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A seguinte citação de Valerie Amos e Pratibha Parmar, duas feministas
negras contemporâneas é bastante reveladora:
As feministas brancas caíram na armadilha de avaliar a experiência
das mulheres negras em oposição à sua própria experiência,
rotulando-a, de algum modo, como de carência, e então procuraram
formas pelas quais fosse possível subordinar a experiência das
mulheres negras à sua própria. [...] Ao rejeitar tais análises, nós
queremos situar a família negra nas experiências históricas do povo
negro – não nas formas românticas idealizadas, populares entre
alguns antropólogos, e não meramente com um instrumento de
análise. Há questões sérias a respeito de quem escreveu esta história
e de que forma a escreveu, questões que têm de ser tratadas antes
que nós, como pessoas negras, usemos essa história com um
elemento adicional de nossa análise. As mulheres negras não podem
simplesmente jogar fora suas experiências de vida em determinados
tipos de organização doméstica: elas querem usar essa experiência
para transformar as relações familiares. [...] Feministas brancas,
tenham cuidado! Suas suposições inquestionáveis e racistas sobre a
família negra, sua abordagem acrítica e desinformada em relação à
“cultura negra” têm raízes profundas e, de fato, influenciam a prática
estatal (AMOS; PARMAR apud WEEKS, 2001, p.60-61).
Já a feminista britânica Avtar Brah faz a seguinte análise:
O feminismo negro escancarou discursos que afirmavam a primazia,
digamos, da classe ou do gênero sobre os demais eixos de
diferenciação, e interrogava as construções de tais significantes
privilegiados enquanto núcleos autônomos unificados. A questão é que
o feminismo negro não só representava um sério desafio aos racismos
centrados na cor, mas sua significação ultrapassa esse desafio. O
sujeito político do feminismo negro descentra o sujeito unitário e
masculinista do discurso eurocêntrico, e também a versão masculinista
do "negro" como cor política, ao mesmo em que perturba seriamente
qualquer noção de "mulher" como categoria unitária. Isso quer dizer
que, embora constituído em torno da problemática da "raça", o
feminismo negro desafia performativamente os limites de sua
constituição (BRAH, 2006, p.357-358).
No Brasil, em termos teóricos, as intelectuais Lélia Gonzáles e Sueli
Carneiro salientam as seguintes especificidades das mulheres negras:
A trajetória das mulheres negras brasileiras espelha toda uma história
feita de resistência e de lutas, em que essa mulher tem sido
protagonista [...] (GONZÁLES apud BAIRROS, 2000, p.57).
As mulheres negras advêm de uma experiência histórica diferenciada,
e o discurso clássico sobre a opressão das mulheres não dá conta da
diferença qualitativa da opressão sofrida pelas mulheres negras e o
efeito que ela teve e ainda tem na identidade das mulheres negras. A
ausência desta compreensão tem determinado que no geral as
conquistas dos movimentos de mulheres tendem a beneficiar as
mulheres brancas como conseqüência da discriminação racial que
pesa sobre as negras. De maneira semelhante, as poucas conquistas
do movimento negro tendem a privilegiar o homem negro como
conseqüência da discriminação sexual que pesa sobre as mulheres
negras (CARNEIRO, 1994, p.192).