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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Alexandre Hamilton Bugelli
A crise econômica brasileira dos anos 1960: uma reconstrução do debate.
MESTRADO EM ECONOMIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Economia, pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Júlio Manuel
Pires.
São Paulo
2008
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Banca Examinadora
_____________________
_____________________
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Agradecimentos.
Primeiramente gostaria de agradecer aos Professores do Programa de
Pós-Graduados em Economia Política da PUCSP, em especial à Profa. Dra.
Laura Valladão Mattos, pelo apoio nos momentos difíceis.
Sem a existência de uma secretaria que funcione à altura do corpo
docente do programa, não poderíamos alcançar êxito em apresentar o
presente trabalho, portanto, presto meus sinceros agradecimentos à Sônia
Petrohilos pela sua inestimável colaboração e apoio.
Agradeço também aos Professores: Anita Kon, Rosa Maria Vieira, Flávio
de Saes, Wilson do Nascimento Barbosa, Wilson Suzigan, Pedro Paulo Funari,
Pedro Paulo Zaluth Bastos, João Carlos de Moraes e Fábio Campos, por terem
aceitado despender parte de seus valiosos horários ouvindo minhas propostas
e por fazerem críticas e sugestões durante a pesquisa, especialmente ao Prof.
Amaury Patrick Gremaud que sugeriu o tema do presente trabalho durante um
curso de Economia Brasileira.
Sou grato também às valiosas leituras e sugestões dos amigos: Nelza
Flores e Guillaume Saes, assim como a todos os colegas do Programa, em
especial a Dárcio Geniccolo Martins, por sua colaboração na elaboração do
projeto.
Agradeço aos meus Pais, Magda e Luiz Carlos, por terem proporcionado
os estudos para que eu chegasse ao curso de mestrado. Ao meu irmão, Júlio
Cesar Bugelli (in memoriam.), por ter me inspirado a retomar os estudos em
Economia. À Mônica Lungov Bugelli por ter participado desse projeto. À
Camila dos Anjos, pelo apoio e ajuda nos momentos finais.
Finalmente, gostaria de agradecer especialmente ao meu orientador
Prof. Dr. Júlio Manuel Pires, por ter aceitado minha proposta de trabalho e por
dispor da paciência, da serenidade e da segurança que balizaram minha
caminhada ao longo do trabalho.
O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil.
4
Aos meus filhos,
Laura e Arthur.
5
Resumo.
A partir de 1962 as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto
passaram a decrescer em relação aos períodos anteriores, chegando a apenas
0,6% de crescimento em 1963. Por outro lado, inflação que em 1961 era de
51,6% em 1961, passa a 80% em 1962, chegando a 93% em 1963. Esses
eventos provocaram o interesse de vários economistas que ofereceram
diversas interpretações sobre a crise, no que ficou conhecido como o debate
sobre a crise econômica brasileira dos anos 1960.
A presente dissertação trata da reconstrução do debate acerca da crise
econômica do início dos anos 1960 no Brasil e teve como objetivo organizar e
examinar as análises dos economistas, que se propuseram a interpretar a crise
que ocorreu, após o País ter se lançado no aprofundamento da diversificação
industrial entre 1955 e 1961.
Palavras chave: pensamento econômico, Industrialização, substituição de
Importações, estruturalismo e crise.
6
Abstract.
From 1962 the growth rates of the Gross Domestic Product start to
decrease in regard to previous years, reaching the low mark of 0,6% in 1963.
Otherwise, the inflation which in 1961 was about 51,6%, rose to 80% in 1962,
reaching 93% in 1963. Those events attracted the interest of many economists
who proposed several interpretations about this crisis, which became known as
the brazilian economic crisis debate.
This dissertation is about the recovery of the debate concerning the
economic crisis of the beginning of the 60’s in Brazil and had as objective to
organize and exam the analysis of the economists, who proposed to explain the
crisis that occurred right after the country had experienced a deep industrial
diversification process.
Keywords: economic thought, industrialization, imports-substitution,
structuralism and crisis.
7
Sumário.
Introdução ..................................................................................................8
Capítulo I: A crise econômica dos anos 1960 no Brasil
1.1. Introdução.........................................................................................11
1.2. Os antecedentes políticos da crise...................................................11
1.2.1 A era Vargas.....................................................................................11
1.2.2 Do fim do compromisso ao golpe.....................................................20
1.3 Uma análise empírica da crise.........................................................30
Capítulo II. O debate sobre a crise econômica dos anos 1960
2.1. Introdução.........................................................................................39
2.2 A Crise segundo Celso Furtado........................................................41
2.3. A síntese heterodoxa........................................................................73
2.3.1 O esgotamento da industrialização substitutiva................................74
2.3.2 A industrialização retardatária e o Capitalismo Tardio.....................83
2.3.3 A economia sob efeito dos ciclos econômicos................................100
2.3.4 A acumulação, uma interpretação dinâmica...................................102
Capítulo III. A resposta da economia convencional
3.I. Introdução........................................................................................129
3.2 A inflação brasileira por Delfim Netto...............................................129
3.3 A Nova Economia de Simonsen e Simonsen & Campos................139
3.4 A economia abaixo do Pleno Emprego............................................154
3.4.1 O diagnóstico segundo o PAEG.......................................................157
Conclusões
Pioneirismo e perseverança.............................................................167
Estruturalismo vs. Monetarismo........................................................168
Keynesianismo canônico..................................................................172
Os possíveis determinantes da crise................................................172
Síntese geral.....................................................................................173
Bibliografia.................................................................................................176
8
INTRODUÇÃO
O trabalho trata da reconstrução do debate acerca da crise econômica do
início dos anos 1960 no Brasil e teve como objetivo examinar as análises sob o
ponto de vista dos economistas brasileiros, que se propuseram a interpretar a
crise que ocorreu, após o País ter se lançado no aprofundamento da
diversificação industrial entre 1955 e 1961.
A partir de 1962 as taxas de crescimento do Produto Interno Bruto
passaram a decrescer em relação aos períodos anteriores, chegando a apenas
0,6% de crescimento em 1963. Por outro lado, inflação que em 1961 era de
51,6%, passa a 80% em 1962, chegando a 93% em 1963. Esses eventos
provocaram o interesse de vários economistas que ofereceram diversas
interpretações sobre a crise, no que ficou conhecido como o debate sobre a
crise econômica brasileira dos anos 1960.
Tratou-se, portanto, de reconstruir o referido debate, respeitando-se o
instrumental teórico de cada um dos autores, buscando a preservação das
idéias propostas para a interpretação dos fenômenos decorrentes da
desaceleração no ritmo de crescimento econômico e do agravamento do
quadro inflacionário.
Além de reconstruirmos o debate, verificamos a possibilidade de alguma
interação entre as análises
1
, capaz de formalizar uma hipótese apropriada que
explicasse toda a complexidade da crise, buscando, portanto, a preservação e
a compreensão do ferramental teórico de cada um dos autores estudados.
Os trabalhos acadêmicos que trataram do assunto foram limitados a
poucos autores, é o caso da dissertação de mestrado de Paulo de Tarso
Presgrave Leite Soares, “A crise econômica dos anos 1960: um estudo dos
diagnósticos de Rangel, Simonsen, Singer e Tavares”, que, além de não ter
considerado os trabalhos de Celso Furtado sobre a industrialização no Brasil,
analisou apenas a primeira abordagem de Maria da Conceição Tavares em “Da
substituição de importações ao capitalismo financeiro”, portanto, uma análise
desatualizada, que não considerou a tese de livre docência da autora,
Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil”, escrita com o propósito
1
Não propomos uma análise eclética e/ ou, a arregimentação de várias observações propostas de forma
integral. Consideramos, ao contrário, avaliar o poder explicativo de propostas elaboradas sob um
ferramental teórico mais flexível, ou entre aquelas que detenham afinidades com a teoria econômica
convencional.
9
de revisar os determinantes da crise. No caso de Corival Alves do Carmo, em
“Dependência e estagnação: o debate sobre a crise dos anos 60”, o recorte é
outro, uma vez que na dissertação o autor buscou fazer uma analogia crítica
entre o neoliberalismo dos anos 1990 e a teoria estagnacionista de Furtado.
Mario Magalhães Mesquita ao elaborar “1961-1964: a política econômica sob
Quadros e Goulart”, sua dissertação de mestrado, propôs uma atualização do
debate, porém abordando a questão de forma sintética, haja vista que a
proposta do autor objetivou a análise mais ampla sobre os instrumentos e as
políticas econômicas adotadas nos governos dos Presidentes: Jânio Quadros e
João Goulart, reproduzindo o debate sobre a crise dos anos 1960 em poucas
páginas e sem captar as teorias subjacentes aos diagnósticos propostos.
Nossa proposta metodológica consiste em uma profunda leitura crítica da
orientação teórica, que guiou cada um dos autores em estudo, para que
atinjamos da maneira menos tendenciosa possível o entendimento que cada
um buscou dar aos acontecimentos daquele conturbado período da nossa
história econômica.
Ao nos lançarmos nessa empreitada, pretendemos traçar um painel do
pensamento econômico brasileiro no que diz respeito aos ferramentais teóricos
e à forma pela qual os problemas foram abordados e enfrentados, como foi o
caso de Celso Furtado que chegou a ocupar o Ministério do Planejamento do
Presidente João Goulart.
A tarefa não fica restrita aos trabalhos publicados nos anos 1960, uma
vez que algumas das análises foram revisadas, é o caso de Maria da
Conceição Tavares, que tomou para si a missão de compreender o período
para além de uma década.
O trabalho subdivide-se na presente introdução, em três capítulos, nas
conclusões finais e na bibliografia utilizada como referência.
O primeiro capítulo está subdividido entre a síntese dos antecedentes
políticos da crise e a sua análise empírica baseada nos dados disponíveis em
diversas fontes, finalizando com as considerações finais do capítulo.
O segundo capítulo é dedicado aos diagnósticos propostos por alguns
economistas de orientação menos ortodoxa, iniciando-se com uma seção
exclusiva para as análises de Celso Furtado, por entendermos que aquele
autor, além de fundador da CEPAL, juntamente com o economista argentino
10
Raul Prebisch, foi o primeiro a publicar um trabalho sobre o crescimento
industrial da década de 1950 no Brasil. A segunda seção compreende as
análises de dois outros importantes economistas, a saber: Maria da Conceição
Tavares e João Manuel Cardoso de Mello, que, assim como Furtado, são
egressos da “escola” estruturalista cepalina e que oferecem outras propostas
de interpretação para a desaceleração econômica do início dos anos 1960.
O terceiro capítulo é dirigido aos diagnósticos dos economistas mais ligados
aos argumentos teóricos da economia convencional, amplamente divulgados
nos livros textos de economia, como a proposta de Campos e Simonsen
(CAMPOS e SIMONSEN, 1979), que introduz os fundamentos monetaristas, ao
diagnosticarem as pressões inflacionárias como o principal determinante da
desaceleração do crescimento.
Os autores selecionados formam um grupo representativo das principais
vertentes do pensamento econômico que se firmaram no período em estudo.
Perseguiu-se a diversidade de idéias e o rigor metodológico. Alguns nomes
podem ter sido omitidos do presente estudo em razão das limitações
estabelecidas para uma dissertação de mestrado e do trabalho em pesquisa
histórica, que em grande medida, consiste em selecionar através de critérios
próprios, dentro do universo de impressões registradas por outros estudiosos,
as idéias que permearam um determinado período.
Por último, apresentaremos nossas conclusões, buscando, dentre as
reflexões expostas, aquela, ou aquelas, que sob nossa avaliação possui maior
poder explicativo e abrangência sobre os fenômenos observados.
11
CAPÍTULO I
A CRISE ECONÔMICA DOS ANOS 1960 NO BRASIL.
1.1 Introdução.
Nesse capítulo iremos tratar dos principais elementos que emolduram a
crise econômica dos 1960 no Brasil através da análise preliminar dos
antecedentes políticos que resultaram nesse processo e dos desdobramentos
empíricos que o sintetizam através da observação dos agregados econômicos.
O capítulo é dividido em quatro partes, a primeira “Os antecedentes
políticos da Crise”, é subdividido em duas seções. “A Era Vargas” relata os
principais fatos da carreira política de Getúlio Vargas, sobretudo no que diz
respeito à estruturação inaugurada com o Estado Novo. Em “Do fim do
Compromisso ao Golpe” lançamos um olhar sobre o período que vai do
Governo de Café Filho, logo após a morte de Getúlio, até o Golpe de 1964.
Ao desenvolvermos a primeira parte do capítulo, reconstituímos os
elementos políticos que se encerram na crise de poder que deu origem ao
Golpe de 1964 e que influenciaram o cenário econômico do País, que desde o
pós-guerra vinha experimentando um notável crescimento econômico. A seção
ganha importância na medida em que subjacente ao debate político seguiam-
se manifestações acerca da economia e dos rumos a serem seguidos pelo
País.
Na segunda parte elaboramos uma análise sobre os “números” da crise,
fazendo uso dos dados históricos encontrados em fontes como: IBGE, Ipeadata
e Fundação Getúlio Vargas. Buscamos não apenas analisar os dados que
remetem diretamente à crise de forma sintética, mas estabelecer relações de
causalidade entre esses agregados e os fenômenos observados no processo.
Por fim, encerramos o capítulo com as considerações finais.
1.2 Os antecedentes políticos da crise.
1.2.1 A Era Vargas.
Não poderíamos deixar de abordar, o período de estabelecimento do
Estado Novo para que se construa uma perspectiva ampla das forças políticas
que culminaram na crise. Para Skidmore (SKIDMORE, 2000), o intervalo que
se estende entre 1930 e 1945 representa um divisor de águas na história
política recente do Brasil.
12
O fato político de maior envergadura da revolução de 1930 foi o
deslocamento do “lócus” do poder dos estados ligados à cafeicultura para a
capital federal no Rio de Janeiro, e daí para as suas ramificações e focos de
influência através dos estados, seja via os presidentes dos estados alinhados
com a nova configuração política, seja através dos interventores impostos pelo
governo.
É na ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930 que emergem os
grupos que irão desempenhar importantes papéis nos anos que seguem até o
final de Segunda Guerra.
Um dos principais grupos era denominado simplesmente “os de dentro”
2
. Um grupo composto basicamente por políticos, burocratas, proprietários de
terras e industriais que se beneficiaram durante a Era Vargas. Outro segmento
que colheu benefícios nesse período foi o da minoria privilegiada de
representantes dos trabalhadores urbanos ligados ao grupo fundador do PTB
(Partido Trabalhista Brasileiro) e que pertenciam aos quadros administrativos
do governo. Os demais grupos, formados pelas grandes massas de operários,
eram cativados pelas benesses trabalhistas oferecidas pelo governo através do
Ministério do Trabalho que recolhia as contribuições sindicais obrigatórias
descontando-as em folha, e as distribuía entre os sindicatos, configurando-se
desta forma um verdadeiro “cabresto” do movimento operário.
“Os de fora” era um grupo menor e entre estes havia os
constitucionalistas liberais, um grupo que apoiou Vargas em 1930, que
posteriormente foi deixado à margem com a consolidação do estado varguista.
É desse bloco que surgiria a União Democrática Nacional, a UDN, uma
organização política que buscava uma maior coesão do movimento
oposicionista. O partido abarcava alguns militares egressos da revolução de
trinta, homens de negócios das cidades, alguns proprietários de terras, grupos
comerciais, consumidores urbanos e até alguns expoentes das elites políticas
que formaram um grupo forte de oposição ao varguismo. A UDN defendia um
amplo liberalismo, tanto econômico como político, pregando inclusive a quebra
das barreiras comerciais criadas durante a guerra. Por mais paradoxal que
2
As expressões: “os de dentro” e “os de fora” são utilizadas por alguns historiadores, para diferenciar os
grupos políticos que estavam no poder dos que praticavam oposição e detinham alguma força política no
interior dos estados, a exemplo dos cafeicultores, para maiores detalhes ver: WEFFORT, 2003.
13
possa parecer, ainda entre “os de fora” havia os comunistas que até a abertura
democrática viviam na clandestinidade imposta por Vargas.
A esquerda se consolidaria mais adiante e se restringiria ao PCB, a um
pequeno grupo dentro da UDN e ao PTB, que era na realidade um pilar dos “de
dentro” que apoiaria Dutra nas eleições. Após a derrubada de Vargas, o PCB
passa a sofrer repressão (SKIDMORE, 2000: 21-148).
Com o advento do Estado Novo, após o golpe de 1937, surge também
uma nova relação de forças. A falta de hegemonia entre as lideranças políticas
que disputavam o poder, a saber: as elites empresariais, os cafeicultores e as
massas de trabalhadores urbanos, cria um vácuo que é prontamente ocupado
pelo Estado, que passa a atuar como mediador de conflitos sociais,
caracterizando-se naquilo que Weffort chama de “Estado de Compromisso”:
Torna-se então, mais viável a existência de uma fórmula de transação
entre os grupos dominantes e ainda mais evidente a pressão das massas
sobre a estrutura institucional. Configura-se, então, uma situação singular:
todos os grupos, inclusive as massas populares mobilizadas, participam direta
e indiretamente do poder; não obstante, como nenhum deles possui a
hegemonia, todos o vêem (o Estado) como uma entidade superior, do qual
esperam solução para todos os problemas
(WEFFORT, 2003: 62).
É também durante o Estado Novo que surge o Estado dotado de toda a
estrutura “weberiana” que irá influenciar sobremaneira a vida política e
econômica do País nos anos que seguirão após a Segunda Grande Guerra até
o golpe militar de 1964.
O Estado Novo deu impulso ao desenvolvimento industrial em um
projeto anunciado por Vargas, no que ficou conhecido como Carta de São
Lourenço. O documento estabelecia como ponto fundamental a implantação da
indústria de base no Brasil a partir da ampliação da indústria siderúrgica, da
nacionalização das jazidas minerais, e das fontes de energia, e dos bancos
(FAUSTO, 2006: 107)
É sob esse panorama político que o País testemunha um dos maiores
debates teóricos da economia brasileira, entre Eugênio Gudin e Roberto
Simonsen
3
, cada um defendendo uma perspectiva distinta sobre o modelo de
desenvolvimento a ser adotado pelo País. Gudin preconizava um
3
Para maiores detalhes sobre o debate teórico entre Simonsen e Gudin, ver em: DOELINGER, 1977.
14
desenvolvimento sem qualquer participação do Estado e com forte apoio do
capital estrangeiro, uma posição alinhada aos interesses agrários e aos
preceitos dos liberais clássicos, no mais autêntico modelo de “laissez- faire”.
Para Simonsen, a participação do Estado era vital para o desenvolvimento que,
deveria se voltar para a indústria e promover medidas que facilitassem os
investimentos por parte dos empresários, mas sem a participação estatal direta
na atividade econômica. O Estado seria apenas o indutor do processo,
provendo a infra-estrutura física e os meios financeiros para o desenvolvimento
industrial. Ambos ocupavam posições importantes no Governo de Vargas, o
que fez do debate um clássico do pensamento econômico nacional,
enfatizando à classe política a importância das questões econômicas em
qualquer plataforma que ambicionasse tomar poder.
Após o golpe que deu início ao Estado Novo, em 1937, Getúlio Vargas
estruturou e organizou o Estado, tornando-o robusto. Algumas importantes
funções dos estados passam agora à esfera federal. Estados como São Paulo,
por exemplo, estavam habituados a negociar empréstimos diretamente com
outras nações sem a prévia anuência do governo federal. Essa mudança de
foco do poder começa em 1930 e se intensifica após 1937, quando o País
passa a contar com um governo centralizado.
Com o crescente aumento da ação do Estado, novos órgãos federais
são criados e são efetuados grandes investimentos em áreas estratégicas
como ferrovias, portos, companhias de navegação, todos canalizados via
governo federal. Vargas mantinha tudo sob controle através da estrutura
organizacional de um Estado altamente aparelhado (SKIDMORE, 2000: 55-64).
Cumpre ressaltar o importante papel das Forças Armadas, como poder
colateral na política brasileira desde a proclamação da República, passando
pelo movimento tenentista em 1930, até o golpe de 1964. Os militares
exerceram, direta ou indiretamente, influência nos governos, ora através de
figuras proeminentes como o Marechal Deodoro da Fonseca, ora através de
personagens menos expostos, mas que atuaram como verdadeiros fiéis
depositários do poder, como é o caso do General Góes Monteiro e do Marechal
Lott, conforme veremos mais adiante
4
.
4
Idéias reunidas por esse autor em palestras e cursos livres dos Professores: Prof. Dr. Caio Navarro de
Toledo, PUC-SP, Prof. Dr. Flávio de Saes, FEA-USP-SP e Prof. DR. Oliveiros, PUC-SP.
15
A questão militar se torna mais evidente ao término da Segunda Guerra,
quando emerge entre os oficiais de alta patente o desejo de fazer do Brasil
uma grande potência bélica através do desenvolvimento da indústria nacional
(GREMAUD, SAES & TONETO, 1997: 154).
Ao final do conflito surge a formação de dois grupos distintos nas Forças
Armadas. Primeiro, o grupo dos chamados entreguistas formado pelos oficiais
que participaram das forças expedicionárias nos campos da Europa. A
denominação faz alusão aos oficiais desse grupo, concentrado na Escola
Superior de Guerra (ESG) e que nutrem enorme simpatia pela América do
Norte. O segundo grupo, os nacionalistas, era formado por oficiais de
orientação mais à esquerda e mais ligados às tradições do Clube Militar
5
.
Voltando à dinâmica política, em outubro de 1945, Vargas foi deposto
por imposição do alto comando do Exército, devido à possibilidade da quebra
de sua promessa de entregar o cargo para a realização de eleições livres. O
estopim dessa crise política teria sido a indicação pelo Presidente do seu
irmão, Benjamin Vargas, para chefe de polícia da Capital Federal, um cargo
importante devido à função repressiva daquele órgão durante o primeiro
Governo Vargas (FAUSTO, 2006: 146-155).
Dutra foi eleito em dezembro de 1945 sob a sigla do PSD (Partido Social
democrata), grupo muito próximo às tradições do Partido Republicano da
República Velha, ligados às antigas máquinas políticas estaduais. O retorno à
democracia é pontuado pela consolidação de práticas populistas
6
que se
proliferam por todo o continente. As massas populares surgem como forças
manipuladas por grupos dominantes que reivindicam para si as interpretações
legítimas dos interesses nacionais (WEFFORT, 2003, 69-89).
Sumarizando, políticos com grande poder de persuasão tomam o posto
de intérpretes das demandas populares, configurando-se em um modelo de
ascensão ao poder que à medida que o tempo avança vai tornando os
candidatos menos dependentes dos partidos políticos, é o exemplo de Jânio
5
Essas denominações sofrem algumas variações, entre elas o grupo da Sorbonne, em alusão aos oficiais
da ESG e o núcleo duro, oficiais de linha mais conservadora, ligados ao Clube Militar, palestra no curso
Brasil: Democracia e Desenvolvimentismo 1945-1964, Prof. Dr. Samuel Alves Soares, UNESP-Franca.
6
O termo populismo vem sendo alvo de diversas controvérsias nos últimos anos, o que torna o
aprofundamento nas possíveis versões do termo uma tarefa que foge ao escopo do presente trabalho. Para
maiores informações sobre o assunto, ver: PIRES, 1995 e WEFFORT, 2003.
16
Quadros que se elegeu sob uma legenda partidária de pouca expressão,
conforme veremos.
O governo Dutra experimenta um breve momento de paz, proporcionado
por uma coalizão da qual até mesmo a UDN participa. Todavia, com a escalada
de preços e a visita ao Rio de Janeiro do General Eisenhower, Presidente dos
Estados Unidos da América, surgem divergências entre os ultranacionalistas e
os comunistas.
Após as eleições de 1947 o PCB se torna um partido poderoso,
elegendo vários deputados e um senador, alcançando a maior bancada na
Câmara da Capital Federal. O avanço das bases do PCB levou Dutra a lançar
mão de atos repressivos contra os comunistas, atitude imediatamente ratificada
pelo Exército e “pelos de dentro”, que encontravam no início da Guerra Fria,e,
portanto, na simpatia da maioria dos militares, o respaldo necessário para a
radicalização. A eliminação do PCB criou a oportunidade que o PTB
aguardava para cativar a esquerda como a única opção para as crescentes
massas urbanas.
A eleição de Ademar de Barros em São Paulo consolida a posição do
PTB como o interlocutor da classe média, desbancando de uma só vez a UDN
e o PSD, além de alcançar maciça votação entre os eleitores da esquerda
(SKIDMORE, 2000: 95-96).
Entre um ataque e outro de Getúlio, Dutra carrega um mandato de
reconstrução do pós-guerra, primeiramente pregando um forte liberalismo
econômico e depois promovendo barreiras tarifárias e cambiais. Vargas
apoiava os candidatos do PSD e participava de comícios dos candidatos do
PTB. Dessa forma ele ia garantindo suporte multipartidário para sua
candidatura.
Ao aproximarem-se as eleições de 1950, Vargas consegue o aval do
General Góes Monteiro para assumir o cargo, caso saísse vencedor nas
eleições. Fica patente que Getúlio Vargas foi um hábil articulador, além de ter
conseguido cooptar seus adversários
7
, pois esvaziou a candidatura do PSD,
partido que até pouco tempo antes das eleições o tinha como senador da
República.
7
O General Góes Monteiro foi um dos chefes militares que articularam a deposição de Vargas.
17
É fácil imaginar que quando se retirou da legenda, Getúlio possivelmente
tenha levado muitos quadros do PSD para o PTB.
“Se for eleito a três de outubro, no ato da posse, o povo subirá comigo
as escadas do Catete. E comigo ficará no governo” (SKIDMORE, 2000).
Com essas palavras Getúlio volta ao poder com um total de 48,7% dos
votos, alcançando quase que a maioria absoluta dos eleitores.
Para a UDN, a eleição de Vargas indicava que o sistema democrático
não funcionava no Brasil, manifestação compartilhada por algumas lideranças
militares (SKIDMORE, 2000: 136).
O segundo mandato de Vargas inicia-se sob a pressão das dívidas
políticas contraídas durante a campanha presidencial, o que provocou o
loteamento dos cargos nos ministérios entre os partidos que o apoiaram.
Getúlio assume um país diferente daquele que comandou por 15 anos. A
aglomeração urbana já se fazia sentir devido à industrialização, mas sem haver
uma clara distinção entre os grupos no que se refere à formação de classes. O
que se via ainda era um país apoiado no paternalismo estatal.
As questões sobre o desenvolvimento passaram a ganhar espaço na
classe política. As lideranças industriais seguiam as idéias desenvolvimentistas
de Roberto Simonsen e tinham como representante político o PSD de São
Paulo. Os operários encontravam-se politicamente desorganizados, servindo
apenas de instrumentos para os populistas, seduzidos pelas promessas de
ampliações dos benefícios trabalhistas. A classe média era formada por
burocratas: profissionais liberais, e empregados do comércio, ligados ao
crescimento, que não dependiam do desenvolvimento, mas da urbanização e
do poder federal, guardando fortes vínculos com o Brasil da República Velha e
repudiando medidas que pudessem alterar o “status-quo”. Já o grupo dos
profissionais liberais e administradores almejava um futuro melhor na medida
em que o País desenvolvesse a indústria. À UDN interessava o aliciamento dos
dois grupos (SKIDMORE, 2000: 142-146).
A abertura política dificultou as coisas para Getúlio no seu segundo
mandato. Como dito anteriormente, as populações urbanas estavam ansiosas
por decidir os rumos do País, os meios de comunicação já não sofriam a
intervenção dos aparelhos repressores, instalados durante os anos do Estado
18
Novo, e o grupo militar se compunha de setores fortemente divergentes,
principalmente entre os oficiais.
A UDN passou a praticar uma oposição mais agressiva. A cisão dos
militares entre conservadores e nacionalistas aumenta e a governabilidade não
depende mais da retórica e de negociatas. A imprensa conservadora, na figura
do jovem udenista Carlos Lacerda, também passa a agredir Vargas mais
intensamente. Pela ala esquerda, Vargas começa a amargar pesadas críticas
devido ao apoio dado aos Estados Unidos no início da guerra da Coréia e à
inflação que infligia perdas aos assalariados. Getúlio já encontrava dificuldade
em dialogar tanto com a direita quanto com a esquerda. A saída encontrada
por Vargas foi uma tentativa de retomar o diálogo direto com as massas,
nomeando para Ministro do Trabalho João Goulart, seu conterrâneo e antigo
protegido no PTB, que se identificava com os trabalhadores. Essa estratégia
visava uma reaproximação da esquerda.
Em março de 1953, Jânio Quadros, um político de fora dos quadros dos
três grandes partidos vence com maciça votação as eleições para prefeito da
Capital paulista. Seu discurso era dirigido principalmente à classe média, em
prol da honestidade e contra o governo Vargas e a corrupção que este permitia
negligentemente. A escalada de Jânio confirma o distanciamento da classe
média em relação ao estilo de governança empregado e dos partidos que
tradicionalmente acolhiam seus interesses, a saber, a UDN, o PSD, o PSP e o
PTB. Essa situação refletia os anseios das Forças Armadas, cujos oficiais eram
em grande medida oriundos de famílias de classe média.
Os esforços em reconquistar a esquerda levam Getúlio a adotar o estilo
nacionalista, e em um inflamado discurso em Curitiba denuncia os abusos nas
remessas de lucros das empresas internacionais que se aproveitam das
dificuldades econômicas do País. Um desastroso programa antiinflacionário em
1954, causado por dificuldades no balanço de pagamentos, devido a
escaramuças entre o governo brasileiro e o americano em função dos preços
do café fracassa. A situação se agrava quando os trabalhadores promovem
comícios manifestando seu repúdio aos aumentos no custo de vida e
reivindicando reajustes salariais.
Entre os militares, uma disputa interna coloca os conservadores anti-
getulistas em situação privilegiada, e a pressão passa a partir igualmente das
19
Forças Armadas. A promessa do Ministro do Trabalho, João Goulart, de um
reajuste de 100% no salário mínimo coloca Vargas em uma posição difícil, o
que resulta na demissão de Jango. Tentando manter o apoio da esquerda
Vargas endurece no discurso nacionalista. A imprensa, que agora além de
Lacerda, comporta uma legião de veículos descontentes com o governo fecha
o cerco em torno do presidente. Pouco tempo depois Getúlio Vargas, em 1º de
maio de 1954 em discurso aos trabalhadores, anuncia o reajuste do salário
mínimo em 100%.
O reajuste foi recebido com grande apreensão pela classe empresarial,
pelos militares e pela classe média, ciosos de que não haveria outra forma de
absorver a medida a não por meio do repasse nos custos. Essas classes
tinham um maior poder de mobilização do que os trabalhadores, que eram
pouco articulados, e o reajuste não rendeu os resultados esperados por Vargas
(SKIDMORE, 2000: 171).
Algumas lideranças militares já falavam em nova deposição. Após o
desastrado atentado cometido, por um dos homens de confiança de Getúlio,
contra o jornalista Carlos Lacerda, a situação de Vargas se torna insustentável.
A pressão para a renúncia ganha cada vez mais adeptos, chegando-se ao
ponto de um grupo de políticos próximo ao Presidente lhe propor diretamente a
saída. A renúncia passou a ser uma exigência de alguns líderes das Forças
Armadas. Vargas resistiu com apoio de poucos Ministros Civis, porém, às
6h30min da manhã de 24 de agosto de 1954 quando foi anunciada decisão
unânime da Forças Armadas pela renúncia, Getúlio retirou-se para seu quarto
e suicida-se por volta das 8h30min da mesma manhã (FAUSTO, 2006: 189-
193).
O fim de Vargas é marcado pela neutralidade resultante das forças que
fizeram oposição à controversa figura política na qual ele se transformou.
O gaúcho de São Borja foi objeto de controvérsias, pois ao passo que
para alguns ele teria sido o “pai dos pobres” para outros não passou de ditador
e populista
8
. Contrapõem-se a essas opiniões as obras concretas realizadas
por Vargas: a política de valorização do café, a reestruturação do Estado com a
criação do DASP, a Consolidação das Leis do trabalho (CLT), a construção da
8
Populista aqui empregado como sinônimo de demagogo.
20
CSN, fundação da Petrobras, da Eletrobrás, da Caixa Econômica Federal,
entre muitas outras.
A nota de despedida de Getúlio, na qual ele emprega termos
criteriosamente escolhidos, transfere a culpa da crise aos seus detratores,
motivando inclusive a saída de Carlos Lacerda do País. As Forças Armadas,
que no início da crise política exibiam fortes divergências quanto à
possibilidade de deposição do presidente, emergem da crise mais coesas e
organizadas.
Sob a legenda do PSP, Café Filho, o Vice-Presidente de Vargas, um
político afinado com a ala conservadora do partido, assume a presidência e
nomeia Eugênio Gudin seu Ministro da Fazenda e o General Lott para
Ministério da Guerra. O restante dos cargos foi distribuído entre os partidos
mais conservadores.
1.2.2 Do fim do compromisso ao Golpe.
Café Filho levou um governo de transição, mantendo as eleições no
congresso para outubro de 1954, que são marcadas pelos bons resultados
obtidos pela UDN e pelo PSD que preenchem a maioria das cadeiras do
congresso.
Confirmada também a eleição para presidente em outubro de 1955, o
PSD mineiro, setor de influência de um antigo interventor daquele estado,
Benedito Valadares, indica o Governador do Estado, Juscelino Kubitschek,
apadrinhado político de Valadares, como candidato à presidência da República.
As ligações entre o Governador Valadares e Getúlio Vargas durante o Estado
Novo fazem de Juscelino um dos herdeiros políticos de Getúlio.
Não bastasse o apadrinhamento, o PSD coloca a candidatura de João
Goulart para vice-presidente
9
. A situação causa apreensão entre os militares.
Há uma cisão no PSD e um grupo dissidente lança candidatura própria
escolhendo um candidato mais à direita. O PSD faz uma aliança com o PTB,
aumentando a desconfiança dos anti-getulistas.
9
Naquela época não havia a necessidade de vinculação partidária entre o candidato à presidência e seu
vice.
21
O discurso de Kubitschek era no sentido de avançar a industrialização,
seguindo os preceitos de Roberto Simonsen, ou seja, de apoio e investimentos
governamentais para o setor industrial.
Apesar das ameaças de golpe, principalmente por aqueles que
desejavam impedir o retorno “dos de dentro”, entre eles Carlos Lacerda, em
três de outubro a chapa Juscelino-Jango vence as eleições
Em meio a um processo de posse tumultuado pelas discussões em torno
da legalidade das eleições, Café Filho é afastado por motivos de saúde. Há um
forte movimento golpista por parte de alguns setores das Forças Armadas, de
Lacerda e de alguns políticos anti-getulistas que receavam a volta ao antigo
regime.
Juscelino assume o mandato sob a tutela do legalista General Lott, que
mobilizou todos os meios disponíveis para manter o resultado das eleições,
promovendo um contragolpe preventivo durante o afastamento de Café Filho.
As forças que elegeram Juscelino, o PSD e o PTB, saem mais unidas
após as eleições. A situação evidencia a dificuldade do PTB em caminhar
sozinho no campo político. Outro aspecto observado nas eleições é que
mesmo com viés anti-getulista, os militares não se alinhavam à UDN, pois
mesmo nas situações em que não estavam dispostos a aceitar “os de dentro”,
não endossavam as propostas dos liberais, permanecendo as Forças Armadas
como uma força autônoma.
O governo de Juscelino é marcado pela modernidade. Os “cinqüenta
anos em cinco” foi a máxima utilizada por um presidente que ambicionava levar
o Brasil ao “primeiro mundo”. O Plano de Metas anunciado pelo Presidente
Kubitschek previa... ”acelerar o processo de acumulação aumentando a
produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos investimentos
em atividades produtoras” (KUBITSCHEK Apud. BENEVIDES, 1979: 210).
O Plano consistia em um conjunto de investimentos que objetivavam a
eliminação de gargalos estruturais diagnosticados pela Comissão Mista Brasil -
Estados Unidos (CMBEU) e pelo grupo CEPAL-BNDE. Os investimentos
dependiam de uma grande fonte de recursos, fato que levou o governo a
ampliar seus canais de comunicação com as grandes potências e com os
grupos estrangeiros (Ibidem.).
22
A despeito dos investimentos associados ao capital estrangeiro, o
governo de Juscelino leva a chancela de Nacional - Desenvolvimentista, uma
designação imprópria no nosso entendimento.
O populismo passa agora por uma fase na qual o líder do governo usa o
sonho do moderno para atrair os aliados, mesmo aqueles mais afinados com a
esquerda. A classe média é seduzida pela idéia de ter o próprio automóvel e
eletrodomésticos modernos, já os trabalhadores enxergavam através do
progresso, mais empregos e melhores salários
10
. Os militares vislumbravam o
Brasil potência
11
. De maneira diferente de Getúlio, Juscelino cativava pelo
entusiasmo com o qual “vendeu” o futuro. Pode-se sintetizar seu governo na
realização de Brasília: para uns o símbolo do moderno, para outros um convite
à corrupção e ao empreguismo, para os militares uma situação estratégica
privilegiada, uma vez que deslocava a capital para um local estrategicamente
mais seguro.
No campo político a aliança PSD-PTB se mostrou eficiente, e os sinais
de que não iria enveredar pelo caminho autoritário manteve a calma da
conservadora UDN. Se por um lado JK manteve a estabilidade política, por
outro promoveu um crescimento industrial sem levar em conta as fontes de
financiamento, o que resultou em uma verdadeira herança negativa para seu
sucessor. Ao final de seu mandato, Juscelino enfrentou sérias dificuldades com
a inflação e com o desequilíbrio externo, resultado de sua obstinação em não
abrir mão do crescimento econômico em detrimento da estabilidade.
O Plano de Metas foi uma experiência bem sucedida em relação às
metas propostas, mas que foi alvo de sérias críticas, principalmente no que diz
respeito à inflação e aos desequilíbrios externos.
Em 1959 começa o movimento para a sucessão, com os ataques dos
“ultranacionalistas” que condenaram a aproximação do governo brasileiro com
o FMI e às facilidades concedidas ao capital estrangeiro durante a execução do
Plano de Metas. Acusados de “porta-vozes de Wall Street”, Lucas Lopes,
Ministro da Fazenda, e Roberto Campos, presidente do BNDE, representavam
10
Uma ilusão criada por JK resolve esse problema, quando os salários sofrem reajustes, mas os preços
também são reajustados subseqüentemente gerando poupança forçada. Para maiores detalhes ver:
LAFER, 2001.
11
JK realizou o sonho de alguns militares, como por exemplo, a compra de um velho porta-aviões para a
Marinha, batizando-o de Minas Gerais.
23
o liberalismo econômico no Governo. Roberto Campos ganha também o
carinhoso apelido de “Bob Field” atribuído pelos movimentos radicais de
esquerda (TOLEDO, 1982: 51).
A exemplo de Getúlio, Juscelino não se vinculou a qualquer partido
político em especial. A sucessão presidencial reflete o descaso de Kubitschek
para o seu candidato, o Marechal Lott, que o apoiou incondicionalmente
durante todo o seu mandato. Acreditamos que essa situação tenha acirrado os
ânimos entre os militares, o que colaborou para o descrédito por parte destes
com relação à classe política.
A candidatura de Jânio Quadros, político de linha independente, cresce
nos meios políticos menos convencionais, fora das hordas do PSD e PTB. Sua
posição aberta contra a corrupção e a precária situação econômica lhe rendeu
popularidade entre as classes média e média-baixa.
Na ala mais convencional, a aliança PSD-PTB opta pela candidatura
Lott, e a UDN finalmente encontra um candidato em condições de ganhar uma
eleição. A chapa Jan-Jan, Jânio para presidente e Jango para vice, ganha
dimensão nacional com as palavras honestidade, desenvolvimento e auxílio
aos setores esquecidos por JK, principalmente a agricultura e a educação.
No início da campanha, Jânio já cultivava a política “de uma no cravo e
uma na ferradura” uma referência ao seu estilo de agradar a esquerda, com a
aproximação de idéias populistas
12
, e pregar a austeridade e o orçamento
equilibrado, um discurso endereçado aos mais liberais, tudo ao mesmo tempo
(CAMPOS, 2001: 390).
O resultado das eleições aponta para uma vitória estrondosa do
independente Jânio Quadros sobre o segundo colocado, o Marechal Lott.
Apesar desse resultado, Jânio não estava ciente das dificuldades que
encontraria em seu governo. Primeiro, a “herança maldita” de Juscelino com
os sérios problemas na área econômica. Segundo, a falta de
representatividade da chapa eleita no Congresso; o que tornava difícil a missão
de aprovar medidas que pudessem solucionar os problemas econômicos
13
.
12
Aqui empregamos o termo na acepção da prática de políticas assistencialistas por parte dos governantes
13
Essa situação não difere muito da encontrada por JK que contornou o problemas da mesma ordem A
solução foi o uso criativo dos instrumentos já existentes, fazendo da improvisação a regra.
24
Medidas de contenção de gastos foram adotadas, tais como: o
fechamento de representações comerciais, a ampliação da jornada do
funcionalismo público, a redução dos gastos com as forças armadas, entre
muitas outras. Todas essas ações tinham por objetivo solucionar a crise no
balanço de pagamentos e a inflação descontrolada, ou seja, um programa de
estabilização.
Jânio adotou medidas cambiais no sentido de atender às demandas do
FMI e dos demais organismos internacionais, com o intuito de resolver os
problemas no balanço de pagamentos através de empréstimos externos. As
demais pendências deixadas por Juscelino não foram resolvidas a contento,
muito pelo contrário, a inflação acelerou-se tornando as coisas mais difíceis
ainda.
Jânio promoveu uma Política Externa Independente, na qual o Brasil não
deveria se alinhar automaticamente a qualquer país ou região específica. Mais
uma vez Quadros exibe seu método particular de agir, visitando Fidel Castro,
cortejando o FMI e o Banco Mundial e recebendo Che Guevara com honras de
Chefe de Estado.
O curto governo de Jânio durou até meados de agosto de 1961, sem
qualquer justificativa convincente de seu abandono do cargo. Sua carta de
demissão é considerada por muitos uma paródia da carta testamento deixada
por Getúlio. É tido como certo que por trás de sua atitude estaria oculto um
“golpe branco”, uma tentativa dramática para que as Forças Armadas,
contrárias à posse de Jango, impedissem a posse do líder trabalhista, e
juntamente com o clamor popular reempossassem Jânio Quadros que
retornaria nos braços do povo (TOLEDO, 1982).
A fantasia de Jânio Quadros não se realizou, e João Goulart, que se
encontrava na China na ocasião da renúncia, retorna ao Brasil.
A conservadora UDN, juntamente com os militares, estava realmente
disposta a impedir a posse de Jango, mas o movimento pela legalidade e a
movimentação social impediram o golpe, o que garantiu a posse do vice-
presidente.
Nas palavras de Caio Navarro de Toledo:
“O governo João Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signo do
golpe de Estado. Se em agosto de 1961, o golpe militar pôde ser conjurado, em
25
abril de 1964, no entanto, ele deixaria de se constituir no fantasma – que
rondou e perseguiu permanentemente o regime liberal-democrático
inaugurado, em 1946 – para se tornar uma concreta realidade” (TOLEDO,
1982).
Porém, a disputa sobre o impasse estava longe de ser resolvida, e a
saída encontrada foi a adoção do parlamentarismo, proposta elaborada pelos
conservadores da UDN e do PSD. O golpe fora debelado com uma solução
provisória, pois a medida previa um plebiscito em 1963 para aprovar a
mudança do regime, uma vez que a alteração se deu através de emenda
constitucional.
Jango recebeu a faixa presidencial, mas o governo de fato era exercido
por um conselho de ministros que foi se alternando até o plebiscito em 1962. A
vitória do restabelecimento do presidencialismo recebeu apoio dos
trabalhadores e dos setores militares favoráveis ao regime anterior.
Este período da história política brasileira é marcado por uma
efervescência decorrente da polarização política e ideológica com dimensões
inéditas e de características singulares (TOLEDO, 1982: 9).
As forças políticas atuantes estavam bem delineadas e com propostas
claras sobre suas convicções e objetivos.
O agravamento da crise econômica herdada por Jânio e por ele
alimentada coloca mais pressão ao já combalido governo de Jango. É criado
então o Ministério do Planejamento, e convidado o economista Celso Furtado
para ocupar a pasta. Furtado que havia elaborado em 1962 o Plano Trienal de
Desenvolvimento Econômico e Social, institui o auspicioso programa de
investimentos e de políticas financeiras, fiscais e cambiais que aliavam o
desenvolvimento ao combate à inflação.
Em 1962 o baixo crescimento do Produto e a aceleração da inflação já
apresentavam sinais de que a economia caminhava para um período de muita
turbulência, exigindo medidas urgentes de estabilização e de crescimento.
Os objetivos básicos do Plano eram dispostos em oito itens, os quais
foram resumidos, a seguir:
26
1. Assegurar uma taxa de crescimento da renda nacional em 7%
anuais, correspondendo a 3,9% de crescimento “per capita”
14
,
2. Reduzir progressivamente a pressão inflacionária, com o corte pela
metade nos índices observados em 1962, buscando atingir no
máximo 10% em 1965,
3. Criar condições para uma distribuição mais equânime dos frutos do
desenvolvimento,
4. Intensificar a ação do Governo no campo educacional, na pesquisa
científica e tecnológica e na saúde, a fim de assegurar uma melhoria
do homem como fator de desenvolvimento, permitindo à população
acesso ao progresso cultural,
5. Orientar o levantamento adequado dos recursos naturais e a
localização da atividade econômica, visando à redução de
disparidades e desigualdades regionais,
6. Eliminar progressivamente os entraves de ordem institucionais,
responsáveis pelo desgaste de fatores de produção e pela lenta
assimilação de novas técnicas,
7. Encaminhar soluções visando a refinanciar adequadamente a divida
externa que se caracteriza pelo excessivo peso dos compromissos
de curto prazo no total das obrigações,
8. Assegurar a unidade do Governo no comando das agências que
compõem as diretrizes do plano que vise à consecução de todos os
objetivos anteriores (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1962: 7-8)
Nota-se que o Plano era ambicioso no que diz respeito ao combate à
inflação, todavia sem que se sacrificasse crescimento da renda. Uma maior
justiça distributiva também mereceu a atenção especial do Plano que se
mostrou otimista quanto à ultrapassagem das barreiras políticas que se
imporiam às metas estabelecidas.
O desenvolvimento se daria através da planificação que previa
investimentos da ordem de 3,5 trilhões de cruzeiros nos triênio 1963/ 1966. As
previsões eram de que a produção agrícola deveria sofrer um aumento de mais
14
Essa era uma das principais metas do Plano que atribuía ao lento crescimento da renda ao crescimento
populacional um dos motivos que distanciavam a economia brasileira das economias capitalistas
européias (Presidência da República, 1962, Plano Trienal)
27
de 18% e a de aço se elevaria de 2,7 milhões de toneladas em 1962 para 4,3
milhões até 1965, só para citar alguns dos objetivos propostos.
Do ponto de vista da política fiscal, monetária e cambial, essas deveriam
visar a um esquema de financiamento que proporcionaria os recursos
necessários à planificação dos investimentos.
A inflação, segundo o Plano, tinha sua causa principal no setor público e
suas formas de financiamento. O Plano previa que, se fossem efetuados os
gastos públicos previstos em 1,5 trilhões de cruzeiros para o ano de 1963, sem
que se alterasse a previsão de receitas, a inflação passaria dos 100%, o que
levaria o País à hiperinflação (Idem. p. 10-11). Os gastos deveriam ser
reduzidos a um trilhão de cruzeiros, mesmo assim previa-se um déficit de caixa
de 300 milhões de cruzeiros. Nessa hipótese a estimava era de que um déficit
dessa ordem não causaria pressões inflacionárias e permitiria a execução dos
investimentos necessários ao crescimento.
O crédito do setor privado deveria crescer no montante do nível de
preços adicionado ao aumento do produto real. As medidas previam ainda o
controle da expansão do crédito nos bancos privados. Portanto, medidas que
remetem a uma variante monetarista que permite a otimização do nível de
emprego ao limite das pressões de custos como teto para a variação dos
preços
15
.
A política cambial asseguraria ao setor exportador um nível de renda
que estimulasse os fluxos para o exterior. Ao mesmo tempo manter-se-ia um
volume de importações que não ultrapassasse a capacidade de importar. Esse
ponto é enfatizado pelo plano como fundamental para o êxito da política de
estabilização.
O equilíbrio externo também dependia de empréstimos e financiamentos
do exterior para que se mantivesse um nível satisfatório de estabilidade. Dessa
dinâmica estabilizadora dependia também o esforço para a volta do
crescimento econômico.
Chamamos a atenção para o fato de que alguns dos diagnósticos e
diretrizes do Plano Trienal não divergiram muito de algumas práticas
estabilizadoras empregadas posteriormente no PAEG, conforme veremos na
análise de Martone sobre o Plano do Governo Castelo Branco.
15
Veremos esse tópico mais detidamente no Capítulo III do presente trabalho.
28
O plano recebeu forte crítica por parte da esquerda que não aceitava a
diminuição dos gastos públicos para a redução da inflação. As medidas do
plano esbarravam nas reivindicações por maiores salários, o que era
incompatível com as diretrizes propostas. As críticas apontavam a manutenção
dos lucros do setor industrial e o sacrifício apenas dos trabalhadores, como
uma afronta às classe populares. Com o fim do subsídio do trigo, a sustentação
do plano se torna impossível.
No setor externo a situação consegue ser pior. Uma missão ao FMI
chefiada por Santiago Dantas, o Ministro da Fazenda, fracassa em obter
empréstimos necessários à execução do Plano. Os recursos só seriam
liberados se o Governo brasileiro adotasse medidas de contenção de difícil
aceitação popular.
Em resposta, Goulart sanciona a Lei de Remessa de Lucros que estava
aprovada pelo Congresso, mas que aguardava apenas a regulamentação pelo
chefe do executivo; o que acabou deteriorando mais ainda as relações com os
Estados Unidos.
Na política interna, o presidente vai se isolando cada vez mais, na
medida em que não consegue o apoio necessário à sustentação de seu
governo. Várias manifestações e demonstrações de indisciplina são flagradas
diariamente. À esquerda ou à direita o presidente não encontrava respaldo
para qualquer medida que pudesse reverter a situação de caos em que se
encontrava o País.
Jango, em uma tentativa desesperada, tenta invocar o estado de sítio,
dando demonstração a seus adversários de que já não tem qualquer controle
sobre a situação. Seus últimos atos na presidência são mais um impraticável
aumento salarial e a sua participação em um comício promovido pelas
esquerdas, contra o Governo.
O golpe é deflagrado pelos militares
16
que, apoiados pelo empresariado
nacional, pelos movimentos urbanos conservadores, pelos grupos industriais
internacionais e por grupos católicos mais tradicionais, depõem o Presidente
em exercício.
16
O golpe foi concebido pelos militares da famosa ala da Sorbonne, composta por oficiais ligados à ESG
(Palestra no curso Brasil: Democracia e Desenvolvimentismo 1945-1964, Memorial da América Latina,
São Paulo, SP, pelo Prof. Dr. Samuel Alves Soares, UNESP-Franca-SP).
29
Como já havíamos constatado anteriormente o movimento conservador
vem se consolidando ao longo do tempo e impondo sua força aos demais.
Cumpre resgatar um trecho de Skidmore (SKIDMORE, 2000) ao analisar
o fim do governo Vargas:
Sem unidade interna, não podiam ter a certeza (sic) de agir
decisivamente numa crise. Na verdade foi o monopólio de força do exército e
sua capacidade de movimentar essa força rapidamente em todo o território
nacional que lhe forneceu a base como árbitro político (SKIDMORE, 2000:157).
É evidente que são episódios diferentes, mas a firmação de Skidmore se
identifica fortemente com golpe de 1964.
A outra conclusão a que chegamos é que apesar de não haver qualquer
relação direta, a maneira pela qual o populismo se manifesta, com alguns
políticos atuando como intérpretes dos anseios da sociedade, é assimilado
pelas Forças Armadas, quando estas assumem o papel de intérpretes dos
interesses das lideranças conservadoras, buscando conciliar estes aos seus
propósitos.
Ao terminarmos a exposição dos antecedentes políticos da crise dos
anos 1960, nos resta apresentar algumas importantes conclusões:
a) A mudança do foco de poder dos estados para a Capital Federal
mudou de forma definitiva a dinâmica da política brasileira,
consumando-se em uma polarização de forças que funcionam como
blocos de poder que se fragmentam e se fundem, ora defendendo,
convergindo para uma posição unânime, ora disputando posições
“palmo-a-palmo”,
b) As questões econômicas assumem um papel importante no cenário
político nacional, devido à industrialização e à urbanização do País,
c) Os militares estiveram sempre muito presentes na vida política do
País, além do necessário e do desejável,
d) O populismo passa a ser a ferramenta que foge ao controle dos
partidos e das lideranças políticas, causando maior instabilidade no
processo político,
e) O cenário político internacional, através da polarização leste-oeste,
exerceu forte influência política na região, causando um temor
30
exagerado dos movimentos sociais que, legitimamente, pregavam
uma maior justiça social e seriedade na gestão pública,
f) Houve uma tendência à preponderância dos setores conservadores
da sociedade no cenário político que, sob influência Norte –
Americana, desencadeou o Golpe de 1964.
São questões políticas que acabam se infiltrando no ambiente
econômico, ao ponto de inviabilizarem a execução dos planos de estabilização
de Kubitschek, de Jânio e de Goulart. Ao mesmo tempo em que a crise política
cria dificuldades aos gestores da economia, ela também produz uma
interferência que dificulta a análise dos economistas, o que às vezes nem
mesmo o tempo trata de corrigir.
De qualquer forma, alguns anos mais adiante se recuperaria o ritmo do
crescimento econômico, mas a quem ele interessava e quem colheria seus
resultados, são questões que fogem ao escopo de nosso trabalho.
1.3 Uma análise empírica da Crise.
Estabelecemos os antecedentes políticos que emolduraram a crise
econômica dos anos 1960, cabe agora elaborarmos uma análise de alguns
agregados econômicos para termos a dimensão aproximada dos desequilíbrios
que levaram às reflexões às quais iremos abordar ao longo do nosso trabalho.
Após uma avaliação preliminar dos dados disponíveis no Ipeadata, no
IBGE e na Fundação Getúlio Vargas, selecionamos alguns números, os quais
no nosso entendimento são os mais significativos para a complementação do
debate que pretendemos reconstruir.
A tabela I a seguir reúne alguns dados sobre a crise. Tomamos alguns
períodos anteriores e posteriores a título de comparação. Os números mais
significativos e, portanto, explorados pela bibliografia disponível são as taxas
de crescimento do Produto Interno Bruto e os índices de inflação.
As cifras não deixam dúvida de que houve uma ruptura com o padrão de
crescimento da economia que deixou muito a desejar no intervalo entre 1962 e
1967. Se, analisadas as taxas médias de períodos anteriores, entre 1954 e
1961, veremos que a economia cresceu a uma taxa média de 8,23%.
Comparados aos 3,25% de crescimento médio entre 1962 e 1964, dado que de
31
1966 até 1973 o Produto volta a crescer à taxa média de 9,73%, é de se
estranhar que houvesse uma queda expressiva da taxa de crescimento em um
momento no qual a economia acabava de concluir a série de investimentos
efetuados pelo Plano de Metas. Em 1963 a variação do PIB atingiu 0,6%.
Em sentido oposto, a inflação parte de um patamar de pouco mais de
30% em 1960 e dá um salto, chegando 47,8% em 1961, um aumento superior
a 50%. Os preços seguem em trajetória ascendente atingindo 93,1% em 1965.
Esses níveis só começam a cair a partir de 1965, como resultado de políticas
monetárias e fiscais contracionistas adotadas durante o Plano de Ação
Econômica do Governo instituído por Castelo Branco, conforme veremos no
Capítulo III do presente trabalho.
As expansões monetárias constituem outra fonte de preocupação dos
economistas, haja vista que nas duas bases de dados, tanto da base
monetária, quanto das emissões de papel moeda, essas passam a acelerar-se
a partir de 1960, voltando a reduzir-se apenas em 1966. A base monetária mais
que duplica, passando de 86 bilhões
17
em 1960 para 180 bilhões em 1961. O
mesmo ocorre com as emissões em papel moeda, quando há um aumento de
50%, passando-se de 20,6 bilhões em 1960 para 31,4 bilhões de em 1961.
As duas bases são importantes na medida em que concorriam com os
reflexos do Balanço de Pagamentos como as principais fontes de inflação.
Essa afirmativa é muito mais ampla do que parece, em razão de outro debate
que ocorria acerca da crise, envolvendo os economistas de orientação
monetarista e os estruturalistas. Os primeiros atribuíram às emissões
desenfreadas o papel de principal fonte de inflação. Já a corrente estruturalista
associava a inflação a elementos estruturais, como a tecnologia adotada, a
disponibilidade e os tipos de recursos disponíveis e às pressões no balanço de
pagamentos, entre outros determinantes. Retomaremos esse debate ao
desenvolvermos nosso trabalho.
Nota-se ainda que a base monetária sofreu uma elevação
significativamente maior em termos percentuais , mais de 100% de aumento,
do que as emissões de papel moeda.
17
As duas bases de dados estão disponibilizadas em mil reis, já que as bases completas têm início em
1901, conforme nota da publicação, Ipeadata.
32
33
Isso, em associação ao fato de o Banco do Brasil atuar de forma muito
peculiar em relação aos demais bancos comerciais, implica um aumento do
multiplicador bancário que se manifesta de forma a potencializar os efeitos da
expansão monetária conforme se verificará nas análises posteriores. Outra
observação importante faz justiça a Celso Furtado que fora apontado como
extremamente monetarista nas diretrizes elaboradas no “seu Plano Trienal. As
emissões em 1963, ano de implantação do Plano, não se mostraram muito
dispares do que se vinha observando, reduzindo-se relativamente em 1963
face as de 1962 e 1961.
Outros dados importantes são os referentes à balança comercial,
pois estes refletem indiretamente o nível de atividade de uma economia em
crescimento, uma vez que para a expansão do sistema são necessários
maiores quantidades de insumos e equipamentos importados para que se
mantenha o ritmo de crescimento. Não é o que se observa na tabela I, quando
notamos que há um déficit importante em 1960, parte da herança de Juscelino
a Jânio. A seguir há um superávit comercial de 111 milhões de dólares em
1961, que se analisado em conjunto com a queda de 16,6% na Formação
Bruta de Capital Físico, indica ter havido uma importante retração nos níveis de
investimento, mantidos os níveis de estoques.
A análise de Martone (MARTONE, 1992) tratará desse assunto de forma
mais apropriada. Outro fator relevante a respeito da Balança Comercial diz
respeito à reforma cambial implementada por Clemente Mariani, o Ministro da
Fazenda de Jânio Quadros, que extinguiu os leilões de câmbio, simplificando o
sistema a uma única taxa desvalorizada em 100%. Essas medidas postas em
conjunto com a queda dos subsídios ao trigo, ao papel de imprensa e ao
petróleo oneraram muito as importações; outro elemento a corroborar a queda
na atividade uma vez que o País se encontrava fortemente dependente dos
derivados de petróleo.
No restante, nota-se que a tendência aos superávits segue até o início
do “Milagre”, quando a necessidade de importações para atender tanto a
demanda para consumo, quanto às necessidades do setor produtivo, provocam
quedas substanciais dos superávits, indicando a retomada do ritmo de
crescimento.
34
Os crescentes déficits públicos
18
contribuem para o agravamento do
quadro, quando observados os crescimentos desses números à medida que a
crise avança, denotando uma incapacidade de o Estado em se financiar de
forma equilibrada. A despeito de estarmos cientes da importância do papel do
Estado na economia, acreditamos que uma estrutura com excesso de “peso”
na dinâmica econômica deixa pouco espaço para a expansão das atividades
do setor privado.
Podemos identificar na tabela II alguns aspectos relevantes a esse
respeito:
18
Na coluna dos déficits ocorreram duas mudanças no padrão monetário: uma em 1967 e que durou até
1966, quando se passou de cruzeiros para cruzeiros novos e a partir de 1970, quando o novo padrão volta
a se chamar cruzeiro (Ipeadata).
35
Se observarmos a primeira coluna, em 1960 a agropecuária respondia
por 17,76% do Produto Interno Bruto, reduzindo-se para 15,86% em 1965 e
para 11,55% em 1970. A indústria segue a mesma tendência entre 1960 e
1965 quando a sua participação cai de 32,24% para 31,96%, voltando a
crescer apenas a partir de 1965, atingindo 35,84% em 1970.
Em sentido oposto observamos um avanço da participação do setor
financeiro juntamente com a administração pública, com tendências sempre
crescentes, antes, durante e após a crise. Essas observações demonstram que
houve um crescimento do setor financeiro e do Estado, com destaque para o
primeiro que acusa maior crescimento após o Golpe de 1964.
Pelo lado do setor financeiro poderíamos explicar essa tendência como
um fenômeno mundial associado ao capitalismo financeiro e à
conglomeriazação, e, ou, simplesmente pelo fato de os bancos comerciais
operarem com certa folga devido ao processo inflacionário, arbitrando entre as
taxas de redesconto do Banco do Brasil e as taxas reais praticadas contra os
tomadores de crédito. Após o Golpe, a explicação ficaria por conta de um maior
entendimento entre o Governo e o capital internacional fortemente apoiado no
setor e do surgimento de novos instrumentos, tanto na captação, quanto na
concessão de créditos.
Por outro lado, o crescimento do Estado pode ser relacionado à sua
maior participação nas atividades econômicas através de investimentos em
infra-estrutura. Após o Golpe, a explicação pode ser associada a questões
políticas com a tomada do poder pelos militares que optaram por um Estado
inflado para atender a objetivos políticos e à uma maior cobertura da
administração sobre o território nacional. Para Martone, no entanto
(MARTONE, 1992) a explicação se resumiria no agigantamento do Estado que
passa a absorver maiores partes dos recursos antes destinadas ao setor
privado, devido às políticas fiscais e creditícias adotadas pelo PAEG
(MARTONE, 1992).
Para encerrarmos, comentaremos brevemente alguns fatores
conjunturais que podem ter afetado o desempenho da economia no início dos
anos 1960. Primeiramente há a menção de Serra (SERRA, 1988) sobre
instabilidades climáticas que teriam causado secas, combinadas com geadas,
em 1963 e teriam provocado a quebra de safras agrícolas, prejudicando o
36
resultado do Produto e contribuindo diretamente para o agravamento do quadro
inflacionário. Do mesmo modo, teriam ocorrido racionamentos de energia
elétrica em razão das secas na região centro-sul, contribuindo dessa forma
com a drástica redução do Produto naquele exercício. Essa última afirmativa de
Serra encontra eco no trabalho de Mesquita (MESQUITA, 1992) que de sua
parte afirma que foram problemas relacionados a um racionamento de energia
elétrica que teriam afetado o desempenho da indústria, e que, portanto, a crise
não passou de uma depressão ocorrida entre 1962 e 1963.
Outro fator conjuntural estaria associado ao agravamento dos problemas
do setor externo a partir dos anos 1950 e que teriam motivando a adoção de
políticas “defensivas” que impulsionaram a inflação e se mostraram
contracionistas durante o Plano Trienal. Serra não explicita quais teriam sido
esses problemas, porém tomamos como certo de que foram causados pela
falta de divisas e a doção de praticas protecionistas, como taxas de câmbio
discriminadas, tarifas preferenciais e o contingenciamento de alguns gêneros
importados. A aprovação da Lei que regulamentava a remessa de lucros das
empresas estrangeiras também pode ter sido alvo das indagações de Serra.
Por último Serra se refere às pressões exercidas pelos sindicatos por
maiores salários e pela redução do intervalo dos reajustes como outro
importante fator de recrudescimento da precariedade da situação. Esta última
afirmativa sem dúvida não poderia ser questionada, conforme verificamos na
seção anterior, com a pressão dos movimentos sociais por maiores salários,
durante o Segundo Governo Vargas até a deposição de Jango.
Através da tabela III iremos discutir a questão energética:
37
Podemos verificar que há um excesso de oferta de energia elétrica sobre
a procura, o que não faz desse elemento um fator determinante da crise, sem
que isso signifique os racionamentos mencionados possam ter prejudicado a
produção industrial daquele ano em especial.
As quebras de safras causadas pelas secas e geadas são pontos de
controvérsia entre alguns autores. Delfim Netto (NETTO 1965) afirma que não
houve qualquer pressão por parte do setor agrícola sobre os preços. Por outro
lado, Serra (SERRA, 1988) afirma que em 1963 o setor foi fortemente
prejudicado. Resta-nos concluir que a taxa de 0,6% de crescimento do produto
em 1963, frente ao ano anterior, recebeu contribuição de vários fatores
conjunturais que pesaram de forma a fazer daquele ano o limite extremo do
retrocesso nas taxas de crescimento do Produto. Por outro lado, se atentarmos
para a tabela IV:
Notamos que alguns gêneros como o algodão e o café, mais
propriamente dirigidos ao mercado externo, tiveram comportamentos distintos.
O algodão experimentou entre 1962 e 1963 um modesto crescimento na
colheita. Já o café enfrentou um sério revés, ao reduzir sua produção em mais
de um milhão de toneladas, mantendo a tendência à queda até o final da crise.
Os gêneros cujas produções se destinam ao mercado interno, como o
feijão e o arroz, mostraram crescimentos compatíveis com os períodos
anteriores.
Portanto, poderíamos dizer que houve algum impacto do setor agrícola
no decréscimo da atividade produtiva, mas que não pode ser inserido entre os
38
principais determinantes da crise, tanto no que diz respeito ao decréscimo do
Produto, quanto no da elevação dos preços. No caso específico do café, que
experimentou baixas decrescentes da sua participação no Produto, devemos
ter em mente que a industrialização colaborou em grande medida para que
esse gênero deixasse de ter importância preponderante sobre a dinâmica da
economia, indicando seu declínio como um fenômeno natural de uma atividade
que ao longo do processo vai perdendo uma parte do seu espaço para outras,
como a do algodão por exemplo.
Cumpre ressaltar que Serra não coloca nenhum dos fatores conjunturais
como preponderantes à desaceleração do crescimento e à elevação dos
preços.
Portanto, ao analisarmos os números da crise, observamos que existem
leituras que vão além da simples redução nas taxas de crescimento do PIB e
dos aumentos dos preços. O comportamento do Estado, do setor financeiro, do
Balanço Comercial e dos investimentos são alguns dos elementos que nos
despertam a atenção e que mereceram apreciações valiosas dos economistas.
Da mesma forma, o debate entre monetaristas e estruturalistas se intensificou
com a crise, revelando-se uma interessante fonte de estudo do pensamento
econômico brasileiro, da qual trataremos a partir do próximo capítulo
39
CAPÍTULO II
O debate sobre a crise econômica dos anos 1960.
2.1 Introdução
Esse capítulo é dedicado aos diagnósticos da crise sob a ótica dos
economistas que iniciaram seus estudos orientados pelas idéias propagadas
pela “escola estruturalista” da CEPAL e se propuseram a analisar o
desenvolvimento industrial brasileiro e as suas limitações.
O capítulo é subdividido em duas partes. A primeira expõe o
pensamento de Celso Furtado, que a despeito de pertencer à corrente
Estruturalista, tema do segundo item, recebeu uma seção exclusiva, dados o
ineditismo e a profundidade de seu trabalho, ao discutir o desenvolvimento
industrial brasileiro. Na segunda seção, nos textos de Maria da Conceição
Tavares e João Manuel Cardoso de Mello, as análises foram aglutinadas
devido à ocorrência de diversas interações entre os ferramentais
metodológicos e as observações daqueles autores que sofreram influência da
“escola estruturalista” em suas carreiras.
A primeira parte é voltada à análise inaugural proposta por Celso
Furtado. Conforme afirmamos anteriormente, as análises anteriores sobre as
observações de Celso Furtado acerca da economia brasileira ao longo dos
anos 1960, invariavelmente se restringem à obra Subdesenvolvimento e
estagnação na América Latina, editada em 1968, quando o autor se encontrava
exilado. É o caso de Maria da Conceição Tavares. A economista, através do
artigo “Além da Estagnação” (TAVARES, 1977)
19
, apresenta uma série de
qualificações às postulações de Furtado sobre a economia brasileira da década
de 1960. O ponto fundamental da crítica de Tavares, para o qual desejamos
chamar a atenção diz respeito ao fato dela se concentrar em dois pontos
essenciais: de um lado ela se baseia apenas no livro “Subdesenvolvimento e
estagnação da América Latina” (FURTADO, 1966) e não atenta para as
restrições de ordem política que Furtado aborda em outras obras
20
. Depreende-
se, portanto, que Tavares não considera a evolução das idéias de Furtado
sobre a estagnação ao longo dos anos 1960 e deixa de considerar a riqueza
19
Elaborado em conjunto com o economista José Serra.
20
Para maiores detalhes ver em: FURTADO, 1962; FURTADO, 1964; FURTADO, 1965 e VIEIRA,
2007.
40
maior do pensamento furtadiano. Por outro lado, a autora restringe ainda mais
sua análise ao dirigir suas críticas apenas a um dos modelos apresentados na
obra em questão. Trata-se do modelo que descreve o processo de
diversificação industrial ocorrido em uma economia agro-exportadora
semelhante à do Brasil. Tavares questiona algumas das categorias utilizadas
pelo autor, aludindo que este teria considerado o modelo como operando em
regime de concorrência perfeita. Afirma ainda, a autora, que a retomada do
crescimento contradizia a teoria estagnacionista proposta por Furtado
21
.
Acreditamos que a crise política iniciada com a renúncia do Presidente
Jânio Quadros, que culminou com o golpe de 1964, juntamente com o “Milagre
Econômico” colaboraram no sentido de dificultar as interpretações dos
fenômenos econômicos do período.
Além da controvérsia entre Furtado e Tavares, o artigo “Political
Obstacles to Economic Growth in Brazil” (FURTADO, 1965)
22
, publicado
quando Furtado lecionou em Yale durante o exílio nos Estados Unidos da
América, constitui uma valiosa fonte de alguns pensamentos pouco explorados
do autor.
Não obstante as razões acima expostas serem suficientes para que se
refaça a trajetória do pensamento de Furtado sobre a crise dos anos 1960,
enfatizamos que as reflexões do autor não estavam limitadas a análises
pontuais sobre um ou outro período em especial, mas sobre o processo de
desenvolvimento econômico nos países periféricos, sobretudo no Brasil, o que
nos leva a analisar seus diagnósticos não apenas frente à crise, mas sobre
todo o processo de implantação e consolidação do capitalismo nesses países.
Portanto, há que se analisar as interpretações de Furtado, respeitando-se a
evolução do seu pensamento ao longo de algumas de suas obras.
O diagnóstico elaborado por Furtado está distribuído em cinco obras:
“Desenvolvimento e Subdesenvolvimento” (FURTADO, 1961), A pré-revolução
brasileira (FURTADO, 1962), “A Dialética do Desenvolvimento” (FURTADO,
1964), o ensaio “Political obstacles to economic growth in Brazil (FURTADO,
1965) e “Desenvolvimento e Estagnação na América Latina” (FURTADO,
1966). Entende-se que nesses cinco trabalhos o autor se empenha em registrar
21
“Além da Estagnação” teve sua primeira edição publicada em 1973, no ápice do “Milagre Econômico”.
41
as observações de um processo único, em franco desenvolvimento, e ao
mesmo tempo seguir ajustando o seu instrumental teórico, buscando o melhor
método para enfim apresentar um amplo diagnóstico das limitações do
desenvolvimento no Brasil.
O segundo item expõe os estudos de outros autores ligados ao
pensamento estruturalista latino-americano com destaque para os textos de
Maria da Conceição Tavares: “da Substituição de Importações ao Capitalismo
Financeiro” (TAVARES, 1972) e suas teses de livre docência, “Ciclo e Crise”
(TAVARES, 1978) e “Acumulação de capital e industrialização no Brasil”
(TAVARES, 1985), oportunidade na qual a autora reformula sua análise sobre
crise. Além de Tavares o referido item apresenta as idéias de João Manuel
Cardoso de Mello, publicadas sob o título “Capitalismo Tardio” (MELLO, 1984)
que propõe uma interpretação histórica alternativa à proposta da CEPAL e o
sistema “centro-periferia”.
O item é subdivido em quatro subseções: O esgotamento da
industrialização substitutiva, que abarca as considerações de Tavares acerca
dos determinantes da crise em “da Substituição de Importações ao Capitalismo
Financeiro”, obra na qual a autora se detém na perda do dinamismo do
processo de industrialização por substituição de importações como a principal
causa da crise; O capitalismo retardatário e o Capitalismo Tardio, com a
reinterpretação histórica de um “certo capitalismo” específico latino-americano,
tese defendida em “Capitalismo Tardio” de João Manuel Cardoso de Mello; A
economia sob efeito dos ciclos econômicos, resultado dos estudos da tese de
livre docência de Tavares: “Ciclo e Crise”, um estudo preliminar cujos
desdobramentos resultaram em “Acumulação de capital e industrialização no
Brasil”, trabalho no qual a autora utiliza vasto ferramental teórico e histórico ao
qual sintetizamos em Acumulação: uma interpretação dinâmica
23
.
2.2 A Crise segundo Celso Furtado.
”Formação Econômica do Brasil” (FURTADO, 1959) é um marco entre
os estudos que almejaram construir uma interpretação das economias
23
Igualmente, poderíamos denominar a análise da autora de “neo-estruturalista”, pois a obra mantém o
conceito do sistema centro-periferia e inclui: modelos dinâmicos de crescimento, conceitos de
organização industrial, economia clássica e a análise histórica.
42
periféricas. A obra é referência primordial para aqueles que buscam entender
os elementos que levaram à industrialização dos países latino-americanos.
Além do minucioso relato de Furtado sobre o processo de industrialização por
substituições de importações, o trabalho aponta para alguns efeitos
indesejáveis do modelo.
De acordo com Furtado, a industrialização substitutiva foi o resultado
inesperado da política de proteção à renda do setor exportador iniciada no
Primeiro Governo Vargas, que, ao tornar mais dispendiosas as importações,
produziu uma situação propícia ao investimento na produção para o consumo
interno. O setor industrial passou a ser o responsável pelo processo de
acumulação e formação de capital, exercendo forte influência no emprego e na
renda, proporcionando um índice alto no multiplicador do desemprego
(FURTADO, 1959: 268-273). A partir de então, passou a ocorrer freqüentes
estrangulamentos no balanço de pagamentos, pois ao manter-se a renda do
setor exportador, manteve-se aquecida a demanda por importados de luxo ao
passo que o novo setor dinâmico passou a disputar com o consumo um rígido
balanço de pagamentos. O resultado é uma perene depreciação cambial que
exerce pressões às contas externas. A desvalorização da moeda e a disputa
por divisas tornam os preços relativos elevados e, portanto, favoráveis a uma
industrialização pouco eficiente, com pressões de custo e produtos pouco
competitivos. A dinâmica desse processo é alimentada por aumentos na renda
que se refletem em pressões no câmbio via consumo de luxo, insumos e
maquinário para o setor industrial. Esse movimento reproduz-se até o pós-
guerra, levando a mecanismos de proteção, como barreiras tarifárias e
cambiais, que acentuam o caráter de uma industrialização frágil.
Ao apontar os efeitos no balanço de pagamento e, por conseguinte, nos
custos, Furtado perpassa pelo problema da concentração da renda e das
disparidades regionais, como um subproduto natural o qual alguns os países
industrializados experimentaram, mas que no caso brasileiro a possibilidade
reversão se prolongaria ao extremo (FURTADO, 1959: 331).
Para finalizar, Furtado aponta a solução através de um amplo processo
de integração nacional com redistribuição dos fatores produtivos entre as
regiões modernas e as arcaicas. Nota-se o otimismo e a crença na total
43
autonomia do País para lidar com seus problemas, na trajetória para a
“potência industrial” latino-americana.
Portanto, em “Formação Econômica do Brasil”, o autor já vislumbrava
dificuldades a superação das limitações estruturais impostas pela
industrialização brasileira que poderiam ser eliminadas através de medidas que
dependiam única e exclusivamente de vontade política, uma vez atingida a
autonomização da formação de capital.
Depreende-se do que acabamos de expor e do que pudemos apurar no
primeiro capítulo do presente trabalho que, ao observar o final do Governo de
Juscelino Kubitschek, que o País experimentava um período de Democracia
como nenhum outro em mais de cinqüenta anos de República. Juscelino, o
presidente que propôs uma guinada à modernização, tendo como seu Vice-
Presidente ninguém menos do que João Goulart, um político ligado aos
movimentos de esquerda, representava um Governo que não gozava de
unanimidade entre as lideranças políticas, sobretudo entre os militares. Apesar
das escaramuças políticas durante todo seu mandato, Kubitschek conseguiu
levar a bom termo todos os seus planos, inclusive a mudança da capital para o
Planalto Central.
A idéia de estagnação não fazia sentido à medida que se “avançava” o
processo democrático, e, portanto, as soluções residiam na ação de um Estado
que se comprometesse com o desenvolvimento. Uma visão à primeira vista
otimista, porém que se coadunava com a conjuntura testemunhada por
Furtado.
Entendemos que na avaliação do autor a possibilidade de estagnação
nas economias subdesenvolvidas tem sua gênese desenvolvida a partir de
“Desenvolvimento e Subdesenvolvimento” (FURTADO, 1961). No capítulo
cinco, “O Desequilíbrio Externo nas Estruturas Subdesenvolvidas” (FURTADO,
1961: 195-231), Furtado expõe algumas limitações às quais estavam sujeitas
as economias primário-exportadoras que adotaram o modelo de
Industrialização por Substituição de Importações, objetivando o rompimento
com as assimetrias oriundas da distribuição internacional do trabalho e,
portanto, com a dependência do nível de emprego dessas economias face às
oscilações do comércio internacional. Em meio a essa discussão, em “Análise
Monetária Corrente do Problema do Desequilíbrio
(FURTADO, 1961:211-231),
44
o autor descreve em grandes linhas as dificuldades e distorções
experimentadas por essas economias quando atingem determinado grau de
diversificação em suas estruturas de produção, qual é o caso do Brasil. As
mudanças estruturais impulsionadas pela aceleração do crescimento levam a
um aumento do coeficiente de investimentos, o que por sua vez traz consigo a
elevação do coeficiente de importações, tanto para o consumo quanto para os
investimentos. No modelo exposto, observa Furtado, a demanda por
importações suplanta a poupança interna gerando inflação através dos déficits
no balanço de pagamentos, principalmente por conta do peso das inversões
que dependem sobremaneira dessas importações. A escassez de divisas
devido ao lento crescimento das exportações eleva os preços dos bens
importados para o consumo e o custo cambial dos investimentos, o que
proporciona aumento nos custos de produção que são repassados aos preços
finais.
Na prática, a situação se tem apresentado em grande número de
países, inclusive o Brasil, como alternativa entre abandonar a política de
desenvolvimento, ou multiplicar as medidas administrativas, como defesa
contra um profundo desequilíbrio de balanço de pagamento, que se projeta na
estrutura de custos e preços, sob a forma de múltiplas distorções. Ao lado
dessas alternativas permanece como simples ilusão – já que se apóia num
inadequado diagnóstico do problema – a idéia de ser possível conquistar o
equilíbrio externo no dia em que se extirpe o mal inflacionário. Ora a inflação
não é, neste caso, um fenômeno autônomo, mas uma manifestação externa de
desajustamentos estruturais que acompanham o processo de crescimento, em
certas fases do subdesenvolvimento, como é, aliás, também, o desequilíbrio no
balanço de pagamentos. A menos que se possam prever e evitar esses
desajustamentos, pagaremos, para não ter inflação e desequilíbrio externo, o
preço de aceitar a estagnação ou, no mínimo, um ritmo mais lento de
crescimento (FURTADO, 1961: 227).
Nota-se a grande preocupação de Furtado em encontrar uma solução
para o desequilíbrio externo sem sacrificar o desenvolvimento. Parte da
solução teria de ser no âmbito da demanda, portanto a gestão cambial por si só
não seria uma alternativa consistente, o mesmo ocorrendo com medidas
pontuais de contenção da inflação.
45
Ainda no mesmo capítulo, Furtado chama a atenção para possíveis
desajustes internos entre oferta e demanda. Segundo o autor, na formação de
capital o sistema de preços é um instrumento de orientação impreciso,
principalmente em economias subdesenvolvidas, nas quais a atividade
empresarial é pioneira em muitos setores. Os novos negócios são
estabelecidos em bases puramente conjecturais, inclusive quanto às reações
dos concorrentes externos, mais experientes e financeiramente robustos. O
capital estrangeiro, que exerce grande peso nos investimentos globais,
defronta-se então com duas alternativas: ativar uma política de preços
agressiva, reduzindo-os de forma a levantar uma barreira à entrada dos
concorrentes locais, ou instalar-se no País amparado por subsídios e/ ou tarifas
favorecidas
24
. Dado o lento crescimento da capacidade para importar, que
depende das divisas geradas pelas exportações, e o fato da indústria
substitutiva ser composta freqüentemente por setores pioneiros, e, portanto,
onde há maiores riscos, é ao capital estrangeiro que interessa as inversões
nesses setores. Aos empreendedores nacionais resta a opção por
investimentos de menor risco, freqüentemente em atividades que já
desenvolviam havia algum tempo, resultando de todo o processo um excesso
da capacidade de produção em determinados setores e insuficiência em outros
(FURTADO, 1961: 229).
Concluímos, portanto, que a análise não se restringe à oferta ou
demanda de forma estanques, tampouco tem suas raízes no volume de
investimentos, haja vista que sob este ponto de vista o problema era de ordem
qualitativa.
Não se trata, apenas, de criar condições propícias a que os empresários
intensifiquem seu esforço de inversão: é necessário dar um passo adiante,
garantindo que as inversões provoquem as modificações estruturais requeridas
pelo desenvolvimento. (FURTADO, 1961: 230)
Por último, mas não menos importante, pontua Furtado, está o caráter
regressivo na distribuição dos resultados obtidos com a industrialização ao final
dos anos 1950,... “tendo o aumento do consumo alcançado o máximo nas
24
As instruções 70 e 113 da SUMOC são exemplos claros desses instrumentos. Para maiores detalhes a
esse respeito ver em: DIB, 1983.
46
classes proprietárias de fatores e o mínimo na agricultura das regiões de mais
baixo nível de vida” (FURTADO, 1961, p. 259-265).
Afirma ainda o autor que devido à existência de uma economia dual,
composta por um setor atrasado com salários em nível de subsistência, muito
abaixo daqueles encontrados nos centros urbanos dinâmicos, e à ampla
disponibilidade de mão-de-obra, qualquer salário um pouco acima do oferecido
nas áreas rurais torna a oferta desse fator abundante, o que proporciona
elevadas taxas de lucro e, portanto, de consumo das classes de renda mais
elevada. Infere-se então que grande parte dos déficits no balanço de
pagamentos tinha por finalidade complementar o consumo da classe
proprietária, um resultado social perverso em se tratando de um modelo de
desenvolvimento. Assim, há também importantes implicações sociais
decorrentes do modelo que apontam para assimetrias na composição da
demanda.
Concluindo, a obra de Furtado indica preliminarmente três possíveis
óbices ao desenvolvimento econômico, um eminentemente externo com origem
no balanço de pagamentos e outros dois contendo elementos internos devido a
desajustes entre a oferta e a demanda, dados à concentração de atividades em
alguns setores e à instalação de poucas unidades em outros e à tendência
natural à concentração de renda.
A pré-revolução brasileira foi publicado em 1962 e trata das questões
levantadas acerca da transição de um modelo colonial exportador para uma
economia de relevante diversificação industrial, com, segundo o autor, elevada
capacidade de autonomia face o deslocamento do centro de decisão da esfera
externa para a interna. Esse processo, ainda, segundo Furtado, demanda uma
maior capacitação dos quadros intelectuais e burocráticos do País e um papel
importante a ser desempenhado pelo Estado que necessitaria de reformas para
a manutenção do crescimento e a redução das desigualdades.
Podemos afirmar, sem receio de errar, que entre as obras em tela “A
Pré-revolução brasileira” é o trabalho mais otimista de Celso Furtado. Para o
autor, a despeito das várias distorções resultantes do crescimento industrial, a
saber: o custo social da crescente concentração de renda, o aumento relativo
da renda da terra, premiando grupos parasitários, o eterno atraso do Estado e
a corrupção entre outros, o desenvolvimento “... trouxe para dentro do país os
47
seus centros de decisão, armou-o para autodirigir-se, impôs-lhe a consciência
do próprio destino, fê-lo responsável pelo que ele mesmo tem de errado”
(FURTADO, 1962:15).
Além da insuspeita convicção de Furtado sobre a internalização do
centro de decisão da economia, o autor acreditava que os movimentos sociais
e a via democrática eram os meios através dos quais se daria a revolução
necessária para atingir-se a eqüidade, a reforma agrária e a modernização do
Estado, objetivos alcançáveis sob a égide de elevados padrões éticos e morais.
Poder-se-ia objetar que antigamente era pior: as eleições eram formais
e uma oligarquia decidia por conta própria o que se chamaria vontade do povo.
Mas essa objeção já não vale para os jovens de hoje. Todos sabem que, se as
coisas são tão transparentes em nossos dias, é porque está a nosso alcance
poder mudá-las; que, se sabemos onde estão os vícios do sistema, somos
coniventes se não tratamos de erradicá-los (FURTADO, 1962:15).
Há alguma ingenuidade nas palavras acima ao lembrarmos o
parlamentarismo imposto ao Vice-presidente recém empossado na época, o
que supomos representou apenas um “arranhão” no sistema democrático na
avaliação de Celso Furtado.
Em outra passagem, o economista afirma acreditar que o
posicionamento do Brasil poderia ser o de alijar-se por completo das disputas
militares e ideológicas que envolviam as duas superpotências mundiais: Rússia
e Estados Unidos, mais ainda, traduziu os objetivos irredutíveis da ação política
nas expressões: humanismo e otimismo com respeito à evolução material da
sociedade (FURTADO, 1962:19).
Subordinar o futuro de nossa cultura às conveniências de ordem tática
de um ou de outro dos grandes centros de poder militar moderno [Rússia e
Estados Unidos], é dar a luta perdida de antemão, pela carência total de
objetivos próprios finais. Devemos considerar como um dado da realidade
objetiva contemporânea o impasse entre os pólos do poder político-militar. Ao
considerar como um dado estamos admitindo fora de nosso alcance modificar
de forma significativa a relação de forças. Qualquer que seja a nossa posição,
devemos reconhecer que a solução última desse impasse não será antecipada,
pois a guerra, meio único de antecipação, continuará a apresentar-se como
atitude de desespero , de perda total de fé no futuro do homem
. (FURTADO,
1962:18-19)
48
Portanto, indica o autor, as questões resumiam-se a soluções internas;
na capacitação técnica e na conscientização da sociedade, para que
pacificamente se alcançassem os objetivos sociais a serem identificados e
perseguidos pela coletividade.
A essa altura podemos nos perguntar em que revolução estava
pensando Furtado, já que não considerava o Brasil alinhado aos Estados
Unidos, ou à União Soviética, e muito menos a opção da luta armada?
A discussão vai além da opção por um modelo pré-estabelecido. Para o
autor o Marxismo é uma filosofia de ação, capaz de transformar os
diagnósticos em normas de ação. Uma filosofia em elevado nível de
humanismo, que não distingue o desenvolvimento do individuo de uma
orientação racional das relações sociais. Avançando nesse tema, Furtado
conclui que as experiências em termos de revolução marxista-leninista do
século XX lograram êxito apenas em sociedades nas quais as estruturas
sociais eram rígidas e anacrônicas. O autor toma como exemplo o setor rural
brasileiro como o único a ser passível de um processo de tal magnitude. De
outra parte, um evento nesse sentido teria efeito no setor de menor evolução
político social, ou seja, um retrocesso no que diz respeito à modernização. A
outra possibilidade seria um retrocesso político através da imposição de uma
ditadura de direita, hipótese pouco viável em uma sociedade aberta, segundo
Furtado
Era necessário, portanto, um Estado dotado de quadros capazes de
interpretar as necessidades globais sem que se enveredasse para a
tecnocracia, mas um corpo de elementos capazes de levar a cabo as reformas
de base necessárias à modernização do País, principalmente no campo fiscal.
Em síntese, para Furtado, os economistas seriam os portadores e condutores
de racionalidade para que se evitasse um processo revolucionário no campo
irracional da política. O Governo também teria a missão de combater a
corrupção e disciplinar a orientação dos capitais estrangeiros aos fins
estabelecidos para o desenvolvimento.
Tampouco devemos nos furtar de levar em consideração a então
recente revolução Cubana
25
, em um país que guardava muitas semelhanças às
economias descritas em “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento”. Parece-
25
A revolução cubana comandada pelo líder revolucionário Fidel Castro ocorreu em 1959.
49
nos que Furtado estava utilizando o argumento de que as pressões sociais
deveriam intensificar-se para que as mudanças ocorressem de forma mais
rápida, e que a revolução de guerrilha cubana serviria de alerta para as classes
dominantes, caso não se optasse por alguma alteração nos rumos da
distribuição dos ganhos advindos do crescimento industrial.
Sumarizando, se por um lado Furtado refutava o alinhamento automático
do País e a luta armada, por outro acreditava firmemente que a via democrática
, as pressões sociais e um Estado devidamente organizado e aparelhado
deveriam conduzir às reformas políticas e institucionais capazes de reverter as
distorções observadas com o crescimento econômico e ao mesmo tempo
manter o seu dinamismo.
“A Dialética do Desenvolvimento” foi escrito logo após a tentativa de
instauração do estado de sítio durante o Governo de João Goulart, em quatro
de outubro de 1963, portanto pouco após a passagem de Celso Furtado pelo
Ministério do Planejamento daquele Governo. Nas palavras do autor “... foi um
esforço para captar a essência do problema do subdesenvolvimento e as
causas da crise de transformação pela qual atravessava o país” (FURTADO,
1964: 9).
A obra subdivide-se em duas partes e pode ser considerada um ponto
de inflexão ao extremado otimismo que o autor apresentou nos trabalhos
anteriores, quando acreditava ser possível ao País ultrapassar a condição de
dependência através da aceleração do processo de industrialização
A primeira parte é dedicada a discussões acerca do desenvolvimento
sob a ótica das ciências sociais, oferecendo um panorama do País tomando-se
como ponto de partida os instrumentais dessas ciências. Na segunda, o autor
serve-se, novamente desses instrumentais para discutir a “crise do
desenvolvimento”.
O trabalho inicia-se com os estudos de Hegel que afirmou que cada
período histórico detém um corpo institucional característico e unificado, por
exemplo: política, artes, religião, etc. Afirmava Hegel que uma alteração
fundamental em um desses componentes, seria suficiente para que se
alterassem todos os outros como resultados de transformações anteriores.
Portanto, os processos históricos estariam em pleno movimento como produto
50
de confrontos de forças opostas em um equilíbrio móvel ao longo do tempo: a
dialética de Hegel.
Segundo Marx, Hegel falhou em conceber a dialética de cabeça para
baixo, uma vez que este acreditava que as relações sociais estavam
submetidas a idéias absolutas, ou seja, as modificações das relações eram
impostas pelas idéias, concebidas como dádivas de um ente superior. A
dialética hegeliana estava impregnada de teor religioso. Para Marx as
mudanças partiriam das bases materiais da sociedade, como por exemplo, o
modo de produção.
Outras críticas ao método dialético dizem respeito aos esforços para a
sua aplicabilidade generalizada nas ciências naturais. A dialética de Hegel
pressupõe a intuição do todo através do qual se entenderiam as partes do
objeto de estudo, o que em determinadas circunstâncias se opõe a
experiências históricas. Herschel através de detalhado exame dos
componentes isolados do sistema solar, os planetas, comprovou a existência
de um planeta desconhecido. Nesse caso, partiu-se da análise das partes em
separado para se chegar ao todo. Caso oposto seria o de um paleontólogo ao
analisar as partes isoladas de um animal extinto. Para que haja progresso
nesse tipo de análise é necessário um conhecimento da tipologia do objeto, o
animal, conseguida através do estudo de achados anteriores de maior
envergadura. Mesmo no caso de Herschel, pontua Furtado, o conhecimento do
Sistema Solar como um todo é imprescindível para que se estabeleçam as
inter-relações entre os planetas, ou seja, entre as partes. O que se tentou em
determinada época, e é essa a crítica enfatizada por Furtado, foi a criação de
um conjunto de regras de aplicabilidade generalizada do método dialético.
A ciência procura conhecer o comportamento dos fenômenos,
relacionando uns com os outros, com vistas a inferir esse comportamento no
futuro. Muitas vezes se formulam hipóteses sobre o comportamento de um
conjunto de fenômenos interdependentes, os quais são apresentados como
sistema. A idéia de sistema não deve ser confundida com a de todo, cuja
imagem se forma antes do conhecimento analítico das partes. Um sistema só
pode ser identificado através de uma exata definição de um conjunto de
relações que fazem com que suas partes sejam interdependentes (FURTADO,
1964:15).
51
A despeito das críticas ao método dialético, sua importância para a
compreensão do processo histórico é primordial, haja vista que a elaboração
da “visão” histórica de determinado período depende de uma intuição adquirida
pela práxis individual, e não apenas do estudo das partes integrantes de uma
época.
Marx isolou as forças fundamentais que agiam no todo proposto por
Hegel e identificou o ponto mais abaixo da cadeia de inter-relações: as
relações de produção. Foi através dessa simplificação que Marx desenvolveu
um modelo dinâmico de representação da realidade social. As instituições
unificadas por Hegel foram reduzidas a apenas dois subgrupos: a infra-
estrutura e a superestrutura. O primeiro abarcaria as forças produtivas (dada
uma determinada tecnologia) e o segundo os valores ideológicos, ou seja,
simplificou o todo em elementos materiais e imateriais. A simplificação de Marx
propõe também a subdivisão da sociedade em apenas duas classes às quais
os contínuos conflitos seriam o combustível do processo histórico. Essas
simplificações, segundo Furtado, principalmente a percepção nuclear da
tecnologia para todo o conjunto das instituições formadoras de uma sociedade,
exorbitam o nível de abstração proposto por Marx, quando este reduz a poucos
elementos relevantes no processo histórico. O trunfo de Marx seria inegável, ao
propor um modelo dinâmico para a interpretação da realidade social, ainda
quando as ciências sociais estavam em processo de formação e não se
dispunha de estudos empíricos relevantes (FURTADO, 1964:15-17).
Com o avançar das técnicas e do conhecimento nas ciências sociais,
procurou-se a formulação de modelos de análise que pudessem representar os
processos históricos. Os modelos nas ciências em geral, principalmente na
Economia, passaram a simular situações de equilíbrio, uma região virtual na
qual um sistema se mantém estável por determinado período, até que surja um
novo confronto que exija a acomodação de todos os elementos a uma nova
situação. Tal aproximação, segundo o autor, leva à conhecida abordagem da
estática comparativa através da qual se observam as mudanças nos
elementos, ou variáveis: fatores agrupados homogeneamente na tentativa de
se identificar o preponderante, ou seja, o que deu o impulso inicial à mudança.
Furtado chama atenção ao modelo proposto por Gunnar Myrdal, cujo
mérito seria ter iniciado os estudos para que se chegasse a um modelo
52
dinâmico capaz de estabelecer os valores assumidos pelas variáveis, na
transição entre um e outro ponto de equilíbrio.
Os estudos de Myrdal abordaram a situação das comunidades negras
dos Estados Unidos, o que o levou a interpretar as inter-relações entre as
variáveis como importantes vetores de modificação estrutural. Qualquer
alteração em um dos elementos levaria a uma reação em cadeia que resultaria
em uma transformação no sistema todo. Surgiu dessa forma o Princípio
Cumulativo de Myrdal:
...qualquer mudança em um fator pertinente operada em um sistema
põe este em movimento em determinada direção com uma velocidade
dependente do impulso inicial
(FURATDO, 1964: 21).
O alicerce do pensamento de Myrdal se fixava na idéia de que um
conjunto de elementos inter-relacionados e mutuamente cumulativos superaria
a idéia de um fator único preponderante sobre os demais. Todavia, ressalta
Furtado, não haveria assimetrias entre negros e brancos sem que a variável
“ser negro nos Estados Unidos” não exercesse efeito predominante sobre as
demais. Portanto, existe um fator básico que é o elemento dinâmico capaz
interferir nas demais variáveis, não bastando identificar as inter-relações entre
as variáveis de um sistema... ”Sempre será necessário introduzir algum
elemento exógeno, ou seja, modificar algum dos parâmetros estruturais
26
.
(Idem.)
O autor encerra essa discussão, concluindo que por mais que se tenha
avançado na concepção de modelos representativos, a exemplo do Princípio
Cumulativo, cabe aceitar que partimos sempre de alguma hipótese intuitiva
sobre o processo histórico como um todo. Furtado reconhece então as
limitações das simplificações na busca de estabelecer-se um modelo analítico
como instrumento de orientação prática, não obstante reconheça a inexistência
de uma formulação alternativa com maior eficácia e poder explicativo para o
entendimento dos processos sociais dinâmicos (FURTADO, 1964:22).
Outra observação importante de Furtado na presente obra refere-se ao
descompasso observado nos dois subgrupos componentes da estrutura social:
26
A crítica de Furtado a Myrdal é contemporizada em um texto de Mantega (MANTEGA, 1992) , no qual
o autor aponta este último como forte influência em alguns pensamentos de Furtado, quando ambos
defendem um capitalismo dinâmico, impulsionado pela democracia social, uma “capitalismo”
bonzinho”nas palavras de Mantega. Tal afirmação se coaduna com os pensamentos de Furtado que
analisamos na obra anterior do autor, (FURTADO, 1959).Para maiores detalhes ver em: Mantega, 1992.
53
Assim, a base material e científica da cultura parece estar crescendo
muito mais rapidamente que a parte não material... . O que interessa assinalar
é o reconhecimento de que o processo de rápida mudança que caracteriza a
nossa cultura reflete as transformações intensivas que uma tecnologia em
acelerado desenvolvimento introduz no seu processo produtivo
(OGBURN
Apud FURTADO, 1964:18).
O que explicaria em grande medida os obstáculos institucionais
decorrentes da imobilização política persistente no Brasil. Não bastou a
implantação de uma indústria moderna sem que se operasse uma reforma
institucional voltada para o desenvolvimento como objetivo final.
O conhecimento técnico como o fator exógeno transformador das
relações sociais, não teria sido suficiente para o rompimento das assimetrias
no caso do Brasil, contrariando também a hipótese de que a introdução de uma
variável exógena fundamental seria suficiente para garantir as mudanças
estruturais necessárias ao desenvolvimento.
Considerando ainda as discussões levantadas em “Desenvolvimento e
Subdesenvolvimento”, infere-se do texto de Furtado que a complexidade do
processo iniciado com o aprofundamento na industrialização por substituição,
só poderia ser compreendido através de outra hipótese que a do principio
cumulativo, ou qualquer outro modelo dinâmico simplificado.
A exposição do autor na primeira parte da referida obra é um indicativo
de que, segundo este, o método mais adequado para a análise do modelo de
desenvolvimento das economias periféricas, sob a perspectiva dos impactos
observados no âmbito das transformações culturais e sociais, é o dialético
simplificado por Karl Marx.
A introdução de modelos analíticos dinâmicos no estudo dos sistemas
sociais representaria, por um lado, para a antropologia e a sociologia o
reencontro necessário com a teoria econômica. E para a economia esse
reencontro significa a volta a formas de pensamento historicista... Se bem que
o conceito de mudança social haja sido introduzido pelos antropólogos e
sociólogos dentro da preocupação antievolucionista de retirar à história, todo
sentido, o conceito hegeliano de um movimento histórico em certa direção
necessária – transferido para Marx com a dialética – apresenta-se de alguma
forma revigorado na teoria do desenvolvimento econômico
(FURTADO, 1964:
24).
54
Concluímos então, que o desenvolvimento não pode ser avaliado à luz
apenas de variáveis puramente econômicas. A análise das partes em separado
é útil na medida em que nos proporciona subsídios para medidas pontuais de
ordem prática, que, por outro lado, se agrupadas com a finalidade de se obter
uma avaliação do todo, podem fornecer uma imagem que não representa a
realidade social, ocultando importantes deficiências do modelo.
Há fatores históricos que conferem a países como o Brasil um caráter
único e peculiar e que apontam para uma análise que extrapola os modelos
dinâmicos, exigindo a reavaliação do materialismo histórico como método
analítico.
Em síntese, podemos afirmar que o processo de formação de um
capitalismo industrial, no Brasil, encontrou obstáculos de natureza estrutural,
cuja superação parece impraticável dentro do presente marco institucional e
pelos meios a que estão afeitas as classes dirigentes. Tanto no que respeita ao
setor externo como aos setores agrícola e fiscal, existem óbvias contradições
entre a forma em que tende a operar a economia nas condições presentes e os
requisitos necessários para a manutenção de uma elevada taxa de
investimento
(FURTADO, 1964: 128).
Os obstáculos de ordem estrutural são aqueles amplamente expostos
em “Desenvolvimento e Subdesenvolvimento” (FURTADO, 1961) e resgatados
no início do presente capítulo: o desemprego estrutural, as pressões no
balanço de pagamentos e as assimetrias entre a oferta e a demanda.
Quanto ao marco institucional e às classes dirigentes, são elementos
discutidos quando o autor, na primeira parte
27
, decompõe o desenvolvimento
no âmbito das ciências sociais. Furtado discorre sobre as relações das classes
dominantes como grupos capazes de obter do Estado, enquanto fiador do
projeto de desenvolvimento, as garantias institucionais de que o modelo deve
se orientar conforme os objetivos traçados por essas classes.
Na segunda parte da obra segue-se o diagnóstico de forma ampla
abarcando diversos pontos de vista: o espacial, o histórico, o regional e o
econômico.
Em “Dialética do Desenvolvimento” o pensador coloca novamente a
revolução como possibilidade a todo o momento, sem, no entanto deixar claro
27
Op.Cit. em Dialética do Desenvolvimento Capitalista, p. 61-75.
55
se as mudanças se dariam pelo confronto, pela conscientização das classes e,
portanto, pela via democrática, ou pela ditadura do proletariado
28
, por exemplo.
Há na publicação reflexões importantes no campo da Filosofia e da Ciência
Política, invocando-se textos de Marx e Engels sobre os conflitos entre
classes
29
. Isso, aliado ao extenso panorama traçado sobre o Brasil da época,
leva a crer que Furtado ambicionava a ampla divulgação de sua obra no meio
estudantil, como elemento propagador da tomada de consciência por parte da
sociedade sobre as possibilidades econômicas e, sobretudo políticas do País.
Political Obstacles to Economic Growth in Brazil” revela algumas das
idéias de Furtado pouco exploradas em outros trabalhos, haja vista sua
renúncia em manifestar na língua materna e de forma explícita seu
posicionamento quanto ao momento político pelo qual atravessava o País. No
documento surge o elemento político de forma aberta quando o autor aponta a
questão como um relevante agente bloqueador da ação no sentido do
desenvolvimento.
O trabalho inicia-se com a preocupação de Furtado em identificar os
fatores que impediriam o desenvolvimento econômico do Brasil que, segundo o
autor, falhou em formular e seguir de forma consistente uma política de
desenvolvimento, o que o levou às seguintes colocações:
Que condições específicas são necessárias para viabilizar o
desenvolvimento, como um objetivo prioritário nacional, prevalecendo sobre as
classes e os grupos de interesse no controle das decisões políticas
fundamentais? O que exatamente significa uma política de desenvolvimento?
30
(FURTADO, 1965: 145).
Segue-se então uma crítica à tradição liberal na figura de Adam Smith,
segundo o qual o desenvolvimento é resultado da ação de fatores inerentes a
qualquer sociedade, enraizado na natureza humana, mais particularmente no
instinto de mudança que aquele autor afirmou ter identificado nos homens de
todas as eras e o qual motiva as pessoas a encontrarem o caminho para o
28
O aparelhamento do Estado pela classe proletária e a transformação social de uma classe organizada
sem Estado, o não-Estado. Para esse tópico ver em MARX, K., ENGELS,F.,“Les luttes de Classes en
France, 1848-1850,Paris: Edition Sociales, 1946.
29
MARX, K., ENGELS,F., “Introduction generale à la critique de l’économie politique”, Paris: Marcel
Giard, 1928, MARX, K., ENGELS,F.,“Les luttes de Classes en France, 1848-1850,Paris: Edition
Sociales, 1946.
30
Tradução livre do autor.
56
próprio desenvolvimento, a despeito de maus governos. Para Furtado, o
corolário resultante do pensamento liberal: livre mercado de trabalho, livre
comércio, e padrão ouro, foi aos poucos abandonado em prol de tentativas
mais adequadas de interpretação dos sistemas econômicos de maior
complexidade como é o caso do Brasil.
O autor recapitula que a idéia de uma ativa política de desenvolvimento
brotou como um subproduto do esforço despendido por alguns países
capitalistas para atingirem maior estabilidade econômica em um contexto de
políticas anticíclicas. A busca insistente na determinação do equilíbrio em
sistemas fundados na livre iniciativa, no alto grau de diferenciação e na
desigualdade distributiva, requer políticas dinâmicas de pleno emprego que
devem ser concebidas em termos de expansão da capacidade produtiva.
Furtado conclui que nas economias maduras as políticas de
estabilização tendem a convergir para políticas de desenvolvimento com a
centralização da responsabilidade de supervisão do funcionamento da
economia como um todo, no que diz respeito ao planejamento de sua
expansão e de como aplicar racionalmente os estímulos necessários, o que é
tido pelo autor como o tipo de desenvolvimento “clássico”. Essas políticas, no
entanto, seriam aplicáveis apenas em economias estruturalmente “moldadas”
para o desenvolvimento, o que não era o caso de sistemas subdesenvolvidos
como o do Brasil da década de 1960, incapaz de expandir-se devido a
limitações de ordem econômica e social.
Pondera Furtado que o crescimento do produto per capita no Brasil, ao
longo dos trinta anos que precederam a publicação do artigo, foi resultado de
um conjunto de circunstâncias favoráveis e não de uma política deliberada. Ao
mesmo tempo, a política econômica do período sofreu influência direta de
grupos comprometidos em defender seus interesses.
O paradoxo acima exposto é resultado de um amplo estudo de Furtado
sobre a organização política do Brasil e de como essa organização, juntamente
com o desenvolvimento industrial e outros fatores sociais, influiu na ação (ou
inação) do Estado na economia.
Segundo o autor, a industrialização foi o resultado indireto de políticas
inspiradas pelos círculos governamentais próximos aos interesses das
atividades tradicionais de exportação (FURTADO, 1965:149): a política
57
anticíclica Keynesiana “avant la letre” de Getúlio Vargas que objetivou a
manutenção da renda do setor exportador, após a crise do café de 1929 e a
depressão mundial de 1930
31
. Os resultados inesperados dessa política deram
origem ao processo de industrialização por substituição das importações que
propiciou a diversificação do parque industrial, e o que até então era tido por
diversos autores, inclusive por Furtado, como um marco da endogeneização do
crescimento econômico
32
.
Seguindo nessa mesma linha, o autor enfatiza que durante a segunda
fase da industrialização brasileira, no pós-guerra, não foi menos importante o
apoio mantido pelo governo ao setor exportador tradicional. O governo fixou a
mesma taxa de câmbio em vigor durante o período de guerra como meio de
proteger o setor exportador frente à queda dos preços do café.
A industrialização como resultado reflexo de políticas que favoreceram a
agricultura tradicional de exportação, produziu importantes repercussões nas
instituições do sistema político tradicional e em suas bases.
Em algumas regiões, como em São Paulo, por exemplo, implantaram-se
indústrias altamente mecanizadas com modernos maquinários importados, em
contraste com as estruturas industriais montadas sobre os velhos engenhos de
açúcar, como foi o caso da indústria têxtil na região Nordeste.
A industrialização nas regiões modernas era abastecida por elevado
contingente de trabalhadores imigrantes que procuravam se manter afastados
das atividades políticas. Nos primórdios, a classe industrial era ligada às
oligarquias rurais, ou freqüentemente alinhada aos seus interesses. Outro
elemento que impediu o surgimento de uma liderança industrial independente
foi a constituição do mercado de trabalho. Com a participação majoritária da
mão-de-obra imigrante em São Paulo, estabeleceram-se níveis de salários
reais pagos pela indústria mais elevados do que os observados nas outras
áreas do País, inibindo a ação de sindicatos e associações de trabalhadores e
elevando-se tremendamente a elasticidade de oferta do fator trabalho nessas
regiões. Perpetuou-se, assim, a ausência de antagonismos entre a classe
31
Para maiores detalhes ver em: FURTADO, 1959.
32
Para João Manuel Cardoso de Mello: Há, na verdade, uma aparência de autonomia econômica, que
decorre tanto do papel assumido pelo Estado quanto da irrelevância dos fluxos de investimentos
estrangeiros diretos, atribuída à existência de um “projeto de desenvolvimento nacional” (MELLO,
1982: 116).
58
empregadora e a trabalhadora, o que manteve o clima social na indústria
nascente similar ao que prevalecia no setor agrícola tradicional. Portanto, não
havia motivação para que a nova classe empresarial desenvolvesse um estilo
próprio que a distinguisse da dos grandes proprietários de terras (FURTADO,
1965:154).
Em síntese, Furtado afirma que a nova elite industrial surgiu como uma
variante das oligarquias rurais, comprometida apenas com seus interesses
privados e portanto carente de inspiração ideológica e politicamente inativa,
elementos apontados pelo autor como retardadores do avanço na
modernização política País.
Furtado segue expondo outras implicações políticas decorrentes do
desenvolvimento industrial. A tendência à unificação do mercado de trabalho
promovida pela industrialização e o desenvolvimento dos meios de
comunicação em muito colaboraram com a tomada de consciência das
disparidades nos níveis dos salários reais entre as regiões industrializadas e as
áreas rurais, o que reforça o argumento da falta de interesse da classe
trabalhadora em se envolver nas questões políticas. Aliado a isso, o autor
lembra que o processo de urbanização, que transferiu as zonas de interesse do
poder das áreas rurais para as zonas urbanas, possibilitou o surgimento do
populismo como instrumento de dominação de massas.
Outras limitações à reformulação política enfatizadas pelo autor têm
origem nas constituições federais, incluindo a de 1946, que nas palavras de
Furtado foram importantes instrumentos de controle político favorável às
oligarquias agrárias. Algumas distorções residiam no peso político atribuído
entre as diferentes regiões do País. A representatividade era proporcional à
população local, porém as áreas com grande número de analfabetos
proporcionavam maior poder relativo a uma minoria de eleitores
33
, o que
garantia o espaço de manobra dos grandes proprietários de terras que
exerciam forte influência sobre o congresso nacional.
Concorrentemente, as mudanças estruturais ocasionadas pela
concentração urbana proporcionaram grande poder ao voto das cidades.
33
O código eleitoral proposto por Getúlio Vargas em 1932, e que previa o direito ao voto apenas aos
eleitores alfabetizados, foi sancionado pela Constituão de 1934. O voto dos analfabetos passou a ser
previsto apenas na Constituição Federal de 1988.
59
Nesse cenário, as massas desorganizadas, facilmente cativadas através de
promessas oferecidas por líderes carismáticos, cediam a uma forma de
populismo que tinha seu limite na resistência oferecida pelos congressistas.
Dessas forças resultou uma tensão à qual Furtado aponta como um
elemento bloqueador da ação do governo: os conflitos entre o Poder Executivo,
na figura do Presidente da República que representava os interesses dos
eleitores urbanos e, portanto, do funcionalismo público, dos profissionais
liberais e dos trabalhadores industriais, e o Legislativo à frente dos interesses
das oligarquias tradicionais ligadas ao setor agrícola. Tal imobilização impediu
o avanço e a implantação de instrumentos institucionais que acompanhassem
a modernização exigida pelo crescimento econômico.
Para o autor, as circunstâncias nunca favoreceram o surgimento de uma
classe industrial capaz de liderar um movimento para a modernização do País.
Por outro lado, a classe trabalhadora assumiu uma posição complacente em
detrimento de qualquer contestação da ordem estabelecida.
Furtado prossegue afirmando que a urbanização brasileira não teve
origem apenas no crescimento industrial, nem guardou relação com a
industrialização clássica européia, quando a indústria passou a absorver a
mão-de-obra excedente do setor rural. A indústria no Brasil absorveu pouca
mão-de-obra, especialmente na década de 1950. Furtado apresenta como
argumento um crescimento da força de trabalho no campo da ordem de 3,5%
entre 1950 e 1960, em comparação a um aumento de 2,8% no setor industrial
urbano no mesmo intervalo. A urbanização teria resultado do rápido
crescimento populacional, da extrema concentração na distribuição da renda,
do crescimento da atividade estatal, da modernização tecnológica do setor
agrícola e de fatores sociológicos observados em países onde há grande
defasagem nos padrões de vida entre a cidade e o campo, pontua Furtado.
A grande massa da população concentrada nas áreas urbanas deu
origem a grandes contingentes de desempregados que viviam em condições
miseráveis nas grandes cidades do País, produzindo o tipo de populismo
mencionado anteriormente.
Nas condições prevalecentes na política brasileira do período, os
princípios que legitimavam o poder do Estado envolviam uma contradição. O
governo, no intuito de legitimar-se, age de acordo com os princípios
60
constitucionais, de outra parte, o Presidente da República, buscando preencher
as expectativas de seus eleitores tenta atingir objetivos incompatíveis com as
regras constitucionais, o que o coloca frente a um dilema extremamente difícil,
entre renunciar ao seu programa de governo ou buscar maneiras não
convencionais de contornar a situação, seja através da renúncia ou do suicídio
(FURTADO, 1965: 156).
Uma vez que para se chegar ao maior cargo do poder executivo do País
era necessário um pacto direto com as massas, quanto maior fosse esse pacto,
representado por verdadeiros “pacotes” de promessas, maiores seriam os
obstáculos impostos durante o mandato do chefe do Executivo. A natureza
dessas dificuldades provinha da desconfiança das lideranças tradicionais sobre
a ambigüidade dos programas políticos baseados no populismo. As
promessas, a maioria de pouca eficácia, eram inconciliáveis com medidas
orientadas para o desenvolvimento, o que impedia qualquer grupo de oposição
de propor metas factíveis ou simplesmente que visassem à preservação de
determinados valores. Conflitos dessa natureza surgiam de diversas formas no
Brasil, conduzindo a instabilidades crônicas durante toda a fase de
industrialização, desde o início na década de 1930, acentua Furtado.
O autor cita também a prematura emergência da sociedade de massas
que abriu caminho para o populismo, pois nenhum grupo de liderança havia se
formado e tomado posição para a condução de um projeto de desenvolvimento
nacional em oposição à ideologia tradicionalista que prevaleceu sobre todo o
período de industrialização (WEFFORT Apud. Furtado, 1965:157).
As pressões populistas surgiam como fatores externos ao processo
político, pois emergiam apenas nos períodos de eleições dos chefes do
executivo, portanto, o controle da máquina governamental ainda permanecia
nas mãos dos grupos tradicionais que absorviam elementos das novas
lideranças industriais e defendiam os interesses ligados ao capital estrangeiro.
A grande dimensão do País e a estrutura federativa potencializavam o poder
dos centros regionais e encorajavam a sobrevivência da velha estrutura de
base paternalista e sua natureza latifundiária, finaliza o autor.
Furtado também chama atenção para o círculo vicioso criado por essa
estrutura, no qual a federalização do controle do País causava incompetência
administrativa, mas essa mesma incompetência da administração era condição
61
necessária para a perpetuação da descentralização do poder. Dessa maneira
foi possível mobilizar recursos, através da coleta de impostos, para as mais
distantes áreas do País e assim manter-se o “status quo” baseado no velho
sistema latifundiário (FURTADO, 1965:159).
Os líderes populistas que freqüentemente pregavam a rápida
modernização do País através de reformas e mudanças estruturais permitiram
que as classes tradicionais,através do controle efetivo do Estado utilizassem
habilmente as aspirações populistas para justificar os novos interesses
emergentes da industrialização. O conflito entre as lideranças populistas e as
tradicionais inibiu qualquer tentativa coerente de planejamento pelos governos
da época.
Por fim, Furtado coloca em questão se um sistema político concebido
para a manutenção do “status quo” poderia ser condicionado a perseguir uma
política de desenvolvimento em um país onde o desenvolvimento depende de
mudanças na sua estrutura social. Mais ainda, se as condições necessárias
para tal política inexistem, seria esse sistema político viável historicamente, ou
redundaria em novo impasse? No caso do impasse, esse perduraria por muito
tempo, ou seria necessária uma intervenção? (FURTADO, 1965:160)
34
.
Em nossa avaliação essas questões são propostas pelo autor com o
intuito de provocar os leitores na direção da reflexão sobre o momento que
sucedia ao golpe de 1964 e que sabidamente resultou do paradigma acima
exposto
35
.
Furtado conclui o artigo afirmando que o País não logrou em criar um
sistema institucional que permitisse a transformação de suas aspirações
básicas em projetos operacionais factíveis.
O que podemos inferir é que para Furtado a questão política não foi um
mero coadjuvante nas limitações do avanço na busca do desenvolvimento. A
estrutura política do período preservou a posição privilegiada das lideranças
políticas tradicionais, inibiu o desenvolvimento de novas lideranças
empresariais, capazes de levar a bom termo um projeto coerente de
34
Tradução livre.
35
O autor ainda elabora algumas especulações sobre os desdobramentos do golpe de 1964 que fogem ao
escopo do presente estudo.
62
desenvolvimento, comprometendo o surgimento de um marco institucional que
promovesse a modernização do País.
Por último, nesse exercício de traçar-se uma parte da trajetória da
construção do conhecimento do desenvolvimento brasileiro por Celso Furtado,
chega-se à obra do autor que é freqüentemente tomada como referência dos
estudiosos quando estes se dirigem ao diagnóstico da crise dos anos 1960
proposto por aquele ilustre economista.
Ao abrir a página três de “Subdesenvolvimento e Estagnação na
América Latina
36
”, verifica-se logo no primeiro parágrafo que Furtado segue
afirmando que a teoria econômica clássica é insuficiente para que se atinja de
maneira satisfatória a compreensão das transformações sociais a que estão
sujeitas as estruturas subdesenvolvidas quando estas se submetem à
introdução de processos produtivos modernos, importados das economias
desenvolvidas.
A formação das modernas sociedades industriais é mais facilmente
compreendida quando estudamo-la simultaneamente do ângulo de
desenvolvimento de suas forças produtivas e do da transformação das
estruturas sociais e do marco institucional dentro dos quais operam essas
forças. O afastamento crescente desses dois enfoques, causado pela falsa
especialização das ciências sociais, é responsável pelas dificuldades que hoje
enfrentamos para equacionar problemas de desenvolvimento com respeito aos
quais perdem validez os critérios tradicionais que permitiam diferenciar
variáveis econômicas de não-econômicas. Os obstáculos opostos por esse
inadequado enfoque metodológico à captação da realidade social avolumam-se
no caso do estudo das estruturas subdesenvolvidas, nas quais a diferenciação
do especificamente econômico muitas vezes se encontra em fase não muito
avançada. Na análise que se segue, trataremos de captar o problema do
subdesenvolvimento como uma realidade histórica, decorrente da propagação
de técnica moderna do processo de constituição de uma economia de escala
mundial
(FURTADO, 1968: 3).
A citação encontra-se do capítulo um, no item: “Em Busca de uma
Ideologia do Desenvolvimento”, no qual o autor afirma que o
subdesenvolvimento é um fenômeno da história moderna, contemporâneo do
36
A referida obra teve sua primeira edição em 1966. A edição utilizada como referência do presente
estudo é a 3ª, editada em 1968 pela Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.
63
desenvolvimento “clássico”, não uma etapa deste, mas, ao contrário, um
fenômeno autônomo como um dos aspectos da propagação da revolução
industrial. Logo se pode concluir que o subdesenvolvimento é um subproduto
do desenvolvimento industrial europeu e portanto não pode ser estudado
isoladamente.
É notável a opção aberta de Furtado pelo método histórico para
compreender as especificidades das economias subdesenvolvidas. Ao longo
do capítulo o autor desenvolve sinteticamente uma comparação histórica entre
o clássico desenvolvimento econômico e o desenvolvimento na América Latina.
Para Furtado, o conhecimento científico acumulado por séculos nos
países europeus resultou em técnicas e métodos de produção que aceleraram
o processo de formação de capital, acarretando em modificações na estrutura
social através da concentração das atividades industriais e da urbanização.
Economistas clássicos como John Stuart Mill e Karl Marx afirmaram,
embasados em diferentes rudimentos, que o desenvolvimento capitalista tinha
limitações e seguiria rumo a um ponto de saturação ou de colapso. Segundo
Furtado os clássicos não haviam captado na sua totalidade a importância do
avanço tecnológico no desenvolvimento capitalista.
Descrevendo brevemente o processo exposto por Furtado, em um
primeiro momento ocorreu um excesso de oferta com uma importante redução
dos preços das manufaturas que cumpriu duas funções relevantes:
primeiramente ofereceu concorrência ao setor artesanal liberando mão-de-obra
deste, absorvida pela indústria nascente; segundo, eliminou aquele setor e
absorveu toda a mão-de-obra excedente, o que poderia ser um elemento de
luta por melhores salários nos ganhos de produtividade. Os capitalistas então,
de posse do poder de controlar e orientar o progresso tecnológico, passaram a
buscar técnicas poupadoras de mão-de-obra para compensar a possível
escassez de força de trabalho. Outro aspecto relevante é que ao se apoiar no
desenvolvimento tecnológico para a manutenção de sua taxa de acumulação a
classe empresarial compromete-se automaticamente com o desenvolvimento
(FURTADO, 1968: 5).
Afirma o autor que na fase inicial da industrialização latino-americana
pré-existia um excedente estrutural de mão-de-obra que em qualquer aspecto
guardava semelhança ao excedente de força de trabalho na revolução
64
industrial européia. Já havia, portanto mão-de-obra desocupada quando se
iniciou o processo substitutivo de importações. A situação se agravou quando a
tecnologia importada era sistematicamente orientada no sentido de poupar
mão-de-obra. Configurou-se então uma oferta abundante do fator trabalho.
Este paradigma, portanto não estabelece a tecnologia como um elemento
propulsor do dinamismo observado na industrialização do século XIX.
Em tais condições, torna-se inviável a formação de um mercado de
fatores de produção que opere como mecanismo capaz de orientar as decisões
dos empresários de forma compatível com os interesses da coletividade como
um todo
37
(FURTADO, 1968: 9).
Furtado enfatiza a incapacidade que apresentam os países
subdesenvolvidos para elevar adequadamente a taxa de poupança e
investimento devido aos elementos acima mencionados.
Cumpre lembrar, sem prejuízo à construção de Furtado, que as
economias coloniais desenvolviam atividades primário-exportadoras, portanto
mais intensas em mão-de-obra, e que quando os empreendedores
redirecionavam seus investimentos às atividades que proporcionavam maior
produtividade do capital, no caso a indústria, liberavam maiores contingentes
em comparação ao setor artesanal europeu, o que potencializava os efeitos da
industrialização na oferta da força de trabalho.
Seguindo a argumentação do autor, na industrialização européia a
pressão exercida pela classe assalariada por maior remuneração sobre a
classe empregadora induzia, no longo prazo, ao avanço tecnológico e esse ao
aumento da produtividade
38
. Dessa forma institucionalizou-se o antagonismo
entre classes que foi sancionado pela classe empresarial através da busca da
“proteção” de seus lucros.
Portanto, há diferenças fundamentais provocadas pela introdução da
técnica da indústria substitutiva nas estruturas subdesenvolvidas, corroborando
em grande medida as observações do autor no artigo objeto de estudo do item
anterior.
37
Nota-se na passagem uma diferença nas categorias apresentadas por Marx e apropriadas por Furtado,
quando este reduz os conflitos de classe à esfera eminentemente econômica.
38
Segundo o autor o “efeito demonstração”; conflito entre classes pela divisão dos ganhos de
produtividade, levou indiretamente ao avanço da tecnologia, Op.Cit. p.11.
65
No capítulo três, “Fatores Estruturais Internos que Impedem o
Desenvolvimento”, Furtado retoma o rigor formal para expor dois problemas de
ordem fundamental para a América Latina. O primeiro diz respeito à tendência
à elevação persistente do nível geral de preços nos países que estavam
tentando desenvolver-se em condições de declínio dos coeficientes de
importação. O segundo refere-se à redução da taxa de crescimento da renda
real por habitante, paradoxalmente nos países que alcançaram maior
diversificação em suas estruturas econômicas, dos quais o exemplo típico é o
Brasil. Pontua o autor que a interdependência entre o processo de crescimento
e a elevação dos preços é um subproduto da análise cujo objetivo básico é a
determinação das causas da queda nas taxas de crescimento e a tendência à
estagnação. Atribui então às estruturas socioeconômicas e suas peculiaridades
a necessidade do estudo da realidade social das economias latino-americanas
e suas especificidades, cujo conhecimento requer a compreensão do
comportamento do sistema econômico (FURTADO, 1968: 51).
Segue-se então mais uma análise histórica, agora sobre a colonização e
a industrialização americana e posteriormente uma analogia entre esta última e
as economias primário-exportadoras latino-americanas e o desenvolvimento do
setor manufatureiro, chegando-se por fim à formalização do processo de
formação do capital nessas economias.
Primeiramente propõe-se uma economia hipotética com dois subsetores
agrícolas, um pré-capitalista, denominado P1 e outro voltado para as
exportações, denominado P2. Admite-se também um terceiro setor (P3) de
manufatura rudimentar, responsável pela expansão da capacidade de P2,
fornecendo produtos (k) a este último. Fazendo uma síntese dessa etapa, o
autor infere que parte significativa do capital de reprodução tem origem no
próprio sistema, nos setores pré-capitalista e de exportação
39
. Deve-se ter em
mente que a expansão territorial das atividades nos dois setores realimenta o
processo através do investimento. Não há menção do autor sobre possíveis
ganhos de produtividade nem do efeito demonstração, este apenas indica que
39
É importante lembrar que o fator terra tem substancial peso na atividade pré-existente, o que não seria
surpresa se o peso desse fator determinasse uma maior proporção na participação do capital acumulado
desse setor sobre o total do capital disponível dos estágios iniciais do setor exportador.
66
a expansão de P2 se dá pelo crescimento de P3 (equipamentos de
processamento, sacaria, construção de portos, ferrovias, armazenagem etc.).
O setor manufatureiro oferece salários pouco acima dos oferecidos nos
outros dois setores, e pode utilizar-se de três turnos mediante um investimento
complementar muito reduzido. Nessas condições, a relação produto-capital
tenderia a elevar-se
40
. Pode-se, por exemplo, considerar-se P/K*= 1, ou seja,
ao investir-se $ 1000, obter-se-a $ 1000 em produto, onde K é o capital
acumulado em períodos anteriores e k é proveniente do acúmulo obtido na
agricultura pré-capitalista antes da ampliação da agricultura permanente, sendo
K* = K1 + k1.
A produtividade do fator mão-de-obra é menor em P1 do que em P2 e
P3 (que hipoteticamente são semelhantes), ou seja, a despeito da
remuneração ser menor em P1 do que em P2 e P3, e dada a baixa
produtividade do setor pré-capitalista, é necessário uma maior parte do produto
de P1 para remunerar o trabalhador desse setor do que em P2 e P3.
P2 e P3 possuem também a mesma relação produto capital, todavia em
P2, K recebe a complementação de k e em P3 o capital se restringe a K e mão-
de-obra (L), nada mais natural, pois o fator terra permanecerá no departamento
agrícola, o mesmo ocorrendo com parte da força de trabalho absorvida de P1.
A dinâmica de absorção de mão-de-obra é no sentido de P3 quando do
aumento da demanda por produtos em P2, havendo uma drenagem gradual
desse fator do setor pré-capitalista. Furtado representa as variáveis através de
um sistema de álgebra vetorial o qual podemos simplificar através do quadro I:
Simplificando as formulações de Furtado
41
a respeito desse hipotético
sistema, pode-se observar através do quadro que o centro dinâmico do modelo
é o setor exportador, pois sempre que houver aumento de demanda por
40
Esse ponto é fortemente explorado por Maria da Conceição Tavares na crítica ao autor em Além da
Estagnação, Tavares, M.C., Serra J., 1970.
41
Para o acompanhamento das passagens algébricas do autor ver em Op.Cit., p. 64-81.
67
exportações haverá uma absorção maior de fatores por todo o sistema. Se a
participação relativa de P3 aumentar no total do produto, aumentará a taxa de
investimento no setor agrícola e se elevará a relação produto-capital, o
resultado final é o aumento da taxa de crescimento.
Como a produtividade da mão-de-obra é a mesma em P1 e P2, o
mesmo ocorrendo com a composição orgânica do capital (L/K), infere-se que a
relação produto-capital é muito maior em P3 do que em P2.
Nesse ponto o autor submete os leitores a um exercício algébrico
desnecessário, haja vista que ao observar-se a tabela acima fica evidente que
se P2 e P3 atingem o mesmo nível de produto guardando a mesma relação
trabalho-capital e mesma produtividade da força de trabalho. A produtividade
do fator capital é maior em P3. No exemplo numérico apresentado por Furtado
a relação P/K em P3 é dez vezes maior do que em P2.
Prosseguindo, o modelo indica que ao aumentar a participação do setor
manufatureiro há elevação na taxa de poupança, o que indica que essa deve
ser a orientação dos investimentos, ou pelo menos seria dentro da lógica acima
exposta. Observa-se também que além de aumento da demanda é importante
como ela se expande. Como se pode notar, a demanda por exportação gerou
uma elevação da demanda no setor manufatureiro, que por sua vez gerou uma
demanda do setor de subsistência, ambos refluindo para o sistema. Torna-se
oportuno nesse momento fazermos uma digressão sobre aspectos levantados
no início desse capítulo. A elasticidade de mão-de-obra e os baixos salários,
aliados ao desnível salarial entre os setores pré-capitalista e o manufatureiro
são fatores que contribuem para a heterogeneidade da demanda, tema que
será discutido brevemente. Continuando, essa dinâmica é mantida desde que a
demanda por exportações continue se elevando de forma estável ou crescente.
Na hipótese de crescimento das exportações a taxas decrescentes a absorção
de mão-de-obra de P1 para P2 reduz-se, afetando a produtividade média de P2
até atingir-se um ponto em que a absorção em P2 será menor do que em P3,
refluindo a força de trabalho para P1. Nesse ritmo a taxa de poupança começa
a diminuir, começa a reduzir-se a produtividade da mão-de-obra e a há
elevação de preços relativos dos gêneros agrícolas nas áreas urbanas
(FURTADO, 1968: 68).
68
Nesse esquema Furtado tentou representar uma economia agrícola
exportadora que se desenvolve por impulsos provenientes do exterior, ele
exemplifica os casos de Argentina e Uruguai que na época possuíam
estruturas semelhantes, à exceção de que os setores pré-capitalistas dessas
economias eram inexpressivos e acabaram por desaparecer praticamente,
unificando-se o mercado de trabalho. Sempre que se utilize o conceito de
dualismo estrutural para identificarem-se economias subdesenvolvidas não se
pode enquadrar esses dois países (Idem.)
Dos modelos apresentados por Furtado, interessa-nos o que sofre um
processo de transição do modelo agro-exportador para um sistemático
crescimento da diversificação industrial.
Em uma economia com características muito próximas da brasileira,
Furtado supõe o modelo substitutivo como resultado de estrangulamentos
externos em uma economia agrário-exportadora. A abrupta queda na demanda
de exportações leva rapidamente ao colapso o setor manufatureiro, o que leva
ao declínio da relação produto-capital e queda da taxa de lucro do setor
agrícola capitalista (exportações e subsistência). O governo introduz medidas
para proteger a renda desses setores que se vêem impossibilitados em manter
seu nível de consumo de bens importados, promovendo a desvalorização
cambial na tentativa de manter competitiva a produção para exportação através
da redução do preço relativo dos produtos exportáveis. A medida não é
suficiente para a retomada das exportações e há, portanto, um deslocamento
do eixo dinâmico da atividade exportadora para a de produção para o mercado
interno, dado que esse mantém parte da renda preservada e possui forte
demanda por importados. A demanda é explicada pela necessidade do setor
industrial em comprar as matérias-primas e maquinários necessários às suas
atividades e das classes dominantes que adquiriram hábitos de consumo das
sociedades européias, quando ocorreram influxos migratórios de trabalhadores
oriundos dos países europeus (FURTADO, 1968: 69).
Esse novo modelo admite então a existência de um setor industrial que
produz bens de consumo e em uma segunda etapa passa a produzir alguns
bens de capital. Eleva-se a produtividade do capital e do fator trabalho no setor
agrícola como um todo.
69
Através de uma simulação numérica, o autor desenvolve uma análise do
comportamento entre os setores industrial e agrícola no que diz respeito à
produtividade da mão-de-obra do capital e sobre a taxa de lucro. Chega-se à
conclusão de que apesar de o setor manufatureiro possuir produtividades
maiores dos fatores trabalho e capital, este incorre em uma taxa de salário 50%
maior do que na agricultura. Em função dessas ponderações prova-se que
apesar da maior produtividade dos fatores, o custo maior para se atingir o
mesmo produto é igual nos dois setores, sendo que o setor manufatureiro tem
seus custos atrelados ao setor pré-capitalista (através da taxa de salário) e às
importações de insumos e equipamentos. Os resultados numéricos finais
apontam para uma relação produto-capital efetiva de 2 para a agricultura de
exportação e 1 para o setor industrial. A taxa de crescimento que se obtém na
indústria é metade daquela possível de ser obtida no setor exportador. Outro
elemento importante é que parte dos investimentos da agricultura é proveniente
de acumulação do próprio setor; poupança gerada no período anterior e não
gasta; o que não é o caso do setor manufatureiro (FURTADO, 1968: 74).
Com respeito ao balanço de pagamentos, tanto o setor exportador
quanto o industrial são extremamente dependentes das importações, portanto
para se criar um fluxo adicional de renda é preciso aumentar o coeficiente de
importações por unidade investida.
Há a elevação das taxas de lucro que acarreta no aumento da pressão
na demanda por bens duráveis importados com a elevação dos preços
relativos desses produtos. Ainda com referência às taxas de lucro, sua
elevação faz com haja um aumento na demanda por máquinas e insumos
importados, o que resulta em aumento nos preços dos importados. Esses
aumentos de preços pouco afetam o consumo das classes de renda mais
elevadas, restando a redução das importações de bens não duráveis, e é
exatamente nesse setor que se dá a substituição de importações (FURTADO,
1968: 78).
O padrão que acabamos de descrever se reproduz com algumas poucas
diferenças e assim o modelo substitutivo prossegue, sempre que ocorra um
estrangulamento externo, renda e demanda por determinado tipo de produto.
Quanto mais complexa a produção, maior a escala exigida e menor a relação
produto-capital, mais difícil se torna a substituição. Outro fator limitador
70
importante é que no caso do setor de bens de capital, como regra geral, o
coeficiente de capital por trabalhador aumenta vertiginosamente. Esse último
aspecto do processo reforça o caráter de inflação estrutural do modelo, pois
para que se substituam os bens de capital é necessário atingir-se um nível de
preços relativos muito elevados. Com efeito, com o avanço do modelo de
substituição na indústria de produção de bens de capitais, mantidos os salários
e os investimentos constantes, absorve-se menos mão-de-obra do setor pré-
capitalista por unidade de investimento. Mantém-se, portanto, a concentração
da renda com menor massa salarial. Os efeitos recessivos no setor agrícola
vão agravando a tendência à redução na relação produto-capital da economia
como um todo. A demanda global irá se alterar orientando-se os investimentos
às atividades nas quais a relação produto-capital é menor: os bens de
consumos duráveis, reduzindo-se naqueles em que a relação produto-capital é
maior: na agricultura.
Comparando-se os dois processos, o da industrialização ocorrida na
Europa no século XIX e a industrialização nos países latino-americanos,
verifica-se a impossibilidade de generalizar-se o conhecimento obtido no
primeiro como instrumento de reprodução do desenvolvimento naquelas
sociedades. O processo histórico é único em cada região, deve-se respeitar as
especificidades desse processo e criar-se novo conhecimento se pretendemos
compreender o desenvolvimento industrial nas estruturas subdesenvolvidas.
O ensaio de industrialização de tipo “substitutivo de importações”,
durante certo tempo constituiu uma alternativa e permitiu levar adiante algumas
modificações adicionais nas estruturas produtivas de alguns países. Ocorre,
entretanto, que a forma de organização industrial viável em determinadas
condições históricas, não é independente do tipo de tecnologia a ser adotada.
A tecnologia que a América Latina teve de assimilar na metade do século XX é
altamente poupadora de mão-de-obra e extremamente exigente no que
respeita às condições de mercado. Dentro das condições presentes da
América Latina a regra tende a ser o monopólio ou oligopólio e uma
progressiva concentração de renda, a qual, por seu lado, ao condicionar a
composição da demanda, orienta os investimentos para certas indústrias que
são exatamente as de elevado coeficiente de capital e mais exigentes com
respeito às dimensões de mercado. A experiência tem demonstrado, na
América Latina, que esse tipo de industrialização substitutiva tende a perder
71
impulso quando se esgota a fase das substituições “fáceis”, e eventualmente
provoca a estagnação
42
. (FURTADO, 1968: 39).
A citação acima representa uma síntese da análise proposta por Celso
Furtado para as limitações impostas ao desenvolvimento brasileiro. Pode-se
averiguar que o diagnóstico foi sendo construído ao longo da exposição das
cinco obras do autor, finalizando em um texto simples, porém conciso, incluindo
além de elementos próprios da economia, outros que são importantes para que
se interprete o processo de desenvolvimento como um todo.
As características da sociedade brasileira, antes da industrialização
contribuíram para que, com a instalação do processo, se intensificassem as
assimetrias e distorções inerentes a este, resultando em um amortecimento do
crescimento econômico. A solução não residia no âmbito eminentemente
econômico. Havia questões políticas e institucionais que transcendiam a
dimensão da teoria econômica disponível, tanto na de linha mais convencional
quanto na heterodoxa.
Portanto, vimos nas obras acima citadas que Furtado atribui as causas
da crise a problemas relacionados aos métodos de reprodução empregados;
poupadores de mão de obra que impedem a formação de um mercado
consumidor, uma vez que o modelo, concentrador de renda, limita a
diversificação aos bens de consumo e, no limite, tende ao agravamento dos
descompassos entre a oferta e a demanda, levando à estagnação do processo
de desenvolvimento nos países de periferia. No caso específico brasileiro, além
dos elementos apontados acima, fatores políticos, e por que não dizermos
sociais e culturais, impediram o ajuste institucional adequado para que se
alcançasse: mais fôlego ao processo de industrialização com a substituição de
bens de capitais e de química pesada, melhor distribuição dos benefícios
advindos da industrialização e alívio às contas externas.
Conforme afirmamos na introdução do presente capítulo, há fatores que
de alguma forma afetaram o julgamento dos autores em estudo. A experiência
de Celso Furtado no governo de João Goulart, a cassação dos seus direitos
políticos, o seu exílio e a reaproximação com o universo acadêmico
proporcionaram àquele autor uma visão privilegiada do panorama econômico e,
42
Em nota inserida no original o autor aponta o México como exceção por ter adotado o modelo
substitutivo e não ter experimentado estagnação.
72
principalmente, político do Brasil. Em A dialética do Desenvolvimento e
“Political Obstacles to economic growth in Brazil”, observa-se que após a
passagem de Celso Furtado pelo governo de Goulart, o economista adota uma
linha que à primeira vista confere um tom pessimista às suas obras posteriores.
Todavia, ao analisarmos mais detidamente o artigo, verificamos tratar-se de
uma fase de extrema clareza e lucidez, de alguém que enxergou além dos
seus contemporâneos.
Com relação às qualificações propostas por Tavares, observa-se que as
categorias de Furtado não contemplariam qualquer dogmatismo, haja vista que
ao desenvolvermos nosso trabalho, verificamos que as formulações prontas
não fazem parte do instrumental de análise de Celso Furtado. Indo além, o
arcabouço estruturalista, no qual há grande colaboração daquele autor, rejeita
o mesmo tipo de generalização, sobretudo as abstrações da economia
convencional. A situação sugere que ao se deparar com o extraordinário
crescimento ao final da década, Tavares tenha sucumbido à especialização tão
criticada por Celso Furtado. Os modelos propostos por Furtado são meras
abstrações que servem mais à ilustração de situações e possibilidades. No
caso brasileiro, Furtado trata da questão com muito mais alcance, rejeitando a
especialização e abrindo a possibilidade de outros determinantes, além dos
eminentemente econômicos, como os fatores inibidores do crescimento.
De nossa parte, notamos que o posicionamento político relativamente
ambíguo de Celso Furtado pode ter motivado a cassação de seus direitos
políticos e ao mesmo tempo o seu distanciamento dos movimentos de
esquerda, inclusive de seus pares. A ausência de um vínculo político explícito
de Furtado pode ter custado a incompreensão de algumas de suas idéias e o
seu isolamento. Embora a análise de Furtado tenha se mostrado efêmera, em
decorrência da retomada do crescimento no “Milagre”, em uma perspectiva de
longo prazo a idéia de estagnação econômica não parece ser dissonante, haja
vista as baixas taxas de crescimento experimentadas a partir de 1980,
sugerindo uma reaproximação da hipótese estagnacionista.
O pensamento de Furtado buscou uma perspectiva ampla do
desenvolvimento econômico do Brasil e de outras economias da América
Latina. Algumas importantes questões por ele abordadas, como a
concentração de renda, a participação do Estado como agente indutor do
73
crescimento econômico e promotor de justiça social e a ausência de lideranças
comprometidas com o desenvolvimento mantêm-se na pauta dos debates
contemporâneos.
2.3 A síntese heterodoxa.
Furtado e Tavares formaram os quadros da CEPAL
43
, onde colaboraram
para a formação de uma doutrina econômica influente na América Latina
durante os anos 50 e 60. Suas famosas análises sobre a industrialização no
Brasil convergem no sentido de compartilharem a Teoria dos Choques
Adversos
44
e o sistema centro-periferia. Essas afinidades teóricas se tornam
relativas quando apresentam seus diagnósticos sobre a crise dos anos 60.
Surgem algumas divergências, tanto quanto aos determinantes da
desaceleração, como ao prosseguimento desta.
Dentre as linhas de pensamento que ganharam importância no Brasil do
pós-guerra, o sistema centro-periferia desenvolvido pelos estudiosos da
CEPAL na figura central do economista argentino Raul Prebisch
45
, teve grande
projeção em todo o continente e nos meios acadêmicos ao redor do mundo.
A idéia básica é a de que, sujeitos às condições do livre mercado
através das idéias propagadas por Ricardo com base nas vantagens
comparativas dos países que participam do mercado mundial de trocas, as
economias periféricas teriam saído em desvantagem com os ganhos de
produtividade obtidos com o avanço tecnológico. Os resultados do aumento de
produtividade eram transferidos automaticamente às economias centrais
devido a um viés nos termos de troca. Desse modo haveria uma simetria
tecnológica e de renda entre os países de centro, ou desenvolvidos e
assimetrias nas economias periféricas, ou subdesenvolvidas. Prebisch se
apoiou em vasto estudo sobre a deterioração dos termos de troca que apontou
uma tendência secular em prejuízo às economias menos desenvolvidas. Ao
exportarem produtos primários de baixo valor agregado em troca de
manufaturados, as economias à franja do sistema estavam condenadas à
43
Comissão Econômica para a América - Latina e Caribe, órgão ligado à ONU, fundado em 1949,
encarregado de elaborar estudos e possibilidades de desenvolvimento para a região.
44
O primeiro modelo exposto por Furtado no presente trabalho expõe a dinâmica dos choques adversos
de forma resumida. Para esse tópico ver: Suzigan, W. (2000).
45
Para maiores detalhes sobre a obra de Raul Prebisch e o estruturalismo da Cepal ver: PREBISCH, R.
(1948) e PREBISCH, R.(1952).
74
transferência dos excedentes às economias centrais. Além da questão das
desigualdades internacionais, a divisão internacional do trabalho imprimia, via
balanço de pagamentos, pesados desequilíbrios que resultavam em inflação
cada vez mais intensa à medida que as economias atrasadas tentavam se
desenvolver (inflação estrutural).
2.3.1 O esgotamento da industrialização substitutiva
O arcabouço acima é exposto em Da substituição de importações ao
capitalismo financeiro, no qual Tavares (TAVARES, 1977) expõe suas
observações sobre as desigualdades entre os centros e as periferias mundiais:
No primeiro caso (o caso das economias centrais), embora as
exportações fossem componente importante e dinâmica da formação da Renda
Nacional, sem a qual não poderia explicar a sua expansão, não lhes cabia a
exclusiva responsabilidade pelo crescimento da economia. Na realidade, a
essa variável exógena vinha juntar-se uma variável endógena de grande
importância, a saber, o investimento autônomo acompanhado de inovações
tecnológicas. A combinação dessas duas variáveis, interna e externa, permitiu
que o aproveitamento das oportunidades do mercado exterior se desse
juntamente com a diversificação e integração da capacidade produtiva
(TAVARES, 1977:30).
Portanto, no caso das economias centrais as exportações eram fonte de
renda complementar ao investimento autônomo, dotando aquelas economias
de autonomia e poder de influência nos mercados mais vulneráveis.
Já na América Latina, não só as exportações eram praticamente única
componente autônoma do crescimento da Renda como o setor exportador
representava o centro dinâmico de toda a economia. ... Em suma, o grau de
difusão da atividade exportadora sobre o espaço econômico de cada país
dependia da natureza do processo produtivo desses bens primários e do seu
maior ou menor efeito multiplicador e distribuidor de renda.
(Idem.).
Fica claro, assim, a situação de dependência das nações periféricas,
traduzida nas palavras de Tavares como economias reflexas, pois tinham suas
dinâmicas econômicas vinculadas ao ritmo das economias centrais
Conforme observado, a abordagem de Tavares, até o presente, não
diverge muito da de Furtado, todavia é um estudo que não se dá tanto pelo
método histórico, mas por uma análise mais focada nos dados estatísticos.
75
Outra importante intersecção entre os estudos dos dois autores é a
percepção do início do desenvolvimento industrial por substituição a partir da
crise do café em 1929 e da grande depressão americana. Para ambos, os
choques adversos teriam exercido efeitos significativos na industrialização a
partir dos estrangulamentos externos. Sobre esse tema Tavares desenvolve,
conforme indica o título da obra, um verdadeiro tratado sobre o processo
substitutivo.
Um dos pontos destacados pela autora é o fato de que os
estrangulamentos externos não poderiam ser absolutos, caso contrário não
haveria possibilidade de ocorrer a substituição, pois em um primeiro estágio o
aumento da produção se daria por ocupação da capacidade ociosa resultante
do estabelecimento de escalas mínimas econômicas quando da implantação
das unidades produtivas. Todavia, para o prosseguimento do processo seria
necessário que se pudesse importar equipamentos e insumos para a
realização de novos investimentos que levariam à diversificação do parque
industrial.
A violenta queda na receita de exportação acarretou de imediato uma
diminuição de cerca de 50% da capacidade para importar da maior parte dos
países da América Latina, a qual depois da recuperação não voltou, em geral,
aos níveis de pré-crise.
(TAVARES, 1977: 32-33).
Na passagem acima, Tavares se refere à crise de 1930 de forma
generalizada para toda a região. Portanto, para a autora o estrangulamento
externo favorável à substituição deveria ser relativo, ou seja, uma capacidade
de importar que aumenta lentamente a uma taxa menor do que a do
crescimento do produto.
No caso específico do Brasil autora descreve a opção pelo Governo
Vargas por implantar medidas de proteção à renda do setor exportador, em
uma tentativa de garantir um mínimo de estabilidade no fluxo de exportação
para os centros do sistema. O resultado desse processo foi a mudança do eixo
dinâmico da economia do âmbito externo para o interno. Essa condição, aliada
ao estrangulamento relativo, ou seja, uma limitação às importações para
atender a uma demanda interna, resguardada uma renda mínima ao mercado
consumidor, foi o que proporcionou o processo substitutivo. Não nos deteremos
em descrever a dinâmica histórica dos choques adversos uma vez
76
compreendida toda sua complexidade nas palavras de Celso Furtado
reproduzidas no presente estudo
46
.
Segue Tavares pormenorizando as características das substituições. A
despeito de o termo sugerir a simples troca entre produzir internamente o que
se importava, afetando dessa forma apenas as variações físicas ocorridas na
balança comercial, há uma infinidade de implicações estruturais que envolvem
um processo dinâmico, como por exemplo, as demandas derivadas e seus
efeitos multiplicadores sobre a economia via diversificação e aumento do
parque produtivo com efeitos diretos sobre as importações na medida em que o
processo se desenvolve.
Na realidade, porém, à medida que o processo avança através de
sucessivas respostas à “barreira externa”, vai-se tornando cada vez mais difícil
e custoso prosseguir, não só por razões de ordem interna (dimensões de
mercado, tecnologia etc.) como porque, dadas as limitações da capacidade
para importar, a pauta de importações tende a tornar-se extremamente rígida,
antes que o processo de desenvolvimento ganhe suficiente autonomia pelo
lado da diversificação da estrutura produtiva.
(TAVARES, 1977:43).
O processo que acabamos de reproduzir leva a importantes implicações
já apontadas por Furtado, como por exemplo, a tendência à concentração de
renda e, portanto, à produção para um seleto mercado consumidor,
apresentando-se distorções e resultados sociais contestáveis como: inflação
estrutural e deficiências na oferta.
As limitações apresentadas após o período das substituições “fáceis”
também foram objeto de preocupação da economista.
Além do mais, os problemas assinalados tendem a agravar-se à medida
que o processo de industrialização avança para novas categorias de produção
mais complexas, já que, quando entra em certo tipo de indústrias mecânicas ou
de produção intermediária, por exemplo, a escala exigida tende a ser muito
grande em relação ao tamanho do mercado.
(TAVARES, 1977:49).
Pode-se observar que além da rigidez nas contas externas, o processo é
condicionado por barreias técnicas.
A autora também aborda a questão de aumento da densidade na
relação capital-produto de forma muito próxima pela qual Furtado se expressa.
46
Uma análise mais detalhada sobre as limitações sobre os estrangulamentos externos sob a ótica
exclusiva de Tavares pode ser encontrada em: SOARES, 1981.
77
Apesar do imbricamento de algumas posições entre Tavares e Furtado,
a autora já apresenta determinada tendência a impor uma análise mais
detalhada da situação, principalmente no que diz respeito à concentração de
atividades em poucos grupos quando do aprofundamento da indústria
substitutiva.
Deriva então, desta mesma realidade, a tendência a uma inevitável
concentração das atividades econômicas, uma vez que não poderia esperar
um número grande de empresas que, num afã competitivo, se estabelecessem
com condições de rentabilidade para disputar mercados específicos tão débeis,
salvo em certas áreas de bens de consumo.
(TAVARES, 1977:49).
O trecho dá pequenos indícios da orientação dos estudos de Tavares
sobre a industrialização no Brasil e sobre a crise.
Ao apontar os condicionantes internos da industrialização por
substituição, Tavares chama a atenção para três importantes causas para as
distorções ocorridas na região: a dimensão e estrutura dos mercados
nacionais, a natureza da evolução tecnológica e os recursos produtivos.
O primeiro elemento já vínhamos explorando nas leituras de Furtado, ou
seja, as dificuldades de investir-se para atender um diminuto mercado
consumidor de alta renda. Primeiramente substituíram-se os bens que exigem
menor densidade de capital (bens de consumo não duráveis), incapazes de
absorver a abundante mão-de-obra,... à medida porém que se avança no
processo de substituição e se entra, em particular, nas faixas de bens de
consumo, o crescimento relativo do mercado passa a dar-se basicamente em
termos verticais, ou seja, explorando o poder de compra das classes de alta
renda. (TAVARES, 1977:49).
Podemos inferir que à medida que a industrialização por substituição de
importações se desenvolve ela vai impondo seus próprios limites, pois passa a
depender de faixas cada vez mais estreitas da demanda global.
O segundo diz respeito à tecnologia importada dos grandes centros ter
sido desenvolvida visando uma realidade diversa quanto aos recursos
disponíveis na América Latina. As técnicas eram poupadoras de mão-de-obra
não-qualificada e altamente consumidoras de energia elétrica, lubrificantes,
óleos combustíveis e não levavam em consideração as amplas extensões de
terras disponíveis.
78
Os inconvenientes de ordem geral também são bastante conhecidos e
podem ser resumidos do seguinte modo: para um dado volume de produto a
substituir, a quantidade de capital exigida é muito grande e o emprego gerado
relativamente pequeno. Em termos dinâmicos, isso significa que o processo de
crescimento se dá com um grande esforço de acumulação de capital e com a
absorção inadequada de massas crescentes de população ativa que
anualmente se incorporam à força de trabalho. Quanto mais se quiser obstar o
segundo inconveniente, mais se terá de forçar a taxa de investimento, mantidas
as características básicas da tecnologia adotada.
(TAVARES, 1977: 50).
O trecho reproduzido corrobora a análise de Furtado quando este aponta
e relativiza o efeito direto da industrialização sobre a concentração urbana,
evidenciando que em muitos pontos os autores convergem para a idéia de que
a falta de planejamento para o desenvolvimento produziu poucos resultados do
ponto de vista social
Enfatizamos o importante espaço ocupado pela tecnologia na obra de
Tavares. Em determinado ponto do trabalho a autora indaga o porquê de não
se ter adotado uma tecnologia de menor densidade de capital, condizente com
os recursos disponíveis. Segundo a autora, a utilização de uma proporção
elevada de capital em relação à mão-de-obra deu-se em razão das taxas
cambiais distorcidas que teriam reduzido os custos nominais de oportunidade
dos investimentos em equipamentos, pois não apresentavam uma relação
realista com o custo efetivo.
Assim, por exemplo, a taxa de salário mínimo é mais ou menos idêntica
em todas as regiões de um país e independe de que o custo de oportunidade
possa ser zero ali onde haja desemprego de mão-de-obra não-qualificada.
Por sua vez, o preço dos bens de capital, que são na maioria importados, foi,
via de regra, artificialmente rebaixado através de taxas cambiais favorecidas,
no propósito de estimular o desenvolvimento industrial.
(TAVARES, 1977:51).
Essa posição compete frontalmente com os argumentos de Furtado,
quando o autor coloca a maior aversão ao risco do capital nacional em relação
às atividades mais modernas, às quais interessavam aos capitais
internacionais, mais preparados financeiramente. Sob o aspecto do custo de
oportunidade, Furtado aponta os incentivos cambiais e tarifários ao passo que
Tavares coloca a questão em termos de taxas cambiais distorcidas que teriam
afetado o juízo dos investidores. Em um ou em outro caso, o resultado é o
79
mesmo no que diz respeito à oligopolização da oferta nos setores modernos;
com a ressalva de que Furtado observa saturação nos setores mais
tradicionais enquanto Tavares propõe praticamente o sucateamento dos
mesmos.
Segue ainda a autora, indicando que nos ramos mais tradicionais da
indústria, os fatores acima apontados conspiravam para uma aceleração da
depreciação nas empresas daquele setor devido à absolescência, provocando:
o desperdício, um maior esforço de capitalização e descarte de mão-de-obra
não-qualificada.
Por último, Tavares aponta o que no seu entender é o divórcio entre as
funções macroeconômicas de produção factíveis e mais adequadas à dotação
de recursos daquelas economias, e as funções microeconômicas efetivamente
adotadas pelos empresários no processo. A falta de sincronia nas duas esferas
encaminha a produção para processos que desperdiçam recursos escassos,
preservam o desemprego estrutural da mão-de-obra não-qualificada e ao
mesmo tempo mantêm ociosas importantes fontes de recursos produtivos, para
não mencionarmos a degradação ambiental
Ficam evidentes através da análise de Tavares, as implicações no que
diz respeito aos custos econômicos e sociais para se conduzir uma
industrialização pouco competitiva na América Latina.
O “Caso do Brasil” é o título do capítulo no qual a autora aborda as
especificidades da nossa economia. A descrição é feita com base na teoria dos
choques adversos com muita ênfase nas análises empíricas e apontando as
características que teriam conferido certas vantagens ao processo de
substituição de importações no Brasil.
Entre as características citadas estão: a dimensão favorável do mercado
interno face às outras economias latino americanas, a relativa diversificação
industrial já observada antes da crise de 1929 e o vigoroso processo de
urbanização que dispunha de estrutura e serviços básicos que seriam
fundamentais na mudança de orientação das atividades produtivas. Tavares
ressalta mais uma vez as políticas governamentais de preservação da renda do
setor exportador, sem a qual o estrangulamento externo não exerceria qualquer
efeito.
80
Em Além da estagnação, escrito em conjunto com José Serra, há a
conhecida crítica ao trabalho de Furtado, conforme já abordado no início do
presente capítulo.
O trabalho analisa os elementos estruturais da crise que, segundo seus
autores, residiam no esgotamento do dinamismo da industrialização por
substituição das importações.
A economia encerrava um ciclo que teria esgotado o pacote de
investimentos, principalmente na produção de bens de consumo duráveis e de
produção. Nessa etapa, seguem os autores, a reserva de mercado preexistente
foi esgotada, proporcionando a elevação da renda e a diversificação do
consumo. Para que se desse a sustentação do ciclo, seria necessário um
pacote que complementasse o amadurecimento dos investimentos estruturais
do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, o que, segundo os autores...
deveria, neste sentido, cumprir um papel semelhante ao da onda de inovações
de Schumpeter, a qual não ocorrendo regularmente no tempo tende a provocar
profundas flutuações no desenvolvimento capitalista. (TAVARES, 1977: 169).
Logo, os autores não apontam, diretamente, algumas limitações
estruturais não “resolvidas” pelo Plano de Metas, mas sim a necessidade de
manter-se um fluxo estável dos investimentos, principalmente no que diz
respeito às inovações. Com respeito ao Plano de Metas há conhecimento de
que algumas de suas metas não foram alcançadas, como por exemplo, a dos
setores ferroviário e agrícola (a produção de trigo na realidade decresceu
durante o Plano).
A inexistência de um volume adequado de investimentos, capaz de
assegurar a manutenção de uma alta taxa de expansão econômica, não se
relaciona estritamente com limitações da capacidade produtiva (já suficiente
em alguns ramos do setor produtor de meios de produção como metal-
mecânica, equipamentos elétricos, máquinas, ferramentas, materiais de
construção), mas sim com problemas relacionados com a estrutura de
demanda e com o financiamento. (
TAVARES, 1977:168).
No que concerne à demanda, os problemas apontados pelos autores
guardam alguma semelhança às primeiras observações de Furtado, todavia,
Tavares e Serra vão além e indicam problemas de financiamento como fatores
que impedem uma melhor absorção e ampliação da produção. A fraca
81
evolução das relações: excedentes-salários e gastos-carga fiscal, como
representativas da capacidade de financiamento do setor privado e do público
respectivamente, limitavam a realização de novos projetos. A solução consistia,
segundo os autores, em uma possível redistribuição da renda pessoal em favor
das camadas médias e altas da população, aumentando a relação excedentes-
salários, o que implicaria até na compressão dos salários dos trabalhadores
menos qualificados.
A despeito das implicações que poderiam advir do que foi colocado no
último parágrafo, observamos alguma similaridade com algumas observações
feitas por Kalecki e Minski, no que diz respeito aos meios através dos quais as
economias se financiam. Surge aí um interessante segmento a ser explorado, o
que foge ao limite de nossa tarefa, mas que se mostra uma perspectiva
interessante, não obstante termos ciência de que Tavares incorpora Kalecki em
seus estudos posteriores, sobretudo ao estudar as relações
interdepartamentais da economia, conforme abordaremos no decorrer de
nossa exposição.
Retornando ao nosso estudo, Tavares e Serra não restringem seu
diagnóstico apenas aos fatores acima expostos. A inflação exerceu um
importante papel, ao oferecer um amortecimento da elevação dos salários e
uma distorção na percepção dos agentes no que diz respeito à rentabilidade
esperada do capital, dirigindo os investimentos aos ativos reais como
instrumento de proteção à desvalorização da moeda
47
.
Verificou-se em conseqüência disso, um sobreinvestimento físico que
tendia a diminuir a relação produto-capital marginal... O declínio da
rentabilidade esperada dos investimentos, o fim dos lucros ilusórios e a
redução do volume de recursos para investimento levaram a uma forte redução
das taxas de investimento global, tanto público como privado.
(TAVARES,
1977: 169).
A contração na taxa de investimentos, enfatizam os autores, foi
elemento decisivo na crise econômica.
Tavares e Serra subdividem a crise em dois momentos distintos. A
primeira fase é evidenciada pela desaceleração potencializada por uma crise
47
Não poderíamos deixar de mencionar os estudos pioneiros de Ignácio Rangel sobre a inflação
brasileira, no qual o autor imprime a mesma racionalidade dos empresários frente à escalada dos preços,
RANGEL, 1963. Para maiores detalhes ver em: MANTEGA, 1984.
82
conjuntural decorrente de medidas que foram implantadas com o intuito de
solucionar a própria desaceleração. As mais claras são, segundo os autores,
as tentativas de se redistribuir a renda em favor dos assalariados, através de
uma política de preços que teve um efeito restritivo, fazendo recuar
simultaneamente os gastos do governo e a liquidez. O texto ressalta o ano das
medidas, 1963, uma referência ao Plano Trienal de Furtado, elaborado alguns
meses antes da passagem do economista pelo Ministério do Planejamento de
João Goulart. Os autores creditam às medidas contidas no Plano, como por
exemplo o franco ataque às remessas de lucros dos capitais internacionais
48
,
pela acentuada queda nos investimentos que inauguraram a depressão que se
iniciava.
A segunda fase compreende o período entre 1964 e 1966, incluindo a
recuperação obtida durante Milagre Econômico.
A mudança de regime é o marco de passagem entre uma fase e outra,
pontuada por poucas mudanças no panorama econômico. Tavares e Serra dão
especial atenção às formas de financiamento do Estado, como o fim de
mecanismos de arrecadação que vinham sendo utilizados há mais de uma
década, relacionados: ao câmbio, a políticas creditícias e salariais, todos
apontados pelos autores como as causas dos sucessivos déficits públicos.
Concomitantemente impôs-se uma forte compressão dos salários que apesar
de reduzir os custos das empresas enxugou a demanda corrente. Os autores
consideraram essas medidas saudáveis para a economia, ao eliminarem firmas
ineficientes, ocorrendo uma concentração industrial e comercial que abriu o
caminho para uma nova etapa de crescimento. Essa dinâmica eliminou os
excessos do sistema produtivo sem que se comprometesse sua eficiência. As
reformas tributárias e do mercado de capitais também mereceram elogios dos
autores por considerarem importantes recursos aos financiamentos do setor
público e privado. Para finalizar, o Governo implantou instrumentos cambiais e
tarifários que favoreciam a associação do capital nacional ao estrangeiro, para
projetos de longo prazo nos setores: energético, mineral, químico e de
transporte.
48
O Presidente João Goulart sancionou a Lei de remessa de lucros proposta por governos anteriores, que
impunha restrições e limites ao envio de valores ao estrangeiro.
83
Como já mencionamos anteriormente, o Milagre Econômico foi um
evento que turvou a visão dos economistas, distorcendo de forma imperceptível
os acontecimentos nos anos 1960. O vertiginoso crescimento econômico, no
contra-fluxo da tendência latino americana e mundial, e ainda a taxas
declinantes de inflação, provocou a curiosidade de muitos, e a julgar pela
persistência do fenômeno, lembremos que foram mais de cinco anos
consecutivos de aceleração a altas taxas de crescimento do produto, não seria
espantoso, nem mesmo para o Ministro da Fazenda Delfim Netto, que todos
acreditassem ter testemunhado uma manifestação concreta de algum ente
divino.
Em nossa avaliação, os diagnósticos apontados por Tavares e Serra,
ressalvadas algumas críticas a Celso Furtado, são um avanço na busca dos
determinantes da crise, uma vez que em alguns aspectos complementam as
observações elaboradas por aquele autor e adicionam novas perspectivas
como os efeitos da inflação nas decisões dos investidores e as dificuldades dos
agentes, públicos e privados em se financiarem. Outra questão a se destacar,
ainda com relação aos financiamentos, foi a inclusão das relações excedentes-
salários e gastos-carga fiscal na análise.
Gostaríamos de chamar a atenção para outro fator importante nos
estudos de Maria da Conceição Tavares: a intensa análise empírica sobre a
industrialização substitutiva preenche uma lacuna deixada por Celso Furtado.
Nesse aspecto os dois conjuntos de obras se complementam. Tavares refaz
sua análise através de sua tese de professor titular, da qual trataremos mais
adiante.
2.3.2 A industrialização retardatária e o Capitalismo Tardio.
Em Capitalismo Tardio (MELLO, 1982), João Manuel Cardoso de Mello
trata da questão de forma diferenciada, partindo de uma crítica às
limitações do estruturalismo cepalino em superar a situação de
dependência externa das economias latino americanas.
Para a introdução do estudo faremos uso de uma parte do excelente
prefácio de Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo ao sintetizar algumas
deficiências da concepção centro-periferia da CEPAL:
84
A resposta de João Manuel é que a Economia Política da CEPAL
investiga a problemática da industrialização nacional a partir de uma situação
periférica e que para ela “o núcleo do problema da industrialização reside na
antinomia entre a plena constituição da Nação e uma certa divisão
internacional do trabalho que havia convertido em Periferia, quer dizer, numa
economia que era comandada por decisões tomadas no Centro, porque sua
dinâmica estava presa, em última instância à demanda externa”. Nesta
perspectiva, “as economias periféricas, enquanto dependentes, são meros
prolongamentos do espaço econômico das economias centrais e não se
poderiam considerar como economias nacionais. Mais ainda, na medida em
que continuassem a crescer para fora, as economias latino-americanas
continuariam condenadas à miséria, pois qualquer esforço que fizessem em
superá-la seria frustrado: não é este o significado profundo da tendência à
deterioração dos termos de troca? Dependência e pobreza eram, pois, duas
faces de uma mesma moeda, a situação periférica”.
(BELLUZZO Apud.
MELLO, 1982: 10).
Mello aponta a importância da Teoria da Dependência
49
e de como essa
vertente ligada à sociologia assume a dinâmica social latino-americana como
determinada preliminarmente por fatores internos desde que estabelecido o
Estado Nacional. Os esforços dos teóricos da dependência, Cardoso e Faletto
(CARDOSO & FALETTO, 1970), não foram suficientes para a superação das
limitações do pensamento cepalino na medida em que estes permaneceram
atados à periodização: economia colonial, economia nacional, crescimento
para fora, industrialização por substituição de importações, industrialização
extensiva e industrialização intensiva.
Para que se superasse em definitivo o pensamento da CEPAL, seria
necessário não tentar localizar as incorreções dos condicionantes internos e
externos e sim repensar a História latino-americana através das
especificidades de “um certo capitalismo”. Havia a necessidade de se
abandonar o formalismo proposto pela CEPAL, sugerindo que a origem da
questão está no fato de haver uma importante diferenciação ignorada pelo
pensamento cepalino, entre a economia primário-exportadora apoiada em
trabalho escravo e a economia primário-exportadora apoiada no trabalho
49
Para maiores detalhes sobre a Teoria da Dependência ver: CARDOSO,F.H., e FALETTO, E., 1970.
85
assalariado, e, portanto, existem importantes implicações para as relações
sociais decorrentes dessa diferenciação no que diz respeito ao capitalismo.
Desvencilhar-se do formalismo é, assim, começar a entender o
nascimento do capitalismo latino-americano pela forma peculiar de constituição
de suas relações sociais básicas. Não basta reafirmá-las, como uma petição de
princípios, mas necessário perquirir seu processo de constituição a partir da
crise do Sistema Colonial. A partir da Revolução Industrial, as relações entre
Economia Colonial e Capitalismo passam de complementares a contraditórias:
a generalização das relações mercantis impulsionada pelo capitalismo
industrial começa a exigir a liquidação do exclusivo metropolitano e termina por
impor o assalariamento da força de trabalho. (BELLUZZO Apud. MELLO, 1982:
11-12).
Para concluir sua crítica ao modelo proposto pela CEPAL, Cardoso de
Mello lembra o fracasso da Comissão na busca de superação da condição de
periferia das economias latino-americanas através da industrialização:
E assim chegamos aos meados da década de sessenta, quando a
morte do movimento nacional-desenvolvimentista ficou evidente. A
industrialização ou se abortara, ou, quando tivera êxito, não trouxera consigo
nem a libertação nacional, nem, muito menos, a liquidação da miséria.
(MELLO, 1982: 23).
A Teoria da Dependência surgiria então na tentativa de explicar porque a
história havia tomado outro rumo. Para o autor a questão se coloca em termos
do problema da “não-industrialização-nacional”. A expressão é forte, no sentido
de que vem provocar uma ruptura com o que se tinha como hegemônico em
termos de opção pelo desenvolvimentismo apoiado no planejamento e nos
estímulos propiciados pelos governos latino-americanos, como foi o caso do
Brasil ao buscar acelerar industrialização.
Observa Mello que o sistema centro-periferia concebido pela CEPAL
leva a uma relação de dependência que se reproduz em etapas: dependência
colonial, dependência primário-exportadora e dependência tecnológico-
financeira. A obra de Cardoso e Faletto, Dependência e Desenvolvimento na
América Latina (CARDOSO & FALETTO, 1970) recebe as atenções do autor,
ao apontar que a política da CEPAL não considerou os condicionantes sociais
86
e políticos no processo
50
(MELLO, 1982: 25). A premissa inclui a...”redefinição
de perspectivas: por um lado, considerar em sua totalidade as “condições
históricas particulares” – econômicas e sociais – subjacentes aos processos de
desenvolvimento, no plano nacional e no plano externo; por outro
compreender, nas situações estruturais dadas, os objetivos e os interesses que
dão sentido, orientam e animam o conflito entre grupos e classes e os
movimentos sociais que ‘põem em marcha’ as sociedades em
desenvolvimento”. (CARDOSO & FALETTO Apud. MELLO, 1982: 25).
Em outras palavras, o desenvolvimento latino-americano é o
desenvolvimento capitalista com suas especificidades e peculiaridades dado
que ocorre em uma situação de periferia nacional, conforme coloca Mello.
Portanto, apesar de o autor enfatizar que a Teoria da dependência falhou ao
não criticar a periodização do desenvolvimento latino-americano proposto pela
CEPAL, as idéias de Cardoso e Faletto foram a pedra fundamental sobre a
qual Mello construiu a concepção do Capitalismo Tardio.
Mesmo rompendo com o paradigma cepalino, observamos que Mello de
alguma forma dá continuidade ao trabalho de Furtado, na medida em que ao
propor a interpretação do capitalismo latino-americano detentor de
determinadas especificidades de “um certo capitalismo”, no caso do Brasil a
partir de um sistema colonial escravocrata, o autor não deixa de elaborar um
modelo específico nos moldes daqueles propostos pelo economista
pernambucano em Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina.
Furtado já propunha o materialismo histórico ao desenvolver sua análise e em
certa medida a construção de um modelo como o primário-exportador
representa uma reprodução simplista da realidade, mas aponta para
interpretações sob diferentes níveis de abstração, como por exemplo a
sofisticação proposta pelo Capitalismo Tardio. As diferenças consistiriam então
no grau de precisão, mas as ferramentas básicas são aparentemente as
mesmas.
A raiz do problema reside em que o arcabouço cepalino reduz as
economias primário-exportadoras a um único padrão, não se levando em conta
suas especificidades como a existência de capital, mão-de-obra, materiais, ou
50
Fica evidente nessa passagem do texto que a colaboração de Furtado foi além da esfera da solução do
problema econômico, mas mais do que isso uma contribuição às Ciências Sociais como um todo.
87
seja, elementos de natureza capitalista, ou pré-capitalista de cada sistema
isoladamente.
Segundo Mello não há sequer uma diferenciação entre a economia
primário-exportadora e a economia colonial sob a ótica cepalina, muito menos
a distinção entre primário-exportadora apoiada no trabalho escravo e a
organizada com o trabalho assalariado. Para a CEPAL, o foco da questão
estava apenas em que após a revolução industrial havia uma relação que
passa de uma relação monopsônica da colônia para com a metrópole
portuguesa
51
para uma de Estado Nacional na periferia do sistema. Na visão
proposta por Mello, a economia primário-exportadora sob organização do
trabalho assalariado não dispõe de todos os elementos das relações
capitalistas, mas já detém um importante grau de diferenciação frente ao
sistema de trabalho escravo.
Isto posto, não é difícil compreender que o surgimento das economias
exportadoras organizadas com trabalho assalariado deve ser entendido como o
nascimento do capitalismo na América Latina. Não é certo, do modo
especificamente capitalista de produção, desde que não se constituem,
simultaneamente, forças produtivas capitalistas...
(MELLO, 1982: 31).
Mello suaviza as restrições acima afirmando haver sob as óticas de
Weber e de Gray a existência do que seria denominado capitalismo de
plantation”, a despeito de o primeiro afirmar que essa modalidade estaria
“prenhe” de irracionalidade.
No Brasil, a derrocada da economia colonial começa com a queda do
exclusivo metropolitano e a formação do Estado Nacional. De acordo com
Mello, nesse processo há um fortalecimento do caráter mercantil e o
revigoramento da exploração do trabalho compulsório.
A passagem de uma economia colonial à economia exportadora, a
principio apoiada no trabalho escravo, resulta em um sistema organizado sob o
domínio do capital mercantil que perdura até a queda do exclusivo
metropolitano e que tinha por função primordial a acumulação. A transição para
o trabalho assalariado se dá de forma gradual, na medida em que a exploração
do trabalho escravo vai decaindo, tanto por questões econômicas como
51
Para maiores detalhes sobre a abertura dos portos e rompimento do Pacto Colonial ver: NOVAIS, F.A.,
Portugal e Brasil na crise do antigo Sistema Colonial, São Paulo: Hucitec, 1979.
88
políticas. A fragmentação dessa estrutura levou à organização do trabalho e
posteriormente à industrialização.
A chegada das estradas de ferro como resultado da articulação entre o
capital mercantil nacional e o capital financeiro Inglês, apoiados por garantias
do Estado brasileiro, juntamente com a introdução das máquinas de
beneficiamento de café, abriria o caminho ao trabalho assalariado.
A estrada de ferro e a maquinização do beneficiamento não somente
reforçaram a economia mercantil-escravista cafeeira nacional. Ao mesmo
tempo, se opõem a ela, criando condições para a emergência do trabalho
assalariado.
(MELLO, 1982: 82).
Através da atividade exportadora preservou-se o processo de
acumulação do capital mercantil que exerceu papel primordial na passagem do
trabalho escravo para o assalariado e daí para a industrialização.
Concomitantemente, nas economias avançadas, com o surgimento do
capitalismo monopolista, entre 1880 e 1900, o processo de concentração
ganha dinâmica com a incorporação do progresso técnico, que segundo Mello
foi fundada no que Veblem denominou Tecnologia da Física e da Química. A
“Segunda Revolução Industrial” promoveu a monopolização dos principais
mercados industriais por empresas cada vez maiores, em um processo
comandado pelo capital bancário juntamente com o capital industrial,
resultando no capital financeiro
52
.
O surgimento de outras potencias industriais, como Japão e Estados
Unidos da América, derruba o monopólio inglês dissolvendo-se dessa forma a
complementaridade restrita. As exportações de capitais se intensificam em um
processo que finda pela repartição do mundo entre as potencias industriais.
Segundo Mello, o capitalismo monopolista se consolida encerrando-se entre
1930 e 1945.
Nessa parte do trabalho Mello visou proporcionar o cenário no qual o
capitalismo surgiu no Brasil. Ou seja, havia uma guerra comercial velada que
tratava da ampliação dos mercados para que ao mesmo tempo em que se
evitasse a saturação, se mantivesse a lucratividade dos grandes capitais
52
Para maiores detalhes sobre o capitalismo monopolista e concentração de capitais ver em: SWEEZY, P.
M. e BARAN, A. B., 1974 e HILFERDING, R., 1973.
89
concentrados. O monopólio é o objetivo do jogo se se desejasse atingir os
objetivos acima mencionados.
A periodização proposta pelo autor aponta três fases distintas da
industrialização brasileira. Primeiramente houve o nascimento e consolidação
do capital industrial, período que se estende de 1888 a 1933, com a instalação
da grande indústria que representou a passagem do trabalho escravo ao
assalariado, a partir da implantação de equipamentos de beneficiamento e
transporte para a indústria cafeeira, até a formação de um parque industrial
manufatureiro, com destaque para os têxteis, alimentos e alguns
manufaturados.
De 1933 a 1955 ocorreu a industrialização restringida, assim
denominada por não possuir as bases técnicas e financeiras de acumulação
suficientes ao salto para a indústria de bens de produção. Esse período é
caracterizado pela indústria metalúrgica e de química leve.
Entre 1955 e 1961, através do que Mello denomina de onda de
inovações schumpeterianas, surge a indústria pesada, resultante do bloco de
investimentos proporcionado pelo Plano de Metas com ênfase nos bens de
consumo duráveis, materiais elétricos e de transporte, entre outros.
Devemos reconhecer na construção de Mello, que ocorreu uma
transformação no modo de produção de dentro do sistema colonial para fora,
coetânea ao desenvolvimento do capitalismo europeu.
Ocorreu uma segunda transformação importante, mas que vai opor um
modo de produção a outro. O papel do capital mercantil colabora ao firmar-se
como acumulação primitiva.
O processo de compreensão de um “capitalismo brasileiro”, em um
contexto latino americano de manifestação das relações capitalistas de
produção, de nada adiantaria ao nosso fim se não adentrássemos às origens
do que Mello denomina “industrialização retardatária”.
O autor começa por diferenciar a posição cepalina quanto à “capacidade
de diversificação do crescimento para fora”, ou seja:
....consiste na aptidão do setor exportador (conjunto de empresas
produtoras de um certo produto primário de exportação) para criar um mercado
interno mais ou menos amplo, pensando exclusivamente, como mercado de
bens de consumo corrente.
(MELLO, 1982: 89).
90
A demanda por bens de consumo dos assalariados dependeria
diretamente da função macroeconômica de produção do setor exportador. No
caso brasileiro a combinação incluiria o uso intensivo do fator mão-de-obra. A
demanda também sofreria os efeitos dos excedentes de mão-de-obra
desocupada refletidos nas taxas de salários.
Mello coloca em xeque a consistência de uma abordagem pela Teoria
dos Choques adversos como explicativa para a industrialização a partir de uma
economia primário-exportadora, mesmo que houvesse um amplo mercado
consumidor de bens de consumo dos assalariados.
Seria pertinente pensar em “industrialização na etapa” primário-
exportadora? Melhor ainda: o crescimento da indústria de bens de
consumo corrente e mesmo, de algumas poucas indústrias leves de
bens de produção, verificado em alguns países latino-americanos
(Argentina, México, Brasil, Chile e Colômbia), ao conceito de
industrialização?
(MELLO, 1982: 90).
Mello exime Maria da Conceição Tavares da crítica, ao afirmar que a
economista foi a única a não confundir em qualquer momento: crescimento
industrial com industrialização. O autor avalia, no entanto, que Furtado, em
Formação Econômica da América Latina, refere-se à primeira fase de
industrialização induzida pelas exportações, como uma etapa substitutiva de
importações.
“O crescimento da produção industrial (na etapa da industrialização
induzida pelo crescimento das exportações) assume, essencialmente, a forma
de adição de novas unidades de produção, similares às preexistentes,
mediante a importação de equipamentos. Não se trata da formação de um
sistema de produção industrial mediante sua diversificação, e, sim, da adição
de unidades similares em certos setores de atividade industrial... Para que o
setor industrial viesse superar essa dependência (em relação aos mercados
que só o setor exportador poderia criar) seria necessário que ele se
diversificasse suficientemente para autogerar a demanda. Isto é, que se
instalassem indústrias de equipamentos e outras, cujo produto fosse absorvido
pelo próprio setor industrial e outras atividades produtivas.
(FURTADO Apud.
MELLO, 1982: 91).
Afirma Mello que a industrialização induzida pelas importações
enfrentava limites impostos pela expansão do setor exportador que quando
91
atingia seu limite de ocupação debilitava a expansão industrial. O autor volta a
citar Tavares que sintetizou a situação como a falta de dinamismo próprio dos
setores: industrial e de agricultura de subsistência.
O autor define o paradigma da CEPAL para a superação dessa situação
como determinado pelo deslocamento do eixo dinâmico da economia para
dentro da nação
Mello recria as condições pelas quais se dá a substituição extensiva (na
faixa dos bens de consumo corrente em geral) e intensiva (bens de produção
pesados e de consumo duráveis), de forma muito semelhante ao que fora
exposto no presente capítulo, dando ênfase nas limitações quando do avanço
da indústria substitutiva, como por exemplo: o exíguo mercado que vai se
estreitando com a concentração da renda, o enrijecimento da pauta de
importações, as escalas mínimas de produção etc.
Tudo isso revela, claramente, em suas linhas basilares, a problemática
em que se move o paradigma cepalino: a problemática da industrialização
nacional a partir de uma situação periférica. Daí que o núcleo da questão da
industrialização esteja centrado na oposição entre desenvolvimento econômico
da Nação, ou melhor, entre plena constituição da Nação e uma determinada
divisão internacional do trabalho que a havia transformado numa economia
reflexa e dependente.
(MELLO, 1982: 95).
Portanto, a tese cepalina, de que a indústria na América Latina é
problemática por ser periférica se opõe à tese da industrialização capitalista
retardatária que coloca a questão sob um capitalismo surgido de dentro para
fora e dotado de determinadas especificidades.
Essa divergência merece as atenções do autor que traça em largas
linhas a problemática da industrialização retardatária.
Sumarizando podemos afirmar que a impossibilidade de uma
reprodução ampliada, D – M – D+D’ – M... , ou seja, para que a reprodução
passe a ter um caráter efetivamente autônomo, os excedentes devem retornar
à esfera da produção, o que não ocorre de forma endógena, dada a ausência
de bases materiais para a construção de bens de capital e demais meios. A
problemática resume-se na transição da economia exportadora para a
industrialização capitalista, portanto, o processo de constituição de forças
produtivas capitalistas seria primordial para atingir-se o modo especificamente
92
capitalista de produção, que, conforme Mello é chamado incorretamente de
capitalismo industrial.
A expressão “dependência tecnológica”, e o que isso significa no
paradigma cepalino, é terminantemente banida do vocabulário empregado pelo
autor. Mesmo uma relação de subjugação tecnológica, para também fugirmos
ao termo, é evitada quando o autor nem mesmo considera a possibilidade de
se atingir a reprodução ampliada através do “empréstimo” de inovações ao
estrangeiro. Ao apontarmos esse tênue limite entre as duas abordagens
históricas, observamos a importância da retórica do teórico do Capitalismo
Tardio na elaboração de sua proposta.
Chamamos atenção também para o parágrafo reproduzido a seguir:
Mas o que entender, pergunto, por forças produtivas capitalistas? Deve-
se afastar, desde logo, a idéia de que seu conceito se reduz à revolução do
processo de trabalho efetivada pela maquinização dos processos produtivos.
Quer dizer, grande indústria e forças produtivas capitalistas não são uma única
e mesma coisa. Ao contrário, este modo de entender, a que se é levado
quando se observa um tanto apressadamente o desenvolvimento capitalista
dos países centrais, é inaceitável, pois não leva em conta as condições
endógenas necessárias à reprodução e expansão do capitalismo.
(MELLO,
1982: 97).
Nesse ponto da exposição fica evidente; há uma divergência histórica
entre as análises estruturalista e do Capitalismo Tardio. Como pudemos
observar ao expor o primeiro trabalho de Furtado (FURTADO, 1961), aquele
autor afirma que os clássicos Marx e Smith haviam subestimado a tecnologia
como elemento de contrapeso à possibilidade de saturação ou de crise do
capitalismo. O avanço técnico é uma “válvula” de escape do sistema, que ora
avança, ora freia, quando sujeito a pressões, como a escassez de mão-de-
obra, o aumento dos preços de algum outro fator ou a queda dos preços por
excesso de oferta. Evidentemente não propomos uma redução às idéias de
Mello, porém, a Revolução Industrial, parece exercer maior peso no
pensamento estruturalista do que no Capitalismo Tardio, suspeitamos. Estas
indagações, porém, deixaremos para outra oportunidade.
Para Mello, o conceito de forças produtivas estaria mais atrelado a uma
dinâmica de acumulação especificamente capitalista, ou seja, o processo de
93
criação das bases materiais do capitalismo. A constituição de um departamento
de bens de capitais que possibilitasse dotar o capital de autodeterminação
seria fundamental para liberar a acumulação das barreiras decorrentes da
estrutura técnica do capital. Mas quais seriam as condições às quais estariam
sujeitas as economias capitalistas latino-americanas para fazerem a transição
para o capitalismo industrial?
As especificidades das economias da região residem nas bases nas
quais se daria essa transição, ou seja, economias exportadoras capitalistas
nacionais; e a conjuntura, a dominância mundial do capitalismo monopolista. É
a esta industrialização capitalista retardatária à qual se refere Cardoso de
Mello.
Ao tratar do caso brasileiro, o autor lembra que para (Cardoso
CARDOSO, 1969) as bases para a industrialização em uma região prescindem
da existência de um certo grau de desenvolvimento capitalista.
A economia cafeeira capitalista preenchia esse pré-requisito, pois:
gerava massa de capital monetário, concentrada em uma classe social (com
capacidade para organizar a produção industrial), era capaz de transformar a
força de trabalho disponível em mercadoria e de promover a criação de um
mercado interno de proporções relevantes.
A gênese do capital industrial se dá através da burguesia cafeeira como
matriz da burguesia industrial, conforme já apontava Furtado (FURTADO,
1965), no capital empregado nas atividades de produção e beneficiamento do
café e nas áreas urbanas em atividades: comerciais, de importação, de
serviços financeiros e de transporte.
Uma característica importante apontada pelo autor, é que a indústria
não teria drenado capitais do complexo cafeeiro em períodos de crise, mas em
fases de alta rentabilidade, como o ocorrido entre 1890 e 1894, quando a taxa
de acumulação financeira ultrapassou em grande medida a acumulação da
produção. A decisão de investir movia-se de acordo com a avaliação das taxas
de rentabilidade dos novos projetos. Os financiamentos a taxas favoráveis e
políticas que fomentavam o capital financeiro, assim como a reforma da Lei das
Sociedades Anônimas e o impulso concedido às bolsas de valores, foram
decisivos na formação do capital industrial.
94
A acumulação do capital-dinheiro em conjunto com a importação de
mão-de-obra imigrante em massa e a capacidade de importar bens de salário,
dada a sub-dimensionada capacidade da agricultura em atender a crescente
demanda promovida pela industrialização, foram decisivos para que ocorresse
a industrialização, pontua o autor.
Em suma, o complexo cafeeiro, ao acumular, gerou o capital-dinheiro
que se transformou em capital industrial e criou as condições necessárias a
essa transformação: uma oferta abundante no mercado de trabalho e uma
capacidade para importar alimentos, meios de produção e bens de consumo e
capitais, o que só foi possível porque se estava atravessando um auge
exportador.
(MELLO, 1982: 101).
A rentabilidade esperada dos investimentos industriais também
colaborou para a formação da indústria nacional, devido à abundante oferta de
trabalhadores, que redundou em queda dos salários, as isenções tarifárias na
importação de máquinas e equipamentos e de todo tipo de protecionismo.
Segundo Mello, os gêneros produzidos eram bens de consumo assalariado e
portanto de baixa densidade de capital, contribuíram para manter elevada da
lucratividade dos projetos industriais.
A consolidação do capitalismo mundial em seu estágio monopolista
representa um importante obstáculo à implantação da indústria de bens de
capital, uma vez que as tecnologias mais sofisticadas eram objeto de cobiça
pelos grandes grupos que concorriam ferozmente entre si, pois representavam
barreiras à entrada de novos competidores. As mudanças tecnológicas
ocorridas com Segunda Revolução Industrial, quando as escalas mínimas
aumentaram em dimensões extraordinárias, também colaboraram para o
retardamento da instalação da indústria de bens de capital, assim como os
riscos de se investir em novas economias capitalistas.
Mello entende a dinâmica entre o capital cafeeiro e o industrial como
uma relação biunívoca, com os setores da economia trabalhando em um
movimento cíclico e às vezes alternando-se os ciclos, um em relação ao outro,
sem, no entanto, deixarem de guardar ao mesmo tempo uma contradição, pois
o capital cafeeiro induz à industrialização e ao mesmo tempo lhe impõe limites.
Esse movimento ainda mantém certa ascendência do capital cafeeiro sobre o
capital industrial, o que leva o setor industrial a buscar formas de se defender
95
da tendência ao declínio das taxas de lucro através da concorrência
intercapitalista. O resultado é a concentração e centralização das atividades,
em uma reprodução do desenvolvimento capitalista mundial, com e exclusão
das firmas menos eficientes, a redução de custos e a agregação de novas
tecnologias (MELLO, 1982: 104-107).
O paradigma descrito por Mello coloca a importância dessa articulação
entre os dois setores, na medida em que o setor industrial se moderniza nas
fases de expansão do setor exportador, que promove a centralização e a
concentração do capital industrial, inclusive com o avanço da diversificação
deste setor, o que não se observa em períodos de redução da capacidade de
importação. O autor ainda infere a posição subordinada da economia brasileira
à economia mundial, determinada pela realização do capital cafeeiro e pela
acumulação do capital industrial. Efetivamente, essa dependência se expressa
no bloqueio da industrialização frente a hegemonia do capital cafeeiro, que é
predominantemente mercantil, sobre o capital industrial.
Ainda em relação ao capitalismo mundial, a debilidade do capitalismo
brasileiro é alvo da exportação de capitais dos países capitalistas maduros ao
deixar brechas para que se infiltrem capitais de empréstimo e de risco, para os
setores de infra-estrutura, comerciais, financeiros e industriais.
O intervalo entre 1888 e 1933 registra o nascimento e a consolidação do
capital industrial. O desenvolvimento vertiginoso do capital cafeeiro e a
contradição entre este e o capital industrial, formam as condições para que a
economia brasileira respondesse de forma espontânea frente à crise de 1929.
A partir de então, inicia-se uma nova fase de expansão econômica, assentada
em novas bases proporcionadas pela capacidade de acumulação e pelas
medidas de política econômica que resguardaram a capacidade de importar
(MELLO, 1982: 108-109).
Entre 1933 e 1955 há um período denominado pelo autor de
Industrialização restringida que representa a limitação técnica e financeira para
que se desse um salto à capacidade produtiva de modo que com a implantação
da indústria de bens de produção se pudesse, a um só golpe, impulsionar a
oferta à frente da demanda em termos dinâmicos. Durante este intervalo, o
setor de bens de produção cresceu mais do que proporcionalmente, mas de
forma heterogênea nos principais setores de atividade, comprometendo a
96
eficiência do setor industrial. Essa situação esbarra novamente na relação
entre a industrialização retardatária e o capitalismo maduro, uma vez que havia
uma descontinuidade tecnológica devido à necessidade de escalas
gigantescas desde o momento da implantação de novas unidades, com a
necessidade de vultosos investimentos e com tecnologias protegidas pelas
grandes empresas oligopolistas dos países industrializados.
Após a grande depressão, estabeleceu-se um clima de voraz
competição capitalista internacional pelos Estados Nacionais, empenhados em
proteger suas vantagens tecnológicas, e por que não dizermos comparativas, à
custa de suas reservas tecnológicas para o financiamento da indústria militar
(MELLO, 1982: 110-115).
Além dessas dificuldades, o grau de complementaridade entre os ramos
industriais exigiria que as iniciativas de investimentos fossem efetuadas
conjuntamente por várias empresas, o que não poderia ocorrer sem uma
organização imposta de cima para baixo, em um período no qual o
planejamento central era uma opção condenada pelos Estados capitalistas
avançados.
Maria da Conceição Tavares utiliza-se de uma metáfora muito útil para
ilustrar a questão: um prédio cujos andares deveriam ser construídos ao
mesmo tempo. Os setores deveriam obedecer às necessidades de
determinadas demandas que em muitos casos ainda nem sequer existiam.
São estas as razões que explicam, basicamente, porque foi limitada,
lenta e a reboque da demanda a implantação do núcleo fundamental da
indústria de bens de produção.
(MELLO, 1982: 116).
A industrialização restringida explica o porquê de a acumulação
industrial ainda ser submetida ao limite da capacidade de importar,
subordinando a economia brasileira à economia mundial capitalista.
A industrialização restringida, conforme salientamos, configurou um
padrão “horizontal” de acumulação, porque, nem a capacidade produtiva
cresceu adiante da demanda, nem, muito menos, houve grandes e abruptas
descontinuidades tecnológica.
(MELLO, 1982: 117).
O Plano de Metas, nas palavras do autor, representou um bloco de
investimentos complementares com o aumento significativo da estrutura do
sistema produtivo, o que se constituiu em um salto tecnológico e uma
97
ampliação da capacidade produtiva muito acima da demanda prevista. A partir
de 1956, o novo padrão de acumulação alcançado, marca o início de uma nova
fase com a promoção da industrialização pesada. Essa etapa não poderia ser
levada adiante apenas com a entrada do capital nacional e do capital
estrangeiro empregados nas indústrias leves. As bases técnicas e o
desenvolvimento do capitalismo nacional também eram barreiras a serem
rompidas. A entrada do Estado na esfera produtiva, com a ampliação da infra-
estrutura e na indústria de base, e a associação de um novo tipo de capital
internacional, detentor de tecnologia e de maciços recursos na forma de capital
produtivo, seriam as peças que faltavam para a criação de um novo modelo.
A instalação autônoma dos departamentos de bens de produção e de
bens de consumo dos capitalistas, acompanhados pelo vasto investimento
público em infra-estrutura, geravam demandas dentro dos departamentos já
existentes, estimulando inclusive a demanda no departamento de bens para o
consumo dos assalariados.
Ainda segundo Mello, o Estado exercia outras funções importantes:
A ampliação do gasto público valeu-se, fundamentalmente, de formas
nada ortodoxas de mobilização de recursos financeiros (emissões e, até 1959,
confisco cambial), uma vez que não houve qualquer modificação significativa
no sistema tributário. Coube-lhe, ademais, uma tarefa essencial: estabelecer as
bases da associação com a grande empresa oligopólica estrangeira, definindo,
claramente, um esquema de acumulação e lhe concedendo generosos favores.
(MELLO, 1982: 118).
Há evidentemente uma importante articulação entre o capital industrial
nacional, o capital estrangeiro e o Estado
53
, em uma nova forma de
acumulação que não poderia se desenvolver nas bases que prevaleciam até
então, seja por questões de ordem técnica ou financeira.
Conforme observou Mello, foi notável como o Governo de Juscelino
pode executar o Plano de Metas sem ter criado instrumentos novos para o seu
ambicioso programa de investimentos. É certo que Kubitschek contou com um
importante instrumento cambial, a instrução 113 da SUMOC, introduzida ao
final do Governo de Café Filho, e que abriu a possibilidade ao capital
estrangeiro de importar equipamentos e máquinas sem a necessidade de
53
Para maiores detalhes ver: CAMPOS, 2003.
98
cobertura cambial; uma forma de “driblar” a escassez de divisas, que ainda
dependiam em muito das exportações, e de atrair o capital foreiro para o País.
Estado e grande empresa oligopolizada internacional comandaram,
inequivocadamente, o processo de industrialização pesada... A industrialização
pesada promoveu a expansão no capital industrial nacional. Nos setores metal-
mecânicos que se instalam, a demanda derivada da grande empresa
estrangeira estimula o surgimento, crescimento e modernização da pequena e
média empresa nacional, conformando-se um oligopólio diferenciado, nucleado
pela grande empresa estrangeira, com um cordão de pequenas e médias
empresas nacionais, tanto fornecedoras quanto distribuidoras.
(MELLO, 1982:
119-120).
Portanto, a industrialização retardatária, que se deu em uma situação de
consolidação do capitalismo monopolista mundial, resultou em “uma certa”
economia capitalista no Brasil, que ao alcançar a segunda metade dos anos
1950, mais precisamente entre 1956 e 1961, experimentou uma importante
aceleração do crescimento industrial. Segundo Cardoso de Mello, essa
aceleração levaria a uma desaceleração do crescimento, ainda que se
mantivessem os investimentos públicos, uma vez encerrados os ciclos dos
investimentos privados... “Houve, no entanto, muito mais do que isso, e a
expansão desembocou numa crise que se arrastou de 1962 a 1967. Suas
raízes prendem-se a duas questões analiticamente distintas: a primeira delas
diz respeito à realização dinâmica de um potencial de acumulação crescente, e
a segunda, a desajustes dinâmicos entre a estrutura de oferta e demandas
industriais”. (MELLO, 1982: 121).
A economia capitalista industrial brasileira estaria, em caráter definitivo,
presa a movimentos cíclicos que em maior o menor grau de intensidade teria
seu “comportamento” condicionado à dinâmica da acumulação, da expansão
de sua capacidade e da capacidade de absorção dessa expansão.
A crise para Mello, portanto, tinha suas origens: em uma capacidade
instalada superdimensionada, mas absorvível ao longo do tempo, dado o
“salto” tecnológico alcançado com os investimentos no Plano de Metas, por
este salto ter sido realizado sob restrições de escalas mínimas e pelo ritmo de
“acomodação” das relações tridepartamentais da economia (D1 o
99
departamento de produção de bens de produção, D2 o de produção de bens de
consumo dos assalariados e D3 o de produção de bens dos capitalistas).
Finaliza Mello afirmando que os ganhos de produtividade não seriam
repassados aos preços finais, nem aos salários, elevando-se apenas as
margens brutas de lucros, dada a oligopolização dos mercados e de um
mercado de trabalho altamente competitivo. A estrutura da demanda e a
capacidade subutilizada também eram fatores impeditivos para a manutenção
das taxas de crescimento. Ainda segundo Mello, a crise se manifesta por uma
desaceleração, e não por uma deflação em virtude do perfil oligopolizado dos
mercados industriais, com forte ascendência das empresas estrangeiras, e da
manutenção dos investimentos públicos e de seu peso na demanda agregada.
A industrialização chegara ao fim e a autodeterminação do capital
estava, doravante, assegurada. Pouco importava que não tivesse se mostrado
capaz de realizar as promessas que, miticamente, lhe haviam atribuído.
(MELLO, 1982: 122).
Portanto, uma visão objetiva, que coloca em oposição o “desejo” da
CEPAL em construir uma industrialização “justa” e o pragmatismo do
Capitalismo Monopolista das economias capitalistas maduras. A visão de
hegemonia das empresas, ou do mercado, sobre os Estados nacionais,
começa a se manifestar como uma estratégia bem sucedida.
Como observado, a hipótese de Mello sobre “um certo capitalismo” vai
sendo construída de forma muito elegante, em uma abordagem interpretativa
particular da história da transição da economia colonial, em especial a do
Brasil, para uma economia capitalista latino-americana com suas
especificidades.
Cumpre nesse momento chamarmos a atenção para o fato de que muito
freqüentemente aborda-se o tema, apontando a hipótese de capitalismo tardio
como uma das interpretações sobre a crise em estudo. Todavia, há que se
evidenciar, que uma abordagem mais adequada, e Mello expõe dessa forma,
seria a problemática de uma industrialização retardatária que surge em um
ambiente de capitalismo tardio na esfera mundial, ou capitalismo monopolista
nas economias capitalistas amadurecidas.
Com relação à Teoria da Dependência, a interpretação, como apontou o
autor no início dessa seção, diverge daquela teoria através de maneiras
100
distintas pelas quais os dois arcabouços periodizam a industrialização, todavia,
o conceito de dependência resiste, haja visto que as economias nacionais
capitalistas avançadas detêm o controle sobre os condicionantes da expansão
industrial nas economias retardatárias.
2.3.3 A economia sob efeito dos ciclos econômicos.
Algumas das idéias contidas no trabalho de Mello foram amplamente
exploradas por Maria da Conceição Tavares na sua tese de docência: Ciclo e
Crise.
No trabalho, a autora, que tem foco na crise que se inicia com a crise do
petróleo em 1973, prende nossa atenção, pois efetua estudos sobre o rápido
crescimento da economia brasileira, incluindo análises setoriais, pontuando os
setores lideres que teriam exercido efeitos dinâmicos sobre o sistema. O trecho
a seguir exibe a sintonia com a avaliação sobre a dinâmica cíclica da economia
como reflexo de investimentos autônomos:
Uma industrialização pesada em condições de subdesenvolvimento
quanto mais rápida mais tende a flutuações acentuadas, já que sua base de
apoio intra-setorial é insuficiente para realimentar a própria demanda, devido
ao limitado peso relativo de seus setores líderes na produção industrial global.
Assim, uma vez terminados os efeitos de realimentação intra e inter-setoriais
de cada nova onda de investimentos industriais, reaparece a sua debilidade
“estrutural” como componentes de sustentação da demanda final, e a reversão
do ciclo tende a reproduzir-se em forma acentuada.
(TAVARES, 1978: 72).
O trabalho de Tavares permite identificar os setores de indústria de
material de transporte, de material elétrico e mecânicos como os encadeadores
da expansão industrial.
Notemos que Tavares faz sua análise sem abandonar totalmente a
abordagem estruturalista. Podemos concluir então que, a despeito do fracasso
da industrialização em superar as assimetrias na economia brasileira, o
estruturalismo ainda persiste, em parte, como uma ferramenta de análise
importante para a autora. Faremos uma análise mais acurada sobre a
reavaliação da crise pela autora na próxima seção.
Em Ciclo e Crise Tavares (TAVARES, 1978) elabora um estudo
ampliado que englobou o período do final de “Milagre” Econômico. Conforme já
101
mencionamos a autora identifica os departamentos que se articularam de forma
a ter efeitos propagadores sobre a demanda que se expandem para outros
setores: efeito multiplicador. A figura elaborada por Tavares é de uma matriz
insumo produto, na qual o crescimento de uma das variáveis tem seus efeitos
propagados às demais
54
.
Além desses fatores, a autora aponta os investimentos em infra-
estrutura capitaneados pelo Estado, como elementos de expansão recíproca
com fortes ondas de encadeamento sobre os setores mencionados
anteriormente. Essa dinâmica equivale, em outros termos, ao que Mello
chamou: “desajustes dinâmicos entre a estrutura de oferta e demandas
industriais”. A autora, todavia, decompõe os efeitos de maneira mais detalhada:
O problema central da dinâmica cíclica está justamente nestes efeitos,
já que o investimento não se pode manter acelerado indefinidamente. Assim,
terminados os efeitos de difusão de um conjunto de investimentos
complementares sobre o crescimento da capacidade produtiva do complexo
metal-mecânico, a demanda corrente inter-industrial é insuficiente para manter
os ritmos de crescimento do conjunto da indústria. (TAVARES, 1978: 70).
Tavares identifica esses efeitos nos setores apontados, cujos saltos de
produtividade produziram um indesejável excesso sobre a capacidade
planejada, frente às possibilidades de crescimento da demanda final,
redundando naquilo que Mello denominou: “problemas de realização dinâmica
de um potencial de acumulação“.
Portanto, observamos que a análise de Ciclos e Crises possui alguns
elementos que se aproximam à tese da industrialização tardia do Capitalismo
Tardio de Mello, adicionando elementos e detalhes que denota novamente
complementaridade entre os diagnósticos.
No entanto, para Tavares não interessam as origens históricas do
processo, ou melhor, se o capitalismo é específico ou extensivo, mas as
implicações econômicas exclusivamente.
Ciclo e Crise segue focando a análise mais detidamente sobre o período
final do Milagre Econômico.
54
Poderíamos imaginar uma função macroeconômica de produção cujos coeficientes das variáveis
representativas dos diversos setores industriais fossem maior do que a unidade.
102
2.3.4 A acumulação, uma interpretação dinâmica.
Em Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil, sua tese de livre
docência publicada em 1985 (TAVARES, 1985), a autora retoma a crise dos
anos 1960 sob uma abordagem que se distancia da ”solução cepalina”, mas
que mantém vivo o conceito centro-periferia e o subdesenvolvimento como
característicos de um capitalismo extensivo.
Meu primeiro trabalho sobre industrialização – “Auge e declínio do
Processo de Substituição de Importações no Brasil – foi publicado há 10 anos,
e parte desta tese é uma revisão crítica de certos aspectos fundamentais da
concepção teórica cepalina tradicional, na qual me formei como economista
profissional. Como toda revisão crítica, mantém alguns enfoques comuns à
visão inicial (por exemplo, a visão de centro e periferia) e tenta em simultâneo
afastar-se radicalmente dela (por exemplo, na visão interna dos problemas de
acumulação). O sucesso de uma tentativa como sempre é provisório e parcial,
mormente quando se pretende integrar, como é meu objetivo, certos aspectos
teóricos do que se convencionou chamar Teoria da Empresa e certos
problemas de Dinâmica Econômica com uma visão histórica da
industrialização.(TAVARES,1985: 15).
A análise vai se acercando de figuras mais próximas ao movimento dos
estudos da demanda efetiva, iniciado nos primórdios do século XX
simultaneamente por Kalecki e Keynes e de modelos de trajetórias de equilíbrio
dinâmicos como o de Harrod e de alguns economistas clássicos, mostrando o
mesmo desprendimento dogmático com que Furtado se aproximou do assunto.
A autora utilizou o que denomina visão do processo teórico-histórico
como um importante ferramental de investigação. Há a necessidade de se
avaliar a teoria face à realidade concreta.
A análise tampouco pode permanecer estática como um simples
problema entre a produção e o consumo. Podemos fazer uma analogia às
primeiras observações de Furtado, quando o economista apontou assimetrias
na oferta e na demanda de ordem qualitativa, ou quando Mello, ao desenvolver
a tese de Capitalismo Tardio aponta uma “aceleração” do processo de
acumulação frente um problema de realização inter-setorial. Na visão de
Tavares, no entanto, os problemas de acumulação, distribuição de renda e de
realização inter-departamentos não poderiam ser compreendidos de forma
estática, tampouco se encaixariam nos modelos de crescimento dinâmicos
103
formais. Haveria que, como é de praxe na visão estruturalista, ser criado
conhecimento novo dadas às especificidades históricas de uma economia
subdesenvolvida.
Naturalmente, a CEPAL não tinha por que preocupar-se com
abordagens desde tipo de industrialização [de países subdesenvolvidos em
fases adiantadas de industrialização], quando sua luta fundamental era contra
as concepções predominantes no pós-guerra sobre liberalismo econômico,
divisão internacional do trabalho e a política monetária e financeira do Fundo
Monetário Internacional... Continuo francamente apegada à inspiração cepalina
de enfrentar os problemas com imaginação e rebeldia. O meu “revisionismo”
não vai, ao ponto de jogar fora a tradição central do pensamento econômico
latino-americano.
(TAVARES, 1985: 17-18).
Em termos mais gerais o trabalho representa uma contraposição da
Teoria Clássica de Desenvolvimento Capitalista e os problemas de
industrialização nos países subdesenvolvidos, finalizando com a
reinterpretação da industrialização brasileira.
O ponto de partida são as concepções de Ricardo sobre os efeitos do
progresso técnico nos preços e nos salários favorecendo os lucros e a renda
da terra e, portanto aos rentistas, deixando apenas resíduos para fins de
acumulação produtiva dos capitalistas. A autora aborda de forma reduzida as
hipóteses estagnacionistas levantadas por Marx, por conta das contradições
impostas pelo próprio progresso técnico, a saber, a lei da tendência declinante
das taxas de lucro, quando a composição orgânica do capital tenderia a um
aumento do capital morto em detrimento do capital vivo e daí os efeitos
deletérios dessa tendência nas taxas de lucros.
No entanto, as abordagens clássicas não chegam a um “resultado”, mas
sim a tendências contraditórias. Os modelos de reprodução clássicos estariam
restritos a entender as condições de equilíbrio entre produção de realização da
mais-valia, dada certa distribuição de renda entre salários e lucros, com uma
taxa de acumulação e de composição orgânica do capital nos departamentos e
bens de consumo e de produção. As preocupações dos clássicos estariam
limitadas às possibilidades de estagnação ou de saturação da produção, afirma
a autora.
104
A despeito das limitações apontadas, Tavares tem nessas
representações uma ferramenta analítica importante para se estudar as
dificuldades teórico-históricas de um sistema que compromete a reprodução
simples e experimenta desequilíbrios devido à tendência à acumulação por
parte dos capitalistas. As limitações decorrem de os esquemas lidarem com
formulações abstratas não se levando em conta as transformações históricas a
que estão sujeitas determinadas estruturas ao longo do tempo, no que diz
respeito: a padrões de acumulação específicos, de estruturas produtivas e de
distribuição da renda, tudo sob um ponto de vista dinâmico.
A economista propõe uma interação entre os fundamentos teóricos
clássicos da acumulação de capital e algumas peculiaridades dos problemas
de acumulação oligopólica, como questão nuclear da Teoria do
Subdesenvolvimento, utilizando-se de algumas teorias de equilíbrio dinâmico.
Tavares resume a vasta teoria surgida no pós-guerra dedicada ao que
se denominou de Teoria Dinâmica Moderna, que se orienta basicamente aos
problemas de “ajustamento de trajetória de equilíbrio”, ou de como se move o
sistema capitalista e como este se transforma historicamente (Amartya Sen
Apud. TAVARES, 1985: 24).
Nesse ponto é necessário notar que há um deslocamento da análise do
problema a um nível teórico mais atualizado, que ao mesmo tempo leva em
conta as especificidades do subdesenvolvimento a partir de modelos teóricos
formais, levantando-se as suas restrições gradualmente, objetivando-se o
questionamento dos problemas fundamentais que são: a acumulação,
distribuição de renda e o progresso técnico em estruturas semi-industrializadas.
Com isto pretendemos obter uma visão heurística de como se vão
modificando as características fundamentais de articulação endógena entre
distribuição de renda e progresso técnico em distintos padrões históricos de
acumulação. (
TAVARES, 1985: 25).
Há, portanto, uma análise histórica subjacente que terá importância
fundamental quando da intersecção da análise dos modelos teóricos com o
acelerado aumento da diversificação da indústria brasileira.
Segue a autora afirmando a importância da busca das formas históricas
pelas quais se vão resolvendo as contradições entre produção e realização do
excedente. Contradição esta que estaria subordinada ao tipo de progresso
105
técnico que, de acordo com diferentes modos de acumulação, tende a ser
dominante, seja na redução de custos dos bens de salários, ou mediante a
redução de custo da produção em seu conjunto.
Conforme já apontamos em “da Substituição de Importações ao
Capitalismo Financeiro”, a autora volta a analisar a relação lucros-salários
como ponto central da ótica do movimento da acumulação. A importância da
estabilidade desse parâmetro, que para Marx era levado em alto nível de
abstração, é fundamental para Kaldor, para quem havia uma estabilidade
empiricamente verificável nas economias maduras. Segundo a autora, no
entanto, essa relação é reposta de forma particular a cada padrão de
desenvolvimento capitalista e tomada de forma estrutural nos modelos de
crescimento de orientação clássica como os do próprio Kaldor, Kalecki, e
Pasinetti, entre outros. A estabilidade dessa relação, portanto, não seria
sinônimo de crescimento equilibrado, pois poderia estar “escondendo” uma
tendência à sobreacumulação e dessa forma problemas de realização
dinâmica. Os padrões de modificações na relação lucros-salários ao longo do
processo de acumulação, que levam à ruptura e subseqüente superação de um
padrão de acumulação e de progresso técnico por outro, não são
necessariamente estáveis.
O procedimento anunciado considera grande a contribuição de Kalecki
quando a autora evidencia a inadequação do modelo departamental de
reprodução ampliada introduzido por Marx, que se prestaria mais a explicar a
dinâmica de transferências interdepartamentais em uma estrutura competitiva.
Portanto, pode-se considerar que há dentro dessa perspectiva, além da
clássica subdivisão interdepartamental entre D1, de produção de bens de
produção e D2, de produção de bens de consumo, um terceiro setor a disputar
os gastos dos capitalistas entre o investimento (gastos em D1) e o consumo de
bens não essenciais ou luxuries (produzidos em D3).
Em um esquema simplificado os gastos em D3 seriam considerados
“vazamentos”, ao contrário da visão de Kalecki que considera esse tipo de
gasto um importante componente da demanda efetiva, capaz de exercer efeitos
encadeadores nos outros departamentos e, portanto, uma diferenciação
necessária quando se trata do problema de realização. Supomos ser esse
motivo de a autora, ao analisar a crise em Da Substituição de Importações ao
106
Capitalismo Financeiro, propor como solução para a desaceleração, a
transferência de renda dos assalariados às classes de renda mais elevada, na
tentativa de se obter um efeito multiplicador da renda.
Tal diferenciação nos países em vias de desenvolvimento cria uma
contradição adicional no interior no sistema de reprodução ampliada, que
redunda em uma taxa de acumulação a curto prazo, agravando os problemas
de desequilíbrios dinâmicos na estrutura setorial de longo prazo. Afirma a
autora, que nos países maduros essa contradição não prevalece, pois o padrão
de consumo dos trabalhadores não se diferencia muito em termos de estrutura
produtiva dos bens de consumo dos capitalistas, daí poder-se adotar um
esquema analítico assentado em dois departamentos apenas.
Ao situar o capitalismo no período da análise, a autora aponta as
contradições de se tentar entender a dinâmica da acumulação sob o ponto de
vista concorrencial, abandonando, portanto, o arcabouço clássico da fictícia
“esterilidade” do progresso técnico para que se avance a análise. Seria então
necessário adotar-se uma visão oligopólica e a importância do progresso
técnico na diversificação estrutural da demanda ao nível da expansão do
capitalismo mundial, sob a égide dos capitais financeiro e mercantil.
Nessa etapa do capitalismo maduro o problema consistia em uma
acumulação com potencial de crescimento permanente, em outras palavras,
problemas de realização dinâmica e acumulação de lucros acima da taxa
efetiva de crescimento da capacidade utilizada.
Para Tavares, a saída ricardiana com a exploração dos mercados
externos, via vantagens comparativas, recoloca o problema de tendência à
superprodução. Essa solução, segundo a crítica de Kalecki a Rosa
Luxemburgo, citada pela autora, poderia aliviar a situação de uma economia,
mas não de todo o sistema, o que apenas representaria uma redistribuição dos
lucros.
A autora observa que a exportação de capitais a partir do centro do
sistema, financiando os déficits crônicos dos países da periferia através de uma
estrutura técnica mais avançada, seria um relevante instrumento dinâmico de
acumulação em nível mundial. Nesse sentido, a combinação dos capitais:
financeiro, industrial, e mercantil, repõe as assimetrias entre os centros e as
periferias. Mesmo assim essa saída representa um paliativo no longo prazo,
107
dada à crescente necessidade de empréstimos às periferias, que deveriam
crescer em maior proporção que a taxa de crescimento dos centros, o que
geraria perturbações nos circuitos de reprodução do capital, conclui a autora.
A transição para o capitalismo monopolista e suas implicações é
tomada, portanto, em um nível teórico com o fim de expor os limites impostos
ao progresso técnico em diferentes estruturas de mercado.
Tavares coloca que a questão teórica do monopólio só se apresentaria
em termos do aumento da escala técnica de produção, mediante prévia
movimentação e centralização do capital, em um processo de destruição prévia
de capitais através do rebaixamento das taxas brutas de lucro das empresas
dominantes. Estas expulsariam as menores, menos eficientes, via competição
por preços, o que seria uma situação muito particular.
Por outro lado, o processo de oligopolização representaria uma
tendência teórico-histórica nas formas de oligopólio puro ou concentrado
(Steindl e Bain) e suas hipóteses básicas
55
, no oligopólio diferenciado (Sylos-
Labini) e as hipóteses de diferenciação contínua de produtos e conquista de
novos mercados. O problema consiste então em que: ao mesmo tempo no qual
se diferenciam endogenamente as técnicas de produção das estruturas
oligopólicas, se estabelecem margens diferenciadas de lucro a cada ciclo de
expansão, evidenciando a resistência à queda nas margens brutas. O sistema
aponta para uma tendência à sobreacumulação no longo prazo, resultando ao
invés de crises de superprodução, em flutuações nas taxas de crescimento
mais ou menos acentuadas, em torno de uma tendência à estagnação
(TAVARES, 1985: 33).
Para a autora a sobreacumulação não se caracteriza por uma saturação
da produção nos termos do que poderíamos chamar de “encalhes” nos
estoques, uma vez que os investimentos se dirigem a D1, aumentando-se de
forma desproporcional a capacidade produtiva. Desta forma, a economia não
apresenta sinais evidentes de desaceleração, pois nesse padrão de
acumulação há demandas inter-setoriais importantes, assim como níveis
razoáveis de ocupação de mão-de-obra.
55
Barreiras a entrada: economias de escala, introdução de inovações tecnológicas (Schumpeter) e a
articulação oligopólica com o capital financeiro (Hilferding).
108
Segundo Tavares, essa é uma simplificação teórico-histórica dos
possíveis padrões de acumulação de duas fases do progresso técnico que
correspondem a um padrão geral que tem sido chamado “Capitalismo
Competitivo”. A dinâmica se divide entre dois setores, em um esquema simples
de reprodução que segue até o alcance de uma nova diferenciação, com o
surgimento do setor produtor de bens de consumo dos capitalistas.
Em um estágio inicial do capitalismo, o progresso técnico é absorvido na
acumulação inicial, elevando-se a relação lucros-salários que expande o
excedente ao máximo em D1, fixando as taxas de salário ao nível de
subsistência e dessa forma ampliando o “exército industrial de reserva”. As
taxas de salários podem até elevar-se caso a taxa de excedentes acompanhem
essa elevação “pari passu”. As condições vão se alterando na medida em que
a expansão do capital em D1, ou melhor, no setor de bens de produção, devido
ao progresso técnico permite um aumento na produtividade da mão-de-obra
em D2 e a relação lucros-salários, sem que os últimos se mantenham em nível
de subsistência. Nesse movimento, a expansão segue se aproximando da
ocupação do excedente de mão-de-obra, até que em um novo avanço técnico
o processo se renove. Dessa forma, o progresso técnico se mostra não-neutro,
resultando em crescimento ao caminhar no que a autora denomina:
restabelecimento da superpopulação relativa.
Um segundo movimento refere-se ao aumento da competição entre os
capitalistas na medida em que a produtividade da mão-de-obra cresça a taxas
mais aceleradas do que os salários. A expansão do mercado de bens de
consumo se dá em ritmo mais lento do que a taxa de acumulação do setor
produtor de bens de salários, criando um problema de realização em cadeia
que afeta os dois setores, D1 e D2, resultando em uma tendência à queda nas
margens de lucros por competição via preços. Este segundo movimento é
marcado por uma seqüência de flutuações e de crises periódicas de realização,
preparando as condições para a passagem a uma “etapa monopólica” através
de escalas técnicas de produção e diferenciação progressiva das margens de
lucros (TAVARES, 1985: 35-36).
Salienta a autora, que todas as duas formas de padrões de acumulação
podem ocorrer de forma combinada ou alternada no tempo.
109
As hipóteses apresentadas fazem parte de uma série de modelos
apresentados pela autora que gradualmente vai “relaxando” as hipóteses
restritivas do modelo competitivo, até chegar a um arcabouço particularmente
importante no desenvolvimento de sua hipótese e que trata dos problemas de
acumulação oligopólica em economias maduras. A elaboração tem como base
os estudos do economista austríaco Steindl. A obra de referência do autor, de
tradição heterodoxa com bases nos fundamentos da Escola de Cambridge, é
“Maturity and Stagnation in American Capitalism”, editada em 1952 em Oxford,
em uma única tiragem, afirma a autora.
Através de um modelo formal, Steindl introduz o conceito de grau de
utilização, que segundo Tavares diferencia-se do conceito estático de taxa de
ocupação, da teoria de competição imperfeita elaborada pela economia
convencional.
A teoria se apóia em estratégias de crescimento das empresas
oligopólicas através do planejamento do avanço da capacidade à frente da
demanda, que determina o grau de utilização e, portanto o grau de monopólio
em um ramo de crescimento equilibrado.
A questão que coloca Tavares é semelhante á proposta por Keynes, ou
seja: como diferenciar o excesso de capacidade planejado do indesejado?
O que ocorre em um mercado concorrencial, via entradas e saídas como
mecanismo automático de ajustamento, não se observa nas estruturas
oligopólicas dada a inviabilidade de competição de preços devido às barreiras à
entrada. Como não é possível a redução das margens, ou da capacidade no
longo prazo, a única alternativa seria redução na demanda por investimentos
das empresas estabelecidas, o que não garantiria o restabelecimento do
equilíbrio dinâmico, pois exerceria um efeito negativo na própria taxa de
crescimento da demanda e por conseqüência uma série de desequilíbrios em
cadeia. Portanto, o problema resume-se no processo de como se gera e de
como se elimina excesso de capacidade nas estruturas monopólicas
competitivas (TAVARES, 1985: 45-46).
Assim, não há mecanismos de ajuste automáticos endógenos nas
estruturas oligopólicas puras que possam corrigir a tendência à
sobreacumulação colocada em termos de: concentração, aumento das
margens brutas e subutilização da capacidade produtiva. A desaceleração do
110
processo de expansão autônoma e individual é a única reação possível contra
o excesso de capacidade indesejado. O efeito da diminuição dos investimentos
seria a redução da demanda induzida que desencadearia uma redução no nível
global de investimento e de crescimento (TAVARES, 1985: 47).
Esta versão da maturidade econômica corresponde a uma nova forma
das teorias de estagnação. Diferencia-se, porém, das versões subconsumistas
porque a explicação básica não decorre da má distribuição da renda, isto é, da
queda na relação salários/lucros efetiva, nem tampouco do aumento da
intensidade de capital. Ao contrário, a acumulação se faz com progresso
técnico redutor de custos e admita-se uma distribuição efetiva salários/lucros
constante. A tendência à estagnação decorre de um aumento da capacidade
ociosa que significa um desperdício do acréscimo “potencial” da renda dos
trabalhadores ou do lucro dos capitalistas.
(TAVARES, 1985: 47-48).
Ao afastar a hipótese subconsumista de “vazamentos” nos gastos dos
capitalistas (com tributos, por exemplo), a autora atribui, embasada nos
estudos de Steindl, o problema da sobreacumulação a falhas no planejamento
de crescimento das empresas oligopólicas.
As formulações de longo prazo de Steindl seguem alguns parâmetros
estabelecidos por Kalecki, como: o grau de monopólio, a taxa de utilização e a
de acumulação das empresas. Além dos parâmetros apontados, são relevantes
a taxa de crescimento das vendas, ou da produção efetiva, a variação de
intensidade de capital (grau de “capital depeening”) e a taxa de crescimento
dos lucros retidos, ou capital próprio das empresas, todos tomados
globalmente em um sistema dinâmico.
A reprodução básica do modelo é a seguinte
56
:
dz’/Z = ds’/S + dk’/K – du’/U = dg’/G + dc’/C
Onde:
dz’ é a taxa de variação do crescimento total; a própria acumulação,
ds’ a taxa de variação das vendas ou produção efetiva,
dk’, a taxa de variação da intensidade de capital,
dg’, a taxa de variação do endividamento das empresas,
du’, a taxa de variação do crescimento do grau de monopólio e por fim
56
Formulação elaborada pela autora, Op.cit., p.49.
111
dc’ que é a taxa de variação dos lucros retidos, ou do capital próprio da
empresa.
Por se tratar de um modelo dinâmico, entende-se por taxa de variação, a
variação do parâmetro ao longo do tempo, assim tomado no cálculo diferencial.
Portanto, deixando-se de lado as peculiaridades da matemática aplicada
em economia, o importante é notar que, no longo prazo, uma queda na
acumulação deve ser acompanhada por uma variação no mesmo sentido por
uma queda nos lucros retidos. Para se alcançar uma nova taxa de equilíbrio
seria necessário uma redução proporcional e equitativa entre os lucros e o grau
de endividamento total das empresas. Ressalta, no entanto, a autora que a
alternativa é contraditória com a lógica rentista, cujos ganhos não guardam
relação com a variação dos lucros das empresas e, portanto, não se traduz
efetivamente em uma queda do endividamento, muito pelo contrário, a queda
nos lucros das empresas aumenta as taxas de risco, influindo decisivamente
nas decisões de investimento e por derivação na taxa global de acumulação. O
resultado é uma série de desequilíbrios que elevam a concentração de capital
através da transferência de capitais das empresas mais debilitadas às mais
fortes e do conjunto das empresas para os capitalistas financeiros. A
concentração e a centralização, por sua vez, restabelecem o crescimento a
taxas de lucros mais baixas. Uma vez que as taxas de lucro nas estruturas
oligopolizadas são resistentes à baixa, o resultado é um aumento no grau de
capacidade subutilizada, conforme observado na formulação. A solução, no
entanto, não se mostra estável levando a quedas nos investimentos e
provocando efeitos em cadeia na acumulação e no emprego (TAVARES, 1985:
50).
A introdução do progresso técnico redutor de custos, em vez de ser
uma solução para se contrapor à queda na taxa de lucro, como nos “modelos”
clássicos de competição, torna-se, pelo contrário, uma agravante para o
problema da sobreacumulação em estruturas oligopólicas concentradas. Uma
vez que os frutos do progresso técnico não se transmitem aos preços e salários
na proporção do incremento de produtividade, o excedente acumulado se
esteriliza, seja no circuito de acumulação financeira, seja produzindo sobre-
capacidade crescente.
(TAVARES, 1985: 50).
112
Estas são as características de um estágio maduro do capitalismo, na
qual o sistema atinge o limite da sua capacidade de expansão. Steindl,
segundo Tavares, concebeu o modelo de oligopólio maduro, objetivando a
construção de um modelo endógeno que se aproximasse às condições de
funcionamento da economia americana até o imediato pós-guerra (TAVARES,
1985: 56).
A aproximação do modelo aos casos concretos suscita algumas
divergências, nas observações da autora:
Em termos macroeconômicos haverá um aprofundamento de capital
sempre que o setor de bens de produção expandir a sua capacidade mais
rapidamente que o setor produtor de bens de consumo e os preços relativos
dos bens de capital não caírem em relação aos bens de consumo.
(TAVARES, 1985: 52).
Tavares enfatiza que sob a rigidez das margens de lucro, a relação
lucros-salários não tenderia a estabilizar-se, e, tampouco a taxa de acumulação
do sistema. Essa situação levaria a um crescimento oligopólico acelerado,
como os observados no Japão e na Alemanha do pós-guerra, nos quais não se
verificaram, por longos períodos, problemas de realização dos lucros, muito
menos de capacidade ociosa crescente. Em uma abordagem dinâmica, os
efeitos foram similares à redução de custos verificada na primeira fase do
capitalismo competitivo, todavia isso se deu dentro de um outro padrão de
acumulação através do aprofundamento do capital e do aumento das taxas de
investimento, com resultados semelhantes a um acelerador dinâmico, conclui.
Em outro arcabouço teórico, Tavares propõe o papel do aprofundamento
do capital através da “neutralização” do progresso técnico ao longo do tempo,
constituído de uma estrutura oligopolista dual, composta de um oligopólio
competitivo no setor de produção de bens de consumo e de um oligopólio
concentrado no setor de bens de produção. A primeira estrutura seria
compatível com o progresso técnico redutor de custos e flexibilidade dos lucros
para baixo e portanto passível de redução dos preços relativos dos bens de
consumo no longo prazo, a segunda apresentaria margens brutas de lucros
elásticas para cima e progresso técnico intensivo em capital (“capital
deepenig”).
113
A hipótese, afirma a autora, é semelhante às explicações de Kaldor
sobre a estabilidade empírica da relação lucros/salários, verificada nas
economias anglo-saxônicas até depois do pós-guerra. No caso norte
americano, no pós-guerra, a estabilidade seria explicada pela ação de uma
“mão invisível dinâmica”, atuando através da mecanização crescente na
agricultura, da modernização do setor de serviços e do o aumento dos gastos
do governo. Este último teria exercido a função de substituir os mecanismos de
mercado, ocultando o aprofundamento do capital, dado que o Estado incorre
em gastos com elevados níveis de relação capital/produto, como: em infra-
estrutura, transporte, comunicação e urbanização. O gasto público, portanto,
“enxuga” o excesso de poupança, que de acordo com Kalecki e Keynes é
financiado através de déficit público. Mas para que haja um efeito concreto na
demanda efetiva, o gasto público deve ser crescente (TAVARES, 1985: 53-55).
Dentro dessa análise proposta por Tavares, partimos agora para os
últimos estágios do oligopólio concentrado, que são: o oligopólio diferenciado e
a conglomeração financeira. Além dos problemas de sobrecapacidade, esta
conformação se destaca por representar estruturas de crescimento que
serviram à aceleração da taxa de acumulação e expansão do mercado
mundial, sobretudo para as economias subdesenvolvidas.
O oligopólio diferenciado é porém uma “máquina de crescimento” que
utiliza estruturas de produção e acumulação mais complexas que a simples
diferenciação de produtos. Este último é apenas seu ponto de partida, o ponto
de chegada é a conglomeração financeira e a expansão mundial.
(TAVARES,
1985: 57)
A autora faz alusão não apenas a uma estratégia para proteção dos
lucros e da competição, mas todo um rol de estratégias complementares, e até
formas de sinergia global, que vão desde a complementaridade dos bens, à
diversificação vertical e horizontal, com mecanismos de manutenção de
demandas cativas, assessoria de marketing, entre outros. A diferenciação
alcança estruturas de consumo por tipos de consumidores e espaciais,
deslocando concorrentes e preservando as posições das outras empresas
oligopólicas.
Alcançadas em cada etapa de expansão, do mercado nacional nos
grandes países produtores de origem, o oligopólio diferenciado passa a
114
expandir-se e a competir à escala internacional, invadindo finalmente a periferia
do sistema capitalista.
(TAVARES, 1985: 58).
As estratégias contemplam formas de financiamento ao consumo para
ampliação dos mercados, até alcançar-se um nível de consumo de massa à
escala de cada país. Ao atingir-se a elasticidade máxima das taxas de lucro a
diferenciação deixa de apresentar os resultados desejados, implicando
movimentos contraditórios: de um lado anulam os esforços de venda e a
lucratividade diminui em termos globais. O aprofundamento no consumo
produz o sucateamento para a reposição acelerada e a competição via preços,
que provoca nova onda de fusões e concentração, até atingir-se o limite na
verticalização das operações.
Por mais paradoxal que possa parecer, a “onda” de aprofundamento do
capital promoveu uma queda nos preços relativos nos preços dos bens de
consumo dos capitalistas, D3; um efeito perverso, mas que se constituiu na
única forma de neutralizar-se a estagnação (TAVARES, 1985: 59).
Historicamente, no entanto, antes que ocorresse a tendência à
estagnação, surgiu a condição de conglomeração financeira (aplicação
multisetorial e multinacional de lucros como uma estratégia de distribuição dos
riscos e de solidificação financeira), como: o caso japonês do pós-guerra, o
cartel alemão do começo do século XX e a grande corporação americana dos
anos 20, exemplifica a autora.
... a combinação da estrutura oligopólica produtiva com a
conglomeração, que parece extremamente eficiente ao nível interno de
acumulação das chamadas empresas multinacionais, tem efeitos
profundamente desestabilizadores ao nível das economias nacionais e do
mercado financeiro internacional... Os riscos de desestabilizar a estrutura de
crescimento e de comércio deixam de colocar-se num modelo endógeno, à
escala nacional, para passarem a um “modelo” também endógeno do sistema
internacional.
(TAVARES, 1985: 60).
Não é necessário muito aprofundamento teórico, nesse ponto da
exposição, para concluir-se que a expansão da sobreacumulação atingiu um
estágio no qual a perspectiva de estagnação não se extinguiu, na realidade foi
sendo afastada através de estratégias oligopólicas e da planificação intensa,
alcançando escala global.
115
Tavares aponta a pressão sobre os recursos naturais, os desequilíbrios
nos balanços de pagamento e a expansão financeira descontrolada, como
elementos de propagação de estagflação. Essa situação configura-se em uma
nova divisão internacional do trabalho, mais funcional do que produtiva.
Aos Estados Nacionais tornados “provincianos”, salvo possivelmente o
Estado hegemônico, caberia manter a estabilidade social interna e dar suporte
à expansão dessas empresas em suas nações convertidas em “mercados”.
Finalmente, à superestrutura internacionais, montada em Breton Woods e
superada pelos acontecimentos, caberia reformar-se e adaptar-se à nova
ordem mundial.
(TAVARES, 1985: 61).
Acreditamos que o trecho acima é uma alusão direta ao golpe promovido
pelos movimentos sociais conservadores brasileiros, ao qual fizemos menção
no início do presente trabalho.
O segundo capítulo da tese de Tavares dedica-se ao estudo dos
problemas de acumulação oligopólica em economias semi-industrializadas,
aproximando-se, portanto, as hipóteses teóricas para o caso específico do
Brasil.
O texto expõe as várias tipologias apontadas pela teoria econômica,
procurando identificar as similitudes entre estas formulações e a realidade
concreta.
Primeiramente a autora reconhece que as estruturas oligopólicas
subdesenvolvidas são assimétricas em termos de acumulação, distribuição de
renda e incorporação do progresso técnico.
Esta assimetria admite vários cortes analíticos, em termos de empresas,
de consumidores, de consumidores de setores produtivos e de regiões
geográficas, que são a razão básica da permanente heterogeneidade estrutural
das economias subdesenvolvidas.
(TAVARES, 1985: 63).
Mais precisamente, trata-se não de buscar um padrão único de
acumulação e de ciclo de crescimento, haja vista que há um enorme nível de
complexidade nas relações entre os grupos e setores.
Segundo a autora, o distanciamento entre as economias
subdesenvolvidas e as economias maduras surge quando se observam as
tendências cíclicas internas das economias subdesenvolvidas que apresentam
dependência da difusão limitada dos processos de acumulação, do progresso
116
técnico e da expansão acelerada de filiais estrangeiras, o que lhe conferem
caráter especifico.
Ainda com relação a Steindl, Tavares diferencia as estruturas
subdesenvolvidas das formulações daquele autor, devido aos privilégios
obtidos pelas multinacionais como: os custos exíguos nos direitos e aquisições
de patentes, na concessão de recursos financeiros, na assistência técnica e
principalmente por participarem diretamente de um processo interno de
acumulação em relação a matriz (TAVARES, 1985: 64).
Deste modo, os determinantes do investimento, tal como foram
colocados por Kalecki e Steindl, com ênfase na taxa interna de lucros retidos e
no princípio do risco crescente [teoria desenvolvida por Kalecki que estabelece
uma relação entre a lucratividade das empresas e sua relação com as decisões
de investimento], deixam de funcionar como hipóteses básicas da acumulação.
(TAVARES, 1985: 65).
Outra importante observação, é a de que a hipótese de que a taxa de
crescimento se dá de forma exógena, em razão do comportamento da
economia global, não se aplica aos oligopólios estrangeiros, muito menos para
as empresas públicas. As decisões no sentido de uma ampliação da
capacidade à frente da demanda, no longo prazo, se impõem como um
componente autônomo do investimento, garantindo uma taxa mínima de
crescimento industrial. Essa afirmativa não afasta a possibilidade de flutuações
com ciclos de aceleração e desaceleração de crescimento, tampouco imuniza a
economia contra os problemas de realização e da demanda efetiva, a despeito
da hipótese de estagnação se tornar remota. (Idem.)
Por final, a ampliação do progresso técnico também se dá nos setores
que lideram a expansão, todavia não se leve em consideração a formação de
um mercado de fatores e suas dimensões, proporções, preços relativos, ou
dotação relativa, uma vez que as decisões, dada à confortável vantagem
tecnológica conferida ao capital estrangeiro oligopolizado, são no âmbito das
produções que permitam, por derivação, a modificação e diferenciação na
estrutura da demanda. Por outro lado, as empresas nacionais encontram outra
realidade, com acesso apenas a tecnologias livres de licenciamento, ou
pagando altos valores por determinado conhecimento. Dessa forma, a escolha
do que se produzir e qual o processo, em termos tecnológicos, não guarda
117
qualquer relação com os recursos disponíveis, ou da dotação relativa
(TAVARES, 1985: 66).
Alerta Tavares que:
Convém advertir, porém, que a introdução de novos produtos na
economia não é em geral controlada pelo Estado e é, pelo contrário, parte
essencial da dinâmica de acumulação de um oligopólio diferenciado. Não
existe na sua lógica interna qualquer razão para que as empresas apliquem
“critérios sociais” na seleção de produtos, como tampouco o fazem na seleção
de técnicas.
(TAVARES, 1985: 67).
A autora chama a atenção não apenas à dependência tecnológica
crescente a que estão sujeitas as economias subdesenvolvidas, quando
submetidas aos oligopólios internacionais, mas para a internalização dessas
decisões à medida que os capitais estrangeiros oligopolizados vão adaptando-
se às condições locais, ordenando suas prioridades de acordo com sua
racionalidade. O poder de reação dos governos locais, frente aos grupos
internacionais, se torna cada vez mais limitado, uma vez que suas próprias
estruturas de investimentos estão atreladas à dinâmica das indústrias líderes.
(TAVARES, 1985: 68).
Esses foram os termos gerais dos problemas de acumulação oligopólica
nas economias semi-industriais.
A seguir Tavares expõe os modelos teóricos aplicáveis às
especificidades dessas economias.
Os modelos básicos são três variações de modelos oligopólicos
industriais em um cruzamento de tipologias “setoriais”, com algumas de
“organização industrial”, objetivando evidenciar-se certos problemas já
estudados de forma dinâmica para chegar-se à visão de um “ciclo de
expansão”, conforme informa Tavares.
O oligopólio competitivo enquadraria as indústrias tradicionais de bens
de consumo não-duráveis, com sua dinâmica vinculada ao crescimento urbano,
com a participação de empresas de distintos tamanhos, competindo através de
um diferencial de custos e possivelmente de produtos, mas com grau de
concentração insuficiente para que qualquer uma delas almeje o controle do
mercado. Como tendência geral de longo prazo, a taxa interna de acumulação
deste setor limita-se ao período crítico do processo de urbanização, tendendo a
118
baixar em função da distribuição de renda, sofrendo um aumento da
concorrência e do esforço de venda. (TAVARES, 1985: 69-70).
A segunda categoria se aproxima do conceito de oligopólio diferenciado
concentrado (Labini), que segundo a autora é um máquina de crescimento no
sentido schumpeteriano e engloba os ramos já amplamente estudados por
Tavares em Ciclo e Crise: o setor automotriz, o de material elétrico e o metal-
mecânico, este último o que mais havia crescido em escala mundial, até então.
São os setores de maior crescimento na América Latina e também os que
afetam mais significativamente o crescimento da indústria na região, conforme
afirma a autora. Essa estrutura oligopólica diferenciada concentrada está
presente nos países semi-industrializados mais avançados e concentra as
empresas estrangeiras modernas, dominantes, principalmente nos setores de
transportes e de material elétrico. A estrutura se conecta a uma subestrutura
metal-mecânica de bens de produção, que tem efeitos encadeadores em
empresas nacionais pequenas e médias, e em algumas filiais estrangeiras, que
funcionam articuladas através de demandas inter-setoriais (TAVARES, 1985:
69-73). Em Ciclos e Crise Tavares já indicava os importantes efeitos derivados
das demandas desses setores e a capacidade de crescimento destes,
antecipando-se à demanda e propagando os efeitos de diversificação para
outros ramos.
O potencial de acumulação desta estrutura diferenciada, porém, não
está determinado apenas pela taxa exógena de crescimento de demanda
global, nem somente pela taxa interna de lucro. É indispensável levar em
conta, para entender o movimento de expansão das grandes empresas, que
elas crescem na frente da demanda, isto é, possuem capacidade ociosa
planejada, por razões diferentes do oligopólio puro, que o faz basicamente para
dar conta das descontinuidades técnicas e das barreiras à entrada.
(TAVARES, 1985: 72).
Outra observação é a de que ao “adiantar” a capacidade à frente da
demanda, o setor trabalha com uma taxa de ocupação abaixo da capacidade, o
que em termos gerais, em se tratando de estruturas oligopólicas, deixa espaço
de manobra para barreiras a entrada. Esse controle sobre a expansão do
mercado, através da capacidade subutilizada e da diferenciação, ocorre sem o
envolvimento do governo, através das próprias empresas na busca de
119
expansão da capacidade, favorecendo a ocorrência de fortes flutuações no
crescimento. Passado o ritmo de crescimento, no estágio da “substituição de
importações”, entra-se em um período de acomodação no crescimento da
demanda, que inibe a ampliação da capacidade. A expansão acelerada pode
levar à queda nas margens de lucro, refletindo-se em uma queda nos preços
relativos dos bens duráveis, todavia a rentabilidade global se eleve (TAVARES,
1985: 73).
A autora adverte, no entanto, que a despeito do que possa parecer, há
limites à expansão no longo prazo e barreiras estruturais, conforme será
examinado no caso brasileiro.
A última estrutura, o oligopólio concentrado de Labini, ou puro de
Steindl, congrega as indústrias de insumos básicos como cimento, papel,
equipamentos pesados “estandarizados” e metalurgia pesada. Esses setores
necessitam de barreiras eficientes à entrada, por economias internas de
escala, descontinuidade tecnológica e volume de capital. É um tipo de
produção intensiva em capital, com baixo coeficiente de mão-de-obra e
possivelmente venha a afetar a relação lucros/salários no nível
macroeconômico. Os efeitos dessa estrutura na renda pessoal corrente e na
demanda final são irrelevantes.
Nos países subdesenvolvidos mais avançados no processo de
industrialização e de maior dimensão relativa de mercado, essa estrutura é
subdividida entre as grandes empresas nacionais, incluindo as estatais e as
estrangeiras, devido às escalas mínimas de produção. Apenas em economias
de industrialização tardia, verifica-se a operação exclusivamente por empresas
estrangeiras. As empresas nacionais caso concorressem com o capital
estrangeiro se extinguiriam. A proteção da empresa nacional se dá por
elevadas dimensões ou por influência política. Não há concorrência por preços,
pois na maioria dos casos os preços são administrados. A concorrência se faz
através da concessão e do controle dos recursos naturais, da tecnologia e do
financiamento. Os financiamentos externos têm grande importância nas fases
de implantação do setor, limitando dessa forma o ritmo de crescimento das
empresas nacionais e a sua participação no mercado, vis-à-vis o poderio dos
capitais estrangeiros nos projetos de grande escala. (TAVARES, 1985: 69-73)..
120
Tavares aponta que por todos esses motivos, essa estrutura exige
freqüentes renegociações estratégicas e compromissos entre os capitais
nacional e estrangeiro, o que denota uma tendência a flutuações nas relações
com o estado e no caráter nacionalista de suas políticas. As dificuldades em se
manter os investimentos estrangeiros para a expansão da capacidade ocorrem
devido: às baixas taxas de rentabilidade, ao risco envolvido na própria atividade
e até à falta de competidores locais. Tavares aponta a tendência que havia, à
época da publicação, de uma maior participação dos Estados nessas
atividades, por razões estratégicas ou por questões de cunho nacionalista
(TAVARES, 1985: 77).
Em suma, há, segundo Tavares, uma aproximação dos padrões
estruturais oligopólicos latino-americanos aos modelos expostos, que em maior
ou menor grau de compatibilidade podem ser explicados através das relações
que acabamos de reproduzir.
O Estado, no arcabouço montado por Tavares, se insere primeiramente
através do investimento público na etapa de expansão industrial oligopólica. O
caráter autônomo do investimento governamental e o seu papel de
estabilizador do ciclo de expansão da capacidade, através da indução da
aceleração das demandas setoriais, são fundamentais para as grandes
empresas oligopolizadas, principalmente para as estrangeiras. A própria
dinâmica industrial promove os ciclos desestabilizadores, que se manifestam
seja pela capacidade produtiva, seja pelos efeitos induzidos do investimento
público sobre a demanda no setor de bens de capital. A propósito dos gastos
públicos, a necessidade de investimentos em infra-estrutura, transportes e
serviços, para atender a demanda do setor privado, faz com que os gastos se
situem muito além das necessidades imediatas. Uma forma de se prevenir os
indesejáveis “gargalos” que entravam a expansão. Isso explica as dificuldades
em se manter os investimentos do governo sem pressões inflacionárias.
Os problemas que os governos enfrentam para desempenhar
adequadamente o papel de gestor de políticas anticíclicas, vão desde a
ausência de mecanismos adequados de controle dos preços, a instrumentos
fiscais e financeiros capazes de reorientar os investimentos às atividades
produtivas. Isso sem levar-se em conta a função social do estado e seu papel
redistributivo. (TAVARES, 1985: 79-86).
121
Para encerrar os estudos das estruturas oligopólicas nos países semi-
industrializados, Tavares oferece uma análise sobre a abertura externa e as
tendências de crescimento desses países quando da publicação da tese, o que
foge ao interesse de nosso trabalho.
Para finalizar a tese, Maria da Conceição Tavares se rende ao método
histórico e retoma algumas passagens de Capitalismo Tardio de Cardoso de
Mello, com o propósito de situar a industrialização através do processo de
acumulação de capital mercantil.
Cumpre ressaltar, no entanto, que Tavares apresenta uma ressalva
importante no que diz respeito aos modelos dinâmicos, no que se refere aos
determinantes históricos da industrialização brasileira. Tais modelos só fazem
sentido quando há um caráter endógeno, a partir do qual se possa entender o
modo de funcionamento de um sistema. (TAVARES, 1985: 102).
Dessa forma, a dinâmica construída por Mello atende satisfatoriamente
às condições estabelecidas pela autora. Tavares chama a atenção para o
período entre 1933 e 1937 no qual, apesar de não haver ainda um setor
industrial, capaz de comandar o processo de expansão da capacidade
produtiva de forma sustentada. O intervalo se caracteriza pela reprodução
conjunta da força de trabalho e parte do capital constante industrial, em um
movimento endógeno de acumulação, fundado nos dois setores básicos de
bens de consumo e de produção.
A autora retoma a narrativa da articulação entre o capital nacional, o
estrangeiro e o Estado para o desenvolvimento dos blocos de investimento
proporcionados pelo Plano de Metas.
Segundo Tavares:
... a estrutura técnica e financeira dos novos capitais era também
completamente diferente da anterior, e não se podia obter a partir da
simples expansão e diversificação da estrutura produtiva existente.
Estes fatos básicos parecem ser, meu juízo, a “razão” essencial da forte
presença do Estado e do caráter dominante do capital estrangeiro neste
ciclo longo de industrialização que se prolongou até recentemente.
(TAVARES, 1985: 113).
122
O trecho acima abre uma perspectiva sobre as bases
institucionais atrasadas por meio das quais se deu a aceleração da
diversificação industrial.
Ainda segundo a autora, a estrutura deficiente e os riscos
decorrentes da própria natureza técnica do capital representavam uma espécie
de barreira à entrada para o empresariado nacional, mas que não liquidam e
nem impedem o surgimento de novas burguesias industriais e suas pequenas e
médias empresas... que se instalam e proliferam como cogumelos nas etapas
de expansão acelerada (Idem,).
A dinâmica oligopólica vai se alterando, através de modificações
estruturais nas quais coexistem mais de uma forma de oligopólio.
A crise se inicia através de uma desaceleração, após a aceleração do
crescimento, que se inicia em 1957 e termina em 1961.
O bloco de investimentos não guarda relação com a introdução de novos
produtos que de imediato criam sua própria demanda. Apenas em um estágio
mais avançado se criariam novos setores que exigiriam mudanças estruturais
na demanda. As escalas mínimas dos novos investimentos excedem em geral
a demanda corrente, no início do crescimento.
A expansão acelerada não atinge a todos os setores industriais
estabelecidos, resumindo-se à ampliação residual da capacidade produtiva, se
concentrado em poucos ramos: àqueles amplamente citados pela autora:
elétrico, metal-mecânico e de transporte, todos de pouca ascendência sobre a
estrutura produtiva pré-existente e de alta complementaridade industrial.
O processo não tem como característica a concentração absoluta em
favor das grandes empresas, mostrando-se mais uma concentração relativa em
favor das grandes empresas nacionais, públicas e privadas, que não sofrem
competição do capital estrangeiro nos setores de produtos da indústria pesada,
de bens de capital e insumos estratégicos. O capital estrangeiro compete nos
mercados de produtos elétricos, consumo diferenciado e material de transporte.
Há espaço para empresas marginais nos setores mais competitivos.
A expansão representou um maior grau de diversificação do parque
produtivo, porém sem a ocorrência significativa de um processo de
concentração das atividades industriais. Não ocorreu tampouco a
123
desnacionalização, a mudança se deu mais pela internacionalização através da
expansão de setores estrangeiros (TAVARES, 1985: 118-119).
Para Tavares o processo ocorreu de forma abrupta e concentrada,
levando a um efeito acelerador da renda urbana e do crescimento da
capacidade produtiva dos bens de capital. O efeito multiplicador da renda e do
emprego, produzido pelo encadeamento da demandas inter-setoriais, se
mostrou maior do que se poderia esperar, pois a taxa de investimentos globais
não teria sido muito elevada.
A demanda começa a desacelerar-se em 1960 e inicia-se um processo
de concentração absoluta de capitais no qual a taxa de lucro e de expansão
das grandes empresas se apóiam na resistência das pequenas fábricas,
ocorrendo a desnacionalização das indústrias tradicionais. Logo, a
desaceleração afeta também os setores produtores de bens de consumo não
duráveis de maneira diferenciada, resultando na concentração com
diferenciação do produto e proporcionando sobrevida a algumas empresas
menores, porém eficientes. A margem de lucro das grandes empresas aumenta
substancialmente, promovendo a introdução de métodos de diferenciação e de
integração vertical do mercado com economias de escala externas
significativas (TAVARES, 1985: 122-123).
Assim, durante a implantação e expansão da grande empresa
estrangeira terminal, nos novos setores de material de transporte e elétrico, a
faixa das pequenas e médias empresas subsidiárias estendeu-se
aceleradamente, arcando com grande parte dos custos primários do produto
terminado. A produção de partes pelas empresas nacionais permitiu às
grandes empresas, que atuam como oligopsônio de compra, aumentar seus
lucros extraordinários durante a etapa expansiva, em que é muito alto o lucro
do monopólio. Verifica-se, pois, uma tendência à sobreacumulação e a um
crescimento da capacidade a um ritmo superior ao crescimento da demanda.
(TAVARES, 1985: 123).
Os primeiros movimentos da desaceleração tiveram como “estopim” o
aumento da capacidade ociosa e a própria desaceleração dos investimentos
com efeitos na demanda inter-setorial (os desajustes dinâmicos entre a oferta e
a demanda industrial). Era uma estrutura muito entrelaçada que acabava de
experimentar um processo de modificação no padrão de acumulação e de
expansão do capital. A autora aponta como uma origem estrutural da crise, o
124
comportamento oligopolista predominante no novo processo de reprodução
ampliada, com o planejamento estratégico levando à capacidade ociosa devido
à sobreacumulação. Na esfera macroeconômica, o problema teria suas raízes
em um efeito multiplicador do desemprego, devido ao crescimento da renda
urbana e da diversificação e diferenciação da demanda corrente.
Mais grave, porém, é a diminuição da demanda induzida por
investimentos privados, ao entrar em digestão a nova capacidade de oferta do
setor de bens de consumo duráveis. Ambos os fatores freiam o ritmo de
acumulação e a taxa de expansão do setor industrial em seu conjunto.
(TAVARES, 1985: 124).
Tavares finaliza a análise da crise com uma investigação sobre os
problemas de ajuste dinâmicos entre a estrutura de oferta e da demanda
industriais.
Os projetos concluídos com o Plano de Metas eram superdimensionados
devido a escalas mínimas exigidas e pela atração das filiais estrangeiras, sob
forte esquema de incentivos e subsídios, que se concentraram em
determinados setores. Esses ainda não eram os principais determinantes da
desaceleração. Havia ainda os desajustes microeconômicos e
macroeconômicos, pois existia uma projeção de absorção da capacidade
planejada, na medida em que não haveria competição oligopólica em preços,
mas por diferenciação. Por outro lado, sob o ponto de vista dinâmico, uma vez
esgotadas as reservas de mercado, surgiria o problema do crescimento
equilibrado entre os diversos setores. Tavares considera este ajuste
macroeconômico muito difícil dado que o salto de capacidade com a nova
capacidade instalada criou elevadas desproporções de capacidade entre os
novos setores produtivos.(TAVARES, 1985: 126).
A autora conclui o trabalho com uma análise setor a setor que não
atende aos nossos objetivos. Tavares também estende a análise ao período do
Milagre Econômico.
Conforme pudemos observar trata-se de um trabalho grandioso da
economista que combinou uma série de teorias para analisar a industrialização
brasileira, sob o ponto de vista da acumulação em diferentes padrões de
desenvolvimento.
125
O estudo se apoiou nos estudos dos economistas clássicos, dos
conceitos de organização industrial, da demanda efetiva, dos modelos de
crescimento dinâmico e no processo histórico. Poderíamos afirmar que ela teve
o tempo como aliado, pois se passaram dez anos desde a primeira análise.
Todavia, o caminho traçado por Tavares exigiu a busca, e principalmente, a
escolha de diferentes orientações teóricas, mantendo dessa forma a tradição
cepalina da análise diferenciada.
A estagnação de Tavares, portanto, diverge totalmente da
perspectiva proposta por Furtado. Na reprodução feita pela autora, sobre a
neutralidade do progresso técnico que ocorre no segundo estágio capitalista de
absorção do progresso técnico, surge a perspectiva estagnacionista quando há
uma tendência a alterações da composição orgânica do capital, tendendo para
técnicas intensivas em capitais. Esta dinâmica estaria amparada em mercados
concorrenciais perfeitos o que, sob argumentos diferentes, levaria à
neutralidade do progresso técnico. Por outro lado, para Tavares, o padrão de
acumulação de capital vai se alterando com o progresso técnico que transfere
os ganhos de produtividade ao próprio setor produtor de bens de capital, que
passa a sofrer uma sobreacumulação e, portanto, a elevação da capacidade
ociosa quando começam a ocorrer problemas de realização. Surge
naturalmente um processo de concentração de capital em vários níveis, que
pode resultar em formas monopólicas não-puras, podendo ocorrer até a
destruição de capitais nos casos extremos, mas que não elimina o problema.
Esse processo, em nível global, leva à conglomeração e a uma interação maior
entre as economias mundiais, resultando em um padrão de acumulação e de
reprodução do capital internacionais.
A estagnação de Furtado se dava pela perda de dinamismo dos
investimentos, devido à elevação da relação capital-produto exigida pelo
avanço do processo de substituição de importações. Tavares considera essa
aproximação estática. Sua estagnação seria um processo dinâmico de
interação da acumulação, promovida pelo progresso técnico inter-setorial e que
resultaria em problemas de realização dinâmica, portanto, ponto de vistas
muito diferentes
126
Na revisão proposta por Tavares, o processo de substituição de
importações já havia se encerrado muito antes do Estado passar a cumprir um
papel de maior peso, com a planificação.
Este período [entre 1930 e 1950] desde a crise até o começo da
década de 1950 seria o único que poderia merecer com certa propriedade a
designação de “substituição de importações” dado que, a partir de uma
capacidade para importar que diminui em termos absolutos, conseguiu-se
promover um intenso crescimento da produção industrial.
(TAVARES, 1985:
101)
A autora aproveita a oportunidade para responder às críticas de Fishlow,
que afirmou que o processo de substituição de importações teria se iniciado
anteriormente e prosseguido por mais uma década, pelo menos
57
.
Outra divergência que se apresenta é com relação à forma como se
formou e se compôs a demanda por industrializados e por luxuries. Para
Furtado, os hábitos de consumo se deram em grande medida devido: às
massas de imigrantes dos países europeus que chegaram com o progresso do
café, à concentração de renda e à tecnologia importada que favorecia a
produção dos bens de consumo duráveis. Já para Tavares, a diferenciação é
uma estratégia do esforço de vendas e da dinâmica própria da realização em
estruturas oligopolizadas.
Podemos sintetizar o trabalho de Tavares como uma espécie de
“engenharia reversa” da crise, como se a autora tivesse tentado reunir os
milhares de fragmentos de um objeto que se espatifou, com algumas partes
mais visíveis do que outras. Pela complexidade e pela sofisticação de seu
trabalho, reunido sob vasto ferramental teórico, podemos considerar
Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil como a síntese heterodoxa
da crise econômica brasileira dos anos 1960.
Para termos uma visão completa dos autores que acabamos de estudar,
elaboramos o quadro III abaixo para uma comparação entre as diversas
análises.
57
Para maiores detalhes sobre essa controvérsia ver em: TAVARES, 1972 e FISHLOW, 1972.
127
128
Pode-se inferir do quadro que Celso Furtado, apesar das críticas que
sofreu por sua análise estagnacionista, estabelecida por um modelo
simplificado que acusa a elevação da relação capital-produto como o fator que
promoveu a queda dos investimentos, exerceu influência sobre os outros
autores “estruturalistas”, principalmente por apontar as assimetrias entre a
oferta e a demanda, as deficiências estruturais e os fatores de imobilização
política que não permitiram a realização das Reformas de Base necessárias ao
desenvolvimento.
No nosso entender, as hipóteses de Mello foram elaboradas tendo em
vista uma interpretação eminentemente marxista, de um “capitalismo dentro do
capitalismo” que não leva em consideração a relação de dependência do Brasil
enquanto “colônia financeira inglesa”, desde antes da queda do pacto colonial.
O mérito das proposições do autor está na periodização alternativa da
industrialização no Brasil
Por fim, Tavares segue uma linha que a princípio atribui mais peso às
fontes empíricas do que às históricas, mas que ao desenvolver sua análise
exibe uma extraordinária visão dos modelos teóricos que, aliada à análise
histórica, resultou em uma síntese da visão heterodoxa sobre a crise. O
trabalho da autora pode ser considerado um panorama do que se discutia em
termos de Teoria Econômica nos anos 1960/ 70.
129
CAPÍTULO III
A RESPOSTA DA ECONOMIA CONVENCIONAL.
3.1 Introdução
No capítulo que encerramos expusemos os diagnósticos de alguns
importantes economistas que em algum momento tiveram contato com o
pensamento estruturalista. No presente capítulo apresentamos as análises de
economistas mais alinhados à economia convencional. Entendemos por
economia convencional as propostas que se distanciam da análise histórica,
facilmente encontradas nos livros texto de Economia e que se prendem a
autores mais tradicionais: dos estudos da demanda efetiva como o de Keynes,
passando pela teoria quantitativa da moeda de Fischer, até o monetarismo de
Milton Friedman. No Brasil, esses autores encontraram eco nas obras de
Antonio Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen, Roberto Campos e Celso L.
Martone, entre outros.
O capítulo é composto por três itens. Abrimos a seção com o estudo de
Netto, Alguns aspectos da Inflação Brasileira (NETTO, 1965), um trabalho que
busca na inflação as origens dos problemas da economia brasileira da época e
que expõe o arcabouço teórico que terá prosseguimento nos estudos
apresentados na seqüência.
Em seguida Simonsen e Campos em A nova Economia Brasileira
(SIMONSEN & CAMPOS, 1974), têm sua importância reconhecida, pois, entre
os autores, Roberto Campos elaborou em conjunto com Octavio Gouveia de
Bulhões o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo, instituído durante o
mandato do Marechal de Castello Branco), e que foi um ambicioso projeto de
estabilização dos preços.
Finalmente encerramos o capítulo com o texto: “Análise do Plano de
Ação Econômica do governo (PAEG) (1964-1966)” de Celso L. Martone, um
economista que efetua uma análise mais próxima da linha de pensamento
keynesiano.
3.2 A inflação brasileira por Delfim Netto.
O trabalho não aborda diretamente a crise econômica dos anos 1960,
mas credita à inflação crescente o caos que impede o desenvolvimento
brasileiro na época de sua publicação.
130
No início da obra, Netto expõe suas opções teóricas enfatizando que o
desenvolvimento econômico pode ser sintetizado em uma elevação persistente
da renda “per capita”. O autor não deixa de manifestar o reconhecimento das
imperfeições de tal definição, mas justifica que o processo de causação
circular, que resulta no crescimento da renda e as forças que impulsionam esse
processo, via aumento da demanda e oferta globais, é o que interessa à
análise.
Recorrendo a um texto simples, Netto descreve a técnica, através da
relação capital-produto e a taxa de investimento da coletividade, sintetizadas
no investimento, como o elemento ativo de todo o processo.
Durante os primeiros desenvolvimentos de seu trabalho, o autor
relaciona o que no seu entender seriam os motivadores do investimento. E é ao
expressar essas idéias que surgem alguns pontos que expõem melhor sua
compreensão a respeito das suas opções teóricas.
Primeiramente há um forte viés em apontar os déficits públicos e os
gastos “irresponsáveis” dos governos, como fatores que desencadeiam a
inflação de maneira descontrolada. Ou seja, o rigor fiscal defendido pelo autor
denota afinidade deste com os economistas monetaristas, pois Netto faz
referências a Friedman em alguns trechos de sua obra.
A elevação dos preços, via aumento nos meios de pagamento em
relação à estabilidade da velocidade-renda da moeda, chama a atenção para a
Teoria Quantitativa da Moeda, outra influência explicitada durante o trabalho.
Surge então a visão neoclássica da necessidade de poupança prévia
para que ocorram os investimentos, a despeito do autor fazer uso de conceitos
keynesianos, como: propensão média e marginal a consumir.
O trabalho de Netto sugere uma forma de ortodoxia que busca os
fundamentos teóricos no que poderíamos designar de um pensamento que se
situa entre os clássicos e a síntese neoclássica, pois aceita algumas propostas
de Keynes, mas com a inclusão dos princípios dos economistas clássicos, sem
abrir mão de forte influência dos monetaristas para dar conta dos
determinantes da inflação. O autor não propõe qualquer abordagem social do
desenvolvimento, a não ser a de que o processo de urbanização acelerada
levou a pressões sociais por uma maior oferta de serviços por parte do
governo, o que teria contribuído com os déficits públicos incontroláveis.
131
Na seção 2.0, o autor expõe as duas principais vertentes que
ofereceram interpretações sobre o fenômeno inflacionário e que
freqüentemente eram alvos de debates, as teorias: estruturalista e monetarista.
A primeira, como já expusemos, focava a elevação dos preços
relacionada aos desequilíbrios no balanço de pagamentos, o que suscitava
enormes pressões nos custos internos, além dos problemas oriundos da oferta
rígida de produtos. Netto afirma serem os setores de produção de alimentos e
de comércio externo os principais focos dessas pressões, o que nos parece
uma simplificação, pois a pressão, conforme visto em Furtado e Tavares,
provinha das contas externas e seus reflexos no câmbio devido à escassez de
divisas e a preços relativos artificialmente elevados.
Por outro, lado a Teoria Monetarista indica a inadequação das políticas
monetária, financeira e os déficits do setor público, financiados por emissões,
como os principais causadores da inflação. O governo recorre à prática da
emissão desenfreada para a cobertura de seus déficits, ao invés dos canais
convencionais, como: o sistema tributário e os financiamentos. Esta situação,
no caso específico do Brasil, decorre de dois outros limitadores: a dificuldade
na colocação dos títulos públicos e, segundo o autor, a generosa política de
incentivos e subsídios à indústria nacional.
Na análise comparativa das duas teorias, Netto aborda de forma
reducionista a questão da inflação e do desenvolvimento sob a ótica
estruturalista, a exemplo do trecho:
Para a corrente estruturalista, a inflação é um fenômeno quase normal
no processo de desenvolvimento econômico, e a tentativa de controle dos
aumentos de preços através da política monetária acarretaria fatalmente o
desemprego e a estagnação (NETTO, 1965: 16).
Ou seja, há a idéia de que o arcabouço estruturalista seria
condescendente com a elevação dos preços, o que já anotamos é uma idéia
equivocada, pois Furtado, em sua plenitude estruturalista, já manifestava a
preocupação com a escalada dos preços e demais entraves ao
desenvolvimento.
Em defesa ao modelo monetarista de combate à inflação, Netto coloca a
estabilização dos preços, através de políticas monetárias e fiscais austeras,
como primordial para que se alcance o desenvolvimento.
132
São visões diametralmente opostas, na medida em que fica evidente
que para os monetaristas a ação do Estado é danosa à economia, haja vista
que com a necessidade de um aperto monetário e fiscal, depreende-se que o
governo não deva atuar como indutor, ou mesmo agente relevante na demanda
agregada.
Ao descartar qualquer deficiência por parte do setor agrícola no período,
Netto exclui a opção estruturalista como explicativa do processo inflacionário
no Brasil por não haver, no seu entender, qualquer insuficiência na oferta de
alimentos, o que entendemos ser outra simplificação, haja vista que, devido à
grande massa de imigrantes que chegaram com o progresso do café e da
indústria, e à rápida urbanização, muitos alimentos eram importados, a
exemplo do trigo, que conforme mencionamos foi um dos fracassos no Plano
de Metas e que, portanto, representava um ônus pesado no balanço de
pagamentos, assim como o petróleo e outros produtos de primeira
necessidade.
Declarada a opção metodológica do autor, este parte para a
identificação das variáveis que seriam importantes para entender-se a inflação
no Brasil, quais sejam: os déficits do setor público e sua forma de
financiamento, as pressões de custo dos reajustamentos salariais, as pressões
de custo derivadas das desvalorizações cambiais e as pressões derivadas do
setor privado da economia.
Ao propor esses elementos como os de maior relevância nos preços, o
autor elabora um modelo econométrico, regressão linear multivariada, para
tentar estabelecer as relações entre aquelas variáveis e os movimentos nos
preços. O modelo teve como base o estudo empírico dos dados anuais
disponíveis entre 1945 e 1963, e dados bimestrais entre 1959 e 1963, que
resultaram na formalização conforme reproduzido a seguir:
Pt/Pt-1 = ao + a1 Mt/ Mt-1 + a2 Ct/ Ct-1 + a3 Wt/ Wt-1 + a4 At
Onde: (Pt/Pt-1) representa a estimativa para a inflação futura,
(Mt/ Mt-1) representa os aumentos nos meios de pagamentos,
(Ct/ Ct-1) representa os aumentos nos custos das importações,
(Wt/ Wt-1) representa os reajustes salariais,
133
e por fim, A
t que é a perspectiva da inflação, dada a taxa de aceleração
da inflação no período anterior.
O modelo é uma representação linear para a estimativa da inflação para
o próximo período, conhecida a inflação e as variáveis no período anterior.
Netto apresenta duas formulações, uma para dados anuais e outra para
os dados bimestrais. A primeira atinge um alto coeficiente de determinação de
93% e aponta os meios de pagamento, seguidos do aumento nos custos das
importações, como os principais agentes causadores da inflação, mas não os
únicos. As variações nos meios de pagamento são responsáveis por um poder
explicativo de aproximadamente 62% no modelo anual, ao passo que a
elevação nos custos dos importados responde por poder explicativo de 16%.
P
t/Pt-1 = 0,242 + 0,617 Mt/ Mt-1 + 0,159 Ct/ Ct-1 + 0,993 At
O modelo bimestral atinge o coeficiente de determinação de 75%, que
segundo o autor é considerado elevado em se tratando de dados bimestrais. A
base bimestral dá também como preponderante os meios de pagamentos, mas
desta feita com resultados não muito afastados das variações cambiais que
ficaram muito próximos dos reajustes salariais.
P
t/Pt-1 = 0,480 + 0,291Mt/ Mt-1 + 0,147 Ct/ Ct-1 + 0,113 Wt/ Wt-1 + 0,117At
Pondera Netto que os meios de pagamento se sobrepõem sobre os
outros parâmetros por serem fortemente influenciados por estes, ou seja,
elevações nos salários, e, ou, nos custos das importações que exercem
pressão sobre os preços dos produtos e, portanto exige-se maior quantidade
de moeda em circulação, o que favorece o maior peso dos meios de
pagamento nos modelos.
As diferenças observadas nos dois modelos, com uma maior influência
dos meios de pagamentos nos dados anuais, se deve, segundo Netto ao fato
de no período de um ano haver uma elevação lenta na velocidade-renda da
moeda, jogando grande peso da aceleração inflacionária nas variações nos
estoques de moeda, o que explicaria tamanha diferença em relação às outras
134
variáveis. Para o autor, de qualquer forma, os meios de pagamento, tanto em
um caso, como no outro, constituem a fonte principal na questão inflacionária.
O autor levanta outras hipóteses sobre as variações nos preços, através
de dados semelhantes aos apresentados, como para o setor agrícola,
indicando que nesse caso há forte influência da sazonalidade e das quebras de
safras que se caracterizam como pressões momentâneas e que, segundo
acredita Netto, não devem ser consideradas como pressões nos índices de
inflação. A questão tem sua origem nos mecanismos de criação dos meios de
pagamento, assegura o economista.
O problema consiste, o que já mencionamos anteriormente, na
dificuldade de colocação de títulos da dívida pública pelo Tesouro, recorrendo o
governo, freqüentemente ao endividamento junto ao Banco do Brasil
Cumpre lembrar que o Banco do Brasil à época, atuava como banco
comercial, porém era depositário de todos os encaixes compulsórios dos outros
bancos comerciais, além dos recursos do Tesouro Nacional e dos depósitos da
SUMOC. Tal configuração contribuía para aumentar o multiplicador do setor
bancário e constituía um fundo precioso do qual o governo se valia. Na maioria
das ocasiões, como o processo inflacionário era persistente, as operações de
redesconto, inclusive do próprio Banco do Brasil, concorreram para aquecer o
processo.
Não havia, portanto, um mecanismo de esterilização dos empréstimos
ao governo capaz de transferir recursos privados para os cofres públicos sem
que houvesse impacto inflacionário.
A situação é sintetizada pelo autor nos seguintes trechos:
As emissões se devem basicamente, aos déficits de caixa do Tesouro
Nacional. São, portanto, o reflexo da disposição do governo em dispender, na
aquisição de bens e serviços, uma quantidade de recursos financeiros maior do
que a disponível.....Para atender as solicitações de financiamento do governo,
o Banco do Brasil conta com recursos resultantes de arrecadações
provenientes do confisco cambial, dos depósitos compulsórios vinculados a
operações cambiais, dos depósitos bancários à ordem da SUMOC etc...o
Banco do Brasil os utiliza [os recursos] para financiar tanto o setor
governamental como o setor privado, não sendo possível qualquer vinculação
entre as origens e as aplicações (NETTO, 1965:60-61)
135
Gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que o autor, a despeito
de apresentar dados minuciosos sobre as contas públicas, não atenta para o
fato de que os recursos advindos dos leilões cambiais, encerrados após a
publicação da Instrução nº204 da SUMOC, deixaram de contribuir
substancialmente para a receita do Tesouro, o que se pode observar nos
dados disponibilizados. A partir de 1960 os déficits quase que dobram de valor,
até 1963, partindo de 77,6 bilhões de Cruzeiros em 1960, para 137,5 bilhões de
Cruzeiros em 1961, atingindo 280,9 bilhões em 1962, chegando a 504,7
bilhões em 1963 (NETTO, 1965: 60).
Conforme reprodução de um trecho do Boletim nº 7 da SUMOC de julho
de 1961 (SUMOC, 1961):
As contas relacionadas às transações do País com o exterior exerceram
um impacto expansionista da ordem de Cr$15,1 bilhões, uma vez que os
recursos absorvidos pelas Autoridades Monetárias, através da colocação de
Letras do Banco do Brasil (Instruções 192 e 204 da SUMOC), no total de
Cr$21,0 bilhões, foram insuficientes para atender às aplicações destinadas a
compensar a movimentação negativa de conta ágios e bonificações (Cr$20,5
bilhões), à liquidação (Cr$20,5 bilhões), à liquidação de promessas de venda
de câmbio e contração de operações de “swaps” (Cr$16,1 bilhões) e à
aquisição líquida de produtos de exportação e importação (Cr$5,1 bilhões)
(SUMOC, 1961:35).
Há, portanto, um dado importante relacionando as contas externas
diretamente às emissões, que fugiu à atenção do autor e que remete à uma
reflexão sobre o caráter estrutural da inflação. As Letras mencionadas eram as
contrapartidas dos depósitos compulsórios de 100% sobre os valores das
importações, necessários à importação de produtos tidos como não essenciais.
No quadro II, elaborado pelo autor, podemos visualizar os efeitos da
suspensão dos leilões cambiais:
136
Podemos observar que a receita do Tesouro se eleva em 44,45% entre
1960 e 1961, ao passo que as despesas sofreram um acréscimo de 53% no
mesmo intervalo, o que representou, em termos absolutos em uma elevação do
déficit da ordem de 90,7%. A elevação dos déficits se consolida a partir de
1960, com expressivo aumento entre 1961 e 1962, quando a diferença entre as
receitas e as despesas elevou-se em mais de 100%. Fica claro, através da
análise do quadro, que as receitas reduziram-se substancialmente entre 1960 e
1961, ocasião da eliminação dos recursos oriundos dos leilões cambiais.
No capítulo sete Netto realiza vários estudos sobre as razões dos déficits
públicos: das relações entre elasticidades, renda “per capita” e gastos públicos,
a aspectos regionais dos gastos públicos, produtividade do governo etc. Em
nenhum momento se faz menção aos problemas causados pela escassez de
divisas e sobre o ônus provocado pelo fim da prática dos leilões cambiais ao
longo do intervalo entre 1960 e 1963.
Avançando nas análises, o autor elabora um extenso estudo sobre a
estrutura do setor bancário e o seu funcionamento, desde o multiplicador
bancário, passando pela velocidade-renda da moeda e o sistema de
redesconto dos bancos brasileiros.
O setor público e as políticas protecionistas à indústria nacional, na forma
de subsídios e tarifas alfandegárias, também são alvos do interesse de Netto,
assim como a execução orçamentária do Governo Federal.
O que nos interessa diretamente é que ao analisar todos esses elementos,
o autor chega à conclusão de que:
137
1. Os déficits do setor público são recorrentes, pois o governo insiste em
gastar mais do que arrecada, recorrendo em grande medida às
emissões, via empréstimos do Tesouro ao Banco do Brasil,
2. As desvalorizações cambiais atuam acelerando a inflação, pois a
demanda por divisas cresce em ritmo acelerado e a capacidade de
pagamento do país em ritmo letárgico, provocando freqüentes
desvalorizações cambiais, o que encarece as importações, gerando
pressões nos custos das empresas e do governo,
3. Os reajustes salariais, decorrentes do próprio processo inflacionário, são
ao mesmo tempo causa e efeito do processo, em uma dinâmica de
realimentação dos preços através dos salários. Depreende tal afirmativa
o autor, ao afirmar que na maioria das ocasiões houve reposição real
dos salários,
4. Houve pressões significativas por parte do setor privado, alimentada
pelo aumento da velocidade-renda da moeda. O autor não emprega o
termo “componente inercial”, porém acreditamos que tais pressões se
compatibilizam com o conceito, uma vez que para Netto há uma
modificação de atitude do setor privado frente à inflação, que reage à
escalada de preços, buscando aumentar suas margens de crédito para
capital de giro junto ao setor bancário, o que pressiona o mecanismo de
redesconto em todo o setor.
As conclusões são extensas e o trabalho de Delfim Netto é muito bem
elaborado, com muitos modelos econométricos. Podemos qualificar que a
questão cambial e a magnitude de seus efeitos em toda a economia tenham
sido tratadas de forma pouco convincente, pois se tratam de preços relativos,
externos e internos de todo o sistema. Conforme mencionado, a política
cambial realista de Jânio Quadros foi uma ruptura com o que se vinha
praticando em termos cambiais há mais de uma década. A instrução nº 204 da
SUMOC extinguiu os leilões cambiais, os subsídios ao trigo, ao petróleo e ao
papel de imprensa, instituiu depósitos compulsórios para as demais
importações, além de estabelecer uma transferência, ou confisco, de parte das
divisas resultantes das exportações de café para o setor exportador de cacau
(o Ministro da Fazenda de Jânio, Clemente Mariani era Baiano). Portanto, há
uma forte correlação entre os custos das importações com a oferta de gêneros
138
de primeira necessidade e insumos básicos para o setor industrial, o que não
fora tratado de forma adequada pelo autor.
Outra questão a se salientar, são os estudos sobre os aumentos salariais. A
questão dos enormes contingentes de desempregados e, o que poderíamos
afirmar, um processo de “lumpenização” nos centros urbanos, não foi
considerados pelo autor. Poderíamos apontar os salários como fonte de
pressão inflacionária, mas de poucos efeitos sobre o nível dos investimentos.
Há que se relativizar os efeitos dos reajustes salariais. Sem dúvida, conforme
afirma o autor houve alguns episódios de elevações no salário real, porém,
conforme demonstrado por Tavares, estes não teriam afetado a lucratividade
do setor fabril, uma vez que se operava em situação de mercados não-
competitivos, restringindo os efeitos da elevação nominal dos salários a
pressões sobre os custos, mas de pouca influência na lucratividade e daí nos
investimentos. De outra parte, a massa salarial, mesmo com as elevações
reais, não faria pressões direta nos custos, devido ao adiantado estágio das
tecnologias importadas contrabalancearem tais elevações. Supõe-se ter
ocorrido uma pressão de custos apenas com efeitos para o capital privado
nacional, o próprio setor agrícola e o funcionalismo público. A questão salarial
parece ter se constituído em um grande campo de batalha político entre os
diversos setores da sociedade e que reforçaram a crise política que levou ao
golpe de 1964.
Esses fatos foram desconsiderados pela análise de Netto e poderiam alterar
o sentido de causalidade exposto pelo autor, principalmente no que se refere à
hipótese de os custos de importação apenas acelerarem a inflação. As
medidas adotadas por Jânio provocaram uma ruptura com visível impacto
inflacionário, o que confere maior relevância à questão cambial.
Se, por um lado, Netto não atentou devidamente para as questões
estruturais, e sociais, por outro, é patente o avanço do autor no que se refere
aos estudos dos componentes inflacionários no Brasil. Seu trabalho forneceu
importantes subsídios para outros estudos promissores nesse campo, abrindo
grandes frentes de pesquisa, como o da inflação inercial, por exemplo.
139
3.3 A Nova Economia de Simonsen e Simonsen & Campos.
A interpretação monetarista da inflação e o debate entre os seguidores
desse modelo teórico e os estruturalistas não se constituía em uma
controvérsia eminentemente nacional. Por todo o mundo, e principalmente na
América Latina, não havia consenso sobre qual das abordagens seria a mais
adequada aos países subdesenvolvidos. Experiências monetaristas foram
implantadas na Argentina, no Chile e na Colômbia, cada uma delas chegando a
resultados distintos, sem que se consolidasse uma opinião consistente sobre
essa abordagem.
No Brasil, o economista Mário Henrique Simonsen foi um dos
defensores do monetarismo, conforme podemos observar em um trecho de sua
obra: Ensaios sobre Economia política 1964-1969 (SIMONSEN, 1971):
O primeiro ponto que se deveria afirmar é que a inflação não cria nem
nunca criou recursos reais. A expansão monetária permite que se iniciem
várias obras ao mesmo tempo. Mas impede que elas se concluam dentro de
qualquer cronograma razoável... Como desenvolvimento é função de
investimentos concluídos e não dos iniciados, já estamos em tempo de
abandonar a teoria tipográfica do crescimento (SIMONSEN, 1971: 9).
O trecho demonstra a visão de Simonsen a respeito de políticas
monetárias ativas como estímulo aos investimentos, além de representar uma
crítica aos economistas da CEPAL e às várias obras publicadas à época, que
defendiam o arcabouço estruturalista em oposição à economia convencional.
Seguindo nessa linha, surgem críticas também ao modelo
desenvolvimentista:
O único período mais brilhante, em termos de taxa de desenvolvimento,
parece ter sido o da substituição de importações industriais, nos quinze anos
seguintes à Segunda Guerra Mundial. Mas esse período já chegou perto do
fim, e hoje muitos técnicos e dirigentes se mostram confusos e perplexos
diante das fórmulas viáveis para o desenvolvimento futuro. A verdade é que
desenvolvimento via substituição de importações é um caminho fácil, resistente
a erros de política econômica, à desordem inflacionária e à instabilidade
institucional. É que hoje, o problema é menos obvio e por isso requer soluções
mais sofisticadas (SIMONSEN, 1971: 9).
Ou seja, Simonsen observa uma forte resistência do processo
substitutivo aos erros cometidos por políticas econômicas equivocadas, que
140
encontra limite apenas na complexidade das mudanças nas relações entre as
variáveis importantes ao desenvolvimento. Há que se ressaltar que está
implícita nesse pensamento a idéia dos gargalos institucionais que se
apresentavam à medida que o processo substitutivo avançava.
Para Simonsen a crise teve início com o Plano Trienal, sobretudo pela
presença de Furtado no Governo Goulart, conforme a passagem:
Para certos estruturalistas, que de alguma forma parecem ter se
infiltrado no Plano Estratégico do atual governo, a explicação residiria no
abrupto declínio das oportunidades de substituição de importações a partir de
1961. Com isso amorteceu o fluxo de investimentos autônomos no Brasil, com
a proliferação da capacidade ociosa, e com o declínio da taxa de expansão do
produto real (Idem. p. 10).
Ainda segundo o autor, os desmandos econômicos, fiscais e monetários
do Governo Goulart seriam os verdadeiros causadores da queda no produto.
Os “desmandos” seriam norteados por um “marxismo de varejo”, segundo o
autor. Simonsen parece não compreender as idéias estruturalistas na sua
totalidade, posto que o arcabouço cepalino fosse mais uma releitura dos
estudos da demanda efetiva, principalmente em Keynes, enriquecidos por
outros autores através de métodos e visões diferenciadas, incluindo Marx.
Afirmar que o estruturalismo deriva diretamente de O Capital, conforme alude o
autor, é uma redução extremada.
Simonsen finaliza o trecho de maneira enfática:
É obvio que muitas reformas são necessárias, mas elas podem valer
apenas pelo conteúdo pragmático e não por intermédio de qualquer motivação
neurótica. E, antes do distributivismo afoito, é essencial lembrar que nenhum
país se desenvolve a longo prazo sem considerável esforço de poupança, de
educação do fator humano e de aprimoramento da tecnologia (Idem. p. 11).
As afirmações são relativamente ambíguas, visto que o autor rejeita as
políticas distributivas, mas ao mesmo tempo reconhece a necessidade de
investimento no capital humano, colocando-se à meio caminho entre a
austeridade monetarista e o Estado de Bem-estar Social.
A posição do autor fica clara a esse respeito na seção intitulada:
“Keynesianismo inadequado”. O texto é uma crítica àqueles que acreditam nos
estudos efetuados na Teoria Geral do Juros do Emprego e da Moeda
(KEYNES, 1936) Simonsen reconhece a importância da obra de Keynes como
141
a maior contribuição à análise econômica do século XX. Porém afirma que os
preceitos divulgados por Keynes são ferramentas adequadas à classe política,
por aceitar propostas do populismo e ainda por cima acertar na técnica (Idem.
p.
37). A crítica também recai sobre as limitações à aplicabilidade das idéias de
Keynes a casos isolados:
Infelizmente, a política de Keynes, apesar de enfeixada num livro
chamado Teoria geral, só se aplica a uma situação muito particular, a das fases
de depressão das nações industrializadas. Seria esquisito extrapolá-la para o
caso oposto, o das economias subdesenvolvidas sujeitas à inflação, e é por
isso surpreendente que o mito da capacidade ociosa tenha adquirido tanta
popularidade (Ibidem.)
Para o autor há distintas situações apontadas como capacidade ociosa.
A diferenciação começa por capacidade ociosa normal e excessiva. A indústria
deveria trabalhar com determinada folga de capacidade com o objetivo de
responder às flutuações de demanda. Por outro lado, a defasagem tecnológica
de algumas unidades também pode pronunciar-se por capacidade ociosa até
que se atualize a tecnologia às novas demandas. O terceiro tipo é a
capacidade ociosa global em relação à setorial, verificada em alguns ramos da
indústria em relação a outros, mais adequadamente equipados. O último, e é o
que nos interessa, é a capacidade ociosa que não tem origem em defasagens
estruturais da demanda, e sim por políticas econômicas, como o aperto de
crédito, ou monetário. O autor dá como exemplo: “...pode ser simplesmente o
excessivo aperto de crédito, como aconteceu no primeiro trimestre de 1967. E
a cura se obtém com um simples alívio monetário, muito de inspiração clássica
e de pouca feição keynesiana (
Idem. p. 38).
Portanto para o autor, as práticas keynesianas seriam pouco aplicáveis
nos países subdesenvolvidos
58
.
Quanto às restrições à aplicabilidade do keynesianismo, gostaríamos de
salientar que concordamos em parte com a colocação do autor, lembrando que
quando da publicação da Teoria geral, Keynes foi alvo de diversas críticas e de
interpretações, gerando inclusive importantes linhas de pensamento, como os
de: Minsky, Joan Robinson, Pasinetti, entre muitos que buscaram dar
continuidade ao trabalho de Keynes, abrindo discussões sobre as formas de
58
Uma visão que se contraporá à de Martone à qual exploraremos mais detidamente na próxima seção
(MARTONE, 2001).
142
financiamento, relações interdepartamentais, relações entre lucros e
investimentos etc. A Teoria Geral simplesmente abriu discussão para a
importância do papel do Estado, do setor bancário e das questões sociais no
século XX. O exemplo de Netto, o aperto monetário de 1967, pode ter uma
interpretação alternativa. A economia estaria presa a um modelo monetarista
rígido quanto à oferta de moeda, assim tomados os instrumentos de crédito, e
uma política de expansão monetária eminentemente keynesiana teria causado
um deslocamento da demanda agregada a um ponto mais elevado,
aproximando-se assim do pleno emprego
59
.
Portanto, na obra em análise, Simonsen aponta os problemas políticos e
a falta de políticas e de reformas pragmáticas para que se mantivesse o ritmo
de desenvolvimento. Essas medidas deveriam ser implementadas antes do
esgotamento do processo de substituição de importações. A julgar pelo que
observamos, as políticas, assim como as reformas, teriam uma orientação
monetarista, para não dizermos ortodoxa.
Em A Nova Economia Brasileira, escrito em parceira com Roberto
Campos, Simonsen aborda o período após 1964, portanto, seguindo a
periodização de Tavares (TAVARES, 1977) que propõe uma segunda fase da
crise, já sob o comando do Governo militar.
A obra é um estudo detalhado sobre o que os autores, a exemplo do
título, acreditam ser um divisor de águas no cenário econômico brasileiro, com
o advento do golpe militar, ou revolução, que para Simonsen & Campos
inaugura um horizonte de desenvolvimento sustentável, graças às reformas
instituídas pelo PAEG e outras medidas adotadas nos governos Costa e Silva e
Médici.
Há uma dose excessiva de proselitismo em favor da ”estabilização
política” e dos ganhos obtidos com a adoção da correção monetária como
instrumento criativo de combate à inflação.
A posição adotada é mais próxima à de Netto, na medida em que os
autores creditam à aceleração da inflação o grande mal da década de 1960,
porém, seriam os conflitos distributivos, com os agentes disputando uma
melhor participação no “bolo”, o que impedia uma maior eficácia nas tentativas
de estabilização.
59
Martone também explora essas idéias em seus estudos (Idem.).
143
Há ainda, segundo os autores, a indicação da existência de cinco
problemas institucionais graves que teriam resultado nos desequilíbrios
observados antes de 1964: a ficção da moeda estável, a desordem tributária, a
propensão ao déficit orçamentário, as lacunas no sistema financeiro e os focos
de atrito criados pela legislação trabalhista.
Discutiremos primeiramente a questão inflacionária para então
passarmos aos impasses institucionais.
Os estudos sobre a inflação se iniciam no capítulo V, “Política
antiinflacionária”, com um debate entre o gradualismo e o choque corretivo. Os
autores tomam como exemplo a situação herdada por Jânio Quadros de
Juscelino Kubitschek, com elevados índices de inflação, crise cambial,
desordem fiscal e monetária etc. O Presidente Quadros tentou um severo
ajuste corretivo nos preços, que antecederia um plano de estabilização que
nunca ocorrera, devido à crise política. O resultado foi um salto da inflação de
30% em 1960, para 80% em 1963. Outro exemplo tomado é a fase inicial do
PAEG, que teria assumido uma posição mais monetarista com excessivo
aperto monetário e creditício, em um programa de inflação corretiva, ajustando
as tarifas públicas a níveis mais elevados.
O problema dos choques de estabilização, segundo os autores, se situa
na questão do trade-off entre crescer com elevação dos preços, ou promover a
estabilização ao custo da estagnação. A outra opção, o gradualismo, que
pregava o combate à elevação dos preços com algum crescimento econômico,
era tida com desconfiança pela comunidade cientifica da época.
A teoria clássica da estabilização consistia na Teoria Quantitativa,
fundada sobre o que ficou conhecido como a dicotomia clássica: as variáveis
monetárias não afetam as variáveis reais. Ou seja, as expansões monetárias
deveriam acompanhar pari-passu o crescimento do produto real, sob o risco de
um excesso de moeda exercer pressão sobre os preços.
O setor real determina todas as quantidades e preços relativos, e a
quantidade de moeda afetava unicamente o nível absoluto dos preços
(WALRAS Apud. SIMONSEN & CAMPOS, 1974: 88).
A regra para se chegar à estabilização era simples; limitar a taxa de
expansão dos meios de pagamento em função do crescimento do produto real.
144
O arcabouço proposto por Walras e os economistas clássicos estava
calcado em premissas pouco realistas, como: o mercado perfeito, a livre
mobilidade de recursos, entre outros.
Os autores afirmam que mesmo antes de Keynes, os autores
neoclássicos já pregavam a rigidez dos preços para baixo. Segue-se que a
elevação dos preços não é um fenômeno exclusivamente oriundo de pressões
de demanda. Alterações nos custos: seja pelas pressões dos sindicatos por
melhores salários, aumentos salariais pelo governo, ou pela imperfeita
mobilidade de recursos pode levar a aumentos autônomos nos preços dos
produtos.
Tal constatação, aliada à rigidez à baixa dos preços, conduz a algumas
variantes da Teoria Quantitativa com alguma flexibilidade, visando uma
otimização da produção, com o combate mínimo à inflação, para que se atinja
o maior nível de produto, permitindo elevação dos estoques monetários
correspondentes apenas à pressão dos custos, e, portanto, dos preços apenas
nessa mesma proporção. Portanto, passou-se a admitir alguma elevação dos
preços para que se atingisse um maior produto real, limitando-se a expansão
monetária em níveis iguais ou inferiores ao produto, considerada a elevação de
custos Um controle maior sobre os preços só seria obtido através da contenção
direta dos custos (Idem.p. 89-91).
A missão na prática se torna mais difícil do que na teoria. Fatores
aleatórios como uma boa ou má safra de gêneros agrícolas podiam alterar o
quadro, assim, mesmo com o controle direto dos custos, haveria eventos
aleatórios que impediriam o sucesso dessa estratégia.
Outras questões surgiram com a popularização da Curva de Phillips, um
estudo que relacionou os níveis de emprego à elevação dos preços, baseados
em observações empíricas na Inglaterra, entre 1861 e 1957. A premissa básica
é a de que ao se buscar a otimização da produção com o combate mínimo à
inflação, leva-se à tentativa de um nível elevado de emprego que se opõe à
estabilidade dos preços. A questão pode ser sintetizada da seguinte forma: a
taxa de aumento de salários nominais é tanto maior quanto menor for a
porcentagem de desemprego, portanto há implícito um trade-off entre
desemprego e inflação. Ainda, as pressões dos sindicatos por salários que
145
acompanhassem a elevação da produção seriam um fator a corroborar a Curva
de Phillips, incompatibilizando estabilidade e pleno emprego (Idem. p. 93).
A Curva de Phillips recebeu críticas dos aceleracionistas Friedman e
Phelps, que afirmaram não haver uma estabilidade nas curvas, uma vez que os
aumentos salariais são baseados na taxa esperada de inflação, o que
deslocaria as curvas, o que denota a aceitação de alguma elevação da
inflação. Essa dinâmica sancionaria a elevação constante dos preços, que
segundo Phelps não guardaria qualquer relação com os sindicatos; a inflação
esperada simplesmente coincidiria sempre com a observada, devido às
expectativas dos agentes, fazendo com que as curvas degenerassem para
uma reta paralela ao eixo das ordenadas, representando a taxa de aumentos
nominais dos salários no nível da taxa natural de desemprego. A ressalva
surge com a observação de que se existem inflações crônicas a taxas finitas é
porque parte da humanidade padece de ilusão monetária.
Faltou aos aceleracionistas a visão de que se há inflação recorrente, é
porque há um mecanismo de reposição da inflação passada e que realimenta o
processo (Idem. p. 95).
146
Os autores apresentam um modelo que visa a compreender o processo
de realimentação da inflação, decompondo o mecanismo de perpetuação da
elevação dos preços em;
a) a componente autônoma at,
b) a componente de realimentação brt-1,
c) a componente de regulagem da demanda g
t.
Chega-se, portanto à equação:
r
t = at + brt-1 + gt
Segue-se que at representaria o componente de inflação de custos,
incluídos aí os aumentos salariais autônomos, variação nas taxas de câmbio,
quando controlado, quebras de safras etc.
A componente de realimentação “brt-1 representa a disputa entre os
agentes por uma participação maior no produto na busca de recomporem suas
perdas sofridas nos períodos anteriores. Nos processos crônicos, o parâmetro
“b” deve se aproximar da unidade e nos processos explosivos ultrapassar esse
limite.
As duas componentes são responsáveis por maiores ou menores
acelerações no processo inflacionário dependendo da pressão exercida por
“g
t“; a componente de regulagem da demanda e sua sensibilidade. Caso essa
última varie excessivamente, haverá uma elevação além do que se justificaria
pelas outras duas componentes.
A questão resume-se então à busca de controlar as pressões através da
variável que possa exercer uma força descendente no sistema. Os autores
enfatizam também, que a taxa de crescimento do produto deve guardar,
conforme o preceito clássico, proporção com as pressões da componente da
demanda. Haveria, portanto, um nível de produção ótimo, até o qual o
crescimento do produto não afetaria a regulagem da demanda, que teria um
coeficiente igual a zero (g
t = 0), conforme gráfico reproduzido abaixo:
147
Na figura II, o nível do produto real, representado pelo eixo das
ordenadas em “ht”, atingiria um determinado patamar “n”, no qual não haveria
qualquer pressão de demanda, pois seria o nível de produto que se igualaria à
intensidade da elevação da demanda ex-ante. Além desse ponto, um
crescimento exagerado da demanda se traduziria em aumento nos preços e
em uma diminuição de “ht”, denotando, portanto que o crescimento do produto
real é uma função da regulagem da demanda:
h
t = F(gt) ,
logo, no ponto “n” não haveria qualquer pressão de demanda, pois a produção
cresceria à mesma taxa de crescimento da procura em relação ao período
anterior quando o parâmetro g
t = 0, ou F(gt) = n quando gt = 0, ou seja, quando
a regulação da demanda é nula.
O sistema se completa, pois há três variáveis não-endógenas para
apenas duas equações, com uma equação monetária, definida por uma
variante da teoria Quantitativa da Moeda:
148
1 + m
t = (1 + rt) + (1 + gt),
onde m
t representa as taxa de expansão dos meios de pagamento.
O que se depreende dessa última equação é que a taxa de expansão
dos meios de pagamento não apenas pode ser um determinante da inflação,
mas um fator de aceleração desta, independente dos fatores de realimentação.
Todo esse arcabouço que acabamos de reproduzir serviu ao propósito
dos autores em explicar os mecanismos adotados para que se estabilizassem
os preços ao final do Governo de Castello Branco e por todo o período do
Milagre Econômico.
O gradualismo consistia, então, na adoção de medidas de contenção da
inflação sem o efeito deflacionário de regulagem da demanda. Seria,
hereticamente condenável pelos monetaristas; um combate à inflação sem
prejuízo ao crescimento econômico.
A estratégia consiste, então, no uso de um componente deflacionário
existente no próprio sistema, um “at negativo, por exemplo, ou um coeficiente
“b” de baixa realimentação.
Na época da adoção do PAEG, não é difícil imaginar as dificuldades em
se identificar, se existisse, alguma componente deflacionária em um processo
de aceleração desenfreada dos preços.
Os autores explicam que houve duas fases distintas, a primeira, que nos
interessa, que é a tentativa de estabilização dos preços via adoção de uma
inflação corretiva, não tão gradual quanto se possa imaginar, pois houve aperto
monetário e fiscal, concomitantemente com a tentativa de se atualizar os
preços públicos e tarifas para se debelar as pressões de demanda. O controle
de preços e de reajustes salariais também foram ferramentas importantes nas
duas fases da estabilização. A correção monetária foi sem dúvida nenhuma a
maior contribuição dos idealizadores das políticas econômicas dos governos
Castello Branco, Costa e Silva e Médici, ressalvados seus efeitos no longo
prazo na economia brasileira.
Na segunda fase, a do “Milagre”, houve uma política monetária mais
condescendente e um relaxamento fiscal, incluindo até subsídios, como para o
setor agrícola, por exemplo.
149
O texto aborda vários detalhes das políticas adotadas, o que se distancia
de nosso propósito
60
.
Os autores seguem a mesma linha de Netto, ao abordar o problema da
concentração de renda como uma questão de tempo, pois seria necessário
promover-se o desenvolvimento para depois distribuírem-se os ganhos.
Pragmaticamente, o modelo brasileiro se encaminhou num sentido
produtivista, visando a aumentar a margem distribuível (sic), pela aceleração
do ritmo de crescimento da renda e da oferta de empregos, como condição
necessária, ainda que não suficiente, para viabilizar qualquer política sensata
de distribuição de renda (SIMONSEN & CAMPOS, 1974: 77).
Simonsen & Campos contestam os informativos do Censo a respeito da
concentração de renda nos anos 1960, afirmando que as análises foram
interpretadas de forma deturpada e viesada, recorrendo os autores a um
esquema de interpretação muito particular dos números publicados
61
.
A questão cambial também foi alvo de estudos e de implantação de
inovações para se combater as distorções provocadas pela rigidez na oferta de
divisas. O Governo adotou um sistema, erroneamente denominado de câmbio
flexível, mas que efetuava desvalorizações freqüentes com o objetivo de
reduzir as pressões de custos transmitidas pelo Balanço de Pagamentos e ao
mesmo tempo manter certa estabilidade à renda do setor exportador.
Como demonstrado, os autores levam os estudos sobre a inflação
brasileira a um nível mais elevado, do qual subtraem robustas conclusões. A
sofisticação na elaboração dos estudos apresentados de nada valeria sem que
houvesse um ambiente politicamente estável, para o bem ou para o mal, para
que se pusessem em prática os mecanismos elaborados, todavia tudo isso
levou a custos sociais irreparáveis como o agravamento da concentração de
renda e o rígido controle sobre a sociedade civil.
No capítulo VI, “A imaginação reformista”, os autores abordam as
questões institucionais como os principais instrumentos para se concretizar as
reformas de base necessárias ao desenvolvimento do País.
A idéia de que o Brasil reclamava Reformas de Base urgentes
transformou-se em slogan demagógico no Governo Goulart, sem que no
entanto surgisse qualquer proposição pragmática capaz de ajudar o
60
Para maiores detalhes ver em: CAMPOS & SIMONSEN, 1974.
61
Para maiores detalhes ver em: Idem. p. 183-188.
150
desenvolvimento. A intensa atividade reformista iniciou-se de fato, a partir da
Revolução de Março de 1964, tendo representado uma das mais notáveis
contribuições do Governo Castelo Branco à construção de um novo modelo
econômico para o Brasil (SIMONSEN & CAMPOS, 1974: 119).
Ufanismos à parte, os autores reconhecem que as barreiras
institucionais representavam um grande obstáculo para um projeto consistente
de desenvolvimento. Conforme já observamos há cinco falhas institucionais
que necessitavam de soluções urgentes: a ficção da moeda estável, a
desordem tributária, a propensão ao déficit orçamentário, as lacunas no
sistema financeiro e focos de atrito criados pela legislação trabalhista.
Iremos discutir as reflexões e proposições dos autores para cada um dos
elementos apontados.
1) A ficção da moeda estável na legislação econômica.
O pressuposto de moeda estável no Brasil resiste desde muitos
governos anteriores, facilmente verificável pela vigência, ainda em 1963 da Lei
da usura, promulgada por Getúlio Vargas em 1933, como forma de proteção
aos tomadores de crédito. A Lei estabelecia o limite de 12% para os juros
nominais. Outros exemplos citados para ter-se uma noção da idéia da moeda
estável consistiam: na remuneração dos concessionários públicos, pelos seus
valores históricos de investimento e a Lei do inquilinato que congelava os
aluguéis em Cruzeiros, desde o fim da segunda Guerra. Não nos deteremos
em enumerar o grande número de inconvenientes causados por essa ficção,
mas podemos imaginar na questão tributária, ou orçamentária, a infinidade de
distorções causadas pela aceitação do valor estável da moeda em um
ambiente de alta inflacionária.
A solução, brilhantemente adotada a partir de 1964 foi a de se
reconhecer explicitamente a existência da inflação pelo instituto da correção
monetária (SIMONSEMN & CAMPOS, 1974: 119-121).
A correção monetária restitui, em parte, a eficiência alocativa dos
recursos, pois afastava o temor de que as elevações constantes nos preços
deteriorassem o valor dos ativos, permitindo assim uma melhor avaliação por
parte dos agentes sobre as decisões de investimento. Essa sistemática
constitui-se também em um instrumento valioso de otimização da arrecadação
tributária.
151
2) A desordem tributária.
Havia falta de adaptação da legislação à inflação, incidência de impostos
indiretos em cascata, muitos impostos destituídos de funcionalidade econômica
e a descoordenação entre impostos da União, dos Estados e Municípios.
A resposta do sistema tributário foi muito lenta face aos problemas
apresentados antes de 1964.
Em 1959 já se efetivaram algumas alterações como a transformação de
uns poucos impostos indiretos em ad-valoren e algumas revisões nas tabelas
progressivas do imposto de renda das pessoas físicas com suas faixas
expressas em salários mínimos. Para as empresas foi concedido o direito de
atualização monetária de seus ativos imobilizados.
Essas modificações se configuraram em um paliativo, pois a maioria dos
problemas, como o dos lucros ilusórios das empresas, ou a deficiência de
arrecadação e de uma otimização da receita do Governo, sofreram alterações
significativas apenas após o Golpe de 1964, com a instituição do ICM e da
correção monetária nos impostos, por exemplo.
3) A propensão ao déficit orçamentário.
Os freqüentes déficits do caixa da União representavam focos
autônomos da expansão monetária e da inflação de demanda. Os autores
colocam o direito generalizado de propor despesas sem vinculação de receitas,
pelos poderes Executivo e Legislativo, como o principal causador dos déficits.
Outra fonte importante dos déficits orçamentários era que a inflação era levada
em conta quando da previsão das receitas, mas não das despesas que
insistentemente excediam os recursos disponíveis. O resultado era o ajuste
através dos vencimentos do funcionalismo público entre outras despesas mais
“flexíveis”. Os orçamentos apresentavam à época de sua aprovação um
equilíbrio fictício, que em pouco tempo se revelava deficiente face à elevação
dos preços. A solução, antes de 1964, era que no meio do exercício o Ministro
da Fazenda estabelecia cortes de verbas, substituindo o orçamento por uma
programação financeira factível.
4) As lacunas do sistema financeiro.
O sistema de criação de moeda funcionava de maneira precária, pois
não contava com um Banco Central. As funções de autoridade financeira eram
exercidas pelo Tesouro Nacional, a SUMOC e o Banco do Brasil. O Tesouro
152
possuía a competência legal de emitir papel moeda. A SUMOC era o órgão
responsável pela emissão das normas de política monetária e cambial, mas era
desprovido de autoridade, e mesmo de uma existência física independente,
pois funcionava nas instalações da sede do Banco do Brasil. O Banco do
Brasil, por sua vez desempenhava a função de banqueiro do tesouro e
banqueiro dos bancos comerciais, funcionando de forma promíscua como um
genuíno Banco Central, um banco comercial cercado de inúmeros privilégios e
banco de fomento
62
.
Além da configuração do Sistema Financeiro, os instrumentos também
se mostravam atrasados e de pouca finalidade prática, tanto na captação como
na sessão de crédito. A inflação, aliada à Lei da usura desestimulava a
poupança em renda fixa, os depósitos a prazo, a emissão de debêntures e de
obrigações do Tesouro. O sistema funcionava apenas em bases de curto
prazo, inferior a 120 dias. Os recursos de longo prazo eram escassos e
limitados a alguns produtos oferecidos pelo BNDE. A excessiva procura por
esse tipo de financiamento conduzia para que a liberação das operações
obedecesse a critérios políticos.
O levantamento das falhas institucionais pelos autores ajuda na
compreensão do ambiente regulador que dava suporte ao processo produtivo,
e que, conforme já apontava Furtado, e posteriormente Tavares, foram
herdados de governos anteriores que por questões políticas e sociais não
lograram concluir as reformas necessárias à transição do modelo agro-
exportador à economia industrializada. O caso mais enfático seria o do
Governo de Juscelino, que efetuara o seu Plano de cinqüenta anos em cinco,
sem que se tenha feito qualquer esforço no quadro institucional.
As limitações no crédito representavam um dos mais graves entraves ao
desenvolvimento. Com tal nível de precariedade o sistema se mostrava
excessivamente frágil frente às recessões. Alguns setores foram mais
claramente identificados como os mais prejudicados pelo setor financeiro,
como o setor imobiliário, por exemplo.
O Governo também era vítima do sistema financeiro, pois era
praticamente impossível a colocação dos títulos públicos para a cobertura dos
62
Tal acúmulo de poder alçava freqüentemente o presidente do Banco do Brasil ao Ministério da
Fazenda, a exemplo de Clemente Mariani.
153
déficits orçamentários. Muitas vezes se recorria à instituição de empréstimos
compulsórios para a cobertura de suas despesas correntes.
No nosso entender o gargalo financeiro se constituía no maior obstáculo
à realização da produção. Pode-se notar que a reforma financeira consolidada
entre o final do PAEG e o início do Governo Costa e Silva deu vazão à
produção e impulsionou a economia, posto que todos os agentes, inclusive o
Governo passaram a contar com mecanismos mais avançados de
financiamento.
O texto de Simonsen & Campos recorre freqüentemente ao proselitismo,
ao enaltecer exageradamente os feitos do Governo militar, o que não chega a
comprometer os estudos, mas adiciona algumas páginas a um trabalho já
bastante extenso.
5) Os focos de atrito criados pela legislação trabalhista.
As inúmeras greves, prejudiciais ao nível do produto, eram fruto das
discordâncias entre empregados e empregadores, o que gerava certa
inquietação social. Havia determinada discricionariedade no julgamento dos
dissídios coletivos que resultavam em distorções salariais. Algumas categorias
que se faziam representar por sindicatos fortes obtinham resultados
satisfatórios, por outro lado, outras categorias, mais frágeis, perdiam poder
aquisitivo devido a reajustes muito defasados em relação à alta dos preços.
Segundo os autores a tensão máxima foi atingida ao fim do Governo
Goulart, quando a inflação avançou de forma explosiva, com greves e
agitações de toda a ordem.
Além da falta de critério para julgar os dissídios, a Lei da estabilidade
garantia a permanência no cargo, ao trabalhador que ultrapassasse os dez
anos de trabalho em uma mesma empresa. Caso fosse dispensado antes do
prazo este teria direito a uma indenização referente a tantos meses de trabalho
quanto os anos de permanência no emprego. Uma Lei de proteção ao
trabalhador, mas que provavelmente custou o cargo de muitos profissionais de
excelente nível, pois as empresas tinham como prática habitual a dispensa dos
funcionários antes do período de aquisição da estabilidade.
Outra distorção apontada é que, com a estabilidade, muitos
trabalhadores recusavam melhores propostas de trabalho com receio de
perderem a estabilidade, o que causava imobilidade da mão-de-obra.
154
Muitas das distorções apontadas pelos autores serviram de motivo para
que o Governo militar se afastasse das questões sociais, promovendo políticas
salariais predatórias e propostas fictícias de participação dos trabalhadores nos
ganhos de produtividade. As perdas salariais reais, durante os vinte anos de
Governo militar entraram para a história do País como uma eficiente maneira
de aumentar a lucratividade das grandes empresas e manter um ordenamento
social desigual e bastante perverso.
No que diz respeito à crise econômica dos anos 1960, os trabalhos de
Simonsen & Campos proporcionaram outra dimensão aos estudos sobre a
inflação. As falhas institucionais apontadas na obra, sem dúvida merecem
atenção, pois já eram objeto da preocupação dos economistas mais próximos à
corrente estruturalista, mas que até então não haviam sido explicitadas de
forma tão clara como pelos autores em estudo. A ressalva fica apenas ao
caráter panfletário da obra, que constituiu em um verdadeiro instrumento de
divulgação pró-governo militar, e pelo excesso de entusiasmo, o mesmo que
havia contaminado a primeira análise de Tavares e que o nosso privilegiado
aliado, o tempo, nos permite reavaliar.
3.4 A economia abaixo do Pleno Emprego.
Um contraponto à publicidade sobre o PAEG, difundida pelos autores
que acabamos de analisar surge com Análise do Plano de Ação Econômica do
Governo (PAEG) (1964-1966) de Celso L. Martone (MARTONE, 2001). Aquele
autor, através de uma interpretação eminentemente Keynesiana, elabora um
trabalho que poderíamos dizer no mínimo isento sobre o período que cobre a
crise propriamente dita, ou seja, entre 1962 e 1963, e o período de ajustamento
imposto pelo PAEG, entre 1964 e 1967.
Martone aceita a afirmativa de esgotamento do processo substitutivo,
tendo seu ocaso se iniciado a partir de 1961 quando a estagnação parecia
eternizar-se caso não se tomasse alguma medida para reverter a tendência à
queda dos investimentos e do Produto.
Segundo o autor, o poder de reação do sistema econômico foi
impossibilitado devido ao acúmulo de inflexibilidades que impediram o mercado
de corrigir por si próprio as distorções observadas, a saber:
155
a) o processo inflacionário crescente que acompanhou todo o esforço
de industrialização,
b) o próprio sentido da industrialização, que se fez diante de técnicas
intensivas de capital e a baixo índice de absorção de mão-de-obra,
c) o aumento vertiginoso da participação do estado na economia
d) e a relativa estagnação do setor agrícola do ponto de vista da
produtividade.
A forma de colocar o problema é coerente com o desenvolvimentismo
cepalino, na medida em que o autor reconhece “o esforço de industrialização”
como importante para o desenvolvimento nacional. A questão se distancia um
pouco desse arcabouço, ao apontar a excessiva participação do Estado na
economia.
Com referência à agricultura, o autor retoma esse tema mais adiante,
quando reconhece que estudos mais completos retiram o peso do setor
agrícola entre os diagnósticos da estagnação.
Pontua o autor que, como instrumento de poupança forçada, a inflação
no início do processo tem alguma funcionalidade, mas à medida que a
dinâmica do mecanismo de substituição segue sancionando os aumentos nos
preços, esses, uma vez embutidos nas expectativas dos agentes, deixam de
exercer um efeito real na economia (MARTONE, 2001: 70).
A idéia acima sumarizada dá a indicação inequívoca da aceitação pelo
autor dos conceitos basilares de “Teoria Geral” (KEYNES, 1936). Verificaremos
ao longo do texto que o autor segue firmemente as idéias de Keynes, quase
como uma doutrina, porém sem descambar para o sectarismo.
O autor também encontra um interlocutor em Celso Furtado e seus
primeiros diagnósticos da crise, ao afirmar:
Por outro lado a substituição de importações se fez, no Brasil, a baixos
índices de aproveitamento de mão-de-obra. Como a população crescia à taxa
de 3% ao ano e a agricultura permanecia relativamente estagnada, quando não
liberava mão-de-obra, deu-se um inchamento do emprego no setor terciário
com baixo nível de produtividade. O mercado de bens industriais estreitou-se
relativamente, sob o aspecto da demanda, criando uma barreira à continuidade
da expansão industrial (Ibidem.).
156
Os excedentes de mão-de-obra eram absorvidos por um Estado pouco
eficiente e propenso a déficits cada vez maiores Os déficits eram reforçados
também em razão dos investimentos em infra-estrutura necessários aos
projetos privados, aumentando de forma extraordinária a participação do
Estado na renda global, desviando recursos que poderiam ser utilizados pelo
setor privado.
Nesse último ponto Martone não confraterniza com as idéias de Netto,
quando este afirma que a demanda social por maiores serviços por parte do
Estado se daria exclusivamente pela rápida urbanização promovida pela
industrialização.
Ao longo da industrialização a agricultura sofreu um processo de
descapitalização com a transferência de grande parte de seus excedentes para
os financiamentos de projetos industriais, motivo da perpetuação do atraso
nesse setor.
A análise começa então a distanciar-se dos estruturalistas, na medida
em que, para o autor, o Estado passa a exercer um papel de excessivo peso
na economia. Essa opção, no entanto, não aproxima Martone do arcabouço
monetarista, como poderemos observar mais adiante.
Martone tem no PAEG...”um esforço no sentido de interpretar o processo
de desenvolvimento brasileiro e de formular uma política econômica capaz de
eliminar as fontes internas de estrangulamento que bloquearam o crescimento
da economia” (Idem. p.72).
A proposição apenas coloca em evidência que, a despeito das opções
políticas do Governo encarregado pela condução da economia, o PAEG
objetivava, sob a ótica dos vencedores, a restabelecer as taxas médias de
crescimento observadas no pós-guerra, sob índices de inflação estáveis e a
baixos níveis.
Conforme já mencionado, a aceleração da inflação representava a
batalha a ser vencida pelo Plano, ladeada pelos freqüentes estrangulamentos
da capacidade de importar - devido ao agravamento das contas externas - e
pelas crises políticas e sociais que causaram a queda nos níveis de
investimento.
157
3.4.1 O diagnóstico segundo o PAEG.
Entre os diagnósticos do PAEG, o mau desempenho da agricultura, em
razão de problemas climáticos, teria colaborado para a estrondosa queda do
Produto em 1963, quando o mesmo representou um aumento de apenas
1,5%
63
em relação ao ano anterior.
O diagnóstico do Plano sobre a inflação reconhece a origem histórica do
processo, iniciado com as pressões de custo decorrentes do processo
substitutivo de industrialização. Além desse elemento, o PAEG aponta
inelasticidades setoriais da oferta de produtos estratégicos para o andamento
do processo e que desencadeariam a alta de preços por toda a economia.
Porém, a grande causa apontada pelos idealizadores do plano pelo
recrudescimento da inflação entre 1962 e 1964 foram os fatores de ordem
monetária.
A mecânica da pressão monetária sobre o sistema econômico se daria
pela inconsistência do ponto de vista de distribuição de renda.
...o Governo procura injetar na economia um volume maior de recursos
do que o poder de compra dela retirado, gerando déficits crônicos no
orçamento federal; de outro lado, forma-se uma luta constante entre empresas
e assalariados pela fixação dos salários nominais, redundando na famosa
espiral preços-salários e pressionando o nível de demanda monetária para
cima (Idem. p.73)
Portanto, o diagnóstico aponta para uma inflação de demanda com
origem na ação danosa do Governo, que é ineficiente, tanto do ponto de vista
da sua atuação como agente na demanda agregada, como pela sua inabilidade
na gestão das receitas e despesas correntes. O Estado, ao absorver grande
parte da renda gerada no sistema, “devolve” muito pouco a esse, estimulando a
inflação através de sua insaciável necessidade por recursos, que em uma
espécie de círculo vicioso acaba por absorver maiores volumes de renda do
setor privado. Esse arcabouço engendra uma situação de estagnação com a
elevação dos níveis de inflação.
Na medida em que, para cobrir seus déficits orçamentários, o governo
emite meios de pagamento, cria um desequilíbrio entre a oferta e a demanda
agregada preexistentes. A curto prazo, como a oferta não tem possibilidade de
63
O valor apresentado por Netto difere dos resultados apresentados pelo IGBE (IBGE, 2003) que divulga
um crescimento do PIB da ordem de 0,6% para o ano de 1963.
158
crescer na proporção do crescimento da demanda monetária, o reequilíbrio se
fará a um nível de demanda monetária para cima (Ibidem.).
Estabelecida a rotina do circuito inflacionário, as disputas distributivas
realimentam a inflação, exigindo maiores volumes monetários e de crédito ao
setor privado, que busca incessantemente reforço para capital de giro, o que
exerce novas pressões nos preços, no que o autor denomina: o veículo da
inflação.
O diagnóstico sobre a estagnação não era suficiente para que o Plano
atingisse a bom termo seus objetivos. Seria necessário para a garantia da
estabilidade que se buscasse a elevação do Produto e uma maior absorção de
mão-de-obra, na tentativa de se reduzirem os desníveis regionais e setoriais. A
correção à tendência aos déficits comerciais e orçamentários também eram
objetivos visados pelo PAEG.
O atraso da agricultura era tido pelo plano como um problema estrutural,
pois a oferta do setor seria inelástica e, portanto, incapaz de responder aos
estímulos do mercado (Idem. p.74-75).
Martone qualifica esse último diagnóstico do Plano, ao afirmar que
estudos mais aprofundados desmentem essa hipótese que se fundaria mais
em fruto do preconceito do que em evidências empíricas (Ibidem.).
O plano fixou metas graduais de redução da inflação, tendo como prazo
máximo o período de três anos. O combate à inflação deveria levar em conta a
possibilidade de recuperação das taxas elevadas de crescimento, conforme
analisado nos modelos propostos por Simonsen & Campos.
As medidas destinadas ao combate da inflação não deveriam provocar
desequilíbrios que causassem flutuações de liquidez, as quais pudessem
perturbar o nível de emprego.
O Brasil necessitava, em 1964, de cerca de um milhão e cem novos
empregos por ano, a fim de absorver a mão-de-obra que anualmente aflui ao
mercado. Paradoxalmente, o ritmo de expansão do emprego, particularmente
nos setores dinâmicos da economia, tem sido feito a uma taxa muito inferior à
necessária, criando assim um índice elevado de desemprego estrutural. Em
grande parte, isso se deve ao subsídio que normalmente se concedeu ao
capital, seja através de taxas irreais de juros, seja através de isenções fiscais à
importação de equipamentos, seja através de fixação institucional de
remuneração da mão-de-obra (Ibidem.).
159
O trecho mostra uma grande preocupação do Plano com o desemprego
de forma geral, o que muito provavelmente se constituiria em uma questão não
apenas de cunho social, mas de segurança nacional, haja vista que um dos
motivos apontados pelos militares para o Golpe de 1964 ter sido o crescimento
dos movimentos sociais e a possibilidade de guerrilha revolucionária. Uma
situação de elevado desemprego, que pudesse inflamar ainda mais os
movimentos sociais deveria ser evitada a todo custo.
Fazia parte da estratégia o fomento de atividades mais intensas no uso
do fator trabalho, como a construção civil, por exemplo.
O PAEG também apresentou uma série de inovações tributárias, como a
substituição de alguns impostos em cascata por impostos indiretos. Tal medida
buscava sanear as contas públicas e, portanto, a redução dos déficits. A carga
tributária se elevou, buscando reduzir as pressões da demanda, porém sem
exercer maiores efeitos sobre a renda dos assalariados.
Em teoria, a política salarial, com a reposição salarial de acordo com a
média dos dois anos anteriores, visava manter os aumentos mais próximos da
reposição real do poder de compra dos trabalhadores; outra forma de controle
sobre a inflação de demanda. Na prática o que se observou foi que os
aumentos sempre ficavam aquém das elevações dos preços, caracterizando-se
por perdas reais na remuneração da mão-de-obra.
No setor externo, os incentivos às exportações, com a simplificação do
sistema cambial, garantiriam, juntamente com a maior facilidade na importação
de insumos e equipamentos industriais e, portanto, a manutenção dos
investimentos sem que houvesse pressões no balanço de pagamentos.
Martone resume as diretrizes do Plano de combate à inflação à
compatibilização de três pontos fundamentais:
a) a política de crédito do Governo,
b) a política de crédito do setor privado e
c) a política salarial.
As despesas do Governo eram inflexíveis, o que orientou à pratica de
duas estratégias para a redução dos déficits. Primeiramente o aumento da
receita através da elevação dos tributos, segundo a melhoria no sistema de
arrecadação do reajuste das tarifas e por fim a reforma da legislação tributária.
160
A outra estratégia consistia na obtenção de recursos através de
mecanismos não-inflacionários, como melhorar a colocação de títulos públicos
no mercado de capitais, através da oferta de papéis com melhores
remunerações e condições para atrair os investidores.
Martone afirma que essa estratégia não somente imunizaria o sistema
contra a inflação, mas ao mesmo tempo retiraria ainda mais recursos do setor
privado.
A política de crédito do setor privado deveria manter a liquidez do setor
produtivo, todavia evitando a expansão dos empréstimos que porventura
viessem a causar expansões nos meios de pagamento.
Martone ressalta que a política de crédito privado do PAEG obedecia
cegamente à cartilha monetarista, ou seja, o aumento do crédito deveria
acompanhar pari-passu não o crescimento do produto, mas o crescimento dos
meios de pagamento, supondo-se a velocidade-renda da moeda constante, no
mais genuíno protótipo da teoria quantitativista. Ajunta o autor que a
velocidade-renda não seria um parâmetro estável ao longo do tempo, o que
causaria flutuações de liquidez que perturbariam a atividade econômica.
A política salarial, como já salientamos, introduziu novos mecanismos de
reajustes salariais através da média dos vinte e quatro meses anteriores ao
mês do reajuste. O sistema anterior promovia reajustes baseados nos
aumentos do custo de vida, com a reposição levando a instabilidades na
remuneração real da mão-de-obra, uma vez que os salários eram reajustados
nos “picos” e se degradavam rapidamente face o aumento dos preços.
A sistemática, segundo o autor, visava a conter a inflação por duas vias:
através de contenção demanda agregada a um nível compatível com o pleno-
emprego e da redução da pressão de custos sobre o sistema produtivo. A
contenção gradual da inflação objetivada por esse sistema de reajustes, caso
falhasse, conduziria a uma deterioração do salário real e a uma distribuição de
renda em favor de outros fatores e do governo (Idem. p. 79).
A tríade formada pelas políticas estratégicas acima expostas deveria
funcionar através da sinergia de seus elementos: o Governo, ao conter o seu
déficit orçamentário, aumentaria sua receita de maneira a não exercer pressão
inflacionária, evitando a expansão dos meios de pagamento, dessa forma o
crédito das empresas permaneceria relativamente estável, evitando-se assim
161
as flutuações de liquidez. Concomitantemente, a política salarial aliviaria as
tensões na demanda agregada e nos custos de produção (Ibidem.).
O sistema consiste em um cerco à inflação, com elementos que atuam
diretamente na demanda e nos fatores de transmissão, ou de realimentação,
da inflação.
O Plano previa a volta do crescimento econômico, todavia seu objetivo
supremo consistia no combate à inflação. As ações que visavam ao
crescimento se compunham de umas poucas medidas generalistas. A inflação
segundo o diagnóstico do PAEG representava o grande mal a ser combatido.
Vencida a guerra contra a escalada dos preços supunha-se que o crescimento
viria a reboque; uma crença puramente monetarista.
O PAEG previa metas graduais em termos de redução da inflação e de
crescimento do Produto. Para os três primeiros anos da sua vigência, de 1964
a 1966, a produção deveria crescer em torno de 6%, um objetivo modesto para
a época, lembrando que a economia crescia a altas taxas médias ao final da
Segunda Guerra. Os resultados ficaram muito aquém do desejado, alcançando
um crescimento do produto de 3,1% em 1964, 3,9% em 1965 e 1966 se
aproximando um pouco mais da meta, mas assim mesmo com parcos 4,4%.
Quanto às metas de inflação, os resultados se mostraram piores. A
previsão de 80% para o primeiro ano do Plano, 1964, se mostrou irreal, ao
observar-se um crescimento dos preços da ordem de 93,3%. 1965 foi o ano no
qual se acreditou que o Plano teria começado a dar resultados positivos,
quando a meta de 25% se aproximou da inflação real que foi de 28,3%
64
. Mas
foi em 1966 que a realidade se mostrou bem mais dura, com o crescimento dos
preços alcançando 37,4% frente aos 10% esperados.
São resultados modestos no que diz respeito aos objetivos propostos,
mas que não deixa dúvidas quanto ao relativo sucesso do Plano em baixar
uma elevação de preços da ordem de 80% para menos da metade desse
índice, em um intervalo de três anos.
As inconsistências do PAEG observadas por Martone são relacionadas
principalmente ao diagnóstico da inflação. Para o Plano a inflação era de
64
Há divergências quanto aos números apresentados pelo autor, pela FGV e pelo IBGE. A variação do
deflator implícito do PIB do IBGE para o ano de 1967 foi da ordem de 26,5%, sendo que o IGP-FGV
para o mesmo exercício foi de 25% (Estatística do Sec. XX – IBGE e FGV).
162
demanda, tendo sua origem principal nos meios de pagamento. Na realidade
verificou-se que havia maior peso da componente de custos no modelo, o que
teria inibido tanto o crescimento quanto a queda nos preços.
Observou-se que à medida que a demanda se ampliava, devido à falta
de controle dos meios de pagamento, e que a massa salarial crescia
acompanhando a elevação dos preços, a inflação de custos mantinha-se
submersa no sistema, acobertada por uma política de Mark-up. Dessa forma
permitia-se ao setor produtivo transferir o ônus dos custos ao consumidor final,
dando a falsa impressão de que a inflação era de demanda, quando na
verdade ocultava-se uma forte pressão por parte dos custos. Além desse
mecanismo, as elevações dos juros reais, dos preços dos insumos básicos
para a indústria, as tarifas públicas
65
e os preços dos importados também
colaboraram com a pressão sobre os custos de produção.
Por outro lado, o agigantamento do Estado, absorvendo grande massa
de recursos do setor privado, seja via ampliação da tributação direta e indireta,
sem que houvesse um esforço no mesmo sentido na redução das despesas
correntes, seja pela política de contenção do crédito ao setor privado e à
depressão dos salários, foi um elemento que, segundo o autor, teriam levado a
economia a um nível muito abaixo do pleno-emprego.
Os resultados só não foram piores, devido aos incentivos à exportação,
que foi a saída natural para o setor produtivo escoar a produção, antes dirigida
ao mercado interno que se encontrava deprimido. A elevação das exportações,
juntamente com a queda nas importações forneceu condições para que se
atingissem importantes superávits comerciais.
A diminuição do nível de demanda agregada provavelmente foi maior do
que havia sido previsto no plano, surgindo capacidade ociosa na maioria dos
setores e iniciando-se um processo de acumulação de estoques invedáveis. Na
medida em que era possível iniciou-se um disputa por mercados externos,
como meio das empresas se desfazerem de seus estoques (Idem. p.86).
Portanto, uma situação peculiar, com crescimento de superávits nas
contas externas, mas com uma enorme capacidade ociosa devido á depressão
65
A elevação das tarifas públicas e dos serviços prestados pelos concessionários de serviços públicos
visava ao mecanismo denominado de inflação corretiva, que previa uma elevação dos preços nos
primeiros períodos de estabilização e dessa forma, ao corrigir as tarifas, evitava que fossem efetuadas
novas alterações para a recuperação das possíveis perdas no setor de fornecimento de serviços públicos.
163
do setor interno. Essa situação levou a uma queda na renda interna da
economia e por decorrência nos investimentos. A situação também apontava
para uma tendência à deflação, o que teria colaborado com a queda nos
investimentos.
A análise é uma representação muito próxima à modelagem da
demanda agregada de Keynes com mercado externo e a presença do
Governo.
As pressões de custos teriam sido subestimadas pelos idealizadores do
Plano, que enxergaram apenas a inflação de demanda, perpetuada por um
mecanismo automático de transmissão das expectativas de inflação de um
período a outro.
A economia só começou a voltar a crescer a partir de 1967, com uma
política monetária e creditícia mais relaxada, com a implantação de novos
instrumentos de financiamento, tanto do setor público como o privado, inclusive
com mais alterações na tributação, com os fortes incentivos à agricultura, e às
exportações, e com novas políticas de desvalorizações cambiais, as mini-
desvalorizações. Inicia-se então o período do “Milagre” Econômico.
Uma estratégia integrada de combate aos focos de pressão de
demanda, seja via expansão monetária , seja via políticas salariais, a melhoria
nas formas através das quais os agentes se financiavam e novos instrumentos
institucionais permitiram a reocupação da capacidade ociosa promovida na
primeira fase de estabilização.
A propósito de alguns dos diagnósticos apontados por Simonsen &
Campos, a maior divergência entre os autores da “Nova Economia“ e Martone
reside no que diz respeito aos diagnósticos da inflação.
Aqueles autores, a exemplo do PAEG, apontam a inflação descontrolada
ao final de 1963 como o mais importante determinante da crise. A aceleração
da inflação seria responsável pela redução dos investimentos devido a
problemas alocativos, em razão do ambiente incerto no qual operavam os
empresários. A inflação teria seu foco principal na demanda, em razão das
expansões nos meios de pagamento, mas com importantes elementos de
realimentação. Para Martone, as pressões de custo estavam escondidas sob a
prática de Mark up, e as formas de financiamento dos agentes públicos e
privados, também guardavam importantes relações com os custos. Para o
164
autor, o primeiro período de combate à inflação, durante o PAEG, representou
uma batalha quase que inócua do ponto de vista de resultados práticos.
Martone tem uma leitura muito criteriosa da crise dos anos 1960,
juntando os estudos da demanda agregada e alguns elementos pertinentes ao
arcabouço estruturalista. A visão puramente monetarista é refutada pelo autor,
que prefere uma análise conjunta do funcionamento do setor financeiro e seus
instrumentos, do setor público e de sua forma de se financiar, dos empresários
e suas motivações para investir e dos assalariados e a forma como despendem
suas rendas. A herança do período de aceleração da industrialização por
substituição de importações é preservada na análise do autor, que leva em
conta o desemprego estrutural e o esgotamento da capacidade de renovação
do processo.
Não pretendemos sucumbir à tentação de elaborarmos nossas próprias
hipóteses sobre a crise em estudo. Todavia, encontramos em Martone a
oportunidade de complementar suas observações através da ótica de Minsky
(MINSKY, 1963), um autor pós-keynesiano que buscou dar sua contribuição ao
legado de Keynes.
Os trabalhos de Minsky analisaram o período de relativa tranqüilidade
observado no pós-guerra nos Estados Unidos, interrompidos por
desestabilizações no setor financeiro daquele país. Sumarizando, para Minsky
os desequilíbrios eram oriundos de atividades financeiras e na relação
existente entre a renda dos agentes e suas obrigações financeiras, que
deveriam manter-se em constante equilíbrio. Não apenas a lucratividade, mas
os fluxos de caixa dos agentes, inclusive os financeiros, deveriam ser levados
em consideração com respeito às incertezas.
O autor subdivide as operações financeiras em duas categorias básicas:
obrigações hedge e obrigações especulativas. Cada um dos tipos de operação
se destinaria a uma finalidade específica no sistema.
As operações hedge se destinariam aos projetos de maior maturação, e se
dariam através do adiantamento dos recursos pelo agente financeiro para o
tomador, que poderia ser um empresário e teria à frente encomendas que
gerariam recursos através de um fluxo de caixa regular e equilibrado. A
operação é afiançada pelo contrato do tomador e seu cliente, e não haveria,
portanto, descasamentos entre as operações entre o tomador e o agente
165
financeiro, tornando mais seguros e estáveis os investimentos. A dinâmica é
semelhante ao esquema de finance and funding apresentado por Studart
(STUDART, 1993). As operações hedge também podem ser efetuadas pelas
famílias, como o financiamento de um imóvel a longo prazo, cujas obrigações
estariam vinculadas ao rendimento familiar.
Já as operações especulativas seriam aquelas às quais as obrigações do
tomador não estariam totalmente cobertas pelo fluxo de entrada de recursos,
mesmo a valor presente. Os agentes tomadores desse tipo de operação
lançam mão de novas operações para saldar seus débitos.
Minsky afirma que nos períodos de prosperidade é comum o aumento de
operações especulativas, devido à visão otimista dos agentes, principalmente
dos bancos que estão mais dispostos a correrem riscos atraídos por melhores
remunerações. Nas situações de maior vulnerabilidade, no entanto, os agentes
financeiros, avessos a perdas, procuram reduzir as operações especulativas,
retornando a uma posição mais equilibrada. Acontece que os agentes na
maioria das vezes têm dificuldade de lidar com o imponderável, e realizam
análises equivocadas das situações que se apresentam. A atual crise dos
subprimes na economia americana é prova concreta do que propõe o autor.
Situações extremas podem levar operações do tipo especulativo a
transformarem-se em um tipo Ponzi Game: a tomada de créditos para
pagamentos de juros, em uma sistemática que nunca atinge a extinção total
dos débitos.
Se estabelecermos uma analogia com a análise de Martone sobre a
economia brasileira dos anos 1960, poderíamos supor que o Brasil caminhava
em uma situação especulativa até o final do Plano de Metas, quando Governo
Kubitschek passa a contrair operações de Swap cambial para fazer frente a
compromissos de curto prazo, fazendo com que a Balança Comercial entrasse
em desequilíbrio. Essa estratégia teria levado o País, após a saída de
Juscelino, à necessidade de recursos para “rolar” os compromissos colocando
o Balanço de Pagamentos um uma dinâmica tipicamente Ponzi. Por outro lado,
a ausência de operações do tipo hedge para o setor privado teria sido
contrabalanceada pelos financiamentos subsidiados à indústria estrangeira e
por operações a juros negativos junto aos órgãos oficiais como o BNDE e o
Banco do Brasil, por exemplo. Nessa dinâmica, os consumidores, incluindo
166
assalariados estariam mais propensos às operações especulativas e o
Governo mantinha-se em um sistema Ponzi que só foi eliminado ao final do
PAEG, com as reformas do setor financeiro e tributário.
Portanto, é essa a complementação que oferecemos aos trabalhos de
Martone.
167
CONCLUSÕES
Pioneirismo e perseverança.
Primeiramente chamamos a atenção para o pioneirismo de Celso
Furtado em tecer, de forma brilhante, as primeiras observações sobre o
subdesenvolvimento brasileiro, que o colocaram entre os grandes intérpretes
da realidade brasileira, ao lado de nomes como: Caio Prado Júnior, Sérgio
Buarque de Holanda e Paulo Freire.
O ineditismo não garante lugar no panteão dos grandes pensadores,
mas no caso de Furtado abriu-se uma estrada pela qual muitos se
aventuraram, graças aos esforços desse pensador. Basta-nos a lembrança de
Rostow, que também foi pioneiro nesse campo de estudo e que apesar de ter
elaborado um trabalho seminal em História do Pensamento Econômico e sobre
o desenvolvimento capitalista, não conseguiu arregimentar um grande número
de seguidores, nem mesmo nas alas mais ortodoxas da economia.
Se a estagnação foi muito criticada no final dos anos 1960, início dos
1970, na década de 80 e de 90 ela volta à discussão quando observamos um
País que perseguia um futuro que nunca chegava.
Pontualmente observamos que as questões referentes às assimetrias na
oferta e na demanda e os elementos estruturais que, segundo Furtado,
fundavam raízes no processo histórico, foram tomadas de empréstimo por
estudiosos menos heterodoxos, como Martone, por exemplo. A análise de
Furtado ainda foi seguida por muitos estudiosos que aceitaram a idéia da
inexistência de uma elite comprometida com o projeto desenvolvimentista que
sobrepusesse os interesses coletivos sobre os individuais, como Cardoso e
“sua” Teoria da Dependência.
Superada essa fase, o autor retoma seus estudos e detecta elementos
que vão além do pensamento exclusivamente econômico para tentar encontrar
a trava que impedia o avanço do marco regulatório para que o País alcançasse
o futuro.
Conforme sintetiza Vieira (VIEIRA, 2007):
... para Furtado, a ausência de liderança política dos industriais
era responsável pela lenta modernização do “marco institucional
brasileiro”, que ainda nos anos 1960, permanecia em mãos das
168
oligarquias tradicionais, que controlavam a política nacional a partir do
Legislativo, onde os estados mais atrasados da União tinham influência
decisiva (VIEIRA, 2007 : 243).
Portanto, uma análise atual, repetida à exaustão nos congressos de
Economia Política até os dias de hoje.
Quanto à polêmica entre Tavares e Furtado, já salientamos que se tratou
mais de posições políticas distintas do que divergências metodológicas, em
que pese o “efeito Milagre Econômico” sobre os estudos da autora.
Outra interpretação que podemos fazer e que não parece ser tão irreal é
a de que havia uma sucessão natural entre gerações de economistas
66
, uma, a
de Campos e Furtado, com formação econômica no exterior e que
coincidentemente fizeram parte de governos como Ministros de Estado. Já
Tavares, Delfim Netto e Mario Henrique Simonsen representavam a “nova
guarda” da economia nacional, formados nas salas das escolas de economia
do País, que até então não haviam ocupado posição no Governo e dispunham
de energia e preparo suficientes para defenderem suas próprias idéias,
promovendo uma rivalidade que, em uma análise marginalista, mostra uma das
formas de como caminha a ciência.
Estruturalismo vs. Monetarismo.
Subjacente às análises apresentadas, evidencia-se um importante
debate entre as correntes estruturalista e monetarista, o qual se subentende a
presença ou não do Estado como agente atuante na economia.
À exceção da obra de Martone, os autores mais alinhados à economia
convencional não admitem a não-neutralidade da moeda, baseados na Teoria
Quantitativa da Moeda, com certa flexibilidade aceita por Friedman. Ou seja,
haveria efeitos iniciais na expansão dos meios de pagamento na economia
real, mas que não seriam permanentes, extinguindo-se no longo prazo
67
.
Segundo Keynes, a transmissão dos efeitos das variáveis monetárias às
reais se daria através do crédito do sistema bancário e seus efeitos seriam
reais e duradouros na economia, pois a moeda, além de exercer a função de
meio de pagamento, exerce também a função de reserva de valor, tornando a
66
Para maiores informações sobre o assunto ver: BIDERMAN et alii., 1996.
67
Para uma análise sobre a não-neutralidade da moeda, ver: MOLLO, 2004 e CARDIM, 2005.
169
operação financeira um precioso ativo para os bancos e uma fonte de recursos
para os empresários.
Alguns autores pós- keynesianos afirmam que o sistema bancário pode
oferecer a liquidez necessária aos empresários para que esses efetuem os
investimentos para a ampliação das suas atividades. É o caso de Minsky,
conforme abordamos. Para aquele autor, não só o setor bancário exerceria
importante papel no sistema econômico, como fator de ampliação do emprego,
mas os instrumentos financeiros oferecidos deveriam ser equilibradamente
distribuídos entre os agentes. Para que se evitassem instabilidades envolvendo
os investimentos e os riscos inerentes à atividade empresarial, as operações
deveriam ter seus fluxos de caixa condizentes com fatores de remuneração, de
risco e de maturidade (duration). Esses fatores deveriam fazer parte na
avaliação das expectativas dos agentes sobre as decisões de investimento.
A atividade econômica não se dissocia da atividade política. Não seria
possível avançar-se o progresso social sem a atividade do Estado. Para os
economistas clássicos e neoclássicos, cujas idéias podem ser sintetizadas na
Lei de Say e nas observações de Walras, os automatismos dos mercados
mantêm o sistema econômico em equilíbrio frente a qualquer obstáculo. A crise
de 1930 foi um exemplo claro de que essa premissa é irreal, tão irreal quanto
as hipóteses dos mercados perfeitos e do equilíbrio geral. A busca do
orçamento equilibrado e de controles financeiros rígidos leva ao imobilismo.
Sem a expansão do crédito, a atividade econômica não avança. Um sistema
financeiro, dotado de instrumentos capazes de financiar os projetos de
investimentos e de fornecer remuneração e segurança às operações, é
condição básica para o bom funcionamento da economia, mas esse arcabouço
de nada adiantaria sem que existissem as autoridades financeiras, como
emprestadores de última instância, e o Estado na sua função ativa de indutor
da demanda agregada, ou seja, instituições desprovidas da mesma
racionalidade econômica observada nos agentes privados.
Outro equívoco, repetidamente mencionado pelos monetaristas, de que
para os estruturalistas a inflação faz parte do projeto de desenvolvimento, é um
mito que se propagou sem qualquer fundamento real, o qual já tratamos
quando de nossa análise nos textos de Furtado e de Tavares.
170
Não propomos colocar o estruturalismo como uma doutrina infalível,
muito pelo contrário. A crença de que no Brasil “tudo” viria com a
industrialização; igualdade social, modernização ao alcance de todos, mais
cultura, educação etc., desfez-se com a Crise dos anos 1960, e com toda a
injustiça social preservada durante o Governo Militar. As desigualdades
regionais e sociais representam um monumento erigido às falhas não cobertas
pela CEPAL, e que abriram brechas enormes para os críticos daquela escola.
A aceleração industrial fracassou como processo civilizatório, conforme
apontam os diversos críticos do sistema centro-periferia.
Os erros e acertos cometidos pela CEPAL ganharam nova interpretação
nos trabalhos de Tavares. Não seria exagero atribuir à sua obra, Acumulação
de Capital e Industrialização no Brasil, a alcunha de neo-estruturalismo, pois
resgata a relação centro-periferia e ao mesmo tempo adiciona modelos
dinâmicos de crescimento, conceitos de organização industrial e vários
pensamentos de autores pós-keynesianos. O trabalho oferece interpretações
para as situações não previstas pelo arcabouço cepalino. O mesmo pode-se
dizer do artigo de Furtado, “Political Obstacles to Economic Growth in Brazil”,
que coloca mais peso nas questões políticas e sociais como fatores limitadores
do desenvolvimento. São obras que se complementam e contribuem para uma
reavaliação do estruturalismo.
O que ficou de concreto no caso brasileiro foi o reconhecimento pelos
egressos do estruturalismo de que o País é detentor de muitas peculiaridades,
refletidas na tarefa levada ao extremo por Cardoso de Mello ao elaborar a sua
releitura histórica da industrialização no Brasil.
A visão particular de Mello se coaduna com as observações de Marx
acerca do capitalismo do século XVIII, assimilando deste os conceitos basilares
pré-capitalistas, tendo na acumulação do capital mercantil a “centelha” de “um
certo capitalismo” dentro do “capitalismo”, mas que no nosso entender
extrapolou ao rever a história do capitalismo no Brasil.
A queda do exclusivo metropolitano foi resultado de imposições do
Reino Unido à Coroa portuguesa para que a corte brasileira pudesse se
deslocar com segurança da Europa para o Brasil. O resultado foi a abertura
dos portos para produtos manufaturados ingleses. Mesmo antes da abertura
dos portos, a preponderância do capital inglês já era evidente no Brasil, com a
171
presença de inúmeros empreendimentos mercantis e de bancos, que
operavam de maneira integrada ao sistema. Não se trata de desconsiderar os
condicionantes internos como fatores de produção e acumulação apontados
por Mello, mas de se relativizar essas proposições, posto que, se houve
investimentos ingleses na construção de ferrovias e na instalação de máquinas
de sacarias e de beneficiamento de café, a vinda desses recursos fazia parte
da expansão do capitalismo originário, o que torna difícil a dissociação entre
uma coisa e a outra.
De outra parte, o autor propõe uma nova periodização para a
industrialização que permite visualizar-se o salto tecnológico necessário à
passagem da economia de um estágio a outro da industrialização,
consubstanciado no Plano de Metas. O autor também trata de desfazer o
equívoco de interpretar-se a aceleração da industrialização brasileira como
sendo o próprio processo de industrialização.
Apontar a inflação como a origem do caos instalado na economia
brasileira dos anos 1960 representa uma visão reduzida da situação. Os
próprios Simonsen e Campos aceitam os entraves institucionais como
obstáculos importantes para que se reencontrasse o caminho para o
crescimento com estabilidade. A idéia de partir-se de uma Curva de Phillips
para se chegar a um modelo de crescimento, com alguma inflação, parece ser
tão absurda quanto estabelecer um paralelo entre a Inglaterra de Keynes dos
anos 1930 e o Brasil de 1960.
Os estudos de Marques (MARQUES, 1985) acerca da aceleração da
inflação entre 1973 e 1983 no Brasil, ou seja, um período muito mais
abrangente do que o período em estudo, apontam para a impossibilidade de se
estimar uma curva de Phillips para a economia brasileira. Marques partiu de
uma Proxy do produto potencial através da taxa média geométrica da produção
real no intervalo entre 1945 e 1983 para então apurar o hiato do produto,
diferença entre o potencial e o efetivo, a cada passagem de ano, comparando-
os com a variação percentual dos preços período-a-período. O resultado foi
inconclusivo, pois de onze observações apenas três associaram uma
aproximação do produto efetivo com o potencial, associadas a elevações nos
preços. Confirmando, portanto, que certas formalizações da economia
172
convencional são apenas modelos teóricos sem qualquer diálogo com a nossa
realidade.
Outro aspecto a se levar em conta é que tanto Netto quanto Simonsen e
Campos não atribuíram o peso adequado às questões cambiais, invertendo
dessa forma o sentido de causalidade que coloca demasiada importância nas
emissões como fator determinante da inflação. As emissões, conforme
comprovamos anteriormente, foram em grande medida provocadas pela
extinção das receitas obtidas através da conta “ágios e bonificações” que
representavam a receita oriunda dos leilões cambiais.
Portanto, as emissões teriam sido mais um “sintoma” dos desequilíbrios
estruturais do que a sua causa, tanto quanto a inflação.
Keynesianismo canônico.
Entre os autores convencionais, Martone apresenta uma explicação
simples, porém de grande abrangência. Sua interpretação explica os efeitos
das políticas restritivas do PAEG sobre a economia, o que para Tavares seria
uma segunda fase da crise.
Martone também afirma que a economia se encontrava em meio ao caos
inflacionário e que esse fato causava sérias perturbações no investimento,
porém não atribuiu às emissões exclusivamente a culpa pela elevação dos
preços. Para o autor, as formas de como os agentes se financiavam,
principalmente o Estado, os gargalos institucionais e os efeitos do esgotamento
da industrialização substitutiva no período que precedeu o Golpe de 1964,
teriam contribuído para a rigidez dos preços para baixo e as baixas taxas de
crescimento. No nosso entender, caberia uma complementação á proposta do
autor, que poderia ter estendido sua análise a outros autores pós-keynesianos,
conforme já salientamos.
Os possíveis determinantes da crise.
Agora que encerramos a análise sobre os diagnósticos sobre a crise,
temos condições de avaliar as duas vertentes de pensamento, a estruturalista e
a convencional, como ferramentas de análise da economia brasileira dos anos
1960. Não iremos respeitar a ordem de apresentação, mas a ordem de maior
ocorrência nas análises.
173
1. Esgotamento do processo de substituição de importações,
2. Inflação estrutural,
3. Inflação de demanda,
4. Problemas de realização dinâmica intra-setoriais,
5. Desequilíbrios no Balanço de Pagamentos,
6. Falhas institucionais,
7. Caos político,
8. Desajustes entre oferta e demanda,
9. Queda dos investimentos devido à elevação da relação capital-produto,
10. Esgotamento do processo de substituição de importações e política
contracionista do PAEG.
Levando-se em conta que todos os elementos acima estão presentes no
conjunto dos textos analisados, e, portanto, representam as observações dos
autores em estudo, verificamos que os autores oriundos da escola cepalina
empregaram um maior esforço explicativo sobre a crise, resultando também em
uma maior abrangência dos elementos expostos. Esse resultado não nos
surpreende, pois, conforme afirmou Tavares, essa corrente de pensamento
lutou contra o conformismo das teorias prontas e amplamente divulgadas pelas
escolas de economia convencional.
Se o arcabouço cepalino foi superado por outras teorias, mais
atualizadas e portadoras de um maior formalismo, isso não significa que os
economistas devam aceitar de pronto as novas propostas, sem antes buscar
agregá-las ao vasto conhecimento acumulado sobre a economia brasileira.
Síntese Geral.
Ao terminarmos nosso trabalho de reconstrução do debate sobre a crise
econômica brasileira dos anos 1960, chegamos à conclusão de que:
A) Não há uma única hipótese capaz de explicar de forma satisfatória toda
a complexidade da crise. Talvez Acumulação de Capital de Tavares, em
conjunto com as observações tecidas por Celso Furtado ao longo das
cinco obras analisadas, seja a combinação mais adequada no sentido
174
de cobrir a maioria dos fenômenos observados, conjugando elementos
teórico-históricos para a formação do mais amplo diagnóstico da crise,
B) Celso Furtado, ao desenvolver suas análises acerca do desenvolvimento
passa a dar maior importância às questões políticas como impeditivas
ao processo,
C) Dada a complexidade da crise, e a grande quantidade de condicionantes
históricos que contribuíram para uma ocorrência de tal magnitude e,
posto que grande parte das emissões monetárias sofreram influência
das políticas cambiais, a inflação não pode ser apontada como um fator
predominante da crise,
D) Colocado o item “B”, as crises no balanço de pagamentos, seja via
políticas cambiais, seja devido a compromissos de curto prazo
assumidos antes do mandato de Jânio Quadros e também devido ao
enrijecimento da pauta, decorrente do próprio processo substitutivo de
importações, teve influência direta na crise,
E) As propostas dos autores mais heterodoxos, incluídos aí os da escola
estruturalista e Celso Martone, são mais abrangentes do sentido de
oferecerem um maior poder explicativo do que as demais,
F) O esgotamento do processo de industrialização por substituição de
importação, juntamente com as falhas institucionais, são aceitas por
grande parte dos autores, mesmo entre os mais convencionais,
G) Conforme analisamos no Capítulo I, houve um crescimento da atividade
financeira como participação do PIB durante a década de 60, o mesmo
ocorrendo com a participação da administração pública, assim
corroborado pela análise de Martone do terceiro Capítulo,
H) O período da crise vai de 1962 a 1963, a partir de 1964 há uma ruptura,
com o início de um período de “estabilidade” política, cujo panorama
econômico se caracteriza mais por um processo de ajustamento do
plano de estabilização do Governo Castelo Branco.
Para encerrarmos, o mais importante é que o debate existiu e quem se
beneficiou disso foi a sociedade brasileira. A discussão se converteu em um
valioso painel do pensamento econômico que perdurou por várias décadas,
constituindo-se em um valioso registro das idéias que permearam o período.
Para alguns dos autores, a compreensão do desenvolvimento no Brasil tornou-
175
se uma missão de vida, para outros, desvendar os “mistérios” da crise tomou
mais de uma década de incansáveis pesquisas, porém o mais importante é que
os economistas tomaram para si a responsabilidade de registrar e organizar
essas idéias. Se uma ou outra teoria se adequa mais ou possui maior poder
explicativo é irrelevante frente ao fato de que o debate revela um vencedor.
Celso Furtado, não apenas propôs algumas idéias revolucionárias, que
resistiram ao tempo, mas logrou estimular as discussões sobre as questões
econômicas nas ciências sociais e na sociedade em geral. O autor abria suas
obras dedicando-as aos jovens, aos estudantes e às pessoas comuns. O
pioneirismo nos estudos das economias latino americanas rendeu-lhe o
reconhecimento internacional. Todavia, as idéias de Furtado nem sempre
foram, de pronto, reconhecidas por seus pares, tornando-o alvo de críticas e da
discriminação política. Acima de tudo, e de todos, Furtado foi um cientista. Seu
único “pecado” reside na sua posição neutra frente aos acontecimentos
políticos de uma época em que a máxima: “se você não é contra é a favor”
dominava o ambiente. A neutralidade de Furtado custou-lhe alguns anos no
exílio e uma avalanche de críticas após sua passagem pelo Ministério de João
Goulart; o que poderia ter sido um obstáculo, caso o economista não tivesse
por missão interpretar o Brasil. Mesmo nessa ocasião a ciência falou mais alto
do que vaidade e Furtado prosseguiu, produzindo trabalhos que viraram
referência na economia política brasileira e internacional.
176
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HOBSBAWM, E., (2007), Espanha: “El Pais”, 17/11/2007, entrevista,
FGV, www.fgv.com.br,
IBGE, Estatísticas do Século XX, www.ibge.gov.br
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SUMOC, (1961). Boletim mensal da SUMOC: março e julho de 1961. Brasília:
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