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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Thiago de Novaes França
A substituição da mão-de-obra escrava e a opção pela Grande
Imigração no Estado de São Paulo
MESTRADO EM ECONOMIA
SÃO PAULO
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Thiago de Novaes França
A substituição da mão-de-obra escrava e a opção pela Grande
Imigração no Estado de São Paulo
MESTRADO EM ECONOMIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de Mestre
em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Julio
Manuel Pires
SÃO PAULO
2008
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BANCA EXAMINADORA
“Só as vitórias disputadas com esforço e perseverança são dignificantes”
Alexandre Magno
AGRADECIMENTOS
Ao meu Pai Edgard, que com muito trabalho e dedicação me proporcionou todas as
armas necessárias para que eu pudesse chegar até aqui;
À minha Mãe Beatriz (in memorian), um grande exemplo na minha vida;
Ao meu Orientador Julio Manuel Pires, pela paciência e dedicação incessantes no
decorrer desta jornada;
À Denise, minha grande companheira e maior incentivadora;
Á minha Avó Carmen (in memorian), que por um capricho do tempo não pode ver a
conclusão deste trabalho;
Aos Professores Cesar Roberto Leite da Silva e Luciana Suarez Pinto, pelos
conselhos valiosos que muito auxiliaram para a conclusão deste trabalho;
Ao Professor Ademir Gebara, pela gentileza de me enviar um exemplar da sua obra
tão importante para execução deste trabalho;
À minha Família, meu maior espelho de cultura;
RESUMO
Esta dissertação constitui um estudo sobre o processo de substituição da mão-de-
obra escrava pela mão-de-obra livre no Estado de São Paulo. Para tanto se propõe
a discutir o problema enfrentado pelos fazendeiros de café, a quem, a iminente
perda da mão-de-obra escrava constituia-se num verdadeiro desastre do ponto de
vista operacional das fazendas, na medida em que estes empresários dependiam
inteiramente deste modo de produção não-remunerado para auferir o lucro previsto
nas suas fazendas.
Pareceu-nos muito intrigante a opção feita pelos fazendeiros e pelo governo do
Estado de São Paulo em buscar uma alternativa aparentemente mais cara e
logisticamente mais difícil, qual seja, de financiar e trazer trabalhadores europeus,
lançando mão da valorização da mão-de-obra livre nacional. Os motivos que
levaram a esta opção serão o alvo desta dissertação.
Para efeito didático dividimos este trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo
faremos um breve estudo sobre as origens do Estado de São Paulo, mostrando sua
conjuntura de poucas oportunidades na segunda metade do século XVIII e início do
século XIX. No segundo capítulo estudaremos os trabalhadores livres nacionais,
veremos como encontravam saída para sobrevivência no sistema binomial da
colônia, bem como, entraremos um pouco no seu convívio social, muitas vezes
violento e de constante desejo de afirmação por meio da força. No terceiro capítulo
entraremos no estudo da legislação trabalhista, estudaremos as leis trabalhistas do
período imperial de 1830, 1837 e 1879, com isso, mostraremos que a questão legal
foi mais um subterfúgio para elites paulistas imporem seu desejo pela vinda do
europeu. No quarto capítulo capítulo abordaremos a questão do imigrante nas
fazendas de café do Estado de São Paulo; os sistemas de trabalho empregados, os
problemas enfrentados pelos constantes endividamentos dos imigrantes, os conflitos
gerados pelos maus-tratos dos fazendeiros, o aumento das populações e a
ocupação do interior do Estado, e por fim, o impacto financeiro trazido para o caixa
de São Paulo com a imigração subsidiada.
Nas considerações finais apresentaremos uma síntese das conseqüências geradas
com a opção pelo imigrante, enfatizando que esta opção teria um impacto
econômico fundamental nos anos que se seguiram, não apenas no Estado de São
Paulo, mas no país inteiro.
Palavras Chave: Escravidão, Trabalho, Imigração, Mão-de-Obra
ABSTRACT
This essay consists of a study of the replacement process of slavery labor by free
labor in the State of São Paulo. To achieve such objective, it aims to discuss the
problem faced by coffee farmers to whom the imminent loss of slavery labor meant a
real disaster from the operational perspective of the farms in that these farmers
depended entirely on this unpaid production method to make the expected profit on
their farms.
The choice made by the farmers and the government of the State of São Paulo to
search for an apparently more costly and logistically more difficult alternative of
financing and bringing in European workers in detriment of the valuation of domestic
free labor seemed very intriguing to us. The reasons for this choice are the aim of
this essay.
For a didactic reason, we have divided this essay into four chapters. In the first
chapter we will briefly study the origins of the State of São Paulo, showing its
conjuncture of few opportunities in the second half of the eighteenth century and
beginning of the nineteenth century. In the second chapter we will study the domestic
free workforce, analyzing how they managed to survive in the binomial system of the
colony as well as their social life, which was violent many times and the constant
wish to make an assertion through the use of force. In the third chapter we will study
the labor laws of the imperial time of 1830, 1837 and 1879 and therefore we will
show that the legal issue was a subterfuge for the elites of the State of São Paulo to
impose their wish to bring in the European workforce. In the fourth chapter we will
study the issue of immigrant workers on the coffee farms of the State of São Paulo;
the labor systems employed, the problems of constant indebtedness faced by the
immigrants, the conflicts generated as a result of the farmers’ ill-treatment, the rise in
population and the occupation of the countryside of the State and finally the financial
impact on the finances of the State of São Paulo caused by the subsidized
immigration.
In our conclusion we will present a summary of the consequences generated as a
result of choosing immigrant workers, emphasizing that this option was to have a
fundamental economic impact in the following years, not only in the State of São
Paulo, but all over the country.
Key Words: slavery, work, immigration, labor
SUMÁRIO
Introdução 1
1. As orígens do Estado de São Paulo 6
1.1 O modo de vida da população 7
1.2 Padrões de vida do século XVIII 10
2. O trabalhador livre em seu meio: a convivência social e as
relações de trabalho 19
2.1. O desperdício da mão-de-obra 23
2.2. A violência como forma de afirmação social do homem livre 29
2.3. O crescimento do trabalhador livre no meio 30
2.3.1. Homens livres – suas relações de troca e de subserviência com o
fazendeiro 34
2.3.2. A prosperidade em meio à adversidade 38
3. A regulação da mão-de-obra livre: aspectos sobre a evolução
normativa no período imperial 46
3.1. Lei de 13 de setembro de 1830 47
3.2. Lei de 11 de outubro de 1837 50
3.3. Lei de 10 de março de 1879 – Lei do Sinimbu 56
3.3.1. Da Discussão 59
3.3.2. A imigração chinesa 64
3.3.3. Da aprovação 66
3.3.4. A lei propriamente dita 68
3.3.5. A revogação 72
4. A opção pela grande imigração e a exploração da mão-de-obra do
imigrante nas fazendas paulistas 78
4.1. A teoria racista no Brasil 80
4.1.1. As teorias racistas norte-americanas e européias 81
4.1.2. O modelo brasileiro 83
4.2. O panorama europeu pré-imigração 87
4.2.1 O caso italiano 88
4.2.2. As regiões italianas 89
4.3. A realidade da falta de mão-de-obra e a exploração dos salários 91
4.3.1. Os sistemas de trabalho e o achatamento dos salários 94
4.3.1.1. O Sistema de Parceria 94
4.3.1.2. O Sistema de Colonato 97
4.3.1.3. A exploração da mão-de-obra no Sistema de Colonato 98
4.4. A Grande imigração e o subsídio do governo paulista 103
4.5. As leis de subvenção 106
4.6. Os conflitos com os fazendeiros e a fixação dos colonos nas
fazendas 111
4.7. A imigração japonesa, um caso atípico 117
4.8. A comparação com os demais países e a ocupação territorial 120
4.9. O aumento da população do Estado de São Paulo 122
4.10. As consequências da Grande Imigração para o
Estado de São Paulo 126
4.11. O lugar dos trabalhadores livres e libertos durante a
Grande Imigração 130
4.11.1. O trabalhador livre 130
4.11.2. O liberto 132
4. Conclusão 134
Referência Bibliográfica 140
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Evolução da produção de café no Vale do Paraíba Paulista no início do
século XIX 22
Tabela 2 – Trabalhadores livres na estrutura da População Livre da Capitania de
São Paulo 32
Tabela 3 - Trabalhadores chineses que provavelmente chegaram ao Brasil
durante o século XIX 66
Tabela 4 - Evolução da população livre e escrava do Estado de São Paulo 92
Tabela 5 - População escrava brasileira comparada com a população total
1819 a 1872 93
Tabela 6 - Evolução dos salários na lavoura do Estado de São Paulo
(1898-1906) 101
Tabela 7 - Estrangeiros entrados no Estado de São Paulo (1890-1949) 102
Tabela 8 - Despesas do Estado de São Paulo com a Imigração (1890-1927) 108
Tabela 9 - Imigrantes subsidiados e espontâneos entrados no
Estado de São Paulo (1887-1921) 111
Tabela 10 - Número de Italianos chegados e fixados no Brasil (1887-1920) 114
Tabela 11 - Comparação de Imigrantes chegados entre
EUA, Canadá, Brasil e Argentina (1820-1914) 121
Tabela 12 - Cidades do interior de São Paulo que mais receberam imigrantes
estrangeiros (1900-1929) 124
Tabela 13 - Cidades do interior de São Paulo que mais receberam imigrantes
conforme o censo de 1934 125
Tabela 14 - Distribuição da população por Estados (1890-1900) 126
Tabela 15 – Receitas de impostos do Estado de São Paulo comparadas com as
receitas de impostos de exportação sobre o café e às despesas
com a imigração 1882-1930 129
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa de ocupação do café no Estado de São Paulo até 1836 18
Figura 2 - Mapa de ocupação do café no Estado de São Paulo até 1854 18
Figura 3 - Mapa das Regiões Italianas 90
Figura 4 - Mapa de ocupação do café no Estado de São Paulo até 1886 123
Figura 5 - Mapa de ocupação do café no Estado de São Paulo até 1920 123
1
INTRODUÇÃO
A busca pela compreensão das origens do Estado de São Paulo e do seu pujante
crescimento sempre me fascinou, especialmente as pessoas que ajudaram a fazer
deste Estado um lugar próspero que sempre atraiu imigrantes de todas as partes da
nação e de vários países do mundo.
Sempre mereceram minha especial atenção todos aqueles que nas fazendas como
lavradores, nas cidades como comerciantes e funcionários públicos ou nas estradas
como mascates, buscaram o engrandecimento de si próprios e paralelamente
contribuíram para o engrandecimento da terra. Refiro-me a todos: desde o negro
trazido como mão-de-obra escrava sem qualquer desejo ou intenção, sertanejos que
vislumbraram nesta terra um horizonte de prosperidade que jamais viram nos seus
estados de origem, tropeiros que ainda no século XVIII cruzaram a fronteira e
heroicamente ajudaram a desbravar de um lado o Vale do Paraíba e do outro o
desocupado e completamente selvagem Oeste paulista, chegando por fim nos
diversos povos que proporcionaram a grande imigração, dentre os quais: italianos,
portugueses, espanhóis, japoneses e tantos outros, que, embora tardiamente,
também contribuíram muito para a formação étnica e cultural do povo brasileiro.
Este trabalho se propõe a mostrar as razões pelas quais a maior parte da elite
paulistana de fazendeiros, aliados ao Governo do Estado, optou em fazer
investimentos altíssimos na busca de mão-de-obra estrangeira ao invés de investir
essa soma de recursos na mão-de-obra livre nacional. Mão-de-obra esta que já
existia em grande número, e como veremos no decorrer do trabalho, sempre esteve
presente no trabalho diário das fazendas ou pequenas propriedades. O trabalhador
nacional buscava oportunidades perenes e mais seguras para que pudesse de fato
ocupar um pedaço de terra finalmente seu. Alguns, como veremos, conseguiram sua
terra, aliás, tinham mais do que terras, tinham até cativos trabalhando para eles.
Para buscarmos essas razões, entendemos ser fundamental estruturar este trabalho
em 4 capítulos e conclusão, além desta introdução, da forma forma como segue.
2
Este trabalho inicia-se em seu primeiro capítulo com um estudo sobre as origens de
São Paulo. Tal estudo, a nosso ver, é importante na medida em que procuraremos
compreender como as atividades econômicas surgiram na Província. Veremos que a
São Paulo do século XVIII era uma região em que as oportunidades de trabalho
eram extremamente limitadas, sendo seu maior trunfo a condição geográfica de
confluência das trilhas que levavam ao Centro-Oeste e Minas Gerais.
O crescimento gradativo da Província viria sempre associado às rotas comerciais,
sendo que as feiras de animais tornar-se-iam referência no país inteiro, bem como, o
até então subutilizado porto de Santos que passou a ser a maior rota de sal da
colônia.
Por fim, examinaremos o início das plantações de café com a ocupação das terras
do Vale do Paraíba. Neste ínterim, faremos apenas uma introdução para
mostrarmos por quais regiões da província se deu o início desta cultura, que, por
sinal, se tornaria a maior fonte de receita do país por mais de um século.
No segundo capítulo abordaremos a vida e os costumes do elemento livre nacional
no século XIX. Buscaremos descrever como e de que forma viviam estas pessoas, e
principalmente entender as razões pelas quais sofriam preconceito pelas elites
latifundiárias do país.
Veremos que o trabalhador livre nacional nutria receio em trabalhar nas fazendas,
pelo medo dos maus-tratos e condições semi-servis a que estariam sujeitos. Este
receio dos trabalhadores advinha tanto da total inexperiência destes fazendeiros em
lidar com a mão-de-obra livre, como também pela falta de regulação do sistema de
trabalho livre que ainda se encontrava sem solução no período imperial, alvo do
nosso terceiro capítulo.
Entraremos no contexto histórico de expropriação dos meios de produção dos
trabalhadores nacionais, mostrando que desde os primórdios da colonização este
homem se viu à margem do binômio colonial. Discutiremos esta teoria, mostrando
que embora o sistema não fosse o mais adequado, este trabalhador nunca deixou
de exercer atividades profissionais no meio agrário. Mostraremos como alguns deles
3
conseguiram se sobressair profissionalmente apesar do contexto apresentado,
graças à livre iniciativa, alguma esperteza e muito trabalho.
Por fim, fecharemos o raciocínio entendendo como a máquina jurídico-administrativa
do país funcionava sempre a favor dos fazendeiros, dando início ao clientelismo e ao
raciocínio patrimonialista da administração pública nas cidades e vilas do interior do
Brasil.
No terceiro capítulo estudaremos a evolução das leis trabalhistas durante o século
XIX, abordaremos inicialmente a lei de 13 de setembro de 1830, que se propunha a
regular o contrato de prestação de serviços realizados por brasileiros ou
estrangeiros no Império. Posteriormente veremos a lei de 11 de Outubro de 1837, lei
esta que representou apenas um modesto avanço nas relações entre fazendeiros e
trabalhadores livres, na medida em que se destinava exclusivamente à regulação
dos serviços realizados por estrangeiros, ignorando por completo os trabalhadores
nacionais. Entretanto, esta lei que fora elaborada para locação de serviços de mão-
de-obra acabou sendo mais utilizada como subsídio para o Sistema de Parceria, que
carecia de regulamentação e já se difundia pelo interior conhecido do estado. Por
fim, evoluindo neste estudo, chegaremos à famosa Lei do Sinimbu, promulgada em
1879, e que representou um avanço significativo na deteriorada relação entre
locadores e locatários no país, mas que já nasceria sem grande utilidade para o
estado de São Paulo.
A Lei do Sinimbu merecerá especial atenção de nossa parte, não só por se tratar de
uma lei mais complexa e intrincada do que as leis de 1830 e 1837, mas também por
trazer com ela os anseios das elites que a compuseram. Numa época em que a
escravidão estava com seus dias contados devido à proibição do tráfico em 1850 e a
Lei do Ventre Livre em 1871, esta lei, como veremos, buscava não apenas a
regulação do trabalho livre, como também incentivar a vinda do imigrante europeu e
a ocupação do trabalhador livre nacional. Isto tudo evidentemente dentro do
contexto de pressão exercido pelas elites ocupantes da terra.
4
No quarto capítulo procuraremos expor os principais motivos que levaram à opção
pela grande imigração. Mostraremos razões conjunturais para a escolha do
estrangeiro como opção mais viável para suprir o suposto vácuo que seria deixado
pelos escravos.
Muito antes do decreto áureo ter sido assinado já se via o movimento imigratório
aumentar ano após ano, enchendo as fazendas do interior paulista de idiomas e
costumes diferentes. Estes idiomas e costumes eram majoritariamente de europeus,
que em seus países de origem já não tinham perspectivas de conseguir suas
próprias terras, e que foram seduzidos pelas incontáveis oportunidades de um país
novo, inexplorado e “carente de mão-de-obra”
1
.
Exploraremos também neste capítulo os sistemas de trabalho impostos pela nova
legislação, e o relacionamento muitas vezes conflituoso entre colonos e
empregadores. Entenderemos os novos sistemas alternativos de trabalho criados
pelos fazendeiros paulistas (Parceria e Colonato), concebidos para suprir o que
consideravam leis inoperantes e inadequadas à realidade das fazendas paulistas.
Debateremos também a questão racial brasileira, enfocando o ideal brasileiro de
caucasiamento da população e comparando este ideal com as principais teorias
européias e norte-americanas de racismo. Mostraremos que um dos objetivos da
preferência pela imigração européia foi indubitavelmente o de misturar a população
escura brasileira com o europeu, com o pretenso objetivo de branqueá-la.
Para finalizarmos o quarto capítulo, entenderemos as dificuldades cotidianas
atravessadas tanto por colonos como por fazendeiros nas fazendas paulistas. De um
lado o fazendeiro na sua busca incessante em manter o colono nas fazendas, do
outro os colonos europeus, que, por sua vez, vislumbravam um horizonte mais
amplo, com oportunidades ilimitadas, especialmente o de juntarem suas economias
e buscarem suas próprias terras.
1
Conforme veremos no transcorrer do trabalho, e, sobretudo no segundo e quarto capítulos, a mão-de-obra
existia, porém não era muito bem vista.
5
Por fim, na conclusão, buscaremos fazer um resumo das primeiras evidências
levantadas ao longo da dissertação.
6
CAPÍTULO I
AS ORÍGENS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Iniciaremos nosso estudo das origens de São Paulo em meados do século
XVIII, quando as atividades econômicas da capitania ainda eram parcas e sua
população, extremamente pobre, sobrevivia sem muitas alternativas além da
vida natural nos embrenhos do mato.
São Paulo era uma capitania sem muitos atrativos econômicos durante o
século XVIII. Conforme nos ensina Alice Canabrava tal capitania foi extinta em
1748 convertendo-se em comarca da capitania do Rio de Janeiro e
consequentemente perdendo sua autonomia administrativa, passando então a
ser representada pelo governador da Praça de Santos.
(CANABRAVA, 1972)
Tal autonomia viria a ser restabelecida em 1764, muito em função das constantes
invasões castelhanas no sul do país, fazendo da capitania paulista ponto estratégico
para armazenamento de víveres e armas para abastecimento das linhas de
combate. Voltando à condição de centro administrativo, o objetivo era criar um
arsenal não apenas de víveres como também de recursos humanos, aproveitando-
se da peja de sertanistas audazes e descobridores de minas que tinham os
paulistas.
Durante o século XVIII e em boa parte do século posterior, a capitania de São Paulo
englobava o atual estado do Paraná, prolongando-se para o sul até o rio Pelotas,
dividindo-se em 19 vilas e 38 freguesias, sendo sua população recenseada em 1766
em número de 63228 habitantes
2
.
2
Os números apresentados encontram-se na obra de Alice Canabrava – Canabrava, A - Uma Economia em
Decadência, 1972.
7
1.1. O modo de vida da população
A população paulista do século XVIII estava muito ligada à agricultura de
subsistência, o que ajudou de certa forma a formação de vilas pela capitania.
Entretanto esta atividade fora apenas o meio de vida de uma parcela da população,
conforme Alice Canabrava nos relata, uma parte mais numerosa vivia embrenhada
nas florestas sobrevivendo à base do meio natural ou mesmo dos trabalhos
eventuais de desmatamento; sendo que, muitas vezes este cidadão passava meses
ou até anos sem retornar à sua casa ou família nas vilas.
O paulista era um cidadão simples e genericamente pobre, a capitania de São Paulo
era muito pouco explorada, senão porque o interesse pelo consumo do café, que
viriam tornar São Paulo uma província pujante no século seguinte não estava ainda
difundido na Europa e nem sequer tinha poder de mercado que justificasse seu
plantio em larga escala. Também não havia investimentos nos engenhos de cana tal
como era feito na região Nordeste, em parte pela distância do litoral, o que
dificultava o transporte para o porto de Santos, como também por razões como a
distância maior percorrida pelos fretes de navio até a Europa, o que também
inviabilizava sobremaneira os custos da produção.
A extração de madeira também era parte importante da atividade econômica. Por
algumas léguas adiante da cidade de São Paulo, muitos campos já arrasados pelo
desmatamento contrastavam como o vazio da falta de culturas. As técnicas
primitivas de produção davam a tônica dos povoados das vilas e sítios das
redondezas da cidade, e como dito, a sobrevivência do mundo natural e a
rusticidade de produção predominavam na capitania.
A criação de gado também era encontrada esparsamente nas redondezas da cidade
de São Paulo. Veremos mais adiante que esta atividade econômica se estenderia de
forma marcante por outras regiões da província paulista já no século XIX, sendo que
o comércio do couro e chifres viria atrair um relativo mercado interessado.
8
Nas palavras do então governador da capitania na década de 1760, Morgado de
Mateus, vê-se claramente a impressão deixada pela atividade econômica exercida
na capitania paulista do século XVIII.
[...]. Tecnicamente é uma lavoura muito mais primitiva, reduzida
apenas às operações fundamentais de semeadura e colheita, sem
uso de instrumento algum. Distingue-se da lavoura de subsistência
na conceituação aceita, desde que destina exclusivamente ao
auto-abastecimento familiar. Vivendo sempre “atrás do mato
virgem”, os homens limitavam-se ao convívio exclusivo da família,
batizavam-se quando adultos, “pela impossibilidade das
distâncias” e aborreciam a condição de soldados.
(CANABRAVA,
1972, P. 203)
Pelas palavras do governador entende-se que o homem simples de São Paulo era
um sujeito sem conhecimento algum de técnicas de lavora, bem como não era nem
de seu possível interesse que soubesse muita coisa além do necessário para o auto-
sustento e de sua família.
A vida muitas vezes levada pelo nomadismo criava um gênero baseado nas
lavouras de auto-sustento. Algumas situações como as encontradas pelo
governador Morgado de Mateus mostram a constante falta de ocupação do homem
comum. Os “sítios volantes”, expressão muito usada pelo governador e retratada na
obra de Alice Canabrava, talvez constituíssem os poucos conglomerados
populacionais verificados num perímetro razoavelmente distante da cidade de São
Paulo, onde havia o mínimo de sustentabilidade pela lavoura perene e alguns
poucos convívios sociais. Neste ínterim, ou seja, de lavouras arcaicas para o auto-
sustento e nomadismo predominante entre os homens adultos, podemos entender a
terra sem considerá-la como um fator de produção. A sua abundância e decorrente
oferta ilimitada, bem como a inexistência de correntes de exportação na capitania
fizeram com que o valor da terra se tornasse irrisório, e portanto sem condições de
considerá-la como fator.
São Paulo agonizava por não estar próxima aos centros consumidores de produtos
primários brasileiros, a dificuldade de transporte imposta pela Serra do Mar, bem
como a distância natural da Europa se incumbiam de deixar a capitania à margem
dos interesses da Metrópole. Por outro lado, São Paulo tinha posição geográfica
privilegiada, situando-se na confluência entre a Região Sul e as demais capitanias
9
da Região Sudeste, fazendo, portanto, a ligação com restante do país, tornando-se
rota natural e obrigatória para Mato Grosso e Goiás.
Esta situação de ponto de passagem natural dos comerciantes ajudaria a capitania a
se erguer de forma definitiva nos anos que se seguiram. A famosa rota terrestre de
Viamão, por onde os comerciantes de São Pedro do Rio Grande do Sul traziam seus
burros e mulas, vinha desembocar em Sorocaba, criando a maior feira de muares de
toda colônia. Esta feira fundou-se justamente pela necessidade dos comerciantes
gaúchos em atravessar o território paulista, trazendo consigo capital e
movimentando a estagnada economia da Província.
Parte do interior longínquo de São Paulo também fora desbravado por tropeiros e
comerciantes de outras capitanias, sobretudo de Minas Gerais, que também de
passagem estimulavam o comércio das vilas e cidades. Esta chegada de capital
provocava um estímulo claro nos pequenos vendedores das estradas e vilas, que
por sua vez se esmeravam em prover gêneros dos mais diversos para suprimento
dos viajantes. “Nessas grandes correntes do comércio interior estão as sementes
das fortunas que, ao tempo do governo de Morgado de Mateus, atraíam os capitais
de maior vulto na capitania paulista” (CANABRAVA, 1972).
As atividades subsidiárias que se criaram ao redor dos viajantes, nas palavras da
autora acima, nos indicam a falta de alternativas internas para a capitania. A
estagnação econômica era de grande magnitude, necessitando então de iniciativa
externa, e entenda-se externa aqui como de outras capitanias do país, para saírem
da situação cíclica em que se encontravam. No bojo desta discussão, além do
mercado de muares, já supracitado e plenamente estabelecido na capitania, o
comércio de cavalares e gado vacum, igualmente oriundos do sul, crescia muito, e
credita-se ao comércio deles o início das grandes fortunas da capitania.
O estabelecimento de fazendas nos vários trajetos para São Paulo fez com que os
bons comerciantes de gado se eximissem gradativamente dos seus impostos que
eram cobrados em entrepostos fixos estabelecidos pela Fazenda Real, sendo que o
maior deles no trajeto do Rio Grande do Sul para São Paulo era o da cidade de
Curitiba. O fato de poderem burlar o pagamento de parte dos impostos, somado com
10
a demanda cada vez maior pelo gado, que nesta altura também se destinava ao Rio
de Janeiro e Minas Gerais, enriqueceu uma pequena parcela de cidadãos paulistas.
Existiam também rotas fluviais, como a do rio Tietê que levava ao Mato Grosso. Tal
rota, muito utilizada durante anos, fora paulatinamente caindo em desuso com o
aumento do comércio para Minas e Rio de Janeiro e a conseqüente perda de
importância de Mato Grosso e Goiás, sobrou para esta rota então um pequeno
comércio de escravos e sal, que se configurava ainda perene.
O porto de Santos ainda no século XVIII tinha um volume comercial bem reduzido, o
comércio de sal
3
e escravos era constante, porém pequeno. Contudo, a posição
estratégica da capitania de São Paulo mais uma vez se fez presente; a coroa
necessitava revender o sal para as demais capitanias da Região Sudeste, e
valendo-se da posição geográfica de São Paulo passou a aumentar o comércio no
porto de Santos, e fez da capitania um grande entreposto para os que queriam
negociar sal na colônia. Portanto, assim como o comércio de gado, muares e
cavalares, o sal tornou-se um fator de aumento de atividade comercial na colônia.
Com o aumento da comercialização deste produto por Santos, o porto veria também
um pronto aumento da comercialização de outras manufaturas diversas e de
escravos, a reboque do volume de sal.
1.2. Padrões de vida no século XVIII
No século XVIII, como já bem explorado, a atividade econômica da capitania era
limitada. As oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional eram
muito poucas para grande parte da população. Como vimos, por motivos muito mais
casuísticos do que propriamente em função de alguma política desenvolvimentista
da coroa portuguesa, São Paulo passou a ter algum dinamismo econômico através
do comércio. Entretanto, mesmo com algum desenvolvimento interno a capitania
continuava muito pobre e, sobretudo, sua população, na grande maioria, encontrava-
se constantemente desocupada e faminta.
3
O comércio de sal no século XVIII ainda era monopólio da coroa portuguesa que era a única autorizada a
revendê-lo nas colônias, inclusive aquele oriundo do Rio Grande do Norte e Sergipe, explorados pela metrópole.
11
De acordo com Alice Canabrava o que se podia verificar era três tipos de padrões
distintos e bem definidos da população paulista: a economia de auto-subsistência
familiar, economia de subsistência propriamente dita e a economia exclusivamente
mercantil.
De forma predominante, por volta de 50% da população
4
da capitania praticava uma
economia de auto-subsistência familiar, completamente à margem da economia de
mercado. Essas pessoas eram em geral nômades miseráveis que migravam de um
lugar um para o outro acompanhando a depredação das florestas. Outra parcela da
população, que representava a maior parte da metade restante, sustentava-se
através de uma economia de subsistência voltada para o abastecimento de
pequenos centros. Conforme já visto neste trabalho, as técnicas utilizadas eram de
baixíssima produtividade, o que nos infere ao pensamento de que mesmo voltadas
aos pequenos núcleos populacionais, a produção destes trabalhadores não deveria
ir muito além do necessário para eles próprios; soma-se a essa situação o limitado
mercado interno existente com baixa renda real
5
. Por último, existia uma pequena
parcela da população que se constituía de mercadores prósperos dentro da colônia.
Estes homens enriqueceram com a exploração do comércio interno da capitania,
tratava-se de parcela reduzida de cidadãos que se valeram das rotas terrestres e
fluviais, bem como do significativo aumento das importações pelo porto de Santos,
para se diferenciarem financeiramente da grande maioria dos homens livres da
capitania. Neste ponto, ainda ressaltamos que o aumento do dinamismo comercial,
além de enriquecer alguns poucos, também se refletiu no gradativo crescimento da
compra de escravos na capitania. O porto de Santos registrou aumento do número
de escravos concomitantemente ao aumento do volume de mercadorias negociadas,
o que nos faz crer que esta pequena parcela abastada de São Paulo conseguia
manter um plantel ainda que reduzido de escravos
6
.
4
Este percentual foi estimado pela professora Alice Canabrava em sua obra.
5
A professora Alice Canabrava ressalta que sobre este segundo grupo existem muito poucos documentos
indicativos tanto da quantidade de pessoas como também da medida de sua riqueza.
6
A posse de escravos, além de representar mão-de-obra para plantil e transporte de mercadorias, era um meio de
afirmação social da classe emergente, a posse de alguns poucos escravos representava ascenção social.
12
A riqueza da capitania de São Paulo estava concentrada em poucas mãos durante o
último quartel do século XVIII, bem como também concentrada nas cidades mais
favorecidas pelas rotas comerciais que se criaram.
São Paulo por ser um ponto de convergência, naturalmente se desenvolveu mais
que qualquer outra cidade. Itu e Sorocaba graças à rota do Viamão também
cresceram, sendo o gado, a esta altura, o grande comércio exercido entre as
capitanias, Mogi-Guaçú e Parnaíba como rotas naturais para Goiás também se
beneficiaram, Guaratinguetá no caminho para o Rio de Janeiro, capital da Colônia,
também se tornou ponto comercial importante e, por fim, Santos, que se estabeleceu
como a “rota do sal” graças ao porto. Tais cidades tiveram um desenvolvimento
grande e bem concentrado, ressaltando que as demais vilas continuavam a padecer
pela pobreza e falta de oportunidades.
Vale lembrar que a atividade bandeirante representou também uma saída comercial
para os paulistas. O apresamento de índios, além de outras atividades exercidas por
eles, como sufoco de rebeliões escravas e a capitura de negros fugitivos,
certamente serviram como meio de vida para uma parte da população paulista. De
forma análoga também ressaltamos que a atividade mineradora, embora já em
decadência, ainda contribuia para o aumento vertiginoso dos entrepostos comerciais
de São Paulo, devido ao interesse que persistia em suprir os mineiros de víveres
diversos.
1.3. O início do século XIX
Doravante focaremos nosso estudo já no século XI e não mais nos referiremos a
São Paulo como capitania, mas sim como Província, bem como voltaremos nossa
discussão para a ocupação das terras e os costumes diários do paulista tradicional.
Antes de iniciarmos o estudo sobre a entrada no interior paulista, devemos
conceituar, para efeito deste trabalho, o que seriam as Bocas do Sertão Paulista
7
.
7
Bocas do Sertão era o termo genericamente utilizado para as regiões longínquas da Província, para onde rumou
grande parte dos novos comerciantes de café.
13
Neste ínterim, é importante lembrar que ao falarmos das inexploradas Bocas do
Sertão estaremos muitas vezes considerando os mesmos comentários para outras
áreas longínquas do Estado de São Paulo. Tais comentários se estendem aos
costumes diários dos brasileiros e o modo utilizado para demarcação e ocupação
das terras, que eram fatos comuns independentemente da região abordada.
Entende-se para este efeito que estaremos nos referindo às antigas delimitações
das cidades de São Carlos e Campos de Araraquara, nesta última incluindo as áreas
onde mais adiante surgiriam cidades como Jaú, Brotas, Dois Córregos, Jaboticabal e
várias outras. Estas cidades eram cercadas de um lado pelo Rio Tietê e do outro o
Rio Mogi-Guaçú, conforme já vimos, caminhos naturais que conduziram vários
desbravadores interior adentro desde o século XVIII.
Igualmente, já vimos que São Paulo era uma região distante dos centros produtivos
do país. Esteve desde o século XVIII e no decorrer de parte do século XIX sendo
utilizada como rota de passagem e abrigo para alguns comerciantes, o que serviu
como válvula de escape para gerar algum tipo de riqueza na Província. As
atividades comerciais bem como suas rotas do século XVIII permaneceram ainda
sendo utilizadas por algumas décadas; portanto, São Paulo do início do século XIX
continuava como um de ponto de parada de viajantes e comerciantes com destino a
outras províncias e cidades, na busca por oportunidades de negócio, ou mesmo de
trabalho.
O quadro desolador da Província no início do século XVIII não se alterara muito, a
concentração da pouca riqueza existente permanecia nas mesmas cidades do
interior próximo e no litoral, sendo que o interior mais afastado nem desbravado fora.
O interior distante de São Paulo era uma região esquecida, sobretudo pelas imensas
distâncias que se tinha que percorrer em lombo de burro ou mesmo pelo rio Tietê
para se chegar até ela. Esta situação punha-se como desafio para colonização da
província, pois pouquíssimos queriam se aventurar em fazer negócio naquelas
condições de completo abandono, ou mesmo conduzir suas famílias a tão
desfavorável ambiente.
14
De início devemos ressaltar que as terras desocupadas eram devolutas, ou seja,
terras pertencentes ao Governo Brasileiro (apenas com a Constituição de 1891 as
terras devolutas passariam aos domínios dos Estados) que não tinham utilidade ou
não estavam sendo aproveitadas naquele momento. Eram terras oriundas de
antigas sesmarias adquiridas junto à coroa portuguesa por autoridades ou membros
da nobreza ainda no século XVIII, mas que pelas enormes dificuldades de transporte
e falta de dinheiro foram sendo esquecidas pelos seus proprietários. Nestas terras o
que se conseguia ter como comércio até as primeiras décadas do século XIX era a
criação de animais, haja vista que a produção de café ainda não chegara para
aquela parte da província. Como decorrência disso, naturalmente não se pensava na
hipótese de investir na produção em região tão distante e pouco convidativa.
(MESSIAS 2003)
O interior paulista teve seu desenvolvimento econômico no início do século ainda
muito voltado à plantação de subsistência e à criação de animais, característica
marcante do século anterior. Trabalhadores livres, em sua grande maioria,
plantavam algumas hortaliças, caçavam e pescavam, aproveitando-se da
abundância de caça nas florestas ainda quase virgens, e da pesca farta nos rios que
cruzavam a região.
As famílias brasileiras tinham costumes alimentares de certa forma reduzidos para
quantidade de alimentos que já se comercializava na ocasião. Plantavam verduras e
legumes silvestres como chicória, chicorião, almeirão, agrião, mostarda, quibebe,
cenoura, repolho, batata, nhame, mandioca, feijão e outros; além disso, todos os
tipos de caça possíveis eram negociados: codornas, perdizes, tatus, lagartos,
porcos-do-mato, onças-pintadas, onças-pardas (estas últimas eram muito
apreciadas e geralmente caras para se comprar ou mesmo para contratação de
serviço pago de caça), etc.
Apesar da variedade de produtos constatados, o cardápio do paulista pobre do
interior paulista ainda era menos variado, baseando-se fundamentalmente nas
hortaliças indígenas: milho, mandioca e feijão, sendo gradativamente substituída a
mandioca pelo arroz asiático, introduzido bem mais adiante. Entretanto, as famílias
mais ricas tinham costumes alimentares mais apurados, buscando, sempre que
15
possível, consumir carne diariamente, e para tanto, se valiam dos serviços de
trabalhadores livres para caçar e pescar para elas. (MESSIAS 2003)
Já na primeira década do século XIX o interior estava gradativamente sendo
ocupados por viajantes em número cada vez maior, e o comércio de gado das rotas
de Viamão atraiu aqueles que quiseram se aventurar no interior distante de São
Paulo. O gado foi o primeiro negócio efetivo das Bocas do Sertão paulista; aliás,
salienta-se que a carne bovina não era nem um pouco apreciada pelas famílias
paulistas da ocasião, mas sim a carne de porco; o gado era muito utilizado para
extração de leite e comercialização do couro e chifres, sendo sua carne de pouco
valor comercial.
Importante se faz também atentarmos para a entrada da cana-de-açúcar nas Bocas
do Sertão. Esta cultura chegou pouco depois da atividade criatória, e aproveitando-
se da qualidade irrefutável da terra de boa qualidade do oeste paulista cresceu
vertiginosamente entre os fazendeiros e sitiantes ocupantes das terras devolutas
existentes, e além do mais, serviram como argumento para estes mesmos fundiários
regularizassem suas terras a partir de 1850, com a nova Lei de Terras
8
promovida
pelo governo provincial.
[...] Muitos desses fazendeiros eram posseiros de terras devolutas,
outros conseguiram suas sesmarias mediante doações da Coroa, não
de compra. A lei revalidaria as sesmarias ou outras concessões do
governo que se achassem cultivadas, ou com princípios de cultura e
morada habitual do respectivo sesmeiro. (MESSIAS, 2003, p.61)
Conforme observamos na transcrição do livro de Rosane Messias, o fato das terras
estarem cultivadas era condição necessária para que pudessem ser regularizadas,
entendendo-se o termo “cultivadas” como sendo utilizadas produtivamente; ou seja,
as terras utilizadas para criação também estavam devidamente inclusas neste
conceito, o que faz sentido, na medida em que a região já era muito explorada com
criação de animais.
8
Quanto à Lei de Terras promovida pelo governo, Thomas Holloway ressalta a total ineficácia desta tentativa
mostrando que as ocupações ilegais eram frequentes, tanto pela falta de fiscalização como pelo desejo do
governo paulista em ver o interior ocupado. (HOLLOWAY, 1984)
16
Embora não seja propriamente o enfoque de nosso estudo, é muito interessante
lembrar a precariedade com que as terras eram regularizadas em meados do século
XIX. O direito à terra era feito basicamente de forma oral e não raras vezes
diretamente com o vigário da vila mais próxima, única autoridade geralmente
presente nestes pequeninos vilarejos. As declarações eram basicamente orais, visto
que, em grande parte, os sesmeiros eram analfabetos, e nem sequer podiam assinar
o nome em qualquer documento que fosse escrito. A falta de precisão nas narrativas
dos fazendeiros e sitiantes era de tal dimensão que os documentos, se analisados
nos dias atuais, não teriam a menor validade legal, não apenas pelos aspectos
formais da lei, mas, sobretudo, porque se tratavam de homens tão rústicos que mal
sabiam dizer onde começavam e terminavam suas próprias terras. Na transcrição
que colocaremos abaixo está um trecho de uma dessas narrativas, onde claramente
notamos a rusticidade do cidadão interiorano paulista.
[...] sou senhor e possuidor das terras...sitas no Bairro de Três Pontes
na fazenda denominada Jatahy as quaes terras dividem-se pelo
ribeirão das tres pontes vindo adito do corrego, e suas vertentes rio
abaixo, desviando com Manuel Pereira Souza pelo paredão que tem
na beira do seleiro e arrodeando as cabeceiras com Salvador Lemos
Soares, e da parte de cima com o mesmo vendedor, e descendo pelo
meio de água abaixo da barriga [...] (MESSIAS, 2003, p.63)
Essa transcrição faz parte da narrativa de um sitiante de nome Francisco de Paula
Nantes, e exprime bem a idéia que procuramos demonstrar. Este cidadão tem um
sítio que fica dentro de uma fazenda de nome Jatahy, em que suas delimitações vão
até onde a água do riacho chega à barriga.
Conforme nos ensina Sérgio Milliet, no momento tratado por este capítulo o café
ainda não estava presente na Província de São Paulo, um pouco deste produto já se
encontrava no interior da Província do Rio de Janeiro e mesmo assim em
quantidades insignificantes perto de sua futura representatividade. (MILLIET 1939).
Entretanto esta preocupação com a região das Bocas do Sertão tem seu
fundamento, pois veremos mais adiante que se trata da região pioneira na
exploração do café em grande escala, bem mais que o Vale do Paraíba, que apesar
de ter atingido produção significativa, caiu rapidamente em declínio pelas terras
desgastadas e café de qualidade inferior.
17
Justamente por se tornar grande produtora de café é que naturalmente a imigração
subsidiada promovida pelo governo de São Paulo rumou fortemente para lá, fazendo
aumentar rapidamente o número de habitantes nas cidades e vilas do oeste paulista,
reforçando mais ainda a necessidade do nosso estudo.
Neste capítulo procuramos apresentar um panorama geral sobre as condições
econômicas e sociais da província de São Paulo num período de pré-
desenvolvimento. Iniciamos nosso estudo ainda na segunda metade do século XVIII,
onde a então capitania paulista ainda padecia pelo mais completo abandono
institucional. Sem apoio ou investimento por parte da administração central da
colônia, São Paulo era uma capitania sem alternativas para os seus moradores. As
poucas vilas com alguma concentração de moradores sustentavam-se por meio de
pequenas agriculturas de auto-subsistência, o comércio que se criara pelas rotas e
pelo aumento do volume de mercadorias no porto de Santos, concentrava a pouca
riqueza da região nas mãos de poucos comerciantes.
Demos seqüência adentrando no século XIX, onde de imediato ressaltamos que
ainda nas primeiras duas décadas a província manteve-se nas mesmas condições
vistas no século anterior, exceção feita ao comércio de gado, que aumentou
significativamente e auxiliou no avanço para o interior afastado. Por fim, abordamos
de forma breve a questão da ocupação das terras, e neste ponto enfatizo que
retornaremos ao tema no decorrer deste trabalho, sobretudo quando tratarmos dos
trabalhadores livres do período imperial.
Como ponto final deste breve histórico das origens de São Paulo é fundamental
fazermos uma introdução sobre a ocupação da cultura cafeeira, que se iniciou no
final da década de 1820.
Sérgio Milliet nos mostra que a Região Norte
9
foi a primeira a concentrar a produção
de café na província. Já em 1836, esta região que contemplava o Vale do Paraíba
detinha 88% da produção de café de São Paulo, sendo que os 12% restantes
9
Usaremos as definições de Sérgio Milliet para tratarmos das 7 regiões de ocupação do café, são elas: Região
Norte, Central, Mogiana, Paulista, Araraquarense, Noroeste e Alta Mogiana. (MILLIET,1939)
18
estavam a cargo da região Central, onde se localizava a cidade de São Paulo,
Jundiaí, Piracicaba e vilas próximas. (MILLIET, 1939)
Já Thomas Holloway define região Norte como a Zona do Vale do Paraíba, a cidade
de São Paulo como Zona da Capital e as cidades de Piracicaba, Jundiaí e Campinas
como Zona Central (HOLLOWAY, 1984). Fazemos este contraste para enfatizarmos
que neste trabalho utilizaremos as divisões propostas por Milliet, sem naturalmente
deixarmos de considerar o trabalho do professor Holloway também muito consultado
para concepção deste.
Figuras 1 e 2 – Mapas da ocupação do café em São Paulo até 1836 e 1854
Fonte: MILLIET, 1939
Nota: Os percentuais referem-se à participação relativa de cada região no total da
produção de café do Estado.
Nota-se com os mapas apresentados, que o oeste paulista ainda não se abrira e o
café nem havia chegado ao interior longínquo até 1836. Entretanto já na década de
1850 o quadro geral desta ocupação mostra sensível mudança, tendo a cultura
cafeeira avançado para as regiões Mogiana (Ex: Mogi Mirim e Ribeirão Preto) e
Paulista (Ex: Rio Claro e São Carlos).
19
CAPÍTULO 2
O TRABALHADOR LIVRE EM SEU MEIO: A CONVIVÊNCIA SOCIAL E AS
RELAÇÕES DE TRABALHO
Neste capítulo veremos como os trabalhadores livres sobreviviam em meio às
oportunidades que lhes eram oferecidas e de onde provinha o preconceito nutrido
pelos fazendeiros. Mostraremos uma análise da relação de dependência de alguns
trabalhadores livres para com estes fazendeiros, que estabeleceram relações muito
específicas com os senhores, e, ao mesmo tempo, de subserviência em relação a
estes. Por fim, procuraremos analisar como essa classe conseguiu, em parte,
superar as dificuldades, sendo que alguns de seus membros tornaram-se pessoas
abastadas, e efetivamente ascenderam às classes privilegiadas da sociedade.
O trabalhador livre acostumou-se a um meio de sobrevivência seminômade, de
acordo com as oportunidades que se apresentavam de tempos e tempos. Estas
oportunidades se configuravam muitas vezes em atrativos meramente naturais como
a existência de terras aparentemente mais produtivas, clima mais propício à
pequena plantação de subsistência, a presença de rios para pesca e a abundância
de animais para caça. O homem livre do século XIX sobrevivia daquilo que Maria
Sylvia de Carvalho Franco classifica de atividade “residual” da economia, ou seja,
aquilo que sobrava em um meio que privilegiava o trabalho escravo como mão-de-
obra principal. Entenda-se tal conceito como atividades que não eram de
competência servil, tais como: abertura de novas áreas nas fazendas, construção de
pequenas igrejas, abertura de vias nas matas, atividades comerciais, transporte de
mercadorias etc.
Quanto ao tema do aproveitamento do trabalhador livre na sociedade imperial do
século XIX, faremos um contraste das idéias da professora Maria Sylvia com alguns
20
autores que defendem posições um pouco distintas. Tais autores entendem que os
trabalhadores livres conseguiram atividades mais perenes, e não apenas as
residuais propostas pela autora citada. Autores como Hebe Castro, Thomas
Holloway e Iraci da Costa estão entre os que divergem destas idéias, e serão
abordados com freqüência no decorrer deste trabalho.
Importante salientar que estas atividades, que por vezes eram destinadas aos
trabalhadores livres, tinham em sua grande maioria caráter sazonal, o que
naturalmente contribuía para o modo de vida destas pessoas.
Outra divergência de opiniões se encontra quanto à sazonalidade das atividades do
trabalhador livre. Iraci da Costa e Hebe Castro discordam desta posição por
entenderem que este elemento tinha trabalho constante e muitas vezes perene
dentro do sistema agrário brasileiro.
Deve-se considerar que o povoamento do interior fez-se pela
disseminação de pequenos grupos esparsos em um amplo território e
que a grande disponibilidade de terras férteis e a riqueza das fontes
naturais de suprimento, aliadas à pobreza das técnicas de produção,
definiram um modo de vida seminômade, baseado numa agricultura
itinerante cujos produtos eram suplementados pela caça, pesca e
coleta. (FRANCO, 1969, P. 31)
Maria Sylvia nos indica ainda uma questão importante nos dizeres supracitados, a
da pobreza das técnicas de produção. Mesmo nas fazendas mais abastadas de
escravos e ricas em produção, e cabe ressaltar que no início do século XIX estamos
nos referindo ao Vale do Paraíba, as técnicas de plantio e cultivo eram bastante
limitadas. Ocorre que, nas fazendas, as técnicas, mesmo pobres em
desenvolvimento, eram suplementadas pelo cuidado diário dos escravos, que davam
a devida manutenção para garantir o volume de produção necessário. Já o
trabalhador livre não dispunha de tais privilégios, sua plantação era basicamente a
de subsistência, e seu trabalho, não raramente, dava-se em forma de mutirão
10
. O
mutirão, como aqui especificado, ainda proporcionava ao contratante um valor mais
10
O mutirão era uma forma de trabalho baseada na cooperação, no caso dos trabalhadores livres do século XIX
não havia princípios de organização ou liderança nas atividades, bem como o grau de perícia destes era muito
semelhante durante a execução das atividades.
21
baixo no custo unitário da mão-de-obra, na medida em que pela sua própria
definição era uma forma coletiva de trabalho, com objetivo de redução de tempo de
execução das tarefas e com baixa oneração de contratantes e usufrutuários.
(FRANCO 1969)
Como mencionado, nosso estudo sobre o meio de vida do trabalhador livre tem seu
início na gênese do século XIX e precisamente no Vale do Paraíba. Esta região teve
seu auge antes da metade deste século e seu declínio gradativo se deu até por volta
da década de 1860. Importante lembrar que seu desenvolvimento primordial deu-se
através do movimento migratório oriundo da região mineradora. Recordamo-nos
que, por se tratar de rota para o interior, desde meados do século XVIII já existiam
plantações de gêneros alimentícios nesta região com o objetivo primordial de suprir
de víveres diversos os negociantes de gado, sal e muares, de passagem para as
demais províncias do país. Este comércio, estritamente interno, não se fazia em
larga escala e nem tencionava a busca por grandes mercados.
No fim do século XVIII o comércio intenso de minério que transcorreu por meio
século na Província de Minas Gerais estava no fim, e deste declínio iniciou-se a
procura por novas áreas e oportunidades.
11
Com o objetivo de investirem em novos negócios, em face do rareamento aurífero
das antigas regiões mineradoras, alguns capitalizados empresários do ouro
cruzaram a fronteira para São Paulo, onde as terras eram virgens, vastas e a preços
baixos. Junto com os comerciantes também vieram os trabalhadores livres, que na
busca contínua em empregar sua mão-de-obra muitas vezes seguiam os senhores
de terras, pois assim tinham suas esperanças sempre renovadas em conseguir algo
mais perene do ponto de vista profissional, naturalmente com ideais mais simples,
ligados à sua origem, almejando apenas um meio de sobrevida.
São Paulo era uma província pouco explorada até então, onde as terras eram
abundantes e virgens, portanto baratas. Inicialmente foi ocupada com criações de
gado sem grandes pretensões externas, buscando primordialmente o atendimento
11
Lembramos que a despeito do declínio da atividade mineradora em Minas Gerais, tal província ainda se
manteve com um grande número de escravos por todo período imperial, o que sugere, para a maioria dos autores,
que a atividade econômica se manteve constante e significativa por todo século XIX.
22
do mercado interno que se intensificara pelas rotas comerciais, conforme explorado
no primeiro capítulo. Entretanto, antes da metade do século, já apresentava
propriedades de terra organizadas e voltadas para produção em larga escala no
Vale do Paraíba, rapidamente sendo preenchidas por vastas plantações de café com
vistas ao mercado externo.
Conforme nos mostra o autor Iraci da Costa, rapidamente o Vale do Paraíba Paulista
povoou-se de plantações de café, a ponto, de em pouco mais de 30 anos, passar de
mero entreposto de mercadorias para região aurífera, para tornar-se uma das mais
prósperas regiões produtoras do império.
Veremos na tabela a seguir o crescimento vertiginoso da cultura cafeeira nesta
região em apenas três décadas, o que nos dá uma idéia da crescente demanda
européia pelo produto desde os primórdios do século XIX.
Tabela 1 – Evolução da produção de café no Vale do Paraíba Paulista no início
do século XIX (em arrobas)
Início Final Início Final
Bananal 1797 1829 0 47137
Areias 1797 1829 0 46300
Lorena 1797 1829 0 16555
Guaratinguetá 1798 1829 0 13768
Fonte: Dados originais COSTA, 1992
Para o Vale do Paraíba Paulista rumaram enormes quantidades de famílias
mineiras, em sua grande maioria famílias que haviam enriquecido em função da
exploração das minas. Vinham com toda sua escravaria para reinvestirem em terras
23
baratas e de boa qualidade, o excedente de capital amplamente acumulado durante
meio século. Este fato possibilitaria a nova cultura que surgira no interesse da
metrópole, o café, que por sinal já era produto certo nos mercados europeus.
No Vale do Paraíba foram empregados escravos das antigas
fazendas de açúcar e da mineração de Minas Gerais. Para lá também
ocorreram numerosas famílias mineiras, cujos antepassados haviam
sido ligados à mineração e que agora se deslocavam, com sua
escravaria, gado e tropas, para as zonas de cultura cafeeira.
(SIMONSEN, 1973, P.202)
É no contexto do início do século XIX que encaixaremos nossa análise da vida do
trabalhador livre. As possibilidades que se abriram para alguns deles no transcorrer
do século, o anseio em ascenderem socialmente e sua busca incessante por
dignidade foram os obstáculos a serem sobrepujados, em um sistema que não fora
concebido para sua existência.. Tais obstáculos, entretanto, não impediram que
estes homens se inserissem no sistema produtivo, ou mesmo que alguns poucos
ascendessem na vida social.
2.1. O “desperdício” da mão-de-obra
Os grupos sociais de “caipiras” que viviam da parte supostamente residual das
atividades econômicas disponíveis, estiveram sempre marginalizados da estrutura
dominante do país, e devemos entender esta situação na visão do próprio sistema
colonial, ou seja, da maneira que este fora organizado. Este sistema empurrava os
grupos sociais livres para a margem da sociedade da época, na medida em que era
constituído de um binômio bem definido de senhores e escravos.
Conforme já mencionado, estaremos contrastando alguns conceitos defendidos pela
professora Maria Sylvia com posicionamentos diversos. Neste caso, o conceito de
residual não é corroborado pelo professor Iraci da Costa, que argumenta que as
alternativas para o trabalhador livre sempre se puseram mais diversas, bem como o
sistema colonial, de fato restrito em oportunidades, proporcionou mais alternativas
24
para o trabalhador livre que meramente aquelas traçadas na obra da autora
supracitada. (COSTA, 1992)
As oportunidades de inserção na vida econômica como o mutirão eram uma forma
de provimento mínimo das necessidades vitais destes grupos, ademais, não
deixavam de ser mais uma forma constituída de exclusão, na medida em que a
união diminuía o custo do serviço, ao mesmo tempo que fazia crescer a mais valia
extraída do trabalho.
Importante considerar que o parco desenvolvimento de técnicas de plantio, e mesmo
a rústica tecnologia produtiva da época, não deixavam de ser um fator agregador
das sociedades caipiras. A uniformidade de habilidades destas pessoas tornava
possível a sua atividade, pois estavam envoltos na mesma falta de cultura e nas
mesmas condições limítrofes da vida natural.
Conforme Franco, o trabalhador livre ia vivendo da vida natural e vagando interior
afora, o trabalhador livre ia buscando seu lugar na sociedade, onde encontrava um
canto se ajeitava, e com um pouco de sorte o fazendeiro ia deixando ficar, isto,
claro, se não o incomodasse. Esta, por sinal, era uma realidade meramente
passageira, porque na primeira oportunidade que tinha em aproveitar aquele
pequeno pedaço de terra para o sistema colonial, o fazendeiro não hesitava em
fazê-lo, e aquele homem teria que se pôr novamente na estrada, e procurar outro
pequeno espaço que pudesse ficar mais um tempinho.
Foi neste contexto que surgiu a figura do “caipira preguiçoso”, que, se por um lado
tinha poucas obrigações diárias e quase nenhuma preocupação com o futuro, por
outro, estava condenado a viver com o mínimo vital, que, em grande parte das
vezes, era representado apenas pelo que a natureza lhe proporcionava
12
.
Quanto a esta realidade do homem livre e pobre, a professora Hebe Castro, assim
como Costa e Holloway, também tem posição contrária à literatura clássica. Entende
a autora que o conceito da “marginalização” desta figura não é cabível ao
pensarmos na transição de economia escravocrata. Ressalta em sua obra, que este
12
Este mínimo vital, naturalmente, também é contestado pelo professor Iraci da Costa
25
homem foi muito solicitado nesta transicão, e, aliás, aponta também como
impensável a sua não utilização durante tal transição. A peja de preguiçoso, para
Castro, não foi em situação alguma impecílio para sua empregabilidade, citando
como exemplo os sitiantes, que, sem a possibilidade financeira de reposição de
cativos se valiam constantemente da mão-de-obra destes brasileiros. (CASTRO,
1987)
Inconteste que o modo colonial de exploração econômica e a falta de cultura eram
fatores causadores de dificuldades do homem caipira, mas certamente a legislação
também não os ajudou. Conforme veremos, as leis propostas no decorrer do século
XIX não os incentivaram na busca pelo emprego nas fazendas, ao contrário, sempre
voltadas ao mercado externo de mão-de-obra, pouco atentaram para o
aproveitamento da mão-de-obra livre abundante no país. Soma-se a estes fatores a
questão da constante mobilidade deste trabalhador, que culminava na falta de dois
elementos tidos como fundamentais pelos senhores das fazendas, quais sejam:
enraizamento com a terra e princípios básicos de relacionamento profissional como
hierarquia e disciplina, tão necessários a qualquer atividade profissional, e que eram
frequentemente mencionadas pelos fazendeiros quando se queixavam do
comportamento desidioso e rebelde do homem livre.
Foi nesse contexto que nasceu o “preguiçoso” caipira, que esteve
colocado na feliz contingência de uma quase “desnecessidade de
trabalhar”, com a organização social e a cultura se amoldando no
sentido de garantir-lhe uma larga margem de lazer, mas que sofreu,
simultaneamente, a miserável situação de poder produzir apenas o
estritamente nescessário para garantir uma sobrevivência pautada
em mínimos vitais”. (FRANCO, 1969, P. 35)
Diante do apresentado, entende-se que o modo de exploração colonial propiciou, de
de certa forma, um desperdício de mão-de-obra plenamente apta ao trabalho, o não
aproveitamento do homem livre fez com que 2/3 da população livre na primeira
metade do século XIX estivesse inserida nas condições de miserabilidade
apresentadas. Ademais, é importante ressaltar que padres, militares e autoridades
públicas não se encontravam neste contexto, pois se deparavam com sistemas de
vida ligados à classe dominante, além de não necessitarem de itinerância como
meio de sobrevivência, fato que nos mostra de maneira ainda mais acentuada a
proporção exata deste desperdício. (FRANCO, 1969)
26
Mais uma vez conflitaremos o posicionamento de Franco, pois entendemos que não
houve subaproveitamento da mão-de-obra. Conforme nos apresenta o professor
Iraci da Costa, muitos eram os homens livres despossuídos de escravos, entretanto,
boa parte deles via-se integrado a algum meio produtivo, inclusive os agregados, de
quem trataremos de forma pormenorizada mais adiante. (COSTA, 1992)
Entraremos agora no pensamento proposto pelo professor Lúcio Kowarick (1994),
que situa nossa discussão ainda nos primórdios da colonização, tendo seu início na
necessidade de acumulação primitiva de capital, sendo que, deste princípio nasceu
a necessidade da metrópole de realizar o modelo de colonização baseado na
exploração do cativo e suposto alijamento do trabalhador livre.
Através deste conceito passou-se a estabelecer nas colônias (expressão máxima da
expansão ultramarina) um sistema que não se representava apenas pela mera
atividade extrativa, mas sim como uma forma muito mais complexa de negócio, com
vistas à produção em larga escala e exclusivamente voltada ao mercado externo.
O assalariamento mostrou-se logo de início algo inviável, e neste ponto
concordamos com Kowarick, pois o expropriamento prévio das terras, loteando-as
em grandes capitanias e posteriormente em sesmarias, já impunha aos
trabalhadores livres e pobres o despojo completo do seu meio de vida, isto, na
medida em que tirou-lhes previamente a oportunidade de sobrevivência por seus
próprios meios. Sendo assim, podemos entender que o sistema colonial de
exploração imposto pela metrópole, empurrava o trabalhador livre para a condição
de elemento desnecessário em virtude de seu conceito binomial, e pensar em
formas de remuneração para aqueles indivíduos já desprovidos dos meios de
produção nada mais era do que desnecessário em face do sistema implantado.
Conflitando as idéias de Kowarick com as de Castro e Costa, podemos concordar
que a expropriação prévia do meio de produção dificultou em parte a inserção do
trabalhador livre no meio colonial, todavia, não houve em momento algum um
alijamento deste elemento.
27
A colônia explorada estava completamente inserida no sistema colonial, a burguesia
européia dependia dos produtos coloniais para sua capitalização, portanto,
negociava os víveres típicos das colônias com os demais países do velho
continente, fazendo com que não houvesse espaço para a dinamização do mercado
interno das colônias. Isto, naturalmente, porque a produção era inteiramente voltada
para o mercado externo (em regra monocultoras), bem como os interesses
mercantilistas desta burguesia impediam qualquer tentativa de desenvolvimento do
mercado intracolonial.
Mesmo nos momentos em que foi ponderável o volume de excedente
gerado pela Colônia – por ter sido montada como mola propulsora
para ativar a acumulação metropolitana -, não se originariam fundos
que transbordassem os estreitos circuitos produtivos alicerçados para
abastecer, via o exclusivo colonial, os mercados internacionais.
(KOWARICK, 1994, P. 24)
Com o avançar dos tempos, já no final do século XVIII, a sociedade brasileira era
originária de um sistema estamental, no qual, externamente tinha sua produção
voltada para o mercado europeu, dentro de um sistema rígido que tinha no cativo a
única força produtiva, e no senhor das fazendas a classe burguesa dominante. No
ambiente interno existia um extenso aparato burocrático civil e militar devidamente
instalado nas cidades, e que por sua vez também representava de certa forma um
ciclo estamental interno, já que estavam nestas condições indivíduos diretamente
ligados à burguesia das fazendas, sejam eles: afilhados políticos, parentes, contra
parentes, religiosos, ou mesmo aqueles que, de uma forma ou outra, deviam algum
favor ao fazendeiro mais próximo. Em meio a esta conjuntura social encontrava-se o
trabalhador livre, que em certos casos sobrevivia daquilo que restava sem muitas
alternativas dentro do meio estamental. Tratava-se de um cidadão que, se não
dispunha de muitas ferramentas de oportunidade, ao menos se encontrava no meio
produtivo. Sua classe já representava no final do século XVIII quase metade da
população brasileira
13
, estimada em torno de 3 milhões de indivíduos.
Nas palavras de Caio Prado Jr, temos uma breve síntese daquilo que representava
a vida desta classe marginalizada pelo sistema, numa visão mais clássica da
literatura corroborada por Maria Sylvia de Carvalho Franco.
28
A população livre, mas pobre, não encontrava lugar algum naquele
sistema que se reduzia ao binômio “senhor e escravo”. Quem não
fosse escravo e não pudesse ser senhor, era um elemento
desajustado, que não se podia entrosar normalmente no organismo
econômico e social do país. Isto que já vinha dos tempos remotos da
colônia, resultava em contingentes relativamente grandes de
indivíduos mais ou menos desocupados, de vida incerta e aleatória, e
que davam nos casos extremos nestes estados patológicos da vida
social: a vadiagem criminosa e a prostituição. (PRADO Jr, 1970, P.
198)
Nota-se pelos dizeres de Caio Prado, que o trabalhador livre era um indigente, que
vivia do residual da economia. Um expurgado do sistema que batia de canto em
canto sem rumo certo.
Este raciocínio não parece ser o mais correto, na medida em que é muito freqüente
na obra de Iraci da Costa e Hebe Castro encontrarmos homens livres donos de
terras e mesmo proprietários de cativos, mostrando realidade diversa do autor
supracitado. A suposta condição de indigente parece-nos pouco fidedigna com a
realidade que, por sua vez, aproxima-se mais da condição de pobres trabalhadores.
Convém mencionarmos também que a persistência com a mão-de-obra escrava e
suas técnicas rústicas de produção serviria para agravar a situação de baixa
produtividade de trabalho, gerando falta de diversificação econômica e conseqüente
esterilização de recursos.
Conforme Franco, a relação de trabalho criou outro problema sério no transcorrer da
história do século XIX, pois, se por um lado os fazendeiros haviam desenvolvido
conceitos como: desidioso, insolente e vagabundo, em relação ao trabalhador livre,
por outro, o trabalhador livre, muito em função da degradação da mão-de-obra,
criara uma ojeriza ao trabalho nas fazendas, esta situação devia-se naturalmente às
diversas situações em que estes eram tratados como escravos. Além de ganharem
muito pouco ainda eram submetidos a tratamento degradante e violento, que,
conforme veremos neste trabalho, resultava muitas vezes da falta de experiência do
fazendeiro em lidar com o trabalho assalariado.
13
Agostinho Malheiros calcula em torno de 47% a população livre, entre brancos, negros libertos e mulatos.
(MALHEIROS. A. apud KOWARICK, 1994, P. 27)
29
Ressaltamos mais uma vez que o conceito de vagabundo e insolente pertence aos
conceitos clássicos da literatura, entretanto, o receio dos trabalhadores livres existia
de forma parcial, pois seu tratamento em alguns casos era de fato aviltante. Por
outro lado, o trabalhador livre sempre procurou o trabalho na terra, seja em
pequenas propriedades de sitiantes, seja em grandes fazendas. Não eram de fato
bem vistos, todavia, nem por isso sua mão-de-obra era recusada pelos pequenos e
grandes proprietários, que, ao contrário, muitas vezes os solicitavam para o trabalho
diário nas suas propriedades. (COSTA, 1992)
2.2. A violência como forma de afirmação social do homem livre
O homem livre em seu meio era, sobretudo, um ser frustrado e envolto na falta de
maiores perspectivas. O sistema que lhe era imposto não deixava de ser pouco
estimulante a despeito das oportunidades que surgiam, e esta situação fazia deste
cidadão um desprovido não apenas de recursos, mas também de esperança em
ascensão social.
Marginalizado pelo sistema binomial escravista, era apenas mais um sobrevivente
em meio a uma horda de outros cerceados do capital. Mal vistos por parcela da
sociedade, os homens livres aproveitavam todas as oportunidades seguindo a
demanda momentânea da metrópole. Estes homens viviam boa parte do tempo
embrenhados no mato, mas sempre que possível voltavam às pequenas vilas para
junto dos seus, onde poderiam desfrutar do convívio social com suas famílias, bem
como constatar a realidade da pobreza que se encontravam.
A violência no convívio das vilas caipiras ou mesmo nos mutirões de trabalho era
algo extremamente corriqueiro. Conforme narrado por Maria Sylvia de Carvalho
Franco, as mais superficiais discussões, porém, que tivessem fatores econômicos
envolvidos era motivo de conflitos muitas vezes mortais, bem como questões morais
como a defesa da honra também eram vistas como passíveis de acertos de conta
terminais.
30
Em meio a uma sociedade de valores simples, e algumas vezes distorcidos, o
assassinato era geralmente visto como afirmação da personalidade e, porque não,
necessário para a afirmação social. O desprezo pela vida talvez fosse o reflexo do
descontentamento diário da pobreza, entretanto, nas narrativas encontradas no livro
de Maria Sylvia o desapego por valores básicos de convívio social era também
ecentuado pela falta de estrutura político-administrativa, que nestes tempos ainda se
formava e reforçava a impunidade nas vilas.
As oportunidades de trabalho nem sempre muito estimulantes, a baixa perspectiva
de aceitação social e a ignorância extrema refletiam-se diretamente no
comportamento social do caipira. A violência tratada normalmente e as mortes
concebidas pelos motivos mais tolos que se podia imaginar, eram muitas vezes
resultantes de um represamento do sentimento mais profundo de frustração do
campesino. Afinal de contas, como se diferenciar em um meio que todos são iguais,
senão pela pujança física?
Nosso objetivo neste trabalho não é tratar necessariamente do convívio do
trabalhador em meio aos seus, mas sim enquadrá-lo no contexto social do século
XIX, buscando explicações plausíveis para compreendermos os motivos para a
pouca perspectiva de sua ascensão social. Sendo assim, procuramos enquadrar o
convívio violento nas vilas caipiras e mesmo nos fogos
14
de acordo com a visão de
alguns autores já mencionados nesta obra. Entretanto não entendemos ser este o
objeto primordial deste trabalho, o que justifica a brevidade desta abordagem.
2.3. O crescimento do trabalhador livre no meio
Doravante passaremos a analisar o desenvolvimento profissional daqueles homens
livres que em meio às mais diversas adversidades, conseguiam se manter sem
necessariamente terem que se valer de meios ilícitos de sobrevida.
14
Fogo era o nome pelo qual eventualmente se designava propriedade
31
Era muito comum a relação entre fazendeiros e comerciantes no século XIX,
entendendo “comerciantes” nas suas mais diversas formas, desde indivíduos que
comercializavam muares e que vagavam léguas entre as regiões cafeicultoras,
vendendo suas mulas para o transporte do produto das fazendas até os portos,
passando por aqueles que tinham pequenas vendas nas beiras das trilhas onde
negociavam gêneros alimentícios com os viajantes, tais como: farinha, carne, frutas
silvestres, etc.. chegando, por fim, aos que já tinham se estabelecido nas vilas,
bairros ou cidades próximas com suas pequeninas lojas ou botecos. Nas cidades, os
pequenos comerciantes supriam os povoados dos mais diversos produtos, desde
aguardente até arreios de couro, estes últimos, por sinal, valiam uma fortuna na
ocasião, e, portanto, eram negociados quase que estritamente com os fazendeiros.
Mas não eram apenas os negociantes que conseguiram estabelecer relações com
os senhores, havia também homens livres que conseguiam seu espaço dentro das
fazendas ou sítios. Estes homens que vagavam de um canto para o outro,
eventualmente paravam em algumas fazendas buscando abrigo, e, conforme a boa-
vontade do senhor, conseguiam a permissão para irem ficando, desde que não
atrapalhassem e eventualmente prestassem pequenos serviços para a fazenda, ou
mesmo para o fazendeiro. Esta figura por demais freqüente nas regiões cafeeiras no
século XIX era o que a história se habituou a chamar de “Agregado”, ou seja, um
sujeito inserido no contexto social do homem livre que procuramos enquadrar neste
trabalho. Este homem, que na visão de Maria Sylvia de Carvalho Franco, Caio Prado
Jr e outros autores clássicos, tratava-se de um completo alijado do sistema binomial,
conseguiu um pequeno canto onde provisoriamente deixaria a vida seminômade,
todavia, por outro lado, teria que se submeter aos caprichos do fazendeiro, o qual,
dentre outras coisas, se utilizaria da sua mão-de-obra gratuitamente.
Autores como Thomas Holloway e Iraci Del Nero da Costa vêem esta figura colonial
de forma distinta, tendo este homem muitas vezes posses de terras e escravos
dentro do sistema colonial. Naturalmente, que aqueles que conseguiram obter
escravos eram de proporções ínfimas conforme ressalta Iraci da Costa, senão
porque, dinheiro ou mercadorias valiosas para tal negociação de compra eram muito
difíceis para este homem (COSTA, 1992). Entretanto, a ocupação de terras pelo
interior paulista sempre foi muito desorganizada e com nenhuma política fundiária.
32
Assim sendo, as ocupações das terras devolutas pertencentes ao Império ou mesmo
privadas sem ocupação eram extremamente comuns, o que fez com que muitos
desses homens livres e pobres se tornassem gratuitamente donos de pequenos
sítios e propriedades. (HOLLOWAY, 1984)
Eram de certa forma diversificadas as atividades dos agregados: auxiliavam na
lavoura, abriam novas áreas para o plantio, e até mesmo serviam, eventualmente,
de capatazes das fazendas ou seguranças particulares dos senhores. Atividades
estas que vinham a reboque da gentileza destes em deixá-los ficar num irrisório
palmo de sua imensa propriedade.
Conforme nos descreve Jacob Gorender, o agregado era um despossuído que, com
sua família, recebe de favor ínfimo trato de terra a título gratuito mais comumente ou
com a obrigação de pagamento de ínfima renda ao proprietário. (GORENDER,
2001)
Tabela 2 – Trabalhadores Livres na estrutura da População Livre da Capitania
de São Paulo
Fonte: Gorender, 2001, P. 293
Notas: Os dados excluem o município de São Paulo capital, e inclui o Estado do
Paraná, então pertencente à capitania, depois província de São Paulo.
33
Importante notar o enquadramento com relação aos agregados dado pelo professor
Jacob Gorender, enquadramento este de acordo com os conceitos propostos pela
autora Maria Sylvia de Carvalho Franco.
Por outro lado, a perspectiva do professor Iraci da Costa classifica como pouco
substancial a qualidade de Agregados e Camaradas. Segundo o autor, a relação de
dependência destes cidadãos em relação aos grandes proprietários é altamente
complexa para uma mensuração exata, optando ele em classificá-los em
proprietários e não-proprietários de escravos. Bem como as atividades
desenvolvidas pelos Agregados iam além das descritas acima. De acordo com o
autor, a condição de eventuais proprietários de escravos ou mesmo de pequenas
propriedades fazia deste homem livre um comerciante do pequeno excedente
produzido por ele.
[...] com respeito aos agregados, [...] foram eles integrados,
juntamente com seus dependentes, em um ou dois grandes grupos
correspondentes aos proprietários e não-proprietários de escravos.
(COSTA, 1992, P. 19)
O pequeno produtor ou sitiante era um elemento que conseguiu de uma forma ou de
outra ter um pequeno espaço de terra onde desenvolvia alguma atividade
econômica. Ainda neste contexto de pequenos proprietários de terra, existia uma
figura menos importante do ponto de vista de ascensão social que se denominava
Posseiro que não passavam de elementos desprovidos de título de terras, embora
cultivassem livremente nelas.
O outro componente, exterior à plantagem, englobou os sitiantes e,
em maior número, os posseiros (os primeiros – pequenos
proprietários de terra; os últimos – meros ocupantes sem título de
propriedade). (GORENDER, 2001, P.295)
Conforme já exemplificado neste trabalho, o sitiante, assim enquadrado por
Holloway, era um elemento que em muitos casos também não detinha um título de
terras, entretanto tinha uma propriedade maior que a do posseiro e conseguia
eventualmente obter bons lucros com seus excedentes. O Posseiro por sua vez era
um cidadão com menos pretensões, que produzia basicamente para si próprio e
para família em áreas geralmente menores. (HOLLOWAY, 1984)
34
2.3.1. Homens Livres – suas relações de troca e de subserviência com o
fazendeiro
Muitas eram as formas de dependência dessas classes sociais emergentes do
sistema colonial na visão clássica de Maria Sylvia. Naturalmente, tal dependência
estava em maior ou menor grau atrelada diretamente ao encaixe de cada uma no
contexto econômico da ocasião. Entretanto, é inegável que todas as classes tinham
alguma forma de adulação em relação ao empresário das fazendas e, curiosamente,
mesmo aquela que gozava da relação mais parelha, no caso o sitiante, contraía
débitos morais constantes com a elite dominante.
Concordamos com o professor Iraci da Costa que nos ensina que a relação de
dependência do homem livre para com os fazendeiros é muito complexa de ser
mensurada pela variedade de situações em que os homens livres se punham em
situações semelhantes. Aliás, no que tange a este ponto, as relações de
dependência sempre existiram, tanto para um como para outro, e em muitos casos
de forma idêntica para ambos.
15
Sendo assim, a exposição de alguns exemplos de
exploração destes homens se faz necessário para ilustrarmos, sobretudo, um pouco
do que pensavam os homens livres no seu desejo de ascenderem socialmente
através da consideração do fazendeiro.
Usaremos doravante de forma genérica o termo homem livre para designarmos
Agregados e Camaradas como propõe Costa, na medida da necessidade faremos
algumas distinções pontuais. O conceito será posto desta forma, pois conforme já
mencionado, seguiremos a doutrina de Costa, que não classifica o elemento livre
como Franco.
O Agregado trabalhava na fazenda em diversas funções, até mesmo no cultivo do
café, função essa reservada aos escravos. Amansava gado, colhia café, desmatava,
15
Em relação à existência de dependência do homem livre, (Agregado ou Camarada do conceito de Franco), não
há divergência entre os autores, apenas na questão da possibilidade de mensurá-la.
35
transportava mercadorias, etc.. Muitas vezes seu pagamento nada passava de um
lugar para morar e alguns alqueires para plantar, sendo que por vezes ganhavam
algum dinheiro pela execução destes serviços. Importante lembrar que não havia
vínculo algum do ponto de vista trabalhista na relação entre agregados e
fazendeiros, o que não impedia que aqueles pudessem, havendo oportunidade,
realizar tarefas pagas nas fazendas vizinhas.
Entretanto, não estava apenas no mundo lícito a relação de trabalho deste agregado
para com o fazendeiro, esta relação margeava o submundo, onde muitas vezes este
era requisitado para acertos de conta com desafetos do fazendeiro. Naturalmente no
caso de uma eventual investigação realizada pela comarca próxima, o fazendeiro
não se submetia a proteger seu capataz, sobretudo se tivesse que optar entre sua
mercadoria e o homem livre, situação esta bem comum naquele período, pois não
dificilmente seus escravos também eram compelidos a executarem tais tarefas,
auxiliando o capanga nas emboscadas. Isto mostra que a condição do homem livre
era relativamente desvantajosa, pois entre sua mercadoria que tinha valor comercial
e o trabalhador livre, o fazendeiro sempre iria optar pelos seus escravos, e se não
houvesse escravos envolvidos, também não havia qualquer pressuposto de ajuda
deste fazendeiro, caso este trabalhador fosse apenado em processo. FRANCO
(1969)
Em troca do trato de terra e da proteção que lhes dava o proprietário,
os agregados deviam a este a contraprestação de serviços não-
econômicos. Constituíam um corpo de clientes políticos – “eleitores
de cabresto” – e serviam como guardiães da propriedade. Nisto
consistia, por sinal, o principal serviço que o agregado costumava
prestar: o de vigilância e defesa da propriedade do senhor que o
acolhera. (GORENDER, 2001, P. 291)
Vale lembrar que relações ilícitas entre fazendeiros e representantes das camadas
mais pobres não eram incomuns, sendo vistas com bastante freqüência também no
relacionamento com camaradas e sitiantes, conforme veremos mais adiante.
Com relação ao homem livre, denominado camarada por Franco, a situação era
estruturalmente diferente. De acordo com a autora, camaradas pela sua definição
eram pequenos comerciantes, que muitas vezes dependiam da boa-vontade dos
36
fazendeiros para desenvolverem suas atividades econômicas dentro das terras
destes. Eram muitas vezes tropeiros que levavam suas tropas de mulas por
centenas de quilômetros, mas que de tempos em tempos necessitavam estacionar
em pontos estratégicos para venderem seus produtos diversos (muares, alimentos
de forma geral, roupas, etc.) nas fazendas próximas, e darem descanso tanto para si
próprios como para os animais. Era aí que entravam os senhores das fazendas na
relação. Ao solicitarem para ficarem por algum tempo nas fazendas, os tropeiros se
sujeitavam a prestar alguns favores aos fazendeiros, tais como: abrir lavouras
novas, auxiliarem na plantação, servirem de capatazes, ensinarem os funcionários
das fazendas a domarem animais rebeldes, etc.; não por acaso basicamente as
mesmas atividades solicitadas aos agregados, e que da mesma forma refletia o
mesmo grau de subserviência. A benesse por parte do fazendeiro estava em deixá-
los se estabelecer dentro dos seus limites, erguendo suas taperas onde moravam e
faziam pequenas roças de subsistência. Para eles, também estavam destinados os
favores solicitados a tropeiros e agregados, como trabalhos ilícitos dos mais
diversos. FRANCO (1969)
Diferentemente do pensamento de Franco, Hebe Castro não aponta este cidadão
como camarada, sitiante ou agregado. Para ela, a situação de homens livres e
pobres condicionava muitas vezes estes três tipos de forma quase que
indiscriminável, ou seja, suas condições se assemelhavam tanto em determinadas
situações que a autora entende não ser apropriada a classificação. Entretanto,
corrobora com Franco e Costa na questão da dependência em relação ao
fazendeiro. Para ela a subserviência na busca de ascensão social era objetivamente
algo importante para o trabalhador livre. (CASTRO, 1987)
Passaremos agora a analisar uma classe muito atípica dentro do sistema colonial, o
sitiante. Este elemento detinha uma porção de terra eventualmente de médias
proporções, mas na maioria das vezes pequena, e normalmente produzindo para
subsistência, passou a ter uma relação igualmente atípica com o fazendeiro.
Segundo FRANCO (1969), a relação entre sitiantes e fazendeiros era movida, de um
lado, pela natural subserviência, porém, por outro, havia um sentimento de respeito
mútuo, oriundo, muito provavelmente, da própria condição do sitiante como
proprietário de terras. A situação em que se encontrava o sitiante, de detentor de
37
terras, trazia o fazendeiro ao raciocínio de equiparação do nível social. Mesmo
consciente de que sua condição era imensamente melhor, não havia o preconceito
por parte do senhor de terras, conforme o raciocínio dos fazendeiros, estes sitiantes
não eram vagabundos e desidiosos como o restante, trabalhavam e tinham bons
princípios familiares.
Deste raciocínio surgiu o “compadrio”, relação sui generis no sistema colonial, e
presente quase que somente entre cidadãos tidos de classes sociais equivalentes.
Os bons costumes familiares eram bem vistos nas classes abastadas, e os sitiantes
muitas vezes, pelos bons olhos do fazendeiro com relação à sua atividade,
estreitavam profundamente sua relação com este, a ponto do fazendeiro tomar um
de seus filhos como afilhado. Este parentesco tinha um cunho de forte sentimento de
responsabilidade com o futuro da criança, sobretudo como encaminhá-la na vida
profissional e pessoal.
A autora Maria Sylvia de Carvalho Franco nos mostra como era importante tomar
uma criança como afilhada, haja vista a expressão “afilhado político”, expressão que
surgiu justamente nesta época, em que os afilhados dos fazendeiros eram
encaminhados por estes para ocuparem cargos públicos e administrativos nas
cidades; tornando-se grandes cabos eleitorais, ou mesmo, quando em cargos
policiais e judiciais, se prestavam para acobertar toda e qualquer atividade ilícita dos
seus padrinhos. FRANCO (1969)
Analisando por outro ângulo, esta proximidade auferida entre o sitiante e o
fazendeiro não deixava de ser estratégica, na medida em que o sitiante dificilmente
conseguiria tal ascendência social senão pelas benesses do senhor da fazenda.
Aliás, esta ascendência poderia se refletir nos seus filhos e não necessariamente
nele próprio. Ao ver a possibilidade de seus filhos ocuparem bons cargos
administrativos nas cidades ou mesmo suas filhas se casarem com filhos de grandes
fazendeiros, este sitiante já enxergava o horizonte que buscara durante a vida,
projetado diretamente em seus filhos.
Ao lado do componente da dominação existente nos laços entre
padrinho e afilhado, é importante não ignorar também a outra faceta
dessa ligação, isto é, o fundamento da equivalência sobre a qual ela
se ergue. (FRANCO, 1969, P. 85)
38
Esta proximidade, como já vimos, criava uma situação um tanto perniciosa do ponto
de vista das estruturas políticas das cidades, na medida em que, realizando tais
favores, os fazendeiros acabaram por criar uma teia de relacionamento calcada em
gratidão, que, por conseqüência, dificilmente era rompida. É justamente neste ponto
que entra a subserviência do sitiante, pois este estava muito mais interessado na
busca por um futuro melhor para si e sua família, que não se importava em dar
abrigo às eventuais ilicitudes praticadas pelos donos das fazendas, e não
dificilmente também os ajudava em tais procedimentos. A cadeia de
relacionamentos dos fazendeiros se tornou algo tão sólido que os reflexos foram
vistos durante várias décadas tanto no estado de São Paulo como nos outros
estados da nação. A legião de correligionários políticos dos fazendeiros nas cidades
próximas tornou-se algo difícil de ser rompido, pois se estabeleceu como algo
institucionalizado e enraizado na própria cultura dos povoados interioranos.
Admitida a afirmação consciente de “igualdade” e seu fundamento
objetivo, nunca será demais insistir no outro termo da síntese, isto é,
o princípio de dominação. Este será agora visto à luz da assistência
econômica prestada pelo fazendeiro ao sitiante e da retribuição deste
com a filiação política. (FRANCO, 1969, P. 86)
Importante lembrar aqui que a relação de dependência e igualdade entre sitiantes e
fazendeiros é também ratificada pela autora Hebe Castro, que inclusive cita em seu
trabalho algumas passagens em que sitiantes realizam ilícitos penais a mando dos
fazendeiros.
16
2.3.2. A prosperidade em meio à adversidade
Vimos como se davam as relações entre fazendeiros e os demais elementos
componentes do sistema colonial. Procuramos descrever, com a máxima precisão
possível, como se processavam as formas de relacionamento entre os trabalhadores
livres e a classe mais favorecida do sistema. Conforme foi exposto, esta relação se
dava através de troca de favores, algumas vezes desfavorável para o trabalhador
39
livre, porém, dentro das possibilidades adversas que se apresentavam, muitas vezes
era o possível.
Entretanto, algumas atribuições profissionais livres se destacavam no meio adverso.
Já citamos alguns exemplos, mas doravante passaremos a compreender este
crescimento com mais detalhes.
Voltaremos nossa atenção aos tropeiros e vendeiros, classes de trabalhadores que,
quiçá, tenham atingido os maiores índices de desenvolvimento e crescimento
profissional na condição de trabalhadores livres da colônia. Tornando-se as mais
bem sucedidas classes dentro do século XIX, à exceção dos fazendeiros, sitiantes e
burocratas do sistema administrativo das cidades. Importa ressaltar que a mudança
de status dentro da sociedade colonial, em última instância, era o grande desejo
dessa gente. Serem considerados como pessoas “iguais”, do ponto de vista de
reconhecimento para convivência com os fazendeiros, era uma ambição do
trabalhador livre da colônia.
Antes de dar início a esta análise é mister fazermos algumas considerações que
julgamos importantes para o que se segue. Os profissionais adiante destacados
estão entre os homens livres já explorados neste capítulo, assim sendo, classificá-
los em Camaradas ou Agregados não será nosso enfoque, sobretudo, porque,
conforme exaustivamente visto neste trabalho, esta classificação não seria a mais
adequada. Tropeiros e Vendeiros tiveram muitas vezes relações semelhantes de
dependência em relação aos fazendeiros, bem como conseguiram avanços
igualmente semelhantes do ponto de vista econômico dentro do império, o que,
portanto, tornaria esta classificação sem sentido. Posto isso, daremos seqüência ao
nosso estudo destes dois tipos importantes para a atividade econômica do século
XIX.
Os tropeiros eram trabalhadores incansáveis e em geral com boas noções de
negócio, que, em meio à adversidade, muitas vezes recorreram à astúcia de homens
vividos para alcançarem seus objetivos. Eventualmente, esta astúcia em algumas
16
Castro, 1987
40
situações se convertia em malandragem e ilícitos realizados na busca de conferir-
lhes os melhores negócios. Mas, a despeito das ilicitudes eventuais, não é nossa
pretensão diminuí-los da condição de batalhadores, mas apenas sermos fidedignos
com a história econômica brasileira.
Os tropeiros eram os trabalhadores encarregados de realizar o transporte da
matéria-prima, no caso o café e demais gêneros alimentícios comercializados, das
fazendas até os portos. Ou seja, dependia muitas vezes deles os lucros auferidos
pelos fazendeiros. Este trajeto era geralmente muito longo e perigoso, e o tropeiro
dependia muito do seu conhecimento de rotas para antecipar as mercadorias nos
portos como também para não serem assaltados no caminho. Havia também alguns
tropeiros que se dedicavam exclusivamente à venda de muares para as fazendas;
haja vista que certos fazendeiros preferiam enviar seus escravos, devidamente
acompanhados de funcionários, para realização das entregas, e esta era mais uma
fonte de lucro dos tropeiros, a venda, fazenda a fazenda, de mulas para abastecer
as tropas dos fazendeiros. Nesta conjuntura, podemos entender a condição do
tropeiro, que, de passagem, depois de longas jornadas, pedia abrigo para ele e seus
muares, o que muitas vezes lhe era concedido em troca de substanciais descontos
nos preços dos animais, além de eventuais “trabalhos extras”.
Se esta prática aumenta-lhe o ganho, o preço que
inconscientemente paga por isto não é pequeno, pois atinge sua
própria pessoa, colocando-o na situação de retribuir com seus
serviços os benefícios recebidos. “Em seus momentos ociosos (o
tropeiro) torna-se útil na fazenda: ensina a laçar e a domar animais
rebeldes, serve de escudeiro nas viagens e de sacristão do padre”.
(D’ASSIER. A. apud FRANCO, 1969, P. 69)
Entretanto, os tropeiros conseguiram enormes avanços dentro do sistema colonial;
de simples vendedores de mulas, passaram à condição de transportadores de
mercadoria e em alguns casos se tornaram importantes atravessadores de café.
Este crescimento se deu, em parte, como decorrência direta das atitudes do próprio
fazendeiro, que se colocava em situação altamente acomodada dentro de um
sistema que em seu cerne funcionava para ele. Destarte, o fazendeiro em muitos
casos pouco fazia para agregar valor às suas terras, ou mesmo ampliar suas
produções além daquilo que julgava necessário. A falta de concorrência dentro do
41
sistema os levava ao pensamento de fazer o essencial para terem uma vida
razoavelmente confortável.
O excesso de comodismo dos fazendeiros acarretaria um problema futuro para eles.
Como brevemente comentado, alguns fazendeiros buscavam o estritamente
essencial para uma vida confortável, e este raciocínio lhes custaria caro a partir do
momento em que certos tropeiros passaram a ditar os preços de transporte para
determinadas regiões, sobretudo aqueles merecedores de maior confiança por parte
dos fazendeiros, que se punham como garantia de segurança e rapidez nas
entregas. Estes tropeiros passaram a cobrar preços cada vez mais altos para
realizarem os transportes, se valendo de todo tipo de argumento para convencerem
os fazendeiros a pagar-lhes os preços solicitados, dentre estes argumentos
destacamos: os trajetos infestados de ladrões, os cortes de caminho que
supostamente conheciam para entrega mais rápida, a conservação da mercadoria
que em boa parte se perdia no trajeto em lombo de mula, etc.
De passo em passo o tropeiro foi um elemento que cresceu no meio colonial, de
simples entregador de sacas de café, e que por vezes se subordinava aos caprichos
dos fazendeiros em troca de estadia, alguns poucos passaram a ditar as regras do
escoamento da produção do interior paulista até o porto de Santos. Com o advento
das linhas férreas para o oeste paulista, imaginava-se que sua atividade teria uma
queda naturalmente concebida pela modernidade do transporte. Em parte, de fato
isto ocorreu com aqueles que não tinham capital suficiente para comprar
mercadorias diretamente dos fazendeiros, pois aqueles que já dispunham de tal
volume de dinheiro passaram a atuar como atravessadores de café. Estes
profissionais compravam a mercadoria dos fazendeiros, embarcavam-na nos trens e
nos portos e as revendiam para os comerciantes estrangeiros. Esta tarefa era
minuciosamente feita, desde a escolha dos grãos nas fazendas até o acordo com os
negociantes estrangeiros para que estes só fizessem negócio com eles. Com isso os
antigos tropeiros e atuais atravessadores pagavam os preços que queriam pelo café,
pois sabiam que os fazendeiros, por conta própria, teriam dificuldades enormes para
escoarem suas produções.
42
Em meio a este ciclo, alguns atravessadores passaram a ter enormes créditos com
alguns fazendeiros, e estes, por sua vez, acabavam vendendo seus produtos abaixo
do custo de produção, tal era o volume de dinheiro devido aos atravessadores de
café. Os atravessadores se utilizavam de uma técnica bem simples: iam
descontando os débitos dos fazendeiros em sacas a cada nova negociação, com
isso, cada vez mais os fazendeiros vendiam menos, e, portanto, passavam a pedir
empréstimos para pagar as dívidas; a ponto de alguns deles estarem com suas
produções todas comprometidas antes mesmo de vendê-las, tendo, portanto, como
única alternativa restante, passar suas fazendas para as mãos dos atravessadores.
Cabe-nos lembrar que a classe de atravessadores não surgiu exclusivamente da
classe de tropeiros, em sua boa parte certamente, porém antigos vendeiros também
conseguiram, em menor proporção, sua fatia no novo negócio. Estes profissionais,
que se instalavam nos trajetos de uma fazenda a outra ou mesmo nas estradas para
os portos, e que eventualmente se valiam de furtos para aumentarem seus ganhos,
passaram também a comprar volumes de produção dos fazendeiros e revendê-los
nos portos. Como já dito, para esta classe tornou-se um pouco mais difícil exercer
este negócio, em parte pelo pouco conhecimento adquirido no transporte da
mercadoria, mas também por terem que batalhar contra o monopólio imposto pelos
tropeiros na venda da mercadoria nos portos. Entretanto alguns vendeiros não
deixaram também de evoluir dentro do sistema, entre uma ilicitude aqui e uma
atitude perspicaz acolá, alguns deles também se tornaram credores de fazendeiros,
e muitas vezes, cobrando juros altos pelas mercadorias vendidas, conseguiam o que
todos em última instância desejavam: tornarem-se donos de terra alcançando o
status social de “iguais”. (FRANCO, 1969)
Não objetivamos, através desta análise, diminuir a importante participação do
vendeiro no contexto social do século XIX. Muito pelo contrário, entendemos que
este elemento teve muita importância do ponto de vista da estratificarão social do
sistema.
Mister lembrarmos que a cultura do café ocorria longe do convívio comunitário das
cidades ou vilas, e que, o mesmo pode-se dizer da atividade do tropeiro. Sendo
assim, o vendeiro, tanto o de beira de estrada como aquele que conseguia um lugar
43
nas cidades era praticamente o único a desenvolver atividade econômica em meio
ao convívio social. A astúcia fazia parte da vida diária desta classe, o esquema
começava nas estradas que levavam aos portos, onde seus comparsas ou mesmo
sócios no negócio praticavam roubos de sacas de café, outros gêneros alimentícios,
arreios de cavalos, muares, etc.; que de imediato já eram transpassados para
algumas vendas nas cidades e vilas próximas onde eram revendidos, e, diga-se de
passagem, geralmente aos mesmos que haviam sido abordados nas estradas. Os
homens que se valiam dos comércios das cidades como compradores, em sua
maioria eram homens livres, naturalmente pobres, e que compravam pouco para
suas parcas necessidades. Consequentemente, na maioria das vezes eram
devedores dos vendeiros, que, por sua vez, recebiam à época da colheita, sacas de
café a bom preço como forma de quitação de dívidas; e é aí que se encontrava a
astúcia desta gente, que, tais quais os atravessadores, mantinham os dignos
representantes da classe livre brasileira: negros forros, mulatos e caboclos, sempre
endividados.
De forma semelhante, os fazendeiros falidos também estavam atrelados
eternamente a alguns vendeiros, afinal de contas manter o status e a vida farta era
questão de honra para aqueles que sempre viveram no topo do sistema. E, para
tanto, os gêneros alimentícios diversificados, bons arreios e animais de raça para
montaria eram fundamentais para se manterem bem aparentados aos olhos dos
humildes das vilas próximas. Não obstante isso, devido às altas dívidas, em alguns
casos também chegaram a perder suas fazendas para os vendeiros, que, à
semelhança com o atravessador, atingiria então o nível social que sempre desejara.
Concluindo a nossa breve análise sobre a classe de vendeiros, é significativo
lembrar que sua figura era muito mal vista nas cidades, eram taxados de ladrões,
gatunos e desonestos. Notoriamente porque era de conhecimento geral que uma
parte destes profissionais revendia mercadorias roubadas, e em alguns casos, frutos
de latrocínios. Os próprios fazendeiros, que muitas vezes acabavam recorrendo a
eles, os tinham na mais baixa estima, evidentemente porque eram conscientes de
que aqueles produtos ali comercializados poderiam ser frutos de sacas de café que
lhes foram outrora roubadas e revendidas, sendo o dinheiro arrecadado utilizado
para reabaster o estoque das vendas.
44
Por aí se observa como o comportamento do vendeiro se orientava
por um objetivo extremamente igual ao do tropeiro: enriquecer. [...]
Dessa perspectiva, o vendeiro foi um produto do setor mercantil da
sociedade em que viveu. Sua figura se completa quando o vemos
integrado à vida comunitária e tão violento quanto sua freguesia.
(FRANCO, 1969, P. 83)
Não é intenção desta análise compreender tropeiros e vendeiros bem sucedidos
como uma nova classe dominante no sistema binomial do século XIX. Pelo contrário,
ressaltamos que as populações livres eram esparsas e concentradas em pequenos
vilarejos, além de alguns poucos que conseguiam abrigo nas fazendas. Sendo
assim, havia um vazio demográfico no interior paulista (oeste paulista) até a
segunda metade do século XIX, o que nos permite afirmar que apenas alguns
poucos representantes das classes livres conseguiram ascensão profissional a
ponto de mudarem seus status na estratificada sociedade brasileira da ocasião.
Saint-Hilaire, no seu livro: A segunda Viagem a São Paulo se surpreende com o
desejo incessante dos trabalhadores livres em ascenderem de classe social;
descreveu ele, que ao perambular pelo interior paulista, muitas vezes sem
informações precisas de caminhos para as vilas objetivadas nas suas rotas, quando
parava nas vendas das estradas para indagar por informações, estas geralmente
vinham exclusivamente em troca de dinheiro, ou então precedidas de outra
pergunta: Vai comprar alguma coisa?
O mundo do paulista pobre esteve impregnado dessa ambição e o
pequeno comércio abriu-se como um caminho para realizá-la.
(SAINT-HILAIRE, 1954, p.97)
Este relato dá o tom exato da necessidade que o trabalhador livre tinha de ser
reconhecido socialmente, de freqüentar a casa do fazendeiro, de ser agraciado com
o apadrinhamento de algum de seus filhos, de ver suas filhas casadas com os filhos
dos senhores, de ser respeitado politicamente nas cidades, enfim, de ascender. A
ascensão de status social era o grande objetivo deste homem e para tanto se valiam
de todos os meios possíveis para atingi-lo.
Por outro lado, o sentimento de sobrevivência também era um forte motivador do
homem livre. Como já amplamente explorado, sua condição relativamente
desfavorável não lhe dava tantas alternativas diversas de dignidade através do
45
trabalho, e sendo assim, buscar algo mais, mesmo que através de uma simples
informação, não era crime.
46
CAPÍTULO 3
A REGULAÇÃO DA MÃO-DE-OBRA LIVRE: ASPECTOS SOBRE A
EVOLUÇÃO NORMATIVA NO PERÍODO IMPERIAL
Neste terceiro capítulo abordaremos as leis de 1830, 1837 e 1879, investigando
seus respectivos impactos na economia cafeeira paulista do ponto de vista das
relações profissionais estabelecidas, procurando mostrar o quão críticas eram estas
relações durante o período imperial.
Este período foi marcado por antonímias marcantes: por um lado o oeste paulista,
que crescia a largos passos, onde fazendeiros abriam novas fronteiras, outrora feitas
de gado e voltadas para subsistência, com a promissora cultura cafeeira que
prometia novos e prósperos anos vindouros, por outro via-se a aflição que a
iminente falta de mão-de-obra gerava no empresariado das fazendas, lembrando-os
cada vez mais que a idéia de trazer imigrantes europeus poderia ser uma alternativa
viável. A estes fatos soma-se também o objeto do nosso capítulo, a falta de
regulamentação, que, como veremos, atravancava as iniciativas daqueles
empresários mais ousados, e desiludia tanto imigrantes europeus como os nacionais
pobres e sem muitas alternativas.
Apenas como esclarecimento, as leis que trataremos a seguir sobre mão-de-obra
livre não tem um ponto de referência único, ou seja, as leis de 1830, 37 e 79,
elaboradas com a pretensa intenção de regular a mão-de-obra livre, foram
elaboradas tendo como referência várias legislações européias. O que se sabe, é
que as leis antiescravistas foram baseadas em leis adotadas previamente por
Estados Unidos, Inglaterra, Espanha entre outros. Entretanto, conforme diz Maria
Lúcia Lamounier, no que diz respeito à mão-de-obra livre, não há muita
documentação sobre suas origens legais para se conseguir exatidão neste
comentário.
47
1.1. Lei de 13 de setembro de 1830
A Lei de 1830 se propunha a regular as relações de trabalho entre fazendeiros e
trabalhadores nacionais e estrangeiros. Tratava-se de uma lei simples de apenas
sete artigos, na qual o principal enfoque era regular os contratos de trabalho por
períodos prefixados, que, inclusive, poderiam ser feitos por estrangeiros ainda em
seus países de origem. Além disso, tratava de posicionar os deveres e direitos de
ambas as partes, e, conforme veremos, propondo constrangimentos muito maiores
aos trabalhadores do que aos fazendeiros, aos quais, aliás, restaram pouquíssimas
obrigações impostas por esta lei.
Esta lei veio dar início à tentativa de regular as relações entre fazendeiros e colonos,
e conforme já dito tratava-se de uma lei bem curta e simples, que veio num período
em que a preocupação primordial do país não estava voltada às relações de mão-
de-obra, mais sim com os grandes problemas estruturais que a Administração
Pública apresentava.
Apesar disso, devemos considerá-la não apenas como um simples despacho
administrativo, sem maiores pretensões positivas, mas sim como uma mostra clara
da preocupação governamental com os trabalhadores livres estrangeiros e
nacionais, conforme nos mostra a professora Maria Lúcia Lamounier:
[...] não deve, contudo, ser considerada como mais uma das
medidas
puramente administrativas então aprovadas. Apesar da
simplicidade de suas disposições, certamente, já dizia respeito a
uma organização das relações de trabalho. (LAMOUNIER, 1988,
P. 61)
Para entendermos a real situação da época é necessário compreendermos que a lei
de 1830, quando elaborada, já não retratava a situação rotineira das relações entre
fazendeiros e colonos (europeus e brasileiros), os conflitos existentes já superavam
sobremaneira a própria capacidade de regulamentação da lei. Frequentemente
encontrava-se fazendeiros que não a aplicavam, ou mesmo aplicavam variações
48
desta lei feitas a seu modo, sem se preocuparem com a norma oficial e muito menos
com qualquer possível represária fiscalizatória por parte do governo.
A Lei de 1830 se propunha a regular a prestação de serviços realizados por
brasileiros e estrangeiros dentro ou fora do império, e para estudá-la usaremos a
nomenclatura Locatário
17
e Locador
18
de serviços, proposta pela professora Maria
Lúcia Lamounier, para evitar qualquer tipo de confusão já encontrada na literatura.
A Lei em debate, como tantas outras da época imperial, era muito vaga e omissa, a
exemplo do seu artigo primeiro, onde prescreve que o brasileiro ou estrangeiro,
mediante o que determinava a lei, se comprometia pelos contratos que viriam a ser
firmados a prestarem serviços por tempo determinado ou por empreitada.
Entretanto, se nos atentarmos para o artigo da lei este tempo não estava regulado,
não havendo limites mínimos ou máximos para prestação dos serviços, portanto,
abrindo margem para livre interpretação das partes envolvidas, conforme veremos
no que se segue:
Art. 1º O contrato por escripto, pelo qual um Brazileiro, ou estrangeiro
dentro, ou fóra do Império, se obrigar a prestar serviços por tempo
determinado, ou por empreitada [...]
(COLEÇÃO DAS LEIS DO
IMPÉRIO, 1830 s/n)
Outros problemas viriam a surgir com o decorrer dos anos, e os conflitos iam se
agravando na medida em que cada vez mais a mão-de-obra livre ia sendo
introduzida na realidade das fazendas paulistas. Esta realidade, que ainda causava
estranhamento aos fazendeiros acostumados com relações servis de trabalho, se
tornava aos poucos a única alternativa economicamente racional para o século XIX.
É oportuno lembrarmos que na época da composição da lei de 1830, o Brasil ainda
não se sujeitara às pressões inglesas de abolir o tráfico de escravos, portanto este
foi também um fato importante para a aparente despreocupação dos fazendeiros
com as leis propostas na oportunidade.
17
Locatário é aquele que aluga os serviços de outra pessoa.
18
Locador é aquele que aluga seus serviços a outra pessoa
49
Na década de 1830 o preço da mão-de-obra escrava ainda se encontrava muito
convidativo, em grande parte porque as grandes fronteiras agrícolas do oeste
paulista ainda começavam a ser abertas, o que naturalmente fazia com que a
demanda em grande escala para as províncias do sul do país ainda fosse baixa.
Mas ainda, é importante lembrar que a grande atividade agrícola (o
cultivo da cana de açucar) estava fundamentalmente confinada ao
litoral, e com isso, a fronteira agrária não sofria ainda o formidável
processo de expansão que se verificaria nos anos seguintes. (
GEBARA, 1986, P. 78 )
Conforme nos ensina o professor Ademir Gebara, nos anos de 1830 até 1832 o
tráfico de escravos praticamente cessou devido à antecipação dos traficantes à lei
de 1831
19
, ou seja, todas as comercializações já haviam ocorrido, reforçando a idéia
que não havia na ocasião falta de mão-de-obra escrava, mas sim excesso de mão-
de-obra nas fazendas.
Ademais, a lei de 1831, assim como a de 1830 (foco de nosso estudo),
aparentemente também não fora tomada com a consideração devida, pois não havia
estrutura no país para que se pudesse promover fiscalização ou acompanhamento
dos navios nos portos. “Esses instrumentos legais eram obviamente “para inglês
ver”. (GEBARA, 1986)
Conforme exposto, é plausível entendermos os motivos pelos quais a lei de 13 de
setembro de 1830 fora elaborada com certa omissão pelo legislador da época. Na
medida em que a mão-de-obra servil ainda não se encontrava escassa, os
fazendeiros se viam em posição bem confortável para suprir suas eventuais faltas,
pagando aos traficantes um preço bem atrativo pelo negro. Diante disso não houve
muita preocupação por parte dos legisladores com vários detalhes, sobretudo no
que diz respeito à paridade das partes, permitindo, por exemplo, a punição de prisão
para o colono livre que rescindisse o contrato.
Art. 2º [...] 2º não poderá apartar-se do contracto, enquanto a outra
parte obrigada ao serviços cumprir a sua obrigação, sem que lhe
pague os serviços prestados, e mais a metade do preço contractado;
3º será compellido pelo Juiz de Paz, depois de ouvido verbalmente,
“a satisfação dos jornaes, soldada, ou preço, e à todas as outras
condições do contracto, sendo preso, se em dous dias depois de
19
A lei de 07 de Novembro de 1831 havia declarado que todos os escravos que entrassem no Brasil após aquela
data seriam considerados livres.
50
condemanação não fizer effetivamente o pagamento, ou não prestar
caução suficiente.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1830 s/n)
Da mesma forma havia também punição de trabalhos forçados aos colonos
reincidentes na tentativa de rescisão.
Art. 4º [...] o Juiz de Paz constrangerá ao prestador dos serviços a
cumprir o seu dever, castigando-o correcionalmente com prisão, e
depois de tres correcções ineficazes, o condemnará a trabalhar em
prisão até indemnizar a outra parte.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO
IMPÉRIO, 1830 s/n)
Estes artigos apresentados mostram como a posição dos fazendeiros era
extremamente vantajosa em relação aos colonos. Como veremos mais adiante,
estes colonos, de forma geral, já chegavam às fazendas endividados em função dos
valores iniciais, relativos às despesas com: viagem, moradia e mantimentos que lhes
eram adiantados pelos fazendeiros. Estes valores deveriam ser pagos no decorrer
do contrato como resultado do trabalho, adicionando-se a eles a eventual
comercialização de suas culturas, realizadas entre os cafezais, e que por vezes lhes
era permitido realizar nas feiras das cidades.
O dinheiro juntado pelos colonos com o seu trabalho, sendo diminuído da parte que
cabia ao dono da fazenda, mal dava para o sustento mensal dele e de sua família, e
em muitos casos prendia eternamente o locador à fazenda. Esta situação gerou
enormes descontentamentos, constantes tentativas de rescisão dos contratos ou
mesmo de fuga das fazendas.
Teremos oportunidade de abordar com mais profundidade os conflitos entre colonos
e proprietários no quarto capítulo, no qual veremos com detalhes as reclamações,
anseios e mágoas mais freqüentes de ambas as partes.
1.2. Lei de 11 de outubro de 1837
A Lei de 1837 visava primordialmente a regulamentação da mão-de-obra estrangeira
no país. Para entendermos o real motivo de sua elaboração, devemos compreender
que nesta época o Brasil já se encontrava sofrendo pressões inglesas para cessar o
51
tráfico africano, além disso, existia o motivo geopolítico, a ocupação das fronteiras
meridionais do país era uma preocupação latente do império. Estas fronteiras até o
momento se encontravam na condição de vazio demográfico, suscetíveis, portanto,
a permanentes invasões. Sendo assim, esta lei foi concebida de acordo com tal
conjuntura, qual seja, pressão inglesa, ocupação territorial e interesse do governo
brasileiro em dar uma resposta imediata à pressão anglo-saxã. Conforme nos
mostra Gebara, esta lei foi mais integrada à política de atração de imigrantes, e
diretamente ligada aos esforços iniciais de abolição do tráfico negreiro. O relatório
do Ministério das Relações Exteriores nos mostra claramente o que pensava o
governo sobre a Lei de 1837.
Não sendo presumível, em face de algumas preocupações, que os
tratados mais bem calculados, e as leis as mais severas, produzam o
desejado efeito de reprimir o contrabando de africanos, enquanto se
sentir no Império, deficiencia de braços livres, que possam ser
empregados na nossa indústria rural, e venham assim substituir os
Africanos destinados aos serviços dos campos; o Governo não tem
cessado de prestar o maior favor e proteção à imigração de Colonos
Europeus... (GEBARA, 1986, P. 79)
Conforme já mencionado, a lei de 1837 representou um pequeno avanço na
tentativa de regular as relações de trabalho existentes, porém, conforme atesta
Maria Lúcia Lamounier, esta lei sofreria do mesmo problema encontrado na anterior,
não mais interpretava a realidade vigente nas relações de trabalho do país, que já
apresentava o sistema de parceria como o mais utilizado nas fazendas de São
Paulo, sistema este que surgira como alternativa ao sistema de locação até então
vigente “[...] A sua aplicação se mostrara duvidosa a partir da década de 50 quando
prevaleciam os contratos sob regime de parceria [...]”. (LAMOUNIER, 1988, P. 63)
Mister lembrar que, do ponto de vista das flagrantes injustiças a que eram
submetidos os trabalhadores das fazendas paulistas, houve sim um agravamento
com o advento da nova lei de 1837. Conforme veremos, além de trabalhos forçados
e pena de prisão, tal qual a lei de 1830, encontramos ainda demissões por justa
causa com a devida obrigação de indenização por parte do locador por motivos de
doença ou imperícia na execução da atividade. Apesar disso, os fazendeiros
também não se viam amparados pela lei de 1837, pois sua maior preocupação era
52
com as diversas variações de greves feitas pelos colonos: recusa em trabalhar,
maltrato dos cafezais, diminuição das colheitas, etc.
No bojo desta discussão, reclamavam também os fazendeiros que não havia meios
legais de coibir as greves, sobretudo quando estas eram organizadas e executadas
por um grande número de trabalhadores.
Além do fato de que a pena de prisão prescrita pela lei não garantia
seus investimentos iniciais, os fazendeiros também pareciam não
encontrar na lei de 1837 o apoio necessário para outro “fantasma”
que os perseguia já há algum tempo: as greves [...]
(LAMOUNIER,
1988, P. 66)
A lei de 1837, conforme já dito, incorria nos mesmos procedimentos violentos
utilizados pela antiga lei de 1830, com o detalhe de ser mais rigorosa, e claramente
mais injusta com a parte hiposuficiente da relação de trabalho, o locador.
Art. 9º O locador, que, sem justa causa, se despedir, ou ausentar
antes de completar o tempo do contracto, será preso onde quer que
for achado, e não será solto, em quanto não pagar em dobro tudo
quanto dever ao locatário, com abatimento das soldadas vencidas: se
não tiver como pagar, servirá ao locatário de graça todo tempo que
faltar para o complemento do contracto. Se tornar a ausentar-se será
preso e condemnado na conformidade do artigo antecedente.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1837 s/n)
Em seguida exporemos os motivos que, segundo a lei vigente, configuravam-se
como justa causa de indenização de locatários para com os locadores. Estes
motivos se encontram nos artigos 7º e 8º da legislação, que, aliados aos já
mencionados no artigo supracitado, proporcionam a dimensão exata de quão
desequilibrada era a lei de 1837, pendendo necessariamente para o lado dos
fazendeiros.
Art. 7º O locatário de serviços, que, sem justa causa despedir o
locador antes de se findar o tempo por que o tomou, pagar-lh-há as
soldadas, que devêra ganhar, se o não despedira. Será justa causa
para despedida:
1º Doença do locador, por forma que fique impossibilitado de
continuar a prestar os serviços para que foi ajustado.
2º Condemanação do locador à pena de prisão, ou qualquer outra
que o impeça de prestar serviço.
3º Embriaguez habitual do mesmo.
53
4º Injuria feita pelo locador à seguridade, honra, ou fazenda do
locatário, sua mulher, filhos, ou pessoa da família.
5º Se o locador, tendo-se ajustado para o serviço determinado, se
mostrar imperito no desempenho de seu serviço. (COLEÇÃO DAS
LEIS DO IMPÉRIO, 1837 s/n)
Art. 8º Nos casos do número 1º e 2º do artigo antecedente, o locador
despedido, logo que cesse de prestar o serviço, será obrigado a
indemnisar o locatário de quantia que lhe dever. Em todos os outros
pagar-lhe-há tudo quanto dever, e se não pagar logo, será
immediatamente preso, e condemnado a trabalhar nas obras públicas
por todo o tempo que fôr necessário [...].
(COLEÇÃO DAS LEIS DO
IMPÉRIO, 1837 s/n)
Nestes dois artigos expostos acima é fácil entender os motivos de tantas greves nas
fazendas, previa-se na legislação apresentada demissão por justa causa, dentre
outros motivos, em casos de doença e imperícia, sendo que neste último com pena
de prisão.
Outro fator importante de analisarmos são as indenizações e multas presentes na
lei, motivo de enorme insatisfação por parte dos locadores, que se diziam vítimas de
uma dívida que não se podia sanar.
Os colonos recebiam adiantamentos em forma de passagens, hospedagens e
alimentos na sua vinda para as fazendas. Naturalmente, nos mesmos contratos que
previam estes adiantamentos também havia cláusulas quanto às formas de
pagamento, e é aí que se iniciavam os problemas dos locadores, na medida em que
parte daquilo que recebiam já era devidamente descontado para saneamento das
dívidas feitas com os fazendeiros. Ocorre que, antes de tudo, os salários eram
considerados muito baixos, e constantemente criticados, não só pelos colonos como
também pelos representantes de seus países no Brasil, estes, por sua vez,
encarregados de fiscalizar e reportar informações aos seus países de origem.
Ademais, em regra, também como parte do contrato, os colonos eram compelidos a
comprar seus gêneros alimentícios, de higiene e manutenção nos armazéns da
própria fazenda, o que não dificilmente eram mais caros do que se fossem
comprados nas cidades próximas.
Ainda em meio a esta discussão, havia também outros problemas: os colonos se
queixavam que não tinham oportunidade de revender nas cidades as hortaliças
54
plantadas nos períodos de entressafra da plantação de café, queixavam-se também
que as terras destinadas a eles pelos fazendeiros eram as piores que havia nas
fazendas e, por fim, que dificilmente as fazendas abriam fronteiras com a plantação
de cafezais novos, e por isso não podiam aproveitar a terra nova para plantarem
seus gêneros entre novos pés.
Importante ressaltar que o benefício de poderem plantar seus gêneros no período de
entressafra ou mesmo junto às novas culturas de café algumas vezes era previsto
em contrato, entretanto em outras lhes era confiado tacitamente pelos agenciadores
de mão-de-obra quando de suas vindas para o Brasil. Sendo assim, não constavam
de seus contratos, fato que dava margem ao não cumprimento do acordo por parte
dos fazendeiros, e que, por sua vez, gerava ainda mais descontentamento e revolta.
Estes acontecimentos faziam com que, não dificilmente, os locadores se vissem com
dívidas impossíveis de serem pagas, tornando-se reféns dos locatários, condenados
a trabalharem eternamente para pagarem suas dívidas, que em muitos casos jamais
seriam pagas. Soma-se a este fato a questão legislativa então vigente, que não os
ajudava muito na medida em que deveriam sempre sanar suas dívidas caso
quisessem se desfazer dos contratos, ainda com o risco de serem presos e
condenados a trabalhos forçados em caso de negativa de pagamento.
Outra preocupação dos fazendeiros, e que doravante passou a constar nesta nova
legislação, foi a do aliciamento de trabalhadores por parte dos donos de fazendas
vizinhas. Esta preocupação passou a constar no artigo 12 da lei de locação de
serviços de 1837, conforme transcrevemos a seguir:
Art. 12º Toda pessoa que admittir, ou consentir em sua casa,
fazendas ou estabelecimentos, algum estrangeiro, obrigado a outrem
por contrato de locação de serviços, pagará ao locatário o dobro do
que o locador lhe dever, e não será admittido a allegar qualquer
defesa em juizo, sem depositar a quantia a que fica obrigado,
competindo-lhe o direito de havê-la do locador. (COLEÇÃO DAS LEIS
DO IMPÉRIO, 1837s/n)
A preocupação com a falta de mão-de-obra era bem clara, este artigo nos mostra
que a multa que deveria ser paga pelo proprietário que aliciasse um colono de outra
55
fazenda equivalia ao dobro de tudo aquilo que devia aquele colono ao seu locatário,
com pena de prisão do aliciador em decorrência de negativa de pagamento.
Por outro lado, a despeito da lei de locação de serviços de 1837 ser tendenciosa
para o lado dos fazendeiros, existiam, em alguns de seus trechos, garantias
conferidas aos locadores, conforme transcrito no artigo décimo.
Art. 10º Será causa justa para rescisão do contrato por parte do
locador:
1º Faltando o locatário ao cumprimento das condições estipuladas no
contrato.
2º Se o mesmo fizer algum ferimento na pessoa do locador, ou o
injuriar na honra de sua mulher, filhos, ou pessoa de sua familia.
3º Exigindo o locatário, do locador, serviços não compreendidos no
contrato.
Rescindindo-se o contracto por alguma das tres sobreditas causas, o
locador não será obrigado a pagar ao locatario qualquer quantia de
que possa ser-lhe devedor. (COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO,
1837 s/n)
Conforme podemos observar, o artigo décimo prevê determinadas garantias aos
colonos como nos casos de ofensas, descumprimento dos termos do contrato ou
mesmo exigências de serviços não compreendidos nos termos contratados. Ocorre
que, para estes direitos serem efetivamente garantidos faziam-se necessários
julgamentos justos dentro das comarcas, o que dificilmente acontecia, pois Juizes de
Paz ou mesmo de Direito, em regra, eram indicados pelos próprios fazendeiros, e
em virtude de tal comprometimento dificilmente proferiam decisões contrárias a eles.
Apresentada a lei de 1837, podemos então entender que se tratou notoriamente de
regulamentação destinada ao estrangeiro que aqui chegava como imigrante, e de
nenhuma forma buscava incentivar a mão-de-obra nacional na busca por trabalho
digno dentro das fazendas
20
. Esta situação, até certo ponto incompreensível, já se
configurava como um prelúdio das medidas que viriam a ser tomadas até o final do
século, onde os latifundiários paulistas, lançando mão de toda sua influência na
câmara e no senado imporiam à mão-de-obra nacional a condição marginal na
economia vigente.
56
1.3. Lei de 10 de março de 1879 – Lei do Sinimbu
Doravante passaremos a estudar a legislação de 1879, chamada lei do Sinimbu,
alusão ao então ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, João Vieira Lins
Cansansão de Sinimbu. Esta lei, que só fora colocada em prática em 1879, teve sua
discussão iniciada em processo parlamentar dez anos antes, e era encarada, tanto
por parlamentares como pelo Império, como tendo caráter de urgência, na medida
em que a abolição se tornara uma realidade com a aprovação da Lei do Ventre Livre
em 1871.
21
O Brasil ainda se encontrava sob a égide da legislação de 1837, lei esta que era
vista como impraticável tanto pelos grandes fazendeiros com por boa parte dos
deputados e senadores presentes ao parlamento, e que, portanto não poderia mais
ser a orientadora das relações de trabalho nas fazendas.
Fazendeiros paulistas, aflitos com a irremediável abolição que se aproximava a
largos passos, tratavam de pressionar o parlamento para que as propostas
apresentadas para regulamentação das relações de trabalho lhes fossem mais
favoráveis, o que, segundo Maria Lúcia Lamounier, já mostrava a força da bancada
paulista no parlamento da época.
[...] o que nos leva a crer que, nesta época, ou os paulistas já se
impunham incontestavelmente como força política e econômica, ou a
medida atendia também secundariamente os interesses do país como
um todo. Ou, mesmo, as duas coisas. (LAMOUNIER, 1988, P. 107)
A Lei de 1879 era uma lei de locação que procurava regular as relações de trabalho
de nacionais, estrangeiros e libertos, tratando de incluir em seus artigos as formas
alternativas de trabalho que já se apresentavam à época nas fazendas brasileiras e,
sobretudo paulistas, abarcando em seu bojo o sistema de parceria e tentando incluir
o estrangeiro neste sistema. Neste raciocínio também se incluíam aqueles políticos
20
Vimos exaustivamente no capítulo anterior que esta mão-de-obra, mesmo sem legislação adequada,
empregava-se com freqûencia nas fazendas.
57
desejosos de ver a mão-de-obra nacional sendo efetivamente aproveitada, e em
virtude disso, esta lei também teria em seu contexto uma tentativa de incentivar o
trabalhador nacional, como, por exemplo, a limitação dos tempos de contrato. Por
fim, o negro liberto também seria alvo de discussões, e conforme veremos adiante
existia uma real preocupação com o aumento do número de libertos vadios que
vagariam pelas cidades do país, gerando violência e outras formas de
constrangimento na população; aliás, esta discussão teve assento com a decisão de
regulá-los de acordo com a Lei de 1871.
Para Gebara a Lei de Locação de Serviços buscava fundamentalmente incentivar a
imigração européia, em seu entendimento esta lei era uma forma de adequar o
império para a vinda do europeu “Na lei de 1879 o objetivo é criar condições para
implementar o processo de imigração européia” (GEBARA, 1986)
Já para a Lamounier a real intenção desta lei não era simplesmente atrair o
estrangeiro, mas também regular a situação do nacional e do liberto, e, sobretudo,
garantir que os contratos estabelecidos fossem efetivamente cumpridos, o que,
aliás, era o maior foco de descontentamento dos fazendeiros.
[...] podemos afirmar que a intenção da lei não era atrair uma corrente
de imigração européia más, principalmente, fornecer aos fazendeiros
as garantias necessárias para o cumprimento dos contratos daqueles
que aqui estivessem fixados ou daqueles que por ventura para aqui
se dirigissem [...]. (LAMOUNIER, 1988, P. 122)
O contexto político da ocasião também nos insere em uma discussão mais ampla.
Conforme Lamounier, a lei aprovada em 1879 fazia parte de uma política mais geral
e estratégica de emancipação gradual dos negros cativos, que se iniciara em 1871
com a Lei do Ventre Livre.
22
Neste contexto está a preocupação com o destino daqueles que seriam postos em
liberdade e a falta de braços nas lavouras brasileiras, suscitando discussões
constantes no parlamento. O receio com o descontrole do número de
21
Ademir Gebara coloca como definitiva para o processo abolicionista brasileiro a Lei do Ventre Livre
promulgada em 1871. GEBARA, 1986
22
A lei do Ventre Livre considerava livres os filhos de escravas nascidos após a publicação da lei, bem como
criava um Fundo para Emancipação que tinha por objetivo a libertação dos escravos da geração anterior.
58
desempregados e vadios, como já dito, se reflete nas palavras de Nabuco de
Araújo
23
ao parlamento, aqui citadas por Lamounier.
“Como garantir a ordem pública contra uma massa de 2 milhões de
indivíduos cujo primeiro impulso seria o abandono do lugar onde
suportou a escravidão; para os quais a primeira prova de liberdade
seria a vadiação?”.
(Nabuco de Araújo apud LAMOUNIER, 1988, P.
112)
Além da preocupação com os desocupados, a lei de 1879 também teria que
contemplar em sua composição as punições para as revoltas de colonos, que,
conforme já abordamos nas legislações anteriores, configuravam-se em atritos
constantes entre fazendeiros, colonos e a polícia. Fazendeiros continuavam
reclamando que as prisões, por si só, não resolviam o problema, na medida em que,
além de não receberem suas dívidas ficavam sem sua mão-de-obra nas fazendas;
isto devido às constantes prisões por dívidas impostas aos colonos pela legislação
de 1837. Soma-se a este fato a aparente situação de desconforto financeiro por que
passavam os fazendeiros em virtude da queda dos preços do café no mercado
internacional durante a década de 60.
As excessivas punições, que há muito eram alvo de duras críticas por parte de
representantes e cônsules dos países originários dos colonos, também seriam
amplamente discutidas na nova legislação. Alguns desses representantes ficaram
tão mal impressionados com o que viram nas suas incursões pelas fazendas
paulistas, que posteriormente em seus países divulgariam que no Brasil os colonos
eram tratados com extrema violência e desumanidade, fato este que provocaria a
proibição de envio de mais conterrâneos para cá.
Esta situação incomodava sobremaneira os fazendeiros paulistas, que já viam na
mão-de-obra européia a futura solução para os seus problemas. Necessário se
fazia, portanto, mostrar para o mundo civilizado que aqui no Brasil as leis eram
justas e devidamente cumpridas, e esta era uma terra pronta para receber
imigrantes aptos à lavoura.
23
José Thomaz Nabuco de Araújo foi Conselheiro de Estado, Ministro de Estado e era Senador pelo Estado da
Bahia. Foi autor em 1868 do projeto lei que traçaria as bases para elaboração da lei do Ventre Livre de 1871.
59
Entendemos então, que a Lei de Locação de Serviços de 1879 seria uma extensão
natural de uma discussão iniciada em 1868, quando Nabuco de Araújo, através de
seu projeto de lei, dá início à discussão, ao que mais tarde, em 1871, se configuraria
na Lei do Ventre Livre.
Importante ressaltar que Nabuco de Araújo era reconhecidamente a favor de uma
transição lenta e gradual para o trabalho livre, procurando evitar o grande impacto
que essa transição traria para as fazendas.
1.3.1 Da Discussão
24
As discussões que precederam a elaboração do texto final da Lei do Sinimbu
tiveram início dez anos antes, com a apresentação à Câmara dos Deputados do
projeto de nº. 93 que previa a regulamentação dos contratos de locação de serviços
feitos por nacionais, elaborado pelos parlamentares Alencar Araripe, M.J. Mendonça
de Castello-Branco e M. Casado Araújo Lima.
Antes mesmo das discussões terem efetivamente começado já se via os constantes
debates no parlamento, evidenciando a preocupação dos congressistas com a
questão das relações trabalhistas. Exemplo disso se verificou em 1866, quando o
deputado pelo Estado do Ceará Inácio de Barros Barreto apresentou um projeto de
lei que tinha como grande baluarte o aproveitamento da mão-de-obra nacional.
Defendeu seu projeto com o argumento de que naqueles dias não se utilizava a
mão-de-obra nacional pela falta de legislação que os incentivasse ao trabalho, e por
outro lado, pela falta de garantias aos fazendeiros, historicamente receosos com a
mão-de-obra nacional.
Um dos artigos propostos por Barros Barreto contemplava o incentivo ao trabalho na
lavoura em troca da isenção da prestação do serviço militar. Nesta época o país se
via às voltas com a Guerra do Paraguai, e necessitava de recrutas para os frontes
24
LAMOUNIER, 1988
60
de batalha, este fato, por si só, já gerou grande discussão contrária ao projeto pelo
receio da falta de recrutas na Guarda Nacional, além disso, seu autor propunha
regular os nacionais pela legislação vigente de 1837, o que, evidentemente não
incentivaria este homem ao trabalho, pois se tratava de uma lei pouco seguida pelos
fazendeiros e reconhecidamente prejudicial aos trabalhadores, e por último, um dos
colegas da casa argumentou que naquela ocasião já era muito comum a prática dos
fazendeiros em oferecer serviço aos desocupados em troca de liberação da
obrigação militar, esta medida já atraia muitos desocupados com receio de servir
nos frontes do império, fato que tornava o projeto ainda mais inócuo.
Em julho de 1867 o parlamentar Aureliano Cândido de Tavares Bastos submetia à
Câmara uma proposta que se mostrava bem mais ampla do que a apresentada por
Barros Barreto. Dentre o que se propunha, podemos destacar a aplicação ao
sistema de parceria das normas propostas pela Lei de 1837, estendendo-as aos
contratos com os nacionais, estrangeiros e libertos. Esta proposta também
modificava a matéria penal da antiga lei, determinando os limites de tempo para as
punições com prisão, delimitando que o tempo máximo de contrato com pessoas
livres de nascimento seria de seis anos, e com libertos de nove anos. Intervia
diretamente em questão muito conflituosa entre locadores e locatários,
estabelecendo que daquele momento em diante tornava-se proibido o impedimento
de efetuar as compras com terceiros, não se reconhecendo nas vendas da
propriedade preços maiores do que nos mercados vizinhos. (LAMOUNIER, 1988)
Importante mencionar que este projeto foi o primeiro a colocar em pauta a figura do
escravo aforriado, evidente reflexo do contexto das discussões sobre a Lei do Ventre
Livre, que viria ser aprovada dois anos mais tarde.
O projeto de Tavares Bastos teve real importância no meio político, pois refletiu uma
discussão que já se estabelecia há muito no parlamento da nação: o que seria feito
com o trabalhador liberto?
Em agosto de 1869, outro projeto seria apresentado à Câmara dos Deputados, este
elaborado por T. Alencar Araripe, M.J. Mendonça de Castello Branco e M. Casado
Araújo Lima. Este projeto, após algumas idas e vindas, e uma forte colaboração
61
teórica de Nabuco de Araújo, se tornaria no prazo de dez anos a Lei de Locação de
Serviços de 1879.
Em seu texto inicial o projeto mantinha as punições por justas causas impostas aos
locadores conforme previstas na Lei de 1837, estabelecia penas de prisão simples
de 5 a 20 dias para os trabalhadores nacionais que não cumprissem os contratos, e
indicava que ficaria a cargo dos presidentes das províncias, conforme pedido do
proprietário do estabelecimento rural, escolher até dez locadores para isentar do
serviço militar, à estes artigos somavam-se ainda outras propostas menos
empactantes.
O projeto de Araripe inicialmente fora taxado de “vexatório e repressivo”, sobretudo
em função dos artigos referentes ao recrutamento, que, diga-se, fora alvo de
chacota por parte de alguns parlamentares; entretanto, mais adiante acabou sendo
aprovado sem os respectivos artigos causadores de constrangimento. Neste ínterim,
este projeto que ficou arquivado por quase cinco anos, foi efetivamente apresentado
e aprovado na Câmara em 1ª, 2ª e 3ª votações no ano de 1874, e em 24 de agosto
de 1875 enviado ao senado. (LAMOUNIER, 1988)
O projeto de Alencar Araripe buscava primordialmente que os contratos com os
locatários fossem cumpridos, e através deste raciocínio justifica as penas de prisão
de trabalhadores nacionais em seu discurso ao parlamento, da seguinte forma:
[...] eles sabem que se ajustarem trabalhos com um operário não
podem contar com seus serviços por tempo certo. Embora hajão
ajustes, o operário de um momento para o outro abandona o trabalho,
e deixa o proprietário baldo de meios de prosseguir em seus serviços.
(Alencar Araripe apud LAMOUNIER, 1988, P. 88)
Araripe ainda justificava seu projeto, do ponto de vista da isenção do recrutamento
militar, argumentando que a isenção traria muitos ociosos sem ocupação a se
tornarem mais úteis para sociedade “Gente que hoje vaga sem ocupação honesta,
disposta a cometer crimes, cidadãos ociosos e prejudiciais, a se transformar em
homens úteis e proveitosos”. (Alencar Araripe apud LAMOUNIER, 1988)
62
Antes da aprovação final do projeto nº. 93 surgiram alguns outros projetos
intermediários que foram postos em votação, como o do Sr. Cardoso de Menezes e
do Sr. Joaquim Floriano Godoy, este último apresentado ao Senado.
Tanto o projeto do Sr. Cardoso de Menezes como do Sr. Joaquim Floriano Godoy,
em sua maior parte se baseiam na legislação de 1837.
Tratando-se especificamente do primeiro, a diferença mais marcante encontrava-se
na cláusula referente aos contratos sem estipulação de prazo, o projeto propunha
para estes contratos, a prorrogação pelo prazo de um ano, assim como aqueles
contratos já especificados por prazos maiores de sete anos seriam considerados
nulos.
Quanto ao projeto do Sr. Floriano Godoy, este era mais específico e longo, continha
45 artigos, e de acordo com Lamounier, introduz o parlamento à discussão da
locação de serviços aplicados à lavoura. Este projeto acrescenta às punições por
justas causas vigentes na legislação de 1837 os seguintes itens: “insubordinação,
indolência, gênio rixoso ou incorrigível, e bem assim qualquer circunstância, que
prejudique a ordem e o progresso do estabelecimento” (LAMOUNIER, 1988), e
prevê cláusula de trabalhos gratuitos por parte do Locador se este se recusar a
cumprir o tempo estipulado de contrato, pelo prazo que faltar para o término do
vínculo.
Em meados de 1877 tem inicio, finalmente, a discussão do projeto Nº. 93, já
supracitado. A urgência dava o tom das discussões em plenário, a iminente
derrocada do trabalho servil, as revoltas dos escravos nas fazendas e a constante
insatisfação do colono estrangeiro suscitavam agilidade por parte dos
parlamentares. A legislação vigente de 1837 há muito não atendia a demanda
apresentada nas fazendas, sobretudo porque regulava exclusivamente a mão-de-
obra do estrangeiro, situação totalmente oposta do que se apresentava na realidade
de então, onde a Lei do Ventre Livre colocara a “pá de cal“ que faltava nas
pretensões dos fazendeiros paulistas em estender por mais tempo o trabalho servil.
A comissão formada por J.M. Figueira de Mello e Domingos José Jaguaribe,
encarregada de emendar o projeto, ressaltava os argumentos apresentados acima e
63
acrescentava: “[...] enfatizava a comissão, com o fim do tráfico e a grande
mortalidade entre os escravos, a inevitável escassez de braços tornava a medida
indispensável” (LAMOUNIER, 1988).
A comissão, em seu parecer, restringia as disposições para a agricultura e indústria
fabril ou manufatureira, e possibilitava a comutação da pena de prisão, imposta ao
trabalhador que descumprisse seu contrato, por multa ou dias de trabalho, o que de
certa forma vinha ao encontro das reivindicações dos fazendeiros, conforme já
pudemos comentar. A comissão justificava assim sua postura de permitir a reversão
da prisão em penas alternativas:
Na realidade, se um obreiro entende que póde livrar-se dos dias de
prisão pelo seu trabalho ou por meio pecuniário com que indemnize o
preço do trabalho, para que obrigá-lo á prisão? É disposição muito
rigorosa, que não produz nada para riqueza nacional, porque o
homem não trabalha. [...] (LAMOUNIER, 1988, P. 93)
Porém, o projeto emendado pela comissão apresentava uma lacuna identificada
pelos parlamentares, precisamente o ponto que mencionava sobre o tempo dos
contratos, no qual sugeria a aplicação da Lei de 1837 para resolução dos conflitos.
Com justa razão, argumentaram os parlamentares, que desta lacuna poderiam surgir
contratos com nacionais por tempo indeterminado, condenando-os à quase
escravidão, e sendo assim, o projeto que antes já fora emendado pela comissão,
recebeu outras diversas emendas. Ocorre que, mesmo antes que o projeto pudesse
ser votado novamente, o senador pelo estado do Mato Grosso, Visconde do Rio
Branco propôs que fosse melhor estudado, defendendo a interrupção do processo
de votação.
O projeto foi então redigido novamente, e no início de outubro, o senador Nabuco de
Araújo apresentaria o resultado dos trabalhos da comissão, uma lei que continha 86
artigos divididos em 7 capítulos, que alguns chegaram a taxar de: “Quase um código
rural”.
Este projeto regulava trabalhadores estrangeiros, libertos e nacionais, contemplava
os sistemas de parceria agrícola e pecuária e também tratava da locação de
serviços propriamente dita, restringindo todas as suas regulações aos contratos
efetivados na agricultura.
64
Depois de pouca discussão e ínfimas tentativas de prolongar-se os debates, o
caráter de urgência prevaleceu e o projeto fora aprovado no Senado em 12 de
Outubro de 1877, e prontamente remetido para outra Câmara.
1.3.2 A Imigração Chinesa
Veremos com brevidade este tema, pois consideramos importante ao menos uma
análise sobre a questão da imigração chinesa. Esta possibilidade aventada para
suprir a falta de mão-de-obra com o incentivo à imigração asiática foi muito discutida
em meio ao processo parlamentar de aprovação da Lei do Sinimbú, daí o nosso
entendimento da necessidade de um breve estudo deste assunto.
A imigração chinesa foi uma alternativa sugerida para o suprimento de mão-de-obra
durante quase todo século XIX. Segundo Maria Lúcia Lamounier, desde 1807 já se
aventava a possibilidade de promover esta imigração, mas ao que consta, não teve
muitos entusiastas neste início.
A partir de meados do século, com a cessação do tráfico de escravos e com a
deterioração das relações de trabalho no sistema de parceria com os europeus, a
idéia da imigração chinesa retornou com muita força através de vários
parlamentares. Prova disto foi que em 1855 chegou ao Rio de Janeiro uma remessa
de imigrantes chineses com 303 indivíduos, no ano seguinte mais 348, e até 1866
eram 612.
A imigração chinesa passou a ser amplamente discutida quando da elaboração da
Lei de Locação de Serviços de 1879, o próprio ministro da agricultura Cansansão do
Sinimbu, era sabidamente a favor desta imigração.
[...] enaltecendo os trabalhadores asiáticos por sua superioridade em
real ação aos europeus nos trabalhos rurais pelos custos menos
onerosos de sua “importação”, e dizia que eram ideais como
65
“elementos de trabalho”, pois não se misturavam
25
com a população
local e retornavam à pátria findo o tempo de contrato [...]
(LAMOUNIER, 1988, P. 133)
Do mesmo modo, desacreditada da imigração européia, a Comissão para a Reforma
do Elemento Servil aconselhava o governo a promover a imigração chinesa, “....
cumpre aos poderes do Estado facilitarem a importação de trabalhadores (chineses)
que mediante módico salário venhão satisfazer aquella necessidade”. (LAMOUNIER,
1988)
Naturalmente existiam oposicionistas a esta iniciativa, como o Senador Nabuco de
Araújo, que argumentava que deveria se dar mais atenção aos escravos que
doravante nascessem livres, procurando proporcionar-lhes meios de fixação na
terra, ao invés de criar outra escravidão com a importação de “chins”.
“[...] Se o governo limitar-se abrir os portos e deixar que os
fazendeiros, de acordo com os negociantes, tratem da introducção de
trabalhadores asiáticos, como entenderem que é melhor e mais
vantajoso veremos constituído um novo tráfico [...]. (Nabuco de Araújo
apud LAMOUNIER, 1988, P. 141)
A questão do suprimento dos braços para a lavoura, e precisamente a questão da
promoção da imigração asiática, refletiu alguns aspectos importantes, como o
racismo presente nas elites do parlamento (conforme pudemos claramente verificar
no discurso supracitado do Ministro da Agricultura Cansansão do Sinimbu), bem
como o conflito aberto entre as províncias do Sul e do Norte. No bojo desta
discussão, São Paulo mais uma vez se mostrava bem representado, na pessoa do
próprio Ministro da Agricultura, e do lado das províncias nortistas, contrárias à
promoção da imigração asiática, estava o Senador Nabuco de Araújo, fervoroso
defensor de uma lei que contemplasse incentivos para trabalhadores nacionais,
estrangeiros (europeus) e libertos.
A discussão da falta de braços pelos defensores da imigração chinesa era
argumentada pelo fracasso do sistema de parceria feito com o europeu, lembrando
ainda que os custos com a imigração chinesa sairiam bem mais baratos. Pelo lado
25
Quanto a não se misturar com a população, ao que se sabe a elite brasileira sempre teve a idéia de
branqueamento da população, que veio se refletir diretamente na opção pela imigração européia, assunto que
veremos com detalhes mais adiante.
66
dos críticos a questão da falta de braços era inexistente, pois São Paulo ainda não
carecia de braços. Acusavam o Ministro da Agricultura de legislar em causa própria,
em virtude de ser este fazendeiro de café no Estado de São Paulo. Além disso,
também levantavam a hipótese de representar um perigo real para a formação da
sociedade brasileira “A imigração era condenável, segundo seus opositores, por ser
chinesa, por constituir o perigo de “mongolização” do país” (LAMOUNIER, 1988).
Por fim, as tentativas de promoção da imigração chinesa foram fracassadas, isto se
deveu por alguns motivos distintos, sejam eles: proibição da Inglaterra ao embarque
de chineses oriundos de Hong Kong e posterior convencimento de Portugal a fazer o
mesmo com sua colônia em Macau, comoção do governo Chinês com o tratamento
dispensado aos seus conterrâneos em Cuba e Peru e o “perigo” imediato para a
formação étnica da nação brasileira.
Em seguida mostraremos um quadro, evidenciando o fracasso da tentativa de
imigração chinesa no século XIX.
Tabela 3 - Trabalhadores chineses que provavelmente chegaram ao
Brasil durante o século XIX
Ano
Em torno de 1810 500 (aprox.)
1856 360
1859-1866 612
1874 1.000
Em torno de 1893 475
Total 2.947
Fonte: LAMOUNIER, 1988, P. 131
1.3.3. Da Aprovação
O processo de aprovação da lei teve como grandes propulsores os Congressos
agrícolas do Rio de Janeiro em julho de 1878, e de Recife em outubro do mesmo
67
ano. Em ambos, a urgência pela definição de uma lei, devido à falta de mão-de-obra
iminente, comandava as discussões. Os temas abordados giravam em torno da
preocupação com o cumprimento dos contratos, os fazendeiros do Sul propunham a
imposição de penas alternativas da prisão, já fazendeiros nordestinos em fazer com
que a nova lei incentivasse o trabalhador nacional, garantindo-lhes proteção
suficiente para que se motivassem a procurar trabalho nas fazendas. Assim
argumentavam os fazendeiros nordestinos no congresso agrícola de Recife:
“Os braços existem e até com certa abundância, mas em razão da
desigual distribuição da população, quer nas diversas propriedades,
quer no território onde os povoados são mui distantes dos
estabelecimentos agrícolas, a falta de braços é permanente em certos
lugares e épocas do ano”
(LAMOUNIER, 1988, P. 98)
Eram unânimes entre os dois Congressos as posições de incentivo ao trabalhador
nacional e à mão-de-obra estrangeira, leis que punissem severamente a
vagabundagem, e primordialmente, a necessidade de aprovação de um código rural.
Em 20 de dezembro de 1878 a proposta já mencionada, que fora enviada do
Senado para a Câmara, começa a ser discutida. O autor do projeto, Senador
Nabuco de Araújo já era falecido, e grande parte da antiga composição da Câmara
havia sido modificada, este fato gerou um pequeno problema, na medida em que os
novos congressistas não estavam ambientados com as discussões anteriores, e
queriam mais tempo para o debate. Em face de tal situação foi chamado o Ministro
da Justiça, Sr. Lafayette, para manifestar a posição do Governo, e para tanto, o Sr.
Ministro tratou de ser o mais persuasivo possível, mostrando toda preocupação do
Governo Imperial com o problema da falta de mão-de-obra nos meios de produção
mais rentáveis do país. Aqui transcreveremos alguns trechos do discurso do Sr.
Lafayette à Câmara dos Deputados, destacando seus principais pontos.
[...] é de grande urgência regular de novo e de maneira completa a
matéria de locação de serviços. O trabalho escravo entre nós de dia
para dia, e dentro de um termo, que não está longe, terá
desaparecido. Esse trabalho vai sendo e há de ser substituido pelo
trabalho livre, e trabalho livre, pressupõe a locação de serviços.
(LAMOUNIER, 1988, P. 99)
68
[...] É portanto fóra de toda dúvida que em relação a estes contratos,
o direito há de abandonar os seus processos communs, e há de dar
ao locatario contra o locador meios promptos a efficazez para abrigal-
o a prestar o serviço estipulado. Esse meio é o da prisão.
(LAMOUNIER, 1988, P. 99)
O tema sobre a prisão pelo não cumprimento dos contratos nos sugere ter sido o
mais contraditório entre os legisladores em mandato, contudo, após o discurso do
Sr. Lafayette, o projeto fora aprovado, autorizando, portanto, a prisão por período de
cinco a vinte dias, expressando ainda, que esta pena poderia ser repetida quantas
vezes fossem as faltas dos locadores.
Posto este discurso, o projeto foi aprovado sem maiores interrupções no dia 15 de
Março de 1879, sob a égide de decreto Nº. 2827.
1.3.4. A lei propriamente dita
Já é de nosso conhecimento toda conjuntura econômica e social por que passava o
Império quando da elaboração, discussão e aprovação da Lei de Locação de
Serviços de 1879. Doravante entraremos no estudo dos artigos desta lei, objetivando
evidenciar as suas evoluções em relação às leis de 1830 e 1837.
A Lei de Locação de Serviços de 1879 tratava de três itens diferentes: a locação de
serviços propriamente dita, a parceria agrícola e a parceria pecuária.
Art. 9. Esta lei admitte:
§ 1º A locação de serviços propriamente ditos.
§ 2º A locação de serviços, mediante a parceria nos fructos do predio
rustico, denominada – parceria agricola.
§ 3º A locação de serviços mediante a parceria na criação de
animaes uteis a lavoura, denominada – parceria pecuaria.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
Esta lei depois de aprovada passou a vigorar parcialmente
26
, e de acordo com
Lamounier (1988) desde a data em que foi posta em execução passou a ser muito
criticada pelos fazendeiros paulistas, que se viam altamente prejudicados em seus
69
interesses financeiros. Estes reclamavam de alguns artigos presentes na nova
legislação que interferiam diretamente nos custos de manutenção dos seus
negócios, dentre os quais podemos destacar: o que reduzia pela metade as dívidas
iniciais com transportes e instalação dos colonos, além do que proibia a cobrança de
juros sobre estas despesas iniciais.
Art. 19. São nullos de pleno direito:
[...] § 2º Os contratos que impuzerem ao locador a obrigação de
pagar mais do que a metade das passagens e despezas de
instituição.
§ 3º Os contratos que estipularem juros pelo débito do locador.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
De forma similar, os fazendeiros continuavam a criticar o recolhimento à prisão dos
colonos, matéria também regulada na nova lei. Conforme vimos exaustivamente, os
fazendeiros, com o já conhecido raciocínio óbvio, eram contra a imposição de penas
de prisão aos colonos, pois não somente ficavam sem o dinheiro, como também
sem a mão-de-obra nas suas fazendas, ou seja, se o colono já tinha dificuldades
para sanar suas dívidas trabalhando, o que poderia fazer sem o trabalho?
Conforme regulava a nova lei, a pena de prisão poderia variar de 5 a 20 dias,
havendo punição em dobro no caso de reincidência do locador. Nunca é demais
lembrar que a pena de prisão foi matéria recorrente em grande parte dos projetos
apresentados, e amplamente defendido por Alencar Araripe.
Aqui transcreveremos alguns trechos da matéria penal prevista na nova lei,
enfatizando as punições previstas aos colonos na nova legislação.
Art. 69. (a) O locador, que, sem justa causa, ausentar-se (art 39)
(b) O que, permanecendo no estabelecimento, não quizer
trabalhar;
(c) O que ceder: soblocar o predio da parceria;
(d) O que retiver a título de domínio;
(e) O parceiro pensador, que, sem consentimento do
proprietário, dispuzer do gado da parceria:
Incorrerão na pena de prisão por 5 a 20 dias. (COLEÇÃO
DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
26
Parcialmente na medida em que os artigos 8, 25 e 31 ainda se encontravam sob discussão.
70
Art. 74. Voltando o locador ao serviço depois de cumprida ou
perdoada a pena, e reincindindo em ausentar-se, ou em não querer
trabalhar, ser-lhe-há imposta a prisão pelo dobro do tempo da
primeira. (COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
Estas disposições mostram que embora amplamente discutidas, as normas penais
constantes no decreto incorriam nos mesmos erros das legislações anteriores, ou
seja, na ânsia por quererem se proteger em demasiado do não cumprimento dos
contratos por parte dos colonos, os Locatários acabavam se colocando numa
armadilha muitas vezes sem solução.
Com respeito às intenções da nova lei em nortear a formação do povo brasileiro,
mostraremos algumas diferenças marcantes, principalmente no que diz respeito ao
tempo dos contratos, no nosso entender, ponto importante da evidente intenção em
privilegiar o europeu.
A ausência de limites para duração dos contratos foi alvo constante de críticas
externas (Europa) ao sistema de locação de serviços realizado no Brasil, chegando
inclusive a se referirem ao sistema brasileiro como uma nova “escravidão branca”,
incluindo-se aí, como argumentação, as diversas revoltas de colonos ocorridas nas
fazendas, e as incessantes brigas entre Locatários e Locadores. Sendo assim, com
o objetivo claro de atrair o imigrante europeu e de passar uma visão diferente ao
exterior, os parlamentares aprovaram os artigos que regulamentavam os tempos
contratuais.
Os contratos com brasileiros teriam duração entre 3 e 6 anos, sendo que eram
automaticamente renovados pelo locatário caso não houvesse vontade expressa em
contrário do locador com até 1 mês de antecedência do fim do contrato.
Diversamente, os contratos com estrangeiros teriam duração máxima de 5 anos,
renováveis somente pela vontade expressa do locador, e sendo considerados sem
efeito caso estendidos sem consentimento do colono responsável. Quanto aos
libertos estes estariam regulados pela Lei de 1871, que somente se aplicaria a eles
após 5 anos de tutela governamental.
71
Art. 11. A duração della, sendo brazileiro o locador, não passará de
seis annos, salvo o direito de renovação. (COLEÇÃO DAS LEIS DO
IMPÉRIO, 1879 s/n)
Art. 13. Considera-se renovada a locação de serviços por outro tanto
tempo sobre o convecionado (art 11) ou o presumido (art12), se, até o
último mêz do anno agrário, nem o locatário, nem o locador exigir
dispensa do serviço. (COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
Art. 14. Sendo estrangeiro o locador, o prazo convencional da
locação não excederá de cinco annos, salvo expressa renovação.
(COLEÇÃO DAS LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
Art. 16. O prazo de locação de serviços dos libertos é o mesmo
determinado pela Lei de 28 de Setembro de 1871. (COLEÇÃO DAS
LEIS DO IMPÉRIO, 1879 s/n)
Ainda com respeito ao empenho dos parlamentares em implantar uma política
imigrantista, Gebara (1986) nos mostra que além do tratamento diferenciado em
relação ao tempo dos contratos, ainda foram previstas outras benesses aos
imigrantes. Estes poderiam rescindir seus contratos após 1 mês de cumpridos, caso
houvessem negociado com outra fazenda e com a multa contratual devidamente
paga, o contrato seria considerado nulo caso o locatário deixasse de efetuar os
pagamentos pelo prazo de três meses consecutivos, e por fim, o contrato seria
naturalmente extinto caso o colono se casasse fora da freguesia, esta última, uma
reivindicação antiga dos trabalhadores. Estes dois últimos itens mencionados,
também tinham validade para os demais trabalhadores, mas de acordo com Gebara
são artigos inseridos na lei com a finalidade de serem atrativos para a mão-de-obra
estrangeira.
A postura clara da Lei de 1879 em atrair o imigrante era reflexo das correntes mais
influentes de políticos no parlamento nacional, nunca é demais lembrar que boa
parte deles, além de políticos, eram também fazendeiros de café, que por sua vez
também se preocupavam com sua possível falta de pessoal. Maria Lúcia Lamounier
trata a Lei de Locação como uma transição para um futuro próximo de trabalho livre,
que se daria com a efetivação da política de imigração implantada na província de
São Paulo. Ademir Gebara é ainda mais enfático ao se referir à Lei de Locação
como um instrumento para imigração européia, que significava a estratégia para
organização do mercado livre no Brasil, mas ambos entendem que a Lei de Locação
72
de Serviços de 1879 teve sua efetivação muito priorizada com a edição da Lei do
Ventre Livre em 1871. Entendem que com o advento desta legislação tanto o
processo legislativo como as pressões dos fazendeiros no congresso tomaram outro
tom de discussão, a urgência passou a ser a maior motivadora dos parlamentares, e
a influência das bancadas de cada província veio à tona, mostrando que a estas
alturas São Paulo já contava com grande apoio parlamentar.
Ainda com respeito à legislação de 1871, entendemos que esta foi certamente uma
grande norteadora das decisões tomadas na elaboração da Lei do Sinimbu,
inserindo na nova Lei de Locação de Serviços uma figura diferente a ser regulada, o
trabalhador liberto.
Ademir Gebara ressalta a proximidade da Lei de 1871 com a elaboração da lei de
1879. O fundamento desta proximidade está na própria lei do Sinimbú que se utiliza
da lei citada para dar o tratamento devido ao trabalhador liberto. A correlação
existente entre tais normas também está no fato de que, dali por diante, toda e
qualquer relação trabalhista no Brasil estaria devidamente normatizada, ou seja,
positivada dentro do sistema legal. Os estrangeiros e livres regulados pela Lei de
1879, os libertos pela Lei de 1871 e por fim os cativos pelo Código Comercial.
Regular as relações de trabalho do liberto, nova figura da economia nacional, que
inexoravelmente surgiria em grande volume dentro de poucos anos, seria um grande
desafio para elites brasileiras, não apenas pelo perigo da ociosidade, mas também,
ao que se viu, pelo inconveniente da raça.
1.3.5. A Revogação
A Lei de 1879, logo de início, foi duramente criticada pelos fazendeiros paulistas,
que se viam lesados em seus interesses financeiros com a prerrogativa inserida na
lei de não poderem cobrar dos colonos mais que a metade dos adiantamentos
investidos. Outro fator de descontentamento era o impecílio de cobrança de juros,
73
que, por sua vez, era usada há muito tempo como ferramenta para segurar os
colonos nas fazendas.
A necessidade de mão-de-obra no início da década de 80 era latente, os fazendeiros
investiam quantias de dinheiro enormes na procura de trabalhadores dispostos a
ocupar as vagas paulatinamente deixadas pelos escravos. O investimento na
imigração era cada dia mais alto e mais profissional, agentes eram contratados para
facilitar a vinda de europeus para as fazendas paulistas, e estes, por sua vez, se
utilizavam de todos os meios possíveis de convencimento, procurando iludir o mais
que podiam a população européia miserável; mostrando o Brasil como a terra
prometida, onde as condições de trabalho eram convidativas, o clima era quente e
aprazível e as pessoas afáveis e receptivas, enfim, convencendo a todos que aqui
havia todos os ingredientes necessários para aqueles que queriam prosperar.
27
Alguns projetos para alterar a legislação de 1879 começaram a freqüentar o
parlamento até que um projeto assinado por representantes das fazendas de São
Paulo e Rio de Janeiro foi apresentado em 1882. Este propunha rever os artigos que
eximiam os locadores dos juros, assim como propunha aumento de 50% para 66%
dos débitos iniciais destes para com o locatário. Mas o pensamento principal deste
projeto era o aproveitamento da mão-de-obra nacional, bem como estendia aos
libertos as regulações da Lei de Locação de 1879, enfatizando a sanção penal de
prisão como a melhor saída para se fazer cumprir os contratos. Tal projeto nos
parece não representar a maioria dos fazendeiros de São Paulo, que diversamente
não gostavam das penas de prisão como forma punitiva pelo não cumprimento dos
contratos. Tal projeto retornou à câmara depois de 2 anos, e em 1884 foi discutido
novamente. Um dos maiores críticos deste foi Alfredo E. Taunay
28
, que era grande
defensor da vinda de imigrantes europeus, assim como um fervoroso crítico do
sistema monocultor. Acreditava ele que o sistema ideal para o Brasil seria aquele
baseado na pequena propriedade, em colônias e pequenos núcleos com
trabalhadores europeus; ademais considerava que os contratos de locação de mão-
27
Estes agentes de imigração eram contratados por fazendeiros ou pelas agências de imigração, e muitas vezes
ficavam vagando por várias províncias italianas, ora fazendo convencimento boca a boca com a população
pobre, ora colando panfletos nas paredes destas cidades e nos portos, mostrando o Brasil como um país perfeito
para aqueles que buscavam uma nova chance.
28
Alfredo E. Taunay era deputado pelo Estado de Santa Catarina.
74
de-obra não passavam de um conjunto de cláusulas “draconianas” que encerravam
uma “escravatura disfarçada”. Diversamente do pensamento de Taunay,
parlamentares com uma linha de pensamento menos crítica entendiam que a
locação de serviços deveria continuar, entretanto deveria se proporcionar maior
“liberdade de trabalho”, que significava, fundamentalmente, maior liberdade nas
transações entre locatários e locadores. Importante ressaltar que as idéias propostas
por estes parlamentares foram mais bem aceitas nas discussões.
De acordo com Lamounier “[...] o clima e o conteúdo das discussões denunciavam
não só a influência de certos interesses, mas, simultaneamente, revelavam o lugar
que era reservado à lei de locação de serviços nos tempos que se anunciavam”.
(LAMOUNIER, 1988)
Note-se que os fazendeiros sempre aplicaram os sistemas de trabalho que bem
entendiam nas fazendas, e as legislações em vigor eram pouco aplicadas de fato, e
com a lei de 1879 aconteceria o mesmo. Entretanto, naturalmente os fazendeiros, e
aí se ressalta os paulistas, entendiam que a despeito de utilizarem-se dos meios de
trabalho que mais lhes convinham, julgavam necessário que os seus sistemas
fossem devidamente regulados para que pudessem aplicá-los não apenas de fato,
mas também de direito.
Os fazendeiros paulistas, desde meados do século já vinham experimentando um
novo sistema de relacionamento com os locadores, o colonato
29
. Este sistema, que
era baseado em duas formas distintas de remuneração, vinha se mostrando uma
alternativa bem mais viável do que a parceria, ou mesmo do que qualquer outra
legislação que já se tentara implantar. Aliado ao advento do colonato, os fazendeiros
paulistas ainda contavam com uma ajuda considerável por parte do governo da
província, que passara a subsidiar a imigração européia, arcando com boa parte dos
custos iniciais de transporte e instalação, proporcionando aos locatários paulistas
uma posição ainda mais confortável no sentido de não cumprirem a legislação
vigente. O cenário da província paulista, após a promulgação da lei de 1879 era
este: imigração amplamente subsidiada pelo governo provincial, sistema de colonato
29
O sistema de colonato era baseado em uma remuneração fixa e anual pelo tratamento do cafezal, e outra parte
referente a um percentual da colheita por alqueire.
75
já implantado em praticamente todas as fazendas e a demanda de braços
“aparentemente” solucionada. Esta conjuntura empurrava cada dia mais a nova
legislação para o completo desuso, tornando-a algo inconveniente e desnecessário
para a província de São Paulo.
[...] na província de São Paulo, a lei de locação de serviços de 15 de
Março de 1879, que parece reflexo da lei anterior nº 108 de 11 de
Outubro de 1837, efectivamente só existe no papel; o que se
evidencia perfeitamente no facto de estarem hoje immigrantes nas
fazendas absolutamente sem contractos [...]. (LAMOUNIER, 1988, P.
155)
Conforme nos indica Maria Lúcia Lamounier, a campanha de imigração da província
paulista buscava solucionar o problema da mão-de-obra a seu jeito, sendo que as
outras províncias teriam que buscar cada uma o sistema ideal para resolverem sua
situações, porém também ressalta que a derrocada da nova legislação afetava
diretamente os planos iniciais de sua elaboração, em realizar uma transição lenta,
gradual e segura.
No final da década de 80 fazendeiros paulistas, usufruindo da sua grande influência
no parlamento, conseguiram impor sua posição às demais províncias do país ao
revogar a legislação de 1879, através do Decréto nº 213 em 1890. Argumentaram
que os preceitos regidos pela lei de 1879 não eram mais utilizados no cotidiano das
fazendas, e ademais eram preceitos “vexatórios” para qualquer relação de trabalho.
O Decreto trazia consigo uma grande inovação, deixaria a cargo de cada Estado a
competência para regular as relações de trabalho. Isto se deveu às grandes
diferenças entre as regiões do país, que procuraram ser respeitadas conforme seus
regionalismos. Com isto, os fazendeiros paulistas conseguiram exatamente aquilo
que queriam, ou seja, ficarem livres de terem que descumprir a lei vigente, e, ao
mesmo tempo, abriram caminho para a imigração suvencionada.
Conforme vimos nas discussões para implantação da legislação de 1879, os
interesses acabaram por ser divergentes em várias situações, sobretudo porque
existiam aqueles que buscavam incentivar o aproveitamento do trabalhador nacional
e do liberto. Contrariamente, São Paulo, através de sua elite agrária cada vez mais
influente, mostrou-se sempre favorável à mão-de-obra estrangeira.
76
Aqui cabe um comentário sobre o Congresso Agrícola de 1878. Os fazendeiros
nordestinos, ávidos por mão-de-obra mais barata, entraram em atrito com os poucos
fazendeiros do sul do país presentes no congresso. Este atrito deveu-se ao fato de
que, por se encontrarem em situação mais confortável economicamente, os sulistas
poderiam investir no estrangeiro como alternativa para a lavoura, enquanto que a
lavoura nordestina ha muito padecia pela falta investimentos
30
.
Quando da aprovação da lei de locação de serviços, esta não atendeu inteiramente
aos interesses paulistas, acabaria por propor a regulação da mão-de-obra de
estrangeiros, nacionais e libertos, dentro de um sistema de parceria. Todavia, se na
aprovação, São Paulo não fora completamente atendido, na sua revogação atendeu-
se amplamente seus anseios imigrantistas, dentro do seu novo sistema de colonato,
conforme nos relata Maria Lúcia Lamounier.
O dinamismo da região cafeeira e a influência de seus representantes
na política governamental definiram a solução para o problema do
trabalho em São Paulo. As outras províncias continuariam na busca
de suas soluções, no entanto, a partir de então, francamente
subordinadas ou à margem do sucesso paulista. (LAMOUNIER, 1988,
P. 159)
A Lei de Locação de Serviços de 1879 se configurou numa fase de transição entre a
Legislação de 1871 e a efetiva libertação dos escravos em 1888, sobretudo porque
significou uma mudança brusca na forma de pensar das elites brasileiras. A
libertação dos negros representava uma situação sui generis na história econômica
brasileira, na medida em que se começa a imaginar outras formas de utilização da
mão-de-obra: o trabalhador nacional, não muito bem visto, como uma opção viável
defendida por vários parlamentares, o liberto, que não teria ocupação, tornar-se-ia
um perigo iminente para os bons costumes da sociedade, e por fim, os estrangeiros,
que desde os meados do século XIX chegavam a números cada vez maiores. Os
estrangeiros, aliás, eram os que mais iam ao encontro dos anseios das elites
agrárias brasileiras, que, por sinal, os viam como “o povo escolhido” para ajustar a
formação étnica brasileira, em face disto, como atraí-los? Como convencê-los de
30
Para maiores detalhes sobre o Congresso Agrícola de 1878, ver Peter Eisenberg. Eisemberg, P, 1989
77
que o Brasil era um país próspero? Tudo isso passou a figurar nas discussões
parlamentares que vimos do decorrer do estudo desta lei.
As legislações que se propunham a regular o trabalho livre nas fazendas brasileiras,
embora muitas vezes não tenham sido efetivamente seguidas, nos mostram
claramente a evolução da conjuntura histórica por que passava o Brasil, do ponto de
vista de suas relações sociais e profissionais, no transcorrer do século XIX.
A Lei de Locação de Serviços de 1879, assim como suas antecessoras de 1830 e
1837, quando instituída, já não representava mais a realidade das fazendas
paulistas, que já implantavam um sistema alternativo à parceria, e que, em última
análise, representou sua derrocada definitiva. O sistema de colonato já dominava as
fazendas paulistas, assim como o poder do café no mercado internacional fazia de
São Paulo o Estado mais rico da nação, com esses ingredientes, as intenções
imigrantistas eram postas em prática a todo o vapor.
78
CAPÍTULO IV
A OPÇÃO PELA GRANDE IMIGRAÇÃO E A EXPLORAÇÃO DA MÃO DE OBRA
DO IMIGRANTE NAS FAZENDAS PAULISTAS
No segundo e terceiro capítulos, analisamos aspectos que consideramos estruturais
na opção pela grande imigração. Neste capítulo continuaremos a levantar outras
razões não menos importantes, porém que não consideramos como estruturais, mas
sim conjunturais, e que naturalmente também tiveram forte influência na decisão
pela imigração subvencionada ocorrida no Estado de São Paulo
31
.
No segundo capítulo estudamos os típicos trabalhadores livres brasileiros;
entendemos um pouco como se davam suas relações de trabalho e o convívio com
as elites da ocasião. Enquadramos dois conceitos distintos sobre sua posição no
sistema imposto. De um lado autores como Maria Sylvia de Carvalho Franco, Celso
Furtado e Caio Prado Jr, de outro, autores como Iraci da Costa, Hebe Castro e
Thomas Holloway. Neste ínterim verificamos que o trabalhador nacional, embora mal
visto pelas elites, sempre esteve presente no ambiente de trabalho imperial. Não era
de forma alguma um completo renegado do sistema, mas sim um elemento que
conseguiu sobreviver, mesmo que de forma humilde e muitas vezes conflituosa,
dentro de um sistema binomial.
No terceiro capítulo enfocamos a questão legal, procuramos mostrar como as leis
positivadas no período imperial eram basicamente focadas aos estrangeiros que
aqui residiam, e que, no tocante às suas evoluções, nunca houve uma preocupação
efetiva do legislador em privilegiar o trabalhador livre nacional como potencial efetivo
para mão-de-obra nas fazendas. Mostramos que, dada a fartura de mão-de-obra
escrava no início do século XIX, as leis de 1830 e 1837 eram limitadas do ponto de
31
Entenderemos “Estrutural” como sendo resultado da situação jurídico-administrativa do Estado, e
“Conjuntural” como sendo resultado da situação de momento, de prazo mais curto e imediato.
79
vista de detalhes, não se preocupando efetivamente com a regulação do mercado
de trabalho livre, e somando-se a isso, mostraram-se igualmente desumanas em
vista do desequilíbrio encontrado entre locatários e locadores. No bojo desta
discussão, estudamos a lei de 1879, elaborada e publicada mediante outro contexto
econômico bem mais complexo, qual seja, a iminente falta de braços para a lavoura
com a chegada próxima da abolição. Era uma lei que, no nosso entendimento,
deveria ser bem mais criteriosa no trato com o trabalhador livre nacional, entretanto,
serviu apenas como mais um desestimulante desta classe de trabalhadores. Esta lei
buscava um sistema de trabalho nas fazendas capaz de convencer diplomatas e
demais autoridades estrangeiras (européias) a verem com bons olhos a
possibilidade de enviar seus patrícios para o Brasil, que outrora fora duramente
criticado pelo trato degradante que dispensava aos poucos imigrantes que se
aventuraram no Sistema de Parceria.
Neste capítulo fecharemos o nosso estudo mostrando porque a escolha pela
imigração subsidiada foi a opção do governo paulista, mas, sobretudo, procuraremos
mostrar as possibilidades de aproveitamento da mão-de-obra livre, que não se
mostrou muito interessante para a elite fundiária dominante, que optou pelos altos
investimentos na vinda do estrangeiro. Abordaremos o debate da alta sociedade
brasileira sobre a necessidade de “branqueamento” da população nacional, bem
como do medo destas elites quanto à proximidade da abolição que trataria de
acentuar a mistura de raças, o que incomodava parcela considerável desta
sociedade.
Seguindo adiante, mostraremos todo empenho da província de São Paulo em
consagrar a vinda de estrangeiros como a salvação da lavoura paulista. Também
discutiremos todo esforço dispensado pelo governo da província, tanto do ponto de
vista logístico-estrutural como financeiro, para convencer e trazer imigrantes de
várias nacionalidades (italianos, espanhóis, portugueses, alemães, japoneses, etc.),
com hábitos e costumes totalmente diversos do povo brasileiro da época.
Como já dito, os levantamentos que serão feitos neste capítulo não são, a nosso ver,
de cunho estrutural, porém são de fundamental importância para o desfecho do
nosso estudo. Dentro desta discussão sobre o esforço dispensado pelo governo
80
provincial, resaltaremos o esforço para desbravar as terras novas da província e
ocupá-las em grade parte com mão-de-obra estrangeira, sempre questionando a
posição da mão-de-obra livre nacional neste contexto.
4.1. A Teoria Racista no Brasil
Entraremos agora em uma das discussões mais acaloradas no Brasil do século XIX,
a questão racial da formação do povo brasileiro. A difusão das teorias racistas entre
a elite do país esteve muito presente, sobretudo com a proximidade da abolição, e a
iminente entrada na vida cotidiana do país de mais 500.000 negros, antes
condicionados à reprodução forçada e “controlada”.
Muitas eram as teorias difundidas na Europa sobre a superioridade da raça branca e
sua “predominância” sobre o fenótipo negróide. As teorias que serão aqui abordadas
eram em grande parte alicerçadas em sociedades birraciais, como a americana, que
institucionalizara esta forma de sociedade na sua Costituição
32
. Diferentemente
desta realidade, o Brasil já tinha uma experiência farta com homens de cor livres e,
por isso, já tinha no mulato uma figura de democratização na sua sociedade
estamental. Sendo assim, o sistema aqui implementado não podia ser igual ao
norte-americano.
Apesar de não consagrada pela constituição como nos Estados Unidos, a
identificação do mulato
33
, como passível à ascendência social, estava
irremediavelmente condicionada ao seu fenótipo mais ou menos escuro. O que
realmente interessava às elites brasileiras era a aparência branca do cidadão;
diferentemente dos Estados Unidos, em que a pessoa estava eternamente
condenada pela suas origens, e mesmo que sua aparência tivesse sofrido um
“branqueamento” nítido estava ela condenada pelo sangue não anglo-saxão a
enquadrar-se nas classes sociais mais “adequadas”. Mas o fato de não termos tido
32
Sobre a constitucionalização da teoria birracial norte-americana, ver Skidmore, 1984
81
no Brasil a “regra de ascendência” não significa que devamos nos orgulhar deste
passado de certa forma condenável, pois, através do raciocínio de branqueamento
do mulato vários dignos representantes
34
deste grupo étnico tão brasileiro
abraçariam esta causa, mostrando clara vergonha de suas origens e exaltando tal
medida como a salvação do povo brasileiro.
O “cáucaso” era considerado o pináculo natural e inevitável da
pirâmede social. O europeu branco representava a “imagem
normativa sistemática
ideal. [...] Os brasileiros em geral tinham o
mais branco por melhor, o que levava naturalmente a um ideal de
“branqueamento”, que teve expressão tanto nos escritos elitistas
quanto no foclore popular.
(SKIDMORE, 1976, p.60)
O estudo sobre a teoria racista no Brasil é muito importante pela primazia em
substituir a mão-de-obra negra pela branca européia, dentro do raciocínio de
branqueamento e da suposta predominância dos genes brancos no médio e longo
prazo. Importa ressaltar que a realidade do Brasil, quanto aos seus grupos sociais,
era muito distinta da grande maioria dos países e que, portanto, não era possível
adotar aqui teorias desenvolvidas na Europa ou Estadas Unidos, fazendo-se
necessária uma adaptação destas teorias para branquear a população, e não
simplesmente segregá-la a um sistema birracial.
4.1.1. As Teorias Racistas Norte-Americanas e Européias
A primeira escola, que teve sua origem nos Estados Unidos, foi a etnológico-
biológica, fundada por Samuel Morton, Josiah Nott e George Glidden. Esta escola
queria comprovar a inferioridade inata das outras raças em relação à raça branca e
procuravam demonstrar tal tese através de comparações cranianas de múmias
egípcias, ressaltando diferenças fisiológicas nas suas formações. Tal teoria teve a
corroboração de um importante zoólogo suíço sitiado em Harvard chamado Louis
33
A palavra mulato está diretamente relacionada com a falta de fecundidade dos animais oriundos de
cruzamento de espécies distintas, teoria consagrada na Europa do século XIX. Acreditava-se que as 2ª e 3ª
gerações de mestiços eram infecundos, portanto a fenótipo branco tenderia a perpetuar-se sobre as demais raças.
34
Como bem lembrado na obra de Thomas Skidmore, o poeta brasileiro Cruz e Souza mencionava
constantemente seu desejo em ser mais cáucaso do que aparentava.
82
Agassiz, que posteriomente serviu de influência para alguns dos pensadores
racistas brasileiros.
Outra escola de pensamento foi a chamada abordagem histórica que, assim como a
etnológico-biológica, teve seus colaboradores tanto nos Estados Unidos como na
Europa. Esta escola procurava demonstrar através da interpretação sistemática da
história que a raça branca fora sempre vitoriosa no decurso da existência humana
conhecida. Pensadores como Gobineau, Thomas Arnold, Robert Knox e Thomas
Carlyle se incumbiam de interpretar a história ressaltando os triunfos da raça branca.
Importante ressaltar que os três últimos autores citados, pela suas origens inglesas,
apontavam com mais ardor ainda a indiscutível superioridade dos anglo-saxões,
como estando no topo desta pirâmide.
Reputa-se à Teoria Histórica as origens do conceito da raça ariana (ou anglo-saxã),
tão evidente no estado nazista alemão. Esta superioridade da raça ariana tornou-se
uma força de pensamento estrondoso na Europa nos últimos decênios do século
XIX e primeiros do século XX. A crença inabalável na superioridade histórica da raça
ariana era fundamentada através de trabalhos universitários das mais conceituadas
escolas superiores da Europa, embora, como já sabido, sem nenhum valor científico
relevante a se considerar.
A terceira e última escola por nós abordada é o chamado Darwinismo Social. Esta
teoria partia do princípio que, de acordo com Darwin, as espécies surgiram de uma
única origem e a partir daí sobreviveram apenas os mais aptos e mais adaptados,
diferindo-se neste ponto da teoria etnológico-biológica, que acreditava em diversas
origens para o gene humano. Dentro deste raciocínio, e, aproveitando-se igualmente
das experiências frenológicas e fisiológicas realizadas pela escola etnológico-
biológica, os darwinistas socias embasaram suas teorias nas de um cientista
altamente conceituado e assim puderam revestir de respeitabilidade seus ideais de
superioridade da raça branca. Entendiam os adeptos desta teoria que no decorrer
dos séculos os brancos estavam progressivamente aumentando seus contingentes,
ao passo que os negros estavam perdendo seus elementos ou mesmo sendo
branqueados; clara mostra de menos adaptabilidade.
83
No caso do Brasil, as três escolas citadas passaram a influenciar as elites;
entretanto, como já dissemos, as publicações de Louis Agassiz chegaram com muita
força ao conhecimento da América Latina, que, por sua vez, sempre se mostrou
muito vulnerável às idéias européias e norte-americanas, passando a crer na
inegável inferioridade das raças negra e índia, embasada no pensamento
determinista histórico, acrescentado de uma pitada de ciência darwinista.
Ponto importante que não poderíamos deixar de mencionar era o forte idealismo
antiportuguês verificado nas elites brasileiras, independentemente das várias
correntes de pensamento racista de cada uma. Este sentimento era bem definido
quanto às suas explicações, entendiam as elites brasileiras que os portugueses
haviam tido comportamento imoral e indolente durante a colonização, gerando na
terra brasileira um povo impuro que perdera suas origens. Em função disso, as elites
brasileiras não se cansavam de reputar aos portugueses a alcunha de povo mais
atrasado da Europa, denegrindo incessantemente a imagem ibérica no Brasil.
4.1.2. O Modelo Brasileiro
O Brasil do século XIX já era formado por uma sociedade multirracial, além do
branco do negro e do índio uma quarta classe de pessoas já era figura permanente
entre a formação do povo brasileiro, o mulato.
Conforme já dito, no Brasil não havia a divisão clara e institucionalizada entre
brancos e negros, mas sim a avaliação da figura que se punha em frente daquele
que poderia direta ou indiretamente influenciar na escalada social daquele cidadão.
As nuances eram tamanhas que mesmo dentre a citada quarta classe de pessoas
existia uma diferença muito grande entre elas, ou seja, um mulato mais escuro tinha
menos aceitação social daquele mais claro, e dentro da população brasileira esse
fator tornava-se naturalmente subjetivo, dependendo muitas vezes da boa-fé de
alguns dos avaliadores de plantão.
84
A ascensão do mulato brasileiro na escala social também representou um fato
importante para o entendimento de grande parte das elites de que a solução para o
Brasil não estava em tentar separar raças, mas sim de fazer valer algumas teorias
chegadas por aqui que pregavam a supressão do gene inferior. Isso significava que
o “branqueamento” gradativo do mestiço seria de tal forma vitorioso que, em duas ou
três gerações a superioridade branca seria inconteste, e a população entraria em um
processo irreversível de caucasiamento.
A idolatria pela suposta falta de miscigenação ocorrida nos Estados Unidos também
era frequentemente louvada por diversos membros do governo brasileiro. João
Baptista de Lacerda
35
proferiu estas palavras que resumem o que pensavam as
elites sobre o modelo americano de branqueamento.
Enquanto que os portugueses não hesitaram em misturar-se aos
negros, com risco de produzir filhos mestiços, os anglo-saxões,
zelosos da pureza de sua linhagem, guardaram o negro à distância, e
somente o usaram como instrumento de trabalho. É curioso e digno
de nota quem nem a passagem do tempo nem qualquer outro fator foi
capaz de alterar essa primeira atitude dos norte-americanos, que
mantêm a raça negra separada da branca até nossos dias. O Brasil
agiu diversamente. Os brancos estabeleceram uma raça de mestiços,
que se encontra, hoje, espalhada por uma vasta extensão de seu
território. (LACERDA apud SKIDMORE, 1976, p.87)
Devemos lembrar que, conforme nos relata Skidmore, a miscigenação nos Estados
Unidos ocorreu sempre e de forma até certo ponto corriqueira. Este pensamento
acima exposto por Lacerda mostra a falta de conhecimento dos teóricos racistas
brasileiros, sobretudo do Diretor do Museu Nacional, um estudioso reconhecido na
ocasião.
Fossem quais fossem as supostas diferenças de comportamento
racial, os americanos sempre praticaram livremente a miscigenação.
Em 1850, a população negra dos Estados Unidos incluía oficialmente
11% de mulatos; por volta de 1910, tinha 21%. E é de crer que os
recenseadores norte-americanos tenham sido menos generosos na
aplicação da categoria de mulato (em oposição a negro) do que seus
colegas brasileiros o seriam. (SKIDMORE, 1976, p.87)
35
Um grande incentivador da teoria de supressão do gene negro pelo cruzamento com cidadãos mais claros era o
Ditetor do Museu Nacional João Baptista de Lacerda, que publicou diversos trabalhos sobre a teoria brasileira de
branqueamento, e acreditava que com a imigração européia e o fim da escravidão, a raça negra seria reduzida a
números pífios em no máximo 3 gerações.
85
Entretanto, alguns teóricos brasileiros como Nina Rodrigues
36
viam que não se podia
comparar o caso brasileiro ao norte-americano, pois já éramos um país miscigenado,
e que, portanto, o nosso fracasso como nação era previsível, pois éramos
descendentes do que há de pior em termos populacionais: o português atrasado e
não-progressista, o índio e o negro, raça indubitavelmente inferior. Este raciocínio
aparentemente ia contra o que pensava boa parte dos membros do governo, os
quais acreditavam que o mulato prestara bons serviços ao Brasil, e que, portanto,
pertenciam a um nível distinto e bem mais evoluído que o negro.
A política brasileira de branqueamento da população era muito apoiada não apenas
pelas elites do país, mas também por uma crença fiel da sociedade brasileira na
superioridade da raça branca. O povo brasileiro era, em grande parte, convicto de
que seria um povo notadamente mais evoluído na medida em que se tornasse mais
claro.
Conforme dito, os casos de mulatos que ascendiam às classes mais altas da
sociedade, chegando a ocupar inclusive altos postos da administração pública, eram
bem vistos por defensores das políticas adotadas. Entendiam alguns deles que,
embora fosse o mulato irremediavelmente inferior ao branco, tinham eles alguns
dons intelectuais mais evoluídos do que os pretos, sendo, por isso, incentivados, de
certa forma, a cruzarem com pessoas sempre mais claras, a fim de que, em duas ou
três gerações, o gene negro pudesse ser completamente suprimido.
Um fator que contribuía para este pensamento era o fato de que as populações
negras, sobretudo em cativeiro, tinham comprovadamente baixo índice de
fecundidade. Este fato, sabidamente, se dava em função de dois fatores principais:
número de machos bem maior do que de fêmeas e a dificuldade das mulheres
negras em engravidar em virtude do alto número de doenças e más condições a que
estavam constantemente expostas.
36
Raimundo Nina Rodrigues era um médico mulato formado pela Universidade da Bahia, que tornou-se famoso
pelos seus estudos etnográficos, sendo suas idéias racistas muito lidas no Brasil e parte da Europa. Tratava-se de
mais um exemplo de cidadão mulato que queria embranquecer e tinha claramente vergonha das suas orígens.
86
Mas não apenas cidadãos nacionais eram entusiastas das políticas brasileiras,
teóricos racistas e personalidades internacionais que aqui estiveram também viram
na solução encontrada pelo Brasil uma possibilidade viável de extinguir o elemento
negro da sociedade. Thomas Skidmore, com muita felicidade, reproduz em sua obra
uma carta do então ex-presidente norte americano Theodore Roosevelt que esteve
no Brasil em expedição a Cuiabá com o Marechal Rondon (04/1914). Esta carta que
fora publicada na então revista Outlook, continha os seguintes dizeres:
No Brasil...o ideal principal é o do desaparecimento da questão negra
pelo desaparecimento do próprio negro, gradualmente absorvido pela
raça branca. Não quer dizer isso que os brasileiros sejam ou venham
a ser um povo de mestiços que certos escritores, não só franceses ou
ingleses, mas americanos também, afirmam
que são. Os brasileiros
são um povo branco, pertencente à raça do Mediterrâneo,
diferenciando-se das gentes do Norte, somente como delas diferem,
com seu esplêndido passado histórico, as grandes e civilizadas
velhas raças de espanhóis e italianos. A evidente mistura de sangue
índio adicionou-lhe um bom, e não um mau elemento. A enorme
imigração européia tende, década a década, a tornar o sangue preto
um elemento insignificante no sangue de toda nação. Os brasileiros
do futuro serão, no sangue, mais europeus ainda que o foram no
passado e diferenciarão de cultura somente como os americanos do
Norte diferem. (SKIDMORE, 1976, p.85)
A miscigenação do povo brasileiro iniciou-se nos primórdios da sua colonização, o
cidadão comum brasileiro era, sobretudo, um ser misturado, oriundo das raças
colonizadoras, o branco o negro e o índio. O objetivo das elites brasileiras em
branquear a população era absolutamente inviável, e mais do que isso,
completamente inexequível do ponto vista do objetivo de suprimir o gene negro.
Dados estatísticos mostram que após a grande imigração, os Estados da Região
Sudeste, sobretudo São Paulo lograram relativo êxito na questão do
branqueamento, entretanto, por óbvio não se suprimiu nenhum gene, mas apenas
não se utilizou tantos negros quanto se utilizava anteriormente para o trabalho nas
fazendas, substituindo-os pelas mãos européias.
Vimos nesta parte do trabalho que a pretensa idéia de suprimir o negro da
população brasileira era uma idéia que motivava grande parte do governo brasileiro,
vários estudiosos nacionais e boa parte da população comum. O chamado “Modelo
Brasileiro” de branqueamento fora escolhido em virtude da realidade de um país já
miscigenado, pois não havia como segregar se a miscigenação já se fazia presente,
87
bem como as populações livres negras aumentavam cada vez mais durante o século
XIX, proporcionando, naturalmente, cada vez mais miscigenação.
Com isso, entendemos mais um passo do nosso trabalho, ou seja, mais uma razão
para o esforço dispensado pelos governos federal e paulista com a imigração
européia. A mão-de-obra branca era, por assim dizer, necessária do ponto de vista
popular, na medida em que serviria não apenas para tornar as fazendas de café
fartas de trabalhadores com salários baixos e produtividade bem acima do sistema
escravocrata, como também para fazer misturar o sangue daqueles que já eram
misturados, e clarear o daqueles que deveriam sumir.
4.2. O Panorama Europeu Pré-Imigração
A Europa do século XIX era um continente, em grande parte, muito pobre. Alguns
países, em especial, Itália, Alemanha, Portugal e Espanha tinham suas economias
baseadas na exploração agrícola, ambora o norte italiano e algumas partes da
Alemanhã já lograssem algum avanço industrial.
Particularmante os casos italiano e alemão eram peculiares, na medida em que
estes países tinham conseguido sua unificação apenas no fim do século XIX, sendo
que, suas cidades, anteriormente à unificação, tinham cada uma suas próprias
administrações, e funcionavam como pequenos feudos autônomos financeiramente.
Esta peculiaridade fez de algumas cidades pertencentes a estes países cidades
mais avançadas do que outras, e por consequência, transformaram tais países em
nações muito heterogêneas do ponto de vista da distribuição de renda, com uma
minoria desenvolvida que concentrava boa parte da riqueza, e outra parte, a maioria,
extremamente pobre.
Nos casos de Portugal e Espanha, havia uma homogeneidade entre suas
populações, tanto um quanto o outro ainda tinha sua base econômica quase que
exclusivamente ligada à agricultura. Importante lembrar que esta homogeneidade
advém, dentre outros fatores, das suas precoces unificações dentro do movimento
88
absolutista dos séculos XV e XVI na Europa, que proporcionou uma administração
única e, por conseguinte, a equidade da pobreza.
Os ibéricos tinham como pejorativo a seu respeito a alcunha de serem considerados
os povos mais atrasados da Europa, pois, em séculos anteriores, haviam
conseguido as maiores fortunas existentes no mundo conhecido graças às suas
colônias americanas e, mesmo assim, não conseguiram se firmar como nações
dominantes em nível mundial como Inglaterra e França.
4.2.1. O caso italiano
Fixaremos-nos nesta parte em entender o caso italiano, não por acreditarmos que os
demais povos imigrantes não tiveram, como os italianos, extrema importância tanto
na formação do povo brasileiro como do fomento da cultura nacional, mas porque é
indubitável a relevância numérica dos imigrantes daquele país que aqui chegaram
entre o final do século XIX e início do século XX, e se fixaram em número muito
superior que os demais contingentes de imigrantes oriundos de outros países.
A unificação italiana se concretizou com a instauração do Parlamento Italiano em 17
de março de 1861, data em que fora proclamada a Constituição do Reino da Italia,
que posteriormente receberia a adesão de Veneza (1886), Roma e Lácio (1870),
Trento, Trieste, Ístria e Veneza Júlia (1918). (MAFFEI, 1972)
A situação política italiana era instável a despeito da recente unificação, sendo que o
país ainda baseava sua economia em uma agricultura de técnicas rudimentares e,
portanto, com produtividade medíocre. As únicas regiões onde se iniciavam
investimentos industriais eram no Vale do Pó e na Campânia, que, aliás, eram as
regiões para onde rumavam enormes quantidades de trabalhadores anualmente à
procura de oportunidades de trabalho, agravando mais ainda o quadro de
desemprego nas maiores cidades. Conforme nos diz Lucy Maffei, a atividade
agrícola nos campos italianos era atrasada do ponto de vista de suas técnicas, e,
89
portanto, o que se retirava dela era geralmente insuficiente para os mínimos vitais,
forçando a busca de oportunidades novas nas recentes indústrias. (MAFFEI,1972)
Agricultores desempregados e sem esperança, tornaram-se posteriormente o maior
alvo dos agentes de imigração brasileiros
37
, pois, evidentemente, era primordial da
parte destes atender à vocação brasileira para plantação de café, recrutando
cidadãos aptos à lavoura e com intimidade no trato com a terra. Entretanto, como
veremos mais detalhadamente no decorrer do trabalho, apenas uma parte dos
italianos que chegaram no Brasil tinham experiência prévia com a agricultura.
4.2.2. As Regiões Italianas
As regiões italianas diferenciaram-se muito com relação à imigração conhecida
como “permanente”. Com relação a este tipo de imigração, algumas regiões como
Vêneto se destacaram, onde cidades como Pádua, Verona, Udine, Vincenza,
Treviso e Rovigo sempre mantiveram altos índices de imigrantes para os vários
países americanos. O Piemonte manteve um grande fluxo até 1890, sendo que as
cidades de Torino, Cuneo e Alessandria encabeçaram a lista; a Lombardia foi outra
região importante em termos de fluxo de imigrantes, e esta, particularmente,
destinou muitos deles ao Brasil; cidades como Milão, Pávia, Mantova, Como e
Bérgamo eram grandes provedores de mão-de-obra para Brasil e Argentina.
Quanto à região da Ligúria, destaca-se Genova, cidade que, igualmente às da região
da Lombardia, fora a origem de vários imigrantes sulamericanos.
As regiões de Basilicata e Calábria, e nesta última especialmente as cidades de
Cosenza, Catanzaro e Reggio Calábria também tiveram êxodos numerosos para as
Américas.
37
Os Agentes de Imigração eram profissionais contratados pelos governos brasileiro e paulista para divulgar o
nome do país e recrutar imigrantes para a lavoura. Cabia a esses profissionais, dentre outras coisas, vender a
imagem do Brasil para os imigrantes nos portos e cidades, como terra da oportunidade onde tudo era possível.
90
A região da Sicilia teve seu êxodo maior depois de 1900 e, sobretudo, poucos foram
os que tiveram como destino os países sulamericanos. Brasil e Argentina
absorveram alguns poucos representantes, mas os Estados Unidos foram o destino
da imensa maioria dos paupérrimos sicilianos.
A região da Campânia teve, a partir de 1886, média anual de 15.000 imigrantes,
onde se destacaram as cidades de Salerno, Avelino e Caserta.
Por último, falaremos das regiões onde o fluxo migratório foi sempre baixo,
independente da ocasião e do país de destino. São elas: Sardenha, Puglia e Lecce;
onde não se tem registro de grande saída de cidadãos, bem como não se registrou
imigração permanente, apenas esparsos contingentes que deixavam estas regiões
espontaneamente. (MAFFEI, 1972)
Figura 3 – Mapa das Regiões Italianas
Fonte: www.wikitravel.org
91
4.3. A Realidade da falta de mão-de-obra e a exploração dos salários
A falta de mão-de-obra nas fazendas paulistas e a iminente abolição da escravidão
foram permanentemente usadas como argumento para o projeto de incentivo à
imigração subsidiada, sendo a abolição ainda empregada como mola propulsora
desta discussão, e conforme exploramos a fundo no terceiro capítulo, ambas
motivaram a elaboração de uma nova lei para os contratos de trabalho no Império.
Entretanto, como já vimos, existiram outros fatores, nem sempre amplamente
discutidos, os quais também motivaram a vinda dos europeus para cá. O conceito
formado pelos fazendeiros sobre o trabalhador livre nacional, certamente era
decisivo para esta escolha. A preocupação das elites do país com a formação do
povo brasileiro e a respectiva cultura nacional também foi fator importante, afinal, um
povo mais claro tenderia a ser mais evoluído, e quanto mais suprimido o gene negro
melhores seriam os rumos do país no caminho do desenvolvimento. Ocorre que,
conforme nos mostram alguns autores, nos campos paulistas de fato não havia falta
de mão-de-obra, pois existiam sim trabalhadores nacionais à disposição, sem falar
nos próprios negros alforriados que poderiam ser aliciados a trabalhar por um salário
igual ou próximo ao do imigrante. O que, aliás, de fato já vinha sendo feito conforme
visto no segundo capítulo.
A quantidade desproporcional de imigrantes que aqui chegaram causou o
sistemático achatamento dos salários, antes pagos no sistema de parceria e mais
recentemente pelo sistema de colonato. Este achatamento dos salários gerou a
natural falta de interesse daqueles que viam melhores oportunidades em outros
estados ou mesmo em atividades distintas da lavoura.
Um exemplo do que estamos falando está no quadro seguinte, no qual podemos ver
a evolução da mão-de-obra livre apenas com a diminuição do número de escravos
no estado de São Paulo, sem contar aqueles elementos que não eram escravos,
mas também não tinham oportunidades fixas, e que não constam neste quadro.
92
Tabela 4 – Evolução da população livre e escrava do Estado de São Paulo
Anos
Total Escrava(A) Livre(B) %(A/B)
1836 284.312 78.013 206.299 37,82%
1854 417.149 117.731 299.418 39,32%
1874 837.354 156.582 680.772 23,00%
1886 1.221.380 106.665 1.114.715 9,57%
Populão
Fonte: Spindel, 1979, P 68
Podemos notar que, tão logo se aproximava o fim da escravidão o número de
negros, proporcionalmente à população total, já era muito inferior ao da primeira
metade do século no Estado. Isto se deve a alguns fatores, dentre eles: a gradual
substituição da mão-de-obra negra pela mão-de-obra estrangeira em função do
encarecimento do escravo após 1850 e a migração interna, sobretudo do Rio de
Janeiro e Minas Gerais, que parece também ter sido bastante considerável no
decorrer do século XIX. Por outro lado, nota-se também o aumento vertiginoso da
população do Estado, que em parte de deve a esta migração interna, mas também à
imigração estrangeira, que, embora modesta neste período, já fazia diferença.
Estes dados do Estado de São Paulo também podem ser comparados com a
tendência brasileira como um todo. É o que nos mostra Thomas Skidmore (1976), ao
apresentar a evolução da população livre por regiões entre 1819 e 1872. Lembrando
que tanto nos dados apresentados por Spindel como nos apresentados por
Skidmore a grande imigração não havia se iniciado, confirmando o posicionamento
de alguns autores sobre a disponibilidade de braços livres para a lavoura.
93
Tabela 5 – População escrava brasileira comparada com a população total,
1819 a 1872
Rego
1819 1872 1819 1872 1819 1872
Norte
143.251 332.847 39.040 28.437 27,3 8,5
Nordeste
1.112.703 3.082.701 367.520 289.962 33 9,4
Leste
1.807.638 4.735.427 508.351 925.141 28,1 19,5
Sul
433.976 1.558.691 125.283 249.947 28,9 16
Centro-Oeste
100.564 220.812 40.980 17.319 40,7 7,8
Total do Brasil 3.598.132 9.930.478 1.081.174 1.510.806 30 15,2
Percentagem da população
escrava na população total
População Total População Escrava
Fonte: Skidmore 1976, P. 57
Nota: As províncias incluídas em cada região são: Norte: Amazonas e Pará;
Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas; Leste: Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Corte (cidade do Rio
de Janeiro), Minas Gerais; Sul: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do
Sul; Centro-Oeste: Goiás e Mato Grosso.
A autora Cheywa Spindel (1979) salienta que houve um redirecionamento da mão-
de-obra negra com a evolução tecnológica do maquinário de beneficiamento do
café, fazendo com que pudessem ser realocados negros que antes faziam
manualmente estas tarefas para a realização de outras tarefas, como na construção
de ferrovias bancadas pelos próprios fazendeiros. Além disso, a autora também
ressalta que o comércio interprovincial e intraprovincial de negros oriundos das
regiões decadentes do Nordeste e Vale do Paraíba também ajudaram os
fazendeiros a suprirem sua suposta escassez de mão-de-obra; acentuando mais
ainda nosso comentário quanto à desnecessidade eventual do europeu.
Por mais contraditório que possa parecer, a solução que garante uma
acelerada expansão cafeeira, em todo este período – 1860-1880,
consiste na intensificação do regime escravocrata, em plena vigência
das medidas legais que visavam extingui-lo, Apesar deste contexto
repressivo à escravatura, o Café do Oeste Paulista consegue
redimensionar seu contingente de escravos, através de transferências
interprovinciais e intraprovinciais, favorecidas pela estagnação
econômica em áreas cafeeiras mais antigas ou áreas de outros
produtos agrícolas. (SPINDEL, 1979, p.37)
94
4.3.1. Os sistemas de trabalho e o achatamento dos salários
Já comentamos neste trabalho que o sistema de Parceria foi o primeiro que se
tentou implantar nas fazendas paulista e brasileiras, tanto para atrair imigrantes
estrangeiros, como também para eventualmente realizar alguma contratação de
mão-de-obra nacional. Posteriormente, e graças ao seu irrefutável fracasso, o
sistema de Parceria foi sendo gradativamente substituído pelo sistema de Colonato,
este certamente mais justo e atrativo para o imigrante.
Doravante entraremos mais a fundo no entendimento destes dois sistemas, veremos
como se desenvolviam e de que forma ambos eram encarados pelos colonos. Tanto
um quanto outro apresentou vantagens e desvantagens, mas indubitavelmente
ambos marcaram o processo de substituição da mão-de-obra no Brasil.
Não entraremos na discussão pormenorizada dos contratos de Locação de Serviços,
primeiro porque a lei que o regia, a de 1837, estava sendo muito mais usada como
base de regulamentação para o Sistema de Parceria do que propriamente para ela
própria, e, também por que, como diz Verena Stolcke, não há indícios de que este
sistema tenha tido largo uso no período entre o fim da Parceria e o início do Sistema
de Colonato. (STOLCKE, 1983)
4.3.1.1. O Sistema de Parceria
O Sistema de Parceria fora inicialmente implantado na década de 1850 na Fazenda
Ibicaba, que se localizava nos arredores de Limeira, e pertencia ao então Senador
Nicolau de Campos Vergueiro. Este sistema propunha que os fazendeiros teriam
uma despesa inicial com a vinda do imigrante, bancando os custos da viagem,
mantimentos iniciais de sobrevivência, deslocamento até a fazenda e instalações de
moradia.
95
Estas supostas facilidades oferecidas serviram de estímulo inicial aos governos de
alguns países europeus que necessitavam, devido ao seu desconforto econômico,
diminuir sua população. Foi o caso da Suíça, que através de alguns embaixadores
viu com bons olhos a possibilidade de testar este sistema enviando alguns patrícios
para a fazenda Ibicaba.
De início o sistema parece ter sido um sucesso, tanto que diversos fazendeiros
procuraram a Vergueiro e Cia
38
a fim de conseguir imigrantes para suas lavouras, já
que a angústia pela falta de mão-de-obra já se espalhara pelo interior paulista.
O Sistema de Parceria prometia ser de fato confiável, os colonos se mostraram
entusiasmados com a possibilidade de ter um espaço próprio para cultivarem seus
produtos e posteriormente comercializá-los nas vilas próximas, bem como já
vislumbravam a chance de terem futuramente suas próprias terras.
Os problemas, no entanto, foram aparecendo com o decorrer do tempo, sobretudo
na medida em que os colonos se viam constantemente endividados, pois os custos
iniciais acima citados eram posteriormente cobrados em parcelas deduzidas
diretamente dos seus pagamentos. Isto seria até certo ponto viável se houvesse
uma remuneração fixa mensal ou semanal, o que não ocorria, pois os colonos
recebiam um valor variável após a comercialização da colheita. Havia a prerrogativa
contratual que para sanar as dívidas iniciais os Locatários poderiam reter até 50%
dos rendimentos anuais dos colonos. Por óbvio, entendemos que a comercialização
do café era demorada pela própria falta de estrutura do país no século XIX (em
média 9 meses), fazendo com que neste período os colonos ficassem sem
rendimentos e ainda com as antigas dívidas por sanarem. Resultado disso era a
evidente perpetuação da dívida, pois os imigrantes que já ficavam sem poder pagar
os débitos existentes tinham que contrair mais dívidas para reporem seus estoques
de comida e mantimentos necessários à sua sobrevivência, tornando o processo um
ciclo vicioso, do qual não conseguiam sair.
38
A Vergueiro e Cia tornou-se a maior agenciadora de mão-de-obra imigrante do Brasil até a derrocada do
Sistema de Parceria. Esta empresa, criada pelo Senador Vergueiro, trazia imigrantes para o Brasil e os alocava
nas fazendas, chegando a ser muito respeitada pelos fazendeiros paulistas e no exterior.
96
Outro problema encontrado no sistema e que já fora devidamente pormenorizado
neste trabalho era o da impossibilidade dos colonos deixarem as fazendas sem
pagarem seus débitos, pois poderiam ser punidos com prisão ou multas
pesadíssimas.
Detalhes como estes suscitaram a maior revolta colonial do período imperial
brasileiro, a Revolta de Ibicaba
39
. Em 1856 a então fazenda modelo de Ibicaba, que
outrora servira de exemplo para diversos fazendeiros paulistas, acabou sendo vítima
do seu próprio sistema. Os colonos, na maioria suíços descontentes com as
infindáveis dívidas e o tratamento degradante
40
ao qual se sujeitavam, se revoltaram
contra a administração da fazenda, que à época já estava sob o comando do filho do
Senador Vergueiro. A revolta foi de tal magnitude que a guarda da província teve
que ser acionada para conter os ânimos dos colonos, que aprisionaram boa parte
dos funcionários da fazenda e os ameaçavam de morte. Tal revolta estourou devido
à desconfiança dos colonos na prestação de contas do faturamento com a
comercialização do café. Diziam eles que a contabilidade apresentada indicava
números mais baixos do que o efetivamente vendido, refletindo diretamente nos
seus ganhos.
Depois da revolta a notícia se espalhou muito rápido pelo interior povoado do
estado, assim como chegou ao conhecimento de fazendeiros fluminenses e
mineiros; fazendo com que o Sistema de Parceria fosse sumindo das fazendas
rapidamente. Em parte, este desaparecimento deu-se pelo receio dos fazendeiros
em enfrentarem revoltas em suas fazendas, mas, sobretudo, porque o desejo destes
em ver suas produtividades aumentarem não se concretizou. O desestímulo com o
sistema foi logo percebido, tanto no cuidado com os pés de café como nas colheitas,
e os serviços eram em geral realizados sem nenhuma vontade ou mesmo dedicação
ao trabalho. A falta de perspectiva do imigrante em poder pagar suas dívidas e se
desligar das fazendas era o que gerava tal comportamento.
39
Para um estudo mais detalhado sobre a revolta de Ibicaba, consultar Thomas Davatz – Memórias de um
Colono no Brasil., São Paulo, 1941
40
O tratamento dispensado aos imigrantes muitas vezes era confundido com o do escravo, como já dito neste
trabalho, os fazendeiros não tinham a consciência necessária para lidar com a mão-de-obra livre.
97
Para se ter uma idéia, um trabalhador no Sistema de Parceria em média cultivava
entre 566 e 813 pés de café, enquanto que os colonos que viriam na leva da grande
imigração, já sob o Sistema de Colonato, cultivavam em média entre 2000 e 2500
pés. (STOLCKE, 1983)
4.3.1.2. O Sistema de Colonato
No início da década de 60, os fazendeiros começaram, por conta própria, a fazer
pequenos ajustes nos contratos de trabalho, sendo o primeiro a gradativa diminuição
das punições impostas pelas leis trabalhistas. Como já sabemos, não adiantava
prender o cidadão que não trabalhasse, pois assim não conseguiria pagar o que
devia, melhor seria então aplicar-lhes multas, para que, pouco a pouco, fossem se
adaptando às normas do trabalho. Outra mudança ocorrida, e esta só pôde ser
devidamente implantada com o desbravamento do Oeste do Estado, foi a
demarcação mais precisa das áreas onde os colonos poderiam plantar seus gêneros
alimentícios entre os cafezais, que posteriormente vendiam para o próprio
fazendeiro ou nas Vilas próximas. Este era um motivo antigo de descontentamento
entre os trabalhadores, pois estes dependiam da renda extra para garantir o
sustento da família, com os cafezais velhos existentes nas antigas áreas de
plantação do Estado, tornava-se difícil o cultivo entre as fileiras, bem como a
demarcação justa de suas áreas. Mas a grande mudança mesmo veio com a forma
de remuneração, ao invés de serem remunerados por percentual sobre a
comercialização do café, passariam a receber uma espécie de salário fixo pela carpa
e por milhares de cafeeiros cuidados. Com isso, o maior receio dos colonos, qual
seja, de não terem uma renda fixa, estava solucionado. Neste ínterim, além do
ganho fixo haveria uma parte da remuneração que dependeria diretamente da
colheita por alqueire, ou seja, a parte variável da negociação. Tratava-se de um
sistema misto e altamente inovador para época, a tão desejada produtividade
poderia ser alcançada através do novo estímulo de ganhos fixos e variáveis, em que
a segurança de rendimento servia de grande motivador.
98
Os fazendeiros entendiam que com esse sistema misto, os pés de café, antes
judiados por maus-tratos dispensados pelos colonos do Sistema de Parceria,
passariam a ter tratamento adequado, pois isto acarretaria ganhos imediatos aos
colonos, portanto passaria a ser de interesse dos mesmos que os arbustos
estivessem bem carpidos e cheios de frutos.
4.3.1.3. A exploração da mão-de-obra no Sistema de Colonato
Vimos que o Colonato proporcionava uma forma de remuneração supostamente
mais tranqüila para o trabalhador, pois não apenas oferecia a ele um retorno fixo
pelo desempenho das funções, mas também não o submetia aos contratempos
diversos da comercialização do café.
Entretanto, é justamente a questão da remuneração que representou o ganho
efetivo dos fazendeiros no Sistema de Colonato. Doravante, estaremos
desenvolvendo um raciocínio amplamente baseado na proposição da autora
Cheywa Spindel (1979), demonstrando que a necessidade de mão-de-obra européia
nas fazendas de café, era, antes de tudo, muito menor do que a quantidade
importada, e que, portanto, devido a esta superpopulação trabalhadora disponível,
naturalmente os salários pagos nas fazendas tornaram-se mais baixos, refletindo-se
diretamente nos custos da produção.
Antes de tudo, devemos nos ater para a proposta do governo paulista em subsidiar a
imigração bancando os custos da vinda do imigrante para cá. O Estado, enquanto
legítimo representante da classe dominante, proporia então o financiamento da
importação destes trabalhadores, afinal de contas, o que era o Governo da Província
senão uma extensão das mãos dos fazendeiros? Este subsídio, conforme veremos
com detalhes mais adiante, era amplo e beneficiava o imigrante desde a saída do
seu país de origem até a chegada nas fazendas em São Paulo. Com isso, o custo
de importação da mão-de-obra não existia para o proprietário, sendo que apenas os
itens básicos como casa e acomodações sairiam por sua conta.
99
Os imigrantes aqui chegados eram resultado direto da conjuntura econômica
européia do século XIX, ou seja, já eram expropriados dos meios de produção de
uma terra mais antiga, que já passara por este processo expropriatório há bem mais
tempo. Eram pessoas, de uma forma geral, sem nada a perder, posto que nos seus
países de origem já não nutriam qualquer esperança de conseguir algo que fosse de
fato seu, e era justamente esta condição de expropriados que os faria receber seus
salários como meio de sobrevida, resultando em redução de custos fixos para o
fazendeiro, na medida em que o custo adicional de manutenção do escravo não
seria mais necessário. O salário variável por hora-trabalho introduzido no sistema se
incumbiria de expurgar dos custos os valores relativos à manutenção da mão-de-
obra trabalhadora.
Ao mesmo tempo, o trabalho livre introduz o fator dinamizador do
processo de acumulação – o capital variável, utilizado para sua
remuneração e despendido somente após a realização das tarefas,
na proporção do preço de venda da hora-trabalho, “expulsando para
fora dos custos de produção do café a manutenção da massa
trabalhadora”, ou seja, transferindo para a força de trabalho o encargo
de cobrir seu custo de reprodução.
(SPINDEL, 1979, p.90)
Já vimos, portanto, que a socialização dos gastos com a vinda do imigrante feito
pelo Governo Provincial ajudou na redução dos custos dos fazendeiros. Igualmente,
vimos que o fato do Sistema de Colonato e mesmo o de Parceria introduzir
remuneração variável também ajudou nos custos da plantação. Entretanto, devemos
levantar mais um fator muito importante: a superpopulação imigrante que chegou a
São Paulo. Cheiwa Spindel (1979) sugere que no último decênio antes da abolição
houve, ao contrário do que se poderia prever, um aumento do número de escravos,
isto se deveu possivelmente ao desencanto dos fazendeiros com o antigo Sistema
de Parceria, aliado com o comércio interprovincial de negros oriundos das províncias
do Nordeste.
Este acontecimento aparentemente sustentou muito bem as plantações até a
abolição em 1888, bem como a evolução dos maquinários de beneficiamento e
transporte de café também acarretou no deslocamento da mão-de-obra negra, que
antes estava alocada exclusivamente no trato e beneficiamento do produto,
passando agora para a construção das ferrovias pelo interior paulista, e estas, como
já supracitado, financiadas pelos fazendeiros.
100
[...] Fundaram-se várias companhias: 1868 – São Paulo Railway;
1869 – Cia. Paulista; 1870 – Ituana e Sorocabana; 1872 – Mogiana;
1877 – Bragantina; 1880 – Rio Claro; até 1866, construiram-se 1852
quilômetros de estradas de ferro. (PEREIRA apud SPINDEL, 1979,
p.96)
Cumpre lembrar que das vinte ferrovias existente em 1910 no Estado de São Paulo,
somente duas pertenciam ao Governo Federal, uma ao Governo Estadual, uma ao
capital estrangeiro e as dezesseis restantes pertencentes à iniciativa privada
nacional (diga-se aos fazendeiros paulistas). Apenas uma ressalva deve ser feita: a
ferrovia mais rentável de todo império era justamente aquela pertencente ao capital
estrangeiro, a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, pertencente a São Paulo Railway
41
.
Estes fatos nos conduzem à inferência que a própria produção de café
gradativamente ia necessitando de cada vez menos braços para sua manutenção,
levando à idéia de desnecessidade do número de imigrantes chegados para a
lavoura. De acordo com as estimativas, os imigrantes chegados ao Estado de São
Paulo entre 1894 e 1914 e que foram destinados à plantação do café,
representavam o dobro do necessário. Analisando um corte de 1910 a 1924, eram
necessários não mais que 300.000, levando-se em consideração cálculos de
produtividade do trabalho e produção, no entanto havia em torno de 750.000
imigrantes. (Hall, Michel M. – The origins of mass imigration in Brazil, 1871-1914
apud Spindel, 1979)
41
A São Paulo Railway tinha capital inglês, e sua concessão de uso e gozo fora conseguida junto ao Governo
Federal por prazo de 90 anos.
101
Tabela 6 – Evolução dos salários na lavoura do Estado de São Paulo (1898-
1906)
Ano Salários (em mil-réis)
Carpa Colheita
1898 90 680
1899 85 650
1900 65 500
1904 60 450
1906 80 500
Fonte: Spindel, 1979, P 95
Percebe-se pelos números apresentados pela autora, que de fato houve uma natural
redução dos ganhos dos trabalhadores, na medida em que os fatores supracitados
proporcionaram uma natural comodidade por parte dos fazendeiros. Tal comodidade
se deveu primordialmente graças ao excesso de mão-de-obra verificado após o
auge da imigração européia, que ocorrera no decênio de 1890 a 1900.
Com a crise do setor cafeeiro que culminaria com o Convênio de Taubaté em 1906,
verificou-se a queda sistemática nos rendimentos nominais dos colonos, só havendo
uma ligeira melhora após algumas medidas tomadas pelo governo italiano que
diminuíram a oferta de imigrantes para o Brasil, assim como outras tomadas pelo
governo brasileiro que dificultaram a abertura de novas terras, tornando a lavoura
menos atrativa para o imigrante.
Precisamente sobre a crise do setor cafeeiro, Delfim Netto (1959) ressalta que
desde o início da década de 1890 o processo inflacionário da república era
significativo, culminando com a política de saneamento das finanças públicas
implantada por Joaquim Murtinho a partir de 1898. Esta política forçou fazendeiros a
conter custos, bem como reduziu o meio circulante de 734.000$000 para
675.000$000. Soma-se a isso o fato de que em 1902 os estoques internacionais de
102
café estavam na ordem de 11,2 milhões de sacas, aumento considerável em
comparação aos anos anteriores; tal conjuntura fez a taxa cambial se elevar, e por
conseqüência a remuneração sobre as exportações do produto reduzir-se de forma
acentuada.
42
Tabela 7 – Estrangeiros entrados no Estado de São Paulo (1890-1949)
Italianos Espanhóis Portugueses Japoneses Austríacos Total
1890-1909
604.877 175.518 116.108 825 20.287 917.615
1910-1929
160.612 199.140 246.048 84.278 13.746 703.824
1930-1949
21.948 7.901 54.398 104.612 2.186 191.045
Total 787.437 382.559 416.554 189.715 36.219 1.812.484
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1950 - Pag 12
O excesso de mão-de-obra eliminaria o risco dos fazendeiros quanto à fixação do
imigrante, bem como, quanto à antiga preocupação com a duração dos contratos,
não necessitando os fazendeiros se angustiarem com a possível desistência do
imigrante em cumpri-los. O trânsito de imigrantes entre as fazendas era tão comum
que os próprios fazendeiros chegavam a oferecer transporte para aqueles que
desejavam se mudar. Não havia perigo para os proprietários em ficarem sem
contingente de mão-de-obra, na medida em que a superpopulação imigrante
constituía um exército reserva que possibilitava uma reposição fácil e rápida.
A liberdade dos imigrantes também tinha outra explicação, qual seja: a exploração
de novas áreas para plantação. As terras novas sempre atraíram os colonos
europeus devido à possibilidade de cultivarem entre os arbustos, e neste ínterim,
cabe ressaltar que a partir de 1903 com a crise no setor cafeeiro devido à
superprodução e conseqüente queda dos preços, esta liberdade tornou-se restrita,
pois, momentaneamente, não era interessante o investimento com exploração de
42
Para maiores detalhes sobre os ciclos de preços do café, ver: DELFIM NETTO, 1959
103
novas áreas, e consequentemente o deslocamento do imigrante diminuiu. (Dean,
W. – Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920 apud Spindel,
1979)
Um dispositivo na lei orçamentária paulista para 1903, votada em
dezembro de 1902, foi eficaz no sentido de deter a expansão dos
cafeeiros, mas representou um duro golpe para os colonos. Durante 5
anos, depois prorrogados por mais 5, a contar de 1º de março de
1903, lançou-se um imposto proibitivo de 2 contos de réis, por 2,42
ares ou fração superior a 1,21 ares de terras ocupadas por novas
plantações (o are corresponde a 100 metros quadrados). (FAUSTO
apud SPINDEL, 1979, p.96)
Em vista deste novo cenário não é difícil concluir que o descontentamento por parte
dos colonos passou a ser geral, notoriamente devido ao superpovoamento, com
evidente elasticidade da oferta de mão-de-obra, salários baixos e proibição legal de
poderem buscar rendimento extra nas terras novas.
Esta era a conjuntura no Estado de São Paulo a partir de 1903, que fez voltar o
velho fantasma do abandono do trabalho e descumprimento dos contratos. A
urbanização das maiores cidades do Estado teve uma grande aceleração neste
período, muitas famílias rumaram para a capital a fim de tentarem a sorte nas
pequenas fábricas que surgiam, ou mesmo saíram das áreas agrícolas e foram abrir
pequenos comércios nas cidades próximas às fazendas. Posteriormente, com a
implantação da política de valorização do café pelo Governo Paulista, houve uma
recuperação dos preços deste produto, entretanto, a política de limitação de terras já
estava posta, e o descontentamento dos imigrantes permaneceu, gerando muitos
conflitos com os fazendeiros.
4.4. A Grande Imigração e o subsídio do Governo Paulista
De acordo com o que já vimos até aqui, podemos entender que, lentamente, tanto o
Governo Federal como o Governo Paulista foram encaminhando suas políticas de
imigração e a conseqüente substituição da mão-de-obra servil, sempre alinhados
com os interesses das elites cafeeiras.
104
A partir de meados da década de 1880 as ações neste sentido começaram a tomar
os contornos desejados pelos fazendeiros de São Paulo, sobretudo porque São
Paulo, devido à pujança de seus cafezais e a corrida pela exploração de novas
terras, crescia rápido, sendo sua economia amplamente superior às demais
províncias do país. E como natural conseqüência desta conjuntura, o Governo
Paulista era o único a poder bancar a imigração estrangeira, trazendo imigrantes
com despesas de passagem, hospedagem e transporte totalmente gratuitas.
Para implantar o projeto da imigração subsidiada o Governo de São Paulo contou
com o apoio do Governo Federal que, embora contribuísse com a menor parte das
despesas, era amplamente a favor da busca de europeus para suprir a falta de mão-
de-obra nas lavouras de café.
Ocorre que de início havia uma barreira a ser superada, a imagem brasileira no
exterior. E aqui cabe relembrarmos o terceiro capítulo em que exploramos
amplamente o fato de que o Sistema de Parceria aliado aos maus-tratos dos
fazendeiros contribuiu amplamente para que a imagem do Brasil na Europa fosse de
um país onde não se podia trabalhar livremente sem exploração e violência por
parte dos fazendeiros. Para quebrar essa imagem negativa, foi então deixada a
cargo da Sociedade Promotora de Imigração
43
a incumbência de vender uma
imagem do Brasil
44
como a “terra dos sonhos” na Europa, um lugar onde o imigrante
poderia alcançar todos os objetivos que o velho continente não proporcionava.
A Sociedade Promotora de Imigração foi fundada em 1886 pelo Conde de Parnaíba
– Antonio de Queiroz Telles, então Presidente de Província de São Paulo. Tinha
como maior objetivo fomentar a vinda de imigrantes europeus para suprir a suposta
falta de mão-de-obra nas lavouras paulistas, e para tanto, se especializou nesta
função contratando inclusive alguns agentes brasileiros e mesmo italianos para
servirem como aliciadores de possíveis imigrantes. Este trabalho era realizado tanto
43
A Sociedade Promotora de Imigração, além das tarefas citadas neste trabalho, ainda coordenava os trabalhos
da Hospedaria do Imigrante, atual Memorial do Imigrante.
44
Para a tarefa de vender a imagem do Brasil no exterior o presidente da Sociedade Promotora de Imigração,
Martinho Prado Jr, foi pessoalmente à Itália por várias vezes acompanhar os embarques de italianos com destino
105
no país de origem dos imigrantes (principalmente na Itália), como também aqui no
Brasil.
Os agentes que trabalhavam na Itália tinham tanto a função de recrutamento de
imigrantes, como também de os convencerem, através de fotos e histórias contadas,
que o Brasil era um país de clima favorável, onde a terra era vasta e fértil e seu povo
amistoso e cortês, por outro lado, ficava a cargo dos agentes que atuavam no Brasil,
o convencimento daqueles que já estavam aqui, no sentido de enviarem mensagens
aos parentes dizendo-lhes que o Brasil de fato era uma boa terra para trabalharem e
criarem suas famílias.
45
É importante lembrarmos que no Brasil funcionaram contemporaneamente 2
grandes companhias que se propunham a trazer imigrantes, porém, com ideologias
diferentes. Uma delas já fora citada - Sociedade Promotora de Imigração, que iniciou
seus trabalhos em 1886 e que tinha como princípio básico auxiliar no recrutamento
de imigrantes para a lavoura. A outra foi a Sociedade Central de Imigração, que
desenvolveu seus trabalhos no Rio de Janeiro entre 1883 e 1891 e tinha por
ideologia a formação de Colônias de Povoamento.
Os fundadores
46
da Sociedade Central de Imigração eram favoráveis a um modelo
de colonização em que o país passasse de uma economia baseada em latifúndios
escravocratas para uma economia policultora baseada na pequena propriedade,
reforçando, portanto, a participação da classe média no país. Notoriamente esta
sociedade não conseguiu tantos avanços, sobretudo porque tanto politicamente
como financeiramente São Paulo se encontrava em situação bem mais favorável de
negociação com o Governo Federal.
Com o advento da República em 1889 o trabalho desenvolvido em São Paulo
ganhou ainda mais um reforço, o federalismo imposto na Constituição de 1891. Esta
prerrogativa constitucional foi certamente mais uma vitória política para o agora
ao Brasil, bem como procurou orientar os cônsules italianos sobre o novo sistema de trabalho vigente nas
fazendas paulistas, o colonato.
45
A Sociedade Promotora de Imigração funcionou até 1896, tendo introduzido em São Paulo cerca de 120.000
imigrantes.
106
Estado de São Paulo, na medida em que proporcionou autonomia bem maior aos
estados, sobretudo no que dizia respeito às terras devolutas, que passariam para a
administração de cada um deles autonomamente. Outro fator relevante é que com o
federalismo constitucional a política de imigração também passou inteiramente para
a responsabilidade dos estados, esta última resolução adveio com a lei orçamentária
de 1894, deixando absolutamente livre o caminho para a imigração subsidiada. Em
resumo, o federalismo representou tudo aquilo que os fazendeiros paulistas sempre
quiseram.
4.5. As Leis de subvenção
A Província de São Paulo, mesmo antes do advento do federalismo constitucional, já
procurava paulatinamente proporcionar auxílio financeiro aos fazendeiros que
quisessem trazer imigrantes para lavoura. Algumas leis foram editadas
regularizando estes auxílios com verba pública, iniciando, portanto, a imigração
subvencionada na província.
A primeira lei provincial foi a de 30 de março de 1871, que autorizava o governo
provincial a emitir apólices de até 600 contos para auxílio dos fazendeiros com
empréstimos, quantia que segundo Maria Tereza Petrone era significativa, já que a
renda da província estava em torno de 1.500 contos. (PETRONE, 1967)
Depois desta primeira lei o Governo da Província passou a editar outras leis,
sequencialmente de: 16 de julho de 1880, 29 de março de 1884, 11 de fevereiro de
1885, 28 de maio de 1886, 6 e 11 de abril de 1887 e 3 de janeiro de 1888, que foram
gradativamente ampliando o auxílio provincial previsto para a imigração.
No fim, o auxílio para imigração estava em 70$000 para maiores de 12 anos,
35$000 para os de 7 a 12 anos e 17$500 para os de 3 a 7 anos. Somando-se a isso,
46
Os principais elementos fundadores da Sociedade Central de Imigração foram: Visconde de Taunay, André
Rebouças, Blumenau, Koseritz, Derby e Beaurepaire Rohan.
107
os imigrantes teriam hospedagem grátis durante 8 dias na Hospedaria do Brás
47
,
transporte terrestre, fluvial e marítimo também inteiramente pagos pelo governo,
além de moradia nas fazendas e um lote de terras para plantarem seus gêneros
alimentícios.
Veremos no quadro a seguir as despesas do Governo de São Paulo dispensadas
com a imigração durante grande parte do período em que o Estado se propôs a
financiar a vinda de imigrantes.
47
A Hospedaria do Brás foi fundada em 1887 na gestão do Conde de Parnaíba como presidente da Província,
em substituição à antiga Hospedaria do Bom Retiro, que já não tinha mais condições de receber imigrantes, tal
seu estado de deterioração. A antiga Hospederia do Bom Retiro era bem menor do que a nova que fora erguida
no Brás, passando então a ser utilizada como lazareto.
108
Tabela 8 – Despesas do Estado de São Paulo com a Imigração (1890-1927)
Anos Despesas do Estado
Verbas desinadas a
imigração
Percentagem
1890
- 892:653$220 -
1891
- 601:898$180 -
1892
32.019:752$076 1.507:376$753 4,7
1893
43.313:010$412 3.737:657$943 8,2
1894
42.367:728$823 1.220:197$496 2,9
1895
49.689:523$777 7.279:069$120 14,5
1896
51.568:072$033 4.645:283$867 8,9
1897
58.711:992$318 5.926:934$410 10,0
1898
54.784:497$922 2.739:370$831 4,9
1899
36.749:274$190 2.278:423$529 6,2
1900
38.192:463$000 1.128:900$420 2,9
1901
41.633:464$000 4.500:969$076 10,8
1902
40.317:563$000 2.094:327$932 4,1
1903
39.644:577$000 237:651$941 0,6
1904
33.414:261$000 667:857$695 1,9
1905
35.099:653$000 3.172:489$447 9,0
1906
47.346:204$000 2.609:871$800 5,5
1907
54.143:183$000 1.058:690$912 3,0
1908
48.722:129$000 2.000:960$479 4,0
1909
49.164:978$000 2.609:412$534 5,3
1910
52.118:962$000 3.096:209$122 5,9
1911
58.325:471$000 3.583:154$796 6,2
1912
69.741:408$000 5.949:267$096 8,5
1913
81.905:587$000 6.571:944$957 8,2
1914
79.174:685$000 3.276:624$438 4,1
1915
74.400:500$000 1.438:773$774 1,9
1916
80.603:346$000 1.768:941$528 2,1
1917
85.786:872$000 3.706:136$794 4,3
1918
77.642:474$000 2.526:150$802 3,2
1919
94.234:873$000 1.962:186$207 2,0
1920
175.678:985$000 3.491:833$192 1,9
1921
160.580:333$000 7.907:871$182 4,8
1922
157.019:198$000 5.787:487$021 3,6
1923
202.722:169$000 8.878:054$295 4,4
1924
227.019:871$000 16.966:494$553 7,4
1925
353.270:073$000 16.343:990$472 4,6
1926
352.584:393$000 15.406:824$413 4,3
1927
404.044:404$000 7.027:940$500 1,7
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1941 - Pag 06
Analisando os números do primeiro decênio (1890-1900), verificamos o constante
crescimento dos investimentos estatais com a imigração, com o seu pico chegando
a 14,5% da despesa em 1895. Estes números não surpreendem, na medida em que
109
a década em questão representou o maior contingente de imigrantes chegados não
apenas em São Paulo, mas no Brasil com um todo. E este alto fluxo de imigrantes
teve uma explicação muito clara, pois a Argentina, um dos nossos maiores
concorrentes no processo imigratório, atravessava uma crise econômica que se
iniciara em 1890, fazendo com que muitos imigrantes que inicialmente seriam
direcionados para lá, tomassem o rumo do Brasil. No decênio seguinte a situação
inverteu-se, vários foram os motivos, mas, certamente a crise no setor cafeeiro
mundial foi o que ditou as regras para o investimento cair a taxas tão reduzidas
como as dos anos de 1902-03-04.
O Estado de São Paulo empobrecia com a crise do setor cafeeiro, as novas áreas
sofriam restrições para serem abertas, e por óbvio que esta situação gerava tensão
constante entre colonos e fazendeiros. Como já vimos, áreas novas ditavam a
preferência dos colonos, cafezais novos e abertos poderiam ser explorados com a
policultura do imigrante que contavam com esta renda extra.
A crise e as condições de desemprego já encontradas no interior paulista chegaram
rapidamente ao conhecimento do governo italiano, que passou a temer pelas
condições de vida dos conterrâneos que vinham para cá. Diante dessa situação de
crise e descontentamento verificados, o governo italiano baixou um decreto em
1902
48
proibindo o embarque de imigrantes para o Brasil. O quadro do início do
século XX era triste, boa parte dos fazendeiros estava devendo grandes somas de
dinheiro, e consequentemente os imigrantes tinham com freqüência seus salários
atrasados, e por conta disso queriam constantemente deixar as fazendas
descumprindo seus contratos.
Alguns autores entendem que o Decreto Prinetti teve efeito salutar nas condições
de trabalho das fazendas paulistas, pois o medo dos fazendeiros em não terem
mais a abundante mão-de-obra estrangeira passou a servir como fator de respeito
deste para com o imigrante. (PETRONE, 1967)
48
O Decreto Prinetti foi uma resposta clara do governo italiano às más condições que estavam sendo impostas
aos imigrantes italianos, pouco tempo depois o governo espanhol tomaria providência semelhante.
110
Percebe-se que no ano de 1906 ocorre uma retomada de investimentos, e este fato
vem a reboque da política implantada no Convênio de Taubaté - a política de
valorização do café. Algumas condições permaneciam as mesmas, como a taxação
para abertura de novas terras e os eventuais atrasos de pagamento, mas as dívidas
aos poucos foram desaparecendo e o fluxo de imigrantes aumentando ano a ano.
Esta política de valorização do café fez renascer, dentre outras coisas, o bom
entendimento entre os governos brasileiro e italiano, reativando a crença da “terra
prometida” nos imigrantes que deixavam os portos europeus (italianos, espanhóis,
portugueses, etc.).
Esta retomada do fluxo de imigrantes ocorreu com relativo sucesso até 1913,
depois disso, os dados de imigração européia caíram a taxas menores do que nos
primeiros dois decênios (1890-1910). Notadamente porque a Itália passou a se
reestruturar financeiramente, sendo que em 1910 o país não era mais sombra
daquele unificado no final do século XIX e, por conta disso, já não era muito atrativo
para o imigrante tentar a vida em terras distantes.
Por fim, pode-se notar que a partir de 1921 os números percentuais voltam a
apresentar pequeno aumento em relação aos últimos anos, isto se deve, em parte,
à imigração japonesa, da qual trataremos separadamente neste trabalho, pois
representou um caso atípico de imigração. O Estado de São Paulo subsidiou a
imigração nipônica até 1925, se bem que parcialmente e com alguma relutância.
Este subsídio está representado nos números que se seguem, somado
evidentemente com uma pequena parte de imigrantes europeus que ainda eram
totalmente financiados.
111
Tabela 9 – Imigrantes subsidiados e espontâneos entrados no Estado de São
Paulo (1887-1921)
Subsidiados Espontâneos Total
1887-1891
207.935 91.183
299.118
1892-1896
342.721 69.040
411.761
1897-1901
174.639 96.233
270.872
1902-1906
76.445 106.099
182.544
1907-1911
64.206 152.842
217.048
1912-1916
121.132 190.280
311.412
1917-1921
49.901 97.882
147.783
Total 1.036.979 803.559 1.840.538
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1951 - Pag 52
Um fator importante que podemos constatar nesta tabela é que: da crise cafeeira a
partir de 1902 em diante, a despeito dos números imigratórios terem subido
constantemente, a imigração subsidiada foi sempre menor que a espontânea, e isto
se deve em grande parte porque a crise na lavoura de café teve reflexos severos no
caixa da província
49
. Sabe-se que a maior parte da imigração espontânea se deve
ao povo ibérico, sobretudo o de origem lusitana, que, por sua vez, não gozava de
muito apreço por parte das elites brasileiras como já pudemos verificar neste
trabalho, e que, portanto, não dispunham de muitos financiamentos para virem ao
Brasil.
Por outro lado, é importante também ressaltarmos que a imigração espontânea
representou muito da imigração estrangeira para São Paulo como um todo desde
seu início, e seu fluxo, embora menor em números totais, retratou em torno de 44%
do total da imigração para o Estado até 1921.
4.6. Os conflitos com os fazendeiros e a fixação dos colonos nas fazendas
112
Muito embora já tenhamos abordado a questão dos conflitos entre fazendeiros e
colonos neste trabalho, é conveniente enquadrarmos mais uma vez este tema na
medida em que a fixação do imigrante nas fazendas estava diretamente ligada aos
motivos de descontentamento enfrentados por este durante sua estada na lavoura
de café.
Calcula-se para um colono adulto em torno de 2000 a 2500 pés de café para o trato
(carpa) e colheita, enquanto para crianças e mulheres em torno de 1000. Estes
números refletem, dentre outras coisas, que a expansão dos cafezais era, antes de
tudo, necessária. O Oeste Paulista teve suas fronteiras expandidas muito em
função da necessidade do imigrante em abrir novas plantações com fileiras entre
arbustos bem espaçadas para poderem plantar nos corredores, sendo muito
comum os colonos mudarem-se constantemente de fazenda na medida em que o
cafezal tornava-se velho e mais fechado, contribuindo, assim, para a abertura de
novos limites no Estado.
Em geral todos os membros da família do imigrante trabalhavam, o
que contribuía para aumentar sua renda, sendo que, em geral
conseguia mais alguma retribuição por serviços outros prestados na
fazenda. Calculava-se geralmente de 2000 a 2500 pés de café por
homem e 1000 por criança e mulher; assim uma família podia, não
raro, chegar a cuidar de 12000 a 14000 pés de café. (PETRONE,
1967, p.110)
O desejo do imigrante em ter uma terra sua era outro fator muito importante, o
desejo do imigrante pobre não era, em linhas gerais, trabalhar na lavoura cafeeira
para sempre, mas sim juntar o suficiente o mais rápido possível para em seguida se
ver livre das obrigações contratuais e buscar algo que fosse seu. E, ao que parece,
este talvez tenha sido o pré-julgamento mais errado feito pelos fazendeiros ao
investirem na mão-de-obra imigrante, ou seja, não entenderem os anseios desta
classe. Não entendiam que os imigrantes tinham vindo em busca de oportunidade
como expropriados que eram dos meios de produção, estes queriam enfim ter um
meio de vida próprio que, aliás, havia lhes sido prometido quando da sua partida
para cá. Chegando aqui, muitas vezes se viram oprimidos e trabalhando muito mais
49
Estes reflexos foram parcialmente superados com a política de valorização, bem como veremos mais adiante
que os impostos com a exportação de café quase não tiveram variação neste período.
113
para permanecerem nas mesmas condições que haviam deixado para trás na
Europa, com o agravante de, eventualmente, terem que enfrentar os maus-tratos de
fazendeiros que os tinham pelo conceito de escravos.
A crise mundial do café veio agravar tudo isso, se antes o consumo elevava os
preços e as áreas novas iam se abrindo para aumentar a oferta; a partir de 1902 a
crise econômica só fez complicar essa relação trabalhista particular das fazendas
paulistas, agora, além dos problemas apresentados, os fazendeiros teriam que lidar
com a dificuldade em abrir novas terras e tudo que isso representava para os seus
relacionamentos com os imigrantes.
A exploração do imigrante refletia-se de várias formas: salários baixos, tratamento
violento no dia a dia de trabalho, atrasos de salário, contratos desfavoráveis (este
assunto amplamente explorado por nós no primeiro capítulo), máquina estatal
jurídico-administrativa que privilegiava as elites, etc. Estes fatores somados fizeram
com que gradativamente o imigrante fosse deixando para trás o trabalho nas
fazendas, deslocando-se para as áreas urbanas ou repatriando-se
50
, tanto para
seus países como para outros países americanos como Argentina, Estados Unidos,
Uruguai, Canadá, etc.
Em meio à crise do setor cafeeiro, é importante lembrar que o próprio Governo do
Estado chegou a financiar alguns repatriamentos de imigrantes, com receio do
desemprego no campo que já era visível.
Na tabela a seguir mostraremos o índice de fixação dos italianos no país, que
mostra bem a situação econômica por nós exposta a partir de 1902.
50
Usaremos neste trabalho o conceito de alguns autores de “repatriamento”, como sendo o deslocamento para
outro país, e não necessariamente para o país de origem.
114
Tabela 10 – Número de Italianos chegados e fixados no Brasil (1887-1920)
Entrada Saída Saldo
1887
40.157 317 39.840
1888
104.353 1.136 103.217
1889
36.124 3.603 32.521
1890
31.275 1.510 29.765
1891
132.326 2.583 129.743
1892
55.049 7.566 47.483
1893
58.552 10.906 47.646
1894
34.872 5.300 29.572
1895
97.344 16.654 80.690
1896
96.505 16.794 79.711
1897
104.510 20.192 84.318
1898
49.086 17.489 31.597
1899
30.846 8.972 21.874
1900
19.671 17.733 1.938
1901
59.869 21.224 38.645
1902
32.111 29.701 2.410
1903
12.970 29.560 (16.590)
1904
12.857 16.667 (3.810)
1905
17.360 18.985 (1.625)
1906
20.777 17.236 3.541
1907
18.238 20.721 (2.483)
1908
13.873 14.675 (802)
1909
13.668 14.071 (403)
1910
14.163 10.808 3.355
1911
22.914 10.568 12.346
1912
31.875 9.031 22.844
1913
30.886 12.742 18.144
1914
15.542 12.865 2.677
1915
5.779 11.489 (5.710)
1916
5.340 2.305 3.035
1917
5.478 897 4.581
1918
1.050 1.069 (19)
1919
5.231 2.130 3.101
1920
10.005 4.664 5.341
Total 1.240.656 392.163 848.493
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1951 - Pag 104
115
Nota-se que com a crise econômica, as saídas tornaram-se constantes e
proporcionalmente bem maiores em relação aos números de entrada, chegando a
apresentar números deficitários por 8 anos.
Não esquecendo naturalmente que, conforme já mostrado, o Governo do Estado
não financiava com tanto empenho a imigração como no decênio anterior, pois não
havia mais sobras de caixa tão volumosas em face da crise global. Sendo assim,
para os números apresentados a partir de 1902, ainda deve ser levada em
consideração que grande parte do fluxo migratório era de ordem espontânea.
No final da década de 20, por volta de 30 anos de imigração subsidiada já tinham
transcorrido e os números levantados indicam um percentual de 31,6% em
repratriamento, ou seja, um número alto, a se contar o dinheiro investido pelo Estado
de São Paulo com o projeto de suprir a mão-de-obra na lavoura. Reforçando a tese
de alguns autores e corroborada por nós neste trabalho, quanto à desnecessidade
do número de trabalhadores importados, que só fez aumentar o nível de exploração
deste elemento.
Alguns fazendeiros faziam o possível para manter a leva de imigrantes em suas
fazendas. Alguns se comprometiam a comprar toda a produção de gêneros
plantados pelos colonos que seriam vendidos nas cidades, alguns outros trataram
de diminuir os preços cobrados pelos itens vendidos nas mercearias das fazendas,
que geralmente eram caríssimos, havendo até aqueles que procuraram implantar
escolas nas fazendas, tentando apelar para a preocupação do imigrante com o
analfabetismo de seus filhos. Esta última tentativa, em particular, não surtiu nenhum
efeito, pois o imigrante queria muito mais juntar seu dinheiro rapidamente e buscar o
seu lote de terra ao invés de colocar seus filhos para estudar, e para tanto não abria
mão do trabalho realizado por eles, que auxiliava diretamente no aumento da renda
da casa.
Neste ponto devemos expor com mais profundidade o pensamento de Holloway
quanto à fixação do imigrante. Em determinado momento, devido à falta de
116
possibilidades de investimentos em novos cafezais e a crescente demanda por
trabalhadores na recente industrialização das grandes cidades do Estado, a mão-de-
obra voltou a ser um problema real e latente no interior de São Paulo. Cansados de
ganharem pouco por trabalho tão árduo, os imigrantes começaram a invadir as
grandes cidades do Estado, sobretudo a capital, à procura de trabalho nas indústrias
que chegavam em grande número. Esta conjuntura fez com que boa parte daqueles
que antes se encontravam disponíveis nas fazendas ofertando sua mão-de-obra
fossem desaparecendo gradativamente, ficando os fazendeiros, em tese, sem
possibilidades. Holloway nos mostra que, devido a esta situação, apenas os
fazendeiros que conseguiram guardar um excedente das épocas mais fartas, e que
no momento estavam investindo em novas terras, conseguiam atrair os imigrantes.
Entretanto, a maioria que não podia investir mais, e tinha que conviver com os
cafezais mais velhos, estava aflita; e, algumas vezes abandonava a plantação
trantando de lotear suas fazendas. (HOLLOWAY, 1984)
Segundo o autor supracitado, em virtude desta realidade, as formas de barganha
pelo trabalho eram cada vez mais rígidas por parte dos colonos. Negociavam
fundamentalmente maiores lotes para eles em terras melhores nas fazendas,
verificando também os níveis da plantação do proponente, ou seja, se os arbustos
eram novos e com fartura de cerejas. Verificavam também a forma de plantio e
formação prévia dos cafezais, sobretudo para saberem se os corredores eram bem
espaçados e limpos. Tudo isso, naturalmente somado a um salário fixo maior, bem
assim, como uma parte variável igualmente mais convidativa. Os fazendeiros tinham
que fazer constantemente ajustes salariais para não perderem seus colonos, ou
mesmo abrirem mão de cada vez mais áreas de suas fazendas como forma de
remuneração a eles. Os fazendeiros que entravam no oeste mais longínquo tinham
condições melhores de negociação, na medida em que seus cafezais eram novos e
as terras ainda virgens, o que interessava aos trabalhadores estrangeiros. Já os que
se encontravam no Oeste mais velho e Vale do Paraíba se valiam do trabalhador
nacional com mais freqüência. (HOLLOWAY, 1984)
Havia também os casos particulares de imigrantes não aptos à lavoura, eram casos
especiais de má seleção de pessoas realizada pelos agentes da Sociedade
Promotora de Imigração. Estes casos de profissionais não interessados em trabalhar
117
nas plantações eram, de certa forma, comuns de se encontrar. Vários eram os tipos
encontrados, como: ferreiros, carpinteiros, artistas, mendigos, ladrões, etc., que, por
sua vez, eram enviados para cá, parte em função da concorrência existente nos
portos com os agentes dos demais países, parte pela corrupção dos agentes
brasileiros, que frequentemente recebiam propina do governo italiano para
embarcarem qualquer tipo de pessoa, de boa ou má índole. Estes casos particulares
geravam conflitos não apenas nas fazendas, mas, muitas vezes, antes de irem para
elas, em virtude de não quererem trabalhar na plantação. Estes imigrantes se viam
obrigados a dar explicações à polícia paulista quando chegavam, pois não
aceitavam nenhum contrato de trabalho que lhes era proposto, e assim iam
postergando suas estadas na Hospedaria para além dos 8 dias permitidos. E mesmo
quando aceitavam algum trabalho nas fazendas, não raramente produziam muito
pouco, entrando então em atrito com os fazendeiros.
51
4.7. A imigração japonesa, um caso atípico
A instabilidade do imigrante europeu nas fazendas, a impossibilidade de se
aumentar as fronteiras do café devido à crise mundial, o fluxo já em declínio de
imigrantes europeus devido, entre outras coisas, ao Decreto Prinetti, e a
possibilidade de abertura de um novo mercado para o café no Japão; foram os
sustentáculos do novo projeto de implantação da mão-de-obra japonesa nos
cafezais paulistas.
Maria Tereza Petrone (1967) credita o início da imigração japonesa como
diretamente ligada ao Convênio de Taubaté, que fixava como meta a busca de
novos mercados mundiais para o produto e, dentro desta discussão, a possibilidade
de entrada no mercado asiático foi vista com bons olhos pelos parlamentares
paulistas.
51
Era comum o Governo de São Paulo cobrar destas pessoas os gastos incorridos com a viagem e alimentação, e
algumas vezes, deportava-os.
118
A constante instabilidade do imigrante europeu tanto na fazenda
como no próprio Estado, a redução da corrente imigratória em
decorrência de fatores externos, como o decreto Prinetti, e de fatores
internos provocados pela situação crítica na lavoura cafeeira em
virtude da superprodução e, finalmente, a possibilidade de abrir novo
mercado consumidor de café no Japão fizeram com que o governo
paulista se interessasse pelo imigrante japonês. (PETRONE, 1967,
p.105)
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram em 1908, em meio à crise do setor e,
conforme já citamos e corroboramos, como decorrência das metas objetivadas pelo
Convênio de Taubaté, em 1906.
Classificamos a imigração japonesa como atípica porque desde seu início houve
diferenças claras no ponto de vista do subsídio do governo paulista oferecido aos
imigrantes. Já em 1908 a primeira leva que chegou ao Brasil foi parte subsidiada
pelo governo paulista, parte pelos próprios fazendeiros, que os empregavam e
posteriormente cobravam esta diferença financeira em parcelas.
De 1908 a 1914 São Paulo recebeu 14.886 japoneses sob esta forma peculiar de
subvenção, entretanto, neste último ano fora rescindido o contrato de introdução de
japoneses para lavoura. Esta medida foi tomada em função das reclamações dos
fazendeiros com relação à dificuldade de adaptação do japonês à lavoura e ao país,
como também porque o Estado e os fazendeiros já não podiam arcar com tantas
despesas de subvenção. Soma-se a isto, o fato do japonês não ser europeu, e,
como tal, não era muito bem visto como elemento formador do povo brasileiro.
A partir de 1916 a Brasil Imin Kumidi (Sociedade Japonesa de Emigração para o
Brasil) solicitou uma nova concessão junto ao governo de São Paulo, que, por sua
vez, a concedeu em virtude da guerra na Europa, que fez diminuir muito a vinda dos
imigrantes europeus. Assim sendo, novamente, sob subvenção parcial, introduzem-
se entre 1917 e 1920, mais 13.595 japoneses.
119
A partir de 1921 o governo japonês concede então um forte subsídio à Kaigai Kogy
Kabushiki Kaisha (K.K.K.K)
52
, tornando-a monopolizadora da imigração japonesa
para a América do Sul. (PETRONE, 1967)
Já em 1926, devido ao estancamento da imigração japonesa para os Estados
Unidos e Peru, além da forte crise econômica pela qual passava o Japão, o governo
japonês toma então as rédeas da imigração para o Brasil, passando a subsidiar
inteiramente a vinda de seus conterrâneos. O governo daquele país era tão
participativo no processo que verificava in loco as condições de trabalho nas
fazendas, bem como municiava seus súditos de alimentação, moradia e vestimenta
necessários para o início das atividades.
Petrone ressalta dois aspectos muito importantes da segunda fase de imigração
japonesa, primeiro, o fato de o governo japonês participar tão ativamente no
acompanhamento do seu povo em terras brasileiras, medida esta nunca tomada
pelos governos europeus em relação aos seus representados, segundo, ressalta
também, que, junto com a segunda fase
53
de imigração veio também o capital
japonês para o Brasil, que tornou alguns de seus representantes donos de terras,
com a formação de pequenas colônias à exemplo da primeira experiência no Vale
do Ribeira na década de 1910. (PETRONE, 1967)
Os anos de maior fluxo de imigrantes japoneses foram em 1933/34. Conforme já
mostrado na tabela 7, de 1930 a 1949 foram 104.612 imigrantes nipônicos fixados,
em torno de 55% do total desde 1908.
Desde seu início, a segunda fase de imigração japonesa voltou-se para uma
finalidade diversa daquela desejada pelos fazendeiros paulistas, sobretudo a partir
de 1930, quando os colonos japoneses passaram a vir com lotes de terra
52
A Kaigai Kogy Kabushiki Kaisha era uma espécie de Sociedade Promotora de Imigração Japonesa, que, além
de trazer os japoneses para o Brasil, ainda tinha o dever de encaminhá-los e auxiliá-los diretamente na sua
adaptação e convivência.
53
Entenderemos como segunda fase o momento pelo qual o governo japonês assume totalmente os gastos com a
imigração de seu povo, ou seja, a partir de 1926.
120
financiados pelo governo japonês, e sem pretensão alguma de servirem na
lavoura
54
.
A partir de 1926 começa a vinda de japoneses com viagem
subvencionada pelo governo japonês, atingindo a corrente
imigratória seu máximo por volta de 1933/34. Nesta segunda fase,
juntamente com o imigrante vem também o capital japonês que
permite a instalação do japonês como proprietário. (PETRONE,
1967, p.106)
Finalizando esta parte da nossa discussão é importante dizer que durante a década
de 30, já no Governo de Getúlio Vargas, foi baixada a limitação de cotas de
estrangeiros em virtude da suposta ameaça dos índices de desemprego, bem como
do contexto nacionalista do período.
Importante dizer a respeito disso que os números fixados eram variados de acordo
com a nacionalidade do imigrante, e, de acordo com a literatura, as cotas fixadas
para o povo italiano eram maiores do que o fluxo apresentado na ocasião, já para os
alemães estava similar ao fluxo, entretanto, para os japoneses, que estavam no
auge da imigração, as taxas foram fixadas em número bem inferior ao fluxo vigente.
4.8. A comparação com os demais países e a ocupação do território
O Brasil teve seu fluxo migratório concentrado basicamente em um período de 40
anos – 1887-1930, neste período, graças aos subsídios oferecidos pelos Governos
Paulista e Federal, o país recebeu em torno de 3.700.000 de imigrantes; e bem que
se diga, a maior parte deste subsídio oriundo dos cofres de São Paulo. Entretanto,
diversos foram os países americanos que também receberam imigrantes, não
necessariamente subsidiados por seus governos como aqui, porém em quantidades
até maiores do que o Brasil. As oportunidades oferecidas em cada um destes países
costumavam sugerir o destino dos europeus imigrantes. No Brasil era a lavoura e a
certeza do emprego fixo que atraíram os ociosos europeus, na Argentina, a partir de
1850, eram as obras públicas de infra-estrutura nas províncias de Buenos Aires e
54
A K.K.K.K comprava os lotes de terra e financiava à taxas bem convidativas para os imigrantes recém
121
Córdoba, nos Estados Unidos, o notório crescimento econômico em virtude do
parque industrial bem desenvolvido que necessitava de mão-de-obra constante. Isso
sem citarmos os demais países americanos, como Canadá, Uruguai, Chile, Peru,
etc.
Mas, por outro lado, independentemente da oferta de postos de trabalho existente
nos países, o grande sonho dos imigrantes era, indiscutivelmente, ocupar a terra
nova com algo que fosse seu.
Veremos na tabela apresentada a seguir que, muito embora o Brasil tenha recebido
um número alto de imigrantes, inclusive, como pudemos ver, acima do necessário,
este número não representou muita coisa se comparado a outros países
americanos, como EUA, Argentina e Canadá, que receberam, todos eles, mais
imigrantes do que nós.
Tabela 11 – Comparação de Imigrantes chegados entre EUA, Canadá, Brasil e
Argentina (1820-1914)
Imigrantes Média anual Imigrantes Média anual Imigrantes Média anual Imigrantes Média anual
1820-1830
151.824 13.802 135.504 12.309 9.105 828
1831-1840
599.125 59.812 249.776 24.978 2.838 283
1841-1850
1.713.251 171.912 345.590 34.559 6.795 679
1851-1860
2.598.214 259.821 277.679 27.768 121.747 12.175 20.000 5.000
1861-1870
2.314.824 231.482 283.314 28.331 97.571 9.757 159.570 15.957
1871-1880
2.812.191 281.219 219.783 21.978 219.128 21.913 260.885 26.088
1881-1890
5.246.613 524.661 886.177 88.618 524.386 53.439 841.112 84.111
1891-1900
3.687.564 368.756 321.302 32.130 1.129.315 112.931 648.326 64.833
1901-1910
8.795.386 879.539 1.453.391 145.339 673.294 67.330 1.764.103 176.410
1911-1914
4.133.131 1.033.282 1.452.631 363.157 570.650 142.662 986.543 241.635
Total 32.052.123 337.391 5.625.147 59.213 3.354.829 35.314 4.660.539 80.355
CanadaEUA Brasil Argentina
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1950 - Pag 139
Nota: Para a Argentina começa-se a contar de 1857
Pelas médias anuais, notamos claramente a diferença brutal dos Estados Unidos em
relação aos outros países americanos, sendo que dos 4 países que mais receberam
chegados e com poucos rendimentos.
122
imigrantes estrangeiros, o Brasil perde tanto em números absolutos como em média
anual para EUA, Canadá e Argentina.
A imigração estrangeira para o Brasil representou em torno de 10,5% da imigração
para os Estados Unidos, bem como suas médias anuais, em nenhum decênio, foram
maiores do que EUA ou Canadá, superando em apenas em um decênio a média
argentina e isto porque os números portenhos se iniciam em 1857.
4.9. O aumento da população do Estado de São Paulo
Já discutimos a ocupação das Bocas do Sertão paulista neste trabalho, bem como
os motivos que levaram à abertura das novas fronteiras do Oeste paulista.
Entraremos doravante na análise mais detalhada da representatividade do número
de imigrantes em relação à população das cidades do interior de São Paulo, bem
como veremos o incrível salto populacional dado pelo Estado de São Paulo apenas
num prazo de 10 anos, no qual a imigração estrangeira atingiu seu pico para o
Brasil.
123
Figuras 4 e 5 – Mapas da ocupação do café em São Paulo até 1886 e 1920
Fonte: MILLIET, 1939
Nota: Os percentuais referem-se à participação relativa de cada região no total da
produção de café do Estado.
Conforme indicado nos mapas de Milliet, podemos identificar a mudança contínua de
foco da produção cafeeira, gradativamente se deslocando da Região Norte (Vale do
Paraíba) para o Oeste Paulista.
Já em 1886 vemos que boa parte do interior distante do Estado já se encontra
ocupado com a cultura do café. Entretanto, conforme diz Milliet, a Região Central
ainda responderia por 29% da produção; lembrando que tal Região engloba cidades
como Campinas, Jundiaí e Piracicaba.
Conforme avançamos para 1920 encontramos a antiga Região Norte já com uma
participação muito pequena na produção total do Estado, equivalendo a 3,47%. Por
outro lado, a Região Mogiana passaria a ser a principal produtora de café do Estado
e por consequência do país, com 35,5% de toda produção, o que equivalia a
7.852.020 arroubas. Podemos também verificar que a Região Noroeste
55
que até
1886 se encontrava desocupada de plantações, passaria a figurar como produtora.
Soma-se a isto a evolução das demais Regiões do Oeste do Estado, que estavam
todas em franca produção, enquanto que a Região Central via sua perda de
importância com a produção representando não mais que 12% do total do Estado.
55
A Região Noroeste era composta de cidades como Marília e Bauru.
124
Dentro da análise dos mapas acima, podemos associar o aumento da população
pela entrada da cultura cafeeira, principalmente no interior distante, que num prazo
de 30 anos já se encontrava praticamente todo preenchido com café. Esta
percepção de Milliet está evidentemente ligada à ocupação e formação de diversas
cidades nas regiões acupadas.
Continuamente à discussão veremos que no interior novo, as novas fronteiras do
estado foram as áreas que mais receberam imigrantes. Cidades como Jaú, Ribeirão
Preto, São Simão e outras estiveram sempre entre as cidades que mais acolheram
os estrangeiros durante todo período imigratório, ao passo que Campinas, Limeira,
Piracicaba e outras, conhecidas como interior velho, quase não aparecem entre as
mais procuradas.
Tabela 12 – Cidades do interior de São Paulo que mais receberam imigrantes
estrangeiros (1900-1929)
1900-1910 Número de Imigrantes 1910-1920
Número de
Imigrantes
1920-1929
Número de
Imigrantes
Jaú
9484
Ribeirão Preto
18124
Piraj
20644
Ribeirão Preto
19072
Jaú
13572
Lins
16226
São Simão
9474
São Simão
10135
São Simão
15235
Araraquara
7522
Bauru
8640
Araçatuba
13844
São Carlos
7144
Jaboticabal
8237
Piratininga
13565
Avaré
7119
São Manoel
8196
Paraguassú
13128
Jaboticabal
6519
Cravinhos
8082
Ribeirão Preto
12428
São Manoel
5400
São Carlos
7318
Rio Preto
12911
Campinas
5340
Avai
10285
Bauru
8296
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1941 - Pag 119
Em seguida veremos estes dados relativizados pelo número total da população
segundo o censo de 1934, e com isso poderemos ter uma noção mais exata do que
representou a imigração na composição populacional do interior paulista. Veremos
que há cidades em que o número de imigrantes representava mais da metade da
população total chegando a 160% deste número no caso de São Simão. E nunca é
demais lembrar que quase a totalidade destas cidades apresentadas se localizava
nas áreas mais distantes do território do estado, onde as terras eram virgens e os
cafezais novos.
125
Tabela 13 – Cidades do interior de São Paulo que mais receberam imigrantes
conforme o censo de 1934
População Nativa
Imigrantes
Encaminhados
percentual
São Sio
24
.
906
40
.
183
161%
Piratininga
21
.
4
7
0
18
.
422
86%
Ribeirão Preto
81
.5
6
55
2
.5
1
7
64%
Avaré
29
.5
24
18
.
3
5
3
62%
Sertãozinho
31
.
039
18
.555
60%
São Manoel
37
.
685
22
.
476
60%
Bauru
45
.
852
26
.
199
57%
Araçatuba
75
.
535
40
.
045
53%
São José do Rio Pardo
30
.
958
16
.
293
53%
Penápolis
31
.
091
16
.
200
52%
Lins
67
.
039
34
.
500
51%
Piraju
í
58
.
830
29
.
030
49%
Marília
82.427 35.934 44%
São Carlos
51.620 20.552 40%
Jaboticabal
62.692 24.305 39%
Araraquara
66.916 22.642 34%
Rio Preto
62.090 20.822 34%
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1941 - Pag 123
Os números apresentados pelo censo de 1934 mostram que a formação das
cidades no interior paulista esteve relacionada à chegada dos imigrantes, mesmo
compreendendo que muitas vezes esses números não representaram extamente
aqueles imigrantes que se fixaram nestas cidades.
O fato de constatarmos o enorme número de imigrantes encaminhados já nos
proporciona uma idéia da representatividade populacional por eles conseguida,
como também nos indica que a mão-de-obra imigrante sempre ocupou com mais
afinco as regiões mais distantes do estado, pelo próprio percentual de imigrantes
encaminhados face à população originária destas cidades. Enquanto que o
trabalhador nacional esteve mais presente nas Regiões Central e Norte
56
.
Estes percentuais de ocupação do interior paulista são dados importantes por
permitirem a análise localizada da influência da imigração de massa, entretanto não
nos mostram uma visão global do aumento populacional do estado. A tabela
56
Conforme já mencionado estas Regiões seguem o conceito de Milliet
126
apresentada a seguir nos apresenta a evolução populacional do estado de São
Paulo em relação os demais estados de maior índice populacional até 1900,
enfocando o decênio de maior contingente imigrante chegado no Brasil 1890-1900.
Tabela 14 – Distribuição da população por Estados (1890-1900)
Estados 1890 % do país 1900 % do país
São Paulo
1.384.753 9,66 2.282.279 13,18
Rio de Janeiro
876.884 6,12 926.035 5,35
Minas Gerais
3.184.099 22,21 3.594.471 20,76
Bahia
1.919.802 13,39 2.117.956 12,23
Pernambuco
1.030.224 7,18 1.178.150 6,81
Fonte: Boletim do Departamento de Imigração e Colonização - 1951 - Pag 26
Esta tabela nos mostra a evolução da participação da população paulista na virada
do século XIX. Até 1890 o Estado de São Paulo encontrava-se em terceiro lugar
dentre os estados mais populosos do país, já em 1900 não apenas ocupou o
segundo posto, antes pertencente à Bahia, como também aumentou sua população
em torno de 65%, enquanto que Minas Gerais em apenas 5,6%. O crescimento
proporcional de São Paulo evidentemente se deveu à massa imigratória européia,
bem como à superprodução do café e o dinheiro circulante no Estado. Que, além de
europeus, atraía também muitos migrantes de outros estados brasileiros.
A participação na população total do país também foi muito significativa, enquanto
todos os demais reduziram sua participação, São Paulo cresceria de 9,66% para
13,18%, ou seja, em 36,4%.
4.10. As consequências da Grande Imigração para o Estado de São Paulo
127
Ao longo deste quarto capítulo procuramos entender os motivos e impactos da
imigração de massa para São Paulo. Entendemos que não se tratou meramente de
um possível falta de mão-de-obra nas fazendas o argumento para vinda de
europeus.
Vimos que o branqueamento da população era uma preocupação constante, e que
também a superoferta inicial de trabalhadores promoveu o achatamento dos
salários, mormente pela desnecessidade do número de imigrantes trazidos.
Portanto, a formação etnológica do povo paulista foi construída com a vinda do
imigrante. Aliás, uma formação tardia, já que o paulista era em sua imensa maioria
negro ou mestiço; não que não sejamos mestiços hoje, entretanto, a vinda do
imigrante ajudou a mudar bastante a nossa formação.
Os conflitos existentes entre colonos e fazendeiros na busca por melhores
condições de trabalho também foram alvo deste capítulo. O poder de barganha dos
imigrantes aumentou muito após a crise cafeeira do início do século XX,
evidenciando, dentre outras coisas, que a política de imigração proposta pelo
Governo foi bem sucedida apenas em seu início. Com o advento da crise de
superprodução os trabalhadores passaram a ocupar as cidades, deslocando-se da
área rural para os centros urbanos, sendo que os poucos restantes na zona rural
passaram a exigir cada vez mais para trabalharem nos cafezais, colocando os
fazendeiros novamente em situação complicada em relação à falta de mão-de-obra.
A ocupação do interior também foi uma consequência direta da imigração, o
alargamento das fronteiras com a abertura das fazendas, como dissemos, sempre
atraiu imigrantes, e as áreas novas do oeste longínquo passaram a ter as maiores
produções de café do Estado.
Mas diante de tudo isso, como se refletiu a imigração de massa para as receitas e
despesas do Estado?
É sabido que São Paulo investiu uma imensa quantidade de capital na busca do
europeu, e que, portanto, de alguma forma, este investimento almejava retorno,
128
sendo assim a forma como se deu esse retorno é o que veremos adiante na tabela
apresentada.
129
Tabela 15 – Receitas de Impostos do Estado de São Paulo comparadas com as
Receitas de Impostos de Exportação sobre o café e às Despesas com a
Imigração 1892-1930
AB C D E F
Receita Total dos
Impostos
Receita dos Impostos
sobre a Exportação de
Café
C como % de B
Despesas do Estado
com Programas de
Imigração
E como % de B
1892 36452 26553 73% 1507 4%
1893 31982 23313 73% 3738 12%
1894 34592 25561 74% 1220 4%
1895 46384 32397 70% 7279 16%
1896 41840 29599 71% 4645 11%
1897 44094 33492 76% 5927 13%
1898 37549 26026 69% 2739 7%
1899 38550 29051 75% 2278 6%
1900 38270 29282 77% 1129 3%
1901 40924 31989 78% 4501 11%
1902 33003 24918 76% 2094 6%
1903 29926 22146 74% 238 1%
1904 33215 24817 75% 668 2%
1905 27586 19297 70% 3172 11%
1906 34830 26195 75% 2610 7%
1907 38520 27981 73% 1659 4%
1908 32414 22190 68% 2001 6%
1909 44048 33210 75% 2609 6%
1910 30665 17470 57% 3096 10%
1911 50287 27567 55% 3583 7%
1912 60405 36665 61% 5949 10%
1913 58942 40944 69% 6572 11%
1914 48.985 34760 71% 3277 6,7%
1915 61186 41086 67% 1439 2,4%
1916 59036 33538 57% 1769 3,0%
1917 58965 24729 42% 3706 6,3%
1918 52123 18266 35% 2526 4,8%
1919 72336 31339 43% 1962 2,7%
1920 77423 28181 36% 3492 4,5%
1921 82285 28966 35% 7908 9,6%
1922 89629 29348 33% 5787 6,5%
1923 124342 43276 35% 8978 7,2%
1924 141965 52544 37% 16966 12,0%
1925 233174 _ _ 16344 7,0%
1926 235611 128232 54% 15407 6,5%
1927 275642 147964 54% 7028 2,5%
1928 273105 119352 44% 2639 1,0%
1929 298478 145457 49% 4000 1,3%
1930 255625 132550 52%
Fonte: HOLLOWAY, 1984
Notas: A) Valores em contos de réis
B) Não incluídos os dados de 1925 por não estarem disponíveis
C) Tabela alterada da original
130
Podemos notar através da análise dos números apresentados, que as receitas
auferidas pelo Estado de São Paulo com impostos sobre a exportação de café
tinham um peso enorme em relação ao total de receitas ganhas como um todo,
sendo que, por 17 anos este percentual ultrapassou 70% das receitas totais. Por
outro lado, ao nos atermos às despesas com a imigração, notamos que os números
são bem mais modestos, dando uma clara noção de que os substanciais
investimentos feitos pelo Estado tiveram notório retorno através dos impostos.
Nos anos de crise, início da década de 1900, nota-se que as médias tanto de receita
como de despesa se mantiveram. Creditamos esta manutenção à política de
valorização do café implantada, subsidiando os preços do produto e, portanto,
ajudando na estabilização dos preços.
Por fim, notamos também a notória queda tanto da exportação como da importação
de imigrantes a partir de 1920, um claro reflexo da realidade da Europa, que, a
despeito da 1ª Guerra Mundial, já havia se reestruturado, culminando no
desinteresse do imigrante em rumar para outros continentes. A diminuição gradativa
da produção de café, que desde então já começara a perder alguns espaços para
outras plantações, bem como a concorrência do café de outros países, sobretudo o
colombiano, também se configuraram motivos fortes para a queda das exportações.
4.11. O lugar do trabalhador livre e liberto
4.11.1. O trabalhador livre
Neste trabalho já abordamos exaustivamente a situação do trabalhador livre
nacional com respeito às tarefas que lhe eram confiadas pelos senhores das
fazendas. Apenas para relembrarmos, as tarefas eram de modo geral próximas
àquelas que serviriam aos escravos e doravante também aos imigrantes. Conforme
estudado, vimos que estes trabalhadores não eram propriamente excluídos
completos do sistema, mas sim, pessoas pobres, com relações de dependência
131
variada em relação às elites, e que sofriam de alguns preconceitos pela origem.
Com o advento da grande imigração e o final da escravidão o trabalhador nacional
livre e liberto passou a ocupar um lugar,digamos, um pouco mais fixo na realidade
econômica do país. Como vimos, o trabalhador nacional sempre esteve presente na
terra, sendo que alguns poucos chegaram a ter seus próprios cativos, mas de modo
geral não tinham um posto fixo de trabalho, sendo sim muito utilizados por sitiantes e
fazendeiros de forma temporária por longos ou curtos períodos.
Com o gradual desenvolvimento do Estado em virtude do café, as áreas mais
antigas de prudução foram aos poucos sendo deixadas para trás com a abertura das
novas fronteiras. Conforme já visto, esta ocupação do interior distante deu-se sem
critério algum, propiciando terra para aqueles que não teriam condição de comprá-la.
O homem livre ajustou-se na terra de modo ilegítimo em algumas oportunidades,
mas conseguiu muitas vezes se fixar nela. Por outro lado, aqueles que não
ocuparam terras passaram a ter empregos mais estáveis nas áreas em que os
fazendeiros não conseguiam barganhar com o imigrante, ou seja, no Oeste velho e
Vale do Paraíba. (HOLLOWAY, 1984)
Veremos agora o posicionamento da professora Paula Beiguelman sobre o
aproveitamento do trabalhador livre e liberto, um pouco distinto do conceito de
Holloway e do ponto de vista adotado neste trabalho.
Dessa forma, ao enquadrar-se na grande lavoura, o elemento
nacional se vê confinado às áreas de menor remuneração do trabalho
na cultura do café ou às atividades mais penosas do preparo da terra
nas demais áreas.
Com o tempo, a solicitação dos fazendeiros, o decréscimo do surto
expansionista, o declínio da base representada pela pequena cultura
de subsistência vai progressivamente incluindo-o – sempre em
condições desvantajosas – na órbita da grande lavora.
(BEIGUELMAN, 2005, p.147)
Já ressaltamos que, por certo, o preconceito sobre o trabalhador nacional livre e
liberto persistia, embora estes tivessem oportunidades dentro do binômio colonial. O
Correio Paulistano, já em 1914, publicava os seguintes dizeres de um fazendeiro
com respeito às escolas rurais:
132
“[...] é certo serem filhos de brasileiros, moradores nas redondezas, a
maioria dos poucos alunos dessas escolas. Os caboclos não
possuindo infelizmente a mínima ambição, mandam de bom grado os
pequenos ao estudo [...]” (BEIGUELMAN, 2005, p.147)
Percebemos pelos dizeres do fazendeiro que, mesmo com o avanço das décadas, o
sentimento de desdém para com o trabalhador nacional permanecia. O simples fato
de mandar seus filhos à escola era sinal de vagabundagem e falta de ambição, pois,
os fazendeiros estavam habituados a verem as crianças dos imigrantes trabalhando
de sol a sol, mesmo que isso significasse a manutenção do seu analfabetismo.
4.11.2. O liberto
O elemento liberto teria um fim próximo ao trabalhador nacional, no sentido de que
sua mão-de-obra, após a libertação, seria utilizada de forma semelhante no contexto
econômico.
Desde a oficialização do fim do trabalho escravo, discutia-se muito quem poderia
aproveitar suas habilidades adquiridas em séculos de plantação. Estas discussões
passavam necessariamente pelos três pólos produtores da província de São Paulo,
o Vale do Paraíba, Oeste Velho e Oeste Novo, sendo que a região mais ávida por
esta mão-de-obra supostamente deveria ser a menos próspera, ou seja, o Vale do
Paraíba. Ocorre que, o mesmo preconceito nutrido pelo trabalhador livre era
estendido ao liberto e o receio dos fazendeiros remanescentes do Vale do Paraíba
em reter estes trabalhadores era constantemente expresso nas discussões
parlamentares, como no relato do representante desta área no parlamento estadual
A. Nogueira, aqui citado por Paula Beiguelman.
“um homem ávido de descanso e ociosidade; e a história tem
demonstrado que em todos os países em que tem sido libertada a
escravidão, os libertos têm se entregue à ociosidade e até a mais
extrema indigência” (BEIGUELMAN, 2005, p.151)
Da mesma forma ocorria com o Oeste Velho, que, assim como o Vale do Paraíba,
não atraiu o imigrante, mas necessitava de mão-de-obra para suas fazendas.
133
Fazendeiros de Campinas queixavam-se que a eles só sobraram os trabalhadores
nacionais ou libertos, pouco afeitos à labuta, e que por tal razão, eles fazendeiros,
deveriam ser mais acudidos pelo governo provincial; Martinho Prado Jr, por sua vez,
respondia a eles da seguinte forma:
“a zona que não pode suportar o imigrante estrangeiro tem o recurso
do liberto, do braço nacional, e tem outros recursos ainda, tem as
indústrias, tem a cultura de outros gêneros que não o café”
(MARTINHO PRADO JR apud BEIGUELMAN, 2005, p.150)
De início o trabalhador liberto procurou colocar-se na estrada após sua liberdade.
Conforme relatos da ocasião eram muito vistos nas estradas caminhando em turmas
grandes meio que sem destino, mas poucos foram os que avançaram para além dos
limites da província. A maioria não quis se empregar nas fazendas por alguns meses
que se seguiram, aparentemente avessos ao clima que lembrava a repressão por
que passaram. Alguns se entregariam à mendicância, outros passaram a viver de
pequenos bicos, e uma pequena parte acabaria no Vale do Paraíba e Oeste velho,
regiões absorvedoras naturais desta mão-de-obra libertada. (BEIGUELMAN, 2005)
O trabalho encontrado nas áreas rurais, após algum tempo, já estava totalmente
suprido pelos elementos necessários para tal tarefa. As áreas de ponta, onde havia
investimentos em novos cafezais estavam destinadas aos imigrantes, as de menos
investimento aos nacionais e alguns poucos libertos de forma geral. Este fato
determinou de forma cabal a urbanização dos elementos livres e libertos, formando
cada vez mais a massa de indigentes que começou a proliferar pelos grandes
centros a partir de então.
134
Conclusão
Este trabalho procurou moldurar durante os seus quatro capítulos a posição do
trabalhador nacional na conjuntura apresentada do século XIX. Este elemento,
conforme mostramos, era um cidadão que procurava se encaixar em meio ao
sistema imposto no Império. Estava muito presente no meio agrícola, seja nas
fazendas ou nos sítios, este homem sempre “deu um jeito” de sobreviver no meio
binomial. Quando não se empregava nas propriedades buscava o mutirão, onde
erguia igrejas, desmatava propriedades, abria estradas e trilhas, etc. Enfim, tratava-
se de homem simples, de costumes simples, mas não de um expropriado completo,
pois, como dito, alguns deles passaram de despossuídos a proprietários de
fazendas, sítios e escravos.
No primeiro capítulo entramos nas origens da Província, vimos como São Paulo
começou sua história no contexto econômico brasileiro. Iniciamos nosso estudo
ainda no século XVIII, quando São Paulo não apresentava quase nenhuma
alternativa do ponto de vista de trabalho para sua população, à exceção do comércio
de gado, muares e sal. Assim sendo, a província estava longe daquilo que viria a se
tornar.
Alice Canabrava nos mostra o gradativo crescimento da atividade econômica da
província, ressaltando que sua posição geográfica acabou se tornando o maior
trunfo para seu crescimento. Encontrar-se na confluência das rotas comerciais, tanto
terrestres como fluviais, fez de São Paulo um importante entreposto comercial ainda
no século XVIII, e, mais adiante, seu solo rico guindou a província da condição de
entreposto comercial para a de maior produtora do Império.
Ainda no primeiro capítulo, nos socorremos na obra de Milliet para analisarmos o
desbravamento de São Paulo sob a ótica das plantações de café, que se iniciara
pela Região Norte onde se encontra o Vale do Paraíba, primeira grande produtora
da Província, que, dentre outras contribuições, trouxe para São Paulo muitos
135
interessados na cultura do café dispostos a investir na Província, propiciando a
entrada para o interior distante a partir da segunda metáde do século XIX.
No segundo capítulo tratamos de compreender o modo de vida social do trabalhador
nacional, seus grandes anseios e suas alternativas diárias de sobrevivência. Vimos
tratar-se de um homem que, em sua grande maioria, era pobre, mas que, entretanto,
como nos mostrou Iraci da Costa, era figura constante nas propriedades.
Vimos que a dependência destes homens em relação aos grandes proprietários de
terra sempre existiu, e, conforme nos atesta Hebe Castro, esta dependência estava
muito ligada ao desejo deste elemento em obter ascensão social e respeito por parte
dos latifundiários. Neste ínterim, procuramos sempre contrastar as idéias dos
autores acima com as de Franco, que por sua vez entende de forma diversa, tanto
as atividades desenvolvidas pelo trabalhador nacional como também o nível de
dependência de cada um deles.
Procuramos mostrar que a classificação de Franco entre Agregados e Camaradas
igualmente não é aceita pelos autores seguidos neste trabalho. Vimos que,
classificá-los de forma estratificada, como faz a autora, implica em diferenciar
elementos muito próximos do ponto de vista de costumes, posses e formas de
dependência.
Por outro lado, seguimos os ensinamentos de Franco para compreendermos como
vivia o homem livre, quais eram suas ansiedades, e como se relacionavam em
sociedade. Reproduzimos um pouco da violência institucionalizada que permeava a
vida deste cidadão, bem como o que representava para os indivíduos desta classe a
afirmação social pelo uso indiscriminado da força bruta.
A busca constante pela mudança de status na sociedade imperial fez com que
alguns representantes livres nacionais conseguissem através do trabalho árduo
tornarem-se grandes negociantes. Atestamos no segundo capítulo que certo número
deles conseguiu de fato ascender na sociedade brasileira do século XIX, tornando-
se grandes atravessadores de café, sendo que alguns deles chegavam a arrematar
136
as propriedades de fazendeiros que deviam tanto a eles que os pagavam com as
próprias terras.
Por fim, argumentamos que os homens livres do Império, apesar de não se
enquadrarem na sistemática capitalista da grande lavoura, não foram alijados do
sistema binomial desde sua concepção. O binômio proprietário-escravo, descrito por
Kowarick (1976) e seguido por nós neste trabalho, é de fato um limitador no que
tange ao aproveitamento do trabalhadore livre na grande lavoura, entretanto não foi
motivo cabal para o alijamento deste homem.
No terceiro capítulo vimos que a legislação do período imperial jamais foi elaborada
objetivando o aproveitamento do elemento nacional. As leis de 1830, 1837 e 1879
que foram amplamente abordadas por nós, mostraram claramente que o legislador
brasileiro procurou arrumar todo tipo de subterfúgio para não ter que submeter a
elite fundiária à mão-de-obra livre e liberta. Naturalmente que tais leis foram
evoluindo de acordo com a conjuntura de cada momento, entretanto, como vimos,
todas tiveram em comum o fato de chegarem quando já não eram mais necessárias,
ou seja, quando promulgadas já não refletiam a realidade do mercado de trabalho
brasileiro.
A Lei do Sinimbu foi um exemplo claro disso, os debates sobre sua elaboração com
as devidas emendas iniciou-se dez anos antes de sua promulgação, e quando por
fim foi publicada não atendia as necessidades daqueles que realmente clamavam
por uma medida legal mais efetiva, ou seja, os fazendeiros paulistas.
Apesar de alguns se preocuparem com a necessidade de aproveitar o caipira
brasileiro como alternativa de mão-de-obra para lavoura (mormente aqueles que não
tinham verbas para investimento em abertura de novas propriedades), a maioria dos
parlamentares, então representantes diretos das elites fundiárias, davam clara
preferência ao estrangeiro para ocupar as áreas mais longínquas da província.
Como estudado, estavam eles também preocupados com o que seria da formação
do povo após a abolição, o que seria feito da massa de negros libertos que estariam
desocupados e se espalhando pela província afora, miscigenando mais ainda a
população.
137
No quarto capítulo abordamos as razões conjunturais para justificar a opção feita
pelas elites em investir alto na imigração de massa européia; trazendo para o Estado
de São Paulo uma quantidade estrondosa de imigrantes, que inclusive era muito
maior do que a necessária, conforme demonstrado.
Entendemos que a questão racial foi fundamental para escolha dos governantes.
Misturar o povo escuro brasileiro com o branco europeu era parte do modelo
brasileiro abordado neste trabalho. O mulato, apesar de mais respeitado, ainda
representava certo incômodo para grande parte da sociedade, e a gradativa mistura
com o branco faria do povo brasileiro um povo cáucaso no máximo em duas ou três
gerações, crentes que num futuro próximo, tal medida supostamente aniquilaria por
completo o gene negro da formação do povo nacional.
Mostramos também os principais sistemas de trabalho implantados nas fazendas;
enfatizamos os sistemas de Parceria e Colonato, sendo que, a despeito do primeiro
ter se tornado um fracasso, certamente contribuiu muito para a elaboração do
Sistema de Colonato, que, por sua vez, fora elaborado levando em conta erros do
Sistema de Parceria.
O Sistema de Colonato conforme estudado, representou a nosso ver, um grande
avanço nas relações trabalhistas das fazendas do Estado de São Paulo, na medida
em que suprimiu a maior preocupação do imigrante antes constatada no Sistema de
Parceria, o de não ter que esperar pela comercialização do produto para receber seu
pagamento, pois havia uma parte fixa dos ganhos paga regularmente no trato do
cafezal.
Entramos também na discussão da exploração salarial no Sistema de Colonato,
mostramos que o contingente de imigrantes chegados ao estado era claramente
maior do que a necessidade das fazendas, fazendo com que os salários pagos
pudessem ser menores proporcionalmente aos que foram pagos no Sistema de
Parceria.
138
A crise do setor cafeeiro também foi alvo de nossa atenção, a superprodução de
café, com a respectiva queda brusca nos preços internacionais do produto, gerou
uma crise de enormes proporções nas fazendas do interior paulista, esta crise teve
alguns efeitos imediatos nas relações entre fazendeiros, colonos e governo do
estado.
Esta crise financeira teve como conseqüência a queda do financiamento por parte
do governo dos subsídios para a vinda dos imigrantes. Os fazendeiros, por sua vez,
passaram a dever salários aos colonos, que então puseram-se, em parte, a
descumprir seus contratos indo embora das fazendas.
O crescimento populacional de São Paulo também foi abordado, vimos que o estado
não apenas cresceria no período entre 1890 e 1900 em números absolutos, como
também em percentual de participação do país. Este crescimento deu-se em grande
parte devido à imigração de massa européia que atingira seu auge neste período,
mas, por outro lado, também em função da imigração interna dos estados
nordestinos já decadentes.
Tratamos separadamente da imigração japonesa, não apenas por se tratar de um
caso peculiar, em que o governo de São Paulo pouco fez para trazê-los, sendo estes
em grande parte subsidiados pelo governo japonês, mas também porque a
imigração japonesa mostrou um caráter e uma finalidade distintos daquela
idealizada para o europeu, o imigrante dono de terras. Ajudados pelo governo de
seus países, os imigrantes japoneses logo se tornariam proprietários comprando
pequenos lotes de terras e pouco colaborando para a oferta de mão-de-obra nas
fazendas.
Durante este trabalho procuramos apresentar os argumentos que julgamos
essenciais para o entendimento da transição da mão-de-obra servil para a mão-de-
obra assalariada no estado de São Paulo. Enfatizamos que o elemento nacional, o
brasileiro miscigenado e originário da terra, sempre esteve presente no contexto
agrário durante o século XIX. Se não era bem visto e sofria preconceitos pela
origem, ao menos este homem conseguiu em parte seu desenvolvimento. Por
139
evidente, sua grande maioria era pobre quando não miserável, entretanto tratá-los
como indigentes ou coitados nunca foi o intuito deste trabalho.
Como vimos, de forma até certo ponto repetitiva, a mão-de-obra livre e liberta existia
e em grande número. Antes mesmo da abolição ela já representava percentual
considerável da população paulista e brasileira. As formas de aproveitamento desta
mão-de-obra foram amplamente discutidas neste trabalho. Longe de termos a
pretensão em esgotar este assunto tão rico da nossa história, entendemos ser
necessário usar de justiça na nossa conclusão: A história de São Paulo, a nosso ver,
é feita de contrapontos, de um lado uma província que durante muito tempo foi
esquecida pelo governo imperial e que chegou a um status de grande pujança
financeira devido ao trabalho árduo e tenaz de sua gente. Neste ponto não
excluímos ninguém, nem as elites que a despeito de agirem de forma perversa em
situações específicas, certamente tiveram sua contribuição para o crescimento do
estado, como também a massa de trabalhadores, sejam eles escravos, livres ou
imigrantes que superaram todas as adversidades impostas por um sistema que não
fora concebido para eles. Por outro lado, o preconceito e a falta de humanidade,
muitas vezes usados pela ganância e por várias vezes apontadas por nós neste
trabalho, certamente nos fazem refletir sobre como é feita nossa história, se
devemos ou não nos orgulhar dela.
140
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias
Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, São Paulo, 1941
Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, São Paulo, 1950
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