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Como podemos perceber, o escritor gaúcho possui uma vasta obra a ser
apreciada
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. Aborda questões envolvendo tanto a dimensão individual quanto a social do
universo humano em um dinâmico e complexo fluxo de relações. Percorre os espaços de
sua origem judaica, sem esquecer os recantos da condição humana. Dentre a grande
diversidade de temas, surge um estilo próprio, marca de um escritor hábil e maduro.
Temos na obra de Scliar um mundo de fantasias, prazeres, surpresas e reflexões a ser
desvendado.
Já que pretendemos nos aventurar pelas narrativas de Moacyr Scliar, devemos
estar avisados sobre o mundo de estranhezas, entre o fantástico e o maravilhoso
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, com
que iremos nos deparar. Há situações nas histórias de Scliar em que nos deparamos com
acontecimentos ou personagens que extrapolam uma explicação “racional”, seguindo
uma lógica de causa e efeito que está fora dos parâmetros conhecidos como
pertencentes à realidade, cuja explicação acaba sendo considerada através da noção de
sobrenatural
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. Há outras situações em seus contos nas quais aceitamos a presença do
inverossímil e do inexplicável, confirmando um acordo com o narrador em relação a
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Dentre os diversos títulos de Scliar, podemos destacar alguns: no conto, temos O Carnaval dos
Animais (1968), A Balada do Falso Messias e Histórias da Terra Trêmula (1976), O Olho
Enigmático (1986) e O Amante de Madonna (1997); no romance, A Guerra do Bom Fim (1972), O
Exército de Um Homem Só (1973); Mês de Cães Danados (1977), O Centauro no Jardim (1980),
Max e os Felinos (1981), A Majestade do Xingu (1997), A Mulher que Escreveu a Bíblia (1999) e
Os Leopardos de Kafka (2000); entre as obras infanto-juvenis, Cavalos e Obeliscos (1980), A
Festa no Castelo (1982), Memórias de um Aprendiz de Escritor (1984), Prá Você Eu Conto (1991)
e O Ataque do Comando P. Q. (2001); no ensaio, encontramos A Condição Judaica e Do Mágico
ao Social: a Trajetória da Saúde Pública (1984), Oswaldo Cruz (1996) e Porto de Histórias:
Mistérios e Crepúsculos de Porto Alegre (2000). Além disso, escreve para periódicos como Zero
Hora, Veja e Folha de S. Paulo, ministra palestras e conferências no Brasil e exterior.
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“TODOROV (1979) reflete sobre o fantástico da seguinte maneira: “O fantástico é a hesitação
experimentada por um ser que não conhece as leis naturais, diante de um acontecimento
aparentemente sobrenatural”(p. 148). E ainda considera que “Quase cheguei a acreditar: eis a
fórmula que melhor resume o espírito do fantástico. A fé absoluta, como a incredulidade total, nos
levam para fora do fantástico; é a hesitação que lhe dá vida” (p. 150). O pensador define o
estranho, o fantástico e o maravilhoso, de acordo com o grau de relação com a realidade e com as
leis naturais. Assim, no gênero estranho, os acontecimentos narrados são explicados “pelas leis
da razão”, mesmo sendo “incríveis, extraordinários, chocantes, singulares, inquietantes, insólitos”;
no fantástico, há a hesitação diantes dos fatos narrados, a explicação oscila entre a razão e a
imaginação; no maravilhoso, os elementos sobrenaturais não provocam nenhuma reação, pois
sua natureza é regida por leis que extrapolam a razão (p.158-160).
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Pode ser o caso de contos como “Cão”, “Canibal”, “A vaca”, “A galinha dos ovos de ouro: perfil
enquanto moribunda”; “Histórias da terra trêmula”, “Navio fantasma”, dentre tantos.