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Ana Carolina Ferreira Rodrigues da Silva
Vozes da Baixada:
um estudo sobre rádio comunitária
em Queimados e São João de Meriti
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da PUC-Rio.
Orientador: Marcelo Tadeu Baumann Burgos
Rio de Janeiro
Outubro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521342/CA
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Ana Carolina Ferreira Rodrigues da Silva
Vozes da Baixada:
um estudo sobre rádio comunitária
em Queimados e São João de Meriti
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada
pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Marcelo Tadeu Baumann Burgos
Orientador
Departamento de Sociologia e Política - PUC-Rio
Prof. Orlando Alves do Santos Junior
IPPUR/UFRJ
Profa. Angela Maria de Randolpho Paiva
Departamento de Sociologia e Política - PUC-Rio
Prof. João Pontes Nogueira
Coordenador Setorial
do Centro de Ciências Sociais - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2007
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0521342/CA
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Ana Carolina Ferreira Rodrigues da Silva
Ana Carolina Rodrigues da Silva é bacharel em Letras pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-graduada em
Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro. Atualmente é doutoranda em Sociologia
no Instituto Universitário do Estado do Rio de Janeiro.
Ficha Catalográfica
Silva, Ana Carolina Ferreira Rodrigues da
Vozes da Baixada: um estudo sobre rádio
comunitária em Queimados e São João de Meriti / Ana
Carolina Ferreira Rodrigues da Silva; orientador: Marcelo
Tadeu Baumann Burgos. – 2007.
98 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Sociologia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2007.
Inclui bibliografia
1. Sociologia – Teses. 2. Rádio comunitária. 3.
Movimentos sociais. 4. Periferia. 5. Espaço público. 6.
Baixada Fluminense. I. Burgos, Marcelo Tadeu Baumann.
II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Ciências Sociais. III. Título.
CDD: 301
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Aos meus pais, por serem os mais especiais.
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Agradecimentos
Ao meu orientador, Marcelo Burgos, pelo apoio constante e pelo exemplo de
seriedade e rigor acadêmico.
À Banca Examinadora, Angela Paiva e Orlando Junior, cujos comentários e
conselhos dirgidos a mim no momento da qualificação foram fundamentais para
a elaboração da dissertação.
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, que conduziu
com eficiência sua primeira turma de mestrandos.
Aos meus informantes, que compartilharam comigo muitas histórias vividas nas
rádios. Espero ter podido fazer jus ao tamanho da empreitada deles.
Aos meus amigos do mestrado, com quem dividi a angústia que a produção de
uma dissertação acarreta.
Aos meus velhos amigos, Ana, Fernanda, Bruno e Carol, companheiros sempre.
E ao Pablo, minha escolha todos os dias.
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Resumo
DA SILVA, Ana Carolina Ferreira Rodrigues. Vozes da Baixada: um
estudo sobre rádio comunitária em Queimados e São João de Meriti.
Rio de Janeiro, 2007. 98p. Dissertação de Mestrado - Departamento de
Sociologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta é uma pesquisa sobre rádios comunitárias em áreas periféricas, tendo-
se elegido como casos de estudos as rádios Novos Rumos, em Queimados, e
Onda Livre, em São João de Meriti, ambas na Baixada Fluminense. Diante da
proliferação de rádios comunitárias nos últimos anos no Brasil e do debate em
torno de sua regulamentação, urge a melhor compreensão do trabalho dessas
rádios. O objetivo é compreender as motivações e estratégias para a criação de
um rádio comunitária. Como ela se articula com a vida associativa local e qual o
significado e desafio da criação de um espaço público alternativo, considerando
áreas marginalizadas e onde práticas políticas autoritárias são uma constante.
Palavras-chave
Rádio comunitária; movimentos sociais; espaço público; periferia; Baixada
Fluminense.
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Abstract
DA SILVA, Ana Carolina Ferreira Rodrigues. Voices of Baixada: a study
about radio community in Queimados and São João de Meriti. Rio de
Janeiro, 2007. 98p. Dissertation of Mestrado - Departamento de
Sociologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This is a research about radio community in peripheral areas. We have
chosen two radios: Novos Rumos, in Queimados, and Onda Livre, São João de
Meriti, both located in a region called Baixada Fluminense. Due to a
proliferation of radios in the last years in Brazil and the large debate about their
regulation, it is important to understand their practice. Our goal is to achieve a
better understanding of the motivations and strategies for the implementation of
a radio community. How they are articulated to the local life and what is the
meaning and the challenges for the construction of a radio community,
considering marginalized areas, where authoritarian political practices area
common.
Keywords
Radio community; social movements; public sphere; periphery; Baixada
Fluminense.
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Sumário
1 Introdução 9
2 Movimentos sociais, mídia e espaços públicos:
ampliando as fronteiras do político 14
2.1. O popular em questão 14
2.2. A comunicação em disputa 25
2.3. Mídia e espaço público 32
2.4. Para entender as rádios comunitárias 37
3 Baixada Fluminense: em busca de seus contornos
e seu significado 47
3.1. Dos loteamentos aos grupos de extermínio 54
3.2. A Baixada nos jornais 55
3.3. Retrato social da Baixada 60
4 Novos Rumos e Onda Livre: a Baixada em sintonia 70
4.1. A Rádio Novos Rumos e a cidade de Queimados 71
4.2. Onda Livre e a cidade de São João de Meriti 82
5 Conclusão 89
6 Referências bibliográficas 92
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1
Introdução
Cheguei ao tema das rádios comunitárias através de um outro interesse: a internet.
Quando a idéia de escrever uma dissertação sobre inclusão digital era ainda muito
incipiente, conheci alguns projetos sociais cujo pontapé inicial tinha ligação com rádio.
Para essas iniciativas, a internet era apenas uma continuação de um trabalho anterior; a
introdução de uma nova mídia para quem já estava se ocupando com o tema da
comunicação. O que chamou minha atenção foi a paixão que os envolvidos com o
projeto demonstravam com relação à rádio.
Já tinha ouvido por aí que um microfone pode ser muito sedutor, especialmente se
estamos falando de gente cuja voz sempre foi abafada. Também eu acabei mobilizada
pela energia que envolve a todos que trabalham com rádio. Todas as histórias de
fechamento de rádios, de repressão acabaram por incitar ainda mais minha curiosidade
para entender que fenômeno é esse. E a despeito das possibilidades comunicativas que a
internet vem abrindo, preferi concentrar-me na rádio.
Mais do que simplesmente tocar músicas, o que me parece curioso nas rádios que
conheci em áreas periféricas do Rio de Janeiro relaciona-se com seu intuito de
mobilização social, de articulação com a vida cívica e de atuação como um instrumento
para a vida local. É justamente por estarem em áreas que conjugam desigualdades de
diferentes ordens o que torna esse trabalho mais importante. Infelizmente, é também o
quadro de iniqüidade que muitas vezes obstaculiza essa ação.
Nossa hipótese diz respeito ao potencial das rádios comunitárias na criação de
espaços públicos alternativos, atuando como meio de vocalização de questões locais, de
reconhecimento e solidariedade social em ambientes marcados por autoritarismo social,
relações de trabalho instáveis e condições sociais precárias e cambiantes.
As rádios comunitárias são experiências herdeiras das chamadas rádios piratas,
que surgiram há mais de 40 anos no país. Somente em 1990, surge o conceito de rádio
comunitária, como emissoras que têm como objetivo a preservação de valores culturais
e sociais e a divulgação de informação de interesse de uma coletividade.
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Uma vez que os grupos subalternos foram relegados ao posto de não-cidadãos, a
multiplicação de arenas públicas, nas quais a exclusão social, de gênero, racial e
econômica pode ser contestada e re-significadas é parte integrante do aprofundamento
da democracia.
Durante os anos 80 e 90 vamos assistir a uma intensa luta em torno da
democratização da comunicação que terá as rádios comunitárias como principais
veículos para concretizar esse ideal.
Uma das conquistas do movimento das rádios comunitárias é a Lei 9.612 de 1998,
que embora não esteja a contento das expectativas e necessidades daqueles que atuam
em rádios comunitárias, foi vista como uma primeira batalha ganha. Ela regulamenta o
setor e define que rádio comunitária deve servir às comunidades locais, sendo regida por
um estatuto de entidade sem fim lucrativo.
Entretanto, a grande maioria das rádios hoje em funcionamento permanece na
clandestinidade. Para conseguir a outorga é preciso enfrentar uma forte burocracia e
atender a uma série de requisitos que não correspondem à realidade das rádios.
Conseqüentemente, muitas delas sofrem repressões da ANATEL e da Polícia Federal, o
que contribui para a sensação de abandono e cria mais dificuldades para a realização de
seu trabalho.
Além disso, a apropriação do espaço das rádios para fins comerciais e políticos
por grupos que criam entidades fictícias, torna o cenário mais complexo, desvirtuando o
propósito das rádios comunitárias. Em pesquisa recente, NUNES (2002) identificou
que, no Ceará, cerca de 90% das emissoras comunitárias estão nas mãos de políticos,
conformando um processo classificado por ela como coronelismo eletrônico.
Houve nos últimos anos uma expansão significativa do número de rádios
comunitárias no país. A ABRAÇO (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias)
calcula que haja cerca de 15.000 rádios funcionando hoje. Muitas delas, pouco
preocupadas em construir um espaço de articulação e diálogo público. No entanto,
sabemos que há muitas experiências imbuídas da tarefa de realizar um trabalho
comunitário. E para essas precisamos nos voltar e analisar que tipo de contribuição têm
podido oferecer e que obstáculos precisam enfrentar.
Optamos por trabalhar com rádios na Baixada Fluminense, que ocupa um lugar
periférico no âmbito da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O que torna a tarefa
das rádios mais imperiosa.
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Não foi a Baixada, mas a favela que sempre atraiu maior atenção tanto do poder
público quanto dos acadêmicos no Rio de Janeiro, o que se comprova pelos estudos,
pesquisas e políticas urbanas. Ao passo que em São Paulo, por exemplo, a periferia
sempre ocupou as preocupações de sociólogos, antropólogos, urbanistas e agentes de
instâncias do Estado.
Não à toa, de acordo com os dados do IBGE, a favela se encontra em posição de
vantagem em relação à região metropolitana do Rio de Janeiro, no que diz respeito a
acesso a equipamentos urbanos, como água, saneamento, coleta de lixo. Tal fato é
resultado de décadas de investimento na chamada “urbanização das favelas”, realizada
por organizações não governamentais, poder público e população local
(PRETECEILLE; VALLADARES, 2000). Essa constatação rompe com a correlação
tão comum da favela como o lugar da pobreza e revela que urge uma maior
compreensão da realidade da Baixada.
A Baixada Fluminense esteve fortemente marcada por representações negativas,
resultado da condição subalterna que ocupa no imaginário da capital. Até os anos 90, o
tema da violência esteve vinculado à Baixada e a postura da mídia apenas reforçou as
imagens negativas sobre a região. Felizmente, esse quadro vem mudando nos últimos
anos, como conseqüência de uma inflexão da atuação da mídia, mas também do esforço
de movimentos sociais, institutos culturais e organizações da sociedade civil em
representá-la de forma mais positiva.
Essa nova fase guarda estreita relação com as mudanças no padrão de
estruturação do espaço da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que afetou
significativamente a Baixada. A região ganhou maior dinamismo econômico e galgou o
posto de novo pólo de desenvolvimento do estado. No bojo dessas modificações,
investimentos do mercado imobiliário, como moradias para classes médias e superiores
e shopping centers, também têm sido um importante propulsor dessa “nova” Baixada.
É a partir desse pano de fundo que produzimos a presente dissertação. Como
estudo de caso, após visitas a diferentes rádios no Rio de Janeiro, selecionamos as
rádios Novos Rumos, em Queimados, e Onda Livre, em São João de Meriti, na Baixada
Fluminense. A razão da escolha se deveu a constatação de que na história dessas rádios
a atuação de movimentos e organizações sociais havia tido papel importante na sua
constituição.
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Muitos de seus fundadores são ativistas sociais, conectados com as lutas e os
debates de cada um desses municípios. Vários tiveram sua formação ligada à
movimentação que tomou os bairros das periferias nos anos 70 e 80.
A rádio Novos Rumos é portadora do título de primeira comunitária do Brasil. O
reconhecimento se deve ao fato de ter sido a primeira rádio a criar um estatuto, uma
entidade mantenedora e estabelecido regras para seu funcionamento. Seu estatuto foi
base para a criação de outras rádios e para elaboração das propostas de regulamentação
das rádios comunitárias. Quando da sua criação, em 1991, a cidade de Queimados
estava se municipalizando. E a rádio, então, assumiu a função de ser a rádio da cidade, o
espaço em que os queimadenses pudessem ter oportunidade de debater entre si e falar
sobre sua cidade. No entanto, meses depois de sua criação, a rádio foi fechada pela
Polícia Federal e esteve durante quatro anos fora do ar, retornando em 1995.
A rádio Onda Livre se situa na cidade de São João de Meriti e foi criada em maio
de 1998 pela FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional),
ASPAS (Ação Social Paulo Sexto), Casa da Cultura da Baixada e a ABM (Conselho de
Entidades Populares). Essas instituições tinham como objetivo abrir um canal de
diálogo com a população da cidade sobre suas ações e plataformas de luta. Dessa forma,
esperavam poder oferecer para a população de São João informações e debates,
diferentes daqueles acessados através da grande mídia, e que tivessem uma perspectiva
crítica sobre a realidade.
Tentamos compreender essas experiências, tendo em vista a realidade dos
municípios em que estão situadas. Nosso objetivo é tratar dos desafios e oportunidades
da vida cívica da Baixada. Pretendemos verificar as motivações e as estratégias para a
construção de uma rádio comunitária e compreender como essa tarefa se articula com a
dinâmica associativa local.
Para isso realizamos entrevistas com pessoas que atuam ou já atuaram nas rádios,
percorrendo os seguintes tópicos: perfil do entrevistado, motivação para criação da
rádio, percepção sobre a realidade local, possíveis contribuições da rádio para a vida
local, relação com movimento de rádio comunitária e desafios para realização do
trabalho da rádio.
Além das entrevistas, foi possível ter acesso a documentos das rádios e realizou-se
um levantamento sobre dados da vida local para melhor contextualização.
Partindo da pesquisa que realizamos, dividimos a dissertação em quatro partes.
No primeiro capítulo, faremos uma rápida visita aos anos 70 e 80 e falaremos sobre os
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movimentos sociais e o debate que suscitaram sobre reconhecimento social, ampliação
de arenas públicas e seus temas. Será importante compreender a emergência e o
abandono do conceito de comunicação popular nesse período e as discussões que trouxe
em seu bojo.
O segundo capítulo trata das rádios comunitárias, seu surgimento e suas lutas. O
tema do terceiro capítulo é a Baixada, a construção desse espaço e seu momento atual,
através da análise de dados sobre sua realidade. Enfatizamos também a representação da
mídia sobre a região nos últimos anos.
O quarto capítulo é a apresentação da pesquisa de campo realizada nas rádios,
suas histórias, os personagens e as estratégias de cada uma para realização de seu
trabalho e articulação com a vida local.
Pesquisar rádios comunitárias tem sido um caminho pouco explorado nas
ciências sociais, tendo maior receptividade na área da comunicação, que privilegia a
análise da linguagem e estratégias comunicativas utilizadas e os estudos sobre recepção.
Entretanto, visto que a mídia comunitária assume importância na vida cívica local, ela
também pode se transformar em um objeto de interesse para o debate nas ciências
sociais.
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Movimentos sociais, mídia e espaços públicos: ampliando as
fronteiras do político
Neste capítulo faremos, na primeira parte, um retrospecto das leituras sobre os
movimentos populares das décadas 70 e 80, frisando alguns aspectos que nos parecem
fundamentais para melhor compreensão do fenômeno das rádios comunitárias.
Importante será considerar o legado desses movimentos no que tange à valorização da
vida cotidiana, a importância da ancoragem territorial, ou seja, da vida local. Veremos
como essa mobilização popular ampliou as fronteiras do político e criou novas arenas de
discussão e debate.
Além disso, privilegiaremos a emergência da noção de comunicação popular, seu
desenvolvimento, as práticas e as discussões que trazia em seu bojo. Especial ênfase
será dada às mudanças em relação às visões e interpretações sobre os veículos de massa
e sua atuação no espaço publico dos anos 70 para cá.
2.1.
O popular em questão
Nos anos 70 e 80, um conjunto de repertórios, linguagens e estratégias comuns se
articulou pelo país, com base em amplos movimentos reivindicativos. Através de uma
“pedagogia popular”, personagens, instituições e tradições da cena brasileira
interagiram e convergiram na crença da força do popular.
A imagem muitas vezes mobilizada para caracterizar esse período é a do “povo
como sujeito da própria história”. Metáfora da dinâmica da luta pelo poder, ela dá conta
das concepções e práticas que pretendiam elevar a capacidade ativa do povo e organizar
as classes populares.
Doimo (1995) reconhece a importância de diferentes atores para esse processo,
como a Igreja Católica, segmentos da intelectualidade acadêmica e agrupamentos de
esquerda no entendimento do momento histórico e da cultura política autoritária
brasileira, no processamento de influências européias de pensamento e no resgate e
valorização de aspectos da tradição cultural.
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Foi com esse pano de fundo que as idéias de povo e participação popular
ganharam força. O “trabalho comunitário” era uma estratégia para romper com o padrão
hierárquico e as formas autoritárias da nossa cultura política. A transformação deveria
ser processada a partir das bases, ou seja, de baixo para cima.
A Igreja Católica é um importante referencial se quisermos reconstruir o quadro
de ação dessa mobilização, os conceitos subjacentes a ela e as estratégicas de
articulação. Segundo Paiva (2003), desde o final dos anos 50 começa um processo de
mudança profunda no ethos católico. Da prática de uma religiosidade formal, muda-se
para uma Igreja orientada para os pobres e no engajamento de lutas contra as mais
variadas formas de opressão.
A revisão religiosa culminou nos anos 60 com o Documento do Conselho do
Vaticano II, cujos principais aspectos são a recomendação de uma maior aproximação
com a sociedade. Aumentou-se a interação entre o clero e os leigos, as línguas nacionais
passaram a ser adotadas na celebração da missa e passou-se a respeitar as idiossincrasias
dos distintos tipos de catolicismo no mundo. Outros eventos também tiveram forte
influência, como a Encíclica Papulorum progressio do Papa Paulo VI, que tratava do
desenvolvimento dos povos e foi dirigida à América Latina para superação da miséria e
da pobreza. A Segunda Conferência do Episcopado Latino-americano na Colômbia, em
1968, e a terceira Conferência do Episcopado Latino-americano no México, em 1979,
reafirmaram os princípios básicos de uma Igreja comprometida com os oprimidos.
A consciência desses padres quanto às contradições do sistema social latino-
americano e da inadequação das políticas econômicas e sociais tornou-se mais aguda e
com ela, a necessidade de atuar de forma diferenciada.
Sai de cena a ética paternalista cristã e a necessidade de fazer caridade individual
e passa a ser importante o exercício da solidariedade cristã, ou seja, a promoção do ser
humano na sua totalidade. (PAIVA, 2003:193)
As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) possibilitaram o enraízamento da
Igreja, ao representarem uma nova forma de organização pastoral. Institucionalmente
frágeis, se reunindo em torno de paróquias ou capelas, dependendo antes de tudo da
iniciativa local, articulando os leigos, as CEBs romperam com a inércia das estruturas
tradicionais da Igreja.
A Igreja Popular valeu-se de um impulso renovador e descentralizador contido no
Conselho do Vaticano II, em que se reconhece que as múltiplas tarefas junto ao mundo
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moderno não cabem em um formato institucional único nem em uma metodologia de
ação (DOIMO, 1995).
A criação das CEBs possibilitou a penetração em áreas rurais pobres e favelas
urbanas. Com base em discussões grupais e leituras renovadas da Bíblia, a proposta era
servir de meio de conscientização e luta reunindo pessoas que sofressem a mesma
opressão, promovendo a redescoberta de sua dignidade e aumentando sua confiança
para a transformação pessoal e social.
O objetivo não era bater de frente com a hierarquia, desafiar os poderes do Papa.
Retomava-se uma antiga tradição cristã da época da Reforma no século XVI
(FERNANDES, 1994), a Igreja viva baseia-se na experiência dos fiéis reunidos.
A idéia da criação das comunidades foi, assim, uma forma de organizar as
relações locais, realizar programas de ação de acordo com as necessidades e
capacidades locais. No trabalho a partir do cotidiano, das relações interpessoais, a Igreja
deu ênfase à idéia de comunidade. E recuperou a mística da palavra.
Não à toa, “comunidade” e “cotidiano” são vocábulos que aparecem com
freqüência nos discursos e nas estratégias dos movimentos populares de então.
O entendimento desse fato não deve se limitar apenas a partir da movimentação
dentro da Igreja, como vimos acima. A dinâmica da mobilização popular não pode ser
reduzida ao âmbito dessa instituição. Há, como salientou Doimo (1995), outros atores
portadores de diversas experiências e que estavam construindo outras matrizes bastante
significativas para nossa análise.
O cotidiano e a cultura passaram a ganhar uma forte valorização também no
pensamento da esquerda. Lembremos que Thompson (1987) havia ensinado que a
forma como os trabalhadores vivem suas relações de produção, experimentam suas
situações determinantes dentro do conjunto de relações sociais e de como modelam
essas experiências em formas culturais era um aspecto importante para a formação da
classe trabalhadora. A história da classe operária não tem fundamento sem a memória e
a experiência populares.
Por outro lado, essa valorização do espaço do cotidiano também é compreensível
diante do fechamento dos canais institucionais de participação pela ditadura militar. A
repressão, o fechamento do espaço sindical, o “exílio das fábricas” desarticularam as
formas tradicionais de mobilização. Diante disso, o retorno ao cotidiano era uma
experiência tão nova que exigia novos códigos e novos discursos para organizar e
orientar a ação. (TELLES, 1994).
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Foi no espaço dos bairros que se deu o encontro entre os rearticuladores operários,
os movimentos populares e os grupos católicos. O trabalho e a organização de base
apareciam como valor e referência comum.
“O local de moradia era o ponto de convergência e interação de experiências vividas em
tempos e espaços diferenciados. Pois nessa convergência havia a construção de uma
linguagem que nomeava esse social como o lugar de ação dotada de sentido político, que
interpelava e articulava sujeitos diversos, que nomeava e instituía o lugar por onde a ação
poderia se realizar e que construía uma representação da sociedade e da política na qual
os trabalhadores/moradores apareciam como sujeitos na luta por direitos.” (TELLES,
1994:243)
Foi possível construir “uma sociabilidade mais ampla do que aquela baseada na
família e mais densa que as formas individualizadas pela sociedade”, nas palavras de
Barbero (2001).
Diante do grau de pauperismo a que as periferias urbanas estavam submetidas, a
situação de carência era o ponto em comum desse encontro (DURHAM, 1984). A
expressão espoliação urbana proposta por Kowarick
1
pretende dar conta das condições
da massa trabalhadora nesse período, em que os efeitos do modelo de desenvolvimento
do país são sentidos de forma dramática.
Trata-se de um conjunto de situações que pode ser denominado de espoliação urbana: é a
somatória de extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços de
consumo coletivo, que juntamente ao acesso à terra e à moradia apresentam-se como
socialmente necessários para a reprodução dos trabalhadores e aguçam ainda mais a
dilapidação decorrente da exploração do trabalho ou, o que é pior, da falta desta.
(KOWARICK, 1993:22)
Kowarick privilegia o caso de São Paulo que, desde os anos 1950, experimenta
forte dinamismo econômico e pauperização urbana. A metrópole paulista espelha as
contradições que se reproduzem nas grandes cidades latino-americanas. Ele aponta a
moradia como fator primordial no processo de inclusão e exclusão dos trabalhadores,
mas é pela ação do Estado que se geram os bens de consumo coletivo e se provêem os
elementos básicos para sobrevivência nas cidades. Daí ser importante a capacidade dos
grupos em pressionarem o Estado para obtenção desses elementos.
1
A conceituação de Kowarick articula-se com o a linha de investigação proposta por Manuel Castells ao
explicar a questão urbana de acordo com a lógica de exploração do capitalismo. Faz sentido para tratar de
um tecido urbano integrado pelo capitalismo industrial.
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Entretanto, as condições materiais objetivas não constituem o motor das
transformações sociais. Ou seja, só a pobreza não explica o significado e o sentido das
lutas e reivindicações. É preciso captar a construção valorativa e simbólica que se
constrói sobre uma certa realidade e que produzem as aglutinações entre os grupos
(KOWARICK, 1993).
As CEBs foram os espaços de construção de símbolos e articulação de discursos,
de discussão da condição espoliativas da vida cotidiana e de organização de dinâmicas
de luta e reivindicações de recursos básicos junto ao Estado.
Os movimentos, que se constituíram naquele momento, organizados em torno da
luta por saneamento básico, luz, segurança, moradia, transporte tinham uma natureza
múltipla e careciam de estruturas formais.
Essa imbricação de mobilização social e o cotidiano é para Melucci (2001)
fundamental para as ações coletivas. Os movimentos sociais se enraízam na vida
cotidiana de sujeitos e coletividades e, de alguma forma, seu horizonte de expectativas
depende dela. O agregar-se depende de uma solidariedade de grupo que não está
separada da busca pessoal e das necessidades afetivas e comunicacionais dos membros,
da sua existência cotidiana. As redes submersas da vida cotidiana sustentam os fluxos e
refluxos da mobilização. Melucci (2001) identifica cada vez mais nos movimentos hoje
uma estrutura segmentada, policéfala.
“Os movimentos nas sociedades complexas são redes submersas de grupos, de pontos de
encontro, de circuitos de solidariedade de que diferem profundamente da imagem do ator
coletivo politicamente organizado. (...) Trata-se de uma estrutura submersa, ou melhor, de
latência; cada célula vive uma vida própria, completamente autônoma do movimento,
mesmo mantendo uma série de relações através da circulação de informações e de
pessoas; estas relações se tornam explícitas somente em ocasião de mobilizações
coletivas e de saídas em torno das quais a rede latente ascende à superfície, para então
mergulhar-se novamente no tecido quotidiano” (MELUCCI, 2001: 97)
No final dos anos 80, mudanças como a consolidação dos partidos políticos,
institucionalização de direitos sociais levaram a uma revisão do potencial transformador
desses movimentos.
No ambiente acadêmico, os movimentos passaram a ser questionados quanto ao
potencial de seu projeto político e de suas referências valorativas. A constatação da
cooptação de lideranças dos movimentos, a negociação com o Estado, as brigas internas
pelos recursos indicaram a dificuldade em ver nos movimentos o elemento central das lutas
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sociais (DOIMO, 1995). Essa perspectiva tem um claro contraste com as análises dos anos
que reconheciam o surgimento de novos atores coletivos, independentes e autônomos,
capazes de romper com nossa cultura autoritária.
Na opinião de Cardoso (1994), essas mudanças de perspectivas se devem a contextos
políticos e ideológicos que permitiram momentos distintos de se observar um mesmo
objeto. Nos anos 70, a valorização da observação participante, a militância dos próprios
acadêmicos, o entusiasmo com os fenômenos novos possibilitaram uma ciência social
engajada e que utilizava o mesmo discurso dos movimentos. O espontaneísmo e a
autonomia eram características exaltadas, pois representavam a possibilidade do surgimento
de outras formas de participação, de quebra das relações clientelísticas. O Estado sendo
visto como um inimigo.
Já nos anos 80, a redemocratização e a abertura de canais de participação e de
comunicação entre sociedade civil e Estado representam uma nova fase. A busca por formas
de gerenciamento das políticas públicas estabeleceu uma nova relação entre os movimentos,
os partidos políticos e as agências públicas. Os cientistas sociais viram a institucionalização
como uma negação do discurso dos movimentos e da interpretação que se fazia deles. Daí a
caracterização desse momento como sendo um refluxo dos movimentos. A conjuntura
política mudou e os movimentos tiveram que mudar suas formas de atuação.
Para Doimo (1995), também serão significativas, nos anos que se seguiram à
redemocratização, as redefinições dentro de cada um dos núcleos que eram o sustentáculo
da movimentação popular. A Igreja Católica recua e interioriza-se novamente e o modelo
das CEBs sofre com a crítica interna. As ONGs passam a incorporar critérios de eficácia e a
dedicar-se a ações mais propositivas em ternos de políticas públicas. A intelectualidade
acadêmica abandona seu “otimismo t
eórico” em relação aos movimentos e elege como
prioritárias questões relativas à transição política e a reengenharia institucional. Os
segmentos de esquerda começam a assumir crescentes compromissos com o sistema
partidário, a reforma do Estado e a gestão da coisa pública.
A partir das mudanças e reorientações dentro de cada um dos atores em questão é
possível compreender as redefinições do campo popular. Foram desativados projetos de
“educação popular” e consolidaram-se condutas
com apelo à cidadania. Diante da
reordenação das forças políticas e o restabelecimento de canais tradicionais de participação
era preciso abandonar o discurso de negação da institucionalidade e utilizar as energias
construídas ao longo daquele período para promoção de ações propositivas, que, no limite,
abarcassem a sociedade como um todo. Essas modificações são verificadas também no
discurso. Diante da fragmentação que marca a globalização, da necessidade de convivência
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com o Estado e de participação em políticas públicas, idéias como popular e democracia de
base perderam força e foram substituídas por sociedade civil organizada e democracia como
valor universal. Dessa forma, constrói-se uma postura mais propositiva, com projetos de
abarquem a sociedade como um todo e mais aberto à interface com o pluralismo político e a
institucionalidade democrática.
Com a redemocratização, alargou-se a participação da sociedade civil nos
processos de discussão e tomada de decisão relacionados a políticas públicas. Como
conseqüência, o confronto e o antagonismo que marcavam a relação entre Estado e
sociedade civil cederam lugar a uma aposta na possibilidade de sua ação conjunta para o
aprofundamento democrático. Nessa nova fase, viu-se a heterogeneidade e a diversidade
de atores e experiências que a sociedade civil encerrava e a relação entre Estado e
sociedade civil tornou-se mais complexa.
Desviando-nos da discussão em torno da vitória ou da derrota dos movimentos
sociais, por acreditarmos ser neste trabalho pouco relevante, interessa-nos considerar o que
esse período nos legou. O que ensinou como valores e referências que de alguma forma
ficaram impregnados nas práticas e discursos que ultrapassam o momento histórico de sua
sobrevivência.
Foi possível que a sociedade aparecesse como espaço de ação política, ou seja, havia
algo para além do Estado e das relações institucionalizadas pelo poder.
A pedagogia popular se empenhou na tarefa em criar as possibilidades para que a
população atuasse na esfera social, nos termos de Hannah Arendt (1981). Esfera social é
definida por Arendt como o âmbito que sintetiza as esferas privada e pública.
É a esfera
possível com o surgimento da sociedade de massas, diante da ampliação e
complexidade para a participação nessa esfera pública. É a instância em que as pessoas
podem agir de forma concertada, havendo como pressuposto um grau de liberdade e
igualdade.
No entanto, essa esfera surge como conseqüência do individualismo moderno, no
momento em que o indivíduo passa a ser capaz de atuar na esfera pública, mas tendo
como salvaguarda seus direitos individuais.
É justamente essa valorização do indivíduo que foi negada a amplos setores da
sociedade brasileira, alijando-os da possibilidade de participação da esfera social. O
autoritarismo social que imperou por aqui impediu a participação de muitos.
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A mobilização da Igreja e dos outros atores envolvidos orientou-se para a
transformação social a partir do resgate da capacidade ativa dos homens, da elaboração e
utilização de recursos e estratégias de ação, de constituição de cidadãos.
Essa convivência pela solidariedade construída naquelas décadas de intensa
mobilização pôde permitir o sentimento de pertencimento, fundamental para o exercício
cidadão. A existência de
instituições e grupos fortemente estabelecidos é essencial para
que seus membros possam participar na esfera social em pé de igualdade.
Cardoso (1994) acredita que a grande contribuição dos movimentos foi colocar a
esfera privada como uma questão política, redefinindo-se, assim, o contorno da esfera
pública e possibilitando uma “nova subjetividade coletiva” (SADER, 1988:36).
Essa tarefa, no entanto, não terminou e permanece sendo articulada pelos
movimentos, como afirma Ottman (1995:188)
“A despeito da matança selada pelo postmortem de muitos analistas, os movimentos
populares brasileiros estão vivos e constituem elemento importante na conformação dos
processos democráticos no Brasil Os movimentos populares, principalmente quando se
levam em conta as enormes restrições cognitivas, estão impulsionando o Brasil para um
modelo de democracia participativa.”
Estratégia política, coordenação de grupo, criação de redes intermovimento e
política e a representação dos movimentos de bairro em diferentes esferas assumem
precedência sobre a construção da comunidade. Ottman acredita que os movimentos
lutaram por uma maior visibilidade e projeção no projeto de modernidade do país,
impactando a arena política formal. Essa produção de uma “nova cultura” modificou as
matrizes discursivas do eleitorado e as agendas políticas (OTTMAN, 1995:204)
Assim como nos anos 70, os movimentos seguem reverberando os clamores de
diferentes grupos da sociedade e divulgando sua forma de ler a realidade. Intervindo em
debates políticos, tentando dar novo significado às interpretações culturais dominantes
ou desafiando práticas políticas estabelecidas. É uma luta por participação nos projetos
dominantes de construção da nação. Dessa forma, os movimentos põem em prática
políticas culturais.
“Nossa definição de política cultural é ativa e relacional. Interpretamos política cultural
como o processo posto em ação quando um conjunto de atores sociais moldados por e
encarnando diferentes significados e práticas culturais entram em conflito uns com os
outros. (...) A cultura é política porque os significados são constitutivos dos processos
que, implícita ou explicitamente, buscam redefinir o poder social. Isto é, quando
apresentam visões alternativas de mulher, natureza, raça, economia, democracia ou
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cidadania, que desestabilizam os significados culturais dominantes, os movimentos põem
em ação uma política cultural.” (ALVAREZ, DAGNINO, ESCOBAR, 2002).
O trabalho dos movimentos opera na reavaliação dos significados e valores que
orientam as práticas sociais, questionando o que já está engessado na dinâmica pública e
as matrizes que justificam as regras do jogo político.
Na tentativa de articular novos significados e olhares para a realidade, é possível
modificar o que conta como político, as arenas em que a política realmente se faz e que
atores podem fazer parte desse jogo. A cultura política está sendo, então, debatida.
É importante frisar que a ação através da cultura não é prerrogativa de
movimentos de negros, mulheres e gays. Quando os atores se mobilizam coletivamente
exigindo assim a prerrogativa da auto-representação, a validade de suas demandas,
questionando as relações de poder, suas estratégias e atitudes estão vinculadas à cultura,
enquanto um processo incessante de produção de significados que molda a experiência
social.
O que os movimentos há muito vêm promovendo, considerando suas diferentes
fases e conseqüentes desafios como já falamos, é revelar a “heterogeneidade inscrita no
social” (TELLES, 1994:94), exigindo a importância de uma cultura púbica igualitária e
desprovida de privilégios e o reconhecimento do outro como sujeito de direitos, valores
e demandas válidas. Em outras palavras, a luta se orienta não apenas pelo atendimento
de serviços e necessidades básicas.
De forma sintomática, o tema do reconhecimento surgiu com força nos últimos
anos. Para que percebamos sua importância e dimensão recapitularemos rapidamente os
debates da teoria do reconhecimento.
Taylor (1994), na tentativa de resgatar a origem do discurso sobre o
reconhecimento, aponta dois momentos de mudanças. Um, refere-se ao colapso das
hierarquias sociais que serviam de bases para a honra. Nos tempos em que vigiam o
Antigo Regime, a honra era uma forma de distinção em sistemas de desigualdade.
Como poucos podiam ostentar títulos e muitos não podiam sequer aspirar de forma
realista a possibilidade de reconhecimento público, a demanda por reconhecimento
inexistia. É com a modernidade que se cria a noção de dignidade, usada num sentido
universalista e igualitário. É só diante da relevância da dignidade, ou seja, que todos os
seres humanos são considerados como digno de respeito, que podemos falar de
reconhecimento.
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Outro momento de ruptura deu-se com um novo entendimento sobre a identidade
individual que surge no século XVIII. A melhor forma de compreendê-la é usando o
ideal de autenticidade, ou seja, cada ser humano é único e original. Diferentemente de
épocas anteriores em que a fonte da moral estava na relação com Deus, na cultura
moderna o foco passa a ser a consciência de cada ser humano.
Reconhecimento depende ainda de uma outra dimensão da condição humana que
é a linguagem. Ele é construído e criado de forma dialógica. Precisamos de relações
para definir a nós mesmos. O reconhecimento público de uma identidade exige espaço
para que se possa liberar os aspectos de nossa identidade que podemos dividir com
outros. O não-reconhecimento pode ser uma forma de opressão, encerra o outro numa
forma de vida falsa, distorcida e reduzida. “Reconhecimento não é uma cortesia que
devemos a alguém. Mas uma necessidade vital do ser humano” (TAYLOR, 1994: 26).
Fraser (2001) reconhece que os movimentos vêm requisitando cada vez mais nos
últimos anos demandas tanto culturais quanto econômicas. A era pós-socialista viu
surgir o clamor pelo reconhecimento, ou seja, os conflitos de classe são suplantados por
conflitos de status social
2
. Os movimentos têm procurado cada vez mais pedir pela
reavaliação positiva de identidades discriminadas, valorização da diversidade cultural,
desconstrução e transformação dos padrões societais de representação, interpretação e
comunicação. Os membros de uma comunidade, de um grupo exigem a possibilidade de
se auto-interpretar.
Discordando de Fraser, Honneth (1996) acredita que para melhor entendimento do
tema do reconhecimento não se pode considerar apenas os novos movimento sociais.
Ele utiliza os estudos como os de Thompson e Moore sobre as lutas de classe na
Inglaterra do século XIX e percebe que o conteúdo dessas lutas não era especialmente
por distribuição de renda, mas sim pelo reconhecimento de expectativas não
consideradas ou cumpridas. É o não-reconhecimento, o “desrespeito” que está na base
dos sentimentos de humilhação e privação.
Para Honneth todos os conflitos sociais têm como base uma luta por
reconhecimento. Segundo ele, Fraser superdimensiona e generaliza a experiência
americana, desconsiderando que mesmo em países como França e Inglaterra os
2
O que preocupa Fraser é a desconexão entre as demandas por reconhecimento de identidades culturais e
de desigualdade econômica. A questão é que essas duas dimensões seriam contraditórias, a princípio, pois
o reconhecimento tende a diferenciar os grupos, enquanto que a redistribuição busca a homogeneização.
O desafio é descobrir como relacionar essas duas demandas. É importante reconhecer como as
desvantagens econômicas se entrelaçam com o desrespeito cultural.
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problemas “tradicionais”, relacionados ao trabalho, ao bem-estar social ainda são
bastante fortes. Além disso, a autora americana não considera as conexões entre cultura
e economia. Afinal, também as atividades econômicas estão inseridas numa moldura,
difícil de captar em toda sua complexidade, de escolhas e avaliações morais. Articulá-
las é, portanto, um imperativo.
Toda essa revisão da teoria do reconhecimento nos permite compreender melhor e
corroborar a discussão que recuperamos aqui sobre a contribuição que os movimentos
sociais vêm oferecendo para a constituição de uma democracia no Brasil. Elaborando
novas identidades e requisitando seu reconhecimento, sua luta ultrapassa o âmbito do
atendimento de necessidades básicas.
Scherrer-Warren (1993) afirma que nos anos 90, há uma forte tendência para
análises do antimovimento, ou seja, nos interstícios de um processo de modernização
como entender a exclusão, a violência e a pobreza. No entanto, seria de extrema valia
verificar não apenas as crises, mas considerar os espaços possíveis de mobilização.
Essa primeira parte nos permitiu compreender o legado dos movimentos, seu
lugar na dinâmica social e os desafios que este impõe, e as novidades que apresentaram
à sociedade brasileira na articulação de novos valores e significados sociais. A
comunicação teve um papel essencial nesse período. Merece uma maior atenção de
nossa parte.
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2.2.
A comunicação em disputa
Dentro dessa mobilização política que marca a vida nas periferias das cidades a
partir dos anos 70, o movimento de contestação e redefinições de estratégias de ação
abarca também o âmbito da comunicação. É nesse período que ganham força
significativa experiências de comunicação popular.
Os estudos de comunicação não apresentam uma definição consensual sobre o que
seja comunicação popular. Peruzzo (1998), no entanto, identifica alguns traços comuns
presentes na produção e análises sobre comunicação popular que se caracterizariam
como seus fundamentos: expressão de um contexto de luta, conteúdo crítico-
emancipador, espaço de expressão democrática, o povo como protagonista, instrumento
das classes subalternas.
A comunicação popular, objeto de estudos da comunicação e exaltada e posta em
prática por ativistas sociais, estava vinculada à prática de movimentos coletivos,
realizando-se a partir de sua dinâmica e necessidade.
O educador Paulo Freire e sua proposta de comunicação dialógica e libertadora é a
grande influência da corrente crítica que invade não só campo da comunicação, mas
também o de outras áreas do pensamento. Para Freire (1980), a comunicação é o meio
através do qual o homem se reconhece como homem e constrói o mundo. O senso de
reciprocidade e de igualdade é, portanto, fundamental. Ele defende o diálogo como ação
revolucionária, pois que permite a reflexão sobe a realidade. E, a partir dessa tomada de
consciência da realidade o homem pode exercer sua vocação, a de ser sujeito. Dessa
forma, a função da educação é permitir ao homem constituir-se como sujeito e,
conseqüentemente, transformar o mundo.
O conceito clássico de comunicação estava sendo questionado. Nele, a
comunicação consistiria num processo linear composto de emissor, receptor e
mensagem. (COGO, 1998). Reflexões críticas que denunciavam o teor mecânico dessa
concepção e práticas comunicativas no interior dos movimentos populares desafiavam a
validade desse modelo. Reivindica-se o papel do receptor em ser também produtor e não
mero decodificador da mensagem do emissor.
Abandonou-se a perspectiva mecânica de entendimento da comunicação, ou seja,
meios, canais, mensagens. Falar de comunicação implica tratar de cultura, de relação,
trazer a comunicação para o espaço da cultura.
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O movimento popular recorrerá a um repertório de linguagens comuns, uma
espécie de ethos marcado por um simbolismo verbal (DOIMO, 1995), utilizando-se de
diferentes iniciativas comunicacionais, como boletins, alto-falantes, cartilhas,
dramatizações etc.
Baseado no método Paulo Freire, desenvolveu-se o Movimento de Educação de
Base
3
, um programa nacional de alfabetização de adultos que utilizava emissoras de
rádio da Igreja Católica. Partindo das idéias de Freire, o MEB transformou-se num
programa de conscientização do indivíduo por intermédio da alfabetização.
Ele vem a ser um modelo de atuação precursor das CEBs que vão dar corpo a
novas modalidades comunicativas, que estão em sintonia com o modelo de sociedade
que os setores mobilizados reivindicavam.
Della Cava (apud DOIMO, 1995) lembra que no início dos anos 80, o Vaticano
coloca-se em favor de uma Nova Ordem Mundial de Comunicações (NOMIC). Este
seria um projeto voltado para a atualização da Igreja diante das modernas estruturas de
comunicação e informação. Católicos da América Latina realizaram um seminário de
apoio ao NOMIC em que se rejeitou o modelo vertical de estruturação das
comunicações e da sociedade, insistindo em que os fiéis fossem os verdadeiros sujeitos,
tanto das comunicações quanto de seu próprio destino.
Dentro das CEBs, privilegiaram-se reuniões, debates, a troca de experiências, a
relação face a face, a ausência de hierarquias na condução do processo comunicativo.
“A experiência brasileira mostra claramente que a comunicação popular e alternativa
aparecem, desenvolvem e refluem na mesma capacidade dos movimentos sociais em
articularem o seu projeto alternativo de sociedade.” (FESTA, 1986:30)
A comunicação cumpre nesse momento um papel fundamental na defesa dos
interesses, na expressão das reivindicações, na articulação e educação popular.
Na concepção de Barbero (1989), este período histórico marca uma redefinição
das relações entre política e cultura. Num esforço em rearticular, através da
convivência social, o imaginário e o sistema de símbolos, percebe-se a natureza
comunicativa da cultura, ou seja, a sua vocação em ser processo produtor de
significação, além de mero meio de circulação de informação.
3
O MEB era um programa da Igreja Católica em parceria com o Estado para organizar escolas
radiofônicas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O programa foi implementado entre 1961 e 1964 e
lançou as sementes da atuação da Igreja na conscientização e politização do indivíduo e
instrumentalização de comunidades. Dramatiza as ambigüidades tanto entre o laicato e a hierarquia da
Igreja, quanto entre esta e o Estado. Ver Paiva (2003).
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Todo esse esforço de compreensão estaria incompleto sem a menção ao aspecto
que toca à conceituação e produção da comunicação popular: a sua relação com os
meios de comunicação de massa. De início, a posição de contraposição daquela em
relação a estes era bastante expressiva, o que foi mudando ao longo do tempo.
A percepção de alguns setores era de que os meios de massa estariam nas mãos da
classe dominante e, portanto, servindo aos seus interesses. Criou-se, dessa forma, uma
oposição em que os meios de massa só fazem ocultar ou desvirtuar a realidade,
despolitizar o receptor e desmobilizar as classes subalternas. Por outro lado, a
comunicação popular mobiliza e o organiza o povo, desvenda a realidade, proporciona o
diálogo e a participação. Para entendermos a construção dessa oposição é preciso
resgatar algumas contribuições teóricas e compreender as dinâmicas da indústria
cultural brasileira e a situação política do país.
A Escola de Frankfurt tem estudos de grande influência sobre a cultura de massa.
Para construir uma teoria crítica do capitalismo moderno, esses pesquisadores buscaram
revelar as contradições sociais subjacentes às sociedades capitalistas e sua estrutura
ideológica típica. Foi a partir dessa perspectiva que a indústria cultural foi analisada.
Dentre os autores da Escola de Frankfurt, Adorno é quem assume a posição mais
extremada no ataque à sociedade de massas. Utilizando-se a teoria de Marx sobre o
fetichismo da mercadoria, Adorno explica como formas culturais como música popular
atuam para assegurar a dominação econômica, política e ideológica. Se o valor de troca,
ou seja, o dinheiro a que uma mercadoria pode fazer jus no mercado, é o que predomina
nas sociedades capitalistas, o mesmo vai valer para os bens culturais.
Segundo sua percepção, as massas tornaram-se completamente impotentes. Os
conflitos deixaram de existir diante da unidimensionalidade das consciências. O poder
de garantir a permanência e o domínio do capitalismo reside na sua capacidade de
moldar e perpetuar uma audiência dependente e massiva.
A outra contribuição relevante na caracterização da sociedade de massa quanto ao
seu caráter “despolitizador” é a de Habermas. Em sua obra Mudança estrutural da
esfera pública de 1962, ele relata que no bojo do desenvolvimento do capitalismo
mercantil formou-se um espaço entre o Estado e a sociedade, marcado pela discussão
livre e racional. A burguesia, em sua luta contra o poder aristocrático, reivindicou o
direito de ter conhecimento sobre o que faz o Estado e submeteu a ação pública à
crítica. O critério para participar dessa esfera não considerava status, mas o desejo de
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discutir, em que a força do melhor argumento se sobrepunha a qualquer outra qualidade
ou habilidade.
Essa esfera pública se assentava sobre a separação entre Estado e sociedade e na
importância da esfera íntima, que permitia o desenvolvimento de uma subjetividade. No
século XIX, essa condição é abalada, à medida que o Estado começa a interferir no
âmbito social e que a sociedade assume funções públicas. O fim do período de ouro do
laissez-faire, desequilíbrios econômicos, a ampliação de participação das grandes
massas ameaçadas de pauperização compõem o quadro do surgimento do Estado-social.
A esfera da família é descaracterizada através da perda de suas funções de
proteção, de formação, de transmissão de valores. Os indivíduos passaram a ser
socializados em instâncias extra-família, como a escola, o trabalho.
Além disso, com o advento da sociedade de massas, o cidadão torna-se
consumidor de entretenimento e não é mais politicamente ativo. Com o esvaziamento da
esfera íntima, o espaço de assimilação, de interiorização foi diminuído e a comunicação
pública perdeu força.
A cultura passa a ser mercadoria e seu grau de complexidade deve ser
inversamente proporcional ao seu potencial de mercado. A demanda do mercado invade
diferentes espaços da vida social, solapando as possibilidades da discussão política sem
interferências de interesses.
O que esteve por trás dos diferentes discursos contra a sociedade de massas
relacionava-se com as transformações vinculadas ao desenvolvimento dos modos de
produção industrial, o adensamento das cidades e a conseqüente desestabilização e
erosão das antigas estruturas e valores sociais. As ligações entre os indivíduos tornaram-
se contratuais, distantes e esporádicas, em contraposição à sociabilidade comunitária e
integrativa reconhecida nos contextos pré-industriais (STRINATI, 1999). É uma
perspectiva para entendimento da onda crítica contra a sociedade de massas.
No Brasil, essa supremacia da lógica comercial foi sentida com mais intensidade
nas décadas de 60 e 70, quando se agigantam o volume e a dimensão da produção da
indústria de bens culturais. Esse crescimento teve como principal agente promotor o
Estado militar
4
(ORTIZ, 2001). Sob o discurso da necessidade da integração nacional,
4
O Estado Militar reconheceu que cultura envolve uma relação de poder, que pode ser maléfico quando
nas mãos de dissidentes, mas benéfico quando circunscrito ao poder autoritário. Instituições culturais
serão criadas como EMBRAFILME, a FUNARTE. A censura agiu, portanto, como repressão seletiva que
impossibilita a emergência de um determinado pensamento ou obra artística. Ver Ortiz (2001).
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os militares almejavam a unificação das consciências políticas e se aliaram aos setores
empresariais da área cultural, para quem integração nacional significava integração dos
mercados. A dinâmica despolitizada da indústria cultural se coadunou com os fins do
Estado militar repressor.
A racionalidade empresarial transformou as formas e as crenças que orientavam a
produção cultural. Ficaram no passado, os tempos em que era forte a relação entre fazer
cultura e fazer política. No jornalismo, por exemplo, a “missão” da imprensa foi
paulatinamente desafiada por uma lógica de eliminação dos elementos “político” e
“romântico” que punham em risco a produção industrializada (ORTIZ, 2001).
A tese de Ortiz (2001) é a de que, no Brasil, a necessidade de se superar o
subdesenvolvimento estimulou uma dualidade da razão que privilegia o pólo da
modernização. E a mercantilização da cultura foi pensada sob o signo da modernização
nacional. Dessa forma, ele acredita que pela sua conexão com o projeto de
modernização o debate sobre os meios de massa foram prejudicados.
Se nos anos 40 e 50 a precariedade da indústria cultural e a incipiência da
sociedade de consumo possibilitaram o experimentalismo e a inovação, a partir dos anos
60 a lógica comercial se sobrepõe, determinando o espaço conferido às outras formas de
manifestação cultural.
Nos anos 40 e 50 havia uma complementaridade entre cultura e política. Os
grupos culturais associavam o fazer cultura ao fazer política. Além disso, havia uma
euforia e entusiasmo em relação às possibilidades do país. Era um período de renovação
cultural que se expressa na denominação dos movimentos culturais como bossa nova,
cinema novo, teatro novo (ORTIZ, 2001). Com o golpe militar, essa relação se
modificou, e os artistas foram obrigados a se profissionalizar.
Com o advento da indústria cultural, a própria noção de popular foi
redimensionada. Para a mídia, o popular nada tem a ver com folclore, a tradição oral, ou
o pré-moderno. Popular é o que se vende maciçamente. Daí, ser mais útil falar em
popularidade. O popular não deve perdurar, ele não se acumula como experiência, nem
se enriquece com o adquirido (CANCLINI, 2003)
Compreensivelmente, vimos como os meios de massa foram duramente criticados
pelo seu conteúdo apolítico, sua relação com o Estado autoritário. No entanto, depois de
um período em que muito se falou sobre os processos de manipulação do mass media,
pouco a pouco essa posição foi sendo revista.
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O antagonismo entre o popular e o massivo começa a perder força. Mesmo porque
muda a conjuntura política em que a comunicação popular havia se desenvolvido, e
também as condições da vida associativa que permitiram seu florescimento.
Começa-se a questionar qual o lugar da indústria cultural no campo simbólico e
até que ponto ela se organiza apenas a partir da lógica dominante e não incorpora
também dinâmicas do mundo popular. Falar em manipulação, em cultura para as massas
passou a indicar uma visão unidirecional da comunicação. Como se a cultura se
organizasse em dois blocos distintos, a de massa e a popular.
As concepções pós-foucaultianas de poder deixam de vê-lo como concentrado em
blocos de estruturas institucionais impostas verticalmente e o pensam como uma relação
social disseminada (CANCLINI, 2003).
Os estudos de Barbero (2001) terão como norte justamente as perguntas que
colocamos acima. O rádio e a telenovela permitiram às populações dos países latino-
americanos reconhecerem-se como uma totalidade que transcende as divisões étnicas e
regionais: modos de falar, de vestir-se, gostos e costumes comuns. Traduziu a idéia de
“nação em sentimento e cotidianidade.” (BARBERO, 2001:242).
“O massivo, nesta sociedade, não é um mecanismo isolável, ou um aspecto, mas uma
nova forma de sociabilidade (...) Assim, pensar o popular a partir do massivo não
significa, ao menos não automaticamente, alienação e manipulação, e sim novas
condições de existência e luta, um novo modo de funcionamento da hegemonia.
(BARBERO, 2001:322).
Deu-se conta de que os nexos entre os meios e a cultura popular fazem parte de
estruturas mais amplas de interação social. Os grupos populares co-participam nessas
relações de força, resultado de uma articulação complexa de intercâmbios e tradições
reformuladas. É preciso passar dos “meios às mediações”, no dizer de Barbero.
Reivindica-se um olhar mais complexo acerca da relação entre popular e o massivo.
O popular não se encerra mais numa visão folclorista, em que se valoriza a tradição, os
valores espirituais e materiais acumulados através do tempo. Pois dessa forma, a cultura
popular estaria carregada de uma “verdade” de tempos imemoriais que coube a ela
resguardar.
O entendimento dos meios massivos como simples instrumentos de dominação
impediu que se identificasse na indústria cultural expressões de demandas simbólicas dos
mais diversos grupos em co-atuação com as narrativas hegemônicas, e terminou por
reforçar a imagem ideológica que identifica o povo como massa manipulável.
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O conceito de “comunicação popular” (FESTA, 1986) caiu em desuso e praticamente
desaparece dos estudos de comunicação por ser reducionista e por sua conceituação estar
profundamente baseada na experiência dos movimentos dos anos 70. Os movimentos
sociais chegaram a uma nova fase de atuação e o entendimento sobre cultura de massa e
cultura popular foi modificado.
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2.3.
Mídia e espaço público
Valendo-nos da análise de Costa (2002), podemos acompanhar a discussão sobre os
meios de massa a partir da relação entre mídia e espaço público. Os estudos de
comunicação se voltaram para os meandros da mídia e seu papel na vida cultura, superando
a dicotomia entre popular e de massa. Cabe agora perguntar qual o nível do domínio
midiático no espaço público e a possibilidade e a validade de construção de outros espaços
comunicativos.
Costa identifica, no pensamento contemporâneo, duas formas de caracterizar a esfera
pública: uma abordagem a explica pela centralidade conferida aos meios de comunicação de
massa e outra abordagem vislumbra diferentes formas discursivas e instâncias constitutivas
da esfera pública como a mídia, as organizações da sociedade civil, os espaços de
comunicação interpessoal.
Na primeira linha de pensamento, a esfera pública é dominada pela dinâmica de
disputa de poder, em que os temas valem menos por seus conteúdos que por seus efeitos
prático-estratégicos. As estratégias políticas persuasivas e o uso de imagens sobrepõem-se
às estratégias políticas verbais. A política estaria dominada pelo recurso do espetáculo. O
caráter argumentativo e discursivo da esfera pública estaria se esvaziando.
A teatralização do poder, que reduz os cidadãos a espectadores e esquece o público
pelo publicitário, implica o descomprometimento com o bem comum, com a coisa pública.
(RIBEIRO, 1994)
Para que os movimentos sociais possam interferir na agenda pública, devem saber
manipular as formas comunicativas dominantes. Bem-sucedidos em atuar na esfera pública
serão os atores mais poderosos e com maior capacidade de controlar as estruturas
comunicativas.
A segunda abordagem não nega a espetacularização e a perda de capacidade
argumentativa na esfera pública, mas consegue identificar um leque diversificado de
estruturas comunicativas.
A tendência dominante reconhece a existência e a proliferação de novos públicos
e novos espaços de formas críticas de comunicação. A esfera pública “diz respeito mais
propriamente a um contexto de relações difuso no qual se concretizam e se condensam
intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social.”
(AVRITZER; COSTA, 2004).
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Nos últimos anos, com a emergência do discurso do elogio à diferença, à
afirmação da identidade, observa-se uma multiplicidade de novos atores urbanos, novas
subculturas, novas etnicidades que contrastam com a imagem das sociedades
homogêneas.
Cohen e Arato (2000) rejeitam a perspectiva que enxerga os cidadãos como massa
atomizada, pois reconhecem na dinâmica política atual fenômenos importantes como uma
pluralidade de públicos alternativos que revivificam os processos e qualidade da
comunicação política.
Keane
(1996) defende que a idéia de uma esfera pública unificada está obsoleta. O
que há hoje é uma multiplicidade de redes de comunicação que compõem um mosaico
complexo e em desenvolvimento, de tamanho diferenciado, sobrepondo e
interconectando esferas públicas.
“Movimentos sociais normalmente compreendem redes indistinguíveis de pequenos
grupos, organizações, iniciativas, contatos locais e amizades submergidas na vida diária.
Essas redes submersas, famosas por sua ênfase em solidariedade, necessidades
individuais e envolvimento de meio-expediente, constituem laboratórios nos quais novas
experiências são inventadas e popularizadas. No limite desses laboratórios locais, os
movimentos utilizam uma variedade de meios de comunicação para questionar e
transformar códigos dominantes da vida diária. Esses laboratórios funcionam como
espaços públicos nos quais os elementos da vida diária são misturados, remisturados,
desenvolvidos e testados” (KEANE, 1996).
Para melhor compreensão dessas análises, devemos retomar a discussão aberta por
Habermas sobre a esfera pública, como descrevemos anteriormente. A obra é seminal para
entendimento do conceito, mas sofreu duras críticas de diversos autores e obrigou o próprio
Habermas a revisar sua posição em alguns aspectos.
Para Fraser (1993), a perspectiva habermasiana tem uma premissa normativa
subjacente, ao considerar a existência de uma esfera pública única como uma situação
positiva e desejável. A esfera burguesa nunca foi o público, houve outras formas de
acesso à vida pública e uma multiplicidade de arenas. Havia uma grande variedade de
contra-públicos incluindo trabalhadores, mulheres da elite, nacionalistas. Não só
existiam outros públicos, como sua relação com a esfera burguesa desde o inicio foi
conflituosa. Os contra-públicos contestaram as normas da esfera burguesa, elaborando
formas alternativas de postura política e de discurso.
Fraser acredita que uma pluralidade de públicos em competição atende melhor ao
ideal de participação igualitária no caso das sociedades estratificadas, em que o modelo
institucional gera grupos sociais desiguais e estruturas de dominação e subordinação.
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Esses públicos ajudam a expandir a arena discursiva e tem função contestatória nessas
sociedades. A autora nega que isso possa ser uma afirmação de separatismo. Interagir
como membro de um público é aspirar disseminar o discurso para arenas mais amplas.
A esfera pública é uma estrutura onde ocorrem contestação ideológica e cultural ou
negociação entre uma variedade de públicos.
Mesmo Habermas, em sua Teoria da Ação Comunicativa, reconhece a
possibilidade de arenas em que a interação comunicativa não esteja subjugada à
dinâmica da indústria cultural.
Habermas parte da inquietação a respeito dos efeitos do positivismo nas
sociedades modernas, em que impera uma razão técnica e instrumental. Embora
reconheça a importância do desenvolvimento da técnica e da ciência na ampliação das
possibilidades humanas, Habermas posiciona-se contra a penetração da racionalidade
científica em esferas de decisão, em que a racionalidade comunicativa deve imperar.
Ele separa a sociedade em dois níveis: o mundo do sistema e o mundo da vida. O
mundo do sistema é o das leis, normas e regras. O mundo da vida é o da experiência
intersubjetiva, da produção simbólica, da linguagem. Neles, se constroem a razão
instrumental e a comunicativa, respectivamente.
A força sociointegrativa da solidariedade contrabalançaria o âmbito do poder e do
dinheiro. A canalização dos fluxos comunicativos provenientes do mundo da vida para a
esfera pública cabe fundamentalmente às associações da sociedade civil, segundo
Habermas (COSTA, 2002). Para isso, é importante que haja uma esfera pública porosa
às questões originadas do mundo da vida.
No Brasil, a discussão sobre essa segunda linha de argumentação reconhece a
emergência de novos atores sociais que buscariam redefenições de espaço público,
introdução de temas e questões na agenda, ampliando as fronteiras da política. Refiro-
me ao que vínhamos estudando nesse capítulo sobre os movimentos sociais e seu
legado. A atuação desses movimentos e organizações quanto a interpretações
alternativas da sociedade e esforço por mudanças de valores e padrões sociais é uma
prova de que a esfera pública não se reduz ao domínio midiático.
Nos anos 1970 e 80, vimos como o espaço dos bairros tornou-se uma esfera
importante de interação comunicativa. Essas áreas constituem o que Costa chama de
espaços comunicativos primários, que seriam espaços de comunicação interpessoal
ancorados nos locais de moradia.
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As transformações por que passaram as periferias nos últimos anos, pôs em risco a
sobrevivência desses espaços. O acirramento da segregação espacial, a tirania do tráfico,
o discurso da pobreza que criminaliza e estigmatiza os moradores das periferias são
fatores que reordenaram a dinâmica das interações sociais nessas áreas. No entanto,
estudos sobre o movimento hip hop, por exemplo, indicam a permanência de espaços de
comunicação primária, em que são criados meios de tematização dos problemas locais,
ou como a questão racial, a denúncia da marginalização e a reivindicação por espaço e o
direito à cidade. Esses jovens estão em busca de participação, reconhecimento e
prestígio (WELLER, 2002; ROSE, 1997)
Além disso, Costa (2002) introduz um outro aspecto à discussão sobre mídia e
espaço público ao defender que os meios de comunicação vêm se tornando mais
porosos às demandas da sociedade civil. A ampliação do espectro de questões cobertos
pelos jornais e noticiários resulta não só de mudanças na atuação dos atores da
sociedade civil, como de mudança de avaliação jornalística do valor das ações dos
movimentos sociais.
Os atores sociais têm buscado formas públicas de atuação, implementando uma
política de relações públicas. Além disso, algumas associações transformaram-se em
fonte especializada de informações para a mídia, graças a seu conhecimento em temas
relevantes, como gênero, questões ambientais etc.
Nota-se também que, por parte da mídia, a seleção de temas se dá menos por
critérios político-partidários do que jornalísticos. Tal inflexão se justifica por uma
necessidade de garantir uma imagem de independência e imparcialidade que assegura a
legitimidade e a credibilidade do jornal
5
. Outro fator explicativo é a da emergência
durante a ditadura militar de uma imprensa alternativa, que legou um estilo de
jornalismo investigativo, de tom crítico e de denúncia.
O dado a mais que Costa nos apresenta é a capacidade da mídia em incorporar
discursos e debates dos movimentos, utilizando-se do conhecimento desenvolvido por
estes como uma forma de garantir credibilidade. Ao estabelecer relação com as
organizações, a mídia reconhece a validade desses atores e a sua relevância na discussão
5
Em pesquisa recente, Lattamn-Weltman (2006) analisou programas de telejornalismo local, como o
RJTV da Rede Globo, a fim de compreender como eles vêem centrando suas estratégias de obtenção de
audiência, e prestígio político-midiático, através da cobertura de temas relacionados ao exercício da
cidadania e à defesa do consumidor. Esses veículos acabam por desempenhar um papel estratégico num
amplo e complexo processo de negociações em torno do sentido dos embates por recursos públicos, em
que a própria mídia pode acabar sendo reapropriada como moeda de troca ou “meio” para fins que não
são propriamente os dela.
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de temas importantes da agenda. No entanto, reelabora essas mesmas questões a partir
de suas condições e necessidades.
Vimos aqui como após um período de elogio à comunicação popular, a sua
validade acaba por ser reavaliada e o conceito perde força. Obviamente, que esse
processo se relaciona com as mudanças dentro do tecido associativo, como discutido no
primeiro capítulo. Mas as reorientações dentro dos estudos de comunicação sobre o
papel e o lugar da mídia também foram fundamentais.
O que precisamos reter é que embora alguns mitos tenham caído por terra, como
as antigas concepções sobre cultura popular, ficou como herança a importância da
existência de uma multiplicidade de arenas discursivas. Alguns autores, como os que
discutimos aqui, têm insistido na relevância de múltiplos públicos para a democracia e
de que o espaço público não é e nem deve ser dominado pela mídia.
Costa (2002), em estudo sobre a participação de atores da sociedade civil na
construção de esfera públicas locais, reconhece, no âmbito municipal, a existência de
múltiplos espaços constitutivos da esfera local, como a esfera da mídia local, a esfera
parlamentar, a esfera dos grupos organizados e os espaços públicos primários. O que ele
chama de vontade política municipal constrói-se na interação entre essas diferentes
esferas e não apenas de redes clientelistas.
Diante da erosão dos espaços comunicativos primários, diante da violência e da
criminalização da pobreza, de uma indústria cultural eficiente em tragar e traduzir
discursos e dinâmicas que não são propriamente suas, a tarefa de construir espaços, em
que se possa articular outras visões e interpretações sobre a realidade, torna-se cada vez
mais imperiosa, mas também complexa.
Veremos como muitas discussões aqui travadas encontram eco na atuação das
rádios comunitárias, em seu intuito de criar um espaço alternativo de debate público
numa determinada localidade.
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37
2.4.
Para entender as rádios comunitárias
O baixo custo transformou o rádio num dos grandes meios de comunicação na
América Latina. Concomitante ao sistema radiofônico comercial, desenvolveu-se um
sistema mais participativo em que o rádio foi utilizado por grupos de perfil variado.
Em 1923, inicia-se no Brasil o serviço de radiodifusão com a instalação da Rádio
Sociedade do Rio de Janeiro, fundado por Roquete Pinto e Henry Morize. A partir dessa
iniciativa, o rádio começa a se espalhar pelo território nacional. Ele passa a ser visto
como um meio eficaz para introduzir os estímulos ao consumo. E se consolida como um
veículo publicitário, contribuindo para o desenvolvimento econômico do país.
No primeiro capítulo, falamos da relação entre Estado e cultura no governo
militar, mas essas relações são antigas. O Estado Novo viu no rádio um instrumento na
promoção da educação e na transmissão da palavra oficial, criando “A voz do Brasil” e
coordenado a Rádio Nacional. Ortiz (2001), entretanto, percebe uma contradição na
ação do governo de Vargas com relação ao rádio. A revista Cultura Política, porta-voz
oficial do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), considera que para manter a
função “educadora” do rádio, é preciso disciplina-lo e coordena-lo. Paradoxalmente,
não foi criado um sistema de radiodifusão nacional, mas assistiu-se a um crescimento
do rádio comercial. Mesmo a Rádio Nacional, controlada pelo Estado através de sua
superintendência, funcionava nos moldes de uma empresa privada e teve amplo espaço
para publicidade. Tudo indica que para Vargas era mais favorável manter acomodados
os interesses privados e estatais.
Dessa forma, nessas primeiras décadas, a radiodifusão brasileira não adquire a
forma de rede, favorecendo o desenvolvimento da radiofonia local. A rádio brasileira
nunca chegou a ter características realmente nacionais (ORTRIWANO, 1985).
Entretanto, desde os anos 60, o rádio vem perdendo em participação de
investimento publicitário para a televisão. Com o deslocamento da verba publicitária, o
rádio caminhou para a especialização das emissoras e a formação de redes, segundo
estudo de Ortriwano (1985). As redes são formadas por dezenas ou centenas de
emissoras regionais, transmitindo uma programação unificada para os mais diversos
pontos do país. A especialização é uma tendência da indústria cultural a partir de então,
que tende a oferecer uma programação unificada e específica para um determinado tipo
de público. A formação de redes atende a necessidades econômicas na busca por maior
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lucratividade e menor investimento. As rádios que fazem parte de uma rede recebem
programação e patrocinador. Amplia-se a área de atuação, mas o público atingido não é
o local e acaba sendo integrado ao mercado nacional consumidor. Não só os programas
se padronizam, como a publicidade e até a voz do comunicador. O sistema Globo de
rádio, por exemplo, compreende 13 emissoras AM e cinco FM atuando em São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Grande do Sul, Bahia. Da mesma
forma, a Transamérica possui 28 emissoras atingindo São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraná, Sergipe, Paraná, Maranhão, Santa Catarina, Mato
Grosso e Brasília.
Paralelamente ao movimento das rádios comerciais buscarem formas mais
eficientes de obtenção de lucro, veremos as rádio livres lutando por apresentar uma
linguagem alternativa e atingir não as grandes massas, mas as minorias.
A Igreja Católica será uma das instituições que mais promoverá o uso do rádio
como emissora comunitária. A Rádio Sutatenza, na Colômbia, nos anos 40 é uma
experiência da Igreja com uso do rádio no meio rural e vai ser uma das fontes
inspiradoras de todo o conceito de rádio educativa na América Latina (COGO, 1998).
No Brasil, tivemos o caso já relatado com o MEB.
Paralelamente às experiências desenvolvidas pela Igreja Católica, cresce o uso de
rádio pelos sindicatos, como o caso famoso das rádios mineiras bolivianas, cujo
objetivo era, através do rádio, ampliar sua influência, sua base social de apoio,
fortalecer suas organizações através de um trabalho de agitação e propaganda.
No final dos anos 70, surgem rádios que não têm conexão direta com o objetivo
de educação popular da Igreja, ou com sindicato e grupos políticos. É o caso da Rádio
Favela, criada em 1981 na região do Aglomerado da Serra em Belo Horizonte, Minas
Gerais. A rádio contou com o apoio da Igreja Católica, era gerida pela população local e
se envolveu em diversos projetos sociais.
A Reversão em São Paulo começou a funcionar em 1975, reunindo poetas,
escritores, artistas plásticos, músicos e bandas do bairro da Vila Ré, na zona leste de
São Paulo. A proposta da rádio era contestar a indústria cultural e abrir um canal de
expressão para os artistas paulistas, com foco na cultura underground e urbana.
Segundo Leo Tomaz, coordenador do projeto:
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"Queremos modernizar a identidade brasileira, que é feita de diferenças. Isso que dizem
ser brasileiro, eu não sou. Quero saber o que dizem os anglo-saxões de Santa Catarina e
os italianos de São Paulo."
"Nós somos uma tribo urbana e falamos para ela, não falamos para o nacional. Não
reconheço essa nacionalidade"
(NUNES,1995).
Apesar da iniciativa dos movimentos sociais de esquerda, as rádios se expandem
ao ponto de não serem mais exclusivamente utilizadas por setores radicais. São
classificadas então de rádios livres.
Essas iniciativas se propagam e passam a ser canal de expressão de grupos
descontentes com o sistema de comunicação social e a concentrada distribuição de
canais. A Rádio Xilik criada na PUC-SP, em 1985, é a primeira engajada no movimento
pela democratização dos meios de comunicação, com a organização de passeatas e
campanhas (ANDRIOTI, 2004). A Xilik criou uma cooperativa de radioamantes, cujo
principal objetivo era, a princípio, construir transmissores para todos os grupos
interessados, mas também compartilhar os programas e os estúdios. Em pouco tempo, o
movimento já tem repercussão nacional e procura formas de se organizar.
No plano internacional
6
, também havia uma mobilização em torno do tema da
democratização das comunicações. Diferentes eventos tiveram ressonância no Brasil.
Também na Europa houve várias experiências de rádios livres. Desde os anos 70,
com irreverência e uma proposta de experimentação das possibilidades da linguagem
radiofônica, seus integrantes tinham um posicionamento político em favor das
experiências coletivas e da democratização de comunicação de massa (ANDRIOTTI,
2004: NUNES, 1995: COGO, 1998). A rádio Alice é a mais lendária das rádios livres
européias, não apenas por pregar o discurso de liberdade de expressão, mas por romper
com as formas discursivas convencionais, inaugurando um estilo artístico de
transmissão das informações pelo rádio. A Rádio Alice atuou também como força de
resistência em favor do movimento estudantil. Em pouco tempo ela é acusada pelo
governo de fazer parte das “Brigadas Vermelhas”, grupo terrorista italiano, tendo
sofrido com a repressão do Estado italiano. (NUNES, 1995; ANDRIOTTI, 2004)
Em 1977, foi formada a Comissão Macbride, apoiada pela UNESCO. O relatório,
divulgado em 1980, diagnosticava a exclusão das camadas populares dos grandes
6
O primeiro país a legalizar ao funcionamento das rádios comunitárias foi a França em 1982. Não há uma
lei específica para tratar de rádios de alcance limitado, mas uma lei geral para o setor audiovisual. Esse
documento sofreu várias alterações até chegar a sua versão final em 2000. A França utiliza o termo rádio
associativa, considerada por lei um serviço privado não-comercial, com vocação comunitária, cultural ou
escolar, de alcance restrito (LEAL, 2006).
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40
processos comunicacionais e alguns critérios foram apresentados para nortear as ações
dos países interessados em minimizar essa exclusão: redes de comunicação horizontais,
autonomia, divulgação das culturas nacionais e incentivos à comunicação participativa
são alguns deles. O relatório aponta para a necessidade de se buscar modelos de
comunicação que fujam da dicotomia estatal /privado e possibilitem a implantação
projetos educacionais.
Em 1983, realizou-se a Primeira Conferência Mundial sobre Rádios Comunitárias,
quando surgiu a Associação Mundial de Rádios Comunitárias, a AMARC. Criada para
ser um fórum de debates sobre a democratização da comunicação, distribuindo
informações técnicas sobre equipamentos de radiodifusão local, textos informativos e
boletins, promovendo, facilitando e coordenando a cooperação e o intercâmbio entre as
emissoras de todo o mundo.
No Brasil, uma série de discussões estava sendo travada em diferentes âmbitos da
sociedade sobre a questão da comunicação e, especialmente os meios de massa, como
relatamos no primeiro capítulo. Andriotti (2004) cita a importância do curso de
Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Catarina em ser um precursor
das discussões sobre democratização das comunicações. Os famosos IV Encontro
Nacional de Estudantes de Comunicação, realizado em Curitiba (PR), em setembro de
1980, VI Encontro Latino- Americano de Faculdades de Comunicação Social e o VII
Congresso da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação, realizados
em outubro de 1983, tiveram como foco principal de discussão as políticas de
comunicação e suas implicações para a democracia brasileira. Estes eventos serviram de
‘motor de partida’, direcionados para a organização dos movimentos pela
democratização dos meios de comunicação de massa, o que mais tarde se transformaria
na Frente Nacional de Luta Por Políticas Democráticas de Comunicação, criada em
julho de 1984 na esteira, portanto, das gigantescas manifestações pelas diretas já que
sacudiam o Brasil. Entretanto, com a derrota da campanha das Diretas Já, a Frente se
desmobilizou, mas as discussões prosseguiram.
Para além do âmbito das rádios livres, inúmeras entidades participaram das
intensas discussões e negociações por uma reformulação das políticas de comunicação
no Brasil.
Um dos primeiros documentos sobre esse tema surge no PMDB em dezembro de
1984, às vésperas da sucessão presidencial (MOTTER, 1994 apud ANDRIOTTI, 2004).
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O partido promoveu em São Paulo um seminário sobre o tema “Política de
Comunicação e Democracia”, iniciativa pioneira no âmbito dos partidos.
Na FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais) foi onde irrompeu a
luta pela democratização dos meios de comunicação de massa em 1976, na forma de
comitês de luta pela liberdade de imprensa nas redações (ANDRIOTTI, 2004). Com o
enfraquecimento do regime militar e a continuidade das adesões a essa instituição, em
1978 a categoria decide expandir sua luta pela liberdade de imprensa nos sindicatos.
Após um período de reestruturação democrática interna, a FENAJ atua na luta pela
redemocratização do país, na campanha das Diretas – Já em 1984.
Em abril de 1986, a FENAJ promove um encontro para discussão das políticas de
comunicação e a Constituinte, onde os principais pontos desenvolvidos anteriormente
pela Frente Nacional foram retomados. Ao final desse encontro, a FENAJ propõe a
rearticulação da respectiva Frente e divulga o documento denominado Carta de Brasília,
que seria levada à Constituinte como proposta para políticas democráticas de
comunicação. Tendo como principais pontos a instituição de um novo modelo de
comunicação social, com a participação de todos os setores da sociedade na definição de
políticas de comunicação, a garantia de livre acesso de todos os setores aos meios de
comunicação para informar e ser informados.
No primeiro semestre de 1988, o país foi sacudido por uma aguda crise política
gerada por uma disputa entre o governo e a Constituinte em torno da definição do
mandato do presidente José Sarney. Foi diante desse quadro que o governo Sarney
promoveu o maior número de concessões de radiodifusão do país. Alguns jornais
chegaram a denunciar a prática na época. Motter (1994) sustenta que a farta distribuição
de emissoras de rádio e televisão foi pautada em critérios clientelistas e fisiológicos,
beneficiando políticos. Esta teria sido uma das estratégias para o governo obter vitória a
favor do presidencialismo e do mandato de cinco anos. Para ele, as concessões
reforçaram duas tendências estruturais dominantes da mídia eletrônica: 1)
predominância dos grandes conglomerados privados da mídia; 2) ampliação da presença
de grupos políticos regionais no controle das emissoras de rádio e televisão.
Em maio de 1989, é organizado o Coletivo Nacional de Rádios Livres, que
promove encontros estaduais e nacionais. Nesse ano, outro fato político acaba por
colocar mais “lenha na fogueira” do debate sobre as comunicações.
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A campanha presidencial de 1989 expôs as dificuldades da articulação entre mídia
e política em uma sociedade retornando à democracia. A tese da conspiração dos meios
de comunicação a favor da candidatura de Collor se propagou e ainda tem os seus
adeptos. Esse episódio consegue dramatizar as conseqüências da extensão do direito de
voto e no uso político da mídia, em uma sociedade de massa.
Na análise de Lattman-Weltman (1994), a mídia brasileira atuou como um “quarto
poder”, ou um interlocutor privilegiado, que dialoga, faz escolhas, expõe propostas e
intervém na formação de consensos. No entanto, ela não controla o ritmo dos
acontecimentos e, de alguma forma, reflete a incapacidade de toda a sociedade para
lidar com o novo. Para ele, a vitória de Collor explica-se por uma eficiente estratégia de
marketing eleitoral, com indecisão e vácuo no centro e na direita e radicalização do
discurso da esquerda. Lula e Brizola
7
estavam muito distantes do receituário
preconizado pela imprensa e pela elite e suas plataformas foram submetidas a duras
criticas.
Já Collor colocou-se como um herói espetacular, “substituindo o público pelo
publicitário” (RIBEIRO, 1994:37). Foi um porta-voz dos anseios da mídia, que já havia
se comprometido com a modernização e o receituário neoliberal, idéias que o ex-
governador de Alagoas soube manipular muito bem. “Como diria mais tarde o próprio
Collor, ele disse o que se queria ouvi r, e fez o que se queria ver feito. Em particular, o
que a mídia queria ouvir e ver feito” (LATTMAN-WELTMAN,1994:26). E, justo por
isso, não a perdoaram.
A derrota de Lula e a atuação da mídia na campanha presidencial acirraram os
ânimos contra os meios de comunicação de massa. Nos anos seguintes, são fundados 19
Comitês Estaduais e Regionais de Democratização da Comunicação, que se unem no
Fórum Nacional de Democratização da Comunicação. Em 1991, algumas rádios são
fechadas pela Polícia Federal. O caso da Rádio Reversão é exemplar. O processo contra
a rádio corre na 4ª Vara Criminal da Justiça Federal sendo levado a juízo em 1993. No
7
Luis Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola, respectivamente, candidatos à Presidência do Partido dos
Trabalhadores e do Partido da Democracia Brasileira, eram os representantes mais competitivos da
esquerda.
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dia 25 de outubro do mesmo ano o juiz Casem Mazloum
8
promulga sentença favorável
a Leo Tomaz, coordenador da rádio, inocentando-o e permitindo a continuidade das
atividades da Reversão. A sentença abriu um precedente importante na luta do
movimento, que ganha novo fôlego.
Dentro do movimento de rádio comunitária parece sempre ter havido uma
discussão interna sobre a validade e os ganhos da legalização das rádios
9
.
Andriotti (2004) relata que houve um racha no movimento de rádio livre: um
grupo a favor da legalização e outro contra. O grupo a favor da legalização previa a
formulação de uma lei e um modelo de apropriação e gestão para as rádios e com
responsabilidades sociais bem definidas. O outro grupo acreditava que a intervenção do
Estado sobre as rádios livres traria como conseqüência, um maior controle por parte
deste sobre o espectro eletromagnético. Para a autora, o primeiro grupo venceu e foi na
mobilização para a regulamentação que se adotou o nome rádio comunitária.
O conceito de rádio livre era muito difuso, pois reunia experiências radiofônicas
muito diversas e poderia atrapalhar um processo de legalização. Com rádio comunitária
definiu-se um nome e uma função social para essas rádios. Elas deveriam ser plurais e
realizar um trabalho junto a uma localidade.
Diante da intensa mobilização, diferentes partidos abraçam a causa do movimento
de rádios comunitárias. Em 1996, havia mais de 6 projetos de lei propondo a
regulamentação das rádios e em 1998 foi sancionada a Lei de Rádio Comunitária 9.612.
As determinações técnicas para a atuação de uma rádio comunitária são:
transmissor de 25 watts, antena que não ultrapasse 30 metros da média de altura da
região, raio de alcance de 100 metros. Além disso, a rádio deve ter gestão coletiva, sob
8
O juiz justificou sua sentença, em primeiro lugar, baseado no art. 5º da Constituição, que afirma que o
Estado é o garantidor da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença. O segundo dispositivo em que se atém o juiz é o
que determina ao Estado garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da
cultura nacional, assim como apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais
(caput, artigo 215) (NUNES, 1995)
9
Nunes (1995) relata que com o desenvolvimento da luta institucional, foi a provada uma emenda
constitucional proposta pelo Primeiro Encontro de Rádios Livres é concretizada em um artigo da
formulação do Projeto de Lei Zaire Rezende - Lei da Informação Democrática, que se propõe a substituir
a Lei de Imprensa, de 1967, e que chegou a tramitar no Congresso Nacional, a partir de abril de 1992. O
texto previa, entre outros avanços para a democratização da comunicação, a liberação das ondas do ar
para rádios e tevês comunitárias, de baixa potência e sem fins lucrativos, condicionando a autorização a
um simples registro no cartório local, sem mencionar a necessidade de autorização de órgãos municipais
ou do Estado.
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tutela de uma associação representativa dos moradores e não pode ter fins comerciais.
Para obtenção de uma autorização, deve-se fazer uma requisição ao Ministério de
Comunicações e sua aprovação depende do Congresso Nacional.
A regulamentação e a discussão que suscitou no Congresso gerou algum tipo de
consenso quanto à legitimação da atuação das rádios comunitárias. Entretanto, a
regulamentação não sanou todas as dificuldades que enfrentam as rádios.
Primeiramente, o processo burocrático é incompatível com o volume dos pedidos
de concessão. O Ministério não consegue atender minimamente à demanda por
legalização.
Segundo dados do Ministério das Comunicações, foram autorizadas entre 1998 a
2001, 2118 rádios em todo o território nacional, embora a ABRAÇO estime que haja 15
mil rádios comunitárias no Brasil.
Outro grande obstáculo é a utilização das rádios por parte de políticos, igrejas e de
grupos com interesses comerciais. Nunes (2001), em estudo sobre rádios comunitárias
no Ceará, denuncia a criação de rádios com a qualificação de comunitárias, mas que
estão nas mãos de políticos e comerciantes.
“É fundamental compreender que, apesar das exigências legais, a maior parte das
emissoras que se dizem comunitárias, na verdade, não o são. Muitas associações
fantasmas foram criadas, arregimentando a participação popular graças a práticas
clientelistas, que envolvem uma indiscriminada troca de favores. No Ceará, das cerca de
quatrocentas emissoras existentes, apenas 10% são autenticamente comunitárias, ou seja,
têm gestão coletiva, programação plural e participação popular efetiva em todas as
instâncias da emissora.” (NUNES, 2001:24)
De acordo com a lei, caso uma emissora funcione sem a autorização do Ministério
das Comunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) pode
determinar que a Polícia Federal lacre equipamentos de transmissão e impeça a atuação
da emissora. Dessa forma, boa parte das rádios comunitárias encontram-se na
ilegalidade e continuam sofrendo com a repressão.
Na opinião de Andriotti (2004), após a regulamentação, o movimento de rádio
comunitária arrefeceu e se dispersou. Mas ainda há uma movimentação em grande
medida pelas dificuldades que permaneceram após a lei 9.612.
Muitas disposições da lei têm sido questionadas, como o item que estabelece 1km
de raio de ação. Mas também exige-se a municipalização do controle sobre a
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45
radiodifusão, agilização e transparência do processo de concessão e fim da repressão às
rádios comunitárias (LEAL, 2006).
Os dados, como mostra o gráfico 1, revelam um crescimento vertiginoso do
movimento de rádios livres. Esse rápido crescimento de emissoras ilegais pelo país pode
ser explicado a partir de algumas conquistas do movimento. Toda a luta pela
legitimidade dessas rádios, a criação de várias associações e entidades representativas
no início dos anos 1990, são conseqüências da ampliação do debate sobre a
democratização dos meios de comunicação (ANDRIOTTI, 2004).
0
2000
4000
6000
8000
10000
1982 1991 1994 1995 1996 2001
Figura 1 – Crescimento das rádios comunitárias (número aproximado). Fonte: Mídia
Independente (apud ANDRIOTTI, 2004).
Essas rádios incorporam o ideal de criação de um espaço dialógico em que se
realiza discussão, debates sobre temas de uma localidade. Por trás de toda essa história
de luta, há a aposta na comunicação como um instrumento importante para a
mobilização, como alavanca para a transformação social, através da constituição de
imaginários, de reconhecimento social. E a valorização do local como uma estratégia
para a mudança social. Realizar um trabalho, que nos marcos de uma comunidade,
possibilite promover o intercâmbio de símbolos e sentidos, o fortalecimento de laços de
solidariedade. Nas palavras de Barbero (2003)
“O que implica dar prioridade ao trabalho de ativação nas pessoas e nos grupos, de sua
capacidade de narrar/construir sua identidade, pois a relação da narração com a identidade
não é meramente expressiva, mas constitutiva: a identidade individual ou coletiva não é
algo dado, mas em permanente construção, e se constrói narrando-se, tornando-se relato
capaz de interpelar os demais e deixar-se interpelar pelos relatos dos outros.”
(BARBERO, 2003: 69)
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É o desafio de assumir a heterogeneidade, a diferença como um valor necessário
para a dinâmica social.
O movimento de rádios comunitárias e as rádios individualmente ainda terão de
enfrentar muitas lutas para defender seu ideal. Vimos como a experiência das rádios
comunitárias tem sido absorvida por grupos movidos por interesses particulares, que a
utilizam para atingir seus fins. O que serve para comprovar sua eficácia como
instrumento para atingir grupos marginalizados.
Além disso, as rádios se proliferaram pelo país e temos que nos perguntar em que
condições o trabalho tem sido realizado. O exercício que descrevemos acima, que
orienta a atuação de uma rádio comunitária, esbarra em dinâmicas políticas já
cristalizadas, como clientelismo, e em uma cultura política autoritária, que tende a
dificultar a participação de amplos setores da população, reduzindo a esfera pública.
Transformar padrões e modelos de atuação cidadã requer esforço contínuo e atenção
para os meandros da cultura política dominante.
Para melhor compreendermos como as rádios têm realizado essa tarefa,
escolhemos duas experiências de radiodifusão comunitária para análise. Ambas estão
localizadas na Baixada Fluminense, que ocupa um lugar periférico na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro e tem sua imagem fortemente vinculada à violência e a
práticas clientelistas de poder. Por isso, antes de tratarmos especificamente de cada uma
das rádios, abordaremos o lugar e o contexto em que se inserem, pois será de grande
valia para entendimento e avaliação do trabalho que se impõe.
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3
Baixada Fluminense: em busca de seus contornos e seu
significado
O objetivo deste capítulo é o de refletir sobre a Baixada, levando em conta fatores
que nos ajudem a compreender sua condição periférica. Para isso faremos um resumo de
seu desenvolvimento urbano, do seu processo de ocupação e a relação que se
estabeleceu com a cidade do Rio de Janeiro. Mais que isso, essa tarefa nos permitirá
perceber os mecanismos de desigualdade e de segregação a que esta região foi
submetida e como essas duas dinâmicas se relacionam, a saber, a espacial e a social.
Abordaremos também o discurso da mídia sobre a Baixada, tendo em vista seu
papel no processo de naturalização de imagens. E por fim, utilizaremos dados sócio-
econômicos atuais da Baixada em comparação com o restante da região metropolitana
do Rio de Janeiro.
Nesta análise, consideraremos que houve a tentativa de construção de uma nova
postura em relação à Baixada a partir dos anos 1990, diferente daquela forjada desde os
anos 1960 que a reconhecia como uma região violenta. A Baixada assume uma nova
posição dentro do modelo neoliberal, mas tal fato ainda não trouxe benefícios concretos
para a população, tendo em vista, por exemplo, o acesso aos serviços públicos.
Pretendemos salientar que, ao mesmo tempo em que foi palco de práticas
violentas de poder, a Baixada também viu nascer movimentos sociais de grande
importância e ações desenvolvidas pela população para sanar lacunas que o Estado não
se preocupou em resolver. Parte da população engajou-se no desenvolvimento de
estratégias de transformação do seu lugar de moradia.
Delimitar geograficamente a Baixada Fluminense apresenta-se como uma
primeira dificuldade. A configuração mais comum inclui oito municípios. São eles: São
João de Meriti, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, Belford Roxo,
Caxias. Nessa classificação o dado importante é quanto à centralidade de Nova Iguaçu,
a partir do qual surgiram os outros municípios
1
. E, conseqüentemente, uma certa
1
Nos anos 1940 emanciparam-se Caxias, Nilópolis, São João de Meriti; nos anos 1990, Belford Roxo,
Queimados, Japeri; e no ano 2000, Mesquita.
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unidade entre esses municípios em termos de desenvolvimento urbano. Guapimirim,
Paracambi e Magé, são os pontos de divergência devido à sua característica econômicas.
Paracambi é marcada pela produção têxtil e os outros municípios ainda tem uma
paisagem rural, não tendo sofrido um processo acelerado de urbanização (ENNE, 2002).
O mapa abaixo representa a área que o IPAHB (Instituto de Estudos Históricos da
Baixada Fluminense) reconhece como sendo Baixada Fluminense. A expansão para a
zona oeste explica-se, nesse caso, como forma de ampliação da área de atuação dos
historiadores do IPAHB (ENNE, 2002).
Figura 1 – Baixada Fluminense. Fonte: IPAHB. www.ipahb.org.br
No entanto, em sua tese de doutorado Enne (2002) identifica sete recortes
distintos. A classificação pode incluir Seropédica, Itaguaí, Itaboraí, São Gonçalo,
Pavuna e Irajá dependendo dos critérios que se privilegia, como por exemplo:
características urbanas a partir de problemas e questões sociais típicos de uma região
metropolitana; a Baía da Guanabara como ponto norteador; e expansões para bairros do
Rio de Janeiro, para municípios da serra e para a região metropolitana do Rio de
Janeiro.
A discussão quanto à geografia é só o ponto de partida para entendimento de um
lugar cujo significado está longe de ser homogêneo e/ou unívoco. Para compreendê-lo
podemos lançar mão de outros parâmetros
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49
Ao estudar como são montadas e remontadas identidades sociais na Baixada
Fluminense, Enne (2002) identifica uma pluralidade de significados construídos por
diversos agentes e agências.
Siqueira (2006) também estrutura sua tese a partir da articulação entre as
diferentes imagens e sentidos da Baixada e a forma como são acionados pelos projetos
de políticos atuando na Baixada, como Lindbergh Farias, Zito e Jorge Gama. Ela os
considera como enunciadores-políticos que ao conferirem significado ao lugar,
reinventam-no.
A Baixada não denota apenas uma localização geográfica, mas um espaço social,
definido a partir de sua relação com a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e mais
especificamente com a Cidade do Rio de Janeiro.
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50
3.1.
Dos loteamentos aos grupos de extermínio
Embora se verifique uma ocupação lenta desde o início do século XVI e tendo a
região ocupado a função de fornecedora de matérias–primas como carne, café, cana de
açúcar para a capital, é com a construção da Ferrovia D. Pedro II, a partir do século
XIX, que começa um dos processos mais significativos de sua ocupação. Com a estrada
de ferro abriu-se um canal de comunicação maior com a capital.
Entender as transformações por que passou a Baixada no século XX implica
considerar a Cidade do Rio de Janeiro nesse período. Alçada à condição de capital da
república, a cidade será o centro da vida política nacional e lançará as bases da nascente
cidade capitalista, revelando um forte padrão segregacional. Essas transformações
explicam-se pela substituição do trabalho escravo pelo assalariado, a passagem da fase
mercantil-exportadora para a de capitalista-industrial, a decadência da cafeicultura no
Rio de Janeiro, o aumento da população urbana e a queda do Império e proclamação da
República. As feições urbanas mudaram também em virtude da modernização dos
serviços públicos através dos sistemas de iluminação, luz elétrica, esgoto, saneamento,
transporte coletivo e telefonia.
Para melhor entendimento do processo de ocupação da Baixada é preciso
considerar que, no Rio de Janeiro, o crescimento populacional, devido à migração
interna e externa entre os séculos XIX e XX não foi acompanhado do aumento do
número de moradias. Como resultado viveu-se uma crise de moradia que fomentou a
procura por habitações coletivas no centro da cidade. Além disso, até esse período a
provisão de moradia para os trabalhadores por parte dos patrões era uma prática comum.
Com a modernização, a distância entre o local de moradia e o de trabalho aumentou
(VAZ, 2002)
As condições sócio-econômicas da Baixada salientam algumas das contradições e
efeitos nefastos de um processo de desenvolvimento sócio-econômico desordenado e
excludente. Ela abrigará a população que amontoada no centro da cidade, de lá serão
retiradas. Entre os anos 30 e 40, experimentará um crescimento populacional.
vertiginoso. Nos anos 40, a população da região totalizava 184.209 pessoas, em 1950
passou a 430.522 e em 1960 atingiu 891.300 habitantes (ALVES, 2003). Os grupos de
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migrantes e os pobres retirados do centro carioca, resultado da Reforma Passos
2
, eram o
rosto dessa ocupação.
As obras do Departamento Nacional da Obras e Saneamento como o Serviço de
Saneamento da Baixada Fluminense, a eletrificação da Estrada de Ferro Central do
Brasil a partir de 1935; a tarifa ferroviária única no Grande Rio; a construção da
Avenida Brasil, em 1946; a criação do Serviço de Malária da Baixada Fluminense em
1947; a Avenida Presidente Vargas, em 1944 e a abertura da Rodovia Presidente Dutra,
em 1951, são fatores que também explicam o adensamento nessa área.
A ação do Estado em prover serviços públicos de qualidade, no entanto, não
acompanhou a explosão ocupacional. A região sofria com o precário abastecimento de
água e de esgoto e com as péssimas condições de transportes.
Da mesma forma, a área rural da Baixada não ficou infensa a essas
transformações e terminou por ser palco de uma disputa violenta por terras.
Os loteamentos, herdeiros da estrutura agrária anterior, tornaram-se a principal
forma de ocupação. Com a perda da vocação agrícola, as grandes unidades fundiárias
foram colocadas à disposição do capital especulativo. O processo de ocupação das terras
da Baixada foi deixado à própria sorte, sem controle do Estado, o que permitiu que a
ocupação seguisse a lógica do capital e do uso da violência.
Diante da ausência de conjuntos habitacionais voltados para as camadas mais
baixas, a via encontrada foi a da autoconstrução. Neste processo, as relações de
vizinhanças são adensadas pela experiência dos mutirões, da ajuda mútua para a
ocupação do espaço. Monteiro (2001) afirma que os moradores da Baixada, desde essa
época, tiveram que desenvolver estratégias de amenização dos efeitos adversos da
ausência de ações sociais capitaneadas pelo Estado.
Atrás do lucro que os loteamentos produziam, surge um novo elemento que
abalará o padrão de relação existente entre os lavradores e os proprietários: o grileiro.
De posse de documentação falsa, eles se utilizavam de ações judiciais, violência de
policiais e de jagunços para ocupação de terras e despejo de lavradores. Esse episódio
comprova que as formas de segregação urbana atingiram não apenas os trabalhadores
urbanos, mas também os homens do mundo rural.
2
A reforma urbana empreendida por Pereira Passos, então prefeito da cidade do Rio de Janeiro, nos
primeiros anos do século XX, teve como inspiração as reformas de Haussmann em Paris no século XIX.
O centro do Rio sofreu radical transformação, com a construção de vias amplas e a desapropriação de
casa de cômodo e cortiços.
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52
Os lavradores reagiram e se organizaram, criando a FALERJ (Federação das
Associações de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Estado do Rio de Janeiro). O
movimento criado por eles, que se autodenominavam posseiros, é uma importante
demonstração da capacidade de mobilização por parte de setores populares
tradicionalmente desprezados pelas elites locais e pelos representantes políticos e
culturais.
Nesse período, Baixada dá lugar a uma luta em que a violência era um
instrumento fundamental, não apenas de proprietários e grileiros, mas também dos
lavradores, pois também estes, com o desenrolar das disputas, se armaram para a defesa
da posse de terra em face do avanço dos loteadores.
Pela primeira vez na história da região a violência ganha tais proporções, ao
deixar de ser uso quase exclusivo dos donos do poder e passar a ser instrumento de luta
de outros segmentos sociais. (ALVES, 2003)
Em sua tese de doutorado, Alves (2003) sustenta que a violência foi a estratégia
de consolidação dos grupos políticos e econômicos que controlam o poder local,
sobretudo as arenas estatais. A relação entre o poder local e o que ele chamada de as
esferas “supra locais” de poder orientaram-se nesse sentido.
A persistência dos elevados níveis de homicídio confirmam a permeabilidade do
Estado aos interesses de grupos que encontram nesse padrão de violência suas bases de
sustentação.
A figura de Tenório Cavalcanti
3
é, portanto, exemplar nesse sentido. Dramatiza o
fazer político nos anos 1950 e 60 e a passagem da dominação política oligárquica e
rural, que tinha no coronelismo sua sobrevivência, para outra, calcada no clientelismo e
no populismo.
Alves (2003) aponta o grande saque
4
de 05 de julho de 1962 como o auge da
insatisfação popular. A explosão da revolta popular ocorreu na fase mais aguda de
alteração desordenada da realidade que vinha se processando desde o início do século.
3
Ganhou notoriedade na disputa violenta por terras e tornou-se um dos personagens mais fortes da
política naquela região. Era conhecido como "O Homem da Capa Preta", apelido que ganhou graças a
uma capa escura que sempre trazia consigo, sob a qual escondia uma metralhadora apelidada "Lurdinha.
Foi eleito deputado estadual e federal do Rio de Janeiro e foi candidato a governador do estado. Possuía
um jornal em Duque de Caxias chamado A Luta Democrática, em que veiculava suas políticas na região.
4
Os saques começaram em Caxias e se expandiram por outros municípios da Baixada. Eles revelam não
só a insatisfação com a falta de alimentos, pois o tabelamento dos preços dos alimentos não era respeitado
pelos comerciantes, mas também com a situação mais geral de uma população pobre revoltada com as
condições em que vivia (ALVES, 2003).
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53
No plano político, com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, a
Baixada perderá o peso político adquirido. Nos anos 1950, com o crescimento
populacional, ela havia assumido um grande poderio eleitoral no antigo Estado do Rio,
superando o interior e Niterói (SIMÕES, 2007). Com a fusão, a região se afasta do
epicentro da política do estado. E sua importância relativa só será retomada aos poucos
a partir da década de 80. Sobre essa nova fase da Baixada, falaremos mais a frente.
Os efeitos da segregação urbana não se limitam apenas ao aspecto geográfico.
Atinge dimensões mais amplas, institucionalizando a inferioridade social e
reproduzindo desigualdades no que respeita à distribuição do poder social na sociedade,
ou seja, na capacidade diferenciada dos grupos e classes em desencadear ações que lhes
permitam disputar recursos urbanos. (RIBEIRO, 2004).
A violência perpassava a vida política e social da Baixada. A população
respondeu, em algumas situações, na mesma moeda. Conseqüentemente, foi material
rico para as páginas de jornal nessas décadas.
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3.2.
A Baixada nos jornais
Para darmos conta da produção midiática sobre a Baixada utilizaremos duas
pesquisas: a tese de doutorado de Enne (2002) e o informe do CESEC (Centro de
Estudos de Segurança e cidadania) (2006) sobre a produção jornalística com relação à
segurança pública.
Estamos considerando o jornalismo como um formador de opinião, um
cristalizador de imagens, embora reconheçamos a importância do receptor, ou seja, do
leitor ao decodificar a mensagem e, portanto, a possibilidade de múltiplas apropriações.
Enne (2002) pretende compreender a relação entre história e memória no caso da
Baixada Fluminense. Ela articula dois grupos locais que compreenderiam duas grandes
redes. Uma formada pelos “memorialistas”, pessoas ligadas aos institutos históricos dos
municípios da Baixada, que se preocupam em resgatar a história local, privilegiando o
século XIX e abordando pouco o século XX e as transformação por que passou a
Baixada. A outra rede é formada pelos “acadêmicos”, historiadores por formação que
realizam estudos majoritariamente sobre temas mais contemporâneos. A autora postula
que, embora esses dois grupos aparentemente tenham posturas divergentes, o esforço
em criar uma identidade positiva para a Baixada é o ponto que os une.
É a interação entre esses grupos que permite a autora constatar a polissemia do
termo Baixada, uma vez que sua historia e seu significado são objeto de disputa. No
entanto, o contraponto em comum desses grupos é a imagem da Baixada veiculada pela
mídia.
Para sua pesquisa a autora trabalhou com os jornais O Dia, A Última Hora e
Jornal do Brasil e sua produção entre o período de 1950 e 2000. A constatação é que
aspectos ligados à vida urbana (saneamento, condições de habitação, saúde, educação,
trânsito etc), bem como noticias sobre projetos de lei, campanhas ou atividades
públicas, atividades culturais eram raramente produzidas. Em contraposição, a violência
ocupa o lugar de destaque como unidade discursiva utilizada pela imprensa para referir-
se à Baixada.
O ponto de inflexão são os anos 1950 e 60 em razão do protagonismo de figuras
como Tenório Cavalcanti e das lutas pela posse de terras.
Segundo Mário Grynszpan (1990) as denúncias com relação à violência que
dominava a luta de terras na Baixada foi favorável para os lavradores, pois deu
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visibilidade aos problemas locais e lhes garantiu reconhecimento político. No entanto,
com a ascensão de Tenório Cavalcanti, a vinculação entre Baixada, violência e
desmando político fixou-se fortemente. O dito popular “Caxias é a terra onde galinha
cisca pra frente” é a revelação da imagem de estranheza, de ausência de regras, ou de
regras nada convencionais que começava a impregnar a região.
Na década de 70, a consolidação dos grupos de extermínio na região deram
seguimento e um dado novo aos jornalistas. Os jornais passaram a explicitar suas
análises sobre violência nos editoriais, como no caso abaixo do editorial do Jornal do
Brasil, que falava sobre crimes na Baixada, intitulado “câncer vizinho”.
“Há uma estranha relação entre crime e lugares feios. E seria preciso, igualmente, que os
prefeitos locais pensassem um pouco mais em termos humanos do que em obras a serem
inauguradas, relegando à polícia o cuidado com o subterrâneo social. Trabalho para
gerações. Mas que toda contemporização agrava. Trata-se, em última análise, de salvar o
Rio de um câncer que pode estrangulá-lo” (apud ENNE, 2002:100).
Aliado a isso, um estudo da UNESCO, realizado na década de 1970 apontará
Belford Roxo como o lugar mais violento do mudo, fato lembrado por todos os
“memorialistas” entrevistados por Enne. Percebemos pouco a pouco como os jornais
insistem em acentuar o quadro calamitoso que reina na Baixada, alimentando um
discurso do medo que termina por justificar mecanismos de segregação social.
Na década de 1980, a violência na Baixada esteve quase que diariamente nas
páginas dos jornais. Apenas no final da década, o quadro começa a modificar-se. Nesse
momento, nota-se um movimento no sentido de representar a Baixada com uma imagem
mais positiva. Crescem os movimentos sociais e proliferam-se diversas instituições
culturais pelos municípios.
Para Enne (2002), há diferentes fatores que explicam tal mudança: a idéia de que a
violência se generalizou; a criação dos cadernos sobre a Baixada nos jornais O Dia e O
Globo; a criação da Linha Vermelha, que diminuiu a distância geográfica; ação dos
movimentos sociais na Baixada; a percepção de que a região seria um mercado
consumidor potencial; preocupação dos políticos locais em construir imagens mais
positivas para seus municípios; a própria ação dos historiadores que tentam resgatar a
história da região.
Enne percebe um tom de surpresa nos textos jornalísticos que retratam algo
positivo sobre a Baixada. Como não podia deixar de ser, a surpresa relaciona-se com
décadas de repetidas notícias negativas. Por esse motivo, a ação de agentes locais, como
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movimentos sociais, rádios comunitárias, “memorialistas”, “acadêmicos” passa a ter
importância fundamental.
O dado interessante é que a diminuição de notícias sobre violência na Baixada não
foi provocada por uma redução da taxa de homicídios nos municípios da região. A
incidência de violência letal na Baixada permaneceu sendo altíssima nos anos 90,
superior às taxas do Rio de Janeiro.
Taxa de homicídio doloso, roubo e lesão corporal nos municípios da
Região Metropolitana do Rio de Janeiro : 2004 (100 mil hab)
taxa de
homicidio doloso
taxa de
roubo
taxa de lesão
corporal
Estado 41,74 720,67 483,48
Município do Rio de
Janeiro
43 1227,08 438,07
Região da Baixada 53 495,23 441,91
Belford Roxo 58,69 241,22 346,12
Duque de Caxias 56,47 914,56 428,87
Guapimirim 140,6 663,15 1260,29
Itaguaí 82,72 284,81 504,7
Japeri 37,56 52,59 450,74
Magé 21,6 165,48 343,5
Mesquita 41,01 448,87 518,31
Nilópolis 54,91 851,47 572,28
Nova Iguaçu 55,73 420,53 376,44
Paracambi 19,31 214,83 786,91
Queimados 70,74 200,44 579,21
São João de Meriti 42,44 455,19 506,46
Seropédica 59,21 331,57 486,82
Tabela 1 – Taxa de homicídio doloso, roubo, lesão corporal nos municípios da região
Metropolitana do Rio de Janeiro: 2004 (100mil hab). Fonte: Registros de ocorrência da Polícia
Civil - Secretaria de Segurança Pública
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Taxa de homicídios: 2004
0
20
40
60
80
100
120
1980 1985 1991 1995 2000 2002
Ano
Taxa por 100 mil
habitantes
Baixada
Capital
RM
Estado
Figura 2 – Taxa de homicídios 2004. Fonte: Registros de ocorrência da Polícia
Civil - Secretaria de Segurança Pública
Embora o município do Rio de Janeiro tenha estado no centro do debate sobre
violência nos últimos anos, é o seu entorno que suscita maiores preocupações. No caso
da Baixada, esse quadro inicia-se na década de 80. As taxas da Baixada mantém seu
ritmo de crescimento até 1995 e logo em seguida sofre queda, assim como as taxas
gerais. Entretanto, em 2002 volta a crescer e a distanciar-se do resto da Região
Metropolitana e do estado.
A Baixada afasta-se dos indicadores das outras regiões apenas quanto à taxa de
roubo, uma vez que crimes contra a propriedade tendem a ocorrer em áreas de renda
mais alta. É a violência letal o drama da Baixada, mas como citado anteriormente, as
políticas de segurança pública ainda não atuaram com eficácia nesse sentido.
Para complementar nossa compreensão violência na Baixada, consideraremos o
trabalho do CESEC sobre mídia e violência na Baixada (2006) que utilizou como
corpus os jornais O Dia, O Globo e Jornal do Brasil; Folha de São Paulo, O Estado de
São Paulo e Agora São Paulo; O Estado de Minas, Diário da Tarde, privilegiando as
reportagens sobre segurança pública e violência na Região Metropolitana do Rio de
Janeiro no ano de 2004.
Verificou-se que das 1213 noticias sobre o Rio de Janeiro, apenas 66 referem-se à
Baixada. Nos jornais formadores de opinião elas são ainda mais escassas.
Considerando-se os temas das matérias vê-se que enquanto no noticiário em geral o
foco principal recai sobre as forças de segurança (polícia militar, polícia civil, forças
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armadas e guardas municipais), no caso da Baixada a maioria das notícias refere-se a
atos violentos.
Os jornais têm cumprido um importante papel, especialmente no Rio de Janeiro,
de controle externo da polícia, ao denunciar casos de violência policial, corrupção e
abuso de poder. O mesmo também ocorre na Baixada, mas pecam pela quase absoluta
ausência de matérias sobre políticas de segurança, sociedade civil, campanhas e
protestos, direitos humanos, estatísticas e pesquisas nessa região.
Quando são considerados os municípios aos quais as notícias se referem, observa-
se uma distribuição que não atende à gravidade da problemática da violência e da
segurança pública em cada localidade. Diversos municípios da Baixada não foram
objeto de uma única notícia publicada sobre o tema durante os cinco meses na amostra
analisada, embora tenham alta taxa de homicídios.
A pesquisa do CESEC conclui que:
“Não é o exagero, mas o silencio que parece predominar na relação entre os problemas de
criminalidade e segurança pública de municípios da Baixada Fluminense (como de resto
em outras áreas pobres do estado e da cidade do Rio de Janeiro) e os jornais,
especialmente os formadores de opinião, lidos pelas elites dirigentes e pelas classes
médias e abastadas. É como se violência na Baixada não fosse um problema do Rio, mas
uma mazela da Baixada.” (CESEC, 2006)
Considerando as pesquisas já realizadas sobre o assunto podemos postular que a
intensa veiculação da violência na Baixada, entre as décadas de 1960 e 80, não
provocou nenhum tipo de ação política que revertesse esse quadro. A reiteração de
noticias sobre violência sem acompanhamento dos casos e seus desdobramento apenas
fixou a imagem de violência da região.
Nos últimos anos, provavelmente diante das críticas quanto a essa postura, vimos
um recuo no sentido de evitar noticias sobre violência na Baixada e outros aspectos
foram privilegiados. Entretanto, as mazelas que afligem a região modificaram-se muito
pouco.
Cano; Borges; Ribeiro (2001) constataram que o número de policiais atuando na
Baixada não condiz com o seu grau de violência Enquanto o município do Rio de
Janeiro conta com quase dois policiais para cada 1.000 habitantes, Duque de Caxias,
Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo e Nilópolis apresentam menos de um policial
para cada 1.000 habitantes. Além disso, a existência de apenas uma delegacia de
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homicídios para toda a Baixada, com menos de 40 policiais e 100 inquéritos abertos
apenas justificam o clima de impunidade e negligência diante da gravidade da situação.
Há ainda outro complicador que se refere ao sentimento duplo da população da
Baixada com relação à presença de policiais, pois ela é percebida, concomitantemente,
como uma necessidade e uma ameaça, devido à participação de agentes policiais em
chacinas e em grupos de extermínio.
O poder público tem investido seus recursos de segurança preferencialmente na
Cidade do Rio e em Niterói, relegando à Baixada um posto secundário, embora as taxas
de crimes denunciem a incoerência de tal política.
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3.3.
Retrato social da Baixada
Seguindo com o objetivo de perfazer o espaço ocupado pela Baixada na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, consideraremos alguns dados demográficos e sócio-
econômicos.
De acordo com Bourdieu, os lugares no espaço social são determinados pela
distribuição de capital (econômico, social e simbólico), que expressam as relações de
dominação entre as classes na sociedade.
“Não há espaço em uma sociedade hierarquizada que não seja hierarquizado e que não
exprima as hierarquias e as distâncias sociais, sob uma forma (mais ou menos) deformada
e, sobretudo, mascarada pelo efeito de naturalização que implica a inscrição durável das
realidades sociais no mundo natural: as diferenças produzidas pela lógica histórica podem
assim parecer surgidas da natureza das coisas" (Bourdieu, 1993:160).
Na primeira parte deste capítulo, contamos a história da Baixada a partir de seu
processo de ocupação, que apontou seu lugar periférico. A literatura de sociologia
urbana enxergou nos anos 1970 na forma de estruturação das metrópoles brasileiras,
como no caso do Rio de Janeiro, um processo de dualização, com a criação de dois
espaços: um centro e uma periferia. A segregação das camadas de menor renda, a
autoconstrução das moradias e a precariedade das condições de consumo coletivos são
aspectos que marcavam o espaço periférico. Em contraposição a um centro em que se
concentraram as camadas médias e superiores, as oportunidades de emprego e os
equipamentos e serviços urbanos.
Estudos nos últimos anos têm apontado mudanças nesse modelo centro-periferia.
Debate-se sobre uma modificação no processo de produção do espaço urbano e mesmo
sobre alguns pressupostos do modelo centro-periferia. Estaríamos assistindo a um novo
padrão de segregação urbana, caracterizado por uma menor distância física entre ricos e
pobres, mas sem aumento na interação entre eles. Os indícios dessa nova ordem urbana
são a perda da primazia da metrópole no sistema urbano e a criação de “novas
centralidades” na periferia, a autosegregação das classes médias e superiores e
estigmatização dos espaços de pobreza como espaços de violência (CALDEIRA, 2002;
LAGO, 2006; RIBEIRO, 2004).
No caso do Rio de Janeiro esse processo de redirecionamento da expansão urbana
para as cidades de porte médio é flagrante. Devido ao histórico da sua ocupação e da
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61
sua economia, pela carência de infra-estrutura, assim como pela falta de investimentos
em ponto diferenciados do território, explica-se, no passado, o acentuado crescimento
da Região Metropolitana e, por outro lado, o incipiente dinamismo da economia em
grande parte dos municípios fluminenses. Atualmente, esse quadro vem se revertendo,
pois o interior do Estado vem sofrendo mudanças significativas no arranjo espacial da
produção, com destaque para a atividade extrativa no Norte Fluminense e a indústria
automobilística no Médio Paraíba. Com o fenômeno da desconcentração industrial, com
perdas na capacidade produtiva instalada, de introduzir novas tecnologias e na geração
de empregos, a região metropolitana do Rio de Janeiro está deixando de representar a
força motriz da economia do Estado. (CIDE, 2007). A instabilidade da economia
fluminense explica-se pela perda da capacidade o competitiva da indústria e de
atratividade para a localização de empresas (LAGO, 2006).
Além disso, inicia-se um processo de “enobrecimento” da periferia. Esse processo
é impulsionado pelo mercado imobiliário, que passa a investir nessas áreas e pela
melhora de serviços urbanos nas áreas nobres da periferia.
Diferentemente do modelo centro-periferia, em que as classes se organizavam a
uma distância tanto física quanto social, observa-se atualmente a menor distância física
entre elas. Diante disso, surgem os enclaves fortificados que são propriedade privada
para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito ao mesmo tempo que
desvalorizam o que é público. São fisicamente demarcados e isolados por muros,
grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos (CALDEIRA, 2002).
A questão negativa desse modelo é quanto à sinalização da negação da vida
pública que esses enclaves emitem. A qualidade do espaço público modificou-se
consideravelmente. Como conseqüência da intensa segregação a que as classes mais
baixas foram submetidas, é razoável supor que a natureza da interação entre os grupos
sociais tenha sido abalada.
Esse processo põe em xeque as concepções modernas de vida pública, que
privilegiam o espaço da cidade aberto a todos, a heterogeneidade, a acessibilidade e a
igualdade. Nesse novo cenário a sociabilidade é dificultada, intensifica-se a
fragmentação de identidades coletivas e inferiorizam-se certos segmentos sociais,
sedimentando seu não-reconhecimento e imobilidade. (CALDEIRA, 2002)
Além disso, a criação de novos núcleos, ou seja, áreas habitadas por classes
médias e superiores na periferia levam a uma maior heterogeneidade desse espaço,
tornando-o mais complexo.
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62
Alguns estudiosos têm defendido que esses espaços, centro e periferia, nunca
foram homogêneos (MARQUES, 2005; LAGO, 2006). A constatação da concentração
de emprego, de moradias, de serviços urbanos nas áreas centrais e das enormes
carências da periferia sustentava a visão dual da metrópole. As pesquisas da década de
1970, ao enfatizarem as diferenças entre centro e periferia e na tentativa de denunciar a
situação de carência das classes pobres e o desenvolvimento econômico desigual do país
permitiram a percepção de que esses espaços eram homogêneos. Com isso, uma série de
nuances inerentes a esses espaços passou despercebida.
Toda a discussão sobre o novo padrão urbano é fundamental para entendimento da
Baixada hoje. Abaixo, segue um mapa da estrutura socioespacial, ou seja, o padrão de
distribuição da população segundo seu perfil sócio-ocupacional, pelas diferentes áreas
do espaço metropolitano
5
.
5
Para o perfil sócio-ocupacional foram utilizadas oito categorias de trabalhadores, construídas através da
hierarquização social das ocupações definidas nos censos demográficos. 1. superior (empresários e
dirigentes do setor privado e público), 2. superior médio (profissionais em ocupação de nível superior), 3.
médio (pequeno empregadores do serviço e comércio), 4. médio inferior (empregados em ocupação de
rotina, supervisão, segurança, ensino básico e técnicos), 5. operário (trabalhadores da indústria e
construção civil), 6. popular operário (prestadores de serviços e comerciários), 7. popular (trabalhadores
domésticos, ambulantes e biscateiros) e 8. popular periférico (agricultores). (LAGO, 2006)
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63
Figura 3 – Tipologia sócio-espacial – Região Metropolitana do Rio de Janeiro – 2000. Fonte:
Observatório das Metrópoles - FASE/IPPUR
A observação atenta do mapa abaixo nos permitirá reconhecer que em Nova
Iguaçu, como caso mais evidente, se destaca uma ilha de tipo superior médio, onde, em
2000, 10% dos residentes ocupados eram empregadores e 19% profissionais de nível
superior. Contrastando com dados de décadas passadas, nota-se como Nova Iguaçu
apresentou mudanças no seu perfil social, numa clara elitização, com aumento de peso
dos setores superiores e médios (LAGO, 2006).
Depois de ter tido seu território estilhaçado em diferentes municípios, Nova
Iguaçu perdeu boa parte de sua receita e contingente populacional, tendo, portanto, que
reestruturar-se. Hoje, o município tem a estrutura econômica mais equilibrada da
Baixada, com distribuição eqüitativa e proporcional entre os setores da economia. O
mercado de aluguéis e a construção são os itens de maior peso, 30,5% e 15,4%,
respectivamente, em virtude de um dinâmico mercado imobiliário (SIMÕES, 2007).
Também em Caxias houve aumento do peso dos setores médio e superior e uma
maior diversificação econômica. Nessas áreas as alterações do espaço não se
restringiram ao setor construtivo residencial, mas ainda contou com a chegada de
shopping centers e investimentos públicos em saneamento.
Embora num ritmo bem inferior ao dos anos 1950 e 60, segue seu curso o
mercado informal de lotes populares nos municípios localizados na fronteira
metropolitana do Rio de Janeiro, ou seja, como Maricá, Guapimirim e Seropédica.
Segundo LAGO (2006), as regiões periféricas da metrópole, Baixada e São
Gonçalo, já nas décadas de 1970 e 80 apresentavam um percentual de categorias médias
não desprezível, 11,6%, e 4% de superiores. O que a permite afirmar que é preciso
redimensionar a escala da segregação dos anos 70, ou seja, do pressuposto da distância
física entre ricos e pobres. Além disso, a presença de favelas nos bairros nobres revela
que o Rio de Janeiro experimenta, há algum tempo, a proximidade física de diferentes
grupos sociais. A visão dual, centro e periferia, era adequada para se pensar as
condições urbanas de vida, o acesso à moradia e os equipamento e serviços urbanos,
mas não dava conta de toda a complexidade para entendimento do espaço urbano.
A tabela 2 indica o processo de que descrevemos acima quanto ao crescimento
populacional. A Baixada foi “aberta” através da produção de lotes urbanos, iniciada na
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década de 50 e expandida até a década de 70 e recebeu imigrantes e parte da população
removida de favelas.
A partir da década de 80, houve uma desconcentração populacional para o
conjunto do país em razão da transição demográfica brasileira e da desindustrialização
regressiva (RIBEIRO, 1996: 171). Vê-se que no período de 1991 a 2000 a cidade do
Rio de Janeiro já não apresenta as mesmas taxas de crescimento, embora ainda seja uma
metrópole com elevada densidade demográfica. A cidade tem perdido atração
populacional para outras áreas no interior do estado.
Há que se destacar São João de Meriti e sua condição de maior densidade
populacional da América Latina, segundo a prefeitura da cidade, o que aparecerá como
um indicador importante no próximo capítulo sobre as rádios.
Densidade demográfica
Estado do Rio de Janeiro 1940-2005
População residente
Área total
(km
2
)
1940 1950 1970 1991 2000
Estado 43 864,3 3 611 998 4 674 645 8 994 802 12 807 706 14 391 282
Município do Rio de
Janeiro
1 205,8 1 764 141 2 377 451 4 251 918 5 480 768 5 857 904
Região da Baixada
2.806,6
184.209 430.522 1.783.172 2.890.607 3.370.508
Belford Roxo 79,0 6 149
23 750 173 272 360 714
434 474
Duque de Caxias 468,3 29 613
92 459 431 397 667 821
775 456
Guapimirim 361,9 3 774
7 026 14 467 28 001
37 952
Itaguaí 281,3 6 021
13 549 29 237 60 689
82 003
Japeri 81,4 3 315
8 830 36 386 65 723
83 278
Magé 386,8 19 627
29 735 98 556 163 733
205 830
Nilópolis 19,4 22 341
46 406 128 011 158 092
153 712
Nova Iguaçu 520,5 29 851
74 290 361 339 630 384
754 519
Paracambi 186,8 8 699
10 968 25 368 36 427
40 475
Queimados 76,7 3 733
9 944 62 465 98 825
121 993
São João de Meriti 34,7 39 569
76 462 302 394 425 772
449 476
Seropédica 268,2 2 408
8 268 26 602 52 368
65 260
Densidade demográfica (háb/km2)
1940 1950 1970 1991 2000
Estado 82,3 106,5 204,8 291,7 327,5
Município do Rio de 1.395,50 1.880,60 3.363,30 4.335,40 4.853,10
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65
Janeiro
Região da Baixada
65,63 153,40 635,35 1.029,93
1.200,9
Belford Roxo 76,9 296,9 2.165,90 4.508,90 5.482,50
Duque de Caxias 63,3 198,5 926,30 1.434,00 1.646,10
Guapimirim 10,4 19,4 40,00 77,4 104,8
Itaguaí 21,6 48,7 105,10 218,1 291,3
Japeri 40 106,5 438,90 792,8 1.021,60
Magé 50,8 76,9 254,90 423,5 531,8
Nilópolis 1.153,60 2,417,0 6.667,20 8.234,00 7.916,10
Nova Iguaçu 69,6 184,3 813,40 1.380,80 1.628,20
Paracambi 48,4 61 141,10 202,6 216,3
Queimados 47,9 127,5 800,80 1.267,00 1.586,50
São João de Meriti 1.133,80 2.190,90 8.664,60 12.199,80 12.946,10
Seropédica 9 30,9 99,40 195,6 242,4
Tabela 2 – Densidade demográfica. Fonte: CIDE.
É quanto ao tema das condições de moradia que um quadro de precariedade marca
a Baixada. Nesta região temos uma parcela importante da população sem abastecimento
de água adequado. Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE de
2000 revelam que existe necessidade de racionamento de água em praticamente todos os
municípios da Baixada. A necessidade de racionamento é atribuída, na maior parte dos
casos, à falta de reservatórios de água. O sistema de abastecimento de água na região
funciona de forma precária Uma série de usuários capta água diretamente das linhas de
adução, sendo estas ligações, em grande parte, clandestinas. Isto provoca falta de água
ou distribuição irregular em diversos pontos, e ainda ocasiona pressão excessiva em
outros. Por outro lado, as sucessivas ampliações da produção e da adução de águas,
realizadas no sistema de abastecimento de água ligado ao Rio Guandu, não chegaram a
gerar um volume suficiente para abastecer a região da Baixada Fluminense. Estas
ampliações foram feitas sem a construção de reservatórios e sem a definição de suas
áreas de influência, levando a um sistema com alto grau de incertezas, que funciona
precariamente, baseado em permanentes manobras de água realizadas de forma aleatória
e muitas vezes clientelistas pelos DAEs (distritos de água e esgotos)
(OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2006).
Outro importante indicador das desigualdades sócio-espaciais refere-se à
mobilidade diária no interior da metrópole. Como as condições de acessibilidade ao
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66
mercado de trabalho e ao consumo são desiguais, a distância casa-trabalho e o tempo
gasto nesse percurso são indicadores dos mecanismos reprodutores de desigualdade.
Os municípios da Baixada eram considerados “cidades dormitórios”, devido à
relação pendular que seus moradores estabeleciam com a cidade do Rio de Janeiro. Essa
classificação não apenas denota a condição periférica da Baixada, que a expressa apenas
reforça e ajuda a cristalizar, como também desqualifica esse espaço como um lugar de
significado social, de construção de sociabilidade. Ou seja, como lugares
antropológicos, na concepção de Barbero (apud COSTA, 2002), que seriam “lugares
carregados de história, denso de senhas de identidade acumuladas por gerações em um
processo lento e longo”.
Para Caldeira (1984), essa expressão negligencia o fato de que há moradores que
não trabalham fora e, portanto, permanecem no bairro. Essa classificação está orientada
pela divisão do tempo livre e do tempo de trabalho, em que apenas o segundo tem valor.
Não se considera, assim, a importância do cotidiano, do lazer
6
, das relações de
vizinhança.
De acordo com o gráfico 1, constata-se que a grande maioria dos trabalhadores
metropolitanos trabalham no município de residência, indicando sua capacidade em
reter mão-de-obra.
Em pesquisa recente e mais detalhada sobre a mobilidade de trabalhadores na
metrópole do Rio de Janeiro, Lago (2006) observou que sub-centros periféricos, como
Nova Iguaçu, revelam capacidade de atração significativa. Examinando o perfil sócio-
ocupacional, verifica-se que Nova Iguaçu consegue reter as categorias dos dois
extremos da hierarquia social e ainda os operários da indústria, prestadores de serviços
especializados e profissionais de nível superior. Há uma dificuldade de absorção das
classes médias que emergem nas áreas periféricas da metrópole.
6
Em tese de doutorado, Magnani (2003) atribuiu às formas de lazer na periferia paulistana, como o circo,
o papel de possibilitar o reconhecimento mútuo, a interação comunicativa e a construção de identidades.
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67
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
Rio de J
a
neiro
Mangaratiba
Paracambi
T
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G
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a Iguaçu
São Gonçalo
Queimados
S. J. de Meriti
B
elford R
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N
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lópoli
s
Japer
i
Município de residência
Figura 4 – Percentual da PEA que trabalha na metrópole do RJ, fora de seu
município de residência – Censo 2000. Fonte: LAGO, 2006.
Proporção de pessoas filiadas ou associadas por tipo de organização - 1996
Distribuição da participação por tipo de
organização
Filiadas ou
associadas (%)
sindicato ou
assoc. de classe
assoc.
de bairro
outras
Municipio do Rio de
Janeiro
27 66 13 29
Baixada
Fluminense
17 66 13 26
Demais municípios da
RMRJ
24 64 8 35
Região Metropolitana do
Rio de Janeiro
24 66 12 30
Tabela 3 - Proporção de pessoas filiadas ou associadas por tipo de organização – 1996.
Fonte: IBGE/PME, 1996. Tabulação do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal
- IPPUR/UFRJ - FASE
O último indicador que consideraremos será quanto ao grau de associativismo, por
considerarmos relevante para os fins desse trabalho. As organizações sociais são um
poderoso mecanismo de integração e o pertencimento a redes de solidariedade é uma
forma de habilitar seus membros na luta por direitos.
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Os dados mostram que a despeito das reformas liberais e do processo de
flexibilização do trabalho, os sindicatos são ainda a principal forma associativa. O dado
importante é quanto às diferenças entre a capital e o seu entorno, guardando forte
relação com o quadro de desigualdade que vimos esboçando até aqui.
Diante do baixo grau de associativismo fluminense, nota-se que o exercício dos
direitos se encontra limitado nessa região. A história social e política do Rio de Janeiro
demonstra uma dificuldade em “transformar sua participação comunitária em
capacidade de participação cívica” (CARVALHO, J. M, 2005: 143). E dentro desse
quadro, a Baixada apresenta os menores níveis de associativismo.
Em pesquisa sobre associativismo no Rio de Janeiro, Santos Junior (2001), aponta
a relação entre padrão de associativismo, renda e nível educacional, em que as áreas
habitadas por segmentos de alta renda e alto nível educacional tendem a ser as áreas
com maior grau de associativismo. O que nos permite entender a frágil cultura cívica da
Baixada, em que a maioria da população se mostra indiferente à política formal, está
distante das organizações da sociedade civil, não faz representar seus interesses na
esfera pública e convive com práticas políticas marcadas pelo clientelismo e
mandonismo. (SANTOS JUNIOR, 2001).
O exercício deste capítulo permitiu que nos aproximássemos da Baixada. Para
isso, tratamos desde sua história urbana chegando a indicadores atuais como
associativismo, acesso a serviços públicos, passando pela sua representação através da
imprensa.
Diante de tantos indicadores que refletem as carências, a condição subalterna, a
frágil cultura associativa, é importante salientar as experiências e os espaços que a
população encontrou para problematização de questões locais e exercício de direitos.
Em sua dissertação de mestrado, Monteiro (2001) defende que a cultura política
baixadense não foi construída unicamente pelas classes superiores da região. Ela
desenvolveu mecanismos próprios informais de amenização dos problemas. O autor cria
a categoria “rede de resolução de problemas práticos” para dar conta dessa realidade.
Seu argumento é de que desde os loteamentos, a população viu-se esquecida pelo poder
público e obrigada a construir o seu lugar de moradia através de meios próprios. Daí
estabeleceram-se práticas de amenização das condições desvantajosas de vida, de
problemas cotidianos.
Não apenas iniciativas informais, mas também diferentes experiências de ativismo
social de grande importância e que influenciaram a história do lugar, como é o caso do
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MAB (Associação de Moradores de Nova Iguaçu), criado em 1976, símbolo de luta por
melhorias para os bairros. Tinha um cunho reivindicatório, e em pouco tempo se
articulou com a Igreja Católica, o sindicalismo e os partidos de esquerda proscritos pela
ditadura (LESBAUPIN; 1982; BERNARDES, 1983; FREIRE, 2001).
Vimos a organização camponesa e os saques nos anos 60 como exemplos da
experiência da população baixadense em reagir na medida da sua necessidade e através
de seus recursos.
A Igreja Católica cumpriu papel fundamental nos anos 70, pela atuação das
pastorais e CEBs junto às associações de moradores, clubes de mães e sindicatos,
destacando-se as figuras dos bispos Dom Mauro Morelli e Adriano Hipólito (SIMÕES,
2007).
É a partir desse contexto que devemos considerar o caso das rádios comunitárias,
como forma de democratizar o espaço público. O que no caso da Baixada Fluminense
ganha particular relevância, ao permitir, como veremos, a articulação e divulgação de
imagens e leituras positivas do lugar.
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Novos Rumos e Onda Livre: a Baixada em sintonia
Neste capítulo, trataremos da experiência das rádios Novos Rumos, em
Queimados, e Onda Livre, em São João de Meriti.
A base para realização desse capítulo foi o trabalho de campo que desenvolvi nas
rádios, através de entrevistas e documentos. Os entrevistados eram não só as pessoas
que atuavam nas rádios, mas também os que tinham passado por elas em algum
momento. Busquei os fundadores das rádios, aqueles que tinham ocupado cargos
administrativos e também conversei com os locutores. As perguntas tratavam sobre as
trajetórias individuais, as motivações para a rádio, as leituras sobre as condições do
lugar, os temas abordados na programação, a relação com a vida associativa e política e
com o movimento de rádio comunitária.
Preferimos não divulgar os nomes dos entrevistados, optando por identificá-los
por suas funções, pois nos pareceu mais prudente. Nenhuma das duas rádios tem ainda
outorga para realizar a o serviço de radiodifusão comunitária, o que as coloca em uma
situação de ilegalidade.
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71
4.1.
A Rádio Novos Rumos e a cidade de Queimados
A luta pela emancipação da cidade é um aspecto fundamental para compreender a
rádio Novos Rumos. Foi no esforço por criar a cidade, ou seja, fixar uma identidade
queimadense que a rádio foi criada.
As terras que hoje compõem o município de Queimados são parte de três grandes
fazendas surgidas da sesmaria de Garcia Ayres: Fazenda Marapicu, Engenho do
Ipiranga e Engenho do Cabuçu. Essas fazendas se dedicaram ao cultivo da cana-de-
açúcar e às lavouras de subsistência. Foi na Fazenda Marapicu que surgiu o primeiro
núcleo de povoamento da região e, quando da criação do Município de Iguaçu,
Marapicu passou a ser sua freguesia (REVISTA QUEIMADOS, 1995).
Com a construção da Estrada de Ferro Central do Brasil em 1858, a estação, que
depois se chamará Queimados, foi instalada distante do núcleo de Marapicu. Nas
imediações da estação é que se construirá o núcleo central da freguesia, pois na virada
do século XIX para o XX inicia-se o ciclo da laranja em Iguaçu e várias estradas para
escoamento da produção serão construídas próximo da estação de Queimados.
Em 1911, Queimados passará a sede do município, mas perderá o título
posteriormente para Marapicu. A razão para isso é que Queimados apresentava pouco
dinamismo, pois não passava de um entreposto comércio de laranja.
Com a construção da Estrada Rio São Paulo, em 1928, há um surto de
urbanização nas áreas próximas da estação, com isso Queimados volta a ser sede do
município em 1944, e permanecerá como tal até sua emancipação.
Já nos anos 50 começam as primeiras discussões acerca da emancipação de
Queimados. A municipalização de Caxias em 1943 e de Nilópolis em 1947 motivaram
os queimadenses.
Em 1958, surge a Sociedade Pró-Melhoramentos de Queimados, cujo objetivo era
lutar pela emancipação. Com o golpe de 64, o movimento se retrai e apenas nos anos 80
Queimados viverá novamente a mobilização pela emancipação.
Em 1982, a abertura política estava sendo articulada e realizaram-se eleições
diretas para governador e prefeito. A posse do novo prefeito de Nova Iguaçu não
representou mudanças em investimento de infra-estrutura. Alguns relatos (REVISTA
QUEIMADOS,1995) mencionam a ocorrência de fortes chuvas que inundaram
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Queimados, revelando o descaso da administração municipal e reanimando a luta
emancipacionista.
Nessa época, um outro acontecimento tem extrema relevância: a criação do
Distrito Industrial de Nova Iguaçu na Rodovia Presidente Dutra na altura de
Queimados. Os queimadenses reclamaram não terem recebido os benefícios da criação
do Distrito Industrial em sua área, que eram usados em proveito de Nova Iguaçu.
Essa movimentação culminou, em julho de 1988, no primeiro plebiscito pela
municipalização de Queimados, que incluiria Cabuçu, Japeri, Marapicu, Engenheiro
Pedreira e Km 32. O pleito fracassou devido ao baixo quorum. Verificou-se que a
população dessas outras localidades não estava disposta a trocar a submissão à Nova
Iguaçu pela mesma situação em relação a Queimados. Simões (2007) acredita que o
motivo da falta de identificação com o município que seria criado pode ser explicada
pela rede viária da região. As estradas que ligavam essas localidades a Queimados não
eram pavimentadas e não existiam linhas de ônibus entre elas ou as que as ligavam eram
extremamente deficientes. A falta de ligações econômicas determinou a falta de
identidade territorial e política.
Um dos atuantes do grupo emancipacionista, ex-operário, ex-presidente da Novos
Rumos e atual assessor da Secretaria de Agricultura de Queimados, conta:
“Nós começamos a nos organizar a partir de 1984, uma organização apartidária. Quando
chegou em 1988, tivemos o primeiro plebiscito, a primeira consulta popular. Nessa
consulta nós queríamos um município grande. Nós queríamos Japeri, Engenheiro
Pedreira, Cabuçu e Queimados. Nós não fomos capaz (sic), a nossa idéia não foi capaz de
atingir toda a comunidade. Toda essa comunidade traria cerca de 125 mil eleitores. Nós
não conseguimos quorum, perdemos o plebiscito. Foi uma tristeza muito grande. Mas
tinha um pequeno grupo, daquele que não abre mão das suas idéias, que se reuniu em 10
julho de 1988 novamente, 6 companheiros e uma dama.” (entrevista concedida em 23 de
maio de 2007)
Nesse segundo momento, foi criada a Associação dos Amigos para o Progresso de
Queimados (AAPQ). A idéia agora era desmembrar Queimados das outras localidades,
estudar com cuidado o passo a passo do processo de municipalização e procurar o
deputado estadual Paulo Duque para assessorar o projeto.
A Constituição de 1988 deu aos municípios maior autonomia e obrigações de
prestações de serviços sociais. O âmbito municipal assume assim grande importância
ensejando uma crescente percepção da vida local como o espaço privilegiado para as
transformações sociais.
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O aspecto negativo desse processo foi a criação de municípios sem capacidade
para sustentar o novo aparato administrativo, tornando-os carentes de repasses dos
governos federal e estadual.
Ainda assim, no caso da Baixada Fluminense, havia a necessidade da separação
de Nova Iguaçu, o município mãe, para suprir suas carências, uma vez que, dessa forma,
os recursos dos distritos iam ser investidos localmente, como indica a fala de uma
moradora de Queimados e ex-locutora da rádio:
“Apesar de mal utilizado, os impostos, Queimados era um município que contribuía
muito com Nova Iguaçu. A gente tem como aglutinar aqui no município tudo que é pago
aqui dentro. É o suficiente para que o município caminhe com suas próprias pernas.
Ligado a outro município, o destino do que era pago aqui, nem sempre vinha para cá.
Embora mal administrado, mal distribuído, a cidade ganhou muito com a emancipação.”
(entrevista concedida – 23 de maio de 2007).
Monteiro (2001) nota na fala de moradores de Japeri, Belford Roxo e Queimados,
cidades da Baixada que se emanciparam nas últimas décadas, um entendimento popular
de que a municipalização possibilitaria o controle do poder por alguns líderes regionais,
mais próximos dos problemas populares.
Simões (2007) revela que o movimento emancipacionista em Queimados era
liderado por portadores de mandato na Câmara ou de cargo no Executivo de Nova
Iguaçu e por moradores do centro de Queimados, que seriam os primeiros beneficiados
com a municipalização. No entanto, o grupo soube mobilizar a população e elaborar um
discurso comum para criar uma identidade de base territorial, aglutinando o
empresariado, associação de moradores e religiosos.
Por exemplo, a AAPQ rapidamente percebeu a importância de fazer campanha
junto às igrejas evangélicas, grupo considerado com força significativa em Queimados,
mas que estava muito alheio às discussões sobre a emancipação.
“A gente (da AAPQ) tem que conseguir as igrejas, sem as igrejas não vai dar. Fizemos
uma reunião com pastores. Essas coisas que acontecem raramente, três comunistas numa
mesa, falando para 43 pastores. Com um poder de persuasão divino, pode crer! Por quê?
Porque no final dos 43 tínhamos conquistado 38, 38 assinaram se comprometendo a levar
as igrejas para votar a favor do plebiscito. Foi um negócio muito bonito.” (entrevista
concedida em 23 de maio de 2007)
Em novembro de 1990 ocorre o plebiscito que aprovou a emancipação e o Distrito
Industrial passou a pertencer a Queimados. Nova Iguaçu perdeu, assim, uma fonte de
recursos.
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Simões (2007) acredita que os processos de emancipação dos municípios da
Baixada revelaram, mais do que uma simples redivisão dos limites territoriais, produziu
uma nova teia de relações econômicas, políticas e identitárias. Analisando o índice de
desenvolvimento humano (IDH) dos municípios, verificou que os de maior taxa são
Nova Iguaçu e os de emancipação mais antiga como Caxias, Nilópolis e São João. Mas
Mesquita, Japeri e Queimados, últimos municípios a se emanciparem, apresentam as
mais altas variações no período de 1991 a 2000. O que indica que os municípios
emancipados recentemente conseguiram avançar significativamente.
Embora consideremos que havia, no caso de Queimados, uma disputa com Nova
Iguaçu em torno do Distrito Industrial e seus recursos; que os benefícios da
emancipação iriam se distribuir de forma desigual pela população; que o movimento
emancipacionista perdeu a unidade quando das primeiras eleições municipais, nada
disso permite diminuir a importância da emancipação de Queimados em fixar uma
identidade territorial, em estabelecer uma distinção entre ser “queimadense” e ser
“iguaçuano”, em possibilitar a autonomia desse lugar. Depois disso, as contradições
internas do novo município dominaram o jogo político local o que não denigre o feito
emancipacionista.
Os desafios de Queimados após a emancipação passaram a ser grandes. O distrito
industrial está muito pouco articulado à economia local. Ele não é uma fonte geradora
de emprego na cidade, pois suas atividades exigem alta qualificação o que não
corresponde à realidade da população queimadense (SIMÕES, 2007). A população de
baixa escolaridade serve de mão-de-obra barata para outros municípios, o que
possivelmente explica o grande movimento na estação de Queimados, a maior da
Baixada. A recente instalação de uma universidade
1
na cidade pode contribuir para
aumentar a qualificação da população local.
Queimados exigiu o direito de caminhar com suas próprias pernas, precisa decidir
como fazê-lo para seu próprio benefício. Assim como a Baixada, vista de forma mais
geral, a cidade foi ficando mais complexa. O desafio a enfrentar, segundo um dos
líderes emancipacionistas, não é mais a preponderância iguaçuana e sim o de seguir
promovendo com seus próprios meios o desenvolvimento local.
A maioria dos fundadores da rádio era ativista do movimento de emancipação e
essa mobilização acabou por dar mais ensejo à criação de uma rádio comunitária. A
1
A Universidade Estácio de Sá instalou recentemente um campus na cidade.
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cidade precisava ser criada e antes de tudo era preciso que ela fosse debatida, discutida.
E esse fator parece ter contribuído para o sucesso da rádio, como relata o presidente de
honra da Novos Rumos:
“Havia um clima favorável em Queimados. A cidade estava passando por um processo de
emancipação, havia grande mobilização na cidade. Se reunia as pessoas pra se debater.
Os primeiros debates (na rádio) foram comemorando a vitória ‘Estamos emancipados e
agora, para onde vamos? O que vamos fazer?’ O clima era favorável a uma comunicação
coletiva dessa natureza. Por isso a rádio pegou. Ela chegou na hora certa. Quase toda
diretoria inicial da rádio era ligada à emancipação.” (entrevista concedida em 29 de
janeiro de 2007)
Se a emancipação teve uma motivação econômica, ou seja, a possibilidade de
usufruir os dividendos que a cidade gerava, seu processo incluía o desenvolvimento de
uma identidade territorial que desse sustentação ao novo município. Era preciso
construir um elo e um sentimento de pertencimento entre a população e a nova cidade.
A rádio possibilitou a comunicação local, a expressão e o debate dos problemas.
Foi a esfera em que a cidade pôde falar de si e os queimadenses puderam se reconhecer
como tais.
Alguns programas fizeram a fama da Novos Rumos e servem como bons
exemplos do esforço e da tarefa em ser a rádio da cidade. Um deles foram as
transmissões dos campeonatos de futebol locais, como conta o primeiro locutor
esportivo da rádio:
“No final de 1992 nós tivemos aqui, uma competição, bem que acontecia aqui, não sei se
acontece mais, uma competição esportiva entre os times de um lado, vamos dizer assim,
em direção à Central do Brasil, do lado esquerdo, cortado pela rede ferroviária, e do lado
direito. E faziam dois jogos no final do ano para saber qual seria, assim dizendo, a seleção
campeã. Aí eu olhei, eu me ousei (sic) e falei: eu vou fazer a transmissão desse jogo. Eu
tinha ouvido um comentário de um jornalista da Rádio Globo, que ele começou na Rádio
Nacional, ele queria fazer uma transmissão esportiva e ninguém sabia como fazer aquilo.
E ele fez do orelhão.” (entrevista concedida em 18 de abril de 2007)
A transmissão dos jogos foi feita, não pelo orelhão, mas por uma linha específica
alugada da companhia telefônica. Isso passou a ser uma rotina na rádio.
“Então o pessoal do Oriente jogava com o Sete de Setembro que jogava com a Vila
Americana, que jogava com o Queimados que jogava com o São Roque e um time ficava
doido pra ouvir o jogo do outro. O pessoal gostava dessa interatividade. Isso criou
popularidade. A rádio começou a ter audiência, e a ter patrocínio. Teve uma ocasião que
o Queimados Futebol Clube participou do campeonato estadual na 3° divisão. E eu passei
a acompanhar o clube, fazendo as transmissões. Eu fui pro Flabarra, pra Angra dos Reis,
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fui a Petrópolis transmitir Cascatinha e Queimados. A gente rodou o Rio de Janeiro.”
(entrevista concedida em 18 de abril de 2007)
As transmissões do Carnaval de Queimados também tiveram repercussão. Todo
queimadense se orgulha em dizer que o Carnaval na Praça dos Eucaliptos, no centro da
cidade, já foi muito famoso e considerado o melhor de toda a Baixada. E era de lá que a
Novos Rumos fazia suas transmissões.
Uma ex-presidente da rádio relata:
“A gente tinha 5 equipes que se revezavam e tinha uma outra equipe que era o apoio e
tudo isso aconteceu durante muitos anos. A gente fazia a transmissão da praça do
Eucaliptos que eu ainda não sei se tem esse título, mas era considerado o melhor
carnaval da Baixada. Tinha 30 mil pessoas naquela praça. Aí tem sempre um artista que
vem, chama o público e sempre se montava um palanque do lado da polícia. Quando
chegava às 6 h começava a ter a transmissão ao vivo, já teve tempo de ter só flashes,
mas sempre com esse link com a praça pro queimadense estar sabendo o que estava
acontecendo na cidade. A gente corria hospital, delegacia, falava do trânsito, os blocos
que estavam saindo da cidade. Cada equipe tinha um comunicador, um produtor, um
repórter, um operador de áudio. A gente tinha um colete verdão desses que chamam a
atenção, todo mundo que passava na rua sabia que era repórter da Novos Rumos. E
então entrevistava todo mundo, desde os cidadãos, ate às
autoridades, os artistas.”
(entrevista concedida em 10 de maio de 2007)
Da mesma forma, a rádio sempre cobriu as eleições municipais, entrevistando os
candidatos, organizando debates em alguns programas. Através de algumas edições do
Jornal Sintonia, editado pela Novos Rumos nos anos de 1997 e 1998, podemos
recuperar a cobertura das eleições de 1998. O jornal relatou a série de debates entre os
diferentes candidatos da cidade e trazia reportagens com muitos deles. Além disso,
cobriu a contagem dos votos e divulgou em primeira mão o resultado das eleições.
Esses eventos comprovam como a Rádio Novos Rumos se preocupou em
participar de todos os âmbitos da vida de Queimados e dar conta de eventos que ajudam
a articular identidades como o Carnaval, o futebol e as eleições.
Podemos utilizar nesse caso a expressão “comunidade imaginada” de Benedict
Anderson (1991). Ele a utiliza para entender a construção dos nacionalismos europeus.
Ele define as nações como comunidades imaginadas porque os “membros, mesmo do
menor país nunca conhecerão, encontrarão e verão os seus compatriotas. Porém,
sobrevive nas mentes de cada um deles a imagem de sua comunidade” (ANDERSON,
1991:6). No caso europeu, a emergência de um mercado editorial possibilitou que de
forma mais rápida, um número maior de pessoas pudesse se saber relacionadas a outras.
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Mesmo considerando a enorme distância entre o nosso estudo e o de Anderson,
ele nos ajuda a entender como se forja a idéia de uma comunidade e como os meios de
comunicação são importantes para promover a ligação entre as pessoas de um mesmo
grupo.
Nas ocasiões como os festejos de Carnaval, eleições e jogos de futebol, a noção de
queimadense pôde ganhar algum nível de materialidade e a rádio permitiu que boa parte
dos queimadenses pudessem participar e perceber a sua conexão com um grupo.
A rádio começou a funcionar no porão da casa de um dos fundadores a partir de
dezembro de 1990 e com sua popularidade foi preciso buscar um outro espaço para ela.
Desde então, ela está no centro de Queimados, embora tenha passado por três diferentes
endereços. Já nos primeiro meses de funcionamento foram criados o Radioclube de
Queimados, entidade mantenedora da rádio, e um estatuto, que estipula regras para
associação e os deveres e obrigações dos associados
2
. Além disso, prevê a existência de
diferentes departamentos para administração do radioclube e seus respectivos deveres.
Um deles é a Assembléia Geral que congrega todos os associados e se reúne duas vezes
por ano.
A cada dois anos ocorrem eleições para os cargos da diretoria, em que são
elegíveis qualquer associado em dia com a contribuição mensal de 1% do salário
mínimo.
Um capítulo relevante da história da Novos Rumos é o seu fechamento pela
Polícia Federal em 1991. Esse fato foi importante para o movimento de rádio
comunitária (ANDRIOTTI, 2004; NUNES, 1995). Depois desse episódio, a rádio
Novos Rumos se tornou um dos símbolos da luta pela democratização da comunicação.
Não à toa, alguns de seus fundadores ingressaram no movimento de rádio comunitária,
pois viram no fechamento da rádio um estímulo e a comprovação da necessidade de
abraçar a causa do movimento.
A rádio esteve fechada durante quatro anos por determinação da Justiça. Retornou
em 1995, quando o processo contra a rádio prescreveu. Ela voltou a sofrer com a ação
da Polícia Federal e da ANATEL algumas vezes desde a sua reabertura até hoje.
2
Segundo o estatuto do Radioclube de Queimados, pode se associar qualquer cidadão brasileiro, residente
ou não do município de Queimados. Os associados devem estar em dia com a contribuição financeira à
rádio e tem direito a voz nas Assembléias e a votar e serem votados nas eleições para cargos da diretoria
do radioclube.
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Inclusive chegou a ser fechada novamente por alguns meses. O presidente de honra da
rádio conta:
“O dia que eles fecharam a rádio, a gente sabia que eles estavam indo fechar a rádio e a
gente continuou. Nós gravamos tudo, no ar, e as pessoas indo lá dar depoimento, foi um
negócio bonito. (...) Eu fui abrir a rádio, era 11 de maio acho que de 97, um domingo, a
rádio estava fechada há 4 ou 5 dias. Eu resolvi botar no ar, na marra. Era dia das mães.
Eu não avisei a ninguém. Fiz um teste. Eu liguei a rádio às 8:15 da manhã. Eu saí de lá,
sei lá, as 10 da noite. Eu passei 14, 15 horas no ar direto. O povo não deixava ir embora.
O pessoal ligava, um falava pro outro: ‘a rádio voltou!’. Depoimentos, gente falando,
‘essa rádio é minha vida, ela não pode fechar’”. (entrevista concedida em 29 de Janeiro de
2007)
Ele conta como as pessoas que lá trabalhavam tiveram que desenvolver várias
estratégias para “fugir” da Polícia.
“Nos já botamos Polícia pra correr daqui de dentro. ‘Não, não vai fechar, não.’ As
pessoas resistiram mesmo. Polícia Federal ia lá e a gente não deixava fechar não. Teve
um dia que eles foram fechar a rádio com ordem judicial. Eles chegaram e a rádio não
existia mais. A gente tirou tudo. Nós deixamos a chave com o vizinho, combinamos com
o vizinho. Eles perguntaram: ‘ué, a rádio não está aí não?’. O vizinho abriu a porta pra
eles. ‘Não, eu tô até com a chave que é pra alugar.’ A gente já pulou janela com os
equipamentos na mão.” (entrevista concedida em 29 de janeiro de 2007)
Outro aspecto relevante da rádio Novos Rumos é sua articulação com a vida
política e associativa da cidade. Os primeiros debates sobre a criação de uma rádio
comunitária em Queimados, antes mesmo da emancipação, estavam mais fortemente
localizados no núcleo do Partido dos Trabalhadores de Queimados.
Aquele que é apontado como o responsável por ter trazido a idéia de rádio
comunitária para a cidade, chegou a Queimados em 1988 e trabalhava na Rádio Carioca
como gerente. Atuou no sindicato de radialistas e foi lá que travou contato com o
movimento de rádios livres. O sindicato criou o Comitê pela Democratização da
Informação e nele foram travadas discussões sobre rádio e tv comunitárias.
No núcleo do PT de Queimados, havia no início uma divergência quanto à
natureza da rádio que seria criada. Um grupo defendia a rádio comunitária e outro era a
favor da criação de uma rádio partidarizada, uma rádio do PT. Um dos filiados ao
primeiro grupo conta:
“Não era uma rádio pirata, a gente queria uma rádio partidarizada. A gente queria
denunciar as coisas que aconteciam aqui na Baixada. (...) A gente queria poder gritar pra
que a população crescesse politicamente. Mas a nossa proposta era imperativa, a nossa
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forma de pensar era: a gente queria gritar e você tinha que ouvir.” (entrevista concedida
em 18 de abril de 2007)
“Era pegar o transmissor, só que a gente ia invadir um dial. E a gente tinha uma coisa
revolucionaria, era invadir o dial, falar o que tinha que falar e sair dali e ir pra outro
ponto.” (entrevista concedida em 18 de abril de 2007)
Essa proposta perdeu. Em 1990, fez-se uma “vaquinha” e um transmissor foi
comprado.
“O transmissor era vendido em São Paulo. (...) Você tinha que ligar prum número, esse
número te dava outro número, e você conseguia falar com ele (o cara que fazia
transmissor) (...) Eu marquei com o cara na rodoviária, aí assim, identificação por roupa,
né? Eu encontrei com ele no pé do elevador, eu já tinha depositado a grana na conta dele,
e levei uma parte em mãos pra entregar pra ele. Aí encontrei com ele na porta do
elevador,e peguei a caixa o e a antena, eram vários números de tamanho, entrei no
elevador, subi, voltei. Peguei o ônibus e vim embora. Né? Foi assim que nós conseguimos
comprar o transmissor.(...) Se eu fosse preso em São Paulo com aquele transmissor, tava
preso até hoje. Era uma prova de uso clandestino, e tal. Não precisava nem tá no ar.”
(entrevista concedida em 15 de janeiro de 2007)
Embora a idéia de uma rádio partidarizada tenha perdido, a Novos Rumos sempre
teve em seus quadros pessoas articuladas com a vida política que traziam para a rádio
denúncias e debates sobre questões políticas. Com o tempo, o PT deixou ser o partido
dominante de vinculação dos participantes da rádio e a natureza das filiações
partidarizadas foi se tornando mais diversificada, embora nunca tenha sido um
pressuposto.
Em sua história, também passaram pela rádio militantes de diferentes movimentos
sociais da cidade. Além dos emancipacionistas e dos petistas, pessoas ligadas ao
movimento negro, de mulheres e ambiental tiveram lugar na rádio.
O movimento negro sempre teve forte presença na rádio. O peso da população
negra em Queimados é grande, perdendo apenas para Japeri, se se toma a Baixada como
comparação. Por pressão dos grupos da cidade, Queimados foi a primeira cidade da
Baixada a conceder cotas para negros em concurso público.
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Figura 1 – Percentual de negros e pardos – Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fonte: Observatório das Metrópoles - IPPUR/FASE.
Membros do grupo Herdeiros do Zumbi, criado há 3 anos, são parte da diretoria
atual da Novos Rumos e comandam um programa semanal chamado Movimenta Social,
em que temas da atualidade sobre a questão racial são discutidos com os ouvintes.
Também o grupo Afrocultural Agaju teve espaço na rádio. Ele foi criado em 1983
com o objetivo de manter viva a cultura afro-descendente. Uma de suas diretoras faz
parte do grupo de fundadores da rádio Novos Rumos e teve durante muitos anos um
programa chamado “As negras vozes de Alafim” sobre cultura afro-descendente.
Além destes, ativistas do movimento cultural, de mulheres, ambiental da cidade
tiveram espaço na rádio.
Durante alguns anos, a Novos Rumos foi a única rádio da cidade, mas essa
situação modificou-se e hoje há 14 rádios comunitárias em Queimados. No entanto,
duas rádios parecem ter uma história diferente: a Novos Rumos e a Rádio Queimados,
da ONG Planeta Água.
A Rádio Queimados é presidida atualmente por uma ex-integrante da Novos
Rumos. Ela chegou a Novos Rumos através do trabalho que realizava no movimento de
mulheres da cidade. Durante um tempo era responsável pelos contratos comerciais da
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rádio. Depois, passou a ser locutora do programa “Planeta Água", com foco na
educação ambiental. Meses depois da estréia do programa, pessoas de diferentes
movimentos da cidade e os alguns realizadores do ‘Planeta Água’ resolveram fundar a
ONG Associação Sócio-ambiental Planeta Água. Algum tempo depois, foi criada a
Rádio Queimados, cuja entidade mantenedora é a ONG Planeta água.
A rádio Queimados trata de questões ambientais, raciais e de gênero. Teve numa
primeira transmissão no dia internacional da mulher, 8 de março, com um grupo ligado
ao movimento de mulheres da cidade. A ONG Planeta Água já teve um projeto
aprovado pelo Ministério da Cultura para a capacitação de jovens para rádio
comunitária tendo como foco gênero, educação ambiental e igualdade racial.
As outras rádios têm foco comercial ou são de grupos religiosos da cidade, tendo,
portanto, sua qualificação como “comunitária” questionada. O ponto de diferenciação
apontado e de alguma relevância entre a Novos Rumos e a Rádio Queimados e as outras
rádios é sua atuação e articulação com a vida associativa local.
Para a presidente da Rádio Queimados, elas são comunitárias “porque se
envolvem com os temas da cidade. As duas rádios têm atuação nos conselhos
municipais e tem uma proposta de preocupação com a cidade.” (entrevista concedida
em 25 de março de 2007)
A Novos Rumos e a Rádio Queimados atuam no Conselho Municipal da Cidade e
na luta pela criação do Conselho Municipal e um Fundo Municipal da Cultura e estão
ajudando a organizar a I Conferência Municipal da Cultura.
Essa participação em foros de decisão da vida municipal e a relação com
diferentes organizações e movimentos locais parecem dar a essas duas rádios um
contorno diferenciado.
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4.2.
Onda Livre e a cidade de São João de Meriti
A rádio Onda Livre criada em 1998 em Vilar dos Teles, na cidade de São João de
Meriti, foi iniciativa de um grupo de organizações, são elas: a FASE
3
(Federação de
Órgãos para a Assistência Social e Educacional), ASPAS
4
(Ação Social Paulo Sexto),
Casa da Cultura da Baixada
5
e a ABM
6
(Conselho de Entidades Populares de São João
de Meriti). A rádio foi um importante meio de articulação entre essas entidades e de
divulgação de leituras críticas sobre São João de Meriti e sobre a Baixada Fluminense.
São João de Meriti surgiu como porto às margens do Rio Meriti com a função de
escoar a produção das fazendas e engenhos da região. O núcleo inicial se constituiu em
torno da Igreja São João Batista de Traiaraponga de 1647. No século XIX, passa por um
período de decadência devido ao assoreamento do rio, como ocorrerá com outras áreas
da Baixada (TORRES, 2004).
A abertura da Estrada de Ferro Rio D’Ouro em 1876 irá dar novo alento ao
lugarejo. Em 1891, a sede de Iguaçu é transferida para Maxambomba, próxima de São
João, ainda Vila Merity, que acabou ganhando maior expressão política e se tornou 4
0
distrito de Iguaçu, abrangendo as áreas dos atuais municípios de Nilópolis e Caxias.
As primeiras décadas do século XX são para Vila Merity, de grande retalhamento
da terra e intenso crescimento populacional. Com o desenvolvimento de outras
localidades, Vila Merity vai sendo desmembrada. Uma dessas áreas, Merity, com a
força de seu crescimento provocará uma inversão de hierarquia e vai se tornar distrito de
Nova Iguaçu, confirmando, assim, a ascensão da sua elite e a estagnação do quadro
político de Vila Merity.
Ainda assim, os grupos de Merity e Vila Merity atuaram juntos pela emancipação
de um novo município. Merity será a sede do novo município e quando assume essa
nova condição, passa a se chamar Caxias. Vila Merity passa a ser São João de Meriti,
distrito de Caxias.
3
A FASE é uma organização não-governamental criada em 1961, com uma larga história de trabalho na
Baixada Fluminense. Desde suas origens, esteve comprometida com o trabalho de organização e
desenvolvimento local, comunitário e associativo.
4
A ASPAS é uma entidade sem fins lucrativos criada nos anos 80, tem sede em Caxias, mas atua em
outras áreas da Baixada.
5
A Casa da Cultura é uma organização não-governamental criada em 1991. Desenvolve oficinas e
atividades artísticas com jovens e crianças e trabalha com as questões raciais e de gênero.
6
A ABM é uma entidade sem fins lucrativos que desenvolve projetos sociais, abarcando temas como
direito da criança e do adolescente, racial e de gênero.
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83
Percebendo a condição secundária que São João mantinha e a ausência de
melhorias com a criação do novo município, o movimento pela emancipação foi
reativado. Em 1945 é criada a Associação dos Amigos do 2
0
Distrito. Aliando-se com o
grupo que lutava pela emancipação de Nilópolis, São João e Nilópolis conseguem
emancipar-se através da Assembléia Constituinte em 1947 (SIMÕES, 2007).
Hoje, São João de Meriti é um município densamente povoado, como vimos no
capítulo anterior. Apresenta uma forte desigualdade entre o centro e os bairros
periféricos. Há grandes áreas ocupadas por favelas, próximas às margens do rio Sarapuí
e Pavuna.
A indústria é pouco significativa devido à intensa ocupação residencial.
Entretanto, há centenas de pequenas indústrias, especialmente no ramo de confecções,
articuladas no pólo de Vilar do Teles, que está em fase de reestruturação após o boom
dos anos 80 e a decadência dos anos 90.
A cidade apresenta duas áreas economicamente importantes. Vilar dos Telles, de
que já falamos e o centro da cidade em torno da estação ferroviária. Esta área se articula
com a Pavuna, bairro do Rio de Janeiro, onde fica a estação terminal da Linha 2, o que
tem provocado um aumento do fluxo de pessoas e do comércio local
A proximidade com a metrópole carioca e dos dois grandes municípios da
Baixada, Caxias e Nova Iguaçu, interfere na vida política de São João. Nenhum grupo
político local teve grande projeção fora dos limites do município. (SIMÕES, 2007)
Diante da situação de carência e da baixa mobilização social, a criação de um
canal de comunicação que fosse crítico à situação social de São João de Meriti e que
dirigisse à população informações que não estavam facilmente a seu alcance tornou-se
imperativa para as organizações sociais. Buscava-se apresentar práticas culturais
alternativas e desestabilizar a cultura política dominante, como explica um dos
fundadores da rádio:
“Ter uma visão mais crítica do que seja a comunidade, a sociedade, o povo, você não tem
povo, comunidade nesse sentido abstrato. A comunidade está atravessada por interesses,
representações, grupos, então como construir instrumentos de comunicação que possam
ter uma postura mais crítica com relação à estrutura social vigente? Estamos falando de
rádio comunitária na Baixada, lugares segregados, onde o poder se reproduz.” (entrevista
concedida em 25 de maio de 2007)
Para a coordenadora da Onda Livre:
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“O papel da rádio comunitária é alertar, fazer as pessoas refletirem, fazer com que as
pessoas falem. É pra estimular, mas é complicado quando você está numa região em que
as pessoas têm medo, não sabem que tem direito.”
“São João é complicadíssima, ela tem várias leituras dentro de um espaço, a maior
densidade demográfica da Baixada, se eu tiver no centro eu vou o fazer uma leitura, mas
eu tô na periferia da periferia. Nós sabemos que aqui é um nível total de exclusão, qual o
percentual das pessoas que lêem jornal? o que lêem? como lêem? A gente leva uma
informação pensando que a aquela pessoa não tem, principalmente na área de saúde, de
direito que ela não tem que agradecer nada ao poder público.” (entrevista concedida em
25 de janeiro de 2007)
A Onda Livre nasceu da articulação entre diferentes organizações. Havia um
conselho de fundadores, com representantes das instituições parceiras, que se reunia
regularmente para deliberar sobre os assuntos da rádio. A programação da rádio tentava
atender os temas de interesse de cada uma das entidades.
Para além da relação dos movimentos e organizações com a população local,
devemos considerar a relação das entidades entre si. A atuação em redes é uma
novidade dos últimos anos na atuação dessas organizações. A união dos atores, a
articulação das ações e a busca pela formação de um movimento mais abrangente são
mecanismos de construção de redes mais amplas de pressão e resistência. (SCHERER-
WARREN, 1996).
A Onda Livre foi o espaço de encontro e articulação dessas organizações. A partir
desse projeto em grupo, elas puderam concentrar esforços, bem como construir uma
linguagem comum.
A rádio manteve um forte vínculo com os movimentos sociais e os intelectuais da
cidade que percebiam os mecanismos de estrutura de poder de São João de Meriti e a
necessidade de divulgar outras leituras do lugar.
Criada no final dos anos 1990, a rádio não tinha como proposta ser apenas uma
plataforma de luta e de reivindicação de direitos. As organizações e os movimentos
sociais estão nos últimos anos divulgando visões alternativas sobre raça, gênero,
democracia, cidadania (AVAREZ, DAGNINO, ESCOBAR, 2002; TELLES, 1994), na
tentativa de contraposição aos significados culturais dominantes. A luta não se orienta
unicamente para o atendimento de necessidades básicas, mas atinge nível mais abstrato,
a fim de modificar as culturas políticas dominantes.
Os programas abordavam temas como direitos da mulher, sobre questão racial,
promoviam debates fatos políticos da cidade.
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“Você tem que ter na rádio um movimento muito grande de pessoas, que estão em várias
áreas. Aqui, tinha gente que estava no conselho tutelar, de saúde e n pessoas que estavam
em outros movimentos. Cada um traz a discussão, as agendas, pessoas do movimento
estudantil, do pré-vestibular.” (entrevista concedida em 25 de janeiro de 2007)
Também não havia preocupação em atingir um público amplo.
“O meu programa não estava interessado na massa. Era atingir grupos, pessoas, que eu
considero que estavam numa onda alternativa lá em São João, e que pudessem ter um
canal de identidade, de uma proposta artística, cultural, e isso na minha opinião é mais
interessante, atingir grupos que vão se reconhecer, criar identidade.” (entrevista
concedida em 25 de maio de 2007)
Os ativistas sociais viram na rádio um espaço não só para divulgação de suas
lutas, mas também para conectar-se e interagir com as bases. Medir o retorno desse
trabalho, saber quantos foi possível atingir é tarefa hercúlea ou, talvez, inatingível. Se a
ação coletiva contemporânea encerra dimensões menos mensuráveis e, às vezes, menos
visíveis ou submersas (MELUCCI, 1988), a utilização do espaço de uma rádio
comunitária talvez seja um exemplo disso.
O trabalho em conjunto em um mesmo projeto não impedia que as divergências
surgissem sobre alguns temas. Uma educadora da FASE conta que, por exemplo, o
programa sobre mulheres de que participava se chocava com as opiniões da Igreja
Católica, que tinha seus representantes entre os fundadores.
Depois de um período em que diversas instituições estiveram à frente da rádio, as
entidades fundadoras foram pouco a pouco se afastando. Atualmente, a rádio está dentro
das instalações da Casa da Cultura, uma das entidades fundadoras, e o Conselho de
entidades não existe mais. Uma das razões apontadas para o esvaziamento da rádio por
parte das instituições fundadoras refere-se às mudanças dentro de cada uma das
entidades. A rádio demandava grande atenção das instituições e diante das dificuldades
internas, da necessidade constante de negociação, ela deixou de ser uma prioridade no
rol de atividades de cada uma delas.
Uma educadora da FASE também acredita que havia choques entre os que
estavam mais preocupados com audiência e com linguagem radiofônica, habilidade que
era dominada por poucas pessoas do grupo, e os que privilegiavam o conteúdo, a força
da mensagem e necessidade do debate e da discussão sobre temas da comunidade.
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Essa ausência de pessoas ligadas a movimentos sociais, em comparação com
outros tempo, também é sentida na Novos Rumos. Um dos entrevistados tenta dar uma
explicação para esse momento:
“Isso se perdeu ao longo do tempo. Por n razões. Houve muita mudança nas lideranças de
São João de Meriti, muita gente saiu, a crise da associação de moradores, a
reconfiguração do movimento associativo. Uma serie de coisas que aconteceram e que
foram mudando o perfil das associações.” (entrevista concedida em 25 de maio de 2007)
Possivelmente o pouco interesse atual dos movimentos de ambas as cidades em
atuarem nas rádios diz respeito à dinâmica dos próprios movimentos. Além disso, os
vínculos inter-organizacionais, a formação de redes, a atuação em um espaço cultural
são iniciativas pouco formalizadas, baseada em projetos políticos, identidades ou
valores comuns. O vínculo que mantém a união das instituições pode se enfraquecer
com o tempo.
Essa necessidade de atuação em rede não é verdade apenas para o caso dos
movimentos sociais, mas é um fator fundamental também quando se trata das rádios em
si.
A coordenadora da Onda Livre sempre atuou no movimento de rádios
comunitárias e defende a importância dessa conexão, não só nas associações e
federações, mas em outros espaços:
“Desde que eu comecei, e comecei a entender o que era esse universo, eu comecei a
participar. (...) O Viva Rio
7
foi o que mais conseguiu aglutinar com seminário, com uma
rede mesmo. Mas de 2005 pra cá enfraqueceu e esse governo que a gente acreditou,
apostou, fortaleceu que a gente apostava uma maior discussão, fortalecimento foi o pior
de todos, de maior repressão das rádios. Tá todo mundo muito desarticulado. Eu no
momento tô um pouco afastada. Tem algumas rádios que estão vivendo o seu mundo, eu
quero dizer, a sua rádio mini-comercial, você tem um bloco de meia hora de comercial e
que se dane, tô faturando e acabou. Não pensa: ‘o que eu estou levando de informação?
O que eu estou fazendo?” (entrevista concedida em 25 de janeiro de 2007)
É importante que as rádios estejam conectadas com o debate sobre políticas de
comunicação e que possam se renovar constantemente. A abertura de uma rádio
comunitária não deve ser um fim em si mesmo. A constante atualização com os debates
7
Organização não-governamental, sediada no Rio de Janeiro, que criou a Rede Viva Rio de Rádio
Comunitária (REVIRA), em fevereiro de 2002, com o objetivo de incrementar a troca de informação
entre as rádios comunitárias do país. A Rede funciona produzindo, disponibilizando e distribuindo
conteúdos, e promovendo cursos de capacitação para os comunicadores de rádios comunitárias em todo o
país. Tem um site na internet que lista as rádios associadas e as informa sobre novidades de cursos,
reuniões e decisões governamentais. (www.vivario.org.br)
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e a agenda da localidade e com a luta maior de que faz parte, a da democratização da
comunicação e da regulamentação das rádios comunitárias, devem ser os meios de
manutenção da vitalidade das rádios.
Um dos fundadores vê na articulação com o movimento de rádio comunitária uma
via essencial para que as rádios possam manter seu propósito crítico:
“Se a rádio Onda Livre não se vincular ao movimento de rádios comunitárias, a sua
capacidade de produzir informações críticas, refletir sobre a própria voz da comunidade
vai ser nula. Hoje existem iniciativas via AMARC (Associação Mundial de Rádios
Comunitárias), e Agência Pulsar de produzir informações alternativas que podem servir
às rádios comunitárias. Isso poderia dar maior independência às rádios, isso poderia gerar
um movimento de reflexão. Você dar voz à comunidade e propor uma reflexão sobre essa
voz. Se esse movimento de rádios comunitária conseguir chegar às rádios aí você tem
possibilidade de politizar um pouco mais as rádios isoladamente.” (entrevista concedida
em 25 de maio de 2007)
Vimos no capítulo 2 como mesmo após a criação da Lei 9.612, que regulamenta a
radiodifusão comunitária, as rádios sofrem intensa repressão. A liberação de licença
para funcionamento é um processo complicado e burocrático. Tanto a Onda Livre,
quanto a Novos Rumos têm seus pedidos de outorga “engavetados” pelo Ministério das
Comunicações.
A Onda Livre sofreu com a ação da Polícia Federal em 2005. Sete rádios
comunitárias de Vilar dos Teles, em São João de Meriti tiveram seus transmissores
lacrados por agentes da ANATEL, e uma delas foi a Onda Livre. As rádios se
organizaram e promoveram uma audiência pública na Câmara dos Vereadores de São
João de Meriti e um manifesto sobre a repressão às rádios comunitárias com a presença
de várias instituições, lideranças comunitárias, representantes da Assembléia Legislativa
do Rio de Janeiro e artistas locais. Mas o custo da repressão vai além da violência
policial e do simples bloqueio das atividades, como conta a coordenadora da rádio:
“A gente ficou dois meses parado. Esse momento nos desarticulou completamente,
algumas pessoas saíram. É complicado isso. Porque, né, acaba a rádio e ninguém mais
ouve, porque rádio é hábito.” (entrevista concedida em 25 de janeiro de 2007)
Não se tem o número exato de rádios na cidade, mas se sabe que boa parte
pertence a grupos religiosos ou m caráter puramente comercial. A Onda Livre tem
interesse em estabelecer contato com as que têm uma proposta comunitária.
“A gente tem relação de contato, troca, por nós estarmos muito distante, como é um
município muito grande, com muita dificuldade de transporte, pra eu ir ali no Jardim
Metrópolis eu tenho que pegar dois ônibus, a gente tem trocas por MSN, e-mail, telefone.
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Eu fiz uma proposta pra umas pessoas pra gente fazer alguma coisa de rede. Eu tô aqui, o
outro tá numa ponta, o outro na outra ponta, e pra ver como é que a gente pode se
articular.” (entrevista concedida em 25 de janeiro de 2007)
A Casa da Cultura é a única instituição mantenedora e rádio encontra-se dentro
das instalações da ONG. Ao avaliar essa mudança, a coordenadora da rádio acredita que
os ganhos foram em matéria de segurança e estrutura, mas se perdeu em outros
aspectos:
“Ela perdeu o contato mais direto com a comunidade. Você mora na sua casa e você tem
um portão, teus amigos vão chegar e vão entrar. Passa a morar num condomínio pra ver
como é que diminui o fluxo! Lá era um entra e sai, nossa senhora! E como os
movimentos estavam muito dentro da rádio e eles propagavam.”
Além disso, a rádio passou a ser uma das dimensões da ONG que tem vários
projetos e que, portanto, precisa dividir seu tempo e suas prioridades. Neste momento, a
Casa da Cultura pretende vincular a rádio cada vez mais a suas outras atividades, como
por exemplo, promovendo um curso de capacitação radiofônica para jovens.
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5
Conclusão
A apresentação das histórias dessas duas rádios e seus debates internos
demonstrou a conexão dessas rádios à dinâmica de Queimados e São João de
Meriti, respectivamente. De alguma forma, os projetos de rádio que se
constituíram se explicam justamente pela realidade de cada um dos municípios em
que se localizavam. As necessidades de cada lugar e a leitura que os fundadores
das rádios tinham sobre suas cidades foram fundamentais no momento de
definição do caráter das rádios.
A Novos Rumos preocupou-se em ser a “rádio da cidade”, contribuindo para
a criação de uma idéia de ser queimadense, no momento em que Queimados
constituía-se como um município autônomo. Ela tentou incorporar o ideal de uma
rádio comunitária, ou seja, estar aberta a todos, ser plural e estar conectada à
realidade da localidade.
Não à toa, abandonou-se a idéia de uma rádio partidarizada diante das
necessidades da cidade, que ultrapassavam a disputa política em si. Era preciso
criar espaço para o debate público, para que diferentes setores da sociedade
tivessem um canal de comunicação e para que a identidade queimandense fosse
construída.
A Onda Livre tinha uma proposta diferente. São João de Meriti já estava
emancipada há algum tempo, é densamente povoada e muito próxima fisicamente
da cidade do Rio Janeiro, como de sua influência. A rádio se propunha a ser um
canal de articulação dos movimentos e associações da cidade e a divulgar uma
representação alternativa da realidade de São João de Meriti. Através do trabalho
coletivo nas rádios, diferentes grupos da cidade organizaram-se em rede como
forma de articular suas ações e reunir esforços.
Essas duas rádios demonstraram ser um espaço de encontro, de articulação e
de disputa de diferentes atores das duas cidades, constituindo-se como um palco
importante para entendimento da vida local.
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Se estamos falando de rádios comunitárias na Baixada Fluminense, região
periférica marcada por representações negativas, ganha particular relevância
iniciativas que tentem dar ensejo à vida associativa, construir um discurso positivo
sobre o lugar, criando novas identidades e questionando a cultura política
autoritária dominante.
As rádios comunitárias podem cumprir esse papel ao atuarem como arenas
discursivas, em que as demandas comunicativas e de representação de
comunidades pobres e marginalizadas podem ser atendidas. É através das rádios
que novas identidades são fixadas e encontram seu espaço; a vida cotidiana é
tematizada e problematizada. Como bem assinalou Costa (2002), é importante que
atores da sociedade civil participem na construção de esferas públicas locais,
articulando demandas e garantindo uma maior dinamização da vida municipal,
que será menos monopolizada pelas esferas parlamentar e midiática, bem como
menos refém de práticas clientelistas.
Diante da erosão dos espaços comunicativos primários, diante da violência e
da criminalização da pobreza, de uma indústria cultural eficiente em tragar e
traduzir discursos e dinâmicas que não são propriamente suas, a tarefa de construir
espaços, em que se possa articular outras visões e interpretações sobre a realidade,
torna-se cada vez mais imperiosa, mas também complexa.
Vimos como a experiência das rádios comunitárias tem sido absorvida por
grupos movidos por interesses particulares, que a utilizam para atingir seus fins.
Além disso, as rádios se proliferaram pelo país e temos que nos perguntar em que
condições o trabalho tem sido realizado. O dia-a-dia de uma rádio comunitária
esbarra em dinâmicas políticas já cristalizadas, como clientelismo, e em uma
cultura política autoritária, que tende a dificultar a participação de amplos setores
da população, reduzindo a esfera pública. Transformar padrões e modelos de
atuação cidadã requer esforço contínuo e atenção para os meandros da cultura
política dominante.
O ciclo perverso criado pela situação de recursos urbanos precários, da forte
presença política de famílias tradicionais, da baixa cultura associativa na Baixada
exige constante atenção dessas rádios para não reproduzir as dinâmicas sociais
que impedem a ampla participação nos debates públicos. Da mesma forma, não se
pode perder de vista o fato de que as rádios estão inseridas num debate mais
amplo do que aquele circunscrito por suas localidades, a saber, a democratização
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das comunicações representada pelo movimento de rádios comunitárias. Faz-se
necessário a manutenção da conexão com o movimento como forma de contato
com outras rádios e a troca mútua de experiências. Mas é também em razão das
múltiplas dificuldade e empecilhos que é preciso valorizar a atuação dessas rádios
e dos atores e organizações que as utilizaram como mais um esforço para o
desenvolvimento local.
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