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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fábio Wolf
A linguagem do professor como mediador crítico: instrumento
de transformação social
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS
DA LINGUAGEM
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Fábio Wolf
A linguagem do professor como mediador crítico: instrumento
de transformação social
MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS
DA LINGUAGEM
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de
Mestre em Lingüística Aplicada e
Estudos da Linguagem, sob orientação
da Profa. Dra. Angela B. Cavenaghi T.
Lessa
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________
_______________________________
_______________________________
Aos educadores do Brasil, dedico.
AGRADECIMENTOS
Sou grato à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio
financeiro que tornou viável esta pesquisa, processo n° 06/52972-2.
Henrique Wolf (in memorian), pelo amor, pela educação, pelo exemplo de vida, por
proporcionar os meus primeiros contatos com os livros e por sempre dizer que “estudar vale
a pena”, obrigado por tudo, pai.
Dalva Bertaco Wolf, pelo amor, pela educação, pela dedicação, pelo exemplo de vida, por
sempre me apoiar em minhas decisões e convicções, obrigado por tudo, mãe.
Marisa, Fernando, Luciana e Miriam, meus queridos irmãos. Andressa, Gabriela, Giovana,
Priscila, Julieta, Camila e Demétrio, meus queridos sobrinhos. Pablo Ogeda, Euler
Henrique Bueno, Carlos Lira, Michel (‘Tin Tin’), Leandro César Teixeira, Maykel Lacerda,
Geraldo (‘Gê’), meus grandes amigos.
Paula Rizzutti Prestes, pelo amor, pelo companheirismo, por me apoiar em todos os
momentos e por sempre resolver todos os meus problemas com o computador. Dona
Glória, tia Marta, tio Luis, Anderson, Alan, Lucas, Luciano e toda a família Rizzutti.
Paulo Freire, pela inspiração.
Profª Drª Angela B. Cavenaghi T. Lessa, por sempre acreditar em mim, pelo apoio
incondicional em todos os momentos, por todas as reflexões que tanto me fizeram
amadurecer enquanto pesquisador e enquanto ser humano. Sinto muito orgulho de ter sido
orientado por você, muito obrigado por tudo!!
Profª Drª Sueli Salles Fidalgo, por, desde a graduação, ter me incentivado a seguir em
frente, pelas nossas conversas e reflexões no curso de Letras em Osasco e por sempre me
ajudar nos momentos em que precisei.
Profº Drº Jeosafá Fernandes Gonçalves, pela amizade e pela força de sempre. Professora
Márcia Martineli, pelo carinho e pelos excelentes conselhos. Crislaine, Creude, Antônio
Andrade e todos os meus professores da graduação.
Profª Drª Maria Cecília Camargo Magalhães (‘Ciça’), pelo incentivo e pelas pertinentes
reflexões durante a qualificação deste trabalho. Profª Drª Cecília P. de Souza-e-Silva
(‘Cecilinha’), Profª Drª Maria Antonieta Alba Celani e todos os professores do LAEL.
Profº Drº Kanavillil Rajagopalan, pelos excelentes artigos, trabalhos e palestras que muito
contribuíram para o meu crescimento humano e intelectual. Obrigado por aceitar o convite
para participar da banca examinadora.
Parecerista da Fapesp (anônimo), pelas sugestões que muito contribuíram com o
crescimento desta pesquisa.
João, Sabrina, Léo, Margareth, Milton, Gerson, Elizete, Viviane, Danielle, Norma, Fátima,
Ermelinda, Mona, Débora, Renata e todos os meus amigos e colegas do LAEL.
Suely de Castro Gíglio Viscaíno e todos professores, alunos e funcionários do Centro de
Línguas da Fundação Paulistana de Educação e Tecnologia.
Márcia (funcionária do LAEL), por sempre me atender muito bem e todos os trabalhadores
da PUC-SP.
Siderlene, pela revisão textual do trabalho.
Sou grato ao professor que aceitou participar desta pesquisa. Cresci muito durante o tempo
em que trabalhamos juntos, obrigado a você e aos seus alunos, desejo que continue a ser um
excelente professor. Agradeço, também, a escola estadual que acolheu esta pesquisa.
Agradeço as críticas e as mensagens de apoio e carinho que recebi de inúmeras pessoas
durante os diversos congressos em que este trabalho foi apresentado.
Não poderia esquecer de agradecer a todos aqueles que, de uma forma ou de outra,
passaram pela minha vida e, direta ou indiretamente, deixaram alguma coisa positiva.
Enfim, são muitas essas pessoas, obrigado a todos vocês!
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo (1) discutir a identidade discursiva de um professor de
História em relação aos discursos hegemônicos presentes na educação e (2) refletir
criticamente, por intermédio das sessões reflexivas, sobre as possibilidades de construção
de espaços de discussão crítica em sala de aula no sentido de repensar, problematizar e
constestar as atuais correntes hegemônicas inseridas no campo educacional. O presente
estudo foi desenvolvido dentro de uma perspectiva crítica e sócio-histórica da linguagem e
da educação (Freire, 1987; Vygotsky, 2001; Pennycook, 2001; Rajagopalan, 2003). Busca-
se, dessa forma, a formação de agentes críticos/reflexivos em condições de transformar os
seus contextos de prática através da construção de uma linguagem auto-afirmativa e
contra-hegemônica. Este estudo foi conduzido em uma escola pública estadual situada na
zona leste da cidade de São Paulo e contou com a participação de um professor da
disciplina de História que leciona nesta instituição. Foram gravadas quatro aulas e duas
sessões reflexivas com o participante da pesquisa. Os dados foram analisados com base nos
conteúdos temáticos (Bronckart, 1999) e nos turnos conversacionais e tipos de perguntas
(Marcuschi, 2001). Os resultados obtidos sugerem que a criação de espaços de reflexão
crítica em sala de aula podem se constituir como importantes instrumentos para a
transformação do status qüo dominante na medida em que os sujeitos envolvidos,
gradativamente, vão se reconhecendo enquanto agentes sócio-históricos responsáveis na
criação e reconstrução do mundo e das suas vidas a partir da construção de uma linguagem
de resistência.
Palavras-chave: linguagem, reflexão crítica, transformação social, inclusão.
ABSTRACT
This dissertation aims at investigating (1) the discursive identity of a History
teacher in relation to hegemonic discourses in education and 2) reflect critically, through
reflective sessions, about the possibilities of construction of critical discussion´s spaces in
the classroom in the direction of rethinking, problematizing and contesting the current
hegemonic trends in the educational field. This study was carried out in a critical and socio-
historical perspective of language and education (Freire, 1987; Vygotsky, 2001;
Pennycook, 2001; Rajagopalan, 2003). It aims, thus, at the formation of critical/reflective
agents able to transform their contexts of practices through the construction of a self-
affirmative and counter-hegemonic language. This study was carried out in a state school of
the east zone of São Paulo and counted on the participation of a History teacher who
teaches in this institution. Four classes and two reflective sessions with the research´s
participant were recorded. The data were analyzed according to the category of thematic
content (Bronckart, 1999), and the conversational turns and types of questions
(Marchuschi, 2001). The results obtained suggest that the creation of critical reflection
spaces in the classroom can be constituents of important instruments for the transformation
of the dominant status quo, considering that the subjects involved, gradually, recognize
themselves as socio-historical agents responsible for the creation and reconstruction of the
world and their lives based on the construction of a resistance language.
Key-words: language, critical reflection, social transformation, inclusion.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................1
CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................... 8
1.1. Educação e capitalismo: relações e contradições..........................................................9
1.2. Construção da legitimidade dos discursos hegemônicos no espaço escolar................17
1.3. A linguagem do professor como mediador crítico e o papel da reflexão crítica como
instrumento contra-hegemônico................................................................................... 20
1.4. Lingüística Aplicada Crítica como instrumento de resistência e transformação
social ................................................................................................................................. 28
CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA DE PESQUISA.......................................................... 34
2.1. Contexto de pesquisa.................................................................................................... 35
2.1.1. A escola..................................................................................................................... 36
2.1.2. A sala de aula............................................................................................................ 36
2.2. Participantes da pesquisa............................................................................................. 37
2.3. Instrumentos e procedimentos para coleta e análise de dados..................................... 38
2.3.1. Geração de dados...................................................................................................... 38
2.3.2. Aulas......................................................................................................................... 38
2.3.3. Sessões reflexivas...................................................................................................... 39
2.4. Categorias de análise de dados..................................................................................... 40
2.4.1. O conteúdo temático.................................................................................................. 41
2.4.2. O sistema de turnos e os tipos de perguntas............................................................. 42
2.5. Credibilidade da pesquisa............................................................................................ 44
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS............................................... 45
3.1. Aulas 1 e 2.................................................................................................................... 46
3.2. Sessão reflexiva 1......................................................................................................... 64
3.3. Aulas 3 e 4................................................................................................................... 82
3.4. Sessão reflexiva 2........................................................................................................ 91
CAPÍTULO 4 – CONSIREÇÕES FINAIS........................................................................103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................110
ANEXOS.............................................................................................................................CD
INTRODUÇÃO
No decorrer da minha experiência como professor da rede pública de ensino
busquei, juntamente com os demais professores, refletir sobre como os conteúdos
científicos trabalhados em sala de aula poderiam de alguma forma melhorar a vida dos
estudantes. De uma forma geral, compartilhávamos a idéia de que para atingir esse objetivo
deveríamos priorizar a formação dos alunos no sentido de garantir o ingresso dos mesmos
no mercado de trabalho. Acreditávamos que atingindo esse objetivo a vida dos nossos
alunos mudaria radicalmente, e que, em decorrência dessa mudança, a sociedade também
poderia ser modificada para melhor. No entanto, com o passar do tempo, percebemos que
todos os nossos esforços em torno desse objetivo comum não estavam logrando êxito. Boa
parte dos estudantes continuava desempregada ao mesmo tempo em que a comunidade em
volta da escola enfrentava ainda os mesmos problemas sociais que tanto nos atormentavam:
tráfico de drogas, violência, ausência de serviços básicos de saúde, educação, cultura e
lazer. Muitos dos alunos que estavam empregados não se conformavam com as precárias
condições de trabalho que estavam submetidos em troca de salários miseráveis.
Diante desse contexto, e sem entender ao certo o porquê de tantas dificuldades e
fracassos, um clima de pessimismo e desânimo se instalou no interior da escola, fazendo
com que muitos professores desistissem do nosso objetivo inicial. Minhas forças e
esperanças também enfraqueceram drasticamente frente a tais dificuldades. Nesse período
eu ainda cursava a graduação em Letras e, como minhas experiências profissionais na
escola se esvaziavam de sentido diante de tantas dificuldades, pensava freqüentemente em
mudar de profissão ao fim do curso de graduação. Foi então que recorri à leitura de
algumas obras de Paulo Freire no sentido de buscar um melhor entendimento da situação
embaraçosa em que eu e meus amigos professores estávamos inseridos. Uma mudança
qualitativa na forma de ver e conceber o vasto fenômeno do processo educativo ocorreu a
partir deste momento. Não se tratava de assumir uma postura passiva diante do caos ali
instalado, mas, sim, de buscar no caráter sócio-histórico da educação o ponto de partida
para o início de uma transformação real. Com o passar dos meses já me sentia muito
melhor para continuar a enfrentar os problemas que se debruçavam sobre mim,
continuando, dessa forma, a ler e a pesquisar objetivando repensar minhas práticas como
1
educador para transformar o meu contexto de atuação, dessa vez, embasado nos pilares
sociais, históricos e culturais que circunscrevem os espaços educacionais.
O incentivo que recebi de alguns professores foi fundamental para que eu
continuasse a pesquisar e, em diversas aulas ministradas por uma professora, que à época
cursava doutorado na área de Lingüística Aplicada na linha de Linguagem e Educação,
discutíamos uma série de temas ligados direta ou indiretamente às questões educacionais e
aos problemas que eu estava vivenciando naquele momento. Assim, motivado por essas
discussões, resolvi encarar o desafio de, ao término da graduação, desenvolver um projeto
de pesquisa e prestar o exame para admissão do mestrado. No início de 2006, ingressei no
programa de estudos pós-graduados em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem
(LAEL) da PUC-SP.
Minha chegada no já referido programa de pós-graduação criou a oportunidade de
estabelecer contato teórico e metodológico com conceitos científicos mais profundos e
complexos que, com o decorrer do tempo, desencadearam um processo de reflexão crítica
em torno das minhas experiências como professor da rede pública de ensino. Assim, no
LAEL, encontrei todo apoio de que necessitava para iniciar um projeto de pesquisa mais
sólido e maduro. Surge, a partir daí, um panorama mais complexo inserido no interior de
uma problemática muito mais vasta. Com uma bagagem teórica maior, voltei a refletir
sobre as expectativas criadas por mim e pelos meus amigos de profissão sobre os objetivos
de formação que almejávamos para os nossos alunos. Percebi que a simples inserção dos
estudantes no mercado de trabalho não era garantia de um futuro melhor para todos nós,
mas que a construção desse futuro qualitativamente melhor depende da inserção crítica
desses alunos no mundo do trabalho.
Além disso, seria necessário pensar no desenvolvimento integral desses alunos,
visto que não estamos apenas formando futuros trabalhadores e, sim, cidadãos que são
também sujeitos políticos historicamente e culturalmente estruturados, que vivem e que
interagem dentro de sistemas de poder ligados diretamente a condições econômicas,
políticas e ideológicas complexas. Dessa forma, o discurso por nós sustentado, até aquele
momento, encarava os alunos como simples receptáculos de um saber supostamente mágico
que, por si só, garantiria o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e humana.
2
A minha prática discursiva em sala de aula, semelhante à maioria dos professores,
se resumia, quase que exclusivamente, à transmissão de saberes técnicos necessários para
que os estudantes tivessem condições mínimas de disputar uma vaga no mercado de
trabalho, para, futuramente, se submeterem a brutais jornadas de trabalho em troca de
salários ínfimos que mal supririam suas necessidades básicas. Parecia ser este o nosso
principal objetivo enquanto educadores: preparar os estudantes para um mercado de
trabalho cada vez mais precário e injusto sem considerar que esses mesmos alunos são
sujeitos que têm uma história e que também constróem a história com bases nos seus
saberes socialmente construídos, não sendo, portanto, meras peças que compõem as
engrenagens de um sistema econômico.
A partir dessas observações percebi que nós, os professores, não discutíamos com
os estudantes questões essenciais relativas ao universo político e ideológico presente
naqueles mesmos saberes técnicos/científicos que estavam sendo trabalhados em sala de
aula. Da mesma forma, não ficava claro a que interesses de classe, gênero e cultura tais
saberes atenderiam. Desse modo, a nossa prática discursiva enquanto docentes era
constantemente posta à revelia dos conteúdos políticos, ideológicos, históricos e culturais
subjacentes à práxis do educador, criando uma espécie de “esvaziamento” dos conteúdos
históricos e sociais acumulados pela humanidade. Com base nesse esvaziamento,
desenvolvia-se o ambiente favorável à transmissão de saberes unidirecinados para a
satisfação imediata de um mercado predominantemente neoliberal
, satisfazendo as
necessidades estruturais desse sistema, sem sabermos ao certo se esse modelo de formação
poderia contribuir com o desenvolvimento de um cidadão crítico em condições de construir
uma nova sociedade em que a lógica do mercado não seja vista como a única solução para
todos os nossos problemas.
Assim, o debate em torno das relações existentes entre conhecimento científico e
contexto econômico, cultural e histórico era constantemente enfraquecido a ponto de
inviabilizar o desenvolvimento de espaços de discussão para que professor e alunos,
juntos, criassem um ambiente de reflexão crítica em relação aos saberes e conteúdos
científicos que estavam sendo criados em sala de aula.
Os conceitos de neoliberalismo, reflexão crítica, hegemonia assim como os demais conceitos que aparecem
nesta introdução serão discutidos no capítulo teórico.
3
Após o desenvolvimento dessas considerações iniciais, foi possível definir os
objetivos centrais desta pesquisa. Assim, optamos por inserir este trabalho na área de
formação de professores, uma vez que, conforme argumentaremos no decorrer desta
pesquisa, o processo inerente à transformação social, em um dos seus estágios, passa
inevitavelmente pela escola. Conseqüentemente, o professor, aqui entendido como um dos
seus principais agentes, tem em suas mãos o dever social de lutar para que os grupos
excluídos do cenário político político/histórico reconstruam suas culturas e histórias no
sentido de participar ativamente da luta em favor da emancipação e construção de uma
nova sociedade em que o poder hegemônico do Capital não seja entendido como o fim
único e último da humanidade.
Feitas estas considerações gerais, o objetivo central deste trabalho é discutir a
formação da identidade discursiva de um professor de História, tendo como base as
características históricas, culturais e sociais inerentes à construção dessa identidade e
contribuir com a inclusão de todos (professores, alunos e comunidade) por intermédio do
viés transformador da linguagem. Dessa forma, buscar-se-á: (1) Refletir criticamente sobre
as práticas discursivas no interior das escolas no sentido de problematizar, contestar e
repensar as atuais correntes hegemônicas presentes na educação; (2) Criar condições para
que professores e estudantes tenham condições de repensar criticamente sobre os discursos
hegemônicos visando a transformação dos seus contextos. Estão inseridas no bojo desses
objetivos centrais as seguintes perguntas de pesquisa:
(1) Como se estrutura o discurso do professor frente à sua posição crítica diante
dos discursos hegemônicos presentes na educação em relação a:
Temas abordados
Criação de espaços de discussão crítica em sala de aula?
(2) Como as sessões reflexivas podem se constituir como espaços para que o
professor repense as suas práticas?
Assim, pesquisador e professor, buscam, juntos, construir novos saberes no sentido
de promover intervenções em seus contextos de atuação visando à transformação
qualitativa desses espaços.
4
O contexto de pesquisa compreende uma escola de ensino fundamental e médio
situada na zona leste da cidade de São Paulo e tem como participante focal um professor de
História e como participantes secundários alunos do 3º ano do ensino médio.
Este trabalho está inserido na linha de pesquisa denominada Linguagem e
Educação e encontra-se vinculado ao grupo de pesquisa ILCAE – Inclusão Lingüística em
Cenários de Atividades Educacionais. Esse grupo analisa e discute a linguagem como
ferramenta de construção do pensamento crítico objetivando a inclusão dos sujeitos por
intermédio da linguagem, contribuindo, dessa forma com o desenvolvimento da cidadania.
Esta pesquisa se identifica com os objetivos do grupo e pretende contribuir com os mesmos
através dos seus objetivos e especificidades.
A escolha de trabalhar com a Lingüística Aplicada se justifica uma vez que
encaramos a linguagem como uma prática eminentemente social, na medida em que a
linguagem, como produto do mundo do trabalho (Marx & Engels, 1998), se constitui como
ferramenta psicológica mediadora na construção do mundo, sendo, portanto, essencial ao
próprio mundo do trabalho, imprescindível, então, à própria sobrevivência do homem
(Leont’ev, s/d). A partir desse ponto de vista, entendemos ser a linguagem um instrumento
indispensável à transformação da sociedade.
Outro fator relevante é conceber a L.A. como uma proposta de análise lingüística
mediadora e interdisciplinar em constante diálogo com disciplinas que lhes dão apoio
teórico e metodológico (Moita Lopes, 1996; Rajagopalan, 2003). Sendo assim, esta
pesquisa tece relações teóricas e metodológicas com outras áreas das ciências sociais,
sobretudo a sociologia da educação, a psicologia e a filosofia. Buscamos, com isso, tentar
estudar com mais profundidade o problema colocado no nosso trabalho.
Na Lingüística Aplicada encontramos relevantes trabalhos de linha crítica os quais
buscam promover a emancipação dos sujeitos e a transformação do status qüo. Liberali
(1999), desenvolveu um estudo no qual argumentou que o diário reflexivo pode se
constituir como uma importante ferramenta a ser utilizada como mediadora na construção
da reflexão crítica. No caso do estudo realizado por Fidalgo (2002), nos deparamos com o
desenvolvimento de uma pesquisa que buscou ressaltar a importância de se criar
instrumentos de avaliação e de ensino-aprendizagem dentro de uma perspectiva crítica de
5
colaboração, no qual os participantes se integram dentro de um projeto que visa à
construção crítica do conhecimento.
Ambos os trabalhos se harmonizam com uma das nossas idéias centrais, pois
também discutem a importância da construção, dentro da sala de aula, de uma linguagem
problematizadora/contestadora que se contraponha aos discursos hegemônicos. Fica claro
nos dois trabalhos a importância do professor, como par mais experiente, na elaboração de
um discurso que potencialize a construção colaborativa e crítica do conhecimento. Trata-se
de uma outra idéia central que guia nosso trabalho. Ainda no campo da L.A. encontramos
outro trabalho (Horikawa, 2001) que se vale da teoria freireana para construir as bases
gerais da reflexão crítica na escola. Tendo a autora vivenciado o período em que Paulo
Freire esteve à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, surgiu o ambiente
favorável para que idéias de cunho emancipatório fossem discutidas no âmbito educacional,
fato que muito contribuiu para a efetivação de sua pesquisa. No que diz respeito à teoria
freireana, concordamos com as idéias centrais desse trabalho, sobretudo na importância da
reflexão crítica para a formação do docente no seu contexto de prática.
Contudo, gostaríamos de discutir um pouco mais a relação dialética travada entre o
micro-contexto da escola e as macro-estruturas de poder e controle social, especialmente
aquelas atreladas aos objetivos do Capital, em especial na sua fase mais mordaz que
costumou-se chamar de neoliberal. Argumentaremos, no decorrer deste trabalho, que a
hegemonia neoliberal burguesa constitui-se, atualmente, como um dos principais obstáculos
à efetivação da inclusão dos grupos menos favorecidos nos contextos educacionais. Assim,
desvendar as suas bases funcionais e discursivas, propondo caminhos alternativos seria uma
das formas de promover mudanças qualitativas tanto no âmbito estrutural como nos
diversos segmentos sociais que estão atrelados a essas estruturas.
Este trabalho está dividido em quatro capítulos: Fundamentação Teórica,
Metodologia de Pesquisa, Análise e Discussão dos Dados e Considerações Finais. No
primeiro, discuto os conceitos ligados à construção do pensamento crítico. Desenvolvo as
idéias relativas ao conceito de hegemonia, neoliberalismo, reflexão crítica e busco destacar
a importância desses temas para a sustentação dos objetivos da pesquisa.
No capítulo metodológico discuto o tipo de pesquisa utilizado, descrevo o contexto
de pesquisa e seus participantes bem como os instrumentos de coleta e os procedimentos da
6
análise dos dados. No terceiro capítulo apresento a análise e a discussão dos dados e dos
resultados com o intuito de responder as perguntas de pesquisa.
Por fim, encerro este trabalho com as considerações finais, discutindo reflexões
pessoais, apresentando impressões particulares e promovendo alguns questionamentos que
possam ser úteis a pesquisas ulteriores. Em seguida, o leitor encontrará as referências
bibliográficas e os anexos.
7
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, apresento e discuto as bases teóricas que embasam esta pesquisa.
Em relação às questões de cultura e identidade na era da globalização capitalista utilizo os
conceitos relativos ao tema do Multiculturalismo Crítico (McLaren, 2000 A, 2000 B).
Sobre poder, educação e democracia encontro apoio em Apple (1989, 2001). Do interior da
discussão desenvolvida por McLaren, retiro o conceito de agência discursiva, também
muito discutido por Giroux, (1983). Em relação à formação do professor crítico/reflexivo
lanço mão dos estudos apresentados por Giroux (1997) e Kincheloe (1997).
Em relação ao tema específico do Neoliberalismo e de suas bases filosóficas
elaboradas para o campo educacional, me apoio nos estudos de Gentili & Silva (1994),
Gentili (1995, 2001) e Frigoto & Gentili (2002). Sobre a questão das políticas neoliberais
adotadas para a educação e as relações entre o macro (estruturas de poder) e o micro
(contexto educacional) utilizo as investigações de Kuenzer (2001). Sobre os efeitos da
cultura neoliberal na formação da identidade dos sujeitos na educação, me apoio em Silva
(1994).
Dos estudos que se debruçam especificamente sobre o campo da linguagem, lanço
mão do conceito de linguagem ideológica de Bakhtin (1997). Na Lingüística Aplicada
busco apoio teórico na sua vertente crítica (Pennycook, 1998, 2001; Rajagopalan, 2003).
Sobre a relação da linguagem com a formação das identidades bem como sobre as questões
que dizem respeito ao estatuto teórico da Lingüística Aplicada aproveito os trabalhos
realizados por Moita Lopes (1996, 1998, 2002). Em relação aos conceitos de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) e da linguagem como instrumento psicológico de
mediação, me embaso em Vygotsky (2001, 2002).
Todos os conceitos listados anteriormente estão, direta ou indiretamente, ligados à
proposta de Paulo Freire. A teoria freireana será a principal base sustentatória de toda a
nossa fundamentação teórica, sobretudo a concepção de homem entendido como ser que
8
produz a história, não sendo, de forma alguma, um mero produto das determinações sociais.
Acrescentaremos a essa concepção alguns conceitos marxistas que, embora não estejam
explicitamente citados no decorrer do trabalho, guiarão todo o processo dialético que
permeia a pesquisa. Assim, os conceitos de materialismo histórico, alienação e luta de
classes estarão, de alguma forma, presentes nas discussões que se seguirão. Muitos dos
conceitos listados anteriormente encontram sua essência no interior das bases marxistas.
1.1. Educação e capitalismo: relações e contradições
O foco desta seção é tecer algumas considerações gerais sobre as relações
estabelecidas entre a escola e o capitalismo. Não pretendemos, com isso, esgotar o tema,
que é muito amplo e complexo, mas, sim, discutir alguns pontos que consideramos
relevantes para o entendimento deste trabalho.
Nesta parte da pesquisa, consideramos relevante a idéia de relembrar um pouco a
minha experiência enquanto professor da rede pública. Naquele tempo não entendíamos
muito bem o problema que se colocava diante de nós. Muito embora nos esforçássemos ao
máximo para tentar garantir uma formação adequada para que os estudantes tivessem
condições de construir uma vida melhor para si e para suas famílias, não conseguíamos
entender as causas que conspiravam para que nossos sinceros planos fracassassem.
De acordo com um dos pontos de vista defendidos neste trabalho, uma das formas
pelas quais podemos melhor compreender o que de fato acontece dentro da escola é situar
nossas práticas dentro do campo mais amplo da sociedade. A escola, então, não é um
espaço isolado, “solto no ar”, livre das conexões que a ligam dentro de uma esfera que
agrega os setores da economia, da política, do poder e da ideologia. A instituição escolar
está inserida dentro desse contexto em que se entrelaçam instâncias heterogêneas que,
direta ou indiretamente, cooperam com a construção do modelo educacional adotado em
uma determinada sociedade. Assim, de acordo com Frigoto (1995:79):
9
Buscar entender adequadamente os dilemas e impasses do campo
educacional hoje é, inicialmente, dispor-se a entender que a crise
da educação somente é possível de ser compreendida no escopo
mais amplo da crise do capitalismo real deste final de século no
plano internacional e com especificidades em nosso país. Trata-se
de uma crise que está demarcada por uma especificidade que se
explicita nos planos econômico-social, ideológico, ético-político e
educacional [...]
Entender as interações produzidas no contexto escolar é estar atento à dialética
travada entre os micro-contextos que compreendem as salas de aula e as escolas e os
macro-contextos referentes às estruturas sociais em que a instituição escolar está inserida.
Dessa forma, não é na própria escola ou nos alunos e professores que encontraremos as
causas que produzem os nossos fracassos, e, sim, na relação entre a totalidade dos
elementos que compõe nossas vidas enquanto sujeitos sociais. Como bem lembrou Frigoto,
devemos entender a crise do capitalismo internacional e suas implicações específicas para o
cenário educacional brasileiro como um passo inicial rumo ao possível esclarecimento dos
nossos problemas. Dessa forma, entendemos ser necessário localizar quais são as
características e propostas gerais inerentes a esse novo enfoque do sistema capitalista.
De acordo com Gentili (1995), Costa (1995) e Kuenzer (2001), o sistema capitalista
de produção sofreu rupturas nas suas estruturas e processos a partir do enfraquecimento
dos métodos que sustentavam o regime fordista de produção. O chamado fordismo tem
como características essenciais a rigidez e a verticalização presentes em sua linha de
produção. No interior desse paradigma, cada trabalhador exerce uma função praticamente
fixa e determinada, com poucas chances de mobilidade, seguindo métodos e rotinas
igualmente cristalizadas, homogêneas e estáveis. Os processos são, dentro desse sistema,
rigidamente controlados e organizados em seqüências quase sempre previsíveis e
invariáveis (Kuenzer, 2001: 83). Vale a pena imaginar, a título de exemplificação, aquelas
imensas linhas de fabricação de automóveis em que cada operário se dedica integralmente a
uma única tarefa, realizando a montagem de uma única peça do veículo o qual deve seguir
um percurso linear em que cada operário realizará uma função específica no processo de
montagem. Tal processo atendia a produção em massa de produtos pouco diversificados,
satisfazendo um padrão de consumo relativamente homogêneo (idem, ibidem).
10
Segundo Gentili (1995), já no final dos anos 60, o fordismo demonstra sinais de
esgotamento, indicando que reformulações em suas bases sustentatórias seriam necessárias
no sentido de garantir sua sobrevivência. Essa crise se acentua drasticamente a partir dos
anos 90 em decorrência das mudanças ocorridas no mundo do trabalho e com a
globalização econômica e cultural. O rápido desenvolvimento dos meios de comunicação,
com destaque para a Internet e a comunicação via satélite, proporcionou uma maior fluidez
dos capitais, estreitando cada vez mais as fronteiras entre países e continentes, dinamizando
gradativamente as relações humanas e contribuindo sobremaneira com o crescimento e
expansão dos mercados em nível internacional. Nesse sentido, os processos rígidos e
estáveis de outrora cedem lugar a processos mais flexíveis dentro de sistemas e rotinas mais
dinâmicas e instáveis. Assiste-se, nesse período, ao desabrochar de novas tecnologias que
mudarão para sempre os meios de produção e a maneira como a sociedade é organizada,
bem como o desenvolvimento de habilidades técnicas e cognitivas por parte dos sujeitos
nela inseridos. Como bem observou Kuenzer (2001: 85):
A mudança da base eletromecânica para a base microeletrônica,
ou seja, dos procedimentos rígidos para os flexíveis, que atinge
todos os setores da vida social e produtiva nas últimas décadas,
passa a exigir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e
comportamentais, tais como: análise, síntese, estabelecimento de
relações, rapidez de respostas e criatividade diante de situações
desconhecidas, comunicação clara e precisa, interpretação e uso
de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em
grupo, gerenciar processos, eleger prioridades, criticar respostas,
avaliar procedimentos, resistir a pressões, enfrentar mudanças
permanentes, aliar raciocínio lógico-formal à intuição criadora,
estudar continuamente, e assim por diante.
Como podemos perceber, a crise do modelo fordista impulsionou uma série de
transformações nas estruturas do sistema capitalista. Conseqüentemente, a sociedade e os
sujeitos que nela interagem também sentiram os impactos oriundos dessas transformações.
Flexibilidade, criatividade, eficiência, versatilidade e trabalho em grupo são algumas das
palavras-chave inerentes à nova conjuntura, configurando-se também como atributos
indispensáveis para aqueles que desejam fazer parte desse cenário (Gohn, 2002). Todo esse
movimento revigorou a saúde dos mercados na medida em que as possibilidades de
11
expansão e acumulação do capital aumentaram significativamente em decorrência do
desenvolvimento de todos os fatores listados anteriormente.
Esse estágio da economia, gerado a partir da crise do fordismo, pode também ser
conhecido e nomeado como Neoliberal. De acordo com Marques & Rego (2006), o
Neoliberalismo é caracterizado como um sistema econômico no qual o Estado deve exercer
mínimo controle sobre as atividades privadas do mercado, contribuindo, inclusive com a
desburocratização das leis que regem seu funcionamento no sentido de “liberar” o quanto
possível as suas atividades para que os mercados tenham a maior liberdade possível para
atuar e se desenvolver na sociedade. Dentro desse cenário, é uma das tarefas principais do
Estado garantir o cumprimento dos contratos e das leis que regem o funcionamento do
sistema econômico em vigor. As características que listamos acima (flexibilidade,
criatividade, eficiência, versatilidade) só podem ser de fato efetivadas quando há um
ambiente econômico e político adequado que adote tais características. Ou seja, tais
características não existem por si mesmas, visto que estão acopladas a um sistema que lhes
dá sustentação ideológica e política (idem).
Podemos afirmar, com base nessas informações, que a escola está inserida, hoje,
dentro de um sistema capitalista de tipo Neoliberal. Mas, afinal, qual a relação da escola
com o Neoliberalismo? Conforme argumentamos no início do capítulo, a escola não está
“solta no ar”, visto que, conectada a outras esferas da sociedade, estabelece relações com
essas mesmas esferas. A escola, pelo seu caráter formador, exerce dentro dessa conjuntura,
um papel vital no sentido de trabalhar e desenvolver nos estudantes as habilidades
requeridas pela mundo do trabalho (meios de produção). Nesse ponto, nossas palavras se
identificam com as colocações feitas por Kuenzer (2001:82) quando afirma que “a
finalidade do trabalho pedagógico, articulado ao processo de trabalho capitalista, é o
disciplinamento para a vida social e produtiva, em conformidade com as especificidades
que os processos de produção, em decorrência do desenvolvimento das forças produtivas,
vão assumindo”.
Voltando um pouco ao que foi dito anteriormente por Frigoto (1995), a crise do
capitalismo é considerada um fator relevante para começarmos a entender os dilemas da
educação. De fato, esse primeiro passo foi dado. Até o momento foi possível entender, de
certa forma, como as novas necessidades impostas pela crise e mutação dos sistemas de
12
produção resultaram em implicações para o sistema educacional. Uma reflexão mais
acurada sobre o ponto de vista defendido por Frigoto abre espaço para uma discussão em
torno das contradições inerentes ao Neoliberalismo, pois a crise continua em movimento,
alimentando, infelizmente, os dilemas da educação brasileira.
Em princípio, de acordo com Gentili (2001: 49), as políticas públicas educacionais
adotadas para as instituições escolares defendiam um conjunto de estratégias que deveriam
garantir a integração econômica da sociedade no mercado de trabalho. O pleno emprego era
um dos objetivos centrais desse processo. Contudo, a promessa integradora da escola foi se
esvaindo, segundo o autor, a partir da própria crise do capitalismo que se iniciou na década
de 70, intensificando-se gradativamente no decorrer dos anos noventa, fase em que o
Neoliberalismo começa definitivamente a amadurecer. As altas taxas de desemprego
tornam-se uma realidade avassaladora, sobretudo para aqueles que já se encontravam
socialmente em situação de desvantagem. Dessa forma, o Estado assiste a desintegração da
promessa integradora da escola, restando ao indivíduo, tão-somente a ele, a árdua missão
de lutar por uma vaga no mercado de trabalho. Isso fica bem claro nas palavras de Gentili
(idem: 51): “Morta definitivamente a promessa do pleno emprego, restará ao indivíduo (e
não ao Estado, às instâncias de planejamento ou às empresas) definir suas próprias
opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não) conquistar uma posição mais
competitiva no mercado de trabalho”. A nosso ver, a questão do individualismo e da
competição, tão pródigos do sistema Neoliberal, nascem baseados neste ponto de vista.
Não cabe mais, portanto, ao Estado trabalhar no sentido de desenvolver e preservar
as condições mínimas para que os sujeitos vejam seus direitos respeitados. Cabe ao próprio
sujeito competir “livremente” no mercado para tentar garantir sua sobrevivência por
intermédio da conquista de um disputadíssimo posto de trabalho. Assim, as questões que,
outrora, estavam ligadas ao direito universal de acesso ao mundo do trabalho, saúde,
educação e cultura migram da esfera pública e coletiva para a esfera privada e individual
(Gentili, 1995), reforçando a idéia de que o acesso a tais bens é uma questão puramente
meritocrática . Trata-se, como podemos observar, de uma mudança radical de enfoque, pois
a inserção do sujeito no mundo do trabalho, por exemplo, como um direito inalienável do
cidadão se transforma, através da ótica do mercado, em uma mera questão de esforço
pessoal, não importando, em decorrência desse enfoque exacerbado no indivíduo, as brutais
13
desigualdades sociais e históricas que afetam diretamente a vida de milhões de alunos no
Brasil.
Prevalecendo essa lógica, cabe à escola, de acordo com Gohn (2002) e Gentili
(2001), desenvolver nos estudantes aquelas habilidades necessárias (flexibilidade,
criatividade, versatilidade, por exemplo) à sua possível empregabilidade. Em suma, dentro
dos novos códigos, a tarefa precípua da escola é a de tornar os estudantes “empregáveis”,
em condições de, ao menos, disputar uma rara vaga no atribulado mercado de trabalho.
É importante observar que não estamos afirmando que o desenvolvimento de tais
habilidades seja necessariamente prejudicial ao aluno. Na verdade, o que transforma essas
habilidades em instrumentos de exclusão são os interesses políticos e ideológicos de um
grupo dominante que tenta impor sua lógica aos demais. Dessa forma, a capacidade de
trabalhar em grupo, por exemplo, não pode ser considerada em si mesma como uma má
idéia. O problema reside na lógica que condiciona tal habilidade à possibilidade do lucro.
Assim, as possibilidades de expansão e crescimento do Capital, no atual cenário da
economia globalizada, dependem do cultivo e aprimoramento desses atributos para que o
aquecimento da economia gere cada vez mais lucratividade. Infelizmente, temos observado
que o lucro obtido com a ajuda dessas habilidades não é eqüitativamente distribuído entre
aqueles que participaram do processo que o gerou.
Parece-nos, pelo que foi observado até aqui, que há uma necessidade insaciável de
crescimento e expansão do capital que gera um sucessão de crises na esfera econômica,
política e social, que, ao seu turno, tendem geralmente a excluir e marginalizar os grupos
menos favorecidos. Para Mészáros (2005), as necessidades inerentes ao crescimento
contínuo e acelerado do capitalismo contemporâneo seguem as tendências de um
“metabolismo destrutivo” que, continuamente, caminha na direção de uma barbárie
anunciada. Esse ritmo descontrolado e inconseqüente de crescimento, exige, paralelamente,
o desenvolvimento de novas habilidades bem como o refinamento das que já existem, tendo
como um de seus principais corolários a formação de sujeitos que, munidos de tais
requerimentos, estejam prontamente aptos a contribuir para o crescimento e expansão do
capital, muita embora esse crescimento não resulte necessariamente em significativas
melhorias nas condições de vida dos trabalhadores.
14
Assim, o trabalho em grupo, por exemplo, pode ser utilizado como um importante
instrumento no sentido de acirrar a competitividade entre as empresas, aumentando,
possivelmente, os lucros de uma em detrimento da outra. No entanto, no interior dessa
lógica de competição, o trabalho em grupo não está de forma alguma atrelado à
solidariedade e ao bem-estar coletivo, visto que os fins, bem mais individuais, são outros e
o alvo principal é o lucro. Dentro desse ponto de vista, o chamado funcionário versátil, que
exerce inúmeras funções simultaneamente, pode se constituir em um trabalhador que faz o
serviço de outros três, dentro de um período de tempo menor e com um resultado de
produtividade muito maior, mas que, contudo, recebe o salário de um. Em nossa opinião,
esse raciocínio pode também ser aplicado a várias outras habilidades exigidas pelo mercado
e que são atualmente desenvolvidas acriticamente no sistema educacional brasileiro.
Lamentavelmente, as contradições não param por aí, Del Pino (2002:65) aponta
diretamente para algumas das graves conseqüências geradas a partir desse enfoque:
O século XX, que iniciou como o século das massas, despede-se
como o século do desemprego em massa. As contradições,
elementos intrínsecos à produção do capital, continuam se
reproduzindo incessantemente. Cresce o conhecimento e a
capacidade de produzir riquezas, mas aumenta a incerteza sobre a
própria sobrevivência do ser humano. A forma capital de relações
sociais produz, neste fim de século, efeitos catastróficos para os
recursos naturais e o meio-ambiente, além de ampliar
sistematicamente o ‘trabalho supérfluo’, vale dizer, a destruição
maciça de postos de trabalho.
Há, então, pelo que foi visto até aqui, uma determinada concepção de educação que,
por um lado, parece beneficiar um grupo social enquanto que, ao mesmo tempo, parte
significativa da sociedade permanece excluída dos cenários políticos que configuram suas
vidas, sem poder e submetidos a um sistema imposto pela hegemonia burguesa atrelada ao
Neoliberalismo. Resta saber, diante de tantas mazelas e contradições, quais seriam os
fatores que poderiam legitimar a presença dos valores, pressupostos e ideais hegemônicos
neoliberais no sistema educacional elaborado para as massas populares. Para esta pesquisa
consideramos essencial, para começar a entender como funciona esse processo, definir o
conceito de hegemonia.
15
De acordo com McLaren (1997: 206), a classe dominante exerce sua dominação
sobre outras classes e grupos por intermédio de um processo chamado de hegemonia. Essa
dominação geralmente não é efetivada através da força e coerção físicas, mas por uma série
de práticas sociais que giram em torno da fabricação, desenvolvimento e manutenção de
formas de consenso. Essas práticas sociais, ligadas à construção do consenso, estão
inseridas em espaços e contextos particulares, tais como a mídia de massa, a igreja, o
Estado, a família e, em especial, a escola (idem, ibidem).
Então, o grupo dominante, baseado nas formas de consenso e nos locais em que
essas formas são lapidadas, tenta convencer os grupos subordinados de que seus
pressupostos morais, éticos, políticos e filosóficos representam a melhor opção para todos
os setores da sociedade que, inconscientemente, depositam sua fé e confiança nesses
pressupostos, endossando as idéias que mantém viva a chama da sua opressão,
assegurando, dessa forma, a permanência do grupo dominante no poder. O interessante é
que McLaren destaca o papel atribuído aos símbolos, significados e representações como
instrumentos poderosos na luta pela hegemonia. A questão da linguagem, nesse caso,
exerce um papel fundamental na manutenção dos discursos hegemônicos ou na superação
dos mesmos através de uma prática lingüístico-discursiva contra-hegemônica. Falaremos
um pouco disso na próxima seção desse capítulo.
Para finalizar, gostaríamos de retornar um pouco no que foi dito no início deste
capítulo. A minha experiência na escola pública, assim como a dos meus amigos
professores, foi marcada por uma série de dilemas que influenciaram negativamente tanto
as nossas vidas quanto a dos nossos alunos. Embasados na discussão tecida até este
momento, foi possível entender, de uma forma geral, as raízes sócio-políticas que
contribuem com a manutenção dos problemas vividos hoje pela educação no Brasil. É
possível, ao menos, tirar uma pequena conclusão em relação a esses problemas por nós
vivenciados. As causas e origens das nossas mazelas não são imanentes aos sujeitos, mas
estão relacionadas e são produzidas em contextos sócio-históricos complexos que
desestabilizam, por sua vez, a idéia dominante de que o indivíduo é a causa da sua própria
miséria.
16
1.2. Construção da legitimidade dos discursos hegemônicos no espaço escolar
Conforme visto anteriormente, as características essenciais do projeto neoliberal
enquanto sistema hegemônico (individualismo, flexibilidade, meritocracia etc.) estão em
diálogo com o sistema escolar objetivando desenvolver nos estudantes as habilidades
necessárias à fluidez e ao crescimento da economia globalizada do mercado. Para ter acesso
a essa visão tivemos de fazer um esforço de relacionar os espaços específicos da escola em
relação às estruturas sócio-políticas e de poder que estão ao redor da escola,
contextualizando, dessa forma, os espaços em que suas interações se manifestam. Em
outras palavras, de acordo com a argumentação que desenvolvemos anteriormente, trata-se
de relacionar e observar o processo dialético entre o macro e o micro, evidenciando suas
contradições e propor, a partir desse ponto, reflexões mais críticas simpáticas à construção
de um projeto alternativo que se contraponha à hegemonia e ao autoritarismo do sistema em
vigor. Contudo, é importante ressaltar que essa relação que envolve a escola e o poder não
se dá de forma direta, mas mediada por uma série de sistemas lingüístico-discursivos e
simbólicos construídos com a finalidade de validar/legitimar os valores inerentes à lógica
dos grupos dominantes. Como aponta Paulo Freire (1987:144):
A manipulação se faz por toda uma série de mitos a que nos
referimos. Entre eles, mais este: o modelo que a Burguesia se faz de
si mesma às massas com possibilidade de ascensão. Para isto,
porém, é preciso que as massas aceitem sua palavra.
Baseados no que foi dito por Freire, percebemos que a manipulação e o controle das
massas subordinadas encontram sustentação na fé e na esperança que os oprimidos
alimentam de um dia obter uma vida tão boa e digna quanto à vivida pelos opressores.
Escamoteiam-se aí, as contradições de um sistema que impossibilita o acesso dos menos
favorecidos aos bens materiais e simbólicos de que necessitam para construir uma vida
melhor. É interessante reparar que esse jogo é sustentado por uma linguagem criada pela
Burguesia no sentido de seduzir as classes subordinadas em torno de um ponto de vista que
serve apenas aos interesses das classes dirigentes. Essa linguagem sedutora elaborada pelas
elites é, dentro do nosso ponto de vista, constituída por uma série de recursos simbólicos,
17
lingüísticos e discursivos em que os códigos e significados estão entrelaçados a interesses
políticos específicos de um grupo que pretende manter seus privilégios intactos.
Todo esse aparato lingüístico-discursivo busca construir formas de nomear,
entender e representar o mundo que sejam fiéis a um determinado ponto de vista. Esse
ponto de vista construído a partir de esquemas lingüísticos e discursivos é resultado de uma
luta social travada na arena sócio-histórica do mundo, espaço em que classes ou grupos
tentam efetivar e validar seus valores, costumes, pressupostos éticos e filosóficos por
intermédio da linguagem. A hegemonia neoliberal, de acordo com Silva (1994:16), também
se vale dessa metodologia:
A presente ofensiva neoliberal precisa ser vista não apenas como
uma luta em torno da distribuição de recursos materiais e
econômicos (o que ela também é), [...] mas sobretudo como uma
luta para criar as próprias categorias, noções e termos através dos
quais se pode nomear a sociedade e o mundo[...].
Tendo isso em mente, não se trata apenas de descrever o funcionamento sistemático
das engrenagens que mantém o poder dominante vivo, mas, sobretudo, de desmontar a
lógica lingüístico-discursiva que está por trás dessas engrenagens, entendendo, a partir
desse desvelamento, como são produzidas as categorias que permitem a interpretação e a
leitura do mundo. De acordo com Moita Lopes (2002:31), as representações do mundo
bem como as identidades dos sujeitos são formadas a partir da relação que estes
estabelecem com os recursos lingüísticos e discursivos de que dispõem na sociedade. Esses
recursos lingüístico-discursivos são utilizados na construção dos significados que estão na
base das categorias que permitem a nomeação, interpretação e representação das realidades
concretas.
Percebemos, então, com base na discussão desenvolvida nesta seção, que existe na
sociedade uma espécie de arena em que grupos opostos protagonizam uma série de “lutas
discursivas” com o intuito de efetivar seus pressupostos éticos, políticos e ideológicos.
Dessa forma, a disputa pela hegemonia econômica e política também pode ser entendida
como uma disputa simbólica construída a partir de recursos lingüísticos e discursivos.
No interior da problemática referente à luta discursiva, Suárez (1995:257) entende
que a construção simbólica dos ditames e proposições neoliberais ocorre dentro de um
18
movimento de mão-dupla: por um lado, o paradigma neoliberal cria e legitima aquilo que
é considerado como o “ideal”, o “benigno” e o “correto”, delineando seu próprio horizonte
em termos do que considera como representação legítima do real; por outro lado,
desqualifica, censura, desaprova e mistifica outras visões divergentes que possam por em
risco o bom funcionamento do seu sistema.
Considerando-se a linguagem como uma prática social e ideológica (Bakhtin,1997)
que, dentro de um processo dialético de mediação, constrói a realidade ao mesmo tempo em
que é constituída por ela, formando as subjetividades dos indivíduos (Vygotsky, 2001;
Leont’ev, s/d), podemos perceber que as identidades, representações e ações dos
estudantes estão inevitavelmente atreladas ao universo discursivo no qual estão inseridos e
que são justamente essas identidades, ações e representações que vão validar ou negar os
ditames dos discursos hegemônicos, incluindo-se aí os de ordem neoliberal burguesa,
contribuindo para a sua manutenção ou para sua problematização e futura superação.
Então, os movimentos sociais, em especial os da esfera educacional, que contribuem para a
disseminação e expansão dos valores inerentes à esfera mercadológica, causam impacto:
não apenas na realidade das “coisas materiais” como também na
materialidade da consciência. É assim que os indivíduos, na
medida em que introjetam o valor mercantil e as relações mercantis
como padrão dominante de interpretação dos mundos possíveis,
aceitam–e confiam no mercado como âmbito em que,
“naturalmente”, podem–e devem– desenvolver-se como pessoas
humanas (Gentili, 1995:228).
Percebemos, por meio da discussão apresentada até aqui, que o atual discurso
hegemônico atua sob uma base móvel e complexa e que não existe, portanto, uma relação
direta entre os espaços educacionais e as macroestruturas de poder sem que haja, no bojo
dessas relações, sistemas simbólicos e discursivos por meio dos quais são lapidados,
produzidos e disseminados os valores essenciais ao processo de legitimação dos discursos
dominantes. Assim, tanto no âmbito histórico, cultural e econômico quanto no âmbito
físico, espiritual e psicológico, existe toda uma complexa trama discursiva que luta para
que seus pressupostos éticos, morais e filosóficos sejam efetivados nas mentes e nos
corações dos estudantes, professores e comunidade escolar com vistas à implantação de um
19
regime que pretende se fazer único, deixando no ar a idéia maliciosa de que exista apenas
uma “única saída viável” .
Já caminhando para o fim desta seção, gostaríamos de destacar o papel crítico-
reflexivo a ser desempenhado pelo professor que, consciente da diversidade cultural
inerente aos diversos grupos sociais presentes na escola, não reconhece no autoritarismo
reacionário promovido pelas elites tecnocratas/economicistas uma forma humana e
democrática de luta pelo fim das desigualdades sociais e pelo fim da barbárie econômica.
Conscientes de que a linguagem não é neutra e de que, conseqüentemente, a escola,
enquanto arena de produção e de luta discursiva, também não poderia se dizer neutra, os
professores buscam, enquanto tradutores críticos dessa complexa trama
lingüística/discursiva, desmantelar a autoridade semântica do Estado neocapitalista,
assumindo sua postura política em favor dos grupos postos à margem dos processos de
decisões e que tiveram seus discursos silenciados pelo aparelho repressor do mercado (cf.
McLaren, 2000 A).
Dessa forma, buscarão trazer à arena da luta discursiva os grupos excluídos do
processo político, dentro de uma postura que considere toda a carga de poder presente nos
discursos dos seus alunos. Buscaremos desenvolver melhor essas idéias na próxima seção
do nosso trabalho.
1.3. A linguagem do professor como mediador crítico e o papel da reflexão crítica
como instrumento contra-hegemônico
O objetivo central dessa seção consiste em situar a prática docente dentro de um
espaço sócio-histórico permeado pelo poder. A esfera educativa, conforme argumentado
anteriormente, não está isenta, em nenhuma das suas instâncias e níveis, das relações
simbólicas e de poder. Dessa forma, o professor, enquanto portador de um papel central
referente ao ato de educar, não poderia, igualmente, atribuir a si próprio um suposto caráter
de neutralidade frente à sua prática. A práxis docente, entendida como um ato político,
implica o reconhecimento de que, enquanto educadores, nosso trabalho, aqui representado
20
como algo muito mais amplo, está contribuindo para transformar a sociedade ou para
manter o status qüo como agente reacionário catalisador das iniqüidades sociais.
Posteriormente, defenderemos a idéia de que o professor crítico-reflexivo deva
estar ciente da posição que ocupa, consciente de que o teor de poder contido em seus atos
representa uma posição de classe aliada a certos interesses que, ao seu turno, se contrapõem
a outros interesses igualmente classistas. Gostaríamos de, nesse momento, lembrar uma
reflexão de Paulo Freire (1995:47) que vem ao encontro desse argumento:
A compreensão dos limites da prática educativa demanda
indiscutivelmente a claridade política dos educadores com relação
ao seu projeto. Demanda que o educador assuma a politicidade de
sua prática. [...] não posso pensar-me progressista se entendo o
espaço da escola como algo meio neutro, com pouco ou quase nada
a ver com a luta de classes, em que os alunos são vistos apenas
como aprendizes de certos objetos do conhecimento aos quais
empresto um poder mágico. Não posso reconhecer os limites da
prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não
estou claro em face de a favor de quem pratico. O a favor de quem
pratico me situa num certo ângulo, que é de classe, em que diviso o
contra quem pratico e, necessariamente, o por que pratico, isto é, o
próprio sonho, o tipo de sociedade de cuja invenção gostaria de
participar.
As condições impostas pelo poder estabelecido sugerem ao professor, por meio de
engodos e manipulações discursivas de toda ordem, uma escola neutra e mergulhada dentro
de uma pretensa ordem democrática em que as relações de poder são igualmente
distribuídas e mantidas. Conseqüentemente, a figura social do professor encontra-se
atrelada a essa frágil imagem de neutralidade e igualdade, enquanto que, nos bastidores, as
decisões políticas e ideológicas continuam sendo impostas de cima para baixo, restando ao
professor a tarefa de aplicar com a máxima qualidade possível os pressupostos ditados
pelas estruturas maiores de poder e de controle social.
No interior dessa atmosfera de neutralidade, a prática pedagógica acaba encerrada
dentro dos limites da sala de aula, com a visão exclusivamente direcionada para si mesma,
não desenvolvendo os instrumentos necessários ao desvelamento da complexa trama
discursiva que está por trás das suas práticas, desconsiderando, dessa forma, os elementos
fundamentais à construção discursiva de raça, gênero, etnia e sexualidade em sala de aula,
21
como bem lembrou Moita Lopes (2002). No momento em que o professor não identifica
essa barreira que separa o conhecimento que é desenvolvido dentro da sala de aula e a
extensão ideológica desse conhecimento em relação ao mundo exterior bem como as
conseqüências sociais desse conhecimento, ocorre uma dicotomia radical que condena o
trabalho docente às margens, preso em uma escola, isolado do mundo, passivo em relação
às determinações estruturais e seus respectivos representantes políticos. Assim, livres de
qualquer tipo de reação, entendemos que os partidários do poder hegemônico sentem-se à
vontade para fazerem o que bem entendem, impondo livremente suas prerrogativas à
escola sem que essa ofereça qualquer tipo de reação, estando, dessa forma, presa a uma
ingênua docilidade, conivente com as forças elitizadas que a oprimem (Freire, 1987).
Dessa forma, resta aos docentes assumirem o papel de meros transmissores de
saberes técnicos e, aos alunos, assumirem a figura de dóceis receptáculos de um saber
mágico, permanecendo, ambos, isolados dentro de um ambiente fechado, despojados de
todos os instrumentos que poderiam utilizar para problematizar e contestar aquilo que lhes
é imposto, relegados, com isso, a uma situação perturbadora de mutismo diante da situação
desesperadora em que se encontram. Tal isolamento em “regime fechado” implica em
mudanças na consciência e na linguagem dos sujeitos envolvidos no ato de construção do
conhecimento. Ocorre, em decorrência dessa separação radical entre conhecimentos
produzidos em sala de aula e a relação desses conhecimentos com o mundo sócio-político
mais amplo, aquilo que Leont’ev (1978 apud Duarte, 2004) chama de processo de
Alienação.
Assim, o sistema capitalista de produção, ao visar a satisfação individual, na maioria
das vezes em detrimento do bem-estar coletivo, coopera decisivamente para que as atitudes
do homem atendam exclusivamente aos seus próprios interesses pessoais, sendo que tais
interesses adquirem significado e valor, dentro do ponto de vista do capital, somente na
medida em que são intercambiáveis dentro do universo mercadológico (Pérez Gómez,
2001), gerando dinheiro e lucro em favor do indivíduo e sem levar em consideração as
questões éticas que envolvem esse processo, pois, no escopo do mercado, prevalece a
lógica capitalista do lucro, não importando, portando, se esse lucro individual prejudicará o
universo do coletivo (Duarte, op.cit.). O espaço da escola, sob o domínio da crença
22
individualista do neoliberalismo, conforme discutido na seção anterior, infelizmente, tem
exercido papel fundamental para legitimar essa lógica.
Nesse ponto, gostaríamos de destacar o papel crucial exercido pela reflexão crítica
em relação a esse cenário. Argumento, valendo-se das idéias defendidas por Paulo Freire,
que o professor crítico-reflexivo deva situar sua práxis no interior de uma vasta e complexa
teia em que encontram-se interseccionados uma gama variada de fios políticos e
ideológicos atrelados a instâncias de ordem econômica, cultural e histórica que atendem,
por sua vez, a interesses de grupos distintos que estão na luta pelo poder ( cf. Apple, 1989).
Objetiva-se, com isso, a construção de discursos contra-hegemônicos que informem toda a
insatisfação das maiorias desfavorecidas frente aos ditames daquelas políticas
comprometidas unicamente com a saúde dos mercados e que, assim, coloquem
definitivamente no mapa das lutas políticas os grupos que atualmente encontram-se
marginalizados em decorrência da exclusão econômica e cultural imposta pelas elites (cf.
McLaren, 2000 A, 2000 B).
Dessa forma, reflexão crítica é entendida nesse trabalho como uma prática de
questionamento baseada nas relações tecidas entre os aspectos políticos, econômicos e
ideológicos e os contextos em que a reflexão e a prática se fazem presentes, cotejando,
portanto, de forma dialética e conflituosa, os aspectos referentes aos macro-contextos de
poder e os micro-contextos em que o trabalho docente se manifesta, com vistas a promover
transformações em ambas as esferas por intermédio de uma linguagem problematizadora,
contestadora e contra-hegemônica.
Dentro dessa postura, o professor reflexivo-crítico tem a possibilidade de
transformar a leitura crítica do mundo social em subsídios para “tornar aquele que aprende
ciente de como as relações de poder, as estruturas institucionais e os modelos de
representação trabalham sobre e através da mente e do corpo de quem aprende,
mantendo-o sem poder, aprisionado em uma cultura de silêncio. Na verdade uma
perspectiva crítica demanda que o processo de linguagem seja interrogativo” (Giroux,
1983 p. 45 ). Torna-se um desafio para o professor reflexivo-crítico trabalhar no sentido de
localizar a linguagem como um campo em constante diálogo com a ideologia e com as
relações de poder e conhecimento que governam e regulam o acesso de comunidades
interpretativas a práticas particulares de linguagem (Idem, ibidem p. 31).
23
Nesse sentido, enxergamos a linguagem e todo o seu processo de produção como
um campo de intensa disputa social que envolve diferentes classes sociais, gêneros, raças e
etnias. Considerações dessa qualidade nos informam, definitivamente, que as formações
discursivas no campo escolar estão atravessadas por uma série de interesses inerentes a
instituições de poder (Fairclough, 1992 apud Moita Lopes, 2002). As formações
discursivas, dessa forma, seguem um certo rol de regras de formação ligadas, por sua vez,
a uma gênese de natureza histórica e social dispersa em inúmeras redes discursivas
(Foucault, 1984) que implicam em maneiras de ver e de interpretar o mundo. São
considerações dessa ordem que fornecem uma visão sobre a complexidade teórica
subjacente ao tema da linguagem e que, como argumentamos até aqui, são essenciais para
que o professor reflexivo-crítico exerça o seu poder de agência.
Seguindo essa lógica, Apple (2001) destaca a necessidade posta diante dos
professores crítico-reflexivos de se criar formas alternativas de organização que visem a
criação e o desenvolvimento de grupos de estudo e de pesquisa dispostos a desenvolver
estratégias que os incluam como sujeitos ativos na construção dos currículos adotados em
suas escolas bem como estratégias que os incluam no âmbito das decisões políticas e
administrativas, re-escrevendo e re-inventando, dessa forma, os espaços comuns à educação
libertadora (Freire, 1996; Kincheloe, 1997).
Coerente com tais pressupostos, Giroux (1997) aponta a necessidade de encarar o
professor como um intelectual crítico que visa reconsiderar as condições estruturais em que
trabalha bem como as políticas e ideologias atravessadas nessas estruturas, objetivando
transformar suas condições de trabalho e possibilitar o surgimento de novas estruturas
favoráveis ao desenvolvimento do professor como um pesquisador ativo, que trabalha em
colaboração com seus alunos e com outros professores na direção de uma ação
intervencionista voltada para a democratização da escola (Apple, 1989). Nesse sentido, para
reforçar nossas idéias, Kincheloe (1997: 205,206), destaca algumas qualidades necessárias
à prática do professor político-crítico: “01)Socialmente contextualizado e consciente do
poder; 02) Baseado num compromisso em fazer o mundo; 03) Dedicado ao cultivo de
participação no contexto; 04) Ampliado por uma consciência com auto-reflexão e reflexão
social críticas; 05) Formado por um compromisso com uma educação democrática
24
autodirigida; 06) mergulhado numa sensibilidade para o pluralismo; 07) Comprometido
com a ação”.
Esse conjunto de atividades e de qualidades coletivas desenvolvidas pelos
professores é de suma importância frente à necessidade de se entender os processos pelos
quais os discursos da pós-modernidade globalizante atuam, legitimam e constróem as
representações e as leituras de mundo coerentes com os seus interesses. Se concordamos
com a idéia de que seja necessário construir novas epistemologias e novos sistemas de
interpretação do mundo e que tais sistemas estejam baseados em critérios que atomizem os
valores pertinentes à igualdade de oportunidades, valores humanos, ética e justiça social,
faz-se então, mais do que nunca, a necessidade de se entender como funcionam os sistemas
simbólicos dos discursos hegemônicos presentes na educação e, a partir daí, criar agências
discursivas (Giroux, 1983; McLaren, 2000
A) que se contraponham criticamente e
dialeticamente a essa visão monolítica e cristalizada que aí está, a qual concebe o mercado
como única alternativa viável para o desenvolvimento da dignidade humana.
Do ponto de vista da linguagem, conforme argumentado na seção anterior deste
capítulo, podemos considerar que a formação das identidades e subjetividades dos sujeitos
estão atreladas a esquemas lingüísticos e discursivos que permitem a nomeação,
interpretação e representação do mundo. Com isso, os sujeitos agem no mundo de acordo
com os esquemas simbólicos, lingüísticos e discursivos presentes em seu contexto social.
Inseridos nessas categorias que permitem a representação do mundo por intermédio da
linguagem estão os pressupostos políticos e econômicos que direcionam tais categorias de
interpretação para formas específicas de ler o mundo ligadas a grupos sociais particulares
que lutam entre si por espaço no mundo. Entendemos ser importante para o professor que
apoia suas práticas nos pressupostos da reflexão crítica compreender como a linguagem
trabalha na formação das identidades dos seus alunos e, posteriormente, enxergar nela um
instrumento importante que pode e deve ser utilizado na luta por um mundo mais justo e
humano.
Não basta, portanto, entender, por exemplo, como os meios de produção da
sociedade capitalista afetam a vida dos estudantes, sem entender o papel que a linguagem
exerce dentro desse contexto. Bakhtin (1997:42) aponta um importante aspecto da
linguagem na sociedade capitalista, segundo ele:
25
As relações de produção e a estrutura sócio-política que delas
diretamente deriva, determinam todos os contatos verbais possíveis
entre indivíduos, todas as formas e os meios de comunicação
verbal; no trabalho, na vida política, na criação ideológica.
Ou seja, a linguagem que auxilia o estudante a moldar as representações do mundo
deriva diretamente do contexto sócio-político no qual está inserido. Trata-se de uma
referência essencial para a investigação crítica que o professor deve empreender no sentido
de (1) entender a relação entre a linguagem e sociedade na constituição do sujeito e (2) criar
formas alternativas de compreensão do mundo ligadas aos ideais da educação
emancipatória.
É nesse ponto que a linguagem do professor exerce um papel mediador crítico central e
essencial ao desenvolvimento de espaços de debate que envolvam os estudantes na criação
das chamadas agências discursivas.
Em consonância com nosso ponto de vista, o conceito de agência discursiva pode
ser entendido como um contrapeso em relação aos discursos hegemônicos da pós-
modernidade. De acordo com Giroux (1983) e McLaren (2000
A, 2000 B), as agências
discursivas compõem um movimento que busca revitalizar os discursos das maiorias
excluídas e trazer à tona um modelo de questionamento crítico, sustentado e orientado a
partir de uma base moral, ética e classista, como possibilidade de proporcionar aos
estudantes momentos de reflexão que possam viabilizar e orientar futuras intervenções
materialistas no interior das estruturas de poder e de dominação, visando à construção da
democracia junto às escolas e no campo mais amplo das suas vidas sociais.
No caso do professor, o conceito de agência discursiva torna-se um instrumento a
mais que pode auxiliar seu engajamento discursivo no sentido de incentivar a configuração
de espaços de discussão crítica durante as aulas. De uma forma geral e sintetizada,
poderíamos dizer que o conceito de agência discursiva diz respeito ao desenvolvimento de
uma linguagem contra-hegemônica criada pelos grupos marginalizadas e tem como
objetivo a reconstrução das suas próprias histórias e culturas a partir de uma linguagem
auto-afirmativa e independente, constituindo-se, assim, como uma alternativa real frente à
imposição autoritária dos discursos hegemônicos conservadores.
26
Nesta pesquisa, consideramos essencial utilizar o conceito de zona de
desenvolvimento proximal, doravante ZDP, para que o projeto de construção das agências
discursivas sejam efetivados no interior da sala de aula. De uma forma geral, podemos
definir a ZDP, segundo Vygotsky (2001), como a distância entre as atividades que um
sujeito pode desenvolver e realizar de forma independente e as atividades que pode
desenvolver com a colaboração de um sujeito mais experiente. Dessa forma, encaramos o
professor como sendo esse sujeito mais experiente que, na condição de educador e
especialista, utiliza os conceitos científicos que domina para cooperar com o contínuo
crescimento intelectual dos seus alunos a partir dos saberes sócio-históricos que esses
alunos dominam, dentro de uma relação dialética e cooperativista. Assim, entendemos que
a relação entre conhecimento científico e realidade material não é esquartejada a partir de
uma dicotomia radical que separa o indivíduo da sociedade mais ampla na qual está
inserido.
As palavras de Newman & Holzman (2002: 96) reforçam nosso argumento: “A
importância da ZDP, em nossa opinião, está em não ter como premissa a separação
indivíduo-sociedade; é uma unidade histórica. De fato, ela destrói metodologicamente a
necessidade de soluções interacionistas para o dualismo de mente e sociedade porque não
aceita, logo de saída, essa separação ôntica!”
A relação professor-aluno é significativamente enriquecida com a presença da ZDP
na medida em que o conhecimento construído dentro desse espaço está enraizado no
movimento da história. Com isso, entendemos que as questões políticas estão, portanto,
presentes no interior das ZDPs criadas no ambiente escolar, e a linguagem do professor,
neste caso, torna-se um instrumento psicológico de mediação importante para a criação de
espaços críticos de discussão e criação de conhecimentos, aqui entendidos também como
zonas de desenvolvimento proximal.
Acreditamos que o desenvolvimento cognitivo tanto de alunos quanto de
professores criados em decorrência da ZDP, mediados pela linguagem, são um ponto de
partida importante e essencial para a criação de novas representações de mundo ligadas
diretamente a alternativas contra-hegemônicas de libertação. Nesse sentido, Newman &
Holsman (op.cit.) estão certos quando afirmam que a ZDP é uma atividade revolucionária.
27
1.4. Lingüística Aplicada Crítica como instrumento de resistência e transformação
social
O objetivo central desta seção é argumentar em favor de uma Lingüística Aplicada de
orientação crítica que venha a se constituir como um relevante instrumento teórico e
metodológico de investigação e reflexão. Dessa forma, tentaremos discutir a sua
importância para o nosso trabalho, bem como evidenciar os pontos em comum que
entrelaçam as suas características essenciais com a discussão que foi desenvolvida até aqui.
Gostaríamos de começar essa seção tentando responder as seguintes questões: (1) Qual o
papel da Lingüística Aplicada, doravante L.A., diante das questões relativas à iniquidade
social e do constante aumento da exclusão e da miséria inerentes a essa iniqüidade? (2)
Qual seria a postura política e ideológica do Lingüista Aplicado diante do atual cenário de
caos em que se encontra a educação, e, mais especificamente, a formação de professores?
As questões listadas anteriormente, de forma direta ou indireta, apontam para o
universo político e ideológico subjacente a toda práxis humana. A atividade do homem,
pelo fato de estar situada espaço-temporalmente, informa uma determinada posição social
que está sempre em constante movimento, tecendo, simultaneamente, relações com
instâncias culturais, políticas, culturais e históricas que atuam de forma dialética dentro
dessa complexa atmosfera em que coexistem a prática material humana e as esferas
políticas que orientam a sua intervenção no mundo material do trabalho. Pensar a L.A.
dentro dessa conjuntura significa pensar a atividade interacional/relacional dos discursos
dentro da própria práxis humana. Dessa forma, entendendo que a prática discursiva
caminha dialeticamente com a prática humana, sendo constituído por esta ao mesmo tempo
em que constitui aquela, a linguagem está, inevitavelmente, evidenciando seu caráter ético,
político e ideológico.
A L.A., por ter o campo da linguagem, o mundo social em que tal linguagem atua
bem como os problemas sociais, históricos e culturais que circunscrevem esse campo da
linguagem como constituintes essenciais do seu escopo teórico e metodológico, busca
encontrar caminhos alternativos viáveis para problematizar e buscar saídas alternativas aos
28
problemas que surgem no seio da vida material humana. Assim, a prática humana e a
linguagem não são duas instâncias estanques dicotomizadas, pois uma constitui
inevitavelmente a outra, sendo que ambas não possuem qualquer tipo de isenção ou
neutralidade política, ética e ideológica. O próprio ato de buscar uma definição “ideal” do
que seria, afinal, Lingüística Aplicada, bem como quais seriam os recortes teóricos e
metodológicos mais “coerentes” com o seu escopo implica práticas discursivas atreladas a
posições políticas, éticas e ideológicas (Rajagopalan, 2003).
As reflexões desenvolvidas até aqui mostraram que poderíamos nos valer da
concepção segundo a qual a L.A. é entendida como uma ciência de caráter interdisciplinar
(conforme Moita Lopes, 1996: 19) em condições de fornecer um arcabouço teórico e
metodológico que possa atender aos nossos objetivos da pesquisa. Dessa forma,
observamos que a L.A. de caráter interdisciplinar estabelece relações com outras ciências
humanas visando estudar com mais rigor e profundidade as várias faces do problema
colocado em questão. Com isso, surgem contribuições oriundas de diversas áreas que
podem, por sua vez, fornecer subsídios teóricos e metodológicos úteis à discussão das
questões propostas pelo nosso trabalho. Então, a relação dialética estabelecida com o
campo maior das ciências humanas e sociais, tais como a história, pedagogia crítica,
psicologia, ciências sociais, filosofia, etc., vem ao encontro dos nossos objetivos no sentido
de aprofundar o debate e de criar formas alternativas de investigar o objeto em questão.
Pelo fato de nosso projeto se debruçar sobre um problema relativo à linguagem e de se
inscrever dentro de uma relação interdisciplinar com outras ciências, consideramos a L.A.
como uma área pertinente à nossa proposta de pesquisa.
Observamos, conforme Rajagopalan (2003), que essa abertura de pensamento em
relação à interdisciplinaridade no campo da L.A. nem sempre foi possível, visto que, nas
primeiras décadas da sua história, o paradigma predominante em L.A concebia o terreno da
linguagem dentro de uma dicotomia, muitas vezes radical, que separava as questões da
linguagem dos problemas políticos e sociais imbricados nas práticas empíricas em que a
linguagem exerce um papel fundamental enquanto instrumento que medeia as práticas
humanas. Segundo Pennycook (2001), essa dicotomia desconsidera o fato de que a
linguagem é um instrumento inserido nas relações de poder, que pode ser utilizado tanto
29
para dominar e oprimir quanto para promover a luta pela democratização e libertação dos
povos oprimidos.
Em um primeiro momento, encontramos uma L.A. um tanto quanto reduzida ao
estudo das positividades funcionais e estruturais da linguagem, fato que demonstrava uma
certa dependência da L.A. em relação à Lingüística. Esse quadro começa a mudar a partir
do momento em que as pesquisas colocam uma série de problemas que necessitavam de
respostas mais profundas e complexas que escapavam aos conceitos mais rígidos da L.A.
tradicional. Assim, notadamente a partir dos anos 90, surgem outros quadros teóricos e
metodológicos que se propõem a analisar os problemas surgidos no terreno da linguagem
de forma interdisciplinar e com uma sensibilidade maior em relação aos problemas de
ordem social que cresciam nas sociedades pós-modernas. Temas relativos à pobreza,
exploração, racismo, desigualdades sociais são agregados ao campo de investigação da
L.A. Com isso, novos grupos de pesquisa assumiram a postura de desenvolver trabalhos
comprometidos com questões de raça, gênero, sexualidade dentro de uma visão politizada,
levando em consideração o fato de que o Lingüista Aplicado tem em mãos uma certa carga
de poder e, mesmo que muitos não assumam isso, são, inevitavelmente, agentes políticos
que agem ou em favor da dominação ou contra ela (Pennycook, 1998; Rajagopalan, 2003).
Inserimos nosso trabalho dentro dessa perspectiva, uma vez que buscamos
alternativas mais humanas e democráticas face à dominação autoritária de um discurso
político/ideológico que quer se fazer único e inevitável, não abrindo espaço para que outras
vozes possam se colocar historicamente e se constituir, dessa forma, como agentes da sua
própria constituição política, cultural e social. Seguindo esse prisma, a pesquisa por nós
desenvolvida recorre a quadros analíticos que tentam desnudar e descrever os processos
pelos quais as desigualdades são engendradas e, a partir desse olhar inicial, esforçar-se por
desenvolver uma teoria epistemológica e metodológica fortemente orientada para a
intervenção, onde o pesquisador enxerga a complexidade do problema que o cerca através
de uma postura crítica inclinada para a mudança social ( cf. Kleiman, 1998).
Para além dessa reflexão inicial, essencial para todo pesquisador que se filia à L.A.
de linha crítica, seria necessário entender a linguagem como um campo complexo, formado
historicamente, culturalmente e socialmente, atravessado a todo momento por relações de
poder que informam, por sua vez, um campo de disputa social em que diferentes classes
30
sociais lutam para efetivar formas legítimas de “ler e compreender” o mundo (Pennycook,
1998, por exemplo).
Assim, o que está em jogo é a luta para efetivar categorias interpretativas capazes de
moldar compreensões particulares do mundo. Ocorre que, dentro desse jogo, existem
relações assimétricas de poder baseadas em desigualdades históricas. Há uma relação de
dominação em que os discursos hegemônicos subtraem ao máximo outras formas
alternativas de ver, sentir e conceber o mundo. Então, de acordo com Pennycook, (1998:
24):
Como lingüistas aplicados, estamos envolvidos com linguagem e
educação, uma confluência de dois dos aspectos mais
essencialmente políticos da vida. Na minha visão as sociedades são
desigualmente estruturadas e são dominadas por culturas e
ideologias hegemônicas que limitam as possibilidades de
refletirmos sobre o mundo e, conseqüentemente, sobre as
possibilidades de mudarmos esse mundo. Também estou
convencido de que a aprendizagem de línguas está intimamente
ligada à manutenção dessas iniqüidades quanto às condições que
possibilitam mudá-las. Assim, é dever da Lingüística Aplicada
examinar a base ideológica do conhecimento que produzimos.
Em conformidade com esse ponto de vista, enquadramos o discurso Neoliberal
burguês como uma prática social inclinada historicamente para a exclusão, monopolizando
os espaços discursivos que poderiam ser democraticamente demarcados através de práticas
mais solidárias baseadas nas categorias de classe, raça e gênero. Nossas investigações no
campo educacional evidenciam uma espécie de homogeneização no conjunto dos discursos
produzidos no interior da escola, relegando às margens outros esquemas interpretativos de
desvendar e re-criar o mundo, anexando ao seu território somente aquelas esferas
simbólicas que atendam aos seus interesses políticos e ideológicos. Assim, para Silva
(1994 apud Suárez, 1995: 257) “Os ditames e proposições neoliberais e neoconservadores
se estruturam, desta forma, em um processo de constituição simbólica do real, do desejado
e do benigno que não apenas sustenta uma determinada ordem de coisas mas que também,
além disso, nega a existência mesma de outras ‘realidades’, de outras possibilidades de
representar o mundo, seus objetos e relações”
31
Constatamos, com isso, que os espaços educacionais estão sendo submetidos aos
esquemas avaliativos de um projeto político que pretende se fazer único e que reconhece a
importância da escola para atingir seus objetivos. O que a reflexão desenvolvida nesta
seção propõe é que nós, enquanto pesquisadores da área da linguagem, podemos criar
novas epistemologias e metodologias que neguem a passividade da comunidade escolar
frente aos discursos ideológicos atrelados ao ideário conservador da hegemonia
mercantilista. Dessa forma, estaremos conscientes de que, quando o que está em jogo é o
tipo de educação que queremos para nós e para as gerações futuras, não podemos, enquanto
cientistas da linguagem que trabalham com a educação, portanto também educadores,
negarmos nossas responsabilidades políticas, estando cientes de que nossos discursos não
são neutros e que, ora proferidos, estão ou legitimando as forças hegemônicas do poder ou
lutando para desnudar os mecanismos de exclusão desse sistema, mostrando que um outro
caminho é possível.
O suposto fatalismo propagado por um discurso que potencializa ao máximo a
competição, o individualismo e a formação técnica voltada exclusivamente para o mercado,
em detrimento de outras visões de mundo que poderiam formar um sujeito crítico,
autônomo, cooperativo e solidário, evidencia a urgência posta frente aos Lingüistas
Aplicados em desenvolver pesquisas que acreditem na força da história não como uma
fatalidade, mas como uma possibilidade (Freire, 1987). Coerente com o discurso da história
encarada como possibilidade, nossa pesquisa defende a idéia de que os discursos
produzidos na escola têm uma relação íntima com as condições culturais, sociais e
históricas que constituem determinada sociedade. Então, professor e pesquisador, enquanto
agentes políticos comprometidos com a inclusão dos grupos marginalizados, podem, junto
com a comunidade escolar, promover o diálogo da escola com o campo das lutas históricas
e sociais, evidenciando as estruturas e os mecanismos que produzem as desigualdades e
injustiças para, alimentados por um discurso orientado para a ação intervencionista,
promover de forma democrática e dialética as mudanças necessárias ao momento histórico
no qual estamos inseridos.
Nesse sentido, entendemos que os diversos grupos que compõem o universo
escolar podem se engajar na luta contra-hegemônica, pois, conforme Foucault
(1979), as questões de poder
não estariam, como se pensava, concentradas somente nos
32
centros hegemônicas das macro-estruturas dominantes, mas também nas micro-estruturas
espalhadas nos diversos setores da sociedade, formando um todo complexo e interligado,
onde micro e macro, sincrônico e diacrônico se interseccionam, um influenciado o outro,
dentro de uma relação de interdependência .
De acordo com esse ponto de vista, podemos desenvolver a idéia de que as diversas
camadas da sociedade, incluindo as parcelas excluídas do processo histórico, têm em mãos
uma parcela do poder, podendo, através desse poder, lutar por uma sociedade mais justa e
humana. Procuramos, dessa forma, demonstrar que existe a possibilidade de enfrentar os
centros discursivos hegemônicos do poder através da mobilização discursiva dos diversos
micro-centros, que, hoje, estão colocados à margem do processo político. Então,
argumentamos nas seções anteriores, que cabe, dentro do âmbito educacional, aos
professores crítico-reflexivos “ativar” esses micro-centros discursivos, objetivando
minimizar as disparidades sociais, minando gradativamente as raízes do poder estabelecido,
efetivando, dessa forma, a sua prática enquanto compromisso sócio-político.
Portanto, nosso projeto de pesquisa se alia à L.A. uma vez que tal área se apresenta
como um referencial analítico dinâmico que possibilita reconhecer o fato de que hoje, na
pós-modernidade, as fronteiras entre as diferentes ciências estão cada vez mais estreitas
(Kumaradivellu, 2006), propiciando a reinterpretação de paradigmas, recortes
epistemológicos transgressivos, enfim, novos caminhos e novas abordagens que
transgridem as normas rígidas de outrora (Pennycook, 2006).
Se nas primeiras décadas da L.A. as questões relativas à interdisciplinaridade e ao
compromisso político/social dos pesquisadores frente às desigualdades sociais
encontravam-se em nível incipiente, hoje, percebemos o quanto que essas idéias cresceram
e amadureceram, conquistando um espaço importante para todos aqueles que vivem a
ciência na esperança de que ela pode, e muito, contribuir na construção de um mundo
melhor para se viver. Acreditamos ser essa a força central que mantém viva a relação da
nossa pesquisa com a Lingüística Aplicada.
33
CAPÍTULO 2
METODOLOGIA DE PESQUISA
A metodologia de pesquisa aqui adotada seguirá a linha de cunho crítico-
colaborativo, pois considera que a intervenção do pesquisador em relação ao participante
deva ocorrer dentro de um ambiente de cooperação onde ambas as partes tenham a
possibilidade de problematizar, levantar questões acerca do que está sendo discutido,
propor mudanças e intervir (Magalhães, 1994). Dentro dessa perspectiva é tarefa
importante do pesquisador dar voz ao participante, escutar o que ele tem a dizer, contribuir
para que ele se sinta bem para cooperar na criação de espaços alternativos de discussão
coletiva ( John-Steiner, 2000).
A teoria da pesquisa crítica se enquadra no paradigma da construção do
conhecimento como possibilidade de promover a emancipação dos sujeitos, e,
conseqüentemente, construir as bases democráticas para efetivar a mudança social (Bredo
& Feinberg, 1982). A pesquisa de linha crítica vem ao encontro dos nossos objetivos de
pesquisa, pois busca, dentro de um ambiente colaborativo de reflexão, construir propostas
sólidas de intervenção visando à transformação dos discursos hegemônicos (Kincheloe,
1997: 179). Nesse sentido, a prática crítica pressupõe que os participantes estejam
inseridos dentro de uma atmosfera de colaboração para que todos tenham voz e vez para
discutir criticamente o que está sendo colocado. De acordo com Magalhães (1998: 173):
[...] colaborar, seja em relação ao pesquisador, ao professor, ao coordenador ou ao aluno,
significa agir no sentido de explicar, tornar mais claro seus valores, representações,
procedimentos e escolhas, com o objetivo de possibilitar aos outros participantes
questionamentos, expansões, recolocações do que está em negociação.
Assim, nossa pesquisa buscará a interação necessária entre pesquisador e professor
para que ambos atuem sob uma plataforma de colaboração crítica, negociando e
problematizando questões acerca dos conhecimentos construídos com base nas práticas
34
discursivas sobre a sala de aula. Magalhães (2002: 39) denomina essas práticas como
sessões reflexivas, praticadas no decorrer desta pesquisa.
Tendo estas considerações gerais em mente, as sessões reflexivas são entendidas
neste trabalho como espaços construídos colaborativamente entre os participantes tendo
como ênfase, de acordo com Magalhães (1998: 98), “a compreensão de que essas sessões
podem propiciar contextos para que professores e pesquisador externo problematizem,
explicitem e, eventualmente, modifiquem as formas como compreendem sua prática e a si
mesmos”. Dessa forma, entendemos que um dos objetivos centrais que gira em torno da
sessão reflexiva é a possibilidade de transformação das práticas e representações a partir da
construção coletiva de contextos em que os participantes possam interagir e refletir sobre
suas próprias práticas no sentido de problematizar, contestar, repensar e, eventualmente,
transformar suas atitudes para, conseqüentemente, também modificar o contexto em que
essas atitudes estão inseridas.
O espaço criado a partir de uma sessão reflexiva pode, de acordo com o nosso
ponto de vista, trazer à tona as raízes sócio-históricas que sustentam uma determinada
postura lingüístico-discursiva, revelando-se, dessa forma, como um valioso procedimento
metodológico para esta pesquisa. Nesse sentido, as bases políticas, ideológicas e filosóficas
que guiam nossas ações cognitivas e lingüísticas saem da obscuridade e tornam-se, então,
mais claras e palpáveis. Entendemos que os resultados obtidos com as sessões reflexivas
podem desencadear um processo de reflexão crítica, nos tornando, com isso, mais
conscientes de como as relações de poder inerentes a posições políticas hegemônicas agem
sobre nossas vidas, possibilitando, a partir dessa conscientização, a construção de espaços
críticos de reflexão que alimentem a construção de posturas lingüístico-discursivas contra-
hegemônicas.
2.1. Contexto de pesquisa
A comunidade situada nos entornos da escola, como boa parte das comunidades
presentes nos subúrbios e periferias do Brasil, não dispõe de serviços públicos básicos de
saúde, cultura, lazer, habitação, por exemplo. Dessa forma, são as classes menos
favorecidas que habitam o entorno da escola. A atividade econômica da região restringe-se
35
ao funcionamento de pequenos estabelecimentos comerciais, tais como bares, mercearias,
lanchonetes, minimercados etc. É importante ressaltar que essas observações não estão
baseadas em nenhuma pesquisa ou documento oficial, tendo como fonte as observações do
próprio pesquisador e o relato do professor participante.
2.1.1. A escola
A pesquisa foi realizada em uma escola pública da rede estadual de ensino situada
em um bairro periférico da zona leste, na cidade de São Paulo. A instituição conta
atualmente com aproximadamente 2.400 alunos e 100 professores, sendo, portanto, uma
escola de grande porte. O espaço físico conta com a disposição de salas de vídeo, teatro,
laboratórios e multimeios. Trata-se de uma instituição tradicional que atrai um grande
contingente de alunos oriundos de outras localidades e de regiões distantes do local da
escola, recebendo, inclusive, estudantes transferidos de instituições particulares de ensino,
aumentando, dessa forma, a vasta lista de espera por vagas, fato que comprova seu
prestigiado renome na região. O corpo docente desta unidade escolar é composto por
professores experientes que trabalham há muito tempo no ensino público, sendo que muitos
desses professores possuem título de mestre ou estão freqüentando cursos de pós-
graduação.
2.1.2. A sala de aula
Para esta pesquisa contamos com a colaboração de uma turma do 3° ano do ensino
médio composta por 35 alunos. A faixa etária dos alunos gira em torno dos 18 anos. Uma
parcela considerável dos estudantes trabalha durante o dia e freqüenta as aulas à noite. A
maioria reside próximo à escola e uma outra parcela se descola de outros bairros para
assistir às aulas. Por se tratar de uma turma que se encontra no último ano do ensino médio,
acreditamos na hipótese de que a postura lingüístico-discursiva dos alunos esteja embasada
em experiências e expectativas mais concretas sobre a sociedade, como o mundo do
trabalho, por exemplo. Fato esse que poderia muito contribuir com nossas investigações
36
2.2. Participantes da pesquisa
professor: graduado em história por instituição privada de ensino da cidade de São Paulo,
leciona há 14 anos na rede pública estadual. Além de ministrar aulas nesta instituição,
trabalha em uma escola particular e leciona também a disciplina de História no ensino
fundamental da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo. Atualmente, é estudante
de pós-graduação strictu sensu, desenvolvendo pesquisa na área de Lingüística Aplicada e,
mais especificamente, na linha de Linguagem e Educação. Será o sujeito focal desta
pesquisa, participando das aulas e das sessões reflexivas.
pesquisador: graduado em letras por instituição privada de ensino da cidade de Osasco.
Em 2006 ingressou no programa de estudos pós-graduados do LAEL da PUC-SP, buscando
apoio acadêmico para desenvolver esta pesquisa. Atualmente, leciona a disciplina de língua
inglesa em uma escola da rede pública municipal de ensino da cidade de São Paulo.
Dedica-se prioritariamente ao desenvolvimento desta pesquisa que se insere na área de
Linguagem e Educação.
alunos: estudantes do 3º ano do ensino médio. Serão participantes secundários desta
pesquisa, não participarão, portanto, das sessões reflexivas, somente das aulas.
Participantes envolvidos na pesquisa e suas abreviações
Participantes Abreviação
Professor PF
Alunos – 3º ano do
ensino médio
A
Pesquisador PQ
37
2.3. Instrumentos e procedimentos para coleta e análise de dados
A seguir descrevo os instrumentos e os referenciais teóricos que foram utilizados
para coleta e análise dos dados bem como relevância dos mesmos para a condução da
pesquisa.
2.3.1. Geração de dados
Utilizamos como instrumento de coleta de dados a gravação em áudio de quatro
aulas, com duração de 45 minutos cada, e de duas sessões reflexivas. Todos os dados
foram transcritos pelo pesquisador para futura análise. Os objetivos do trabalho foram os
critérios que nortearam a seleção dos dados.
A seguir apresento um quadro resumo da coleta de dados contendo as datas e as
fontes das gravações referentes às aulas e às sessões reflexivas.
Quadro resumo da coleta de dados
Fonte da coleta Data
Gravação de uma aula 17/04/2007
Gravação de uma aula 19/04/2007
Gravação de uma sessão reflexiva 13/06/2007
Gravação de duas aulas 15/09/2007
Gravação de uma sessão reflexiva 18/12/2007
2.3.2. Aulas
Negociamos com o professor que participa desta pesquisa a gravação de quatro
aulas. Descrevo abaixo o contexto de cada aula.
Aula do dia 17/04- Nesta aula o professor iniciou com o tema referente à constituição de
1824. Posteriormente, pediu que os alunos relacionassem o texto da constituição de 1824
38
com um outro texto que tratava das três dimensões da cidadania. Em seguida, pediu para
que os alunos produzissem uma redação a partir da leitura e análise dos dois textos
trabalhados.
Aula do dia 19/04- Nesta aula houve a continuidade das atividades iniciadas na aula
anterior através de um debate realizado em sala. Para tanto, os alunos utilizaram os textos e
a redação da aula anterior para contribuir com as discussões. No decorrer do debate,
surgiram outros temas importantes para a nossa pesquisa que serão analisados
posteriormente.
Aulas do dia 15/09- Neste dia foram realizadas duas aulas. O professor havia solicitado
aos alunos que selecionassem um tema para ser debatido em sala de aula. Dessa forma, os
alunos decidiram discutir os temas que giram em torno do racismo. Com base em um texto
fornecido pelo professor, os alunos manifestaram suas posições particulares em relação ao
tema proposto.
2.3.3. Sessões reflexivas
Conforme descrito no início da seção, realizamos duas sessões reflexivas com o
professor participante da pesquisa para negociar e problematizar questões relativas aos
conhecimentos construídos com base nas práticas discursivas sobre a sala de aula, bem
como os procedimentos adotados na condução das pesquisas. Descrevo abaixo o contexto
de cada uma.
Sessão reflexiva do dia 13/06- Nesta primeira sessão reflexiva foram discutidas as duas
primeiras aulas (17/04 e 19/04). Dessa forma, refletimos sobre a atuação do professor em
sala de aula em relação aos temas que foram abordados. Negociamos e debatemos a
questão da criação de espaços de discussão em sala de aula no sentido de desenvolver a
construção coletiva do pensamento crítico. Os conceitos teóricos centrais que guiam esta
pesquisa também foram debatidos e problematizados durante toda a sessão reflexiva com o
objetivo de provocar transformações nas próximas aulas.
39
Sessão reflexiva do dia 18/12- A nossa segunda sessão reflexiva teve como foco a
reflexão em torno das duas aulas do dia 15/09. Contudo, aproveitamos o momento para
fazer uma balanço geral de todas as aulas gravadas. Nessa fase da pesquisa, tanto o
professor quanto o pesquisador já haviam absorvido os princípios fundamentais que
compõem a sessão reflexiva. Dessa forma, o desenvolvimento da discussão fluiu melhor do
que na primeira sessão. As intervenções do pesquisador estavam, em sua maioria,
embasadas nos conceitos teóricos centrais utilizados na pesquisa. O professor, de certa
forma, já havia absorvido de uma forma geral esses conceitos teóricos, fato que muito
contribuiu com a problematização dos temas que foram trabalhados na aula.
2.4. Categorias de análise de dados
Nesta seção descrevo as categorias que utilizarei para a análise lingüística dos
dados, enfatizando a relevância das mesmas para a pesquisa. Segue abaixo, um quadro com
o resumo dos procedimentos utilizados para a análise dos dados:
Perguntas de
pesquisa
Instrumentos de
coleta de dados
Categorias de
análise de dados
Categorias de
Interpretação
(1) Como se estrutura
o discurso do
professor frente à sua
posição crítica diante
dos discursos
hegemônicos
presentes na
educação em relação
a:
Temas abordados
Criação de espaços
Gravação de quatro
aulas
17/04/07
19/04/07
15/09 (duas aulas)
Sistemas de turnos
(Marcuschi, 2001)
Tipos de perguntas
(Marcuschi, 2001)
Conteúdo temático
(Bronckart, 1999)
Escolha lexical
(Bronckart, 1999)
Conceito de ZDP;
Pedagogia crítica;
Reflexão crítica;
Linguagem contra-
hegemônica;
Agência discursiva
40
de discussão crítica
em sala de aula?
(2) Como as sessões
reflexivas podem se
constituir como
espaços para que o
professor repense
suas práticas ?
Gravação de duas
sessões reflexivas
13/06/07
18/12/07
Conteúdo temático
(Bronckart, 1999)
Escolha lexical
(Bronckart, 1999)
Sistemas de turnos
(Marcuschi, 2001)
Tipos de perguntas
(Marcuschi, 2001)
Linguagem e
identidade;
Linguagem contra-
hegemônica;
Reflexão crítica;
ZDP;
Pedagogia crítica
2.4.1. O Conteúdo Temático
Para a análise lingüística dos dados utilizamos o conceito de conteúdo temático. De
acordo com Bronckart (1999: 97), o conteúdo temático “pode ser definido como o conjunto
das informações que nele são explicitamente apresentadas que é descrito por um excerto
com uma escolha lexical marcada para indicar que trecho corresponde exatamente aquele
Conteúdo Temático”. Ainda, segundo o autor (1999 pp. 97/98) , “[...] as informações
constitutivas do conteúdo temáticos são representações construídas pelo agente-produtor.
Trata-se de conhecimentos que variam em função da experiência e do nível de
desenvolvimento do agente e que estão estocados e organizados em sua memória,
previamente, antes do desencadear da ação da linguagem”.
Dessa forma, entendemos que as informações que constituem os conteúdos
temáticos são representações construídas pelos sujeitos envolvidos em uma situação de
comunicação. Essas representações são construídas com base nas experiências sociais,
históricas e culturais vivenciadas pelos agentes. Então, as escolhas lexicais bem como as
manifestações lingüístico-discursivas que compõem um determinado conteúdo temático são
41
produções construídas a partir da relação dialética estabelecida entre os sujeitos e o mundo
sócio-histórico no qual estão inseridos.
É importante ressaltar que os conteúdos temáticos também são gerados com base
em nossos valores, crenças e interpretações sobre o que foi dito pelo outro, logo, nossas
próprias representações devem ser consideradas no momento em que estamos tentando
levantar um determinado conteúdo temático (conforme discutido por Fidalgo, 2006). Feitas
estas essenciais considerações, buscaremos analisar, então, no interior dos excertos
selecionados para a nossa análise, as informações e as escolhas lexicais consideradas
relevantes para a solução das questões propostas na pesquisa.
Quadro exemplo de conteúdo temático
Conteúdo temático Exemplo
Outorgada é uma constituição que foi
imposta pelos governantes
74-PFoutorgada é...tem a ver com
imposição, foi uma constituição feita é, de
forma que não contou com a participação
por exemplo de outras pessoas, foi imposta
pelos governantes (...)”
2.4.2. O Sistema de Turnos e os Tipos de Perguntas
Utilizaremos o conceito de análise dos sistemas de turnos desenvolvido por
Marcuschi (2001). Segundo esse autor, o turno é definido “como aquilo que o falante faz ou
diz enquanto tem a palavra, incluindo a possibilidade de silêncio” (idem, ibidem p. 18).
Dessa forma, os sujeitos envolvidos dentro de uma determinada interação lingüística se
envolvem em atividades coordenadas (lingüísticas e paralingüísticas) visando compreender
as ações dos outros participantes. Há, então, dentro da interação, uma alternância dos
participantes na tomada de turnos.
Aproveitaremos, também, os conceitos referentes aos tipos de pergunta visando
compreender melhor as interações que envolvem as práticas discursivas entre professor e
alunos. Para Marcuschi (idem), o ato de perguntar funciona como um estimulador verbal
42
que incentiva a participação do outro no ato conversacional. Nesse ponto, Marcuschi (idem,
pp. 37/38) aponta duas categorias de perguntas que se destacam dentro de uma interação:
as perguntas do tipo sim-não, conhecidas também como perguntas fechadas e as perguntas
sobre algo, ou perguntas abertas.
Dentro desse ponto de vista, entendemos que, para este trabalho, os tipos de
perguntas utilizados durante o ato conversacional se constituem como recursos lingüístico-
discursivos que podem ou restringir as possibilidades de respostas dos participantes
inseridos no ato de conversação (perguntas do tipo fechadas) ou, ao contrário, estimular o
engajamento dos mesmos (perguntas do tipo abertas), contribuindo para que a participação
dos estudantes em um debate, por exemplo, seja conduzida por respostas construídas
argumentativamente. Lembramos, contudo, que nem sempre as perguntas do tipo fechadas
resultam na produção de respostas mal-elaboradas do ponto de vista argumentativo e que,
da mesma forma, as perguntas do tipo abertas, em alguns casos, não estimulam a produção
de respostas argumentativas. Nesses casos, o contexto de produção deve ser considerado
(op.cit.).
Quadro exemplo dos turnos conversacionais
Excerto dos turnos conversacionais
08-PF- Então, você fez...você anotou as principais características da constituição né, e aí
você anotou o que você entendeu do texto sobre cidadania, agora qual a relação que você
fez entre um texto e outro, entre o texto de cidadania e a constituição? A que
conclusão você chegou?
A3- O texto não, copiei essa frase aqui, essa frase tá dizendo bem claro aqui, a cidadania
atual tá falando que a pessoa tem direito de votar em quem ela quiser em vez de renda, de
região ou classe social, escolaridade.
09-PF- O que mais...
10-A3- Nessa época a outorgada não era nada assim né.
11-PF- Significa o quê? A que conclusão você pode chegar?
12-A3-Que existe diferença
13-PF- Diferença, tá...que mais...que mais...
43
2.5. Credibilidade da pesquisa
Esta pesquisa foi apresentada nos seguintes eventos: III Fórum do Programa Ação
Cidadã - PUC-SP – 2006; IV Fórum de Inclusão Lingüística em Cenários de Atividades
Educacionais – PUC-SP – 2006; I Colóquio Internacional de Análise do Discurso –
UFSCAR – 2006; VI Simpósio do Laboratório de Gestão Educacional – F.E./Unicamp-
2007; 16º INPLA- Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada- PUC-SP – 2007 ; I
SELL- Simpósio de Estudos Lingüísticos e Literários- UFTM- Uberaba – 2007 ; 55°
Seminário do GEL- UNIFRAN- FRANCA – 2007; II Simpósio Internacional de Análise
Crítica do Discurso- FFLCH/USP-2007.
Durante as apresentações nestes eventos colhemos dicas, sugestões e críticas
fornecidas por estudantes e professores de pós-graduação oriundos de diversas instituições
públicas e privadas do Brasil. Essa troca de idéias bem como o debate que delas surgiu,
proporcionou momentos de reflexão que auxiliaram no amadurecimento desta pesquisa.
Além disso, no decorrer das reuniões, nos seminários de orientação, ocorreu uma
série de discussões teóricas e metodológicas que visavam tornar mais claro as questões em
torno dos projetos de pesquisa em andamento na instituição. Então, o nosso trabalho se
aproveitou dessas reuniões para explicitar quais eram as nossas dificuldades em relação ao
desenvolvimento da pesquisa, coletando sugestões e opiniões de outros estudantes para,
posteriormente, repensar e refletir os caminhos percorridos até então, visando sempre o
amadurecimento do trabalho.
Assim, houve momentos para observar, por exemplo, a análise de dados de colegas
e discutir com eles questões inerentes à metodologia de pesquisa e da fundamentação
teórica adotadas nos projetos. Nesse ponto, foi importante a constante participação da
orientadora, visto que em todos os momentos coordenou as discussões e os debates dentro
de uma perspectiva crítica e construtiva que muito colaborou com o desenvolvimento desta
pesquisa.
44
CAPÍTULO 3
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Este capítulo tem por objetivo promover a análise lingüística dos dados coletados
durante as gravações das aulas e das sessões reflexivas. Objetivamos, também, discutir
esses dados tendo como base os conceitos-chave que norteiam esta pesquisa. Para tanto,
estruturo este capítulo em quatro fases. Na primeira fase (item 3.1), analiso as duas
primeiras aulas (dias 17/04/2007 e 19/04/2007). O conceito de conteúdo temático discutido
por Bronckart (1999) guiará a análise lingüística dos dados nesta primeira fase. Pretendo,
com isso, responder a pergunta de pesquisa 1: Como se estrutura o discurso do professor
frente à sua posição crítica diante dos discursos hegemônicos presentes na educação em
relação aos temas abordados e à criação de espaços de discussão crítica em sala de aula?
Na segunda fase (item 3.2), analiso a primeira sessão reflexiva (dia 13/03/2007),
referente às aulas 1 e 2, tendo como referencial para a análise lingüística dos dados o
conceito de conteúdo temático. Objetivo, nesta fase, atender a pergunta de pesquisa 2:
Como as sessões reflexivas podem se constituir como espaços para que o professor repense
as suas práticas? Na terceira fase (item 3.3), analiso as aulas 3 e 4 (dia 15/09/2007) tendo
como categoria de análise lingüística os conceitos de sistemas de turnos desenvolvidos por
Marcuschi (2001) enfocando os tipos de pergunta ligados a esses turnos. Esta fase da
análise visa atender a pergunta de pesquisa 1, já explicitada anteriormente. Na quarta fase
(item 3.4), analiso a segunda sessão reflexiva (dia 18/12/2007), referente às aulas 3 e 4. A
análise lingüística será novamente embasada nos conteúdos temáticos gerados durante a
sessão reflexiva. Esta última fase da análise objetiva responder a pergunta de pesquisa 2,
conforme explicitada anteriormente.
Nas quatro fases explicitadas anteriormente, realizaremos uma pequena análise
quantitativa dos turnos conversacionais objetivando melhor compreender como foi gerida a
45
distribuição dos turnos durante as aulas e no decorrer das sessões reflexivas. Dessa forma,
buscaremos analisar como que os participantes tiveram a oportunidade de se manifestar e
expor as suas colocações em relação aos temas que estavam sendo discutidos a partir dos
turnos que lhes foram concedidos. Trata-se, então, de um suporte quantitativo que terá
como fim primordial o desenvolvimento qualitativo das análises que se seguem.
3.1. Aulas 1 e 2
Neste momento, analisaremos as aulas 1 e 2 tendo como critério de análise os
conteúdos temáticos gerados a partir das interações verbais em sala de aula. Objetivamos,
nesta fase da análise, responder a pergunta de pesquisa 1: Como se estrutura o discurso do
professor frente à sua posição crítica diante dos discursos hegemônicos presentes na
educação em relação aos temas abordados?
Aula 1
Iniciaremos esta análise considerando a gestão dos turnos conversacionais que
foram produzidos durante a aula. Objetivamos, com isso, verificar, com base no
levantamento quantitativo dos dados, se os turnos foram bem distribuídos no sentido de
envolver os alunos nas discussões de modo que não ocorresse a monopolização das vozes
em único turno. Entendemos que isso seja importante para a construção colaborativa do
conhecimento. A seguir, encontra-se a primeira tabela contendo os dados quantitativos
sobre os sistemas de turnos referentes à aula 1.
46
Tabela dos sistemas de turnos da primeira aula (17/04/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Professor 41
Alunos 54
TOTAL 95
Os dados presentes na tabela indicam que os alunos tiveram um número um pouco
maior de turnos em comparação ao professor. Isso demostra que os alunos tiveram espaço
para se manifestar durante a aula, não se caracterizando nesse caso, uma relação assimétrica
entre professor e alunos. O excerto a seguir é utilizado por nós como um pequeno exemplo
do que ocorreu em relação à distribuição dos turnos.
EXCERTO 1
14-PF- Pessoal, o que faltava pro texto....o que faltava pro texto é isso aí ó....então eu vou
dar um tempinho pra vocês copiarem ...é...dá uma lida...dá uma lida no texto e aí vocês
vão me fazer aquela redação com a constituição de 1824.
15-A1- Beleza...
16-A2- Professor...
17-PF- É essa parte que faltava.
18-A2- Professor...
19-PF- Oi
20-A2- Como que fica a nota?
21-PF- (...) eu tenho aqui três atividades que vocês fizeram comigo...
22-A3- Explica pra Maria que ela não entendeu.
23-PF- Pra quem não sabe o nós estamos fazendo aqui hoje...
24-A4- Cala a boca ...escuta o baguiu rapá...
25-PF- Pessoal, colaborem (...) então é assim ó... é...o professor Fábio está fazendo uma
pesquisa é...ligado a ...ao professor de história, como o professor de história é...dá a sua
aula né, qual o discurso utilizado pelo professor de história etc e tal...então é...a proposta é
gravar as minhas aulas como já estamos fazendo aqui né e depois ele vai analisar como é
que foi dada essa aula, como é que foi a participação dos alunos
26-A-Olha lá que se vai dizê hein....
27-PF- Tudo bem, alguém tem alguma dúvida?
Podemos perceber, a partir da distribuição dos turnos presentes neste excerto, que o
professor abre espaço para que os alunos coloquem suas dúvidas em pauta e tenta fornecer
uma resposta para essas dúvidas, alternando, dessa forma, os turnos conversacionais que
47
estavam sendo produzidos. Portanto, consideramos que, especificamente em relação à
distribuição dos turnos na aula 1, os dados quantitativos indicam que houve uma
distribuição adequada dos turnos. Passaremos, agora, à análise dos conteúdos temáticos.
Quadro 01
Conteúdo temático EXEMPLO
Professor retoma a
aula anterior e indica
os procedimentos da
aula corrente
01-PF- Então é o seguinte ó, a semana passada nós vimos lá na
salinha de multimeios as primeiras características do primeiro reinado,
quem estava aí deve lembrar...
02-A-Eu.....
03-PF- Então nós vimos...é...por exemplo...é...qual o processo que o
Brasil passou para se tornar independente, nós vimos os primeiros
anos do governo de Dom Pedro I e nós demos uma ênfase maior na 1ª
Constituição de 1824, então, na aula passada eu pedi para o professor
eventual entregar pra vocês um texto sobre a Constituição de 1824,
nesse texto vocês deveriam anotar as principais características dessa
Constituição e eu pedi na seqüência pra ele passar um texto na lousa
com as três dimensões da cidadania que parece que não deu tempo dele
terminar o texto. Então, o que eu vou fazer nessa aula, vou terminar
o texto e aí eu vou deixar um tempo vocês lendo um pouco esse texto e
aquele texto que eu dei sobre a Constituição de 1824 e vocês vão ter
que relacionar o texto sobre cidadania a Constituição de 1824.
04-A-Acho que já terminou.
05-A- Não terminou.
06-PF- Não terminou não, a última palavra do texto foi direito, falta
mais um parágrafo...tudo bem? Então é isso que eu vou fazer agora,
alguma dúvida, alguma pergunta?
O primeiro C.T.
Indica que o professor está retomando a aula anterior. Os léxicos
negritados no quadro 01, turno 01 (semana passada nós vimos) e turno 03 (nós vimos, na
aula passada eu pedi) estão ligados a uma ação que já ocorreu, conforme pode ser notado a
partir dos verbos conjugados no pretérito perfeito. Ainda no turno 03, o professor indica os
Utilizaremos, a partir de agora, a sigla C.T., para indicar conteúdo temático .
48
procedimentos da aula atual (Então, o que eu vou fazer nessa aula, vou terminar o texto
[...]). No turno 04, um aluno faz uma intervenção que é refutada por um outro aluno no
turno 05. A colocação tecida por este aluno é ratificada pelo professor no turno seguinte.
Então, no início da primeira aula, o professor tenta retomar o que ocorre na aula anterior e
explica os procedimentos da aula corrente. Vejamos o próximo quadro dos conteúdos
temáticos.
Quadro 02
Conteúdo temático EXEMPLO
O aluno deve ter
acesso ao material
08-PF- é ...eu...eu deixei com ele uns vinte textos, ele distribuiu
entre vocês.
09-A-Ele não deu...
10-PF- Bom, se ele não deu depois e vejo e entrego pra vocês
ainda hoje, então eu vou terminar o texto, tá?
34-PF- Eu quero saber o seguinte...quem está sem o texto da
constituição de 1824, quem que não recebeu?
35-A7- Aquela folha?
36-PF- Aquela folha, é....
37-A8- Eu.
38-PF-Uum, dois, três, quatro, cinco, seis...
39-A-Eu não trouxe, esqueci em casa.
40-PF- Ficou em casa....eu não sei o que que o professor fez com a
folhas...ele deixou...
41-A-Professor, é isso aqui ó?
42-PF-É esse mesmo, é esse mesmo ...ó eu tirei umas vinte cópias
no dia e pedi pra ele entregar ....12 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
15...quinze alunos aqui.
43-A-A constituição é outorgada.
44-PF- É...outorgada de 1824, é essa mesmo.
45-A-Eu não tenho esse texto hein.
46-PF- Olha ai se você tem mesmo, se não tem, porquê eu
preciso ver onde que ele deixou...eu preciso buscar...
57-PF- Pessoal, eu não encontrei as folhas, faz o seguinte, pra vocês
discutirem senta em dupla aí, usa a folha com o companheiro.
Na aula anterior o professor teve de faltar e pediu ao professor eventual que
entregasse aos alunos as folhas contendo o texto sobre a constituição de 1824. Caberia
também ao professor eventual conduzir o início das atividades que o professor titular havia
49
programado. No entanto, muitos alunos encontravam-se sem este texto, conforme pode ser
visto nos turnos 09 e 45. Dessa forma, o professor tenta solucionar o problema, pois os
alunos precisam ter acesso a esse tipo de material para que a aula continue. Os léxicos
negritados nos turnos 10, 34, 42 e 46 giram em torno desse tema. Ao que nos parece, há
uma tentativa de reorganizar a sala para a atividade, visto que as tarefas delegadas ao
professor eventual não foram integralmente cumpridas, restando ao professor terminar tais
atividades. Houve, em decorrência desses fatores, principalmente pela falta do material,
uma certa confusão que deixou a sala um pouco tumultuada naquele momento. Essa
impressão fica mais clara no próximo conteúdo temático.
Quadro 03
Conteúdo temático Exemplo
Professor tenta
organizar a sala
60-PF- Pessoal, já terminaram de copiar...já terminaram? Vamos...
61-A-Presta atenção ai Percival
62-A-Escuta rapaz, fica atrapalhando a aula
63-PF- Faz o seguinte ó...
64-A-Bota pra fora professor...
65-PF- Ooo, cê tem folha? Vamo sentá em dupla pra pode ler o
texto com a folha junto, vamo lá...O Renan...
66-A1-Tá gravando lá meu, você vai ser excluído hein!
67-A2- Ó, esse maluco aí discrimina pra caramba, esse preto aí...
68-A3- Ainda agride os preto...
69-A1- Ele passa no corredor e diz “e aí seu véio”
70-PF-Vamo lá pessoal, vamo lá...
No turno 60, o professor lança mão de uma pergunta para chamar a atenção dos
alunos, pois já havia passado um tempo considerável da aula e os alunos ainda não haviam
terminado de copiar o texto colocado na lousa. Os turnos 61, 63 e 64 indicam que a sala
está ainda um pouco tumultuada, fato que pode ser observado nas falas dos alunos A1, A2 e
A3, nos turnos 66, 67. 68 e 69. Dessa forma, o professor tenta organizar a sala, conforme os
léxicos em negrito indicam nos turnos 65 ( Ooo, cê tem folha? Vamo sentá em dupla pra
pode ler o texto com a folha junto, vamo lá...) e 70 (Vamo lá pessoal, vamo lá...).
Todos os nomes presentes nesta análise são fictícios.
50
Entendemos que a expressão verbal presente no turno 70 é um recurso lingüístico utilizado
pelo professor no sentido de mobilizar os alunos para a atividade.
Quadro 04
Conteúdo temático Exemplo
Professor explica o
conteúdo científico
73-A-Professor, outorgada é quando um manda e os outro faz né?
74-PF- Outorgada é...tem a ver com imposição, foi uma
constituição feita é, de forma que não contou com a participação
por exemplo de outras pessoas, foi imposta pelos governantes.
75-A-Acontecia o que com quem não obedecia eles?
76-PF- Não, veja bem, a constituição é a lei máxima de um
país...é...normalmente a constituição num país pode ser feita de
duas formas: de uma forma participativa que a gente chama de
promulgada ou de uma forma impositiva que a gente chama de
outorgada, lembra quando a gente foi lá na sala de multimeios que
eu falei isso pra vocês, então essa constituição que foi que foi a
nossa primeira constituição, ela foi imposta pelos nossos
governantes, é, inicialmente tinham sido eleito algumas pessoas pra
se fazer o texto constitucional né, só que o congresso foi fechado por
Dom Pedro e ele convocou pessoas da confiança dele pra fazer a
constituição brasileira, então por isso que é outorgada, porque não
contou com a participação é, de nenhuma pessoa que foi eleita né.
O conteúdo temático do quadro 04, gerado a partir dos léxicos em negrito, indicam
que o professor explica o conteúdo científico com o intuito de responder a pergunta feita
por um aluno no turno 73. Surge, no turno 75, uma outra pergunta que faz com que o
professor, novamente, lance mão do conteúdo científico para responder a pergunta feita
pelo aluno, conforme pode ser visto no turno 76.
Como pode ser observado a partir dos conteúdos temáticos levantados durante a
aula 1, houve poucos momentos em que as interações verbais propiciassem momentos de
questionamento e reflexão sobre os conteúdos científicos que deveriam ser trabalhados em
sala de aula. Isso só pode ser observado no último C.T. Dessa forma, a construção de
perguntas e de respostas argumentativas foi prejudicada em decorrência dos fatores
contextuais que contribuíram para que essa aula assumisse tais moldes. Percebemos que
uma ênfase maior foi dada à questão da organização da sala para a atividade e, como muito
tempo foi gasto para isso, não sobrou muito espaço para que um ambiente de reflexão fosse
51
claramente instalado. Isso pode ser parcialmente explicado pela falta do material necessário
para a efetiva realização da aula. Outro fator relevante que deve ser considerado é o fato de
que o professor teve de faltar na aula anterior, incumbindo, dessa forma, o professor
eventual de realizar as atividades preliminares essenciais ao desenvolvimento das aulas
futuras. Contudo, o professor eventual, não sabemos especificar por quais motivos, não
conseguiu cumprir uma parte considerável dessas atividades, fato que muito prejudicou o
bom andamento da aula corrente.
Para Paulo Freire (1987), Giroux (1997) e McLaren (2000 A), o desenvolvimento
de espaços críticos de reflexão implica necessariamente na interação dialógica entre
educador e educandos a partir do conflito necessário que envolva os saberes pertinentes ao
cotidiano dos alunos e o conhecimento científico dos professores para que haja, a partir
dessa relação, a construção do pensamento crítico. No caso específico dessa aula, os
problemas observados a partir do contexto em que a aula ocorreu, não permitiram o
desenvolvimento das atividades com base nas idéias defendidas por esses autores.
AULA 2
Neste momento, analisaremos a aula 2. Primeiramente, faremos uma análise
quantitativa dos turnos conversacionais produzidos durante esta segunda aula.
Posteriormente, os conteúdos temáticos guiarão a continuação das nossas análises.
Tabela dos sistemas de turnos da aula 2 (19/04/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Professor 82
Alunos 200
TOTAL 282
Os dados presentes na tabela indicam que os alunos produziram uma quantidade
maior de turnos em relação ao professor. Isso pode indicar uma preocupação do professor
52
em ouvir e abrir espaço para que os posicionamentos lingüístico-discursivos dos alunos
sejam incluídos nas discussões. Vejamos o exemplo a seguir.
EXCERTO 2
13-PF- Diferença, tá...que mais...que mais...rsrs
14-A3- Na época do rei era Monarquia, governo monárquico e era muita hierarquia né,
ele mandava sozinho e se ele morresse quem assumia era alguém da família dele. Já hoje
em dia não, hoje em dia é o presidencialismo, se ele morrer quem dica no lugar dele é o
vice-presidente e assim por diante, depois vai...
15-A4- Vai ter eleição...
16-A3-(Marcel) - Se o presidente morrer quem fica no lugar é o vice-presidente...
17-A4-Eu sei que é....
18-A3(Marcel)- Se o vice-presidente morrer é o da câmara dos deputados, assembléia e aí
vai assim por diante.
19-A4- Mas o que eu tô falando quem tem eleição a um tempo, não é igual aqui...
20-A3(Marcel) - (.....) não tá falando de eleição aqui.
21-PF- Então, mas ela tá falando aqui no caso de uma república presidencialista tem
eleição.
22-A3(Marcel) - Ah tá...isso (....) é por isso que a eleição é de quatro em quatro anos.
23-PF- Marcel, mas que associação você faz do texto sobre as dimensões da cidadania
com a constituição de 1824?
24-Marcel- Que eu...tem mais poder, é uma coisa mais democrática, se o rei não
concordasse com que o congresso tava fazendo ele vetava, eu não quero, acabou, pronto,
quer dizer, ele mandava e não mandava, era camuflado o poder do legislativo do judiciário
e o executivo né.
25-PF- E hoje em dia na sua opinião?
26-Marcel- É, mas nem tanto, ainda é né, querendo ou não eles mandam eles fazem
desfazem, mas a gente tem mais acesso a informações e tudo né.
27-A4- Nem tudo né...
28- Marcel- Não então, é isso que eu tô falando é mais camuflado né, sempre vaza alguma
coisa né.
29-PF- Mas em termos de participação, pra você, mudou, melhorou, como é que é?
30-Marcel- Participação do povo você fala?
31-PF- Porque o texto sobre a dimensão da cidadania ele fala em três dimensões: a
dimensão política, a dimensão civil...
32-Marcel- Na parte de direitos mudou muito né, o povo brasileiro conseguiu muita coisa
né...
33-A4- Então, consegue mais porque a gente mesmo...
Neste excerto, podemos observar que o professor não monopolizou as vozes em
torno de si mesmo, visto que, nesse caso, houve abertura de espaço para que os turnos dos
alunos fossem inseridos no debate. Com base nos dados quantitativos levantados
53
anteriormente, podemos notar que essa metodologia adotada pelo professor na distribuição
dos turnos continuará no decorrer da aula 2. A partir daqui, analisaremos os conteúdos
temáticos gerados durante o debate.
Quadro 05
Conteúdo temático Exemplo
Professor incentiva
a participação do
aluno
01-PF- Então é o seguinte, na aula passada vocês ficaram lendo os
textos, fazendo as anotações sobre as características de constituição
de 24 e aí vocês com aquele outro texto sobre as três dimensões da
cidadania deveriam fazer uma relação né com as dimensões da
cidadania com a constituição de 1824, então nessa aula nós vamos
tirar pra discutir um pouco sobre isso, a que conclusão vocês
chegaram né, que que vocês poderiam falar a respeito, quem vai
começar?
02-A-Meu texto roubaram e os outros não vieram hoje.
03-A2- Professor, eu e o Renan a gente fez uma diferença aqui...
04-PF-Tá, é isso mesmo, cê qué começar Rony?
05-A2-(Rony)- Eu anotei aqui ó...só anotei a diferença.
06-PF- Então aí cê vai falando pra gente.
07-Rony- Então, eles foram direto sem (...) na constituição
outorgada foram abordadas tirando requisitos quanto à renda e a
cidadania atual né, hoje o direito de votar e ser votado é extensivo a
todos os indivíduos sem distinção de sexo, raça ou região, grau de
escolaridade ou de outra qualquer.
08-PF- Então, você fez...você anotou as principais características
da constituição né, e aí você anotou o que você entendeu do texto
sobre cidadania, agora qual a relação que você fez entre um texto e
outro, entre o texto de cidadania e a constituição? A que conclusão
você chegou?
09-Rony- O texto não, copiei essa frase aqui, essa frase tá dizendo
bem claro aqui, a cidadania atual tá falando que a pessoa tem
direito de votar em quem ela quiser em vez de renda, de região ou
classe social, escolaridade.
10-PF- O que mais...
11-Rony- Nessa época a outorgada não era nada assim né...
12-PF- Significa o quê? A que conclusão você pode chegar?
13-Rony-Que existe diferença.
14-PF- Diferença, tá...que mais...que mais...
54
No início do quadro 05 o professor relembra as atividades que foram realizadas na
aula anterior (Então é o seguinte, na aula passada ficaram lendo os textos, fazendo as
anotações sobre as características de constituição de 24...) e informa a atividade que será
realizada naquele momento (Então nessa aula nós vamos tirar pra discutir um pouco
sobre isso...). Em seguida, por intermédio de uma pergunta (a que conclusão vocês
chegaram ...que vocês poderiam falar a respeito...quem vai começar?), o professor
incentiva a participação dos alunos. As colocações tecidas pelo aluno Rony, nos turnos 03,
05, 07, 10 e 12 são instigadas pelas perguntas feitas pelo professor que, a cada resposta do
aluno, acrescentava uma nova pergunta. Dessa forma, podemos perceber que os léxicos
negritados no quadro anterior indicam que a participação do aluno é incentivada por meio
das perguntas produzidas pelo professor. Entendemos que esse tipo de procedimento é
importante no sentido em engajar o aluno a participar da discussão que está sendo proposta.
A tomada de turno por parte do aluno foi, ao que tudo indica, provocada com o auxílio dos
recursos lingüísticos utilizados pelo professor na forma de perguntas (A que conclusão você
chegou? Significa o quê? Que mais). Para Marcuschi (2001) trata-se de tipos de perguntas
que, além de dar voz e vez para que o sujeito participe da conversação, incentiva o
desenvolvimento, nesse caso, de respostas argumentativas. Assim, no interior das
manifestações lingüísticas presentes no quadro 05, o professor cria uma série de perguntas
objetivando extrair gradativamente do aluno uma seqüência de respostas argumentativas
que atendam aos objetivos da aula, nesse caso relacionar o texto da constituição de 1824
com o texto referente às dimensões da cidadania.
Quadro 06
Conteúdo temático Exemplo
Professor critica a
influência dos meios
de comunicação na
sociedade
34-Marcel- (...) tem certas manifestações mas é coisa isolada né, um
agita um pouquinho aqui, outro agita um pouquinho ali...
35-A4- É, e as pessoas olham, acham legal isso mas não vão junto.
36-Marcel- Algumas passeatas aqui, isolada, um reivindica uma
coisa mas si num...é igual...os professores reivindicam aumento de
salário...
37-PF- Ham...
38-Marcel- Os estudantes não vão querer saber se eles estão
parando pra olhar o salário, o motorista do ônibus não vai querer
saber e vice e versa, o motorista do ônibus ele tá reivindicando, eles
fazem uma greve, metroviário, ninguém quer saber, o pessoal fala,
55
vai parar, e aí?
39-PF- Na sua opinião qual seria a posição a ser tomada pelos
estudantes numa manifestação de professores, por exemplo?
40-A4-É mesmo, principalmente os estudantes...
41-A-(inaudível)
42-PF- É, normalmente acontece isso mesmo, um dos alunos ficam
felizes pelo fato de não haver aula tal né, esquece que
provavelmente os professores tão lá...
43-Marcel- Entre aspas né: “já ganham muito bem pra que vão
querer mais?” Quer dizer, isso é um direito, é direito, todo mundo
tem que ganhar mais.
44-Rony-É isso aí, mas as manifestações são sempre realizadas em
lugares errados né, avenida Paulista...
45-PF- Por que lugar errado Rony?
46-Rony- Acho que seria tipo...tipo...dependendo da...
47-A4- Mas acho que é o lugar que tem mais movimento pra
chamar mais atenção por isso que é aí.
48-A-Pra tumultuar a parada...
49-PF- Só pra você ter uma idéia, só um minutinho, a minha
esposa ela foi nessa última manifestação que teve, ela chegou em
casa, assistiu o jornal não deu uma notícia sobre a manifestação,
ela só ouviu falar da manifestação porque no mesmo dia tava
sendo velado o corpo da Nair Bello lá na Assembléia e aí a
repórter falou “ó nesse momento alguns manifestantes estão
aqui em frente à Assembléia tal tal mas não falaram quem eram
os manifestantes, por que eles estavam se manifestando...
50-A-(inaudível)
51-PF- É, manifestação dos professores, por uma educação de
qualidade, lutar por melhoria na educação...
52-A4- Que nem, a greve dos lixeiro que teve aí, nem todo mundo
ficou sabendo, fiquei sabendo porque não foram buscar o lixo na
porta de casa.
53-PF- Então, por que os meios de comunicação não divulgam
essas coisas por exemplo, por que não sai no jornal da Globo?
54-A-Eles qué abafa o acontecido.
55-Rony- Agora se for violência sai, assaltaram um banco aqui na
Celso Garcia ontem já saiu no jornal.
56-A4- Que se os presidentes quisessem mostrar, eles mostravam
isso pra gente.
As manifestações lingüísticas produzidas pelo aluno Marcel nos turnos 34 e 36
desencadeiam o início de um processo de reflexão entre o professor e os alunos. No turno
37, o recurso lingüístico adotado pelo professor (ham) incentiva o aluno a continuar sua
intervenção. Em seguida, no turno 39, o professor faz outra intervenção, por intermédio de
56
uma pergunta, que, por sua vez, estimula a participação do aluno A4, continuando a
intervenção no turno 42. O diálogo continua e o aluno Marcel tece mais uma consideração
no turno 43. As intervenções desse aluno provocaram, por sua vez, as intervenções do
professor em relação ao tema das manifestações dos trabalhadores, inclusive sobre a
manifestação dos professores. Desenvolveu-se, nessa troca de turnos, uma discussão crítica
em torno das influências que os meios de comunicação de massa exercem sobre a opinião
pública. As manifestações lingüísticas do professor, destacadas em negrito, apontam para
isso. O advérbio de negação “não”, presente em alguns pontos da fala do professor, de certa
forma, evidencia um certo incômodo em relação à sua posição assumida perante os meios
de comunicação de massa, deixando mais ou menos clara para os estudantes a idéia de que
tal atitude adotada pela mídia pode contribuir com a manipulação de opiniões, reforçando,
dessa maneira, o senso comum que paira atualmente sobre a sociedade.
Essa troca de informações, mediadas pela linguagem, também incentivou a
participação de outros alunos, conforme pode ser observado nos turnos 44, 47 e 48. Nos
turnos 44 e 48, o aluno faz uma crítica às manifestações (mas as manifestações são sempre
realizadas em lugares errados; pra tumultuar a parada). Essa crítica, estimula a
intervenção do professor no turno 45, no sentido de questionar o aluno (Por que lugar
errado Rony?). No turno 47, um aluno fornece uma possível resposta para a questão
colocada pelo aluno Rony (Mas acho que é o lugar que tem mais movimento...pra chamar
mais a atenção...por isso é aí).
De acordo com nosso ponto de vista teórico, houve criação de uma zona de
desenvolvimento proximal (Vygotsky, 2001), na medida em que essa discussão coletiva
mediada pela linguagem provocou uma zona de conflito em que o professor, na condição
de par mais experiente, conduziu as suas intervenções no sentido de promover uma reflexão
crítica sobre as influências dos meios de comunicação a partir das contribuições dos
alunos. Assim, o conhecimento de mundo dos alunos foi considerado pelo professor no
sentido de problematizar essa questão da mídia, fazendo com que a discussão atingisse um
nível mais aprofundado de reflexão na medida em que a questão do poder foi inserida no
debate de modo a provocar cognitivamente os estudantes, contribuindo para que criassem
respostas argumentativas em torno do tema que estava sendo discutido.
57
Quadro 07
Conteúdo temático Exemplo
Professor discute
criticamente a
relação passado x
presente
63-PF- Naquela época o voto tava ligado ao poder econômico,
certo, e hoje como é que é?
64-A4- Agora mais ou menos tá também, porque eu não consigo me
candidatar.
65-Marcel- Não, conseguir você até consegue.
66-A1- Consegue sim, é só ter dinheiro.
67-A4-Então, tem que ter o dinheiro pra fazer a campanha, não vai
começar com mil reais a campanha. Tem que ter uma quantidade de
voto pra você...
68-Marcel- Primeira coisa, você não podia nem se filiar a nenhum
partido, hoje em dia você pode se filiar a qualquer partido, você tem
que seguir por onde, você quer se candidatar, você vai até a
comunidade, se você começar ir até a sociedade, fazer um
negocinho aqui um negocinho ali, automaticamente eles já vão falar
pra você ser vereadora do bairro, isso o bairro mesmo vai te
bancar.
69-PF- Então hoje fico na opinião de vocês, ficou mais fácil, ou é
um direito que os brasileiros deveriam ter desde aquela época?
70-A1- Mais acessível.
71-A4 e Gilberto- já deveriam ter.
72-Marcel-Já deveriam ter, com certeza.
73-PF- Porque naquela época as pessoas elas não podiam nem se
candidatar e nem votar se elas não recebessem uma determinada
renda anual, então é o chamado voto censitário né, o voto ligado ao
poder econômico. Agora vocês tão falando que hoje em dia não
mudou muito por quê? Você precisa gastar com campanha, existe
por exemplo, campanha de políticos que gastam milhões enquanto
que candidatos mais pobres, de partidos menores não conseguem
gastar, porque não têm...
85-A5- Então,por um lado naquela época era melhor né, porque
isso daí di só poder votar os mais poderosos, num tinha antes né, eu
vou votar em você porque você é meu amigo, porque você me
ajuda...
86-PF- Não, mas você acha isso bom, você só pode se candidatar
as pessoas mais ricas, as pessoas que tinham uma determinada
renda, você acha isso bom? Não entendi a sua colocação.
87-A5- Não, não...não sou a favor disso só tô falando que na época
não tinha tanta.....tanta burocracia.
88-PF- É, mas por outro lado, deixa ela falar, por outro lado
você não tinha uma participação efetiva da população, porque se
a pessoa não tivesse uma determinada renda ela não poderia
votar.
58
No início do quadro 07, o professor dá continuidade ao debate com a introdução de
uma pergunta (Naquela época o voto tava ligado ao poder econômico, certo, e hoje, como
é que é?). Essa pergunta acaba estimulando a participação dos alunos nos turnos 64, 65, 66,
67 e 68. O professor insere uma nova pergunta (Então hoje fico na opinião de vocês, ficou
mais fácil, ou é um direito que os brasileiros deveriam ter desde aquela época?) a partir
das contribuições dos alunos. Assim, a discussão se desenvolve e continua nos turnos
seguintes seguindo essa mesma linha de interação em que as contribuições tanto do
professor quanto as dos alunos são consideradas e valorizadas no sentido de problematizar
o assunto que está sendo debatido no momento. Podemos observar que as escolhas lexicais
selecionadas pelo professor para a elaboração das perguntas incentivam a participação dos
alunos de modo que produzem respostas argumentativas, conforme os turnos 64 e 68
podem indicar.
Nesta parte do debate, a postura lingüístico-discursiva assumida anteriormente pelo
professor continua seguindo a mesma linha de questionamento. Os léxicos negritados nos
turnos 63, 69, 86 e 88 indicam uma postura crítica diante da relação estabelecida entre o
direito ao voto no passado e o direito ao voto no futuro na medida em que o poder
econômico do período é questionado, conforme pode ser observado no turno 86, por
exemplo (Não, mas você acha isso bom, você só pode se candidatar as pessoas mais ricas,
as pessoas que tinham uma determinada renda, você acha isso bom?).
Segundo Paulo Freire (1995), a prática docente nunca é neutra. Conseqüentemente,
a linguagem adotada pelo educador e suas respectivas materialidades lingüísticas também
não estão isentas das suas implicações políticas e ideológicas (cf. Rajagopalan, 2003).
Tendo em mente essas reflexões, podemos estabelecer uma ligação entre o discurso
adotado pelo professor e a possível corrente ideológica a qual esse discurso está submetido.
Assim, no turno 86-PF, há uma ligação da materialidade lingüística (Não, mas você acha
isso bom, você só pode se candidatar as pessoas mais ricas, as pessoas que tinham uma
determinada renda, você acha isso bom?) com uma posição política implícita.
Possivelmente, acreditamos que o professor está ao lado e defende um determinado ponto
de vista em que o direito à candidatura é livre e extensivo a qualquer cidadão,
59
independentemente da condição financeira em que este se encontre. De acordo com o ponto
de vista adotado neste trabalho, concordamos com esse posicionamento, uma vez que o
discurso hegemônico relativo ao poder econômico começa a ser questionado e é sustentado
por um ponto de vista crítico que incentiva os alunos a problematizar suas realidades
cotidianas a partir dos fatos históricos que contribuíram com a manutenção dos privilégios
gozados por aqueles que estão em posição de vantagem na sociedade em decorrência das
suas condições financeiras. Essa questão continua a ser debatida no próximo conteúdo
temático.
Quadro 08
Conteúdo temático Exemplo
O acesso à
universidade e ao
mercado de trabalho
é desigual
158-A5- Você falo isso daí do pessoal que estudo, dos pobres, mas a
pessoa, cê concorda, cê a pessoa estudo e num...
159-Maria- É, tem lá as vantagens dela é rica né, por isso que ela
estudo e ele que eu tô falando, do pessoal que é rico porque a
gente que estuda e trabalha, e o pessoal não...
160-PF-Isso que ela falou dá uma diferença danada.
161-Maria- Tipo ele estuda até os 17, 18 anos o ensino médio,
162-A4- Então, mas....
163-Maria- Depois faz a faculdade de 5 anos, pós-graduação e
depois pode exercer sua profissão.
164-A4- É...
165-Marcel- Não, aí o pai abre o escritório...
166-A4- Mas não pode trabalhar hoje né, é lei né...
167-PF- Não, mas o caso que ela tá falando é assim, ham...essas
pessoas elas tem uma vida econômica melhor, então eles não têm
necessidade de trabalhar pra se sustentar, ela estuda em colégio
particular, faz cursinho, entra em boas universidades,
normalmente universidades públicas e aí só depois que ela
termina sua faculdade é que ela vai começar a trabalhar, vai
entrar no mercado de trabalho.
168-A4- Mas não vai ter um negócio agora que parece todo mundo
vai te a oportunidade de fazê, já tem várias coisas agora.
169-Maria- Não, eu sei só que eu to querendo dizer...
170-A4- Não, eu entendi o que você falou.
O conteúdo temático presente no quadro 08 indica que as interações verbais, nesse
momento da aula, giram em torno da idéia segundo a qual o acesso à universidade e ao
60
mercado de trabalho é desigual. No turno 159, a aluna, através das suas manifestações
lingüísticas, aponta para a posição de vantagem assumida por aqueles que dispõem de uma
condição social que não os obriga a trabalhar, dedicando-se, portanto, exclusivamente aos
estudos (que eu tô falando, do pessoal que é rico porque a gente que estuda e trabalha, e
o pessoal não). Na seqüência, o professor insere suas palavras no debate (Isso que ela
falou dá uma diferença danada) e essa intervenção parece incentivar a continuidade da
intervenção da aluna no turno 161 (tipo ele estuda até os 17, 18 anos o ensino médio). No
turno seguinte, uma outra aluna tenta inserir seu ponto de vista (então, mas...) no entanto, a
aluna Maria insere suas palavras no debate, provavelmente, ao que os léxicos indicam,
ratificando e reforçando o que foi dito pelos alunos nos turnos 158, 159 e 160. A mesma
linha de raciocínio é adotada pelo aluno Marcel, conforme pode ser observado no turno
165 (Não, aí o pai abre o escritório). No turno 166, a aluna, finalmente, consegue colocar
sua questão a qual se refere, provavelmente, a alguma lei trabalhista (mas não pode
trabalhar hoje né, é lei né...), fato que gerou uma certa confusão na interpretação do que
realmente estava sendo discutido. Nesse ponto, o professor faz a sua intervenção e, por
intermédio das suas manifestações lingüísticas, tenta dissolver a confusão, conforme pode
ser observado no turno 167. O desenvolvimento da discussão continua no conteúdo
temático a seguir.
Quadro 09
Conteúdo temático Exemplo
O acesso à
universidade pública
é desigual
175-Maria- Quando eles tão estudando, eles só tão estudando, o
tempo dele é só pru, por isso que um monte de riquinho tá na Usp,
porque eles só estudam meu, é obrigação deles tá lá.
176-A (?)-Eu acho um pouco errado isso daí também professor
177-Maria- É, devia ser pra gente, eles têm dinheiro pra pagar a
facul.
178-A (?)- Tem dinheiro pra pagar a faculdade, fica tirando a
nossa vaga pra eles.
179-PF- É, a universidade pública.
180-Maria- É ridículo isso, a maioria é tudo, se vai em porta de
faculdade pública só tem uma par de carro importado, pessoal com
18 anos com carro importado.
61
181-PF- E os outros, o que acham disso, eu acho que vocês devem
ter alguma opinião a esse respeito A(?)professor, é inteligente essa
menina
182-PF e alunos- rsrsrsrs
183-A(?) Essa tem futuro
184-A(?) Essa vai entrar na Usp.
185-Marcel- Maria para candidata!
186-PF- Mas vocês, o que acham disso, vocês concordam,
discordam, que vocês poderiam falar sobre isso, tá com sono?
187-Délio- Tem pobre que estuda em escola pública e entra em
universidade pública, só porque você é pobre não vai entrar em
faculdade pública?
188-A4- É isso aí.
189-PF- Não, lógico que não, lógico que não.
190-A4- Depende da pessoa, é isso aí.
191-PF- Depende da pessoa, mas, por exemplo, você acha que as
condições é...pra entrar na universidade pública, essas pessoas
que não têm condição, é a mesma de quem estudou em escola
particular, fez cursinho, não precisa trabalhar ?
No turno 175, a aluna afirma que os estudantes em melhor situação social dispõem
de mais tempo para estudar, visto que se dedicam exclusivamente a isso (quando eles tão
estudando, eles só tão estudando), fato que coopera com a entrada dos mesmos na
universidade pública. Essa postura discursiva da aluna acaba despertando a atenção de um
outro aluno no turno 176 (Eu acho um pouco errado isso daí também professor). Nos dois
turnos seguintes, 177 e 178, os alunos argumentam que o acesso à universidade pública
deveria ser reservado àqueles que não dispõem de recursos financeiros para freqüentar uma
universidade (177-Maria- é, devia ser pra gente, eles têm dinheiro pra pagar a facul; 178-
Tem dinheiro pra pagar a faculdade, fica tirando a nossa vaga pra eles).
A aluna Maria continua a crítica no turno 180 e, logo em seguida, o professor faz
uma intervenção no sentido de incentivar a participação dos outros alunos, conforme
expressado pelas escolhas lexicais no turno 181. Na seqüência, os alunos fogem um pouco
do assunto através de uma pequena brincadeira, então, o professor intervém novamente no
turno 186. As perguntas inseridas pelo professor no turno 186, incentivam a participação de
um outro aluno, que, até então, não havia ainda participado da discussão desse tema,
conforme observado no turno 187. A afirmação contida nesta manifestação lingüística
produzida pelo aluno defende a idéia de que os pobres também têm condições de ingressar
62
na universidade pública, ponto de vista corroborado pelo professor no turno 189. A partir
dessa colocação, nos turnos 188 e 190, a estudante faz as seguintes colocações: “é isso” e
é isso aí, depende da pessoa”.
De acordo com o nosso ponto de vista, as escolhas lexicais feitas pela aluna indicam
um ponto de vista marcadamente individualista. Dessa forma, parece ser o sujeito,
independentemente das condições sociais em que se encontra, o responsável pelo seu êxito
em ingressar na universidade pública. Essa colocação tecida pela aluna, desencadeia uma
reação imediata por parte do professor, que, por intermédio das escolhas lexicais presentes
na manifestação lingüística do turno 191, questiona a estudante. De acordo com a nossa
posição teórica, o posicionamento discursivo do professor, nesse caso, problematiza a
questão do individualismo na medida em que trás à tona as questões relativas às iniqüidades
sociais que colocam os mais pobres em posição de desvantagem perante aqueles que
tiveram melhores oportunidades na vida. As manifestações lingüísticas da maioria dos
estudantes, turnos 175 e 176, por exemplo, também vão nessa mesma direção e o professor,
ao que tudo indica, soube aproveitar esse saber dos alunos para construir um ambiente de
reflexão crítica em que um discurso hegemônico (o individualismo) passa a ser questionado
a partir de uma base social e política.
Para Kincheloe (1997), o professor reflexivo/crítico deve estar socialmente
contextualizado, consciente das práticas políticas presentes no mundo que o cerca
objetivando, com isso, o desenvolvimento de uma postura política comprometida com a
inclusão dos grupos de estudantes que estão atualmente em posição de desvantagem.
Acreditamos que o posicionamento lingüístico-discursivo adotado pelo professor no turno
191 bem como o do turno 167 (quadro 08), por exemplo, se identifica com esse ideal. Os
conteúdos temáticos produzidos a partir das manifestações lingüísticas dos quadros 07, 08 e
09 indicam que os conhecimentos de mundo dos alunos foram considerados pelo professor
no sentido de problematizar os discursos hegemônicos que foram surgindo no decorrer do
debate. Assim, as intervenções promovidas pelo professor, na condição de especialista que
detém o domínio dos conhecimentos científicos, se fortaleceram com as contribuições dos
alunos, contribuindo, dessa forma, com a criação de um espaço de reflexão crítica em que o
senso comum começa a ser desmistificado. Assim, de acordo com Paulo Freire (1996), a
construção do pensamento crítico tem como ponto de partida o conhecimento prévio do
63
aluno. A partir desse ponto, o professor pode agregar novos conhecimentos ao repertório
cultural do educando para que este possa atingir um nível qualitativo superior ao nível
precedente, caminhando, gradativamente, para a superação do senso comum (idem,
ibidem).
Neste trabalho, entendemos que essa relação dialética que envolve professor e
alunos contribui, sobremaneira, com a construção da zona de desenvolvimento proximal
(conforme discutido anteriormente), pois as trocas verbais ligadas aos conteúdos temáticos
que foram trabalhados anteriormente possibilitaram a criação de zonas de conflito em que
os diferentes pontos de vista foram discutidos criticamente, contribuindo, dessa forma,
com o desenvolvimento qualitativo do debate. As escolhas lexicais utilizadas pelo professor
foram importantes, visto que se constituíram como perguntas que abriram espaço para a
criação de respostas argumentativas por parte dos estudantes.
3.2. Sessão Reflexiva 1
Buscando um melhor entendimento sobre o que ocorreu durante as duas primeiras
aulas, promovemos uma sessão reflexiva (conforme discutido no capitulo metodológico)
entre o pesquisador e o professor que participou deste trabalho. O objetivo central que
guiou esta sessão reflexiva foi o de criar uma zona de reflexão crítica em que
questionamentos, opiniões e problematizacões colocadas tanto pelo pesquisador quanto
pelo participante da pesquisa fossem discutidas no sentido de repensar, recolocar e,
possivelmente, transformar as práticas dos participantes visando, dessa forma, modificar
qualitativamente os cenários em que a produção do conhecimento ocorre. Primeiramente,
analisamos a aula 1, novamente recorrendo aos conteúdos temáticos. Posteriormente,
submeto essas análises ao ponto de vista teórico trabalhado até aqui. O mesmo processo
analítico se dará no caso da aula 2. Visamos, com isso, tentar responder a seguinte
pergunta de pesquisa: Como as sessões reflexivas podem se constituir como espaços para
que o professor repense as suas práticas?
64
Sessão Reflexiva sobre a aula 1
Nesta fase da análise, discuto com o professor os aspectos da aula 1 que mais
chamaram a nossa atenção. Semelhante às aulas 1 e 2, discuto os dados quantitativos
referentes à distribuição dos turnos e, logo em seguida, analiso os quadros dos conteúdos
temáticos.
Tabela da sessão reflexiva sobre a aula 1 (13/06/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Pesquisador 40
Professor 41
TOTAL 81
Conforme pode ser observado, os dados indicam que a distribuição dos turnos foi
bem conduzida pelos participantes. Houve uma alternância eqüitativa dos turnos, fato que,
quantitativamente, demostra a preocupação dos sujeitos envolvidos nesta sessão reflexiva
em escutar e valorizar o que o outro tem a dizer. O exemplo a seguir pode ilustrar esse
ponto de vista.
EXCERTO 3
123-PQ
- O que você achou da primeira aula? Deu certo? Por quê?
124-PF- Então assim, a primeira aula foi a aula que eu distribui os textos e que eles
tiveram que se organizar para se preparar para o debate. Então assim, eu sinto um
problema, um problema de organização, por exemplo: os alunos sempre chegam
atrasados, a aula nunca começa no horário. Nem todos os alunos estão com os textos,
porque às vezes a gente entrega o texto ele esquece em casa, no caderno. Então essa aula
foi mais para organização, é para tar explicando qual que era o objetivo da entrega
daqueles textos, da discussão e eles estarem se organizando, ali em dupla para poder ler os
textos para poder se preparar para o debate. Então, essa aula teve esse objetivo, de
preparação, de leitura, de questionamento por parte deles, alguma dúvida que eu poderia
tar sanando no momento. Então eu acho que o objetivo foi esse.
125-PQ- Tá, então você acha que o objetivo foi mais de organização para o debate?
126-PF- É, de organização, de preparação para o debate.
65
Os números presentes na tabela bem como o excerto aqui exposto indicam que o
ritmo de alternância referentes aos turnos não foi modificado durante a sessão reflexiva,
indicando, dessa forma, que o diálogo foi efetivado durante a sessão reflexiva 1. Isso, de
certa forma, reflete um pouco do ponto de vista filosófico e profissional adotado pelos
participantes em relação à importância que os mesmos atribuem à construção colaborativa
de espaços democráticos de diálogo e reflexão.
Quadro 10
Conteúdo temático Exemplo
A intervenção do
professor não
respondeu a pergunta
do aluno
141-PQ- Vamos lá. Primeiro vamos terminar, depois eu coloco
alguma observação. Por exemplo, pega esse trecho aqui(ver nota de
rodapé)
**
.
142-PF- Então, aqui, foi o momento que um aluno, ele estava lendo
o texto e teve uma dúvida e eu fiz uma intervenção. A dúvida foi no
que diz respeito ao tipo de constituição, promulgada e outorgada, aí
eu fiz uma colocação explicando a diferença entre as duas coisas.
143-PQ- Mas aí você vê, essa foi uma outra parte da aula, você vê
alguma diferença entre os dois, em relação à sua intervenção? Em
relação ao começo da aula e esse trecho? Você vê alguma
diferenciação ou não?
144-PF- Então, a primeira intervenção, o primeiro momento foi um
momento geral, foi um momento de explicação geral do que eles
tinham que fazer. Essa minha intervenção, foi uma intervenção um
pouco mais específica, de um grupo em especial, de um grupo que
teve uma dúvida num conceito. Aí não dá pra gente saber se eu
Esta parte da análise se inicia no turno 123, pois todos os turnos anteriores referem-se à aula 2. Assim, na
sessão reflexiva 1 iniciamos a discussão tendo como base a aula 2 e, posteriormente, a aula 1. Portanto, o
turno 123 representa o início das reflexões sobre a aula 1.
**
A- Professor, outorgada é quando um manda e os outro faz né?
P- Outorgada é ...tem a ver com imposição, foi uma constituição feita é, de forma que não contou com a
participação por exemplo de outras pessoas, foi imposta pelos governantes.
A- Acontecia o que com quem não obedecia eles?
P- Não, veja bem, a constituição é a lei máxima de um país....é...normalmente a constituição num país pode
ser feita de duas formas: de uma forma participativa que a gente chama de promulgada ou de uma forma
impositiva que a gente chama de outorgada, lembra quando a gente foi lá na sala de multimeios que eu falei
isso pra vocês, então essa constituição que foi a nossa primeira constituição, ela foi imposta pelos nossos
governantes, é, inicialmente tinham sido eleito algumas pessoas pra se fazer o texto constitucional né, só que
o congresso foi fechado por Dom Pedro e ele convocou pessoas da confiança dele pra fazer a constituição
brasileira, então por isso que é outorgada, porque não contou com a participação é, de nenhuma pessoa que
foi eleita né...então é isso que vocês vão ter que fazer, anotar nesse texto as principais características da
constituição, mas pra isso precisa ter o texto né, eu to vendo que tem aluno aí que não tem o texto....
66
estou explicando para a sala ou para um grupo especial, mas acho
que eu estou respondendo a esse aluno, a dúvida que ele tinha
quanto a outorgada.
145-PQ- Ele faz essa pergunta aqui, “acontecia o que com quem
não obedecia eles?” E aí, como que você vê essa pergunta dele, a
sua resposta?
146-PF- Ele tá falando sobre quem não obedecia a constituição,
eu coloquei pra ele que a constituição é a lei máxima de um país,
e essa lei, quando fez pela maioria, ela é a regra geral do país.
Agora quanto à pergunta em especial, “acontecia o que com
quem não obedecia eles?”, é, acho que eu não respondi a
pergunta dele.
147-PQ- É?
148-PF- É, porque ele está fazendo uma pergunta relacionada a
obedecer ou não a lei, e eu não respondi, eu expliquei o que era a
constituição...
149-PQ- Você acha que fugiu...
150-PF- Acho que fugi, é...
151-PQ- Em cima disso, o que você acha sobre o exemplo A, isso
mais ou menos você já falou, e por que aconteceu isso, você tem
alguma...
152-PF- Eu não sei...
153-PQ- Teve alguma coisa a ver com o começo da aula, a sala
muito tumultuada, como que você acha?
154-PF- Não, eu não sei porque eu não respondi, eu tentei justificar,
eu tentei responder falando pra ele que era uma lei máxima, como
se a lei máxima fosse algo que não se desobedece, talvez tenha sido
isso, talvez eu tenha respondido de uma forma indireta, assim, é
constituição, tem que obedecer (...)
Neste momento da sessão reflexiva, solicito ao professor que leia um trecho da
transcrição em que há uma intervenção. No turno seguinte, o professor afirma que estava
tentando explicar a diferença entre as constituições de cada período (aí eu fiz uma
colocação explicando a diferença entre as duas coisas). Posteriormente, no turno 143,
coloco uma outra questão objetivando incentivar o início de uma reflexão sobre os
momentos da aula, no sentido de relacionar esses diferentes momentos par que o debate
continuasse. Assim, no turno 144, o professor explica o que fez em dois momentos
específicos da aula, um relacionado às atividades que deveriam ser realizadas pelos alunos
naquele momento, conforme os léxicos em negrito, dentro do sinal de parênteses, podem
indicar (Então, a primeira intervenção, o primeiro momento foi um momento geral, foi
um momento de explicação geral do que eles tinham que fazer). O outro momento diz
67
respeito a uma intervenção mais específica (Essa minha intervenção, foi uma intervenção
um pouco mais específica) que visava responder a pergunta feita por um aluno. A partir do
que foi dito pelo professor no turno 144, decidi trazer à tona a pergunta específica feita por
um aluno para, em seguida, incentivar uma pequena reflexão sobre a pergunta que foi feita
pelo aluno e a resposta que foi fornecida pelo professor, conforme pode ser observado por
meio das minhas escolhas lexicais no turno 145. Em seguida, com base nas manifestações
lingüísticas em negrito produzidas pelo professor nos turnos 146 e 148, podemos observar
que o professor chega à conclusão de que não respondeu adequadamente a pergunta do
aluno. Nas minhas outras intervenções, turnos 151 e 153, tento, a partir do que foi dito pelo
professor, iniciar uma discussão para entender quais foram os motivos que cooperaram para
que o professor, naquele momento, não conseguisse responder a pergunta do aluno.
Objetivo, assim, discutir com o professor sobre as suas intervenções. Isso fica mais claro
no próximo C.T.
Quadro 11
Conteúdo temático Exemplo
O professor poderia
realizar mais debates
durante as aulas para
desenvolver o
pensamento crítico
160-PQ- Em relação a sua intervenção...
161-PF- Então, a minha intervenção, qual foi, eu cheguei a fazer
alguma?
162-PQ- Você faz aqui “eu gostaria que vocês fizessem a atividade
de história, deixassem o trabalho de biologia pra depois”.
163-PF- Então eu não deixei passar em branco, eu fiz a
intervenção, né. Mas sabendo que o cara, ele tá com a corda no
pescoço ali no trabalho. Ás vezes você fala, entra por uma orelha e
sai pela outra, mas eu cheguei a intervir, né.
166-PQ- Tá, então vamos para outra aqui. O que você acha que
deve modificar a sua ação como professor para que haja o
pensamento crítico? Em relação a essa aula.
167-PF- Eu poderia fazer mais atividades como essa que eu fiz,
porque isso não é costumeiro, a gente, infelizmente não dá para
a gente fazer debate toda aula. Eu acho que aulas como essa, eu
julguei como positiva, gerou uma discussão, gerou de uma certa
forma uma reflexão, um momento de reflexão por parte deles, eu
acho que eu poderia fazer isso com mais freqüência. Eu acho que
eu poderia tá contribuindo mais com a formação de uma
consciência crítica se eu fizesse mais atividades desse tipo.
68
No início do turno 160, manifesto as seguintes palavras: “Em relação a sua
intervenção”. Pretendo, com isso, prosseguir o debate sobre a atuação do professor em sala
de aula e provocar reflexão sobre o tema. A pergunta feita pelo professor no turno 161 (
Então, a minha intervenção, qual foi, eu cheguei a fazer alguma?) me incentivou a
continuar a discussão, conforme pode ser observado nas minhas escolhas lexicais presentes
no turno 162. Mais à frente, turno 166, pergunto ao professor sobre o que ele acha que
deveria modificar em sua prática para que haja a construção do pensamento crítico.
Enquadramos essa pergunta na categoria ligada aos tipos de perguntas abertas (Marcuschi,
2001: 37).
Para Marcuschi, esses tipos de perguntas, geralmente, não restringem as
possibilidades de respostas dos interlocutores, possibilitando a construção de repostas mais
argumentativas. Isso pode ser verificado no turno 167 em que o professor, conforme pode
ser observado através dos léxicos enfatizados, produz uma resposta bem elabora construída
a partir de uma reflexão sobre o debate que havia ocorrido na aula 2 (Eu poderia fazer mais
atividades como essa que eu fiz, porque isso não é costumeiro, a gente, infelizmente não dá
para a gente fazer debate toda aula). Houve aí, um esforço de relação entre o que ocorreu
na aula 1 e as atividades realizadas na aula 2. Como resultado, o professor repensou a sua
própria prática, chegando à conclusão de que deveria realizar mais debates e discussões no
sentido de contribuir com a construção do pensamento crítico, conforme as manifestações
lingüísticas em negrito podem indicar. Essa reflexão iniciada pelo professor nos incentivou
a abrir mais o debate para que outros temas viessem à tona, como pode ser observado nas
interações verbais produzidas no próximo quadro do conteúdo temático.
Quadro 12
Conteúdo temático Exemplo
A ausência de
recursos materiais
prejudica o
desenvolvimento das
aulas
170-PQ- Em relação ao material...
171-PF- Então, o material é a dificuldade, é uma dificuldade, você
sabe...
172-PQ- Texto na lousa, como isso influencia? Qual a implicação
disso na sua aula?
173-PF- Tem uma implicação danada, Fábio. Você sabe que
escola do Estado você não tem recurso. Então, por exemplo, os
textos eu fiz em casa, eu digitei, eu imprimi, então o custo sai
todo do meu bolso (...) Imagine se eu fizer uma aula como essa
69
toda a semana, e aí eu tenho que imprimir texto para todos os
alunos, e às vezes o texto não é uma folha só, ou você fica
copiando na lousa, você sabe, copiar na lousa leva tempo, nem
todos copiam. Às vezes o que ele copia não entende, não
consegue ler, então tem toda essa implicação.
174-PQ- Então assim, se você tivesse uma disposição de materiais,
se você tivesse ali, na sua disposição, materiais, as xerox, você acha
que seria diferente?
175-PF- Com certeza, com certeza seria.
176-PQ- Você acha que contribuiria mais com a construção do
pensamento crítico na sua aula?
177-PF- Eu acho que sim.
Decidimos, então, abrir um pouco mais o debate para discutir alguns temas mais
amplos que poderiam nos auxiliar a compreender melhor as causas das dificuldades
enfrentadas pelo professor durante a aula 1. Então, optamos por continuar a discussão
abordando o tema dos recursos materiais necessários ao pleno desenvolvimento das aulas,
conforme pode ser observado no turno 170 (Em relação ao material). Nem precisamos
terminar nossa colocação para que o professor já se colocasse diante do tema, no turno 171
(Então, o material é a dificuldade, é uma dificuldade, você sabe...). A intervenção do
professor incentivou a continuação da nossa intervenção no turno 172, por intermédio de
uma pergunta. Nesse ponto da reflexão, acreditamos ser conveniente inserir uma pergunta
que contribuísse com o crescimento qualitativo da discussão. Esse tipo de pergunta,
incentivou a participação do professor na medida em que produziu uma resposta importante
sobre o tema, explicando quais eram as implicações decorrentes da falta de material para as
suas aulas, de acordo com o que pode ser verificado nas manifestações lingüísticas em
negrito presentes no turno 173.
Novamente, a resposta do professor se constituiu como um recurso lingüístico-
discursivo que instigou a nossa participação no turno seguinte, momento em que
elaboramos uma outra pergunta com o objetivo de continuar o debate sobre o tema que
estava sendo discutido. Posteriormente, no turno 175, o professor fornece uma nova
resposta e, na seqüência, inserimos uma nova pergunta com base na resposta fornecida pelo
professor. O diálogo estabelecido entre professor e pesquisador nos levou à conclusão de
que a ausência de recursos materiais prejudica o desenvolvimento das aulas e, dessa forma,
70
o desenvolvimento do pensamento crítico. Talvez, essa ausência de recursos tenha sido um
dos fatores que mais contribuíram com as dificuldades enfrentadas pelo professor na aula 1.
Os recursos lingüísticos que utilizamos nas perguntas presentes nos turnos 174 (“Se
você tivesse”; Você acha que...”) e 175 (“Você acha que...”) não foram suficientes para
engajar o professor na produção de uma resposta que pudesse aprofundar o tema.
Enquadramos essas interrogações dentro das categorias de perguntas do tipo fechadas
(Marcuschi, 2001), visto que, geralmente, incentivam a produção de respostas do tipo “sim”
ou do tipo “não”. As escolhas lexicais utilizadas pelo professor para formular as suas
respostas parecem seguir esse ponto de vista, conforme pode ser verificado nos turnos 175
e 177. Perdemos, então, a chance de elaborar perguntas que se estruturassem a partir de
recursos lingüísticos que, normalmente, engajam o interlocutor na produção de respostas
mais argumentadas. Fizemos isso no turno 172, pois os recursos lingüísticos “Como” e
qual” se constituíram como subsídios importantes para a formulação de uma pergunta que
abriu espaço para a elaboração de uma resposta melhor argumentada, conforme pode ser
verificado no turno 173. Os marcadores “Como” e “Qual” se enquadram na categoria de
perguntas abertas ( Marcuschi, idem) que, dentro do nosso ponto de vista, cooperam com a
construção de um debate mais complexo e aprofundado por intermédio de perguntas e
respostas qualitativamente superiores. Para nós, essa metodologia é essencial para o
crescimento cognitivo e intelectual dos sujeitos envolvidos em um ato de comunicação (o
debate, por exemplo), e podem cooperar, inclusive, com o desenvolvimento da ZDP.
Quadro 13
Conteúdo temático Exemplo
O Estado não
fornece os recursos
materiais necessários
para que a escola
pública possa se
desenvolver
180-PQ- (...) Você acha que a estrutura do Estado hoje, os recursos
que ele tem, as políticas públicas, elas contribuem para que você
tenha um ambiente favorável ao desenvolvimento do pensamento
crítico?
181-PF- Não, não contribui. Se for pensar em recursos, eu vou te
dar um exemplo. Eu sou professor de escola pública e de escola
particular. Na escola particular eu chego com um texto digitado,
“preciso de 30 cópias”(...) Na escola pública, infelizmente isso
não acontece. Você vai querer discutir um texto de 5 páginas,
71
como é que você vai imprimir isso, como é que você vai tirar
cópia disso? (...) Então, com certeza, isso acaba dificultando as
aulas, a formação de um aluno crítico.
182-PQ- E você acha que os alunos, de certa forma, têm
consciência disso, que isso dificulta eles, dificulta o professor?
183-PF- Sim, isso com certeza alguns alunos têm.
184-PQ- E como tem sido a sua discussão em relação a isso, a gente
ta aqui conversando e tudo, só que no fundo a nossa ação precisa
sair pra fora da escola, ela precisa ter outros objetivos, outros
alvos, precisa se manifestar de tal forma, trazer esse conhecimento
para que ele abra um espaço maior de discussão para que a gente
possa sair pra fora e tentar ir nas raízes dos problemas. Como está
sendo trabalhado isso? Você está conseguindo ter espaço para fazer
esse tipo de discussão? “Pessoal, na verdade a gente está vivendo
num sistema que está privilegiando quem tem dinheiro para pagar
uma escola particular e os recursos públicos estão cada vez mais
escassos para isso...”
185-PF- Eu acho assim, com esses debates, eu acho que de uma
certa forma, eu estou propiciando essa consciência para o aluno.
Existe essa condição para esse cidadão, existe essa condição B pra
esse cidadão. Eu acho que nessas discussões, e você pode perceber
isso nessa transcrição, os alunos têm consciência disso, e a gente
procura juntos ver que se a gente não fizer alguma coisa, o que está
aí vai continuar. Eu acho que esse tipo de aula ajuda a formar o
cidadão que vai ter que buscar transformações na sociedade.
No caso do conteúdo temático gerado a partir das manifestações lingüísticas
destacadas no quadro 13, as reflexões giram em torno do papel exercido hoje pelo Estado
no sentido de prover a escola pública dos recursos necessários ao seu desenvolvimento.
Nesse caso, o presente C.T. continua a discussão que estava sendo desenvolvida no C.T.
anterior. Dessa forma, iniciamos este trecho da reflexão (turno 180) com uma pergunta
que tinha como objetivo aprofundar o debate iniciado nos conteúdos temáticos
precedentes. Novamente, acabamos cometendo a mesma falha verificada no C.T. do quadro
12, visto que a questão por nós elaborada se encaixa na categoria de pergunta fechada,
ação que pode, como já vimos, restringir as possibilidade de construção de respostas
argumentativas. No entanto, o professor acaba por construir uma resposta mais elaborada
(turno 181), apesar das limitações da pergunta por nós colocada. Assim, a intervenção do
professor contribuiu com o desenvolvimento da discussão.
72
No turno 182, inserimos uma nova pergunta a partir da resposta produzida pelo
professor no turno anterior. Um dos objetivos dessa questão era incluir o papel dos alunos
na discussão (E você acha que os alunos, de certa forma, têm consciência disso, que isso
dificulta eles, dificulta o professor?). Mais uma vez, o tipo de pergunta favorece uma
resposta do tipo “sim” ou “não”. Isso pode ser verificado no turno 183, uma resposta curta
e pouco elaborada, resultada de uma pergunta cujos recursos lingüísticos e discursivos não
favoreciam o desenvolvimento de uma resposta mais profunda e complexa. Contudo, no
turno 184, inserimos uma pergunta do tipo aberta que, de acordo com nosso ponto de vista
teórico, possibilitou a criação de uma ZDP na medida em que a discussão sobre os aspectos
da aula 1 saltaram qualitativamente de nível.
Os problemas inerentes à falta de recursos ganharam contornos sociais a partir desse
momento, conforme pode ser conferido no turno 184 (...a nossa ação precisa sair pra fora
da escola, ela precisa ter outros objetivos, outros alvos, precisa se manifestar de tal
forma, trazer esse conhecimento para que ele abra um espaço maior de discussão para
que a gente possa sair pra fora e tentar ir nas raízes dos problemas...) e turno 185 (Eu
acho assim, com esses debates, eu acho que de uma certa forma, eu estou propiciando
essa consciência para o aluno. Existe essa condição para esse cidadão, existe essa
condição B pra esse cidadão[...] Eu acho que esse tipo de aula ajuda a formar o cidadão
que vai ter que buscar transformações na sociedade).
Entendemos que a sessão reflexiva sobre a aula 1 foi, gradativamente, saltando de
nível. De uma discussão que estava, no início, praticamente centrada no objeto (excerto 3),
passamos para um patamar de reflexão crítica que considera os fatores econômicos
(distribuição de recursos) e as determinações sócio-políticas (o papel do Estado e as
políticas públicas adotadas para a educação) que, juntos, influenciam o trabalho docente nas
escolas. Ou seja, a relação do macro com o micro foi, dessa forma, valorizada. Se
retomarmos um pouco a discussão teórica elaborada no capítulo 1, veremos que as
propostas de Apple (1989) e Giroux (1997) reforçam nosso argumento, pois, para os
autores, uma das características essenciais para o professor reflexivo-crítico é a de
reconsiderar e repensar as condições estruturais em que trabalha para, junto com os alunos,
discutir maneiras de desvendar as raízes históricas que sustentam as desigualdades e, com
base nesse desvelamento, criar formas alternativas de intervenção no campo mais amplo
73
das suas vidas. Isso vai de encontro ao que foi dito pelo professor no turno 185: “Eu acho
que esse tipo de aula ajuda a formar o cidadão que vai ter que buscar transformações na
sociedade”.
Sessão Reflexiva sobre a aula 2
Nesta fase da análise discuto com o professor os aspectos relativos à aula 2 que mais
despertaram nossa atenção. Em um primeiro momento, discutiremos os dados quantitativos
levantados em relação aos sistemas de turnos conversacionais. Posteriormente,
continuaremos o desenvolvimento dessa análise embasados nos conteúdos temáticos.
Tabela dos sistemas de turnos da sessão reflexiva sobre a aula 2 (13/06/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Pesquisador 60
Professor 62
TOTAL 122
Conforme pode ser observado na tabela, os dados quantitativos indicam que as
práticas lingüístico-discursivas não foram monopolizas por nenhum dos participantes.
Assim, consideramos, do ponto de vista numérico, que essa sessão reflexiva foi
fundamentalmente simétrica e que ambos os participantes tiveram oportunidades
praticamente iguais no momento de manifestar suas posições em relação aos temas que
estavam sendo discutidos. O exemplo a seguir pode ilustrar essa simetria.
74
EXCERTO 4
20-PQ- Sobre a aula e sobre a sua atuação na aula, como que foi a sua atuação, como que
isso deixou para os alunos, o que você tem a observar sobre isso?
21-PF- Eu acho assim, essa aula eu achei que foi uma aula interessante, porque eu percebi
que eles se mostraram interessados no assunto, eu sinto que quando a gente dá voz para o
aluno ele participa. Quando a gente parte daquela aula mais expositiva, onde eles mais
ouvem do que falam, aí fica uma aula um pouco mais desinteressante para eles. Eu acho
que essa aula, eu gostei particularmente porque eu pude ouvi-los, pude saber a opinião
deles sobre o assunto e foi o momento onde ele teve condição de se expressar, de dar
opinião, de dizer o que ele achava, o que ele sabia a respeito, então particularmente eu
gostei dessa aula.
22-PQ- Vamos ver então, por exemplo, essa questão aqui é muito importante. Em cima de
tudo isso o que você acha sobre a questão da formação da cidadania no ensino da sua
disciplina? Como que você vê a questão da cidadania? Que representação você tem? A
questão da cidadania no ensino de história. Particularmente no de história, como que você
vê?
23-PF- Eu acho isso muito importante, ensino de história acho que tem uma colaboração
muito grande nesse sentido. E eu do valor a isso, porque eu acho que no ensino de história
a gente tem chance, por exemplo, de conhecer como viveram outras pessoas em épocas
diferentes, a luta pelos direitos que as pessoas tiveram em diversos períodos históricos.
Quem é que lutou pelo direito, quem não lutou. Então, eu acho que a gente mostrando isso
em história a gente consegue sensibilizar o aluno de que esses direitos que a gente tem, ser
considerado um cidadão não é uma coisa que caiu do céu, é uma coisa que vem sendo
conquistada, muitas pessoas lutaram para isso, muitas pessoas morreram para que isso
acontecesse. Então eu acho que o ensino de história é um espaço importantíssimo para que
isso aconteça, para que ele conheça o direito dele, para que ele mantenha esse direito e
para que ele conquiste novos diretos. Acho que isso é um espaço para essa discussão, acho
que nesse sentido, muito importante.
Podemos perceber que há um entrosamento por trás da simetria presente no diálogo
entre o professor e o pesquisador, conforme pode ser observado no exemplo anterior, existe
um fio condutor que orienta as intervenções promovidas pelos participantes objetivando
gerir os turnos da forma mais eqüitativa possível. A seguir, analiso os conteúdos temáticos
selecionados para esta sessão reflexiva.
Quadro 14
Conteúdo temático Exemplo
O ensino de história
auxilia o
desenvolvimento dos
alunos enquanto
seres históricos
24-PQ- Como que você vê o conteúdo, por exemplo, aqui você usou
a constituição de 1824, nesse caso específico. Mas de uma forma
geral, como que você vê o conteúdo científico da sua disciplina
nessa questão de cidadania, de direitos políticos? Como que você vê
isso, como que você procura trazer isso para que os alunos tenham
75
uma intervenção mais ativa na sociedade, na comunidade, como ser
histórico? Retomando um pouco o que você falou de eles poderem
ter essa consciência. Como que você vê o conhecimento científico
mesmo de história em relação a isso?
25-PF- Como professor de história eu sempre fiquei preocupado
com isso. Pensando mais no caso específico de história, por
exemplo, durante muito anos no curso de história, se valorizou
mais a história da Europa, a história dos dominadores, no caso
dos dominantes. Então, sempre se privilegiou isso, eu procuro
sempre dar uma abordagem um pouco mais ampla, procuro
sempre tentar abordar de uma forma que os alunos possam se
ver também nessa história, porque a história quem faz é a gente
mesmo, certo? Eu não procuro colocar a história, por exemplo,
da classe dominante, eu procuro colocar o aluno como se ele
fosse um agente da história, uma pessoa que participa dessa
história, ele faz história também. Procuro fazer com que ele se
identifique, que ele é importante nesse contexto.
Inicio o turno 24 lançando mão de uma pergunta relativa ao ensino de história e a
relação estabelecida entre o ensino dessa disciplina e o desenvolvimento da cidadania. È
importante observar a presença do léxico “como” que se constitui, nesse caso, como um
importante recurso lingüístico utilizado por nós na tentativa de extrair respostas
argumentativas que valorizem o contexto social e histórico no qual a intervenção
lingüístico-discursiva do professor é produzida. Nossa intervenção, neste momento, está
ainda relacionada à discussão que já vinha sendo desenvolvida nos conteúdos temáticos e
nos turnos conversacionais anteriores (Retomando um pouco o que você falou). Nesse
sentido, as intervenções do professor também foram essenciais para que o nosso trabalho
fosse efetivado. A resposta do professor, no turno 25, foi argumentativamente estruturada,
pois está embasada em aspectos políticos (durante muito anos no curso de história, se
valorizou mais a história da Europa, a história dos dominadores[...]Eu não procuro
colocar a história, por exemplo, da classe dominante... ). Os léxicos em negrito indicam
uma postura política bem clara e crítica por parte do professor em relação ao teor político e
ideológico presente no ensino da sua disciplina e a implicação disso para os seus alunos.
Nesse sentido, entendemos que as nossas escolhas lexicais contribuíram com a construção
de uma resposta forte do ponto de vista argumentativo que, ao seu turno, também
contribuiu com o engajamento crítico do pesquisador no momento em que elaborava as
suas perguntas.
76
Em relação à orientação teórica adotada neste trabalho, podemos cotejar as
manifestações lingüísticas do professor com o conceito de agência discursiva (Giroux,
1983; McLaren, 2000 A, 2000B), na medida em que os discursos dos alunos são
valorizados pelo educador no sentido de cooperar para que os estudantes se vejam como
agentes históricos que agem no mundo e que fazem parte da história: “Eu não procuro
colocar a história, por exemplo, da classe dominante, eu procuro colocar o aluno como se
ele fosse um agente da história, uma pessoa que participa dessa história, ele faz história
também. Procuro fazer com que ele se identifique, que ele é importante nesse contexto”. A
questão classista surge na fala do professor e reforça, novamente, a questão da agência
discursiva, pois, nesse caso, a formação histórica do sujeito é trabalhada a partir dos
discursos dos que estão à margem e não a partir do discurso hegemônico excludente do
opressor (Freire, 1987).
De acordo com as marcas lingüísticas negritadas, dentro do quadro 14, podemos
perceber que o professor traz para a reflexão uma questão de luta de classes. As
manifestações lingüísticas presentes no turno 25, indicam que a história da Europa sempre
foi privilegiada. No entanto, o professor tenta engajar os alunos como agentes da história,
não sendo, portanto, meros produtos de determinações sociais, mas, sim, sujeitos ativos na
construção do mundo. No trecho em que se pode ler “eu procuro sempre dar uma
abordagem um pouco mais ampla”, defende-se a idéia de que o conteúdo pertinente à
disciplina de história é trabalhado dentro de uma esfera muito mais ampla, não restrita
somente àquela “história oficial” propagada pelos dominadores. Assim, entendemos que se
inicia o processo de construção das agências discursivas em que os alunos não são mais
vistos como dóceis receptáculos de um saber mágico e sim como agentes sócio-históricos
cujos discursos estão orientados para uma prática discursiva contra-hegemônica simpáticas
a futuras intervenções materiais no mundo em que vivem.
Quadro 15
Conteúdo temático Exemplo
A intervenção do
professor pode
aprofundar a
reflexão do aluno
30-PQ- Então, eu queria saber nesse tipo de intervenção que você
coloca, por exemplo, “ham” , quer ver uma outra, vamos ver se a
gente acha aqui. “Vamos lá, pessoal”, “Vamos lá, pessoal” , vamos
ver se tem mais uma outra. Por exemplo, aqui, “o texto não, eu
copiei essa frase aqui, tá dizendo bem claro aqui “a cidadania atual
77
tá falando que a pessoa tem direito a votar em quem ela quiser em
vez de renda, de região ou classe social, escolaridade”. Aí você:
“o que mais”.
31-PF- Então, acho que eu já posso responder. A minha intenção é
o que, é dar combustível para o aluno, acho que foi isso que eu
tentei fazer. Então, ele tá fazendo uma colocação interessante e
que eu acho que ele tem condições de aprofundar mais, de se
colocar mais a esse respeito, então eu acho que eu respondi isso
nesse sentido, de falar “e daí”, “que mais”, “ que mais você pode
falar sobre isso” , para o aluno aprofundar.
32-PQ- Em relação à sua intervenção, quando você fala “ham”,
“que mais”, como que você vê?
33-PF- Eu estou dando corda para ele, eu estou dando corda para
ele falar mais.
34-PQ- Você está dando corda, mas assim, você poderia, por
exemplo, já pensou talvez em aprofundar mais na sua intervenção,
de colocar mais algum detalhes, alguma outra coisa, aprofundar, a
sua intervenção mesmo, no caso, para você dar mais elementos
para questionar mais o aluno, no caso, colocar alguma questão
para que ele entre no processo de reflexão, contradição,
problematização. Por que às vezes quando entra essa intervenção o
aluno se expressa, mas talvez esse “ham” não tenha sido
suficiente, talvez, para ele entrar numa contradição, trazer um
pouco mais de reflexão, o que você vê?
35-PF- Eu vejo duas coisas aí, eu acho que, por exemplo, eu
poderia ter feito isso, mas às vezes eu sinto que quando a gente faz
isso, não no meu caso em especial, o professor, quando a gente faz
isso a gente acaba perdendo o aluno. Então a gente acaba às vezes
exagerando um pouco e falando o que não deveria ter falado ou se
a gente aguarda-se um pouquinho mais provavelmente o aluno
mesmo iria falar. Então eu vejo esse ponto. O outro ponto eu vejo
que você tem razão, eu poderia ter feito algumas colocações
para fazer com que o aluno refletisse um pouco mais.
No caso do C.T. levantado para o quadro 15, a discussão teve como foco os tipos de
intervenção adotados pelo professor durante as aulas. Isso pode ser observado a partir das
nossas escolhas lexicais presentes no turno 30 (Então, eu queria saber nesse tipo de
intervenção que você coloca...). Questionamos, então, algumas escolhas lexicais utilizadas
pelo professor durante as suas intervenções, como por exemplo: “ham”; “vamo lá, pessoal”;
“O que mais”. Nos turnos 31 e 33, o professor tenta justificar essas escolhas (A minha
intenção é o que, é dar combustível para o aluno; Eu estou dando corda pra ele, estou
dando corda pra ele falar mais). No turno 32, ainda insistimos na pergunta, tentando, com
78
isso, aprofundar a discussão, pois, dentro do nosso ponto de vista, compreendemos que
essas escolhas lexicais adotadas pelo professor podem não contribuir com o
desenvolvimento qualitativo das discussões realizadas em sala de aula na medida em que o
engajamento discursivo do aluno não encontra uma base sustentatória proveniente das
escolhas lexicais adotadas pelo professor quando está formulando suas intervenções
lingüístico-discursivas.
No turno 31, o educador se manifesta da seguinte forma: “ A minha intenção é o
que, é dar combustível para o aluno, acho que foi isso que eu tentei fazer. Então, ele
fazendo uma colocação interessante e que eu acho que ele tem condições de aprofundar
mais”. Concordamos com a idéia de que seja necessário incentivar a participação do aluno
para que ele se aprofunde em suas colocações. No entanto, conforme pode ser observado no
turno 34, argumentamos que seria interessante utilizar outras estratégias para que esse salto
qualitativo possa ocorrer (Você está dando corda, mas assim, você poderia, por exemplo, já
pensou talvez em aprofundar mais na sua intervenção [...] talvez esse “ham” não tenha
sido suficiente, talvez, para ele entrar numa contradição, trazer um pouco mais de
reflexão, o que você vê?) Em seguida, no início do turno 35, as palavras do professor
expressam um certo receio em perder ou podar a participação dos alunos a partir de uma
intervenção exagerada ou mal-pensada (às vezes eu sinto que quando a gente faz isso, não
no meu caso em especial, o professor, quando a gente faz isso a gente acaba perdendo o
aluno. Então a gente acaba às vezes exagerando um pouco e falando o que não deveria
ter falado).
Dentro do paradigma teórico no qual estamos inseridos, ratificamos a idéia de que
seja importante dar voz aos educandos para que eles se sintam mais motivados a participar
da aula. Porém, não podemos esquecer de toda a complexidade inerente a esse ato. A
questão da voz está ligada também a um ato político, pois a voz não é neutra. Dessa forma,
pensar na interação que nasce a partir desse ato, significa também pensar em todo o teor
ideológico que está imbricado nele. O simples ato de dar voz ao educando, por si só, não
garante nada em termos qualitativos. Assim, de acordo com Paulo Freire
(1987, 1995), a construção do pensamento crítico implica no desenvolvimento de uma
mediação crítica por parte do educador que leve em consideração a tensão dialética que
deve ser instalada no interior dos sistemas de turnos em que as trocas conversacionais estão
79
presentes. Nesse ponto, o tipo de intervenção adotado pelo professor é crucial para o
desenvolvimento do pensamento crítico. Momentos de tensão, contradição e de eventuais
discordâncias são, a depender da mediação que está sendo adotada, benéficos para o
desenvolvimento do debate. Com base nesses argumentos resolvemos questionar esse
receio do professor em podar a participação do aluno, visto que esse receio pode contribuir
com o não amadurecimento do debate na medida em que a ausência de intervenções que
problematizem os temas que estão sendo discutidos tendem, em muitos casos, a deixar a
discussão em um nível superficial de reflexão.
Quadro 16
Conteúdo temático Exemplo
As relações de poder
também permeiam a
questão da cidadania
87-PQ- Tá, vamos ver uma intervenção sua aqui, achei legal, aqui,
é a partir daqui que eu quero encaminhar para uma coisa um
pouco mais diferente do que a gente tá falando: “Só pra você ter
uma idéia, só um minutinho, a minha esposa ela foi nessa última
manifestação que teve, ela chegou em casa, assistiu o jornal não deu
uma notícia sobre a manifestação, ela só ouviu falar da manifestação
porque no mesmo dia tava sendo velado o corpo da Nair Bello lá na
Assembléia e aí a repórter falou “ó nesse momento alguns
manifestantes estão aqui em frente à Assembléia tal tal mas não
falaram quem eram os manifestantes, por que eles estavam se
manifestando” Então você viu aí que você abordou a questão da
mídia, que tá numa estrutura maior, que tem o poder na mão,
você trouxe esse assunto pra sala, porque tem toda essa questão
da cidadania. Mas afinal, como que a questão da cidadania se
encaixa nessas estruturas maiores? Como que o movimento
histórico que a gente está vivendo hoje, que você tem as empresas,
as empresas dominando tudo, as empresas dominando os
governantes, tudo voltado para o mercado, e a mídia abraçando
isso, e quando aparece uma questão assim que coloca e
problematiza esse poder, como é o caso da manifestação, como que
você vê que está o nível da discussão dos alunos par sair um pouco
mais ali dos conteúdos particulares e relacionar com isso com o
ponto de vista maior? Como que você acha que foi a sua
intervenção em relação a isso, de você levar pra um ponto de vista
um pouco mais denso, complexo e crítico assim? Como que você vê
a sua atuação, nesse sentido aqui, e como você acha que isso pode
despertar uma discussão mais aprofundada que saia de uma certa
superficialidade?
88-PF- Então, eu fiz essa discussão exatamente para eles
perceberem isso, que é uma relação de poder aí. Enquanto que
80
os professores estavam lá, lutando por melhores salários,
melhores condições nas escolas, uma educação de qualidade, e
que esses movimentos, eles não tem espaço na mídia. Enquanto
que centenas de professores estavam lá, não ganharam um
mínimo de espaço na televisão. O espaço todo estava reservado,
aí, no caso, para o velório da artista. Eu procuro mostrar isso para
os alunos e, você falando, eu lembrei de uma coisa: os alunos, eles
percebem isso também, por exemplo, não apareceu nessa discussão,
mas quando a gente fala da participação dos negros na televisão,
nas novelas, eles têm essa consciência de que os negros
normalmente ocupam postos de, como empregados, como pessoas
que cuidam das casas, nunca pessoas de destaque nas novelas,
nunca são protagonistas, né, e sim papéis assim de segundo e
terceiro plano.
O C.T. levantado está relacionado à discussão tecida até aqui. Novamente a questão
do poder é abordada sob a ótica política e ideológica que está inserida na relação entre a
escola e a sociedade mais ampla. Nesse sentido, no turno 87, inserimos uma intervenção do
professor produzida durante a aula 2 que trouxe à tona a questão do poder exercido pela
mídia na nossa sociedade. Em seguida, nesse mesmo turno, desenvolvemos uma série de
perguntas objetivando discutir de forma crítica o tema levantado. Para tanto, mais uma vez,
utilizamos um tipo de pergunta aberta que, conforme já discutido anteriormente, não
restringe as possibilidades de resposta do interlocutor. O marcador lingüístico “como”,
presente em diversas pontos da nossa intervenção, contribuiu e incentivou uma participação
mais ativa do professor que produziu uma resposta bem construída do ponto de vista
argumentativo. Isso pode ser observado no turno 87 através dos léxicos em negrito. Neste
conteúdo temático, tanto o professor quanto o pesquisador, estão atrelados a um paradigma
que vem ao encontro dos nossos pressupostos teóricos na medida que defendemos uma
postura política que encara a história sempre como uma possibilidade e nunca como uma
fatalidade, conforme Freire (1987). Seguindo essa filosofia, o professor crítico-reflexivo é
entendido aqui como um educador que concebe o conteúdo científico trabalhado dentro da
sala de aula como um conjunto de saberes que foi produzido dentro de uma esfera mais
ampla da sociedade e que, tendo em mente essa relação entre micro e macro, busca
construir, junto com os seus alunos e a partir dos conhecimentos destes, uma linguagem de
resistência (conforme discutido por Pennycook, 2001) cuja gênese compreenda as esferas
81
da política, do poder e da classe, num todo multifacetado e complexo. Assim, como bem
destacou Paulo Freire (1996/2005) os educandos, agora não mais vistos como produto,
passam a se entendidos como criadores autênticos das suas próprias vidas.
Com isso, em tempos de fatalismo neoliberal em que o ser humano é “gerido” (sic)
equivocadamente como um mero produto do mercado, temos de acreditar que a história
pode ser outra e que os rumos da educação e da sociedade podem seguir caminhos
alternativos, contornando, dessa forma, a via de “mão única” que atualmente tenta controlar
nossos destinos. Com esse pensamento, encerro esta seção e analiso, a seguir, as aulas 3 e
4 e seus desdobramentos.
3.3. Aulas 3 e 4
Nesta terceira fase da análise, almejamos analisar o posicionamento discursivo do
professor no sentido de atender a pergunta de pesquisa retomada a seguir.
1-Como se estrutura o discurso do professor frente à sua posição crítica diante dos
discursos hegemônicos presentes na educação em relação a:
Criação de espaços de discussão crítica em sala de aula
Para tanto, lançaremos mão dos conceitos de sistema de turnos e os tipos de
perguntas (Marcuschi, 2001), conforme discutido no capítulo metodológico. Tais
procedimentos visam compreender como o professor organiza a distribuição dos turnos de
fala entre os participantes da discussão e busca entender as bases lingüísticas e discursivas
pelas quais o professor, a partir da gestão dos turnos e dos tipos de perguntas, cria espaços
de discussão crítica em sala de aula. Semelhante às demais fases da análise, cotejaremos as
análises lingüísticas com os conceitos fundamentais discutidos no capítulo teórico.
82
Tabela dos sistemas de turnos das aulas 3 e 4 (15/09/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Professor 49
Alunos 95
TOTAL 144
Os dados quantitativos acima indicam que, semelhante às duas primeiras aulas, o
professor está empenhado na tarefa de ouvir o que os estudantes tem a dizer. Isso demostra
que a voz dos alunos tem sido considerada durante os debates e que o professor tem
consciência da importância dessas vozes para a construção colaborativa de espaços de
reflexão. Dessa forma, os turnos conversacionais foram distribuídos no sentido de incluir a
participação dos estudantes no desenvolvimento e efetivação das discussões. Com isso, os
espaços foram disponibilizados para que os diferentes pontos de vista tivessem a
oportunidade de emergir para fortalecer a base dialógica que sustentou os debates ocorridos
até o presente momento.
Excerto 5
01-PF- Vamos lá, o assunto dessa aula, por opção de vocês, ficou sendo o racismo. Então,
eu não sei, o que vocês acham? Num primeiro momento a gente poderia tentar definir o
que é o racismo. Para ai, depois, a gente poder dar continuidade à discussão. Porque não
adianta a gente discutir uma coisa se a gente não sabe o que é. Alguém chegou a
perguntar o que venha a ser o racismo? Quais são os tipos de racismo que se
apresentam na sociedade hoje e na história, no passado, o que vocês pesquisaram
entre vocês?
02-A1- Eu, assim, pelo que eu conheço um pouco, a minha forma de ver racismo é quando
você difere uma pessoa por causa de etnia, sabe, às vezes, assim, às vezes as pessoas de
cores negras vivem numa sociedade num nível mais baixo por falta de oportunidade, de um
trabalho melhor, ou então (inaudível) por causa dessa dificuldade que os outros têm de
aceitar a etnia. Eles se sentem melhores e mais capazes do que as pessoas que são negras,
sendo que não é verdade, né.
03-A2- Mas o racismo não é só da raça branca pra raça negra, há o racismo de branco
pra branco, de negro pra negro, há racismo de branco pra amarelo e assim vai indo.
04-A3- (...) em qualquer lugar.
05-A2- Em qualquer lugar.
83
06-PF- Não, pera aí, pelo que, a fala do Renan parece que coloca o racismo somente
com relação aos negros?
07-Renan- Não...
08-PF- Você acha que o racismo ele é muito mais...
09-A2-Desde quando exista pessoas diferentes, com línguas diferentes e lugares diferentes,
vai haver racismo.
10-A?- Isso é verdade...
11-PF- Ah, homem e mulher é racismo?
O turno 01 representa o início da aula. Nesse momento, o professor anuncia o tema
que será discutido (...o assunto dessa aula, por opção de vocês, ficou sendo o racismo). Em
seguida, comenta os procedimentos das aulas e tenta incluir a opinião dos alunos sobre os
procedimentos que serão adotados (...o que vocês acham?). Na seqüência, o professor
define os procedimentos da aula e encerra o turno direcionando algumas perguntas aos
alunos, incentivando, dessa forma, a participação dos mesmos.
No turno 02, um aluno manifesta a sua opinião em relação ao tema, enfocando as
dificuldades enfrentadas pelos negros (...às vezes as pessoas de cores negras vivem numa
sociedade num nível mais baixo por falta de oportunidade). No turno 03, o aluno A2 parece
não concordar com o enfoque voltado somente para os negros. A conjunção adversativa
mas” evidencia o início dessa oposição. Assim, o aluno encerra o turno afirmando que o
racismo não existe somente em relação aos negros (Mas o racismo não é só da raça branca
pra raça negra, há o racismo de branco pra branco, de negro pra negro...).
Nos turnos 04 e 05, os alunos parecem concordar com a posição assumida no turno
anterior. Com base nessas intervenções promovidas pelos alunos, o professor tenta
problematizar a questão, conforme o turno 06 pode indicar. Em seguida, o aluno Renan
parece tentar justificar a sua posição (Não...). No turno 07, podemos observar a tentativa do
professor em inserir uma nova intervenção, talvez no sentido de incentivar o
desenvolvimento da resposta que seria construída pelo aluno Renan (Você acha que o
racismo ele é muito mais...) Contudo, os turnos seguintes são assumidos por outros dois
alunos cujas manifestações lingüísticas parecem indicar que a diferença é um fator
determinante para a existência do racismo. Posição essa problematizada pelo professor no
turno seguinte.
84
Excerto 6
28-A5- Teve início no período colonial, quando foram trazidos os primeiros negros e
escravos, aí teve (inaudível) querendo catequizar os negros, o Brasil foi um dos últimos
países a ter a abolição. As origens do racismo vem de um pouco antes da segunda guerra
mundial, no Japão, os japoneses se comportavam de forma diferente, extremamente
racistas em relação às outras nações...nos Estados Unidos, na década de 50, os negros
eram enforcados em árvores(...) sem punição para os assassinos. Há também vários
grupos racistas que perseguem(...). Outra forma de racismo também é a distinção ente
mulheres e homens. Ainda hoje as mulheres ocupam cargos inferiores no mercado de
trabalho.
29-PF- Alguém quer comentar isso, ou não?
30-A6- Eu não concordo não, tem mulher (...), acho que hoje em dia os dois têm...
31-PF- Você acha que a mulher tem o mesmo tratamento que o homem no trabalho?
32-A6- Não o mesmo, mas a mesma(...) em termos de (...) ela tem.
33-A?- A mesma competência os dois têm...
34-A7 - Mas o nível salarial da mulher é inferior ao do homem. Se a gente for comparar
um empresário homem com uma empresária mulher, por mais que eles tenham o mesmo
trabalho, o salário dela é inferior ainda, por incrível que pareça a mulher...
35-A?- Mas é da firma. Dependendo da firma, a firma contrata homem e mulher no mesmo
cargo e as mulheres conseguem ganhar o mesmo salário que os homens.
36-A7- Mas ainda há esse preconceito
37-ALGUNS ALUNOS- Mas é minoria
38-A?- Há poucas, mas aquelas que batem no peito conseguem...
39-PF- Mas aí que tá, mas isso é uma unanimidade, qualquer empresa que você
chegar, a mulher, ela vai receber a mesma coisa que os homens?
40-A?- Não
41-Maria - (inaudível), homem ganhar mais que mulher, eu não sei...
42-PF- Jornais, mostram isso, eu não cheguei a pesquisar sobre isso para esse debate.
As mulheres, normalmente, e infelizmente, elas ganham menos que os homens
exercendo a mesma função. Hoje em dia tá melhor? Está, mas...
43-A?- Então, as mulheres ganham menos de acordo com o patamar das empresas sobe,
você tá ali no seu cargo, quanto mais você sobe, a diferença é maior ainda. Que
geralmente empregos assim, vai, (...) operador de telemarketing, a menina e o cara vai
ganhar a mesma coisa, quando ele chegar na diretoria, a mulher ganha menos que um
cara...
No início do turno 28, o aluno lê um trecho do seu trabalho para o restante da sala.
Num primeiro momento, relata a questão do racismo sofrido pelos negros em alguns países
do mundo. Posteriormente, o foco recai sobre o preconceito sofrido pelas mulheres no
mercado de trabalho (Ainda hoje as mulheres ocupam cargos inferiores no mercado de
trabalho...). No turno 29, o professor tenta, a partir do comentário produzido pelo aluno A5
85
no turno anterior, incentivar a participação dos outros alunos. Utiliza, para atingir esse fim,
uma pergunta (Alguém quer comentar isso, ou não?) que abre o debate e redistribui o turno
de voz, na medida em que outros alunos se manifestam em relação ao tema que está sendo
discutido. Isso pode ser observado nos turnos seguintes. Dessa forma, no turno 30, um
aluno parece não concordar com o fato de que, hoje, as mulheres ainda ganhem salários
inferiores aos dos homens, mesmo exercendo as mesmas funções, conforme as
manifestações lingüísticas desse turno podem indicar ( Eu não concordo não, tem mulher
(...), acho que hoje em dia os dois têm...).
Em seguida, o professor insere uma outra pergunta no debate e, novamente, os
alunos são convocados a participar da discussão. Nos turnos seguintes, a maioria dos alunos
concorda com a idéia de que as mulheres ainda ganham salários inferiores aos dos homens.
Outros alunos fazem algumas ressalvas em relação a esse ponto de vista, conforme as
escolhas lexicais presentes nos turnos 33. 35 e 38 podem indicar. Com base nas
contribuições dos alunos nos turnos anteriores, o professor constrói uma nova pergunta no
turno 39. Nesse caso, o tipo de pergunta utilizado pelo professor, conforme já discutido
anteriormente, favorece o surgimento de perguntas do tipo “sim” ou “não”. Esse
argumento pode ser comprovado no turno 40, momento em que o aluno fornece uma
resposta curta, visto que a pergunta utilizada não contribuiu com o desenvolvimento de uma
resposta argumentada. As escolhas lexicais utilizadas pelo professor para construir uma
outra pergunta no turno 31, também se enquadram no ponto de vista discutido acima.
Contudo, entendemos que, mesmo utilizando perguntas do tipo fechadas
(Marcuschi, 2001), o professor conseguiu gerir a distribuição de turnos de modo a
incentivar a participação dos alunos, não permitindo, dessa forma, que as vozes fossem
monopolizadas em um único turno. Com isso, novas opiniões vieram à tona somando-se às
manifestações do professor e contribuindo com o desenvolvimento da discussão. Os dois
últimos turnos do presente excerto parecem seguir essa metodologia.
86
EXCERTO 7
126-Aluno- Maria, o que você ta falando aí...
127-PF- Socializa as suas informações...
128-Maria- (...) ele falou, negro, moreno e branco. Então, ou é branco ou negro, esse
negócio de moreno foi inventado, aí ele falou. Aí eu falei “então se for assim, tá tudo quase
a mesma coisa, então você é negro?, “ah, pode ser que eu sou”. Rsrs
129-A?- (...), branco, negro, mameluco, pardo, é, tem uma diferença...
130-PF- Por exemplo, o mulato seria a miscigenação do branco com o negro, mas o
mulato é um termo depreciativo, porque mulato vem de mula, então, é como se o fruto da
miscigenação do negro com o branco ou vice e versa, não seria uma pessoa, entendeu?
Então, seria um animal, mulato vem de mula. Então, naquela época a miscigenação não
era vista com bons olhos. Não sei se vocês chegaram a estudar sobre isso, mas, por
exemplo, numa época, o Brasil, ele passou por um processo de branqueamento, por quê?
Lá fora, o Brasil pra ser respeitado de acordo com os políticos da época, com o governo
da época, deveria ser um país mais branco. Não é à toa que o governo brasileiro abriu as
portas aos imigrantes italianos, aos imigrantes europeus, para poder começar a trabalhar
aqui no Brasil e começar “a branquear a população”. Por quê? Porque o Brasil era
marcadamente negro. Os escravos, durante a história do Brasil, trabalharam nesse país,
fizeram o país crescer por mais de 300 anos. E eles foram deixados de lado, acabaram
trazendo os imigrantes europeus...
No turno 126, as escolhas lexicais utilizadas pelo aluno parecem indicar que este
quer saber o que a aluna Maria está dizendo (Maria, o que você ta falando aí...). Em
seguida, o professor tenta inserir o comentário da aluna no interior da discussão e
prosseguir, dessa forma, com o debate (Socializa as suas informações...). Essa intervenção
do professor incentiva a aluna a manifestar o seu ponto de vista para a sala inteira,
conforme pode ser observado no turno 128. O tema, nesse momento do debate, gira em
torno das possíveis diferenças entre branco, negro, moreno, pardo, mameluco, etc.,
conforme indicado nos turnos 128 e 129.
A intervenção do professor, no turno seguinte, contextualiza a questão da diferença
através do viés histórico e político pertinente ao tema que está sendo discutido. Para
McLaren (2000 A, 2000 B), esta é uma das formas pelas quais as questões das diferenças
étnicas podem ser trabalhadas no sentido de melhor compreender os processos políticos e
ideológicos que estão por trás e que sustentam representações racistas e preconceituosas
em relação às diferenças entre as culturas. Dessa fora, os comentários do professor
presentes no turno 130 são importantes no sentido de, tendo como ponto de partida o
conhecimento prévio dos alunos, contribuir com a construção de um espaço de reflexão
87
crítica em que os alunos se vejam como seres sócio-históricos inseridos dentro de uma
atmosfera muito mais ampla e complexa. Assim, a relação dialética entre conhecimento de
mundo e conhecimento científico pode contribuir para que professores e alunos
desconstruam e desmistifiquem estereótipos preconceituosos que, geralmente, são
sustentados no senso comum e que alimentam análises superficiais sobre a questão da
diferença.
Excerto 8
131-Renan- Professor, às vezes a pessoa nem percebe, mas a forma mais indireta de
racismo que todo dia tá presente é na televisão, que nem, uma propaganda, uma
propaganda que envolve muitas pessoas, geralmente a maioria é tudo branca, e eles
colocam um ou dois negros só pra dizer assim “tem negro”.
132-A?- Porque é por lei...
133-Renan- (...), então às vezes o que é que acontece, eles coloca meio a meio pra falar
assim “tem negro”. Só que assim, mesmo que coloca os que seja negro, não coloca porque
eles querem, é também pra passar uma forma, só que é pejorativa, por exemplo, “tá vendo,
negro e branco”, só que assim, a pessoa colocou lá, não é pra mostrar a pessoa e o que ela
exerce, e sim pra dizer “tá vendo, eu cumpri minha lei, (...), ela tenta tirar essa forma
indireta de racismo só que ela vai acabar criando mais, porque assim, no meio de cinco,
ela coloca um, ou então (...), pra tentar quebrar tudo isso ela faz o contrário, coloca cinco
negros e um branco. Então assim, se você parar para pensar, ela pode tentar quebrar, só
que é pior, ela tenta ir aos poucos inserindo, “não, vamos fazer uma propaganda assim
onde tenha”, não que seja já pensando nisso, mas (...) que atinja a todos igualmente, mas
não (...), essa eu vou fazer com cinco brancos e um negro, essa com cinco negro e um
branco, porque acaba quebrando isso.
134-PF- Não, o Rafael, falando de propaganda, e falando de novela, por exemplo.
Quais são os papéis dos negros nas novelas, da Globo, por exemplo?
135-ALUNOS: empregada, baba, motorista, jardineiro...
136- Renan- (...) pra tirar esse racismo...esse racismo no meio do povo brasileiro, no
mundo inteiro, (...) fazer o seguinte, numa novela é obrigatório ter determinando tanto tal,
tem algumas novelas que eu até tipo, pego, essa novela tá sendo da hora porque eles tão
pegando preto, incentivando os negro a subir de cargo a partir do que tá assistindo
dissimula (...) isso aí pode ser só da cabeça, (...) preconceito de “ah, só o preto pode fazer
isso. Têm novelas que esculacham também, eu acho que só tomou um pouco de iniciativa,
deu empurrãozinho e já focalizou outros pontos.
137-A- Então, eu acho que (...) o governo, ele teve uma forma de racismo, porque se eu
puser um pouco de vagas dentro da universidade (...) eles tão colocando os negros como se
eles não fossem capazes de passar pela inteligência, porque na hora que (...), não tem nada
de pobre, é só pelo nome.
138-Maria- Falar uma coisa que ela tava falando, (...), na televisão, eu não lembro, que
falava assim, que Dom Pedro II, ele principalmente diz que os italianos viessem pra cá
88
porque nós somos considerados raça negra, então eles fizerem vir os italianos pra que se
misturasse, pra nós virássemos raça branca pra que fôssemos aceitos no mundo, entendeu?
A intervenção do professor iniciada no turno final do excerto anterior desencadeou
a manifestação do aluno Renan no turno 131. Aqui, as escolhas lexicais do aluno sugerem
que o tema do preconceito está sendo abordado de uma forma mais ampla em que o poder
dos meios de comunicação é discutido e problematizado. (Professor, às vezes a pessoa nem
percebe, mas a forma mais indireta de racismo que todo dia tá presente é na televisão...).
No turno 132, um aluno insere a questão da lei ( Porque é por lei...). Essa pequena
intervenção parece acrescentar algo novo ao que já vinha sendo discutido e acaba
incentivando a continuação da intervenção do aluno Renan, conforme as manifestações
lingüísticas presentes no turno seguinte podem indicar.
O turno 134 é marcado pela intervenção do professor que, apoiado no que foi dito
anteriormente pelos alunos, insere uma pergunta que, a partir do nosso ponto de vista,
problematiza a questão da mídia, criticando o seu papel enquanto catalisadora de
estereótipos preconceituosos. Essa visão é desenvolvida e reforçada por intermédio dos
comentários tecidos pelos alunos nos turnos 135 e 136. Posteriormente, no turno 137, uma
aluna parece questionar a lei de cotas nas universidades, enfatizado o papel do governo na
sustentação de uma visão preconceituosa em relação àqueles que se beneficiam desse
projeto. No entanto, o tema parece, ao menos nesse momento, não ser devidamente
discutido, visto que, no turno seguinte, a aluna Maria retoma a discussão iniciada pelo
professor no turno 130 do excerto anterior.
Excerto 9
139-Renan- (...) uma outra forma, que nem, os filmes brasileiros, cada filme brasileiro que
vai pra fora explora muito a imagem da favela e já coloca o negro, vai, como o (...) da
favela, que nem o Cidade de Deus, Cidade dos Homens, (...) mostram, que nem hoje em
dia, o baile funk, então passa o que lá pra fora? Um monte de negro da favela, dando tiro
um no outro, brigando por uma coisa que, às vezes é por droga ou por ponto de alguma
coisa. Então o que que acontece, isso acaba exportando uma visão totalmente diferente do
Brasil. Tem gente lá fora que nunca veio pra cá que pensa que aqui é tudo mata, que tem
um monte de animal, que macaco vive no meio de nós, que têm um monte de bicho
andando na rua solto, e não é assim desse jeito.
(...)
89
140-
Maria- Sem falar do racismo contra os nordestinos, racismo, não to falando de
preconceito, racismo pela cor deles, pela cabeça, sei lá, racismo também pela forma física
que a pessoa tem. Então também há esse preconceito..
141-A?- Não é só racismo de pele não...
142-PF- Peraí só um pouquinho, Weber, os meninos tão falando e vocês não tão
ouvindo. Marlon, ele tá comentando o que ela falou daquele ponto dos nordestinos, a
questão do preconceito que existe contra os nordestinos, alguém falou aí dos baianos,
(...) qual o termo que você usou para se referir aos baianos?
143-A?- Uso “cocão” mano..
144-Renan- (...) professor, (...) o governo (...) São Paulo é uma grande metrópole que faz
parte de (...) por cento se eu não me engano, do PIB brasileiro, eles investem muito
dinheiro aqui, claro, investem entre aspas, porque eles roubam muito dinheiro também, e
esquecem lá de cima, então o que acontece: o cara lá em cima no Nordeste não tem
condições de morar lá, sem dinheiro nenhum, sem nenhum investimento, e acaba vindo pra
cá. Então assim, muitas pessoas que nascem aqui, que crescem aqui, não estão acostumados
a se submeter a trabalho manual, muito pesado. Então o que acontece? Ele, como já não
tem nada a perder, ele se submete a qualquer tipo de trabalho, aí o que que acontece, o cara
fala “vo fica desempregado por causa dos baiano, por causa dos”, mas aí que tá, você podia
tá lá em cima, começa de você mesmo também, ás vezes ce podia tá investindo em outra
coisa, ajudando a conscientizar, a montar outras coisas, outro tipo de investimento, e não,
as pessoas lá em cima não têm nem condições de morar, eles têm que tentar achar um outro
lugar pra morar, não tem como fica lá em cima mesmo, então, tipo assim, não é uma coisa
não só nossa e não apenas deles, eles não vêm aqui pra tentar roubar o lugar de ninguém.
Neste excerto, os aspectos políticos e ideológicos inerentes ao tema do racismo
continuam a ser desenvolvidos e discutidos. Assim, no turno 139, o aluno Renan questiona
os estereótipos explorados nos filmes nacionais que acabam exportando uma imagem
muitas vezes distorcida da nossa realidade. Essa intervenção, de certa forma, incentiva a
participação da aluna Maria que, nesse caso, aborda o preconceito sofrido pelos nordestinos
(Sem falar do racismo contra os nordestinos... racismo pela cor deles, pela cabeça, sei lá,
racismo também pela forma física que a pessoa tem...). Essa intervenção da aluna contribui
com o desenvolvimento da discussão específica sobre o preconceito sofrido pelos
nordestinos.
O professor, no turno 142, tenta reorganizar a turma e inclui as colocações tecidas
pela aluna no turno anterior para resgatar algum ponto de vista relacionado a esse tema que
já havia sido comentado por algum aluno anteriormente (a questão do preconceito que
existe contra os nordestinos, alguém falou aí dos baianos, [...] qual o termo que você usou
para se referir aos baianos?). Ou seja, houve uma tentativa, de acordo com o nosso ponto
de vista teórico-metodológico, de redistribuir os turnos no sentido de incluir a voz daqueles
90
que não estavam participando diretamente da discussão. O professor, então, busca
relacionar e costurar de forma dialética as intervenções promovidas pelos alunos
objetivando incentivar o crescimento do debate. Esse objetivo parece ser alcançado no
turno seguinte em que o aluno aprofunda a discussão sobre o tema, tendo como base de
sustentação toda a discussão que já havia sido desenvolvida anteriormente.
Assim, acreditamos que durante as aulas 3 e 4 houve a construção colaborativa de
uma zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 2001) na medida em que as
manifestações lingüístico-discursivas tanto do professor quanto a dos alunos mediaram e
contribuíram com o desenvolvimento qualitativo do tema que estava sendo discutido. Dessa
forma, as problematizacões que foram surgindo no decorrer do debate provocaram
transformações cognitivas qualitativamente superiores que elevaram o nível do debate para
estágios mais avançados e complexos. É importante observar que, no início da discussão, a
reflexão em torno do racismo estava marcadamente centrada na diferença pela diferença e
que, gradativamente, essa discussão foi ganhando contornos políticos, econômicos e sócio-
históricos que elevaram o nível do debate para além do senso comum. Interpretamos esse
movimento como sendo uma legítima ZDP.
3.4. Sessão Reflexiva 2
Buscando um melhor entendimento sobre o que ocorreu durante as aulas 3 e 4,
promovemos mais uma sessão reflexiva . Novamente, o objetivo central que guiou esta fase
da análise foi a construção colaborativa de um espaço de reflexão crítica em que professor e
pesquisador discutem sobre suas práticas no sentido de transformar seus contextos de
atuação. Os conteúdos temáticos e a análise dos turnos conversacionais serão utilizados
como referencial de análise para os dados lingüísticos selecionados para esta seção que
busca responder a seguinte pergunta de pesquisa: Como as sessões reflexivas podem se
constituir como espaços para que o professor repense as suas práticas?
91
Tabela dos sistemas de turnos da sessão reflexiva sobre as aulas 3 e 4 (18/12/2007)
PARTICIPANTES N° DE TURNOS
Pesquisador 43
Professor 39
TOTAL 82
Os dados quantitativos contidos na tabela apontam, novamente, para uma simetria
que envolve a distribuição dos turnos. Nesse sentido, não houve grandes alterações em
relação à sessão reflexiva 1. Nesse caso específico, o pesquisador teve apenas quatro turnos
a mais que o professor, fato que não caracteriza uma suposta monopolização dos turnos
conversacionais. Acreditamos que estes dados numéricos refletem de alguma forma as
posições políticas e ideológicas dos participantes em relação ao tipo de interação que
ambos buscam valorizar em seus contextos específicos de atuação.
EXCERTO 10
07-PQ- Tá, agora vamos um pouco aqui pra transcrição, na pergunta seis. A três é a
seguinte: Qual foi seu objetivo no turno 06 e como foi a sua intervenção. Então aqui você
faz uma intervenção em cima do que o Renan disse, aí você vai dizer “não, peraí, pelo que,
a fala do Renan parece que coloca o racismo somente com relação aos negros”. Foi em
cima do que ele disse aqui em cima: “Eu, assim, pelo que eu conheço um pouco, a minha
forma de ver racismo é quando você difere uma pessoa por causa de etnia, sabe, às vezes,
assim, às vezes as pessoas de cores negras vivem numa sociedade num nível mais baixo
por falta de oportunidade, de um trabalho melhor, ou então (inaudível) por causa dessa
dificuldade que os outros têm de aceitar a etnia. Eles se sentem melhores e mais capazes
do que as pessoas que são negras, sendo que não é verdade, né”. Então assim, como que foi
o seu objetivo com essa intervenção, e como foi? Como que você vê a sua intervenção
nesse turno em cima disso que ele falou?
08-PF- Então é... porque assim, o objetivo era a gente discutir o racismo de uma
forma geral. Então por isso que eu pedi pra eles:“Vocês pesquisem sobre o racismo, a
definição, o que é, depois vocês tragam pra gente socializar as informações. Aí foi
aparecendo um monte de coisas né, sobre racismo e o Renan, particularmente, ele falou do
racismo ligado mais ao negro. Então nesse primeiro momento eu queria que eles falassem
de uma forma mais geral. Geral pra depois a gente ir mais pra questão do negro e
particularmente a questão do Brasil(...)
09-PQ- Tá, mas como que seria essa “de uma forma geral”, geral em relação...
10-PF- Primeiro assim, “o que é racismo?”. Não sei se no comecinho eu falo isso,
é...definir o que é racismo, conceituar mesmo isso, aí pra depois a gente ir discutindo.
Porque racismo está associado à questão da raça, mas esse racismo, esse preconceito só
foi contra o negro? Não. Existem contra outras entre aspas “raça”, porque hoje em dia já
92
não se usa mais esse termo, ele usou etnia, que é o mais correto, mas com outros nomes,
por exemplo, o apartheid, tem a ver com o preconceito lá na África do Sul, contra negros,
mas tem por exemplo o anti-semitismo que é contra judeu, que é um tipo de racismo
também. Então eu queria que eles tivessem isso claro, que existem o preconceito, o
racismo, mas não somente ligado ao negro, mas de uma forma mais geral, pra depois
a gente ir afunilando até chegar...
O exemplo anterior pode reforçar o que foi dito no início desta segunda sessão
reflexiva. Percebemos que a distribuição dos turnos segue uma linha simétrica e, de certa
forma, harmônica do posto de vista da alternância de vozes. Há, conforme já foi dito
anteriormente, uma espécie de entrosamento entre os interactantes que favorece a
construção colaborativa de espaços de reflexão simpáticos ao desenvolvimento do
pensamento crítico. Sentimos que esse entrosamento foi fruto de um processo de
amadurecimento iniciado durante a primeira sessão reflexiva e esse aspecto, de acordo com
o nosso ponto de vista, se reflete nos dados quantitativos levantados previamente.
Quadro 17
Conteúdo temático Exemplo
A questão do
preconceito é ampla
07-PQ- Tá, agora vamos um pouco aqui pra transcrição, na
pergunta seis. A três é a seguinte: Qual foi seu objetivo no turno 06
e como foi a sua intervenção. Então aqui você faz uma intervenção
em cima do que o Renan disse, aí você vai dizer “não, peraí, pelo
que, a fala do Renan parece que coloca o racismo somente com
relação aos negros”. Foi em cima do que ele disse aqui em cima:
“Eu, assim, pelo que eu conheço um pouco, a minha forma de ver
racismo é quando você difere uma pessoa por causa de etnia, sabe,
às vezes, assim, às vezes as pessoas de cores negras vivem numa
sociedade num nível mais baixo por falta de oportunidade, de um
trabalho melhor, ou então... por causa dessa dificuldade que os
outros têm de aceitar a etnia. Eles se sentem melhores e mais
capazes do que as pessoas que são negras, sendo que não é verdade,
né”. Então assim, como que foi o seu objetivo com essa intervenção,
e como foi? Como que você vê a sua intervenção nesse turno em
cima disso que ele falou?
08-PF- Então é... porque assim, o objetivo era a gente discutir o
racismo de uma forma geral. Então por isso que eu pedi pra eles:
“Vocês pesquisem sobre o racismo, a definição, o que é, depois
vocês tragam pra gente socializar as informações. Aí foi aparecendo
um monte de coisas né, sobre racismo e o Renan, particularmente,
93
ele falou do racismo ligado mais ao negro. Então nesse primeiro
momento eu queria que eles falassem de uma forma mais geral.
Geral pra depois a gente ir mais pra questão do negro e
particularmente a questão do Brasil(...)
09-PQ- Tá, mas como que seria essa “de uma forma geral”, geral
em relação...
10-PF- Primeiro assim, “o que é racismo?” Não sei se no
comecinho eu falo isso, é...definir o que é racismo, conceituar
mesmo isso, aí pra depois a gente ir discutindo. Porque racismo
está associado à questão da raça, mas esse racismo, esse
preconceito só foi contra o negro? Não. Existem contra outras
entre aspas “raça”, porque hoje em dia já não se usa mais esse
termo, ele usou etnia, que é o mais correto, mas com outros
nomes, por exemplo, o apartheid, tem a ver com o preconceito lá
na África do Sul, contra negros, mas tem por exemplo o anti-
semitismo que e contra judeu, que é um tipo de racismo
também. Então eu queria que eles tivessem isso claro, que
existem o preconceito, o racismo, mas não somente ligado ao
negro, mas de uma forma mais geral, pra depois a gente ir
afunilando até chegar...
No turno 07, discuto com o professor a sua intervenção em relação ao que foi dito
pelo aluno Renan no início das aulas 3 e 4 e quais eram os objetivos dessa intervenção
(
como que foi o seu objetivo com essa intervenção, e como foi? Como que você vê a sua
intervenção nesse turno em cima disso que ele falou? No turno 08, o professor se
manifesta em relação à minha pergunta por intermédio de uma resposta aberta. Esta
resposta aberta foi motivada por uma pergunta igualmente aberta (Marcuschi, 2001) que
cooperou com o início de uma reflexão. Os marcadores lingüísticos “como” nos
possibilitaram a construção de uma pergunta que, conforme discutido anteriormente,
geralmente abre espaço para uma reflexão mais complexa sobre o tema que está sendo
discutido.
A partir da resposta fornecida pelo professor no turno 08, construímos uma outra pergunta
objetivando continuar a discussão (Tá, mas como que seria essa “de uma forma geral”,
geral em relação...). Em relação à nossa pergunta, o léxico “” indica que, de certa
forma, concordamos com a afirmação do professor. Contudo, a conjunção adversativa
mas” indica que não estamos totalmente satisfeitos com a resposta fornecida, pois não
havíamos entendido exatamente o que seria discutir o tema do racismo “de uma forma
94
geral”. Essa expressão “de uma forma geral” estaria ligado a quais fatores? Nossa intenção,
então, foi aprofundar a reflexão.
Nossa pergunta parece surtir efeito, visto que os léxicos em negrito presentes no
turno 10 indicam que a preocupação do professor está relacionada à idéia de contextualizar
o tema do debate no escopo mais amplo da sociedade, envolvendo outras culturas e não
somente os negros (...racismo está associado a questão da raça, mas esse racismo, esse
preconceito só foi contra o negro?). Tendo como base a intervenção de um aluno, o
professor tentou contextualizar de uma forma mais ampla o que estava sendo discutido.
Isso, de acordo com o ponto de vista teórico adotado e discutido até aqui, é essencial para
que os aspectos políticos, econômicos, históricos e sociais possam ser colocados em
discussão no sentido de iniciar um processo de reflexão crítica. Esse processo de reflexão
crítica continua a se desenvolver no C.T. a seguir.
Quadro 18
Conteúdo temático Exemplo
O preconceito tem
raízes econômicas e
históricas
31-PQ- Vou tentar fazer um gancho com isso que você tá falando
agora com a próxima questão, que é em relação à sua participação.
Como você avalia a sua participação na intervenção 12?
(ver nota
de rodapé) Quais eram os objetivos? Como você poderia inserir a
questão política e econômica no tema proposto para a aula? Ou
seja, é isso que eu te falei, o aluno trouxe um comentário legal e
como que seria a sua participação no sentido de trazer um conteúdo
científico da sua disciplina, por exemplo, para acrescentar mais em
cima do que ele falou e devolver isso que você acrescentou para o
debate. Você pega a contribuição do aluno, a sua, enquanto
professor, enquanto mediador que detém o conhecimento científico e
joga para o debate novamente.”. Ou seja, aqui você trouxe um saber
científico para a discussão sobre o negro...
o mulato seria a miscigenação do branco com o negro, mas o mulato é um termo depreciativo, porque
mulato vem de mula, então, é como se o fruto da miscigenação do negro com o branco ou vice e versa, não
seria uma pessoa, entendeu? Então, seria um animal, mulato vem de mula. Então, naquela época a
miscigenação não era vista com bons olhos. Não sei se vocês chegaram a estudar sobre isso, mas, por
exemplo, numa época, o Brasil, ele passou por um processo de branqueamento, por quê? Lá fora, o Brasil
pra ser respeitado de acordo com os políticos da época, com o governo da época, deveria ser um país mais
branco. Não é à toa que o governo brasileiro abriu as portas aos imigrantes italianos, aos imigrantes
europeus, para poder começar a trabalhar aqui no Brasil e começar “a branquear a população”. Por quê?
Porque o Brasil era marcadamente negro. Os escravos, durante a história do Brasil, trabalharam nesse país,
fizeram o país crescer por mais de 300 anos. E eles foram deixados de lado, acabaram trazendo os
imigrantes europeus
.
95
32-PF- Principalmente na parte econômica...
33-PQ- Isso, é nesse ponto que eu quero chegar. A questão não
ficou só na oposição branco x negro, não ficou só nessa
bipolaridade, teve todo um contexto político e econômico por
trás que obrigou o governo brasileiro, se este quisesse fazer parte
do “clube internacional” a trabalhar dentro desse ponto de vista
pra que ele fosse inserido dentro daquele cenário econômico. Há
uma questão econômica por trás, então é nesse sentido que eu digo,
como que você avalia a sua participação nesses momentos?
34-PF- O objetivo foi esse mesmo, trazer à tona essa questão
econômica. Por exemplo, a pressão que o Brasil recebia de países
como a Inglaterra de estar acabando com a escravidão, de tar se
colocando junto aos países capitalistas, consumidores e tal, e
num país onde se tem mão de obra escrava, e a maioria na época
era negro, não tem como o país consumir, comprar e tal. Então
tá inserido dentro desse mundo capitalista, então o objetivo foi
trazer isso mesmo, de mostrar que essas coisas estão ligadas aos
fatores econômicos, principalmente nos países capitalistas.
A discussão iniciada no C.T. anterior continua a se desenvolver neste C.T. As
nossas perguntas continuam seguindo a mesma tipologia adotada anteriormente, ou seja,
procuramos desenvolver perguntas do tipo aberta para incentivar a reflexão crítica e
valorizar, com isso, o contexto cultural e histórico no qual ocorre a produção do
conhecimento. Aqui, novamente, lançamos mão dos marcadores lingüísticos “como
objetivando a construção de perguntas abertas. Isso pode ser verificado no turno 31,
momento em que, tendo como base o que foi dito pelo professor nos turnos anteriores, teço
algumas perguntas seguidas de um comentário sobre a intervenção que o professor havia
feito sobre a participação de um aluno. No turno 32, esse comentário parece gerar uma
manifestação lingüística por parte do professor que, dentro do quadro teórico pertinente à
sessão reflexiva, enriquece e complementa o que dissemos no turno anterior. Assim, no
turno 33, chegamos em um ponto essencial do debate em decorrência da criação de um
espaço de colaboração que já vinha sendo construído desde o início dessa sessão reflexiva.
Segundo Magalhães (2002), essa interação dialética entre professor e pesquisador
contribui com o desenvolvimento de espaços de discussão em que as práticas discursivas
em sala de aula e fora dela são problematizadas tendo em vista a construção crítica do
conhecimento. Entendemos que as intervenções do professor somadas às intervenções do
pesquisador foram importantes para a criação desses espaços. Dessa forma, além de
entender quais foram os objetivos do professor em sala de aula, tivemos a oportunidade de
96
construir colaborativamente um espaço de reflexão que reforçou e desenvolveu nossas
bases argumentativas.
Este seria, de acordo com a discussão desenvolvida por McLaren (2000
A/ 2000 B),
um passo inicial e essencial para a edificação de uma esfera de questionamento crítica que
investiga, reflete e relaciona os saberes dos educandos com os conteúdos científicos
trabalhados em sala de aula frente às esferas de poder que coexistem e permeiam o contexto
sócio-histórico em que o preconceito é produzido. Assim, o conhecimento de mundo dos
alunos em relação ao seu cotidiano deve ser aproveitado no sentido de confrontá-los com os
aspectos históricos e sócio-econômicos (conhecimento científico). Inicia-se, dessa forma,
um processo de problematização necessário à construção de esquemas interpretativos e
discursivos que, baseados nas categorias de classe, cultura, gênero e história, podem fazer
com que os estudantes se localizem de uma forma mais complexa dentro do mundo. Com
isso, aumentam drasticamente as possibilidades dos alunos entenderem as bases que
sustentam o preconceito bem como, a partir desse entendimento inicial, atuarem de forma
crítica na desestabilização dessas bases, contribuindo decisivamente com a construção de
novas estruturas em que os preconceitos de outrora não tenham mais espaço (McLaren,
idem).
Quadro 19
Conteúdo temático Exemplo
O discurso
hegemônico
neoliberal e os
preconceitos que
dele derivam podem
ser problematizados
e questionados por
intermédio dos
conceitos científicos
35-PQ(...) Em cima disso que você falou, você falou uma coisa
importante que eu discuto também na pesquisa, que e o discurso
hegemônico que tá por trás. Você falou do capitalismo, eu trato de
Neoliberalismo, que é enfatizar a questão do individualismo, ou
seja...
36-PF- “Você não conseguiu porque o problema é seu, a
universidade tá lá, ela é pública e você pode entrar”.
37-PQ- “Independente de você trabalhar muito, depende de você,
depende só de você, e uma questão de mérito”.
38-PF- È um discurso hegemônico mesmo...
39-PQ- É um discurso hegemônico que eu questiono e acho que
você pegou num ponto importante, de trazer essa questão
histórica que começou lá trás e que se perpetua até hoje. Assim,
você percebe se esses alunos, se eles têm esse ponto de vista, de uma
forma geral? A maioria acho que trabalha, eles têm esse ponto de
vista em relação ao mundo do trabalho? Eles têm uma noção de
aonde eles vão estar entrando e que esse processo de exclusão se
97
perpetua até hoje? Apesar de ter um discurso que diz “não, hoje
temos todos as mesmas oportunidades.”
40-PF- Não, isso é mentira. Então, alguns, eles têm essa
consciência, eles falam assim “eu não tenho a mesma oportunidade
que um cara que estuda numa escola particular”, mas assim, eles
levam muitas vezes pelo lado individual, “aquele não conseguiu
porque ele não estudou”. Então acaba absorvendo esse discurso que
está aí, esse discurso neoliberal, esse discurso hegemônico, assume
que a responsabilidade é só dele, só ele vai resolver todos os
problemas, mas não é assim.
41-PQ- Então, em cima disso que você falou, como que você
procura trabalhar esse tipo de discussão nas aulas utilizando o
conteúdo científico como você utilizou aqui? Como que você
procura trabalhar isso, principalmente em cima desses alunos que
têm essa visão? Eles adotaram esse discurso como um discurso de
verdade, eles acreditam nisso de uma forma sincera, é difícil
desconstruir isso no aluno.
42-PF- Esses debates colaboraram muito para esclarecer isso, ou
pelo menos colocar em pauta, abrir a discussão pra que eles
reflitam. No dia a dia, na aula, eu sempre busco na história o
conteúdo científico e trazendo sempre para os dias atuais, as
condições atuais pra gente tentar sempre tá relacionando, a
história hoje em dia é isso, não e só você estudar o passado pelo
passado, é você tá relacionando com o presente, associando, o
que eu gosto é disso, de ouvir a opinião dos alunos, eu sempre
procuro instigar o aluno, saber a opinião dele, o que ele fala e
discutir.
Este C.T. continua na mesma linha de discussão que foi iniciada anteriormente (Em
cima disso que você falou, você falou uma coisa importante que eu discuto também na
pesquisa, que é o discurso hegemônico que tá por trás...). Assim, retomamos o debate
tendo como ponto de partida as colocações tecidas pelo professor no C.T. anterior.
Posteriormente, estabelecemos uma relação entre o que foi dito pelo professor com o tema
do Neoliberalismo, conforme nossas escolhas lexicais inseridas no turno 35 podem mostrar
(Você falou do capitalismo, eu trato de Neoliberalismo, que é enfatizar a questão do
individualismo, ou seja... ). No turno 36, o professor parece utilizar nossas colocações feitas
no turno anterior como uma espécie de “gancho” para inserir a sua fala no debate, como se
fosse a complementação do que estávamos dizendo anteriormente. De acordo com as
manifestações lingüísticas presentes no turno 37, esse mesmo recurso foi, logo em seguida,
utilizado por nós.
98
Ao que tudo indica, as evidências lingüísticas evidenciam que tanto a intervenção
do pesquisador quanto a intervenção do professor se constituem como recursos lingüístico-
discursivos que engajam ambos na discussão, abrindo, dessa forma, espaços para que o
debate continue a se desenvolver. Isso pode ser observado nos turnos seguintes, visto que a
gestão dos turnos é bem compartilhada e distribuída de forma a inserir os interlocutores no
ato de comunicação sem que haja exclusão de algum dos interactantes. Assim, a
problematização do discurso hegemônico neoliberal ganha fluidez e se desenvolve
qualitativamente a partir dessa interação dialética entre os interactantes. É importante
ressaltar que a qualidade das perguntas muito contribuiu com esse desenvolvimento, na
medida em que os recursos lingüísticos utilizados na construção das questões não limitaram
as possibilidades de respostas por parte do professor, gerando, em conseqüência disso,
respostas argumentativas e bem construídas.
De acordo com a orientação teórica adotada neste trabalho, esta relação dialética
entre professor, alunos e pesquisador é uma tentativa inicial e crucial que objetiva
desestabilizar as bases essencialistas que sustentam aquelas visões ingênuas e limitadas
ligadas aos discursos que alimentam representações racistas, reacionárias e
preconceituosas. O preconceito tem raízes históricas que extrapolam, por exemplo, a
bipolaridade negro x branco. Existe toda uma complexa trama de fios políticos, históricos e
ideológicos que formam uma rede de elementos nos quais a gênese dos preconceitos se
sustenta. Dessa forma, de acordo com Moita Lopes (2002), o tipo de discurso adotado pelo
professor pode ou confirmar um ponto de vista ingênuo e essencialista que surge durante
uma discussão em sala de aula ou , ao contrário, problematizar e questionar esse ponto de
vista ingênuo para que os alunos tenham a oportunidade de repensar certos estereótipos que
coexistem juntos às suas realidades cotidianas. Como bem lembrou McLaren (op.cit.), esta
seria uma das formas de se entender como que tais estereótipos cooperam decisivamente
com a manutenção de um vasto número de identidades hegemônicas, pretensamente
estáveis e cristalizadas.
Nossa crítica ao Neoliberalismo também inclui uma crítica ao sistema de
identidades cristalizadas e fixas sustentado a partir de uma lógica de mercado que preconiza
uma educação imediatista e pragmática, cujos mecanismos funcionais devam colocar todo
tipo de diversidade multicultural dentro de um “esquadro” programado para remodelar
99
essas identidades de acordo com um script de prerrogativas particularizado, à prova de
qualquer outro ponto de vista divergente que negue as “sagradas leis” do mercado. Assim,
outras posições de sujeito que se contraponham à lógica do sistema são, freqüentemente
submetidos a critérios de julgamentos injustos que, ao seu turno, constróem representações
geralmente racistas e preconceituosas a respeito daqueles que não tiveram condições
materiais de seguir a lógica dominante do nosso “democrático” sistema econômico. Não
raramente, os menos favorecidos são obrigados a suportar rótulos racistas e reacionários
(vagabundo, preguiçoso, malandro, desinteressado, por exemplo) que sustentam uma
imagem distorcida daqueles que historicamente não tiveram acesso aos bens materiais e
simbólicos acumulados pela humanidade, os quais poderiam contribuir com a construção de
uma nova sociedade em que os menos favorecidos não sejam vistos como a causa da sua
própria miséria.
Quadro 20
Conteúdo temático Exemplo
As sessões reflexivas
contribuíram com o
crescimento do professor
51- PQ: Como foi a influência da sessão reflexiva para
planejamento e a execução desta aula? Então, voltando para a
nossa primeira sessão reflexiva, nós conversamos, discutimos,
você colocou seu ponto de vista, eu coloquei os meus, você
chegou na sua casa você leu e depois você me fala. Qual
implicação da sessão reflexiva para esta aula, para esta aula
específica?
52- PF: É o que eu acabei de falar, estas sessões reflexivas
elas me ajudaram muito, por que assim, uma coisa é você faz
um debate ou você dá uma aula e ela teve o seu papel, teve seu
objeto, mas acaba se perdendo, aí quando você tem algo assim
transcrito oh! o cara transcreveu a sua aula, nós vamos
conversar sobre esta aula as fichas vão caindo. “Pô”, “puxa
vida”, eu poderia realmente me colocar aqui, né, traduzir um
pouco o conhecimento mais para o aluno, o conhecimento
científico, discutir um pouco mais. Então assim, eu sinto que
estas sessões reflexivas me... elas me ajudaram a crescer,
é... no dia eu falei: “eu não tinha gostado desta aula”, mas
acho que com certeza eu me coloquei muito mais neste último
debate do que no primeiro. Acho que isto é fruto destas
sessões reflexivas, desse crescimento, né? Dessa autocrítica.
“Oh, eu poderia ter feito melhor mesmo”.
100
Neste C.T., o nosso foco recai sobre a importância das sessões reflexivas para o
professor (Como foi a influência da sessão reflexiva para planejamento e a execução desta
aula?). No turno 51, inserimos uma pergunta mais direta sobre o processo inerente à sessão
reflexiva. Ainda nesse mesmo turno, inserimos um comentário sobre o que ocorreu na
primeira sessão reflexiva com o intuito de reforçar nossa pergunta e abrir uma possibilidade
de resposta maior para o nosso interlocutor. Fechamos, então, o turno, com mais uma
pergunta. Em seguida, no turno 52, o professor inicia sua intervenção com as seguintes
escolhas lexicais: “É o que eu acabei de falar, estas sessões reflexivas elas me ajudaram
muito...”. Segue-se a essa reflexão inicial uma série de justificativas que confirmam e
reforçam essa colocação.
Consideramos que essas manifestações lingüísticas do professor incorporam os
pressupostos fundamentais de uma sessão reflexiva na medida em que esta se constituiu
como um instrumento que possibilitou uma auto-reflexão sobre as suas práticas discursivas
em sala de aula objetivando sempre o crescimento e o aprimoramento das suas ações
enquanto educador crítico (Então assim, eu sinto que estas sessões reflexivas me elas me
ajudaram a crescer, é... no dia eu falei: “eu não tinha gostado desta aula”, mas acho que
com certeza eu me coloquei muito mais neste último debate do que no primeiro. Acho que
isto é fruto destas sessões reflexivas, desse crescimento, né? Dessa autocrítica. “Oh, eu
poderia ter feito melhor mesmo”.
Na verdade, também percebemos que a sessão reflexiva foi muito importante para o
crescimento intelectual tanto do professor quanto do pesquisador, pois entendemos que,
durante as duas sessões reflexivas, foram criados espaços de reflexão crítica. A linguagem
por nós utilizada foi um instrumento psicológico de mediação que proporcionou mudanças
cognitivas que contribuíram com a construção constante de zonas de desenvolvimento
proximal (ZDPs). Isso pode ser verificado por intermédio das interações verbais mediadas
pela linguagem que foram sendo criadas no decorrer dos debates. Os tipos de perguntas
utilizadas bem como as respostas fornecidas apontavam, na maioria dos casos, para uma
evolução qualitativa das discussões. Assim, em muitos momentos, as experiências e os
saberes do professor o colocaram na condição de par mais experiente, fato que me
impulsionou a repensar e problematizar as minhas posições enquanto pesquisador e
também como educador. Da mesma forma, vejo que, em muitos casos, as nossas
101
intervenções também seguiram essa mesma metodologia, fazendo com que o professor
repensasse as suas práticas. Evidencia-se, dessa forma, o caráter crítico/dialético pertinente
à ZDP e à sessão reflexiva. É com esse espírito que encaminho esta pesquisa para as suas
considerações finais.
102
CAPÍTULO 4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta seção, apresento ao leitor algumas considerações finais relativas ao
desenvolvimento desta pesquisa. Primeiramente, retomo os objetivos e as perguntas de
pesquisa expostas na introdução deste trabalho. Posteriormente, comento os resultados
obtidos com a análise dos dados. Em seguida, teço alguns comentários relacionados às
contribuições deste estudo para a minha vida pessoal e profissional. Por fim, tento
identificar algumas lacunas que, no momento, não tivemos condições de preencher e que
poderão, possivelmente, ser estudadas por outros pesquisadores, servindo de objeto de
estudo para pesquisas ulteriores.
Os objetivos do presente estudo foram: (1) discutir criticamente a formação da
identidade discursiva de um professor de história, tendo como base as características
culturais, históricas e sociais inerentes à construção dessa identidade e as relações
estabelecidas entre o professor e os discursos hegemônicos presentes no campo
educacional; (2) refletir, problematizar e contestar as atuais correntes hegemônicas
inseridas no contexto geral da educação para, possivelmente, construir espaços de reflexão
crítica em que professor, estudantes e pesquisador repensem as suas práticas, objetivando
transformar os seus contextos de atuação.
A partir desses dois objetivos gerais, surgiram duas perguntas de pesquisa: (1)
Como se estrutura o discurso do professor frente à sua posição crítica diante dos discursos
hegemônicos presentes na educação em relação a: temas abordados; criação de espaços
de discussão crítica em sala de aula? (2) Como as sessões reflexivas podem se constituir
como espaços para que o professor repense as suas práticas?
Em relação à pergunta 1, recorremos, durante a análise dos dados, aos conteúdos
temáticos (Bronckart, 1999), objetivando entender o posicionamento discursivo adotado
pelo professor em sala de aula a partir das suas manifestações lingüísticas e das
representações inerentes à essas manifestações. Nesse sentido e de acordo com o nosso
ponto de vista, entendemos que o discurso adotado pelo professor, em diversos momentos,
assumiu uma posição crítica perante os discursos hegemônicos que surgiram durante as
103
aulas. Os temas que estavam relacionados ao racismo e à mídia de massa, por exemplo,
foram criticados dentro de uma base sócio-histórica que considera as relações políticas e de
poder imbricadas nesses temas. Nesse sentido, o levantamento dos conteúdos temáticos
contribuiu, sobremaneira, com as nossas reflexões.
O posicionamento crítico do professor perante alguns dos temas que emergiram
durante as aulas ocorreu por meio de uma relação dialética do docente com os seus alunos.
Nesse ponto, os turnos conversacionais e os tipos de perguntas discutidos por Macuschi
(2001) funcionaram como importantes categorias de análise lingüística que nos permitiram
verificar como que o professor, a partir dos recursos lingüísticos e discursivos que
mobilizava para fomentar as suas perguntas, envolvia os alunos nas discussões que estavam
ocorrendo dentro da sala de aula. Então, essa relação entre professor e alunos, mediada pela
linguagem, foi essencial para que o conhecimento de mundo dos estudantes fosse
considerado e enriquecido a partir do conhecimento científico do professor. Assim,
embasados na relação crítica entre conhecimento de mundo e conhecimento científico,
professor e alunos criaram, juntos e de forma dialética, aquilo que Vygotsky (2001) chama
de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
Dessa forma, durante as quatro aulas que foram analisadas, identificamos a criação
de espaços críticos de discussão que questionaram e problematizaram discursos
reacionários e hegemônicos que, atualmente, só servem aos interesses das classes
dirigentes. Portanto, consideramos que o discurso adotado pelo professor se posiciona de
uma forma crítica perante os discursos hegemônicos e cria, paralelamente, espaços de
discussão crítica em sala de aula.
Contudo, não queremos, de forma alguma, afirmar que todas as aulas foram
perfeitas e que falhas não ocorreram. Identificamos, sim, alguns problemas que, direta ou
indiretamente, prejudicaram o desenvolvimento qualitativo das aulas. É nesse ponto que a
nossa reflexão chama para o debate a pergunta de pesquisa 2 (Como as sessões reflexivas
podem se constituir como espaços para que o professor repense as suas práticas?).
Como disse anteriormente, no decorrer das 4 aulas e nas duas sessões reflexivas,
houve momentos embaraçosos que prejudicaram o possível bom andamento das discussões.
A falta de material e a ausência de organização em momentos específicos das atividades,
por exemplo, conturbaram ou mesmo não permitiram a criação de espaços críticos de
104
reflexão. Isso talvez tenha ficado mais claro durante o desenrolar da aula 1, em que a falta
do material mínimo necessário para o desenvolvimentos das atividades propostas pelo
professor foi um dos aspectos centrais que atrasaram a concretização de seus objetivos.
Muito tempo foi perdido em decorrência desse problema.
As observações tecidas anteriormente não são uma verdade imposta pelo
pesquisador nem, tampouco, são pontos de vista construídos unilateralmente por algum
“guardião da verdade”. São, sim, considerações elaboradas de forma colaborativa a partir
das sessões reflexivas em que pesquisador e professor, juntos, repensaram suas práticas
enquanto educadores no sentido de transformar os seus contextos de atuação. Dessa forma,
nossas crenças, valores, opiniões e representações foram discutidos e debatidos dentro de
uma zona de conflito cujo o objetivo era o de buscar soluções para os dilemas que
identificamos durante as aulas e, baseado na práxis revolucionária (Marx & Engels, 1998;
Freire, 1995, Newman & Holsman, 2002), transformar nossos contextos e,
conseqüentemente, transformar a nós mesmos, modificando, assim, aquelas antigas
posturas que não mais estavam contribuindo com o nosso desenvolvimento enquanto seres
sócio-históricos.
Acreditamos ser este fundamento (o da práxis revolucionária) um dos princípios
fundamentais que guiam as sessões reflexivas. Consideramos que as duas sessões reflexivas
que realizamos com o professor foram enriquecedoras tanto para um quanto para o outro,
visto que a relação dialética que entrelaçou nossas diferentes experiências criou, ao mesmo
tempo e de forma cíclica, o ambiente favorável em que teoria e prática puderam se
encontrar e dialogar entre si. Com isso, o debate constantemente evoluiu para níveis de
discussão qualitativamente superiores, criando, em muitos momentos, zonas de
desenvolvimento proximal. Então, podemos afirmar que, por intermédio dessa dialética,
pesquisador e professor aprenderam um com o outro e ensinaram um para o outro também,
pois como afirma Paulo Freire (1996: 26) “Não há docência sem discência” e:
Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo
socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram
que era possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que
ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era
possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos,
métodos de ensinar.
105
Esta é, para nós, uma bela síntese da práxis revolucionária descrita anteriormente.
Se retomarmos a nossa segunda pergunta de pesquisa, diremos que as sessões reflexivas
não só se constituíram como espaços para que o professor repensasse as suas práticas como
também criaram momentos para que o próprio pesquisador pudesse rever as suas posturas
filosóficas, teóricas e metodológicas no sentido de melhor se localizar como um sujeito
social inserido no ininterrupto movimento da história.
Para finalizar esta parte da seção, é importante lembrar que, semelhante à
pergunta de pesquisa 1, as categorias de análise de dados que utilizamos na pergunta 2
foram essenciais para que pudéssemos compreender as ações discursivas do professor, dos
alunos e do pesquisador. Assim, tivemos a oportunidade de cotejar, por exemplo, os
conteúdos temáticos gerados durante as sessões reflexivas com os principais fundamentos
teóricos adotados nesta pesquisa, fato que muito contribuiu com a compreensão e
superação dos problemas decorrentes das perguntas de pesquisa. Comento, agora, as
contribuições desta pesquisa para minha vida pessoal e profissional.
Conforme relatei no início deste trabalho, a minha experiência profissional, assim
como as experiências dos meus colegas de profissão, estavam imersas em uma série de
crises, sobretudo em relação ao universo político e social no qual a escola em que
trabalhávamos estava inserida. Desemprego, falta de serviços básicos de saúde e educação,
violência e tráfico de drogas eram os principais problemas que professores e alunos
enfrentavam no dia a dia. Acreditávamos com toda a sinceridade que poderíamos amenizar
um pouco os efeitos dolorosos oriundos desses sérios problemas se, ao menos,
trabalhássemos nos alunos aqueles saberes técnicos necessários para que os mesmos
conseguissem ingressar no mercado de trabalho. No entanto, não precisou passar muito
tempo para que nossas expectativas fossem frustadas diante daquele cenário político-social
que nunca se alterava, mas que, pelo contrário, parecia piorar a cada ano. Assim, muitos
professores não viam outra saída a não ser se conformar com a situação e tentar viver um
dia após o outro.
No meu caso, a frustração e o desânimo não foram menores ou menos dolorosos.
Pensava seriamente em mudar de profissão, visto que ainda era relativamente novo e tinha
chances reais de me especializar em uma outra área. Foi nesse ponto que tomei contato
com as obras de Paulo Freire, começando, dessa forma, a analisar aqueles mesmos dilemas
106
a partir de um ângulo qualitativamente muito diferente. Ao mesmo tempo em que estudava
essas obras, conversava com alguns professores da graduação sobre os meus problemas e a
relação desses problemas práticos com a teoria. Novas formas de analisar a situação foram
sendo construídas a partir desse movimento que era alimentado por um constante debate
entre teoria e prática, entre minhas conversas com os professores e os meu dilemas.
Em um determinado momento, quase no fim do curso de graduação, fui muito
incentivado pelos meus professores a prosseguir meus estudos em algum curso de pós-
graduação. Foi então que decidi me preparar para o mestrado e, em menos de um ano após
o término do curso de graduação, consegui ingressar no LAEL. A partir desse momento,
muitas coisas aconteceram. De uma forma resumida, posso dizer que a minha direta
relação com professores, alunos e pesquisadores bem como a participação em diversas
eventos e congressos contribuíram decisivamente com o desenvolvimento da minha ZDP.
As leituras, as aulas, os debates, os entendimentos e (por que não?) os
desentendimentos também me ajudaram a crescer muito como pesquisador, como educador
e como ser humano. Dessa forma, cada parte que compõe esta pesquisa foi fruto desse
enorme processo de reflexão. Tenho certeza que cada minuto que empreguei nessa
pesquisa me fez, de uma forma ou de outra, repensar o pouco tempo em que lecionei nas
escolas públicas. Confrontei muitas daquelas minhas experiências com as teorias que, no
mínimo uma vez por dia, me “obrigavam” a refletir, problematizar e repensar de forma
crítica sobre a minha vida profissional e pessoal e sobre os problemas por mim vivenciados
no tempo em que era professor do Estado.
Os capítulos que compõem esta pesquisa se debruçaram sobre um problema
específico que tem suas origens lá trás, dentro de uma sala de aula de escola pública.
Tentei, no decorrer desses dois anos, combater uma situação, a meu ver, de opressão e de
discriminação que contribui com a manutenção das iniqüidades sociais. O estudo de obras
ligadas à Pedagogia Crítica, à Lingüística Aplicada Crítica, à Filosofia, à Psicologia, por
exemplo, me auxiliaram nessa luta. As sessões reflexivas, a ZPD e a reflexão crítica,
conforme argumentei anteriormente, também me ajudaram a crescer. As minhas
experiências no grupo de pesquisa ILCAE igualmente contribuíram com o meu
crescimento.
107
Entendo que esta pesquisa contribui com a possível superação de um grave
problema. Vejo que tentamos nos unir a um grupo de pessoas que não aceitam os discursos
hegemônicos que aí estão. Nesse sentido, um passo a mais foi dado, por menor que seja,
algum avanço ocorreu. Tentamos discutir as maneiras pelas quais o poder econômico e
político das elites tenta legitimar e garantir a sua hegemonia através de uma série de
mecanismos ideológicos. Enfocamos, então, o papel exercido pela linguagem que tanto
pode contribuir com a manutenção dessa hegemonia excludente quanto lutar para a sua
possível superação. Assim, buscamos defender a idéia de que a linguagem do professor
pode se constituir como um mediador crítico na construção de discursos contra-
hegemônicos a partir da mobilização dos grupos que estão, atualmente, excluídos do
cenário político e econômico. Acreditamos, com isso, ter contribuído com a construção de
uma nova sociedade em que o olhar hegemônico da excludente economia capitalista de
mercado não seja visto como nossa única saída possível. Se acreditamos na força da
história como uma possibilidade não podemos aceitar mais esse fatalismo.
No entanto, reconhecemos que algumas lacunas para trás. Nesse momento,
gostaríamos de discutir as possibilidades de futuras investigações e pesquisas relacionadas
a essas lacunas. Em pesquisas futuras, poderemos analisar, por exemplo, os documentos
oficiais em que os discursos hegemônicos são difundidos e lapidados. Os PCNs e a
Legislação poderiam ser ótimas fontes de pesquisa e de geração de dados. Seria
interessante investigar a influência que esses documentos oficiais exercem sobre a escola e
sobre o trabalho dos docentes. O currículo adotado nas escolas bem como o material
didático utilizado poderão, igualmente, ser ótimas fontes para esse tipo de discussão no
qual o trabalho está inserido. Ainda em relação aos discursos hegemônicos, outro campo
importante que poderia ser investigado são os meios de comunicação de massa.
Certamente, são meios essenciais pelos quais os discursos dominantes garantem a sua
hegemonia.
Do ponto de vista da Lingüística Aplicada, poderemos nos valer das recentes
pesquisas desenvolvidas no campo de estudos que se debruça sobre as políticas lingüísticas
que estão sendo adotadas em determinados países. O caso da língua inglesa como política
lingüística de Estado, adotada por alguns países no sentido de tentar garantir a sua
108
hegemonia sobre os países mais pobres (conforme Rajagopalan, 2005) é um excelente
exemplo que ainda pode ser muito explorado.
Estudar os procedimentos pelos quais os discursos hegemônicos conseguem
penetrar na mente e nos corações dos sujeitos, dominando-os de uma forma muito sucinta e
sem despertar fortes suspeitas seria, também, uma grande idéia. Investigar, dessa forma,
como as representações dominantes são trabalhadas no nível do desejo, da somática, do
psíquico e do psicológico representaria um relevante progresso para os estudos da
linguagem. Enfim, são várias as possibilidades de investigação. Não foi possível neste
momento, infelizmente, abordar todos esses temas.
No entanto, entendemos que essa pesquisa não representa uma reflexão estática e
acabada. Por se tratar de uma investigação de caráter sócio-histórico, consideramos que
este trabalho está em constante movimento, visto que está inserido na dinâmica da
História. Sendo assim, não pára, está sempre se movimentando na direção do possível.
Tenho certeza, e fé, de que, quando digitar a última letra que comporá o texto desta
pesquisa, não estarei encerrando um trabalho acadêmico, mas, sim, começando um novo
ciclo de profunda reflexão. Pretendo, assim, continuar a aprofundar as idéias defendidas
até aqui, sempre na direção do amadurecimento. Sempre acreditei que crescemos a partir
dos nossos erros e contradições. Nesse sentido, tentarei incorporar nas pesquisas futuras
muitas das lacunas que descrevi anteriormente, seguindo sempre a convicção de que um
outro mundo é possível.
109
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