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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sonia Maria Lanza
As narrativas jornalísticas: memória e melodrama no
folhetim contemporâneo
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
PUC-SP
Sonia Maria Lanza
As narrativas jornalísticas: memória e melodrama no folhetim
contemporâneo
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor
em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação
do Prof. Dr. José Amálio de Branco Pinheiro.
SÃO PAULO
2008
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Banca Examinadora
________________________________________
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________________________________________
A minha filha, Alessandra, por confiar em mim, mas principalmente por você existir.
A meu pai, pelas palavras, sempre sábias, e pelo incentivo de uma vida inteira. .
Agradecimentos
Um trabalho de pesquisa é um processo dinâmico. É uma fusão de encontros, de diálogos,
uma troca de energia, é interação, harmonia. Laplantine e Nouss definem um sentimento ímpar
entre nós, brasileiros: Saudade: sentimento que significa sofrer do prazer passado e, ao mesmo
tempo, ter prazer no sofrimento de hoje”. É assim minha relação com este trabalho. Agradeço a
todos aqueles que de alguma forma compartilharam comigo este cruzamento fascinante de códigos.
Todos vocês são especiais.
Ao Prof. Dr. Amálio Pinheiro, pela sabedoria e paciência crítica com que soube esperar por
este trabalho, pela confiança, amizade e carinho que oferece a todos os orientandos;
Às professoras Ana Maria Haddad Baptista, Cecília Salles, Edna Mello, Iluska Coutinho,
Jerusa Pires Ferreira e Sandra Nunes pela leitura do trabalho e, com certeza, possibilitarem-me
reflexões futuras;
Ao pessoal do Grupo de Pesquisa, Comunicação e Cultura: barroco e mestiçagem, pelos
nossos encontros mestiços e barrocos; sem os quais seria impossível a “arribada de confluências”;
À Marlúcia Mendes, nossa Malu, querida, pessoa de luz, pelas trocas da nossa língua
mestiça, e mais que isso, pela sua grandeza em ouvir e sempre ajudar os outros;
À Gicelma Chacarosqui, à Deborah Pereira, e ao Rodrigo Stéfani Correa, os primeiros a
traduzir a poesia, a força e o carinho da nossa amizade.
À Edna Mello, pelos laços resistentes da nossa amizade: harmonia; obrigada por tudo;
À Mônica Rebecca Ferrari Nunes, pelos primeiros diálogos sobre este trabalho: memória,
afeto;
À Alessandra Lanza, Liezi Lanza, Daniele Lanza, Paula Sousa; aos amigos Ernesto
Lacava, Elaine Polizel, Cleide Tadeu, pelos pequenos grandes favores.
Aos professores e alunos que, com sugestões e discussões, durante toda a minha docência,
fizeram eu buscar respostas e repensar, sempre, possibilidades outras;
A Capes, pelo financiamento da pesquisa.
E a Deus; pode ser clichê, mas me conforta.
(...) escrever é ou projetar ou terminar, mas nunca ‘exprimir’, entre o
começo e o fim, falta um elo, que poderia entretanto passar por essencial, o
da própria obra; escreve-se talvez menos para materializar uma idéia do que
para esgotar uma tarefa que traz em si sua própria felicidade.
Roland Barthes
LANZA, Sonia Maria As narrativas jornalísticas: memória e melodrama no folhetim
contemporâneo. 2008. 160 f. tese (doutorado em Comunicação e Semiótica)– Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Programa em pós-graduação em Comunicação e Semiótica. 2008.
Resumo
O objetivo desta pesquisa é analisar as narrativas jornalísticas contemporâneas no jornal
Folha de S.Paulo e a aproximação/comparação dessas matérias com o melodrama e a
estrutura folhetinesca do final do século XIX e início do século XX. O jornal veicula notícias,
não somente de forma referencial, mas semelhantes a narrativas seriadas. A mídia impressa
não trabalha em tempo real como a televisão e isso dificulta ao leitor o acompanhamento do
fato. Isso nos instiga a questionar por que as narrativas seriadas que surgiram com e nos
folhetins e hoje são dominantes na mídia televisual, tornaram-se paradigma recodificado no
jornalismo. Por que estas matérias permanecem na memória do leitor? Para buscar algumas
respostas, faz-se necessário um estudo diacrônico do jornalismo e como a estrutura
folhetinesca migrou para outras mídias, a televisão principalmente, pois, em alguns programas
jornalísticos, a ênfase recai sobre o melodramático e o folhetinesco. Para retomar estes
paradigmas os estudos de Marlyse Meyer, Thomasseau e Huppes são essenciais. Também
Morin, Gruzinski, Laplantine, Amálio Pinheiro, Martín-Barbero e Iuri Lotman, por meio da
semiótica da cultura, fundamentam esta pesquisa. O teórico russo parte do conceito de que
texto é a unidade mínima da cultura e tem organização interna definida. O jornalismo, como
texto da cultura, possui traços distintivos, mas ao mesclar códigos, hibridiza-se e gera novas
mensagens a diferentes leitores. Lotman aponta três funções do texto cultural que corroboram
com esta pesquisa. A comunicativa, marcada pela organização das leis da língua; a geradora
de sentidos, que proporciona a dinâmica da cultura e quando os textos são traduzidos e
transmitidos em outros sistemas sígnicos, transformam-se em mensagens recodificadas, e a
terceira ligada à memória da cultura. Esta se relaciona com textos de outras épocas. Outros
conceitos da semiótica da cultura como códigos culturais, sistemas modalizantes, fronteira
vão fundamentar esta pesquisa. Halbwachs e Zumthor auxiliam a refletir sobre memória. Para
o primeiro, a memória permite refazer, reconstruir experiências vivenciadas anteriormente, a
memória individual está relacionada à memória coletiva. Para Zumthor, memória e
esquecimento geram uma dinâmica recriadora. Isto possibilita a substituição de um texto por
outros e esta transformação está associada à seleção e fixação de aspectos a serem mantidos.
O jornalismo dramatiza muitos fatos, resgatando elementos da cultura que pareciam estar
presentes somente em outras mídias o que o torna um código mestiço. A folhetinização da
notícia é, assim, a tônica nos jornais contemporâneos e a narrativa jornalística, paradigma
recodificado.
Palavras-chave: Jornalismo; Cultura; Melodrama; Folhetim; Memória.
Abstract
This work has the objective to analyze the journalistic contemporary narratives in Folha
de S.Paulo newspaper and the interface with the melodrama and the serial publication issued in the
newspapers from the end of the XIX century to the beginning of the XX century. The newspaper
conveys news, not only in the referential way but similar to the seriated narratives way.The printed
media does not work in real time like the television, and that makes difficult for the reader the
attendance of the facts. That makes us inquire why, nowadays, the seriated narratives are dominant in
the television media and why they became a re-encoded paradigm. Why do these articles remain in the
reader’s memory?
To look for answers to these questions, it is necessary the diachronic study of the
journalism and how the serial publication structure migrates for other media, the television mostly. In
some journalistic programs, the emphasis relapses on the melodramatic gender and the serial
publication. For that, the studies of Marlyse Meyer, Thomasseau, and Huppes are essential. Also
Morin, Gruzinski, Laplantine, Amálio Pinheiro, Martín-Barbero and Iuri Lotman, through the
semiotics of the culture, substantiate this work.
Lotman starts from the concept of what text is the least unity of the culture and it has
internal definite organization. The journalism, like text of the culture, has distinctive aspects, but while
mixing codes it interbreeds and produces new messages to different readers. The Russian theorist
points out three functions of the cultural text that corroborate with this research: the communicative
function refers itself to the organization of the laws of the language; the creative function that
produces the dynamic of the culture and when the text are translated and transmitted into another
representational system, they transform themselves into re-encoded messages; and the third function is
related to the culture memory.
Other concepts of the semiotics of culture like the culture codes, system that shape the
culture, border, will base this work. Halbwachs and Zumthor help to reflect about memory. For the
first one, the memory allows to remake and to rebuild experiences tested previously and the individual
memory is related to the collective memory. For Zumthor, memory and oblivion produce a dynamic
created with new codes. This makes possible the substitution of a text for others and this
transformation is associated to the selection and fixation of aspects to be maintained. The journalism
dramatizes many facts, rescuing elements of the culture to which seem to be present only in other
media, making it become a half-breed code. The transformation of the piece of news in serial
publication is predominant in the current press and the journalistic narrative is the paradigm re-
encoded.
Key Words: Journalism; Culture; Melodrama; Serial publication; Memory.
Sumário
Introdução ................................................................................................................. 11
Capítulo I: Em busca do signo fundante ............................................................. 29
Histórias das História do jornalismo .......................................................... 30
Em lugares não tão longínquos.................................................................... 33
Outras histórias ............................................................................................. 36
Um encontro: o folhetim e o jornal ............................................................. 39
Um reencontro: o melodrama e a mídia .................................................... 51
Capítulo II: Mestiçagem e códigos mestiços ....................................................... 59
A dinâmica do processo mestiço ................................................................ 64
Códigos mestiços na mídia: o fato na ficção ............................................. 69
Códigos mestiços na mídia: a ficção e o fato ............................................ 71
Códigos mestiços na mídia: a ficção no fato ............................................. 73
Capítulo III: A folhetinização a informação: paradigma recodificado ......... 80
Texto: unidade mínima da cultura ............................................................ 80
Narrativas jornalísticas: identidade e imaginário ................................... 86
Narrativas jornalísticas: projeção no imaginário .................................... 89
Narrativas reais: dramatização do fato .................................................... 93
Melodrama e folhetim: diálogos ............................................................... 95
Narrativas jornalísticas: a folhetinização da informação ....................... 99
O encontro: capítulo inacabado ................................................................ 101
Narrativas sem herói: planos, cortes, cenas ............................................ 113
Capítulo IV: Mídia e memória ............................................................................ 132
Considerações finais:o início e o fim das cenas ............................................... 144
Referências Bibliográficas ................................................................................... 147
Anexos ..................................................................................................................... 158
Introdução
O gênero humano não pode suportar muita realidade
1
.
T Elliot
As histórias sempre sensibilizaram as pessoas. Sejam por meio da
oralidade, romances, filmes, telenovelas, o contar histórias atraiu e atrai multidões.
Ficcionais, as narrativas fizeram e ainda fazem muitos se emocionarem. Factuais,
informam, causam indignação, mas muitas vezes, possibilitam experienciar
sentimentos contraditórios, uma vez que os jornais trazem as notícias de maneira a
permitir, ao leitor, as informações do fato, por outro lado possibilitam vislumbrar o
prazer no texto.
Não é prazer no fato em si. É o modo pelo qual os jornais têm veiculado a
notícia: manchetes direcionam o olhar do leitor, textos trazem emoção, não somente
referencialidade, mas também imagens que nutrem o imaginário do leitor. Códigos
estes que conquistaram o público, outrora, e que se tornaram recorrentes no final
do século passado e início deste século. Um resgate de textos culturais que estão
na memória coletiva.
O jornalismo, como veículo de massa, tem se adequado a várias épocas e
sociedades. E, com o avanço das tecnologias, tem resistido ao fortalecimento das
mídias eletrônica e digital que divulgam em tempo real a informação.
Benjamin (1987:197) alertara que “a arte de narrar está em vias de
extinção. São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente”. É
uma afirmação radical que o autor apresenta, mas propõe uma reflexão importante:
1
apud MORIN, 1973:142.
12
Será que não sabemos mais contar histórias? A falta da valorização da experiência
humana transmitida, a priorização do icônico, a dificuldade de narrar são fatores que
dificultam a produção de narrativas, principalmente no jornalismo impresso.
Benjamin enfatiza ainda que “entre as narrativas escritas, as melhores são as que
menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores
anônimos” (idem: p.198). Neste contexto, ele ressalta que com a veiculação da
notícia acontece “a morte” da narrativa oral. Mas se a extinção desta se acentua,
outros modelos narrativos surgem com o aparecimento da imprensa, que vai
registrar e, de certa forma, eternizar, as originárias da oralidade.
A narrativa é comunicação, seja ficcional, factual, escrita ou oral. O estudo
deste gênero nos mostra que seus códigos se mesclam e essa mescla possibilita ao
jornalismo impresso veicular os fatos que causam fascínio no blico. Com
linguagem simples, fatos narrativizados
2
, expectativas, o jornal faz o leitor
acompanhar histórias reais como se fossem narrativas ficcionais (ou quase
3
). Não é
regra, mas tem sido recorrente a veiculação de acontecimentos de forma
folhetinesca, semelhantes às telenovelas. São verdadeiros melodramas da vida real,
textos recodificados, pois recuperam “fórmulas” outrora consagradas e se
transformam em outras mensagens.
Os jornais, além das reportagens, comentários, ensaios, crônicas, têm
como função primordial veicular informações por meio das notícias. A notícia possui
uma estrutura similar à ficção, pois respondem às perguntas básicas do lead
4
. Ao
responder a estas questões, tem-se uma narração objetiva que não foge ao
paradigma ficcional, observadas as diferenças. Assim, a prática jornalística privilegia
a chamada atualidade que, ritmada pelo tempo, acaba por se tornar fragmentos de
histórias reais. Outro aspecto essencial nesta atividade é o factual que, juntamente
2
Narrar é expor, contar fatos reais ou imaginários, por meio de escrita ou oralmente, ou por imagens,
acontecimentos mais ou menos encadeados. (HOUAISS, 2001: 1996). Narrativizar é utilizado no sentido de
contextualizar os fatos, transformar os fatos.
3
O jornalismo não é ficção, evidentemente, entretanto a ênfase à palavra “quase”, refere-se ao modo como as
narrativas constam nos jornais. É uma elaboração que foge aos manuais de redação.
4
Lead em jornalismo refere-se à abertura da matéria. No noticioso, em duas ou três frases, em quatro ou cinco
linhas, devem ser respondidas as questões básicas de qualquer fato: quem, o que, quando, onde, como e por que,
para que o leitor tenha um resumo completo do fato. (MARTINS, 1990).
13
com a atualidade, têm sido a “razão de viver”
5
nas redações. Essas “ferramentas”
são a base da atividade jornalística.
Entretanto, nas últimas cadas do século passado, um segmento na
produção jornalística que se pauta na tentativa de explicar a realidade, ou seja,
procura ocorrências fora do fato em si, não há somente uma preocupação em
transmitir o acontecimento, mas construí-lo, muitas vezes, de maneira a transformar
a notícia em espetáculo para chamar a atenção do leitor. Esta escrita jornalística que
vende pelas suas manchetes “atraentes” e, por vezes, metafóricas, agrada uma
parte do público que nesta narrativa uma posição, justiceira talvez, por parte do
jornalista ou da empresa jornalística. Estas empresas cumprem um objetivo pré-
estabelecido por elas: o consumo. Para tanto, o jornal não se limita a relatar o fato,
narrativiza-o.
O ser humano é um ser narrativo. Uma das características universais
da humanidade é a narrativização da realidade. Isso abrange desde
os aspectos mais amplos das experiências humanas aos mais
íntimos. As culturas vão construindo os relatos que vão se converter
em referentes míticos compartilhados e os seres humanos possuem
micro relatos de suas autobiografias. Dessa forma, os distintos
fenômenos sociais se convertem em discursos que adquirem uma
dimensão pública através dos meios de comunicação. A violência
também é narrativizada tanto na comunicação interpessoal quanto
na comunicação midiática.
6
O que nos intriga e instiga-nos à pesquisa é como os jornais considerados
“sérios”
7
, como Folha de S.Paulo, têm também utilizado, muitas vezes, esta
estrutura.
5
Edvaldo Pereira Lima refere-se a este termo, ao argumentar sobre as transformações que o jornalismo, no final
do século passado, tem apresentado. Em “O Jornal-laboratório Revelação e a humanização da narrativa
jornalística”, ABMES Cadernos 4, Universidade de Uberaba, Minas Gerais.
6
Tradução minha. Miguel Rodrigo Alsina em La narrativización de la violencia. Disponível em
www.audiovisualcat.Net/publicaciones/Q17/casrodrigo.pdf , acesso em 25 de novembro de 2006.
7
Aqui o termo é utilizado em oposição a jornais considerados sensacionalistas, como era o Notícias Populares,
conhecido pela metáfora de “espreme que sai sangue”.
14
Uma vez ouvi de uma senhora, dona de casa, que gostava muito de ler
jornais sensacionalistas, alguém que não se dedicava a estudar a mídia ou tipos de
narrativas, a seguinte frase: “vivemos num mundo em que as histórias reais parecem
mais com as novelas que com a própria vida cotidiana”.
8
A frase de uma pessoa que se interessa todos os dias em saber das
“tragédias alheias” e outros questionamentos nos levaram a refletir como e por que
as narrativas factuais, de testemunho, têm fascinado leitores numa época em que a
mídia eletrônica e a digital, principalmente, conseguem, quase em tempo real,
veicular a informação.
São melodramas da vida real. As pessoas, os leitores se sentem
personagens dessas histórias, verdadeiras tramas que vão sendo tecidas por meio
do tempo vivido por elas e, de alguma forma, se ligam ao melodrama, ao fato em si.
É como se as tragédias que acontecem, fossem narradas em capítulos pelos jornais,
e o leitor, ao lê-las, integrasse a história narrada, participasse e se sensibilizasse
com o melodrama.
Os melodramas, de fato, dirigindo-se a um público novo e sem tradição
cultural, exploravam no palco não situações que levassem a pensar ou
exigissem algum nível de informação paralela, mas as ações
mirabolantes e situações patéticas, fazendo repousar o interesse de
seus enredos em torno de um trio de personagens típicos: a vítima, o
vilão e o herói ou vingador. (TINHORÃO, 1993:8)
Esse gênero aparece recodificado em outras mídias. A telenovela é um
exemplo, mas retorna também aos jornais impressos atuais. O melodramático está
na cultura do homem que, apesar de uma vida fragmentada e frenética, busca uma
maneira de ler o mundo cotidiano, de forma a transformar a realidade em quase
ficção.
8
Encontrei-a na sala de espera de um consultório dentário. Enquanto aguardávamos a consulta, ela lia
compulsivamente o jornal e comentava os fatos nele relatados. O jornal em questão era o Notícias Populares.
Publicado pela Empresa Folha da Manhã, o NP deixou de circular em 2001.
15
Fatos como o de Daniela Perez
9
, em que ficção e realidade se confundem
na própria informação jornalística; da Princesa Diana
10
, a Cinderela que teve uma
morte trágica; a história do jornalista Pimenta Neves
11
que matou sua namorada,
também jornalista, Sandra F. Gomide; e até aqueles que chocaram o mundo como o
atentado a Nova York
12
, ocorrido em 11 de setembro de 2001; a ocupação de uma
escola por terroristas na cidade de Beslan
13
, na Rússia; a tragédia que surpreendeu
e matou milhares de pessoas na Ásia
14
, em 26 de dezembro de 2004; a morte do
Papa João Paulo II
15
; e também o caso do Vôo 1907
16
, da Gol, que caiu em área
florestal, na região norte de Mato Grosso, e não deixou sobreviventes, entre tantos
outros, fazem das notícias relatos dramatizados
17
e narrados como se fossem
9
Fato veiculado em forma de capítulos pela Folha de S.Paulo, em 08 de janeiro de 1993, no caderno
“Cotidiano”. A atriz foi morta em 28 de dezembro de 1992, pelo ator Guilherme de Pádua, par romântico da
vítima na novela De corpo e alma, veiculado no mesmo ano, pela Rede Globo.
10
Separada de Charles Philip Arthur George, Príncipe de Gales, morreu dia 31 de agosto de 1997, em Paris.
11
Fato ocorrido em 20 de agosto de 2000, veiculado em várias mídias. Pimenta Neves, 63 anos, diretor de
redação do jornal O Estado de São Paulo, tem seu relacionamento amoroso rompido por sua namorada Sandra
Gomide, 32 anos, também jornalista da mesma empresa. Ele não aceita o afastamento da companheira e em um
haras localizado em Ibiúna, São Paulo, depois de discutir com a jovem, matou-a com dois tiros.
12
Fato ocorrido em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América do Norte. Quatro aviões são
seqüestrados por terroristas. Dois deles se chocam contra a Torre Sul e a Torre Norte do World Trade Center, em
Nova York.
13
Em 01 de setembro de 2004, no primeiro dia de aula, militantes islâmicos ocuparam uma escola em Beslan, na
Rússia, exigindo que o Kremlin retirasse as suas tropas da Tchechenia. Depois de três dias, havia 325 vítimas
fatais, a maioria eram crianças.
14
Fato ocorrido em 26 de dezembro de 2004, domingo. Um tremor foi registrado na Ilha de Sumatra, na costa
da Indonésia, e se estendeu também a outros países do sudeste da Ásia e leste da África. O fenômeno ficou
conhecido por tsunami que gera ondas gigantes e provocou milhares de mortes.
15
O Papa João Paulo II, Karol Josef Wojtyla, morreu em 02 de abril de 2005, aos 84 anos, no Vaticano.
16
O Boeing 737, da empresa Gol, Vôo 1907, vinha de Manaus com destino a Brasília e depois Rio de Janeiro,
perdeu contato com os radares e desapareceu em 29 de setembro de 2006. O avião chocou-se com o jato
comercial Legacy, fabricado pela Embraer, e caiu na Serra do Cachimbo, no Mato Grosso, matando todas as 154
pessoas que estavam a bordo.
17
Drama, dramatizado e variantes do termo são aqui utilizados no mesmo sentido pejorativo de melodrama:
exageros de expressão sentimentais, dramalhão. Não se referem ao significado aristotélico de representação
teatral.
16
histórias de ficção.
Narrar acontecimentos de forma dramatizada não é algo novo. Jornais,
como “Notícias Populares”, veiculado em São Paulo
18
, faziam isso, em 1965. Ele
atraía o público com manchetes sensacionalistas e com isso o leitor sentia-se
instigado a comprar e a ler as reportagens.
Entretanto, relatar notícias de forma melodramática, como se fossem
folhetins
19
, aparece em jornais que não possuem a característica de folhetinizar a
notícia, ou seja, contar fatos reais de tal maneira a seduzir o público a comprar o
jornal e conseqüentemente a leitura no dia posterior. Jornais que possuem
credibilidade, mas que, ao veicular o fato, vêem uma possibilidade de concorrência
com as mídias eletrônica e digital, pois estas são mais rápidas e objetivas e não há
tempo para elaboração de mensagens mais aprofundadas, até porque não é este o
objetivo desses veículos.
Narrativas jornalísticas são textos culturais e, à medida que incorporam
elementos de outras culturas, hibridizam-se e se transformam em outros textos. O
melodrama na televisão é um exemplo disso. Essa fusão possibilita o
entrecruzamento de códigos e resulta em parcerias persuasivas que podem agradar
o público. Uma sociedade que se sensibiliza com as tragédias nos permite um
questionamento pormenorizado.
Publicadas em jornais como a Folha de S.Paulo, as narrativas
jornalísticas o editadas, muitas vezes, de forma seqüencializada e dramatizada.
Para elucidar este entrelaçamento de códigos, é fundamental resgatar a estrutura
folhetinesca que surgiu em meados do século XIX.
Esta estrutura ficcional possuía corte e suspense em suas narrativas e
também o melodrama como elo entre o jornal e o blico leitor. Com o sucesso e
18
O NP partiu da idéia de Jean Mellé, que lançou o jornal em 15 de outubro de 1963. A princípio a proposta do
jornal era combater o esquerdismo, tornando-se assim um vespertino anticomunista. Entretanto, em 1965, depois
do golpe militar, o sócio de Mellè, Herbert Levy, vendeu o periódico para Octávio Frias de Oliveira e Carlos
Caldeira Filho. Mellé continuou a ser editor do jornal e a publicar reportagens sobre crimes, sexos, sobre a vida
de celebridades. Em 1975 bateu recorde de venda ao publicar histórias sobre o “bebê-diabo”. O fato rendeu tanto
ao jornal que ficou quase um mês nas manchetes. Em 20 de janeiro de 2001, parou de circular. (CAMPOS,
2002).
19
JoRamos Tinhorão, “os romances-folhetim, ou de folhetim, como passariam a ser chamados a partir da
década de 1840, vinham representar no Brasil repetindo o que acontecera na França uma abertura dos
jornais no sentido da conquista de novas camadas de público,... (1994:13)
17
posteriormente com o surgimento de novas mídias, a estrutura folhetinesca foi
referência de muitas histórias no rádio e na televisão, que souberam explorar de
forma ímpar a dramatização da informação. Entretanto no jornalismo impresso, que
passou a priorizar a informação, o folhetim não mais encontrava ambiente favorável.
As notícias e as reportagens imperavam.
O leitor já não dedica tanto tempo para ler o jornal. Então as novas
tecnologias favorecem-no à medida que permitem um acesso rápido às informações.
O jornal diante disso vem transformando o modo de noticiar os fatos
cotidianos. Apesar de trabalhar com o factual, com os acontecimentos do dia-a-dia,
diferente das narrativas ficcionais em que o autor sabe o final da história, algumas
matérias deixam sempre um gancho para que o leitor compre o jornal e consuma a
informação no dia seguinte.
O jornalismo é um mecanismo de conservação e de transmissão de novos
textos, ele atualiza signos que estão presentes na memória cultural. Esta estrutura
ressignificada pode ser considerada um resgate da cultura folhetinesca, início do
jornalismo, que tanto seduziu o público em meados do século XIX e no começo do
século XX.
A sociedade contemporânea tem acesso a muitas fontes de informação.
Por isso privilegia a rapidez, as notícias em tempo real. Por que então o interesse
pelos dramas da vida no jornal impresso?
Com a informatização, as narrativas ficcionais têm sobrevivido
principalmente com a telenovela, a minissérie, os seriados. Isto não significa que não
há esforços em se manter o prazer da leitura. Existem trabalhos interessantes,
pesquisas em desenvolvimento, tentativas solitárias, em escolas, mas que pouco
são noticiadas e acabam por nos deixar a impressão
20
de que a tradição da cultura
de ler livros, de contar histórias parece estar se esvaindo à medida que o público,
cada vez mais, permanece diante da TV e do computador.
Na televisão, os telejornais priorizam a notícia, que é apresentada de
forma rápida, devido ao tempo em TV. Entretanto programas jornalísticos como
20
É importante salientar aqui que não se realizou uma pesquisa aprofundada sobre a questão da leitura de livros
e outras formas narrativas. Mas é notório e certo que a mídia eletrônica ainda é a mais privilegiada pelos jovens,
graças à audiência que obtém, por conter imagens, som, fala, que contagiam o telespectador.
18
Linha Direta
21
, da Rede Globo, Brasil Urgente
22
, da Rede Bandeirantes de Televisão,
e Repórter Cidadão
23
, da Rede TV, em que os relatos de fatos jornalísticos o
veiculados com destaque para o melodramático na apresentação das notícias.
No computador trabalham-se, eventualmente, páginas destinadas a
“contar histórias”, mas que ainda o atraem uma parcela grande da sociedade, a
porque, no Brasil, o computador não é acessível à maioria da população
24
. O que ele
atrai é um público que tem pressa, que prioriza a imagem, que quer respostas
rápidas, que parece não ter tempo nem para sua própria história. Esta escassez de
tempo do leitor norteia a estrutura da informação, veiculada nas páginas da rede.
Ao refletir este panorama, analisar como as narrativas dos jornais
impressos buscam a constância de um público-leitor que prima pela notícia-síntese é
nosso objetivo. Nesse sentido, o trabalho visamos a um estudo mais aprofundado
sobre a interface jornalismo/melodrama/folhetim e como ela faz parte da memória
cultural.
As narrativas ficcionais têm uma tendência a publicar obras do chamado
jornalismo literário, ou seja, histórias que partem dos fatos reais e acabam por se
21
Linha Direta, programa veiculado pela Rede Globo, no período de 27 de maio de 1999 a 6 de dezembro de
2007, às quintas-feiras, apresentado a princípio por Marcelo Rezende e posteriormente por Domingos Meireles.
Conforme comunicado no site da emissora, o programa deixou de ser exibido: A respeito das manifestações de
entidades ligadas aos Direitos Humanos pela continuidade do programa Linha Direta - por seu reconhecido
interesse público -, informamos que a TV Globo passou a adotar o sistema de temporadas. Mesmo com êxito e
importância comprovados, os programas têm sua exibição suspensa, passando por uma reavaliação para nova
exibição futura. Disponível em: http://linhadireta.globo.com, acesso em 18/01/2008.
22
Brasil Urgente, programa veiculado pela Rede Bandeirantes, às 18 horas, está no ar desde de dezembro de
2001. Sem muita concorrência fez sucesso até 2005. Roberto Cabrini (ex-Globo) apresentou o programa até
2003. José Luiz Datena (ex-Record) assumiu a apresentação do programa e está no ar até hoje. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil_Urgente, acesso em 18/01/2008.
23
Programa veiculado pela Rede TV! entre 2002 a 2005. Teve como apresentador Ney Gonçalves Dias e
posteriormente Marcelo Rezende.
24
Embora o computador não seja acessível à maioria da população, o Brasil ocupa o lugar no mundo em
números de usuários. Segundo pesquisa realizada pela ONU, publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 03
de novembro de 2007, o Brasil tem 39 milhões de usuários da Internet. “O país supera o Reino Unido, França e
Itália no total de internautas. (...) A liderança é dos Estados Unidos, com 210 milhões de usuários. A China vem
em segundo lugar, com 162 milhões. No Japão são 86 milhões, contra 50 milhões na Alemanha e 42 milhões na
Índia. Apesar da posição brasileira, em termos percentuais o país ainda está distante dos líderes, com apenas
21% da população conectada, contra 69% nos Estados Unidos.” Disponível em
http://www.estado.com.br/editorias/2007/11/03/eco-1.93.4.20071103.25.1.xml
19
transformar em romance-reportagem. As não-ficcionais, principalmente nos jornais,
têm seguido a tendência das narrativas seqüencializadas e, portanto, um jornalismo
não mais voltado a responder somente às questões do lead.
Para esclarecer este cruzamento de códigos é preciso estudar a cultura, e
como esta assimila produções textuais e adapta códigos e estruturas comuns ao
jornalismo.
Um estudo diacrônico do jornalismo e como a estrutura folhetinesca
migrou para outras mídias, principalmente a televisão, traduzem a relação do dentro
e fora do código jornalístico. Para retomar o paradigma da folhetinização e do
melodramático, os estudos de Marlyse Meyer, Thomasseau, Huppes e Brooks são
essenciais.
Marlyse Meyer (1996) faz estudo pormenorizado da história do folhetim,
na França e no Brasil. Sabe-se que o folhetim era publicado nas primeiras páginas
dos jornais e a relação entre eles começa a ser delineada. Ela não vai tratar
especificamente sobre a folhetinização da informação, mas instiga o leitor a buscar
este questionamento.
Ivete Huppes (2000), citando, entre outros, Jean-Marie Thomasseau
(2005), faz um estudo do melodrama. Da origem associada à ópera, opereta e a
ópera popular, até a junção do texto e canção, da estrutura e temas do melodrama,
a autora traz o percurso desse gênero até as mídias de massa.
A expansão dos medias no final do século XX renova o espaço para
o estilo melodramático, em vez de decretar-lhe a completa
superação, como o advento da expressividade moderna autorizaria
prever. O melodrama retorna em produtos culturais cultivados nos
meios de comunicação de massa e se mostra plenamente
sintonizado com a lógica da sociedade de consumo. Mais uma vez
revela eficiência para atrair a camada emergente de consumidores.
(HUPPES, 2000:155)
Thomasseau é um estudioso que acompanha o gênero há tempos e
registra alterações importantes para se compreender os temas que estiveram
presentes em muitas peças e aparecem em outros textos, como nas narrativas
20
jornalísticas contemporâneas.
Ainda sobre este gênero, os estudos de Peter Brooks (1995) são
fundamentais para que se possa estabelecer a interface folhetim e melodrama. O
autor compreende o gênero como um modo ou imaginação melodramática, com
excessos na narrativa, nas ações das personagens, nas situações. O melodrama
tem como base um drama moral, que privilegia os valores comuns.
O melodrama formaliza um imaginário que busca sempre dar corpo à
moral, torná-la visível, quando ela parece ter perdido seus alicerces.
Provê a sociedade de uma pedagogia do certo e do errado que não
exige uma explicação racional do mundo, confiando na instituição e
nos sentimentos naturais” do indivíduo na lida com dramas que
envolvem, quase sempre, laços de família (XAVIER, 2003:91).
Assim a tragédia não entrou em decadência com o surgimento do
melodrama. O que ocorreu foi a perda da imaginação melodramática. O melodrama
é “o fato central da sensibilidade moderna”. E embora esteja presente no teatro e
nas novelas literárias na Europa do século XIX, adequou-se e está associado às
novas mídias do século XX.
Outros estudos contribuem também para a tese de que o texto jornalístico
recodifica códigos que estão na memória cultural para atrair um leitor que busca nas
mídias eletrônica e digital a notícia de forma rápida.
O historiador francês, Serge Gruzinski, em seu livro, O pensamento
mestiço (2001), trata do estudo da cultura mestiça, discute a complexidade do tema
e aponta várias denominações para o conceito de mestiçagem.
Misturar, mesclar, amalgamar, (...) etc., são muitas as palavras que
se aplicam à mestiçagem e afogam sob uma profusão de vocábulos
a imprecisão das descrições e a indefinição do pensamento. A idéia
a que remete a palavra ‘mistura’ não tem apenas o inconveniente de
ser vaga. Em princípio, mistura-se o que não está misturado, (...), ou
seja, elementos homogêneos, isentos de qualquer ‘contaminação’.
(2001:42)
21
O autor alerta que o mesmo acontece com o termo “hibridação”. Ele
também distingue “mestiçagem biológica” e “mestiçagem cultural”, o que aumenta a
confusão em relação ao termo. A primeira pressupõe grupos humanos, e outra
“implica ambigüidades ligadas ao próprio conceito de cultura” (2001:43). Gruzinski
afirma que diversos componentes de textos “são frutos do encontro e do
enfrentamento, não de duas culturas, mas de dois modos de expressão e
comunicação”. (2001:273).
Esta articulação entre modos de expressão possibilita uma reflexão sobre
códigos mestiços nas narrativas jornalísticas.
As pesquisas pautadas na cultura legitimam a mestiçagem como uma
marca da cultura latino-americana. O hibridismo ou mestiçagem
25
não é recente.
Não como não reconhecer a mestiçagem como código fundante em nossa
cultura. Conforme Gruzinski, mestiçagem cultural está presente em textos em que
linguagens diferentes migram e se mesclam, formando e transformando-se em
outras mensagens.
Laplantine e Nouss (1991; s.d) também teceram considerações
esclarecedoras sobre o conceito de mestiçagem.
A mestiçagem, indevidamente compreendida, implicaria a existência
de dois indivíduos originalmente “puros”, ou, na generalidade, de um
estado inicial, de um conjunto homogêneo racial, social, cultural,
lingüístico -, que a determinado momento teria encontrado um outro
conjunto, dando assim origem a um fenômeno “impuro” ou
heterogêneo. (...) A mestiçagem é uma realidade complexa cujos
componentes mantêm a sua integridade. (s.d.:8)
Autores como Canclini e Martín-Barbero que estudam os processos de
comunicação e a cultura, especificamente a cultura popular, massiva, na América
Latina, são referências teóricas indispensáveis a esta reflexão. Eles não limitam os
25
Peter Burke, em Hibridismo cultural (2003), apresenta no capítulo 2 “Variedades de terminologia”, os termos
utilizados para referir-se ao hibridismo. Ver também GRUZINSKI, (2001).
22
estudos da mestiçagem em fronteiras territoriais, os estudos estão presentes em
textos em que linguagens diferentes se amalgamam, formando outros textos. “Há
obras eruditas e, ao mesmo tempo, massivas (CANCLINI, 2000:22), arte culta e
popular, a música clássica e o jazz, as crenças antigas e as novas tecnologias.
Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o
artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e
canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados
com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu
território, mas ganham em comunicação e conhecimento. (idem: 348)
Martín-Barbero alega que:
[a mestiçagem] na América Latina, o remete a algo que passou, e
sim àquilo mesmo que nos constitui, que não é só um fato social, e
sim razão de ser, tecido de temporalidades e espaços, memórias e
imaginários que até agora só a literatura soube exprimir. Talvez
somente a mestiçagem tenha passado de objeto e tema a sujeito e
fala: um modo próprio de perceber e narrar, contar e dar conta.
(2003: 271).
O jornalismo é texto cultural e é mestiço, pois o entrecruzamento de
códigos. É um espaço de semiose, de fronteira. Amálio Pinheiro sintetiza esta
questão:
A mobilidade em mosaico do jornalismo impresso aproveitou-se,
neste continente, de uma sorte de montagem sintática das ‘culturas
em ritmo rápido’, aptas para incorporar os agregados metonímicos
provenientes dos mais diversos códigos e linguagens. Trata-se de
processos de produção e recepção desdobrados, em interações
múltiplas, pelo caráter migrante, mestiço e solar da sociedade.
(2004:13)
23
Além disso, a cultura é processo e se constitui subjetivamente em relação
a outros códigos. As práticas culturais são fundamentais para a continuidade e
legitimidade da cultura. E a mescla de linguagens sempre foi fundante dessas
práticas. contaminação entre linguagens e processo dinâmico barroquizante
em dobra e curva,
os símbolos de linguagem, arbitrários, costumeiramente acumulados
pelo conhecimento abstrato, não nos servem muito. Esboçando de
modo abrupto a complexidade do novo fenômeno das linguagens na
América: desde a descrição de uma fruta à de uma igreja, os signos
se agigantam luminosos na direção das coisas que nunca poderão
ser, porém degustam suas comissuras; e as palavras desdobram seu
arsenal mestiço-imigrante numa sintaxe descentrada, proliferante e
amplificante, em que se perde o fio e o fôlego (PINHEIRO, 2002:334).
O jornalismo, como texto, unidade mínima da cultura com organização
interna definida, como afirma Lotman (1981, 2002), possui traços distintivos, mas ao
mesclar códigos diferentes, hibridiza-se e gera novas mensagens a diferentes
leitores. O semioticista russo aponta três funções do texto cultural. A comunicativa,
marcada pela organização das leis da língua; a geradora de sentidos, que
proporciona a dinâmica da cultura e quando os textos são traduzidos e transmitidos
em outros sistemas sígnicos, transformam-se em mensagens recodificadas, e a
terceira ligada à memória da cultura. Esta se relaciona com textos de outras épocas.
Outros estudiosos da memória como Halbwachs (1990), Zumthor (1997a,
1997b), entre outros, auxiliam a refletir o tema. Para o primeiro, a memória permite
refazer, reconstruir experiências vivenciadas anteriormente, a memória individual
está relacionada à memória coletiva. Para Zumthor, memória e esquecimento geram
uma dinâmica recriadora. Isto possibilita a substituição de um texto por outros e esta
transformação está associada à seleção e fixação de aspectos a serem mantidos.
Para Noblat, o grande furo não vive mais que quinze minutos na era
tecnológica. A diferenciação da escrita é o que poderá manter a atenção do leitor”
(2002:31). E, em seguida, destaca a receita caseira para tal (2002:32):
24
É preciso perder o medo de usar palavras menos óbvias, fugir do
lugar comum, costurar melhor descrições e argumentos, acrescentar
pitadas de humor, ironia e até lirismo, usar recursos como metáforas,
trocadilhos e mudanças de andamento (idem:32).
Estes recursos são também a fórmula para o folhetim do início do culo
XX e que se apresenta de forma recodificada na imprensa contemporânea.
Em Jornalismo e Literatura: A sedução da palavra, Carlos Peixoto,
ressalta que:
a informação quer clareza, variedade, pitoresco; entrega-se à pintura
de quadros cada vez mais sumários; apressa-se em deduzir causas
e conseqüências; quer seduzir, mais que instruir a fundo; arrebatar,
mais que comover; é imagem do choque, mais que pensamento e
sentimento” (apud CASTRO, G. & GALENO, A. 2002:122.).
Assim, fragmentado, subjetivo, opinativo, o jornal é um dos arquivos da
história humana. Nele estão registrados os fatos que foram possíveis publicar e os
que mais marcam o dia-a-dia.
Deve informar com objetividade, com imparcialidade. E este formato não
tem seduzido tanto o leitor que vive em meio à fascinação tecnológica. A
complexidade sígnica da qual a sociedade se nutre gera paradigmas diversos e um
desencantamento em relação à leitura do verbal. Neste contexto, a mídia impressa
procura empregar meios para seduzir o leitor. Além das imagens fotográficas, dos
infográficas, principalmente nas primeiras páginas, os jornais têm veiculado os fatos
de forma a folhetinizar a informação.
Nós, seres humanos, perdemos a vida buscando coisas que já
encontramos. Todas as manhãs, em qualquer latitude, os editores de
25
jornais chegam à redação perguntando-se como vão contar a história
que seus leitores viram e ouviram dezenas de vezes na televisão
ou no rádio, nesse mesmo dia.(...) Como seduzir, usando uma arma
tão insuficiente como a linguagem, pessoas que experimentaram
com a vista e com o ouvido todas as complexidades de um fato real?
Esse duelo entre a inteligência e os sentidos tem sido resolvido
vários séculos pelos romances, que ainda estão vendendo milhões
de exemplares apesar de alguns teóricos terem decretado, duas
ou três décadas, que o romance tinha morrido. O jornalismo também
resolveu esse problema através da narração, mas aos editores custa
aceitar que essa seja a resposta para o que estão buscando
muito tempo.
26
Esses relatos, que os editores aceitam e permitem que sejam
publicados nos jornais, é o corpus desse trabalho. Selecionamos algumas matérias
que foram veiculadas no jornal Folha de S. Paulo e que ficaram na memória coletiva.
Matérias dramatizadas, seqüencializadas, que fizeram leitores acompanhar os
“próximos capítulos” por alguns dias, não pela televisão, mas também pela mídia
impressa.
Assim, objetiva-se estudar e analisar a relação de alguns relatos de
matérias jornalísticas, do final do século passado e início deste século, com o
melodrama e também fazer uma comparação com os folhetins, do começo do século
XX, em que o mote “desgraça pouca é bobagem”.
Esta estrutura folhetinesca fez o jornal vender muito e tornar-se veículo de
massa, posteriormente migrou para outras mídias, e o jornalismo impresso tem
incorporado este gênero de modo a recodificar signos existentes na memória
cultural. Isto para não perder a concorrência com a mídia eletrônica e digital, ou
ainda para fisgar o público-leitor que vê/lê nessas narrativas as novelas da vida
cotidiana, uma forma de catarse para classes mais populares.
Assim apresentamos, no capítulo I, “Em busca do signo fundante”, o
percurso diacrônico do jornalismo impresso até o momento em que ele se firma
como veículo de massa. O interesse aqui recai no percurso dessa mídia, na França,
26
Tomás Eloy Martínez Disponível em www.textovivo.com.br. Acesso em 15 de outubro de 2004.
26
principalmente porque é a matriz do folhetim e, no Brasil, porque também aqui o
folhetim fez sucesso entre os leitores. O jornal atinge o público consumidor a partir
da criação do jornal vendido nas ruas a um preço acessível, com manchetes
chamativas e a publicação de narrativas ficcionais nos chamados folhetins. Estas
narrativas vão se tornar a “coqueluche do momento”, em meados do século XIX e
início o século XX. Histórias em que o gênero melodramático, aliado à estrutura
folhetinesca conquistou muitos leitores. A migração para outras mídias é um diálogo
necessário e consagra essa estrutura como um signo fundante da cultura.
A estrutura folhetinesca, composta pelo romance-folhetim e melodrama, é
um código mestiço, porque cada um em sua essência possui elementos
diferentes. O capítulo II, “Mestiçagens e Códigos Mestiços” traz uma reflexão da
complexidade que os conceitos ainda denotam. O termo mestiçagem ainda gera
polêmica e não se limita à questão biológica,
O estudo sobre mestiçagem não é algo recente, mas é código fundante
na América Latina, e elucida aspectos importantes e essenciais para a compreensão
da cultura.
O jornalismo, também mestiço, prima pela objetividade e prioriza relatos
imparciais. Recodificada, esta mídia busca, em outros gêneros, como o melodrama e
o folhetim, alternativas para narrar as histórias da vida real.
No terceiro capítulo, “A folhetinização da informação: paradigma
recodificado”, analisamos reportagens veiculadas pela Folha de S.Paulo, como a
morte da atriz Daniela Perez, ocorrida em 28 de dezembro de 1992, em que o
referido jornal publica o fato em capítulos, no dia 08 de janeiro e 1993, e a tragédia
de 11 de setembro, ocorrida em Nova York, em 2001. No primeiro, há uma mescla
entre ficção e realidade. A atriz atuava na telenovela, De corpo e alma, transmitida
pela Rede Globo, isto possibilitou que as matérias tivessem uma factualidade
ficcional. O Atentado a Nova York comoveu o mundo. A mídia não divulgou
amplamente o fato, mas narrativizou-o, prolongando a emoção daquele dia. São
exemplos de reportagens que contribuem aqui no sentido de verificar as
similaridades entre estruturas e temas do relato jornalístico à estrutura do
melodrama e do folhetim do século XIX e início do século XX.
Essas narrativas despertam o imaginário popular, pois, embora tragam
fatalidades, narram dramas da vida e o público nestas formas de contar a vida
uma aproximação entre o imaginário e o real; efetua-se assim o impulso de temas
27
que tendem a ser encarnados na vida vivida.
O homem sempre projetou em imagens seus desejos e temores. E
projetou sempre na sua própria imagem - em duplo a necessidade
de superar a si mesmo na vida e na morte. Este duplo é detentor de
poderes mágicos latentes; qualquer duplo é um deus virtual (MORIN,
1989:67).
No capítulo IV, “Mídia e memória”, o conceito de cultura como memória
permite-nos refletir como e por que as narrativas contemporâneas provocam catarse
no leitor, causam perplexidade e possibilitam a projeção e identificação com o fato.
O gênero melodramático e a estrutura folhetinesca estão na memória coletiva e por
isso comprovam que o que já passou pode se recodificado e conservado para
manifestar-se novamente. É a dinamismo da cultura.
Para Lotman, cultura é memória. Ela é coletiva, mecanismos de
conservação e transmissão de textos e elaboração de novos textos. O espaço da
memória é comum, alguns textos podem conservar-se e também serem atualizados.
Cabe à cultura determinar o que ficará ou não retido na memória. “Somente aquilo
que foi traduzido num sistema de signos pode vir a ser patrimônio da memória”.
(FERREIRA, 2003:75),
O jornalismo está sempre se recodificando. Surgem novas mídias, mas o
jornal está aí, sempre buscando uma maneira de noticiar, de agradar o leitor, de
fazê-lo ler.
Investigar e apontar as relações entre texto jornalístico contemporâneo e
folhetim, este e o melodrama, códigos mestiços e memória cultural o caminhos
que percorremos neste trabalho, sem a intenção, contudo, de esgotá-los.
29
Em busca do signo fundante
Tudo no mundo começou com um sim. (...) Mas antes
da pré-história havia a pré-história da pré-história e
havia o nunca e havia o sim. Sempre houve.
Clarice Lispector
houve tempos em que contávamos nossas histórias ao redor de
fogueiras, mas hoje as recontextualizamos e, com as tecnologias avançadas, as
narrativas permanecem na nossa memória cultural.
Todas as culturas têm uma forma de explicar suas origens e, à medida
que o continuamente transmitidas às novas gerações, tornamo-nos produtores e
construtores da história cultural. A sociedade acumula textos, códigos, conserva-os e
transmite informações.
Todo texto constitui a junção de diversos sistemas, ou seja, incorpora e
assimila elementos de outras culturas e pressupõe uma troca cultural. As mídias
informam, comunicam, recontam histórias, ressignificam outras, compartilham fatos
do cotidiano e com isso preenchem necessidades humanas antigas: narrativas que
outros meios – livros, rádio, cinema, jornais – já fizeram sonhar. E, embora as
narrativas estejam aí, como a própria vida, elas parecem ser esquecidas pela cultura
oral e pela mídia impressa. As fogueiras se apagaram”, surgiram outras em
suportes diversos, mas ao relatar os fatos cotidianos, parece-nos, muito se perdeu
das técnicas de contar, de narrar.
O jornal, texto cultural, relata fatos. Para tal segue manuais de redação,
30
entretanto o fato por si não vende a notícia, não gera o consumo. Ele é
narrativizado e esta forma de informar já foi outrora o começo do jornalismo.
Quando os primeiros jornais diários começaram a circular nas grandes
cidades européias, havia uma aproximação significativa entre jornalismo e a
literatura, mas uma diferença é notável: o jornalismo não enfatiza a informação
estética e sim o conteúdo a ser consumido de imediato. O jornal soube aproveitar e
mediar o narrar acontecimentos não privilegiando o conteúdo e conseguiu muitos
leitores; implantou rmulas que se tornaram paradigmas, como o folhetim
melodramático, e hoje parece ser a tônica de muitos jornais: o paradigma
recodificado.
Histórias da História do jornalismo
27
O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente
.
Mário Quintana
O jornal moderno
28
, publicado diariamente, é uma mescla de códigos, de
27
A humanidade sempre registrou sua história. O pictórico em cavernas, os ideogramas, o alfabeto, a escrita. A
vulgarização da escrita fonética, privilégio do clero, possibilitou o desenvolvimento da imprensa. Neste trabalho,
interessa-nos o jornalismo enquanto veículo de massa. Não nos aprofundaremos na História geral do jornalismo.
28
Consideramos “jornal moderno” aquele publicado diariamente. Segundo Albert e Terrou (1990:20) isto
aconteceu primeiramente na Alemanha, em Leipzig, em 1660, com o título Neueinlauffende Nachricht von
Kriegs-und Welthändeln (Notícias recentes dos negócios da guerra e do mundo). Outras fontes informam que o
primeiro jornal foi publicado em 1650, também na cidade alemã de Leipzig, com o título Einkommende
Zeitungen (Notícias Recebidas). Informação disponível em www.wikipedia.com.br, acessado em 14 de maio de
2007.
31
várias épocas, sociedades e culturas. Do seu surgimento ao final do século XX,
houve muitas publicações na tentativa de informar o público. Na Roma Antiga, por
ordem do Imperador Augusto, “folhas” de notícias, na verdade tábuas de pedra,
eram colocadas em locais públicos. Chamadas de Acta Diurna traziam fatos
diversos, listas de eventos, notícias militares e outros assuntos.
Os chineses
29
e os coreanos, muito tempo depois, foram os primeiros a
publicar um panfleto manuscrito. Entretanto, no continente asiático, o jornal diário
acontece em 1830.
Com a prensa vel de Gutenberg, na década de 1440, foi possível
utilizar tipos veis e caracteres avulsos, o que facilitou a formação de palavras e
frases do texto e, conseqüentemente, do jornal, embora a imprensa periódica
tenha nascido séculos depois.
A imprensa surge, portanto, na Europa, nos fins da Idade Média, no
bojo de algumas transformações estruturais, como por exemplo:
desenvolvimento do comércio interno e aparecimento das indústrias;
renascimento e expansão da vida urbana; criação das universidades
e formação de uma nova elite intelectual. (MELO, 2003:34)
Em Veneza, no culo XVI, uma folha de notícias, podia ser adquirida por
uma gazeta, moeda de pequeno valor. Esta palavra é utilizada até hoje para referir-
se a jornais. Mais tarde, várias cidades da Europa
30
publicaram periódicos, mas algo
próximo ao jornal atual, apareceu somente no início de 1600, na Alemanha.
Antes, porém, no final de 1400, havia, na Inglaterra, alguns
informativos, mas somente após 1621 apareceram os primeiros jornais.
29
Desde o fim do século XI, na China, havia um jornal na Corte de Pequim, com o nome de Kin Pau.
Primeiramente ele surgiu como publicação mensal, a partir de 1361, hebdomadária, e finalmente em 1830 com
publicação mensal.
30
Antuérpia (Bruxelas), 1605; Estrasburgo (França), 1609; Frankfurt, (1615), Berlim, (1617), Hamburgo,
(1618), Stuttgard, (1619), (Alemanha); Praga (República Tcheca), (1619); Amsterdã (Holanda), (1620), e
Londres (Inglaterra), (1620). (ALBERT e TERROU, 1990:7)
32
O nascimento dos periódicos impressos não provocou o
desaparecimento dos escritos informativos não periódicos. Ao
contrário, as notícias a mão se desenvolveram nos séculos XVII e
XVIII e os noticiaristas tiveram, juntamente com os gazeteiros, uma
importância considerável como fornecedores de notícias. (ALBERT e
TERROU, 1990:6)
Os periódicos, até então, não eram publicados regularmente, traziam
informações de política e o Governo controlava a publicação. A imprensa livre surgiu
paulatinamente.
Em 1631 (ALBERT e TERROU, 1990), Théophraste Renaudot lança sua
Gazette, semanário de quatro páginas e tiragem de 1200 exemplares que fez
história e permaneceu nas os dos sucessores a1749, com o nome Gazette de
France. Lentamente, os jornais diários foram surgindo, mas foi somente em 1836,
que Émile de Girardin consegue torná-lo veículo de massa ao lançar os jornais Le
Siècle e La Presse (MEYER, 1996: 58). Ele consegue baratear o jornal com
anúncios publicitários ingleses e as matérias eram redigidas com uma linguagem
mais simples. Além disso, criou o romance-folhetim, ficção em pedaços, que se
tornou uma das grandes atrações do jornal e contribuiu muito para o seu sucesso.
Com esta estrutura e algumas mudanças, o jornal conquistou o público,
vendeu muito e firmou-se como veículo de massa.
33
Em lugares não tão longínquos...
Na América Latina, foram os espanhóis que tiveram o empreendimento de
trazer e instalar tipografias. Primeiramente no México, em 1533, e depois em 1584,
em Lima, no Peru. Apesar dessa iniciativa, não houve uma expansão imediata da
imprensa. Essa expansão seria uma decorrência natural do processo de ocupação
das outras áreas territoriais, e atenderia sempre às exigências das próprias tarefas
de colonização (MELO, 2003:69). Rizzini é preciso ao correlacionar o início da
ocupação territorial e a chegada da imprensa. Na América espanhola foram quatorze
anos, na América inglesa, dezoito anos, e na América portuguesa, ou seja, no Brasil,
276 anos
31
. Somente em 1729, circularam os primeiros jornais latino-americanos, a
Gacet, de Guatemala e Las Primícias de la Cultura, de Quito. Mas o primeiro jornal
que circulou diariamente na América foi a Gaceta, de Lima, em 1743.
Nos Estados Unidos, no século XVIII, surgia uma classe média com
interesses comerciais. Percebendo o interesse desse público, alguns pequenos
jornais foram publicados. Os editores, que não eram grandes figuras literárias, com
exceção de alguns, ganhavam a vida vendendo jornais por assinaturas. Benjamin
Franklin lançou, na Filadélfia, a Pennsylvania Gazette, em 1728. Como o público não
tinha hábito de ler, havia poucos centros urbanos e mercado propício para os
editores, muitos jornais, por falta de dinheiro, fracassaram e poucos sobreviveram.
Aqueles que resistiram, circulavam com um número bem abaixo dos mil exemplares.
Na década de 1830, com o desenvolvimento da tecnologia de impressão,
com a fabricação do papel e o surgimento da educação pública, muitos editores
tentaram fazer um jornal barato que pudesse ser vendido não só por assinatura, mas
avulso para as massas urbanas. Várias experiências foram feitas nos Estados
Unidos, sem sucesso.
Um impressor de Nova York, Benjamin H. Day, descobre então a fórmula
31
A América espanhola foi ocupada em 1519 e a imprensa foi introduzida em 1533; a América inglesa teve
como início da ocupação territorial, em 1620, e a imprensa chegou em 1638, e a América portuguesa a ocupação
se deu em 1532 e a imprensa só iniciou em 1808. (RIZZINI apud MELO, 2003:71)
34
do sucesso. Ele publicou seu pequeno jornal, o New York Sun (The Sun), em 3 de
setembro de 1833, com a manchete “Brilha para Todos”, vendido a um penny. Ele
iniciava uma nova era no jornalismo.
O primeiro jornal popular trazia notícias locais, matérias de interesse
humano e reportagens sensacionais de fatos surpreendentes. “A fim de apimentar o
conteúdo do seu jornal, Benjamin Day contratou um repórter que escrevia artigos em
estilo humorístico sobre os casos que surgiam diariamente na delegacia local de
polícia” (DE FLEUR, 1976:33).
O jornal The Sun redefiniu o conceito de “notícia”, que até então
significava “comentários sobre acontecimentos sociais e políticos de importância”
(Idem, 1976:34). Publicava relatos de crimes, tragédias e desastres, notícias que o
público considerava interessante ou divertida. Day chegou a publicar no editorial do
jornal uma história inverossímil relativa às novas descobertas científicas da vida na
lua. Quando tudo foi desmentido por um outro jornal, os leitores do Sun aceitaram a
justificativa do jornal, pois eles haviam se divertido com a leitura do fato. O jornal era
vulgar, barato e sensacionalista. Dirigido às classes operárias, possuía uma
linguagem simples para satisfazer os gostos do leitor.
Esta fórmula sensacionalista teve boa recepção dos leitores e atraiu
vários anunciantes, que, na verdade, sustentavam o jornal de Benjamin Day, pois
com o valor que era vendido, –“um penny”-, não conseguia pagar nem o papel. Seu
lucro vinha dos anúncios publicitários.
Depois do sucesso, o jornal de massa, que era limitado a coletor de
notícias, começou então a buscar novas formas de distribuição e captação de
informação. Cada vez mais se buscam notícias. A tecnologia de impressão
desenvolve-se e várias instalações telegráficas são utilizadas para agilizar o
processo de construção e transmissão da notícia. Com isso, “em 1850, para cada
dez famílias, havia cerca de dois exemplares de um jornal diário adquirido nos
Estados Unidos” (DE FLEUR, 1976:38), tamanha a popularidade que este veículo
atingiu.
Neste período, surgem vários jornais rivais, principalmente nos centros
urbanos. Os proprietários, para que a tiragem aumentasse e trouxesse lucros,
tentavam “fisgar” a massa de leitores, publicando seções editoriais e notícias
sensacionalistas. Um dos recursos para conquistar o leitor era a publicação de
histórias em quadrinhos coloridas. O herói dessas histórias chamava-se Yellow Kid,
35
de onde teria surgido a expressão “jornalismo amarelo”, ou como é conhecida hoje,
“imprensa marrom”
32
O jornalismo amarelo era uma espécie de jornalismo gritante,
espalhafatoso, sensacionalista e estabanado que iludia o leitor de
todas as maneiras possíveis. Ele se apoderou das técnicas de
escrever, de ilustrar e de imprimir, que eram o orgulho do novo
jornalismo, e dirigiu-as para usos condenáveis. Tornou a tragédia da
vida um melodrama barato e deformou os fatos do cotidiano de todas
as formas que melhor convinham a seus interesses de venda
mediante os gritos dos pequenos jornaleiros. (EMERY apud DE
FLEUR, 1976:40)
Depois de vários protestos de líderes do governo, de religiosos, literatos,
representantes da lei e outros, a imprensa, aos poucos, tornou-se menos
sensacionalista e mais responsável e foi definindo um conjunto de códigos e normas
aos profissionais desta área.
32
. No jornal New York World, de Joseph Pulitzer, Richard F. Outcault publicava, no final da década de 1890,
“Hogan’s Alley”, série em quadrinhos com cômicos ou, por vezes, planfetários. A personagem era um menino
dentuço que sempre aparecia com um sorriso, vestindo um pijama amarelo. Posteriormente William Randolph
Hearst contratou Outcault para publicar as tiras com o Yellow Kid em seu jornal, o New York Journal. Isso gerou
uma competição entre os dois empresários da imprensa e originou o yellow journalism. No Brasil, ficou
conhecida como imprensa marrom e tem uma história hilária. “A mudança de cor aconteceu no Diário da Noite,
no Rio de Janeiro, na época, final da década de 1950, liderado por Alberto Dines. Ao receber informações na
redação de que um jovem cineasta cometeu suicídio por estar sendo chantageado por uma revista de escândalo.
Dines resolveu colocar o fato como manchete. Então, escreveu algo como “imprensa amarela leva cineasta ao
suicídio". Entrou na sala em que era desenhada a primeira página, quando o chefe de reportagem, Calazans
Fernandes, protestou: ‘Na minha terra amarelo é cor bonita. Põe marrom, é cor de merda’. ‘Foi uma das decisões
mais rápidas que tomei’, explica Dines.” Disponível em:
http://www.facom.ufba.br/com112_2001_2/buracodaimprensa/quartopoder.htm. Acesso em 31 de março 2007.
36
Outras histórias
A imprensa chegou ao Brasil com a corte de D. João VI. Antes era
proibida qualquer atividade gráfica na colônia. O Correio Braziliense, publicado na
Inglaterra, circulou em 1
o
de junho de 1808, editado pelo exilado Hippolyto José da
Costa. Três meses depois, em 10 de setembro de 1808, circulou o primeiro jornal
impresso no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, órgão oficial do governo, dirigido por
frei Tibúrcio da Rocha e depois censurado pelo Conde de Linhares, em 1822. O
jornal começou a ser publicado semanalmente, depois passou a ser bissemanal e a
partir de 1821 circulava três vezes por semana.
Antes da imprensa régia houve tentativas de introduzir a imprensa no
Brasil colônia, mas não deram resultados. Nesta primeira fase, aproximadamente
até 1822, predominou atividade panfletária.
A segunda fase do jornalismo no Brasil foi predominantemente literária.
Fonte: Coleção Nosso Século, 1985: p. 80, V.2
37
Conforme o texto acima, “uma notícia de suicídio tem mais leitores do que
a crônica mais lavorada”. Nesta fase, o público presenciava publicações de relatos
de dramas da vida. O que o difere muito das reportagens que se tem atualmente
nos jornais e que também atraem o público.
Em 1821, surgiram tipografias em outros estados do Brasil, além do Rio
de Janeiro. Isso permitiu a publicação de vários jornais. A corte do Segundo Império
trouxe alguns jornais duráveis
33
, entre outros, O Jornal do Comércio (1827) e Jornal
do Brasil (1891), publicados no Rio de Janeiro, e O Estado de São Paulo, (1875), em
São Paulo. Nesta época, os grandes jornais possuíam prédios próprios,
telégrafos, prensas e meninos que gritavam suas manchetes nas ruas. As antigas
oficinas de jornal, que davam prejuízo, transformaram-se em empresas lucrativas
que propagavam anúncios e atraíam leitores.
Da República Velha ao Estado Novo, foi “descoberta” a publicidade.
Desenvolveu-se um estilo de reportagem baseado na observação da realidade,
coleta de informação e tratamento literário do texto. No começo do século XX, com a
vinda de imigrantes e a implantação de indústrias nas grandes cidades, surgiram
organizações trabalhistas e jornais populares com idéias comuns às da Europa. Em
todo o país, havia jornais de protesto e, embora não fossem proibidos de circular,
pairavam sempre ameaças da polícia de expulsão de seus militantes estrangeiros.
Os oito anos da ditadura Vargas trouxeram, além da liquidação do
jornalismo político e da perda de qualidade da caricatura, uma intensa corrupção de
jornais e jornalistas, a imprensa estava submetida ao controle do Departamento de
Imprensa e Propaganda. O DIP "controlava" todas as atividades culturais do país e
também os meios de comunicação de massa.
Depois de 1945, iniciou-se uma transformação marcada pela crescente
influência norte-americana sobre a sociedade em geral, e a imprensa em particular.
Os jornais não eram feitos para todos, mas para camadas do público. E com a
queda do Estado Novo, as modificações do estilo jornalístico encontraram
ambientação política favorável. Se antes de 1945, a imprensa vivia sob as mordaças
da censura e as matérias eram escritas por literatos, sob a influência francesa,
33
Outros jornais surgiram nesta época: Diário do Rio de Janeiro (1821); Diário de Pernambuco (1825); Gazeta
de Notícias (1874); Cidade do Rio, jornal abolicionista fundado por José do Patrocínio, em 1887.
38
depois a imprensa adota o modelo norte-americano de publicar as notícias.
Entramos na era das grandes reportagens com fotografias, dos cadernos e dos
suplementos: dominical e literário.
Fonte: Coleção Nosso Século, 1985: V.8: p. 127
Reportagens com fotografias, no final da década de 1950.
Fonte: Coleção Nosso Século, 1985: V.8: p. 126
39
Os suplementos,
Fonte: Coleção Nosso Século, 1985: V.8: p. 127
Com um estilo ágil e dinâmico de escrever, priorizando as informações do
lead, o jornalismo viveu seu protagonismo.
Um encontro: o folhetim e o jornal
O jornal se tornou veículo de massa ao publicar, no rodapé da primeira
página, romances em capítulos. A princípio, folhetim designava o espaço físico nas
páginas internas do jornal onde se publicava variedades, crônicas, críticas literárias
40
e resenhas teatrais. Um espaço de entretenimento para o leitor. Mas Émile de
Girardin, editor do jornal La Presse, conseguiu, com publicidades de origem inglesa,
baratear os custos e publica os primeiros romances-folhetim, histórias em série,
“primeiro tipo de texto escrito no formato popular de massa” (MARTÍN-BARBERO,
2003:182). Isso atraiu grande público e o gênero se tornou a “atração” do jornal.
Com o fenômeno cultural, os romances passaram a ser escritos para o espaço do
jornal, com temas que agradassem o público.
O feuilleton-roman ou folhetim
34
foi inventado pelo jornal e para o jornal e
tornou-se fator condicionante da vida dessa mídia (MEYER, 1996:30).
O primeiro folhetim foi Lazarillo de Tormes
35
(MEYER, 1996:31).
Publicado em 1836, com o chamariz de “continua no próximo número”, a história, de
autor desconhecido e tema popular, teve grande aceitação do público. No mesmo
ano, Girardin encomendou a Balzac uma história para ser publicada em série. O
autor francês produziu a novela La vieille fille. Surge, assim, a estrutura do folhetim:
o corte sistemático que criava suspense no leitor, textos e diálogos com temas
românticos, personagens maniqueístas.
Com esta estrutura, o folhetim, na década de 1840, chega à sua forma
definitiva com O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, publicado no jornal La
Presse, e Os mistérios de Paris
36
, de Eugène Sue, no Journal des Débats, obras
primas do gênero, que depois foram publicadas em livros. Os mistérios de Paris
37
34
O sucesso das publicações em fatias foi tanto que o espaço destinado a estas publicações - folhetim - passou
a denominar também os romances veiculados no jornal.
35
É a história de Lázaro, menino órfão que tem uma vida difícil e complicada. Entretanto a narrativa não se
apresenta de forma dramática, ao contrário, são infortúnios como a fome e a luta pela sobrevivência que fazem o
garoto passar situações engraçadas. O leitor, ao mesmo tempo, se solidariza com a vida do protagonista, e se
entretém com as habilidades que ele tem para resolver todas as situações vividas. (anônimo, 2005).
36
Umberto Eco faz um estudo da narrativa de Os mistérios de Paris, enfatizando a relação ideologia e retórica,
ambas fenômenos culturais. Para tanto ele faz algumas considerações sobre a ideologia do autor, que passou de
dândi a socialista; a estrutura narrativa (enredo, tópicos de retórica, etc.) e as “condições de mercado no qual a
obra foi introduzida e a quem estava destinada” (ECO, 1979: 181-206).
37
Obra publicada entre 19 de junho de 1842 e 15 de outubro de 1843. Os leitores choraram com o último
capítulo e o protagonista tornou-se um mito. (Meyer, 1996: 69-84)O romance-folhetim mostra o outro lado da
cidade dos românticos, vai construir o cenário de uma Paris de misérias, de prisioneiros, classes populares, dos
asilos de loucos, dos burgueses avarentos. “A abertura de Os mistérios de Paris é uma cena belíssima. Na calada
de uma noite tempestuosa, nas escuras e malcheirosas vielas de Paris angustiante circulam vultos, passam
sombras. (...) O modo como se vai compondo o cenário é admirável” (idem, p.77).
41
fez tanto sucesso que os leitores enviavam cartas para o autor e também para as
personagens do folhetim. Isto fazia o autor diminuir o sofrimento das personagens.
Um outro leitor pediu para Sue que lhe apresentasse “o Sr. Rodolfo (personagem
central) a fim de que este lhe conseguisse um bom emprego. É o leitor começando a
confundir ficção com realidade”. (ALENCAR, 2004: 42-43). A história despertou tanto
interesse que o autor percorreu os bairros populares de Paris, vestido de operário. O
que permitiu a ele sentir a emoção do povo, e resolver as situações mais dramáticas.
A fusão de realidade e fantasia efetuada no folhetim escapa dele [o
autor], confundindo a realidade dos leitores com as fantasias do
folhetim. As pessoas do povo têm a sensação de estar lendo a
narrativa de suas próprias vidas. (MARTÍN-BARBERO, 2003:190)
Uma definição caricatural da época permite-nos uma aproximação a
algumas matérias presentes nos jornais do final do século XX e começo deste
século, como veremos no capítulo III.
O senhor tome, por exemplo, uma mocinha infeliz e perseguida.
Acrescente um tirano sanguinário e brutal, um pajem sensível e
virtuoso, um confidente dissimulado e pérfido. Quando tiver em mãos
esses personagens, misture todos rapidamente em sete, oito, dez
folhetins e sirva quente. É principalmente no corte que se reconhece
o verdadeiro folhetinista, meu senhor. É preciso que cada número
caia bem, que esteja amarrado ao seguinte por uma espécie de
cordão umbilical, que peça, desperte o desejo, a impaciência de se ler
a continuação. Falava-se em arte ainda pouco; esta é a arte. É a
arte de fazer desejar, de se fazer esperar. E se o senhor puder
colocar esse leitor entre uma assinatura e outra, ameaçando os
pagadores atrasados de deixarem de saber o que acontece com o
herói favorito, acontecerá então o mais belo sucesso da arte (Louis
REYBAUD, apud MEYER: 1996:49).
42
Nesta primeira fase do romance folhetim (1836 a 1848) predominou o
romantismo social. Os jornais da época disputavam os melhores folhetins. Surge a
literatura industrial. Desprezada por muitos autores, que resistiam à publicação de
sua obra em jornais, tornou-se um meio de divulgar jovens autores.
Em 1848, praticamente desaparecem os folhetins, por ordem de Luís
Napoleão Bonaparte, entretanto permitiu sua volta em 1856, desde que não
apresentassem conteúdo social. A imprensa no império foi uma época de ouro
para o jornalismo: criam-se agências noticiosas, a indústria e o comércio publicavam
cada vez mais anúncios nos jornais. “O público faz sua imprensa e a imprensa seu
público”. (BELLET apud MEYER, 1996:92).
O folhetim retorna renovado, mas com a concorrência do fait divers, o
relato romanceado do cotidiano real. O grande autor desta segunda fase foi Ponson
du Terrail que publicou no Le petit journal, Os dramas de Paris ou a As proezas de
Rocambole. O romance foi inspirado nas narrativas do cotidiano. Mas com a morte
do autor, em 1871, morre também este período de ações rocambolescas.
O Le petit journal foi publicado em fevereiro de 1863, por Moïse Polydore
Millaud. O jornalista diminui o formato do jornal, o que o torna mais acessível e mais
prático, vende os exemplares avulsamente e desenvolve um processo de
distribuição que passa a ser nacional, rápido e eficaz, além de publicar o jornal com
uma linguagem que atenda a todas as camadas sociais. No suplemento publicado
aos domingos, a partir de 1866, o jornal trazia fait divers
38
, que juntamente com o
folhetim, tornou-se o “grande chamariz” do jornal.
Ele [Millaud] soube aliar uma novidade, o folhetim, cujo consumo fora
amplamente confirmado pelo sucesso da fórmula do jornal-romance,
o qual aliás acabou suplantado pelo novo jornalismo de massa, a uma
tradicional modalidade de informação popular, reinterpretando-a e
rebatizando-a. Trata-se da nouvelle, ou canard, ou chronique, a que
38
Assim como o romance folhetim, ou folhetim, o fait divers extravasa o imaginário e a dramatização
predomina sobre a informação. É importante, então, fazer uma analogia dessas estruturas, pois a “folhetinização
da informação”, objetivo dessa pesquisa, é a junção do relato do fato, em que há relação de causalidade,
veiculado com a estrutura do folhetim, com cortes, suspense, ou elementos semelhantes ao folhetim do final do
século XIX e início do século XX. Salientamos ainda que, no capítulo III, apresentamos a relação entre
imaginário e notícia de forma mais esclarecedora.
43
deu novo nome: o fait divers, ou seja, uma notícia extraordinária,
transmitida em forma romanceada, num registro melodramático, que
vai fazer concorrência ao folhetim e muitas vezes suplantá-lo nas
tiragens. (MEYER, 1996:98)
O fait divers (Barthes, 1964 e 1982) traz escândalos, curiosidades, fatos
inusitados. É notícia não classificada, são informações “monstruosas” sobre fatos
excepcionais abaixo da categoria de variedades. A frase de Amus Coummings, ex-
editor do jornal norte-americano The New York Sun, esclarece bem esse conceito de
inusitado ao dizer “se um cachorro morde um homem, não é notícia, mas se um
homem morde um cachorro, então é notícia, e sensacional” (AMARAL, 1982:40).
Fait divers são fatos extraordinários narrados de forma sensacionalista e popular
sobre crimes passionais, assassinatos, desastres, agressões, seqüestres (raptos),
acidentes, etc.
Ele é uma informação total, contém em si todo seu saber: não é
preciso conhecer nada do mundo para consumir um fait divers; ele
não remete formalmente a nada além dele próprio; evidentemente,
seu conteúdo não é estranho ao mundo. (...) tudo é dado num fait
divers; suas circunstâncias, suas causas, seu passado, seu
desenlace; sem duração e sem contexto, ele constitui um ser
imediato, total, que o remete, pelo menos formalmente, a nada de
implícito; é nisso que ele se aparenta com a novela e o conto, e não
mais com o romance (BARTHES, 1982: 58-59). (grifos meus)
É ainda:
Expressão da língua francesa que designa a notícia jornalística que
tem relevância devido à sua alta carga potencial de empatia com o
leitor. Exemplos: noticiário de crime envolvendo família de classe
média, casamento de personalidade, morte de pessoa famosa
(Manual da Folha de S.Paulo, 1987: 153).
44
Para Barthes, as relações imanentes ao fait divers são de causalidade e
de coincidência. A primeira é mais freqüente, a causa é esperada e normal e se
desloca para a personagem dramática ou “espécies de essências emocionais
encarregadas de vivificar o estereótipo” (1982: 60). A relação de coincidência
aproxima dois conteúdos distantes tornando-a espetacular, pois conta com situações
de azar.
O fait divers, que tem origem na oralidade, é a narrativa que pode ser lida
e relida em qualquer época, pois causa espanto mesmo depois de muito tempo.
Entretanto, à época das primeiras publicações, tanto o fait divers quanto o folhetim
mantém preso o leitor aos jornais.
A narrativa do fait divers visa essencialmente provocar reações
subjetivas e passionais no leitor-ouvinte. Tende a abolir a distância
que o separa do acontecimento e dar-lhe a ilusão de que participa ele
próprio da ão. Funcionando como um romance, o relato desse tipo
de acontecimento convida o leitor a participar por meio da imaginação
das situações descritas e a se identificar com os personagens cujas
aventuras acompanha (...) ele estabelece, com nosso inconsciente,
relações que refletem nossa própria ambivalência (...) é um lugar de
exercício do imaginário” (MEYER:1996:100).
O fait divers é a vida romanceada e o folhetim é o romance da vida
(MEYER: 1996:102). “É chegada a hora em que melodrama, fait divers, folhetim se
entrelaçam numa ‘democratização’ do crime e dos criminosos” (MEYER, 1996:264).
A terceira, última fase do romance-folhetim (1870 a 1914), é chamada, por
Marlyse Meyer, de “os dramas da vida”. Èmile de Richebourg e Xavier de Montépin
são os autores que trazem em suas narrativas tramas do cotidiano em que uma
mistura de ficção com dados da história.
45
É a banalização do grande folhetim romântico, do folhetim do
imaginário puro. (...), o folhetim do pós-guerra e pós-medo da
Comuna não retrata mais aquela luta eternamente recomeçada do
bem contra o mal, (...) o folhetim da terceira fase é vilipendiado,
desprezado e mais deslegitimado ainda que seus predecessores.
(MEYER, 1996:218)
O folhetim aqui enfrenta a industrialização, também convive com o fait
divers, com as edições populares e fascículos oferecidos gratuitamente pelos
jornais.
Com a condição de indústria, o jornalismo foi modificando sua escrita.
Passa a ter características utilizadas até hoje, como notícias objetivas, reportagens
e entrevistas, e o folhetim foi aos poucos substituído pela seção de “variedades”,
com informações sobre esportes e casos de “polícia”.
No Brasil, não foi muito diferente o percurso do folhetim. Esta estrutura vai
encontrar um espaço favorável aqui.
Uma nota de rodapé do Jornal do Comércio de 31 de outubro de 1828
chama a atenção dos leitores para o acontecimento do dia: a
publicação do primeiro capítulo de “linda novela, O capitão Paulo,
novela por Alexandre Dumas, traduzida por J.C. Muzzi” (MEYER,
1996:32).
Esta história de Dumas foi o primeiro romance-folhetim, traduzido do
francês, publicado no Brasil. Entretanto, no ano seguinte, em 1829, Alexandre
Dumas escreveria com a técnica folhetinesca corte, suspense, diálogos curtos,
personagens maniqueístas, etc-. Com isso, a mídia impressa passa então a viver em
função dos folhetins publicados nos rodapés, consegue conquistar muitos leitores e
conseqüentemente vender muitos jornais.
Entre 1839 e 1842, a publicação de folhetins é praticamente diária. O
sucesso no Brasil fez editores publicarem histórias. A tradução de Os mistérios de
Paris, de Éugene Sue, foi publicada, no Jornal do Comércio, somente quatro meses
46
depois da publicação na França.
Este fenômeno se estende a quase todos os jornais e, no espaço,
denominado folhetim, publicavam-se histórias em prosa que somente depois eram
compiladas em volumes.
Os folhetins no Brasil obtiveram grande aceitação, contaram com
colaboradores que passariam a escrever sob a nova estrutura e atender uma classe
mais popular. Entretanto os folhetins publicados no Brasil tinham uma diferença
significativa em relação ao modelo francês: não conseguiam atingir grande parte da
sociedade, pois na maioria da população ainda imperava o analfabetismo. Os
jornais eram lidos pelas moças e senhoras, mas também agradaram muitos
senhores da corte. De qualquer maneira foi uma tentativa de popularizar os
romances e uma possibilidade de divulgação de novos autores, que ao publicarem
seus romances em folhetins, propiciavam a muitas pessoas a leitura de muitas
histórias (MEYER, 1996), ou ainda o conhecimento, ouvindo histórias.
Por muito tempo o espaço do folhetim foi privilegiado nos jornais. A
primeira página a seguir é a reprodução do jornal A província de São Paulo, que
desde 1890 circula como O Estado de S.Paulo. O exemplar com data de 4 de
janeiro de 1875 foi distribuído em comemoração aos 100 anos da veiculação do
periódico a quem visitasse a tipografia do referido jornal. No rodapé da página o
capítulo I do folhetim Magdalena
39
, escrito por Júlio Sandeau. No final do capítulo e
também da página do jornal a palavra “continua”.
39
O folhetim inicia situando as personagens numa aldeia simples, chamada Neuvy-dos-bosques. Os habitantes,
aos domingos aguardavam na estrada que corta a aldeia a passagem das carruagens. Isto poderia render boas
vendas de vinhos. Entretanto num domingo de outono uma carruagem parou na aldeia e uma jovem, chorando,
disse às mulheres da cidadezinha que havia perdido seus pais e que procurava um lugar chamado Valtravers.
Uma senhora se apiedou da jovem e pediu ao sobrinho que a acompanhasse aa outra aldeia. Os dois seguiram
à noitinha, por alguns atalhos. “Depois de duas horas de caminho, os dous viajantes avistaram, ao longe no
horizonte, os bosques de Valtraveres”.
47
O título:
48
O corte (continua)
O folhetim ditou moda e costumes e naquela época “desenhava-se a
representação de uma sociedade rural francesa que aparecia como um paradigma
de civilidade para a sociedade tropical e escravagista dos campos do Império”
(ALENCASTRO, 1997:44)
Como no Brasil ainda não havia tipografias, alguns escritores, como José
de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Machado de Assis, utilizaram esta forma
de publicação.
(...) pelo menos dois escritores-jornalistas, Manuel Antonio de
Almeida, em Memórias de um Sargento de Milícias (1854), e Machado
de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), deram ao
gênero a dimensão que lhe faltava, de seção de jornal que
impulsionaria o livro. Cada um a seu modo introduziu blocos ou
capítulos curtos, humorísticos, como que reestruturados
mimeticamente para uma leitura móvel (...) a espera pelo dia seguinte
(PINHEIRO: 2004:18).
A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, é considerado o primeiro
romance brasileiro e foi publicado em folhetim, em 1844, no Jornal do Comércio, no
Rio de Janeiro.
Antes, porém, em 1843, foi publicado, entre julho e agosto de 1843, uma
outra história, no Jornal do Brasil, o romance de Teixeira e Sousa, O filho do
49
pescador
40
. Traz a história de Laura e Augusto, filho do pescador. Apesar de a
história conter adultérios, crimes, assassinatos, temas característicos do folhetim, o
desfecho é moralizante e não possui, portanto, as características do romance
romântico. Por isso atribui-se à obra de Joaquim Manuel de Macedo o primeiro
romance publicado em folhetim no Brasil.
Memórias de um sargento de milícias foi publicado em folhetim no Correio
Mercantil do Rio de Janeiro, entre 1852 e 1853, anonimamente. no ano seguinte
foi compilado e publicado em livro também sem autoria.
Memórias póstumas de Brás Cubas foi publicado em 1880, dividido em
capítulos, também em folhetim, na Revista Brasileira. Em 1881, foi editado na forma
de livro.
Em 1857, de janeiro a abril, o jornal Diário do Rio de Janeiro publica O
guarani e, assim como Eugène Sue, na França, que recebia cartas dos leitores e
repensava na trama folhetinesca de Os mistérios de Paris, José de Alencar também
ouvia seus leitores.
Em O guarani sua primeira intenção era matar no final da história Ceci e
Peri. Mas ao ler o capítulo para amigos, estes sofreram muito e não concordaram
com o desfecho, pois as personagens depois de sofrer tanto não poderiam morrer.
Então, o autor “opta por um final que deixa a critério de cada leitor imaginar o destino
dos personagens”. (ALENCAR, 2004:43).
Muitas histórias “alegraram os leitores da época. Tornou-se verdadeira
mania acompanhá-las pelos jornais, publicadas em folhetim. Documentos sobre a
popularidade dos folhetins ficaram registrados em obras. Martins Pena registrou na
voz de personagens o impacto que as histórias “em pedaço” causavam:
Em sua primeira comédia ambientada na Corte, Os dous ou o inglês
maquinista, de 1845, fazia a dona de casa Clemência acrescentar às
queixas do sobrinho Felício contra o excesso de anúncios de
remédios no Jornal do Comércio: “Por mim, se não fossem os
folhetins, não lia o jornal. O último era bem bonito; o senhor não leu”.
40
Depois o romance de Teixeira e Sousa foi veiculado em 1859, entre julho e setembro, em A Marmota,
também na estrutura folhetinesca. SILVA, Hebe Cristina. Disponível em
www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br, acesso em 04 de agosto de 2007.
50
Ao que o personagem Negreiro respondia, de forma reveladora: “Eu?
Nada! Não gasto meu tempo com essas ninharias que são boas
para as moças”.
41
E essa “moda” não se limitou somente a mulheres, obteve a atenção do
público masculino e muitos estudantes disputavam o jornal.
Quando a São Paulo chegava o correio [trazendo da Corte o Diário do
Rio de Janeiro com os folhetins do romance O guarani, de José de
Alencar], com muitos dias de intervalo, então reuniam-se muitos e
muitos estudantes numa república, em que houvesse qualquer feliz
assinante do Diário do Rio, para ouvirem, absortos e sacudidos, de
vem em quando por um elétrico frêmito, a leitura feita em voz alta por
algum deles, que tivesse órgão mais forte. E o jornal era depois
disputado com impaciência e pelas ruas se via agrupamentos em
torno dos fumegantes lampiões da iluminação pública de outrora
ainda ouvintes a cercarem ávidos qualquer improvisado leitor
42
.
A popularidade dos folhetins permitiu a publicação de obras de ficção em
livros, principalmente de autores estreantes, e estimulou o “aparecimento de toda
uma nova geração de escritores, inclusive mulheres”. (ALENCAR, 1994:39)
Até 1920, o jornal imperou soberano como veículo de massa, depois
surgiram o rádio e a televisão, mas os jornais atuais ainda utilizam alguns recursos
dos primeiros periódicos como o fait divers, o melodramático, o folhetim, enfim um
entrecruzamento de códigos.
41
Em Teatro de Martins Pena. I - Comédias, apud Tinhorão, José Ramos, 1994:38.
42
Em Reminiscências, de Visconde de Taunay, apud TINHORÃO, José Ramos, 1994:39.
51
Um reencontro: o melodrama e as mídias
O melodrama é o nosso alimento cotidiano
Alejo Carpentier
O melodrama é um gênero teatral popular, é um estilo antigo, porém “uma
das criações estéticas mais importantes do século XIX” (HUPPES, 2000:10). A
autora acrescenta que ele seria o sucessor da tragédia, mas que o fica restrito ao
romantismo, ultrapassa-o e, no século XX, acaba recuperando espaço em outras
formas de expressão artística, ou de entretenimento popular como é o caso do
cinema e a televisão e até mesmo do jornal impresso.
A expansão dos medias no final do século XX renova o espaço para
o estilo melodramático, em vez de decretar-lhe a completa
superação, como o advento da expressividade moderna autorizaria
prever. O melodrama retorna em produtos culturais cultivados nos
meios de comunicação de massa e se mostra plenamente
sintonizado com a lógica da sociedade de consumo. Mais uma vez
revela eficiência para atrair a camada emergente de consumidores
(HUPPES, 2000:155)
O melodrama é a referência de identificação imediata entre as narrativas
e o leitor, é a catarse necessária, ao processo que Sílvia Oroz (1999) chama de
‘educação sentimental das massas’.
52
Assim, as lágrimas aparecem como veículo mais apropriado para
‘limpar os erros’. As lágrimas redimem. As lágrimas purificam. Esta
colocação moral das lágrimas é característica da produção da cultura
de massas e foi competentemente desenvolvida pela indústria
cinematográfica da América Latina nas décadas de 30, 40 e 50
(p.13).
Esta catarse que o melodrama possibilita tem sido contemplada por meio
de outras linguagens e mídias. O jornal, com menor intensidade que o cinema,
também utiliza este gênero, embora diluído, e na televisão por meio das telenovelas
e de outros programas que mesclam a ficção a fatos reais.
O melodramático está na cultura do homem que, apesar de uma vida
frenética, busca uma maneira de ler o mundo cotidiano, de forma a transformar a
realidade em quase ficção.
O melodrama é uma espécie de drama em que o diálogo era
entremeado de canto e música instrumental. Peça dramática de
caráter popular, de situações violentas e de sentimentos exagerados:
do grego melos e dramas.
43
O espetáculo popular tem origem no século XVII, na Itália, e referia-se
ainda à ópera, também se ligou à opereta e à opera popular, que junta texto e
canção” (HUPPES, 2000:21). O melodrama era um termo para classificar as peças
que utilizavam a música como técnica de apoio para as encenações dramáticas.
Nesta época, também eram chamados de melodrama cômico ou pastoral, peças
curtas que eram apresentadas somente em um ato, conhecidas como ópera cômica.
Depois passou à França e no século XVIII, teve Guilbert de Pixerécourt
como pai do gênero, tornando-se moda por lá.
43
Em Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Vol. XVI, s/d, p. 827.
53
Entretanto, em 1680, ficou proibida a utilização de teatros para
representações populares, principalmente os espetáculos com diálogos. Os teatros
eram reservados às classes altas. Somente em 1806, em Paris, houve a permissão
de três teatros para encenações populares. Com esta proibição, a mímica e a
representação cênica fizeram a arte do ator destacar-se ainda mais.
Apresentações sem fala e cantos aproximaram o melodrama às classes
populares. O melodrama nasce como um espetáculo para um povo que não domina
as formas da leitura, que não espera as palavras na cena, mas ações e paixões das
personagens na trama. E esta cumplicidade entre o gênero e o público permite situar
o melodrama como um processo do popular ao massivo:
lugar de chegada de uma memória narrativa e gestual e lugar de
emergência de uma cena de massa, isto é, onde o popular começa a
ser objeto de uma operação, de um apagamento das fronteiras
deslanchado com a constituição de um discurso homogêneo e uma
imagem unificada do popular, primeira figura de massa (MARTÍN-
BARBERO, 2003:171). (grifos do autor)
A palavra melodrama apresenta significados múltiplos: de peças
dramáticas que utilizavam música, passou a designar “a pantomima
44
muda ou
dialogada e o drama da ação (THOMASSEAU, 2005:18). Em 1835, quase em
desuso, os críticos tentaram amenizar o sentido pejorativo do termo, mas “a palavra
tinha ganho o sentido depreciativo tal qual a conhecemos nos dias atuais.”
(Idem, p. 18).
O período áureo do melodrama, na Europa, é 1800. Havia tanta aceitação
do público que os teatros aumentaram consideravelmente. Sua gênese distancia-se
do melodrama atual, mas mantém a relação com o público por meio do
sentimentalismo.
44
Representação de uma história exclusivamente através de gestos, expressões faciais e movimentos no drama
ou na dança. Cf. HOUAISS, 2001: 2119.
54
Este gênero, originalmente
45
, possui uma estrutura
46
simples. Prioriza os
enredos sentimentais, tem como temas freqüentes a reparação da injustiça e a
busca da realização amorosa, além disso as personagens se opõem quanto a
valores em vício e virtude. Um aspecto que também faz parte da estrutura
melodramática aparece na forma de impedimentos, como oposições de famílias,
moral, segredos, etc., o que acabam por gerar o conflito na trama
47
. Algumas
situações limite são comuns: as provas, o inesperado, o suspense, o pólo negativo,
o herói tem opção, não conta com o destino. Tudo isso para causar múltiplas
emoções e sensações no receptor.
Para fazer um bom melodrama, é necessário primeiro escolher um
título. Em seguida é preciso adaptar a este título um assunto qualquer,
seja histórico, seja de ficção; depois, coloca-se como principais
personagens um bobo, um tirano, uma mulher inocente e perseguida,
um cavaleiro e, sempre que se possa, um animal aprisionado, seja
cachorro, gato, corvo, passarinho ou cavalo. (...) O tirano será morto
no fim da peça, quando a virtude triunfará e o cavaleiro desposará a
jovem inocente infeliz, etc. Tudo se encerrará com uma exortação ao
povo, para estimulá-lo a conservar a moralidade, a detestar o crime e
os tiranos, sobretudo lhe será recomendado desposar as mulheres
virtuosas (THOMASSEAU, 2005:27).
Na “receita” que era proposta pelo Tratado do Melodrama, em 1817, as
personagens e suas tramas serão paradigmas para um bom romance-folhetim.
Entretanto a figura da personagem “bobo” parece, a princípio, destoar no estilo das
45
Conforme Ivete Huppes, em Melodrama: o gênero e sua permanência (2000), a origem está do teatro
romântico, mas no século XX é recuperado em outras formas dramáticas. “Os meios de comunicação de massa,
em especial o cinema e a televisão, propiciam-lhe um habitat estimulante” (p.10).
46
As estruturas do melodrama e folhetim estão especificadas no Capítulo III.
47
Vladimir. Propp no livro A morfologia do conto maravilhoso (1984) faz um estudo de cem contos de magia
russos e mostra a ocorrência da mesma estrutura narrativa: personagens característicos, motivos recorrentes, etc.,
e propõe 31 funções comuns para os contos. Assim como a estrutura do melodrama e folhetins que apresentam
temas, personagens, etc. recorrentes.
55
apresentações melodramáticas. Huppes (2000:87 e ss) assinala que ele é uma figura
vinculada ao herói, e movimenta o enredo e anima o discurso lingüístico. “A figura do
bobo contribui para o caráter compósito do melodrama, tem a função de produzir
situações cômicas com o objetivo de atenuar a tensão exagerada, de aliviar o tom
grave da história”. Ele um toque de realismo ao mostrar que a vida não é feita
de ilusões.
Excetuando o tom paródico da receita proposta pelo Tratado, vê-se que
ela não é muito diferente em outras mídias. Estes paradigmas não serão esquecidos,
embora pareça que o gênero tenha acabado, e servirão a outro gênero que começou
no jornal impresso: o romance-folhetim.
Com o surgimento do romance-folhetim, ocorreu uma evolução do
melodrama. Aquele não significa a substituição deste, mas uma ressignificação do
gênero. Eles são tão confundidos que, nos países latino-americanos, tanto um
quanto outro possui, por vezes, o mesmo significado.
A novela de folhetim é destinada a um público tão heterogêneo e tão
recentemente formado assim como o melodrama ou o vaudeville
48
,
nela predominam os mesmo princípios formais e os mesmos critérios
de gosto da cena popular contemporânea”
49
.
O romance-folhetim, veiculado nos jornais, tinha um custo baixo e era
consumido de forma mais rápida e mais prática, isso representava uma competição
comercial para o melodrama.
O melodrama é a grande matriz do folhetim e os dois possuem estruturas
indispensáveis à grande narrativa de massa. Esse amálgama delirante entre o relato
melodramático do cotidiano e a ficção faz aguçar o imaginário popular e conecta o
público à escrita jornalística.
Esse reencontro faz a fórmula “consagrada outrora” se multiplicar e migrar
para outras mídias, sempre utilizando o modelinho: desgraça pouca é bobagem”.
48
Comédia que possui enredo fértil em intrigas em que há também dança e canções. (HOUAISS, 2001: 2834)
49
Silvia OROZ, citando Arnold Hauser, 2000: p.23.
56
Eficiente no jornalismo impresso fez sucesso também nas fotonovelas e no rádio.
A radionovela, tardiamente introduzida no Brasil (Ortiz: 1989), teve grande
audiência, pois, além do paradigma impresso, soube aproveitar o suporte da
sonoridade. Vozes que fizeram o público parar diante do aparelho. Eram sempre
melodramáticas, causavam emoção e depois eram publicadas em capítulos, como
nos folhetins.
Mas a fórmula do desgraça pouca é bobagematinge seu paroxismo na
televisão. A telenovela também tem como signo fundante o folhetim. Associando a
experiência do rádio, a telenovela, paulatinamente, conseguiu desenvolver e
aprimorar o trabalho de expressão corporal associado às vozes dramatizadas.
A TV parece aquietar as angústias e acalmar nossas ansiedades. Os
dramas e as notícias que nela são transmitidas aguçam o imaginário social.
Estas narrativas melodramatizadas resgatam um gênero consagrado, o
folhetim que atualmente têm sido paradigmas de vários tipos de programação e têm
feito muitos espectadores. Também nos programas jornalísticos, em que a regra é
divulgar o fato com a maior objetividade possível, a folhetinização da notícia tem sido
amplamente incorporada.
Essa vertente das dramatizações pode ser comprovada em programas
como Globo Repórter, da Rede Globo, ao transmitir casos que chocam o país.
Algumas fatalidades são narradas de forma folhetinesca. O programa é apresentado
para a criar um suspense, em que o clímax e o desfecho são retardados para o
bloco seguinte, criando expectativas no público. É o fait-divers televisual. Os
exageros da linguagem verbal e os excessos gestuais dos apresentadores, desse
tipo de programa, colaboram para o “melodrama”
50
nos programas jornalísticos.
A dramatização da informação gera o espetáculo: as grandes catástrofes
se tornam quase cinematográficas, o crime é romanceado, o processo é teatral,
novelesco. A analogia com a origem folhetinesca/melodramática é tamanha e o
espetáculo da notícia é tanto que não se sabe mais se “a vida imita a arte” ou “a
arte imita a vida”. Narrativizar a vida de algumas celebridades e mesmo de pessoas
comuns tem sido a tônica do jornalismo contemporâneo, que processa códigos que
desencadeiam uma proximidade com estas celebridades a ponto de as pessoas
50
Aqui o termo não é utilizado com o significado de “gênero”, mas no sentido popular, dramalhão, narrativas
com exageros dramáticos.
57
vivenciarem seus dramas.
O jornalismo, aproveitando a emoção que fatos dramáticos causam nos
leitores, produz matérias durante alguns dias. Evidentemente, esta técnica de
sedução pelas histórias cotidianas não é recente, conforme o dissemos. O
jornalismo contemporâneo recodifica, portanto, códigos que foram muito utilizados
no início de sua história. A folhetinização da informação é um elemento assimilado
da cultura, porque, mais que veicular os fatos, compartilha com seus leitores
histórias da vida em fatias, em fascículos.
O melodrama foi um gênero muito utilizado em todas as formas de
expressão artística, e a mídia impressa, até por concorrer com a eletrônica, também
tem se apoiado neste gênero para veicular informação. O público quer emoções
através dos dramas da vida e a mídia contribui para que os fatos narrados tenham
uma estrutura semelhante àquela que tanto conquistou leitores em outras épocas.
“Melodramas”
51
reais acontecem todos os dias, em muitos lugares, mas
nem todos acabam nas primeiras páginas dos jornais, até por uma questão de
tempo, espaço e mercado.
51
Idem à nota 15. Termo utilizado no sentido popular: “dramalhão”.
58
Mestiçagem e códigos
52
mestiços
A mestiçagem é o reconhecimento da pluralidade do ser no seu devir.
François Laplantine
Mestiçagem. O estudo é recente, mas a ocorrência é antiga, pois o
encontro de culturas é inevitável; não é algo que passou, é o que nos constitui, “é
razão de ser, tecido de temporalidades e espaços, memórias e imaginários que até
agora só a literatura soube exprimir” (MARTÍN-BARBERO, 2003:271).
Amálio Pinheiro (2006) argumenta que “mídia e intelectuais, em sua
grande maioria, recusam-se a analisar todo o processo da mestiçagem” e explica
que:
O termo aqui não remete a cor, mas a modos de estruturação
barroco-mestiços que acarretam, pela confluência de materiais em
mosaico, bordado e labirinto, outros métodos e modos de
organização do pensamento. Tais modos não binários desconhecem
o dilema entre identidade e oposição (idem: 10).
Martín-Barbero, a partir da mestiçagem dos povos latino-americanos,
reflete sobre identidade cultural e dispõe que os processos civilizatórios se tornam
cada vez mais fortes quando várias linguagens se combinam. A América Latina é o
52
Código constitui um conjunto de regras, sistema de signos e conseqüentemente linguagem. (JAKOBSON,
1971:73-86). O código cria linguagem, transforma, sem o qual não há semiose. Os códigos culturais constituem
textos, unidades mínimas da cultura. “Eles podem ser comparados a sistemas de tradução de energias (...) são
elementos complexos resultantes de um processo semiótico, resultam da ão produtora da transformação de
signos”. (MACHADO, 2003:156-157).
60
espaço de confluência cultural por excelência. Logo, o conceito de identidade aqui
deve ser refletido como um processo permanente em que diferenças que se
confluem. No Brasil, particularmente, os elementos culturais heterogêneos são os
pilares de nosso imaginário cultural e interagem continuamente.
Os estudos sobre a cultura, mais especificamente a cultura popular, se
intensificam em 1960 e passam por Gramsci. Este elaborou o conceito de
hegemonia e possibilitou pensar a questão sobre a dominação social “não como
imposição a partir de um exterior e sem sujeitos, mas como um processo no qual
uma classe hegemoniza, na medida em que representa interesses que também
reconhecem de alguma maneira como seus as classes subalternas”
53
. Não
hegemonia, liderança cultural-ideológica, e “nem toda assimilação do
hegemônico pelo subalterno é signo de submissão”, afirma Martín-Barbero
(2003:119).
Na Inglaterra, em 1964, Richard Hoggart fundou o Centre for
Contemporany Cultural Studies (CCCS) e estudiosos se propuseram a discutir sobre
as transformações sociais e culturais pelas quais a sociedade contemporânea
passava.
Três obras, duas delas publicadas no final dos anos 50, são fundamentais
para a compreensão dessas mudanças: The Uses of Litery (1957), de Richard
Hoggart, Culture and Society (1958), de Raymond Williams, e The Making of the
English Working-Class, de E.P. Thompson.
A obra de Hoggart traz um estudo sobre como os meios de comunicação
de massa interferem no comportamento dos trabalhadores da periferia da Inglaterra.
Ele tem como base sua vivência cultural para analisar se resistência do
consumidor sob influência da cultura de massa. Já Raymond Williams parte da
desconstrução do conceito de cultura.
Para estudar a imprensa popular, [Williams] investiga as mediações
políticas, a relação entre a forma de leitura popular e a organização
social da temporalidade, o lugar de onde vêm os modos de narrar
assimilados por essa imprensa oratória radical, melodrama,
53
MARTÍN-BARBERO, 2003:116. Grifos do autor.
61
sermões religiosos e as formas de sobrevivência e comercialização
da cultura oral (MARTÍN-BARBERO, 2003: 122).
The Making of the English Working-Class, de E.P. Thompson, foi
publicada em 1963. Nesta obra, o autor destaca a história do proletariado inglês em
relação à política, religião, rituais, etc., de um ponto de vista particular. Ele centrou-
se na experiência comum para analisar a diversidade cultural. Segundo Williams
(apud HALL, 2003:133), os textos
não apenas levavam a cultura a sério, como uma dimensão sem a
qual as transformações históricas, passadas e presentes,
simplesmente não poderiam ser pensadas de maneira adequada.
Eram em si mesmos ‘culturais’, no sentido de Cultura e Sociedade.
Eles forçavam seus leitores a atentar para a tese de que,
‘concentradas na palavra ‘cultura’, existem questões diretamente
propostas pelas grandes mudanças históricas que as modificações
na indústria, na democracia e nas classes sociais representam de
maneira própria e às quais a arte responde também, de forma
semelhante’
Estes estudiosos partem da crítica cultural que põe em cheque
hierarquias entre formas e práticas culturais a partir de oposições como cultura
alta/baixa, superior/inferior e outras relações.
Os questionamentos sobre a relação sociedade e cultura também
passaram a ser pauta na América Latina, um continente caracterizado pelas
diferenças, pelas desigualdades e, ao mesmo tempo, espaço de integração cultural,
de fronteiras, onde mitos, ritos, rituais, ritmos se confluem, a chamada “crise” de
identidade se estabeleceu. Entretanto, aqui a heterogeneidade é marcante, a
identidade está em processo permanente e busca por novas soluções
semânticas e sintáticas.
A ”crise” da identidade permite ver as diversas culturas, sem anulá-las:
o moderno e o tradicional, comunidade e sociedade, etc. Toda identidade é formada
a partir da memória coletiva, dos objetos da cultura que, processados, são
62
reorganizados.
As reflexões de García Canclini e de Martín-Barbero sobre identidade
cultural são fundamentais para compreender a cultura latino-americana. Para
Canclini, a globalização gera o fenômeno da hibridação
54
cultural, isto é, processos
socioculturais que se misturam formando novas estruturas. Portanto não
identidades autênticas, puras.
Ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma
cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é
compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico.
Aqueles que não compartilham constantemente esse território, nem o
habitam, nem têm, portanto, os mesmos objetos e símbolos, os
mesmos rituais e costumes, são os outros, os diferentes (1998:190).
Martín-Barbero considera que no processo de comunicação, os
receptores têm papel fundamental e, como agentes sociais que são, deve-se levar
em conta sua vivência. O teórico colombiano
55
enfatiza que, como a América Latina
é um espaço de fronteiras de multiplicidade, de temporalidades, em que a
mestiçagem é genuína, a identidade aqui é tida como uma representação das
diferenças ligada ao mercado.
Para Castells (1999), a experiência de um povo caracteriza sua
identidade, portanto experiências múltiplas. Ele distingue identidade e papéis
sociais. Estes são estruturados por normas que as instituições impõem na sociedade
e “a importância relativa desses papéis no ato de influenciar o comportamento das
pessoas depende de negociações e acordos entre indivíduos e essas instituições e
organizações”. (p.22) Os papéis sociais são efêmeros e as identidades fazem parte
das pessoas.
54
Canclini prefere o termo hibridação a sincretismo e mestiçagem, porque acredita ser mais abrangente e referir-
se a diversas mesclas interculturais, não apenas raciais, como se costuma associar o termo mestiçagem.
(1998:19)
55
Nascido em 1937, na Espanha, o autor se diz colombiano de coração; vive neste país desde 1963.
63
Não é difícil concordar com o fato de que, do ponto de vista
sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A principal
questão, na verdade, diz respeito a como, a partir de quê, por quem e
para quê isso acontece. A construção de identidades vale-se da
matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições
produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias
pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso.
Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos,
grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em
função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua
estrutura social. (CASTELLS, 1999:23)
As considerações acerca da identidade cultural permitem estabelecer
relações com a teoria da mestiçagem. Para Laplantine e Nouss (1991, s.d),
identidade cultural é o resultado de misturas e cruzamentos feitos de memórias,
mas, sobretudo de esquecimentos, (...) e da forma como a identidade cultural é
freqüentemente apreendida, não existe” (p.77). A mestiçagem enquanto conceito
faz-nos pensar a crise do mundo contemporâneo, a falta de identidade. Os conceitos
de que mestiçagem é reunião e agrupamento são inadequados e insuficientes.
Mestiçagem não possui regras, ela é única, é particular.
A princípio o termo foi conceituado como cruzamentos genéticos, mas
depois, para outras áreas do conhecimento como lingüística, religião, antropologia, e
a arte, passou a ser cruzamentos culturais. Pressupõe a existência de dois
indivíduos puros, um conjunto homogêneo racial, social, cultural, lingüístico que
encontra um outro conjunto “impuro” ou heterogêneo.
Mestiçagem é a mistura de diversas culturas, não se refere somente a
etnias, mas a processos culturais. Não busca uma relação de poder; na fusão
nenhuma cultura é mais importante que outra, um diálogo e revela a natureza
barroca da cultura latina.
64
A dinâmica do processo mestiço
Na mestiçagem, a troca, a mudança, a aceitação de outros elementos
contribuem para que a mestiçagem se torne um sistema aberto, e a memória e as
informações sincrônicas transformam os elementos da cultura. A mestiçagem é um
processo dinâmico e constituída como
uma trama relacional, conectiva, cujos componentes não remontam
saudosa e solitariamente a instâncias aurorais perdidas, mas sim
festejam o gozo sintático dessa tensão relacional que se mantém
como ligação móvel em suspensão. Aquilo que pretende permanecer
como diferença, fora das texturas fronteiriças em trânsito, corre o
risco de transformar-se em homogeneidade carrancuda, repetitiva e
totalitária. (PINHEIRO, 2006: 10).
A mestiçagem não é um processo simples de ser absorvido, não
surpreende que a complexidade e a mobilidade das mesclas dêem a idéia de algo
desordenado. É a constante presença do aleatório e da dúvida que vai conferir à
mestiçagem seu caráter de impalpabilidade.
Todo discurso é uma forma particular e cultural de tradução. “A história
textual se firma como uma operação tradutória”
56
. O haicai, poesia de origem
japonesa com estrutura definida
57
possibilita infinitas possibilidades de tradução.
Tal composição são observações de uma cena que acontece na natureza ou objeto
natural. É interessante notar que o poema, ao ser traduzido para o ocidente, “perde”
56
Em MACHADO, 2003:177.
57
O haicai é um poema de 17 sílabas em três linhas de 5, 7 e 5 sílabas métricas. O poema possibilita um
momento de reflexão e de descoberta ao leito. Originalmente, continha um kigo,palavra que se refere a uma das
estações do ano, que indicava quando foi escrito. O tema é principalmente cenas que acontecem na natureza.
Disponível em http://www.sumauma.net/haicai/haicai-oquee.html. Acesso em 21 de outubro de 2007.
65
algumas de suas características, entretanto incorpora outras, traduz a influência da
cultura na qual o texto é traduzido. A tradução é “um mecanismo fundamental para
compreender a intervenção semiótica da cultura. A formulação desse mecanismo
decorre da análise da compreensão do encontro entre culturas como experiência
dialógica e, portanto, semiótica” (MACHADO, 2003: 28). Encontros entre
linguagens, entre culturas, enfim tradução, caracterizam a mestiçagem. Temos
como exemplo um dos haicai de Bashô
58
, provavelmente composto em 1686, em
japonês, teríamos:
furuike ya/ kawazu tobikomu/ mizu no oto.
Literalmente: O velho tanque - Uma mergulha. Barulho de água.
O velho tanque
Uma rã mergulha,
Barulho de água.
A tradução evidentemente não reproduz o texto. O processo de tradução
sofre influências da cultura na qual o texto se traduzido, portanto seria
inapropriado exigir fidelidade. Quando muito, o que podemos ter é uma versão da
58
Tradução de Paulo Franchetti e Elza Dói. Imagem disponível em
http://www.kakinet.com/caqui/umhaiku.shtml. Acesso 21 de outubro de 2007.
66
idéia original, tão fiel quanto consiga encontrar correspondências culturais entre os
dois ambientes.
Leminski diz que o processo de tradução dos poemas de Bashô é “um
severo exercício de linguagem. Basta ver a tessitura material, o jogo fonético, no
plano do significante dos haicais”
59
. Vê-se que realmente não é um processo
simples. “A tradução cumpre uma função textual modelizante ao transferir a
estruturalidade poética de uma língua para outra completamente diferente.
Evidentemente, a tradução cria uma informação nova” (MACHADO, 2003:179)
Nos exemplos a seguir, nota-se na forma o cuidado com as sílabas e com
a estrutura física dos poemas:
VELHA
LAGOA
UMA RÃ
MERG ULHA
UMA RÃ
ÁGUÁGUA
(Décio Pignatari citado em Matsuo Bashô, de Paulo Leminski, 1987:46)
velha lagoa
o sapo salta
o som da água
(
Paulo Leminski Matsuo Bashô: A Lágrima do Peixe, 1983:20)
59
Disponível em planeta.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio4.htm. Acesso em 21 de outubro de 2007.
67
É nos objetos da cultura que podemos perceber o esforço feito para
traduzir as inter-relações que os mesmos criam ao se mesclarem. É impossível
afirmar a origem dos vários elementos uma vez amalgamados.
Um bom exemplo disso é a maneira como nos relacionamos com a
religiosidade. A América Latina é considerada um continente de tolerância religiosa.
No Brasil, especificamente, o catolicismo é historicamente a religião majoritária,
cabendo a outras o lugar de minoritárias, mas nem por isso sem importância no
quadro das religiões e da cultura. No entanto, o que se observa é uma prática de um
catolicismo popular que absorve várias crenças que nada têm a ver com o
catolicismo pregado pelo Vaticano.
O homem brasileiro vai à missa, ora, no início da noite, no templo
evangélico e de madrugada, vai ao terreiro de candomblé ou de umbanda dançar
para o seu santo, com isso acreditando garantir uma proteção a mais. Convive com
essa diversidade sem estabelecimento de fronteiras ou de limites.
Outro exemplo interessante desta interação é a mestiçagem que se no
Hip Hop (ou Cultura Hip Hop), movimento iniciado na década de 1960, nos Estados
Unidos, construído a partir da lógica organizativa do encontro do rap
60
,
instrumentação dos DJ’s, do break
61
e do graffiti.
62
Foi uma forma de expressão,
com letras muitas vezes agressivas, contrária aos conflitos sociais, forma de
reivindicação da periferia.
Neste processo, estão presentes corpos negros e latinos, grupos que não
eram apoiados pelo sistema e procuravam uma forma de produzir uma cultura local
que lhes permitissem visibilidade. O processo de mestiçagem cultural se encontra
presente, tensionando, provocando as mobilidades, enriquecendo a cultura local. A
contaminação é um fato bastante presente na construção da Cultura Hip Hop. A
dança do Hip Hop não se preocupa com “raízes de dança original”; seus passos não
60
Sigla para rythm-and-poetry: música popular, urbana, declamada rápida e ritmada, mais do que cantada.
(HOUAISS, 2001:2383)
61
Arte corporal da cultura Hip Hop. Executada ao som de música rap por rapazes adolescentes nas ruas,
caracterizada por movimentos improvisados de grande virtuosismo atlético. (idem, 509)
62
Do italiano graffito, refere-se a marcas feitas em muros. Forma de expressão que “encontrou uma sociedade
aberta à contracultura”. (D.O. Leitura. N. 4, abril de 2000:42-50)
68
são coreografados, ela é constituída de passos inventados.
O movimento Hip Hop, no Brasil, é uma adaptação da informação que
aqui chegou por volta de 1980. É uma tradução, pois nenhuma informação é
transmitida tal qual foi pensada; são necessários os acordos com o ambiente e nele
acontecem as transformações. O espaço se faz presente, pois como afirma Santos
(2006: 317), é o “conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de
virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada instante, em
função da força de cada qual”.
Para Laplantine e Nouss (1991, s.d) a arte mais próxima da mestiçagem é
a música, pois nela cruzamentos de vozes, harmonia, acordes, músicas que
recorrem à matemática, cantos dos pássaros, sons da voz humana, etc.
Vale lembrar que encontros culturais desenham movimentos que estão na
base formadora de toda e qualquer cultura, portanto explosões culturais são
momentos de enorme imprevisibilidade que levam ao florescer de novas
possibilidades no cenário prolífero das representações culturais.
MACHADO (2007: 17) afirma que:
para a abordagem semiótica, trata-se da constituição de sistemas de
signos que, mesmo marcados pela diversidade, apresentam-se inter-
relacionados num mesmo espaço cultural, estabelecendo entre si
diferentes diálogos graças aos quais o choque se transforma em
encontro gerador de novos signos.
Os exemplos acima e outros que estão presentes na cultura latino-
americana (culinária, moda, língua, cidades, arquitetura, etc.) confirmam o
enfraquecimento das fronteiras e permitem comprovar o cruzamento de linguagens.
A mescla de linguagem e traduções interculturais sempre foi condição
fundante das práticas produtivas no nosso continente, desde
Colombo: é absolutamente necessário saber distinguir as
possibilidades de aceleração, alastramento e acumulação dos
sistemas tecno-digitais, de um lado, das estruturas que, por formação
histórica e social, vinham sendo mestiças organicamente, da
culinária até os grandes espaços urbanos. (PINHEIRO, 2006:17)
69
Códigos mestiços na mídia: o fato na ficção
A mestiçagem, conforme o dissemos, são cruzamentos, são trocas.
São códigos que interagem e transformam. Na mídia, os códigos se encontram, e a
construção da mensagem é submetida aos acasos da transmissão e da
compreensão. A mídia possui uma linguagem que permite todos os encontros. Um
deles que comprova essas características sob o signo da mestiçagem é a
telenovela.
As tragédias, comportamentos, os fatos sempre foram pautas em todos os
tempos, em todas as produções humanas. Na mídia não é diferente. Diferente é a
maneira de contar estas histórias. Atualmente a fantasia parece ser “mais real que a
realidade” (BOORSTIN apud GABLER, 1999:11), e o factual e o ficcional se
mesclam ao narrar a notícia. É um processo de tradução dinâmica em que os
códigos partilham e transmutam signos e isto facilita uma diluição de fronteira e
possibilita um cruzamento de linguagens.
Um exemplo na televisão em que se pode comprovar que não
sistemas isolados foi a telenovela Senhora do Destino (2005), da Rede Globo. O
autor Aguinaldo Silva declarou
63
que a trama teve origem no “Caso Pedrinho”, como
ficou conhecido. O recém-nascido foi roubado numa maternidade, em Brasília. Este
fato teve grande repercussão na mídia.
Em 21 de janeiro de 1980, Pedro Braule Pinto foi levado do hospital onde
nascera. Seus pais, Maria Auxiliadora Braule (Lia) e Jayro Patajós Braule Pinto, não
tiveram informações sobre o seqüestro e o crime foi arquivado em 1997. Em outubro
de 2002, por meio de uma denúncia anônima de uma pessoa ligada à família adotiva
do menino (registrado com o nome de Osvaldo Martins Borges Júnior), o garoto foi
localizado e em novembro de 2002, provou-se por exame de DNA que ele era
Pedrinho, o filho de Dona Lia. A Folha de S.Paulo publicou o fato em 15 de
novembro de 2002 como “Entenda o caso”, análogo a resumo de capítulos de
63
Disponível em http://observatório.ultimosegundo.ig.com.br/artigos, acesso em 19 de fevereiro de 2005.
70
telenovelas.
64
A protagonista da telenovela Senhora do Destino (2005) também tem a
filha roubada ainda pequena em um hospital, no Rio de Janeiro. A e de Pedrinho
encontrou-o 16 anos depois e na telenovela a personagem Maria do Carmo também
reencontra a filha, mais ou menos 22 anos depois. Neste caso, a arte imita a vida,
salvo as diferenças, evidentemente.
Este drama da vida foi amplamente divulgado pelos jornais. Matérias com
título “A verdadeira história da mulher que roubou a vida de um filho”
65
, ou “Mãe
adotiva de Pedrinho chora e nega crime”
66
, entre outros assemelhavam-se com os
capítulos de novelas, também publicados, toda semana, nos jornais.
O caso “Pedrinho”, veiculado nos jornais, é análogo à narrativa novelesca.
O ombudsman da Folha de S.Paulo observa e comenta, na época, a estrutura
novelesca, ao escrever:
(...) Enumerem-se seus ingredientes ‘humanos’: um casal que teve o
filho ‘subtraído’ na maternidade e que após 16 anos o localiza a partir
de um exame de DNA, um jovem que, duas semanas depois de
perder o pai (adotivo) por causa de um câncer, sua identidade e
sua filiação brutalmente questionadas, uma mãe (agora viúva) com
complicada trajetória posta, de repente, ante uma situação na qual
pode perder o filho (adotivo) e/ou, talvez, ir para a prisão.
67
O “caso Pedrinho
68
”, assim como a telenovela Senhora do Destino, teve
um “final feliz”. Mas a grande maioria das tragédias não o tem. E a imprensa noticia
64
Ver anexo I.
65
Revista Seleções, em www.revistaselecoes.com.br, acesso em 02 de novembro de 2005.
66
Folha de S.Paulo, Caderno Cotidiano, C-1, de 16 de novembro de 2002.
67
Caderno Brasil, p. A-8 de 17 de novembro de 2002.
68
Vilma Martins Costa foi condenada, em 24 de agosto de 2003, a oito anos e oito meses de prisão, em regime
semi-aberto. Fonte: http://conjur.estadao.com.br/static/text/3778,1, acesso em 24 de março de 2006.
71
o fato sem gran finale, por que depende do acontecimento do dia-a-dia para
publicar.
Vê-se que o fato encontra, em outro território, espaço de interação, de
mestiçagem. São informações pautadas no relato do cotidiano real evidentemente,
mas transformadas em verdadeiras novelas.
Códigos mestiços na mídia: a ficção e o fato
A telenovela, gênero ficcional e consagrado, tem feito muitos receptores e
a programação televisual vem, nos últimos anos, utilizando muito esse código. De
origem mestiça, ultrapassa fronteiras, numa dinâmica constante de expansão e
transformação. Isto porque também nos programas jornalísticos, em que a regra é
transmitir a informação a partir da referencialidade do fato, os códigos da telenovela
passam a ser paradigma. O jornalista parece representar os fatos.
Enquanto os noticiários se enchem de fantasia tecnológica e se
espetacularizam a si próprios, é nas telenovelas e programas
dramáticos que o país se relata e se deixa ver. Enquanto, nos
noticiários, o vedetismo político ou farsesco se faz passar por
realidade ou se transmuta em hiper-realidade essa que nos é
escamoteada pela empobrecida e dramática realidade que vivemos -,
nas telenovelas, nas dramatizações semanais, é onde se faz possível
representar a história do que acontece, suas misturas de pesadelo
com milagres, as hidridações de sua transformação e de seus
anacronismos (BARBERO: 2001:161).
72
Um exemplo de mestiçagem em programas, chamados jornalísticos, na
televisão é o Globo Repórter
69
, da Rede Globo. Ele aborda temas da atualidade,
aventura, comportamento e ciência. Mas há os especiais, quando fatalidades
acontecem e casos que chocam o país.
A notícia da morte da atriz Daniela Perez, ocorrida em dezembro de 1992,
tornou-se pauta para o programa. Na época, janeiro de 1993, o apresentador Celso
Freitas, intercala fatos da vida real da atriz a cenas de Yasmin, personagem de
Daniela Perez na novela De corpo e Alma, de Glória Perez, veiculada em 1992 e
início de 1993. O ator Guilherme de Pádua atuava como Bira, par romântico da atriz,
isto facilitou a dramatização do fato na TV e também em mídia impressa, conforme
veremos no capítulo III. Uma mescla de personagens, vítimas, vilões, melodramas
enfim, fusão entre o fato e a ficção: códigos mestiços.
Fatos que foram ficcionalizados aparecem também no cinema e no
jornalismo literário, para citar outros exemplos de “o fato na ficção”, subtítulo deste
capítulo. O repórter é o mediador entre o acontecimento e a notícia, num cruzamento
de códigos.
O livro Crimes à moda antiga (2004), que tem como subtítulo “contos
verdade”, apresenta releituras de fatos que marcaram o jornalismo brasileiro.
Valêncio Xavier reconta crimes que ocorreram entre 1906 a 1930. Não são relatos
dramatizados, como tantos outros que temos em outras mídias, mas histórias
objetivas com uma fragmentação semelhante a novelas. Ele apresenta depoimentos,
documentos, desenhos, “pequenos capítulos” que atraem o leitor. Um dos contos
refere-se ao “crime da mala”
70
que ele nomeou de A mala sinistra. Segundo Xavier
(p. 139) o caso teve tanta repercussão na época que, dois anos depois, foram
produzidos três filmes brasileiros, A Mala Misteriosa, de Paulino Botelho; e outros
dois com o mesmo título de A Mala Sinistra, um de Marc Ferrez, e o outro de José
69
O programa foi veiculado pela primeira vez em abril de 1973. Atualmente com apresentação de Sérgio
Chapelin, está no ar às sextas-feiras, às 22h00 aproximadamente, com duração de 45 minutos, dividido em cinco
blocos. Fonte: www.globo.com/globoreporter
70
Notícia veiculada em 02 de setembro de 1908, no jornal O Estado de São Paulo. Fonte: Nosso Século, V. I,
Editora abril, p. 63. O jornalista narra o fato do ponto de vista de Miguel Traad, ou seja, em primeira pessoa. É a
história desse imigrante árabe de Beirute que, aos 23 anos, enforcou e esquartejou o corpo de seu antigo patrão
Elias Farhad. Ele alegou vingança, mas confessou posteriormente que o antigo patrão atrapalhava sua relação
com a esposa da vítima. Ver Anexo II.
73
Labanca.
É difícil separar os elementos do fato daquilo que foi reescrito, traduzido.
“Adaptados ou adotados, as técnicas, as idéias e os homens se reinventam”
(Laplantine e Nouss, s.d, p. 20). A mestiçagem implica memória e esta assegura que
na união nenhum dos códigos seja dominante ou se dilua no processo.
Códigos mestiços na mídia: a ficção no fato
A mestiçagem existe enquanto exterioridade e alteridade, não existe
em estado puro; a própria idéia de mistura supõe elementos que são anteriores ao
processo em si. Quando justaposição de elementos sem se misturarem, não
um processo mestiço. Para que ocorre um processo de mestiçagem, é preciso que
haja mescla de elementos. Entretanto, nessa mistura, as diferenças não
desaparecem e nem perdas. Laplantine e Nouss (s.d: 81-82) é enfático ao dizer
que, “na mestiçagem, não processo de identificação (...) e não sendo identidade,
também não é alteridade”, os elementos entram em acordo.
O pensamento da mestiçagem é um pensamento da mediação, da
multiplicidade nascida do encontro. Neste sentido, a mestiçagem é:
mais auditiva do que visual, mais musical do que pictórica. Enquanto
num quadro, posso distinguir as suas diferentes partes justapostas no
espaço, no caso de uma sinfonia tudo me é dado ao mesmo tempo,
embora esse todo não pare de transformar, Da mesma forma, a
narrativa é muito mais adequada para dar conta da mestiçagem do
que a descrição. O puro, o simples, o elementar, e mesmo a mistura
podem ser descritos, mas a mestiçagem permanece indescritível, (...)
74
embora não seja inenarrável, pois contar é contar evoluções e
transformações (idem, s.d., 84).
A narrativa está no domínio da temporalidade, da organização
sintagmática. A mestiçagem também se dá numa temporalidade e não se distingue o
passado, o presente ou o futuro em estado puro.
A narrativa se constitui na tensão de duas forças. Uma é a mudança,
o inexorável curso dos acontecimentos, a interminável narrativa da
“vida” (a história), onde cada instante se apresenta pela primeira e
última vez. É o caos que a segunda força tenta organizar; ela procura
dar-lhe um sentido, introduzir uma ordem. Essa ordem se traduz pela
repetição (ou pela semelhança) dos acontecimentos: o momento
presente não é original, mas repete ou anuncia instantes passados e
futuros. A narrativa nunca obedece a uma ou a outra a força, mas se
constitui na tensão das duas (TODOROV, 1979: 21-22).
O jornalismo é informação, é contar os fatos, é texto narrativo. Ao narrar
os acontecimentos, o repórter não pode inventar ou criar os fatos, deve relatá-los de
forma referencial, como trazem os manuais de redação jornalística.
71
.
Entretanto, a notícia e também algumas reportagens são publicadas de
forma diferenciada, nas últimas cadas. São informações pautadas no relato do
cotidiano real evidentemente, mas veiculadas como se fossem ficção. São crônicas,
gênero que figura entre a ficção e o jornalismo, mas, muitas vezes, reportagens que
se mesclam aos códigos da ficção. Não se referem necessariamente a uma ruptura
dos gêneros, e sim a transformações, diálogos, recriação, poética de mestiçagem.
Haroldo de Campos enfatiza esta questão, ao abordar o problema da
relação entre os gêneros na literatura. Ele observa que a ruptura dos gêneros não
está ligada somente aos produtos da cultura popular e acrescenta que “o hibridismo
71
Conforme Novo Manual da Redação Folha de S.Paulo. (1987).
75
dos gêneros, no contexto da revolução industrial (...) passa a se confundir também
com o hibridismo dos media, e a se alimentar dele” (1999:285). Citando McLuhan,
Haroldo de Campos acrescenta,
o híbrido ou o encontro de dois media é um momento de verdade e
revelação, do qual nasce a forma nova (...) O momento do encontro
dos media é um momento de libertação e de resgate do
entorpecimento e do transe que eles costumam impor aos nossos
sentidos (1999:286).
O jornalismo é texto da cultura, é o encontro de sistemas sígnicos. É um
espaço de semiose, de fronteira e como tal tem a capacidade de reconstituir, de
restaurar lembranças da historia da cultura e da humanidade.
Além de condensar outros códigos oriundos de várias mídias, como o
grafismo, fotografia, a infografia
72
, diagramação, cores, etc., que são incorporados
para compor o diário, as linguagens que foram se adequando ao processo de
produção e recepção do jornal. Amálio Pinheiro sintetiza esta questão:
A mobilidade em mosaico do jornalismo impresso aproveitou-se,
neste continente, de uma sorte de montagem sintática das ‘culturas
em ritmo rápido’, aptas para incorporar os agregados metonímicos
provenientes dos mais diversos códigos e linguagens. Trata-se de
processos de produção e recepção desdobrados, em interações
múltiplas, pelo caráter migrante, mestiço e solar da sociedade
(2004:13).
Refletir estes cruzamentos e transformações pelo qual o texto jornalístico
72
Gênero jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para apresentação sucinta e atraente de determinadas
informações. (HOUAISS, 2001: 1615) (Grifo meu)
76
manifesta permite comprovar a existência do factual e o fictício, de códigos mestiços.
O artigo Memórias póstumas de um cadáver em Ipanema
73
, de Moacyr
Scliar, publicado no jornal Folha de S.Paulo
74
, em 16 de janeiro de 2006, Caderno
“Cotidiano” refere-se ao fato de um homem ter sido encontrado morto na praia de
Ipanema, Rio de Janeiro. O que mais causa espanto ao cronista é a indiferença dos
banhistas que estão na praia. O texto simula ser um depoimento pessoal, como se o
cadáver estivesse catarticamente ali, naquela praia, e a morte, tão inaceitável pelo
homem, fosse amenizada, para ele e para nós, pelo prazer de estar onde, em vida,
talvez nunca tivesse estado.
73
Ver Anexo III.
74
O jornal Folha de S.Paulo foi fundado em 19 de fevereiro de 1921, como Folha da Manhã, por Olival Costa e
Pedro Cunha. Em 1960, foi comprado por Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, e passou a ter o
nome atual. Na década de 1980 ficou marcado pelo apoio ao movimento das “Diretas Já”. No final dos anos 80
começou a informatização nas redações do jornal. Na cada seguinte criou os Suplementos, criou a função de
ombudsman e passou a liderar as vendas em São Paulo. Possui credibilidade junto aos leitores, é considerado,
pelos leitores, um jornal “sério”, em oposição aos jornais sensacionalistas. Disponível em
www1.folha.uol.com.br. Acesso em 19 de abril de 2006.
77
No título, o cronista alude ainda à obra de Machado de Assis, Memórias
póstumas de Brás Cubas, único romance no qual o autor é um defunto defunto-
autor - e ironicamente narra sua vida iniciando pela própria morte. Aqui também, um
rapaz vai narrar brevemente sua vida ao morrer.
Também no texto de Scliar, o defunto-autor não se queixa do seu destino.
Consegue realizar seu sonho, embora tenha sido somente depois da morte: estar na
praia de Ipanema, no meio de gente bonita, gente rica. O narrador nasceu e cresceu
na favela do Vidigal e sempre quis estar na o famosa praia, mas a dura vida
levou-o para o tráfico. Era o único jeito de arranjar dinheiro para ajudar o pai
paralítico e a mãe diabética. O inevitável aconteceu: desentendeu-se com a gangue
e foi morto a pauladas. Jogado no mar, chegou à praia. Acabei realizando meu
sonho. (...) Meu sonho? A praia de Ipanema.”
A dedicatória
75
não aparece no artigo de forma clara, mas, assim como no
romance machadiano, a ironia é predominante. Realmente, não posso me queixar
do Destino”. A sorte não foi tão madrasta, acaba realizando o sonho de estar junto
de jovens em férias, - direito de todos (será?) -, numa praia da zona sul do Rio de
Janeiro cidade maravilhosa-, com sol, ser a personagem principal. Também não
falta a digressão, característica machadiana, no final do texto:
Minha prece foi ouvida e agora estou aqui, estendido na areia. É
verdade que cobriram meu corpo com um plástico, mas,
considerando que estou sem protetor solar, até que não foi má idéia.
E, por outro lado, sinto-me feliz pelo fato de que minha presença
não incomoda ninguém. As pessoas continuam ao sol, jogando bola,
conversando, tomando banho de mar. Ainda há pouco disse um
rapaz, perto de mim: "Fazer o quê? As férias são curtas e temos de
nos divertir de qualquer jeito". Você es certo, meu jovem amigo.
Não só as férias são curtas, a vida também. Agora, Ipanema sempre
75
Memórias póstumas de Brás Cubas traz a dedicatória: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu
cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstuma” Obra inicialmente publicada em folhetim,
em 1880, depois compilada em livro e publicada em 1881. Em primeira pessoa, é narrada pela personagem de
Brás Cubas que relata sua vida, em tom irônico, a começar pela dedicatória.
78
é um consolo. E um bom assunto para memórias póstumas
(Folha de S.Paulo, 16/01/2006:C.2)
O texto jornalístico traz, além do título, uma foto que tem como texto
legenda “Menina passa próximo a corpo que apareceu boiando e ficou encalhado na
praia de Ipanema, no Rio”. Não se pode anular o contexto e a tradução do texto de
Machado de Assis. “A mestiçagem é uma realidade complexa cujos componentes
mantêm a sua integridade, ao mesmo tempo que pressupõe mobilidade. Encontros,
diálogos.“ (Laplantine e Nouss, s.d:8, e p. 16)
A crônica informa e também consegue misturar história e ficção. Parece
haver um esgotamento dos gêneros e dos modos narrativos, “as fronteiras
deslocam-se entre o objetivo e o subjetivo” (Laplantine e Nouss, s.d: 102). Um texto
é o produto de um outro diferente, é a fusão de vários outros.
O melodrama e folhetim também se constituem por meio de vários
códigos, como veremos nas “cenas” do próximo capítulo, e são, portanto, mestiços.
80
A folhetinização da informação: paradigma recodificado
El texto no es la realidad, sino material para la reconstrucción de la misma.
Iuri Lotman
Texto: unidade mínima da cultura
A cultura é um fenômeno social, é um sistema de signos e condensa a
experiência humana. A cultura organiza a sociedade, “é um conjunto de informações
não hereditárias, que as diversas coletividades da sociedade humana acumulam,
conservam e transmitem” (LOTMAN, 1979: 31). As informações geram novos textos
que são a base da cultura do homem.
A semiótica da cultura não consiste apenas no fato de que a cultura
funciona como um sistema de signos. É necessário sublinhar que já a
relação com o signo e a signicidade representa uma das
características fundamentais da cultura (LOTMAN, E USPENSKI,
1981:45).
A cultura é um conjunto de textos e um texto é a realização da cultura.
Assim, um texto não é um fenômeno isolado, ele pertence a um grande sistema, que
o semioticista russo chamou de Semiosfera. Lotman define este termo, análogo ao
conceito de biosfera, como o funcionamento dos sistemas de significações de vários
81
tipos e níveis de organização ou ainda “o espaço semiótico fora do qual é impossível
a existência da semiose” (LOTMAN, 1996:24)
76
. A semiosfera tem um sistema
complexo de memória, sem o qual não há possibilidade de processos comunicativos.
A cultura se apresenta, assim, como um mecanismo dinâmico que traduz
mensagens em novos textos ou sistemas de signos. Por isso “cultura é memória, ela
relaciona-se necessariamente com a experiência histórica passada. (...) A própria
existência da cultura pressupõe a construção dum sistema de regras para a tradução
da experiência imediata em texto” (LOTMAN E USPENSKI, 1981:41).
O texto, unidade mínima da cultura, tem uma organização interna
definida, preserva seus traços distintivos, e pode gerar novos significados a
diferentes “consumidores”. Portanto, textos diferentes podem manter cada um sua
individualidade, mas, ao se inter-relacionarem, enriquecem-se.
Para Lotman, para que uma mensagem possa ser definida como texto,
ela deve ter dois tipos de codificação:
Assim, por exemplo, a mensagem definível como “lei” se distingue da
descrição de certo caso criminal pelo fato de que pertence às vezes à
linguagem natural e ao jurídico, constituindo no primeiro caso uma
cadeia de signos com diversos significados, e no segundo, certo
signo complexo com um único significado (1996:78).
O texto é constituído por inúmeros subtextos que estão em constante
diálogo com vários outros e estes funcionam numa coletividade. Possui três funções:
a função comunicativa, pois tem uma organização das leis da língua. Ele é
homogêneo e homo-estrutural e transmite uma mensagem para o receptor. Qualquer
desvio é considerado um ruído. Esta convicção orientou os lingüistas durante muito
tempo.
Outra função que o texto cumpre é a geradora de sentidos ou ainda
“consciência criadora”. Apresenta manifestações de várias linguagens e, portanto,
76
Todas as citações de Lotman (1996, 1998, 2002) são traduções dos textos em espanhol, traduzida do russo e
organizada por Desidério Navarro.
82
semioticamente não homogêneo e hetero-estrutural, exercendo uma influência
deformadora. assim uma troca de signos e um enriquecimento no processo de
avanço do texto do destinador ao destinatário. “Se, no primeiro caso toda mudança
de sentido no processo de transmissão é um erro e uma desfiguração, no segundo
se converte em um mecanismo de geração de novos sentidos” (LOTMAN, 1996:88).
Para gerar novos significados o texto não está sob a perspectiva de uma única
linguagem, deve estar com codificação completa ou com uma combinação de
codificação “mediante algum código dominante e codificações locais de segundo
grau, de terceiro grau, etc.” (idem, p. 97)
A terceira função está relacionada à memória da cultura.
Metaforicamente, o autor russo, compara os textos às sementes das plantas que são
capazes de conservar e reproduzir suas estruturas. Os textos têm a capacidade de
reconstituir, de restaurar lembranças da história da cultura e da humanidade.
Os textos tendem à simbolização e se convertem em símbolos
integrais. Os símbolos adquirem uma grande autonomia de seu
contexto cultural e funcionam não somente no corte sincrônico da
cultura, mas também na diacronia desta (idem, 1996:89).
O texto, por meio das funções propostas pela semiótica da cultura, deixa,
portanto, de ter uma relação passiva de sentido e vai atuar de forma dinâmica.
Assim, além de se condensar e transmitir informação, de se relacionar com outros
textos da cultura, é mnemônico, ou seja, “é a memória não-hereditária que garante o
mecanismo de transmissão e conservação” (MACHADO: 2003:38). O texto sem o
receptor não realiza estas funções, é preciso contextualizar, “o texto é um espaço
semiótico no qual as linguagens se relacionam e se auto-organizam
hierarquicamente” (LOTMAN, 1996:97).
Estas funções contribuem para o entendimento das produções
jornalísticas, sejam elas contemporâneas ou não, um conjunto de sistemas
semióticos modelizantes dominados pela complementaridade, ou seja, linguagens
atravessadas por muitas relações. Jornalismo é, em sua essência, mesclas de
códigos.
83
As pesquisas pautadas na cultura legitimam a mestiçagem como uma
marca da cultura latino-americana, conforme o dissemos. No Brasil, por exemplo,
“pode-se perfeitamente ser-se brasileiro por nacionalidade, português pela língua,
inglês pela religião” (LAPLANTINE e NOUSS, s.d: 79) e as produções culturais
também são reflexos dessa mestiçagem. A mestiçagem é código fundante da nossa
cultura e está presente em textos em que linguagens diferentes são mescladas e
migram, formando outros textos, transformando-se em outras mensagens. São
textos codificados e traduzíveis, são culturais. Canclini é enfático ao dizer “todas as
culturas são de fronteira” (2000:348).
A fronteira, segundo Lotman, é um dos traços distintivos da semiosfera,
porque “é a soma dos tradutores –filtros bilíngües, através dos quais um texto se
traduz em outra linguagem (ou linguagens) que se acha fora da semiosfera dada”.
(1996:24). A fronteira possibilita a intersecção de códigos transformando-os em
espaços heterogêneos. É por meio dela que os sistemas de signos se proliferam,
mantendo o dinamismo cultural. Assim, “fronteira é mecanismo semiótico sem o qual
não é possível falar de semiose nem de nenhuma forma de mediação”. (MACHADO:
2001:21).
Enquanto texto da cultura, o jornalismo contemporâneo é o encontro de
sistemas sígnicos de várias épocas. É um espaço de semiose, de fronteira.
Um dos conceitos fundamentais do caráter semioticamente delimitado
é o de fronteira. Uma vez que o espaço da semiosfera tem caráter
abstrato, o devemos imaginá-la mediante recursos da imaginação
concreta (LOTMAN, 1996:24).
A função da fronteira é limitar a penetração do externo no espaço interno
da semiosfera, elaborar e filtrar para que os mecanismos de tradução estejam de
acordo com a estrutura e possam inter-relacionar com os espaços culturais
particulares, são diálogos, troca. No espaço da semiosfera, os extra-sistêmicos são
passíveis de traduções e, entre eles, criam-se relações fronteiriças.
Amálio Pinheiro (2007) afirma que pelo caráter mestiço e solar da
sociedade latino-americana o jornal, além da mobilidade gestual, possui “práticas
84
corpóreo-externas anatomicamente próprias da materialidade do suporte do meio
impresso: das bancas à mesa de bar, dos recortes afixados ou enviados por carta ou
fax ao embrulho descartável, etc.”
77
que possibilitam a mobilidade em mosaico na
estrutura sintática composta de diversos códigos e linguagens, o que
modifica os processos de produção e leitura das diagramações,
títulos, espaços, letras, etc, e contribui grandemente para toda a
história das trocas e conexões entre os sistemas do jornalismo
impresso e os sistemas e sub-sistemas da cultura, das artes e dos
demais meios
78
O jornalismo sofreu mudanças significativas até tornar-se veículo de
massa. No percurso desse texto cultural, informação e opinião protagonizaram sua
produção. Portanto, não um código único nesta mídia e, embora ela priorize a
objetividade da informação, utilizando, para isso, a função referencial da linguagem,
apresenta gêneros que expressam a dinâmica dos periódicos e que, de alguma
forma, constituem também o caráter híbrido dessa mídia.
Haroldo de Campos (1999:286), ao argumentar sobre o problema da
relação entre os gêneros na literatura, constata que no contexto da revolução
industrial, o hibridismo dos gêneros confunde-se com o da mídia; o jornal, mosaico
de notícias, de digos, é um “fenômeno de hibridização, de cruzamento”. O texto
jornalístico em relação a outros textos constitui um “processo de criação e de
modificação contínua e essa mistura dos gêneros seria o correlato negativo dos
gêneros puros” (idem, p.282).
Entretanto, embora o hibridismo dos gêneros jornalísticos esteja em sua
gênese, eles também estão relacionados ao estilo que o profissional pretende
manter com seu público. Esta relação dialógica, importante para as empresas
jornalísticas, preserva as especificidades da linguagem jornalística que ordena o
77
Disponível em http://www.compos.org.br/data/biblioteca_231.pdf
78
Idem.
85
processo de recodificação das mensagens veiculadas.
A crônica é um exemplo desse cruzamento e gêneros. “A crônica vem do
jornalismo, da literatura e da filologia, para ser introduzida no mercado como uma
espécie de arqueologia do presente que se dedica aos fatos cotidianos e cujo
interesse central não é informar, mas divertir” (ROTKER, 1993:11) e mais, a crônica
também pode propor uma reflexão.
A crônica, conforme a conhecemos hoje, é um sistema sígnico situado na
fronteira entre o relato de um fato cotidiano e a literatura, portanto é um mecanismo
típico de fronteira, “é uma nova estrutura surgida no curso do desenvolvimento
histórico, mas que pode ser entendida em metacategorias das velhas estruturas”
(LOTMAN, 1996:28).
A crônica não possui o mesmo conceito em outros países, pois ela está
vinculada ao significado de relato cronológico ou de narração histórica. Surge como
um folhetim, não no sentido de romance, mas um espaço de variedades em que
eram publicados textos destinados ao entretenimento. Só depois o folhetim tornou-
se o gênero análogo ao romance que atingiu o paroxismo no final do século XIX e a
crônica tomou a feição do “relato poético do real”, ou seja, “gira em torno da
atualidade, captando com argúcia e sensibilidade o dinamismo da notícia que
permeia toda a produção jornalística” (MELO, 1985:115), ou seja, a crônica esboça o
fenômeno das linguagens mestiças.
O texto Miau
79
é um exemplo dessa imbricação da linguagem, referida
acima. Moacyr Scliar coloca a referência ao fato, veiculado uma semana antes
80
e a
partir da matéria faz a crônica.
A matéria traz a história de uma feirante que todas as noites leva
alimentos aos gatos que vivem no Parque Trianon, na Av. Paulista, e alega gastar
R$ 800 por mês. O cronista consegue combinar poeticamente um fato do cotidiano a
uma personagem que tem por apelido Miau. O processo criativo e a função geradora
de sentido estão na sensibilidade de caracterizar o cotidiano de um menino de rua
que não tem nada para se alimentar e vai, então, aproveitar-se da bondade da
79
Texto publicado em 11 de outubro de 2004, na Folha de São Paulo, Caderno Cotidiano. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff10200402.htm Ver anexo IV
80
Matéria veiculada em 04 de outubro de 2004, na Folha de o Paulo, Caderno Cotidiano. Disponível em:
www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0410200417.htm. Ver anexo V
86
mulher. Todas as noites, o garoto espera a senhora atrás de uma árvore. Ele sabia
imitar muito bem o miado, e como a senhora não o via, deixava sempre algum tipo
de ração. O menino, então, tinha algo para comer.
Um texto que rompe com a estrutura informativa, recorta, revaloriza e
combina outros códigos e revela um outro sistema de signos.
Já afirmamos que o jornal é um texto da cultura e, ao acomodar e produzir
gêneros diversos, é mestiço. Além de comunicar, primeira função a que Lotman se
refere, possui o caráter de gerador de sentidos. E a crônica é um caso exemplar,
pois, segundo Lotman,
o texto sendo semioticamente não homogêneo, entra em jogo com os
códigos que o decifram e exerce uma influência deformadora. Como
resultado, no processo de avanço do texto do destinador ao
destinatário se produz uma mudança e um crescimento de sentido
(1996:878-88).
Narrativas jornalísticas: identificação e imaginário.
Para Morin (1987: 98 e ss), a mídia cada vez mais trabalha com
esquemas, temas e “fórmulas” e por meio dela se estabelece a relação de consumo
imaginário. “A cultura de massa extravasa o imaginário e ganha a informação”. Com
isso a dramatização nos jornais supera a informação propriamente dita. O
voyeurismo coletivo impera; as narrativas podem deixar um suspense para
“conquistar” o leitor. O blico quer saber sobre as tragédias alheias, sobre o que
acontece na vida dessas pessoas, e este interesse transforma em vedetes
personagens da vida real. Esse consumo de matérias dramatizadas, que atraem o
87
leitor, vende jornais, traz audiência à TV, convive com a informação referencializada.
Tudo que é comovente pode compor uma narrativa jornalística
vedetizada. São narrativas pautadas na realidade dessas pessoas vedetes -, mas
estão no imaginário humano.
Ele chama essas vedetes da grande imprensa de olimpianos. São astros
de cinema, mas também campeões, príncipes, reis, playboys, artistas célebres, etc.
Alguns olimpianos nascem do imaginário das pessoas, como é o caso da Princesa
Diana. A vida deles participa da vida dos mortais. Tudo o que eles fazem interessa à
imprensa.
São sobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na
existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo
tempo que investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha
em sua vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana
que permite a identificação” (idem: p.106-107
É interessante destacar as considerações entre dramatização,
vedetização, sensacionalismo e fait divers, que Morin (1987) tece sobre estes
conceitos.
A vedetização refere-se às informações sobre pessoas do mundo real,
mas que se tornam vedetes aos olhos do leitor. Este passa a ser o voyeur de um
grande espetáculo, e os deuses seriam os atores (não só de cinema, tv, mas
pessoas que se destacam na sociedade por trabalhos heróicos, pela função, ou
produzidos pela mídia).
A matéria sensacionalista traz fatalidades, mortes, catástrofes, crimes
passionais, trabalha com o imaginário popular, mas “infringe a ordem das coisas,
viola os tabus, compele ao extremo a lógica das paixões. Tem em comum com a
tragédia o fato de se sujeitar a implacável fatalidade“ (p.100).
Fait divers
81
são matérias com base no cotidiano, transformadas em
notícias, “não são acontecimentos que informam o andamento do mundo; são, em
81
No capítulo I, apresentamos as reflexões de Barthes e de Marlyse Meyer sobre o fait divers.
88
comparação com a história, atos gratuitos. Mas esses atos afirmam a presença da
paixão, da morte e do destino, para o leitor que domina as extremas virulências de
suas paixões, proíbe seus instintos e se abriga contra os perigos” (p 100). Em
síntese é um relato do cotidiano transmitido de forma romanceada e melodramática.
Para Morin, a dramatização no jornalismo é uma informação romanceada,
com origem no romance-folhetim. No início do século XX, a imprensa periódica
ênfase às narrativas romanescas, sentimentais e aventurosas ou policiais. Este tipo
de relato narrativo culmina nos outros: fait divers, vedetização, sensacionalismo.
Em telejornalismo
82
a expressão dramatização da notícia parece ser mais
coerente, uma vez que a mídia televisual tem espaço cênico, códigos gestuais, além
das vozes, comuns ao drama aristotélico.
O sensacionalismo funciona como tragédia, a vedetização como
mitologia. No fait divers o fato é privilegiado. A distinção desses conceitos é
fundamental para se perceber que “a projeção-identificação intervém em todas as
relações humanas, desde que estas sejam coloridas de afetividade”.(p.101)
Vale ressaltar ainda que essas terminologias possuem significados
semelhantes e, por vezes, são empregadas no mesmo sentido. Expressões como
dramatização da notícia, humanização do relato e didatização da informação
também são utilizadas para reportagens ou relatos dramatizados pela mídia.
Estes conceitos nos permitem esclarecer a comparação das narrativas
jornalísticas com o melodrama e o folhetim: a folhetinização da informação.
Os jornais têm veiculado as notícias, principalmente de crimes, tragédias,
fatalidades de forma folhetinesca. Isto equivale a dizer que folhetim, a princípio, era
o espaço no rodapé do jornal para veicular ficção e também fatos diversos,
variedades. Depois o termo passou a designar (popularmente) a estrutura utilizada
para veicular, no século XIX e início do século XX, narrativas ficcionais e
melodramáticas. Melodrama é um gênero de obra dramática com acompanhamento
musical, mas pejorativamente o termo é atribuído a exageros na expressão de
sentimentos, dramalhão.
“Folhetinização da informação”, expressão criada por Michel Gillet, é:
82
Sobre “Dramaturgia do telejornalismo” ver as pesquisas de Iluska COUTINHO (2003, 2004, 2005a, 2005b,
2006).
89
a informação que não separa o público do privado e tornou muito
tênues as fronteiras entre imprensa marrom e imprensa ‘séria’. Uma
informação que apazigua e suscita a curiosidade de um público para
quem o”excesso” visceral do melodrama sempre foi ‘natural
(MEYER, 1996: 224-225).
Assim, ao utilizamos o termo dramatização para as narrativas jornalísticas
contemporâneas, reforço, referimo-nos ao sentido pejorativo do termo, porque não
há a presença de todos os recursos do drama no texto impresso.
A folhetinização da informação é mais coerente no jornal porque há, por
vezes, o exagero nas expressões de sentimentos, temas e conflitos, característicos
ao melodrama, acrescido da estrutura, digamos atualizadas, do folhetim, isto é,
fragmentação do texto, um certo suspense, frases simples, pessoas que se tornam
personagens, imagens que direcionam o olhar do receptor e facilitam a
compreensão da notícia, tudo numa mescla de códigos, vinculada ligado a um
processo de identificação e onde o imaginário prevalece.
Narrativas jornalísticas: projeção no imaginário
no jornalismo o gênero informativo, como a notícia, a reportagem; o
gênero opinativo, como as resenhas e os artigos que pressupõem autoria; os
editoriais que sem autoria definida, expressam a opinião da empresa e, entre outros,
as colunas e as crônicas que são autorais. Resumindo, o jornalismo articula-se,
portanto, em função da informação - descrição e a versão dos fatos - e em função da
opinião, ou seja, textos que oferecem um ponto de vista de quem os redige, são
90
reportagens narrativizadas
83
. Norval Baitelllo esclarece que no processo de
hominização o simbólico e o narrativo são fundantes da cultura humana. E ainda
que:
Narrativizar significou e significa para o homem atribuir nexos e
sentidos, transformando os fatos captados por sua percepção em
símbolos mais ou menos complexos, vale dizer, em encadeamentos,
correntes, associações de alguns ou de muitos eles sígnicos. (...)
Edgar Morin o denomina de ‘segunda existência’, Ivan Bystrina
chama de ‘segunda realidade e Iuri Lotman lhe o nome de
‘semiosfera’ (1997:37).
No jornalismo, algumas matérias, os dramas do cotidiano
84
, são
narrativizados, não somente informação, porque esta supõe verificação imediata. E o
os jornais trazem matérias com informações paralelas, correlacionadas aos
acontecimentos, reportagens que complementam a notícia, isso até pela facilidade
de buscar outras fontes e dados, verdadeiros arquivos digitais e até mesmo registros
em outras mídias, que não sejam somente a observação do fato.
Benjamin (1987:197 e ss) alertava que a informação é incompatível com o
espírito da narrativa. Para elucidar a afirmativa, ele apresenta três tipos de narrador;
aquele que troca experiências; o narrador do romance, que “retira da experiência o
que ele conta: sua própria ou a relatada pelos outros”; e o terceiro que relata a
experiência do outro. É o que deveria acontecer com o jornalista. Ele não relata suas
experiências, como veremos, mas consegue narrativizar o fato.
Se o jornalismo foi, como afirma Benjamin, o “responsável pelo declínio
da arte da narrativa”, agora ele veicula narrativas dramatizadas, seqüencializadas,
83
Narrativizar é contextualizar, transformar os fatos. Ver nota 2.
84
Iluska Coutinho (2006) em suas pesquisas sobre a dramaturgia na TV utiliza a expressão “drama informativo”
para se referir a algumas matérias veiculadas em telejornais. No texto “A celebração no telejornal local”, refere-
se a este tipo de matéria como “drama cotidiano.”
91
quase
85
como as narrativas dos romances-folhetim, no sentido estrutural e
similaridades de temas e tramas, excetuando a origem do fato, gerador da notícia.
O jornalismo não é ficcional, mas pode mitificar personagens
existentes. Narrativizar a vida de algumas “celebridades” e mesmo de pessoas que
eram comuns e, por meio de fatalidades, ou crimes, tem sido a tônica do jornalismo
contemporâneo, que processa códigos que desencadeiam uma proximidade com
estas pessoas a ponto de o leitor vivenciar seus dramas.
É o caso da morte da Princesa Diana, em 1997, em que muitos sofreram
tanto com fato que afirmavam “ser o dia mais triste de suas vidas”. Ela era a
Cinderela pós-moderna que todos esperavam que tivesse um final feliz. Uma
Cinderela ‘fabricada’ pela mídia, mas que não teve um final feliz.
No dia seguinte após a morte da Princesa Diana, a Folha de S.Paulo
publicou um Caderno Especial sobre o trágico acidente. “A morte de uma princesa”,
além dessa manchete, trouxe outras que foram veiculadas nos principais jornais do
mundo
86
A Princesa Diana era uma pessoa muito querida, não entre os
ingleses, mas “o mundo todo” gostava dela. Fica evidente que, aos poucos, foi-se
construindo uma personagem, a da Cinderela, e por ocasião de sua morte, as
pessoas se sensibilizaram e o jornalismo utilizou esta comoção mundial e
narrativizou o fato da morte. Passados alguns dias, as reportagens traziam não
mais sobre a morte e a cerimônia do sepultamento, mas sobre quem seriam os
culpados - os paparazzi? Foi disponibilizado um site para as condolências aos
parentes e entrevistas e frases de Diana foram lembradas pelos jornais, enfim toda a
repercussão do fato. Todas estas outras narrativas (reportagens) compuseram a
história dessa ‘personagem’ e ela, que era uma celebridade, foi “eternizada” pela
mídia, mitificada.
85
Ver nota 2. Termo utilizado novamente para expressar que aproximações entre o jornalismo e a forma
ficcionalizada de veicular informação. Reiteramos que jornalismo não é ficção.
86
Para relembrar algumas manchetes: Diana morre em acidente / Di morre em acidente de carro em Paris /
Princesa Diana e Dodi morrem em acidente de carro em Paris / Dodi morre, Diana gravemente ferida em
acidente de carro em Paris / Lady Di está morta. Príncipe escolta corpo de Diana / Charles leva corpo de Diana
para casa / O mundo chora Diana / Príncipe vem para casa com a princesa do povo / e muitas outras
veiculados no mundo todo. Disponível em http://www1.uol.com.br/cgi-
bin/bibliot/arquivo.cgi?html=fsp1997&banner=bannersarqfolha. Acesso em 29 de novembro de 2007.
92
A imprensa, aproveitando a emoção que fatos, como o citado acima,
causam, produz textos durante alguns dias, são reportagens em série publicadas em
“vários capítulos”, isto porque podem ocorrer informações novas que geram a
continuidade ou o gancho da história. É a tradução da tradição” (MACHADO,
2003:29). Esta formulação é fundamental para o desenvolvimento como um dos
mecanismos básicos da abordagem semiótica.
Apesar dessas narrativas causarem emoção no leitor, a informação deve
sempre poder ser verificável, comprovada, “a realidade do jornalismo se aproxima de
uma literatura não exatamente ficcional. Mas isto não impede o contrário” (VILAS
BOAS, 1996:59).
Essa ‘realidade comprovada’ que exige a objetividade jornalística, recurso
utilizado sob a influência norte-americana, nos anos 80, no Brasil, ou o jornalismo da
pirâmide invertida, com textos objetivos, atualmente não desperta tanto o interesse
do leitor. A forma narrativa permite não informar, respondendo ao lead, mas
contar o fato, isso motiva mais o repórter e agrada o leitor, pois parece ser
consenso
87
que assim uma facilidade maior na leitura e conseqüentemente o
prazer no texto.
Barthes justifica o prazer na narrativa ao afirmar que:
a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares,
em todas as sociedades, ela pode ser sustentada pela linguagem
articulada, oral ou escrita, pela imagem, pelo gesto ou pela mistura
ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na
lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na
tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, (...) no fait divers. A
narrativa começa com a própria história da humanidade (1972:19-20).
87
Algumas pesquisas auxiliam na constatação dessa informação, embora a forma narrativa, e outros gêneros
como o melodrama e a estrutura folhetinesca, principalmente utilizadas nas telenovelas estão na nossa memória
cultural. Pesquisa disponível em: http://www.criabrasilis.org.br/download/jornais_diarios-celso-mar2006.doc: e
também em Narrativas no jornal: a experiência americana, disponível em www.textovivo.com.br .Acesso em
21 de outubro de 2007.
93
Narrativas Reais: dramatização do fato
O jornalismo é associado à notícia e à informação para a maioria dos
leitores. Na condição de notícia deve relatar o fato de forma referencial. “A função
referencial no jornal é aquela que estabelece a conexão mais ‘pura’, mais direta
entre o acontecimento e a notícia. É a função que narra o fato com a maior
objetividade possível; com a menor interferência possível de fatores pessoais ou
grupais”. (FARIA, 1991:50)
Entretanto, a notícia e também a reportagem, mesmo referenciais, m
sido publicadas, de forma diferenciada, nas últimas décadas e podemos aproximá-
las, ao que se refere Lotman, como a um espaço de fronteira. São informações
pautadas no relato do cotidiano real, evidentemente, mas transformadas em
verdadeiros melodramas, em folhetinização da informação.
O folhetim
88
, conforme assinalamos anteriormente, surgiu na França,
em 1836. Primeiramente, ocupava um espaço do jornal, chamado Variétés, em que
eram publicadas histórias de ficção e assuntos “mais leves do que o resto do jornal”
(MEYER, 1996: p.31).
Com o mote “continua no próximo número” vendeu muito jornal. O
romance-folhetim enquanto estrutura narrativa novelesca atraiu muitos leitores só vai
se consolidar no final da década de 1830.
No Brasil, esta tendência te lugar de destaque. Aqui também, no
espaço, denominado folhetim, publicavam-se histórias em prosa e somente depois
eram compiladas em volumes. O jornal incorporou esse gênero e possibilitou a
divulgação e a leitura de muitas histórias.
O romance-folhetim teve seu apogeu. Nos primeiros anos do século XX
com o surgimento do cinema, é deslegitimado pelo leitor, mas resiste à indústria
cultural, às publicações das edições populares. Além disso, divide o espaço do jornal
com o fait divers.
88
Aqui nos referimos ao folhetim enquanto narrativa de ficção e não como já utilizamos anteriormente o termo
como espaço onde se publicava variedades.
94
Fait divers é ou relato romanceado do cotidiano real, trata de pequenos
escândalos, é página que nunca envelhece, causa espanto mesmo depois de muito
tempo. “Romancear” o fato, narrativizar, dramatizar tem sido comum nos jornais
contemporâneos.
A dramatização da notícia tem sido a matriz de vários programas
radiofônicos, como Eli Correia e Gil Gomes, e também em programas jornalísticos
que são veiculados no final da tarde nas emissoras de canal aberto
89
. Mas ter esta
tônica nos jornais impressos, chamados ‘sérios’
90
, como a Folha de S.Paulo, é uma
ocorrência que causa estranhamento, se nos atentarmos à linguagem referencial da
notícia.
A folhetinização da informação é espetacular: as grandes catástrofes se
tornam quase cinematográficas, o crime é romanceado, o processo é teatral,
novelesco. A analogia com as formas narrativas seriadas é inevitável.
Estas técnicas de sedução, por meio das histórias cotidianas, não é
recente, conforme o dissemos. O fait divers que ocupava o espaço do folhetim
também trazia dramas da vida real. O jornal contemporâneo recodifica códigos que
foram muito utilizados em seu início. Mas atualmente um fator que os
diferencia: no início do jornal não havia outras mídias que contassem tão bem as
histórias da vida. Hoje, com as novas tecnologias e a velocidade da informação, os
impressos parecem invadidos pelas formas seriadas que surgiram na gênese
jornalística e que retorna com toda força: o paradigma recodificado.
Esta invasão de formas seriadas folhetinescas enquanto forma de
entretenimento é um dos elementos cultura latino-americana.
Assim, mais que veicular os fatos, o jornal compartilha, com seus leitores,
histórias da vida, em fascículos. A televisão, o rádio, o cinema fizeram isso e
conseguem, em pequenas narrativas, transformar o fato em entretenimento, numa
espécie de novela.
89
Cidade Alerta, da Record, telejornal policial, veiculado entre 4 de dezembro de 1995, com apresentação de
Ney Gonçalves Dias e depois pelo jornalista Marcelo Rezende. Em junho de 2005 foi retirado do ar, devido a
baixa audiência. Repórter Cidadão, da Rede TV!, Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, veiculam fatos do
cotidiano e procuram vencer a guerra da audiência no horário dramatizando as informações. Ver nota 22 e 23.
90
O jornal Folha de S.Paulo possui credibilidade junto à sociedade e é considerado, pelo leitor, um jornal
“sério”, em oposição aos sensacionalistas. Ver nota 58.
95
Se a dramatização da notícia na TV, apesar dessa mídia possibilitar a
interpretação cênica, causou estranhamento a princípio, no jornal impresso parece
ser algo distante. Não dúvida de que a mídia impressa não tem as mesmas
características da televisão e do cinema que possibilitam a representação, por meio
do gesto e da voz. O drama é um texto escrito para o teatro. A aproximação que aqui
se faz com a estrutura do folhetim e do melodrama está na forma como o jornal
impresso publica o fato: narrativiza-o, utiliza grafismos para ilustrar e direcionar o
leitor para resumos do fato, ou “dos capítulos da novela factual”.
Melodrama e folhetim: afinidades
O melodrama é a matriz do folhetim, o dissemos. Era apresentado em
três atos, depois em quadros com duração de cinco atos. Um bom título fazia o
papel de chamariz e atraía o público. Quanto à estrutura, as personagens tinham
valores opostos, ou ainda, os bons e os maus. Há sempre alguém sendo perseguido
por um vilão. A princípio, o vilão se destacava, mas após “batalhas” recebia a
punição e o herói vencia. uma estrutura bipolar: opressor e vítima, amor e ódio,
vício e virtude, injustiça e justiça, etc.
Os temas mais constantes são a perseguição e o reconhecimento. No
primeiro, os motivos da ação são a vingança, a ambição, o dinheiro e raramente o
amor, este está sempre em segundo plano. O reconhecimento aparece nas cenas
finais quando se resolve o clímax do drama.
A perseguição mantém o suspense; o reconhecimento retira-o
brutalmente e quanto mais rapidamente ele se dá, mais o patético da
situação é poderoso. (...) O reconhecimento se por meio de cartas
96
extraviadas, perdidas ou reencontradas; encontros desmarcados,
falsos endereços ou com pessoas (substituição de crianças,
semelhanças fortuitas ou premeditadas, usurpações de qualidades ou
de títulos) O reconhecimento corrige os enganos (THOMASSEAU,
2005:37).
Em relação ao enredo, o fator surpresa conquista o leitor que sempre
espera um final feliz, embora isto não seja regra. “O happy end é a felicidade dos
heróis simpáticos. Não é reparação ou apaziguamento, mas irrupção da felicidade,
desde a felicidade total (amor, dinheiro, prestígio), até a esperança da felicidade,
onde o casal parte corajosamente pela estrada ao encontro da vida. Implica um
apego intensificado de identificação com o herói”
91
. O melodrama pode incorporar
outras pequenas histórias e com isso instiga o interesse do público. Cabe, portanto,
ao criador do texto amenizar o sofrimento das personagens, introduzir elementos
risíveis. O autor põe, o leitor dispõe. O importante é causar emoções fortes para o
público. Esta estrutura aparece no melodrama clássico que vigorou entre 1800 a
1823.
No melodrama romântico (1823-1848), portanto próximo ao romance-
folhetim, algumas modificações, como os valores tradicionais, por exemplo,
compõem o gênero. Podem-se perceber ainda outras mudanças: as personagens,
antes ingênuas, e as cômicas são raras; o balé e as músicas desaparecem; a
presença de mais personagens secundárias.
A terceira fase denominada melodrama diversificado, (1848-1914), sofre
concorrências de outros gêneros como o vaudeville e a opereta. Voltam os balés e
um aumento em relação ao número de quadros, ”em razão da divisão de intrigas
dos romances de folhetim” (THOMASSEAU, 2005: 96).
O romance-folhetim tem como matriz a estrutura do melodrama.
Entretanto era publicado em jornal, no espaço denominado folhetim, por isso a
incorporação do termo. Foi o primeiro tipo de texto escrito no formato popular de
massa. Redirecionava os jornais para o grande público e tornou-se a mediação do
91
Morin (1987: 91 e ss), no capítulo 8. “Simpatia e happy end” traz reflexões sobre a felicidade do herói no
romance popular e no cinema.
97
escritor e o texto junto ao público. O “diálogo”, por meio de cartas e conversas entre
escritor e leitores, é a base para a produção de um bom folhetim. Para o público não
importava quem era o autor, pois muitos acreditavam que quem escrevia os
romances eram os entregadores de jornais. Muitas vezes, pela quantidade de
trabalho, o autor ditava para um ajudante a história, isto revela que o folhetim tem de
oral e sua proximidade com uma literatura na qual o autor fala mais do que escreve
e o leitor escuta mais do que lê (MARTÍN-BARBERO: 2003:187).
O folhetim possui três fases
92
(MEYER: 1996; MARTÍN-BARBERO, 2003).
Na primeira, de 1836 a 1850, chamada de “Mistérios e vinganças” por Marlyse
Meyer, destacou o folhetim romântico ou democrático e tiveram destaque Eugène
Sue e Alexandre Dumas. Predominou o romantismo social. Entre 1851 e 1871, a
pesquisadora nomeou de “rocambolesca”, referência ao personagem Rocambole, da
obra com o mesmo título de Ponson du Terrail. Nesta época, burgueses e operários
se misturam e formam um novo público leitor. As preocupações sociais são
substituídas pelas histórias de aventura e intrigas e o folhetim ajusta sua estrutura
para a imprensa industrial.
Na terceira fase (1871-1914), os folhetins foram denominados de ”os
dramas da vida”. Estes não retratam mais aquela luta entre o bem contra o mal,
agora são desvalorizados e mais deslegitimados que aqueles das fases anteriores.
São romances dos crimes do amor, de tima, aqueles em que “desgraça pouca é
bobagem”. Propunham modelos burgueses de aspiração de vida. O folhetim desta
fase entra em decadência e resiste ao mundo do pós-guerra; destina-se às classes
populares e enfrenta a industrialização e a força dos anúncios.
Convive com o fait divers e as grandes edições populares. Vê-se que o
folhetim acompanhou o movimento da sociedade: “da apresentação de um quadro
geral que mina a confiança do povo na sociedade burguesa até a proclamação de
uma integração que traduz o pânico dessa sociedade diante dos acontecimentos da
Comuna” (MARTÍN-BARBERO, 2003: 185).
Em todas as fases, a estrutura do folhetim foi o elo entre o escritor, o
jornal e o leitor. Basicamente há marcas que remetem ao universo cultural do
popular: os dispositivos de composição tipográfica, fragmentação da leitura,
92
Estas fases referem-se ao estudo que Marlyse Meyer fez na França, e que consta no livro Folhetim: uma
história (1996), na primeira parte sob o título de “O folhetim na matriz”. (55-84)
98
dispositivos de sedução e dispositivos de reconhecimento.
No primeiro, letras grandes, claras e espacejadas facilitavam o
entendimento das histórias, uma vez que o público correspondia a “leitores para os
quais a leitura supõe um esforço” (idem, p. 192), e imersos no universo da cultura
oral. A fragmentação da leitura com cortes sistemáticos, narrativa em episódios, o
tamanho das frases, diálogos simples, a divisão em capítulos, em subcapítulos,
títulos, tudo facilita a leitura sem perder o sentido global da narrativa. O sucesso do
folhetim vem principalmente dessas técnicas narrativas.
A fragmentação em episódios gera duração e causa suspense, terceiro
dispositivo. Registros de duração permitiram ao leitor popular ter tempo para ler os
romances, identificar-se com as personagens, e compreender todas as mirabolantes
ações da história. A técnica do suspense foi uma ruptura com o formato-romance, “o
suspense é justamente um efeito não da escritura, e sim da narração” (ibidem, p.
194). O suspense surpreende, causa curiosidade e o desejo de continuar a leitura, é
a mediação entre os episódios, é o elemento que permite ativar a memória narrativa
popular e o imaginário urbano-massivo, como afirma Martín-Barbero (op.cit.).
A tipologia, a fragmentação e o suspense nos folhetins possibilitam o
reconhecimento do mundo narrado e o mundo do leitor popular. Este dispositivo
permite a identificação de personagens e identificação do leitor com as
personagens. Uma é o herói que busca a justiça, outra são as personagens que
compõem a trama e que aparecem em toda a narrativa e que a dinamiza, assim
como no melodrama, em que os maus aparentam ser honestos, enquanto os bons
sofrem, até que tudo seja resolvido. Entretanto no folhetim não sabemos de imediato
quem são os verdadeiros heróis, como no melodrama, o desvendamento se
progressiva e sucessivamente, voltando na narrativa, remontando tudo até o
descobrir o segredo da maldade: “a hipocrisia social ou o vergonhoso crime familiar”
(MARTÍN-BARBERO, 2003:197).
Outro mecanismo característico do folhetim são os temas: justiças e
injustiças, amor e ódio, adultério, loucura, casamentos, ambição e vingança,
perseguições, crimes, etc. que atraíram um público que tinha um mínimo de
experiência verbal prévia enquanto leitor, não confundindo “popular com o que
agrada às pessoas ignorantes e truculentas” (idem, p. 201).
O folhetim é a mediação entre o livro e a imprensa, entre o escritor e o
leitor, entre a informação e a ficção.
99
O folhetim chegou a uma estrutura narrativa que o é conto, nem
romance; não é literatura (culta), não é jornalismo. Não é atualidade, nem somente
ficção. É sim a fusão desses códigos que “caíram” no gosto popular e, por estar na
memória coletiva das sociedades, está em outras mídias e também nos jornais: o
paradigma recodificado.
Narrativas jornalísticas: a folhetinização da informação.
Não há fatos, só interpretações.
F. Nietzsche
A estrutura melodramática e a folhetinesca do culo XIX tornaram-se
paradigmas para outras mídias no século XX. A radionovela tornou-se febre na
década de 1940, no Brasil. Em forma teatral, com capítulos curtos, suspense e
vozes dramatizadas, teve como paradigma os romances-folhetim publicados no
rodapé dos jornais a partir de 1836. A primeira radionovela foi “Em busca da
felicidade”
93
, em 1941, pela Rádio Nacional, mas o fenômeno de audiência foi “O
93
Traz a história de uma menina que descobre ser filha da empregada com o patrão. Ela vai morar com a mãe e
se apaixona pelo filho do patrão. A condição social não favorece a relação amorosa, entretanto próximo ao
casamento o rapaz morre. E assim as personagens vão à busca da felicidade e a trama vai sendo tecida. Escrita
pelo cubano Leandro Blanco e adaptada por Gilberto Martins, a pedido da Standard Propaganda. A radionovela
ficou três anos no ar. Fonte: CALEBRE (2007). MEYER (1996), ORTIZ (1989).
100
Direito de Nascer”
94
, que posteriormente foi adaptado para a televisão. Nota-se que
os títulos já indiciam temáticas que ocorriam no folhetim.
A telenovela
95
também tem o folhetim como paradigma. Associou a
experiência do rádio, aprimorou a expressão corporal à técnica de interpretação
radiofônica, além do corte, do suspense e do gancho, elementos fundamentais ao
folhetim eletrônico. E o que move a trama na telenovela é o drama de
reconhecimento, isto é, o movimento que conduz do desconhecimento do filho
pela mãe, de um irmão por outro, do pai pelo filho ao reconhecimento da
identidade” (MARTÍN-BARBERO, 2001:151). Situações melodramáticas.
A fragmentação das histórias, o corte, o suspense que mantêm a
expectativa do leitor, a dramatização da notícia também estão no jornalismo,
principalmente, nos jornais populares, ou sensacionalistas. O acaso do folhetim
também tem relações com a fatalidade no jornalismo.
A folhetinização da informação é a ênfase dos jornais impressos atuais,
até mesmo os “sérios”. E a dramatização, utilizada nos programas radiofônicos e nos
programas “jornalísticos” na televisão, grande impacto à notícia no jornalismo
impresso. Os casos de fatalidades, injustiças, crimes da vida, a morte, enfim, são
temas que geram o folhetim melodramático e atraem o leitor.
A morte é o “enigma do homem(MORIN, 1973); tão antiga quanto ele, é
inaceitável, tema complexo, única certeza da vida, como afirma o ditado popular. No
entanto ela é pauta e reflexão para muitas artes, cinema, literatura e também para a
ciência. A morte é o fim da vida, o vazio, é o sentimento de perda.
Todos os dias, os jornais veiculam matérias sobre morte, esta parece ser
o plot
96
principal do jornal. Afora o estranhamento da afirmação, a morte
94
De autoria do cubano Félix Caignet e com tradução e adaptação de Eurico Silva, posteriormente adaptada
para a TV, em 1964 e 1971 na TV Tupi, e em 2001, com direção de Roberta Talma, no SBT. Traz a história de
Maria Helena que engravida do noivo Alfredo. Este se recusa a assumir o filho. A criança será alvo de ódio do
avô, D. Rafael. Após o nascimento, Maria Helena vai para um convento e Dolores, a criada, foge com o bebê,
batiza-o como Alberto. Quando jovem estuda medicina. A profissão e o destino o levam à família do pai e ele se
apaixona pela prima Isabel Cristina sem o saber. Acaba salvando o avô. CALEBRE (2007). MEYER (1996),
ORTIZ (1989).
95
Não cabe aqui, fazer um estudo diacrônico da telenovela. O tema é amplo e a bibliografia rica em detalhes. A
referência aqui nos importa pela associação à estrutura do melodrama e folhetim, enquanto paradigmas do
folhetim eletrônico.
96
Plot:núcleo central da ação dramática. (COMPARATO, 1998:438).
101
narrativizada nos jornais seduz o público. “Não é por acaso, portanto, que (…) a
tensão entre vida e morte esteja [sempre] presente no jornal (Baitello Jr, 1997:110).
Tragédias, romances, comportamentos, fatos que assustam ou que
fascinam a humanidade sempre foram pautas em todos os tempos, em todas as
produções humanas. Alguns fatos da vida real confundem o receptor quanto à
informação jornalística.
O encontro: capítulo inacabado
Histórias são contadas, re-contadas, narrativizadas e produzidas. Muitas
acabam nas páginas de jornal e circulam pela sociedade, em todos os lugares. Os
protagonistas deixam de ser anônimos por alguns dias, as celebridades são
personagens que podem estar na vida de qualquer um. São histórias de vida que o
jornal relata, muitas vezes, de forma romanceada, humanizada, dramatizada,
folhetinizada. Com estruturas que estão na memória coletiva e que chamamos de o
paradigma recodificado. São códigos da cultura resgatados que se transformam em
outros textos. São ‘dramas da vida’, contados em prosa jornalística.
Para refletir sobre a folhetinização da informação, selecionamos dois
fatos. O primeiro é a morte da atriz Daniela Perez. Excetuando a comoção que o
causou na época, a frieza que foi assassinada, a amizade entre vítima e vilão, a
forma como a Folha de S.Paulo editou e publicou a notícia atraiu o público. O jornal,
geralmente, procura utilizar outros recursos além do texto verbal para informar. Mas
nesse caso a apresentação da ‘síntese dos capítulos’, publicada em 8 de janeiro,
aproximou o massivo do popular. O outro caso refere-se ao “atentado a Nova York”,
como ficou conhecido, embora o ataque tenha acontecido também em outros
lugares dos EUA. Ato terrorista que gerou comoção pelo mundo todo, além de
muitas notícias, são reportagens em que anônimos foram heróis e vítimas ao mesmo
tempo, histórias em que não se conhece o vilão. Estamos em guerra, mas não
102
sabemos quem é o inimigo”, ou inimigo invisível foram títulos de algumas das
matérias um dia após o atentado.
Em 1992, a morte da atriz Daniela Perez que, na época, atuava na
telenovela De corpo e Alma
97
e tinha por par romântico o ator Guilherme de Pádua,
abalou sobremaneira a sociedade brasileira. Algumas horas depois de acharem o
corpo da tima, o ator foi acusado pela morte da atriz. O jornal Folha de S.Paulo
noticiou o crime de forma a unir fato e ficção, “um drama da vida real”.
SINOPSE
98
: Atriz de 22 anos é assinada com 18 golpes de tesoura, na Barra da Tijuca,
Rio. O suspeito do crime é seu par romântico na novela em que atuavam. O ator é preso
um dia depois e confessa, a princípio, o crime. Haverá grande investigação sobre a vida
dos envolvidos/personagens, e um fato novo contribui para o conflito: a mulher do ator é
ciumenta e parece ter participado do crime. Testemunhas vão depor, familiares e amigos
abalados participam das subtramas e finalmente o casal de assassinos é condenado e a
justiça é feita.
Se o crime o tivesse acontecido de fato, a sinopse acima poderia ser a
de uma novela. Contudo, aqui não é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança
com os melodramas e folhetins é mera coincidência, para usar o clichê da narrativa
ficcional.
O jornal, para informar o caso Daniela Perez, utilizou toda a estrutura do
fait divers, relato romanceado do cotidiano real, a estrutura do folhetim, e construiu
notícias melodramáticas. Com isso atraiu a atenção do público e conseguiu uma
audiência maior (vendagem), afinal notícia é um produto à venda
99
e precisa ser
consumida.
A manchete estampada, no Caderno ”Cotidiano”, página 5, da Folha de
97
Novela de Glória Perez, veiculada pela Rede Globo de Televisão, no período entre 3 de agosto de 1992 e 6 de
março de 1993. Com direção geral de Roberto Talma, teve 185 capítulos.
98
Aqui, redigi o fato em forma de sinopse, para aludir às sinopses das telenovelas Há também semelhanças com
“receitas” apresentadas por Thomasseau (2005), Meyer (1996) e Noblat (2002) e que estão no capítulo I desse
trabalho.
99
Título do livro de Cremilda Medina: Notícia: um produto à venda (1995).
103
S.Paulo
100
, de 30 de dezembro de 1992, possibilita-nos perceber a repercussão do
fato.
Figura 1: FSP, 30 de dezembro de 1992.
100
A empresa Folha da Mannão dispõe de exemplares do jornal para vender ou fornecer à pesquisa. nos
foi concedido cópias xerocopiadas em preto e branco do jornal Folha de S.Paulo referente aos dias em que foram
veiculadas as matérias sobre o caso Daniela Perez. Deve-se a isso a qualidade de impressão. Entretanto,
foram digitados os textos que são pertinentes à pesquisa e estão nos Anexos desse trabalho.
104
A matéria referente à chamada traz vários depoimentos. Algumas
pessoas falaram sobre a renúncia do presidente, mas alegavam que a morte da
“menina”, como disse um jornaleiro, marcou aquele dia. A seguir fragmentos da
matéria:
O assassinato da atriz Daniela Perez tirou o brilho ontem do
acontecimento político mais esperado em 1992, a renúncia de
Fernando Collor de Mello. “Que Collor que nada. O papo do dia é a
morte da menina”, disse o jornaleiro da praça Vilaboim (...) “Só uma
duas pessoas perguntaram da renúncia. O resto queria saber
detalhes do assassinato”, acrescentou. (...) a morte de Yasmin (nome
da personagem da atriz) ocupava a maior parte das conversas. “A
televisão aqui estava transmitindo a discussão no Senado e ninguém
estava nem aí. Quando passou um ‘flash’ sobre o caso da garota veio
todo mundo correndo”, contou a cabelereira (sic).
Além dessa, outras páginas
101
foram dedicadas ao acontecimento. Na
página 3, uma matéria com a chamada O último diálogo,: “Eu quero o
melhor para você, Yasmin”. O texto traz parte dos capítulos 140 e 141 da novela em
que “vítima e matador” atuavam e possivelmente iriam ao ar em 12 e 13 de janeiro
de 1993. O diálogo
102
refere-se a uma discussão do casal e conseqüente separação.
Ficção e fato se misturam.
O nome que consta no título é o da personagem da novela De corpo e
alma na qual Daniela Perez atuava. Chama a atenção por estar no meio da página e
também na metade abaixo (como se fosse o espaço do folhetim) e traz, digamos,
características dessas personagens da vida real.
Os subtítulos lembram caracterizações de personagens de um bom
romance folhetim.
A vítima: Dança levou à primeira participação na TV (sobre Daniela Perez)
101
Todas as matérias aqui citadas sobre a morte da atriz Daniela Perez constam no anexo VI.
102
Matéria digitada e consta do Anexo VII.
105
O matador: Pádua começou a carreira como ‘leopardo’ (sobre Guilherme de Pádua)
O marido: Gazolla conheceu mulher na TV Manchete (sobre Raul Gazolla)
A mãe
: Autora queria que filha virasse estrela de TV (sobre Glória Perez)
Figura 2: Caderno “Cotidiano”, 30 de dezembro de 1992, p. 3.
106
Ainda na página 3, duas outras reportagens sobre o fato. A que está
em maior destaque tem o título
Marido da atriz tenta se jogar da janela
, em
que informa o desespero do marido de Daniela Perez ao saber que Guilherme de
Pádua, o colega na novela, havia confessado o crime. Outra reportagem (no lado
esquerdo da página) traz informações sobre o enterro da atriz, mas a ênfase recai
nas fãs que foram lá para ver os artistas.
Fãs agarram atores globais.
Da sucursal do Rio.
As fãs que estiveram no São João Baptista demonstraram estar mais
interessadas em ver artistas do que reverenciar Daniela Perez. Os
atores Maurício Mattar, Victor Fasano, Edson Celulari e João Vitti
foram agarrados ao chegar à capela. Cristiana Oliveira teve o cabelo
puxado. (...) “Acho um absurdo o caixão ficar fechado”, reclamou uma
fã, que se dizia encantada com a quantidade de artistas presentes. “A
novela está passando aqui e agora” disse. (Folha de S.Paulo, 30 de
dezembro de 1992)
A seguir, a reprodução do caso publicado pela Folha de S.Paulo, como
um storyboard
103
de um capítulo de novela, com a foto da vítima no final. O crime
quadro a quadro, inclusive com o horário das “cenas”. A manchete - 18 golpes de
tesoura matam “Yasmin” faz referência novamente ao nome da
personagem na novela De corpo e alma. Se de um lado estas imagens facilitam ao
leitor o entendimento do texto, pois direciona o olhar para a matéria, por outro o
texto verbal, com nomes das personagens e idéia de uma fotonovela, faz com que
ele, ávido de informações rápidas, confunda personagens e pessoas, ficção e fato.
103
Assim é denominado o roteiro que contêm desenhos em seqüência cronológica, mostrando as cenas e ões
mais importantes na decupagem de um filme, programa ou anúncio de TV. Do inglês. storyboard : story
'história, narrativa' e board 'quadro'. (HOUAISS, 2001: 1619).
107
Figura 3: Primeira página do Caderno “Cotidiano”, 30 de dezembro de 1992.
108
Durante uma semana, aproximadamente a Folha de S.Paulo publicou
reportagens sobre o “caso Daniela Perez”. O fato de a novela estar no ar aguçava a
curiosidade do público em ver as últimas cenas gravadas pela atriz, ou ainda se elas
iriam ser transmitidas enquanto o jornal folhetinizava a notícia. Somente no dia 30 de
dezembro de 1992, dois dias depois da morte da atriz, a Folha de S.Paulo dedicou
metade do caderno “Cotidiano”, quatro páginas, com matérias que narrativizavam o
fato. Na primeira página, está o crime, conforme figura 2. O texto da reportagem traz
informações sobre como a atriz teria morrido, onde estava o corpo, o que aconteceu
antes do crime, nas gravações da novela, pessoas que viram os carros parados
perto do local, a denúncia de uma testemunha que levou a prisão de Guilherme de
Pádua. A matéria, no último parágrafo, com o título Renúncia, deixa uma rubrica
104
,
“leia mais”, como um gancho
105
para que o leitor procure outras reportagens, outras
histórias.
104
Pode referir-se à pequena anotação ou comentário acerca do que se observou, leu ou deve ser memorizado;
apontamento, lembrete, nota. Ou ainda em um roteiro de filme, teatro, televisão, etc., [eu acrescentaria o jornal],
texto que não faz parte do diálogo, mas indica aos atores, ao diretor e à produção (arte, figurino, etc.) detalhes
imprescindíveis da cena. E também aos leitores, acrescento (HOUAISS, 2001:2480).
105
Gancho é um recurso narrativo, cria ruptura, é o momento de grande interesse colocado antes de um intervalo
[aqui no caso da telenovela]. (COMPARATO, 1998). O livro A milésima segunda noite, traz um estudo
pormenorizado sobre o “gancho”. (COSTA, 2000).
109
Ainda na mesma edição, nas páginas 4 e 5, matérias informam a
repercussão do fato, depoimentos de artistas, de amigos, análises, pesquisas.
Enfim, ingredientes que poderiam ser a fórmula para se fazer um folhetim
melodramático com todo o suspense que os textos causam no leitor. Antes de
Guilherme de Pádua confessar, os questionamentos, depois as vidas: será? Qual
o motivo? Ciúmes? Dele ou da mulher? O vilão da história, a mocinha que foi
perseguida e assassinada.
Estão o vilão, os auxiliares do vilão, a vítima, o objeto de desejo, a
justiça. Também os dispositivos característicos do folhetim: composição
tipográfica, imagens e infográficos que ora são factuais ora ficcionais. Durante a
semana em que acompanhamos o caso, a Folha de S.Paulo publicou quadros,
informações por meio de infográficos, por meio de fotos encadeadas, como ficção
seriada. Os dispositivos de fragmentação são evidentes, até porque a mídia
impressa precisa de tempo para veicular informações novas e precisa que aconteça
algo novo que deva ser noticiado. A série de imagens, as manchetes chamativas,
todos os códigos direcionam e seduzem o leitor e ocorre a identificação com as
personagens, ou melhor, com as pessoas envolvidas no crime.
Estas matérias se assemelham ao folhetim melodramático em que os
temas são injustiças e reparação, amor e ódio, adultério, loucura, casamentos,
impedimentos, ambição e vingança, perseguições, crimes.
Reunidas aqui todas as manchetes, veiculadas durante uma semana na
Folha de S.Paulo, vê-se a dramatização do fato. Dispostas na ordem em que
aparecem no referido jornal, pode-se fazer uma analogia às funções de Propp
106
.
Não são nomeadas aqui exatamente iguais às propostas pelo autor russo, são
funções que aparecem nas matérias folhetinizadas nos jornais. Mais que
aproximar
às funções proppiana, o objetivo aqui é perceber que os “ingredientes” permitem
construir histórias dos dramas da vida.
106
V. Propp estudou os contos populares russos de tradição oral e propôs uma teoria com 31 funções narrativas.
uma série de elementos invariantes que as personagens desempenham. Uma personagem pode desempenhar
funções diferentes. Greimas estudou as funções proppianas e reduziu-as a um modelo actancial: sujeito/objeto,
destinador/destinatário; adjuvante/oponente. (PROPP, 1984; GREIMAS, 1976)
110
O inesperado/ trama central
18 golpes de tesoura matam “Yasmin” - 30/12/1992
107
A família/ o desespero:
Marido da atriz tenta se jogar da janela – 30/12/1992
Mãe da atriz continua a escrever novela – 30/12/1992
Primeira causa possível/ conflito
Crime passional bate renúncia de Collor – 30/12/1992
Expectativa/gancho
Marido pede pena máxima para assassino – 31/12/1992
O vilão se apresenta
Guilherme de Pádua se apresenta à polícia - 01/01/1993
O auxiliar do vilão
Defesa quer Pádua solto até fim do inquérito – 02/01/1993.
Outra causa possível/ ação
Daniela foi morta em ritual - 01/01/1993
O auxiliar da vítima/herói.
Multidão protesta e ameaça linchar o ator - 02/01/1993
Testemunhas (auxiliar da vitima)
Garota diz ter visto casal com Daniela – 04/01/1993
Advogado viu Paula no local do crime - 07/01/1993
107
Todas as manchetes foram transcritas do caderno “Cotidiano”, exceto a manchete Polícia carioca prende
mulher de Pádua, que foi publicada, no caderno Brasil, pela Folha de S.Paulo. Todas as páginas referentes às
manchetes citadas estão no anexo VIII, exceto as páginas que já estão no corpo do texto. São elas: primeira
página do caderno Cotidiano, de 30 de dezembro de 1992; p. 3, de 30 de dezembro de 1992; p. 5 do dia 30 de
dezembro de 1992; e primeira página do Cotidiano de 08 de janeiro de 1993.
111
Novo gancho
Polícia carioca prende mulher de Pádua – 03/01/1993
Modulação/gancho
Polícia diz que ciúme matou Daniela – 05/01/1993
O engano/ tentativa
Paula passa bilhete e diz ser inocente - 05/01/1993
Emoções causadas no receptor/Dor
Daniela desmaiou antes dos golpes - 06/01/1993
O desfecho
Criminalista volta atrás em suas acusações – 07/01/1993
Paula é indiciada como assassina – 08/01/1993
No dia 08 de janeiro de 1993, (ver figura 5) a Folha de S.Paulo publicou o
resumo dos capítulos (sic) dos dias anteriores. É claro que o crime em questão
aconteceu com uma atriz que estava atuando em telenovela.
Sabemos que o jornalismo não perderia a oportunidade de narrativizar o
fato, utilizando códigos próprios da telenovela. Mas, chegar ao paroxismo de publicar
a síntese de capítulos, fictícios, mas com personagens reais, causa um
estranhamento, principalmente em um jornal que tem credibilidade junto à sociedade
e não é regra folhetinizar a informação. Isto comprova que o estilo folhetinesco e
melodramático das narrativas jornalísticas contemporâneas, talvez uma opção para
concorrer com a mídia eletrônica e digital, facilitam a compreensão dos fatos e
agradam mais os leitores.
Ao misturar personagens e fatos reais, no capítulo diário da vida,
encontros podem não acontecer, podem ser interrompidos definitivamente, muitas
vezes pelos dramas da vida.
112
A seguir, destacamos as sinopses dos capítulos
108
da “novela da vida”.
Figura 4: No anexo VII, a reprodução dos “resumos dos capítulos”
108
Os textos das sinopses dos capítulos estão no Anexo VII.
113
Narrativas sem herói: planos, cortes, cenas
Fatalidades, crimes passionais, acidentes acontecem todos os dias. Mas
nem todos ganham as ginas dos jornais. Não é possível, por questão de espaço,
elencar todos eles. Os casos aqui foram selecionados porque chocaram muitas
pessoas pelo estranhamento, pelo inusitado do acontecimento.
No caso de Daniela Perez, a maneira como foi cometido o crime, atores
que atuavam juntos numa mesma produção, confundindo o que é ficção e o que é
fato, chamou a atenção da sociedade, entretanto, para s, além disso, a maneira
como foi veiculada a notícia foi fundamental para a análise. Os jornais vivem,
queiramos ou não, das fatalidades, dos escândalos, dos dramas da vida. Se o
folhetim foi a “fórmula consagradaque vendeu muitos jornais, tornou-o um veículo
de massa, os dramas da vida real também fazem muitos consumidores, alavancam
as vendas e aguça o imaginário coletivo.
O caso que até hoje é conhecido como 11 de setembro
109
ou atentado
110
às torres gêmeas, em 2001, em Nova York, chocou o mundo. Muitos se
sensibilizaram pelas pessoas indefesas que lá estavam e morreram, outros por
saber que o “poder” americano não é inatingível, alguns ainda pela ousadia de quem
pensou um plano como aquele. Sensações exageradas, confusas, até mesmo
exacerbadas no imaginário coletivo.
O atentado foi transmitido “ao vivo” para o mundo e muitas pessoas
109
Nesta pesquisa, limitamo-nos a analisar as reportagens que foram veiculadas na Folha de S.Paulo,
principalmente nos dias após o ataque aos Estados Unidos, enquanto textos narrativizados e a aproximação e
comparação destes textos com o gênero melodramático e a estrutura folhetinesca. o é objetivo aqui tomar
uma posição política em relação ao acontecimento, nem queremos “empurrar” a verdade de que os EUA
representam o bem ou o mal. Com estudos mais aprofundados sobre o conflito norte americano versus Talibã,
poder-se-ia verificar que há crueldades cometidas de ambos os lados. À imprensa, nos vários meios, cabe buscar
e apresentar os “dois lados” do fato, para que o leitor possa refletir e formar sua opinião.
110
O caso é sempre lembrado pelos ataques às torres gêmeas, devido à imagem veiculada inúmeras vezes na
televisão e na mídia impressa. Entretanto, os atentados de 11 de setembro de 2001 referem-se a uma série de
ataques aéreos. Foram seqüestrados quatro aviões comerciais. Dois se chocaram contra as torres do World Trade
Center, em Nova York, outro caiu no Pentágono, Virgínia, e o quarto avião caiu num campo, na Pensilvânia.
114
pensaram que as imagens pertenciam a algum filme. O fato foi amplamente
divulgado por todas as mídias.
Nas cenas da cobertura jornalística do atentado, a ficção se aproxima
da realidade, confirmando um enredo de fatos reais em diferentes
enquadramentos e muitas repetições. As imagens do atentado
também despertaram comoção, entre telespectadores e profissionais
de TV e, na mesma medida, eram portadoras de conteúdo noticioso
capaz de mobilizar audiências em todo o mundo (COUTINHO,
2002)
111
.
As fatalidades, que têm proporções como esta, fazem o leitor querer
guardar, por mais estranho que possa parecer, as imagens e as informações para
que acredite na catástrofe. Assim, por meio de revistas e jornais, o público busca
respostas que não puderam ser respondidas na veiculação em “tempo real”.
A Folha publicou três cadernos dedicados aos atentados. Utilizou o
primeiro caderno, inteiro, com informações sobre o caso: depoimentos, editoriais,
cartas dos leitores, transcrição da carta do presidente George W. Bush, reportagens,
repercussão do fato, perspectivas de mercado. Exceto a seção “erramos” que se
referia a assuntos diversos, tudo estava relacionado ao fato. Nenhum anúncio foi
publicado. Na primeira página, um aviso sobre a organização do jornal:
Aviso
A Folha circula hoje com outra
organização de seus cadernos e
seções em razão da cobertura es-
pecial sobre o ataque terrorista
aos Estados Unidos.
111
Disponível em http://reposcom.portcom.intercom.org.br. Acesso em 25 de novembro de 2006.
115
E também a identificação em vermelho, no alto da página, anunciava a
tragédia:
GUERRA NA AMÉRICA
.
Figura 5: Primeira página, 12 de setembro de 2001.
Mais dois cadernos especiais com este título em vermelho foram
veiculados no mesmo dia. Até oito de outubro de 2001, praticamente um mês
depois, foram publicados, todos os dias, o caderno especial com este título. Depois
passou a circular como
GUERRA SEM LIMITES.
Por muito tempo, a mídia conseguiu veicular informações que estavam,
116
de alguma forma, ligadas ao fato ocorrido em 11 de setembro, como se fossem
capítulos de uma novela, a história relatada dia a dia. O drama folhetinizado.
No dia 12 de setembro, no primeiro caderno, imagens por meio de fotos,
caricaturas, infográficos, desenhos oferecem ao leitor uma visão do que aconteceu
em Nova York. É por meio das imagens e alguns títulos que verificamos a
folhetinização da informação, ou seja, o suspense, o corte, fotos quase do tamanho
da página, chamam a atenção do leitor. O primeiro caderno da Folha, normalmente,
é destinado aos editoriais, evidentemente opinativos, e à seção “Brasil” e “Ciência”,
referenciais. Vejamos algumas imagens do primeiro caderno. A primeira página da
Folha, colocada aqui na página anterior, e mais quatro, das vinte páginas do
caderno, já nos dão uma noção da tragédia. As outras estão no anexo IX.
Figura 6: Página A4, primeiro caderno, 12 de setembro de 2001.
117
Especificamente nesta página acima, abaixo da foto, é relatado o crime
minuto a minuto, como um story board.
Figura 7: Página A4, primeiro caderno, 12 de setembro de 2001.
Há em cada página uma palavra, geralmente em vermelho, como se fosse
o plot de cada “capítulo”. Na página A5, acima, por exemplo, foi colocado
TERROR.
118
Figura 8: Página A6, primeiro caderno, 12 de setembro de 2001.
Na página acima, a palavra que gera as reportagens é
Defesa
DefesaDefesa
Defesa. As
reportagens, referenciais, referem-se ao secretário o mundo de defesa e ao
Pentágono. A dramatização, no primeiro caderno, está mais relacionada às
fotografias, às imagens fortes, que no texto verbal que são informações sobre o
caso.
Na página a seguir, a palavra que indica o que os textos vão contar é
História comparada
História comparadaHistória comparada
História comparada. As reportagens fazer uma relação com os ataques a Peartl
Harbor, ocorrido em 7 de dezembro de 1941. As reportagens continuam referenciais
embora não totalmente.
119
Figura 9: Página A9, primeiro caderno, 12 de setembro de 2001.
Na publicação do dia posterior ao atentado, as matérias são opinativas e
referenciais, no primeiro caderno. As manchetes
112
e os textos não trazem o tom
112
Manchetes do primeiro caderno: EUA sofrem maior ataque da história (primeira gina). / Terror abala
centro do poder nos EUA (A4) / Ainda vivos debaixo dos escombros, diz polícia de NY (A5). / Avião
seqüestrado destrói parte do prédio do Pentágono A6 / América irá “caçar e punir responsáveis”, afirma Bush
(A7). / Poderio militar americano não impede ataque isolado (A8). / Atentado lembra ataque dos japoneses a
Pearl Harbor A9 / Como foram os ataques que destruíram as Torres do World Trade Center página dupla (A10
e A11). / Europa entra em alerta e se reúne para discutir a crise (A12). / Palestinos festejam nas ruas; Arafat
faz dura condenação (A13). / Taleban condena ataques e defende líder extremista (A14) / FHC compara ataque
a guerra e riscos para a economia (A15) / Planalto teme petróleo em alta e investimento em baixo (A16). /
EUA suspeitam de terrorista saudita Osama bin Laden (A17). / Suspeito de organizar ação vale US$ 5 mi para
os EUA (A18). / Ameaça terrorista é difusa e não exige muito dinheiro (A19). / Terroristas querem mostrar
que os EUA são vulneráveis. (A20). Fonte: Jornal Folha de S.Paulo, de 12 de setembro de 2001.
120
melodramático que o fato possibilita. Entretanto as imagens
113
gritam o drama que
os EUA sofreram naquele dia. A foto eternizada das Torres em chamas, de vários
ângulos, um homem que pula para fugir das chamas, pessoas chorando, mostram
as vítimas “da intolerância e ignorância do ser humano” (Folha de S.Paulo, p. A3).
Há também infográficos que mostram o “passo a passo” da tragédia.
São as imagens o maior destaque desse caderno. São elas que vão
narrativizar o fato, informando “como foram os ataques que destruíram as torres do
World Trade Center” - título que consta na página central, o jornal apresenta os fatos
em fotos, infográficos, o passo a passo do desabamento, uma película numa alusão
ao cinema, no final da página, inclusive com ficha técnica no lado direto da página
dupla.
A seguir:
Figura 9. A imagem refere-se às páginas A10 e A11, primeiro caderno, 12 de setembro de 2001.
113
As outras páginas, referentes ao atentado de 11 de setembro, excetuando as três que constam no corpo do
trabalho estão no anexo VIII FSP, 30 de dezembro de 2001.
As páginas trazem uma palavra-chave relacionada às reportagens, ou a
que se referem aquelas matérias. Da primeira até a quarta,
Guerra na América é
o destaque e aparecem as vítimas. Na página cinco, terror, ou o conflito. Na sexta, a
palavra destacada é defesa, o que deve ser feito para proteger os EUA, o desejo e a
busca da felicidade; na gina sete, a palavra-chave é reação, seriam os auxiliares
da vítima, até Cuba ofereceu ajuda aos Estados Unidos, depois alerta, história
comparada, na gina 13, a celebração dos inimigos, Oriente Médio, hipóteses,
terrorista, ou o vilão da história, análise e finalmente motivação.
São palavras que direcionam o olhar do leitor. É o plot de cada ação
dramática, de um verdadeiro drama ou folhetim.
No segundo caderno, desta edição especial da Folha de S.Paulo, páginas
A21 a A28, as palavras-chave continuam a direcionar o olhar do leitor: horror em
Nova York, testemunhas, personalidades em NY, horror em Washington, o temor,
famílias, efeitos no Brasil, na mídia. Note-se que há semelhanças às seqüências de
uma narrativa romanceada.
As manchetes condizem com essas palavras-chave e são mais
apelativas. Na primeira página, figura 10, a seguir: Corpos e destroços
compõem o cenário”, outro tulo dessa página: Além de ar sufocante, calor e
Além de ar sufocante, calor e Além de ar sufocante, calor e
Além de ar sufocante, calor e
fogo, um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago”
fogo, um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago”fogo, um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago”
fogo, um desagradável cheiro doce de queimado, que embrulha o estômago”.
. .
. Esta
matéria de rgio Dávila é uma mistura de depoimento pessoal com informações
sobre o fato, uma fusão de palavras que denotam a sensação da tragédia, é fato
ficcionalizado.
Num fragmento do texto do repórter, pode-se perceber que um gancho
para que o leitor leia outras matérias.
(...) Batalhões de voluntários, bombeiros, médicos e policiais passam
a se aproximar em blocos do prédio para verificar se
sobreviventes. Mas não há. Em minutos, macas começam a ser
tiradas. São corpos esmagados, na maioria policiais e bombeiros,
cobertos de branco e sangue. Nesse momento, sou expulso do
lugar. (Folha de S.Paulo, 12/09/2001 - A21).
123
O repórter escreve sobre o fato em si, em primeira pessoa. Conta que o
escritório da Folha, em Nova York, fica a 15 quadras do local da explosão e, assim
que ouviu, foi para as ruas tentar verificar o que tinha acontecido. Além das
metáforas, como a que consta no título, o texto narra de forma melodramática os
horrores do ataque:
(...) “Dois enfermeiros carregam uma maca com o corpo de um
bombeiro. Ele está decapitado”.(...) Em questão de minutos, o serviço
do metrô foi interrompido. As ruas foram invadidas por pessoas. (...) o
primeiro susto: uma das duas torres desaba numa nuvem de poeira.
Nenhum barulho, nenhuma alteração. (...) Um casal atravessa a rua
correndo e chorando. Dois amigos se abraçam com lágrimas nos
olhos. (...) Outra senhora grita: Por quê? Por quê?. (...) Tomo o
segundo susto. É como uma batida de carro. Um ruído surdo e seco,
alguns berros. Um silêncio. Então o desespero, o pânico. A segunda
torre acaba de desabar (...) (Folha de S.Paulo, 12/09/2001 - A21).
Além desse artigo de Sérgio Dávila, é interessante notar que os outros
dois, os títulos são apelativos: Crianças de Nova York enfrentam clima de guerra após
Crianças de Nova York enfrentam clima de guerra após Crianças de Nova York enfrentam clima de guerra após
Crianças de Nova York enfrentam clima de guerra após
o atentado
o atentado o atentado
o atentado e NY vive caos, com filas para doar sangue e estocar comida e dinheiro.
NY vive caos, com filas para doar sangue e estocar comida e dinheiro. NY vive caos, com filas para doar sangue e estocar comida e dinheiro.
NY vive caos, com filas para doar sangue e estocar comida e dinheiro.
Crianças, fome, falta de sangue e, portanto, falta de vida são temas que
pode gerar histórias melodramáticas. A Folha de S.Paulo agrupa as matérias,
narrativiza o fato e não faltam aí “ingredientes” para um folhetim melodramático.
124
Figura 10: FSP, 12 de setembro de 2001.
Nas outras páginas, expressões como Godbless América”; “pânico”;
“atentado abala parentes”. Na última página, “TV transmite, consciente, o
espetáculo”, com subtítulo: “Cobertura televisiva retrata com contenção o ‘filme de
guerra’”, alusão à ficção.
125
Figura 10. FSP, 12 de setembro de 2001.
Se no primeiro caderno as reportagens, enquanto textos verbais, mantêm
a referencialidade do fato, e as imagens narrativizam o drama como se cada página
fosse um capítulo da obra,
Guerra na América; no segundo caderno, são as
palavras que conduzem ao drama.
O jornalismo é uma mescla de códigos. Texto e imagens se mesclam para
que a mensagem, além de informar, gere novos sentidos.
Destacamos anteriormente que a expressão “folhetinização da
informação” condiz mais com o jornal impresso, pois precisa aguardar informações
126
novas a cada dia e consegue no mesmo jornal criar um gancho para edições futuras.
Os textos parecem deixar implícito um “e aí” para que o leitor procure mais
informações, ou a continuidade da história.
A reportagem de Álvaro Pereira Júnior, A28, com o título Nações
renegadas podem ter colaborado afirma, em síntese, que na opinião de alguns
analistas americanos, o atentado teve colaboração de nações renegadas como
Afeganistão, por exemplo. O fragmento final exemplifica o gancho.
(...) O governador de Nova York, George Pataki, o atribui a culpa a
nenhum país ou grupo terrorista, mas disse que tinha informações de
que o Serviço secreto americano tinha pistas fortes sobre os
verdadeiros autores. (Folha de S.Paulo, 12/09/2001 - A28).
E os leitores podem se perguntar: que pistas são estas? Sem resposta,
pois é o final do artigo, basta a ele procurar a solução deste suspense em ganchos
que estejam no jornal do dia seguinte ou em outra narrativa que compõe o jornal.
Quem seriam os verdadeiros autores? Cenas de um próximo capítulo?”
ou anda informações de uma próxima reportagem.
No terceiro caderno que a Folha fez circular no dia 12 de setembro, das
nove páginas dedicadas ao atentado, sete
114
se referiam ao mercado e à bolsa de
valores, artigos e reportagens referenciais. A página, reproduzida a seguir, traz na
imagem prédios que simbolizam o poder econômico americano. E as matérias a
preocupação do país americano com um economia abalada. Terror, tragédia,
ataque, são termos que aparecem nos textos.
114
As outras páginas com matérias referentes “ao mercado e à bolsa de valores” estão no anexo X
127
Figura 11. FSP, 12 de setembro de 2001.
Entretanto, nas duas últimas páginas, as matérias tangenciam a literatura
e o cinema, pois apresentam comparações com filmes, e livros que abordaram
ameaças de terror.
128
Figura 12: FSP, 30 de dezembro de 2001.
129
Figura 13: FSP, 30 de dezembro de 2001
Todos os títulos misturam ficção e realidade: Ameaças do terror
alimentam a indústria do technothriller”; neologismo que se refere ao cinema
technocolor e ao videoclipe de “horrores” de Michael Jackson, Thriller; outra
manchete também tem proximidade com a música: Pop tem sua trilha para o
show do horror”; Realidade foi além da imaginação”; referência aos filmes que
haviam assustado as platéias de cinema. Nova York foi atacada por alienígenas,
por gorilas gigantescos e por terroristas, mas nunca com tanto impacto sobre os
130
espectadores”; Roteiristas estão de olho no caos”; Hollywood reagiu atônita”;
Roteiro do espetáculo acertou no alvo”. Neste título, o artigo de Inácio Araújo
parece mais um argumento para o roteiro de um filme, apresenta os “ingredientes”
para um bom espetáculo hollywoodiano: o conflito, planejamento rigoroso, escolha
dos alvos, deve ter originalidade. Lembra ainda que o roteiro desta vez foi produzido
pelo vilão. Faltou o herói. No último parágrafo, o fato simbolizado que ficará
memorizado, como afirma o repórter, e é também o gancho para outras histórias.
11 de setembro é uma data a reter: ontem, o show deixou de ser tão
somente simbólico e misturou-se ao real. Instaurou-se a confusão e
reafirmou-se o espetáculo como grande força do mundo atual. Só que
agora os terroristas é que dizem: o show deve continuar. (Folha de
S.Paulo, 12/09/2001 – A37).
Todas as imagens das duas páginas finais sobre o atentado parecem que
foram recortadas “a o”, não há margem delineando as imagens. E todas as
matérias ligam-se, de alguma forma, à ilusão que a arte pode oferecer. O atentado a
Nova York foi a pauta de todas as mídias durante alguns dias, mas, no jornal
impresso, foram muitos os capítulos dedicados ao acontecimento. Passado o
impacto e a comoção dos primeiros dias, ficaram as perguntas, as dúvidas.
A folhetinização da informação, expressão inventada por Gillet, no século
XIX, define muitas vezes a estrutura das narrativas contemporâneas que estão nos
jornais. o fatos relevantes apresentados de forma fragmentada, que nos remete à
origem do folhetim, semelhante à fórmula com a qual Girardin vendeu muitos jornais.
Embora não tão evidentes nos relatos da vida cotidiana, são os fragmentos que
mantêm a expectativa do leitor, “uma fragmentação noticiosa que cai como uma luva
para as mentalidades fragmentadas, diluídas, difusas, que vêem o contexto social, a
realidade, sem nenhum nexo, sem nenhum fio ordenado” (MEYER, 1996:225).
Recodificar a informação, aproximar digos, reorganizá-los, imbricá-los,
impulsiona e dinamiza o jornal - texto da cultura - o que faz proliferar o espaço
fronteiriço, espaços que unem em vez de separar. Não produção que seja
independente, sem ser contextualizada, ou ainda fora da semiosfera.
131
Mídia e memória
A memória tenta preservar o passado para que seja útil
ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma a
que a memória coletiva sirva para a libertação e não
para a servidão dos homens.
Jacques Le Goff
Muitas metáforas são utilizadas para nos referirmos à memória: um
arquivo repleto de fichas catalogadas, um filme que passa diante dos olhos, uma
caixa onde se guarda o que se quer recordar. A memória parece ser uma parte de
nosso corpo que às vezes costuma falhar, ou porque acorda emoções que se
queriam adormecidas ou porque não consegue acordar informações que insistem
em permanecer adormecidas.
De uma forma ou de outra, a memória aparenta estar ligada a um
momento passado, porém, o paradoxo é que no momento em que emergem da
memória, as informações e sensações lembradas parecem ganhar vida, tornam-se
presentes. É o que dizem: “Lembro-me como se fosse hoje...” ou “Não consigo me
lembrar agora...”. É esse constante movimento entre memória, esquecimento e
rememoração que constitui um dos mecanismos mais importantes da construção da
identidade individual e coletiva.
Os estudos sobre memória muito tempo m sendo motivo de
inquietação teórica entre cientistas e artistas. Seus conceitos sofrem modificações
ajustando-se às mudanças que ocorrem na sociedade.
Neste capítulo, nosso propósito é refletir a memória como fator importante
e determinante no desvelar de ser e sentido originários, buscando uma aproximação
das narrativas jornalísticas às formas de abordagem da mídia. Não se quer aqui
133
fazer um estudo pormenorizado sobre a memória. pesquisas valiosas
115
que
contribuem para que o tema seja resgatado e conservado na memória cultural, para
usarmos termos próprios dessa investigação. Interessa-nos as narrativas
contemporâneas enquanto código recodificado do gênero melodramático e da
estrutura folhetinesca, ou seja, folhetinização da informação.
É importante, no entanto, voltar à origem mítica da memória. Na
Teogonia, de Hesíodo (1992), tem-se a origem dos deuses na tradição grega, em
que no início de tudo surgiu Gaia (a Terra), mulher de volumosos seios, que gera
para si própria um homem, Urano (o Céu). Juntos vão criar muitas outras vidas.
Dentre muitos seres fantásticos, nascem os Titãs, e entre eles Mnemosine. A
palavra grega é oriunda do verbo mimnéskein, que significa "lembrar-se de".
Mnemosine configura no universo mitológico grego a própria personificação da
Memória.
O mito diz ainda que um dos Titãs, Cronos, depois de destituir do trono
seu tirano pai e instaurar um governo ainda mais despótico, é destronado por seu
filho Zeus num terrível combate. Para comemorar seu grande feito, Zeus se junta,
por nove noites consecutivas, à Mnemosine, e desta união vão nascer nove
meninas, cantoras divinas, que tinham por função presidir as diversas formas do
pensamento: sabedoria, eloqüência, persuasão, história, matemática, astronomia.
São as nove Musas e a palavra grega que as designa, como assinala BRANDÃO
(2002:3), relaciona-se a um termo que significaria "fixar o espírito sobre uma idéia,
uma arte". Também à mesma família etimológica pertence o vocábulo "música" - o
que concerne às Musas - e "museu" - o templo das Musas, onde elas residem ou o
lugar em que deve aprender as diversas artes.
Mnemosine conduz o coro das Musas, confundindo-se mesmo com elas,
preside a função poética. O canto das Musas evoca a memória que torna presente
níveis diferentes de ser: momento em que se constituem Terra e Céu, Zeus combate
os Titãs, e o mundo vem a ser o que é. O canto das Musas é, a um tempo,
revelação e conhecimento do mundo.
115
FERREIRA (2003), HALBWACHS (1990), LE GOFF (1994), NUNES (2001), ZUMTHOR (1997), entre
outros.
134
A memória é considerada como entidade sobrenatural, de caráter
divino. Mnemosyne era, inclusive, protetora dos artistas, lembrando
que quando artista, de alguma forma (figuras, imagens, palavras)
registra em suas produções o humano, imortaliza-o. Aliás, os poetas
eram considerados os portadores da verdade porque inspirados pelas
musas, além de que o conceito de verdade na época possuía uma
significação muito diferente do que hoje entendemos por verdade
(BAPTISTA, 2007:22).
Para Platão, os poetas tinham dons divinos, graças a sua capacidade
mnemônica que as Musas lhe concediam.
Muito nos pode dizer o mito de Mnemosine e das Musas em relação ao
nosso sentido contemporâneo de memória.
Benjamin (1987) afirma que a experiência transmitida pela oralidade corre
o risco de se perder. O autor elucida com os combatentes de guerra, entre outros
exemplos, pois, ao voltarem das batalhas, não conseguem estabelecer uma
comunicação satisfatória que a dimensão do vivido, carentes que estão de teor
comunicativo. Em contrapartida, lembra Sherazade que se manteve viva, graças a
sua capacidade mnemônica de narrar, recriando a cada noite histórias, ainda que
não tivesse a possibilidade de conservá-las.
Toda a arte do orador consiste talvez em dar àqueles que o ouvem a
ilusão de que as convicções e os sentimentos que ele desperta neles
não lhes foram sugeridos de fora, que eles nasceram deles mesmo,
que ele somente adivinhou o que se elaborava no segredo de suas
consciências e não lhes emprestou mais que sua voz (HALBWACHS,
1990:47).
Ao comparar as narrativas ficcionais às informações jornalísticas, o
pensador alemão assinala que “a informação tem valor no momento em que é
nova” e a “narrativa, mesmo depois de muito tempo, ainda é capaz de se
desenvolver”(1987:204). Isto porque a narrativa “vive” da memória. A memória é a
135
“musa da narrativa” (p. 211). Ao narrar uma história, por meio da oralidade, não
necessidade de explicações. O leitor infere com suas vivências, diferente da
informação jornalística.
Cada manhã, recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto,
somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos
nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras:
quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase
tudo está a serviço da informação (BENJAMIN, 1987: 203).
Antes da informação jornalística, o romance, para Benjamin, é a primeira
forma de expressão que representa a morte da narrativa no período moderno.
Enquanto registro escrito, vinculado ao livro, “não procede da tradição oral nem a
alimenta. (...) A origem do romance é o indivíduo isolado” (p.201). Vê-se que no
romance o registro se dá por meio da memória individual, só pode ser contado aquilo
que a memória seleciona, ou o que se é lembrado e, portanto, não é espaço de troca
de experiências.
Baptista (s.d. p. 49) argumenta que apesar da troca de experiências estar
“em baixa”, o pensador alemão “refletiu algumas formas de se resgatar o passado, a
partir das obras de Baudelaire, As flores do mal, e de Proust, e nelas “o passado
pode operar como dimensão significativa de temporalidade e deixar de ser apenas
um instante vazio que se esvai permanentemente”.
E a partir dessas reflexões, a pesquisadora, que analisou a obra
memorialista de Graciliano Ramos, onde a memória universal e a individual, às
vezes, coexistem segundo Baptista, afirma que:
A literatura essencialmente memorialista, ficcional ou não-ficcional,
depende da perspectiva do narrador diante da memória, propicia um
espaço particularmente privilegiado para se resgatar a experiência
perdida e, conseqüentemente, configurar ou reconfigurar novos ritmos
de temporalidade (idem, p. 50).
136
Evidentemente, a tradição oral ativa a percepção da lembrança,
selecionamos fatos, privilegiamos outros, muito embora também tenha seus desvios
a partir de sua inautenticidade, por que ao selecionarmos, lembramos somente o que
queremos. Numa biografia é registrado apenas o que se deseja, não o que
aconteceu, mas o que se quer conservar.
O Cristianismo também é um exemplo interessante da conservação da
tradição por meio da memória, porque os acontecimentos e milagres do passado são
rememorados pelas celebrações litúrgicas em datas precisas, firmadas pelo
calendário gregoriano. Os rituais de passagem também se constituem em exemplos
de permanência de memória coletiva.
Este conceito é definido por Halbwachs, como acontecimentos e vivências
que o consideradas importantes por um dado grupo social. Memória individual é
aquela que se refere às próprias experiências sem, contudo, perder a noção de
pertencimento do grupo social em que vive.
(...) cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória
coletiva, (...) este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu
ocupo, e (...) este lugar mesmo muda segundo as relações que
mantenho com outros meios. (1990:51)
Para o sociólogo francês, as lembranças de uma pessoa estão em
processo de interação com a sociedade; nas relações sociais se constrói a memória
coletiva. A sociedade é construída a partir dessas lembranças, das experiências que
sociedade vive. Halbwachs denomina comunidade afetiva às diversas memórias
oferecidas pelo grupo. Assim, a memória do grupo compartilhada, garante ao
indivíduo o sentimento de identidade. Na verdade, as memórias se completam, pois
uma depende da outras. “Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar
com imagem e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho,
é trabalho” (BOSI, 1987:17). A pesquisadora acrescenta que “se lembramos, é
porque os outros, a situação presente, nos fazem lembrar: o maior número de
137
nossas lembranças nos vem quando nossos pais, nossos amigos, ou outros
homens, nô-las provocam” (idem, p. 17). E lembra que a linguagem é o instrumento
socializador da memória.
Para Lotman, “todo funcionamento de um sistema comunicativo supõe a
existência de uma memória comum da coletividade. Sem memória comum é
impossível ter uma linguagem comum” (1996: 155).
Memória é sempre recordação. No contexto mítico, recordar significa
resgatar um momento e torná-lo eterno, contrapondo-se à experiência ordinária do
tempo como algo que passa e que se perde. A recordação confere o caráter imortal
àquilo que ordinariamente estaria perdido de modo irrecuperável.
Graças à capacidade de recordar que, de alguma maneira, tentamos
escapar da morte que aqui, mais do que uma realidade física, deve ser entendida
como um oxímoro interessante em relação ao papel da memória: o esquecimento.
A idéia de eternidade sempre teve na morte sua fonte mais rica. (...)
No momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e
sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são
feitas as histórias assumem pela primeira vez uma forma
transmissível. (...) A morte é a sansão de tudo que o narrador pode
contar (BENJAMIN, 1987: 207-208).
A memória é a busca pelo lugar da imortalidade. A memória aviva a
cultura, os valores, as expressões máximas do pensamento e do sentimento
humano coletivos. Ela não está apenas no passado trazido à tona pela recordação,
mas está presente nos corpos, idioma, nas edificações, nos objetos da cultura, etc. A
memória possibilita identificação como indivíduos e como coletividade.
A memória liga o presente ao passado, mostra a ele mesmo o porquê de
sua constituição e no que se fundamenta sua existência. Mostra identidade e
diversidade, aponta a repetição.
Não nos lembramos de tudo, nem pessoal nem coletivamente.
Lembramos aquilo que tem significado, aquilo que é importante. Assim, vivemos
entre a memória e o esquecimento, entre o antes e o depois. E com certeza,
138
precisamos de ambos para viver. A memória nos faz lembrar quem somos e o que
nos faz querer ser ou estar em algum lugar.
o esquecimento profundo, a incapacidade absoluta de lembrar,
aquilo que se esgarça, se perde ou por algum motivo se sepulta, não
deixando que emirja para narrativa, e o que desliza, sob os mais
diversos pretextos, nas seqüências narrativas, situações em que se
mascaram, eufemizam ou simplesmente se omitem fatos ou
passagens (FERREIRA, 1991: 14).
Para Zumthor (1997:20) “memória e esquecimento são instrumentos
conjuntos e indissociáveis de toda ação”. O esquecimento é um mecanismo da
memória. A memória coletiva seleciona textos e ao selecioná-los conseqüentemente
esquece-se de outros textos. Este processo dinamiza a cultura. Para Lotman
(1981:43),
A transformação em um texto duma cadeia de fatos vem
inevitavelmente acompanhada da seleção, isto é, da fixação de
determinados acontecimentos, que se traduzem em elementos do
texto, e, por esquecimento de outros declarados inexistentes. Neste
sentido qualquer texto contribui não só para a memorização, mas
também para o esquecimento.
A memória é ainda construída a partir da história e a mídia também é
lugar da história, principalmente porque vai ajudar a construir e resgatar momentos
da memória coletiva. Mais que lembrar ou esquecer a função da memória, enquanto
mecanismo social, é a de fazer lembrar e fazer esquecer. Em razão disso, diferentes
segmentos da sociedade se esmeram e se digladiam no esforço de edificar um
passado que melhor lhes atenda e lhes sirva de memória. É nesse embate constante
entre o que é lembrado e o que é esquecido que reside a importância da mídia como
139
fonte histórica.
A mídia reafirma mitos da sociedade e afronta essa mesma sociedade ao
recordar lugares, fatos, nomes, personagens, etc., que foram esquecidos pela
memória social e muitas vezes até pela própria história.
Os textos da mídia impressa, muitas vezes, atualizam a memória com
várias versões díspares de um mesmo fato; trazem à baila acontecimentos reais e
os que estão na memória coletiva.
Ao se estabelecer uma analogia entre textos da história e os da mídia, é
possível considerar que, em relação à produção na mídia impressa o jornalista
revela o fazer da memória, o que lhe confere o estatuto de ser um profissional da
memória (LE GOFF, 1994).
Em vista desse oficio, a mídia é um suporte material, funcional e
simbólico, que promove uma adequação da memória social coletiva e da histórica,
em que o passado é administrado no presente e o presente é revisitado pela
lembrança do vivido.
O jornalismo, ao priorizar fatos em detrimento de outros, ao organizá-los
em uma determinada forma narrativa e ao definir o lugar que o texto ocupa na
página, aponta certa subjetividade sobre o acontecimento que noticia, prática esta
que caracteriza a escrita jornalística produzida como altamente seletiva. Filtra
aspectos da memória coletiva e histórica, e recorta o tempo dos acontecimentos,
fazendo-o caber numa unidade textual que se crê completa.
Isto posto, a memória coletiva migra para os textos da mídia, sendo
reutilizada como referência de informação. De modo mais abrangente, essa
migração demonstra a maneira como códigos do passado são ressignificados pela
prática jornalística que cria, a partir deles, um novo material.
Na condição de arquivo da memória, o jornalismo estabelece uma prática
produtora de cultura e de identidades, pois, dado o poder que, por seu intermédio é
exercido, (re)constrói versões da memória e da história.
Ao estudar a presença da memória na mídia, Nunes (2201: p.115)
esclarece que a informação midiática comporta-se como um conjunto de textos que
organiza cotidianamente o que há para lembrar e para saber:
140
Encadeia-se uma rede de detalhes ordinários que resultam em
matérias inteiras plasmando a memória cotidiana, estável como
pingos de chuva. A gênese do rumor, presente na mídia
contemporânea, ativada por seus mais íntegros e bem intencionados
expoentes, pode agir similarmente aos movimentos da memória
“natural” à medida que constrói e reconstrói informações.
Memória é então a capacidade que o homem tem de guardar suas
vivências e transmiti-las. Isto significa dizer que o homem produz textos culturais e,
por meio da memória, recodifica-os e os transmite às novas gerações em suportes
diferentes. São textos que têm “a capacidade de enriquecer-se ininterruptamente e a
capacidade de atualizar aspectos informacionais sem esquecer outros” (LOTMAN,
1996: 80).
A mídia é um conjunto de textos, como tal é cultura, é memória. Não
somente como arquivo, como “extensão do homem”, como já afirmou McLuhan
(1995), mas como um sistema que transmite informações, gera novos textos, e
preserva-os na memória, conforme Lotman.
Interessa-nos a função do texto que está ligada à memória da cultura.
Neste aspecto, os textos constituem programas mnemotécnicos
reduzidos. A capacidade que tem distintos textos que chegam até
nós vindos do mais remoto passado cultural, de reconstruir camadas
inteiras de cultura, de restaurar a lembrança, é demonstrada
patentemente por toda a história da cultura da humanidade
(LOTMAN, 1996:89).
A mídia (NUNES, 2001:30) “armazena e conserva signos fora do cérebro,
e atesta, aparentemente, a inutilidade dos grandes sistemas de memória, ou quem
sabe, da própria memória”.
O jornalismo enquanto código cultural, enquanto registro, possibilita a
conservação da memória humana. Fatos e acontecimentos são registrados nesta
mídia, quando selecionados pelo jornalista, como o dissemos. Entretanto, mais
141
que isso, recodifica códigos que em outros tempos já foram muito utilizados por ela.
Rememorando: o jornal se tornou veículo de massa ao publicar
romances-folhetim em suas páginas. O romance-folhetim passou, anos depois, a
livro. Em folhetins, as narrativas marcaram sua estrutura nos jornais e na memória
coletiva. um processo de esquecimento que o folhetim sofre, ao conviver com
outras estruturas como o fait divers, como a crônica, e outras formas de veicular
informações. O jornal, enquanto suporte, também tem a concorrência de outras
mídias e precisa “aprender a conviver” com as novas tecnologias de informação.
Nunes (2001: 62) é precisa ao afirmar que elementos que participam de
um texto, tornam-se elemento-base da cultura como memória da coletividade e a
longevidade é o que move a cultura” e ainda que “a longevidade corresponde a uma
extensão temporal, à continuidade da própria cultura e memória; é responsável por
uma hierarquia de valores dentro da própria cultura (idem, p. 62).
O jornalismo noticia fatos e deveria relatá-los de forma imparcial, com
objetividade. Numa sociedade que prima por respostas rápidas a tudo, há, nas
tecnologias de ponta, suportes que colaboram com a velocidade da vida. Com o
frenesi por informações, que mesmo superficiais, rápidas, objetivas, as novas
tecnologias informam o leitor acerca do acontece no mundo. Entretanto, a mídia
impressa não se encaixa na rapidez de veiculação que outras mídias possuem,
como o rádio, a televisão, a Internet e as novas tecnologias. Por outro lado, o
processo de produção, circulação e consumo precisa de tempo para se efetivar, em
função da própria característica dessa mídia e, por outro lado, o jornalismo impresso
informa mais do que o fato em si, narrativiza-o, procura esclarecer outros
acontecimentos associados ao fato gerador da notícia, contextualiza, situa o leitor,
resgata histórias
116
. A mídia impressa não se limita a uma descrição. É preciso
relatar o fato, recontá-lo. E para isso tem resgatado códigos identificados no
imaginário cultural que são ressignificados na contemporaneidade. Códigos que
compuseram o folhetim, ao utilizar técnica específica para contar histórias, e que
tanto fascinaram o público-leitor, não pelo conteúdo melodramático, mas pela
estrutura folhetinesca.
116
Sabemos evidentemente que no rádio, na televisão e na Internet, há programas jornalísticos e mesmo
informações na rede que propõem links para se buscar outras informações relacionadas ao fato que gerou a
notícia, mas isso não é regra, pois quem busca notícias nestas mídias quer informações rápidas.
142
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e elas se
perdem quando as histórias não são mais conservadas. Elas se
perdem porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história.
(BENJAMIN, 1987:205)
O jornalista atualmente volta a ser um contador de histórias, coloca-se na
narrativa, relata a experiência do outro, mediada pela sua própria experiência.
A folhetinização da informação, objetivo dessa pesquisa, é o encontro
dessa experiência. Ao mesclar informações e relatos da vida, o jornal resgata da
memória coletiva códigos que foram conservados no imaginário humano. Os dois
casos jornalísticos apresentados neste trabalho permitem estabelecer relações que
comprovam que o jornal é texto da cultura, enquanto tal, informa, produz textos que
geram outros e que estão na memória cultural.
A estrutura folhetinesca que migrou para a fotonovela, a radionovela, para
a telenovela, até mesmo em comerciais, anúncios, que foi marcante no início da
imprensa e o gênero melodramático que do teatro passa para a literatura e está nas
mídias rádio, tv, cinema são elementos enraizados na cultura do homem. O
jornal impresso também não foge a estes paradigmas e recodifica-os. O jornalismo
vale-se principalmente de tragédias, de mortes, de fatalidades, para veicular
verdadeiras ‘novelas’ dos dramas da vida.
144
Considerações finais
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim
Clarice Lispector
O jornalismo enquanto código mestiço apóia-se em outros gêneros para
veicular informações e não se limita a informar com a referencialidade do fato,
proposta pelos “manuais” de redação jornalística. Ao se distanciar deste paradigma,
mescla códigos de tal forma a atrair os leitores que privilegiam a informação pida,
o que as novas tecnologias, de alguma forma, podem oferecer, evidentemente sem
uma profundidade do fato.
O conceito e as funções do texto, propostos poro Lotman, foram o ponto
de partida para buscar algumas respostas. O texto tem como função primeira
informar, comunicar, mas também é gerador de sentidos e é mnemônico. O texto
jornalístico, ao noticiar as tragédias, as fatalidades da vida e até mesmo fatos
políticos como dramas da vida, utilizando elementos do melodramático e elementos
da estrutura folhetinesca, gera novos sentidos, gera o dinamismo da cultura. Essas
estruturas marcaram épocas e ainda hoje fazem sucesso junto à grande massa. O
repertório é conhecido do leitor e possibilita associações e ressignificações. As
narrativas jornalísticas incorporam outros textos da cultura, presentes na memória
coletiva, para veicular informação e conseguem emocionar, sensibilizar o leitor.
Os dois casos analisados aqui, narrativizados pelas mídias,
especificamente pela mídia impressa, são representativos porque o vínculo que teve
com a sociedade, com os leitores foi marcante. Evidentemente teríamos outros
“casos” para comprovar a recorrência de se veicular notícias de forma folhetinizadas
145
por jornais “sérios” como a Folha de S.Paulo. Casos em que não somente a morte é
o tema principal, mas o tempo e a memória são nossos aliados e traidores, fazem
com que se cumpra a relação memória e esquecimento. Esquecemo-nos de alguns
casos para privilegiar outros, esquecemo-nos do tempo presente do trabalho para
vivenciar-mos outros. E assim a mea culpa por priorizar este ou outro texto.
Sabemos que estudos sobre jornalismo pululam nas prateleiras das
bibliotecas, das livrarias. Entretanto, esperamos que nossa reflexão possa contribuir
aos estudos de comunicação. Buscamos na semiótica da cultura caminhos que,
como já o dissemos, amenizassem nossas inquietações e esperamos que os leitores
acrescentem novas respostas a este estudo.
A única conclusão que podemos chegar é a de que nada é definitivo, nem
tudo está pronto na sociedade, na cultura. Tudo é passível de investigação e a
comunhão plena entre pessoas, entre teorias, entre linguagens, os modos de
pensar, identificações, enfim, estão em constante processo. E isso é o que
possibilita sempre a busca de respostas ou de perguntas sem respostas. Não
devemos esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
147
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