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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
A EXPERIÊNCIA DA ENFERMIDADE E O ITINERÁRIO
TERAPÊUTICO DE UMA PESSOA COM COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES PROCEDENTE DE MARCELÂNDIA
– MT
FABIANA RODRIGUES ZEQUINI NABÃO
CUIABÁ
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
A EXPERIÊNCIA DA ENFERMIDADE E O ITINERÁRIO
TERAPÊUTICO DE UMA PESSOA COM COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES PROCEDENTE DE MARCELÂNDIA
– MT
FABIANA RODRIGUES ZEQUINI NABÃO
CUIABÁ
2008
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FABIANA RODRIGUES ZEQUINI NABÃO
A EXPERIÊNCIA DA ENFERMIDADE E O ITINERÁRIO
TERAPÊUTICO DE UMA PESSOA COM COMPLICAÇÕES
CARDIOVASCULARES PROCEDENTE DE MARCELÂNDIA
– MT
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós Graduação em
Enfermagem, da UFMT, como
requisito para obtenção do Título
de Mestre em Enfermagem.
Área de Concentração: Processos e
Práticas em Saúde e Enfermagem.
Linha de Pesquisa: Direito, Ética e
Cidadania no Contexto dos
Serviços de Saúde.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Sonia
Ayako Tao Maruyama
CUIABÁ
2008
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada
a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
N113e
Nabão, Fabiana Rodrigues Zequini
A Experiência da Enfermidade e o Itinerário Terapêutico de uma Pessoa com
Complicações Cardiovasculares Procedente de Marcelândia-MT. Cuiabá, 2008.
152p.
Dissertação, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem da
Universidade Federal do Mato Grosso Área de Concentração: Processos e
Práticas em Saúde e Enfermagem.
Orientadora: Profa. Dra. Sônia Ayako Tao Maruyama
1. Enfermagem 2. Assistência Integral à Saúde. 3. Doenças Cardiovasculares.
CDU 616-083
FABIANA RODRIGUES ZEQUINI NABÃO
A EXPERIÊNCIA DA ENFERMIDADE E O ITINERÁRIO TERAPÊUTICO
DE UMA PESSOA COM COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES
PROCEDENTE DE MARCELÂNDIA – MT
Esta dissertação foi submetida ao processo de avaliação pela Banca
Examinadora para obtenção do título de:
Mestre em Enfermagem
E ___provada em _____ de _____, atendendo às normas da legislação
vigente da UFMT, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, área de
concentração Processos e práticas em saúde e enfermagem.
_________________________________
Drª Maria Aparecida Munhoz Gaíva
Coordenadora do Programa
BANCA EXAMINADORA:
________________________________
Drª Sônia Ayako Tao Maruyama
Presidente (Orientadora)
___________________________ _______________________________
Dr ª
Eugênia Velludo Veiga Drª Roseney Bellato
Membro Efetivo Membro Efetivo
_____________________________ _____________________________
Drª Laura Filomena Santos de Araújo Drº Pedro Marco Karan Barbosa
Membro Efetivo Membro Suplente
Cuiabá
2008
DEDICATÓRIA
Em especial, a minha filha Gabriela, princesinha da mamãe, que mesmo sem
entender o que estava acontecendo me deu forças e mais motivação para
continuar esta caminhada.
Agradeço a Deus por ter colocado você em minha vida.
Eu te amo filha!
Ao meu esposo Ricardo, meu querido companheiro.
Agradeço o seu amor, apoio, incentivo e compreensão
durante toda construção deste trabalho.
Aos meus queridos pais Eurides e Waldemar, pelo
amor, incentivo, colaboração e por me confortar nos
momentos mais difíceis.
Mãe, você me estimulou, foi companheira, amiga e
colaborou mesmo que indiretamente para construção
deste trabalho.
A minha irmã Cristiellen, que mesmo distante sempre
me incentivou.
Ao meu sogro Heleno e minha sogra Maria Teresa, pelo
apoio e colaboração.
MEUS AGRADECIMENTOS
MEUS AGRADECIMENTOSMEUS AGRADECIMENTOS
MEUS AGRADECIMENTOS
A Deus pela sua presença constante em minha vida, me dando forças nos
A Deus pela sua presença constante em minha vida, me dando forças nos A Deus pela sua presença constante em minha vida, me dando forças nos
A Deus pela sua presença constante em minha vida, me dando forças nos
momentos mais difíceis que passei durante a construção deste trabalho.
momentos mais difíceis que passei durante a construção deste trabalho.momentos mais difíceis que passei durante a construção deste trabalho.
momentos mais difíceis que passei durante a construção deste trabalho.
A D
A DA D
A Dona Florinda pela colaboração, pois sem seu consentimento não
ona Florinda pela colaboração, pois sem seu consentimento não ona Florinda pela colaboração, pois sem seu consentimento não
ona Florinda pela colaboração, pois sem seu consentimento não
teríamos conseguido realizar este estudo e compreender a experiência da
teríamos conseguido realizar este estudo e compreender a experiência da teríamos conseguido realizar este estudo e compreender a experiência da
teríamos conseguido realizar este estudo e compreender a experiência da
enfermidade de quem vivencia complicações cardiovasculares.
enfermidade de quem vivencia complicações cardiovasculares.enfermidade de quem vivencia complicações cardiovasculares.
enfermidade de quem vivencia complicações cardiovasculares.
A minha orientadora Drª Sônia Ayako Tao Maruyama por ter
A minha orientadora Drª Sônia Ayako Tao Maruyama por ter A minha orientadora Drª Sônia Ayako Tao Maruyama por ter
A minha orientadora Drª Sônia Ayako Tao Maruyama por ter
compr
comprcompr
compreendido as diversas fases em que passei durante a construção deste
eendido as diversas fases em que passei durante a construção deste eendido as diversas fases em que passei durante a construção deste
eendido as diversas fases em que passei durante a construção deste
trabalho, pela generosidade em compartilhar o seu saber, pela paciência,
trabalho, pela generosidade em compartilhar o seu saber, pela paciência, trabalho, pela generosidade em compartilhar o seu saber, pela paciência,
trabalho, pela generosidade em compartilhar o seu saber, pela paciência,
pelo incentivo, disponibilidade, amizade e principalmente por ter
pelo incentivo, disponibilidade, amizade e principalmente por ter pelo incentivo, disponibilidade, amizade e principalmente por ter
pelo incentivo, disponibilidade, amizade e principalmente por ter
acreditado em mim. Você é muito especial. Muito ob
acreditado em mim. Você é muito especial. Muito obacreditado em mim. Você é muito especial. Muito ob
acreditado em mim. Você é muito especial. Muito obrigada!!!
rigada!!!rigada!!!
rigada!!!
Ás professoras Drª Laura e Drª Roseney pelas contribuições durante a
Ás professoras Drª Laura e Drª Roseney pelas contribuições durante a Ás professoras Drª Laura e Drª Roseney pelas contribuições durante a
Ás professoras Drª Laura e Drª Roseney pelas contribuições durante a
construção desse trabalho e pelas palavras de incentivo.
construção desse trabalho e pelas palavras de incentivo.construção desse trabalho e pelas palavras de incentivo.
construção desse trabalho e pelas palavras de incentivo.
A professora Drª Maria Aparecida Munhoz Gaiva pela dedicação na
A professora Drª Maria Aparecida Munhoz Gaiva pela dedicação na A professora Drª Maria Aparecida Munhoz Gaiva pela dedicação na
A professora Drª Maria Aparecida Munhoz Gaiva pela dedicação na
condução do Curso de Mestrado
condução do Curso de Mestradocondução do Curso de Mestrado
condução do Curso de Mestrado
Aos professores, Drª Eugên
Aos professores, Drª EugênAos professores, Drª Eugên
Aos professores, Drª Eugênia Velludo Veiga e Drº Pedro Marco Karan
ia Velludo Veiga e Drº Pedro Marco Karan ia Velludo Veiga e Drº Pedro Marco Karan
ia Velludo Veiga e Drº Pedro Marco Karan
Barbosa pelas valiosas contribuições dos saberes relacionados a
Barbosa pelas valiosas contribuições dos saberes relacionados a Barbosa pelas valiosas contribuições dos saberes relacionados a
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cardiologia nos momentos em que estivemos juntos.
cardiologia nos momentos em que estivemos juntos.cardiologia nos momentos em que estivemos juntos.
cardiologia nos momentos em que estivemos juntos.
Ás professoras do Programa de Mestrado em Enfermagem da FAEN
Ás professoras do Programa de Mestrado em Enfermagem da FAEN Ás professoras do Programa de Mestrado em Enfermagem da FAEN
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pelas contribuições e aprendizado compar
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pelas contribuições e aprendizado compartilhado.
tilhado.tilhado.
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Às minhas colegas do mestrado, em especial a Débora pela amizade
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compartilhada.
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Aos membros do Grupo de pesquisa da “BR 163” pela colaboração e
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compartilhar de conhecimentos.
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Ao Fábio Hideki Maruyama pelo suporte técnico oferecido.
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Aos meus coleg
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Aos meus colegas docentes de enfermagem e demais funcionários do
as docentes de enfermagem e demais funcionários do as docentes de enfermagem e demais funcionários do
as docentes de enfermagem e demais funcionários do
UNIVAG
UNIVAGUNIVAG
UNIVAG-
--
-Centro Universitário.
Centro Universitário.Centro Universitário.
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Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
Ao CNPq, pelo apoio financeiro.Ao CNPq, pelo apoio financeiro.
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Muito obrigado!
Muito obrigado!Muito obrigado!
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"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a
"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a
forma do nosso corpo, e es
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forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam
quecer os nossos caminhos, que nos levam quecer os nossos caminhos, que nos levam
quecer os nossos caminhos, que nos levam
sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos
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sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos
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--
-la, teremos ficado, para
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la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos
sempre, à margem de nós mesmos sempre, à margem de nós mesmos
sempre, à margem de nós mesmos"
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Fernando Pessoa
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Fernando Pessoa
NABÃO, Fabiana Rodrigues Zequini. A experiência da enfermidade e o itinerário
terapêutico de uma pessoa com complicações cardiovasculares procedente
de Marcelândia- MT. 2008. Dissertação.(Mestrado em Enfermagem)– Curso de
Pós-Graduação em Enfermagem.Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade
de Enfermagem, Cuiabá, 152 p.Orientadora: Dr.ª Sônia Ayako Tao Maruyama.
RESUMO
Este estudo tem por objetivo compreender a Integralidade e a Resolutividade na
experiência da enfermidade de uma pessoa com complicações cardiovasculares,
procedente do município de Marcelândia/ MT, por meio do itinerário terapêutico,
nos múltiplos sistemas de cuidado em saúde empreendido por ela na busca por
atenção à sua saúde. O estudo foi sustentado nos conceitos de: Integralidade,
experiência da enfermidade, itinerário terapêutico e história de vida focal. A História
de Vida Focal foi operacionalizada pela entrevista em profundidade, na tentativa de
apreender a experiência do vivido de Dona Florinda, em sua trajetória de
adoecimento marcada pela Hipertensão Arterial, Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e
a Insuficiência Cardíaca (IC). Também complementamos os dados, por meio da
observação das práticas do cuidado profissional, os quais a doente transitou. A
discussão e análise dos dados possibilitaram a organização de quatro categorias: A
vida antes da dor, marcada pelo tempo longo de cuidado a hipertensão, pelos
sistemas profissionais e informais; Sua experiência no momento da dor foi marcada
por dor e sofrimento e passagem efetiva ao sistema de cuidado profissional,
concretizado pelo diagnóstico de infarto; Transitando num mundo desconhecido - o
cuidado profissional, foi marcado por encaminhamentos e deslocamentos para
exames e procedimentos, demoras, desarticulações entre os serviços,
centralização do poder regulatório; além do infarto desenvolveu a IC, e por
conhecer a Casa de Apoio de Cuiabá; e Na casa de apoio: Eu falo que eu revivi!”,
é marcado pela possibilidade de se sentir útil, ter e fazer amigos, ao ver o
movimento da vida pela casa, também ressignifica sua vida e lhe novo sentido.
A integração das categorias permitiu apreender que a (des) integralidade no
contexto do Itinerário Terapêutico percorrido por Dona Florinda foi vivenciada em
todo o seu percurso pelos diferentes sistemas de cuidado em saúde, sendo
marcante as experiências vivenciadas no cuidado profissional, cujas práticas são
caracterizadas por ações prescritivas e impositivas que desconsideram as reais
necessidades indivíduo. Consideramos a necessidade de se reconhecer nas
práticas, tanto de assistência quanto de gestão, a subjetividade de cada pessoa
que vivencia o processo de adoecimento, proporcionando um cuidado ético, e neste
sentido, alcançar a tão almejada Integralidade da atenção em saúde, por meio de
ações como a escuta atenta entre pessoas adoecidas e os profissionais de saúde.
Palavras - chaves: Assistência Integral a saúde; Doenças Cardiovasculares,
Enfermagem
NABÃO, Fabiana Rodrigues Zequini. The experience of sickness and the
therapeutic itinerary of a person with complications cardiovascular coming
from Marcelândia-MT. 2008. Dissertation (master’s degree) Postgraduation
Course in Nursing. Federal University of Mato Grosso, Nursing College, Cuiabá 152
p. Advisor: Dr.ª Sônia Ayako Tao Maruyama.
ABSTRACT
This study had as objective to understand the Completeness and the
Determinateness in the experience of illness from a person with complications
cardiovascular coming from Marcelândia Municipality / MT, through the therapeutic
itinerary, in multiple systems of health care undertaken from it in the search by
attention to its health. The study was based on the concepts of: Completeness,
Experience of illness, therapeutic itinerary and history of life focus. The History of
Life Focal was executed through the interview in depth, in an attempt to understand
the experience of Dona Florinda’s life. Her trajectory of illness was marked by
hypertension, acute infarction of myocardium and heart failure. Also we
complemented the data by means of observation of the practices for professional
care, which the patient transited to. The discussion and analysis of the data allowed
for the organization of four categories: Life before the pain, marked by long-time of
care to hypertension, by the systems professional and informal; Her experience at
the moment of pain was marked by suffering and effective transition to professional
care system, accomplished by the diagnosis of infarction; Transiting in an unknown
world - the care professional was marked by infarction and displacements for
examinations and procedures, delays, disorganizations among services,
centralization of regulatory power; beyond the infarction, she developed the heart
failure, and when she knew the House of Support of Cuiaba, she sad: "I say that I
revive!".This place was marked by the chance to feel herself useful, to make friends,
to see the movement of life through the home, also means her life and gives for
herself a new sense. The integration of the categories allowed apprehend that the
(in) completeness in the context of Itinerary Therapeutic lived by Dona Florinda was
experienced throughout all her route by different systems of health care, being
marked the experiences lived in professional care, which practices are
characterized by prescriptive and imposing actions that disregard the real needs of
the individual. We consider the need to recognize in the assistance and
management practices, the subjectivity of each person who lives the process of
illness, providing a careful ethical, and in this sense, achieving the desired
Completeness of attention in health, through actions as a careful listening between
sickness people and health professionals.
Palavras - chaves: Integral Assistance for Health; Cardiovascular Diseases;
Nursing
NABÃO, Fabiana Rodrigues Zequini.. La Experiencia de enfermedad y el
itinerario terapéutico de una persona con complicaciones cardiovasculares
proveniente de Marcelândia MT. 2008. Disertación. (Máster en la Enfermería)
Curso de Postgrado en Enfermería, Universidad Federal de Mato Grosso, Cuiabá,
152 p.Orientadora: Dr. ª Sônia Ayako Tao Maruyama.
RESUMÉN
Este estudio tiene por objetivo comprender la Integralidad y la Resolutividad en la
experiencia de enfermedad de una persona con Insuficiencia Cardíaca (IC),
proveniente del municipio de Marcelândia/MT, por medio del itinerario terapéutico,
en los múltiples sistemas de cuidado en salud emprendido por ella en la búsqueda
por atención a su salud. El estúdio fue sustentado en los conpectos de: Integralidad,
experiencia del adolecimiento, itinerario terapéutico y historia de vida focal. La
historia de Vida Focal fue operacionalizada por la cita en profundidad, en el intento
de aprehender la experiencia del vivido de Dona Florinda, en su trayectoria de
enfermedad señalada por la hipertensión arterial, infarto agudo del miocardio y la
IC. También complementariamos los datos, por medio de la observación de las
prácticas del cuidado profisional, los cuáles la enferma transitó. La discussión y
análisis de los datos posibilitaran la organización de cuatro categorías: La vida
antes de la dolor, señala por el tiempo largo de cuidado a la hipertensión, por los
sistemas profisinales y informal; Su experiencia en el momiento de la dolor fue
senãlado por dolor y sufrimiento y pasaje efectiva al sistema de cuidado profisional
concretizado por el diagnóstico de infarto; Transitando en un mundo desconocido
el cuidado profisional fue señalado por encaminamientos y desplazamiento para
examenes y procedimientos retrasos, desarticulaciones entre los servicios,
centralización del poder regulatório; Allá del infarto desenvolvió la IC, y por conecer
la Casa de Apoyo de Cuiabá; y en la Casa de Apoyo: ¡ Yo hablo que yo revivi¡”, es
señalado por la posibilidad de se sentir útil, tener y hacer amigos, al ver el
movimiento de la vida por la casa, también resignifica su vida y le dá nuevo sentido.
La integración de las categorias permitió aprehender que la (des)integralidad en el
contexto del Itinerario Terapéutico recorrido por Dona Florinda fue vivida en todo el
su trayecto por los diferentes sistemas de cuidado en salud, siendo expresiva las
experiencias vividas en el cuidado profisional, cuyas prácticas són caracterizadas
por acciones prescritivas y impositivas que desconsideraran las reales necesidades
del individuo. Consideramos la necesidad de se reconocer en las prácticas, tanto de
asistencia cuanto de gestión, la subjetividad de cada persona que vive el proceso
de adolecimiento, proporcionando un cuidado ético, y en este sentido, alcanzar la
tán anhelada Integralidad de la atención en salud, por medio de acciones como la
escucha atenta entre personas y los profisionales de salud.
Palabras Claves: Asistencia integral a la salud; Enfermidades Cardiovasculares
Enfermería.
LISTA DE ABREVIATURAS
IC Insuficiência Cardíaca
IAM Infarto Agudo do Miocárdio
CEM Centro de Especialidades Médicas
CER Centro Estadual de Regulação
CRR Centro Regional de Regulação
ECG Eletrocardiograma
ERS Escritório Regional de Saúde
DBHA Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial
HVF História de Vida Focal
IT Itinerário Terapêutico
NYHA New York Heart Association
SBC Sociedade Brasileira de Cardiologia
PSF Programa Saúde da Família
SUS Sistema Único de Saúde
S
UMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
LISTA DE ABREVIATURAS
1.
INTRODUÇÃO......................................................................................
14
2. OBJETIVOS..........................................................................................
26
2.1
Objetivo Geral........................................................................................
26
2.2 Objetivos Específicos............................................................................ 26
3. REVISÃO DE LITERATURA.................................................................
27
3.1
A Integralidade nas Políticas de Atenção a Saúde as pessoas com
alterações
cardiovasculares....................................................................................
27
3.2
A Experiência da
Enfermidade..........................................................................................
41
4. PERCURSO METODOLÓGICO...........................................................
49
4.1 Tipo de Estudo...................................................................................... 49
4.2 História de Vida Focal............................................................................
53
4.3 Coleta de dados.................................................................................... 57
4.3.1 Entrevista............................................................................................... 57
4.3.2 Observação das práticas....................................................................... 60
4.4 Análise dos dados................................................................................. 62
4.5 A Ética na pesquisa............................................................................... 65
5. RESULTADOS......................................................................................
66
5.1 A EXPERIÊNCIA DA ENFERMIDADE DE DONA FLORINDA............
66
5.1.1 A vida antes da dor............................................................... 67
5.1.2 Sua experiência no momento da dor..................................................... 78
5.1.3
Transitando num mundo desconhecido – O Cuidado
Profissional............................................................................................
93
5.1.4 Na Casa de Apoio: “Eu Falo que Revivi”............................................... 111
6.
A INTEGRALIDADE NO CONTEXTO DO ITINERÁRIO
TERAPÊUTICO PERCORRIDO POR DONA
FLORINDA............................................................................................
12
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................
131
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................
136
ANEXOS................................................................................................
146
14
1. INTRODUÇÃO
Minha aproximação com a temática desse estudo se deu durante
a nossa formação profissional, desde a época do curso de graduação em
enfermagem, quando durante as atividades teóricas e práticas do curso tivemos a
oportunidade de vivenciar os diversos espaços de atuação do profissional
enfermeiro. Espaços estes, com diferentes níveis de complexidade direcionados às
várias disciplinas como: saúde do adulto - clínica médica e saúde pública dentre
outras. E assim, nesses espaços pude realizar cuidados de enfermagem às
pessoas com alterações crônicas, em especial, às pessoas com alterações
cardiovasculares.
Nossa formação como bacharel em enfermagem, ocorreu em
2001, na Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA) e no ano seguinte,
ingressamos em Curso de Especialização Modalidade Residência em Enfermagem
em Clínica Cirúrgica na área de Cardiologia promovido pela Escola de Enfermagem
da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. O curso teve duração de
dois anos, e todo ele se deu sob a forma de módulos teóricos e práticos. Durante o
Curso de Especialização, tivemos a oportunidade de adquirir e aprofundar
conhecimentos de enfermagem às pessoas com alterações cardiovasculares.
Dentre as pessoas com diversas alterações cardiovasculares que tivemos
oportunidade de prestar assistência, aquelas que mais nos chamavam a atenção
eram as pessoas com Hipertensão Arterial, o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e
principalmente a Insuficiência Cardíaca (IC), pois a primeira era um evento de
grande prevalência na população; a segunda, um evento agudo, doloroso e
impactante, e a terceira, uma condição que freqüentemente, levava as pessoas a
quem acometia à situações de descompensação e episódios freqüentes de
reinternações.
Naquela época, tivemos uma maior aproximação com as pessoas
com IC atendidas ambulatorialmente, pois semanalmente participávamos
juntamente com as enfermeiras docentes da Especialização das atividades de
prevenção, promoção, reabilitação e educação em saúde no Ambulatório de
Cardiologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
15
Durante encontros e aproximações com as pessoas acometidas
por IC pude perceber que estas pessoas apresentavam dificuldades no seguimento
do regime terapêutico prescrito. Na ocasião identificava que muitas das prescrições
médicas implementadas eram feitas de forma disciplinarizadoras e centralizadas
em protocolos fixos. Estes fatores associados a inadequada interação entre
profissional de saúde e pessoa com IC influenciavam a meu ver diretamente na
não-adesão ao tratamento, quer seja medicamentoso ou não.
Após o término do Curso de Especialização começamos a atuar
em uma Unidade de Emergência de um hospital público de Ribeirão Preto onde
pudemos prestar a assistência a pessoas com alterações cardiovasculares, mas
agora em situação agravada. Nessa Unidade, o que mais nos chamava atenção
eram os diversos e recorrentes atendimentos as pessoas com IC descompensada e
IAM, as aflições em situação de atendimento de emergência, em decorrência dos
agravos, da situação aguda e do risco de morte iminente e o sofrimento também da
família.
Nesse período começamos a refletir sobre as internações
freqüentes e de que maneira elas poderiam ser evitadas no sistema público de
saúde, uma vez que as ações de controle, prevenção e avaliação da atenção à
saúde as pessoas com hipertensão arterial eram preconizadas por políticas e
diretrizes na Atenção básica.
Ao virmos para Cuiabá em 2004 pudemos pela nossa experiência
atuar como coordenadora de um Centro Cirúrgico em um Hospital de Cardiologia. A
atuação nesta área da cardiologia possibilitou-nos constatar que muitos usuários
atendidos naquela instituição tinham alterações cardiovasculares, sendo necessária
a realização de uma intervenção cirúrgica.
Em 2005, a oportunidade de desenvolver atividades como docente
no Curso de Graduação em Enfermagem de uma Universidade privada, nos
possibilitou desenvolver atividades de ensino teórico, prático e de estágios em
diversas áreas e na área de cuidado a pessoas com alterações cardiovasculares.
Durante o acompanhamento das atividades do ensino pudemos desenvolver, então,
cuidados também a estas pessoas, tanto na atenção primária quanto na atenção
terciária.
Começamos a observar que grande parte das pessoas com
alterações cardiovasculares que procuravam atendimento nos sistemas públicos de
saúde eram pertencentes a um segmento social, cujos recursos sócio-econômico e
16
de escolaridade eram limitados e junto as suas diversas crenças e costumes havia
significados enraizados sobre cuidado em saúde que não eram reconhecidos pelos
sistemas de cuidados profissionais de saúde, que os levava a ter dificuldades em
seguir a terapêutica “instituída”. Também tinham dificuldade de acesso aos serviços
públicos de saúde nos diversos níveis de atenção, além de uma percepção
extremamente negativa da doença.
Percebemos ainda que, as internações de pessoas com
complicações cardiovasculares, tais como angina, infarto do miocárdio, insuficiência
cardíaca, dentre outras; as quais tiveram oportunidade de acompanhar, eram
ocorrências que poderiam ser evitadas, se as ações em saúde na atenção básica,
principalmente no que se refere àquelas realizadas pelos profissionais de saúde
voltadas as pessoas com Hipertensão Arterial, uma das principais causas do
surgimento destes agravos, fossem eficazes.
O contexto da atenção as pessoas com complicações
cardiovasculares pode ser visualizado na perspectiva dos serviços e profissionais.
Assim, ao analisarmos as práticas e os saberes dos profissionais de saúde
visualizamos que ainda elas são sustentadas no modo de organização das ações
em saúde com base na doença, centradas na medicalização, na tecnologia do
equipamento, na especialização, nos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
Também percebemos que os serviços de saúde estão organizados, no que se
refere às práticas profissionais, com base em um “menu” de ações previamente
estabelecidas, baseadas em critérios políticos e epidemiológicos, mas que pouco
tem respondido as necessidades de saúde das pessoas, pois além de reduzir o
cuidado à saúde à doença em si, a alteração biológica, ainda culpabiliza o doente
pelo seu agravo.
As práticas dos profissionais de saúde com base na lógica da
clínica não valorizam outras dimensões que se associam ao processo de saúde e
de doença, não reconhecem que a experiência da enfermidade constitui-se de uma
rede tecida de sentidos que relacionam à experiência do mal estar às diversas
dimensões que fazem parte da vivência de cada pessoa em seus contextos
socioculturais.
Por outro lado, ao passarmos a focalizar sobre a perspectiva do
usuário que tem uma complicação cardiovascular e que busca por atenção a sua
necessidade de saúde, visualizamos que a pessoa com uma necessidade de saúde
busca por atenção a ela dentro dos contextos sociais e culturais as quais está
17
inserido, incluindo os serviços de saúde, nem sempre percebem que as suas
necessidades foram atendidas de forma resolutiva. Neste enfoque, entendemos
que ao tomarmos como ponto de partida a pessoa com uma complicação
cardiovascular será possível apreendermos a sua experiência com a saúde e a
doença, o processo de busca por atenção a saúde, bem como suas escolhas, ou
seja, os sentidos dado por ela na vivência por cuidados à saúde.
Entendemos que, se os serviços de saúde e as práticas dos seus
profissionais se sustentam no modelo clínico e, se na experiência da enfermidade,
a pessoa vivencia os sentidos associadas a ela e por isso a relaciona aos contextos
socioculturais; os cuidados prestados pelos serviços de saúde não convergem com
as necessidades em saúde sentidas pelas pessoas adoecidas, embora saibamos
que as pessoas ao procurarem um serviço de saúde fazem um “recorte e/ou
seleção das necessidades que deverão ser atendidas pelos profissionais.
A prática profissional sob a perspectiva da ciência médica, pouco
tem conseguido diminuir ou minimizar as complicações cardiovasculares, em
especial aquelas que têm a hipertensão arterial como um fator associado. A
hipertensão arterial e suas complicações ainda se constituem em um relevante
problema de saúde pública, mesmo tendo políticas públicas específicas. Há a
necessidade de ampliar o cuidado à saúde dessas pessoas para além do cuidado
centrado na doença, é preciso incorporar nas práticas profissionais e nas formas de
organização dos serviços de saúde formas de atuação que incorporem outros
referenciais, como o da antropologia, o da sociologia, e outros.
A organização da prática em saúde centrada no Modelo Clínico
não compatibiliza com a Integralidade, uma das diretrizes do Sistema Único de
Saúde (SUS), pois a Integralidade exige práticas profissionais que ignoram o
reducionismo e a fragmentação da pessoa adoecida.
A integralidade é um princípio do SUS, definida como
“atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais”
(BRASIL, 1988).
Pinheiro e Guizardi (2004, p. 22) consideram a integralidade como
um princípio e prática produtora de relações, signos e significados, sendo um termo
plural, ético e democrático que se constitui em práticas eficazes e produz efeitos de
polifonia, ou seja, a sua implementação é resultado do embate de muitas vozes
sociais. Neste sentido, na relação entre os profissionais e instituições de saúde e a
18
pessoa e família que buscam por cuidado a sua saúde, o respeito ao outro passa a
ser um elemento fundamental para a integralidade.
Na perspectiva da Integralidade, o usuário e família têm direito a
escuta e participação direta do cuidado e as interações entre o usuário-trabalhador
acontecem de forma acolhedora sem sobreposição de poderes.
A construção e implementação da Integralidade nas práticas e nos
serviços de saúde, talvez seja, nos dias atuais, o maior desafio do setor saúde. A
atenção às pessoas com situações de cuidado a saúde, em especial aquelas que
necessitam gerenciar sua saúde por um tempo prolongado, chamadas de pessoas
com condições crônicas, como as que vivenciam alterações cardiovasculares,
representam um sério desafio para os atuais sistemas de saúde no tocante à
eficiência e efetividade.
As condições crônicas constituem-se em problemas de saúde que
requerem gerenciamento contínuo por um período de vários anos ou décadas.
Entre os problemas de saúde podemos destacar doenças transmissíveis (e.g.,
HIV/AIDS) e não transmissíveis (e.g., doenças cardiovasculares, câncer e diabetes)
e incapacidades estruturais (e.g., amputações, cegueira e transtornos das
articulações) condições estas, que embora pareçam ser díspares, incluem-se na
categoria de condições crônicas (OMS, 2003).
Neste contexto, percebemos que o desafio para implementação
da Integralidade vem ocorrendo na Atenção a Saúde as pessoas com alterações
cardiovasculares, pelo fato dos atuais sistemas de saúde não estarem preparados
para lidar com problemas crônicos.
Assim, ao vivenciar o cuidado de pessoas com complicações
cardiovasculares decorrentes da hipertensão arterial em nossas experiências
profissionais e a possibilidade de incluir o olhar da Integralidade nos levou a
aprofundar sobre este fenômeno, pois consideramos que essas complicações
acontecem quando a pessoa não é cuidada de forma adequada pelos profissionais
e serviços de saúde em suas necessidades de atenção, ou seja, quando as práticas
em saúde não são resolutivas.
As complicações cardiovasculares, tais como IC, IAM, entre
outras, tem sido consideradas como eventos-sentinela, porque seus surgimentos
implicam em falhas no controle da doença - a hipertensão arterial. Acreditamos
também que todo evento–sentinela possua uma condição marcadora no caso aqui
é a hipertensão arterial. Se o evento-sentinela pode ser definido como algo que não
19
deve ocorrer se o serviço de saúde funcionar adequadamente, a sua ocorrência
pode conduzir a investigação de falhas na atenção em saúde que tornaram o
evento possível e, com isso a sua correção de modo a garantir o funcionamento
adequado do sistema de saúde (PENNA, 2006).
Penna (2006) ainda define que a condição marcadora baseia-se
na idéia de que a partir da avaliação da assistência prestada a um conjunto
determinado de condições ou patologias, possa-se inferir a qualidade da atenção à
saúde, ou seja, a resolutividade da doença, seja pelo uso adequado de exames
complementares, pela oportunidade de acesso as ações, à medicação ou a níveis
mais complexos do sistema de saúde, entre outros.
A mesma autora refere que para uma condição ser considerada
marcadora deve: ser freqüente, ter técnicas de atenção bem estabelecidas e ter
ampla aceitação e efetividade comprovada. A hipertensão arterial, por exemplo, por
apresentar diretrizes e políticas especiais é considerada como condição marcadora.
Nesta perspectiva a possível gênese dos eventos-sentinela, as
complicações cardiovasculares, tem como traçador à hipertensão arterial. Isto nos
leva a focalizar que: a hipertensão arterial guarda relação entre o perfil
epidemiológico e as mudanças demográficas e sociais; a hipertensão arterial é
atendida apenas como evento medicalizável; a organização da atenção à saúde
deve tratar dos sinais e sintomas; os programas de prevenção e promoção a saúde
atuem apenas com base no fator de risco e, as pessoas com hipertensão arterial
não aderem a terapêutica instituída.
A isto, somam-se outros possíveis condicionantes que desafiam a
não integralidade das ações de saúde como: a falta de integração dos serviços de
saúde, a não resolutividade das práticas profissionais frente às necessidades de
saúde, a baixa qualidade técnico-científica do cuidado desenvolvido pelos
profissionais, o acolhimento ineficiente por parte dos profissionais de saúde
(Serviços de saúde com organização de suas práticas de maneira profissional-
centrada), um fraco estabelecimento de vínculo por parte dos Serviços de
saúde/profissionais com a pessoa e comunidade atendida e a dificuldade de
acesso/acessibilidade aos serviços de saúde/profissionais de saúde.
A problemática do contexto da hipertensão arterial é ressaltada
por Amodeo (2000) que salienta a hipertensão arterial como um dos principais
fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Se não
tratada, a hipertensão arterial determina alterações em todo sistema cardiovascular
20
afetando órgãos alvos tais como o coração. Além disso, as complicações
decorrentes da hipertensão arterial levam a custos médicos e socioeconômicos
elevados.
No Brasil, há políticas de atenção a pessoas com hipertensão
arterial voltadas a diminuir as taxas de prevalência da hipertensão arterial e de suas
complicações, como o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e
ao Diabetes Mellitus (BRASIL, 2001b), cujas práticas profissionais de atenção e de
gestão a esses agravos realizados na Atenção Básica. Entretanto, mesmo com
estabelecimento de políticas voltadas ao controle da hipertensão arterial, a
resolutividade prevista não vem sendo alcançada de forma efetiva, aumentando o
surgimento de complicações cardiovasculares, como o IAM e a IC.
A IC pode ser vista como conseqüência final de várias doenças
que comprometem o desempenho cardíaco dentre elas se destacam a Hipertensão
Arterial e o IAM (KOPEL; LAGE, 2000). A IC, uma das complicações
cardiovasculares, está em ascensão e apresenta-se como importante problema de
saúde pública, não só pelo aumento da morbi-mortalidade, mas também pelos altos
índices de internações prevalentes e pelos custos que ela acarreta no sistema de
saúde e para a sociedade (BATLOUNI, 2000) e também para o paciente e sua
família.
No contexto da hipertensão arterial e das suas complicações
observamos que as formas como os serviços de saúde e as práticas de atenção
dos profissionais estão organizadas, elas não vem sendo resolutivas no que se
referem ao atendimento as necessidades de cuidado em saúde das pessoas que
tem a hipertensão arterial “facilitando” o surgimento de complicações
cardiovasculares.
Entendemos que a Integralidade é um princípio a ser alcançado
no nosso sistema de saúde, portanto, desafio aos profissionais de saúde e aos
gestores, e pode ser apreendidos a partir da perspectiva do usuário sobre o sistema
de saúde, no caso, daquele que desenvolveu complicações cardiovasculares. Sob
esta ótica, passamos a defender que a complicação cardiovascular não tem uma
relação direta com a hipertensão arterial, mas sim, que nessa relação não podemos
deixar de elencar os inúmeros aspectos a ela relacionados, que são as formas de
organização dos sistemas de saúde e das práticas profissionais e que são
vivenciados pelos usuários neste sistema.
21
Embora seja possível apreender as diversas dimensões que
influenciam a situação de adoecimento, foi à vivência do usuário no atendimento a
sua necessidade de atenção a sua saúde, as experiências permeadas de
significados que orientam suas escolhas na busca por atenção as suas
necessidades nos diferentes campos de cuidado em saúde elegidos por nós como
o foco deste estudo.
Consideramos que o processo de adoecimento de uma pessoa
envolve os significados atribuídos por ela a enfermidade, os valores e as crenças
associadas aos contextos sócio-culturais ao qual fazem parte e que são
compartilhados no seu grupo, enfim tudo aquilo que sentido as suas escolhas
diante da enfermidade.
Acreditamos que a trajetória de vida de cada pessoa, suas
angústias, suas perspectivas, os significados compartilhados socialmente, bem
como sua referência de vida influenciam nos processos reflexivos e de escolhas
pelos sistemas de cuidado a saúde, configurando em uma trajetória única e
particular ao qual delineia a sua experiência da enfermidade. Tal trajetória
possibilita aprender as dimensões socioculturais presentes na busca por solução a
sua necessidade de saúde, bem como as formas como entende a organização dos
serviços de saúde. Gerhardt (2006) define itinerário terapêutico (IT) como sinônimo
de busca de cuidados terapêuticos e procura descrever e analisar as práticas
individuais e sócio-culturais de saúde em termos dos caminhos percorridos por
indivíduos, na tentativa de solucionarem seus problemas de saúde.
Neste sentido, diante da nossa experiência profissional e dos
fatores apresentados acima, começamos a levantar questionamentos sobre as
práticas profissionais de atenção à saúde as pessoas com complicações
cardiovasculares, tais como: Como a pessoa percebe a necessidade de cuidado a
saúde? Como ela faz suas escolhas na busca por cuidado? Como ela entende a
sua trajetória de adoecimento? Quais formas de cuidado a saúde ela busca? Quais
os sentidos atribuídos nos diferentes sistemas de cuidado a saúde? Como ela se
percebe e percebe as interações nos diferentes sistemas de cuidado a saúde? O
que a pessoa entende por Integralidade?
Com o propósito de responder a estas questões tomamos como
ponto de vista, a experiência da enfermidade de uma pessoa com complicação
cardiovascular (evento- sentinela), tendo o itinerário terapêutico como uma forma
de apreender a sua trajetória nos diferentes sistemas de cuidado em saúde e de
22
apreender em que medida o princípio da Integralidade no sistema de saúde foi
atendido.
Estes questionamentos nos levaram a buscar apreender a
Integralidade, na experiência da enfermidade das pessoas com complicações
cardiovasculares (evento-sentinela) associados à hipertensão arterial, tendo no
itinerário terapêutico como a possibilidade de compreender os diversos percursos
empreendidos por elas.
A perspectiva da Integralidade e o Itinerário Terapêutico nos foram
possibilitadas, quando do ingresso no Curso de Mestrado em Enfermagem na
Universidade Federal do Mato Grosso, em 2006, ao Subprojeto de Pesquisa O
ATENDIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA INTEGRALIDADE E DA RESOLUTIVIDADE
NA ATENÇÃO À SAÚDE NO CONTEXTO DO SUS NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA
DA BR 163 NO ESTADO DE MATO GROSSO na qual esta Dissertação de
Mestrado é parte integrante. Este subprojeto parte de um recorte de um Projeto
Maior
1
: Os desafios e perspectivas do SUS na atenção à saúde em municípios da
área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato Grosso desenvolvido pelo
Instituto de Saúde Coletiva/UFMT e Grupos de Pesquisa "Enfermagem, Saúde e
Cidadania" (GPESC) e "Gestão do Conhecimento Pluridisciplinar para o Trabalho
em Saúde" (GEPLUS) da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de
Mato Grosso.
O sub-projeto na qual este estudo é parte integrante, tem como
referencial o evento-sentinela, ou seja, um sério agravo à saúde que poderia ter
sido evitado através de uma assistência eficaz no início do curso do adoecimento,
para compreender como a pessoa que tem uma condição que poderia ser evitada
pela atenção básica, desenvolve complicações. A população estudada no
subprojeto é de abrangência dos municípios de Diamantino, Alta Floresta, Sinop e
Sorriso, ou de municípios a eles consorciados ou que façam parte da
regionalização destes em relação aos serviços de saúde.
Neste sentido, diante dos objetivos previstos no subprojeto e das
nossas experiências profissionais, este estudo, focalizará sobre uma pessoa,
1
PROJETO DE PESQUISA BR 163:Os desafios e perspectivas do SUS na atenção à
saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato
Grosso.Financiado pelo CNPq sob o 402866/2005-3 Ed 342005-BR163 2aEt/Edital
MCT/CNPq/MS-SCTIDECIT 34/2005 Área de influência da BR 163/Registro PROPEq
043/CAP/2006/Registro no Comitê de Etica em Pesquisa do HUJM nº 235/CEP-HUJM/05
23
procedente de uma das regiões elegidas no Subprojeto, que desenvolveu
complicações cardiovasculares, consideradas como eventos-sentinela tendo a
hipertensão arterial como traçador. Entendemos que a busca da compreensão do
atendimento ao princípio da Integralidade na atenção a saúde a pessoa é possível
ao utilizarmos o Itinerário Terapêutico, ou seja, a trajetória empreendida pela
pessoa na busca por atenção a sua saúde, para compreender a experiência da
enfermidade.
Sendo assim, nosso objeto de estudo é compreender a
experiência da enfermidade de uma pessoa com complicações cardiovasculares,
procedente do município de Marcelândia, e os modos como essa pessoa busca,
escolhe e direciona suas ações diante da necessidade de atenção a saúde.
Partimos da compreensão que a Integralidade é um desafio no
sistema de saúde, pois os serviços de saúde e as práticas dos seus profissionais
não reconhecem que a pessoa com complicação cardiovascular-evento sentinela,
imprime, em sua trajetória de busca por cuidado a sua saúde nos múltiplos
sistemas de cuidado, sentidos a experiência das mudanças corporais e as relaciona
aos contextos socioculturais as quais está inserido.
Sabemos dos desafios e das mudanças necessárias às práticas
profissionais na atenção a saúde a essas pessoas, o que nos estimula ainda mais
para a nossa busca do conhecimento sobre a experiência da enfermidade.
Começamos, então, a partir daí, a buscar na literatura as
perspectivas adotadas pelos autores em relação as temática: alterações
cardiovasculares e a hipertensão arterial. Dentre os estudos encontrados, podemos
citar alguns mais recentes, dentre os muitos existentes, tais como o produzido por
Araújo et al (2005) que descreveu o custo direto e indireto do tratamento
ambulatorial e hospitalar da insuficiência cardíaca em determinado município
brasileiro. Tavares et al (2004) avaliaram o perfil epidemiológico, sócio-econômico,
aspectos clínicos, etiologia, tempo de internação e a mortalidade dos pacientes
internados por insuficiência cardíaca descompensada também em um determinado
município. Lessa (2001) descreveu o aumento das hospitalizações por IC, medido
em relação a todas as hospitalizações por doenças cardiovasculares nas cinco
macrorregiões do Brasil.
Em relação ao IAM, embora haja pesquisas no campo da
reabilitação cardíaca, o processo de ajustamento que uma pessoa com infarto
miocárdio vivencia ainda não é bem entendido. As pesquisas têm focalizado sobre
24
as experiências de pacientes homens, entretanto, as experiências de mulheres
ainda têm sido pouco exploradas (JOHNSON, 1991). No estudo de Mussi; Ferreira;
Menezes (2006), “vivência de mulheres à dor no infarto do miocárdio” os autores,
trabalhando a partir do referencial teórico do Interacionismo Simbólico, perceberam
que a experiência foi uma ruptura com a vida cotidiana e que elas resistiram à
busca pelo atendimento porque não reconheceram o infarto.
em relação à hipertensão arterial citamos dentre muitos, os
estudos de Gus et al (2004) que descreveu a prevalência dos fatores de risco da
hipertensão arterial sistêmica, em um estado da região sul, em população adulta.
Reiners (2005), em seu estudo, sob a abordagem compreensiva, buscou
compreender a perspectiva do profissional de saúde e do usuário hipertenso sobre
a interação que ocorre entre eles no contexto da atenção em unidades públicas de
saúde, e analisar de que forma essa interação contribui para a não-adesão ao
regime terapêutico.
Diante das pesquisas acima descritas, percebemos que os
estudos focalizam sobre custos, fatores de risco, perfis epidemiológicos e tempo de
internação dos agravos, com exceção dos estudos de Reiners (2005) e Mussi;
Ferreira; Menezes (2006) que mostraram uma realidade ainda pouco explorada
pelos pesquisadores atuais, no que se concerne a compreensão da vivencia da
pessoa com hipertensão, porém não focaliza sobre a temática na perspectiva
proposta por nós, o que justifica a realização de nosso estudo.
Observamos também que atualmente existem poucos estudos
que compreendem a Integralidade na atenção a saúde ao usuário com IC, na busca
do entendimento da implementação dessa premissa básica do SUS.
Neste sentido, nossa pesquisa se mostra relevante na medida em
que focalizamos sobre a necessidade de apreender como se a experiência da
enfermidade de uma pessoa com complicação cardiovascular-evento sentinela da
hipertensão arterial.
Consideramos que ao apreender a experiência da enfermidade de
uma pessoa com complicação cardiovascular procedente do município de
Marcelândia- área de abrangência da BR 163, ou seja, buscar a sua subjetividade,
esta nos possibilita compreender os aspectos sociais e culturais presentes e
significativos da sua experiência e como a Integralidade de Atenção a Saúde as
essas pessoas vem ocorrendo nos serviços de saúde.
25
Assim, diante da proposição do nosso objeto de estudo, ao
buscarmos uma pessoa que vivenciou a experiência do adoecimento de um evento-
sentinela, procedente de um dos municípios da área de abrangência da BR163, que
pudesse atender aos objetivos propostos no estudo, encontramos Dona Florinda
2
,
55 anos de idade, procedente do município de Marcelândia/MT cujas experiências
com as complicações cardiovasculares relacionadas à hipertensão arterial se inter-
relacionam à sua história de vida.
2
Nome fictício empregado com o objetivo de manter o anonimato da participante do nosso
estudo, assim como dos profissionais de saúde citados por ela.
26
2. OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Compreender como se a Integralidade de Atenção a Saúde de uma pessoa
com complicação cardiovascular - evento sentinela da hipertensão arterial, na
perspectiva do usuário, procedentes da área de influência da BR 163 no Estado
de Mato Grosso.
2.2 Objetivos Específicos
Compreender a experiência da enfermidade de uma pessoa com complicação
cardiovascular - evento sentinela, procedente do município de Marcelândia em
Mato Grosso;
Compreender o itinerário terapêutico nos múltiplos sistemas de cuidado em
saúde empreendido pela pessoa com complicação cardiovascular - evento
sentinela da hipertensão, procedente do município de Marcelândia em Mato
Grosso.
27
3. REVISÃO DE LITERATURA
3.1 A Integralidade nas Políticas de Atenção a Saúde as pessoas com
alterações cardiovasculares
Neste capítulo apresentamos o contexto da problemática das
pessoas com alterações cardiovasculares bem como as Políticas de Atenção a
Saúde, tendo na Integralidade o suporte teórico para compreensão e análise das
práticas em saúde voltadas a essas pessoas.
Entendemos que para entender a Integralidade da atenção em
saúde das pessoas com alterações cardiovasculares, se faz necessária
compreender o quanto este agravo é representativo nas intervenções das práticas
de gestão e assistência em saúde no nosso país as pessoas por ela acometidas,
porém, visualizamos que embora seja visível a dimensão de tal problemática, os
serviços de saúde ainda não conseguem responder as necessidades de atenção à
saúde dessas pessoas. Neste sentido, defendemos que a atenção a saúde dessas
pessoas não pode ser sustentada apenas no saber clínico, na linearidade entre
causa e efeito, onde a atuação em saúde se restrinja a alteração corporal, aos
fatores de risco, na epidemiologia, mas sim que, é preciso à incorporação de outros
referenciais, como das ciências sociais, para apoiar a compreensão da
problemática das pessoas que apresentam alterações cardiovasculares.
Neste sentido, procuramos apreender o contexto da problemática
das pessoas com alterações cardiovasculares, de forma a trazer a relevância do
contexto, mas também alertando para a necessidade de passar a olhar para eles de
outra forma, pois da maneira como tem sido abordada nos serviços de saúde, ela
não tem resolutiva.
Assim, buscamos na literatura, estudos que abordem a
epidemiologia das alterações cardiovasculares no Brasil, dentre eles, a hipertensão
28
arterial, o infarto do miocárdio e a insuficiência cardíaca. Constatamos que faltam
pesquisas representativas que descrevam a prevalência da hipertensão arterial em
todo território nacional, mas foram encontradas pesquisas relacionadas à temática
em questão, realizadas em diferentes regiões diferentes do Brasil (Araraquara, São
Paulo, Piracicaba, Porto Alegre, Cotia, Cavenge e Rio grande do Sul).
Foi constatado que houve um aumento da prevalência hipertensão
arterial de 22,3% para 43,9% no período de 1990 a 2004(DBHA, 2006, p.34).
Segundo o III Consenso Brasileiro de Hipertensão (CBHA), no Brasil atualmente a
hipertensão tem uma prevalência alta, pois se estima que 15 a 20 % da população
brasileira adulta possam ser rotulada como hipertensa (CBHA, 1998).
O quadro da hipertensão arterial torna-se mais sério na medida
em que se constata que um grande número de pessoas não sabe que são
hipertensas e que não é significativa a proporção dos que estão sobre tratamento e
tem a pressão arterial controlada (REINERS, 2005)
A mesma autora refere que no cotidiano da assistência a saúde
dos hipertensos, nenhum problema é tão mais freqüente que a dificuldade que os
usuários têm para seguir o tratamento, cujas conseqüências são a falta de controle
da doença e o aumento da morbi-mortalidade por alterações cardiovasculares
(REINERS 2005, p.23).
Diante da dificuldade do seguimento do tratamento e o controle da
doença, a V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (DBHA) refere que a
hipertensão arterial apresenta custos médicos e socioeconômicos elevados,
decorrentes principalmente das suas complicações, tais como: doença
cerebrovascular, doença arterial coronariana, insuficiência cardíaca, insuficiência
renal crônica e doença vascular de extremidades (DBHA, 2006).
A mesma Diretriz salienta que a hipertensão arterial e as doenças
relacionadas à pressão arterial são responsáveis por alta freqüência de internações
e a Insuficiência cardíaca é a principal causa dessas hospitalizações dentre as
alterações cardiovasculares (DBHA, 2006).
A hipertensão arterial por mecanismos ainda não totalmente
esclarecidos predispõe o desenvolvimento de coronariopatia aterosclerótica,
levando o surgimento do IAM (AMODEO, 2000).
Em relação ao surgimento da IC a hipertensão arterial contribui,
pois pode promover alterações estruturais no ventrículo esquerdo, com ou sem
isquemia coronária, com função sistólica preservada ou não (DBHA, 2006, p.34).
29
Assim, diante do contexto apresentado acima, tendo a IC como a
principal causa das hospitalizações por complicação da hipertensão arterial,
consideramos necessário, buscar estudos que contextualizam a situação da IC
atualmente.
A IC é conceituada como um estado fisiopatológico em que o
coração é incapaz de manter suficiente perfusão periférica para suprir as
necessidades metabólicas tissulares ou o faz a custa de altas pressões de
enchimento (KOPEL; LAGE, 2000).
Para Batlouni (2000) a IC têm um custo sócio econômico elevado,
pois envolve dispêndio de medicamentos, internações repetidas, perda de
produtividade, aposentadorias precoces, eventuais cirurgias e ocasionalmente
transplante cardíaco.
A sua alta prevalência atualmente no Brasil tem sido atribuída ao
incremento na expectativa de vida de nossa população e maior efetividade dos
novos medicamentos para o tratamento, prolongando a vida (ARAUJO et al, 2005).
Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) é preciso
considerar que o aumento da expectativa de vida em nosso país vem ocorrendo,
porque o envelhecimento populacional tem sido o mais rápido do mundo, as
projeções indicam que, em 2025, teremos a sexta maior população de idosos:
aproximadamente, 30 milhões de pessoas (15% da população total), podendo
resultar na multiplicação dos casos de IC (SBC, 2002).
Uma vez instalada, a IC usualmente progride, muitas vezes de
maneira imprevisível. A mortalidade nos pacientes com IC ocorre de forma súbita,
por progressiva falência de bomba e por outras formas, incluindo IAM e acidente
vascular encefálico. Em estudo recente de Framingham, foi encontrada mortalidade
de 37% para homens e 38% para mulheres, após dois anos do diagnóstico de IC.
Após seis anos, 82% dos homens e 67% das mulheres haviam falecido. Essa
mortalidade foi quatro a oito vezes maiores que a da população geral da mesma
idade (SBC, 2002).
De acordo com o levantamento da I Diretriz Latino Americana
para Avaliação e Conduta na IC Descompensada promulgada em 2005, destacou
que a IC representou 4% de todas as hospitalizações e 31% das internações do
30
aparelho circulatório no ano de 2002 e que após a primeira hospitalização por IC
descompensada, a taxa de readmissões em salas de emergência e hospitalares é
particularmente elevada e a progressão das hospitalizações e das readmissões
hospitalares desta síndrome, em sua grande maioria, esta relacionada a não-
adesão terapêutica dos usuários acometidos, e tem sido objeto de estudo de vários
autores (SBC, 2005).
Ao procurarmos alguns fatores que interferem na ascensão, no
aumento da morbi-mortalidade e no número de internações por IC, encontramos no
estudo de Tavares et al (2004) alguns apontamentos. Eles explicam que o menor
acesso ao sistema de saúde e as dificuldades econômicas fazem com que os
pacientes, sejam acometidos mais precocemente pelas doenças cardiovasculares
e/ou apresentem uma menor adesão terapêutica, acarretando mortes mais
precoces.
Os mesmos autores referem que o baixo grau de instrução e a
baixa renda foram identificados, como fatores de risco e/ou agravantes tanto
para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca quanto para a readmissão
hospitalar.
Diante do contexto descrito acima percebemos que os grandes
avanços da medicina, como novos medicamentos, têm ajudado no tratamento e na
convivência com a doença. No entanto, não podemos considerar que este seria o
único caminho para diminuir a ascensão da IC. Pensamos que as práticas em
saúde devem estar voltas na prevenção deste agravo, já que estamos muito
próximos de um aumento população idosa em nosso país e associados a este
aumento, estão às precárias condições sócio-econômicas, as dificuldades de
acesso aos serviços de saúde que os usuários do SUS vêm enfrentando que tem
influência direta na baixa adesão ao tratamento, facilitando ainda mais aumento da
incidência das alterações cardiovasculares.
Para a SBC (2002) o maior desafio, porém, está em prevenir a IC
em pessoas com hipertensão arterial não tratada, colesterol elevado e infarto do
miocárdio, isto porque nenhum desses problemas cardiovasculares está sob
controle no Brasil e, por isso, é tão importante concentrar investimentos na difusão
de informações e na educação em saúde.
31
Como vimos à representação da IC e suas implicações é bem
significativa para as práticas em saúde atuais, e considerando que a hipertensão
além de favorecer o surgimento da IC predispõe a complicações cardiovasculares
tais como o IAM, acreditamos que a atenção a saúde a Hipertensão arterial se
constituiu um desafio no trabalho em saúde devido a sua prevalência alta em
nosso país.
Por outro lado, embora haja esta relação explicada pela ciência
médica e pelos dados epidemiológicos, não podemos deixar de ressaltar que as
formas como os atuais serviços de saúde estão instituídos e organizados e como as
práticas são realizadas pelos profissionais de saúde tem associação com a
problemática das pessoas com alterações cardiovasculares, contribuindo para as
dificuldades de atenção a saúde dessas pessoas, tais como dificuldades de acesso
aos serviços, a burocracia para a pessoa ser atendida, profissionais que focalizam
a pessoa no aspecto biológico e na doença, dificuldades de interação entre usuário
e profissional, são alguns dos aspectos que dificultam a atenção a essas pessoas. .
Neste sentido, ao refletimos sobre o assunto, levantamos alguns
questionamentos: como as práticas de assistência e gestão a pessoas com
alterações cardiovasculares vêm atendendo as necessidades em saúde
apresentadas por ela? Como as pessoas com alterações cardiovasculares
apreendem suas experiências com a enfermidade? Como elas buscam e escolhem
as formas de cuidado em saúde? Como elas percebem os sistemas de saúde e
suas práticas?
Para compreender se a organização dos serviços de saúde
atende ou não é preciso entender que necessidades de saúde das pessoas, vão
além de uma mudança no corpo físico, não se restringe a sinais e sintomas, mas
sim tem relação com os contextos socioculturais aos quais ela está inserida, ao
modo de vida de cada pessoa, entre outros, portanto não podem ser definidos em
um único conceito, pois são múltiplos e variam de pessoa para pessoa. .
Para Cecílio as necessidades de saúde podem:
[...] ser a busca de algum tipo de resposta para as más condições
de vida que a pessoa viveu ou esta vivendo (do desemprego á
violência no lar) a procura de um vínculo (a) efetivo com algum
profissional, a necessidade de ter autonomia no modo de andar a
vida ou, mesmo de ter acesso a alguma tecnologia de saúde
disponível, capaz de melhorar e prolongar sua vida (CECILIO,
2001, p.116).
32
Assim, estabelecer um conceito é reduzir a saúde a uma única
dimensão, neste sentido, reiteramos que diante do contexto das pessoas com
alterações cardiovasculares como um importante problema de saúde pública, torna-
se um desafio para os sistemas de saúde diminuir as suas complicações
cardiovasculares por meio de ações efetivas de atenção à saúde a ela, em que se
reconheça que as suas necessidades são mais abrangentes e que as organizações
dos serviços bem como as suas práticas devem incorporar o atendimento a tais
necessidades.
Sendo assim, consideramos importante compreender como são
as políticas de atenção as saúde voltadas para as pessoas com alterações
cardiovasculares, em especial a hipertensão arterial, no nosso país, para entender
como se conformam as práticas de gestão e de assistência e em que medida elas
atendem as reais necessidades de saúde, ou seja, se elas asseguram o alcance da
Integralidade da atenção à saúde.
Nos últimos anos o Ministério da Saúde vem desenvolvendo
ações com o intuito de organizar os serviços na atenção as pessoas com
hipertensão arterial.
O Monitoramento da Atenção Básica tem por meio do
acompanhamento das pessoas com hipertensão arterial um dos indicadores para o
monitoramento das ações desenvolvidas na atenção básica de saúde, visando
avaliar as repercussões das ações realizadas. Acredita-se que a partir de tais
ocorrências, infelizmente não pouco freqüentes, podem ser analisadas a eficácia e
resolutividade do sistema de serviços de saúde a disposição da população e, por
conseqüência, o grau de alcance da integralidade na atenção em saúde (BRASIL,
2004).
Dentre as ações propostas pelo Ministério da Saúde destacamos
também o Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao
Diabetes Mellitus estabelecido em 2000, estabelecido devido ao aumento da
prevalência da hipertensão arterial e do diabetes mellitus na população. Este plano
teve em um dos seus objetivos, vincular as pessoas acometidas com esses agravos
as unidades de saúde, garantindo-lhes acompanhamento e tratamento sistemático,
mediante ações de capacitação dos profissionais e reorganização dos serviços.
Além disso, as ações em saúde passaram a ser desenvolvida em conjunto, pelas
33
esferas federal, estadual e municipal, criando o nculo entre os portadores desses
agravos e as equipes da atenção básica. (BRASIL, 2001a, p. 5).
Em 2005, o Ministério da Saúde desenvolveu a Política Nacional
de Atenção Integral à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus, que tem como
objetivo a articulação e integração das intervenções, nos diferentes níveis de
complexidade, e nos setores públicos e privados, com proposta de reduzir os
fatores de risco e a morbimortalidade por hipertensão arterial e diabetes mellitus e
suas complicações, priorizando a promoção de hábitos saudáveis de vida,
prevenção e diagnóstico precoce e tratamento, com ênfase na Atenção Básica
(BRASIL, 2005, p.1).
Esta Política tem na Atenção Básica o alicerce para conseguir
controlar e monitorar esses agravos, sendo que os trabalhadores desse nível de
atenção passariam a receber capacitação e educação permanente para responder
a esse desafio.
Nesse mesmo ano, partindo desta política foi desenvolvido o
Sistema Hiperdia que estabelece diretrizes de atenção á saúde aos usuários
portadores de hipertensão arterial e diabetes mellitus. O SISHIPERDIA é um
Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos
captados no Plano Nacional de Reorganização da Atenção à hipertensão arterial e
ao Diabetes Mellitus, em todas as unidades ambulatoriais do Sistema Único de
Saúde, gerando informações para os gerentes locais, gestores das secretarias
municipais, estaduais e Ministério da Saúde. Além do cadastro, o Sistema permite
o acompanhamento, a garantia do recebimento dos medicamentos prescritos, ao
mesmo tempo em que, a médio prazo, poderá ser definido o perfil epidemiológico
desta população, e o conseqüente desencadeamento de estratégias de saúde
pública que levarão à modificação do quadro atual, a melhoria da qualidade de vida
dessas pessoas e a redução do custo social (BRASIL, 2006).
Diante do rol das ações preconizadas pelo Ministério da Saúde
acima relacionadas, questionamos se de fato elas estão sendo desenvolvidas da
maneira proposta. Isto porque, embora os programas e a monitorização da atenção
básica implementados contemplem ações de controle, prevenção e avaliação da
atenção à saúde ao usuário hipertenso, a insuficiência cardíaca decorrente desta
patologia vem aumentando tornando-se um importante problema de saúde pública.
Percebemos que, apesar da existência de intervenções, sistemas
de cadastro e programas no que se refere atenção a Hipertensão arterial, estes
34
aparatos não têm reduzido o aparecimento das suas complicações, podendo ser
atribuído uma das causas desse fato à formulação de políticas baseadas
essencialmente no perfil epidemiológico, havendo pouco reconhecimento de outros
fatores implicados na assistência ao usuário, ou seja, as ações são isoladas e
centralizadas na gestão dos serviços e não contempla a voz dos usuários.
Consideramos que nas práticas em saúde atuais, principalmente
no que se refere a políticas especiais como no caso da hipertensão, os profissionais
de saúde desconhecem ou não valorizam a compreensão de como as pessoas com
a hipertensão arterial e suas famílias (re) conhecem a experiência da enfermidade
em seu cotidiano.
Além disso, podemos entender que as práticas de gestão e
assistência a saúde dos profissionais de saúde em relação à pessoa com
hipertensão arterial estão centralizadas, estáticas e seguindo protocolos e rotinas
pré-estabelecidas de acordo com capacidade médica ofertante, criando assim, a
disponibilidade de ofertas focalizadas em ações prescritivas e reducionistas.
Neste sentido, a pessoa com hipertensão arterial apresenta uma
necessidade de atenção que não pode ser restrita a dimensão biológica, e isto,
muitas vezes não consegue ser compreendido pelos profissionais de saúde nos
diversos níveis de atenção. Isto porque, seja por motivos históricos, sociais e
políticos, os profissionais não conseguem ainda, compreender que as dimensões
que integram a pessoa humana vão além da dimensão biológica, por isso no
cuidado a saúde, ao separar o corpo com a doença da pessoa doente, acaba por
fragmentar este ser e reduzí-lo a dimensão, apenas, corporal.
Também é preciso considerar que as práticas de atenção e gestão
em saúde estão repercutindo na maneira como os usuários hipertensos interpretam
e consolidam a disponibilidade da oferta nos serviços de saúde, muitas vezes
baseada em diagnóstico, prescrição e distribuição de medicamentos,
procedimentos e exames.
Para Merhy; Franco (2005) a busca pelo usuário ao serviço de
saúde é socialmente construída e está relacionada ao perfil do serviço de saúde e a
forma como se processam a produção do cuidado e as relações entre
trabalhadores e usuários.
Discutem ainda que a forma como esta construída a demanda,
parte da contextualização que esta se constrói a partir da oferta, ou seja, o usuário
não demanda aquilo que sabe que não pode ser obtido em um serviço de saúde; a
35
demanda constrói-se em um serviço a partir da não realização de certas
necessidades por outros serviços, pautada pela não-interatividade do usuário e
serviço, sendo incapaz de produzir sujeitos com autonomia no cuidado, criando a
dependência lógica de procedimentos; os usuários associam e atribuem a solução
de seus problemas ao procedimento, formando uma imagem na qual coloca no
procedimento toda expectativa de ser cuidado e protegido. Em conseqüência a isto,
ocorre uma produção imaginária da demanda, ou seja, existe a procura de um
procedimento ou exame sem que haja necessidade (MERHY; FRANCO, 2005).
Ressaltam os autores que o universo simbólico também perpassa
no nível dos trabalhadores de saúde, pois estes apresentam embutidos em suas
ações o Modelo Tecnoassistencial “Médico Hegemônico”, detentor de saberes e
produtor de procedimentos, ou seja, as ações destes ainda estão voltadas na lógica
de manuseio de equipamentos e instrumentais, em detrimento as tecnologias
relacionais, induzindo assim o alto consumo de procedimento.
Neste sentido, citamos Foucault (1979) que em um dos seus
estudos atribui a centralização do poder médico e a medicalização da vida e da
cultura em geral às transformações históricas ocorridas no contexto dos serviços de
saúde, pois são construções sociais e se difundem pela mídia, contribuindo na
forma como a população busca os serviços de saúde, reforçando a produção
imaginária da demanda.
As idéias de Lefèvre (1991) em relação ao processo de
medicalização e saúde também parecem estar de acordo com as idéias dos autores
Merhy; Franco (2005) e Foucault (1979). Este autor explora as conseqüências de
um fato que ele considera mais do que aparente: a saúde, em nossa sociedade,
está associada a bens de consumo que aparecem como propiciadores de saúde:
medicamentos, iogurtes, seguros de vida, massagens, ginásticas etc. Neste
sentido, podemos acrescentar a demanda por procedimentos e exames analisados
por Merhy; Franco que ao os entender como produção imaginária também os
concebe como bens de consumo. Medicamento, seguros de vida ou procedimentos
e exames são símbolos que permitem que a saúde esteja neles representada,
admitindo que este significado não é um já-dado, “natural”, a-histórico, mas sim
produto de um determinado sistema social, de uma determinada formação social
concreta, percebemos que é deixada na sombra sua dimensão de relação (com o
social, com o comportamental).
36
Frente a este contexto, podemos perceber certa concordância
com o que diz Foucault (1979) em seu texto “O nascimento da Medicina Social”,
que ressalta que na prática médica atual os doentes tendem a perder “o direito
sobre o seu próprio corpo, o direito de viver, de estar doente, de se curar e morrer
como quiserem”, e, por conseguinte sua autonomia. Uma autonomia que não diz
respeito somente à forma como são tratados, mas também à determinação de seu
modo de vida e de conduta.
Ainda refletindo sobre as relações de poder representadas por
Foucault, na descrição em “A casa dos Loucos”, percebemos que este aponta para
o significado de mudanças nessas intervenções:
O médico é competente, o médico conhece as doenças e os
doentes, detém um saber científico que é do mesmo tipo que o do
químico ou do biólogo; eis o que permite a sua intervenção e a sua
decisão[...] A relação de poder aparecia na sintomatologia como
sugestibilidade mórbida. Tudo se desdobrava daí em diante na
limpidez do conhecimento, entre o sujeito conhecedor e o objeto
(FOUCAULT, 1979, p. 123).
Pensando sobre as relações de poder existentes em nossas
práticas, concordamos com Azevedo (2005), quando esta refere que a escolha pelo
referencial foucaultiano em sua pesquisa se deve em primeiro lugar, ao convite e
estímulo que o autor faz para olhar o nosso cotidiano de forma diferente, ou seja,
olhar para as banalidades do dia-a-dia, àquilo que parece ser natural, rotineiro e
desinteressante, na tentativa de identificar os problemas específicos, originais,
embutidos nestas banalidades, pois são estes que constroem e sustentam a nossa
própria existência.
Reconhecemos que para compreender a lógica da organização
das práticas em saúde no que se refere atenção a pessoa com hipertensão arterial,
se faz necessário compreender as relações de poder e saber existentes nos
serviços de saúde e sua representatividade no cuidado.
Consideramos também que a possibilidade de produzir
transformações no modelo das práticas em saúde envolvem intervenções no nível
da micropolítica em cada local de trabalho, alterando as relações de poder,
ressignificando as relações de trabalho e qualificando a relação com os próprios
usuários, desenvolvendo um processo de subjetivação que busca mudar atitudes.
37
Merhy e Franco (2005) ressaltam que, para produzir
transformações no modelo das práticas em saúde é necessário criar novos modos
de agir com os usuários, ressignificando a relação serviço-usuário e inserindo nos
serviços práticas acolhedoras. Ressaltam ainda que é preciso criar a idéia de
“empoderamento” dos usuários por processos de aprendizagem e subjetivação
fazendo que estes desenvolvam a autonomia no processo de cuidar.
Acreditamos que a forma como as políticas em saúde estão sendo
implementadas aos usuários com hipertensão arterial não contemplam a
Integralidade em saúde, ou seja, são implementadas de maneira reducionista e
prescritiva e acabam dificultando o desenvolvimento de novas práticas em saúde e
também interferem na construção da autonomia do processo de cuidar tanto do
usuário quanto da sua família.
Mattos (2005) traz a Integralidade, como um convite aos
formuladores das políticas de enfrentamento de certas doenças, ao desafio de
tornar compatíveis as perspectivas de controle, erradicação ou mesmo simples
mudança da magnitude da doença no país, estado ou município, e a perspectiva do
direito dos portadores da doença ao acesso aos serviços assistenciais. Isso implica
que os formuladores não podem ter uma apreensão das necessidades de saúde da
população exclusivamente através de indicadores epidemiológicos, ou seja, não
podem reduzir as políticas de saúde à políticas que tem como único objetivo a
redução da magnitude de certas doenças.
Neste sentido, buscamos a compreensão do princípio da
integralidade da atenção em saúde para podermos compreender como as ações
devem ser consolidadas em nossas práticas de gestão e na assistência a saúde
dos usuários com Hipertensão Arterial, para que estes não desenvolvam a IC, seu
evento sentinela.
Hartz; Contandriopoulos (2004, p.331) define a Integralidade em
Saúde como um dos pilares de construção do Sistema de Saúde:
[...] baseada na primazia das ões de promoção; garantia de
atenção nos três níveis de complexidade; articulação das ações de
prevenção, promoção e recuperação; abordagem integral dos
indivíduos e das famílias. O conceito de integralidade remete,
portanto, obrigatoriamente, ao de integração de serviços por meio
de redes assistenciais, reconhecendo a interdependência dos
atores e organizações, em face da constatação de que nenhuma
delas dispõe da totalidade dos recursos e competências
necessários para a solução dos problemas de saúde de uma
população em seus diversos ciclos de vida [...].
(HARTZ;CONTRANDRIOPOULOS, 2004, p.331)
38
A Integralidade, no contexto da luta do movimento sanitário,
parece ser assim: uma noção amálgama, prenhe de sentidos. Talvez não devamos
buscar definir de uma vez por todas a integralidade, posto que desse modo
pudesse abortar alguns dos sentidos do termo e, com eles, silenciar algumas das
indignações de atores sociais que conosco lutam por uma sociedade mais justa
(MATTOS, 2001).
Considerando que existem vários sentidos atribuídos para a
integralidade, e partilhando da idéia de Mattos (2001) de que esse princípio do
SUS, definido no texto constitucional, deva constituir uma bandeira de luta, repleta
de valores que devem ser defendidos, e cujo conceito continua em construção,
torna-se necessário contextualizar o conhecimento sobre Integralidade tomando
como eixo norteador as concepções atribuídas por Mattos.
A Integralidade apresenta-se para além de ser uma das diretrizes
básicas do Sistema Único de Saúde (SUS), mas sim em uma perspectiva teórica de
abordagem do outro, de organização das práticas e da realidade de saúde.
Mattos (2001, p. 44, 52 e 57) apresenta três sentidos para a
Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. O primeiro sentido traz a:
Integralidade como um traço da boa medicina [...] movimento que
ficou conhecido como medicina integral [...] integralidade como
modo de organizar as práticas Integralidade e políticas especiais
[...] relativo às configurações de certas políticas específicas.
Este sentido, segundo Mattos pode ser localizado no espaço
micro-estrutural das práticas em saúde, ou seja, no espaço das relações
interpessoais profissional/usuário,
Integralidade teria a ver com uma atitude dos médicos que seria
desejável, que se caracterizaria pela recusa em reduzir o paciente
ao aparelho ou sistema biológico que supostamente produz o
sofrimento e, portanto a queixa desse paciente [...] Relaciona-se,
desse modo, com a boa medicina, ou melhor, com a boa prática
médica (MATTOS, 2001, p. 45-46).
Desta forma, refletindo sobre a assistência aos usuários com
hipertensão arterial, a integralidade diz respeito a uma perspectiva de atendimento
das necessidades de saúde desses usuários, não os reduzindo a somente um
39
corpo biológico, acometido por um agravo à saúde. Tal prática, não implicaria que
os profissionais de saúde deixassem de lado todo o conhecimento técnico-científico
adquirido em sua formação, ou de colocá-lo em segundo plano. Ao contrário,
significa utilizar todo o conhecimento disponibilizado pela área de saúde, de forma
interconectada com saberes produzidos por outras áreas, que têm interface com a
saúde, como a sociologia, a antropologia, filosofia dentre outras. Ou seja, os
profissionais de saúde devem considerar que o usuário a ser atendido é repleto de
subjetividades, valores culturais e a relação saúde-doença fazem parte deste
universo social permeado de símbolos, expectativas e referência que se
entrecruzam e interagem como o universo da ciência e das terapêuticas.
Para que a apreensão deste sentido aconteça, é preciso
reconhecer que
[...] as necessidades dos que buscam serviços de saúde não se
reduzem à perspectiva de abolir o sofrimento gerado por uma
doença, ou à perspectiva de evitar tal sofrimento. Buscar
compreender o conjunto das necessidades de ações e serviços de
saúde que um paciente apresenta seria, assim, a marca maior
desse sentido de integralidade (MATTOS, 2001, p. 50).
O mesmo autor nos estimula ainda a pensar sobre a relação entre
os profissionais de saúde e os usuários com hipertensão arterial, questionando
“Seria integralidade um adjetivo de uma atitude de certos profissionais que
direcionam suas ações a esses usuários, ou uma marca das práticas desses
profissionais?”. Certamente que a atitude profissional e seu desenvolvimento são
importantes elementos asseguradores dessa proposta. Nesse sentido, a educação
de profissionais de saúde que atendem esses usuários deve contemplar essa
perspectiva, esse modo de intervenção na realidade.
Entretanto, a integralidade na atenção ao usuário com hipertensão
arterial não se reduz a essa compreensão. Ela nos remete a outro sentido, mais
ampliado, relacionado à organização dos serviços e das práticas de saúde, ou seja,
o espaço de organização das práticas profissionais voltadas à atenção a saúde
desses usuários.
A este segundo sentido atribuído por Mattos (2001) estamos nos
referindo à organização dos serviços e práticas em saúde em rede, para além do
espaço individual de atenção, considerando-se a necessidade de uma articulação
40
interinstitucional, capaz de dar respostas às necessidades de saúde desses
usuários.
Partindo dessa afirmação, a integralidade então, de acordo com
Mattos:
[...] emerge como um princípio de organização contínua do
processo de trabalho nos serviços de saúde, que se caracterizaria
pela busca também contínua de ampliar as possibilidades de
apreensão das necessidades de saúde de um grupo populacional.
[...] Nesse sentido, a articulação entre a demanda espontânea e a
demanda programada desde o serviço expressa o diálogo
necessário entre dois modos privilegiados de se apreender as
necessidades de um grupo populacional (Mattos, 2001, p. 57).
O terceiro conjunto de sentidos da integralidade proposto por
Mattos (2001), “trata de atributos das respostas governamentais a certos problemas
de saúde, ou às necessidades de certos grupos específicos”. Amplia-se mais uma
vez o sentido do termo, contemplando agora o conjunto de políticas de saúde,
como resposta governamental a problemas de saúde, englobando tanto ações de
promoção, prevenção como de reabilitação da saúde.
Na atenção a saúde ao usuário com Hipertensão Arterial, a prática
da integralidade implica em transitar do cenário micro-estrutural, campo das
relações interpessoais e intersubjetividades dos atores sociais nela operantes, para
o cenário macroestrutural, da elaboração de políticas de saúde, que se
operacionaliza em rede de oferta de serviços de saúde.
Cecílio (2001, p. 113) reforça essa compreensão ao escrever que
[...] pensar a eqüidade e a integralidade da atenção nos obriga a
enxergar como o “micro” está no “macro” e o “macro” no “micro”, e
que esta recursividade, mais do que uma formulação teórica, tem
importantes implicações na organização de nossas práticas.
Desse ponto de vista, a integralidade da atenção apresenta-se:
[...] no espaço singular de cada serviço de saúde, [...] definida
como o esforço da equipe de saúde de traduzir e atender, da
melhor forma possível, [...] necessidades, sempre complexas,
mas, principalmente, tendo que ser captadas em sua expressão
individual. [...] A integralidade da atenção pensada em rede, como
objeto de reflexão e de (novas) práticas da equipe de saúde e sua
gerência, em particular a compreensão de que ela o se dá,
41
nunca, em lugar só, seja porque as várias tecnologias em saúde
para melhorar e prolongar a vida estão distribuídas em uma ampla
gama de serviços, seja porque a melhoria das condições de vida é
tarefa para um esforço intersetorial (CECÍLIO, 2001, p. 116, 117).
Considerando a perspectiva apresentada, acreditamos na
necessidade de abordar e implementar a integralidade nas práticas de saúde
realizada as pessoas com alteração cardiovascular- a hipertensão arterial, para que
as complicações cardiovasculares- IC e IAM decorrentes da hipertensão sejam
evitados. Na vivência de situações de atenção à saúde a estes usuários, os
profissionais de saúde precisam ser levados a refletir, em conjunto sobre o
significado do atendimento na perspectiva da integralidade, identificando a rede de
prestação de cuidados à saúde, bem como as políticas orientadoras desta.
Assim, ressaltamos que a Integralidade na atenção a saúde as
pessoas com hipertensão arterial deve ser reconhecida nas práticas que valorizam
o cuidado, e que têm em suas concepções a de considerar o usuário como pessoa
a ser atendido e respeitado em suas demandas e necessidades.
3.2 A experiência da enfermidade
Para entender como se a experiência da enfermidade é
importante destacar os aspectos conceituais que tornam possível a compreensão
deste processo. Neste sentido neste capítulo descreveremos alguns conceitos que
abordam os sentidos das escolhas, respostas, interpretações e busca por cuidado
da pessoa diante da enfermidade, ou seja, a representação de quem vivencia a
enfermidade, seus valores crenças, símbolos e significados que são embutidos ao
longo deste processo.
Iniciamos pela distinção entre o que se entende por doença e o
que se entende por enfermidade. Para Radley (1998), a primeira tem relação com
uma patologia definida no âmbito da ciência médica, enquanto a segunda tem
relação com a experiência de aflição da pessoa. Sob o ponto de vista daquele que
vive a aflição, ele se percebe como doente, pois relaciona com o seu estado de
saúde e sendo doente, também se percebe como sofredor quando ele relaciona
sua condição com a dos outros no mundo da saúde. Sob o ponto de vista da
42
doença, a pessoa é vista na condição de paciente, pela relação com o tratamento
médico. Ainda para o mesmo autor, uma pessoa cronicamente doente, significa
dizer que ela muda a sua condição de ser saudável para a condição de ter que
viver com uma doença num mundo da saúde, portanto, ela não se percebe incapaz,
mas sente e sofre por ser estigmatizada em decorrência de alguma limitação
corporal. Para o autor, a doença crônica é a patologia que não tem tratamento na
perspectiva da ciência médica, mas a condição crônica é vivência com uma
enfermidade crônica que traz limitações em suas vidas, tal condição leva a
processos reflexivos em decorrência dos enfrentamentos cotidianos no decorrer de
suas experiências.
Assim, neste sentido, para compreender o processo saúde-
doença é importante não entender como as práticas de cuidado profissional
atendem ou não as necessidades de saúde da população, com base em perfil
epidemiológico, mas entender como ocorre à experiência de ter uma aflição, e
como os significados compartilhados socialmente influenciam nos processos
reflexivos e de escolhas pelos sistemas de cuidado a saúde, numa realidade
caracterizada pela escassez de recursos sociais a população, em especial, os
recursos destinados ao sistema de cuidado em saúde profissional.
A experiência é entendida como as formas como as pessoas
entendem e constroem suas vidas, mediadas pela ação social, e sendo decorrente
da vida cotidiana, tem caráter indeterminado, assim não é possível deduzi-la de um
sistema coerente e ordenado de idéias, símbolos ou representações. Ao passarmos
por uma experiência de doença ou uma dificuldade, por exemplo, passamos a ter
consciência do que está nos acontecendo porque refletimos sobre aquilo que nos
afeta em nossa matéria o corpo, como sentimos e percebemos a experiência e
como podemos transcender a experiência, constituindo um processo dialético entre
corpo e subjetividade, mediados pelo caráter intersubjetivo da ação social, ou seja,
da interação com os outros. Portanto, a experiência é sustentada pelos valores
sociais e culturais de cada grupo (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999).
Assim, a enfermidade é uma experiência que decorre de
processos interativos, pois cada pessoa em situação de doença ao buscar as
diferentes formas de cura e tratamento percorre múltiplos sistemas de cuidado,
configurando cada experiência como única.
A experiência da enfermidade é um processo interpretativo ou de
julgamento na medida em que ela é afirmada pelas pessoas que a aceitam como
43
real, pois se origina no mundo do senso comum. Portanto, sendo formada de
processos comunicativos de definição e interpretação, é uma construção
intersubjetiva (ALVES; RABELO, 1999).
Nas situações de enfermidade, diante das multiplicidades de
cuidados para a saúde, utilizamos o conhecimento
[...] para nos orientar na situação e resolver os problemas que nos
defrontam é heterogêneo: comporta desde um conhecimento
radicado no corpo (que inclui habilidades corporais adquiridas no
passado), não acessível discursivamente, até uma série de
receitas genéricas para lidar com um conjunto variado de
situações, que para Schutz, citado pelo mesmo autor, consiste do
conhecimento formado ao longo do percurso biográfico do
indivíduo. (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999, p. 16).
A experiência da enfermidade para qualquer pessoa se constitui
em uma situação-problema e, por revelar a necessidade de novos conhecimentos,
faz com que a pessoa passe por um processo reflexivo, donde requer esquemas
interpretativos para que tal experiência possa ser reintegrada a sua vida cotidiana
e, na medida em que a experiência é controlada, a condição de problema da
experiência é abolida (ALVES; RABELO; SOUZA; 1999).
Na experiência da enfermidade ocorre uma multiplicidade de
sentidos, pois os fatores socioculturais e biológicos não podem ser isolados, já que
a vida tem várias dimensões e estas se integram a totalidade da vida, assim,
embora cada vida tenha seu aspecto particular ela é também expressão
generalizada da existência (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999).
Ao revelar a experiência da pessoa, sua singularidade, não
ressaltamos a subjetividade como posição soberana, mas buscamos desvendar os
modos como as pessoas reorientam suas vidas, num processo onde os significados
constituintes das diversas experiências são continuamente reconstruídos,
sustentado na compreensão de que a ação da pessoa frente ao seu contexto é
orientada socioculturalmente (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999).
As respostas a enfermidade são constituídas socialmente, pois
remetem diretamente a um mundo compartilhado de práticas, crenças e valores. Na
lida com a enfermidade, o doente e aqueles que estão envolvidos na situação
(como familiares, amigos, vizinhos e terapeutas) formulam, (re) produzem e
transmitem um conjunto de soluções, receitas práticas e proposições genéricas, de
acordo com o universo sociocultural do qual fazem parte (ALVES; RABELO, 1999).
44
Cada sociedade compartilha um conjunto de regras e normas as
quais servem para cada membro orientar seus atos e comportamentos nos
processos dinâmicos de vida; em um sentido mais genérico, essas regras e normas
seria a cultura. Geertz (1989) conceitua cultura, como uma teia de significados
tecida pelo próprio homem, e sua análise seria a interpretação destes significados.
Já Chauí (2005), explica que a cultura é instituída no momento em
que as pessoas determinam para si mesmas regras e normas de conduta que
asseguram a existência e conservação da comunidade e por isso devem ser
obedecidas sob pena de punição. A mesma autora relata que não existe a cultura
no singular, mas culturas, no plural, pois os sistemas de proibição e permissão, as
instituições sociais, religiosas, políticas, os valores, as crenças, os comportamentos
variam de formação social para formação social e podem variar numa mesma
sociedade no decorrer do tempo.
Ressalta que a cultura esta ligada a uma ordem simbólica que
consiste na capacidade humana para dar as coisas um sentido que está além de
sua presença material, isto é, na capacidade de atribuir significações e valores às
coisas e aos homens, distinguindo entre bem e mal, verdade e falsidade, beleza e
feiúra; determinando se uma coisa ou uma ação é justa ou injusta, legítima ou
ilegítima, possível ou impossível.
A relação saúde-doença faz parte deste universo social
permeado de símbolos, expectativas e referência que se entrecruzam e interagem
como o universo da ciência e dos medicamentos. Assim, a experiência da
enfermidade é permeada de significados compartilhados socialmente, onde cada
grupo social constrói sua explicação própria para a origem, causas e tratamento de
determinadas doenças. Essas explicações formam o conjunto de representações
saberes e práticas de um grupo social. A cada representação de doença
corresponde um determinado saber e uma terapêutica que façam sentido quando
tomadas em conjunto. Existem sistemas envolvendo patologias e médicos ao lado
de outros representados por energias e práticas, ou ainda espíritos e curandeiros
(KEMP, 2002,).
As idéias de Helman (2003, p.12), em relação às representações
dos saberes e práticas de um grupo social também parecem estar de acordo com
as idéias de Kemp (2002). Para este autor, no estudo da cultura é necessário
compreender a organização social de saúde daquela cultura, ou seja, o sistema de
assistência à saúde. Isso inclui as formas com que as pessoas são reconhecidas
45
como doentes, o modo como apresentam a doença aos outros, os atributos
daqueles a quem a doença é apresentada, e as formas com que a doença é
tratada.
Acrescentamos ainda que, as representações dos saberes e
práticas na relação saúde-doença também perpassam pela compreensão do sujeito
sobre o seu corpo, trazendo a esta percepção, símbolos, significados, valores e
crenças que agregam diversos grupos e formações sociais.
Para Maruyama (2004), a imagem que a pessoa tem do seu corpo
é usada como referência para conceituar a experiência com o próprio corpo, e a
percepção do corpo e suas interpretações são constituídas pela cultura do grupo.
Sobre os diferentes sistemas de cuidado à saúde, o modelo
explicativo de Kleinman (1978) que distingue três campos de práticas em saúde: o
profissional, constituído pelo modelo oficial, sendo na sociedade ocidental a
medicina científica; o folk, constituído pelas instituições não oficiais, como
curandeiros, raizeiros, benzedores, espíritas, entre outros, e, o popular formado
pelos leigos, como os vizinhos, a família, tem sido referência para entender os
saberes e as práticas em saúde que são compartilhados nos grupos sociais. Para o
autor uma articulação sistêmica entre os diferentes elementos ligados à saúde e
a doença e as formas de cuidá-las, ou seja, a experiência dos sintomas, modelos
específicos de conduta do doente, decisões concernentes a tratamento, práticas
terapêuticas e avaliação de resultados (Kleinman apud ALVES; SOUZA, 1999).
Na experiência da enfermidade, as alterações corporais
conduzem as pessoas a um processo reflexivo em que vêm à tona os significados
representações socioculturais a respeito do processo, em que o corpo que vivencia
as mudanças tem um aspecto importante neste processamento; assim, em nossa
sociedade, embora o sistema de cuidado privilegie a ciência médica, o significado
social do corpo direciona a busca por cuidados populares, principalmente quando
as alterações não causam impacto na rotina de suas vidas. De outro modo, quando
as alterações compartilhadas socialmente são consideradas graves, também se
pode buscar o sistema médico oficial. É importante, embora ressaltemos os
diferentes sistemas de cuidado à saúde, reconhecer que, diante da multiplicidade
de recursos disponíveis, cada pessoa direciona suas escolhas, as quais nem
sempre se apresentam de modo articulado e coerente (ALVES; SOUZA, 1999).
Assim, o corpo como matéria de veiculação das pessoas com o
mundo, antes de ser um objeto de intervenção das ciências biomédicas, é
46
dimensão do nosso próprio ser (MARUYAMA, 2004). Neste enfoque o modo que as
pessoas vivenciam uma doença, retrata primeiro uma síntese, entre corpo e cultura,
para depois ser uma reflexão sobre a doença (ALVES; RABELO, 1999).
Reconhecemos que, embora o corpo englobe a representatividade
das pessoas com o mundo antes de se tornar objeto da biomedicina, no sistema de
cuidado profissional, esta dimensão tão significativa para a pessoa não vem sendo
considerada. E passar a considerar no cuidado à saúde, os modos como as
pessoas entende a saúde e a doença e escolhem os sistemas de tratamento e
cura, tem sido um desafio para as práticas profissionais, especialmente em
situações em que as pessoas necessitam incorporar cuidados prolongados para a
manutenção da saúde, como no caso das condições crônicas e, dentre elas, as
pessoas com hipertensão arterial. Embora se saiba sobre as diferentes medidas
terapêuticas para o controle da hipertensão e da organização dos serviços para um
atendimento “adequado”, na prática, essas pessoas nem sempre incorporam tais
medidas, que leva a complicações, denominados de evento-sentinela, e causam
prejuízos irreparáveis para a pessoa, sua família, aos serviços de saúde e para a
sociedade.
Neste estudo não focalizaremos todas as complicações, mas, por
meio de uma delas, procuraremos alcançar os esquemas interpretativos pelos quais
a pessoa com hipertensão arterial direciona seus atos e comportamentos nas
escolhas pelos diferentes espaços no cuidado a saúde e é com esta perspectiva
que nosso estudo se compromete. Neste sentido a socioantropologia tem no
itinerário terapêutico o objetivo de interpretar os processos pelos quais os
indivíduos ou grupos sociais escolhem, avaliam e aderem (ou não) a determinadas
formas de tratamento (ALVES; SOUZA, 1999).
Assim, embora nos revele a disponibilidade dos diferentes
sistemas de cuidado à pessoa com problemas de saúde buscaremos, por meio do
itinerário terapêutico, alcançar os contextos que influenciam as escolhas, pois como
diz ALVES; SOUZA (1999, p. 125) é “[..] importante levar em consideração que a
escolha de tratamento é influenciada pelo contexto sociocultural em que ocorre”.
Percebemos certa concordância na forma como pensamos,
contextualizando as idéias de Le Breton (2003). Para este autor, o corpo no
discurso científico contemporâneo é pensado como uma matéria indiferente,
simples suporte da pessoa, distinto do sujeito, torna-se um objeto à disposição em
que se deve agir a fim de melhorá-lo; uma matéria-prima na qual se dilui a
47
identidade pessoal, esvaziada do seu caráter simbólico, e que temos, em certa
medida, que incorporar este sentido ao exercício das práticas profissionais em
saúde.
Na medida em que buscamos apreender e explicitar os
significados da experiência individual de enfermidade de uma pessoa com
hipertensão arterial, com complicações como a IC e IAM será possível
compreender os aspectos que a orientam na busca por cuidado em saúde, os
modos como ela percebe o corpo e seus significados com base nos contextos
sociais e culturais nos quais ela está inserida. Ao compreendermos, interpretamos
as ações humanas significativas, vividas no mundo do senso comum, damos
visibilidade aos sentidos presentes nas experiências das pessoas, desta forma, não
buscamos a verdade e nem a certeza, mas fragmentos da experiência humana que
se integram na dinamicidade do mundo da vida.
No Brasil, a busca por cuidado à saúde tem como pano de fundo
um quadro social, marcado por diferenças sociais onde predomínio da pobreza
e, um retrato cultural, marcado pela diversidade cultural (GERHARDT, 2006), que
de certo modo implica na vida cotidiana de cada pessoa.
No estado de Mato Grosso, ainda uma particularidade que a
distingue das demais. Geograficamente, o Estado tem uma extensa área territorial,
uma malha viária precária e um clima caracterizado por duas estações, uma
chuvosa e uma seca, contribuindo de maneira negativa quando se trata de acesso
aos serviços de saúde de uma pessoa residente no interior do Estado. Tal situação
uma identidade única às pessoas que necessitam de cuidados em saúde, pois
elas são levadas a buscar por diferentes formas de cuidados a sua saúde. Ainda,
ao revelar a experiência da enfermidade, apreenderemos como ela se em um
campo onde diferentes e múltiplos sistemas de tratamento e cura coexistem, tanto o
sistema médico científico como o sistema informal, como se relaciona a biografia da
pessoa, e como o itinerário terapêutico se relaciona ao projeto de vida de cada um.
Assim diante da experiência da enfermidade cada pessoa faz
suas escolhas e num processo de negociação, nos contextos socioculturais aos
quais faz parte, reconstroem suas vidas interpretando cada experiência diante do
seu projeto de vida.
Neste sentido, ao trazer o referencial da experiência da
enfermidade, reconhecemos na subjetividade daquele que vive a experiência em
meio às práticas de cuidado disponíveis, os aspectos socioculturais presentes no
48
processo de sentir, entender e buscar por cuidados as suas aflições. Assim,
elegemos uma usuária do serviço de saúde, para que possamos apreender a
Integralidade na sua experiência de enfermidade e os movimentos realizados por
ela na busca pelo atendimento as suas necessidades de atenção a saúde.
49
4. PERCURSO METODOLÓGICO
4. 1 Tipo de estudo
Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de caráter
qualitativo, coerente com os princípios da abordagem compreensiva, pois privilegia
a compreensão e a inteligibilidade como propriedades específicas dos fenômenos
sociais, mostrando que o significado e a intencionalidade os separam dos
fenômenos naturais (MINAYO, 2006).
A abordagem compreensiva é a ciência que se preocupa com a
compreensão interpretativa da ação social, para chegar a explicação causal de seu
curso e de seus efeitos. Em ação está incluído todo comportamento humano
quando e até onde a ação individual lhe atribui um significado subjetivo. A ação
neste sentido pode ser tanto aberta quanto subjetiva. A ação é o social quando, em
virtude do significado subjetivo atribuído a ela pelos indivíduos, leva em conta o
comportamento dos outros e é orientada por ele na sua realização (Weber, apud
MINAYO, 2006).
Interpretar o significado da ação social é o eixo central da
pesquisa qualitativa. Neste sentido, Sperber (1992) citado por Deslandes; Gomes
(2004, p. 108), diz que a interpretação não é a interpretação dos fatos sociais, mas
a interpretação das interpretações” dos atores sobre os fatos, práticas e
concepções.
Nessa perspectiva, entendemos que como cada pessoa interpreta
determinado fato, segundo sua cultura, chamado de dupla hermenêutica, ou seja,
reinterpretar as interpretações dos sujeitos. Esse processo interpretativo realizado
pelo pesquisador procura conectar situações concretas, falas e práticas a certa
perspectiva explicativa, que situe estas manifestações singulares a uma
determinada estrutura, práxis ou lógica social.
Denzin; Lincoln (2006) ressaltam que a inserção do observador no
mundo e de suas práticas exercidas dão visibilidade a este mundo por meio de
práticas materiais e interpretativas. Mundo este que pode ser apreendido pelas:
50
[...] representações, seja por meio de notas de campo,
entrevistas, conversas, fotografias, gravações e lembretes [...]
abordagem naturalista, interpretativa, para o mundo [...] estudam
as coisas em seus cenários naturais, tentando entender, ou
interpretar, os fenômenos em termos de significados que as
pessoas a eles conferem. (DENZIN; LINCOLN 2006, p.17).
Segundo Minayo (1998) a pesquisa qualitativa responde a
questões muito particulares, aprofunda-se no mundo dos significados das ações e
relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e
estatísticas.
Consideramos que a abordagem qualitativa teve grande valia em
nosso estudo para conseguirmos compreender a experiência da enfermidade de
uma pessoa com complicação cardiovascular (evento- sentinela) da hipertensão
arterial diante de suas escolhas de busca por cuidado.
Assim, diante do atual contexto em que se apresenta o SUS, cujas
práticas são fundamentadas na epidemiologia e cujos recursos são limitados diante
da necessidade de saúde da população brasileira, a pesquisa qualitativa vem a ser
um instrumento importante para fazer emergir as vozes daqueles que compartilham
o espaço micro das práticas resultantes dos processos que acontecem na
macroestrutura. Dessa forma, busca-se alcançar a tão almejada Integralidade da
atenção em saúde, na medida em que desvenda como as práticas são entendidas
pelas pessoas com hipertensão arterial e complicações a ela decorrentes, em seu
cotidiano nas instituições de saúde.
A pesquisa qualitativa, atualmente, tem sido utilizada para atender
às esperanças, às necessidades, aos objetivos e as promessas de uma sociedade
democrática livre (DENZIN; LINCOLN, 2006). Além disso, ao buscar compreender a
diversidade de cada pessoa no processo saúde-doença passa a ser mais um
instrumento de diálogo e negociação, dentro de uma ética de respeito às
diferenças, procurando, desta forma, construir novas práticas que resultem em
benefício para as ações em saúde e seus usuários. Ao compreender os significados
da experiência de enfermidade temos que tais experiências são manifestações
resultantes das condições objetivas e estruturais das pessoas que vivenciam
determinado contexto social (BOSI; MERCADO-MARTINEZ, 2004).
Dentre as diversas abordagens de pesquisa qualitativa, diante da
proposição do nosso objeto de pesquisa de buscar a compreensão da experiência
51
da enfermidade de uma pessoa com complicação cardiovascular (evento- sentinela)
da Hipertensão Arterial nos levou a escolha da metodologia do estudo de caso
como a mais adequada para entender como se deu este processo.
O estudo de caso, embora tenha surgido na pesquisa médica e na
psicologia, como a análise detalhada de um caso individual para explicar uma
determinada patologia, nas ciências sociais, o caso é uma organização, ou prática
social estudada por meio da entrevista ou da observação participante. Neste tipo de
estudo, segundo Stake, citado por Deslandes e Gomes (2004, p.106), diz que:
[...] esse desenho de pesquisa volta à atenção para a
possibilidade de se construir o conhecimento a partir da
singularidade de um caso. Assim, analisando as singularidades
das relações de um serviço de saúde, podemos dialogar de forma
densa com a lógica do Sistema de Saúde da qual faz parte.
Para Minayo (2006, p.164) o estudo de caso:
[...] utiliza estratégias de investigação qualitativa para mapear,
descrever e analisar o contexto, as relações e as percepções a
respeito da situação, fenômeno ou episódio em questão. È útil
para gerar conhecimento sobre as características significativas de
eventos vivenciados, tais como intervenções e processos de
mudança. Assemelha-se à focalização sobre um experimento que
se busca compreender por meio de entrevistas, observações, uso
de banco de dados e documentos.
O estudo de caso busca em sua modalidade, além de focalizar
sobre uma organização ou comunidade, o estudo de caso individual, na modalidade
de história de vida (BECKER, 1999; TRIVIÑOS, 1987). O caso consiste de uma
unidade significativa do todo, possibilitando com isso fundamentar tanto um
julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. É considerado também como
marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma
situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade dos aspectos
globais, presentes em uma dada situação (Chizzotti, 2000, p. 102).
Para Chizzotti (2000) no estudo de caso o objetivo é apresentar os
múltiplos aspectos que envolvem um problema, a relevância destes, contextualizar
as situações em que acontece e direcionar as mudanças possíveis para solucionar
problema.
52
Assim, para alcançarmos a proposição do nosso objeto de
pesquisa, definimos a história de vida focal (HVF) como uma perspectiva de
abordagem metodológica. A história de vida tópica (denominada, por nós, focal)
ênfase à determinada etapa ou setor da vida pessoal ou de uma organização e,
geralmente, focaliza acontecimentos específicos tal como foram vivenciados, por
uma pessoa ou por um grupo social. A apreensão do relato de vida, através da
biografia e da sua experiência é uma tentativa de revelar a dimensão intangível dos
acontecimentos experienciados (MINAYO, 2006).
Como estratégia para a coleta dos dados da HVF utilizamos a
entrevista aberta ou em profundidade para alcançar a subjetividade daquele que
vivencia a experiência da enfermidade.
Na entrevista aberta ou em profundidade o informante é
convidado a falar livremente sobre um tema e as perguntas do investigador, quando
são feitas, buscam dar mais profundidade as reflexões (MINAYO, 2006).
Utilizamos também a estratégia da observação para alcançar as
práticas de saúde nas instâncias as quais a pessoa enferma transitou e apreender
como se dá à organização da atenção a saúde nos serviços de saúde.
Para realizarmos a observação das práticas de saúde no campo
profissional, foi importante a seleção dos espaços percorridos pela pessoa com
complicação cardiovascular, evento- sentinela da hipertensão arterial, possibilitada
a partir das entrevistas em profundidade com a entrevistada. A partir das
entrevistas, fomos selecionando os diversos serviços de saúde do sistema
profissional por ela buscados ao longo de sua experiência de adoecimento.
A partir da seleção dos espaços percorridos pela entrevistada, um
grupo de pesquisadores envolvidos com o Projeto o qual este se vincula, elegeu
algumas práticas profissionais de atenção de gestão em saúde para compor um
banco de dados para sua posterior análise, com vistas a analisar em que medida o
princípio da Integralidade é atendido.
53
4.2 A História de Vida Focal
Para Santos (2006), entrevistas, depoimentos e histórias de vida
são técnicas que vêm sendo utilizadas bastante tempo para se conhecer,
ainda que parcialmente, determinados processos sociais desde a ótica daqueles
que estão imersos nesses mesmos processos.
A história de vida deve ser entendida como um método capaz de
produzir interpretações sobre processos históricos referidos a um passado recente,
o qual, muitas vezes, é dado a conhecer por intermédio de pessoas que
participaram ou testemunharam algum tipo de acontecimento. Quando uma pessoa
passa a relatar suas lembranças, transmite emoções e vivências que podem e
devem ser partilhadas, transformando-as em experiência, para fugirem do
esquecimento. No momento em que uma entrevista é realizada, o entrevistado
encontra um interlocutor com quem pode trocar impressões sobre a vida que
transcorre ao seu redor; é um momento no qual lembranças são ordenadas com o
intuito de conferir, com a ajuda da imaginação, ou da saudade, um sentido à
vivência do sujeito que narra a sua história (MINAYO, 2006).
Tecnicamente, entrevistar é estabelecer uma relação
comunicativa, que está presente “em todas as formas de coleta dos relatos orais,
pois estes implicam sempre um colóquio entre pesquisador e narrador”. Contudo,
podem-se distinguir as técnicas da história oral (entrevistas, depoimentos e
histórias de vida) de outra maneira. A diferença entre história de vida e depoimento
está na forma específica de agir do pesquisador ao utilizar cada uma destas
técnicas, durante o diálogo com o informante e que durante a coleta do depoimento,
o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador (QUEIROZ ,1991).
A mesma autora relata que entrevista pode se esgotar num
encontro; os depoimentos podem ser muitos curtos, apontando este aspecto como
uma de suas grandes diferenças com relação às histórias de vida. Para ela toda
história de vida apresenta um conjunto de depoimentos.
A História de Vida Focal oferece a possibilidade de compreensão
profunda do vivido permitindo a descoberta, a exploração e a avaliação de como as
pessoas compreendem seu passado, vinculam sua experiência individual a seu
contexto social, interpretam-na e lhes dão significado (BELLATO et al, 2007b)
54
Em nosso estudo, a HVF oferece possibilidade da compreensão
do significado da experiência da enfermidade pela pessoa com complicação
cardiovascular, evento- sentinela da Hipertensão Arterial.
Esta compreensão é um tanto difícil de ser apreendida de forma
objetiva e experimental, pois as reações humanas não podem ser medidas,
quantificadas e “experimentadas” em laboratórios. As histórias de vida focal podem
nos oferecer dados mais consistentes e objetivos naquilo que é verbalizado pelos
pacientes, mas podem também nos fornecer dados que escapam a verbalização e
que podem ser captados pela observação do pesquisador e que está contido
naquilo que não é verbal como: gestos, olhares, silêncios, tabus, posturas, etc. Mas
não podemos perder de vista que a atividade científica possui uma dimensão social
e que há uma inserção do pesquisador na corrente da vida em sociedade com suas
competições, interesses e ambições ao lado da legítima busca do conhecimento
científico, o que confere à pesquisa um caráter político. O trabalho do pesquisador
vai revelando o conhecimento específico, mas esse trabalho vem carregado com
todas as peculiaridades do pesquisador. Dessa forma, em qualquer abordagem
metodológica escolhida o pesquisador deixará transparecer sua visão de mundo e
suas intenções sobre o objeto pesquisado (CHAUÍ, 2005).
A seleção do sujeito da pesquisa teve como objetivo a experiência
da enfermidade de uma pessoa com complicação cardiovascular (evento- sentinela)
da Hipertensão Arterial, procedente dos municípios de Diamantino, Alta Floresta,
Sinop e Sorriso, ou de municípios a eles consorciados ou que façam parte da
regionalização destes em relação ao acesso aos serviços de saúde.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas com o objetivo
de apreender a sua história de vida, porém focalizada sobre a experiência da
enfermidade e a busca pelos sistemas de cuidado não profissional e profissional.
A busca pela pessoa com complicação cardiovascular (evento-
sentinela) da Hipertensão Arterial foi um processo difícil. Embora soubéssemos que
na nossa realidade mato-grossense, devido a entraves no acesso a serviços de
saúde, quer de ordem geográfica, quer de ordem organizacional dos mesmos, os
usuários, na busca por soluções possíveis para o seu sofrimento, muitas vezes, se
deslocavam dos municípios do interior do Estado de Mato Grosso para a capital e
nem sempre eram devidamente encaminhados aos serviços públicos de saúde.
Tínhamos conhecimento das deficiências qualitativas e quantitativas no
55
oferecimento de serviços de saúde e das dificuldades que os usuários passam em
busca de atenção aos serviços de saúde de maior complexidade.
Sabíamos também que embora existissem programas, políticas e
etc, nos níveis de atenção básica e secundária para a atenção as pessoas com
Hipertensão Arterial-condição marcadora, quando necessidade de atenção em
um nível de maior complexidade nem sempre a regulação ocorria adequadamente,
sejam por demanda que excede o previsto, seja por desinformação, seja por
concentração de pacientes em um determinado serviço, seja por problemas
administrativos de qualquer natureza.
Um estudo que identificou as redes de atenção hospitalar
desenhada pela população na busca por atenção a sua saúde em todo o Brasil foi o
de Oliveira (2005) que mostrou para nós, de maneira clara através de
mapeamentos, que Cuiabá é o grande eixo convergente das redes que se
estabelecem no Estado de Mato Grosso em diversos níveis de atenção hospitalar,
ou seja, a atenção à saúde de alta complexidade.
Dentre os serviços de saúde de alta complexidade que convergem
em Cuiabá são os serviços hospitalares e os serviços ambulatoriais especializados.
Assim, diante da análise das redes de busca dos serviços de saúde e a demanda a
estes serviços, consideramos a princípio este fator de suma importância para
localizar uma pessoa com evento-sentinela decorrentes dos municípios de
abrangência da BR 163.
Desta forma, selecionamos os serviços hospitalares e os serviços
ambulatoriais especializados de Cuiabá como locais de busca da pessoa a ser
entrevistada.
A identificação de um evento-sentinela nos serviços previstos foi
justificada por entendermos que esses serviços, embora sejam referência para o
atendimento a urgências e emergências e especialidades para o município e região
circunvizinha, atende também a demanda vinda de todo o Estado de Mato Grosso,
assim como de Estados vizinhos. Acreditávamos ainda que pela localização do
município de Cuiabá, estes se tornavam centros interessantes para compreender
os grandes deslocamentos a que se submete a população para buscar atenção
para os seus problemas de saúde, particularmente daqueles que representam
maiores risco de vida.
No entanto, no momento em que começamos a nos inserir nos
campos selecionados previamente para a busca do evento-sentinela, nos
56
deparamos com a seguinte realidade: fizemos inúmeras buscas, mas não
conseguíamos encontrar usuários com complicações cardiovasculares decorrentes
da hipertensão arterial regulados, vindos dos Municípios eleitos pela pesquisa. A
partir daí começamos questionar os profissionais de saúde, tanto dos hospitais
visitados quanto dos serviços ambulatoriais, com intuito de entender como estes
usuários são atendidos e de que forma são cadastrados. Muitos deles informaram
que diante da dificuldade do acesso aos serviços aqui em Cuiabá e do tempo
prolongado para conseguir a regulação, grande parte dos usuários vindos do
interior do estado utilizam o endereço de parentes e amigos residentes em Cuiabá
para conseguirem o atendimento necessário.
Diante deste contexto que não estava previsto, ou seja, a
existência de demandas não reguladas começamos a ter dificuldade de encontrar a
pessoa com complicação cardiovascular, evento- sentinela da hipertensão arterial,
propósito do nosso estudo.
Mesmo diante dessa dificuldade continuamos a busca nos
serviços de saúde, até que um dia em um dos serviços procurados, durante uma
conversa com uma usuária vinda do interior, ela nos deu a idéia de visitarmos as
Casas de Apoio existentes em Cuiabá, pois segundo ela na casa onde estava
hospedada tinha várias pessoas com alterações cardiovasculares vindas do interior
em busca de atendimento.
Assim, a outra alternativa foi buscar nas Casas de Apoio, pessoas
que tinham o evento-sentinela e que procediam de uma das áreas selecionadas
para a nossa pesquisa e foi em uma Casa de Apoio que encontramos a pessoa por
nós entrevistada.
57
4.3 A coleta dos dados
4.3.1 A entrevista
Dona Florinda reside na Casa de Apoio desde 2003, tem 55 anos,
quatro filhos, é separada, procedente do município de Marcelândia/MT, cujas
complicações cardiovasculares decorrentes da hipertensão arterial apresentada em
sua história de vida são o IAM e a IC.
Assim, a busca do evento-sentinela na Casa de Apoio ocorreu
após a constatação da existência desta casa. Realizamos duas visitas para maior
reconhecimento do local e do perfil dos hóspedes que ali freqüentavam.
A Casa de Apoio fica localizada no centro de Cuiabá, próxima ao
Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá. É cercada de avenidas que ligam o
centro a diversos bairros da cidade, além de lojas, supermercados, bares, hotéis
dentre outros. Tem a capacidade de hospedar aproximadamente vinte quatro
pessoas sendo, dozes homens e doze mulheres.
A Casa tem um quintal bem, grande com espaço para secagem de
roupas, plantios frutas e ervas. Sentamos em um banco próximo
aos dormitórios dos homens que fica separado das mulheres. As
mulheres ficam dentro da casa e os homens ficam hospedados no
fundo, no quintal em um “puxadinho”, que segundo informações
da Dona Florinda tem capacidade para hospedar até 12 homens e
dentro, na casa até 12 mulheres. (Notas de observação,
25/04/07).
O local tem como objetivo hospedar usuários dos SUS, vindos do
interior do estado em busca de atendimento de média ou alta complexidade. Muitos
ali se encontram de passagem aguardando cirurgias, realizando exames e
consultas em especialidades médicas. Constatamos que os usuários que ali se
hospedam, pagam uma quantia de dez reais a diária, com direito a uma cama
individual em um quarto, compartilhando o mesmo espaço com outros usuários.
Além disso, a Casa oferece aos seus hóspedes o café da manhã, o almoço e o
jantar.
58
Em uma destas visitas, conversamos com um funcionário da
Casa, explicamos sobre a pesquisa na qual estávamos realizando e dos
respectivos usuários que fariam parte desta coleta. O mesmo nos dissera sobre a
existência de uma usuária, Dona Florinda (entrevistada), que poderia estar
colaborando com a nossa pesquisa devido à história de vida e dos eventos-
sentinela que a mesma apresentava. No mesmo dia entramos em contato com
Dona Florinda, marcando a entrevista para o dia seguinte, pois a mesma estava
ocupada naquele momento com os afazeres domésticos.
Assim, no primeiro encontro, Dona Florinda parecia estar nervosa
e ansiosa com a situação de entrevista, pois a mesma seria gravada, por isso antes
de iniciarmos a entrevista propriamente dita, informamos Dona Florinda sobre os
objetivos deste estudo, bem como o caráter voluntário e anônimo de sua
participação. Após os esclarecimentos dos objetivos da pesquisa, ela concordou em
participar e assinou o Formulário do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(ANEXO1).
No início da entrevista a mesma, demonstrou-se apreensiva e
muito sucinta em suas respostas, depois fui percebendo que
mesma foi adquirindo confiança (Notas de Observação, 22/02/07).
A entrevista teve como pergunta norteadora: Conte-me como se
deu a busca por atendimento ao seu problema de saúde desde o seu aparecimento
até sua mudança para Cuiabá?
Ao deparamos com o contexto e as informações da primeira
entrevista, sentimos a necessidade de realizar outra, pois percebemos que, num
único encontro, não foi possível explorar o universo vivido pela entrevistada. Bellato
et al (2007b) referem que este aprofundamento requer abertura para que novos
dados que não tinham sido pensados possam emergir a partir daquilo que o usuário
nomeia como importante e significativo na sua experiência. Assim, a escuta atenta
é essencial neste processo.
Percebemos também que, na condução da entrevista, a
aproximação com a entrevistada é essencial, exigindo diversas formas de condução
para que conseguíssemos uma interação tal que pudéssemos explorar a realidade
vivenciada por ela.
59
Fomos observando a partir do segundo encontro, que nossa
interação foi ficando mais empática e que um vínculo estava sendo criado não
com a Dona Florinda, mas também com os outros hóspedes. Alguns hóspedes,
após realização da entrevista, solicitaram que verificássemos a pressão arterial
deles, formando uma fila, pois cada um que observava a cena da aferição seguia
até o local onde estávamos para também aferir a pressão e conversar conosco.
Neste sentido, concordamos com Bellato et al (2007b) quando
referem que:
[...] o vínculo e a empatia estabelecida, faz com que o pesquisador
se perceba comprometido com a situação de saúde e de vida do
usuário, e não mero ouvinte da narrativa de sua experiência. Não
há desta forma, a neutralidade e impessoalidade na condução
desta abordagem metodológica, pois pesquisador e pesquisado
estão mutuamente implicados (BELLATO et al, 2007b).
Começamos a perceber o quanto as pessoas que ali estavam
hospedadas estavam carentes e necessitavam conversar, pois muitos deles
estavam ali há muito tempo longe de seus entes queridos, trabalho e moradia.
Neste sentido, durante a coleta, os encontros não ocorreram
somente durante a realização das entrevistas, mas em outras ocasiões, em que
fomos até a Casa de Apoio conversar não com a Dona Florinda, mas também
com outros hóspedes que ali se encontravam.
Neste dia eu cheguei às 16h45min h na Casa de Apoio a encontrei
em frente à Casa de Apoio em pé conversando com a filha de uma
usuária que estava hospedada ali para fazer o tratamento de
Câncer do útero. Como eu estava grávida de nove meses
completo após ser apresentada pela dona Florinda a moça que se
chamava Débora, começamos a conversar sobre gravidez e filhos.
Dona Florinda e Débora começaram a me dizer das vantagens de
um parto normal, referindo que os seus filhos nasceram desta
forma. E assim fomos conversando [...] Outro dia conversamos
informalmente sobre diversos assuntos tais como: música, comida,
programas de TV e gravidez dentre outros. (Notas de Observação,
25/04/07).
Para compreensão da experiência do adoecimento de Dona
Florinda foi necessário realizar três entrevistas. Essas entrevistas foram gravadas
através de um gravador de voz manual e transcritas posteriormente (ANEXO 2).
Durante as entrevistas utilizamos o diário de campo (ANEXO 3) composto por um
60
campo descritivo das observações realizadas durante o encontro com a
entrevistada.
Neste sentido, pudemos perceber nesta fase da pesquisa que a
lembrança da experiência do adoecimento não se esgota apenas num momento ou
único encontro. A experiência de adoecimento vivenciada por ela apresentava
sentidos e significados muito próprios e que se diferenciavam a cada encontro,
necessitando de várias “conversas” para que pudéssemos aprofundar e
compreender o contexto em que a experiência do adoecimento se inseriu em sua
história de vida.
Além disso, evidenciamos que relembrar a experiência do
adoecimento, não é algo, simples e objetivo, trata-se de um exercício de reflexão
sobre os diversos caminhos, situações, perdas, sentimentos, interações e
sofrimentos vivenciados pela entrevistada e família e que nesse processo o
pesquisador não consegue ter neutralidade e impessoalidade, pois ambos
(pesquisador e entrevistado) estão concomitantemente envolvidos.
4.3.2 A observação das práticas
A busca pela compreensão da experiência da pessoa com IC nos
levou também a observar as práticas em saúde no percurso empreendido pela
Dona Florinda nas localidades pelas quais ela transitou.
Assim, selecionamos o serviço de saúde por onde ela buscou
desde o início de sua experiência de adoecimento, no Município de Marcelândia-Mt,
local na qual ela residia antes de mudar para Casa de Apoio em Cuiabá.
O município de Marcelândia fica localizado a aproximadamente
712 km da capital Cuiabá, foi emancipado 21 anos em 13 de maio de 1986. A
cidade teve início a partir de um projeto de colonização sob a responsabilidade da
Colonizadora Maiká, propriedade do Sr. José Bianchini e leva esse nome em
homenagem a seu filho Marcelo.
A população de Marcelândia em sua maioria é composta por
imigrantes do sul do Brasil, que para se deslocaram para cultivarem uma nova
terra. Pertencem também a Marcelândia as localidades: Vila Analândia a 50 km,
Comunidade Santa Rita do Norte a 35 km e Comunidade Bonjaguar a 35 km da
61
sede do município. Atualmente a população estimada do município é de
aproximadamente 20.000 habitantes.
A economia local é baseada na pecuária e na agricultura. Na
pecuária por volta de 190.000 cabeças de gado bovino de corte e leiteiro.
ainda, a criação de aproximadamente 12.000 aves e em menor quantidade, existe:
eqüinos, ovinos, suínos, muares, caprinos, bufalinos e asininos. Na Agricultura tem
o arroz e a soja iniciando como opção em maior escala de produção e na
agricultura de subsistência há o feijão, o milho e hortifrutigranjeiros
Na atenção a saúde pública o município apresenta uma secretaria
Municipal de Saúde, três Unidades de Saúde da Família e um Hospital Municipal.
Apresenta também dois laboratórios de análises clínicas e três clínicas médicas
particulares.
A observação das práticas em Marcelândia foi realizada por um
grupo de pesquisadores do Sub-projeto na qual estávamos inseridas.
Para efetivação dos objetivos desta fase da pesquisa, os
pesquisadores realizaram visitas aos serviços de saúde freqüentados por Dona
Florinda, ou seja, Unidade de Saúde Família, o Hospital Municipal e também no
local onde ocorre a gestão das práticas exercidas, a Secretaria Municipal de Saúde.
Os pesquisadores realizaram os registros dos discursos
observados ou documentados (prontuários, manuais, rotinas, protocolos,
regimentos, processo de regulação em saúde dentre outros) e das imagens e
visibilidades passíveis de descrições pelo pesquisador.
Foi solicitada a autorização do uso de imagens nos devidos locais
onde ocorreram às observações (ANEXO 4). As imagens e discursos foram
registrados, utilizando-se máquina fotográfica, filmadora e gravador de voz.
Os discursos foram transcritos posteriormente pelos próprios
pesquisadores. Foi utilizado, também, um instrumento de registro de observação
das práticas (ANEXO 5), composto por um campo descritivo para aquilo que o
pesquisador viu e ouviu, assim como suas impressões das observações realizadas.
62
4.4 A análise dos dados
A análise de dados qualitativos tem o objetivo de por meio dos
materiais coletados resultantes de entrevistas, observações, documentos, entre
outros, ultrapassar a descrição dos textos, para atingir mediante a inferência, uma
interpretação mais profunda (MINAYO, 2006).
Para que se alcance a consistência interna é preciso dar
objetividade aos achados, seguindo regras pré-estabelecidas e obedecendo aos
critérios claros para que qualquer investigador possa replicar os procedimentos e
obter os mesmos resultados; ainda a sistematização dos dados possibilita a
organização do conteúdo nas categorias escolhidas segundo os objetivos propostos
(MINAYO, 2006).
A análise de dados qualitativos comporta distintas formas de
análise de dados, porém segundo a proposição estabelecida inicialmente e de
posse das entrevistas de Dona Florinda e dos registros procedentes da observação
das práticas de saúde pelos serviços nos quais ela transitou encontramos na
análise temática aquela mais adequada a análise dos dados desse estudo. A
análise temática busca encontrar os núcleos de sentido de uma comunicação, os
quais possibilitam apreender às “[...]estruturas de relevância, valores de referência
e modelos de comportamentos presentes ou subjacentes nos discursos[...]
(MINAYO, 2006, p. 316) e com isso alcançar os significados que a comportam,
assim deixamos em relevância que embora a análise temática tenha raízes
positivistas, neste estudo focalizamos sobre os significados dos dados.
Assim, sustentamos nossa análise na proposição de Minayo
(2006) que operacionalmente a divide em três etapas: pré-análise: a pré-análise
consiste da leitura flutuante, que visa aproximar intensamente o pesquisador com o
material coletado; da constituição do corpus, que reflete se os dados atendem aos
critérios de exaustividade, homogeneidade, de representatividade e de pertinência
segundo os objetivos propostos no estudo; e a formulação e reformulação de
hipóteses e objetivos, diante dos dados coletados as formulações iniciais podem
ser revistas e reajustadas. Nesta etapa determinam-se as unidades de registro, a
unidade de contexto, os recortes, a forma de categorização, a codificação e os
conceitos teóricos gerais. A exploração do material: e a fase de classificação do
material dando sentido aos dados, é a categorização do material, segundo as
categorias teóricas ou empíricas e o por último o tratamento dos resultados obtidos
63
e a interpretação: consiste na interpretação dos resultados relacionando-os ao
quadro teórico.
O planejamento de uma dissertação permite com base na questão
de pesquisa fazer um desenho das teorias, métodos, estratégias e formas de
análise dos dados e embora tivéssemos planejado todas as etapas a fase de
análise, diante da quantidade e da riqueza dos dados coletados por entrevistas e
por meio da observação das práticas, o que fazer com os dados tornou-se um
desafio para nós, assim descrevemos em seguida o processo pelo qual realizamos
a análise dos dados.
Em relação às entrevistas, após a realização de cada entrevista,
estas foram transcritas tendo o cuidado para transcrevê-las na íntegra preservando
as expressões utilizadas pela entrevistada. Em seguida, após este procedimento foi
feita a leitura exaustiva do material, a fim de apreender o significado da experiência
vivenciada pela entrevistada em busca de solução para suas necessidades de
saúde. No decorrer da leitura pudemos perceber a existência de informação que se
assemelham e outras que se distanciavam.
Assim, começamos a escolha das unidades de sentido, ou seja,
das palavras-chave ou frases obtidas da decomposição da mensagem. Neste
processo surgiram as unidades relacionadas à: as percepções de corpo, os
sentimentos, as medidas terapêuticas, o tempo do adoecimento, o contexto de vida,
as pessoas que fizeram parte do contexto, motivos do cuidado, as lembranças,
locais de busca pelo cuidado, pessoas do sistema profissional, o cuidado
profissional. Ao refletirmos sobre estas unidades, percebemos que elas poderiam
ser contextualizadas em: sistemas de cuidado a saúde, período do acontecimento,
eventos marcantes, cuidado profissional, deslocamentos no sistema profissional,
busca pelo serviço especializado, interação com os profissionais de saúde de
Marcelândia durante o tratamento da pressão arterial; as limitações na vida, as
possibilidades, o enfrentamento, a Casa de apoio. Depois de contextualizadas, ao
olharmos os dados, percebemos que havia no processo de adoecimento de Dona
Florinda um evento marcante, a percepção de dor no peito e que este então poderia
ser o norteador da categorização dos dados.
Assim, o processo como realizamos a análise da entrevista, segue
a definição de categorização de Minayo (2006) que refere que as categorias são
empregadas para se estabelecer classificações, significa agrupar elementos, idéias
ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso.
64
Nesta fase tivemos dificuldade em encontrar uma forma adequada
de agrupar as unidades, pois estávamos pensando apenas nas vivências trazidas
pela entrevistada em relação às complicações cardiovasculares decorrentes da
hipertensão arterial apresentada em sua história de vida. Não aprofundando o olhar
na representação fornecida pela entrevistada, dos fatos significativos e situações
que marcaram sua história associada a esses citados, embora soubéssemos que
tinham grande repercussão em sua vida, intermediando as vivências ocorridas
diante dessas situações citadas.
Um fator que teve uma representação muito significativa para
entrevistada foi à vivência da dor pelo IAM. Este fato foi considerado por nós
marcante em sua história de vida, pois a mesma deixa claro em suas narrativas que
em relação ao seu processo de adoecimento existiram quatro etapas: 1. A vida
antes da dor; 2. Sua experiência no momento da dor; 3. Transitando num mundo
desconhecido - o cuidado profissional; 4. Na casa de apoio:Eu falo que eu revivi!”.
Consideramos a dor vivenciada pela dona Florinda durante o IAM,
como um aspecto marcante na sua história de vida, pois em todas as etapas
citadas acima ela é mencionada ou se relaciona a ela, significando a nosso ver,
como um “divisor de águas” entre a história de vida vivenciada por ela antes da dor
e depois da dor.
Assim, percebemos que sua história de vida focal é representada
simbolicamente pelo antes, durante e depois da dor e pela re-significação de sua
vida na Casa de Apoio.
Estas categorias são então analisadas no capítulo que segue: O
processo de adoecimento de Dona Florinda. Após reintegramos as categorias tendo
como eixo norteador: A integralidade no contexto do Itinerário Terapêutico
percorrido por Dona Florinda.
Em relação às observações, após o mapeamento das redes de
deslocamento de Dona Florinda, e da observação das práticas eleitas e registradas
pelos pesquisadores do grupo, as análises das observações das práticas foram
feitas com o intuito de complementar nossas análises, assim as práticas
observadas serviram para referendar as experiências de Dona Florinda no sistema
de cuidado profissional.
Partindo das unidades descritas das entrevistas e da organização
dos dados da entrevista, fomos então incorporando as observações mais relevantes
das práticas nos momentos que a doente fazia uma referência ao cuidado
65
profissional, de maneira a dar mais consistência aos achados e a interpretação,
articulando-os com os referencias conceituais escolhidos neste estudo para análise.
4.5 A ética na pesquisa
Esta pesquisa obteve o parecer favorável do Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital Universitário Julio Muller (HUJM) nº235/CEP-HUJM/05 para a
sua realização.
Em conjunto a este parecer, solicitamos a autorização para
entrada de campo nos serviços que fizeram parte do nosso estudo. Após o parecer
favorável das instituições, fizemos contato com a gerência dos serviços onde os
dados foram coletados para informar a nossa inserção nestes locais, fazer uma
aproximação e apresentar os objetivos do trabalho.
Ressaltamos que em todas as etapas que seguiu esta pesquisa
realizamos uma aproximação com os sujeitos envolvidos, explicando os objetivos
do estudo e que as informações obtidas serão utilizadas na construção da
dissertação, acrescentando ainda que suas identidades seriam preservadas
mediante a identificação e que se estivessem de acordo a participar deveriam
assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
66
5.
RESULTADOS
5.1 A experiência da enfermidade de Dona Florinda
Compreender a experiência da enfermidade de uma pessoa com
complicações cardiovasculares por meio da análise dos dados de entrevistas com a
doente e de observação das práticas profissionais, sustentado na perspectiva de
que a experiência vivenciada pela pessoa tem influência dos contextos
socioculturais as quais ela faz parte.
Neste sentido ressaltamos que na experiência da enfermidade,
inúmeros aspectos se articulam a experiência, e dão a esta experiência uma
particularidade. Dentre os aspectos a ela relacionados destacamos: a condição
social e econômica da pessoa; as atitudes, os valores e as crenças compartilhados
nos seu grupo social; a especificidade da região a qual está inserida e o espaço
geográfico donde transitou no processo de adoecimento; as limitações impostas
pelos sinais e sintomas; as redes sociais que fazem parte do seu contexto, como
família e vizinhos e demais grupos sociais; a oferta de serviços de saúde
disponíveis, bem como as formas de atenção recebida; a disponibilidade de
serviços do sistema de cuidado profissional; sua biografia e seu projeto de vida;
entre outros, os quais serviram de base para apreender os significados da
experiência da enfermidade de Dona Florinda.
Ao apreender tais significados buscamos compreender como a
Dona Florinda direcionou suas escolhas nas experiências de aflição ao buscar
cuidados às suas necessidades de saúde tendo como traçador a hipertensão
arterial e como eventos-sentinela o Infarto e a IC. No pluralismo da assistência à
saúde em que se apresentam o cuidado profissional, o cuidado não oficial e o
cuidado popular, a experiência de Dona Florinda constitui-se num processo
vivenciado por sua experiência corporal, cujos processos reflexivos vão tecendo
suas vivências significativas.
Neste sentido, visualizamos na experiência de Dona Florinda nos
diferentes sistemas de cuidados a saúde, os eventos significativos que foram
compondo uma trajetória particular tendo como eventos marcantes: a vida antes da
67
dor, sua experiência no momento da dor, transitando num mundo desconhecido - o
cuidado profissional; na casa de apoio: “Eu falo que eu revivi!”, tentando dar sentido
a vida, assim, a análise dos dados nos possibilitou apreender que a sua experiência
de enfermidade se apresenta em quatro fases distintas, porém conectadas umas às
outras, são elas:
1. A vida antes da dor;
2. Sua experiência no momento da dor;
3. Transitando num mundo desconhecido - o cuidado profissional
4. Na casa de apoio: “-Eu falo que eu revivi!”
5.1 .1 A vida antes da dor
Nesta categoria, buscamos apreender como Dona Florinda
vivenciou a experiência da enfermidade definido como hipertensão arterial quando
da sua passagem pelo sistema de cuidado profissional. Esse evento por afetar o
sistema cardiovascular necessitou ser incorporada a sua vida, por requerer
mudanças em seus hábitos de vida. A hipertensão arterial possui em sua carga
cultural, a noção de uma doença não considerada grave, porém requer cuidado
contínuo e prolongado.
Em um trecho de sua entrevista ela reconhece-se hipertensa e
tendo que tomar medicamentos para a pressão arterial alterada por um longo
período: “Fazia uns 6 anos que tava com a pressão alta [...]doze anos, antes de dar
infarte. [...] tem uns seis anos tomava remédio pra pressão faz uns doze anos
que tomo”. Esse processo temporal mostrado em sua fala que relaciona o tempo a
uma alteração orgânica e a convivência há muito tempo com essa alteração, o qual
ela expressa em “anos”, revela o curso prolongado de em que convive com esta
aflição.
O sistema médico profissional determina a nomeação de
“hipertensão arterial” dentro do seu sistema de mbolos para uma alteração de
saúde vivenciada como “pressão alta” pela doente. Neste sentido, é o diagnóstico,
uma atividade semiótica, que consiste de uma análise de um sistema de símbolos
seguida por sua tradução dentro de outro sistema (KLEINMAN, 1988).
68
Ao reconhecer-se sendo hipertensa, ou melhor, com pressão
alta”, por um período longo, implica que sua experiência de adoecimento é a
vivencia num processo contínuo onde seus próprios conceitos e significados do que
seja doença e do que seja saúde, são formados e reformulados dentro dos
contextos sociais e culturais, neste caso, também da sua vivência na localidade de
Marcelândia, município do interior do estado de Mato Grosso de onde ela procede.
Neste sentido, Duarte (2003) refere que as doenças apresentam alterações
corporais físicas, mas também
[...] características vivenciais suficientemente intensas ou
prolongadas dando a ela a caracterização de um evento físico,
mas também moral, e as doenças crônico-degenerativas estão
entre aquelas que são consideradas como “perturbações físico-
morais (
DUARTE (2003), p.177)
.
No estudo realizado por Perez, Magna, Viana (2003), numa
perspectiva dentro do modelo biomédico, as pessoas com hipertensão possuem
percepções, valores e crenças relacionadas à sua doença e que influenciam na
adesão ao tratamento médico, ainda evidencia que nem sempre as pessoas com
hipertensão sabem o que é pressão.
O curso prolongado da hipertensão arterial é uma condição que
influencia nos modos como cada pessoa com hipertensão vai gerenciá-la e deste
modo, vai evitar ou não as complicações decorrentes da doença. De acordo com
OMS (2003) a hipertensão arterial é considerada uma condição crônica e esta se
constitui em um problema de saúde que requer gerenciamento contínuo por um
período de vários anos ou décadas. Para o gerenciamento dessa condição pelos
sistemas de saúde, é necessário que, a princípio, se procure apreender o
significado ou o sentido que tem para aquele que vive a condição, e a partir daí, de
forma compartilhada, pessoa com pressão alta e profissional de saúde passem a
construir formas de cuidar a saúde.
A convivência por um período longo com a sua aflição possibilitou-
lhe recordar do tempo, principalmente associado ao tratamento, as limitações, as
mudanças no estilo de vida, as modificações na vinculação a suas redes sociais, o
medo da morte, entre outros, contribuindo para que o tempo se revelasse como um
aspecto marcante em sua experiência. Certamente esses aspectos influenciam nos
modos como cada pessoa com hipertensão e as pessoas em seus contextos
sociais percebem a doença, mas também a enfrentam. Uma percepção negativa da
69
doença contribui para que as pessoas mantenham o estigma de uma condição
prolongada limitante e restritiva.
O estudo de Reiners et al (2002) contribuiu para nossa reflexão,
em pesquisa sobre o significado que o usuário hipertenso ao fato de ter um
problema crônico de saúde, na medida em que constata que as pessoas após
saberem do diagnóstico de hipertensão e serem submetidas às exigências do
regime terapêutico, relataram mudanças obrigatórias no estilo de vida tais como,
vigilância constante com a saúde e sentimento de liberdade limitada. De outra
forma, se o regime terapêutico for entendido pela pessoa com “pressão” como uma
possibilidade para uma nova perspectiva de vida, incluindo a de redução de
complicações, de prolongamento e de qualidade de vida, certamente as mudanças
de hábito de vida não seriam entendidas como restritivas.
Alguns significados são mais fortes do que outro. Na situação da
Dona Florinda, o tempo no curso do tratamento da hipertensão tem se apresentado
como um aspecto relevante. Este aspecto tem sido ressaltado por Kleinman (1988),
pois para ele, alguns significados podem ser mais forte quando se sustenta por um
longo período, como na desordem crônica.
Assim, a doença para as pessoas tem uma representação
simbólica carregada de significados que não se limita à alteração biológica. Oliveira
(1998) refere que uma experiência de doença não se limita à alteração biológica
pura, mas esta lhe serve como substrato para uma construção cultural, num
processo que lhe é concomitante. Não queremos dizer com isso que exista uma
seqüência de “primeiro biologia e depois cultura”, mas sim que existem percepções
culturais acerca de um fenômeno que também abarca o biológico, mas que o
supera.
Ao perceber-se doente, Dona Florinda passa então a ter cuidados
a sua vida, agora tendo a pressão alta. Assim ela busca, nas múltiplas
representações sobre os sistemas de cuidado em saúde a qual apreendeu em suas
experiências de vida, formas de cuidado.
Assim nos trechos de sua entrevista apreendemos as formas
terapêuticas utilizadas por Dona Florinda em busca do cuidado para sua doença.
Considerando que cada cultura constrói diversas formas de busca de auxílio, para a
pessoa doente e a origem destas assistências não importa, o que importa é alívio
do sofrimento, da dor ou até mesmo a cura, uma das formas procurada por Dona
Florinda é uso de medidas populares, disseminado entre familiares e vizinhos, e de
70
fácil acesso para doente, como explicita neste trecho “pra pressão e colesterol, eu
tomei muito é carqueja [...]“Carqueja, chá amargo é bom né?”
Assim, o cuidado com a pressão de Dona Florinda é resultante de
sua experiência pessoal e social. Para Ferreira (1994) as práticas de cuidados do
corpo são orientadas por uma lógica que resulta da experiência social e, com base
nesta, produzem-se representações que adquirem significado a partir de processos
compartilhados no cotidiano.
A busca de Dona Florinda por cuidado a sua pressão com o uso
do chá consiste de um cuidado popular no Modelo Explicativo de Kleinman (1998) e
informal, segundo a concepção de Helman (2003).
Para Kleinman (1988) o Sistema de Cuidado à Saúde acontece
em três subsistemas: o profissional tem por base o modelo médico e a medicina
reconhecida oficialmente; o folk, formado pelos sistemas de cuidado não
reconhecido oficialmente, como curandeiros, espiritismo, entre outros e o sistema
popular, é aquele formado pelo conhecimento com base no senso comum e
compartilhado entre familiares, vizinhos.
para Helman (2003), classifica como setor de saúde informal
aquele setor de domínio leigo, não profissional e não especializado da sociedade,
em que primeiramente se reconhece e se define a falta de saúde e onde são
iniciadas as atividades de cuidado a saúde informal e inclui as opções terapêuticas
a que as pessoas recorrem sem pagamento e sem consulta a provedores
tradicionais ou praticantes da medicina.
A busca por Dona Florinda ao uso dos chás, caracterizado pelo
sistema informal ou popular é coerente com o contexto sociocultural a qual
pertence, pois para Maruyama (2004), as pessoas utilizam o pensamento formado
a partir de suas crenças, sua visão de mundo e seus valores em seus contextos
para fazerem apreciações dos diferentes recursos procurados a fim de reordenarem
as alterações do seu corpo.
Assim, percebemos que o cuidado à saúde passa pelos
diferentes sistemas de cuidados simultaneamente e ao combinar o sistema oficial
com outros não oficiais, os doentes ficam sujeitos às críticas, principalmente pelos
profissionais de saúde que fazem parte do sistema de cuidado profissional.
Canesqui (2007, p.105) demonstrou em seu estudo realizado com
pacientes hipertensos, sérias resistências destes pacientes no seguimento da
prescrição médica contínua, pois muitas vezes combinam remédios farmacêuticos
71
decorrentes das prescrições médicas com os chás caseiros como é o caso, narrado
por dona Florinda: pra pressão e colesterol, eu tomei muito é carqueja”. Tal
comportamento de Dona Florinda visa aproximar a doença as suas representações
socioculturais, as quais emergem da sua rede de relações sociais, fazendo com
que a doença não seja entendida como algo isolado da pessoa, mas uma forma de
incorporação da entidade física à sua pessoa.
A vivência de experiências pessoais que a levaram a procura pelo
cuidado informal é influenciado pelas informações compartilhadas em sua rede de
relações sociais cujos resultados se mostraram positivos para essas pessoas, como
mostra no trecho explicitado por Dona Florinda: “É os outro falava, e eu disse é eu
experimenta , percebendo, portanto como sendo resolutivo, pois atende a
necessidade de cuidado não apenas a alteração física, mas também a perturbação
moral, entendida como cura a sua aflição.
Para Helman (2003) as experiências são compartilhadas, e a
maior parte da assistência á saúde se entre pessoas que estão ligadas entre si
por laços de família, amizade, vizinhança ou pelo pertencimento a organizações
religiosas e profissionais. Redko (1992) apud Radley (1998) acrescenta ainda que
grande parte dos cuidados a saúde ocorra no setor popular e que muitas vezes, por
serem resolutivas, as pessoas nem chegam a passar para o setor profissional ou
folk (popular).
Percebemos que experiência do adoecimento para uma pessoa é
antes de tudo uma experiência sociocultural, assim a aflição antes de ser vista
como uma doença é uma reflexão sobre o seu corpo, seus fluidos e seu
funcionamento e o que ele representa no seu contexto de vida. Para Dona Florinda
o sangue foi um aspecto relevante na sua relação com a pressão alta.
[...]comia muito alho pra afina o sangue, porque meu
colesterol tava muito alto, bastante limão. [...] “...é pra afina
o sangue” [..]) meu sangue era muito grosso. Pra afina o
sangue, meu colesterol tava muito alto tava quase
seiscentos.
O sangue nesta fala pode ser apreendido como fator vital para o
seu funcionamento do corpo, pois retrata que nele há substâncias como o colesterol
e variações de consistência, que influenciam no equilíbrio do corpo e até mesmo no
valor da pressão arterial.
72
O sangue tem diferentes representações e varia em cada grupo
social. A experiência humana com o sangue como líquido vital que circula dentro do
corpo e que aparece na superfície em caso de ferimento, de doença, de
menstruação, ou de parto fornece a base para as teorias leigas sobre as diversas
doenças. Também é importante lembrar que os conceitos leigos de sangue não
tratam apenas das ações fisiológicas perceptíveis do sangue; o sangue é uma
imagem poderosa de diversos elementos sociais, físicos e psicológicos (HELMAN,
2003).
Chamou-nos a atenção um trecho da Dona Florinda que diz: “meu
colesterol tava muito alto tava quase seiscentos”, demonstrando o uso de termos
médicos por ela, como a expressão da palavra colesterol” e a representatividade
do valor aumentado, “quase seiscentos”. No convívio nos diferentes sistemas, Dona
Florinda percebe sua gravidade ao expressar o alto valor do colesterol e, ao
expressar desta forma, pressupõe-se que a mesma tivesse conhecimento do valor
de normalidade ou aquele que seria o ideal para sua situação.
Maruyama (2004) retrata que a incorporação da linguagem
biomédica é uma forma de incluir o conhecimento das instituições terapêuticas
profissionais ao seu modo de reordenar as aflições decorrentes do adoecimento e
de organizar a desordem trazida pela doença e que ameaça a sua própria
identidade como pessoa.
Oliveira (1998) acrescenta que o uso de termos médicos está
associada a uma extensa relação de diagnósticos, procedimentos e exames
complementares, com os quais os doentes, pelo contato contínuo, aprendem a
manipular nos contatos com os profissionais de saúde. Para ele o uso do linguajar
médico pelo doente parece ser utilizado como forma de diminuir a distância entre o
doente e o médico, é uma maneira de fazer ocultar o saber “leigo” e, dessa forma,
tentar se comunicar com estes profissionais, tentando demonstrar que assimilando
o linguajar da medicina oficial sua relação é menos desigual, que compreendendo
estes termos também tem maior cuidado com a sua saúde e que adere a
terapêutica médica, fazendo com que a relação profissional-doente ainda seja
caracterizada por cortesia e dedicação.
A vivência de Dona Florinda no cuidado da sua “pressão” diante
da multiplicidade de sistemas de cuidados, também é marcada pela sua passagem
no setor profissional de cuidado à saúde.
73
As medidas terapêuticas profissionais descritas por Kleinman
(1988) como setor profissional consiste na medicina tradicional científica. Helman
(2003) inclui não os médicos neste tipo de setor, mas também as profissões
paramédicas reconhecidas, tais como as de enfermeiros, parteiras e fisioterapeutas
Eu tomava os remédios, tirava minha pressão [..]gosto de
anda, eu não gosto de fica parada, porque pra mim é pior
[..]eu gosto de anda a pé, porque ajuda a circulação [..]Fiz
muita caminhada [..]-É... todo mês ia busca remédio[...]È no
posto de saúde.
O comportamento como os profissionais de saúde agem nas
relações com os usuários dos serviços podem influenciar no significado que cada
usuário a sua aflição. Em decorrência dos contextos históricos e sociais, a
formação do profissional em saúde ainda tem valorizado o conhecimento com base
na ciência médica em detrimento ao conhecimento de outras ciências, o que tem
refletido nas formas como lidamos com os usuários do sistema de saúde,
reconhecendo que o cuidado à saúde se limita ao cuidado prestado pelo sistema
oficial.
Em nossa vivencia profissional, muitas vezes questionamos os
diversos percursos utilizados pelos doentes em busca da solução de suas
necessidades. Isto ocorre porque temos arraigados em nosso background a
incorporação do sistema profissional, hegemônico, o qual incorporou “naturalmente”
como o verdadeiro e único sistema de cuidado a saúde durante nossa formação
como profissional de saúde. Com base na Ciência Médico e reforçado pela
sociedade, o conhecimento médico é hegemônico, pois a valorização do saber
científico possibilitou àqueles que detêm tal conhecimento, também o poder.
Essa hegemonia possibilitou ao cuidado profissional e seus
profissionais a incorporarem como verdade que a medicina tem como objetivo a
cura da doença, sustentado pelo tratamento cada vez mais avançado das doenças,
dando poder de cura aos profissionais, ao medicamento, aos procedimentos, entre
outros, afetando as formas como os profissionais de saúde vêm lidando com os
doentes. Estes passam a não reconhecer a experiência do doente, onde os doentes
sentem não serem cuidados por esses profissionais, que o percebem como uma
matéria, um corpo-objeto, de atuação dos profissionais.
Por outro lado, em se tratando de adesão ao tratamento, os
profissionais ao não incorporarem outras dimensões da enfermidade e nem
74
aceitarem suas escolhas de cuidado á saúde, passam a visualizar o doente, como
“resistente ao tratamento”, “rebelde”, “indisciplinado” criticando e estigmatizando a
pessoa com pressão alta. Essa relação certamente tem afetado no efetivo cuidado
a pessoa com pressão alta, que muitas vezes não incorpora o tratamento
“prescritivo” da hipertensão. Muitos profissionais desconsideram e criticam as
diversas redes de escolha terapêuticas empreendidas pelos usuários.
O indivíduo ao viver a experiência da enfermidade numa
sociedade onde diferentes modelos se fazem presentes, uns legitimados e outros
não, influenciando seus projetos individuais molda de maneira única a sua
identidade (MARUYAMA, 2004).
Estes fatos acontecem porque estas escolhas são influenciadas
pelo contexto em que ocorrem, inclusive pelo tipo de auxílio que de fato está
disponível. As pessoas doentes fazem escolhas, não apenas entre diferentes tipos
de curandeiros (informal, profissional ou popular), mas também entre diagnósticos e
as recomendações que fazem sentido para ela, segundo Helman (2003), como é o
caso de Dona Florinda.
Percebemos que a Dona Florinda no contato com o cuidado
profissional incorporou os símbolos do sistema médico de cuidado a saúde, como
os termos do tratamento farmacológico e não farmacológico do tratamento da
hipertensão arterial quando diz: “tirava minha pressão[...]eu gosto de anda a pé,
porque ajuda a circulação [..]Fiz muita caminhada” e também a importância de
mudanças do estilo de vida, como caminhada e outras atividades necessárias para
o controle da hipertensão arterial, reforçada em todos os discursos médicos sobre o
tratamento dessa doença.
Entretanto tomar medicamento não implica em aderir ao
tratamento. Assim, embora a Dona Florinda relatasse que tomava os remédios,
observamos que a mesma não assimilou o nome e a função dos medicamentos,
certamente por não fazer parte do sistema de símbolos dos seus contextos
socioculturais, pois em nossa observação durante a entrevista pudemos constatar
que Dona Florinda:
[...] relatou que fazia uso de muitos medicamentos e não
lembrava o nome e função dos mesmos. (Notas de campo
22/02/07).
75
Sobre a relação profissional-doente vivenciada por Dona Florinda
em Marcelândia, a sua percepção sobre o cuidado oferecido pelos profissionais do
“postinho” ao seu problema “pressão alta” foram percebidos de maneira positiva:
Eu não tenho queixa, não tenho que me queixa do
atendimento de lá de Marcelândia, porque sempre eu fui
atendida bem lá[...]Eles sempre tinha remédio, me atendiam
muito bem[...]Eles são muito legal, pra mim sempre foram
bão, foram amigo[...] É tanto os médicos como os
enfermeiros. [...]Elas iam a pressão todo mês e eu ia no
posto toda semana.
Fica evidente que a percepção da resolutividade do serviço de
saúde para Dona Florinda nesta frase se refere ao bom atendimento, amizade e
fornecimento de remédio. Aparentemente os profissionais que atuam são
empáticos e conseguem satisfazer as suas necessidades, deixando clara a idéia do
acolhimento. No entanto, fica claro que a tal necessidade de saúde atendida está
relacionada somente ao aspecto medicamentoso e da realização de técnicas.
A seguir apresentamos a imagem fotográfica do prontuário de
Dona Florinda. Nela pudemos perceber nos discursos do prontuário que as ações
dos profissionais se limitam ao registro da mensuração da pressão arterial, dos
dados antropométricos e da distribuição de medicamento. Como podemos ver na
imagem fotográfica a seguir:
76
Figura 1: Imagem fotográfica do prontuário da Dona Florinda realizada durante a
atividade de observação das práticas em Marcelândia por pesquisadores do nosso
sub-projeto de pesquisa.
Percebemos que essas ações têm influenciado nas formas como
Dona Florinda entende a atenção recebida pelos profissionais, contribuindo para
que a sua compreensão sobre o atendimento disponibilizado pelo serviço de saúde
seja relacionada à medicação.
As formas como os serviços de saúde disponibilizam o
atendimento pode levar as pessoas que dela necessitam a criar expectativas que
nem sempre se associa as reais necessidades de atenção a saúde da pessoa. No
caso de Dona Florinda, ela utiliza o simbólico ao imprimir um significado bom ao
atendimento, à oferta de medicamentos e a realização de procedimentos.
A valorização do exame, do medicamento, da aferição da pressão
são formas de atenção disponibilizadas pelos serviços de saúde influenciando na
avaliação que os usuários fazem sobre os serviços. Sobre a representação do
exame incorporada no modelo médico hegemônico, Araújo (2005) diz que o exame
é a leitura médica do corpo, fazendo parte da tecnologia médica para diagnóstico,
produzindo um saber clínico de um corpo fragmentado. Essa tecnologia médica
para diagnóstico promove:
[...]um saber (Clínico) sobre o corpo, sobre saúde, sobre doença,
se produz uma leitura detida e detalhada do corpo um corpo
dividido para ser esmiuçado em cada uma de suas partes; e isto
tudo novamente reconstruído, num corpo sintetizado no
diagnóstico, linguagem auto-explicativa do corpo, na qual o corpo
é normalizado para uma etapa seguinte da Tríade da Clínica
Terapêutica sobre o corpo (ARAÚJO, 2005, p. 89).
Diante do avanço tecnológico que o setor saúde vem alcançando,
o que consideramos não é que este avanço não está sendo benéfico, pelo
contrário, acreditamos que estas tecnologias são relevantes e devem ser utilizadas,
porém associadas a tecnologias relacionais e saberes que vão além do saber
clínico, tais como incorporação da antropologia, sociologia, filosofia dentre outras
na formação e nas práticas dos trabalhadores de saúde.
Para tanto, acreditamos que esta prática em saúde será
alcançada quando houver re-significação das formas de atenção em saúde não
por parte dos profissionais de saúde, mas também por parte daqueles que utilizam
77
estes serviços, através da incorporação de saberes e práticas que reconheçam as
reais necessidades dos usuários indo além do saber clínico.
Para Helman (2003), atualmente o poder atribuído aos clínicos (se
refere a todos profissionais de saúde) em virtude de sua carga cultural e formação
profissional pode permitir que moldem o Modelo Explicativo para apenas o modelo
explicativo médico, quando deveria buscar apreender os diferentes sistemas de
cuidado à saúde pelos quais os doentes fazem suas escolhas e, na atualidade, em
nosso sistema de saúde é o que as práticas de saúde têm se orientado, focalizando
a atenção a saúde excessivamente ao corpo biológico, tendo a dimensão subjetiva,
não focalizada no cuidado do doente.
Assim, diante disso, questionamos: Como podemos atender as
reais necessidades dos usuários, sem priorizar somente a dimensão biológica?
Primeiramente necessitamos compreender que o ser humano tem
os corpos individuais, sociais e político. Helman (2003) define o corpo individual
como aquele adquirido no nascimento (físico e psicológico), o corpo social é
necessário para se viver em sociedade e grupo cultural e o corpo político é a
sociedade que exerce um controle poderoso sobre todos os aspectos do corpo
individual - sua forma, seu tamanho, sua vestimenta, sua dieta e suas posturas; seu
comportamento na doença e na saúde dentre outros.
Considerando que estes corpos estão interligados a todo o
momento, concordamos com Maruyama (2004) quando ela refere que o
adoecimento implica, para qualquer pessoa, desordens nos corpos individuais,
sociais e político.
Para a mesma autora, por mais que os profissionais de saúde
procurem compreender a experiência do adoecido como um todo, nas suas
múltiplas dimensões, o exercício do corpo político limita a compreensão da maioria
deles aos aspectos físicos e biológicos, mantendo o fundamento da racionalidade
médica.
Esta prática é contraditória as concepções da Integralidade em
saúde que tem como bandeira de luta a abordagem integral ao indivíduo, ou seja,
um cuidado para que ele não seja reduzido ao aparelho ou sistema biológico
(MATTOS, 2001).
Para Pinheiro (2001) a integralidade deve ser reconhecida nas
práticas que valorizam o cuidado e que tem em suas concepções a idéia de
78
considerar o usuário como sujeito a ser atendido e respeitado em suas demandas e
necessidades.
Ressaltamos como importante, a revisão das práticas de atenção
em saúde nos diferentes níveis de atenção nos serviços de saúde, ressaltando que
é possível alcançar a integralidade, na medida em que as práticas de atenção à
pessoa com pressão alta não se limita a dar a medicação, a medir a pressão para
controlar, a necessidade de caminhada, entre outras medidas terapêuticas, mas
que precisa incorporar em suas representações, significados, sentidos às
experiências, com vistas a qualificar a vida de cada pessoa com pressão alta a fim
de minimizar as complicações decorrentes da hipertensão arterial e que trazem
implicações nos três corpos: individual, social e político.
5.1.2 Sua experiência no momento da dor
Neste capítulo apresentamos a categoria: A experiência de
vivenciar a dor, núcleo central de toda sua experiência do adoecimento, vivenciada
por Dona Florinda. Centralizaremos nossas análises sobre as percepções da dor,
como ocorreram, como foram as suas escolhas entre os diferentes sistemas de
cuidados em saúde.
O início da dor foi relatado da seguinte forma:
[...]em 24 de dezembro fui passeá pra casa da minha mãe
em Matupá, daí nois saimo com a minha irmã na rua numa
loja pra compra um calçado pra ela[...]E eu falei assim pra
minha irmã eu não to sentindo bem. Aí ela disse assim:
Florinda, você ta amarela! Acho que eu num muito bem,
to com uma dor no peito que eu num aguentando mais
[..]Do dia vinte e quatro de dezembro até o dia 12 de janeiro
[...]Foi dez dor daquela.
Percebemos nesta narrativa o quanto à ocorrência da dor foi
valorada por Dona Florinda, pois ao lembrar da data de início e término da dor do
79
dia vinte e quatro de dezembro até o dia 12 de janeiro” e do número de vezes que
apresentou “foi dez dor daquela” fica evidente o quanto foi significativa esta
experiência em sua história de vida.
Notamos durante a entrevista que ao falar da dor, Dona
Florinda expressava uma sensação de incômodo e
sofrimento, apresentado em gestos e expressão faciais
(Notas de observação, 22/02/07).
A experiência de dor vivida por dona Florinda perpassa por
diversas dimensões que não apresentam uma única definição. Para Ferreira (1994),
muitas definições podem ser dadas à dor, mas nunca abarcarão a dimensão do que
é esta sensação, isto porque a dor é uma experiência subjetiva, privada e qualquer
informação sobre ela de provir apenas daquele que sente. Além disso, Helman
(2003) acrescenta que cada cultura ou grupo tem sua própria linguagem para
representar a dor, o que depende, entre outros fatores, dos valores relativos ao
grupo em questão.
Um dos aspectos que se considera relevante no diagnóstico do
IAM é a dimensão fisiológica da dor, como a que Dona Florinda relata. Helman
(2003) aponta que nesta dimensão a dor pode ser considerada como um “tipo de
dispositivo de alerta para chamar a atenção para uma lesão no tecido ou para
algum mau funcionamento fisiológico”. Entretanto, não podemos considerar que
somente o ponto de vista fisiológico da dor foi evidenciado.
Vimos, que a dor vivida por Dona Florinda também perpassou
pela sensação de sofrimento. Neste sentido, concordamos com Ferreira (1994) ao
retratar a dor como uma sensação desprazerosa que reporta a idéia de sofrimento
e a simples perspectiva de dor causa um sentimento de aversão, sentimento este
expressado pela entrevistada e presenciado por nós durante a coleta de dados.
Além desses aspectos mencionados Ferreira (1994), diz ainda
que a sensação de dor, os comportamentos que a envolvem, quer verbal ou não a
sua fonte, dizem respeito às expectativas do sujeito, suas experiências passadas e
principalmente a toda sua bagagem cultural.
Considerando que a percepção da dor é então subjetiva e,
portanto uma experiência vivenciada diferentemente por cada pessoa acreditamos
80
também que a descrição da dor envolve comportamentos, sensações e atitudes
que estão implicados com a representação do corpo para o indivíduo.
O corpo é parte integrante do ser humano e como tal, pressupõe
distintas versões e cada sociedade constrói suas imagens corporais na tentativa de
reduzir culturalmente o mistério do corpo, que apesar de sua aparência
incontestável, tem significados complexos (LE BRETON,1998 apud MARUYAMA,
2004).
No trecho que segue, Dona Florinda julgou que seu estado
corporal não era bom e também que a mesma chegou ao seu limite para suportar
aquela sensação de sofrimento ao dizer “[...] eu num muito bem, to com uma dor
no peito que eu num aguentando mais”. Este trecho ao mostrar a representação
da intensidade da dor vivenciada por Dona Florinda faz uma comparação com a dor
de parto, considerada culturalmente como uma dor de forte intensidade, como
segue É dor sabe, que nem eu tava falando pra ela é dor mais do que dor de
parto”.
Para Helman (2003) o modo como se descreve a dor sofre a
influência de vários fatores, incluindo a facilidade de uso da linguagem, a
familiaridade com os termos médicos, as experiências individuais de dor e as
crenças leigas sobre as estruturas e funcionamento do corpo.
Diante disso, consideramos que os comportamentos e
associações durante uma sensação dolorosa sofrem influencia significativamente
do grupo social que a pessoa esta inserida. E, a interpretação dos eventos gera
sentimentos que ameaçam a vida, em especial, eventos que tem forte associação
com a possibilidade de morte.
Bury apud Radley (1998) refere que as pessoas com condição
crônica experienciam uma interrupção biográfica por terem o curso de suas vidas
indefinido. E diz que ter um ataque cardíaco aos 35 anos pode ser um impacto
significativo para as pessoas.
Três dimensões são afetadas ao conceito de biografia ameaçada:
o tempo biográfico, concepção do self e as capacidades corporais, pois nossos
corpos são os meios pelos quais nos relacionamos ao mundo e as outras pessoas
e, quando eles são afetados, diz-se que há conseqüências em dois níveis: no
81
desempenho, pois passamos a reduzir o ritmo e, na identidade, passamos a ser
sofredor por conta do corpo social (RADLEY, 1998).
A interrupção biográfica na condição crônica também ocorre
quando as pessoas passam a questionar: Por que eu? Neste sentido Williams
(1984) defende que a maneira de manter nosso sentido de curso de vida é por meio
da narrativa, estória que ligamos os vários eventos e experiências de nossa vida.
Exemplifica que no caso de um ataque cardíaco as pessoas reconstroem o evento
para tornar isto sensível. A importância de trazer a doença para dentro da
experiência de vida é que, uma vez feito, é possível usar isto para refletir sobre
outros aspectos da biografia dela (RADLEY, 1998).
Dentre as representações, Dona Florinda relata sua dor da
seguinte forma:
aquele infarto que aquela dor que vem no peito que vai
abrir o peito e entrá.[...]agonia, agonia,agonia, sabe assim,
seu peito parece que cresce sabe[...]Uma dor assim, que
aperta parece que ta sufocando e vai descendo [...]to com
uma dor no peito que eu num tô aguentando mais.
Para Ferreira (1994), as associações como “facadas”,
“agulhadas”, “socos”, são freqüentes, representando a dor como forma de
agressão, como algo socialmente identificado como violento. Esta associação fica
evidenciada na narrativa acima, pois o fato de “sufocar”, “abrir” e entrar” pode
representar uma violência simbólica.
Para Ricouer apud Alves; Rabelo (1999) a expressão de um
discurso se constitui em uma dialética entre o evento e significação. O evento
comporta os aspectos subjetivos do discurso, que está ligado ao que significa para
o locutor; a significação, os aspectos objetivos. A experiência vivida é
essencialmente privada, e o que é comunicado é a sua significação; é o conteúdo
do que se diz que orienta as pessoas que compartilharem ou não o seu conteúdo,
que para ser compreendido, o locutor precisa exteriorizar ou expressar o sentido. É
a linguagem então que torna a experiência privada em pública.
Ainda para Ricouer apud Alves; Rabelo (1999) sendo a
experiência vivida privada, em situações de diálogo dessas experiências, as
pessoas utilizam meios para expressá-las; a linguagem conotativa, como a
metáfora, é um recurso que pode estar relacionada a criar uma imagem de uma
82
dada realidade dotada de significação emocional, a possibilidade de dizer algo novo
acerca da experiência subjetiva, mas também, em estudos culturais, para prover
possibilidade ou direções para a reorganização das experiências encarnada do
sofrimento, portanto tem uma função existencial, possibilitando aquele que narra
construir os cenários do seu sofrimento e cura e, permitindo aos seus interlocutores
apreender a dimensão da experiência subjetiva e com isso, possibilita a si própria
organizar e desenvolver essa experiência de forma socialmente reconhecida.
Entretanto, no processo do sentir a dor, e diante da percepção da
desordem, ou seja, da dor, Dona Florinda decidiu procurar primeiramente o setor de
saúde popular como mostra o seguinte trecho: daí eu deitava na cama
ficava quietinha, eu ficava com aquela dor, daí passava [...]minha mãe fazia
chá[...]Dava chá, me esfregava com álcool.”
Acreditamos que essa decisão foi tomada por Dona Florinda por
valorar os cuidados oferecidos por este setor, dando sentido ao que percebe como
cuidado a saúde necessário naquele momento. Helman (2003) diz que uma pessoa
discute ou avalia as possibilidades do cuidado da doença à luz do seu
conhecimento e experiência, escolhendo não apenas os diferentes tipos de
assistência (informal, profissional ou popular), mas também os diagnósticos e as
recomendações que fazem sentidos para ela.
Dona Florinda procurou utilizar neste setor algumas formas
utilizadas no tratamento da medicina popular observado nesta narrativa: [..]minha
mãe fazia chá[...]Dava chá, me esfregava com álcool”.
A medicina popular no Brasil é uma prática muito antiga; bem
antes dos primeiros portugueses chegarem, ela era praticada e muito bem
conhecida pelos Índios que habitavam o Brasil, daí o conhecimento e a prática ser
tão bem apurada por eles (MEDICINA POPULAR, 2007).
Para nós, o cuidado oferecido pela mãe de Dona Florinda esta
relacionado a uma “teia” de significados que durante as diversas gerações
familiares foi construído e compartilhado por grupos nas quais puderam conviver. O
uso de ervas medicinal, neste caso como os chás, muito deles cultivados no fundo
do quintal, é uma prática secular baseada no conhecimento popular e transmitida
oralmente, na maior parte das situações (BARATA, 2003).
O álcool, descrito na narrativa, também traz um significado
importante por sabermos que ele é utilizado na maioria das vezes por muitas
83
famílias que o armazena na “farmacinha da casa” junto com outros medicamentos
designados a diversos tipos de doenças.
A este costume, trazemos alguns apontamentos de Boltanski
(1989) que diz numa farmácia familiar os remédios que a compõe são
extensamente difundidos e encontram-se na maior parte das casas. Dentre os
medicamentos por ele designado em seu estudo se apresentam como grupo
principal: mercurocromo, álcool, água oxigenada, tintura de iodo e éter.
O compartilhar de informações na medicina popular também pode
ocorrer num determinado grupo, ou seja, isto quer dizer que a maior parte das
práticas ocorridas na medicina popular está relacionada ao significado que o
indivíduo, família, amigos ou grupos específicos tecem em relação às terapêuticas.
Na observação das práticas profissionais do serviço de
Marcelândia freqüentado por Dona Florinda pudemos perceber que em grupos de
pacientes, eles compartilham informações e o uso da medicina popular como
terapêutica:
Nestas atividades de grupo que se “contam casos”, é um
momento de “contar muitas histórias”, socializar e também
de reforçar a crença. Entretanto, esta percepção não é a
mesma do profissional de saúde, pois como ela mesma diz:
“mania de tomar remédios caseiros. Chás caseiros”. (Notas
de Observação, 23/05/07).
Nesta observação a enfermeira relata que durante a atividade de
grupos, os usuários aproveitam o momento para contar suas “estórias”,
evidenciando que a prática da medicina popular é utilizada pela comunidade e
reforçando a representação que a mãe de Dona Florinda tem na utilização do chá e
do álcool para aliviar a dor de sua filha.
Pudemos notar ainda nesta observação, que a enfermeira ao
falar: “mania de tomar remédios caseiros”, o fato de dizer mania, deixa embutida a
sua percepção frente à busca por este cuidado. Esta “mania” pode significar que a
profissional não acredita nesta terapêutica.
Tal percepção, não nos causa estranhamento por sabermos que
atualmente estamos inseridos num sistema médico hegemônico centrado na
medicalização. A este modelo, trazemos a contribuição de Lefèvre (1991) que
aponta a percepção dos profissionais de saúde, em relação ao processo de
medicalização, enfatizando que o medicamento ou procedimentos e exames são
84
símbolos que permitem que a saúde esteja neles representada e estes estão sendo
incorporados nos discursos dos trabalhadores em seu cotidiano.
Depois de procurar a terapêutica popular e não encontrar o
resultado desejado, diante da dor, Dona Florinda foi até uma farmácia e procurou a
ajuda de um farmacêutico mostrado nesta narrativa:
Eu num muito bem, to com uma dor no peito que eu num
aguentando mais [...]ai eu cheguei na farmácia o
farmacêutico me deu um calmante e passo, mais ruim
tava!![...]Daí no outro dia já deu outra dor de novo.
Atribuímos esta busca por cuidado percorrida por Dona Florinda,
ao fato de estar muito incomodada com a dor e a percepção do seu estado de
saúde que não era bom mais ruim tava!!”, necessitando de uma solução rápida
para o seu problema. A representatividade do farmacêutico para a população é
descrita por Queiroz (1994). Para este autor, em algumas localidades o
farmacêutico ainda mantém uma importância considerável como agente de saúde,
exercendo forte influência nas estratégias da população no que diz respeito á saúde
e a doença, mesmo que por algumas vezes exerçam práticas ilegais. Além de
vender medicamentos, eles oferecem serviços de consulta para diagnóstico e
tratamento de doenças, mesmo sem formação médica ou farmacêutica.
O fato da pessoa com dor procurar o serviço farmacêutico em
detrimento às unidades de saúde profissionais sugere que ainda persiste a crença
de cura e resolução dos problemas neste setor ou que nas unidades de saúde o
alcance da resolutividade é demorada, devido aos fluxos, inúmeros procedimentos
ou até mesmo pela falta do acolhimento na relação entre profissional-usuário e,
ainda, o farmacêutico ser uma pessoa vista como do grupo da comunidade, mas
por outro, ter conhecimentos gerais do sistema médico e então, ajudar na
orientação pela busca ou não pelo serviço de saúde oficial (QUEIROZ, 1994).
O mesmo autor atribui à procura do farmacêutico em detrimento
do médico, alegando que os profissionais (médicos) esperam demais para efetuar o
tratamento, deixando o paciente muito tempo em observação sem medicamento,
permitindo, assim, o risco do caso agravar. Opondo-se a esta prática, os
farmacêuticos procuram satisfazer o doente examinando minuciosamente o corpo e
receitando um número maior de medicamentos, entre estes as vitaminas e outros
remédios “populares” repudiados pelos médicos do serviço público.
85
Maruyama (2004) acrescenta ainda que embora o discurso do
sistema médico busque criar um espaço próprio, as pessoas procuram por outros
sistemas de cuidado que não o oficial, não com intuito de se oporem a ele, mas
preencherem as lacunas deixadas por ele.
A evolução da dor e a entrada no sistema de cuidado profissional
podem ser apreendidas no trecho: “essa dor que tive, tive essas dez dor, que é pior
que dor de parto [...]Daí, é lógico eu ficava em casa, na oitava eu fiquei bem mal
[...]Eu fui no hospital”. Percebemos que após percorrer o setor informal e em
seguida o farmacêutico e não encontrar solução para sua necessidade Dona
Florinda procurou o setor profissional. Passou por oito episódios de dor, associados
à agonia e sofrimento, mas mesmo assim, não optou pelo setor profissional.
Chegou a procurá-lo quando os sistemas percorridos por ela não solucionaram a
sua necessidade de alívio da dor.
A explicação para esta atitude de Dona Florinda podemos
encontrar nas descrições de Maruyama (2004). A autora refere que embora o
sistema de cuidado profissional seja hegemônico, em nossa sociedade,
normalmente, ele é procurado quando o doente não solução para sua
desordem pelos outros sistemas. Desta forma, reconhecemos que o percurso
adotado por Dona Florinda, tem forte relação com sua percepção do cuidado e
também de doença.
Oliveira (1998), explica que as representações da doença esta
ligada aos usos e representações que as pessoas fazem do seu corpo. Para ele
representado culturalmente como “doenças simples” e as “doenças sérias”, ou seja,
estas percebidas como mais graves e necessariamente forçando as pessoas a
procurar serviços de saúde.
Ao procurar um hospital particular Dona Florinda se depara com
seguinte atendimento:
Eu fui no hospital particular e ninguém sabia o que que era.
[...]era particular e ia chamar o médico, o médico vinha com
grossura. Foi o enfermeiro que me atendeu. Ele me dava
calmante e a dor num parava.
Pudemos observar nesta fala que para Dona Florinda, o fato de
ter procurado a assistência em um serviço de saúde privado, teria encontrado ou
estava a caminho da solução do seu problema, pois reforçou duas vezes a palavra
86
particular, deixando clara sua expectativa em relação a este setor. No entanto,
Dona Florinda ao procurar este serviço, experiencia um atendimento desagradável
que não alcançou suas expectativas de atendimento a sua necessidade. Isto
aconteceu devido ao fato de não receber um diagnóstico médico ninguém sabia o
que que era!”, recebeu do enfermeiro medicações que não tiveram ações positivas
e além de tudo não teve o atendimento esperado por parte do médico.
A situação vivida por Dona Florinda e a perspectiva que a mesma
apresentava pelo setor privado, perpassa muitas vezes no imaginário dos usuários
que esperam deste serviço, qualidade e atendimento adequado. No entanto
sabemos que atualmente com escassez de materiais de trabalho e profissionais de
saúde, não os serviços públicos, passam por uma realidade de atendimento
precário e ineficaz, o que não é diferente também para alguns serviços privados
que também estão vivenciando esta realidade.
Apesar desta situação, não devemos desconsiderar que usuário
ao ser atendido quer no serviço público ou privado, ele não tenha direito a atenção
adequada, pois o direito à saúde é um direito respaldado em nossa legislação
constitucional.
O projeto de Lei 22/07 estabelece o Código Nacional de Direitos
dos usuários das Ações e dos Serviços de Saúde, na qual estão descritos os
direitos da população que freqüenta os serviços públicos e privados (BRASIL,
2007). Dentre as ações descritas, esta o atendimento integral, digno, atencioso e
respeitoso, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação, mas, o que então
o que seria um atendimento integral?
Para Mattos (2001) de fato, o texto constitucional não utilizar a
expressão integralidade; ele fala em "atendimento integral, com prioridade para as
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais" (Brasil, 2003). Mas
o termo integralidade tem sido utilizado correntemente para designar exatamente
essa diretriz.
A integralidade está presente no encontro, na conversa, na atitude
do médico que busca prudentemente reconhecer, para além das demandas
explícitas, as necessidades dos cidadãos no que diz respeito à sua saúde. A
integralidade está presente também na preocupação desse profissional com o uso
87
das técnicas de prevenção, tentando não expandir o consumo de bens e serviços
de saúde, nem dirigir a regulação dos corpos (GOMES; PINHEIRO, 2005).
O médico, no outro dia ele me deu alta. Ai meu Deus! me
deu alta! eu falava assim mas doutor eu num gueento de
dor! Se for embora, eu morria de dor. Não agüentava a dor
que sentia no peito [...]Ele disse: não você ta boa, mandô
eu embora e eu mal. mais tarde meu piá me levou ...
chego de carro, me levo de novo e ele não me vinha
consulta e aí nós fomo embora.
Observamos mais uma vez, diante desta narrativa o descaso e a
falta de respeito por parte do profissional de saúde, pois não deu importância à dor
vivenciada por Dona Florinda, optando por dar alta mesmo ela não estando em
boas condições. No estudo de Mussi; Ferreira; Menezes (2006) a respeito de
mulheres e infarto do miocárdio revela que aspectos socioculturais se associam na
interpretação da dor pela mulher e que por isso, a associação: dor no peito–infarto-
homem é presente nos profissionais de saúde, o que talvez possa contribuir para a
compreensão da forma como ela foi atendida em sua dor na instituição de saúde a
qual buscou atenção a sua dor.
A atitude tomada pelo médico demonstra uma relação de poder
centralizada em uma única pessoa que assume o papel de controle sobre o corpo
“doente”, mesmo a Dona Florinda confrontando a atitude do médico, que se
mantém insensível ao apelo da doente.
Tal atitude é designada por Foucault (2002) como tática de
biopoder, refere que essas táticas parecem fomentar uma lógica de mercantilização
da saúde que, se tem efeitos diretos sobre aqueles que necessitam de cuidados,
não deixando de incidir também sobre os profissionais de saúde, que se debruçam
sobre quem padece e que, padecendo, entregam-se de corpo e alma a um
pretenso agente do saber, com poderes sobre o adoecer, em relação aos quais
tornam-se, então, pacientes.
Podemos tecer ainda, neste contexto vivenciado por Dona
Florinda, outras contribuições de Foucault (1979). Para ele, na prática médica atual
os doentes tendem a perder “o direito sobre o seu próprio corpo [...]e, por
conseguinte sua autonomia”. Esta descrição apresenta desqualificação do “doente”
e valoração do modelo biológico de prática em saúde. No caso desta narrativa,
88
trata-se do poder do médico em ler” o corpo e “dizer” de seu diagnóstico embora
quem sinta a dor seja a usuária.
Esta prática interpretada como sendo a soberania do olhar do
poder de quem o têm por Foucault (2004, p.2):
O “golpe de vista” precisa apenas exercer sobre a verdade, que
ele descobre no lugar onde ela se encontra um poder que, de
pleno direito, ele detém.
Consideramos que, a perspectiva de cuidado, centrado no modelo
biológico conforme descrito por Foucault, a arena das práticas dos profissionais de
saúde acaba por se constituir em espaços de relações de poder, mediado pelo
saber científico, cujos usuários, desprovidos desse conhecimento têm uma posição
desprivilegiada em relação aos profissionais de saúde, que tem na sua formação a
incorporação dos símbolos da cientificidade, assim o doente e sua família assume
uma relação de submissão e passividade em relação ao poder e dominação dos
profissionais de saúde.
Para mudarmos esta realidade consideramos pertinente as
proposições descritas por Merhy; Franco (2005). Os autores defendem que as
formas de produzir transformações nas práticas em saúde, envolvem intervenções
em cada local de trabalho, alterando as relações de poder, ressignificando as
relações do usuário-trabalhador, desenvolvendo um processo de subjetivação que
busca mudar atitudes.
Neste sentindo, acreditamos que existe a necessidade do
reconhecimento por parte dos profissionais de saúde de que as condições nas
quais, atualmente o doente se encontra, de desprivilegiamento do seu saber e de
posição de sujeito passivo no processo precisa ser reconstruído, pois afeta as
formas de atenção no cuidado no sistema profissional e os modos como os
profissionais lidam com os doentes. É possibilitar a expressão de todas as
dimensões presentes na experiência do adoecimento bem como o enfrentamento
da condição de doente para retornar a sociedade, na condição de cidadão. É
passar a reconhecer a pessoa com enfermidade, para além do corpo biológico, ou
seja incluindo o corpo social e político.
Diante da não resolutividade de sua necessidade no serviço
particular conforme descrito anteriormente, Dona Florinda, procurou a Unidade de
Saúde da Família perto de sua residência.
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no posto de saúde tinha um doutor[...]O doutor
Aderbal, não sei se você sabe, um doutor gordão. Foi ele
que salvou a minha vida. Ai fui ele disse: Florinda você ta
infartada . Ele disse: dona Florinda a senhora ta infartada!
Deu infarto! Fiquei em observação daí quando melhorei me
deu soro, remédio. Ele falou: Florinda vou ter que te
encaminhar pra Cuiabá agora a senhora vai ter que ficar uns
vinte dias de repouso porque você não pode pegar baque
que é pior né .
Vimos anteriormente que Dona Florinda passou por três
processos terapêuticos e nenhum deles conseguiu atender as suas necessidades
de saúde em relação ao atendimento e o vínculo, estabelecimento do diagnóstico e
o alívio da dor diante da necessidade de saúde apresentada por ela. A narrativa
acima deixa transparecer a satisfação de Dona Florinda em relação ao cuidado
recebido pelo médico do posto, como podemos observar nesta frase Foi ele que
salvou a minha vida”. Atribuímos esta satisfação ao fato de suas necessidades
terem sido atendidas, ou seja, de sentir-se acolhida, receber o diagnóstico,
tratamento e até mesmo de ser ouvida.
A satisfação de Dona Florinda ao receber o diagnóstico, um
significado aos seus sintomas dentro do sistema de símbolos do cuidado oficial,
conforme diz Maruyama (2004), atribui um veredicto a desordem física e moral,
dando-lhe um nome, e possibilitando a ela, que por meio do diagnóstico, sua dor
seja reconhecida socialmente com infarto.
Dona Florinda recebendo o diagnóstico médico que até então não
havia recebido, pode certificar que existe uma alteração em seu corpo e que as
dores que vinha sentindo teriam uma explicação.
Pudemos notar também que a sua satisfação, representada pela
entrevistada, está relacionada a expectativa de atendimento sustentado na
tecnologia da biomedicina, que oferta medicação, exames e intervenções de alta
tecnologia, no caso, uma estrutura nos serviços de atendimento a situações
agudas.
o cuidado para que uma pessoa com pressão alta não
desenvolva complicações, em vel de atenção básica, ou seja, tendo uma
condição crônica e tendo que prevenir complicações, não é visualizado, nem
valorizado, seja porque deficiência na organização desses serviços, ou porque
90
não há, historicamente e socialmente construída a imagem de cuidado preventivo
em condição crônica.
Para compreendermos melhor esta representação buscamos as
concepções trazidas por Merhy; Franco (2005). Para estes autores os usuários
entram em contato com o serviço de saúde, conecta-se a ele através de fluxos
comunicantes por onde transitam ofertas, demandas, desejos, realizações de
expectativas e satisfação de necessidades, ou seja, a procura do usuário pelo
serviço de saúde se dá pela percepção que este tem do que é ofertado, por
exemplo, a necessidade de um exame de sangue ou raio X. Essa percepção é
formada por um conjunto de representações construídas no imaginário do usuário,
quando este busca o atendimento as suas necessidades de saúde nos serviços.
Os mesmos autores referem ainda que a demanda pelo usuário
ao serviço de saúde é socialmente construída e está relacionada ao perfil do
serviço de saúde, a forma como se processam a produção do cuidado e as
relações entre trabalhadores e usuários.
Na leitura da imagem fotográfica do prontuário de Dona Florinda,
no posto de saúde que freqüentava em Marcelândia, observamos que a
representação do cuidado e sua relação ao diagnóstico também perpassam no
imaginário dos profissionais de saúde, sendo apreendido nas suas práticas.
Observamos que as descrições dos profissionais de saúde abrangem: definição de
diagnóstico, prescrição de medicamento e solicitação de exames e resultados de
exames, mensuração da pressão arterial dentre outros, conforme a ilustração das
imagens a seguir:
91
Figuras 2 e 3: Imagens fotográficas do prontuário da Dona Florinda realizada
durante a atividade de observação das práticas em Marcelândia por pesquisadores
do nosso sub-projeto de pesquisa.
Essas descrições denotam um controle e disciplinarização das
ações em saúde sobre a usuária do serviço, pois as práticas se conformam com
reducionismo e com ênfase no corpo biológico, com ações prescritivas e vigilância
por meio de exames. Ressaltamos que o prontuário traz aquilo que se prioriza
“registrar” e que este texto esta orientado pelo discurso clínico: anamnese, exames
e exame físico, diagnóstico, terapêutica. No entanto, não podemos afirmar que
esta prática acontece em todos os registros e ações realizadas pelos profissionais
que lhe atendiam, pois esta imagem é apenas um recorte de parte do prontuário, na
qual percebemos que esta não apresenta as descrições do que a usuária refere,
mas apenas os registros priorizados na prática clínica.
Outro aspecto significativo empreendido na narrativa descrita
anteriormente, esta relacionada a “escuta”, ou seja, o fato de ser ouvida pelo
médico em relação ao que estava sentindo naquele momento.
Merhy; Franco (2005) apontam a necessidade de estabelecimento
de fluxos comunicantes entre os sujeitos envolvidos no cenário de produção em
saúde (usuários e trabalhadores), associados a uma idéia comum de assistência a
saúde, de cuidado, re-significando os saberes, atitudes modos de relacionar e
práticas de cuidado.
92
Assim, pensamos na necessidade de refletirmos sobre a re-
significação do cuidado, dando um sentido diferente a assistência, criando novos
modos de agir com os usuários, proporcionando mudanças na relação serviço-
usuário e desta forma contribuindo para o alcance da integralidade. Uma
integralidade que não seja expressa em atendimento bom por parte dos
profissionais, em ter remédios como disse a Dona Florinda, mas em melhora das
condições de vida e saúde, em que não tenha que passar por eventos dolorosos e
nem tenha que passar pelo risco de morte iminente desnecessariamente.
O significado dos sintomas é padronizado como verdades em
sistemas locais culturais, pois as categorias definidas pelos grupos são projetadas
do seu mundo, então são denominadas de naturais porque são encontradas lá. A
dor é entendida, como aquilo que nos rodeia. No curso de uma doença crônica
certa palavras ou expressões trazem um significado especial para o sofredor e sua
família. Nós diferenciamos quando as pessoas utilizam algumas palavras
relacionadas a enfermidades que são convencionais daquelas que usam termos
especiais. As referências sobre a enfermidade se concretizam no processo dialético
entre processo corporal e categorias culturais, entre experiência e significado
(KLEINMAN, 1988).
A dor e o sofrimento de Dona Florinda, representada por
metáforas e pela riqueza de detalhes, demonstra a significância da mesma sobre
sua vida e suas escolhas. A sua experiência da dor e sofrimento agudo é marcada
por componentes socioculturais que determinaram suas escolhas, inicialmente a
busca por cuidado popular, depois, resistindo a entrada no setor profissional, busca
pelo “farmacêutico”, este tendo a função de direcionar a sua passagem ao setor
profissional, e como num processo ritual, então ela entra no sistema profissional de
cuidados à saúde. Certamente esta passagem influencia na interpretação do evento
para dentro de sua vida, bem como abre possibilidades para a reconstrução de sua
vida, tendo este processo um significado importante nas suas escolhas.
93
5.1.3 Transitando num mundo desconhecido - o cuidado profissional
Nesta categoria, Dona Florinda revela momentos significativos
vivenciados após a experiência de dor e sofrimento agudo, marcado por uma
experiência corporal em que as representações de vida e morte se fizeram
presentes. Esta categoria abrange uma análise da busca por solução às
necessidades de saúde, a partir dos significados construídos por Dona Florinda,
das suas vivências marcadas pela dor e sofrimento e, agora pela representação do
infarto. Assim, procuramos apreender sua trajetória nos diversos sistemas de
cuidado, após o episódio da “dor” decorrente do IAM.
Como pudemos ver anteriormente Dona Florinda perpassou por
diversas formas de terapêuticas de saúde, no intuito de encontrar resposta para a
sua necessidade de saúde mais valorada naquele momento, ou seja, a vivência de
uma dor, particular e significativa.
Ao percorrer por diversos setores de cuidado a sua saúde
encontrou no setor profissional, uma explicação ao seu problema. Neste sistema,
os sinais e sintomas possibilitaram a constatação de que é um problema clínico,
portanto, tem um diagnóstico e um tratamento. Esta intervenção centrada no
modelo biomédico nomeou a dor como “infarto”. Tal diagnóstico possibilitou além do
alívio ao sofrimento físico também o reconhecimento moral, pois o infarto é
reconhecido socialmente.
No sistema de cuidado profissional, após o diagnóstico do IAM em
2002, o médico do PSF o qual Dona Florinda estava vinculada, informou a ela que
seu estado de saúde necessitava de uma atenção que Marcelândia não poderia
ofertar. Assim, diante do diagnóstico que lhe foi dado”, cuja representação é de
“doença séria”, e associada à informação recebida pelo médico, de que em sua
localidade não haveria possibilidades de resolução à sua “doença”, Dona Florinda
se vê diante de uma situação que, além da seriedade da doença, terá que enfrentar
o deslocamento de sua cidade. Tal fato pode ser observado no trecho da entrevista
em que Dona Florinda narra a prática do médico: “[...] vou ter que te encaminhar
pra Cuiabá[...]você tem que ir porque você tem que fazer um cateterismo”.
O encaminhamento do médico para outra cidade, não se
apresentou como uma opção para ela, mas sim como algo compulsório; assim,
diante da representação da doença e da necessidade de tratamento mais complexo
94
- o cateterismo, Dona Florinda, começou a incorporar as decisões do médico, sem
ao menos ter lhe dado a opção de escolha e nem entendimento sobre o
procedimento e sua finalidade. Entendemos que a informação, orientação,
possibilidades de escolha não fizeram parte do cuidado do profissional com a
pessoa doente, neste contexto, pela forma como ela foi percebida pela doente.
Assim, questionamos se é com ela que se passa a doença e se é ela a total
implicada neste processo, porque não a incluímos no processo de tratamento e
cura? A informação e a concessão ao dente das diversas possibilidades diante das
alternativas de cuidado, de tratamento e de cura se mostram como aspecto
importante na experiência da enfermidade, pois tem implicação nas formas como
ele entende o processo e no seu comportamento diante da situação.
O comportamento do profissional médico, em relação aos
encaminhamentos e processos decisórios em relação ao tratamento da usuária fica
evidenciado, como um processo na qual ela não teria como escolher por outro
auxílio demonstrado pelos diferentes trechos verbalizado em sua entrevista como:
você tem que ir” e “porque você tem que fazer um cateterismo”. O
desconhecimento sobre o procedimento foi revelado quando, segundo ela não
foram prestadas as informações sobre a finalidade deste procedimento.
Dentre outras questões, Dona Florinda, com base nos recursos
disponíveis para exames e procedimentos necessários para a sua saúde existentes
na sua cidade e na necessidade de buscar em Cuiabá, procedimentos e instituições
de saúde mais complexos, passa a dar um significado a sua vinda para Cuiabá.
porque não tem o atendimento que tem aqui né!! Deixa
vê... não tem como faze o cateterismo né, essas coisas
não tem lá. Daí tive que vim pra cá. Porque aqui tem mais
recurso né? Se não tem cardiologista e aqui tem
né[...]lá no postinho só tem o médico geral.
O atendimento a sua necessidade de saúde, que agora requer
exames, procedimentos complexos e consulta médica especializada sentido a
mudança na sua vida. A necessidade de mudança para a Cuiabá, portanto está
conectada a necessidade de saúde disponível nessa cidade.
No estado do Mato Grosso, o sistema público de saúde,
representado pelo Sistema Único de Saúde - o SUS possui uma rede de serviços
em diferentes níveis de atenção: primária, secundária e terciária, onde comportam
95
diversos tipos de práticas em saúde, distribuídas entre as distintas instituições de
saúde em todo o estado para oferecerem a população atendimento as suas
necessidades em saúde, os quais devem ser desde prevenção e promoção da
saúde, tratamento e diagnóstico e reabilitação. Para Dona Florinda, a
representação de um bom atendimento associa a alteração biológica às medidas
diagnósticas e ao tratamento. Entretanto, se analisarmos que os sinais e sintomas
os quais vivenciou estão associados ao sofrimento e a morte iminente, poderiam ter
sido evitados se, no seu longo acompanhamento pelo posto próximo de sua casa
além da medicação e da verificação da pressão também fossem incorporadas pelos
profissionais práticas que passassem a entender a pessoa e não a doença.
O reconhecimento da pessoa como um ser humano que tem uma
bagagem cultural, que vive em um determinado contexto sociopolítico, que tem
suas crenças e valores, necessita ser considerados na relação entre profissional e
usuário, a fim de que as medidas terapêuticas não sejam entendidas como regras e
protocolos que devem ser seguidos e impostos, mas como uma negociação entre
ambas as partes, de forma consciente, se co-responsabilizem pelo processo de
cuidar em saúde. A interação, o diálogo e a comunicação são estratégias que
possibilitam aos profissionais e usuários formas de cuidar que os aproximem e
possibilitem a promoção e a prevenção das complicações das pessoas com
hipertensão arterial. Neste sentido, defendemos que Dona Florinda desenvolveu a
complicação cardiovascular em decorrência das lacunas no sistema de saúde,
dentre elas, a de interação entre profissionais de saúde e usuário. Por outro lado,
reconhecemos que nós, profissionais de saúde, ainda não sabemos lidar com
outras dimensões que se relacionam a experiência da enfermidade e que
influenciam nas formas como cada pessoa cuida da sua saúde e nem a usuária,
entende que o cuidado a saúde, não se restringe a exames e procedimentos
tecnológicos.
Por isso, Dona Florinda não apresenta críticas ao sistema, pois
quando ela recebe o atendimento e o encaminhamento ao seu problema agudo de
saúde, “necessários” no momento de crise, donde se acionam a regulação em
saúde e o médico demonstra preocupação, ela reconhece que está sendo bem
atendida. Será que o bom atendimento não seria aquele que a levasse a não
desenvolver o infarto?
Encaminhada pelo médico, Dona Florinda veio pra Cuiabá de
ônibus, pois o médico não deixou que viesse de ambulância, devido ao seu estado
96
de saúde naquele momento estar instável e correr o risco de sofrer os “baques”
decorrentes da ambulância nas péssimas condições da estrada de chão entre o
trecho do percurso Marcelândia - Cuiabá, os quais poderiam ser mais um agravo à
sua saúde, como ela diz: “ele (o médico) não queria que eu vinha na ambulância
pois é muito baixa eu num ia agüenta o baque”.
As características da estrada entre Marcelândia e Cuiabá, descrita
por Dona Florinda e a preocupação demonstrada pelo médico com o seu estado de
saúde, a distância, as condições de precariedade das pontes foram retratadas por
pesquisadores que seguiram a mesma estrada e fizeram o registro a respeito
dessas condições
[...] passando por muitas “pontinhas” de madeira sobre
riachos pequenos. A estrada vai se estreitando cada vez
mais ao seguimos por estrada viscenal e o ônibus segue
sacolejando [...]A viagem segue. Estradas de terra que se
estreitam e se alargam novamente[...]Depois de muito
sacolejar somos avisadas pelo motorista que estamos
chegando em MARCELÂNDIA (Notas de observação,
21/05/07).
Chegando em Cuiabá Dona Florinda se hospedou em uma Casa
de Apoio que recebe usuários de todas as regiões do estado.
As Casas de Apoio são instituições públicas ou privadas que tem
por objetivo acomodar as pessoas que necessitam, por algum motivo, vir para a
capital. Para compreendermos como funciona a Casa de Apoio descrevemos um
trecho de entrevista concedida pela secretária do Secretário de Saúde de
Marcelândia durante a fase de coleta de campo realizada em Marcelândia
Quando pessoas vêm fazer tratamento em Cuiabá, a
prefeitura possui 2 casas de apoio e um carro que fica a
disposição dos pacientes. O município tem 10 vagas em
uma das casas e na outra não tem quantidade de vaga
estipulada. Essas casas são mantidas pela Secretaria
Municipal de Saúde. Em uma das casas são 10 reais por
pessoa e na outra cinco reais, mas o usuário tem que ajudar
nos afazeres domésticos (Notas de observação, 22/05/07).
97
A partir daí, hospedada em Cuiabá, na Casa de Apoio, Dona
Florinda começou a realizar diversos percursos em busca do seu tratamento.
Primeiro foi atendida no Centro de Especialidades Médicas em Cuiabá (CEM) como
relata na seguinte narrativa: “[...]daí fui no centro de especialidade em frente do
INSS aqui[...]passei pelo doutor João, daí né, ele mandou fazer o cateterismo”.
Após ser informada pelo médico do Centro de Especialidades Médicas que teria
que fazer o cateterismo, Dona Florinda, ainda sem saber, o porque da realização
deste procedimento é informada que também deveria fazer outros exames antes da
realização do cateterismo, como ela diz: “fiz exame de sangue, fiz outro raio-x
acho[...] fiz exame de esteira e depois eu fiz o cateterismo.”
Percebi durante sua fala quando indagada e através de
expressões que a mesma não tinha conhecimento da
finalidade dos exames solicitados, tive a impressão que
mesma estava sendo “jogada” como se fosse um ioiô numa
teia de exames que poderiam resolver seu problema,
mesmo não sabendo como eles aconteceriam (Notas de
observação, 22/02/07).
A preocupação com a doença e o fato de não ser informada sobre
qual era o objetivo, a finalidade e os riscos dos diversos exames que deveria fazer,
mostra como os profissionais de saúde a atenderam tanto em Marcelândia quanto
em Cuiabá, como se tudo isso fosse tão natural para ela e ela não necessitasse de
orientação sobre o que seria cada exame, para que estaria fazendo, se tem algum
preparo ou recomendação, se tem algum risco, entre outras informações.
As práticas do sistema de saúde profissional têm sido voltadas
aos recursos disponíveis e as formas de organização das instituições por isso têm
sido focalizadas sobre procedimentos prescritivos, práticas regulatórias,
procedimentais e rotineiros, desconsiderando as reais necessidades de atenção em
saúde de cada pessoa, ou seja, a subjetividade da pessoa, influenciada pelos
contextos socioculturais o qual faz parte, os valores e crenças compartilhados em
seus grupos, suas expectativas de vida, suas limitações e suas possibilidades. Por
isso, quando a intervenção dos profissionais se sem a devida compreensão da
pessoa doente pode gerar no doente, dúvidas, medos, angústias, além de outras
conseqüências.
98
Neste sentido, reconhecer nas práticas a subjetividade de cada
pessoa que experiência a enfermidade é proporcionar um cuidado ético, e assim
alcançar a tão almejada integralidade da atenção em saúde, por meio de ações
como a escuta atenta entre pessoa e profissional de saúde.
Concordamos com Cecílio (2001), quando refere que no encontro
do usuário com a equipe deveria prevalecer, o compromisso e a preocupação de se
fazer a melhor escuta possível das necessidades de saúde trazidas por aquela
pessoa que busca o serviço. Salienta ainda que a equipe de saúde devesse tornar
compreensível para o usuário, as ações e as intervenções pelos quais os doentes
serão submetidos no sistema de cuidado profissional, para que ele possa entender
interpretar e escolher pelas diversas opções no curso de suas vidas, dessa forma,
oportunizamos o doente a deixar de tornar-se passivo no processo, mas dar
subsídios para que possa participar ativamente no seu processo de adoecimento.
Outro fato que nos chamou a atenção foi a forma como funciona
as instituições de saúde em Cuiabá e como elas se articulam e, o que isso
representa para ela, como expressa: “O de sangue fiz no Verdão, o de raio x fiz
lá no CPA I e da esteira foi no Amecor acho que foi [...]Não são no mesmo lugar.
O percurso por diversos locais para realizar os procedimentos é um aspecto
relevante, pois além de desconhecer Cuiabá, ela tendo tido o infarto, as andanças
representa sobrecarga cardíaca. Esse fluxo percorrido pela usuária reflete que a
disponibilização dos serviços de saúde esta organizada conforme a lógica de
gestão do serviço e não conforme as necessidades do doente. Este aspecto é
importante, na medida, em que Cuiabá, sendo referência de média e alta
complexidade, recebe um grande número de usuários vindo do interior do estado
para realizar diversos exames, consultas médicas, cirurgias, muitos dos quais não
têm o apoio financeiro para tais deslocamentos, e necessita tirar do próprio bolso o
dinheiro (quando tem algum recurso) para o transporte ou mesmo para ficar na
Casa que cobra pela estadia.
Neste contexto, podemos supor que existe uma falta de
articulação entre os Centros Regionais de Regulação (CRR), dos municípios do
interior do estado, com a Central Estadual de Regulação, localizada em Cuiabá
(CER). O atendimento as necessidades de atenção a saúde do usuário deve
contemplar uma organização de forma que a “rede” de serviços realmente funcione,
99
preconizando uma ligação entre os serviços em diferentes sentidos, pois cada
usuário procedente do interior tem além da limitação de recursos socioeconômicos,
a aflição pela enfermidade, muitas vezes uma condição agravada, também
apresenta a aflição de estar em um local desconhecido.
A prefeitura de Marcelândia deixa disponível aqui em Cuiabá um
motorista, responsável pelo transporte dos pacientes dentro de Cuiabá e em todos
os locais que os usuários precisarem realizar algum atendimento ou procedimento,
o que tem beneficiado a Dona Florinda. Constatamos tal informação na entrevista
de Dona Florinda e durante a observação das práticas de Marcelândia através do
relato de uma funcionária da secretária da saúde de lá.
Eles bancam tudo pra mim, aqui eu não pago nada [..] Nois
é pela prefeitura. Nois é pela prefeitura. Daí tem o rapaz que
leva nois no carro pro hospital, fazê exame.È eu ligo pra ele
[...]ele vem me pega me leva e de lá eu ligo ele me busca.
A funcionária da secretaria de saúde relata que tem um
rapaz responsável pelo transporte dentro de Cuiabá
[..].(Notas de observação 22/05/07)
Para os usuários de Marcelândia este tipo de organização de fluxo
nos serviços de saúde dentro de Cuiabá em relação ao transporte pode ser
favorável, mas o tempo que permanecem esperando a realização dos exames aqui
ou se deslocando de um serviço para outro e os gastos relacionados à alimentação
necessária, com certeza interfere em suas necessidades individuais e coletivas.
Após realizar os exames laboratoriais e de imagem, Dona Florinda
conseguiu realizar o cateterismo em 22/03/02, como consta no laudo do exame na
qual pudemos verificar. No entanto, sabemos que ela foi encaminhada para Cuiabá
em janeiro de 2002 e em março, após dois meses, conseguiu realizar o
cateterismo.
O cateterismo cardíaco é utilizado para identificar doenças
cardíacas, suas alterações estruturais e fisiológicas, tais como coronariopatias,
disfunções miocárdicas, doenças valvulares e anormalidades congênitas do
coração e dos grandes vasos (YORDI, RODRIGUES; MILLER,1996).
100
Em nossa experiência profissional na área da cardiologia nos
deparamos com usuários que ficam extremamente preocupados e com dúvidas em
relação a este procedimento. Outros até consideram o exame como uma cirurgia de
correção das alterações cardíacas que apresentam.
Padilha; Kristensen (2006) em um estudo realizado com usuários
submetidos ao cateterismo cardíaco referem que diante da possibilidade de realizar
um exame invasivo como o cateterismo, assim como ter conhecimento prévio sobre
possíveis complicações associadas ao exame e aguardar por um resultado ainda
desconhecido, o paciente tende a vivenciar o medo e a ansiedade com maior
intensidade.
Tal fato pode ter sido vivenciado por Dona Florinda. O longo
período entre a solicitação do exame e a realização do mesmo pode gerar
angústias e medo, principalmente quando a pessoa doente entende estar com um
problema de saúde “sério”.
Consideramos que a gestão em saúde nos diversos níveis de
atenção em saúde reflete no acesso dos usuários aos serviços ofertados podendo
ocasionar a demora e o aumento das filas para conseguir um atendimento,
descontentamento da população, ineficiência do tratamento, entre outros.
Evidenciamos pelo percurso empreendido por Dona Florinda no
atendimento as suas necessidades de saúde um momento crítico, que
necessidade de se repensar as práticas de atenção e gestão em saúde de maneira
que haja mais articulação entre as redes de atenção a saúde, entre os profissionais
e profissionais e usuários, quer seja no nível primário, secundário e terciário
visando uma adequação da relação oferta-demanda, como propõe Cecílio:
integralidade de atenção pensada em rede, como objeto de
reflexão e de (novas) práticas da equipe de saúde e sua gerência,
em particular a compreensão de que ela não se dá, nunca num
lugar, seja porque as várias tecnologias em saúde para melhorar
e prolongar a vida estão distribuídas em uma ampla gama de
serviços, seja porque a melhoria das condições de vida é tarefa
para um esforço intersetorial (CECILIO, 2001).
Depois de realizar o cateterismo Dona Florinda retorna a
Marcelândia para dar continuidade ao tratamento do IAM e da hipertensão. Nesse
101
período recebe o acompanhamento médico, mensalmente, em Marcelândia, faz
regularmente o eletrocardiograma (ECG), sendo enviado via fax para o Centro de
Especialidades Médicas (CEM) em Cuiabá para o laudo ser atribuído por um
cardiologista, como ela diz:
Todo mês mandava o eletrico (eletrocardiograma) pro
médico aqui em Cuiabá, por que eu não podia vim todo mês
[...]É eu sei que é que daí eles passava pelo fax mandavam
ver como que tava meu cardíaco né.[...]Cada vez que eu
fazia elétrico todo meis lá, dizia que tava alterado o cardíaco
(...)fazia lá mandava aqui pra Cuiabá pela fax.
Esta prática foi relatada pela funcionária da secretária de saúde
de Marcelândia descrita a seguir:
O eletrocardiograma é realizado no PSF, mas a leitura é
feita em Cuiabá resultado rápido (via fax); é estipulado
somente a realização de 2 eletrocardiogramas por
dia.(Notas de Observação, 22/05/07).
Esta observação evidencia que o serviço de saúde de
Marcelândia é dependente da articulação com o serviço especializado em Cuiabá
para oferecer o laudo dos ECGs e, ainda, apresenta limitações na quantidade
realizada de ECGs. Assim, caso haja a necessidade de uma quantidade superior ao
estipulado, os usuários que porventura possam necessitar do procedimento,
poderão ter sua realização prejudicada. Assim, questionamos sobre a restrição da
quantidade e a demora pelo laudo, pois o ECG depende da articulação com o
serviço do município em Cuiabá em um município que há, aproximadamente, vinte
mil pessoas.
A gestão da oferta do procedimento, no caso do ECG, pode
apontar para uma das lacunas nos serviços de saúde, influenciando no atendimento
à Integralidade, um dos princípios básicos do SUS. Os agravos à saúde podem
ocorrer a qualquer momento e, no caso de uma alteração cardiovascular,
possibilidade não tão remota de ocorrência, haja vista que a hipertensão está entre
as doenças crônico-degenerativas de maior prevalência entre a população. Neste
sentido, é importante a realização do exame e do laudo imediato deste exame para
102
dar seguimento ao tratamento evitando o possível agravamento do estado de saúde
do doente e até a morte.
Assim, reiteramos a necessidade de repensar sobre a
disponibilização deste procedimento para atender as reais necessidades da
população e sobre a atenção básica, para que tais complicações em pessoas com
hipertensão possam efetivamente ser evitadas.
Neste sentido, é necessária uma adequada organização das
práticas de atenção no que refere ao procedimento e laudo do ECG, que favoreça a
articulação dos diversos níveis de atenção, com intuito de atender as necessidades
reais dos usuários promovendo a “integralidade ampliada”, ou seja, é:
esta articulação em rede, institucional, intencional,
processual, das múltiplas “integralidades focalizadas” que,
tendo como epicentro cada serviço de saúde, se articulam
em fluxos e circuitos, a partir das necessidades reais das
pessoas- a integralidade no “micro” refletida no “macro”;
pensar a organização do “macro” que resulte em maior
possibilidade de integralidade no “micro” (CECILIO, 2001,
p.119-120).
No percurso de Dona Florinda, após o episódio da dor, e do seu
retorno para Marcelândia, além do controle que seguia pela atenção básica em
Marcelândia, passou também a ter que fazer acompanhamento, a cada três meses,
em Cuiabá, a ter que consultar no Centro de Especialidades Médicas:
As vezes eu vinha de três em três mês. Quando eu
conseguia pegar uma carona, eu pegava carona, se não eu
pagava ônibus [...]Tem ambulância, eu ia de ambulância
quando tinha lugar vago eu ia. Eu deixava pro outros que
preciva ir mais, né[...] Entre come um lanche e almoça,
ficava cento e cinqüenta pra vim e cento cinquenta pra volta.
È trezentos reais. (refere-se aos gastos obtidos no seu
deslocamento Marcelândia Cuiabá).
Nesta narrativa observamos que as práticas em saúde podem
estar apresentando lacunas no que se refere ao atendimento às demandas dos
seus usuários que necessitam de atendimento, exame, ou procedimento de média
e alta complexidade, muitas vezes sendo necessário o deslocamento para outro
município que contemple tal oferta. Como expressado por Dona Florinda, a
103
prefeitura disponibiliza uma ambulância para o deslocamento, porém nem sempre
comporta a acomodação de todos que necessitam. Ainda, aqueles que não
conseguem vir de ambulância nem sempre conseguem carona, ou seja, a pessoa
fica sujeito à sorte, sendo então necessário que essas pessoas se desloquem de
ônibus tendo um gasto não só com o transporte, mas também com alimentação que
poderá consumir, além do custo com hospedagem.
Neste contexto, é necessário refletir sobre as implicações para o
município e para os doentes do deslocamento destes e dos seus familiares, que
muitas vezes os acompanham, quando não resolutividade do atendimento as
necessidades de saúde da população em seu município. Ainda, o deslocamento
para outra localidade, nem sempre implica em resolutividade à necessidade de
atenção em saúde, como diz:
[...]temos evidenciado que os custos implicados na experiência de
adoecimento (especialmente na condição crônica considerada)
são computados, em geral, como gastos para o SUS,
desconsiderando a resolutividade implicada nos mesmos, bem
como os múltiplos custos desta condição para os usuários e suas
famílias (BELLATO;ARAÚJO;OLIVEIRA, 2007a).
Outros fatores agravam mais os custos em saúde, como a
condição do doente em condições crônicas. Se a pessoa enferma é dependente e
acamado, ser transportado por um veículo em estradas precárias, torna a situação
ainda mais estressante. As condições das estradas que ligam Marcelândia aos
municípios de referências, como vimos anteriormente, apresentam precariedade de
condições, constituindo em obstáculos que causam desconforto e riscos de
acidentes, tornando a experiência desses doentes como uma vivência de
sofrimento.
Consideramos que a necessidade do deslocamento está
relacionada às formas de organização e gestão das práticas ofertadas pelo
município, ou seja, se o município oferta serviços de saúde adequados em
quantidade e qualidade, os deslocamentos dos usuários para outras localidades,
que fazem parte dos consórcios intermunicipais de regulação em saúde, em
especial, para Cuiabá, poderiam ser minimizados. Neste sentido, o deslocamento
necessário para o atendimento as necessidades de saúde de Dona Florinda,
constitui em um obstáculo ao alcance das diretrizes: Integralidade e Resolutividade
na atenção a saúde pelos serviços prestados à população.
104
Na experiência vivenciada por Dona Florinda, da pressão alta, da
dor no peito, surge outro evento, nomeado na linguagem da Ciência Médica de
“Insuficiência Cardíaca”. A multiplicidade de eventos cardiovasculares que se
incorporam a biografia de Dona Florinda implica em novas mudanças no seu
cotidiano, influenciadas pela sua aproximação com ás práticas de cuidado
profissional como: ter que ir mais vezes ao médico, ter que se submeter mais aos
procedimentos diagnósticos, ter que incorporar mais a linguagem biomédica, além
de outras práticas terapêuticas, como cuidado com alimentação, entre outras.
Assim passamos a refletir e a questionar, pela trajetória de busca e atenção as
necessidades de saúde de Dona Florinda, em que medida a organização dos
serviços influenciam em tais complicações cardiovasculares? Como as práticas de
atenção na atenção básica podem evitar o surgimento das conseqüências do
agravamento do seu estado, não nos restringimos nas mudanças no corpo físico,
mas também das mudanças de toda uma vida construída na sua localidade, no
afastamento dos familiares, nos gastos com remédios e tudo mais. Se a
Integralidade e a Resolutividade fosse efetivada na atenção básica talvez tais
conseqüências poderiam ser evitadas e/ou minimizadas. È importante destacar que
tais complicações não podem ser “naturalizadas” e sim devem ser continuamente
“problematizadas”, em especial, sobre as formas como os serviços de saúde estão
organizados e como as práticas têm sido realizadas, tendo como referência a saúde
do usuário.
Na sua trajetória, Dona Florinda continuou o tratamento tomando
os remédios, realizando o ECG todo mês e fazendo o seu percurso entre
Marcelândia-Cuiabá, no entanto, em abril de 2003 em Marcelândia começou
apresentar alterações em seu estado de saúde, como vemos na seguinte narrativa:
mês de Abril de 2003 eu fiquei ruim, muito ruim do meu
coração[...]o medico ele dava um remédio e não parava a
dor e daí um dia não agüentei pedi pro doutor do posto falei:
Doutor me bate um raio-x porque eu não agüento mais de
dor nas costas muita falta de ar. Quando ele bateu o raio
x ele viu que coração tava inchado.
As experiências dolorosas, as passagens pelos diversos espaços
no serviço profissional, as experiências nem sempre resolutivas no atendimento as
suas necessidades de saúde vivenciadas por Dona Florinda na época do infarto”,
serviram de referência para o enfrentamento deste novo evento. Não vendo solução
para o problema de saúde a qual apresentava Dona Florinda ao buscar novamente
105
por uma solução a sua queixa, se colocar “de maneira ativa” durante um
atendimento. O conhecimento clínico construído historicamente atribuiu ao
profissional de saúde, um poder, neste sentido, as interações entre médico e
usuário, geralmente tem sido permeada de uma relação assimétrica, caracterizada
pelo domínio do médico. Porém, este protocolo foi quebrado quando, a Dona
Florinda não vendo solução ao seu problema, questiona a conduta do médico,
direcionando então a ação do médico, como no relato anterior, quando ela pede
para o profissional fazer um pedido de exame, o de Raio-X.
O fato de Dona Florinda escolher um raio-X advém da
representação que a mesma tem deste procedimento por tê-lo realizado antes,
ou até mesmo das representações compartilhadas de pessoas próximas. Na sua
rede de relações, do que seja o Raio-X.
Para Ferreira (1994) estas representações são orientadas por
uma lógica que resulta de experiência social e, com base nesta, produzem-se
interpretações que adquirem significado a partir de processos compartilhados em
seu grupo no cotidiano. A sua atitude foi reforçada pelo resultado do exame, pois o
mesmo apresentou alteração visualizada pela imagem.
Assim, Dona Florinda acabou acertando na escolha, que pelo
raio-X foi encontrado a causa da dor e da falta de ar que vinha apresentando, ou
seja, seu coração estava aumentado no tamanho.
Em sua experiência da enfermidade, integram-se os significados a
respeito da atuação do médico e da relação deste com a pessoa doente. Para Dona
Florinda, o médico não se apresentou sensível a sua necessidade, pois não foi
resolutivo ao não dar um encaminhamento efetivo a sua aflição. Esta passagem
demonstra como nos serviços de saúde, as práticas dos profissionais, ainda têm
lacunas no atendimento ao princípio da Integralidade.
Em Marcelândia, como o doutor viu que ele tava inchado,
ele pediu pra mim ir até Sinop faze o exame no
cardiologista, por que não tinha como fazê. Em Sinop fui
no particular não fui pelo SUS né. Fiz um exame fui
uma vez só. Que quando incho demais meu coração que fui
lá.
106
Percebemos que Dona Florinda não foi regulada ao ser
encaminhada pra Sinop, pois quando questionamos sobre
este processo a mesma não soube responder, ficando claro
que a única opção que ela teria naquele momento para
resolver seu problema, era o serviço de saúde de Sinop,
(Notas de observação, 22/02/07).
Evidenciamos que, ao encaminhar Dona Florinda para SINOP, o
médico do postinho” transferiu toda a responsabilidade do cuidado para a doente,
haja vista que ela teve que pagar pelo procedimento. Pudemos observar que se
tratava de um ecocardiograma, pois ela nos mostrou o resultado deste exame para
nos explicar a respeito do exame que havia sido realizado.
Dona Florinda sem opção de escolha e diante da sua percepção
de alteração do seu estado de saúde deslocou-se pra Sinop. Na sua concepção, ir
com um veículo custeado pelo município foi bom, sendo que, “apenas” o exame ela
teve que pagar como ela mesma diz usando a expressão “só”: “a prefeitura levo
pra Sinop(...)eu fui com a Van da Prefeitura é daí lá fui com eles me levaram até no
hospital e me buscaram(..)só o exame que tive que paga”. Esta narrativa mostra o
compromisso da prefeitura em levá-la, entretanto questionamos o pagamento
realizado pela usuária.Esta experiência nos mostra claramente, que ela não tem
informação de que a saúde é direito do Estado, e que cabe a administração
municipal gerenciar recursos para que tal direito seja garantido, incluindo o acesso
gratuito a realização do procedimento.
Percebemos a desinformação sobre seus direitos em saúde, e o
previsto na Carta dos direitos dos usuários da saúde (BRASIL, 2006).
O primeiro princípio da Carta assegura:
Ao cidadão acesso ordenado e organizado aos sistemas de
saúde, visando a um atendimento mais justo e eficaz. O inciso IV
traz que o encaminhamento á atenção especializada e Hospitalar
será estabelecido em função da necessidade de saúde e
indicação clínica, levando-se em conta critérios de vulnerabilidade
e risco com apoio de centrais de regulação ou outros mecanismos
que facilitem o acesso a serviços de retaguarda (BRASIL, 2006).
O inciso V aponta que quando houver limitação circunstancial na
capacidade de atendimento do serviço de saúde, fica sob a responsabilidade do
107
gestor local a pronta resolução das condições para o acolhimento e devido
encaminhamento do usuário do SUS.
A experiência de enfermidade de Dona Florinda após o evento
“infarto”, no sistema profissional, possibilitou que ela pudesse apreender as formas
como alguns serviços de saúde são organizados e articulados, como é processado
o encaminhamento, o acesso aos serviços e a articulação entre os municípios de
Marcelândia e Cuiabá, o qual denominamos de processo de regulação. A mesma
nos dissera que o acesso aos serviços de saúde de Cuiabá, era via Marcelândia,
desta forma, demonstra ter entendido como ocorre o fluxo nos serviços, parecendo
ter conhecimento do funcionamento de tal processo, como podemos ver seguir:
Doutor de Marcelândia que me encaminho pra cá[...]tem que
vim com o encaminhamento pra pode faze o tratamento. Daí
eles manda, encaminha na central de vaga[...]É tudo na
central de vagas[...]É tudo por ele, tudo por de
Marcelândia os encaminhamento.
Essas idas e vindas “de lá pra cá” e “Daí eles manda, reflete uma
organização de serviços de acordo com a lógica dos gestores e não de acordo com
as necessidades da usuária.
Consideramos que esse sistema de saúde hegemônico e
centralizado no saber da ciência médica necessita ser reconstruído, incorporando
outras ciências, como da antropologia, da sociologia, entre outras, para abranger no
cuidado à saúde a atenção a outras dimensões igualmente relevantes no contexto
de enfermidade, para além da alteração física, pois a vivência da doente é uma
experiência física, mas também moral assim, ao reconhecer os contextos
socioculturais a que cada pessoa pertence permite integrarmos a doença à pessoa.
Este é um desafio que se apresenta aos serviços de saúde e seus profissionais
para o alcance da Integralidade e da Resolutividade na saúde. Como diz:
Escapando da mercantilização e objetivação da vida, talvez
tenhamos “sucesso prático” na construção de um sistema de
saúde pautado na Integralidade. Um sistema que seja espaço de
cuidado, de encontros desejantes e de produção de redes e novos
saberes, o enrijecidos pela frieza que desconsidera o humano
no cálculo utilitário e que, com isso, anula os participantes de sua
relação, principalmente o usuário/comunidade (PINHEIRO et al
2005).
108
A regulação em saúde tem a função da gestão nos diversos níveis
de complexidade (básica, média e alta) ambulatorial/hospitalar e sobre o acesso
dos usuários a assistência nestes níveis. A Regulação da Atenção à Saúde tem
como objeto a produção das ações diretas e finais de Atenção à Saúde, estando,
portanto, dirigida aos prestadores de serviços de saúde, públicos e privados. Os
principais sujeitos desta regulação são os gestores municipais e, de forma
suplementar, os gestores estaduais e o gestor federal. Além disso, comporta ações
de regulação do gestor da saúde da esfera federal sobre estados e municípios; do
gestor da esfera estadual sobre municípios e prestadores; e dos municípios sobre
os prestadores, assim como a auto-regulação de cada uma dessas esferas.
(BRASIL, 2007a).
É importante questionarmos quem se beneficia com a regulação?
Encaminhar os casos por nível de complexidade de tecnologia atende ao usuário
que necessita ir a várias instituições para que sua necessidade seja atendida?
Como ela está organizada não privilegia a organização administrativa? E o doente
que necessita de diferentes tipos de cuidado independente da sua complexidade,
que como Dona Florinda tem hipertensão arterial, e precisa de outros cuidados de
atenção, de informação, de muitos exames e que certamente podem ser realizados
em um único local? O serviço de saúde ao atender cada parte doente de uma
pessoa, com suas especialidades, não o estaria fragmentando? Se atender a
pessoa em sua totalidade de atenção em um único espaço não contribuiria de
forma mais efetiva para o alcance da Integralidade? O controle por meio da
regulação tem contribuído para que todos que necessitam de atenção em saúde
alcancem os serviços de que necessitam? No caso de Dona Florinda, seu trânsito
nos diversos espaços dos sistemas de cuidado profissional poderia ter sido uma
experiência menos penosa.
Desta forma, nos processos de idas e vindas de Dona Florinda, na
demora para realização do cateterismo, nos deslocamentos de longas distancias
em busca da especialidade médica, fica evidente que a regulação em saúde no que
se refere ao acesso é um processo centralizado à poucas pessoas do seu
município, como é o caso de Marcelândia, aos consórcios intermunicipais, aos
escritórios regionais e estadual. É dado o poder aos gestores para controlar as
entradas e saídas no sistema. Entretanto, embora as ações de saúde tenham como
109
referência o perfil epidemiológico local e busquem garantir acesso a saúde a sua
população, isso não atende as reais necessidades em saúde, pois como vimos
anteriormente, na experiência de Dona Florinda, no agravamento de sua saúde, ela
necessitou pagar pelo exame.
O processo de regulação em saúde, conseqüentemente o acesso
aos serviços, vem ocorrendo de forma restrita, centralizada e controladora em
nosso estado. Vimos em Marcelândia, durante a observação das práticas, que
houve mudanças no que refere ao acesso a procedimentos, exames ou consultas e
até mesmo em relação ao tempo estipulado para a regulação em outro município,
ainda, houve mudanças na Central Regional de Regulação, que até abril de 2006
era em Sorriso, passando depois desta data a ser exercida por Colíder.
A enfermeira do PSF I informa que a referência do
município é Sorriso, mas que Colider está em processo de
implantação como Sede da Regional de Saúde. Algumas
coisas são encaminhadas para Sorriso e outras para Colider
(notas de observação, 22/05/07).
Quando perguntada para relatar como acontece a regulação no
município, a funcionária da Secretaria de Saúde diz que
Marcelândia têm 15 minutos por dia (9h – 9h15) para fazer a
regulação com Colíder. A regulação para as especialidades
que não têm em Colíder é feita para Cuiabá. É ela também
quem faz a regulação de exames e realiza contato com
usuário por meio telefônico sobre a regulação para uma
consulta. Informa que a “Central Colider” faz os
agendamentos daqui”. Para Cuiabá, é Colider que faz a
regulação. Diz que a Regulação segue o fluxo de chegada
dos pedidos de regulação das unidades de saúde (Notas de
Observação, 23/05/07).
Reconhecemos que limitações no sistema de regulação,
evidenciado nas diversas experiências relatadas por Dona Florinda no seu percurso
em busca de solução a sua aflição. As formas como se apresenta à oferta de
serviços tem implicações para o atendimento as necessidades de saúde da
população na medida em que, a oferta do serviço é vinculada à capacidade médica
disponível nas instituições e não a real necessidade de atenção em saúde das
populações nos diferentes âmbitos: promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento
110
e reabilitação. O que parece estar sendo levado em conta é o número de
atendimentos estipulados por dia, como exemplo, estipulado para cada
profissional, geralmente nas consultas médicas, um número determinado de
atendimento por período. Certamente que a organização do serviço com base nesta
prática não tem sido o ideal para o alcance da integralidade. Nesta perspectiva, a
quantidade tem sido a referência em atenção à saúde e não a qualidade.
Essa forma de regulação e controle é referendada por Travassos;
Martins (2004) que concebem que a garantia do acesso aos serviços de saúde está
relacionada com a utilização dos serviços de saúde em relação ao consumo de
consulta médicas, hospitalizações, exames e procedimentos. Entretanto, esta forma
de atenção, que centraliza, controla e quantifica foi revelada por Faria (2007)
quando diz que a oferta ao acesso [...] é instruído por um dispositivo de controle
que disciplinariza a ‘demanda’ por cuidado, condiciona, em certa medida, as
pessoas a aceitarem e se sujeitarem a essa oferta”. Como podemos ver nesta
narrativa: “é porque aí tudo tem que ir pra Central de vagas, né! Aí demora!”
Podemos apreender ainda nesta narrativa algumas considerações
de Foucault (1979) que justificam o controle como dispositivo de poder e de
disciplinarização:
A disciplina exerce o seu controle, não sobre o resultado de uma
ação, mas sobre seu desenvolvimento [...] é um conjunto de
técnicas pelas quais os sistemas de poder vão poder ter por alvo e
resultado os indivíduos em sua singularidade (FOUCAULT 1979,
p. 106).
Outro fator que desfavorece o acesso de forma mais rápida nos
níveis de média e alta complexidade da atenção é a forma como a Central de
Vagas centraliza e prioriza as regulações, pois ela disponibiliza o agendamento de
acordo com os recursos disponíveis e programados previamente, não considerando
as necessidades das pessoas que necessitam do atendimento, como mostra o
relato de Dona Florinda: Eles avisa a gente pra vim. Isso é pra onde tem uma
vaga pra mim faze consulta (...) aí eles retornam e aí eles avisam pra mim vim! “.
Neste processo de regulação pela Central de Vagas, mesmo os
usuários, acompanhando os trâmites regulatórios por telefone, obtendo o parecer
da disponibilidade ou não da vaga, não garante que o acesso atenda as reais
necessidades de saúde. Pois, sabe-se que o tempo entre a solicitação e a liberação
da vaga para exame, consulta ou internação, na maioria das vezes, é muito longo e
111
os modos como os fluxos estão disponibilizados nos diversos serviços, acaba por
fragmentar e superespecializar a atenção a saúde, como vimos anteriormente os
fluxos percorridos por Dona Florinda, que realizou diversos exames laboratoriais e
de imagem antes da realização do cateterismo, o que deveria acontecer primeiro,
ou de maneira concomitante.
Após o evento da dor de Dona Florinda, a experiência no seu
percurso dentro do sistema oficial foi marcada por desconhecimento dos fluxos,
idas e vindas, tendo como condição marcante, a autoridade das Centrais de
Regulação, para permitir o acesso ou não as suas necessidades e a dependência
que terá que se submeter aos serviços especializados para controle da
complicação: a IC. Esta experiência torna a Dona Florinda dependente do sistema
de cuidado profissional.
Embora em muitos momentos desta trajetória Dona Florinda se
veja como passiva no processo tendo que, aos poucos, ir incorporando o sistema
de cuidado profissional em sua vida, em outros ela se comporta mostrando sua
identidade, assim, à medida que ela foi vivenciando sua trajetória de adoecimento
entre os diferentes sistemas de cuidado em saúde, ela vivencia, interpreta e
reconstrói seus significados sobre saúde e doença, reflete seu projeto de vida e faz
suas escolhas, buscando com isso dar um sentido a sua vida.
5.1.4 Na Casa de Apoio: Eu falo que eu revivi!”
O agravamento do seu estado de saúde, a necessidade de uma
tecnologia em saúde por especialidade, a necessidade de instituições de maior
complexidade que não eram ofertadas em seu Município de origem fez com que
Dona Florinda necessitasse se deslocar freqüentemente para Cuiabá, local de
maior recurso, como ela diz: Porque aqui tem mais recurso né? Se não tem
cardiologista e aqui tem né.”.
O freqüente deslocamento para Cuiabá para buscar
acompanhamento com profissionais especialista e seu custo por este
deslocamento foram aspectos considerados por Dona Florinda seu processo
decisório de mudança para Cuiabá, reforçado por outros como: a aposentadoria em
112
decorrência da doença, a separação do marido, estar morando com a filha,
sensação de esatr sendo vigiada pela filha para cuidar da sua saúde, vigilância sob
seu tratamento, alimentação e horário dos medicamentos, como ela mesma relata:
minha filha sempre pegava no meu [...] era os quatro
filho, os quatro porque que eu morava mais com ela né, os
moleques era separado, mas sempre pegando no meu
ate eles me pegava.
Por outro lado, Dona Florinda passou a visualizar que a sua vinda
para Cuiabá, abriria possibilidades de: fazer interações e ter lugar para passeios,
pois relatava que a cidade era pequena e sentia solidão, como no relato abaixo:
em Marcelândia eu ficava muito sozinha, entrava em
depressão, só tinha vontade de deitar, onde me atacava
muito[..] Eu ajudava minha filha, eu ia pro clube do idoso,
mas ficava mais deitada e não pode fica deitada, não
presta! Eu ficava o dia inteiro deitada, não presta, né? A
gente fica pensando coisa que não deve né[...]“as vezes
ficava a tarde sozinha deitada, vinha coisas na cabeça
que a gente pensava que não presta né, eu chorava muito
eu era muito chorona!
Pudemos compreender nesta narrativa que Dona Florinda ao ser
disciplinarizada e vigiada pelos filhos, estava sentindo-se incapaz e sem utilidade.
Ficava em um espaço que não era seu, não tinha autonomia e liberdade de
escolhas de suas atividades, além disso, o fato de ficar deitada a maior parte do
tempo deixa embutido em sua subjetividade uma forte ligação, com a doença,
fraqueza, deixando-a cada vez mais deprimida. Esse sofrimento e desprazer
relatado vivenciado por Dona Florinda foram influenciados pelas reações dos
familiares em relação a seu estado de saúde, que a tornaram dependentes,
subtraindo-lhe a sua autonomia e refletindo no seu auto-conceito.
Maruyama (2004) refere que o corpo individual é influenciado
pelas reações dos familiares, pois a impossibilidade do indivíduo exercer o seu
papel na família pode também ser um aspecto negativo a influenciar o valor que
113
a si mesmo, fazendo-o vivenciar, muitas vezes, sentimentos de impotência e de
desvalorização.
A impossibilidade de realizar alguma atividade por uma limitação
ou uma incapacidade devido a sua condição da enfermidade tem representado
pelas pessoas em diversas culturas o sentimento de incapacidade e impotência.
Nas sociedades modernas, atribuir as pessoas com alguma limitação o adjetivo de
incapaz ou deficiente, e não se valorizar as potencialidades de que essas pessoas
tenham e possam desenvolver, tem contribuído para a exclusão social destas
pessoas em nossas sociedades, haja vista que ainda são poucas as políticas de
inclusão delas na vida produtiva.
Para Oliveira (1998) o fato do indivíduo não trabalhar ou exercer
qualquer atividade fere a posição que ele ocupa perante a família e ao grupo social
que convive, define a doença entrecortada por uma concepção físico/moral, com o
“não trabalhar” associado a fraco.
O trabalho adquiriu em nossa sociedade, um valor com contornos
sacralizados e sacrificiais; sacralizado por comportar valor moral,
qualificando como honestos e valorosos aqueles que trabalham e
desonestos e sem valor aqueles que não o fazem; sacrificial
porque, em seu nome, em nome da “produção”, milhares de
trabalhadores adoecem e morrem submetidos a condições
perigosas e insalubres. (NARDI, 1998, p.101)
Dona Florinda também ficava incomodada ao sair para passear ou
construir amizades, pois mesmo sendo separada do marido, ele morava ali, pois
segundo ela isto causaria uma representação da sua imagem, caso ela
quisesse se divertir um pouco.
Eu ia em bar mas você sabe né, não gosto de fala (silêncio
3seg) por causa da separação, né. Não é fácil [...]Então
eu tinha muito medo, lugar pequeno né!
Essa situação a desvitalizava e a impedia de produzir arranjos,
passeios e interações, tornando um fator que também culminou para sua mudança
para Cuiabá, pois aqui na Casa de Apoio ela teria autonomia no seu modo de viver.
114
Neste sentido, diante do modo de vida que vinha apresentando
em Marcelândia e a necessidade do deslocamento freqüente para Cuiabá para
fazer acompanhamento na especialidade médica e avaliando o custo que ia lhe
trazer vindo para Cuiabá, como ela própria referiu: “Eles bancam tudo pra mim, aqui
eu não pago nada;[..]a prefeitura que paga tudinho”, decidindo então mudar-se para
Cuiabá.
Para facilitar ainda seu processo de mudança, Dona Florinda
conseguiu o apoio da prefeitura de Marcelândia no que se refere ao financiamento
integral da sua hospedagem, hospedando-se na mesma Casa de Apoio em que ela
teve oportunidade de ficar nas diversas vezes que se deslocou para Cuiabá.
Em Cuiabá, Dona Florinda vem dando seguimento ao tratamento
na Policlínica do Verdão, pois segundo suas informações, foi encaminhada de
Marcelândia para este serviço, explícito na frase: Fui encaminhada de Marcelândia
pra aquela policlínica do verdão. Estou no Verdão até o dia que eles mudar”.
Diante desta narrativa podemos supor que a organização dos
serviços de saúde, tanto de Cuiabá quanto de Marcelândia, está desarticulada no
que refere aos encaminhamentos e disponibilidade de oferta. Dessa forma, são
criadas demandas em serviços, como no Caso desta Policlínica, vindas do interior
que acabam “estrangulando” os atendimentos previstos para população local e
interferindo na qualidade da oferta das práticas deste serviço, já que esta Policlínica
é de atenção secundária e visa atender os casos daquela região, na tentativa de
desafogar o Pronto Socorro de Cuiabá.
Assim, Dona Florinda passa a viver em Cuiabá, na Casa de
Apoio, desde 2003. Ao mudar para Casa de Apoio, Dona Florinda começou a
adaptar-se a uma nova vida, compartilhando o mesmo espaço com outros
hóspedes vindos do interior do estado em busca de tratamento. Como vimos
durante o trabalho de campo:
O quarto onde a Dona Florinda repousa possui além do seu,
mais três leitos para hóspedes vindos do interior para
tratamento de médico (Notas de observação, 22/02/07).
115
O cotidiano de Dona Florinda é marcado por inúmeras atividades
que variam desde afazeres domésticos, passeios, compras da casa, caminhadas e
até orientações e acompanhamentos de hóspedes que não conhecem os locais que
foram encaminhados para serem atendidos.
Dona Florinda nos descreveu a sua rotina diária na Casa de apoio
como:
Levanto cedo, corto o pão e vou busca pão na padaria,
leite(...)Aí eu varro a casa e passo o pano. “Ah eu ajudo as
menina. As menina sabe que do que eu to acostumada.
chego o horário de almoço. Almoço. Ai vou deita um pouco”
À tarde eu fico sentada. Tomo um banho e fico ali na frente
vendo os carro passa.
Percebemos através desta narrativa que na Casa de Apoio Dona
Florinda, começou a sentir-se útil e perceber que tinha condições físicas de
desenvolver diversas atividades que até então não desenvolvia mais.
Diferentemente de Marcelândia, quando convivia com os filhos e era
“estigmatizada” como doente e tinha representado em seu imaginário a
incapacidade, ficando isolada e deitada a maior parte do dia.
Ela encontrou na casa uma rede de apoio social, formado por
amigos, e por desconhecidos que a fazem sentir-se útil, pois informações e os
orienta, além de estar na casa, tem também uma oportunidade de desenvolver
algumas atividades domésticas, contribuindo para ela “sentir-se viva”, favorecendo
o fortalecimento da sua auto-estima e do seu auto-conceito.
Para Andrade; Vaitsman (2002) o apoio social que as redes de
apoio proporcionam remete ao dispositivo de ajuda mútua, potencializado quando
uma rede social é forte e integrada. Quando nos referimos ao apoio social fornecido
pelas redes, ressaltamos os aspectos positivos das relações sociais, como o
compartilhar informações, o auxílio em momentos de crise e a presença em
eventos sociais. Um envolvimento comunitário, por exemplo, pode ser significativo
fator psicossocial no aumento da confiança pessoal, da satisfação com a vida e da
capacidade de enfrentar problemas.
Aos finais de semana costuma cozinhar diferentes tipos de
comidas, combinando com os hóspedes o cardápio que preferem. Em seguida
116
fazem uma “cotinha” e adquirem os elementos necessários para produzir aquele
alimento que é compartilhado com todos da Casa.
eu faço macarrão no domingo sempre, agora domingo
combinei pra faze macarrão caseiro que eu gosto de faze,
eles gosta muito de macarrão caseiro[...]aqui eu gosto de
faze pão[...]E eles gostam, eles falam mas Florinda porque
seu pão é tão gostoso? Falei porque faço o meu com
amor[...]Eu faço três vezes por semana[...]Não no mesmo
dia eu faço. Eles admiram que faço no mesmo dia e o pão
cresce.
Além de cozinhar e ajudar nos afazeres domésticos, Dona
Florinda se tornou uma “guia” ou referência para aos hóspedes sobre a rotina da
casa, fazer ligações, fornecer endereços dos serviços de saúde, rodoviária,
supermercados, igrejas dentre outros.
Um Srº queria saber se elas lavavam roupas, sendo
informado pela Dona Florinda que sim, ela lavava as roupas
dos hóspedes. Outra hóspede pediu pra Dona Florinda
entrar em contato com o taxista (por telefone) para levá-la
até a rodoviária. Diante desses fatos pude perceber, até
pelas falas de Dona Florinda durante a entrevista e também
das observações feitas ali que ela é referência para os
Hóspedes em relação às informações sobre a rotina da
casa, serviços de saúde, formas de acesso dentre outros
(Notas de observação 25/04/07).
O fato de ser solicitada pelos hóspedes a todo o momento
despertou em Dona Florinda o sentimento de utilidade, de que é capaz e até
mesmo de que pode ajudar o próximo, em situações de aflição pela doença e pelos
deslocamentos em Cuiabá e ainda ampara aqueles que estão longe dos familiares.
Como podemos ver a seguir:
Eu ajudo muito eles, ligo pro taxista, quando é outro dia...eu
não cobro nada o que gasto com eles. É assim tudo eu (...)
o motorista de Marcelandia tem os doente, eu ligo, tem que
ir no médico eu ligo essa hora é, direto é assim estão
acostumado.
117
Em frente a casa tem uma avenida por onde circulam
continuamente veículos e pedestres e ao lado tem um ponto de ônibus que fica
sempre lotado de passageiros aguardando a chegada do transporte.
Na entrada da Casa tem uma pequena varanda, que por ficar
acima do nível da calçada, tem alguns degraus. A varanda é o espaço onde Dona
Florinda fica toda final de tarde, sentada, sozinha ou na companhia dos hóspedes.
eles ficam conversando entre eles ou com as pessoas que ali passam e ainda,
possibilita vislumbrar o movimento das pessoas e dos carros, o movimento da vida.
É eu vou na frente, eu sento, eu brinco, faço um oi,
passa outro eu converso com as amiga(...)Se vê eu fico
direto, eu tomo banho e to lá. Pra mim ta bom lá, daí
passa um fala: oi! conversa, passa outro vem, passa um
motorista de ônibus que peguei amizade e eu falo: oi! eu
não sei não o que tenho no rosto, eles (as pessoas) vão
comigo num minutinnho já pega amizade!
Constatamos nesta fala o quanto a Dona Florinda gosta de
interagir, comunicar, compartilhar assuntos, sentir o movimento da rua e os ruídos
dos carros. Atribuímos a essas reações ao fato dela, deixar transparecer que por
muitos anos ficou “presa” como um pássaro na gaiola, talvez por imposições em
seu relacionamento quando casada ou por ter medo dos valores impostos
culturalmente pela comunidade em que vivia em Marcelândia e que lhe impedia de
voar.
Além da distração com as conversas em frente da casa, Dona
Florinda construiu uma rede amigos, com quem compartilha passeios durante
alguns dias da semana. Nestes passeios, Dona Florinda se diverte bastante através
de conversas, conhecendo novas pessoas, ouvindo música, comendo e bebendo
algo, sem o risco do “falatório” que se tem em cidade pequena.
118
[...]eu tenho muita amizade aqui, muita amizade, falo com as
amiga, brinquemo, conversemo[...]Nós vamo aqui no bar
escuta música, eu gosto das musica.Tomemo alguma coisa
e vai passando. Isso aqui eu gosto, aqui eu esqueço das
coisa né, a gente tem que sai se não fica só pensando
coisa ruim né. Uma vez por semana, duas a gente vai no bar
[...] no bar, chega uma pessoa conversa comigo pega
amizade.
Dona Florinda não gosta de falar na doença e também pede pra
pessoas com que se relaciona não comentarem com ela sobre esse assunto.
Ficando claro, para nós que esta negação da doença pode ser atribuída, ao fato de
estar doente significar: ser tratada como doente impotente e incapaz. Além das
lembranças que ela traz em seu passado, de sofrimento nos percursos percorridos
em busca de solução, e das dores vivenciadas neste período.
Eu não penso na minha doença, eu esqueço ela. Porque se
eu fico com ela na minha cabeça eu entro sempre em
depressão. Eu esqueço ela, ai eu vou tratando.
Nesta narrativa, fica evidenciado que a forma que Dona Florinda
encontrou pra reorganizar seu modo de vida é “esquecer” da doença, não
colocando ela como obstáculo ou como algo que lhe traga sofrimento em seu
cotidiano. O fato de “esquecer” não significa pra ela não dar continuidade ao
tratamento. Significa, portanto criar novas formas para re-direcionar sua vida, não
colocando a doença como um limite ou impossibilidade de sentir-se saudável.
Para Maruyama (2004), o curso da vida, após a doença e seu
tratamento, precisa ser reconstruído e re-significado segundo novos valores,
crenças e objetivos. Com base nessa re-significação, a vida cotidiana aos poucos
vai sendo re-direcionada a outras dimensões, processo que não tem começo, meio
e fim. É um continuum e, no seu caminhar, as pessoas vão encontrando as formas
criativas de re-direcionar sua vida, com o intuito de minimizar o sofrimento imposto
pela patologia, o que para Dona Florinda foi possibilitada por estar na Casa de
Apoio.
119
A mesma autora refere que no processo de reajustamento, a
pessoa, após passar pela experiência do adoecimento pode se considerar
novamente com saúde e incluir-se na norma social, pois a idéia de ser saudável ou
ter qualidade de vida se contrapõe a idéia de doença. Para Dona Florinda, morar na
Casa de Apoio abriu possibilidades não para o cuidado físico, mas deu também
cuidado moral, possibilitando-a, nos momentos de socialização, estar entre a norma
das pessoas.
A noção de ser saudável é defendida por Minayo (2001). Para a
autora, a noção do ser saudável é construída como base nos processos sociais e
políticos da sociedade, num jogo de forças internas. Esta noção opõe a doença de
um lado e a saúde de outro. A autora defende que a pessoa pode perfeitamente
sentir-se saudável, mesmo vivenciando problemas físicos ou mentais, quando a
patologia seria vista como um momento privilegiado da vida para alcançar novas
formas de crescimento e transcendência das limitações pessoais.
Como vimos anteriormente, vivendo perto dos filhos Dona Florinda
não conseguia ter autonomia sobre sua vida, impossibilitando que esse processo
de re-significação e de re-ordenamento do sentido da vida acontecesse.
Ela refere que mesmo tendo encontrado um novo sentido para
sua vida, não consegue esquecer e de sentir saudades dos familiares que ficaram
em Marcelândia e outros em Matupá.
eu sinto falta dos filhos e dos netos[...]Eu sinto falta da
família né, eu queria ta junto né, mas não dá[...] ai tem
também três irmãos meus, minha mãe que mora em
Matupá e meus filhos em Marcelândia[...]Então pra mim aqui
é melhor sabe porque? Eu chego lá, às vezes eu não tenho
onde sai. Aqui eu me comunico com as pessoas. Eu falo
que eu revivi. To muito boa.
Através destas narrativas, pudemos constatar que o processo de
re-significação do modo de vida de Dona Florinda perpassou pelo afastamento dos
seus entes queridos, mas que mesmo assim ela ainda considera a melhor escolha,
pois essa mudança lhe trouxe benefício como podemos ver nesta fala: Eu falo
que eu revivi.To muito boa”.
A enfermidade crônica é mais do que uma soma de muitos
eventos que ocorrem em um curso da enfermidade, existe uma relação recíproca
120
entre instâncias particulares e o curso crônico. A trajetória vivida com a doença é
incluída no curso da vida, tornando-a inseparável da sua história de vida, dando a
vida particular daquele que a vivencia, uma especificidade única e, manter uma
condição ou desafiar a condição de cronicidade é lidar com a apreciação dos
significados da enfermidade (KLEINMAN, 1988).
Assim, diante deste processo vivenciado por Dona Florinda,
consideramos que a experiência da enfermidade e seu percurso nos diferentes
sistemas de cuidado em saúde possibilitaram-na a refletir sobre as diversas
experiências em seus contextos socioculturais e fazer escolhas, tendo como pano
de fundo, seu projeto de vida, que continuamente foi sendo construído e
reconstruído.
121
6. A Integralidade no contexto do Itinerário Terapêutico percorrido por
Dona Florinda
Nos capítulos anteriores pudemos compreender que a busca
empreendida por solução às necessidades de saúde de Dona Florinda diante da
experiência da enfermidade possibilitou desvendar as seguintes categorias: A vida
antes da dor, Sua experiência no momento da dor, Transitando num mundo
desconhecido - o cuidado profissional; Na casa de apoio: Eu falo que eu revivi!,
marcando a sua biografia.
A experiência da enfermidade da doente também nos possibilitou
apreender, por meio do seu Itinerário Terapêutico (IT), o mapeamento dos serviços
de saúde e da rede de apoio acionados por ela diante da sua aflição, e com isso, a
análise do atendimento ao princípio da Integralidade na atenção em saúde.
Na seqüência, apresentamos a Figura 4 - A trajetória percorrida
por Dona Florinda na busca por auxílio à sua doença, para mostrar os percursos
enfrentados por ela, nos sistemas de cuidado à saúde, em especial, dentro do
sistema de cuidado profissional, desde a sua localidade de origem, Marcelândia,
percorrendo pelas cidades de Matupá, Sinop, municípios pertencentes à região de
abrangência da BR 163, até a localidade de sua morada atual, Município de
Cuiabá, situados no Estado de Mato Grosso.
122
POLICNICA DO VERO
PO L IC LÍNICA
DO VER DÃO
Mato Grosso
CADISTA: FÁBIO HIDEKI MARUYAMA/2008
Figura 4 - A trajetória percorrida por Dona Florinda na busca
por auxílio para sua doença
123
Ao visualizarmos a Figura, observamos que o Itinerário
terapêutico da trajetória percorrida por Dona Florinda por busca de atenção a sua
saúde, pode ser representado também espacialmente, localizando os “caminhos”
nos diversos municípios os quais ela teve passagem e os recursos disponibilizados
por ela.
O termo Itinerário Terapêutico é descrito por Gerhardt (2006)
como sinônimo de busca de cuidados terapêuticos e procura descrever e analisar
as práticas individuais e sócio-culturais de saúde em termos dos caminhos
percorridos por indivíduos pertencentes a camadas de baixa renda, na tentativa de
solucionarem seus problemas de saúde. A partir do surgimento de um ou mais
sintomas físicos ou psíquicos e de seu reconhecimento como tal, o indivíduo se
encontra frente a uma rede complexa de escolhas possíveis. Para a autora os
processos de escolha, avaliação e aderência a determinadas formas de tratamento
são complexos e difíceis de serem apreendidos se não for levado em conta o
contexto dentro do qual o indivíduo está inserido.
O IT ainda pode ser definido como:
uma montagem analítica da experiência de adoecimento e de
busca de cuidados, apreendida através da dimensão vivida desta
experiência, na qual é traçada a trajetória percorrida por usuário e
sua família na busca por cuidados em saúde, assim como
compreendida a lógica desta trajetória e os sentidos tecidos nos
muitos percursos que a compõem (BELLATO;
ARAÚJO;OLIVEIRA, 2007).
A mesmas autoras referem que através do itinerário terapêutico o
sujeito mnêmico não apenas lembra uma ou outra imagem, mas evoca, voz, diz
de novo o conteúdo de suas vivências e, enquanto evoca, ele está vivendo no
tempo presente e com uma intensidade nova essa sua experiência. O passado
reconstruído não é, portanto, refúgio, mas uma fonte de razões para lutar. Assim, a
memória deixa de ter um caráter de restauração e passa a ser memória geradora
de futuro.
Ao compor o itinerário terapêutico, ou seja, os caminhos
percorridos pelos municípios de Mato Grosso, pudemos compreender que Dona
Florinda, por iniciativa própria, ao empreender energia e movimento ao seu
percurso em suas necessidades de saúde, foi delineando sentidos a sua aflição.
124
No Itinerário Terapêutico vivenciado pela doente, nas diferentes
etapas da experiência da enfermidade, nos sistemas de cuidado, podemos
observar que o sistema de saúde apresenta lacunas quando se trata da diretriz – o
atendimento a Integralidade.
Na experiência A vida antes da dor, vivenciada pela doente no
município de Marcelândia desde 1989, quando foi diagnosticada a hipertensão e ao
reconhecer-se com “pressão alta”, observamos que o longo período de tratamento
da hipertensão tem se apresentado como um aspecto relevante e associada a
medicação, como podemos ver a seguir:
“Fazia uns 6 anos que tava com a pressão alta[...]doze
anos, antes de dar infarte.[...] tem uns seis anos tomava
remédio pra pressão já faz uns doze anos que tomo”.
A passagem da doente pelo sistema profissional e a associação
da sua experiência com a medicação nos revela fragmentos” das práticas
profissionais que tem implicação no autocuidado com a sua saúde como na
seguinte nota: [...] relatou que fazia uso de muitos medicamentos e não lembrava o
nome e função dos mesmos (Notas de campo 22/02/07). Ainda, a não
compreensão por parte da doente pode ser evidenciada pelo registro de uma
profissional conforme mostramos na imagem fotográfica anteriormente. A doente
recebe as medicações porém seu uso, certamente, tem um sentido distinto do
sentido que ele representa para a ciência médica e para os seus profissionias,
contribuindo assim para que as complicações em decorrência da hipertensaõ
possam surgir.
Passamos a refletir se no município de Marcelândia, as práticas
profissionais contemplassem o diálogo entre os sujeitos envolvidos no processo da
experiência da enfermidade: profissional de saúde e usuário, de forma a dar sentido
para que o doente não tome a medicação como um ato mecânico mas dando
sentido a sua vida e a sua doença, não poderiam as consequências
cardiovasculares serem minimizadas ou até mesmo evitadas?
Percebemos ainda que a percepção de Dona Florinda sobre a
Resolutividade do serviço de saúde a qual freqüentava na sua localidade de origem
para tratar da hipertensão arterial, se refere ao bom atendimento, amizade e
125
fornecimento de remédio. À medida que a doente expressa que sua necessidade é
atendida pelo fornecimento de medicação e pela realização de técnicas,
questionamos até que ponto tais práticas tem influenciado sobre os
comportamentos e mudanças de atitudes em relação ao cuidado a sua saúde e
imprimindo novos sentidos as suas vidas, e persistem em se manterem sujeitos do
processo da experiência da enfermidade, como no relato que segue:
“Eu não tenho queixa, não tenho que me queixa do
atendimento de lá de Marcelândia, porque sempre eu fui
atendida bem lá[...]Eles sempre tinha remédio, me atendiam
muito bem[...]Eles são muito legal, pra mim sempre foram
bão, foram amigo[...] É tanto os médicos como os
enfermeiros. [...]Elas iam a pressão todo mês e eu ia no
posto toda semana.”
No registro do prontuário da Dona Florinda de um serviço em seu
município, evidenciado pela imagem fotográfica obtida, percebemos as seguintes
descrições: data, idade, peso, valor da PA, e nome do medicamento entregue. Este
registro mostra um “fragmento” das práticas que certamente influenciam nas formas
como tais práticas têm sido entendidas pelos usuários. As práticas profissionais ao
dar extremo valor a esses dados passam a desvalorizar a subjetividade da pessoa
que vivencia a enfermidade, e desta forma, não investe nos sentidos que tem não
só a doença para o usuário, mas também as formas de cuidar dela.
Outro aspecto relevante sobre as práticas profissionais pelos
quais Dona Florinda passou foi a incorporar além dos valores numéricos, os termos
embutidos no saber clínico, como relata meu colesterol tava muito alto tava quase
seiscentos.”
No sistema informal, observamos que o uso de chá e cuidados
familiares tentavam aliviar o sofrimento físico e moral causado pela aflição, ao
mesmo tempo que sentia acolhimento por parte da família “pra pressão e colesterol,
eu tomei muito é carquejea [...]“Carqueja, chá amargo é bom né?”
É importante destacar que no sistema profissional, em
Marcelândia, no período anterior a dor, o trânsito da doente se limita ao PSF e ao
Hospital, o que em si não representa uma lacuna ao alcance da Integralidade, nem
tampouco a associação do cuidado ao médico bonzinho, a realização de exames e
o fornecimento de medicação. No entanto, nos relatos apresentados pela doente,
126
as práticas profissionais ainda tem negado os sentidos, as percepções, a
subjetividade da pessoa envolvida no processo de compreensão e de cuidado a
sua enfermidade e que são aspectos fundamentais na qualificação da vida dessas
pessoas, portanto ao atendimento da Integralidade.
Na experiência No momento da dor, vimos que Dona Florinda se
defrontou no cuidado profissional com práticas que não relevaram sua dor “Eu fui
no hospital particular e ninguém sabia o que que era. [...]era particular e ia chamar
o médico, o médico vinha com grossura. Foi o enfermeiro que me atendeu. Ele me
dava calmante e a dor num parava”, mas também com práticas que configuram-se
como cuidado: atenção do médico “Lá no posto de saúde tinha um doutor[...]O
doutor Aderbal não sei se você sabe, um doutor gordão. Foi ele que salvou a
minha vida. Ai fui ele disse: Florinda você ta infartada . Ele disse: Dona Florinda a
senhora ta infartada! Deu infarto! Fiquei em observação daí quando melhorei me
deu soro, remédio. ele falou: Florinda vou ter que te encaminhar pra Cuiabá agora a
senhora vai ter que ficar uns vinte dias de repouso porque você não pode pegar
baque que é pior , o êxito em conseguir a passagem para o deslocamento e a
realização de exames. Embora houvesse a necessidade de deslocamento de seu
município para outro, a forma como foi “cuidada” pelo médico, foi compreendida
como algo bom, entretanto, refletimos se o deslocamento de uma pessoa com
infarto, de um município distante, com precariedade na rede viária e sem transporte
adequado se configura como o atendimento a Integralidade. Temos certeza de que
não seja.
No sistema informal em Matupá, na casa de sua mãe, as práticas
foram passar álcool e ingerir chás:
“né daí eu já deitava na cama ficava quietin ha,
eu ficava com aquela dor, daí passava [...]minha mãe fazia chá[...]Dava chá, me
esfregava com álcool.” Essa decisão foi tomada, por Dona Florinda e seus
familiares por valorarem os cuidados oferecidos por este setor, dando sentido ao
que percebe como cuidado a saúde necessário e também pela disponibilidade do
recurso naquele momento. Entretanto, ir ao farmacêutico também foi essencial para
ela, pois possibilitou, por meio dele, superar sua resistência à entrada no sistema
profissional, como observamos na seguinte narrativa:
“Eu num tô muito bem, to com uma dor no peito que eu num
aguentando mais [...]ai eu cheguei na farmácia o
farmacêutico me deu um calmante e passo, mais ruim
tava!![...]Daí no outro dia já deu outra dor de novo”.
127
Na experiência Transitando num mundo desconhecido - o
cuidado profissional, Dona Florinda se defrontou no cuidado profissional com
práticas voltadas somente por recursos que o serviço propõe em ofertar, sobre
exames diagnósticos especialmente, como segue esta narrativa:
“O de sangue fiz no Verdão, o de raio x fiz no CPA I e da
esteira foi no Amecor acho que foi [...]Não são no mesmo
lugar”.
O trajeto explicitado acima demonstra os vários serviços e
locais que a doente necessita transitar em um município desconhecido. Estar longe
da sua localidade de origem, em uma cidade desconhecida e grande como é a
capital do Estado, ter que ir a várias instituições de saúde em busca de assistência
não condiz com o atendimento a Integralidade.
Ainda, ao observamos o que a doente expressa sobre como foi
realizado o exame do seu coração “Todo mês mandava o eletrico
(eletrocardiograma) pro médico aqui em Cuiabá, por que eu não podia vim todo
mês [...]É eu sei que é que daí eles passava pelo fax mandavam ver como que tava
meu cardíaco né.[...]Cada vez que eu fazia elétrico todo meis lá, dizia que tava
alterado o cardíaco (...)fazia mandava aqui pra Cuiabá pela fax.“ nos mostra que
a doente “tenta” interpretar a linguagem difícil, com ela diz “elétrico” ao invés de
eletrocardiograma. O relato da doente demonstra as dificuldades em seu município,
em efetivar um exame importante a condição da usuária. Ressaltamos que os
serviços organizados ao atendimento as necessidades dos doentes é coerente com
a Integralidade. Estas questões certamente influenciaram na escolha pelos
caminhos a serem percorridos pela usuária, juntamente com outras questões como
suas vivências anteriores e seu projeto de vida.
A vivência de Dona Florinda nos municípios os quais teve
passagem, nos distintos serviços e níveis de atenção, revela lacunas na
organização dos serviços de saúde em relação ao atendimento a Integralidade, por
não ser compreendida em seu sofrimento, mas também por ter sido submetida a
diversos processos burocráticos, como o de regulação dos ERS, CRR e CER, que
controla os fluxos, os encaminhamentos, os exames e o tempo de espera para a
128
solução dos seus problemas de saúde. Assim, suas necessidades de saúde são
atendidas apenas mediante o aval de um processo controlador, a regulação do
estado como observamos na seguinte narrativa:
“é porque tudo tem que ir pra Central de vagas, né!
demora![...] Eles os avisa a gente pra vim. Isso é pra
onde tem uma vaga pra mim faze consulta (...) eles
retornam e aí eles avisam pra mim vim! “.
A trajetória percorrida pela doente por busca de atenção em
saúde no sistema profissional, apreendido por meio do Itinerário Terapêutico, e
revelado pelas diversas idas e vindas nos municípios, pelas necessidades de ter
que deslocar-se, por inúmeras vezes, do seu município de origem para ser
atendida, vai à contramão do atendimento ao princípio da Integralidade.
Acreditamos que a Integralidade no que refere aos serviços de
saúde pode ser alcançada pela reorganização dos serviços e das práticas
profissionais, donde o foco não seja sobre a doença, mas sobre o processo saúde-
doença. Para tanto é preciso incorporar ao cuidado a saúde, além da Ciência
Médica, outras ciências como a Sociologia e a Antropologia. As necessidades em
saúde da população necessitam ultrapassar o olhar construído pelo paradigma
cartesiano e ser reconstruído a partir de uma visão mais ampla do que seja a
saúde. Ciente das limitações dos serviços de saúde é necessário que os gestores e
profissionais, bem como a população sejam mobilizados em direção a superação
das formas atuais como tem sido o cuidado em saúde, como expressa os relatos
vividos por Dona Florinda nos serviços de saúde.
A experiência: Na casa de apoio: Eu falo que eu revivi!”, Dona
Florinda se defrontou no cuidado profissional com práticas que buscam o controle
da sua doença, a IC. Para tanto, segue com consultas com especialistas, exames e
procedimentos complexos, motivo que a levou a mudança de localidade, de
Marcelândia para Cuiabá. Neste sentido, a necessidade de mudar de cidade para
ficar próxima ao serviço de saúde a qual necessita parece estar em direção oposta
ao que preza a Integralidade, embora ela tenha encontrado um sentido positivo
para tal mudança, pois foi uma mudança radical na vida de Dona Florinda, afastar
da família em decorrência da aproximação aos serviços de saúde.
A Casa de Apoio em Cuiabá, como mostra no mapa, ao acolhê-la,
procurou Integrar suas dimensões fragmentadas no processo de vida e de
enfermidade proporcionando não apenas a proximidades aos serviços, mas
129
também a oportunidade de trabalhar, de conviver e de se sentir produtivo, ou seja,
possibilitou a sua Integralidade. O sistema informal é formado por uma rede de
apoio que lhe permitiu o compartilhar informações, a construção de novas
interações, o auxílio em momentos de necessidade e a presença em eventos
sociais que lhe fizeram sentir útil novamente, e projetar horizontes e perspectivas
em sua vida.
“[...]eu tenho muita amizade aqui, muita amizade, falo com
as amiga, brinquemo, conversemo[...]Nós vamo aqui no bar
escuta música, eu gosto das musica.Tomemo alguma coisa
e vai passando. Isso aqui eu gosto, aqui eu esqueço das
coisa né, a gente tem que sai se não fica só pensando
coisa ruim né. Uma vez por semana, duas a gente vai no bar
[...] no bar, chega uma pessoa conversa comigo pega
amizade.”
O IT percorrido pela Dona Florinda nas diversas etapas da
experiência da enfermidade e nos diversos sistemas de cuidado em saúde, nas
diferentes localidades transitadas por ela, mostra que o sistema de cuidado
profissional, apresenta-se com lacunas importantes que influenciam também no
modo como Dona Florinda entende e significado a sua experiência. Entretanto
as experiências socioculturais vivenciadas durante seu percurso possibilitaram
reflexões diante dos contextos os quais vivenciara e a levaram a re-ssignificar sua
vida diante do evento marcante: a dor no peito.
Nesta experiência é possível vislumbrar que, se por um lado,
mostra que ela é passiva diante da forma organização dos serviços, sendo
submetida às formas e aos regulamentos dos serviços e das práticas profissionais
que não contemplam a Integralidade da atenção a saúde, por outro, propiciou que
ela se mobilizasse no processo de resolução ao seu problema físico e moral, ao
decidir vir para Cuiabá e morar na Casa de Apoio.
Assim, além da dificuldade dos serviços de saúde de Marcelândia
em atender as necessidades de Dona Florinda, o modo como ela vivia na sua
localidade e o sofrimento pela doença e por suas experiências familiares
influenciaram o seu processo decisório.
130
Em Cuiabá, por iniciativa própria, foi integrando-se na Casa de
Apoio que possibilitou construir uma rede de apoio informal sustentada em
interações, laços, afetivos, compartilhando valores e costumes entre as pessoas
com as quais convive naquele espaço e, desta forma, re-significar o seu corpo
individual, político e social. Assim, embora tenha que continuar a mercê do controle,
do processo fragmentado e da regulação das práticas dos profissionais dos
serviços de saúde os quais necessita, Dona Florinda, encontrou um sentido positivo
as mudanças em sua vida.
Evidenciamos por meio do desenho do Itinerário Terapêutico (IT)
da experiência da enfermidade de Dona Florinda, com os deslocamentos de
Marcelândia, Matupá, Sinop e Cuiabá, que as práticas estão organizadas de forma
centralizada, baseadas em procedimentos, exames, diagnósticos e medicamentos
em detrimento do cuidado integral que assegura as reais necessidades
apresentadas pelos usuários.
Consideramos que para a Integralidade em saúde seja alcançada
necessidade de se desconstruir as práticas atuais para o sentido do que seja
saúde e doença, e passem a incluir práticas acolhedoras, que reconheçam as reais
necessidades apresentadas por ele, e promovendo o alcance autonomia do sujeito
em relação ao seu cuidado a sua saúde, e com isso a tão almejada cidadania.
Existe ainda a necessidade de uma articulação das práticas de
assistência e gestão nos diversos níveis de atenção a saúde, facilitando os
processos de referência-contra-referência e regulação em saúde tanto nas
instâncias, municipais, estaduais e federais, evitando custos e deslocamentos
desnecessários tanto para usuários como para serviços de saúde, como vimos na
experiência de Dona Florinda no Estado de Mato Grosso, transitando por vários
municípios na área de abrangência da BR 163.
131
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de Dona Florinda foi um processo reflexivo de
construção e reconstrução de significados com base na experiência vivida pelo
corpo adoecido representada pela pressão alta, dor no peito, dor nas costas e falta
de ar, que subsidiaram a compreensão da especificidade e a particularidade da
sua trajetória nos diferentes sistemas de cuidados a saúde, dando a ela um
contorno próprio a sua biografia.
Em sua trajetória por busca de atenção as suas necessidades de
saúde, apreendida pela História de Vida Focal, por foi possível visualizar que as
práticas dos profissionais e as formas de organização dos serviços de saúde ainda
se constituem em desafios ao alcance da Integralidade e da Resolutividade,
diretrizes propostas no Sistema Único de Saúde.
Os resultados deste estudo nos mostraram que conseguimos
alcançar os objetivos propostos previamente, na medida em que nos possibilitou
compreender a Integralidade de Atenção a Saúde, a partir da experiência da
enfermidade de uma pessoa com complicações cardiovasculares, que se
enquandra como uma dentre as inúmeras condições crônicas, considerada como
um dos desafios em nosso atual sistema público de saúde.
A experiência da enfermidade de Dona Florinda é marcada por
diversas passagens significativas que aconteceram em sua vida, tendo a dor do
peito como um evento significativo que delimitaram momentos distintos em sua
trajetória: A vida antes da dor, marcada pelo tempo longo de cuidado a hipertensão
nos sistemas profissional e informal; Sua experiência no momento da dor foi
marcada por dor e sofrimento e passagem efetiva ao sistema de cuidado
profissional, concretizado pelo diagnóstico de infarto; Transitando num mundo
desconhecido - o cuidado profissional, foi marcado por encaminhamentos e
deslocamentos para exames e procedimentos, demoras, desarticulações entre os
serviços, centralização do poder regulatório; ainda, ao evento infarto, surge um
novo evento, agora a IC; as idas e vindas no sistema profissional possibilitou a
passagem de Dona Florinda na Casa de Apoio, que se apontou como um espaço
de possibilidades; e Na casa de apoio: Eu falo que eu revivi!, é marcado pela
possibilidade cuidar de sua saúde, que exige agora recursos mais complexos e
especializados, e por cuidar da sua aflição moral, vivenciado pelas limitações em
132
decorrência das suas condições de vida e saúde. Foi na Casa de Apoio que ela
voltou a sentir-se útil, a ter e fazer amigos e ver o movimento da vida, que lhe
permitiu re-ssignificar sua vida e lhe dar um novo sentido.
O itinerário terapêutico vivenciado por Dona Florinda mostra que
sua experiência é demarcada pela passagem nos diversos sistemas de cuidado à
saúde: no cuidado informal, representada pelo uso de medidas terapêuticas
populares; e no cuidado profissional, representada pela adoção de medidas
terapêuticas medicamentosas, incorporação de hábitos de vida, realização de
exames, e uso de termos da ciência médica; cujas escolhas em busca por cada
sistema foi influenciado pelos significados sustentado nos valores e crenças
compartilhados em seu grupo social e no seu projeto de vida.
Suas escolhas tiveram como base para decisão pelo sistema
informal, os valores e crenças compartilhados na sua rede de relações sociais
como a família, os parentes, os amigo; a decisão pelas escolhas pelo sistema
profissional e dentro do sistema foi influenciada por suas experiências no sistema,
bem como pela representação socialmente compartilhada do modelo biomédico,
que focaliza a atenção na doença e não a pessoa; na valorização dos
procedimentos diagnósticos e de tratamento à doença; na crença de que a
medicação se constitui em uma terapêutica resolutiva e, numa relação entre
profissional de saúde e usuário, em que médico tem papel central e hegemônico.
Em sua trajetória no sistema profissional, Dona Florinda se
defrontou com entraves como: processos burocráticos que entremeiam a sua
necessidade de saúde e a atenção dada pelos serviços; necessidade de passar por
um espaço em que regula e controla quem e onde será atendida; desarticulação
entre os locais de atendimento a sua necessidade; deslocamentos freqüentes a
várias cidades o atendimento a sua saúde; a doente é submetida a organização dos
serviços e as práticas profissionais, o que reitera a sua condição de expectadora e
não de partícipe do seu processo de adoecimento e do tratamento; não resolução
as suas necessidades de atenção em saúde e nem às queixas de dor e aflição;
conformando inúmeros (des)cuidados que andam na contramão das proposições
do SUS: a Integralidade e Resolutividade da atenção a saúde.
Ao mesmo tempo em que suas experiências de vida e saúde em
seu itinerário terapêutico tiveram influencia nos processos socioculturais as quais
vivenciou no decorrer de sua vida, eles também influenciaram os processos
interacionais as quais ela foi se inserindo.
133
Vimos, através do seu Itinerário terapêutico e pela representação
gráfica das práticas em saúde no sistema profissional, que a atenção em saúde no
cuidado profissional está voltada em sua maioria, somente por recursos que o
serviço propõe em ofertar por meio de ações prescritivas que desconsideram as
reais necessidades indivíduo e os contextos os quais eles fazem parte. Por outro
lado, na sua experiência da enfermidade também vimos que é possível, diante da
dor e sofrimento, transcendê-la, o que podemos visualizar pelo significado que ela
expressa pela Casa de Apoio: “[...]revivi.
Evidenciamos em sua história de vida que as complicações
cardiovasculares requerem cuidados profissionais em nível terciário da atenção em
saúde, pois são complicações que afetam a vida do doente e sua família de
maneira marcante, exigem tecnologias de alta complexidade e de custo elevado,
requerem profissionais especializados, além de estruturas institucionais complexas,
e que elas poderiam ter sido evitadas, pois estas complicações são agravos
preveníveis no âmbito da Atenção Básica. Neste sentido, reiteramos a necessidade
de repensar as práticas em saúde quanto aos seus traçadores - a hipertensão
arterial, para que as práticas sejam reconstruídas, valorizando a alteração física,
mas também outros significantes que acompanham a vida da pessoa que tem uma
hipertensão arterial, considerando os contextos socioculturais as quais as pessoas
estão inseridas e que certamente influenciam nas formas como as pessoas agem
diante da sua vida e da sua saúde.
É preciso reconstruir e resignificar as práticas de atenção
inserindo ao conhecimento da ciência médica, conhecimentos de outras ciências,
reconhecendo que a doença é percebida por uma pessoa que vivencia uma
trajetória de vida e que suas representações, valores e crenças são formadas e
reformuladas ao longo de suas vidas nos grupos aos quais está inserida e que é
preciso uma negociação entre profissional e usuário no cuidado a saúde, sendo
assim, o diálogo torna-se um meio de alcanças ambas subjetividades, dos sentidos
atribuídos pelas pessoas envolvidas no processo saúde-doença. Neste contexto,
entendemos que o alcance da integralidade em saúde passa pela compreensão da
doença para a compreensão da experiência da enfermidade.
Acreditamos que a necessidade de reconstruir a imagem
simbólica construída pelo modelo biomédico até os dias atuais e re-ssignificar as
134
práticas em saúde, tanto para os profissionais de saúde quanto para as pessoas
que necessitam de cuidados profissionais, incluindo novos referenciais que
possibilitem desenvolver a autonomia dos sujeitos envolvidos no processo saúde-
doença, profissionais e usuários, a fim de resgatar a auto-determinação destes
sujeitos “perdidas” no processo de cuidado e saúde.
Observamos neste estudo que embora a Integralidade, implique
em diversas ações: de promoção, de garantia de atenção nos três níveis de
complexidade, de articulação das ações de prevenção, promoção e recuperação, a
abordagem integral dos indivíduos e das famílias e a integração de serviços por
meio de redes assistenciais, tais ações não tem sido suficientes para a redução das
pessoas com complicações cardiovasculares.
É preciso apreender nas práticas, tanto de assistência quanto de
gestão, a subjetividade de cada pessoa que vivencia a experiência de enfermidade
proporcionando um cuidado ético, e neste sentido, alcançar a tão almejada
Integralidade da atenção em saúde, por meio de ações como a escuta atenta entre
pessoa e profissional de saúde.
Reconhecemos os limites deste estudo, pois possibilita olhar
apenas a um pequeno fragmento do que significa o processo de enfermidade
vivenciada por uma pessoa, porém acreditamos que este estudo possa contribuir
na medida em que aponta para a importância de refletirmos, enquanto profissionais
de saúde, sobre o que se entende por cuidado em saúde, se as práticas hoje
atendem as reais necessidades de saúde da população.
Temos conhecimento que as pessoas com alterações
cardiovasculares são atualmente um dos grandes desafios para a saúde pública.
Não temos a pretensão de dar uma resposta a todas estas questões e, muitas
outras que envolvem o complexo sistema de cuidado a saúde as estas pessoas,
porém vislumbramos na relação profissional de saúde-usuário, um elemento
importante para uma das mudanças na diretriz da Integralidade.
Consideramos que novas práticas em saúde, com base na
Integralidade possam beneficiar as pessoas com alterações cardiovasculares, tais
como hipertensão arterial, infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, entre muitas
outras, ao valorar as necessidades de saúde das pessoas, por meio do
desenvolvimento de atitudes comprometidas com a vida humana e com isso,
135
alcançar a Resolutividade da atenção em saúde, evitando ou retardando as suas
complicações, ou seja, o evento sentinela.
136
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p.75-83.
146
ANEXOS
ANEXO 1
T
ERMO DE
C
ONSENTIMENTO
L
IVRE E
E
SCLARECIDO
Título do Projeto: “OS DESAFIOS E PERSPECTIVAS DO SUS NA ATENÇÃO Á SAÚDE EM MUNICÍPIOS
DA ÁREA DE ABRANGÊNCIA DA BR 163 NO ESTADO DE MATO GROSSO
Pesquisadores e instituições envolvidas:
Dra. Maria Angélica dos Santos Spinelli (ISC/UFMT), Dra. Maria da Anunciação Silva (FAEN/UFMT), Ms
Elisete Duarte (ISC/UFMT), Esp. Júlio Strubing Muller Neto (ISC/UFMT), Ms. Lydia Maria Bocaiúva Tavares
(NDS), Mestranda Fátima Ticianel (SES/MT), Esp. Maria José Silva Pereira (SES/MT), Graduanda Mirian
Cristhina Roewer Monteiro (SES/MT)
Dr
a
. Roseney Bellato, Dr
a
. Wilza Rocha Pereira, Dr
a
. Sônia Ayako Tão Maruyama, Dr
a
. Rosa Lúcia Ribeiro,
Ms. Maria Aparecida Vieira, Ms. Solange Pires Salomé de Souza, Dr
a
. Aldenan Lima Ribeiro Correa da Costa,
Dr
a
. Laura Filomena Santos de Araújo, Dr. Leocarlos Cartaxo Moreira, Ms. Mara Regina Ribeiro Souza Paião,
Ms. Jocely Fernandes A. B. de A. Lins, Esp. Elizabeth Jeanne Fernandes Santos
Objetivo principal:
Apreender os desafios e perspectivas do SUS em responder à atenção em saúde da população residente nos
municípios selecionados da área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato Grosso, sob a perspectiva:
do processo de implementação do Programa de Saúde da Família (PSF); da materialidade das práticas
profissionais, assim como da lógica de quem busca por atendimento nos serviços de saúde
Procedimentos:
A coleta de dados será realizada através da aplicação de entrevistas semiestruturadas aos agentes decisores
e questionários fechados auto aplicáveis para os implementadores (médicos e enfermeiros). As entrevistas
abrangerão o perfil sócio-ocupacional dos entrevistados e suas opiniões avaliativas sobre as várias
dimensões do programa, e das condições de implementação e funcionamento do PSF no município.
A coleta de dados será feita, também, através da história focal de vida dos sujeitos selecionados como
eventos-sentinelas no Hospital e Pronto Socorro Municipal de Cuiabá, localizando-se dentro dela o evento de
agravo à saúde atual.
A coleta de dados será feita, ainda, pela observação de Casos Exemplares de práticas de atenção e práticas
de gestão em saúde em sua materialidade discursiva (os discursos observados ou documentados) e não
discursiva (imagens e visibilidades dispostas no espaço e tempo, passíveis de descrições pelo pesquisador).
Os resultados de sua entrevista irá compor um Banco de Dados em Pesquisa que será gerenciado pela
coordenadora deste projeto, Profª Drª Maria Angélica dos Santos Spinelli, servindo para futuros estudos.
Garantimos seu completo anonimato neste banco de dados, bem como o respeito a sua vontade de ter suas
informações no mesmo e de aí permanecerem ou não enquanto seja do seu interesse. Os dados referentes a
sua pessoa serão confidenciais e asseguramos o sigilo de sua participação durante toda a pesquisa, inclusive
após a publicação da mesma. A sua participação na pesquisa não oferecerá qualquer risco à sua saúde ou
qualquer dano a você. Você terá apenas o desconforto de participar das entrevistas, sempre respeitada a sua
vontade de participar ou não da pesquisa. A sua participação no estudo não trará benefícios diretos a você,
mas sim o conhecimento sobre como é a experiência de adoecimento e a necessidade de buscar cuidados
em serviços de saúde, o que poderá contribuir para melhoria da atenção à saúde das pessoas no Sistema
Único de Saúde em Cuiabá e em Mato Grosso
Possíveis riscos e desconforto:
A pesquisa não oferecerá risco à saúde dos sujeitos, pois implica somente em observação de práticas,
discursos e narrativas. Esta observação durante o processo de trabalho será feita com a máxima discrição
possível e será respeitada a vontade dos sujeitos em participar da pesquisa através da narrativa de suas
experiências e suas opiniões
Benefícios previstos:
Identificar as condições organizacionais dos sistemas de saúde e o grau de implantação nos municípios da
área de abrangência da BR 163 dentro do Estado de Mato Grosso, as correções necessárias para que possa
redirecionar rotas, visando às inovações pretendidas e integralidade dos serviços de saúde. Pretende-se que
os resultados subsidiem os gestores para as redefinições do programa e de suas prioridades.
147
Eu.................................................................................................................., fui informado dos objetivos,
procedimentos, riscos e benefícios desta pesquisa, descritos acima.
Entendo que terei garantia de confidencialidade, ou seja, que apenas dados consolidados serão divulgados e ninguém alem dos pesquisadores terá
acesso aos nomes dos participantes desta pesquisa. Entendo também, que tenho direito a receber informações adicional sobre o estudo a qualquer
momento, mantendo contato com o pesquisador principal. Fui informado ainda, que a minha participação é voluntária e que se eu preferir não
participar ou deixar de participar deste estudo em qualquer momento, isso NÃO me acarretará qualquer tipo de penalidade.
Compreendendo tudo o que me foi explicado sobre o estudo a que se refere este documento, concordo em participar do mesmo.
Concordo também que os dados informados por mim componham o Banco de Dados da Pesquisa que
será gerenciado pela coordenadora desta pesquisa, servindo para futuros estudos, desde que garantido o
meu anonimato, minha vontade de ter meus dados disponibilizados neste banco e de ai permanecerem
enquanto for de meu interesse.
Assinatura do participante
(ou do responsável, se menor):
...................................................................................
Assinatura do pesquisador principal:
................................................................................................
Em caso de necessidade, contate a Profa. Dra. Maria Angélica dos Santos Spinelli, através do telefone (65)
3615-8881 – UFMT/Instituto de Saúde Coletiva ou pelo e-mail [email protected]om.br
Informações sobre o projeto fazer contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário
Julio Muller: fone: (65) 3615-7254.
Data (Cidade/dia mês e ano) ____________ ___ de ______________de 2006
148
ANEXO 2
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA
3
DESTACAR NO INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA: Pessoas presentes,
descrição do ambiente onde foi realizada, os comportamentos não verbais (tom de
voz, postura, expressões, olhares, fala, expressões corporais do entrevistado e
demais presentes, as impressões do pesquisador (desconforto do participante,
respostas emocionais das pessoas, acontecimentos importantes durante a
entrevista, objetos que tenham chamado a atenção do pesquisador no ambiente em
que aconteceu a entrevista, forma com que foram abordadas pelo entrevistador e
entrevistado as questões norteadoras da pesquisa, situações constrangedoras que
tenham acontecido, problemas com os equipamentos de entrevista (tempo perdido
com troca de fita, falha no gravador, dificuldade no manuseio dos equipamentos,
etc))).
É importante que logo após a transcrição sejam ressaltados pelo pesquisador na
coluna “PRIMEIRA ANÁLISE” os conteúdos de destaque da entrevistas como:
palavras-chave, tópicos, foco, frases empregados pelo entrevistado e que parecem
dar um “tom” a entrevista, ou seja, parecem ser os temas em torno dos quais a
entrevista se desenvolveu.
Lembrar também de destacar em cores diferentes as falas do entrevistador e
do entrevistado para facilitar a análise.
NOME DA PESQUISADORA:
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
DATA DA ENTREVISTA: ____/____/____ NÚMERO DA
ENTREVISTA:
INÍCIO DA ENTREVISTA: TÉRMINO DA
ENTREVISTA:
NOME DO ENTREVISTADO:
LOCAL DA ENTREVISTA:
PRIMEIRA ANÁLISE
3
Instrumento de registro de dados adaptado para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney
Bellato e Profª Drª Sonia Ayako Tão Maruyama com base em modelo construído pela Profa.
Dra. Solange Pires Salomé
149
ANEXO 3
DIÁRIO DE CAMPO
4
NOME DA PESQUISADORA:
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
EVENTO-SENTINELA:
DATAS DAS ENTREVISTAS:
1 - ___/__/_____ TEMPO DA ENTREVISTA:
2 - ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
3 - ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
4- ____/____/____ TEMPO DA ENTREVISTA:
NOME DO ENTREVISTADO
5
:
DATA NASCIMENTO: CIDADE: ESTADO:
ESCOLARIDADE:
PROFISSÃO:
ENDEREÇO DO ENTREVISTADO:
RUA: MERO:
BAIRRO: CIDADE:
CEP; TELEFONE PARA CONTATO:
DADOS FAMILIARES: (Relacionar todas as pessoas que moram na mesma casa)
GRAU DE
PARENTESCO
NOME ESTADO CIVIL IDADE ESCOLARIDAD
E
PROFISSÃO
4
Grade adaptada para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bellato com base em modelo construído
pela Profa. Dra. Solange Pires Salomé.
5
Se houver mais de um entrevistado repetir os mesmos dados no verso da página
150
INSTITUIÇÃO DE SAÚDE ONDE O ENTREVISTADO SE ENCONTRA:
REGISTRO NA INSTITUIÇÃO:
DATA DA HOSPITALIZAÇÃO: ____/____/____
DATA DA ALTA HOSPITALAR: ____/____/____
TEM RETORNO AMBULATORIAL MARCADO: ____/____/____
DADOS DE OBSERVAÇÃO
6
NOME DA PESQUISADORA: Fabiana Rodrigues Zequini Nabão
NOME DO BOLSISTA PIBIC/VIC:
DATA DA OBSERVAÇÃO: 22/02/2007 NÚMERO DA
OBSERVAÇÃO: 1
PRIMEIRA ANÁLISE
6
Grade adaptada para a pesquisa pela Profa. Dra. Roseney Bellato com base em modelo construído
pela Profa. Dra. Solange Pires Salomé.
151
ANEXO 4
TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGENS
Este termo se refere à concessão de licença de USO E REPRODUÇÃO DE IMAGENS
Fotográficas e Filmatográficas, com fulcro na Lei nº 9.610/98 e demais legislações
pertinentes.
Solicitamos sua AUTORIZAÇÃO para realização de fotografias e filmagens com
objetivo de compor o banco de dados da Pesquisa: “Os desafios e perspectivas do
SUS na atenção à saúde em municípios da área de abrangência da BR 163 no
Estado de Mato Grosso”
19
que tem como objetivo apreender os desafios e
perspectivas do SUS em responder à atenção em saúde da população residente
nos municípios selecionados da área de abrangência da BR 163 no Estado de Mato
Grosso.
Solicitamos, também, AUTORIZAÇÃO para que sua imagem (fotográfica e
filmatográfica) possa ser REPRODUZIDA E USADA no âmbito exclusivo da
divulgação científica dos resultados desta pesquisa que poderão ser apresentados
na forma de livros, artigos, relatórios e apresentações em eventos de âmbito local,
regional, nacional e/ou internacional.
Comprometemo-nos a não ceder ou transferir sua imagem para fins que não sejam
de divulgação científica, assim como a não utilizá-la em situações que impliquem
em afronta à sua reputação e imagem.
Garantimos que sua imagem será divulgada somente com esta sua autorização e
asseguramos que será respeitada a sua vontade de, a qualquer momento,
suspender o seu uso.
Eu,.....................................................................................................................
fui informado sobre os objetivos dos usos de minha imagem e autorizo a sua
reprodução para divulgação científica
7
Assinatura do participante (ou do responsável, se menor):
…………………………………………………………………………………………
Assinatura do pesquisador: ..............................................................................
Cidade ____________, ___ de ______________de 2007.
7
Projeto financiado pelo CNPq e aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa do HUJM.Responsáveis:
Instituto de Saúde Coletiva e Faculdade de Enfermagem / UFMT. Em caso de necessidade, contate a
Profa. Dra. Maria Angélica dos Santos Spinelli, através do telefone (65) 3615-8881 UFMT/Instituto
de Saúde Coletiva ou pelo [email protected]m.br
152
ANEXO 5
INSTRUMENTO DE REGISTRO DE OBSERVAÇÃO
Destina-se ao REGISTRO DESCRITIVO DAS PRATICAS PROFISSIONAIS DE GESTAO E DE
ATENCAO EM SAUDE, contendo aquilo que o pesquisador viu e ouviu, assim como suas impressões.
São realizados depois de cada observação.
Descrever as praticas profissionais, enquanto `modos de atuar` que se desenrola em
acontecimentos (situações) e em atos (procedimentos, atividades, condutas); descrever seu
desenvolvimento e seu contexto.
Descrever as pessoas e as relações no decurso das praticas - aparência, posição/lugar dos
sujeitos, conversas - narrativas
Registrar as impressões iniciais do pesquisador em relação a pratica observada, com base no
referencial da pesquisa
MUNICIPIO:
EQUIPE DE PESQUISADORES:
OBSERVADOR:
DATA: HORARIO INSTITUICAO DE SAUDE:
PRATICA
OBSERVADA:
DESCRICAO DA PRATICA
*Destacar o autor das falas em cores diferentes
IMPRESSOES
DO
PESQUISADOR
8
8
Destacar aquilo que achou relevante na observação, através de unidades (palavras-chave, temas,
frases) que possam sintetizar significados das praticas profissionais em relação aos modos de operar,
seus sujeitos e seus saberes.
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