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MARIA CONCEIÇÃO DA ENCARNAÇÃO VILLA
AS PRÁTICAS E O DIREITO À SAÚDE: A VIVÊNCIA
DE UMA MULHER COM CÂNCER DO COLO DO Ú-
TERO
CUIA
2008
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3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
MARIA CONCEIÇÃO DA ENCARNAÇÃO VILLA
AS PRÁTICAS E O DIREITO À SAÚDE: A VIVÊNCIA
DE UMA MULHER COM CÂNCER DO COLO DO Ú-
TERO
CUIABÁ - MT
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
V712p Villa, Maria Conceição da Encarnação
As práticas e o direito à saúde: a vivência de uma
mulher com câncer do colo do útero / Maria Conceição
da Encarnação Villa. Cuiabá/MT – 2008.
153p.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de
Mato Grosso, Faculdade de Enfermagem, Programa de
Pós-graduação em Enfermagem, Área de concentração:
Processos e Práticas em Saúde e Enfermagem, 2008.
“Orientação: Prof.ª Dr.ª Wilza Rocha Pereira”.
CDU –614:618.146-006.6
Índice para Catálogo Sistemático
1.
Câncer – Colo uterino
2.
Mulheres – Câncer – Colo uterino – Assistência
3.
Saúde da mulher
4.
Saúde Pública – Mato Grosso
5.
Mulheres – Câncer – Direito à saúde
6.
Mato Grosso – Práticas de saúde
2
MARIA CONCEIÇÃO DA ENCARNAÇÃO VILLA
AS PRÁTICAS E O DIREITO À SAÚDE: A VIVÊNCIA DE
UMA MULHER COM CÂNCER DO COLO DO ÚTERO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem da UFMT
como requisito para obtenção
do Título de Mestre em En-
fermagem.
Área de concentração: Pro-
cessos e práticas em saúde e
enfermagem.
Orientadora: Profª Dr.ª Wilza
Rocha Pereira
CUIABÁ - MT
2008
DEDICATÓRIA
DEDICATÓRIADEDICATÓRIA
DEDICATÓRIA
Ao JOÂO e aos nossos
filhos HENRIQUE e
BRENO: amores da
minha vida
13
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS
A Deus pela vida, pela oportunidade de ter vivenciado os dois
anos de mestrado e por mais esta conquista em minha vi-
da;
Aos meus pais, Januário e Conceição, pelo exemplo de sabedoria,
humildade, fé e simplicidade;
A minha admirada orientadora Profª Drª Wilza Rocha Pereira
pela sua compreensão, motivação, incentivo, ensinamen-
tos e amizade;
A D. Esperança e sua filha por terem me confiado uma parte de
suas vidas para compor este estudo;
Aos amigos inesquecíveis do CERMAC, em especial Norma Ca-
rolina K. Silveira e Nice Ramira Siqueira que souberam,
com competência, suprir minha ausência do serviço, nos
períodos de aula do Mestrado;
A Marize Silva Lima, amiga incondicional, pela paciência em
me escutar nos momentos de angústia;
Aos companheiros da SUVSA, em especial ao Benedito Oscar
Campos pelo apoio num período difícil em que assumi a
Superintendência;
As colegas mestrandas pela gratificante e feliz convivência:
Ana Paula, Patrícia, Débora, Lurdinha, Rosangela, An-
dresa, Inês, Náudia, Cida Milhomem, Cida Silva, Isabela,
Beth, Fabiana e Valdete. Onde quer que estejamos, esta-
remos sempre ligadas pelo compromisso com a saúde pú-
blica ;
A Profª Drª Sonia Ayako Tao Maruyama , Profª Drª Magda
Rojas Yoshioca e Profª Drª Lucia Helena Garcia Penna
pelas valiosas contribuições para a finalização deste tra-
balho;
Aos professores do mestrado e membros do GEPESC e GEPLUS
pela edificação do aprendizado;
Ao CNPq pelo apoio financeiro à pesquisa;
Ao Secretário de Estado de Saúde Augustinho Moro, ao Secretá-
rio Adjunto de Saúde Victor Rodrigues e ao ex Secretário
Adjunto de Saúde Antonio Augusto de Carvalho pela
permissão à minha participação no mestrado e confiança
no meu trabalho;
14
A todos que de alguma forma contribuíram para o resultado
deste trabalho;
Aos que sonham e lutam para construir um Sistema Único de
Saúde igualitário, integral, resolutivo e com o direito à
saúde garantido a toda população.
15
São devagar, não liga com
nada, quero dizer que fica pe-
la última hora, né.”
(D. Espera
(D. Espera(D. Espera
(D. Esperan
nn
a)
ça)ça)
ça)
“Pedir emprestado o olhar
do outro para o seu olhar é o
Método, o resto são ferra-
mentas”
(Emerson Elias M
(Emerson Elias M(Emerson Elias M
(Emerson Elias Me
ee
erhy)
rhy)rhy)
rhy)
16
VILLA, M. C. E. As práticas e o direito à saúde: a vivência de uma mulher com câncer
do colo do útero, 2008. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Curso de Pós-Graduação
em Enfermagem. Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Enfermagem, Cuiabá,
153 p.
Orientadora: Prof ª Dr ª Wilza Rocha Pereira.
RESUMO
Esta pesquisa objetivou compreender como uma mulher vivenciou o processo de
adoecimento e tratamento do evento sentinela câncer do colo do útero, no SUS do
Estado de Mato Grosso, e também compreender o funcionamento dos serviços e as
práticas de saúde. A composição do objeto da pesquisa se baseou nos aspectos sócio-
culturais do câncer, nos aspectos fisiopatológicos e epidemiológicos do câncer do
colo do útero e no arcabouço teórico que embasa o SUS. A pesquisa foi do tipo ex-
ploratório e descritivo e a metodologia foi um Estudo de Caso de cunho qualitativo.
O sujeito da pesquisa foi uma mulher, que transitou durante três anos pelos serviços
de saúde em busca de atenção ao seu problema de saúde. A coleta de dados foi reali-
zada através da História de Vida Focal, utilizando entrevistas não estruturadas e em
profundidade, a análise documental de prontuários e um diário de campo. A análise
foi fundamentada nas teorias de gênero, direito à saúde, direitos humanos, políticas
públicas de saúde e integralidade. As categorias empíricas que emergiram desse es-
tudo foram: a vivência subjetiva do adoecimento e tratamento por câncer do colo do
útero, as formas de organização e a qualidade das práticas de saúde dos serviços de
saúde. Tomando o direito à saúde e a integralidade como princípios norteadores, po-
de-se evidenciar no caso estudado que mais que as formas de organização dos servi-
ços, as práticas de saúde desenvolvidas pelos diferentes profissionais que atenderam
esta usuária, foram responsáveis pelo diagnóstico tardio e pela evolução da doença,
trazendo grande sofrimento individual à usuária, além do aumento desnecessário nos
custos para o SUS. Percebe-se que são os agentes das práticas cotidianas nos serviços
de saúde que parecem não considerar o usuário dos serviços públicos como cidadãos
e sujeitos de direito. E ele próprio como um trabalhador do SUS, não se percebe co-
mo um sujeito de deveres e obrigações para com a preservação da saúde das pessoas
que os têm como a referência para o cuidado à sua saúde. Assim, utilizando o racio-
cínio analógico, intrínseco à metodologia do estudo de caso, percebe-se a disparidade
entre o que está estabelecido como mínimo para a atenção à pessoa com câncer do
colo do útero e a prática concreta estudada, na qual várias questões de cunho ético,
técnico, moral e legal puderam ser identificadas. O desenho do Itinerário Terapêutico
se mostrou como importante ferramenta para avaliar a qualidade dos serviços de saú-
de e o estudo ancorado no evento sentinela permitiu avaliar as práticas de saúde, pos-
sibilitando detectar e corrigir falhas nas formas de organização dos serviços. O estu-
do aponta para a necessidade de se incrementar a participação social dos usuários
para diminuir a relação assimétrica e hierárquica entre estes e profissionais de saúde.
Concluímos que se torna imperativo pensar meios jurídicos rápidos para a não per-
missão legal da materialização de práticas de saúde negligentes, a-éticas e não reso-
lutivas, com a co-responsabilização dos profissionais pelas suas ações ou omissões e
que resultem em danos à saúde de outrem. É um dos caminhos para melhorar a qua-
lidade da atenção à saúde, reforçando os princípios constitucionais e estimulando a
cidadania ativa da população.
Palavras-chave: Câncer do colo do útero; Práticas de saúde; Direito à saúde.
17
VILLA, M. C. E. Las prácticas y el derecho a la salud: la vivencia de una mujer
con cáncer en el cuello del útero, 2008. Disertación (Máster en la enfermería)
Curso del título de másteres en la enfermería, Universidad Federal de Mato Grosso,
Faculdad de Enfermeria, Cuiabá, 153 p.
Orientadora: Prof ª Dr ª Wilza Rocha Pereira
RESUMEN
Esta pesquisa se objetiva a comprender como una mujer vivenció el proceso de en-
fermedad y tratamiento del evento centinela cáncer del cuello del útero, en el SUS
del Estado de Mato Grosso, y también, comprender el funcionamiento de los servi-
cios y las prácticas de salud. La composición del objeto de la pesquisa se basó en los
aspectos socio-culturales del cáncer, en los aspectos fisiopatológicos y epidemiológi-
cos del cáncer del útero y en la estructura teórica que se basa en el SUS. La pesquisa
fue exploratoria y descriptiva y la metodología fue un estudio de caso de cuño cuali-
tativo. El sujeto de la pesquisa fue una mujer, que transitó por tres meses por los ser-
vicios de salud en búsqueda de atención a su enfermedad. Los datos fueron colecta-
dos a través de la Historia de Vida Focal, utilizando entrevistas no estructuradas y en
profundidad, el análisis documental de prontuarios y un diario de campo. El análisis
se fundamentó en las teorías de género, derecho a la salud, derechos humanos, políti-
cas públicas de salud e integralidad. Las categorías empíricas de ese estudio fueron:
la vivencia subjetiva de la enfermedad y tratamiento por cáncer del cuello del útero,
las formas de organización y la calidad de las prácticas de salud de los servicios de
salud. Tomando el derecho a la salud y la integridad como principios orientadores, se
puede evidenciar en el estudio, que más que las formas de organización de los servi-
cios, las prácticas de salud desarrolladas por los distintos profesionales que atendie-
ron la usuaria, fueron responsables por el diagnóstico tardío y por la evolución de la
enfermedad, con esto, trayendo a la usuaria gran sufrimiento y aumento desnecesario
en los cuestos para el SUS. Se percibe que son los agentes de las prácticas del coti-
diano en los servicios de salud que parecen no considerar el usuario de los servicios
públicos como ciudadanos y sujetos de derecho. Y él propio, como trabajador del
SUS, no se percibe como sujeto de deberes y obligaciones para la preservación de la
salud de las personas que se los tienen como referencia para el ciudadano a su salud.
Así, utilizando el raciocinio analógico, intrínseco a la metodología del estudio de
caso, se percibe la disparidad entre lo que está establecido como el mínimo para la
atención a la persona con cáncer del cuello del útero y la práctica concreta estudiada,
en la cual variadas cuestiones: éticas, técnicas, moral y legal pudieron identificarse.
El dibujo del itinerario terapéutico se mostró como importante herramienta para eva-
luar la cualidad de los servicios de salud y el estudio basado en el evento centinela
permitió evaluar las prácticas de salud, posibilitando detectar y corregir fallas en las
formas de organización de los servicios. El estudio apunta para la necesidad de la
participación social de los usuarios, para disminuir la relación asimétrica y jerárquica
entre estos, y los profesionales de salud. Se concluye que tornarse imperativo pensar
medios jurídicos rápidos para la no permisión legal de la materialización de prácticas
de salud negligentes, a-éticas y no resolutivas, con la co-responsabilización de los
profesionales por sus acciones u omisiones y que resulten daños a la salud del otro.
Es uno de los caminos para mejorar la calidad de la atención a la salud, reforzando
los principios constitucionales y estimular la ciudadanía activa de la población.
Palabras-clave:Cáncer del cuello del útero; Práctico de salud; Derecho a la salud.
18
VILLA, M. C. E. The practices and the right to health: the experience of a
woman on cancer of the col of the uterus, 2008. Dissertation (Master’s degree in
Nursing) Post Graduated in Nursing, University Federal of Mato Grosso, College
of Nursing, Cuiabá, 153 p.
Advisor: Wilza Rocha Pereira, Prof Dr
ABSTRACT
This research had as objective to understand how a woman passed through the proc-
ess of sickness and treatment of the sentinel event cancer of the col of the uterus, in
SUS (Sistema Único de Saúde) in the State of Mato Grosso, and also understand the
working process of the health services and practices. The composition of the research
object was based on the cultural and social aspects of the cancer, on the physical
pathological and epidemiological of the cancer of the col of the uterus and on the
theorical reference on which SUS is based. The research was exploratory and de-
scriptive and the methodology was a case study of qualitative matrix. The subject of
the research was the woman, who transited for three years through the health services
in search of attention to her health problem. The datum collection was made through
the History of Focal Life, using non structured and deep interviews, documentary
handbook analysis and a field diary. The analysis was based on genre theory, right to
health, human rights, public politics of health and completeness. The empiricist cate-
gories which poured out of this study were: the subjective experience of sickness and
treatment for cancer of the col of the uterus, the organization ways and the quality of
the health procedures in the health services. Taking the right to health and the com-
pleteness as north principles, we can evidence on the studied case that more than
organization ways of the service, the health procedures developed by the different
professionals who took care of this user, were held responsible for the late diagnosis
and evolution of the sickness, which brought great indiviaudl suffering to the user,
and also the unecessary increase on the expenses for the SUS. We can notice that the
agents of current procedures in the health services don’t seem to consider the user of
the public services as citizens and subjects of right. And him as a worker for the
SUS, can’t perceive himself as a subject of duties and obligations with the health
preservation of the people who have them as referencefor the care of their health.
Thus using the analogical reasoning, intrinsic to the methodology of the case study,
we can notice the disparity between what is stablishedas the minimum for the care of
the person on cancer of the col of the uterus and the concrete practice studied, on
which several ethical, technical, moral and legal issues could be identified. The
drawing of the therapeutical itinerary has showed itself as an important tool to evalu-
ate the quality of the health services, and the study anchored on the sentinel event has
allowed the evaluation of the health practices, which made possible to detect and
correct failures on the organization ways of the services. The study points to the ne-
cessity of developing the social participation of the users in order to decrease the
anti-symmetrical and hierarchic between these health professionals. We conclude
that it becomes imperative to think of legal fast means for the non permission of the
materialization of the the health practices neglected, non ethic and not resolutive,
with the co-responsabilization of the professionals for their actions or omissions and
which results on damages to other people’s health. It is one of the ways to develop
the quality of health care, reenforcingthe constitutional principles and stimulating the
active citizenship of the people.
Key words: Cancer of the Col of the Uterus; Health Practices; Right to Health.
19
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Taxa padronizada de mortalidade por ncer do colo do útero
no ano de 2003............................................................................................
29
Tabela 2 Proporção de óbitos por ncer do colo do útero nos anos de
1996 e 2003.................................................................................................
30
Tabela 3 Taxas ajustadas de mortalidade por ncer do colo do útero
nos anos de 1980 e 2000.............................................................................
31
Tabela 4 Razão entre exames citopatológicos cérvico-vaginais em mu-
lheres de 25 a 59 anos e a população feminina nesta faixa etária, nos
anos de 2002 a 2005....................................................................................
37
20
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Itinerário Terapêutico percorrido por uma mulher com
câncer do colo do útero em Mato Grosso..........................................
84
21
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCO
Colpocitologia Oncótica
CERMAC
Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade
COC
Centro de Oncologia de Cuia
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
FAEn Faculdade de Enfermagem
GPESC Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania
HPV Vírus do Papiloma Humano
HUJM Hospital Universitário Julio Muller
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
INCA Instituto Nacional de Câncer
ISC Instituto de Saúde Coletiva
MS Ministério da Saúde
NIC Neoplasia Intra-epitelial Cervical
ONU Organização das Nações Unidas
PSF Programa Saúde da Família
PSMC Pronto Socorro Municipal de Cuiabá
SISCOLO Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero
SUS Sistema Único de Saúde
TFD Tratamento Fora do Domicílio
UNACON Unidade de Alta Complexidade em Oncologia
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
WHO World Health Organization
15
SUMÁRIO
RESUMO
RESUMEN
ABSTRACT
LISTA DE TABELAS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA...................................................... 17
2. OBJETIVOS........................................................................................
2.1 Objetivo Geral................................................................................
2.2 Objetivos Específicos....................................................................
23
23
23
3. COMPOSIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO.......................................
3.1. Aspectos fisiopatológicos, epidemiológicos e sócio-culturais do
câncer do colo do útero...............................................................
3.2 Organização dos serviços de saúde na atenção ao câncer em
Mato Grosso................................................................................
24
24
38
4. METODOLOGIA E CENÁRIO............................................................
4.1 Caminho Metodológico..................................................................
4.1.1 Tipo de pesquisa..................................................................
4.1.2 O sujeito da pesquisa...........................................................
4.1.3 Coleta de dados...................................................................
4.2 O Estado de Mato Grosso e a BR-163: regiões de saúde e su-
as características........................................................................
4.3 Análise dos dados.........................................................................
4.3.1 Organização dos dados.......................................................
4.3.2 Análise dos dados: um diálogo entre o empírico e o teóri
co..........................................................................................
41
41
41
43
44
48
54
54
57
5. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS E AS PRÁTI-
CAS DE SAÚDE NELES DESENVOLVIDAS....................................
59
6. A VIVÊNCIA DO ADOECIMENTO POR CÂNCER DO COLO DO
16
ÚTERO................................................................................................ 91
7. O DIREITO À SAÚDE E A INTEGRALIDADE COMO PRINCÍPIO
NORTEADOR DAS PRÁTICAS.........................................................
115
8. CONSIDERÕES FINAIS................................................................ 132
REFERÊNCIAS....................................................................................... 138
ANEXOS................................................................................................. 147
17
1.
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
A pesquisa
1
que originou o projeto do qual este estudo faz parte,
tem como objetivo apreender os desafios e perspectivas do Sistema Único de Saú-
de (SUS) em responder à atenção à saúde da população residente nos municípios
da área de abrangência da BR–163, no Estado de Mato Grosso. Esta apreensão
vem sendo feita tanto sob a perspectiva do processo de implementação do Progra-
ma Saúde da Família (PSF) como da materialidade das práticas profissionais, assim
como da lógica de pessoas que buscaram por atendimento no SUS nestes municí-
pios, já com importantes agravos à sua saúde.
Esses agravos denominados eventos sentinela são definidos como
“algo que não deve ocorrer se o serviço de saúde funcionar adequadamente” e a
sua identificação possibilita a investigação para a detecção das falhas que tornaram
o evento possível, visando sua correção para garantir o funcionamento adequado do
sistema de saúde (PENNA, 2006, p. 126).
O evento sentinela é utilizado pelo Ministério da Saúde como indi-
cador para monitoramento da atenção básica à saúde, avaliando o resultado das
ações realizadas pela identificação de situações evitáveis, como doenças complica-
ções, incapacidades e mortes (BRASIL, 2004).
Nesse sentido, a identificação da ocorrência do evento sentinela
serve como um sinal de alerta de que a atenção à saúde deve ser questionada, pois
são problemas de saúde que poderiam ter sido evitados ou minimizados através da
atenção qualificada, de um acolhimento mais cuidadoso e responsável aos usuários
no PSF, considerado como a porta de entrada do sistema de saúde. O acolhimento
somado a uma escuta profissional atenta e que se preocupe em definir ações, en-
caminhamentos e prestar esclarecimentos ao usuário logo no início do aparecimento
do seu problema de saúde, pode evitar muitos sofrimentos pessoais e, também, o
aumento desnecessário – e irresponsável – de custos para o SUS.
1
Projeto de Pesquisa financiado pelo CNPq denominado: Os desafios e perspectivas do
SUS na Atenção à Saúde em municípios da área de abrangência da BR-163 no Estado de
Mato Grosso”
*
realizado em parceria pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC/UFMT) e Facul-
dade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso (FAEn/UFMT), que desen-
volve o Projeto II denominado: “O atendimento aos princípios da integralidade e da resolu-
tividade na atenção à saúde no contexto do SUS na área de abrangência da BR-163, no
Estado de Mato Grosso”, inserido no Grupo de Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania
(GPESC) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Saúde do Hospital Universitá-
rio Julio Muller, através do ofício 235/CEP/HUJM/05.
18
A pesquisa que desenvolvemos apresenta o cruzamento de duas
grandes problemáticas, uma relacionada às formas como os serviços de saúde e as
práticas profissionais são organizadas e se materializam no cotidiano desses serviços
e a outra mais afeita à como o usuário do SUS é compreendido ou não como um
sujeito de direitos pelos profissionais que atuam no contexto do SUS. O direito à saú-
de está assegurado constitucionalmente, mas não se observa o respeito pleno a esse
direito nas práticas cotidianas de muitos dos profissionais que atuam no SUS.
Os princípios do SUS mais enfocados na pesquisa de base foram
aqueles que se referem à integralidade e à resolutividade das ações de saúde em
todos os níveis de atenção e, neste sentido, o Subprojeto II por meio do Grupo de
Pesquisa Enfermagem, Saúde e Cidadania (GPESC) e Grupo de Estudo e Pesquisa
em Consolidação, Gestão do Conhecimento Pluridisciplinar para o Trabalho em Saúde
(GEPLUS) da FAEn, vem analisando vários eventos sentinela tomando estes princí-
pios como referência. Para melhor visualizar as articulações entre os grupos de pes-
quisa e os pesquisadores da FAEn em relação à pesquisa de base, os eventos senti-
nela escolhidos para compor o Subprojeto II foram alguns dos definidos como tal pelo
Ministério da Saúde:
a) crianças menores de cinco anos hospitalizadas pelos eventos sen-
tinela: desidratação, pneumonia e meningite tuberculosa;
b) mulheres hospitalizadas ou em tratamento por câncer do colo do
útero, detectadas a partir do evento sentinela citologia oncótica Neoplasia Intraepitelial
Cervical (NIC) III;
c) adultos hospitalizados pelos eventos sentinela: insuficiência cardí-
aca congestiva descompensada; complicações evitáveis do diabetes mellitus; acidente
vascular cerebral decorrente de hipertensão arterial sistêmica; pessoas com hansení-
ase já apresentando grau de incapacidade II ou III.
A partir desta definição, o Subprojeto II originou vários recortes de
pesquisa que estão sendo executados em conjunto por diferentes pesquisadores,
mestrandos e bolsistas de iniciação científica e do programa de bolsas de voluntários
de pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Fundação de Amparo
à Pesquisa de Mato Grosso (FAPEMAT). Esta experiência vem mostrando a impor-
tância de se criar espaços conjuntos e a ambiência necessária para que a pesquisa se
torne uma atividade cotidiana e prazerosa no contexto do trabalho em saúde e tam-
bém na academia.
19
A minha inserção no mestrado possibilitou-me participar do GEPESC
e do Subprojeto II e, consequentemente, a definição para realizar o estudo sobre mu-
lheres hospitalizadas ou em tratamento por câncer do colo do útero, detectadas a par-
tir do evento sentinela citologia oncótica NIC III. Nesse sentido, o recorte desta pes-
quisa teve como foco compreender, a partir da perspectiva organizacional do SUS,
como os profissionais de saúde de municípios de Mato Grosso, atenderam às neces-
sidades de saúde de uma usuária com câncer do colo do útero, que transitou pelo
SUS nestes municípios com sinais indicativos de câncer do colo do útero, durante
mais de três anos, para ter seu problema diagnosticado e tratado.
A partir desse evento, foi configurado o pressuposto desta pesquisa,
de que os princípios da integralidade e da resolutividade, neste caso, não foram aten-
didos durante o longo processo de busca por atenção. Nesse sentido, se torna impor-
tante compreender como essa mulher redesenhou a configuração e a hierarquia pen-
sada nos diferentes níveis de atenção do SUS ao buscar a resolução para seu pro-
blema de saúde. Ainda, ao longo desta procura, cada pessoa se revela como um su-
jeito que se reconstrói, faz enfrentamentos e cria novos dispositivos para poder sobre-
viver às angústias decorrentes do adoecimento e da busca por tratamento.
O câncer do colo do útero se constitui como um problema de saúde
evitável em aproximadamente 100% dos casos, se detectado precocemente. A sua
evolução é lenta e, na maioria dos casos, se ao longo de dez ou mais anos, pas-
sando por fases facilmente detectáveis por medidas que são rotineiras nos serviços de
saúde. Por ser uma patologia evitável e por ter o seu rastreamento facilmente estabe-
lecido através do exame colpocitológico, e o tratamento ser eficaz quando detectado
precocemente, o câncer do colo do útero deveria ter altos índices de detecção preco-
ce e tratamento com índices baixos de mortalidade.
Mas não foi o que percebi durante os anos em que atuei na função
de gestora no Centro Estadual de Referência em Média e Alta Complexidade (CER-
MAC) que é referência secundária no Estado de Mato Grosso para diagnóstico do
câncer. Tive a oportunidade de observar que para este serviço eram encaminhadas
para confirmação do diagnóstico e planejamento terapêutico do câncer, mulheres ori-
undas de municípios do interior do Estado, muitas em estadio avançado de câncer
do colo do útero, às quais restava um doloroso tratamento além de um prognóstico
restrito, pois às vezes já não havia mais condições de cura.
Além disso, minha atuação há vinte e cinco anos no Sistema Público
de Saúde de Mato Grosso e agora na Superintendência de Vigilância em Saúde, pos-
20
sibilitou conhecer a capacidade das Unidades Básicas de Saúde do Estado, as quais,
em sua maioria, têm estrutura mínima para proceder a coleta do exame colpocitológi-
co que permita rastrear o câncer do colo do útero, e ainda contam com uma rede de
referência organizada e regionalizada para encaminhamento dos casos em que
necessidade de realização de biópsia, colposcopia, tratamento e ainda com referência
laboratorial para a realização dos exames. Em relação à capacitação técnica para este
trabalho, inúmeros cursos de atualização foram realizados para capacitação profissio-
nal, conforme as orientações do Ministério da Saúde (MS), para esta modalidade de
assistência.
Ao analisar os indicadores de morbimortalidade por câncer do colo
do útero no Estado de Mato Grosso, deparei-me com índices não compatíveis com o
desejado, contrariando o fato de que a condição para a sua detecção precoce parece
estar relativamente bem estruturada nos serviços de saúde do Estado.
Diante deste cenário, o objeto de estudo escolhido foi a compreen-
são da vivência de uma mulher com câncer do colo do útero, residente em Marcelân-
dia, município ao Norte do Estado e dentro da área de abrangência da BR-163, ao
percorrer os serviços de saúde em busca por atendimento às suas necessidades de
saúde. Procurei entender também como os profissionais e os serviços de saúde em
que ela foi atendida, responderam ou não à sua necessidade de atenção à saúde,
buscando apreender os motivos pelo qual o seu câncer não foi detectado precoce-
mente.
Para compreender as vivências da usuária, bem como as práticas
dos serviços de saúde, realizei uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo, de
cunho qualitativo, do tipo Estudo de Caso. Este desenho metodológico visa responder
à finalidade primeira da pesquisa, ou seja, compreender a vivência e a trajetória de
uma mulher com câncer do colo do útero no contexto do SUS de Mato Grosso, pois
embora haja o estabelecimento de políticas de atenção nos diferentes níveis de aten-
ção à saúde do SUS, muito claramente definidas através de Leis e Decretos gover-
namentais, nem sempre os resultados encontrados através dos índices de morbimor-
talidade por câncer do colo do útero, no Estado de Mato Grosso, são satisfatórios.
No decorrer do estudo procurei ainda fazer um paralelo entre a ne-
cessidade auto-referida de atenção à saúde e a observação de como as políticas pú-
blicas de atenção ao câncer estão sendo, ou não, colocadas na prática profissional
cotidiana em nosso Estado, visualizando que são preponderantemente as práticas,
por serem realizadas por sujeitos e, portanto, movidos pelas intencionalidades, que
21
podem contribuir para que os serviços de saúde sejam mais permeáveis, acessíveis e
respeitosos com os direitos à vida e à saúde dos usuários do SUS.
O trabalho está estruturado procurando entender as políticas públi-
cas de saúde existentes tais como são claramente expressas pela Lei 8.080/90,
que define os princípios e diretrizes do SUS, enfocando, em especial, as formas idea-
lizadas de funcionamento dos serviços de saúde, e as formas de efetivação destes na
rede pública de saúde do Estado de Mato Grosso. A partir desse entendimento, bus-
quei compreender como essas mesmas políticas de atenção ao câncer são hoje, de
fato concretizadas no cotidiano das práticas e serviços de saúde da região estudada.
Para compor o objeto deste estudo, procurei entender alguns dos
aspectos sócio-culturais que envolvem a compreensão do câncer pelas pessoas que
adoecem desta patologia e também os aspectos fisiopatológicos e epidemiológicos do
câncer do colo do útero, me aprofundando nos mecanismos de evolução da doença e
a sua distribuição populacional e geográfica, levantando as mais recentes estatísticas
sobre a mortalidade, para assim poder compreender melhor o caso estudado.
No capítulo seguinte detalhei o caminho metodológico definido para
este estudo com identificação do tipo de pesquisa, o sujeito, as técnicas e estratégias
da coleta de dados. Caracterizei a região abrangida pela BR-163 no Estado de Mato
Grosso, dando ênfase para os municípios percorridos pela usuária, descrevendo como
neles estão organizados os serviços de atenção ao câncer no Estado de Mato Grosso.
O referencial teórico pensado para analisar os dados foi fundamen-
tado, inicialmente, em uma compreensão mais crítica sobre as políticas públicas de
saúde vistas sob o ângulo dos direitos humanos e dos compromissos éticos dos pro-
fissionais que atuam na rede SUS, bem como nos princípios da integralidade e resolu-
tividade deste sistema. Mas ao avançar na análise dos dados, percebi a necessidade
de outros referenciais que pudessem me ajudar a compreender como a mulher com
câncer do colo do útero, sujeito deste estudo, vivenciou subjetivamente o processo de
adoecimento e como isso repercutiu na sua família, nela própria e nos seus planos e
projetos de vida. Assim, me apoiei também em alguns estudos que me ajudaram a
interpretar os aspectos socio-culturais e as relações de gênero que apareceram de
forma marcante ao longo da pesquisa, nas falas da mulher, sujeito deste estudo.
Três categorias empíricas emergiram dos dados, e a primeira foi a
forma de organização dos serviços de saúde e a prática neles desenvolvida. A segun-
da categoria empírica que trabalhei recaiu sobre a própria vivência do processo de
adoecimento e do tratamento por câncer do colo do útero, por envolver importantes
22
aspectos relacionados ao processo subjetivo do adoecimento por câncer, e a terceira
foi analisar o direito à saúde legalmente constituído, comparando as formas como de-
veriam ser minimamente estruturadas na atenção às pessoas com câncer do colo do
útero e como estas ocorrem no cotidiano do SUS.
A investigação proposta aponta que uma das possíveis contribuições
da pesquisa é a possibilidade de que o estudo de eventos sentinela possa se configu-
rar como uma estratégia valiosa para avaliar a qualidade da atenção à saúde da popu-
lação pelo SUS, pois permite detectar diferentes tipos de problemas ocorridos ao lon-
go do processo de atendimento. É uma estratégia que permite tanto detectar falhas
nas formas de organização dos serviços como implementar medidas corretivas e dire-
cionadas para o problema. Permite, ainda, identificar a qualidade das práticas de a-
tenção dos profissionais que atuam no sistema, evidenciando tudo aquilo que não
deve ocorrer se os profissionais que atuam nos serviços de saúde atenderem aos u-
suários do SUS utilizando de maneira interessada tanto os seus conhecimentos cientí-
ficos como do funcionamento do próprio sistema, melhorando assim a qualidade da
atenção em saúde no nosso país (PENNA, 2006).
Outra possibilidade que esta pesquisa indica é a utilização do Itinerá-
rio Terapêutico como técnica para avaliação da qualidade dos serviços de saúde, po-
dendo abrir caminhos para o seu emprego por profissionais de saúde e gestores, le-
vando a mudança nas formas de planejar e agir em saúde.
Devido ao significativo hiato entre o pensado e o realizado, entendo
ainda que esta pesquisa possa contribuir para os estudos sobre o SUS e seu funcio-
namento, na compreensão de que o direito constitucional à saúde só será efetivamen-
te viabilizado no momento em que nós, profissionais e usuários do SUS, nos envol-
vermos na criação e acionamento de todos os instrumentos legais disponíveis para a
punição de todas as práticas negligentes no âmbito dos serviços públicos de saúde.
23
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Compreender como uma mulher residente no município de Marce-
lândia/ MT vivenciou o processo de adoecimento e tratamento de câncer do colo do
útero para, através dessa vivência e a partir dos princípios da integralidade e resoluti-
vidade, apreender as formas de funcionamento dos serviços de saúde e do desenvol-
vimento de práticas profissionais, no contexto do SUS do Estado de Mato Grosso.
2.2 Objetivos específicos
Compreender como uma mulher com câncer do colo do útero redesenhou
a configuração e a hierarquia nos diferentes níveis de atenção ao buscar
atendimento à sua necessidade em saúde no SUS do Estado de Mato
Grosso;
Compreender o funcionamento dos serviços de saúde e como se desen-
volvem as práticas, a partir dos princípios da integralidade e resolutividade,
na atenção à saúde da mulher com câncer do colo do útero;
Apontar algumas das potencialidades metodológicas do estudo de caso
desenvolvido através de um evento sentinela, para avaliar e intervir, tanto
nas formas de organização dos serviços como nas práticas de saúde neles
efetivadas.
24
3. COMPOSIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO
Para compor o objeto deste estudo, na compreensão da vivência
de uma mulher em seu processo de adoecimento e tratamento por câncer do colo do
útero, e também do funcionamento dos serviços de saúde na atenção a este câncer,
esse capítulo enfocará os aspectos fisiopatológicos e epidemiológicos do câncer do
colo do útero, os aspectos sócio-culturais e a organização dos serviços de atenção ao
câncer no Estado.
O entendimento de como as neoplasias intra-epiteliais cervicais,
consideradas lesões precursoras do câncer do colo do útero, se desenvolvem, e como
se a evolução do câncer do colo do útero, além de seus fatores de risco, permite
compreender o funcionamento dos serviços de atenção ao câncer em todos os níveis.
Além disso, o conhecimento da distribuição da incidência e mortalidade por câncer do
colo do útero no Estado de Mato Grosso e no país, evidencia a importância de buscar
compreender a resolutividade destes serviços.
Os aspectos sócio-culturais que envolvem o câncer são muito mar-
cantes e o seu conhecimento é fundamental para poder compreender a vivência de
uma mulher com câncer, os significados que a doença pode ter e a forma como ela a
enfrenta.
3.1 Aspectos fisiopatológicos, epidemiológicos e sócio-culturais do
câncer do colo do útero
As tecnologias de cura e cuidado na área de oncologia vêm avan-
çando consideravelmente a cada ano que passa, mas o câncer em suas mais varia-
das formas de manifestação ainda é responsável por grande parte das causas de
morte no mundo (WHO, 2006).
De acordo com a World Health Organization (WHO), 13% da morta-
lidade mundial é atribuída ao câncer, morrendo anualmente mais de sete milhões de
pessoas desta doença. Em 1990, as regiões da América Central, América do Sul, Su-
deste Asiático e Leste Europeu foram aquelas com maior incidência de câncer. Pró-
25
ximo do ano 2020, estima-se que existirá mais de 15 milhões de casos novos de cân-
cer por ano. Atualmente, dos 11 milhões de casos novos anuais, 6 milhões, irremedi-
avelmente, resultarão em óbito (WHO, 2006).
As estimativas para os anos de 2008 e 2009 no Brasil, indicam que
ocorrerão 466.730 casos novos de câncer, sendo que os tipos mais incidentes, à ex-
ceção do câncer de pele do tipo não melanoma, serão os cânceres de próstata e de
pulmão no sexo masculino e os cânceres de mama e do colo do útero no sexo femini-
no (BRASIL, 2008).
No Brasil, as taxas anuais de mortalidade por diferentes tipos de
câncer têm se mantido estáveis desde 1985, porém ainda estão muito elevadas em
comparação às estatísticas dos países desenvolvidos e com políticas de prevenção e
detecção semelhantes às nossas. Essa diferença é especialmente evidente para al-
guns tipos específicos de câncer, dentre eles o do colo do útero, foco deste estudo,
principalmente pelo fato de que este tipo de câncer tem uma evolução lenta e, se de-
tectado precocemente, apresenta percentuais próximos de 100% de cura.
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) do Ministério da Saúde (MS)
em suas estimativas de Incidência e Mortalidade /2003 aponta o câncer do colo do
útero como o terceiro mais comum entre as mulheres e como a quarta causa de óbi-
tos por câncer na população feminina. Dentre todos os tipos de câncer, o câncer do
colo do útero vale ressaltar - é o que apresenta um dos mais altos potenciais de
prevenção e cura, quando diagnosticado e tratado precocemente. Seu maior risco de
incidência situa-se entre 40 e 60 anos de idade e apenas uma pequena porcentagem
ocorre abaixo dos 30 anos (BRASIL, 2006 b).
Este tipo de câncer apresenta maior incidência nos países menos
desenvolvidos, pois os programas de prevenção realizados nos países desenvolvidos
têm resultado em uma diminuição na ocorrência de casos novos (BRASIL, 2006 a). O
Estado de Mato Grosso, local de nosso estudo, possui um perfil semelhante na distri-
buição de casos e nas formas de prevenção em relação à média brasileira.
A evolução do câncer do colo do útero, na maioria dos casos se
de forma lenta, passando por algumas fases detectáveis e curáveis, iniciando com
transformações intra-epiteliais progressivas que podem evoluir para uma lesão cance-
rosa invasora, num prazo de 10 a 20 anos. De acordo com o Instituto Nacional de
Câncer dos Estados Unidos, somente 10% dos casos de carcinoma in situ evoluirão
para câncer invasor no primeiro ano, enquanto 30 a 70% terão evoluído decorridos
dez a doze anos, caso não seja oferecido tratamento (BRASIL, 2006 b).
26
A sobrevida média estimada em cinco anos em países desenvol-
vidos, varia de 59 a 69%. nos países em desenvolvimento, os casos de câncer
do colo do útero são encontrados em estadios relativamente avançados e, em con-
sequência, após cinco anos a sobrevida média é de cerca de 49%, equivalente à
média mundial que é de 49% (BRASIL, 2008).
Considerando ser essa doença de crescimento lento e silencioso,
a detecção precoce do câncer ou de lesões precursoras é fundamental, pois a cu-
rabilidade pode chegar a 100%, tendo sua resolução em nível ambulatorial em
grande número de vezes (BRASIL, 2002).
Vários são os fatores de risco identificados para o câncer do colo
do útero, sendo que alguns dos principais estão associados às baixas condições
socioeconômicas, ao início precoce da atividade sexual, à multiplicidade de parcei-
ros sexuais, ao tabagismo (diretamente relacionado à quantidade de cigarros fuma-
dos), à higiene íntima inadequada e ao uso prolongado de contraceptivos orais.
Estudos recentes mostram, ainda, que o vírus do Papiloma Humano (HPV) tem
papel importante no desenvolvimento da displasia das células cervicais e na sua
transformação em células cancerosas. Este vírus está presente em mais de 90%
dos casos de câncer do colo do útero (BRASIL, 2006 b).
Em situações de imunossupressão, tais como tabagismo, cortico-
terapia, Diabetes, Lupus e AIDS, a incidência do câncer do colo do útero está au-
mentada. Isto também ocorre em situações onde há ingestão deficiente de vitamina
A e C, beta-caroteno e ácido fólico, comumente associadas com baixas condições
socioeconômicas (BRASIL, 2002).
A prevalência do HPV na população em geral é alta (5 a 20% das
mulheres sexualmente ativas mostram positividade em testes moleculares) e este
aumento coincide com o aumento do uso de contraceptivos orais, a partir de 1960,
com conseqüente diminuição do uso de outros métodos de barreira, e avanço tec-
nológico nos métodos diagnósticos. São conhecidos atualmente, mais de 200
subtipos diferentes de HPV e cerca de 20 destes possuem tropismo pelo epitélio
escamoso do trato genital inferior (colo, vulva, períneo, região perianal e anal)
(BRASIL, 2002).
Os HPVs são classificados em tipos de baixo e de alto risco de
câncer. Assim, os HPVs de tipo 6 e 11 encontrados na maioria das verrugas geni-
tais (ou condilomas genitais) e papilomas laríngeos, parecem não oferecer nenhum
27
risco de progressão para malignidade, apesar de serem encontrados em pequena
proporção de tumores malignos.
No ano de 1996, foram identificados os tipos 16 e 18 como os
principais agentes etiológicos do câncer do colo do útero, firmando-se cientifica-
mente, pela primeira vez, a indução de um tumor sólido por um vírus. Os vírus de
alto risco (HPV tipos 16, 18, 31, 33, 45, 58 e outros) têm probabilidade maior de
persistirem e estarem associados a lesões malignas. A relação entre o HPV e o
câncer do colo do útero é cerca de 10 a 20 vezes maior do que a relação entre o
tabagismo e o câncer de pulmão (BRASIL, 2002).
Dentre as vacinas em desenvolvimento para prevenir a infecção
por HPV, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer do Ministério da Saúde, a
única liberada para comercialização nos Estados Unidos é quadrivalente, prevenin-
do contra os tipos 6 e 11 presentes em 90% dos casos de verrugas genitais, e con-
tra os tipos 16 e 18, de alto risco de câncer do colo do útero e presentes em 70%
dos casos (BRASIL, 2007 b).
O Brasil poderá incorporar a nova vacina ao calendário anual de
vacinação, implicando um processo de negociação com os laboratórios e a possibi-
lidade de desenvolvimento de métodos de produção da vacina, para que sua incor-
poração no SUS possa se dar na melhor relação custo-benefício, considerando seu
alto custo, a duração de seis meses para o tratamento completo, e o fato de conti-
nuar indeterminada a duração da imunidade conferida pela vacina. Assim, para que
a vacinação seja de fato eficaz, em termos de Saúde Pública, deveria conferir pro-
teção às meninas e adolescentes por várias décadas, mas, até o momento, o tem-
po de proteção conferido pela vacina, de cinco anos apenas, torna preciso delimitar
o seu real alcance sobre a incidência e a mortalidade da doença (BRASIL, 2007 b).
Por outro lado, a adoção da vacina não substituirá a realização ro-
tineira do exame Colpocitologia oncótica (CCO), configurando-se em mais uma es-
tratégia possível para o enfrentamento do câncer do colo do útero, sendo indispen-
sável que o Ministério da Saúde realize estudos multidisciplinares para avaliação
dos impactos técnicos, financeiros e comportamentais (BRASIL, 2007 b).
Segundo o Ministério da Saúde, as principais beneficiadas pela
vacina serão as meninas antes da fase sexualmente ativa; as mulheres deverão
manter a rotina de realização do exame CCO. Mesmo comprovada a eficácia da
vacina e que sua vacinação ocorra em larga escala, a redução significativa dos in-
dicadores da doença pode demorar algumas décadas, embora seja considerada a
28
mais importante novidade surgida no combate ao câncer do colo do útero (BRASIL,
2007 b).
Para entendermos como ocorre o desenvolvimento do câncer do
colo do útero, é preciso rever como se dá esse processo. O colo uterino é revestido
por várias camadas de células epiteliais pavimentosas, arranjadas de forma bastan-
te ordenada. Nas neoplasias intra-epiteliais, esta estratificação fica desordenada.
Quando a desordem ocorre nas camadas mais basais do epitélio estratificado, de-
nomina-se displasia leve ou neoplasia intra-epitelial cervical grau I (NIC I), sendo
que 60% das mulheres com NIC I apresentarão regressão espontânea, 30% podem
apresentar persistência da lesão inicial, e das demais, menos de 10% irão evoluir
para NIC III, com estimativa de progressão para o câncer invasor em cerca de 1%
dos casos (BRASIL, 2002).
Na displasia moderada ou NIC II a desordem avança até os três
quartos de espessura do epitélio, preservando as camadas mais superficiais. Na
NIC III, o desarranjo é observado em todas as camadas. Quando as alterações ce-
lulares se tornam mais intensas e o grau de desarranjo é tal que as células invadem
o tecido conjuntivo do colo do útero abaixo do epitélio, está caracterizado o carci-
noma invasor. Para chegar a câncer invasor, a lesão não tem, obrigatoriamente,
que passar por todas estas etapas. As lesões de alto grau ou NIC III, são conside-
radas como as verdadeiras precursoras do câncer e, se não tratadas, em boa pro-
porção dos casos, evoluirão para o carcinoma invasor do colo do útero (BRA-
SIL,2002).
O tratamento das lesões precursoras do câncer do colo do útero
deve considerar cada caso, variando desde o simples acompanhamento cuidadoso,
a diversas técnicas, incluindo a crioterapia, a conização e a biópsia com laser, a
histerectomia e também a radioterapia. Dependendo do resultado do exame citopa-
tológico diversas condutas são possíveis, desde a simples repetição citopatológica
em 6 meses até um tratamento cirúrgico, passando pela possibilidade de resolução
por meio de um tratamento clínico (BRASIL,2002).
Para avaliar a resolutividade da Atenção ao Câncer, o conheci-
mento da distribuição da incidência e mortalidade é de fundamental importância. Na
Análise de Situação de Saúde publicada pelo Ministério da Saúde em 2005, foi rea-
lizado um estudo comparativo no período de l980 a 2003, e a seguir são mostrados
os resultados do Estado de Mato Grosso, tendo como referência os resultados en-
contrados no país (BRASIL, 2005 b).
29
No Brasil, a taxa padronizada de mortalidade por câncer do colo
do útero apresenta um comportamento variável ao longo do período de l980 a 2003,
oscilando de 4,2 a 4,9 óbitos por 100.000 mulheres. Mato Grosso apresenta cres-
cimento da taxa padronizada, ao longo desse período, com 5,4 óbitos por 100.000
mulheres no ano de 2003 (Tabela 1), sendo essa taxa 14, 8% superior à taxa na-
cional.
Tabela 1 – Taxa padronizada de mortalidade por câncer do colo do útero no ano de
2003
Local de Ocorrência
Taxa Padronizada
MT 5,4
Brasil 4,6
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS e IBGE) Ministério da Saúde – 2005
Analisando a proporção de óbitos por câncer do colo do útero em
Mato Grosso, nos anos de l996 e 2003, observa-se uma diminuição de 4,9% com a
proporção de 68,6% em l996, e 63,7% em 2003. No Brasil a proporção de óbitos
aumentou no mesmo período em 5,4%, variando de 54,3% em l996 a 59,7% em
2003 (Tabela 2). Isto não significa, necessariamente, que houve melhorias nas con-
dições de atenção à saúde da mulher, pode ser decorrente da melhoria do sistema
de informação. Os dados mostram, ainda, que no ano de 1996 a proporção de óbi-
tos por câncer do colo do útero em Mato Grosso foi 14,3% superior à nacional, di-
minuindo essa diferença para 4% em 2003.
30
Tabela 2 Proporção de óbitos por câncer do colo do útero nos anos de l996 e
2003
Câncer do Colo do Útero %
Local de Ocorrência
1996 2003
MT 68,6 63,7
Brasil 54,3 59,7
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS)
Esses dois indicadores de mortalidade por câncer do colo do úte-
ro, mostram o Estado de Mato Grosso em situação desfavorável em relação aos
indicadores apresentados no total do país, embora tenha havido diminuição da pro-
porção de óbitos por câncer do colo do útero de l996 a 2003, como mostra a tabela
2.
Analisando a Taxa de mortalidade por câncer do colo do útero, por
faixa etária, no período de l980 a 2003 (Tabela 3), observa-se que no país essa
taxa se mantém estável para as mulheres com 30 a 59 anos e cresce de modo es-
tatisticamente significativo entre as mulheres com 60 anos ou mais, considerando
os óbitos totais do país neste período.
No Estado de Mato Grosso variação com aumento significativo
na taxa de mortalidade para mulheres com 30 a 59 anos.
31
Tabela 3 Taxas ajustadas de mortalidade por câncer do colo do útero nos
anos de l980 e 2003
Taxa Ajustada
Faixa Etária
Local de Ocorrên-
cia
1980 2003
MT 5,5 7,8
30 a 49
Brasil 6,1 6,0
MT 12,5 22,3
50 a 59
Brasil l4,5 14,5
MT 15,6 l9,3
60 a 69
Brasil 16,8 17,7
MT 24,4 30,1
70 e +
Brasil 21,9 23,1
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) e IBGE
A análise realizada pelo Ministério da Saúde, ressalta que as ta-
xas de mortalidade apresentam crescimento em Mato Grosso, durante todo o perí-
odo avaliado e, em 2003, mostram valores semelhantes aos dos outros Estados da
região Centro Oeste, ocorrendo esse comportamento também para outras causas
de morte, devendo-se principalmente a uma melhora no registro de óbitos no Esta-
do (BRASIL, 2005 b).
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (BRASIL, 2006 a)
utilizar apenas as informações sobre óbito para o conhecimento da ocorrência de
neoplasias malignas não permite o entendimento real da magnitude do problema,
considerando que existem diferenças entre os vários tipos de câncer em função da
letalidade e sobrevida. Para os tumores de maior letalidade, a mortalidade permite
uma aproximação do que seria a incidência, o que não acontece com aqueles de
melhor prognóstico.
32
Com base nesta afirmação, a informação sobre a incidência define
o papel de fatores de risco e estabelece prioridades na prevenção, planejamento e
gerenciamento dos serviços de saúde.
O Ministério da Saúde utiliza métodos que permitem obter a esti-
mativa de casos novos a partir das informações sobre incidência e mortalidade,
oferecendo um quadro geral sobre o padrão de distribuição do câncer para o país e
suas regiões.
O número de casos novos de câncer do colo do útero para o Bra-
sil, em 2008, foi estimado em 18. 680, com um risco estimado de 19 casos a cada
100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não-melanomas, o câncer do
colo do útero é o mais incidente na região Norte (22/100.000). Nas regiões Sul
(24/100.000), Centro-Oeste (19/100.000) e Nordeste (18/100.000) representa o
segundo tumor mais incidente. Na região Sudeste é o terceiro mais freqüente
(18/100.000) (BRASIL, 2008).
As estimativas para o ano de 2008 de número de casos novos por
câncer do colo do útero, segundo localização primária em Mato Grosso, foram de
260 casos novos, segundo o INCA/MS.
A evolução do câncer do colo do útero, na maioria dos casos se
de forma lenta, passando por algumas fases detectáveis e curáveis, iniciando
com transformações intra-epiteliais progressivas que podem evoluir para uma lesão
cancerosa invasora, num prazo de 10 a 20 anos.
O exame citopatológico (CCO) é o mais empregado na detecção
precoce do câncer do colo do útero em mulheres assintomáticas, e por ser uma
técnica de alta eficácia, baixo custo, embora cause desconforto na introdução do
espéculo, é bem aceita pela população e é considerada ideal para o rastreamento
deste tipo de câncer. É importante ressaltar que o diagnóstico citopatológico não é
de certeza, tendo que ser confirmado pelo exame histopatológico, coletado através
de biópsia preferencialmente sob visualização colposcópica (BRASIL, 2002).
A periodicidade do exame CCO nos programas de rastreamento
do câncer do colo do útero adotada pelo Ministério da Saúde é a cada três anos,
após a obtenção de dois resultados negativos com intervalo de um ano.
O Ministério da Saúde realizou, nos anos de 2002 e 2003, um in-
quérito domiciliar, que mostrou que para as 15 capitais analisadas e o Distrito Fede-
ral, a cobertura estimada do exame CCO variou de 74% a 93%, no entanto, o per-
centual de realização desse exame pelo SUS variou de 33% a 64% do total, o que,
33
em parte, explica o diagnóstico tardio e a manutenção das taxas de mortalidade,
bem como as altas taxas de incidência observadas no Brasil (BRASIL, 2006 a).
Embora o acesso ao exame preventivo tenha aumentado no país,
isto não foi suficiente para reduzir a tendência de mortalidade por câncer do colo do
útero, e em muitas regiões, o diagnóstico ainda é feito nos estadios mais avança-
dos da doença. Dentre as possíveis causas para o diagnóstico tardio, os fatores
sócio-culturais exercem grande influência, pois o câncer é uma doença carregada
de significação, sendo visto como algo muito além da sua condição de doença gra-
ve.
Sontag, 1984, define as metáforas de algumas doenças, dentre
elas o câncer, que trazem uma série de associações simbólicas, podendo afetar na
maneira como as pessoas realizam os cuidados preventivos do câncer, como os
doentes enfrentam a doença e também o comportamento de outras pessoas em
relação aos doentes.
Dentre as inúmeras representações associadas ao câncer, a-
quela que o associa a um ser agressivo, pois segundo Sontag,1984, a mais antiga
definição literal de câncer é um tumor, uma inchação ou uma protuberância, e o
nome da doença que em grego se diz karkinos, e em latim se diz câncer, ambos
com o significado de caranguejo, foi inspirado pela semelhança entre as veias intu-
mescidas de um tumor externo e as pernas de um caranguejo. Sontag, 1984, p.17,
relata, que somente com o microscópio foi possível distinguir o câncer como um
tipo de atividade celular e compreender que a doença nem sempre tomava a forma
de um tumor externo ou mesmo palpável“.
O tratamento do câncer propõe terapias agressivas para o corpo,
com indesejáveis efeitos colaterais, numa tentativa de contra-ataque à invasão das
células em franca multiplicação.
Outra imagem associada ao câncer é a de punição. Para Sontag,
1984, p.75, “as noções punitivas da doença têm uma longa história e são particu-
larmente atuantes em relação ao câncer. Existe uma “luta” ou “cruzada” contra o
câncer. O câncer é a doença “assassina”. As pessoas que têm câncer são “vítimas
do câncer”, considerando aparentemente a doença como sendo o réu, cabendo ao
doente também a culpa.
Além da punição, a vergonha também é outro atributo moral asso-
ciado ao câncer. O câncer também é visto como uma doença vergonhosa, além de
uma enfermidade letal, e muitas vezes tratada como um inimigo satânico, princi-
34
palmente em decorrência de geralmente não ser conhecida a sua causa e por ter
seu tratamento apoiado em noções muito diferentes e confessadamente brutais. A
expressão “o tratamento é pior do que a doença” é bastante comum em serviços de
tratamento do câncer (SONTAG, 1984).
Qualquer doença encarada como um mistério, temida e estigmati-
zada pelo seu prognóstico muitas vezes negativo e pelo tratamento agressivo, as-
sim como o câncer, é tida como moralmente contagiosa, sendo carregada de signi-
ficação. Nesse sentido, diz Sontag:
Não é pejorativo ou execrável o fato de estar doente, mas o é o
nome “câncer”. Enquanto uma doença for tratada como uma mal-
dição, e considerada um destruidor invencível, e o simplesmen-
te uma doença, os cancerosos, em sua maioria, se sentirão de fa-
to duramente discriminados ao saber de que enfermidade são
portadores. A solução o está em sonegar a verdade aos cance-
rosos, mas em retificar a concepção da doença, em desmistificá-la
(SONTAG, 1984, p.11).
O câncer poderá perder esse estigma de doença misteriosa, mui-
tas vezes nem dita pelo nome, tratada como “doença ruim”, a partir do momento em
que suas causas sejam conhecidas e que seu tratamento seja eficaz.
A doença é considerada o lado sombrio da vida, como se todas as
pessoas tivessem dupla cidadania, uma relacionada à saúde e outra relacionada à
doença, e em qualquer momento da vida, cada pessoa será obrigada, pelo menos
por um curto período, a identificar-se com o lado da doença, embora todos prefiram
ter saúde.
Nesse sentido, Sontag, 1984, se refere às fantasias inspiradas pe-
la tuberculose no passado, e pelo câncer na atualidade, que constituem reflexos da
idéia de que a doença é inevitável e caprichosa, a despeito de que todas as doen-
ças podem ser curadas, levando em conta a premissa básica da medicina atual. O
câncer se torna misterioso por definição, desempenhando o papel de enfermidade
cruel e furtiva, até que sua etiologia se torne tão clara e seu tratamento se torne tão
eficaz quanto se tornaram a etiologia e o tratamento da tuberculose.
Ainda nos dias atuais, o câncer é carregado de significação, e em
muitos casos o diagnóstico é ocultado ao doente, principalmente pela família, numa
tentativa de poupa-lo de mais sofrimento, sendo considerada uma doença sinônimo
de morte e que deve ser escondida. Essa tentativa de esconder a verdade dos do-
35
entes com câncer, reflete o pensamento de que para as pessoas que estão mor-
rendo, é melhor ser poupada, e a melhor de todas as mortes é a que ocorre quando
estamos inconscientes ou adormecidos (SONTAG, 1984).
As metáforas dos problemas de saúde para Sontag, 1984, trazem
uma série de associações simbólicas, podendo afetar profundamente a maneira
como as pessoas percebem a sua doença e também o comportamento de outras
pessoas, a exemplo do câncer que as fantasias o tornam algo muito além da sua
condição de doença possivelmente fatal. Tais representações se associam aos con-
textos sócio econômicos e, portanto, são compartilhadas entre as pessoas de de-
terminada sociedade.
Neste contexto, a compreensão do processo saúde-doença vai a-
lém da compreensão da doença e seus efeitos sobre o corpo, pois vivenciar a expe-
riência do adoecimento é também desafiar as representações, valores e crenças
compartilhadas entre o grupo. Portanto, a experiência do adoecimento é permeada
pelos significados construídos sócio-culturalmente, e envolve as relações entre os
comportamentos e as crenças com as situações sociais vivenciadas pela pessoa.
Assim, para entender a vivência do adoecimento de uma mulher com câncer do
colo do útero é preciso entender também os significados culturais da doença.
Geertz, 1989, em sua definição de cultura, a assume como as tei-
as de significados e a sua análise como uma ciência interpretativa à procura do
significado, denotando um padrão de significados transmitido historicamente, incor-
porado em símbolos, expresso em formas simbólicas, por meio das quais os ho-
mens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades
em relação à vida.
Para Helman, 1994, a cultura é um conjunto de princípios que
mostram a forma de ver o mundo, de vivenciá-lo emocionalmente, e de comportar-
se em relação às outras pessoas e ao meio ambiente natural, transmitido para a
geração seguinte por meio de símbolos como a linguagem, rituais, e artes. Pode ser
considerada a forma como as pessoas percebem e compreendem o mundo, apren-
dendo a viver dentro dele.
Para compreensão da maneira como as pessoas interpretam seus
problemas de saúde e respondem a eles, a doença deve ser considerada como
parte integrante de uma cultura em particular, podendo ser considerada a resposta
subjetiva ou a maneira como a pessoa interpreta a origem e a importância do even-
to, o efeito deste sobre seu comportamento e relacionamento com outras pessoas,
36
e os caminhos percorridos por ela para resolver a situação. A definição de doença é
estabelecida pelo significado que a pessoa confere a ela, além da experiência pes-
soal do problema de saúde. Tanto o significado conferido aos sintomas quanto a
resposta emocional a estes sintomas, sofrem influência do conhecimento adquirido
e experiências vividas da pessoa doente e sua personalidade, assim como pelo
contexto cultural, social e econômico em que aparecem (HELMAN, 1994).
Nesse sentido, a mesma doença ou sintoma, pode ser interpreta-
do de maneiras diferentes por duas pessoas provenientes de culturas e contextos
distintos, podendo essas diferenças influenciar também seu comportamento poste-
rior e os tipos de tratamento e serviços procurados para resolver o seu problema de
saúde. Assim, cada pessoa vivencia a experiência do adoecimento e se comporta
frente às ações de prevenção de maneira particular.
Entendendo a influência dos fatores sócio-culturais em relação à
adesão da mulher à realização do exame de prevenção do câncer do colo do útero,
e analisando os dados de cobertura deste exame em Mato Grosso, torna-se impor-
tante também considerar os aspectos relacionados aos serviços de saúde e à forma
como os profissionais de saúde buscam informar e conscientizar as mulheres sobre
a necessidade de realizar tal prevenção.
O Pacto dos Indicadores da Atenção Básica realizado desde o
ano de 2002 pelos municípios de Mato Grosso, em seu indicador que avalia a co-
bertura do exame CCO em mulheres de 25 a 59 anos, conforme a Tabela 4, mostra
que houve diminuição do número de exames coletados de 2002 a 2006, e ainda
com o resultado abaixo da meta esperada:
37
Tabela 4 Razão entre exames citopatológicos cérvico-vaginais em mulheres de 25 a
59 anos e a população feminina nesta faixa etária, nos anos de 2002 a 2005
Ano Meta Proposta
Resultado
2002
0,15
0,18
2003
0,23
0,12
2004
0,23
0,15
2005
0,25
0,17
Fonte: DATASUS/MS
O Ministério da Saúde recomenda que toda mulher que tem ou
teve atividade sexual deve submeter-se a exame preventivo periódico, especial-
mente se estiver na faixa etária dos 25 aos 59 anos de idade (BRASIL, 2006 b). Os
índices da Tabela 4 mostram que a realização da prevenção do câncer do colo do
útero, em Mato Grosso, não abrange mulheres na faixa etária prioritária, não aten-
dendo a recomendação proposta pelo Ministério da Saúde, contribuindo, assim,
para a elevação dos indicadores de mortalidade por câncer do colo do útero.
O conhecimento da finalidade do exame CCO influencia as mulhe-
res a realizá-lo, resultando em maior e mais consciente procura, enquanto que a
desinformação sobre a doença e o exame prejudica a mulher na procura pelos cui-
dados preventivos (CHUBACI, 2005). Os fatores sócio-culturais e econômicos, além
da desinformação sobre a doença e sua prevenção, somam-se ainda aos fatores
relacionados à organização dos serviços de saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico tardio pode estar
relacionado à dificuldade de acesso da população feminina aos serviços e progra-
mas de saúde, baixa capacitação dos recursos humanos envolvidos na atenção
oncológica especialmente em municípios de médio e pequeno porte, capacidade do
Sistema Público de Saúde para absorver a demanda que chega às unidades de
saúde, e as dificuldades dos gestores municipais e estaduais em definir e estabele-
cer um fluxo assistencial orientado por critérios de hierarquização dos diferentes
38
níveis de atenção, que facultem o manejo e o encaminhamento adequado de casos
suspeitos para investigação em outros níveis do sistema (BRASIL, 2006 b).
3.2 A organização dos serviços de saúde na atenção ao câncer em Ma-
to Grosso
No Estado de Mato Grosso organização dos serviços em todos
os níveis de atenção, sendo as ações de saúde da mulher uma das responsabilida-
des e ações estratégicas mínimas de atenção básica em que, além do pré-natal e
do planejamento familiar, a prevenção do câncer do colo do útero prevê atividades
de rastreamento, coleta de material para exames de citopatologia e alimentação
dos sistemas de informação. Todos os 141 municípios do Estado têm a responsabi-
lidade de realizar a atenção básica e possuem profissionais treinados para essas
ações.
A Superintendência de Atenção Integral à Saúde da Secretaria de
Estado de Saúde de Mato Grosso é responsável pela estruturação da Rede Esta-
dual de Atenção Oncológica, onde estão inseridos os programas de prevenção e
diagnóstico precoce do câncer e os sistemas de vigilância do câncer e SISCOLO -
Sistema de Informações do Câncer do Colo do Útero. É responsável também pela
condução da Política Estadual de Atenção ao Câncer, planejando, coordenando e
avaliando as ações realizadas no Estado.
Em Resolução aprovada pela Comissão Intergestora Bipartite do
Estado de Mato Grosso em 15 de fevereiro de 2007, foi aprovada a constituição da
Rede Estadual de Atenção Oncológica no Estado de Mato Grosso (MATO GROS-
SO, 2007 b).
As ações de Atenção Básica que compreendem a prevenção e
detecção precoce do câncer do colo do útero estão estruturadas no Estado, e são
realizadas pelas equipes de Saúde da Família, Postos de Saúde, Centros de Saúde
e Policlínicas. Todos os municípios do Estado têm profissionais treinados para cole-
ta do exame CCO com um fluxo estabelecido para encaminhamento do material
coletado para realização do exame no laboratório de referência do Estado em Cui-
abá, o MT Laboratório, quando não o serviço disponível na região de abrangên-
39
cia do município. 24 laboratórios credenciados ao SUS que realizam a citologia,
distribuídos em todas as regiões do Estado.
As ações de Média Complexidade que envolvem consultas espe-
cializadas e exames diagnósticos mais complexos são realizadas nos municípios de
maior porte e que possuem uma rede de serviços mais estruturada, geralmente
referências regionais. No Estado 28 ambulatórios de referência que realizam
colposcopia, sendo 18 com realização de Cirurgia de Alta Freqüência.
A Unidade que oferece maior resolutividade está localizada na
capital do Estado, no CERMAC, onde uma equipe de oncologistas clínicos, gi-
necologistas, mastologistas, urologistas e outras especialidades voltadas para a
confirmação do diagnóstico, estadiamento e encaminhamento para tratamento.
Para as ações de Alta Complexidade as Unidades de Alta
Complexidade em Oncologia (UNACON), na capital do Estado, Cuiabá, sendo 2
UNACONs com Radioterapia, Quimioterapia e cirurgia oncológica, 1 UNACON com
Quimioterapia e cirurgia oncológica e 1 Unidade isolada de Quimioterapia; no muni-
cípio de Rondonópolis, referência da região Sul, 1 UNACON com Quimioterapia e
cirurgia oncológica e no município de Sinop, referência da região Norte, 1 UNACON
com quimioterapia e cirurgia oncológica.
De acordo com a Lei Estadual 8.461 de 10 de març o de 2006,
que estabelece diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do Câncer e
outras providências, em seu artigo 11°, o creden ciamento dos serviços para a
prestação de assistência ao paciente oncológico deve abranger sete modalidades
integradas em estrutura hospitalar que compreende: diagnóstico, cirurgia oncológi-
ca, oncologia clínica, radioterapia e quimioterapia, medidas de suporte, reabilitação
e cuidados paliativos (MATO GROSSO, 2006).
É importante ressaltar que todos os UNACONS são privados, con-
veniados ao SUS, não oferecendo todas as modalidades de tratamento, levando a
usuária a ser encaminhada a vários serviços para completar o tratamento.
Para facilitar e agilizar o acesso da usuária à rede de atenção ao
câncer, na Central de Regulação Estadual uma Central de Regulação Oncológi-
ca, que regula o acesso da população aos serviços, articulando com as Centrais
Regionais de Regulação quando não serviço especializado na Região de ori-
gem. Esta central funciona desde outubro de 2001 e ainda enfrenta dificuldades
para exercer seu papel de reguladora da assistência, pois ainda existem atendi-
mentos não regulados, seja pela procura espontânea da usuária ao serviço hospita-
40
lar ou pela captação da usuária pelo serviço, fato observado por mim no decorrer
de minhas atividades profissionais no CERMAC no período de julho de 2004 a feve-
reiro de 2007.
A Central de Regulação Oncológica tem o objetivo de garantir o
acesso de todo cidadão mato-grossense ao nível de atenção que necessita, estabe-
lecer fluxos, otimizar a capacidade instalada no Estado, autorizar os procedimentos
necessários ao tratamento do câncer, fornecer subsídios ao controle e avaliação do
acesso, da qualidade e da resolutividade da assistência à saúde.
Embora haja fragmentação da Rede de Atenção ao Câncer no Es-
tado, através da Central de Regulação Oncológica facilidade de acesso para
diagnóstico e tratamento, pois esta regulação é diferenciada em relação aos outros
agravos e doenças, tendo uma equipe específica que regula para diagnóstico e
tratamento do câncer, considerando a necessidade de agilidade na maioria dos
casos, pelo desenvolvimento insidioso e agressivo da doença.
Na organização da rede de serviços de atenção ao câncer em Ma-
to Grosso, pode-se observar que fragmentação em vários níveis e em serviços
de alta complexidade que não oferecem todas as modalidades de tratamento, segu-
ramente remetendo a mulher à dificuldade em receber integralmente essa atenção.
41
4. METODOLOGIA E CENÁRIO
4.1 Caminho metodológico
Para Minayo (2004, p. 22) a metodologia é o caminho e o instru-
mental utilizados para abordagem da realidade, incluindo as “concepções teóricas
de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e
também o potencial criativo do pesquisador”.
4.1.1 Tipo de pesquisa
Realizei um estudo exploratório descritivo, de caráter qualitativo,
buscando compreender a lógica utilizada pela mulher com diagnóstico de câncer do
colo do útero, na busca da atenção à sua necessidade de tratamento com o enfo-
que na sua percepção sobre a resolutividade e integralidade das ações de saúde, e
também compreender a lógica da organização da atenção à saúde e das práticas
profissionais de saúde.
A pesquisa qualitativa segundo Minayo (2004), propicia a busca
dos significados da ação humana na construção da história. Demo (2000) enfatiza
algumas características da pesquisa qualitativa: essencialidade, perfectibilidade ,
intensidade, politicidade e dialética.
Para Demo (2000), a essencialidade deriva da etimologia de quali-
tas que, em latim, significa essência, sinalizando horizontes significativos ou subs-
tanciais, mesmo que difíceis de serem mensurados. A perfectibilidade ganha senti-
do quando se fala de qualidade, considerando os conceitos de participação, demo-
cracia, cidadania em que a sociedade será tanto mais perfeita , quanto mais partici-
pativa, sendo a conquista da democracia um ganho quantitativo, nunca perfeita,
mas sempre perfectível. Nesse sentido, considera participação, sinônimo de quali-
dade.
42
A qualidade aponta também para a dimensão da intensidade, nu-
ma perspectiva mais verticalizada do que horizontalizada, “para o melhor e não
para o maior”, com marcas de profundidade, plenitude e realização ( DEMO, 2000,
p.147).
Quando se refere à politicidade, Demo caracteriza a qualidade se
referindo ao ”sujeito capaz de fazer história própria, sugerindo o horizonte funda-
mental da capacidade de “se fazer”, dentro das circunstâncias dadas” (DEMO,
2000, p.148).
Por fim, Demo, 2000, ressalta a dialética da qualidade, em que o
conhecimento visivelmente limitado entende-se como rompedor de limites, agindo
dialeticamente pelo conflito, onde a realidade é desconstruída para depois ser re-
construída.
Para Demo, 2000, p.151, “toda proposta de captação da realidade
(metodologia), está sempre a reboque de teoria na qual se definem os contornos
mais relevantes da realidade” colocando ao pesquisador o desafio de buscar modos
de captação que sejam congruentes com as marcas da qualidade, como exemplo
de sua dinâmica flexível, subjetiva, profunda, intensa e também sendo ideológica e
provisória.
“A pesquisa qualitativa quer fazer jus à complexidade da realida-
de, curvando-se diante dela, não o contrário, como ocorre com a ditadura do méto-
do ou a demissão teórica que imagina dados evidentes” (DEMO, 2000, p. 152).
Compreendo que a pesquisa qualitativa possibilita desvendar a
realidade de uma forma criativa e, ao mesmo tempo, baseada na verdade encon-
trada no sujeito. Como pesquisadora, posso perceber dados evidentes de morbi-
mortalidade que me obrigam a curvar diante da complexidade do sujeito, pois só ele
dar-me-á a resposta para compreensão desse panorama negativo com o qual me
deparei.
Escolhi o Estudo de Caso, como desenho metodológico para res-
ponder ao objetivo da pesquisa, procurando detalhar o caso de uma mulher com
câncer do colo do útero, e assim compreender a sua vivência do processo de adoe-
cimento, a organização dos serviços de atenção ao câncer, as práticas profissionais
de atenção ao câncer, e o alcance da integralidade e resolutividade desta atenção.
Para Bourdieu, 2005, p.32, trata-se de “abordar um caso empírico
com a intenção de construir um modelo (...) trata-se de interrogar sistematicamente
o caso particular”, utilizando o raciocínio analógico, “que permite mergulharmos
43
completamente na particularidade do caso estudado sem que nela nos afoguemos”,
realizando a intenção de generalização, pela maneira particular de pensar o caso.
Para Bourdieu, 2005, o método comparativo irá permitir pensar relacionalmente o
caso particular, tomando como base de apoio as homologias estruturais entre cam-
pos diferentes.
Deslandes, 2004, p.106, afirma que “cada estudo é, em última ins-
tância, uma aproximação da realidade do caso”, e ao compreender o foco do estu-
do, estamos caracterizando, estabelecendo relações e identificando modelos que
estruturam as principais marcas do caso e as suas relações com o contexto onde
está inserido.
Goldenberg, 2004, p.34, vem corroborar com essa afirmação ao
dizer que “através de um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o
estudo de caso possibilita a penetração na realidade social, não conseguida pela
análise estatística”.
Sendo assim, o estudo de um caso em especial e a apreensão de
seus significados proporcionarão através da analogia, a compreensão da realidade
do contexto onde ele se insere.
4.1.2 O sujeito da pesquisa
Realizei busca ativa por mulheres em tratamento ambulatorial
hospedadas em Casas de Apoio ao interior do Estado, mulheres cadastradas pela
Central de Regulação Oncológica e em tratamento, identificando e selecionando
as mulheres moradoras na área de abrangência da BR-163, procedentes dos muni-
cípios de Sinop, Sorriso, Diamantino, Alta Floresta e região, sem limitação de idade.
A Casa de Apoio é o local onde os usuários do interior do Estado
em tratamento ambulatorial do câncer na cidade de Cuiabá, ficam hospedados, por
não haver serviço de referência para tratamento do câncer na região estudada.
Inicialmente fiz uma busca no Centro de Referência de Média e
Alta Complexidade (CERMAC), e por estar trabalhando naquela unidade de saúde
tive acesso à relação de mulheres, que nos últimos três meses, foram atendidas no
Ambulatório de Oncologia para diagnóstico do câncer do colo do útero, selecionan-
do aquelas moradoras nos municípios da região a ser estudada. Anotei o nome de
44
três mulheres, entrei em contato com a Central de Regulação Oncológica e solicitei
uma relação das mulheres em tratamento do câncer do colo do útero, acesso que
me foi facilitado por trabalhar no CERMAC e estar sempre em contato com os pro-
fissionais da Central de Regulação. Recebi por e-mail, uma relação com os nomes
de doze mulheres, onde constavam também o município de origem, telefone, esta-
dio do câncer e nome do serviço onde estavam fazendo tratamento.
Selecionei as mulheres moradoras nos municípios da área de a-
brangência da BR-163 e telefonei para os serviços de tratamento em Oncologia
para saber quais mulheres estavam, efetivamente, realizando tratamento. Dentre
sete mulheres moradoras na área de abrangência da BR-163, três já tinham recebi-
do alta, e quatro se encontravam em tratamento nos diversos serviços. Assim, no
Centro de Oncologia de Cuiabá (COC) encontrei a D. Esperança, inicialmente
identificada no CERMAC, confirmando que ela ainda se encontrava em Cuiabá rea-
lizando tratamento e hospedada em uma Casa de Apoio.
D. Esperança, moradora do município de Marcelândia, nascida em
12 de dezembro de 1964, quando iniciou tratamento do câncer em Cuiabá tinha 42
anos. Estudou até a quarta série do ensino fundamental, não exerce outra atividade
fora do lar, é casada, seu esposo tem 38 anos, estudou até a sexta série do ensino
fundamental e exerce a profissão de serrador em madeireira.
Tem quatro filhos, com idades de 17, 13, 8 e 7 anos, sendo que a
filha mais velha já concluiu o ensino médio. Os três filhos menores cursam o ensino
fundamental em Marcelândia. A única renda familiar de dois salários mínimos é a
do marido.
4.1.3 Coleta de dados
a) Técnicas
A coleta de dados foi realizada através da História de Vida Focal
da mulher selecionada, traçando a retrospectiva da evolução do câncer do colo do
útero e busca por assistência nos serviços de saúde, para o entendimento da lógica
que direcionou este trajeto.
45
A História de Vida apresenta as experiências e as definições vivi-
das por uma pessoa, um grupo, uma organização, como esta pessoa, esta organi-
zação ou este grupo interpreta sua experiência. A História de Vida Focal enfatiza
determinada etapa ou setor da vida pessoal ou de uma organização, que no caso
específico, será a vivência de ser portadora de câncer do colo do útero e ter busca-
do tratamento no serviço público de saúde.
Para Minayo, 2006, a História de Vida nunca será uma verdade
sobre os fatos vividos, mas sim uma versão atribuída pela pessoa que vivenciou os
fatos, contada a partir de sua experiência, conhecimento, visão de futuro e dados
de sua biografia. Pode ser a melhor abordagem para se compreender o cotidiano,
as vivências de um grupo, pessoa ou relações sociais.
No âmbito da pesquisa qualitativa, a História de Vida é conside-
rada um poderoso instrumento “para a descoberta, a exploração e a avaliação de
como as pessoas compreendem seu passado, vinculam sua experiência individual
ao seu contexto social, interpretam-na e dão-lhes significado, a partir do momento
presente” (MINAYO, 2006, p. 158).
Para a apreensão da História de Vida Focal, utilizei a entrevista
não estruturada, que propõe uma interação entre a pesquisadora e a entrevistada,
buscando obter as informações necessárias para compreensão do atendimento aos
princípios da integralidade e resolutividade no percurso empreendido pela usuária
na busca por atendimento às suas necessidades de atenção à saúde.
Minhas impressões durante as entrevistas e também as visitas re-
alizadas foram anotadas em um Diário de Campo, onde foram relatados todos os
contatos feitos com a entrevistada, a forma como ela se comportou durante as en-
trevistas e visitas e a dinâmica da Casa de Apoio onde estas eram realizadas.
Também utilizei na análise documental dados coletados dos
prontuários de D. Esperança, encontrados nos serviços de saúde onde ela foi aten-
dida, observando os resultados de exames e outros documentos referentes ao seu
tratamento encontrados nos prontuários ou por ela guardados. As cópias dos pron-
tuários foram solicitadas aos responsáveis pelos respectivos serviços, considerando
a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitá-
rio Júlio Muller e também a assinatura de D. Esperança no Termo de Consentimen-
to após informação.
46
A apreensão da História de Vida Focal foi iniciada a partir da
questão norteadora: Como se deu a busca por atendimento ao seu problema de
saúde, desde o seu aparecimento até a definição do seu tratamento.
As entrevistas foram gravadas em gravador digital, após autoriza-
ção e consentimento da D. Esperança. O caráter de profundidade que exige a téc-
nica da história de vida focal foi atendido através do retorno à entrevistada para
aprofundamento da coleta de dados, com a realização de entrevistas e encontros
em que também foram registrados dados de observação.
As entrevistas e observações foram realizadas em uma Casa de
Apoio, num total de sete encontros durante o período de quatro meses, consideran-
do que D. Esperança estava no segundo mês de tratamento para o qual permane-
ceu em Cuiabá três meses, retornou ao seu município de origem e, após três me-
ses, retornou a Cuiabá para acompanhamento clínico.
b) Estratégias
Para Minayo, 2006, a entrada em campo para a pesquisa qualita-
tiva deve ser precedida do preparo da forma como descrevê-la ao entrevistado,
como o pesquisador deve se apresentar, merecendo cuidado o estabelecimento do
primeiro contato que possibilita o início de uma rede de relações, produção de uma
agenda e cronograma de atividades posteriores.
Com o número do telefone de D. Esperança anotado no prontuário
do CERMAC, telefonei para o primeiro contato, e quem atendeu foi sua filha, que se
mostrou muito receptiva, e me disse que estavam hospedadas em uma Casa de
Apoio. Identifiquei-me, disse que gostaria de conversar com D. Esperança, ela
prontamente me informou o endereço, e marcamos a primeira entrevista para o dia
10 de fevereiro de 2007, sábado de manhã, pois o seu tratamento era realizado
durante a semana.
Ao chegar à Casa de Apoio, entrei pelo portão principal que se a-
bre para um corredor onde estão os quartos. No terceiro quarto do lado esquerdo a
filha estava na janela e ouviu quando perguntei pela D. Esperança. Ela sorriu e me
chamou para entrar no quarto, e ao entrar no quarto D. Esperança e a filha estavam
sentadas em uma cama de solteiro, que era a cama de D. Esperança, na qual eu
também me sentei após as apresentações iniciais, pois no quarto não havia cadei-
47
ras, somente uma cama, dois beliches e uma estante de aço com os pertences
pessoais das hóspedes.
Naquele primeiro dia encontravam-se no quarto mais duas hóspe-
des, uma em tratamento para coluna, moradora do mesmo município, e outra esta-
va acompanhando o filho em tratamento de câncer, que saíram do quarto ao inici-
armos a entrevista. Expliquei o objetivo do meu trabalho, e porque eu estava lá para
fazer a entrevista. Li para elas o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ex-
plicando os itens, e após todas as informações, perguntei se ela concordava em ser
entrevistada.
D. Esperança aceitou prontamente e assinou o Termo de Consen-
timento, dando a cópia para a filha guardar em sua bolsa. Expliquei que a entrevista
seria gravada no MP3, mostrei a ela como funcionava, embora bastante preocupa-
da, por ser a primeira vez que utilizaria tal tecnologia. Da mesma forma ocorreram
as demais entrevistas e visitas na Casa de Apoio, onde tive a oportunidade de co-
nhecer a rotina da casa e dos hóspedes, e a realidade vivida por eles.
A partir da transcrição e digitação das entrevistas e de sua leitura,
identifiquei as categorias de análise dos aspectos narrados por D. Esperança. Tra-
cei o mapeamento das redes estabelecidas pelo deslocamento de D. Esperança a
o seu tratamento, pela sua ótica e as principais dificuldades encontradas na resolu-
tividade de suas necessidades, na perspectiva do atendimento à integralidade da
atenção, procurando compreender qual a sua interpretação sobre o que seja inte-
gralidade e confrontando, posteriormente, esta visão com aquela dada pela literatu-
ra levantada sobre o tema.
c) Preceitos éticos
De acordo com os preceitos éticos e legais da Resolução
196/CNS/96 a pesquisa maior: “Os desafios e perspectivas do SUS na atenção à
saúde em municípios da área de abrangência da BR-163 no Estado de Mato Gros-
so” teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Saúde do
Hospital Universitário Júlio Muller, através do Termo de Aprovação Ética de Projeto
de Pesquisa de 06 de fevereiro de 2006, sob protocolo Nº 235/CEP-HUJM/05.
48
4.2 O Estado de Mato Grosso e a BR-163: regiões de saúde e suas ca-
racterísticas
O cenário é composto pelos serviços de saúde de todos os muni-
cípios por onde D. Esperança transitou no SUS de Mato Grosso, desde Marcelân-
dia, o município onde mora, Sorriso, o município de referência, até Cuiabá, a capital
do Estado, e onde entram em cena também os profissionais de saúde, gestores e
D. Esperança, sujeito deste estudo.
O Estado de Mato Grosso, situado a Oeste da região Centro-
Oeste do país, com a maior parte do seu território fazendo parte da Amazônia Le-
gal, ocupa uma área de 903.357.908 Km², possuindo uma população estimada, no
ano de 2005, de 2.803.274 habitantes, distribuída por 141 municípios (IBGE, 2007).
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Mato Grosso é de
0,773 e o coloca entre as regiões consideradas de médio desenvolvimento humano,
ocupando a nona posição em relação aos outros Estados do Brasil (PNUD, 2007).
O Estado destaca-se pela grande extensão territorial, e também
pela diversidade étnica e cultural e diversidade biológica com riquezas naturais da
flora, fauna, recursos hídricos e minerais compondo três ecossistemas; o pantanal,
o cerrado e a floresta amazônica. A população do Estado também inclui povos indí-
genas sob variadas denominações e diferentes etnias.
A região Centro-Norte do Estado onde está localizada a Rodovia
Cuiabá-Santarém (BR-163), abriga um dos pólos agrícolas mais produtivos do país,
com destaque para a produção de soja. A área de abrangência da BR–163 no Es-
tado de Mato Grosso, priorizada pelo Plano de Desenvolvimento Sustentável do
Governo Federal, é composta por 35 municípios, cuja ocupação seguiu-se à abertu-
ra da Rodovia no início dos anos setenta, consolidando-se com os projetos privados
de colonização nos anos oitenta (BRASIL, 2005 a).
A Rodovia BR-163 está asfaltada na maioria de sua extensão no
Estado, faltando um pequeno trecho próximo ao Pará. Há 35 municípios localizados
em seu entorno, os quais se beneficiam desta para o escoamento dos seus produ-
tos e para o atendimento de suas demandas básicas, e ainda, a BR-163 acesso
à capital do Estado e também às regiões ao sul do país, configurando-se no ele-
mento estrutural que conecta o Norte ao Sul do Brasil, cortando praticamente todo o
Estado de Mato Grosso.
49
O processo de ocupação da fronteira Oeste teve início no país na
década de quarenta, sendo que até a década de setenta, Mato Grosso apresentava
na região Centro Norte apenas os municípios de Nobres, Diamantino e Chapada
dos Guimarães, os dois últimos com seus limites setentrionais fazendo divisa com o
Pará, num imenso vazio demográfico, ocupado somente pela economia do extrati-
vismo e da auto-suficiência das populações locais (BRASIL, 2005 a).
O Estado de Mato Grosso foi contemplado com recursos de pro-
gramas governamentais, constituindo-se em área preferencial para implantação de
projetos de colonização privada, formando a região Centro-Norte como uma região
tìpicamente caracterizada pela presença de grandes projetos agropecuários, por
áreas de posseiros, por projetos privados de colonização e pela presença expressi-
va de terras indígenas (BRASIL, 2005 a).
O processo histórico de ocupação do Estado também passou pelo
ouro e pelo diamante, quando boa parte dos colonos deixou a agricultura em busca
da fortuna no garimpo, além da indústria madeireira que também se cruza com a
ocupação agropecuária da região.
Na década de oitenta, ganha forte impulso a colonização, resulta-
do da transformação da agricultura brasileira, quando quase todas as terras do Nor-
te do Estado foram entregues aos grupos privados que desenvolveram seus proje-
tos de colonização, originando o crescimento de várias das principais cidades, co-
mo Sinop e Alta Floresta, frutos de investimentos empresariais. Em pouco mais de
vinte anos, nasceram mais de cinqüenta novas cidades, numa corrida para a ex-
pansão da fronteira agrícola nacional (BRASIL, 2005 a).
Na década de noventa, destaca-se a expansão do agronegócio no
cerrado, com grandes grupos econômicos explorando em grande escala a produ-
ção da soja, gerando uma nova configuração territorial no Estado.
Nesse contexto, a cidade de Marcelândia teve início a partir de um
projeto de colonização, tendo sido oficialmente fundada como patrimônio em
07/12/1980, tornando-se distrito em 10/05/1982 e, posteriormente, município em
13/05/1986, sendo o seu nome dado pelo proprietário da colonizadora em homena-
gem ao filho chamado Marcelo (MARCELÂNDIA, 2007).
Marcelândia está localizada a aproximadamente 712 Km² da capi-
tal Cuiabá, está distante de Sinop a 200 Km² pela BR-163, com 110 km² pavimen-
tados, tem como economia a pecuária, agricultura e o extrativismo vegetal, este
último bastante importante na economia do município. Tem uma extensão territorial
50
de 13.043 km² (MARCELÂNDIA, 2007), com uma população estimada, em 2007, de
19.264 habitantes (IBGE, 2007).
O IDH de Marcelância é de 0, 771, considerado como de médio
desenvolvimento humano, ocupando o 28° lugar dentre os municípios do Estado de
Mato Grosso (PNUD, 2007).
A rede de serviços de saúde de Marcelândia, considerada de pe-
queno porte e em gestão plena da atenção básica, possui: 1 Hospital Municipal de
pequeno porte, 4 Unidades de Saúde da Família cobrindo em torno de 60% da po-
pulação, 1 Centro de Reabilitação, 1 Centro de Saúde e 1 Policlínica.
No Estado de Mato Grosso, nos últimos anos tem se intensificado
a regionalização dos serviços de saúde, através da criação dos Consórcios Inter-
municipais de Saúde, da implantação dos Hospitais Regionais e de ações visando à
implantação de serviços com maior resolutividade nos municípios considerados
referência regional. O Consórcios Intermunicipais de Saúde são formados a partir
da junção de um grupo de municípios de uma mesma região que, através da cria-
ção de uma diretoria formada pelos prefeitos e uma secretaria executiva por eles
indicada, realizam a gestão de alguns serviços de saúde no sentido de complemen-
tar a rede de saúde existente na região, principalmente nas ações ambulatoriais de
média complexidade com a oferta de consultas e exames especializados. Os custos
são divididos entre as Prefeituras com uma contrapartida financeira da Secretaria
Estadual de Saúde.
Os Hospitais Regionais situados em municípios sede de microrre-
giões e gerenciados pela Secretaria Estadual de Saúde são hospitais gerais de
médio porte em média com 100 leitos e funcionam como referência para os servi-
ços de saúde da região com serviços de maior complexidade.
Mesmo com a descentralização desses serviços para o interior do
Estado, ainda há um número significativo de usuários que se deslocam para a capi-
tal à procura de tratamento à saúde, especialmente os portadores de câncer, consi-
derando que os serviços especializados de alta complexidade para tratamento com
todas as modalidades estão concentrados em Cuiabá, e recentemente em Rondo-
nópolis (Região Sul) e Sinop (Região Norte).
A Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso em seu Plano Di-
retor de Regionalização (PDR) baseado no conceito de ser umInstrumento que se
fundamenta na conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à
saúde por meio da organização do ordenamento do Processo de Regionalização no
51
Estado em Regiões e Microrregiões”, tem por objetivo garantir a integralidade da
assistência e o acesso da população aos serviços e ações de saúde de acordo com
suas necessidades (MATO GROSSO, 2007 a).
O PDR define a Região de Saúde como a base territorial de pla-
nejamento da atenção à saúde de acordo com as especificidades de cada Estado
considerando características demográficas, sócio-econômicas, geográficas e epi-
demiológicas, ofertas de serviços, relações políticas, podendo conter uma ou um
conjunto de Microrregiões. E em Mato Grosso estão definidas cinco regiões de sa-
úde: Leste, Centro-Norte, Norte, Oeste e Sul.
Microrregião é um espaço territorial, geograficamente delimitado,
que contém um conjunto de municípios e um Escritório Regional de Saúde, aten-
dendo os requisitos de contigüidade entre os municípios, garantia de acesso geo-
gráfico, de transporte, sócio-cultural, capacidade instalada da rede de atenção à
saúde, capacidade de gestão, capacidade de pactuação e articulação na região e
um município Pólo que concentra ações e serviços de maior complexidade, repre-
sentando papel de referência para os outros municípios.
Módulo Assistencial é o espaço de organização da assistência à
saúde capaz de garantir, além da atenção básica, o acesso com qualidade aos pro-
cedimentos e serviços no primeiro nível de referência (cirurgia ambulatorial, labora-
tório, RX, Fisioterapia, Ultra-Som, Internação em Clínica Médica, Pediátrica, Gine-
cologia e Obstetrícia Parto Normal). Considera-se Município Sede de Módulo, o
município com capacidade de oferta da totalidade de serviços com suficiência para
atender sua população e a de outros municípios a ele adstritos (MATO GROSSO,
2007 a).
De acordo com o PDR de Mato Grosso, o município de Marcelân-
dia está configurado como Módulo Assistencial, pela capacidade de sua rede de
serviços em saúde, e tem como referência o município de Colíder como Sede de
Módulo, juntamente com os municípios de Itaúba, Nova Canaã do Norte, Nova
Guarita e Nova Santa Helena, compõem a Microrregião Norte pertencente à Região
Norte (MATO GROSSO, 2007 a).
Na Região Norte, além da Microrregião Norte, há as Microrregiões
Alto Tapajós, Teles Pires e Vale do Peixoto. Antes da última atualização do PDR,
ocorrida em 2006, o município de Marcelância pertencia à Microrregião Teles Pires,
tendo sido feita a alteração através da Pactuação Programada Integrada realizada
em fóruns regionais entre as Secretarias Municipais de Saúde, Escritórios Regio-
52
nais de Saúde, Consórcios Intermunicipais de Saúde e a Secretaria Estadual de
Saúde.
O Hospital Regional de Colíder é a primeira referência para o mu-
nicípio de Marcelândia, garantindo os serviços de média complexidade e alguns
procedimentos de alta complexidade, e algumas referências são encaminhadas
para Sorriso ou Cuiabá, como foi o caso de D. Esperança, pois o serviço de refe-
rência secundária para o câncer ainda não está estruturado em Colíder (MATO
GROSSO, 2007 a).
A distância de Marcelândia a Sorriso é de aproximadamente 350
Km², com um grande trecho de estrada não pavimentada, e de Marcelândia a Colí-
der a distância é de aproximadamente 170 Km², também com um trecho de estrada
não pavimentada, o que mostra ser mais fácil e perto o acesso para referência de
Marcelândia a Colíder.
O município de Sorriso, onde D. Esperança também foi atendida,
foi igualmente originado através de projeto de colonização privada, com a maioria
de sua população migrante dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa
Catarina, tendo sido transformado em Distrito em 26/12/1980, em Sub Prefeitura
em 20/03/1982 e em município em 13/05/1986 (SORRISO, 2007), na mesma data
que Marcelândia.
Sorriso possui uma área de 10.480 Km², população estimada para
2007 em 55.121 habitantes (IBGE, 2007), e está distante da capital Cuiabá aproxi-
madamente 412 Km². É o maior produtor de grãos do Brasil, sendo responsável por
17% da produção do Estado (SORRISO, 2007). É a cidade do Estado com o maior
IDH, que é de 0,824, classificado como de alto desenvolvimento humano (PNUD,
2007).
Considerada uma cidade de médio porte, com uma rede de servi-
ços em saúde melhor desenvolvida que Marcelândia, possui 14 Unidades de Saúde
da Família, Centro de Especialidades, um Hospital Municipal de pequeno porte e,
além de outros serviços, possui um Hospital Regional Estadual, referência para a
região em serviços de média e alta complexidade.
Devido à expansão e o crescimento recente da região Centro-
Norte do Estado de Mato Grosso, com muitos municípios novos e de pequeno porte
e a dificuldade de fixação de profissionais de saúde especializados causada pela
grande distância da capital, ainda falta a ampliação, estruturação e qualificação da
53
rede de serviços em atenção à saúde, o que contribui para o grande afluxo da po-
pulação para o município de Cuiabá em busca dessa atenção.
O município de Cuiabá, diferente de Marcelândia e Sorriso, foi fun-
dado em 1719, pelos bandeirantes, devido à descoberta do ouro. Foi elevado a
cidade em 17/09/1818, em capital da província, em agosto de 1835, e em 1909,
teve o reconhecimento como Centro Geodésico da América do Sul. Possui uma
área de 3.984 km², e sua economia está centralizada no comércio e na indústria,
com destaque para a agroindústria (CUIABÁ, 2007).
O IDH de Cuiabá é 0,821, ocupando a segunda posição no Esta-
do, depois de Sorriso, considerado de alto desenvolvimento humano (PNUD, 2007),
com uma população estimada, para o ano de 2007, em 527.113 habitantes (IBGE,
2007).
Após a década de setenta, com a divisão territorial do Estado de
Mato Grosso, Cuiabá teve acelerado o seu desenvolvimento com grande ampliação
da urbanização, estando sediado nesta capital o Centro Político Administrativo Es-
tadual.
A rede de serviços de saúde conta com uma rede Hospitalar e
Ambulatorial, que além de atender a população do município, é referência para os
municípios que compõem a Microrregião da Baixada Cuiabana nos serviços de mé-
dia complexidade, e referência para todos os municípios do Estado nos serviços de
alta complexidade, alguns exames de apoio diagnóstico, a exemplo da ressonância
magnética, e também consultas ambulatoriais em algumas especialidades, a exem-
plo da oncologia.
Embora tenha uma rede de serviços estruturada, ela não conse-
gue dar conta da demanda, e convive com a baixa resolutividade dos serviços de
atenção básica, assim como outros municípios do Estado, além de receber um
grande aporte de pessoas oriundas do interior para atenção à saúde.
Todo o fluxo de referência para consultas especializadas, exames
de apoio diagnóstico, internações hospitalares e encaminhamento para tratamento
fora do domicílio (TFD), é regulado pela Central de Regulação, que em Cuiabá é
gerida pela Secretaria Estadual de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde de Cui-
abá, e também pelas Centrais Regionais de Regulação geridas pelos Escritórios
Regionais de Saúde, que são instâncias estaduais presentes nas diversas regiões
do Estado.
54
Embora haja um sistema de informação que procura organizar to-
da a demanda por atenção à saúde, a Central de Regulação não consegue ser
permeável a todas as necessidades da população, seja pela baixa capacidade de
oferta de serviços, ou seja, pela pouca resolutividade da atenção prestada nos di-
versos níveis. Além desse sistema formal de regulação, ainda atendimentos por
demanda espontânea ambulatorial no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, que
teoricamente deveria atender somente casos de urgência e emergência.
4.3 Análise dos dados
4.3.1 Organização dos dados
Seguindo a metodologia descrita por Minayo, 2007, procedi a or-
denação dos dados coletados, separando-os em diário de campo, entrevistas e
documentos referentes ao atendimento nos serviços de saúde. Após a leitura flutu-
ante, por várias vezes, dos textos, procurei encontrar aspectos relevantes, levan-
tando vários questionamentos e as idéias centrais transmitidas pelos dados e falas
de D. Esperança. No segundo momento, realizei a leitura transversal, recortando as
entrevistas e o Diário de Campo em unidades de sentido agrupadas pela seme-
lhança ou aproximação.
Inicialmente as unidades de sentido que resultaram da leitura
transversal das observações relatadas no Diário de Campo foram:
Relação mãe-filha
Vivência na Casa de Apoio
Itinerário Terapêutico
Tratamento do câncer e seus efeitos colaterais
Saudade de Casa e distância da família
As unidades de sentido que surgiram da leitura transversal das
entrevistas buscando perceber ligações entre si e também com relação às minhas
observações, foram assim agrupadas:
55
Percepção da doença
Manifestação do corpo
Prevenção do câncer
Funcionamento e resolutividade do Serviço de Saúde
Contexto social e familiar
Diagnóstico e tratamento do câncer
Regulação e acesso à atenção ao câncer
Crença em Deus e expectativa de cura
Itinerário Terapêutico
Relacionamento com outros doentes e vivência na Casa de
Apoio
Preocupação e temor com a doença
Sofrimento com a doença e tratamento
A análise documental através dos prontuários também foi minu-
ciosamente elaborada, buscando ligações com essas unidades de sentido para
maior compreensão e interpretação dos dados e construção das categorias empíri-
cas.
Fiz um detalhamento da atenção à saúde dispensada a D. Espe-
rança nos serviços de Atenção Básica, de Média e de Alta Complexidade, identifi-
cada nas entrevistas e na análise documental dos prontuários e resultados de exa-
mes, tecendo questionamentos à luz dos preceitos teóricos sobre gênero, câncer,
cultura, direito à saúde, integralidade e resolutividade da atenção, de tal forma que
pudesse compreender como a organização da rede de serviços de saúde na área
de abrangência da BR-163, no município selecionado, respondeu às demandas de
atenção ao câncer do colo do útero de um sujeito concreto.
O material empírico composto pelas entrevistas, diário de campo e
documentos deve ser considerado o ponto de partida e o ponto de chegada da
compreensão e da interpretação, provocando um movimento circular entre o empí-
rico e o teórico, o concreto e o abstrato, o particular e o geral (MINAYO, 2007).
56
Partindo deste movimento circular entre o empírico e o teórico, os
dados foram organizados considerando os aspectos mais relevantes e significati-
vos, finalizando assim a construção e definição das categorias empíricas que são
consideradas conceitos classificatórios através dos quais a realidade é pensada de
forma hierarquizada, na busca de encontrar unidade na diversidade e produzir ex-
plicações e generalizações, constituindo termos carregados de significação (MINA-
YO, 2007).
Nesse sentido, as categorias podem ser separadas em categorias
analíticas e categorias empíricas. As categorias analíticas retêm historicamente as
relações sociais fundamentais como classe social, gênero, etnia, faixa etária e ou-
tras, servindo como guias teóricos e balizas para o conhecimento de um objeto,
comportando vários graus de generalização e aproximação. As categorias empíri-
cas são construídas a partir da compreensão do ponto de vista dos sujeitos da pes-
quisa que possibilitam desvendar relações específicas destes sujeitos, emergem da
realidade e, ao mesmo tempo, da sensibilidade e acuidade do pesquisador que as
compreende e valoriza à medida que desvenda a lógica interna do objeto pesquisa-
do, e ainda descobre e explora expressões, criando outros conceitos (MINAYO,
2007).
Ao construir as categorias empíricas busquei compreender e a-
preender a realidade de D. Esperança, e de acordo com Minayo, 2007, p. 179, per-
ceber “que elas são saturadas de sentido e chaves para compreensão teórica da
realidade em sua especificidade histórica e em sua diferenciação interna”.
Para Demo, 2001, p.47 b, os conceitos teóricos são utilizados co-
mo um instrumento para realizar a análise e para propiciar o encontro meticuloso
com a realidade, pois “o contato absolutamente necessário com a realidade concre-
ta se faz ainda melhor, quando devidamente cercado pelos devidos cuidados teóri-
cos”.
Partindo dessa concepção, e fundamentada nas categorias teóri-
cas de gênero, câncer e aspectos sócio-culturais, direito à saúde, direitos humanos
e dos usuários do SUS, resolutividade e integralidade da atenção à saúde, busquei
compreender a realidade vivida por D. Esperança através dos dados coletados,
traçando e interpretando as categorias empíricas que foram emergindo dos dados.
57
4.3.2 Análise dos dados: um diálogo entre o empírico e o teórico
Por atuar no Serviço Público de Saúde muitos anos e por co-
nhecer profundamente a lógica da organização destes serviços, a análise pode ter
sido contaminada pela “ilusão da transparência” assim denominada por Bourdieu,
pela minha familiaridade com o objeto como se a realidade encontrada fosse bas-
tante óbvia. Foi muito importante o aprofundamento nas teorias que deram susten-
tação a essa análise, para procurar entender os significados da vivência de D. Es-
perança e seu processo de adoecimento, e também lançar um novo olhar sobre o
funcionamento dos serviços de saúde já tão conhecidos.
Considerando que uma rede de atenção ao câncer estruturada
no Estado, onde todas as Unidades Básicas de Saúde estão preparadas para fazer
a detecção precoce do câncer do colo do útero através do exame Colpocitologia
Oncótica (CCO), conforme informação da Superintendência de Atenção Integral à
Saúde da Secretaria Estadual de Saúde, depois da coleta de dados para a pesqui-
sa fiz alguns questionamentos: O que aconteceu de errado? Quem foi negligente?
Onde está o problema central para que o câncer de D. Esperança não tivesse sido
diagnosticado precocemente e tratado sem que ela tivesse que enfrentar o doloroso
tratamento com Quimioterapia, Radioterapia, Braquiterapia, além do sofrimento por
ter ficado longe da família?
Desses questionamentos e da análise dos dados emergiram três
categorias empíricas:
a) os serviços de saúde e seu funcionamento, analisando o ideal e
o real, o pensado idealmente e concretizado através da vivência de D. Esperança e
dos documentos que relatavam a sua passagem pelos serviços, quando procurou
por resolutividade ao seu problema de saúde e também do detalhamento do seu
Itinerário Terapêutico;
b) a vivência do adoecimento por câncer do colo do útero, onde
foram exteriorizadas as vivências subjetivas do sofrimento, as reações, resistências
e negações ao processo de adoecer, ter sido traída pelo marido, ser amparada pela
filha adolescente, perder as próprias referências fora da sua cidade, estabelecimen-
to de novos laços em novos espaços com outros usuários e se fortalecendo através
desses laços, querer outra vida buscando soluções para a vida marital em um mo-
mento de aguda fragilidade provocada pelo câncer e pelo tratamento;
58
c) uma análise sobre o direito à saúde e os direitos à saúde da
mulher, enfocando os princípios fundamentais do SUS e a sua efetivação na práti-
ca, principalmente o princípio da integralidade como princípio norteador.
Essas três categorias de análise estão imbricadas e a integralida-
de e a resolutividade permeiam todas as análises, embora a resolutividade tenha
sido focada na primeira categoria e a integralidade na terceira categoria.
59
5. AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS E AS
PRÁTICAS DE SAÚDE NELES DESENVOLVIDAS
Diante de todos os dados encontrados, considerei importante analisar
o funcionamento dos serviços de saúde, através da narrativa de D. Esperança e do
detalhamento de todos os documentos, desde o seu prontuário no PSF até o prontuá-
rio do CERMAC onde concluiu o diagnóstico e foi encaminhada para tratamento. Os
documentos foram analisados em ordem cronológica evidenciando todo o percurso
percorrido por D. Esperança, o tratamento de uma Neoplasia Intraepitelial Cervical
Grau III, as idas e vindas ao PSF com a queixa de sangramento, o tempo levado até o
agravamento de seu estado, com uma anemia severa e a presença do câncer invasivo
do colo do útero, até o efetivo tratamento.
Procurei comparar as formas idealizadas de atenção à saúde e a rea-
lidade encontrada neste estudo, fundamentada nos protocolos de prevenção, diagnós-
tico e tratamento do câncer do colo do útero propostos pelo Ministério da Saúde e
analisando as práticas de saúde e a sua resolutividade.
As palavras de D. Esperança mostram a dificuldade encontrada para
que o profissional de saúde identificasse a causa do sangramento vaginal persistente,
já percebido por ela como algo anormal em seu corpo:
Falava que era normal. Isso aqui é normal fia, por causa que tava na
idade de parar, né...Aí eu ficava naquela...Esperando..Aí a hemorra-
gia ficou forte né. o doutor...na última hora também... (D. Esperan-
ça).
Seu relato e a leitura dos prontuários evidenciam a grande distância
existente entre o que está assegurado como direito, e o que de fato acontece nas
práticas dos serviços de saúde.
D. Esperança, não tinha dificuldade de acesso ao Posto de Saúde,
principalmente por morar bem próximo ao PSF e também pela cidade ser pequena,
antes do funcionamento deste PSF, já havia na cidade outra Unidade Básica de Saúde
não muito longe de sua residência. Seus dois primeiros filhos nasceram no Estado de
Rondônia, onde morava, e os dois últimos filhos nasceram em Mato Grosso, no muni-
cípio de Marcelândia, onde ela fez pré-natal e os levava ao Posto de Saúde para vaci-
nação e consultas médicas quando ficavam doentes.
60
No prontuário de D. Esperança existente no PSF próximo de sua re-
sidência há poucos registros, sendo que no período de quatro anos, há oito anotações
de atendimento, com pouquíssimas informações. O primeiro registro em 21/08/2002 é
de uma consulta médica por queixa de dor no membro inferior esquerdo, coxa e joe-
lho, com piora nos movimentos, onde consta, além desta queixa, a medicação prescri-
ta e indicação de calor local. Nota-se em todas as anotações médicas e de enferma-
gem, o mínimo de informações, com relatos pobres e vazios.
Em relação à quase inexistência de anotações e registros por parte
do médico e da enfermagem, questiono se é por falta de hábito, falta de tempo, por
desconhecerem a importância das anotações ou então deixam de registrar as infor-
mações para não se comprometerem. Além disso, o nome do profissional escrito de
forma ilegível e sem carimbo, contraria o que é estabelecido pelos conselhos profis-
sionais.
Segundo o Ministério da Saúde, a mulher em situação de risco pode
ser identificada durante a consulta ginecológica, na realização de uma anamnese diri-
gida, investigando quando foi a última coleta do exame citopatológico e qual o resulta-
do do exame. A presença de sangramento fora do período menstrual normal deve ser
investigada, além de sangramento vaginal após relação sexual. Também o estado de
nutrição deve ser avaliado, pois a desnutrição está associada a um aumento de inci-
dência de câncer do colo do útero, sendo importante também que se questione o seu
grau de instrução e como ela se alimenta (BRASIL, 2002).
Considerando que no PSF um médico generalista, podendo ser
especializado em qualquer área da medicina, e também considerando que a preven-
ção e controle do câncer do colo do útero fazem parte das ações da Atenção Básica
realizadas pelo PSF, este profissional deveria estar preparado para realizar o rastrea-
mento deste agravo, o que não é evidenciado pelas anotações da consulta realizada,
onde só foi tratado o motivo que originou a ida à Unidade de Saúde e ainda com regis-
tro bastante deficiente no prontuário.
No dia 23/08/2002 um primeiro registro relacionado ao câncer do
colo do útero, que informa apenas ter sido colhido o exame CCO, com anotações da
enfermagem, não informando o resultado do exame das mamas ou do exame físico
realizado pela enfermagem, e nem das orientações prestadas sobre os procedimentos
realizados conforme descrito a seguir:
Anotação da idade: 37 anos e da realização da coleta do “preventivo
e exame das mamas”, feita pela enfermagem (Leitura do prontuário
do PSF).
61
Importante ressaltar que segundo D. Esperança essa foi a primeira
vez que colheu o exame CCO, aos 37 anos de idade, depois de já ter tido quatro filhos
e, provavelmente, ter sido atendida inúmeras vezes em Unidades de Saúde, tanto em
Mato Grosso como em Rondônia, onde morava anteriormente. Apesar de o exame ter
sido realizado tardiamente, e também da deficiência dos registros, ressaltamos a sua
realização pela enfermagem.
O exame CCO foi coletado em 23/08/2002, e a liberação do laudo foi
feita pelo Laboratório em Cuiabá em 04/12/2002, três meses e quinze dias depois,
tempo esse decorrido entre o trajeto do exame do PSF para a Secretaria Municipal de
Saúde, a seguir para o Escritório Regional de Saúde e deste para o Laboratório de
Referência em Cuiabá. Soma-se a esse tempo do trajeto do exame, o prazo para rea-
lização do exame, considerando uma grande demanda de exames naquele período
centralizados em Cuiabá por ainda não haver número suficiente de Laboratórios cre-
denciados descentralizados no interior do Estado.
O resultado deste exame provavelmente foi encaminhado para o
PSF, onde D. Esperança foi chamada para ser encaminhada para tratamento no Hos-
pital Regional de Sorriso, referência no tratamento secundário para a região perten-
cente ao seu município, mas não registro em seu prontuário a esse respeito. En-
contramos cópia deste primeiro exame e o registro de consulta para tratamento no seu
prontuário no Hospital Regional de Sorriso, no dia 07/02/2003, cinco meses e quatorze
dias após a sua coleta, tendo provavelmente demorado dois meses, após a liberação
do laudo, para que este fosse encaminhado ao PSF e ter sido agendada a consulta de
referência. O Ministério da Saúde preconiza que o exame CCO esteja pronto no prazo
de 30 dias (BRASIL, 2002).
O resultado do exame revela alterações em células epiteliais esca-
mosas, e indica a realização de Colposcopia:
Laudo do Exame Citopatológico do Colo do Útero. Data da coleta:
23/08/2002. Data da liberação do laudo: 04/12/2002 Resultado do
exame: Alterações celulares Benignas Reativas ou Reparativas, In-
flamação, Metaplasia Escamosa. Microbiologia: Gardnerella vaginalis.
Alteração em células epiteliais: células escamosas – NIC III (Displasia
acentuada/carcinoma in situ) Observações gerais: REFERIR COL-
POSCOPIA (Anexo ao prontuário do Hospital Regional de Sorriso)
O câncer do colo do útero surge a partir de uma lesão pré-invasiva,
(anormalidades epiteliais conhecidas como displasia e carcinoma in situ ou diferentes
62
graus de NIC), que normalmente progride lentamente, por anos, antes de atingir o
estágio invasor da doença, quando a cura se torna mais difícil, quando não impossível
(BRASIL, 2006 b).
Por ser uma técnica de alta eficácia, a citopatologia é considerada
ideal, na nossa população, para o rastreamento do câncer do colo do útero, sendo o
diagnóstico de não certeza, tendo que ser confirmado pelo exame histopatológico. A
realização da biópsia deve, preferencialmente, ocorrer sob visualização colposcópica,
para confirmação, pois os casos de carcinoma invasivo são precedidos por uma série
de lesões, as neoplasias intra-epiteliais cervicais, que podem ser detectadas e trata-
das, o que mostra o caso de D. Esperança (BRASIL, 2002).
Na Neoplasia Intraepitelial Cervical–NIC III (displasia intensa ou car-
cinoma in situ), as alterações de diferenciação celular atingem toda a espessura epite-
lial de revestimento do colo, desde a superfície até o limite da membrana basal em
profundidade, sendo que essas lesões são chamadas lesões de alto grau (BRASIL,
2002).
Não sintomas específicos nem características clínicas que indi-
cam a presença de NIC, que é identificada pelo exame microscópico das células cer-
vicais em um esfregaço citológico corado pela técnica de Papanicolaou. As alterações
de células individuais são avaliadas, o que permite sua classificação, o que implica em
desafios consideráveis e subjetividade na notificação de achados, sendo extremamen-
te importante a experiência do citologista na notificação final (IARC, 2007).
De acordo com a Nomenclatura Brasileira para laudos cervicais e
condutas preconizadas, a conduta para resultados de CCO como o de D. Esperança,
com presença de células escamosas NIC III (carcinoma in situ), é o encaminhamen-
to para Unidade de Referência de Média Complexidade para colposcopia imediata, e
caso a colposcopia mostre lesão, uma biopsia deve ser realizada com recomendação
específica a partir do laudo histopatológico (BRASIL, 2006 c), o que podemos com-
provar ter sido realizado conforme registros no prontuário do Hospital de referência em
Sorriso.
No prontuário do Hospital Regional de Sorriso, são registradas qua-
tro consultas médicas, com anotações sobre os resultados dos exames e sobre as
condutas e tratamento, num período de um ano, dois meses e quinze dias e com re-
sultados de uma Colposcopia, uma Biopsia, e três CCO, conforme descrito a seguir:
07/02/2003 - Informa o resultado do CCO realizado em 23/09/02: NIC
III. Anotação do exame do colo: Colo s/ectopia c/ sangramento oriun-
do OCE. Anotação da conduta: TTO. Informa referir para CCO, Col-
63
poscopia e Biopsia (Leitura do Prontuário do Hospital Regional de
Sorriso).
Não há outras informações sobre o tratamento realizado, orientações
feitas a D. Esperança, anamnese ou exame físico. Também não carimbo médico,
apenas uma assinatura que não permite identificar o nome do profissional. Na próxima
consulta realizada dois meses depois, as anotações se restringem apenas à realiza-
ção dos exames de acompanhamento da lesão do colo uterino:
04/04/2003 - Informa a coleta do CCO e Colposcopia (Leitura do
Prontuário do Hospital Regional de Sorriso).
Além dessas anotações, um desenho esquemático do colo do ú-
tero informando três locais onde foi realizada a Biópsia, com a presença de pontilhado
e vasos. Anexo ao prontuário, encontramos o resultado desta Colposcopia:
04/04/2003 - Indicação: NIC III. Descrição Macroscópica: Colo nor-
mal. Achados Colposcópicos normais: Cisto de retenção e Vasos.
Zona Iodo-Negativa. Achados colposcópicos anormais: Pontilhado.
Descrição/Conclusão: colposcopia com achados atípicos. Sugestão:
Colhido biopsia e CCO (Relatório de Colposcopia).
A Colposcopia permite a visibilização do colo através do colposcópio.
Após a aplicação de soluções de ácido acético e lugol, para avaliar os epitélios do
trato genital inferior e orientar biópsias, permite localizar as lesões pré-malignas e o
carcinoma que afetam esses epitélios. As alterações compatíveis com NIC exibem
lesões morfologicamente variadas em mosaico, pontilhado, epitélio branco, leucopla-
sia e vasos atípicos, podendo haver lesões isoladas ou multicêntricas com variações
de espessura, contorno, relevo e alterações vasculares, constituindo elementos de
avaliação (BRASIL, 2002).
Na colposcopia de D. Esperança foram encontradas lesões atípicas
em pontilhado, tendo sido também colhida biopsia e outro CCO.
Não no prontuário registro de algum tratamento ou procedimento
realizado além dos exames, mas de acordo com o protocolo de condutas do Ministério
da Saúde, “quando a colposcopia for satisfatória e mostrar lesão totalmente visualiza-
da e compatível com a citopatologia sugestiva de lesão intra-epitelial de alto grau”,
64
como mostrados nos exames de D. Esperança, a conduta recomendada é a excisão
ampla da zona de transformação do colo do útero, por Cirurgia de Alta Freqüência
(CAF), procedimento “Ver e Tratar” que permite realizar o diagnóstico e tratamento
simultâneo” (BRASIL, 2006, p. 36c).
Todas as mulheres com NIC II e NIC III, devem ser tratadas com
Crioterapia ou Cirurgia de Alta freqüência (CAF), devendo ser cumpridos rigorosamen-
te os protocolos de conduta, com agendamento de consulta de seguimento, depois do
tratamento, podendo ser dada alta, se a consulta de seguimento não revelar evidência
colposcópica ou citológica de doença persistente, podendo ser recomendado o retorno
à atenção básica para acompanhamento do rastreamento através do CCO (IARC,
2007).
Nas anotações do prontuário do dia 07/02/2003 registro de reali-
zação de tratamento, sem informar qual, mas nas Unidades de Referência do Estado
de Mato Grosso, o procedimento padronizado é a CAF, que permite a excisão das
lesões e da zona de transformação na sua totalidade, utilizando corrente elétrica de
radiofrequência, sendo o tecido comprometido encaminhado para exame anatomopa-
tológico.
O resultado do CCO realizado na consulta de acompanhamento, a-
nexado ao prontuário, mostra evolução satisfatória da lesão:
04/04/2003 - Data da coleta: 04/04/2003. Data da liberação do laudo:
07/06/2003. Conclusão: Alteração celulares benignas reativas ou re-
parativas. Inflamação, Metaplasia escamosa, reparação. Microbiolo-
gia: Cocos, bacilos. Alteração em células epiteliais: em células esca-
mosas Atipias de significado indeterminado. Observações gerais:
esfregaço espesso purulento (Laudo do CCO).
A conduta preconizada pelo Ministério da Saúde nos casos de célu-
las escamosas com atipias de significado indeterminado, se a biópsia for negativa,
deverá ser realizada nova citologia em 3 meses a contar da data da última coleta
(BRASIL, 2006), o que aconteceu com D. Esperança, conforme resultado negativo da
biópsia:
11/04/2003 - Macroscopia: Três fragmentos pardo-claros e com mu-
cosa medindo entre 0,6 e 0,3 cm. Uma cápsula, vários fragmentos,
incluindo todo o material. Microscopia: Espécimes representados por
mucosa tipo ecto e endocervical. O epitélio estratificado não ceratini-
zado apresenta núcleos redondos, nucléolos pequenos, cromatina
delicada e citoplasmas amplos. Focalmente ninhos de epitélio em
corte oblíquo no córion, com alterações regenerativas e exocitose de
65
neutrófilos. O córion apresenta leve infiltrado inflamatório mononucle-
ar. O epitélio tipo endocervical não apresenta atipias. Diagnóstico: e-
pitélio escamoso com alterações regenerativas focais e processo in-
flamatório agudo. Nota: Não sinais de malignidade neste material
que foi examinado em cortes seriados e aprofundados (Laudo do E-
xame Anátomo-patológico).
Conforme recomendações do Ministério da Saúde, o resultado da bi-
opsia se impõe, sempre que haja lesão colposcópica, independente do laudo citológi-
co de repetição (BRASIL, 2006 c). D. Esperança retornou ao Hospital Regional de
Referência em Sorriso seis meses após para nova consulta médica, com registro no
prontuário apenas do resultado da biópsia e da coleta de CCO:
08/10/2003 - Informa o resultado da Biopsia de colo uterino: Epitélio
escamoso com alterações regenerativas focais e processo infl. Agu-
do. Informa a conduta: Novo CCO (Leitura do Prontuário do Hospital
Regional de Sorriso).
Nessa consulta de seguimento, foi avaliado o resultado da biópsia
que não mostrou sinais de malignidade, e colhido novo CCO para nova avaliação e
orientação da conduta. Embora seja uma consulta de seguimento, e o protocolo de
condutas preconizado pelo Ministério da Saúde esteja sendo seguido, notamos pou-
cas anotações, não permitindo outras informações a respeito de D. Esperança, que se
resume a um colo de útero. Esse reducionismo está presente em todos os registros do
prontuário, a mulher é vista somente como um pedaço do seu corpo que está doente,
evidenciando a não integralidade da atenção, ao mesmo tempo em que D. Esperança
vivencia o processo de entrada no sistema de cuidado profissional, a linguagem bio-
médica, os resultados em siglas e uma alteração grave em seu sistema reprodutivo
com o diagnóstico do câncer.
O resultado do CCO mostra que foi realizado em laboratório de refe-
rência da região, com o resultado sendo liberado 2 meses depois da coleta, mostran-
do positivamente que, quando se organiza as referências regionais, há maior agilidade
pelo fato de o serviço estar sendo realizado mais próximo do usuário:
08/10/2003 - Data da coleta: 08/10/2003. Data da liberação do laudo:
30/12/2003. Alterações celulares benignas reativas ou reparativas. In-
flamação. Metaplasia escamosa.Reparação. Microbiologia: Lactobaci-
los. Observações gerais: leve cariomegalia. Sem hipercromasia
(Laudo do CCO).
66
O resultado do CCO indicando reparação decorre de lesões da mu-
cosa com exposição do estroma e pode ser determinado por quaisquer dos agentes
que determinam inflamação. É geralmente a fase final do processo inflamatório, mo-
mento em que o epitélio está vulnerável à ação de agentes microbianos e em especial
do HPV, e a conduta clínica deve ser o seguimento de rotina de rastreamento citoló-
gico (BRASIL, 2006 c).
Seguindo o acompanhamento do resultado do CCO, a consulta foi
realizada após seis meses, quando foram anotados no prontuário, provavelmente os
achados considerados importantes, com a presença de inflamação e cariomegalia
(núcleo celular com proporções gigantescas, relacionado a um processo irritativo),
levando-a a discutir o caso com outro profissional, mas não registro da conduta
seguida, pois este é o último registro encontrado no prontuário:”resultado do CCO:
Inflamação e cariomegalia sem hipercromasia e conduta: Colher novo CCO e discutir
o caso com outra médica do serviço” (Leitura do prontuário do Hospital regional de
Sorriso).
O resultado do último CCO colhido, cujo resultado foi liberado após
um mês de sua coleta, também está anexado ao prontuário:
23/04/2004 - Data da coleta: 23/04/2004. Data da liberação do laudo:
24/05/2004. Conclusão: Alteração celulares benignas reativas ou re-
parativas. Inflamação, Metaplasia escamosa, reparação. Microbiolo-
gia: Lactobacilos (Laudo do CCO).
Não registro de alta e de orientações feitas para D. Esperança,
que em seu relato diz ter feito tratamento no Hospital Regional de Sorriso, três a-
nos atrás:
Cada vez que eu ia fazer tratamento em Sorriso, eu colhia preven-
tivo né. Tiraram um pedacinho do meu útero pra fazer exame. a
Doutora falou que não tinha mais nada não (D. Esperança).
Quando perguntei a D. Esperança sobre o que ela achou com rela-
ção ao atendimento recebido no Hospital Regional de Sorriso, ela respondeu:
Em Sorriso eu achei bom. (...) Ah! O atendimento eu achei mais rápi-
do. Se preocupa mais com a gente. Chega, já faz o que tem que fazer
na hora né, assim né. Achei mais bom (sic), mais legal, o atendi-
mento mais rápido (D. Esperança).
67
Na avaliação de D. Esperança o atendimento foi resolutivo, pois a-
tendeu à sua necessidade de tratamento, foi rápido e ela foi bem atendida observando
a preocupação e atenção dos profissionais com o seu problema de saúde.
Conforme o resultado do último CCO e da boa evolução do seu a-
companhamento clínico no Hospital de Referência, D. Esperança foi referenciada para
o PSF, para realizar o rastreamento a cada 6 meses, de acordo com o protocolo do
Ministério da Saúde e orientação médica por ela descrita.
Após a última consulta em Sorriso, registro no prontuário do
PSF após 11 meses. Não encontrei documento de contra-referência, somente o relato
de D. Esperança de que deveria colher o preventivo a cada seis meses para acompa-
nhamento no PSF de seu município.
O retorno de D. Esperança ao PSF, segundo registro no prontuário
pelo médico, foi por queixa de leucorréia, não informando se foi solicitada coleta de
CCO para seguimento, considerando o seu histórico de lesão do colo do útero anteri-
or, conforme leitura do prontuário:
Anotações da enfermagem: Id- 38 a Peso 64 Kg PA 100/60 e
anotação do médico: Leucorréia (Leitura do prontuário do PSF).
Não anotação de exame clínico, anamnese, conduta e tratamen-
to. Também uma assinatura sem carimbo, e a única palavra escrita pelo médico é
leucorréia, revelando profundo descaso com a saúde de D. Esperança e desconheci-
mento sobre a necessidade de realização do rastreamento pelo CCO a cada seis me-
ses para esse caso em específico.
Para Mendes, 2002, um dos obstáculos à implantação do PSF no
Brasil, é a não adequação em qualidade e quantidade dos profissionais de saúde en-
contrados no mercado, que são colocados na linha de frente da atenção primária à
saúde sem o preparo adequado para agir como generalista com uma visão geral e
integral da pessoa assistida, sem uma retaguarda de serviços pela falta de hierarqui-
zação e efetivação dos serviços de referência e sem educação permanente monitora-
da e avaliada continuamente.
Koifman, (2006), em seus estudos sobre a educação médica brasilei-
ra destaca o despreparo dos profissionais recém-formados para atuarem na comple-
xidade do sistema de saúde, compreendendo sua gestão com a ação do controle so-
cial”, e afirma ainda que “o perfil dos novos profissionais repete formas inadequadas
68
de relação com os usuários e revela pouca capacidade de cuidar de pessoas e coleti-
vos”, o que coloca o PSF em situação de fragilidade, pois vemos na prática que para
os profissionais médicos que ainda não ingressaram na residência médica, uma das
opções vem sendo a atuação no PSF, como forma de adquirir experiência, e ter um
emprego bem remunerado até a possibilidade de ingressar na residência. Essa é uma
realidade que constatei atuando por vários anos na gestão da rede básica de saúde
do município de Rondonópolis/MT, onde havia uma rotatividade muito grande de pro-
fissionais médicos no PSF, pois ficavam ali até conseguirem ingressar na residência
ou em um trabalho que melhor lhes remunerasse.
Em relação à formação em saúde e mais especificamente à forma-
ção dos médicos, Koifman, 2006, p. 2, diz ainda que “reproduz uma visão mais cen-
trada nas técnicas biomédicas que nos valores da saúde coletiva ou formas ampliadas
de compreensão da saúde e do cuidado”, citando o exemplo de que “as aprendiza-
gens iniciais sobre o acolhimento dos usuários nos serviços terminam substituídas
pela reprodução de uma imagem serviços de saúde com tratamento impessoal e, mui-
tas vezes, autoritário”.
Para Mendes, 2002, os recursos humanos formados pelas universi-
dades são preparados para o modelo convencional, com base nas especialidades e
para a atenção a eventos agudos em sistemas de serviços de saúde fragmentados,
assim corroborado por Koifman, 2006, em sua afirmação de que na cultura acadêmica
a concepção de saúde que ainda ocupa o lugar hierarquicamente superior é a hospita-
locêntrica e centrada em procedimentos, com a lógica instrumental, fragmentação,
superespecialização e consumismo de conhecimentos em detrimento do olhar coletivo
e humanizado, ao que acrescento, centrado no usuário e em suas necessidades.
Em complementação às afirmações de Mendes e Koifman sobre as
dificuldades de adequação dos profissionais médicos para sua atuação, principalmen-
te na atenção básica que é a porta de entrada do sistema de saúde, nos reportamos
ao município onde mora D. Esperança, distante 713 Km da capital do Estado, com
uma população de 18.634 habitantes, que como os outros municípios distantes da
capital, tem muita dificuldade em fixar profissionais médicos pela grande distância dos
centros formadores e por não oferecerem atrativos tecnológicos, estruturais e/ou fi-
nanceiros.
Feitas essas considerações, mesmo com todas as dificuldades apre-
sentadas, a pobreza do registro no prontuário, além de demonstrar despreparo, suge-
re desinteresse em realizar uma consulta resolutiva e centrada nas necessidades de
69
D. Esperança. Do ponto de vista da integralidade da atenção, podemos considerá-la
inexistente em todos os aspectos, como veremos nos próximos registros no dia
08/02/2006:
Anotação da enfermagem: Id: 40 a Peso: 59 Kg PA 80/60 e anota-
ção do médico: Micose e o nome de dois medicamentos para trata-
mento da micose (Leitura do prontuário do PSF).
Consulta realizada provavelmente por causa de uma micose, mas
não outras informações, nem a respeito da micose, e nem a respeito do acompa-
nhamento das alterações do colo do útero. Também não registro da enfermagem
sobre a coleta de novo exame de CCO para controle. Segundo D. Esperança, ela ia
ao PSF para colher o exame preventivo, mas toda vez que ia colher sangrava, e ela
voltava para casa sem fazer o exame:
Por causa que eu parei de fazer preventivo (sic). Porque sempre
que eu ia fazer tava sangrando. Sempre que marcava pra fazer, que
a moça marcava, não dava certo. naquele momento, e pa-
rava.(...) Tem as enfermeiras. São as enfermeiras que colhem. Pedi-
am, eles pediam direto, mas... Por causa de por o aparelho, né.
não conseguia. Podia ta boazinha, boazinha. ia por o aparelho né,
descia, não podia né. A enfermeira falava que com sangue não
pode né. Eu passava uns dias, voltava e era a mesma coisa... (D. Es-
perança).
Não registro da enfermagem no prontuário a respeito da tentativa
de coleta do CCO e a sua não realização por sangramento, mostrando que tanto a
enfermeira quanto o médico não deram importância ou desconheciam a necessidade
da realização do rastreamento pelo CCO, a cada seis meses. O sangramento infor-
mado por D. Esperança e sua procura por atendimento no PSF, são comprovados
pelo registro no prontuário no dia 24/04/2006:
Anotação da enfermagem: Id: 41 anos e anotação do médico: Metror-
ragia (leitura do prontuário do PSF).
Não registro de exame clínico, conduta e tratamento, bem como
não assinatura e nem carimbo do médico. Dois anos depois de o último exame
CCO ter sido realizado e depois do tratamento e acompanhamento na Unidade de
70
Referência em Sorriso, D. Esperança procura o PSF por metrorragia, conforme o re-
gistro no prontuário, e mesmo assim não foi colhido novo CCO, e nem feito encami-
nhamento para o Ginecologista ou para a Unidade de Referência o que poderia, de
imediato, identificar qualquer alteração no colo do útero.
“A mulher com situação de risco pode ser identificada durante a con-
sulta ginecológica e deve ser acompanhada de maneira mais freqüente. Na anamnese
dirigida é importante investigar quando foi a última coleta do exame citológico e qual o
resultado do exame” (BRASIL, 2002, p. 25).
As mulheres com neoplasia invasiva do colo uterino com freqüência
podem apresentar: hemorragia intermenstrual, hemorragia pós-coito, fluxos menstru-
ais mais intensos, corrimento seroso purulento excessivo, corrimento de odor fétido,
cistite recorrente, urgência miccional e aumento da frequência urinária, dor nas costas
e dor abdominal no quadrante inferior (IARC, 2007).
Observamos que nas vezes em que se consultou no PSF, uma vez
foi por leucorréia e outra por metrorragia, já podendo mostrar indícios do câncer.
Os médicos precisam, na anamnese, “buscar os significados associ-
ados à experiência da doença para que possam construir uma terapêutica diferencia-
da para cada um de seus pacientes”, pois é a partir da narrativa de doenças que os
pacientes se comunicam com os profissionais de saúde. “O paradigma biomédico, não
inclui uma compreensão integral sobre o que as pessoas sentem e vivem em torno de
seu adoecer” (GOMES, 2002, p.119).
A possibilidade de ouvir o que D. Esperança vivenciava com os
constantes episódios de sangramento e de que forma isso afetava sua vida pessoal,
familiar e social, poderia levar a um maior interesse em investigar a causa desse pro-
blema. O momento da consulta médica pressupõe uma interação e, além do exame
físico e dos exames de apoio diagnóstico, a escuta das queixas e também o levanta-
mento dos fatores de risco que poderiam estar associados a um sangramento vaginal,
configuram elementos importantes e que foram desconsiderados neste caso, confor-
me observamos nas anotações do prontuário.
As anotações seguintes no seu prontuário não são claras, dificultan-
do a compreensão do motivo que originou a consulta no dia 30/05/2006:
Anotação da enfermagem: Idade: 42 anos; PA: 100/60; Peso: 59.50
Kg e uma anotação do médico, desta vez com carimbo e assinatu-
ra, mas não consigo entender a letra (Leitura do prontuário do PSF).
71
Após quatro meses, no dia 18/09/2006, ela procura novamente o
PSF onde faz nova consulta médica, desta vez a anotação médica é inexistente:
Anotação da enfermagem: Id: 42 anos. esta anotação de en-
fermagem, não outros registros ou outras informações que pos-
sam mostrar o que ocorreu (Leitura do prontuário do PSF).
Foram registros de mais duas vezes que D. Esperança procurou o
PSF, mas sem registros que mostrem mínimamente qualquer atenção prestada à sua
saúde, cinco meses depois de ter sido consultada por metrorragia. A seguir, D. Es-
perança procura o PSF, um mês depois, mais uma vez com a única anotação de me-
trorragia:
Anotação da enfermagem: Id: 42; PA: 110/70 e anotação do médico:
Metrorragia (Leitura do prontuário do PSF).
Não há registro de exame clínico, conduta e tratamento. Logo abaixo
da assinatura e carimbo do médico outras anotações, que suponho sejam de outra
consulta, mas não há data.
três palavras escritas, mas não consigo entender a letra, sendo
que a terceira palavra parece ser climatério. Abaixo está escrito: “Q: Sangramento”
(provavelmente queixa por sangramento), e mais uma palavra não legível, e abaixo
está escrito: “Iniciada Hormonioterapia”, mostrando desconhecer a gravidade do caso
de D. Esperança. Não encontrei no prontuário nenhum resultado de exame sobre do-
sagem hormonal ou encaminhamento para o ginecologista para melhor investigação
sobre as queixas por ela apresentadas.
D. Esperança, também relatou que tinha sangramento nas relações
sexuais, o que poderia ter sido identificado na consulta médica se houvesse a “escuta”
por parte do profissional, quando ela diz: “era naquela hora, depois parava. que
não doía” (D. Esperança).
Relatou ainda, que foi várias vezes ao PSF com muito sangramento,
e o médico dizia que era normal, que ela estava entrando na menopausa, passava
alguns medicamentos, o sangramento parava e dias depois voltava novamente:
Sangramento. que não era hemorragia, mas vinha bastante. Não
sentia dor, nem nada. perdendo sangue sem parar, parecia um
chuveiro... Mas o médico falava que era normal, né, eu ficava na-
72
quela . Por causa que ia parar pra mim (sic), já tinha ligado. (D.
Esperança).
Além dos registros encontrados nas Unidades de Saúde, anotei os
registros de encaminhamentos e exames que estavam no prontuário do CERMAC,
para poder compreender todo o caminho percorrido por D. Esperança até o diagnósti-
co do câncer e o início do tratamento em Cuiabá.
um relatório de alta do Hospital Municipal de Marcelândia, em
31/10/2006, onde consta diagnóstico inicial de Metrorragia, com medicação e solicita-
ção de Ultrasom. Não registro do dia inicial da internação, ocorrendo a alta 15 dias
após a última consulta realizada no PSF, levando a supor que o sangramento não
parou e se agravou, culminando na internação hospitalar.
O Ultrasom foi realizado no dia 09/11/2006, no Hospital Municipal de
Marcelândia, com o resultado constando massa tumoral do colo uterino medindo 7,80x
6.96x 7,42, volume de 210 cm
³
, hiperecogênico, concluindo Ca de colo do útero, com
um sinal de interrogação. também uma ficha de referência com encaminhamento
para consulta especializada no Serviço de Oncologia do CERMAC, com data de
11/11/2006 onde o motivo do encaminhamento é Tu colo útero, metrorragia intensa e
cor anêmica. Informa ainda a conduta adotada de reposição sanguínea e tratamento
conservador. Anexado ao encaminhamento está o resultado da Colposcopia realizada
em 04/04/2003 no Hospital Regional e um resultado de Hemograma realizado em
29/10/2006 com hemáceas 2.600.000/mm
³
, hematócrito 22% e hemoglobina 6,5 g/dl,
indicando uma anemia acentuada.
Ele falou que eu tinha problema no útero. Que eu tinha que vir enca-
minhada pra Cuiabá, que eu tinha que tirar o útero. De todo o jeito eu
tinha que tirar, senão... Que eu não ia agüentar outra hemorragia. (...)
Falou, traz a mulher pra bater o Ultra-som, traz ela (sic) né... por-
que o sangramento não parava né. Falou que era urgente, que tinha
que vir pra Cuiabá. Falou que tinha problema no útero, que tinha que
tirar fora. Que era urgente, se eu não viesse logo aqui pra Cuiabá, eu
não ia agüentar mais (D. Esperança).
Depois de quase três anos do tratamento realizado no Hospital de
referência em Sorriso, D. Esperança, já com anemia grave, foi hospitalizada por causa
da hemorragia, mas só foi levada em conta a possibilidade do câncer do colo do útero,
depois que ela, insistentemente, pediu para ser feito um Ultra-som. foi feito o diag-
73
nóstico do câncer porque D. Esperança exigiu o Ultra-som. Se ela fosse uma pessoa
mais esclarecida e tivesse feito a exigência da resolutividade para o seu caso no início
do aparecimento do sangramento, três anos antes, é possível que o câncer não fosse
do tipo invasivo e seu prognóstico seria mais otimista.
Não encontrei no protocolo de condutas do Ministério da Saúde para
o câncer do colo do útero, que o exame Ultra-som fosse indicado para este diagnósti-
co, pois em casos de estadios avançados, além do exame citológico, histológico e
colposcópico, o exame especular vaginal revela um crescimento ulceroproliferativo na
maioria das mulheres. Mas o Ultra-som “exigido” por Esperança serviu para realizar o
diagnóstico, considerando não terem sido aplicadas as condutas preconizadas:
Tava com muita hemorragia, né. E eu falei para o doutor que que-
ria fazer um Ultra-som, pra ver o que que era (sic), mulher, que aquilo
não era normal (indignada). Eu pedi mesmo! Eu falei com ele, se-
não oh! (muito enfática, mostrando que se ela não tivesse pedido o
Ultra-som, até agora continuaria sem saber o que tinha) Tava até
hoje...Sei lá, eles são muito devagar (D. Esperança).
Embora o Ultra-som não seja o meio diagnóstico preconizado para o
câncer do colo do útero, para D. Esperança foi a forma encontrada para ser ouvida,
para que seu sangramento que muito a incomodava, tivesse de alguma forma a aten-
ção e a resolutividade esperada, quando procurava o serviço de saúde. Para ela foi
fundamental ter realizado o Ultra-som, no momento em que deixou de aceitar passi-
vamente o descaso para com suas queixas de saúde, pode ter acesso ao diagnóstico
e tratamento.
O laudo do Ultra-som revelou massa tumoral do colo uterino, tendo
seu tamanho aumentado levando à suspeita de câncer. Só a partir da insistência de D.
Esperança por atenção ao seu problema de saúde e resolutividade para o seu sofri-
mento, é que foi realizado o exame e, a seguir, o encaminhamento para consulta es-
pecializada no serviço de oncologia do CERMAC em Cuiabá.
As necessidades em saúde de D. Esperança não foram percebidas
pelo médico que a atendia no PSF, quando ela ia colher o exame preventivo para con-
trole de uma lesão pré-existente e sequer quando o exame não era coletado devido ao
sangramento, com claros indícios de necessidade de intervenção clínica. Também por
várias consultas em que ela se queixava de sangramento abundante e o médico dizia
que era normal, deixando claramente a evidência de ter negligenciado o fato de D.
74
Esperança necessitar de controle periódico da lesão do colo uterino, anteriormente
tratada no Hospital de Referência.
No prontuário de D. Esperança não registro de história clínica ou
de uma anamnese realizada no momento da consulta que, de alguma forma, mostras-
se que o médico que a atendeu, tivesse investigado suas queixas e necessidades.
Sabemos que nas fases iniciais do câncer do colo do útero não sintomas caracte-
rísticos, mas em estágios mais avançados, a mulher pode apresentar sangramento
vaginal ou pequenos sangramentos entre as menstruações, e após as relações sexu-
ais. D. Esperança havia sido tratada de uma lesão no colo do útero e deveria estar
em acompanhamento periódico, e além desse antecedente apresentava sangramento
entre as menstruações e nas tentativas de coleta do exame CCO. Não foram levadas
em conta as evidências clínicas e nem as queixas de D. Esperança, tanto pelo médico
como pela enfermeira do PSF.
“As necessidades de saúde requerem a capacidade de escuta, de
respeito à diversidade humana, cultural, social e de compreensão da saúde e da do-
ença, assim como oportunidades de construção de propostas de caminhos para mu-
danças da clínica” (PINHEIRO, 2005, p.26 a).
Para definir necessidades, Schraiber, 2000, busca a sua origem no
carecimento, que no entender do indivíduo é algo que deve ser corrigido em sua vida,
podendo ser qualquer alteração física que o impeça de seguir sua rotina de vida, um
sofrimento, ou algo que falta. Portanto, a necessidade, passa a ser o resultado das
intervenções sobre esses carecimentos.
Cecílio, 2001, organiza a compreensão de necessidades em quatro
grandes conjuntos. Considera ter “boas condições de vida”, como o primeiro conjunto
de necessidades, em que a maneira como se vive se traduz em diferentes necessida-
des de saúde. O segundo conjunto de necessidades é a necessidade de se ter aces-
so e se poder consumir toda tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a
vida” considerando os conceitos de tecnologia leve, leve-dura e dura, tendo sua impor-
tância de consumo estabelecida pelos profissionais de saúde e também pelas pesso-
as, de acordo com suas necessidades reais. O terceiro conjunto de necessidades é a
“criação de vínculos afetivos entre cada usuário e uma equipe e/ou profissional”, con-
siderando um encontro de subjetividades em uma relação contínua no tempo, pessoal
e intransferível e calorosa. O último conjunto de necessidades é a “necessidade de
cada pessoa ter graus crescentes de autonomia no seu modo de levar a vida”, com a
75
possibilidade efetiva de reconstrução, pelos sujeitos, dos sentidos de sua vida bus-
cando a satisfação de suas necessidades.
Esse último conjunto de necessidades refere-se ao empoderamento
do sujeito, e deve ser alcançado quando todos os outros conjuntos aqui relacionados
estiverem plenamente satisfeitos e este alcance a autonomia para conduzir a sua vida
e, consequentemente, a sua saúde.
As necessidades em saúde apresentam “uma potencialidade que a-
judaria trabalhadores, equipe, serviços e rede de serviços a fazer a melhor escuta das
pessoas que buscam cuidado em saúde, tornando as necessidades centro de suas
intervenções e práticas” (CECÍLIO, 2001, p.113).
O não atendimento às necessidades de D. Esperança, com uma prá-
tica de desrespeito, pelo descaso e o evidente tratamento dispensado como a uma
pessoa de menor importância, denunciado pelos registros no prontuário e pela evolu-
ção do câncer que poderia ter sido evitado, me leva a abordar a questão do saber
profissional que revela uma relação de grande desigualdade entre o profissional de
saúde, aquele que tem o poder de cura em suas mãos e no nosso caso, a mulher, a
“paciente”, aquela na condição de usuária do SUS, situação socioeconômica desfavo-
rável, nível de escolaridade também desfavorável e ainda mulher.
Para Bourdieu, 1996, p.38 são legitimados para dominar aqueles
que estudam em determinada escola, instituindo uma diferença social de estatuto,
numa ordenação no sentido de consagração, de entronização em uma categoria sa-
grada, em uma nobreza”. Aqui no caso estudado é evidente a relação de dominação
do saber médico, definido por Bourdieu como poder simbólico:.
Os atos de dominação simbólica... são exercidos com a cumplicidade
objetiva dos dominados, na medida em que, para que tal forma de
dominação se instaure, é preciso que o dominado aplique aos atos do
dominante (e a todo seu ser) estruturas de percepção que sejam as
mesmas que as que o dominante utiliza para produzir tais atos. A
dominação simbólica um modo de defini-la) apóia-se no desconhe-
cimento, portanto, no reconhecimento, dos princípios em nome dos
quais ela se exerce (BOURDIEU, 1996:174)
Para Dimen (1997, p.45) “a experiência feminina é amiúde uma ex-
periência na qual a mente e o corpo, a mente e a matéria são associados e, juntos,
76
são explorados”. Na experiência das mulheres muitas vezes a vida pessoal escapa
ao seu controle quando em situação de dominação.
O câncer do colo do útero poderia ter sido evitado, com todas as
chances de sucesso, considerando que D. Esperança mora bem próximo do PSF e
que os profissionais, pela formação acadêmica, deveriam saber atuar na prevenção
deste câncer que durante sua evolução deu muitas pistas de sua presença, minimi-
zando todo o sofrimento causado pela evolução do câncer e pela passagem dolorosa
no sistema de cuidado profissional.
Pinho (2003) sugere que o êxito no rastreamento do câncer do colo
do útero dependerá acima de tudo, da reorganização da assistência clínico-
ginecológica às mulheres nos serviços de saúde, da capacitação dos profissionais de
saúde, da qualidade e continuidade das ações de prevenção e controle da doença e
do estabelecimento de intervenções mais humanizadas e eqüitativas, respeitando as
diferenças culturais entre as mulheres, intervenções estas focalizadas em eliminar
barreiras e iniqüidades no acesso e utilização dos serviços preventivos.
Neste estudo o evento sentinela câncer do colo do útero”, foi esco-
lhido como um dos indicadores para o monitoramento das ações desenvolvidas na
atenção básica, definindo-se como a ocorrência de uma situação de adoecimento evi-
tável por medidas simples que deveriam ser tomadas neste nível de atenção e que
pudemos comprovar não terem sido realizadas.
A partir do momento em que houve a suspeita do câncer pelo médi-
co que realizou o Ultra-som, D. Esperança foi regulada através da Central Regional de
Regulação existente em Sinop, município sede da regional de saúde à qual pertence o
município de D. Esperança, para o CERMAC em Cuiabá para confirmação do diag-
nóstico e início do tratamento. Vinte e sete dias depois da realização do Ultra-som, D.
Esperança fez a primeira consulta no CERMAC, prazo que considero dentro do espe-
rado, levando em conta que as agendas para consultas especializadas são abertas no
início de cada mês e a solicitação de consulta especializada não foi de urgência.
De acordo com registro no prontuário do CERMAC, D. Esperança
realizou a primeira consulta com o oncologista, no dia 06 de dezembro de 2006, para
conclusão do diagnóstico, estadiamento e encaminhamento para tratamento:
06/12/2006 - Anotação informando Sangramento transvaginal há + - 1
mês, o número de gestações, partos e abortos: G V P IV A I (4 esp/1
ces+ltb) e idade com que teve o primeiro filho: PF c/ 24 a. Informação
sobre o tempo em que amamentou os filhos: (6m/12m/24m/0m), so-
77
bre os antecedentes em que DIU e cirurgia estão marcados com um
X, anotação sobre o exame especular: lesão vegetante volumosa em
colo uterino, com + - 8 cm diâmetro, cúpulas preservadas. Informação
sobre a conduta: biópsia + exames p/ estadiamento e sobre a coloca-
ção de Tampão vaginal (Leitura do Prontuário do CERMAC).
Ao exame especular feito pelo médico foi possível observar a lesão
do colo uterino e verificar o seu tamanho aumentado. O colo uterino, a porção fibro-
muscular inferior do útero, mede 3 a 4 cm de comprimento e 2,5 cm de diâmetro, vari-
ando de forma e tamanho conforme a idade, paridade e estado menstrual (I-
ARC,2007).
Foi colhida biópsia e também solicitados exames para estadiamento
do câncer, considerando através do exame clínico a presença do câncer, sendo
necessária a biópsia para confirmação laboratorial e direcionar o estadiamento que
avalia a extensão da doença e o seu grau de disseminação, baseando-se também na
informação se o câncer está restrito ao colo do útero ou se estende a outros órgãos.
No mesmo dia da consulta, há a anotação da enfermeira no prontuá-
rio, indicando o acompanhamento desta à consulta e após a consulta médica:
Informa que a paciente está consciente, lúcida, apresentando san-
gramento vaginal em pequena quantidade no momento. PA= 110/70
mmHg P= 80 bpm. Realizada biópsia do colo uterino e colocado
tampão vaginal pelo médico. Solicitado exames laboratoriais e Raio X
(Leitura do Prontuário do CERMAC).
Observei nos registros do prontuário, a utilização de carimbo dos
profissionais, com o numero do Conselho e assinatura, e um maior número de infor-
mações que identificam a realização do exame clínico, anamnese e a anotação das
condutas realizadas.
O resultado da biópsia foi liberado uma semana depois, com o se-
guinte resultado:
12/12/2006 - Diagnóstico Microscópico: Carcinoma espinocelular in-
vasivo, moderadamente diferenciado, caracterizado por proliferação
neoplásica de células epiteliais escamosas atípicas, com hipercroma-
sia nuclear, aumento da relação núcleo-citoplasma, áreas de ceratini-
zação, focos de necrose e figuras de mitose, infiltrando tecido conjun-
78
tivo em ectocérvice. Margens cirúrgicas não avaliáveis ( Laudo médi-
co- anatomopatológico).
“O colo uterino é revestido por várias camadas de células epiteliais
pavimentosas, arranjadas de forma bastante ordenada. Nas neoplasias intra-epiteliais,
esta estratificação fica desordenada” (BRASIL, 2002, p. 17).
A desordenação das camadas celulares vem também acompanhada
por alterações variadas nas células, com núcleos mais corados (hipercromasia), figu-
ras atípicas de divisão celular e outras, de tal forma que no caso do carcinoma inva-
sor, as alterações celulares se intensificam com alto grau de desarranjo, invadindo o
tecido conjuntivo do colo do útero, abaixo do epitélio (BRASIL, 2002).
O resultado da biópsia de D. Esperança confirma o câncer invasivo
com as alterações celulares e infiltração do tecido conjuntivo, acima descritos, impli-
cando na definição de um tratamento específico para o seu caso, que implicará na
destruição dessas células que estão se dividindo desordenadamente ou diminuindo a
intensidade de seu crescimento.
Além de estar com o câncer em evolução, D. Esperança também te-
ve seu estado geral comprometido pelos constantes episódios de metrorragia, culmi-
nando com seu agravamento no dia 13/12/2006, no período em que ainda estava fa-
zendo os exames para estadiamento e iniciar o tratamento, quando foi atendida no
Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (PSMC) com metrorragia, conforme encaminha-
mento médico:
13/12/2006 - Informa a Solicitação de avaliação de especialidade.
Anotação no Histórico: Paciente com metrorragia, encaminhar para
serviço de ginecologia com urgência (leitura do Encaminhamento
médico do PSMC).
Este encaminhamento estava com D. Esperança, além de outras in-
formações como resultados de exames e relatórios médicos, as quais anotei, para
melhor compreender o Itinerário Terapêutico por ela percorrido em Cuiabá.
79
Após ter sido atendida no PSMC, foi internada no Hospital Universi-
tário Júlio Muller (HUJM), para controle da metrorragia, conforme relatório de alta da-
do no mesmo dia:
13/12/2006 - Internada no HUJM (GO) Sumário de Alta. Diagnóstico
Inicial: Metrorragia A/E + Lesão de colo A/E. Diagnóstico final: o mes-
mo. Evolução: Paciente admitida com o quadro de hemorragia vagi-
nal, foi internada para controle. Após a estabilização clínica da mes-
ma, estamos dando alta sendo que a mesma retornará ao CERMAC
para continuação da investigação da lesão de colo. Medicação de al-
ta: Sulfato Ferroso/ Dipirona (Relatório de Alta HUJM).
Segundo D. Esperança, foi atendida no Pronto Socorro Municipal de
Cuiabá e internada no Hospital Universitário Júlio Muller e Hospital Santa Helena, ten-
do recebido várias bolsas de sangue:
eu cheguei lá, aplicaram uma injeção assim... eu fiquei lá, a-
plicaram tipo um soro, pra cortar a hemorragia, né. eles falou (sic)
que eu tinha que ir pra outro Hospital, não ia poder ficar internada.
Sei que fui para o Santa Helena e fui prum (sic) outro lá...Julio Mul-
ler... (...) no Pronto Socorro não fiquei internada não. tomei o
sangue e fui pra casa. Eu tava com muita anemia. Tava amarela, a-
marela, amarela, amarela (D. Esperança).
Dando continuidade aos exames solicitados, no dia seguinte D. Es-
perança foi ao CERMAC para consulta com o cardiologista para avaliação do Risco
Cirúrgico, solicitação esta de rotina, para o estadiamento do câncer:
14/12/2006 - Informa que a Paciente deu entrada com sangramento e
Palidez cutânea. PA 80/60. Anotação da hipótese diagnóstica de
Choque Hipovolêmico. Conduta: Pronto Socorro urgente (Leitura do
Prontuário do CERMAC).
Não encontrei registro deste segundo atendimento no PSMC, mas
segundo relato de D. Esperança e também anotação do prontuário do CERMAC no
dia seguinte, ela foi atendida no PSMC e tomou duas Unidades de concentrado de
Hemáceas.
80
No dia seguinte retornou ao CERMAC para continuidade da avalia-
ção pelo oncologista, já com os resultados dos exames por ele solicitados, mostrando
uma anemia acentuada evidenciada pelo resultado do exame de sangue e também a
visualização da lesão com infiltração parcial do paramétrio direito:
15/12/2006 - Informa que Cursou com hemorragia e tomou 2 Unidda-
des de concentrado hemáceas. AP- CA espinocelular moderadamen-
te diferenciado. Informa resultados de Raio X e exames de sangue.
Anotação sobre o exame especular: Infiltração parcial paramétrio dir.
Lesão circular volumosa (+ - 12 cm diâmetro). (um desenho es-
quemático do útero, mostrando a extensão da lesão e o seu tamanho
em relação ao colo). Há anotação de TC pélvica e Radioterapia e
quimioterapia como condutas (Leitura do Prontuário do CERMAC).
Nesse dia uma anotação da assistente social do CERMAC infor-
mando internação de urgência na Santa Casa, e a anotação da enfermeira informando
o encaminhamento:
15/12/2006 17h15min - Informa que Paciente apresentou sangramen-
to vaginal após exame, foi colocado tampão vaginal pelo médico, com
PA 110/80 mmHG. 18h00min Informa que Paciente foi transferida pa-
ra a Santa Casa, lúcida, hipocorada, no momento não apresentando
sangramento vaginal. Informa que foi acompanhada pela Técnica de
Enfermagem junto com AIH, prescrição e exames (Leitura do Prontu-
ário do CERMAC).
Durante esse período, antes de iniciar o tratamento, D. Esperança
apresentou ainda alguns episódios de hemorragia, tendo ido ao PSM de Cuiabá para
atendimento, e internada no Hospital Santa Helena e no Hospital Universitário Júlio
Muller:
Ó, eu cheguei aqui em Cuiabá e fiz os exames né, deu dez dias...
me deu hemorragia, hemorragia, hemorragia, hemorragia, sem pa-
rar... E nóis (sic) foi no Pronto Socorro. (...) eu cheguei lá, aplica-
ram uma injeção assim... eu fiquei lá, aplicaram tipo um soro... pra
cortar a hemorragia, né. Aí eles falou que eu tinha que ir pra outro
Hospital, não ia poder ficar internada.(...) Sei que fui para o San-
ta Helena e fui prum outro lá... Julio Muller..“(D. Esperança).
81
Observo que na narrativa acima quando repete várias vezes a pala-
vra hemorragia, refere-se à intensidade desta. Da mesma forma ela relata o episódio
de febre que teve após ter recebido sangue no PSM e ter voltado para a Casa de A-
poio:
Depois que tomei aquele sangue menina, quase morri! Me deu muito
frio, frio, frio, frio, frio, frio, frio mesmo. Fiquei em casa com frio e tre-
medeira. Tremia, tremia, tremia, tremia... Fiquei na Casa de Apoio
(D. Esperança).
Nesse dia ela recebeu ajuda das companheiras da Casa de Apoio,
que lhe deram medicamento para febre.
Na compreensão de D. Esperança, o atendimento no PSM foi ruim
porque foi demorado, pois teve que aguardar os resultados dos exames para poder
tomar sangue e ficou lá durante nove horas:
Fiquei esperando... É demorado... (Silêncio) porque no Pronto Socor-
ro também é muita gente né? (D. Esperança).
D. Esperança iniciou o tratamento com Quimioterapia, Radioterapia e
Braquiterapia a partir do dia 20/12/2006, conforme informações colhidas em seu pron-
tuário no Centro de Oncologia de Cuiabá (COC).
A Quimioterapia e as consultas para avaliação com o oncologista fo-
ram realizadas no COC, A Radioterapia foi realizada na Santa Casa e a Braquiterapia
foi realizada no Hospital do Câncer, sendo ao todo mais de 50 idas e vindas, entre
consultas, exames e terapias.
Não em Cuiabá um serviço que contemple todas as modalidades
de tratamento do câncer, remetendo a mulher a vários trajetos durante o seu trata-
mento.
Para seus deslocamentos entre um serviço e outro, e destes para a
Casa de Apoio D. Esperança contava com a ajuda de um funcionário da Prefeitura de
Marcelândia que mora em Cuiabá e faz o transporte dos doentes que estão em trata-
mento na capital. Segundo ela, era telefonar que ele vinha buscá-las, mas no perí-
82
odo do final de dezembro quando ele estava em férias, ela relata ter tido muita dificul-
dade para ir fazer o tratamento:
Tive que pagar né pra ir. Pagava táxi, pagava ônibus... Porque o ra-
paz viajou, o que traz nóis aqui (sic). Vem buscar e leva. Ele viajou, ti-
rou férias. Ficou Ano Novo e Natal... Difícil. Porque um táxi lá da outra
casa pra qualquer hospital era quase 20 real (sic), 18, 19... É menina,
tinha que ir né... O ônibus, a gente não sabia qual ia (D. Esperança).
D. Esperança permaneceu em Cuiabá durante três meses, desde a
primeira consulta no CERMAC para confirmação do diagnóstico, até a conclusão da
terapia, voltando para Marcelândia com data de retorno para avaliação após três me-
ses.
Conhecendo o Itinerário Terapêutico percorrido por D. Esperança na
busca por atendimento à sua necessidade em saúde, manifestada inicialmente pelo
resultado de um exame citológico do colo do útero com NIC III e, após algum tempo
do tratamento por sangramentos repetidos, pude compreender como as práticas pro-
fissionais se desenvolvem em relação à integralidade da atenção à saúde da mulher,
em especial em relação ao controle e prevenção do câncer do colo do útero.
O Itinerário Terapêutico, nesse caso, é a compreensão de como D.
Esperança interpretou a doença e como a enfrentou, por onde entrou no Sistema de
Saúde, como e por quem foi recebida, e como este respondeu à sua real necessidade
de saúde (VILLA; PEREIRA, 2007 b), sendo para isso necessário ouvi-la e entender
qual a presteza e eficiência do serviço de saúde em oferecer, ou não, adequadamente
essa resposta.
Definimos Itinerário Terapêutico como um processo pelo qual as pes-
soas avaliam sua saúde e percebem a necessidade de elucidar para si mesmas o que
acontece em seu corpo, começando, assim, um percurso dentro do sistema de saúde
que pode tomar diversos caminhos em direção a um diagnóstico e tratamento, pois
são esses serviços que estão legitimados para firmar socialmente a existência de do-
enças e a necessidade de um determinado tipo de tratamento, que pode ser clínico ou
cirúrgico (VILLA; PEREIRA, 2007 b).
Para Araujo et al, 2007, o desenho do Itinerário Terapêutico da expe-
riência de adoecimento e busca por cuidado em saúde, possibilita avaliar as práticas
83
em saúde, o seu modo de organização, e suas conseqüências na vida das pessoas,
apontando possibilidades de construção de novos saberes sobre esta vivência de a-
doecimento e busca por atenção à saúde. Nesse sentido, diz:
O Itinerário Terapêutico é, portanto, uma montagem analítica da ex-
periência de adoecimento e de busca de cuidados, apreendida atra-
vés da dimensão vivida desta experiência, na qual é traçada a trajetó-
ria percorrida por usuário e sua família na busca por cuidados em sa-
úde, assim como compreendida a lógica desta trajetória e os sentidos
tecidos nos muitos percursos que a compõem. É necessário conside-
rar, ainda, que esta experiência esentrelaçada e tensionada pela
forma como os serviços de saúde se organizam e produzem, por
meio das práticas concretas dos profissionais que aí atuam, efeitos
na vida destas pessoas, atendendo de certo modo e em certa medida
suas necessidades de cuidados em saúde, respondendo ou não aos
princípios da Integralidade e da Resolutividade da atenção (ARAÚJO
et al, 2007).
A partir da compreensão do Itinerário Terapêutico de uma mulher
com câncer do colo do útero, compreende-se não as trajetórias e suas experiên-
cias, mas abstrai-se muito do funcionamento dos serviços e da lógica que os direcio-
na, que muitas vezes não atende às reais necessidades dessa mulher no tempo que
seria adequado. Também é possível compreender como os conhecimentos de alguns
dos profissionais de saúde estão, ou não, a serviço das pessoas que utilizam o SUS e
se responsabilizam, ou não, pelo apoio à usuária na sua busca por tratamento e cura
para sua doença.
A pesquisa maior da qual esta pesquisa se originou vem trabalhando
a noção do Itinerário Terapêutico como tecnologia avaliativa da integralidade em saú-
de, e o grupo de pesquisadores, no âmbito de suas discussões, propõe o desenho
espacial e temporal do trajeto percorrido pelo usuário dos serviços de saúde na busca
por atenção às suas necessidades em saúde, tendo este usuário como figura central.
Os deslocamentos feitos por ele são indicados através de setas e numerados sequen-
cialmente, dando a idéia de tempo e seqüência da trajetória por ele percorrida, propi-
ciando, assim, visibilidade a essa trajetória.
A Figura 1 mostra o desenho espacial e temporal do Itinerário Tera-
pêutico percorrido por D. Esperança e apresenta de maneira bastante evidente todas
as vezes que procurou o PSF para ter seu problema de saúde resolvido, e também
toda a sua peregrinação em Cuiabá para se submeter ao tratamento:
84
CERMAC
PSM
Sta.
Helena
Sta
Casa
HUJM
COC
S Casa
H Câncer
Itinerário Terapêutico percorrido por uma mulher com câncer do colo do
útero em Mato Grosso
D. ESPE-
RANÇA
Em
Casa com
a familia
86
Casa de
Apoio
em
Cuiabá
25
Hosp. Mun.
Marcelândia
PSF
Mar-
celân-
dia
Hosp.
Reg.
Sorriso
10x
34x
4x
24
23
2
34
33
35
29
31
30 32
9
7
5
3
4
6
8
1
10
12
14
16
18
20
22
11
13
15
17
19
21
27
37
26
28
36
38 a 85
Antes do diagnóstico
Período: 4 anos
Confirmação diagnóstica e tra-
tamento – Período: 3 meses
Figura 1
Itinerário terapêutico percorrido por uma mulher com
Câncer do colo do útero em Mato Grosso
85
Legendas:
No caso de D. Esperança, ao traçar o seu Itinerário Terapêutico des-
de a sua primeira coleta do exame de prevenção do câncer do colo do útero, a lógica
dessa trajetória seguiu a lógica formalmente estabelecida, considerando o PSF como
porta de entrada do Sistema de Saúde, o Hospital Regional como referência secundá-
ria, e os serviços em Cuiapara diagnóstico e tratamento como referência terciária,
sendo estes encaminhamentos regulados através da Central de Regulação.
Na observação do Itinerário Terapêutico fica evidente o esforço feito
por D. Esperança na busca para resolver o seu problema de saúde, o tempo perdido
até a definição diagnóstica, a ausência de serviço de alta complexidade que atendes-
se às suas reais necessidades de hospedagem, laboratórios e procedimentos de Ra-
dioterapia e Quimioterapia,
Serviços de Saúde percorridos antes do diagnóstico do cân-
cer (Marcelândia e Sorriso)
Serviços de Saúde percorridos no período da confirmação do
diagnóstico (Cuiabá)
Serviços de Saúde percorridos durante o tratamento do cân-
cer (Cuiabá)
Acessos aos Serviços de Saúde pelo PSF ou pelo sistema
formal de regulação
Acessos aos Serviços repetidas vezes para o tratamento
Retorno à residência com alta do tratamento
86
Especificamente na atenção ao câncer, os serviços de maior com-
plexidade estão ainda concentrados em Cuiabá, e D. Esperança seguiu o fluxo es-
tabelecido. O que chama bastante a atenção no desenho espacial desse Itinerário
Terapêutico são as várias idas ao PSF, evidenciando a falta de resolutividade deste
serviço já percebida através das entrevistas e dos documentos analisados, bem como
a fragmentação dos serviços de atenção ao câncer em Cuiabá, obrigando D. Espe-
rança a se deslocar a vários serviços, cada um para um tipo de procedimento.
Não foram mostrados na prática do serviço de saúde de Atenção
Básica, os princípios constitucionais do SUS, propostos para análise nesta pesquisa, a
resolutividade e a integralidade.
uma distância entre a prática dos profissionais de saúde que es-
tão legalmente habilitados a intervir através do diagnóstico, tratamento e cura que se
revelaram omissos e incompetentes na abordagem deste caso estudado, e aquela
que está sujeita aos tempos, lógicas e saberes dessa prática.
Quem detém a prerrogativa de estabelecer qual o trajeto que as pes-
soas vão percorrer dentro do sistema normalmente são os médicos, pois são eles os
profissionais que ainda podem estabelecer diagnósticos e encaminhamentos para
este ou aquele serviço, ou este ou aquele tratamento e isso foi evidenciado em todas
as idas e vindas de D. Esperança ao PSF.
Não se importância a essa prática negligente, ela é banalizada e
diluída entre tantos casos semelhantes revelados pelas estatísticas de morbidade e
mortalidade por câncer do colo do útero. Questiono, que importância se à preser-
vação da saúde da mulher, que também é pobre, da qual a sociedade parece prescin-
dir?
Para Pereira, 2000, a baixa qualidade e a falta de resolutividade dos
serviços, a incompetência ou vontade dos profissionais, raramente são questiona-
das ou colocadas em pauta, sendo muitas vezes caracterizadas como problemas o
descuido das mulheres com a própria saúde, deixando de levar em conta os profissio-
nais desinteressados, faltosos ou as rotinas dos serviços pouco flexíveis. Além da
carga moral da doença, D. Esperança ainda sofre pela carga moral atribuída ao seu
descuido com a sua saúde.
A cultura profissional diz quando precisa, como profissional de saú-
de, ser atencioso ou não, por isso morre-se mais quando se é pobre, mulher e quando
87
os serviços de saúde não estão organizados para atender às necessidades em saúde
dos usuários. Nada acontece ao profissional omisso, quando a clientela é desprovida
de recursos econômicos e sociais.
Para Merhy, 2006, na atualidade a tendência da sociedade em
consagrar a imagem de que o que vale é o privado, tornando natural o entendimento
de que tudo que é público e coletivo é ruim, levando as pessoas a se convencer e a
viver de acordo com essas idéias.
Pereira, 2000, p.26, também afirma que “o serviço público no imagi-
nário popular é para os pobres que não podem pagar e não derivado de impostos que,
de alguma forma, todos pagam”.
A prática profissional no SUS, em que descaso e descompromis-
so com os usuários, como vimos no caso estudado, perpetua essa imagem e favorece
aqueles que visam ao lucro com a doença.
“A tensão entre público e privado vai pendendo para o individualis-
mo, pela não responsabilização pública dos atos pessoais, pela premissa do aqui e
agora, pela ética da não prestação de contas” (MERHY, 2006, p. 105).
Se o que se deseja é a produção de melhores formas de vida no
plano individual, através da ação individual e coletiva, deve ser colocada em xeque
essa forma de responder à sua consciência ou, no máximo, no caso da saúde, à
sua corporação profissional ou política (MERHY, 2006).
Merhy, 2006, sugere que profissionais de saúde sejam usuários de
seu próprio trabalho, fazendo a troca de lugares, e que isso possa ser dito no dia-a-dia
dos serviços, transformando-se num dispositivo que trate das implicações da prática
de cada profissional.
Merhy, 2006, p.108, destaca ainda que “o campo das ações de saú-
de deve ser um encontro de multiplicidades, no qual se pode apostar que sujeitos su-
jeitados conseguem emergir como sujeitos autônomos, produtores de novos sentidos
para o viver”, enfatizando que o agir diário, no campo individual e coletivo, está “vincu-
lado a um modo ético-político de se posicionar no mundo das práticas produtoras ou
des-produtoras de vidas”.
Torna-se necessário estabelecer compromissos que façam os profis-
sionais de saúde se co-responsabilizarem pelos casos de sucesso na prevenção e
também pelos casos que foram negligenciados por eles. Os Conselhos de categorias
88
profissionais parecem ser o modelo mais “frágil” de controle, permitindo mais erros,
protegendo o profissional e não o usuário, cabendo ao poder público esse papel de
proteção ao usuário através de Leis, serviços de Ouvidoria e também a participação e
conhecimento do usuário sobre a atenção à saúde à qual tem direito.
Para Pereira, 2000, p.26, “questionar a qualidade da assistência à
saúde e de serviços médicos recebidos é um fenômeno muito recente no nosso País,
visto que as ações jurídicas neste sentido ainda são raras e de difícil resolução”, fa-
zendo referência ao corporativismo dos conselhos profissionais.
“A empatia e a solidariedade precisam ser componentes fundamen-
tais de uma prática ética” numa relação simétrica entre o profissional de saúde e o
usuário dos serviços de saúde, sendo portadores dos mesmos direitos. “É a partir
dessa compreensão que se torna possível ao profissional desenvolver uma prática
mais qualitativa, acolhedora e tolerante para com aqueles que se apresentam vulnerá-
veis quando se colocam sob seus cuidados profissionais” (BELLATO; PEREIRA,
2005, p.22).
“Mais que ser informadas, é preciso que as pessoas saibam como
se proteger e se mobilizem para que as situações estruturais que as tornam suscetí-
veis ao adoecimento sejam de fato transformadas” (AYRES, 2002, p.135).
Bellato; Pereira (2005) enfatiza que, a educação para a cidadania de
usuários e profissionais de saúde abre campo para fazer frente à assimetria existente
entre estes, principalmente no caso de sujeitos em situação de vulnerabilidade, com a
ampliação do conhecimento dos seus direitos e das instâncias de auxílio para o alcan-
ce de um estado de cidadania mais ativa.
Para Caponi (2004) todos estamos sujeitos à dor, à doença e todos
tememos a morte, levando-nos a nos confrontar com a pluralidade de experiências e
pareceres e a obrigação de refletir. “A solidariedade, como princípio, não é outra coi-
sa que a realização de ações que beneficiem os outros, a partir do reconhecimento do
outro como um sujeito autônomo capaz de tomar decisões e de fazer escolhas, isto é,
de aceitar ou de rejeitar essas ações” (CAPONI, 2004, p.45).
A solidariedade, para Caponi (2004) necessita do respeito, da admi-
ração, do reconhecimento do outro como alguém capaz de reclamar, aceitar ou negar
assistência. A pessoa que tem uma necessidade, “exige poder inserir-se em uma rede
89
de vínculos em que seja reconhecida como um igual em orgulho e dignidade” (CAPO-
NI, 2004, p.95).
No caso de D. Esperança, não houve escuta por parte dos profissio-
nais que a atenderam, demonstrando que não se escuta aquele que não se respeita,
admira ou reconhece como sujeito de direitos.
Quando predominância de um sujeito do desejo assujeitado aos
interesses dominantes e exploradores, produz-se a subjetividade assujeitada ou sub-
metida, mas quando predominância de geração do novo, original, instituinte, con-
tingente, circunstancial, produz-se a subjetivação livre, produtiva e não assujeitada
(BAREMBLITT, 1996).
Deve haver ampliação do entendimento entre o profissional de saúde
e o usuário do SUS, com ênfase na comunicação e valorização de sentimentos, numa
visão integradora das diversas dimensões que compõem a vida das pessoas, propici-
ando a prática da integralidade por meio de decisões mútuas (BRASIL, 2007 a).
A capacidade de realizar a promoção à saúde, prevenção e cuidado
de doenças, reabilitação e manutenção da saúde é ampliada quando aliada a uma
prática alicerçada no uso de evidências científicas (BRASIL, 2007 a).
Nesse sentido, a Atenção Básica, considerada a porta de entrada
dos serviços de saúde, por onde D. Esperança iniciou seu Itinerário Terapêutico na
busca de atenção à sua necessidade em saúde, precisa ter seus profissionais qualifi-
cados tecnicamente e também com capacidade de realizar a escuta do usuário.
Ressalto o papel do profissional de saúde para além da abordagem
técnica do problema e para além do contexto do seu ambiente de trabalho, pois esse
profissional conhece leis, direitos, doenças, a capacidade disponível nos serviços e
sua internalidade, ficando evidente sua co-responsabilização em construir e criar ou
redescobrir novas formas de atenção à saúde e formar redes de atenção para além
dos serviços de saúde e sobretudo em perceber o sujeito e suas necessidades além
do mero corpo ou segmento do corpo doente.
Para Kosik,1976, a compreensão da realidade social inclui a análise
da subjetividade na práxis humana objetivada, e é através da práxis que se reafirma o
sujeito, pois a práxis se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, como na for-
mação da sua subjetividade, ao que Arendt acrescenta “o poder legítimo se realimenta
da práxis que o construiu”, emergindo da ação em concerto.
90
A prática evidenciada neste estudo foi uma prática descuidada e que
menosprezou as queixas de D. Esperança, o que contribuiu para a desconstrução no
imaginário coletivo do poder/saber” de que se julga apta e merecedora a prática mé-
dica. A prática negligente destrói a legitimidade lentamente construída por essa práxis
em resultado visível para a população.
Kosik, 1976, p. 22, diz que “o homemconhece a realidade na me-
dida em que ele cria a realidade humana e se comporta antes de tudo como ser práti-
co”, e diz ainda:
A práxis se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que
transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais na-
turais, como na formação da subjetividade humana, na qual os mo-
mentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, ri-
so, a esperança, etc., não se apresentam como “experiência” passiva,
mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da
realização da liberdade humana (KOSIK, 1976, p. 204).
Essa afirmação remete ao papel de pesquisador de conhecer a rea-
lidade estudada se apropriando do conhecimento objetivo e subjetivo, e também re-
mete à prática dos profissionais de saúde que será completa ao se levar em conta
a objetividade e a subjetividade do ser humano, aquilo que está emerso, visível, evi-
dente e também o que está submerso, invisível e não aparente.
91
6. A VIVÊNCIA DO ADOECIMENTO POR CÂNCER DO COLO
DO ÚTERO
Com toda a carga de ser uma doença, que muitas vezes traz o sinô-
nimo de morte, procurei compreender como D. Esperança vivenciou a condição de
estar com câncer do colo do útero, estar longe de sua casa e de sua família numa
cidade estranha e ainda enfrentar o agressivo tratamento a ela proposto.
O primeiro fato que chama a atenção na análise da vivência de D.
Esperança em seu processo de adoecimento, é o valor de ser mulher, esposa, mãe e
como isto tem significado em seu comportamento, com a realização tardia do primeiro
exame CCO, aos 37 anos, e este exame acusar um resultado indicativo de Neoplasia
Intraepitelial Cervical (NIC) de alto grau, quando diz:
...foi no Posto, pra ver se tinha algum problema né. deu né, o
primeiro exame deu ferida. Eu nunca tinha feito (D. Esperança).
No caso de D. Esperança, realizar exames preventivos desde o iní-
cio da sua vida sexual não constitui como um comportamento regular, embora tivesse
acesso ao serviço de saúde, pois em seu relato disse que morava perto da Unidade
de Saúde da Família (PSF), e ia com frequência a esse serviço:
É bom que é pertinho, pode ir a e voltar . Dá 500 metros (D. Espe-
rança).
D. Esperança tinha conhecimento sobre o exame de prevenção do
câncer do colo do útero, podendo ter havido a inflluência de vários fatores que contri-
buíram para que fizesse o exame tardiamente, reflexo de seu modo de perceber a
necessidade do cuidado com seu corpo e de entender a importância do exame. Ao lhe
perguntar sobre o motivo da realização tardia do exame, respondeu:
O preventivo? Acho que eu tinha medo, sei (...) Pra mim era dife-
rente (...) Muita gente falava que doía. Tinha saúde né. Sei lá, vergo-
nha. Até hoje eu tenho vergonha (D. Esperança).
92
Ao buscar compreender os fatores que a influenciaram, os aspectos
culturais se apresentam como relevantes, pois estes têm implicações importantes nas
questões de saúde e na atenção à saúde e também nas atitudes em relação à doença,
à dor e outras formas de manifestação da doença, incluindo suas crenças, comporta-
mentos, percepções, emoções, línguas, religiões, estrutura familiar, alimentação, ves-
tuário, imagem corporal e conceitos de espaço e tempo (HELMAN, 1994).
Outro aspecto que pode ter associação com seu comportamento são
as formas como são compreendidas as práticas de cuidado profissional, que atendem
pessoas com manifestações da doença em nossa sociedade, com evidência marcante
das práticas profissionais sustentadas no modelo da ciência médica.
D. Esperança, em suas palavras, quando explica os motivos pelos
quais realizou o primeiro exame somente aos 37 anos de idade, ressalta os aspectos
medo, medo da dor, vergonha, e o fato de não sentir nada, que somados a outros fa-
tores me ajudam a compreendê-la.
Assim, exercem influência os fatores individuais (como idade, gêne-
ro, aparência, personalidade, inteligência e experiência), os fatores educacionais (for-
mais ou informais, incluindo educação em uma subcultura religiosa, profissional ou
étnica) e os fatores socioeconômicos (como classe social, status econômico e redes
de apoio social). Nesse sentido, a doença, assim como outra adversidade qualquer,
traz as dimensões psicológica, moral e social de uma cultura em particular (HELMAN,
1994), ou seja, as ações e comportamentos diante da aflição, mobilizam um conjunto
de crenças e valores compartilhados entre os membros dos grupos que fazem parte
do seu contexto.
“Nossa cultura ainda apregoa amplamente concepções domésticas
de feminidade (...) as regras dessa construção de feminidade exigem que as mulheres
aprendam como alimentar outras pessoas, não a si próprias, e que considerem como
voraz e excessivo qualquer desejo de auto-alimentação e cuidado consigo mesmas”
(BORDO, 1997, p 25). Por isso, não é comum que a mulher tenha por hábito zelar de
si própria, cuidando primeiro dos filhos.
Para Bordo, 1997, uma exigência para que as mulheres desen-
volvam uma economia emocional voltada para os outros. A mulher se torna a principal
nutridora emocional e física, em decorrência de nossa cultura que ainda propaga con-
cepções domésticas de feminidade, levando a uma divisão sexual de trabalho dualis-
ta.
93
D. Esperança ia frequentemente ao serviço de saúde, mas na maio-
ria das vezes para levar as crianças, conforme relata os motivos mais freqüentes de
procura do serviço de saúde:
Sempre ia por febre, no pediatra. (...) Medir pressão, vacina, mais
com as crianças (D. Esperança).
Para compreender o fato de priorizar o cuidado com a saúde dos fi-
lhos, Prado, 1995 diz que a mulher que exerce a profissão de esposa sofre de males
específicos do ponto de vista médico, pois não se o direito de ter o seu lazer pes-
soal, está sempre disponível para os filhos e esposo em qualquer eventualidade, che-
gando ao esgotamento no qual é acrescentado um novo peso quando esta mulher
exerce, ainda, uma atividade fora do lar, acarretando esforço físico ou psíquico exte-
nuante para a esposa.
“Cabe à esposa a responsabilidade de zelar pela saúde física e psí-
quica do marido e dos filhos: dar-lhes uma boa alimentação, um meio habitacional
higiênico, zelar pela saúde de cada um, atenta ao primeiro sinal de mal estar” (PRA-
DO, 1995, p.140). D. Esperança retrata essa mulher cuja profissão é a de esposa,
pois não trabalha fora, e seu cotidiano é cuidar dos quatro filhos, do marido e da casa:
Sempre as criança (sic) meio doente, eles sempre têm bronquite
(D. Esperança).
Além de todos esses fatores em parte responsáveis por deixar de
cuidar de sua saúde, ainda pode exercer influência a posição que a mulher ocupa no
espaço familiar e na sociedade, pois segundo Barsted, 1999, p.12, “a família, tal como
a conhecemos em nossa cultura, ainda tem sido o espaço da hierarquia, da discrimi-
nação e da subordinação, e a violência intra-familiar tem gerado sofrimento para aque-
les que a ela estão submetidos”.
Mesmo com a inserção cada vez maior da mulher no mercado de
trabalho e na chefia familiar, o reconhecimento legal da igualdade entre homens e
mulheres na direção da família, a disseminação e discussão sobre os direitos das mu-
lheres e com a sua participação na vida social e política do país, no caso de D. Espe-
rança, sua realidade de vida é voltada para a família, os filhos, a casa. Soma-se a este
94
contexto, o fato de não ter tido acesso à educação, e não ter uma profissão com parti-
cipação no mercado de trabalho, e pertencer à classe popular, como aspectos que se
associam ao comportamento de D. Esperança na busca pelo cuidado à sua saúde.
Considerando estes conceitos, compreendemos a maneira como a
mulher interpreta seus problemas de saúde e responde aos mesmos.
Mundialmente, as mulheres mais afetadas pelo câncer do colo do ú-
tero, são as mulheres pobres, que têm menos acesso à detecção precoce. Segundo
Alvarez (1998), para avançar na prevenção do câncer do colo do útero, faz-se neces-
sário explorar mais as formas de organização social da sexualidade e atitudes das
mulheres no cuidado de sua saúde, particularmente a saúde reprodutiva. No caso de
D. Esperança não havia dificuldade de acesso ao serviço de saúde, pois mora muito
perto do PSF e conforme seu relato o freqüentava assiduamente.
Alvarez (1998) sugere que a maior exposição por parte das mulheres
pobres da América Latina ao risco de contrair câncer do colo do útero, se associa com
um sistema de relações de gênero muito desigual, em que as mulheres vêem tolhida
sua liberdade para decidir sobre seu corpo, sua sexualidade e sua capacidade repro-
dutiva por uma série de valores e normas compartilhadas nas sociedades pertinentes
às questões de gênero. Acredita que a visão que as mulheres têm de sua identidade e
de sua sexualidade, além de incidir no risco de câncer do colo do útero, afeta a sua
propensão a realizar o exame que permite detectar precocemente este câncer.
Nesse sentido, a justificativa de D. Esperança para o fato de nunca
ter realizado o exame de prevenção do câncer do colo uterino, aliado a outros fatores
como a comunicação da forma como algumas mulheres se referem à dor ou descon-
forto na realização do exame, questões emocionais relacionadas à vergonha e medo,
podem revelar a pouca importância dada ao cuidado com o seu corpo e pelo fato de
não estar tendo nenhum sintoma de doença, achando-se sadia:
Sei lá, naquele tempo eu não me interessava muito não! Não ligava
né. Eu achava que não era nada. É, eu não sinto nada, tenho saúde.
Toda vida eu nunca senti nada (...) Eu era boa, né, não sentia nada
(rindo) (D. Esperança).
Pinho (2003), em estudo realizado no município de São Paulo, ao
perguntar às mulheres qual era o principal motivo para nunca terem realizado o exame
CCO, 45% responderam que achavam que eram saudáveis por não apresentarem
95
queixas ginecológicas e, conseqüentemente, não viam necessidade de realizá-lo, po-
dendo explicar, em parte, porque a maioria dos casos de câncer do colo do útero di-
agnosticados pelo exame, se apresenta numa fase tardia da doença, cujo prognós-
tico não é tão alentador, contribuindo para a permanência das altas taxas de morta-
lidade por câncer cervical.
Os resultados obtidos em estudo realizado na América Latina por Al-
varez (1998) mostram que a maioria das mulheres se adequa às expectativas da rela-
ção tradicional com a maternidade, o sofrimento, a ordem e a limpeza, não dispondo
de tempo para adoecer. As mulheres de menor idade e com maior nível educacional
mostraram menor adequação a essa relação tradicional citada.
Para Giffin (2002) as questões de equidade na ótica do gênero femi-
nino remetem ao entendimento de que a mulher tem uma sobrecarga de trabalho e
falta de tempo para se cuidar, definida ideologicamente como cuidadora de outros.
Ainda carrega o efeito de discriminação e preconceito em relação à sua sexualidade,
dificultando o acesso e adequada atenção e prevenção das doenças sexualmente
transmissíveis, além de ser excluída de posições hierarquicamente superiores de de-
cisão política e como integrante de protocolos de pesquisas básicas em função das
complexidades do corpo reprodutivo.
Percebemos ainda na fala de D. Esperança, a economia emocional
alterada que só se revela na quarta entrevista, quando afirma sobre as dificuldades de
relacionamento com o seu cônjuge, que estava envolvido com outra pessoa:
Eu pego ele (sic) com a mulher e ele fala que o tem nada com a
mulher. Ele tava (sic) abraçado com ela, decerto tava se beijando,
não sei. Ele fala que nunca teve nada com a mulher e porque a mu-
lher liga vinte e quatro horas? E ele não sai de lá. Ele me xinga tudo,
que vai largar de mim, que vai morar com a mulher (D. Esperan-
ça).
Este fato demandou dela um grande investimento emocional, de tal
forma que parece ter deixado de olhar e cuidar de si para garantir a estabilidade do
seu relacionamento marital. Quando realizamos esta entrevista, D. Esperança tinha
voltado a Cuiabá para a avaliação após três meses do tratamento e, durante uma hora
e meia, ela pouco falou sobre sua saúde ou sobre a recuperação após o tratamento,
96
pois parecia bastante angustiada com a situação que estava vivendo com seu cônju-
ge, alternando com momentos de raiva:
Ele fala que não gosta de mim, fala um monte de coisa (sic). Eu vinha
pra e queria seguir em frente, que não dá por causa dos fi-
lhos.(...) Eu cheguei no bar e quebrei todas as coisas, ele não fez na-
da. Ele fez foi ir embora e me xingando (sic). E se eu chegar e pe-
gar essa mulher com ele no bar, vai ficar feio. Ou ela vai me matar ou
eu vou matar ela (sic) (...) Sinto uma dor forte no peito, fico tremendo!
(D. Esperança).
Em outros momentos demonstrava a sensação de ser “dona” do ma-
rido, num esforço de ficar próxima dele:
Eu quero viver com ele. Eu não tenho coragem de separar dele, e
deixar os filhos. Pra mim sair também não (sic). Não tenho lugar
pra morar. Pelo menos ficando com ele, tem a casa pra morar, né.
(...) Mas eu não tenho calma, agente o controla não... Não segura,
não (...) Mas ele é meu, não é dela! (D. Esperança).
A teoria feminista se refere a essa identidade feminina que só se rea-
firma dentro da união estável - a mulher existe por “ter um homem” podendo se ver
isso claramente na entrevista, mas a exaustão emocional e a retomada de si podem
ser identificadas nas falas onde ela afirma que “precisa resolver essa situação”:
Quando eu chegar vou dar um jeito na minha vida, não pra ficar
desse jeito. Ficar sofrendo, tanto sofrimento! Cansei, com ele não vou
ficar mais não. (...) Não quero nem saber da casa, não me interessa
nada, chega de humilhação! (...) Chegando vou viver minha vida,
se ele quiser vender a casa, que venda. Eu caibo em qualquer lugar,
na cidade tenho muitas amigas e gente boa que diz que se quiser
morar pode vir hoje (...) Só que eu penso nos filhos...os dois peque-
nos... (D. Esperança).
D. Esperança em sua fala mostrou desconhecer os seus direitos le-
gais como esposa e companheira numa união estável como a sua, com mais de 18
anos, quanto à divisão dos bens, pensão alimentícia para os filhos menores e outros.
O marido é o provedor do lar e ela mostra claramente não estar preparada emocio-
nalmente para enfrentar a situação de uma separação, além de não ter qualificação
profissional para se inserir no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo em que se mos-
97
trava decidida em cuidar da sua vida e viver longe do marido, pensava e se mostrava
insegura:
Tem que pensar muito, ele tem que respeitar muito eu (sic), eu não
respeito ele? (...) A gente separa do marido, quem (sic) errada é a
mulher (...) Separação é duro... eu acho... minha mãe fala que tem
que ter paciência, que não é fácil pra quem tem filho pequeno (D. Es-
perança).
D. Esperança diz a si mesma que ela é a dona do marido, no entanto
fala que quer deixar o marido devido às humilhações e ao mesmo tempo se preocupa
com a imagem de mulher separada que a sociedade e a mãe dela têm. Isso faz com
que ela fique insegura e oscilando entre permanecer e sair dessa situação.
uma alternância de pensamentos e de propósitos sustentados
pelos valores e pela carga moral de mulher separada, para decidir sobre sua vida,
num intenso conflito, que decorre de sua condição de ser mulher, dependente do ma-
rido, sua existência depende da forma como o marido a trata, mas, ao mesmo tempo,
reflete sobre seu projeto de vida, quer retomar o controle da sua vida, largar tudo e
viver só, e vem a preocupação com os filhos, não querer deixá-los. No seu proces-
so de adoecimento, associam-se situações de conflito familiar que levam a reflexões
entre o passado, o presente e o futuro, em busca da reconstrução da sua vida.
Para Bordo, 1997, p.45, “a experiência feminina é amiúde uma expe-
riência na qual a mente e o corpo, a mente e a matéria, são associados e, juntos, são
explorados”. Esse conflito de idéias decorrente da aflição causada pela situação fami-
liar e de adoecimento, vivido por D. Esperança pode ser entendido quando Bordo diz
que “às vezes, somos coniventes com essa evisceração de nossa subjetividade,
mesmo quando resistimos”, e que está evidenciada na experiência das mulheres, a
perda do controle da vida pessoal, arrancada pela dominação, tornando possível a
alienação.
Este problema pessoal vivido por D. Esperança veio à tona no nosso
último encontro, quando ela voltou de Marcelândia para acompanhamento médico,
depois de três meses do término do tratamento:
Nessa entrevista, no início ela falou em problemas de família, e
com o passar da conversa ela me contou sobre os problemas que
vem enfrentando com seu marido. Durante toda a entrevista, esta foi
sua maior preocupação, percebi que ela estava com necessidade de
98
falar, de contar. Fui preparada para me aprofundar nas questões re-
lacionadas à sua doença e tratamento, mas o seu problema pessoal e
familiar predominou. Deixei que ela contasse tudo, e mesmo depois
de terminada a entrevista e desligado o MP3, ela ainda ficou falando
e contando, revelando estar muito angustiada com a situação (Diário
de Campo).
É provável que D. Esperança já estivesse vivendo essa situação com
o marido mais tempo, mas não a tinha revelado, pois durante o tratamento a sua
maior preocupação era com a doença, os efeitos causados pelo tratamento e a sau-
dade dos filhos. Sua preocupação com a doença é influenciada pela experiência vivida
corporalmente, onde o que era antes despercebido, o corpo era invisível, passa a ser
percebido, portanto, o corpo passa a ser resignificado, a ser o centro da atenção, pois
é a matéria que liga o nosso ser ao nosso mundo (LE BRETON apud MARUYAMA,
2006).
Para melhor compreender todo o processo vivido por D. Esperança,
além de seus problemas familiares e do seu problema de saúde, ao refletir sobre sua
experiência de adoecimento por câncer do colo do útero, torna-se necessário pensar
na garantia do direito específico à saúde da mulher considerando a existência da de-
sigualdade entre homens e mulheres em nossa sociedade que se reflete em discrimi-
nações e em dificuldades no mercado de trabalho, dificuldades em seu cotidiano, no
âmbito doméstico e em dificuldades no acesso a serviços e também nas respostas
dadas por estes.
Essas desigualdades são percebidas nas dificuldades encontradas
por D. Esperança ao procurar o serviço de saúde para ter suas necessidades em saú-
de atendidas, na sua vivência durante o tratamento do câncer do colo do útero, no seu
relacionamento com o esposo, na realização tardia do exame de prevenção do câncer
e também ao buscar alguma atividade laborativa, pois além da carga moral por ter tido
o câncer, apresenta limitações sócio-culturais.
D. Esperança era atendida no mesmo serviço de saúde que fre-
qüentava há anos, e teve que pedir ao médico que solicitasse um exame de Ultra-som
na tentativa de resolver o seu problema de sangramento vaginal persistente, que mui-
to a incomodava, conforme seu relato:
Tava com muita hemorragia, né. E aí eu falei para o Doutor que que-
ria fazer um Ultra-som, pra ver o que era, mulher, que aquilo não era
99
normal. Eu pedi mesmo! Eu falei com ele, senão Oh! Tava lá até hoje!
(sic) (D. Esperança).
Essa morosidade dos profissionais pode ser verificada in loco, e de-
pois de realizadas as entrevistas tive acesso às cópias dos prontuários de todos os
serviços onde D. Esperança fez seu acompanhamento de saúde, desde o PSF, que
ficava ao lado de sua casa, ao Hospital Regional de referência e depois para Cuiabá.
O profissional de saúde ao desvalorizar o sangramento vaginal pode tê-lo associado à
“menstruação”, processo fisiológico e, portanto, não percebido como anormalidade na
nossa sociedade. Pude entender como as práticas de saúde adotadas foram apreen-
didas por D. Esperança quando diz:
Sei lá, eles são muito devagar (...) Porque não resolve os problema
(sic). São devagar, não liga com nada, quero dizer que fica pela últi-
ma hora, né. Pela última hora (...) Prá poder bater um Ultra-som
(sic), a gente tem que ficar falando! Não se preocupa o (D. Espe-
rança).
A experiência vivida por D. Esperança ao procurar repetidas vezes o
serviço de saúde para encontrar tratamento para o sangramento constante, que inter-
feria significativamente em seu cotidiano como mulher, reforça o entendimento sobre
essa desigualdade existente entre homem e mulher, reforçado ainda pela desigualda-
de entre o profissional de saúde e a mulher usuária do serviço e pela cultura da “nor-
malidade” do sangramento vaginal.
Para compreender melhor a vivência de D. Esperança é preciso
compreender a definição do gênero como um produto social, aprendido, representado,
institucionalizado e transmitido ao longo das gerações, envolvendo a noção de distri-
buição desigual de poder entre os sexos, cabendo às mulheres uma posição subalter-
na na organização da vida social (SORJ, 1992). Embora seja difundida culturalmente
a posição de subalternidade das mulheres, em certos momentos cada mulher reflete
sobre si e busca meios de resistir a essa cultura, como ocorreu com D. Esperança ao
insistir sobre a alteração em sua saúde.
Mesmo D. Esperança indo à consulta médica várias vezes com a
queixa de um sangramento identificado por ela como anormal, o profissional médico
falava que era normal, reforçando assim a dominação e o valor da norma do sangra-
mento vaginal, percebidos assim em suas palavras:
100
O médico falava que era normal né, aí eu ficava naquela né... (sic) (D.
Esperança).
As diferenças do gênero traduzem as diferentes relações de poder:
“Como na dialética entre o escravo e seu senhor, homem e mulher jogam, cada um
com seus poderes, o primeiro para preservar a sua supremacia, a segunda para tornar
menos incompleta sua cidadania” (SAFFIOTI, 1992, p. 184).
O poder simbólico sobre o corpo e sobre a vida, se mostra através
da prática médica, deixando de escutar as queixas de D. Esperança e de identificar
precocemente a evolução de um câncer que dava sinais claros de sua presença pelo
sangramento anormal, sendo assim detalhado por Pereira:
No campo da saúde o poder simbólico se estrutura mais especifica-
mente sobre três pilares; primeiro, a generosidade intrínseca de tratar
dos que precisam e não podem pagar, segundo, a manutenção de
um monopólio quase absoluto dos saberes sobre o corpo e as dife-
rentes formas de nele intervir, processo que acontece simultanea-
mente e que configura o terceiro pilar, que é a desqualificação do ou-
tro enquanto portador de saberes e de direitos sobre o próprio corpo
e sobre a saúde (PEREIRA, 2000, p. 97).
O corpo e a linguagem corporal representados pelo que comemos,
como nos vestimos e os rituais diários de cuidados com o corpo são agentes de cultu-
ra, sendo o corpo considerado por Pierre Bordieu e Michel Foucault, como um lugar
prático direto de controle social (BORDO, 1997). Em especial o corpo feminino, tem
suas forças e energias habituadas ao controle externo, à medicalização, à sujeição à
lógica médica, que negava haver problemas com o corpo de D. Esperança.
Pereira, 2000, p.103, afirma que o profissional médico se destaca na
relação de dominação nos serviços de saúde, pois “é ele quem determina e quem
estrutura, através de seus saberes e conhecimentos, a diferença entre a sua posição
e a da paciente, é ele que estrutura o sistema de comunicação, de acordo com a per-
cepção que tenha da pessoa que estiver ali na sua frente”.
Para Bourdieu (1999) a visão androcêntrica não tem necessidade de
se enunciar em discursos para sua legitimação, pois a força da ordem masculina dis-
pensa justificação. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica rati-
101
ficando a dominação masculina em que se alicerça, claramente explicitado na divisão
social do trabalho, atividades atribuídas a cada um dos sexos, na estrutura do espaço
e do tempo reservado a cada um.
A prática negligente pode no caso estudado, ser identificada a uma
prática masculina, dispensando assim justificação, conforme o simbolismo da domina-
ção masculina. Como essa prática não é denunciada e muitas vezes não é percebida
pelas usuárias, se torna socialmente aceita e banalizada.
Bourdieu na dominação masculina o que ele denomina violência
simbólica, exercida pelas vias simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou do
desconhecimento, do reconhecimento ou em última instância do sentimento. “A lógica
paradoxal da dominação masculina e da submissão feminina, que se pode dizer ser,
ao mesmo tempo e sem contradição, espontânea e extorquida, pode ser compre-
endida se nos mantivermos atentos aos efeitos duradouros que a ordem social exerce
sobre as mulheres” (BOURDIEU, 1999, p.50), ao que acrescento, e sobre as práticas
de saúde que trabalham com o corpo das mulheres.
Para Bourdieu (1999) a força simbólica é uma forma de poder que se
exerce sobre os corpos, e a dominação masculina tem por efeito colocar a mulher em
dependência simbólica e, consequentemente, em dependência em relação aos outros
(e não aos homens) tendendo a se tornar dependência como constitutiva de seu
ser.
As Políticas Públicas, programas e ações governamentais desempe-
nham um papel importante diante do quadro das desigualdades, especialmente das
desigualdades de gênero. Segundo Farah (2004) as ações podem reforçar as desi-
gualdades, por não estarem atentas às desigualdades de gênero, ou buscar combatê-
las reconhecendo a sua existência e entendendo que elas devem e podem ser reduzi-
das.
O combate à desigualdade de gênero deve ser integrado ao combate
às outras desigualdades, identificando-se como e onde elas se manifestam e quais
seus impactos para o planejamento de estratégias e definição de prioridades de ação
(FARAH, 2004).
Além da desigualdade de gênero, também pode se perceber a desi-
gualdade entre o conhecimento dos profissionais de saúde e a usuária, revelando a
desigualdade que o poder e o saber dos profissionais de saúde provocam na relação
102
com a mulher que freqüenta os serviços de saúde. A postura do profissional que de-
tém o conhecimento e o poder sobre a vida, o impede de perceber o conhecimento e o
valor daquela usuária já fragilizada pelos seus problemas de saúde.
As mulheres, mais especificamente as mulheres pobres, estão entre
os segmentos mais vulneráveis da população, segundo Farah (2004), e são estas que
compõem grande parte das usuárias do Sistema Único de Saúde, a exemplo de D.
Esperança, que comparecia frequentemente à Unidade de Saúde, seja para cuidado
com os filhos, ou para cuidado à sua própria saúde, se caracterizando como usuária
padrão, como diz: “
Ia medir a pressão, febre, vacina... é pertinho” (
D. Esperança
).
Na realização deste estudo e com minha experiência de atuação no
Sistema Único de saúde, posso afirmar também que falta de comprometimento e
interesse por parte de profissionais de saúde que atuam na Atenção Básica onde deve
ocorrer a detecção precoce do câncer do colo do útero, resultando numa má prática
que deixa adoecer e até morrer. Essa negligência não é assim percebida pelos gesto-
res, por não existirem mecanismos estabelecidos de monitoramento e avaliação das
práticas que permitam o seu conhecimento e consequentemente a utilização de medi-
das administrativas que penalizem e coíbam essas práticas descompromissadas com
a mulher e diminuam os índices de morbimortalidade por câncer do colo do útero.
São realizados com freqüência cursos de capacitação as profissio-
nais que atuam nos serviços de saúde, mas pela falta dos mecanismos de monitora-
mento e avaliação, não é possível avaliar os impactos dessas capacitações na melho-
ria das condições de saúde dos usuários.
Essa realidade nos leva a refletir como devem ser focalizadas as Po-
líticas Públicas de saúde e sobre a influência da presença ativa das mulheres presen-
tes nos espaços de decisão e comprometidas com a transformação da sociedade.
D. Esperança permaneceu em Cuiabá, desde o diagnóstico do cân-
cer até o término do tratamento, que foi de 06 de dezembro de 2006 a 05 de março de
2007 (noventa dias). Quando tive o primeiro contato com ela, no dia 10 de fevereiro de
2007, o seu tratamento já estava no final do segundo mês, mas acompanhei ainda no
momento das entrevistas e visitas, vários efeitos colaterais causados pela agressivi-
dade do tratamento.
Em seu tratamento D. Esperança foi submetida a quatro sessões de
Braquiterapia no Hospital do Câncer, trinta e quatro sessões de Radioterapia na Santa
103
Casa e sete sessões de Quimioterapia no COC - Centro de Oncologia de Cuiabá. Foi
um tratamento planejado de acordo com o estadio do câncer do colo do útero, que
também apresentou infiltração parcial dos paramétrios, ultrapassando os limites do
colo uterino. Para seu caso não foi recomendada a histerectomia.
A Radioterapia destrói as células tumorais através de feixes de radi-
ações ionizantes, sendo planejada a dose, tempo de exposição e local, geralmente
fracionada em doses diárias iguais. Busca-se erradicar todas as células tumorais, com
o menor dano possível às células normais circunvizinhas, pois elas farão a regenera-
ção da área irradiada (BRASIL, 2007 b).
A morte celular pode ocorrer por vários mecanismos, desde a inati-
vação de sistemas vitais para as células até sua incapacidade de reprodução, e as
respostas dos tecidos às radiações dependerá da sensibilidade do tumor à radiação,
da sua localização e oxigenação, da quantidade e qualidade da radiação e também do
tempo total em que ela é administrada (BRASIL, 2007 b).
D. Esperança se submeteu a sessões de Radioterapia diárias, de
segunda a sexta feira, excetuando os dias de feriado, o que aconteceu nos feriados de
Natal, Ano Novo e Carnaval.
A Braquiterapia utiliza isótopos radioativos ou sais de rádio aplicados
de forma intracavitária ou intersticial, sob a forma de tubos, agulhas, fios sementes ou
placas que geram as radiações (BRASIL, 2007 b).
A fadiga é efeito esperado da Radioterapia, pois o organismo dis-
pende grande quantidade de energia na reparação de estruturas irradiadas. Também
a irradiação de tumores localizados no abdome e na pelve pode causar diarréia em
maior ou menor intensidade, dependendo da reação do organismo. A irradiação de
tumores localizados na pelve pode causar irritação na bexiga, causando desconforto
ou dor para urinar, e às vezes até sangramento. Também a boca seca é uma reação
esperada (BRASIL, 2007 b). Esses efeitos esperados do tratamento foram narrados
por D. Esperança:
Minha bexiga arde muito, é 24 horas. Ardendo, ardendo, ardendo,
queimando que nem fogo! depois que ele passou o remédio, me-
lhorou muito. Era um problema pra fazer xixi ardia. Agora parou mais,
diminuiu bastante mesmo. (...) Sinto dor na bexiga. Arde né, co-
meça arder, tem que ficar deitada e melhora. Uma dor agoniada,
que fraquinha. Muita dor de barriga. (...) Tenho diarréia. Eles falam
que é por causa da rádio, né (D. Esperança).
104
a Quimioterapia, interfere no processo de divisão e crescimento
celular, diminuindo a intensidade do crescimento ou até mesmo destruindo as células
que estão se dividindo desordenadamente. As células normais que se encontram em
crescimento e estão se dividindo, também são afetadas pela Quimioterapia, que são
geralmente as células que possuem maior intensidade de multiplicação, incluindo as
células da medula, o revestimento do trato gastrointestinal e os folículos do cabelo
(BRASIL, 2007 b).
Os efeitos colaterais da Quimioterapia são explicados pelo efeito que
a medicação produz nas células normais, tais como náusea e vômito, diminuição da
resistência contra infecção, anemia, perda de cabelos e outros (BRASIL, 2007b).
Algumas dessas reações foram sentidas por D. Esperança e assim
narradas nas entrevistas:
O vômito até que parou. Tudo o que eu como me dor de barriga,
mulher. (...) Minha boca amanhece inchada assim. A boca seca muito
de noite. Toda vez que eu levanto e vou no banheiro, eu lavo, toda
vez. Toda vez que eu levanto de noite tem que lavar a boca. Ponhar
um creme dental na boca, assim por dentro da boca. Se eu num es-
covar tenho que ponhar creme, lavar, lavar, lavar. (...) É vai dando
aquele enjôo assim, sabe. Eu o consigo comer (sic) (D. Esperan-
ça).
Durante o tratamento D. Esperança não apresentou queda de
cabe-
lo, efeito muitas vezes esperado da Quimioterapia, embora tenha apresentado um
emagrecimento de 8 Kg. Algumas vezes em que fui visitá-la na Casa de Apoio, encon-
trei-a deitada na cama, sentindo fraqueza, bastante pálida, e ela sempre preocupada
em ficar boa para ir para casa logo:
No dia 18/02/07, domingo, às 20h00min, fui à Casa de Apoio levar
frutas e também observar a rotina no horário noturno (D. Esperança
estava com dificuldade de se alimentar e as frutas eram de mais fácil
aceitação). Havia vários hóspedes no corredor de entrada do lado de
fora e também no corredor dos quartos, estava fazendo bastante ca-
lor, e D. Esperança estava deitada na cama, sozinha no quarto, com
a porta fechada, o ventilador de parede estava ligado. Logo que entrei
no quarto, a filha chegou, pegou as frutas e guardou na estante. D.
Esperança disse que estava bem, mas a filha disse que ela havia
vomitado, por causa dos antibióticos que estava tomando. Ela estava
cochilando um pouco, pois disse que não consegue dormir bem à noi-
te, acordando várias vezes, para ir ao banheiro (Diário de Campo).
D. Esperança se submetia ao tratamento diàriamente, de segunda a
sexta feira, e seus efeitos colaterais foram sentidos de forma bastante intensa, preju-
105
dicando a sua rotina de alimentação e sono. Na semana seguinte fui novamente à
Casa de Apoio, levar frutas e refrigerante que ela havia me solicitado, e preparada
para realizar mais uma entrevista gravada, com o objetivo de aprofundar mais na
compreensão de toda história vivida por D. Esperança:
Cheguei ao quarto, D. Esperança estava deitada, com a filha sentada
ao lado na cama. Cumprimentei, perguntei como ela estava, mas ela
falou que estava mal e nem sorriu. Disse que estava com febre e com
ardor na bexiga. Estava visivelmente abatida e deprimida e a filha se
mostrava também bastante preocupada. Mostrou-me o antibiótico que
estava tomando, conforme receita médica, mas disse que as duas
vezes que tomou, vomitou, pois o remédio tinha um gosto muito ruim.
(...) Conversei um pouco, orientei para que ela procurasse tomar bas-
tante líquido, que procurasse se alimentar para tomar os remédios,
talvez dividindo em pequenos pedaços para ela não sentir o gosto.
No tempo em que eu fiquei lá, ela levantou para ir ao banheiro, e vol-
tou dizendo que urinou um pouquinho com muito ardor. Perguntei a
ela se havia dito ao médico sobre o ardor na bexiga e ela disse que
sim e que ela havia passado um antibiótico para ela. Fiquei bastan-
te preocupada, e era visível a sua tristeza, também por não poder vol-
tar para casa logo. Não foi possível realizar a entrevista, respeitando
o seu estado (Diário de Campo).
A presença da filha ao seu lado servindo como companhia, apoio
emocional e ao mesmo tempo cuidando para ela tivesse conforto físico e atenção à
sua alimentação e higiene foi marcante em todas as minhas visitas à Casa de Apoio.
No dia seguinte fui novamente à Casa de Apoio, para acompanhar a evolução dos
seus sintomas e saber se havia melhorado:
Ao chegar a Casa, encontrei D. Esperança na janela do quarto, con-
versando com outros hóspedes que estavam sentados no corredor. A
filha estava no quarto, deitada na parte debaixo do beliche. Cumpri-
mentei-as, e ela estava bastante animada, ainda pálida, mas naquele
momento sem febre. Disse que ainda teve febre pela manhã e con-
seguiu tomar os comprimidos de antibiótico sem vomitar, pois a filha
dividiu em pequenos pedaços. (...) Conversamos bastante, e percebi
a sua grande ansiedade em voltar para casa. Ela disse que o ardor
na bexiga da diminuiu, mas continuava não conseguindo se alimentar
bem (Diário de Campo).
Além do apoio da filha, o convívio com outros hóspedes com quem
vivenciava as mesmas experiências de estar em tratamento numa cidade longe da
sua, também possibilitou a D. Esperança amenizar um pouco o seu sofrimento, embo-
106
ra esse sofrimento físico tenha sido constante e presente em sua narrativa, em todos
os nossos encontros:
Tava com 39 graus de febre. o tava nem conseguindo falar, con-
versar. Tava com sono, sono, sono, dormindo... Assim, dormin-
do... E por fora não era febre. Tava por dentro a febre. Normal e sen-
tindo frio. Com frio, frio, frio. Todo mundo com calor e eu com frio (D.
Esperança).
Após três meses do término do tratamento, na entrevista realizada
em seu retorno para avaliação médica, ao falar sobre o tratamento ao qual havia se
submetido, ao responder sobre qual havia sido pior, disse:
A rádio foi mais sofrida. Porque dói né, Mexe dentro. Era mais de
uma hora. Sentia cólica. Era forte, forte, forte. Eu pedia a Deus pra
me dar força e coragem, pra eu agüentar e vencer. E tava ali, vai cor-
rer, vai pra onde? Ia ser pior pra mim. (...) Foi difícil, tem que ter muita
fé. Fé, força e coragem. Se não tiver coragem, não agüenta não
(pensativa)... eu chegava a chorar (D. Esperança).
Percebi nas entrevistas e visitas realizadas na Casa de Apoio, como
sentimento muito presente e causador de muito sofrimento, a distância de casa, e da
família, embora tivesse sempre junto da filha que a acompanhou durante todo o tem-
po. Era frequente a sua manifestação sobre o quanto estava sendo difícil para ela ficar
em Cuiabá distante da família:
Ficar longe de casa... Muita saudade (...) Desesperada (D. Esperan-
ça).
Tinha notícias de casa por telefone quase todos os dias, quando fa-
lava com o marido que telefonava no celular de sua filha, e isso a deixava mais tran-
qüila. Ao contar sobre os telefonemas que havia feito para o marido e filhos, sempre
se mostrava bastante animada, numa procura por querer estar cada vez mais perto do
dia em que voltaria para casa e possivelmente curada:
Ele liga todo dia, todo dia. Nossa... diz ele que não a hora de nós
(sic) voltar embora, nossa...(rindo e mostrando contentamento). Todo
dia ele liga, liga duas vez (sic), três. Liga bastante veiz (sic). Ontem
107
ele ligou né, e falou ó vou ligar domingo. Quando foi à noite, ligou
de novo (D. Esperança).
Nas diversas visitas na Casa de Apoio e entrevistas realizadas o
sentimento de saudade de casa e preocupação com os filhos era bastante evidente,
além da ansiedade por terminar o tratamento e voltar logo para casa:
Mostrou-se bastante ansiosa para terminar o tratamento e ir embora
logo para casa, apesar de se mostrar resignada para ficar o tempo
que for preciso, para ir embora boa. Também bastante preocupada
com os filhos que ficaram em casa aos cuidados da avó e de uma tia,
juntamente com o pai. (...) Toda hora falava da vontade de voltar para
casa, disse que se estivesse lá, estaria boa, comendo a sua comi-
da. Tem hora que tem vontade de ir à pé. Nesse momento parece ser
a sua maior angústia, a saudade dos filhos. Nunca ficou tanto tempo
longe (Diário de Campo).
Segundo D. Esperança, não tinha condições financeiras para que o
marido e os filhos pudessem vir a Cuiabá para visitá-la e, assim, diminuir sua saudade
e angústia durante os três meses que ficou em tratamento, e tampouco o SUS está
preparado para atender à essa necessidade, pois não dentro do sistema qualquer
incentivo para que esta aproximação da família aconteça nos casos prolongados de
tratamento. Os deslocamentos e hospedagem ficam por conta da família, cabendo ao
SUS custear os deslocamentos e hospedagens dos doentes e seus acompanhantes.
Percebi também uma relação muito próxima e forte com a filha de
dezessete anos que a acompanhou durante todo o tratamento e todas as vezes que
fui à Casa de Apoio, a filha estava sempre cuidando e a ajudando. Nos momentos em
que D. Esperança estava debilitada pelos efeitos causados em seu corpo pelo trata-
mento quimioterápico e radioterápico, a filha estava sempre ao seu lado, fato que pre-
senciei em uma das visitas à Casa de Apoio:
No dia 21/02/07, às 19h00min, fui à Casa de Apoio, encontrei D. Es-
perança deitada na sua cama, e a filha estava deitada ao seu lado,
mostrando muita atenção e carinho para com ela. Ela disse que esta-
va bem, ainda com a queimação na bexiga. Havia feito às 16h00min
a última seção de Radioterapia. Amanhã a filha vai à Santa Casa
buscar o Relatório de Alta a ser feito pelo médico que conduziu a Ra-
dioterapia e no dia seguinte, ela tem consulta pela manhã com o mé-
dico responsável pelo seu tratamento no Centro de Oncologia de
Cuiabá (Diário de Campo).
108
Em algumas perguntas que eu fazia, notava também a sua depen-
dência em relação à filha quando ao responder, dirigia-se a ela para confirmar o que
dizia. A filha guardava em sua bolsa todas as receitas médicas, resultados de exames
e encaminhamentos, e era ela quem tomava as iniciativas no deslocamento em Cuia-
bá e agendamento dos exames e consultas.
A solidariedade feminina é fortemente presente nas atitudes da filha
de D. Esperança, que desenvolveu uma maturidade precoce se encontrando ainda no
final da adolescência e se transformando em cuidadora e companheira da mãe.
Esse vínculo com a filha foi como muito positivo, por lhe servir de
apoio tanto emocional como também nas questões práticas pela sua desenvoltura ao
lidar com todas as dificuldades de um serviço de tratamento ao câncer fragmentado
obrigando-a a um itinerário confuso com idas e vindas a vários serviços de acordo
com a necessidade de realizar cada procedimento.
Também considero como um fator positivo, frente a todos os proble-
mas vivenciados por D. Esperança durante o seu tratamento, a possibilidade de ter
ficado com sua filha, hospedada em Casa de Apoio onde ficou três meses custeada
pela Secretaria Municipal de Saúde de seu município e também o acesso a um fun-
cionário da Prefeitura de seu município que a transportava para todos os serviços.
Quando iniciou o tratamento D. Esperança ficou hospedada em outra
Casa de Apoio, custeada pela Prefeitura de Marcelândia, no valor de R$ 10,00 a diá-
ria, e depois de quase dois meses foi transferida para a Casa de Apoio em que se
encontrava quando realizei a primeira entrevista, segundo ela, por ser menor o valor
da diária que é de R$ 6,00. Em visita à primeira Casa de Apoio e conversa com a pro-
prietária, esta me informou que os hóspedes são transferidos quando abre vaga na
outra casa que tem custo menor, que toda alimentação é doada. D. Esperança
relatou que gostava mais da primeira casa:
Referiu que na Casa de Apoio que ficou anteriormente, era muito me-
lhor, tinha menos gente, e a dona da casa dava liberdade para que
ela fizesse comida e utilizasse a cozinha quando tivesse vontade (Di-
ário de Campo).
Por ser uma casa menor e com menos hóspedes, havia maior pro-
ximidade e possibilidade de maior liberdade, mesmo estando fora de casa, a Casa de
Apoio possibilitava uma aproximação aos seus costumes, permitindo assim que ela se
sentisse em família. Quando visitei esta Casa de Apoio, havia poucos hóspedes e
estes estavam assistindo a um filme em vídeo na varanda, juntamente com a proprie-
109
tária. a segunda Casa de Apoio, abriga um número bem maior de hóspedes e é
gerenciada por uma sociedade religiosa, mantendo uma disciplina maior no tratamen-
to com os hóspedes.
Nas Casas de Apoio uma rede de solidariedade desenvolvida pe-
los próprios hóspedes, todos vindos de municípios do interior para tratamento de saú-
de em Cuiabá, pois as pessoas que passam por sofrimento juntas, estabelecem laços
de confiança e solidariedade, como mostra D. Esperança ao contar:
Cada um fez uma vaquinha né, cada um ajudou um pouquinho, jun-
tou um dinheirinho. Comprou carne. Ah! Você não pode comer carne
de boi não, você vai comer frango, comprou um frango, cortou os pe-
dacinhos, temperou, assou pra mim. Ficou bom né (D. Esperança).
Esse episódio relatado por D. Esperança, foi vivido no dia de Natal,
onde a responsável pela Casa de Apoio juntamente com outros hóspedes, preparou a
refeição, mostrando a solidariedade entre todos e a preocupação com o seu estado de
saúde ao preparar para ela uma comida especial. A mesma solidariedade, D. Espe-
rança revela ao relatar quando estava com febre:
eu peguei né, a menina cobriu eu com uma coberta (sic). tinha
uma vizinha amiga minha de quarto né, ela me deu umas gotas de
Paracetamol. Ela me deu 35 gotas, tava com frio e febre. ela me
deu aquelas gotas de remédio e passou a febre. Com cinco minuto
(sic) fiquei boa, boa (D. Esperança).
O fato de estarem todos os hóspedes na mesma condição em trata-
mento na capital do Estado, usuários do SUS, longe de suas casas e de suas famílias,
provavelmente com as mesmas condições socioeconômicas e culturais, os aproxima,
mesmo procedentes de diferentes regiões, compartilham os mesmos valores e cren-
ças, e:
Tem amizade com todo mundo. Todo mundo que chega já pega ami-
zade né. Vai sendo amiga né. chega uma pessoa estranha, parece
que a gente conhece né. Um, dois dia já faz amizade (sic). Tem dia
que tem três, quatro aqui no quarto, conversa com um com outro,
fala dos problema (sic) (D. Esperança).
110
Em vários momentos das visitas que realizei na Casa de Apoio pre-
senciei D. Esperança conversando com as companheiras no quarto ou no corredor, e
também durante uma das entrevistas em que uma das hóspedes permaneceu no
quarto:
Perguntei se podíamos conversar, liguei o MP3, mas a hóspede ficou
no quarto o tempo todo e a filha saiu algumas vezes e voltou. Como
ela estava deitada, e na casa não um lugar reservado para a con-
versa, fiz a entrevista mesmo assim, embora de vez em quando esta
hóspede entrasse no meio da conversa, mas sem problema, pois
percebi que D. Esperança ficava bem à vontade com ela e às vezes a
conversa era até mais animada e ela se soltava mais com a presença
das companheiras (Diário de Campo).
no município de Cuiabá, várias Casas de Apoio ao interior, algu-
mas conveniadas com a Secretaria Estadual de Saúde, outras custeadas pelos muni-
cípios e também mantidas por entidades filantrópicas e religiosas.
O apoio social recebido na Casa de Apoio, além do suporte emocio-
nal recebido pela filha e pelos novos amigos também na mesma condição de estarem
longe de suas famílias em tratamento de saúde formou uma rede de relações em tor-
no de D. Esperança que amenizou seu sofrimento e a fizeram suportar com aparente
resignação o processo de tratamento do câncer.
Além da presença da filha e da convivência com outros doentes na
Casa de Apoio, a crença de D. Esperança em Deus e a expectativa de cura, foram
fatores que a ajudaram a superar as dificuldades do tratamento. Quando se refere ao
câncer, diz:
Tinha né. Agora o tenho mais. Com fé em Deus não tenho mais! É
eu tenho que tem cura né... Sarada eu to (sic)!... Eu queria um
tratamento pra não voltar mais nunca, graças a Deus até agora parou
(...) Foi difícil! Tem que ter muita fé, força e coragem. Se não tiver co-
ragem, não aguenta não... (D. Esperança).
Para Geertz, 1989, os símbolos religiosos oferecem garantia para a
compreensão do mundo e também ajudam a definir as emoções permitindo suportar
esse mundo de forma triste ou alegre, insensível ou delicada.
O sofrimento causado pela doença, neste caso o câncer, seu trata-
mento e as conseqüências dele decorrentes, a separação da família, são dimensões
111
que fogem à possibilidade de controle de D. Esperança e, neste sentido, a religião é a
dimensão que procura pela força externa, canalizar as energias para reagir às desor-
dens físicas, por meio da fé (MARUYAMA, 2004).
A crença em Deus e os padrões culturais de D. Esperança em rela-
ção à doença, a fizeram se comportar de forma resignada diante de toda parafernália
de tratamentos a que se submeteu com todos os seus efeitos indesejáveis, que ela
relata e que foram presenciados nos momentos em que realizei as entrevistas e visi-
tas à Casa de Apoio.
Nesse sentido “tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos
tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados
criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção
às nossas vidas” (GEERTZ, 1989, p.64).
Geertz, 1989, afirma que a existência da perplexidade, da dor e do
paradoxo moral é uma das coisas que impulsionam os homens para a crença em deu-
ses ou outras divindades, e em relação ao sofrimento, diz: “O problema do sofrimento
recai facilmente no problema do mal, pois se o sofrimento é normalmente muito cruel,
embora nem sempre, ele é também considerado moralmente imerecido, pelo menos
para o sofredor” (GEERTZ, 1989:121).
O aspecto cultural exerce importante influência em muitos aspectos
da vida das pessoas, com implicações importantes nas questões de saúde e na aten-
ção à saúde, além dos fatores individuais, educacionais e socioeconômicos.
O trajeto percorrido por D. Esperança foi em todos os momentos a-
companhado de sofrimento físico e emocional, agravados pelos efeitos do tratamento.
Ela precisou ser submetida a esse tratamento agressivo, à ordem medicalizante, não
por negligenciar o próprio corpo, ou por negligenciar o cuidado com a sua saúde, mas
por ter tido suas queixas e sinais físicos negligenciados por quem deveria examiná-la
e escutá-la.
Fica evidente, ao longo de 4 anos, o preço pago por D. Esperança
pela falta de escuta, ou seja, os tratamentos dolorosos, a distância da família, o medo
da doença e da morte, o prognóstico do câncer, que lhe foram impingidos por uma
prática que não sofre qualquer conseqüência pela sua ineficácia. E para o sistema
público de saúde, qual é o preço da prática negligente, descuidada? E para os profis-
sionais de saúde, qual o preço sobre a legitimidade que reivindicam ter para promo-
112
ver, cuidar, resolver problemas de saúde? Quando não o fazem por utilizar de forma
negligente seus saberes e conhecimentos, como isso repercute na sua legitimidade,
se sabemos ser essa construída muito mais através da práxis (conhecer, aplicar e
mostrar resultados concretos) do que do discurso?
A prática focalizada essencialmente sobre a parte doente, com base
na ciência médica ainda arraigada na ação de muitos profissionais de saúde do siste-
ma público sem valorizar outras dimensões da pessoa, não tem sido suficiente para
reduzir os índices de morbimortalidade por câncer do colo do útero. Isto é ainda refor-
çado pela falta de mecanismos de monitoramento da qualidade destas ações, bem
como de cobrança por partes dos gestores destes serviços, além do desconhecimento
por parte dos usuários sobre o direito a receber uma atenção a sua saúde conforme
disposto na Constituição Federal.
O custo econômico para o SUS de tratamentos de alta complexidade
como a Quimioterapia e Radioterapia é muito maior do que a atenção resolutiva na
atenção básica ou nos serviços de referência de média complexidade.
uma lacuna no SUS, em que as práticas omissas ou negligentes
não são percebidas ou denunciadas, não são avaliados os prejuízos sociais e econô-
micos causados pela ineficiência destas práticas, aumentando a vulnerabilidade dos
usuários dos serviços e os custos desnecessários para o sistema.
Na definição de Ferreira (1986, p.1792) vulnerável se refere ao “lado
fraco de um assunto ou de uma questão, ou do ponto pelo qual alguém pode ser ata-
cado ou ferido”. Baseado nesta definição, D. Esperança, durante o seu processo de
adoecimento, teve a sua vulnerabilidade pela condição de ser mulher, pobre e com
baixo nível de escolaridade, acentuada pela doença, pelo seu tratamento e pela dis-
tância da família e da sua casa.
Ayres (2003) define vulnerabilidade como a chance de exposição
das pessoas ao adoecimento, decorrente de aspectos individuais, coletivos e contex-
tuais, que levam à maior suscetibilidade do indivíduo, com maior ou menor disponibili-
dade de recursos para se proteger. Segundo esse autor, as análises de vulnerabilida-
de devem levar em conta três eixos articulados: o componente individual, o compo-
nente social e o componente programático.
O componente individual refere-se ao conhecimento e informações
que o indivíduo tem sobre determinado problema, incorporando essas informações
113
como preocupação e a transformação efetiva dessa preocupação em práticas protegi-
das e protetoras. O componente social refere-se a esse conhecimento e informações
de caráter coletivo levando a mudanças práticas de proteção, nos aspectos relaciona-
dos ao acesso aos meios de comunicação, escolarização, recursos materiais, poder
de influenciar decisões políticas, enfrentamento de barreiras culturais, entre outros.
o componente programático, diz respeito aos esforços do poder público voltados
para a prevenção, levando a uma maior chance de canalizar os recursos sociais, forta-
lecendo os indivíduos diante dos problemas de saúde. No caso específico, Ayres
(2003) trata do conceito de vulnerabilidade em relação à epidemia da AIDS e às práti-
cas de saúde.
Aqui me parece apropriado traçar um paralelo entre o câncer do colo
do útero derivado, na grande maioria dos casos, da contaminação da mulher pelo
HPV e a AIDS, que as duas patologias são de transmissão sexual e a mulher, que
por questões relativas ao exercício da sexualidade e ao gênero, acaba por ficar mais
exposta, ou seja, mais vulnerável que os homens.
Além da vulnerabilidade decorrente da condição de ser mulher e es-
tar mais exposta à doença ocasionada por transmissão sexual, no caso de D. Espe-
rança esta situação ganha outros contornos pelo estágio da doença, pelo tratamento
agressivo ao qual se submeteu, por morar distante do serviço de saúde referência no
tratamento do câncer e ficar tanto tempo longe da família, pelo medo da morte, além
do sofrimento físico agravado por uma anemia acentuada e emagrecimento.
Ayres, 2003, lembra características da vulnerabilidade em que em
algumas situações podemos estar vulneráveis a alguns agravos e não a outros, esta-
mos sempre vulneráveis em diferentes graus, e as dimensões e o graus da vulnerabi-
lidade mudam constantemente ao longo do tempo, além do caráter relacional de qual-
quer situação de vulnerabilidade que é sempre responsabilidade bilateral.
À medida que o profissional de saúde é sujeito e se preocupa com o
sujeito que adoece, deve pensar em soluções em seu micro espaço de atuação que
sejam palpáveis e realizáveis, levando em conta a vulnerabilidade desse sujeito. Se-
gundo Ayres, 2003, p.136, “o técnico da saúde, e nisso ele será insubstituível, deve ser
agora um mediador do encontro que deve se dar entre a população e o conjunto de
recursos de que uma sociedade dispõe (informações, serviços, insumos, etc.) para
construir sua saúde”.
114
Muitas vezes se coloca a culpa nas mulheres pela não realização pe-
riódica do exame de prevenção do câncer para detecção precoce do câncer do colo do
útero e ter seu tratamento efetivo, mas para que haja essa conscientização e conheci-
mento por parte da mulher é necessário haver um encontro de sujeitos, o profissional
de saúde e a mulher. O profissional de saúde, além do seu saber e conhecimentos
técnicos, deve aprender a lidar com o sujeito em situação de vulnerabilidade, deve per-
cebê-lo e aprender a enxergar e construir possibilidades de estar frente a frente, bus-
cando entender sua realidade e a partir daí transformar sua prática no serviço de saúde
e para além do serviço de saúde.
115
7. O DIREITO À SAÚDE E A INTEGRALIDADE COMO PRINCÍPIO
NORTEADOR DAS PRÁTICAS
Após a análise do funcionamento dos serviços de saúde e da vivên-
cia do adoecimento por câncer do colo do útero, em que busquei conhecer a realidade
objetiva e subjetiva de D. Esperança, nessa terceira categoria empírica farei uma aná-
lise do direito à saúde e como esse direito à saúde é permeável e é garantido a uma
mulher com câncer do colo do útero, enfocando principalmente o princípio da integra-
lidade da atenção à saúde como um princípio a ser alcançado e que se configura em
um princípio norteador para o alcance do direito universal à saúde.
Nesse sentido, a integralidade se apresenta como uma utopia, mas
é exatamente a discussão da integralidade, a tentativa de sua definição, a observação
da integralidade nas práticas de saúde, o estudo de seus vários sentidos, a sua utili-
zação como estratégia, a sua busca nas pequenas atividades do cotidiano dos servi-
ços de saúde e a sua inserção nas políticas públicas que a tornarão alcançável e pos-
sível.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 196, assegura que: “A saúde
é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e eco-
nômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recupera-
ção” indicando que a compreensão de saúde vai além do entendimento comum de
ausência de doença, e que o Estado tem o dever de garantir esses direitos (CARVA-
LHO, 2002).
A lei define o padrão de atuação para toda a sociedade e o Estado.
Para Dallari, não Estado-nacional na atualidade que não seja instituído por leis, e
nem os que não utilizem algum tipo de ordenamento legal, e que não busquem,
pela normatização, estabelecer uma comunicação com os elementos que o constitu-
em (DALLARI, 2001).
O Estado como um agente criador de leis, ao agir por via legal, atra-
vés de conjuntos de normas procura um ordenamento das relações, criando uma rea-
lidade social unificada para todo o coletivo a ele submetido (SILVA, 2005).
Constitucionalmente o SUS é organizado de acordo com as seguin-
tes diretrizes: a descentralização, com direção única em cada esfera de governo; o
116
atendimento integral, abrangendo atividades assistenciais curativas e, prioritariamen-
te, as atividades preventivas; e a participação da comunidade, ou seja, o exercício do
controle social sobre as atividades e os serviços públicos de saúde (CARVALHO,
2002).
A Lei Orgânica da Saúde que cria o SUS, estabelece que a saúde é
um direito fundamental do ser humano e deve se desenvolver de acordo as diretrizes
constitucionais, obedecendo ainda a alguns princípios. Dentre estes princípios funda-
mentais do SUS, conforme descritos na Lei 8080, a integralidade representa hoje um
dos maiores desafios nas práticas de saúde.
O direito à saúde, que ao SUS compete assegurar, está fortemente
relacionado à garantia da integralidade por meio de ações que assegurem à popula-
ção tanto a assistência curativa como preventiva. Para Pinheiro (2005 a), os desafios
para a implementação das conquistas sociais, têm sido transformá-las em práticas
concretas no cotidiano das pessoas nas instituições de saúde e nos serviços presta-
dos à população. Nesse sentido, a integralidade da atenção à saúde configura-se co-
mo eixo norteador dessas práticas para que o direito à saúde seja alcançado.
O termo integralidade expressa características desejáveis dos siste-
mas de saúde e de suas práticas, em contraste com as características vigentes ou
predominantes do sistema atual (MATTOS, 2004). Essa afirmação de que a prática da
integralidade está muito distante das práticas realizadas nos serviços de saúde, se
comprova com os relatos de D. Esperança e também com os registros nos prontuá-
rios.
A integralidade é assumida como sendo uma ação social resultante
da permanente interação dos atores na relação demanda e oferta, em planos distintos
de atenção à saúde, plano individual onde se constroem a integralidade no ato de
atenção individual e o plano sistêmico – onde se garante a integralidade das ações na
rede de serviços, nos quais os aspectos subjetivos e objetivos sejam considerados
(PINHEIRO, 2005a).
Mattos (2001) em sua reflexão sobre os sentidos da integralidade,
destaca três usos que considera mais relevantes, em que todos devem ser tratados
como sujeitos e facilita a compreensão dos sentidos da integralidade analisando o seu
uso no cotidiano do Sistema de Saúde.
O primeiro sentido diz respeito à prática da medicina integral definin-
do integralidade como um divisor que separa as boas práticas de saúde das más prá-
117
ticas de saúde. As boas práticas caracterizam-se pela recusa em reduzir a pessoa ao
aparelho ou sistema biológico que supostamente o levou a procurar o atendimento de
saúde. Ressalta a atitude do médico que no momento do atendimento ao paciente,
aproveita o encontro para investigar fatores de riscos de outras doenças que não as
que o levaram a procurar o serviço de saúde, e/ou investigar a presença de doenças
que ainda não se expressaram em sofrimento, ilustra um dos sentidos da integralida-
de. A mesma preocupação prudente com o uso das técnicas de prevenção e com a
identificação mais abrangente das necessidades dos cidadãos no que diz respeito à
sua saúde deve ser defendida pelo conjunto de profissionais dos serviços de saúde
(MATTOS, 2001).
O sentido da integralidade acima descrito não foi observado na prá-
tica, constatação esta feita através das anotações dos prontuários da Unidade Saúde
da Família onde D. Esperança era atendida, que denotam uma consulta médica volta-
da apenas para a queixa que motivou a procura ao serviço de saúde e, ainda assim,
sem anotações de anamnese, exame físico, conduta adotada, orientações realizadas
ou qualquer outra informação que mostrasse o interesse do profissional em investigar
fatores de risco de outras doenças ou realizar a investigação e prevenção de outras
doenças. Ao contrário do que este sentido expressa, as necessidades em saúde além
de não terem sido atendidas, foram negligenciadas.
Os prontuários dos serviços de referência secundários, apesar de
um pouco mais completos em relação às anotações específicas da consulta que moti-
vou a procura ao serviço, com um maior grau de informações sobre anamnese, exame
físico, condutas adotadas, também evidenciam o reducionismo de D. Esperança ape-
nas em um útero que está com um câncer:
08/10/2003 - Anotação do resultado da Biopsia de colo uterino: Epité-
lio escamoso com alterações regenerativas focais e processo inflama-
tório agudo. Anotação da conduta: Novo CCO ( Leitura do Prontuário
do Hospital Regional de Sorriso).
O segundo sentido da integralidade caracteriza a integralidade como
modo de organizar as práticas, consistindo em organizar os serviços voltados para a
articulação entre assistência e práticas de saúde pública, criticando essa dissociação
ainda hoje existente. Segundo Mattos (2001), as práticas devem ser pensadas desde
o horizonte da população e suas necessidades, e não mais do ponto de vista exclusi-
vo de sua inserção específica neste ou naquele programa do Ministério da Saúde.
118
Considerando que este sentido nos faz pensar na organização do
serviço pautada pela integralidade, onde se busca conhecer o perfil e as necessidades
dos usuários para reorganizar a assistência, não encontrei nas falas de D. Esperança
e nos documentos referentes ao seu atendimento qualquer indício de que os serviços
estivessem organizados dessa forma.
O terceiro sentido da integralidade relaciona integralidade e políticas
especiais, que são atributos das respostas governamentais a certos problemas de
saúde, ou às necessidades de certos grupos específicos. Esse sentido também diz
respeito ao elenco de ações contempladas numa política especial, mas enfatiza um
aspecto: em que medida a resposta governamental incorpora ações voltadas à pre-
venção e ações voltadas à assistência. Nesse sentido, a noção de integralidade ex-
pressa a convicção de que cabe ao governo na formulação das políticas públicas, res-
ponder a certos problemas de saúde pública, e que essa resposta deve incorporar
tanto as possibilidades de prevenção como as possibilidades assistenciais (MATTOS,
2001).
Para Mattos (2003), as políticas de enfrentamento de certas doenças
pautadas pela integralidade têm como fator marcante o fato de contemplarem tanto as
dimensões assistenciais como preventivas. Assim, elas se propõem tanto a garantir o
direito dos portadores da doença às ações assistenciais de que necessitam, como o
direito dos não-portadores a se beneficiarem com as ações preventivas, levando em
consideração as possibilidades de modificar o quadro da doença no país.
Ao analisar o contexto atual da saúde pública, Mattos (2003) enfatiza
o desafio de que as políticas busquem superar as tensões entre a saúde pública tradi-
cional e a abordagem centrada nos direitos. As políticas pautadas pela integralidade
tornam os sujeitos (doentes ou não) como tais, não negligenciando seus desejos, seus
direitos e suas necessidades, diferente do que diz D. Esperança:
Senti hemorragia, muito forte, forte, forte. Aí deu anemia, eu fiquei en-
tre a vida e a morte... Foi muito, muito mesmo, muito sangue... Eu
passava uns dias, voltava e era a mesma coisa... Por causa de por o
aparelho, né. Aí não conseguia (D. Esperança).
D. Esperança teve negligenciado seu direito à saúde, por não ter si-
do prontamente resolvido o seu problema de saúde e por ter ocorrido falhas na pre-
venção e detecção precoce do seu câncer do colo do útero, perfeitamente evitável no
serviço de saúde de seu município.
119
Além do princípio da integralidade, a Lei Orgânica da Saúde estabe-
lece outros princípios, dentre eles, a universalidade do acesso aos serviços de saúde
em todos os níveis de assistência, que também é um grande desafio para o SUS: a
garantia do acesso universal com qualidade e resolutividade.
Para Faria et al., 2007, o acesso é entendido como a possibilidade
de entrada nos serviços de saúde, sendo o conceito de acessibilidade entendido como
a atenção que os usuários recebem após a entrada nos serviços de saúde, tendo a
resolutividade e a integralidade como indicadores da qualidade dessa atenção.
Nesse sentido, a acessibilidade tem o sentido amplo, de não ser a-
penas o uso do serviço de saúde, mas também abrange a atuação dos profissionais
de saúde e do atendimento às necessidades de saúde dos usuários.
No caso estudado, D. Esperança tinha acesso fácil ao serviço de sa-
úde de atenção básica, próximo de sua residência, mas quando analisamos a acessi-
bilidade em seu sentido amplo, considerando a atuação dos profissionais de saúde e o
atendimento às suas necessidades de saúde, percebe-se que esse direito não foi res-
peitado quando diz:
olha, não é muito bom não (referindo-se ao PSF) porque não resolve os proble-
ma.
Para Cohn, 2005, p. 398, “qualquer direito universal como direito de
cidadania requer que o Estado tenha capacidade de ofertar serviços adequados e o
acesso integral a diferentes níveis de atendimento contemplando as necessidades dos
cidadãos, independentemente da situação destes no mercado”.
A universalidade, por outro lado se transforma numa rede de capta-
ção e meio de expansão a serviços para os quais o SUS não garante respaldo
(COHN, 2005). Percebo isso no contexto das práticas vividas por D. Esperança e
também na prática diária atuando neste sistema, que mostra lacunas no atendimento,
falta de resolutividade nos vários níveis de atenção, pois não oferece atendimento de
qualidade às demandas e necessidades de saúde da população.
Essa premissa de universalidade do acesso à saúde vem sendo
comprometida pelo desfinanciamento do SUS, conseqüente ao compromisso dos su-
cessivos governos de obter elevados superávits primários e do orçamento da seguri-
dade social não institucionalizado (BAHIA, 2005).
Bahia, 2005, considera que na prática, a instituição legal das diretri-
zes do SUS, não têm sido suficientes para que o direito à saúde seja garantido à po-
120
pulação, pois ainda o sistema de saúde é considerado por muitos como um sistema
para pobres. Assim, a partir de uma visão otimista, o SUS encontra-se em uma etapa
de um processo de amadurecimento que evoluirá para um sistema de fato único, e por
outro lado, numa visão pessimista, o SUS tem sido visto como demonstração da inefi-
ciência do sistema público e da imprescindibilidade do setor privado.
Para Bahia, 2005, p.410, “ambas as interpretações supõem a impos-
sibilidade de uma universalização, em curto prazo, e, de certo modo, admitem uma
complementariedade harmoniosa entre sistemas diferenciados pelo status socioeco-
nômico das demandas”, e ainda enfatiza que na análise do SUS e da expansão dos
planos de saúde privados foram elaborados os referenciais de cidadania regulada,
universalização excludente, cidadania invertida, americanização do sistema de prote-
ção social e acumulação de direitos, especificamente em função dos desafios de refle-
tir sobre o sistema de saúde brasileiro, formalmente universal e, na prática, segmen-
tado e estratificado.
A igualdade da assistência, também estabelecida como princípio
constitucional do SUS, deve ser oferecida sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie.
No entendimento de Travassos (1997), “a saúde apresenta forte gra-
diente social, que tende a ser desfavorável aos indivíduos pertencentes aos grupos
menos favorecidos”, o que foi evidenciado no atendimento realizado a D. Esperança,
que demonstrou um forte componente de descaso às suas queixas e suas necessida-
des em saúde.
Travassos (1997), ainda enfatiza que os socialmente menos privile-
giados tendem a adoecer mais precocemente, exemplificando as doenças crônico
degenerativas que tendem a se desenvolver nos grupos socialmente menos privilegi-
ados até trinta anos antes de seu surgimento nas pessoas dos grupos no topo da pi-
râmide social.
O direito à informação e a divulgação de informações sobre o poten-
cial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário, são princípios que garantem
ao usuário o direito a conhecer o local, horário de atendimento, nome dos profissionais
de saúde, quais procedimentos serão realizados, informações sobre a sua doença,
tratamento e prognóstico e ter respondidas todas as suas dúvidas em relação à sua
doença, e também saber a quem recorrer em caso de necessidade e como utilizar-se
dos serviços de saúde postos à sua disposição.
121
Em todo o percurso realizado por D. Esperança no SUS, pudemos
perceber que esse direito à informação foi apenas parcialmente atendido, principalmen-
te no que diz respeito às informações sobre sua doença, tratamento e prognóstico. De
acordo com sua fala durante as entrevistas, as informações que recebia dos médicos
eram sempre muito vagas, não oferecendo a ela conhecimento mais aprofundado so-
bre sua doença e os procedimentos aos quais se submeteu para tratamento, denotan-
do que o perfil socioeconômico pode interferir na garantia desse direito. Neste aspecto
é preciso levar em conta que o profissional de saúde foi moldado com base na ciência
médica e D. Esperança tem em sua bagagem experiências vividas em seus contextos
socioculturais, caracterizando a relação entre profissional e usuária sempre como uma
relação assimétrica.
A precariedade das anotações no seu prontuário do PSF e a demora
em ter sido feito o diagnóstico do câncer, são observadas nas consultas realizadas,
como no dia 24/04/2006, onde lemos em seu prontuário: “41 anos, metrorragia” sem,
no entanto, identificar a possível relação entre este sinal e o câncer do colo do útero e
informá-la. Ao deixá-la desinformada sobre essa relação outra conseqüência se produ-
ziu, pois se ela soubesse poderia ter se mobilizado e procurado outros serviços de sa-
úde.
Embora não tivesse a resolutividade necessária à sua necessidade
de saúde, o serviço de saúde responsável pela atenção básica, configurado dentro do
SUS como porta de entrada da atenção, era utilizado de forma constante por D. Espe-
rança. Assim, mesmo conhecida daquele serviço, pois era cliente” habitual, sua ne-
cessidade foi negligenciada, levando-a a se tornar mais um número nas estatísticas
epidemiológicas do câncer do colo do útero em Mato Grosso.
O conhecimento e a utilização da epidemiologia para o estabeleci-
mento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática, estabele-
cido como princípio do SUS, faz parte dos conteúdos trabalhados nos cursos de gra-
duação em saúde, além de serem disponíveis aos profissionais da área interessados
em, de fato, resolver necessidades de saúde.
Se a epidemiologia fornece elementos para conhecer a problemática
do câncer do colo do útero, são os princípios éticos que orientam a prática cotidiana
que proporciona os instrumentos para criar/ engendrar/ inventar/ solucionar/ dar res-
postas efetivas às necessidades de saúde da população que precisa dos conhecimen-
tos que o profissional de saúde domina e tem o dever de compartilhar. Só assim pode-
122
se interferir positivamente nos atuais índices epidemiológicos e realmente poder fazer
valer os saberes para a melhoria dos níveis de saúde deste que deveria ser a priori-
dade – o usuário do SUS, pois estamos falando dos profissionais de saúde que atuam
no SUS.
Os dados epidemiológicos de morbimortalidade por câncer do colo
do útero, descritos anteriormente, mostram a necessidade de que as medidas de
prevenção e detecção precoce sejam realizadas em todas as unidades básicas de
saúde de forma efetiva, não tendo sido essa prática observada no caso estudado,
como nos aponta o Itinerário Terapêutico percorrido por D. Esperança.
A participação da comunidade na gestão, no controle e na fiscaliza-
ção dos serviços e ações de saúde a cargo do SUS é um dos pilares da organização
do sistema, definido na Constituição (artigo 198, III) (CARVALHO, 2002).
O Controle Social, organizado através dos Conselhos Municipais e
Estadual de saúde, está estruturado em todos os municípios do Estado, mas ainda
com uma forma de atuação bastante insipiente, denotando ainda desconhecimento,
por parte da população, de seu real papel na participação e acompanhamento do
SUS.
A descentralização político-administrativa, com direção única em ca-
da esfera de governo, com ênfase na descentralização dos serviços para os municí-
pios e regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde, segundo Carva-
lho (2002) configura-se na espinha dorsal do SUS.
No caso específico da atenção ao câncer do colo do útero, a regio-
nalização da rede de serviços ainda não acontece nos serviços de alta complexidade,
por requerer maiores recursos e atenderem uma demanda maior, estando estes con-
centrados na capital Cuiabá, com implantação recente em Rondonópolis e Sinop, re-
gionais do interior do Estado, mostrando um avanço na descentralização dos serviços.
Os serviços de média complexidade estão estruturados na maior parte das regiões,
tendo D. Esperança sido atendida na referência regional em Sorriso no tratamento e
acompanhamento da Neoplasia Intraepitelial III detectada pelo exame CCO realizado
no PSF.
O Estado de Mato Grosso tem se estruturado nos últimos anos prio-
rizando a organização dos serviços em todas as regiões com a estruturação de Hospi-
tais Regionais, Consórcios Intermunicipais de Saúde, Escritórios Regionais de Saúde,
123
Centrais Regionais de Regulação, além do apoio e incentivo para real estruturação
dos municípios que têm a responsabilidade da execução e gestão dos serviços de
acordo com a capacidade de sua rede de serviços.
A capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assis-
tência, também estabelecida como princípio constitucional do SUS, foi neste estudo
analisada como a resolutividade da atenção ao câncer do colo do útero. Para Carva-
lho (2002) a prática das ações e dos serviços de saúde, unida à exigência de qualida-
de e efetividade pelo indivíduo e população, adotou, com muito acerto, o termo resolu-
tividade, significando a qualidade de resolutivo, que resolve.
Neste estudo ficou bastante evidenciada a falta de resolutividade re-
lacionada às práticas dos profissionais e à organização do serviço de atenção básica
ao qual D. Esperança está vinculada, considerado como porta de entrada do sistema
de saúde. Foram praticamente três anos para diagnosticar o câncer do colo do útero,
com evidências clínicas, e ainda por insistência desta que não suportava mais convi-
ver com os constantes sangramentos vaginais.
Para melhor compreensão e análise do direito à saúde de uma mu-
lher com câncer do colo do útero, é necessário também analisar especificamente o
direito à saúde da mulher.
Até 1988, o Código Civil tornava marcante a superioridade do ho-
mem em relação á mulher pela orientação de todos os seus artigos relativos à família,
sendo que a Constituição Brasileira de 1988 vem reconhecer a igualdade entre ho-
mens e mulheres na vida pública e privada, levando à repercussão importante no Di-
reito Civil, embora a família ainda seja o espaço da hierarquia, da discriminação e da
subordinação e da violência, ocasionando graves prejuízos para toda a sociedade
(BARSTED, 1999).
Na última década do século XX, houve importantes mudanças jurídi-
cas, ocorridas por pressão do movimento de mulheres, nacional e internacionalmente,
incorporando na Lei a perspectiva de direitos sexuais e reprodutivos, fundamentados
pela cidadania e os direitos humanos. Como marco destas mudanças, Barsted (1999)
ressalta a importância da Conferência Mundial de População e Desenvolvimento, rea-
lizada no Cairo, em 1994, que introduziu no seu Plano de Ação, um novo paradigma
para o debate sobre população, enfocando o respeito aos direitos reprodutivos como
direitos humanos e insta os Estados-membros das Nações Unidas a assumirem com-
124
promissos para a eliminação da pobreza e o respeito aos direitos humanos fundamen-
tais, especificamente nos aspectos relativos à condição da mulher.
Barsted (1999), também enfatiza a IV Conferência Mundial da Mu-
lher, realizada pelas Nações Unidas, em Beijing, China, em 1995, que aprovou uma
Declaração e uma Plataforma de Ação voltadas para fazer avançar os objetivos da
igualdade, desenvolvimento e paz para todas as mulheres, ratificando as conquistas
das conferências anteriores e avançando ainda mais na definição de direitos e estra-
tégias necessárias para a concretização da cidadania da mulher.
A mulher que a Plataforma de Ação propõe ao mundo, endossada
pela comunidade internacional, “é uma cidadã completa, responsável por si mesma,
pela sua família, pela comunidade e sociedade em que vive”, cidadã de um mundo
civilizado, ao partilhar em igualdade de condições essas responsabilidades com os
homens (ONU, 1996, p 13).
“As mulheres contribuem para a economia e para a luta contra a po-
breza através de seu trabalho remunerado e não remunerado no lar, na comunidade e
no local de trabalho”, conclui esta Conferência, definindo que “a concessão à mulher
dos meios necessários para a realização de seu potencial é um fator decisivo para
erradicar a pobreza” (ONU, 1996, p 53).
A Conferência de Beijing reafirmou o entendimento de que o fortale-
cimento das mulheres é condição indispensável ao progresso para todas as nações,
principalmente “através de investimentos na melhoria de suas condições de saúde e
educação, da eliminação da violência que sobre elas se abate e assegurando seu
acesso ao poder decisório”, indo além da questão de justiça e democracia (ONU,
1996, p.12).
Esse fortalecimento refere-se à participação política e econômica, e
da tomada de decisões de forma a garantir os direitos e interesses das mulheres. Da
mesma forma utiliza-se a palavra empoderamento (ou empowerment) que consiste em
um neologismo, para designar a orientação política de tornar a mulher sujeito de seus
atos e tornar-se mais competente para enfrentar a discriminação e mais consciente do
próprio valor ( PINSKY, 2003).
Assim, o empoderamento deve ser objetivado no enfrentamento das
desigualdades sociais através das políticas públicas e planejamento das ações de
125
atenção à saúde, levando a mulher a adquirir maior controle sobre as decisões que
afetam sua vida.
O poder diferencia, distingue e traduz a idéia de dominante e domi-
nado. Quando o serviço e profissionais de saúde mantêm a mulher usuária na igno-
rância, está reforçando o seu poder, este entendido como a capacidade de impor a
própria vontade ao comportamento alheio. Mas nos interessa mais a idéia do poder
legítimo tal como proposto por Hannah Arendt, que o define como a “faculdade de
alcançar um acordo quanto à ação comum, no contexto da comunicação livre de vio-
lência” (HABERMAS, 1976, 9.101). D. Esperança teve que retornar muitas vezes ao
serviço para ter seu problema atendido, assim vemos que o serviço ainda impõe sua
lógica à mulher, que diz: Sei lá, eles são muito devagar... é que eu ia consultar e o
doutor falava que era normal” (D. Esperança).
Ora, se o poder resulta da capacidade humana, não somente de a-
gir ou de fazer algo, como de unir-se a outros e atuar em concordância com eles”,
que se buscar essas interações entre profissionais de saúde e usuários na formação
de uma vontade consensual, buscando o entendimento recíproco (HABERMAS, 1976,
p.101).
Segundo Hannah Arendt, o poder serve para preservar a práxis que
o origina, sendo que o próprio mundo da vida é pleno dessa práxis, pela “teia das re-
lações humanas”, configurando-se nas histórias em que os sujeitos se envolvem na
atividade e no sofrimento (HABERMAS, 1976, p.104) e a partir daí tornam-se sujeitos
de direitos.
Os programas de combate à violência contra a mulher, os programas
de habitação e desenvolvimento urbano e mais especificamente, as iniciativas da área
de saúde que adotam a perspectiva da integralidade, correspondem à ampliação do
espaço da cidadania e à extensão de direitos a um segmento da população até então
“invisível” (FARAH, 2004).
No relatório da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em
Beijin, no capítulo referente à mulher e à saúde, são destacados cinco objetivos estra-
tégicos: 1) “Promover o acesso da mulher durante toda sua vida a serviços de atendi-
mento à saúde, à informação e serviços conexos adequados, de baixo custo e boa
qualidade” (ONU, 1996, p.82); 2) “Fortalecer os programas de prevenção que promo-
vem a saúde da mulher” (ONU, 1996, p.86); 3) “Tomar iniciativas que levem em conta
o gênero e façam face às enfermidades sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS, e ou-
126
tras questões de saúde sexual e reprodutiva” (ONU, 1996, p.89); 4)”Promover pesqui-
sa e a divulgação de informação sobre a saúde da mulher” (ONU, 1996, p.92);
5)”Aumentar os recursos e supervisionar o desenvolvimento da saúde das mulheres”
(ONU, 1996, p.110).
Especificamente no quarto objetivo, dentre as medidas estabeleci-
das, uma se refere ao câncer do colo do útero, que propõe “informar as mulheres so-
bre os fatores que aumentam os riscos de desenvolver cânceres e infecções do sis-
tema reprodutivo, para que possam tomar decisões a respeito, com conhecimento de
causa” (ONU, 1996, p.93).
O Consenso de Quito, resultante da Décima Conferência Regional
sobre a Mulher da América Latina e o Caribe, organizada pela Organização das Na-
ções Unidas, realizada no período de 6 a 9 de agosto de 2007 no Equador, acorda em
32 itens, dentre os quais o de “adotar medidas de co-responsabilidade para a vida
familiar e laboral que se apliquem por igual às mulheres e aos homens tendo presente
que ao compartilhar as responsabilidades familiares se criam condições propícias para
a participação política da mulher” (ONU, 2007).
Também se destaca neste Consenso, o acordo de
...implementar medidas e políticas que reconheçam os vínculos entre
as vulnerabilidades sociais e econômicas em relação com a possibili-
dade das mulheres de participar na política e no trabalho remunera-
do, especialmente no acesso a serviços de saúde sexual e reproduti-
va, água e saneamento, prevenção, tratamento e cuidado em
HIV/AIDS, prioritariamente para as mulheres mais pobres e suas fa-
mílias (ONU, 2007).
Bastante presente também nos itens acordados, as medidas para
garantir a participação da mulher nos mais altos níveis hierárquicos do Estado, em
cargos públicos e de representação política, bem como o reconhecimento ao trabalho
não remunerado, sugerindo grandes avanços na condição da mulher na sociedade.
Lembrando que “o poder se origina sempre que os homens se reú-
nem e agem em comum”, estando sua “base no contrato concluído entre sujeitos livre
e iguais, graças ao qual as partes se obrigam mutuamente”, a força vinculante das
promessas mútuas configura-se como força de união entre os indivíduos (HABER-
MAS,1976, p.118).
127
O espaço público é a fonte de legitimação do poder, e as conquistas
e avanços alcançados pela luta das mulheres, definidas pelas Conferências, Leis e
Políticas Públicas, somente alcançarão, de fato, as mulheres quando estiverem sendo
postos em prática, em mudança de comportamento dos gestores, profissionais de
saúde, estruturação dos serviços de saúde e acessibilidade a esses serviços.
O Ministério da Saúde através da Portaria N
°
2.439/GM de 8 de de-
zembro de 2005, institui a Política Nacional de Atenção Oncológica, na qual fica esti-
pulado que Promoção, Prevenção, Diagnóstico, Tratamento, Reabilitação e Cuidados
Paliativos devem ser implantados em todas as Unidades Federadas, respeitadas as
competências das três esferas de gestão, e estabelecendo a sua organização de for-
ma articulada (BRASIL, 2006 d).
A Política Nacional de Atenção Oncológica estabelece as diretrizes,
de forma que permita a efetivação do desenvolvimento de estratégias coerentes com
a política nacional de promoção à saúde, a organização de uma linha de cuidados em
todos os níveis de atenção, a constituição de Redes Estaduais e Regionais de Aten-
ção Oncológica, avaliação dos serviços, ampliação da cobertura de atendimento aos
doentes de câncer, incorporação tecnológica, aprimoramento da gestão, disseminação
das informações, promoção da educação permanente, fomento à formação e especia-
lização de recursos humanos e incentivo à pesquisa (BRASIL, 2006d).
Além destas diretrizes, essa política também estabelece ações de
vigilância epidemiológica e ações específicas para cada nível de atenção da rede de
serviços públicos ou privados de saúde. A garantia da integralidade é citada várias
vezes na Portaria Ministerial, como um dos princípios fundamentais a nortear esta
política.
Através da Lei N
°
8.461, de 10 de março de 2006, o Estado de Mato
Grosso estabelece as diretrizes da Política Estadual de Prevenção e Controle do cân-
cer, que define em seu artigo 2°, inciso I: ”todo c idadão mato-grossense tem direito ao
acesso pleno aos recursos de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabili-
tação do câncer”. As diretrizes descritas nesta Lei estabelecem o desenvolvimento de
ações de promoção, prevenção e diagnóstico precoce, atendimento integral conside-
rando as modalidades terapêuticas existentes, a organização dos serviços regionali-
zada e hierarquizada, a participação da sociedade, a avaliação contínua das ações e
serviços, a capacitação dos recursos humanos, a promoção de pesquisas e coopera-
ção com os municípios visando garantir a qualidade da assistência (MATO GROSSO,
2006).
128
A competência da Secretaria de Estado de Saúde está descrita de
forma detalhada, bem como as competências de cada serviço de acordo com o nível
de atenção, pois cita em vários artigos a consonância com as diretrizes do Ministério
da Saúde, e enfatiza as normas para o funcionamento dos Centros de Alta Complexi-
dade em Oncologia.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2003), uma estratégia
para organizar a forma de retratar os sistemas de saúde é dividir essas estruturas in-
trincadas em três níveis: o nível micro que está relacionado ao paciente, o nível meso,
relacionado às organizações de saúde e comunidade e o nível macro relacionado à
política. Esses três níveis são unidos por um circuito interativo de retroalimentação,
em que os eventos de um nível influenciam as ações e eventos de outro, e assim su-
cessivamente. Os pacientes respondem ao sistema do qual recebem cuidados; as
organizações de saúde e as comunidades respondem às políticas que, por sua vez,
influenciam os pacientes. Da mesma forma as organizações e comunidades respon-
dem aos pacientes, e também as políticas respondem ao nível meso e micro, em sen-
tido inverso.
A Organização Mundial da Saúde (2003) afirma que, em se tratando
das condições crônicas, na qual o câncer está incluído, é comum haver disfunção no
sistema. “Quando esses três níveis funcionam e atuam em consonância, o sistema de
saúde é eficiente e eficaz e os pacientes apresentam melhoras em seu quadro clíni-
co”.
No caso estudado, percebe-se nitidamente essa disfunção no siste-
ma de saúde, principalmente na relação entre o nível micro e o nível meso acima des-
critos, onde descaso e descompromisso por parte dos profissionais do serviço de
saúde de atenção básica, descompasso entre a necessidade em saúde da usuária e o
serviço de saúde, que deveria ter identificado e encaminhado para tratamento preco-
cemente o câncer do colo do útero, também falha de comunicação entre a equipe,
negligência, falta de preparo ou descaso, quando a enfermagem tentava colher o e-
xame citopatológico sem sucesso por causa do sangramento, não registrando esse
fato no prontuário.
Os poucos registros do prontuário de D. Esperança no PSF ao qual
estava estava inserida, mostra que ela procurava o serviço com queixa de sangramen-
to: “16/10/2006 Id: 42, PA: 110/70, Metrorragia” (Leitura do prontuário do PSF).
Também quando D. Esperança relata que não colheu o preventivo
durante três anos, porque toda vez que ia colher o exame tinha sangramento vaginal,
129
sem registro no prontuário pela enfermagem da dificuldade de realização do exame,
mostra claramente essa falha de comunicação quando diz:
Por causa de por o aparelho né. Aí não conseguia. Podia ta boazinha,
boazinha. ia por o aparelho né, já descia, o podia (D. Es-
perança).
Considerando esta classificação utilizada pela Organização Mundial
da Saúde, as Políticas Públicas de Atenção ao Câncer estão traçadas em nível nacio-
nal e estadual, e formalmente, contemplam amplamente os princípios estabelecidos
pela Constituição Federal em relação ao direito à saúde, o que podemos considerar
altamente positivo, pois é nesse nível que os princípios e as estratégias para a aten-
ção à saúde são desenvolvidos, e onde as decisões relativas à alocação de recursos
são tomadas, embora não haja mecanismos de avaliação e monitoramento do alcance
e qualidade dos serviços.
Os dados desta pesquisa e as suas análises mostram que a Política
de Atenção ao Câncer estabelecida e formalmente constituída, ainda não consegue
se concretizar na prática dos serviços, pois ainda uma distancia entre as diretrizes
propostas e o que encontramos no cotidiano das Unidades de Saúde.
Mattos (2001) ainda enfatiza um princípio de direito: o direito univer-
sal ao atendimento das necessidades de saúde. Sugere que, a partir desse direito, o
princípio da integralidade oriente como poderemos oferecer respostas abrangentes e
adequadas às necessidades de saúde que se nos apresentam.
As instituições de saúde assumem papel estratégico na absorção
dos conhecimentos de novas formas de agir e produzir integralidade em saúde, consi-
derando que no mesmo espaço estão reunidos diferentes perspectivas e interesses de
distintos atores sociais. Este espaço favorece a construção e reprodução de saberes e
práticas integrais de cuidado e atenção à saúde, e também a avaliação dos efeitos da
política de saúde que o Estado desenvolve. As instituições de saúde são, portanto, um
lócus privilegiado de observação e de análise dos elementos constitutivos do princípio
institucional da integralidade, seja quanto às práticas terapêuticas prestadas aos indi-
víduos, seja nas práticas de saúde difundidas na coletividade (PINHEIRO, 2005 b).
Para que a prática da integralidade se efetive, é necessário que o
Poder Público, através das políticas públicas, especifique as diretrizes para enfrenta-
mento dos agravos à saúde, possibilitando essa garantia ao cidadão. Mas só isso não
130
é suficiente, sendo necessário que ao lado do conhecimento técnico, seja utilizado o
conhecimento do outro, que possibilite a construção da integralidade no encontro, en-
tendendo as necessidades e interpretando o sofrimento do outro.
No caso estudado, não foi evidenciado esse encontro que permitisse
a prática da integralidade, pois as necessidades de saúde e a percepção do sofrimen-
to de D. Esperança com o sangramento persistente não foram levadas em conta, dei-
xando que o câncer evoluísse para só assim ter tido seu diagnóstico e tratamento rea-
lizados. Além de sua situação de vulnerabilidade ser maior em decorrência de sua
situação socioeconômica, esta foi agravada devido à prática negligente, e essa prática
reforça as assimetrias sociais e reiteram as tristes estatísticas brasileiras sobre saúde
e qualidade de vida.
Assim, ao negligenciarmos as necessidades em saúde dos usuários,
estamos corroborando/ concordando/ reiterando os atuais perfis de saúde que, para-
doxalmente, deveriam melhorar com essas mesmas práticas.
Um dos fatores que parecem dificultar a garantia dos direitos e a e-
xecução da Lei é a noção de cidadania ainda bastante incipiente e precária, levando a
um aumento da morbimortalidade de pessoas que não necessitariam passar por so-
frimentos e constrangimentos se houvesse apenas e tão somente o cumprimento das
Leis (VILLA; PEREIRA, 2007 a).
então, de um lado o estado Brasileiro, juntamente com a socie-
dade civil organizada como o formulador primeiro das políticas de saúde existentes e
que, se concretizaram pela criação do Sistema Único de saúde, pensado por intelec-
tuais e profissionais de saúde de várias tendências teóricas e diferentes origens soci-
ais, em prol da grande maioria da população brasileira que dele depende para ter suas
necessidades em saúde atendidas. E nessa conjunção entre o que está “dado” legal-
mente e o cumprimento da Lei na sua íntegra, de forma a beneficiar de fato o cidadão
brasileiro, serviços que não se estruturam como atendem muito precariamente
as necessidades em saúde da população (VILLA; PEREIRA, 2007 a).
Nesse sentido, este estudo aponta para a aguda fragilidade na rela-
ção entre os direitos estabelecidos e o exercício efetivo da cidadania, pois a mera de-
claração do direito não é garantia da sua concretização, o que o faz existir, de fato, é a
demanda efetiva dos diferentes sujeitos sociais (VILLA; PEREIRA, 2007 a).
Não se pode falar em integralidade sem pensar no direito à saúde e
na cidadania tendo a vida como valor maior, nos levando a pensar também na neces-
sidade de ações intersetoriais, pois o SUS não consegue atender toda essa de-
131
manda. O Ministério Público, Conselhos, Organizações Sociais e tantos outros setores
da sociedade devem ser chamados a contribuir de alguma forma com a garantia des-
se direito.
O controle social e a reivindicação ativa da população em seu exer-
cício efetivo da cidadania podem por em pauta as responsabilidades do Estado e dos
profissionais de saúde em atender, de fato e de forma oportuna, a saúde e garantir a
vida da mulher, com a ampliação do conhecimento da população feminina acerca dos
direitos à assistência à própria saúde, como garantidos em Lei.
Nos dados coletados e nas análises verifica-se que a integralidade
pode fazer-se mais concreta, no entanto é preciso romper costumes e formas de atua-
ção tradicionalmente presentes nas instituições e serviços de saúde e nas práticas
dos profissionais de saúde no sistema público de saúde de modo a co-responsabilizar
a todos no cuidado à saúde.
Deve haver a somatória de responsabilidades pela garantia do direito
à saúde, quer seja de cada indivíduo, do Estado e também dos profissionais de saúde,
lembrando que há necessidade de reflexão sobre as implicações éticas das ações dos
trabalhadores de saúde como agentes morais (VERDI; CAPONI, 2005), que podem
interagir com os usuários, e também muitas vezes como usuários, na reivindicação
ativa de seus direitos à saúde.
132
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a definição do objeto de estudo e da elaboração do projeto i-
nicial, e também durante a coleta de dados minha maior preocupação como trabalha-
dora do SUS e agora como pesquisadora, foi que este estudo pudesse trazer respos-
tas concretas possíveis de ser aplicadas efetivamente no cotidiano dos serviços de
saúde e que indicasse novos caminhos para a prática de saúde que se encontra já tão
desgastada diante de tantos problemas e obstáculos que enfrentamos no nosso traba-
lho.
Minha atuação como profissional da enfermagem teve início no ser-
viço público municipal, onde participei de todos os processos de transformação da
saúde pública até a criação do SUS e continuo vivenciando todos os seus avanços e
retrocessos, e agora recentemente atuando em nível estadual na Superintendência de
Vigilância em Saúde, e também participando do processo de adesão ao Pacto pela
Saúde, sempre com a sensação de que ainda está tudo por fazer, mas ao mesmo
tempo, reconhecendo que em todo esse tempo houve grandes conquistas para a saú-
de pública e a população.
Ao fazer a análise dos dados coletados através da História de Vida
Focal de uma mulher com câncer do colo do útero e dos documentos referentes ao
seu tratamento e acompanhamento nos serviços de saúde, me perguntava: Como
fazer diferente? Como efetivar na prática todas as teorias sobre integralidade, direito à
saúde, acessibilidade, acolhimento? Como fazer chegar aos profissionais de saúde o
interesse pelo outro, o interesse em escutar, a atenção e o se colocar no lugar do ou-
tro? Que instrumentos podem ser utilizados?
Essa inquietação me acompanhou durante todo o processo de ela-
boração dessa dissertação, não como uma pretensão de mostrar o caminho e encon-
trar a resposta para todos os problemas, mas no sentido de me sentir responsável
como parte integrante desse sistema de saúde em contribuir de alguma forma para
que ele seja melhor, para que não tenhamos que nos deparar com situações seme-
lhantes à vivida por D. Esperança
2
, e que infelizmente não é única.
2
O nome dado à mulher, objeto deste estudo, em atendimento aos preceitos éticos de não informar seu nome
verdadeiro, foi por mim escolhido, por acreditar e ter esperança de que é possível mudar a prática dos serviços de
saúde e é possível encontrar novas formas de atuar em saúde, pautadas na garantia do direito à saúde.
133
Neste estudo me propus a compreender como uma mulher com cân-
cer do colo do útero vivenciou o processo de adoecimento e tratamento e também
como os serviços de saúde responderam à sua necessidade de atenção à saúde, tra-
çando o seu Itinerário Terapêutico e também busquei compreender o funcionamento
destes serviços e as práticas de atenção à saúde e se os princípios da integralidade e
resolutividade foram respeitados.
Mesmo com todas as limitações inerentes à complexidade e à gran-
de variedade de possibilidades deste estudo, pude atingir os objetivos propostos, e
encontrar algumas respostas possíveis para os questionamentos iniciais desta disser-
tação.
Ao buscar compreender a vivência de D. Esperança percebi como
marcante, o poder simbólico sobre o corpo e sobre a vida, mostrado através da prática
médica e de enfermagem, que não valorizou as suas queixas e necessidades de reso-
lutividade, deixando de detectar precocemente a evolução de um câncer que dava
sinais claros de sua presença pelo sangramento anormal.
Este poder simbólico ratifica a dominação masculina, reforçando a
desigualdade de gênero, colocando a mulher em dependência simbólica, e conse-
quentemente em relação aos outros (e não aos homens) tendendo a tornar essa
dependência como própria do seu ser (BOURDIEU, 1999). Percebi essa aceitação e
dependência por parte de D. Esperança pelas várias vezes que foi ao serviço de saú-
de e voltou sem resolução para o seu problema de saúde, até que ele se agravou com
as hemorragias constantes e ela teve que “exigir” essa resolutividade.
D. Esperança em todo seu processo de adoecimento e tratamento foi
acompanhada por momentos de sofrimento físico e emocional, não por negligenciar o
próprio corpo ou o cuidado com a sua saúde, mas por ter tido as suas necessidades
desprezadas por quem deveria escutá-la. Fica evidente a falta de mecanismos de mo-
nitoramento e avaliação da qualidade da prática profissional, além do desconhecimen-
to por parte dos usuários sobre o direito a receber uma atenção à sua saúde conforme
definido em todas as políticas públicas de saúde já estabelecidas.
Essa prática negligente se torna socialmente aceita e banalizada, e
muitas vezes não é percebida ou denunciada pelos usuários ou gestores dos serviços
de saúde. Não são avaliados os prejuízos emocionais, sociais e econômicos destas
práticas, aumentando ainda mais a vulnerabilidade dos usuários e os custos desne-
cessários do sistema.
134
“As políticas públicas somente ganham qualidade se bem controla-
das, cabendo à população exercer a cidadania crítica organizada, sendo a sociedade
o garante da cidadania, não o Estado” (DEMO, 2001, p 25 a), e este estudo indica a
necessidade de que os usuários dos serviços de saúde conheçam os seus direitos e
exerçam a cidadania implicando na garantia do direito a ter direitos, e não só na satis-
fação das necessidades dos cidadãos inscritas como direitos. A efetiva conquista da
cidadania estará configurada como tal, quando houver autonomia dos sujeitos so-
ciais, com o direito de responsavelmente promoverem suas escolhas, ultrapassando o
âmbito exclusivo do acesso a determinados serviços e benefícios (COHN, 2003). Para
que esse processo aconteça deve ser denunciada a distância entre norma e fato soci-
al, ou seja, a igualdade assumida em lei e as condições reais de desigualdade e injus-
tiça social e os direitos reinvindicados (BODSTEIN, 2003).
Nesse sentido, para possibilitar a garantia do direito à saúde nos ser-
viços de saúde, um dos caminhos que estão postos para serem trilhados pelos usu-
ários é a sua maior participação social, já estabelecida com um dos princípios do SUS.
A luta pela conquista social do direito à saúde precisa estar pautada
em um duplo movimento: de um lado, deve-se buscar a melhoria das condições de
vida da população através das políticas públicas, de outro, intensificar a luta pela con-
quista do direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, fun-
damentado na participação da população e na integralidade das ações (PINHEIRO,
2005b).
Essa luta depende também da ação concreta dos indivíduos, consi-
derando que exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Na me-
dida em que constituem processos históricos de conquista de direitos e deveres, a
cidadania e a democracia se concretizam na sociabilidade cotidiana e na verdadeira
eficácia das instituições e equipamentos públicos (PINSKY, 2003, p.513).
Existem instâncias de participação social como os Conselhos de Sa-
úde, que embora permeados de interesses conflitantes e contraditórios (ACIOLI,
2005), além de muitos terem perdido sua legitimidade, se constituem em espaços que
devem ser utilizados pelos usuários para participação e discussão das questões de
saúde. Outras formas de participação social devem ser utilizadas como conselhos
gestores de serviços de saúde, grupos voltados para questões específicas como: re-
nais crônicos, mulher vítima de violência, etc., organizações não governamentais, as-
sociações de moradores e tantas outras possibilidades que fortalecidas pelo interesse
135
em comum, podem se abrir para que os usuários se aproximem dos serviços e das
questões de saúde na busca pela atenção aos seus direitos.
Outras forças podem se somar para que práticas negligentes pos-
sam ser penalizadas e para que estas sejam coibidas, como o Ministério Público, im-
portante aliado na defesa da cidadania, pois “a presença do MP junto às instâncias de
participação da sociedade civil as qualifica sobremaneira, tanto em termos simbólicos,
quanto em termos práticos” (MACHADO; PINHEIRO; GUIZARDI, 2005, p.57).
A ação intersetorial é fundamental na redução da vulnerabilidade dos
usuários dos serviços de saúde, onde, além do Ministério Público, a articulação com
setores como educação, bem estar social, cultura, trabalho, emprego, dentre outros,
levará à superação de obstáculos os quais somente o setor saúde não consegue ul-
trapassar, tendo para isso o profissional de saúde como o principal mediador (AYRES
et al., 2003).
Ressalto a co-responsabilização do profissional de saúde em perce-
ber o sujeito e suas necessidades além do corpo ou segmento do corpo doente, e o
seu agir diário ser pautado pela ética, numa relação simétrica entre ambos, sendo
portadores dos mesmos direitos e se assumindo como sujeito de mudança.
A formação em saúde deve reproduzir a visão da atenção centrada
no sujeito, preparando o profissional para atuação no SUS, com postura humanizada
e ética, pois grande parte dos profissionais de saúde ao se formar vão atuar nesse
sistema, e muitos deles já iniciam sua prática sem valorizar o outro, sem valorizar o
seu conhecimento e a sua cultura, esquecendo-se da formação humanista.
Outro aspecto evidenciado na compreensão do funcionamento dos
serviços de saúde por onde D. Esperança transitou, foi o desenho do seu Itinerário
Terapêutico, que se mostrou como importante ferramenta para avaliação destes ser-
viços, possibilitando avaliar sua resolutividade que não atendeu às suas necessidades
no tempo que seria adequado. Também possibilita compreender como os conheci-
mentos de alguns dos profissionais de saúde estão, ou não, a serviço das pessoas
que utilizam o SUS e se responsabilizam, ou não, para apoiar a usuária na busca por
tratamento e cura para sua doença.
O Itinerário Terapêutico pode abrir caminho para futuras análises dos
serviços de saúde sobre acolhimento e acessibilidade, e a sua utilização na prática
diária para avaliação da qualidade e resolutividade, pode instigar profissionais de saú-
136
de e gestores a mudanças, apontando a possibilidade de novos modos de atuação ou
de repensar ou readequar as práticas utilizadas, tendo sempre o usuário como cen-
tro dessa prática.
O Itinerário Terapêutico, aliado ou não a outras ferramentas de moni-
toramento e avaliação pode ser utilizado por gestores municipais em suas unidades
básicas de saúde ou PSF para avaliar a qualidade dos serviços e o quanto ele é per-
meável às necessidades em saúde dos usuários.
Ao buscar compreender o cumprimento do princípio da integralidade
nos serviços de saúde nos quais D. Esperança foi atendida, e ao me aprofundar nas
teorias sobre integralidade, fui ao longo da análise pontuando situações onde esta não
estava presente, e o meu olhar buscando identificá-la permeou todo esse estudo.
Ao final chego a uma conclusão que parece óbvia, ela está muito
distante da prática de saúde dos serviços de saúde. A integralidade em todos os seus
sentidos, definições e vozes, está diretamente ligada à garantia do direito à saúde e à
vida.
Buscando uma proposta concreta de atuação nos serviços de saúde
que seja ideal, que responda às minhas inquietações e que aponte um caminho e um
modelo mínimo a ser seguido, percebo que não fórmulas prontas, mas sim dire-
ções a serem tomadas.
Lembro que “o desafio vital para os que querem construir um SUS
implicado, na sua alma, com a defesa radical da vida individual e coletiva” (MERHY,
2003, p. 20) vai muito além das formas de organizar os serviços e de se exercer as
práticas. A investigação que aqui finalizo aponta para duas possíveis contribuições da
pesquisa, a primeira é a possibilidade de se utilizar este tipo de estudo ancorado na
idéia de eventos sentinela como uma estratégia para que os gestores possam avaliar
serviços e práticas, bem como propor mudanças nestas.
Outra contribuição da pesquisa é o desenho do Itinerário Terapêutico
com elementos muito concretos que revelam como as práticas profissionais são de-
senvolvidas, onde foram realizadas, quem as desenvolveu e quando o fez.
A metodologia qualitativa mostrou-se como um recurso que possibili-
ta aprofundar e qualificar todo o processo vivenciado pelas pessoas que transitam no
sistema de saúde, permitindo que os usuários expressem suas vozes, suas angústias
e aflições.
137
O acompanhamento de um único caso nos evidenciou com clareza o
não respeito ao princípio do direito constitucional à saúde e que este será efetiva-
mente viabilizado no momento em que todos nós, profissionais e usuários do SUS,
nos envolvermos de corpo e alma tanto na criação como no acionamento de todos os
instrumentos legais disponíveis para que as boas práticas de saúde sempre prevale-
çam sobre aquelas negligentes ou omissas.
É preciso começar a “provocar ruídos” na lógica que permite a cen-
tralidade de uma prática, sobre as demais, tanto para a entrada como para a saída do
sistema e também estabelecer diagnósticos. Essa lógica que se questiona parece
estar trazendo muito mais prejuízos do que benefícios aos usuários e ao sistema pú-
blico de saúde, tal foi o desacordo entre o que está estabelecido como o mínimo ideal
e a prática concreta observada no caso estudado.
Para reordenar a lógica dos modelos de atenção à saúde e dar a de-
vida atenção aos princípios da integralidade e resolutividade e colocar o usuário como
o centro da atenção em saúde, precisamos cada vez mais ampliar o processo coletivo
de negociação pelos direitos humanos em todas as instâncias sociais. Ao existirem
usuários cada vez mais exigentes no respeito aos seus direitos como cidadão, mais o
sistema jurídico precisa renovar-se, tornando-se mais eficiente e rápido na defesa da
vida humana.
138
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ponível em: <http:// www.who.int/cancer>. Acesso em: 11 jun. 2006.
147
ANEXOS
Anexo 1 – Diário de Campo
DIÁRIO DE CAMPO
3
Destina-se aos registros de pontos importantes relacionados aos dados que o pesquisador ouviu, viu
ou experienciou na fase de coleta dos dados. São realizados depois de cada observação ou entrevis-
tas. São descrições das pessoas (aparência, estilos de fala do entrevistado, trechos de fala), objetos,
lugares, acontecimentos, atividades e conversas, inclui ainda, registro de idéias, estratégias, reflexões
e “insights” do pesquisador. É um relato escrito do que o pesquisador ouve, vê e pensa no processo
de coleta de dados e reflexão dos dados.
NOME DA PESQUISADORA:
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
EVENTO-SENTINELA:
DATAS DAS ENTREVISTAS:
1 - ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
2 - ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
3 - ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
4- ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
NOME DO ENTREVISTADO
4
:
DATA NASCIMENTO: ____/___/____ CIDADE: ES-
TADO;
ESCOLARIDADE:
PROFISSÃO:
ENDEREÇO DO ENTREVISTADO:
RUA: NÚMERO:
BAIRRO: CIDADE:
CEP; TELEFONE PARA CONTATO:
DADOS FAMILIARES: (Relacionar todas as pessoas que moram na mesma casa)
3
Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bel-
lato e Profª Drª Sonia Ayako Tão Maruyama com base em modelo construído pela Profa.
Dra. Solange Pires Salomé.
4
Se houver mais de um entrevistado repetir os mesmos dados no verso da página.
148
GRAU DE
PARENTESCO
NOME ESTADO
CIVIL
IDADE ESCOLA-
RIDADE
PROFISSÃO
INSTITUIÇÃO DE SAÚDE ONDE O ENTREVISTADO SE ENCONTRA:
REGISTRO NA INSTITUIÇÃO:
MOTIVO DA INTERNAÇÂO (segundo o diagnóstico clínico):
DATA DA HOSPITALIZAÇÃO: ____/____/____
DATA DA ALTA HOSPITALAR: ____/____/____
TEM RETORNO AMBULATORIAL MARCADO: ____/____/____
149
Anexo 2 - Registro dos dados de observação
REGISTRO DOS DADOS DE OBSERVAÇÃO
5
A observação deve focalizar o contexto e as relações dos indivíduos nos encontros
sociais, bem como os aspectos estruturais e funcionais do que está sendo estuda-
do. Observar as expressões faciais, linguagens corporais, comportamentos, tempo
de silêncio, etc.
OBS Ver outros itens de observação no instrumento de transcrição da en-
trevista
NOME DA PESQUISADORA:
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
DATA DA OBSERVAÇÃO: ____/____/____ NÚMERO DA
OBSERVAÇÃO:
PRIMEIRA ANÁLISE
5
Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bel-
lato e Profª Drª Sonia Ayako Tão Maruyama com base em modelo construído pela Profa.
Dra. Solange Pires Salomé.
150
Anexo 3 – Roteiro para transcrição de entrevista
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA
6
DESTACAR NO INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: Pessoas presentes,
descrição do ambiente onde foi realizada, os comportamentos não verbais (tom de
voz, postura, expressões, olhares, fala, expressões corporais do entrevistado e de-
mais presentes, as impressões do pesquisador (desconforto do participante, res-
postas emocionais das pessoas, acontecimentos importantes durante a entrevista,
objetos que tenham chamado a atenção do pesquisador no ambiente em que acon-
teceu a entrevista, forma como foram abordadas pelo entrevistador e entrevistado
as questões norteadoras da pesquisa, situações constrangedoras que tenham a-
contecido, problemas com os equipamentos de entrevista (tempo perdido com troca
de fita, falha no gravador, dificuldade no manuseio dos equipamentos, etc))).
É importante que logo após a transcrição sejam ressaltados pelo pesquisador na
coluna “PRIMEIRA ANÁLISE” os conteúdos de destaque da entrevista como: pala-
vras-chave, tópicos, foco, frases empregados pelo entrevistado e que parecem dar
um “tom” à entrevista, ou seja, parecem ser os temas em torno dos quais a entre-
vista se desenvolveu.
Lembrar também de destacar em cores diferentes as falas do entrevistador e
do entrevistado para facilitar a análise.
NOME DA PESQUISADORA:
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
DATA DA ENTREVISTA: ____/____/____ MERO DA
ENTREVISTA:
INÍCIO DA ENTREVISTA: TÉRMINO DA ENTREVIS-
TA:
NOME DO ENTREVISTADO:
LOCAL DA ENTREVISTA:
PRIMEIRA ANÁLISE
6
Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bel-
lato e Profª Drª Sonia Ayako Tão Maruyama com base em modelo construído pela Profa.
Dra. Solange Pires Salomé
151
Anexo 4 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Título do Projeto: OS DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO SUS NA ATENÇÃO Á SAÚDE EM MUNICÍPIOS DA
ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA BR 163 NO ESTADO DE MATO GROSSO
Pesquisadores e instituições envolvidas:
Dra. Maria Angélica dos Santos Spinelli (ISC/UFMT), Dra. Maria da Anunciação Silva (FAEN/UFMT), Ms Elisete
Duarte (ISC/UFMT), Esp. lio Strubing Muller Neto (ISC/UFMT), Ms. Lydia Maria Bocaiúva Tavares (NDS),
Mestranda Fátima Ticianel (SES/MT), Esp. Maria José Silva Pereira (SES/MT), Graduanda Mirian Cristhina
Roewer Monteiro (SES/MT)
Dr
a
. Roseney Bellato, Dr
a
. Wilza Rocha Pereira, Dr
a
. Sônia Ayako Tão Maruyama, Dr
a
. Rosa Lúcia Ribeiro, Ms.
Maria Aparecida Vieira, Ms. Solange Pires Salomé de Souza, Dr
a
. Aldenan Lima Ribeiro Correa da Costa, Dr
a
.
Laura Filomena Santos de Araújo, Dr. Leocarlos Cartaxo Moreira, Ms. Mara Regina Ribeiro Souza Paião, Ms.
Jocely Fernandes A. B. de A. Lins, Esp. Elizabeth Jeanne Fernandes Santos.
Objetivo principal:
Apreender os desafios e perspectivas do SUS em responder à atenção em saúde da população residente nos
municípios selecionados da área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato Grosso, sob a perspectiva: do
processo de implementação do Programa de Saúde da Família (PSF); da materialidade das práticas profissio-
nais, assim como da lógica de quem busca por atendimento nos serviços de saúde.
Procedimentos
A coleta de dados será realizada da aplicação de entrevistas semiestruturadas aos agentes decisores e
questionários fechados auto aplicáveis para os implementadores (médicos e enfermeiros). As entrevistas abran-
gerão o perfil sócio-ocupacional dos entrevistados e suas opiniões avaliativas sobre as várias dimensões do
programa, e as condições de implementação e funcionamento do PSF do município.
A coleta de será feita, também, através da História de Vida Focal dos sujeitos selecionados como eventos-
sentinelas no Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá, localizando-se dentro dela o evento de agravo à
saúde atual.
A coleta de dados será feita, ainda, pela observação de Casos Exemplares de práticas de atenção e práticas de
gestão em saúde em sua materialidade discursiva (os discursos observados ou documentados) e não discursiva
(imagens e visibilidades dispostas no espaço e tempo, passíveis de descrições pelo pesquisador).
O material obtido através das entrevistas comporá um Banco de Dados em Pesquisa que servirá para futuras
análises sob diferentes perspectivas teóricas, garantindo-se o anonimato dos sujeitos neste banco, sua vontade
de ter suas informações no mesmo e de aí permanecerem ou não em qualquer momento de seu interesse. Este
banco de dados será gerenciado pela coordenadora deste projeto, Prof
a
Dr
a
Maria Angélica dos Santos Spinelli.
Possíveis riscos e desconforto:
A pesquisa não oferecerá risco à saúde dos sujeitos, pois implica somente em observação de práticas, discur-
sos e narrativas. Esta observação durante o processo de trabalho será feita com a máxima discrição possível e
será respeitada a vontade dos sujeitos em participar da pesquisa através da narrativa de suas experiências e
suas opiniões
Benefícios previstos:
Identificar as condições organizacionais dos sistemas de saúde e o grau de implantação nos municípios da área
de abrangência da BR 163 dentro do Estado de Mato Grosso, as correções necessárias para que possa redire-
cionar rotas, visando às inovações pretendidas e integralidade dos serviços de saúde. Pretende-se que os resul-
tados subsidiem os gestores para as redefinições do programa e de suas prioridades.
Eu.................................................................................................................., fui informado dos objetivos, procedi-
mentos, riscos e benefícios desta pesquisa, descritos acima.
Entendo que terei garantia de confidencialidade, ou seja, que apenas dados consolidados serão divulgados e
ninguém alem dos pesquisadores terá acesso aos nomes dos participantes desta pesquisa. Entendo também,
que tenho direito a receber informações adicional sobre o estudo a qualquer momento, mantendo contato com o
pesquisador principal. Fui informado ainda, que a minha participação é voluntária e que se eu preferir não parti-
152
cipar ou deixar de participar deste estudo em qualquer momento, isso NÃO me acarretará qualquer tipo de
penalidade.
Compreendendo tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento, concordo em
participar do mesmo.
Estou ciente, também que os dados informados por mim irão compor um Banco de Dados em Pesquisa, servin-
do para futuras análises, desde que garantido o meu anonimato, minha vontade de ter meus dados disponibili-
zados neste banco e de permanecerem enquanto for de meu interesse. Ciente, também, que o banco de
dados será gerenciado pela coordenadora desta pesquisa, à qual responderá por estes cuidados de meu inte-
resse.
Assinatura do participante
(ou do responsável, se menor): ..........................................................................................................
Assinatura do pesquisador principal: ................................................................................................
Em caso de necessidade, contate a Profa. Dra. Maria Angélica dos Santos Spinelli, através do telefone (65)
3615-8881 – UFMT/Instituto de Saúde Coletiva ou pelo e-mail ang[email protected]m.br
Informações sobre o projeto fazer contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio
Muller: fone: (65) 3615-7254.
Data (Cidade/dia mês e ano) ____________ ___ de ______________de 2006
153
Anexo 4 – Termo de Aprovação Ética de Projeto de Pesquisa
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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