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Elvia Helena Iser
A "Lenda Arrepiadora".
Um estudo antropológico da renúncia
a partir da biografia de Antonio Vicente Mendes Maciel
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
Orientador: Prof. Roberto Augusto DaMatta
Rio de Janeiro
Março de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521362/CA
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Elvia Helena Iser
A "Lenda Arrepiadora".
Um estudo antropológico da renúncia
a partir da biografia de Antonio Vicente Mendes Maciel
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo
assinada.
Prof. Roberto Augusto DaMatta
Orientador
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Profa. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof. Valter Sinder
Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio
Prof. Nizar Messari
Coordenador Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 28 de março de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521362/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Elvia Helena Iser
Graduou-se em Ciências Sociais no Departamento de
Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica –
PUC-Rio no ano de 2003.
Ficha Catalográfica
Iser, Elvia Helena
A lenda arrepiadora. Um estudo antropológico da
renúncia a partir da biografia de Antônio Vicente Mendes
Maciel / Elvia Helena Iser ; orientador: Roberto Augusto
DaMatta. – 2008.
77 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2008.
Inclui referências bibliográficas.
1. Sociologia – Teses. 2. Antonio Conselheiro. 3. Lenda
arrepiadora. 4. Renúncia. I. DaMatta, Roberto. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Sociologia e Política. III. Título.
CDD: 301
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Ao meu filho Paulo Roberto Maisonnave.
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Agradecimentos
A elaboração desta dissertação dependeu de muito trabalho solitário. No entanto,
dependeu também da ajuda e do apoio de muitas pessoas sem as quais a tarefa
seria muito mais difícil. Dessa forma, gostaria de registrar aqui os meus
agradecimentos a essas pessoas:
Ao meu orientador Prof. Roberto Augusto DaMatta pela dedicação, compreensão,
paciência e, sobretudo, pela sua sabedoria a qual tive o privilégio de compartilhar.
Aos meus professores de Mestrado que se tornaram além de mestres, amigos que
confiaram em mim.
A meus colegas de Mestrado que me acolheram com muito carinho e que me
deram força em todos os momentos. A todos, minha gratidão por terem me aceito
dentro desse mundo feito de jovens como se eu assim fosse. Em especial,
agradeço às minhas amigas inseparáveis: Erica, Dulci e Carol; a Olívia (minha
companheira de ANPOCS); ao Thiago Thiago pelo bom violão; ao Leo, Diego e
Samara.
Ao meu pai e minha mãe (in memorium) que, se aqui ainda estivessem estariam
cheios de orgulho da “caçula”.
Ao Marcel Mauss, meu felino, minha dádiva que me fez companhia neste trajeto.
As secretárias do Departamento de Sociologia e Política: Ana Roxo, Monica
Barreto e Mercedes De Dios.
E, mais uma vez ao meu filho, que com seu incentivo me fez chegar até aqui.
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Resumo
Iser, Elvia Helena; DaMatta, Roberto Augusto (Orientador). A "Lenda
Arrepiadora". Um estudo antropológico da renúncia a partir da
biografia de Antonio Vicente Mendes Maciel. Rio de Janeiro, 2008.
77p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Sociologia e Política,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A renúncia é tema clássico e, portanto recorrente nos estudos sócio-
antropológicos. O objetivo deste trabalho é mapear as especificidades de um
renunciante modelar brasileiro. O trabalho propõe-se utilizar as duas versões da
biografia de Antonio Vicente Mendes Maciel, aquele que ficou conhecido na
história do conflito de Canudos como "Antonio Conselheiro", ambas transcritas
na obra clássica de Euclides da Cunha, “Os sertões”. Nosso alvo é contrastar as
duas versões no intuito de discutir em detalhe as dimensões sociais e ideológicas
que a sociedade local ressalta para que um dos seus membros seja obrigado a
abandoná-la, transformando-se num ser individualizado: num “indivíduo fora-do-
mundo”. Uma entidade sociológica que, como renunciador, morre socialmente
para sua sociedade, mas renasce numa coletividade marginal e paralela.
Palavras-chave
Antonio Conselheiro, Lenda Arrepiadora, Renúncia
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Abstract
Iser, Elvia Helena; DaMatta, Roberto Augusto (Advisor). The "Lenda
Arrepiadora". A anthropological study of the renounce from
Antonio Vicente Mendes Maciel´s biography. Rio de Janeiro, 2008.
77p. MSc. Dissertation - Departamento de Sociologia e Política,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Renounce is a classical theme and therefore a recurrent subject in social
and anthropological studies. The purpose of this work is to map the specificities
of a Brazilian standard renouncer. The research aims to use two versions of
Antonio Vicente Mendes Maciel´s biography, who became famous in the history
“War of Canudos” (1896-1897) as “Antonio Conselheiro”, both transcribed in
Euclides da Cunha´s classical work, “Os Sertões”. Our purpose is to contrast the
two versions in order to discuss, in details, the social and ideological dimensions
emphasized by local society so that one of his members is obliged to abandon it,
transforming himself in one individualized being: an “out of world” individual. A
sociological entity that, as a renouncer, dies sociologically for it, but establishes a
new marginal and parallel collectivity.
Keywords
Antonio Conselheiro, Lenda Arrepiadora, Renounce.
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Sumário
1. Introdução 10
2. O Brasil à Época 16
3. “Os Sertões”: a visão de Euclides da Cunha 20
3.1. A biografia de Antônio Vicente Mendes Maciel 21
4. “A Lenda Arrepiadora” 30
5. “Renúncia”: de Antônio Vicente Mendes Maciel à “Antonio
Conselheiro”
36
6. A ideologia individualista 47
7. A Reentrada no mundo de Antonio Conselheiro 57
7.1. A Guerra de Canudos: breves considerações 65
8. Conclusões 69
9. Referências Bibliográficas 74
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O homem que renuncia ao mundo coloca-se em posição de compreendê-lo.”
(Paul Valéry, 1947)
“Em 1986 hão de rebanhos mil correr da
praia para o sertão; então o sertão virará praia e a
praia virará sertão”. Há de chover uma grande
chuva de estrelas e aí será o fim do mundo.”
(Profecia atribuída a Antonio Conselheiro)
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1
Introdução
Uma investigação sociológica do tema “renúncia” apresenta um vasto
material que chega dos primórdios da civilização moderna. O sociólogo alemão
Max Weber encontrou os primeiros renunciadores nos “andarilhos gregos”.
Também os encontrou entre os chamados “profetas de Israel”, os profetas éticos
do judaísmo antigo aos quais ele se referia como “os primeiros homens que
haviam logrado se libertar do “jardim mágico” onde toda a religiosidade primitiva
se inseria (Weber,1999).
Em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (2001),
Weber observou que os reformadores protestantes, os chamados puritanos,
adotavam uma conduta de vida baseada no ascetismo, renunciando aos prazeres
mundanos na busca da salvação. Nas suas palavras, “Mesmo no umbral de seu
aparecimento, o ascetismo já revelava sua face de Jano, de um lado, a renúncia ao
mundo, e, de outro, o domínio do mundo em virtude de poderes mágicos obtidos
pela renúncia” (Weber, 1982, p. 229).
Logo, na visão de Weber em “Ensaios de Sociologia” (1982) foram as
primeiras formas de religião, por ele denominadas como “universais” como o
confucionismo, o hinduísmo, o budismo, a cristã, o islamismo, que desde o
começo da civilização constituíram-se em uma matriz de sentido e que
conduziram o indivíduo à renúncia ao mundo em busca da sua salvação. Nesta
busca da salvação, da cura e do sofrimento, o homem recorreu à diferentes formas
de chegar a Deus. O cristianismo bem como as outras religiões foram constituídas
em torno do sofrimento, um sofrimento ambiguamente aceito como benefício,
como um modo de se obter de volta ou de se adquirir uma felicidade futura. A
promessa de salvação oferecida pela religião remetia a uma “outra vida”, que seria
um mundo espiritual pleno e verdadeiro – um mundo ideal. A vida terrena era
considerada como inferior, apenas meio necessário para atingir a plenitude da vida
espiritual. Para essa conquista, o indivíduo devia renunciar aos seus desejos o que
o conduzia ao abandono consciente da família, da comunidade, além de uma
drástica redefinição de sua vida pessoal por meio de uma disciplina de sacrifícios
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e mortificações. Na Igreja, isso surge com os “votos” de castidade, pobreza e
obediência, que obrigam a pessoa a abrir mão de sua individualidade: do prazer,
da sua capacidade reprodutiva biológica e social; de seus interesses políticos,
situando-o fora do seu mundo local.
A renúncia a todos os prazeres e o ideal de abnegação extremada eram
realizadas em prol de uma “verdade” organizada pela religião ou nela inspirada. A
religião, além de seu lado subjetivo, foi capaz de controlar e ao mesmo tempo
libertar o indivíduo, condicionando-o a determinadas condutas esperadas pela
sociedade.
Num trabalho pioneiro e original, o antropólogo francês Louis Dumont
(1992;2000), no estudo comparativo que fez entre a sociedade de castas indiana e
as sociedades ocidentais observou que na Índia, pela renúncia, um homem pode
morrer para o mundo social, escapar à rede de estreita interdependência
hierárquica do regime de casta e se tornar para si mesmo seu próprio fim tal como
ocorre com os cidadãos no mundo Ocidental.
No contexto geral dessas idéias, o propósito deste trabalho é o de estudar o
tema ”renúncia”, mapeando as especificidades e as implicações da experiência de
estar “fora-do-mundo”, ou seja, propõe-se investigar as vicissitudes morais
daquele indivíduo que abandona instituições básicas de uma sociedade como a
família, o Estado, o casamento, a religião, livrando-se de certas obrigações sociais
e assume novos papéis, vendo-se conseqüentemente diante de outros
constrangimentos morais.
Investigar esta temática implica em realizar dois questionamentos centrais,
focando o estudo na sociedade brasileira.
Pergunta-se, então, o seguinte:
Como tipificar sociologicamente os renunciadores?
O que leva (ou obriga) um indivíduo a abdicar dos pilares básicos de uma
sociedade como a família, a sexualidade, a individualidade, a vida profissional, o
poder, etc. ?
Como eixo, propõe-se utilizar a obra de Euclides da Cunha “Os Sertões”
(edição de 1984) utilizando-se da biografia de um renunciante modelar brasileiro,
Antônio Vicente Mendes Maciel, o “Antonio Conselheiro”, protagonista de um
movimento importante no Brasil ocorrido no final do século XIX, a “Guerra de
Canudos” (1896-1897), aceitando a sugestão feita por Roberto DaMatta no seu
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livro “Carnavais, Malandros e Heróis” (1987). A estratégia metodológica que
será adotada é uma análise histórica e sócio-antropológica da genealogia de
Antônio Vicente Mendes Maciel.
Assim sendo, o foco do estudo recai sobre a biografia de Antônio Vicente
Mendes Maciel, a qual é submetida a uma leitura minuciosa e contextualizada.
Isto significa que se pretende compreender o processo que levou Antônio Vicente
Mendes Maciel a se transformar em “Antonio Conselheiro”. Com efeito, o
período formativo de Antônio Vicente Mendes Maciel terá um peso decisivo para
a compreensão deste trabalho.
“Os Sertões”, escrito por Euclides da Cunha em 1902 é certamente uma
referência preciosa. Entretanto, optou-se por introduzir outros poucos autores,
escolhidos por terem presenciado in loco os acontecimentos ocorridos à época em
que viveu Antônio Vicente Mendes Maciel pelo fato de Euclides da Cunha ter
sido enviado à cidade de Canudos já no final da guerra, e como correspondente do
jornal O Estado de São Paulo, com o propósito de escrever uma série de
reportagens e preparar um livro sobre a Guerra de Canudos (1896-1897).
Dessa forma, a narrativa de Euclides da Cunha em “Os Sertões” (1984) se
deu da sua relação com informantes que, no caso mais explícito tratou-se do
coronel e advogado João Brígido dos Santos (1829-1921), amigo de infância e
juventude de Antônio Vicente Mendes Maciel, também morador da cidade de
Quixeramobim, tendo sido também seu colega de escola. Como historiador, João
Brígido dos Santos escreveu o livro “Ceará: homens e fatos”, composto por dois
textos: "Araújos e Macieis" e "Antonio Conselheiro". Na referida obra, escrita em
1898 e republicada em 1999, o historiador dedicou um capítulo à sangrenta luta
havida entre a família Maciel e a família Araújo, justamente na época do
nascimento do nosso herói, Antônio Vicente Mendes Maciel.
Outro informante de Euclides da Cunha foi o capitão Manoel Benício
Fontenelle, correspondente especial do Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro,
que também cobriu como testemunha a Guerra de Canudos. Como correspondente
de guerra, ele escreveu o livro O rei dos jagunços: crônica histórica e de
costumes sertanejos sobre os acontecimentos de Canudos” que foi publicado
inicialmente em 1899 e reeditado em 1997 no centenário da guerra de Canudos.
O historiador José Calasans também se faz importante para este trabalho.
Calasans (1956; 1973; 1950) passou mais de quatro décadas pesquisando sobre o
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tema, e enfocou Canudos sobre os mais diferentes aspectos: a biografia de
Conselheiro, a guerra, a Canudos na poesia popular, a atuação do Exército, o
messianismo e a composição social dos adeptos. Seus livros começaram a ser
publicados na década de 50. Também, o jornalista e membro da Academia
Cearense de Letras, Nertan Macedo (1929-1987) e o sociólogo e historiador
cearense Abelardo Montenegro (1912-1995) foram consultados, entre outros.
Além desses autores, há — obviamente — os informantes anônimos, o "povo do
sertão", os remanescentes da guerra que também forneceram informações para
Euclides da Cunha as quais ele mantinha numa caderneta de anotações. Buscou-se
compreender em cada autor os dados biográficos que pudessem acrescentar maior
número de informações à vida de Antônio Vicente Mendes Maciel.
Obedecendo esta lógica, pode-se afirmar que existem duas biografias de
Antonio Vicente Mendes Maciel: a primeira delas, de natureza puramente
histórica e oficial, presente no corpus estudado; e, uma segunda biografia, a
“ficcional” encontrada em “Os Sertões” (1984), mais especificamente
denominada de “Lenda Arrepiadora”. Percebe-se, assim, a existência de um viés
“ficcional” ou “mitológico” na narrativa de Euclides da Cunha, que atravessa
parte da biografia de Antônio Vicente Mendes Maciel. Porém, não se fará uso do
termo mito em seu sentido trivial de “crença falsa ou imprecisa”. O “mito” que o
povo sertanejo criou e que Euclides da Cunha imortalizou em seu livro, como uma
“Lenda Arrepiadora”, deriva da imaginação popular que, a seu modo, explicita a
temática capaz de dar conta da reviravolta dramática motivadora da saída de
Antônio Vicente Mendes Maciel de sua comunidade, o seu vagar pelos sertões e,
finalmente, o seu surgimento como profeta, renunciante e “conselheiro” que, no
sertão funda uma coletividade de seguidores.
Para investigar a temática explicitada, este trabalho de dissertação encontra-
se organizado em seis capítulos incluindo a Introdução.
No primeiro capítulo, “O Brasil à época”, apresenta-se uma perspectiva
descritiva do lugar dos “sertões” (o norte) e a forma de vida dos sertanejos, em
contraste com o “litoral” (o sul). Ilumina-se, assim, seguindo o viés euclidiano,
como a distância entre estes dois pólos de um mesmo Brasil podem ser tão
diferentes em sua estrutura e organização. O litoral abastado, seguindo modelos
europeus, recheado de modismos e o sertão da miséria, da violência e do
esquecimento. Assim como o lugar da obra euclidiana no Brasil do século XIX
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dentre as transformações surgidas à época, transformações tais, como a passagem
de um sistema monárquico para o regime republicano que chegou ao lado de
idéias provenientes do modelo europeu que, por sua vez moldaram a capital da
República, a cidade do Rio de Janeiro. Neste capítulo se apresentará um viés
histórico, contextualizando a sociedade da época, bem como o autor e a obra.
A visão euclidiana na obra Os Sertões” (1984), no capítulo dois, tem o
propósito de ressaltar a intertextualidade da narrativa, assim como as minúcias
com as quais o autor trabalha com o sertanejo como um tipo social. Da parte
seguinte, o objetivo é discorrer sobre a biografia de Antônio Vicente Mendes
Maciel, de modo mais minucioso, buscando compreender os acidentes de sua
trajetória de vida.
O capítulo três, a “Lenda Arrepiadora”, (Cunha, 1984. p. 111) apresenta-se
no cerne da investigação, à qual propõe-se buscar os motivos que levaram
Antônio Vicente Mendes Maciel a abandonar sua sociedade original e tornar-se
um renunciante, “morrendo” social e psicologicamente para ela e renascendo na
nova comunidade que fundou.
No capítulo seguinte, o quarto, objetiva-se dar conta da passagem de
"Antônio Vicente Mendes Maciel" para “Antonio Conselheiro”, explicitando em
que consiste a “renúncia”; quais as suas características básicas, suas
peculiaridades, como também os constrangimentos morais por que passam o
renunciadores, acompanhando algumas idéias de Roberto DaMatta (1987). Outro
referencial teórico imprescindível encontra-se, reiteramos, na obra de Max Weber
(1982;1999; 2001), assim como na de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1977) na
qual ela trabalha com o tema messianismo. A proposta é também deter-se em
outros exemplos de renunciadores e em suas razões para escolher o caminho da
renúncia.
Para trabalhar a idéia de individualismo serão adotadas as teorias de Louis
Dumont (2000) e Roberto DaMatta (1987). Parte-se daí para a compreensão, da
"ideologia individualista”, no capítulo cinco. O individualismo se torna
importante porque, seguindo as idéias desses autores, é somente à partir de uma
individualização muito forte que o membro de uma cadeia de laços sociais
imperativos, se vê capacitado a abdicar de uma vida em sociedade rompendo com
ela definitivamente. Como assegurou Dumont (2000), o indivíduo que escolhe o
caminho da renúncia deve “bastar-se a si mesmo”.
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Dentro do contexto do “individualismo”, a dialética individuo/pessoa será
embasada teoricamente pelos mesmos autores: Louis Dumont (2000) e, sobretudo,
Roberto DaMatta (1987). Com as idéias de Roberto DaMatta (1987,1999)
percorre-se um vasto campo, colocando ênfase em seu livro “Carnavais,
Malandros e Heróis” no qual faz uma interpretação estrutural da realidade social
brasileira, assim como seu estudo publicado na revista Mana sobre os temas da
“Liminaridade e da Individualidade” (DaMatta, 1999).
Diante dessas possibilidades, embora utilizando-se de poucas entre tantas
vertentes reflexivas que Roberto DaMatta oferece, num primeiro plano dentro
deste capítulo e, utilizando-se de um viés comparativo, o objetivo é fazer
aproximações entre dois tipos renunciadores: “Augusto Matraga”, baseada na
leitura antropológica que fez Roberto DaMatta do personagem do livro de João
Guimarães Rosa (1978) e Antônio Vicente Mendes Maciel, mostrando também a
passagem dos dois personagens da categoria sociológica pessoa para a de
indivíduo, passagem esta que se dá pela experiência da renúncia.
O sexto capítulo tem como objetivo estudar a forma pela qual Antônio
Conselheiro e seus fiéis seguidores construiram sua “nova sociedade”, a cidadela
de Belo Monte, a futura Canudos, como uma sociedade em paralelo ao sistema
social brasileiro, cumprindo, assim, uma nova missão.
A subseção 6.2 se dedicará a traçar algumas breves considerações acerca da
Guerra de Canudos (1896-1897) e finalmente, as principais conclusões deste
trabalho de Dissertação de Mestrado e as Referências Bibliográficas.
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2
O Brasil à Época
O Brasil do século dezenove procurava se inserir no admirável mundo novo
da técnica e do individualismo como valor político e social. Mas, como é sabido,
movia-se com dificuldade, preso por amarras estruturais, enquanto sociedade
saída do regime monárquico, agrário-exportadora e escravista. Era em si própria
uma sociedade "entre" a modernidade anunciada e trazida pelas máquinas e pelo
liberalismo, mas também definitivamente refém do relativo isolamento colonial e
do mundo das hierarquias fixas.
A cidade do Rio de Janeiro, em particular, vivia de forma exacerbada essa
contradição, com o desenvolvimento de uma cultura urbana burguesa e de uma
classe média sustentada por ex-escravos libertos. O Rio de janeiro, sede da nova
República proclamada em 1889 e, como tal, centro político, administrativo,
financeiro e comercial do país republicano, concentrava o Banco do Brasil e a
maior Bolsa de Valores da sociedade, assim como as grandes casas bancárias. O
maior porto do Brasil estava na cidade, e era ele quem dava conta do escoamento
da safra de café, o principal arrecadador de dinheiro para os cofres públicos.
Rodrigues Alves (1902-1906), nos seus quatro anos de governo, remodelou
a cidade numa velocidade vertiginosa, dando voz ao mote cunhado por João do
Rio, o orgulhoso: “O Rio civiliza-se” (in:Carvalho, 1984, p. 141). Mas, foi com
Pereira Passos, prefeito da cidade naquele período, que a regeneração do espaço
público encontrou seu maior militante — o prefeito “bota abaixo” — que aplicou
a inspiração parisiense à arquitetura, alargando a Avenida Central (hoje Avenida
Rio Branco) imitando os boulevard franceses. Iluminada e arborizada, as calçadas
eram um deleite para os transeuntes fazerem o footing.
Uma verdadeira febre de consumo tomou conta da cidade do Rio de Janeiro,
toda ela voltada para a “novidade, a “última moda” que apareciam nas vitrines de
boutiques cuidadosamente selecionadas. O centro da cidade passou a se
caracterizar pelo luxo e pela ostentação. As vestimentas passaram do tradicional,
símbolos da sociedade patriarcal e aristocrática do Império para a moda “chic”. As
mulheres vestiam-se com vestidos longos nas cores escuras, predominando a preta
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e a cinza; usavam luvas e chapéus bem ao estilo belle époque – “época em que
ricos cavalheiros tomavam champanhe nos sapatinhos de cetim das cocottes”
(Scliar, 2003, p. 175) para o desfile diário na Rua do Ouvidor, fizesse frio ou
calor.
Assim, a Rua do Ouvidor e a Avenida Central atuavam como metonímias da
cidade idealizada como centro mediador do que deveria ser a própria identidade
nacional. Guardava características peculiares e foi definida por diferentes autores:
“Ela era o palco dessa conversa fragmentada, desses boatos de “um minuto”,
lugar onde o tempo se acelera, assim como o movimento dos que por ela
circulam” (Sussekind, 1986, p. 87).
O contraste entre o velho e o novo é comentado pelo historiador José Murilo
de Carvalho:
Domesticada politicamente, reduzido seu peso político pela consolidação do
sistema oligárquico de dominação, à cidade pôde ser dado o papel de cartão-
postal da República. Entrou-se de cheio no espírito francês da belle époque (...)
fascinado com a Europa, envergonhando-se do Brasil, em particular do Brasil
pobre e do Brasil negro. (Carvalho, 1984, p.16).
Ao retornar de uma de suas viagens pelo sertão, em 1905, Euclides da
Cunha encontrou a capital da República transfigurada pelas reformas urbanas do
prefeito Pereira Passos. A capital irritava-o, com seu cosmopolitismo postiço e
com a presença ostensiva dos bondes e automóveis, como contava em carta ao
diplomata Domício da Gama: "Há um delírio de automóveis, de carros, de corsos,
de banquetes, de recepções, de conferências, que me perturba — ou que me
atrapalha, no meu ursismo incurável"
1
. O completo estranhamento pelo qual ele
se sentia nas ruas do Rio de Janeiro é também explicado na frase que o crítico
literário Nicolau Svcenko descreve em seu livro “Literatura como Missão”:
“Sinto-me como um grego antigo transviado nas ruas de Bizâncio” (Svcenko,
2003, p.115).
Também a cidade do Rio de Janeiro concentrava o maior mercado de
emprego para os homens de letras. Sua posição de proeminência se consagrou
definitivamente em 1897, com a inauguração da Academia Brasileira de Letras,
1
Fonte: Fundação Euclides da Cunha. Acesso à internet: www.fec.uff.br/
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“erigida às alturas de grande instituição das letras” (Svcenko, 2003, p.117). A
capital concentrava também a Biblioteca Nacional e o Teatro Municipal.
É nesse momento de mudanças históricas e de redefinição do lugar social
também para o escritor que Euclides da Cunha apresenta seu projeto literário, “Os
Sertões” (Cunha, 1984).
Euclides da Cunha ao escrever seu livro tinha em mente o público literário
tradicional, anterior à decadência do gosto e da cultura que acompanhou os
processos de mudança política e social dos fins do século XIX. Persistindo fiel à
antiga tradição literária, mantendo e recuperando a sua linguagem, a sua retórica,
as suas imagens e mesmo ligando-se à nova produção científica, ele se voltava
para um público capaz de definir esse código, ao mesmo tempo que se mantém
informado sobre a ciência contemporânea. O esforço de Euclides da Cunha em
decifrar aspectos fundamentais da nacionalidade brasileira é um atributo literário
de imenso valor. Um outro fator é o da intertextualidade, ou seja, a grande massa
de informações com as quais Euclides da Cunha trabalha no livro, apoiando-se
amplamente nas teorias do seu tempo (Sevcenko, 2003, p.157).
Uma entre tantas referências históricas que Euclides da Cunha empreende
nos “Sertões” (1984) está relacionada com a Antiguidade Clássica fazendo uma
ponte com a modernidade. Isso ocorre através de comparações entre pessoas
(Leônidas – Savaget) e lugares (Canudos – Termópolis). Refere-se, também, em
sua obra, à Idade Média e ao período renascentista.
Para a crítica literária, Walnice Nogueira Galvão, autora da “Edição crítica
de “Os Sertões”, o livro de Euclides da Cunha (1984), “fez por uma insurreição
popular o que nenhum outro foi capaz de fazer, no país: alçou a tragédia
paradigmática, mediante o louvor à coragem do vencido” (Galvão, 1985, p. 114).
Também o ensaísta Roberto Ventura (2003) reporta-se ao “Os Sertões”
dizendo: “A viagem de Euclides como repórter pelo sertão foi um ritual de
iniciação à religiosidade sertaneja e à magia da natureza, em que tentou
compreender aquilo que chamou de “feição primitiva e misteriosa da campanha”.
Em um outro ponto do Brasil, no norte, o “sertão”, esse bem distante da sede
da monarquia estava envolvido com a criação de gado e seus sertanejos, com suas
vestes de couro por causa da densa caatinga viviam no lombo dos cavalos,
conforme descreve o historiador Oliveira Lessa Litrentos. A natureza árida do
solo, os longos períodos de estiagem, a diferença de temperatura entre o dia e a
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noite, tudo levava o sertanejo a ser um povo à parte do resto dos habitantes do
Brasil (Litrentos, 1998, p.59). Para o escritor João Guimarães Rosa (1978), a
caracterização de “sertão” é a de uma área despovoada ou escassamente habitada;
interior ermo, “sem vivalma”, nos confins, “onde se pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador”.
Euclides da Cunha (1984) via o sertão como o mundo da barbárie e do
atraso, espaço incivilizado, local insólito e misterioso, terra longínqua, isolada e
abandonada, habitada por uma “raça mestiça” ou “sub-raça” com predomínio de
tradições e costumes antigos, da força e da violência, sem ordem e progresso,
onde as leis e instituições do Estado nacional não conseguem penetrar e se
afirmar: “É um parêntese, um vácuo, um hiato, um não-lugar” (Cunha, 1984,
p.92).
“Glosado, relido, criticado desde a primeira hora que comparece à cena da
peculiar “modernidade” brasileira, e posto enfim, como narrativa tutelar de vários
“sentires” e “ciências” que se propõem a pensar o que faz o Brasil, Brasil”, na
acepção de Roberto DaMatta
2
, “Os Sertões” (Cunha, 1984), trata-se de uma obra
literária altamente significativa para a literatura brasileira e que cumpriu uma
função social importante. Euclides da Cunha foi um dos pioneiros e mais
marcantes autores a pretender um conhecimento científico e rigoroso da realidade
brasileira que, juntamente comCasa Grande e Senzala” (1968) e “Sobrados e
Mucambos” (2001) de Gilberto Freyre construíram os parâmetros que
antecederam a sociologia dos anos cinqüenta e deles provieram dois modelos
interpretativos que orientariam as reflexões culturais sobre o Brasil: “Os Sertões
como o Brasil do “eterno dilema”, marcado pela descontinuidade e pelo conflito e
o segundo, mostrando o congraçamento autoritário primando pela harmonia e pela
continuidade.
2
Fonte de pesquisa: www.fec.com.br.
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3
“Os Sertões”: a visão de Euclides da Cunha
Já na introdução do seu livro Euclides da Cunha deixa clara as idéias
evolucionistas que lhe orientam a escrita. Referindo-se às sub-raças encontradas
no sertão do Brasil, sentencia: “Retardários hoje, amanhã se extinguirão de todo”.
Engenheiro militar de formação, e, Roberto Ventura (2003) em seu livro
Euclides da Cunha Esboço biográfico”,
1
aborda em diversos momentos fatos
que demonstram uma instabilidade emocional do escritor. Ventura (2003), refere-
se a um jovem Euclides, que fora afastado da Escola Militar por ter tentado
quebrar um sabre aos pés do ministro, em um ato visível de insubordinação.
Euclides da Cunha, então com 22 anos de idade saiu de forma durante a revista,
atirando ao chão o sabre-baioneta, após tentar sem sucesso partí-lo sobre a perna.
Foi internado por dois meses em um hospital e diagnosticado como um quadro de
“insanidade mental”. Livre da internação hospitalar não deixou de mostrar seu
desconforto pela carreira militar (Ventura, 2003).
Foi no positivismo a influência primeira do pensamento de Euclides da
Cunha. Nesse sentido, não seria mero acaso “Os Sertões” (Cunha, 1984)
principiar com duas seções intituladas “A terra” e “O homem”. Mais do que
apenas registrar a Guerra de Canudos, sua tarefa original de jornalista, o autor
propôe realizar um estudo de toda a realidade física e geográfica que a abarcava.
Assim, Euclides da Cunha empreende uma exaustiva descrição geológica,
geográfica e climática do sertão, seguida por uma descrição antropológica do
sertanejo no capítulo “o homem”, na qual examina aspectos diversos da vida
deste, como trabalho, religião e costumes.
O arcabouço teórico empregado por Euclides da Cunha mistura as teorias
raciais surgidas na Europa na metade do século XIX: o espírito científico da época
que unia ao positivismo de Comte o evolucionismo de Darwin e de Spencer. Esta
ciência desafiava os princípios estabelecidos pela religião, e, ao mesmo tempo,
induzia a uma visão pessimista da espécie humana, uma visão em que conceitos
como “tara hereditária” e “degenerescência” figuravam com destaque. Seus
1
Livro de publicação póstuma e não finalizado devido a morte do autor em 2002.
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mestres europeus e brasileiros (como o médico e antropólogo Nina Rodrigues)
consideravam o branco europeu organicamente superior a todos os povos
colonizados. É a partir destas lentes que o autor constrói sua visão de Brasil e,
sobretudo, do povo brasileiro. E, alarmado com o avanço da cultura estrangeira,
lançou seu brado de alerta:
“Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos” (Cunha,
1984, p. 52).
Tal concepção linear da história situa todas as nações numa escala evolutiva
que tem a Europa por referência, e “não no-los separa um mar, separam-no-los
três séculos” (Cunha, 1984, p.138). Assim, é que a civilização, antes de mais
nada, significava uma ordem social construída por e para homens brancos, a raça
superior. Para Euclides da Cunha, os mestiços seriam portadores de uma
constituição mórbida, paranóica e seus seguidores não eram de estirpe melhor:
“gente ínfima e suspeita, avessa ao trabalho, uns vencidos” (Cunha, 1984, p.110).
Assim, na visão euclidiana a mestiçagem enfraquecia o indivíduo e
implicava uma perda de identidade. Via o mestiço do litoral como degenerado e o
sertanejo, retrógrado. No caso do sertão, porém, considerou que só esse mestiço se
adaptaria à região. O autor lança mão desse determinismo geográfico para fazer
entender o sertanejo e a guerra de Canudos, acontecimento importantíssimo
ocorrido no final do século XIX no Brasil. É importante, aqui, a noção de
insulamento e do isolamento: a Serra do Mar para o colonizador ao Sul, assim
como a caatinga para o sertanejo ao Norte, seriam como que “isoladores étnicos e
históricos” (Cunha, 1984, p.91). A diferença é que a última implicou na
estagnação de uma população no sertão e a primeira, no dinamismo das
Bandeiras.
3.1.
A biografia de Antônio Vicente Mendes Maciel
O personagem de “Os Sertões” (1984), Antônio Vicente Mendes Maciel,
nasceu a 13 de março de 1830 em uma pequena cidade do sertão Pernambucano
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22
chamada de Vila de Santo Antonio de Quixeramobim. No seu batistério consta
que era pardo e bastardo. A certidão de batismo indica que:
“Aos vinte e dois de maio de mil oitocentos e trinta batizei e pus os Santos Óleos
nessa matriz de Quixeramobim ao párvaluo Antônio pardo de nascido aos treze de
março do mesmo ano supra, filho natural de Maria Joaquina”
2
. Assino, o Vigário
“Domingos Álvaro Vieira” (Livro de Assentamentos de batizados da Paróquia de
Quixeramobim, Livro 11, fl 221 v.).
O pai de Antônio Vicente Mendes Maciel chamava-se Vicente Mendes
Maciel, e conforme Euclides da Cunha, era “Homem irrascível, mas de excelente
caráter, meio visionário e desconfiado, mas de tanta capacidade que sendo
analfabeto negociava largamente em fazendas, trazendo tudo perfeitamente
contado e medido na memória, sem mesmo ter escrita para os devedores” (Cunha,
1984, p.108).
O historiador Oliveira Lessa Litrentos (1998) fala de Vicente Mendes
Maciel como sendo um homem autoritário, um ex-boiadeiro que enriquecera,
porém dado a rompantes de violência e a reincidentes crises de alcoolismo vivia
então como comerciante de médio porte e construtor de casas na vila natal onde
morava (Litrentos, 1998, p.86).
Os relatos existentes na fausta literatura descrevem seu filho, Antônio
Vicente Mendes Maciel, como um menino tímido e estudioso e de aparência fraca
e pálida. A mãe morreu muito cedo e o pai casou-se em segundas núpcias com
Francisca Maria da Conceição mentalmente desequilibrada e que “veio infernar-
lhe a infância, marcando de maus-tratos aqueles primeiros anos de existência do
menino” (Macedo, 1969). Prossegue o poeta e jornalista cearense, Nertan
Macedo:
"Ao tempo em que conheci esse menino, o pai, já alguns anos havia casado pela
segunda vez e todos o tinham como uma vítima da madrasta, mulher de gênio mau,
que não lhe poupava maus-tratos" (Macedo, 1969, p.121).
A madrasta veio a falecer em 1856 um ano após a morte do pai. Um dos
relatos mais conhecidos de sua infância é feito por João Brígido dos Santos, ao
afirmar que “O jovem Antônio já sofria de desarranjos mentais, que se agravaram
2
Documento encontrado pelo pesquisador cearense Ismael Pordeus e publicado em O Nordeste em
06/07/1949 (Fonte de pesquisa: biblioteca PUC-Rio).
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23
na idade senil, por tantos infortúnios” (Brígido, 1999, p.22). Na visão mais
formalista de Euclides da Cunha, entretanto, sua existência teria sido
aparentemente “corretíssima e calma”, e que, “Sob a disciplina rígida de um pai
de honradez proverbial e ríspido, nunca se insurgiu, pois era um homem religioso,
de decência inigualável” (Cunha, 1984, p.99).
Sua escolaridade incluía as letras, a matemática e também o latim,
mostrando que ao exercer determinadas atividades tratava-se de um homem que
tinha instrução. A intenção do pai era que ele optasse pelo sacerdócio, pois numa
região totalmente desprovida de recursos, a carreira eclesiástica era uma maneira
de tornar-se letrado o que lhe traria prestígio numa sociedade de iletrados. A
educação religiosa levou Antônio Vicente Mendes Maciel a ler livros religiosos
que circulavam no sertão, como “Os Doze Pares de França”
3
, um livro que na
opinião de alguns estudiosos, foi essencial na formação de um imaginário coletivo
no interior do Brasil.
“Não havia sido menino pobre e nem sem instrução. Vicente Mendes Maciel, seu
pai, negociante cearense, era proprietário de uma loja de comércio, tendo sido
construtor de casas na vila natal onde morava. Eis a razão por que o filho era
instruído, acendendo no pai o desejo de vê-lo sacerdote da Igreja Católica.
Possivelmente, o motivo por que se tornou aluno de latim do mais conceituado e
conhecido mestre da cidadezinha onde morava” (Litrentos, 1998, p. 89).
Conforme descreve Euclides da Cunha, quando Antônio Vicente Mendes
Maciel era ainda um adolescente, “um adolescente tímido sem o entusiasmo feliz
dos que seguem as primeiras escalas da vida”, entregou-se “aos misteres de
caixeiro consciencioso, deixando passar e desaparecer vazia a quadra triunfal dos
vinte anos”. Enquanto jovem adulto revelou “abnegação rara para casar as três
irmãs”. Somente depois de as ter casado, procurou, por sua vez “um enlace que
3
A História de Carlos Magno e os Doze Pares de França foi, até poucos anos, o livro mais conhecido do
povo brasileiro do interior. De escassa popularidade nos grandes centros urbanos, mantinha seu domínio nas
fazendas de gado, engenhos de açúcar, residências de praia, sendo, às vezes, o único exemplar impresso
existente em casa. Os “Doze Pares de França” constitui-se na tropa de elite do imperador Carlos Magno da
França e era formada por 12 cavaleiros leais a ele. A expressão "Doze Pares" se dá, pelo fato dos doze
cavaleiros terem extrema semelhança entre si no que diz respeito à força, habilidade com armas e lealdade ao
seu senhor, dai o termo "par".”Os Doze Pares de França” eram guerreiros valorosos e foram igualmente
cognominados Pares de São Sebastião ou Apóstolos de São Sebastião. Sobre a carismática figura de São
Sebastião, santo padroeiro do sertão, repousava a certeza de que ele surgiria à frente de seu maravilhoso
Exército Encantado, do qual faziam parte não apenas anjos, mas todos aqueles que haviam tombado em
combates, a fim de socorrer os rebeldes no momento necessário. Raríssima no sertão seria a casa sem a
História de Carlos Magno, nas velhas edições portuguesas. “Nenhum sertanejo ignorava a façanha dos Pares
ou a importância do imperador de barba florida” (Cascudo, 1953, p.98).
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lhe foi nefasto”, Data daí a sua existência dramática: “A mulher foi a sobrecarga
adicionada à tremenda “tara hereditária” que desequilibraria uma vida iniciado
sob os melhores auspícios” (Cunha, 1984, p.108).
A busca da gênese do personagem Antônio Vicente Mendes Maciel passa
necessariamente pelo exame da origem social de sua família. Como muitas outras
famílias, a de Maciel vivia em uma sociedade cuja esfera pública se entrelaçava
com a esfera privada. Além disso, a estrutura familiar era também um recurso
fundamental de prestígio, proteção e subsistência econômica. As necessidades
materiais, fruto destes laços de interdependência, são permeadas por formas de
status, determinados por lealdade absoluta e intransferível que pode redundar em
violência. A fidelidade à “casa” pode ser demonstrada de várias formas: uma
delas, a encontrada na obrigação de retribuir a violência, quando ocorrem por
ofensas pessoais aos membros do grupo. Tais obrigações podem ser a origem de
ciclos marcados por grandes massacres.
Se não fosse pelo seu filho, a história de Vicente Mendes Maciel seria
apenas mais uma entre as diversas histórias de lutas de clãs familiares que
sangraram o Brasil desde o início de sua história. A família Maciel faz parte dessa
realidade:
“Os Maciéis, que formavam, nos sertões entre Quixeramobim e Tamboril, uma
família numerosa de homens validos, ágeis e inteligentes e bravos vivendo de
vaqueirice e pequena criação, viveram pela lei fatal dos tempos, a fazer parte dos
grandes fatos criminais do Ceará, em uma guerra de famílias. Seus êmulos eram os
Araújos, que formavam uma família rica, filiada a outras mais antigas do norte da
província. Viviam na mesma região, tendo como sede principal a povoação de Boa
Viagem” (Cunha, 1984, p. 104).
Não escapando dessa lógica de conflito, a família Maciel tinha como
inimigo os Araújos que, devido ao seu poder, não “permitiam que outros lhes
avantajassem” (Montenegro, 1954, p.111). Apesar dos Maciéis não serem tão
poderosos quanto os Araújos, eles mantinham seu orgulho clânico e não
aceitavam o domínio de outros. O historiador baiano Manuel Benício (1997)
observa que a riqueza monetária e material não é o grande gerador de status no
universo social do sertanejo nordestino. Afirma ele: “O sertanejo só admira e quer
bem ao que é forte, ao que assusta. A riqueza não o é para ele o predicado para ser
respeitado, o talento, na significação em que empregam esta palavra (força física),
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e a valentia são qualidades mais admiráveis” (Benício, 1997, p.43).
Vítimas de uma “acusação descabida” de roubos perpetrados pelos Maciéis
em propriedades da família Araújo, os primeiros passam a ser perseguidos pelos
últimos. A família Araújo via o seu poder lesado uma vez que os Maciéis “lhes
balançavam a influência, sem a justificativa de vastos latifúndios e boiadas
grandes” (Cunha, 1984, p.105).
Euclides da Cunha esboça uma análise política da contenda, afirmando que a
luta entre essas famílias foi uma das mais sangrentas dos sertões do Ceará. São
dele, as apreciações que os Araújos eram “criadores opulentos, senhores de baraço
e cutelo, vezados a fazer justiça por si mesmos, concertaram em dar exemplar
castigo aos delinqüentes” indo ao encontro dos Maciés em expedição criminosa.
Mas voltaram derrotados. A família Maciel havia reunido todos os parentes,
“rapazes desempenados e têmeros” para o confronto que lhes rogara êxito na luta.
O episódio foi assim descrito por Euclides da Cunha:
“Foi das lutas mais sangrentas dos sertões do Ceará a que se travou entre estes
dois grupos de homens desiguais na fortuna e posição oficial, ambos embravecidos
na prática das violências, e numerosas” (Cunha, 1984, p. 104).
Inconformados com a derrota frente aos Maciéis, os Araújos, em uma
segunda empreitada, agora em maior número e cercados pela “matula turbulenta”
de parentes, partiram para um novo confronto e embora em maior número
temeram uma nova resistência dos Maciéis e propuseram, então, que esses se
entregassem, garantindo-lhes, “sob palavra”, a vida. Os Maciéis aceitaram
renderem-se, porém, a “palavra” não foi cumprida: na estrada até a cadeia de
Sobral foram presos e trucidados logo no primeiro dia de viagem. Morreram, entre
outros, o chefe da família, Antônio Mendes Maciel e um avô do então menino de
três anos de idade, Antônio Vicente Mendes Maciel (Cunha, 1984, p.105). Mas,
os Araújos deixaram escapar um dos mais perigosos membros da família Maciel,
um tio deste, chamado Miguel Carlos que foi seguido na fuga por uma de suas
irmãs, Helena Maciel, a “Nêmesis
4
da família”. Miguel Carlos, porém, foi
assassinado logo em seguida pelo chefe do bando dos Araújos, Manuel de Araújo.
4
Nêmesis, conforme Mario da Gama Kury (1999) era, na mitologia grega, a personificação da
justiça divina, castigando inexoravelmente a presunção humana em suas demonstrações de
demasia e arrogância. É significativo o seu epípeto “Adrastéia” que quer dizer “Inevitável”.
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Conforme Euclides da Cunha (1984), Helena Maciel, “saiu correndo em fúria ao
lugar do conflito, pisou a pés a cara do matador de seu irmão, dizendo-se satisfeita
da perda dele pelo fim que dera ao seu inimigo!” (Cunha, 1984, p.107). Passado
algum tempo dessa “luta sertaneja” um dos Araújos contratou casamento com a
filha de um rico criador da região e, “no dia das núpcias, já perto da igreja,
tombou varado por uma bala, entre o alarma dos convivas e o desespero da noiva
desditosa:”
“Velava, inextinguivelmente, a vingança do sertanejo...” (Cunha, 1984, p.106).
Esse ciclo de vendetta entre as famílias foi obviamente relevante no
comportamento de Antônio Vicente Mendes Maciel. Tanto a família Maciel
quanto seus descendentes, estavam enquadrados em uma ordem social cujo
código de conflito era o da vingança. Seja porque, como diz Roberto DaMatta
(1987) analisando a vingança como instituição social, num primeiro momento,
estava “totalmente submersa na estrutura de exploração do mundo rural
nordestino” seja porque, essas famílias se mantinham num fechado circuito de
“reciprocidade que é a linha mestra deste tecido social”, buscando sempre aquela
“contraprestação moral” em que consiste a vingança realizada” (DaMatta, 1987,
p.324).
Desta forma, como sugeriu Roberto DaMatta (1987), pode-se vislumbrar
nessas “lutas de famílias” uma reciprocidade maussiana, fundada na lógica no
“dar-receber-retribuir” tal como foi demonstrado por Marcel Mauss no seu
clássico “Ensaio sobre a dádiva”. Um dos pontos centrais abordados na teoria de
Mauss (1964) diz respeito a tensão entre a obrigatoriedade e espontaneidade no
universo das trocas.
As motivações que fazem dos atos de vingança uma obrigação inevitável,
conferindo-lhes um valor positivo e aceito com naturalidade em um determinado
meio, constitui especialmente, um ethos que estrutura a convivência dos
indivíduos neste meio. A honra no sertão geralmente é lavada com sangue, atitude
esta justificada mediante o respeito que parte da força, da palavra e da tradição. A
essas alturas, é importante notar que Euclides da Cunha toma a vingança não
como uma instituição social, mas dentro de uma perspectiva reducionista e
darwiniana, ele a interpreta como um fenômeno de caráter natural, fisiológico e
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hereditário:
“Lutas de famílias – é uma variante apenas de tantas outras, que ali nos sertões
surgem intermináveis, comprometendo as próprias descendências que esposam as
desavenças dos avós, criando uma quase predisposição fisiológica e tornando
hereditária os rancores e as vinganças” (Cunha, 1984, p.104).
Com efeito, as contendas no sertão nordestino alimentam atitudes de
vingança por um crime de sangue parental derramado. Frente a este
comportamento, o direito, sendo encarnado em elos sociais, está sempre do lado
que sofre a ofensa e, com isso, o ciclo recomeça.
“A vingança, apresentando a pessoa na frente do indivíduo, ou melhor,
encapsulando o desejo individual na vontade coletiva e legitimando-a através do
plano moral, permite o confronto, circunscreve pessoalmente a violência, dá
margem ao alívio localizado nas tensões, mantendo – e esse é o ponto central – o
sistema de posições sociais”. (DaMatta, 1987, p.332).
Na instalação do dever da vingança observa-se a forte tradição beligerante e
familiar, a incontestável hegemonia dos laços de sangue, assim como a
dificuldade e a fragilidade do estabelecimento de forças estatais, de viés mais
igualitário, cívico e redistributivo, de controle e repressão. Dentro destas
condições, uma mera ofensa pessoal, um mal-entendido, ou, no caso aqui
estudado, “pretensos roubos cometidos pelos Maciéis em propriedades dos
Araújos” funcionam como estopins que desencadeiam nos “clãs” envolvidos uma
verdadeira guerra privada (Cunha, 1984, p.102).
Walnice Nogueira Galvão (1974) ao analisar a condição jagunça do sertão
brasileiro afirma que, “destituído de formas organizatórias e institucionais e que
regulamentem suas relações com os demais homens, os conflitos, por mínimos
que sejam, só podem ser resolvidos mediante a violência. O exercício privado e
organizado da violência é, ao longo da história brasileira, uma instituição e não
uma exceção” (Galvão, 1974, p.17).
A forma de lidar com as demandas e as repressões do sistema consiste em
adotar formas de rejeitar a ordem social. Isso acontece quando o indivíduo realiza
atos de tal ordem negativos que se vê obrigado a abandonar a sociedade, vivendo
à margem desta. Tal reação se concretiza de dois modos: um deles, feito com o
auxilio da violência, típica dos jagunços e dos valentes como modo de ser. A
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outra, compreende que a rejeição pode ser colocada em prática através do
caminho da renúncia. Porque a renúncia é, de fato, um modo total de rejeição. O
renunciador é aquele que decide não mais voltar à ordem social original.
Desse modo, duas formas de vingança são encontradas: uma mais próxima
do ethos sertanejo e, uma outra em que o indivíduo renúncia ao sistema como uma
saída pessoal, intransferível e subjetiva. Essa saída do sistema pode configurar-se
pela existência de uma situação grave. Pode ser representada por uma doença
incurável, uma perda material ou física ou uma traição. O renunciador encontra-
se, assim, relativamente livre das regras prescritivas que caracterizam um grupo
social e sua estratégia é partir para um mundo à parte onde seu modo de vida é
que deverá ser obedecido. Mas além desse ciclo de violência e vingança, a vida
adulta de Antônio Vicente Mendes Maciel é marcada por outra grande
transformação. É que, com a morte do pai, ele é obrigado a assumir as atividades
comerciais. E, assumindo-as, ser forçado a se defrontar com um primeiro fracasso.
Como afirma o sociólogo e historiador cearense Abelardo Montenegro (1954),
“Antônio não tinha vocação para o comércio – os negócios não aumentavam e as
dívidas cresciam tendo de dar em hipoteca a casa onde morava” (Montenegro,
1954, p. 116). Em poucos anos vive em diversas vilas e povoados e adota diversas
profissões. Seria possível equacionar esse período, ao momento liminar dos ritos
de passagem, quando Antônio Vicente Mendes Maciel, como que vagueia no
mundo profissional, assumindo os mais diversos papéis profissionais, antes de ter
assumido o seu papel final de renunciante. No ano de 1857, agora com vinte e sete
anos de idade, Antônio Vicente Mendes Maciel contraiu matrimônio com uma
prima chamada Brasilina Laurentina de Lima, esta, então com 17 anos e que lhe
deu dois filhos. Conforme Montenegro (1954), o casamento foi instável e esta
instabilidade deveu-se ao fato de que a mulher era analfabeta e sem caráter:
“Brasilina, analfabeta e possuidora de qualidades negativas de inteligência e
caráter” (Montenegro, 1954, p.116).
Dois anos depois de terem se casado, mudam-se para a cidade de Ipu e
Antônio Vicente Mendes Maciel passa a trabalhar como requerente no fórum da
cidade. Nota-se já em tudo isto um crescendo para profissões menos trabalhosas,
exigindo cada vez menos a constância do esforço, “o contínuo despear-se da
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disciplina primitiva e a tendência acentuada para a atividade mais irrequieta”
(Cunha, 1984, p.108). Um exemplo característico, portanto, de uma mão-de-obra
instável, rotativa, flutuante, tendente à desclassificação profissional e em estado
de trânsito permanente. Parece se tratar de um elemento constituinte de sua lógica
e de sua figura a falta de vontade de se estabelecer, de se fixar, de criar raízes e,
principalmente, de ascender na hierarquia social.
Para João Brígido (1999), o “narrador conscencioso” como o denominou
Euclides da Cunha (Cunha,1984, p.110), este era de opinião que fora nesta
cidadezinha chamada Ipu que Antônio Vicente Mendes Maciel perdeu de vez a
razão, devido a um sargento do exército ter fugido com sua mulher Brasilina
Laurentina:
“No Ipu, coube-lhe o opróbrio, que lhe transtornou a razão. O sargento João da
Matta, comandante de um destacamento de dez praças de 1a. linha lhe raptou a
mulher, a qual acabou esmolando em Sobral” (Brígido, 1999, p.67).
Conforme observa Macedo (1969), Brasilina era realmente uma esposa
adúltera: descreve o autor:
“Brasilina, a prazenteira, ignora completamente o que se passa na alma daquele
marido inquito e torturado de melancolia. Está amando às escondidas, um furriel.
Deita-se com seu sargento em horas quentes de amor, aproveitando a ausência de
Antônio Vicente. É cálida e impetuosa. Pouco se lhe dá que o aventurado se torne
corno. E continua amorosa, tenra, nos braços do furriel de Ipu, enquanto os filhos
choromingam e se enlameiam pelos cantos do quintal” (Macedo, 1969, p.121).
A investigação feita até aqui acerca da biografia de Antônio Vicente Mendes
Maciel remete a um conteúdo histórico, porém, deixando clara a idéia que existem
duas biografias do personagem euclidiano, ambas consideradas como “reais”. A
primeira delas, esta que foi explorada neste capítulo e que está presente no corpus
estudado, e uma outra, cuja centralidade constitui-se no que Euclides da Cunha
denominou de a “Lenda Arrepiadora” (Cunha, 1984, p.111).
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“A Lenda Arrepiadora”
A partir da traição da mulher, Antônio Vicente Mendes Maciel começa a
passar por outra grande transformação. Agora, tornar-se-ia “lenda”. O pressuposto
básico é que o imbricamento entre mito e realidade passa, com força, a pautar a
existência desse personagem, o que, conforme Euclides da Cunha, é comprovado
pela “imaginação popular (...) começa a romancear-lhe a vida, com um traço
vigoroso de originalidade trágica” (Cunha, 1984, p. 111).
Em outras palavras, Euclides da Cunha, em seu constructo da narrativa da
“Lenda Arrepiadora”, valeu-se tanto do contexto histórico como também das
informações contadas pelos sertanejos da região, esses, que a seu modo,
superdimensionaram o fato histórico relativo a traição da mulher de Antônio
Vicente Mendes Maciel originando, assim, a “lenda”, esta que corria de “boca em
boca” no lugarejo.
Contava o povo sertanejo, ser Antônio Vicente Mendes Maciel um
assassino: “Diziam-no assassino da esposa e da própria mãe” (Cunha, 1984,
p.111). Essa idéia é crucial para um entendimento sociológico mais profundo dos
motivos de uma renúncia do mundo: o povo sertanejo, ao criar a “lenda” em torno
da tragédia ocorrida na vida de Antônio Vicente Mendes Maciel, ao personificá-la
e, dessa forma, dando-lhe “realidade”, legitimaram Antônio Vicente Mendes
Maciel como “profeta”, “conselheiro”, líder messiânico” e protagonista da
Guerra de Canudos, no qual ele se transformou após sua renúncia.
Num sentido preciso, a “lenda” resulta numa tentativa de legitimação
histórica, pois ela pretende ser a história sem na verdade ser; ou melhor, sendo
uma narrativa exagerada e extraordinária de certos eventos, na qual se salienta a
desproporção e o excesso. Essa história lendária pode ser retrospectiva, como
informa Lévi-Strauss (1976), fundando uma ordem tradicional num passado
longínquo, ou prospectiva, para fazer do passado o começo de um futuro que se
inicia. Conforme ressalta o filósofo Mircea Eliade (2000), sendo o mito a
personificação de coisas ou de acontecimentos, ele expressa o supratemporal e
permanente que valem para todos os tempos. A formação dos mitos obedece a
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uma necessidade cultural, isto é, os mitos são também pressupostos ou axiomas
culturais. Tudo o que o mito nomeia e tudo que é nomeado passa, então, a ser
“real” – passa a dispor de uma identidade (Eliade, 2000, p. 76). Tanto Claude
Lévi-Strauss (1976) quanto Mircea Eliade (2000), cada qual a seu modo, chamam
a atenção para o aspecto fundacional, estrutural, universal, permanente e sobre-
humano do mito nas sociedades humanas.
Com efeito, Antônio Vicente Mendes Maciel passa por uma experiência
limite daquilo que seria humano na região na qual vive. Algo que vai além do fato
histórico ou dos relatos tanto “reais” quanto ficcionais. Assim, sua vida junta-se à
valorização do invisível, visto como realidade objetiva, e a predominância da
imaginação popular como realidade de poder cognitivo. É, portanto dentro dessa
chave, um viés ficcional que se filiará para chegar ao cerne da pesquisa, ou seja,
dar conta da “saída do mundo” de Antônio Vicente Mendes Maciel. Reproduzindo
ipsi literi o que Euclides da Cunha imortalizou denominando de a “Lenda
Arrepiadora”:
“Era uma lenda arrepiadora:
Contavam que, a mãe, desadorando a nora, imaginava perdê-lo. Revelara,
por isso, ao filho, que era traído; e como este, surpreso, lhe exigisse provas do
delito, propôs apresentá-la sem tardança. Aconselhou-o que fantasiasse qualquer
viagem, permanecendo, porém, nos arredores, porque veria, a noite, invadir-lhe o
lar o sedutor que a desonrara. Aceito o alvitre, o infeliz cavalgando e afastando-se
cerca de meia légua, torceu depois de rédeas, tornando furtivamente, por
desfreqüentados desvios, para uma espera adrede escolhida, onde pudesse
observar bem e agir de pronto. Ali quedou longas horas, até lobrigar, de fato, noite
velha, um vulto aproximou-se da sua vivenda. Viu-o chegar cautelosamente a
galgar uma das janelas. E não lhe deu tempo para entrar. Abateu-o com um tiro.
Penetrou em seguida, de um salto, no lar e fulminou com outra descarga a esposa
infiel, adormecida. Voltou, depois, para reconhecer o homem que matara... E viu
com horror que era sua própria mãe, que se disfarçara daquele modo para a
consecução do plano diabólico”.
Prossegue Euclides da Cunha:
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“Fugira, então, na mesma hora, apavorado, doudo, abandonando tudo, ao acaso,
pelos sertões em fora... (Cunha, 1984, p.111)
A moldura da narrativa mostra que, entre os fatores de importância
incontestável, está o plano diabólico que fora engendrado pela mãe de Antônio
Vicente Mendes Maciel em armar a cena de adultério, levando-o a involuntária a
assassinar as duas: a si própria, a autora maldita do trágico episódio que passa a
ser descoberta como uma anti-mãe, e a esposa adúltera. Mas, a pergunta que se faz
é o que teria levado a mãe a armar a cena para que o filho flagrasse sua mulher
com outro homem? Porque, “desadorando a nora, tinha medo de perder o filho”,
como diz Euclides da Cunha. (Cunha, 1984, p.111).
O que fica flagrante e arrepia na “lenda” é o fato da mãe, que ao armar a tal
cena de adultério, explicita seu grande desejo de ficar com o próprio filho sem
reparti-lo com outra mulher. Assim, o ponto que “arrepia” é que o desejo de ficar
com o filho vem da própria mãe e não do filho com a mãe, como aquela
configurada no que o psicanalista alemão Sigmund Freud (1969) chamou de
“Complexo de Édipo”
1
. Ou seja, é a mãe que, maldosamente, engendra toda a
armação para que o filho flagrasse a mulher com outro homem e cujas
conseqüências resultaram num crime hediondo e inclassificável.
Nota-se, neste episódio, uma mudança na posição social da mãe de Antônio
Vicente Mendes Maciel. Essa mudança apresenta-se de uma maneira altamente
dramática: a mãe, a “matriarca”, traveste-se: numa atitude engenhosa, disfarça-se
de homem usando trajes de agente policial, os mesmos usados pelo sargento João
da Matta, o amante de sua nora Brasilina; deita-se na cama do casal ao lado dela,
armando, dessa forma, a “cena perfeita” de adultério, a qual acabou, como conta a
“lenda”, num duplo assassinato. Diante deste comportamento, a mãe mostrou ser
possuidora de um caráter autoritário e despótico em relação ao filho. Ao utilizar-
se aqui do termo “matriarca”, que, no âmbito dos estudos antropológicos indica
para uma figura de mulher e mãe que assume uma posição dominante exaltada e,
mais do que isso, castradora em relação aos filhos – muito mais com os filhos
homens do que na relação com as filhas, pode definir o que levou essa mãe, no
meio rural sertanejo, a não querer perder o filho para outra mulher.
1
Freud baseou-se na tragédia de Sófocles “Édipo Rei”, chamando de Complexo de Édipo à
preferência velada do filho pela mãe. Na peça (e na mitologia grega), Édipo matou seu pai Laio e
desposou a própria mãe, Jocasta. Após descobrir que Jocasta era sua mãe, Édipo fura os seus
olhos e Jocasta comete o suicídio.
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É importante notar que o revés trágico que desnorteou a vida de Antônio
Vicente Mendes Maciel, levando-o à loucura, “doudo, abandonando tudo ao
acaso” (Cunha, 1984, p.111), não se tratou simplesmente de um crime passional
— foi muito mais que isso: o que marca a situação e a torna ainda mais dramática
é justamente o fato de que, ao assassinar a própria mãe, tal ato configura-se como
uma ofensa impensável e não justificada, sobretudo numa sociedade como a
brasileira, onde a família e os laços entre mãe e filho são considerados sagrados,
comparáveis mesmo com os elos maternais de Maria com seu filho Jesus.
Pensando a sociedade brasileira, Roberto DaMatta (1997), coloca a família
como a constitutiva do grupo social primeiro, onde se forjam razão e sentimento,
se nutrem afetos e se desenham modelos, projetos e papéis sociais que irão
engendrar o futuro. Nessa direção, em um diálogo com a dicotomia a “casa e a
rua” (DaMatta,1997), a abordagem do autor recai na importância da casa como
base da constituição do ser social brasileiro. A casa é tratada como mais do que
um espaço geográfico ou coisas comensuráveis. Ela é também uma entidade
moral, uma esfera da ação social, províncias de positividade e domínios culturais
institucionalizados, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas
e imagens. A casa também representa o lugar no qual os seus membros se
definem como indivíduos integrantes de um agrupamento social, “um referencial
de pertencimento”. Por isso, a casa também é uma referência permanente para
seus membros, pois se constitui em um bem simbólico coletivo, isto é, uma matriz
simbólica na qual nasce a coletividade familiar. O meio familiar é como que um
campo de provas onde se prepara o indivíduo para os embates da vida social. É o
lugar onde são erguidas as identidades e também são traçados os laços das
solidariedades (DaMatta, 1997).
É dentro desse espaço familiar que se pode observar uma intensidade no
relacionamento entre mãe e filho que resulta em boas doses de determinação e
drama. Ambos possuem um vínculo muito forte que transita por uma ampla gama
de sentimentos e experiências que envolvem identificação, mas também ciúme,
autonomia e possessividade. Há de se notar que o relacionamento entre mãe e
filho parecer encerrar no mundo ocidental uma lógica de comprometimento
mútuo, de cumplicidade, e — acima de tudo — de um paradigmático
desprendimento, paralelo a generosidade e ao altruísmo.
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A família “moderna” é considerada mais como uma família plural e aberta.
Os relacionamentos afetivos, a amizade e a relação estabelecida entre pais e filhos
passam a ser compreendidos por uma nova ótica, pensados a partir das intensas
mudanças ocorridas nos últimos decênios, como a globalização, a derrubada de
barreiras culturais e econômicas, etc., mudanças que redirecionam a chamada
célula-máter da sociedade. Diante das modificações introduzidas pela
modernidade, também a capacidade de ser “mãe” no sentido afetuoso, angelical,
virtuoso vê-se prejudicada por esta “nova” sociedade que a requisita como força
de trabalho, trazendo-lhe preocupações e incertezas que ultrapassam o âmbito
doméstico, inserindo-a numa subjetividade que cultua o individualismo, o sucesso
profissional, dificultando o exercício de sua função maternal.
Retornando à “lenda”, um outro aspecto importante deve ser ressaltado: é
que os fatos nela narrados, para além de serem de extrema crueldade,
correspondem a papéis e comportamentos de uma moral condenada socialmente.
Na visão determinista e racista de Euclides da Cunha, tais comportamentos seriam
indícios de patologias como a “degenerência” e “tara hereditária”, características
estas atribuídas à mestiçagem as quais resultariam inevitavelmente em
desequilíbrio mental. Tais expressões expressavam uma verdade científica,
partindo do conceito de “degenerência”, teoria que havia sido sistematizada pelo
francês Benedict Morel, no seu livro “Tratado das Degenerências”, de 1857.
Ademais, Euclides da Cunha não estava sozinho nessas considerações.
Também o médico e antropólogo Nina Rodrigues, baseado em tais teorias,
dedicou-se a formular regras para a avaliação de indivíduos considerados
mentalmente doentes; decidir quanto à sua imputabilidade penal e,
principalmente, a sugerir meios preventivos para evitar a loucura e o crime.
Diante dos fatos e comentando a “lenda” Euclides da Cunha denomina como
“uma queda formidável” o revés trágico que aconteceu na vida de Antônio
Vicente Mendes Maciel:
“O plano inclinado daquela vida em declive termina, de golpe, em queda
formidável (...) foi o desfecho. Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso
dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não sabiam o nome: o abrigo da
absoluta obscuridade” (Cunha, 1984, p. 109).
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Como resultado das experiências trágicas vivenciadas por Antônio Vicente
Mendes Maciel, tornou-se necessária uma ruptura com o mundo social no qual
vivia, e, diante do sofrimento, da vergonha pela traição da mulher e da maldade da
mãe, vê-se diante de uma saída de “mão única” ou seja, a de abandonar a sua
sociedade original como um todo, “morrendo” sociologicamente para ela.
Agora deve-se passar para um estudo mais detalhado do processo de
“renúncia”. Para tanto, o objetivo do próximo capítulo será o de analisar o tema,
enfatizando suas características, assim como os constrangimentos morais por que
passam os tipos que adotam esse modelo de vida. Isso será demonstrado através
da passagem de Antônio Vicente Mendes Maciel para Antonio Conselheiro,
passagem essa que se dá pelo “duro caminho da renúncia” e como observa
Roberto DaMatta, “uma passagem para os extratos mais baixos da sociedade, uma
“saída” da ordem, mas na direção das terras de ninguém” do sistema social
(DaMatta, 1987, p. 322).
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“Renúncia”: de Antônio Vicente Mendes Maciel à “Antonio
Conselheiro”
“Morrera por assim dizer“ (Trecho de “Os Sertões”: 1984, p.109 em que o autor
refere-se a transformação de Antônio Vicente Mendes Maciel em Antonio
Conselheiro).
Sobre o renunciador, observou Roberto DaMatta em seu livro “Carnavais,
Malandros e Heróis” (1987):
“O renunciador é aquele que, por uma obra do destino, decide sair da ordem por
um motivo trágico — uma doença incurável, uma traição, perda de bens materiais.
Ele muda sua direção deste para outro mundo através da renúncia, tornando-se
um “indivíduo-fora-do-mundo” (DaMatta,1987, p.270).
A transformação de Antônio Vicente Mendes Maciel em Antonio
Conselheiro, ou seja, a manifestação plena e acabada de sua renúncia, foi
percebida e anunciada na epígrafe reveladora de Euclides da Cunha: “Morrera
por assim dizer” (Cunha, 1984, pg.109). Ela leva à um olhar atento para o ensaio
euclidiano, pois mostra que o autor intui a “morte social” do seu personagem.
Morte que se transforma em ressurreição quando, numa outra fase de sua
trajetória, ele vai fundar um mundo paralelo construído a partir de sua
individualização, conforme sugere Roberto DaMatta, quando diz que:
“Para o renunciante, a vida extramundana relativiza muitos axiomas da vida
social: a sexualidade é dessacralizada, o prazer e o bem-estar pessoal são
sacrificados em nome de um estoicismo fulgurante, o axioma da amizade é
substituído por agendas muito fortes como o uso de emblemas individuais, a troca
de nomes, etc. A reclusão engendra um nicho no qual todos os elos diários perdem
a força, deixando vir à tona a vivência do isolamento e da solidão. Mas esse peso
da experiência do renunciante pode ser sublimado e legitimado como “missão” ou
“nova mensagem” (DaMatta, 1999).
Foi, portanto, após a desgraça, a desonra, a vergonha e a dor, dada o revés
trágico que mapeou sua biografia, que Antônio Vicente Mendes Maciel deixa seu
passado de caos e a tragédia pessoal para trás e assim “morre” social e
psicologicamente para o mundo. Ao abandoná-lo, vê-se obrigado a abrir mão dos
amigos, dos filhos que tivera com Brasilina, assim como o filho com Joana
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Imaginária, estes, seus bens maiores. Porque, com a renúncia, estão rompidos os
elos com o mundo social original e, desvinculado dela, ele passa a viver uma vida
ascética — um estilo de existência na qual são refreados os prazeres mundanos e a
renúncia ao prazer com o objetivo de atingir fins esprituais: “Uma vida ascética
inclui o celibato, o jejum, a mortificação, abnegação, penitência, ou mesmo
encontrar sua paz interior” (Inwwod, 2006, p. 123). Conforme reitera Max Weber
(1999), uma vida ascética deve “desprezar o desfrute da riqueza; as associações
mundanas e racionais; a violência entre o indivíduo contra os outros, “por paixão
ou sede de vingança”, como também deve desprezar o desfrute pessoal do poder
mundano” (Weber, 1999, p.365).
Dessa forma, ao renunciar à sua sociedade, as relações rotineiras são
esquecidas, seu papel como cidadão, trabalhador, contribuinte e membro de uma
comunidade civil deixam de existir. Não há mais a velha complementaridade com
o mundo social, e novos espaços sociais são inventados. Do mesmo modo, a
renúncia leva o indivíduo a despir-se de sua identidade e dos seus “acessórios”
que o incluíam antes na sua sociedade original.
Por tratar-se de uma instituição social que transcende a sociedade rotineira e
visível, a renúncia ao mundo permite também a plena independência de quem
escolhe esse caminho. Dessa forma, o abrigo da absoluta obscuridade procurada
por Antônio Vicente Mendes Maciel pode ser vista na sua pluralidade de faces,
esta que já ficava evidenciada pelos diferentes nomes que adotou. Nota-se que os
nomes adotados abandonam o nome de família, este que se traduz, no sistema
social brasileiro, como o reconhecimento pleno da pessoa. Uma outra
característica a ser observada é que os nomes adotados por Antônio Vicente
Mendes Maciel configuram-se como nomes que representam a plena imitação de
nome de santos, como “Antonio Conselheiro”, o santo, “conselheiro de todos”,
“Bom Jesus Conselheiro”, nome da primeira igreja reerguida na comunidade de
Belo Monte, assim como “Santo Antonio Aparecido”, seu santo fervoroso e
padroeiro de Belo Monte. Conforme observa Roberto DaMatta (1987), “a troca de
nomes expressa a passagem do anonimato à notoriedade como também, a
igualdade e o individualismo. O nome escolhido pelo renunciador, como forma de
permanecer invisível perante a sua sociedade original, revela-se em nomes que
tem expressão e que denotem serem nomes fortes; são nomes que marcam uma
posição na nova missão para a qual se propõe exercer” (DaMatta, 1987, p.320).
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Dentro dessa lógica, Antônio Vicente Mendes Maciel assume outra
identidade: agora é somente o “Antonio”, nome santo e o “Conselheiro”, o
conselheiro de todos. A alcunha de “conselheiro”, pode ser compreendida na
forma como o povo sertanejo definiu Antonio Conselheiro:
Espelhavam-na a admiração intensa e o respeito absoluto que o tornaram em
pouco tempo árbitro incondicional de todas as divergências ou brigas, conselheiro
predileto em todas as decisões (Cunha, 1984, p.109).
Portanto, é nessa mudança radical de posição social, que o agora “Antonio
Conselheiro”, um renunciante, pode reinterpretar e relativizar a sociedade antes
inclusa e abrir novos espaços sociais e, como asseverou Louis Dumont, “O
homem que busca a verdade última abandona a vida social e suas restrições para
consagrar-se ao seu progresso e destino próprios” (Dumont, 2000, p.37).
A partir de sua renúncia ele pode ser visto como algo sobrenatural, nu de
corpo e alma. Dentro dessa lógica, Antonio Conselheiro inicia uma vida errante,
sem um olhar para o passado e para o mundo que ele havia construído seguindo
solitário em direção à região do Crato, no interior do sertão do Ceará
permanecendo por ali invisível por cerca de dez anos, macerando-se ao sol da
caatinga: “Com pouco mais de trinta anos, aparentava ser um velho” (Cunha,
1984). Não é de estranhar que, ao passar por diversas cidadelas era logo rodeado
por gente simples que o viam como um ser “mal assombrado”, mas, ao mesmo
tempo, essa gente lhe lograva prestígio e respeito “agravando-lhe, talvez, o
temperamento delirante” (Cunha, 1984, p. 109). O povo que o acompanhava eram
beatas, gente pobre, escravos e jagunços fazendo um coro de ladainhas. Descreve,
assim, Euclides da Cunha a maneira como pregava improvisando palanques para
que fosse escutado por todos:
“Ele ali subia e pregava, afirmam testemunhas existentes. Era assombroso, afirma
testemunhas existentes. Uma oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos
truncados das Horas Marianas, desconexa, abstrusa, agravada, às vezes, pela
ousadia extrema das citações latinas; transcorrendo em frases sacudidas; misto
inextricável e confuso de conselhos dogmáticos, preceitos vulgares da moral cristã
e de profecias esdrúxulas (...) Ninguém ousava contemplá-lo. A multidão
sucumbida abaixava, por sua vez, as vistas, fascinada, sob o estranho hipnotismo
daquela insânia formidável”. Era traunesco e era pavoroso. Imagine-se um bufão
arrebatado numa visão do Aqpocalipse” (Cunha, 1984, p.110).
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As prédicas de Antônio Conselheiro calavam fundo na alma do povo
oprimido e explorado. Em uma visita ao Ceará, encontrou o amigo de infância
João Brígido (1999), e declarou: "vou para onde me chamam os mal aventurados".
Consolidava-se o mito em torno da sua figura, e o séqüito que o acompanhava nas
andanças pelo sertão nordestino era cada vez maior.
Durante os “dez anos de penitência” andando pelos sertões afora, “no passo
tardo de um peregrino”, andara sem rumo certo, jejuando e dormindo à beira dos
caminhos como “numa penitência demorada e rude”. “Não tinha dores
desconhecidas. Anestesiara-se com a própria dor” (Cunha, 1984, p. 112). Vivia de
esmolas, aceitando somente o necessário para o sustento de cada dia. Quando
Antonio Conselheiro ressurge na capital da Bahia para responder as acusações de
matricida e uxoricida, uma acusação pela “lenda” de ter assassinado a própria mãe
e a esposa adúltera, e da qual fora inocentado, as notícias que corriam de “boca
em boca” no sertão davam conta de um Antonio Conselheiro em estado lastimoso,
maltrapilho e cadavérico. Já adotara o hábito azul e um regime ascético, não
comendo carne, jejuando e dormindo no chão. Descreve, assim, a figura
inconfundível que Euclides da Cunha imortalizou:
“... e surgia na Bahia o anacoreta sombrio; cabelos crescidos até os ombros,
barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de
um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão, em que se apóia
o passo tardo dos peregrinos” (Cunha, 1984, p.113).
Euclides da Cunha chama a atenção em sua narrativa para diferentes
particularidades na vida de Antonio Conselheiro após sua ”morte social”. Uma
delas, por exemplo, é a passagem citada acima, que descreve a forma como
Antonio Conselheiro retornara à capital da Bahia para responder aquele chamado
de prisão. Esta passagem é reveladora da solidão que a renúncia engendra, sendo o
corpo então mais um lócus onde a vida “fora do mundo” do renunciador fica bem
evidenciada:
“Ali, a sua fisionomia estranha: face morta, rígida como uma máscara, sem olhar
e sem risos; pálpebras descidas dentro de órbitas profundas; e o seu entrajar
singularíssimo; e o seu aspecto repugnante, de desenterrado, dentro do camisolão
comprido, feito uma mortalha preta; e os longos cabelos corredios e poentos
caindo pelos ombros, emaranhando-se nos pêlos duros da barba descuidada, que
descia até a cintura – aferroram a curiosidade geral” (Cunha, 1984, p.112).
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Como se vê, as recorrências expressivas presentes nesta passagem e outras
que se examinou em “Os Sertões” (1984), Antonio Conselheiro, na leitura
euclidiana é submetido a um processo desqualificador e até mesmo aterrorizador
que, na visão do autor é visto como o produto do encontro dos “erros de dois mil
anos” com o “obscurantismo das três raças” (Cunha, 1984, p. 116).
Outro ponto a ser destacado após a sua renúncia, remete à sua sexualidade.
Cabe lembrar que Antônio Vicente Mendes Maciel casou-se, teve dois filhos e
“foi pai de um terceiro menino, que tomou o nome de Joaquim Aprígio fruto da
união com uma escultora de imagens de santos, conhecida por Joana Imaginária”
(Montenegro, 1954, p.114). Este episódio mostra o símbolo maior de poder sexual
e de reprodução. Dessa forma, sua “morte social” ficou nesse plano duplamente
configurada: o terror pelas mulheres que o expulsa dos prazeres sexuais e
conseqüentemente a impossibilidade de uma reconstrução familiar.
Traído pela mulher, envergonhado com o flagrante de adultério que sua
própria mãe armara, o que culminou num duplo assassinato, ele nunca mais quis
ver uma mulher. Fugia delas, esquivando-se fitá-las e nenhum de seus atos
durante toda a sua peregrinação dera “motivo a comentários maliciosos” (Benício,
1997, p.162). O mesmo autor descreve a vida de Antonio Conselheiro em
Canudos: “Dentro do santuário meditava (...). A vida anacoreta dentro do
santuário da velha igreja tornou-o mais sóbrio e sombrio. Ele é um monacus e
assim, entra na seqüência dos famosos monges do deserto da Antiguidade cristã
no Egito, na Síria...”. Na página 114 de “Os Sertões” Euclides da Cunha diz:
“O frígio pregava-a, talvez como o cearense, pelos ressaibos remanentes das
desditas conjugais. (...) a beleza era-lhes a face tentadora de Satã. O Conselheiro
extremou-se mesmo ao mostrar por ela invencível horror. Nunca mais olhou para
uma mulher. Falava de costas, mesmo às beatas velhas, feitas para amansarem
sátiros (Cunha, 1984, p.114).
Ivana Bentes
1
recolheu um depoimento de uma mulher, D. Júlia, na região
de Canudos, alusivo a esse episódio:
"O Conselheiro não gostava muito de mulher porque foi enganado pela própria
mãe que se vestiu de homem pra provar que a esposa dele era fácil. Mulher com o
1
Pesquisadora e doutorada pela UERJ em Comunicação e Cultura.
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Conselheiro era de cabeça baixa e longe. Os homens na frente e as beatas tudo
atrás".
Roberto DaMatta, dentre as diversas reflexões que faz em seu livro
“Carnavais, Malandros e Heróis” (1987) lança um olhar em direção das
peculiaridades do tipo renunciador brasileiro, especificamente o nordestino que,
ao renunciar as coisas do mundo vai na busca de uma “nova missão” e cujo
paradigma normalmente passa a ser Cristo posto que Ele também renunciou. E,
não há dúvida que Antonio Conselheiro atualizou o paradigma de Cristo, tendo
vivido sua agonia, renúncia e glória. Num sentido preciso, ele segue as
observações de DaMatta, quando ele remarca que:
“O renunciador abandona totalmente sua sociedade e na sua grande maioria, ele
segue na busca da santidade. Essa aproximação com os santos que o renunciador
busca se dá através da renúncia ao alimento, da sexualidade, da mortificação e,
desta forma ele passa a viver solitariamente destinando seu tempo às rezas”
(Damatta, 1987, p.267).
Ilumina-se, assim, que a vida dos renunciadores no Ocidente seguem a
mesma estrada dos santos, esta, a estrada seguida também por Antonio
Conselheiro. Daí ele seguir a fórmula indicada por Roberto DaMatta:
“Seus instrumentos de relação com o mundo passam a ser as rezas – ele caminha e
reza procurando a terra da promissão onde os homens finalmente poderão realizar
seus ideais de justiça e paz social (...) eles estão voltados para outro mundo”
(DaMatta, 1987, p.265).
Diante dessa premissa, explica-se a necessidade que a pessoa comum, mais
especificamente, no caso aqui estudado, o de Antonio Conselheiro, de buscar na
religião a sua salvação. Ao renunciar ao seu passado ele passa a viver uma vida de
humildade, de abnegação e de pobreza quebrando conceitos maiores. Foi assim
que fez Cristo em sua renúncia ao mundo.
O historiador irlandês Peter Brown (1990), em seu livro “Corpo e
Sociedade: o homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo”,
empreende uma análise sobre o importante período da consolidação da
mentalidade cristã na transição da era pagã à era cristã. Seu foco gira em torno das
discussões, na chamada Igreja Primitiva, da sexualidade e da espiritualidade ou
seja, a continência sexual, os jejuns, peregrinações, messianismo, celibato e
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virgindade. Conforme diz Brown (1990), desde os primórdios da Cristandade que
os ideais de humildade, virgindade e castidade em louvor do Reino de Deus foram
motivo de admiração. Essa escolha era feita por fiéis de ambos os sexos que
abraçaram uma vida de renúncia como plena imitação de Cristo e que, para além
dos votos referidos, praticavam a oração e a mortificação paralelamente com
obras de misericórdia. A aspiração pela pureza religiosa, já no século IV era
perseguida pelos chamados “homens do deserto”, os anacoretas ascetas, os
“renunciadores cristãos” que se afastavam das cidades em direção ao deserto. Lá
faziam celas escavadas nas depressões das dunas até atingirem água salobra.
Pretendiam assim que suas habitações fossem túmulos, onde o religioso estaria
“morto” para o mundo. Um dos principais objetivos destes ascetas era afastarem-
se das mulheres e principalmente do desejo sexual. (Brown, 1990, p. 96).
As fraquezas humanas eram combatidas com uma disciplina muito rigorosa.
Em tempos de perseguições o ideal era representado pela morte por Cristo, com o
martírio. Depois, do século V, procurava-se outra morte: a renúncia ao mundo e a
solidão no deserto. A vida eremita constituiu por muitos anos o refúgio preferido
por eles. Inicialmente eram autônomos como os primeiros pioneiros do oeste
americano, depois se tornaram organizados por uma regra ascética, que fixava
tempos de jejum e oração na vida parcialmente comunitária, que mitigava a rígida
separação de seus semelhantes. (Brown, 1990, p.187).
A pobreza voluntária, na Idade Média foi também um mecanismo de
renúncia à ordem social. Esse tipo de “pobre” era aquele que podia dizer não e
escapar à ordem social estabelecida. Ao adotar a pobreza, a pessoa torna-se um
renunciante das coisas do mundo através de um conjunto extremado de votos que
o tornavam parte de uma “ordem religiosa” – o “voto de pobreza”.
Um exemplo modelar de renúncia voluntária pela pobreza encontra-se na
vida de São Francisco de Assis (1181-1232), um dos mais cultuados pela Igreja
Católica na tipologia santoral. Nascido na Itália e filho de pais abastados foi
criado em um ambiente de luxo e vaidade. Seu pai, um rico comerciante de
tecidos, sonhava fazê-lo homem de negócios, porém renunciou à toda espécie de
luxo e riqueza, como um exemplo de ruptura com a ordem estabelecida. Iniciou
uma vida de absoluta pobreza cujo modelo ideal era representado pela pobreza de
Cristo. Comparava-se à Ele vestindo apenas roupas simples e por vezes,
completamente nu. Entendia que a pobreza deveria ser levada até os limites da
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necessidade numa versão de pobreza tão radical que ela simbolizava, na acepção
do antropólogo Victor Turner “a ausência literal da propriedade”. (Turner, 1974,
p. 176).
Malcolm D. Lambert, em “Franciscan poverty” (1961, in: Turner, 1974,
p.177) faz uma descrição importante da noção de absoluta pobreza de São
Francisco de Assis:
“A figura principal no espírito de S.Francisco... é a imagem do Cristo nu... A
nudez era um símbolo de grande importância para S.Francisco. Usava-o para
marcar o começo e o fim de sua vida convertida. Quando quis repudiar os bens de
seu pai e entrar para a religião, ele o fez despindo-se e ficando nu no palácio dos
bispos em Assis. No fim da vida, quando morria em Porciúncula, obrigou seus
companheiros a despi-lo, a fim de que pudesse enfrentar a morte sem roupas, no
chão da cabana... Quando dormia, era sobre a terra nua... Por duas vezes, preferiu
abandonar a mesa dos frades e sentar-se na terra para comer sua refeição,
impelido em cada uma dessas ocasiões, pelo pensamento de pobreza de Cristo”.
O pressuposto básico, tomando-se a noção da absoluta pobreza de São
Francisco de Assis, é que ele constituiu-se como um sinal de comportamento
liminar. Ao tomar a concepção de Turner (1974) sobre liminaridade como uma
condição espiritual permanente, pode-se encontrar um espaço para um
personagem que socialmente não se encaixa em um papel específico. Assim, a
vida de total pobreza de São Francisco de Assis pode ser enquadrada nesse
contexto. Segundo Turner (1974), os atributos de São Francisco de Assis que o
aproximam do sujeito da liminaridade espiritual seriam o seu comportamento
humilde e bondoso; seu sentimento com relação à humanidade; o descuido pela
aparência pessoal, o levar ao máximo as atitudes religiosas, a suspensão dos
direitos e das obrigações de parentesco, aliada a "poderes sobrenaturais" como
ouvir Deus, sonhar com acontecimentos futuros e ter pressentimentos.
Victor Turner (1974), ao propor que a sociedade seja analisada enquanto
processo ritual indica que a vida social é feita por processos de homogeneização e
diferenciação, dinamizados por passagens de uma situação baixa para outra mais
alta. Sendo que a qualidade diferenciadora que permite a passagem diz respeito
aos atributos adquiridos em situações liminares, a exemplo dos “ritos de
passagem”, pois eles são feitos de experiência iniciática, aprendizagens que levam
o “neófito” ao reconhecimento de dependência em relação à fonte de poder
sagrado, dando-lhe a experiência de humildade e de ausência de modelo de
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diferenciação social, naquele tipo de sentimento de integração com o todo,
propiciado pela communitas.
Dentro do contexto de "communitas", (Turner, 1974), ao fundar uma ordem
de mendicância, São Francisco de Assis identifica-se com o que ele chamou de
communitas existencial” dada a sua condição de extrema pobreza, a mesma
pobreza imposta aos participantes da ordem por ele fundada numa tentativa de
enunciar claramente as condições sociais ótimas nas quais seria importante
esperar de seus participantes que a sua communitas se multiplicasse e se
organizasse em um sistema social duradouro.
Outro modelo de renúncia voluntária pela pobreza é encontrada em Santo
Antão, o “Santo da Renúncia”, ou Santo Antonio, o santo de devoção de Antonio
Conselheiro na sua vida de renúncia. Nascido no século III, no Alto Egito, de rica
família cristã, após precoce orfandade, distribuiu seus bens entre os pobres e
estabeleceu-se no deserto, jejuando, autoflagelando-se, para vencer seus inimigos.
René Fulöp-Müller (1948), mostra o conflito básico na vida de Santo Antonio: sua
vida constitui-se em um conflito eternamente que não pode ser evitado por quem
quer que lute por obedecer ao chamado de sua natureza mais elevada: a luta entre
a tentação carnal e a espiritual. Ao participar de um ato litúrgico ouviu as palavras
de Jesus: “Vai vender tudo que tens, distribui o dinheiro aos pobres e terás um
tesouro duradouro no céu; então vem e segue-me!”. O jovem atende ao chamado
divino, vende sua herança e doa tudo para os pobres e coloca sua única irmã em
um asilo, renunciando ao mundo e, assim, inicia sua vida de renúncia em uma
total privação pela pobreza.
Contudo, não se pode esquecer aqui o lado feminino de renúncia e
abnegação total pela pobreza: trata-se das “Irmãs Carmelitas Descalças”. A
“Ordem das Carmelitas Descalças” é uma Ordem da Igreja Católica Apostólica
Romana que nasceu por volta do século XI no Monte Carmelo na Palestina
construído pela Santa Teresa D'Ávila. Entre os princípios das “irmãs” carmelitas
está a simplicidade: a expressão descalça, significava “vida rude e pobre”, nos
termos da época. Assim, Santa Teresa D’Ávila, ao desejar que a ordem voltasse
ao rigor primitivo, ou seja, a uma vida de mais oração, de pobreza, desapego e
simplicidade, estava querendo despi-las de qualquer forma de vaidade. As monjas
que aderiam aos movimentos reformistas ditos “descalços”, o faziam para
demonstrar seu desejo por uma vida de maior pobreza, sobriedade e sacrifício.
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Geralmente passavam a usar hábitos mais rudes, feitos de panos grosseiros,
ásperos e pobres e, andavam descalças, visto que sapatos, naquela época, eram
tidos como “objetos de luxo”, símbolos de uma vã vaidade.
Enclausuradas e mergulhadas em profundo silêncio contemplativo, às “irmãs
carmelitas descalças” não era permitido deixar o convento, somente em casos
especiais e as visitas à família eram proibidas Os familiares podiam vê-las uma
vez por mês, mas com o passar dos anos este contato tendia a se tornar escasso.
Deveriam ser capazes de viver na solidão e estarem abertas à intimidade com
Cristo, buscando na oração e na mortificação, como participação ativa em sua
paixão redentora.
No Brasil, dentre os tipos renunciadores que se evidenciaram, o mais
conhecido do povo está Chico Xavier, um renunciador modelar cujos percalços
biográficos nunca permitiram que construísse ou optasse por uma história
individual: ele viveu sua vida no cumprimento de uma missão programada, no
eixo cristão do sacrifício e da doação ao outro. Chico Xavier é freqüentemente
representado como o "homem coração", o que demonstra uma renúncia à
individualidade material ou à fixação de laços e compromissos numa rede de
relações de amizade ou de parentesco. Nesse sentido propõe-se que o modelo
mítico atualizado em sua biografia busca realizar uma síntese entre os paradigmas
culturais que Roberto DaMatta (1987) denominou de "renunciante" e de
"caxias"
2
: dificilmente uma vida reuniu numa única pessoa a renúncia e a
adequação resignada às normas de disciplina no mundo secular.
Também os padres, com sua vida votiva de castidade (renúncia à reprodução
e ao prazer físico), de pobreza (renúncia às glorias deste mundo) e de obediência
(renúncia à própria individualidade com seus espaços internos), podem ser vistos
como fazendo parte da gama de renunciadores, porém estão enquadrados e
legitimados pela a própria Igreja Católica Romana em sua ideologia institucional
(DaMatta, 1987, p.268).
No Brasil, tem-se o exemplo do padre Cícero Romão Batista, (1844-1934) -
contemporâneo de Antonio Conselheiro – chamado de o “Meu Padrinho”, o
“Padim Cíço” pelos seus adeptos. Nascido na região do Crato no interior do
2
Na análise sociológica feita por Roberto DaMatta em seu livro “Carnavais, Malandros e
Heróis” (1987), o autor identifica três tipos paradigmáticas presente na sociedade brasileira,
sendo um deles o “caxias”. Na análise dammatiana, o “caxias” é aquele personagem que vive
dentro da ordem e que obedece uma hierarquia.
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Ceará, com doze anos de idade fez o voto de castidade, influenciado pela leitura
da vida de São Francisco de Assis como ele próprio afirma no seu testamento. Em
1889, ocorreu a primeira manifestação dos poderes milagrosos a ele atribuídos,
quando a hóstia colocada na boca de uma beata se transformou em sangue.
Quando recém-ordenado, instalou-se em Juazeiro e lá encontrou “um antro
de ladrões de cavalos, ébrios e desordeiros, amancebados, habitando na rua”.
(Queiroz, 1977, p. 254). Durante quase vinte anos, Padre Cícero dedicou-se à
recuperação do povo daquela região, catequizando-os.
“Sua existência era quase nômade; maltratado, a batina com remendos, cabelo e
barbas crescidos, apoiado a um cajado, andava em peregrinação de sitio em sítio,
de casa em casa, em constantes missões, pregando, apaziguando brigas,
organizando terços, novenas e procissões, procurando remediar o abando em que
vivia aquele povo” (Montenegro, 1959, p.50).
Alcançou renome de padre dedicadíssimo, conselheiro e protetor dos
inválidos. Recusava receber pagamentos pelas cerimônias religiosas – outro sinal
de quem realmente renunciara aos bens materiais do mundo. Sua castidade, num
meio em que era normal vigários e capelões formarem famílias numerosas,
aumentavam o respeito que lhe era dedicado. Promoveu a melhoria do povoado
atraindo para o local que criara no interior do Ceará, centenas e milhares de
romeiros, tornando, assim, Juazeiro um dos mais importantes centros citadinos do
Estado. (Queiroz, 1977, p. 254).
Um outro lado a ser pensado no indivíduo renunciador é que ele também
abre possibilidades para caminhos novos, caminhos de criação como o fizeram
pintores famosos como Gauguin, este que rejeitou o “mundo das luzes” e foi
realizar sua obra maior, solitário, desprovido de qualquer elemento constitutivo de
valores, tanto material quando físico em uma ilha paradisíaca e lá permaneceu.
Thomas Mann (1980) foi capaz de mostrar através de sua obra, que a renúncia ao
mundo é fonte de criação, e não a sua morte. O problema da renúncia do mundo
não é sinônimo de apatia diria Nietzsche, ou de contemplação.
Iluminou-se neste capítulo diferentes formas de experimentar uma vida de
renúncia. Ela, por vezes, engendra fases, horas, momentos, aos quais o indivíduo
pode sequer se dar conta que está renunciando a alguma coisa por uma outra
coisa. É uma catarse que se delineia sem que, em muitos momentos, o indivíduo
não se dá conta que precisa, opta ou mesmo vê-se obrigado a renunciar.
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A ideologia individualista
Seguindo Roberto DaMatta, (1987, 1999) a renúncia engendra uma forte
individualização. No sistema social brasileiro o ato de individualizar-se pode ser o
equivalente a renúncia, pois somente uma individualização plena pode levar o
renunciante ao ato. Dessa forma, individualizar significa, antes de tudo,
desvincular-se dos segmentos tradicionais, como a casa, a família, o eixo das
relações pessoais como meios de ligação com a totalidade. O ponto central,
obedecendo esta lógica, é que Antônio Vicente Mendes Maciel “individualizou-
se” ao abandonar sua sociedade.
E, como asseverou Dumont (2000), como renunciador, “bastou-se a si
mesmo”:
“O renunciante basta-se a si mesmo, só se preocupa consigo mesmo. O
pensamento dele é semelhante ao do indivíduo moderno, mas com uma diferença
essencial: nós vivemos no mundo social, ele vive fora deste (...) um indivíduo-fora-
do-mundo. O renunciante pode viver como eremita solitário ou juntar-se a um
grupo de colegas de renúncia, sob a autoridade de um mestre-renunciante,
representando uma determinada disciplina de libertação” (Dumont, 2000, p.38).
A palavra individualismo abrange várias idéias, doutrinas e atitudes cujo
fator comum é a atribuição de centralidade ao “indivíduo” e significa a dissolução
dos laços sociais, o abandono, pelos indivíduos, de suas obrigações e
compromissos sociais. O individualismo seria uma ideologia central da civilização
ocidental, mas que é projetada em outras sociedades e culturas como um dado
universal da experiência humana.
“A individualidade é a experiência fundamental de “estar-fora-do-mundo” e,
portanto, livre de obrigações sociais imperativas e rotineiras, presente nos papéis
que assumem os profetas, líder messiânicos, do xamã (...) do bandido social, dos
santos, dos peregrinos, dos mártires e, em parte dos malandros” (DaMatta, 1999).
Na perspectiva de DaMatta (1999), foi somente na civilização ocidental que
a experiência do indivíduo isolado do grupo passou a ser uma instituição central e
normativa. No Brasil, portanto, o indivíduo não é somente uma parte essencial do
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mundo, mas é também um ser dotado de uma independência e de uma autonomia
que não tem paralelo em nenhuma outra sociedade.
Talvez a maior influência sobre o uso da palavra individualismo tenha sido a
de Aléxis de Tocqueville (1999) tomando o individualismo como uma categoria-
chave para compreender os valores da sociedade americana. Para Tocqueville
(1999), o individualismo trata-se de “uma nova expressão nascida a partir de uma
nova idéia [...], um sentimento deliberado e pacífico que dispõe cada cidadão a se
isolar de seus companheiros e a se apartar com sua família e amigos”
abandonando a sociedade mais ampla”, primeiro minando “as virtudes da vida
pública”, em seguida atacando e destruindo todas as outras, acabando por ser
“absorvido por um puro egoísmo”. Em muitas definições psicológicas, o termo
“individualismo” equivale a egoísmo, indicando uma total independência interna
do indivíduo em relação às outras pessoas ou às instituições. (Tocqueville, 1999,
p.97).
Como sugere Max Weber em “A Ética Protestante e o espírito do
Capitalismo” (2001), “hoje, uma análise dos conceitos de individualidade e
individualismo, rigorosa e histórica, seria altamente valiosa para a ciência”. A
afirmação de Weber continua verdadeira. Trata-se, porém, de um caso em que é
impossível o rigor desejado por ele. Pode-se, no entanto, observar um pouco mais
de perto o processo histórico do qual emergiu o individualismo moderno. Com
efeito, a questão que surge em um primeiro momento é se o “individualismo” é
um fenômeno moderno – quer dizer, renascentista ou pós-renascentista – e
característico do mundo ocidental. Ou seria ele um fenômeno mais abrangente,
capaz de manifestar-se em diferentes épocas e lugares?
Na civilização antiga, o individualismo não era essencialmente um termo
psicológico, era fundamentalmente e ainda o é, uma especificação social, quando
as pessoas são conscientemente individualistas, vê-se diante de um sinal de que o
conceito é familiar e arraigado em sua sociedade (Vernant, 2000, p. 97).
Quando chegou à Inglaterra na década de 30 (1830), a palavra
“individualismo” era dislogística – tinha um sentido desagradável e hostil: punha
o indivíduo em oposição implícita à solidariedade humana, vista de um ângulo
estritamente coletivista ou grupal dos fenômenos sociais, econômicos ou
religiosos. Esse sentido hostil do individualismo teria sito criado e adotado no
período da Revolução Francesa. Para alguns pensadores as estruturas
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individualistas foram estabelecidas na Europa Ocidental entre os séculos X e XII
de nossa era. Mas, esse ponto de vista viu-se rejeitado por Louis Dumont
(1992;2000) “Individualismo” e “Hierarquia” tornaram termos consagrados na
antropologia a partir de um estudo comparativo que fez, entre a ideologia holista
da Índia e o igualitarismo ocidental. A idéia chave de sua obra está na perspectiva
comparativa e nela está a originalidade de seu enfoque de uma ideologia moderna.
A instituição da renúncia e as práticas ascéticas trazem para um primeiro
plano a figura do “renunciante” indiano. O argumento exposto por Dumont (2000)
estabelece uma correlação entre o problema das origens do individualismo e a
figura do asceta indiano, o qual ele denominou de “indivíduo-fora-do-mundo”.
Para ele, o renunciante, de um modo geral, não apenas “basta-se a si mesmo”,
como também só se preocupa consigo mesmo. Nesse sentido, fez uma
aproximação entre o pensamento do renunciante indiano e o do indivíduo
moderno, porém marcando uma diferença fundamental: enquanto o indivíduo
moderno se encontra inserido nas relações sociais, o asceta indiano estaria fora
deste mundo de relações instituídas, mas não de forma absoluta. O mesmo autor
descreve como a grande maioria das pessoas participa e aceita a densa malha de
coerções que partem de uma família extensa, da casta e da religião, de modo a
serem reconhecidas como renunciadores, os “indivíduos fora-do-mundo”.
(Dumont, 2000, p.38).
Os argumentos de Dumont (2000) vão além, quando observa que tanto o
indivíduo tipicamente ocidental como o renunciante indiano, seriam seres sociais
a serem definidos pelo seu caráter “extramundano”. Ao comparar esses dois tipos,
observa que existe no indivíduo ocidental, assim como no renunciante indiano a
figura de um “eu” (self) social, e que este “eu” não se constitui na relação com os
demais seres sociais, mas numa relação que é interior e está acima desta: ambos se
definem por sua relação direta com a divindade, um grande “Outro” que constitui
este “eu” antes mesmo de ele fazer realmente parte de alguma relação social.
“O homem nascido do ensinamento de Cristo [...] é um indivíduo em “relação-
com-Deus”, o que significa, para nosso uso, um indivíduo essencialmente fora-do-
mundo [...]”. Ou seja, a constituição do indivíduo se dá na sua relação com Deus
sendo, portanto, um indivíduo formado por um laço “extramundano” (Dumont,
2000, p.42).
Max Weber (2001) mostrou como a ética protestante foi essencial para
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colocar a religião em todos os lugares e transformar o “indivíduo-fora-do-mundo”
em uma entidade deste mundo, dada que, com a Reforma Protestante,
especialmente com Calvino, um ethos mais individualista se fez perceber na
atitude do puritano. Weber (2001) observou que as idéias e os dogmas teológicos
eram marcados por uma conduta de vida baseada no ascetismo. É dele a idéia que
“o asceta que rejeita o mundo tem para com o “mundo” a relação íntima negativa
de uma luta incessante e por isso, “é mais adequado falar de “rejeição do mundo”
e não de “fuga do mundo”, a qual caracteriza mais o místico contemplativo”
(Weber, 1999, p.366). Dessa forma, é próprio do ascetismo a “rejeição do mundo”
como faz o puritano, que rejeita a vida mundana e dedica-se arduamente ao
trabalho e a organização racional visando à salvação, enquanto que o renunciador
vive igualmente uma vida ascética, porém o ponto distintivo é que o renunciador
passa a não fazer mais parte da sociedade e de sua organização.
“Nas sociedades que fizeram sua “reforma protestante”, os mediadores entre o
universo social e o individual foram destruídos (cf. Weber, 1982). No mundo
protestante, desenvolveu-se uma ética do trabalho e do corpo, propondo-se uma
união igualitária entre corpo e alma. Já nos sistemas católicos, como o brasileiro,
a alma continua superior ao corpo e a pessoa é mais importante que o indivíduo”
(DaMatta, 1987, p.230).
Para ilustrar o processo de individualização recorre-se aos estudos da
existência de uma distinção entre as categorias indivíduo e pessoa (Dumont,
2000). A pessoa, própria das sociedades chamadas holistas é concebida como
aquele ser preso à totalidade social e não está necessariamente vinculado a ela.
Nesse tipo de sociedade, a totalidade do social é mais importante do que as partes,
ou seja, dos indivíduos. Por outro lado, o indivíduo é concebido como um ser
autônomo, independente e individualizado, próprio das sociedades ocidentais
modernas, onde há a valorização do indivíduo em detrimento do coletivo. Nas
sociedades onde impera a ideologia holista, os sujeitos são complementares aos
outros e relacionam-se entre si de forma hierárquica. Desta forma, a tese
dumontiana relativiza o indivíduo enquanto categoria, criando um continuum,
cujos extremos são as sociedades holísticas e as sociedades ocidentais modernas.
Nas primeiras imperam a categoria pessoa enquanto nas últimas o indivíduo é o
valor central.
Dentro deste contexto, DaMatta (1987), ao analisar especificamente a
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sociedade brasileira, conclui que as noções indivíduo/pessoa são básicas e que
elas operam de modo simultâneo. Embora fazendo parte das sociedades ocidentais
modernas, a sociedade brasileira é uma sociedade híbrida onde todos transitam
entre indivíduo e pessoa lançando mão de cada um desses papéis dependendo da
situação. Uma sociedade, como remarca Roberto DaMatta “tem dois ideais: o da
igualdade e o da hierarquia” (DaMatta, 1987, p. 334). Assim, vive-se uma
contradição entre esses dois ideais, ou seja, na história brasileira percebe-se que o
indivíduo é uma noção moderna, erigida sobre um esqueleto hierarquizante.
As categorias de individuo e pessoa articular-se-iam de forma peculiar em
cada sociedade. Portanto, no Brasil, o indivíduo não seria uma categoria universal
e englobadora como acontece nos Estados Unidos, por exemplo. Também, no
Brasil, o indivíduo seria o homem das “massas” que não participa de nenhum
sistema de relações pessoais, definindo-se pela oposição a um o seu contrário: a
pessoa – um ser relacional e, no indivíduo encontrar-se-ia uma contigüidade
estrutural com o mundo das leis impessoais. Roberto DaMatta sustenta que no
Brasil a idéia de indivíduo é quase sempre tomada num sentido negativo. De fato,
ser um "indivíduo" significa estar à margem, e esta circunstância é vista como
precondição de estranheza, liminaridade, alienação ou criminalidade. Ser um
indivíduo, portanto, é ser literalmente "indivisível" ou intocado pelas numerosas
instituições e relações que definem um ser humano pleno no Brasil.
Por outro lado, a pessoa é reconhecida por suas relações: “o mundo das
relações em nossa sociedade entrecorta ou atravessa por cima das solidariedades
naturais de segmentos e classes sociais de forma instrumentalizada, sem,
paradoxalmente, estar exclusivamente ligada a uma posição econômica ou
convicção ideológica” (DaMatta, 1987, p.235). E, conclui:
“Postos lado a lado, os conceitos de indivíduo e pessoa permitem entender numa
série de processos sociais básicos, podendo lançar luz, sobretudo sobre as
individualizações, que em universos “holísticos”, constituem movimentos e
passagens que chamamos de “liminaridade”. Descobrimos, então, que a
liminaridade pode ser equacionada à individualização, do mesmo modo que, em
universos individualistas, pode ser equivalente a uma alta pessoalização”.
(DaMatta, 1987, p.248)
Obedecendo essa lógica, objetiva-se aproximar a trajetória de vida de
Antonio Vicente Mendes Maciel, o “Antonio Conselheiro” com o personagem
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tipificado por Augusto Matraga, (Rosa, 1978), estes que rejeitam o espaço social
com suas alternativas predeterminadas para criar seu próprio universo. Também,
dentro da dialética reflexiva de Roberto DaMatta (1987) mostrar a passagem
desses personagens da categoria sociológica pessoa para a de indivíduo. A idéia
de reuni-los surge da constatação de que os dois, como individuos culminam com
a renúncia. “a renúncia enquanto um modo total de rejeição contra uma ordem
estabelecida” (DaMatta, 1987, p.316).
Para este objetivo, se fará uso da “antropologia da leitura”
1
que fez Roberto
DaMatta em seu livro “Carnavais, malandros e heróis” (1987) do conto de João
Guimarães Rosa (1978), “A hora e a Vez de Augusto Matraga”. Por ser um
campo onde operam diferentes manifestações, inicialmente um ponto deve ser
observado: Roberto DaMatta (1987) trata a obra de Guimarães Rosa (1978) como
uma etnografia diferente da abordagem presente no livro de Euclides da Cunha,
“Os Sertões” (1984):
“(...) uma etnografia é igualmente um discurso que se sabe relativizado; e, sendo
assim, é um discurso relativizador. E, no entanto sabemos que existem discursos
absolutos, correspondendo a leituras absolutas da realidade social. Essas são
formas opostas a uma etnografia, porque proíbem a mudança de foco, limitam e
impedem a descoberta de novos instrumentos de descrição e análise”. (DaMatta,
1987, p.307)
Ao trabalhar o conto de Rosa (1978) o foco de DaMatta recai, sobretudo, no
processo de transformação por que passa o ator principal do conto e na sua
seqüência de nomes: Augusto Esteves, Nhô Augusto, e Augusto Matraga. – três
posições à um só tempo e distintas: Augusto Esteves, o homem neutro; Nhô
Augusto, o homem de dominação e Matraga, o indivíduo – o renunciador,
“espécie redentora e sintética dos outros dois” (DaMatta, 1987, p.318).
Mas é preciso tomar cada um desses nomes mais detalhadamente para a
aplicabilidade aos objetivos propostos: o personagem central do conto de Rosa
(1978) vivencia várias fases durante sua trajetória de vida, fases essas já vividas
na idade adulta, pois a novela apresenta Nhô Augusto, “nhô, uma “forma de
prestação de senhorio” e Augusto, “Augusto, nome imperial [...] fonte de todo o
poder e domínio”, já casado e com uma filha e com um status herdado da família.
1
Numa antropologia da leitura, “estamos em busca do outro lado do texto, e isso está ligado a uma tomada de posição
diante da obra com o propósito essencial de desmistificá-la, desalineá-la ou desenraizá-la das suas posições centrais
dentro de uma determinada cultura ou sociedade”.(DaMatta, 1987, p.309)
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53
Nhô Augusto “era dono de gado e de gente” (comprou uma mulher em um leilão
de santos), porém, um revés na sua vida, “descendo ladeira abaixo”, perdeu todos
os seus bens assim como perdeu a mulher que fugiu com outro homem levando
junto a filha. Sozinho, mas ainda senhor da intemperança, Nhô Augusto vai atrás
do seu desafeto, o Major Consilva para realizar sua vingança. Mas, é ferido, e
depois marcado a ferro e teve de cair literalmente no fundo do poço (ou de um
barranco) para depois se levantar. Morto estava para o mundo no qual desfrutava
de identidade e posição bem marcadas socialmente.
O nome Augusto Esteves seria um nome neutro; uma designação a-histórica
que serve apenas para marcar sua posição “como indivíduo num registro jurídico”,
mas, também, um nome alternativo para Nhô Augusto, nome socialmente
insignificante e vazio. Nhô Augusto aponta para o outro lado, um papel social, e
no caso, uma pessoa. Enquanto pessoa fixa uma “posição de alto prestígio” dada
que é um homem abastado, Prepotente e poderoso, portanto, inserido por cima na
estrutura social que pertencia. Dessa forma, Nhô Augusto marca a condição do
“abrangedor hierárquico”, ou seja, a pessoa que tem direitos e faz as suas próprias
leis. (DaMatta, 1987, p.316).
Augusto Matraga apresenta um outro papel social: um indivíduo. Ele
representa o outro lado de Nhô Augusto, “seu simétrico inverso”. Enquanto
indivíduo aponta para um mundo à parte, “o espaço motivador por um “outro
mundo” – o mundo da renúncia” (DaMatta, 1987, p.315). Deste modo, ao
renunciar às suas vinganças, ou seja, ao ethos sertanejo presente na sua sociedade
original, torna-se um “indivíduo-fora-do-mundo” (Dumont, 2000, p.38).
É importante que se coloque o percurso desenvolvido na transformação de
Nhô Augusto, “o prepotente”, “o poderoso”, para o papel de Matraga: Nhô
Augusto passa de manipulador dos recursos da ordem à instrumento da paixão,
em uma alusão a troca de consoante em seu nome “Matraga” o que lhe confere,
neste sentido, uma transformação em matraca
2
. A matraca configura-se num
instrumento divino, “ordenador e anunciador da paixão prototípica de Cristo nos
dias de sua morte e como personagem magno de todas as renúncias”. (DaMatta,
1987, p.317). Observa-se nessa passagem que, no desejo de salvação, sua morte
2
No interior do Brasil, a matraca sempre anuncia a passagem dos penitentes, “a fim de que os
notívagos voltem para suas casas e os retardatários fechem as janelas, para não serem vítimas de
sanções sobrenaturais – doenças ou morte” (Queiroz, 1973:83. In: DaMatta, 1987, p. 316).
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54
assemelha-se à morte expiatória de Cristo e, desse modo, Matraga passa a
caminhar pela estrada do Bem em oposição à Nhô Augusto, o “alteado”, o
“prepotente” inscrito no caminho do Mal.
O conto de Rosa (1978) mostra também o caminho pelo qual percorre o
personagem: ele parte e peregrina pelos sertões, troca de nome e subordina-se ao
casal de pretos que residia num casebre e que lhe dá abrigo. Ao chegar ele
encontra Joãozinho Bem-Bem que o chama para uma nova vingança pela morte
de um jagunço do bando do sempre “irmão” Joãozinho: “É a regra... Senão até
quem mais que havia de querer obedecer a um homem que não vinga gente de
traição?... É a regra. Mas ele renuncia à vingança:
“Através da vingança é que o indivíduo resgata o passado pela dramática batalha
que se faz em um ajuste de contas. Inibindo sua vingança, Matraga rompe com os
elos de reciprocidade e desfaz definitivamente o mecanismo que o prendia à
sociedade, ele se torna indivíduo, precisamente porque deixa de retornar,
finalmente recusando assumir pela vingança sua posição complementar numa
hierarquia”. (DaMatta, 1987, p.326)
Matraga foi injustiçado e humilhado, mas em vez de retornar à ordem e ali
tirar sua vingança, prefere esperar sua hora e sua vez na esperança de, como
renunciador, virar um santo. Ao longo da sua trajetória, Augusto Matraga, passa
do Mal ao Bem, da perdição à salvação. O agente desta passagem é o jagunço
Joãozinho Bem-Bem e é ele que permite a morte gloriosa e salvadora de Matraga.
Esta dualidade entre o Bem e o Mal parece marcar esse mundo de jagunços e
fazendeiros, no qual há a possibilidade de conversão quando chega “a hora e a
vez” de ser Matraga. Estava determinado à ir para o céu: “Eu vou pr’á o céu, e
vou mesmo, por bem ou por mal!... E a minha vez há de chegar... P’rá o céu eu
vou, nem que seja a porrete”. Morre, mas não é um morto qualquer: Morre Santo.
Porque “Matraga” não é Matraga, não é nada”. Matraga não é mais nada na
estrutura e na ordem social. Assim, o indivíduo Matraga só se consolida com a sua
própria morte. (DaMatta, 1987, p.316).
“O nome Matraga revela a marginalidade de quem vagou como um indivíduo no
meio dos pobres, da natureza e dos bandidos, recusando-se – como faz uma
verdadeiro renunciador (cf. Dumont, 1970: capítulo 3) - a retornar ao mundo de
onde partiu e no qual tem direitos concedidos pelos indivíduos, um mundo não
complementar, mas paralelo, quando a posição é definida pelo desempenho: “pelo
que se faz e não pelo que se herda” (DaMatta, 1987, p.318).
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Pode-se já enxergar, buscando na biografia de Antonio Conselheiro,
aproximações entre esses dois personagens. Da mesma forma como Nhô Augusto,
Antônio Vicente Mendes Maciel busca na troca de nome, a invisibilidade. Com
um novo nome, eles iniciam seu novo caminho e para a travessia desse caminho
um outro elemento se evidencia: a marca, em Augusto Esteves (foi marcado a
ferro) e, no caso de Antonio Conselheiro, o estigma inscrito na “Lenda
Arrepiadora” (Cunha, 1984, p.111). Essa semelhança, juntamente com a troca de
nome, aponta para a busca do anonimato
3
que revela a igualdade e o
individualismo e, conseqüentemente, a renúncia.
Outra semelhança que se pôde constatar é que os dois personagens são
marcados por perdas: Antônio Vicente Mendes Maciel, assim como Nhô Augusto
“perdem” a família como também perdem seus bens materiais. Suas vidas se
identificam na semelhança de ser que há na passagem do mundo material para o
mundo humilde, assim como também deixaram para trás seu orgulho e seu
egoísmo: Nhô Augusto, ”descendo ladeira abaixo” (Rosa, 1978) e Antonio
Conselheiro na “queda formidável” (Cunha, 1984, p.111).
A partir do revés trágico em sua vida, Antônio Vicente Mendes Maciel
tornar-se um potencial “indivíduo-fora-do-mundo”; procura “paragens
desconhecidas onde não lhe saiba o nome: o abrigo da absoluta obscuridade”, e
ressurge como Antonio Conselheiro após “dez anos de penitência” (Cunha, 1984,
p.112). Da mesma forma, Nhô Augusto vai deixando lenta e progressivamente seu
passado para trás, abandonado o processo de vingança “como se o herói fosse
descobrindo quando vai se transformando em Matraga que está livre e não preso a
uma contraprestação de honra devida à sua comunidade original” (DaMatta, 1987,
p.318). Uma outra identificação entre os dois personagens é que ambos ocuparam
dois espaços radicalmente opostos e ao mesmo tempo, no curto percurso de suas
biografias. Augusto Matraga, assim como Antonio Conselheiro são personagens
cuja realidade é a do sertão brasileiro, que ao desistir da vingança acabam por se
vingar da própria moral vingativa. Matraga morre indivíduo “fora-do-mundo”, um
renunciante, não voltando mais à sociedade na qual estava inserido, mas em um
“universo inventado” – num plano cósmico (DaMatta,1987, p.323). Antônio
3
“A troca de nomes sempre corresponde à mudança da apelação inexpressiva (porque não tem
história nem marca) pelo nome forte e expressivo” (DaMatta, 1987, p. 320)
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Vicente Mendes Maciel buscou um caminho alternativo, uma nova missão.
Nessa perspectiva, Antônio Vicente Mendes Maciel foi, no sistema social
brasileiro até a “Lenda Arrepiadora” (Cunha, 1984, p.111) uma pessoa, já como
Antonio Conselheiro apresentou um outro papel social: um indivíduo. Enquanto
pessoa ele é “a um só tempo inferior e complementar”, já como indivíduo aponta
para um mundo à parte, onde a posição é definida “pelo que se faz e não pelo que
se herda”. (DaMatta, 1987, p. 318). Desse modo, transforma-se em um
“indivíduo-fora-do-mundo” e só se consolida enquanto tal com a renúncia à uma
estrutura hierárquica, estrutura essa nas quais são estabelecidas relações
necessárias de subordinação e complementaridade entre as duas partes e,
renunciando a tudo funda uma “nova sociedade” como uma “disciplina de
libertação” (Dumont, 2000). Com efeito, é importante colocar aqui a tese
damattiana, para quem “o ciclo social dos renunciadores fica em aberto e fecha-se
apenas no plano místico quando “este mundo” e “esta vida” se ligam finalmente
ao outro mundo e a outra vida, pelo duro caminho da renúncia, como se o gesto
final da reciprocidade que a vingança fatalmente engendra fosse orientado para
um outro plano”. (DaMatta, 1987, p.326).
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7
A Reentrada no mundo de Antonio Conselheiro
“(...) por isto o infeliz destinado à solicitude dos médicos, veio, impelido por uma
potência superior, bater de encontro a uma civilização, indo para a história como
poderia ter ido para o hospício” (Cunha, 1984).
Conforme Roberto DaMatta (1987), “pode-se dizer que os renunciadores
trazem para a luz do dia a possibilidade de realizar um caminho criativo, porém
invertido dentro da estrutura social. Em vez de entrar mais e mais na estrutura
social e ser totalmente submetido à ela e suas regras, o que eles representam é a
possibilidade concreta de sair do mundo. Primeiro, como já indicou Dumont
(2000), pela individualização, depois pela possibilidade de reentrar no mundo
social como o personagem foco permanecendo indivíduo num mundo de pessoas
e que acaba por fundar uma outra sociedade, uma outra possibilidade” (DaMatta,
1987, p. 334).
Também o isolamento e a solidão que o renunciador experimenta muitas das
vezes representam uma nova concepção de vida, seja ela a de criar novas formas
de interação coletiva não acolhidas antes da renúncia e que só se materializam na
nova vida. Ele rejeita o mundo social e busca outra realidade. Nessa “rejeição do
mundo”, para usar as palavras de Weber (2004), o renunciante pode permanecer
solitário ou juntar-se a um grupo, investindo no millenium. A renúncia aparece
aqui como um modelo renovado de conquista do mundo, na medida em que a
adesão a uma esfera de valor específica imbui o indivíduo de uma nova missão.
E, como uma nova missão, Antonio Conselheiro, junto com seus seguidores
que acolheu no período que viveu sem rumo pelos sertões, (re)-ergueu no Arraial
de Canudos em uma velha fazenda de gado à beira do rio Vaza-Barris, uma
cidadela que foi batizada por ele de Belo Monte. A sua reentrada no mundo pode
ser vista como aquela percorrida pelos santos: através das rezas. Assim, ao
“fundar” a sua nova comunidade, Antonio Conselheiro faz uma reentrada no
universo social brasileiro, mas, como uma diferença: a partir daí ele deve viver
para o seu novo grupo e esse novo grupo deverá obedecer as regras implantadas
por ele.
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É desta forma que Antonio Conselheiro abriu um caminho novo para sua
vida após a tragédia que abalou suas primeiras décadas de vida. Agora, ele passa a
viver para o seu novo grupo deixando de lado seus interesses egoísticos, criando –
ao contrário, um imenso espaço externo, onde deverá implementar as regras que
inventa. “Deve ser altamente consistente, não podendo gozar mais do privilégio
da inconstância entre o ser, o falar e o viver” (DaMatta, 1987, p.266).
Esse é um processo de profundo significado sociológico: ao renunciar à sua
sociedade original, Antonio Conselheiro abriu mão de suas vaidades, assim como
de seu orgulho; abandonou seu mundo material, assim como abriu mão dos
privilégios que gozava no mundo anterior à sua renúncia. Surge dessas
constatações o constrangimento moral ao qual o renunciador se expõe na nova
missão que realiza. O fato de maior importância é que Antonio Conselheiro
deixou de ser complementar para seu mundo anterior não representando mais nada
para sua antiga sociedade. É como observa DaMatta:
“A renúncia à vida é uma manifestação evidente de ruptura dos laços sociais,
porém ele busca um universo social alternativo tendo como objetivo recriar uma
sociedade” (DaMatta, 1987, p.323).
Com efeito, a chegada de Antonio Conselheiro à futura cidade de Canudos,
a comunidade que elegeu para reentrar no mundo e cumprir sua nova missão,
rompeu a rotina da gente abandonada há três séculos. Antonio Conselheiro era
portador de uma promessa de melhoria da vida daqueles sertanejos, e, imbuído de
uma religiosidade que como foi visto manifestara-se no decorrer de sua biografia,
alcançou um grande número de adeptos que o acompanharam, veneraram e o
obedeceram. Antônio Conselheiro foi sem dúvida um líder messiânico: não
buscou o poder que lhe foi atribuído e não buscou fiéis: “não os chamara”,
“chegavam-lhe espontâneos” (Cunha, 1984, p.110).
Segundo diversos autores, o movimento religioso sertanejo ao redor de
Antonio Conselheiro teve uma forte conotação messiânica como uma variante do
catolicismo no Brasil do século dezenove. A base desses movimentos é o
comando de um líder espiritual, que a partir de suas pregações religiosas passa a
arregimentar um grande número de fiéis, numa nova forma de organização
popular que foge as regras tradicionais e, por essa razão é vista como uma ameaça
a ordem estabelecida. Tais movimentos tiveram importância em diferentes regiões
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do país como em Canudos, liderado por Antonio Conselheiro, sendo o movimento
que lá se formou somente possível devido algumas condições subjetivas como a
forte religiosidade popular.
Na abordagem de Weber (1999), o aparecimento de movimentos
messiânicos está relacionada à necessidade de salvação. Diz o autor: “Toda
necessidade de salvação é expressão de uma indigência, e por isso a opressão
econômica ou social é uma fonte eficaz de seu nascimento, embora de nenhum
modo exclusiva”. O nascimento de religiões de salvação, como os messiânicos em
camadas privilegiadas, é causado por uma indigência “interior” dos indivíduos, e
não pela indigência resultante de posições sociais inferiores. Os intelectuais,
insatisfeitos com a ordenação do mundo que consideram irracional, e como
nenhuma ordem lhes parece adequada à realidadde contraditória, geram um tipo
de religiosidade cuja finalidade é “fugir do mundo”. Ressalta Max Weber (1999),
que o processo messiânico consiste numa tranformação política e social do
mundo: “Um herói poderoso, ou um deus, virá – logo, mais tarde, algum dia – e
colocará seus adeptos na posição que merecem no mundo” (Weber, 1999, p. 351).
O clássico da linha interpretativa dos movimentos messiânicos no Brasil é o
livro “O messianismo no Brasil e no mundo” de Maria Isaura Pereira de Queiroz
(1977). O messianismo na visão de Queiroz (1977) é uma crença, uma doutrina de
natureza ativa, não-conformista; messiânico é propriamente o movimento que
sobrevém à espera, a atividade, a ação; o “messias” é líder político e espiritual que
põe em marcha o movimento difundindo a crença e agregando fiéis. Movimentos
desta natureza surgiriam como uma reação, com um intuito de reorganização e
reordenação das relações sociais locais e se manifestariam conforme a presença da
religiosidade.
A proposta de Queiroz (1977) em seu livro foi o de também analisar o
significado desses grupos messiânicos nas respectivas sociedades em que esses
movimentos ocorreram buscando compreender a posição que eles ocupavam
dentro dessas sociedades e que papel eles desempenharam. Assim, caracterizou-os
como movimentos sociais, políticos e religiosos que necessitavam da ação de uma
coletividade organizada e estruturada sob a liderança de um messias, que
buscavam transformar a realidade vivida através da fundação de um reino
perfeito. Esse tipo de fenômeno sócio-religioso ocorre, na concepção de Queiroz
(1977) em situações de grave crise política (ameaça de invasões, brusca mudança
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de regime, etc.) e, reflete um desespero e um temor crescente e insuportável, uma
crença nas proximidades do Juízo Final e na necessidade da chegada de um
salvador para resgatar a comunidade em perigo de morte. Diz a autora:
“Um eremita, um peregrino, um visionário, cujas qualidades extraordinárias são
atestadas pela realização de milagres, pela renúncia ao mundo e seus bens, por
sacrifícios de toda a ordem, pôe-se a pregar de aldeia em aldeia nova forma de
vida. Congrega gente em torno de si e, depois de certo tempo de peregrinação,
localiza-se numa cidade ou vila, que proclama ser a capital do seu reino (no caso
dos movimentos políticos), ou a Nova Jerusalém (no caso dos movimentos sociais),
da qual é no mesmo tempo o rei ou autoridade civil suprema; e o pontífice, ou
autoridade religiosa máxima. (Queiroz, 1977, p. 129)
O messianismo emergiria, assim, como manifestação coletiva da crença na
vinda de um redentor, que poria fim à ordem vigente, instituindo uma nova ordem
de justiça e felicidade. Especificamente, o movimento messiânico que atravessa
Canudos, teria sido, então, conseqüência de uma situação de anomia na sociedade,
e que, a deflagração de tais movimentos decorre exatamente em momentos nos
quais as regiões “eram presas de conflitos inúmeros, que agravavam a
instabilidade habitual" (Queiroz, 1977, p.229).
Os movimentos messiânicos como combate à anomia se explica, conforme
Queiroz (1977), por se concentrarem sempre em “zonas de criação e de
agricultura de subsistência, internamente homogêneas quanto ao estilo de vida,
onde todos levavam uma mesma existência rude”. Também ela explica o porquê
de sua não ocorrência nas áreas das grandes plantações de açúcar, de algodão e de
café, (o litoral), onde as condições de “insatisfação e as frustrações formavam um
clima propício à reivindicações e esperanças de um mundo melhor” (Queiroz,
1977, p.298). Portanto, a sociedade formada no litoral possuía uma estabilidade de
estrutura e organização social, em razão das despesas de instalação e manutenção,
estas, que a sociedade do sertão, (o norte), não possuía.
Embora o movimento messiânico obtivesse um enorme apoio popular, na
opinião de Angela Paiva (2003) nenhum desses movimentos representou qualquer
dissidência da esfera religiosa que a transformasse numa esfera emancipadora.
Muito pelo contrário, diz a autora: “foram movimentos nos quais estava
preservada a magia e/ou distanciamento das questões sociais do país. (...) Os
movimentos messiânicos (Canudos, Contestado, Padre Cícero) não representaram
nenhuma mudança em direção a um maior envolvimento com a realidade do país
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(...)”. A autora concorda com Queiroz (1977) que esses movimentos eram antes
movimentos de fuga ou de espera mágica por um mundo melhor, os quais
mantinham o fiel em atitudes de fervor religioso que o colocava “fora-do-mundo”.
Tais movimentos cultivavam a magia e reproduziam a organização hierárquica da
sociedade como um todo e provinham de uma época na qual prevalecia a prática
católica assistencialista, cuja ação era no sentido da caridade, e não no sentido
genuíno da solidariedade. Nessa visão de mundo, o pobre era visto pela Igreja
como objeto de caridade o que motivava a prática assistencialista, e não como
símbolo de injustiça a quem deveria ser prestada solidariedade para uma
transformação estrutural mais profunda. (Paiva, 2003, p. 67).
Dentro deste contexto, Antonio Conselheiro representava o vértice de uma
hierarquia que se formou em Canudos – ponto mais elevado da escala social: era o
“chefe”, o “profeta”, o “pai”. E, como líder espiritual messiânico e carismático
dedicava-se às obras e pregações, servindo como modelo de comportamento e
ditando os preceitos morais exigidos na cidadela.
Observa Maria Isaura Pereira de Queiroz (1977):
“Para que a eterna bem aventurança chegasse mais depressa, deviam os adeptos
sujeitar-se a comportamentos especiais, meios indicados por Deus ao seu
mensageiro para que mais cedo se atingisse o Milênio: abandono de toda a
riqueza, de todo luxo, de toda vaidade, de todos os desejos, a prática da castidade,
da humildade, da abstinência, do arrependimento, das penitências. Era vivendo
sob as ordens do messias que se conseguia atingir tal estado de perfeição; e era em
Canudos, no Império de Belo Monte, que o Paraíso Terrestre se colocava ao
alcance dos fiéis. Habitando ali, penetravam no universo sagrado, deixando para
trás misérias e sofrimentos da vida terrena e profana”. (Queiroz, 1977, p. 227)
Típica da visão determinista de Euclides da Cunha, era um modelo de
“catolicismo incompreendido” que potencializa a ascensão de um líder como
Antonio Conselheiro. Assim, seguindo seu argumento, pode-se pensar que “o
povo do sertão está na fase evolutiva em que só é conceptível o império de um
chefe sacerdotal ou guerreiro” (Cunha, 1984, p.137). Antonio Conselheiro vivia
rezando o terço, pregando e aconselhando a multidão, reunindo todos longe dos
olhos dos párocos da cidade. Afinal, não se tratava de um sacerdote e sim de um
“messias” que proclamava o Apocalipse. Fica flagrante, assim, a proximidade do
pensamento euclidiano com a noção de dominação carismática em Max Weber
(1999).
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“A autoridade que se funda em dons pessoais e extraordinários de um indivíduo
(carisma) – devoção e confiança estritamente pessoais depositadas em alguém que
se singulariza por qualidades prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades
exemplares que dele fazem o chefe. Tal é o poder “carismático” exercido pelo
profeta ou – no domínio público – pelo dirigente guerreiro eleito” (Weber, 1982,
p.208).
Na análise que fez Weber (1982), ter carisma indica uma qualidade
excepcional (real ou imaginária) possuída por um indivíduo isolado, que é capaz a
partir daí de exercer influência e, sobretudo, liderança sobre um grupo de
admiradores. Os devotos do líder carismático encaram como dever obedecer-lhes
as regras, e fazem isso voluntariamente e com uma entrega arrebatada. O carisma
é capaz de assumir toda uma variedade de aparências, correspondendo às esferas
de sua influência (militar, política, ética, religiosa), mas em todos os casos sua
conseqüência é afetar de forma impressionante as vidas dos que ficam sob o seu
efeito. Na terminologia weberiana, carisma é uma forma particular de
“dominação” ou autoridade. Insiste que somente na análise da dominação
carismática surge um indivíduo que, particularmente encarnando determinados
atributos socialmente reconhecidos, isto é, dotado de carisma, poderia – em
circunstâncias peculiares – modificar a forma de ordenação de uma sociedade,
subvertendo a ordem estabelecida (Weber, 1982, p.161).
A comunidade que se formou ao redor de Antonio Conselheiro na sua nova
comunidade consistia, em sua maioria, de gente pobre; eram anciões, cangaceiros,
deformados físicos, entre outros. Havia aqueles que nasceram flagelados e
morreriam da mesma maneira, a não ser que algum milagre lhes mudasse a sorte;
os que eram o resultado das secas consecutivas, que haviam acabado com tudo o
que possuíam, que lhes haviam matado a família ou grande parte dela. Também
estavam presentes os rejeitados das fazendas, que não encontravam outro emprego
e não sabiam sobreviver sozinhos no sertão; alguns vinham de muito longe,
fascinados pela fama de Antonio Conselheiro que se espalhava de norte a sul.
Havia os deformados, objetos de chacota geral e de castigos corporais em seus
povoados, atraídos por aquele homem que não os julgava por sua aparência física.
As características sociais e econômicas de Canudos atraiam milhares de
pessoas de todo o sertão nordestino. Falava-se em toda a região que em Belo
Monte "corria rios de leite e as barrancas eram de cuscuz" (Brígido, 1999, p. 89).
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A vida cotidiana de Canudos passou a ser, com a chegada de Antonio
Conselheiro, uma cidade na plena acepção da palavra. As transações comerciais
faziam parte da vida, inclusive com os povoamentos vizinhos. As moedas
nacionais circulavam livremente e tinham seu valor reconhecido. Além das
atividades agrícolas de subsistência, o povoado abrigava comerciantes de outras
comunidades que ali exerciam sua profissão como se em qualquer outra vila.
Havia pleno direito à propriedade privada, sendo os bens mais valorizados a terra,
o gado e a moradia. A desigualdade social era aceita e tida como natural. Os
despossuídos, em contrapartida, alimentavam-se da produção extraída das áreas,
rebanhos e manufaturas coletivas que ali existiam. A pobreza era considerada
injusta e odiosa, mas seus males poderiam ser superados graças à religião.
Também, esse homem, comportava-se como um reformador. As construções
que realizou atendiam a inúmeros anseios não só dos seus adeptos, mas também
da própria Igreja. Por onde passava, reformava ou mesmo construía uma nova
Igreja como a Igreja de Santo Antonio, a padroeira de Belo Monte. Para Euclides
da Cunha (1984), porém:
“A antiga capela não bastava. Era frágil e pequena [...] Levantava-as, volvida
para o levante, aquela fachada estupenda, sem módulos, sem proporções, sem
regras; de estilo indecifrável” (Cunha, 1984, p.132;133).
Para além de construir inúmeras igrejas, mandava cavar açudes para que a
população tivesse água para beber, assim como construiu cemitérios para que os
mortos não fossem mais enterrados no interior das igrejas. Essa atitude tinha,
sobretudo, um caráter higienizador. Nomeou ruas como a “Rua da Professora”,
caracterizando, dessa forma, seu lado urbanístico. Nertan Macedo (1969) ouviu o
depoimento de Honório Cavalcanti, um dos sobreviventes da Guerra de Canudos
relacionado a forma como Antonio Conselheiro se dedicava à sua comunidade:
“O Peregrino disse a quantos o ouviram no Urucu que tinha uma promessa a
cumprir: erguer vinte e cinco igrejas. Que não as construiria, contudo, em terras
do Ceará. Nunca mais pude esquecer aquela presença. Era forte como um touro,
os cabelos negros e lisos lhe caíam nos ombros, os olhos pareciam encantados, de
tanto fogo, dentro de uma batina de azulão, os pés metidos numa alpercata de
currulepe, chapéu de palha na cabeça. Era manso de palavra e bom de coração.
Só aconselhava para o bem. Nunca pensei, eu e compadre Antônio, que um dia
nossos destinos se cruzariam com o desse homem”. (Macedo, 1969, p. 87)
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Preocupava-se, em suas prédicas, de questões relacionadas à coletividade
como coibir o roubo, até a esfera da intimidade, como evitar o adultério. Excluía
aqueles que tinham merecido a sua desconfiança, como os republicanos pelos
impostos cobrados; dos ladrões ou bêbados, assim como as meretrizes. Proibiu
terminantemente as famosas “umbigadas excitantes” e se utilizou do estilo
rompante dos missionários, como quando ataca um incestuoso na multidão: “Pai
maldito, tu não serás da raça dos jararacas?” Mandava as mulheres queimar xales,
vestidos, saias, chapéus e sapatos de luxo (Cunha, 1984, p.114).
Além de “conselheiro”, também era padrinho de uma infinidade de crianças
em Belo Monte, e assim ia tecendo uma extensa rede baseada no compadrio, com
a força que se sabe que essa instituição ostentou no sertão. É certo que este
espírito de lealdade ao poder era comum à época. Walnice Nogueira Galvão
(1974) explica esta ordem:
“[...] tornando-se padrinho de batismo de uma infinidade de afilhados, parceiro de
Nossa Senhora, que era invariavelmente a madrinha, ia tecendo uma extensa rede
baseada no compradio, com a força que se sabe que essa instituição ostentou no
sertão. A relevância desse componente se acentua quando se pensa que o laço
espiritual, que assim se criava, tornava um comprade do Conselheiro e de Nossa
Senhora infenso ao laço social interclasses costumeiro no apadrinhamento de um
pobre por um potentado local. Assim, todas as pessoas implicadas nesta outra rede
como que sutilmente se subtraíam à estrutura de poder vigente, entrando numa
outra, concorrente daquela. Quando chegar a hora e o padrinho lançar uma
convocação, compadres e afilhados acorrerão em massa em sua defesa de todos os
recantos do sertão” (Galvão, 1974, p. 64).
Configurada esta troca de favores, uma característica na formação social
brasileira, convergia cada vez mais para ele incontáveis fiéis que o ajudavam na
tarefa de reerguer a “sua nova” comunidade. Pode parecer, de alguma forma, que
a pessoalidade do relacionamento entre Antonio Conselheiro e seus seguidores
transformaram-no em um legítimo herdeiro da cordialidade do homem brasileiro.
Com efeito, sua figura pode ser caracterizada como o “homem cordial” de Sergio
Buarque de Holanda. A cordialidade identifica com o predomínio histórico da
estrutura patriarcal, própria do século dezenove no Brasil uma configuração de
hibridismo entre os domínios do público e do privado. (Souza e Silva, 2001, p.
47).
Também ele abriu um espaço físico, social e humano para os ex-escravos no
qual eles se integraram, participando ativamente como agentes históricos da
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comunidade de Canudos até o seu final. Como foi visto na certidão de batismo de
Antônio Vicente Mendes Maciel, ele também era da cor “parda”. Surge daí sua
preocupação em atrair para sua nova comunidade os ex-escravos que
perambulavam pelos sertões em busca de um trabalho. Estes ex-escravos fizeram
parte de seu componente militar, religioso e político. Lutaram juntamente com o
líder que os reintegrou na sua condição humana. E, antes, quando eram ainda
escravos, acenava-lhes com a possibilidade da liberdade, com eles reunindo-se e
esclarecendo a possibilidade de mudança social capaz de libertá-los.
Uma outra característica importante na trajetória de Antonio Conselheiro é
sua escolaridade vista na sua biografia: sabia ler e escrever assim como também
falava latim. A imagem de um Antonio Conselheiro iletrado se desfaz quando sua
produção escrita é conhecida. Entretanto, tal idéia ainda hoje é assimilada à
imagem do líder religioso de Canudos. Os livros manuscritos que Antonio
Conselheiro deixou e foram reunidas em livro pelo historiador Ataliba Nogueira
em 1978, são obras em que somente temas religiosos, em consonância com os
preceitos do catolicismo da época, são tratados. Em apenas um deles aborda
propriamente assunto político. Condena a República e suas leis seculares, muito
provavelmente por ver nelas a negação dos preceitos religiosos em que se
pautavam seus pensamentos.
Porém, o novo espaço social ocupado por Antonio Conselheiro e seus
seguidores teve um fim dramático: foi totalmente destruído pela mais importante
guerra ocorrida no Brasil no século XIX – A Guerra de Canudos. É o que se verá
no próximo capítulo.
7.1
A Guerra de Canudos: breves considerações
“Numa atitude suicida, o homem de Belo Monte empregou todas as forças ao seu
alcance para conter os soldados vindos do litoral, defensores da ordem
republicana, que a exaltação dos espíritos considerava seriamente ameaçada”
(Calasans, 1950).
Antonio Conselheiro, cujo isolamento da vida comunitária teve tal
profundidade que acabou por trazê-lo de volta ao seu mundo, porém, no mais
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trágico conflito aberto da história brasileira: a guerra de Canudos (1896-1897).
As regras impostas por Antonio Conselheiro na sua “nova comunidade”,
Canudos, desencadearam uma crise de insatisfação e alarmismo na então jovem
República, proclamada em 1889. Antonio Conselheiro incomodava os novos
Republicanos e Canudos passou a ser uma cidade focada para ser destruída. A
população que ali se instalou sob a égide de Antonio Conselheiro eram descritos
pelos republicanos como fanáticos religiosos, e a cidade como um reduto da
monarquia. Sabe-se que o Conselheiro era contrário às instituições republicanas
(Sattamini, 2007)
1
.
A Guerra de Canudos (1896-1897) contou com a participação de cerca de
dez mil soldados, vindo de dezessete estados brasileiros, que deram combate aos
seguidores de Antonio Conselheiro em quatro expedições militares com uma
grande artilharia para submeter a "Tróia de taipa" (Cunha, 1984, p. 363). Euclides
da Cunha considera alguns valores do Exército, mas critica a arrogância militar,
protegida por armas portentosas que nada valiam no sertão. Os canhões não
passavam pela caatinga e o excesso de munição era um fardo para os soldados. Os
militares não conheciam a luta de emboscadas, sendo que um único sertanejo era
capaz de destruir um pelotão. A flora agressiva era amiga dos rebeldes, que em
tocaias pelas depressões rochosas eram como guerreiros invisíveis. Grupos de
cinqüenta jagunços subdivididos em dez homens atraíam os soldados pelo
imbuzeiros e veredas. Os soldados se perdiam pelo caminho. Enlouqueciam.
Mesmo quando estavam vencendo a batalha, fugiam apavorados.
A terceira expedição militar configurou-se como um desastre e culminou
com a morte do coronel Moreira César e com centenas de soldados feridos e
mutilados. O impacto imposto pela miséria do cenário paupérrimo e em ruínas é
percebido nas diversas representações dos eventos de Canudos. O número
estimado de vítimas é de vinte e cinco mil pessoas, entre elas mulheres e crianças.
Quase todos os conselheiristas foram mortos depois de presos, boa parte na
prática da “gravata vermelha”, como era conhecida a degola. A população lutou
até o fim e foram poucos os conselheiristas que se renderam: “nos últimos dias da
guerra, uma plêiade de miseráveis, na sua maioria idosos, mulheres e crianças, em
farrapos, renderam-se à supremacia do exército e se entregaram, sem saber, a uma
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Vera Sattamini é Pesquisadora e Mestre em História pela Puc:Rio de Janeiro.
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sumária sentença de morte” (Sattamini, 2007).
O Presidente da República, Prudente de Moraes, havia prometido que em
Canudos não ficaria “pedra sobre pedra”. Acabada a guerra, era necessário,
portanto, apagar os vestígios do que era visto pela ótica do poder como uma
insurreição sertaneja. O fim deveria ser exemplar, para que outros movimentos
que desafiassem a ordem republicana não se repetissem. Para as autoridades
envolvidas era importante “que ali se plantasse a solidão e a morte”.
O paradoxal fato de que um ajuntamento de homens vivendo em tão
primitivas condições pudesse ter resistido a três investidas do poder público e
ainda resistisse à mega operação bélica montada na 4ª expedição, se constituiu no
contraponto entre mentalidades tão diferenciadas entre si que levou Euclides da
Cunha tentar explicar que o “episódio se sustenta na contraposição de dinâmicas
que se negam no encontro de dois diferentes estágios civilizatórios: o Brasil do
litoral, educado, europeizado, rico, dominador e cêntrico e seu sertão, analfabeto,
pobre, servil e periférico” (Cunha, 1984, p. 322).
O historiador Marcos Veneu (1995) destaca que, com o fim da guerra e já no
final de seu livro, Euclides da Cunha tentou passar o lado positivo da resistência
dos canudenses às forças republicanas consideradas opressoras: “Canudos não se
rendeu, mesmo triunfando a morte”, e, lamentando a triste sorte: “O sertanejo é
antes de tudo, um forte” (Cunha, 1984, p. 407). Mostrou que um universo de tal
natureza como o de Canudos era governado por leis próprias e que a Guerra de
Canudos foi absurda, pois a população não era monarquista, como o exército
acreditava. Pregar contra a república era apenas uma variante do delírio religioso
de Antônio Conselheiro. Formado naquela profusão de teorias articuladoras da
filosofia do progresso que marcaram o final do século XIX, Euclides da Cunha via
em Antonio Conselheiro um “caso” patológico, um expressivo exemplo de
“irrupção primitiva em plena era das máquinas”, um atestado evidente de que o
encontro dos assentamentos radicais mal definidos com o atraso sertanejo formava
a cena ideal para o aparecimento de um salvacionista difuso e mistificador, uma
farsa que aportou na história porque o hospício do Rio de Janeiro alegou não
possuir vaga para abrigar o alienado. Uma sociedade tão primitiva era incapaz de
compreender tanto a forma republicana como a monarquia constitucional. Só
aceitava o império de um chefe sacerdotal ou guerreiro. Antonio Conselheiro foi
esse chefe sacerdotal. Na verdade, Euclides da Cunha apresenta dois
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“Conselheiros”. Numa delas, ele é o "messias de feira", "truão", que balbucia
frases do Apocalipse. Na outra, o "grande homem pelo avesso" - uma figura de
linguagem que faz a transição de um modelo para o outro - é um heresiarca, algo
negativo, mas sério, que tem a dignidade de um apóstolo, condutor de homens, e
compara Canudos ao cristianismo primitivo. Nesse contexto, as inúmeras faces do
Conselheiro não podem ser encaradas apenas como variações de cada geração de
pesquisadores. Devem também ser vistas como elemento formador de um homem
possuidor de uma consciência histórica. Um homem que, apesar de sua imagem
fugir às tipificações era inserido em sua época (Veneu, 1995).
O personagem euclidiano foi, sem dúvida, o estopim para que a Guerra de
Canudos acontecesse. A cabeça de Antonio Conselheiro foi enviada ao médico
Nina Rodrigues e, de acordo com o laudo, sofria de "psicose sistemática
progressiva"; era "indivíduo degenerado", portador de "delírio crônico", porém,
possuidor de um "crânio normal". Também notou que o morto quase não tinha
dentes, o que, provavelmente, foi, em seu laudo, a única observação apoiada na
realidade.
O ponto crucial é que Antonio Conselheiro morreu lutando pela sua gente e
pela “nova sociedade” que havia implantado: morreu pelo seu “universo
inventado”. (DaMatta, 1987, p.323).
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Conclusões
O objetivo deste trabalho foi o de mapear as especificidades do “indivíduo-
fora-do-mundo”, os chamados por Dumont (2000, 1992) de renunciantes ou
renunciadores, aqueles que, como acentuava Weber (1999) tem uma posição
relativamente marginal em relação a certas dimensões sociais, como o poder, o
dinheiro, a sexualidade e, nas sociedades arcaicas e tribais, a família e a tribo.
As singularidades acerca do tema “renúncia” e a tentativa de tematizar as
especificidades de uma experiência de viver “fora-do-mundo”, levou à uma
razoável aventura sociológica. Como a expressão indica, quem está “fora-do-
mundo” livra-se de certas obrigações sociais imperativas e rotineiras, e ao
renunciar à sua sociedade morre sociologicamente para ela, mas, em
compensação, assume um novo papel no qual está sujeito a outros
constrangimentos.
A experiência da individualidade constitui-se na experiência fundamental de
estar “fora-do-mundo”: somente uma singularidade extremada, dramática, conduz
à uma individualização. E é somente à partir de uma individualização muito forte
que o indivíduo se vê capacitado a abdicar de uma vida em sociedade rompendo
com ela definitivamente. Como confirma Dumont (2000), o indivíduo deve
“bastar-se a si mesmo”.
Verificou-se que tal experiência foi vivenciada pelo personagem do livro
“Os Sertões” (1984), Antônio Vicente Mendes Maciel, o “Antonio Conselheiro”.
Sua renúncia ao mundo ficou evidenciada no mito da “Lenda Arrepiadora”, esta, a
grande tragédia que abalou sua vida. Ao tomar esta atitude, viu-se, ainda, os
constrangimentos morais e físicos pelos quais foi obrigado a passar na nova
“missão” por ele empreendida dada que, estigmatizado na sua sociedade original
viu-se obrigado a abandoná-la. Nessa caminhada, vários axiomas antes presente
em sua biografia foram sacralizados, esses que somente a experiência da renúncia
engendra: Antônio Vicente Mendes Maciel teve de abrir mão das prerrogativas
que possuía dentro da sociedade original; passou por situações que se pode
afirmar constrangedoras, como a falta de asseio, dormir no chão, jejuns
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prolongados, solidão absoluta.
“Os Sertões” (1984) foi a referência principal deste trabalho, pela sua
complexidade. A visão euclidiana circunscrita no livro, teve como propósito
ressaltar as minúcias com as quais o autor trabalha com a idéia de “sertão
brasileiro, no qual coloca o povo sertanejo dentro de uma concepção determinista
e racista para quem a uniformidade física e psíquica do tipo sertanejo enquanto
um “tipo antropológico invariável” (DaMatta, 1987) não eliminaria a
possibilidade de um retorno a um estágio mais baixo na evolução da raça e da
civilização. Euclides da Cunha procurou colocar em todas as situações esse
determinismo, assim como seu viés racista. Porém, não se procurou
superdimensionar essas premissas, mas apenas mostrar a forma como elas foram
direcionadas especificamente à trajetória de vida de Antonio Conselheiro.
Este trabalho congregou a biografia de Antônio Vicente Mendes Maciel
estabelecendo o percurso empreendido por ele desde sua infância atravessando a
”Lenda Arrepiadora” em uma investigação que se buscou inventariá-la
minuciosamente, operando entre ficção e a realidade. Em se tratando de Antônio
Vicente Mendes Maciel, a escrita se tornou naturalmente tarefa delicada, pois as
perspectivas que tanto a bibliografia histórica quanto a ficcional ofereceram foram
conflitantes entre si o que se tornou difícil evidenciá-las numa escrita totalizante
como se dá numa narrativa tradicional.
Porém, trabalhar a narrativa de Euclides da Cunha (1984) dentro de um viés
mitológico/ficcional, favoreceu o entendimento para a “saída do mundo” de
Antônio Vicente Mendes Maciel. Estigmatizado dentro de sua sociedade dada o
revés trágico que sofreu, viu-se obrigado a abandoná-la pela vergonha, pela dor e
pelo sofrimento imposto pela atitude de sua mãe. É nesse momento de sua
trajetória de vida inventariada na “Lenda Arrepiadora” que sua “insanidade”
reascende e, assim, renuncia à sua sociedade e parte peregrinando pelos sertões
sem rumo certo, completamente desorientado, como um louco, deixando todo seu
passado para trás e segue em busca de uma nova missão.
Dentro desse contexto, ou seja, na busca de um “mundo novo” como uma
nova missão, apresentou-se um estudo sobre o carisma assim como do
messianismo a partir das idéias de Max Weber (1982; 1999; 2001) e Maria Isaura
Pereira de Queiroz (1977). Sem dúvida, pode-se afirmar que Antônio Conselheiro
foi um líder messiânico e como tal portador de um forte carisma. Logo, dentro
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desta perspectiva religiosa de cunho messiânico, Antonio Conselheiro uniu-se a
um grupo de pessoas que o seguiram em suas peregrinações e reentra no mundo,
ao “fundar” com esse grupo uma cidadela que ele denominou de Belo Monte.
Conclui-se, assim, que Antonio Conselheiro representou um modelo de
renunciador que decidiu não mais voltar à ordem social antiga ao construir uma
“nova sociedade” mas, uma sociedade paralela ao sistema social brasileiro, a
futura cidade de Canudos, palco da grande tragédia que abalou a sociedade
brasileira no final do século dezenove. A construção de sua nova comunidade
mostra, na verdade, sua vontade de voltar a “existir” após sua “morte” social,
assim como mostra uma clara tentativa de continuar a pertencer ao mundo.
Existem, portanto, duas perspectivas como base para justificativa deste
processo: a sua renúncia ao mundo inventariada na “Lenda Arrepiadora”, e sua
ascensão como “Antonio Conselheiro”, que ao fundar sua nova sociedade tornou-
se um líder carismático e passou messianicamente a liderar um grande contingente
de fiéis seguidores. Tornou-se líder de uma comunidade que reuniu nos sertões
longínquos do Brasil mais de 25.000 pessoas em seu entorno. Pessoas que não
passavam fome e tinham água para beber e acreditavam em suas palavras. Foi
essa comunidade, que esse renunciante modelar brasileiro, em sua nova missão
construiu e defendeu até o último momento da Guerra de Canudos (1896-1897).
Antonio Conselheiro não fugiu ou exilou-se, morrendo onde havia pregado e
inventado sua sociedade. É essa a trajetória excepcional da vida de Antônio
Vicente Mendes Maciel.
Conclui-se, portanto, que a ”Lenda Arrepiadora” (Cunha, 1984) articula-se
simbolicamente com o trágico destino do seu biografado. A inconcebível maldade
maternal expressa na “lenda”, seria um modo de simbolicamente justificar o
sentido trágico da vida deste Antônio Vicente Mendes Maciel que como
Conselheiro, morreu arrastando consigo milhares de pessoas numa guerra que
desestabilizou a jovem república brasileira. Entre os fatores de importância
incontestável para sua renúncia, deve-se à armação da sua própria mãe, que ao
engendrar um flagrante de adultério levou o filho ao infortúnio, assassinando as
duas: a esposa adúltera e a própria mãe. Pelo crime que cometeu, segundo a
“lenda”, foi acusado de matricida e uxoricida pela polícia baiana. A partir daí
torna-se um “indivíduo-fora-do-mundo”, um renunciante, um ser sem lugar na sua
sociedade de origem. A renúncia ao mundo, às vezes, não é fruto de escolha, mas,
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de uma tragédia pessoal como ficou evidenciado na trajetória de vida de Antônio
Vicente Mendes Maciel.
Em vista das conclusões apontadas, pode-se dizer que, o tema “renúncia”,
assim como os motivos que levam o indivíduo a abandonar a sua sociedade não se
esgotam no presente estudo e carece de mais pesquisas acadêmicas. Em estudos
posteriores, sugere-se a realização de pesquisas qualitativas e quantitativas entre
os tipos renunciadores que, por algum motivo trágico, seja uma doença incurável,
uma grande perda financeira ou pessoal, despem-se de suas prerrogativas como
cidadão e passam a perambular pelas ruas das grandes cidades, encontrando nestes
renunciadores outras variantes dentro destas perspectivas.
Também outra possibilidade de pesquisa é buscar junto aos remanescentes
da Guerra de Canudos, no próprio campo, um contingente maior de informações
acerca dos acontecimentos que resultaram na morte trágica de uma infinidade de
brasileiros que viveram grande parte de suas vidas sob a égide de Antonio
Conselheiro. Aqueles “sertanejos” que puderam, durante um período
relativamente curto, experimentar um tipo de vida mais promissor e com um
pouco mais de cidadania dentro do contexto “sertões” – “a terra de ninguém”.
Embora a bibliografia a respeito seja extensa, o próprio campo contribuiria
para inventariar tanto a biografia de Antônio Vicente Mendes Maciel como suas
inflexões religiosas, assim como o que ocorreu no período da Guerra de Canudos.
Para além da bibliografia aqui utilizada, dois filmes importantes deveriam constar
deste estudo mais detalhadamente: “Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber
Rocha (1964) e “Abril despedaçado” (2001) de Walter Salles.
Quando aborda no filme dois momentos bem distintos entre si, um ligado ao
fanatismo religioso e o outro apresentando a própria violência do cangaço,
Glauber Rocha (1964) propõe a idéia de continuidade, porque aqueles aspectos
representam as poucas alternativas restantes ao sertanejo oprimido. No filme, mais
que ocupar faces de uma mesma moeda, bem e mal /Deus e Diabo são elementos
disponíveis, isto é, são os instrumentos à disposição para resistir à opressão
imposta pelas condições sócio-econômicas da região. Com o crucifixo numa mão
e noutra o facão, recriam-se temas recorrentes na literatura regionalista brasileira:
a religiosidade associada à violência.
As palavras do cantador que encerram o filme curiosamente retomam a
profecia de Antônio Conselheiro:
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“Tá contada a minha história / verdade, imaginação / espero que o sinhô /tenha
tirado uma lição / que assim mal dividido / esse mundo anda errado / que a terra é
do homem / não é de Deus nem do Diabo / e o sertão vai virar mar / o mar vai
virar sertão”.
Se o filme situa a representação da miséria, em consonância com uma
estética da fome, da carência total, a corrida no final do filme até que surge o mar,
é a corrida no caminho da utopia, na qual, em vez de carência, prevalece a
imagem da abundância nas exuberantes ondas de um mar que chega até o homem
do sertão.
O tema “vingança” poderá ser observado no filme “Abril Despedaçado”
(2001), o qual consiste em uma adaptação de Walter Salles da obra literária,
homônima, escrita por Ismael Kadaré em 1991. A trama do romance de Kadaré
mostra um estudo de vingança existente nas montanhas albanesas chamado
Kanun, conhecido como um código moral transmitido oralmente há muitos
séculos. Este código determina que quando um membro de uma família é
assassinado, por motivos vários, principalmente por questões de honra e de
intrigas, outro membro dessa família tem obrigação de matar alguém da família
do assassino.
Importante, para finalizar este trabalho, conferir ao livro “Os Sertões”, para
além da grandiosidade da obra, a grande contribuição de Euclides da Cunha que,
ao escrevê-lo em 1902, portanto cinco anos após a maior guerra acontecida no
Brasil, a Guerra de Canudos, trouxe à tona a realidade do mundo sertanejo
mostrando para todo o Brasil o mundo de miséria, da seca, da fome, da violência e
do esquecimento que esta região do país experimenta até os dias de hoje.
Finalmente, cabe uma referência de teor antropológico: Como Antonio
Conselheiro, Euclides da Cunha teve um fim trágico e sucumbiu ao mesmo
código de honra que vitimara, no sertão cearense, a família do futuro líder de
Canudos. Ambos foram construtores itinerantes, um de pontes e estradas, o outro
de igrejas e cemitérios. Os dois tiveram o destino marcado pelo adultério.
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