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provocou uma grande controvérsia e se celebrizou pela máxima a propriedade é um
roubo. Nele, Proudhon atualizou e começou a dar nova forma à palavra anarquia e ao
adjetivo anarquista, no sentido de uma afirmação de si diante do governo sobre si. Em
uma conhecida passagem de seu livro Idée générale de la révolution au XIXe siècle,
publicado em 1851, Proudhon situa o que, para ele, é ser governado:
“Ser governado significa ser vigiado, inspecionado, espiado,
dirigido, valorado, pesado, censurado, por pessoas que não têm o
título, nem a ciência, nem a virtude. Ser governado significa, por
cada operação, cada movimento, cada transação, ser anotado,
registrado, listado, tarifado, carimbado, apontado, coisificado,
patenteado, licenciado, autorizado, apostrofado, castigado,
impedido, reformado, alinhado, corrigido. Significa, sob o pretexto
da autoridade pública, e sob o pretexto do interesse geral, ser
amestrado, esquadrinhado, explorado, mistificado, roubado; ao
menor sinal de resistência, ou a primeira palavra de protesto, ser
preso, multado, mutilado, vilipendiado, humilhado, golpeado,
reduzido ao mínimo sopro de vida, desarmado, encarcerado,
fuzilado, metralhado, condenado, deportado, vendido, traído e
como se isso não fosse suficiente, desarmado, ridicularizado,
ultrajado, burlado. Isto é o governo, esta é a sua justiça, esta é a sua
moral” (Proudhon, 2003: 10).
Proudhon foi “o primeiro a utilizar o termo anarquismo no sentido de
consolidação da liberdade e da igualdade a partir da dissolução dos governos” (Passetti
e Resende, 1986: 13). Segundo Horowitz, a expressão anarquia foi positivada em
Proudhon, numa afronta à acepção a ela vinculada desde os autores contratualistas: “o
anarquismo positivo, a anarquia como afirmação, significa, a ‘internalização’ de normas
de conduta em grau tão elevado que elimina por completo a necessidade de coação
externa” (1990: 14). O autor destaca que o tema da “conduta” remete à questão do
autogoverno ou da autogestão, da resistência a todo governo exterior — heterogestão
— pela afirmação da liberdade que se conquista pelo governo de si e pela livre
associação entre indivíduos. Com isso, Proudhon conferiu ao termo anarquia —
composto a partir do grego pelo prefixo de negação an acompanhado de arkhé, governo,