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TELMA FALTZ VALÉRIO
A REFORMA DO 2º GRAU PELA LEI 5692/71 NO PARANÁ:
REPRESENTAÇÕES DO PROCESSO
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre, Programa de
Pós-Graduação em Educação, Linha de
Pesquisa História e Historiografia da Educação,
Setor de Educação, Universidade Federal do
Paraná.
Orientadora: Profª. Drª. Nadia Gaiofatto
Gonçalves.
CURITIBA
AGOSTO/2007
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TELMA FALTZ VALÉRIO
A REFORMA DO 2º GRAU PELA LEI 5.692/71 NO PARANÁ: REPRESENTAÇÕES
DO PROCESSO
Dissertação apresentada como requisito parcial
à obtenção do grau de Mestre, Programa de
Pós-Graduação em Educação, Linha de
História e Historiografia da Educação, Setor de
Educação, Universidade Federal do Paraná,
sob a orientação da Profª. Drª. Nadia Gaiofatto
Gonçalves.
CURITIBA
2007
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iii
A minha querida mãe, ao meu pai que sempre estará
presente em minha memória, à minha irmã, prima e
sobrinha. Com vocês eu pude compreender o que é o
amor! Meu sincero Obrigada...
iv
AGRADECIMENTOS
A história de vida é resultado de um emaranhado de experiências, umas
satisfatórias, outras nem tanto, mas sempre estamos aprendendo, re-fazendo o
caminhar e convivendo com fatos que marcam profundamente a nossa vida. Durante
essa trajetória, tão significativa, pude compreender quão grande o significado das
palavras amizade, colaboração, contribuição, paciência e amor. Que refletem
atitudes muito particulares de cada um que esteve ao meu lado durante esses dois
anos e meio. Portanto, posso afirmar que esta dissertação marcou profundamente
minha vida.
Quero neste momento, agradecer as pessoas que fizeram parte dessa
trajetória junto a mim, que marcaram minha vida pessoal e que ajudaram a tornar
possível esse trabalho:
Agradeço especialmente ao meu amado pai Milton Valério (in memorian), que
foi o principal idealizador e apoiador de mais este projeto de minha vida, mas que
infelizmente não teve tempo o suficiente para ver o seu resultado.
A minha amada mãe Cledir Faltz que sempre me acompanhou e me ajudou
nas horas mais difíceis, para que eu pudesse finalizar esta etapa de meu projeto de
vida.
Ao querido amigo, professor e brilhante intelectual, Carlos Eduardo Vieira, de
quem sempre lembrarei com eterno carinho. Cujo auxílio se fez presente em várias
etapas importantes de minha vida. Com discussões fervorosas auxiliou-me a fechar
o problema de pesquisa e por ele me aventurar.
Ao meu amigo Cícero Donadeli pela constante ajuda e compreensão que
sempre dispensou para comigo.
Ao Marcus Levy que sempre dispensou atenção, compreensão e amizade.
Aos meus queridos companheiros de turma: Caroline, Diogo, Lauzane,
Roberlayne e Flávia (que um dia partilhou alguns momentos bons conosco),
obrigada pelo companheirismo que um dispensou para com o outro.
Aos colegas do doutorado Ronie, Maria Helena, Liliane, Leziany.
À querida amiga Caroline pela contribuição tão pertinente dispensada a este
trabalho, as discussões fervorosas o companheirismo fiel.
v
À minha amiga Lausane que dispensou freqüente ajuda e companheirismo
todo esse tempo.
Aos professores do programa que abrilhantam a nossa Linha de Pesquisa:
Carlos Eduardo, Marcus Levy, Marcus Taborda, Lianne Bertucci, Nádia G.
Gonçalves, Serlei Ranzi, Gisele de Sousa, Vera Marques, que me ajudaram acurar o
olhar histórico.
Agradeço à professora Rosa Lídia, pela leitura criteriosa do trabalho
apresentado na banca de qualificação.
Ao professor Marcus Taborda que desde os Seminários de Pesquisa, tem me
auxiliado com preciosas contribuições que enriqueceram ao decorrer do tempo
minha dissertação, bem como a oferta de fontes de seus arquivos pessoais.
Aos Professores Paulo Kuss, Lilian Anna, Zélia Passos, Adélia Castelan,
Maria Vandilma, Ernani Straube, Nilcéia Maria, Dagmar pela disponibilidade,
confiança com que dispensaram ao meu trabalho e disponibilizaram as suas
experiências.
Aos bibliotecários do Centro de Memória da Secretaria de Educação do
Paraná que sempre disponibilizaram com cordialidade as fontes com as quais
trabalhei.
Agradeço a todos os meus amigos que embora não citados aqui, também
contribuíram para o meu crescimento e que marcaram minha vida. Que sempre
estarão presentes em meu coração.
Por fim, presto especial agradecimento:
À minha querida amiga e orientadora quem admiro Nadia Gaiofatto
Gonçalves, pela confiança e prestimosa colaboração, cujo resultado culminou neste
trabalho. Especialmente lhe agradeço a paciência e gentileza que sempre me
dispensou, me ensinando a aprimorar a escrita e a pesquisar. Obrigada pela
amizade com a qual conduziu nossa convivência ao longo desses anos.
vi
EPÍGRAFE
Cada um dos nossos pensamentos não é mais do que um
instante de nossa vida. De que serviria a vida se não fosse
para corrigir os erros, vencer nossos preconceitos e, a cada
dia, alargar nosso coração e nossos pensamentos? Nós
utilizamos cada dia para alcançar um pouco mais de verdade.
Quando chegarmos ao fim, vocês dirão então o que é que
valeu a nossa pena.
Romain Rolland – Jean Christophe
vii
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS................................................................................................vii
LISTA DE ABREVIATURAS.....................................................................................viii
RESUMO.....................................................................................................................xi
ABSTRACT................................................................................................................xiii
INTRODUÇÃO...........................................................................................................01
1. CONTEXTO E IDEÁRIO POLÍTICO DA DITADURA MILITAR.............................09
1.1 CONTEXTO E IDEÁRIO POLÍTICO.................................................................................
09
1.2 ESTADO DE EXCEÇÃO..................................................................................................
09
1.3 A POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA............................................................................
17
1.3.1 O Paraná e o Desenvolvimento.....................................................................................
23
1.4 A TEORIA DO CAPITAL HUMANO E EDUCAÇÃO
....................................................27
1.5 VOZES DA RESISTÊNCIA
......................................................................................31
2. PARANÁ, DITADURA MILITAR E EDUCAÇÃO...................................................34
2.1 EDUCAÇAO E DITADURA MILITAR........................................................................
.......34
2.2 A EDUCAÇÃO PÚBLICA NO PARANÁ
....................................................................42
2.3 O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO DE GRAU NO ESTADO DO
PARANÁ: o Governo do Estado e o Planejamento da SEED
............................................48
3. A IMPLEMENTAÇAO DA LEI 5.692/71 PARA O ENSINO DE 2º. GRAU NAS
ESCOLAS PARANAENSES......................................................................................61
3.1 AVANÇOS E RETROCESSOS: com relação à infra-estrutura física, humana e os cursos
de capacitação
.............................................................................................................63
3.2 REPRESENTAÇOES DO PROCESSO: Implantação da lei 5.692/71 para o ensino do
grau no Paraná
.............................................................................................................77
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................88
FONTES.....................................................................................................................95
REFERÊNCIAS..........................................................................................................97
APÊNDICE...............................................................................................................102
ENTREVISTAS........................................................................................................104
ANEXO 1..................................................................................................................108
viii
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01- Demonstrativos dos Artigos da Lei 5.692/71.......................................36
QUADRO 02- Gastos com Educação no Paraná (1961 – 1964)...............................44
QUADRO 03- População: Evolução Urbana – 1950 a 1970......................................45
QUADRO 04- Matrícula por Dependência Administrativa e Ramo de Ensino/ Ensino
de 2º Ciclo/ 2º Grau – 1972........................................................................................48
QUADRO 05- Construção de Salas de Aula no Estado do Paraná – 1971-1980......51
QUADRO 06- Cronograma de Implantação da reforma do Ensino de grau no
Paraná........................................................................................................................55
QUADRO 07- Formação e Treinamentos Realizados 1974-1977 Docentes e
Formação Especial no Paraná...................................................................................58
ix
LISTA DE ABREVIATURAS
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
AID – Agency for International Developement
BNH - Banco Nacional da Habitação.
CAMOB - Caixa de Mobilização Bancária.
CDE - Conselho de Desenvolvimento Econômico.
CEE – Conselhos Estaduais de Educação
CFE – Conselho Federal de Educação.
CEPAL – Comissão Econômica Para a América Latina e Caribe
CETEPAR - Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná.
CFE – Conselho Federal de Educação
CGT – Comando Geral dos Trabalhadores
CIC - Cidade Industrial de Curitiba.
COMEC – Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
COPEL - Companhia Paranaense de Energia Elétrica
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
DAEE – Departamento de Água e Energia Elétrica
DEOE - Departamento de Edificações e Obras Especiais.
DESG/SEEC -
Departamento de Ensino de 2º. Grau.
ESG – Escola Superior de Guerra
FAZ - Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social.
FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
FMP - Frente de Mobilização Popular.
FPM – Frente Parlamentar Nacionalista
x
FPN – Frente Partidária Nacional
FUNDEPAR - Fundação Educacional do Estado do Paraná.
GAP – Grupo de Assessoria e Planejamento
IAB – Institutos de Arquitetos Brasileiros
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IPUC - Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba.
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC - Ministério da Educação e Cultura.
MECA - Mobilização Estadual Contra o Analfabetismo.
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PREMEM - Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio.
PSD – Partido Socialista Democrático
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUA – Pacto de Unidade e Ação
SEC – Secretaria da Educação e Cultura
SEED - Secretaria de Estado da Educação
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC – Serviço Social do Comercio
SESI – Serviço Social da Indústria
xi
SPAE - Serviço de Prédios e Aparelhamento Escolar.
SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito.
TCH – Teoria do Capital Humano
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundários
UDN – União Democrática Nacional
UNE – União Nacional dos Estudantes
USAID – United States Agency for International Development
xii
RESUMO
Esta dissertação teve por objetivo investigar qual a percepção que membros da
Secretaria de Educação, Diretores e Professores de escolas públicas que atuaram
no período da ditadura militar possuíam com relação à proposta de
profissionalização do Ensino de grau no Paraná estabelecida pela lei 5.692/71.
Buscou-se, portanto, compreender o contexto político e econômico do período, no
intuito de detectar como as idéias do Desenvolvimentismo e a Teoria do Capital
Humano refletiram nas diretrizes educacionais presentes na lei 5.692/71 para o
ensino de grau no Paraná. Para tal investigação, foram analisados os seguintes
documentos: Relatório do Grupo de Trabalho para a reforma de Ensino de e
graus (1971); o Documento Base para o Planejamento Prévio para Implantação do
Sistema de Ensino de e Graus (1971), elaborado pelo Grupo de Assessoria de
Planejamento, da Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Paraná; e outros
documentos da Secretaria da Educação que trazem dados sobre o ensino regular na
rede Estadual de ensino do período. A localização dessas fontes se deu nos acervos
da Biblioteca da Secretaria de Estado da Educação, Arquivo Público do Paraná e
Biblioteca Pública do Paraná. Para detectar a percepção que se tinha com relação à
profissionalização do ensino de grau no Paraná realizou-se entrevistas com
pessoas ligadas à Secretaria de Educação e Diretores e Professores de escolas
públicas que atuaram no período. Como referencial teórico, adotou-se as obras de
Pierre Bourdieu (1974; 1983; 1987; 1989; 1990; 1992; 2000), principalmente suas
noções de poder simbólico, campo e habitus. Discutiu-se, ainda, com trabalhos do
período Romanelli (1988) e Guiraldelli (1990), que entendem as políticas estatais
como demandas exclusivas da esfera governamental. Tal perspectiva tem sido
apontada por estes autores como aquela que destitui outros sujeitos, que não
inseridos naquela esfera, de suas próprias perspectivas, ou seja, do poder de agir e
de reagir às determinações legais. A dissertação está dividida em três capítulos. No
primeiro capítulo, procurou-se compreender o contexto do período, em especial
quais foram as principais idéias que circularam como direcionadoras de políticas
públicas e a relação destas idéias com o campo educacional do referido contexto.
Tratou-se, enfim, de compreender quais as demandas internas e externas da lei
5.692/71. O segundo capítulo procurou tratar especificamente do Paraná, no sentido
de averiguar como se deu a influência da Teoria do Capital Humano nas ações
educacionais paranaenses e como os agentes sociais (membros da Secretaria de
Educação, Diretores e Professores) compreenderam as propostas de
profissionalização de grau no Estado. O terceiro capítulo abordou, mais
profundamente, a análise das entrevistas, no qual se procurou averiguar as
percepções dos agentes sociais em torno do tema no processo de profissionalização
do ensino de grau, bem como compreender a maneira como o processo ocorreu
no Estado de acordo com a visão dos entrevistados. Este capítulo foi organizado de
acordo com temas que surgiram das falas dos entrevistados, relacionados à questão
central da pesquisa. Esse estudo evidenciou que o processo de implementação da
Lei 5.692/71 não foi fruto de desejos obscuros por parte dos governantes, foi antes
uma tentativa de organizar uma sociedade em emergência. Em que os agentes nela
xiii
envolvidos operaram de forma bastante particular de acordo com o seu
entendimento.
Palavras Chave: Ditadura Militar, Desenvolvimentismo, Teoria do Capital Humano,
Educação, Lei 5692.71, 2º. Grau, Ensino Profissionalizante, Paraná.
xiv
ABSTRACT
This essay had for objective to investigate which the perception that members of
the secretariat of Education, directors and professors of public schools that had
acted in the period of the military dictatorship possessed with relation the proposal
of professionalization of 2° degree in Para established for law 5.692/71. One
searched, therefore, to understand the politic and economic context of period, in
intention to detect as the ideas of the developmentism and the theory of the
human capital had reflected in the educational lines of direction in law 5.692/71 for
the 2° degree of school in Para. For such inquiry, the following documents had
been analyzed: Report of the Work group for the reform of 1° and 2° degrees of
school (1971); the Document base for the previous planning to implantation of the
System of Education to 1° and 2° degrees (1971), elaborated by group of
Assessorship of Planning, from Secretariat of the Education and Culture State;
other documents from Secretariat of the Education that bring given on regular
education in the Education State net of the period. The localization of these
sources it was in the quantities of the Library of the State Secretary of Education,
Public Archive of the Paraná and Public Library of the Paraná. To detect the
perception that had about professionalization of the education of 2° degree in the
Paraná one became interviews with on people related a secretariat of the
Education, directors and professors that had acted in the period. As referential
theoretician, one adopted the workmanship of Pierre Bourdieu (1974; 1983; 1987;
1989; 1990; 1992; 2000), mainly its definitions of being able symbolic, field and
habitus. It was argued, still, with works of the period - Romanelli (1988) and
Guiraldelli (1990), that understand the politics state as exclusive demands of the
governmental sphere. Such perspective already has been appointed for these
authors as that one that dismissed other citizens, that not inserted in that sphere,
of its proper perspectives, that is, of the power to act and to react ace legal lines.
The essay is divided in three chapters. In the first chapter, it was looked to
understand the context of the period, in special which they had been the main
ideas that had circulated with lines of direction of public politics and the relation of
these ideas with the educational field of the related context. It was treated at last,
to understand which the internal and external demands of Law 5.692/71. The
second one as the chapter looked for to deal with the Para specifically, in the
direction to inquire how to gave the influence of the Theory of the Human Capital
in the paranaenses educational actions and as the social agents (members of the
Secretariat of Education, Directors and Professors) had understood the proposals
of professionalization of 2° degree in the State. The third chapter approached,
more deeply, the analysis of the interviews, in which looked for to inquire the
perceptions from social agents around the subject in the process of
professionalization of the education of 2° degree, as well as understanding the
way as the process occurred in the state with the vision of the interviewed. This
chapter was organized in accordance with subjects that had appeared of say them
of the interviewed ones, related around the central question of the research. This
study it evidenced that the process of implementation of Law 5.692/71 was not
create by obscure desires on the part of the governing, was before an attempt to
xv
organize a society in emergency. Where the involved agents in it had operated of
sufficiently particular form its agreement.
Words Key: Military Dictatorship, Developmentism, Theory of the Human Capital,
Education, Law 5.692/71, 2° degree, Professionalizing Education, Paraná.
1
INTRODUÇÃO
Ao longo da década de 1970, a educação brasileira contou com novas
perspectivas e diretrizes, as quais deram origem a uma série de medidas legais, tal
como ocorreu com o histórico da implementação da lei 5.692, em 1971, referente ao
ensino 1º e 2º graus.
Considerando essa prerrogativa, o presente trabalho tem por intuito
compreender como essa lei foi vista e recebida pelos membros da Secretaria de
Educação, bem como por alguns agentes envolvidos no âmbito educacional do
contexto, tais como alguns diretores e professores de escolas públicas paranaenses.
Ao longo deste trabalho, buscou-se compreender, juntamente com a proposta
de profissionalização do ensino de segundo grau, o modo como a lei 5.692/71
expressou uma gama de idéias próprias do contexto brasileiro de então, tais como a
Teoria do Capital Humano (TCH) e algumas vertentes do desenvolvimentismo. Antes
de abordá-las, no entanto, faz-se necessário uma breve apresentação das diretrizes
que embasaram este trabalho e da estruturação em que se encontram seus
capítulos.
Para a análise das fontes, alguns documentos foram selecionados, de forma a
compor o corpus deste trabalho. Dentre estes, pode-se citar o Relatório do Grupo de
Trabalho para a Reforma de Ensino de e graus (1971) e o documento Base
para o Planejamento Prévio para Implantação do Sistema de Ensino de 1º e 2º graus
(SEC, 1971). Além desses, foram utilizados documentos vários provenientes da
Secretaria de Estado da Educação (SEED), que trazem dados sobre o ensino
regular na Rede Estadual de Ensino, bem como leis e decretos referentes ao ensino
de 2º grau dessa mesma data. De forma a conferir maior profundidade à análise aqui
apresentada, fez-se uma coleta de entrevistas com pessoas que estiveram
envolvidas no âmbito da SEED ao longo da década de 1970 (vide Apêndice 1).
A literatura que comumente serve de base para os pesquisadores da História
da Educação, tais como Romanelli (1986) e Ghiraldelli (1990), entendem as políticas
estatais como demandas exclusivas da esfera governamental. Tal perspectiva já tem
sido apontada como aquela que destitui outros sujeitos, não inseridos naquela
esfera, de suas próprias perspectivas, ou seja, do poder de agir e de reagir às
determinações legais. Isso fica explícito, principalmente, no estudo de Ghiraldelli
2
(1990), que caracteriza a maior parte da ação dos governos principalmente em
relação à educação – como uma forma de
[...] repressão, privatização do ensino, exclusão das classes
populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização
do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e
desmobilização do magistério através de legislação educacional
ampla e confusa (GHIRALDELLI, 1990, p. 163).
Para o autor, o ensino é concebido como instrumento de controle ideológico,
que visa à educação exclusivamente voltada para o trabalho, servindo apenas às
demandas econômicas do período. Tais demandas, segundo o autor, serviram como
base para a elaboração de acordos firmados entre o MEC e a USAID
4
(Agency for
International Development), entre 1964 e 1968. Este último órgão consistia em uma
comissão cuja principal tarefa era avaliar a situação educacional no Brasil a partir de
pesquisas estatísticas. Nas palavras de Ianni (1976, p. 22):
A Agency for International Development tem por função não a
concepção de uma estratégia da educação, mas influenciar e facilitar
essa estratégia nos setores nos quais seus conhecimentos, sua
experiência e seus recursos financeiros podem ser uma força
construtiva que ajudará a atingir os objetivos visados. Tal estratégia
deve ser concebida essencialmente por aqueles que têm o poder de
tomar decisões e disponham dos recursos necessários. É então aos
dirigentes dos países em vias de desenvolvimento que cabe decidir
sobre a estratégia da educação (IANNI, 1976, p. 22).
Em um estudo sobre a reforma universitária, Mathias (2004, p. 165) fala sobre
os trabalhos elaborados pela Usaid:
Em continuidade aos trabalhos iniciados durante o governo João
Goulart, a Usaid elabora um relatório que ganha o nome de seu
presidente, Atcon (1966); o governo edita os Decretos-leis n. 53, em
1966, e 252, em 1967, definindo as bases da reforma; a elaboração
de alguns projetos de extensão universitária que posteriormente
seriam implementados, tais como Crutac, o Rondon e o Mauá (1966);
Cria ou estimula comissões e fóruns de discussão a respeito do
tema, como a Comissão Meira Mattos (1967) e o fórum “A educação
que nos convém” (1967), iniciativa conjunta do governo, da PUC-RJ
e do Jockey Club do Brasil. Os documentos oriundos dessas
iniciativas acabaram por produzir uma série de sugestões, muitas
4
Para melhor esclarecimento ver: Arapiraca (1982).
3
adotadas, entre as quais se destacam: extinção do sistema de
cátedras; introdução da organização departamental, plano de carreira
docente com introdução do tempo integral; divisão curricular em dois
ciclos; um básico e um profissionalizante; integração das atividades
de ensino e pesquisa; ênfase na pós-graduação.
Embora relacionado ao ensino superior, esse trecho ilustra como que os
acordos entre o Brasil e os EUA também possuíam seus aspectos positivos para o
sistema educacional brasileiro. Não se está ignorando toda a repressão do período e
os interesses obscuros que moviam as medidas governamentais, mas, considerando
a proposta de análise do período, também devem ser observadas as sutilezas que
não são aparentes. É importante que se entenda que as medidas educacionais aqui
discutidas não foram o produto direto e descuidado da intenção desenvolvimentista
aspirada somente pelas autoridades. Antes, devem ser entendidas como resposta
da esfera educacional às demandas da sociedade, que, de uma maneira geral,
ansiava por melhores oportunidades de emprego, formação e, conseqüentemente,
de qualidade de vida.
Mesmo assim, os autores citados acima compartilham uma abordagem
bastante comum sobre o panorama da educação no período militar, segundo a qual
os fenômenos políticos são entendidos como simples reflexos das forças
econômicas vigentes mais efetivas que, propriamente, a ação dos sujeitos,
caracterizados como destituídos de participação política nos processos decisórios da
república brasileira.
Essa abordagem vem sendo questionada por trabalhos mais recentes, na
área da História da Educação, como destacam Araújo (2004), Reis (2004), Silva
(2003) e Taborda de Oliveira (2003).
Essa visão está fortemente influenciada pela perspectiva de um a
priori estrutural-economicista nas relações do governo com a
sociedade civil, atuando aquele como mediador dos interesses entre
o capital e o trabalho, no sentido de garantir a acumulação ampliada
do primeiro. O "Estado" é concebido como uma instância que paira
acima dos conflitos e dos consensos e determina a prática e os
interesses cotidianos dos sujeitos na história. Essa perspectiva
marca ainda uma profunda crença na última instância da estrutura
econômica como orientadora da organização da cultura e das
práticas culturais em particular, como é o caso da educação
escolarizada (TABORDA DE OLIVEIRA, 2003, p. 42).
4
Taborda de Oliveira (2003) tece críticas àquela mais antiga vertente de
historiadores que compreende a educação como uma agência produtora de um
saber, reflexo de interesses políticos que excluem a liberdade das pessoas de
questionarem, oporem-se ou apoiarem a situação política vivenciada.
A historiografia brasileira possui diversos trabalhos realizados em torno da
ditadura militar
5
. Fico (2004), em levantamento desses estudos, detectou duas fases:
a ciência política e a nova história. Na primeira, os estudiosos procuraram explicitar
e classificar termos e situações, mas nunca chegaram a um debate profundo sobre o
período estudado. Queriam apenas responder questões como: “seriam os militares
uma instituição autônoma, marcada pelo isolamento e unidade, ou estariam a
serviço de determinados grupos sociais?”.
A outra fase, marcada pela aproximação com a vertente historiográfica dos
Annales, a qual se afasta de uma visão marxista, abriu mão de conceitos como
estrutura econômica ou estrutura social para se preocupar com questões que
ultrapassavam os lugares-comuns sobre o golpe de 1964, alcançando os campos do
cotidiano, das emoções, das mentalidades, etc. (FICO, 2004, p. 30–33 )
6
. Essa fase
é caracterizada pela abordagem econômico-cultural. No entanto, a educação, nesse
momento, aparece como lateralizada, decorrente da importância dada a outros
âmbitos da instância cultural. Tal fato, provavelmente, seja devido à prevalência do
marxismo no âmbito acadêmico. No entanto, sobretudo a partir do ano 2000, deu-se
o surgimento de algumas abordagens típicas da Nova História, como a memória e
as práticas culturais ou o recurso a fontes não-convencionais, como a charge.
Aproximadamente nessa mesma época, surgiram vários trabalhos privilegiando a
5
Entende-se como ditadura o regime autoritário em que os poderes legislativo, executivo e judiciário
estão nas mãos de uma única pessoa (ou grupo de pessoas), que exerce o seu poder. Com o
surgimento da democracia no século XIX, o termo ditadura tem o significado de falta de democracia,
onde o modelo democrático liberal deixa de existir e a legitimidade passa a ser questionada, pois as
ditaduras modernas são um movimento totalitário com a supressão dos direitos individuais e a
invasão dos demais poderes constituídos (legislativo, judiciário ou equivalentes). Essa invasão se
pela força e a supressão das liberdades individuais passa a ser por decreto. O regime ditatorial se
baseia num líder ou num pequeno grupo que exerce o poder absoluto sem prestar contas (BOBBIO et
al, p. 136).
6
Segundo levantamentos do Grupo de Estudos sobre a ditadura militar da UFRJ, entre 1971 e 2000,
foram produzidas 214 teses de doutorado e dissertações de mestrado sobre a história da ditadura. Os
principais focos desses estudos foram os movimentos sociais urbanos (27 trabalhos), os temas da
arte e da cultura (27 trabalhos), a economia (25) e os assuntos relacionados à esquerda e à oposição
em geral (20 teses e dissertações). Em seguida, vêm a imprensa (15), a censura (13), a crônica dos
diversos governos (11), o movimento estudantil (8) e o estudo do próprio golpe (6), entre outros
temas (FICO, 2004, p. 41–42).
5
arte e a cultura, com análises sobre música, tropicalismo, literatura e televisão, entre
outros temas.
Considerando que, no período militar, houve a predominância dos estudos de
natureza econômica na produção do conhecimento, a irrelevância da educação pode
ser mais bem compreendida. O interesse pela economia é próprio do contexto aqui
analisado, tendo em vista o amplo desenvolvimento econômico que atingiu a
economia brasileira associada ao mercado internacional e industrial.
Para a análise dos documentos relacionados à implementação da lei
mencionada, referente ao ensino de grau no Paraná, contemplou-se o estudo de
Bourdieu (1983, 1987, 1989, 1992 e 2000), cujas noções de campo e habitus
auxiliaram no entendimento das perspectivas dos grupos envolvidos nas fontes
selecionadas.
Conforme o autor, a noção de campo é definida como um locus onde é
travada uma luta concorrencial em busca de interesses específicos. Importante
ressaltar que um campo se define através de seus próprios objetos de disputa e de
interesses em específico. É marcado por uma luta entre os pretendentes e os
dominantes de um campo. O novo pretendente força o direito de entrada e o
dominante tenta defender o monopólio e excluir a concorrência.
Para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputa e
pessoas prontas para disputar esse jogo, dotadas de um habitus que implique o
conhecimento e reconhecimento das leis imanentes do jogo (BOURDIEU, 1983, p.
89).
No caso deste trabalho, tem-se como foco o campo educacional. Como em
qualquer outro campo, o indivíduo somente realiza ações na medida em que possui
capital social para realizá-las, ou seja, condições sociais, políticas e econômicas.
Esse capital social torna-se maior à medida que aquele que o detém luta pela sua
visão de mundo, impondo sua vontade, ou aquilo que toma como verdade para si.
Assim, processualmente, vai adquirindo poder dentro do campo. O campo é um
espaço multidimensional de posições, dentro do qual os agentes se distribuem de
acordo com o volume de capital que possuem, e a posição de seu capital se
particulariza como manifestação de relações de poder (ibidem, 2000, p. 26).
6
Por sua vez, a noção de campo está intimamente relacionada à de habitus,
que se aproxima da definição de um conjunto de esquemas implantados desde a
primeira educação familiar e constantemente repostos e atualizados ao longo da
trajetória social restante, que demarcam os limites à consciência possível de ser
mobilizada pelos grupos (ibidem, 1974, p. XLII).
Aplicando o conceito de habitus a uma coletividade, visto que não se
apenas no âmbito individual, tem-se um conjunto de práticas, movido por ideologias,
o qual se aproxima de regras de conduta pelas quais os indivíduos integrantes de
um mesmo campo se reconhecem e se identificam mutuamente (ibidem, 1992, p.
191).
Ao desenvolver a análise das fontes com base nas discussões acima tecidas,
percebe-se que estas são registros que possibilitam o labor do historiador e,
conseqüentemente, o desenvolvimento do conhecimento histórico. Nesse sentido,
pode-se dizer que, para trabalhar com uma determinada fonte, deve-se ter
consciência dos processos de interpretação, narratividade e produção de sentidos
por parte do historiador. Conforme destaca Thompson (1981, p. 37), “os fatos estão
ali, inscritos no registro histórico, com determinadas propriedades, mas isso não
implica, de certo, uma noção de que esses fatos revelam seus significados e
relações por si mesmos, e independentes dos procedimentos teóricos”.
A constituição de uma narrativa histórica, por conseguinte, depende do
movimento de interrogar as fontes, não em busca de evidências, como também
de um diálogo do qual surgem novas questões. Um exemplo dessa relação entre o
universo documental e o trabalho do historiador pode ser encontrado na obra de
Ragazzini (2001, p. 14):
[...] as fontes não falam per se. A fonte é uma construção do
pesquisador, isto é, um reconhecimento que se constitui em uma
denominação e em uma atribuição de sentido; é uma parte da
operação historiográfica. Por outro lado, a fonte é o único contato
possível com o passado que permite formas de verificação. (...) A
fonte é uma ponte, um veículo, uma testemunha, um lugar de
verificação, um elemento capaz de propiciar conhecimentos
acertados sobre o passado. As fontes permitem encontrar e
reconhecer: encontrar materialmente e reconhecer culturalmente a
intencionalidade inerente ao seu processo de produção. Para
encontrar é necessário procurar e estar disponível ao encontro: não
basta olhar, é necessário ver. Para reconhecer é necessário atribuir
significado, isto é, ler e indicar os signos e os vestígios como sinais.
7
Outro conjunto de fontes que compõe o trabalho aqui apresentado abrange as
entrevistas com pessoas que trabalharam na Secretaria da Educação, Diretores e
Professores das escolas do período aqui estudado. Com tais entrevistas, acredita-se
poder ouvir as percepções e representações desses profissionais com relação à
proposta de profissionalização do ensino de 2º grau no Paraná.
Neste trabalho de análise das fontes, tomam-se como alerta as palavras de
Thompson (1981, p. 38), quando diz que:
Qualquer historiador sério sabe que os "fatos" são mentirosos, que
encerram suas próprias cargas ideológicas, que perguntas abertas,
inocentes, podem ser uma máscara para atribuições exteriores, e
que mesmo as técnicas de pesquisa empírica mais sofisticadas e
supostamente neutras (...) podem ocultar as mais vulgares
intromissões ideológicas.
Portanto, realizaram-se entrevistas embasadas nas questões que se
encontram no Apêndice 2 deste trabalho. Porém, o processo de inquirir os
entrevistados visou conferir a suas respectivas respostas uma maior liberdade, de
forma que seus testemunhos pudessem estar o mais próximo possível de suas
impressões individuais. Assim, foi permitido aos entrevistados extrapolar o roteiro de
perguntas preestabelecido pela pesquisadora.
De uma forma geral, as entrevistas tiveram uma duração média de 45
minutos, sendo gravadas em fita cassete. Depois de realizadas, foram transcritas,
para que as falas pudessem ser analisadas de forma adequada e ampla.
Com base nos documentos oficiais, as entrevistas basearam-se nas seguintes
questões norteadoras:
1. Que relação possuía a lei 5.692/71 com o contexto da educação, da
política do Brasil e do Paraná?
2. Que reflexos produziram a Teoria do Capital Humano e vertentes do
Desenvolvimentismo no processo de implementação da reforma da lei
5.692/71 para o ensino de 2º grau no Paraná?
3. Houve pressões ou ações por parte do governo militar sobre a
Secretaria de Educação? Se houve pressões, como os indivíduos
8
perceberam, e como elas refletiram na implementação das políticas de
profissionalização de 2º grau no Estado?
4. Havia divergência de idéias em relação à proposta de
profissionalização entre os membros da Secretaria de Educação,
Diretores e Professores?
Para a análise dessas questões, este trabalho foi organizado em três
capítulos. No primeiro capítulo, procurou-se compreender o contexto do período, em
especial quais foram as principais idéias que circularam como direcionadoras de
políticas públicas e a relação dessas idéias com o campo educacional do referido
contexto. Tratou-se, enfim, de compreender quais as demandas internas e externas
da lei 5692/71.
O segundo capítulo procurou tratar especificamente do Paraná, no sentido de
averiguar como se deu a influência da TCH nas ações educacionais paranaenses e
como os agentes sociais (membros da Secretaria de Educação, Diretores e
Professores) compreenderam as propostas de profissionalização de 2º grau no
Estado.
O terceiro capítulo aborda, mais profundamente, a análise das entrevistas.
Nele, procurou-se averiguar as percepções dos agentes sociais em torno do tema no
processo de profissionalização do ensino de grau, bem como compreender a
maneira como o processo ocorreu no Estado, conforme a visão dos entrevistados.
Esse capítulo foi organizado de acordo com temas que surgiram das falas dos
entrevistados, relacionados à questão central da pesquisa.
9
CAPÍTULO 1. CONTEXTO E IDEÁRIO POLÍTICO DA DITADURA MILITAR
Quem aspira ao domínio total deve liquidar no homem
toda espontaneidade, produto da existência da
individualidade, e persegui-la em suas formas mais
peculiares, por mais apolíticas e inocentes que sejam.
Hannah Arendt.
1.1 CONTEXTO E IDEÁRIO POLÍTICO
Repressão. Essa palavra resume a caracterização que tem sido feita por
parte da historiografia brasileira acerca do período pós-1964 no Brasil. No entanto, o
fato de ser caracterizado pelo regime ditatorial não pressupõe a ausência de disputa
entre grupos pelo poder político no período, ou, como afirma Munakata:
Não haver democracia não significa que não houvesse disputas nem
acomodações nem que elas envolvessem apenas militares; apenas
que aconteciam em arenas bem delimitadas e estruturas, com
reduzido número de interlocutores com certa capacidade de
influência ou de pressão (apud TABORDA DE OLIVEIRA, 2003, p.
13).
O período militar foi marcado principalmente por Atos Institucionais, que
objetivavam legalizar as ações políticas dos militares e a ideologia em defesa da
ordem (GRINBERG, 2004, p.152).
Para que se possa compreender melhor o habitus em que estava submergida
a sociedade brasileira do período estudado aqui, bem como os profissionais cujas
falas serão analisadas a seguir, buscou-se esclarecer quais as principais
características norteadoras do Estado ditatorial pós-1964, que não apenas
conformou as práticas educacionais, mas que também sofreu todo o tipo de
resistência daqueles encarregados a tornar efetiva a lei desse regime no cotidiano
do ambiente escolar.
1.2 ESTADO DE EXCEÇÃO
Uma das características mais marcantes do regime de governo instaurado no
10
Brasil, no ano de 1964, foi a supressão do Estado de Direito. Segundo Alves (2005,
p. 7), o Estado de Direito se caracteriza por garantir os direitos humanos aos
cidadãos, incluindo o direito à livre expressão, de ir e vir, de se defender perante
acusações criminais, de participação política, entre outros. No contexto brasileiro em
questão, o que se teve depois do golpe político de março de 1964 foi, justamente, o
contrário, ou seja, o Estado de Exceção. Nas próximas linhas, serão discutidas
algumas características dessa forma específica de regime político.
Acredita-se que, para a caracterização do tipo de governo em funcionamento
no Brasil no período em questão, fosse necessário estabelecer um diálogo entre o
estudo de Alves (2005) sobre o Estado de Exceção e alguns aspectos da obra de
Hannah Arendt (2004) sobre o totalitarismo. Sabe-se que a concepção de governo
totalitário
7
, segundo esta autora, exige que se tome algum cuidado ao compará-lo a
uma ditadura militar latino-americana, tendo em vista que o foco de Arendt (2004) se
dá, particularmente, sobre o contexto europeu do período entre-guerras, portador de
uma configuração política diferente da que emerge no Brasil. No entanto, elegeu-se
o estudo de Arendt como importante paradigma para esta análise por conter
elementos que coadunam com algumas formas de coerção utilizadas pela ditadura
militar brasileira, mencionadas nas entrevistas.
No Brasil, autores como Borges (1999), Cardoso (1982), Collier (1982),
Martins Filho(1999), O’Donnell (1980), Poulantzas (1977) e Schwartzman (1988)
caracterizam o Estado brasileiro pós-1964 como autoritário
8
. No entanto, embora
pertinente às discussões desses autores, este trabalho buscou compreender os
reflexos desse regime sobre a vida individual de cada cidadão. Sabe-se que o
7
O regime totalitário possui uma ideologia de superioridade nacional baseada na crença nas virtudes
da raça e no destino do povo, agindo de forma mobilizadora sobre todos. ao contrário do
totalitarismo, o autoritarismo (regime que caracteriza o período ditatorial brasileiro) aspira, acima de
tudo, produzir a apatia entre as massas, agindo de forma mobilizadora somente sobre os dissidentes
(CARDOSO, 1982, p.42).
8
O exército, como fiador da ordem autoritária, prefere um relacionamento de apoio “técnico” entre o
estado e os grupos sociais, em vez de um relacionamento baseado em alianças com amplos grupos
sociais. Assim, o autoritarismo-burocrático diverge não do modelo democrático de laços entre os
representantes e os eleitores, mas também do fascismo italiano ou alemão, no qual a mobilização do
partido e o uso de seus membros extremistas como força repressiva era essencial. No que se refere à
ideologia nacional no regime totalitário, está no sentido de expansão econômica e territorial. Esse
nacionalismo não pode constituir uma ambição do estado autoritário, dada sua dependência
econômica. Em vez disso, as ideologias oficiais favorecem uma mentalidade conservadora e
hierárquica, cuja visão de grandeza tem sido limitada ao fortalecimento do aparelho do estado. Daí as
afirmações ideológicas feitas na América Latina diferirem daquelas que prevalecem no fascismo
europeu clássico. (CARDOSO, 1982, p. 44)
11
autoritarismo, muitas vezes, esteve muito próximo ao regime totalitário, quando se
utilizava da violência e de outros meios coercitivos para destituir os sujeitos de seu
poder de reflexão e intervenção social.
Para os Estados autoritários, a dominação se articula com o apoio do aparato
governamental. Esse apoio se por meio de instituições que gozam de um
monopólio dos meios de coação social, dentro de um território definido, tendo um
direito legítimo de garantir esse sistema de dominação (O’DONNELL, 1982, p.269).
Aspectos semelhantes também são apontados por Alves (2005), que
caracteriza o regime do período como um “Estado de Exceção”. Este se caracterizou
pela presença dos militares no poder e por visar tolher o homem de todos os direitos
concedidos pelo Estado de Direito. Os Atos Institucionais foram criados a partir
dessa premissa e muito contribuíram para marcar o período aqui estudado, pela
constante vigilância e opressão dos cidadãos.
Tais Atos constituíram-se em decretos emitidos durante o período da ditadura
militar, que serviam como mecanismos de legitimação e legalização das ações
políticas dos militares, estabelecendo diversos poderes extraconstitucionais. Foram,
portanto, um mecanismo para manter a legalidade no domínio dos militares.
Entre as ações contidas nesses Atos, estavam as comissões especiais de
inquérito, criadas em todos os níveis do governo, ministérios, órgãos
governamentais e universidades. Os inquéritos policiais e militares deveriam
investigar as atividades de funcionários civis, militares de todos os níveis e da
população em geral, objetivando a identificação dos que estavam ligados a
atividades subversivas (ALVES, 2005, p. 10-15).
Aqueles que eram considerados subversivos, por qualquer motivo, eram
julgados e retirados da sociedade brasileira – sendo extraditados, presos, torturados
ou mortos. A justificativa dada pelo Governo para agir de tal forma era a de que
aquelas medidas eram ações protetoras, ou seja, uma medida policial preventiva.
Não obstante, segundo boa parte da literatura
9
sobre o tema, a violência das torturas
e extradições visavam, principalmente, aniquilar a dignidade humana, para que a
individualidade fosse destruída. Em seu estudo, Arendt (2004) alega que tolher o
9
Sobre aqueles que lutaram contra as ideologias e atrocidades praticadas pela ditadura ver: Reis
(2004); Alves (2005); Gorender (1997).
12
indivíduo desse direito é uma característica comum aos regimes dessa natureza,
pois:
Destruir a individualidade é destruir a espontaneidade, a capacidade
do homem de iniciar algo novo com os seus próprios recursos, algo
que não possa ser explicado à base de reação do ambiente e aos
fatos. Morta a individualidade, nada resta senão horríveis marionetes
com rostos de homem, todos reagindo com perfeita previsibilidade,
mesmo quando marcham para a morte (Ibidem, p. 506).
O Estado de Exceção utilizou diversos instrumentos no intento de impedir
qualquer participação ou representação política dos cidadãos. Esses mecanismos se
davam de uma forma tácita, fazendo com que fossem vistos pela população como
regras necessárias para a boa organização do sistema social. Entre os principais
recursos coercitivos, estavam a propaganda, a educação escolar, a violência física e
a burocracia.
A propaganda foi uma das principais armas de boa parte dos regimes
autoritários e totalitários ao longo do século XX. A partir deste meio de comunicação
de massa, pretendia-se garantir o apoio popular suficiente para que o governo militar
tivesse legitimidade. Geralmente, as campanhas de propaganda dos regimes
totalitários tinham um forte apelo nacionalista. Esse meio constituiu-se um
importante instrumento do Estado de Exceção, pois tornava possível suprimir parte
da liberdade da população sem recorrer à violência, fazendo com que o apoio ao
regime fosse a melhor garantia da sua lealdade aos governantes.
Conforme nos mostra Berg (2002, p. 56), a propaganda buscava não o
enaltecimento do regime, mas o de valores: “falava-se em mobilizar a juventude, em
fortalecer o caráter nacional, em estimular o amor à pátria, a coesão familiar, a
dedicação ao trabalho, a confiança no governo e a vontade de participação”.
Com a ideologia totalitária veiculada nos meios de comunicação da época,
esperava-se atingir toda a população, cujos integrantes eram concebidos como “uma
coisa, algo que nem mesmo os animais o são” (ARENDT, 2004, p. 489). Isso
significa compreender a mente humana como passível de se tornar destituída de
atitudes próprias e reações. Entre os autores estudiosos sobre o assunto, tais como
Rezende (2001) e Toledo (1978), é comum a afirmativa de que essa ideologia
encobria a violência dos encarceramentos, das perseguições e dos extermínios.
13
Convivia-se em um ambiente de crimes, mas parte da população não tinha
consciência desse período. Para os integrantes da população comum, não se sabia
o que de fato estava acontecendo e não se compreendia o contexto político em sua
ampla dimensão.
Em seu estudo sobre as favelas do Rio de Janeiro, Perlman
10
(1977, p. 215)
revelou que, até mesmo entre o grupo de marginalizados, 80% manifestavam
aceitação do governo de então. Tal fato decorre, segundo a explicação da autora, de
uma campanha publicitária de Educação Moral e Cívica que já vinha sendo
empreendida, havia tempo, no sentido de
[...] encorajar o sentimento patriótico. Além de todos os graus de
ensino, um dos elementos da campanha é a intensa distribuição de
flâmulas, bandeiras e decalques com dizeres “Segurança, “Brasil,
Ameo-o ou Deixe-o”, ou simplesmente “Pode contar comigo”. É
freqüente a propaganda pelo rádio, televisão e jornais, sobre a glória
e o progresso da nação. Os maiores especialistas do mundo inteiro
foram contratados para elaborar este material publicitário (Ibidem, p.
219).
Portanto, pode-se dizer que o Estado de Exceção foi, em termos, consentido
por boa parte da população brasileira, que assumia conforme assinalam alguns
estudos uma postura de submissão às autoridades governamentais e de
conformismo ante os fatos políticos do país (PERLMAN, p. 218).
Todavia, Perlman explica que esse comportamento deve ser percebido
menos como um sinal de ignorância popular que como uma forma de sobrevivência.
Tais atitudes eram, segundo a autora, “realistas”, pois se encontravam
fundamentadas numa realidade política de opressão e de resistência a qualquer
movimento popular. Não demonstravam apatia ou ignorância, mas uma
compreensão aguda daquele contexto sociopolítico. Conforme a autora, o próprio
fato de os indivíduos reconhecerem sua vulnerabilidade “era em si mesmo um sinal
de astúcia política” (Ibidem, p. 228). Nota-se, portanto, que eram poucos aqueles
10
Durante a elaboração desta pesquisa, houve a necessidade de se recorrer a estudos de viés sócio-
antropológico, como o de Janice Perlman (1977), antropóloga americana que, durante o mesmo
contexto a que se refere este trabalho, desenvolveu pesquisas sobre 3 favelas metropolitanas do Rio
de Janeiro. Para esse estudo, foram entrevistadas 250 pessoas, de idade entre 16 a 35 anos,
habitantes desses locais, entre o biênio de 1968–69.
14
que estavam realmente dispostos a assumir riscos extremos ou a acalentar ilusões
ideológicas.
Além daqueles que se eximiam das discussões políticas, outros não viam
motivos suficientes para se opor ao sistema vigente. Isso pode ser identificado nas
falas de alguns indivíduos entrevistados, que lembram do governo da década de
1970 com certo saudosismo. De acordo com o entrevistado 9
11
:
Os mais velhos são saudosistas porque estes passeavam onde
queriam, as casas não possuíam grades, a roupa dormia no varal. Se
torturavam não sei, mas tínhamos tudo e havia tranqüilidade. A
ditadura não é boa, mas hoje temos tecnologias fabulosas e não
somos felizes, saímos com medo e voltamos com medo, nos
protegemos de todas as formas.
Além de boa parte da população não fazer objeções ao regime militar, houve
ainda aqueles que o apoiaram, questão crucial para a projeção de suas idéias-base.
Ainda que se considere todo o movimento de resistência ao regime político
em questão – mobilizado por intelectuais e outras diligências da oposição política – o
Estado de Exceção brasileiro tornou-se possível pelo consentimento de uma massa.
Esse conjunto de pessoas, conforme bem caracteriza Arendt (2004, p. 36), não
compõe uma organização de mesmo objetivo, seja pelo seu número ou pela sua
indiferença. Como explica a autora, potencialmente, as massas existem em qualquer
país e constituem a maioria das pessoas neutras e politicamente indiferentes, que
nunca se filiam a um partido, um sindicato ou qualquer tipo de organização que lhes
exija uma atitude política.
Diante dessa massa de indivíduos desmobilizados politicamente, a educação
e, mais propriamente, o ambiente escolar foram compreendidos, pelos militares,
como importantes meios de controle social, visto que por meio destes educavam-se
os futuros cidadãos. No ambiente escolar do período, as escolas públicas deveriam
funcionar como modelos de ordem e disciplina. Esse civismo se diferenciava do
cívico militar, até porque quem ministrava aos alunos a prática cívica eram os
próprios professores. Em consonância com esses objetivos, fazia-se o culto à
bandeira, a organização em filas para a entrada dos alunos, o uso do uniforme
11
Entrevista realizada no dia 20 de abril de 2007. O entrevistado foi militar de carreira e iniciou no
magistério na década de 1970. Hoje é diretor do Observatório Astronômico do Colégio Estadual do
Paraná.
15
escolar, etc. Dessa forma, dava-se o treinamento da obediência às regras e à
ordem, muitas vezes, compreendida pela comunidade das escolas como questão
importante de respeito, bons modos e asseio.
A propaganda e a disciplinarização escolar constituíram parte integrante da
campanha de aceitação pública de estado militar. Quando esses meios falhavam,
apelava-se para a violência física.
A violência (sobretudo a física) aplicada pelo governo à população tornou-se
mais intensa no período s-1968, principalmente com a elaboração do Ato
Institucional 5, que enrijeceu a luta dos militares contra aqueles que eram
resistentes quanto à aceitação daquele governo. Em nome da moral e dos bons
costumes, prendiam-se e matavam-se funcionários, membros influentes e pessoas
comuns contrários ao regime, fazendo com que a população se conscientizasse do
perigo que representava apoiar os grupos e partidos de oposição. Portanto, na
compreensão dos militares, para haver ordem pública, a ordem na política deveria
ser mantida.
No Brasil, esse conjunto de atitudes não-democráticas justifica-se, segundo
Alves (2005, p. 28), pela ideologia de segurança nacional ministrada na Escola
Superior de Guerra, instituição que será descrita posteriormente.
Outra característica marcante do Estado de Exceção
12
é a organização do
poder por meio de uma hierarquia “flutuante”. Essa flutuação se dava por ser comum
àquele governo a adição de novas camadas hierárquicas, mudanças de autoridades
e estabelecimento de novos centros de controle para “controlar os controladores”
(ALVES, 2005, p. 419). Esse aspecto concede àquele Estado a falsa idéia de
descentralização de poderes, pois se criou uma grande variedade de órgãos
administrativos que apoiavam o regime de governo e ajudavam a controlar aqueles
12
Para esse tipo de Estado, o fortalecimento do Poder Executivo é crucial, pois favorece a
centralização do poder e diminui as lideranças regionais. O poder Legislativo acaba sendo suprimido
e o Judiciário, por sua vez, passa a ser controlado diretamente pelo Executivo. Os procedimentos
não-democráticos para a escolha do presidente e a expansão burocrática do governo central o,
apesar de tudo, sujeitos a um sistema de contrapesos. Por um lado, a racionalidade formal exige o
fortalecimento de um corpo burocrático de técnicos, especialmente no campo econômico; por outro
lado, esse regime expressa a vontade política das forças armadas como instituição. Dessa maneira, o
Executivo depende da burocracia tecnocrática e do único partido real, as forças armadas. É relevante
destacar que nessa relação o conflito é aparente, pois os militares possuem o poder de veto nas
grandes decisões, sendo a mais importante a sucessão presidencial, mas eles não são
necessariamente envolvidos na tomada de decisões com relação à economia ou outras questões
importantes. Por esse motivo, surgem problemas com relação ao funcionamento desses regimes que
levam a choques entre o executivo e as forças armadas (CARDOSO, 1982, p.42).
16
que se afastavam dos contornos objetivados pelo regime.
Codato (1999), autor que discute os diferentes desenhos institucionais da
política econômica no Brasil pós-1964, afirma que essa estrutura burocrática foi
utilizada como instrumento para afastar ou disciplinar a influência das disputas
políticas entre frações e grupos presentes no interior do processo decisório. O órgão
decisório que se destacou neste período foi o Conselho de Desenvolvimento
Econômico (CDE), que tinha poder de operar sobre as decisões mais importantes.
Essa concentração burocrática e centralizada do poder permitiu uma
integração vertical entre as estruturas do Estado e seus aparelhos administrativos,
dando a idéia da existência de uma estrutura coesa e harmônica. Ou seja, as
decisões vinham de cima para baixo. Apesar dos diversos órgãos auxiliares, as
decisões mais importantes ficavam sob responsabilidade de um único órgão, o CDE,
o qual possuía dispositivos que garantiam a coesão entre os departamentos, de
modo que nenhum se sobressaísse perante o outro.
Essa burocratização também foi estabelecida no setor educativo, o qual foi
subdividido em diversas secretarias, que fica evidente no relato do entrevistado 8
13
:
Com a implementação da lei 5692, começou também uma
burocratização muito grande na educação. Para um processo,
deveria passar por diversos departamentos para confiabilidade, antes
era simples, você se dirigia a um único departamento.
A credulidade dos simpatizantes desse sistema foi a força motriz para a
divulgação e reprodução da ideologia que embasa o Estado de Exceção estudado.
Além da violência e da propaganda, esse regime tomou como base uma das teorias
econômicas mais pujantes da época, qual seja, a Teoria do Capital Humano (TCH),
que será discutida no item posterior.
Antes de abordá-la, contudo, cabe ressaltar que os elementos ideológicos
discutidos aqui foram difundidos entre as massas e ganharam força, até se tornarem
parte do cotidiano do indivíduo comum. A coerção passou, então, a estar
veladamente nas mensagens, nas placas, notícias, nos costumes, na fala e em
outros lugares do inconsciente coletivo.
13
Entrevista realizada em 20 de março de 2007. O entrevistado, na década de 1970, lecionava em
São Mateus do Sul, como professor de biologia. No final dessa década, veio a Curitiba trabalhar no
Colégio Estadual do Paraná, como coordenador da área de biologia, função em que atua até hoje
nessa mesma Instituição.
17
1.3 A POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA
No contexto abordado no presente trabalho, o ideário desenvolvimentista foi
entendido, por parte da elite militar hegemônica, como a possibilidade da produção
de bens e riquezas em níveis capazes de atender à crescente demanda da
população brasileira. Isso, em tese, possibilitaria a superação da pobreza e do
atraso nacionais. Na década de 1950
14
, o Brasil passava por profundas
transformações sociais, cidades cresciam, assim como a industrialização e o
consumo por parte dos grupos assalariados.
No final dos anos 1950, a economia brasileira havia se modernizado.
Efetuada pelo Governo de Juscelino Kubitschek (JK), a industrialização se traduzia
pelo slogan “Crescer cinqüenta anos em cinco” (NEVES, 1997, p. 56). Esse ideal
desenvolvimentista foi consolidado num conjunto de 31 objetivos a serem
alcançados em diversos setores da economia, que se tornou conhecido como Plano
de Metas. Seus objetivos estavam divididos em seis grupos: energia (metas de 1 a
5: energia elétrica, nuclear, carvão, produção de petróleo, refinação de petróleo);
transportes (re-equipamento de estradas de ferro, construção de estradas de ferro,
pavimentação de estradas de rodagem, portos e barragens, marinha mercante,
transportes aéreos – metas de 6 a 12); alimentação (metas de 13 a 18: trigo,
armazéns e silos, frigoríficos, matadouros, mecanização da agricultura, fertilizantes);
indústrias de base (metas 19 a 29: aço, alumínio, metais não-ferrosos, cimento,
álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de ferro, indústria de veículos
motorizados, indústria de construção naval, maquinaria pesada e equipamento
elétrico); educação (meta 30); construção de Brasília (também meta 30).
Pode-se observar que havia um interesse por parte desse governo em dotar o
país de uma infra-estrutura material que atendesse aos interesses do
desenvolvimento nacional e internacional. Isso não pressupunha, como afirma
Ghiraldelli, conspiração ou “vender o Brasil” (1990, p. 164). JK tinha o objetivo de
contemplar diversos interesses de grupos sociais e políticos específicos, uma vez
14
Embora o período abordado nesta dissertação seja o da ditadura militar, entendeu-se ser
necessário retroceder um pouco no tempo, para melhor compreender sobre o desenvolvimentismo e
sua relação com as diretrizes políticas brasileiras.
18
que em seu governo criaram-se alianças com o mercado internacional. Os debates a
respeito do processo de modernização nacional suscitaram a mobilização da
sociedade civil, fato que deu origem a organizações como a Liga Camponesa, a
União Nacional dos Estudantes, as Comunidades Eclesiais de Base e os sindicatos.
No entanto, mesmo antes de JK, Getúlio Vargas fizera consideráveis
investimentos em prol do desenvolvimento do país. Além dos esforços
governamentais, grupos oriundos da mobilização social passaram a reivindicar, cada
vez mais, a implantação das reformas de base e melhorias para a população, de
uma forma geral (BENEVIDES, 1976).
Decorrente dessa trajetória, o ideário embasado pelo nacionalismo ganhou
força em 1950, momento em que se tornou tema destacado nos debates
governamentais e na sociedade civil, como menciona Neves (1997, p. 59):
Na primeira metade da década durante o governo Vargas, as
campanhas pela criação da Petrobrás e da Eletrobrás mobilizaram
diferentes segmentos sociais e partidos políticos. Tornou-se comum
empresários, operários e políticos, filiados a uma gama diferenciada
de partidos como o PTB, o PSD, o PCB e a própria UDN
15
,
manifestarem sua convicção nacionalista desenvolvimentista na
esperança de que a nação brasileira pudesse caminhar com as
próprias pernas em direção à industrialização efetiva de sua
economia.
Como centro irradiador desse pensamento, agentes intelectuais fundaram, em
julho de 1955, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)
16
. Apesar de não
apresentar homogeneidade teórica entre seus integrantes, contribuiu para a
discussão em torno do tema do desenvolvimento e nacionalismo.
15
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Socialista Democrático (PSD); Partido Comunista
Brasileiro (PCB); União Democrática Nacional (UDN).
16
O Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi criado em 14 de julho de 1955 pelo decreto nº.
57.608, por João Café Filho, que assumiu o governo após o suicídio de Getúlio Vargas. O ISEB foi
criado no Ministério da Educação e Cultura e diretamente subordinado ao Ministro do Estado. O ISEB
compunha-se de três órgãos: o Conselho Consultivo, o Conselho Curador e a Diretoria Executiva. O
Diretor Executivo era Roland Corbisier. Faziam parte do Conselho Curador: Anísio Teixeira, Ernesto
Luiz de Oliveira Júnior, Hélio Burgos Cabal, Hélio Jaguaribe, José Augusto de Macedo Soares,
Nelson Werneck Sodré, Roberto de Oliveira Campos e Roland Corbisier. De 1955 a 1964, o ISEB
apresentou constantemente mudanças no seu pensamento. Logo na sua criação, seu movimento era
de direita, mas nos últimos anos de sua existência, permaneceram apenas Álvaro Vieira Pinto e
Nelson Werneck Sodré, que tinham os direcionamentos. Pode-se dizer que a orientação teórica e
política da instituição passou para outras mãos. Muitos dos seus novos componentes eram jovens
professores e líderes do movimento estudantil. Foram eles os responsáveis pelas novas direções que
assumiu o ISEB, as quais se traduziram numa crescente “esquerdização”, particularmente nos últimos
meses do governo João Goulart (TOLEDO, 1978, p. 184–185; 190–191).
19
Além do ISEB, também foi estabelecida, em finais da década de 1940, a
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
(CEPAL)
17
,
que recomendava
muitos projetos de infra-estrutura, pois eram necessárias redes de energia,
transportes, matérias-primas minerais e até mesmo pessoal especializado no
manuseio de máquinas. Essas condições para o desenvolvimento da indústria
deveriam ajudar a superar o atraso e alguns dos impedimentos para o processo de
industrialização associados aos anseios da população em geral.
Houve ainda outros movimentos, tais como o do Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB) e o do Partido Comunista Brasileiro (PCB), responsáveis pela criação do
Comando Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGT), que lutou pela
superação do subdesenvolvimento e das desigualdades sociais e
regionais, desenvolvimento industrial do país, controle da economia
pelo capital nacional público ou privado, reformas de base, controle
das remessas de lucro, democratização da política – entendida como
extensão do direito ao voto dos analfabetos reforma da CLT,
extinguindo-se o controle dos sindicatos pelo Ministério do Trabalho
e implementação de programas efetivos de alfabetização de
adultos e crianças (NEVES, 1997, p.66).
Outro movimento de destaque na cena apontada deu-se em 1962, com a
mobilização de diversas organizações sob a liderança de Leonel Brizola. A Frente de
Mobilização Popular, como se chamou o movimento, contou com a participação do
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), do Pacto de Unidade e Ação (PUA), da
União Nacional dos Estudantes (UNE), da União Brasileira dos Estudantes
Secundários (UBES). Além disso, integrantes da Frente Parlamentar Nacionalista e
membros de entidades camponesas e femininas também integraram a FMP. A
Frente foi fechada pelos militares após o golpe de estado (OLIVEIRA, 2004, p. 304).
No entanto, esse conjunto de forças populares dava-se contra as diretrizes
desenvolvimentistas estipuladas para a economia brasileira. Tais diretrizes eram
defendidas por uma força política bastante consolidada no cenário brasileiro,
17
Os autores cepalinos (Celso Furtado, Maria Conceição Tavares, Fernando H. Cardoso, Carlos
Lessa, Antônio Barros de Castro e José Serra) desenvolveram uma estrutura conceitual própria que
deu suporte e legitimidade às propostas de política econômica. O pensamento cepalino era o de que
somente a industrialização poderia dar origem a um círculo virtuoso de crescimento da produtividade,
do emprego e da renda. A diversificação industrial constituiria o principal meio através do qual seria
possível a reversão dos efeitos negativos da especialização primário-exportadora na América Latina.
Para maiores informações a respeito desse assunto, ver Vitagliano (2004).
20
constituída basicamente por alguns latifundiários, empresários e outros membros da
elite. Tinha como premissa “construir um Poder Nacional que fizesse do Brasil uma
potência ouvida no concerto dos fortes e respeitada naquele dos fracos. Seus
objetivos eram carrear recursos externos para fortalecer o Poder Nacional”
(VIZENTINI, 1998, p. 31). Essa elite visava expandir o mercado interno para fazer
concorrência ao mercado externo (COLLIER, 1982, p.34).
Passada a década de 1950, marcada pela interlocução entre o ISEB e o
grupo pró-desenvolvimentismo brasileiro, o período seguinte teve como porta-voz da
ideologia governamental a Escola Superior de Guerra
18
. Considerava a existência de
quatro formas de poder: a política, a econômica, a militar e a psicossocial.
De acordo com Rezende (2001), a ESG buscava ganhar essa aceitabilidade,
afirmando a urgência de se lutar contra o desregramento dos costumes e o
desrespeito aos valores mantenedores das instituições sicas da sociedade e da
democracia. Para a autora:
Era visível que o regime objetivava travar uma verdadeira batalha de
doutrinação para convencer a população de que os seus métodos,
ações, medidas, objetivos e desígnios se consubstanciavam com os
anseios da grande maioria da população. O denominado Plano de
Ação Psicológica (denominado também de plano de Ação
Democrática) da ESG pretendia, então, ser um dos principais
subsídios na busca de legitimidade para o regime vigente (Ibidem, p.
44).
A ditadura, segundo os porta-vozes da ESG, conseguiria corrigir os desvios
de bitos e de comportamentos que fossem surgindo no transcorrer da vigência do
governo militar. Com tal instituição e as medidas implementadas por ela, torna-se
claro o intento de disciplinar o movimento da população e dar mais autonomia às
elites para a tomada de decisão, uma vez que o objetivo de parte dos militares era o
18
Pela lei n. 785, de 20 de agosto de 1949, foi criada a Escola Superior de Guerra, um instituto de
altos estudos subordinado diretamente ao Ministro da Defesa e destinado a desenvolver e consolidar
os conhecimentos necessários para o exercício das funções de assessoramento e direção superior e
para o Planejamento da Segurança Nacional, que deveria funcionar como centro permanente de
estudos e pesquisas, ministrando cursos que fossem instituídos pelo Poder Executivo. A escola foi
idealizada, em princípio, para ministrar o curso de Alto Comando apenas para militares; entretanto,
terminou sendo organizada para receber também civis, sendo criado o Curso Superior de Guerra
(CSG). O curso destinado exclusivamente para militares começou a funcionar em 1954 (REZENDE,
2001, p.48).
21
de transformar o Brasil em uma potência de visibilidade nacional e internacional,
pois, como afirma Rezende (2001, p. 29), “jamais existiu um governo baseado
exclusivamente nos meios de violência. Mesmo o mandante totalitário, cujo maior
instrumento de domínio é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia secreta
e sua rede de informantes”.
Tanto a ESG como o sistema de governo que buscou legitimar estiveram
diante do desafio de encontrar meios de aceitação, o que não se deu,
exclusivamente, por vias democráticas. Um dos objetivos da ESG era o de rechaçar
qualquer sinal de revolta contra a ordem estabelecida. Mantendo a população sob
controle, os militares pretendiam voltar suas atenções para o crescimento nacional e
internacional. Segundo as palavras de Vizentini (1998, p. 313):
O regime militar propôs-se e cumpriu dois aspectos básicos: construir
um moderno capitalismo industrial e conter o movimento popular.
Quanto ao primeiro aspecto, é preciso considerar que os militares
deixaram o Brasil na posição de único país ao sul do Equador dotado
de um completo e diversificado parque industrial, ao contrário de
seus congêneres do Cone Sul, que industrializaram seus países.
Neste sentido, é preciso reconhecer que o regime manteve um
projeto de desenvolvimento e a perspectiva de projeto nacional.
De forma a atingir o desenvolvimento almejado, instituiu-se uma política
nacional baseada no projeto de internacionalização de capital, de financiamento de
dívidas públicas e privadas com a entrada de capital multinacional, objetivando a
expansão nacional no mercado.
À frente desse processo estavam os atores centrais da coalizão dominante:
os tecnocratas de “alto nível”, como militares e civis que trabalhavam em associação
íntima com o capital estrangeiro. Essa elite procurou eliminar a competição eleitoral
e controlar severamente a participação política do setor popular. Nessa época,
portanto, tem-se a política pública extremamente voltada a promover a
industrialização avançada (COLLIER, 1982, p. 32).
Entre 1970 a 1973, sob o comando do Ministro da Fazenda, Delfim Neto, a
economia cresceu em torno de 10% ao ano, fenômeno que ficou conhecido como
“Milagre Brasileiro”. Os governos anteriores haviam propiciado uma estrutura para tal
crescimento, especialmente no governo de Costa e Silva, em que se consolidou o
tripé econômico:
22
As empresas estatais encarregavam-se da infra-estrutura, energia e
das indústrias de bens de capital (aço, máquinas-ferramenta); as
transnacionais produziam os bens de consumo duráveis (automóveis
e eletrodomésticos); e o capital privado nacional voltava-se para a
produção de insumos (autopeças) e bens de consumo popular. A
indústria automobilística tornou-se o setor mais dinâmico da
economia, atingindo uma produção anual de um milhão de unidades.
Longe de gerar rivalidade, o tripé estabelecia uma divisão de trabalho
e, uma vez que o crescimento econômico era expressivo, havia lugar
para todos (VIZENTINI, 1998, p. 133).
Nesse período, surgiu uma nova classe de cnicos e profissionais liberais
ligados ao Milagre. Além de outros desdobramentos, esse fenômeno gerou certa
“euforia econômica”, movimentando esse setor e propiciando o acúmulo de renda
por alguns setores da população. No entanto, sabe-se que boa parte desta sofria
redução do nível salarial, enquanto outra ascendia socialmente. Perlman (1977),
como uma antropóloga, descreveu alguns dados sobre as condições sociais em que
vivia a maior parte da população brasileira. Na época, afirma existir cerca de 20 a 30
mil favelas, das quais 300 estavam exclusivamente na cidade do Rio de Janeiro
(PERLMAN, 1977, p. 40).
Esses dados, para as autoridades, representavam um grande problema social
que deveria ser sanado a todo custo, afinal, favelas eram “consideradas
aglomerações patológicas, comunidades em busca de superação, ou, ainda, uma
calamidade inevitável (Ibidem, 1977, p. 42)”
19
. Nessas comunidades, 31% dos
indivíduos eram analfabetos e 99,8% não haviam cursado o segundo grau, o que
corresponde à proporção de uma pessoa formada para cada 500 (ibidem, p. 187).
Como pode se supor, com relação à empregabilidade, apenas 35% dessa
população era registrada e recebia salário mensalmente, fato que leva a
compreender a conclusão de Perlman, para quem o surto de desenvolvimento
propulsório aliado à industrialização não atingiu efeitos sociais eficazes. Com
relação à taxa de urbanização ao longo da década imediatamente posterior à do
governo Kubitschek, 62% da força adicional de trabalho que chegou às cidades
permaneceu desempregada. Cerca de “600 mil empregaram-se na indústria e 2,9
em serviços, enquanto o restante, 5,7 milhões, encontrava-se ‘inativo’” (Ibidem, p.
33).
19
Esses dados, conforme aponta a autora, foram extraídos pela própria, em uma conferência informal
de urbanistas, arquitetos e planejadores com experiência em reurbanização de locais de invasão,
realizada em 1969.
23
Esse quadro gerou grandes diferenças sociais e motivou as autoridades
governamentais a buscar o desenvolvimento do país, a geração de riquezas e a
consolidação de um forte mercado consumidor. Medidas para promover o
desenvolvimento econômico “às pressas” foram elaboradas, em 1950, por órgãos
como a CEPAL e o Banco Mundial, desejosos do desenvolvimento social aliado às
medidas destinadas a apressar os índices de acumulação de capital (PEARLMAN,
1977, p. 157). Tais medidas proporcionaram um enorme êxodo rural, ocorrido ao
longo de toda a cada de 1960, tendo em vista que, de cada cinco brasileiros, um
migrava para o centro urbano que lhe era mais próximo (Ibidem, p. 31).
No que diz respeito à distribuição de renda, a industrialização do Brasil não
atingiu as metas pretendidas pelas autoridades. Mas não se pode negar a evolução
tecnológica, a ampliação do consumo da população, o aumento nos índices de
educação, a criação de infra-estrutura moderna, entre outras conquistas que foram
realizadas com extrema velocidade, porém concentradas e desiguais (VIZENTINI,
1998, p. 146).
A política externa do regime militar ansiava a noção de Projeto Nacional, que
buscava elevar a posição do Brasil no cenário internacional através da
industrialização do país e de sua transformação numa potência média. Esse objetivo
permeou o ideário de quase todos os militares do período, seja pelas vias do
desenvolvimento dependente-associado ou do desenvolvimento independente.
1.3.1 Paraná e Desenvolvimentismo
Ao longo da década de 1960, a situação administrativa no Paraná passou por
problemas econômicos. O Banco do Estado, cujos títulos protestados eram
inúmeros, devia 2,5 bilhões de cruzeiros
20
à Caixa de Mobilização Bancária
(CAMOB) e ao Banco do Brasil. Na época, essa instituição estava sob intervenção
de dois órgãos: a Superintendência da Moeda e do Crédito o atual Banco Central
(Sumoc) – e a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel). Esta companhia,
por sua vez, devia 100 milhões de cruzeiros e acumulava um déficit mensal de
outros 10 milhões (REBELO, 2004, p. 97).
20
Moeda brasileira que vigorou entre os anos de 1960 e meados de 1980.
24
O Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE) tinha débitos na casa de
500 milhões. Por outro lado, o Estado não dispunha de infra-estrutura competitiva
para atrair empreendimentos industriais e nem sequer fazer fluir rapidamente as
colheitas agrícolas. Não havia estradas pavimentadas ligando o Norte produtivo ao
Porto de Paranaguá, tradicional escoadouro das exportações paranaenses.
Frente a esses e outros problemas, acreditava-se na necessidade de
propulsionar o crescimento econômico do Estado, colocando as finanças em dia e
reposicionando o Banco do Estado em condições de operar normalmente. Além
disso, pretendia-se garantir à Copel ferramentas para implementação da estrutura
de energia satisfatória para a crescente população. Outro desafio, talvez ainda mais
complexo, era implantar um programa de planejamento de infra-estrutura,
possibilitando a integração geográfica do Estado.
Segundo Ratto (1994, p. 33), a década de 1960 foi “palco do estímulo a uma
nova ‘vocação’ paranaense: à ‘vocação industrial’ são criados mecanismos efetivos
de apoio à industrialização, obviamente sem descuidar dos incentivos à produção
agrícola, ainda o principal motor da economia estadual, apesar de estar em curso à
inversão dessa relação”.
Diante desse quadro, o ideário desenvolvimentista perpassou quase todas as
reformas do governo paranaense. No discurso de posse de Ney Braga como
Governador, proferido no dia 31 de janeiro de 1961, foram apontadas as idéias de
base desenvolvimentista. Abaixo, algumas palavras de Braga, pronunciadas naquela
ocasião, exemplificam o ideário que também perpassou o ambiente da política local:
Colocaremos a máquina administrativa em condições de atuar com a
maior produtividade possível num programa de desenvolvimento que
propicie ao Estado a fixação de suas riquezas, o que ajudará ainda
mais o Brasil e possibilitará a elevação do nível de vida do povo
paranaense. (...) Uma das etapas do nosso programa procurará criar
condições necessárias para dar estabilidade à nossa economia e
reduzir a fuga de recursos que aqui deviam ser aplicados. Um
Paraná industrializado, cuja estabilidade econômica garanta a
agricultura, será possível desde que se prepare, com urgência, a sua
infra-estrutura econômica nos setores de energia elétrica e
transportes (Ney Braga, apud REBELO, 2004, p. 101).
A formulação do modelo paranaense de desenvolvimento, no início da década
de 1960, teve como pressuposto a criação de uma política industrial cuja principal
meta era a substituição das importações. Esse projeto de desenvolvimento ganhou
25
adeptos e simpatizantes que buscavam estar em consonância com as idéias
nacionalistas e de desenvolvimento socioeconômico que se davam ao longo do
território nacional.
Na década de 1970, os governos Parigot de Souza (1971–1973), Emílio
Gomes (1973–1975) e Jayme Canet nior (1975–1979) deram continuidade ao
processo de entrosamento do Estado com a iniciativa privada, fato que possibilitou o
investimento na modernização do setor agropecuário e diversificou sua produção.
Nessa época, também se deu o estabelecimento da Cidade Industrial de Curitiba
(CIC), da refinaria de Petróleo em Araucária e de um programa de atração de
indústrias em todo o Paraná. Decorrente desse quadro, foi possível a
implementação de reformas, de melhorias e de construção de redes de transporte,
bem como de saneamento sico e de energia elétrica (IMPRENSA OFICIAL:
DEAP, 2002, p. 21–22).
Todas essas medidas estavam previstas pelo Sistema de Planejamento,
Orçamento e Modernização Administrativa do Paraná, na política governamental de
Ney Braga (1961–1965), cuja consolidação se deu na década de 1970, por meio de
convênios com instituições federais. Para tanto, exerceram papel fundamental de
atuação político-administrativa órgãos como os que visaram à ordenação do
crescimento urbano de Curitiba, tais como a Coordenação da Região Metropolitana
de Curitiba (COMEC) e de órgãos adjacentes, tais como a Coordenação de
Planejamento Estadual. Esta, criada no âmbito da referida COMEC, teve
participativa atuação ao longo desse processo de modernização, planejamento
político-administrativo e social do aparelho governamental do Paraná. Entre outras
medidas, essa coordenação realizou o Diagnóstico da Ação Administrativa do
Estado, realizado em 1972, que propôs um esquema de ação corretiva da estrutura
organizacional do Poder Executivo estadual, que conferiu à administração pública do
Paraná o aspecto de sistema. Além disso, todas as Secretarias de Estado existentes
receberam nova denominação e foram criadas mais quatro novas: a Secretaria do
Planejamento, a da Administração, a da Indústria e Comércio e, por fim, a de
Recursos Humanos (Ibidem, 2002, p. 27).
Vale destacar a atuação, na mesma época, do Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), como instrumento de suporte
técnico, de pesquisa e de análises da sociedade e da economia estadual, cujo
26
principal propósito era oferecer diretrizes para a elaboração de políticas públicas de
desenvolvimento do Estado (Idem).
Nessa mesma época, investiu-se em um Programa para Capacitação de
Pessoal em Planejamento, pois o Estado não dispunha de recursos humanos
preparados, com noções gerais de planejamento e orçamento para consolidar as
mudanças administrativas.
É interessante observar que as diretrizes do aparelho administrativo do
Estado do Paraná indicavam a preocupação de seus dirigentes em manter estreitos
os laços com os presidentes da República, ao longo das décadas de 1960 e 1970.
Pode-se conjecturar que o apoio das autoridades estaduais ao governo federal
refletia, possivelmente, interesses particulares, com o intuito de angariar recursos
financeiros para o crescimento da economia do Estado. Outro motivo para essa
amistosidade na relação entre governadores e presidentes pode ser a nomeação de
cargos políticos, processo que, desde 1966, passou a ser feito por indicações da alta
cúpula de militares que regiam o governo da República da época. Os presidentes
indicados ficaram conhecidos como “biônicos”.
De acordo com o entrevistado 1, membro da SEED
21
, devido ao regime
ditatorial, colocavam-se, para assumir cargos de evidência da área educacional,
parentes, amigos, esposas dos militares, pelo processo da indicação. Essas
pessoas recebiam informações diretas a respeito do modo de proceder perante as
diretrizes instauradas pelo regime e de como manter vigente a ideologia que
embasava todo aquele regime político. As palavras de Parigot de Souza
22
(1972, p.
XV) deixam claro o estabelecimento de fortes laços entre autoridades estaduais e
nacionais:
Desde nossa posse no Governo do Estado, temos reiterado o
propósito de mantermos a atividade governamental em termos de
absoluto entrosamento com os órgãos da União. Os primeiros frutos
desse comportamento estão sendo colhidos, sob o testemunho de
21
Entrevista realizada em 20 de setembro de 2006. O entrevistado hoje faz parte do Conselho
Estadual de Educação. No período de 1970 trabalhou na Secretaria de Educação do Paraná e no
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, que prestava assistência técnica a pesquisa
de implementação do ensino de grau no Paraná. Como fruto desse trabalho, em dezembro de
1974, publicaram o documento intitulado: Avaliação da Implementação da Reforma do Ensino de
grau nos Municípios-Pilotos do Estado do Paraná.
22
Pedro Viriato Parigot de Souza foi governador paranaense no período de 23 de novembro de 1971
a 11 de julho de 1973.
27
todo o Paraná, nas sucessivas visitas ministeriais com que temos
sido honrados. O sucesso de nossa ação, com base na filosofia
revolucionária que adotamos e nos propósitos comuns que unem os
governantes do Paraná aos do país, sob a liderança serena e firme
do Presidente Emilio Garrastazu Médici, fica na dependência do
apoio e da união das diferentes esferas do Poder Público Estadual,
responsáveis, tanto quanto nós, pelos resultados dos esforços e do
trabalho a que nos propusemos.
Nesse sentido, pode-se vislumbrar como se constituíram aquelas relações
políticas. Segundo Silva (1994, p. 183), inerente a essa teia de relações, “é a
existência de regras pelas e nas quais se estabelecem essas relações”.
Bourdieu (1990), para melhor explicitar essas relações de poder, compara-as
com um jogo, cujas regras não são explícitas, mas o compreensíveis para os
agentes que dele participam, a partir da noção de habitus:
[...] não se deve colocar o problema em termos de espontaneidade e
coação, liberdade e necessidade, indivíduo e social. O habitus como
sentido do jogo é jogo social incorporado, transformado em natureza.
Nada é simultaneamente mais livre e mais coagido do que a ação do
bom jogador. [...] O habitus como social inscrito no corpo, no
indivíduo biológico, permite produzir a infinidade de atos de jogo que
estão inscritos no jogo em estado de possibilidades e de exigências
objetivas; as coações e as exigências do jogo, ainda que o
estejam reunidas num código de regras, impõem-se àqueles que, por
terem o sentido do jogo, isto é, o senso da necessidade imanente do
jogo, estão preparados para percebê-las e realizá-las. [...] E as
regularidades que se podem observar, graças à estatística, são
produto agregado de ações individuais orientadas pelas mesmas
coações objetivas (as necessidades inscritas na estrutura do jogo ou
parcialmente objetivas em regras) ou incorporadas (o sentido do
jogo, ele próprio distribuído de modo desigual, porque em toda parte,
em todos os grupos, existem graus de excelência) (p. 82–83).
Nessas relações de poder, embora os objetivos não sejam declarados, até
porque cada qual luta também segundo interesses próprios, as relações ficam
subentendidas e veladas no modelo do entendimento mútuo.
1.4 TEORIA DO CAPITAL HUMANO E EDUCAÇÃO
No Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek, a educação, apesar de
permear seu programa político de desenvolvimento, aparecia timidamente: era
apenas uma, entre as 31 metas estabelecidas. Entretanto, após 1964, foi vista como
28
aspecto imprescindível para a formação dos cidadãos brasileiros.
Uma das teorias norteadoras da educação brasileira desse período foi
elaborada por um grupo de norte-americanos, em 1950, coordenados por Theodore
W. Schultz. A Teoria do Capital Humano (TCH), como ficou conhecida, buscava
explicar os principais motivos para as variações de níveis de desenvolvimento
socioeconômico entre os países.
De acordo com os princípios de Schultz, a relação dada entre qualificação,
força de trabalho e crescimento econômico é direta, na medida em que a aquisição
de conhecimentos levaria ao aumento de produtividade, à elevação de renda do
trabalhador e, conseqüentemente, ao desenvolvimento da sociedade como um todo.
Portanto, segundo essa teoria, devido à aquisição de conhecimento, os indivíduos
podiam se tornar detentores de capacidades economicamente valiosas, ou seja, de
know-how. Quanto maior a formação do trabalhador, mais elevada seria sua
habilidade cognitiva e produtiva. A fusão do conhecimento com a capacidade de
produção, portanto, constituir-se-ia numa importante alternativa para a ampliação
das taxas de lucro do capital nacional.
Como medida para capacitar os trabalhadores, investiu-se consideravelmente
em pesquisas
23
que favorecessem, por exemplo, a adoção de uma técnica mais
apropriada, por exemplo, para a lavoura. Considerava-se que tal investimento
pudesse ser tão profícuo quanto o que se costumava aplicar no capital físico, isto é,
no rendimento da terra e outros fatores da produção.
Schultz (1973) defende a tese de que essas duas classes de investimento, o
homem (capital humano)
24
e a pesquisa, têm extrema importância no sistema
econômico. O conhecimento e a capacidade produtiva são produtos de investimento
que, combinados com outros, haviam possibilitado a superioridade produtiva de
alguns países desenvolvidos. Seguindo essa lógica, as autoridades governamentais
consideraram o investimento no fator humano um dos determinantes sicos para o
aumento da produtividade e para a superação do atraso econômico nacional.
Parcelas importantes dos gastos com consumo pessoal passaram a ser vistas como
23
Schultz (1973) define a pesquisa como uma atividade especializada que exige capacitações
especiais para descobrir e desenvolver formas especiais de uma nova informação.
24
Para Schultz (1973), muito daquilo a que damos o nome de consumo constitui investimento em
capital humano. Os gastos diretos com educação, com saúde e com a migração interna para a
consecução de vantagens oferecidas por melhores empregos são exemplos claros dessa idéia.
29
sinônimo de investimento em capital humano
25
.
A adaptação da TCH pela política educacional brasileira não foi bem vista por
muitos estudiosos, tais como Ghiraldelli (1990) e Romanelli (1986). Ressaltam que,
nos anos 1970, a influência da TCH refletiu-se, particularmente, nas instituições de
formação profissional, que passaram a defender investimentos em qualificação da
mão-de-obra e aumento da renda individual e social. Em decorrência dessa idéia, os
autores alegam terem surgido leis como a 5.692/71.
É notório que parte dessa tese é confirmada pelas ações na área educacional
que se deram na época, buscando atingir a maneira mais racional de conferir um
número determinado de diplomas em determinadas áreas ou profissões que
atendessem às projeções de demanda do mercado que crescia. Neste, recrutavam-
se pessoas diplomadas, valorizando particularmente os atestados de conclusão de
curso, o que levou as instituições de formação profissional a adequarem suas
atividades às novas tendências educacionais e mercadológicas.
Nesse mesmo sentido, Kuenzer (1992) afirma que as propostas educacionais
do ensino de 2º grau pela lei 5.692/71 sublinhavam a valorização e a promoção
social do trabalhador pela via da qualificação profissional. A nova concepção de
educação propulsionou práticas de integração escola/empresa como necessidade
de qualificar recursos humanos. Tais medidas tratavam de imprimir racionalidade ao
investimento em educação, propondo uma correta aplicação de recursos, ao mesmo
tempo em que asseguravam uma população educada de acordo com as demandas
sociais e econômicas. Por isso, no Brasil, a TCH encontrou terreno rtil e ampla
difusão no período chamado de "milagre econômico" (ibidem, p. 44).
Para os teóricos críticos da tendência desenvolvimentista que inspirou as
diretrizes educacionais do período, esse discurso apontava a baixa produtividade e a
inadequação da proposta educacional em relação ao momento histórico que o país
25
Para Rodrigues (1982), são três capitais fundamentais: 1) Capital físico composto de máquinas e
prédios que as abriguem, energia, combustível, matéria-prima, crédito, etc. 2) Capital social que
compreende as estradas de rodagem e de ferro, navios, portos, armazéns e silos, hospitais e serviços
de saúde pública, sistema educacional, etc. 3) Capital humano ou seja, o potencial humano para o
trabalho. São esses os três esteios sobre os quais se edifica a sociedade moderna, industrializada e
de consumo, condição necessária e suficiente para a construção e realização do bem-estar geral. A
participação igualitária dos três componentes se torna fator indispensável ao desenvolvimento
harmônico da construção social. Os países que têm êxito em seus planos de rápido desenvolvimento
são aqueles que conseguem acumular capital físico, social e humano em elevadas taxas de
velocidade e utilizá-los com alta prioridade em atividades produtivas.
30
vivia, principalmente no que diz respeito às necessidades do mercado de trabalho,
em função das metas de desenvolvimento econômico acelerado e desmobilização
política. A maioria dos cursos foi acusada pelo seu caráter excessivamente
acadêmico, que não preparava os indivíduos para o exercício das funções
produtivas.
Dessa forma, o desenvolvimento com segurança exigia:
Aumento da produtividade do sistema de ensino, pela via da
racionalização, como forma de resposta à sua proclamada ineficácia.
Com esta intenção, reformulou-se todo o sistema de ensino, através
das leis 5.540/68 (ensino superior) e 5692/71 (ensino de e
graus). A educação passou a ser concebida como instrumento capaz
de promover, sem contradição, o desenvolvimento econômico pela
qualificação da força de trabalho, do que decorreria a maximização
da produção e a redistribuição de renda ao mesmo tempo, a
educação foi vista como fator de desenvolvimento da “consciência
política” indispensável à manutenção do Estado. Assim concebida, a
educação seria fator de crescimento econômico e de segurança, à
medida que impediria a eclosão dos antagonismos decorrentes do
modelo adotado (KUENZER, 1992, p. 42).
Cientes da importância da educação e da necessidade de combater a
ineficiência do sistema de ensino, reforçaram-se as propostas de planejamento
educacional voltadas para a lógica mercadológica acima descrita. Nesse caso, a
educação foi concebida como ferramenta fundamental do processo de
desenvolvimento: capital externo aliado à concomitante inovação tecnológica levaria
à maior produtividade, que, por sua vez, propiciaria maior investimento,
possibilitando o aumento da oferta de empregos e a incorporação do maior número
de cidadãos ao mercado. Isso quebraria o “círculo vicioso” da pobreza, próprio de
países subdesenvolvidos (COVRE, 1983, p. 196).
Segundo esse plano, a educação agiria como uma ideologia de bem-estar,
tornando possíveis tanto a formação de recursos humanos quanto o progresso
econômico. Representa, ao mesmo tempo, instrumento e agente do
desenvolvimento.
Os autores Romanelli (1986), Ghiraldelli (1990) e Kuenzer (1992), apesar de
suas diferenças teóricas no que se refere às reformas educacionais do período,
apresentam similaridades no sentido de afirmarem que essas mudanças ocorreram
31
por interesses exclusivamente mercadológicos.
Pela análise do período e dos documentos estudados, verificou-se que
reformas educacionais desse período não devem ser compreendidas apenas sob a
perspectiva dos autores citados, pois também foram conseqüências de
reivindicações da população em geral.
Essa afirmação fica clara no depoimento do entrevistado 2, membro da
SEED
26
:
[...] quando houve a lei que era uma antiga reivindicação inclusive
dos educadores, de que se houvesse uma extensão maior do ensino
fundamental como obrigatório a todos os brasileiros, mas nós
tínhamos não digo surpreendidos, porque já havia esse movimento
de reivindicação.
1.5 VOZES DA RESISTÊNCIA
Apesar de o período ser marcado por uma ditadura, é possível verificar que
havia grupos de resistência, ou seja, pessoas que não compactuavam com o regime
instaurado e resistiam contra as ações praticadas pelo governo militar em questão.
Estes resistentes faziam declarações de protesto através de associações, livros,
poesias, folhetins e músicas, entre outros recursos.
Além do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), da Igreja e do
Movimento Estudantil, setores da classe média se posicionavam
contra o regime. Entidades representativas de profissionais liberais
como a Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, a Associação
Brasileira de Imprensa/ABI, o Sindicato de Professores, o Instituto de
Arquitetos Brasileiros/IAB eram algumas das associações mais ativas
que, a partir de meados dos anos 1970, passaram a expressar
publicamente seu repúdio ao regime militar. É importante lembrar
também os movimentos de bairros e a formação das associações de
moradores, não apenas nos bairros de classe média, mas também
nas favelas e bairros populares (ARAÚJO, 2004, p. 168).
26
Entrevista realizada em 26 de setembro de 2006. O entrevistado, no ano de 1970, foi Diretor de
Ensino na Rede Municipal de Curitiba e Professor na Universidade Federal do Paraná. Algum tempo
depois foi transferido para o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba (IPUC).
32
Apesar de todos os aparatos coercivos criados para conferir a legitimidade
desejada pelo grupo político hegemônico da época, eles não foram suficientes para
deter essa pequena parte da população. Pode-se dizer, portanto, que o período
abordado aqui não foi marcado pela neutralidade política.
Apesar de todos os esforços em tentar manter um clima pacífico e de ordem
política, a historiografia brasileira tem mostrado que o eram todas as pessoas que
aderiam aos discursos sociais dos militares. Parte da população tinha a consciência
de que esse regime estava marcado por uma ditadura militar que intencionava tirar a
liberdade de expressão da população, para a manutenção de seu poder. Esse relato
fica claro na fala do entrevistado 2
27
, que sofreu a violência física praticada pelo
regime quando a propaganda ideológica não dava conta de reprimir a ação dos
indivíduos:
No final do ano de 1971, em dezembro, eu fui presa em função de
ser acusada de participar de movimentos contra a ditadura, dois
meses depois fui solta; dessa forma, a Universidade Federal do
Paraná, me demitiu sumariamente, e a Prefeitura, embora o Prefeito
tenha me mantido como Diretora da Educação até eu sair da prisão,
quando eu voltei não havia condições de continuar lá, pois eu
respondia por um cargo de confiança do Prefeito, de visibilidade,
então em comum acordo com ele, na ocasião, decidimos que eu iria
para o IPUC.
Nos estudos de Reis (2004) e na fala tecida acima a respeito do período,
nota-se que esse tipo de violência era praticado apenas contra os indivíduos que
estavam conscientes e engajados no processo político, que contestavam as ações
praticadas pelo governo.
Na imprensa livre só se permitia a divulgação de textos que coadunavam com
os princípios do regime militar. Ênio Silveira foi um daqueles que sofreu com a
repressão, por ser proprietário da editora Civilização Brasileira e filiado ao Partido
Comunista. Em 1951, assumiu aquela editora quando tinha vinte e cinco anos e
havia recentemente chegado dos Estados Unidos, onde fizera cursos sobre o campo
editorial. Silveira mobilizou uma verdadeira transformação na editora, promovendo a
alteração da linha editorial, a implementação da encadernação tipo brochura e a
27
Entrevista realizada em 26 de setembro de 2006. O entrevistado, no ano de 1970, foi Diretor de
Ensino na Rede Municipal de Curitiba e Professor na Universidade Federal do Paraná. Após sua
prisão em dezembro desse mesmo ano, foi relocado para o Instituto de Pesquisas e Planejamento
Urbano de Curitiba (IPUC).
33
utilização de gravuras nas capas e no interior das obras. Tais recursos eram, até
então, inéditos no Brasil.
Aquele jovem editor também estimulou a publicação de livros de bolso, de
baixo custo, cujos temas eram os mais variados. Dentre eles, não se excluíam os
políticos e sociais. Além disso, escritores com a envergadura de Carlos Heitor Cony
e Paulo Francis contaram com o auxílio de Silveira para suas primeiras publicações.
Com a instauração do regime militar, Ênio Silveira e outros intelectuais do
Grupo Civilização passaram a sofrer repressão política. No entanto, não se calaram
e procuraram demonstrar a contradição do discurso do regime, que buscava uma
fachada democrática, mas encobria sua prática arbitrária. A apreensão de edições
inteiras, a ameaça a livreiros, um atentado de bomba contra a editora, o incêndio
criminoso da livraria e a censura velada da falta de crédito bancário corroeram as
bases financeiras da editora Civilização Brasileira e consumiram a fortuna pessoal
de Silveira.
Com o AI-5, a repressão se intensificou, alguns colaboradores morreram,
outros sofreram perdas pessoais e as divergências internas se intensificaram. O
grupo editorial se desfez. Silveira tentou novamente, com a publicação dos
Encontros com a Civilização Brasileira, reproduzir o sucesso da Revista Civilização
Brasileira, mas o resultado o foi o esperado. O novo periódico não tinha uma
definição ideológica clara, e o ambiente político-intelectual havia se transformado.
Em 1982, Ênio Silveira vendeu 90% das ações para a editora DIFEL e Bertrand
Brasil (hoje Record), mantendo-se como diretor editorial da Civilização Brasileira e
tornando-se consultor da Bertrand (VIEIRA, 1998).
Além dessa editora, Sodré (1964) enumera vários jornais e folhetins
engajados na denúncia das atrocidades praticadas pelas forças militares. O livro O
golpe e a Ditadura Militar 40 anos depois 1964–2004, organizado por Daniel Aarão
Reis (2004), também se constitui numa rica fonte sobre as outras formas de combate
à ditadura, como a caricatura, festivais de canção, panfletos e canções, textos
jornalísticos, etc.
34
CAPÍTULO 2
PARANÁ, DITADURA MILITAR E EDUCAÇÃO
2.1 EDUCAÇÃO E DITADURA MILITAR
A tramitação da lei 4.024/61 ou Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) foi a mais longa do Poder Legislativo. Seu projeto foi remetido ao
Congresso Nacional em 1948 e recebeu sanção presidencial em dezembro de 1961.
Essa lei, distribuída em 119 artigos, teve 23 vetos presidenciais, sendo 9 oriundos
do Congresso Nacional (JUREMA,1972).
Por sua vez, a lei 5.692/71, que reformou o ensino primário e médio
28
, foi
sancionada pelo Presidente da República Emílio G. Médici, em 11 de agosto de
1971. Distribuída em 88 artigos, não sofreu um veto sequer do Poder Executivo, fato
que a fez ser sancionada por inteiro (JUREMA, 1972). Pressupõe-se que se essa lei
não sofreu veto algum, foi porque tanto o Presidente quanto o Grupo de Trabalho
(GT) que a elaborou estavam de comum acordo quanto às finalidades estabelecidas
para a educação daquele período.
O GT, composto por nove membros
29
de indicação presidencial, foi instituído
pelo decreto 66.000, de 20 de maio de 1970. Suas atividades se desenvolveram
em Brasília, no período de 15 de junho a 14 de agosto do referido ano, para atender
o prazo de 60 dias estabelecido pelo então Presidente da República. Um dos fatores
que contribuíram para que a lei tenha sido veementemente criticada pela literatura
sobre o tema é de ter sido elaborada “às pressas”, em 60 dias, por especialistas do
governo que nem sequer mantinham um contato com as dificuldades e
especificidades do cotidiano escolar brasileiro, que era altamente complexo e
heterogêneo
30
. Em comparação, pode-se citar a lei 4.024/61, que levou 13 anos
28
O ensino primário na lei 4.024/61 era composto de quatro séries anuais. O ensino médio era
compreendido por dois ciclos ginasial de quatro séries e colegial de três anos. Na lei 5.692/71
funda-se o primário e o ginásio, formando o ensino de grau (1ª–8ª série) e o grau, o antigo
colegial. Portanto, no decorrer do trabalho, utilizam-se os termos 1º e 2º graus.
29
Esse grupo de trabalho foi criado no Governo Médici, no intuito de reformar a antiga Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 4.024/64. Os membros do GT eram os seguintes: Pe. José
de Vasconcellos (Presidente), Valnir Chagas (Relator), Aderbal Jurema, Clélia de Freitas Capanema,
Eurides Brito da Silva, Geraldo Bastos da Silva, Gildásio Amado, Magda Soares Guimarães e Nise
Pires.
30
Sobre as críticas, ver: Ghiraldelli (1990, p. 98).
35
para ser aprovada.
Segundo o relatório do GT (1971, p. 130), foi organizada uma "Semana de
Educação" na Universidade de Brasília com o intuito de que os universitários
apresentassem conclusões a respeito do documento. Concomitante a isso, a
imprensa estava presente, noticiando todos os acontecimentos, para que a
população ficasse a par das discussões, viabilizando, dessa forma, novas sugestões
por parte da população. Para tanto, os seus membros tiveram a oportunidade de
ministrar palestras aos alunos da instituição, seguidas de debates, o que ajudou na
elaboração de todo o documento. No entanto, não foi encontrada ao longo da
pesquisa nenhuma fonte que indicasse a veracidade desses procedimentos de
elaboração da lei e, pelas entrevistas, percebeu-se que as discussões com relação à
formulação da lei não chegaram aos centros mais afastados de Brasília. Quando da
implementação, os professores nem ao menos sabiam o que era essa reforma.
A lei 5.692, promulgada em 1971, teve como um de seus principais objetivos
reestruturar os níveis de ensino de e graus (MARTINS, 2002). Essa autora
explica que tanto a lei referida quanto as outras no âmbito educacional brasileiro
eram entendidas não como sinônimos de uma reforma educacional imediata, mas
como instrumentos a serem utilizados no processo de reorganização da esfera como
um todo.
Tal projeto foi visto como
um atributo da própria organização que se deve buscar para dar a
escolas e sistemas escolares a capacidade de atualizar-se
constantemente, sem crises periódicas, apenas refletindo a dinâmica
do processo de escolarização em face dos seus condicionantes
internos e externos (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO,
1971, p. 131).
36
QUADRO 01: DEMONSTRATIVO DOS ARTIGOS DA LEI 5.692/71
Diretrizes Nº. de artigos
Ensino de 1º e 2º graus 16 artigos
Ensino de 1º grau 3 artigos
Ensino de 2º grau 3 artigos
Ensino Supletivo 5 artigos
Professores Especialistas 12 artigos
Financiamento 23 artigos
Disposições Gerais 7 artigos
Disposições Transitórias 17 artigos
Quanto ao ensino de 1
o
e 2
o
graus, as principais determinações legais foram
as seguintes:
1 O ensino de 1º e graus tinha por objetivo proporcionar ao educando
a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades;
2 A organização administrativa, didática e disciplinar de cada
estabelecimento de ensino seria regulada no respectivo regimento
daquela instituição, a ser aprovado pelo órgão governamental próprio
do sistema, com observância de normas fixadas pelo respectivo
Conselho de Educação;
3 Reunião de pequenos estabelecimentos em unidades mais amplas;
4 Intercomplementaridade dos estabelecimentos, a fim de aproveitar a
capacidade ociosa de uns para suprir dificuldades de outros;
5 Os currículos deveriam ter um núcleo comum, obrigatório em âmbito
nacional, e uma parte diversificada para atender às peculiaridades
locais, aos planos dos estabelecimentos e às diferenças individuais dos
alunos;
6 As habilitações profissionais poderiam ser realizadas em regime de
cooperação com as empresas;
7 O estágio não acarretaria para as empresas nenhum vínculo
empregatício; mesmo que fosse remunerado o aluno estagiário, suas
obrigações seriam apenas as especificadas no convênio feito com o
estabelecimento (parágrafo único);
8 Era obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação
Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos
37
dos estabelecimentos de 1º e 2º graus.
Especificamente para o ensino de 2
o
grau, a implementação da lei aqui
estudada também veio acompanhada por atos complementares. São pareceres que
procuram sustentar a lei, complementando seus artigos quando considerados
passíveis de errôneas interpretações. Tais pareceres foram: o do Conselho Federal
de Educação (CFE 853/71), que fixou um núcleo comum para os currículos do
ensino de e 2º graus. O cleo comum (para todo o território nacional) era
composto por disciplinas obrigatórias: Comunicação e Expressão Língua
Portuguesa; Língua Estrangeira Moderna (2º grau); Educação Artística; Educação
Física; Ciências – Matemática, Física, Química, Biologia; Programas de Saúde;
Estudos Sociais Geografia, História; O.S.P. B; Educação Moral e Cívica, sendo
que esta última ganhou acentuada importância no período da ditadura militar e tinha
como principal objetivo educar com bases filosóficas de moral e bons costumes
inspirados nos direcionamentos da Escola Superior de Guerra.
O parecer CFE 45/72 fixou os mínimos a serem exigidos em cada habilitação
profissional, como a carga horária mínima dos cursos, ou o conjunto de habilitações
afins no ensino de grau, ou seja, habilitações profissionais que se relacionavam
ao campo da aplicação e, conseqüentemente, na área da formação. o parecer
CFE 349/72 tratou especificamente da habilitação específica de grau para o
exercício do magistério. E, por fim, o parecer CEE 75/76, do Conselho Estadual de
Educação, questionava o ensino de 2º grau na lei 5.692/71, por essa não permitir ao
aluno optar por uma educação geral independente de qualquer qualificação
profissional.
Com a reformulação da lei, pretendeu-se banir a dualidade do ensino, ou seja,
fazer com que a escola não formasse apenas dois tipos de aluno: o da elite que
visava ao vestibular, e o das massas, desejoso de sua breve incorporação ao
mercado de trabalho. Para isso, foi estabelecida a profissionalização compulsória no
ensino de grau. Dessa forma, todos teriam uma única trajetória de formação, a
eminentemente técnica, que, supostamente, daria condições iguais de trabalho a
todos. Somente a partir de 18 de outubro de 1983 a lei 5.692/71 foi alterada pela lei
7.044/83, responsável por atribuir o caráter facultativo à oferta de cursos de
habilitação profissional nos estabelecimentos de ensino público.
38
No período de recém-implementação da lei 5.692/71, todos os cursos tinham
a duração de 3 anos, sendo, portanto, caracterizados como “Auxiliares”. Somente na
década de 1980 é que os cursos passaram a ter quatro anos e conceder a titulação
de “Técnico”. Por isso, nas falas dos diretores e professores, não são mencionados
os cursos técnicos, mas sim os auxiliares, cuja implantação se deu logo em seguida
à criação da lei em 1971. Os cursos técnicos começaram a se efetivar no início
da década de 1980. Abaixo, um dos entrevistados descreve a mudança ocorrida
nessa década:
Depois os cursos de três anos passaram para quatro anos, alguns
como prótese, edificações passaram para quatro anos, outros
permaneceram. Então o aluno sentiu na pele que iria ser um
profissional e que ia arranjar um bom emprego. Inclusive os
protéticos que trabalhavam em casa, todos tinham os seus
dentistas e faziam suas próteses maravilhosas. Eu adorava trabalhar
com o profissionalizante. A década de 80 foi aquela década que o
profissionalizante deslanchou (entrevistado 6).
Talvez a demora na implementação efetiva dos cursos profissionalizantes
tenha se dado devido a uma estratégia governamental com o intuito de sondar se os
cursos eram realmente viáveis ou não, até porque os cursos com duração de quatro
anos para a comunidade escolar seria uma dificuldade do processo, pois implicaria
perder um ano para o vestibular. Mas não se teve elementos que explicassem com
especificidade o porquê de os cursos técnicos terem sido implementados
primeiramente como auxiliares. Essa questão fica explícita na fala do entrevistado 7:
[Sobre o ensino técnico para] A criançada do grau, existia certa
resistência dos pais, porque ele vai sair do ensino de três anos e vai
entrar no técnico de quatro. Então ele vai perder um ano para o
vestibular. Isso foi no primeiro momento, depois, à medida que eles
foram observando que os filhos vinham e que o amadurecimento e o
crescimento era maior do que aquele do ensino médio que era o
grau até então, aí eles começaram a valorizar mais.
Nessa reforma educacional, buscou-se também o reordenamento do núcleo
comum dos currículos para todos os estabelecimentos escolares do país. Essa
medida visava garantir um mínimo de unicidade no ensino em todo o território
brasileiro. Paralelamente a essa uniformização curricular, previa-se que as escolas
também estivessem ligadas às características espeficas da comunidade/região em
39
que estavam inseridas. A parte diversificada do currículo (com características
regionais) ficou sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais da Educação
(CEE) e das Secretarias (SEED)
31
.
O núcleo curricular comum ficaria sob a responsabilidade do Conselho
Federal de Educação (CFE), que também passou a determinar o mínimo a ser
exigido em cada habilitação profissional ou conjunto de habilitações que o aluno
deveria ter.
o artigo estabelecia critérios para formação especial. De acordo com a
lei referida, o ensino profissionalizante:
a) teria o “objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o
trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no
ensino de 2º grau”;
b) seria fixada quando se destinasse à “iniciação e habilitação
profissional, em consonância com as necessidades do mercado de
trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periodicamente
renovados” (BRASIL, 1971, p. 12).
Um aspecto de destaque é a sondagem de aptidões iniciada na 6
a
série do 1
o
grau. Esse processo se dava no 1
o
. grau, momento em que o orientador escolar
investigava e inquiria seus alunos acerca de suas prováveis escolhas profissionais.
Conforme o educando apontasse suas preferências e habilidades, seria
encaminhado para o curso técnico mais adequado ao seu perfil.
É interessante notar que, de acordo com a literatura que trata do período aqui
abordado, a lei 5.692/71 para o ensino de 2º grau possuía os traços da Teoria do
Capital Humano e uma política capitalista muito forte (KUENZER, 1988). No entanto,
conforme dados levantados pelo presente trabalho, nota-se que desde 1950 a
educação, nos discursos dos governos paranaenses, representava a elevação do
coeficiente econômico, a industrialização do país e do estado do Paraná. Para tanto,
fazia-se necessário investir na educação da população (RATTO, 1994).
Mesmo que houvesse uma tendência no pensamento administrativo-
educacional brasileiro em adaptar todo o ideário embasado na TCH, comum à
época, a concepção de educação trazida pela lei 5.692/71 também correspondeu à
demanda interna da população brasileira, que partia da própria comunidade escolar,
31
Vale notar que, ainda quanto à regionalização do currículo, esta se dava de forma bastante
limitada, tendo em vista que ficava restrita à coordenação de cada escola escolher apenas uma
disciplina diferente da parte diversificada para compor sua grade curricular.
40
ou seja, dos pais, professores e alunos. Segundo o entrevistado 7:
No início, a organização do curso causou certa agitação tanto para
professores como para os pais e alunos, mas os pais sempre
gostaram da idéia do curso técnico, pois viam seus filhos iniciarem
no mercado de trabalho por meio dos estágios que no período eram
obrigatórios, que abria essa possibilidade de efetivação nas
empresas. De início a grande agitação dos professores se deu por
conta do núcleo comum em que as disciplinas foram enxugadas,
houve uma diminuição de hora/aula e ainda afirmavam que este
curso não formava nem para o vestibular, nem para o técnico. Mas,
no decorrer do tempo em que se foi organizando o currículo, os
professores perceberam que aqueles alunos do curso técnico eram
mais responsáveis, comprometidos, pois estavam no mercado de
trabalho. Sua visão de mundo era diferente daqueles da grande
maioria dos antigos cursos de educação geral, tanto é que o maior
índice de aprovação no vestibular da UFPR foi de alunos oriundos
dos cursos técnicos. Dessa forma, quando da sua extinção, muitos
professores se posicionaram contra o fechamento.
Mediante esse relato, observa-se que fazia parte do senso comum a idéia
de que a formação cnica traria importantes benefícios, primordialmente aos
extratos médios e baixos da população.
Ao contrário do que se possa pressupor, a profissionalização do ensino não
implicava necessariamente a formação de uma população de técnicos destituídos de
qualquer senso de cultura. Havia uma intenção, por parte das autoridades
governamentais, em dar a esse ensino um caráter humanístico. O presidente Médici,
em mensagem ao Congresso Nacional (1974), revelava o cuidado de não destituir o
processo de ensino-aprendizagem das escolas do país da atividade propriamente
reflexiva e construtiva.
Segundo o discurso de Médici (1974):
Em 1970, preparam-se as linhas mestras de uma política nacional no
campo da educação, partindo das seguintes premissas básicas: a
educação deve ser entendida como investimento; cumpre respeitar-
se a vocação dos indivíduos, mas a expansão da oferta e os
incentivos às pessoas devem responder a prioridades estabelecidas
em função das necessidades reais da formação de recursos
humanos imprescindíveis aos reclamos do desenvolvimento
brasileiro; é a democratização do ensino imperativo da natureza
política e de natureza ética; a educação deve voltar-se para a
valorização do homem, sem perder de vista a formação humanística
que realiza o homem em seu todo; importa compatibilizar o papel
formador da escola com as oportunidades do mercado de trabalho,
41
para evitar a formação de excedentes profissionais; (...) deve-se
preservar a qualidade do ensino, mesmo diante dos inevitáveis
processos de massificação (MEC, 1987, p. 422).
Vale notar que o processo de profissionalização do ensino atingiu seu clímax
na década de 1970. No entanto, desde a década de 1940, existiam os centros de
formação profissional que também auxiliavam na formação profissional, tais como o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)
32
, o Serviço Social da
Indústria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)
33
e, por
fim, o Serviço Social do Comércio (SESC).
Como já destacado no capítulo anterior, a reformulação educacional aqui
estudada não constituiu um mero reflexo da intenção de desenvolvimento
econômico das autoridades do país. Ela deve ser concebida como resposta da
esfera educacional às demandas internas da população, que, de uma maneira geral,
buscava melhores oportunidades de emprego, de formação profissional e
conseqüentemente de qualidade de vida. Além da demanda interna por essa
especialidade de ensino, havia a ação dos empresários, preocupados em suprir a
necessidade de mão-de-obra qualificada nos quadros das empresas do país.
Também apoiavam a reforma os educadores e outros profissionais da educação que
clamavam por uma determinação legal que garantisse o acesso e a permanência do
aluno na escola.
Segundo aponta Horta (1982), a lei 5.692/71 foi a realização de um conjunto
de medidas que vinham sendo elaboradas desde 1962, com o Plano Trienal de
Desenvolvimento
34
. No âmbito educacional, esse plano visou ampliar o tempo de
formação no nível primário para seis anos e contou com uma mobilização de
recursos federais mais alta que a que se deu para a LDB
35
.
32
O SENAI foi criado nos anos 1940, para suprir a carência cada vez maior de operários
especializados causada pelo aumento da produção industrial e pela redução da imigração no período
da guerra. No caso do SESI, a emergência foi a mobilização do operariado no pós-guerra, causada
em parte pelo problema da carestia e pela ascensão política dos comunistas (WEINSTEIN, 2000).
33
O SENAC teve seu início com os decretos-leis 8.621 e 8.622, em 10 de janeiro de 1946, que
autorizavam a Confederação Nacional do Comércio a instalar e administrar, em todo o país, escolas
de aprendizagem comercial para trabalhadores menores, entre 14 e 18 anos, bem como cursos de
continuação e de especialização para comerciários adultos (MANFREDI, 2002).
34
O Plano Trienal do governo João Goulart tinha como principal objetivo combater o processo
inflacionário brasileiro. O plano vigorou entre os anos de 1963–1965.
35
O Plano Trienal de Desenvolvimento mobilizou 15% do total de recursos para a educação, em
1964, e 20%, em 1965. No caso da LDB, tem-se uma estimativa de 12% para sua mobilização
(HORTA, 1982, p. 131).
42
Entre os objetivos da lei, estava o estabelecimento da obrigatoriedade da
educação primária para todas as crianças de 6 anos que habitassem a zona urbana
e para as de 4 anos residentes em zonas rurais. No caso do ensino médio, o plano
objetivou “oferecer oportunidade de educação ginasial a 40% da população da faixa
etária de 12 a 15 anos, e oportunidade de educação colegial a 20% da faixa de 16 a
18 anos. Em números, isso é o equivalente à oferta de três milhões de vagas nos
ginásios e seiscentas mil nos colégios” (HORTA, 1982, p. 132). Mas a reforma
aconteceu em 1971, ampliando de seis anos para oito anos a educação primária
(BRASIL, Decreto-Lei n. 5692, art. 18, 1971, p. 164).
Obrigatório também se tornou o ensino de Educação Moral e Cívica, que se
encarregou de transmitir às novas gerações da República brasileira as ideologias do
novo regime que se consolidava. Essa disciplina, segundo Rezende (2001), impunha
à sociedade a idéia de que a mesma possuía liberdade para se proteger contra
aqueles que subjugavam valores tais como o da família e respeito às leis e
autoridades. Muito dos ideais transmitidos nessa disciplina, ainda conforme o autor,
foram inspirados nos programas da Escola Superior de Guerra.
2.2 A EDUCAÇÃO PÚBLICA NO PARANÁ
Todo o sistema estadual do ensino foi reformulado pelo atual
Governo, para ajustá-lo não às novas diretrizes e bases da
educação, mas também às novas exigências do Estado, decorrentes
de seu singular desenvolvimento, tanto mais quando faltava ao setor
público um mínimo de planejamento na ampliação da rede escolar,
notadamente no nível primário, onde mais forte se mostrava a
demanda. Os programas elaborados visavam ao atendimento
prioritário das regiões de maior déficit em unidades escolares,
principalmente áreas de colonização recente. Estamos construindo
uma média de duas salas de aula por dia, numa luta contra o tempo
para enfrentar o déficit permanente, resultante do aumento
incessante da população em idade escolar (BRAGA, 1965, p. XVII).
Essa fala do governador paranaense
36
revela alguns dos aspectos
socioeconômicos do período de sua enunciação. O Paraná passava por um
36
Ney Aminthas de Barros Braga foi governador do Paraná por duas vezes. No período de
31/01/1961 a 17/11/1965 e de 15/03/1979 a 14/05/1982. Sua principal meta era fazer o Paraná
crescer economicamente via industrialização concomitantemente com a agricultura. Isso porque,
entre outros motivos, contribuiria também para a projeção do Paraná nacionalmente (Gazeta do
Povo, Curitiba, domingo, 3 de janeiro de 1999).
43
crescimento populacional, especialmente na zona rural, por conta do advento
cafeeiro que atraía pessoas de todos os estados do país. Mas faltava infra-estrutura
que atendesse a essa crescente demanda social. No caso da esfera educacional, o
número de escolas era insuficiente para atender os filhos dos trabalhadores em
idade escolar (RATTO, 1994).
Nesse período, estava em vigência a formulação da LDB 4.024/64, que, como
visto, determinava para o ensino primário a duração de seis anos, o que antes
ocorria em quatro. Com essa lei, tinha-se o propósito de ensinar, nos dois últimos
anos, conhecimentos das atividades agrárias e industriais que preparavam o aluno
para o trabalho remunerado. Portanto, para o período de 1965 a 1967, no Paraná,
estabeleceu-se um programa de construção de 3.160 salas de aula, das quais 1.139
para o ensino primário rural, 1.146 para o ensino primário urbano e 617 para os
outros ramos (PARANÁ, 1965).
Ainda nesse período, criou-se o programa Mobilização Estadual Contra o
Analfabetismo (MECA)
37
, para a alfabetização de jovens e adultos. Houve também a
ampliação do programa da merenda escolar e a criação da Fundação Educacional
do Estado do Paraná (FUNDEPAR), entidade sem fins lucrativos que tinha como
objetivo administrar o Fundo Estadual de Ensino
38
em parceria com a Secretaria de
Educação (SEED).
Tais iniciativas, segundo o discurso do Governador Ney Aminthas de Barros
Braga, fizeram parte de uma campanha de crescimento em todas as frentes
educacionais, que abrangeu desde a construção de escolas até a formação de
professores.
O atual Governo do Paraná encara a educação não como dever
do Estado, mas inclusive como um fator de desenvolvimento
econômico, pelo que pode representar como qualificação do trabalho
humano, abrindo novas perspectivas de emprego especializado.
Dentro dessa perspectiva foi que se introduziu no Paraná, por
iniciativa da administração empossada em janeiro de 1961, a
elevação de quatro para seis anos do curso primário, com a
implantação do ensino de artes e ofícios industriais nas últimas duas
séries, o que assegura um preparo elementar para os menores que,
37
Esse foi um programa criado no Paraná, em nível regional, embora contasse com apoio dos fundos
do Governo Federal.
38
Esse fundo, instituído pela lei 4.599, de 2 de julho de 1962, visava colaborar com as condições
materiais necessárias a uma rede escolar estadual mais eficiente, principalmente em regiões mais
necessitadas. (Paraná, 1965).
44
de acordo com a Constituição Federal, podem exercer atividade
remunerada acima dos 14 anos (PARANÁ, 1965, p. 86).
Segundo o mesmo documento, em 1964 foram realizados cursos para
professores, com a participação de 1.426 docentes oriundos de, aproximadamente,
cinqüenta municípios. Esses cursos de capacitação
39
contaram com Semanas
Educacionais em seis inspetorias regionais, compreendendo cerca de trinta
municípios, com a participação de 2.746 professores, tanto normalistas como
inabilitados.
Durante o quatriênio 1961–1964, os gastos do Paraná com a educação foram
os que estão apresentados no quadro abaixo, em milhões de cruzeiros:
QUADRO 02: GASTOS COM EDUCAÇAO NO PARANÁ (1961–1964)
Anos Total
Milhões de Cruzeiros
% do Investimento no gasto
público total
1961 16.739 22,5
1962 20.041 23,7
1963 20.279 28,9
1964 20.909 27,8
FONTE: (PARANÁ, 1965, p. 89).
No quadro apresentado, nota-se que o aumento do investimento em
educação no Paraná foi cerca de 5% em três anos, reflexo do crescimento
populacional que ocorria em todo o país decorrente da política de formação
profissional apregoada pelo Governador Ney Aminthas de Barros Braga, que tinha
como principal intento o de projetar o estado frente ao país.
Quanto ao ensino de grau, nesse mesmo contexto, o governador afirmou
que o Paraná possuía a maior rede de estabelecimentos no Brasil. No âmbito do
ensino de grau, o estado possuía 115 ginásios e 26 colégios, com um acréscimo
de 17 novas unidades nos anos de 1963 a 1964. O ensino comercial contava com
54 colégios estaduais e três ginásios comerciais (PARANÁ, 1965).
39
Esses cursos de capacitação tinham por objetivo formar os professores que já atuavam em sala de
aula, como também professores sem formação acadêmica para atuar no ensino fundamental (1º a 4º
série). Essas seis semanas eram eventos direcionados à capacitação dos professores.
45
Pode-se observar que, a partir de 1971, essa política de expansão do ensino
de grau foi intensificada com a reforma do ensino de e graus pela lei
5.692/71. O interesse da administração estadual pela escolarização secundária se
deu, principalmente, devido à expansão da área urbana, em 1960–1970. Além disso,
como se pode observar anteriormente, havia um incentivo à expansão industrial que
também despertou o interesse das autoridades pela implementação do ensino
técnico nas escolas. O quadro abaixo ilustra a taxa de expansão demográfica do
período:
QUADRO 03: POPULAÇÃO: EVOLUÇÃO URBANA – 1950 a 1970
Período População total População
urbana
Taxa de urbanização
1950 2.115.247 528.288 25,0
1960 4.296.375 1.327.982 30,8
1970 6.997.682 2.546.899 36,4
Fonte: (FUNDEPAR, 1971, p. 8).
Verifica-se que, na última década, houve um declínio significativo no
crescimento regional ocasionado pelas migrações internas. No período de 1950 a
1960, o crescimento se deu em torno de 8%, enquanto na cada de 1960 reduziu-
se para 6% em decorrência de ainda haver uma concentração grande de população
na zona rural. Com base nessas estimativas, procurou-se investigar o contingente
da população com idade de 7 a 14 anos, ou seja, em fase de escolarização. Assim,
torna-se possível constituir um quadro de referências para os cálculos de demanda
escolar.
Em meados de 1970, realizou-se um estudo da viabilidade de implementação
da reforma proposta pela lei 5.692/71 no ensino de e graus das escolas do
Paraná. Essa pesquisa foi no âmbito da Secretaria de Educação e Cultura, pelo
Grupo de Assessoria e Planejamento, que expôs a situação geral do ensino e as
adequações necessárias para o sucesso da reforma. Entre as mudanças
necessárias, constatou-se que era necessário “fazer da escola um agente dinâmico
e eficaz na formação dos recursos humanos necessários ao progresso do país”
(PARANÁ, 1971, p. 1).
Para a implementação efetiva da lei, faziam-se necessárias alterações dos
métodos pedagógicos e das condições político-legais da administração do sistema
46
educacional, bem como a promoção de uma política de expansão ordenada do
ensino. Em 1970 foi instituído um órgão denominado Serviço de Prédios e
Aparelhamento Escolar (SPAE), o qual realizava o levantamento de necessidade de
reparos, recuperação e conservação de prédios escolares e que solicitava aos
demais órgãos estaduais, em especial ao Departamento de Edificações e Obras
Especiais (DEOE) e à Fundação Educacional do Estado do Paraná (FUNDEPAR), a
realização desses serviços, além de efetuar alguns pequenos reparos, com recursos
da própria Secretaria (ibidem).
Nesse período, passou-se a ter uma preocupação maior com a expansão do
ensino de 2º grau, pois a nova lei exigia uma formação técnica adequada às
necessidades do mercado de trabalho: “No setor do ensino médio, a ação da
FUNDEPAR se concentra no financiamento de grandes obras, tais como o Instituto
de Educação do Paraná, onde foram aplicados 800.000,00 cruzeiros. No Centro de
Treinamento do Magistério foram investidos 280.000,00 cruzeiros. Para equipar ou
reequipar os estabelecimentos de ensino médio (mobiliários, laboratórios, oficinas,
máquinas de escrever, mimeógrafos)” (Paulo Cruz Pimentel
40
, in PARANÁ, 1970, p.
124).
No ano de 1971, destacaram-se os seguintes serviços ao encargo da
FUNDEPAR:
Foram concluídas 141 salas de aula e demais dependências, para o
1º. e 2º. graus, estando em construção, outras 376 salas e
dependências; Em construções escolares foi aplicado o total de Cr$
14.783.812,33, incluído saldos de exercícios anteriores, aplicados em
1971; em material permanente, equipamentos e instalações, foi
aplicado o total de Cr$ 2.350.297,55, incluindo saldos de outros
exercícios aplicados em 1971; em conservação de prédios escolares
foi aplicado o total de Cr$ 1.888.772,03 (Pedro Viriato Parigot de
Souza, IN: PARANÁ, 1972, p. 65).
A implementação do ensino técnico justificou-se pela exigência cada vez
maior do mercado de trabalho pela formação profissional específica e de mão-de-
obra qualificada (PARANÁ, 1971). Até o ano de 1970, os Institutos de Educação
41
40
Paulo Cruz Pimentel foi governador no Paraná no período de 31/01/1966 a 15/03/1971.
41
Nos Institutos de Educação, de acordo com o Sistema de Ensino, podiam ser ministrados Cursos
de Especialização e Aperfeiçoamento do Magistério Primário, podendo funcionar os seguintes cursos:
Educação Pré-Primária; Administração Escolar; Orientação Pedagógica; Orientação Educativa;
Aperfeiçoamento do Magistério Primário (PARANÁ, 1971).
47
que ofertavam ensino técnico estavam distribuídos da seguinte forma:
1- Instituto de Educação do Paraná – Curitiba.
2- Instituto Estadual de Educação de Ponta Grossa.
3- Instituto Estadual de Educação de Londrina.
4- Instituto Estadual de Educação de Maringá.
5- Instituto Estadual de Educação de Paranaguá.
6- Instituto Estadual de Educação de Jacarezinho.
Nem todos esses seis institutos estavam funcionando de acordo as normas
de atendimento do Conselho Estadual de Educação, por haver preferência por
determinados cursos (Administração Escolar e Orientação Educativa), cursos que
passaram a contar com maior mero de candidatos, ocasionando falta de
capacidade para atender ao aumento das matrículas dos cursos pós-colegiais, falta
de condições técnico-docentes para ministrarem satisfatoriamente o ensino pós-
colegial e falta de regulamentação e aproveitamento da mão de obra qualificada por
esses cursos (ibidem).
Para adequação dos cursos técnicos à lei 5.692/71, de acordo os autores do
documento, era necessária uma verdadeira reforma nos quadros administrativos,
infra-estruturais e de formação de professores, ou seja, “racionalização do uso de
recursos humanos, físicos e financeiros, para maximizar a taxa de escolarização.
Tratou-se de implementar um ‘planejamento de recursos’ para alcançar fins tomados
como dados; isto é, dado o objetivo de atender 100% da população escolarizável
agora de oito anos e demandas mais complexas, por ensino de segundo grau”
(ibidem, p. 231).
Passou-se a entender a estrutura do planejamento educacional não
somente como procedimentos técnicos de previsão e ordenação de
recursos físicos e humanos, mas como um sistema mais amplo que
deva prever e esquematizar estrategicamente as decisões sobre
recursos, organização pedagógica e administrativa a serem adotadas
na condução do processo educacional global. E o que impõe esta
nova atitude é o caráter abrangente e histórico da lei de atualização
do sistema de ensino de e graus, a lei 5.692, que propõe uma
reforma do ensino brasileiro, para ajustá-lo às exigências do
desenvolvimento econômico e social (ibidem, p. 233).
Portanto, no mesmo documento, a educação brasileira deveria desenvolver-
48
se tendo como princípios integração, atualização, democratização, descentralização
e profissionalização, para que se efetivasse o objetivo da reforma de e graus:
“proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e
preparo para o exercício consciente da cidadania” (BRASIL, 1971, p. 159). As
habilitações em nível cnico que tiveram maior incidência de implantação foram:
Magistério, Contabilidade, Assistente de Administração e Secretariado, sendo que
as duas primeiras já se destacavam sobre as outras ainda sob a forma da lei
4.024/61, conforme pode ser observado no quadro abaixo.
QUADRO 04: MATRÍCULA POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA E RAMO DE
ENSINO/ENSINO DE 2º CICLO/2º GRAU – 1972
Ramo de Ensino Estadual Particular Federal Total % Total
Colegial 28.018 10.534 - 38.552 41,03
Esc. Normais 19.419 2.411 - 21.830 23,23
Col. Comerciais 21.452 7.487 - 28.939 30,80
Col. Agrícolas 747 83 - 830 0,88
Col. Industriais 664 757 3.856 5.287 5,63
Esc. Ed. Familiar - 365 - 365 0,39
Esc. Enfermagem - 136 - 136 0,14
Total 68.300 21.773 3.856 93.939 100,00
Fonte: (Departamento de Ensino de 2º Grau – DESG/SEEC, 1973, p. 65).
2.3. O PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO DE GRAU NO ESTADO
DO PARANÁ: O GOVERNO DO ESTADO E O PLANEJAMENTO DA SEED
Neste tópico, serão abordadas algumas informações presentes no
documento-base de planejamento prévio para a Implementação do Sistema de
Ensino de 1º e 2º graus, elaborado pelo Grupo de Assessoramento e Planejamento
42
(GAP). Conforme o objetivo deste trabalho, o foco desta abordagem se deu
especificamente sobre a implementação da reforma de segundo grau estabelecida
pela lei 5.692/71.
Sobre o contexto educacional que envolvia o período, o documento
Problemas da Educação Brasileira e Paranaense (KNECHTEL, 1970) destaca que
os principais entraves contra o desenvolvimento da educação nacional e estadual
42
A consolidação do GAP foi aprovada pelo então Secretário da Educação e Cultura, Haroldo Souto
Carvalhido, em outubro de 1971.
49
seriam advindos da “dificuldade das instituições e valores acompanharem as novas
concepções de vida oriundas das transformações técnico-científicas” (p. 120–121).
Um dos aspectos presentes no documento do GAP, em concordância com as
diretrizes apregoadas pelo Governo Federal e os preceitos acima citados, é a
necessidade de modernização educacional do estado, pois, como apontam as
palavras abaixo:
Consagrado um sistema já considerado ultrapassado, ou seja, de
que o ensino médio deveria ser “propedêutico” ou apenas um
“corredor” para a universidade. O que significa que, embora
massificado, aberto a um número maior de jovens e julgado um nível
de escolarização necessário às novas exigências sociais, o ensino
médio ainda mantém uma estrutura semelhante (ou estereotipada) a
tempo em que era uma escola para a elite. O fato de manter um
currículo de tipo “acadêmico”, que objetiva oferecer uma “cultura
geral” livresca e formal, confirma esta sua natureza (PARANÁ, 1971,
p. 134).
Diante desse diagnóstico, a administração estadual procurou garantir o
alcance e a prescindibilidade de uma “verdadeira revolução educacional”, o que
significava fazer da escola um agente dinâmico e eficaz na formação dos recursos
humanos necessários ao progresso nacional. Esse objetivo fica claro na fala do
Governador Emílio Hoffmann Gomes
43
(PARANÁ, 1975, p. 94):
A dinamização no processo de desenvolvimento brasileiro passou a
exigir uma transformação no Sistema Educacional, e a lei 5692
consubstanciou esta medida. Nesta ótica, o planejamento preocupa-
se não apenas com o aumento quantitativo, pela oferta da matrícula,
mas principalmente pela qualidade do ensino oferecido. À medida
que o planejamento se aperfeiçoa, no campo da educação, cresce a
necessidade de se dotar o Sistema de uma estrutura administrativa,
que envolva uma redefinição, num contexto mais amplo, das macro-
funções da educação, ou seja: Coordenação Geral; Pesquisa e
Informática; Planejamento; Programação e Ornamentação; Avaliação
e Controle; Administração e Descentralização.
A adesão aos discursos de modernidade administrativa e de esperança na
construção de um país melhor e mais grandioso perpassou os desejos de grande
parte dos governadores paranaenses e presidentes brasileiros, os quais buscaram a
modernidade educacional por meio de rupturas com o passado, com seus ditames e
leis. No entanto, como assinala Rouanet (1987, p. 18), não foram poucas as vezes
43
Emílio Hoffmann Gomes foi governador no Paraná no período de 11/08/1973 a 15/03/1975.
50
que, buscando uma revolução das estruturas muito tempo arraigadas, repetiram-
se “velhos protótipos, na ilusão triunfal de estarmos desbravando novos
continentes”. A idéia de se romper com o passado expressa apenas uma “vontade
de ruptura” (Ibidem). No entanto, tal desejo nada mais é do que a confirmação de
que a ruptura, a mudança, se efetivou. A vontade de ruptura, segundo Rouanet
(1987), é a necessidade, própria de nossa condição pós-moderna, de exorcizar um
tempo falido, epigônico. Com a mudança, não se deseja construir um novo mundo,
apenas deseja-se esquecer os erros cometidos no passado.
Quando se transpõe esse pensamento para as reformas educacionais,
percebe-se que boa parte delas almejou romper com as medidas passadas e, com
isso, superar os antigos problemas. No trato da lei 5.692/71, uma das críticas que
alguns autores fazem é de que quase nada se alterou em comparação com a
4.024/61. Como afirma Ghiraldelli (1992, p. 163):
A lei 5.692/71 não significou uma ruptura completa com a lei
4.024/61. De fato o regime de 64 não veio para efetivar uma ruptura
econômica com o regimento anterior, mas veio para efetivar uma
ruptura justamente para o favorecimento da continuidade do modelo
econômico. A legislação não encontrou motivos para não refletir tal
continuidade. De fato, a lei 5.692/71 incorporou os objetivos gerais
do ensino de e graus expostos nos “fins da educação” da lei
4.024/61. Tais objetivos diziam respeito à necessidade de
“proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-
realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício da
cidadania”.
A historiografia mostra que a história é constituída mais por permanências
que por rupturas. A real transformação só pode ser pensada como possível por meio
de uma “reflexão autônoma capaz de desmascarar pseudolegitimações do mundo
sistêmico, uma ação moral autodeterminada, que não depende de autoridades
externas, e uma ação política consciente, baseada em estruturas democráticas que
pressupõe uma razão crítica” (ROUANET, 1987, p. 25).
As finalidades do documento-base do planejamento prévio para a
Implantação do Sistema de Ensino de e 2º graus (GAP) foram dadas no sentido
de: a) estancar a expansão desordenada de cursos; b) aglutinar recursos em
unidades maiores de atendimento regional e diversificado e redução dos custos de
manutenção; c) programar áreas de habilitação profissional segundo as demandas
51
do mercado de trabalho; d) elevar os padrões qualitativos do ensino de grau,
atendendo às exigências de melhor formação cultural do adolescente.
De acordo com a análise dos dados básicos sobre o desenvolvimento do
ensino regular da rede estadual, em 1971, contava-se com um total de 11.790 salas
de aula, comuns nas zonas urbanas do estado, das quais cerca de 670 eram
utilizadas, em sua grande maioria, no período noturno pelo ensino médio. Nessas
condições, e tendo em vista a matrícula por rie e turma, a capacidade de
atendimento em dois turnos seria de, aproximadamente, 778.500 alunos (PARANÁ,
1982).
Somada a esse quadro, havia sido adotada uma política de ampliação do uso
e de construção dos prédios escolares já existentes, principalmente quanto à
utilização de oficinas e laboratórios escolares imprescindíveis para o
desenvolvimento das atividades propostas pela parte de formação especial do
currículo (quadro abaixo).
QUADRO 05: CONSTRUÇÃO DE SALAS DE AULA NO ESTADO DO PARA
1971–1980
Ano Comuns* Específicas**
Especiais Orientação
Totais
1971 216 - - - 216
1972 539 - - - 539
1973 225 28 - - 253
1974 609 128 - - 737
1975 535 78 43 39 695
1976 905 82 51 35 1073
1977 1558 132 68 85 1843
1978 1760 156 88 93 2097
1979 923 75 34 32 1064
1980 699 46 41 46 832
Fonte: (FUNDEPAR, IN: PARANÁ, 1982, p. 22).
* Comuns – 1º e 2º graus no mesmo prédio;
** Específicas – tanto de ensino de 1º quanto de 2º grau;
Especiais – atendimento às crianças com necessidades específicas;
Orientação para os cursos profissionalizantes – mecânica, agrícola, etc.
De acordo com as finalidades acima citadas, é possível notar que a
reorganização de metas era primordial às escolas. Estas deveriam funcionar em três
turnos, com maior número de alunos em uma mesma turma e com a reordenação da
utilização dos prédios escolares e laboratórios de forma a reduzir os custos sem
afetar, no entanto, a qualidade da formação dos educandos. Essa necessidade de
52
reordenação para atender às novas demandas do ensino pode ser observada na
fala de Emílio Hoffmann Gomes (PARANÁ, 1974, p. 67):
As soluções de continuidade político-administrativa evidenciam-se no
esforço de ajustar a rede de ensino público, no Estado, às diretrizes
da reforma educacional, através da adequação de fatores materiais e
humanos à nova sistemática em implantação. A política de
construção escolar, assim, está sendo empreendida não com o
propósito de ampliação da capacidade física da rede de ensino, mas
também balizada pelos critérios decorrentes da nova concepção de
escola, supressora da dicotomia anteriormente existente entre
Grupos Escolares e Ginásios. Os novos estabelecimentos estão
sendo construídos dentro das necessidades da reciclagem que
caracteriza a reforma educacional, ao passo que a rede existente
está sendo fisicamente adaptada às novas exigências.
Paralelamente ao arranjo dos fatores materiais, empreende-se com
redobrado vigor uma política de capacitação dos recursos humanos,
para fazer face às imposições da reforma.
Como a educação estava inserida no setor das políticas sociais, o estado
buscou legitimação com a reforma, considerando que este fez da educação um
instrumento a ser utilizado conforme as diretrizes de seu plano político.
Um dos elementos identificados no documento do GAP é a sua função de
colaborar para o desenvolvimento do Estado e da sociedade, em especial nos
aspectos econômico e social, com ênfase na expansão do sistema de ensino. Daí a
importância do Conselho Federal de Educação
44
, que, como destaca Martins (2002),
era o órgão detentor das características essenciais para levar a cabo as metas
políticas almejadas.
Da mesma forma, o Plano Estadual de Educação estabelecido para o período
de 1973 a 1976 trouxe objetivos quantitativos e qualitativos para a expansão e o
aperfeiçoamento de todos os graus de ensino, visto que previa a construção de
institutos, compra de equipamentos, treinamento de recursos humanos e elaboração
de diretrizes curriculares, entre outros. Para tanto, o financiamento de tais ações
recebeu um empréstimo externo:
44
O Conselho Federal de Educação (CFE) é um órgão blico normatizador, por isso suas decisões
são tornadas públicas por meio de documentos formais relativos aos processos instaurados
internamente. Tais processos são distribuídos para estudos e pareceres dos conselheiros, que
posteriormente os apresentam para a discussão na Câmara de Ensino a que estiver vinculado.
Depois de aprovado na Câmara, o parecer do relator é enviado para conhecimento dos outros
conselheiros, na Plenária executiva (Pleno). Somente após aprovação do Pleno é que os resultados
podem ser divulgados (MARTINS, 2002, p. 27).
53
Firmado entre o Governo Brasileiro e o Governo Americano, por
intermédio de sua Agência para o Desenvolvimento (USAID), este
acordo visou à obtenção de um empréstimo destinado à execução de
um Programa de Expansão e Melhoria do Ensino.
Selecionado entre os Estados Brasileiros e contemplado com a
possibilidade de um financiamento específico, o Paraná, que havia
elaborado o Plano Estadual de Educação (...) destacou 16 dos 47
projetos constantes, que analisados e compatibilizados com a
filosofia do PROGRAMA, mereceram parcial e/ou total financiamento.
Com assinatura em 11/12/1973, preocupou-se o Estado que, desta
forma, fosse assegurada a execução de uma programação, sem que
a mesma sofresse solução de continuidade e que proporcionasse
melhoria na oferta do ensino de e graus, tornando mais
eficiente à administração (PARANÁ, 1975, p.95).
Com vistas ao planejamento de implantação dessa política, adotaram-se os
seguintes projetos:
1) Formulação de diretrizes técnicas para a estruturação de cursos
de grau: envolvendo a realização de seminários e reuniões
técnicas entre a Secretaria estadual de Cultura e as agências SENAI,
SENAC, Escola Técnica Federal, Colégio estadual do Paraná,
Instituto Politécnico Estadual, Instituto de educação do Paraná,
Divisão de Ensino Agrícola (AS) e GAP.
2) Reorganização da Rede Estadual de ensino médio colegial:
objetivando a unificação de estabelecimentos, avaliação de
potenciais, elaboração de critérios para autorização de cursos e
disciplinas, localização e discriminação de prédios e equipamentos e
lotação docente.
3) Unidades Regionais Integradas: visando localizar e dimensionar
estabelecimentos centrais de ensino de grau para atendimento
regional e abrangendo várias áreas de formação profissional,
inclusive para o ensino supletivo.
4) Formação de Administradores, Técnicos e Docentes para o Ensino
de grau: compreendendo a programação de reciclagem,
treinamento e formação sistemática de recursos humanos para o
ensino de segundo grau, na área de cultura geral.
5) Programa de Formação de Recursos Humanos com Nível Médio
para o ensino de grau: envolvendo a reorganização e
programação desses cursos após a extinção das atuais escolas
normais e institutos de educação.
6) Ajustamento do Ensino ao Mercado de Trabalho: realizando
gestões de convênios com a Secretaria de Trabalho e Assistência
Social e DNMO para realização de pesquisas sistemáticas e para
implantação de agências do serviço de emprego com vistas à
programação de cursos profissionais, ao encaminhamento de
agressados do ensino de grau e para operação do sistema de
orientação vocacional das escolas de segundo grau (PARANÁ, 1971,
p. 278–279).
Para o desenvolvimento desses projetos, foi adotada uma política baseada na
54
Expansão e no Treinamento de Recursos Humanos (professores), balizada na idéia
de uma administração racional que previa o reaproveitamento infra-estrutural das
construções de prédios escolares, reduzindo os gastos. O valor poupado seria
revertido para a capacitação de recursos humanos e materiais para os cursos
técnicos. Para tanto, foram adotadas estratégias de implementação em três etapas a
serem alcançadas em 154 municípios de maneira gradativa: Expansão
Geográfica, que começou com a implementação nas escolas-pilotos;
Progressiva de seriação, ou seja, as séries eram adaptadas ano a ano,
progressivamente nas escolas. Essa progressiva de seriação foi dividida em quatro
etapas. A cada ano havia um número determinado de regiões para atingir, como
pode ser verificado abaixo; 3º Expansão do “leque das opções profissionalizantes”
e da intercomplementaridade, à medida que a escola fosse se adaptando com o
curso profissionalizante e que houvesse a necessidade de novos cursos.
A 1º etapa de implantação do ensino de 2º grau ocorreu em 1973, nos
municípios de Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Maringá, Jacarezinho, Campo
Mourão, Guarapuava, União da Vitória e Paranaguá, em projetos-pilotos, que
contavam com verbas do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio
(PREMEM
45
). Esse projeto de implantação se estendeu ao longo de toda a década
de 1970, dividido da seguinte forma:
1974 Etapa de Expansão I em 11 municípios-sedes de microrregiões
homogêneas.
1975 Etapa de Expansão II em 11 municípios-sedes de microrregiões
homogêneas.
1976 Etapa de Expansão III em 20 municípios com população superior a
10.000 habitantes.
1977 Etapa de Expansão IV em 37 municípios com população superior a
8.000 habitantes.
Esses dados do processo de implementação referente à etapa podem ser
observados no quadro a seguir.
45
O PREMEM faz parte do II Acordo MEC/USAID. Esse programa construiu uma escola em cada
cidade do projeto-piloto no Paraná, e o diferencial é que essas escolas possuíam toda infra-estrutura
necessária para a efetivação dos cursos de e graus. Os contratos de financiamento foram
firmados entre: Fundação Educacional do Estado do Paraná (FUNDEPAR) e a Caixa Econômica
Federal; Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAZ) e o Banco Nacional da Habitação (BNH)
(PARANÁ, 1982).
55
QUADRO 06: CRONOGRAMA DE IMPLANTAÇÃO DO ENSINO DE GRAU NO
PARANÁ
Etapas/ Anos
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
Piloto
Expansão I
Expansão II ///
Expansão III ///
Expansão IV /// 1ª
FONTE: (FUNDEPAR, IN: PARANÁ, 1971, p. 55).
/// Preparação
Quanto à Progressiva Seriação da 2º etapa, a estratégia adotada na
implementação das séries, dentro do critério de progressividade, visou, entre outros
aspectos, à possibilidade de complementações das salas ambientes, laboratórios e
oficinas escolares, bem como possibilitou o treinamento de pessoal docente e
técnico-administrativo. A reordenação propunha a reunião de dois ou mais
estabelecimentos de ensino de grau em um e a redução de custos
operacionais através de classes moduladas com um mínimo de 36 alunos. Também
previu a concentração de recursos humanos e equipamentos, até então dispersos
nos diversos estabelecimentos.
Relativamente à expansão do “leque de opções” profissionalizantes e da
intercomplementaridade, a política foi adotada pela análise das condições e
características socioeconômicas dos municípios do estado, bem como pelo potencial
de observação do respectivo mercado de trabalho (PARANÁ, 1982).
A execução dessas fases, segundo a documentação analisada, se deu da
seguinte forma:
1) Área de influência – 154 municípios.
2) Execução, compreendendo o levantamento das condições sócio-
econômicas do município, análise da situação física e viabilidade
de reordenação dos estabelecimentos de ensino, definição das
habilitações a serem implantadas, elaboração dos projetos de
implantação, previsão dos cursos de atualização e
aperfeiçoamento do pessoal docente e técnico-administrativo e
avaliação da operação de implantação.
3) Mecanismos para a execução criação de grupos de trabalho
para a realização de estudos visando:
a) Elaboração de projetos de reestruturação administrativa
dos estabelecimentos de ensino;
b) Elaboração de projetos de atualização e
56
aperfeiçoamento de pessoal;
c) Elaboração de projetos visando a ampliação e
adequação ou construção de novos prédios escolares
para o ensino de 2º grau;
d) Estudos sobre a reformulação ou formulação dos
currículos escolares.
4) Órgão responsável Departamento de Ensino de grau (Ibidem,
1982, p. 57–59).
De acordo com os estudos das condições educacionais do município, ou
ainda do estabelecimento de ensino acompanhado do projeto de reorganização,
poderia ser proposta a aceleração no processo de implantação, ou seja, se a escola
tivesse condições infra-estruturais tanto físicas quanto humanas para implementar o
ensino de 2º grau, poderia fazê-lo.
Tendo por base os dados expostos acima, observa-se que o processo de
implementação de Expansão II, em todo o Paraná, ao contrário do pretendido
inicialmente para o ano de 1976, teve de ser estendido devido a uma série de
problemas, como a falta de recursos humanos, ou seja, professores habilitados para
o desenvolvimento das disciplinas da parte de formação específica do currículo, bem
como a falta de laboratórios para os cursos técnicos (PARANÁ, 1982).
Em 1972, no município de Curitiba, foi implantado o projeto-piloto
46
do ensino
de grau em quatro escolas, sendo uma da rede estadual de ensino e três da rede
particular.
1 Colégio Estadual do Paraná.
2 Colégio Nossa Sra. Menina.
3 Colégio Nossa Sra. De Lourdes.
4 Colégio Pe. João Bagozzi.
A implementação do ensino de grau nos moldes da lei 5.692/71 em 1972
representou um acréscimo de 0,2% sobre o total da matrícula do ano anterior,
passando em 1973 a apresentar um total de 14,1% sobre o total da matrícula. Em
1972, setenta estabelecimentos de ensino de grau, localizados nos municípios-
piloto acima citados, apresentaram no Conselho Estadual os processos de
46
Esse projeto-piloto foi adotado somente em Curitiba nos colégios acima citados. Quanto às outras
cidades, a implantação do grau ocorreu segundo as três frentes de forma gradativa e estendeu-se
até o ano de 1980 para atingir todos os graus de ensino no Paraná (PARANÁ, 1982).
57
reorganização do ensino de acordo com os objetivos propostos pela lei (PARANÁ,
1980).
Um dos aspectos mais destacados para a efetivação desejada da lei era a
preparação dos docentes, ressaltada pelo Governador Parigot de Souza:
A reforma do ensino de e graus é talvez o maior desafio que a
Revolução lançou ao povo brasileiro e, para que ela tenha o êxito
que todos esperam, é necessário mudar, sobretudo a mentalidade do
professor, através de treinamentos específicos, pois a estática tem
que ser substituída pela dinâmica. Eis porque, logo após a aprovação
do Plano de Implantação Prévia, a Secretaria da Educação e Cultura
lançou-se no maior programa de preparação de recursos humanos
de toda a história do Paraná (PARANÁ, 1972, p. 55).
Segundo esse documento, foi realizado um curso intensivo
47
sobre a lei,
tratando da atualização e expansão do ensino, para diretores e orientadores
pedagógicos dos estabelecimentos, os quais posteriormente tiveram a incumbência
de transmitir aos diretores e professores das escolas os conhecimentos adquiridos.
Para as áreas de implantação-piloto, os cursos se deram no período de novembro e
dezembro de 1971 e no decorrer de 1972. Esse relato é confirmado pela fala do
entrevistado 8 (professor):
Começou a tomar ciência quando foram fazer reciclagem. Primeiro
foi nas férias de julho em que vários municípios vieram a Curitiba, as
pessoas que ministravam os cursos tinham muito material
explicativo, havia estudos dirigidos nos finais de semana, tivemos
vários cursos. A reciclagem foi muito bem feita, ótimo direcionamento
dos diretores e pedagogos: eles é que faziam acontecer. Toda
semana havia reunião de planejamento junto aos coordenadores da
disciplina. Estudávamos aspectos específicos da disciplina e havia
períodos que estudavam aspectos específicos da legislação. O curso
de capacitação foi feito em quatro etapas de reciclagem: trabalho
dirigido, estrutura, planejamento, objetivos operacionais (para ensinar
o aluno).
Entre as entidades promotoras desse ensino, estavam a Secretaria da
Educação e Cultura, a Prefeitura Municipal de Curitiba e o Sindicato dos
47
De acordo com o especificado no Documento-Base, como meio de fiscalização, os participantes
dos cursos só receberiam o certificado de aproveitamento desde que, decorrido o prazo estipulado,
apresentassem planejamento da implantação da reforma na sua escola, e em se tratando de
diretores e orientadores, teriam de comprovar que colaboraram com o processo. É importante
destacar que o ensino de grau recebeu uma atenção prioritária a partir de 1984, ano em que é
realizado o primeiro Seminário Estadual de Reorganização do Ensino de grau, para rever a sua
ordenação. Até esse ano, o nível priorizado era o de 1º grau, por se tratar da educação básica, laica e
obrigatória.
58
Estabelecimentos de Ensino Primário e Secundário no Estado do Paraná.
A composição dos cursos contemplou a seguinte estrutura
48
:
Turmas de 50 (cinqüenta) pessoas;
Funcionamento em 3 (três) turnos;
Várias turmas funcionando simultaneamente, em lugares diferentes;
Cada hora de aula teórica era seguida de meia hora destinada a
debates ou esclarecimentos complementares.
Equipes regionais tinham a incumbência de orientar a implantação do ensino
de e graus, a partir dos municípios-sedes das áreas de implementação. Entre
outras atividades, tais equipes deveriam também treinar, reciclar e especializar um
corpo de orientadores pedagógicos para atuar no órgão central da administração e
estimular a formação sistemática de administradores escolares, orientadores
pedagógicos educacionais e professores, em nível médio e superior, para as
unidades de 1º e 2º graus.
Os cursos foram ofertados a partir da reestruturação dos Institutos de
Educação e Faculdades de Educação e de Filosofia, bem como do Centro de
Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná (CETEPAR). Além disso,
esses cursos contaram também com financiamento, assistência técnica,
administrativa e pedagógica, que lhes foi possível devido aos convênios
estabelecidos com instituições estaduais, federais e internacionais.
QUADRO 07: FORMAÇÃO E TREINAMENTOS REALIZADOS 1974/1977
DOCENTES E FORMAÇÃO ESPECIAL NO PARANÁ
Ano Local Nº Concluintes
Executores
1973/74 Curitiba 80 CENAFOR/UFPR
1974/75 Paranavaí 18 CENAFOR/Fac. Mun. de
Paranavaí
1974 Ponta Grossa 29 CENAFOR/UEPG
1974 Maringá 35 CENAFOR/UEM
1974 Londrina 33 CENAFOR/UEL
1976/77 Londrina 30 PREMEN/UEL
1976/77 Maringá 60 PREMEN/UEM
1976/77 Ponta Grossa 120 PREMEM/UEPG
48
Durante a entrevista, não foi possível constatar se os cursos de reciclagem (conforme a
documentação legal utiliza o termo) aconteceram realmente nessa estrutura.
59
FONTE: (FUNDEPAR, IN: PARANÁ, 1982, p .22).
Pela análise da documentação do Grupo de Planejamento, é possível verificar
que os procedimentos propostos seguiam um cronograma no sentido de dotar a
prática escolar de uma maior legitimidade técnica, por meio dos programas de
investimentos estatais, de um aparato legislativo que definia com rigor a
racionalização e aproveitamento de espaço físico, formação de professores e
financiamentos, entre outros.
Essa formação também vai ao encontro da Teoria do Capital Humano (TCH)
de 1970, que encontrou espaço no contexto de uma crescente demanda social por
educação. Considerada como investimento individual e social, a educação passou a
vincular-se ao plano nacional de desenvolvimento. Os gastos com educação eram
considerados como investimento, porque pressupunham retorno em forma de
benefícios para a sociedade e o indivíduo. Pela aquisição de conhecimentos e de
capacidades que possuíam valor econômico, o indivíduo seria portador de um
capital específico, sua força de trabalho. Conseqüentemente, também beneficiaria a
sociedade, garantindo-lhe condições de progresso técnico, científico e
desenvolvimento cultural e econômico.
Nessa perspectiva, o ensino de grau era uma força auxiliar que
proporcionaria ao indivíduo meios para sua ascensão social, por seu
trabalho/emprego. Mas isso fazia parte do ideário de um povo de uma determinada
época. Naquele período, o ensino profissionalizante trazia grandes esperanças para
boa parte da população. O grande equívoco dos estudos sobre a lei 5.692/71 é
realizar uma leitura unilateral, sem considerar todos os aspectos que envolvem a
educação. Nesse sentido, Barros (2004, p. 15) ajuda a refletir:
A verdade é que não existem fatos que sejam exclusivamente
econômicos, políticos ou culturais. Todas as dimensões da realidade
social interagem, ou rigorosamente sequer existem como dimensões
separadas. Mas o ser humano, em sua ânsia de melhor compreender
o mundo, acaba procedendo a recortes e a operações
simplificadoras, e é nesse sentido que devem ser considerados os
compartimentos que foram criados pelos próprios historiadores para
enquadrar os seus vários tipos e períodos históricos.
Conforme colocação desse autor, o esclarecimento do campo em que se
inserem os estudos sobre o tema não deve ter um efeito paralisante, nem como
60
pretexto de uma profissão de ou para justificar omissões. Antes, é necessário
compreender o contexto que se procurou desvendar no estudo pretendido. Apesar
de ser influenciado por traços da Teoria do Capital Humano, observa-se que o
desejo de formação escolar fazia parte do ideário brasileiro e paranaense em
meados de 1950, não sendo fruto apenas de desejos obscuros e de dominação da
população, como tem sido interpretado pela historiografia com a qual se dialogou.
Como se discutiu, o campo em que os agentes estão inseridos é marcado por
uma luta entre os pretendentes e os dominantes de um campo. O novo pretendente
força o direito de entrada e o dominante tenta defender o monopólio e excluir a
concorrência (BOURDIEU, 1974).
O contexto em que foi implantada a lei 5.692/71 reflete essas tensões entre o
campo econômico, cultural e educacional, especialmente por ser marcado pela
ditadura militar. O jogo econômico influenciou a educação brasileira e os rumos que
esta seguiria. No entanto, não para afirmar de maneira tácita que foram somente
os traços econômicos que deram rumo à caracterização educacional. Vários foram
os fatores e necessidades que a influenciaram.
61
CAPÍTULO 3
A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 5.692/71 PARA O ENSINO DE 2º GRAU NAS
ESCOLAS PARANAENSES
Este capítulo tem por objetivo, a partir das entrevistas realizadas com
Diretores e Professores de escolas e Funcionários da SEED, averiguar as
percepções deles sobre o processo de implementação da reforma do ensino de
grau resultante da lei 5.692/71 nas escolas, bem como as opiniões dos funcionários
da SEED no seu contexto. Para tanto, é necessário ter em mente que a mensagem
veiculada pela fala dos entrevistados corresponde às suas próprias perspectivas
sobre a implementação da lei. Para que se possa compreender esses discursos em
sua amplitude, leva-se em consideração as palavras de Bourdieu (
1987, p. 177):
É necessário interpretar os discursos dos agentes enunciadores de
uma forma diacrítica e inseparável de uma apreensão estrutural do
respectivo autor [enunciador] que é definido quanto às suas
disposições e tomadas de posição, pelas relações objetivas que
definem e determinam sua posição, no espaço de produção
[enunciação] que determinam ou orientam as relações de
concorrência que ele mantém com os demais autores [enunciadores]
e o conjunto de estratégias, sobretudo formais, que o torna um
verdadeiro artista.
Nesse sentido, todo indivíduo pode ser compreendido a partir de sua
posição objetiva em um campo específico, no qual, conseqüentemente, existem
sempre as dimensões consciente e inconsciente das ações. Essa dimensão
inconsciente faz parte das estratégias objetivas com as quais os agentes
necessariamente operam em seu campo.
Considerando tais prerrogativas, leva-se em conta a validade das entrevistas
formuladas para este trabalho como uma forma de indício do contexto que está
sendo analisado.
62
Para tanto, dividiu-se este capítulo em dois subitens, de forma a adequá-lo ao
roteiro das entrevistas. O primeiro subitem visou compreender quais foram as
principais dificuldades encontradas pelos entrevistados para a implementação da
citada reforma educacional.
O segundo teve por intuito averiguar as percepções de diretores, professores
escolares, bem como a dos funcionários da SEED entrevistados quanto ao processo
de implementação da reforma do ensino de grau resultante da lei 5.692/71 nas
escolas.
Parte dos entrevistados preferiu não ser identificada. Desta forma, eles foram
designados como entrevistados, de forma impessoal e sem identificação de gênero.
Entre eles, constam nove entrevistados, os quais estarão referenciados ao longo
deste trabalho da seguinte forma:
Entrevistado 1 diretor do Centro de Pesquisa Educacional do Estado do
Paraná, membro da SEED.
Entrevistado 2 diretor de Ensino da Rede Municipal de Curitiba (em 1970),
que, após sua prisão política, foi transferido para o Instituto de Pesquisas
Urbanísticas de Curitiba (IPUC).
Entrevistado 3 membro da Equipe cnica GAP. Atuou como capacitador
durante o processo de implementação da lei aqui estudada.
Entrevistado 4 diretor de várias escolas do interior do Estado que assumiu,
na década de 1990, a direção do Colégio Estadual do Paraná.
Entrevistado 5 diretor do Colégio Estadual do Paraná durante a década de
1970.
Entrevistado 6 professor da disciplina de Língua Portuguesa, no Colégio
Estadual do Paraná.
Entrevistado 7 na época, foi professor regente de uma das disciplinas do
Curso de Auxiliar Técnico de Administração. Atualmente, trabalha como
coordenador dos cursos técnicos do Colégio Estadual do Paraná.
Entrevistado 8 professor de escola de São Mateus do Sul. Atualmente, é
professor no Colégio Estadual do Paraná.
63
Entrevistado 9 seguiu a carreira militar, assumindo a docência no Colégio
Estadual do Paraná.
3.1 AVANÇOS E RETROCESSOS: COM RELAÇAO À INFRA-ESTRUTURA
FÍSICA, HUMANA E OS CURSOS DE CAPACITAÇÃO
Segundo o depoimento dos diretores, professores e membros da Secretaria
de Educação, a lei 5692/71 foi imposta de “cima para baixo”, termo utilizado pelos
próprios entrevistados. Afirmam que essa lei veio preestabelecida do Ministério da
Educação, cuja elaboração não teria contado com a comunidade de educadores
brasileiros. Na época, como visto, foi realizada a Semana de Educação, que teve
pouco impacto sobre os educadores uma vez que a área de atuação destes
profissionais se encontra distante do Distrito Federal.
Um dos principais motivos para a afirmativa sobre a imposição da lei é o fato
de ela ter sido elaborada, como já observado no capítulo dois deste trabalho, por um
grupo específico de profissionais, não propriamente oriundos da esfera educacional,
em apenas sessenta dias (Brasil, 1971), e de embasamento teórico tecnicista. No
entanto, a fala do entrevistado 5 remete a uma substituição da 4.024/61 pela
5.692/71. Contudo, será possível realmente pensar numa substituição se tratando
apenas de uma reforma baseada nos mesmos princípios educacionais? Essa
questão embasa a fala dos outros entrevistados quando afirmam que filosoficamente
a lei não alterou praticamente nada. Ao observar a documentação oficial,
percebemos que o princípio educativo continuou nas mesmas bases da 4.024/61. O
que nos parece coerente, pois, a lei 5.692/71 apenas reforma os níveis de primeiro e
segundo grau da Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61, com alguns direcionamentos
baseados na lógica mercadológica do período de 1970, marcado pela
industrialização e que necessitava de mão-de-obra qualificada. Seguindo essa
lógica, as autoridades governamentais consideraram o investimento no fator humano
um dos determinantes básicos para o aumento da produtividade e para a superação
do atraso econômico nacional. Para tanto, a lei atual concentrou os objetivos
educacionais quando estabeleceu que “o ensino de e 2º graus tem por objetivo
geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
64
potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e
preparo para o exercício da cidadania”
(BRASIL, 1971, p. 13)
:
A lei 5692/71 veio reformular a educação, substituindo a 4024/61, e a
gente sentiu na época que ela era tecnicista, tanto a vel de grau
como de grau. O que nós sentimos como professores na época
que realmente dentro do sistema ela veio de cima para baixo. Um
grupo de técnicos a elaborou, sem contar com a participação dos
professores, então foi imposta, e nós tivemos que nos adaptar.
Realmente, como no final da década de 1950, no governo Kubitschek, o Brasil
havia feito uma grande abertura ao capital internacional, especialmente à indústria
automobilística que atendia o mercado externo e exportava fortemente valendo-se
da grande força de mão de obra a baixo custo que aqui encontrava. O país no final
da década de 1960 entrou em forte crescimento econômico chegando no limiar da
década de 1970 naquela euforia que ficou consagrada como “milagre brasileiro”
que era um crescimento econômico avizinhando a casa dos dois dígitos.
Ora, este movimento afoitou os ânimos dos empresários que demandavam
mais e mais mão de obra, mas mão de obra com qualificação, algo que o Brasil
não podia mais ofertar. Foi sob pressão deste Lobby que o governo viu-se obrigado
a dar a guinada rápida, trocando a formação cidadã pela formação operária através
da lei 5.692/71.
No entanto, apesar de procurar atender o capital internacional, acabou por
representar também os auspícios de parte substantiva da população que ansiava
por uma formação que lhes oportunizasse o ingresso ao mercado de trabalho. Para
um dos entrevistados, a lei correspondia a “uma antiga reivindicação inclusive dos
educadores, de que se houvesse uma extensão maior do ensino fundamental e
médio como obrigatório a todos os brasileiros” (entrevistado 2).
Para que a lei fosse aplicada de forma correta pelos professores, diretores e
demais profissionais envolvidos com a esfera educacional, uma série de medidas
foram pensadas, de forma a evitar os possíveis desvios interpretativos daquela
determinação legal. Portanto, formaram-se grupos de estudo aos quais os
professores e diretores das escolas foram convidados a participar. Esses cursos
eram fornecidos pelo Centro de Pesquisas do Paraná (CETEPAR), mediante uma
65
parceria com a Universidade Federal do Paraná e Universidades do Estado. No
entanto, de acordo com o entrevistado 1, uma das escolas-pilotos conseguiu
capacitar seus professores no próprio estabelecimento. Essa questão nos remete à
legitimidade de quem fala e de quem ouve no sentido de que, por se tratar de
capacitadores oriundos da universidade, muitas vezes estavam há anos fora da
escola, não tendo a experiência do chão da escola e a dimensão das reais
dificuldades que tal esfera impunha. Conforme o entrevistado 1:
[...] Conseguimos que todas as horas que eles trabalhavam nas
classes contassem como horas do curso. No Cetepar eram cursos
com conferencistas que vinham de fora, não sabiam nada da escola
e vinham explicar lei. Esses cursos que a Universidade adora fazer e
que não falam do que esta acontecendo na realidade.
Mesmo diante das resistências de alguns, vários entrevistados alegaram que
os cursos para docentes eram realizados com freqüência e qualidade. No entanto,
alerta-se, essas foram falas de professores do Colégio Estadual do Paraná,
instituição educacional de representação na cidade de Curitiba e uma das escolas
piloto a ser reformada pela lei. Nos quais alguns profissionais eram apoiadores das
determinações da SEED, e outros, contrários. Essas questões nos remetem à
análise de Bourdieu relacionada ao capital simbólico dos agentes, em que cada qual
luta por seus interesses e, à medida que vai acumulando experiências das lutas
anteriores, vai traçando estratégias específicas que lhe geram um capital particular
que lhe admite poder maior sobre os novatos que entram nesse campo (Bourdieu,
1987). Destaca-se, por outro lado, que diversas escolas do interior estavam muito
distantes do colégio modelo acima citado. No entanto, os professores do interior e
das escolas das regiões mais afastadas do centro da cidade foram enviados,
durante as férias, para participar da capacitação que era oferecida em Curitiba, e ao
voltar para as suas escolas reproduziam as discussões produzidas no curso.
Destarte, os professores ficavam restritos a seu espaço, e seu juízo de valor
estava fadado ao embotamento à restrição e/ou ao condicionamento. Reinavam
soberanos o medo e a incerteza. De acordo com o entrevistado 6 “a discussão
ficava a cargo do diretor, do coordenador pedagógico, dos coordenadores de área
que já haviam participado das reuniões em Curitiba”.
66
Segundo o entrevistado 8:
A reciclagem foi muito bem feita, com ótimo direcionamento dos
diretores e pedagogos. Toda semana havia reunião de planejamento
junto aos coordenadores da disciplina, estudavam aspectos
específicos da disciplina e havia períodos que estudavam aspectos
específicos da legislação. O curso de capacitação foi feito em quatro
etapas de reciclagem: trabalho dirigido, estrutura, planejamento,
objetivos operacionais para ensinar o aluno.
Essa fala do entrevistado 8 mostra que algumas pessoas do interior vinham a
Curitiba para fazer o curso de reciclagem, mas nem todas eram atendidas da forma
necessária, e as discussões centravam-se mais nas questões curriculares do que
propriamente no entendimento da legislação.
Além desses cursos, houve realização de várias pesquisas, como a
“Avaliação da Implementação da Reforma no Estado do Paraná”, de 1974, conforme
menciona um dos entrevistados. Ele explica que o Paraná, na época, foi dividido em
“municípios-pilotos” para a implementação da reforma. No entanto, conforme o
relato, houve dificuldades para se realizar a avaliação. Em suas palavras:
[...] nós construímos um instrumento que deveria ser preenchido
pelos professores numa escala ordinal de implantação e numa
escala ordinal de avaliação das metas. Então tinha uma escala
ordinal assim: implantada; mais ou menos implantada; totalmente
implantada; muito implantada; não implantada. (entrevistado 1).
Dessa forma, supõe-se que a aplicabilidade da lei não ocorreu da forma
prevista inicialmente. Foram vários os fatores que ocasionaram seu insucesso, pois,
conforme as palavras do entrevistado mencionado acima, este no seu grupo de
avaliadores da reforma, chegou à conclusão de que a lei “não havia sido implantada
e os professores não sabiam o que era a lei 5.692/71”.
Os professores que detinham algum conhecimento da lei, deparavam-se com
uma série de dificuldades de ordem prática. Houve muitas indagações em torno do
sistema de avaliação, pois não se poderia mais avaliar de forma numérica (de zero a
100, por exemplo), mas por conceitos como: ruim (correspondente às notas de zero
a 40), regular (notas de 41 a 60), bom (61 a 80) e ótimo (81 a 100). Como pode ser
depreendido da fala do entrevistado 8:
67
A mudança de conceitos trouxe muita confusão aos pais e
professores. Os professores tiveram de aprender para conceituar o
aluno e isso causou resistência porque era uma questão cultural: ele
acostumado a fazer de uma mesma forma, ter de mudar... é difícil.
As pessoas não querem se incomodar, portanto, não houve alteração
de prática. Mudaram-se conceitos, mas a prática era a mesma:
dando aula, dando atividades e o aluno executando. Aquela velha
cultura: o professor vem, faz curso, discute, mas quando vai para a
sala de aula e fecha a sua porta, faz do seu jeito
A nova determinação educacional exigiu dos agentes, como se vê, uma
mudança de ordem pragmática e cultural. Essa questão nos remete à legitimidade
da autonomia dos profissionais no sentido de direcionarem seu próprio fazer,
aceitando a mudança de conceitos apenas em teoria, estes faziam uso de sua
autonomia relativa enquanto educadores e selecionavam as novas orientações
pedagógicas recebidas conforme seus interesses. Por si só, essa era uma forma de
os agentes daquele contexto agirem e reagirem às determinações governamentais.
Portanto, o professor age politicamente, ao estabelecer adaptações das leis ao
cotidiano escolar em que está inserido.
É dessa forma que a comunidade de educadores permaneceu envolvida em
uma luta simbólica em que faziam valer suas percepções de mundo e pontos de
vista. Essa forma de conduzir a educação pode ter se constituído numa espécie de
manifestação contra as imposições da lei.
Bourdieu, quando se refere à aplicação de um método, diz: “a apropriação
ativa de um pensamento científico, ainda que muitas vezes desacreditada como
imitação servil de epígono ou como aplicação mecânica de uma arte de inventar
inventada, é tão difícil e tão rara, o pelos efeitos de conhecimento que produz
como também pela sua elaboração inicial” (1989, p.59). Essa dificuldade não foi
somente pela pouca disposição dos educadores brasileiros em implementar a
mudança, mas também devemos considerar que os professores não foram
suficientemente preparados para avaliar seus alunos seguindo o novo sistema
avaliativo.
Além do despreparo dos professores, ainda havia as implicações dessa
reforma na vida escolar de cada um dos alunos. Anteriormente, o sistema avaliativo
oferecia uma única chance ao discente de recuperar suas notas do ano letivo, por
meio do exame de segunda época. Para um dos entrevistados, isso exigia maior
68
empenho dos alunos. Depois da implementação da lei e da extinção desse tipo de
avaliação, a qualidade do sistema educacional sofreu uma grande queda uma vez
que, para grande parte dos professores do período, a avaliação era sinônimo de
punição para aqueles que não estudavam – como explica o entrevistado abaixo:
Quando aboliram a segunda época, o aluno, teve que estar sendo
recuperado (...). após aquela reforma implantada nos anos 70 do
ensino profissionalizante, nós fazíamos uns provões de avaliação do
semestre, depois foi abolido. Depois passamos a fazer um provão
de toda a matéria em dezembro para aqueles que não conseguiam
fechar a pontuação de 250 pontos. Depois tinha conselho de classe
que, de 250 pontos, caiu para 200, depois caiu para semestral com
100 pontos aí, então, Deus nos acuda.
Deve-se considerar, ainda, a forma rápida com que foram dadas as novas
determinações, fato que dificultou o processo de adequação do professor a essa
nova cultura educacional. O entrevistado 3 percebeu que os membros da Secretaria
de Educação ficaram muito assustados. “Nós estávamos saindo de uma 4024, e a
lei 5692 trouxe muitas novidades, de repente as pessoas ficaram atordoadas e não
se tinha na época tanta facilidade de materiais como se tem hoje”.
Mesmo que houvesse os cursos de capacitação de professores, quando se
fechava a porta da sala de aula para o início das atividades, estes faziam uso de sua
autonomia relativa enquanto educadores e selecionavam as novas orientações
pedagógicas recebidas conforme seus interesses. Dessa forma, nota-se que o
controle sobre os professores não era tão eficaz, afinal eles tinham uma autonomia
relativa inexpugnável no seu espaço.
Em um dos discursos, nota-se bem a resistência que a aplicação daquela
reforma encontrou ao se deparar com a força dos agentes educacionais. No entanto,
percebemos algumas contraditoriedades nessa fala, pois, quando pensamos em
termos de legislação, a 4.024 levou cerca de treze anos para ser aprovada, ou seja,
quando de sua implementação se encontrava defasada. E se a 5.692 o trouxe
mudanças filosóficas, como seus pressupostos eram desconhecidos se a lei anterior
ficou sete anos implantada?
Os nossos legisladores acham que (...) o que vai resolver é a letra da
lei. E infelizmente muitos desses legisladores não têm a visão da
realidade, não tinham e continuam não tendo. Se vo perguntar
quem são os nossos conselheiros, quem são os nossos legisladores,
69
de ontem e de hoje, nós vamos levar alguns sustos. Com exceção
dos grandes legisladores da 4024, Anísio Teixeira e outros daquela
turma dos Pioneiros que pensava e que fazia educação. A gente fica
meio assustado, que mudar a letra da lei é uma coisa, mas mudar
efetivamente a vida da escola é outra coisa. A 5692 sequer trouxe
mudanças filosóficas. E continuou calcada nos princípios da 4024, e
que eram absolutamente desconhecidos. Se fosse eu legisladora
naquela época eu optaria por um próprio revitalizar da 4024, inclusive
fazer os professores entenderem os princípios filosóficos,
entenderem as bases em que essa lei foi construída, foi pensada e
daí dar outro passo, enquanto isso se faria uma pesquisa da
realidade das condições, não chegar simplesmente: a partir de hoje
vamos implantar cursos técnicos, temos um tempo relativamente
curto para nos preparar (entrevistado 3).
Vale notar que as reações ante a lei 5.692/71 davam-se de forma desigual por
entre os educadores. Mas a fala diz que a lei era desconhecida... Será que
realmente era? Observe-se que ela já estava sete anos em vigência. Como pode ser
tão desconhecida? Não havia um consenso com relação a posicionamento contra ou
a favor a lei. Como em qualquer outro campo, a educação constituía-se, e ainda se
constitui, num locus disputado por diferentes grupos com opiniões diversas entre os
agentes. Essas relações de força ficam explícitas em Bourdieu (1987, p. 170):
[Os campos são permeados por] relações de força e de luta que
visam transformá-las ou conservá-las. Essas relações de força que
se impõe a todos os agentes que entram no campo, revestem-se de
uma forma especial: de fato, elas têm por princípio uma espécie
muito particular de capital, que é simultaneamente o instrumento e o
alvo das lutas de concorrência no interior do campo, a saber, o
capital simbólico como capital de reconhecimento ou consagração,
institucionalizada ou não, que os diferentes agentes e instituições
conseguiram acumular no decorrer das lutas anteriores, ao preço de
um trabalho e de estratégias específicas.
Partindo dessa premissa, pode-se compreender o posicionamento dos
dirigentes da esfera educacional do período analisado. Até mesmo entre os
membros da SEED não havia uma unicidade de opiniões. Havia aqueles que se
opunham às novas determinações e aqueles que procuravam implementar a lei de
qualquer forma. Nas falas, é destacado que muitos se esforçaram no processo de
implementação. No entanto, percebe-se que as opiniões eram muito diversas e que
não dá para afirmar de forma tácita que todos se dedicaram completamente à
implementação da reforma. Conforme aponta o entrevistado abaixo:
70
Tinha pessoas que faziam guerra, outros faziam força no sentido de
interpretá-la para querer ver as possibilidades de implantação. O
Estado, a Secretaria e o Ministério traziam propostas para que
efetivamente ela acontecesse. Então foi mais ou menos por que a
gente trabalhou. Entrou no espírito da reforma como Instituição,
como Universidade, como Setor de Educação, para ajudar [os
professores]. Havia alguns muito revoltados, como sempre. As
reações eram sempre as mesmas: se exige, mas nós não tínhamos
condições. Aquele mesmo discurso que até hoje se repete. A
realidade era outra, então não tínhamos como. Então o pessoal das
universidades era um pessoal, eu diria, mais cheio de gás, mais
otimista... Um pessoal jovem, todos nessa faixa dos 20, 30 anos.
Estávamos todos nos nossos anos dourados, no auge das nossas
crenças pedagógicas, então o pessoal que estava nas escolas,
mesmo botando o no chão, trazia para nós algumas restrições,
nos desafiava... Então foi um momento realmente interessante.
Traziam essas questões das dificuldades. Quando eu falava em
sondagem de aptidões... Eu dizia: vocês também têm que colocar
para nós o que vocês estão sentindo para termos dimensão! Mas
não era fácil não (entrevistado 3).
Como se pode notar, as reações eram adversas, denunciando que nem a
SEED, tampouco professores e escolas estavam instrumentalizados para
desenvolver o que era previsto. O imprevisível se sobrepunha ao planejado. O
entrevistado 3 ainda fala que a universidade estava totalmente envolvida nesse
processo de capacitação. Mas será que podemos pensar de forma homogênea?
Lembremo-nos de que os estudos realizados evidenciaram que as pessoas que
lutavam contra o regime ditatorial e suas determinações eram os agentes envolvidos
com o meio cultural, professores universitários, entre outros. Esses indivíduos eram
agentes com percepções e ideologias diferenciadas.
Outra questão que colaborou para a resistência dos professores foi o fato de
a nova lei ter diminuído substancialmente o período de rias escolares. Segundo a
fala do entrevistado 6, as férias dos professores foram reduzidas.
Quando veio a lei, nós perdemos aquelas férias de janeiro/fevereiro.
A gente já tinha que chegar aqui a 1º de fevereiro. E tinha 2 semanas
pedagógicas. As férias de julho, que eram de 30 dias, reduziram para
15, porque a SEED dizia que não era justo pagar aos professores o
mês para eles ficarem em casa. Mas naquele tempo, havia pessoas
que faltaram as duas semanas e não vieram trabalhar por protesto e,
é claro, levaram falta e foi descontado [do salário]. Custou
amadurecer a cabeça dos mais antigos de que as férias eram de
duas semanas.
Então também a época em que foi implantado [este novo regime de
férias] custou a ser aceito pelos professores, pois, antes, as férias
não terminavam nunca, o Estadual [colégio], que começava as aulas
71
a de março, começou a entrar a 15 de fevereiro. Quanto aos
novos professores que iam entrando, tudo bem, mas os mais antigos
reclamavam, os pais reclamavam porque tinham que voltar mais
cedo.
Nesse trecho, fica evidente que faltou o diálogo entre os professores com
suas expectativas e os dirigentes e suas respectivas exigências. Se a
implementação da referida lei dispusesse de mais tempo para a preparação devida
dos educadores, provavelmente as resistências seriam menores. Portanto, apesar
de não concordarem com as determinações, os professores tiveram de se adaptar
às determinações legais que lhe foram impostas, ressaltando-se mais uma vez a
autonomia relativa que os professores possuíam e o espaço restrito de tomada de
decisões. Houve determinações que foram fugidias as suas vontades, tendo de se
adaptar ao sistema vigente.
A falta de infra-estrutura física e humana foram outros fatores que
contribuíram para o insucesso da lei. Na época, não havia professores que detinham
conhecimentos técnicos para as novas disciplinas do ensino profissionalizante. Os
capacitadores tiveram de buscar esses técnicos nas universidades, muitos dos quais
jamais haviam tido contato com a docência. O recrutamento destes, como aponta a
fala abaixo, fez-se de forma arbitrária e às pressas:
Então foi àquela implementação bem desesperada, todas as escolas
queriam implantar ao mesmo tempo, não havia capital humano com
capacitação para trabalhar no 2º grau nas disciplinas técnicas. Então
o que ocorreu no Paraná? Eles iam às faculdades faziam uma
varredura nos estudantes de administração para que assumissem
como professores. Então a lei filosoficamente era muito bonita, muito
correta, mas a aplicabilidade dela deixou muito a desejar. Quando
tomamos ciência da implementação, os professores, que eram de
nível superior e que já estavam trabalhando na implementação da lei,
vinham às faculdades conversar com os estudantes de
administração, de economia, de contábeis para levá-los às escolas,
até para trabalharem como docentes. Aí que começamos a estudar a
lei, correr atrás, verificar, estudar a filosofia da lei, verificar
conteúdos, bibliografias, essas coisas todas, porque foi mais ou
menos assim, meio que a toque de caixa, surgiu e de repente nós
estávamos em sala de aula sem conhecermos muito (entrevistado 7).
Pela fala acima, pode-se imaginar a confusão que ocorreu na época de forma
a adequar o ensino de grau à reforma. Fica nítido o o-oferecimento básico de
condições de trabalho para os professores por parte do governo. Dessa forma, a lei
72
não passava de uma simples prescrição. Era necessária toda uma adequação da
rede escolar para sua eficácia, tanto em infra-estrutura física quanto humana.
É interessante perceber que essa lei, segundo os relatos proferidos pelos
entrevistados e pelo documento de implementação (1982b), somente vai começar a
ser efetivamente implementada na década de 1980. Nessa época, os cursos de
auxiliares cnicos começam a ter a visibilidade e aplicabilidade maior. Ao longo da
década de 1970, os capacitadores foram preparados, o que fez com que o projeto
de implementação seguisse a ordem preestabelecida. Antes, porém, os professores
ainda seguiam a lei anterior, 4.024/61, mesmo com a 5.692/71 divulgada. Ao ser
indagado sobre a efetivação da lei logo que foi estabelecida, o entrevistado explica:
Por exemplo, tinhamos que trabalhar a questão das áreas de estudo.
Não era mais história, geografia, estudos sociais e sim área da
Comunicação e Expressão. Então não se tinha o pessoal capacitado
para atuar de tal forma por áreas. algumas faculdades pensaram
os cursos de curta duração, mas também se pensou no
barateamento e no sucateamento dos cursos. Houve bastante
resistência. Uma das partes mais complicadas realmente da
implantação foi efetivamente essa questão de pessoal, de você não
ter esse pessoal especializado, pronto para responder essas
questões. Mesmo os professores das séries iniciais não sabiam o
que era trabalhar em áreas de conhecimento. Eles estavam
acostumados a trabalhar na matemática, em ciências, na coisa
picada, nesse currículo mais corretivo e menos integrado; então foi
uma batalha interessante (entrevistado 3).
Fica nítido que, além do problema de infra-estrutura física e humana, o
currículo também foi alterado, as disciplinas foram concentradas por áreas e além
disso a área de humanas perdeu espaço para as disciplinas cnicas.
Conseqüentemente, não se tinha pessoal preparado e qualificado para trabalhar, o
que ocasionou o insucesso e morosidade de implementação da lei.
Ainda com relação a essas questões, a fala do entrevistado 3 traz vários
elementos de análise.
Nós em função das necessidades, priorizamos a questão de
formação de pessoal, porque não tínhamos pessoal em condições
para dar conta das novas exigências. Outro problema bastante sério
é que as escolas não estavam, como não estão até hoje, preparadas.
Então, quando se trabalhava com sondagem de aptidões e iniciação
para o trabalho foi sofrível, porque quem é que ia fazer sondagem de
aptidões? O orientador educacional, mas sozinho ele não faz nunca.
Então o orientador se endeusou porque era ele que ia fazer
73
sondagem de aptidões. Uma tremenda barbaridade... Então, por
exemplo, eu tenho o interesse pela área de artes, arte culinária, mas
na escola não tenho esse espaço de preparação e nem pessoal
qualificado para ministrar esse curso, como fazer? Então você veja,
se olhar para nossas escolas, hoje, ainda continuam iguaizinhas a
[da época da lei] 4024. Mesmo esta lei solicitava ambientes
especializados, e você não tem essa resposta: as escolas continuam
sendo construídas da mesma forma, na base das disciplinas
tradicionais, quadro negro e giz, algumas têm o computador etc.
Então eu preferia voltar para as escolas do Pestalozzi, que eram em
baixo das árvores, mas eram verdadeiras (entrevistado 3).
Nesse relato, fica explícito que a questão do insucesso da implementação da
lei relacionava-se a uma questão primordialmente a questão de recursos físicos e
humno, pois o delineamento das diretrizes que embasavam o meio educacional
brasileiro eram completamente adversas à nova lei. Pouco se avaliava a quantidade
de recursos adicionais necessários para que a reforma se tornasse realmente viável
e efetiva.
Diante da falta de preparo dos professores, priorizaram-se os cursos de
formação de docentes, que ocorriam em um ritmo acelerado, especialmente em
Curitiba. Segundo os relatos, quem se concentrava nos grandes centros recebia
treinamentos periódicos, mas esta não foi a mesma realidade das cidades do
interior. Um dos entrevistados, diretor, que na época atuou em uma cidade do
interior, alega que “as escolas dos centros maiores do Paraná realmente tiveram
uma implementação maior de laboratórios e tudo mais” (entrevistado 4). Outro ainda
afirma que, no Colégio Estadual do Paraná, em 1970, havia laboratórios e máquinas
de escrever. Ainda o mesmo relato:
Então o colégio começa mesmo a ser equipado com tudo que era
necessário, por volta de 1985, nesta época ainda tínhamos os cursos
auxiliares, os computadores eram aqueles de cartão de perfuração,
máquinas de escrever, laboratório de prótese odontológica, de
patologia clínica, todos equipados. Depois foi adquirido mais
equipamentos para a implementação dos 4 anos, e a escola
funcionou muito bem. Então, quanto aos laboratórios, o Colégio
Estadual não teve problemas, mas nós sabemos que em outras
escolas do interior, o aluno aprendia datilografia com o encarte,
então não temos parâmetros para falar das outras escolas, mas aqui
havia uma estrutura grande (entrevistado 6).
De forma a poder atingir a população das áreas mais distantes de Curitiba, o
governo do Paraná montou escolas-piloto em cada um dos seus municípios. Essas
74
escolas eram coordenadas pelo Programa de Desenvolvimento do Ensino Médio
(PREMEM). Para a construção desses estabelecimentos, vinha recurso do governo
federal. Para tanto, as escolas e laboratórios eram equipados com os materiais mais
diversos, de forma a oferecer aos alunos todo o suporte necessário. Segundo o
entrevistado 4, essas instituições eram “escolas efetivamente equipadas e com
pessoal já capacitado para o desenvolvimento dos cursos (...). Então esse PREMEM
era um projeto piloto de nível federal”.
Fora do âmbito do PREMEM, aqueles que optaram por conhecer e, talvez,
seguir a lei 5.692/71 tiveram que fazer valer seus próprios esforços, como afirma o
entrevistado 4, que “começou a trabalhar, mas pela garra, pelo empenho dos
professores que sempre a rede pública teve. Muitos deles deram certo, porque eles
próprios foram se habilitar, foram sendo capacitados inclusive pelo próprio Estado”.
Segundo esse entrevistado, apesar da oferta de cursos de capacitação pela
Secretaria de Educação, sabe-se que muitos professores das escolas do interior tais
cursos não foram acessíveis. O que se destaca é o voluntarismo do professor ao
buscar informações, preparo e condições mínimas de trabalho para se adaptar à
nova legislação.
Ainda no que se refere aos projetos-piloto, a fala do último entrevistado citado
se confirma, se comparado com o documento Base de Implementação do Ensino de
e Graus (SEED, 1971). Ou seja, a princípio, as escolas-piloto do PREMEM
foram erigidas nos principais centros urbanos do Estado, quais sejam, Curitiba,
Londrina, Ponta Grossa, Maringá, Paranaguá e Jacarezinho. O restante das regiões
teve suas escolas adaptadas de forma gradativa.
De uma maneira geral, à exceção do Colégio Estadual do Paraná, as escolas
necessitavam de recursos básicos. Embora fosse prevista na lei uma série de
habilitações técnicas a serem concedidas pelos cursos (cerca de 130 vide anexo
1), apenas alguns tinham condições de ser ofertados, como o de Secretariado,
Técnicas Agrícolas, Administração, Contabilidade e Magistério. Esses cursos não
exigiam uma grande soma de recursos para seu funcionamento. Essa questão
apareceu freqüentemente nas falas, quando os entrevistados relatavam que, muitas
vezes, os cursos eram realizados apenas com encartes, sem outro material de apoio
para fornecer ao aluno.
75
Outro aspecto de destaque é que a reforma previa dotar o currículo de duas
partes: a “específica”, referente aos conhecimentos técnicos e profissionais, e a
parte “comum”, própria das disciplinas obrigatórias, tais como Comunicação e
Expressão, Estudos Sociais e Ciências. Essa questão curricular foi responsável por
gerar certas divergências entre os professores, diretores e dirigentes da SEED. Um
dos motivos era a diminuição da carga horária de algumas disciplinas, de forma a
incluir outras. Muitos professores que lecionavam as disciplinas tradicionalmente
conhecidas, viram-se desprestigiados ao verem o número de suas aulas reduzidas,
devido aos ensinamentos profissionalizantes. Como explica o entrevistado 6:
Era uma briga muito grande porque, por exemplo, se eram 5 aulas de
português, caíram para 4. Se eram 5 de matemática, caíram para 4,
isso por causa do profissionalizante. A gente não achou positivo
dirimir a grade curricular para dar espaço para o profissionalizante
porque ficou muitíssimo apertado. Eu lembro que o professor
reclamou muito da diminuição da grade porque antes nós tínhamos
uma grade que era possível dar toda matéria de língua portuguesa,
de literatura, geografia, ciências, etc. Mas acontece que durante
alguns anos a gente percebeu que o aluno do curso
profissionalizante estudava mais, que não era faltoso, se comportava
na sala como um adulto, e as aulas rendiam muito.
A parte comum do currículo vinha predeterminada pelo Ministério da
Educação. No entanto, diante das dificuldades materiais e humanas enfrentadas
pelas escolas, os educadores tomavam para si a função de adaptar ao seu contexto
as diretrizes curriculares determinadas.
Os professores foram se adaptando à realidade, buscando formas de se
acomodar, fazendo as suas escolhas. Porém, não havia uma crítica veemente às
determinações da lei. Apesar de todos os problemas, efetivamente, a formação dos
alunos acontecia. Esses depoimentos revelam que acontecia o possível, muitas
vezes aquém do desejado, aquém das determinações legais, mas estava lá, os
alunos se formavam, estavam no mercado de trabalho e nas universidades.
Com relação à parte comum do currículo, esta vinha predeterminada pelo
Ministério da Educação. No entanto, diante das dificuldades materiais e humanas
próprias da realidade escolar brasileira, sabe-se que os educadores tomavam para
si a função de adaptar as diretrizes curriculares determinadas ao seu contexto. Isso
se evidencia na fala a seguir:
76
montagem de projetos pedagógicos pra o desenvolvimento
curricular e isto vem numa linha dorsal [programa preestabelecido]
de como tinha que desenvolver os cursos, e cada escola foi
adaptando... a descrição pedagógica era feita nas próprias escolas e
cada escola foi se adequando a sua realidade (entrevistado 4).
Enquanto agente, o educador tinha consciência de sua autonomia e a
justificava alegando que somente ele era o real conhecedor de seu espaço. Afirmava
que as autoridades não tinham proximidade suficiente com a escola para saber de
suas reais demandas. Por isso, durante as entrevistas, ouviram-se relatos que se
assemelham ao apresentado a seguir:
A gente sempre dizia que a Secretaria e a escola olhava para cima,
quando se falava de currículo, e eu dizia: mas currículo é olhar para
baixo, é olhar para a escola, é olhar para a realidade, é olhar para o
professor, é olhar para os alunos (entrevistado 3).
Além disso, alegava-se que cada região deveria adaptar seu currículo às suas
necessidades e à sua cultura. Pela lei, cada estabelecimento de ensino poderia
optar por uma disciplina adequada à sua cultura regional. Mesmo assim, a maior
parte do currículo era igual para todas as escolas do país, com o intuito de se
direcionar o ensino a uma única trajetória. No entanto, essa organização lhes dava
pouca autonomia. Isso era percebido pelos educadores:
Aquilo que eu aplico no Rio de Janeiro, muitas vezes não pode ser
aplicado na Bahia, então essas resoluções, pareceres, decretos, até
que o Conselho elabore e redija é três ou quatro anos, então é
moroso nesse sentido, e depois começa a implementar que
está defasado, então tem que começar a corrigir novamente
(entrevistado 7).
Para a comunidade escolar, pais e alunos, no que se refere à forma como o
ensino foi estruturado, não houve conflito. Talvez isso tenha ocorrido pela própria
população ansiar por um ensino que lhes desse condições de se ter um emprego,
mas não significou que eles não objetivassem a universidade.
Olha, pelo que eu senti, como eu trabalhava em escola particular, a
aceitação foi muito grande. Inclusive a turma que eu trabalhava era o
colégio Camões e eles implantaram a nível de suplência, que era em
um ano e meio para pessoas acima de 18 anos, então a minha sala
de aula eu tinha 120, 150 alunos, e na grande maioria pais de
família, empresários, pessoas que tinham parado de estudar fazia
77
muito tempo e que a lei oportunizou naquele momento deles
retornarem. A nível de suplência fazia o curso de três anos, em um
ano e meio, então trouxe de volta toda uma comunidade que estava
adormecida. A grande maioria dos meus alunos estava no
mercado [de trabalho], muitos empresários, então muita gente da
cidade industrial, e muitos daqueles que terminaram o ensino médio
e que não tiveram oportunidade de ir para a faculdade, hoje temos
muitas faculdades particulares, na época não existia, então eles
viram uma possibilidade de crescimento, qualificação, então
retornaram para os bancos da escola. A criançada do grau existia
certa resistência dos pais, porque ele vai sair do ensino de três anos
e vai entrar no técnico de quatro então ele vai perder um ano para o
vestibular. Isso foi no primeiro momento, depois, à medida que eles
foram observando que os filhos vinham e que o amadurecimento e o
crescimento era maior do que aquele do ensino médio que era o
grau até então, eles começaram a valorizar. Mas nós chegamos à
época no Estadual de para um técnico em informática ter 4000
candidatos para 200 vagas. A procura era muito grande para os
cursos técnicos.
O aluno que saía mais preparado e o índice de
aprovados no vestibular dos alunos do Colégio Estadual do Paraná
eram dos cursos profissionalizantes, sempre foi (entrevistado 7).
Isto tem uma razão lógica. Ora, o vestibular é um concurso, uma disputa entre
iguais. Se todos passaram a receber este tipo de formação, era espectável que
esses alunos estivessem entre os aprovados. Evidentemente que se houve um
rebaixamento de currículo, houve um rebaixamento na média da nota nos
vestibulares, mas no vestibular passa quem tiver a melhor nota relativa e não
absoluta.
Um dado interessante e positivo trazido pela lei foi a força de atrair quem
estava fora da escola, havia algum tempo, de voltar aos estudos, exatamente
visando a profissionalização.
3.2 REPRESENTAÇÕES DO PROCESSO: IMPLANTAÇÃO DA LEI 5.692/71
PARA O ENSINO DO 2º GRAU NO PARANÁ
Quanto a esse período ser marcado por uma ditadura militar, a representação
passada pela literatura tradicional é de que foi um momento em que as pessoas
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tinham medo, tudo era vigiado, as escolas sofriam grande repressão e os
professores eram vigiados por militares até mesmo dentro da sala de aula.
Mas, pelos relatos, nota-se que grande parte da população não percebia o
momento em que vivia. Seja por falta de clareza política, seja porque o Estado de
Exceção se utilizou de vários instrumentos repressivos, de práticas veladas, sendo
aplicada a violência física apenas contra aqueles que se engajavam contra o regime
instaurado, e os indivíduos não viam essas repressões ou se omitiam por medo de
sofrer aquele tipo de sanção. Para o entrevistado 3:
Talvez as formas de encaminhamento pudessem ter algum traço,
mas nada assim mais expressivo, que você pudesse dizer não, isso
aqui tem marcas, não havia nada de extraordinário não. Também é
aquela história que o tempo abranda o juízo da gente, pode ser que
na época eu pudesse até ser mais exigente, que fizesse mais
críticas, esta marca estava ali, mas não era tão aparente. É aquela
coisa, as pessoas na Universidade faziam uma crítica mais
veemente, mas nada muito explícito. Então, acho que talvez na
questão do encaminhamento, vamos resolver! Vamos resolver!
determinando. Mas as práticas em 1978, nós estávamos
começando a desamarrar algumas coisas, a sociedade mais crítica,
especialmente esse pessoal da Universidade, mais aberto, mais
crítico, não tinha como ter controle sobre o grupo dos professores,
que um colega nosso foi indicado e sofreu penalidade, não. Inclusive
eu tinha colegas meus que foram a Porto Alegre comigo que tinham
passado por processos que estavam integrando o grupo da mesma
forma, porque eram pessoas inteligentes, capazes.
Na fala acima, se atenta para a questão do tempo, em que as representações
das pessoas sobre os acontecimentos cotidianos podem mudar no decorrer dos
anos, que as ações podem ser abrandadas. Percebe-se que, ao tecer a análise do
período, os entrevistados faziam constantes ligações com o presente. Isso talvez
possa contribuir para uma interpretação diferente daquela que se tinha no período
vivido. E as falas remetem-se geralmente nas décadas finais de 1970, que se
davam início ao período de abertura política. Vale ressaltar que o início da década
de 1970 foi marcada pelo general Médici no poder, um dos militares mais violento do
período ditatorial, que decretou o AI número 5.
Para o entrevistado 1, as formas de repressão direcionadas à escola
situavam-se no sentido de tirar as condições efetivas de trabalho.
A repressão não era ideológica, era muito mais forte a pressão,
eles tiravam condições, eles diziam cada semestre, cada ano: nós
79
não vamos mais pagar professor pra ensinar xadrez, nós não
vamos mais pagar professor pra artes industriais, nós não
vamos mais pagar professor pra isso, pra aquilo ou pra aquele
outro, os professores não vão mais ter as horas de sábado pra
estudar remuneradas. Então acabava-se a experiência e eles
diziam que a culpa era da experiência, porque enquanto tinham-se
privilégios fazíamos. Sabe a teoria da culpa? Enquanto a escola tinha
esses “privilégios” ela funcionava, depois não funcionava.
Esse relato traz elementos que dão uma dimensão sobre como a repressão
era imposta sobre as escolas: de forma velada. Essas questões muitas vezes, para
a parcela dos professores, foram compreendidas como sinônimo político, interesse
de se reduzir gastos com a educação. Então, a pressão sobre a instrução foi sendo
absorvida como questões necessárias ao bom funcionamento. Essa escola a que o
entrevistado se refere era de projeto-piloto, que teve grande repercussão como
modelo educacional entre as escolas, que a visitavam constantemente para ver os
projetos, mas, por apresentar um ensino diferenciado, em comparação às outras
escolas, ela foi considerada subversiva pelo poder político, por não cumprir algumas
exigências militares, tais como cantar o Hino Nacional todos os dias, fazer filas, etc.
Dessa forma, retiravam-lhe as condições de trabalho, responsabilizando os próprios
professores pelo insucesso do projeto, o que representou no imaginário de muitos
profissionais incompetência profissional. Essa questão de não cumprir as regras
pode ser visto no relato abaixo:
A gente tinha por hábito não fazer filas e nem usar uniformes, e não
havia inspetores de disciplina, que naquela época era comum nas
outras escolas estaduais. Como era o regime militar (...). Um dia uma
professora que estava na coordenação fez um comentário sobre o
hino nacional, que a gente não queria, era obrigado como todas as
outras escolas a hastear a bandeira e a cantar o hino nacional todos
os dias, mas a gente não queria que as crianças fizessem isso
automaticamente. Então nós começamos um trabalho de explicar,
ensaiar, dizer o que significava o hasteamento da bandeira, porque
quando chovia ela era retirada, explica. E uma das professoras não
muito cuidadosas fez um comentário assim: é porque senão aquela
bandeira não vai significar nada para as crianças, vai parecer
um rolo de papel higiênico se esticando. E uma das professoras
era filha ou neta de um general e foi denunciar, e nós fomos
chamadas na Secretaria da Educação porque era uma escola
diferente, subversiva.
Ainda com relação às formas veladas da repressão, o entrevistado 2 diz:
80
(...) era uma ocasião em que as pressões, o receio das pessoas,
inclusive de colegas, era muito grande e porque também havia uma
propaganda maciça sobre os feitos do próprio governo e para as
pessoas que não estavam diretamente ligadas, muitas coisas
passavam desapercebidas, além disso nós vivíamos no país o
chamado Milagre Econômico, que coincidiu bem época de 1972,
época do governo Médici, que redundou em nosso grande
endividamento nacional, mas haviam muitas obras, muitas
intervenções e de um modo geral a população estava apaziguada.
Os movimentos sociais todos estavam calados, a esquerda tinha sido
desbaratada, então era como se vivesse num mar de rosas. As
coisas começaram mesmo vir à tona depois de 1978, as pessoas
comuns não tinham consciência da ditadura.
Mais uma vez, o relato confirma que esse momento da ditadura não era o
claro como a historiografia tradicional afirma: grande parte da população
compactuava com esse regime, muitas vezes de forma inconsciente ou até mesmo
declarada, pois parte da elite ansiava carrear benefícios próprios, queriam
vantagens governamentais (dessa forma, apoiaram o regime que lhes dava
oportunidades e privilégios), e parte da população percebeu esse momento como a
melhor fase do Brasil. Apesar de seu endividamento, o Brasil vivia o Milagre
Brasileiro, em que os trabalhadores tinham grande poder de compra, pois havia
facilidade de crédito, havia segurança, a corrupção não era escancarada na mídia
ficava apenas nos bastidores do governo, a mídia era direcionada pelos militares e
outros tinham medo de reagir contra as determinações, ou seja, diversos fatores
contribuíram para o apoio das massas.
Para Bourdieu (1989), esse campo de produção simbólica é um microcosmo
da luta simbólica entre as classes, ou seja, os sistemas ideológicos que os
especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica,
legitimam, por meio dessa luta, instrumentos de dominação que se reproduzem de
forma irreconhecível.
Para o entrevistado 6, essa luta ideológica tinha o apoio dos grupos
interessados em adquirir poder e as pessoas envolvidas no contexto tinham
consciência de suas atitudes e do momento político que o país vivia. Cada um
adequava seu habitus dentro do campo de pertença.
Nossa! Eu lembro que bem secretamente orientada pela nossa
coordenação de que tomássemos cuidado quando tivessem
explanando e o aluno fizesse pergunta, porque literatura tem
contexto histórico, e tomássemos cuidado com os assuntos de
81
redação. Foi que nos contaram que tinham policiais liberais
vestindo uniforme azul marinho de tergal do colégio se infiltrando
aqui, mas por causa do tráfico de drogas, naquela época. Tinham
consciência sim, a grande maioria tinha consciência sim, de que a
ditadura era de outra direita, tinha os fascistas, entre aspas, que
gostavam dos militares porque eles colocavam todos os tupiniquins
na cadeia como no caso uma professora se expressou, quando
começou a abertura, eu lembro que alguns diziam: - “Ai mais agora
nós vamos ver, a bandidagem vai tomar conta”. Então era uma
época de grande repressão. A gente penava pelas pessoas
conhecidas nossas que eram pegas, isso tudo uma loucura.
Entrevistadora - Mas e essas pessoas que não estavam dentro da
escola?
Essas pessoas não sei se tinha consciência, mas a parte
intelectualizada da nação tinha bastante consciência da repressão,
porque a repressão dos anos 70 foi terrível. Não foi de brincadeira. O
AI-5 é de dar arrepios, ele é curtinho, mas se você lê, você se
arrepia. Agora, por outro lado, não faltou fascista, porque eu lembro
que faziam passeata por Deus, pela pátria, e pela liberdade, que
começou com as mulheres, meninas e aí a elite vai pedir uma
ditadura, porque as ditaduras no Brasil não foram gratuitas, as elites
políticas brasileiras é que pediram, as elites sociais gostavam, desde
que não me afete eu tô numa boa, os outros que se danem.
Pelas falas, foi possível notar que as disciplinas de Organização Social e
Política do Brasil (OSPB) e de Moral e Cívica eram direcionadas segundo as
ideologias do regime instaurado. Isso fica evidente no relato do entrevistado 4:
Olha, na época eu era professor de Moral e Cívica e OSPB. Todo
início de ano letivo nós precisávamos vir a Curitiba e pegar a
autorização pelo DOPS para ministrar essas aulas. Então isso é pra
essa área, como professor tínhamos essa pressão. O professor
dentro da sala de aula ele tinha que ter a postura do que podia e do
que não podia falar. Tinha que ter o no chão e cuidados com a
sua profissão e na formação do estudante, dos seus estudantes.
[para dar aula] Você tinha que ter ficha limpa, era uma ficha da
polícia federal, pra você ser autorizado a ministrar aulas em Moral e
Cívica e OSPB, da época da ditadura. Ah, tinha o planejamento,
tinha livros publicados na época dentro do que você podia trabalhar.
A gente fazia um trabalho dentro da sala de aula, de conscientização
e tudo mais, mas realmente era uma época diferente da de hoje.
Entrevistadora - E a população em geral? Como a senhora via? Eles
sentiam que era um período onde a democracia estava extinta?
Entrevistado - A sociedade sentia, nossas famílias sentiam sim,
apesar que, na época de 64, eu era estudante em Curitiba. Eu tinha
uma vida normal, 64, 68, então a gente acompanhava, via noticiários,
a imprensa era menor e era uma época preocupante, mas quem
tinha sua vida normal levava, estudantes mesmo, sala de aula, foi
uma fase da sociedade brasileira que a gente passou.
82
Apesar de a disciplina ser direcionada, ter planejamento próprio, não foi algo
que marcou as vivências dos professores. Quem lecionava a disciplina dava sua
aula seguindo o planejamento, se adaptava à situação. Com relação a isso o
entrevistado 5 aponta uma possível resposta:
Naquela ocasião foram criadas as disciplinas de Educação Moral e
Cívica e de Organização Social de Política Brasileira, e foram
escolhidos professores naturalmente com certo cuidado, professores
que não fossem de nenhuma tendência, professores que fossem
naturalmente contar as coisas e explicar e ensinar as coisas como
deveriam ser, e não levando em conta sua orientação. Então era
evidente que nós escolhíamos os professores que não iriam nos criar
problema, um professor que se ligou a esses movimentos
subversivos ele foi preso. O problema era dele, não meu, foi fora do
colégio também. Mas foi somente um que eu tive conhecimento,
mais eram os alunos, nós tínhamos um grupo de alunos bastante
grande que se insurgia contra essa situação do país, conforme o país
estava sendo levado etc. Então, o calor da mocidade, né? [risos].
Ainda o entrevistado 8:
Quanto a vivermos numa ditadura, deveriam se seguir às diretrizes
traçadas, aos projetos, o diretor do período era escolhido e traçava
as diretrizes de acordo com o núcleo de inspetorias. Os mais
rebeldes eram professores mais antigos e eram respeitados, o
Colégio sempre foi respeitado, o que havia era algumas
manifestações, mas na escola ninguém discutia os problemas, talvez
por medo, mas é como é hoje, são poucos que tomam partido, para a
população era normal. Quando estourou a ditadura ficaram
preocupados, mas não havia problemas. Quem era perseguido era
jornalistas, comunistas, socialistas, os professores não se envolviam
e a escola não via expressar pensamentos.
Eu estava na paralisação de 1977 ou 1978, fui preso por estar
fazendo greve, mas fui liberado em seguida. Por eu ser filho de
militar, vi que muita coisa ruim foi feita, mas no meio da educação
não víamos nada.
Pela essência de um regime militar, a educação também foi pensada como
uma forma de controle social. Para tanto, os professores selecionados para ministrar
essa disciplina de Moral e Cívica e de OSPB eram pessoas que não contestavam o
regime instaurado, seja por medo de ser preso, seja por medo de perder o emprego,
seja porque acreditava nas suas ideologias, seja, ainda, por outros motivos os quais
não temos como conhecer. Mas o que se destaca é que com relação às outras
disciplinas, apesar de se ter um programa que desse um direcionamento, que fosse
uma tentativa de controle, cada um dos professores assimilava de formas
83
específicas segundo o seu entendimento. Em decorrência, foi possível notar que as
práticas eram muito diversas, que eles não eram simplesmente manipulados ou
persuadidos, mas faziam opções. Ficou claro nas entrevistas que os professores
sabiam até que ponto deveriam ou não seguir os direcionamentos impostos sobre a
escola, e que em muitos casos fizeram e agiram conforme sua vontade.
Ressalte-se que o Estado de Exceção punia somente os dissidentes, que não
se rendiam a suas ideologias. O entrevistado 7 reafirma essa colocação:
Olha, alguns professores que trabalhavam na época com o que nós
chamávamos de OSPB, a gente observava que certos professores
tinham receio em trabalhar determinados assuntos com o aluno, até
pela repressão, mas de uma certa forma é tudo aquilo que a gente
falou, quando eles implantaram foi com toda uma ideologia neo-
liberal e o capitalismo muito presente, então é natural que houvesse
sim algum receio, em até você tocar determinados assuntos pela
repressão que ocorria. Os que eram considerados comunistas
sofriam as penas, e uma série de coisas, e eu me lembro que na
época de estudante eu era aquela estudante muito rebelde, porque
queria que as coisas melhorassem e muitas vezes eu fui perseguida,
tinha que me esconder atrás do balcão da lanchonete porque eu ia
para a rua com a passeata. Então era bem complicado a repressão,
era muito violenta e se você fosse presa ia ser exilado um monte de
coisa, então dentro da sala de aula as pessoas tinham um certo
receio, em tocar em determinados assuntos até em relação ao
governo, porque quer queira ou não, você não quer ser preso, ser
exilado. Filosoficamente você não concordava com algumas coisas,
mas o silêncio te fazia calar, você não tinha como estar
argumentando. Eu acho que as pessoas percebiam esse momento
político, e sempre com certo receio, principalmente as mais
esclarecidas, agora as pessoas com pouca escolaridade, para eles
tudo bem, tudo que o governo fizer bom, mas as pessoas que
tinham maior esclarecimento sofreram muito, porque você estava
limitado dentro daquele espaço, quer dizer, você não tinha voz para
falar, você tinha uma visão de mundo e tinha que se adaptar com
uma visão de mundo imposta. Eu vivi minha adolescência com medo,
a minha adolescência foi neste período militar, então era bem
complicado mesmo, até de você ir para a escola o avô ia buscar, ia
levar de medo de bomba no meio da rua, de passeatas dos
estudantes, de agredirem os menores, então tinha uma série de
coisas que tirava muito a sua liberdade de ir e vir.
Nota-se a diversidade da experiência dos professores: uns com posições
mais categóricas, outros mais sutis, reações às vezes adversas, formas diferentes
de perceber um mesmo contexto. Alguns tentavam seguir os direcionamentos,
outros acabavam determinando o que era e o que não era adequado ao seu
planejamento. Essas reações evidenciavam que os agentes não eram tão ingênuos,
84
reagiam da forma que podiam, no seu cotidiano, às dificuldades, à falta de infra-
estrutura.
Como relatado anteriormente, talvez essa maneira de reagir às
determinações da lei fosse uma forma despreocupada de conduzir o seu trabalho.
Nesse sentido, pode-se questionar se realmente a lei produziu o efeito desejado
sobre os professores, sobre suas práticas, como ambicionavam os governantes. No
que se refere às disciplinas de OSPB e Moral e Cívica, parece que sim, que houve
uma conformação segundo parâmetros já direcionados, mas, no que tange às outras
questões da organização escolar, percebe-se que os professores fizeram suas
escolhas.
No que tange às pressões ou ações sobre a SEED, ou sobre as escolas, ou
sobre os indivíduos de forma particular, evidenciou-se uma interpretação
exacerbada da historiografia quanto à dimensão estratégica da educação para a
efetivação do regime.
Em relação à forma de implementação da lei no Paraná, observou-se que a
hipótese de divergências significativas entre as orientações da SEED e as
expectativas dos professores não pôde ser sustentada, pois, embora houvesse
algumas discussões em torno do currículo e dos seus objetivos, estas se mostraram
ser moderadamente harmônicas. Cada qual no seu habitus adaptou as situações
segundo seus objetivos próprios, mesmo que de forma involuntária.
Cada agente buscou se adaptar conforme sua necessidade e interesse, o que
fez com que não deixasse de existir uma aula que tivesse como foco o aluno,
voltado para a formação humana, embora despreocupada com os direcionamentos
técnicos da lei. Pelos relatos, percebe-se que a escola e suas práticas é um terreno
extremamente fértil, com uma riqueza de práticas queo fugidias às regras com as
quais não compactua. A historiografia com a qual se dialogou, embora pertinente
sob muitos aspectos no que se refere às políticas blicas, ainda deixa muito a
desejar nas relações infirmadas entre os agentes, nas suas formas de se relacionar
no campo ao qual pertencem, em que os indivíduos não são produtos de um Estado
Autoritário, que tudo controla e que tudo pode, tirando a liberdade e o poder de
reagir contra as determinações legais.
O balanço geral percebido por parte dos entrevistados foi de que apesar de
todos os problemas enfrentados, a reforma da educação de segundo grau teve
85
traços positivos: os alunos se mostravam mais interessados, maduros, abriu-se a
possibilidade para aqueles que não pudessem cursar a universidade terem alguma
formação. Contudo, não podemos perder de vista o que dissemos acima sobre a
provável visão romântica destes especialmente quando falam de algo distante no
tempo e do qual foram parte.
Este olhar fica explícito no relato citado a seguir:
As escolas normais de formação de 2° grau [magistério na época],
para a educação de 1° a 4° [e] pré-infantil era muito importante,
inclusive para os que tinham intenção depois a nível de 3° grau, na
formação de matérias especificas, cursos específicos na área de
formação pedagógica. Este professor hoje, se ele tivesse tido como
nós escola normal, todos os cursos de 2° grau, ele estaria muito mais
habilitado a entender o desenvolvimento da criança mesmo da a
8ª, do que este profissional que muitas vezes terminou o ginásio ou o
grau, o 2° grau e vai direto para o 3° grau, deixando de lado pela
extinção dos cursos das escolas normais de formação de professor a
nível de 2° grau. O magistério de 2° grau, no meu ponto de vista, não
deveria ser extinto, mas ele foi extinto porque ele não foi melhorado
no decorrer de sua existência. Mas eu mesmo fiz magistério de
grau no interior, vim pra Curitiba e fiz vestibular na Federal e passei.
Então a educação de uma maneira geral não interessava o local, era
muito sério muito forte (entrevistado 5).
Para o entrevistado 4, essa formação de grau contribuiu para a formação
dos professores das séries iniciais, por ser um ensino de melhor qualidade e que foi
extinto por não se ter investido na infra-estrutura material. É conveniente destacar
que essa interpretação que os professores fazem da educação sob a égide da lei
5.692/71 tem muito da comparação com a educação dos nossos dias. Eles não se
debruçaram numa análise própria daquele contexto. Se assim o fizessem, pode ser
que sua interpretação fosse bastante diferenciada dessa que projetam. Para o
entrevistado 9, essa questão da qualidade também se ressalta.
Nesse período as escolas militares ficaram melhores, essas escolas
são maravilhosas, de qualidade, com conhecimentos profundos em
diversas áreas. As escolas técnicas federais se transformaram em
Cefet’s, o ensino era de qualidade.
Naquele período o Brasil era feliz e não sabia, quando as forças
armadas entregaram o poder, as escolas Estaduais e Municipais se
viram enfraquecidas, o governo permitiu a corrupção, descaso dado
ao professor com relação à preparação e salário.
Naquele período os alunos do Estadual passavam no vestibular sem
cursinho, os militares estavam voltados a combater o comunismo. A
lei veio naquele momento porque era necessária, e a educação
86
seguia os padrões militares. Mas, de uma maneira geral, a qualidade
do ensino caiu por falta de comprometimento dos profissionais, a lei
ajuda quando é cumprida.
Deve-se relembrar que o entrevistado 9 foi militar de carreira e dava total
apoio ao período da ditadura, por considerar que a sociedade deve ser regida por
mãos fortes. Mas é interessante notar que, no que se refere à lei, conforme o senso
comum, ela veio de repente destinada a uma formação massiva, mas ao mesmo
tempo os professores se referem a essa formação como de qualidade, que os
alunos eram mais responsáveis, que esse curso não deveria ser extinto. Isso porque
o universo de compreensão e atuação de cada um é adverso; embora aquele
momento fosse de mudança, ainda estavam muito presentes heranças do passado,
muitas vezes, absorvidas de uma forma acrítica e romanceada.
Outra questão que se destacou como afirmativa para os entrevistados é que
esse momento foi positivo para que as pessoas que estavam fora da escola
percebessem que, para que a lei alcançasse seus objetivos, seria necessário mexer
em várias bases que acreditavam estar firmes, notar que uma reforma educacional
não se efetiva somente pela escola e seus partícipes, que são necessários outros
elementos, como cursos de formação, infra-estrutura e, além de tudo, vontade,
desejo de que tal empreendimento dê certo.
O entrevistado 3 faz esse balanço quanto aos professores capacitadores da
Universidade:
Foi um momento em que, por exemplo, os professores das
universidades também foram chamados, e também algum deles
levaram alguns sustos, no sentido de “puxa, a coisa não é por
aqui, tem mais, a universidade também não é só essa torre de
marfim tem mais a ver do que esse espaço aqui”. Então foi um
momento em que eu acho que se iniciou de uma forma muito branda,
mas um questionamento por parte dos professores que estavam
acostumados com suas disciplinazinhas, muito fechadinho no seu
mundo. Então eu acho que passou a ser desafiado por esse novo
convívio, mais próximo da escola, por exemplo, a universidade
montou alguns projetos muito interessantes junto com a Fundação
Araucária, para professores atendentes. Foram desafios
interessantes que foram surgindo, e que a universidade foi tendo que
dar conta.
Para o entrevistado 6, a principal questão que ressalta é a disciplina discente,
porque eram comportados, responsáveis, ressaltando como os objetivos de moral,
87
asseio, bons costumes, também apregoados pelo Estado de Exceção, faziam parte
do ideário dos professores. A questão comportamental classificava os considerados
bons ou maus alunos.
Eu dei aula durante muito tempo no curso de prótese, que me rendia
mais que uma turma de ensino médio, que não estudava. Era um
sacrifício! Todos os professores reclamavam e quem tinha aula no
curso de Edificações era uma beleza, o de Análises Clínicas, não
tinha reclamação, porque você chegava numa sala, dava uma aula
excelente, não tinha que chamar atenção de aluno, não tinha que
reclamar porque não tinha livro, era uma beleza, porque eles tinham
responsabilidade e madureza, porque eles estavam fazendo um
curso que ia dar diploma. Eu ia dar aula no [curso de] prótese com
guarda branquinho, aqueles moços mais educados aquelas
moças mais educadas, até a postura delas sentar, a fisionomia deles
era outra coisa.
No que se refere ao traço tecnicista nos direcionamentos da reforma
educacional da lei 5.692/71 afirmados por Ghiraldelli e Romanelli, embora não se
configurasse objeto deste estudo, percebe-se que os professores envolvidos no
processo de ensino não compreenderam dessa forma. Estes primavam e
direcionavam o seu ensino para uma formação humanista. Pelos direcionamentos
dos cursos de capacitação, nas falas dos entrevistados e pelas fontes analisadas,
ficou evidente essa preocupação na formação ofertada aos discentes.
Esse entendimento único seria reduzir e padronizar a ação humana a
regularidades previsíveis e controláveis. As falas evidenciam a adesão consciente e
não necessariamente voluntária por parte dos agentes às determinações e
direcionamentos legais.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como objetivo compreender o processo de implementação
da lei 5.692/71 para o ensino de grau no Paraná no período da ditadura militar.
Para tanto, foi necessário retroceder e avançar no tempo, de forma a compreender o
contexto em que essa determinação se inseriu.
Este estudo visou ir além da interpretação histórica responsável por conceber
a educação brasileira como simples e direto reflexo das forças do mercado
internacional aliadas ao desejo progressista das autoridades governamentais.
Buscou, ainda, compreender a ação dos educadores, principais agentes daquele
contexto, cuja autonomia dificilmente é extinta, mesmo em uma época de ditadura
militar.
No início deste trabalho, tinha-se como hipótese principal a de que haveria
uma outra versão sobre o processo de implementação da lei referida. Para isso,
dialogou-se com autores de grande relevância da história da educação brasileira.
Notou-se que boa parte dessa literatura avalia de forma negativa qualquer medida
educacional que tenha partido dos militares. Alega que estes, desejosos de
impulsionar o desenvolvimento brasileiro, colocaram a educação nacional à mercê
dos interesses do mercado.
Com os dados levantados por este trabalho, pôde-se constatar que houve
uma grande proximidade entre os governantes brasileiros da década de 1970 com o
governo dos Estados Unidos, que, na época, travava acirrada luta ideológica para
conter a expansão do movimento encabeçado pela União Soviética. Mesmo assim,
notou-se que muitas das determinações legais que partiram do governo brasileiro do
período deviam ser analisadas menos em comparação com as políticas
internacionais que com a própria realidade brasileira.
Os índices alarmantes de analfabetismo e miséria instigaram as autoridades a
investirem em novos modelos de desenvolvimento econômico para o país. Muitos
desses modelos haviam sido aplicados a outras realidades, de países
desenvolvidos, gerando resultados satisfatórios.
A lei educacional aqui estudada foi fruto desse contexto, fato que não
significa, necessariamente, que as proposições para a educação constituíram um
mero reflexo das forças mercadológicas e políticas internacionais.
89
O aspecto mais importante sobre as diretrizes do campo educacional foi a
própria autonomia do profissional da educação, tais como professores, diretores de
escolas e membros das secretarias. Estes tinham pelo menos um espaço de
autonomia a escola, ou seja, o espaço necessário para que pudessem, de alguma
forma, intervir em seu contexto social. Por isso, decidiu-se tentar compreender essas
relações e motivações, ou seja, a participação desses agentes no processo histórico
relativo à implementação da lei no Paraná.
Para tanto, mostrou-se necessário buscar nas fontes essas asserções à
questão da política oficial, à produção acadêmica que trata do período e à
percepção dos envolvidos no processo.
No que se refere à lei 5.692/71, para a historiografia tradicional, e mais
precisamente Romanelli (1986) e Ghiraldelli (1990), esta foi implementada por
interesses capitalistas resultantes dos acordos internacionais e influenciada pela
Teoria do Capital Humano. No entanto, esses acordos tinham por objetivo avaliar a
situação educacional no Brasil a partir de pesquisas estatísticas, para que então o
governo pudesse desenvolver sua estratégia educacional. Ao estudar o habitus dos
agentes envolvidos nesse processo, percebeu-se que a questão política era muito
presente. Contudo, essa reforma educacional tinha por objetivo organizar o ensino
educacional brasileiro, uma vez que esse sistema estava caracterizado como
ineficiente, não sendo caracterizada apenas como estratégia de política econômica.
O ideário desenvolvimentista de meados de 1960/1970 foi entendido por parte
da elite militar hegemônica como a possibilidade de superação da pobreza e do
atraso nacionais. Durante essas décadas, os objetivos governamentais centravam-
se no intuito de dotar o país de uma infra-estrutura material que gerasse o
desenvolvimento nacional e internacional, fruto de interesses de diversos grupos
sociais e políticos.
Dessa forma, grupos advindos das diversas camadas sociais vincularam
intensa campanha e discussões em torno do desenvolvimento, nacionalismo e
superação das desigualdades sociais. No entanto, essa orientação ia de encontro
aos interesses de parte da elite hegemônica representada pelos militares que
ascendeu ao poder em 1964. Estes tinham o interesse de projetar o Brasil
internacionalmente. Dessa forma, abriram-se precedentes para o mercado
internacional se instalar no Brasil.
90
Para reter os movimentos populares e convencer a população de seus
objetivos, esse Estado de Exceção utilizou como seu porta-voz os direcionamentos
da Escola Superior de Guerra, que fez do elemento psicossocial, da violência, da
burocratização e da educação suas principais formas de doutrinação. Tentou
organizar a sociedade brasileira segundo parâmetros da Escola Superior de Guerra.
Isso ocasionou formas específicas de controle, em resposta ao desafio apresentado
pela sociedade civil, na forma dos movimentos sociais. No entanto, diferente do
totalitarismo, em que a violência é aplicada a todos os indivíduos, o Estado
autoritário aplicava a violência física somente contra os indivíduos considerados
subversivos.
O Brasil da década de 1970 vivia seu auge industrial e econômico. As altas
taxas de inflação ficavam camufladas pelo poder de compra da população e houve
elevação do PIB. Esse período ficou conhecido como Milagre Brasileiro. Em
conseqüência, novas classes sociais foram se formando no cenário brasileiro,
oportunizando a projeção das empresas estatais e da burocratização. Houve uma
concentração de riquezas, o que ampliou o padrão desigualitário de distribuição de
renda. Em conseqüência desses fatores, entre 1960 e 1970, o capital internacional
se destacava no contexto brasileiro, passando a ter relevância também nos
direcionamentos educacionais.
No Paraná, a situação não foi diferente do contexto brasileiro. A adesão aos
discursos de modernidade administrativa e de esperança na construção de um país
melhor e mais grandioso perpassou os discursos de grande parte dos governadores
paranaenses, os quais ansiavam a industrialização do Estado, juntamente com o
incremento tecnológico na agricultura. Verificou-se que o Estado sempre esteve
interessado em manter laços estreitos com os presidentes, especialmente no intuito
de angariar recursos financeiros.
A lei 5.692/71 surgiu nesse contexto econômico, vista pelos governantes
como possibilidade de direcionamento pedagógico, social e de formação. No
entanto, isso não significou que os partícipes desse processo fossem destituídos de
seu poder, tornando-se marionetes nas mãos dos dirigentes.
Uma das críticas que os autores da historiografia tradicional tecem com
relação à lei é que seu direcionamento foi resultado da Teoria do Capital Humano,
amplamente difundida na década de 1970. No entanto, os
direcionamentos políticos
91
detectados nas fontes contrapõem-se a essa afirmação de que a educação passou a
ter essa característica a partir de 1970. nos discursos de finais da década de
1950, os governantes paranaenses discursavam a favor de uma educação que
propiciasse mão-de-obra qualificada. Então seria lógico que o governo projetasse
sobre a escola a possibilidade de suprimir o problema da falta de mão-de-obra
qualificada e viabilidade de crescimento econômico. Portanto, se compreendia a
questão de maior formação e mais lucratividade para o Estado, muito antes de a
TCH fazer parte dos discursos educacionais brasileiros. Apesar desse processo de
formação técnica ter sido ampliada ainda mais após a influencia da TCH.
Porém não se pode negar que, após a chegada dessa teoria ao Brasil, suas
orientações pedagógicas foram redirecionadas. Para a TCH, a pesquisa tem
extrema importância no sistema econômico, pois conhecimento e capacidade
produtiva são produtos de investimento que, combinados com outros, haviam
possibilitado a superioridade produtiva de alguns países desenvolvidos. Dessa
forma, na década de 1970, as agências de fomento à pesquisa foram ampliadas e
os programas de pós-graduação se expandiram. Apesar de essa Teoria ser reflexo
de acordos internacionais, também trouxe pontos positivos para os direcionamentos
educacionais brasileiros. Não para reduzi-la simplesmente ao resultado de
desejos obscuros por parte dos governos.
Essa reforma também teve a intenção de estruturar e organizar o sistema
educacional brasileiro, de suprimir um sistema seletivo, com altos índices de evasão
e repetência e o de dar oportunidade de formação para a população, para que
pudessem ter qualidade de vida. Como visto pelos relatos dos entrevistados, tanto
os professores como os empresários que necessitavam de pessoal especializado e
a própria população reclamavam a favor da organização do ensino brasileiro e a
favor de uma formação que lhes propiciasse qualificação. A demanda de formação
era umas das saídas para os problemas em que o País e o Paraná se encontravam.
O ensino de 2º grau passou a ser obrigatoriamente profissionalizante em
todos os estabelecimentos de ensino, com o intento de direcionar o ensino brasileiro
a uma única trajetória, eliminando-se, dessa forma, a questão da dualidade de
ensino, em que se afirmava haver duas escolas: uma que formava para o vestibular
e outra para o trabalho. Para tanto, os currículos foram redirecionados, passando a
ter uma base comum e uma formação específica. Essa nova reorganização causou
92
muita polêmica nas escolas entre os professores. Estes não queriam perder o
número de aulas de suas disciplinas para a parte específica dos currículos, mas com
o decorrer do tempo foram se adaptando a essa nova forma de organização
curricular.
Para a literatura com a qual se dialogou, a lei 5.692/71 foi considerada
tecnicista, e os discursos educacionais da atualidade incorporaram esse discurso
como verdadeiro, ou mais aproximado da realidade. No entanto, pela análise das
fontes, constatou-se que, apesar de serem técnicos, a formação humanística
continuou como base das preocupações dos governos em seus discursos. Pelas
entrevistas, percebeu-se que os envolvidos nessa reforma educacional também não
a entenderam de tal forma. Embora essa discussão não fosse o foco deste trabalho,
considera-se um importante foco a ser investigado pelos estudiosos desse período.
Nesses discursos governamentais, a educação foi um dos tópicos centrais.
Foram implantados programas de alfabetização, a expansão do ensino de 2º grau foi
intensificada, foram construídas escolas, ampliada a merenda escolar, etc., com o
intuito de oferecer ao sistema educacional condições básicas de funcionamento.
Para tanto, foram ofertados cursos de capacitação para os professores pela
Secretaria de Educação em colaboração com as Universidades Federais e
Estaduais. Entretanto, pelos relatos, esses cursos não chegaram a todas as escolas
do Paraná: as condições de infra-estrutura eram precárias e somente as escolas-
pilotos é que possuíam materiais e laboratórios específicos aos cursos. Pela lei, o
estabelecimento de ensino é que escolhia os cursos técnicos que iria ofertar,
segundo a demanda do mercado em seu entorno. Não foi essa, porém, a orientação
que prevaleceu, e as escolas passaram a ofertar cursos que não demandassem
muitos recursos, pela falta de estrutura.
Logo da implementação, houve muita euforia, todos os estabelecimentos
queriam adotar os cursos profissionalizantes ao mesmo tempo. No entanto, os
professores não sabiam o que era a lei, não se tinha professores capacitados para
as áreas específicas e, pelo que vimos nos relatos, durante todo o decorrer da
década de 1970, o ensino aconteceu da forma em que os próprios professores a
compreendiam, com a mesma prática, mudando conceitos apenas no papel. A forma
com que a lei foi implementada não poderia realmente alcançar os objetivos
propostos. o houve preparação prévia dos professores, os objetivos avaliativos
93
foram alterados sem uma comunicação prévia, sem trabalhar seu objetivo, faltou o
diálogo sobre as expectativas dos professores e dos governantes.
Pela essência de um regime militar, a educação também foi pensada como
uma forma de controle social. Essa orientação ficava mais clara nas disciplinas de
Moral e Cívica e de Organização Social Política Brasileira, em que os professores
tinham todo um direcionamento e um programa a ser seguido. Mas, com relação às
outras disciplinas, apesar de se ter um programa que desse um direcionamento, que
fosse uma tentativa de controle, cada um dos professores assimilava de formas
específicas segundo o seu entendimento e suas práticas. Em decorrência disso, foi
possível notar que as práticas eram muito diversas, que eles não eram
simplesmente manipulados ou persuadidos, mas faziam opções, da forma que
melhor lhes parecia. Ficou claro pelas entrevistas que os professores sabiam
claramente aque ponto eles deveriam ou não seguir os direcionamentos sobre a
escola impostos, e em muitos casos fizeram e agiram conforme sua vontade.
No que tange às pressões ou ações sobre a SEED, ou sobre as escolas, ou
aos indivíduos de forma particular, evidenciou-se uma interpretação exacerbada da
historiografia quanto à dimensão estratégica da educação para a efetivação do
regime. Como dito antes, foi também um intento de organizar o sistema
educacional brasileiro, de lhe conferir um direcionamento, e o somente traços de
um Estado de Exceção. Em alguns relatos dos entrevistados, a idéia do capitalismo
e da TCH é evidenciada, mas percebe-se que esse é um discurso absorvido da
literatura, e não algo que vivenciaram e/ou perceberam em suas práticas cotidianas.
Relacionado à forma de implementação da lei no Paraná, observou-se que a
hipótese de divergências significativas entre as orientações da SEED e as
expectativas dos professores não pôde ser sustentada, pois, embora houvesse
algumas discussões em torno do currículo e dos seus objetivos, estas se mostraram
ser até de certa forma harmônica. O balanço geral percebido por parte dos
entrevistados foi de que, apesar de todos os problemas enfrentados, a reforma da
educação de grau teve traços positivos: os alunos se mostravam mais
interessados, maduros, abriu possibilidade para aqueles que não pudessem cursar a
universidade ter uma formação. Os profissionais que estavam fora da escola e que
capacitavam os professores puderam perceber que o fenômeno educativo é muito
mais do que simplesmente estudar suas teorias.
94
Por fim, acredita-se que a educação nesse período da ditadura militar precisa
ser estudada com mais profundidade e rigor do que tem sido feito até aqui. O
discurso de educação tecnicista ainda que concorde-se com ele faz parte do
senso comum nos meios educacionais, carece de novas produções e novos olhares.
Mesmo em períodos mais recentes, os estudos sobre o período trazem o
mesmo tipo de asserção. Fazem-se necessários estudos que levem em
consideração a população escolar em geral, que rompam com hierarquizações dos
saberes e valorizem os diferentes campos de atuação dos profissionais da
educação.
95
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102
APÊNDICE
103
Apêndice 1
Pessoas Ligadas à Secretaria de Educação:
Lilian Anna Wachowicz
Zélia Passos
Nilcéia Maria F. Siqueira
Diretores(as):
Adélia Dias Castelan Ribeiro
Ernani Straube
Professores(as):
Dagmar Lima Batlke
Maria Vandilma da Silva
Paulo Célio Kuss Hammerschmidt
Entrevistado
104
Apêndice 2
Roteiro de entrevista para Diretores Escolares
1. Como tomou ciência da nova proposta de organização do ensino de grau,
instituído pela lei 5.692/71?
2. Houve debates promovidos pelo NRE para aprofundar conhecimentos sobre a
realidade do ensino de segundo grau e do aluno que freqüentaria esse
ensino? O(A) senhor(a) participou? Quem e de que forma foram convocados?
3. Como você avaliaria os procedimentos adotados pela Secretaria de
Educação?
4. Como se deu o processo de escolha do currículo e cursos ofertados no
estabelecimento?
5. Quais as disciplinas contempladas na parte diversificada? Como se deu essa
escolha?
6. Que reações tiveram a comunidade escolar, alunos, professores e Secretaria
de Educação frente à nova proposta de ensino de 2º grau?
7. Houve pressão por parte do governo sobre a Secretaria de Educação e
escolas para efetivação do ensino de 2º grau?
8. Quais as principais dificuldades enfrentadas nesse processo de
implementação da nova lei?
9. Houve apoio da Secretaria de educação para implementação da nova
proposta sob os diversos aspectos necessários?
105
Roteiro de Entrevista para Professores(as)
1. Como tomou ciência da nova proposta de organização do ensino de grau,
instituído pela lei 5.692/71?
2. Foram promovidos cursos pelo NRE para aprofundar conhecimentos sobre a
realidade do ensino de segundo grau e do aluno que freqüentaria esse
ensino?
3. Como os diretores repassaram a nova proposta de ensino de grau aos
professores?
4. Houve apoio pedagógico por parte da Secretaria de Educação e escola para
efetivação do novo ensino?
5. Como foi o processo de adequação da grade? Vo participou? O que
achou? Quais os pontos positivos? E os negativos?
6. Foram realizadas reuniões periódicas com os professores do curso em que
lecionava, para discutir planos de ensino, currículo, objetivos do curso, etc.?
Como se davam essas reuniões?
7. Como o senhor descreveria a reação dos alunos e comunidade escolar
quanto à nova organização de 2º grau?
8. Houve adequações físicas (sala de aula, laboratórios, carteiras, materiais
didáticos, etc.) para a implementação do ensino de 2º grau profissionalizante?
9. Como foi adotado esse ensino no Paraná? De uma só vez, ou houve
preparação para os profissionais?
10. Houve pressão por parte do governo ou Secretaria de Educação quanto ao
ensino dado em sala de aula?
106
11. Havia divergência de pensamento quanto ao ensino e sua efetivação com
relação à direção, equipe pedagógica e Secretaria de Educação?
12. Como as diretrizes da Secretaria de Educação eram adotadas pelos
professores? Aceitação, adesão ou contestação? Havia alguma que era mais
questionada? Por quê?
13. Por viver numa ditadura militar, todos tinham consciência ou não do período e
das ações praticadas pelo governo?
107
Roteiro de Entrevista para Membros da Secretaria da Educação
1. Como foi recebida a nova proposta de ensino de 2º grau na SEED? Como foi
recebida pelos dirigentes? Adesão, aceitação, ou havia algo mais debatido?
2. Como se deu o trabalho de organização para adequação da proposta?
3. Houve preparação prévia para os dirigentes? Como foi?
4. Como foi pensado o projeto de implementação da lei 5.692/71 para o ensino
de 2º grau? Foi através de grupos específicos, debates abertos, etc.?
5. As novas diretrizes para o grau iam ao encontro dos interesses
educacionais paranaenses, ou divergiram? Em que pontos?
6. Que metas de implementação foram colocadas? Havia prioridades? Quais
eram estas?
7. Como se pensou o projeto de infra-estrutura para atender às novas
necessidades do ensino de 2º grau?
8. Havia pressões ou sanções por parte do governo federal sobre a SEED?
Como se davam?
9. Como ficou a organização curricular do ensino de grau? Que cursos foram
contemplados? Por quê?
10. Havia apoio pedagógico por parte do governo federal para o Paraná? Como
se realizava esse apoio?
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