
séculos. A boa mãe pode trabalhar? Se for boa trabalhadora, pode amar e se casar? Deve
competir no espaço público ou não? São dúvidas que ainda assolam a mulher moderna.
Dessa forma se afigura o principal problema da feminilidade em nossa cultura: o conflito
entre dependência imposta pelo discurso dominante e independência também imposta pelo
discurso feminista. Qual o meio-termo ideal entre ambas? O que é adequado? Uma mulher
extremamente dependente é considerada sem opinião própria e sem personalidade, mas uma
extremamente independente também não é bem vista.
Em meio a essa confusão, a mulher se lança para o espaço público e assume uma “carga
dupla”: o ganha-pão e os trabalhos domésticos. No trabalho ainda ocupa cargos inferiores e ganha
menos que os homens. Em casa continua exercendo o papel de dona-de-casa, tenha ou não uma
carreira fora, porque ainda se sente naturalmente responsável por ele. A população masculina
ainda cultiva idéias tradicionais sobre o comportamento desejável na mulher. Ela não deve querer
ser como o homem porque isso causa um sofrimento grande. Mônica sofre muito quando é
115
transformada num garoto e logo deseja ardentemente voltar ao molde feminino: “Agora posso
brincar de boneca, de casinha...”.
A mulher quer sinceramente acreditar que tudo o que deseja é a liberdade. No entanto é
escrava dos padrões de beleza e dos comportamentos impostos para uma boa companheira.
Mônica sofre por não ser magra, esbelta, enfim “bela”. E consegue ser correspondida quando
muda todo seu jeito de ser e comportar-se. O garoto apenas interessa-se por ela em “Feliz
Aniversário Mônica!!” quando ela aparece frágil, meiga, carinhosa, delicada, exatamente o
oposto de seu jeito tradicional.
As personagens femininas de Maurício de Sousa se corporificam pela linguagem, pelo
discurso refletem os estereótipos femininos e, simultaneamente, procuram arranhar o discurso
dominante. Os estereótipos ocupam papel fundamental no estabelecimento do ethos, uma vez que
conclamam o leitor a resgatar a idéia prévia que se faz da personagem e a imagem de si que
constrói no discurso, pois assim podem ser reconhecidas pelo auditório. A análise lingüística,
por sua vez, revela que há, ainda, muita distância entre a emancipação aparente na construção
estereotipada das personagens e o discurso que, não raro, assoma retrógrado, passional e frágil
para ressaltar uma concepção de feminino profunda e historicamente marcada. Os modelos
contestatórios, como a figura de Mônica, por exemplo, se, na aparência, se pautam como uma
forma de combate ao machismo histórico, no plano discursivo deixam entrever o cristalizado: a
dependência extremada e os sonhos de realização no ambiente doméstico.
Na perspectiva argumentativa, o estereótipo designa os modos de raciocínio de um
determinado grupo. O discurso, por sua vez, oferece ao autor todos os elementos para compor o
retrato das personagens. Nos quadrinhos, a associação do verbal com o não verbal permite a
apresentação indireta, dispersa, implícita do ethos das personagens. Percebe-se, em Maurício de
Sousa, uma tentativa de reconstrução do feminino a partir das atitudes das crianças-personagens,
mas há um esquema preexistente e muito forte que deixa entrever ainda laços muito profundos de
um ethos ainda pautado em valores de culos anteriores, talvez porque essa seja a condição do
feminino em nossos dias. Os interstícios discursivos e retóricos, porém, não permitem que essa
faceta conservadora fique escondida, camuflada entre as imagens de atitudes arrojadas e
modernas de Mônica e sua turma.
Se aparentemente a mulher alça vôo rumo à independência, emocionalmente, mostra
sinais de sofrimento por conflitos internos profundos: “Basta ouvir-se conversas de mulheres hoje
116
e logo se faz claro que a “nova mulher” na realidade não é nada nova; ela é uma mutante. Ela
vive numa espécie de terra do nunca, numa gangorra entre dois conjuntos de valores, o velho e o
novo. Emocionalmente, ela não está em paz com nenhum dos dois, nem acha meios de integrá-
los” (DOWLING, 1986, p. 34). Existe, portanto, uma nova crise na feminilidade, o conflito sobre
o que é e o que não é feminino. Nesse sentido, a turma da Mônica apenas retoriza, ludicamente, o
que vivemos muitas vezes tragicamente.
117
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