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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PEREGRINOS PÓS-MODERNOS: A PERMANENTE BUSCA DO SAGRADO NO
UNIVERSO DA NOVA ERA
AZIZE MARIA YARED DE MEDEIROS
GOIÂNIA
2007
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
PEREGRINOS PÓS-MODERNOS: A PERMANENTE BUSCA DO SAGRADO NO
UNIVERSO DA NOVA ERA
AZIZE MARIA YARED DE MEDEIROS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião
da Universidade Católica de Goiás, para
obtenção do grau de Mestre.
Orientadora: Prof. Dra. Zilda Fernandes
Ribeiro
GOIÂNIA
2007
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3
4
Aos meus pais,
Azize e Manoel, que me
ensinaram a amar os livros.
In Memoriam
5
A Maria Rita e Tiago, cuja amorosidade e presença
constantes me trouxeram de volta à vida.
Ao pequenino Arthur (e seus pais Sergio e Elaine) cujo
nascimento iluminou meu renascimento. E a Celina: minha
força on-line.
Aos queridos amigos Adriane, Claudomilson, Nilton,
Lídia, Yael, Célia d’Arc, Marta, Elane, Lu e Aracy, que não me
permitiram desistir.
À professora Carolina Teles Lemos, que me convenceu
a não interromper o mestrado, apesar do grave “acidente de
percurso”.
Aos demais professores, colegas e secretária Geyza
Pereira, pelo apoio constante em todas as circunstâncias.
À minha orientadora, Zilda Fernandes Ribeiro cujo
amparo nos momentos mais difíceis transcendeu as funções
meramente acamicas.
À minha família, que, mesmo distante, esteve presente
nos momentos certos e sempre no meu coração.
Finalmente, ao Dr. Juarez Antônio de Sousa e Dra.
Patricia Amorim, por, em diferentes momentos, salvarem minha
vida.
6
Aquilo que quase poderíamos chamar de
cegueira sistemática resulta do preconceito
que considera a divindade exterior ao
homem.
(C.G.Jung)
7
RESUMO
MEDEIROS, Azize Maria Yared de Peregrinos Pós-modernos: A Permanente Busca
do Sagrado no Universo da Nova Era. Dissertação (Mestrado) Universidade
Católica de Goiás, 2007.
Este trabalho teve por objetivo investigar o permanente processo de buscar o
sagrado, via experimentação, no universo do Movimento Nova Era. Pretendeu
tamm investigar as causas do surgimento desse fenômeno em meio à sociedade
ocidental racionalista. Para tanto, buscou-se esclarecer a relação entre uma
sociedade altamente científica, tecnológica e informativa e um Movimento que
procura viver uma experiência mística corporal e emocionalmente fora do espaço
das grandes religiões organizadas. Investigou-se como foi construído o pensamento
racionalista do ocidente, suas influências nas religiões e de que modo estabeleceu-
se o que chamamos de pós-modernidade. Foi possível analisar de que maneira o
Movimento se insere no contexto das sociedades contemporâneas, globalizadas e
pluriculturais. A investigação mostrou que se trata de um Movimento de
peregrinação, urbano, sem espaço fixo, cujo objetivo principal é o próprio processo
de buscar. Os resultados indicam ser esse um Movimento que contém
implicitamente, em seu bojo, a proposta de viver uma epistemologia que reconhece
as emoções e as sensações corporais como a base necessária para obter
conhecimento e atribuir significado ao mundo. O Movimento Nova Era revelou-se
construtor de uma ontologia pós-moderna, em que o Ser é definido sobretudo pelo
sentir.
Palavras-chave: Nova Era, sagrado, experimentação, ocidente, racionalismo,
epistemologia.
8
ABSTRACT
MEDEIROS, Azize Maria Yared de Post-modern Pilgrims. The Permanent Search
for the Holy within New Age’s Universe. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Católica de Goiás, 2007.
The objective of this study is to investigate the permanent process of searching for
the holy through experience within New Age’s context. It also tried to look for the
causes of the beginning of that phenomenon in the rationalistic western society. It
was tried to clarify the relationship between a highly scientific, technological and
informative society and a Movement that aims to live a mystical bodily and
emotionally experience outside conventional religions. It was also studied how
western rationalistic thought was built, its influences in religions and in which way it
was established in the world what we call post-modernism. It was possible to analyze
how this Movement fits in global and pluricultural contemporaneous societies. The
study showed that this is an urban peregrination Movement without a settled place
keeping as the main goal the own search itself. The results indicate that this
Movement has within its essence the proposal of living according to an epistemology
that accepts emotions and body sensations as the necessary basis to obtain
knowledge and give meaning to the world. The New Age Movement has revealed
itself as a constructor of a post-modern ontology where Being is defined especially
by feelings.
Key words: New Age, holy, experience, western society, rationalism, epistemology.
9
SUMÁRIO
RESUMO 7
ABSTRACT 8
1 INTRODUÇÃO 10
2 A CONSTRUÇÃO DA RACIONALIDADE 17
2.1 A Intensificação da Racionalidade Religiosa ................................................ 27
3 MODERNIDADE: CONSOLIDAÇÃO DA RACIONALIDADE 33
3.1 Incerteza e Desencanto: A Pós-modernidade ............................................... 41
4 HIBRIDISMOS E PLURALISMOS CULTURAIS: O BERÇO DA NOVA ERA 48
4.1 Origens, Atividades, Locais e Perfil dos Praticantes ................................... 62
5 A ESPIRITUALIDADE CORPORIFICADA DA NOVA ERA 72
5.1 Mythos e Logos no Universo da Nova Era .................................................... 80
5.2 A Atraente Irracionalidade do Sagrado ......................................................... 88
5.3 Corpo: Guardião do Sagrado ......................................................................... 96
5.4 O Desvelamento do Feminino ...................................................................... 106
6 CONCLUSÃO 115
REFERÊNCIAS 120
10
1. INTRODUÇÃO
Os grupos da Nova Era vêm-se destacando desde os anos setenta (século
XX), no ocidente, como um movimento cujas características o relacionam
especificamente aos aspectos do sagrado. Por esse motivo tem sido descrito na
literatura como um movimento que apresenta formas de religiosidade inerentes à
contemporaneidade, o que o levou a ser caracterizado por alguns autores como um
fenômeno de religiosidade pós-moderna. Pesquisá-lo pode nos auxiliar a conhecê-
lo melhor e, portanto, compreender não somente a relação do ser humano urbano,
fruto de uma sociedade altamente tecnológica, informatizada e em constante
transformação, com o sagrado, mas também conhecer o ethos específico que
mantém esses grupos coesos e os faz compartilhar as mesmas buscas de
experimentação do numinoso.
Embora o período de grande expansão da Nova Era tenha ocorrido nos anos
oitenta, ainda hoje a sua influência se manifesta em vários setores da cultura
ocidental, estando bastante presente, em especial, nos campos da psicologia,
ambientalismo e educação.
Esse movimento tem-se apresentado como uma reação ao racionalismo
científico da sociedade contemporânea como uma verdadeira sublevação, no
contexto da modernidade, contra o monopólio da intelectualização metafísica nas
religiões tradicionais.
Parece-nos bastante importante investigar as razões que levam grupos de
pessoas a optarem por uma busca do sagrado fora de templos, igrejas ou seitas
tradicionalmente estruturadas. Essa busca se torna complexa quando identificamos
11
os seus componentes subjetivos como fundamentos essenciais do que parece ser
um renovar ontológico. Desse modo, o Movimento Nova Era nos conduz a uma
epistemologia mais complexa e abrangente que reconhece a importância do sentir e
ignora de forma bastante acentuada os parâmetros da lógica racionalista.
A busca de experiências do sagrado se caracteriza nesse movimento como
sendo essencialmente um tipo de busca que envolve experiências de alteração e
expansão da consciência. Trata-se literalmente de um movimento para romper os
limites racionalistas impostos pela modernidade, num esforço de ressignificação da
vida e consolidação da busca de sentido.
Acreditamos, como Mircea Eliade (1992), que o ser humano é movido por
uma sede ontológica que o encaminha para experiências sagradas, as quais lhe
permitem atribuir significados à vida. Em meio a múltiplas experiências, não existe
preocupação com a coerência; o compromisso do “nova-erista”
1
é o permanente
processo de buscar. Daí podermos chamar tais grupos de peregrinos pós-
modernos, pois o constante mover-se de experiência em experiência acaba
tornando-se uma peregrinação mística, orientada para o encontro com o sagrado,
por meio de sentimentos, emoções e sensações corporais diversas.
Importa-nos compreender de que modo o indivíduo urbano, de alta
escolaridade e nível econômico elevado, mescla ciência e tradição; como suas
experiências podem unir formas arcaicas de espiritualidade com modernas técnicas
terapêuticas sem incorrer em contradição. Essas experiências, entretanto,
demonstram um profundo reconhecimento da abrangência do fenômeno religioso na
complexidade da vida.
1
O termo “nova-erista” é utilizado pela autora apenas para identificar os seguidores do Movimento
Nova Era.
12
Percorremos anos de discussões acadêmicas sobre a secularização e o
estabelecimento definitivo de uma sociedade laica, acompanhadas de inúmeras
previsões sobre o desaparecimento da religião. Foram muitas as argumentações a
respeito da “dessacralização” do mundo, do acirramento de uma postura racionalista
que teria aprofundado de maneira irreversível o dualismo psicofísico que se instalou
no pensamento e na alma do indivíduo ocidental a partir de Descartes.
O rigor do paradigma comtiano, que reduz a metafísica ao campo das
especulações incapazes de serem sustentadas por critérios científicos; o
desenvolvimento da psicanálise, com sua avaliação profundamente negativa sobre o
sentimento religioso; as análises marxistas sobre o papel alienante da religião; e a
sociologia weberiana, que expôs de forma contundente o crescimento acelerado do
racionalismo e o conseqüente desencanto do mundo, tudo isso parecia confirmar a
possibilidade de desaparecimento da religião e a instauração definitiva de um mundo
científico, mecanizado e massificado no ocidente.
Todas as previsões, no entanto, mostraram-se incompatíveis com a realidade.
O século XXI apresenta um crescimento acelerado de novas igrejas, novas seitas e
diferenciadas abordagens do fenômeno religioso.
Como diz Sanchis (2006, p. 63), “A secularização pode não expulsar o
fenômeno religioso do elenco de valores vigentes na conscncia do homem
moderno, mas ela vem transformar a concepção e a vivência do que este homem
chama de religião.”
A sociedade a que chamamos pós-moderna, portanto, não enterrou a religião,
mas certamente redimensionou o papel da racionalidade nas metafísicas modernas
e restabeleceu a importância do aspecto irracional do fenômeno religioso (é aqui que
13
a linguagem do Movimento Nova Era se manifesta inteiramente), mostrando que a
experiência mística pode e deve fazer parte do cotidiano multiculturalista do
ocidente. Parece-nos impossível que as religiões acabem, portanto, por serem elas
parte essencial das visões de mundo.
Os integrantes da Nova Era demonstram, por meio de suas caminhadas, que
persiste no ser humano ocidental um desejo veemente de experienciar uma
totalidade resultante da autotranscendência a realização da busca ontológica de
sentido.
Desse modo trataremos inicialmente da construção da racionalidade e do seu
desenvolvimento ao longo da história do pensamento ocidental; em seguida
discorreremos sobre a maneira como essa racionalidade se consolida e estrutura a
modernidade no ocidente. Veremos ainda como surge o Movimento Nova Era, fruto
das sociedades pluralistas e globalizadas. Procuramos enfatizar em nossa
investigação as características da busca de sentido empreendida por uma
espiritualidade individualista e autônoma, que, por meio da experimentação, alia
sensações corporais a sentimentos e emoções, construindo, assim, uma relação de
imanência com o sagrado.
Nessa abordagem serão coletadas informações por meio de referências
bibliográficas, como: obras literárias cssicas e contemporâneas, artigos científicos,
dissertações de mestrado, teses de doutorado e publicações específicas do
Movimento Nova Era, obras e autores de referência desse Movimento, bem como
folders, panfletos de divulgação de seus espaços de encontros experienciais, além
de sites na internet.
14
Por acreditarmos que o fenômeno Nova Era surgiu em decorrência do
dualismo racionalista presente em toda modernidade, adotaremos um procedimento
histórico comparativo, a fim de compreendermos cronologicamente os caminhos
percorridos pelo pensamento ocidental que possam ter relação com as
manifestações específicas da Nova Era. Torna-se necessário investigar nas origens
da filosofia, em meio às discussões epistemológicas da metafísica e ontologia, o
arcabouço teórico capaz de esclarecer a itinerância “nova-erista” em busca do
sagrado.
Esta pesquisa, essencialmente bibliográfica, estabeleceu como critério inicial
de referência a necessidade de primeiro compreender os conceitos empregados
habitualmente pela Nova Era.
O conceito de sagrado que norteou toda a pesquisa reside no livro - hoje um
clássico - de Rudolf Otto, O Sagrado. Isso porque a grande preocupação de Otto foi
exatamente analisar os aspectos não-racionais da experncia religiosa. Essa “não-
racionalidade” ou “irracionalidade”, como mencionaremos algumas vezes,
caracteriza de forma muito específica as experiências descritas pelos peregrinos da
Nova Era. Importa-nos descobrir não somente o que esse Movimento chama de
sagrado, mas também a razão pela qual deseja viver o mysterium tremendum e
apreender o significado das suas formas de expressão simbólica.
Utilizamo-nos de outros clássicos (Weber, Durkheim, Eliade e Mauss) para
esclarecer os conceitos de racionalismo, magia, desencantamento e a própria
relação sagrado/profano, por acreditarmos que somente a partir dessa
fundamentação inicial poderemos apreender o próprio processo de experimentação
dos integrantes da Nova Era.
15
Quanto à temática Nova Era como fenômeno social urbano, a nossa
investigação nos remete especificamente aos trabalhos de Leila Amaral, antropóloga
da Universidade Federal de Juiz de Fora, e de José Guilherme Magnani, antropólogo
da Universidade de São Paulo, com pesquisas desenvolvidas sobre o Movimento no
Brasil, embora Amaral apresente também análises do mesmo fenômeno na
Inglaterra. Pesquisamos ainda o trabalho de Maria del Rosario Contemponi
(antropóloga social da Universidad Nacional de Missiones), que se refere à
Argentina e cone sul; Aldo Natale Terrin (antropólogo e fenomenólogo da religião,
professor da Universidade de Milão), focalizando Itália e realidade européia em
geral; e Paul Heelas (professor de Religião e Modernidade da Universidade de
Lancaster, na Inglaterra), com seu amplo e profundo estudo sobre origens e
características da Nova Era na Inglaterra e Estados Unidos.
Quanto aos Estados Unidos, praticamente o berço da Nova Era, a pesquisa
teve como enfoque os autores ligados ao Instituto Esalen, na Califórnia, considerado
centro de referencial teórico e científico do Movimento, como Stanislav Grof, Gregory
Bateson, Charles Tart, Richard Tarnas e Fritjof Capra. Acrescentaremos também o
olhar de Ken Wilber sobre os temas abordados, por manter-se independente e mais
crítico em relação ao grupo de Esalen.
No que se refere especificamente a técnicas de experimentação, que
proporcionam o encontro com o sagrado, focalizaremos os resultados e conclusões
de pesquisas de Grof e Wilber, vistos atualmente como os grandes teóricos da
psicologia transpessoal, esta mesma o sustentáculo dos processos de imanência da
Nova Era.
16
A experimentação que, enquanto processo de busca do sagrado, nos remete
à corporalidade será estudada conforme análises encontradas em Marcel Mauss e
no próprio Eliade.
Com relação à modernidade, buscamos em Weber os fundamentos do
racionalismo teórico religioso e seus desdobramentos, como a perda de sentido do
mundo e a desmagificação.
Os sociólogos Anthony Giddens (Inglaterra), Peter Berger (Estados Unidos) e
Ulrich Beck (Alemanha) oferecem análises bastante atuais para a compreensão da
sociedade contemporânea e das conseqüências da pós-modernidade na vida
pessoal e religiosa do ser humano ocidental.
Deveremos manter como pano de fundo da nossa investigação do fenômeno
Nova Era os referenciais da filosofia ocidental, mais particularmente o ontologismo
agostiniano.
Apresentaremos como subsídios para nossa hipótese alguns textos extraídos
de O Curso em Milagres, da Foundation For Inner Peace, considerado por muitos a
“Bíblia” do Movimento e fonte de consulta dos grandes autores de livros de auto-
ajuda, fenômeno editorial característico dos nova-eristas. Também abordaremos os
estudos de Marilyn Ferguson, A Conspiração Aquariana, aceita por muito autores
como a obra que representa o marco inicial da Nova Era como movimento de massa
nos Estados Unidos e ainda hoje uma referência nas discussões críticas sobre
mudança de paradigma na ciência ocidental.
17
2.A CONSTRUÇÃO DA RACIONALIDADE
Acreditamos ser de grande importância para a compreensão mais precisa
desta pesquisa elaborar um breve estudo sobre a relação ciência e religião ao longo
da história. Nosso objetivo consiste em priorizar uma abordagem epistemológica que
revele de que maneira o conhecimento humano se construiu e que papel atribuiu à
transcendência diante de uma racionalidade cada vez mais crescente. Na
investigação entraremos naturalmente em contato com questões referentes aos
conceitos de profano e sagrado e, conseqüentemente, com a dicotomia
espiritualismo e racionalidade, que aponta o cerne da discussão sobre o permanente
processo de experimentação dos integrantes da Nova Era.
Ao pesquisar a história do pensamento do ocidente, podemos constatar que
até o início do século XIII, no período medieval, as idéias se apoiavam em teorias
platônicas e neoplatônicas vinculadas ao pensamento das tradições cristãs.
Somente mais tarde, do século XIII em diante, instala-se definitivamente a influência
de Aristóteles.
Podemos, portanto, sintetizar a filosofia clássica em duas grandes vertentes:
a teoria platônica e a teoria aristotélica. Para os fins de interesse desta pesquisa,
apresentaremos as idéias de Platão e Aristóteles concernentes apenas ao tema
abordado.
Platão é quem estabelece a grande síntese do pensamento de seus
predecessores. Assegura a existência da imortalidade da alma e do mundo material
como obra de um ser divino. Afirma que o mundo material é apenas uma cópia
imperfeita de um outro mundo: o mundo das idéias, formas incorpóreas, imutáveis,
eternas e transcendentes. As sensações obtidas pelos nossos sentidos, como fazem
18
parte desse mundo imperfeito, não nos podem oferecer um conhecimento
verdadeiro. Para obter o verdadeiro conhecimento, precisamos relembrar, porque
como alma tivemos acesso à realidade transcendente, a verdadeira realidade.
Para Platão aprender é recordar. Segundo Mondolfo (1967, p. 256), Platão
transformou o método socrático da maiêutica em uma teoria do conhecimento que
implica em si uma teoria do ser:
um mundo espiritual eterno (idéias e alma) acima do mundo material.
São mundos opostos; mas, não obstante, são justamente as coisas
sensíveis que nos despertam a lembrança das idéias, porque são suas
sombras, além das quais não sabe ir quem permanece prisioneiro da
percepção sensível, encerrado no corpo como em uma escura caverna;
mas atrás delas o filósofo vê a realidade, e a luz do mundo ideal
(MONDOLFO, 1967, p. 256).
para Aristóteles o mundo concreto não deveria jamais ser negligenciado;
para ele, era possível conhecer objetivamente, por meio do intelecto, a realidade
física. Opondo-se ao idealismo platônico, Aristóteles desenvolve um realismo
fundamentado na certeza de que o universo é um todo ordenado segundo leis
constantes e imutáveis. “Essa ordem imutável e eterna rege não os fenômenos
da natureza como tamm os de ordem política, moral ou estética.” (REZENDE,
1989, p. 58). Para Aristóteles, portanto, era impossível que um mundo de objetos
concretos, perceptíveis pelos sentidos humanos, tivesse sua base real em um
mundo transcendente. Diferentemente de Platão, para quem a ciência que melhor
caracterizava suas investigações era a matemática abstrata, principalmente a
geometria, Aristóteles considerava o que seria hoje a biologia orgânica, com suas
observações dos processos de desenvolvimento e crescimento da natureza, como a
melhor forma de obter conhecimento. Conforme Tarnas,
[...] Aristóteles deu continuidade e formulou uma nova definição para a
concepção platônica de um Cosmo ordenado e possível de ser conhecido
pelo ser humano. Em essência, Aristóteles realinhou a perspectiva
arquetípica de Platão de um enfoque transcendental num mundo físico com
seus padrões e processos empiricamente observáveis [...] O universo de
19
Aristóteles possuía uma notável consistência lógica em toda sua complexa
estrutura multifacetada [...] Bastante distinta do idealismo de Platão em sua
ênfase na necessidade de intuições imediatas de uma realidade espiritual, a
maior parte da filosofia de Aristóteles era nitidamente naturalista e empirista
[...] se Platão empregava a razão para superar o mundo empírico e
descobrir uma ordem transcendental, Aristóteles empregava a razão para
descobrir uma ordem imanente no próprio mundo empírico. Assim, no
legado aristotélico predominava a lógica, o empirismo e a ciência natural.
(TARNAS, 2002, p. 78-84)
Até o início do século XIII, período marcado mais particularmente pela
influência de Santo Agostinho, embora trazendo alguns sinais de racionalidade, todo
o conhecimento mantinha-se atrelado à transcendência platônica. Santo Agostinho
distinguiu três níveis de conhecimento, conforme Saranyana:
No nível mais baixo, e na medida em que possa ser chamado de
conhecimento, situa-se a “sensação”, que é comum tanto ao homem como
aos brutos. O vel mais alto do conhecimento, peculiar ao homem, é a
contemplação das coisas eternas (“sabedoria”) pela mente, sem
intervenção da sensação. Mas entre esses dois níveis há uma espécie
intermediária, na qual a mente julga os objetos corpóreos de acordo com
modelos eternos e incorpóreos [...] as coisas ou verdades eternas, que o
homem conhece somente por meio da inteligência, sem intervenção dos
sentidos, tornam-se viveis para a inteligência por meio de uma “luz divina”
que, procedendo de Deus, capacita a mente humana para que veja as
características da imutabilidade e necessidade das idéias eternas,
imprimindo ao mesmo tempo essas idéias na alma.(SARANYANA, 2006, p.
77).
Embora a epistemologia agostiniana apresentasse elementos que lembram
tanto o platonismo (as idéias eternas) quanto o neoplatonismo plotiniano (a luz
divina), como teólogo imbuído do conceito do Deus bíblico e cristão fundamentou
toda sua teoria do conhecimento na fé.
A importância de Santo Agostinho para a nossa pesquisa reside no fato de ter
sido ele quem realmente transmitiu para a Idade Média as culturas greco-romana e
judaico-cristã e buscou explicar as relações entre razão e fé.
Como diz Saranyana (2006, p. 71) a esse respeito, “[...] baseado sobretudo no
neoplatonismo de Plotino, proclamava a supremacia do espírito humano sobre a
natureza, e de Deus sobre o espírito humano.” Mas divergiu dos neoplatônicos ao
20
afirmar que o mal não estava na matéria, pois que essa era criação de Deus e,
portanto, boa. O mal consiste no uso equivocado que o homem faz do seu livre-
arbítrio e no ato de afastar-se de Deus. Agostinho retoma o neoplatonismo ao
incentivar a ascensão espiritual individual, voltada para o interior, subjetiva
(TARNAS, 2002). Para ele o objetivo da vida humana é a felicidade, que depende,
em essência, da busca do conhecimento, o que nos levará ao encontro de Deus,
porque somente Deus é a sabedoria suprema. E ser feliz é estar pleno da luz divina.
O ontologismo agostiniano se manifesta desta maneira: o ser humano possui
uma intuição direta de Deus. O conhecimento deriva da iluminação divina no
intelecto. Essa tese, que associa revelação e tradição, será retomada pelos
românticos no início do século XIX, em oposição ao psicologismo cartesiano da
sociedade moderna.
A partir de meados do culo XIII, a teoria aristotélica passou a exercer maior
influência sobre os pensadores da época, tornando-se, a partir da escolástica com
Santo Tomás de Aquino, verdade religiosa incontestável. Podemos afirmar que as
idéias aristotélico-tomistas forneceram as bases iniciais da ciência ocidental e a
mantiveram, por um longo tempo, vinculada ao campo religioso.
A grande divergência epistemológica entre Agostinho e Tomás de Aquino é
que, para o aquinate, o princípio do conhecimento humano se “[…] origina na
faculdade da alma que chamamos inteligência, e não na iluminação divina”, como
queria Agostinho (SARANYANA, 2006, p. 319). Aqui começa a esboçar, de forma
mais contundente, o início da ênfase ao papel da razão na obtenção do
conhecimento, embora ainda percebida como uma faculdade derivada de Deus.
Desse modo a filosofia, a partir da interpretação de Tomás de Aquino sobre
21
Aristóteles, manteve-se subordinada à teologia. A teoria aristotélica se constitui em
uma das bases da cultura cristã.
Nesse período a Europa estava totalmente cristianizada e a Igreja se tornara
a grande autoridade espiritual e intelectual. Seus intelectuais puderam dedicar-se
aos estudos dos antigos manuscritos clássicos, obtidos principalmente no contato
com os impérios bizantino e islâmico. É indiscutível a importância que as filosofias
árabes e judaicas tiveram na leitura e interpretação de Aristóteles. Gilson (1995, p.
465) mostra que já em meados do século XII o arcebispo de Toledo manda traduzir
e incentiva a tradução, para o latim, das obras de Aristóteles, que haviam sido
traduzidas do grego para o siríaco e deste para o árabe.
De grande importância para o desenvolvimento das ciências como as vemos
hoje foi a fundação das primeiras universidades: Oxford, Toulouse e Paris. Essa
última, segundo Gilson (1995, p. 477), “a mais antiga e mais célebre das grandes
universidades medievais, mantinha, desde seus primeiros anos, a obrigatoriedade
da leitura de Aristóteles e de seus comentadores árabes”. Isso, no entanto, não
impediu que, embora a Metafísica de Aristóteles continuasse sendo ensinada,
fossem proibidos a sua Física e todos os seus livros de ciência natural. O grande
receio das autoridades eclesiásticas era a possibilidade de as interpretações sobre o
mundo físico aristotélico serem vinculadas ao panteísmo. Mas a larga disseminação
dos escritos de Aristóteles não podia ser impedida, pois, para contestá-los, os
teólogos precisavam conhecê-los. o as universidades, mas também as
grandes ordens religiosas se empenharam nas interpretações de Aristóteles. Para a
ordem dominicana, cujo maior nome é Tomás de Aquino,
Aristóteles não é mais aceito por necessidade e como que tolerado: sua
influência se exerce no próprio cerne da doutrina e não nenhuma de
suas partes em que não se faça mais ou menos sentir [...] o formidável
22
sucesso do tomismo se deve precisamente ao fato de ter sabido extrair do
caos das novas idéias o remédio específico aos perigos que apresentavam.
(GILSON p. 480).
Houve, porém, um grupo de filósofos, segundo Gilson (1995, p. 481),
influenciados pela interpretação literal do árabe Averróis sobre Aristóteles, “que se
situavam fora do movimento teológico e se recusavam a conciliar filosofia com
religião”. Também outros assim procederam, muito influenciados pelos árabes, e
bem antes do renascimento iniciaram um movimento em direção às ciências
naturais. Dentre eles, o principal representante foi Roger Bacon. Com ele Oxford se
transformou num foco ativo de especulações científicas, cuja influência veio a se
tornar o ponto de partida da filosofia experimental no século seguinte.
Desse modo a oposição Platão/Aristóteles, reiterada na oposição Santo
Agostinho/Santo Tomás de Aquino, caracteriza uma dualidade epistemológica que
se prolongou pelos anos seguintes, podendo ser traduzida literalmente como: para
os platônicos e neoplatônicos, o conhecimento é transmitido pela luz divina, pela
revelação; e para os tomistas, o conhecimento é transmitido pela luz da razão. A
última, sustentada pela força intelectual da filosofia aristotélica.
Em conseqüência da permanente discussão medieval sobre razão e fé,
natureza e espírito, diz-nos Tarnas (2002, p. 200) que “Tomás de Aquino, seguindo
os passos de seu Mestre Alberto Magno, estabelece com clareza a distinção entre o
conhecimento derivado da teologia e o conhecimento derivado da ciência”.
Conforme o mesmo autor (2002, p. 207), Tomás de Aquino utiliza conceitos
platônicos para aprofundar Aristóteles e princípios aristotélicos para elucidar Platão”.
É, portanto, Tomás de Aquino quem oferece a possibilidade de uma teoria de
complementação dos dois grandes filósofos gregos.
23
Em termos epistemológicos e ontogicos, essa foi a herança transmitida aos
séculos seguintes, permeando todas as discussões da intelectualidade do
renascimento. um reconhecimento geral de que o renascimento representou um
importante momento de transição para a cncia moderna.
Alguns fatores (TARNAS, 2002, p. 247) criaram verdadeiras situações
apocalípticas e de profundo caos social e econômico na Europa da época, como “a
peste negra, que dizimou um terço da população; a guerra dos cem anos entre
França e Inglaterra; invasões e lutas internas, que devastaram a Itália”; conspirações
eclesiásticas e assassinatos apoiados pelo próprio Papa; ameaça de invasão de
hordas turcas, fome, miséria; decadência da própria Igreja, que parecia desprovida
de integridade espiritual. Esse cenário catastrófico aliado à ousadia de pensadores
humanistas, que se recusavam a aceitar a visão de mundo tradicional, e às grandes
invenções técnicas serviu de base para o estabelecimento da abordagem científica
do mundo.
O pensamento tomista-aristotélico passou a ser criticado desde o século XIV.
A filosofia e a ciência não admitiam mais serem submetidas ao discurso teológico.
Como afirma Woortmann (1997, p.18), “[…] se a síntese aristotélico-tomista fundava-
se na razão, ela impunha os limites do dogma.”
Quatro invenções técnicas, porém, segundo Tarnas (2002, p. 247), “foram
fundamentais para o desenvolvimento da ciência e da visão de mundo modernas” :
a) a bússola magnética, que permitiu as grandes navegações; b) a pólvora, que
contribuiu para o fim da ordem feudal e para a ascensão do nacionalismo; c) o
relógio mecânico, que transformou a relação do homem com a natureza, o tempo e
o trabalho; d) por último a imprensa, que aumentou o aprendizado e a alfabetização
24
de um mero cada vez maior de pessoas, tornando acessível a leitura de obras
clássicas e modernas, enfraquecendo o monopólio do conhecimento, anteriormente
nas mãos do clero. Isso foi possível graças às traduções de tais obras para o
idioma vernáculo, abolindo o conhecimento restrito do latim.
não era mais possível utilizar a ciência para confirmar a fé, como teria
sido o objetivo da filosofia escolástica de Tomás de Aquino ao incentivar a
investigação científica fundamentada em Aristóteles. ‘A secularização do
ensino e, com ele, do pensamento científico alcança todos os domínios do
saber [...] (WOORTMANN, 1997, p. 21).
Esse fato provocou uma verdadeira revolução científica no século XVII,
ocasionando uma ruptura definitiva com o mundo antigo e o medieval e inaugurando
o início da era moderna. Nomes como Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes,
Newton, Francis Bacon e Locke fundaram as bases do moderno pensamento
científico.
O cogito cartesiano penso, logo existo” inaugura o dualismo psicofísico, a
divisão do mundo em pensamento (res cogitans) e matéria (res extensa) e tem como
conseqüência a divisão corpo-espírito, homem-natureza, sujeito-objeto. Ao buscar a
forma correta de obter conhecimento, Descartes transforma a dúvida (“só não posso
duvidar que duvido”) em método; e ao priorizar o pensamento do sujeito (intelecto)
sobre o objeto, ele consolida o racionalismo.
O físico Isaac Newton (1642-1727) elabora a teoria da gravitação universal, o
que possibilita a construção da primeira teoria científica na ciência moderna. O
homem e a natureza assemelham-se a máquinas, cujos mecanismos são regidos
por leis que precisam ser descobertas. Segundo Tarnas (2002), a grande
contribuição de Newton foi sintetizar a filosofia mecanicista de Descartes, as leis dos
movimentos planetários de Kepler e as leis do movimento terrestre de Galileu numa
25
teoria abrangente. “A cosmologia newtoniano-cartesiana estava agora estabelecida
como fundamento de uma inovadora visão de mundo.” (TARNAS, 2002, p. 293).
Ao mecanicismo e racionalismo iria juntar-se o empirismo, basicamente de
origem inglesa, que enfatiza o papel preponderante da experncia sensível no
processo de conhecer.
O século XVII, portanto, desenvolve uma epistemologia dividida entre
racionalismo e empirismo. no culo XVIII o Iluminismo, mantendo o racionalismo
cartesiano, propõe criar um novo modelo de homem: aquele que deve dominar a
natureza em vez de contemplá-la. Nesse período as idéias liberais proliferaram.
Discutiram-se leis naturais de distribuição de riquezas, com a ascensão da classe
burguesa, que busca gerar seus próprios negócios e encontrar seu espaço no poder;
a naturalização da moral, preconizada por Rousseau em seu projeto pedagógico; e a
religião natural, que critica dogmas e fanatismos e redescobre o deus dos filósofos,
o criador do universo, sem rituais ou cultos. É o século das revoluções burguesas e
movimentos de emancipação, que modificam completamente a estrutura social e
política da França, Inglaterra e Estados Unidos.
A grande expressão intelectual desse período foi Kant, cujo criticismo busca
resolver a dicotomia racionalismo-empirismo. Para Kant o mundo não é um elemento
externo apreendido pelo intelecto, mas os fenômenos existem na medida em que
aparecem para um sujeito, que, portanto, participa de sua construção. Para o filósofo
Kant o conhecimento é constituído pela forma a priori do intelecto e pela matéria
fornecida pela experiência sensível. Quanto à metafísica, no entanto, o
conhecimento é impossível. Trata-se, conforme Aranha e Martins (1986, p. 178), de
umagnosticismo” declarado: “a razão é incapaz de afirmar ou negar a existência de
Deus”.
26
Conforme argumenta Tarnas (2002), Kant restringiu as fronteiras da razão
humana. Mostrou que o conhecimento racional limita-se ao mundo fenomênico e
que verdades metafísicas, como a existência de Deus, embora não possam ser
comprovadas, moralmente devem ser acreditadas: é muito mais uma questão de
do que de conhecimento. Desse modo, A verdadeira base do significado religioso
era a experiência pessoal interior, não a demonstração objetiva ou crença
dogmática.” (TARNAS, 2002, p. 375).
Como conseqüência das teorias de Kant, surgiram os materialistas,
positivistas e idealistas. Dentre os idealistas, o maior representante é Hegel. Para
eles o mundo é o produto de um movimento do pensamento. A realidade se deriva
dos princípios constitutivos do espírito.
A grande influência do século XIX foi o positivismo de Comte, com o
estabelecimento de critérios rígidos para a ciência, a qual deveria fundamentar-se na
observação dos fatos. A ciência aliada a novas técnicas deflagrou grandes
mudanças na vida do ser humano. O entusiasmo exagerado
[…] diante desse novo saber e novo poder leva à concepção do
cientificismo, segundo o qual a ciência é considerada o único conhecimento
possível e o método das ciências da natureza o único válido, devendo,
portanto, ser estendido a todos os campos da indagação e atividades
humanas. (ARANHA; MARTINS, 1986, p.180).
O critério comtiano de determinação do conhecimento científico provoca uma
crise na filosofia e nas ciências humanas. A dicotomia racionalismo-empirismo
mantém a separação corpo-espírito / homem-mundo e acena com a impossibilidade
de as humanidades e a filosofia se tornarem ciência de acordo com tais critérios.
No início do culo XX, porém, a fenomenologia de Edmund Husserl propõe
uma epistemologia de superação desse dualismo, ao afirmar que toda consciência é
27
intencional. Todo objeto é um fenômeno, ou seja, algo que aparece para uma
consciência. A “[…] consciência é um movimento de transcendência em direção ao
objeto […]” (ABBAGNANO, 2000, p. 438). Assim a fenomenologia demonstra a
impossibilidade da objetividade científica pretendida pelo positivismo. Não existem
dados neutros, desvinculados de uma consciência que os perceba. Em outras
palavras, a circunstância que me cerca é repleta de significados para mim. Abre-se,
portanto, a possibilidade de aceitação de pressupostos cognoscíveis não-verificáveis
experimentalmente.
De acordo com Habermas (1975, p. 293), “a fenomenologia capta neste
momento a existência de uma subjetividade fundante do sentido [...] rompe com a
vinculação ingênua, desvinculando radicalmente conhecimento e interesse.”
2.1. A Intensificação da Racionalidade Religiosa
No campo específico da religião, as grandes transformações que ocorreram
no período do renascimento deram origem à reforma protestante, que, na figura de
Lutero, rompeu com as bases teológicas de Tomás de Aquino e com o poder de
Roma. É considerada a causa mais imediata da reforma a compra de indulgências
na Alemanha, o que levou Lutero a rebelar-se contra os abusos da autoridade papal.
O ethos da época, porém, demonstrava uma grande necessidade de independência
espiritual e intelectual, fundamentado no emergente individualismo e na rebeldia,
favorecendo o cisma provocado pela Reforma.
Lutero, como monge agostiniano, portanto místico, rebelava-se contra os
excessos da influência da cultura helênica no cristianismo. Seu grande objetivo era
28
purificar o cristianismo, devolvendo-o às suas verdadeiras origens: as tradições
bíblicas.
Tarnas (2002, p. 259) afirma que o espírito protestante prevalecia na metade
da Europa, rompendo a velha ordem, e “A cristandade ocidental não era
exclusivamente católica, nem monolítica, nem fonte de unidade cultural.”
Há, no entanto, uma base conservadora na reforma de Lutero. Em oposição
ao espírito libertário e independente do renascimento, ele criou um movimento
contrário às tendências modernizantes, ao retomar a doutrina, de Santo Agostinho,
da salvação pela graça e da justificação pela fé.
A esse respeito Woortmann (1997, p. 95) diz que Lutero se posicionou contra
o racionalismo e as transformações econômicas: “Sua doutrina da justificação pela
é fundada no misticismo, e ele se coloca contra os humanistas ao sacrificar à o
livre-arbítrio da razão.” Woortmann (1997) continua afirmando que, embora o
rompimento de Lutero com uma Igreja universal, que restringia tanto a sociedade
laica quanto os estados nacionais, tenha implicações modernizantes, sua ideologia
política era conservadora. Por ser aliado aos príncipes, o luteranismo acabou
vinculado à manutenção da servidão do campesinato até o século XIX. Dessa forma,
após muita violência no campo e massacres de camponeses, Lutero perdeu o apoio
dos humanistas.
Segundo Weber (1994, p. 57), o próprio conceito de vocação, para Lutero,
permaneceu tradicionalista: “era algo aceito como uma ordem divina, à qual cada um
devia adaptar-se.” Sua posição ideológica acaba por legitimar o conformismo com a
condição social.
29
O que Weber vem a chamar de espírito do capitalismo
2
foi deflagrado
definitivamente na segunda Reforma: o discurso teológico calvinista fundamentado
no individualismo, no cientificismo e na modernidade econômica - aspectos
fundamentais da sociedade como a vemos hoje. o é mera coincidência, como
garante Weber, que os donos do capital, os trabalhadores mais especializados e o
pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas sejam
“preponderantemente protestantes” (1994, p. 19).
A vocação, para Calvino, portanto, adquire um significado bastante específico
e diferenciado: a ascese intramundana e o trabalho como vocação. Ela se torna uma
atividade religiosa, uma ordem de Deus. Para o homem da Reforma, a salvação
eterna deveria ser buscada solitariamente, ou seja, cabe ao indivíduo […] seguir
seu caminho ao encontro de um destino que lhe fora designado na eternidade.”
(WEBER, 1994, p. 72).
Veremos mais adiante que o individualismo moderno e a busca solitária da
salvação irão tornar-se as bases essenciais para o desenvolvimento da mentalidade
da Nova Era.
A doutrina da predestinação, segundo a qual somente os eleitos receberão a
Graça, elemento essencial das doutrinas protestantes, pietistas, calvinistas,
metodistas e anabatistas, vincula a prosperidade a uma demonstração de
recebimento da Graça Divina, e a pobreza, portanto, é moralmente condenada. A
doutrina calvinista “[…] legitimava o juro e o lucro razoáveis, que deixavam de ser
condenáveis em si mesmos.” (WOORTMANN, 1997, p. 102), contrariando Lutero,
2
Weber chama atenção para a peculiaridade do "espírito do capitalismo", que parece ser o ideal de
um homem honesto […] acima de tudo, a idéia de dever que o indivíduo tem no sentido de aumentar
o próprio capital, que é tomado como um fim em si mesmo [...] o que é aqui pregado não é uma
simples técnica de vida, mas sim uma ética peculiar [...] Não é mero bom-senso comercial, o que não
seria nada original - mas sim um ethos.” (WEBER, 1994, p.31).
30
que considerava a usura e as primeiras formas de capitalismo como manifestações
do demônio.
Como a salvação dependia exclusivamente do indivíduo, a igreja, o padre e
os sacramentos foram eliminados. Como diz Weber,
Aquele grande progresso histórico-religioso da eliminação da magia do
mundo, que começara com os velhos profetas hebreus e conjuntamente
com o pensamento científico helenístico, repudiou todos meios mágicos de
salvação como superstição e pecado, chega aqui à sua conclusão lógica. O
puritanismo genuíno rejeitava até todos os sinais de cerimônia religiosa na
sepultura e enterrava seus entes mais próximos e mais queridos sem
música ou ritual, a fim de que nenhuma superstição, nenhuma crença nos
efeitos de forças de salvação mágicas ou sacramentais, pudesse ser
restabelecida. (WEBER, 1994, p.72).
O novo espírito econômico, fortalecido pelas idéias de Calvino, ocorreu
paralelamente ao novo espírito científico, e ambos representaram o estabelecimento
definitivo do racionalismo na sociedade ocidental.
Segundo afirma Weber (1994), a rígida doutrina da absoluta transcendência
de Deus, a corrupção de tudo que pertence à carne, o isolamento interior do
indivíduo, promoveram no puritanismo uma atitude negativa e de repúdio a todos os
elementos sensoriais e emocionais na cultura e na religião, pois não
desempenhavam nenhum papel na salvação e poderiam promover ilusões e
superstições idólatras. O autor continua dizendo que “isso constitui uma das razões
desse individualismo de inclinação pessimista e despido de ilusões que até hoje
pode ser identificado no caráter nacional e nas instituições dos povos de passado
puritano [...]” (WEBER, 1994, p. 73).
É importante salientar alguns aspectos relacionados com o catolicismo que
não se ajustam inteiramente aos moldes já conhecidos da análise weberiana sobre a
construção do capitalismo e sua conexão com as religiões. De acordo com wy
(2000, apud LEMOS, 2007), Weber não se esforça muito em responder se a Igreja
31
Católica é um ambiente menos favorável ou até hostil ao desenvolvimento do
capitalismo, limitando-se a mencionar as sanções negativas de Tomás de Aquino
contra o desejo de lucro, qualificando-o, dentre outras coisas, de torpe e
vergonhoso.
Nesse aspecto uma concordância com Lutero, que também se opunha ao
lucro. Convém lembrar que o espírito do capitalismo”, conforme definido por Weber,
só se manifesta concretamente a partir do calvinismo.
Continua Löwy (2000, apud LEMOS, 2007) afirmando que a Igreja Católica é
palco da tensão criada entre uma “[…] religiosidade que redime sublimada e a
economia racionalizada, baseada no dinheiro, no mercado, na competição e no
cálculo abstrato e impessoal(p. 113), e que a fonte do anticapitalismo católico se
encontra na “[…] identificação ética e religiosa de Cristo com os pobres.” (p. 114).
Lemos (2007, p. 126) apresenta suas dificuldades em aceitar argumentações
que procurem mostrar uma falta de afinidade entre ethos católico e ethos capitalista,
pois, segundo a autora, a própria Igreja Católica no Brasil, que, como em grande
parte da América Latina, fez sua “opção pelos pobres” no que se refere à questão
agrária, “[…] raramente questiona a propriedade privada […] fiel às proposições de
sua doutrina social, apenas sugere que a terra exerça sua função social.”
Quanto à própria racionalização e ao conseqüente desencantamento do
mundo, Lemos (2007, p. 127) assegura que “O ser humano moderno está destinado
a viver com menos magia e frágeis profetas, mas nunca sem deuses.” A autora nos
convence disso por meio de exemplos do catolicismo popular no Brasil,
especificamente as práticas das promessas, novenas e benzeduras, práticas que
caracterizam uma “mescla de racionalidade e de magia” (p.125).
32
Essas considerações sobre o catolicismo são importantes para
compreendermos as razões pelas quais o Movimento Nova Era surgiu, e ainda se
mantém de forma mais acentuada nos países de origem protestante. Do mesmo
modo acreditamos na possibilidade de que o sincretismo da população brasileira
tenha contribuído para a cil disseminação das atividades da Nova Era na maioria
das capitais do país.
33
3.MODERNIDADE: CONSOLIDAÇÃO DA RACIONALIDADE
Alguns aspectos foram marcantes na formação da sociedade racionalizada,
tal qual descrita por Weber. Certamente se encontram entre eles a Revolução
Industrial, bem como a análise social e econômica de Marx, a psicanálise, que Freud
fundamentou na descoberta do inconsciente, e as pesquisas de Einstein no início do
século XX, que provocaram um impacto no cotidiano do ser humano moderno,
gerando significativas aplicações concretas.
O homem moderno recebeu com alegria e otimismo um mundo mecanizado,
onde a organização, a burocracia e a lógica continham promessas de salvação. As
questões metafísicas ficaram restritas aos templos, com data e hora marcadas, e
intermediários dotados do poder a eles concedido, procurando adequar as
expectativas humanas à doutrina inteiramente racional do pensamento religioso.
Assim como o trabalhador perdeu o controle do processo de produção
durante a divisão social do trabalho, conforme longamente analisado por Marx, o
mesmo ocorreu com as questões metafísicas. As experiências pessoais passaram a
ser desestimuladas, e os fenômenos religiosos individuais e coletivos, a depender
da interpretação dos sacerdotes, pautados por uma ética religiosa racionalista. As
fronteiras entre sagrado e profano são delimitadas inteiramente pelos profissionais
da religião.
Vattimo, filósofo contemporâneo (1996, p. 97), define modernidade como “[…]
a época para a qual o ser moderno se torna um valor, ou melhor, o valor
fundamental, a que todos os demais são referidos.” Continua mostrando que essa
fórmula coincide com outra definição, bastante difundida, do moderno: a
secularização, uma no progresso, ou a ideologia do progresso, que é ao mesmo
34
tempo uma secularizada. Para o autor a secularização representa “[…] o
abandono da visão sagrada da existência e a afirmação de esferas de valor
profanas.” (p. 98). Para Vattimo, portanto, essa “[…] extrema secularização da visão
providencialista da história equivale simplesmente a firmar o novo como valor, e
como valor fundamental.” (p. 99).
Por outro lado, Tarnas (2002, p. 421) afirma que o homem ocidental moderno
passou, de uma confiança quase ilimitada em seus próprios poderes e na
capacidade de obter conhecimento seguro, para uma “[…] debilitante sensação de
insignificância metafísica e inutilidade pessoal […]”, o que lhe trouxe uma
insegurança intensa a respeito do futuro da Humanidade.
Como diz Lemos,
Esse mundo sem encanto, sem magia, submetido ao cálculo e ao interesse,
esvazia de significado a vida cotidiana dos homens. É o mundo da razão
instrumental, da razão subjetiva, o mundo que o Iluminismo ajudou a
construir, e cujo destino se mostra incerto em virtude do desenvolvimento a
que essa racionalidade conduziu. É, afinal de contas, o mundo que o
capitalismo conformou, a cultura e a civilização construídas sob a égide do
Deus Dinheiro. (LEMOS, 2007, p. 21).
A questão que surge a partir disso diz respeito às conseqüências que deverão
emergir dessa sociedade oprimida pelo esmorecimento das grandes ideologias, pelo
estilhaçar dos sonhos de revolução social e do esvaziamento superlativo da
transcendência – o que Weber consagrou como uma sociedade desencantada.
Na construção de uma sociedade inteiramente intelectualizada e científica
não espaço para a magia. A objetividade exigida pelo conhecimento científico se
opõe às manifestações subjetivas, estas, sim, capazes de atribuir significado à vida,
preenchendo, dessa forma, o vazio espiritual criado pelas grandes metafísicas
racionalistas. A racionalidade provoca no ser humano um certo esvaziamento da sua
capacidade simbólica, tendo como decorrência a crescente sensação de
35
desorientação e falta de sentido, desse modo aprofundando o hiato ontológico
perpetrado pelo cartesianismo.
Lemos, citando o próprio Weber, esclarece o significado da racionalidade:
A Racionalidade é a reflexão sobre: os objetivos a serem atingidos, os
meios adequados para atingi-los e as conseqüências da ação. A
Irracionalidade é a não reflexão. Neste caso a ação se realiza sob o domínio
dos deuses, das forças da natureza, das emoções instintivas e da tradição.
(LEMOS, 2007, p.122).
A racionalidade inerente ao desenvolvimento econômico e científico expandiu-
se, como mencionado, de forma acentuada no campo religioso. Afinal um deus
tão poderoso e inacessível exige intermediários. O objetivo é agradá-lo para, assim,
ter garantias de salvação. Esse é o espaço ocupado pelos profissionais do
sagrado”, que, conforme a teoria weberiana, seriam os sacerdotes, os profetas e os
magos. Desse processo de racionalização surge uma ética religiosa que expulsa a
magia da moderna sociedade ocidental.
A crescente racionalização do pensamento humano acaba, portanto,
expulsando os elementos míticos do universo religioso moderno. Tal processo
acarreta o desenvolvimento das teologias racionais, que provocam mudanças
significativas na estrutura das instituições religiosas. Os profissionais do sagrado
tornam-se cada vez mais distantes dos seus seguidores leigos.
Ainda de acordo com Lemos,
A perda de sentido da vida cotidiana que o ser humano moderno
experimenta foi diagnosticada por Weber como resultado da racionalização
desencantadora. Uma racionalização que, no âmbito da ciência, levaria ao
predomínio dos especialistas sem alma, dos burocratas do saber, dos
mandarins intelectuais. (LEMOS, 2007, p. 123).
É preciso salientar que, conforme estudo detalhado de Pierrucci (2003), a
expressão “desencantamento do mundo” tem, para Weber, dois significados muito
claros e específicos: desmagificação e perda de sentido. O próprio processo
36
crescente de disseminação da racionalização exigiu que a magia fosse extirpada da
sociedade moderna. Pierucci (p. 219) acrescenta em suas conclusões que, para
Weber, o desencantamento foi promovido por ambas as áreas: religião e ciência”.
Essas duas únicas conceituações, desmagificação e perda de sentido, aparecem,
concomitantemente ou de forma intercalada, na obra de Weber como uma das
principais características da moderna sociedade capitalista.
O existencialismo foi a corrente filosófica que expressou de forma bastante
contundente as condições “desencantadas” da vida do homem moderno. O século
XX manifestou um gradativo esvaziamento das certezas e verdades absolutas. A
liberdade cresceu na mesma proporção do medo e da culpa. O perspectivismo
3
epistemogico criou no indivíduo a sensação de abandono e reafirmou a morte de
Deus, deixando a humanidade com a sensação de orfandade ontológica. A angústia
humana cresceu desamparada e sem respostas. A melhoria da qualidade de vida de
poucos não impediu o crescimento da miséria e da crueldade para muitos. As
pessoas foram transformadas em meros, como parafusos em uma engrenagem;
uma sociedade de massa mecanizada e sem alma.
Nesse sentido, vemos na arte a evidência da expressão das transformações
ocorridas, tanto no Renascimento quanto na modernidade, e a necessidade que a
sociedade ocidental tem de criar formas para lidar com o novo, que resulta de um
permanente e acelerado processo de mudança. Como diz Vattimo, “A arte assume
uma posição de antecipação ou de emblema.(1996, p. 99). Segundo esse autor, as
artes libertaram-se das limitações e das formas de “arraigamento metafísico” com
3
Por perspectivismo Nietzsche entendeu a condição em virtude da qual “cada centro de força – e não
o homem – constrói todo o resto do universo partindo de si mesmo, ou seja, atribuindo ao universo
dimensões, forma e modelo proporcionais à sua própria força”. Esse termo também foi usado para
designar a filosofia de Ortega Y Gasset (ABBAGNANO, 2003).
37
muito mais antecedência do que a ciência e a técnica, que se encontram nessa
condição de “desarraigamento” explícito apenas hoje.
A divisão cubista nos quadros de Picasso revela a fragmentação do homem e
da natureza. O futurismo e o dadaísmo, este último surgido entre as duas grandes
guerras mundiais, oferecem o nada como resposta e propõem um rompimento
radical com o passado. O surrealismo de Salvador Dali apresenta a dissolução do
gico e as formas oníricas como única realidade passível de expressão. O
romantismo dos séculos anteriores foi trocado pelo niilismo.
O período posterior à segunda guerra mundial conheceu o surgimento
de descobertas científicas jamais imaginadas por nenhuma teoria do conhecimento
clássica, interessada em analisar, compreender e explicar os fatos e também as
relações sociais.
A partir dos anos cinqüenta do século XX, com a socialização dos
meios de comunicação e dos serviços de informação via computadores, foram
acrescentados àquilo que chamávamos modernidade elementos que já não se
enquadravam nos modelos anteriormente aceitos de análise das sociedades.
Mergulhado em um mundo de informações, da mass dia, repleto de
signos e símbolos, o indivíduo ocidental passou a buscar a sua referência na
realidade do cotidiano. Quando, dentre outras coisas, surge o movimento da Pop-
Art, cujo grande representante americano, Andy Warhol, empilhava caixas de sabão
numa galeria de arte e pintava em tela as imagens das latas da sopa mais
consumida nos Estados Unidos, tornando-as objetos artísticos, percebemos o
surgimento de algo que não poderia mais ser chamado de modernismo.
38
Essas novidades, no mundo das artes, que se opõem à estética
anterior do realismo, cujo objetivo era representar a realidade, ou ao modo de
interpretação do real típica do modernismo, manifestam-se agora como uma simples
necessidade de mostrar, de apresentar a vida diretamente de seus objetos e gestos
cotidianos, como uma forma de repudiar modelos preestabelecidos e
mecanicamente repetidos. Começa, assim, artisticamente, a se caracterizar no
mundo ocidental aquilo que chamaremos de pós-modernidade, originando um tipo
de individualismo que vai alterar as relações sociais, familiares e religiosas.
Esse cenário, claramente pós-industrial, caracterizado por intensa
produção científico-tecnológica, é essencialmente cibernético, informático e
informacional (LYOTARD, 1986).
Novas e constantes produções intelectuais, desenvolvidas nas áreas
da Filosofia, Lingüística, História, Antropologia, Sociologia, Biologia, Física,
Psicologia e outras, têm revelado a relatividade do conhecimento humano e a
fragilidade de sistemas fundamentados na chamada objetividade da ciência que, em
última instância, sustenta-se em interpretações pessoais. Como observamos ao
longo da história, nenhuma interpretação é definitiva. A consagrada busca científica
de certezas e verdades absolutas deixou de existir, pelo excesso de possibilidades
de interpretação e, conseqüentemente, por um manancial de dúvidas.
Recentes pesquisas e descobertas científicas relativizaram de tal forma
o conhecimento que nos resta aceitar como atributos do pensamento s-
moderno a ambigüidade, a complexidade e o pluralismo.
Nesse cenário cultural completamente transformado, já não existem
respostas confiáveis. Os problemas se mantêm os mesmos, com o acréscimo de
39
outros, de natureza conhecida ou desconhecida. As possíveis soluções se perdem
em complexas divergências políticas, burocráticas e intelectuais. O homem do final
do século XX hesita entre o niilismo e a alternativa de buscar dentro de si as
respostas negadas pelas ciências e pelas religiões.
O que se manifesta como principal característica da civilização ocidental na
virada do milênio é o desapontamento e o desânimo, uma espécie de apatia diante
dos acontecimentos globais e uma profunda desilusão com o futuro. O ser humano
do século XXI percebe a incapacidade e a incompetência de seus líderes para
solucionar os problemas locais e globais.
A autoridade científica, da qual Comte foi certamente o mais entusiasmado
representante, fruto do racionalismo e da lógica cssica, tornou o ateísmo e o
desencantamento do mundo as ideologias de maior influência na civilização
ocidental e, conseqüentemente, criou um campo fértil para o surgimento do
chamado Movimento Nova Era, uma religiosidade originária do individualismo e da
autonomia fomentados pelo tédio e pelo desencanto.
Contemporâneo de Weber, o teólogo Ernst Troeltsch debruçou-se sobre as
questões relacionadas à religião na modernidade, chegando, porém, a conclusões
totalmente distintas daquele. Conforme assegura Sérgio da Mata, historiador da
Universidade Federal de Ouro Preto (2007)
4
, diferentemente de Weber, Troeltsch
não afirma que a civilização moderna seja um produto do protestantismo. Ele
constata, continua Mata, a existência de uma oposição entre o protestantismo dos
séculos XVI-XVII e a modernidade. Embora utilizando a mesma abordagem de
Weber, as conclusões de Troeltsch “[…] não se prestam a qualquer espécie de auto-
4
Religião e Modernidade em Ernst Troeltsch: artigo de Sérgio da Mata apresentado pelo autor por
ocasião da aula inaugural do Mestrado em Ciências da Religião, da Universidade Católica de Goiás,
em 2007. Inédito.
40
glorificação protestante […]” (p. 5), que, para ele, […] mostrou-se majoritariamente
conservador […]” e que a “[…] expressão mais evidente do individualismo religioso é
a crescente recusa do modelo eclesstico.” (p.6).
As causa disto não são, de forma alguma, uma oposição especial à religião
e às coisa religiosas; pelo contrário, trata-se de uma recusa específica do
modelo eclesiástico e uma aversão à forma da Igreja e aos pressupostos da
Igreja. A opinião corrente é: a religião não é nada que possa ser exercido
em comunidade; nada, em absoluto, que possa ser construído de maneira
análoga; ela é uma coisa privada do indivíduo […] As causas deste
fenômeno indicam, em grande medida, que a vida religiosa está a procurar
outros caminhos que não os eclesiásticos. (TROELTSCH, 1913, apud
MATA, 2007, p. 6).
Dentre os conceitos-chave trabalhados por Troeltsch encontram-se o de
Igreja e o de seita. Igreja é uma instituição à qual se pertence, dizem Filoramo e
Prandi (1999) em seus comentários sobre Troeltsch, desde o nascimento, que busca
a conversão de todos e mantém um permanente compromisso com a sociedade que
a circunda. Já a seita nasce de uma separação polêmica da Igreja, pertence-se a ela
por escolha e aceitação e “[…]produz em seus adeptos um sentimento de
regeneração espiritual.” (p. 110).
Para Mata, como as seitas sempre existiram desde o início da história do
cristianismo, conclui-se que a crítica à Igreja é tão antiga quanto a Igreja, e a
centralidade das seitas reside no sentimento religioso e na individual. Portanto,
continua Mata, citando Troeltsch, é “[…] a partir de tais concepções que temos de
compreender boa parte do nosso individualismo e subjetivismo religioso
contemporâneos.” Continua o autor dizendo que ainda não se sabe o que está por
vir, mas que o pensamento religioso do homem passará por uma transformação
integral, pois tal como está não poderá ficar, o que provoca uma “[…] sensação de
constrangedora insegurança.” (p. 7).
41
Para Mata, o intelectualismo moderno e a ênfase na interioridade, fruto das
seitas cristãs, fortaleceu o individualismo religioso ocidental. E, conforme afirma o
próprio Troeltsch, “A religião, como santuário do indivíduo, deve ser também um
segredo individual.” (p 7).
A crise dos modelos eclesiásticos tradicionais poderia abrir caminho para a
mística cristã, mas não ela, afirma Mata em sua análise de Troeltsch. Segundo
esse teólogo alemão seria ingênuo acreditar que toda humanidade seja conquistada
pela força da religiosidade associada a Jesus, mas “[…] é provável que ainda possa
haver outros estilos de vida religiosa.” (p. 8).
Ao concluir, Mata diz que Troeltsch “[…] escapou aos termos da aporia
weberiana: sua obra atesta a existência de uma terceira via possível entre ceticismo
e ‘sacrifício do intelecto’” (p.9).
3.1. Incerteza e Desencanto: A Pós-modernidade
“Deus está morto, Marx também e eu não estou me sentindo muito bem.”
(SANTOS, 1988, p. 7) é a frase que melhor descreve o humor do homem pós-
moderno. A anomia e o desconforto substituíram a tranqüilidade e a clareza
intelectual.
Nenhum aspecto da vida foi alterado de maneira tão intensa e
permanentemente submetido à sensação de caos e abandono quanto aquele que se
manifesta no espaço urbano. Populações inteiras o confrontadas com a
desagregação em diversos níveis, com a impotência pessoal e institucional e com o
crescente medo que isso proporciona. A vida humana encontra-se esvaziada e
42
consciente da impossibilidade de construção das tais verdades e certezas absolutas.
As informações em massa introduzidas nos lares pela televisão mostram que os
aspectos aterrorizantes do mundo não são apenas locais, mas ocorrem numa
proporção global.
A escala axiológica construída pelas tradições não corresponde mais às
necessidades deste mundo conturbado e sem sentido, o que acarreta uma sensação
de confinamento espacial: não como escapar, pois não há para onde ir o
mundo todo está igual ou pior do que aqui. As comunicações via satélite, contendo
dados e fatos que o fornecidos ao mundo todo instantaneamente, representam
uma ruptura definitiva com o passado e a certeza de que muitos aspectos da vida
nunca mais serão os mesmos. A contemporaneidade expressa um acelerado
esvaziamento das tradições. Às características específicas desse momento da
história contemporânea, deu-se o nome de “globalização”.
É impossível ignorar os efeitos que esse tempo de profunda transformação
provoca nos seres humanos, em aspectos corriqueiros de suas vidas. Como afirma
Giddens, considerado atualmente um dos principais analistas do processo de
globalização do mundo contemporâneo,
É errado pensar que a globalização afeta unicamente os grandes sistemas,
como a ordem financeira mundial. A globalização o diz respeito apenas
ao que está fora”, afastado e muito distante do indivíduo. É também um
fenômeno que se “aqui dentro”, influenciando aspectos íntimos e
pessoais de nossas vidas [...] sistemas tradicionais de família estão
começando a ser transformados, ou estão sob tensão, especialmente à
medida que as mulheres reivindicam maior igualdade. (GIDDENS, 2006, p.
22).
Esse mesmo autor aponta para o fato de que a globalização não é um […]
processo singular, mas um conjunto complexo de processos.” (2006, p. 23), que tem
sido responsável pelo ressurgimento de identidades culturais locais em várias partes
43
do mundo, bem como pelo enfraquecimento de estados nacionais antigos e pela
aparição de nacionalismos locais.
O que pode ser observado é que tais processos geram no ser humano s-
moderno uma sensação de crise permanente. Os indivíduos se encontram
impregnados pelo desapontamento diante da inoperância dos sistemas
desenvolvidos para proporcionar-lhes conforto e segurança, seja no plano pessoal e
metafísico, como nas igrejas, seja no plano social e político, como nas muitas
instituições democráticas.
Embora a modernização tenha trazido uma série incomparável de benesses
ao ser humano, trouxe também uma enorme sensação de insegurança e confronto
com riscos das mais variadas espécies novos e inteiramente desconhecidos pelas
tradições.
A ciência, que sempre teve à mão respostas e soluções para qualquer
problema surgido, parece agora ser ela mesma a responsável pela criação de parte
desses problemas, para os quais não apresenta solução. A exigência de
racionalidade imposta pelo sistema capitalista provocou um esvaziamento do sentido
da vida. Os ecologistas estão, de forma contundente, mostrando situações reais que
transcendem qualquer possibilidade científica de solução imediata. A modernidade e
a sua executora ciência o trouxeram a tranqüilidade esperada e prometida pelo
entusiasmo dos iluministas. Ao contrário, a modernidade gerou um tempo de
incertezas imutáveis. Vive-se hoje uma situação permanente de risco.
A esse respeito Giddens (2006, p. 36) diz que é preciso estabelecer uma
distinção entre dois tipos de risco: o risco externo, aquele que vem de fora, resultado
44
da tradição ou da natureza; e o risco fabricado, aquele “[…] criado pelo próprio
impacto de nosso crescente conhecimento sobre o mundo.”
A s-modernidade se apresenta como um período de grande insegurança,
exatamente porque o podemos prever, controlar e muito menos impedir as
conseqüências do risco fabricado. Dentre os muitos exemplos citados pelos
ambientalistas, encontra-se o aquecimento global, que certamente está
provocando situações impossíveis de serem evitadas ou controladas pela ciência. É,
hoje, unanimidade entre cientistas e cidadãos comuns que as alterações climáticas
já atingiram o cotidiano de todos os seres vivos sobre o planeta terra, seja nas zonas
urbanas ou rurais. Isso sem mencionar os constantes riscos de catástrofes
nucleares e a incômoda problemática dos lixos industriais.
Ao mesmo tempo, em meio a essa realidade científica e tecnológica sem par
na história da humanidade, convivemos ainda com quadros medievais de miséria,
epidemias, fome e opressão. Em resumo, o homem vive hoje um tempo de
incertezas e medo gerado pelo próprio homem. O ser humano globalizado se
defronta paulatinamente com uma dolorosa e inquietante certeza de perda de
significados. Os referenciais postulados pelas tradições não oferecem respostas
adequadas. O ser humano recolhe-se, portanto, à sua individualidade, em busca de
sentido para o caos produzido pelos riscos externos e fabricados.
Beck aponta como sendo o desejo mais generalizado do mundo ocidental,
hoje, o levar “a própria vida”, no sentido literal de viver a própria vida. Afirma que
“[…] a luta diária pela própria vida tornou-se a experiência coletiva do mundo
ocidental. Exprime o que resta de nosso sentimento comunitário.” (BECK In:
GIDDENS, 2004, p. 235). De acordo com esse autor, a globalização significa a
45
destradicionalização, ou seja, as fontes de identidade coletiva, grupal e de
significado, como identidade étnica, consciência de classe, fé e progresso, que
serviram de estímulos às democracias na década de 60 (século XX), perderam sua
mística e se apresentam decompostas. Segundo Beck, os que vivem nessa
sociedade global estão em permanente formulação de novas classificações,
enquanto descartam as antigas. Para ele,
[…] as culturas e identidades híbridas que resultam são exatamente a
individualidade que, então, determina a integração social [...]
individualização, neste sentido, significa destradicionalização, mas tamm
o oposto: uma vida vivida em conflito entre diferentes culturas, a invenção
de tradições híbridas [...] nem os sistemas tradicionais (por exemplo,
religiosos) de interpretação podem isolar-se do que está acontecendo;
colidem uns com os outros e terminam na competição e no conflito públicos,
em nível tanto global quanto local. (BECK In: GIDDENS, 2004, p. 242).
Beck prossegue afirmando que, diferentemente do que se fazia
anteriormente, a cultura hoje não pode mais ser definida pelas tradições, mas é
preciso considerá-la uma área de liberdade que protege cada grupo de indivíduos e
tem a capacidade de produzir e defender sua própria individualização. Mais
especificamente, diz ele, “A cultura é o campo em que afirmamos que podemos viver
juntos, iguais, mas diferentes.” (BECK In: GIDDENS, 2004, p. 245).
A sociedade globalizada vivencia os efeitos daquilo que Corbí (1996), teólogo
e antropólogo espanhol contemporâneo, chama de segunda revolução industrial: o
surgimento de sociedades dinâmicas ou de inovação. Para o autor, nas sociedades
pré-industriais não ocorriam mudanças, porque assim era a determinação de Deus.
Nas sociedades da primeira revolução industrial nada de importância poderia ser
empreendido, porque graças à filosofia e às ciências a natureza das coisas era
conhecida, portanto restava ao indivíduo adaptar-se e submeter-se. Entretanto
essas sociedades dinâmicas contemporâneas, ainda segundo Corbí, provocaram
grandes transformações na vida dos seres humanos: viver a inovação, a criação
46
contínua de conhecimento, informação e tecnologia. O ser humano precisa aprender
a viver em contínua mudança, em permanente criação de novidade, inovação,
conhecimento e informação.
Os acontecimentos atuais, segundo Tarnas, de uma certa maneira foram
previstos por Max Weber, que:
[...] viu as inevitáveis conseqüências do desencantamento do mundo do
espírito moderno, viu também o escancarado vazio do relativismo deixado
com a dissolução da modernidade das visões de mundo tradicionais e
percebeu que a Razão moderna, em que o Iluminismo colocara todas as
suas esperanças de liberdade e progresso humano, ainda que não pudesse
em seus próprios termos justificar valores universais para orientar a vida
humana, de fato criara uma gaiola de ferro de racionalidade burocrática que
permeava todos os aspectos da existência moderna [...]. (TARNAS, 2002, p.
439).
A moderna sociedade capitalista legou à humanidade, portanto, um mundo
destituído de sentido. A confiança depositada na ciência sofreu abalos irreversíveis.
O campo científico desenvolveu-se atrelado à idéia de progresso. E esse progresso
trouxe, embutido em seus aparentes ganhos, conseqüências de risco para a
humanidade, como já anteriormente mencionado, que ultrapassam a própria
capacidade científica de encontrar soluções ou de criar estratégias que possam
remediá-los ou minimizá-los.
O grande diferencial capaz de descrever o que passamos a chamar de pós-
modernidade se encontra exatamente na consciência da perda das certezas.
Segundo Giddens (1991, p. 52), a s-modernidade refere-se a algo diferente. O
autor enfatiza a conscncia de que está ocorrendo de fato uma transição em nada
similar ao que possa ter acontecido no passado. Considera como fator diferencial
a nossa descoberta de que “[…] todos os fundamentos preexistentes da
epistemologia se revelaram sem credibilidade […]”, e por ser a história destituída de
teleologia “[…] nenhuma versão de progresso pode ser plausivelmente defendida.”
47
Houve, com certeza, um acentuado crescimento da angústia humana em face
das instabilidades provocadas pelo próprio progresso. As sociedades, agora
pluriculturais, tornaram-se heterogêneas e muito mais complexas com a
incorporação de diferentes nacionalidades e etnias.
48
4.HIBRIDISMOS E PLURALISMOS CULTURAIS: O BERÇO DA NOVA ERA
Para Berger e Luckmann (2004), o pluralismo não é um fenômeno novo na
história humana. O estado romano, a Índia antiga, o mundo helênico e o judeu
conviviam com povos e grupos culturalmente diferentes. Esses grupos, no entanto,
interagiam socialmente sem perder o vínculo com seus próprios sistemas de valores.
O pluralismo é parte integrante tamm da sociedade pós-moderna. Na
sociedade globalizada as fronteiras desaparecem. um intenso intercâmbio de
culturas, podendo ocorrer ou o entrosamento ou o confronto entre diferentes povos e
etnias. A intensa migração acaba produzindo mudanças e transformações mútuas.
É consenso, porém, que, diferentemente das antigas, a sociedade atual é
uma sociedade em crise. Não existe mais um sistema comum de valores. A crise
não é apenas social ou econômica, mas axiológica, o que, de acordo com Berger e
Luckmann, implica uma crise de sentido. Diferentemente das sociedades arcaicas
ou pré-modernas, a sociedade contemporânea não herda um sistema de valores
pleno de sentido das tradições. Ou, como diz Beck (In: GIDDENS, 2004, p. 242),
“Não há modelos históricos para a condução da vida.”
As afirmações porque sempre foi assim”, “porque é assim desde os
primórdios”, “porque assim se fazia na época de nossos pais”, representam o meio
tradicional de explicar o mundo. Eram tamm essas as referências diante do novo
ou das decisões a serem tomadas, tanto individualmente quanto pela comunidade, e
que hoje perderam todo o significado. O sentido ontológico parece ter-se esvaído na
efervescência cultural da modernidade. A linha norteadora de ligação entre passado,
presente e futuro se desfez. As sociedades atuais nos oferecem uma intrigante
49
perda de identidade, identidade aqui entendida como algo uno, inteiro e estável,
tanto do ponto de vista individual quanto comunitário.
A identidade pessoal não é somente proporcionada pelas experiências
subjetivas, mas também pelas relacionais. Para Berger e Luckmann (2004), as
vivências puramente subjetivas são o fundamento da constituição do sentido na
consciência do indivíduo. Mas esse indivíduo não é uma ilha isolada. E, afirmam os
autores, uma estrutura mais complexa de sentido pressupõe uma objetivação do
sentido subjetivo no agir social” (p. 17). A experiência subjetiva deve recorrer ao
acervo social de sua comunidade específica, a fim de estabelecer conexões que
possam dar suporte às ações. De acordo com os autores,
A formação de reservatórios históricos de sentido e de instituições alivia o
indivíduo da aflição de ter de solucionar sempre de novo problemas de
experiência e de ação que surgem em situações determinadas. Se a
situação concreta for idêntica nos traços essenciais com outras
constelações já conhecidas, então o indivíduo pode recorrer a patrimônios
de experiências e modos de agir já familiares e ensaiados. (BERGER;
LUCKMANN, 2004, p. 19).
Nas sociedades pluralistas, no entanto, isso ocorre de modo totalmente
diferente. O próprio dinamismo das sociedades de informação impede que as
situações aconteçam de forma determinada. Ao contrário, o inteiramente novo e,
portanto, desconhecido é a característica das sociedades contemporâneas. A
realidade hoje apresenta uma complexidade inédita. O lugar-comum no mundo atual
é exatamente o inesperado. As mais variadas e possíveis interpretações para cada
situação específica vivida pelo ser humano moderno impedem-no de sentir-se
seguro.
Em meio à certeza do incerto e à aceitação do caldeirão cultural repleto de
novos elementos que povoam de conflitos a sociedade ocidental, emerge a escolha
50
individual como essência do comportamento globalizado. Acreditamos que a busca
da identidade se faz hoje na construção autônoma e individualizada da própria vida.
É nessa abordagem de cultura de características híbridas que podemos
enquadrar e conhecer o Movimento Nova Era: um movimento onde as pessoas
buscam autonomia para, coletivamente, vivenciar suas individualidades.
Toda situação de medo, de inquietação, diante das incertezas ou da
sensação de impotência em face do desconhecido e assustador, porém inevitável,
estimula os indivíduos a buscar a salvação e, conseqüentemente, a atribuir novos
significados ao seu cotidiano.
Com o desencantamento do mundo provocado pela racionalização moderna,
integrada de forma visceral às religiões cristãs tradicionais, o indivíduo ocidental viu-
se compelido a recolher-se e buscar as soluções em si mesmo, no seu
conhecimento interior, tal qual sugerido pelo mote délfico “conhece-te a ti mesmo”.
Desse modo, abriram-se novos caminhos de salvação, sustentados por uma
ontologia e epistemologia fundamentadas na subjetividade. O Movimento Nova Era
busca essencialmente criar uma nova maneira de o indivíduo relacionar-se com o
mundo, onde haja espaço para a força do espírito humano. E nisso reside uma das
suas principais características.
A secularização estrutural da sociedade moderna e o contato com novas e
diferenciadas tradições religiosas abriram espaços para que a busca de identidade e
de sentido ocorresse de forma individual. Não houve, portanto, uma
“dessacralização” no universo do ser humano ocidental, mas uma escolha por
diferentes formas de viver o sagrado, determinada pelo individualismo. As tradições
religiosas herdadas, imbuídas de racionalismo metafísico, foram perdendo terreno
51
para as escolhas pessoais fundadas na subjetividade. Na opinião de Berger e
Luckmann (2004, p. 48), seguindo uma linha de pensamento muito semelhante à de
Troeltsch, “A ‘desigrejização’ não deve ser confundida com perda de religiosidade.”
Sérgio da Mata (2006, p. 43) lembra, no entanto, que é preciso relativizar as
conclusões de Luckmann quando se trata de outros contextos que não o europeu.
No que se refere ao Brasil, por exemplo, […] entre as camadas sociais médias e
elevadas, individualização; junto aos estratos inferiores das camadas médias e aos
mais pobres, efervescência religiosa e eclesiogênese.”
O Movimento Nova Era, portanto, fruto de um extremo individualismo, abriu
mão das igrejas, templos e outras instituições religiosas, a fim de, livremente,
vivenciar a experiência religiosa no sentido original do re-ligare. O integrante do
Movimento Nova Era é o homo religiosus em contato direto com o numinoso, no
sentido explicitado por Otto (1986). Trata-se de uma opção por experienciar os
aspectos irracionais do fenômeno religioso. Voltaremos a esse ponto um pouco mais
adiante.
A sociedade ocidental contemporânea, estruturada, portanto, no
individualismo e na autonomia, criou espaços para o surgimento de manifestações
religiosas diferenciadas, que se afastaram das tradições judaico-cristãs e se
aproximaram das filosofias orientais.
A simpatia dos seguidores da Nova Era pelas filosofias orientais e pela
experimentação como meio de atingir o sagrado enquadra-os, segundo os
parâmetros de teodicéia analisados por Weber, na doutrina indiana do carma como
forma de explicar o mundo e buscar a salvação.
52
Para Weber (1999, p. 354-355), a crença na transmigração das almas
apresenta a solução mais perfeita para o problema da teodicéia. Essa crença afirma
ser o mundo “[…] um cosmos ininterrupto de retribuição ética. Culpa e mérito o
retribuídos dentro do mundo. Méritos éticos nesta vida podem levar ao renascimento
no céu.” Tudo é conseqüência do que se fez de bom e de mau na vida anterior da
mesma alma. Os sofrimentos atuais são expiações de pecados de uma vida
passada, ou seja, é o próprio indivíduo que cria seu destino. “Não existe um deus
pessoal, mas o eterno processo cósmico, que executa as tarefas éticas de um deus
todo poderoso, neste caso dispensável e inimaginável”.
Dentre os caminhos da salvação descritos por Weber, o Movimento Nova Era
se encaixa certamente no auto-aperfeiçoamento. Acreditando na teoria do carma, os
errantes da Nova Era assumem a responsabilidade total por suas próprias vidas.
Buscam experiências que lhes permitam entrar em contato com forças mágicas e
estimulam o êxtase como meio de salvação. Esses estados, como diz Weber,
parece garantirem com maior segurança “[…] a posse permanente do estado
carismático, produzindo uma relação plena de sentido com o mundo.” (1999, p. 361).
As práticas espirituais desenvolvidas pelo Movimento Nova Era são exemplos
muito significativos das manifestações de reencantamento” do mundo. Apresentam,
no entanto, aspectos que historicamente não podem ser qualificados como
inteiramente novos. Representam antigas reações de resistência e repúdio às
teologias vigentes, reações essas que foram transformadas ou abandonadas ao
longo da história e perderam a força durante a crescente ascensão do racionalismo.
Os indivíduos da Nova Era são buscadores. Desejam encontrar em si
mesmos o que Weber (1999, p. 280) chama de “forças extracotidianas”. Nas
53
descrições etnográficas e estudos antropológicos essa força que a tudo perpassa é
chamada mana ou orenda, dependendo do povo estudado e, por esse autor,
designada carisma. Durkheim (2000, p. 197), em suas investigações sobre as
formas mais elementares da vida religiosa, refere-se a essa força impessoal,
completamente distinta de qualquer força material, como algo que o homem tem o
maior interesse em possuir e dominar [...] de ordem imaterial e [...] sobrenatural”. O
mana, portanto, continua Durkheim, não está situado em parte alguma de maneira
definida, está em toda parte”. Embora a Nova Era o nome de energia a tal força,
com base nas informações derivadas das pesquisas da física quântica e de textos
orientais, o único objetivo de seus integrantes é experimentar esse poder interno e
compartilhá-lo com seus pares nos momentos específicos dos encontros.
Amaral define Nova Era como
[…] a possibilidade de transformar, estilizar, desarranjar ou rearranjar
elementos de tradições existentes e fazer desses elementos metáforas
que expressem performaticamente uma determinada visão, em destaque
em um determinado momento, e segundo determinados objetivos. Não mais
circunscritos à sua comunidade de origem ou a seus grupos “naturais”,
esses elementos religiosos, espirituais e místicos-rituais e mágicos são
recobertos com uma alta diversidade de significados e usados para uma
variedade de propósitos. Apresentam-se, pois, mais como recursos
simbólicos ou de linguagem, com grande grau de flexibilidade e
imprevisibilidade, do que como uma doutrina ou como um sistema fechado
de significados. (AMARAL, in: Carozzi, 1999, p. 47- 48).
Afirma Amaral (in: Carozzi 1999, p. 54) que o sagrado da Nova Era é um
“sagrado sem lugar” e que é possível perceber “a existência de uma essência” que
nunca “se substancializa”, porque sua “realidade” só se manifesta por meio de
“combinações provisórias” em que o “improviso é uma realidade múltipla e sempre
transformável”, pois na “idéia de totalidade está implícita uma totalidade virtual ou
em movimento”. Tais afirmações parecem apontar para o fato de que esse tipo de
manifestação religiosa se coaduna inteiramente com as sociedades em constante
transformação, conforme descritas por Corbí.
54
O sagrado não ocupa um lugar fixo, não está localizado em um espaço
geográfico, porque na verdade o objetivo da peregrinação “nova-erista” é manter a
percepção de que o sagrado é interno e nesse constante buscar poderevelar-se,
pois a “[…] devoção está na própria busca de sentido que não se substancializa
nunca.” (AMARAL, 2000, p. 206).
O espaço é sacralizado e reverenciado no momento da experimentação
ritualística. A constante movimentação proporcionada pela liberdade de escolha e a
ausência de qualquer tipo de interesse em conversão promove um compartilhar de
sentimentos voltados para o objetivo comum de transformação da consciência, sem
nenhum interesse imediato de provocar mudanças sociais ou políticas.
Transformações sócio-políticas deverão ocorrer por força da evolução das
consciências individuais. Não há, portanto, na Nova Era nenhuma bandeira” que
congregue manifestações sociais. Devemos nos lembrar sempre que a “salvação” é
individual. Algumas questões coletivas, como meio ambiente e gênero,entretanto,
fazem parte intrínseca dos interesses fundamentais da Nova Era, como veremos
mais adiante.
Assim como Amaral (2000), preferimos utilizar o termo holismo (do grego
hólos, que significa o todo) para designar as bases filosóficas do Movimento,
principalmente por ser esse o termo mais comumente usado pelos “nova-eristas” e
pelos autores das obras pesquisadas.
O pensar e o agir da Nova Era reforçam tanto o holismo como o fundamento
básico de toda a realidade, quanto a “[…] denúncia da perda implicada pela
fragmentação do mundo” (DUARTE, 2003, p. 9), que esse autor irá denominar
“fórmula básica do romantismo”. Podemos encontrar aqui uma relação muito
55
próxima entre características e anseios da Nova Era e o romantismo que se
manifestou a partir do século XVIII.
Conforme Duarte (2003), o racionalismo e o cientificismo o partes ativas do
chamado horizonte universalista: o novo cosmos criado pela modernidade a partir
das leis de Newton, composto somente de elementos físicos, materiais ou naturais,
excluídos, portanto, os sobrenaturais; um cosmos altamente materialista.
A ideologia universalista a que Duarte se refere é resultado da permanente
ânsia epistemológica do ser humano. A busca da verdade objetiva incontestável, das
certezas absolutas, das formas e partículas elementares, perpetuou-se, como
assinalado anteriormente, de maneira profunda no século XIX. Tal extremismo
metodológico provocou equívocos, como a certeza da objetividade e neutralidade
absolutas da ciência, fruto do cientificismo de Augusto Comte.
Assim, o romantismo representa uma reação contrária à insistência em
uniformizar a vida; um modo de denunciar o homogeneizante esvaziamento da
complexidade do humano; uma forma de impedir que seja descartado o esforço
intrínseco do humano em busca da sua totalidade ontológica algo que não pode
ser submetido às leis da física e das lógicas racionalista e empirista.
Mesmo que as idéias universalistas tenham sido defendidas a partir do século
XVIII, pelos iluministas, confiantes no progresso proporcionado pela ciência e pela
razão, existiram aqueles que observavam de forma cautelosa o acelerado
desenvolvimento de um tipo de civilização que reduzia o ser humano a uma simples
engrenagem na mecânica do universo.
As reações contrárias a esse tipo de “civilização” esboçam claramente valores
que podem ser encontrados na paidéia grega. Rousseau, por exemplo, um dos
56
críticos ferozes “dos males da civilização”, propõe, em Emílio, um sistema
educacional no qual demonstra a sua concordância com os gregos, que acreditavam
que “[…] a educação tem que ser também um processo de construção consciente.”
(JAEGER, 1989, p. 9). A paidéia grega não representa aspectos externos da vida,
nem se alicerça no eu subjetivo, mas na idéia que determina a essência humana.
Para os gregos, segundo Jaeger, humanismo vem de humanitas, que “[…]
fundamenta a educação do homem de acordo com a verdadeira forma humana, com
seu autêntico ser.” (JAEGER, 1989, p. 10). Os pressupostos do humanismo são,
portanto, de ordem ontológica. Rousseau reafirma esse sentido de humanidade
quando expressa que “[…] é preciso que nos amemos para nos conservarmos.”
(ROUSSEAU, 2004, p. 288).
As características do romantismo, descritas por Duarte (2003), contêm,
portanto, elementos também observados nas filosofias platônica, neoplatônica e
agostiniana. É possível afirmar que tais filosofias, sufocadas pela avalanche
racionalista, tenham permanecido em “hibernação” por algum tempo. Surgem e
ressurgem ao longo da história na rebeldia das expressões estéticas, mantendo
seu reduto essencial, manifestando-se, principalmente, no pensamento romântico.
Esses elementos serão incorporados e ressignificados pelo Movimento Nova Era.
Para Duarte (2003, p.16), o pós-modernismo retomou os princípios
românticos do pensamento ocidental, ou seja, “[…] uma crítica do universalismo em
nome da singularidade, da intensidade e da experiência”. Esses três aspectos, aliás,
refletem a narrativa de base da religiosidade “nova-erista” em sua busca de sentido.
Podemos observar no romantismo a eclosão das sementes da paidéia grega.
Embora surgido nas brechas do racionalismo, a manifestação romântica traz no seu
57
bojo a força da experiência subjetiva, da intuição e do sentido de totalidade –
características herdadas do período helênico. Não havia, no conceito grego de
natureza, a dicotomia e a fragmentação que o pensamento pós-cartesiano
estabeleceu como base da epistemologia ocidental. Natureza, para os gregos, tinha
certamente uma constituição espiritual.
[...] eles consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que
nenhuma delas lhes aparecia como parte isolada do resto, mas sempre
como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava
posição e sentido. Chamamos orgânica a esta concepção, porque nela
todas as partes são consideradas membros de um todo. (JAEGER, 1989, p.
8).
A própria idéia da terra como um organismo vivo (a teoria de Gaia, de James
Lovelock) é um dos sustentáculos da teoria Ecologia Profunda, desenvolvida por
Arne Naess (apud TERRIN, 2004), a qual representa o braço ambientalista da Nova
Era.
A concepção orgânica é tamm preconizada no livro Um Curso em Milagres,
(FUNDAÇÃO PARA PAZ INTERIOR, 1999), publicação que representa, como já foi
observado anteriormente, uma das fontes principais de consulta dos terapeutas
holísticos e das várias obras de auto-ajuda do Movimento Nova Era. Nele se
encontra o ensinamento: “Agradecemos ao nosso Pai por uma coisa: não
estarmos separados de nada que viva e, portanto, sermos Um com Ele.”
(FUNDAÇÃO PARA A PAZ INTERIOR, 1999, p. 395). O “Pai”, conforme designado
pela Nova Era, não implica um sentido personalizado de velho patriarca, mas sim de
força criadora que a tudo permeia.
É possível observar, como já foi dito anteriormente, que as origens tanto do
holismo romântico quanto do pós-moderno, especificamente da Nova Era, remetem-
nos às teorias neoplatônicas e aos seus seguidores.
58
Rousseau praticamente repete o conceito de livre-arbítrio de Santo Agostinho,
ao afirmar que o ser humano é o único responsável por seus próprios sofrimentos.
Segundo Rousseau (2004, p. 397), “é o abuso de nossas faculdades que nos torna
infelizes e maus”.
No mesmo texto, porém, Rousseau (p. 397) deixa transparecer claramente o
peso da tradição cartesiana, ao perguntar: Não é a dor no corpo um sinal de que a
máquina não está funcionando bem e uma advertência para que seja reparada?”. A
aparente contradição de Rousseau ao fazer uma declaração claramente
mecanicista, pode ser esclarecida pela análise de Duarte (2003) sobre o
romantismo. Para esse autor é evidente que, embora a crítica romântica tenha sido
muito forte, nunca chegou a enfraquecer o ideal universalista, porém tornou seus
efeitos mais complexos. Duarte (2003, p. 8) afirma que, embora o romantismo se
oponha ao universalismo “[…] termo a termo e sistematicamente […]”, é um
movimento “[…] tecnicamente englobado pelo universalismo e dele depende
ontologicamente a cada passo.” Ou seja: a base holista de resistência à
fragmentação não possui força e meios suficientes para alterar a ideologia
dominante do universalismo.
É dessa maneira que os fundamentos holistas irão se manifestar no
Movimento Nova Era, mas com maior complexidade e abrangência. Aos elementos
neoplatônicos serão acrescentados fundamentos das filosofias e religiões orientais.
Tais manifestações ocorrem em um universo onde o desenvolvimento da técnica e
da informação sustenta-se por graus de racionalidade científica aparentemente
imbatíveis.
59
O sagrado, como compreendido pela Nova Era, afasta-se do conceito
patriarcal de Deus e aceita as concepções das grandes tradições orientais, que
enfatizam a não separação e a interdependência de todas as realidades viventes. A
visão holística do ser humano é essencial nas tradições orientais, em que corpo,
mente, emoção e espiritualidade são inseparáveis.
O Movimento Nova Era tem-se caracterizado pelo pluralismo de
manifestações de retorno ao sagrado, fundamentadas essencialmente na
experimentação. Como afirma Terrin (1996, p. 222), “É o surgimento de uma mais ou
menos poderosa força experiencial e religiosa, sem necessidade de religiões.”
A questão ética e moral na Nova Era segue a trilha iniciada por Santo
Agostinho e expandida por Rousseau, cuja base é o livre-arbítrio. Mas, nesse caso,
fortemente influenciada pelo orientalismo, integra a concepção agostiniana da livre
escolha à teoria do carma e da reencarnação. Desse modo os “nova-eristas”
encontram a melhor maneira de solucionar o problema da grande contradição
metafísica: como um mundo tão imperfeito tem origem em um deus perfeito? Os
fatos e ocorrências no mundo pessoal ou coletivo são determinados pelas escolhas
individuais.
Embora no período da pós-modernidade a sociedade ocidental ainda esteja
imersa em comportamentos consumistas e as grandes preocupações e problemas
gravitem em torno do que é oportuno e inoportuno, funcional e não-funcional, as
ideologias que sustentam tais comportamentos estão em franca decadência. Não é
mais aceitável cooperar de forma indiscriminada com a destruição sistemática do
planeta e de suas espécies. O “politicamente correto” adquire um novo significado
moral e ético. É impossível ignorar o caos instalado à volta do indivíduo globalizado.
60
Impossível “fazer de conta” que os acontecimentos do outro lado do mundo não
dizem respeito ou não interferem nas vidas pessoais, até porque eles entram nas
casas “ao vivo e em cores” todas as noites. O mundo parece ter encolhido e os
acontecimentos em geral fazem parte do cotidiano humano de todo o planeta. Para
o integrante da Nova Era torna-se uma verdade a sensação de que o agir pessoal
de alguma maneira vai influenciar a vida daqueles que vivem próximos, dos que
estão longe e, principalmente, a própria vida.
Os discursos e as palavras mostram-se vazios no universo da Nova Era,
porque o que importa é a experimentação. Como no Oriente e nas antigas tradições
filosóficas, o objetivo do ser humano é a busca e a vivência da sabedoria.
Bem e mal o duas faces de uma mesma dimensão. O que determina a
predominância do bem ou do mal é a escolha do espírito. As coincidências deixam
de existir. Ninguém é vítima de ninguém. O ser humano é cem por cento
responsável por suas experiências. Boas escolhas, escolhas conscientes, trarão
boas experiências, aumentando, assim, a possibilidade de imersão na consciência
primeira, a fusão com o Divino.
O agir deve estar sempre em consonância com as escolhas da consciência
espiritual e essas escolhas promovem o bem-estar. Bem e bem-estar são uma coisa
única, assim como corpo e espírito são inseparáveis. O mal sico e o mal moral
manifestam-se como resultado do desconhecimento espiritual. Só faz o mal, só
pratica o mal aquele que desconhece a espiritualidade como parte integrante de algo
maior, do Divino em si mesmo, não a tornando, portanto, um elemento permanente
na própria consciência. A falta do conhecimento consciente de que “todos são ume
fazem parte de uma mesma teia provoca a desarmonia e o mal se instala.
61
O mal é uma possibilidade. Ele não está nos objetos ou nas situações, mas é
o resultado do desconhecimento humano sobre sua origem divina.
O objetivo principal da Nova Era é estimular o ser humano a buscar na sua
consciência, no Self (também chamado por alguns de Ser Superior, Eu Verdadeiro,
Eu Superior, ou Essência Divina), a força do espírito, por isso a importância do
pensar positivamente. A força do pensamento positivo revela a força do espírito em
sua capacidade de tornar-se dono do mundo e de suas experiências. A Nova Era
acredita que cada ser humano tem uma tarefa a cumprir, que pode conduzí-lo ao
encontro do verdadeiro conhecimento, o sagrado. Este, sim, proporciona a imersão
na consciência cósmica.
Na experiência mística profunda de encontro com a energia criativa do
cosmos, as barreiras religiosas desaparecem. Permanece apenas a na verdade
maior. A fé gerada pela conscncia aproxima as pessoas. A crença nos dogmas das
religiões organizadas afasta e cria hostilidade. A ética da Nova Era é, portanto,
conseqüência de uma experiência mística que ocorre no interior da consciência.
As guerras, as torturas, as crueldades, a agressão maligna refletem um
estado de afastamento dos níveis mais profundos da consciência, o que não é a
verdadeira natureza humana.
A psicologia transpessoal, que se apresenta como uma área de
conhecimento reconhecidamente “nova-erista”, desenvolveu métodos eficazes de
auto-exploração, cura e transformação da personalidade, com base em terapias
tradicionais e práticas espirituais arcaicas. Desse modo revelou para o nova-erista
que o mal se encontra no desconhecimento da verdadeira natureza do ser humano e
na sua insistência em buscar as respostas fora de si mesmo.
62
O sofrimento e a dor não devem ser cultuados. Por conseguinte a Nova Era
não permite que haja espaço para o Cristo crucificado. A imagem de Cristo lembrada
e cultuada é a da ressurreição, o Cristo Cósmico. A salvação não depende de nada
fora do espírito e tampouco de intermediação.
Nos inúmeros centros holísticos, criados para o desenvolvimento do potencial
humano, acredita-se que a realização pessoal deve preceder qualquer outra
realidade. Ela é a palavra de ordem e o princípio mais difundido desse movimento
que é a Nova Era, nos aspectos mais pragmáticos (TERRIN, 1996).
Embora o Movimento Nova Era evite referir-se a dimensões escatológicas ou
a profecias generalizadas e procure manter-se afastado dos modelos de
desenvolvimento comprometidos com um capitalismo desenfreado, são os aspectos
negativos de progressiva deterioração da vida no planeta que o impulsionaram a
mergulhar na subjetividade em busca de respostas.
4.1. Origens, Atividades, Locais e Perfil dos Praticantes
Segundo Amaral (2000, p. 29), as primeiras publicações sobre a Nova Era
surgiram no final da década de 60 (século XX), quando também foram realizados os
primeiros experimentos com drogas psicodélicas e iniciações na fé oriental. Em 1980
foi lançado o livro A Conspiração Aquariana, de Marilyn Ferguson, cuja publicação,
continua Amaral, tornou evidente que a Nova Era já havia se transformado em um
fenômeno de massa nos Estados Unidos”.
63
O grande legado de Ferguson foi, por meio do registro de inúmeras
pesquisas, apresentar críticas ao paradigma racionalista que até então sustentava a
ciência e as sociedades modernas. Seu trabalho apontava o surgimento de uma
mentalidade diferente, uma ampla revolução da consciência fundamentada no
potencial humano de autotransformação, objetivando a criação de uma nova
sociedade.
Amaral (2000, p. 10) denomina o fenômeno Nova Era “cultura religiosa
errante”, movimento em constante trânsito, configurando-se em um estilo de lidar
com o sagrado, que não se apresenta como um produto acabado, responsável por
uma identidade religiosa fixa, mas trata-se de um processo em andamento.
Considerando o pluralismo interno desse fenômeno, Amaral o avalia como
um sincretismo em movimento […] o sincretismo na religião vem deixando
de ter, necesria ou exclusivamente, um lugar de hibridação e passou a se
constituir, também, no deslocamento, na circulação e no fluxo de
identidades […] o deslocamento de diferenças híbridas como uma das
novas condições da experiência espiritual […] a descanonização da relação
entre lugar e essência, que vem se apresentando como um dos aspectos
centrais do estilo Nova Era de lidar com o sagrado. (AMARAL, 2000, p. 17-
18).
Trata-se de um fenômeno urbano que congrega pessoas originárias de
diferentes culturas e crenças religiosas, mas todas com o mesmo objetivo: “[…]
promover uma viagem espiritual sem pouso fixo, às voltas com sua busca de
perfeição interior e liberação do verdadeiro eu.” (AMARAL, 1994, p. 10) (Grifo da
autora).
Magnani (2000) informa que o termo Nova Era teve origem na cosmologia
astrológica e corresponde à mudança de ciclo zodiacal. Encerrou-se a era de
Peixes, caracterizada pelo advento do cristianismo e pelos valores típicos da
sociedade ocidental. A Nova Era representa a Era de Aquário, que traz profundas
mudanças na maneira de pensar dos homens. São transformações que devem
64
trazer o reequilíbrio entre pólos opostos: corpo-mente, espírito-matéria, masculino-
feminino, ciência-tradição.
O pano de fundo, relativamente recente, que proporcionou o surgimento
desse movimento, encontra-se na rebelião da contracultura, que contestava os
valores vigentes na sociedade. Começou com os beatniks nos anos 50 e
manifestou-se, nos Estados Unidos, nos protestos contra a guerra do Vietnã e
tamm nas lutas pelos direitos civis e nos movimentos feministas e hippies (“Faça
amor, não faça guerra”). Consolidou-se nos conflitos de maio de 1968, na França, e
nas reações contra o governo soviético na Tchecoslováquia: a chamada primavera
de Praga.
O consumo de substâncias psicoativas que proporcionavam estados
ampliados de consciência, aliado às informações sobre filosofia e religiões orientais,
contribuiu de forma acentuada para a busca de respostas que transcendiam a
racionalidade dos sistemas vigentes. Descobriam-se novas possibilidades de
explicar a vida e o homem, sustentadas por experiências subjetivas, que
apresentavam um grau de veracidade inquestionável para quem as vivenciava.
Algumas das inspirações filosóficas desse movimento m da Teosofia de
Helena Blavatsky e do transcendentalismo norte-americano de Emerson e Thoreau.
Contribuíram de maneira efetiva para a busca de significado fora das igrejas mestres
vindos da Índia, como Vivekananda, Yogananda e Krishnamurti, que trouxeram seus
ensinamentos para o ocidente, como missão pessoal. Os dois últimos se instalaram
nos Estados Unidos, onde permaneceram até sua morte, nos anos 50 e 60,
respectivamente, do século passado.
65
O Congresso Mundial de Religiões, em Chicago, em 1893, foi o marco
decisivo no processo de busca mística influenciado pelos orientais. Segundo
informações de Carvalho (In: MOREIRA, 1998, p. 82), líderes orientais vindos da
Índia, Sri Lanka e Japão foram ouvidos “[…] em de igualdade com os líderes
cristãos presentes […] trouxeram consigo um quê de revelação, de espanto, de
mudança de perspectiva.” Esse Congresso contou com a presença de Vivekananda.
Carvalho conta que esse místico indiano
[…] atacou o cristianismo por sua hipocrisia, de pretender ser o lugar da
civilização e ao mesmo tempo apoiar os planos sinistros do imperialismo
ocidental, fosse nos Estados Unidos, na França ou na Inglaterra. […] O
cristianismo foi pela primeira vez confrontado em seu próprio território, sem
ter sido capaz de esboçar uma resposta convincente. (CARVALHO In:
MOREIRA, 1998, p. 83).
A vinda desses orientais contribuiu para que, posteriormente, fossem criados
locais que se tornaram centros irradiadores da Nova Era, como a Califórnia, onde
Krishnamurti e Yogananda construíram seus centros de estudos.
A Sociedade Teosófica fundou uma sede em Londres, embora sua matriz
fosse na cidade de Madras, na Índia, onde permanece até os dias atuais. Essa
organização conta com sedes espalhadas por rios países do ocidente. O mesmo
ocorre com a Maçonaria e a Ordem Rosa Cruz.
Também o próprio Tibet, cuja filosofia e religião foram primeiramente
divulgadas por Blavatsky, ainda no século XIX, é uma das referências espirituais
desse movimento. A influência do Budismo tibetano cresceu no Movimento Nova
Era, principalmente alimentado pelas constantes viagens de seu líder espiritual Dalai
Lama ao Ocidente e também pela publicação de suas obras, traduzidas em rias
línguas ocidentais.
66
No século XX surgiram influências mais específicas do Extremo Oriente,
como China e Japão. Um dos braços fortes do Budismo japonês, por exemplo, a
Organização leiga Sokka Gakai, possui templos e centros culturais espalhados pelo
mundo, inclusive muitos no Brasil, incentivados pela imigração japonesa.
Também são manifestações típicas da Nova Era as comunidades rurais
alternativas, caracterizadas por: produção dos chamados produtos orgânicos, sem
utilização de agrotóxicos, o vegetarianismo; crítica ao consumismo e aos valores da
sociedade capitalista; proximidade com a natureza; uma vida essencialmente
espiritualista e comunitária.
Para compreender como esse movimento se apresenta no espaço urbano e
demonstrar que, sob tal denominação, a heterogeneidade de suas atividades não se
reduz a um “[…] amontoado de práticas desconexas, mas apresenta padrões e
regularidade”, Magnani (2000 p. 27), referindo-se mais particularmente à cidade de
São Paulo, agrupou as atividades em cinco modalidades: sociedades iniciáticas,
centros integrados, centros especializados, espaços individualizados e pontos de
venda.
Consideramos adequado ao nosso estudo o agrupamento estabelecido por
Magnani (cujas características serão brevemente descritas a seguir), em função de
havermos encontrado em nossa pesquisa bibliográfica denominações semelhantes
em outras capitais brasileiras, bem como nos Estados Unidos e Europa.
Sociedades Iniciáticas: possuem um sistema de doutrinas, ritos, níveis de
iniciação e hierárquicos,regidos por princípios espirituais e filosóficos definidos por
suas matrizes no exterior. Dentre elas, temos: Maçonaria, Sociedade Teosófica,
Sociedade Antroposófica, Ordem Rosacruz Amorc, Sociedade Brasileira de Eubiose.
67
Também nesse grupo se enquadram as fraternidades, como Pax Universal,
Guardiães da Chama, Guardiães do Templo, Ponte para a Liberdade, am de
outras. Algumas delas o muito anteriores ao Movimento Nova Era, no entanto, de
alguma forma foram inseridas na mesma busca, seja por meio de seus membros ou
de publicações relacionadas a interesses comuns.
Centros Integrados: vários serviços e atividades reunidos no mesmo espaço.
Não possuem uma doutrina fechada, mas apresentam um discurso mais ou menos
ordenado, que abriga elementos de várias correntes filosóficas e religiosas. Em geral
são pequenas empresas dirigidas pelos proprietários, sendo, porém, comum a
locação de espaço para pessoas de fora.
Centros Especializados: podem oferecer mais de uma atividade, mas a
principal é a que lhes o nome. Podem ser academias, instituições, clínicas de
artes marciais ou técnicas terapêuticas.
Espaços Individualizados: oferecem modalidades no campo terapêutico ou
de sistemas oraculares. Não existe uma identificação particular, mas os profissionais
fazem uso comum das instalações. Podem abrigar cartomantes, astrólogos ou
massagistas.
Pontos de vendas: têm caráter claramente comercial. Seus proprietários e
funcionários podem ter, ou não, algum tipo de envolvimento com os aspectos
filosóficos ou espirituais do ramo. Existem as livrarias especializadas, restaurantes
vegetarianos, macrobióticos ou entrepostos de venda de produtos orgânicos, assim
como comércio de essências, cristais, talismãs, discos de música new age, dentre
outros. Existem tamm as agências de turismo especializadas em visitas a lugares
sagrados e em ecoturismo.
68
Optamos por descrever o perfil dos freqüentadores desses locais, conforme
estabelecido por Magnani (2000), por sintetizar informações que podem ser
estendidas às outras regiões do globo. São três os tipos de perfil do “nova-erista”
apresentados por esse autor, e parece manterem-se os mesmos, independente dos
países pesquisados:
O tipo ocasional ou ingênuo: não se fundamenta em nenhuma ideologia ou
gica interna. Suas escolhas são aleatórias e de acordo com modismos. Segue o
que está sendo divulgado por revistas ou personagens famosas da televisão. Limita-
se a “[…] absorver fragmentos que lhe são oferecidos de forma aleatória pelo
mercado.” (MAGNANI, 1999, p. 101). Segundo esse autor, o tipo ingênuo é vítima de
“gurus” inescrupulosos em busca de lucro fácil e que prometem resultados pidos.
Tais situações são responsáveis pela maior parte das críticas negativas que se
fazem contra a totalidade do universo da Nova Era.
O tipo participativo: diferentemente do ocasional, faz suas escolhas
baseadas em conhecimentos e informações previamente adquiridas, que lhe
permitem estabelecer relações entre as modalidades ofertadas. Não se fundamenta
em nenhum sistema especial, mas tem a liberdade de transitar entre eles. É o
freqüentador assíduo dos espaços holísticos. Essa receptividade, mas não a
lealdade exclusiva a algum sistema em particular, é que faz “[…] do tipo participativo
o alvo das palestras, cursos e vivências […].” (MAGNANI, 1999, p. 102).
O tipo erudito: pode estar entre os freqüentadores e também entre os
profissionais que atuam na área. Suas escolhas […] são articuladas e obedecem a
algum princípio subjacente que garante a compatibilidade dos elementos
envolvidos.” (MAGNANI, 2000, p. 48). Tanto os iniciados em alguma prática pessoal
69
quanto os autodidatas o estudiosos e pesquisadores de algum tema específico.
Esse tipo congrega, de forma mais específica, as características que interessam à
nossa pesquisa.
No que se refere aos tipos de atividades, também optamos por seguir a
classificação de Magnani (2000, p. 34), que considera conveniente agrupá-las “[…]
de acordo com o objetivo principal e a ênfase posta em cada um dos planos.”
5
São três grandes grupos de atividades identificados pelo autor: divulgação e
formação, terapias e vivências. Cabe-nos enfatizar que tais grupos evitam
estabelecer fronteiras rigidamente demarcadas, pois a visão holística o admite a
fragmentação dos níveis abordados. Essa classificação é estritamente metodológica,
necessária para uma maior compreensão dos diferentes tipos de atividades. Há,
portanto, uma flexibilidade de trânsito entre todas as atividades.
Divulgação e formação: atividades de divulgação de sistemas específicos e
formação por meio de simpósios, cursos, palestras, congressos, aulas abertas.
Exemplo: cursos de Reiki, Toque Terapêutico, Shantala; palestras sobre
Numerologia, Teosofia; o evento Encontro para a Nova Consciência, que ocorre
anualmente em Campina Grande, na Paraíba; Congresso Internacional de
Massoterapia, além de outros.
Terapias: incluem uma grande variedade de práticas de atendimento
individual ou coletivo, objetivando a cura, prevenção e redução de distúrbios.
Acrescenta-se aqui o desenvolvimento de potencialidades psíquicas ou corporais.
São inúmeras modalidades, também denominadas terapias alternativas.
5
O autor se refere a “planosno sentido holístico, que englobam as dimensões: espiritual, física e
mental.
70
Vivências: referem-se a variados tipos de cerimônias e ritos realizados por
ocasião de datas significativas e comemorações específicas. Ocorrem normalmente
durante workshops e podem incluir danças sagradas, visitas a “lugares de poder”,
invocações de seres representativos das forças da natureza, comemorações das
fases da lua, passagens do equinócio ou solstício, ano-novo astrológico.
Conforme Magnani (2000, p. 45), os integrantes da Nova Era são […]
oriundos das camadas médias e apresentam grau elevado de escolaridade e muitos
deles, em especial os que se dedicam de forma profissional, são herdeiros da
tradição da contracultura dos anos 60.”
De acordo com Heelas (1996), muitos estudiosos salientam que pessoas
educadas das camadas média e alta da população, oriundas de faculdades e
universidades, adotaram valores e fundamentos da contracultura. Entre os
participantes da teosofia, por exemplo, podem ser encontrados professores,
médicos, advogados. Segundo Troeltsch (apud HEELAS, 1996, p. 124), é a […]
religião secreta das classes educadas.”
6
Estamos nos referindo aqui, portanto, a pessoas cultas que buscam
ressignificar a própria vida por meio de experiências de ordem mística.
Utilizamos o termo experiência mística conforme formulado por Carvalho (in:
MOREIRA, 1994, p. 73), para quem essa experiência é “[…] a realização plena ou
mesmo absoluta ainda que momentânea do caminho espiritual proposto pelas
religiões.” Carvalho continua afirmando que essa dimensão, talvez a mais crucial do
ser humano, pode ser formulada como
6
“the secret religion of the educated classes” (tradução da autora).
71
[…] a possibilidade de se alcançar uma consciência cósmica, ou
superconsciência, que transcenda definitivamente as limitações da
consciência racional (esta, inevitavelmente descriminitiva e fragmentadora)
e que possa prover-nos com uma compreensão acabada da unidade que
subjaz ao Todo. Sem esse postulado, os estudos de religião pouco se
distinguiriam dos estudos de filosofia, arte ou política. (CARVALHO, 1994,
p. 73).
Os integrantes da Nova Era buscam, portanto, trilhar um caminho espiritual
que os leve ao encontro de experiências místicas de ampliação da consciência que
lhes possibilitem obter respostas para questões ontológicas primordiais.
72
5.A ESPIRITUALIDADE CORPORIFICADA DA NOVA ERA
Como nossa pesquisa refere-se a experiências estritamente pessoais,
consideramos necessário estabelecer uma compreensão conceitual da categoria
“pessoa”.
Conforme os estudos de Mauss (2003), a noção de pessoa não é inata, mas
construída social e simbolicamente no decorrer da história. É, portanto, uma
elaboração coletiva resultante da convergência de inúmeros fatores, desde
familiares, pessoais, espirituais, até os econômicos, políticos e históricos.
Para Mauss, nas “sociedades menos evoluídas” existiam “personagens” que
representavam um papel no clã. Somente em Roma passa a existir a persona
7
civil,
uma figura jurídica, um estado de direito. A partir do século IX a.C., a ética estóica
transforma a persona em personalidade humana, referindo-se à sua natureza íntima,
agregando, por conseguinte, a natureza moral ao sentido jurídico. A esses dois
aspectos, o cristianismo acrescentará um substrato metafísico: “[…] todos sois um,
em Jesus Cristo. Estava colocada a questão da unidade da pessoa” (MAUSS, 2003,
p. 392), que agora passa a ser vista como substância individual e indivisível.
Mauss continua dizendo que em suas transformações a noção de pessoa viria a
tornar-se a categoria do Eu”; lentamente “[…] identifica-se com o conhecimento de
si, com a consciência psicológica”. Segundo o autor (2003, p. 394), “Quem
respondeu que todo fato de consciência é um fato do ‘Eu’, quem fundou toda ciência
e toda ação sobre o ‘Eu’, foi Fichte.”
“Quem pode mesmo dizer”, pergunta Mauss (2003, p. 397), “que essa categoria
que todos aqui acreditamos estabelecida, será sempre reconhecida como tal?”.
7
Persona significa máscara. Do latim per/sonare, a máscara (per) através da qual ressoa (sona) a
voz do ator no teatro.
73
Todo o itinerário percorrido por essa categoria e cronologicamente descrito por
Mauss permite-nos inferir que a pessoa humana ainda permanece em construção.
As profundas transformações ocorridas no período que agora chamamos s-
modernidade, como vimos anteriormente, afetam as pessoas não em sua
maneira de lidar com o cotidiano, mas tamm no modo como vêem a si mesmas.
Essas alterações acabam desencadeando verdadeiras crises de identidade.
A psicologia transpessoal descreve o ser humano como um “[…] campo de
consciência de proporções infinitas.” (NETO, 2006, p. 27). Os estudos transpessoais
referem-se exatamente às experiências que vão além do pessoal”, que
“transcendem o pessoal”.
O termo “transpessoal”, embora muito utilizado pelos “nova-eristas” e
amplamente conhecido a partir dos anos setenta, parece ter sido inicialmente
introduzido de forma independente, “[…] no começo do século XX por William James
e C. G. Jung […] e mais tarde por Gardner Murphy […] (KRIPPNER, in:
ROTHBERG; KELLY S., 2005, p. 9).
Dois dos principais representantes da psicologia transpessoal, Stanislav Grof
e Ken Wilber, descrevem a pessoa como o resultado de uma intersecção de vários
fatores.
Grof, psiquiatra e pesquisador na área da psicologia transpessoal, vem, há 40
anos, dedicando seus estudos aos elementos descritos como sagrados nos relatos
de pessoas que vivenciaram estados incomuns de consciência
8
. Grof deve ser
especialmente lembrado, segundo Terrin (1996, p. 66), em razão de suas pesquisas
8
Estados incomuns de consciência” é a expressão utilizada por psicólogos e terapeutas
transpessoais em substituição a “estados alterados de consciência”, considerada essa última uma
expreso fortemente comprometida com a patologização de experiências místicas comumente
efetuada pela psiquiatria ortodoxa.
74
sobre a consciência, quando descobriu que, “Em níveis profundos, a mente tende a
unir-se ao espírito universal, à conscncia cósmica.”
O conceito de consciência, portanto, é fator determinante em toda teoria
relacionada com a transpessoalidade.
O termo consciência, no sentido utilizado pela psicologia transpessoal, é
definido de modo bastante claro na abordagem de Basso e Pustilnik, que nos remete
ao conceito ontológico do Ser, desenvolvido pela filosofia e teologia medievais:
Consciência é aquilo que É, ou seja, o Ser na sua totalidade; e nós, assim
como todas as coisas que existem no mundo físico e não-físico, somos
Suas manifestações individualizadas, com a qual temos uma relação
holográfica de parte/todo (BASSO; PUSTILNIK, 2000, p.17).
Grof (2000) afirma que a psicologia transpessoal estuda e respeita todo o
espectro da experiência humana, inclusive os estados incomuns de consciência e
todos os domínios da psique: biográfico, perinatal
9
e transpessoal. Para ele, a
psicologia transpessoal,
[...] tem uma maior sensibilidade cultural e oferece uma forma universal de
compreensão da psique, aplicável a qualquer grupo humano e período
histórico. Ela tamm honra as dimensões espirituais da existência e
reconhece a profunda necessidade humana de ter experiências
transcendentais. Nesse contexto, a pesquisa espiritual parece ser uma
atividade humana compreenvel e legítima. (GROF, 2000, p. 211).
A própria filosofia da religião, em sua preocupação com o Absoluto, “não
como ‘encontro’ com ele, nem enquanto Deus, mas como o Ser e o fundamento de
toda a realidade” (CROATTO, 2001, p. 21), embora fundamentada em uma
racionalidade analítica, tem muito a contribuir com o estudo da sacralidade na Nova
Era, representada pelas experiências da psicologia transpessoal.
Com base em seus estudos, pesquisas e casos clínicos, Grof (1998)
percebeu, logo no início de sua carreira, que as teorias psiquiátricas existentes eram
9
Refere-se a manifestações relacionadas ao trauma do parto biológico.
75
incapazes de explicar não as experncias dos estados incomuns de consciência,
como tamm ignoravam a natureza simbólica de seus conteúdos.
É importante salientar que a psicologia e a psiquiatria ortodoxa abordam de
maneira semelhante as experiências dos estados incomuns de consciência, sejam
elas deflagradas pelo uso de substâncias psicoativas ou pelo processo de meditação
regressiva. Esses profissionais realizam pesquisas para mostrar que tanto os
dependentes de drogas quanto os místicos o indivíduos que procuram fugir da
realidade (TART, 1979).
Surpreso pelo fato de a psiquiatria contemporânea não reconhecer as
especificidades dos estados não-patológicos e não possuir um termo especial para
categorizá-las, Grof (2000, p. 18) cunhou o termo holotrópico: Esta palavra
composta significa literalmente ‘orientado para a totalidade/inteireza, ou indo em
direção à totalidade/inteireza(do grego holos = totalidade/inteireza e trepein = indo
em direção a algo).”
Ao examinar o papel desempenhado pelos estados holotrópicos de
consciência ao longo da história da humanidade, Grof percebeu a importância deles
para as culturas antigas e pré-industriais. “Todas as culturas nativas tinham os
estados holotrópicos em alta estima, dedicando tempo e esforço para desenvolver
formas seguras e eficazes para induzi-los.” (GROF, 2000, p. 19).
o estado comum de consciência, o estado de vigília associado ao
cotidiano, é denominado hilotrópico, que tende à parte. Em estado hilotrópico, a
pessoa identifica-se com o mundo material, com seu corpo, com a razão e a gica e
com a vida cotidiana, uma identificação com o que Platão chamaria de “mundo das
76
sombras”, e os orientais de origem budista e hinduísta chamariam de “maia”, o
mundo de ilusões.
No modo de consciência hilotrópico, nós experienciamos apenas uma parte
limitada e específica do mundo fenomenal ou da realidade consensual, de
momento a momento. A natureza e a extensão deste fragmento experiencial
da realidade são definidos de modo não ambíguo, por nossas coordenadas
espaciais e temporais do mundo fenomenal, pelas limitações anatômicas e
fisiológicas de nossos órgãos sensoriais e pelas características físicas do
ambiente. (GROF, 1997, p. 55).
No modo de consciência holotrópico, portanto, a pessoa é capaz de alcançar,
além dos níveis hilotrópicos, aspectos transfenomenais da existência e muitos outros
domínios da realidade, aqueles, por exemplo, descritos pelas grandes tradições
místicas da humanidade.
Para Grof, a parcela da pessoa identificada com a realidade hilotrópica é o
ego, chamado por ele de “pequena personalidade”. a personalidade mais
profunda” identifica-se com o Self, está conectada com o Grande Mistério, com o
espírito superior. Self é a dimensão de cada pessoa que não necessita de
intermediários em sua busca e encontro com o Todo.
A dimensão da psique humana denominada Self, na abordagem da Nova Era,
resulta de uma apropriação bastante significativa da teoria de Jung. Self seria
exatamente “[…] a instância interior totalizadora da identidade” (MOURÃO, 1997, p.
68). A ligação permanente com o Self desencadeia o processo de individuação.
Esse conceito, também junguiano, representa a realização e atualização das
potencialidades individuais.
A pessoa realizada e saudável, portanto, seria aquela capaz de integrar
conscientemente as suas possibilidades pessoais e transpessoais em um todo
coerente.
77
O livro Um Curso em Milagres, da Fundação para Paz Interior, define, de
forma bem clara e em vários trechos, a vinculação do ego com o mundo hilotrópico.
A linguagem utilizada traz novamente semelhanças não com o platonismo em
sua referência ao mundo das sombras, mas tamm com algumas das filosofias
orientais, quando estas se referem ao mundo das ilusões. Assim afirma Um Curso
em Milagres:
As ilusões não durarão. A sua morte é certa e apenas isso é certo no
mundo em que elas existem. É o mundo do ego por isso. O que é o ego?
Apenas um sonho acerca do que realmente és. Um pensamento segundo o
qual estás à parte do teu Criador e um desejo de seres o que Ele não criou.
É uma loucura sem nenhuma realidade. […] O que é o ego? O nada, mas
em uma forma que aparenta ser algo. Em um mundo de formas, o ego não
pode ser negado, pois ele parece real. […] Quem te pede para definir o
ego e explicar como ele surgiu só pode ser alguém que pense que ele é real
e busque, através da definição, assegurar-se de que a natureza ilusória do
ego esteja oculta por trás das palavras que parecem fazer com que seja
assim. […] Não definição para uma mentira que sirva para torná-la
verdadeira. (UM CURSO EM MILAGRES, cap. Esclarecimento de
Termos,1999, p.83).
Wilber, biólogo e químico americano, criador da Psicologia Integral (2003), por
sua vez, afirma que a pessoa deve buscar conhecer-se, partindo de si mesma; deve
incluir o outro e tamm o meio social, até ter a clara percepção do seu próprio
papel na teia do universo. A pessoa é um ser em construção na longa caminhada
em busca do encontro com o Absoluto em si.
Para Wilber (2003), o grande objetivo na vida é a evolução do ser humano em
direção à restauração dos dualismos ou integração, quando então é possível
assumir a responsabilidade por tudo que acontece à própria vida. Essa evolução
é possível por meio do acesso a estágios transpessoais de desenvolvimento.
Esse modelo de conscncias evoluindo até atingir a fusão com a consciência
cósmica, com o Absoluto, presente tanto em Grof quanto em Wilber, encontra-se
tamm na “lei da complexidade dos sistemas e consciência”, de Teilhard de
Chardin, um dos místicos ocidentais cuja teoria é utilizada pelos integrantes da Nova
78
Era. Chardin (apud CAPRA, 2002) afirma que a evolução se desenrola na direção de
uma crescente complexidade, que é acompanhada por uma correspondente
elevação do nível de consciência, culminando na espiritualidade humana.
A natureza da consciência e sua relação com a matéria, objeto das grandes
tradições espirituais, são questões abordadas tanto por Grof em suas pesquisas
clínicas, quanto por Wilber em seus trabalhos de investigação pessoal. A
consciência não é identificada como resultante de processos fisiológicos do cérebro,
mas, sim, um atributo primário da existência.
A respeito de suas pesquisas recentes, o neurobiólogo António Damásio
(2004, p. 297) confessa ser desagradável neurologizar as experncias religiosas,
especialmente quando se trata de “[…] identificar Deus com um centro cerebral, e
justificar Deus e a religião com base nos dados da neuroimagem funcional.” Esse
autor associa a noção espiritual a uma experiência intensa de harmonia. Afirma que
“Espinosa tinha razão quando dizia que a alegria e suas variantes levam a uma
maior perfeição funcional […]” e que […] a capacidade de evocar experiências
espirituais está à nossa disposição.” (p. 298), o que, para ele, independe de religiões
institucionalizadas. Para esse pesquisador, “[…] a sublimidade do espiritual está
incorporada na sublimidade da biologia […]” (p. 299) e isso mostra que os processos
fisiológicos por trás do espiritual não explicam o mistério da vida, mas apenas
revelam “[…] a ligação com o mistério” (p. 300).
Para Grof o questionamento da ciência ocidental sobre “Onde está o
momento em que a consciência tem origem? Quando a matéria se torna consciente
de si?” é virado pelo avesso. Ele se transforma em Como a consciência produz a
ilusão da matéria?” Para o autor a consciência é algo primordial, é a única realidade
79
que é manifesta em todos e em tudo à nossa volta (GROF apud CAPRA, 1995, p.
88).
As pessoas que integram o movimento Nova Era buscam, de forma rotineira,
experiências que proporcionem um contato direto com a realidade transpessoal e
transfenomenal denominada sagrado. Referimo-nos aqui à pessoa humana não
como uma categoria pronta, fechada, fixa e definitiva mas aquela que traz em si a
permanente possibilidade do vir-a-ser dinâmico de Parmênides, o ser como unidade
que contém em si o que foi e o que será, concomitantemente. Essas pessoas, em
busca de experiências que as conduzam ao sagrado, incorporam a subjetividade ao
seu modo de conhecimento. Conhecer e saber vinculam-se necessariamente à
experimentação, pois o verdadeiro conhecimento não pode ser adquirido pela
experiência do outro.
“O ser humano é, em si mesmo, uma contradição existencial: é forçado a ser
livre.”, diz Ruiz, citando Ortega Y Gasset (2004, p. 53). Para Ruiz é impossível
conceituar o ser humano. Em uma abordagem filosófica, demonstra que a tentativa
de defini-lo corre o risco de tornar-se reducionista, porque:
A pessoa não é um produto acabado, mas uma criatura aberta pela
ambigüidade e enriquecida pelo desejo. Não constituímos um ser definido,
mas perambulamos entre a necessidade de plenitude e a busca de sentido.
Não habitamos um mundo natural, mas vivemos numa selva de símbolos.
Não somos um animal meramente racional, mas criaturas hermenêuticas
que dotam de significado tudo o que tocam. Não nos adaptamos
funcionalmente à realidade, mas a transformamos por meio da práxis
criadora. […] Somos uma criatura fraturada pelo conflito e rejuntada pela
tensão existencial. (RUIZ, 2004, p.54).
No universo da Nova Era a pessoa se percebe como um ser em permanente
construção. Busca, na experiência vivida do sagrado, os meios que favorecem a
integração da totalidade corpo, razão, emoção e espiritualidade. O experienciar é a
forma que torna possível à pessoa expandir plenamente a consciência e,
80
conseqüentemente, desenvolver a capacidade de atribuir significados ontológicos ao
viver.
5.1. Mythos e Logos no Universo da Nova Era
Os integrantes da Nova Era não rechaçam o logos, o o rejeitam como a um
impostor, mas o retiram do trono e o convidam a ocupar um espaço mais real e em
parceria com o mythos. A dimensão simbólica recompõe o imaginário ocidental na
busca do equilíbrio e da harmonia inerentes à experiência de manifestação do
sagrado, manifestação que é considerada intrínseca à natureza humana. É preciso
apenas recordar, como diria Sócrates no Fédon (2004, p.141), pois “nossas almas
existiam antes de que surgissem sob a forma humana, e mesmo quando não
possuíam corpo já tinham o conhecimento.”
A dinâmica da interação epistemológica desses dois elementos, mythos e
logos, promove, de forma intencional, a totalidade do conhecimento “nova-erista”.
Os dados coletados por Grof em suas pesquisas com grupos ocidentais
contemporâneos corroboram com a ousada idéia de que é possível reconhecer o
sagrado como parte indissociável daquilo que designamos natureza humana. Isso
porque, acreditam os integrantes da Nova Era,
[…] É fácil reconhecer no universal o critério da natureza. Porque aquilo que
é constante em todos os homens escapa necessariamente aos domínios
dos costumes, das técnicas e das instituições pelas quais seus grupos se
diferenciam e se opõem. (LÉVI-STRAUSS apud MATTOS, 2006, p. 7)
Os resultados das pesquisas de Grof parecem, portanto, confirmar a teoria de
Eliade de que “O sagrado é um elemento da estrutura da consciência, e não uma
81
etapa na história dessa consciência.” (ELIADE apud FILORAMO; PRANDI, 1999, p.
56).
Embora a religiosidade tenha funções sociais específicas e exerça um papel
cultural definido, para a Nova Era o sagrado não é uma construção elaborada pela
história dos homens, mas é parte intrínseca e inseparável da existência humana
enquanto entidade ontológica.
Afirma Rohden (1998, p.11) que o sagrado em Eliade está imbricado às
idéias de ser e de significado. Por isso o homem moderno, apesar da racionalidade
e do afastamento da transcendência, “[…] está sempre em busca do ser e de
significação, não podendo viver sem estas duas idéias.”
O universo da Nova Era parece manter um trânsito confortável do sagrado ao
profano e deste para aquele, o que nos faz refletir sobre algumas considerações de
Eliade (1992) que consideramos pertinentes a esta pesquisa.
Eliade apresenta a realidade profana como um meio de compreender e
apreender o verdadeiro sentido do sagrado. Ao descrever essa dicotomia, ele
demonstra que o homem religioso
10
tem a clareza do “limiar”, a fronteira entre
sagrado e profano estabelece a diferença entre dois modos de ser. Embora sejam
dois mundos que se opõem, a comunicação entre eles existe e mantém sua
continuidade exatamente nessa oposição. O homem religioso, portanto, sabe utilizar
a “passagemdo profano ao sagrado, de modo a transcendê-lo, para, assim, atribuir
significado ao mundo.
10
Homem religioso e religião são aqui utilizados no sentido compreendido pela fenomenologia da
religião de Eliade: o homo religiosus como sujeito da experiência religiosa; sua maneira de ser e agir
diante da realidade sagrada transcendente.
82
A ausência do sagrado, por conseguinte, promove o surgimento do caos.
Somente a sacralização do mundo é capaz de instaurar a harmonia e o equilíbrio. O
homem religioso precisa, por meio de seus mitos e ritos, fazer uso dessa
“passagempara que o real se instale, pois aquilo que é real (e aqui novamente nos
lembramos de Platão) só se revela no sagrado.
Na imitação dos deuses, o “homem torna-se sagrado”. E na reatualização dos
gestos divinos, “o mundo é santificado.” (ELIADE, 1992, p. 88).
Para Eliade o homem religioso vive uma inextinguível sede ontológica: é
sedento de Ser. O único modo de evitar o caos é transcender o profano, pois este
não participa do Ser. Afirma que o ser humano é constituído, ao mesmo tempo, de
uma atividade consciente e de experiências irracionais. Para ele um homem
exclusivamente racional é uma abstração. A existência humana é “[…] alimentada
por pulsões que chegam do mais profundo do ser”. E “Os conteúdos e estruturas do
inconsciente apresentam semelhanças surpreendentes com as imagens e figuras
mitológicas.” (ELIADE, 1992, p. 170).
Quanto às discussões sobre os excessos da racionalidade, Bartolomé Ruiz
(2004, p. 130) informa que a chamada “dessacralização do mundo é sempre relativa
[...]. Sempre existe uma certa dimensão de sacralidade na forma como o ser
humano se relaciona com o mundo”. Para esse autor, o desencantamento do mundo
sugerido por Weber foi um engano. Afirma que esse desencantamento “[…] será
sempre relativo e que jamais poderá ocorrer uma vitória da razão sobre o símbolo e
nem a do mito sobre o logos. Argumenta ainda que “A desconstrução da visão
mítico-mágica não desencadeou um processo de anulação total da dimensão
simbólica do ser humano”, pois, continua ele, o simbolismo não é uma dimensão
83
superável, “[…] mas o modo antropológico e social de se relacionar com o mundo e
de transformá-lo.” (p. 129).
Conforme assegura Rohden, ainda mencionando a abordagem ontológica de
Eliade,
O sagrado é pleno de ser. É fonte de sentido, referência absoluta. Em
outros termos, enquanto a realidade sagrada confere significado ao nosso
mundo e aos nossos atos, o profano é o domínio do relativo, do não ser, do
não sentido. (ROHDEN, 1998, p. 41).
Como para Eliade (1992, p. 171) o sagrado funda o mundo, a religião mais
elementar é, antes de tudo, uma ontologia. Sendo o inconsciente resultado de
inúmeras experiências existenciais, não pode deixar de assemelhar-se aos diversos
universos religiosos. A religião é a solução exemplar de toda crise existencial. É
indefinidamente repetível e de origem transcendental valorizada como revelação
recebida de um outro mundo trans-humano. A solução religiosa resolve a crise e
torna a existência “[…] aberta a valores o mais contingentes nem particulares […]
o homem ultrapassa as situações pessoais e alcança o mundo do espírito.
O subjetivismo da Nova Era trouxe de volta ao Ocidente uma relação de
compromisso ontológico com o mistério; um retorno aos símbolos, mitos, ritos e a
reafirmação de um mundo sacralizado. Para esse Movimento, porém, o silêncio e o
vazio descritos em muitas experiências de encontro com o sagrado são permeados
e até deflagrados pela corporalidade. Desse modo, por meio da experiência, supera-
se o dualismo estabelecido por Platão, aprofundado por Descartes e transformado,
na modernidade, por muitos de seus seguidores, em critério gnoseogico
indiscutível. Os integrantes da Nova Era, portanto, determinam a incorporação
consciente da subjetividade como base para uma nova epistemologia.
84
A Nova Era acredita na possibilidade de construção da pessoa humana, da
transformação interior do indivíduo ocidental que busca integrar e viver a totalidade
corpo/alma por meio da experimentação. nesse Movimento um explícito
empenho em fortalecer o espírito humano. Essa emergência do viver a totalidade
sagrada pode criar meios de resgatar a humanidade do desencanto e da sensação
de desamparo do espírito moderno, prenunciado por Weber, e reafirmar a “fuga para
o império da mística” (MATA, 2007, p. 7), conforme expressado por Troeltsch.
Sanchis (1999, p. 236) também afirma que a Nova Era e suas
experimentações resultam da sensação de uma certa “desordemno mundo, que se
apresenta, dentre outras manifestações pós-modernas, “[…] como protestos
implícitos contra uma excessiva deriva racionalizante das grandes religiões do
Ocidente.”
Há, portanto, um movimento libertador na Nova Era, que caminha em direção
à construção de uma epistemologia resultante do permanente experimentar. Esse
movimento acaba provocando uma ressignificação da vida pessoal e comunitária.
Desse modo o individualismo pós-moderno transita de um egocentrismo de
características essencialmente hedonistas para o experienciar constante, em busca
da individualização integrativa. Esse mergulho interior de procura de sentido pode
ser proporcionado pela própria consciência, que, em contato com o mysterium
tremendum e fascinans, ressignifica o mundo, seu papel e sua relação de alteridade.
O ensimesmamento
11
retira o indivíduo do estado de alteração em que vive, um
11
Os conceitos de ensimesmamento e alteração foram desenvolvidos pelo filósofo Ortega Y Gasset,
significando: ensimesmamento, o poder de recolher-se dentro de si mesmo, retirar-se
transitoriamente do mundo; e alteração, o estado de permanecer sempre atento ao que se passa fora
de si, alienado.
85
estado de permanente estresse, e confere um sentido ontogico à vida, em que o
ser determina o fazer.
O experimentar é a ferramenta do encontro com a consciência e o retorno à
capacidade criativa de atribuir significados ontológicos. Manifesta-se como uma
exigência da consciência humana em sua busca por significados e proporciona à
Nova Era um caminho epistemológico para a redescoberta do sentimento de
pertença à humanidade, embora a salvação seja inteiramente individual. O ser
humano torna-se o único responsável por sua própria salvação. Isso porque o divino
não é externo, mas encontra-se no interior da própria consciência. O
reconhecimento dessa unidade integradora consolida a sensação, mesmo que
temporária, do pertencimento grupal.
Nas vivências da Nova Era o objetivo é exatamente buscar, no interior da
própria conscncia, na força do espírito, o significado da vida e a compreensão de
seus desdobramentos. Nessas situações específicas de experimentação, o logos
racional é identificado com o ego e deve ser evitado, pois representa o caráter
profano. A dimensão simbólica manifesta o sagrado. Faz parte do imaginário
humano em busca da compreensão de sua própria realidade. Para o ser humano da
Nova Era o mal reside na fragmentação, na separação do homem de sua essência
divina. Por esse motivo toda realidade sem a experiência do sagrado prescinde de
sentido, corroborando para uma condição humana de angústia e desespero. Essas
experiências explodem em mbolos. Não há outra possibilidade de expressar o que
foi vivenciado. As descrições de encontros com o mysterium, fornecidas por Grof em
suas pesquisas, parecem concordar com Ruiz, quando este afirma:
É a junção simlica que confere sentido pleno à realidade
fraturada. O símbolo rejunta as partes separadas. O ser humano,
ao conferir um sentido às coisas, realiza uma juntura simbólica
86
com o mundo [...] à natureza do símbolo corresponde à
capacidade de juntar as partes separadas, conferindo uma nova
unidade ao que estava distante [...] o símbolo tem como
potencialidade própria a conjunção das partes fraturadas numa
nova unidade significativa. (RUIZ, 2004, p. 134).
Desse modo o Movimento Nova Era parece realmente expressar-se como
uma reação aos séculos de des-mistificação ou, na linguagem weberiana, de
desencantamento do mundo, proporcionado por uma teoria do conhecimento
engessada pela lógica racionalista, que se apresentava como único modo de atingir
a verdade.
Como afirma Bartolomé Ruiz (p. 142), essa racionalidade ou “[…]
entronização do logos” procurou “[…] destituir de valor lógico, epistemológico ou
ontológico qualquer aspecto simbólico ou referência ao mundo do imaginário.” E,
continua o autor, a função simbólica é exatamente um instrumento de manutenção
do equilíbrio psicossocial para o ser humano. Conforme Cassirer e Jung (apud
BARTOLOMÉ RUIZ, p. 146), “A doença mental nada mais é do que a perda ou
distúrbio da função simbólica.”
A função simbólica do indivíduo ocidental moderno acabou sendo designada
de irracional e alienante, com uma conseqüente fragmentação da psique e, em
alguns casos, provocando a perda total dessa função. Talvez os conflitos surgidos
em decorrência da imposição de um único modo de lidar com o mundo, da
homogeneização epistemológica, sejam responsáveis pelo aprofundamento das
crises pessoais e institucionais ocorridas na sociedade moderna.
De acordo ainda com Bartolomé Ruiz, o progressivo desenvolvimento do
logos não promoveu a superação do mito, por estar ele implícito no desenvolvimento
simbólico do ser humano, e o […] mito está inserido na estrutura de sentido que as
pessoas e as sociedades constroem para o real. (p. 129)”.
87
O homo religiosus da Nova Era vive de forma consciente a oposição mythos e
logos, aceitando como parte indissociável da existência a aparente contradição entre
esses dois aspectos do conhecer, mas busca manter-se permanentemente em
contato com seu symbolon, pois sente que ele atribui sentido à realidade. E para
os “nova-eristas”, o sentimento é uma forma de conhecimento altamente confiável,
pois é por meio das emoções que se atinge a união plena com o sagrado.
Como reiteramos muitas vezes ao longo desta pesquisa, a racionalidade
científica, com suas promessas de solução e esclarecimento da realidade, alterou de
forma profunda a expressão simbólica do indivíduo, impedindo-o de externar
verdades subjetivas e reduzindo a sua capacidade de atribuir significados a um
universo pessoal desvinculado do sentido do viver.
É interessante observar, no entanto, que a Nova Era, embora retomando a
forças das tradições gregas, orientais e populares, não abre mão das conquistas
obtidas pela ciência. Como afirma Magnani,
[...] no par Tradição versus Ciência, esta última não entra tanto como fonte e
sim como instância legitimadora de um conhecimento que se reputa
indispensável para a plena realização do homem [...] se a ciência não é
garantia de um futuro melhor [...] a ela reserva-se o papel de confirmar,
legitimar a validade, coerência ou ao menos a verossimilhança das
verdades tradicionais. Não se trata, portanto de escolher entre Tradição e
Ciência: o homem da Nova Era não opta pelo irracionalismo, pois não
rejeita os incontesveis avanços científicos ou seus métodos de trabalho.
(MAGNANI, 1999, p. 86).
O que o Movimento Nova Era busca é poder viver, conhecer e expressar o
fato de que a realidade observada na vida cotidiana não é a única que existe. Os
sentimentos apontam para outras possibilidades que não podem simplesmente ser
ignoradas.
88
5.2. A Atraente Irracionalidade do Sagrado
O conceito de sagrado utilizado em nosso estudo refere-se ao numen, definido
por Otto (1985) como o mysterium tremendum o grande mistério, aquele que
provoca terror e atração, que paralisa a pessoa, tornando-a humilde e silenciosa
diante dele.
O conteúdo fornecido por relatos de experiências incomuns vivenciadas pelos
integrantes da Nova Era nos remete aos três elementos descritos por Otto (1985),
que compõem o mysterium tremendum: o tremor místico, que provoca medo e faz
tremer; majestas, que representa poder absoluto, força e o sentimento de ser
criatura; orgé ou energia do numinoso, a força da bondade, do amor, da
sensibilidade.
É muito comum esses relatos conterem expressões de fascínio e atração,
mescladas com terror e repulsa. Para Otto (1985, p. 35), Esta harmonia de
contraste, esse duplo caráter do numinoso é atestado em toda história das religiões
[...] é o fenômeno mais estranho e mais notável de toda a história”. O autor afirma
que o numinoso não é racional e, portanto, não pode desenvolver-se em conceitos,
ele surge no plano da experiência religiosa vivida. Quando Otto diz que o sagrado é
algo inexplicável, que precisa ser vivido, ele fornece um entendimento para a
incessante busca por experiências místicas, empreendida pelos “reencantados
integrantes da Nova Era.
Grof (2000) observou que nos estados holotrópicos, ocorridos de forma
espontânea ou induzida, seja por drogas psicoativas ou por trabalhos respiratórios e
corporais, as pessoas manifestavam, ao retornar ao estado de consciência de vigília,
89
ou comum, uma espécie de deslumbramento, um maravilhar-se acompanhado de
calma e tranqüila certeza de que haviam estado em contato com algo que o
poderia ser descrito como “deste mundo”. Algo de natureza superior e
transcendente. Tais descrições também revelavam momentos repletos de
sensações assustadoras, acompanhadas, muitas vezes, por um terror indescritível.
Os relatos caracterizavam-se pela riqueza da linguagem simbólica e descrições de
ritos e mitos ancestrais permeados por clareza de sentimentos e emoções.
Grof percebeu que a mitologia seria a chave para penetrar nesse reino
fortemente relacionado com elementos sagrados. Encontrou em J. Campbell e C.
Jung os caminhos para a compreensão de tais manifestações. Os estudos
junguianos introduziram-no no termo numinoso e, conseqüentemente, na obra de
Rudolf Otto, mais especificamente O Sagrado.
O sagrado, conforme descrito pelas pessoas mencionadas nas pesquisas de
Grof, é apresentado como algo completamente diferente da realidade que nos cerca,
com a qual lidamos no dia-a-dia. Os relatos são ricos em elementos, que podem ser
apontados como parte da categoria irracional estudada por Otto. Manifestam-se
sempre como algo relacionado ao divino.
Assim, para compreender os relatos apresentados, é necessário ter como
referência o elemento irracional do fenômeno estudado, pois as manifestações
descritas nem sempre são passíveis de uma formulação lógica. uma aparente
contradição nas descrições analisadas, e se tentarmos enquadrá-las num arcabouço
de racionalidade e coerência lógica certamente estaremos invalidando tais
experiências e nos veríamos forçados, como o faz a psiquiatria tradicional, a
90
classificá-las sob o rótulo de “patológicas”. Essas experiências o chamadas de
“espirituais” pelo Movimento Nova Era.
O conceito de espiritualidade apresentado pela Nova Era é imprescindível
para a compreensão do nosso estudo. Encontramos em Carvalho uma conceituação
que se coaduna com as explicações dadas pelos integrantes do Movimento:
[…] espiritualidade é, para mim, a maneira como um determinado indivíduo
internaliza, desenvolve, de um modo sempre idiossincrático, aquela
particular via ou modelo de união (ou de re-ligação, para lembrarmos a
origem do termo) proposto pela religião a que adere. Assim, espiritualidade
implica uma dimensão de subjetividade trabalhada, de experiência que
transcende a norma ou a expectativa formal da comunidade. (CARVALHO
In: MOREIRA, 1994, p. 73).
Para Grof (2000, p. 205), por exemplo, “A espiritualidade é de ordem subjetiva
e baseia-se em experiências diretas com aspectos e dimensões não-comuns da
realidade.” Não exige um local apropriado ou uma pessoa para intermediar o contato
com o divino. São experiências místicas que não necessitam de templos ou igrejas,
pois o templo é o próprio corpo, “território do sagrado”. No contexto em que as
experiências sagradas ocorrem, a pessoa precisa apenas da natureza, de seu
próprio corpo, às vezes de um mestre que a oriente e de um grupo de companheiros
que lhe dê apoio.
As manifestações espirituais, segundo Grof (2000), podem ocorrer de duas
formas distintas: a) a experncia do divino imanente, quando acontece a percepção
súbita da realidade diária transformada, em que as pessoas, animais e objetos à sua
volta são manifestações de um campo unificado da energia cósmica, e as barreiras
entre esses elementos são irreais e ilusórias. Essa é a experiência direta da
natureza como deus, de acordo com Grof, o deus sive natura de Spinoza; e b) a
experiência do divino transcendente, que envolve a manifestação de seres
91
arquetípicos e domínios da realidade, que costumam ser transfenomenais,
inalcançáveis à percepção no estado de consciência diário.
É interessante observar que o início de todas as grandes religiões foi marcado
por experiências do divino imanente ou transcendente por parte de seus fundadores.
Essas experiências de ligação com o aspecto sagrado da realidade são comuns,
aceitas como naturais e incentivadas pelas sociedades pré-industriais e pelas
civilizações arcaicas. Enfatiza-se aqui, portanto, que a civilização moderna,
fundamentada na gica materialista, rotulou de patológicas tais experncias, por
não conseguir explicá-las pelo arcabouço da ciência racionalista.
O modelo de ciência newtoniana-cartesiana criou uma imagem muito negativa
do ser humano, apresentando-o como uma máquina biológica movida por impulsos
instintivos de natureza bestial, não reconhecendo realmente valores mais altos,
como consciência espiritual, sentimento de amor, carência estética ou senso de
justiça. Todos esses valores são vistos como derivados de instintos de base ou de
ajustes essencialmente estranhos à natureza humana. Essa imagem endossa o
individualismo, a ênfase egoística, a competição e o principio da “sobrevivência do
mais forte”, como tendências naturais e necessariamente saudáveis. A ciência
materialista não foi capaz de reconhecer o valor e a importância vital da cooperação,
da sinergia e das preocupações ecológicas, pois se tornou cega por seu próprio
modelo de mundo: unidades separadas que interagem mecanicamente. (GROF,
1987).
Grof observou que esquizofrênicos e psicóticos costumam vivenciar a
realidade em estados transpessoais de consciência, um padrão mental que muito se
assemelha ao dos místicos. Exatamente por isso, durante muito tempo, muitos
cientistas e profissionais de saúde consideravam que certos santos, místicos e
92
tamm artistas, na história da humanidade, apresentavam, na verdade, patologias
diversas, idéia que ainda hoje persiste.
São João da Cruz foi chamado de “degenerado hereditário”. Santa Tereza
d’Ávila teria sido uma “psicótica histérica”, e as experiências místicas de Maomé
foram atribuídas à “epilepsia”. (GROF,1999).
No diálogo O Banquete (1989), de Platão, um dos discípulos de Sócrates
afirmava que seu mestre costumava afastar-se do local onde estava e permanecia
imóvel por vezes até 24 horas. O próprio Sócrates assim disse, em sua Apologia:
[…] existe em mim não sei que espírito divino e demoníaco, a respeito do
qual, também Meleto, com jeito de estar se divertindo, aponta no ato da
acusação. É como uma voz que possuo dentro de mim desde criança e,
que, toda vez que eu a ouço, sempre faz com que eu desista do que estou
para fazer, e nunca me convence a realizar qualquer outra coisa (PLATÃO,
2004, p. 84).
Sócrates, que chamava essa voz de Daimonion, poderia ser diagnosticado
pela psiquiatria tradicional como catatônico, autista ou esquizofrênico. Ouvir vozes,
ou uma voz interior, era algo comum na vida de pessoas como São Paulo, São
Francisco, Edgar Alan Poe, Walt Whitman, Virginia Woolf, Henry David Thoreau e
muitos outros santos, poetas e artistas.
A visão patológica da experiência mística se deve muito à abordagem
freudiana da psique humana. Para Freud a religião era resultado de conflitos não
resolvidos do desenvolvimento psicossexual infantil. De acordo com ele, a religião
seria uma neurose universal, uma defesa diante do massacrante poder da natureza
e o desejo de corrigir as dolorosas imperfeições da civilização. (FILORAMO;
PRANDI, 1999).
Opondo-se a Freud, Jung acreditava que, se a análise e a auto-exploração
alcançassem profundidade suficiente, os elementos espirituais emergiriam
espontaneamente na consciência, porque estava convencido de que a dimensão
93
espiritual era parte orgânica e integral da psique. Segundo Jung, quem penetra no
inconsciente apoiado apenas em pressupostos biológicos detém-se na esfera dos
instintos e não consegue ir mais longe, só recua continuamente em direção à
existência física. Por isso o pensamento de Freud não tem outra saída que não a de
concluir com uma apreciação essencialmente negativa do inconsciente (JUNG,
1986).
Pelo fato de Jung reconhecer que o processo de interiorização dos humanos
pode transcender os estreitos limites do ego e do inconsciente pessoal, Grof o
considerou o primeiro representante da orientação transpessoal na psicologia.
William James, embora considerado um dos fundadores da psicologia
científica, afastou-se do reducionismo positivista. Em seu trabalho escrito em 1902,
The Varieties of Religious Experience (2004), já afirmava que a consciência não era
um femeno cerebral. Em seus relatos sobre o fenômeno religioso, considerava as
experiências místicas como experiências pessoais, que envolviam sentimentos e
ações relacionadas com o divino. James manifestava-se contra os excessos do
racionalismo e as tentativas de aplicar seus postulados a todas as demais áreas do
conhecimento humano. Defendia a experiência subjetiva, com seus aspectos
emocionais, afetivos e intuitivos, como forma válida de percepção e geração de
conhecimento.
Guerriero, antropólogo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2006, p. 23), em sua recente investigação sobre a essência da religião e a
importância do simbolismo religioso na vida humana, refere-se ao fato de a religião
ser universal e, segundo ele, por que não dizer, tão natural. Ao analisar esse
fenômeno em termos evolutivos, conclui que a razão de ele persistir demonstra que
se trata da representação de algo profundo na natureza humana. E afirma, após
94
referir-se a estudos neurobiológicos e genéticos da evolução do sapiens, que “[…]
pode estar em nossas próprias mentes a chave para compreendermos o sentido
daquilo que entendemos por sagrado.”
É possível observar que nas sociedades ocidentais as religiões organizadas,
fechadas em seus arcabouços metafísicos racionalistas, acabam, muitas vezes, por
perder a conexão com sua fonte espiritual, tornando-se instituições estruturadas
num sistema hierárquico fechado. De acordo com Grof (2000), essas instituições
direcionam seu foco para a manutenção do poder, controle, política, dinheiro, posses
e outras preocupações seculares, apenas explorando as fragilidades e necessidades
espirituais de seus membros, sem satisfazê-las. Faz parte desse tipo de instituição
religiosa desestimular as experiências individuais de contato com o mysterium.
É preciso esclarecer que, em nossa pesquisa, o conceito utilizado para
“religiões organizadas” refere-se a “[…] sistemas articulados de crenças e de
explicação do mundo, que podem se manifestar, nos casos mais fechados em forma
de dogmas ou, em casos mais abertos, em forma de representações coletivas.”
(CARVALHO, In: MOREIRA, 1994, p. 72). Referimo-nos aqui, portanto, às
instituições eclesiásticas e suas metafísicas racionalistas.
Historicamente temos vários registros de que a experiência mística se
entrelaçava de maneira profunda com o êxtase diante da beleza. Tais registros,
encontrados nos tratados de estética filosóficos e teológicos do período medieval,
independente do gênero, apresentam, de uma certa maneira, características
semelhantes às descrições contemporâneas de transpessoalidade vividas pelos
adeptos do movimento Nova Era.
95
É possível afirmar que a experiência estética e a experiência mística
compartilham percepções e sensações semelhantes àquelas descritas por Otto
(1985) em sua análise dos elementos irracionais que acompanham a experiência do
sagrado.
O conteúdo qualitativo numinoso, cujo mistério é a sua forma; é, em parte,
um elemento repulsivo [...] o tremendum o qual se liga à magestas [...]
alguma coisa que exerce uma atração particular, que cativa, fascina e forma
com o elemento repulsivo do tremendum, uma estranha harmonia de
contrastes [...] o divino, sob a forma do demoníaco, é para a alma objeto de
terror e de horror, ao mesmo tempo que atrai e seduz [...] o mistério não é
apenas surpreendente, mas também maravilhoso. Ao lado do elemento
perturbador aparece algo que seduz e cresce em intensidade até produzir
delírio [...] nós o chamamos de elemento fascinante. (OTTO, 1985, p. 35).
No entanto, em tempos de Nova Era, torna-se contraditório o conflito vivido
pelo homem medieval, que temia afastar-se do caminho de Deus e contaminar sua
alma por embriagar-se da fascinante atração pela beleza. Essas sensações são
relatadas de forma detalhada nas Confissões de Santo Agostinho, ao afirmar, por
exemplo, que:
“[...] os olhos amam a beleza e as variedades das formas, o brilho e
amenidade das cores. Oxalá que tais atrativos não me acorrentassem a
alma! Oxalá que ela fosse possuída por aquele Deus que criou essas
coisas tão belas! [...] (SANTO AGOSTINHO, 1973, p. 220).
Isso porque, para o integrante da Nova Era, existe uma relação íntima de
profunda troca entre o ente e o Ser, entre o meio e o eu, entre corpo e espírito. Por
meio da corporalidade é possível entrar em comunhão com a divindade,
diferentemente dos medievais, que estabeleciam um confronto entre a beleza
proveniente do externo (ente) e a proveniente do interno (Ser). O homem religioso
cristão do período medieval deveria alegra-se apenas com a beleza derivada da
alma, pois essa se aproxima do Uno. aquela beleza que reveste o ente em sua
aparência não deve ser cultuada por quem almeja a salvação, pois é enganadora e
o afasta do verdadeiro caminho. Para a Nova Era, entretanto, a beleza não
expressa como contém o Ser.
96
5.3. Corpo: Guardião do Sagrado
É possível afirmar, sem nenhuma dúvida, que a experiência do sagrado nas
manifestações religiosas do Movimento Nova Era passa, necessariamente, pela
corporalidade.
uma ênfase constante e quase metodológica do “experienciar”
corporalmente o contato com o sagrado. O corpo é visto não como veículo do
sagrado, mas seu próprio guardião, pois as manifestações do numinoso passam
pelas sensações corporais, e a linguagem dessa espiritualidade é a emoção.
assim um resgate da importância do corpo no desenvolvimento da espiritualidade
“nova-erista”.
Amaral (2000, p. 205) enfatiza que […] a experimentação é a idéia-matriz da
cultura Nova Era […] o sujeito se identifica como o local de síntese […]”, onde se
estabelecem as mais variadas combinações das tradições religiosas
experimentadas.
O corpo foi relegado à categoria de veículo da impureza e do pecado pela
antiga tradição judaico-cristã, que incutiu fortemente essa crença nas mentes
ocidentais, por intermédio, inicialmente, da Igreja Católica Apostólica Romana e,
mais tarde, tamm pelas demais igrejas cristãs. Torna-se, agora, ao mesmo tempo,
o espaço sagrado da experimentação e o seu meio.
Ribeiro (1998) afirma que o corpo é a condição de acesso ao mundo e que a
própria psicologia já descobriu de longa data que
[…] O senso de identidade provém de uma sensação de contato com o
corpo. A pessoa, para saber quem ela é, precisa ter consciência daquilo que
sente. Sem essa consciência da sensação e das atitudes corporais, a
pessoa torna-se dividida: um espírito desencarnado e um corpo sem alma.
Todos sabemos que a perda do contato com o corpo caracteriza o estado
esquizofrênico. (RIBEIRO, 1998, p. 26).
97
A importância da unicidade corpo/alma, que rechaça qualquer possibilidade
de sustentação do dualismo cartesiano, é expressa de modo bem evidente por
Damásio (1996, p. 18), quando afirma que A alma respira através do corpo, e o
sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne.”
O objetivo principal dos participantes da Nova Era, por conseguinte, não é
mais dominar o corpo, mas superar e transcender o ego racional, que os afasta do
sentir e viver o numinoso este, sim, manifestado no Self, essa dimensão que,
acreditam os “nova-eristas”, habita a consciência de todos os humanos, mas não se
mistura com suas aspirações egóicas.
A experimentação fornece as bases conceituais da nova epistemologia: os
sentimentos devem ser transformados em ações, a pessoa precisa viver no
cotidiano a transformação percebida nas experiências.
A ausência de templos e a errância, que promovem uma constante
rotatividade de participantes, evitam a burocracia e minimizam as relações de poder.
As armas do intelecto racional, como debates, polêmicas e discussões, são
evitadas. Os símbolos e rituais são retomados para serem vividos, e não
polemizados. Segundo Amaral, os integrantes da Nova Era
[...] não apelam para pomicas, debates ou argumentações que realçariam,
no seu limite um excesso de ego e os colocariam em foco, conjugando-os,
os pares constitutivos da lógica do poder” perdas e ganhos, opressão e
resistência, desconfiança e obediência, julgamento e crítica – em detrimento
da “lógica do afeto” dos sentimentos espontâneos e da entrega amorosa.
(AMARAL, 2000, p. 210).
Os sentimentos de entrega amorosa resultam de um retorno à intuição, em
que o aspecto feminino é resgatado na figura de um deus maternal. O deus vingador
do Velho Testamento, mantido pela estrutura patriarcal de poder, é substituído pelo
deus da bondade, beleza, perfeição e amorosidade, conforme descrito por Santo
98
Agostinho. Tais sentimentos são também salientados no neoplatonismo, nas
referências às idéias eternas e perfeitas, às quais o ser humano tem acesso, quando
entra em contato com o Self, pelo êxtase, meditação ou mera contemplação
silenciosa da criação.
Todos esses sentimentos são, na verdade, profundamente maternais. Talvez
por isso os rituais voltados para a figura da Grande Mãe Terra, estimulados
principalmente pelo ecofeminismo, façam parte rotineira dos encontros da Nova Era.
Os integrantes do Movimento Nova Era, seguindo a trilha da psicologia
transpessoal, procuram interiorizar-se, ensimesmar-se, ouvir-se, enfim, buscar o “si
mesmo”. Esse si mesmo, Self ou Eu Superior é visto como parte integrante do Divino
ou como o próprio Divino, que habita no interior de cada ser humano. Seria a
“centelha divina” proclamada pelos cristãos.
A busca da auto-realização por meio do mergulho interior não é diferente da
proposta délfica “conhece-te a ti mesmo”, sugerida por Sócrates em seus diálogos.
Conforme afirma Reale (2002, p. 143), referindo-se a Alcebíades Maior, de Platão,
“O corpo é como um ‘instrumento’ a serviço da alma. O homem, portanto, pode
ser a alma e, portanto, a alma é que é exortada pelo mote délfico ‘conhece a ti
mesmo’.”
Podemos reafirmar que a base epistemológica e ontológica do Movimento
Nova Era tem suas raízes no platonismo. Uma frase bastante repetida nos Centros
Holísticos nos remete à teoria da reminiscência de Platão: “Apenas precisamos
recordar da nossa verdadeira essência”. Dentre outras coisas, lembrar que não
somos apenas corpos que possuem uma alma, mas somos almas que,
temporariamente, ocupam esses corpos. Essas reflexões foram tamm repetidas
99
pelos neoplatônicos. Para Platão a alma é imortal e pode nascer e renascer muitas
vezes, tendo, assim, acesso a este e ao “outro” mundo: o mundo transcendente,
aquele que É a verdadeira realidade. Basta, então, como diria Sócrates,
mencionado anteriormente, apenas recordar.
E como toda a natureza é congênere e a alma apreendeu tudo, nada
impede que quem se recorde uma só coisa (que é aquilo que se chama de
‘aprender’) encontre em si todo o resto, se tiver coragem e não se cansar na
busca, já que buscar e aprender não são mais que reminiscência. (PLATÃO
apud ABBAGNANO, 2000, p. 59).
Plotino, principal pensador neoplatônico, no entanto, levou a extremos o
dualismo corpo/alma. Ele e seus seguidores passaram a descrever o corpo como
uma inmoda prisão. Algo que impede o ser humano de retornar ao Uno, ao mundo
perfeito ao qual as almas tiveram acesso. A visão medieval do corpo como algo
profundamente negativo, responsável pela maioria dos pecados e das atitudes que
em geral afastam o homem do seu criador, foi, muito provavelmente, resultado da
influência de Plotino. Entretanto, como vimos no primeiro capítulo, Santo Agostinho
não compartilhou dessa visão tão negativa da matéria.
O filósofo Porfírio, discípulo e biógrafo de Plotino,
[…] começa a biografia de seu mestre Plotino, o pensador mais significativo
do século III d.C., com a frase:”Plotino, o filósofo de nossos dias,
assemelhava-se a um homem que se envergonha de estar em um corpo”.
Em seguida exemplos dessa aversão pela existência corpórea.
(WEISCHEDEL, 1999, p.79).
Plotino valorizava suas experiências extáticas como resultado apenas da
ascensão da sua alma a Deus, sem nenhuma participação do corpo nessas
vivências espirituais. Ao contrário, para ele, o corpo o impedia de unir-se
definitivamente ao Criador.
O repúdio ao corpo foi disseminado de maneira acentuada em todo o período
da Idade Média. Somente no renascimento, com o aprofundamento das ciências e o
100
retorno aos exemplos clássicos, na pintura e escultura, o corpo passou a ser visto
de um modo mais positivo, identificado com o padrão estético da beleza.
O espírito científico e o humanismo do renascimento resgatam a importância
do estudo e do conhecimento sobre o homem. Enquanto os artistas medievais
aguardavam uma revelação divina que guiasse seus trabalhos, os renascentistas
estudavam geometria e anatomia para melhor representar o ser humano. Nesse
período, todavia, o padrão de beleza da figura humana se encontrava nos cssicos
greco-romanos. A arte, na época, buscava expressar o belo ideal, absoluto e eterno,
que, acreditavam, seria o mesmo para todos os homens, em todas as épocas: a
universalidade da forma ideal, que não estaria na natureza física, mas no espírito do
homem. O corpo poderia, portanto, revelar essa totalidade ontológica do ser que
a arte conseguiria captar.
É possível, diante disso, afirmar que, na longa caminhada da história do
pensamento ocidental, a importância do corpo humano foi restaurada, ou melhor, foi
resgatada pelos errantes da Nova Era. Tamm os estudos do misticismo e
religiosidade orientais, principalmente a descoberta das técnicas de meditação, que
demonstram o papel fundamental do corpo na busca da religação com o divino,
muito contribuíram para restaurar o papel do corpo na experiência da
espiritualidade. Da mesma forma pode-se afirmar que a Nova Era, como fenômeno
de religiosidade pós-moderno, promove e incentiva a introspecção, a busca do Self,
que passa a ser realizada por meio das percepções corporais/intuitivas, e não
racionais/cognitivas.
Sabe-se que os estudos sobre as manifestações de transcendência dos
orientais são bastante anteriores à pós-modernidade. Além das muitas informações
101
coletadas por etnólogos e antropólogos, tamm escritores e artistas em geral
manifestaram interesse em compreender a maneira de ser dos orientais em sua
relação com o sagrado. Muitos estudos sobre o taoísmo na China e as diversas
religiões da Índia reiteram a importância do corpo na ligação com o sagrado.
Mauss, em seu estudo sobre as cnicas do corpo, demonstra, de maneira
quase didática e utilizando inúmeros exemplos, a importância da corporalidade no
modo de ser e de se expressar de cada povo. O gesto não é algo solto, destituído
de sentido, mas revela, acreditamos, o ethos das pessoas. O ethos, aqui
compreendido como ensina Geertz (1989, p. 66), é “O tom, o caráter e a qualidade
de sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticas e sua visão de mundo
[...]”.
Mediante um simples gesto, pode-se conhecer e compreender o modo de
pensar e sentir de toda uma população. Os gestos o são apenas atos biológicos,
mas tamm expressam um elemento psicológico determinante de uma cultura
específica.
Os estudos de Mauss sobre as técnicas corporais representam o icio da
superação do dualismo psicofísico, desenvolvido pelos seguidores de Descartes e
estimulado pelo positivismo comtiano. Mauss resgata a expressão do corpo como
parte de um todo não biológico, mas tamm psicológico, e ainda insiste com
seus pares para que invistam em estudos que englobem, além do aspecto social, o
biológico e o psicológico, sugerindo, desse modo, uma abordagem interdisciplinar.
As conclusões de Mauss proporcionam, de certo modo, uma antevisão do que
a psicologia transpessoal e as técnicas xamânicas desenvolveriam no Ocidente, no
interior do movimento Nova Era.
102
No meu entender, no fundo de todos os nossos estados místicos
técnicas de corpo que não foram estudadas, e que foram perfeitamente
estudadas pela China e pela Índia desde épocas muito remotas. Esse
estudo sócio-psico-biológico da stica deve ser feito. Penso que há
necessariamente meios biológicos de entrar em “comunicação com o Deus”.
E, embora a técnica de respiração etc., seja o ponto de vista fundamental
apenas na Índia e na China, creio, enfim, que ela é bem mais difundida de
um modo geral. Em todo caso, temos sobre esse ponto meios de
compreender um grande número de fatos até aqui não compreendidos.
(MAUSS, 2003, p. 422).
As pesquisas desenvolvidas por Grof confirmam a assertividade de Mauss
sobre dois aspectos muito particulares de suas reflexões, que não faziam parte da
antropologia, sua área específica de estudos: primeiro, que as técnicas de
respiração eram mais difundidas do que se acreditava na época; e segundo, que o
aprofundamento dos estudos sobre êxtase, experiências místicas e estados
incomuns de consciência possibilitou uma importante conclusão é possível ao ser
humano, por meio de técnicas corporais, entrar em contato direto com o numinoso.
Em seus estudos Grof apresenta o que ele chama de cnicas do sagrado”,
que são diferentes formas de induzir estados incomuns de consciência ou, na
terminologia dele, estados holotrópicos por civilizações arcaicas. Há neles a garantia
de um contato direto com o numinoso, e podem ser observados tanto em cerimônias
sagradas quanto individualmente.
Os estudos de Grof englobam todos os continentes da Ásia às Américas, o
que vem confirmar as desconfianças de Mauss. As técnicas corporais e respiratórias
realmente o se restringem à China e Índia. Vários povos da África, Ásia e
Américas desenvolveram técnicas semelhantes a partir do próprio corpo e sempre
tendo na respiração o principal meio de expandir a consciência. Grof cita exemplos,
como: rituais de cura dos kung bushmen, no deserto africano Kalahari; a respiração
do fogo dos budistas; a respiração sufi entre os árabes; a música de garganta dos
103
esquimós; a dança do sol dos lakota sioux americanos; e outros (GROF, 2000, p.
21).
Citamos, a seguir, dois exemplos de práticas de indução de estados incomuns
de consciência, semelhantes aos mencionados por Grof em suas pesquisas de
“técnicas do sagrado”. As pessoas que passam pela experiência referem-se a uma
força (mencionada anteriormente) ou energia que parece ser ativada tanto pela
dança quanto pelos sons (tambores e s batendo no chão), mas principalmente
pela respiração rápida e profunda. Esta é a experiência dos Kung San:
[...] você dança, dança, dança. O ‘n/um’ (energia) levanta-o na barriga,
levanta-o nas costas e você começa a tremer. Seus olhos estão abertos,
mas você não olha à sua volta [...] mas ao entrar em ‘Kia’ (êxtase) você vê
todas as coisas [...] você vê o que está perturbando todo mundo [...] vê
coisas, fantasmas matando pessoas, sente cheiros [...] depois puxa a
doença para fora. Você se cura [...] depois vive [...] (JOHNSON, 1990, p.38-
39).
outra descrição semelhante feita por um xamã do povo nativo americano,
Sioux, numa região completamente distante da África, com costumes e valores
muito diferentes dos Kung San. O relato refere-se à iniciação de um jovem xamã que
permaneceu por quatro dias e quatro noites sem comida e sem água, dentro de um
buraco estreito, no alto de uma montanha, para que pudesse ‘prestar atenção às
vozes dentro dele’:
Nós, os Sioux, acreditamos que exista alguma coisa dentro de nós que nos
controla, alguma coisa que se assemelha a uma segunda pessoa. Nós a
chamamos de ‘nagi’, mas os outros povos podem chamá-la de alma,
espírito ou essência. Não podemos vê-la, nem senti-la, nem prová-la, mas
naquela ocasião na montanha e naquela ocasião soube que ela
estava dentro de mim. Depois senti a força irromper através de mim como
uma torrente. Não posso descrevê-la, mas ela me preencheu por inteiro. Eu
tinha a certeza de que me tornaria um wicasa wakan, um feiticeiro [...].
(JOHNSON, 1990, p. 41).
Durante muitos culos os estados incomuns de consciência faziam parte da
prática cotidiana de vários povos no que se refere à cura. O objetivo era muito mais
voltar-se ao bem-estar humano e à eliminação de desequilíbrios psicossomáticos do
que única e simplesmente a prática da transcendência. Em todos os exemplos
104
estudados, o que proporciona a possibilidade de cura é o encontro com o Absoluto,
que parece residir no Eu Interior ou na essência ou alma, conforme alguns. A
possibilidade de cura, aqui compreendida como o reequilíbrio do ser nos seus
aspectos espiritual, emocional, mental e físico, pressupõe, via transpessoalidade, a
consciência e o contato constante com o numinoso.
Esses mesmos objetivos são encontrados nas práticas da Nova Era, nas
quais a experiência da transpessoalidade, imanente ou transcendente, está
definitivamente relacionada à cura dos males da condição humana, tanto físicos
quanto emocionais.
Uma das constatações verificadas nas pesquisas de Grof mostra-nos que
experiências resultantes de algumas práticas terapêuticas contemporâneas
ocidentais podem desencadear no ser humano manifestações de estados
holotrópicos semelhantes àquelas descritas por técnicas nativas já citadas.
A nossa sociedade, no entanto, norteada pelo paradigma científico
materialista e, nesse caso específico, orientada pela psiquiatria dominante, não
diferença entre estados místicos e doenças mentais. É uma ciência comprometida
com a patologia e que não conhece e nem se propõe a conhecer a
complexidade do vivo e do humano.
Ao perceber o potencial curativo e heurístico dos estados incomuns de
consciência, Grof e sua mulher Christina desenvolveram um método terapêutico
denominado Respiração Holotrópica, que pode facilitar a eclosão de estados
holotrópicos profundos de forma muito simples: uma combinação de respiração
consciente, música evocativa e trabalho corporal focalizado em pontos específicos.
(GROF, 1997, p. 164).
105
Após pesquisar centenas de relatos de pessoas que passaram pela terapia
holotrópica, Grof (1998, p. 27) buscou descobrir que tipos de experiências “[…]
proporcionaram a sensação de encontro com o princípio supremo do universo.” Ou,
como gostaria Mauss, de que modo tais pessoas descreveriam sua comunicação
com o deus?
De acordo com Grof, existem duas formas distintas para alguém experimentar
o princípio cósmico:
[…] fundir-se com a fonte divina, sentindo-se um com ela e indistinguível
dela, ou manter o sentido da própria identidade, separada e como um
observador perplexo, testemunhar de fora o mysterium tremendum da
existência. (GROF,1998, p. 28).
Mais adiante Grof acrescenta:
As pessoas que tiveram a experiência do princípio supremo descrito aqui
sabem que encontraram Deus. Entretanto, a maioria sente que o termo
‘Deusnão transmite adequadamente a profundidade de suas experiências,
pois caiu na distorção, trivialidade e no descrédito devido às correntes
convencionais das religiões e culturas convencionais. Até os nomes como
Consciência Absoluta ou Mente Universal, que normalmente são usados
para descrever esta experiência, parecem ser desesperadamente
inadequados para transmitir a grandeza e o impacto de tal encontro.
Algumas pessoas consideram ser o silêncio a reação mais apropriada à
experiência do Absoluto. Para elas é óbvio que ‘aqueles que sabem não
falam e aqueles que falam não sabem. (GROF, 1998, p. 29).
As pesquisas de Grof tornam-se mais significativas quando observamos que
os relatos por ele analisados não se referem a americanos apenas. Conforme
mencionado anteriormente, ele desenvolveu trabalhos semelhantes nos cinco
continentes, em países e culturas variadas, incluindo o Brasil. Seus achados
parecem indicar a existência de algo comum, talvez de caráter universal, entre as
pessoas pesquisadas, independente de sua cultura de origem.
A descrição dos conteúdos vivenciados pelas pessoas submetidas a sessões
de respiração holotrópica manifesta o mesmo caráter numinoso anteriormente
descrito, ou seja, a revelação de um aspecto essencialmente divino, independente
106
da cultura em que as pessoas estejam inseridas. Tal constatação nos remete à
imanência do homo religiosus existente na concepção da fenomenologia da religião.
5.4. O Desvelamento do Feminino
O profundo hiato que se estabeleceu, a partir da modernidade, entre realidade
material e imaterial fez com que a matéria fosse totalmente excluída da relação com
o sagrado. O homem ocidental passou a viver um estranhamento ontológico, tornou-
se incapaz de lidar com o próprio corpo, com a natureza e com o outro. Essas
categorias transformaram-se apenas em objetos manipuláveis, completamente
apartados do sujeito conhecedor.
É inegável a relação de dominação do sexo masculino sobre o feminino que
se estabeleceu ao longo da história da humanidade. O modelo de modernização
ocidental criou uma população de excluídos e marginalizados, como os
assalariados, os colonizados, os homossexuais, as minorias étnicas e as mulheres.
Mas essa relação de poder também se perpetua dentro do próprio gênero.
Considerando a complexidade do humano, não podemos inferir que absolutamente
tudo resulte de construções sociais.
Para alguns indivíduos, todavia, essa realidade de exclusão social provocou
um grande mal-estar. Nesse cenário obscurecido pelo excesso de racionalidade,
exclusão do corpo e invalidação das emoções, as mulheres, que foram
negligenciadas, perseguidas, maltratadas e mortas ao longo dos séculos, ocupam,
no Movimento Nova Era, um papel primordial.
Razão e emoção sempre foram consideradas faculdades humanas que se
opõem. A razão, desde o período helênico, era associada ao mental, cultural,
107
universal, público e ao masculino. a emoção esteve sempre associada ao
irracional, ao físico, ao natural, ao particular, ao privado, ao feminino e também ao
sagrado. Em Fedro, Platão compara as emoções com ímpetos irracionais, aos
cavalos, que devem ser controladas pelo cocheiro - a razão. (JAGGAR, 1997).
Às mulheres, é permitido expressar as emoções. Esse comportamento não
é aceitável como até mesmo estimulado. “Embora a emocionalidade das
mulheres seja um estereótipo cultural familiar […]”, afirma Jaggar (1997, p. 171), seu
fundamento é bastante frágil. De acordo com essa autora, as mulheres, assim como
alguns grupos minoritários, são estimuladas a expressar suas emoções. Uma mulher
emocionalmente inexpressiva não é considerada mulher de verdade. os homens
que expressarem suas emoções de forma livre são suspeitos de homossexualidade.
Portanto, nas experiências de encontro com o sagrado, quando emoções e
sensações irrompem de forma totalmente “irracional”, sem qualquer possibilidade de
controle, são as mulheres que demonstram mais facilidade para expressá-las e
torná-las fonte inquestionável de conhecimento.
Uma linguagem afetiva, poética e metafórica, repleta de múltiplas imagens,
descreve emoções e sentimentos como a única maneira de expressar o
conhecimento interno do Self. A comunicação racional é limitada e só oferece
recortes fragmentados da verdadeira experiência da sacralidade vivida. A análise
racional do fenômeno experienciado é incapaz de abarcar a profundidade das
sensações corporais e do conhecimento obtido pelo sujeito da experimentação.
Muitas vezes somente o silêncio e a quietude resultam do encontro com o sagrado.
É dessa forma que o integrante da Nova Era expressa a sua própria experiência.
momentos em que a individualidade de gênero se dissolve na sensação
da totalidade. Eclodem emoções relacionadas à paz, compreensão, cuidados e
108
apreço pela família humana. Manifestam-se sentimentos reconhecidamente
femininos, independente do gênero de quem vive a experiência.
Pode-se verificar a pertinência para a Nova Era das questões sobre gênero e
da redescoberta de valores relacionados à Deusa Mãe, nos cultos à natureza e à
Mãe Terra, temas enfatizados de maneira bastante freqüente pelos adeptos do
ecofeminismo e da ecologia de profundidade. As características notadamente
reconhecidas como femininas, ou seja, intuição, amorosidade, afeto, são
estimuladas e acolhidas com respeito pelos integrantes da Nova Era, independente
de gênero ou idade, como formas de expressão de uma espiritualidade
desenvolvida.
A ecologia profunda, ou de profundidade, como preferem alguns, retoma a
visão de totalidade do ser humano do mesmo modo que o termo holístico, utilizado
de maneira freqüente pela Nova Era, conforme mencionado no capítulo 4 deste
trabalho. Trata-se de uma reação contrária à fragmentação, à corrupção, à
desumanidade, à ausência de sentido de uma sociedade baseada no consumo
desenfreado, na acumulação de bens materiais e na infinita tristeza de indivíduos
que percorrem os consultórios médicos, rendendo enormes lucros para farmácias e
laboratórios, sem ter suas solicitações atendidas. São desdobramentos das
peregrinações, em busca de sentido, de homens e mulheres imersos em sociedades
pluriculturais e em constante transformação.
Os assuntos relacionados a gênero o ocupam um espaço particular nas
discussões no Movimento Nova Era, enquanto área específica de conhecimento,
porém, a construção de uma sociedade patriarcal, altamente racionalizada e
detentora de poder, que promove a discriminação de gênero com a conseqüente
109
submissão da mulher, é vista, nessa abordagem holística, como resultado da falta
de consciência plena na unicidade do universo.
A elaboração de um modelo sistêmico, no qual haja a compreensão de que
cada coisa depende de todas as outras, é o objetivo sugerido por Naess ao elaborar
sua ecologia profunda (NAESS apud TERRIN, 2004). Estão incluídos o os
humanos, com suas especificidades, mas todo o reino vegetal, animal e mineral.
Isso depende basicamente de uma transformação ontológica que promova a
ampliação da consciência, em que o lucro, a agressividade e a ganância devem
ceder lugar ao Ser, ao espírito superior que tudo permeia e, conseqüentemente, ao
sentido do valor moral e de respeito à coletividade.
A própria construção de um racionalismo dogmático, apoiado em pesquisas
científicas reducionistas, fragmentadas e ideologicamente androcêntricas, contribuiu
para legitimar a supremacia masculina e a inferioridade e submissão das mulheres.
Fica bastante evidente que os estudos de ordem biológica restritos às
diferenças de sexo apenas serviram para legitimar gritantes diferenças sociais
relacionadas com gênero, em que a hegemonia masculina tornou-se exemplo de
uma sociedade moralmente harmoniosa, baseada na razão, e as características
femininas relacionadas com a emoção foram identificadas como sinais de
descontrole e de desequilíbrio. É preciso, no entanto, muita cautela ao analisarmos
essas questões, pois “Adotar o conceito de gênero não significa também substituir
um determinismo biológico por um determinismo social.” (MEDRADO; LYRA, 2002,
p. 68).
O que os adeptos da Nova Era buscam é a identidade da alma humana. Algo
que transcende a questão de gênero, mas não a ignora. As diferenças são vistas
como caminhos de evolução a serem percorridos por indivíduos que, neste momento
110
da existência, necessitam de tais experiências. A dualidade masculino-feminino
procura a unidade integradora em um nível que pode ser chamado de consciência
transpessoal.
June Singer (1991), psicanalista junguiana, referindo-se aos estereótipos de
sexo e gênero enunciados por Freud e outros, e tamm por revistas sexistas e
imagens de televisão, ultrapassadas e aviltantes para as mulheres, considera-os
vestígios remanescentes de uma consciência polarizada, que tem sido nossa por
tempo longo demais.
Os modelos de comportamento do passado não são mais viáveis dadas as
atuais fronteiras da alma [...] nós não sentimos mais prazer com o processo
lento do despertar passo a passo da consciência. Não temos mais paciência
com a idéia de um pequenino e frágil ego diferenciando-se, passo a passo,
do Eu ilimitado, encontrando sua identidade como homem ou mulher e,
nesse processo, aceitando os estereótipos peculiares ao papel de seu
gênero. em nós intimações do Eu Divino; o desejo de vivenciá-las mais
leva-nos adiante, com energia e velocidade cada vez maiores, rumo a uma
unidade interior. (SINGER,1991, p. 49).
Segundo Singer os estudos de Jung estão repletos de exemplos de mitos e
costumes que apontam para a importância e o valor de reconhecer as qualidades de
ambos os sexos no interior de cada pessoa. Seguindo os passos da análise
junguiana, Singer ultrapassa as fronteiras da hetero, homo ou bissexualidade e
coloca seu foco de atenção no funcionamento intrapsíquico do indivíduo. Jung
sugere a existência, no mundo ocidental, de um impulso natural, mas inconsciente
para a androginia.
A androginia começa com o nosso reconhecimento consciente do potencial
masculino e feminino de cada indivíduo e é realizada quando
desenvolvemos a capacidade de estabelecer relações harmoniosas entre
esses dois aspectos de nós mesmos. (SINGER,1991, p.44).
A androginia a que se refere Singer permanece como um elemento norteador
da Nova Era, quando se trata de discutir gênero.
111
A experiência de superação de gênero se manifesta de várias maneiras nas
vivências de estados incomuns de consciência, conforme inúmeros relatos. São
ultrapassadas o as divisões da própria sexualidade e dos papéis sociais de
gênero, mas tamm o espaço e o tempo linear se dissolvem, as fronteiras entre
orgânico e inorgânico parecem o existir e tudo é vivido como parte de um todo
único e indissociável. É possível para o ser humano, em estado holotrópico,
vivenciar as realidades do sexo oposto, da própria androginia ou da completa
ausência de sexualidade. As experiências unitivas de dissolução do eu no Divino
sempre envolvem uma beleza estética surpreendente, de grandiosidade e plenitude,
conforme relatos comentados por Basso e Pustilnik. Segundo essas autoras, citando
Grof, O importante de todas essas experiências é a sensação de perder as
fronteiras individuais e fundir-se a vários aspectos do meio ambiente” (BASSO;
PUSTILNIK, 2000, p. 63).
A sociedade ocidental se estruturou de maneira definitiva sobre a
identificação androcêntrica de Deus. O modelo de um deus masculino certamente
contradiz as qualidades atribuídas à divindade, como amor, bondade, compaixão,
acolhimento, compreensão, perdão, doação. Tais qualidades são aceitas nas
mulheres e consideradas comuns a elas, o que pode ser verificado, inclusive
historicamente, em muitas divindades matriarcais femininas. O Movimento Nova Era
se identifica com várias teólogas feministas quanto à idéia de que homens e
mulheres foram criados por Deus como sua imagem e semelhança. Preferindo,
portanto, dar importância a imagens não-pessoais de Deus, como fonte, força, ser,
muitas mulheres encontram um novo acesso ao Espírito Santo como imanência de
Deus, como manifestação da relação entre Deus e o homem, como expressão do
112
Divino como aquele que se relaciona (HALKES, 1985 apud GRÖSSMANN, 1996,
p.504).
Apesar de muitos avanços obtidos pelas mulheres, todavia, o modelo
tradicional de uma sociedade patriarcal injusta e discriminatória continua vigorando
nas sociedades. Conforme o pensamento da Nova Era, soluções sociais e políticas
jamais serão suficientes para sanar os problemas criados por esse modelo de
sociedade. O mal se deve unicamente à falta de consciência da própria
espiritualidade.
“A meta de cada um de nós, individualmente, e da humanidade como
coletividade, é caminhar para a integração na Unidade Plena. Essa é a essência do
nosso Ser”, afirmam as psicólogas transpessoais Basso e Pustilnik (2000, p.39).
A confirmação, nos muitos relatos de pessoas que experienciaram estados
holotrópicos, de que o gênero se desfaz na unidade com o Todo proporciona à Nova
Era o reconhecimento de que um trabalho de ampliação da consciência da
humanidade poderá contribuir para reduzir e até mesmo extinguir as situações
injustas de controle e poder na mão de poucos.
A necessidade de conquistar poder e mantê-lo é resultado da fragmentação,
da sensação de estar e isolado nesse imenso universo. Porém, para que ocorra
uma transformação de ordem política e social, é preciso uma abertura para o
princípio feminino. Como foi mencionado anteriormente, na ampliação da
consciência o experimentadas algumas características notadamente femininas. A
linguagem do Ser é a emoção. A intuição abriga o conhecimento. A força, a
amorosidade, o bom senso e a própria coragemm do coração e rejeitam qualquer
ação violenta.
113
C. G. Jung (1990) descreve diálogo que manteve com o chefe dos pueblos
Taos, em uma visita ao Novo México. O chefe Ochwiay Biano dizia que os brancos
estão sempre buscando algo; sempre desejam algo; estão sempre inquietos e não
conhecem o repouso: Não os compreendemos e achamos que são loucos.” Ocorre,
então, o seguinte diálogo, conforme descrição do próprio autor:
Perguntei-lhe então por que pensava que todos os brancos eram loucos.
Respondeu-me: ‘Eles dizem que pensam com suas cabeças’. Mas
naturalmente! Com o que pensa você? perguntei admirado. Nós
pensamos aqui – disse ele, indicando o coração. Caí numa profunda reflexão.
Pela primeira vez na minha vida alguém me dera uma imagem do verdadeiro
homem branco. (JUNG, 1990, p. 219).
É precisamente essa concepção de pensar com o coração que no mundo
ocidental é considerada essencialmente feminina.
O Movimento Nova Era demonstra um profundo cansaço e sensação de
impotência diante da falta de respostas para os problemas globais, sustentados por
estruturas de poder essencialmente racionais/masculinas. Repudia de forma
veemente a crença na superioridade da razão humana, responsável pela dominação
e exploração da terra, com seus animais, vegetais e mirios, assim como das
minorias étnicas, raciais e de gênero.
A divisão corpo/espírito, a separação entre o espiritual e o secular, entre o
conhecimento técnico-instrumental e o emocional-artístico, entre uma classe
e outra, uma raça e outra, entre um sexo e outro levou a um mundo cheio
de pessoas famintas e alienadas combatendo-se umas às outras. (WEVER;
DAVIS apud GRÖSSMANN, p. 513).
Jaggar (1997, p. 159), partindo de estudos sobre o universo feminino,
considera que “As emoções podem ser úteis e mesmo necessárias ao invés de
prejudiciais à construção do conhecimento.” A essa afirmação é necessário
acrescentar uma das conclusões de Damásio (1996, p. 190), após inúmeras
pesquisas de neurobiologia: “Os sentimentos são tão cognitivos como qualquer outra
imagem perceptual e tão dependentes do córtex cerebral como qualquer outra
114
imagem.” Esse autor admite ser insensato excluir as emoções e os sentimentos de
qualquer concepção geral da mente, embora ele saiba que essa tem sido a prática
de rios estudos e pesquisas julgadas respeitáveis. Para Damásio é uma omissão
separar emoções e sentimentos dos tratamentos dados aos sistemas cognitivos.
Tarnas (2002, p. 472), ao analisar todo o desenvolvimento do pensamento
ocidental, pergunta-se por que a “masculinidade da tradição intelectual e espiritual
do Ocidente” torna-se tão evidente para nós, hoje, após permanecer praticamente
invisível por tantas gerações? E sugere, como resposta, o postulado de Hegel,
segundo o qual A civilização não pode tornar-se consciente de si mesma, não pode
admitir seu próprio significado, antes de amadurecer ao ponto de se aproximar da
própria morte.”
Estamos vivenciando hoje algo que parece muito a morte do Homem
moderno, algo que realmente parece muito a morte do Homem ocidental.
Talvez o fim do próprio “homem” esteja acontecendo. O homem é algo a ser
superado e realizado, se adotado integralmente o feminino. (TARNAS,
2002, p. 472).
A Nova Era propõe, portanto, a busca permanente da totalidade do Ser, a
partir das experiências de expansão da consciência, momento em que as divisões
acima mencionadas convergem para um Todo unificado, quando a existência é
percebida como uma rede intrincada de relações de cooperação e interdependência.
E isso será possível, dizem os integrantes do Movimento, pela superação das
divergências de gênero, socialmente construídas, algo que pode ser obtido em
níveis profundos de consciência.
Desse modo religião e ciência, emoção e razão se integram na formação de
uma epistemologia que contempla diferentes níveis de conhecimento, resultados e
resultantes de uma sensibilidade capaz de admitir as emoções e os sentimentos
como fontes cognitivas seguras.
115
6. CONCLUSÃO
O problema investigado apresentou duas possibilidades de compreensão do
Movimento Nova Era, enquanto manifestação de religiosidade pós-moderna: uma
reação de oposição ao racionalismo da sociedade científica ocidental e um retorno
às experiências imanentes, como forma de ressignificar a vida. Enquanto expressão
de repúdio a meios radicais de implantação de um projeto de modernidade, a Nova
Era percebe o racionalismo como manifestação do EGO, identificado com o profano,
em oposição ao SELF ou o SI MESMO, que representa o sagrado cujo encontro
se por meio de experiências imanentes. São duas possibilidades que se
intercalam e se complementam na compreensão desse fenômeno.
A primeira abordagem exige a contextualização do racionalismo na sociedade
ocidental e seus desdobramentos ao longo da história. Optamos por apresentar as
teorias platônica e aristotélica e suas leituras e interpretações desenvolvidas no
período medieval. Platão e os neoplatônicos mantiveram sua influência ao século
XIII. Nesse período prevaleceu o ontologismo agostiniano. Para Santo Agostinho, o
ser humano possui uma intuição direta de Deus. O conhecimento emana da
iluminação divina no intelecto.
A partir do século XIV, as leituras aristolicas de Santo Tomás de Aquino
tornaram-se a base para o desenvolvimento epistemológico do conhecimento
europeu. À polaridade antagônica entre o idealismo de Platão e o realismo de
Aristóteles se mantém nas discussões medievais incorporadas à polaridade Santo
Agostinho x Santo Tomás de Aquino, com a supremacia do último.
Tomás de Aquino não considera que o conhecimento é transmitido pela
razão, por meio de uma faculdade da alma chamada inteligência, como afirma com
116
clareza a distinção entre o conhecimento derivado da teologia e o conhecimento
derivado da cncia. Nesse período, portanto, são construídas as bases do
pensamento científico ocidental. O dualismo psicofísico estruturado na supremacia
da razão como forma de conhecimento será definitivamente consagrado no
pensamento cartesiano.
As discussões posteriores se limitam a questionar a prevalência do empirismo
ou racionalismo na formação de uma teoria do conhecimento. O criticismo kantiano
propõe soluções quanto a esses aspectos do conhecimento e relega a questão
metafísica da existência de Deus ao agnosticismo: a razão é incapaz de afirmar ou
negar a existência de Deus. Tal questionamento, portanto, torna-se objeto da fé.
No que se refere especificamente ao campo da religião, a reforma
protestante, aliada ao desenvolvimento da cncia e da técnica, contribuiu para o
surgimento de uma nova mentalidade econômica de base essencialmente
racionalista, mais claramente com o advento do calvinismo, que irá desencadear o
que Weber chama de “espírito do capitalismo”: a idéia de sempre aumentar o próprio
capital, não como mera estratégia de negócios, mas como algo que acabará por se
constituir no verdadeiro ethos da modernidade ocidental.
Contemporâneo de Weber, Ernst Troeltsch chega a conclusões bastante
diferentes. Troeltsch acredita que o período moderno provocará um afastamento das
religiões oficiais, e o crescente individualismo contribuirá para o desenvolvimento de
formas diversificadas de religião, fundadas mais claramente na imanência.
Embora o período do iluminismo tenha contribuído com um entusiasmado
deslumbramento para um projeto de civilização fundado na razão, vozes
dissonantes alertavam para os perigos que a radicalização dos meios de obter
117
conhecimento poderia provocar na sociedade humana. O romantismo do século
XVIII questionou claramente a fragmentação promovida pela racionalidade e pregou
a necessidade de reafirmar um humanismo de bases ontológicas.
No século XIX o positivismo leva a extremos a aliança entre ciência, técnica e
racionalismo, ao propor critérios rígidos para a construção do conhecimento,
criando, dessa forma, dificuldades para as humanidades se estabelecerem como
campo científico e enterrando definitivamente a possibilidade de qualquer aspecto
metafísico tornar-se fonte de saber.
A fenomenologia de Husserl busca superar esse dualismo ao introduzir a
intencionalidade da consciência do sujeito no processo de produção de
conhecimento. Com o resgate da subjetividade na construção do conhecimento, fica
definitivamente questionada a possibilidade de a ciência se manter neutra e de
serem estabelecidos dados totalmente objetivos sobre os temas investigados. Com
a fenomenologia instala-se um novo olhar sobre o mundo.
A desenfreada expansão do capitalismo, no entanto, exportou para os mais
diversos cantos do planeta um modelo de modernidade que veio provocar o que
hoje denominamos globalização”. Passamos a chamar esse período de s-
modernidade por conter elementos muito específicos, diferentes daqueles que foram
estabelecidos do período pós-industrial até a fase da segunda grande guerra.
O quadro de insegurança criado pela ausência de certezas e verdades
absolutas desencadeou uma grave crise para o ser humano. A expulsão da magia
do mundo ocidental contribuiu para instalar na vida humana uma profunda perda de
sentido. É o que Weber chama de desencantamento do mundo.
118
O desânimo, a apatia e o desapontamento são os sentimentos que
caracterizaram a vida humana no final do século XX. A clareza intelectual dos
iluministas foi substituída pelo desconforto e a anomia. O ser humano viu-se diante
de uma incômoda escolha: o niilismo ou o retorno à imanência em busca de
significado.
As sociedades pós-modernas são sociedades altamente tecnológicas,
informatizadas e de contínua disseminação de informação. Sua grande
característica é a rapidez com que o novo se instala. São sociedades extremamente
dinâmicas e em contínua mudança. São sociedades pluriculturais, pois as fronteiras
entre os países tornaram-se maleáveis. O contato e a troca entre diferentes culturas
e grupos étnicos provocaram a destradicionalização, a ausência de valores de
grupo, a crise de identidade e grupos sociais híbridos sustentados pelo
individualismo.
As sociedades pós-modernas, marcadas pelas diferenças, asseguram, no
entanto, a possibilidade de uma vida em conjunto. O que as congrega é exatamente
a situação de risco, comum a todos, aquilo que Anthony Giddens (2004) chama de
“risco fabricado”: que produz situações geradas pelo impacto do próprio
conhecimento humano sobre o mundo.
A complexidade das sociedades atuais fomentou o individualismo e a
autonomia. É nesse mergulho individual que surge o Movimento Nova Era.
Leila Amaral (2000) fala da Nova Era como um sincretismo em movimento.
Aldo Natale Terrin (1996) chama a atenção para o pluralismo de suas manifestações
de retorno ao sagrado e o caracteriza como uma poderosa força experiencial e
religiosa, sem necessidade das religiões oficialmente instituídas e de suas igrejas.
119
Trata-se de um fenômeno essencialmente urbano. Os praticantes são oriundos de
classe média e apresentam alto grau de escolaridade. É um tipo de religiosidade,
portanto, que se fortaleceu no afastamento das tradições judaico-cristãs, dos
templos, das igrejas e de outras instituições religiosas. Aproximou-se de filosofias do
oriente, de antigas místicas ocidentais e de manifestações arcaicas de
experimentação do sagrado.
O objetivo do integrante da Nova Era, enquanto homo religiosus, é entrar em
contato direto com o mysterium tremendum, o que significa mergulhar em
experiências místicas que lhe proporcionem meios de ressignificar a própria vida. O
indivíduo pertencente ao movimento Nova Era é um buscador de sentido que
superou o dualismo de suas origens platônicas e neoplatônicas ao acrescentar a
corporalidade.
Conclui-se que a experimentação que move os integrantes da Nova Era
representa um afastamento, ainda que temporário, mas cuja intencionalidade é clara
e consciente do arcabouço racionalista que sustenta a sociedade ocidental, criando
condições de fazer emergir uma epistemologia fundamentada na subjetividade. As
emoções, sentimentos e sensações corporais possibilitam a construção de um ser
ontologicamente completo em sua relação com um mundo agora repleto de
significado.
Os integrantes da Nova Era retornam, sistematicamente, à magia e ao
encantamento. Por meio da experimentação, esses peregrinos s-modernos
percebem o mundo a partir de um novo olhar: as emoções como forma de
conhecimento. E dessas emoções, o afeto é a mola propulsora.
120
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WOORTMANN, K. Religião e Ciência no Renascimento. Brasília: Ed. Universidade
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