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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CALICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria Zenaide Costa
A festa em Pindaré-Mirim: nos trilhos da história a afirmação
de uma identidade
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CALICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria Zenaide Costa
A festa em Pindaré-Mirim: nos trilhos da história a afirmação
de uma identidade
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2008
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais - Área de c
oncentração Antropologia,
pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob orientação da Profª. Doutora
Josildeth Gomes Consorte.
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BANCA EXAMINADORA
______________________________
______________________________
______________________________
DEDICATÓRIA
À minha mãe,
mãe biológica,
e espiritual.
Aos remanescentes,
Indígenas,
Negros,
Nordestinos,
aos mestiços
de Pindaré.
AGRADECIMENTOS
Embora a dissertação seja um rito de passagem marcado por inúmeros
momentos solitários, ela seria impossível sem a colaboração de várias pessoas e
instituições. Correndo o risco de um injusto esquecimento, gostaria de agradecer
especialmente a algumas delas.
A Deus pai-mãe, Espírito criador, reinvenção de minha vida, meta, ponto de
partida e de chegada, em primeiro lugar, muito obrigada.
Ao programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, área de
concentração Antropologia, da Universidade Católica de São Paulo PUC-SP,
que ofereceu-me uma possibilidade única de formação, agradeço a todos aqueles
que de alguma forma contribuíram para o excelente clima intelectual ali criado.
À Profª. Dr
a
. Josildeth Gomes Consorte, orientadora, que acompanhou
sempre solícita as idas e vindas de meu curso de Mestrado, e é a grande
responsável pelo ponto final nesta dissertação. A Profª. Josildeth possui
incomparável capacidade de ensinar-nos a ir sempre além, conseguindo conjugar
a excelência acadêmica e a mais completa generosidade intelectual, a ela
agradeço as oportunidades, a paciência, a confiança, os estímulos e a amizade.
Do conjunto de professores, gostaria ainda de destacar Dr. José Maria P.
Nunes e ao mestre Edson Borges, da Universidade Candido Mendes-RJ, Dr. José
Sávio Leopolodi da Universidade Federal Fluminense-RJ, cuja convivência na sala
de aula, nos grupos de estudos e nas horas informais gerou-me a paixão pela
Antropologia, Dr
a
. Márcia Regina (in memorian), D
r
. Luiz Eduardo Wanderley, D
r
.
Rinaldo Sérgio Arruda, Drª. Maria Celeste Mira, Drª. Carmen Sylvia Junqueira da
PUC-SP, com a qual, o convívio profissional e pessoal, promoveu uma reviravolta
em minhas expectativas intelectuais.
Aos colegas professores do Colégio Roseana Sarney na cidade de
Bacabal, de modo especial à Diretora professora Isabel Castro Viana.
A entrada e permanência no curso de Mestrado só foram possíveis graças
à bolsa concedida pela CAPES. A esta instituição agradeço.
O período em que fui liberada de minhas atividades na Secretaria de
Educação do Maranhão, onde sou vinculada e me concedeu licença especial,
também foi fundamental para o andamento do trabalho.
A convivência com as colegas “da minha geração” do PPGS, notadamente
Sandra Tenchena, Cristina Macedo, Juliana, Tereza Godinho, com as quais
sempre pude compartilhar as mais diversas inquietações e as mais divertidas
conversas, gerou momentos de prazer, de crescimento. A acolhida afável e
fraterna por mais de dois anos foram fundamentais para que eu “estivesse lá” – na
grande São Paulo, na PUC, na antropologia, em seus corações. Em humildade,
que me emociona, agradeço.
Em especial, amigas Juliana (Ju) e Cristina, vocês me levaram até suas
famílias, entrei e muita vezes “armei uma tenda”. O que dizer nesta hora? Pela
confiança em me deixar participar de seu espaço familiar. Grata.
Agradeço também as amigas, Madalena e Maria do Carmo, corações
largos, almas nobres, braços abertos, sua casa se tornou “minha casa”. Obrigada.
Meu sincero agradecimento à Congregação das Irmãs Franciscanas de
Nossa Senhora dos Anjos, à qual pertenço, minha segunda família, minha casa,
meu chão. A cada uma de minhas co-irmãs no Brasil e em outros países. Como
chegar até aqui sem vocês? De todas recebi incentivo, apoio, compreensão.
Obrigada pela escuta irmã, pelo silêncio fecundo e por pacientemente aguardarem
a “minha hora”.
Às irmãs do dia a dia de minha fraternidade onde vivi mais de perto durante
os últimos meses de estudo Jesus, Adelma, Marlene, Luisa. A paciência
constante, as horas de dedicação, de liberação de minhas atividades para eu
poder alçar vôo, foram pilares na construção do saber.
Meu agradecimento especial ao frei Antonio Schauerte, ofm, amigo,
cúmplice e silencioso, por me motivar a ir além.
Agradeço à Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil-RJ, à Irmã Maris
Bolzan, à época presidente, aos colegas da Coordenação Executiva Nacional as
irmãs Célia Cerveira, Cléa Castro Neves, Magda Brasileiro, pois, no espaço da
instituição, CRB, em que trabalhei e no espaço dos corações dessas irmãs recebi
muito incentivo ao estudo.
À Robson e Binho, Ir. Ivonete, Ir. Aparecida, Heloisa, pois, partilhamos
longas horas enquanto morei no Rio de Janeiro. A amizade se consolidou a partir
da sintonia e busca para crescer cientificamente.
À Ir. Basina Kloss, minha madre geral, que acompanhou-me “de longe”,
incentivou-me. Seu olhar dizia-me, “vá em busca!” e eu acolhi.
À Irmã Cândida, amiga fiel que acredita em meu potencial. Crescemos
juntas em meio a lágrimas de dor e alegria. Vale a pena.
Às irmãs, Marlene e Gorete Silva do Conselho Regional, vocês foram
cúmplices assumindo tudo nas minhas tantas ausências, para me dedicar à
pesquisa. Simplesmente obrigada.
À Pindaré-Mirim, terra mãe, geradora e inspiradora de meu “chão
etnográfico”. Foi preciso um “batalhão de ouro”, desta vez, composto por muita
gente e a costura foi se fazendo. Meus “co-pesquisadores”, vocês me ajudaram a
ver a luz da cidade: Professora Joana, Carlinhos, Sr. Euzamar Medeiros, Lucimar
Barroso, Jeana Gomes, Arquimedes, Bartolomeu Freire, Tiago Silva, Zeferino
Pinto, Enubert dos Santos, Francisco de Assis, Sr. Sebastião o fotógrafo, Sr
a
.
Boinha, D. Maria Caixeira, D. Carminha, Arlyson Ernesto, S
r
. João Bata, Sr. Josafá
e Edmilson e Ir. Adelma de São Luís. Uma gratidão especial ao Professor
Domingos e ao S
r
. Antonio Lima, lembro-me com emoção as horas debaixo de
chuva nos caminhos para os Terreiros nada teria progredido na pesquisa sem
essa dedicação exclusiva.
A todos os pais e mães-de-santo e participantes dos Terreiros e a todos os
presidentes e integrantes dos vários grupos de festas da cidade: Bumba-meu-Boi,
Capoeira, S. Gonçalo, Divino, Carnaval, Tambor de Crioula, festa de S. Pedro, da
Dança Indígena e outros, que abriram as portas de seu coração, de suas casas e
de seu grupo de seu Terreiro e pude escutar vidas, muitas histórias cheias de
emoção e às vezes lágrimas. Vocês me permitiram entrar em seu espaço
“sagrado”. Aprendi respeito e reverência. Obrigada pela confiança.
À Prefeitura de Pindaré, à secretária e ao sub-secretário de Cultura,
encontrei portas abertas para pesquisar.
Às irmãs Franciscanas da Ação Pastoral, Franciscanas Hospitaleiras, Filhas
da Caridade de S. Vicente de Paulo, foram dias, meses, anos de hospedagem em
suas casas no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Aí me senti sempre irmã e em casa.
Meus agradecimentos também às pessoas do Arquivo Público e das várias
bibliotecas de São Luís, bem como, aos funcionários do CIMI (Conselho
Missionário Indigenista), à pesquisadora Mundinha, ao NEAB UFMA (Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros), ao professor José Antonio do Centro de Ciências Sociais
– UEMA - à professora Valda Maria de Souza, Gestora metropolitana de educação
em São Luís, a todos meu coração agradecido, meu trabalho não teria avançado
sem sua valiosa contribuição, mão estendida e palavra certa.
Ao ex-senador Dr. João Alberto de Sousa, que também me foi solícito
quando precisei.
Ao GNPR (Grupo Negro Palmares Renascendo) que eu vi nascer e que no
mutirão da militância fizemos caminho; ao CCN (Centro de Cultura Negra do
Maranhão) e ao GRENI (Grupo de Religiosos Negros e Indígenas) com vocês
aprendi adentrar veredas, subir e descer montanhas íngremes, enfim, aprendi ter
mania na vida”, militar, ousar. Sempre.
À professora Khadja Conceição Santos, pela atenta revisão do texto. A ela
confiei a última leitura. Obrigada.
À amiga Sandra, competente em metodologia, a minha escuridão nessa
área não daria um passo sem a sua iluminação. Companheira fiel. Sua dedicação
exclusiva, de modo especial na última hora... As palavras se esgotam, a emoção
invade... Obrigada. Sempre.
Um obrigado muito especial à minha família por laços sanguíneos. À minha
mãe, Zuíla, cujo amor me fortalece como um hino constante de mistério,
revelação, gratidão. Obrigada pelo espírito claro e pela luz, e aos meus irmãos, de
um lado Augusto e Wilton, do outro, Francisca, Marti, Manoel e Tom, aos tios, tias,
primas. A todos, gratidão a este meu “clã”, raízes.
Enfim, agradeço a meus santos protetores, S. Francisco, S. Benedito,
Madre Rosa, extensão de minha família.
A todos, tudo de bom que houver em tudo isso. Entendo que agradecer é
sinal de viver. Quem diz “obrigado” por suas situações ou momentos está com os
olhos voltados para a felicidade. Assim me sinto. A dissertação não é minha, é
dádiva que recebi, por isso quero agradecer e retribuir. Ela é sua, eis que lhes
devolvo.
“Se queremos progredir, não devemos repetir a
história, mas fazer uma história nova.”
(Autor: Mahatma Gandhi)
RESUMO
Esta dissertação é um estudo antropológico sobre a Festa em Pindaré-Mirim no
Maranhão, cidade que tem aspecto peculiar por sua intensa miscigenação. As
festas populares e religiosas pela cadência, regularidade, estilo e número tão
grande afirmam a alma e o espírito festeiros de sua população. Os dados da
pesquisa foram obtidos através de trabalho de campo realizado nos anos de 2004,
2005, 2006 e 2007; confrontados com fontes sobre a história do Maranhão e obras
da área de antropologia. O viés privilegiado na análise foi o binômio festa-
identidade, caminho teórico em que concentramos nossas bases para
compreender a festa imbricada no cotidiano, enquanto lugar de construção de
identidades. Neste sentido, busquei ao longo da análise verificar a festa como um
fenômeno social que, repleto de sentidos, cria espaço de transformação das
pessoas em sujeitos sociais participantes.
Palavras-chave: Festa, Identidade, Religião.
ABSTRACT
This dissertation is the antrophology study about a Party in Pindaré-Mirin, in
Maranhão. This city has the uncommon aspect to its big blend. The popular and
religious partes-cadence, regularity, the big number of this, the style confirm of
the festivity soul and the spirit of the population. The datuon of the research were
obtained through of the country in the 2004, 2005, 2006 and 2007 years. The
analyse went the party identity teoric way that we concentrated ours bases to
understand the daily party. We observe the social phenomenon of the
transformation of the persons and its participation.
Word-keys: Party, Identity, Religion.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................15
Sobre o trabalho de campo.....................................................................................31
Estrutura da dissertação.........................................................................................32
CAPÍTULO I
HORIZONTES TEÓRICOS.....................................................................................36
1.1 Identidade.........................................................................................................37
1.2 Um par relacional: cultura e identidade............................................................40
1.3 Uma identidade étnica......................................................................................43
1.4 Aspectos da tradição inventada........................................................................46
1.5 A festa no cotidiano e a dádiva.........................................................................48
CAPÍTULO II
A REGIÃO DO PINDARÉ – ESCORÇO HISTÓRICO............................................52
2.1 Um olhar sobre Pindaré....................................................................................61
2.2 Os povos indígenas, as missões......................................................................65
2.2.1 A sedução pelas Colônias - um projeto de “civilização pacífica”...................75
2.2.2 A Colônia São Pedro do Pindaré...................................................................78
2.2.3 Os Guajajaras do Pindaré na contemporaneidade........................................80
2.2.4 O lugar da festa Guajajara.............................................................................88
CAPITULO III
NEGROS E NORDESTINOS..................................................................................93
3.1 A cultura do açúcar, a escravização negra.......................................................95
3.2 De Colônia São Pedro a Engenho Central.....................................................102
3.3 Os imigrantes nordestinos no Pindaré............................................................114
3.4 Sobrevivências culturais: a festa pelo caos....................................................118
3.5 As festas, um ritual do cotidiano.....................................................................121
CAPÍTULO IV
LUGARES DE RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE..........................................126
4.1 A Pindaré “festeira”.........................................................................................128
4.2 Ciclo de festas populares/religiosas...............................................................129
4.2.1 A Dança portuguesa...................................................................................132
4.2.2 Cacuriá........................................................................................................133
4.2.3 O Carimbó...................................................................................................134
4.2.4 Dança de São Gonçalo...............................................................................134
4.2.5 Tambor de Crioula ou de São Benedito.......................................................135
4.2.6 Carnaval......................................................................................................138
4.2.7 A Capoeira..................................................................................................140
4.3 A festa do Divino.............................................................................................142
4.4 O Bumba-meu-Boi de Pindaré........................................................................153
4.5 A dança indígena............................................................................................171
4.6 A festa de São Pedro......................................................................................177
CAPITULO V
CIRCULAÇÃO DE FESTAS: COMUNIDADE ESPÍRITA UMBANDISTA DO VALE
DO PINDARÉ........................................................................................................183
5.1 A Comunidade e sua organização..................................................................189
5.2 O calendário festivo........................................................................................195
5.3 O dar, o receber, o retribuir.............................................................................197
5.4 Os Terreiros de Mina de Pindaré....................................................................201
5.5 O Terreiro Espírita de Umbanda Três Reis Magos.........................................211
5.5.1 A estrutura do Terreiro.................................................................................215
5.5.2 As festas, o ritual.........................................................................................216
5.5.3 A festa dos Santos Reis...............................................................................222
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................233
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................238
ANEXOS...............................................................................................................246
15
INTRODUÇÃO
Como um povo reconhece sua identidade?
Se olharmos para a primeira fase da literatura brasileira poderemos encontrar
o elemento indígena como o símbolo da nacionalidade, tão presente no romance de
José de Alencar. Encontraremos como pano de fundo a corrente nacionalista,
indianista e religiosa, que buscando interpretar a sociedade brasileira, inicialmente,
contemplou e glorificou o perfil luso-tupi, celebrando a contribuição do elemento
branco e indígena na formação da nova nação.
A presença do negro não foi contada. O africano como formador da
identidade nacional foi ocultado. A ciência européia afirmava a inferioridade racial do
negro, então a cultura afro-brasileira foi minimizada.
Falar das festas em Pindaré-Mirim
1
é propiciar o alargamento dos horizontes
históricos e culturais no Maranhão mediante a aproximação de universos dos povos
indígenas e negros, construtores deste Estado.
Dialogar com estas festas é inseri-las no circuito da cultura “oficial”
maranhense, ao mesmo tempo em que significa incentivar a veiculação de
construções culturais sustentadas pelos povos do interior do Estado como ecos de
sobrevivências e resistências ao longo dos séculos.
Localizada no Vale que leva o seu nome, a cidade de Pindaré-Mirim
desempenha um papel fundamental na história do Maranhão por sua característica
multifacetada e por sustentar não o que de africano e indígena ainda existe entre
1
Pindaré-Mirim nome de origem tupi-guarani que significa: Pinda=anzol; Mirim=pequeno. De acordo com o
IBGE (2000) o Maranhão possui 217 municípios agrupados em cinco mesorregiões e 21 microregiões. 250km
separa a capital do estado do município de Pindaré-Mirim que pertence à microrregião de Pindaré situada na
mesorregião Oeste Maranhense, conhecida como pré-Amazônia Maranhense por possuir características de clima
e vegetação da Amazônia. Segundo a mesma fonte o município de Pindaré perfaz um contingente de 27.517
habitantes, sendo 20.941 residentes na zona urbana e 6.576 na zona rural.
16
nós, mas o que foi apreendido, caldeado e transformado pelas mãos e pela alma do
negro e dos seus descendentes.
Desde o início da colonização do Maranhão, a região do Pindaré foi alvo de
investidas dos colonizadores, coronéis, políticos através dos mais diferenciados
métodos de controle e dominação. Concomitantemente seus habitantes
(primeiramente os nativos, seguidos dos negros e dos nordestinos) mostraram-se,
ao longo dos séculos, possuidores de uma força capaz de vencer os obstáculos à
sua inclusão numa sociedade que os relegou e que quis omitir o seu legado para a
construção dessa região.
Dentre as estratégias de afirmação e marcos de resistência que as
populações dessa região, especificamente da cidade de Pindaré-Mirim,
desenvolveram, estão as constantes festas sustentadas e reinventadas ao longo dos
anos, de forma a permear o cotidiano dessa sociedade.
Para as populações dessa região as festas constituem uma dimensão
essencial de suas vidas. Desse ponto de vista, vale atentar para a afirmação de
Amaral ao apontar que “desde o princípio da colonização brasileira as festas
serviram como ‘modo de ação’. [...] foi importante mediação simbólica, constituindo
uma linguagem em que diferentes povos podiam se comunicar” (AMARAL, 1998: 58-
59).
Muito têm sido estudadas as festas no Brasil oferecendo-nos uma vasta
bibliografia, porém “a excessiva preocupação em buscar o que se considera ser o
‘original’, o ‘tradicional’, as ‘sobrevivências culturais’, escapam aos observadores,
não apenas os processos transformativos, mas também as razões que os
impulsionam“ (idem, 1998:24). Os vários trabalhos tiveram um caráter mais
descritivo e “poucas vezes apresentaram a preocupação com o registro dos
contextos sociais e econômicos em que ocorrem” (idem, ibidem).
Este estudo indaga acerca das relações entre festas e identidade destinando-
se a contribuir para instaurar uma abordagem, que não descreva as festas em si,
mas também se interesse, antes de tudo, pela história e pelos processos de
17
transformações socioeconômicas. Assim, meu objetivo, ao remeter-me às festas da
cidade de Pindaré-Mirim, no estado do Maranhão, foi ampliar as discussões sobre a
Identidade ao interpretar os sentidos e significados de seu conjunto para a
afirmação, resistência e identificação de sua população. Conforme Peirano:
Em etnografia as observações são realizadas não só para descrever o
curioso, o exótico, ou o diferente por si mesmo [...] mas também e
principalmente para universalizá-los. São essas duas direções a
especificidade do caso concreto e o caráter universalista da sua
manifestação que leva a Antropologia a um refinamento de problemas
concretos (PEIRANO, 2003, p. 18).
Desta forma, ao problematizar o objeto desta pesquisa embora consciente
do terreno movediço que essa opção implica lidamos com duas perspectivas, uma
que procura demonstrar historicamente as matrizes e o desenvolvimento das festas
em Pindaré a partir do contexto socioeconômico em que viveram os povos indígenas
daquela região, bem como o contexto em que se constituiu o Engenho Central
2
,
evento que intensifica a presença dos negros na região. Este caminho me colocou
frente a frente com os precedentes históricos tanto da população indígena Guajajara
como da população negra no Maranhão, o que leva a uma breve incursão pelos
chamados “nordestinos” que chegaram para o Pindaré.
A outra perspectiva segue a abordagem antropológica ao fazer a etnografia
das festas propriamente ditas, para uma compreensão e interpretação de seus
sentidos e significados e para uma análise das possíveis recriações e reinvenções
desenvolvidas pela sociedade de Pindaré. Associada a essa abordagem, é
investigada a relação entre essas festas e a identidade local.
No amplo universo das festas de Pindaré, elegemos para nossa investigação
cinco delas: a Festa do Divino, o Bumba-boi de Pindaré, a Dança Indígena, a Festa
de São Pedro, o movimento das Festas na Comunidade Espírita e Umbandista do
Vale do Pindaré. A opção por tratar dessas festas justifica-se, além do interesse
pessoal, pela sua amplitude nas relações sociais na cidade. Essas festas, de modo
2
Engenho Central do Pindaré: Bem Tombado; Localização: Pindaré-Mirim; Proprietários: Augusto
Alexandre
Pereira Francis e José Pereira Francis: Tombamento: Decreto nº 9568 – 10.08.84, publicado no D.C. 30.08.84;
Processo nº 0791, 22.08.83; Inscrição nº 034 no Livro de Tombo às fls. 07 em 06.09.84
18
especial, constituem-se num fenômeno singular que permite visualizar aspectos
percebidos ou latentes da cultura da população da cidade.
Em nível de formação social no Maranhão do século XVIII e até por volta da
segunda metade do século XIV sabe-se que foi fundamentalmente escravagista,
dominada por uma minoria prestigiada, marcada por uma forte religiosidade cristã e
baseada no modelo da economia agrário-exportadora e mercantil. Seguindo este
perfil, e, de acordo com fontes consultadas, especificamente, a região de Pindaré,
tem sua história econômica e social intrinsecamente ligada às populações que
originaram a cidade: os povos Tenetehara, primeiros habitantes, conhecidos na
região por Guajajara; os negros remanescentes dos engenhos dos arredores, à
época; os nordestinos que imigraram da seca, principalmente do Piauí e do Ceará.
Ao se tratar dos povos indígenas, tanto o período colonial quanto o imperial,
lhes reservou décadas de perseguição das mais variadas formas. Dentre elas,
encontramos o sistema de controle das aldeias em que foram instituídas as
conhecidas Colônias e Diretorias, “instrumento de dominação coercitiva, sempre
pronto a ser acionado pelos índios, seja para garantir ocupação de seus territórios
ou para reprimir qualquer resistência à vontade autocrática de Diretores de índios,
missionários ou proprietários de terras” (MOREIRA NETO apud ZANNONI, 1999, p.
28).
Assim, na região do Pindaré, em 1840, foi criada a Colônia São Pedro, uma
das maiores do Maranhão, que funcionou como um cleo “civilizatório” e durou até
em torno do ano 1881, quando foi considerada extinta. Sua decadência coincide
com o período que foi chamado “surto industrial no Maranhão”, no final do século
XIX. Isso porque, a partir da segunda metade deste século, foi intensificada, tanto no
país como na Província do Maranhão, a implantação de bricas em substituição às
técnicas rudimentares usadas para a fabricação do açúcar.
O cenário econômico maranhense foi bastante conturbado especialmente
durante o século XIX. Entre fases de declínio e apogeu pelas quais passou a
19
economia da Proncia
3
, além da dinâmica que gerou o deslocamento das atividades
econômicas do norte-nordeste para o eixo centro-sul a partir da concentração e
elevação da indústria do café.
No começo do século XIX, a lavoura tradicional, particularmente da região
norte do país, entra em decadência. Com relação ao açúcar surge a beterraba
como seu substituto. A Europa e os Estados Unidos passaram a usar a beterraba e
de consumidores passaram a produtores, tanto para suprir suas necessidades
quanto para exportar” (PRADO JÚNIOR, 1978, p. 157). O açúcar local entra em
crise passando a ter fortes concorrentes. As técnicas rudimentares que produziam o
açúcar no norte e de modo especial no Maranhão o colocavam na categoria de
produto inferior.
Para fazer face a essa situação de desigualdade para concorrer no mercado
internacional, no Brasil, os senhores de engenho pressionaram o governo e, dessa
forma, foi elaborado um projeto de implantação de engenhos centrais. Esses
engenhos seriam mantidos com moderna tecnologia que, além de substituir a mão-
de-obra escrava, produziria o açúcar em menos tempo e com melhor qualidade.
Diversos Engenhos Centrais foram se constituindo no país – Rio de Janeiro (o
primeiro em Macaé, 1877), São Paulo, Paraná, Bahia – e, de fato corroboraram para
uma mudança sensível na fabricação do açúcar no Brasil e na Província do
Maranhão.
Dessa forma, no Maranhão cuidou-se logo de estimular a criação desses
engenhos visando readquirir a credibilidade do açúcar produzido na Província, no
mercado nacional e internacional. Para subsidiar o plano de instalação de engenhos
centrais foi criada a Companhia Progresso Agrícola (Decreto número 7811 de 31 de
agosto de 1880), cujos recursos foram garantidos pela reunião de duas forças: a
classe dos lavradores, representada por João Antonio Coqueiro, que forneceria a
matéria prima; a classe dos comerciantes, representada por Martinus Hoyer,
3
Este século foi marcado no Brasil por leis que muito contribuíram para novos rumos da sociedade nacional:
Abertura dos Portos em 1808, emancipação política do país em 1822, Libertação dos Escravos em 1888,
Proclamação da República em 1889.
20
fornecedor do capital. “O capital da Companhia, dividido em ações de 100$000 (cem
contos de réis) cada uma, em princípio foi fixado em 500$000, (quinhentos contos de
réis), mas seria gradualmente elevado até 2.500.000$000 (dois mil e quinhentos
contos de réis) à proporção do desenvolvimento da empresa” (VIVEIROS, 1954).
Para fundação do primeiro engenho da Companhia foram emitidas 5.000
ações, das quais 4.883 estavam subscritas naquela época. Como local para o
primeiro Engenho Central escolheram a área da antiga Colônia São Pedro do
Pindaré.
Para a construção buscaram máquinas, materiais e trabalhadores da
Inglaterra. “A estrada de ferro teve seu primeiro experimento em 13 de setembro de
1883 e em 16 de agosto de 1884 o Engenho Central São Pedro foi inaugurado”
(VIVEIROS, 1954). A instalação desse empreendimento deu a Pindaré-Mirim o
status de pioneira da luz elétrica na Província do Maranhão. Dessa forma, Lima
(1981) observa:
No mesmo ano exportava-se para a Inglaterra a primeira partida de 1.000
sacos de açúcar. [...] Era a vida trepidante de um centro de grande
produção, servido pelos fatores do progresso: a máquina, a locomotiva, a
luz elétrica, o telégrafo (LIMA, 1981, p.175).
A instalação do Engenho Central no Vale do Pindaré, no local da antiga
Colônia São Pedro, inseriu aquela região no contexto regional, nacional e
internacional alcançando então sua fase de grande prosperidade. O
empreendimento deu grande impulso ao lugar, estimulando a modernidade da
agroindústria canavieira do Maranhão. Aquela localidade chamada Vila o Pedro
atual município de Pindaré-Mirim – tornou-se o centro de atenção e de interesses da
sociedade à época. Essa região e o Engenho Central tornaram-se sinônimos, prova
disso é que, embora o nome oficial da localidade continuasse Vila São Pedro, aos
poucos esse nome entrou em desuso e a região foi chamada Engenho Central
durante todo o período que o Engenho funcionou.
O Engenho Central em Pindaré-Mirim me interessou por ser uma das
principais iniciativas que em seu movimento ajudaram a trazer e a fixar um
21
contingente negro na localidade, atual cidade de Pindaré, que veio a se somar aos
negros que há muito viviam sob o regime escravocrata nos engenhos existentes nos
arredores, principalmente à margem do rio do mesmo nome. Com o tempo, esses
negros, à medida que foram sendo dispensados do trabalho escravo nas fazendas e
nos engenhos afluíram para os centros urbanos e/ou de maior concentração
populacional em busca de sobrevivência. O maior centro da região do Pindaré à
época era a Vila São Pedro (antiga Colônia São Pedro), onde funcionou o Engenho
Central e ali poderiam empregar sua força de trabalho, não mais como escravos,
porém como assalariados.
As considerações sobre as origens da população de Pindaré-Mirim não
estariam completas sem que se leve em conta a migração dos “nordestinos”
4
para a
região a partir de 1877. Esta migração foi motivada por grandes secas que atingiram
todo o nordeste. Os chamados “nordestinos”, especificamente piauienses e
cearenses, entraram nos territórios dos Guajajara da região do Pindaré, apossaram-
se de forma ilegal de suas terras provocando com isso a espoliação desse povo.
Segundo Ubbiali (1998),
nos anos de 1880, uma grande migração de nordestinos, causada pela seca
que tinha assolado todo o Nordeste, penetrou o Maranhão atingindo os
territórios indígenas até o baixo Pindaré e provocando o esbulho dos
Guajajara de suas terras. Processo que criou certa tensão entre índios e
brancos (UBBIALI, 1998, p. 65).
Historicamente, pode-se considerar que Pindaré se constituiu a partir de uma
população miscigenada – originária dos Guajajara, de descendentes de negros
escravizados ou alforriados e de nordestinos que se furtavam das constantes secas.
Todavia, observei haver fontes que registram a origem dos habitantes da cidade
unicamente nos Guajajara e na vinda de piauienses e cearenses.
4
Até 1969 era comum considerar-se o Maranhão como Meio Norte, Região de Transição, Nordeste Ocidental. A
partir desta data o IBGE o definiu como Nordeste. No entanto ainda em dias atuais perdura no meio de
profissionais ligados às Ciências Naturais, Sociais e Humanas a tendência em considerá-lo um Estado de
Transição. Decorrente dessa posição a expressão nordestino, à época, era usada para os imigrantes que se
esquivavam da seca e chegavam no Maranhão. Com hábitos e costumes totalmente diferentes a chegada de levas
de nordestinos acarretou em conflitos e trouxe mudanças para a cultura local. Nesse sentido a categoria
‘nordestino’ foi usada para, de fato, marcar este diferencial.
22
Conforme a tradicional história foi primitivamente Engenho Central, depois
Vila e município de São Pedro, para depois ser o que hoje é, município
de Pindaré-Mirim. O seu território, principalmente a sede, era habitado por
índios Guajajara até o ano de 1839, quando foi criada, pela Lei Provincial
35, de julho, a colônia denominada São Pedro, tendo seu povoamento se
originado de emigrações espontâneas vindas dos estados do Ceará e Piauí,
onde se dedicaram ao trabalho da lavoura. Em 1876 foi instalada a grande
usina açucareira, de propriedade da Companhia Progresso Agrícola, marco
da evolução que aumentou a população com grandes centros de lavoura.
Mas ainda existem várias aldeias indígenas no Alto Pindaré (CARDOSO,
2001, p. 388).
Ao investigar com mais precisão notei, porém, que essa origem também se
encontra nos negros escravizados dos engenhos nos arredores ou nos negros
libertos que afluíram para trabalhar no Engenho Central.
Por sua vez tanto a população originária do negro nessa região, quanto a
escassa literatura existente, tendem a ocultar essa matriz. Pesquisas empreendidas
por autores como Lima (1981), no entanto, apontam para a existência, desde o
século XVII, da escravidão negra na região. O autor afirma:
Em que pese a já existência de escravos negros nas lavouras de algodão,
arroz e cana-de-açúcar no Pindaré, Itapecuru e Mearim, foi o P
e
. Antonio
Vieira quem encarregou à Coroa a necessidade de sua importação em
grande escala, propondo a troca do elemento autóctone pelo africano
(LIMA, 1981, pp. 114-115).
A respeito do assunto ancorei-me também na história oral que os “mais
velhos contam sobre a escravidão negra na região do Pindaré, a vida e a cultura
tanto dos povos indígenas quanto dos negros que por ali viveram, a forma de dar
sentido à vida elaborando e ressignificando a dimensão da festa em seu meio, as
relações de parentesco para além dos laços sanguíneos e as insistentes lutas pela
sobrevivência.
São também propícias indicações de Barreto (1994), pois segundo ele a
origem da população negra naquela região também remonta em torno do culo
XVII. A autora é citada por Meireles (1994) quando este se refere à entrada de
escravos africanos no Maranhão localizando essa presença no tempo e no espaço:
“Nessa época existia o negro no Maranhão, pois a lavoura intensifica-se a partir
de 1670, os primeiros escravos africanos povoavam já as margens do Pindaré,
23
Mearim e Itapecuru, trabalhando nas fazendas e lavouras” (MEIRELES apud
BARRETO, 1997:139).
E ainda, busquei fundamentos em Ribeiro (1990), ao registrar que:
Na década de 1860, o Maranhão contava com mais de 410 engenhos [...].
no vale do Pindaré existiam 98 estabelecimentos. [...] Entre os
inventários da “aristocracia do açúcar”, que se destacaram pelas imensas
fortunas em bens móveis, imóveis e artigos de luxo, ressalta o da Sra.
Francisca Isabel Lamagnere Vianna, 1864, e o da Baronesa de São Bento,
1881. Segundo relação dos bens inventariados, a Sra. Francisca Isabel
Lamagnere Vianna era possuidora do “Engenho Camacaoca”, situado à
margem esquerda do rio Pindaré, de fazendas de algodão em Codó e
Coroatá e de residências não só nas referidas propriedades, mas também
na capital (RIBEIRO, 1990, pp. 50-51).
A respeito da população negra no Maranhão, um outro autor afirma que:
Por ter sido um dos Estados brasileiros que mais importaram negros
africanos para o trabalho escravo, o Maranhão, ao longo do período
colonial, possuía uma população majoritariamente negra, empenhada em
serviços domésticos e nas plantações de algodão, cana-de-açúcar e arroz,
cuja incrementação tornou o Maranhão um dos mais importantes centros
econômicos do país, de meados do século XVIII e século XIX (SANTOS,
2001, p. 20).
Essa população negra foi levada para o interior do Estado para a sustentação
dos Engenhos e sua grande empresa econômica.
A omissão em escritos e a não memória de significativa parte da população
da cidade sobre a presença e contribuição do elemento negro para a formação da
região de Pindaré – não obstante a presença ali de uma população majoritariamente
negra e de traços marcadamente afro-brasileiros - pode ser explicada pelo contexto
que gradativamente se inaugurou no cenário brasileiro a partir da segunda metade
do século XIX quando ao dispensar a mão-de-obra escrava foi criado o projeto de
construção de uma cultura brasileira que não considerou a presença negra como
sujeito dessa cultura nacional.
No que diz respeito à região do Pindaré e o espaço que se tornou mais tarde
o atual município de Pindaré-Mirim, foi exatamente no final do século XIX que
alcançaram seu ponto alto de decadência. A Colônia São Pedro fracassara, o
24
Engenho Central inicialmente de grande imponência, também. Os povos indígenas
sobreviventes das guerras, dos massacres, dos métodos coloniais de escravização
e de “civilização”, se não haviam sido extintos por completo haviam sido muito
minimizados. Os negros, sem trabalho, refluíram para atividades de sobrevivência.
O cenário social a época, sugere que, entregues à sua própria sorte,
subjetivamente, são colocadas para a sociedade pindareense questões como: quem
somos? O que nos é próprio? O que nos caracteriza? O que resta de nós? Julgo que
tais perguntas tenham ecoado no universo simbólico dessa população e encontrado
resposta na reconstrução gradativa e subjetiva de algo que a identificasse,
transcendendo os laços sanguíneos, mas, uma identificação enquanto população
miscigenada de um determinado lugar.
Os sujeitos formadores daquela sociedade, espoliados de sua identidade -
indígena, negra, nordestina “ao se verem entregues a si mesmos podem então
reinventar sua identidade, uma nova identidade aglutinadora de todos seus
componentes” (RIBEIRO, 1995). Dessa forma, se entende que a população de
Pindaré foi se afirmando a partir da festa, enquanto essa é o resultado de
sobrevivências culturais desses povos e do processo de miscigenação pelos quais
passaram.
Vale dizer, portanto, que não houve um momento e nem uma decisão objetiva
e planejada para a busca de uma identidade da população da cidade. Houve sim,
um caminho gradual e um processo em que, provavelmente, de forma inconsciente
aos poucos foi reorientando a população de Pindaré e dando um caráter de festa no
cenário da cidade. As festas ali foram ganhando espaço e se tornando ponto de
convergência daquelas populações. E nessa atmosfera, acredito, que
especificamente a população negra da localidade entrou no processo de
reelaboração e reorganização de algo que lhe desse nova visibilidade e a inserisse
como também construtora da sociedade, de Pindaré, do Maranhão, do Brasil. E,
nessa perspectiva, é possível identificar que em Pindaré numérica e culturalmente o
elemento afro-brasileiro foi e continua sendo o predominante. Da mesma forma,
pude constatar que sua população não se apegou a um legado africano, mas
25
também a uma característica considerada comum ao universo nordestino, afro-
brasileiro e indígena
5
: a festa
6
.
A propósito, existe um paradoxo que persiste no decorrer dos anos, pois, se
de um lado a população da cidade é eminentemente negra e cultiva intensamente
expressões culturais afros-brasileiro, do outro, prevalece a inclinação de parte da
mesma população a negar essa existência. A explicação que se encontra para este
paradoxo se insere no contexto da sociedade brasileira, pois, em geral, ainda em
tempos atuais, tende-se a negar este contingente populacional. Prova disso, é o
próprio dado apontado pelo IBGE, como por exemplo, segundo estimativa em 2006
a população brasileira está assim distribuída: brancos, 53,4%; pardos, 38,9%;
pretos, 6,1%; amarelos, 0,5%; indígenas, 0,4%. Os dados de Pindaré apontados
pelo IBGE seguem esta mesma tendência e pode-se confirmar isso com base no
Censo Demográfico de 2000 que aponta uma população na cidade formada por:
5,157 brancos; 3.555 pretos; 18.365 pardos; 167 amarelos; 39 indígenas, num total
de 27.283 habitantes. De modo geral perdura uma orientação comum (sutil e
subjetivamente) em que, tanto por parte da maioria da população negra, quanto por
parte dos outros segmentos da população, para disfarçar a existência dessa
população, quando se refere à cultura brasileira, em geral apresentam-se
características da cultura negra.
Merla afirma,
[...] O negro não aparece, já que permanece escondido pela ideologia
contida no mito da democracia racial, neste país, que se quer branco
ideologia esta reiterada pela idéia de progresso trazida pelo ‘urbano’ e que
se expressa nas atitudes de quem quer alterar definitivamente o lugar do
outro com seus próprios valores, como se constituíssem a ordem natural
dos fatos. Sendo assim, o negro permanece segregado, escondido,
marginalizado, ou sofre do mal do ‘exotismo’, próprio das sociedades
5
Não nos referimos aqui à linha interpretativa que parte da visão essencialista das três raças, pois a nosso ver
ela não leva em conta a história e as matrizes que dão origem à cultura. Embora o nosso foco não seja literal e
especificamente cultura popular, nem tão pouco assume a concepção folclorista.
6
Entendendo a festa imbricada à religião também como uma forma de resistência e reconstituição do povo
negro, e, aqui nos referimos àqueles que resistiram em torno dos Engenhos. Estas festas por muitos anos no
Brasil e no Maranhão foram praticadas às escondidas sob repressões e proibições, pois eram os batuques nome
dado à todas as festas dos escravos com uso de tambores. Assim, [...] persistiram através dos tempos toda sorte
de reclamações contra festas e cultos populares, os terreiros sendo invadidos pela polícia e seus organizadores e
participantes levados para a prisão; [...] os estereótipos recaíam principalmente no folguedo do Bumba-Meu-Boi,
visto como ‘imoral e estúpido’, ‘coisa de negro’, ‘bagunça’ (FERRETTI, 1995, p. 35).
26
modernas e do fluxo turístico, transformando a diferença em mercadoria a
ser consumida. Tanto é que ‘étnico’ virou moda (MERLO, 2005, p. 40).
Dessa perspectiva, busquei compreender a população de Pindaré que em
meio a conflitos, paradoxos, busca de afirmação, e que em sua história enquanto
detentora de uma população majoritariamente negra, se encontrou à deriva após a
abolição da escravidão em 1888 e sem um projeto de inclusão social. Portanto, à
margem da sociedade brasileira e maranhense, consideramos que esta população
foi ao longo dos anos estabelecendo relações sociais no seu cotidiano, em que
quase tudo passou a ter sentido de festa e nelas sempre presente o elemento
religioso. A festa foi ponto comum para os negros e para as camadas populares de
Pindaré. Bem como, foi um dos recursos subjetivo que essas populações
encontraram e sustentaram no dia a dia para garantir um imaginário de inclusão na
sociedade.
O início das festas em Pindaré continua desconhecido, o tempo se
encarregou de ocultar. São festas populares, de divertimento e religiosas, que
incorporam elementos afro-brasileiros, indígenas e nordestinos, sem lembranças
fixas de seu início. Sobre o inicio dessas festas na região nada se sabe e tudo o
que se possa dizer não passa de suposição, são certezas que ficaram perdidas no
tempo.
É com o propósito de compreender os sentidos das constantes festas em
Pindaré-Mirim que elegi cinco dinâmicas para esta análise, em que quatro são festas
populares religiosas e uma é festa popular de divertimento. Essa ênfase se justifica
por se perceber nessas festas a presença das três matrizes culturais que formaram
a cidade: o índio, o negro e o nordestino, e, nessas matrizes a presença intensa do
catolicismo - elemento trazido pelo colonizador. As festas populares em Pindaré
estão articuladas por tais matrizes pra além de todas as modificações que sofreram
no decorrer dos anos.
Essa ênfase se justifica por se perceber nessas festas a presença das três
matrizes culturais contribuindo de forma mais intensa para o resgate da identidade: o
católico, elemento trazido pelo colonizador, o indígena e o africano que foram
27
‘cristianizados’. As festas populares em Pindaré estão articuladas por tais matrizes
pra além de todas as modificações que sofreram no decorrer dos anos.
Nesses termos, esta dissertação tem como objeto “A festa em Pindaré-
Mirim”, enquanto elemento de afirmação de uma identidade. Ao mesmo tempo me
remete às minhas experiências, indagações e desejo de registrar a riqueza simbólica
ordenada e exteriorizada por meio de representações e de práticas sociais no
interior do Estado do Maranhão, de modo especial, o que se refere às elaborações
provenientes da população afro-brasileira. Nessa perspectiva, busco analisar,
compreender e interpretar as constantes festas na cidade de Pindaré-Mirim,
pretendendo verificar a construção da identidade de seus protagonistas a partir da
observação das suas vivências. Problematizando o objeto da pesquisa, busquei
responder à questão central que norteou todo o meu estudo: o que levou essa
população a criar, recriar e sustentar ao longo dos anos um ambiente festivo tão
intenso e singular?
Ao procurar tecer uma articulação entre a prática das constantes festas
sustentada pela população de Pindaré e os parâmetros teóricos antropológicos, da
pergunta central, emergiram outras: Qual a concepção de singularidade da cidade e
da população? O sentido de Comunidade que possuem estaria dissimulando um
passado conflitivo e degradante vivido por eles em outros tempos?
A partir do processo histórico por que passou a sociedade maranhense e a
região do Pindaré no final do século XIX, levantamos a hipótese que se tornou
transversal em toda a pesquisa: em Pindaré, no período pós-Engenho, os negros
livres ou alforriados, juntamente com os descendentes Guajajara e com os
nordestinos, gradativamente, foram compreendendo que aquela região e eles
próprios não podiam desaparecer no conjunto do Engenho. Assim entendendo,
teriam pouco a pouco recriado as festas e, nelas um mundo mítico-religioso em que
reelaboraram relações que subjetivamente lhes um imaginário de inclusão na
sociedade e lhes assegura um espaço que afirma uma identidade.
Na busca de aprofundar a hipótese formulada a partir da problemática central
deste estudo, encontrei mais dados do que os procurados. Dentre eles, a “questão
28
étnica para além dos laços sanguíneos” (WEBER, 1999), que às vezes aparece
embutida nas categorias de identificação. Pois a história da origem da cidade na
memória que ali prevalece leva-nos à compreensão da existência de uma lógica que
pressupõe não só origem, mas, sobretudo destinos comuns. A população de Pindaré
se afirma a partir da festa e não da negritude. A festa se sobrepõe ao elemento
negritude, pois, a festa une, congrega. A nosso ver a identidade étnica pelos laços
sanguíneos negros, nordestinos, índios iria incorrer em preconceitos e em
separação. A festa torna possível a expressão das diferentes identidades.
Assim sendo, além de fontes sobre a história do Maranhão com o foco voltado
para a história do negro e dos povos indígenas na região, analisamos obras que são
referências na discussão sobre festas e identidade. Recorrendo a essas
abordagens, buscamos revisitar os conceitos de identidade estabelecendo um
diálogo com as festas pindareenses.
Os motivos que me impulsionou surgiram desde as nossas primeiras
incursões na década de 80, sobre a questão da identidade associada às relações
culturais realizadas junto ao movimento negro, como também junto às organizações
dentro da Igreja Católica. Como militante e engajada nos movimentos sociais
sempre me intrigou os estudos sobre a cultura maranhense, principalmente as
análises sobre as manifestações culturais da população negra do Estado, em sua
maioria concentrada na capital. Com raras exceções de autores que analisaram
dados culturais sustentados pelas populações do interior, em geral, tais estudos
privilegiam e tendem a apresentar a cultura de São Luís como a cultura
maranhense.
Surgiu um desafio ao perceber essa lacuna e ao deparar-me e conhecer in
loco vários municípios e povoados no interior do Estado e, nesses espaços,
perceber características o peculiares sustentadas e em muito recriadas pela
população afro-brasileira neles residente.
É certo que alguns povoados ou municípios, fora da capital, foram campo de
pesquisa por até mais de uma vez. Assim, encontrei: Codó, estudado por Eduardo
em 1948; vários documentos publicados no período de 1974 a 1984, a partir do
29
relatório de pesquisas folclóricas em Codó e Pedreiras
7
; Alcântara, estudo realizado
por Jerônimo de Viveiros (1ª edição, 1950, edição, 1975 e edição, 1977);
Jamary dos Pretos (1998), Frechal (1996)
8
, dentre outros. Além destes, vários
desses estudos focalizaram a religião afro-brasileira ou a questão dos
remanescentes de quilombos na luta pela conquista da terra.
Talvez por sua imensa riqueza e diversidade cultural, o Maranhão, esse
imenso contingente brasileiro considerado meio-norte, desde o século XIX
9
tem sido
7
Do Projeto Josué Montello do CRUTAC-UFMA - Centro Rural de Universitário de Treinamento e ação
Universitária - (Araújo, A. M. 1974).
8
Os dois últimos fizeram parte do PVN/SMDDH/CCN
9
Nesse sentido, nos baseamos em Sérgio FERRETTI e nos referimos especificamente à literatura e trabalhos
realizados com o foco sobre a presença do negro no Maranhão. Segundo o autor, no final do século XIX
encontramos a obra literária – O mulato, de ALUÍSIO AZEVEDO - publicado em 1881, que levantou a polêmica
sobre o preconceito racial e a escravidão. Raimundo NINA RODRIGUES, maranhense que apesar desenvolver
seus trabalhos na Bahia no final do século XIX, se refere também ao Maranhão. A partir de fins da década de
1930 começam a surgir as primeiras e breves informações de estudiosos e viajantes sobre a religião dos negros
no Maranhão. Em 1936-38 o geógrafo e etnógrafo Raimundo LOPES, em Uma região tropical, afirma que seu
irmão Antonio Lopes reuniu no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão notável documentação sobre
confrarias fetichistas de origem daomeana, onde, em associação com o catolicismo, se misturam estranhas
práticas e ‘Crendices do Continente Negro(LOPES, 1970, p. 69-73). Edmundo CORREIA LOPES (1939, p.
114) realizou pesquisa na Casa das Minas em 1937. Na década de 40 foram importantes os trabalhos de Nunes
PEREIRA (1947), sobre a Casa das Minas’; A tese de Octávio Costa EDUARDO (1948), sobre a Aculturação
do negro no Maranhão; o Relatório da Missão de Pesquisa Folclórica em São Luís, de ALVARENGA (1948).
Em fins dos anos de 1940, Pierre Verger após visita à Casa das minas, escreveu um artigo sobre a Casa das
Minas em que apresenta a hipótese de que teria sido fundada por membros da família real de Abomey vendidos
como escravos para o Brasil. Dunsche de Abranches, em O cativeiro (1941, 2ª ed., 1991), faz uma memória
histórica sobre as lutas dos Negros no Maranhão. Na década de 1950, embora com um caráter mais apologético e
doutrinário, o escritor espírita maranhense Waldemiro REIS, publicou Espiritismo e mediunidade no Maranhão.
Nos anos 70, ressurgiu o interesse pelo estudo do tema, principalmente em função da elaboração de teses de pós-
graduação, dessas merecendo menção a de Maria Amália Pereira BARRETO (1977). Na mesma década Nunes
PEREIRA (1979) apresentou uma segunda edição ampliada de sua obra ‘A Casa das Minas’. Nessa década,
ROGER BASTIDE faz referência em diversos estudos (1971, p. 256-66; 1973, p. 293-324. 1974, p. 120-40;
1978, p. 213-26), aos cultos afro-maranhenses, em especial à Casa da Minas. Tanto Edmundo Correia LOPES
(1944, p. 140), quanto BASTIDE (1971, p. 256) informam que o maranhense FROES DE ABREU, em ‘Na terra
das palmeiras’ p. 249), declarou que “todo aquele que quisesse estudar as sobrevivências africanas no Brasil
deveria escolher, de preferência a qualquer outra, a terra do Maranhão, [...]”. (FERRETTI, S., 1996, p. 15-29).
Com base ainda em Mundicarmo FERRETTI, quem em suas pesquisas aponta trabalhos mais recentes sobre o
negro no Maranhão, dentre eles, encontramos FERRETTI (1995-1996) sobre a Casa das Minas; Os trabalhos de
Olavo CORREIA LIMA (1981) sobre a Casa Nagô; COSTA EDUARDO (1948) realizou trabalho para sua
Monografia sobre contos folclóricos de Santo Antonio dos Pretos [...]; Relatório de pesquisa folclórica em Codó
e Pedreiras do Projeto Josué Montello do CRUTAC-UFMA - Centro Rural Universitário e Ação Universitária
(ARAÚJO, A. M., 1974). Trabalho sobre o município de Codó de aluno do curso de educação do Campus-VII-
UFMA (ASSAD, M., 1979); Trabalho dos professores CORREIA LIMA E RAMIRO AZEVEDO (1980) sobre
isolados negros no Maranhão; Mapeamento folclórico realizado pela SECMA (Secretaria de Estado de Cultura)
entre 1980 e 1982 (do acervo do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho CCPDV); Publicações e
documentos de 1985 a 1993: artigo do padre BENEDITO EVERTON COSTA sobre a paróquia de Codó;
Primeira edição do livro de SÉRGIO FERERTTI sobre casa das Minas (1985); Trabalho da Pastoral do Negro
MA-PA (Pe. MORAES, 1988); livro do pai-de-santo JORGE ITACI DE OLIVEIRA (1989) sobre a Mina do
Maranhão, reservando uma página à sua influência em Codó; diagnóstico e propostas para o Município
apresentados pelo prefeito José Inácio Guimarães Rodrigues (RODRIGUES, 1991); Tese de doutorado de
Mundicarmo Ferretti (1991/1993); Relatório de estagiários da UFMA sobre Codó (SILVA, Laura Jane, 1992);
Publicações, monografias, trabalhos divulgados pela mídia e trabalhos inéditos entre 1994 e 1999: matéria da TV
30
palco de inspiração literária bem como a partir dos últimos anos da primeira metade
do século XX, serviu de espaço para diversas pesquisas sócio-antropológicas com o
foco centrado na população negra. De modo geral estas pesquisas ou se referem à
escravidão ou às manifestações religiosas dos negros no Estado. Dentre iniciativas
mais recentes, merece destaque o “Projeto Vida de Negro” (PVN) da Sociedade
Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH) e o “Centro de Cultura
Negra do Maranhão” (CCM-MA) que desde o início dos anos noventa tem sido um
espaço de referência sobre as questões relacionadas às populações afro-brasileiras
no Estado.
Embora considerando que tais iniciativas têm sido sumamente fundamentais
para o resgate de uma herança na qual a população afro-brasileira possa se
reconhecer como sujeito construtor da sociedade maranhense e possa reconstruir
sua auto-imagem, o desejo de somar com esses esforços e focalizar esse
contingente populacional da área do interior do Estado, ecoou mais forte e continuou
me perseguindo. Prova disso é a iniciativa em que juntamente com outras pessoas,
em 1985, iniciamos o “Grupo Negro Palmares Renascendo” (GNPR ), na cidade de
Bacabal. Talvez essa, tenha sido a busca de um caminho que, embora de forma
tímida, suprisse esse débito para com a população afro-brasileira do interior do
Maranhão.
Quando decidi ingressar na área das Ciências Sociais concentrando-me na
Antropologia não tinha dúvida, logo percebi uma porta aberta para trazer à tona e, a
partir do debate acadêmico discutir algo sobre a presença dessa população no
interior do Estado, porém agora ancorada pelos parâmetros teóricos.
Sendo conhecedora de parte do interior do Estado do Maranhão e sendo
alguém que mantém relações familiares com a cidade de Pindaré, devo reconhecer
Bandeirantes, de Marília Gabriela (1994); Monografias de conclusão de cursos da UFMA e da UEMA
(CAMPOS, R., 1996; LIMA, L., 1996); Vídeo sobre o município de Codó (SOUSA, C., 1996); Trabalhos de
MUNDICARMO FERRETTI) sobre o Terecô, baseados em dados coletados em viagens de pesquisas realizadas
em Codó entre 1986 e 1999 (FERRETTI, M., 1997; 1998
a
; 1998b; 1999); Reportagem de Flávia Regina Melo:
Bita do Barão, cabo eleitoral do além, publicada em 1998, na revista Parla (MELO, 1998); livro de João
Machado sobre Codó, prefaciado por Yramary Queiroz (MACHADO, J., 1999); e jornais do final do século
XIX, localizados em São Luís por Herliton Nunes (UEMA), no Arquivo Público do Maranhão” (FERRETTI,
M., 2001:24-25)
31
que foi a partir das discussões teóricas no curso de Ciências Sociais que passei a
desenvolver outro olhar sobre o universo que perfaz o cotidiano dessa sociedade.
Assim, fui assimilando conhecimentos e buscando ferramentas para a indagação a
respeito do fenômeno que prevalece nessa cidade, em que o universo festivo, a
concepção do religioso constitui o viver e o cotidiano dessa população.
Sobre o trabalho de Campo
A pesquisa de campo durou de dezembro de 2004 a dezembro de 2007,
período mais intenso em que cruzei as estradas e o torrão do Pindaré. Voltei
seguidas vezes à cidade, agora me esforçando a “estar lá” com o olhar etnográfico,
buscando apreender sentidos e as dimensões simbólicas, para alcançar a
interpretação científica. Tarefa complexa, pois exigiu tantas vezes um distanciar-se e
ao mesmo tempo “estar lá”, de acordo com as concepções de Geertz. Para o autor,
olhar as dimensões simbólicas da ação social arte, religião, ideologia,
ciência, lei, moralidade, senso comum não é afastar-se dos dilemas
existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não-
emocionalizadas, é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da
antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais
profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram
[...] e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou
(GEERTZ, 1989, pp. 40-41).
No trabalho de campo percebi que o “nós” e os “outros” muitas vezes
estiveram tão próximos, apesar da consciência do dever da escuta e do cuidado
para apreender questões subjetivas, nem sempre claras nos diálogos estabelecidos
com os sujeitos da pesquisa.
Além da coleta de histórias de vida e depoimentos, lancei mão da observação
participante, acompanhando pessoas, grupos de festas populares e religiosas,
participando de mais de dezenas das diferentes festas. Assim, utilizei recursos
técnico-metodológicos, realizei cerca de 18 entrevistas 11 individuais e 7 coletivas
- com membros efetivos das cinco festas analisadas e com pessoas de instituições
públicas da cidade. Ao todo foram 82 sujeitos diretamente envolvidos na pesquisa.
Além das entrevistas, pesquisei em documentos nas bibliotecas públicas e no
32
Arquivo blico de São Luís e em instituições como a FUNAI, o CIMI, o IBGE e em
bibliotecas particulares. Os documentos escritos sobre a história do Maranhão e
mesmo os escassos escritos sobre a região do Pindaré foram ancorando o registro
da história viva da cidade.
Esse material foi suporte para elaborar determinado raciocínio, bem como,
ajudou-me a averiguar a pertinência e/ou coerência das hipóteses iniciais. Portanto,
a interpretação do universo simbólico presente nas festas populares e religiosas de
Pindaré tornou-se uma preocupação constante em toda a pesquisa. Assim, iniciei o
processo de textualização dos fenômenos sócio-culturais que perfazem o universo
da cidade de Pindaré. Esses fenômenos foram observados, colhidos e interpretados
à luz de determinadas teorias. Dessa forma, a interação com as fontes, a interface
entre estas e o corpus teórico sustentaram o tecido de construção da presente
Dissertação.
Estrutura da dissertação
Antropologia, História, Identidade, Festa, constituem os eixos centrais e
assumem a orientação teórico-metodológica deste trabalho.
Para orientar essa trajetória, além de outros, privilegiei fontes da literatura
maranhense e sobre identidade, autores como Brandão (1986), Hall (2004), Cardoso
de Oliveira (1976; 1972), Poutignat e Streiff-Fenart, (1998), Weber (1999) e Cuche
(1999); sobre a relação memória e identidade, autores como Pollak (1992; 1979), e
Bosi (1998); sobre a relação festas e a dádiva, a obra pioneira de Mauss (1974);
sobre o eixo cultura-identidade, a obra clássica de Geertz (1989) e Hobsbawm
(1997). Finalmente a partir de trabalhos de Durkheim (1996), Guarinello (2001) e
Amaral (1998) aprofundei-me melhor na relação festa-identidade. Tais perspectivas
teóricas permitiram a elaboração dos capítulos que compõem esta Dissertação.
Além da Introdução, este estudo está estruturado em cinco capítulos. Assim,
no primeiro capítulo “Identidades”, é analisado o conceito de identidade na
especificidade das relações interculturais, inter e intra-subjetivas na sociedade de
33
Pindaré-Mirim. Conceitos como tradição, cultura, dádiva são articulados em um
diálogo constante com o conceito de identidade. Discute-se o conceito de identidade
como algo dinâmico que carrega em seu bojo um conteúdo simbólico socialmente
produzido, portanto, passível de transformação.
No segundo capítulo, “A região do Pindaré: escorço histórico”, é apresentada
a região do Pindaré com seus recursos atrativos, propícios à especulação do projeto
colonial. Procura-se descrever os espaços sociais em que se desenvolveram
diversos conflitos enfrentados por seus primeiros habitantes, os povos Guajajara
diante das investidas coloniais de exploração da região e o projeto de “civilização”
dos nativos, mesclada à catequização levada a cabo por meio da obra das missões
e do sistema de colônias. Ademais, se analisou aspectos da vida social e cultural da
população Guajajara e seus descendentes que expressam faces de sua identidade
como povo e o desejo por existir e existir enquanto sujeito participante. Nesse
contexto, considerando o papel fundamental que a mulher exerce na estrutura da
família Guajajara, foi eleita a descrição de uma festa que, em tempos atuais, é
reconstruída e sustentada pelo grupo como parte da sua cultura: a festa do
moqueado – ritual de passagem da puberdade feminina.
No terceiro capítulo, “Os negros e os nordestinos”, visa-se descrever e
contextualizar historicamente o processo em que foi idealizado e efetivamente
concretizado o Engenho Central, um dos fatores fundamentais - além dos engenhos
que existiam nos arredores - responsáveis pela ampliação do contingente negro na
região, de modo especial, no local da antiga Colônia São Pedro. Foi também
investigada a forma que a população local, majoritariamente negra, encontrou para
recriar algo que substituísse o caos aberto pelo projeto falido da Colônia São Pedro
e do Engenho Central, assim como, analisou-se a forma em que a população foi
reconstruindo e reelaborando, de maneira o planejada e nem objetiva, um mundo
que lhe oferecesse visibilidade e uma nova identificação não mais pela escravidão,
mas por algo que lhe desse um caráter de sujeito construtor da história. Para isso,
partimos de uma breve incursão sobre a história do povo negro no Maranhão e
teceram-se indagações a respeito da escravização desses povos na região,
transitando pelo conjunto de acontecimentos e as implicações concernentes a
imigração dos chamados nordestinos para a região. Dentre os arranjos e
34
construções que progressivamente foram se impondo na localidade foi examinado o
universo festivo assumido por essa população.
O principal objetivo do quarto capítulo, “Lugares de reconstrução da
identidade”, é analisar a variedade ritualística encontrada na cidade em torno das
constantes festas, dando especial ênfase ao que lhe é peculiar, como os ritmos, os
sotaques, a indumentária, dentre outros. Os espaços sociais construídos pelas
contínuas festas são compreendidos tanto como um lugar de referência da
população como momentos de renovação dos compromissos com o ideal de uma
sociedade que se entende singular e busca se identificar e ser identificada por essa
sua singularidade dentro do Estado do Maranhão.
Finalmente, no quinto capítulo, procura-se refletir sobre “A Comunidade
Espírita - Umbandista do Vale do Pindaré” enquanto lugar de exercício da
solidariedade e da partilha. A trilogia de M. Mauss, “o Dar, o Receber, o Retribuir”
torna-se transversal para a interpretação dessa Comunidade. Conclui-se o capítulo
com a descrição etnográfica do Terreiro Três Reis Magos, buscando analisar este
espaço privilegiado pelos membros da Comunidade.
As festas religiosas e populares são tratadas como lugar de convergência das
diferentes identidades, ao mesmo tempo em que refletem uma convivência, que
mostra está acima de qualquer preconceito racial, étnico, religioso.
Com esse estudo e suas discussões não se pretende ter uma palavra final
sobre o assunto, antes aspira-se contribuir para futuros trabalhos que estarão por vir
e que certamente avançarão nas investigações.
As dificuldades encontradas ao buscar dar forma ao trabalho foram inúmeras
e vão desde a falta de documentos até aos entraves que foram se apresentando na
medida em que foi-se tecendo a articulação com os “trilhos da história” e os
parâmetros antropológicos, especificamente com o “fazer etnográfico”. Esse terreno
como dito no início, móvel, em vários momentos trouxe muitas inseguranças. Porém,
a escuta atenta aos interlocutores, carinhosamente denominados de co-
pesquisadores, se assim pode-se dizer, o caminho que me levou de volta tantas
35
vezes à cidade de Pindaré-Mirim, e ali tocar de perto os sentidos e novamente
escutar, pessoas, grupos, rodas informais, a aproximação com uma linguagem em
festa expressa nas tantas formas de olhar, de sentir, de balbuciar, sem dúvida foram
suportes que me ajudaram a confirmar que esta pesquisa estava nos trilhos certos,
além de apontarem possibilidades que ajudam na construção contínua da
identidade.
36
Figura 01: Bandeira, Hino e Brasão da cidade de Pindaré-Mirim.
Fonte: Leia Hoje – Enciclopédia do Maranhão – Ano VI, n°. 49, 2000.
CAPÍTULO I
_______________________________________________
HORIZONTES TEÓRICOS
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1.1 Identidade
A questão da identidade tem sido sempre mais objeto de discussão
acarretando em novos questionamentos e trazendo reais inquietações no debate
acadêmico.
Não obstante esse conceito assemelhar-se passível de compreensão, torna-
se, por vezes, bastante obscuro e controverso no universo do pensar social. Para o
conceito de identidade uma multiplicidade de significados. Dessa forma, depara-
se com a dificuldade em defini-lo. Trata-se de um terreno movediço, íngreme,
superabundante de viés de discussão.
Decorrente da peculiaridade polissêmica que esse conceito contém em si, a
identidade chega a ser, por vezes, um recurso e ao mesmo tempo uma cilada. Tanto
pode ser utilizada para ajudar em investigações científicas como pode ser usada
para sustentar políticas e ideologias em que pela interpretação equivocada da
realidade carregam no seu bojo fins altamente devastadores.
Nas ciências sociais estamos frente a frente a uma heterogeneidade
conceituais. Em geral, o debate evoca diversos níveis de identidade, dentre eles:
étnico, cultural, política, de geração, de gênero, econômica, de parentesco, religiosa,
territorial, social, esportiva, nacional, de classe, transnacional, escolar, profissional.
Esta investigação tece uma análise da relação festa - identidade. Para tanto,
segue a vertente da identidade como explicação antropológica - a pessoa como ser
social - e não, puramente, como argumentação metafísica. Essa escolha é motivada
pela consciência de que “a abordagem da identidade que culmina na determinação
da pessoa” (GOMES, 2000, p. 402) ou de uma sociedade, parece não proceder e
pode tornar-se ambígua. Uma vez que essa abordagem prima por um conceito em
que a identidade é algo definido, legitimado. Portanto, ela não auxilia na
compreensão e interpretação dos processos interativos nas relações individual e
coletiva que busquei analisar na sociedade de Pindaré-Mirim, meu espaço de
pesquisa etnográfica.
38
Não restam dúvidas de que uma proliferação de conceitos que podem
acarretar em perplexidade epistemológica. A fim de conduzir nossa discussão
proposta, pensa-se a identidade que parte do vivido, da experiência da pessoa como
ser em relação, seguindo a vertente em que os parâmetros de análises perpassam
as relações interculturais, inter e intrasubjetivas onde o conceito de identidade
assume o cunho de confluências.
Antonio da Costa Ciampa (1987), recorre ao poema de João Cabral de Melo
Neto, “Morte e Vida Severina”, e a partir de seu texto e seu contexto analisa a forma
de construção da identidade. Seu foco central está no conceito de identidade que
entra na dinâmica da transformação. Fica claro que a identidade subjetiva possui um
conteúdo simbólico que é socialmente produzido.
Stuart Hall ao discutir as identidades culturais na pós-modernidade mostra
seu caráter amplo e provisório:
O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em
nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e
problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno,
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou
permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É
definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 2004, pp. 12-
13).
Afirmar-se socialmente implica na possibilidade subjetiva de pertencimento a
um grupo e pensar como o sujeito se define, bem como, define o meio em que vive.
Dessa forma, o sujeito pode se compreender de amplas formas na relação constante
com os outros. Em Pindaré-Mirim, o processo de identificação está posto desde sua
história, estendendo-se a sua população, em sua linguagem, em seu imaginário, em
suas expressões culturais, procurando se identificar e ser vista assim, pela festa. A
festa ali vai sempre mais tomando contornos diferentes, adaptando-se, renovando-
se, contudo deve assegurar o caráter festivo em todos os sentidos. Isso se expressa
bem claro na fala de D. Carmina:
39
Aqui em Pindaré nós comemos, dormimos e trabalhamos e muito, mas o
que é bom mesmo, nosso, são as nossas festas. O povo de fora sabe que
em Pindaré se brinca e se festeja todo dia, por isso quando querem festa
boa vem para Pindaré. Por isso não posso parar com o meu Divino Espírito
Santo. Cada vez vou botando uma coisa aqui, outra ali, para fazer a festa e
a Caixa mais bonita. Meu Divino é assim (D. Carmina, depoimento em
10.10.2007).
A afirmação da identidade impõe alguma forma de autenticação. Isso significa
que a identidade construída é algo sempre em relação aos outros. Análises de
Pollak embasam essa percepção. O autor afirma que,
a construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência
aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade,
de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com os outros
(POLLAK, 1992, p. 204).
Considera-se, portanto, que a identidade como processo permanente de
construção, exige que as pessoas estabeleçam relação de acolhida ao que vai
sendo negociado, acrescentado e transformado de acordo com as novas exigências
da sociedade. A identidade, ainda esrelacionada também a questão da memória,
como explica Pollak,
[...] a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade,
tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência e
de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. (POLLAK,
1992, p, 204).
A memória social e coletiva de Pindaré-Mirim vem sendo construída e
resguardada, resconstruída, negociada com maestria por sua população. O que
identifica os pindareenses é o espírito festeiro e de religiosidade. Também o convívio
com pessoas alegres, animadas, à moda pindareense, são fatores que ficam claros.
Deste fato decorre que sua população, de forma subjetiva e o consciente elabora
uma linguagem - no gesto de esquecer e no ato de lembrar - que reforça a
importância dos laços sociais que são estabelecidos no dia-a-dia.
Do Engenho Central ficou a glória e esplendor, nós temos que aproveitar
esse prédio e fazer dele um Centro Cultural de nossa história com um
passado bonito. As novas gerações precisam saber essa história e esse
passado. Pindaré teve muitas glórias. Fica para nós a saudade. É bem
verdade que aqui teve escravos, mas o que sobressaiu mesmo, foi a nossa
história bonita que precisamos contar para essa juventude de hoje
(Professora D. Joana, depoimento em 24 de junho de 2006).
40
O discurso mostra a necessidade de afirmar-se em uma identidade desde que
ela continue sendo recriada, trabalhada e apresentada a partir do desejo que a
população tem a respeito de como deve ser vista naquele momento histórico. Assim,
a identidade é algo que pode ser reelaborado e pode se apresentar de múltiplas
formas conforme afirma Pollak: “Temos a pluralidade não de objetividade, mas de
objetivação, que leva em conta a pluralidade das realidades e dos atos” (POLLAK
1992, p. 211). Percebendo-se essa objetivação no cenário histórico de Pindaré-
Mirim, uma vez que se trata de uma população miscigenada sim, mas que carrega
em seu âmago uma cultura fortemente enraizada nas expressões da cultura negra e
que ao mesmo tempo trata-se de uma população que com um passado escravagista
omite a contribuição do elemento afro-brasileiro. Assim a memória tem papel
relevante na construção da identidade que contempla pluralidades e vai se
adaptando de acordo com a objetivação do momento.
Como a identidade, a memória é algo vivo e está sempre em construção.
Decorre daí uma estreita relação entre identidade e memória. Godói afirma que,
a memória, no entanto, não é um patrimônio definitivamente constituído; ela
é viva precisamente porque nunca está acabada. Verificamos que ela é
ativada num contexto de pressão sobre o território do grupo, atuando como
criadora de solidariedades, produtora de identidade e portadora de
imaginário, erigindo regras de pertencimento e exclusão, delimitando as
fronteiras sociais do grupo (GODOI, 1993, p. 186).
Essa dinâmica é evidenciada na coletividade de Pindaré-Mirim, pois ali as
pessoas identificam e reconhecem o poder da história, sabem que dela se origina a
sua própria história; no presente, no futuro, a historia é e será recontada, passada
adiante, através das gerações. É para isto que se presta a dinâmica das constantes
festas na cidade: gerar a manutenção e guardar a memória da coletividade.
1.2 Um par relacional: cultura e identidade
Dentro do emaranhado de conceitos sobre identidade encontram-se as
discussões, mais acirradas atualmente, ligadas à questão da cultura.
41
A partir deste objeto de estudo, “A festa em Pindaré-Mirim”, busca-se
aprofundar o debate sobre identidade, enfatizando a construção da identidade
cultural enquanto processo e busca de afirmação de uma sociedade local.
Reconhecendo que o mundo humano é o mundo social, simbólico, histórico,
cultural. Considera-se assim o conceito de identidade muitas vezes articulado ao
conceito de cultura (CUCHE, 1999, p. 175-202), ao mesmo tempo em que
consideramos a cultura como uma realidade plural e sempre em processo de
construção. A cultura é, portanto, uma unidade, um conjunto de expressões da
pessoa humana. Cuche ainda sugere que,
se a identidade é uma construção social e não um dado, se ela é do âmbito
da representação, isto não significa que ela seja uma ilusão que dependeria
da subjetividade dos agentes sociais. A construção da identidade se faz no
interior de contextos sociais que determinam a posição dos agentes e por
isso mesmo orientam suas representações e suas escolhas. Além disso, a
construção da identidade não é uma ilusão, pois é dotada de eficiência
social, produzindo efeitos sociais reais (CUCHE, 1999, p. 182).
A partir dessa perspectiva, entende-se que as identidades são construídas
como possibilidades múltiplas por seus sujeitos sociais, ela não está determinada e
pronta. A população de Pindaré-Mirim, ao longo de sua história foi elaborando
códigos, comportamentos e uma linguagem comum que ajudam na manutenção de
um imaginário social, cujo efeito incide na forma como querem ser vistos pelos
outros. A nosso ver, o ponto alto deste processo são as idéias, as imagens reais que
as pessoas concebem e atribuem à sua realidade social (CUCHE, 1999, p. 181).
Por outro lado, a identidade vista pelo foco objetivo origem comum, língua,
religião, traços físicos é considerada como herança étnico-cultural. Trata-se,
portanto, da concepção “primordialista”, onde um vínculo mais importante que
todos os outros vínculos sociais: a pertença ao grupo étnico. Segundo essa visão,
esses vínculos são baseados na genealogia comum. O próprio Cuche em outra
passagem em que se refere à identidade em um grupo étnico aponta que a
identidade cultural é “uma propriedade essencial inerente ao grupo porque é
transmitida por ele e no seu interior, sem referências a outros grupos. A identificação
é automática, pois tudo está definido desde o seu começo” (CUCHE, 1999, p. 180).
Encontra-se aí a definição de identidade de forma mecânica, concebida como
42
“essencial”, invariável, estática. Não é essa a concepção adotada para esta
discussão.
Nossa análise segue a concepção dinâmica da identidade, vista sob o ângulo
das relações que são construídas no cotidiano, conforme Cuche relembra as
concepções sobre identidade discutidas por Barth (1969), em que o viés relacional é
sua orientação fundamental. Para Cuche é importante não adotar uma abordagem
puramente objetiva ou puramente subjetiva [...]”, pois, somente a abordagem
relacional poderia explicar porque, por exemplo, em dado momento tal identidade é
afirmada ou, ao contrário, reprimida” (CUCHE, 1999, p. 181).
Assim, a identidade é criada e recriada através das trocas sociais que vão
construindo novas marcas de representação coletiva. A identidade está sempre em
relação a algo. Seguindo esta tendência afastamo-nos da corrente que prima pela
produção de uma identidade em si e por si mesma, por uma suposta “essência”.
Stuart Hall, fala da “política de identidade uma identidade para cada
movimento”. Isso significa que as representações sociais - coletivas podem ser
mudadas. Nessa perspectiva, a identidade étnica pode funcionar como aglutinadora
das necessidades sociais, políticas. Isso pode se construir em uma dinâmica de
relações (STUART HALL, 2004, p. 49).
Ao que parece, avolumam-se sempre mais as dificuldades no universo
científico para uma definição única de identidade cultural. Talvez seja necessária
uma compreensão com alcance maior sobre a identidade, abordando-a de forma
interdisciplinar. É partindo dessa compreensão que este trabalho busca uma
articulação entre a história e a antropologia, para entender o processo de construção
de identidade da sociedade de Pindaré-Mirim, universo de estudo do mesmo.
Ao tecer uma análise do binômio, cultura-identidade ancora-se também em
análise a respeito do conceito de cultura feita por Geertz. O autor propõe um
conceito de cultura essencialmente semiótico (GEERTZ, 1989, p. 4). Ele se inspira
na idéia de Max Weber ao concordar com o pensamento, Que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu (idem, ibidem).
43
Geertz desenvolveu a noção de cultura como sendo essas teias e a sua análise; [...]
como uma ciência interpretativa, à procura de significado(idem, ibidem).
Visando compreender o homem enquanto um ser de cultura, o autor o
entende como “um animal suspenso em teias de significados que ele mesmo tece
como ser social e histórico” (idem, ibidem). Nessa perspectiva, essas teias definem a
cultura, por isso deve-se cuidar para a etnografia não pautar por uma ciência
experimental que está buscando leis, mas, sobretudo, nortear a análise por uma
ciência interpretativa que busca significados e explicações. É dessa forma, que é
assumida, nessa pesquisa, a postura de interpretação.
A discussão de Geertz assume a cultura como:
Sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, a cultura não é um poder,
algo ao qual podem ser atribuídos causalmente os acontecimentos sociais,
os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto,
algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é
descritos com densidade (GEERTZ, 1989, p. 10).
Sendo assim, os símbolos e significados são partilhados pelos membros
daquela cultura e o estudo da mesma torna-se o estudo de um código de símbolos
partilhados pelos membros de determinada cultura.
1.3 Uma identidade étnica
Ao formular a concepção de comunidade étnica definindo-a a partir da crença
subjetiva numa origem comum, Weber nos aponta que:
A crença na afinidade de origem seja ela objetivamente fundada ou não -
pode ter conseqüências importantes particularmente para a formação de
comunidades políticas. [...] Nutrem uma crença subjetiva na procedência
comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de
relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma comunidade
de sangue efetiva (WEBER, 1999, p. 270).
Essa concepção inaugura uma visão ampla sobre grupo étnico. Para o autor
não é viável buscar a fonte da etnicidade na posse puramente de traços físicos.
Weber enfatiza, portanto, que a etnicidade deve ser buscada no ato de construir,
44
aprofundar e manter as diferenças. Dessa forma, a definição de comunidade étnica
supõe a existência da chamada pertinência, isto é, “quando é sentida subjetivamente
como característica comum” pelos seus membros (WEBER, 1999, p. 267).
Weber afirma ainda que as diferenças se tornam impossíveis de serem
avaliadas, para além da significação que as pessoas, nas relações sociais do dia-a-
dia lhes atribuem. Sendo assim, nas relações comunitárias o estabelecidas ações
comuns que têm como referência o “nós”. Dessa forma, Weber se distancia do
conceito de raça, pois no seu entender, este acarreta uma hereditariedade efetiva,
uma herança biológica. Enquanto que, segundo sua concepção, o grupo étnico se
constitui a partir de outros parâmetros, entre eles o da subjetividade que sustenta o
senso de pertença e a crença na origem comum, cujo reconhecimento se pela
motivação política.
Nós viemos da África, meus bisavós, acho que foram escravos, estão
enterrados aqui neste cemitério. Aqui antes tinha os Guajajara, eles foram
também escravos. Aqui se derramou muito sangue de negro e de índio. Nós
hoje temos que nos juntar, unir nossas forças, levantar a cabeça e fazer
nossa cidade bonita e elevada. Amanhã é dia de Preto Velho, é dia de n´so
festejar de negro, mas aqui em Pindaré todo mudo festeja e entra na festa
(D. Celina, mãe de Santo, entrevista realizada em 12. 05. 2006).
Pelo depoimento acima, nota-se que múltiplos sentidos são atribuídos às
festas que são realizadas em Pindaré. Os motivos da população não são apenas
fazer uma e outra festa. Se Sobressaem no ato de festejar, apoiados em várias
dimensões, dentre elas, a memória que lembra e a memória que ajuda a esquecer; o
desejo de se apresentar bem “lá fora”, a sustentação de um imaginário ideal: todos
bem, todos iguais independente da cor, do sexo, da religião, uma comunidade unida
e alegre. No conjunto de depoimentos das pessoas também aparece embutido no
ato das constantes festas, o desejo de a cidade ser vista pelo lado bom e não pelos
estigmas da escravidão ou pela inglória do Engenho Central.
Partimos, portanto, da posição de que a identidade se constrói dentro de
contextos sociais e estes são fundamentais para que as pessoas ou os grupos
façam suas escolhas, podemos entender que essa construção identitária produz um
efeito social de fato.
45
Cardoso de Oliveira (1976), discute o conceito de identidade contrastiva. O
autor põe em evidência o fato de que a identidade étnica só se afirma numa
oposição que nega o outro. Isto remete à questão das classificações, uma vez que
em Pindaré as pessoas utilizam princípios para se identificarem com pindareenses,
bem como para identificar os outros que não são da cidade. O princípio mais latente
sustentado pela população, é o espírito festeiro:
Quem é de Pindaré logo se nota, porque sabe brincar e festejar, anda bem
arrumado. Em Pindaré não se vive sem festa. Aqui bem perto, Santa Inês, é
tudo parado. As festas de lá são muito diferentes. (depoimento de um
brincante do Bumba-Boi, 25.06.2006).
O discurso do brincante permite reiterar que a categoria festa é situacional e
interna no imaginário da população de Pindaré e surge do confronto entre os “daqui”
(pindareenses) e os “de lá” (de outras cidades). Os últimos vistos pelos primeiros
como diferentes, com festas de menor qualidade, ou mesmo que o sabem fazer
festas. Portanto, a população de Pindaré se apresenta como uma identidade
contrastiva (OLIVEIRA, p. 1976, p. 36). Daí a questão da identidade étnica implicar
numa abordagem relacional.
Nossas indagações a respeito da relação festa-identidade nos remeteram
também a análises de Poutignat e Streiff-Fenart, uma vez que os autores afirmam:
“A etnicidade [...] provoca ações, reações entre um grupo e outros em uma
organização social que não cessa de evoluir” (POUTIGNAT E STREIFF-FENART,
1998:11).
É nessa perspectiva de movimento, de mudança, de dinâmica e não de uma
identidade estática que se encontra a base pela qual procurei analisar as festas em
Pindaré-Mirim. Deste ponto de vista, novamente acerco-me das discussões desses
autores. Eles afirmam que:
O que diferencia, em última estância, a identidade étnica de outras formas
de identidade coletiva é o fato de ela ser orientada para o passado. [...] Mas
este passado não é o da ciência histórica; é aquele em que se representa a
memória coletiva. [...] Tornam-se símbolos destas ‘significações imaginárias
sociais (POUTIGNAT, STREIFF-FENART, 1998:13)
46
Ao levantar a discussão sobre as fronteiras dos grupos étnicos Fredrick Barth
adota a análise de Weber ao retomar suas principais idéias no tocante aos grupos
étnicos. Para Barth, “Se um grupo conserva sua identidade quando os membros
interagem com outros, isso implica critérios para determinar a pertença e meios para
tornar manifestas a pertença e a exclusão” (BARTH, 1998, p. 195).
O cerne da abordagem de Barth é o grupo e não a cultura. Diante da
incapacidade de determinar o limite de uma comunidade étnica pelos traços culturais
objetivos, torna-se fundamental a análise da forma como a diversidade étnica se
articula e se mantém socialmente. A compreensão de Barth sobre grupo étnico está
centrada na ênfase relacional. Esta abordagem parece superar a problemática dos
pólos subjetivismo-objetivismo, pois para o autor compreender o fenômeno da
identidade étnica exige passar pela ordem das relações entre os grupos sociais.
Sendo assim, em sua definição o autor sustenta que os grupos étnicos são
categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores e, dessa
forma, m característica de organizar a interação entre as pessoas” (BARTH, 1998,
p. 189).
Assim, a etnicidade está relacionada com processos sociais, em que podem
ser excluídos ou incorporados elementos que irão favorecer a elaboração de
significados simbólicos, no caso, de uma identidade tanto coletiva como individual. O
próprio Barth afirma isso ao expressar que:
Na medida em que os atores usam identidades étnicas para categorizar a si
mesmos e outros, com objetivos de interação, eles formam grupos étnicos
neste sentido organizacional. [...] As características que são levadas em
consideração não são a soma das diferenças ‘objetivas’, mas somente
aquelas que os próprios atores consideram significantes (BARTH, 1998, p.
194).
1.4 Aspectos da tradição inventada
A “invenção de tradições”, expressão cunhada por Eric Hobsbawm (2002), é
uma temática que, na discussão sobre identidade, não pode ser esquecida. No
entanto, ela não se sustenta somente por ser uma pura invenção que se adequa ao
47
grupo, à coletividade, à sociedade no seu tempo histórico, mas, sobretudo, pela
elaboração de seus significados e representações.
A tradição das festas em Pindaré se encaixa tanto na idéia de uma invenção,
como na necessidade de se perceber que toda esta movimentação liga-se ao
passado. Em meio a todas as festas existentes, encontra-se uma que na sociedade
de Pindaré tornou-se algo tipicamente inventado, elaborado, selecionado para
recuperar uma memória: a dança indígena
10
. Assim, diferentemente de outras festas
na cidade, - que talvez não tenham sido elaboradas de forma consciente e nem
propositadamente - essa dança foi criada de forma intencional. Seus inventores na
cidade pinçaram aquilo que era mais interessante para que surtisse o efeito
objetivado: ícones, prioridades a serem exploradas, fatos, memórias a serem
privilegiadas.
Na dança indígena, trazida para a cidade nos anos 90, é clara a seleção
gerada pela tradição tanto que no primeiro momento surgiu o conflito pelo fato de a
dança ter vinda de outro estado. Somente na sua segunda fase, em que seus
idealizadores decidiram pesquisar os índios Guajajara da região e com eles
realizarem um aprendizado, foram incorporados ao ritual da dança, elementos que
no entender da população seriam originais desses povos. Desse modo, foi possível
obter a devida aceitação na região. Sem dúvida os elementos foram “inventados” a
partir de uma tradição desses povos.
Como nos sugere Hobsbawm:
Por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente
reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de
natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma
continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se
estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado
(HOBSBAWM, 2002, p. 9).
No caso da dança indígena a tradição foi criada, pensada, trazida de outros
contextos. No entanto, somente foi levado a termo depois de aceito e modificado
para algo com um “rosto mais local”. Nesse processo percebe-se que a tradição
10
Sobre a Dança Indígena nos ateremos com mais detalhes à frente.
48
inventada é necessária, pois na dinâmica da festa indígena em Pindaré, pessoas
como seus idealizadores se sentem, espontaneamente, responsáveis para que a
tradição não tenda a morrer. Isto é, enquanto motivarem a continuidade, a festa -
dança - permanecerá no tempo, vinculada à sociedade de Pindaré.
Assim, em associação à colocação de Bosi, a tradição não morre, pois, “a
cultura popular não morre, [...]. Se ela for de fato popular, enquanto existir povo ela
não vai morrer. Cultura popular é a cultura que o povo faz no seu cotidiano e nas
condições em que a pode fazer” (BOSI, 1987, p. 44).
1.5 A festa no cotidiano e a dádiva
Guarinello ao dissertar sobre a conceituação de festa, entende que ela não é
fruto de elementos contrários ao cotidiano, antes, ela é parte integrante deste e
como tal, perpetua a vivência e a experiência das pessoas.
Proponho-me, portanto, a ver a festa, não como realidade oposta ao
cotidiano, mas integrada nele. E, como parênteses, penso cotidiano, não
como uma dimensão particular da existência humana, mas como tempo
concreto de realização das relações sociais (GUARINELLO, 2001, p. 971).
Para o autor, a festa é:
Parte de um jogo, é um espaço aberto no viver social para reiteração,
produção e negociação das identidades sociais. Um lapso aberto no
espaço e no tempo de exaltação dos sentidos sociais, regido por regras
que regulam as disputas simbólicas em seu interior e que podem, por
vezes, ser bastante agudas. A festa unifica, mas também diferencia, tanto
interna quanto externamente (idem, ibidem).
Nesse caminho teórico busquei bases para compreender a festa, tanto
imbricada no cotidiano, quanto lugar de construção de identidades. Ela estabelece
laços de solidariedade que se configuram no momento de sua organização, mas
também através delas podem ser evidenciadas as disputas internas de poder.
Para Guarinello, pelo caráter que a festa tem de abstrair “particularidades
históricas e culturais”, uma análise mais generalizada sobre seu conceito pode
49
acarretar problemas entre as diversas bibliografias a respeito deste conceito
(GUARINELLO, 2001, p. 970).
Olhada pelo prisma de um constante refazer, a festa torna-se uma dinâmica
(re) criadora. A cada festejar, a cada evento, novas configurações são feitas, pois,
em seu movimento, cria simbologias, passíveis de interpretação que une passado e
presente. Há, portanto, uma relação dialética entre festas e identidade, elas
convergem entre si e se influenciam mutuamente.
A festa em Pindaré parece ter sido a melhor dinâmica para encarnar o
interesse comum de sua coletividade, promover a cidade, dar nova visibilidade,
passar de um imaginário sombrio, triste, para um imaginário alegre, festivo. Assim, a
festa possui também a capacidade de transformar-se em uma grande exposição de
motivações para um dar a conhecer, fazer-se visível.
Ao discutir festas, Brandão aponta:
Eis um sistema inicial de trocas entre pessoas que configura a própria
essência da festa popular no Brasil. Porque cheia de falas e gestos de
devoção, ruptura e alegria, ela afinal não é mais do que uma seqüência
cerimonialmente obrigatória de atos codificados de dar, receber, retribuir,
obedecer, cumprir (BRANDÃO, 1986, p. 11).
No universo das festas, os pindareenses estabelecem uma relação de
pertencimento. As relações ali vivenciadas forjam percepções que revelam a
imagem de como sua população gostaria de ser vista por si mesma e pelos outros.
Está em jogo nesse momento a noção de identificação com a imagem construída de
si mesmo e, portanto, da maneira como eles gostariam de ser olhados pelos outros.
A festa é para os pindareenses característica básica de sua existência
enquanto grupo, é o laço que os une como membros de uma mesma comunidade.
Estar em festa significa “esquecer” um passado sombrio, mergulhar no caminho
mítico que segundo seu ponto de vista - perfaz o universo da cidade, em suma,
estar em festa em Pindaré é reavivar os ritos, os vínculos, os laços de
pertencimento.
50
Para Rita de Cássia Amaral, a festa exerce,
[...] simultaneamente o papel de negar e reiterar o modo como a sociedade
se organiza, justamente selecionando o que deve ser lembrado e o que
deve ser relegado ao esquecimento; o que deve ser transformado e o que
deve permanecer (AMARAL, 1998, p. 109).
Por este viés de seleção é que busquei percorrer o universo festivo da cidade
de Pindaré e a partir dele tecer nossa análise e interpretação. A festa em Pindaré
quer “esquecer” e quer “lembrar”, ao mesmo tempo. “Esquece” o passado triste,
“lembra” o passado de glória. Por isso, a festa enquanto fenômeno social quer
significar, construir e reconstruir, e, nesse processo, recheada de significado, a festa
cria espaço de transformação das pessoas em sujeitos sociais participantes.
Com propriedade Godelier, afirma que a dádiva não é somente enfática
quanto às suas obrigações, ela revela as relações sociais do grupo. A festa na vida
dos pindareenses reflete o caráter de pertencimento ao grupo, o que também pode
ser entendido no contexto da dádiva, pois ali também encontramos a dinâmica da
circulação de bens simbólicos.
Para Godelier,
[...] a dádiva como prática faz parte simultaneamente da forma e do
conteúdo dessas relações. É neste contexto que a dádiva, como acto, mas
também como objecto, pode representar, significar e totalizar o conjunto das
relações sociais, do qual é, ao mesmo tempo, instrumento e símbolo. E
como as dádivas vêm das pessoas e os objetos dados estão primeiro
ligados,depois desligados para serem novamente ligados a pessoas, as
dádivas incarnam (sic) tanto as pessoas como as suas relações. É neste
sentido e por estas razões que a dádiva – como Mauss disse soberbamente
‘é um fato social total’. É porque contém e une simultaneamente qualquer
coisa que está presente nas suas relações que ela as totaliza e as simboliza
na sua prática e nos objectos que a materializam (GODELIER, 2001, p.
126).
Ao evidenciar que a dádiva une simultaneamente as pessoas e estas coisas
às pessoas, Godelier identifica a dádiva como um fato social. Isso se manifesta
claramente no universo das festas em Pindaré-Mirim, e também na vida particular
das pessoas.
51
Mauss (1974) analisa o Potlatch
11
, a partir do estudo de sociedades arcaicas
e percebe sentidos que se pode aplicar em tempos de hoje na dinâmica do “dar-
receber-retribuir” na “Comunidade Espírita do Vale do Pindaré”. Em suas
investigações o autor descobre que nesse ritual “as trocas de presentes [...] incitam
[...] a todos a serem generosos. Produzindo abundância de riquezas” (MAUSS,
1974, pp. 60-61). E ainda, o autor percebe que naquelas sociedades,
[...] ninguém tem a liberdade de recusar um presente ofertado. Todos,
homens e mulheres, tratam de ultrapassar uns aos outros em generosidade.
Havia uma espécie de rivalidade quanto a quem poderia dar mais objetos
de maior valor (MAUSS, 1974, p. 70).
11
Forma típica mais evoluída e relativamente rara de prestações totais, estudada por Mauss (1974) em tribos do
noroeste americano. É um ritual dos índios do Pacífico do Canadá. Nesse ritual domina o princípio da rivalidade,
o apelo a dar cada vez mais e ser mais generoso. Segundo o próprio Mauss, “Potaltch quer dizer essencialmente
alimentar, consumir” (MAUSS,
1974: 46).
52
Foto 01: Mulheres e crianças Guajajara.
Fonte: CIMI – MA.
CAPÍTULO II
_______________________________________________
A REGIÃO DO PINDARÉ - ESCORÇO HISTÓRICO
53
Para que se possa mais facilmente acompanhar as discussões dos capítulos
seguintes torna-se necessário conhecer a cidade de Pindaré-Mirim, nos seus
diversos aspectos dentro do Estado do Maranhão.
As fontes mostram que o vocábulo Pindaré-Mirim é de origem tupi-guarani
que significa: Pinda = anzol; Mirim = pequeno. 250 km separam a capital do Estado
deste município que atualmente perfaz um contingente populacional de 27.517
habitantes, destes, 20.941 estão na zona urbana, 6.576 residem na zona rural.
Quanto à diversidade étnica 39 pessoas se declararam indígenas, 167, amarela,
5.157 se declararam brancas, 3.555 pretas e 18.365 se autodeclararam pardas,
segundo o Censo do IBGE 2000 e quadro de estimativa do IBGE 2006. Na região,
bem próximo à cidade, está localizada a terra Indígena Pindaré onde residem 556
indígenas Guajajara.
Em sua história para criação do município foi feito um desmembramento do
município de Monção, seu vizinho, através da Lei 1.052 de 10 de abril de 1923,
em que recebeu o nome São Pedro, porém, nove anos depois foi extinto pelo
Decreto Estadual 75 de 22 de abril de 1932, mas logo foi restabelecido pelo
Decreto 121 de de junho do mesmo ano. Dessa forma, a sede foi
definitivamente elevada à categoria de cidade, pelo Decreto nº 45 de 29 de março de
1938 e está situada à margem direita do rio Pindaré, exatamente no local onde, em
1840, foi instalada a colônia de índios Guajajara, pelo tenente - coronel Fernando
Luis Ferreira, do Imperial Corpo de Engenheiros.
Em seu aspecto físico o município está localizado na microrregião de Pindaré
situada na mesorregião Oeste Maranhense conhecida como pré-Amazônia
Maranhense por possuir características de clima e vegetação da Amazônia. Como
coordenadas geográficas conta com a latitude S - 03º38’’45 e a longitude: W Gr/
45º20 “S”, com posição relativa à capital rumo 50. em relação ao país, Pindaré
está situado na região considerada Meio Norte. Sua altitude é de 55 metros acima
do nível do mar e limita-se ao Norte com os municípios de Monção e Bom Jardim; ao
Sul com o município de Santa Inês; ao Leste com o município de Vitória do Mearim e
ao Oeste com o município de Santa Luzia. Sua configuração geográfica é em forma
ligeiramente triangular.
54
Quanto ao aspecto hidrográfico a cidade é banhada pelo rio Pindaré que
nasce à esquerda do grupo da Serra da Cinta e desemboca na margem esquerda do
rio Mearim. O rio Pindaré é navegável em quase toda sua extensão por
embarcações de porte médio (fluvial) e recebe com tributários pela margem direita o
rio Zutíua e pela margem esquerda os rios Água Preta e Caru. Ademais, o município
é dotado de dois grandes lagos muito piscosos, assim como o próprio rio Pindaré,
são os lagos Grajaú e Tapuru formado pelo Zitíua. Em sua grande parte o município
dispõe de um solo argilo-arenoso e semi-plano. Além de possuir uma vegetação
típica da região (Pré-Amazônica), tendendo para predominância, dada a devastação
de sua flora, palmeira de babaçu. A área total do município atualmente é de 912 km²
e apresenta-se com um clima quente úmido e a temperatura que varia entre 30 a 34
graus. Nesta região as chuvas mais copiosas manifestam-se entre os meses de
dezembro a maio, ocorrendo a estiagem nos demais meses, considerando-se
desses fatos haverem somente duas estações nesta região, o inverno e o verão.
Com relação ao seu aspecto econômico, o comércio interno é bastante
variado, contando com diversas casas de venda a atacado e a varejo: farmácias,
supermercados, mercearias, tavernas, calçadeiras, casas de ferragens, vendas de
confecções, de madeiras beneficiadas, de mosaicos e similares, materiais de
construção, produtos industrializados. Em geral, o comércio é varejista, interno com
várias lojas de variedades. A cidade conta com prestadores de serviços como
barbeiros, cabeleireiros, manicuras, bares, restaurantes, hotéis, oficinas de ferreiros,
marceneiros, de carpinteiros, pescadores, lavradores, magarefes, pedreiros, serviços
públicos, municipais e estaduais, serviços domésticos etc. De modo geral, podemos
afirmar que não um bom desenvolvimento industrial no município, funcionam
somente indústrias de pequeno porte, como por exemplo, usinas de beneficiamento
de arroz, serrarias para beneficiamento de madeira, cerâmica fábrica de tijolos e
telhas.
Pindaré é produtor de arroz, babaçu e em menor volume de mandioca, milho,
mamona, banana, laranja, hortaliças, feijão e demais produtos típicos da região.
Exporta através de suas vias de escoação para outros centros, arroz em casca,
beneficiado, amêndoas de babaçu, madeiras beneficiadas, alvenaria, pescados,
produtos e sub-produtos industrializados de mandioca, milho e arroz. Entretanto,
55
Importa para seu abastecimento, de outros centros, gêneros alimentícios, sabões,
ferragens, fumos, bebidas e remédios. Como recursos naturais o babaçu continua
sendo o principal produto extrativo vegetal da região. Os babaçuais servem de
recursos para as famílias mais pobres da região, sendo esta palmeira um vegetal
importante, pois, dele se extrai o óleo, o farelo e a palha que serve na cobertura de
casas.
a pecuária pindareense é pouco desenvolvida, visto não contar atualmente
com muitos recursos naturais de pastagens permanentes, dadas as enchentes dos
seus campos na época invernosa. Trata-se de uma pecuária extensiva que não
exige as técnicas e os recursos modernos, os rebanhos são pequenos, criados
soltos em cercados de arame farpado. Criam-se também porco, cavalos, carneiros,
aves e outros animais. Com relação ao extrativo animal, destaca-se a pesca,
principal atividade do pindareense. A pesca é feita no rio Pindaré, nas lagoas e
igarapés que se situam no município. Levada a efeito nos lagos e rios locais, a
pesca em Pindaré é bastante produtiva, concorrendo para a acentuada circulação
monetária e abastecimento de mercados internos e externos.
No tocante à extrativa mineral não é de grande importância no município.
Extraem-se somente pedras, barro, areia lavada, seixos, usados nas construções.
A agricultura feita em Pindaré é um meio de subsistência da maioria das
famílias, praticada ainda na forma primitiva, explorada pelo sistema de roça, sem
mecanização. Na região cultiva-se arroz, milho, mandioca e melancia. Toda a
produção do município é transportada pelos sistemas rodoviários e marítimos. O
transporte humano também é feito pelo mesmo sistema. Até hoje, Pindaré-Mirim
ainda não pode contar com uma ponte nem tão pouco com um pontão para ligar o
município ao município de Monção (que está do outro lado do rio Pindaré). Para
atravessar para o outro lado somente pode-se contar com canoas e com
embarcações pequenas ou mesmo pela destreza do pindareense, a nado. Ao
mesmo tempo percebemos que a cidade pode se comunicar com o exterior do
município através dos Correios e Telégrafos, pela televisão, rádio, internet. Como
espaço próprio de meio de comunicação nos últimos anos, por iniciativa da Igreja
Católica foi inaugurada e está em pleno funcionamento a Rádio Comunitária Dehon.
56
Quanto ao aspecto religioso, predomina oficialmente o Catolicismo Apostólico
Romano, que congrega em torno de si, 90% da população. A Igreja principal é matriz
de São Pedro, localizada na Praça da Matriz na Avenida Elias Haickel. A Paróquia
foi fundada em 1942 por D. Carmelo Vasconcelos Mota, Bispo de São Luís, à época.
Teve como primeiro Pároco o Padre Odorico Braga, que passou apenas seis meses
na cidade. De Vitória do Mearim estiveram em Pindaré os Padres Heliwood e
Chagas Vasconcelos, um vigário da vizinha cidade de Viana, atualmente sede da
Diocese. A história da religião oficial de Pindaré passa por fases: 1ª fase, período da
Aldeia até a fase, a dos Párocos. A Paróquia foi criada por ato de D. Carlos
Carmelo de Vasconcelos Mota, quando arcebispo do Maranhão o qual nomeara
como primeiro pároco da novel Freguesia, o Rev
mo
. Padre Odorico Braga, aos 29 de
abril de 1942. Assim foi criada a Paróquia de São Pedro tendo como padroeiro o
santo que dá nome a mesma. Também estão presentes algumas Igrejas
Evangélicas em Pindaré, dentre elas estão Assembléia de Deus, Igreja Adventista
do dia, Igreja Pentecostal, Testemunhas de Jeová, Igreja Universal do Reino de
Deus etc.
No setor da educação, existe na cidade um razoável mero de escolas das
redes municipal, estadual e particular. Em geral, funcionam com a educação básica
– das séries iniciais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio.
Do ponto de vista urbanístico Pindaré-Mirim é cidade calma, de casas
grandes, antigas, de muitas janelas, ruas largas e praças tranqüilas, onde por
vezes, pastam animais e onde pessoas cruzam à noite e à tardezinha para seus
passeios e encontros com amigos. Seu aspecto sereno convida ao repouso. Grande
parte da cidade esparrama-se pela margem do rio com sua famosa Trizidela.
O contraste entre a cidade de Santa Inês e Pindaré-Mirim é muito grande e,
no entanto, são cidades muito próximas geograficamente, pois distam uma da outra
por apenas 9 km. Unidas por via asfaltada, por um trecho da MA-320 acesso
principal para Pindaré. Estão ligadas por ônibus que saem a cada 15 minutos e são
inúmeros os táxis que gastam oito minutos para se deslocarem de uma para a outra
cidade. É difícil para o visitante distinguir onde começa ou onde termina a zona
suburbana dessas duas cidades, pois toda a rodovia está ladeada de residências
57
espaçadas, tipo pequenas chácaras, surgindo aqui ou ali armazéns de depósito de
madeira, usinas de arroz, serrarias, olarias etc. Nas proximidades do limite entre
uma cidade e outra um grande lago atravessa a MA-320. Atualmente uma frágil
ponte para facilitar a passagem. No entanto, em épocas de invernos, com chuvas
mais intensas, muitas vezes, essa ponte não se sustentou, ficando, assim, a cidade
sem acesso por meio de transporte terrestre. Seu aspecto geográfico confirma que
Pindaré fica entre o rio e o lago, daí a expressão: “Pindaré é uma ilha”. A diferença
entre a área urbana das duas cidades é marcante. Santa Inês é movimentada,
desarrumada, com um comércio típico de nordeste, que se prolonga pelas calçadas
e pelos alpendres improvisados como varandas, com confecções dependuradas, e
um transporte intenso que a liga ao Norte e ao Sul do País. Também na cidade de
Santa Inês se processa o entroncamento das BR-316, BR-222 e MA-320.
A cidade de Pindaré juntamente com a cidade de Monção são ainda as únicas
na região a utilizarem de maneira precária o transporte fluvial, que, no entanto, não é
regular. O rio é mais utilizado na época das cheias no período chuvoso, isto por
duas razões principais: primeiro porque é a época em que fica mais propício à
navegação, segundo, porque na época das chuvas, todas as estradas vicinais
municipais da região ficam intransitáveis, os povoados da zona rural ficam sem
condição normal de comunicação com as sedes municipais. Assim, os lugares que
ficam à margem do rio Pindaré, aproveitam-no para o escoamento de sua produção
e aqueles que ficam mais distantes, mas que de certo modo estão mais próximos
dos povoados ribeirinhos, transportam para este sua produção no dorso de animais
e, de utilizando lanchas, pequenos barcos, canoas e balsas fazem o escoamento
dos produtos locais (babaçu, arroz, milho, feijão, farinha de mandioca) assim como
transporte de passageiros, que na época de chuvas é muito intenso, chegando a
transportar 10 a 12 toneladas por semana. Atingem assim, o porto de Pindaré-Mirim
para então alcançar a MA-320 que liga este porto ao município da Santa Inês, ou
deslocam-se diretamente, continuando o percurso através do rio, para algumas
cidades da baixada maranhense, cujo alcance nessa época é impraticável através
de rodovias. (TROVÃO, 1983 )
58
Para que se possa compreender o contexto em que surgiu a Colônia São
Pedro, espaço que atualmente é a cidade de Pindaré-Mirim, é proposto neste
capítulo fixar no cenário social em que ela foi implementada. Para isso, foram
revisitados aspectos históricos do Maranhão e da região de Pindaré e tecido um
diálogo com os povos Guajajara da época, bem como a busca por interpretar
processos culturais dos Guajajara contemporâneos.
As populações indígenas à época da colonização, em 1612, somavam em
torno de 250.000 (CIMI, 1998) em todo o estado do Maranhão. Dentre os diversos
povos existentes sobreviveram à colonização alguns grupos pertencentes aos dois
troncos lingüísticos:
1) Tupi Tenetehara, constituindo-se atualmente no maior grupo indígena
no Estado. São chamados Guajajara em toda a região do Pindaré e em
outras regiões são conhecidos como Tembé. Migraram do Pindaré para o
lado do Pará e se fixaram nas proximidades de rios fronteiriços com o
Maranhão. Fazem parte desse tronco Tupi ainda os Guajá
12
e os Urubu-
Kaapor;
2) Macro-Jê/família Timbira - Krikati, Pukobyê, Apanyekrá, Rankokamekrá,
Kre pu’m kateyê (ZANNONI, 1999, p. 19).
Também fazem parte desse tronco lingüístico os povos Canela e os Gaviões
existentes no Maranhão até os nossos dias.
Em razão das constantes guerras empreendidas pelos colonizadores, e por
aqueles que, mesmo em plena república democrática, moderna e contemporânea
assumem a mesma ideologia e pratica colonialista, esses povos vêm sendo
derrotados, expulsos de suas terras por meios violentos, exauridos em massa, tanto
por doenças infecciosas como pela fome por mais de quatro séculos.
Além da catequização por métodos coercitivos, as entradas e bandeiras foram
também canais por excelência da escravização dos povos nativos no Maranhão.
Seu trabalho escravo foi usado nas grandes glebas de plantações e nos trabalhos
12
Último povo made, sem agricultura, do Brasil, e um dos últimos do Continente Americano (ZANNONI,
1999).
59
domésticos para enriquecimento da coroa. Nesse cenário fica evidente o genocídio a
que foram submetidos esses povos ao longo dos séculos.
Todavia, esses povos sempre resistiram às investidas coloniais e do estado
herdeiro do Estado Colonial, em uma disputa sangrenta e desigual. Sua marca
fundamental é a força da resistência. Os povos indígenas no Brasil, de modo
especial nesta região do Maranhão desenvolveram estratégias de sobrevivência,
mostraram bravura, lutaram, defenderam suas terras, seus povos, sua cultura, sua
vida, conservaram seus mitos, seus rituais, suas festas (CIMI, 1998).
Atualmente, parte dos rituais do povo de Pindaré perdeu algumas de suas
características ou até mesmo deixaram de existir; no entanto, alguns princípios
fundamentais de sua cultura persistem e perpassam as gerações. Dentre estes
princípios estão o sentido de família extensa, a vida marcada por fases bem
definidas, como por exemplo, os rituais de passagem a gravidez, o primeiro parto,
o resguardo dos pais da criança, o nascimento, a primeira viagem do recém-nascido,
a infância, a primeira festa de iniciação, os ritos de iniciação masculina
13
e feminina,
o casamento, a velhice, o sepultamento.
Documentos mostram que foram diversas as estratégias usadas por parte dos
detentores do poder colonial para com os povos indígenas da região do Pindaré,
dentre as quais estão os descimentos, a catequização (desde o ano 1653) levada a
efeito pelos jesuítas, através do sistema de missões e mais tarde as Colônias. Da
mesma forma, as fontes escritas comprovam que após a expulsão dos jesuítas do
Pindaré em 1759, foram empreendidas novas formas para atrair os povos indígenas
da região. Desde seu início, o que movia a empresa colonial, eram motivações e
interesses de enriquecimento da coroa e mais tarde da Província, em que os povos
nativos foram usados como espólio para atingir esse fim.
13
Antigamente o ritual de iniciação masculina era realizado com certa periodicidade. Hoje só acontece em
alguma aldeias, em sua maioria distantes umas das outras e de áreas diferentes. Isto principalmente, pelo fato de
que a maioria dos cantores que conheciam o ritual já morreu. Hoje, é praticado em algumas aldeias de região de
Barra do Corda, Grajaú e da Área Indígena Araribóia. Na Área Indígena Pindaré é realizado dentro do ritual de
apresentação das moças. Mudam-se os enfeites, mas segue a mesma estrutura (ZANNONI, 1999, p. 75).
60
Dentro desse conjunto de estratégias, no fim do século XVIII foram fundadas
Colônias estruturadas em Diretorias. Assim, em 1840 foi instalada a Colônia São
Pedro na margem direita do rio Pindaré, no lugar onde atualmente está localizada a
cidade de Pindaré-Mirim. Apesar de ali viverem várias famílias Guajajara, a terra
para a instalação da Colônia “foi adquirida pela Província do cirurgião Manoel Lopes
Magalhães, no mesmo ano de 1840, pela quantia de 2:000$000 réis - dois contos de
réis” (MARQUES, 1970, p. 142). Foi essa, então, a primeira Colônia indígena do
Maranhão que teve à frente de sua primeira Diretoria o P
e
. Antonio Bento da Costa
Curtinhas que a governou até o ano de 1842 (COELHO, 1990).
A idéia de criação dessa Colônia tinha por objetivo, dentre outros, a
colonização pacífica dos povos indígenas com o fim de estabelecer um
relacionamento que favorecesse a navegação e exploração do rio Pindaré e a
segurança de vida dos fazendeiros da região, que do seu ponto de vista estava
ameaçada pelos indígenas, também praticar a política de tratar bem os índios que
estavam na colônia para que estes divulgassem a boa notícia de tratamento para
seus irmãos e com isso mais indígenas aderissem ao plano da Província e dos
fazendeiros da região, aceitando a civilização dos índios segundo os critérios dos
brancos
Coelho (1990) afirma que os anos áureos e de prosperidade dessa Colônia
tiveram duração não muito longa, prova disso é que, de sua população que em 1842
contava 200 pessoas, já em 1859 se encontrava reduzida a 83 pessoas e em 1861 a
apenas 58 índios maiores. E ainda, em março de 1878 o jornal “O País publicou: “A
Colônia o Pedro não tem mais de 16 a 20 índios, que mal produzem alguma
farinha para si e o diretor.” (VIVEIROS, 1954, p. 13). Dentre as várias causas
apontadas que levaram à sua decadência estavam, a falta de habilidade
administrativa dos diretores e as constantes fugas dos índios.
61
2.1 Um olhar sobre Pindaré
A importância da região do Pindaré é evidente desde os primórdios da
colonização do Maranhão
14
, este espaço do Brasil que entra para a história oficial a
partir da ocupação
francesa em 1612,
através da aventura
liderada por Daniel de La
Touche, senhor de La
Ravardière, que desejava
estabelecer nessas terras
a chamada França
Equinocial.
Figura 02: Localização de Pindaré-Mirim – MA.
Fonte: Federação dos Municípios do Estado do Maranhão.
A expedição francesa instalou-se na ilha que batizou de São Luis em honra à
memória de Luís XIII, rei da França. Fazia parte dessa expedição um grupo de
frades capuchinhos que tinha a tarefa de missionar nas novas terras. Dentre eles, os
notáveis Claude d’Abbeville e Yves d’Evreux, cujo legado está em duas inteligentes
narrativas, em que expõem com clareza o que viram e sentiram a respeito das terras
descobertas e sobre os costumes dos nativos que encontraram (VIEIRA FILHO,
1977, p. 5).
No entanto, os franceses aí se fixaram por apenas um curto período. Logo em
1615, “os portugueses que tentaram antes, sem êxito, a colonização do Maranhão
sob o sistema de capitanias hereditárias, com o ingresso dos franceses na terra
14
O Estado do Maranhão está situado na região Nordeste, na zona de transição considerada meio-norte. Segundo
dados do IBGE (2000), ocupa uma área de 331.983.3 km² e conta com uma população de 6.103.327.
62
decidiram expulsá-los e assinar para sempre posse e mando nestas paragens”
(VIEIRA FILHO, 1977:5). Essa investida contou com a liderança de Jerônimo de
Albuquerque.
Em 1621, foi instituído o estado do Maranhão e Grão-Pará, com o objetivo de
melhorar a defesa da costa e os contatos com a metrópole, uma vez que as relações
com a capital da colônia, Salvador, localizada na costa leste do oceano Atlântico,
eram dificultadas devido às correntes marítimas. Em 1641, os holandeses invadiram
a região. Três anos depois foram expulsos pelos portugueses. A separação do
Maranhão e Pará ocorreu em 1774, após a consolidação do domínio português na
região. A forte influência portuguesa no Maranhão fez com que o estado
aceitasse em 1883, após intervenção armada, a independência do Brasil de
Portugal, ocorrida em 7 de setembro de 1822.
Seguindo o mesmo padrão disseminado em todo o Brasil, também no
Maranhão, a ambição exacerbada dos colonizadores em extrair lucro das terras
conquistadas permeou sua história desde a sua colonização. Dentre as regiões
estratégicas para as investidas, encontramos as embocaduras, as margens e as
regiões circunvizinhas dos rios como alvos privilegiados.
É nesse movimento que nos deparamos com a copiosidade do rio Pindaré
15
,
que para os antigos é originado do Pinaré, vale que leva o seu nome. Segundo o
olhar dos colonizadores nos primeiros anos da história do Maranhão, essa região
era revestida de florestas e matas, uma vez que “no Pindaré elas se apresentam
sempre exuberantes de magnificência e de vida” (VIVEIROS, 1954, p. 3).
15
Rio que “nasce nas elevações que formam o divisor das bacias hidrográficas dos rios Mearim e Tocantins
(serras do Gurupi e da Cintra) próximo à cidade de Amarante do Maranhão, com uma altitude de mais ou menos
300 metros. Seu curso é de aproximadamente 686 km de extensão, dirigido sempre em direção nordeste, com
exceção do primeiro trecho compreendido entre a nascente e o rio Buritucupu, quando se dirige em direção
norte. [...] Sabe-se que o rio Pindaré foi até fins da década de sessenta o grande propulsor do desenvolvimento
econômico da região, principalmente nos trechos que correspondem aos cursos médio e inferior. Era através dele
que as mercadorias vindas da capital se escoavam, por pequenas embarcações, entre os povoados ribeirinhos, ou
em lanchas entre as sedes municipais, e entre estas e a própria capital, para onde enviavam toda a produção
agrícola adquirindo dali os produtos alimentícios e industriais que consumiam, sem contar o transporte de
passageiros que também era feito nas referidas lanchas” (TROVÃO, 1983, pp. 16-20).
63
As fontes e a tradição apontam que o Vale do Pindaré já fora explorado pelos
franceses à época de sua colonização no Maranhão, no início do século XVII. Logo
após a fundação da cidade de São Luís em 1612, os franceses enviaram uma
expedição para explorar o rio Pindaré. Quando de sua volta os enviados noticiaram
a existência de grande quantidade de índios de uma tribo a quem intitularam de
Pinariens. Atribui-se a este vocábulo a origem que resultou no nome Pinaré e depois
Pindaré. Viveiros (1954) nos dá conta de que ao se tratar da exploração desse rio, “o
chefe da França Equinocial, Daniel de La Touche, senhor de La Ravardiere,
mandara de fato explorá-lo. Ignoram-se, porém, pelo silêncio dos primeiros
historiadores no assunto, os resultados deste primeiro contato da civilização com a
‘barbaria’ pindarenense” (VIVEIROS, 1954, p. 5).
Não obstante essa lacuna historiográfica, sabe-se que foi a partir da expulsão
dos franceses dessa região que os portugueses exerceram sua supremacia e
passaram a controlar a área. Em sua obra o CIMI
16
(1988) informa que,
em 1615, logo após a expulsão dos franceses, os portugueses também
enviam uma expedição comandada por Bento Maciel Parente, que subiu o
rio Pindaré, provavelmente até a altura da sua confluência com o rio Caru.
Essa expedição visava encontrar ouro, mas não encontrou outra coisa
senão a nação Guajajara, à qual fizeram cruel guerra (CIMI, 1988, p. 43)
17
.
Raimundo Gaioso (1970) ao descrever o “Torrão maranhense” enfatiza a
importância do rio Pindaré para a exploração do Maranhão. O autor afirma que sua
navegação a vapor era extensiva e compreendia o que ele denominou de trechos
inferiores, isto é, até a região conhecida como Engenho Central, em que, na estação
16
Conselho Missionário Indigenista
17
Os povos indígenas no Maranhão são considerados a partir de dois troncos lingüísticos: TUPI e MACRO-JÊ
(RODRIGUES, 1986, pp. 39-56).
O tronco Tupi abriga os TENETEHARA, os GUAJÁ e os URUBU-KAAPOR. Por sua vez, os Tenetehara se
subdividem em: GUAJAJARA e TEMBÉ. Tudo leva a crer que estes nomes são adquiridos. Dessa forma, a
denominação conhecida regionalmente como Guajajara foi atribuída aos Tenetehara pelos Tupinambá. os
Tenetehara ao conceber Guajajara aludem aos Guajá. Como significados encontramos que: TENETEHARA =
Ten (ser) ete (verdadeiro, real) hara (nós); Guajajara = os donos do cocar. Em suma, nós somos o povo
verdadeiro.
Segundo Gomes (2002), “os Guajajara foram contemporâneos dos Tupinambás, mas mantinham diferenças
fundamentais, dentre elas: a não prática do canibalismo; quantitativamente serem bem menos; por viverem em
pequenas aldeias; por terem uma estrutura social menos rígida e com família extensa. Além de não se
organizarem com cargos políticos designados; não tinham linhagens e desfrutavam de pouco coesão social, no
entanto tinham maior capacidade de enfrentar mudanças e com isso sobreviver” (GOMES, 2002, p. 62).
Observamos que neste trabalho quando usamos o vocábulo Guajajara estamos nos referindo aos Tenetehara do
Pindaré. Em geral usaremos, portanto Guajajara
64
de predominância das chuvas os vapores adentravam o Maracu
18
e chegavam aa
região de Viana.
Pela formosura e riqueza oferecidas por suas matas, florestas, lagos, pela
vastidão das águas e espaço piscoso do próprio rio Pindaré, pelas possibilidades de
exploração do ouro, essa região exerceu fundamental atração para as investidas dos
colonizadores, tanto para os franceses quanto depois para os portugueses. Dessa
forma, “expulsos os franceses e estabelecido o domínio de Portugal no Maranhão, o
primeiro governo lusitano [...], lançou suas vistas para o Pinaré, atraído pela cobiça
do ouro, cujas minas os índios lá localizaram” (VIVEIROS, 1954:5).
Dessa feita, podemos ler que desde o século XVII, o “Pinaré sempre mereceu
a atenção dos Capitães-Generais que governaram o Maranhão e o Pará”
(VIVEIROS, 1954, p. 8).
Várias foram as tentativas de encontrar ouro por esta região. A tradição
revelava que ali existiam abundantes jazidas, como se pode perceber nos
prognósticos apontados por Marques:
Acredita-se na existência de riquíssimas minas de ouro no Alto-Pindaré, e
desde o princípio da fundação desta Província, que se intenta descobrir os
jazigos delas. Jerônimo de Albuquerque mandou Bento Maciel Parente com
45 soldados e 90 índios procurá-las nos terrenos banhados por esse rio, e
nada conseguiu (MARQUES, 1970, p. 516).
Da mesma forma, diversos autores que se debruçaram sobre as poucas
pesquisas existentes a respeito dessa região singular, no Estado do Maranhão,
apresentam conjecturas que indicam “haver os padres da Companhia de Jesus
minerado ali” (MARQUES, 1970, p. 516), atividades estas que moveram variados
conflitos entre os religiosos e a metrópole.
Além da tradição e dos vestígios que parecem confirmar a lembrança de
que os jesuítas se haviam também ocupado em trabalho de mineração no
Alto-Pindaré há notícia de expedições, que por ordem da metrópole se
fizeram para exploração desta lavra (MARQUES, 1970, p. 516).
18
Maracu: nome de uma aldeia e de um lago onde, em seus arredores se formou a atual cidade de Viana que
recebeu o nome Vila de Viana em 8 de julho de 1757.
65
Essa corrida, por parte dos colonizadores, pelo possível ouro existente na
região se intensificou durante todo o século XVIII.
2.2 Os povos indígenas, as missões
É lugar comum a afirmação de que os povos indígenas no Maranhão, desde
muito, pertencem a dois grandes troncos lingüísticos. São eles: o ou e o Tupi.
Segundo Coelho (1987, p. 17), “os grupos indígenas pertencentes ao tronco
lingüístico estão classificados na grande família Timbira”. A autora observa que
essa classificação se fundamenta nos elementos sócio-culturais que esses grupos
partilham de forma muito intensa.
No que se refere aos Timbira, existe uma divisão mais recente feita por
antropólogos que os subdividem em:
a) Timbiras orientais, localizados à margem direita do Rio Tocantins,
constituídos pelos seguintes grupos: Parkateyê ou Gaviões do Oeste, no
Pará; Krahó, em Goiás; Canela (Aparieka e Ramkokamekra), Krikati e
Pukoyê (gavião), no Maranhão;
b) Timbiras ocidentais, à margem esquerda do Rio Tocantins que
constituem um único grupo, os Apinayê, no extremo norte do Pará (COELHO,
1987, p. 17).
Como vimos, em nota anterior, os grupos indígenas pertencentes ao tronco
lingüístico Tupi classificam-se em Tenetehara, que no estado Maranhão abrangem
desde as extensões de Barra do Corda, no rio Mearim e se expandem até os rios
Gurupi, Guamá e Capim no Estado do Pará.
Coelho (1987), em sua investigação sobre a presença indígena no Maranhão
chama a atenção, ao tratar dos Tenetehara, para o seguinte fato:
Os que habitam no Estado do Maranhão, nos rios Mearim, Grajaú e
Pindaré, são chamados de Guajajara, enquanto que aqueles que migraram
para o Gurupi, originários do Pindaré, são chamados Tembé. Ambos
Guajajara e Tembé partilham a mesma língua e tradição cultural e
consideram-se um só povo, autodenominando-se Tenetehara (COELHO,
1987, p. 30).
66
Deste modo, as fontes apontam e enfatizam ser a região do Pindaré habitada
pelos indígenas desde há muito tempo. Segundo Viveiros (1954),
Muitos milhares de índios povoavam o Vale do Pindaré. Podemos agrupá-
los em seis tribos, que ocupavam regiões diferentes, na ordem seguinte da
nascente para a foz do rio: manajós, guajajara, canelas, timbira canela
carahós e pinagés. De todas a mais numerosa era a dos guajajara
(VIVEIROS, 1954, p. 5).
Segundo Zannoni (1999, p. 48), “opina-se que os primeiros relatos dos
Tenetehara/Guajajara, descritos como uma nação numerosa no rio Pindaré
(Pinariens) atestariam que era uma nação há muito instalada na região” Para o autor
esses povos têm sua origem independente dos Tupinambá, pois de acordo com sua
visão “sua presença no Maranhão é anterior à chegada dos colonizadores europeus,
sendo, na época, uma nação numerosa habitante do rio Pindaré.” (idem, ibidem)
Segundo o relato de P
e
. José Coelho de Souza (1977), a partir dos primeiros
contatos do branco com o indígena da região dá-se conta que:
Quem primeiro entrou no rio Pindaré, que também se dizia Pinaré, foi Bento
Maciel Parente em 1616, enviado por Jerônimo de Albuquerque. Mas
depois os jesuítas descobriram e devassaram seus afluentes e cabeceiras,
não ficando recesso, por oculto e distante, que eles não conhecessem,
estabelecendo aldeias, fundando fazendas, e abrindo veredas na mata,
incluindo um caminho desde Maracu Viana -, através do Turiaçú, até
Belém do Pará. Os jesuítas que iniciaram a catequese nesse rio foram
Francisco Veloso e José Soares, entre os índios Guajajara, em 1653.
Enviou-nos Antonio Vieira, que também as primeiras notícias sobre o
modo como os padres conseguiram atrair os Guajajara e formar a primeira
aldeia em Itaquí e depois em Capitiba ou Cajutiba ou também Cajuípe. Era
conhecida como ‘Aldeia dos Padres’ ou de Nossa Senhora da Conceição.
[...] Assim decorreram anos, até que o Pe. Pero Pedrosa, em 1681,
começou a trabalhar no Pindaré. E, verificando que o Lago Maracu era mais
acomodado ao seu intento, nele se estabeleceu definitivamente, em 1683, a
aldeia dos Guajajara. [...] A Aldeia de Maracu tinha em 1730, 404 índios,
incluindo uma dezena de catecúmenos. A 8 de julho de 1757 Maracu
recebeu o nome de Vila de Viana. [...] Em 1723 aparece a nova missão dos
Guajajara no rio Pindaré. É a aldeia de São Francisco Xavier, composta de
ínidios descidos pelo pe. Luís de Oliveira. Antes ficava situada no alto
Pindaré, tendo sido transferida em 1730 para o porto do Caru. Contava,
então, 779 índios, dos quais 326 catecúmenos (SOUZA, 1977, pp. 58-61).
Assim, alicerçamos a afirmação que de fato essa região foi anteriormente
terra dos Guajajara. Nela esses povos nasciam, cresciam, criavam e recriavam suas
formas de subsistência, construíam seus mitos, seus códigos e significados culturais,
consolidavam sua relação com o sagrado, estabeleciam suas fronteiras de
67
pertencimento, elaboravam e reelaboravam seu universo simbólico. Em suma,
sustentavam, reproduziam e repassavam seus valores, tradições e memória oral.
A presença dos colonizadores nessa região e a relação estabelecida com os
nativos, é responsável por diversas estratégias implementadas por parte daqueles
com o objetivo de atenuar a resistência dos povos indígenas. A história tem
registrado que, no Brasil, o período colonial é marcado por diferentes investidas por
parte da coroa portuguesa visando a sua grande expansão territorial, dentre as quais
estão as entradas e bandeiras
19
, as missões e a criação de gado. Nesse sentido,
sabemos que o poder colonial, dentre outros aliados, contou também com forças
principalmente da ação missionária à época. Foram as mais diversas, as práticas
usadas no combate aos povos indígenas.
Em se tratando das missões no Maranhão, sua marca é impressa desde os
primeiros momentos da colonização com a presença dos franceses capuchinhos
Yves d’Evreux e Claude d’Abbeville, quando da sua chegada juntamente com os
colonizadores em 1612. O sucesso dessa expedição colonizadora teve vida curta,
uma vez que logo em 1615 os franceses foram expulsos. Porém assinala-se
também a chegada dos carmelitas em 1615, embora estes tenham ficado restritos à
Ilha de São Luís. Posteriormente, em 1618, chegaram também os franciscanos que,
por sua vez, se fixaram mais na região de Belém.
De um modo geral, os missionários deveriam incorporar a dupla função, de
garantir os limites de Portugal e exercer a missão catequética por meio da qual
deveriam reduzir e “civilizar” os índios. No entanto, como obra missionária
propriamente dita e nos moldes da colônia, é somente com a vinda do P
e
. Antonio
Vieira, em 1652, juntamente com quinze jesuítas que vai ser implementada,
19
As entradas constituem o ciclo de expansão dentro dos limites fixados pelo tratado de Tordesilhas. Suas
atividades se desenvolviam na zona litorânea, tendo como objetivos principais descobrir riquezas minerais e
‘conquistar’ as terras dos índios. As bandeiras foram mais além. Faziam parte do ciclo de expansão além dos
limites fixados pelo tratado de Tordesilhas e tiveram como cenário o interior. Destaca-se nesta fase a atuação do
‘bandeirantes’, mercenários da coroa portuguesa e da colônia com o objetivo de expansão territorial e de caçar
indígenas para o trabalho escravo ou matá-los quando eles resistiam organizadamente. Também os bandeirantes
eram motivados pala procura de ouro e pedras preciosas. Assim, a captura e o comércio de índios vieram a
constituir a primeira atividade econômica estável de grupos não dedicados à indústria açucareira. As táticas
empregadas no combate aos indígenas eram as mais variadas, indo dos ataques de surpresa até as ciladas através
de falsos tratados de paz. Se isso não resolvia, jogavam nação contra nação e, mais tarde, tentando quebrar a
natural aliança entre índios e negros, jogava uns contra os outros (CIMI, 1988, p. 20).
68
principalmente, a tarefa missionária em direção aos nativos. Essa tarefa é levada a
termo especialmente com a estratégia da potica dos aldeamentos. Dessa forma, o
período colonial é perpassado pela presença e atuação missionária primordialmente
dos jesuítas.
Neste particular, a história oficial do Maranhão registra três grandes
momentos que delineiam a fase colonial. O primeiro se estende da colonização
francesa até a primeira fase da missão dos jesuítas. O segundo diz respeito à época
em que os jesuítas exerceram sua ação nas aldeias a partir de 1653 considerando
as três vezes que foram expulsos nos anos de 1661, 1684, 1759 (MEIRELES, 2001,
p. 104). O terceiro momento é marcado pelas conseqüências do Diretório do
Marquês de Pombal, com a expansão dos Tenetehara. Esta fase se estende até o
Brasil império (ZANNONI, 1999, p. 41).
A atuação prática e catequética dos missionários jesuítas na região do Pindaré
data do ano 1653. Viveiros (1954), fala que a “Companhia de Jesus” fundou nessa
localidade a mais importante das suas missões: a Aldeia de Maracu. os
missionários mesclaram a força de trabalho dos nativos com a ação catequética,
criaram gado de forma sofisticada para o contexto da época.
O projeto missionário de um modo geral se manteve de forma a favorecer a
política de colonização da coroa portuguesa. Em muito, foram fiéis em justificar e em
dar solidez à tarefa da colonização.
É assim que, desde 1653, os padres jesuítas chegaram à região do Pinaré e
se estabeleceram com o objetivo de catequizar os índios. Nesse sentido, a luta
pela liberdade dos índios vai ser praticamente levada em frente pelos jesuítas.
Beozzo (1987, p.55) afirma que o padre Antonio Vieira vem em 1653 e traz uma
carta do rei dando a ele poderes para restabelecer a liberdade aos índios no
Maranhão.
Mesclada à meta de catequização estava também a corrida dos missionários
pelo ouro, pela terra e pelo enriquecimento a partir do trabalho escravo dos nativos.
Mais uma vez Viveiros (1954, p. 5) nos conta em seus apontamentos que,
69
“naquela região, havia tudo de que necessitavam as missões: indianada bravia para
a catequese, magníficos campos de pastagens para a criação de gado e soberbas
matas para a grande lavoura”.
Lopes (1970, p.190) afirma que a partir da segunda metade do século XVII, os
Jesuítas exploraram o Pindaré, lutando contra o mururu
20
e descendo o gentio
Guajajara, e abriram uma estrada da sua missão do Maracu através dos vales do
Turi, do Maracaçumé e do Gurupi É assim que, para o autor, desde o princípio das
explorações, o Pindaré tem certo débito para com estes missionários.
Foram diversas as vantagens encontradas na região pelos missionários
excelentes campos de pastagens para criação de gado, exuberantes matas
para a lavoura extensa. Aproveitando-se desse cenário os religiosos
fundaram nessa área a mais importante das suas missões, aquela que,
segundo Viveiros (1954), iria sustentar e ser a principal fonte de renda do
Colégio do Maranhão. Esse mesmo autor ao se referir à descrição da região
feita pelo padre Serafim Leite revela ter este assim se referido: A Aldeia de
Maracú consistia, sobretudo na criação de gado, com seis currais, - cinco
de gado vacum e um de gado cavalar todos com as casas adequadas ao
fim de cada qual; curral de Ibecá, curral de São José, curral de Baixo, curral
do Meio, curral de cima e curral das Éguas. Existiam nestes currais cerca
de 15.600 cabeças de gado vacum e 500 de cavalar. Em frente de Maracú,
à sua vista, ficava a fazenda de São Bonifácio, com quatro engenhos de
cana, oito alambiques, casa de fazer farinha com duas rodas de ralar
mandioca, oficinas de tecelão, carpintaria, serraria e ferraria e a casa de
canoas, onde chegaram a construir um bergantim de 44 palmos. Nesta
famosa fazenda cultivaram cana, café, cacau, mandioca, laranja e pacova
(VIVEIROS, 1954, p. 6).
E ainda, Viveiros afirma que,
não poucos escritores afirmaram, e entre eles Raimundo de Sousa Gaioso
(1818), terem tido os jesuítas junto a estas residências um estabelecimento
de mineração que zelosamente ocultavam aos olhos de todos,
prevalecendo-se para isso do regimento chamado das missões, pelo qual
se proibia morar nas aldeias a outras pessoas que não fossem os mesmos
índios com suas famílias, sob pena de serem açoitados publicamente pelas
ruas, se fossem peões, e se nobres degredados por cinco anos para Angola
em um e outro caso sem apelação (VIVEIROS, 1954, p. 6).
Com efeito, a ação dos jesuítas foi além do interesse catequético. Pois “desde
a chegada dos primeiros jesuítas no Maranhão, puseram-se, eles e os colonos em
campos opostos por motivo da escravização do indígena” (MEIRELES, 2001, p.
20
Mururu Erva da família das gramíneas, de colvo ereto, folhas lineares verde-claras ou azuladas e
inflorescências em panículas terminais, nativa da África subespontânea no Brasil e muito cultivada como
forrageira. Conhecida também como capim-guiné, capim-angola (DICIONÁRIO HOUAISS, 2001).
70
104). Em decorrência das sucessivas lutas sempre desencadeadas entre os
missionários da Companhia de Jesus, os colonos e os governantes, por causa da
redução e escravização indígena os jesuítas foram expulsos do Maranhão e de toda
a região do Pindaré por três vezes: a primeira em 1661, a segunda em 1684 e a
terceira expulsão se deu no ano de 1759 (MEIRELES, 2001, p. 104).
Os povos indígenas da região do Pindaré, como os nativos de um modo geral,
no Brasil, vivenciaram constantes choques frente às investidas por parte dos
governos e colonos para exploração da região. Por outro lado registram-se as
inúmeras formas de resistência que opuseram, desde as fugas individuais até aos
ataques em massa com destruição de várias vilas e fazendas. Para Viveiros (1954),
no vale do Pindaré,
a população indígena ficou abandonada desde a expulsão dos jesuítas em
1759. Aqui não deram resultados os comissários com que o Marquês de
Pombal procurou substituir os inacianos. [...] o íncola no Pinaré voltou à
barbaria, tornando-se uma ameaça para as fazendas e povoações, que, de
quando em quando, atacava (VIVEIROS, 1954, p. 9).
Nessa perspectiva, o mesmo autor relata que,
a vila de Monção, criada em 1757, foi destruída pelos indígenas em 1810
[...]. E Viana, a princesa do Vale, correu sério perigo em 1850, quando eles
cercaram-na [...]. A fertilidade do Vale custara caro aos exploradores [...].
Por isso, no período mais agudo da revolução dos balaios, a Assembléia
Legislativa Provincial votou a lei 85, de 2 de julho de 1839, autorizando o
governo a criar três missões, para o fim de civilização do ameríndio
(VIVEIROS, 1954, p. 10).
Portanto, o período colonial foi marcado por constantes conflitos entre os
nativos, Guajajara e os detentores da colônia. Nesses embates em geral o nativo foi
sendo aniquilado.
Ainda em 1640 houve significativa captura de povos Tupinambá juntamente
com aproximadamente 50 casais provenientes da nação Pinaré. registro de que
fora o Capitão-Mor do Pará, Lucena de Azevedo, o mentor de tamanha agressão
(KIEMEM & VIEIRA apud GOMES, 2000).
71
Ademais, durante os anos de presença e de influência dos jesuítas foi
inaugurada a política dos descimentos
21
da qual participaram de uma situação dúbia,
pois concomitantemente à política dos descimentos foi assegurada por meio da
efetivação das aldeias e da catequese, certa proteção aos nativos.
Seguindo os procedimentos vigentes no Brasil à época, esta postura ambígua
dos missionários da Companhia de Jesus os acompanhou desde os primeiros
contatos - com o início da catequese em 1653, pelos padres Francisco Velloso e
José Soares que foram designados pelo Padre Antonio Vieira - com os povos
Guajajara da região do Pindaré.
Nesse período várias missões foram empreendidas, dentre elas a do padre
Antonio Pereira em 1678. Na Crônica da Missão dos Padres da Companhia de
Jesus no Maranhão, Bettendorf (1910), ao discorrer sobre essas missões,
especificamente a do padre Antonio Pereira, considera o fato que os índios
Tenetehara ou Guajajara da região do Pindaré, indignados com a política das
missões, dispensaram a negociação comercial com portugueses. A conseqüência
desta atitude foi a escravização dos nativos por parte dos portugueses. Ainda se tem
notícia da Aldeia dos Guajajara, no Lago Maracu, erigida sob a responsabilidade do
padre Pedro de Pedrosa. Segundo Leite (1943), esta Aldeia foi denominada “Aldeia
de Nossa Senhora da Conceição”. Na visão deste autor além dos 404 índios, nessa
Aldeia se efetivava a criação de gado vacum e gado cavalar.
Na primeira metade do culo XVIII, isto é, em 1723, tem-se notícia que os
jesuítas instituíram outra missão no Rio Pindaré com o nome de Aldeia S. Francisco
Xavier, próxima ao Porto do Caru. É Leite (1943), que informa a respeito dessa nova
missão, pois segundo sua visão, ela foi formada pelos Guajajara que seguiram o
descimento dirigido pelo padre Luiz de Oliveira.
É deveras diversificada e intensa a sucessão de investidas dos missionários
de Jesus com o fim de recolher em aldeias os Guajajara do Pindaré. Os Tenetehara
21
Política implementada no período colonial que objetivava assegurar os transportes, para os aldeamentos ou
para o litoral, dos indígenas que eram capturados para em seguida serem escravizados.
72
experimentaram o jugo e a força da submissão e da dependência nesses
aldeamentos. Foram intensos e longos anos de exercício do trabalho escravo. Com
isso, esses povos viveram uma profunda história de perseguição, humilhação e
morte.
A atuação prática e ideológica dos jesuítas atrelada aos interesses
econômicos da ordem teria provocado um menor controle dos indígenas por parte
da colônia. Com isso, gradativamente os aldeamentos foram garantindo relativa
autonomia econômica e se desvencilhando da monitoração da colônia. Assim, os
jesuítas foram assumindo, controlando a região e usando estratégias que evitassem
a escravização dos indígenas por parte dos colonos.
A independência econômica, associada à tutela dos índios é contemplada no
“Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará”, de 01/12/1686.
Essas atitudes de proteção ao nativo o o estopim para desencadear o grande
conflito com a Igreja, pois a administração colonial entra em choque com a
administração das aldeias. Desse conflito surgem outros, dentre eles a conhecida
revolta de Beckman na cidade de São Luis.
Nesses termos, em junho de 1755 os índios são declarados “livres” (LIMA,
1981, p. 115) com isso, desobrigados do jugo da escravidão. No entanto, algumas
mudanças vêm acontecer somente a partir da retirada do poder temporal das mãos
dos jesuítas, naquele mesmo ano, e com o célebre “Diretório das Povoações dos
Índios do Pará e Maranhão” de 03 de maio de 1757, idealizado por Francisco Xavier
de Mendonça Furtado que era irmão do Marquês de Pombal.
Dentre as diversas estratégias contempladas no Diretório estava o uso da
educação para tornar o indígena em um “português”. Com isso, deveriam ser
proibidas as línguas nativas. Nesse documento também estavam fixadas as
orientações sobre a política agrícola, fiscal e comercial, a forma como deveria ser a
organização administrativa em que pessoas da sociedade civil seriam os
responsáveis, a forma de remunerar a mão-de-obra que seria através de salários,
além de, no Diretório, aparecer em forma de norma diversos tópicos sobre como
deveria ser a organização das aldeias (BEOZZO, 1983).
73
Nesse panorama, merece uma atenção especial a retirada do poder temporal
das os dos jesuítas seguida de sua expulsão. Como vimos, foram várias as
expulsões dos jesuítas e os motivos foram sempre os mesmos: a acusação de
serem ricos demais; suas constantes e acirradas lutas, tanto com os colonos quanto
com os governantes a partir da redução e escravização dos indígenas.
Ao descrever e analisar a história e a vida dos Tenetehara, Wagley e Galvão
(1955) chamam a atenção para a relação conflituosa vivenciada pelos jesuítas a
partir de sua presença e ingerência diretamente no meio desses povos. Estava em
causa um rolo compressor de interesse do governo, dos colonos e dos jesuítas. A
corrida para explorar a terra e dominar as riquezas nela existentes, embora
entremeada a outras razões, tornou-se o alvo central de todas as facções e
disputas. Nessa perspectiva o uso de quaisquer meios era justificável. Dessa forma,
os autores argumentam que,
o conflito que surgiu entre jesuítas e colonos só veio a termo em 1759, com
a expulsão da Ordem. Os colonos que precisavam de escravos acusavam o
jesuítas de segregar os índios nos aldeamentos, impedindo a sua
participação na economia colonial, além de explorá-los em benefício
exclusivo da Ordem. Sob o pretexto de eliminar índios aguerridos, os
colonos atacavam tribos aldeadas como aquelas consideradas hostis
(WAGLEY E GALVÃO,1955, p. 22).
Foram séculos de perseguição a que os Guajajara foram submetidos. Em
várias das investidas desencadeadas pelos colonizadores, muitos foram dizimados.
Os colonizadores incursionavam através dos vales dos mais importantes rios do
Maranhão em busca de riquezas, minas, dentre os quais estava o Pindaré cujas
margens e redondezas eram povoadas pelos Guajajara.
Entretanto, sabe-se que nem todos os grupos indígenas foram extintos em
conseqüência desses choques armados e das epidemias. Como pode ser
constatado, alguns povos conseguiram sobreviver, entre esses os Tenetehara que
no Pindaré são conhecidos como Guajajara e constituem o maior grupo indígena do
Estado.
As fontes revelam que após a expulsão dos jesuítas do Maranhão e com isso
da região do Pindaré, surge um novo cenário para a vida dos Guajajara. Na
74
condição de “livres” recomeçam sua vida baseada na economia de subsistência
como era sua tradição, além de se reorganizarem social, política e culturalmente
conforme seus próprios princípios. No entanto, as diretrizes e táticas dos
colonizadores continuaram existindo. Segundo Zannoni, eles
(...) tornaram-se livres do jugo dos jesuítas. Porém, não significou que eles
estivessem livres dos descimentos, que continuavam permitidos para os
índios ‘não pacificados’, através das ‘guerras justas’. Soma-se, ainda a
introdução de mão-de-obra escrava vinda da África através da Companhia
Geral do Grão-Pará e Maranhão, a qual direcionava o trabalho para uma
nova relação de produção: o trabalho compulsório dos africanos (ZANNONI,
1999, p. 44).
A relativa “liberdade” que os Guajajara, gozaram, naquele momento, os
moveu a adentrarem novamente o seu habitat, a mata. Tudo leva a crer que essa
atitude tem seus motivos no desejo desses povos se esquivarem das investidas dos
detentores do poder, à época. Zannoni (1999), mais uma vez, informa que desde
esse momento até os primórdios do século XIX há um silêncio na literatura existente
a respeito desses povos da região do Pindaré. É sabido, porém que eles se
expandiram sertão adentro nas áreas do Maranhão.
O quadro anterior revela que as leis pombalinas de 1755 contribuíram para
“suavizar” a perseguição aos índios. Por outro lado, a partir dessas leis, emergiu um
conjunto de procedimentos com o objetivo de incorporar os índios aos moldes da
sociedade vigente à época, incentivando a sua produção e os incitando à
miscigenação.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759 e a criação do Estado do Maranhão e
Grão-Pará, várias colônias e diretorias foram implementadas por todo o percurso
dos rios Pindaré, Grajaú e Mearim. Essa nova política visava, por parte do governo,
abrir aldeamentos das missões para usufruir da mão-de-obra indígena. Para
Zannoni (1999),
em nível político institucional, a política indigenista do governo provincial
passa a criar um sistema de controle leigo das aldeias, com a criação de
Colônias Indígenas
22
e Diretorias Parciais. Isto permitia exercer um poder
22
Segundo explicação “a instituição de Colônias representava, acima de tudo, um instrumento de dominação
coercitiva, sempre pronto a ser acionado contra índios, seja para garantir a ocupação de seus territórios ou para
75
coercitivo nas aldeias, tendo em vista a inserção sempre maior dos índios
na economia nacional (ZANNONI, 1999, p. 28).
A história mostrou que a “liberdade dos índios, posta nos termos da lei,
caminhou aquém da liberdade de fato. No período do Império, no início do culo
XIX, existiu um contexto em que as autoridades coloniais continuaram, em outros
moldes, a controlar e a disciplinar os índios do Maranhão. Nesse sentido, vários
decretos foram firmados, inclusive aqueles que reafirmavam a proibição da
escravatura indígena.
É de se esperar que os conflitos entre os índios e os colonizadores
continuaram ou se intensificaram ao longo do império, pois, “desde que foi posto em
execução o regime de diretórios, em 1755, começaram os abusos praticados contra
os índios por parte daqueles que eram nomeados diretores” (COELHO, 1990, p. 84).
Nesse Regime de Diretórios estão contidas as leis pombalinas. Embora com o
decorrer dos anos, isto é, em 1798 esse regime tenha sido revogado, os índios
continuaram sob a monitoração e o domínio do poder colonial e provincial. Nesse
contexto de jugo e de leis impostas, a revolta dos índios só se reforçou e ganhou um
caráter mais intenso (idem, ibidem).
2.2.1 A sedução pelas Colônias
23
- um projeto de “civilização pacífica”
Frente aos constantes conflitos, os índios se vendo cada vez mais
ameaçados, não deixaram de resistir. O governo provincial, por sua vez, temendo
perder a mão-de-obra indígena, empreende diversas ações com o objetivo de
atenuar esses conflitos. A respeito, “em sessão ordinária do Conselho de Governo
de 02 de julho de 1830, o conselho reconhece que o único meio eficaz de acabar
reprimir qualquer resistência à vontade autocrática de Diretores de Índios, missionários ou proprietários de
terras” (MOREIRA NETO, apud ZANNONI, 1999, p. 28).
23
Segundo Zannoni, no período Provincial, de meados do século XIX até 1889, foram criadas no Maranhão sete
Colônias Indígenas, e vinte e cinco Diretorias Parciais. As Colônias indígenas destinadas a atração dos Guajajara
forma cinco: Januária e São Pedro, situadas na região do Pindaré; Aratauhi-Grande e Palmeira Torta, na região
do rio Grajaú e Dous Braços, no rio Mearim (ZANNONI, 1999, p. 30).
76
com as correrias e assaltos dos selvagens é civilizá-los e chamá-los ao governo da
Igreja Católica Apostólica Romana” (ATA, apud, COELHO, 1990, p. 92).
Em se tratando dos Guajajara, o governo provincial os concebe como “os
mais dotados para a vida social, com felizes disposições para o trabalho, como
tendo as mais felizes condições para receberem a civilização” (MACHADO, E. O,
1855, pp. 56-59). Portanto, era necessário desenvolver algo de que os governantes
tirassem proveito com esses povos. A alegação se sustentava numa proposta de
“civilização pacífica”. Na verdade as novas estratégias do governo provincial se
constituíam em nova forma de destruição dos povos Guajajara da província e
principalmente da região do Pindaré. As missões e as Colônias se apresentaram,
mais uma vez, como uma possibilidade de novo aprisionamento, porém com a
dissimulação de proteção aos índios.
Como se pode notar, trata-se de um novo contexto marcado de um lado pela
opressão e de outro pela resistência, onde o trabalho e a mão-de-obra indígena se
tornam fundamentais para o enriquecimento do governo provincial. Ao se referir ao
célebre Regimento das Missões, Perdigão Malheiro (1976), deixa claro que por meio
deste instrumento formal o governo empregou meios para, de fato, continuar
perseguindo e tirando proveito da mão-de-obra dos indígenas. O autor hauriu do
documento o seguinte pensamento:
Os diretores cuidam principalmente em tirar dos índios o maior proveito
possível, não em bens dos mesmos índios, das aldeias e do país, mas em
seu próprio; pouco ou nada se importam com o bem estar desses infelizes,
seu desenvolvimento, civilização e progresso, enlevam-se nas honras
militares que lhes dá a graduação conferida pelo citado Regimento, em
discutir se devem ter o tratamento de Senhoria ou Excelência, e em outras
futilidades semelhantes (MALHEIRO, 1976, p. 244).
Note-se também que o contexto da sociedade à época, permite que,
“somente em 1839 a idéia suscitada do estabelecimento de um plano de
civilização ganhe corpo. No governo de Manoel Felizardo de Sousa e Mello, através
da lei 85 de 2 de julho é regulada a criação e administração das missões” (O.
FLOBO apud COELHO, 1990, p. 92).
77
Dentre as cláusulas constantes da referida lei, a respeito dos procedimentos
que deveriam ser observados nessas missões, estavam: “Serem assentadas
somente em terras propícias à lavoura e nas vizinhanças dos rios; não tão distantes
de campos para a criação; e somente os indígenas teriam acesso ao cultivo. Os
limites dessas terras seriam estabelecidos pelo presidente da Província”. Ademais,
em cada missão deveria ser construída uma igreja, um cemitério e uma ou
mais oficinas [...]. Ficou estabelecido também que em cada missão haveria
um missionário incumbido das seguintes funções: Catequese e direção
espiritual [...]; inspirar nos catecúmenos o amor ao trabalho e à vida social
[...]; admoestá-los a cumprir os novos deveres [...]; ensinar a língua vulgar e
as primeiras letras aos filhos dos catecúmenos. A missão teria também um
diretor, ao qual competiria: prover os meios de subsistência entre os
indígenas, ensinando-os a lavrar a terra à maneira do paiz e a criar animais
domésticos para o consumo das missões; distribuir pelos chefes de famílias
os instrumentos aratórios, animais, domésticos, alimentos [...]; compor as
desavenças que se suscitarem entre os indígenas; vigiar os artífices no
ensino dos offícios mecânicos aos índios; evitar que se introduza nas
missões qualquer estranho [...]; empregar meios coercitivos para corrigir os
dirigidos depois de esgotados os meios brandos [...]; Os meios coercitivos
poderiam variar na seguinte escala: repreensão, privação de objetos
agradáveis, prisão por um a três dias, expulsão temporária ou perpétua do
território das missões, emprego da força; Informar anualmente ao
presidente da Província do estado das missões e prestar contas da sua
administração (COELHO, 1990, pp. 92-94).
Percebe-se a intenção posta, sutil ou “declarada”, subjacente na lei: apaziguar
os povos indígenas, separá-los com o objetivo de isolá-los e, na medida do possível,
evitar contato com quem poderia ser uma ameaça ao governo Provincial. Em suma,
exercer sobre os indígenas o máximo de controle. Para Coelho (1999),
a ideologia que inspirou o conteúdo dessa lei é etnocêntrica, pois ignora
que os indígenas tivessem qualquer forma de vida social, comparando-os a
animais irracionais, e submetendo-os ao aprendizado do que os
colonizadores entendiam como vida social, que não era outra senão a dos
próprios colonizadores (COELHO, 1999 p. 94).
A autora em suas análises afirma, a respeito dessa ideologia, que se trata
também de uma ação “etnocida no intento de destruir as sociedades indígenas
sobre as quais tinham jurisdição, incutindo-lhes outra língua, outros hábitos e outras
crenças, totalmente alienígenas” (idem, ibidem).
A explosão da Balaiada no Maranhão (1838-1841) permite admitir que a
estratégia das fundações das Colônias, em princípio, contém também o temor de
78
que os índios se juntassem aos negros em plena guerra, uma vez que isto teria
alcance muito desastroso para o governo Provincial, pois, se tratava de reunião de
forças que somariam um contingente bastante expressivo no combate. O momento
era de recolher e isolar os indígenas principalmente aqueles da região do Pindaré.
A lei referente às Colônias dava direito à fundação de três Colônias nos Vales
dos rios Mearim e Grajaú. Vale ressaltar que, embora sancionada, a lei veio a se
concretizar um ano depois e como local foi escolhido outro rio o Pindaré. Dessa
forma, entrou em vigor por meio do sucessor do presidente da Província que a
sancionou, trata-se do,
Coronel Luís Alves de Lima, futuramente, Barão, Conde, Marquês e Duque
de Caxias [...] criando de acordo com o parágrafo 1º, título da lei 80,
de 16 de junho de 1840, a primeira missão no rio Pindaré, com o nome de
Colônia São Pedro de Alcântara (VIVEIROS, 1954, p. 10).
2.2.2 A Colônia São Pedro do Pindaré
24
Assim, à margem direita do rio Pindaré, com a frente para o sul, seis léguas
acima da Vila de Monção, no ano de 1840 instalou-se a devida Colônia, em terras
compradas ao Cirurgião Manoel Lopes de Magalhães por dois contos de réis. Seu
fundador foi “o Tenente-Coronel do Imperial Corpo de Engenheiros Fernando Luís
Ferreira” (MARQUES, 1970, p. 206). Esse autor, em seus estudos reforça o cenário
fértil, piscoso e propício à caça da região.
O principal objetivo dessa Colônia era
facilitar a navegação do Pindaré que os selvagens tornaram arriscadíssima
pela desabrida guerra que faziam às tripulações dos barcos que nele
navegavão, como também com o intuito de melhorar a segurança da vida e
propriedade dos fazendeiros estabelecidos nas margens do dito rio, e
mesmo para dar novo impulso à civilização dos índios (COELHO, 1990,
p.146).
24
A Colônia São Pedro do Pindaré, uma das maiores do Maranhão, fundada em 1840 [...] atendia os índios
Guajajara. [...] Os relatórios de 1857, 1858, 1867, 1871 e 1880 falam dela. No entanto, no relatório de 1886
não aparece mais entre as colônias, tendo sido extinta (ZANNONI, 1999, p. 31).
79
Em 1840, à época da criação da Colônia São Pedro do Pindaré, no lugar onde
antes já era a aldeia Guajajara, as intenções eram evidentes:
Catequizar os índios, civilizá-los e inseri-los no sistema econômico da
Província a fim de convencê-los a liberar suas terras de forma que, com os
índios dominados e controlados, se tornaria possível a navegação do rio
Pindaré, infestado pelos Guajajara e de outros povos, e se garantiria a
segurança para os fazendeiros e a prosperidade para seus
empreendimentos econômicos (UBBIALI, 1998, p. 58).
Esta Colônia, em sua fundação, contou com um contingente populacional de
150 índios Guajajara. Apesar de ser bem planejada, a Colônia teve sua vida curta.
Como mostra Marques, logo em 1849, isto é, nove anos após sua instalação podia
se contar apenas “120 índios e em 1861 somente 58 índios maiores de ambos os
sexos e 18 menores e em 1870 unicamente 44” (MARQUES, 1970, p. 206). Há,
portanto, um processo acelerado de redução quantitativa, física e cultural da
população Guajajara que mantinha a Colônia São Pedro.
A Colônia São Pedro do Pindaré passou assim, por um frágil período de
apogeu passando por um profundo declínio até sua extinção total. evidências de
que o governo provincial admitia e valorizava os benefícios trazidos pela fundação e
manutenção dessas colônias, de modo especial da Colônia São Pedro, uma das
maiores. Dentre esses ganhos está a redução dos ataques dos indígenas, tanto nas
fazendas como nos povoados. No tocante à sua decadência, encontramos a
alegação de que um dos principais fatores responsáveis para tal situação foi a
administração empreendida por Diretorias nomeadas pelo presidente da Província
25
,
que não conseguiram ser fiéis aos planos do governo da Província.
registros, porém de que, por volta do ano 1856, essa Colônia, além de
produzir para suprir suas próprias necessidades e entregar para o Governo
provincial o que era previsto em lei, chegou até a abastecer com sua produção a
Colônia Januária. Logo após este ano segue-se uma série de fracassos que levam à
25
O primeiro diretor dessa colônia foi o Pe. Antonio Bento da Costa Curtinhas, que governou até 1842, quando
foi demitido. De acordo com o diretor de colonização, enquanto a colônia esteve sob a administração do Pe.
Curtinhas, prosperou, chegando sua população a cerca de 200 pessoas. Após isso a colônia entrou em
decadência, ao ponto de em 1859 sua população estar reduzida a 83 pessoas. As razões da derrocada da colônia
eram vistas na inaptidão dos diretores para administrá-la (Coelho, 1190:146).
80
sua destruição total. A esse respeito, vale lembrar o que Viveiros descreve ao
apontar o que o jornal “O País” publica em 1878:
A Colônia São Pedro não tem mais de 16 a 20 índios, que mal produzem
alguma farinha para si e o diretor. Suas roças mal ocupam 200 braças
quadradas. Dali não se viu sair um índio que se possa considera capaz
de reerguer-se por si próprio. São como os que habitam ns florestas. A
única obra que existe [...] é uma pequena casa de mau gosto na
arquitetura e mal acabada, onde mora o diretor. Foi seu autor o celebérrimo
frei Peregrino do Pézaro, de eterna memória. [...] Em 1881, Felipe Tiago
dos Santos Cordeiro, na qualidade de encarregado da Colônia São Pedro,
comunicava ao Diretor geral dos índios, e este ao Presidente da Província,
terem os indígenas abandonado o estabelecimento. Estava morto o núcleo
de civilização fundado pelo Duque de Caxias (VIVEIROS, 1954, p. 13).
Os projetos foram sempre muito diferentes, por um lado os idealizadores das
colônias, por outro os povos indígenas. Estes, sempre resistiram e buscaram formas
para burlar os esquemas dos detentores do poder, tanto Colonial quanto Provincial.
A mata sempre foi seu refúgio e nela tentavam se recriar, se conceber como povo e
sustentar seu universo cultural.
Coelho assegura em suas pesquisas que “em 1880, o presidente tomou
conhecimento através de ofício do diretor geral dos índios, de que os índios da
colônia Pindaré haviam fugido” (COELHO, 1990, p. 151).
No decorrer desse século várias Diretorias foram criadas com os mesmos
objetivos citados. À medida que foram sendo criadas mais diretorias, mais
conflitos foram surgindo pela resistência dos Guajajara, principalmente do Pindaré.
Os Guajajara do Pindaré sempre resistiram, adotaram táticas de
sobrevivência e alimentaram o sonho de retomar sua vida, sua cultura, seu espaço,
seu universo, sua compreensão de mundo.
2.2.3 Os Guajajaras do Pindaré na contemporaneidade
Com mais de trezentos anos de contato com os brancos, com um perfil
histórico caracterizado por rejeições, aproximações, resistências e sendo um dos
povos indígenas mais numerosos do Brasil, os Guajajara ocupam hoje onze terras
81
Indígenas, todas situadas na Amazônia oriental, do lado do Maranhão.
Historicamente o médio Pindaré foi o seu habitat mais antigo.
Os Guajajara estão distribuídos nas seguintes áreas dentro do Estado
26
:
Área
Município
Povos
Superfície
Homologação
População
Caru Bom Jardim Guajajara/Guajá 172.667,00 ha Dec 87.843 de
22/11/82
225
Rio Pindaré
Bom Jardim
Guajajara
15.003,00 ha
Dec 87.846 de
22/11/82
535
Araribóia Amarante Guajajara/Guajá 413.288,00 ha Dec 98.852 de
22/01/90
4.100
Bacurizinho Grajaú Guajajara 82.432,00 ha Dec 88.600 de
09/09/83
1.650
Morro Branco Grajaú Guajajara 49,00 ha Dec 88.610 de
09/08/83
72
Canabrava Barra do
Corda, Grajaú
Guajajara 137.329,00 ha Dec 246 de
29/10/91
3.805
Lagoa
Comprida
Grajaú Guajajara 13.198,00 ha Dec 313 de
29/10/91
252
Urucu/Juruá Grajaú Guajajara 12.697,00 ha Dec 382 de
26/12/91
448
Rodeador Barra do
Corda
Guajajara 2.319,00 ha Dec 88.813 de
04/10/83
83
TOTAL
11
.170
Dentre os vários conflitos enfrentados pela população Guajajara do Pindaré
atualmente, encontram-se o preconceito de moradores de regiões circunvizinhas
que os impede de reconhecerem os limites de suas terras; as constantes epidemias
que ainda causam mortes por doenças consideradas erradicadas; a posição de
algumas lideranças Guajajara cooptadas por órgãos institucionais que acabam
exercendo a mesma prática de favoritismo e “benefícios” pessoais, em suma, a
mesma postura da política indigenista sustentada por diversas instituições que, em
26
Fonte: http://socioambiental.org/pib/epi/guajajar/loc.shtm
e FUNAI, Diretoria de Assuntos Fundiários –
Departamento de Identificação de delimitação (DID) – Relatório Geral – Brasil. Brasília, 2005
82
princípio, objetivam serem órgãos de intermediação a favorecer um processo de
inclusão social dos povos indígenas de um modo geral.
E ainda, não obstante, no setor da educação não se percebe avanços, como
a exigência da escola bilíngüe, que é assumida apenas em parte. Faltam também
muitas escolas e profissionais de qualidade.
Para além dos conflitos internos e externos que esses povos enfrentaram ao
longo dos séculos, de modo especial atualmente, as lutas empreendidas para se
conservaram vivendo segundo os modos de sua cultura, ainda perduram em seus
meios traços significativos de sua forma tradicional de existir e de compreensão de
mundo.
Conservando-se ainda unidos pela mesma língua e tradições, os Guajajara do
Pindaré apresentam-se, desde os primórdios até nossos dias, com relativa força de
organização político-social. Como podemos verificar, no tempo da colonização,
viveram sob o jugo da escravidão pelos colonos nas fazendas e reunidos em aldeias
assistidas pelos jesuítas. Após a expulsão desses religiosos, gozaram de certa
“liberdade”. Porém, no período do Império foram obrigados a se recolher em
Colônias assistidas por nova leva de outros religiosos.
Com o fracasso dessas Colônias, os Guajarara saíram de um estado de
aparente inação, retomaram sua força de resistência e capacidade de organização
sócio-político-cultural. Com isso, reafirmaram a base de sua organização social na
família extensa
27
; reestruturaram sua vida em Aldeias, em geral próximas a rios ou
igarapés, empreenderam toda uma luta pela retomada e posse de suas terras.
Atualmente, suas casas são alinhadas em filas formando não mais que duas
ruas. Suas aldeias continuam ainda relativamente pequenas, mas algumas chegam
27
Segundo Wagley & Galvão, a família extensa para o Guajajara é baseada no controle de um homem sobre um
número de “filhas” (suas próprias filhas e as filhas dos irmãos). Em essência, a família extensa Tenetehara é um
grupo de mulheres relacionadas por parentesco, sob a liderança de um homem (WAGLEY &GALVÃO, 1955, p.
39).
83
a comportar até aproximadamente 400 habitantes. Ao contrário do passado, suas
aldeias hoje têm caráter mais permanente.
Os Guajajara estabelecem uma relação de parentesco muito estreita. Visitam-
se entre si, considerando principalmente as aldeias próximas. Tanto no casamento
como nas mudanças de uma aldeia para outra, a escolha é feita tendo por base a
organização de parentesco. Nesse sentido, nos primeiros anos os recém-casados
moram com os pais da mulher. Em seu depoimento a coordenadora do CIMI,
professora Rosimeire afirma:
A organização social dos Guajajara é baseada na família extensa, que é
composta por um grupo de famílias nucleares unidas entre si por laços de
parentesco. Apesar do longo tempo de contato com a sociedade regional,
têm encontrado em sua cultura formas dinâmicas para se adaptar à
realidade. Suas aldeias têm a forma de caminhos com ruas paralelas ou
casas “jogadas” sem obedecer aparentemente uma organização.
Localizam-se sempre próximas a rios ou lagoas. Atualmente são fixas,
podendo ter sido construídas por uma única família ou por várias famílias.
As casas são de taipa ou de alvenaria (devido a financiamento da CVRD
Companhia do Vale do Rio Doce). As aldeias têm independência uma das
outras. Essa independência é mediada por relações de parentesco e rituais
que existem entre aldeias diferentes, mas próximas. Cada aldeia tem seu
cacique, mas existem algumas onde mais de uma liderança por causa
de rivalidades entre famílias extensas. Os critérios para escolha das
lideranças são qualidades individuais (oratória, etc), consangüinidade,
afinidade e conhecimento do português e talento diplomático - essas duas
últimas para saber lidar com o mundo dos brancos (Entrevista realizada em
11.09.2006).
Circula ainda o sistema de troca de produtos materiais e de dinheiro na
relação entre os Guajajara e os brancos das proximidades, e com aqueles que por lá
aparecem, vez por outra. Em algumas aldeias os índios “negociam” com pessoas de
fora da aldeia, recebem fumo, cachaça, perfume, móveis, eletrodomésticos, roupas,
celulares, aparelhos de tecnologia moderna, enfim tudo o que para eles não é
acessível. Por outro lado, como “pagamento”, os índios permitem que os de fora da
aldeia entrem na mata, explorem a floresta, devastem os rios, explorem a terra,
utilizem métodos modernos e agressivos no uso da terra e seus derivados. Em
decorrência dessa comercialização, aumenta a destruição das riquezas naturais das
áreas dos indígenas.
Também entre os Guajajara, em geral, cada aldeia dispõe de um chefe que
goza de prestígio tanto econômico quanto político. O “capitão”, antes apontado pelo
84
SPI
28
e atualmente determinado pela FUNAI
28
, tem uma função política,
diferentemente de quando esta função era associada, no passado, ao chefe de
guerra, e é exercida por aquele que entremeia as relações entre os índios e os
brancos. O chefe é alguém escolhido do sexo masculino e via-de-regra é dotado de
qualidades pessoais. Trata-se de pessoas que por sua presença e cargo impõem e
suscitam determinado respeito, tanto entre seu povo indígena quanto no meio dos
brancos com os quais se mantêm em contato. No entanto, atualmente esses
critérios para a chefia têm enfraquecido sempre mais na aldeia.
É preciso enfatizar, porém, que se existe algo entre os Guajajara,
intrinsecamente ligado à cultura é o trabalho, pois Maíra
29
é quem orienta o viver, o
trabalhar, a relação com a caça e a pesca. Nesse sentido uma correspondência
íntima entre o trabalho e o universo espiritual. Todo o fazer Guajajara em torno da
natureza exige o ato de “pedir permissão”, do contrário pode acarretar males para a
pessoa, para o grupo familiar e até para toda a aldeia. Esses afazeres do cotidiano
Guajarara do Pindaré compõem a planta, a caça, a pesca, a medicina. Em suma,
para que possa viver bem e em paz, o Guajajara se orienta pelo sobrenatural. Isso
mostra as marcas diretivas da influencia religiosa para todos os seus afazeres do
cotidiano.
Ademais, como nos primórdios da colonização, a economia dos Guajajara
continua tendo suas bases nos princípios da economia de subsistência. Em
entrevista à coordenadora do CIMI no Maranhão, a professora Rosimeire afirma que,
uma das principais atividades de subsistência dos Guajajara atualmente é a
lavoura onde plantam mandioca, macaxeira, arroz, abóbora, feijão, etc.
Praticam também a pescaria principalmente para consumo familiar e
esporadicamente para venda. É possível encontrar um ou outro indígena
vendendo peixe logo depois da ponte do rio Pindaré, sentido Santa Inês-
Bom Jardim. Praticam também a coleta, mas devido ao processo de
28
Fundação Nacional do Índio - órgão do governo Federal fundado em 1967 em substituição ao SPI, para cuidar
da política indigenista oficial (ZANNONI, 1999, p. 19).
29
MA’ÍRA é o mais importante dos heróis culturais. Por ele os Tenentehara explicam o mito da criação do
homem, da mulher, da natureza, dos seres. Ubbiali explica que pelas suas façanhas, Ma’ira foi o maior pajé e o
maior guerreiro da terra, pois ele possuía poderes imensuráveis, criando e dominando os homens e a natureza.
Ma’ira ainda hoje representa, talvez no nível de inconsciente, um certo ideal para ao Tenetehara cuja maior
aspiração é transferir os poderes dele para o seu próprio domínio (UBBIALI, 1998, p. 3)
85
destruição que sofreu o seu território essa atividade diminuiu com o passar
do tempo (Entrevista realizada em 12/02/2007).
Quanto à divisão do trabalho, as leis que demarcavam anteriormente esta
divisão, entre os Guajajara, eram bem mais rigorosas e observadas à risca. Embora
continue ainda bem demarcado o lugar do homem e o da mulher, entre eles, mais
recentemente, percebe-se a existência de certa flexibilidade. Dessa forma, tanto
para os papéis masculinos quanto para os femininos, as funções continuam sendo
bastante definidas.
A divisão das tarefas é realizada com um sentido de complementaridade. É
nessa perspectiva que Zannoni (1999) constata como tarefas reservadas ao homem
e à mulher Guajajara, que em geral, está ligada ao uso ou ao preparo de produtos
da roça ou da caça.
MULHER
HOMEM
. É a primeira que desperta pela manhã;
. Prepara o ‘desjejum’ ou o chibé;
. Dedica-
se ao artesanato, enquanto a comida
está cozinhando;
. Realiza o plantio na roça (após ser limpa
pelo marido);
. Planta macaxeira, amen
doim, mandiocaba,
gergelim, inhame, cará, batata, fava,
abóbora, melancia, jerimum, croá, algodão;
. Tem a obrigação de ir à roça todos os dias;
. Na roça, arranca a mandioca, põe-na de
molho para pubar, prepara a massa para fazer
a farinha, capina o mato, colhe algumas
batatas ou abóboras;
. Cuida das caças pequenas;
. Cuida da distribuição da carne;
. Recebe o homem à entrada da casa (quando
retorna do mato);
. Cuidas dos trabalhos domésticos (cozinhar,
lavar, varrer a casa e o terreiro);
. Colhe as frutas silvestres;
. Recolhe os peixes no cesto (no ato da
pesca);
. Pesca com anzol;
. Trabalha com algodão e sementes: faz a
rede, capacete, bracelete, colar, saiote.
. Levanta mais tarde e providencia a lenha;
. Pisar arroz, por ter função de troca, que é
função masculina;
. Cuida dos serviços mais pesados da roça: o
broque, a derrubada, a queima, o aceramento,
a atividade da coivara;
. Planta o arroz, o feijão, o milho e mandioca;
. Preocupa-se com a caça; trata a caça
grande - veado, caitetu, porco queixada, anta,
guariba – tira a pele e as entranhas;
. Providenciar a lenha;
. Construir a casa (embora sendo um bem de
propriedade da mulher);
. Faz os trabalhos da roça que exigem mais
força física (depois entrega a roça à mulher);
.Traz os produtos da roça (na maioria,
colhidos pela mulher) para casa;
. Colhe os produtos de troca a serem
vendidos na cidade;
. Tirar o mel;
. Pesca – quando com asfixiante (timbó);
. No artesanato o homem trabalha com palha,
talas de guarumã e madeira.
. Confeciona o tapiti, balaio, tupé, peneira
para bacaba e juara, urupema para peneirar
mandioca, quibano, cestos, esteiras, cofos,
arco, flecha, badogue, maracá, apito, buzina e
pife (taquara ou taboca).
86
Algumas tarefas são praticadas tanto pelo homem quanto pela mulher, como
por exemplo, na roça devem cuidar da limpeza da área após o plantio, carregar
água, cuidar da coleta (dependendo do produto); na pesca (dependendo o tipo da
pesca); confeccionar artesanato (dependendo do tipo de material usado) (ZANNONI,
1999).
Com relação aos jovens e as crianças, Zannoni (1999) menciona apenas que,
levantam-se mais tarde, nessa ordem: primeiro as meninas e depois os
meninos. Pela manhã, após acender o fogo, é comum, especialmente nos
dias de frio (de junho a setembro), ver crianças de cócoras ao redor do fogo
procurando aquecer-se. É também uma maneira para os pais e os filhos
conversarem sobre alguns trabalhos do dia que começa (ZANNONI, 1999,
p. 101).
No plano da economia, os interesses de comercialização terminaram por
fazer com o que o homem na sociedade Guajajara exerça atividades que lhe
conferem vantagem e status econômico. Isto se deve ao fato de ser o homem quem
comercializa o produto, é ele quem conversa com ‘o de fora’ de sua sociedade.
Portanto, ao negociar, o homem passa a ter dinheiro em suas mãos. Esta atitude de
posse econômica, por sua vez, gera lugar de poder também na sociedade
Guajajara.
Contrariando essa situação, contemporânea, Wagley e Galvão (1955), nos
passam uma outra imagem:
Não existem indivíduos que vivam do trabalho de outros indivíduos: todos
os homens adultos trabalham para conseguir o sustento básico. Os pajés
apesar de receberem presentes pelas curas, plantam roças e trabalham
como qualquer outro indivíduo. O ‘capitão’ de uma aldeia ou líder de uma
família extensa despende nas roças o mesmo esforço que os outros que
com ele cooperam. As jovens desde muito cedo, são compelidas a
participar ativamente dos afazeres domésticos. Nenhum trabalho
sistemático, porém, é solicitado dos rapazes até que passem o período de
iniciação e, muitas vezes, até casarem. [...] Somente após a puberdade
para que seja admitido pelo casamento a um grupo familiar é que o jovem
tem de provar ser um bom trabalhador. [...] A mulher considerada
preguiçosa é desprestigiada pelas companheiras do mesmo grupo familiar e
dificilmente encontrará um marido. O homem que não planta roça é
considerado um preguiçoso [...] (WAGLEY E GALVÃO,1955, p. 59).
Embora seja possível perceber traços similares de códigos de
comportamento, presentes até hoje na sociedade Guajajara, podemos constatar que
87
atualmente existem transformações que em muito se distanciam da vida e das
relações sociais dos Guajajara de antigamente.
O conceito de propriedade e de território, entre os Guajajara, é muito diverso
dos conceitos do mundo ocidental e contemporâneo. Literalmente, propriedade para
eles significa o espaço em que a aldeia está situada. A propriedade particular é o
espaço da roça e somente enquanto estão em uso desta terra. Depois que não
cultivam mais nessa roça, fica à disposição e pode ser utilizada por qualquer outra
pessoa.
A casa e o que é colhido na roça, rigorosamente e em qualquer situação, é
propriedade da mulher. Os utensílios, os animais domésticos geralmente o
distribuídos de acordo com as funções do homem e/ou da mulher.
Somando-se a esses elementos encontramos o universo espiritual Guajajara,
Eles, em sua visão de mundo,
[...] se referem aos sobrenaturais pela designação genérica de karowara,
porém os distinguem em pelo menos quatro categorias: criadores ou heróis
culturais, a quem atribuem a criação e transformação do mundo; os donos
da floresta e das águas e dos rios; os azang, espíritos errantes dos mortos;
espírito de animais. Os heróis culturais são sobrenaturais, porém não no
sentido de divindade que seja necessário propiciar e reverenciar – são
criadores cujos feitos lendários explicam a origem das coisas e do homem.
Na mitologia o descritos como homens dotados de imenso poder
sobrenatural. Viveram algum tempo na terra, que abandonaram pela
residência eterna na ‘aldeia dos sobrenaturais’ (Karowaranekwahowo). Os
heróis culturais criaram o homem, deram-lhe o conhecimento das cousas e
trouxeram-lhe os alimentos (UBBIALI, 1998, p. 30).
Assim, a concepção espiritual é transversal à sua cultura e permeia todas as
relações. Para eles o cosmo, a natureza, a pessoa humana, as divindades
superiores foram criados em uma perfeita relação e assim precisam ser tratados.
Para o Guajajara viver em harmonia com essas dimensões da vida é fundamental
para que a vida continue seu percurso natural. Assim, “a caça, a pesca, a
agricultura, o nascimento, a puberdade, a morte, estão relacionados com sua
convivência com a natureza, os sobrenaturais e todos esses momentos acham-se
explicados na relação do indivíduo com o mundo invisível que o envolve” (ZANNONI,
1999, p. 129).
88
Na mitologia Guajajara o ser sobrenatural maior é Ma’ira, que, segundo
acreditam, viajou em busca da ‘terra bonita’ (Iwy porang). Ao encontrar o lugar ideal,
criou o homem e a mulher, depois os ensinou a plantar mandioca e fazer farinha,
trouxe o algodão e ensinou a tecer redes, roubou o fogo dos urubus e ensinou o
homem e a mulher a assar a carne depois foi descansar. Ma’íra é um espelho no
qual os Guajajara buscam se enxergar.
2.2.4 O lugar da festa Guajajara
Para a professora e coordenadora da CIMI, Rosimeire,
o universo mítico e ritual do Guajajara é muito rico. O sobrenatural esta
presente em todos os momentos da vida. O pajé tem um papel muito
importante nesta sociedade. Ele é quem faz o contato direto entre o mundo
real e o mundo espiritual. Tem a função, basicamente, de curar e celebrar
os rituais. Os poderes dos pajés podem ser usados tanto para o bem como
para o mal (o feitiço). Dentre os rituais podemos destacar a Festa do Mel, a
Festa do Milho, o ritual do Moqueado e a “mesada”. O mais freqüentemente
realizado é o ritual da moqueado das meninas, ou seja, a Festa da Menina
Moça, que marca a passagem da infância para a vida adulta (Entrevista
12.12.2006).
Da mesma forma que o trabalho para os Guajajara é algo inerente à sua
cultura, a festa também se torna um elemento cultural. Os rituais festivos marcaram
sua vida ao longo de sua história e continuam marcando e selando seus momentos
mais significativos.
Embora a imposição do mercado e das suas leis esteja, em muito, ditando as
regras entre os Guajajara contemporâneos (que é uma continuidade da colonização,
apenas em outros moldes e com outras categorias), estes povos sabem e têm
consciência que, para além das adversidades, eles existem e precisam manter seus
rituais festivos, como por exemplo, suas celebrações, suas cerimônias. Neles e
através deles se reforçam como povo, memorizam suas lutas e conquistas, mantêm
vivas suas tradições, repassam seus conhecimentos, seus mitos, enfim, através de
suas constantes festas e de seus contínuos rituais se conservam em existência
como grupo.
89
Tanto a língua como a festa, foram fatores de fundamental importância na
preservação, principalmente dos valores e sentidos culturais desses povos, da
mesma forma que estes dois elementos contribuíram de forma decisiva para que os
povos Guajajara do Pindaré continuassem elaborando e reelaborando seu sentido
de pertencimento como povo.
Dentre as diversas e importantes festas que selam os momentos essenciais
na sociedade Guajajara, merece destaque a “Festa do Moqueado”
30
, por sua
significação cultural, decisiva em toda a vida Guajajara, tanto individual como do
grupo.
Trata-se da festa, precedida do ritual que, atualmente, marca a passagem da
puberdade feminina nessa sociedade. Vale ressaltar que os rituais da puberdade
feminina continuam sendo um dos mais vivenciados e alicerçados na cultura desses
povos. Atribui-se essa importância ao fato de que é a moça que exerce um papel
preponderante em toda “a estruturação social, política e econômica da família
extensa entre os Guajajara” (CIMI, 1988, p. 57).
muitos anos, era o chefe da família extensa
31
que organizava a festa para
sua filha. Atualmente juntam-se todas as moças que menstruaram pela primeira vez
naquele ano, bem como especificamente na Área Indígena do Pindaré. O ritual de
iniciação masculina acontece dentro do ritual de apresentação das moças
32
, os
enfeites são diferentes, mas a estrutura é a mesma. Dessa forma, atualmente, quem
convoca para a festa é o cantor da aldeia que reúne as mães e avós das moças,
para planejar o período da festa. Segundo Zannoni (1999) estas mudanças podem
30
Moquear, secar a carne no moquém – grelha de varas – para conservá-la (ZANNONI, 1999, p. 68)
31
Na sociedade Guajajara a família extensa é composta por um número de famílias simples unidas entre si por
laços de parentesco. Esta se constitui pelo casamento realizado entre as filhas do chefe de uma família e
parceiros de outras (ZANNONI, 1999, p. 97).
32
O ritual de iniciação masculina, antigamente era realizado cm uma certa periodicidade. Hoje acontece em
algumas aldeias, em sua maioria distantes umas das outras e de áreas diferentes. Isto, principalmente pelo fato de
que a maioria dos cantores que conheciam esse ritual já morreu. Hoje é praticado em algumas aldeias da região
de Barra do Corda, Grajaú e da Área Indígena Araribóia (ZANNONI, 1999, p. 75). Para o ritual da iniciação
masculina não datas fixas, antigamente em geral acontecia a cada dois ou três anos. Ademais não existe
também um período de reclusão como preparação para o ritual de passagem. Esse ritual masculino prepara o
jovem para ser cantor na comunidade, função importante de um adulto Guajajara (ZANNONI, 1999).
90
ter ocorrido, talvez, porque atualmente quase não existem mais caças nas áreas dos
Guajajara, - na festa deve ter carne de caça em abundância para todos - ou porque
as festas individuais acarretam em despesas grandes para a aldeia, uma vez que é
preciso comprar chumbo e pólvora o suficiente para caçar.
Ao chegar a primeira menstruação, a moça é pintada com suco de jenipapo
preto-azulada e entra para a reclusão por um período entre sete a dez dias, em um
quarto (divisória de palha improvisada). Várias são as restrições que precisam ser
observadas por ela. Essas restrições vão desde regras alimentares - como, por
exemplo, não pode comer galinha, pato, galinha d’angola; no primeiro dia “só pode
comer farinha de puba sem água e pipoca de milho, no segundo pode comer
caranguejo do brejo, no quarto dia pode comer arroz” (ZANNONI, 1999, p. 65), - até
posturas do corpo, como por exemplo, permanecer com a cabeça baixa, (para não
ficar saliente) ficar deitada na rede com os pés juntos até a hora de dormir, não pode
tomar banho, (porque o espírito da água, Iwán, gosta de moça pintada e pode levá-
la). Depois do segundo dia pode ser asseada pela avó da cintura para baixo, com
água morna, não pode dormir ou ficar (porque alguém pode vir à noite e querer
ter relações sexuais com ela), assim, é acompanhada até para necessidades
fisiológicas (ZANNONI, 1999).
O banho no rio ou igarapé marca o término dos dias de reclusão que deve
acontecer quando a pintura do corpo estiver praticamente ausente.
O cantor da comunidade é quem organiza os homens que vão para a mata
providenciar a caça quati e outras - que será servida na cerimônia durante a festa.
Esta carne é preparada e conservada no processo do moqueado: a carne é exposta
em cima de um jirau onde uma fumaça constante e intensa. A fumaça, além de
desidratar a carne, conserva-a e preserva dos insetos.
A festa do moqueado, em geral acontece no final da estação seca e se inicia
“num dia de lua cheia, porque assim se pode enxergar à noite, protege a moça e os
cantores, e porque a moça tem que ficar como a lua cheia quando a hora do parto
se aproximar” (ZANNONI, 1999, p. 71). No dia da festa, desde a manhã a moça é
aprontada pelos parentes mais próximos, em geral pelas avós. É ornada com penas
91
no corpo e no cabelo; pintada novamente com suco de jenipapo; vestida com uma
saia vermelha, que vai da cintura até os pés; é ornada na cabeça com um cocar que
foi cuidadosamente preparado, além de ser coberta sua face com penas de xexéu.
Os convidados das outras aldeias ao chegarem próximo à aldeia da festa dão
salvas de tiros
33
como um aviso de sua chegada. O toque do maracá o início à
festa. Iniciam-se assim os cantos e as danças por toda a noite. Parte do moqueado
é consumido durante a festa e a outra parte que é distribuída, a todos os presentes,
pela moça somente no final da festa.
Outras festas maiores são cultivadas entre os Guajajara, dentre elas, a “Festa
do Mel”, celebrada no período de estiagem e tem sentido de bênção para assegurar
a caça (diversas aldeias o mais a celebram); a “Festa do Milho”, realizada na
estação chuvosa e tem sentido de benefícios sobre a colheita; a “Festa da Mesada”,
oferecida aos espíritos em favor das pessoas - esta festa é para pedir ou agradecer
a cura; a “Festa de Maíra”, oferecida em favor das almas dos que não morreram em
paz e estão aguardando para ser purificadas - em geral são mortes por acidentes,
violência, fome etc. Segundo Zannoni (1999) essas festas em geral duram muitos
dias.
Ainda no mito de Maíra existente entre os Tenetehara, tanto no meio dos
Guajajara quanto entre os conhecidos como Tembé
34
, percebe-se a crença no
espírito e o gosto pelas festas entre estes povos.
[...] Perto da casa de Maíra está uma grande aldeia. Seus habitantes vivem
magnificamente. Para seu sustento diário necessitam apenas de algumas
pequenas frutas semelhantes à cuia; sua plantação não necessita cuidados:
ela se planta e se colhe sozinha. [...] Quando envelhecem não morrem, mas
tornam-se novamente jovens. Cantam, dançam e celebram festas sem
cessar [...]. Uma vez, um grande grupo de Tembé se dirigiu para a terra dos
Karuwára apenas para aprender a cantar [...]. Então apareceu um Karuwára
para ensinar aos Tembé a cantar [...]. Pintado, enfeitado com penas,
chocalho e cetro (Araruwaia) ele subiu ao mais alto galho de um pau-d’arco
da aldeia e começou a cantar. Os Tembé [...] limparam o lugar e se
reuniram todos em baixo da árvore para aprender o canto. Finalmente o
Karuwára subiu novamente para o céu. Antes, porém, deixou cair na terra
seus enfeites. Os Tembé pegaram-nos tomando-os por modelo dos enfeites
33
Descarga simultânea de armas de fogo em sinal de regozijo, de festa ou em honra de alguém.
34
Os Tenetehara que migraram do Pindaré aos rios Guamá, Capim e Alto Gurupi entre o Maranhão e o Pará, por
volta do ano 1850 (ZANNONI, 1999, p. 52).
92
de dança que ainda hoje usam (NIMUENDAJU, 1951, pp. 181-182 apud
ZANNONI, 1999, p. 128).
Embora falando dos Tembé o mito é transversal também na cultura Guajajara,
pois como foi citado, Guajajara e Tembé são nomes adquiridos regionalmente e se
refere aos Tenetehara.
As festas desses povos estão carregadas de significados, e expressam sua
experiência vivida na ritualização. Portanto, se pode apreender a ritualização
como algo que passa por uma revisão e ressignificação por parte daqueles que a
perpetuam através dos tempos. Por esse caminho entende-se o sentido da festa
Guajajara na região do Pindaré.
Foto 02: Moças Guajajara preparadas para a festa do Moqueado - A. I. do Pindaré.
93
Fonte: CIMI – MA.
Foto 03: Prédio localizado no Engenho Central.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
CAPÍTULO III
_______________________________________________
NEGROS E NORDESTINOS
94
é possível estabelecer uma análise dos processos históricos pelo qual
passou o povo negro na região do Pindaré se for considerado o conjunto de motivos
que desencadeou a fundação do Engenho Central na Região. Da mesma forma,
é possível analisar as constantes festas que ali se desenvolveram, no decorrer dos
anos, investigando a presença dos três elementos formadores da cidade: o indígena,
o negro e o nordestino.
Este trabalho submete-se à reflexão sobre a construção da identidade da
cidade de Pindaré-Mirim, onde a festa popular se destina a cumprir este papel na
localidade. Transitar pelos sujeitos históricos que formaram a região o significa
dar um caráter étnico-racial à pesquisa, mas se pauta como um cunho de
“mestiçagem” entre estes povos, em quem, na intersecção de elementos culturais, a
festa se tornou o elemento simbólico que reflete a trajetória em sua epopéia de
formação. Na festa na cidade, negros, indígenas e nordestinos, se fundem e se
encontram.
Com este cuidado é que analisei os processos que originaram o Engenho
Central na região. O marco significou mais que uma empresa ou um grande centro
da Companhia Progresso do Maranhão, representou a região, a Companhia, os
senhores, os comerciantes, os lavradores, os descendentes Guajajara ainda ali
existentes, os negros escravos da redondeza ou alforriados trabalhando
assalariados no Engenho. Nesse contexto pode-se presumir que praticamente tudo
ali passou a ser visto pela ótica da presença do Engenho.
Apesar de algumas safras de produção de açúcar e de aguardente terem
trazido um rendimento notável, as dificuldades para sustentação desse projeto
estavam postas desde seu início. Segundo Viveiros,
o Engenho Central São Pedro, começou sua vida com uma avultada dívida.
Pesavam-lhe nos ombros enormes compromissos – 594 contos do custo da
fábrica, 10 contos da instalação da luz elétrica e 241 da linha férrea, que
somavam 845 contos, dos quais pertenciam aos acionistas 447:215$000 e
diversos credores 397:785$000 (VIVEIROS, 1954, p. 51).
Dentre as dificuldades que impediram a continuidade do Engenho Central
estão o não cumprimento do acordo celebrado entre a Companhia Progresso e
95
influentes fornecedores de cana, o esgotamento do capital da Companhia gerando
exorbitantes dívidas que causaram o leilão da instituição, o aumento das despesas
desde a construção da fábrica e o abandono de ações por parte dos investidores.
É de se presumir também que o contexto da época não permitia mais recorrer
oficialmente à mão-de-obra escrava para o sustento da indústria canavieira. O
Engenho Central o dispunha de recursos financeiros para manter um trabalho
assalariado que o novo cenário exigia a partir da emergência de um contingente
negro alforriado.
Frente a esses sinais, a situação do Engenho e da Companhia foi se
agravando. Dessa forma, em 1890 os fornecedores de cana se retiraram por
completo do empreendimento deixando o Engenho sem matéria prima para operar.
A partir deste momento, várias foram as tentativas para salvaguardar e garantir o
seu funcionamento, porém sem um resultado satisfatório. Nesse sentido, grupos de
investidores se reuniram e criaram outras companhias, dentre elas, a Companhia
Cultivadora e a Companhia de Explorações Agrícolas, todas, no entanto,
experimentaram a inglória do Engenho Central que não pôde mais se sustentar
vindo à falência total.
3.1 A cultura do açúcar, a escravização negra
Não como olharmos para a região do Pindaré, e, especificamente, não
como investigar a cadência de festas na cidade de Pindaré-Mirim, sem considerar as
construções simbólicas que foram elaboradas e reelaboradas ao longo dos anos por
suas populações, e sem pesquisar dentro de uma perspectiva histórico-
antropológica, os elementos que estão intimamente imbricados aos processos de
escravização por que passou a população negra no Maranhão e nessa região.
As fontes sobre o Maranhão mostram que este Estado alcançou seu ponto de
culminância na economia, a partir da segunda metade do século XVIII, por volta do
ano 1755. Dois momentos marcam de forma definitiva este período, um deles foi o
ciclo do Algodão, que tem sua economia comandada pela Companhia Geral do
96
Comércio do Grão-Pará e Maranhão
35
e que se estende até o ano de 1868. Esse
período interferiu e alterou de forma sistemática toda a agricultura, o comércio, enfim
toda a estrutura em que a vida social e política, no Estado, estavam fundadas. Uma
das características dessa mudança de hábitos e formas de concepção é o
surgimento da elite que passou a constituir a classe nobre rural.
A baixa renda da lavoura algodoeira, porém, exigiu uma mudança dessa
cultura para a cultura da cana-de-açúcar que até aquele momento, no Maranhão,
era bastante diminuta e mantida ao custo de importações constantes. Essa mudança
assinala o segundo momento da economia no Maranhão, o ciclo do açúcar.
Não obstante autores como César Marques (1970, p. 63) registrarem a
existência de engenhos no Maranhão desde o século XVII
36,
estudiosos consideram
que a indústria açucareira no Maranhão foi uma produção sempre em segundo
plano até a primeira metade do culo XIX. A falta de estímulo e incentivo à cultura
do açúcar na região teve sua causa principal nas proibições de Lisboa, pois, tal
incentivo poderia concorrer com o açúcar de Pernambuco e da Bahia.
No limiar da segunda metade do século XIX, porém, a partir de 1847, o
governo da Província tomou várias medidas que visavam o incentivo e expansão da
indústria açucareira na região. Dentre elas, estão, a cobrança de uma tarifa adicional
para todo o açúcar importado de outras províncias, o prêmio pelo Ministério ao
lavrador que produzisse acima de 1.000 arrobas, a vinda de Caiena na Guiana
Francesa, de mudas de cana de qualidade superior à cana existente no Maranhão.
Essa cana era distribuída de forma gratuita aos proprietários rurais (VIVEIROS
1954:204-205).
Paralelamente a esse conjunto de medidas, desenvolveu uma grande
campanha publicitária nos jornais locais, evidenciando as vantagens da
35
Companhia criada em 7 de junho de 1755, dentre outros, tinha por objetivo reforçar e acelerar o tráfico de
negros em grande escala para o Maranhão e Pará. O Maranhão enfrentava muitas dificuldades econômicas, uma
vez que a mão-de-obra indígena não dava conta para intensificar a produção com base na economia de
exportação. Ao mesmo tempo, havia maior incentivo para a entrada de negros para a Bahia e Pernambuco, que
estavam em evidência na produção do açúcar.
36
Atribui-se a Antonio Muniz Barreiros, provedor da Fazenda Real, a instalação do primeiro engenho de açúcar,
em 1662, às margens do rio Itapecuru.
97
substituição da força animal por maquinarias mais modernas na fabricação
do açúcar (JORNAL O PROGRESSO, 1842, pp.1-2)
37.
.
Decorrentes desses fatores surgiram numerosos engenhos, peças
fundamentais na proliferação e expansão da cultura da cana-de-açúcar pelos vales
dos rios, dentre eles, o Pindaré. A expansão foi rápida e intensa. Viveiros afirma
que,
na década de 1860, o Maranhão contava com 410 engenhos, dos quais 284
eram movidos a vapor e à força hidráulica e 136 à tração animal. Só no vale
do Pindaré existiam 98 estabelecimentos [...]. Na década de 1870, o
número de engenhos cresceu para 500, representando um aumento de
21,95% no total de engenhos de cana dos anos sessenta ( VIVEIROS,
1954, p. 23).
Compreende-se que o açúcar foi o meio que o governo e os fazendeiros
encontraram para suprir a crise algodoeira. Por outro lado, é de se convir que a
produção do açúcar fosse mais complexa e exigisse mão-de-obra em grande
quantidade, por isso essa cultura foi concentrada apenas nas mãos de fazendeiros
com alto poder aquisitivo. Essa realidade fez surgir uma “nova classe”, com um novo
“estilo de vida” na região: a do “Senhor de Engenho”. Uma pequena elite abastada,
com fortunas adquiridas pelas atividades agrícolas, acrescida da indústria
açucareira. A nova classe se portou com valores e atitudes que justificavam a
sustentação e continuidade do sistema tradicional escravista, não obstante à época,
esse sistema estar em pleno declínio na Província.
Todos esses elementos de transformação acarretam uma fase de transição e
grande insegurança, se por um lado enfrentava-se a exigência de novas tecnologias,
de implantação de engenhos centrais com instalações modernas, por outro,
defrontava-se com a presença do “Senhor de Engenho” que continuava apegado à
sua fortuna e à experiência de manter seu estilo de vida e poder aquisitivo com o
braço escravo, e embora aderindo ao plano das novas tecnologias para os
engenhos continuava a manter seu status de “senhor”, com isso, insistia em
conservar o sistema escravista com inúmeros escravos em suas fazendas.
37
O artigo termina com uma tabela de preços dos principais maquinários necessários à montagem de um
engenho.
98
Na região do Pindaré, essa transição do sistema escravista para uma cultura
que exigia modernização e tecnologia se torna muito crítica. Assim, foram
consideradas fontes que registram não só a existência de engenhos, de senhores de
escravos desde muito à margem do rio Pindaré, mas que também registram
haver o regime escravista continuado naquelas redondezas, embora o cenário
demandasse outra forma de organização do trabalho, da sociedade, da economia
maranhense. Nessa perspectiva Ribeiro assevera que,
a última das grandes áreas de lavoura que concorreu para o aumento da
produção da Província foi Vale do Pindaré. Dividido em Baixo e Alto Pindaré
foi, sem dúvida, a área do domínio da lavoura da cana-de-açúcar. Povoado
na sua maioria por aldeias indígenas [...] encontravam-se as terras mais
apropriadas para o cultivo desse vegetal, onde existiam às margens dos
rios, os grandes engenhos. [...] O município de Monção
38
em 1872 contava
com uma população servil de 1.490 escravos (RIBEIRO, 1990, pp. 61-62).
Dessa forma, a região do Pindaré, assinala a presença de um grande
contingente negro escravizado no limiar da Lei Áurea mesmo que o contexto da
época exigisse dispensa da mão-de-obra escrava e sua substituição pelas fábricas
modernas. Os senhores daquela região continuaram a usufruir do trabalho servil em
todos os moldes do regime escravocrata após 1888, sem qualquer escrúpulo, pois
tudo ali ainda era legal.
Assim, lê-se em Maria Emília Pereira Barreto:
No Maranhão, os proprietários rurais, despreparados em relação aos novos
métodos de trabalho agrícola, apoiados unicamente no braço escravo e em
técnicas primitivas, não tiveram condições para reagir e se adaptar à nova
situação de mão-de-obra livre (BARRETO, 1977, p. 31).
Cabe ressaltar que mesmo sendo declarada ‘extinta a escravidão do negro’
em 1888, os fazendeiros maranhenses e da região do Pindaré continuaram a contar
com o braço negro, pois a situação se transformara e os negros “livres” passaram a
ser,
os agregados das fazendas, nelas estabelecidos pelo favor dos
proprietários, mas desvinculados de tudo quanto de importante se
passava. Destituídos de meios propícios de subsistência e com uma vida
38
O município de Monção fica defronte do Município de Pindaré-Mirim.
99
despojada de significado para aqueles de quem dependiam, tudo deviam e
nada de essencial podiam oferecer aos senhores das fazendas onde se
fixavam (LIMA, 1981, pp. 181).
No período pós-libertação da escravidão, o grupo dominante continuou a
desfrutar de privilégios, pois, tinha força e poder para criar e sustentar ao seu lado e
à sua disposição um novo grupo de trabalhadores, os “agregados” das fazendas.
Tratava-se de homens que saindo oficialmente do regime escravocrata, sem
perspectiva de vida, continuaram nos arredores das fazendas e dos engenhos. Sem
nada para sua subsistência sujeitavam-se a receber favores dos senhores, e em
troca ofereciam seu trabalho braçal. Dessa forma, esses homens “livres” eram
reduzidos em meros instrumentos nas mãos dos senhores. Para Lima (1981) havia
uma diferença fundamental entre os “antigos escravos” e esses “homens livres”.
Enquanto os primeiros agiam sob coação e com vontade os segundos passaram
a agir por uma subalternidade consentida e em muitas vezes aalmejada de sua
parte. Assim, Lima (1981) refere-se a estes como
o agregado, o morador, ao contrário, submete-se voluntária e às vezes
prazerosamente aos donos da terra, ao coronel, a quem convida a batizar
os filhos, e a quem, numa fidelidade de cão acompanha politicamente pela
vida afora, e de quem se torna o capanga decidido ao extremo sacrifício da
própria vida (LIMA, 1981, p. 182).
De modo geral, pesquisadores que se dedicaram ao tema da escravidão no
Maranhão afirmam “não se saber ao certo quando o escravo negro africano foi pela
primeira vez trazido para o Maranhão” (MEIRELES, 2001, p. 166).
Entretanto, a afirmação de que a introdução do elemento negro na Província
é decorrente das leis que proibiram a escravatura indígena, é lugar comum entre os
pesquisadores. Nessa perspectiva, pode-se acercar de afirmações de Maria do
Rosário C. Santos, segundo as quais afirma que
com a proibição da escravidão indígena, decretada em abril de 1680, e com
a organização da primeira Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-
Pará, em 1682, é que vai se iniciar oficialmente a introdução dos africanos
em terras maranhenses (SANTOS, 1999, p. 20).
O acordo entre a Companhia e a Coroa visava importar num prazo de 20
anos, 10 mil negros para o Maranhão. Esse acordo não foi cumprido por parte da
100
Companhia que veio a ser desfeita a partir da revolta de Bequimão nos anos de
1684 a 1685. Somente a partir de 1755 quando foi criada a nova Companhia Geral
de Comércio Grão-Pará e Maranhão é que foi intensificado o tráfico negreiro na
Província, razão da entrada acelerada de um grande contingente negro da África
transformando o Maranhão num dos estados que mais importaram negros africanos
(SANTOS, 1999, p. 20). Segundo estudiosos,
[...] o Maranhão ao longo do período colonial possuía uma população
majoritariamente negra, empenhada em serviços domésticos e nas
plantações de algodão, cana-de-açúcar e arroz, cuja incrementação tornou
o Maranhão um dos mais importantes centros econômicos do País, de
meados do século XVIII a meados do século XIX (SANTOS, 1999, p. 20).
Quanto à procedência do elemento negro trazido da África para o
Maranhão é bastante incerta, sabendo-se apenas que eram de culturas e origens
variadas. No entanto, Santos (1999) considera que, de forma genérica, os negros
trazidos para o Maranhão provêm de três grandes grupos. São eles:
sudaneses, que engloba os nagôs ou iorubas, os jejes ou
daomeanos e os fanti-ashanti;
bantos, que compreende os angolas, congos, moçambiques e
cabindas;
sudaneses islamizados, que envolve os hauçás, tapas, mandigas,
fulatás” (SANTOS, 1999, p. 21)
Embora dispondo dessas informações a identificação étnica do negro no
Maranhão “tornou-se impossível [...] porque no Maranhão a designação ‘negro
mina’, ao invés de nomear o grupo fanti-ashanti, designa indistintamente, os negros
de várias nações, embarcados na Costa da Mina”
39
(LIMA, 1981, p. 115).
Ainda para Carlos de Lima (1981, p.115), não obstante a dificuldade em
precisar com exatidão sua origem é possível nomear os Portos de onde saíram. São
eles: de Bissau, Cachéu, Angola, Guiné, ou ainda dos entrepostos negreiros de
Cabo Verde e Serra Leoa.
Quanto à entrada no Maranhão, encontramos notícias de que ao chegaram
era feita uma exposição dos mesmos escravizados com tabuletas no pescoço que
39
Costa da Mina que compreendia a Costa do Marfim, a Costa do Ouro e a Costa dos Escravos e as ilhas
portuguesas de São Tomé e Príncipe (Lima, 1981, p. 115).
101
traziam o seu preço e assim eram vendidos. Segundo Nunes Dias apud Carlos de
Lima, (1981, p. 115), os negros vendidos no Maranhão pela Companhia nos anos de
1757 a 1777 foram em números
40
:
PORTO
QUANTIDADE DE ESCRAVOS
Bissau 4.562
Cachéu 4.758
Angola 1.296
TOTAL
10.616
Além desses números, encontramos também registros de Frei N. S, dos
Prazeres (1831) que asseguram haver entre os anos 1812 a 1820 entrado para o
Maranhão 36.356 escravos, exceto os que vieram da Bahia entrando pelos sertões e
pela Vila de Aldeias Altas de Caxias os quais não foram contabilizados nas
estatísticas.
A vida dos escravos no Maranhão segundo Carlos de Lima,
[...] era dura, homens e mulheres, empregados os trabalhos do campo e da
indústria, recebiam tratamento desumano [...]. Sua alimentação era à base
de arroz e farinha e, de quando em quando uma posta de carne. Para
vestir, de 2 em 2 anos, recebiam uns calções de pano grosso ou sais de
igual teor. [...] Tornaram trabalhadores do eito, plantadores de algodão,
arroz e cana-de-açúcar, vaqueiros, marinheiros, artífices, operários de
açúcar, empregados domésticos e de aluguel, negros de ganho, mucamas,
mães-de-leite, cozinheiras de fama. Moravam nas senzalas grandes
barracões anti-higiêncios e proomíscuos. [...] Os castigos eram cruéis,
empregando muitos instrumentos torturantes como troncos, chicotes de
couro cru, gargalheiras, correntes etc. O famoso contratador João
Fernandes Vieira, conquanto recomendasse não bater nos escravos com
paus ou pedras, para não desvalorizá-los, mandava que depois dos açoites,
lhes picassem as carnes com faca ou navalha, colocando nas feridas limão
ou urina. O trabalho, principalmente nos canaviais exaustivos, as jornadas
de 15 e mais horas [...] pelo que ávida média produtiva do escravo era de
10 anos (LIMA, 1981, p. 116).
Ao lado dessa complexidade de práticas escravistas, em espaços bem
diferenciados e desiguais estava o Senhor de Engenho, o grande proprietário, o
fazendeiro, poderoso pelo tamanho e posse de suas terras e pela quantidade de
escravos. Sua moradia era a casa grande, bem no alto, à vista de todos e de onde
podia olhar e dominar a todos. Para Lima, esses senhores responsáveis por todos
40
Segundo Manuel Nunes Dias (confere CARLOS DE LIMA 1981, p. 115), foram 25.365 escravos negros que
Companhia trouxe para o Maranhão e Pará.
102
os maus tratos dos escravos estavam “convictos de que os pretos não eram gente,
mas ‘peças’ da máquina de produção
41
” (LIMA, 1981, p. 117).
Os castigos imoderados e os maus-tratos a que foram submetidos os negros
no Maranhão foram tão cruéis que se transformaram em objeto de lendas. Vale
lembrar as lendas cruentas da severa Donana Jansen e a Baronesa de Grajaú,
Dona Ana Rosa.
Referindo-nos à região do Pindaré, segundo Lima, os escravos negros nas
lavouras daquela região, de modo especial nas lavouras da cana-de-açúcar já foram
descritos muitos anos pelo P
e
. Antonio Vieira, pois, segundo o autor foi o padre
Antonio Vieira quem “encareceu à Coroa a necessidade de sua importação em
grande escala, propondo a troca do elemento autóctone pelo africano, que fora
escravo em todos os tempos e já era entre os seus” (LIMA, 1981, pp. 114-115).
.
Com efeito, o Maranhão estava fundado sob a égide de uma sociedade
escravocrata cujo capital era baseado nas grandes porções de terras, no latifúndio,
no regime escravista em grande escala; uma sociedade regida nos princípios do
patriarcalismo enfim, uma sociedade que estava vivendo o conflito entre a
necessidade de modernizar-se, assumindo os padrões de novas tecnologias e a
insegurança em viver seu estilo de vida tendo que dispensar a mão-de-obra-
escrava, ao mesmo tempo. É nesse cenário que é projetado e implementado o
Engenho Central São Pedro no lugar aonde funcionou a antiga Colônia São Pedro.
3.2 De Colônia São Pedro a Engenho Central
O Engenho Central constitui uma das riquezas de nossa província. Ali está
o progresso de nossa terra [...] os incrédulos tem obrigação de visitá-lo, os
curiosos devem vê-lo como um objeto digno de maior apreço e os que
tiveram, como eu, a dita de presenciar aquele foco de civilização e
progresso não pode deixar de entusiasmar-se e sentir pungentes saudades
daqueles sítios (EUCLIDES FARIA, poeta e jornalista. Publicador
Maranhense, 12/09/1885).
41
Uma “peça”, “peça da Índia”, era constituída por 2 negros de 35 a 40 anos; ou 2 crianças de 4 a 8 anos; 3
negros de 8 a 15 anos formavam duas peças, estando tal avaliação na dependência, ainda, de condições de saúde,
idade, robustez (LIMA, 1981).
103
No instante em que deseja-se aprofundar os estudos sobre o sentido das
festas e o processo de formação da identidade da população de Pindaré, não há
como esquivar-se do encontro com o Engenho Central
42
e os elementos que fizeram
parte de seu conjunto.
Como foi visto, a Colônia São Pedro entrou em decadência e foi destituída
por completo. Certo é que, tanto no imaginário da população pindareense, como em
alguns poucos escritos que existem sobre a origem da cidade, salvo exceções,
perdura a versão de que o Engenho Central deu origem à cidade.
Contrariamente a essa corrente, como percebe-se no capítulo anterior, muito
antes desse empreendimento, habitavam aquela região muitos povos indígenas,
majoritariamente os povos Guajajara, que organizados em aldeias mantinham seus
sistemas sócio-político e econômico-religioso bem estruturados. Em seus escritos
Ubialli afirma que “os primeiros contatos dos Guajajara com os Karaiw (brancos)
podem ter ocorrido em 1612 quando os franceses, subindo o rio Pindaré,
encontraram um grupo de índios que chamaram de Pinarienses” (UBIALLI, 1998, p.
51).
O projeto colonizador português aproveitando-se dessa presença dos povos
nativos e, no intuito de defender os interesses da coroa forjou e implementou a
instituição ‘Colônias’ e em 1840 foi criada a Colônia São Pedro do Pindaré no
lugar onde antes era a aldeia dos Guajajara. Sendo assim, Pindaré existe antes do
Engenho Central e a formação de sua população tem origem nos povos Guajajara,
nos engenhos e nas fazendas da região, nos negros escravizados que
posteriormente trabalharam
43
no Engenho Central ou que simplesmente no período
42
Em 1876 foi instalada a grande usina açucareira, de propriedade da Companhia Progresso Agrícola, marco da
evolução que aumentou a população com grandes centros de lavoura (CARDOSO, 2001, p. 388).
43
quem afirme que no Engenho Central São Pedro trabalharam escravos. Nossa pesquisa não conseguiu
clarificar, de fato, se, ali naquele estabelecimento trabalhou apenas mão-de-obra assalariada ou se ainda oi
possível contar com a mão-de-obra escrava. Mesmo considerando que o cenário nacional e regional exigia mão-
de-obra qualificada e novas tecnologias, tendemos a concordar que nesse Engenho Central a mão-de-obra
escrava ainda foi braço fundamental, pois a tradição opulenta da pequena elite abastada maranhense, os
comportamentos dessa “nova classe” indicam uma passagem muita lenta e quase sem expressão, no primeiro
momento, do sistema escravagista para a mão-de-obra assalariada na região. Vale lembrar que o
empreendimento do Engenho Central se concretiza no ano de 1884, época em que a escravidão ainda não havia
sido proibida oficialmente.
104
pós-abolição ficaram à margem nos arredores dos povoados e engenhos. A
população de Pinda remonta ainda aos nordestinos que buscando escapar das
grandes secas no nordeste ali alimentaram o sonho de uma vida promissora, pela
fertilidade da terra, pela possibilidade do trabalho assalariado no Engenho, pela
riqueza exuberante da natureza.
São essas raízes que ao longo dos anos vêm modelando a cultura
pindareense e enfrentando os desafios de formação da identidade da cidade e de
sua população. Raízes essas que na busca de identificação e de referências conduz
a população da cidade a construir uma cultura entremeada pelo espírito festeiro e
um cotidiano em festa e rituais.
Os dados à disposição permitem ressaltar a existência de vários engenhos na
região do Pindaré, consequentemente a presença em grande quantidade do
elemento negro, pois ”em 1684 existiam engenhos no Mearim e logo eles
apareceram, pelas mãos dos jesuítas, em Guimarães e no Pindaré” (LIMA, 1981, p.
171).
É possível, também afirmar, que naquelas proximidades podia se avistar “a
fazenda de S. Bonifácio, com quatro engenhos de cana, oito alambiques, casa de
fazer farinha, oficina de tecelão, carpintaria, serraria e ferraria e a casa de canoas
[...]. Nesta famosa fazenda, cultivavam cana, café, mandioca, laranja e pacova”
(VIVEIROS, 1954, pp. 5-6). Outras fontes mostram que em 1860, no Maranhão
havia 460 engenhos, sendo que 98 destes estavam no Vale do Pindaré.
Nessa perspectiva, o depoimento da Sr
a
. Joana Fernandes Moraes,
professora em Pindaré desde os anos 50, revela o questionamento sobre a
presença do negro no Engenho Central, bem como a sede de Pindaré ter uma
identidade. Com muita emoção assim ela se expressa:
Segundo informações, dizem... de acordo com seu Antonio dos Santos,
Dona Leopoldina (falecidos) que aqui trabalharam muitos escravos, mas
nós não temos nada comprobatório de onde vieram. A gente que
mestiços, nordestinos, vieram de vários cantos, mas na realidade é que nós
nunca chegamos assim a descobrir, nenhum historiador.... a gente fica
sempre com essa sede de busca. Olhando a população de Pindaré que é
105
uma população de rosto negro-indígena dá pra entender, e pode ter
havido escravos por aqui. Eu acredito que realmente ali trabalharam
escravos.... a impressão... e a emoção que a gente sente... porque de
acordo com a história que a gente comenta, oral.... E eu estou muito feliz
por este grande trabalho, este grande heroísmo... vai em frente eu quero
que realmente parta de você este carinho pela cidade.... esse heroísmo de
saber realmente a identidade dessa cidade maravilhosa. Ela precisa ter sua
identidade (Entrevista realizada, 16/08/2006).
E, ao se referir sobre o Engenho Central a informante continua mostrando
uma grande saudade do tempo de glória e o desejo de que Pindaré seja elevada,
recuperada, vista diferente:
O Engenho Central, para mim, é nascimento, é a história do Pindaré, me
muita emoção quando eu me dirijo às margens do rio Pindaré e olho aquele
grande patrimônio, de um passado de tantos anos, que hoje dorme no sono
do esquecimento, deveria ser o cartão postal da cidade, por que não? Ser
transformado num grande artesão, numa grande casa de cultura, porque na
realidade as nossas tradições aqui são culturais, aqui estão plantadas e
isso mexe muito com a gente. Falar do Engenho Central é falar de uma
história, de um passado que o tempo levou e resta a grande saudade, mas
a esperança é última que morre e que espero que essa juventude que está
aí talentosa, capaz, possa acordar como eu sempre grito nas ruas da
cidade ‘Acorda Pindaré!’... e analisar e pedir aos seus dirigentes que
invistam naquele patrimônio para não chegar à destruição. Porque é a
nossa história e a nossa história é um passado muito bonito. Pindaré tem
grandes pontos turísticos, mas precisa que haja investimento para que essa
cidade brilhe e se torne amanhã uma das princesas do Maranhão.
Enquanto vida esperança, eu nunca perco a esperança de que
Pindaré na realidade se transforme na cidade dos nossos sonhos. Aqui tem
muita cultura, muitas festas tradicionais. As pessoas de fora quando querem
ver festas bonitas e tradicionais vêm à Pindaré. Isso vem de nossas origens
Professora Joana Fernandes Moraes. (Entrevista realizada no dia 16 de
agosto de 2006).
E, continua,
[...] produziam aqui, nessa fábrica, nesse engenho, conforme estudos,
entrevistas.... porque então....vamos ver...., do passado aqui, quase
ninguém sabe. Falando-lhe a verdade os pindareense desconhecem a sua
história. É uma pena... porque inclusive na última reunião que eu assisti eu
pedi até que fosse incluso no currículo escolar para que introduzissem nas
escolas, para que o estudante de hoje conheça a realidade, conheça a sua
história, então como se diz assim... começaram os grandes canaviais, o
maior produtor de açúcar, mas infelizmente hoje naquele prédio nós não
temos nada para mostrar, para nossos jovens, para nossos filhos e para o
próprio passado, não é?
O depoimento confirma a especulação a respeito da presença de escravos na
localidade. Ao mesmo tempo, expressa a sede de que Pindaré se reconstrua na sua
identidade enquanto espaço que agregou índios, negros e nordestinos.
106
A história mostrou que o espaço de Pindaré-Mirim recebeu contornos
majoritariamente negros, no entanto, sem um momento específico para isto, aos
poucos sua população foi ‘selecionando’ um elemento comum para recuperar um
olhar sobre a cidade e sua população: a festa. Inscrita no contexto de Pindaré, essa
dinâmica remete ao que para Brandão (1989) é traço forte e ponto de convergência, é
um “exercício de um ‘nós’ local”, ou seja, é uma manifestação privilegiada que
envolve e aproxima o grupo. Em Pindaré, esta dinâmica identifica as pessoas e as
tornam conhecidas.
A professora Joana, em sua fala, traz à tona a questão da memória coletiva
(Halbwachs, 1990) e identidade que se produzem pela recuperação da história. Esta
memória tem um poder simbólico de extrema eficácia. Dessa forma, entende-se que a
festa em Pindaré-Mirim quer mostrar vias alternativas para a melhoria do espaço e
condições. Ela é uma forma de propagação, recuperação e permanência de sua
história e cultura.
Assim como, a partir de uma breve incursão, esta investigação confirma a
matriz dos povos Guajajara na formação da população de Pindaré, da mesma forma,
confirma-se a outra vertente de sua origem também na população negra, pois os
engenhos ali estavam e, não se pode pensar engenhos e fazendas no Brasil colonial
e império sem pensar na presença do elemento negro.
Como assinalado, a Colônia São Pedro teve sua vida efêmera, durando,
apenas aproximadamente vinte anos, o período de sua falência coincidindo com as
investidas nacionais e regional no projeto de industrialização do país e do estado,
respectivamente. Nesse processo, destacamos a grande corrida para o projeto de
implantação dos Engenhos Centrais instaurados no Brasil na segunda metade do
século XIX, projeto este que teve suas bases no processo de industrialização do
país que estava, por sua vez, intimamente relacionado à Revolução Industrial na
Inglaterra, embora esta já houvesse sido deflagrada há mais de meio século.
A instalação desses engenhos centrais no Brasil é contemporânea aos anos
de transição a que foram submetidas a economia e a sociedade brasileira, na
107
segunda metade do culo XIX, representados fundamentalmente pela crise do
trabalho escravo.
O período áureo dos Engenhos Centrais no Brasil corresponde ao que
Suzingan (1986, p. 403), Vilela Luz (1975, p. 224) e outros autores denominam de
“nosso primeiro surto industrial” que tem seu início por volta do ano 1870, pom
alcança seu apogeu somente no decênio 1885 a 1895. De acordo com os autores,
embora com um perfil muito diferenciado do processo desencadeado na Europa, no
Japão e nos Estados Unidos, este é um momento da considerada “industrialização”
do Brasil. Esse dado revela que por aproximadamente trezentos anos de história a
transformação da matéria prima no Brasil foi feita com técnicas bastante
elementares, em torno dos engenhos, na produção do açúcar, e da mineração.
A estrutura agrária brasileira teve sua origem na cultura do açúcar, e para
tanto foram feitas doações de terras e organizou-se o comércio além da
intensificação do tráfico de escravos. No entanto, o açúcar, produto mais importante
da economia colonial, desde o século XVI, sempre oscilou passando por várias
crises de acordo com o mercado e a política econômica da metrópole (FURTADO,
1970, p. 5).
No nordeste, a região do açúcar vivia em constantes crises, intercaladas
apenas por alguns momentos de exaltação oriundos de situações específicas, como
a melhoria de preços do açúcar nas épocas de depressão cambial. A situação
peculiar em que vivia esta economia dificultava a inclusão de máquinas e a
modernização dos métodos de produção.
Buscando alternativas para enfrentar a concorrência no mercado
internacional, a classe agrária açucareira levara o governo a tomar medidas que
apoiassem a instalação de engenhos centrais, com uma moderna tecnologia, como
uma alternativa para a economia no final premente da escravidão dos negros, pois a
máquina iria tanto substituir o braço do homem como produzir em menos tempo um
açúcar de melhor qualidade. De acordo com Marchiori (1987),
108
colocava-se a questão dos engenhos centrais, como a grande unidade
Fabril destinada a moer canas de diversas propriedades, separando-se as
atividades agrícolas e industrial; esperava-se que uma conjunção de
recursos fosse aplicada na lavoura outra no beneficiamento; os agricultores
dedicariam seus capitais para melhoramento na terra, como fertilizantes
irrigação e mecanização, não tendo necessidade de manter e melhorar
seus engenhos, podendo mesmo abandoná-los; os proprietários dos
engenhos centrais, por sua vez, dedicariam seus recursos à modernização
do setor industrial; os resultados seriam a cana mais barata e o açúcar mais
competitivo. Isto significa que os senhores de engenho de uma região se
reuniriam e fundariam um engenho central, passando assim, a se preocupar
apenas com o beneficiamento do produto, podendo arranjar suas terras
para que outros nelas plantassem cana (MARCCHIORI, 1987, p. 16).
Os senhores de engenho pressionaram o Estado e após longas discussões
foi aprovada no parlamento Imperial a idéia de criação de engenhos centrais. Assim,
em 29 de setembro de 1875 foi promulgado o Decreto-Legislativo 2.658. Este
decreto autorizava o governo a conceder isenção de direitos de importação para
todos os materiais que visassem a construção e exploração de engenhos ou fábricas
centrais, confirmando de uma vez por todas, o compromisso do governo na
reformulação da economia açucareira. A partir dessa data o governo estabelece
uma política que incentiva e subvenciona a instalação desses centros fabris de
produção.
Dentre seus vários artigos o decreto contemplava:
que as companhias que se propusessem a estabelecer engenhos centrais deveriam
usar aparelhos e processos modernos e bem aperfeiçoados;
que as companhias se mostrassem associadas com os proprietários agrícolas, tendo
já assegurado a qualidade de canas necessárias;
que fossem distribuídos os engenhos centrais pelas províncias que anteriormente já
cultivassem a cana;
o Governo fiscalizaria o fiel cumprimento das obrigações contraídas por essas
empresas e no tocante ao dinheiro da garanti de juros, este deveria se devolvido tão
logo começasse a companhia a dar lucro. No que se refere à questão do trabalho, no
engenho central ficava proibido o uso da mão-de-obra escrava.
Com esse conjunto de medidas, confirma-se que através da implantação dos
Engenhos Centrais seriam introduzidos novos métodos para a fabricação do açúcar.
Esses novos métodos demandaram maior racionalização do trabalho e aceleravam
a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, pois as novas condições de
produção não comportavam um sistema com trabalho servil.
109
As vantagens espalhadas sobre os engenhos centrais tiveram boa aceitação
no Maranhão. Em 1876 o jornal “O País” assim publicou:
Entende-se por engenho central a empresa que separando os dois ramos
industriais da fabricação de açúcar lavoura e fabrico deixando somente
aos lavradores o fornecimento da cana, reservando a fábrica a sua
manipulação, permite interessar grande número de capitalistas e
lavradores, aprimorando estes com o dobro dos respectivos rendimentos
brutos sem as despesas do próprio fabrico e aqueles com dividendos
certos e seguros, que até hoje tem variado de 16% a 18% segundo as
localidades (O PAÍS, 10 de março de 1876, p. 01).
Assim, a idéia foi ganhando substância e os comerciantes da época logo
cuidaram em concretizá-la. Entretanto, desde o início, havia a consciência sobre os
obstáculos que seriam encontrados para a concretização do empreendimento,
dentre eles o mais sério estava no fornecimento de matéria-prima para o Engenho
Central. Diante desses entraves, um grupo de lavradores se comprometeu em
desfazer-se de seus engenhos para ser somente fornecedor, e com isso garantir a
matéria-prima.
O Vale do Pindaré foi o local escolhido para a implementação do engenho.
Em junho de 1880 para instaurar o Engenho Central foi fundada a Companhia
Progresso Agrícola. As primeiras máquinas chegaram da Inglaterra em junho de
1882. De também vieram os técnicos tanto para a construção da via férrea como
para a construção da fábrica (DIÁRIO DO MARANHÃO, 07/02/1887, p. 01).
Efetivamente, o Engenho Central São Pedro foi inaugurado no dia 16 de
agosto de 1884. Várias foram as razões que levaram a primeira safra - concluída a
30 de dezembro de 1884 a fechar com um déficit, dentre elas, o trabalho no
engenho ser executado somente durante o dia, a falta de pessoal habilitado, a
lavoura não ter fornecido a quantidade de cana-de-açúcar conforme o que havia sido
acertado.
a segunda safra concluída a 30 de novembro de 1885 procurou corrigir
essas dificuldades do primeiro momento, e conseguiu fechar com um superávit
significativo. (DIÁRIO DO MARANHÃO, 07/02/1887, p. 01).
110
Viveiros se referindo à crônica do jornalista Euclides Faria, o “Compadre
Lourenço”, quando acompanhara um grupo de dirigentes da Província, em uma
viagem pelo rio Pindaré, oferece uma idéia do que de fato o Engenho Central São
Pedro significou para a região do Pinda e para a Província do Maranhão.
Descrevendo a viagem, o autor coloca de frente trechos do cronista e mencionado
jornalista. Ao ver de perto o rio, o cronista escreve:
Que rio tão caudaloso! Que deslumbrante riqueza,
Onde a própria natureza, fez um viveiro piscoso,
Tudo ali é majestoso, (sic) á sedutores painéis
Quem navega essas marés, vê doudejarem ciganas,
Nos galhos da ingaranas, nas águas os jacarés
Navegam em pleno rio. Surgem aqui e ali engenhos
de velhos lavradores: ‘Malhadinha’, ‘S. Paulo’,
‘Boa Vista’, ‘Ipiranga’, ‘Jathay’ e por fim,
‘Outeiro’ que foi de Eduardo de Araújo Trindade [...]
(VIVEIROS, 1954, p. 47).
Sobre o Engenho Central:
Afinal com 24 horas de viagem vê-se o soberbo e magestoso (sic) edifício
do Engenho Central. E, deslumbrado, Euclides Faria pergunta:
Os que ainda não foram ao Engenho Central serão porventura capazes de
fazer um juízo aproximado do que aquilo é?
Duvido. O que aqui se ouve chamar – Engenho São Pedro –
não se descreve;
o que ali está só pode ser apreciado por quem lá for;
tudo o mais escapa à pena de quem tentar
descrever a sua maravilhosa grandeza [...].
Aquilo não é máquina, aquilo é:
um gigante de mil pernas,
com as juntas todas de aço,
tendo por olhos – luzernas,
por alimento – bagaço, [...]
Nas amplidões do espaço,
o fumo tudo escurece,
O próprio sol enobrece,
em vista desta fumaça,
que diz ao homem que passa
– aqui a vida floresce. [...].
Ali tudo é grande e majestoso; a gente sente-se pequeno diante da cana
mais insignificante. O próprio bagaço de cana torna-se superior ao
homem (VIVEIROS, 1954, pp. 48-50).
111
E, Viveiros acrescenta que “Euclides Faria conclui (sic..) a sua crônica com
estas palavras”:
O Engenho Central constitui uma das riquezas da nossa Província. Ali es
o progresso de nossa terra, onde o desânimo tem avassalado os espíritos
mais fortes. Os incrédulos têm a obrigação de visitá-los, os curiosos devem
vê-lo como um objeto digno de maior apreço e os que já tiveram, como eu,
a dita de presenciar aquele foco de civilização e progresso, não podem
deixar de entusiasmar-se e sentir pungentes saudades daqueles sítios.
Onde o ferro iguala o ouro,
onde o trabalho enobrece,
Onde ávida não fenece,
onde o terreno é tesouro.
(PUBLICADOR MARANHENSE apud VIVEIROS, 1954, p. 50).
Os versos avulsos de Nicollas & Batista que tem como título “A Fumaça da
Saudade” vêm confirmar o itinerário histórico da cidade de Pindaré e o sentido
atribuído por sua população ao Engenho Central. Os escritores populares assim se
reportam:
“Ê, Engenho Central.
Paciência tem Preguiça
E eu não vou me
conformar.
Vou brigar pelo que é meu
Pindaré-Mirim, não vou
calar
Vindo da ‘Ponta da Linha
A cana-de-açúcar chegou
Viajando pelo trilho
Que o novo progresso
arrastou
Mudando pra Pernambuco
E o maquinário levou
No Brasil foi a primeira
Que a energia elétrica
iluminou
Já cansei de ouvir
promessa
Não sou burro seu ‘Doutô’
Eu sou filho dessa terra
Ela nunca me abandonou
Só restou a chaminé
A lembrança que ficou
E foi a ‘Vila São Pedro’
Que o Santo abençoou
Hoje só restam memórias
De um passado que brilhou
(Texto avulso. Centro
Educacional Nossa
Senhora Aparecida.”
Pindaré-Mirim, 20/08/2003).
De uma coletânea, cujo título é “Engenho Central Monumento do acaso”, os
escritores populares continuam a fazer memória:
“[...] E o Maranhão indeciso
Em ser agrícola ou
industrial
Mas investir era preciso
Pois havia capital
E investiram na construção
De um parque fabril
urgente
Paralelo a este feito
Também houve
investimento
Em engenhos de todo jeito
Pelo interior a dentro
E veio projeto até
Pras bandas do Pindaré
Mas já fora do momento
112
Que foi a destruição
Da economia maranhense
Expulsaram os nativos
Guajajara nação amada
Que preferiram ficar vivos
E fugiram em debandada
E os visitantes então
Começaram a erigir
Uma imensa construção
Com argamassa e cimento
Um engenho imponente
Para o açúcar decadente
Sofrer beneficiamento
Os senhores de engenho
Acordavam os escravos
cedo
Queriam mais que
empenho
E não pediam segredo
Fizeram a construção
Onde hoje religião
Por questão de devoção
Chama Praça de São
Pedro
Mas não foi só o negro
Que sofreu essa desdita
O índio perdeu seu
sossego
Na história está escrita
A saga dos Guajajara
Da nação que habitara
Essa terra tão bonita
Oh! Jovens que contemplai
Hoje a Praça de São Pedro
Com a força do peito gritai
Pois não precisa ter medo
Chama a alma de cada
infeliz
Que um dia a história quis
Colocá-los ao degredo
A história do Engenho
Central
Ainda é muito confusa
Não uma versão ideal
Há uma gama profusa
De versões que contam a
história
Pra que fique na memória
Seqüelas da dominação
lusa
Nosso Engenho Central
Hoje motivo de
contemplação
Foi um terrível local
Pra toda uma nação
De negros que apanhavam
demais
Tratados como animais
Em nome da produção”
Essa história assume um aspecto peculiar, ela revela as relações existentes
entre a população de Pindaré, os Guajajara, o Engenho Central e os negros. Há nela
também reflexo de uma memória que, se por um lado, quer encobrir as lembranças
de um passado triste e desumano, por outro lado, quer lembrar e reconstruir algo
diferente, alegre, feliz.
Os escritores populares ao narrar essa história seguem o caminho que
reconhece a origem da população pindareense e nela assumem como verdadeira a
existência de negros trabalhando como escravos no Engenho Central. É a
lembrança individual que recolhe as lembranças coletivas que emergem de um
passado sombrio em busca de um presente brilhante. Nesse sentido, Halbwachs
evidencia que, “um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente
necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de
referência que existem fora dele, e que são afixados pela sociedade”
113
(HALBWACHS, 1990, p. 54). Nessa perspectiva, as lembranças pessoais
sustentam-se em marcas ou indicações coletivas.
Trilhando o caminho de depoimentos de alguns sujeitos na cidade de Pindaré,
é possível averiguar lembranças que fizeram a cidade, e nelas perceber a presença
da população negra que circulou nessa região em regime de escravidão.
É impressionante como no Maranhão não se encontra algo de documentação
escrita sobre os negros que foram levados para a região do Pindaré. Em nenhuma
passagem dos poucos escritos sobre o Engenho Central é dado destaque ao negro
e à sua importância para Pindaré. Este, quando aparece é sempre citado como o
escravo que transitava pela região do Pinda nos engenhos dos arredores,
entendido, portanto, somente como o escravo das fazendas e nunca como um
sujeito histórico que participou da origem da cidade. No entanto, a análise dos
relatos orais aponta as subjetividades e leituras individuais, que, por vezes,
desmontam padrões elaborados até mesmo por escritores.
Fontes, narrativas individuais mostram que o discurso político contribui para a
construção do imaginário do Pindareense na cidade e na região, nele as festas
aparecem de forma embutida e por vezes disfarçadas, como o grande redentor do
município e responsável por diversas ações. Mas quando interrogados pela origem
das festas na cidade a resposta é imediata:
É do povo negro. E aqui tudo é negro. É dos índios. Deles ficou mesmo
uma história pra contar. Eles sempre fizeram suas festas. Os africanos
sempre fizeram suas festas. Aqui é mesmo tudo de preto e de índio. Nós
mostramos o que nós temos: nossas festas, nosso carnaval, que é o melhor
de toda essa região por aqui (Sr. EUZAMAR, carnavalesco de Pindaré,
entrevista realizada em janeiro de 2005).
O ponto de vista do Sr. Euzamar reflete um legado cultural e o elemento
redentor que é a festa em Pindaré-Mirim, pois sua fala resume o imaginário
construído: “nós mostramos o que nós temos, nossas festas”. A festa dá outra
visibilidade á cidade, a sua população. É sua característica, sua identidade.
114
Houve um passado de glória e um passado escravista. Para a população de
Pindaré a herança ficou pelas festas e isso une e eleva a cidade. No depoimento
ainda aparece a consciência de que Pindaré tem uma população negra e uma
população descendente indígena, e que as festas, ali, nelas têm sua matriz. Essa
atitude desse informante reflete um dos aspectos do paradoxo existente em meio a
população da cidade, ora pessoas assumem que ali é uma cidade com um
contingente expressivo negro e com uma cultura majoritariamente negra, ora as
pessoas tentam negar essa presença.
3.3 Os imigrantes nordestinos no Pindaré
Autores como Ubialli (1997), afirmam que a partir do ano de 1880, a seca que
afligiu todo o Nordeste impeliu um grande número de nordestinos a migrarem para o
Maranhão, expandindo-se pelos territórios indígenas até a região do Pindaré. Para
Ubialli esse processo provocou “o esbulho dos Guajajara de suas terras. Processo
que criou certa tensão entre índios e ‘brancos” (UBIALLI 1998, p. 65).
Além disso, a construção do Engenho Central entre os anos de 1883 e 1884
acelerou o processo dessa migração nordestina para essa região. Os nordestinos
furtavam-se da seca, e se sentiam atraídos pela possibilidade do trabalho
assalariado, ao mesmo tempo, a Companhia Progresso Agrícola necessitava dessa
mão-de-obra, portanto, incentivou e importou levas de nordestinos principalmente do
Ceará e/ou grupos que, vindos do Ceará ou do Piauí passavam por Caxias do
Maranhão
44
e por alguns meses ali se fixavam estes também depois de um tempo
seguiam viagem. Eram estes os nordestinos que chegaram na região do Pindaré e
que, em grande parte, foram utilizados como força de trabalho, de modo especial na
construção da grande fábrica do Engenho Central.
44
Na visão de Andrade (1969), ‘Os nordestinos que migravam para o Maranhão, o faziam geralmente por terra,
atravessavam o rio Parnaíba em dois pontos, Teresina e Floriano. Os que chegavam por Teresina se dirigiam
para Caxias, cidade que desde a sua fundação como Aldeia de índios, a antiga Aldeias Altas, tornou-se um pião
nas comunicações entre o Norte do Maranhão e as terras do Piauí e da Bahia’ (ANDRADE, 1969, p. 82).
115
Do ponto de vista cultural, a população do Maranhão, à época, era constituída
majoritariamente pelo contingente negro, seguida dos, assim chamados, caboclos
maranhenses
45
e pelos remanescentes indígenas. A chegada do elemento
nordestino na região acarretou em choques e conflitos culturais entre a população
existente e o recém-chegado.
O caboclo maranhense vivia numa economia de subsistência, sem a
preocupação de buscar outras terras, pois ali tinha a terra devoluta e chovia o
suficiente para preparar o solo para plantar o necessário do dia-a-dia. Em geral, vivia
à sombra das palmeiras para daí retirar o que podia para a sua sobrevivência. Pela
forma com que adentrou o interior, por meio de embarcações, esse caboclo
maranhense é idêntico ao caboclo do Amazonas.
Segundo Andrade,
O clima quente e excessivamente úmido o inibia de trabalhar, e de um
esforço constante e organizado e ao mesmo tempo a natureza oferecia
facilmente os alimentos indispensáveis à manutenção. [...] por isso ele é um
estático, um homem que não se preocupa em armazenar para o dia
seguinte porque sabe que terá facilmente alimento ao alcance da mão; é
desambicioso, é desencorajado para a luta [...]. Valverde o considera um
vencido, afirmando que ‘a condição de dependência econômica, a tradição
escravagista e a indolência o derrotaram (ANDRADE, 1969, pp. 75-76).
As descrições de Andrade colocam o caboclo maranhense como de fato um
indolente, sem coragem e sem inciativa para a luta pela vida, em que nem a mata
nem o cerrado o atraem para uma exploração a fim de retirar sua sobrevivência. No
entender do autor, esse elemento nativo, “ficou à margem do rio, no meio do
babaçual e nos campos, onde o alimento era abundante e o índio dificilmente vinha
atacá-lo” (ANDRADE, 1969, p. 76).
Para aquele que chegava, à primeira vista, era possível que ficasse surpreso,
com essa atitude de “inatividade” ao lado de tamanha exuberância e recursos que a
45
Seguimos as discussões de Andrade (1969), ao considerar que ‘A palavra caboclo não é empregada aí, no
sentido étnico, significando o resultado do cruzamento do índio com o branco, mas no sentido etnológico,
cultural, muito usado na região, indicando apenas o homem pobre e inculto que vive no campo e trabalha no
meio rural. Este grupo maranhense é formado por caboclos autênticos e por numerosos mulatos de vez que com
o surto algodoeiro da segunda metade do século do século XVIII, o negro passou a ter grande influência na
população maranhense’ (ANDRADE, 1969, p. 75).
116
natureza oferecia. Contudo, se continuasse por mais tempo poderia passar a vê-la
de modo diferente, como algo decorrente de fatores históricos e culturais. Em outras
palavras, depois de um tempo de convivência, aprenderia as regras que regem a
ocupação daquela região, que definem os domínios e dotam de sentido a vida de
todos ali. Com o decorrer do tempo, ele iria captar a lógica da população da região
do Pindaré, assim como, o caboclo maranhense iria assimilar alguns traços daquele
que chegou à Região. Isto não aconteceria como algo automático e de forma rápida
ou até mesmo organizada. Antes, exigiria muitos esforços das duas partes, o que foi
sendo assimilado e incorporado mutuamente significou fruto de um processo lento,
norteado por intensos e constantes conflitos.
A região do Pindaé exemplar, pois nela, de modo especial, está inscrita a
história da migração nordestina para o Maranhão. Ela não é apenas um local de
aventuras de senhores, de fazendeiros, de detentores do poder, onde os horrores da
escravidão, indígena e negra, tiveram seu ponto de culminância.
A respeito do caboclo maranhense Andrade afirma que,
o sistema econômico não lhe abria possibilidades de trabalho compensador.
Os estímulos para o trabalho eram mínimos, os proprietários
monopolizavam a terra e não ofereciam salários compensadores, o que
podia obter com um dia de trabalho era menos do que o alimento que
obtinha em algumas horas de caça ou de pesca; o convinha, portanto,
trabalhar (ANDRADE, 1969, p. 76).
O autor continua a descrever o cenário que compõe o interior do Maranhão e
a vida desse indivíduo, o caboclo maranhense. Informa que se alimentava de
animais e caça do mato, da pesca que lhe era abundante, que tirava da floresta o
açaí, a bacaba e muitas outras frutas que serviam tanto como bebida alimentícia
como para fabricação de remédios, fazia a coleta do coquilho do babaçu, além de
trabalhar em pequenas roças com o cultivo do arroz, milho, mandioca e feijão. O
babaçu era vendido a preço irrisório, permitindo a exploração dos grandes
proprietários e comerciantes.
117
Outros povos com outras culturas também vieram e se apropriaram dessa
região no Maranhão, porém o migrante que mais se sobressaiu e deixou suas
marcas foi o nordestino.
A atração de riqueza fácil e a ausência do perigo de ataques dos indígenas
pacificados, fizeram com que convergissem em larga escala para a região,
brasileiros de todos os Estados, sobretudo cearenses, e estrangeiros com
línguas e costumes os mais variados, sírios, judeus, franceses, espanhóis,
chilenos, norte-americanos, negros de Barbados, portugueses e guianeses
(ANDRADE, 1969, p. 77).
Uma trajetória de muito trabalho, muito suor, labuta, sofrimento, dificuldade de
adaptação era constante nos imigrantes nordestinos que ali chegavam. Na
concepção de Andrade,
o nordestino tem uma psicologia bem diversa do caboclo maranhense. Ele
vem do Leste, do Piauí, do Ceará, do Rio grande do Norte, da Paraíba, de
Alagoas e da Bahia. Geralmente não é oriundo da Mata, mas do Sertão ou
do Agreste. Não está estigmatizado pela tradição escravagista, uma vez
que nos sertões onde domina a pecuária, a escravidão não teve grande
expressão econômica. O nordestino que se retira de sua terra vem premido
em parte pela seca e em parte pelas condições do meio e as injustiças
sociais. Os mais fracos ou mais dóceis temem a aventura, os riscos da
migração e fixam-se à terra submetendo-se às privações oriundas das
condições naturais e sociais. O migrante quase sempre ou é um homem de
espírito independente, desejoso de conquistar melhores dias, ou é um
homem que foge premido pelas circunstâncias; cometeu algum crime e foge
à sua punição. Por isso o nordestino, que é numeroso nos altos cursos do
Mearim, do Grajaú, do Pindaré e do Turiaçú [...] é considerado como mais
altivo e é mais respeitado do que o caboclo maranhense (ANDRADE, 1969,
pp. 81-82).
Quem migrou, se aventurou e buscou novas possibilidades para além de
qualquer dificuldade. Queria terra para trabalhar, condições, espaço de
sobrevivência, circunstância que a região do Pindaré oferecia.
O choque cultural foi inevitável, mas como quaisquer outros migrantes, os
nordestinos buscaram formas de adaptação, aderiram a determinadas práticas
culturais e sociais, mantiveram outras por achá-las melhores, e nesse sentido, o
trabalho de adaptação à nova região foi lento e ardoroso, independentemente de
qual estado ele tivesse vindo.
118
Da mesma forma, o nativo, o caboclo, os negros, que à época constituíam a
maioria da população, não sem muito esforço, entraram num processo de
negociação, ora acolhendo, ora rejeitando, ora estranhando a nova cultura trazida
pelo elemento nordestino. Aplica-se aqui a noção de ethos e visão de mundo
discutida por Geertz (1989) na qual o autor mostra que,
os aspectos morais (e estéticos) de uma cultura, os elementos valorativos,
foram resumidos sob o termo ‘ethos’, enquanto os aspectos cognitivos,
existenciais firam designados pelo termo ‘visão de mundo’. O ‘ethos’ de um
povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e
estético, e sua disposição é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e
ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o
quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu
conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade (GEERTZ, 1989, p. 93).
Esta noção torna-se eficiente nesse contexto de encontro do nordestino com
o caboclo maranhense. Na interação entre esses dois grupos, um confronto de
ethos diferentes, onde o nordestino, por sua condição de estar disposto a tudo, por
vezes consegue fazer prevalecer sua visão de mundo, assim como, tende a
considerar seu ethos como superior.
O nordestino, ao se deslocar para o Norte, no caso, para a região do Pindaré,
e confrontar-se com um grupo diferente, toma uma consciência incômoda de seus
costumes. As maneiras como tratam o caboclo maranhense e as maneiras como,
por vezes, são tratados por estes são o reflexo desse enfrentamento com o outro.
3.4 Sobrevivências culturais: a festa pelo caos
Misto de culturas diferentes, o povo pindareense traz nas suas veias, marcas
nordestinas e de etnia africana e indígena. Este último, também de várias etnias,
que como se sabe, constituíram os primeiros grupos humanos a ocuparem aquelas
terras.
A presença de colonizadores, e mais tarde no século XIX, a chegada de
árabes e de pessoas diretamente da Inglaterra para implementar a grande fábrica do
119
Engenho Central, sem dúvida ajudou a miscigenar ainda mais a população da
região.
Vale lembrar que o contato entre estes segmentos não foi de forma alguma
harmoniosa, mas repleto de conflitos. No entanto, isso não impediu a produção de
uma cultura com um elemento comum: a festa. Dessa forma, nos deparamos com
Pindaré como um lugar com características particulares, com um povo muito
peculiar, sobretudo em sua maneira de lidar e manter um cotidiano com a festa
movida pela fé.
Como mostrado, tudo ali tendeu a declinar. A Colônia São Pedro bem
projetada, faliu, o Engenho Central cuidadosamente programado também declinou.
Porém, os indígenas que resistiram escaparam nos refúgios da mata nos arredores
de Pindaré. Os negros, por sua vez, desde o limiar da libertação impuseram sua
presença com seu trabalho, com suas festas, com seu jeito de ser. Os nordestinos,
“ao contrário do caboclo maranhense [...] é um lutador. Ele trabalha, tem iniciativa e
procura melhorar de qualquer forma as condições de vida de sua família [...].. Na
ânsia de ganhar dinheiro, está sempre à procura de terras produtivas, de mata
virgem” (ANDRADE, 1969, p. 85), por isso, muitos migraram de Pindadepois de
alguns anos. Não obstante a essa dinâmica sua presença foi significativa para a
formação da cultura local.
Assim, para a professora Joana:
Nossa cidade teve de tudo, de escravidão, de índios, de brancos que
vieram de fora
46
, de até estrangeiros. Mas tivemos muitas glórias também.
O Engenho Central, ah! História bonita. Aqui foi um grande centro do
Maranhão, do Brasil. Hoje tudo acabou. Pindaré dorme. Precisa acordar.
Precisamos contar para os jovens quem foi Pindaré. A vantagem em tudo
isso é que temos razões para nos alegrar, para festejar. Não sei por quê....
mas as festas aqui são mesmo para se festejar, brincar.... todo mundo vira
uma família. Temos um passado triste e um passado de glória, não é?
Devemos lembrar o bem, o bonito. É isso que vai animar a juventude de
hoje e levar para frente esta cidade com sua história. Por isso, nós
festejamos, negro, branco, índios se reúnem em nossas festas e não tem
diferença. Vem o povo de fora e festeja conosco da cidade. Levam um
46
Quando perguntada sobre quem foram os brancos que chegaram para a região, a depoente exclama: “Ah, foi
todo esse povo do Ceará, eram todos amarelos, mas muito trabalhadores”
120
retrato bonito nosso.... é nosso cartão de visita. As festas aqui em nossa
cidade são festas bonitas, sem a violência de outras cidades. E, não tem
tempo ruim para se festejar. O povo de outras cidades sabe disso, sabem
que nós gostamos de festas e sabemos festejar, por isso eles vêm para cá,
não é bom isso? Pindaré poderia ser escolhida a capital da festa
(Entrevista, 16/08/2006).
Como mostra Brandão, a partir dos acontecimentos que chegam do século
XVI ao século XIX, isto é, desde os relatos da visita feita por Jean de Lery
47
, os
viajantes europeus que vieram ver de perto a aventura do Brasil, sempre se
espantaram com as tantas festas que por aqui encontraram: “Havia sempre festas,
todo o tempo, por toda a parte e por todos os motivos” (BRANDÃO, 1989, p. 14).
Dessa forma, a festa une o passado ao presente, mais precisamente, à medida que
ela quer lembrar como diz Brandão, pois, lembrança possui o seguinte movimento:
sai do presente vai ao passado, volta ao presente. Nesta dinâmica, tem-se o
encontro de elementos da construção da identidade.
O depoimento da Sr
a
.Joana revela a multiplicidade de significados que a festa
em Pindaré-Mirim carrega em seu conjunto. Sua fala inclui o desejo dos
pindareenses de transformar o lado de insucesso de seu passado e exaltar a
memória de glória da cidade, bem como, propagar uma cultura singular como
alternativa para dar uma nova visibilidade da cidade. Isso não se dá pelo fracasso do
Engenho Central, nem pela inglória dos povos, mas, sobretudo, pela festa, pois nela
todos ali se encontram.
A recuperação da imagem de Pindaré-Mirim é considerada por muitos
moradores como uma tentativa de revisão e rememoração de sua história,
paradoxalmente, um caminho para esquecer um passado ruim e ao mesmo tempo,
uma possibilidade de exaltação deste mesmo passado.
47
“O francês Jean de Lery chega ao Brasil pelos anos 600, nos começos da fase da colonização do litoral
brasileiro. Ele escreve com delicioso espanto uma festa de São Gonçalo [...] o que eles fazem juntos e quase sem
diferenças, pois dentro da Igreja e diante do altar cantam ao som de bizarros instrumentos e dançam irreverentes
e quase sensuais, em louvor do santo casamenteiro” (BRANDÃO, 1989, p. 14).
121
3.5 As festas, um ritual do cotidiano
O universo simbólico dos rituais que perfazem o cotidiano
48
da população de
Pindaré-Mirim continua sendo um dos pilares que a sustentam na produção de
significados, no refazer a memória coletiva e simbólica, no ressignificar o passado
na tentativa de vivenciá-lo no presente, na busca concreta de inserção político-
social.
Aqui em Pindaré se brinca, se vive de verdade. O tempo a gente faz. Festa
pra nós é o ano todo, pois quando não se está brincando está se
preparando, arrumando, pensando o que fazer e como fazer a outra festa e
todo mundo brinca mesmo. Ah, mas quando não tem festa em minha casa
tem na casa do vizinho, dos colegas e a gente tem que ir e brincar
mesmo. Pra que ficar triste? Nesse Engenho Central que foi tudo bonito,
que elevou nosso povo.... ah, aí também teve muito sofrimento. Nós pretos
já sofremos demais. Temos que ser hoje alegres. Em Pindaré a gente
rompe a tristeza com a festa. Pindaré é assim e todo mundo sabe
(Depoimento de D. Maria Caixeira, janeiro de 2006).
A expressão “todo mundo sabe” volta sempre nos discursos das pessoas
quando se referem às festas em Pindaré. A leitura é que nela está embutida o
desejo da população de PIndaré, de se vê refletida pelas festas, pelo lado “bonito e
alegre”. uma preocupação para que este “cartão de visita” seja apresentado e
visto assim pelos outros.
Durkheim, um dos primeiros a analisar a festa afirma que ela serve “Para
revificar os elementos mais essenciais da vida coletiva” (DURKHEIM, 1996, p. 409).
Para o autor, nesses momentos, são reafirmadas as crenças grupais e as regras
que tornam possível a vida em sociedade. Ou seja, “o grupo reanima periodicamente
o sentimento que tem de si mesmo e de sua unidade; ao mesmo tempo, os
indivíduos são revigorados na sua natureza de seres sociais” (idem,ibidem)
48
Cotidiano aqui entendido conforme a visão de Alfredo Bosi em relação à cultura popular. Este autor ao
formular sobre uma teoria da cultura brasileira nos aponta “terá como matéria-prima o cotidiano físico,
simbólico e imaginário [...] Nele sondará teores e valores. No caso da cultura popular, não uma separação
entre uma esfera puramente material da existência e uma esfera espiritual ou simbólica. Cultura popular implica
modos de viver: o alimento, o vestuário, a relação homem-mulher, a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas
de cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os
cantos, as danças, os jogos, a caça, a pesca, o fumo, a bebida, os provérbios, os modos de cumprimentar, as
palavras tabus, os eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de andar, o modo de visitar e ser
visitado, as romarias, as promessas, as festas do padroeiro, o modo de criar galinha e porco, os modos de plantar
feijão, milho e mandioca, o conhecimento do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir e de consolar...”
(BOSI, 1992: 324).
122
Como D. Maria Caixeira, a maioria das pessoas de Pindaré vive a festa como
uma reanimação da vida, ao mesmo tempo em que pela festa se mantém de forma
diferente, singular. D. Maria mostra-se uma pessoa feliz e vibra ao contar sua
história e a história da cidade. Seu depoimento é cheio de emoção e mostra todo um
compromisso com a imagem da cidade, com a população que para ela: “são todos
seus irmãos”. Por outro lado, sua linguagem reflete um desejo intenso de superação
da dor, da doença, da fome, da falta de assistência, que, apesar da festa, estão
presentes em meio à população da cidade. Revela o anseio por uma sociedade
pindareense igualitária. Em suma, seu depoimento é permeado da perspectiva de
como a sociedade de Pindare gostaria que fosse vista pelos outros e por si mesma:
viva, alegre, sem dor, sem passado escravagista.
Nesse sentido, Guarinello se refere que
a festa não é uma realidade oposta ao cotidiano, mas integrada nele [...]
envolve a participação concreta de um determinado coletivo [...]
distribuindo-se os participantes dentro de uma determinada estrutura de
produção e de consumo da festa (GUARINELLO: IN orgs. JANKSÓ e
KANTOR, 2001, pp. 971-972).
A fala de D. Maria caracteriza a presença da pessoa com seus múltiplos
interesses na dinâmica das festas em Pindaré. A festa, perpassada pela fé mostra
no ambiente da cidade as múltiplas relações que subjazem tanto individual como
coletivamente em sua população. A festa em Pindaré é o ápice de um conjunto de
interesses que são reforçados a partir dessas múltiplas relações.
Embora com status de município mais de seis décadas, Pindaré-Mirim,
ainda hoje, continua com um perfil rural e destaca-se de outras áreas do Estado por
conservar muito das tradições populares do Maranhão. Podemos constatar que a
população da cidade, em geral, se considera “guardiã” da cultura maranhense. Sua
religiosidade, aliada ao gosto pelas brincadeiras, danças e festas, rituais, cultivo de
devoções individuais e/ou familiares, transforma as comemorações durante o ano e
o seu cotidiano, em motivo especial para reavivar velhas tradições, reforçar laços de
origem, incorporar novos elementos e anseios, conservar a memória.
123
Neste sentido, as pessoas conquistam, no domínio do ritual festivo, um
espaço que lhes assegura a liberdade de reproduzir valores culturais de tradição da
cidade, cujo significado para alguns tem origem mítica. O S
r
. Domingos, filho-de-
santo, professor, em um de seus depoimentos deixa bem expressa essa dimensão.
Segundo ele,
Pindaré é místico. Pindaré tem festa por causa de nossa origem. Aqui é
rodeado de lagos. Pindaré é uma ilha. Veja, no inverno tem a pequena
ponte entre Pindaré e Santa Inês o restante bate aqui no rio. Se não fosse a
ponte ninguém passaria. A cidade está em cima das águas, rodeada por
águas. Isso fala muito para s dos terreiros. Aqui tudo é movido pelas leis
da natureza e a água é a mães de todos os elementos da natureza. Ela
orienta. Precisamos nos direcionar pela água. A cidade de Pindaré pertence
a água. Todos os pindareenses somos filhos dessa água que está aqui e
cerca toda a cidade. seres maiores que nós que regem a cidade e nós
somos envolvidos por eles, por isso Pindaré é tão diferente por exemplo de
Santa Inês. Quem é de Pindaré tem essa marca de água, de natureza. Por
isso nossa cidade é assim (Depoimento do sr. Domingos, agosto de 2006).
Como é possível notar, a fala desse informante associa um universo místico à
idéia de pertencimento. O cunho religioso dá razão também para se festejar.
Nem mesmo o deslocamento dos mais jovens para outras cidades maiores
ameaça a população de Pindaré a enfraquecer suas manifestações festivas. No
cenário da cidade percebemos um fluxo acentuado de saída da juventude para
outras cidades. Os motivos, em geral são:
Eles precisam sair, pois, Pindaré oferece pouco para as pessoas
cresceram. Se quiser uma universidade, tem que sair, se quiser um
emprego melhor, tem que sair e assim.... Só que eles sempre voltam. Aqui é
a mãe. Tem que vir beber de novo de nossa água para que as coisas dêem
certo lá fora. Por isso, no festejo de São Pedro é muita gente mesmo.
Todos os filhos da cidade que estão fora volta mesmo e vem pra festa do
padroeiro, aqui recebe as bênçãos de novo para poder voltar bem. É assim,
eles representam Pindaré fora e nós representamos eles aqui.
Seguramos, quando eles voltam estudo bonito. Aqui a gente espera por
eles (D. Maria Caixeira, depoimento em 29/10/2007).
O depoimento de D. Maria Caixeira é revelador da dinâmica do ir e vir, da
juventude de Pindaré. As representações estão postas, os que ficam precisam dar
continuidade ao mundo simbólico que representa Pindaré, aguardam os que saíram
e os representam, os que estão fora devem representar a cidade, mas precisam
voltar sempre. Essa volta significa o restabelecimento do contato com as raízes e a
124
garantia do universo construído a partir de valores que se tornaram importantes para
a manutenção da cidade em rituais festivos. É um refazer para projetar novamente.
Neste sentido, é oportuna a observação de Mariza Peirano ao trabalhar o tema,
‘Rituais’. A autora concebe que "Rituais e representações formam um par
indissociável. Mas, para sua sobrevivência, é necessário um grupo de pessoas, uma
comunidade moral relativamente unida em torno de determinados valores"
(PEIRANO, 2003: 19). Em Pindaré-Mirim verifica-se que as pessoas sentem que se
pertencem, e que pertencem a um determinado grupo e com essa marca se
representam a si próprio e a seu grupo.
Ao chegar a Pindaré, logo defrontamos com um clima de familiaridade. Pode-
se verificar que a relação de parentesco vai além dos laços sanguíneos, o exercício
da solidariedade é uma constante, a acolhida e a gratuidade são valores altos, o
dispensar o tempo para o outro que chega, os caminhos que são feitos
simplesmente para visitar alguém, a forma de enfrentar a dor, a morte, os conflitos
no grupo, na família, na vizinhança, o sentimento de dever obrigação e de
consideração. Tudo isso, ao lado de certa ostentação, gosto pelo requinte e o
“manter um aspecto bem apresentado” para ser “bem visto”.
Entendemos que estes rituais, presentes no cotidiano da população de
Pindaré-Mirim, são movidos pela força da visão religiosa de mundo e da concepção
de que o religioso e a festa não se separam dos outros aspectos da vida. Com
efeito, neste meio, perpassa uma linguagem e uma prática repleta de sentido de
transcendência. Sobre esse aspecto uma ritualização do cotidiano entremeado
pela concepção do religioso, que ajuda a construir um universo simbólico festivo em
Pindaré. Para sua população, as festas e a manutenção de tradições religiosas
constituem uma dimensão essencial de sua vida cotidiana. Neste cenário, festas
populares, devoções religiosas constituem espaços de manutenção de tradições e
se tornam um ritual sagrado, ao mesmo tempo em que se transformam em uma
experiência social coletiva.
Ao lado desta ritualização também em Pindaré-Mirim, pode-se perceber o
mesmo fenômeno existente em centros urbanos maiores no Brasil como, por
exemplo, o modelo de concentração da riqueza que sustenta as desigualdades
125
sociais. Decorrente desse contexto, encontram-se na cidade, classes sociais bem
estratificadas.
Em Pindaré, ainda podemos notar uma relação de gênero em que os espaços
reservados ao homem e à mulher são bem definidos e hierarquizados. Geralmente,
as relações nas famílias são marcadas pelo estilo da família patriarcal. Esta
dimensão pode ser encontrada também em meio aos grupos organizados das
diversas festas na cidade. Por outro lado, em outros grupos, como por exemplo, nas
festas dos Terreiros de Mina e na festa do Divino, em geral, é a mulher quem exerce
o papel da liderança principal.
126
Foto 04: Apresentação do Bumba-Boi.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
CAPÍTULO IV
_______________________________________________
LUGARES DE RECONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
127
No que concerne às festas levadas a termo pela população negra, não se
pode ignorar, que no período colonial e imperial os chamados ‘batuques de
escravos’ constituíam-se em espaço de alegria, para além da aflição da escravidão.
Nesse sentido, concordamos com Tinhorão ao considerar que,
o fato de os batuques constituírem para os escravos africanos, desde o
século XVI, um dos raros momentos de livre exercício de seus costumes
originais, ia garantir a esses encontros uma riqueza de expressões de que
os colonizadores jamais poderiam imaginar a extensão (TINHORÃO, 1988,
p. 45).
E, conforme mostra Domingos Vieira Filho,
a presença atuante do português e depois do negro, sem esquecer o índio,
deu as coordenadas para o processo folclórico maranhense. [...] Os
cronistas da missão catequética francesa, Claude d’Abbeville e Yves
d’Evreux, e um pouco mais tarde o minucioso Betendorf, surpreenderam
vezes sem conta os índios do Maranhão em suas folganças características
danças lúdicas ou puramente rituais. Yves d’Evreux anotou em certo lanço
de sua Viagem ao Norte do Brasil: ‘Vão (os) índios livremente aos Cauins, e
danças blicas, enfeitando de mil maneiras o seu corpo que com pinturas,
quer com penas, quando podem, pois estas soam muito caras’. E noutro
passo da mesma narrativa anota o minucioso cronista capuchinho:
‘Também tem por costume, que igualmente observei, o trazerem assobios e
flautas [...]dos quais arrancam sons fortes, agudos e claros, e ao som deles
entoam seus cantos usuais, especialmente quando estão nos Cauins [...].
Por sua vez o negro transplantado da África trouxe consigo um avultado
contingente do folc: instrumentos musicais, sobretudo de percussão essa
gama imensa de tambores com que assinala impressivamente sua
presenças seja em simples folguedos, sejam em danças mágico-religiosas
danças variadas, quase todas, ou todas, afinando num tônus de cálido e
brabo sensualismo com requebros febricitantes [...]. Do índio duramente
espoliado, execrado pela conveniência de muitos e exaltado pela piedade
anódina de tantos, nos ficaram algumas lendas e mitos, uma alentada
toponímia, o gosto pelo milho e a mandioca, o beiju, a farinha de pau, a
carimã, esse processo de curar a carne ao fogo lento, o moquém [...] e o
uso da rede de dormir. O negro africano, escravo e mártir, tratado como
bicho-do-mato [...] fez uma presença marcante no plano étnico e religioso.
O cuxá, a dança e a música, a culinária. O escravo negro amava dançar e
liberar o corpo em contorções e meneios, em requebros cadenciados ou
saracoteios frenéticos. Trouxe marimba, o caxambu, o urucungo, toda uma
sorte de instrumentos de percussão, fricção, membranofones ou idiofones.
Nos pontos de Tambor-de-mina ou de Terecô ou nas toadas de Tambor-de-
crioula, estava sempre lembrado a terra d’África distante, ligada pela
memória afetiva. Quanto ao português [...] em centenas de ocorrências de
folc no Maranhão nós vamos encontrar essa presença lusitana. Na
culinária, na lúdica infantil, na literatura oral novelística popular, lendas,
mitos etc, - no folclore mágico-religioso, no canto e na dança (VIEIRA
FILHO, 1977, p. 7-8).
128
Não restam dúvidas que Pindaré é festeira. A população pindareense carrega
em si uma forte inclinação para as comemorações e celebrações que atravessam o
ano. Os pindareenses gostam de festa. Seus festejos são marcadas, historicamente,
pelo sincretismo entre o catolicismo oficial e outras manifestações de caráter
popular.
4.1 A Pindaré “festeira”
Pindaré-Mirim, instante único de festa e de fé. Cidade que como o Maranhão
tem aspecto peculiar por sua intensa miscigenação. É nesse espaço que sua gente
com suas “coisas” - magias, encantos, lendas, nostalgia, saudade, olhar de
esperança, alegria, jeito de acolher - deixa fluir o ano inteiro sua diversidade cultural,
mística, festiva.
As festas populares, religiosas em Pindaré, pela cadência e regularidade, pelo
número tão grande, pelo estilo, afirmam a alma e o espírito festeiro da população.
Em outras palavras, nessa cidade é intenso o gosto pelos ritmos, um requinte e
uma exuberância na indumentária.
Se documentos poucos registram, se parte de sua população quer dissimular
que houve negros na formação de sua sociedade, quando se trata das festas a alma
do pindareense vibra, o coração rejubila e fala com orgulho como D. Maria Caixeira:
“Isso aqui é de preto mesmo. O sangue corre em nossas veias e não tem quem
pare mais. A energia que nós temos é dos nossos antepassados. Temos que
mostrar lá fora quem é Pindaré hoje” (Depoimento em maio de 2007).
É possível perceber na narrativa de D. Maria Caixeira o paradoxo que persiste
em meio à população de Pindaré, por um lado tende a negar a existência do negro
para a formação da cidade, por outro, encontra na festa um elemento que contempla
as matrizes culturais negra, indígena e nordestina, incluindo e expressando que as
festas em Pindaré também estão relacionadas à história do negro. Esses elementos
129
estão mesclados e remetem às concepções de identidade, ultrapassando a idéia de
algo acabado, determinado, estático, permanente.
O depoimento de D. Maria Caixeira remete à idéia de pertencimento e de
busca de construção de uma identidade comum. Aqui não se trata de algo fixo, mas
de perfazer um caminho em que pelo desejo de visualizar Pindaré por outro ângulo,
sua população vai buscando formas para se identificar, com um passado sim, mas
também com um presente que desconstrói as marcas negativas desse passado. É
importante para a população que Pindaré seja representada para si mesmo e “lá
fora”, como diz D. Maria, com características particulares. Não como terra de negros,
mas como terra de festa. Sua característica foi sendo construída nos princípios da
festa e do espírito festeiro. Justifica-se assim, o título deste capítulo: A “Pindaré
festeira”.
4.2 Ciclo de festas populares/religiosas
Assim, toma-se conhecimento de um número expressivo de festas populares
existentes em Pindaré-Mirim. Para uma visão mais global as mesmas foram
mapeadas e classificadas em três categorias:
a) Festas populares que existem na cidade, as quais aqui registrou-se apenas
os nomes: Dança Cigana; Grupo Teatro Folclórico; Dança da Mangaba; Grupo
Dança Country da Palmeira; Grupo Corpo e Movimento Hip-Hop; Os vários grupos
de Quadrilhas de São João: Peleja mais não Cai; Futrica no Sertão; Liberdade
Caipira; Princesinha do Sertão; Raio de Sol; Pé de Serra; Fênix (quadrilha mirim);
Menina Flor (quadrilha mirim); Milho Verde (quadrilha mirim); Tico-tico na Rocinha
(quadrilha mirim); Pinga Fogo; Nunca Tomou uma; Os Forasteiros do Sertão; Raio
de Sol; Os Caipiras do Arregaço; Quadrilhas de São João;
b) Festas populares seguidas de um breve resumo histórico: Dança Portuguesa;
Cacuriá; Carimbó; Dança de São Gonçalo; Tambor de Crioula; Carnaval; Capoeira;
130
c) Festas aqui descritas e analisadas: Festa do Divino; o Bumba-meu-boi, a
Dança Indígena; festa de São Pedro, a Comunidade Espírita Umbandista do Vale do
Pindaré seguida da descrição etnográfica do Terreiro: Tenda Espírita Três Reis
Magos.
Além destas, conforme o calendário festivo, elaborado pela Secretaria de
Cultura do município, dentre as festas de caráter religioso ou popular, fixas e
móveis, registra:
Festa
Data
Loca
l/duração
Santos Reis 04 a 06 de janeiro . Tenda Espírita de Umbanda Três Reis
Magos
. 13 dias
Carnaval Data móvel . Ruas, praças, clubes
. 4 dias mais intensos
Pré-carnaval Data móvel . 01 semana – um mês antes do Carnaval
. Clubes, ruas do centro da cidade
. praça principal da cidade
Semana Santa Data móvel . 01 semana mais intensa
. Terreiros, Igreja Católica
Aleluia Sábado de Aleluia . Associações de Bumba-meu-Boi;
. Terreiros
. Matança do Judas – na praça central da
cidade
Dia do Índio 19 de abril . 19 de abril
. Escolas, Igreja Católica, eventos
promovidos pela Prefeitura na praça principal
da cidade
Dia das mães 2º domingo de maio . Concentração na Escola Raimunda Nazaré
Jansen
. Outras escolas da cidade
. Igreja Católica
Preto Velho (Terreiros) 13 de maio
. Tenda Vovô Preto Velho – 02 dias
. Tenda Espírita Três Reis Magos – 03 dias
Pentecostes Data móvel . Associação cultural Divindade do Pindaré;
. Terreiros
. Igreja Católica
Festas juninas
23 a 29/06
25/06
27/06
28/06
29/06
23/06
. Ruas da cidade
. Axixá
. Praça da Matriz
. Pé de Galinha
. Associações do Bumba-meu-Boi
131
Corpus Chisti
Data móvel . Igreja Católica
Ensaio redondo
(Bumba-Boi)
12/06 . Associação do Bumba-meu-Boi
São João fora de época
1ª semana de julho . Tenda do Pajé – Cibrazém
. Apresentação de quadrilhas e outras festas
juninas – praça da Matriz
Festa de Nossa
Senhora Santana a
de Cristo (mãe de N.
Senhora)
26 de julho . Todas as Associações do Bumba- meu-Boi
. Vários Terreiros da cidade
Aniversário da cidade 28 de julho . Avenida Elias Haichel
. Vários Terreiros
Dia do Folclore 22 de julho . Escolas
. Eventos promovidos pela Prefeitura Praça
da Matriz
Dia dos Pais 2º domingo de agosto . Concentração: Escola Raimunda Nazaré
Jansen
. Outras escolas
Dia da Raça 05 de setembro . Concentração: Escola Raimunda Nazaré
Jansen.
. Outras escolas
. Eventos promovidos pela Prefeitura Praça
da Matriz
Festa da Independência 07 de setembro . Eventos promovidos pela Prefeitura - Av.
Elias Haichel e Praça da Matriz
Dia da criança
Dia de Nossa Senhora
Aparecida
12 de outubro
. Escolas da cidade –
. Eventos promovidos pela Prefeitura - Av.
Elias Haichel
. Igreja Católica
. Terreiros da cidade
Festa do Divino 16 a 17 de novembro
(festa fixa)
Festa móvel
. Associação Cultural da Divindade do
Pindaré
.
. Durante o ano em vários locais
Nossa Senhora da
Conceição
08 de dezembro . Escolas
. Igreja Católica
. Terreiros
Natal 25 de dezembro
. Igreja Católica
132
4.2.1 A Dança portuguesa
Segundo Reis a Dança Portuguesa,
É uma dança executada em pares, ‘folga’ (sic) a herança mais portuguesa
nas manifestações folclóricas maranhenses. Os brincantes trajam roupas
típicas de Portugal, com muitos bordados, com destaque às meias brancas
e aos lenços nas mulheres, e chapéus e luvas nos homens. Os pares
dançam ao som de fados e viras. Um casal à frente comanda os passos.
[...] traz a elegância dos movimentos com suas indumentárias peculiares [...]
(REIS, 2004, p. 49).
Em Pindaré existem 5 grupos de Dança Portuguesa, dança muito comum em
quase todo o Maranhão. Não o ritmo, mas todo o cenário, bem como a
indumentária remetem à herança portuguesa. Esta dança foi trazida para a cidade
pela professora Jane Cristina que é pindareense no ano de 1986 na Escola Centro
Educacional Nossa Senhora Aparecida. Deu o nome, à época, de Engenho
Português em homenagem ao Engenho Central. Originalmente o grupo contou com
28 membros.
Segundo Santos & Santos, quando a professora Jane,
Estudara em São Luís costumava assistir aos ensaios e apresentações da
Dança Portuguesa, o que lhe inspirou a desenvolver este trabalho em
Pindaré e, para fundamentação do mesmo buscou um conhecimento mais
aprofundado assistindo aos vídeos do cantor Roberto Leal (SANTOS, 2006,
p. 68).
Do primeiro grupo foram surgindo outros grupos na cidade. Cada grupo
procura se inovar a cada ano e com isso vai sendo sempre mais acolhido pela
população da cidade.
Os grupos têm seus ensaios durante o ano e se apresentam de forma mais
intensa nos festejos juninos durante os meses de junho e julho. Além disso, podem
se apresentar também em outros eventos, como por exemplo, o aniversário da
cidade. São estes os grupos de Dança Portuguesa na cidade de Pindaré-Mirim:
Engenho Português;
Espírito Português;
133
Magia e Encanto de Lisboa;
Sonho de Portugal (grupo mirim);
Encanto Português (grupo mirim).
4.2.2 Cacuriá
Dança tipicamente maranhense, de acordo com Reis (2004) este vocábulo é:
[...] essencialmente maranhense, a palavra não é encontrada nos
dicionários nem nos livros de linguagem popular do Maranhão, chegando ao
limite do seu próprio possível criador, Sr. Alaurino Campos de Almeida
Lauro, inclusive falecido, não ter passado o seu significado para seus
dançarinos (REIS, 2004, p. 40).
Tudo leva a crer que o Cacuriá foi criado entre os anos 1972 e 1973, no bairro
Ivar Saldanha, na cidade de São Luís “a partir de um determinado ‘fato’ da Festa do
Divino”. Trata-se do momento pós-festa quando depois que derrubavam o mastro,
“as caixeiras se reuniam para folgar”. Desencadeava-se daí outra festa que se
tornou muito importante, o “Carimbó das Caixeiras”, que se tornou tradição até os
tempos atuais. Neste espaço foi-se desenvolvendo também a dança do Cacuriá. A
dança recebeu a simpatia do público e se desenvolveu tanto pelos bairros da capital,
quanto pelo interior do Estado. (REIS, 2004)
Para dar uma ligeira noção da dança Reis (2004) toma em seus trabalhos a
seguinte nota:
É difícil acompanhar o ritmo contagiante e cheio de malícia desta
manifestação popular. Dançando em círculo, o Cacuriá se utiliza da
percussão das Caixas do Divino. quem atribua sua origem às Festas do
Divino Espírito santo em Alcântara Maranhão, quando as caixeras, após
os festejos, saíam para se divertir e dançavam o ‘Carimbó das Caixeiras’. A
dança se utiliza de uma coreografia muito rápida e geralmente é puxada por
uma líder que cantarola músicas e refrões do folclore popular maranhense.
Atualmente vários grupos de Cacuriá no Maranhão, com destaque para
o cacurde Dona Teté, uma figura bastante conhecida com referência aos
assuntos desta dança. [...] Destaca-se também o Cacuriá do Cruzeiro do
Anil, com o líder Tourinho (NOTA EXPLICATIVA DA EXPOSIÇÃO
PERMANENTE DO CENTRO DE CULTURA POPULAR DOMINGOS
VIEIRA FILHO apud REIS, 2004, p. 40).
134
O Cacuriá foi levado para Pindaré pelo S
r
. Raimundo Nonato, conhecido
como Nonatinho. Sem um registro certo do ano em que foi iniciado na cidade, essa
dança foi reativada em 1993. O Cacuriá em Pindaré só é apresentado em junho no
circuito das festas juninas e do festejo de São Pedro.
De acordo com Santos & Santos (2006), existem em Pindaré três grupos
desta manifestação festiva na cidade. São eles:
Mega Estrela Cacuriá;
Big Cacuriá;
Associação Folclórica Cacuriá.
4.2.3 O Carimbó
Vinda do Pará, essa Dança também se espalhou na região do Pindaré. O S
r
.
Magson Medreiros a trouxe para a cidade de Pindaré por volta do ano 1993.
Atualmente existem em Pindaré oito grupos de Carimbó. Sete desses são de
escolas e formados por crianças. Somente um grupo o é de escola e é liderado
pela Sr
a
. Cristina Gaspar Serra. Todos os grupos realizam seus ensaios durante o
ano todo e se apresentam em momentos diversos. O Carimbó em Pindaré passou a
integrar o circuito dos festejos de São João.
4.2.4 Dança de São Gonçalo
Conforme Reis,
São Gonçalo é o santo português que, principalmente no norte de Portugal,
tem a maior reputação. [...] No Maranhão é considerado o padroeiro das
‘TITIAS’, ou melhor, o santo da esperança das solteironas. [...] O evento
ocorre sempre em retribuição a uma graça alcançada (REIS, 2004, p. 183-
184).
135
Não existem grupos formados para esta dança em Pindaré. Quando
acontece um “Baile de São Gonçalo”, como é conhecida, na maioria das vezes, é
realizado por alguém que faz uma promessa ao santo e obtém uma graça. A pessoa
paga a promessa, com um baile onde as pessoas que participam da festa se trajam
com chapéu de fitas e vestimentas a caráter e formam uma dança.
Em entrevista, o “Guia de São Gonçalo”
49
, Sr. Josafá Lemos Belfort falou com
emoção sobre a dança e o seu sentido. Para ele,
Quem trouxe essa dança para nossa cidade foi o guia Joaquim Gomes. Não
sabe o ano que ele trouxe essa dança para Pindaré. Aqui não existe um
grupo formado para fazer essa dança. Mas existem as pessoas que
dançam, e quando somos convidados, então nos reunimos com as pessoas
que dançam e realizamos a festa. Estamos aqui para atender o convite das
pessoas, é um prazer fazer esse baile. Eu comecei a dançar bem novo, sou
guia a uns oito anos, quando meu mestre faleceu o Sr. Joaquim eu
assumi o lugar dele como guia. Não tem data marcada para fazer a festa, é
feita a promessa e dependendo da promessa e da pessoa que fez ai é feito
o baile (Guia Sr. Josafá Lemos Belfort, entrevista em 22 de novembro de
2007).
4.2.5 Tambor de Crioula ou de São Benedito
Trata-se de uma dança informal, livre, caracterizada pela “Punga” ou
“Umbigada”. Para a dança é feita uma roda de mulheres que dançam em frente aos
três tambores tambor grande (roncador ou rufador), meião (socador ou chamador)
e crivador (pequeno, peregreno ou merengue) que acompanham os cânticos..
Quando alguém vai sair da roda, é feita a Punga que é convite à dança e é
considerada seu ponto alto. As dançantes são chamadas Coreiras. A vestimenta das
mulheres é muito colorida e todas têm saias rodadas que ajudam a dar contornos à
coreografia. Esta é vibrante e é feita em movimentos coordenados com destaque
para o requebro harmonioso das Coreiras.
49
É o líder que coordena e tem o comando da dança e todo o desempenho da apresentação da festa depende do
‘Guia’ que em geral deve ser uma pessoa escolhida pelo festeiro – o dono da festa.
136
Foto 05: Mulheres dançantes do Tambor de Crioula ao redor do altar de São Benedito.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Os homens usam chapéu de palha e camisas coloridas, combinado com a
estampa das saias das mulheres e são eles que batem os tambores. Outros ficam
de na roda de fora cantando e batendo palmas enquanto as mulheres dançam.
Em geral, deve ter sempre a “cachaça da terra” para “animar o tambor” que
normalmente dura até o sol raiar (REIS, 2004). Para Vieira Filho o Tambor de
Crioula,
é sem dúvida uma dança que nos veio no bojo da escravidão negra-africana
e não tem nenhum conotação ritual. É um simples batuque, caracterizado,
do ponto de vista coreográfico, pela umbigada, que entre nós tem a
designação de Punga. A umbigada sabe-se, é uma constante em inúmeras
outras danças de origem africana (VIEIRA FILHO, 1977, p. 20).
Do ponto de vista da população de Pindaré,
o Tambor de Crioula é Tambor de São Benedito. Nós dançamos o Tambor
para rezar para S. Benedito, pois ele é o santo dos pretos. Aqui em Pindaré
nós não gostamos de dançar para apresentar para gente de fora. Por
isso, nós rezamos sempre antes... aliás, o Tambor aqui é mesmo reza,
porque a gente vai onde é convidada para ajudar o dono de alguma festa
que fez promessa pra S. Benedito. A gente reza, se diverte, brinca o
Tambor e ajuda os irmãos a pagar sua promessa (Uma brincante ou coreira
do Tambor de S. Benedito em Pindaré).
137
O senhor Pertuliano Rodrigues Trindade
50
, nascido em Matinha MA no ano
de 1917, mudou-se para Pindaré em 1942 e trouxe consigo o Tambor de Crioula
para a cidade, festa que homenageia o Benedito. Na festa os devotos fazem e
pagam promessas. Do ponto de vista da população em Pindaré “a dança é uma
tradição, uma devoção” (SANTOS, 2006, p. 69). Em geral as pessoas da cidade e
da redondeza falam que em Pindaré o “Tambor de Crioula é de tradição”. A
expressão está relacionada à crítica ao se referirem ao Tambor de Crioula de São
Luís que, em geral, se transformou mera apresentação e diversão para turistas.
Como seu Pertuliano estava idoso, a roda do Tambor enfraqueceu em
termos de pessoas e de quantidade de festas. Os tambores da festa de seu
Pertuliano ficaram guardados no povoado Lameiro Grande que é município de
Monção. Quando chegam os dias de festa, as pessoas devem ir até para buscá-
los.
Ferretti, um dos pesquisadores que se dedicou ao estudo desta manifestação
folclórica aponta que:
No Maranhão, uma das danças que retém em si traços africanos é o
Tambor-de-Crioula, tendo como uma dessas características principais a
realização em louvor a São Benedito – Santo Preto. É ainda praticada
predominantemente por descendentes de negros, tanto no meio rural
quanto no urbano, apresentando variantes principalmente no que se refere
ao ritmo à forma de dançar (FERRETTI, 1995, p. 43).
Em Pindaré, atualmente, existe um grupo de Tambor de Crioula organizado na
cidade. Segundo Carlinhos, sub-secretário de cultura em Pindaré, “É esse grupo
quem dá assistência. Dona Antonia entra com seu grupo fazendo noitadas, na
região”. (Carlinhos, entrevista em 22 de novembro de 2007). As pessoas que
cultivam essa tradição, em geral, a receberam como herança de seus familiares ou
em alguns casos, são pessoas que fizeram uma promessa a São Benedito.
Embora o Tambor de Crioula de Pindaré tenha se mantido ao longo dos anos,
o grupo tem um registro oficial de fundação com a data de 04 de outubro de 1971.
Esse grupo tem como liderança a Sr
a
. Antonia Cardoso Souza que continuidade
50
Já falecido.
138
ao grupo do S
r
. Pertuliano, e conta com um corpo de aproximadamente 36 pessoas
entre homens e mulheres. Seu nome oficial é Grupo de São Benedito. Essa dança
tem sua passagem de geração em geração, e em geral, é cultivada por devoção e
promessa.
Em Pindaré a data marcada para apresentações é sempre o mês de junho.
Além disso, o grupo se apresenta aonde é chamado, dependendo do convite de
quem faz a promessa. Também o Tambor de Crioula se apresenta constantemente
nas festas dos Terreiros de Mina. O grupo, geralmente, é convidado para “brincar”
em outras festas, sejam elas nas casas de culto afro-brasileiro, em festas
particulares nas famílias, ou em festas de alguma comemoração na cidade ou ainda
no bojo das festas juninas.
4.2.6 Carnaval
O pindareense carnavalesco, S
r
. Euzamar Batista Medeiros, 75 anos, teve
seu início no samba já aos cinco anos de idade. Segundo ele a esta idade
participava de um bloco carnavalesco organizado por sua tia. Sr
a
Euzamar, conta
que à época em Pindaré,
existia uma separação de classe entre os brincantes do carnaval em que
pertenciam à primeira classe - pessoas brancas ou morenas e que eram bem
conceituadas financeiramente na cidade e na sociedade. A segunda classe
era constituída por: negros, mulatos e meretrizes. Existia uma espécie de
preconceito, pois os blocos eram separados em blocos de primeira, blocos de
segunda e blocos de terceira. Com o passar do tempo isso foi se
modificando. Aos poucos foram se unindo as pessoas dos blocos, mas
sempre ficou separado o bloco das meretrizes que era o bloco de terceira.
Embora não existisse na época competição entre os blocos as pessoas
costumavam caprichar nas fantasias para os dias de apresentação dos
blocos (Sr. Euzamar, entrevista aos 12 de agosto de 2006).
Foi o senhor Euzamar que em 1949 juntamente com seu primo Joaquim
Garrincha Garrincha - idealizou o bloco “Tempo Quente”, que reuniu
praticamente apenas pessoas consideradas da segunda classe. Segundo o S
r
.
Euzamar o “Tempo Quente” foi o primeiro bloco na cidade a ser acompanhado com
sua própria bateria.
139
Ao discorrer sobre a história do carnaval de Pindaré, o S
r
. Euzamar fala que
em 1950 foram formados dois blocos na cidade e que estes conseguiram até brincar
juntos na passarela. Tratava-se do bloco “Nem te Quero”, formado por moças da
cidade, e do bloco “O Bagaço”, formado por rapazes. Esses blocos também
funcionaram com bateria própria.
Outros blocos foram surgindo com o decorrer dos anos:
“A Estrela do Samba” – liderado pelo S
r
. Pedro Bahia;
“O Império do Samba” liderado pelo S
r
. Euzamar e S
r
. Ornilo. Este bloco se
uniu depois com “O Bagaço e assim permaneceram por 10 anos sob o
comando de Chico Lopes.
S
r
. Euzamar relembra que juntamente com o S
r
. Eudézio e o S
r
. Dico
Camaleão fundou ainda em 1976 o “Grêmio Recreativo Escola de Samba Vila
Sorriso
51
”. Esse Bloco, em princípio, desfilava pelas ruas da cidade, porém a partir
do momento em que foi realizado de forma organizada o chamado Carnaval de Rua
em Pindaré pois até ai existiam os Bailes Carnavalescos nos clubes, como por
exemplo no Recreativo integrou-se aos blocos que se apresentavam nas
passarelas organizadas pela Prefeitura.
Segundo S
r
. Euzamar foi o prefeito S
r
. João Silva o primeiro a organizar o
desfile dos Blocos em Pindaré. Dessa forma, o primeiro Carnaval de Rua foi
realizado na Praça Elias Haickel existente até hoje e que ainda serve de palco para
as apresentações carnavalescas e outras manifestações festivas na cidade. Nessa
mesma praça é que foi feito o primeiro desfile oficial de blocos carnavalescos na
cidade de Pindaré no ano de 1989. Desfilaram nesta primeira leva três Escolas: Vila
Sorriso, Mocidade Independente do vereador Aldemir Lopes, Unidos do Campo do
S
r
. Raimundo Rala-Rala. Por várias razões essas Escolas não desfilaram nos anos
de 2000, 2001 e no ano de 2003.
Atualmente na cidade de Pindaré existem dois blocos de rua chamados:
51
Apenas a denominação “Escola de Samba”, mas não significa que o Bloco passou a ser uma Escola de Samba.
140
“Galera do Auê”;
“Me completa”.
Existem também dois grupos de Maracatu chamados:
“Veterano do Samba” – Dona Maria Vieira;
“Rei do Samba” – Sr. José Raimundo (Zé Raimundo).
No período do carnaval existe também uma manifestação que chama-se de
arrastão, é uma caminhada feita pela cidade, que tem inicio na Praça da Matriz e
termina também na mesma praça. Participam deste evento aproximadamente 15 mil
foliões, com muitos carros de sons animando a caminhada das pessoas.
4.2.7 A Capoeira
Conforme observações no dia-a-dia ao movimento das festas em Pindaré, e,
conforme alguns informantes, registra-se a existência de dois grupos de Capoeira na
cidade
52
.
Cada grupo é composto por aproximadamente 30 pessoas entre crianças,
adolescentes, jovens e adultos. Os dois grupos aglutinam homens e mulheres, além
de ter uma espécie de “dono” ou organizador, sendo que o primeiro grupo pertence
ao S
r
. Chibata
53
e o segundo ao S
r
. Dorinaldo. Eles jogam/lutam a Capoeira em
forma de ensaio em dias alternados da semana nas Praças da cidade e se
apresentam na cidade no Dia da Raça, no Aniversário da Cidade, na Semana do
Folclore e na passagem do Ano Novo.
52
Não nosso propósito analisar a Capoeira, no entanto, pelo contexto no qual ela surgiu em Pindaré, entendemos
que ela, na cidade, é uma “dança inventada” na região. Tem uma data para seu início e a sua história, ali, mostra
que ela foi trazida com o objetivo de memorizar na cidade a sua origem também negra.
53
José Francisco de Sousa Feitosa. Iniciou-se na capoeira aos 13 anos em São Luís. Os grupos são associados à
Federação Brasileira de Capoeira 10 anos e mantêm esse trabalho 15 anos, onde passam todos os anos
por um período extenso de apresentações, que é o período junino, fazendo muitas viagens, mas também realizam
alguns trabalhos sociais junto à comunidade e as escolas na cidade, através de apresentações, palestras e
seminários sobre seus trabalhos e a origem da Capoeira (SANTOS, 2006, p. 68).
141
Segundo o informante Carlinhos,
Nossa capoeira em Pindaré está organizada em grupos e foi trazida para a
cidade pelo Sr. Chibata no ano de 1991. A intenção maior foi a necessidade
de resgatar a cultura afro dos nossos antepassados na cidade. Os negros
viveram aqui e aqui muito sofreram, mas levantaram a cabeça e souberam
resistir. A Capoeira em Pindaré relembra a força do negro, a alegria, é a
festa que supera todas as dificuldades (Entrevista em 07 de outubro de
2007).
O depoimento mostra que os sujeitos em Pindaré têm consciência de sua
origem também negra, embora, tendendo a ocultar essa mesma origem. Revela
também o desejo de a população ser reconhecida não mais pelo caos do Engenho
nem pelos horrores da escravidão, mas pelo aspecto que a insere na sociedade de
outra forma, pela festa.
Segundo a monografia de conclusão de curso de graduação das professoras
Kátia Cristina Morais Santos e Maria Ribamar Coelho Santos (2006), a formação do
grupo de Capoeira em Pindaré se deu no ano de 1991. Elas afirmam que até o ano
de 2006 existia apenas,
[...] um grupo chamado Candeeiro, grupo este que tem esse nome devido
ser o grupo de origem de seu trabalho na capoeira, que é sediado em São
Luís e desenvolvido pelo seu mestre ‘Baé’. A formação do grupo se deu em
1991 e é composto por 25 alunos, com 2 formados durante esse período,
são associados à Federação Brasileira de Capoeira 10 anos e
mantém esse trabalho 15 anos, onde passam todos os anos por um
período extenso de apresentações, que é o período junino, fazendo muitas
viagens. Mas também realizam alguns trabalhos sociais junto à comunidade
e as escolas do município através de apresentações, palestras e seminários
sobre seus trabalhos e a origem da Capoeira [...]. Os encontros do grupo
acontecem nas segunda, quarta e sexta feiras das 17 às 20horas no prédio
do Engenho Central, onde são ministradas aulas teóricas e práticas
(SANTOS, 2006, p. 40-41).
E, as professoras se referindo aos rituais dentro do grupo da Capoeira, assim
se expressam:
De acordo com estudos feitos, para se desenvolver o trabalho completo, ou
seja, chegar ao grau máximo de formação da Capoeira, são necessárias 11
cordas que geralmente são trabalhadas no percurso de no mínimo 35 anos,
são elas: verde (iniciante); amarela (intermediário); azul (intermediário);
amarela e verde (aluno graduado); verde e azul (aluno avançado); amarela
e azul (aluno estagiário); amarela, azul e verde (aluno formado); verde e
branca (monitor); amarela e branca (instrutor); azul e branca (contra mestre)
e a branca (mestre) (SANTOS, 2006, p. 40).
142
4.3 A festa do Divino
Foto 06: Caixeiras do Divino – Festa no Terreiro Três Reis Magos.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Dentre o conjunto de festas em Pindaré-Mirim foi escolhida para análise a
Festa do Divino pelo seu caráter comemorativo ligado a festejos de santos da Igreja
Católica e a festejos de entidades dos Terreiros. O Divino em Pindaré é um espaço
aglutinador de festas, por isso, “caminha” o ano todo. Ele “circula” de festa em festa.
A maioria das festas em Pindaré somente é completa se tiver o “rufar da Caixa” do
Divino.
A festa do Divino tem sua matriz em Portugal. Autores como Reis (2004)
adotam a linha que atribui seu surgimento na região de Alenquer, no século XIII,
quando D. Isabel
54
, “a santa” era a rainha. Ela teria construído uma Igreja para o
Divino Espírito Santo.
54
D. Isabel Santa Isabel depois. Teve vida dedicada à prática da caridade e a ela foi atribuída o milagre das
rosas”: enquanto fazia doações para operários, seu marido a surpreendeu e quis impedi-la, de imediato as moedas
que seriam doadas se transformaram em rosas (REIS, 2004, p. 167).
143
No Brasil ela chegou por volta do século XVI e se espalhou de forma
popularmente por todo o território ganhando contornos diferentes em cada região.
Homenageia-se a pessoa da Santíssima Trindade
55
. Instituída na realeza
portuguesa a festa traz elementos da corte.
No Maranhão
56
a festa do divino é cultuada na capital e em várias cidades do
interior do estado. Em Pindaré, além da festa na Igreja Católica, o Divino é invocado
pelas pessoas, de um modo geral, pelas famílias, pelos grupos de festas e devoções
populares. Este fervor pelo Divino é ligado à crença no poder da proteção e do envio
da luz espiritual e força de Deus para enfrentar as dificuldades e males da vida.
Evocação importante no contexto de Pindaré, pois as pessoas acreditam que é pelo
Divino que a vida se transforma e tudo fica novo, recriado. O mal se transforma no
bem. O cenário de Pindaré mostra que ali, tanto as festas populares quanto a
religiosidade, servem para esse fim. Elas simbolicamente revertem a situação de
penúria e recria um universo de benefícios e de reconstituição da vida.
Conforme o professor Domingos, a festa do Divino em Pindaré , surgiu ligado
aos rituais religiosos nos Terreiros, a religião afro-brasileira. Com o decorrer dos
anos a festa foi ganhando a simpatia da população e ampliando o seu universo para
além dos Terreiros.
Tudo começou no Terreiro de seu Antenor (pai-de-santo falecido) no
povoado denominado Cafezal, neste município. Era a festa de Batismo de
uma filha-de-santo daquele Terreiro e Dona Catarina e Dona Rosanira
57
levaram um grupo de mulheres e ‘rufaram’ as caixas (Professor Domingos,
29 de outubro de 2007).
Os seguidores do Divino em Pindaré falam com muita emoção sobre a festa e
afirmam que pelo menos essa manifestação é mais que cinqüentenária na região.
55
Divino homenagem à pessoa da Santíssima Trindade [...]. Os católicos acreditam que Jesus Cristo, na sua
ressurreição, isto é, ao subir ao céu, pelo sopro divino, tomou a forma de uma pombinha, que nada mais é do que
a chama, o fogo, a luz divina do Espírito Santo. A rainha de Portugal doou a sua coroa para o Divino Espírito
Santo, que representa ombolo da força como a rainha governou Portugal. Os tambores-caixas –eram os clarins
que tocavam anunciando a vinda do Espírito Santo. (REIS, 2004, p. 168).
56
Sobre a festa do Divino no Maranhão, ver mais sobre o assunto em REIS, José Ribamar de Sousa dos. 2004,
p. 167-173; FERRETTI, S. 1985, p. 161s; SANTOS, M. R. e SANTOS NETO, M. 1983, p. 93.
57
Dona Rosanira, uma das primeiras caixeiras da região. Faleceu com mais de 100 anos.
144
Apesar de crianças e jovens participarem desta festa, ela é mantida no seu conjunto,
em geral, por pessoas na idade adulta.
Atualmente existem dois tradicionais grupos de Caixeiras na cidade, um grupo
que tem como liderança a Sr
a
. Maria do Carmo Pinheiro Silva, conhecida por dona
Carmina e o outro grupo liderado pela Sr
a
. Maria de Ribamar Travassos Nunes, a
conhecida dona Maria Caixeira.
O primeiro grupo é constituído atualmente por aproximadamente 25 pessoas,
e tem como nome “Grupo do Divino Espírito Santo da Palmeira”. Em entrevista, com
muita emoção, dona Carmina assim se expressa:
A minha festa dura um dia e uma noite completa, essa eu chamo de festa
anual, que é celebrada no dia 02 de abril. Nesta festa do dia 02 de abril, não
acontece coroação e nem procissão. As coroações e procissões
acontecem nas festas dos Terreiros, onde faço minha missão com muita
alegria. Sou chamada o ano inteiro para bater caixa e coroar o Divino em
todo do Vale do Pindaré. Essa minha missão, é minha devoção, eu amo
muito o Espírito Santo, trabalho com grande respeito, com grande valor,
amor e carinho. Tenho honra e muito prazer de trabalhar com o Divino
Espírito Santo em Pindaré. batia Caixa quando morava no interior, mas
me aperfeiçoei mesmo foi aqui em Pindaré (Dona Carmina, entrevista dia
22 de novembro de 2007).
E assim imbuída de muita devoção dona Carmina cantou o refrão,
“Meu Divino Espírito Santo (2x)
Que já fizemos obrigação (2x)
Estou aqui com seu Império (2x)
Aí entrego em vossas mãos “(2x)
A seguir, o segundo grupo eleito para análise, porém, muito do que é descrito
sobre a dinâmica desse grupo entrevistado pode ser aplicado também ao primeiro
grupo, salvo algumas nuances próprias e inerentes à cada grupo.
Como citamos, o segundo grupo tem como liderança Dona Maria Caixeira, 65
anos. Para Dona Maria, o Divino em Pindaré ganhou um contorno diferente nos
últimos anos e se estruturou. Foi organizada a sede das Caixeiras que funciona à
Rua da Estrela, 64, Bairro da Palmeira. Recebeu registro oficial com o nome
145
“Associação Feminina Cultural Democrática Divindade do Vale do Pindaré”
58
. O
grupo foi oficializado recentemente no dia 27 de julho de 2007. Quando perguntada
sobre o que a levou a iniciar esse grupo das Caixeiras em Pindaré, a resposta de D.
Maria Caixeira é enfática e alegre: “O amor pela cultura da ‘Caixa do Divino’, a
porque eu recebi como herança dos meus antepassados”.
A estrutura atual da Associação das Caixeiras tem a seguinte configuração:
Presidente: Maria Regina Soeiro Mesquita, como Secretaria: José Raimundo Costa
Rodrigues e como Tesoureira: Augusta Pereira da Silva. Outras funções ainda
fazem parte do conjunto da diretoria, dentre elas, as atuais, primeira e segunda
conselheira, Zenira de Melo Viana e Teotina Bispo de Melo Viana, respectivamente.
O grupo das Caixeiras é composto por aproximadamente 58 membros
efetivos. Destes aproximadamente 15 são homens, 15 crianças, 20 a 30 são
mulheres. Quanto à idade aproximadamente, 15 participantes estão entre 25 a 50
anos, 40 entre 50 a 75 anos e 10 acima de 75 anos. Percebe-se que a grande
maioria está concentrada na faixa etária acima de 50 anos.
O motivo que levou a fundar este grupo é por razões de tradições, pois a
minha avó materna, a senhora Henriqueta Travassos que morava no
povoado São Cristóvão, município de Viana – Maranhão. Ao falecer D.
Henriqueta deixou a função de caixeira para minha mãe, D. Alípia Marçalina
Travassos que também morava em São Cristóvão e esta ao falecer me
deixou desde o instrumento que é a ‘Caixa’ à qual eu toco até hoje. Eu
ainda comecei com a minha mãe, foi ela quem me ensinou a bater ‘Caixa’ e
até hoje eu continuo e tenho muito orgulho e satisfação por ter herdado
essa missão da minha mãe. Cheguei em Pindaré em 1984 e comecei a
tocar ‘Caixaem outro grupo que ainda existe. eu permaneci até 1989.
Era o grupo da D. Rosanira. E entre 1989 e 1991 eu fui formando o grupo
que foi registrado com o nome citado (D. Maria Caixeira, 15/10/2007).
A festa do Divino em Pindaré, ou simplesmente a “Caixa”, como comumente é
mais conhecida, tem seu início na sua preparação que, segundo nossos
informantes, acontece durante todo o ano. Do ponto de vista de seus participantes “a
festa começa no momento em que durante o ano se começa a economizar em sua
58
Essa Associação foi uma iniciativa de Dona Maria Caixeira Maria de Ribamar Travassos Nunes - e seu
grupo. Até o momento atual, o primeiro grupo aqui mencionado, não faz parte da referida Associação. Apesar de
certa divergência entre as duas lideranças, as pessoas que são membros integrantes tanto de um grupo quanto de
outro se visitam nas festas e podem ‘tocar Caixa’ tanto em um quanto em outro grupo.
146
função, pois não recebemos nenhum tipo de ajuda econômica”. Por isso, a idéia de
que a festa acontece o ano todo.
Para preparar a festa do Divino de D. Maria Caixeira, acontecem muitas
reuniões para acertar todos os detalhes da festa. Os ensaios com as crianças que
representam os “membros da corte” se iniciam em setembro até os dias da festa
propriamente dita que são 16 e 17 de novembro, ou seja, são dois dias de festas
que tem seu início com a Missa solene em ação de graças por toda a comunidade
participante do grupo e da festa, além do que esta Missa é celebrada na intenção de
toda a cidade de Pindaré.
Depois da Missa, saem em procissão por algumas ruas da cidade. Na casa
da “festeira” ficam os dois dias e as duas noites e batem as Caixas em uma
cadência de ritmos. As Caixeiras dizem seus versos e vão passando de uma a uma,
e a roda só tem uma pequena pausa quando todas entoam os seus versos, que são
de “cor”, como comumente dizem: “Sai tudo de nossa cabeça. É o Divino Espírito
Santo quem bota em nosso juízo e em nosso coração”.
As Caixeiras são, em geral, mulheres negras, moram em bairro periféricos da
cidade e várias são semi-analfabetas. Algumas são “filhas-de-santo” e tocam caixa
como uma continuidade de sua obrigação no Terreiro, outras vão aos Terreiros
somente em épocas de festas quando o Divino é convidado e tocam. Na sua maioria
são senhoras acima de 40 anos. Em geral, são domésticas, lavadeiras, lavradoras,
zeladoras, uma ou outra funcionária da Prefeitura.
Na casa de D. Maria Caixeira de modo especial naqueles dois dias de festa
comida e lanche para todos. Muitas pessoas não só usufruem dos benefícios da
casa, mas também levam algum alimento, ou presente para partilhar. No
revezamento das Caixeiras, aqui acolá é necessário um “gole de pinga”, “para
alegrar o grupo e agüentar o rojão”. Ninguém se excede. regras a serem
obedecidas, pois a festa é do Santo e precisa ser mantida religiosamente. Naqueles
dois dias de festa a alegria é contagiante. A casa é arrumada como se para a
chegada de uma visita ilustre. O altar, que na casa de D. Maria, é permanente,
nessa época ganha um vigor e um colorido infindo. Tudo é ornamentado com muito
147
gosto, luxo, requinte, exuberância, pois quem vai receber tudo é o Divino. Flores,
bandeiras, luzes, rendas, toalhas e cortinas com o mais fino bordado são
estampadas por toda a casa da “festeira”. De longe se escutam os fogos.
uma divisão de serviços, umas cantam, dançam e batem a Caixa para o
Divino, outras cuidam da cozinha, outras da recepção, outras se preocupam para
que não falte nada a ninguém, em geral um ou dois homens responsáveis para
soltar os fogos. um esmero em receber as pessoas visitantes. Todos devem se
sentir bem e em casa.
A cada noite, após o jantar, é rezada a Ladainha que é cantada em Latim por
D. Maria e sua neta jovem que já está no aprendizado da devoção. Antes da
Ladainha, D. Maria
59
assume a presidência da celebração e “puxa” a reza. Ela fica
ao centro defronte ao altar e todos ao seu redor. São feitas muitas orações e cantos,
um seguido do outro. Os cantos são populares e evocam os santos de devoção, das
caixeiras, do dono ou da dona da festa.
“Levanta mana da cama/ para ver romper o dia/
Vamos salvar Oliveira/ E a Virgem Santa Maria/
Levantei de manhã cedo/ Fui varre o barracão/
Encontrei Nossa Senhora/ com seu raminho na mão/
Pedi um galinho a ela/ ela me disse que não/
Eu tornei a lhe pedir/ Ela me deu seu cordão/
Senhor Padre S. Francisco/ Me benzei este cordão/
Nosso Senhor me deu/ com sua sagrada Mãe/
Numa ponta tem S. Pedro/ Na outra tem S. João/
Bem no meio tem letreiro/ Da Virgem da Conceição”
Neste canto, o padroeiro da cidade, São Pedro é invocado - o santo do
Bumba-Boi - São João, também, bem como, a Virgem da Conceição que é invocada
nos Terreiros. Considerando que a festa do Divino é católica e, em Pindaré, nasceu
em um Terreiro e circula por inúmeros lugares, isto é, o Divino percorre outras festas
59
D. Maria Caixeira, em geral é convidada para outras festas na cidade de Pindaré para rezar a Ladainha, seja
nos Terreiros, nas devoções familiares, em aniversários.... todos gostam de ouvir sua voz e ver seu jeito
contagiante de “tirar a Ladainha. Tudo em Latim. Tudo de “cor” e com muito entusiasmo e alegria. Com
respeito a outras Caixeiras e “tiradeiras de reza” e sem desmerecer nenhuma, mas para algumas pessoas da
cidade a festa é boa se dona Maria Caixeira rezou e cantou.
148
populares religiosas, esta característica destaca elementos sincréticos na festa, pois
nela se encontra articulado diferenças culturais religiosas. No entanto, essas
diferenças se interpenetram e incidem em novos arranjos repletos de significados
para além de qualquer concepção etnocêntrica. Assim, a idéia de se tratar a festa
em Pindaré como um espaço de aglutinação de elementos culturais comuns às
populações que formaram aquela sociedade tem sua procedência. No contexto de
Pindaré-Mirim, no Terreiro, na Igreja Católica, nas festas populares religiosas, o
Divino torna-se um espaço de trocas culturais, de enriquecimento recíproco. Mesmo
voltada para o contexto da Bahia, em um de seus trabalhos, Consorte afirma que “O
sincretismo continua em alta na maior parte das casas tradicionais Jege-Nagô de
Salvador” (CONSORTE, 2000, p. 14). Arrisca-se dizer que este pensamento se
aplica no fenômeno da festa do Divino em Pindaré.
A formação social e religiosa de Pindaré resultou em uma população
profundamente miscigenada e sincrética, embora sabendo que esse processo se
deu sob o jugo de constantes conflitos. E, aqui cabe evidenciar, o caráter, por vezes,
dúbio do sincretismo discutido por autores como Ferretti “[...] O sincretismo é um
tema confuso, contraditório e ambíguo” (FERRETTI, 1995, p. 87), pois ao mesmo
tempo em que o sincretismo pode ser fator de enriquecimento mútuo, pode também
contribuir para uma simples adaptação e apropriação fazendo valer também perdas
culturais.
Durante a festa do Divino na casa de D. Maria Caixeira, ainda à noite, preces
e súplicas são externadas em comum, é rezado o terço, a ladainha e o “Senhor
Deus”, é cantado o “Bendito de louvor” e de pedido da bênção, sendo a primeira ou
a última noite. Ao final todos se despedem do Santo Divino. Antes do término desse
momento, em ritual, um a um ali presente chega perto do Divino, se ajoelha, beija,
faz alguma reverência e pede a bênção e assim sucessivamente até passar todos
que estão ali presentes. Enquanto isso, são entoados cantos, um após outro, em
geral de louvor, de despedida, de pedido de bênção e proteção. Após esse momento
há uma pausa, e é servido bolo ou salgadinhos e refrigerante para todos.
No último dia da festa tem novamente procissão, mas tudo é voltado para o
ritual da Coroação, ponto alto de toda a festa.
149
O ritual da coroação é uma tradição que no Maranhão foi inserida, a corte
imperial, principalmente de Alcântara até toda a Baixada Maranhense
incluindo o Pindaré que ainda faz parte da Baixada Ocidental
Maranhense. (D. Maria Caixeira, 15/10/2007).
Nesse ritual estão representados imagens do império. De acordo com D.
Maria Caixeira essas imagens têm significados que remontam ao império português.
Autores apontam que elas se diversificam dentro do Estado do Maranhão, porém o
princípio básico é o mesmo: homenagear a rainha de Portugal, Dona Isabel (século
XIII) de Portugal.
Explicando sua festa, Dona Maria Caixeira aponta que o cortejo do Divino em
Pindaré é composto pelas seguintes representações:
Imperatriz: representa a Imperatriz da época do Segundo Império de D. Pedro II.
Imperador: representa o soberano ou Imperador que governa o Império.
Pajem: é aquele que preparava os cerimoniais para receber a corte.
Mordomo: administrador do palácio e organiza a festa para a corte.
Mordoma: exerce os mesmos papéis.
Aia: cuida das damas e da Imperatriz.
Os Anjos: representam os guardiões da corte (guardas)
As Floristas: são as aias que jogam flores no caminho por onde passa a corte.
Nossa Senhora: representa a proteção dos céus à corte.
Bandeirinhas: carregam as bandeiras e vão à frente do cortejo. São elas os
responsáveis pela animação e promoção da alegria no cortejo e durante toda a
festa.
Nesse cenário, ainda a Coroação do Divino, que na festa de D. Maria
Caixeira é o momento esperado por todos os participantes e visitantes. Um grupo de
crianças, que são escolhidas
60
no ano anterior, e preparadas cuidadosamente pelos
pais que foi treinado anteriormente, trajam roupas finas, com cores e detalhes de
acordo com a função. Essas crianças estão ornadas e rodeadas de flores para
presentear o Divino. Este grupo é encarregado do cumprimento de todo o ritual da
60
A escolha é feita pela dona da festa que fala com os pais antecipadamente para saber se têm condições para
“preparar” a criança para o próximo ano. Sendo que o Mordomo é escolhido a cada dois anos.
150
coroação. Muitos cantos, louvores, dizeres em versos que a criança sabe também
“de cor” são recitados e externados. Os pais assistem a seus filhos
orgulhosamente e cuidam para que não falte nenhum detalhe. São estas crianças
que coroam o Divino. Dentre estas, a dona da festa escolhe antecipadamente uma
criança para coroar o Divino (a pomba branca), em geral entre as maiores e alguém
que possa aprender o canto da coroação.
Depois da coroação, a Caixa ainda rufa por toda aquela noite. Muita festa,
muita gente, sejam participantes ou apenas visitantes. Ao amanhecer o dia a festa
chega ao seu final. É hora de despedir-se mais uma vez do Divino. Um ritual de
despedida é celebrado. As pessoas expressam sua saudade, despedem-se do
Santo. “Até para o ano, se Deus quiser”, é a palavra balbuciada em quase todos os
lábios dos presentes. Algumas pessoas choram, pedem a bênção, a saúde e se for
da vontade de Deus” expressam o desejo de estar vivas no próximo ano para
novamente festejar o Divino, e, de forma melhor. Todos agradecem à “festeira” D.
Maria, ali também já são feitos os convites das próximas festas e em muitas delas D.
Maria Caixeira deve ir rezar e puxar a ladainha para a festa ficar bonita e animada.
Cantam os “parabéns”, e parabenizam D. Maria pela festa tão bonita e de todos. Ela,
de sua parte tece seus agradecimentos à todos que colaboraram e estiveram
presentes e renova o convite para a festa do próximo ano. O Divino fica recolhido,
na casa de Dona Maria Caixeira, mas fica á disposição para “andar” em outras
festas que serão realizadas na cidade ou na região durante o ano. Por vezes vão
as caixeiras, outras vezes o Divino vai junto e lá vão ajudar o festeiro que convidou a
cumprir sua “obrigação”. Dessa forma, o Divino é festejado e ajuda a festejar o ano
todo. O Divino é visitado e vai visitar.
Ao se referir ao ritmo próprio do Divino de Pindaré com relação ao toque das
Caixas, D. Maria nos lembra,
quanto ao ritmo de Pindaré é um pouco diferente do ritmo de outras
regiões, os que mais se aproximam são os ritmos do Vale do Pindaré que
são Monção, Cajari, e Santa Inês esses grupos existentes se aproximam
mais na tonalidade das ‘Cantigas’. Mesmo assim só as Caixeiras veteranas
conseguem perceber essa diferença (D. Maria Caixeira, 15/10/2007).
151
Essa fala de D. Maria Caixeira remete à questão da etnicidade para além dos
laços sanguíneos e, ao mesmo tempo, expressão da diferenciação. Como bem
expressa o pensamento de Barth (1998) em que falar em etnicidade é associá-la a
processos sociais. Esses processos podem excluir ou incorporar novos elementos
que asseguram significados simbólicos individual ou coletivamente, sendo que os
significados equivalem à identidade.
Pelo relato de Dona Maria Caixeira, o Divino em Pindaré expressa também
uma diferença, que segundo ela, é tão sutil que somente percebe quem tem
“experiência no ouvido e na alma”, por isso a expressão “só as Caixeiras veteranas”.
No entanto ela existe e dá um caráter que assegura uma identificação, a tal ponto de
se ouvir várias vezes a exclamação: “Somos as Caixeiras de Pindaré” e quem é de
Pindaré não quer ser confundido como de outro lugar.
Para D. Maria o compromisso com o grupo, o amor, a cultura e à devoção, à
herança recebida de sua avó e mãe, é que a motiva a sustentar esta manifestação
religiosa-cultural. A informante diz não poder imaginar se um dia acontecer que
não haja a festa. Aponta também em sua fala o sentido de pertencer a um grupo:
Sei que será de muita tristeza e paixão, choro, lamentos. Por isso aqui não
podemos parar a festa do Divino. É uma missão que eu recebi. Isso aqui é
minha própria vida. Cada grupo tem seu jeito. Pertencemos a um grupo,
mas nos ajudamos e podemos ‘bater a caixa’ em outros grupos, porque é
um grupo livre e se o Divino Espírito Santo é Deus é para todos nós.
Com esse sentimento de dar continuidade a uma herança recebida, D. Maria
define o que representa integrar o Grupo das Caixeiras que mantém “o toque da
Caixa” durante todo o ano na cidade, tendo sua culminância no Cortejo. Suas
palavras refletem também a vitalidade que simbolicamente lhe assegura a
participação em seu grupo e sua relação com os outros grupos. Seu depoimento de
algum modo reforça a idéia de pertencimento e o conceito de identidade,
examinados por Stuart Hall,
o fato de que projetamos a ‘nós próprios’ nessas identidades culturais, ao
mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornando-
os ‘parte de nós’, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com
152
os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A
identidade, então, costura o sujeito à estrutura (HALL, 2004, pp. 11-12).
Nessa perspectiva, ao afirmar o sentido de herança, de passagem de geração
a geração, D. Maria se apóia nos elementos que a ajudam a internalizar significados
que são importantes para a continuidade dessa manifestação festiva-religiosa em
Pindaré.
Dentre as principais dificuldades enfrentadas para manter a festa do Divino
em Pindaré está a falta de recursos financeiros. De um modo geral, os responsáveis
pela manutenção da festa mencionam a falta de investimento por parte dos poderes
públicos e as pessoas que participam dos grupos na sua maioria são pessoas
pobres. D. Maria afirma: “ Quando se aproxima a festa do Divino primeiro me vêm as
preocupações”.
Mesmo assim, manter essa tradição em Pindaré alegria que segundo D.
Maria Caixeira se mantém,
na minha e convicção. Se eu um dia parar de festejar o Divino, deixar de
cantar e bater ‘Caixa’ para o Divino Espírito Santo a minha vida perde o
sentido, toda a minha vida não encontrará felicidade que tem. Foi Deus
quem me colocou neste lugar para festejar esta devoção que recebi (D.
Maria Caixeira, 15/10/2007).
Assim, a se expressa de diversas maneiras no interior da festa do Divino.
De forma que, a preservação da festa, para Dona Maria, está diretamente referida a
este sentimento religioso. Em um dos refrões que reverenciam o Divino está clara
essa proposição:
“Ê lá do céu desceu uma santa,
Foi Jesus Cristo quem mandou,
Nossa Senhora Aparecida,
Oh! por aqui ela passou.”
Esse é um dos refrões que conforme o ritual das Caixeiras, na festa do
Divino, é intercalado por um canto em verso curto de forma espontâneo, ou seja, “de
153
cor”, feito por cada Caixeira presente. O canto só termina quando todas as caixeiras,
uma a uma, entoaram seu verso.
Vale lembrar a idéia de que a festa do Divino em Pindaré, nasceu no Terreiro
de religiões afro-brasileiras e até nossos dias continua estreitamente associado a
esse espaço religioso. Prova disso, é que o Divino circula durante o ano todo, de
festa em festa nos variados Terreiros. Isso vale tanto para o grupo de D. Maria
Caixeira quanto para o grupo de D. Carmina. Geralmente os pais ou as mães-de-
santo convidam um ou outro grupo para homenagear sua festa. Nos Terreiros o
“Tocar ou bater a Caixa” é sempre um momento alto das celebrações festivas.
O Divino em Pindaré circula em muitos outros momentos de celebrações na
cidade, dentre eles destacam-se alguns velórios, determinadas solenidades ou
comemoração na cidade, em novenas nas famílias, em rezas para pagamento de
promessas familiares, festas de aniversário. rios destes momentos têm a ver com
voto, promessa, cumprimento de obrigação individual ou em grupo, ou familiar.
4.4 O Bumba-meu-Boi de Pindaré
“Ó meu Maranhão,
É Athenas brasileira,
É a Terra das palmeiras,
Onde canta o sabiá,
Maranhão do Babaçu,
Natureza vegetal,
É cidade dos azulejos,
Pindaré o patrimônio cultural.”
(CD, Bumba-Meu-Boi de
Pindaré, 2004.
(Cantor: João Batista)
Inserida no contexto das festas de Pindaré, o conhecido Bumba-meu-Boi de
Pindaré é uma das manifestações que carrega em si uma peculiaridade própria da
região. Esse Bumba-meu-Boi é considerado no Maranhão com um sotaque próprio
que leva o nome da cidade, “sotaque de Pindaré”.
154
Além de considerar esse aspecto, a escolha desta festa para esta análise se
baseia na percepção que, assim como no Maranhão, em Pindaré a dramaturgia do
Bumba-meu-Boi, expressa eminentemente raízes do negro escravo, do nordestino
vaqueiro nas fazendas de gado, do indígena curandeiro e do branco fazendeiro.
Entende-se essa festa como um dos elementos de ligação entre outras festas, pois,
o Bumba-meu-Boi na cidade é “convidado” para abrilhantar diversas festas
populares, tanto dos Terreiros como da Igreja Católica.
O canto de João Batista, citado acima, evoca o imaginário da população de
Pindaré, ao atribuir à cidade a honra de “patrimônio cultural”. Do ponto de vista da
população, Pindaré é uma espécie de guardiã da tradição maranhense.
O Bumba-meu-Boi no Maranhão é uma expressão cultural que conjuga
símbolos, significados e sentidos que se propagam no tempo através das gerações
e que no decorrer dos anos sustenta-se na constituição e reconstituição da história
de seu povo (REIS, 2004). No Bumba-meu-Boi do Maranhão, esses sentidos estão
relacionados a um passado e à história do povo. Assim, essa festa ilustra uma
condição de elaboração e de configuração de identidades, apresenta-se como um
sistema de referências. “Nosso Boi relembra nossos antepassados, hoje brincamos
e homenageamos os escravos e o índio que em nossa terra sofreram muito” (S
r
.
João Leite, presidente do Boi Milagre Dourado, Pindaré). O depoimento invoca um
passado, retoma raízes, faz memória.
Para vários autores, principalmente escritores regionais, o Bumba-meu-Boi no
Maranhão é uma das manifestações folclóricas, de maior importância e uma das
mais empolgantes.
É um dos sinônimos mais autênticos de maranhensidade, um gigantesco
Espetáculo Popular, onde brincantes e espectadores, livremente, assumem
os seus respectivos papéis na dramaturgia do folguedo. Aqui, no nosso
Maranhão é denominado somente de Boi ou Bumba-boi, um festa
gigantesca do povo deste torrão, um viva à liberdade, um grito de felicidade
(REIS, 2004, p. 51).
Para este mesmo autor, a origem do Bumba-Boi na região está ligada à
pecuária, tendo surgido também de brincadeiras dos negros escravos nas fazendas
155
e nos engenhos (Reis, 2004). Em geral, toma-se os últimos anos do século XVIII
como data referência do surgimento dessa manifestação festiva na região. Todavia,
fontes revelam que principalmente na capital houve perseguição sistemática da
polícia a mando dos governantes à época.
Julgavam esse folguedo, prejudicial à ordem pública chegando mesmo a
proibir sua exibição, como ocorreu nas décadas de 50 e 60 do século XVIII
[...]. Em 1858 o jornal O Globo, que se editava em São Luís, estampava a
notícia tachando o Bumba-Boi de ‘brincadeira indecente, grotesca, bárbara’
e que por, devia ‘ser proibida’ (CAVALCANTI, 2003, p. 99 apud REIS, 2004,
p. 51).
Somente 1868 é que o Bumba-meu-Boi no Maranhão renasce. Na capital por
estar mais exposto aos olhos da polícia a perseguição foi maior, no interior por mais
que houvesse perseguição o folguedo sempre continuou.
Nesse contexto de perseguição, retomada e afirmação, se inclui o Bumba-
meu-Boi de Pindaré. Essa afirmação parte do acompanhamento que foi feito não
no tempo da pesquisa, mas, sobretudo, pela própria vivência e experiência no dia-a-
dia com essa população, uma vez que ali está minha família de sangue.
Conhecendo-se pessoalmente os “Bois” da cidade, e escutando muitos de seus
brincantes “mais velhos”, observei que, não se sabe ao certo quando foi iniciada
esta festa na região do Pindaré. De um modo geral as pessoas acreditam que a
brincadeira “é do tempo da escravidão” e que “foi feita às escondidas” dos
fazendeiros e dos políticos por muitos anos. Até o momento, nada se tem escrito a
respeito de quando e de como o folguedo se desenvolveu ao longo dos anos em
Pindaré. Está no imaginário e na memória das pessoas da cidade. “Sei que meus
avós, brincavam o ‘Boi’ aqui. Acho que recebi como herança deles, não posso
parar” (brincante do Boi Brilho de São João). E, assim são vários e constantes os
depoimentos que voltam a um passado, que se revela de forma dinâmica e vai se
recompondo.
sei dizer que nasci aqui, meus pais também, meus avós também, meus
bisavós também, toda minha família nasceu e se criou aqui. Desde que sou
gente e me entendi vejo o Bumba-Boi aqui. Então é coisa de muitos anos
mesmo, em nossas veias. Lembro de meu avô cantando e brincando o
Boi aqui. Ele era chefe (Brincante de 68 anos, entrevista 26.08.2006).
156
São anos que nos separam do século XVIII e pela nossa pesquisa
constatamos que somente vai aparecer algo por escrito sobre o Bumba-meu-Boi de
Pindaré a partir dos anos 70 do culo XX. Quando, “em 1973 Coxinho
61
acompanhou o Bumba-Boi de Pindaré numa excursão ao Rio de Janeiro,
comandada pelo folclorista Américo Azevedo [...]. Américo exigiu que Coxinho, [...] e
todos integrantes da brincadeira, gravassem um disco, o que foi feito com muito
sucesso” (JORNAL O ESTADO, 06.09.1977, p. 02). Com isso estava lançado aos
olhos do país o “Sotaque de Pindaré”.
Em notícia mais anterior encontra-se no Jornal Imparcial do Maranhão
(04.04.1991) que ao contar a história de Coxinho, o jornal revela que este cantador
de Boi, integrou o Boi de Pindaré no ano de 1960.
Tanto Reis (2004) quanto vários outros autores costumam classificar o
Bumba-meu-Boi do Maranhão em estilos, ritmos ou sotaques. Seguindo esta linha,
os sotaques do Bumba-Boi são cinco e estão classificados em: Boi de Matraca, Boi
da Zabumba, Boi de Orquestra, Boi de Pindaré, Boi de Cururupu ou Costa-de-Mão.
Para os autores que fazem esta classificação, a diferença fundamental é o tipo de
instrumento que cada grupo usa (matraca, zabumba, orquestra). Entretanto cada
grupo possui, além desta, outras características que lhe são muito próprias,
manifestando-se de forma bem acentuada seja na indumentária ou no próprio jeito
de dançar.
Para o Sotaque próprio de Pindaré, são usados instrumentos, indumentárias,
ritmo, o que lhe confere uma característica peculiar. Segundo interpretações, esse
sotaque se destaca com um tom melancólico e nostálgico.
De acordo com Reis o Boi de Pindaré,
61
Cantador do Boi de Pindaré, responsável por expandir a nível nacional o “Sotaque de Pindaré”. Bartolomeu
dos Santos, - o Coxinho, nascido em Vitória do Mearim-Ma, Cantador de Boi desde os 17 anos de idade.
Integrou o Boi de Apolônio, no bairro da Floresta, em São Luís desde o ano de 1945. Em 1960 ele passou a
integrar o Boi de Pindaré e deu visibilidade a seu sotaque próprio. Faleceu com 81 anos de idade, em São Luís
no dia 03.04.1991 (Jornal o Imparcial, 04.04.1991).
157
É quase o estilo de matraca: apenas o ritmo é mais lento; os pandeiros o
menores e o estilo da fantasia é bem diferente. Tal distinção tem bastante
realce nos chapéus dos rajados, que são bem grandes. Os instrumentos
usados por este ritmo destacam-se: pandeirinhos, tambores-onça, maracás
e matracas As matracas têm maior realce em detrimento aos sons dos
pandeirões. O marcador é tambor-onça e o maracá coordena a linha
melódica das matracas, com o forção de um conjunto sonoro dos melhores
da linha boeira. Os grupos apologistas deste sotaque se utilizam de uma
vertente de ritmo dolente, o qual vai gradativamente ganhando o gosto do
expectador, diferente, portanto, do seu congênere do estilo da Ilha, cujos
bumbas se destacam pelo estalo das matracas em uma excitação, os Bois
do citado ritmo batem uma matraca contra a outra com sutileza e bastante
levura, sonolentas. ‘O batuque que me delas vem é tímido como um sorriso
depois de chorar’ (AZEVEDO NETO, apud REIS, 2004, p. 62).
Além da cidade de Pindaré, diversas cidades no Maranhão seguem este
sotaque, como por exemplo, Viana e São João Batista.
Dessa forma, arrisca-se dizer que o Bumba-Boi de Pindaré existe de forma
centenária e se impõe no estado do Maranhão com seu sotaque próprio. Na cidade,
o Bumba-meu-Boi faz parte do circuito das festas e está presente em todas as festas
populares, de modo especial nos festejos religiosas dos Terreiros e na Igreja
Católica no grande festejo do Padroeiro da cidade, São Pedro. Nessas festas não
pode faltar o Boi. Para cada festa o convite depende do “dono” da festa, que em
geral, convida um ou mais Bois para abrilhantar a festa. Porém, em determinadas
festas todos os Bois se apresentam. Um exemplo disso é a festa de São Pedro
durante o mês de junho. Durante as nove noites novena - que antecedem o dia do
santo, 29 de junho, apresentações de Bumba-Boi a cada noite, além disso, na
programação do festejo a noite dos Bois. Durante esse dia o ritual da bênção
dos Bois na Igreja. Para esse ritual todos os Bois ficam expostos no centro da igreja,
enquanto o padre numa celebração profere a bênção especial. Os donos, os
brincantes e os simpatizantes de cada Boi se fazem presentes neste momento.
Atualmente, de acordo com o Secretário Adjunto de Cultura da cidade, Carlos
Moraes, existem 15 grupos de Bois em Pindaré. Estes Bois estão organizados em
Associações consideradas pela Prefeitura como Associações Folclóricas, e em
Grupos de Amigos. Em seu depoimento assim se expressa, a respeito do Boi de
Pindaré:
158
Hoje é a maior manifestação folclórica da cidade, tendo um sotaque próprio
que é o de matraca. Temos três grandes noites do Bumba-meu-boi em
nosso município. Onde no primeiro dia -25 de junho - temos a Boiada do
de Axixá, que reúne mais de cinco mil pessoas sendo jovens, adultos,
crianças e pessoas da terceira idade. O segundo dia 27 de junho - temos
o maior encontro de Bumba-meu-boi do Maranhão, sendo apresentado três
toadas de cada associação. O terceiro dia – 28 de junho - reúne milhares de
pessoas. Este é o dia da mais famosa boiada de Pindaré a conhecida ‘Pé
de Galhinha’. Além do sotaque próprio o destaque especial tanto na
indumentária quanto nos componentes, diferente de outras cidades do
Maranhão (Carlos Moraes, janeiro de 2006).
No depoimento, a expressão “diferente de outras cidades” remete à
compreensão de que o Bumba-Boi em Pindaré é símbolo que congrega sentidos e
representa-se como um espaço propício para demarcar diferença, enfim constituir a
idéia de grupo. Sob esse aspecto se aplica o que Cuche propõe a respeito da
identidade, “A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela
identifica o grupo e o distingue dos outros” (CUCHE, 1999, p. 176).
Portanto, o Boi de Pindaré com seu sotaque próprio, congrega elementos que
ajudam na afirmação da identidade da cidade, pois os pindareenses no sotaque do
Boi se reconhecem e se sabem pertencentes àquela cidade, bem como, sabem
estabelecer fronteiras e diferenciar o seu sotaque do de outros locais.
De acordo com Reis (2004), o Boi de Pindaré com seu sotaque próprio tem a
seguinte estrutura:
O Boi é uma armação de madeira fina (varas), como cobertura de buriti e coberta especialmente
com veludo artisticamente bordado. A cabeça moldada complementada com chifres verdadeiros com
ponteiras de ouro ou algum metal semelhante;
Ciclo – que envolvem as reuniões que acontecem nos meses de janeiro de fevereiro para as
combinações; os ensaios semanais; as elaborações das novas “toadas”; o grande “ensaio redondo”
no dia 12 de maio ensaio geral - Neste ensaio todos os Bois se apresentam e fazem tudo como se
fosse nos dias mais intensos dos festejos, 23 a 30 de junho; o batizado do Boi que em geral é dia
23 de junho, véspera de São João. O ciclo termina por volta dos meses de setembro e outubro com o
ritual da morte do Boi (para os Bois que o fazem);
Enredo a lenda principal da “brincadeira” é a narração da história de um casal de negros escravos
de uma determinada fazenda; o homem chamado Francisco (nego Chico, Pai Francisco) e a mulher,
Catirina (Mãe Catirina). Esta grávida e deseja comer a língua do boi. Pai rouba o boi mais bonito da
159
fazenda, mas é descoberto por seu patrão na hora que está matando o boi. Tudo fica triste, pois o boi
mais querido da fazenda estava morto. O captaz a mando do patrão vem apurar o caso. Os vaqueiros
acusam nego Chico como o responsável pela morte do boi. Um grupo vem prendê-lo. Nego Chico
reage, luta, se recusa a se apresentar ao patrão e foge para a mata. Formaram uma equipe de índios,
pois este conhecem mais a mata, para ir capturar o nego Chico. Dominado, é conduzido até o patrão.
Deve dar conta do Boi ou pagar com a própria vida. Passa por grande interrogatório, depois confessa
o crime. Toda a fazenda é mobilizada para salvar o boi. Chamam os doutores que não conseguem
reanimar o animal. Um dos índios sugere chamar o pajé da tribo mais próxima, este vem e com
bênçãos e orações consegue ressuscitar o animal. Todos da fazenda se alegram e vão festejar. Nego
Chico e o boi estão salvos;
Dramaturgiaas danças são realizadas no período de 1º de junho até início de outubro. No início de
qualquer apresentação o amo (cantador) guarnece o boi, com uma toada intitulada “Guarnicê”. Em
seguida é cantada a toada “Lá Vai” é o aviso que o Boi está chegando, depois é cantada a toada
“Cheguei” ou a “Licença” é o pedido de licença para a apresentação; a quarta toada é a “Saudação” é
a louvação ao boi, ao dono da casa ou ao local da apresentação. A dramaturgia da Catirina e do
Nego Chico faz parar de vez a “brincadeira” e tudo se volta para a apresentação da lenda;
Principais personagens – Pai Francisco personagem principal; Mãe Catirina, - esposa do Pai
Francisco; Amo – capataz, segunda pessoa do fazendeiro, dono do terreiro (fazenda). Tem um
maracá na mão e é cantador das toadas; às vezes é o próprio dono do Boi. Representa o senhor de
engenho, o latifundiário, o criador de gado, o coronel”. O maracá simboliza um cetro, poder. Para se
avaliar a qualidade de um “Batalhão” ou “Tropeada”, tem-se como referência o seu cantador;
Vaqueiros ou rapazesbrincam dentro do cordão ou roda do boi; devem atender mandados do amo
e dançam mais próximos do boi. A dança dos vaqueiros é muito apreciável. Eles desafiam o boi ao
estilo de tourada. Tanto o Miolo – brincante que fica embaixo do boi, exibindo coreografias com muita
criatividade;
Caboclos de Fita são os denominados baiantes ou brincantes, os personagens que brincam no
cordão ou na roda do boi. Muitos são pagadores de promessas a S. João e a São Pedro;
Doutor – pode substituir, por vezes, o pajé. É curandeiro que vem ressuscitar o boi;
Pajé é o curandeiro. segue o fundamento cristão, a morte e a ressurreição do boi é uma alegoria,
imitação da saga de Cristo;
Caboclos reais ou caboclos de pena possui a mais rica indumentária do Boi. Suas fantasias são
feitas de pena de ema, tingidas, revelando um colorido muito vivo e deslumbrante. São as
personagens que ajudam a procurar Pai Francisco;
160
Índios e Índias é predominante no sotaque próprio de Pindaré. Sua indumentária é à semelhança
da do índio tradicional, usa arco e flecha. São também chamadas Tapuias e ajudam na caça ou
procurava o Boi;
Cazumba ás vezes confundida com o Pai Francisco. Sua fantasia é muito criativa. Possui a traseira
evidenciada e porta luzes coloridas nas Caretas. Sua função é liga ao misticismo, que rejuvenesce as
forças espirituais da brincadeira. Os Cazumbas representam ainda os espíritos da mata, ou seja, os
“maus espíritos que giravam no desaparecimento do Boi da fazenda que era o boi de estimação. Eles
também ajudam na tentativa de ressuscitar o Boi;
Mutucas são todas femininas. É a companheira, namorada, esposa, mãe, tia, avó que acompanha
seus entes queridos do inicio ao final da brincadeira com a função de não deixar seu parceiro ficar
sem alegria, para tanto, carrega a sua comida. Elas não devem deixar o seu parceiro dormir. São as
personagens mais em evidência na dança;
D. Maria – senhora que leva o quadro de São João;
Instrumentos – Tambor –onça; Apito, Maracá; matracas pequenas e finas dependuradas no pescoço
por meio de cordéis; tambores;
Uniforme que caracteriza tora a turma: Chapéu de Pena de Ema característica principal do Boi
de Pindaré; as fardas bordadas e confecção de Torres das caretas dos Cazumbás; Tanga e Guarda-
peito dos boiantes e outros integrantes. São bordadas com miçanga e canutilho (luxo e brilho); o
lombo do Boi – bordado à mão com miçanga e canutilho.
A partir da observação do que acontece na cidade de Pindaré reitera-se que
existem atualmente 15 grupos de Boi na cidade. Fala-se da existência de outros
menores e que ainda não têm registro, mas que estão lutando e se organizando
para que tenham maior expressão na cidade. Dos 15 grupos, 7 foram entrevistados
e descritos mais adiante. A escolha dos mesmos para esta descrição e análise não
tem a ver com uma hierarquia, grau de importância ou algum privilégio especial.
Estes foram os primeiros entrevistados. O limite para o que se propõe nesta
Dissertação não permitiu descrever e analisar todos. Contudo, entende-se que eles
darão um panorama geral e específico do sentido da Festa do Boi de Pindaré. Os 15
grupos referidos têm os seguintes nomes:
161
Grupos de Bois entrevistados
G
rupos de Bois não entrevistados
1. Boi Canapum ou Canapu do Vale
do Pindaré;
8. Boizinho do Canadá;
2. Boi Rei da União;
9. Boi Sonho de São João;
3. Milagroso;
10. Boi Brilho de São João;
4. Boi Desejo de São João;
11. Boi Mimo de São João;
5. Boi Milagre Dourado;
12. Boi Flor do dia;
6. Boi Milagre de São João;
13. Boi Brilho de Areias;
7. Boi Capricho de São João.
14. Boi Estrela do Vale;
15. Boi do Engenho.
Os Bois de Pindaré têm uma diretoria, que é estruturada de acordo com cada
grupo, no entanto algumas funções são comuns a todos. Em geral compõe a
diretoria: O dono do Boi, que normalmente é o presidente, o tesoureiro e a
secretária. Um ou outro grupo tem um coordenador de eventos em seu corpo, que
são figuras míticas fundamentais.
A toada (música) a seguir revela a paixão da população de Pindaré pelo
Bumba-meu-boi. Expressa o sentido religioso, o luxo e o brilho que Pindaré quer
revelar também nessa “brincadeira” popular, festiva e religiosa. Percebemos
também o desejo de divulgar a cidade com um rosto próprio. Na festa do Bumba-
meu-boi é sotaque próprio, a indumentária e o luxo,
“Esse Boi de Pindaré, ô tem uma história sagrada,
Mas eu vou fazer um livro,
Que é prá todo o povo saber,
Foi João Câncio quem fundou,
Ê Cochinho fez crescer,
Maurício é o maior fazendeiro,
162
Que formou toda lei,
Ê o luxo tomou conta,
Que é pra valer,
A Siraca que é patrão do gado
Não deixa essa boiada morrer”
(CD, BUMBA-MEU-BOI DE PINDARÉ, 2004.
CANTOR: HERMÍNIO CASTRO)
Os sete bois escolhidos para a pesquisa:
Boi Canapum do Vale do Pindaré ou Canapu
Fundação: 03 de março de 1991. Tem seu registro próprio com o nome da
Associação Comunitária Esportiva Cultural, Recreativa Bumba Meu-Boi
Canapum do Vale do Pindaré;
Sede: esquina da Rua da Palma com Travessa da Rua Vitória, s/n;
Presidente: Maria de Oliveira Nunes (D. Mariór). Este Boi surgiu da
dissidência de outro Boi existente na cidade. Atualmente conta com um corpo
de aproximadamente 200 componentes entre homens, mulheres e crianças.
Tem sede própria, Alvará de funcionamento e cadastro na Secretaria
Municipal de Cultura. Segundo sua presidente D. Marór a festa do Boi
Canapum.
A Festa
Normalmente tem início entre o dia 04 e 12 de maio e encerra na Festa de
Nossa Senhora Santana, 25 de julho. Começam os ensaios e os
preparativos para a levantada do Boi. Então após o ensaio de início da
temporada junina começam as reuniões dos membros para discutirem
sobre quem vai cooperar. Uma vez que não se tem ajuda de nenhum órgão
ou empresa que nos patrocinem com algum donativo. Então as despesas
são custeadas pelos membros: bebidas, alimentação, ajuda na aquisição do
fardamento para as pessoas que não têm condições de comprar suas
indumentárias. As pessoas que freqüentam é a comunidade de Pindaré em
geral, pois em Pindaré todo o povo que está assistindo entra na ‘roda ou
cordão’ e participam os membros das famílias dos sócios e todos os
convidados (D. Mariór, entrevista realizada no dia 15 de julho de 2007).
163
De acordo ainda com D. Mariór, o Bumba-meu-Boi Canapum não é um Boi de
promessa, por isso alguns rituais como o batismo não são seguidos à risca. Por este
mesmo motivo o Boi Canapum não morre, não se desmancha os enfeites. Nos dias
maiores dos festejos, 16 a 24 de junho, é rezado a Ladainha, o Bendito de São
João para “levantar o Boi”. Para D. Mariór o Boi Canapum é um “Boi de Brincadeira”.
Ao ser indagada sobre a indumentária desse Boi a resposta é cheia de vida e
muito entusiasmo:
O nosso chapéu com as penas para cima está representada na figura do
vaqueiro nordestino que tem o chapéu virado (o chapéu de couro). O nosso
ritmo tem em seu conjunto o tambor que é um instrumento também usado
pelos negros, índios e brancos, e as matracas, o Cocá dos índios (Caboclos
de Pena) e as Tapuias com poucas plumagens e levantadas representam
os índios da tribo Guajajara, tribo que deu origem à cidade de Pindaré e
existem ainda hoje a Aldeia Guajajara (D. Mariór).
Boi Rei da União
Fundação: 1977;
Dono: José Berto Vale;
Nome: Associação de Bumba-meu-boi rei da União. Tem sede própria;
Componentes: aproximadamente 200, entre homens, mulheres e crianças;
Resumo histórico: Iniciou-se a partir de uma dissidência com outro grupo de
Bumba-meu-boi da cidade. Uma parte da turma que havia se retirado do Boi
anterior se reuniu e convidou o Sr. José Vale para “levantar” o Boi novamente
e assim, o grupo o colocou como o patrão do novo grupo. Assim no dia 26 de
julho de 1977, na festa de Nossa senhora Santana,
nós estávamos levantando o novo Boi que conservou o mesmo nome que
é até os dias atuais. Hoje o Bumba-meu-boi Rei da União é uma
Associação com registro em Cartório, com diretoria organizada, apesar de
que não recebemos ajuda de ninguém, nem mesmo do poder público,
sobrevivendo apenas das contribuições dos próprios integrantes que são
pessoas simples, sendo que o que mantém viva a tradição é o prazer e
gosto pela brincadeira (Sr. Zé Vale, entrevista no dia 26.07.2007).
164
A Festa
A festa começa com as reuniões para a preparação dos ensaios que se
iniciam no sábado depois da “Aleluia”, o segundo ensaio acontece no início da
segunda quinzena de maio e o terceiro e último ensaio acontece no dia 12 de
junho. Esses ensaios acontecem com a reunião de toda a “tripulação”, em que é
organizado o batuque e todas as toadas são ensaiadas e selecionadas. Os
ensaios são na sede própria à Rua das Flores no Bairro da Formosa. Nos
ensaios o Boi é “levantado” com um bumbo próprio para os ensaios e tem a
participação de muita gente da cidade. Neste Boi acontece o ritual do batismo,
que é feito em razão de ser uma brincadeira popular de caráter religioso. Para os
brincantes do Boi o batismo confirma a e a crença das pessoas. Nesse ritual
as pessoas invocam os santos padroeiros do Boi (S. João e S. Pedro) e pedem a
proteção e bênçãos para toda a tripulação e para toda a comunidade.
Quando perguntado sobre o sotaque próprio do Boi de Pindaré o Sr. Vale
fala com entusiasmo:
O sotaque de Pindaré tem tido um estilo próprio a começar pelas
indumentárias, a dança no cordão, o batuque e enfim, o chapéu com as
penas para cima significa o chapéu do vaqueiro nordestino com seu chapéu
de couro virado a aba frontal para cima; os Cocás das Tapúias e Caboclos
de Pena com poucas plumas e penas levantadas também significam o traje
dos índios da tribo Guajajara que é a tribo próxima à nossa cidade, dos
quais herdamos traços, tanto na cultura como na religiosidade; a
musicalidade integra vários instrumentos, tais como tambores, chocalhos,
matracas, compondo assim o ritmo ou o sotaque de Pindaré. As toadas em
pequenos versos facilitando a memorização do publico participante que
também entra na roda ou cordão participando integralmente da brincadeira
(Sr. Zé Vale, entrevista dia 22 de julho de 2007).
Boi Milagroso
Fundação: ano 2001;
Dono: Sr
a
. Maria do Livramento Corrêa;
Nome: Associação Comunitária e Cultural de Pindaré. Tem uma diretoria e
Sede própria;
Componentes: aproximadamente 100 pessoas;
165
Resumo histórico: nasceu de uma promessa feita por dona Maria do
Livramento. Logo após a promessa despertou interesse dos amigos e da
comunidade para dar continuidade no Boi. Cresceu muito e a cada ano atrai
mais componentes. Para Dona Maria do Livramento o objetivo do Milagroso
“É dar continuidade na nossa tradição e resgatar a cultura local”.
A Festa
Tudo começa com o ritual do batismo dando início com a Ladainha de São
João e logo após é presidido pelo próprio vigário da cidade o ritual do
batismo ou consagração do Boi. O período de 23 a 30 de junho durante a
preparação são confeccionadas as indumentárias dos brincantes e são
realizados os ensaios. No início de cada ano começam os preparativos,
pois boa parte das pessoas que participam são devotos de São João e
fazem questão de confeccionar suas indumentárias e estão sempre se
reunindo com a Associação para discutir as idéias para as apresentações
que geralmente começam em maio. Quanto aos ensaios só começam
mesmo em abril aos finais de semana com o grupo de índios, além de três
grandes ensaios com toda a turma e a comunidade. A festa oficial só
começa dia 23 de junho sendo a primeira apresentação na sede própria do
Boi (D. Maria do Livramento, entrevista dia 27.08.2007).
Boi Desejo de São João
Fundação: ano 1979;
Dono: Valentim Pereira;
Nome: Associação de Bumba-meu-boi Desejo de São João. Tem Sede
própria, uma diretoria e foi registrado em 2003;
Componentes: 97 pessoas;
Resumo histórico: Teve seu início através do Sr. Honório Sousa que brincava
Boi com seu pai Francisco Sousa.
A Festa
Durante todo o decorrer do ano tem festa. O primeiro ensaio é no dia 29 de
dezembro, o segundo no sábado da ‘Pascolina’, (sábado de Aleluia) o
terceiro ensaio é no dia 12 de junho que é o último chamado ‘ensaio
redondo’. (Sr. Valentim Pereira, entrevista dia 26.08.2007)
166
Boi Milagre Dourado
Fundação: 24 de junho de 1968;
Dono: Sr. João Leite;
Nome: Sociedade Junina de Bumba-meu-boi Milagre Dourado. Tem uma
diretoria e foi registrado em 1991;
Componentes: aproximadamente 80 pessoas;
Resumo histórico: 46 amigos se juntaram e formaram a brincadeira. O Sr.
João foi quem deu o início.
A Festa
Inicia-se no dia 23 de junho e dura até o dia 30. Os preparativos iniciam-se
já no início do ano. Os ensaios vão do sábado da Pascolina até o dia 12 de
junho quando acontece o ‘ensaio redondo’. Nosso Boi de Pindaré é
diferente pela união do ‘batalhão’ e a participação de toda a comunidade. O
batismo do Boi é a cristã no santo padroeiro do Bumba-meu-boi que é
São João. O batismo é sempre realizado no dia 23 de junho, em seguida o
Boi está pronto para ser apresentado (Sr. João Leite, entrevista dia 27 de
agosto de 2007).
Boi Milagre de São João
Fundação: 29 de abril de 1990;
Dono: José Ribamar Bezerra (Zé de Irene);
Nome: Associação de Bumba-meu-boi Milagre de São João. Tem uma
Diretoria é registrado e tem Sede própria;
Sede: Avenida Olindina esquina com a Travessa Nossa Senhora Aparecida,
s/n – Centro;
Componentes: entre 250 a 300 pessoas;
Resumo histórico: Surgiu de uma divisão de outro Boi existente na cidade.
O Boi nasceu no Sítio Primeira Cruz no Terreiro do “pai-de-santo” S
r
. Antenor
Ferreira Lima (falecido). Na Semana Santa os “filhos-de-santo” da Tenda
Santa Bárbara ficavam de retiro e se ‘deitavam’, na Aleluia era a ‘levantada’ e
começavam a batucar em uma espécie de ensaio, d surgiu a idéia da
167
formação do Boi, visto que algumas pessoas que moravam no Sítio
‘brincavam’ no Boi do S
r
. JoRoxo. Foi então que o S
r
. Armando Ferreira
Lima (falecido), juntamente com de Irene, Biné, Raimundo, Sérgio e
outros se reuniram e convidaram o S
r
. José Vale como Patrão do Boi Rei da
União, primeiro Boi que originou o Boi Milagre de São João.
A Festa
Os preparativos para a festa do Boi praticamente duram o ano todo.
Compra de materiais para a indumentária como canutilhos, miçangas,
veludos, penas, lentejoula e paetês, fitas e outros materiais. Faz-se então a
revisão dos adereços para a reposição, reformas e confecção. Os ensaios
sempre começam no segundo bado após o aleluia e sempre este é feito
na Sede própria do Boi localizada na Av. Olindina Martins. Cada membro
traz o que pode bebida, foguete, velas e se reúnem e começam com o
batuque e as toadas que é Guarnecê. Todos os ensaios do Milagre de
São João começam com a reza e a Ladainha e as primeiras toadas sempre
são iniciadas pelo patrão (Sr. José de Irene, entrevista dia 17 de junho de
2007).
Antigamente o batismo era feito pelo próprio padrinho do Boi que era um
membro da turma, mas nos dias de hoje os padres fazem o batismo
religioso na Igreja local usando todos os elementos do batismo
sacramental. O objetivo do batismo é evitar azares, agouros, mau-olhados
e para ajudar que tudo certo, as viagens, as festas nos Terreiros.O boi
Milagre de São João é tradicional, mas não tem o ritual da morte. Ele pode
brincar o ano todo. È um Boi de compromisso com o santo, não é um boi
de comércio.
A maior alegria é manter a cultura e tradição do povo de Pindaré vivas e
mantidas para que as gerações futuras e o povo que visita a nossa cidade
possam vem mantida viva a cultura dos seus antepassados preservada. E
depois o prazer e satisfação pessoal de cada membro de turma do Boi
Milagre de São João (Sr. José de Irene, entrevista dia 14.07.2007).
Boi Capricho de São João
Fundação: ano 2005;
Dono: não tem um dono;
Nome: Associação de Bumba-meu-boi Capricho de São João. Tem um
diretoria, e é registrado;
Componentes: 112 pessoas;
168
Resumo histórico: Iniciou-se em uma sexta feira Santa em que resolveram
criar o Boi para ‘brincar’ no Sábado de Aleluia. Quem idealizou foi o senhor
Honório Sousa (falecido) e família.
A Festa
Os preparativos não param durante todo o ano. Os ensaios acontecem
entre os dias 25 a 27 de abril. São realizados na própria Associação na
residência do Sr. Honório. Tem o ritual do Batismo (Sra. Tercilia, entrevista
dia 26.08.2007).
O sete Bois descritos são uma amostra do que acontece com os outros
grupos de Bois de Pindaré. As diversas narrações embora tendendo a omitir a
presença de alguns conflitos, terminam por revelá-los. Da mesma forma que o
Bumba-meu-boi de Pindaré tem o sotaque próprio, que é seguido por várias outras
cidades, encontramos também as dissidências que foram gerando outros grupos.
certo mal estar com relação à compreensão de si mesmos, uns se auto-entendem
como boi de compromisso (de promessa), outros, como boi de comércio
(apresentação).
Pelo que se pode perceber existe entre os diferentes grupos de Bumba-Boi
em Pindaré, uma disputa por legitimidades. Cada um, em seu universo, apropria-se
de um discurso de que sejam genuínos, representantes máximos do sotaque de
Pindaré. Isso leva-se a perceber que nesse universo cada um tem sua “verdade”
que precisa ser reconhecida. No que se refere à identidade de Pindaré que se
elabora e se reelabora, também a partir do Bumba-Boi, está traçada no imaginário
social de cada grupo, marcando diferenças a partir de uma auto-afirmação que
associa resistência e manutenção de uma tradição.
Ao falar sobre as dificuldades para manter o Bumba-Boi, todos os
entrevistados apontam como dificuldade maior, a questão financeira, a falta de
investimento por parte dos poderes públicos: “Nossa maior dificuldade é financeira,
pois não temos nem padrinho ou madrinha que ajudem nas despesas e a nossa
turma é composta por pessoas com poucas condições financeiras” (Sr. de Irene).
169
Ou ainda: “A fonte de renda é nossa principal dificuldade. Na hora da locomoção da
turma, os transportes... Fica tudo muito difícil. Levamos para frente porque
acreditamos e temos fé”. (Sr. Valentim Pereira). “A falta de patrocínio limita muito
nosso trabalho” (D. Maria do Livramento).
Os depoimentos demonstram conflitos e as várias dificuldades subjacentes
nos grupos de Bumba-Boi de Pindaré, aspecto bastante omisso por parte da
população da cidade ao apresentar a sociedade real, e também idealizá-la como
uma cidade bonita, festiva cotidianamente. Embora aparecendo esse caráter
conflitivo, no Bumba-Boi, as pessoas em Pindaré, em geral, se esforçam por deixar
transparecer as relações de irmandade e de união para além de qualquer
discordância. As atitudes das pessoas no dia-dia relevam o que é difícil, sombrio e
enfatizam o que é alegre, promissor. Tudo índica que de forma subjetiva um
pacto, uma cumplicidade para que a Pindaré se apresente e seja sempre vista
‘festeira’.
No contato com os diversos grupos e festas, a partir da experiência e, em
parte, convivência com os pindareense, percebe-se a necessidade que eles têm de
se apresentarem bem, unidos. Pode-se constatar que as pessoas de modo geral
vivem criando, recriando, negociando selecionando uma parte para esquecer e
selecionando outra parte para lembrar. um movimento que se quer encobrir e
outro movimento que se quer revelar. O conflito, as dissidências, as dificuldades são
o lado sombrio, precisam ser deixado um pouco de lado. A festa, a alegria, a
exuberância, o conjunto de rituais que dão um aspecto de singularidade à população
são o lado iluminado, bonito, deve ser visto, apresentado, elucidado e trazer
visibilidade nova para a cidade e sua população, que neste prisma positivo se
identifica.
Halbwachs interpretando o sentido da memória social é-nos referência para
ajudar a entender essa dinâmica na sociedade de Pindaré. Para o autor,
É necessário para que uma lembrança seja reconstruída, ela seja operada a
partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto, no nosso
espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses
para aqueles e reciprocamente, o que é possível se fizeram ou
170
continuam a fazer parte de uma mesma sociedade (HALBWACHS, 1990, p.
34).
Tanto o ato de rememorar quanto o ato de esquecer das pessoas ou de
grupos tornam-se reconstruções sujeitas ás relações em sociedade. Nesse sentido,
também nos ajudam, as discussões de Rita de Cássia Amaral sobre a função da
festa. Para a autora, festa exerce “[...] simultaneamente o papel de negar e reiterar o
modo como a sociedade se organiza, justamente selecionando o que deve ser
lembrado e o que deve ser relegado ao esquecimento, o que deve ser transformado
e o que deve permanecer” (AMARAL, 1999, p. 109). Estar em festa em Pindaré-
Mirim tem sentido de memorizar a cidade, narrar sua história do ponto de vista de
seus sujeitos construtores.
Em Pindaré-Mirim, a vivência de um universo simbólico norteado pela
dimensão da festa que perfaz o seu cotidiano ajuda as pessoas a manter suas
emoções e a expressar um estilo de vida a partir de signos e valores que o
ritualizados de forma individual ou coletiva.
“Chegou, chegou meu boi,
Ê tem uma estrela na testa,
Bordada de canutilho,
De lã de ouro,
Do Nordeste brasileiro,
Ê alegria do povo,
Vem ver morena, vem ver morena,
Pindaré cobrando fama de novo.”
(CD, BUMBA-MEU-BOI DE PINDARÉ, 2004.
CANTOR: Ciriaco Serra)
O canto de Bumba-meu-boi acena para a importância da festa para os
pindareenses. Estar em festa tem sentido de construir uma trilha de volta às origens
como povo. É reviver o princípio da resistência, do grito para viver e dizer que
existem. É dizer que não obstante os massacres, as investidas e as estratégias para
dizimar os Guajajara e que não obstante o processo de escravização dos negros
nos engenhos daquela região, Pindaré existe, “cobra fama”, precisa que alguém veja
a outra face da cidade. Seus povos subsistem e transcendem as fronteiras de um
171
passado que os relegou à condição de insignificância, de não existência enquanto
povos que não foram considerados como tais durante muitos séculos.
4.5 A dança indígena
Foto 07: Apresentação da dança Indígena.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Ao propor nesta pesquisa a análise da “Dança Indígena” estamos afirmando
sua relevância no contexto de Pindaré, uma vez que se trata de uma dança
“inventada” com o propósito de perpetuar a memória indígena na cidade, portanto,
contar sua história também através desse sujeito.
Assisti por várias vezes apresentações dessa dança, ao mesmo tempo em
que aproveitava esses momentos para convivência com as pessoas integrantes do
grupo e para dialogar com seus idealizadores. Dentre as pessoas que atualmente
lideram e dão continuidade a essa dança na cidade, está o professor Joacy Santos,
o conhecido Jojó, com o qual cursei junto os anos de graduação. Além da relação
próxima que tenho pessoalmente com as pessoas de Pindaré, esse dado permitiu
172
ainda mais o acesso ao grupo. Pelo o que pudemos escutar a história dessa dança
na cidade mostra que ela só foi aceita a partir do momento em que buscou recuperar
in loco, isto é, a partir de uma convivência e aprendizado entre o povo Guajajara,
expressões de seu universo cultural.
A dança Indígena foi criada, e depois de aceita pela população foi inserida ao
contexto de comemorações festivas, na cidade, conforme pudemos observar. Essa
dinâmica revela a preocupação da população de Pindaré para desconstruir a
imagem da cidade identificada, por vezes, somente por um passado que brilhou por
meio do Engenho Central e/ou por um passado estigmatizado pelos horrores da
escravidão – mesmo tendendo a negar a existência de negros na sua origem.
É certo que, as festas populares estão relacionadas à matriz cultural tanto do
indígena, quanto do negro e do nordestino que povoaram a região. Também é certo,
que ninguém ali sabe desde quando datam essas festas. Contudo, é necessário
verificarmos que a construção - na sua maioria subjetiva, mas também objetiva,
como no caso da Dança Indígena - de um cenário para a recuperação da imagem da
cidade e do pindareense constituiu-se, também pela “invenção” de algumas festas.
Essas festas visaram uma rememoração da história da cidade, ao mesmo tempo,
significou uma possibilidade de enaltecimento de seu passado de outra forma, que
não a face da glória do Engenho Central ou a face “feia” da escravização indígena e
negra.
É nesse contexto que a dança indígena foi criada em Pindaré. Assim foram
surgindo vários grupos e atualmente, de acordo com Santos & Santos (2006),
existem 5 grupos, na cidade, a saber:
Pnuk Putaneeté;
Mapinguapá;
Guajá Arvanã;
Olho Guará;
Vitória Régia.
173
Como vimos, em termos numéricos, o censo oficial (2000) apresenta uma
população, residente no município de Pindaré, que se declara indígena de apenas
39 pessoas
62
. A origem histórica, os traços culturais e os traços físicos presentes na
população da cidade nos permitem afirmar que parte significativa de sua população
pode ser considerada descendente dos povos Guajajara.
A despeito disto, povos indígenas ficaram à margem do espaço da cidade de
Pindaré. Atualmente residem na Área Indígena Pindaré, fruto de conquista após
muitas lutas e resistência. Essa área, embora próxima à cidade de Pindaré, pertence
ao município de Bom Jardim. No entanto, talvez por estar mais próxima, os
Guajajara dessa área mantêm mais contato com a população de Pindaré. Por parte
da população da cidade, atualmente poucas iniciativas que visem estabelecer
vínculos com os Guajajara. Ao que pudemos observar e de acordo com nossos
informantes apenas no Dia do Índio 19 de abril os Guajajara são convidados e
participam dos eventos na cidade. Além disso, fazem apresentações, trazem seus
artesanatos e vendem para a população de Pindaré A população da cidade, embora
tenda ignorar sua origem, também indígena, se faz presente, compra seus produtos,
assiste às apresentações.
Dentre o conjunto de acontecimentos que as pessoas de Pindaré foram
criando - objetiva ou subjetivamente - em busca de afirmar-se numa identidade, a
criação da dança Indígena nos anos 90 foi um acontecimento singular que, no nosso
entender, pelo fato de ter como ícone o indígena pode ser um elemento, dentre
outros, a contribuir para que este sujeito histórico passe a integrar também a história
dos pindareenses o que contribui para “desconstruir” a tendência da dissimulação
dessa ascendência populacional.
Em sua monografia, Maria Ribamar Coelho Santos explica que a idéia da
dança partiu do contato que a professora da Escola CENSA, Káthia Cristina teve
62
A população residente no Município de Pindaré, constitui-se de 27.517 conforme o IBGE (2000) e, pelo
critério de autodeclaração está assim distribuída: 5.157 branca; 3.555 preta; 167 amarela; 18.365 parda;
39 indígena. Com relação à Terra Indígena Pindaré são 556 indígenas que ali residem e se constituem como
povo da Guajajara. Os dados do CIMI MA afirmam que no Estado do Maranhão, atualmente, residem 27 mil
indígenas distribuídos nos diversos povos.
174
com sua aluna, à época, Alana que havia residido em Manaus e aí participou de um
grupo de dança indígena, na cidade de Parintins
63
.
Alana convidou a professora Káthia para desenvolver o mesmo trabalho
[...]. Em 15 de abril de 1998 formaram o primeiro grupo de dança indígena
do Maranhão na Escola CENSA, composta por 16 componentes, entre eles
quatro homens e doze mulheres, divididos nos seguintes personagens:
Cunha-poranga, Pajé, Rainha do Folclore e os Índios Guerreiros que
compunham a tribo. Sobre essa organização o grupo se apresentou por três
anos (SANTOS, 2006, p. 42).
Com o passar dos anos, com a volta da aluna para Manaus, a professora
Kathia foi encontrando várias dificuldades para dar continuidade ao trabalho.
Segundo a professora Kátia havia certa rejeição por várias pessoas da cidade pelo
fato de ser uma cultura trazida de outro Estado. Essa atitude evidencia a resistência
ao “outro” e apego ao “nós”. Ao mesmo tempo, revela demarcação de fronteiras.
Novamente vemos neste fato, a tendência que parte da população de Pindaré
carrega em querer ser diferente.
Após esse impasse a professora Kátia,
...decidiu desenvolver um trabalho que se baseasse em nossas raízes
culturais, buscando fundamentação para o mesmo junto aos índios
Guajajara da Terra Indígena Pindaré, aonde recolheu algumas informações
que a ajudaram a definir o nome do grupo, bem como dar nomes a seus
personagens. Convidou o seu irmão Joacy para fazer um estudo junto à
FUNAI para levantar dados históricos e costumes daquele povo, e assim
nasceram as primeiras letras de músicas para a dança. Porém o professor
Jojó queria ir mais longe e fez uma pesquisa de campo junto aos moradores
mais antigos da cidade e também junto aos livros, em busca de lendas e
histórias que marcaram a identidade cultural do povo do Vale do Pindaré,
onde conseguiu resgatar algumas lendas que serviram de base para a
composição da ‘Lenda do Cabeludo’, a lenda da ’Onça do Canadá’ e do
‘Pássaro Agoureiro’. Assim nasceu esse novo folclore, que até os dias
atuais [...] visa resgatar a história de Pindaré-Mirim e seu povo (SANTOS,
2006, p. 43).
63
Nessa região do Amazonas se expandiram e se recriaram os Bois-Bumbás. Sua maior forma de expressão está
no grupo Caprichoso e no grupo Garantido que tem suas matrizes no Bumba-meu-Boi do Maranhão, pois foi o
seu Lindolfo Monteiro, maranhense que levou essa expressão cultural para a região. Lá ela foi recriada,
reinventada. Atualmente, no Barracão do Boi Garantido, na Baixa de São José em Parintins, está exposto um
memorial em homenagem ao sr. Lindolfo Monteiro.
175
Atualmente, segundo a informante, a professora Maria Ribamar Coelho
Santos, compõem o corpo da Dança Indígena em Pindaré, os seguintes
personagens com os respectivos significados:
Cacique: representa a liderança da “tribo”. Foi um personagem incluído na dança pela professora
Káthia mediante a necessidade do mesmo em seu trabalho segundo o estudo por ela realizado na
Aldeia dos Guajajara;
Pajé: curandeiro ou feiticeiro da “tribo”;
Miarrú Puraneté: representa a beleza indígena feminina, apresenta-se como a índia mais bela da
“tribo”;
Catuau Uicorreré: representa a índia prometida da aldeia que é preparada desde pequena para
servir ao Cacique, casando-se com o mesmo;
Pitu Puranzé: representa a vaidade indígena, através de um índio que segundo a lenda conta, era
vaidoso e preferiu a morte que se entregar a uma paixão;
Índios Guerreiros: representam a coragem indígena, um casal de índios é escolhido, preparado pela
tribo e abençoado pelo pajé, para guardarem a segurança da “tribo”;
Mãe D’água: representa uma moça indígena que é encantada pela Mãe D’água, ganhando poderes
especiais tornando-a bela, sedutora e com poderes de lançar encantos sobre suas vítimas;
Tribos: representam através da dança os costumes e toda a riqueza cultural do povo índio.
Quanto à indumentária dos dançantes, assemelham-se bastante ao índio
Guajajara quando em dia de suas festas, no entanto trazem também outros
adereços mais parecidos com os trajes dos índios do Bumba-Boi. Em geral usam o
cocar e um peitoral trabalhado de miçangas e vários enfeites de penas. As penas
são usadas como espécie de braçadeiras e tornozeleiras. Para completar o traje,
usam uma tanga, arco e flecha.
De acordo com a observação feita às apresentações da Dança Indígena e de
conforme minha informante, toda a indumentária dos componentes da dança
indígena de Pindaré, a cada ano é trocada. Nesse sentido o grupo encontra muita
176
dificuldade financeira para levar à frente seu trabalho. Segundo a professora, eles só
têm contado com o recurso financeiro da Companhia Folclórica Pnuc Puraneté a
partir de seu próprio trabalho. Mesmo assim, para a professora que tem a dança
indígena na alma, a manifestação não pode parar, pois,
esta uma oportunidade aos jovens da cidade de expor seus talentos, alguns
trados da marginalidade, excluídos da sociedade. Além do mais, essa
dança relembra nossos antepassados e faz as novas gerações se
manterem em contato com a tradição e a história, porque não devemos
esquecer nossa história. Aqui em Pindaré viveram muito índios, eles
sofreram e muitos foram mortos assim somos o que somos hoje: Pindaré
que tem uma história para contar e algo bonito para apresentar no
Maranhão (Depoimento da professora Maria Cristina Moraes Santos.
Agosto de 2006).
O depoimento da professora reflete mais uma vez o desejo de valorizar a
continuidade de sua história, pela memória passada de geração a geração.
Percebemos assim, o anseio de que essa história seja contada e vista, porém de
forma bonita, diferente. No meu entender, encontra-se aí o princípio da reconstrução
de uma identidade que vai se elaborando e se refazendo a partir de “invenções de
tradições” no caso, a invenção da Dança Indígena - segundo a visão de
Hobsbawm. Entendemos o movimento que foi sistematizando e afirmando a Dança
Indígena em Pindaré com base nas análises de Hobsbawm. Para o autor tradição
inventada é:
Um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou
abertamente aceita; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam
inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o
que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado
(HOBSBAWM, 1997, p. 9).
Desse ponto de vista, para o autor, a tradição é uma construção que se faz no
presente a partir de elementos do passado. Constantemente reconstruído de forma
coletiva. A Dança Indígena, reinventada na cidade, só foi aceita a partir do momento
em que suas inspiradoras, com a ajuda de outros, decidiram aproximar-se de sua
fonte na Aldeia dos Guajajara, que lhes mostrou um passado que ao mesmo tempo
é presente em seu meio, de forma ressignificada. Essa manifestação retornou à
cidade de Pindaré, reconstruída sim, mas com elementos que remetiam a uma
história local e comum: a presença dos Guajajara e de sua cultura peculiar.
177
Um dos informantes que ao se reportar à Dança indígena de Pindaré, assim
se expressa:
É uma dança muito bonita e envolvente. Ela existe em Manaus, mas aqui
em Pindaré ela tem um rosto próprio, pois aqui houve grandes mudanças
no ritual da dança como, por exemplo: as lendas do nosso município, o
cabeludo, a onça do Canadá e outras lendas. A cada ano de suas
apresentações ela vem com novos rituais (CARLINHOS, entrevista no dia
28 de setembro de 2007).
Hobsbawm (1997) assume a visão da tradição como um processo de
construção do presente. Poderíamos afirmar diante de suas reflexões que toda
sociedade tende a criar formas para se perpetuar para além das existências
individuais. Para Hobsbawm a tradição é seletiva e conta com o papel da memória
coletiva para esquecer alguma parte tendo em vista algum objetivo - aquilo que deve
ser lembrado. Certos significados são escolhidos para ênfase e certos o
negligenciados. Esse processo é decisivo, pois a parte selecionada permanece
como a tradição (Hobsbawm, 1997).
A Dança Indígena se soma à cadência de festas na cidade. Que se por um
lado, ajudam a “esquecer” um passado, por outro, perpetuam a afirmação e
construção de uma identidade, que do ponto de vista da população, deve ser mais
leve, mais digna de ser apresentada, mais bonita.
4.6 A festa de São Pedro
A festa de São Pedro foi escolhida para esta análise por ser a festa católica
de maior expressão na cidade. Essa escolha baseia-se também no fato de que São
Pedro é o padroeiro da cidade e sua festa, ali, funciona como um dos espaços por
excelência que agrega a maioria das outras festas e danças populares. Ademais, no
período dessa festa a cidade se transforma, a população é redobrada, dessa forma,
a festa serve também como espaço para atrair recursos econômicos para a cidade.
Dentre o conjunto de festas na cidade de Pindaré, a festa de São Pedro tem
lugar especial , sendo este santo o padroeiro da cidade. Um pouco mais que
178
sexagenária, essa festa ainda hoje atrai anualmente inúmeros freqüentadores e
devotos provenientes de diversos pontos da cidade, de outros municípios e até de
outros Estados. A cada ano o número de fiéis aumenta.
A festa teve seu início por volta do ano de 1942, no entanto, segundo nosso
entrevistado o S
r
. Arlyson Ernesto Ferreira Gomes que exerce a função de agente
de Pastoral na Paróquia,
São Pedro se tornou o padroeiro de Pindaré-Mirim pelo motivo de que na
época da construção do prédio da Fábrica de açúcar, os operários terem
encontrado uma pequena imagem de São Pedro, a qual se deduz que
pertencia aos padres jesuítas (Arlyson, entrevista realizada em julho de
2007).
No decorrer dos anos, a festa foi tendo algumas alterações, dentre elas, a
data, pois entre os anos de 1942 a 1968, os festejos eram realizados entre os dias
22 de dezembro a de janeiro. A partir de 1968 a data foi transferida para o dia 29
de junho, por ser o dia oficial de São Pedro, conforme calendário católico.
Foto 08: A Procissão de S. Pedro – dia 29 de junho.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
179
Atualmente, nos dias da festa é montada uma estrutura especial na cidade. O
festejo inicia-se no dia 1º de junho com a alvorada pelas ruas da cidade. É o primeiro
dia de peregrinação da imagem que é levada até a comunidade Santa Helena e ali a
imagem do santo permanece até a noite onde é celebrada a primeira noite de
peregrinação. No dia seguinte a imagem é levada em procissão até a próxima
comunidade e assim se repete o ritual até o dia 19 de junho, data de início da
novena. Dessa forma, a imagem peregrina por 19 comunidades da cidade. Na matriz
de São Pedro todos estão focados na festa do padroeiro, por isso, durante todo o
mês de junho as reuniões e demais atividades rotineiras são canceladas para que as
lideranças dos grupos de pastorais participem das solenidades.
Além disso, nos dias mais intensos do festejo afluem muitos fiéis que vêm de
fora, padres e lideranças religiosas de outras localidades vêm para presidirem
celebrações, reforçar a oferta para os fiéis se confessarem e receberem atendimento
individual. A festa de São Pedro em Pindacostuma atrair os filhos da terra que
residem em outras localidades, tanto no Maranhão como em outros Estados, até
mesmo bem mais distantes, como do Sudeste. Esses se preparam o ano todo,
fazem suas economias para a viagem; aproveitam os dias do festejo para rever os
familiares, os amigos, a terra que os gerou, aproveitam para reatar os laços com
suas raízes e para confirmar que se identificam com aquela cidade; valorizam a terra
e sentem-se valorizados. Da mesa forma, os familiares ficam à espera, o ano todo,
deste encontro com os filhos e amigos que estão distantes.
No mês da festa do padroeiro tudo se transforma na cidade de Pindaré. As
pessoas se enfeitam com a mais fina jóia, as casas são reformadas e se necessário
é a construído mais um quarto para a chegada dos parentes e amigos. Tudo é
feito em função do santo que “anda” durante todo o mês de junho, nas casas, nos
bairros, sempre acompanhado de grandes procissões. Além dos momentos
religiosos, o festejo contempla eventos culturais, sociais e folclóricos.
Os nove dias que antecedem a solenidade maior que é no dia 29 de junho,
são chamados novena. Neles são feitas procissões e cada dia é dedicado a um
grupo ou comunidade que fica responsável por toda dinâmica daquele dia. Estes
grupos ou comunidades o chamados noitários (catequistas, missionários, jovens,
180
movimentos, crianças, motoristas e as comunidades). Diariamente têm as
procissões que saem de alguma comunidade e encerrando com a celebração da
Missa. Os dias 23 a 29 de junho são considerados os dias do arraial de São Pedro.
O arraial acontece na praça da Matriz de São Pedro em frente à Igreja. rios
grupos de festa se apresentam, dentre eles, os Bumba-Boi, a Capoeira, a Dança
Portuguesa, a Dança Indígena, a Caixa do Divino e outras danças que compõem o
cenário festivo de Pindaré.
Por vários anos participei desta festa, assim observei de perto que nos nove
dias mais intensos as pessoas pagam promessas e no dia 27 de junho todos os
grupos de Bumba-meu-Boi da cidade se reúnem na Igreja para receber a bênção do
santo. Todos os dias é celebrada a missa, as pessoas podem se confessar, bem
como, receber atendimento individual. Para nosso informante Arlyson Ernesto
Ferreira Gomes que trabalha na secretaria da Paróquia e é uma das lideranças de
grupo durante o festejo de São Pedro em Pindaré,
o clima na cidade se transforma em festa, alegria e em um lugar de
acolhida. A cidade recebe muitos romeiros e visitantes; a comunidade se
motiva para participar das programações religiosas; as famílias vão juntas
para a Igreja, por fim, a cidade recebe um grande número de romeiros que
vêm pedir e agradecer a São Pedro. [...] O dia 29 de junho, dia de São
Pedro, começa com a primeira missa do dia na Matriz às 9h30, onde logo
após a celebração acontece a cerimônia do batismo de crianças, jovens e
adultos. No mesmo horário na Comunidade Nossa Senhora Aparecida, em
Areias (comunidade da Zona rural) acontece a mesma cerimônia. Às 15
horas sem do Porto do Cais as embarcações, lanchas, canoas, com os
romeiros até o Porto para dar início à procissão fluvial pelo Rio Pindaré até
o Porto do Cais. Quando a imagem juntamente com os romeiros chega ao
Porto, já está à espera um grande número de pessoas. A imagem logo que
chega à terra firme é recebida com fogos e levada pelos romeiros até à
Igreja Matriz. Ao chegar a procissão inicia a celebração solene do
Padroeiro. Logo após a celebração tem o sorteio da rifa de São Pedro. Ao
término da rifa é dado início ao último dia do arraial de São Pedro e assim
se encerra mais um ano de festa de São Pedro. (Arlyson Ernesto,
entrevista realizada em abril de 2007)
Na fala do S
r
. Arlyson é evidente a forma pela qual as pessoas em Pindaré
vão construindo uma convivência e relação afetiva e comunitária com o santo
padroeiro da cidade.
181
Esta festa, anteriormente era mantida sob os cuidados dos “intendentes”
64
da
localidade e do Apostolado da oração. O aspecto de benefícios materiais para a
cidade é também um ângulo importante da festa do santo.
O festejo traz benefícios para a cidade, pois as nossas famílias aproveitam
para vender aos visitantes comidas típicas da festa junina. Durante este
mês as vendas no comércio aumentam trazendo assim melhoria para no
nosso povo (Sr. Arlyson).
Embora não tenha havido nenhum comentário explícito nesse sentido, não é
difícil imaginar a dificuldade com a qual a população de Pindaré lida com essa
questão financeira. A festa de São Pedro é festa popular católica e precisa se
manter viva para manter viva a cidade. Entretanto, para isso necessita de recursos
financeiros para dar a visibilidade que a festa precisa manter a cada ano. Além do
que, este é um momento intenso e prolongado para também angariar recursos para
a cidade. E isso é feito a partir da presença dos romeiros que vêm de fora. Trata-se
de uma via de mão dupla, porém de forma muito subterfugia. Pelo exposto, a
respeito da população de Pindaré, do seu interesse em manter-se “bem fora”, a
imagem que a cidade precisa dos de “fora” para manter a festa de São Pedro e para
trazer recursos financeiros para a população não deve ser divulgada. Pindaré
precisa se manter bem vista, festiva e cuidando de si mesma.
Para Durkheim (1996), a vida religiosa nos dias de festa atinge um grau de
excepcional intensidade. Em Pindaré, tanto no ritual da festa de S. Pedro como nos
rituais cotidianos, um clima festivo propício à emergência de representações e à
criação de um espaço interacional, onde se elabora e se cristaliza a identidade
coletiva da comunidade. A festa de São Pedro é única por todo o Vale do Pindaré.
“Nos sentimos orgulhosos de manter esta festa em nossa cidade, bonita assim e
cheia de fé e com muita gente, em Pindaré mesmo”, assim nos afirma o S
r
.
Arlyson.
Uma identidade através da festa, assim interpretamos a identidade de
Pindaré. Identidade esta, como um processo de construção e desconstrução, nunca
64
Pessoas que auxiliavam na administração da cidade e ao mesmo tempo era um grupo que funcionava como
uma espécie de irmandade na igreja católica.
182
acabada e sempre em reconstrução. Ela foi sendo negociada de forma gradual e
subjetiva e, em muitas vezes inconsciente, por sua população. Essa identidade
enquanto processo acarretou benefícios em termos de uma nova visibilidade da
cidade através das festas. Assim como a identidade é assumida como fato dinâmico
em transformação, da mesma forma, a festa é assumida não como algo estático e
que por isso deve ser preservado do mesmo jeito.
A festa de São Pedro em Pindaré reúne todas as outras festas populares da
cidade, exceto as festas nos Terreiros. Os integrantes dos Terreiros participam e
colaboram com a festa, mas de forma meio silenciosa, nunca como grupo. Ao serem
perguntados por que os Terreiros não vêm também como grupo para se
apresentarem, receber a bênção do santo como o fazem os outros grupos, a
resposta é enfática e reticente: “nunca foi nossa tradição”, “Eles têm suas festas
próprias”, e assim por diante. Nesse sentido o “silêncio”, em geral é sempre o
subterfúgio mais fácil, por isso permanece. Afinal Pindaré não pode aparecer como
se fizesse acepção de pessoas. No imaginário da população permanece o sentido
do ruim que Pindaré foi no passado. Hoje, é necessário desconstruir o que foi mal e
em seu lugar colocar o que é bom e bonito, nisso vale os princípios de paz, união,
solidariedade, enfim, todos irmãos. O caminho continua aberto.
Neste campo se percebe um conflito velado e que até o presente as pessoas
não querem falar sobre o mesmo. Este conflito vai desde as relações individuais das
pessoas até a hierarquia da Igreja Católica. O passado histórico e conflituoso da
Igreja Católica e as expressões da religião afro-brasileira, embora com muita
sutileza, continuam ainda latente na sociedade de Pindaré-Mirim.
183
Foto 09: Saudação da Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré ao Presidente da Federação
de Cultos Afros.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
CAPÍTULO V
_______________________________________________
CIRCULAÇÃO DE FESTAS: COMUNIDADE ESPÍRITA
UMBANDISTA DO VALE DO PINDARÉ
184
O movimento das Festas na Comunidade Espírita Umbandista do Vale do
Pindaré, seguido da etnografia do Terreiro Espírita Umbandista Três Reis Magos e
sua festa principal, mereceu atenção nesta pesquisa pela amplitude e significância
dos Terreiros na cidade e na região.
As festas nos Terreiros em Pindaré, - de forma não oficial - fazem parte do
circuito das festas da cidade. A cada festa nos Terreiros é comum se vê a população
da cidade e circunvizinha afluir continuamente para assistir a festa neste ou naquele
Terreiro. Além disso, a maioria dos Terreiros completa sua festa com apresentações
de outras festas, como por exemplo: o Bumba-meu-Boi, o Tambor de Crioula, o
Divino Espírito Santo.
Quanto ao universo das religiões afro-brasileiras, sabemos que os negros que
foram trazidos para o Brasil apegaram-se especialmente às suas tradições
religiosas, como um dos meios mais eficazes para preservar sua identidade
fragilizada sob a dominação do poder dominante à época. Entretanto, essas
religiões entraram em contato com outras manifestações religiosas no país,
principalmente a religião católica, em sua expressão popular como por exemplo, a
devoção aos santos.
Conforme estudiosos no assunto, as religiões afro-brasileiras, foram colocadas
à margem e obrigadas a ocuparem espaços ínfimos nas várias formas de
sistematizações da sociedade brasileira, as quais lhes impõem secularmente
separações de forma desigual e sem escolhas.
Em diversos Estados do Brasil, os cultos afro-brasileiro recebem as mais
variadas denominações, tais como: Candomblé, na Bahia, Xangô, em Pernambuco,
Tambor-de-Mina, no Maranhão.
Ferretti define o Tambor-de-Mina no Maranhão como:
[...] a denominação de uma das religiões afro-brasileiras, desenvolvida por
antigos escravos africanos e seus descendentes. Entre outros aspectos,
caracteriza-se por constituir-se em religião de transe ou possessão, em que
entidades sobrenaturais são cultuadas, invocadas e se incorporam em
participantes, principalmente mulheres, e sobretudo por ocasião de festas,
185
com cânticos e danças, executadas ao som de tambores e outros
instrumentos. Daí o termo tambor, pelo qual também são designados tais
cultos. O termo mina deriva do Forte de S. Jorge da Mina, na Costa do Ouro,
atual república de Gana, um dos mais antigos empórios portugueses de
escravos na África Ocidental. Trata-se também do nome de um grupo étnico
daquela região, que se dedicava ao tráfico de escravos. No Brasil o termo
mina é atribuído genericamente a escravos procedentes da região do Golfo
do Benim na África Ocidental (FERRETTI, 1995, p. 13).
As religiões afro-brasileiras possuem suas adorações relacionadas com a
natureza, são repletas de magias e mistérios. Carregam no seu interior um conjunto de
rituais, adereços, batuques, ritmos que refletem sua visão de mundo. No entanto, no
Brasil, elas continuam estigmatizadas e marginalizadas socialmente.
No contexto de Pindaré, como acontece em várias cidades maranhenses, a
maioria de sua população é católica e participa direta ou indiretamente, da religião
afro-brasileira.
O paradigma analisado por Mauss (1974) - as três obrigações: dar, receber,
retribuir -, ajudou-nos a analisar a dinâmica das festas na Comunidade Espírita
Umbandista no Vale do Pindaré. Os rituais estabelecidos entre as casas religiosas
de denominação afro-brasileira
65
nessa localidade, representam vínculos locais e
refletem no cotidiano dos participantes dessa Comunidade.
Nesse sentido, os rituais, por estarem entrelaçados pela história, refletem
uma herança na qual o negro se reconhece, e estabelecem uma relação de
reciprocidade que dão o caráter de uma grande e única Comunidade. Festa e
religião são, para os pindareenses, parte integrante de sua cultura e de sua
existência como coletividade. Nos cultos afro-brasileiros, em Pindaré, um trânsito
que parece instaurar o que nomeamos de trilogia do “dar-receber-retribuir” na
perspectiva de Mauss (1974).
65
Diferentemente de outras cidades na região em que as festas e as casas religiosas (conhecidas como Terecô e
Tambor da Mata na cidade de Codó e na região do Mearim, e como Casa das Minas, Casa Nagô, Casa Fanti-
Ashanti, em São Luis), em Pindaré a tradição religiosa afro-brasileira tem uma característica que lhe é típica:
recebe a denominação de Terreiro de Mina, Macumba ou Cura (este referindo-se à celebração), Terreiro Espírita
(referindo-se ao local geral), Tambor de Mina ou simplesmente Tambor(referindo-se à celebração) ou ainda
Barracão (referindo-se somente ao local da celebração). Neste trabalho, usaremos a palavra Tambor de Mina
para nos referirmos à celebração e Terreiro de Mina para nos referirmos ao local da celebração.
186
A teia de significados e de valores que perfazem o imaginário sócio-religioso
dessa Comunidade indica que, no seu interior, o ritual de circulação das festas está
imerso num universo simbólico com múltiplos significados, conforme as discussões
de Mauss. A nosso ver, a idéia de coesão entre os Terreiros de Mina, o sentido da
grande e única Comunidade, indica também estar dissimulando um passado
conflitivo e desumano pelo qual passou aquela sociedade.
Conforme referimos, em Pindaré-Mirim está concentrada não uma
população negra, mas também uma população detentora de uma cosmovisão
religiosa e festiva que parece remontar a um legado do universo afro-brasileiro.
Dentre as várias manifestações que remetem à herança cultural afro-brasileira, a
população de Pindaré cultiva de forma assídua as festas, os ritos, os gestos, os
símbolos, o mistério, o encanto.
No Brasil colonial, ao longo do Brasil império e ainda hoje, os termos
“senhores”, “engenhos”, “cana”, “açúcar”, carregam significados intrinsecamente
associados à escravidão negra. Uma importante contribuição sob o ponto de vista da
história do Engenho Central e dos pindareenses são as rimas populares de Nickollas
& Batista (2003): “O nosso Engenho central / hoje motivo de contemplação/ foi um
terrível local/ Pra toda uma nação/ de negros que apanhavam demais/ tratados
como animais/ Em nome da produção” (Nickollas & Batista, 2000, p. 4).
Encontramos, na singularidade da Comunidade Espírita Umbandista do Vale
do Pindaré, assim como no imaginário, sustentado por seus participantes na sua
maioria o negros e mestiços - uma possível explicação para religar fatos, resgatar
a auto-estima das pessoas, refazer o senso de pertença, reelaborar imagens e
levantar questionamentos sobre a formação da sociedade e da cultura maranhense.
Nessa perspectiva, interpretamos que manter as trocas, sustentar uma dinâmica do
ir-e-vir, evidencia o encontro e a fusão de uma história e destino comuns, ao mesmo
tempo em que estabelece compromissos e reata laços, que gratuita e
obrigatoriamente precisam ser mantidos para dar nova visibilidade à cidade.
187
Estudos mostram que festas e religião constituem uma das manifestações
mais antigas e vivas da humanidade. Mediante o mistério do transcendente e a
incompreensão das estruturas sociais construídas, o homem buscou formas de
elaborações místicas ou rituais repletas de simbolismos. Sendo assim, podemos
compreender festas e religião como os núcleos fundamentais que aglutinam as
sociedades e representam algo revestido de importância para uma determinada
coletividade.
Dessa feita, em Pindaré a dimensão da festa presente nos Terreiros de Mina
é um rito de interação que permite a re-atualização de um sentido de pertencimento.
O ritual de memória e de tradição, coloca em cena o passado e o presente fundidos,
condensa os tempos diversos da história local; permite reatualizar os signos que
acenam para a construção de um vir-a-ser. Assim, na transmissão, seja de valores,
seja de formas de organização, o que se conserva é, de fato, antes reproduzido e
recriado para, ao que parece, preservar o sentido de comunidade, para a garantia de
uma possível coesão e oferecer uma nova visibilidade da população e da cidade. No
Tambor de Mina em Pindaré e na sua circulação entre os Terreiros se encontram
comandos coletivos e individuais que norteiam tanto o cotidiano, como os momentos
especiais dessa comunidade.
Mauss (1974), estudando as sociedades consideradas arcaicas, dentre
outras, descobre a possibilidade de estabelecimento de aliança concretizada por
meio da circulação de dádivas. A partir do universo dessas sociedades, o autor
percebe a capacidade de se constituir redes, a cadeia de interdependências e a
relação de confiança e fidelidade.
Ao dialogar com Mauss, Allan Caillé (1998), aponta que: “A rede é o conjunto
das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de
amizade ou de camaradagem, permite conservar e esperar confiança e fidelidade”
(CAILLÉ, 1998, p. 18). Essa proposição ilumina nossa análise, pois, como vimos, a
população de Pindaré criou inúmeros desdobramentos para a afirmação de uma
singularidade local. As festas e os espaços da religião foram um dos recursos
utilizados para sublimar a existência de uma coletividade distinta, com espaços
exclusivos. O cultivo das festas na sua estrutura social, a manutenção da inter-
188
relação entre os Terreiros, dando a idéia de uma grande Comunidade, significou a
possibilidade direta de a população se reconhecer nas tradições, bem como vir a
ingressar numa rede de solidariedade.
Nossa pesquisa junto à cidade de Pindaré permitiu reconhecer que essa
sociedade foi construída, imbricada num contexto regional e nacional, moldado nos
princípios de uma economia capitalista, emergente. A partir desse reconhecimento
podemos também fundamentar nossa análise em Godelier que ao reavaliar as
análises de Mauss no “Ensaio sobre o dom”, afirma:
O paradoxo próprio das sociedades capitalistas é que a economia é a
principal fonte de exclusão dos indivíduos. [...] Ela os exclui ou os ameaça a
longo prazo de exclusão da sociedade. E, para aqueles que são excluídos
da economia, as chances de serem incluídos novamente são cada vez
menores (GODELIER, 2000, p. 8).
A criação da Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré veio
reforçar a busca de algo que tornasse a sociedade pindareense reconhecida e lhe
desse um aspecto singular. Foi uma iniciativa coletiva que indicou um modo de
inserção, principalmente da população afro-brasileira, nas relações locais. Trouxe
um sentido de inclusão na sociedade que a excluiu e lhe fechou as possibilidades de
ascensão. As festas e a religião - que remontam a um universo comum: africano,
indígena e branco - tornaram-se questão vital para a população de Pindaré e,
principalmente, assumem um caráter peculiar nas casas de cultos religiosos afro-
brasileiros. Servem para estabelecer relações sociais, tornam-se uma experiência
social coletiva e são espaço de representação dos valores básicos da Comunidade,
afirmando uma identidade em construção de Pindaré sim, mas, sobretudo, de um
grupo que se sabe e se sente descendente de uma origem comum.
um movimento intenso que envolve as numerosas casas de cultos
religiosos afro-brasileiros e as constantes festas de Tambor de Mina que são
realizadas nesses espaços. Esse movimento se dá não só pela quantidade de
Terreiros e pela cadência de festas durante o ano, mas também pela dinâmica
abrangente que cria, recria e sustenta um ritual progressivo e contínuo entre essas
casas religiosas a partir da realização das festas e da circulação das mesmas
189
5.1 A Comunidade e sua organização
No final dos anos 80 do século, os dirigentes – os pais e mães-de-santo - e os
participantes dos vários Terreiros existentes na cidade, estabeleceram um princípio
de cumplicidade firmando uma rede de solidariedade e de interdependência entre si.
Interpretamos essa iniciativa como um marco que revela a necessidade de
existir e coexistir enquanto sujeito participante, respaldado por uma instituição de
reconhecimento não só interno, mas também social, cultural e político-religioso.
Dessa forma, os pais e mães-de-santo fundaram a Comunidade Espírita Umbandista
do Vale do Pindaré, por incentivo da Federação Umbandista de Cultos Afro do
Maranhão e para “organizar melhor nossa religião”, como afirmou um pai-de-santo.
O conjunto de motivações históricas, políticas, religiosas, sócio, culturais -
que amparam essa Comunidade nos impeliu a usar as análises de Mauss (1974)
sobre as três obrigações: dar, receber, retribuir. Com base em suas discussões
encontramos no contexto dessa Comunidade o papel dessas três obrigações na
produção e reprodução daquilo que constitui o laço social dessa Comunidade.
No “Ensaio sobre a dádiva”, Mauss aponta que a troca nas sociedades
consideradas primitivas o dons recíprocos, mais que simples transações. Para o
autor, esses dons recíprocos ocupam nelas lugar mais importante que nas nossas
sociedades. Sua discussão é que essa forma primitiva de troca não tem somente
caráter econômico, são fatos sociais totais. Isto é, carregam múltiplos significados ao
mesmo tempo: social, religioso, mágico, econômico, utilitário, sentimental, jurídico e
moral. Assim podemos ler em suas páginas:
aqui um enorme conjunto de fatos. E que são por si mesmos muito
complexos. Tudo neles se mistura, tudo que constitui a vida propriamente
social das sociedades que precederam as nossas. [...] Nesses fenômenos
sociais ‘totais’, exprimem-se ao mesmo tempo e de uma só vez, toda
espécie de instituição: religiosas, jurídicas e morais (MAUSS, 1974 p. 41)
Partindo dessa perspectiva, percebemos nas análises de Mauss que a
realidade social é algo inerente ao humano. Entendemos que o homem cria
categorias para se organizar e viver em sociedade e, dessa forma, alimenta a
190
exigência fundamental de que faça parte de um coletivo. Assim, Mauss aponta a
respeito das trocas naquelas sociedades: “[...] não são simples trocas de bens, de
riquezas [...]. Em primeiro lugar, não o indivíduos, e sim coletividades que se
obrigam mutuamente, trocam e contratam” (Mauss, 1974 p. 44). Para Mauss, o
pressuposto da troca é o grupo constituído, é o coletivo. Suas análises apontam que
a troca é o tecido conjuntivo e se efetua dentro de uma estrutura muito
organizada. Na Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré uma forte
organização e uma intensa programação que em geral é observada rigorosamente,
pois seu não cumprimento pode acarretar em males para a própria comunidade.
Como citamos anteriormente a instituição que oficialmente aglutina esses
Terreiros Espíritas denomina-se Comunidade Espírita Umbandista do Vale do
Pindaré. Cada Terreiro é filiada à Comunidade e essa, por sua vez, é filiada à
Federação Umbandista e Culto Afro do Maranhão, com sede em São Luis
66
. Essa
ligação tanto com a Federação quanto com a Comunidade, do ponto de vista dos
participantes, o significa uma mera subordinação à uma ordem de cima, mas se
lhes exige a observação de alguns princípios que regem e orientam a Comunidade
na região do Vale e na cidade de Pindaré. No entanto, pode-se perceber um espaço
que lhes assegura determinada autonomia. De acordo com o relato de uma mãe-de-
santo, podemos confirmar essa proposição. Ao se referir à Comunidade essa mãe-
de-santo assim se expressa:
Nós aqui somos uma comunidade unida, cada Terreiro tem suas coisas
próprias, mas aqui somos um espírito. Assim também é em São Luis.
Nós temos que estar ligados lá, senão não funciona. Temos que cumprir
nossas obrigações. E tudo é por Deus. Deus deixou as coisas organizadas
assim. Temos que ter um chefe maior, a quem s devemos obedecer.
Senão vira bagunça. Mas aqui cada um de nós tem seu ritmo, obedecendo,
claro, o que vem também de cima. Eu sou feliz porque tenho alguém,
embaixo de Deus a quem eu estou ligada. A gente se sente mais segura.
Mas muitas coisas aqui eu crio e vou fazendo é do meu jeito (Depoimento
de uma mãe-de-santo, de 67 anos. 09.01.2005).
A fala dessa mãe-de-santo nos ajuda a compreender que, estar ligado à
Comunidade Espírita Umbandista e à Federação constitui-se em algo maior que
uma vinculação por meios oficiais. Antes de tudo, essa vinculação que precisa ser
66
Cujo presidente atual é Benerval M. Leite – Astro de Ogum, nome religioso.
191
mantida, está repleta de sentidos e significados religiosos, morais e sociais.
trocas de benefícios para além do institucional. Dessa forma, se aplica a visão de
Mauss sobre os fatos sociais totais com múltiplos significados. A partir de seus
estudos o autor define que naquelas sociedades “o que trocam não são
exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis.
Trata-se antes de tudo, de gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres,
crianças, danças, festas [...]” (MAUSS, 1974, p. 75)
Em sua estrutura organizacional a Comunidade se reúne mensalmente e a
cada biênio uma dessas reuniões é para eleger um novo presidente e uma nova
diretoria. Atualmente a diretoria tem a seguinte composição: presidente
67
, vice-
presidente, tesoureiro, secretário, diretor de eventos e diretor espiritual.
Essa organização revela que os laços estabelecidos entre os Terreiros
Espíritas m um sentido de pertença, um sentimento do não estar sozinho. Reforça
a crença da grande e única comunidade através das reuniões, da dinâmica do ir-e-
vir entre esses Terreiros, da obrigação e da gratuidade das visitas. Pertencer à
Comunidade é tê-la como guardiã e protetora, por isso é preciso, até certo ponto,
prestar contas
68
. Além do que, essa pertença e união, do ponto de vista dos
pindareenses e dos participantes da Comunidade, é algo que os diferencia e que
lhes confere uma singularidade em relação a outras casas de Cultos afro-brasileiros
no Estado do Maranhão.
O depoimento que segue mostra que para este filho-de-santo o sentido de
irmandade e de grande união tem uma força vital na Comunidade e, no seu
entender, é isso o grande diferencial da Comunidade Espírita Umbandista do Vale
do Pindaré. Ele chega a comparar a relação que existe entre as casas de Culto afro-
brasileiros de Pindaré com a existente em outras cidades, inclusive da cidade
considerada no Maranhão como a de maior número dessa manifestação no Estado.
67
O atual presidente é João Bata Cutrim.
68
As reuniões da Comunidade são realizadas mensalmente em um das Casas Religiosas de Pindaré e as reuniões
da Federação Umbandista e Culto Afro do Maranhão são feitas em S. Luis a cada três meses. Tanto na
Comunidade como na Federação as Casas Religiosas ou as Terreiros, além de outros, prestam contas de suas
atividades ou visitas a outras casas e celebrações festivas com relatórios oral e/ou escrito.
192
Nem em Codó
69
, existe uma união assim como aqui em Pindaré. Essa
união bonita é aqui mesmo, porque Pindaré é especial, brinca por
brincar, reza por rezar, festeja por festejar. Aqui ninguém está querendo ser
mais do que o outro. É uma só irmandade. Somos muito unidos.É uma
grande alegria que a gente sente, pois sabemos que pertecemos a um
grupo bonito, organizado e com muita unão. Isso é aqui em Pindaré
mesmo. Não aquela competição de outras cidades. Brincamos” em outros
salões e vamos alegrar a festa do outro. Pindaré é bonito assim (Filho-de-
santo de 42 anos – depoimento aos 06.01.2005).
Esta fala revela que para os participantes das religiões afro-brasileiras em
Pindaré, ser membro da Comunidade constitui motivo de orgulho e confere um
determinado status, da mesma forma que continuar unido na Comunidade reforça o
senso de estar contribuindo para a elevação e visibilidade da cidade e de sua
população. Por isso é preciso reunir-se, encontrar-se, visitar e ser visitado, em suma,
é preciso trocar os bens simbólicos ou materiais.
A troca na Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré se por
meio da circulação entre um Terreiro e outra, entre uma festa e outra e essa
dinâmica tem um sentido místico, religioso para seus participantes. Para Mauss a
dimensão mística é essencial, é operante. A partir de suas análises entendemos que
a magia está em tudo e une o humano a todos e tudo coisas, pessoas, espírito.
Assim, concebemos que um sentido de pertença a um coletivo que se através
da troca e que essa forma de entendimento não se deu no passado nas
sociedades arcaicas, mas permeia o universo simbólico dos participantes da
Comunidade atual em Pindaré. A troca, a partilha, o sentido de irmandade são
pilares que a mantém em existência.
A comunidade reúne-se mensalmente e nos primeiros anos as reuniões eram
feitas em locais variados, porém sempre em um Salão, em um Terreiro determinada.
Nos últimos anos as reuniões passaram a ser sempre em um dos Terreiros no
Terreiro Umbanda Espírita Três Reis Magos, cuja mãe-de-santo chama-se Mãe
Zuíla, nome muito considerado no Vale do Pindaré e em toda a Comunidade Espírita
Umbandista. Quando perguntados por que não fazem mais rodízio dos locais das
69
Codó Cidade maranhense muito conhecida, até mesmo em vel nacional por concentrar, segundo vários
pesquisadores, o maior número de Terreiros ou de casas de cultos afro-brasileiros no Maranhão. Alguns falam
que atualmente pode-se contar 149 Terreiros nessa cidade. Sua tradição religiosa típica é o Terecô ou Tambor da
Mata (Ferretti, Mundicarmo, 2001).
193
reuniões, em geral respondem que “na casa de e Zuíla (ou Dona Zuíla, como é
carinhosamente conhecida), tem mais espaço, pra todo mundo e aqui tudo é muito
sério, com ordem e amor”. (Filho-de-santo. 28.08.2006). Ao término de cada reunião
mensal da Comunidade é servida sempre uma merenda para todos, trazida por
vários dos que participam.
Participa das reuniões da Comunidade a diretoria de cada Terreiro, no
entanto, a reunião é aberta também para qualquer outro filho ou filha-de-santo que
queira participar. Um critério a ser observado é ele estar ligado a algum Terreiro, a
algum pai ou mãe-de-santo e por ele ser reconhecido.
Nas reuniões, em geral, uma pauta muito extensa. Após o momento longo
de oração, que geralmente é conduzido pelo presidente ou pela dona da casa, é
feita a chamada pelo nome do Terreiro e do pai ou mãe-de-santo, prestam-se contas
do caixa comum, que em geral tem pouca reserva, os deres de cada casa religiosa
apresentam o relatório das atividades do mês que passou, acolhem-se novos
membros Terreiros novos, ou um novo filho ou filha-de-santo -, comunicam-se as
próximas festas, renova-se o convite oficial para participar das festas. também
um espaço aberto para quem tem alguma comunicação ou convite, canta-se
parabéns aos aniversariantes do mês, lê-se a ata da reunião anterior, que é sempre
aprovada com uma salva de palmas.
A maior parte do tempo da reunião é dedicada a falar nas festas e sobre as
festas. Quem foi, quem deixou de ir e por quê. Quem se comportou bem, quem
transgrediu alguma orientação – isso vale para os Terreiros e para as pessoas
individuais. São feitas admoestações, lembranças dos compromissos e das
obrigações. Pedidos de desculpas e perdão são externados dá-se e recebe-se
mutuamente. Ao mesmo tempo, expressam os agradecimentos pelas visitas que
foram realizadas nos Terreiros por ocasião das festas. Expressam-se
orgulhosamente e muito gratos por terem ido visitar algum Terreiro e por terem
recebido alguma visita, ressaltam o senso de união e de coesão através dessas
visitas. Pela minha convivência com os Terreiros, constatei que esse sentimento
está expresso no dia a dia de seus participantes, bem como, escutei repetidas vezes
194
na palavra de vários pais e mães-de-santo durante as entrevistas. Ao serem
perguntados por que visitam os Terreiros, as respostas assim foram sintetizadas:
“Visitamos pela amizade e união que existe entre os Terreiros”. “O objetivo
é para aproximar mais os irmãos”. “Para fortalecer a união da religião
umbanda”. “Para estreitar e reforçar os laços de amizade, pela obrigação de
visitar”. “Quando se visita uma casa temos que reverenciar com as danças”.
“Porque somos uma irmandade”. “Porque os terreiros em Pindaré são de
corrente ligadas pela própria natureza e uma união entre eles”. Porque
é uma obrigação. Porque os outros terreiros nos visitam e temos que
agradecer e porque uma união entre as casas de Pindaré”. “Visitamos
pela obrigação” é bom depois saber se nos comportamos bem ou não e
isso é depois em nossas reuniões. (Vários pais e mães-de-santo)
70
.
A partir desses depoimentos, inferimos que a Comunidade o é lugar de
revelar e de colocar em comum os benefícios recebidos ou praticados, mas é
também espaço para externar publicamente os desvios dos compromissos
assumidos, sejam eles sociais ou morais. Ali são reparados os males, é reforçado o
bem e renovado o compromisso para novas práticas. Dentre os momentos fortes do
estar em Comunidade, constitui-se ponto alto a partilha das visitas às casas ou
Terreiros. As pessoas se orgulham de ter ido visitar e de ter recebido visitas de
outros. Oferece-se a visita, recebe-se e se retribui como uma obrigação e como uma
gratuidade ao mesmo tempo. Mauss descobriu que nas relações estabelecidas nas
sociedades arcaicas:
uma série de direitos e deveres de consumir e de retribuir,
correspondendo a direitos e deveres de presentear e de receber. [...] Pois,
essas instituições exprimem unicamente um fato, um regime social, uma
mentalidade definida: é que tudo vai-e-vem como se houvesse uma troca
constante de uma matéria espiritual (MAUSS, 1974, p. 59).
A inter-relação mantida entre os Terreiros de Pindaré é permeada de direitos
e deveres que são avaliados e reforçados na Comunidade. A dinâmica de circulação
entre essas casas religiosas é um dom gratuito e obrigatório, pois o Terreiro que é
visitado sente-se homenageado, ao mesmo tempo em que se sente na obrigação de
receber bem e retribuir de forma melhor. Para cada visita e retribuição há uma
intensa preparação que inclui também os comportamentos morais. Nesse contexto,
o “dar-receber-retribuir” acarreta benefícios que incidem na área do espiritual e do
material, confirmando a afirmação de Mauss:
70
Entrevista realizada individualmente com 13 pais e mães-de-santo, em abril de 2006.
195
Misturam-se as almas nas coisas; misturam-se as coisas nas almas.
Misturam-se as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas
saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o
contrato e a troca (MAUSS, 1974, p. 71).
A idealização da Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré reúne
um universo repleto de simbolismos que emana de uma população que, se sentindo
à margem da sociedade brasileira e maranhense, recriou formas de resistência e de
existência. Dessa forma, essa Comunidade é um espaço de recriação de algo que
ajudasse a manter a cidade em seu sentido de festa, de união, de solidariedade,
enfim de apoio e sustentação de uma visibilidade boa, festiva. Os participantes da
Comunidade procuram manter uma imagem de que “tudo está bem”, e sentem-se
responsáveis para que a cidade esteja bem e apareça bem.
A Comunidade é formada majoritariamente por pessoas provenientes da
classe popular. Nesse sentido, ali é cultivada uma cultura e um saber oral. Grande
parte dos membros tem apenas o Ensino Fundamental e, às vezes, incompleto. São
em geral trabalhadores pobres que lutam por sua sobrevivência
71
.
5.2 O calendário festivo
Nas casas de culto afro-brasileiro, isto é, nos Terreiros de Pindaré, as festas
estão distribuídas durante o ano, de acordo com as devoções e obrigações próprias
de cada pai ou mãe-de-santo obedecendo a um calendário bastante intenso. Esse
calendário, em geral, é combinado ou comunicado nas reuniões mensais da
Comunidade.
O calendário festivo deixa pouca margem entre uma festa e outra. De janeiro
a dezembro alternam-se entre as festas de um Terreiro e outro, o que leva a
comprometer a Comunidade na sua totalidade e os Terreiros por todo o ano. Uma
festa começa sua preparação no dia do término da festa anterior.
71
Incluem-se no grupo que faz parte da grande maioria da população pobre da cidade. Vivem da pesca, da roça,
do emprego na prefeitura, de biscates, as mulheres, em geral, trabalham como domésticas. Entre os filhos-de-
santo encontram-se também alguns professores, funcionários públicos.
196
Acontece, às vezes, que na cidade, no mesmo dia ou noite, estão
funcionando dez, doze festas em Terreiros diferentes. As pessoas, em geral, visitam
uma e outra festa. Vão passando de um Terreiro a outro. Às vezes informalmente e
com certo sigilo, tecem seus comentários e fazem suas avaliações. Alguns quesitos
sempre presentes são: a grande quantidade de pessoas “brincando”, as vestimentas
e ornamentação próprias, a forma de acolhida, a grande quantidade de pessoas
assistindo, a comida para todos, o comportamento das pessoas dançando com seus
“encantados”
72
, a ordem da casa.
Além do extenso calendário de festas nos Terreiros oficiais, ainda uma
lista de outras pequenas festas, celebrações, rezas, pagamento de promessas,
cumprimento de obrigações em várias casas particulares. Em geral, são feitas pelos
filhos-de-santo que têm suas obrigações individuais e que o celebram suas festas
particulares no Terreiro de seu pai ou mãe-de-santo. Essas celebrações, embora de
forma mais simples, são permeadas de requintes e brilho, por mais pobre que seja o
festeiro. Os irmãos-de-santo
73
, os vizinhos, os amigos e às vezes o pai ou a mãe-de-
santo, participam desse momento celebrativo e festivo nas famílias. Dependendo do
festeiro e do porte da festa não podem faltar nestas celebrações em família o “toque”
da Caixa do Divino e/ou o Tambor de Crioula ou de São Benedito. Algumas dessas
festas são ainda ampliadas com uma apresentação do Bumba-boi. Assim relata uma
filha-de-santo:
Nós aqui da casa temos que festejar mesmo. Se nós não festejar tudo fica
triste. Temos que brincar até.... A gente não sabe o dia que vai morrer. O
povo novo tem que aprender, senão Pindaré se acaba. Acabou a festa,
pronto! Não tem mais nada. Nosso sangue na África. É muito longe,
mas ele corre aqui nas veias de nós pretos. Aliás, nas veias de todos, é
preto, é índio, é branco. Nem sei quem é branco aqui em Pindaré! Quem?
72
No Maranhão o termo encantado é encontrado nos Terreiros de Mina, tanto fundados por africanos, quanto
nos mais novos e sincréticos, e nos salões de curadores e pajés. Refere-se a uma categoria de seres espirituais
recebidos em transe mediúnico, que não podem ser observados diretamente ou se acredita poderem ser vistos, ou
sentidos em sonho, ou por pessoas dotadas de vidência, mediunidade ou de percepção extra-sensorial. Os
encantados, apesar de totalmente invisíveis para a maioria das pessoas, tornam-se “visíveis” quando os médiuns
em que incorporam manifestam alterações de consciência e assumem outra identidade. Apresentam-se à
comunidade religiosa como alguém que teve vida terrena muitos anos e que desapareceu misteriosamente ou
tornou-se invisível, que encantou-se. Embora geralmente se afirme que tiveram matéria, os encantados não são
como espíritos de mortos. Pertencem a uma categoria de seres espirituais. Os encantados são freqüentemente
comparados aos “anjos de guarda”. São protetores dos homens, dotados de poderes especiais, que estão abaixo
de Deus e dos santos. [...] Como na Mina os encantados africanos são chamados “voduns”, em alguns Terreiros
de S. Luis, as entidades espirituais não africanas ou caboclas mais antigas também são denominadas “voduns” ou
“vodunsos” (FERRETTI, 2000, pp. 15-16).
73
A expressão é comumente usada para designar os filhos ou as filhas de um mesmo pai ou mãe-de-santo.
197
Aqui no Brasil, tudo é um só. Pra que separação? Nem todo mundo gosta
de Cura e de Tambor de Mina, mas de festa todo mundo gosta, e pronto! E
vem mesmo! Não podemos ficar tristes não. Os mais velhos brincavam....
mesmo apanhando dos brancos. Por que nós não brincar, que estamos
livres? (filha-de-santo, 42 anos. Depoimento, 25.01.2005).
Nesse sentido, a Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré
resume uma dinâmica que incentiva os Terreiros a se articularem, a trocarem, a se
solidarizarem, a estabelecerem relações recíprocas - gratuitas e obrigatórias, na
perspectiva de Mauss - num compromisso de dar uma nova percepção da sociedade
e do coletivo de Pindaré.
5.3 O dar, o receber, o retribuir
Conforme afirmado anteriormente, as festas nos Terreiros de Pindaré
circulam constantemente entre uma casa religiosa e outra em um grande ritual. Esse
ritual estabelece uma vinculação e dá o caráter de uma grande e única Comunidade,
diferentemente de outros Terreiros no Estado do Maranhão.
Festa e religião são para os pindareenses parte integrante de sua cultura e de
sua existência como sociedade e como idéia de comunidade. Ao se tratar dos cultos
afro-brasileiros, uma relação de reciprocidade entre os Terreiros Espíritas,
sustentada na dinâmica circulatória das suas inúmeras festas. Esse ir-e-vir nos a
entender que instaura o que nomeamos de trilogia do “dar-receber-retribuir” na
perspectiva de Mauss.
Aqueles que retribuem mutuamente os presentes são amigos por mais
tempo [...]. Deve-se ser amigo para com o amigo e retribuir presente com
presente; [...] é preciso misturar tua alma à dele e trocar presentes e visitá-
lo amiúde. [...] Os presentes retribuídos devem ser semelhantes aos
presentes recebidos. [...] um presente dado espera sempre um presente em
retorno (MAUSS, 1974, pp. 40-41).
Essa perspectiva de Mauss está muito presente e atual na sociedade de
Pindaré, de modo especial no cotidiano dos Terreiros, respaldado pela Comunidade
espírita. A dinâmica sustentada nas trocas das festas conta ponto a favor da pessoa,
do grupo, do Terreiro e é cobrada e confirmada pela Comunidade. A forma como um
Terreiro recebe e retribui o torna bem visto, aceito e, às vezes, até invejado por
198
outros. É o que vai garantir seu status e dar poder em relação a outros Terreiros. Os
pindareenses e, principalmente, as pessoas da Comunidade, são mestres em
receber outras festas. Todos os anos, a cada mês, a cada festa superam-se em
esmeros para com o Terreiro visitante.
Mauss analisa o Potlatch
74
, a partir do estudo em sociedades arcaicas e
percebe sentidos que poderíamos aplicar em tempos de hoje na dinâmica do “dar-
receber-retribuir” na Comunidade Espírita do Vale. Em suas investigações o autor
descobre que nesse ritual “as trocas de presentes [...] incitam [...] a todos a serem
generosos. Produz abundância de riquezas” (MAUSS, 1974, pp. 60-61). E ainda,
Mauss percebe que naquelas sociedades “ninguém tem a liberdade de recusar um
presente ofertado. Todos, homens e mulheres, tratam de ultrapassar uns aos outros
em generosidade. Havia uma espécie de rivalidade quanto a quem poderia dar mais
objetos de maior valor” (idem, ibidem). Na Comunidade Espírita Umbandista do Vale
do Pindaré muito cuidado em preparar a próxima visita e em preparar a recepção
do próximo Terreiro visitante.
Na concepção dos participantes da Comunidade o sentido de união não deixa
espaço para a competição e a rivalidade, no entanto, a partir de minha observação
direta, a partir da convivência em seguidos momentos tanto em celebrações como
em reuniões na Comunidade e em diversos Terreiros, foi possível avaliar que,
tanto na preparação como no ato de visitar, de retribuir e de ser visitado, há também
aquilo que poderíamos nomear rivalidade-competição, pois o esmero de um Terreiro
cada vez mais demonstra sentido de superação. Isso orgulho, satisfação,
sentimento de certa superioridade que, até certo ponto, inibe um ou outro Terreiro.
Ser recebido bem, ser tratado com carinho e reverência, compromete o
Terreiro visitante, o pai ou a e-de-santo, e o Terreiro que realiza a festa. Aquele
que vem visitar se vê na obrigação de convidar para sua próxima festa e receber tão
bem quanto foi recebido, e o pai ou mãe-de-santo se na “obrigação” de ir à festa
74
Forma típica mais evoluída e relativamente rara de prestações totais, estudada por Mauss (1974) em tribos do
noroeste americano. É um ritual dos índios do Pacífico do Canadá. Nesse ritual domina o princípio da rivalidade,
o apelo a dar cada vez mais e ser mais generoso. Segundo o próprio Mauss, “Potaltch quer dizer essencialmente
alimentar, consumir” (MAUSS, 1974, p. 46).
199
do visitante pagar a visita recebida e prestar reverências àquela outro Terreiro. Às
vezes ocorre que o pai ou a mãe-de-santo não pode ir, mas envia seus filhos. Antes
da partida reúne a todos, delega funções. De forma que o ato de visitar e ser visitado
é imbuído de uma motivação material e espiritual, em que percebemos o que Mauss
aponta em suas discussões, pois ele afirma que “a vida material e moral e a troca
funcionam sob forma desinteressada e obrigada ao mesmo tempo. Essa obrigação
exprime-se de maneira mítica, imaginária ou simbólica e coletiva. [...] A comunhão e
aliança que eles estabelecem são coletivamente indissolúveis” (MAUSS, 1974, p.
92).
uma obrigação e dever de manter a unidade entre os Terreiros a partir da
circulação dos bens manifestos no ir-e-vir das visitas nas festas, e também de
conservar e primar pela nova visibilidade boa de sua população como também de
toda a cidade, existindo um compromisso para com as entidades espirituais a quem
se presta contas, do contrário pode haver castigos, males, na forma como Mauss
aponta: “Dádivas oferecidas aos homens e aos deuses têm também por fim comprar
a paz para uns e outros” (MAUSS:1974, pp. 64-65).
O ato de dar, receber e retribuir é simbólico e exerce uma força muito grande
sobre os indivíduos e sobre as “coisas”. Aquele que vem à festa traz consigo a
energia das forças espirituais de seu Terreiro traz um pedaço de sua tradição que
será emprestado para que a festa do outro aconteça no bem e brilhe.
Mauss, ao interpretar o Espírito da coisa dada (Maiori) que permeia a relação
da dádiva nas sociedades que o autor estudou, aponta “o que, no presente recebido
e trocado, cria uma obrigação, é o fato de que a coisa recebida não é inerte”
(MAUSS, 1974, p. 54). É muito mais que uma simples troca de energia, é uma força
que fica emprestada àquele Terreiro e que deve ser devolvida. É necessário que
seja conduzida de volta. Por vezes, para reforçar esse momento simbólico, os pais
ou mães-de-santo trocam objetos pessoais sagrados que usam em seus rituais. É a
possibilidade de entrar no universo mítico do outro através dos bens simbólicos e
materiais.
200
Poderíamos, como Mauss, dizer que nesse símbolo dado, na visita feita,
um espírito que obriga essa força ali gerada e trocada a retornar a seu local de
origem, o que para os povos da Comunidade faz todo sentido. uma preocupação
muito grande em devolver aquilo que se recebeu e, se possível, com mais beleza e
grandiosidade ainda. Não paz enquanto não for pago o bem recebido, seja ele
espiritual ou físico. A graça deve ser dividida entre todos, uma vez que todos
ajudaram a ativar essa força benéfica que se espalha entre os Terreiros e tem seu
ponto de convergência na comunidade. Embora sem encontrar uma descrição
precisa Mauss (1974) fala do Hau que do ponto de vista das sociedades que ele
estudou, é o espírito da coisa, o que move a circulação dos bens que faz ir-e-vir, que
não pode ficar retido, tem de ser devolvido. De acordo com o autor, é algo teológico-
espiritual.
Ao pesquisar a Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré,
passamos a compreender que, a partir do seu imaginário sócio-religioso, o ritual de
circulação das festas entre os Terreiros ou casas religiosas de Culto afro-brasileiro
está imerso num universo simbólico com múltiplos significados, conforme nos ensina
Mauss (1974).
Pela lógica interna que comanda o sentido das festas e de sua circulação na
dinâmica constante do “dar-receber-retribuir” na Comunidade, entendemos que elas
são festas, e identificação. As festas circulam e dão um sentido de coesão, senso
de pertencimento, unidade e crença nos valores que asseguram a idéia de uma
única e grande Comunidade não na cidade, mas também na região do Vale do
Pindaré.
À luz da teoria de Mauss, interpretamos essa circulação gratuita e obrigatória,
permeada de códigos espirituais, morais, religiosos, sociais como destinadas a
garantir a visibilidade das pessoas, da cidade e lhe conferir uma singularidade
mediante outras cidades e outros Terreiros no Estado do Maranhão. Dessa forma,
as festas nos Terreiros em Pindaré circulam durante todo o ano, e vão sendo
recriadas, reconstruídas para que se perpetuem como ponto de convergência, de
identificação de seus participantes, assim como as outras festas na cidade de
201
Pindaré, se eternizam e se reelaboram para permanecer símbolo aglutinador e
identitário de sua população. Nesse sentido, as festas nos Terreiros e as festas na
cidade exercem funções complementares.
5.4 Os Terreiros de Mina de Pindaré
De acordo com informações do presidente da Comunidade Espírita
Umbandista do Vale do Pindaré, Sr. João Joaquim Cutrim (João Bata), atualmente
52 Terreiros são registrados e fazem parte da Comunidade. Destes, 29 estão
localizados na cidade de Pindaré, 11 localizados no município e 08 fazem parte de
outros municípios e 02 estão localizados no Estado do Pará.
Dos Terreiros de Mina da cidade de Pindaré entrevistamos 13
75
.
1- Terreiro São José de Ribamar:
Mãe-de-Santo: Maria Raimunda Sousa (D. Maria Rolepa);
Endereço: Rua da Floresta s/n;
Início do Terreiro: há 38 anos;
Anos de formação com o seu pai-de-santo: 15 anos;
Filhos-de-santo: 06 efetivos;
Festa principal: Santa Bárbara, 04 de dezembro. Começa no dia 28 de
novembro com a coroação do Imperador e da Imperatriz e com o
levantamento do mastro;
Duração: três dias completos;
Outras festas: Festa de Aleluia; 13 de maio - festa em homenagem aos Pretos
Velhos; São Cosme e Damião – 26 e 27 de setembro; Festa do Divino
Espírito Santo; Festa de São Sebastião festa de Oxossi; Festa de São
75
Entrevistamos 13 Terreiros da cidade de Pindaré e de forma breve apresentamos sua caracterização.
Resumidamente descrevemos a festa principal de cada um destes Terreiros, conforme entrevista e nossa
participação em muitas de suas festas. Elegemos o 13º Terreiro para uma descrição etnográfica. Descrevemos
também o que cada líder religioso entrevistado fala a respeito do sentido das festas em Pindaré e sobre o sentido
de seu Terreiro.
202
Raimundo Nonato 30 e 31 de agosto; Festa de São José 19 de março;
Festa de Santo Antonio – 13 de junho;
Depoimento:
Pindaré tem muita festa e tantos Terreiros de Mina porque tem o rio,
próximo tem um outeiro é cheio de espírito (rio, lagos) e matas, campos,
aldeias indígenas, então a força dos invisíveis aqui é muito grande. Todas
as festas estão ligadas ao espiritual caboclos, negros, encantados, astro,
enfim ao místico. Sou curadora porque é um presente que Deus me Deus e
nasci para isto. É uma força Divina. (D. Maria Rolepa – mãe-de-santo)
2- Terreiro São Sebastião:
Pai-de-Santo: Dionísio Pinto (Sr. Diouro);
Endereço: Rua Principal, s/n - Bairro Nova Brasília;
Início do Terreiro: desde o ano de 1986;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: 10 anos;
Filhos-de-santo: 08 efetivos;
Festa principal: São Sebastião, 20 de janeiro inicia no dia 11 de janeiro com
o levantamento do mastro e a Caixa para abrir o Tambor de Mina; encerra
com a música de sopro e derrubada do mastro;
Duração: três dias completos;
Outras festas: Santa Bárbara; 7 de setembro festa de caboclos; 12 e 13 de
maio - festa em homenagem aos Pretos Velhos;
Depoimento:
O povo de Pindaré é muito amante da cultura maranhense. O toque dos
tambores de Pindaré é muito próprio. É especial chegando a caracterizar o
Pindaré. O mistério é mais forte. Meu Terreiro é um Templo espiritual onde
são feitos trabalhos para alcançar a saúde e são feitas oferendas para os
guias espirituais. Em Pindaré todas as festas estão ligadas umas às outras.
O Tambor de Crioula, o Carnaval, a Capoeira, a Caixa do Divino, tudo tem
ligação com a Umbanda e com o Tambor de Mina. (Sr. Dionísio Pinto - pai-
de-santo).
3 –Terreiro Santo Antonio:
Pai-de-Santo: João Goberto dos Santos (João Cinza)
76
;
76
Esta entrevista foi realizada no dia 24 de junho de 2006. O sr. João Cinza faleceu no dia 27 de agosto do
mesmo ano. Seu Terreiro continua sua missão com sua filha biológica que é também sua filha-de-santo:
Domingas Amorin.
203
Endereço: Rua da Bacabeira, s/n – Bairro Formosa;
Início do Terreiro: desde 1965;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: aproximadamente 30 anos;
Filhos-de-santo: aproximadamente 60, mas na casa somente oito;
Festa principal: Santa Bárbara – 04 de dezembro;
Duração: Anteriormente eram 08 dias. Atualmente apenas dois dias devido à
idade do pai-de-santo (88 anos);
Outras festas: Festa de São Luís, 08 de setembro; São Sebastião; Festa de
todos os Santos; Festa de Nossa Senhora da Conceição, 08 de dezembro;
Natal; 1º do ano – Ano Novo;
Depoimento:
Pindaré é cruzamento de linha. O lugar é cercado por campos, rios, lagos e
mata. É isso que faz com que o lugar tenha muita espiritualidade. A força
da Mina é muito forte e as festas pertencem às linhas que cruzam o
Pindaré. O meu Terreiro é o lugar onde eu cumpro minhas obrigações. Eu
tenho muito carinho, amor, amizade ao meu Terreiro. É minha vida. (Sr.
João Cinza, pai-de-santo).
4 - Terreiro São João:
Mãe-de-Santo: Lenir Maria Sousa (D. Lenir);
Endereço: Residencial Pindaré;
Início do Terreiro: há 43 anos;
Anos de formação com o seu pai-de-santo: iniciou aproximadamente em
1963;
Filhos-de-santo: três filhos;
Festa principal: São Sebastião início dia 19 de janeiro com o Tambor de
Mina. No dia 20 durante o dia se toca a Caixa do Divino e à noite desse dia se
toca o Tambor de Mina;
Duração: três dias completos;
Outras festas: “Bate” o tambor de vez em quando, mas sem data oficializada;
Depoimento:
Os Terreiros de Pindaré são especiais nos mistérios, nos festejos, nos
Santos festejados. Todos têm um sentido próprio de trabalhar, mas todos
têm algo em comum, ou seja, sempre uma ligação. Aqui a
espiritualidade é muito forte. Todas essas festas estão ligadas às correntes
204
que puxam os Terreiros de Pindaré. Existe uma forte ligação entre os
Terreiros de Pindaré, por essa razão existe uma forte amizade entre nós,
então é esta a razão de nossas visitas aos Terreiros dos irmãos. (D. Lenir,
mãe-de-santo).
5 –Terreiro Santo Antonio:
Mãe-de-Santo: Maria de Lourdes Diniz Oliveira (Maria Leandro);
Endereço: Rua Principal – Bairro Santos Dumont;
Início do Terreiro: foi herança recebida desde cedo;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: aproximadamente 30 anos;
Filhos-de-santo: 10;
Festa principal: Santa Bárbara, inicia com a Caixa do Divino;
Duração: três dias completos;
Outras festas: São Sebastião; São Raimundo 31 de agosto; Santa Luzia -
13 dezembro; 7 de setembro – festa de caboclo;
Depoimento:
Em Pindaré o toque dos tambores, as danças, os Terreiros são mais
potentes, tem mais mistério. Meu Terreiro representa a força dos meus
invisíveis, assistência à irmandade e enfim, o lugar onde eu cumpro
minhas obrigações. (D. Maria Leandro, mãe-de-santo).
6 - Terreiro São Jorge:
Pai-de-Santo: Paulo José Barros;
Endereço: Rua da Floresta, s/n – bairro Palmeira;
Início do Terreiro: desde 1977;
Anos de formação com o seu pai-de-santo: pouco tempo;
Filhos-de-santo: 13;
Festa principal: São José e é festejado junto com São Sebastião, somente
com o Tambor de Mina;
Duração: duas noites e um dia;
Outras festas: Santa Bárbara e a Festa do “Guia” no mês de julho que se
inicia com o levantamento do mastro e com a Caixa do Divino. Tem as nove
noites e novenários. No dia 14 de julho começa com festa dançante a pedido
do Guia homenageado. Logo ao término da seresta (festa) inicia o toque das
205
Caixas, derruba-se o mastro e em seguida começa o Tambor de Mina que
duram três dias e duas noites, encerrando com a festa dançante;
Depoimento:
Pindaré é um lugar sagrado, ponto de ligação de todas as correntes,
cercado pelo rio que leva o nome, por pântanos, lagos, matas. O Divino é
que abre as obrigações em quase todos os Terreiros de Pindaré e o
Tambor de Crioula- São Benedito encerra as obrigações e as outras festa
de Pindaré como Bumba-meu-Boi são promessas e puxam a linha de
Caboclo e Preto Velho. Em Pindaré é tudo muito diferente de outros
lugares, como por exemplo, o ritmo da dança, o toque dos tambores, a
união entre os terreiros, a participação e assistência da comunidade, todos
cumprem com o destino que receberam. Meu Terreiro é minha devoção,
meu destino, meu presente e meu futuro. (Sr. Antonio Silvino, pai-de-
santo).
7 - Terreiro São Raimundo “Fé em Deus”:
Mãe-de-Santo: Celina Costa Sales (Dona Celina);
Endereço: Rua da Palma, nº 13 – Bairro Palmeira;
Início do Terreiro: há 12 anos;
Anos de formação com o seu pai-de-santo: 6 anos;
Filhos-de-santo: 7;
Festa principal: São Raimundo Nonato, de setembro. Fazem parte também
da festa a Caixa do Divino, o Tambor de São Benedito, o Bumba-meu-boi e
ainda a Capoeira;
Duração: de 22 de agosto a 02 de setembro;
Outras festas: São Sebastião; Santa Bárbara; 13 de maio;
Depoimento:
Os Terreiros de Pindaré são de correntes ligadas pela própria natureza e
há uma união entre nós. Todos nós recebemos o destino da mãe do
criador. Meu Terreiro é uma casa de oração e fé. É um lugar onde eu
cumpro minha missão, é minha firmeza e força. (D. Celina, mãe-de-santo).
8 - Terreiro São Raimundo:
Pai-de-Santo: Raimundo Alves Cardoso (Raimundinho Olga);
Endereço: Rua da Cemara nº 14 – Pitombeira;
Início do Terreiro: desde 1981;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: sete anos;
206
Filhos-de-santo: 22 filhos;
Festa principal: São Raimundo Nonato. Inicia com o levantamento do mastro,
como o toque da Caixa do Divino e nove noites de novena. Diariamente tem a
ladainha, café e bolo. Conta com a presença da comunidade. No início são
tocadas nove Marchas de Tambor de São Benedito (crioula), encerra-se este
momento e troca-se de roupas e começa o Tambor de Mina. No dia 31 de
agosto, último dia da festa tem procissão e derrubada do Mastro é feita a
oferenda do “patrão” e as 4 horas da manhã do dia 31 tem “Arreada de
Caboclo” e à meia noite do dia 31 para o dia faz-se o ritual de “limpeza do
Terreiro”;
Duração: três dias completos;
Outras festas: Nossa senhora da Conceição – 7 e 8 de dezembro; São
Sebastião e Santa Bárbara;
Depoimento:
As festas folclóricas e populares em Pindaré estão ligadas à religiosidade
do povo pindareense. Meu Terreiro é casa de oração., é um Templo de
Deus e do bem. Aqui eu faço os meus trabalhos espirituais e onde eu
cumpro o meu destino e faço as minhas obrigações. A localização
geográfica de Pindaré é próspera, pois é um lugar cercado por lagos,
campos. O rio que dá o nome ao lugar é muito místico – nascentes,
pântanos, fazendo com que todas as correntes espirituais e Astros cruzem
Pindaré. É esse o motivo de tantos Terreiros em Pindaré. Aqui tudo é
diferente: o toque do tambor, o ritmo, a dança, os rituais, os cantos e a
união entre os Terreiros é muito grande. (Sr. Raimundo Alves Cardoso, pai-
de-santo).
9 - Terreiro de Ogum Beira Mar:
Pai-de-Santo: Valdir Araújo de Sousa (Sr. Valdir);
Endereço: Av. Castelo Branco, s/n – Bairro Pitombeira;
Início do Terreiro: 06 de janeiro de 1984 ;
Anos de formação com seu pai-de-santo: aproximadamente 30 anos;
Filhos-de-santo: 45 filhos;
Festa principal: Festa de Santos Reis. Começa com a Caixa do Divino dia 02
de janeiro. Durante o dia às 18horas tem a Mesa Astral e às 22horas começa
o Tambor de Mina até às 3horas da manhã. Dia 03 tem a Arreada da corrente
de o Lázaro, às 14horas. Dia 04 é feita a obrigação de Preto Velho com
207
mocororó, às 14 horas. À noite sempre é o Tambor de Mina. Dia 05 por volta
de uma hora da manhã tem o ritual da Arreada da corrente de Ogum e em
seguida se a passagem de Exu, que faz a limpeza do Terreiro e faz a
segurança externa do Terreiro. Dia 06 a festa do santo com música e um
jantar que é servido no Terreiro para todos. À noite toca-se a valsa e em
seguida o bolo com refrigerante é a homenagem ao patrão. Dia 07 é a noite
dos caboclos (Oxossi) com trajes picos. E o Tambor de Mina vai até às três
horas da manhã com o encerramento da festa;
Duração: oito dias;
Outras festas: Santa Bárbara; 13 de maio Preto Velho; Festa da Quaresma
(Cinza) para encerrar o Terreiro até à Páscoa;
Depoimento:
O povo de Pindaré é um povo alegre e todas as festas populares aqui
estão ligadas à Umbanda. A origem de Pindaré permite ser diferente. É
tudo místico. A nossa religião trabalha em benefício da saúde das pessoas
e através dos benefícios recebidos as pessoas manifestam sua e sua
crença e passam a valorizar com mais crença e às vezes passam a seguir.
Meu Terreiro é um Templo religioso, uma casa de oração e de obrigações,
um local para cumprir o destino e a missão que Deus confiou a mim e às
pessoas que me acompanham nos meus trabalhos (Sr. Valdir, pai-de-
santo).
10 - Terreiro Cosme e Damião:
Mãe-de-Santo: Maria Judith Furtado Corrêa (Dona Judith);
Endereço: Rua Pedro Paruru – Vila Mariana;
Início do Terreiro: 30 de março de 2000;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: vinte anos;
Filhos-de-santo: 13 filhos;
Festa principal: Cosme e Damião, mas por motivo de uma filha-de-santo
fazer a festa de aniversário no dia do santo, a festa nesse Terreiro é
transferida para o dia 11 e 12 de setembro. Levanta-se o Mastro dia 03 de
setembro e são nove noites de novena. Ao levantar o Mastro bate algumas
horas a Caixa do Divino. No dia 11 pela manhã começa a festa com a Caixa e
dia 12 às 6 horas da manhã encerra a Caixa e começa o Tambor de Mina a
dia 13 pela manhã com a derrubada do Mastro e o toque da Caixa do Divino
novamente;
208
Duração: 09 dias;
Outras festas: São Sebastião, Preto Velho; Santa Bárbara;
Depoimento:
Pindaré é ponto de ligação com o mundo místico. Sua localização faz com
que seja assim (rios, lagos, matas, buritizais, açaizal). Aqui todas as festas
estão ligadas com a Mina, o Divino, o Tambor de Crioula. Meu Terreiro é
uma casa de oração, um templo religioso, é um lugar onde eu ajudo as
pessoas que me procuram. (Dona Judith, mãe-de-santo).
11 - Terreiro Fé em Deus:
Mãe-de-Santo: Maria Madalena Sá (Dona Madalena);
Endereço: Rua 03, nº 14 – Bairro Cibrazém;
Início do Terreiro: no ano de 1982;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: não teve mãe ou pai-de-santo;
Filhos-de-santo: 26 filhos;
Festa principal: Santa Bárbara. Tem a procissão e Ladainha. O restante é
o Tambor de Mina;
Duração: duas noites e um dia;
Outras festas: Santa Bárbara, 04.12;São Sebastião, 20.01; Festa do Preto
Velho, 12 a 14 de maio; 31 de maio festa do “patrão”; São Raimundo
Nonato, 30-31 de agosto; Cosme e Damião, 26 e 27 de setembro;
Depoimento:
Pindaré é terra de encantados e o povo tem fé mesmo na Umbanda.
Temos rios, campos, brejos, matos e todas as correntes passam e arreiam
em Pindaré. A comunidade acredita nos invisíveis e nos santos. O meu
Terreiro é uma casa de oração e de caridade, de paz e união. É casa para
ajudar as pessoas. (D. Madalena, mãe-de-santo).
12 - Terreiro Pai Oxalá:
Mãe-de-Santo: Maria Lucimar Machado Cutrim (Dona Lucimar);
Início do Terreiro: 1980;
Endereço: Rua 01, nº 17 – Bairro Cibrazém;
Anos de formação com a sua mãe-de-santo: iniciou sozinha e mais tarde
recebeu a licença de seus guias para sua formação;
209
Filhos-de-santo: 20 filhos;
Festa principal: São Sebastião. Abre a festa com o levantamento do Mastro e
a novena. Dia 18 bate-se a Caixa do Divino. Nos dias 19 e 20 de janeiro tem
o Tambor de Mina. No último dia da festa derruba-se o Mastro;
Duração: 10 dias;
Outras festas: 10 a 13 de maio; 12 de outubro; 06 de janeiro Santos Reis;
Cosme e Damião;
Depoimento:
Os rios e lagos e igarapés, campos, nascentes, juçaral, buriti, mato, faz
com que Pindaré seja terra dos Caboclos e Pretos Velhos, antiga Senzala,
aldeias, enfim Pindaré é um lugar sagrado para a mediunidade. Aqui tem
muitas festas porque todas estão ligadas ao sincretismo. O Bumba-meu-boi
está ligado aos Pretos Velhos e aos caboclos; a Caixa do Divino está
ligada ao lado branco; o Tambor de São Benedito e Capoeira estão ligados
também aos Pretos Velhos. O meu Terreiro para mim é tudo. É uma casa
de oração, é o meu trabalho. Minha devoção e lugar onde eu cumpro
minhas obrigações e onde eu consigo ajudar as pessoas que recorrem a
meus guias espirituais (D. Lucimar, mãe-de-santo).
13 - Terreiro Espírita Três Reis Magos:
Este Terreiro, por ser considerado pela população de Pindaré e pela
Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré uma espécie de “casa-
mãe” para os outros Terreiros da comunidade - elegemos para nossa descrição
etnográfica.
Terreiros não entrevistados:
Nome do Terreiro
Mãe / Pai de Santo
Endereço
Terreiro São Pedro
Proteção Coração de
Jesus
Pedro Paulo Borgéa
Endereço: Rua Pio XII
Bairro Novo Tempo
Terreiro São Jorge Maria Gonçalo Furtado
Leite
Rua do Sol, nº 11 – Alto do
Bode
Terreiro Santa Bárbara
Maria do Socorro Ares
Bairro Roseana Sarney
Terreiro Jesus com Deus José Soares
Povoado Bolívia -Monção
Terreiro Só Deus pode
comigo
Maria de Aquino Melônio
Amorim
Campo Agrícola
Terreiro Cosme e Damião
Auricélia Abreu Maciel
Residencial Pindaré
Terreiro Santa Bárbara Raimunda Marinho Serra
Bairro Aline Salgado
Terreiro Espírita Maria Joana Silva
Tresidela, s / nº
210
Umbandista Iemanjá
Terreiro Fé em Deus
Coração de Jesus
Zilza Nunes Bairro Novo Tempo, s / nº
Terreiro São José
Irene Brandão Feitosa
Povoado dos Patos
Terreiro São João
Maria Benedita Soares
Rua do Trilho – Pitombeira
Terreiro Santo Antonio José Antonio Alves Cardoso
Rua São Pedro, s/nº -
Beira do Rio
Terreiro São Francisco de
Assis
Bernadette de Sousa da
Silva
Rua da Alegria, 3 – Alto
do Bode
Terreiro São Jorge Maria das Neves Aires Rua 01, nº 13 - Bairro
Cibrazém
Terreiro São Sebastião José Francisco dos Santos Rua São Francisco– Vila
Esperança
Terreiro Santa Bárbara Maria Valderessa Nunes
Serra
Lago Feio
Terreiro São João
Aldenora Mendonça
Beira do Lago
Terreiro Espírita São
Francisco
Antonio José Dourado Rua 13 de maio – Bairro
Palmeira
Terreiro Padre Cícero Sebastião Marques dos
Santos
Rua da Piçareira – Areia
Terreiro Boa Esperança
Raimunda Alves
Centro Seco
Terreiro Santa Bárbara Raimunda Bertolino Reis
Silva (Raimunda de Lelé)
Rua da Boa Vista
Terreiro Igreja São Miguel
José de Ribamar Ribeiro
Vila Maria
Terreiro São Raimundo
Rufina de Fátima Soares
Lameiro Grande
Terreiro São Cosme e
Damião
Benedita Bezerra Rua 2, nº 13 – Campo
Agrícola
Terreiro Santa Bárbara Benedita das Neves da
Conceição
Rua São José, 11 – Bairro
Lage
Terreiro a devoção de
Santa Bárbara
Maria José Sá Sousa
(Betinha)
Povoado Centrinho
Terreiro São Francisco Joana Pereira Bairro Santos Dumont
Terreiro Espírita de
Aruanda
Maria dos Santos Cruz
Correia
Rua Nossa Senhora de
Fátima, 15 Bairro Palmeira
Segundo entrevista coletiva no dia 16 de dezembro de 2007 na casa da mãe-
de-santo Dona Maria Lucimar Machado Cutrim, na presença de Presidente da
comunidade, Sr. João Joaquim Sousa Cutrim (João Bata), e dos filhos-de-santo de
mãe Zuíla, Sr. Antonio Lima, e Sr. Domingos Rodrigues Monteiro, existem outros
Terreiros filiados à Comunidade que pertencem a outros municípios no Estado e um
Terreiro que fica no Estado do Pará. São eles:
Miranda do Norte – 2 terreiros;
Vitória do Mearim – 2 terreiros;
Codó - 2 terreiros;
211
Arari -1 terreiro;
Açailândia – 1 terreiro;
Paraupeba, estado do Pará – 2 terreiros.
5.5 O Terreiro Espírita de Umbanda Três Reis Magos
Pela quantidade e diversidade de Terreiros na cidade de Pindaré, escolhemos
fazer uma etnografia da festa principal de um Terreiro. Trata-se da festa dos Três
Reis Magos, no Terreiro Espírita Três Reis Magos, cuja e-de-santo chama-se
Zuíla Costa, 75 anos
77,
conhecida na região como “mãe Zuíla do Sítio São Benedito”.
Esse Terreiro teve sua fundação no ano de 1980 na Rua da Palmeira na
cidade de Pindaré-Mirim, por dona Zuíla e por ela é dirigido até atualmente. Em
1982 mudou-se para o Sítio o Benedito, nº 11 à Rua da Vitória e no dia 06 de
janeiro de 1987 foi a inauguração do Terreiro com o ritual do “assentamento das
Contas de Guias”. Dona Zuíla é filha-de-santo do senhor Antenor Ferreira Lima
(falecido), pindareense, que teve seu durante muitos anos no interior de Pindaré e
mais tarde em um bairro da cidade de Pio XII-MA.
Dona Zuíla afirma ter passado 43 anos com o seu pai-de-santo que para ela
foram anos de formação constante. Após falecimento do pai-de-santo, seus filhos-
de-santo se distribuíram nos Terreiros dos quatro filhos-de-santo o Terreiro Santa
Bárbara de seu Antenor foi fechado - formados e confirmados por ele, isto é, tinha
alcançado o grau da coroação e assim receberam a missão de serem pai ou mãe-
de-santo. Esses quatro filhos-de-santo tinham o seu Terreiro assentados por ele,
na ocasião de seu falecimento. Cada um desses filhos estava formando seus
novos filhos. Havia toda uma dinâmica e compromisso do ir-e-vir entre as festas do
pai-de-santo de todos e as festas dos seus filhos, que por sua vez eram também
pais e mães. Dentre estes filhos e filhas-de santo está dona Zuíla.
77
Por eu ser filha biológica dessa mãe-de-santo tenho convivência de forma familiar com este espaço religioso.
212
O Terreiro está localizado em um Sítio de área relativamente grande em um
bairro simples um pouco afastado da cidade, ao lado da residência de dona Zuíla,
como é comumente mais conhecida por muitos.
O Barracão
78
é bastante espaçoso, construído em uma área 10 m frente x
22m fundos. É construído de alvenaria, coberto de telha, pintado na cor branca e
tem o piso de cimento. Tem na frente um cruzeiro e nos fundos um altar com muitas
imagens de santos cultuados: São Benedito, o Sebastião, São João, São Pedro,
São Cosme e Damião, Santa Bárbara, Santa Luzia, Nossa Senhora da Conceição e
Iemanjá, São Jorge, São Francisco, dentre outros. Cada um dos quatro cantos do
Barracão tem um altar sobre o chão que é dedicado a uma entidade espiritual ou
santo da casa. A ornamentação e a simbologia desses altares é feita de acordo com
o gosto dos santos ou entidades. Todo o Barracão tem o teto decorado com muitos
enfeites coloridos, fitas, balões, flores, símbolos da casa.
No Barracão tem quatro bancos compridos que acompanham o tamanho das
paredes para as pessoas assistirem a festa, sentadas - além do mais, têm
algumas cadeiras que o reservadas para as pessoas mais queridas da casa. Do
lado esquerdo sentam os homens; do lado direito sentam as mulheres. A porta
central está localizada ao meio da parede da frente. Em cada parede lateral tem
duas grandes janelas, onde nos dias de festas grandes as pessoas podem também
dali (mesmo do lado de fora) assistir ao ritual. Tem um espaço ao fundo da parede
lateral à esquerda para os tocadores ou abatazeiros. Ali se pode ver os instrumentos
musicais tradicionais da religião afro-brasileira de Pindaré: um tambor grande de
uma membrana (meão) tambor do meio - ladeado por dois tambores menores
suspensos sobre um cavalete de madeira; vários maracás (cabaças), flauta de
taboca, matracas, agogôs (ferro).
Ao fundo do Barracão existe uma sala de estar ou de espera. Ali, quando não
tem algum ritual, ficam algumas cadeiras e as pessoas mais próximas da casa ficam
sentadas ou conversando meio baixo (por estarem próximos do Barracão) ou
simplesmente em silêncio. Ao canto do fundo, do lado direito há um altar de Santa
78
Na região o espaço restrito da festa e da celebração religiosa é denominado Barracão ou salão.
213
Bárbara. A santa desse altar é herdada do pai de santo de dona Zuíla (falecido).
Aquele altar constitui-se lugar de memória de todos os filhos-de-santo. O louvor e a
veneração de todos ali é constante. Muitas vezes, deparamos com pessoas ali de pé
ou de joelhos, numa atitude de devoção e súplica profunda, expressando algum
gesto e/ou balbuciando.
Esta sala está dividida e para o fundo tem uma parede que corta mais ou
menos um terço da sala. É o limite que para um quarto bem menor que sempre
está com a porta fechada. É o quarto de santo. É o quarto de ciência. É o quarto de
reserva da casa, é o “sacrário” da casa, se assim podemos chamar. Ali entra a
mãe-de-santo ou alguém com sua permissão. está um pequeno e luxuoso altar
sobre o chão, com muitos santos e toda uma simbologia que evoca rituais afro-
brasileiros. Se todo o espaço do Terreiro é sagrado, ali é o lugar mais sagrado do
sagrado, pois, além de todo um mistério e segredo nele estão assentados os
símbolos das entidades espirituais da mãe-de-santo. Toda a “força” que o salão ou o
Barracão recebe provém daquele espaço. Por isso, a abertura de todas as festas é
feita, ali, em frente na ante-sala.
Somente depois de todo um ritual e cerimonial de abertura se a entrada
dos filhos ou filhas-de-santo no salão grande. Não se entra para a festa sem a
primeira obrigação e reverência àquele espaço sagrado.
Segundo Eliade (1992), essa atitude provém da necessidade do homem de se
relacionar com o sagrado e repetir incessantemente o ato da criação. Seu desejo de
estabelecer uma comunicação como o universo, o cosmo o impele a buscar sempre
de novo se aproximar do sagrado, do mistério. Relembrando sociedades
consideradas tradicionais, Eliade afirma que seus membros,
podiam viver num espaço ‘aberto’ para o alto, onde a rotura de vel
estava simbolicamente assegurada e a comunicação com o ‘outro mundo’,
o mundo transcendental, era ritualmente possível. O santuário, estava ali,
perto dele [...], e a comunicação com o mundo dos deuses ser-lhe afiançada
pela simples entrada no templo (ELIADE, 1992, p. 43).
Embora, assumindo a posição de que no universo do povo-de-santo, profano
e sagrado atuam como forças complementares, que não são forças opostas e nem
214
são dois mundos, compreendemos a partir desses rituais entre o quarto-de-santo e o
Barracão que é preciso primeiro entrar no templo sagrado, no quarto-de-santo da
casa, para poder firmar o pensamento e o espírito em Deus, elevar a alma e depois
sair para a festa grande no Barracão que também é sagrado. Parece que um espaço
sagrado completa e reforça o outro. Nesse sentido é que Eliade diz que “o sagrado
na sua totalidade é aquele que não se opõe ao profano” (Eliade, 1992, p. 17). No
Terreiro, a dinâmica de ir ao quarto e vir ao Barracão, dá segurança de que tudo vai
correr em paz, que nada irá atrapalhar a festa. Toda a casa e todas as pessoas
estão protegidas.
Após a sala de estar segue-se outra ante-sala um pouco maior. Nela estão
dispostas várias cadeiras e bancos compridos em que as pessoas ficam também
sentadas conversando um pouco mais à vontade - falam um pouco mais alto, podem
até fumar. Tem também uma mesa com cadeiras e algumas pessoas sentam-se e
ficam conversando. Ligados a esta sala estão o grande quarto de vestir e a
camarinha das mulheres e ao lado dois outros pequenos quartos: um é o quarto dos
homens o outro é o quarto da mãe-de-santo, que em geral, quando lotam todos os
quartos, ela cede para um ou outro filho-de-santo de sua maior confiança. Todos os
quartos têm chão batido. Nele alguns colchonetes ou esteiras sobre o chão para
o descanso, assim como muitos cabides dispostos com roupas. Cada filho ou filha-
de-santo tem seu lugar de guardar seus pertences, bem como tem o seu lugar de
colocar seu colchão ou sua esteira. Mesmo assim durante as noites de festas
revezamento no descanso e um pode dormir também no espaço do outro. A
demarcação de lugares não restringe a partilha do espaço e do uso das coisas e
objetos.
Separada do Barracão por uma área de aproximadamente três a quatro
metros de largura, está a casa da mãe-de-santo, “a casa de todos” como é
conhecida. ficam hospedadas durante as festas as pessoas mais próximas e
mais íntimas. A casa é relativamente grande, com três quartos, duas salas,
banheiro, cozinha, sala de estar. Em geral os quartos ficam todos lotados. Outras
pessoas ficam distribuídas nos corredores e salas.
215
Descendo essa casa segue-se o grande salão num estilo bastante rústico,
coberto de palhas de palmeira de babaçu– espaço em que são servidas as refeições
para todos. Estão dispostas três mesas grandes, com bancos compridos e outros
bancos do lado interno das paredes ou alpendres para as pessoas sentarem.
Seguido a este espaço encontra-se a cozinha com grandes panelas, e um grande
fogão de barro de três fornalhas, próprios para carvão. São grandes as panelas e
nos dias de grandes festas o movimento não cessa. O trabalho ali é feito em equipe
e tem a cozinheira chefe.
5.5.1 A estrutura do Terreiro
Filhos-de-santo: 36 filhos;
Filhos-de-santo batizados: 06 e mais 05 vieram do Terreiro do pai-de-santo,
com isso, são irmãs-de-santo e se tornaram também filhas da casa;
Festa principal: Santos Reis – 06 de janeiro;
Duração: 13 dias;
Diretoria: presidente, tesoureiro, secretário, conselheiro, diretor espiritual e
coordenador;
Patrão espiritual: Príncipe José de Alexandria. “O patrão é quem diz o que
tem que ser feito no Terreiro, ou seja, é o dono do Terreiro” (Mãe Zuíla);
Patroa espiritual: Princesa das Neves. “A patroa é quem comanda as outras
patroas dos filhos de santo batizados, é uma espécie de organizadora das
correntes dos filhos-de-santo do Terreiro” (Mãe Zuíla);
Guia da mãe-de-santo: Caboclo da Jurema, é o que executa os trabalhos;
Pai pequeno: um filho-de-santo que juntamente com o guia do Terreiro são a
segunda pessoa da mãe-de-santo;
Guia do Terreiro: assume o lugar da mãe-de-santo na sua ausência;
Contra-guia: que assume o lugar de guia do Terreiro na sua ausência.
Outras festas no Terreiro Três Reis Magos:
20 de janeiro: São Sebastião patrono da mata; festa de São zaro
comida para cachorros; 26 e 27 setembro - Cosme e Damião; Semana Santa:
216
retiro e jejum de todos os filhos-de-santo; Terça feira de carnaval -
fechamento do Terreiro; Sábado de aleluia - vai asegunda feira de Páscoa;
13 de maio - festa de Preto Velho; 12 de junho; 25 de julho - festa de Nossa
Senhora Santana; 12 de outubro festa do filho-de-santo Antonio Lima, que
festeja São Francisco e Nossa Senhora Aparecida; festa da Princesa da mãe-
de-santo - patroa da casa; 30 de novembro; 03 e 04 de dezembro - festa de
Santa Bárbara (obrigação de todos os filhos-de-santo em continuidade à
devoção do pai-de-santo, falecido). Nos últimos anos o filho de santo
Domingos Rodrigues Monteiro por ter recebido uma graça especial, tem tido
uma participação mais efetiva na organização e realização desta festa. Todas
as festas começam sempre na véspera do dia do santo festejado.
5.5.2 As festas, o ritual
Em alguns dos intervalos, sem festa na casa, são feitas festas de devoção
pessoal dos filhos e filhas-de-santo. Essas festas são permeadas de requintes,
brilho e luxo, pois cada filho ou filha a cada ano quer fazer a festa melhor que a do
ano que passou. Essa festa é uma homenagem ao guia, patrão ou patroa daquele
filho ou filha-de-santo. Somente os filhos que são firmados podem prestar esta
homenagem. Ou ainda, nesses intervalos, são realizados alguns outros rituais
extras, como, por exemplo, um batismo de um filho-de-santo.
Como percebemos, algumas datas seguem o calendário dos santos da Igreja
católica. Outras datas o mais próprias do Terreiro, como a de homenagem ao
encantado, chefe, patrão, patroa ou guia da mãe-de-santo ou de algum filho ou filha-
de-santo firmados e/ou batizados. Também pudemos observar que, em geral, as
datas da Igreja católica são consideradas para que os filhos-de-santo possam
participar das festas na Igreja. Um exemplo dessa mobilidade é a data da festa de
São Pedro, padroeiro da cidade e a festa de São Francisco, dia 04 de outubro, nesta
última, muitos filhos ou filhas viajam para festejar o santo em Canindé no Ceará,
completando a romaria aao Juazeiro do Norte para visitar Padre Cícero Romão.
Em razão dessas festas maiores e que tem muito significado para o povo-de-santo,
o Terreiro de Mãe Zuíla e outros terreiros sem nenhuma dificuldade combinam outra
217
data para festejar aquele santo. O importante é que o santo seja festejado e bem.
Importa que a obrigação seja cumprida. Um exemplo desse cuidado, podemos
perceber na festa do filho-de-santo Antonio Lima. Seu santo é São Francisco,
portanto sua festa seria dia 04 de outubro. Ele mudou esta data para o dia 12 de
outubro e assim celebra São Francisco e Nossa Senhora Aparecida.
Podemos constatar que, uma vez que as festas nos Terreiros começam
sempre depois das 22 horas, alguns filhos-de-santo -, em dias de festas em que as
datas são celebradas na Igreja católica e nos Terreiros simultaneamente – depois de
passar o dia no Terreiro arrumando e preparando para a festa à noite, vão primeiro à
celebração da Igreja católica, participam de alguma reza ou mesmo da Missa e
depois voltam para cumprir sua obrigação na festa do Terreiro. Não causando
problema. Essa dinâmica e principio vale para todos os outros Terreiros também.
Cumpre ressaltar que o Terreiro de Mãe Zuíla é conhecido como um dos mais
tradicionais e respeitados em toda a região do Vale do Pindaré, no Estado do
Maranhão e até em outros Estados do Nordeste. Uma de suas características
específicas e que muito marca a distinção de outros Terreiros, é o seu caráter
ritualístico e inovador. Ali, tudo funciona em torno de um intenso ritual. Onde a cada
ano surgem novos rituais que são aceitos e bem vistos por todos. Pode-se confirmar
esta versão até mesmo entre os participantes de outros Terreiros. “O Terreiro Três
Reis Magos é um espécie de casa-mãe, onde os outros Terreiros buscam força e
alento” (D. Lucimar, mãe-de-santo).
Os participantes dos Terreiros sustentam um sistema de significados,
organizam suas emoções, externam um estilo de vida, desenham e recriam uma
identidade em relação à si mesmo e em relação ao grupo. Aplica-se assim ao que
Mariza Peirano (2003) relembra a respeito das discussões sobre o sentido de rituais
levantadas por Stanley Tambiah (1985). Para o autor, segundo Peirano,
o ritual é um sistema cultural de comunicação simbólica. Ele é constituído
de seqüências ordenadas e padronizadas de palavras e atos, em geral,
expressos por múltiplos meios. Estas seqüências têm conteúdo e arranjo
característico por graus variados de formalidade estereotipia, condensação
e redundância (PEIRANO, 2003, p.11 apud Stanley TAMBIAH,1985).
218
Esse aspecto ritualístico existente em cada Terreiro em Pindaré, constitui-se
mais um dos pontos em que os pindareenses especialmente os participantes dos
Terreiros fazem questão de se diferenciar de outros Terreiros dentro do Maranhão.
“Nós aqui apresentamos uma coisa bonita, pra deixar saudade. Não é chegou e
dançou. Pindaré não pode fazer feio. Aqui tudo tem preparação”. (filha-de-santo).
No Terreiro Três Reis Magos vários são os momentos e rituais mais intensos
tempos mais fortes do seu calendário litúrgico que muitas vezes coincide com o
calendário litúrgico da Igreja Católica. Nesses momentos estão o mês de maio
(Nossa Senhora), outubro (Mês do Rosário), a celebração do Presépio e da Páscoa.
A partir desta pesquisa, e da presença e escuta às pessoas de Pindaré e aos
rituais festivos da cidade, destacamos no Terreiro Três Reis Magos:
O Presépio
O Terreiro Três Reis Magos é o único que se tem conhecimento, obter como
uma de suas “obrigações” o Presépio Natalino. O mesmo é armado entre os dias 15
e 20 do mês de dezembro e dura até o dia 11 de fevereiro. Este é composto pela
árvore de natal, a estrela, luzes (pisca - pisca), a imagem do Menino Jesus, Maria,
José, os Três Reis Magos, a manjedoura, os anjos, os animais, ramos de plantas e
palmeirinhas. A partir do dia em que é armado o presépio até o dia 8 de janeiro,
reza-se no presépio e são entoados cânticos natalinos da Igreja católica.
O presépio fica armado até o dia 11 de fevereiro (dia de S. Lazaro) e após ser
servida comida para os cachorros, (que acontece às dezesseis horas), às dezoito
horas reza-se a ladainha no Altar-Mor, em seguida todos se dirigem até o presépio
que é “levantado” (na linguagem das pessoas do Terreiro, o ato de montar ou
desmontar algum elemento de sua simbologia), um casal levanta a imagem do
menino Jesus e as outras imagens do presépio. São distribuídas velas aos
presentes e sob cânticos natalinos, saem todos em procissão. Todos ficam em volta
do “Cruzeiro Astral”, que fica na frente do barracão na direção da porta central. Ali é
colocando um fogareiro com brasa (O fogareiro é colocado ao do cruzeiro em
219
direção ao Altar-Mor ou Central, que está dentro do Barracão). São entoados
cânticos, a imagem do menino Jesus é passado de mão em mão, e um a um vai-se
colocando os ramos e as palhinhas que vão sendo queimadas no fogareiro, fazendo
bastante fumaça e pequenas chamas. Ao serem queimadas todas as palhinhas as
pessoas saem em procissão no pátio do Terreiro, dando uma volta para logo em
seguida entrarem em procissão no salão. Andando em círculo vão colocando as
imagens sobre o Altar Mor e o beijando sob aplausos, assim, encerra-se o ritual de
queima das palhinhas do presépio e o mesmo é desarmando.
A Festa da Páscoa – Semana Santa
Tanto no Terreiro de Mãe-Zuíla, como em outros Terreiros de Pindaré, alguns
períodos ganham um caráter especial. Por exemplo, na Quaresma é tempo de
silêncio total. Não tem nenhuma festa. O tambor não rufa. Fecha-se o Terreiro na
terça-feira de carnaval e se reabre no Sábado de Aleluia com o toque do Tambor
de Mina. No entanto, o ritual do retiro-jejum durante a semana Santa encontramos
somente no Terreiro de Mãe-Zuíla. Nesse ritual, o ponto alto é a celebração da
Santa Ceia na Quinta-feira Santa.
Pela riqueza do ritual e por não ter conhecimento, até o momento em minha
pesquisa, deste em nenhum outro Terreiro na região do Pindaré, é importante
registrar o ritual da Semana Santa no Terreiro Três Reis Magos. Em minhas idas e
vindas às tantas festas na cidade, pude assistir, observando de perto cada momento
no decorrer dos dias em que este ritual acontece. Vale dizer que por principio e
determinação da mãe-de-santo, não se tira foto. O ano de 2008, em que participei,
com uma licença especial, foi-me concedido fotografar.
A festa da Páscoa no Terreiro Três Reis Magos começa na quarta feira da
Semana Santa, com a armação do símbolo Pascal, que para os membros do
Terreiro é o “Símbolo de Espiritualidade”. O símbolo se constitui dos seguintes
elementos: coloca-se uma toalha no centro do salão e sobre essa toalha um
cortinado em frente ao altar-mor na posição vertical, sendo que a toalha e cortinado
são na cor branca. Sobre a toalha do centro, coloca-se uma bacia branca com água,
220
as imagens do Sagrado Coração de Jesus e o Sagrado Coração de Maria, dois
crucifixos, a Bíblia Sagrada, a imagem de Nossa Senhora das Graças, três terços,
uma vela branca de “sete dias e sete noites”. No centro da toalha, tem uma jarra
com flores naturais e artificiais, uma garrafa de “vinho moscatel”, duas taças, e uma
tigela com pão, uma garrafa de água benta, um pires com incenso, e as toalhinhas
brancas que cobrem a taça e a tigela com pão.
Quem entra pela porta central do Barracão observa que ao lado direito, tem
os colchonetes das mulheres expostos sobre o chão, cobertos com lençóis na
cor branca. Pelo lado esquerdo ficam os colchonetes dos homens, também cobertos
na cor branca. Todos se vestem de branco e com a cabeça amarrada com um pano
branco, ficam em silêncio e permanecem deitados de quarta feira até sábado de
aleluia - sendo que se levantam para as refeições, necessidades fisiológicas, a
reza do terço, via sacra, cânticos. Todos se deitam com a cabeça para o centro do
Barracão onde está o “símbolo”. Na Sexta feira Santa, às onze horas e trinta
minutos, inicia-se a reza do terço, é feita a leitura do Evangelho e o comentário, que
é feito por uma pessoa que não é filho-de-santo, mas participa efetivamente desse
Terreiro. Em seguida é feita a partilha do pão e do vinho, que para os cristãos
representa a Ceia Pascal. Logo após a partilha, a mãe-de-santo profere os
agradecimentos, seguido de cânticos, palmas e abraço da paz.
Às dezoito horas inicia-se a preparação do “banho cheiroso”, preparado com
ervas aromáticas e as vinte e uma horas, são adicionadas as essências que são
abençoadas pela mãe-de-santo para a “deitada do banho” (colocado em uma vasilha
grande ao centro junto a todos os outros elementos do símbolo). À meia noite de
sexta feira reza-se a ladainha e é distribuído o banho (para cada pessoa em
pequenas vasilhas) e simultaneamente tocam-se os fogos de artifícios e todos vão
para o quintal e tomam o seu banho com aquela água de cheiro. Em seguida se
deitam novamente. As outras pessoas que vieram para a festa e estão hospedadas
na casa-da-mãe de santo também tomam deste banho. No sábado às seis horas da
manhã, as pessoas são liberadas e quem quer, pode ir para casa. Os que ainda
voltarão durante o dia, não desarrumam a cama. Voltam e continuam deitados em
silêncio.
221
O símbolo é levantado (desfeito) às nove horas da manhã do Domingo de
Páscoa, quando todos se levantam e desarrumam as camas. Então começam os
preparativos para a festa do Terreiro, “o Tambor de Mina”, que acontece na noite de
domingo, todos dançam de branco e assim encerram-se os rituais. A festa inicia às
22 horas do domingo e termina na terça feira às quatro horas da manhã.
Como vemos, encontramos nesta celebração muitos elementos do catolicismo.
O ritual é repleto de simbologia e crença cristã. Nele percebemos o forte sincretismo
no campo religioso que existe na cidade de Pindaré e que é fruto de sua história.
Dessa forma, entendemos que o sincretismo se pelo encontro do universo afro-
brasileiro com o universo católico e acontece nos momentos de construção e
reconstrução em que tem como referência os sujeitos que formaram a cidade.
Sem a pretensão, neste nosso trabalho, de discutir os métodos usados na
Colônia com o objetivo de cristianizar, porém, para entendermos o processo do
sincretismo, partimos da concepção que tanto o negro, quanto os nordestinos e os
índios Guajajara ali foram cristianizados. Isso nos remete a afirmação de Consorte
“As relações com o catolicismo podem ter representado, de alguma forma, uma
ampliação do universo religioso do africano, ainda que essa religião fosse do seu
senhor” (CONSORTE, 2000, p. 13). A partir das relações estabelecidas em cada
momento histórico pelos sujeitos de Pindaré foram atribuídos significados. Assim,
entendemos que o sincretismo se deu em um processo gradual ao longo dos anos.
Trata-se, portanto, de uma construção permanente de significados e símbolos em
que o universo religioso do negro foi se reconstruindo e agindo como um sistema de
símbolos que estabelecem motivações nas pessoas (GEERTZ, 1989).
O sincretisimo, entendido como encontro de dois universos que se
interpenetram e se conjugam é algo construído e que vai sendo redefinido a cada
tempo, e em meio a cada situação. Nessa mesma perspectiva é que entendemos a
identidade, pois, como falamos no início de nosso trabalho, ela é processo de
contínua construção.
Tanto na história do Brasil, do Maranhão como de Pindaré, os negros foram
obrigados a assumirem conceitos éticos, morais considerados universais
222
disseminados pela Igreja católica e pelos detentores do poder à época. Os rituais
dos Terreiros, em geral, trazem em seu conteúdo também o elemento cristão. De
forma intensa percebemos no ritual da festa da Páscoa o sentido do encontro de
duas concepções religiosas. assimilações de herança católica sem perder a
herança africana cultural ou religiosa.
Esse movimento expressa o processo de construção e reconstrução
permanente da população da cidade em busca de afirmação de sua identidade. Isso
nos permitiu auxiliar-nos de Geertz ao definir o ethos de um povo. Para o autor,
tanto o que um povo preza como o que ele teme e odeia são retratados em
sua visão de mundo, simbolizados em sua religião e expressos, por sua
vez, na qualidade total da sua vida. Seu ethos é distinto não apenas em
termos da espécie de nobreza que celebra, mas também em termos da
espécie de baixeza que ele condena; seus vícios são estilizados como as
suas virtudes (GEERTZ, 1989, p. 96).
5.5.3 A festa dos Santos Reis
A festa começa oficialmente com o levantamento do Mastro e o toque da
Caixa do Divino Espírito Santo, no dia 28 de dezembro, à tarde. À noite bate-se o
Tambor de Mina para a abertura dos festejos. Esse é o sinal que a festa começou.
O Mastro é enfeitado com flores, folhas e frutos. São muitos homens para
colocá-lo em . Enquanto isso acontece o ritual que é seguido de muitos cantos,
rezas, palmas. No alto do Mastro está a bandeira do Espírito Santo. Depois de um
tempo de reza a mãe-de-santo toma a palavra faz o seu agradecimento e deseja a
todos boas festas; reza pedindo luz e força para conduzir toda a festa que está
iniciando. O Mastro ali permanece as nove noites.
Daí em diante todas as noites segue-se a chamada novena. As pessoas se
reúnem em torno do altar central, que está ao centro, à frente da parede do fundo,
cantam hinos católicos, como por exemplo: “Estou pensando em Deus”, “Senhor
Meu Deus”, “Obrigado Senhor” Cantam também alguns cantos religiosos mais
antigos e populares, como por exemplo: “Senhor Deus”, Bendito de Santos Reis” e
de “São Benedito”. Rezam a Ladainha em Latim. Uma pessoa “puxa a reza” e todos
223
respondem. Em geral quem “puxa a reza” tem um caderno em mãos e vai seguindo.
Outras vezes “sai tudo da cabeça”. Ali também quem tem uns óculos passa para
outra, que às vezes sabe ler um pouco, sabe puxar a ladainha, mas não tem os
óculos.
No dia 04 de janeiro bate-se o dia de Caixa. Esse é o dia dedicado às
Caixeiras do Divino. Elas chegam de longe durante o dia. Algumas são idosas,
tem que mandar buscar. Chegam as Caixas e todo o seu material. São as Caixeiras
que vêm prestar sua homenagem ao Divino. Elas entram no Barracão e começam o
ritual de saudação ao Divino que dura por todo o dia. Elas se revezam nos cantos,
nos toques, nos versos, na dança de louvor.
Às 20 horas, as caixeiras saem em procissão do Divino e percorrem as ruas
próximas ao Terreiro, acompanhadas de muitas pessoas. Quando a procissão volta
ao Terreiro é feito ritual da Coroação do Imperador e da Imperatriz. A corte é
composta por 15 crianças. É uma noite de muito luxo. O altar do Império do Divino é
preparado com muito detalhe (flores, velas, luzes, tudo muito colorido e brilhoso,
uma escada toda forrada com panos onde as crianças irão ficar de pé para a
coroação, um trono bem cima ao centro, cortina de renda). As Mães vão chegando
com seus filhos todos vestidos com muita pompa e distinção. Tudo é feito com muito
esmero e ostentação. As famílias preparam seus filhos para este momento durante
todo o ano. As crianças esperam essa hora com muita ansiedade. A idade das
crianças varia entre 05 a 12 anos. As crianças têm suas tarefas que, antes foram
muito bem ensaiadas. Em geral, as mães se envolvem muito, pois querem que seus
filhos sejam os melhores, façam melhor. As tarefas podem ser individuais ou em
grupo. São várias as tarefas para o ritual do Império, dentre elas, estão a Coroação;
a entrega da festa para o mordomo e o pajem, que saem à frente da procissão; o
grupo das flores; o grupo que canta.
Todas as crianças estão escondidas em uma casa. O imperador está em uma
casa e a imperatriz está em outra casa com todas as outras crianças que fazem
parte do cortejo. Na procissão vão as caixeiras, as bandeiras do Divino, as
bandeirinhas que sacodem, o Divino e o Pajé que faz o tapete para o imperador
pisar. Todos saem em procissão à procura do imperador, quando encontram o
224
imperador vão em busca da imperatriz. Voltam o cortejo para o ritual da coroação no
Barracão. Batem em algumas portas, que os donos foram avisados antes. tem
uma criança que se submete a um interrogatório com outra criança que está do lado
de fora, e assim sucessivamente, segue a procissão com uma multidão. O
Interrogatório é feito em várias casas. Em uma delas tem uma criança vestida muito
luxuosa que depois de algum tempo sai com o Divino. Todos batem palmas e se
alegram porque encontraram o Divino. O cortejo continua agora de volta para o
Terreiro e tem a Ladainha, muita reza, fogos, palmas. Quando chega no Barracão
o cortejo das crianças é sentado no trono e segue a ladainha. E é dado início à
Coroação com cantos próprios e orações. Depois desse momento segue-se a mesa
do imperador. No salão estão postas duas grandes mesas com comidas finas de
banquete. Ali as crianças sentam e são servidas solenemente. Depois todos os
presentes também são servidos.
A Mãe-de-santo agradece, reza, pede intercede por todos. E encerra o ritual
do Império. A Caixa continua a noite toda até às 06 horas da manhã com a
derrubada do Mastro e se bate três marchas de Tambor de Mina para abrir a festa
grande do dia 05 do mesmo mês.
Às cinco horas da manhã é a despedida. Quem estava dormindo acorda e
vem pra esse momento. É um momento carregado de muita emoção. Os cantos são
de saudade, de dor, de agradecimento e de pedido ao Divino para todas estarem
novamente no ano que vem. Todos se despedem do Divino com um beijo, um gesto
de veneração. Novamente a Mãe-de-santo toma a palavra, louva, agradece e
intercede por todos. Segue então a derrubada do mastro todos os presentes devem
dar uma cavada para receber força espiritual do mastro do Divino. Para a derrubada
do mastro é uma homenagem, um ritual.
Durante o dia 05 de janeiro faz-se a limpeza do Barracão e toda a
continuidade da preparação para a festa que se iniciará à noite.
À noite deste dia, começa o Tambor de Mina propriamente dito. A Mesa
Astral é colocada no pé do Cruzeiro, com todos os filhos-de-santo vestidos de
branco; quatro pessoas compõem a Mesa, são os que dirigem; quatro pessoas ficam
225
no cruzeiro, são os seguranças das correntes. Os demais filhos-de-santo ficam em
volta em Círculo Astral. Essa obrigação é realizada às 18 horas e abre oficialmente o
Tambor de Mina.
A mãe-de-santo “abre a Mesa” com muitas orações e cantos. Chama pelo
nome alguns filhos-de-santo para compor a Mesa e outros para segurar no Cruzeiro.
Os dois grupos ficam em forma de Cruz, dentro do círculo maior. Na hora certa, a
mãe-de-santo o sinal e os abatazeiros (quem toca os tambores) tocam alguns
tambores, bem suave, seguindo o ritmo da música cantada, também suave baixo.
Após a reza do Terço alguns filhos recebem seus encantados. Quem recebeu
encantado que está ao do Cruzeiro ou ao redor da Mesa faz sua oração em voz
alta e todos acompanham e incentivam. Depois tudo volta ao normal. Inicia-se então
a procissão somente no próprio terreno do Terreiro. Na procissão todos os presentes
participam.
Após a pausa desse ritual, é servida a janta para todos. Cada vez mais vão
chegando pessoas. Às 22 horas é a “abertura do salão”. Ali acontece todo um ritual
na ante-sala, antes do Barracão. Tudo preparado. Muito luxo e muito brilho. Muitos
visitantes. Muitas pessoas da cidade chegam. Quando começa a festa no salão,
muitas pessoas ficam do lado de fora, pois o salão está lotado. Todos esperam a
saída momento em que os participantes do Terreiro depois do ritual na ante-sala
só entre eles, saem para a dança no salão grande. Durante o ritual de preparação só
entre eles, escutam-se muitas rezas e muitos cantos. Os abatazeiros acompanham
alguns cantos com um toque do tambor bem suave, conforme orientação. Na hora
da saída Mãe-Zuíla dá um sinal e os abatazeiros que seguem o canto especial de
saída. Todos esperam no Barracão.
uma forte hierarquia que é obedecida à risca. Isso acontece desde a hora
das pessoas irem doutrinar cantar sozinha ao do tambor. Tudo é organizado
para que todos tenham vez. Depois da mãe-de-santo e seus primeiros filhos
doutrinarem a vez é cedida aos pais ou es-de-santo visitantes. Antes de Mãe-
Zuíla - que está com seu guia espiritual entregar a “boca do tambor” (colocar
outra pessoa para cantar e dançar em frente aos tambores), faz um discurso de
boas vindas, pede e intercede por todos. Declara aberto o Tambor de Mina e a festa
226
de Santos Reis. Assim o tambor rufa, os cantos ecoam, o corpo ginga, os pés
dançam durante toda a noite. Uma alegria contagiante toma conta de todos. E assim
vai ate por volta das 4 horas da manhã o dia 06.
Dia 06 de janeiro, dia maior da festa. Pela manhã, primeiro tem o descanso,
arrumação, limpeza do salão. Durante o dia muita movimentação e arrumação no
Terreiro. Por volta das 8 horas da manhã, acontece o Ritual da Arriada ou
Passagem da corrente de São Lázaro.
O ritual tem uma saída mais simples e os membros do Terreiro estão todos
com roupa branca e cabeça coberta com pano branco. São Lázaro é o santo que
cura as feridas. rezas, cantos, pedido de intercessão pelos doentes,
agradecimentos pelas graças alcançadas, toque do tambor de forma suave, vários
filhos-de-santo recebem seus guias espirituais. “Os filhos-de-santo vestem-se de
branco e posicionam-se em rculo sentados ao chão. A mesa é colocada no centro
em cima das Contas de Guia e é composta do santo São Lázaro, vela, pipoca e
dendê” (Mãe Zuíla, mãe-de-santo).
Depois que os filhos-de-santo fazem sua reverência a S. Lázaro que está
sobre o altar ao chão e no centro do Barracão, rodeado pela bacia de pipocas e os
símbolos próprios daquele momento (imagem de S. Lázaro, vela, fita branca), um a
um vai ao centro beija o santo e tira pipocas para comer. Depois todos os presentes
no salão são convidados a repetir o mesmo ritual da bênção do santo e da pipoca.
Depois que todos se serviram a mãe-de-santo o sinal para rufar os tambores.
Seguem-se algumas toadas, todos dançam um pouco e assim termina essa
obrigação de S. zaro. Segue uma pausa e depois é servido o almoço por volta
das 13 horas.
Às 14 horas desse dia é a Arreada da Corrente de Preto Velho. Todos
vestidos com roupas de riscado, estampado e/ou roxo e a cabeça amarrada,
simbolizando os escravos com roupas pobres para o trabalho. Dançam, cantam com
muita alegria, incorporam seus guias, falam um pouco diferente e errado, andam
como os antigos pretos velhos, escravizados. A mesa com São Benedito - santo de
227
reverência para este momento ritualístico - está ao centro do Barracão Mãe Zuíla
com muita reverência assim se expressa ao descrever o ritual:
Todos dançam ao redor da mesa que é colocada também ao centro em
cima das Contas de Guia. Têm as velas, o Mocororó de Preto Velho
(mingau).Que é servido na cuia. Depois de servidos – são servidos deitados
em volta da mesa que é como se fosse um altar -, levantam-se cantando e
depois vão para a sala de consulta (ante-sala) para fumar o cachimbo. Aos
poucos os Pretos Velhos vão dando lugar aos Caboclos e termina-se a
obrigação às 18 horas (Mãe Zuíla, mãe-de-santo).
As letras dos cantos sempre relembram os escravos pretos, a princesa Isabel.
Num determinado momento após o sinal de Mãe-Zuíla param e todos se sentam em
círculo, ali é servido o mocororó, - alimento preparado há dias, de forma meio
sigilosa e por pessoas designadas pela mãe-de-santo. É servido na cuia. Também
depois que os filhos-de-santo são servidos todos os presentes também tomam do
alimento. Dançam ainda uma meia hora e param esse momento de louvor e
homenagem aos escravos pretos velhos.
Às 19 horas é servido o jantar para todos. Continuam chegando mais pessoas
de longe e de perto. O clima de festa e de alegria irradia para todo o Terreiro. De vez
em quando soltam os fogos para anunciar o grande dia da festa. Às 20 horas sai a
procissão, de Santos Reis e Santa Bárbara. Os cantos são todos da Igreja católica.
Rezam-se o Terço, soltam-se fogos, dão-se vivas. O percurso é somente ali mesmo
naquele bairro. Muitas pessoas de fora do Terreiro participam dessa procissão. Ao
retornar ao salão é entoada a Ladainha em latim, vários outros benditos e cantos
são recitados. Todos beijam os santos e se despedem pedindo a bênção. A mãe-de-
santo faz sempre um pequeno discurso de agradecimento e oferece a palavra para
algumas outras pessoas presentes que em geral, expressam os parabéns e júbilo
pela festa.
Às 22 horas, ao toque do tambor dá-se início no salão. “Faz-se a saída de
Sala ou Arreada de Dom Bosco que é santo padroeiro dos Patrões e Patroas” (mãe
Zuíla). Esta é noite do Patrão. Após o momento de interiorização e reza na ante-sala
todos saem. As roupas são muito finas e com brilho. É a roupa da festa que em
geral é roupa nova, sempre surpresa para os visitantes. É a roupa de homenagem
228
aos Santos Reis e ao Patrão da casa. Tudo é muito colorido, com esmero e
preparado com muito bom gosto.
Esse dia o Terreiro lota de visitantes. Após os primeiros cantos entoados pela
mãe-de-santo, que em primeiro momento incorpora seu Patrão, o Príncipe José de
Alexandria e em segundo momento incorpora seu Guia, o Caboclo da Jurema.
Segue o Hino da Umbanda. Todos entoam com palmas. Em seguida tem o ritual dos
bolos. As pessoas que cortaram os bolos no ano anterior entregam seus novos
bolos, com muita alegria e emoção fazem seus discursos. Os bolos ficam à
disposição para quem quer “furar” esse ano com o compromisso de doar no próximo
ano. Em geral não falta gente e nem faltam bolos. Chega a ter até oito bolos grandes
de uma vez. Cada um mais bonito e mais pomposo que o outro. As pessoas
comentam sobre quem deu este ou aquele bolo. Qual está mais bonito, mais rico,
mais simples. o tiradas muitas fotos. Muita gente, mesmo não filho-de-santo quer
tirar foto com a Mãe-de-santo, que agora está incorporada com o seu Patrão e ali
recebe os Parabéns. Depois de servido muito bolo e refrigerante para todos são
feitos ainda alguns discursos.
Depois desse momento a mãe-de-santo o sinal e reinicia a festa do salão,
que vai até às 4 horas da manhã. Quem vai ao “pé do tambor” segue uma ordem
decrescente. Mãe-de-santo, outros pais ou mãe-de-santo, presentes, seguido dos
filhos da casa e dos outros filhos de outros Terreiros. Em geral, para que todos
possam doutrinar o combinado é que cada pessoa com seu encantado, cante
duas doutrinas.
Dia 07 de janeiro às 8 horas da manhã é Arreada de Ogum com o jogo das
espadas sete espadas. Todos estão vestidos de vermelho, a cor de Ogum. “Ogum
é quem libera para a passagem de Exu que é feita às 4 horas da tarde deste mesmo
dia para limpeza do Terreiro” (mãe Zuíla, mãe-de-santo).
Essa ritualística no Terreiro de mãe Zuíla, e, na sua festa maior, a festa de
Santos Reis, nos faz atinar para as definições de Geertz a respeito da religião como
sistema cultural,
229
[...] um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em
símbolos, um sistema de concepções herdadas em formas simbólicas por
meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e sua atividades em relação à vida” (GEERTZ, 1989, p. 103).
Dessa forma, entendemos o papel da cultura entrelaçado à religião na
construção da identidade de um grupo. O Terreiro de mãe de Zuíla, prima pelos
rituais e nesse sentido, a festa de Santos Reis é mestra. Poderíamos afirmar que o
processo de construção da identidade de um grupo é gestado continuamente e a
religião como um sistema cultural tem papel preponderante neste processo. No caso
concreto da festa de Santos Reis, percebe-se claramente como tanto a religião
como a cultura se entrelaçam nesse processo.
Assim, a festa continua e a noite do dia 07 é a noite do Guia da mãe-de-
santo. A festa desse dia tem caráter de mais luxo ainda e é movida com muitos
detalhes. É tradição na casa essa noite ser bancada pela família Medeiros. Desde o
enfeite do salão tudo é feito e arcado por essa família. rias pessoas dessa família
são filhos-de-santo da casa ou têm alguma tarefa e obrigação no Terreiro. São
amigos antigos da mãe-de-santo e vão passando essa relação e tradição aos mais
novos que também vão se envolvendo. È uma família muito grande e muito próxima
da mãe-de-santo. Percebe-se certo orgulho desses familiares em serem os
escolhidos para abrilhantar aquela noite.
Após o início no salão o sinal da mãe-de-santo é feita a pausa. Segue outro
ritual dos bolos. O bolos trazidos pela família Medreiros são furados também por
membros da família. Os outros bolos podem ser furados por outras pessoas
presentes. Também ali são muitos os bolos, grandes e bonitos. Todos os presentes
são servidos. Seguem-se vários discursos com muita emoção, às vezes com algum
choro. Todos saúdam a mãe-de-santo incorporada com seu Guia. Despedem-se,
pedem a bênção. Suplicam saúde e paz para todos. A mãe-de-santo agradece com
seu discurso e dá o sinal para reiniciar o Tambor.
Tudo termina por volta das 5 horas da manhã. A Mãe-de-santo chega e todos
os filhos formam agora um grande círculo. Seguem várias orações e cantos,
pedidos, louvor, agradecimento pela festa porque tudo correu bem; agradecimento
230
pelos visitantes e pela dedicação e comportamento de todos. Mãe-Zuíla doutrina
vários cantos e por fim doutrina o canto do fechamento do Terreiro. Todos dançam
com muita alegria em tom saudoso de despedida de algo que foi bom. Assim
encerra-se a festa do Terreiro. Segue ainda um pequeno ritual que bate a Alvorada
do Tambor de S. Benedito com alguns toques do Tambor de Crioula ou de São
Benedito.
Canto de fechamento do Terreiro:
“Vamos vamos meus irmãos
vamos todos viajar,
Vamos ver se nós alcança
O caboclo Marajá (bis)”
Durante o dia 08 vão chegando as pessoas do Tambor de Crioula
79
. A carne
de porco e a cachaça da terra são preparadas. Às 21 horas começa a homenagem a
São Benedito. É o Tambor de São Benedito. Acontece no Terreiro, em frente à casa
de Mãe Zuíla. Muita gente da cidade vem ao tambor, como é conhecido esse ritual
na região. Antes do início do tambor fora, no salão bate-se três marchas de
tambor para chamar para rezar a ladainha. Reza-se a ladinha a em latim e o
Benedito de São Benedito.
Bate-se três marchas para dançar dentro. Agora todo mundo vai para o
Terreiro e lá começa o tambor de São Benedito propriamente dito, com o canto:
“Meu São Benedito vosso mato cheira
Cheira cravo e rosa, flor de laranjeira (bis)”
Tem uma fogueira grande para esquentar os tambores. A grande maioria dos
participantes são homens. Tem alguma cachaça para beber enquanto dançam. Os
participantes se reúnem em rodas. Os tocadores, homens são chamados coreiros e
79
Ver mais sobre o Tambor de Crioula em Ferretti – Tambor de Crioula: ritual e espetáculo.
231
a mulheres brincantes. As mulheres dançam em frente aos instrumentos. São três
tambores grande, menor e médio. Os homens tocam. As mulheres dançam com
são Benedito que vai passando de mão-em-mão. É um ritual permeado de muita
alegria e de muita seriedade. É louvação a São Benedito e é dança. Os cantos são
feitos em versos espontâneos e com rima e reportam-se aos negros, aos escravos, à
princesa Isabel, a são Benedito santo de preto, reportam-se à vida de um modo
geral. Cada mulher que entra na roda recebe a “punga” e a “punga” ao sair
tirando outra mulher para o centro. Os homens batem palmas cantam e agitam a
dança. Assim vai até pelas 5 ou 7 horas da manhã, já do dia seguinte.
A Mãe-de-santo, que não dança no tambor de são Benedito vem ao final e faz
seus agradecimentos, louvores, intercessão, orações e encerra o tambor com
adeuses e despedidas até o próximo ano. Alguns choram de alegria e de saudade
da festa.
Em seguida é servido o cada manhã para todos. Aos poucos muito vão se
retirando para suas casas. Outros ficam para descansar e/ou para ajudar nos
serviços da casa. Alguns filhos-de-santo ou simplesmente amigos mais próximos da
mãe-de-santo ficam na casa por até mais uma semana, até tudo voltar a seu lugar.
Ao analisar a festa dos Santos Reis no Terreiro de Mãe Zuíla, foi possível
verificar que ela é permeada de rituais das mais diversas origens. Esses rituais
expressam um conjunto de valores e idéias que são partilhados pelos participantes
do Terreiro e tem todo um sentido e significado religioso e social. Nessa perspectiva,
Peirano confirma essa dinâmica ao afirmar que “Rituais e representações formam
um par indissociável, Mas, para sua sobrevivência, é necessário um grupo de
pessoas, uma comunidade moral relativamente unida em torno de determinados
valores” (PEIRANO, 2003:19).
Tudo indica que, no Terreiro de mãe-Zuíla e de modo especial na festa dos
Santos Reis, o conjunto de rituais ali mantidos expressam aspectos de um povo e de
uma coletividade, de uma sociedade que ilustra e realça seu sistema de valores, em
suma, reforça o sentido de identidade da população de Pindaré-Mirim, pois ali seu o
232
universo é mantido em festa e, como percebemos, a festa se tornou base de
sustentação da existência da população pindareense.
Ao ser interrogada sobre o sentido de seu Terreiro, assim mãe Zuíla se
expressa:
Meu Terreiro é um templo espiritual, é uma casa de caridade, de oração e
devoção e foi de Deus que eu recebi este dom para ajudar as pessoas.
Sinto-me feliz que as reuniões da Comunidade Espírita Umbandista do Vale
do Pindaré são feitas em nossa casa. Aqui é casa de todos e eu me sinto
mãe de todos (mãe Zuíla).
233
Foto 10: Mulher dançante do Tambor de Crioula.
Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
__________________________________________________
234
“A verdadeira pátria é a imagem das diferenças humanas, a
diversidade dos sentimentos, linguagens e culturas. Os
itinerários plurais que traçamos em nosso rosto incessante
caminhar. Em direção à pátria” (JIMENEZ, 1996, p. 144).
O propósito desta dissertação era realizar uma análise antropológica sobre a
Festa em Pindaré-Mirim, buscando privilegiar a articulação com os conceitos de
identidade. Após apresentarmos diversas formulações ao longo deste texto, onde
estariam de alguma forma enfocadas a concepção dinâmica da identidade vista sob
a ótica das relações que se constroem no cotidiano, é-nos propício retomar a
problemática da festa enquanto espaço de afirmação da identidade de uma
sociedade local.
Pindaré, pequeno município localizado no Vale do Pindaré no Maranhão, nos
mostra um entre tantos caminhos que uma determinada coletividade percorre em
busca de enaltecer sua população e dar relevo às suas culturas. São diversos os
processos que podem gerar essa dinâmica, como por exemplo, a população
vivenciar, de alguma forma, atitudes por parte de outro que reproduzem situações de
marginalidade. Na história de Pindaré vários fatores contribuíram para que suas
populações ficassem à margem da sociedade. Tanto os povos Guajajara que
habitavam a região foram vitimas do sistema colonial, quanto posteriormente os
negros que vieram para a região principalmente no limiar do ano 1888 abolição da
escravatura.
O fim do século XIX foi marcado no Brasil pela corrida para sair de economia
essencialmente agrária para se tornar industrial, o que levou a várias investidas no
Brasil por parte dos detentores do poder à época. A implantação de engenhos
centrais foi um dos recursos utilizados para essa transformação no país. Após várias
tentativas para sustentar a economia no Maranhão foi escolhido a região do Pindaré,
onde antes funcionou a Colônia S. Pedro, - com índios Guajajara - como local para
empreender no ano de 1884 o grande Engenho Central. Após onze anos de
funcionamento em situação de penúria e prejuízos, decadente o Engenho Central
chegou a seu fim. Restou ali uma população à margem da sociedade, pois o
contexto no país e no Maranhão exige novas tecnologias para o crescimento da
indústria bem como livrar-se do elemento negro como força de trabalho. É o
235
momento da formação da identidade nacional. O perfil do homem brasileiro é o luso-
tupi. Portanto, naquele momento, o negro não foi considerado como também
construtor da sociedade brasileira. Isso se aplica também para a sociedade
maranhense e pindareense.
É também a partir da segunda metade do século XIX que chegam para a
região do Pindaré levas de migrantes nordestinos, principalmente do Piauí e do
Ceará. Eles se esquivavam da seca do nordeste e buscavam terras para trabalhar.
O encontro desses migrantes nordestinos com o “caboclo maranhense” se deu, por
vezes, de forma bastante conflituosa, dado a compreensão de mundo desses dois
universos populacionais. Dessa forma, no lugar que foi Colônia São Pedro, que
funcionou o Engenho Central com seu período de glória e de fracasso, hoje é
Pindaré-Mirim, que tem sua formação com base naquelas populações indígena,
negra e nordestina.
Desde quando as festas surgiram na região continua sendo uma incógnita,
porém sabemos que esses três povos que formaram a região gostam de festa e
criaram sempre estratégias para se alegrar e festejar para além de qualquer
investida que os relegassem à condição de escravos. Com relação à população
negra vale consultar a asserção apontada por Silva,
A exclusão, portanto, do mercado de trabalho enquanto mão-de-obra
assalariada, bem como o não acesso às vantagens sociais produzidas a
partir das transformações econômicas da sociedade de classes, exigiu da
população negra a criação de estratégias diversificadas da vida. Esse
conjunto de estratégias [...] está impresso também, na ampla diversidade de
ritmos, danças e cantorias, em que o sagrado e o profano se entrelaçam em
espaços comuns de lazer, trabalho e devoção, tanto para celebrar a alegria,
como para suportar as privações do cotidiano (SILVA, 2007, p. 143).
um paradoxo que persiste em meio à sociedade de Pindaré: a população
até hoje é majoritariamente negra, em número e em expressão cultural, pois muito
das festas que ali se desenvolveram remetem a expressão proveniente do universo
afro-brasileiro e pelo exposto em nosso trabalho, parte da população da cidade, se
entende de origem negra, por um lado, por outro, tende a dissimular essa origem
quando se trata de memorizar que ali viveram escravos e que a história da cidade
está também marcada pelos estigmas da escravidão. A partir de nosso convívio e
236
observação no dia a dia com a população da cidade, arriscamos afirmar que se
tornou mais confortável, para os pindareenses, relembrar essa história pela glória e
esplendor do Engenho Central, que como vimos, nos seus primeiros anos, trouxe
vantagens para a região a inserindo no contexto nacional e regional pelo curto
período em que se tornou pólo de exportação do açúcar. Porém esse Engenho
declinou e foi à falência. Com que agora se identificar?
É nesse sentido que entendemos as festas populares e religiosas que, no
decorrer dos anos, se desenvolveram na cidade, como uma das estratégias para
aglutinar o que é lugar comum dos povos que fundaram a região e a cidade. Vale
lembrar que não se trata de um momento específico em que objetiva e
intencionalmente foram criadas as festas no lugar. Antes, as festas ali, fazem parte
de um processo que foi se desenvolvendo ao longo dos anos e foi se solidificando
de forma gradual.
Nesse sentido, entendemos que a festa em Pindaré se apresenta como um
espaço subjetivo em que a população da cidade pode se identificar. Ela
simbolicamente desconstrói um passado sombrio, marcado pelos horrores da
escravidão e constrói a imagem da cidade e de sua população de forma leve,
festeira, alegre “sem males”. Pindaré encontrou nas festas populares, e, religiosas,
sobretudo sua forma de existir e com elas reconstrói e busca afirmar sua identidade,
festas que no seu sincretismo conjugam suas matrizes culturais.
Vimos que há um dado fundamental a todos os grupos que entraram na
formação de Pindaré, a cristianização. Neste sentido, a festa religiosa é um dado
importante que tem em comum, para além da sua diversidade de origem étnica
indígenas, caboclos, negros, nordestinos, - ou social, pobres, ricos, remediados. E,
no contexto de Pindaré, essas festas religiosas são festas dos Terreiros, da Igreja
Católica e seus princípios estão presentes em outras festas populares como, por
exemplo, do Bumba-Boi, do Divino. Por isso, praticamente em todas as festas na
cidade o elemento religioso com base no cristianismo tornou-se um elemento
transversal.
237
Decorrente desse dado, é que a presença sincrética no campo religioso se faz
notável em Pindaré. Sincretismo este marcado pelo encontro de mundos, por vezes
opostos, mas que podem resgatar pontos comuns para uma afirmação enquanto
coletividade daquela sociedade. Esse ponto comum é no cenário da cidade é a
festa.
Portanto, a festa em Pindaré tem sua origem nas populações que fundaram a
cidade, porém ela (a festa) se sobrepõe aos elementos étnicos. Ela une, congrega,
identifica a cidade que se entende feliz, festeira, e quer ser vista pelos outros assim.
Ela se constitui em um ritual constante para manutenção e nova visibilidade da
cidade. A festa em Pindaré se construiu gradativamente e não de um dia para o
outro. Não registramos data de seu início. Da mesma forma exceto o caso da
dança Indígena e da Capoeira e de algumas outras danças e festas existentes na
cidade - não houve um momento intencional para instituir as festas de um modo
geral am Pindaré. Elas existem e se reformulam e são sustentadas pela polulação
da cidade como um espaço simbólico que expressa sua singularidade dentro do
estado do Maranhão. Com isso, um imaginário que se constrói e reconstrói no
decorrer dos anos.
As festas ali dissimulam um passado histórico: ajudam a ocultar o lado triste
da escravidão, bem como, ajudam a lembrar o passado glorioso da cidade pelo
tempo do espendor do Esplendor do engenho Central. Sua função é “lembrar e
esquecer” para identificar a cidade pelo lado bom, agradável. A população de
Pindaré se identifica pela festa. Ela é ponto de convergência, une, congrega, se
sobrepõe à questão racial.
238
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fontes documentais
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17.07.1887
11.08.1878
19.06.1880
Publicador Maranhense, São Luís: 12.09.1885
13.05.1888
Diário do Maranhão, São Luís: 29.01.1887
07.02.1887
09.02.1887
17.02.1887
03.03.1887
JORNAL O PROGRESSO, 1842, pp.1-2
Prefeitura Municipal de Pindaré-Mirim: Secretaria de Cultura.
Secretaria de Educação
Bibliografia
ABBEVILLE, Claude d’. História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do
Maranhão e terras circunvizinhas. Itatiaia, Belo Horizonte, 1975.
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Disponível em: http://www.famem.org.br/.
246
ANEXOS
ANEXO A Procissão Fluvial e Concentração em frente a igreja matriz de São
Pedro – 29 de Junho, dia de São Pedro
Foto 11 - Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
247
ANEXO B – Dança de São Gonçalo
Foto 12 - Fonte: Guia da festa de São Gonçalo Sr. Josafa Lemos Belfort.
Foto 13 - Fonte: Guia da festa de São Gonçalo Sr. Josafa Lemos Belfort.
248
ANEXO C Estátua de São Pedro – Padroeiro da Cidade, localizada
na praça da matriz
Foto 14 - Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
249
ANEXO D – Criança pagando promessa na igreja de São Pedro
Foto 15 - Fonte: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
250
ANEXO E – Crianças Guajajara aguardando festa da primeira iniciação e jovens
Guajajara da área indígena Pindaré
Foto 16 - Fonte: CIMI – MA.
Foto 17 - Fonte: CIMI – MA.
251
ANEXO F – Coroação do Divino no Terreiro Três Reis Magos
Foto 18 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Foto 19 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
252
ANEXO G – Caixeiras do Divino ao redor do Mastro no Terreiro Pai Oxalá
Foto 20 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
253
ANEXO H Homens que batem e animam o tambor de Crioula no Terreiro Três
Reis Magos
Foto 21 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Grupo de Quadrilha de São João
Foto 22 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
254
ANEXO I – Roda de Capoeira
Foto 23 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Apresentação da Dança Portuguesa
Foto 24 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
255
ANEXO J – O personagem Catirina do Bumba-Meu-Boi
Foto 25 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Participação de Maria Zenaide na festa do Bumba-Meu-Boi
Foto 26 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
256
ANEXO K – Participação de Maria Zenaide na festa do Bumba-Meu-Boi
Foto 27 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Devoção de São João no Bumba-Boi
Foto 28 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
257
ANEXO L – Festa no Terreiro Pai Oxalá
Foto 29 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Reunião da Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré com a presença
do Astro de Ogum Presidente da Federação dos Cultos Afros do Maranhão no
Terreiro Três Reis Magos
Foto 30 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
258
ANEXO M – Festa no Terreiro Três Reis Magos – 06 de janeiro
Foto 31 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Saída de uma Filha de Santo no dia do Batismo no Terreiro Três Reis Magos
Foto 32 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
259
ANEXO N – Grupo dos Abatazeiros (Tambozeiros) do Terreiro Três Reis Magos
Foto 33 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
260
ANEXO O Símbolo Pascal no Terreiro Três Reis Magos
Foto 34 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
261
ANEXO P Fachada da Tenda Espírita Umbandista Três Reis Magos – Terreiro
Três Reis Magos
Foto 35 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
262
ANEXO Q Pessoas em retiro durante a Semana Santa – Terreiro Três Reis Magos
Foto 36 - Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
263
ANEXO R Bênção dos Bopis na Igreja de São Pedro no dia 29 de junho, dia do
padroeiro da cidade
Foto 37 – Maria Zenaide Costa.
264
ANEXO S Coroação da Mãe-de-santo
Foto 38 – Professora Khatia.
265
ANEXO T – Festa no Terreiro Três Reis Magos. Mãe-de-santo incorporada
com a “Princesa”. Momento de saudação e entrega de presentes
Foto 39: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
266
ANEXO U – Procissão de S. Pedro, dia 29 de junho. Romeiros carregando o andor
Foto 40: Maria Zenaide Costa.
267
ANEXO V – Cidade de Pindaré-mirim vista do alto
Foto 41: Fotógrafo Sebastião Domingos da Silva.
Rio Pindaré
Foto 42: Maria Zenaide Costa.
268
ANEXO W – Lendas de Pindaré-Mirim
Fonte: Leia Hoje – Enciclopédia do Maranhão – Ano VI, nº 49, 2000.
269
ANEXO X – Mapa do Município de Pindaré-Mirim
Fonte: Polícia Rodoviária do Maranhão.
270
ANEXO Y – Ficha de inscrição na Federação de Umbanda Espírita e Culto Afro-
Brasileiro do Maranhão
Fonte: Presidente da Comunidade Espírita Umbandista do Vale do Pindaré – Sr. João Bata Cutrin.
271
ANEXO Z QUESTÕES TRABALHADAS NAS ENTREVISTAS
I – NOME DO GRUPO
a) Ano de início:
b) O que levou a iniciar esse grupo:
c) Dono ou proprietário:
d) Nome da Associação:
e) Ano de registro da Associação:
II – ORGANIZAÇÃO ATUAL
a) Componentes da Diretoria:
b) Quantos componentes fazem parte desse grupo:
c) Quantos homens:
d) Quantas mulheres:
e) Crianças:
f) Quantos jovens entre 18 e 20 anos:
g) Quantas pessoas entre 20 e 50 anos:
h) Quantas pessoas entre 51e 75 anos:
i) Quantas pessoas acima de 75 anos:
III - RESUMO HISTÓRICO DO GRUPO E O QUE FAZ PARTE DA FESTA
a) Quais os personagens:
b) Descrição da indumentária usada pelos componentes deste grupo:
c) A música (o ritmo) é diferente da música (ritmo) de outras regiões? Por quê?
d) Em que o grupo se destaca de diferente dos grupos de outras cidades
e) O que faz manter, esta festa.
f) Quando a senhora (o senhor) morrer alguém poderá continuar? Por quê?
g) Já aconteceu que em um ano ou outro o seu grupo não festejou? Por quê?
h) O que acontece se um ano não dá para fazer a festa:
i) As pessoas que fazem parte de seu grupo podem também fazer parte de
outro?
j) Principais dificuldades que enfrentadas para manter esta festa.
272
ANEXO AA ENTREVISTAS
D. Carmina – festa do Divino: 10.10.2007 e 22 de novembro de 2007).
D. Joana - professora: 24 de junho de 2006 e 16/08/2006.
D. Celina – mãe-de-santo: 12. 05. 2006.
Rosimeire e coordenadora do CIMI – MA: 11.09.2006 e 2/02/2007.
Sr. Euzamar – carnavalesco: 14 de janeiro de 2005 e 12 de agosto de 2006.
D. Maria Caixeira – festa do Divino: 12 de janeiro de 2006; 15/10/2007;
29/10/2007;
Sr. Domingos – professor, filho-de-santo: várias entrevistas durante o mês agosto de
2006 e durante o mês de outubro de 2007.
Sr. Josafá Lemos Belfort – Dança de São Gonçalo: 22 de novembro de 2007.
Carlinhos sub-secretário de cultura: várias entrevistas durante o mês de outubro
de 2007.
Maria Cristina Moraes Santos - Agosto de 2006.
Maria Ribamar Coelho Santos – agosto de 2006.
Arlyson Ernesto – 24 de abril e dia 29 de julho de 2007.
Com os grupos de Bumba-Boi
D. Mariór – 15 de julho de 2007.
Zé Vale – 22.07 e 26.07.2007.
D. Maria do Livramento – 27.08.2007.
Sr. Valentim Pereira - 26.08.2007.
Sr. João Leite – 27.08. 2007.
Sr. José de Irene – 17.06 e 14.07.2007.
Sra. Tercilia - 26.08.2007.
Entrevistas realizadas com vários pais e mães-de-santo durante dias do mês
de abril de 2006
D. Maria Rolepa, Sr. Dionísio Pinto, Sr. João Cinza, (falecido em julho de 2006), D.
Lenir, Sr. Antonio Silvino, D. Maria Leandro, D. Celina, Sr. Raimundo Alves Cardoso,
Sr. Valdir, Dona Judith, D. Madalena, D. Lucimar mãe Zuila.
273
ANEXO AB – GLOSSÁRIO
Abatazeiro – o tocador de tambor.
Balaia (o) cesto grande feito de palha, taquara, bambu, cipó, que os indígenas
usam para transporte ou para guardar objetos.
Bumba-meu-Boi – no Maranhão, o mesmo que Bumba-Boi ou simplesmente Boi.
Caboclo – entidades que representam geralmente índios.
Caixeira mulher, geralmente idosa, que toca a caixa (espécie de tambor) na festa
do divino Espírito Santo e puxa toadas de improviso.
Carão – parte comestível da noz.
Croá – planta cujas folhas fornecem fibras de longa resistência e durabilidade.
Descimento expedição no Brasil, em direção ao interior que objetivava capturar
índios para escravização.
Encantado – entidade espiritual que baixa no corpo dos dançantes no terreiro.
Espírito da Luz – espírito superior.
Exu – intermediário entre os homens e a divindades.
Filha (o) de santo – iniciado no culto afro-brasileiro.
Guarimã erva alta nativa da Amazônia com folhas grandes de que os indígenas
extraem fibras, usada na confecção de tecidos.
Guia – o mesmo que encantado.
Mãe-de-santo – a chefe espiritual do terreiro.
Mandiocaba – mingau de arroz adoçado com água de goma.
Maracáchocalho indígena usado em festas, cerimônias religiosas e guerreiras que
consiste em uma cabaça seca, desprovida de miolo na qual se colocam pedras ou
sementes que fazem o som.
Moquear – secar a carne no moquém – grelha de varas – para conservá-la.
Mururu erva de folhas lineares verde-claras; nativa da áfrica, no Brasil muito
usada como forrageira.
Oferenda – oferta de comida, flores ou velas apropriadas a cada divindade.
Orixá – divindade intermediária.
Pai-de-santo – chefe espiritual do terreiro.
Peneira utensílio circular feita de armação de madeira o fundo de palha ou talos
de forma entrançadas. Usado para peneirar (separar) grãos grossos dos finos.
274
Pontão esteio grande com que se apóia alguma coisa para não cair. Usado por
algumas populações ribeirinhas para atravessar os rios.
Tambor de crioula – dança ou batuque caracterizada pela umbigada.
Tambor de mina designa, no Maranhão, tanto a casa de culto (caso de São Luís)
como o próprio culto de origem afro.
Tapiti espécie de caixão feito de cipó e cordas que os indígenas usam para
pescar.
Tenda Espírita de Umbanda no Maranhão, o mesmo que Terreiro. O termo é
mais usado no interior do estado. É usado no registro oficial das casas de culto de
religiões afro-brasileiras no Maranhão.
Timbó – planta cuja casca serve para tinguijar flores brancas com pintas purpúreas.
Tresidela nome comum utilizado em todas as cidades ribeirinhas maranhenses
para designar o bairro que fica na outra margem dório, lado contrário de onde está a
cidade.
Tupé esteira grande feita de talos de imbaúba. Usada pelos índios para secar
produtos da lavoura ao sol.
Umbanda conjunto de práticas religiosas, originárias de elementos banto e com
elementos kardecistas, indígenas e católicos.
Vodun – entidade intermediária para o culto gêge.
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