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A deficiência visual através dos tempos: determinantes histórico-sociais
Sabe-se que desde o Ebers Papyrus
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, no qual aparece a mais antiga menção
à doença de olhos, passando pela era dos bárbaros, que tratavam a cegueira por
intermédio de drogas ou através do exorcismo ou, ainda, percorrendo a Grécia
antiga pelos estudos de Hipócrates
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ou das sessões de incubação de Asclépio
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, em
Roma, até chegar às definições que se utilizam nos dias de hoje, as pessoas cegas
foram concebidas e pensadas de várias formas.
Segundo Amiralian (1997), quando se fala ou pensa sobre as pessoas cegas,
vem ao pensamento, de acordo com a idéia que se faz do que é ser cego, imagens
distintas: ora a imagem de uma pessoa sofrida, que vive nas ‘trevas’ e em eterna
‘escuridão’; ora a idéia de pobres indefesos, inúteis e desajustados e, por outro lado,
possuidores de insights e poderes sobrenaturais, dotados de um conhecimento que
ultrapassa o tempo e o espaço.
Como descreve Sant’Anna (2006, p.11), ao relatar a história de Tarvaa
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: “a
cegueira e o conhecimento são termos que ao invés de se anularem, se
potencializam quando o profeta, o sacerdote, o xamã ou o pajé, sempre são cegos”.
Concorda-se, portanto, que, “desde a Antigüidade, nos mitos, na Bíblia, na
Grécia clássica, a cegueira serviu como metáfora para a expressão dos mais
diversos sentimentos” (AMIRALIAN, 1997, p.26). O Rei Édipo, por exemplo, fura
seus olhos quando descobre que possuiu a própria mãe, depois de ter matado o pai,
ou, no caso de Tirésias
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que, ao ter a vista destruída pelos deuses, é compensado
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O Ebers Papyrus é de aproximadamente 1.500 a.C. Entre os papiros médicos egípcios, esse é o mais antigo e
importante. Foi comprado em Luxor (Thebes), no inverno de 1873, por Georg Ebers e está, atualmente, na
Biblioteca da Universidade de Leipzig, na Alemanha. (Disponível em: <
http://en.wikipedia.org/wiki/Ebers_papyrus >. Acesso em: 13 mar. 2008. Tradução nossa.).
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Hipócrates de Cós: o ‘pai da medicina’, viveu provavelmente durante a segunda metade do século V a.C.,
auge da efervescência cultural ateniense. (Disponível em: < http://greciaantiga.org >. Acesso em: 13 mar. 2008).
4
Asclépio: “o Especulápio dos Latinos, é simultaneamente o herói e o deus da Medicina (...) foi confiado pelo
pai ao Centauro Quíron, que lhe ensinou medicina. Asclépio adquiriu rapidamente grande destreza nesta arte.
Descobriu, inclusivamente, o meio de ressuscitar os mortos”. (GRIMAl, 2005, pp.49-50).
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História de Tarvaa: Certa vez, uma praga atingiu os mongóis. Os saudáveis fugiram, deixando os doentes.
Entre os doentes havia um jovem chamado Tarvaa. O seu espírito deixou o corpo e chegou ao lugar dos mortos.
O governante daquele lugar perguntou a Tarvaa porque deixara seu corpo, este respondeu: ‘simplesmente vim’.
Comovido com a presteza com que o jovem obedeceu, o Klan do Inferno avisou-lhe que ainda não havia
chegado a sua hora e que deveria retornar. Mas poderia levar do mundo da morte o que quisesse. Tarvaa olhou
em volta e viu todas as alegrias e todos os talentos terrenos e, então, pediu a arte de contar histórias, pois sabia
que as histórias podem congregar as outras alegrias. E assim retornou ao seu corpo e constatou que os corvos
já lhe haviam arrancado os olhos. Como não podia desobedecer ao Klan do Inferno, reentrou no próprio corpo e
viveu cego, porém conhecendo todos os contos. (SANT’ANNA, 2006).
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Tirésias: “adivinho célebre, desempenha no ciclo tebano o mesmo papel que Calcas no ciclo troiano. Pertence,