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Eduardo Santos Neumann
PRÁTICAS LETRADAS GUARANI: produção e usos da escrita indígena
(séculos XVII e XVIII)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutor em História Social
Orientadora: Prof
a
Dr
a
Andrea Viana Daher
Rio de Janeiro
2005
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO (CIP)
BIBLIOTECÁRIOS RESPONSÁVEIS: Leonardo Ferreira Scaglioni
CRB-10 023/2004
Raquel da Rocha Schimitt
CRB-10/1138
N489T Neumann, Eduardo Santos
Práticas letradas Guarani : produção e usos
da escrita indígena (Séculos XVII e XVIII) /
Eduardo Santos Neumann. – Rio de Janeiro,
2005.
381 f.
Tese (Doutorado em História)
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em História Social.
Rio de Janeiro, BR-RJ, 2005. Orientador: Profª.
Dra. Andréa Viana Daher.
1. Escrita indígena. 2. Guerra guaranítica. 3.
Índios guaranis. 4. Povos indígenas. 5. Língua
guarani. 6. Língua indígena. I. Título.
CDD 572.98
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Eduardo Santos Neumann
PRÁTICAS LETRADAS GUARANI: produção e usos da escrita indígena
(séculos XVII e XVIII)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Doutor em História Social
Aprovada em
_________________________________________
Prof
a
Dr
a
Andrea Viana Daher (Orientadora)
_________________________________________
Prof. Dr. Bernard Vincent (EHESS)
_________________________________________
Prof. Dr. Arno Alvarez Kern (PUC-RS)
_________________________________________
Prof. Dr. Pedro Puntoni (USP)
_________________________________________
Prof
a
Dr
a
Francisca L. Nogueira de Azevedo (UFRJ)
Rio de Janeiro
2005
Para Denise e Thales, em ordem alfabética e
de altura. Sem vocês nada disso seria possível
ou faria sentido.
AGRADECIMENTOS
A trajetória que envolve um trabalho de doutorado costuma ser longa e, por vezes,
cheia de angústias e vacilos. Ao longo do percurso que representa uma pesquisa acadêmica,
em geral, acrescentamos novas amizades e experiência ao curriculum vitae (e Lattes). A
possibilidade de completar esta etapa, e superar as adversidades que se apresentam, está
relacionada à solidariedade de algumas pessoas e instituições.
Portanto, gostaria de aproveitar este espaço para expressar meu agradecimento tanto
a essas pessoas quanto às instituições envolvidas nesse período de qualificação.
Inicio por minha orientadora, professora Dr
a
Andréa Viana Daher, que não mediu
esforços em viabilizar o que foi necessário à execução desta tese.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ e ao seu corpo
docente. Nesse programa, as contribuições da professora Jacqueline Hermann, leitora das
primeiras versões do projeto que resultou nesta tese, foram valiosas. Aproveito para gradecer
a Sandra, secretária do PPGHIS, pela paciência e atenção com as dúvidas dos alunos
forasteiros.
Ao Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela
liberação de encargos docentes, condição fundamental para a consulta aos diversos arquivos e
bibliotecas que permitiram a realização desse trabalho. Aproveito para recordar e agradecer a
dois colegas que iniciaram suas respectivas qualificações na mesma época e cidade, e que em
algumas oportunidades me deram guarida: Cláudia Mauch e Luis Alberto Grijó.
À Capes/PICDT, pela concessão de uma bolsa de estudos que possibilitou arcar com
os custos dos deslocamentos que a pesquisa demandava. À Capes agradeço especialmente a
concessão de uma bolsa do Programa de Doutorado com Estágio no Exterior (PDEE),
conhecida como “bolsa-sanduíche” (em espanhol beca-bocadillo), que viabilizou a consulta
aos arquivos e bibliotecas espanholas, facultando o meu acesso ao universo documental,
sejam fontes primárias ou de parte da bibliografia que compõem esta pesquisa. À Capes e seu
corpo de funcionários, desde já, o meu muito obrigado.
Durante minha estada em Madri contei com a co-orientação do professor Dr.
Fernando Bouza, catedrático de História Moderna da Universidade Complutense de Madri,
que além de sugestões muito oportunas ao trabalho sempre contribuiu de maneira
fundamental para viabilizar minhas atividades nas diferentes instituições de pesquisa
existentes na Espanha. ¡Fernando, muchísimas gracias!
Ainda na Espanha, fui muito bem recebido pelo professor Dr. Antonio Castillo
Gómez, professor titular junto à Universidade de Alcalá de Henares. O referido professor
permitiu gentilmente a minha presença, na qualidade de aluno ouvinte, às sessões de seu
seminário de doutorado, “Leer y escribir em el Siglo de Oro”, a quem expresso meu enorme
agradecimento por esta oportunidade de interlocução e pelo espaço de reflexão que
constituíram suas aulas. Gracias, Antonio.
Durante o período de permanência na Espanha estabeleci contatos com
pesquisadores voltados à temática colonial ou indígena, como Capucine Bodin, professora em
Lille III (França), que me facilitou material e informações de grande importância. Em Madri
contei com a colaboração de Beatriz Vitar, pesquisadora argentina radicada na capital
espanhola há muitos anos, vinculada à época ao Centro de Estudios Hispánicos e
Iberoamericanos (Fundación Carolina), que generosamente compartilhou comigo sua
experiência de pesquisa em temas correlatos (missões, jesuítas, América colonial), além de
informações utéis a um recém-chegado.
Em Madri, passados dez anos, reencontrei um casal de amigos, Carmen Garrido e
Eduardo Sanchez, a quem agradeço os momentos agradavéis “en la granja” e por expressarem
suas diferenças castelhanas e catalãs diante de minhas indagações sobre uma Espanha tão
diversa e plural. Vale, tios!
Na Argentina, agradeço a Guillermo Wilde pela amizade e acolhida em Buenos Aires
e, principalmente, pela interlocução referente aos temas missioneiros. Nessas ocasiões
Guillermo facilitou-me caminhos quando dividimos impressões sobre as potencialidades
dessa área de pesquisa, além de ler e comentar alguns de meus trabalhos. Gracias, hombre.
Não poderia deixar de mencionar o Instituto Anchietano de Pesquisa (São Leopoldo,
RS), e a sua secretária, Ivone, sempre muito amável e atenciosa permitindo, meu acesso à
biblioteca dessa instituição.
Aproveito, igualmente, para agradecer ao Centro de Cultura Missioneira (CCM), em
Santo Ângelo (RS), e à sua coordenadora, Claudete Boff, pela disposição em colaborar com
minhas demandas de pesquisa e por permitir fotocopiar obras do seu acervo.
Gostaria de agradecer a Isabel Aguirre, diretora do Archivo General de Simancas
(Valladolid), por seu profissionalismo e competência, além do fato de ter facilitado o que
fosse necessário para o meu acesso aos fundos documentais desse excelente arquivo.
Agradeço a Delicia Villagra-Batoux, que generosamente ocupou-se das primeiras
traduções que este trabalho requeria, vertendo do guarani missioneiro ou jesuítico para o
espanhol alguns documentos – mas que por motivos alheios à sua vontade não pôde concluir o
trabalho. E a Angélica Otazu, por aceitar o trabalho de tradução de outros documentos-chaves
para a redação desta tese.
A fase de redação e conclusão deste trabalho, que costuma ser uma tarefa bastante
solitária, foi superada graças às palavras de estímulo e incentivo de algumas pessoas, às quais
gostaria de prestar meu agradecimento. Refiro-me, em ordem alfabética, a: Artur Henrique
Franco Barcelos, Eduardo Salgado, Fábio Kühn, Fabrício Prado (distante geograficamente,
mas sempre em contato), e ao meu amigo e cumpadre Temístocles Cezar. Vocês, cada um à
sua maneira, foram o apoio necessário nos momentos mais críticos.
Este trabalho dedico a duas pessoas, meu filho Thales – uma inspiração para pensar a
oralidade e os efeitos da escrita a partir de sua alfabetização – e minha esposa, Denise Jardim.
O apoio e carinho constante de Denise, aliados à sua paciência em me escutar, foram
fundamentais para que chegasse o momento de redigir os agradecimentos. Agradeço a tua
disposição, sempre que possível, em me acompanhar nas tantas viagens que esta pesquisa
demandou. Mas creio que esses foram os melhores momentos dessa longa jornada.
“Aquella frase que se cita siempre: Scripta
maner verba volat, no significa que la palabra
oral sea efímera, sino que la palabra oral tiene
algo de alado, de liviano; alado y sagrado,
como dijo Platón.”
Jorge Luis Borges
RESUMO
NEUMANN, Eduardo Santos. Práticas letradas Guarani: produção e usos da escrita indígena
(séculos XVII e XVIII). Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em História Social)–Programa
de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
Este trabalho analisa os usos, funções e práticas da escrita indígena nas reduções do
Paraguai nos séculos XVII e XVIII. A pesquisa visa demonstrar o valor conferido à escrita
pelos Guarani como uma adesão às regras do jogo político e às estratégias de negociação,
através do domínio dos códigos escritos. Os documentos redigidos em guarani e,
posteriormente, em espanhol, possibilitam examinar a difusão da escrita nas reduções.
A instrução letrada, indissociável da catequese promovida nas reduções,
proporcionou aos índios missioneiros as condições para produzirem novas formas de
expressão. Através das atividades religiosas e administrativas, houve um convívio com as
práticas letradas que produziram efeitos sobre toda coletividade. A alfabetização nas reduções
esteve limitada aos índios mais aptos ou de maior confiança dos missionários, ou seja, àqueles
que integravam a “elite missioneira”. O que se propõe analisar são os aspectos relacionados à
escrita como uma prática sociocultural, demonstrando em que circunstâncias os Guarani
fizeram uso da habilidade gráfica ou recorreram à aptidão de outros para produzirem relatos.
O intenso uso da escrita por parte dos Guarani letrados foi verificado a partir da
celebração do Tratado de Madri, em 1750, pelas monarquias ibéricas. Este fato desencadeou a
“reação escrita” desses indígenas que, como mecanismo de protesto, redigiram vários textos,
esgrimindo argumentos contrários à execução da permuta das missões orientais pela Colônia
do Sacramento. Com o início dos trabalhos de demarcação e o rompimento da aliança que
sustentava as relações entre as lideranças indígenas e os jesuítas, os Guarani destinaram à
escrita uma finalidade política, como instrumento de seu autogoverno. Através do envio de
cartas e bilhetes, procuraram estabelecer redes de comunicação e organizar a resistência
missioneira diante da presença das comissões demarcadoras. Após a expulsão dos jesuítas, a
capacidade alfabética se apresenta de maneira desvinculda da reescrita religiosa. O
conhecimento das regras epistolográficas permitiu aos índios estabelecer canais de
comunicação diretamente com a administração colonial. Através do envio de cartas e
memoriais, procuravam atuar dentro do legalismo das regras escritas.
ABSTRACT
NEUMANN, Eduardo Santos. Práticas letradas Guarani: produção e usos da escrita indígena
(séculos XVII e XVIII). Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em História Social)–Programa
de Pós-Graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
The aim of this thesis is to analyse the ways in which indigenous people from
Paraguay’s Jesuit missions in the 16th and 17th centuries used the written word. This research
demonstrates what the written word was worth to the Guarani. For the Guarani, using the
written word was a way of playing Spain’s political game. The documents were first written
in Guarani. Afterwards, they were also written in Spanish. Both types of documents give us
the opportunity to examine the spread of the written word in the missions. The teaching of
writing and reading, always connected to religious instructions within the missions, gave the
Guarani a new communication tool. Only those considered more capable and those the Jesuits
trusted – the so be called elite – was taught how to read and write. This research analyses the
written word as a social and cultural aspect of life in the missions.
The number of letters and notes increased dramatically after Treaty of Madrid in
1750. As a way of protesting, the Guarani wrote to argue against the exchange of Colonia do
Sacramento for the land in which the missions were located. As the work of fixing the
boundaries started and the alliance between the Jesuits and the Guarani ended, the indigenous
people used the written word to manage and organize their villages. With letters and notes,
there was an effort to build up a resistance against the demarcation groups. After the Jesuits
were expelled, the use of the written word lost its connection to the religious instruction. Due
to the fact that many Guarani were able to read and write, they managed to establish a direct
communication link with the representatives of the colonial power. In that sense, they played
a role recognized as legitimate by the Spanish crown.
INSTITUIÇÕES CONSULTADAS
Argentina
A.G.N./BA Archivo General de la Nación (Buenos Aires)
B.N./BA Biblioteca Nacional (Buenos Aires)
M.M. Museo Mitre (Buenos Aires)
Brasil
B.N./RJ Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)
B.P.R.S. Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul (Porto Alegre)
C.C.M. Centro de Cultura Missioneira (Santo Ângelo, RS)
I.A.P. Instituto Anchietano de Pesquisas (São Leopoldo, RS)
I.H.G.B. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro)
I.H.G.R.S. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre)
Espanha
A.G.I. Archivo General de Indias (Sevilla)
A.G.S. Archivo General de Simancas (Valladolid)
A.H.N. Archivo Histórico Nacional (Madrid)
B.H. Biblioteca Hispánica (Madrid)
B.N./M Biblioteca Nacional (Madrid)
R.A.H. Real Academia de la Historia (Madrid)
Paraguai
A.N.A. Archivo Nacional de Asunción
M.A.B. Museo Andrés Barbedo (Asunción)
Portugal
A.H.U. Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
B.N./LSB Biblioteca Nacional (Lisboa)
Uruguai
A.G.N./MTV Archivo General de la Nación (Montevideo)
B.N./MTV Biblioteca Nacional (Montevideo)
SUMÁRIO
Introdução...............................................................................................................................13
Primeira parte: a razão gráfica guarani
1 A língua guarani..................................................................................................................30
1.1 O guarani, língua geral .......................................................................................................30
1.2 Escrita e antropologia: a razão gráfica ...............................................................................33
1.3 A redução gramatical da língua guarani.............................................................................36
1.4 O guarani jesuítico ou missioneiro.....................................................................................41
2 Os usos sociais da escrita guarani......................................................................................48
2.1 Oralidade e escrita nas reduções guarani............................................................................48
2.2 Índios principais e elite letrada: mestiçagem cultural nas reduções...................................56
2.3 O cabildo e as lideranças nativas: a tensão entre caciques e corregedores.........................61
2.4 A delegação das práticas letradas nas missões...................................................................69
2.5 As congregações e as nóminas: espaços e formas de contatos com a escrita.....................76
2.6 Os usos da escrita: a visitação de Andrés de Rada e o controle das práticas letradas........79
2.7 Ladinos e bilingüismo nas reduções guarani......................................................................87
3 A produção escrita guarani ................................................................................................96
3.1.1 Materialidades e suportes da escrita guarani...................................................................96
3.1.2 Copistas e imprensa nas reduções .................................................................................102
3.1.3 Os textos impressos nas reduções: “autores”, mediadores e leituras controladas.........105
3.2 As formas textuais e suas funções sociais........................................................................111
3.2.1 As cartas ........................................................................................................................114
3.2.2 Os memoriais.................................................................................................................122
3.2.3 As atas de cabildo..........................................................................................................123
3.2.4 O diário..........................................................................................................................128
3.2.5 Narrativa histórica .........................................................................................................132
3.2.6 A diversificação das formas textuais.............................................................................135
3.2.7 Os mayordomos escrevem.............................................................................................136
3.2.8 O relato de Nerenda.......................................................................................................139
3.2.9 O informe de Arazaye ...................................................................................................145
3.2.10 Os textos de Pasqual Yaguapo ....................................................................................147
3.3 Os novos usos da escrita: memória e temporalidade nas reduções..................................149
Segunda parte: escritofilia indígena
4 A demarcação de limites e os usos da escrita..................................................................165
4.1 O Tratado de Madri e o conflito nas reduções..................................................................165
4.2 Revisitando o tema ...........................................................................................................169
4.3 “Mientras volaban correos por los pueblos”: a escrita emancipada................................178
4.3.1 Cartas ao fogo: escrita e lealdade..................................................................................187
4.3.2 As vantagens da escrita: as tomadas de decisões ..........................................................190
4.4 O autogoverno dos Guarani: o poder de decisão indígena...............................................193
4.4.1 A escrita epistolar dos cabildos: os comunicados oficiais ao governador.....................199
4.4.2 A palavra escrita e a palavra falada...............................................................................202
5 A eclosão do conflito e a comunicação epistolar.............................................................206
5.1 A primeira campanha nas reduções..................................................................................206
5.1.1 Contatos com os portugueses: a escrita mediando acordos...........................................207
5.1.2 Contatos com os espanhóis: a escrita definindo aliados e rivais...................................215
5.1.3 Estratégias indígenas em tempos de armistício.............................................................222
5.2 1756: a eclosão do conflito...............................................................................................224
5.2.1 A “guerra guaranítica”...................................................................................................224
5.2.2 Resistência nas reduções orientais.................................................................................232
5.2.3 A manutenção da escrita: entre a desconfiança e a adesão............................................243
6 A expulsão dos jesuítas: funções da escrita indígena .....................................................250
6.1 A Relação abreviada: as polêmicas quanto aos documentos e a escrita indígena...........251
6.2 As manifestações escritas dos Guarani diante da expulsão (1768)..................................254
6.2.1 Escrita e trajetórias nas reduções...................................................................................260
6.3 Funções da escrita indígena no período pós-jesuítico......................................................266
6.3.1 As listas .........................................................................................................................269
6.3.2 Escrita e liderança política.............................................................................................272
6.3.3 “Todo el pueblo me obligó a escrivir con ellos a pedir...............................................273
6.3.4 “Por mi y los demas del cavildo que no saven firmar”: os secretários .........................276
6.3.5 Certificados, recibos, “razón .......................................................................................278
6.3.6 Os memoriais.................................................................................................................280
Considerações finais.............................................................................................................291
Fontes primárias...................................................................................................................296
Manuscritas.............................................................................................................................296
Impressas................................................................................................................................312
Referências............................................................................................................................317
Anexo
Lista de documentos indígenas (guarani missioneiro) ...........................................................342
13
INTRODUÇÃO
I
Os índios das reduções, ao contrário do que se pensa geralmente, sabiam escrever.
Em guarani, espanhol e mesmo latim. A elite letrada guarani, no século XVIII, escreveu com
freqüência e, por vezes, com maior desenvoltura do que os colonizadores hispano-americanos.
Neste trabalho foram analisados os usos, funções e práticas da escrita indígena nas
reduções do Paraguai nos séculos XVII e XVIII. Mais precisamente, foram examinadas as
maneiras pelas quais os Guarani
1
apropriaram-se da escrita introduzida pelos missionários, e
em que momentos produziram registros de suas experiências e inquietações.
A Província Jesuítica do Paraguai, estabelecida em 1609, nos domínios meridionais
da América de colonização espanhola, apresentou resultados inesperados por sua política de
conversão das parcialidades indígenas, principalmente os grupos guarani.
As Leyes de Indias prescreviam entre as suas disposições tanto a fundação de
pueblos de indios ou de reducciones quanto uma medida visando arregimentar as distintas
populações indígenas em um mesmo local.
2
No Paraguai, os missionários jesuítas adotaram
uma prática distinta da verificada nas demais regiões hispano-americanas, estabelecendo suas
reduções em áreas afastadas das cidades coloniais para evitar o contato dos índios conversos
com os moradores desses núcleos populacionais, o que julgavam poderia comprometer o êxito
do seu projeto evangelizador.
Por sua localização, justamente nos limites fronteiriços entre os impérios ibéricos na
América do Sul, as reduções estabelecidas no Paraguai, na primeira metade do século XVII,
foram alvo das investidas dos mamelucos del Brazil (bandeirantes) provenientes do planalto
1
Em 1953, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) definiu normas a serem utilizadas para a grafia dos
nomes de povos indígenas e suas línguas. Foi convencionado que a grafia de etnônimos deveria ser com inicial
maiúscula apenas no substantivo e sem flexão de gênero ou número. Neste trabalho optei por seguir essa antiga
regra, mesmo que possa causar surpresa ao leitor deparar-se com uma expressão como “os Guarani” e não “os
guaranis”.
2
A palavra “redução” refere-se a reduzir, reconduzir a um local, significando também “diminuição”, podendo
ser facilmente compreendida pejorativamente. Sem dúvida o princípio geral da redução foi o de congregar em
povoados várias parcialidades indígenas. Quanto ao termo “redução”, sua etimologia está relacionada à
colonização hispânica, e há referências pelo menos desde 1503. A “redução” é a expressão da política global de
catequese espanhola. Nas Leyes de Indias, há uma prescrição do que deveria ser a redução, porém na história da
América espanhola existiram muitas variantes. A partir de 1655 as reduções passam a ser denominadas
“doctrinas”; contudo, essa distinção não se apresenta de maneira clara na documentação. Geralmente, os termos
“reduções”, “missões” ou “pueblos de indios” aparecem como sinônimos tanto nos documentos como na
bibliografia sobre o tema. Nesse trabalho serão utilizados os termos “reduções” ou “missões” para designar as
povoações de indígenas guarani convertidos à cristandade pelos missionários jesuítas.
14
de Piratininga, interessados em cativar os índios aldeados.
3
Essa situação levou o rei de
Espanha a atender o pedido dos jesuítas, concedendo o direito de equipar os indígenas sob sua
tutela com armas de fogo, situação única em toda América colonial.
A condição fronteiriça das reduções administradas pelos jesuítas, especialmente as
do Uruguai,
4
mantiveram os Guarani missioneiros em constante estado de alerta diante das
investidas promovidas pelos lusitanos em direção ao rio da Prata.
Superadas as adversidades iniciais, as reduções guarani orientadas pelos padres
inacianos entraram em uma fase de desenvolvimento social e material. Além da orientação
religiosa os índios também receberam instrução nas artes e ofícios, sendo capacitados em
tarefas intelectuais e manuais.
As missões guarani vivenciavam um crescimento acentuado, tanto de ordem
econômica como demográfica.
5
Em meados do século XVIII a Província Jesuítica, que nunca
teve as suas fronteiras claramente definidas, contabilizava aproximadamente 30 povoados de
indígenas cristianizados.
6
Os resultados positivos atingidos nas reduções foram decorrentes
3
Para uma leitura renovada das expedições paulistas voltadas ao apresamento de indígenas, e rompendo com a
versão convencional da historiografia brasileira quanto ao papel dos bandeirantes como responsáveis pela
expansão territorial da América portuguesa, ver: MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e
bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
4
Antonio Sepp, jesuíta missioneiro responsável pela divisão da redução de São Miguel e posteriormente a
fundação de São João em 1697, possuía conhecimento da condição fronteiriça do povoado recém-instalado e,
segundo Werner Hoffman, “más de medio siglo había pasado desde las últimas incursiones de los paulistas. Sin
embargo el misionero, que no en balde había estudiado la historia de las misiones, nunca olvidada que San
Juan era una reducción fronteriza. No es de extrañar, entonces, que formara inmediatamente después de
constituir el pueblo, una milicia de mosqueteros, de piqueteros, de arqueros y gente armada de boleadoras.”
(SEPP, Antonio. Continuación de las labores apostólicas. Edición crítica de las obras del padre a cargo de
Werner Hoffman. Buenos Aires: EUDEBA, 1973. t. 2, p.77).
5
A população dessas reduções em meados do século XVIII atingiu aproximadamente a cifra de 150 mil
habitantes. O crescimento demográfico estava relacionado ao nível de vida e aos recursos disponíveis aos
Guarani missioneiros, tais como alimentação, vestuário e medidas sanitárias. Para uma descrição e dados
pormenorizados das condições gerais desse crescimento, ver: MAEDER, Ernesto. La población y el número de
reducciones: nivel de vida. In: CARBONELL DE MASY, Rafael. Estrategias de desarrollo rural en los pueblos
Guaraníes (1609-1767). Con las colaboraciones indicadas de los Dres. Teresa Blumers y Ernesto J. A. Maeder.
Barcelona: A. Bosch, 1992a. (Monografias Economia Quinto Centenario). p. 91-111.
6
Apesar dessas reduções serem conhecidas historicamente como “Trinta Povos Missioneiros”, não devemos
imaginá-las como o resultado de uma ocupação idealizada. No último quarto do século XVII essas reduções
estavam “estabilizadas”, atingindo o número de 22 povoações, na sua maioria localizadas entre os rios Paraná e
Uruguai. Mudanças exógenas à organização das reduções determinaram a ampliação da área de catequese, que
foi estendida à margem esquerda do rio Uruguai, às terras conhecidas como Banda Oriental. A ocupação desse
território foi decorrência de interesses geopolíticos, expressos no intento de assegurar esta área de fronteira ao
império espanhol diante dos interesses expansionistas lusitanos em direção ao rio da Prata. Assim, em 1682, é
instalada a redução de São Borja; cinco anos mais tarde são transferidas três reduções da margem direita do rio
Uruguai para a margem oriental: São Nicolau, São Luís e São Miguel. Em 1690, a partir da divisão da redução
de Santa Maria Maior, é fundada São Lourenço e anos mais tarde, em 1697, é estabelecida a redução de São João
a partir da divisão de São Miguel, devido ao seu crescimento populacional. Em 1707 foi fundada Santo Ângelo,
totalizando os sete povos da Banda Oriental. Contudo, somente em 1718, com o estabelecimento de São Cosme
e Damião, as reduções atingiram o número de 30.
15
das medidas políticas, sociais e culturais visando envolver os Guarani e cooptá-los como
participantes dessa nova realidade.
7
Nesse aspecto, a escrita desempenhou papel de destaque nas estratégias de catequese
no momento de estabelecimento das reduções. O domínio dos idiomas indígenas, por parte
dos missionários, aliado à alfabetização praticada com segmentos da população missioneira
constituíram-se em medidas decisivas para o êxito da evangelização no Paraguai. Porém,
mesmo diante desses procedimentos, a historiografia sobre as missões guarani, durante muito
tempo, esteve condicionada pela idéia de que esses índios, durante a sua vida em redução, não
elaboraram registros escritos. A documentação produzida pelos jesuítas seria, assim, a
principal forma de testemunho dessa experiência missional.
8
Todavia, essa avaliação deve ser contraposta, por exemplo, ao fato de que os
próprios missionários, ao executarem seus trabalhos de evangelização, valorizaram o ensino
das artes y ofícios aos seus tutelados, habilitando-os, dessa forma, em várias tarefas, como a
de copiar e, até mesmo, de escrever documentos. Nesse aspecto, são de grande valia as
contribuições presentes nos trabalhos de Serge Gruzinski voltados para a abordagem das
manifestações dos indígenas diante dos modelos de conduta e pensamento introduzidos pelos
europeus, destacando as permeabilidades culturais resultantes do contato entre a “cultura” do
colonizador e a “cultura” indígena. Em seus trabalhos, Gruzinski problematiza importantes
categorias dadas como naturais, enfatizando as adaptações e reapropriações praticadas pelos
índios diante dos modelos da cultura ocidental.
9
Assim, a instrução alfabética promovida nas reduções, inicialmente restrita aos
caciques e aos índios considerados mais aptos pelos jesuítas, proporcionava as condições para
os Guarani produzirem novas formas de expressão. Portanto, diante de situações diferenciadas
7
A criação dos cabildos indígenas como instituições locais, nos mesmos moldes dos existentes nas cidades
hispano-americanas, foi outra medida que contribuiu para integrar, por exemplo, os caciques à nova ordem
política. Ver: KERN, Arno Alvarez. Missões: uma utopia política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 17-
81.
8
Como se pode imaginar, os trabalhos elaborados pelos jesuítas nos séculos XVII e XVIII estão caracterizados
por uma ótica voltada para exaltar os feitos da Companhia de Jesus em terras paraguaias, o que equivale a uma
descrição apologética e, em muitos casos, o estilo hagiográfico é predominante. As exceções são as obras
escritas pelos jesuítas no exílio, após a sua expulsão. Ver a esse respeito: CARBONELL DE MASY, Rafael.
Estrategias de desarrollo rural en los pueblos Guaraníes (1609-1767). Con las colaboraciones indicadas de los
Dres. Teresa Blumers y Ernesto J. A. Maeder. Barcelona: A. Bosch, 1992. (Monografias Economia Quinto
Centenario), p. 8-13.
9
Ao analisar o caso do México colonial, Gruzinski recorreu ao conceito de “ocidentalização” para descrever as
reações indígenas aos valores e comportamentos introduzidos pelos colonizadores, resultando na reestruturação
das formas de pensamento indígena que deflagraram a mestiçagem cultural (GRUZINSKI, Serge. La
colonización de lo imaginario: sociedades indígenas y occidentalización en el México español: siglos XVI-
XVIII. México: Fondo de Cultura Económica, 1991; GRUZINSKI, Serge. La guerra de las imágenes: de
Cristóbal Colón a “Blader Runner” (1492-2019). México: Fondo de Cultura Económica, 1995; GRUZINSKI,
Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001).
16
de contato com o “universo letrado”, as potencialidades da cultura escrita eram acessíveis
àqueles que integravam a “elite missioneira”, no caso corregedores, capitães, mayordomos
(administradores) e secretários, enfim, os cabildoiguara (cabildantes). Também havia os
professores indígenas que ensinavam os demais a ler e a escrever além dos maestros de
capilla, encarregados do ensino musical. As atividades de escrita costumavam estar
conjugadas com as artes musicais, integrando as artes y oficios ministradas nas reduções. Em
suma, mesmo de forma seletiva foi facultado aos Guarani o acesso à alfabetização. A partir
desse convívio com as práticas de escrita, apesar do controle exercido pelos jesuítas, esses
índios, em determinadas ocasiões, serviram-se da sua capacidade letrada de maneiras, muitas
vezes, inesperadas.
O meu interesse em estudar as práticas letradas dos Guarani acompanha, de certo
modo, a minha trajetória acadêmica, que remonta à experiência adquirida como pesquisador
na temática colonial rio-platense.
10
Assim, o tema desta tese insere-se em um debate mais
amplo que vem sendo feito sobre o passado missioneiro, centrado, sobretudo, nas dinâmicas
socioculturais. Este trabalho aproxima-se da etno-história a fim de buscar uma maior
interlocução com a antropologia e com as indagações sobre a própria natureza dos contatos
culturais, de modo a compreender como os Guarani reorganizaram suas atitudes e seus
costumes diante das novas demandas e desafios da sociedade colonial.
Nesse aspecto, as contribuições de Bartomeu Melià, tanto no campo da lingüística
quanto no da antropologia, são referências obrigatórias e presentes neste trabalho. Melià
inicialmente dedicou sua atenção para a criação de uma língua cristã nas reduções,
estabelecida a partir da política lingüística implantada pelos missionários. A abrangência
sociocultural da língua guarani no Paraguai colonial foi decorrência de mudanças e
transformações nos valores semânticos do idioma.
11
Recentemente, Melià abordou os
documentos escritos pelos Guarani como fontes para a história paraguaia.
12
Entretanto, não
chega a contemplar os usos e práticas relacionados com a escrita.
10
NEUMANN, Eduardo Santos. O trabalho guarani missioneiro no rio da Prata colonial – 1640/1750. Porto
Alegre: Martins Livreiro, 1996. 156 p; NEUMANN, Eduardo Santos. Fronteira e identidade: confrontos luso-
guarani na Banda Oriental – 1680/1757. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, n. 26, p. 73-92,
2000a.; NEUMANN, Eduardo Santos. A fronteira tripartida: a formação do continente do Rio Grande – século
XVIII. In: GRIJÓ, Luiz Alberto; KUHN, Fábio; GUAZZELLI, Cesár Augusto Barcellos; NEUMANN, Eduardo
Santos (Org.). Capítulos de história do Rio Grande do Sul. Prefácio de Helga Iracema Landgraf Piccolo. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2004. p. 25-46.
11
MELIÀ, Bartomeu. La création d’un langage chrétien dans les réductions des Guarani au Paraguay. Tese
(Doutorado)–Faculté de Théologie, Université de Strasbourg, Strasbourg, 1969. 2 v.; MELIÀ, Bartolomeu. La
lengua Guaraní del Paraguay: historia, sociedad y literatura. Madrid: MAPFRE, 1992.
12
MELIÀ, Bartomeu. La reducción según los Guaraníes: dichos y escritos. In: GADELHA, Regina A. F.
Missões Guarani: impacto na sociedade contemporânea. São Paulo: Educ, 1999. p. 55-64.; MELIÀ, Bartomeu.
17
Assim, a partir do impulso gerado por trabalhos de antropólogos,
13
tem-se valorizado
a análise de algumas questões até então pouco exploradas, como as das resistências iniciais à
evangelização
14
e os modos pelos quais os Guarani viveram a redução, através da
reelaboração de seus rituais ou de seus padrões de comportamento.
15
Nos últimos anos, foram
elaboradas pesquisas enfatizando o papel desempenhado por esses indígenas enquanto agentes
sociais, privilegiando as estratégias adotadas frente às situações de conflitos e o seu papel
como lideranças.
16
Enfim, esses trabalhos têm apresentado como prerrogativa a transformação cultural
resultante da vida em redução, enfatizando as adaptações e recriações a partir da perspectiva
indígena e estabelecendo um contraponto à imagem de passividade comumente associada ao
comportamento dos Guarani.
17
Todavia, muito há de ser feito ainda no campo da história, no
Escritos guaraníes como fuente documentales de la historia paraguaya. Discurso de entrada como miembro de
número en la Academia Paraguaya de la Historia, 15 abr. 2004. Dactiloescrito. 30 p.
13
Trata-se, principalmente, dos trabalhos da antropóloga Branislava Susnik e de Pierre e Hélene Clastres, que
durante muitos anos foram referências obrigatórias em qualquer estudo sobre os Guarani. Para uma crítica às
“armadilhas que a leitura de clássicos dos Guarani pode pregar aos mais desavisados neófitos”, diante das
generalizações e imprecisões contidas nos trabalhos desses autores, ver: SANTOS, Maria Cristina dos. Clastres e
Susnik: uma tradução do “Guarani de papel”. In: GADELHA, Regina. A. F. Missões Guarani: impacto na
sociedade contemporânea. São Paulo: Educ, 1999. p. 205-219.
14
SANTOS, Maria Cristina dos. Os movimentos guarani de resistência à colonização da bacia platina:
1537/1660. Dissertação (Mestrado em História)–Pós-Graduação em História, PUCRS, Porto Alegre, 1988.
15
FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Sentir, adoecer e morrer: sensibilidade e devoção no discurso missioneiro
jesuítico do século XVII. Tese (Doutorado em História)–Programa de Pós-Graduação em História, Pontifícia
Universidade Católica, Porto Alegre, 1999. 353 p.; MARTINS, Maria Cristina Bohn. A festa Guarani nas
reduções: perdas, permanências e recriação. Tese (Doutorado em História)–PUCRS, Porto Alegre, 1999. 304 p.;
MARTINS, Maria Cristina Bohn. Sobre as práticas guarani nas Reduções. História, São Leopoldo, v. 8, n. 9, p.
104-128, 2004.
16
Trata-se, especialmente, dos trabalhos realizados na Sección de Etnohistoria, vinculada ao Departamento de
Ciencias Antropológicas da Faculdad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires, coordenado pela
Dra
Ana Maria Lorandi. Ver AVELLANEDA, Mercedes. Orígenes de la alianza jesuita-guaraní y su
consolidación en el siglo XVII. Memoria Americana: Cuadernos de Etnohistoria, Buenos Aires: Instituto de
Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofia y Letras, UBA, n. 8, p. 173-202, 1999; HERNÁNDEZ, Juan
Luis. Desobediencia y fuga: estrategias guaraníes tras la expulsión de los jesuitas (1768-1799). In: JORNADAS
INTERNACIONALES SOBRE LAS MISIONES JESUÍTICAS, 7., 1998, Resistencia. Anales… Resistencia:
Instituto de Investigaciones Geohistoricas/Conicet: UNNE, Facultad de Humanidades, 1998. p. 281-297;
HERNÁNDEZ, Juan Luis. Tumultos y motines: la conflictividad social en los pueblos guaraníes de la región
misionera (1768-1799). Memoria Americana: Cuadernos de Etnohistoria, Buenos Aires: Instituto de Ciencias
Antropológicas, Facultad de Filosofia y Letras, UBA, n. 8, p. 83-100, 1999; WILDE, Guillermo. La actitud
guaraní ante la expulsión de los jesuitas: ritualidad, reciprocidad y espacio social. Memoria Americana:
Cuadernos de Etnohistoria, Buenos Aires: Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofia y Letras,
UBA, n. 8, p. 141-173, 1999; WILDE, Guillermo. Los guaraníes después de la expulsión de los jesuitas:
dinámicas políticas y transacciones simbólicas. Revista Complutense de Historia de América, Madrid, n. 27, p.
69-106, 2001; WILDE, Guillermo. Antropologia histórica del liderazgo Guaraní misionero (1750/1850). Tese
(Doutorado)–Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2003a; WILDE,
Guillermo. Poderes del ritual y rituales del poder: un análisis de las celebraciones em los pueblos jesuíticos de
Guaraníes. Revista Española de Antropología Americana, Madrid, v. 33, p. 203-229, 2003b.
17
É oportuno referir o comentário de John Manuel Monteiro a respeito do lugar dos Guarani em relação a
pesquisa histórica no Brasil até o final dos anos 80 (do século passado): “De modo geral a historiografia –
sobretudo a brasileira – tem reservado ao índio o papel de figurante mudo ou vítima passiva dos processos
coloniais que o envolveram.” (MONTEIRO, John Manuel. Os guaranis e a história do Brasil meridional: séculos
18
que diz respeito à análise do impacto ocasionado pelas práticas da escrita na organização
social das reduções e sua relação com os usos sociais destinados à instrução alfabética por
parte dos Guarani missioneiros.
A destreza atingida pelos Guarani na prática da escrita, inclusive, lhes permitiu
elaborar obras de caráter devocional
18
– livros, na sua maioria com finalidade litúrgica ou
catequética –, participando diretamente na elaboração de vocabulários, catecismos e
gramáticas.
19
Escreveram documentos na forma de bilhetes, cartas e memoriais, além de
narrativas pessoais. Esses documentos redigidos em guarani e, posteriormente, em espanhol,
localizados em diferentes arquivos, bibliotecas e coleções, indicam a necessidade de revisar
os diagnósticos existentes quanto à difusão da escrita nas reduções guarani, nos séculos XVII
e XVIII.
Nesse aspecto, apesar da relevância da escrita nas reduções desde os momentos
iniciais da evangelização, como parte das estratégias de catequese, como já foi dito, não há
estudos que analisem as apropriações efetuadas pelos índios diante da alfabetização. Mesmo
que essa instrução tenha sido limitada e acessível somente a uma elite, relacionada às
atividades religiosas e administrativas, o convívio com as práticas letradas produziu efeitos
sobre toda a coletividade.
A escritofilia guarani foi deflagrada durante o período de conflitos nas reduções,
chamando a atenção o número de bilhetes, cartas e avisos trocados entre indígenas, jesuítas e
autoridades coloniais. O uso intenso da escrita pelos Guarani letrados foi verificado a partir da
celebração do Tratado de Madri, em 1750, pelas monarquias ibéricas. Esse fato desencadeou
uma “reação escrita” dos índios, que como mecanismo de protesto redigiram vários textos,
XVI-XVII. In: CUNHA, Manoela Carneiro da. História dos índios do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras:
Secretaria Municipal de Cultura: Fapesp, 1992, p. 476). Certamente, essa avaliação sofreu alterações nos anos 90
e início deste milênio, a partir de pesquisas recentes que têm procurado restituir o protagonismo dos indígenas,
principalmente no período colonial. Ver: ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Metamorfoses indígenas:
identidade e cultura nas aldeias do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003; POMPA, Cristina.
Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Tese (Doutorado em Ciências
Socias)–Unicamp, Campinas, 2001; VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil
colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
18
No século XVII, segundo uma das fontes da época, os Guarani já estavam exercitando sua instrução alfabética.
Por meio do jesuíta Francisco Jarque, que compilou informações de outros religiosos, somos informados que um
cacique da redução de Loreto compôs “platicas y sermones en su lengua” e, uma vez concluída a redação dos
sermões, ofereceu aos padres seus textos (JARQUE, Francisco. Insignes misioneros de la Conmpañia de Jesús
en la Provincia del Paraguay. Pamplona: Joan Micoan, 1687, p. 361).
19
As primeiras produções textuais visavam a catequese, servindo de instrumento para a conversão. Nos séculos
XVI e XVII, havia uma co-extensividade entre duas formas textuais, os catecismos e as gramáticas. As
gramáticas, além de promover a codificação do guarani, estabelecendo novas categorias, proporcionavam à
língua indígena um estatuto semelhante ao das línguas vernáculas (DAHER, Andréa. Écrire la langue indigène:
la grammaire Tupi et les catéchismes bilingues au Brésil (XVI siècle). Mélanges de l’École Française de Rome.
Italie et Méditerranée, Roma, v. 111, n. 1, p. 231-250, 1999).
19
esgrimindo argumentos contrários à execução da permuta das missões orientais pela Colônia
do Sacramento.
Atualmente, os estudos sobre a escrita têm sinalizado o impacto dessa tecnologia nas
maneiras de pensar e traduzir realidades socioculturais.
20
Em função disso, nesta tese há uma
tensão constante entre a idéia de uma passividade dos índios, afirmada pela historiografia
sobre o período, e a análise da ação de uma elite ilustrada com sua heterogeneidade e suas
clivagens internas. Diante dos usos estratégicos destinados à alfabetização nas reduções, os
Guarani missioneiros não parecem mais os mesmos indígenas à mercê de mediadores. São
eles, homens letrados, que interagem de modo direto e decisivo como sujeitos políticos no
mundo colonial. A escrita “civiliza” e, nesse sentido, os índios letrados passam a atuar de
forma gradativa na tomada de decisões e na interação com diferentes agentes sociais. Esta tese
pretende demonstrar em que condições e circunstâncias os indígenas escreveram.
II
Durante muito tempo a história da escrita esteve circunscrita a uma descrição dos
materiais, refém da paleografia de cunho positivista, desconectada dos contextos sociais de
produção. Estava tão-somente interessada nos documentos emanados do poder político e
religioso, sem contemplar, por exemplo, documentos de caráter privado, ou relativos às
atividades cotidianas. Nas últimas décadas foram verificadas mudanças significativas nesta
área de conhecimento, no sentido do estudo global da história dos usos e das práticas do
escrito.
O desenvolvimento alcançado por outras disciplinas, como sinalizou Giorgio
Cardona, possibilitou abordar com maior segurança aspectos externos da escrita, ampliando as
possibilidades de análise relacionadas aos produtos gráficos.
21
Nesse sentido, esta tese também se beneficiou da contribuição de outras disciplinas,
particularmente as dos antropólogos e dos lingüistas, posto que os Guarani desconheciam
20
Para uma aproximação a este tema ver: CASTILLO, GÓMEZ, Antonio (Org). Historia de la cultura escrita:
del Próximo Oriente antiguo a la sociedad informatizada. Gijón: Trea, 2002; ESCOLANO BENITO, Agustín
(Dir.). Leer y escribir en España: doscientos años de alfabetización. Madrid: Fundación Germán Sánchez
Ruipérez, 1992.; PRATIQUES d’ecriture. Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, n. 4-5, juil./oct. 2001
21
Segundo Cardona, a etnolingüística e a sociolingüística permitiram um amadurecimento dos estudos a respeito
da escrita, possibilitando a formação de especialistas dos aspectos antropológicos e sociológicos dos sistemas de
comunicação gráfica (CARDONA, Giorgio Raimondo. Antropología de la escritura. Barcelona: Gedisa, 1994,
p. 9).
20
inicialmente a escrita, e, uma vez cristianizados e vivendo em redução, passaram a conviver
com o impacto da alfabetização e das inovações operadas com a aquisição da cultura letrada.
22
Este trabalho utiliza como referencial teórico as noções presentes à história cultural,
que tem apresentado, nos últimos anos, caminhos inovadores para a investigação histórica. O
historiador Roger Chartier
23
propõe repensar a questão do consumo cultural – não apenas a
partir de uma distribuição desigual dos objetos escritos, mas no tocante aos seus usos
diferenciais, aplicando a noção de “apropriação” proposta por Michael de Certeau. Dessa
maneira, Chartier problematiza os critérios segundo os quais são estabelecidas as clivagens, e
os distintos empregos da pluralidade dos materiais da cultura escrita.
Por sua parte, Michel de Certeau procurou explicitar as operações realizadas por
grupos ou indivíduos – considerados “submetidos” – como capacidades inventivas.
24
Através
do exame dessas “criações cotidianas”,
25
é possível entender de que modo os Guarani
adaptaram a tecnologia da escrita às suas necessidades e destinaram-lhe outras funções, apesar
da vigilância exercida sobre eles.
Ainda, segundo Michel de Certeau, escrever é uma prática mítica “moderna”, pois
permite reorganizar aos poucos os domínios por onde se estendia a ambição ocidental de fazer
sua história. Assim, a escrita é vista como uma forma de progresso, possibilitando um
afastamento, um apartar-se do mundo mágico das vozes e da tradição (oral). Dessa maneira,
se esboça uma fronteira (e uma frente) da cultura ocidental.
26
Com isso, uma nova forma de
22
Essas mudanças de registro já foram pensadas por antropólogos, como Jack Goody, que estabeleceu as
diferenças gerais entre “sociedade com e sem escrita” (GOODY, Jack. A domesticação do pensamento selvagem.
Lisboa: Editorial Presença, 1988).
23
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988; CHARTIER,
Roger. As práticas da escrita. In: ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger (Org.). História da Vida Privada 3: da
Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 113-162; CHARTIER, Roger.
Libros, lecturas y lectores en la Edad Moderna. Madrid: Alianza Editorial, 1993; CHARTIER, Roger. A história
hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 7, n. 13, p. 97-113, 1994a;
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UnB, 1994b; CHARTIER, Roger. Leituras e
leitores “populares” da Renascença ao período clássico. In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER Roger.
História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999. v. 2, p. 117-134; CHARTIER, Roger. Culture
écrite et littérature à l’âge moderne. Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, n. 4-5, p. 783-802, juil./oct.
2001a; CHARTIER, Roger. Cultura escrita, literatura e história. Porto Alegre: Artmed, 2001b; CHARTIER,
Roger. (Org.). Práticas da leitura. 2. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001c; CHARTIER, Roger. Leituras e
leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004.
24
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petópolis:Vozes, 1994.
25
Apesar de haver mostras de sua inventividade, as informações provenientes dos jesuítas, em geral, apenas
enfatizavam a capacidade de imitação dos Guarani, especialmente na execução de trabalhos manuais, sem se
referir a suas potencialidades criativas. Segundo o padre Aguilar, “[…] fueron excelentes ‘copistas-escultores’ e
‘copistas-pintores’ […] pero faltos de toda creatividad y tambien de una adecuación espontanea […]
(SUSNIK, Branislava. Los aborígenes del Paraguai, II: Etnohistoria de los Guaraníes: época colonial. Asunción:
Museo Etnografico Andrés Barbedo, 1979-1980, p. 255). Esta polêmica está muito difundida no que se refere à
música e escultura.
26
CERTEAU, 1994, p. 224.
21
configurar as diferenças culturais se impõe, pois se alteram as possibilidades de registro dos
acontecimentos.
É necessário levar em conta que o fato de ler na América colonial não implicava
obrigatoriamente o domínio da escrita, o que dificulta igualmente especificar distinções entre
competências díspares. Para determinar o número de prováveis leitores, os historiadores têm
recorrido à quantificação de livros e textos como indicadores do nível de alfabetização. Certas
potencialidades das práticas letradas, todavia, estão bem além dos índices mensuráveis de
alfabetização, remetendo, portanto, às diferentes formas de apropriação do texto pelo leitor. A
preocupação de Chartier, por exemplo, em definir quem eram os leitores populares no Antigo
Regime possibilitou apontar os diferentes usos das leituras e dos textos. Exatamente por causa
da definição a priori de partilhas sociais relacionadas ao consumo cultural, Chartier afirma
que a história cultural deve dar conta de determinar as classificações e exclusões numa dada
sociedade, priorizando a análise dos processos pelos quais se constrói o sentido.
27
Outra referência teórica importante deste trabalho são as análises de Armando
Petrucci, que tem dedicado sua atenção às potencialidades e aos usos da escrita, buscando
extrair dos materias escritos informações sobre as funções que cada produto gráfico assume
em diferentes sociedades, rompendo com uma visão estática da história da escrita.
28
A escrita, inserida em contextos mais amplos, permite desentranhar dos materias
escritos distintas intenções que nortearam o ato de escrever e as suas relações com o poder.
Concebida nesses termos, a cultura escrita é reveladora dos valores e condutas de uma
determinada época. Estudos relacionados às práticas da escrita têm tido contribuições
importantes na Espanha, onde os trabalhos de Francisco M. Gimeno Blay, Fernando J. Bouza
Álvarez e Antonio Castillo Gómez têm trazido inovações instigantes ao explorem os
parâmetros relacionados à escrita e seus vínculos com diferentes demandas sociais.
Francisco M. Gimeno Blay, partindo de sua formação de paleógrafo, investiu em
uma revisão histórica da paleografia, considerada tradicionalmente como uma ciência
auxiliar. Interessado em renovar o conceito e a abrangência dessa disciplina, tem formulado e
27
CHARTIER, 1988, p .16.
28
Para uma visão geral da produção desse autor, ver: PETRUCCI, Armando. Alfabetismo, escritura, sociedad.
Prólogo de Roger Chartier y Jean Hébran. Barcelona: Gedisa, 1999a; PETRUCCI, Armando; GIMENO BLAY,
Francisco M. (Org.). Escribir y leer en Occidente. Valencia: Universidad de Valencia, Departamento de Historia
de la Antiguedad y de la Cultura Escrita, 1995.
22
aplicado sua proposta a partir dos parâmetros de uma historia sociocultural da cultura
escrita.
29
Já os trabalhos de Fernando J. Bouza Álvarez têm apontado para a crescente
centralidade das práticas de escrita no começo da Idade Moderna – particularmente a
praticada pela elite – levando-o a definir o período como o de uma civilização escrita.
30
A
monarquia hispânica, ao procurar exercer o seu poder e assim assegurar a homogenização
religiosa do seu império, conferiu importância à comunicação escrita e às publicações
impressas.
31
Contudo, o recurso à imprensa não destronou a cultura manuscrita.
32
Antonio Castillo Gómez, por sua vez, tem investigado as expressões gráficas
presentes à sociedade castelhana a partir de diferentes modalidades de textos, analisando
distintas formas de registro, tais como censos, escritos expostos ou cartazes fixados em portas
de igrejas.
33
Este autor, igualmente, tem dedicado atenção à escrita epistolar,
34
como a
29
Os trabalhos de Francisco M. Gimeno Blay têm aplicado para o caso espanhol as perspectivas abertas pelos
estudos italianos sobre alfabetização e cultura escrita, enfatizando as condições sociais da escrita. Ver: GIMENO
BLAY, Francisco M. Scripta manent: materiales para una historia de la cultura escrita. Valencia: Universitad de
Valencia: Seminari Internacional d’Estudis sobre la Cultura Escrita, 1998; GIMENO BLAY, Francisco M.
Quemar libros – qué extraño placer! Valencia: Universitad de Valencia: Seminari Internacional d’Estudis sobre
la Cultura Escrita, 2001a. 32 p. ; GIMENO BLAY, Francisco M. Conservar la memoria, representar la sociedad.
Signo: revista de Historia de la Cultura Escrita, Alcalá de Henares: Universidad de Alcalá de Henares, v. 8, p.
275-293, 2001b.
30
Fernando J. Bouza Álvarez utiliza o termo “civilização escrita”, para definir a crescente importância que os
monarcas europeus atribuíram aos recursos gráficos para a afirmação do seu poder, pois essa tecnologia permitia
preservar os conhecimentos, e transmitir ou provar algo de forma mais eficiente, frente à oralidade ou às
imagens. Sendo que a forma de comunicação escrita, aliada à tipográfica, “impregnou” toda a sociedade,
inclusive os iletrados (BOUZA ÁLVAREZ, Fernando J. Del escribano a la biblioteca: la civilización escrita
europea en la Alta Edad Moderna (siglos XV-XVII). Madrid: Síntesis, 1992, p. 31).
31
As medidas adotadas pelos monarcas espanhóis para otimizar o gerenciamento dos seus vastos domínios
estiveram amparadas na comunicação escrita e acabaram produzindo uma paulatina “escriturização”, afetando de
diferentes maneiras toda a sociedade (BOUZA ÁLVAREZ, Fernando J. Imagen y propaganda: capítulos de
historia cultural del reinado de Felipe II. Madrid: Akal, 1998; BOUZA ÁLVAREZ, Fernando J. Comunicación,
conocimiento y memoria en la España de los siglos XVI y XVII. Salamanca: Seminario de Estudios Medievales y
Renacentistas, 1999).
32
Apesar da difusão dos textos impressos, a posse de livros manuscritos manteve-se arraigada entre a nobreza,
como uma forma de distinção. Com o advento da imprensa ocorre uma democratização no acesso às publicações,
rompendo com a hierarquia existente no Antigo Regime, possibilitando constituir novos públicos (BOUZA
ÁLVAREZ, Fernando J. Corre manuscrito: una história cultural del Siglo de Oro. Madrid: Marcial Pons,
Ediciones de Historia, 2001).
33
Os trabalhos de Castillo Gómez têm procurando descrever através dos materias escritos, sejam eles
permanentes ou efêmeros, os significados relacionados à presença da escrita, indagando a respeito dos efeitos da
alfabetização entre as camadas médias e subalternas, principalmente nos espaços urbanos (CASTILLO GÓMEZ,
Antonio. Escrituras y escribientes: prácticas de la cultura escrita en una ciudad del renacimiento. Las Palmas de
Gran Canaria: Gobierno de Canarias, Fundación de Enseñanza Superior a Distancia, 1997. 440 p.).
34
A comunicação epistolar assume um papel decisivo na Idade Moderna, quando é verificado um aumento no
volume de missivas. Entretanto, as cartas ordinárias e cotidianas são preferidas em detrimento das
correspondências nobiliárias (CASTILLO GÓMEZ, Antonio. Del tratado a la práctica: la escritura epistolar en la
Edad Moderna. In: SÁEZ SANCHEZ, Carlos; CASTILLO GÓMEZ, Antonio (Ed.). La correspondencia en la
Historia: modelos y prácticas de la escritura epistolar. Madrid: Calumbur, 2000. (Volume I: Actas del VI
Congreso Internacional de Historia de la Cultura Escrita). p. 79-107).
23
praticada pelos grupos subalternos no Século de Ouro espanhol.
35
Por meio de uma análise de
diferentes tipos de escrita, atenta às materialidades, Castillo Gómez tem procurado relacionar
o conteúdo às funções, analisando como determinados acontecimentos desencadearam a
necessidade de gerar “memórias”.
36
III
As dificuldades enfrentadas para realizar esta pesquisa foram muitas. A dispersão das
fontes foi uma delas, aliada ao problema da compreensão de documentos redigidos em uma
língua dada como desaparecida, no caso o guarani missioneiro ou jesuítico. Isso me obrigou a
trabalhar com as traduções realizadas à epoca, quando existentes, ou a recorrer ao trabalho de
tradutores especializados (pouquíssimos). A inexistência de trabalhos prévios tratando
especificamente da escrita indígena nas reduções constituiu-se em um obstáculo a mais a ser
superado.
37
A necessidade de verificar os conjuntos documentais relativos à prática da escrita
indígena implicou percorrer os acervos de várias instituições,
38
em busca de maiores
informações. O interesse pela consulta direta aos documentos indígenas, tanto os manuscritos
quanto as cópias de suas traduções, refere-se ao cuidado com os suportes da escrita e à
possibilidade de cotejar suas versões, pois muitos documentos, ao serem impressos, tiveram
alterados elementos que podem ser reveladores, como a própria disposição do texto. No
momento em que são reproduzidos, certas marcações presentes nos manuscritos, voltadas, por
35
As suas indagações estão dirigidas tanto aos efeitos da conquista social da competência letrada entre as classes
subalternas quanto à escrita privada do Século de Ouro espanhol como instrumento de lembrança e de
possibilidade de configuração de uma memória pessoal, familiar e social (CASTILLO GÓMEZ, Antonio. Tras la
huella escrita de la gente común. In: CASTILLO GÓMEZ, Antonio (Ed.). Cultura escrita y clases subalternas:
una mirada española. Gipuzkoa: Sendoa, 2001b. p. 9-34).
36
CASTILLO GÓMEZ, Antonio. Entre public et privé: stratégies de l’écrit dans l’Espagne du Siècle d’or.
Annales: Histoire, Sciences Sociales, Paris, anée 56, n. 4-5, p. 803-829, juil./oct. 2001a; CASTILLO GÓMEZ,
Antonio. Hojas embetunadas y libros en papel: escrita y memoria personal en la España moderna. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n. 22, p. 37-65, jul./dez. 2004. p. 37-65).
37
Uma rara exceção, e assim mesmo voltada a esboçar fases da evolução da escrita entre os Guarani, é o artigo
de THUN, Harald. Evolución de la escriptualidad entre los indígenas Guaraníes. In: SIMPOSIO ANTONIO
TOVAR SOBRE LENGUAS AMERINDIAS, 1., 2000, Tordesillas (Valladolid). I Simposio… Coord. Emilio
Ridruejo y Maria Fuentes. Valladolid: Universidad de Valladolid, 2003. p. 9-23.
38
Os acervos que apresentaram maiores informações a respeito da escrita Guarani foram na Argentina, no caso o
Archivo General de la Nación e o Museo Mitre, ambos em Buenos Aires. Na Espanha, localizei informações
valiosas no Archivo Histórico Nacional, na Biblioteca Nacional e na Real Academia de la Historia, em Madri.
Em Valhadoli, o Archivo General de Simancas apresenta documentos fundamentais para compreender as reações
do Guarani diante do Tratado de Limites de 1750, principalmente os localizados na seção Estado. Em Sevilha,
no Archivo General de Indias, também há cópias de documentos referentes à escrita indígena, principalmente
nos documento indexados na audiência de Buenos Aires.
24
exemplo, a uma determinada recepção, deixam de apresentar destaque. Os títulos, as
marcações de parágrafos e outros detalhes gráficos presentes no texto manuscrito são
dispositivos visuais voltados para facilitar a leitura diante dos distintos níveis de alfabetização
da sociedade missioneira. Lamentavelmente, muitos documentos foram transcritos sem
identificação de sua forma textual, apenas contendo a reprodução do seu conteúdo, sem
especificação da modalidade de mensagem reproduzida.
Outro aspecto que deve ser enfatizado é que alguns documentos indígenas, quando
publicados como anexos de determinadas obras, sobretudo por jesuítas, aparecem mutilados
ou apresentam dados manipulados. Um exemplo são os anexos presentes na Historia de la
Compañía de Jesús, de Pablo Pastells, que além de omitir trechos importantes de alguns
documentos, por vezes, altera a referência à autoria do texto.
O caso mais notório é o de um documento de 1753, conservado no Archivo General
de Indias (Sevilha), redigido por Primo Ybarenda.
39
Pastells, ao publicar esse documento,
creditou a Ybarenda a tradução, e não a própria autoria do texto.
40
Os documentos indígenas apresentam distintas vias de “sobrevivência” nos arquivos
e nas bibliotecas, não existindo uma classificação arquivística própria para eles. A
possibilidade de localizar alguns textos depende da procura paciente em meio a séries de
documentos relacionadas ao período. Entre as dezenas de pacotes de papéis gerados pela
presença dos demarcadores e por parte das autoridades coloniais é possível identificar alguns
cuja autoria é indígena. Em geral, esses papéis estão preservados de maneira aleatória em
meio a maços de documentos coloniais, e que não haviam despertado a atenção dos
historiadores.
IV
Há inúmeras limitações de ordem metodológica, sobretudo para se definir séries
tipológicas diante de indícios de alguns gêneros textuais. Alguns documentos remanescem
como originais (manuscritos). Outros, entretanto, apenas como informação histórica na forma
39
Archivo General de Indias, Sevilla (doravante A.G.I.): Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42 [anexos da
correspondência enviada a Espanha]. Copia 3: Copia de la traducción de uma carta escrita por Ybarenda de San
Miguel que empieza. “Señor Governador […]”.
40
Cópia de la carta traducida al castellano por primo Ibarenda de San Miguel as señor Gobernador
(Andonaegui)” (PASTELLS, Pablo. Historia de la Compañia de Jesús en la Provincia del Paraguay (Argentina,
Paraguay, Uruguay, Perú, Bolivia y Brasil): según los documentos originales del Archivo General de Indias,
extractado y anotados por Pablo Pastells, S.J.: tomo VIII. Por Francisco Mateos. Madrid, Libreria General de
Victoriano Suarez: C.S.I.C, 1949, t. 8, p. 246-247, Doc. 4.761.
25
de citação em alguma crônica ou narrativa. Apesar da natureza lacunar da documentação, foi
possível identificar algumas das temáticas e classificar as formas adotadas pela escrita
indígena.
O reconhecimento do valor histórico desses documentos indica que a decisão
conjunta das Coroas ibéricas deflagrou entre os indígenas missioneiros a preocupação quanto
aos cuidados com os procedimentos letrados. A decisão dos Guarani letrados de comunicarem
suas opiniões legou aos historiadores documentos que permitem avaliar a elevada insatisfação
e a mobilização desses índios, comprovando a importância atribuída à palavra escrita nessa
sociedade.
Os documentos consultados, originais e cópias traduzidas do idioma guarani, assim
como as referências historiográficas a determinadas obras, foram organizados visando
constituir um corpus documental orientado pelo critério da escrita indígena, relacionando-os
com suas funções sociais. Os documentos estudados relacionam-se à capacidade gráfica
indígena, e não especificamente à língua guarani, visando uma análise das práticas de escrita
entre os indígenas missioneiros.
Os textos escritos pelos Guarani missioneiros, em boa parte por seu caráter de
material apreendido, muitas vezes, receberam a devida tradução.
41
Quando não há tradução,
ao que parece, foi decorrência do desinteresse das autoridades, ou porque talvez sua
circulação estava prevista apenas para o âmbito colonial, pois sabidamente havia intérpretes
para esses papéis. Quando os documentos foram enviados para a península Ibérica e, portanto,
previa-se que os leitores desconheciam os idiomas nativos americanos, foram acompanhados
de sua respectiva tradução. Muitos dos documentos escritos pelos Guarani apenas são
conhecidos atualmente através das suas traduções em espanhol, pois quando foram
apreendidos, durante o conflito, receberam o tratamento de material de guerra como parte da
estratégia de combate ao inimigo, tendo sido traduzidos nos próprios acampamentos.
Eventualmente, quando esses textos paravam nas mãos de algum jesuíta, eram conservados o
original e a sua tradução, pois esses documentos eram remetidos para os ministros espanhóis,
como prova da oposição indígena. O envio desses documentos visava comprovar que os
Guarani agiam por conta própria, sem a intervenção dos jesuítas.
41
A documentação aqui apresentada sofreu uma pequena atualização ortográfica, sempre que necessária, mas
tomando o cuidado em não alterar o sentido ou conteúdo das informações históricas. Tal medida foi adotada para
facilitar a inteligibilidade ao leitor, sendo igualmente uma decorrência da impossibilidade de reproduzir
graficamente alguns caracteres obsoletos.
26
Inúmeros documentos confirmam os distintos níveis de destreza e domínio que esses
Guarani apresentaram nas práticas da cultura gráfica. Uma leitura atenta do material permite
identificar o grau de familiaridade do escrevente com os instrumentos básicos para essas
tarefas, como eram a tinta e o papel, e permite inferir o nível de destreza com a instrução
alfabética.
A quantidade de textos elaborados pelos Guarani, em meados do século XVIII,
permite, portanto, repensar as relações entre as funções sociais, a memória coletiva e as
estrátegias associadas ao uso da escrita, em uma organização social que se emancipava da
tutela exercida pelos jesuítas. Os Guarani nesse momento demonstraram uma aguda
percepção dos vínculos entre escrita e poder, através dos quais procuraram exercer o seu
autogoverno.
V
Quanto à organização da tese ela está estruturada em duas partes. A primeira,
intitulada “A Razão Gráfica Guarani”, divide-se em três capítulos sem uma preocupação com
um ordenamento estritamente cronológico, analisando os aspectos sociolingüísticos da
gramaticalização da língua guarani e os efeitos da alfabetização praticada nas reduções. A
segunda parte é nomeada de “Escritofilia Indígena”, igualmente disposta em três capítulos,
mas ordenada de maneira cronológica, seguindo os acontecimentos desencadeados pela
demarcação de limites e culminando com as manifestações escritas indígenas após a expulsão
dos jesuítas.
A trama da tese, dividida em duas partes, corresponde à preocupação de abarcar os
diversos elementos que permitiram elucidar os meandros que envolveram as práticas da
escrita indígena e analisar as distintas modalidades de textos produzidos pelos Guarani
letrados. Nesse sentido, buscou-se demonstrar que a prática da escrita entre os indígenas
missioneiros foi bem mais estendida do que a historiografia tem alegado, diante de evidências
da competência alfabética guarani desde o século XVII, quando os índios apropriaram-se da
escrita e conferiram-lhe funções inesperadas pelos jesuítas.
No primeiro capítulo da primeira parte são enfocados aspectos da língua guarani,
agora reduzida à gramática, e de sua abrangência sociocultural como língua geral do Paraguai,
demonstrando a importância que o guarani apresentou como veículo de comunicação na
“Província Gigante das Indias” ao desempenhar o papel de língua franca na região. A seguir, é
abordado o impacto da alfabetização em sociedades que não possuíam sistemas gráficos e as
27
conseqüências da chamada domesticação do “pensamento selvagem”. Logo depois são
descritos os aspectos relacionadas à escrita em língua guarani, além do estabelecimento das
primeiras gramáticas e dicionários, primeiro por franciscanos e depois por jesuítas. A seguir,
são abordados os aspectos da configuração do guarani jesuítico ou missioneiro diferenciando-
o das demais variantes desse idioma no Paraguai colonial.
No segundo capítulo, foram tratados aspectos relacionados à situação de oralidade
primária da sociedade guarani, e que passa a conviver com a transliteração de seu idioma –
discusão essa inserida nos debates históricos sobre a equação oral-escrito. Logo a seguir,
discute-se a política de valorização das lideranças nativas e o papel da elite indígena no
gerenciamento das reduções, destacando os efeitos da ocidentalização a partir da instrução
ministrada aos índios principais. Busca-se destacar como, nas reduções, a delegação das
práticas letradas foi um expediente presente entre os indígenas iletrados, como parte dos
valores inerentes à “cultura do escrito”. A seguir, são enfatizadas as medidas adotadas pelo
provincial Andrés de Rada visando controlar o acesso dos Guarani aos escritos. As proibições
e medidas restritivas servem de indícios de práticas que se queria controlar, diante das
apropriações dos Guarani. E, por fim, são problematizados aspectos relacionados à conduta
dos ladinos e os efeitos do bilingüismo oralizado frente à política lingüística restritiva adotada
pelos jesuítas.
No terceiro capítulo o eixo de abordagem são os textos resultantes da escrita
indígena, a partir das materialidades dos textos escritos nas reduções. A seguir, são
classificadas as formas textuais, e relacionadas às suas funções sociais, para determinar os
usos atribuídos a cada um dos gêneros: as cartas, os memoriais, as atas de cabildo, os diários e
uma narrativa elaborada por um indígena. O conjunto de documentos compulsados permitiu
constatar uma diversificação nas formas textuais e identificar entre os Guarani letrados
aqueles que por suas funções exerceram de maneira mais assídua a prática da escrita. Pois
além dos secretários – escreventes natos – os mayordomos também exerceram suas aptidões
letradas. Por fim, a prática da escrita entre os Guarani é analisada frente a uma preocupação
relacionada com a produção de registros, que se vincula à preservação de acontecimentos
passados. A escrita, nesse contexto, proporciona uma nova maneira de organizar os fatos e de
mensurar os acontecimentos, impondo uma nova forma de temporalidade, linear.
A segunda parte inicia com o quarto capítulo e trata das implicações do Tratado de
Madri para os Guarani. A seguir, a partir da demarcação de limites e da notificação aos índios
missioneiros dos termos presentes nas ordens de mudança, é analisada a finalidade de
negociação política atribuída pelos índios à escrita. Nessa ocasião, enviaram cartas tanto aos
28
demarcadores quanto bilhetes aos seus companheiros, convocando-os para resistiram à
presença das comitivas encarregadas de fixar os novos limites entre os domínios ibero-
americanos. Nesse período começaram a “voar bilhetes”, sendo essa uma das expressões da
“reação escrita” dos Guarani contra a presença dos funcionários demarcadores em seu
território e a condição de possibilidade de seu autogoverno.
No quinto capítulo, é tratada a eclosão do conflito nas reduções e os usos estratégios
destinados à comunicação epistolar pelos Guarani, através da análise dos contatos
estabelecidos com os espanhóis, e da troca de correspondência pelos índios de Yapeyu como
um recurso destinado a organizar a resistência indígena à presença do exército espanhol em
terras missioneiras. O contato com os portugueses foi pensado como uma negociação
envolvendo os poderes do escrito, quando, inclusive, foi estabelecido um acordo de paz, nos
mesmos moldes de uma negociação entre dois Estados. É reveladora, nesse sentido, a tática
indígena de disseminar avisos pelo território como maneira de previnir os inimigos. Com a
eclosão da “guerra guaranítica” esteve presente a tensão entre escrita e oralidade nas
reduções. Encerrado o conflito, um grupo de Guarani seguiu resistindo, e a comunicação
epistolar manteve-se operante entre as lideranças que tencionavam rearticular-se militarmente.
No sexto e último capítulo, abordo os usos e funções atribuídos à escrita pelos
Guarani depois da expulsão dos jesuítas, e como a capacidade alfabética passou a se
apresentar desvinculada da reescrita religiosa. Foram analisados alguns documentos indígenas
logo após a nova administração estabelecer-se nas reduções. Nesse capítulo, dedico atenção à
trajetória de dois Guarani, que diante das evidências documentais permitiram acompanhar
mais detidamente suas manifestações escritas. Por fim, procuro delinear algumas das funções
conferidas à escrita pela elite missioneira diante do término do controle exercido pelos
jesuítas. Nesse momento, a escrita passou a refletir as alterações verificadas na organização
socioeconômica das reduções, atuando como um recurso voltado à reivindicação política.
Enfim, a escrita passou a ser um instrumento a serviço de uma elite e, de modo geral, a
expressão das aspirações desse grupo.
PRIMEIRA PARTE
A RAZÃO GRÁFICA GUARANI
30
1 A LÍNGUA GUARANI
1.1 O guarani, língua geral
Os troncos lingüísticos de maior abrangência na América do Sul são o quéchua e o
aimará, ao lado do tupi e do guarani.
42
As principais línguas do tronco tupi-guarani são
conhecidas atráves dos trabalhos impressos de Azpilcueta Navarro (1550), José de Anchieta
(1595), Antonio Araujo (1630) e Antonio Ruiz de Montoya (1639); o idioma quéchua
originou notáveis estudos, como os do padre Diego Torres Rubio (1603) e os do frei Domingo
de Santo Tomás (1560); o padre Diego Gonzales Holguin (1603) foi considerado um mestre
da língua inca. O aimará, por sua vez, foi estudado à exaustão pelo padre Ludovico Bertonio
(1612) e também pelo já mencionado padre Torres Rubio.
43
Das muitas línguas do tronco tupi-guarani, duas delas foram amplamente
documentadas durante o período colonial e adquiriram uma importância histórica especial no
contexto da ocupação européia do continente: o tupinambá, ou tupi antigo, e o guarani antigo.
Essas duas línguas, pelo papel que desempenharam no processo histórico das suas respectivas
regiões, do período colonial até nossos dias, podem ser consideradas, como fez o lingüista
Aryon Rodrigues, línguas clássicas da América do Sul, ao lado do quéchua da região andina.
44
Uma outra característica em comum entre a língua quéchua e o tupi-guarani é que nesses
idiomas se denominam muitos dos domínios geográficos da América do Sul. Atráves da
toponímia – instrumento fundamental para os pesquisadores da linguagem diante da ausência
de registros escritos antigos – uma ampla nomenclatura se mantém expressa em língua
indígena, passados cinco séculos da conquista ibérica.
45
O tupi-guarani destacou-se dos outros idiomas tanto por sua extensão territorial como
por sua unidade cultural.
46
Através do método de reconstrução desenvolvido pela lingüística
42
Sobre esses temas, ver: SUAREZ, Jorge A. Estudios sobre lenguas indígenas sudamericanas. Bahia Blanca:
Universidade Nacional del Sur, Departamento de Humanidades, 1988. 127 p.; TOVAR, Antonio. Catálogo de
lenguas de América del Sur. Buenos Aires: Sudamericana, 1961.
43
Para uma aproximação à produção desses evangelizadores-lingüistas, ver: VIÑAZA, Conde de. Bibliografia
española de lenguas indígenas. 2. ed. Madrid: Atlas, 1977 (“Prólogo”). Para um amplo levantamento
bibliográfico de temas referentes à língua e lingüística indígena sul-americana, ver: FABRE, Alain. Manual de
las lenguas indígenas sudamericanas. München: Lincom Europa, 1998 (Bibliografía general, p. 49-200).
44
RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo:
Loyola, 1994, p. 34.
45
VILLAGRA-BATOUX, Sara Delicia. La toponimia y la historia de la lengua. Estudios Paraguayos: revista de
la Universidad Católica Nuestra Señora de la Asunción, Asunción, v. 7, n. 1, p. 157-163, 1979.
46
A dispersão guarani originou diversos dialetos, distribuídos em três grandes grupos: 1) o grupo amazônico ou
ñeengatu – a “língua boa” ou “polida”; 2) o grupo conhecido genericamente como tupi ou tupinambá (guarani
falado na costa leste da América do Sul); e 3) o grupo conhecido como guarani ou aba ñeé (“língua dos
homens”), abrangendo os dialetos falados na bacia do Prata, com abundante documentação do período colonial,
31
comparada, tem-se avançado bastante em relação ao conhecimento dessas línguas. No século
XVI, encontraram-se línguas dessa família sendo faladas em praticamente todo o litoral leste
da América do Sul e na bacia do rio Paraná. Segundo Greg Urban, restam poucas dúvidas
quanto às ligações genéticas entre as línguas tupi-guarani, e “a dispersão final teria ocorrido
após o ano 1000, já que há dados indicando que várias línguas seriam, então, uma única
língua, reunida sob o mesmo nome de ‘Tupi-Guarani’, que não deve ser confundida com a
família mais ampla”.
47
Apesar dessa enorme dispersão geográfica, as principais línguas do
tronco tupi-guarani revelam mais semelhanças do que diferenças,
48
configurando, de acordo
com os dados arqueológicos, uma unidade de pelo menos dois mil anos.
49
À época do descobrimento e da conquista da América, a língua guarani estava em
uma fase de vigor e força expansiva, tanto que passou a dominar áreas significativas da
América meridional e da costa leste. No Paraguai colonial, no entanto, os Guarani não eram
os únicos ocupantes das terras meridionais, tampouco a sua língua era a única falada.
Diferentes grupos lingüísticos disputavam o predomínio, ainda que inutilmente, visto que
necessitavam recorrer ao idioma guarani, ou a suas variantes dialetais, para manter relações
políticas e como meio de comunicação com povos vizinhos de línguas distintas.
À dispersão geográfica do tupi-guarani correspondem as práticas migratórias dos
povos pré-colombianos, mantidas mesmo depois da chegada dos europeus à América.
Segundo Graciela Chamorro, a difusão dessa língua, da Amazônia até o rio da Prata e desde a
costa atlântica até os Andes, mesmo que de modo descontínuo, como verificado na cultura
material, indica um componente fundamental do modo de ser guarani: o estar a caminho
sobretudo missioneiro (SERRANO, Antonio. Etnografía de la antigua Provincia del Uruguay. Paraná: [s.n.],
1936, p. 143).
47
URBAN, Greg. A história da cultura brasileira segundo as línguas nativas. In: CUNHA, Manuela Carneiro da
(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 92.
48
As semelhanças entre essas duas línguas sempre foram enfatizadas: “Son lenguas muy afines, ambas ás dos
han sido muchas veces consideradas como una sola y misma lengua. Gilig, un antiguo misionero, aseguró que
la diferencia no era tan grande como la que hay entre el español y el portugués. No fué solamente la
importancia, sino también la belleza y excelencias propias de las lenguas americanas las que tan
poderosamente excitaron al estudio del tupi y del guaraní.” (DAHLMANN, Joseph. El estudio de las lenguas y
las misiones. Traducido del alemán por Jerónimo Rojas, S.J. Madrid: Viuda e Hija de Gomez Fuentenebro, 1893,
p. 129).
49
A esse respeito, ver: BROCHADO, José Proenza. An ecological model of spread of pottery and agriculture
into Eastern South America. Tese (Doutorado em Antropologia)–University of Illinois, Urbana-Champaign,
USA, 1984. 574 p.; sobre essa mesma questão, mas enfocando através da tecnologia, especialmente o manejo
agroflorestal, os mecanismos na ocupação e organização do espaço, ver: NOELLI, Francisco. Sem tekohá não
tekó: em busca de um modelo etnoarqueológico da aldeia e da subsistência guarani e sua aplicação a uma área de
domínio no Delta do Rio Jacuí – RS. Dissertação (Mestrado em História)–Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993.
32
(oguata).
50
Assim, segundo a antropóloga, as pesquisas arqueológicas têm mostrado que a
extensão do território ocupado pela cultura tupi-guarani resultou das contínuas migrações
guaraníticas e das conquistas e “guaranizações” que operaram sobre os protopovoadores das
regiões ocupadas. A imposição da língua, portanto, foi uma decorrência dessa movimentação
humana. Porém, isso não implica, obrigatoriamente, outras formas de dominação.
A importância da língua guarani se comprova indiretamente com a influência que
teve sobre o léxico usado por cronistas e sobre a língua de exploradores e conquistadores. A
grande unidade lingüística é verificada em textos do século XVI, como o de Jean de Lery
(1576), as frases em guarani que foram registradas por Hans Staden (1556), as anotações
contidas em Singularités de la France Antartique, de André Thevet (1557-1558) e na Vera
Historia, de Ulrico Schmidel, publicada em 1567.
No Paraguai colonial, o guarani foi assumido com língua geral,
51
da mesma maneira
que o idioma quéchua foi considerado a língua geral de Cuzco, ou dos incas,
52
diante do
reconhecimento do potencial desses idiomas como lingua franca. Essas línguas gerais –
gramaticalizadas e dicionarizadas – constituíam-se na possibilidade de controlar a
evangelização, pois permitiam uma maior circulação de documentos de conteúdo doutrinário,
como os catecismos e sermonários.
A grande abrangência desses idiomas na América foi objeto de registro, em 1605,
por Giovanni Botero, membro da Companhia de Jesus (que trabalhou com José Acosta no
Peru), que publicou em Veneza um livro intitulado Le relazioni universali. Nessa obra, Botero
adaptou o sistema de classificação proposto inicialmente por Acosta e afirmou que com as
línguas guarani, cuzcana (quéchua) e mexicana (náuatle) se podia viajar por todo o Novo
Mundo.
53
E na quarta parte do livro segundo, Botero enfatizou que, entre as línguas indígenas,
“[…] ma niuna é piu universali, che la Varaa. Questa si parla per tutto il Paraguay, e per
tutto il Brasil. L’intendono gl’Itatini, e l’atre gente innumerabili dallo stretto quasi de
50
CHAMORRO, Graciela. A espiritualidade guarani: uma teologia ameríndia da palavra. São Leopoldo:
Sinodal, 1998. (Teses e Dissertações, 10), p. 42, 43.
51
MELIÀ, 1969, p. 53-56; MELIÀ, Bartolomeu. El guaraní como lengua general. In: JORNADAS
INTERNACIONALES MISIONES JESUÍTICAS, 5., 1994, Montevideo. Anales… Montevideo: [s.n.], 1994. p.
77-90.
52
DEDENBACH, Sabine; SÁENZ, Salazar. Las lenguas andinas. In: LUMBRERAS, Luis Guillermo (Ed.).
História de América Andina. Quito: Universidad Andina Simon Bolivar: Libresa, 1999. p. 501-536.
53
BOTERO, Giovanni. Le relationi universali. Venezia, 1605, p. 21.
33
Magaglianes sino à Santa Marta”.
54
O jesuíta, por meio dessa descrição, documentou a
abrangência comunicativa do guarani, no final do século XVI.
55
Assim, para atender às exigências da evangelização, os religiosos em missão no
Paraguai dedicaram-se com bastante afinco ao aprendizado do guarani. Incontávies foram as
horas dedicadas ao estudo e exercício do idioma. Ao cópiar e recópiar manuscritos de
catecismos ou sermonários os catequistas introduziam modificações e novos vocábulos,
dicionarizando a língua gramaticalizada.
56
1.2 Escrita e antropologia: a razão gráfica
O impacto da alfabetização na organização social e as inovações operadas a partir do
contato com a cultura letrada e o letramento já foram investigados por Jack Goody, que
estabeleceu as diferenças gerais entre “sociedades com e sem escrita” e as conseqüências do
que denominou “razão gráfica”, ou seja, o resultado mais visível da domesticação do
pensamento selvagem.
57
Essa obra seminal no campo da antropologia social aprofundava e dava seqüência ao
ao trabalho anterior de Goody, dedicado às conseqüências da cultura escrita nas sociedades
tradicionais.
58
O estudo do registro escrito, a “etnografia da escrita”, foi alvo de críticas
devido aos seus pressupostos, principalmente pelo excesso de distância entre a cultura oral e a
escrita, e pela rígida distinção entre sociedades com e sem escrita. A partir de seus trabalhos
de campo na África, Goody passou a afirmar que a escrita é a única ferramenta possível para
o desenvolvimento do intelecto, pois seu domínio transforma efetivamente a natureza dos
processos cognitivos responsáveis pelas mudanças internas profundas operadas em tais
sociedades.
54
BOTERO, 1605, p. 22.
55
A obra de Botero foi publicada no início do século XVII, em Veneza, e reúne suas viagens realizadas nas
últimas décadas pelo mundo. O conjunto de textos foi redigido a partir da segunda metade do século XVI e
Botero o finaliza em 1595: “El qui ho io finito le relationi Universali questo 15 di settembre 1595”. Sendo que a
obra impressa foi dedicada “Al Serenissmo Carlos Enan, Duca di Savoia &c. (che dopo molti anni di faticosi
viaggi)”.
56
A respeito desse tema, Klaus Zimmermann recentemente voltou a alertar para um dos desafios sempre
presente nos estudos historiográficos dedicados à lingüística colonial, ou seja, a influência dos missionários na
produção dessas gramáticas das línguas ameríndias, que elevadas à condição de “língua geral” como o tupi-
guarani, expressam “una fuerte impronta de sus hablantes no-nativos” (ZIMMERMANN, Klaus (Ed.). La
descripción de las lenguas amerindias en la época colonial. Frankfurt am Main: Vervuert; Madrid:
Iberoamericana, 1997, p. 15).
57
GOODY, 1988.
58
GOODY, Jack (Org). Cultura escrita en sociedades tradicionales. Barcelona: Gedisa, 1996.
34
As premissas de Goody,
59
quando aplicadas às sociedades indígenas, são alvo de
críticas por desconsiderarem a existência de outros suportes para as suas representações
gráficas.
60
Diversos materiais como argila, palha, madeira serviam como suportes para
representações gráficas e atuavam como recursos mnemotécnicos por essas sociedades para
armazenar conhecimentos através da codificação simbólica de elementos do mundo natural,
social e sobrenatural. Portanto, essas sociedades indígenas, apesar do seu agrafismo, ou
iletrismo, dispunham de um estoque de recursos que contribuíam para a reprodução de
informações; não estavam totalmente alheias a algumas formas de registro. As sociedades
mesoamericanas, por exemplo, desenvolveram códices pictoglíficos, apresentando um sistema
de escrita anterior ao seu contato com o mundo ocidental.
61
Mesmo desconhecendo a
comunicação alfabética, essas sociedades desenvolveram diferentes formas de registro
gráfico, e algumas chegaram a manipular recursos mnemotécnicos avançados, como os quipos
– sistema de cordéis – dos incas.
62
Os estudos dedicados a analisar a transliteração da oralidade para o registro escrito
têm privilegiado questões relativas à capacidade de apropriação do texto (escrito) e dos
diferentes níveis de domínios das práticas letradas por parte de sociedades em que esse
recurso inexistia. Trabalhos estimulados por essa orientação teórica têm voltado sua atenção
para a análise histórica do escrito e para as implicações decorrentes da mudança de um regime
de registro (oral) para o outro (escrito), mas sem deixar de considerar as formas de circulação
do texto em situações sociais mais oralizadas.
63
A redução da fala a formas gráficas implica, portanto, o desenvolvimento de alguma
forma de escrita, ou seja, a própria condição de registro, o que por sua vez é considerado
como elemento definidor de características da organização social, como a especialização.
59
GOODY (1988, 1996)
60
Para uma crítica às concepções estanques e à rígida distinção em Goody, ver: FERREIRA, Mariana Leal.
Escrita e oralidade no Parque Indígena do Xingu: inserção na vida social e a percepção dos índios. Revista de
Antropologia, São Paulo: USP, v. 35, p. 91-112, 1992.
61
LEÓN-PORTILLA, Miguel. Visión de los vencidos: relaciones indígenas de la conquista. 7. ed. México:
UNAM, 1976. Na introdução o autor esclarece: “Dentro de Mesoamérica, son las culturas maya y nahuatl las
que ofrecen el más amplio testimonio indígena de la conquista. Ambas fueron culturas con historia, escrita y
transmisión oral. Una breve mención del interés que tenían por la historia esos pueblos indígenas, pondrá de
manifiesto su propia visión de la conquista. […] una escritura principalmente ideográfica e incipientemente
fonética.” (p. X).
62
URTON, Gary. Codificación binaria en los Quipus incaicos. Revista Andina, Cuzco, n. 35, p. 9-68, 2002.
63
Um exemplo são as pesquisas de João Adolfo Hansen para América portuguesa, particulamente a Bahia do
século XVII e a prática oratória das sátiras. Nesse caso, a recepção dos textos está relacionada aos padrões da
oralidade, quando os discursos estão na dependência da mediação do corpo dos receptores (HANSEN, João
Adolfo. A sátira e o engenho. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2004).
35
Assim, a escrita é uma inovação que atua também como uma forma sutil de colonização do
imaginário.
64
A escrita alterou, dessa maneira, os modos de pensamento e as possibilidades de
cognição, e, por isso, é considerada uma ferramenta poderosa diante das transformações que
se podem deflagrar em uma sociedade. Segundo Walter Ong, a escrita (especialmente a
alfabética) é uma tecnologia que exige o uso de outros equipamentos (lápis, pincel, estilete,
papel, madeira), promovendo o aumento da consciência como nenhuma outra ferramenta, pois
é uma tecnologia profundamente interiorizada.
65
As questões suscitadas pela língua e a comunicação estabelecida nesses contextos de
contatos culturais em meio às negociações entre mediadores culturais têm possibilitado
avaliar melhor os efeitos resultantes da experiência colonial. Nathan Wachtel, por exemplo,
chama esse processo de “aculturação”.
66
Entretanto, conceituar o efeito da experiência
colonial como “aculturação” não comporta a extrema complexidade dos processos e
resultados envolvidos, e deixa de esclarecer, ainda, como os protagonistas se moviam nesses
atos comunicativos.
As limitações presentes na percepção desses contatos dizem respeito a uma recepção
unilateral de valores, pois a aculturação não contempla as perspectivas de apropriações – ou
as táticas
67
– nativas. Mesmo que o “encontro” seja concebido, nos termos propostos por
Chartier, como “aculturação recíproca”, essa pode ser uma opção problemática,
68
principalmente diante da nova perspectiva presente nos estudos coloniais, valorizando o papel
do indígena como sujeito da história, uma vez superado definitivamente o modelo
todoroviano de negação do outro, a tese do silêncio. Esta historiografia hispano-americana
recusa, inclusive, a possibilidade de um “relato” indígena.
69
Ao se conceber que a “aculturação” é uma condição inerente à própria situação,
desconsideramos que as negociações travadas entre os protagonistas e situações reveladoras
64
GRUZINSKI, 1991.
65
ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologização da palavra. Campinas: Papirus, 1998, p. 97-99.
66
WACHTEL, Nathan. La vision des vaincus: les indies du Perou devant la Conquête espagnole, 1530-1570.
Paris: Gallimard, 1971; WACHTEL, Nathan. A aculturação. In: LE GOFF, Jaques (Org.). História: novos
problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. p. 113-129.
67
A distinção entre táticas e estratégias é uma operacionalização proposta por Michel de Certeau: “Denomino,
ao contrário, ‘tática’ um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma fronteira que
distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua,
fragmentariamente, sem apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância.” (CERTEAU, 1994, p. 46).
68
CHARTIER, 2001b, p. 115.
69
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
36
são exemplos não só do “encontro”, mas também das novas modalidades de comunicação
estabelecidas entre colonizador e colonizado.
Dessa forma, a valorização do papel do índio como sujeito histórico implica em
contemplar a dinâmica dessas negociações. A recepção dos códigos da cultura ocidental por
parte das populações indígenas permite avaliar o impacto dessas modificações e as novas
modalidades de negociação (cultural), o que se dá obrigatoriamente no interior do contexto
social de troca.
1.3 A redução gramatical da língua guarani
A “redução gramatical” da língua guarani começou no século XVI, e entre os seus
principais promotores e usuários figuram os franciscanos.
70
Assim, quando os jesuítas
chegaram ao Paraguai para os trabalhos missionais, já estavam estabelecidos critérios
sintáticos e ortográficos para a escrita da língua guarani. Através da redução gramatical, esse
idioma equiparou-se às línguas vernáculas, e tornou-se passível de impressão, o que nem
sempre aconteceu com outras línguas indígenas.
A importância atribuída ao pleno domínio do idioma das populações reduzidas à fé
cristã fica evidente nas recomendações de Manuel da Nóbrega, em meados do século XVI, e,
mais tarde, nas do padre geral Claudio Aquaviva. Em 1603, Aquaviva orientava e cobrava dos
demais jesuítas o conhecimento da língua guarani, e alertava para que não fosse facultado
ministrar a confissão, nem mesmo a promoção, antes que dominassem com perfeição esse
idioma, pois o catecismo seria aplicado nessa língua por ser a mais falada na Província do
Paraguai.
71
Como se viu, as áreas do Novo Mundo que contaram com a presença jesuítica
registram esforços no sentido de sistematizar as principais línguas indígenas. A Companhia de
Jesus, através de seus missionários, desde o século XVI, empreendeu a tarefa de
gramaticalização que se materializou, por exemplo, em obras como a Arte de gramática da
língua mais usada na costa do Brasil, de José de Anchieta, publicada em Coimbra em 1595,
72
70
Para um estudo organizado segundo as áreas dos distintos idiomas gramaticalizados pelos franciscanos e as
influências de uma para outra, ver: CASTRO Y CASTRO, Manuel. Lenguas indígenas americanas transmitidas
por los franciscanos del siglo XVI. Separata de: LOS FRANCISCANOS en el Nuevo Mundo. Actas del II
Congreso Internacional. La Rábida, 1987.
71
EL PRIMER Sínodo del Paraguay y Río de la Plata en Asunción en el año de 1603. Edición facsimilar.
Introducción y notas de Bartomeu MELIÀ. Asunción: CEPAG, 2003.
72
Para uma descrição do trabalho efetuado por Anchieta, consultar: RODRIGUES, Aryon Dall’Igna.
Descripción del tupinambá en el periodo colonial: el arte de José de Anchieta. In: ZIMMERMANN, Klaus. La
37
ou ainda, o empreendimento semelhante de Montoya, no Paraguai, na elaboração do seu Arte
y bocabulario de la lengua Guarani, publicado em Madri, em 1639.
Para facilitar essa tarefa tradutora, o franciscano Luis Bolaños redigiu um conjunto
de notas gramaticais para o ensino dessa língua aos demais religiosos. Esse missionário foi o
primeiro que “a reduziu à arte”, como reconheceu Quirício Caxa. Mas a reestruturação e
aperfeiçoamento da ortografia da língua guarani, que começou a ser utilizada em diversos
escritos, coube ao padre Alonso de Aragona e ao já citado padre Antonio Ruiz de Montoya.
73
A primeira gramática da língua guarani que se conhece é a do padre Aragona, que, segundo
Melià, ficou inédita até sua publicação em 1979.
74
Essa gramática, intitulada Breve
introducción para aprender a la lengua guarani, é provavelmente anterior a 1629, ano da
morte de Aragona, e consistia em um método voltado para principiantes, construído sobre as
categorias universais das línguas que os clássicos encontravam na estrutura do latim e que
também haviam sido aplicadas às línguas vernáculas européias, como o castelhano. Como
tantas outras gramáticas da época, era uma arte para a tradução, tendo por modelo a
Gramática de la lengua castellana, elaborada por Antonio de Nebrija, cuja primeira edição
data de 1492.
75
Os jesuítas foram, assim, os primeiros a trabalhar sobre a língua indígena dentro de
um quadro de uma política lingüística melhor definida e mais precisa, no final do século XVI.
Ao adotarem procedimentos visando normalizar o idioma guarani, influenciaram na definição
da variante dialetal que seria padronizada. A gramática de Aragona, nesse sentido, refletia as
particularidades da variante conhecida como uruguai, ou seja, das populações que habitavam
as margens do rio homônimo. Já os trabalhos de Montoya foram, principalmente, sobre a
variante do guairá. O dialeto tape também foi objeto de atenção dos primeiros missionários.
76
A língua gramaticalizada servia aos fins de missionarização.
77
Não é surpreendente,
portanto, que no início da catequese empreendida no Paraguai, os missionários tivessem a
dupla função de evangelizadores e “gramáticos”. Quem mais contribuiu para reduzir o guarani
descripción de lenguas amerindias en la época colonial. Frankfurt am Main: Vervuert; Madrid: Iberoamericana,
1997. p. 371-400.
73
MELIÀ, 1992, p. 83.
74
MELIÀ, 1992, p. 85.
75
NEBRIJA, Antonio de. Gramática de la lengua castellana. Valencia: Librerías Paris-Valencia, 1992.
Reprodução facsimilar da edição de Salamanca: [s.n.], 1592. Na introdução figura o seguinte comentário: “[…]
que para nuestra recordación a memoria quedaron escritas: una cosa hallo y saco por conclusión mui cierta:
que siempre la lengua fue compañera del imperio: y de lat manera lo siguio […]” (p. 4).
76
MELIÀ, 1969, p. 56-62; MELIÀ, 1992, p. 29.
77
VILLAGRA-BATOUX, Sara Delicia. El Guaraní Paraguayo de la oralidad a la lengua literaria. Asunción:
Expolibro, 2002a (ver: “La lengua normalizada”, p. 243-247).
38
à condição escrita foi o padre Montoya.
78
Sua gramática, depois de impressa, tornou-se o
principal texto pelo qual aprenderiam a língua guarani os novos missionários, quando
iniciavam seus estudos visando trabalhar nas reduções.
79
Foram exatamente os religiosos
nascidos na América que defenderam mais arduamente o ensino emngua indígena, dentre
eles Montoya, redigindo, em 1651, sua defesa escrita da língua guarani.
80
O posicionamento a
favor do ensino em idioma nativo, segundo Silvio Zavala, apresentava-se como um atrativo e
benefício para os religiosos criollos e mestiços, pois os distanciava do clero espanhol, que
poderia vir a competir com eles na administração dos indígenas.
81
Afinal, esses religiosos
estavam cientes de que a única possibilidade de “penetrar” nos códigos indígenas era através
do domínio da língua nativa, mesmo diante das inevitáveis imperfeições decorrentes das
traduções. O reconhecimento da necessidade de predicar em língua nativa determinou um
certo cuidado no exame e nas aptidões idiomáticas dos missionários. O provincial Cristoval
de Altamirano, em 1670, por exemplo, recordava aos jesuítas missioneiros no Paraguai a
necessidade constante de que “[…] todos estudien la lengua, y que preparen los sermones, y
misas con cuidado Las platicas que hinde haces de la doctrina christiana, y a los de la
congregación […]”.
82
A medida tinha por objetivo garantir o pleno êxito na transmissão das
verdades cristãs aos catecúmenos indígenas.
Montoya ressalta, na abertura do Tesoro de la lengua Guarani, que uma das
particularidades do guarani, quando comparado às outras línguas ameríndias, é a sua
extraordinária quantidade de morfemas ativos, afetivos, temporais, adverbiais, numerais que
envolvem as expressões:
El fundamento desta lengua son particulas, que muchas dellas por si no significa:
pero compuestas con otras, o enteras, o partidas (porque muchas las cortan en composición)
hazen vozes significativas; a cuya causa no ay verbo fixo, porque se componen de estas
particulas, o nombres, con otras, ut, A, ere, o, ya, na, pee, o. O con pronombres, Che, nde
78
Para uma aproximação ao trabalho lingüístico de Montoya, ver: RODRIGUES, Daniele Marcelle Grannier. La
obra lingüística de Antonio Ruiz de Montoya. In: ZIMMERMANN, Klaus. La descripción de lenguas
amerindias en la época colonial. Frankfurt am Main: Vervuert; Madrid: Iberoamericana, 1997. p. 401-410.
79
Real Academia de la Historia, Madrid (doravante R.A.H.): Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Real
Cédula dando licencia al jesuita Antonio Ruiz de Montoya para imprimir su obra encaminada a enseñar la lengua
de los indios del Paraguay. Madrid, 25 de marzo de 1639 (Signatura 9-9-4). Copia 2ff., 32 cms, XCIX, ff. 130-
131.
80
MONTOYA, Antonio Ruiz. Apología en defensa de la doctrina Cristiana escrita en lengua Guaraní (1651).
Introducción y notas: Bartomeu MELIÀ. Lima: CAAAP/CEPAG/ESPEL, 1996.
81
ZAVALA, Silvio. Sobre la política lingüística del Imperio español en América. Cuadernos Americanos,
México, v. 27, n. 3, p. 159-166, mayo/jun. 1946 (p. 164).
82
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (doravante B.N./RJ): Coleção de Angelis. Manuscritos 508 (20) Annuas.
Documento número 441. Recomendación á los P.P de las misiones de aprender la lengua de los indios. 1670
(documento original).
39
&c, ug, ñemboe, se compone de tres particulas, nê, mô, e. El, nê, es reciproco: mô particula
activa; e, destreza: y todo junto dize, adestrarse; y nosotros interpretamos, aprender: pero
indeterminate, porque no nota persona; pero poniendo, A, se haz verbo, Añemboê, yo
aprendo. Esto supuesto, para hablar lo que busco, he de quitar las particulas dichas, A. ere,
o &c e ir a lo fixo. Como si digo, Oromboé, buscaré, mboÉ, Ahayhú, buscaré, Haihí.
83
Outra peculiaridade ressaltada no idioma guarani é a variedade de idéias. Às vezes
um enunciado inteiro é contido, em uma só palavra, implicando em construções metafóricas,
como Tupanci, que significa a mãe de Deus (Cristo), no caso Nossa Senhora.
Desta forma, o domínio pleno da língua indígena facilitava a transmissão de alguns
conceitos básicos para a catequese. Como se pode perceber, foram os evangelizadores-
lingüistas que codificaram e traduziram para a língua e cultura indígenas expressões da
cristandade ocidental. A “operação tradutora”
84
organizou as línguas nativas na métrica
ocidental e introduziu conceitos que necessitaram ser construídos
85
, vertidos para a língua
guarani, como foi com o Deus católico “convertido” em Tupã.
O vocábulo “pecado”, por exemplo, foi traduzido basicamente por angaipa,
expressão composta por anga (“alma”) e pab (“acabar”). Como destacou Chamorro, esse
“[…] provável neologismo introduzido pelos missionários católicos não deixa de sugerir em
seu significado a idéia de ‘esvaziar a alma’ como conseqüência de pecar”.
86
A partir desse
vocábulo, por exemplo, Montoya estruturou para a língua guarani toda a hierarquia que o
termo possuía na teologia católica da época. Nesse sentido, Mélia assinala que nos “[…]
contextos coloniales, aún cuando se use la lengua nativa, hay una colonización del sistema
simbólico de comunicación, del cual la lengua es una instancia privilegiada, que debe ser
analisada criticamente”.
87
A interpretação é plausível, desde que se considere, ao mesmo
tempo, a insuficiência de indícios sobre os efeitos da retórica e o sucesso da estratégia de
conversão. Para tanto, é preciso considerar a mestiçagem como parte de um ato comunicativo,
o que nos conduz a avaliar, evidentemente, o resultado do processo de “conversão” como uma
conseqüência inevitável da intenção do evangelizador.
Podemos ter certeza, sim, que houve uma gradativa homogeneização dos signos
lingüísticos e a reatualização gramatical do guarani. O que contribuiu para a eliminação de
certas diferenças dialetais. Essa tarefa era uma missão análoga à conversão religiosa, e
83
MONTOYA, Antonio Ruiz. Tesoro de la lengua guarani. Madrid: Juan Sanchez, 1639b.
84
CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
85
DAHER, 1999, p. 239.
86
CHAMORRO, 1998, p. 137.
87
MELIÀ, 1992, p. 156.
40
constituía-se em uma estratégia evangelizadora.
88
De acordo com Melià, a “doutrina” aplicada
através de perguntas e respostas apresentava a forma de um diálogo hipotético que era
repetido, incansavelmente, todos os dias, até tornar-se texto memorizado. Texto escrito e texto
recitado confundiam-se, na realidade, diante da repetição de perguntas e respostas fixas e
obrigatórias.
89
Alguns missionários, ainda no século XVIII, insistiam na instrução religiosa
por meio desse método da repetição do catecismo, valorizando a dimensão oral da
evangelização, confirmando que os efeitos do aprendizado oralizado eram mais imediatos.
Estudos recentes têm assinalado que as categorias introduzidas pelos missionários
foram sendo disseminadas entre as populações indígenas, através da ênfase dada, nos
catecismos dos séculos XVI e XVII, aos pecados de ordem moral.
90
A consulta a esses
catecismos escritos em língua tupi e guarani permitem formular uma lista pormenorizada
desses pecados. Houve casos, porém, de catecismos indígenas que mantiveram expressões
latinas ou castelhanas, em decorrência do chamado problema da “intradutibilidade” de certos
signos (Virgem, Espírito Santo, Cruz). Esta prática de deixar alguns termos sem tradução, o
que para certos missionários podia ser uma garantia de ortodoxia, poderia resultar no
deslocamento desses signos para outros campos semânticos, na recepção dos nativos.
Como já se viu, os Guarani do pré-contato desconheciam a escrita, e tampouco
possuíam uma expressão no seu léxico para designar essa atividade. Os jesuítas recorreram ao
termo nativo aiquatia, relacionado à pintura, na sociedade guarani. A tradução dessa
expressão seria algo como “eu pinto”, mas passou a assumir o novo sentido de “coloco no
papel”, “escrevo”. A partir dessa raiz foram estabelecidas outras palavras relacionadas ao
universo letrado, como, por exemplo, o quatiapohara, “o que escreve”, ou o autor. Nas
reduções o termo também foi sinônimo de secretário, ou escrivão do cabildo, aquele que
escreve.
Assim sendo, nos diversos usos atribuídos à escrita nas reduções, a correspondência
epistolar desempenhou um papel importante como instrumento de comunicação, e os índios,
inclusive, rechaçaram o termo ajustado para a língua guarani – quatiá (“pintura/desenho”),
quatia ñe’é (“desenho falante”) – para designar carta.
91
Segundo Marcos Morinigio, houve
preferência pelo vocábulo do colonizador, pois a palavra quatiá no contexto reducional
poderia significar tanto papel, diário, carta, ou até mesmo livro. Certamente o termo pareceu
88
DAHER, 1999, p. 237-238.
89
MELIÀ, 1992, p. 113.
90
Para considerações a esse respeito, ver: CHAMORRO, 1998, p. 137-139).
91
MORINIGIO, Marcos. Raiz y destino del Guaraní. Asunción: CEDUC, 1990. (Biblioteca Paraguaya de
Antropología, v. 8), p. 92.
41
insignificante e os Guarani fizeram uso dele por pouco tempo, logo recorrendo ao termo
hispânico carta.
92
Outras palavras, por exemplo, foram ajustadas para designar o mundo
animal. Assim, uruguasu, que literalmente quer dizer “pássaro grande”, passou a ser o nome
guarani para designar galinhas. A vida religiosa também obrigou a manobras lingüísticas
como significar o verbo ñembo’e, ou seja, pronunciar palavras sagradas, como “rezar”.
93
Distintos usos lingüísticos se operaram fora do alcance estrito dos jesuítas, fazendo
com que outros termos fossem rechaçados pelos índios que, nesses casos, optaram por
expressões do colonizador para nomear os novos objetos introduzidos na América. Enfim,
enquanto os missionários dedicavam-se à evangelização, adotando estratégias retóricas
através da gramaticalização, os indígenas letrados aparecem nos documentos adquirindo
competências, habilidades que os credenciam como mediadores e protagonistas nesse novo
mundo letrado.
Finalmente, a redução gramatical dessas línguas – praticada pelos religiosos
franciscanos, mas aprimorada pelos jesuítas – apresentava-se como uma operação complexa,
pois a escrita era uma inovação tecnológica que comportava uma mutação das formas de
expressão. E a língua para os jesuítas representava algo mais que uma estratégia, constituindo-
se na própria condição da missão.
1.4 O guarani jesuítico ou missioneiro
94
Deve-se ponderar que a introdução da escrita em sociedades ágrafas pode significar,
em grande medida, uma experiência de caráter individual, pois a “domesticação do
pensamento selvagem” como refere Goody, implica uma transformação mais de caráter
individual do que coletivo, incidindo de diferentes maneiras sobre uma mesma população.
95
A língua guarani missioneira, da qual dispomos de testemunhos, tem um perfil
especial, sobretudo porque os jesuítas, por um lado, tratavam de refutar criteriosamente
qualquer palavra de origem européia que não fosse indispensável para nomear objetos
introduzidos na cultura missioneira; por outro, criavam neologismos e paráfrases engenhosas
com elementos da própria língua guarani para expressar objetos e abstrações geralmente
92
MORINIGIO, 1990, p. 92.
93
CHAMORRO, 1998, p. 165.
94
A respeito dessa variante, ver: MELIÀ, 1992, p. 78-108; para considerações sobre esse tema, mas tomando
MELIÀ como referência: PALOMERA SERREINAT, Lluis. Un ritual bilingüe en las reducciones del
Paraguay: el Manual de Loreto (1721). Roma: Pontificium Athenaeum S. Anselmi de Urbe, Pontificium
Institutum Liturgicum, 2001 (Thesis ad Lauren, n. 283), p. 232.
95
GOODY, 1988 (ver cap. 1: “Evolução e comunicação”, p. 11-29).
42
referidas à teologia e à moral.
96
As línguas indígenas, mesmo quando modificadas diante das
inovações gramaticais dos colonizadores e das novas categorias construídas pelos
missionários, passaram a constituir e a produzir novas formas de interpenetração entre “visões
de mundo” já previamente “aproximadas” através desses processos de mestiçagem (biológica
ou cultural).
97
O significado social das palavras, tanto na acepção pré-hispânica como no novo
sentido criado a partir da “conquista espiritual”, provém de fatores e agentes indígenas. Estes
enfraqueceram amplamente a influência que poderia ter operado um grupo tão pequeno de
jesuítas através da eventual recusa dos neologismos impostos, por serem considerados pouco
expressivos. Em outras regiões da América colonial houve dificuldades de tradução, como,
por exemplo, a verificada nos Andes no século XVI, em torno do termo “Deus”.
98
No Paraguai, em determinados momentos, os próprios Guarani ajustaram, dentro de
seu sistema lingüístico, termos para expressar a nova realidade material e espiritual. Um
exemplo dessa criação é a expressão Tupa rai Tupape, cujo significado para os Guarani,
segundo o padre Geronimo Porcel, “quiere decir (por amor de Dios)”.
99
A correspondência
particular desse jesuíta, enviada aos seus colegas na Espanha, revela aspectos da influência
indígena na configuração de novas expressões: “[…] ya no se si acertaria a predicar en
español porque ya va por seis años que no uso la lengua, todo es hablar Indios”. Contudo,
para que os Guarani chegassem a formular expressões desse tipo, foi necessário, primeiro, que
estes aceitassem o nome Tupã (“trovão”), proposto pelos jesuítas para o Deus cristão,
“imposição” que resulta de um processo de ressemantização. Segundo Orué Pozzo, trata-se de
uma “apropriação desviada”, tanto de uma língua como de uma cultura, pois se estaria diante
de uma imposição de universos culturais às populações submetidas, e a “esta dinámica de
96
MORINIGIO, 1990 (“Traducciones y nelogismos”, p. 92).
97
GRUZINSKI, Serge. La pensée metisse. Paris: Fayard, 1999. Nesse trabalho, o autor inova ao discutir as
ambigüidades presentes na mestiçagem, ao contemplar uma noção flutuante entre o biológico e o cultural. Ele
demonstra que a mestiçagem é parte de um ato comunicativo que não se pauta pela fidelidade a unidades prévias
definidas.
98
No Peru, quando o Concilio Limense (1583) autorizou a impressão da Doctrina Cristiana, “[…] el término
Dios no fue traducido al quechua ni al aymara, lenguas que, junto con el castellano, se emplearon en tal
edición; se abandonaron los criterios empleados por cronistas anteriores, y aún posteriores, y se preferió
introducir Dios como neologismo en las lenguas andinas” (PEASE G. Y., Franklin. Los últimos incas del Cuzco.
Madrid: Alianza Editorial. 1991, p. 121).
99
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Materia: Jesuitas/Paraguay. Sig 3692/91. 1.6. Cartas autografadas de jesuitas.
Siglo XVII (1637). Carta del padre Geronimo Porcel al P. Juan Batista de los Reyes de la Compañia de Jesús
(Malaga). Desta reducción de Los Santos Martyres, y Junio 2 de 1637; em outra correspondência enviada a um
colega em Granada (Espanha) o padre Porcel comentou: “[…] aun casi de la lengua española nos olvidamos, y
en la latina no acertamos a hablar todos estamos hechos indios […]”. Santos Martyres del Caro, y marzo 2 de
1637.
43
incorporaciones y apropriaciones se incorporan no solamente misioneros, sino también
indígenas recién convertidos al cristianismo”.
100
Na sua tese de doutorado, ainda hoje inédita,
101
Bartomeu Melià dedicou atenção aos
processos pelos quais se deu a criação dessa língua nas reduções do Paraguai. Melià defende
que o guarani das reduções, “[…] était une langue ‘littéraire’, avec une orthographe précise
et constante, une langue que est écrite par les Indiens eux-mêmes, une langue qui est celle de
la prière et de l’enseignement religieux”,
102
sendo esta dita “literatura guarani” uma
“literatura de tradução”, e especialmente de tradução de textos catequéticos da religião cristã.
O que parece certo é que a “conquista letrada” da cultura guarani foi fator capital
para a tarefa de evangelização pretendida pela Companhia de Jesus nas reduções do Paraguai.
A passagem à escrita, no que se refere à língua, processou-se através de três mecanismos
básicos. Segundo Melià, o primeiro foi a “escrituralização” alfabética da língua guarani, a
partir da imposição de uma uniformidade fonológica; o segundo foi a gramaticalização do
idioma nativo, o que implicou construir categorias na própria língua (com forte tendência a
uma padronização lingüística); e, por último, a dicionarização das expressões idiomáticas,
quando as palavras consideradas neutras eram registradas sem dificuldade, enquanto aquelas
fortemente semantizadas na vida sócio-religiosa encontravam-se ausentes ou apareciam com
um novo sentido, adaptado à nova vida reducional.
103
Essa maneira própria e peculiar de relacionar-se com a sua língua, agora reduzida à
escrita, foi uma experiência social singular que perpassou o guarani missioneiro colonial.
Nesse sentido, a comunicação escrita entre esses indígenas chegou a ter usos inesperados,
tanto como meio de comunicação oficial entre as autoridades e a elite letrada das reduções
como, em determinado período, serviu para enviar notícias e mensagens entre a própria
população missioneira.
104
Estudar a história do Paraguai colonial implica considerar pelo menos a existência de
três variantes da língua guarani, evitando-se, dessa forma, generalizações excessivas e
100
ORUÉ POZZO, Aníbal. Oralidad y escritura en Paraguay: comunicación, antropología e historia. Asunción:
Arandurã: Universidad Autónoma de Asunción, 2002, p. 112.
101
Recentemente, tomei conhecimento que esta obra foi finalmente publicada: MELIÀ, Bartomeu. La lengua
guaraní en el Paraguay colonial. Que contiene La creación de un lenguaje cristiano en las Reducciones de los
Guaraníes en el Paraguay. Asunción: CEPAG, 2003.
102
MELIÀ, 1969, p. 71.
103
LITERATURA Guaraní del Paraguay. Compilación, prólogo, estudios introdutórios, notas y cronologia:
Ruben Bareiro Saguier. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1980, p. XVIII. (apud MELIÀ, B. El guaraní dominante
y dominado. Acción: revista paraguaya de reflexión y diálogo, Asunción, n. 11, sept. 1971).
104
O uso da escrita como meio de comunicação entre a população guarani missioneira será abordado na segunda
parte deste trabalho.
44
facilitando, assim, uma melhor compreensão do processo lingüístico registrado na “Província
Gigante das Índias”:
105
“guarani tribal”, “guarani jesuítico ou missioneiro” (a denominação
“clássico” seria muito polêmica) e o “guarani paraguaio” são as três modalidades lingüísticas
definidas até o momento.
106
O lingüista Germán Granda indica que, no período colonial, entre
essas variantes lingüísticas havia uma distinção perfeitamente estabelecida, sendo que as
modalidades missioneira e paraguaia estavam claramente delimitadas geograficamente,
através da linha estabelecida pelo rio Tebicuary, que servia de limite entre a província do
Paraguai e a área correspondente às reduções administradas pelos jesuítas.
O investimento lingüístico dos jesuítas na língua guarani foi preservado através da
licença, concedida em Madri, ao jesuíta Antonio Ruiz de Montoya. Essa licença permitiu a
publicação da obra de Montoya, editada em três partes: o Tesouro, a Arte e o Vocabulário. O
conjunto desses trabalhos permitiu ao então Superior das Missões do Paraguai descrever a
língua guarani de maneira integral, como se entendia à época. Assim, no Tesoro de la lengua
Guarani, de 1640, encontram-se várias expressões que se relacionam ao vocábulo “falar”,
“conversar”, corroborando, desse modo, a importância atribuída ao verbo e a eloqüência da
oratória. Nesse sentido, no parecer que autoriza a impressão do Tesoro, o licenciado Gabriel
de Peralta comenta que “[…] quanto da testimonio la elegancia, y facilidad que muestra sus
escritos sacando a luz lengua tan excelente, y que parecia imposible poderse reducir a
escritura […]”.
107
Instrumento de consulta acessível, a obra facilitou significativamente a
tarefa dos missionários que atuariam no Paraguai.
Já a Arte y bocabulario de la lengua Guarani funciona como um índice de
informações suscintas, onde se encontra, através do idioma castelhano, a expressão
correspondente em guarani. Na obra impressa em Madri, no ano de 1640, podem ser
contabilizadas, ao todo, 58 expressões em língua espanhola para definir e denominar as
diferentes modalidades da fala praticada entre os Guarani.
108
Sabemos que muitas dessas
variantes foram introduzidas pelos religiosos, quando procuravam construir categorias que
inexistiam na cultura oral guarani, estabelecendo através desses deslocamentos semânticos o
guarani missioneiro. Entre os muitos exemplos dessa “engenharia lingüística” promovida
105
Para um estudo das questões sociais, e das tensões entre autoridades civis e religiosas e destas com os
colonizadores, ver: MORA MERIDA, José Luis. História social del Paraguay (1600-1650). Sevilla: Escuela de
Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, 1973.
106
GRANDA, Germán de. Sociedad, historia y lengua en el Paraguay. Bogotá: Publicaciones del Instituto Caro
y Cuervo, 1988, p. 38.
107
MONTOYA, 1639b (“Aprovación del licenciado Gabriel de Peralta, Canonigo de la Santa Iglesia de Buenos
Aires, y comisario de la Santa Cruzada”).
108
MONTOYA, Antonio Ruiz. Arte y bocabulario de la lengua Guarani. Madrid: Juan Sanchez, 1640a.
45
pelos jesuítas podem-se destacar dois, Añatoiíanga che nee pipe, ou seja, “falar à alma”,
categoria que não existia na cultura guarani, e Ayab íqui Tupa recó gui neenga, “falar de
Deus”, noção igualmente desconhecida entre esses índios. Tais exemplos demonstram como a
palavra, na sua expressão oral, estava sendo direcionada para finalidades catequéticas, e
sinalizam como as línguas indígenas possuem uma forma diferente de estruturar seus
pensamentos e formas emotivas. Ora, até que ponto essas traduções não seriam meras
transposições para os idiomas nativos de “verdades cristãs”? Ou seja, expressariam elas uma
forma de “pensamento” indígena? Não seriam apenas construções “forçadas”?
A historiografia indica que diante das inovações introduzidas na língua falada nas
reduções, no final do século XVII, os missionários sentiam a necessidade de uma gramática
mais atualizada e, inclusive, mais completa. Pablo Restivo, jesuíta missioneiro, encarregou-se
dessa tarefa e iniciou a redação de vários trabalhos lingüísticos, que apresentava como uma
reescritura ou como uma segunda edição dos textos de Montoya. As gramáticas de Restivo
possuem uma tendência muito latinizante, ao procurar aproximar as categorias da língua
guarani com o latim e o castelhano.
109
De fato, ainda que seja apresentada pelo autor como
complemento à obra de Montoya, o trabalho de Restivo é, na realidade, uma nova construção
pautada na língua guarani missioneira. Ao atualizar as regras gramaticais propostas por
Montoya, Restivo acaba por expor o estado da língua guarani no século XVIII, constituindo
aquilo que se chama guarani jesuítico.
110
Ao elaborar o volumoso dicionário, inédito até hoje,
intitulado Phrases selectas y modos de hablar escogidos y usados en la lengua guarani
(1687), Restivo deixa claro que estava preocupado em atualizar a obra clássica de Montoya,
de 1639. No prólogo, comentou as modificações que aquela língua havia experimentado no
espaço reducional: “[…] algunos vocabulos y modos de hablar, que aunque en la realidad
son vocabulos, y terminos propios de los naturales, pero ya PER NON UFUM, se han
antiquado, y hecho casi inteligentes”. Em seguida, menciona que, na redução de San Javier,
[…] se usan modos de hablar tan particulares, que valiendome yo dellos en Santa Maria, y
en otros pueblos, no me entiendieron, y fue necesario mudar de rumbo y buscar otros usuales
en aquel pueblo […]”.
111
Ao registrar a permanência de variações lingüísticas entre as
109
MELIÀ, 1969, p. 105.
110
Para uma descrição esquemática do processo lingüístico operado nas reduções e das variantes dessa literatura
guarani missioneira, ver: AMÉRICA Latina en sus lenguas indígenas. Coordinación, presentación y
documentación por Bernard Pottier. Paris: Unesco; Caracas: Monte Avila Editores, 1983, p. 47.
111
Museo Mitre, Buenos Aires (doravante M.M.): RESTIVO, Pablo. Phrases Selectas y modos de hablar
escogidas y usadas en la Lengua Guarani. Sacadas del Thesoro escondido que compuso el autor para consuelo y
alivio de los fervorosos misioneros principiantes en la dicha lengua. En el año 1687. Mss. Prologo, 3 fojas sin
foliar. Texto 633, Indice, 5 fojas, sin foliar (de S. Xavier). Referencia: 14/4/41.
46
reduções, Restivo demonstra que ainda não havia se efetivado completamente a
homogeneização e a normalização pretendida pelos missionários da língua guarani reduzida à
arte e à gramática.
Diante desses investimentos lingüísticos, o guarani havia atingido o caráter de língua
semi-oficial e, segundo a historiografia, na segunda metade do século XVIII, a sua escrita era
uma realidade cultural bastante enraizada nas reduções. Assim, os acordos e os
acontecimentos do cotidiano reducional eram documentados oficialmente nesse idioma.
Inclusive, a sociedade missioneira conviveu com a sobreposição de inovações tecnológicas
relacionadas ao texto escrito: a alfabetização e a imprensa, fatores que certamente
contribuíram para a maior difusão do idioma guarani. Isso conferiu à língua indígena caráter
de língua culta através da produção de uma “literatura” vernácula.
112
Contudo, já foi
amplamente demonstrado por Melià que, apesar do fato de se ter produzido nas reduções uma
literatura em guarani, esta era uma “literaura cristã” escrita em guarani, mas não uma
“literatura guarani”.
Esses textos, segundo Germán de Granda, apresentam aspectos lingüistícos bastante
conservadores diante das poucas concessões à língua castelhana, e evidentes sinais de
reestruturação interna para nomear configurações mentais de orientação cristã católica.
113
Os
jesuítas, após anos de estudos lingüísticos que levaram ao estabelecimento de regras visando
normalizar a escrita do guarani, definiram essa língua como a única a ser falada em toda a
província sob sua administração, e que toda comunicação deveria se realizar exclusivamente
em guarani. Os religiosos da Companhia de Jesus souberam tirar proveito da política
lingüística do império espanhol. Assim, conforme Delicia Villagra, o guarani missioneiro é
aquele estudado e ensinado, falado e escrito, vernáculo e oficial.
114
Enfim, englobava uma
multiplicidade de usos que desempenhava funções sociais e culturais diversas.
A sobrevivência da língua guarani no Paraguai não deve, portanto, ser relacionada ao
uso oral e escrito que se fez do idioma guarani nas reduções. Essa associação foi fruto de uma
apreciação errônea das trajetórias históricas e dos condicionantes geográficos e sociais das
variedades lingüísticas mencionadas.
115
Segundo Germán de Granda, estudos lingüísticos
divulgaram durante muitos anos, nos livros e manuais, uma hipótese equivocada quanto aos
112
Recordo a inadequação do conceito “literatura” para essa época, pois não há noções como as de mercado,
originalidade e autoria, que, no sentido contemporâneo, são fundadoras da idéia de literatura. Ver: DAHER,
1999, p. 233, nota 7.
113
GRANDA, 1988, p. 39.
114
VILLAGRA-BATOUX, 2002a, p. 242.
115
GRANDA, 1988, p. 43.
47
fatores responsáveis pela longevidade do guarani falado no Paraguai.
116
A preservação e
ampla difusão, passada e atual, do guarani apresenta seus antecedentes na vida civil da
província paraguaia, e não nas atividades desenvolvidas nas reduções jesuíticas.
A variante da língua guarani, denominada jesuítico ou missioneiro, apresentava
traços bastante diferenciados das demais modalidades e atualmente não se encontram falantes
em nenhuma região da antiga província do Paraguai. Essa forma dialetal da língua guarani
está obsoleta e um falante guarani de hoje não conseguiria compreender o idioma
compartilhado nas reduções, pois é uma modalidade de língua extinta e praticamente
desconhecida hoje, o que coloca entraves adicionais à sua tradutibilidade.
116
GRANDA, 1988, p. 44.
48
2 OS USOS SOCIAIS DA ESCRITA GUARANI
2.1 Oralidade e escrita nas reduções guarani
As modalidades de evangelização praticadas pelos jesuítas junto às populações
guarani nos séculos XVII e XVIII, principalmente no Paraguai colonial, permitem
compreender a rápida difusão e a aceitação da tecnologia do escrito entre os indígenas dessas
reduções. A oralidade na sociedade guarani era chamada primária,
117
e, com a evangelização,
esses índios passaram a conviver com a cultura escrita. Entretanto, essa oralidade primária
ficou restrita às primeiras gerações de Guarani aldeados, situação que foi se alterando diante
das primeiras tentativas de catequese e do convívio reducional. Portanto, uma avaliação do
impacto da escrita nas missões guarani deve procurar mensurar, a partir da “cultura escrita
restrita”,
118
os modos de apropriação do texto, em uma sociedade marcada pelo uso da
palavra, da oratória, condição reforçada pela tradição apostólica de transmissão oral da
doutrina.
Assim, apesar de o interesse principal deste trabalho recair no impacto da cultura
letrada na organização social missioneira, não se pretende, de maneira alguma, simplificar a
realidade através do binômio oral/escrito ou de um desdobramento imediato, como a clivagem
analfabeto/alfabetizado. A escrita pode influir tanto na expressão oral quanto na sua
compreensão. As culturas letradas e orais não apenas coexistem, como interagem entre si. O
que exclui a possibilidade do estabelecimento de uma partilha a priori, mantendo-se a tensão
entre esses modelos explicativos.
Nas últimas décadas diversos trabalhos, de diferentes áreas de conhecimento,
interessaram-se pelo estudo da oralidade. Essas pesquisas procuravam identificar a palavra
oral por detrás da representação escrita, ou seja, onde a dimensão histórica é primordial para o
entendimento da oralidade enquanto aspecto indicativo da possibilidade de comunicação
social e mesmo de cognição pessoal. De fato, a atenção dedicada a essa forma de linguagem
determinou uma crescente revalorização do oral diante do mundo hegemônico da escrita.
119
O helenista Eric Havelock, através do estudo das composições e da transmissão dos
poemas homéricos, a Ilíada e a Odisséia, propôs a hipótese da “oralidade primária”,
117
A oralidade primária é aquela que não comporta nenhum contato com a escrita, ou seja, “é a das pessoas que
desconhecem inteiramente a escrita” (ONG, 1998, p. 14).
118
A noção de uma alfabetização restrita é utilizada aqui no sentido atribuído por Jack Goody (GOODY, 1996).
119
REVUELTAS, Eugenia; PEREZ, Martinez Herón. Oralidad y escritura: coloquio de comunicación escrita.
Zamora: El Colegio de Michoacán, 1992, p. 12.
49
considerada também como uma modalidade de oralismo puro, segundo a qual as composições
dos aedos (poetas) seriam, em sua origem, exclusivamente orais. Até aquele momento os
cantos e poemas não haviam sofrido a interferência de nenhum conceito oriundo da cultura
escrita. Com a invenção do alfabeto grego, e a posterior transcrição de uma série de
performances orais, a fixação desses registros significaria a morte da tradição puramente
oral.
120
Posteriormente, influenciado, por um lado, pela revolução tecnológica dos meios de
comunicação, e, por outro, pelos trabalhos de intelectuais interessados no “oralismo”,
Havelock passou a dedicar sua atenção ao que denominou “equação oral-escrito”. Para ele, a
[…] oralidad y la cultura escrita, han sido enfrentadas y contrapuestas una con la otra,
pero se puede ver que siguen estando entrelazadas en nuestra sociedad. Desde luego, es un
error considerarlas mutuamente excluyentes”.
121
Assim, para Havelock, há entre estas duas
formas de expressão uma relação de tensão criativa recíproca, que por sua vez comporta uma
dimensão histórica.
A cultura européia, de forma particular na Idade Média, esteve regida pelo império
da voz, como já demostrou Paul Zumthor, no seu livro A letra e a voz.
122
Este autor apresenta
como hipótese o “trânsito vocal” como único modo possível de socialização dos textos nos
séculos XIII e XIV. Dessa maneira, propõe o termo “vocalidade”, ao invés de oralidade, por
se tratar da historicidade da voz, de seu uso, pois a voz atuava como única condição de
circulação dos textos entre os não leitores. Dessa maneira, Zumthor destaca as relações entre a
voz e a memória como fonte de saber, pois considera que “por muito tempo nada atenuaria a
eficácia global da memória vocalizada”.
123
Nesse aspecto, Margit Frenk, ao pesquisar o contexto europeu ocidental, onde o
oralismo misto já existia de modo vacilante a partir da Idade Média, demonstrou como o
público, em grande parte analfabeto, que assistia ao teatro na Espanha do século XVII tinha
uma refinada sensibilidade poética.
124
A capacidade dos espectadores decorria do fato de
terem memorizado textos recitados ou lidos em voz alta. As sociedades ocidentais,
possuidoras de um sistema de escrita, estiveram permeadas, durante séculos, de diversos tipos
de oralidades, tema ainda hoje pouco explorado, de modo geral. A oralidade mista,
120
HAVELOCK, Eric. A revolução da escrita na Grécia e suas conseqüências culturais. São Paulo: Unesp: Paz
e Terra, 1996b.
121
HAVELOCK, Eric. La ecuación oral-escrito: una fórmula para la mentalidad moderna. In: OLSON, David
R.; TORRANCE, Nancy (Comp. ). Cultura escrita y oralidad. Barcelona: Gedisa, 1995, p. 25.
122
ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz: a “literatura” medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
123
ZUMTHOR, 1993, p. 142.
124
FRENK, Margit. Entre la voz y el silencio: la lectura en tiempos de Cervantes. Alcalá de Henares, Centro de
Estudios Cervantinos, 1997.
50
identificada no teatro do Século de Ouro espanhol, coloca novas questões às relações
existentes entre oralidade e escrita.
No continente americano, Miguel León-Portilla analisou de modo sofisticado a
tensão oral/escrito para as sociedades indígenas mesoamericanas (Nova Espanha) durante o
período do descobrimento e colonização. No seu estudo, El destino de la palavra, dedicou
atenção aos meandros que perpassam a oralidade, a pintura e a passagem à escrita alfabética
entre algumas línguas mesoamericanas, especialmente a náuatle.
125
León-Portilha procura
mostrar como, no processo de passagem da antiga oralidade – que estava entrelaçada com as
pinturas e os glifos dos códices – à escrita alfabética, se perdiam elementos que antes
acompanhavam a locução e a entonação dos antigos textos, devido a interpolações e a outras
alterações. Todavia, isso não invalidava o testemunho dessas antigas palavras.
Uma abordagem alternativa, envolvendo aspectos referentes à oralidade indígena, foi
apresentada por Martin Lienhard na obra La voz y su huella.
126
Nesse trabalho, o autor
formula uma proposta definida por ele mesmo como inovadora, que visa identificar práticas
literárias novas, pois concebe a existência de um denominador comum[…] en todos los
textos de la literatura alternativa: el traslado – por ‘filtrado’ que sea – del universo oral a la
escritura en un contexto que llamaremos ‘colonial’ ”.
127
Argumenta, ainda, que essa proposta
alternativa pode ser estendida às três grandes áreas americanas: Mesoamérica, Andes e área
tupi-guarani. Essa interpretação, contudo, foi feita somente a partir de textos publicados, e
apresenta algumas generalizações, contemplando somente o setor identificado como a elite
ameríndia. No entanto, o trabalho possui méritos por privilegiar uma perspectiva indígena da
colonização.
As implicações presentes na passagem de uma forma de comunicação calcada na
oralidade às práticas escritas na sociedade guarani foram analisadas em um estudo recente de
Anibal Orué Pozzo.
128
O autor destaca como as reduções constituíram-se em um espaço social
da escrita, onde, primeiramente, através dos batismos, do contato com bíblias e catecismos,
foram estabelecidas as aproximações dos Guarani com o mundo dos textos. A escrita,
introduzida através dos missionários, começava, gradativamente, a permitir a construção de
formas de expressão e de mensagens outrora inexistentes no mundo oral dos Guarani.
125
LEÓN-PORTILLA, Miguel. El destino de la palabra: de la oralidad y los códices mesoamericanos a la
escritura alfabética. México: FCE, 1997.
126
LIENHARD, Martin. La voz y su huella: escritura y conflicto étnico-social en América Latina (1492-1988). 3.
ed. rev. aum. Lima: Horizonte, 1992a.
127
LIENHARD, 1992a, p. 16-17.
128
ORUÉ POZZO, 2002.
51
Como se viu, a sociedade guarani pré-contato era caracterizada pela oralidade
primária, sendo a recitação dos cantos e mitos a principal forma de transmissão das tradições,
de sobrevivência da memória. As entonações no idioma guarani podem, inclusive, determinar
o significado das palavras. Em guarani, a fala, a linguagem humana é ñee, mas esse vocábulo
também pode significar “alma”, “espírito”. Para os falantes dessa língua o lugar da palavra é a
humanidade. Os homens se definem como tal somente a partir da relação que mantêm com
sua entidade criadora, graças à mediação estabelecida através da palavra. Sempre é oportuno
recordar que se a sociedade guarani não havia desenvolvido nenhuma forma de escrita
129
, em
função disso também não criou nenhum complexo de inferioridade cultural.
130
Nas reduções guarani, o estudo do impacto da alfabetização entre os Guarani
tutelados pelos jesuítas, no Paraguai, deve levar em conta esta dimensão histórica presente na
“equação oral-escrito”, inclusive porque não são poucas as dificuldades conceituais para a
própria definição de oralidade.
131
A característica da oralidade é a vocalidade, ou seja, a
produção de uma mensagem através do canal fônico.
132
A enunciação de uma mensagem
verbalizada pressupõe uma comunicação imediata, oposta à distância comunicativa da
escrita.
133
Assim, as tentativas empreendidas para dissociar o componente oral do escrito têm
sido infrutíferas. Atualmente, os próprios lingüistas têm enfatizado essa complementaridade:
[…] la história de los usos lingüísticos es el resultado de una tensión permanente entre
129
Sobre essa questão Pierre Clastres comentou: “Os povos sem escrita não são então menos adultos que as
sociedades letradas. Sua história é tão profunda quanto a nossa e, a não ser por racismo, não há por que julgá-los
incapazes de refletir sobre a sua própria experiência e de dar a seus problemas as soluções apropriadas.”
(CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. 5. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1990, p. 16).
130
A respeito das excessivas pretensões cognitivistas atribuídas à cultura escrita, ver: OLSON, David R.
Desmitologización de la cultura escrita. In: OLSON, David R. El mundo sobre papel: el impacto de la escritura y
la lectura en la estructura del conocimiento. Barcelona: Gedisa, 1997. p. 21-39.
131
Para esclarecimentos quanto a essas ambigüidades, ver Frenk: “El término oralidad, tan de moda, tiene en la
práctica sentidos muy distintos. Con él se alude, por ejemplo, al uso del lenguaje hablado, cotidiano, en las
obras literarias, ya por los personagens, ya por el término a la utilización, en los textos literarios, de elementos
tomados de la cultura oral (refranes, romances, cantares, etc) y se aplica, mucho, a lo que seria mejor llamar
oralización, a saber, la traducción vocal de textos escritos, que pueden haberse escrito precisamente para ser
leídos en voz alta o recitados.” (FRENK, Margit. Las formas de leer, la oralidad y la memoria. In: BARANDA,
Nieves (Coord.). Historia de la edición y de la lectura en España – 1475/1914. Madrid: Fundación Germán
Sánchez Ruiperez, 2003, p. 156, nota 8).
132
O termo “vocalidade”, como se viu, é proposto por Zumthor, ao invés de “oralidade”, por se tratar da
historicidade de uma voz, de seu uso (ZUMTHOR, 1993, p. 21). A respeito das dificuldades conceituais
presentes à definição da oralidade para os trabalhos dos lingüistas históricos atuais, ver: BUSTOS TOVAR, José
Jesús de. De la oralidad a la escritura. In: EL ESPAÑOL Coloquial: Actas del I Simposio sobre Análisis del
Discurso Oral. Almería: Universidad de Almería, 1995, p. 13.
133
D’HAENENS, Albert. Écrire, utiliser et conserver des textes pendant 1500 ans: la relation occidentale a
l’écriture. Scrittura & Civiltà, Torino, 7, p. 225-260, 1983 (este autor analisa o modo de funcionamento da
comunicação humana através da escrita em contraposição à oralidade, momento a partir do qual as formas
gráficas passam a ocupar o centro do sistema cultural. Ver especialmente p. 226-231).
52
oralidad y escrituridad, que es mutuamente enriquecedora”.
134
Entretanto, continua sendo
uma tendência dos pesquisadores interessados no tema procurarem estabelecer características
diferenciais entre essas duas formas de expressão comunicativa.
A elaboração de catecismos, gramáticas e vocabulários em guarani pelos jesuítas
definiu as condições para a evangelização promovida nas reduções. Através desses
instrumentos de catequese foi possível aos Guarani fixarem, atráves da “memória oralizada”,
as verdades cristãs.
135
Por esse motivo os indígenas cristianizados nas reduções foram capazes
de participar de cerimônias litúrgicas em uma língua que não fosse a sua, pois não primavam
tanto a inteligibilidade do conteúdo, mas antes a ritualização da missa.
136
A catequese das populações ameríndias, além de implicar a colonização da
linguagem, estava calcada na escrita de gramáticas em língua nativa, por meio de uma política
lingüística agressiva que norteou o ensino e a alfabetização promovidos entre os indígenas nos
seus respectivas idiomas. A imposição da palavra escrita foi sintetizada em um esquema
prévio comum a todas as áreas coloniais, ou seja, “la dominación se naturalizó por la vía de
la lengua, que se formalizó por la de la escritura, que a su vez se legitimaba en las Sagradas
Escrituras”.
137
Todavia, a alfabetização promovida em línguas indígenas defrontou-se com algumas
dificuldades, uma vez que a palavra escrita é uma imposição cultural que não atinge com a
mesma intensidade toda a população. Sabemos por cronistas que os resultados obtidos através
da alfabetização entre os Guarani missioneiros foram bastante expressivos, o que permitiu
uma rápida apropriação da língua escrita pelos nativos. Por outro lado, assim que dominaram
certos caracteres fonéticos, os próprios Guarani transformaram o falado em escrito.
Sempre é oportuno recordar que os efeitos produzidos pela escrita não são diretos,
imediatos, e atribuir toda explicação a uma única causa é uma visão equivocada. A escrita,
enquanto uma tecnologia, não é um fator suficiente para criar processos cognitivos gerais. A
introdução dessa tecnologia não altera obrigatoriamente os padrões sociais de uma cultura;
134
BUSTOS TOVAR, 1995, p. 18.
135
Em 1633, o padre Ferrufino informava que “un indígena de esta nación” havia pronunciado diante do padre
Procurador da Companhia de Jesus uma “Oración gratulatoria en tres lenguas – latín, castellano y guaraní”.
(R.A.H.: Fondo Manuscrito. Materia: Guaraníes/Indios. Sig: 9-3687/56. Siglo XVII, 1633. 2 hojas (folios 433
y428) Copia debida al P. Rafael Pereira).
136
PALOMERA SERREINAT, 2001, p. 337-338.
137
HUGO, Niño apud BARRIGA VILLANUEVA, Rebeca. Oralidad y escritura: una encrucijada para las
lenguas indígenas. Caravelle: cahiers du monde hispanique et luso-brésilien. Toulouse, n. 76-77, p. 611-622,
déc. 2001 (p. 615, nota 13).
53
enfim, o que importa, como destacaram David Olson e Nancy Torrance, é o que as pessoas
fazem com a escrita, e não o que a escrita faz com as pessoas.
138
A Companhia de Jesus, atráves do seus missionários, empreendeu esforço para
padronizar a “língua cristã das reduções guarani”; entretanto, após décadas de alfabetização
manuseando as Artes de Montoya, ainda operavam muitas variantes dialetais no interior das
reduções. Através do padre Pablo Restivo, somos informados a respeito da situação
lingüística nas reduções. No prefácio da sua obra Phrases selectas y modo de hablar
escogidos y usados en la Lengua Guarani,
139
este “língua” esclarece aos leitores sobre as
nuanças dialetais da fala guarani, que, apesar de apresentar certa unidade idiomática, nunca
foi homogênea. Demonstrava o jesuíta que as variantes dialetais seguiam operantes diante da
vocalidade praticada nas reduções, ao longo dos anos.
A convivência com a língua escrita, intensificada pelo contato com os catecismos,
não produziu imediatamente os resultados imaginados e, de nenhuma forma, relegou a
oralidade a um patamar inferior.
140
Com o advento da escrita na sociedade guarani,
particularmente na missioneira, nem a oralidade, nem tampouco a escrita, podem ser
entendidas sem contemplar as suas interações e influências mútuas.
141
Dessa maneira, a história da alfabetização dos Guarani pressupõe as relações
inerentes à oralidade e à escrita. A proximidade dessas formas de comunicação implicou uma
permeabilidade do “originalmente oral” ao escrito, sendo o oposto igualmente verdadeiro.
Nos textos escritos pelos indígenas – ou quando estes prestavam colaboração aos
evangelizadores-lingüistas – é possível identificar indícios dessa passagem da oralidade à
escrita. Atráves de marcações gramaticais, ou mesmo do estilo declamatório, identificam-se
elementos de uma cultura que conciliava a aquisição da escrita com sua expressão oralizada.
138
OLSON, D. R.; HILDYARD, A.; TORRANCE, N. Literacy, language, and learning: the nature and
consequences of reading and writing. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p. 14 apud OLSON, David
R.; TORRANCE, Nancy (Comp. ). Cultura escrita y oralidad. Barcelona: Gedisa, 1995, p. 13.
139
M.M.: RESTIVO, Pablo. Phrases Selectas y modos de hablar escogidas y usadas en la Lengua Guarani.
Sacadas del Thesoro escondido que compuso el autor para consuelo y alivio de los fervorosos misioneros
principiantes en la dicha lengua. En el año 1687. Mss. Prologo, 3 fojas sin foliar. Texto 633, Indice, 5 fojas, sin
foliar (de S. Xavier). Referencia: 14/4/41.
140
A título de comparação vale mencionar o caso da Grécia no século VII a.C., onde apesar do advento da
alfabetização não houve uma revolução da escrita, pois não há provas de que o sistema notarial apresentasse
como primeiro objetivo o de reproduzir discursos preexistentes. Apesar de representar um avanço técnico de
grande importância, a escrita de maneira alguma converteu em caduca a oralidade (DETIENNE, Marcel.
Écritures et ses nouveaux objets intellectuels en Grèce. In: DETIENNE, Marcel (Dir.). Le savoirs de l’écriture
en Grèce ancienne. Lilli: Presses Universitaires de Lille, 1988, p. 8).
141
GOODY, Jack. The interface between the written and the oral. Cambridge: Cambridge University Press,
1987b.
54
Assim, as relações entre oralidade e a escrita nas reduções podem ser captadas
através das práticas letradas dos jesuítas. Em alguns documentos, por exemplo, é possível
detectar indícios da vocalidade indígena. Os temas de maior repercussão na sociedade
missioneira circulavam através da voz, e a difusão de alguns assuntos despertou o interesse
dos missionários por certas expressões indígenas.
Um caso exemplar foi o registrado pelo superior da Companhia de Jesus no Paraguai,
Bernardo Nusdorffer. Em meados do século XVIII, junto à correspondência que chegou à
sede da província paraguaia, havia um “papel suelto sin nombre” com um prognóstico
bastante funesto do que havia de acontecer com as reduções guarani, cujo título era: “Razones
que persuaden que las Misiones de Guaraníes absolute, todas se deshazen o à lo menos
respective para los de la Compañia que es lo que se há de considerar bien y fuera mejor el
averlo considerado”. Esse papel anônimo, atribuído a um missionário, apresenta entre as
razões de seus temores a profecia de uma índia de nome Felicitas, que viveu na redução de La
Cruz.
142
O padre Nusdorffer, em visita no ano de 1717 a essa redução, conheceu a Felicitas,
uma senhora viúva, muito assídua às missas e de vida cristã exemplar, congregante mariana e
fiel devota das festas da Virgem. Felicitas morreu com mais de 90 anos de idade e, segundo
Nusdorffer, “predixo varias cosas a varios PP.es que ella realmente no podia saber sin
alguna lux especial”, e as profecias enunciadas por ela foram confirmadas por várias
testemunhas confiavéis, no caso, outros jesuítas. Enfim, parece que a profecia em questão
havia repercutido de forma acentuada entre a população missioneira, sendo muito comentada,
pois, como registrou Nusdorffer, “algunos hablan tanto y tantas vezes y han hablado de esta
Profecia con tanta diversidad”. Como o jesuíta conheceu pessoalmente Felicitas, sendo seu
confessor em mais de uma ocasião, sentiu-se motivado a registrar a sua versão, procurando,
dessa maneira, contrapor-se a eventuais exageros. Assim, na relação que escreveu, em 1754,
sobre o que estava ocorrendo nas reduções, Nusdorffer, amparado nas informações de outros
correligionários, registrou a profecia revelada em 1733, durante uma confissão em língua
guarani, ao padre Pedro Sanna. Previa o que se chamava Mbabuçu oicone, ou seja, “um
trabalho muito grande”. A anciã previu também uma mortandade para as reduções, o que
ocasionaria enorme destruição. O fato é que esta profecia precedeu de poucos anos as
epidemias que ceifaram a vida de muitos Guarani, elevando assustadoramente a taxa de
mortalidade nas reduções e determinando um descenso demográfico elevado, em meio aos
142
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis. tomo VII: do Tratado de Madri à conquista dos Sete Povos (1750-
1802). Introdução, notas e sumário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1969, p. 261-263.
55
efeitos da Revolta dos Comuneros e à grande seca que assolou a região. Portanto, segundo
palavras de Nusdorffer, a profecia, se cumplió ad pedem literae, durante 10 años enteros los
trabajos de estas Misiones”. Conseqüentemente, para a população missioneira, a profecia
conhecida como Mbabuçu oicone gozava de crédito, o que explica a preocupação do jesuíta
em apresentar sua versão para estabelecer um contraponto aos fatos nebulosos que circulavam
a respeito do destino das reduções.
Essa profecia missioneira circulou, por vários anos, na forma oralizada sem jamais
ser mencionada em qualquer documento. A crença nessa visão do futuro, sua difusão e
posterior transcrição por um jesuíta, alerta para a dimensão da oralidade presente no cotidiano
das reduções e para o quanto as informações dependiam de uma vocalização para atingirem
distintos públicos. Durante aproximadamente 20 anos as previsões da índia Felicitas
circularam somente através da expressão oral. Essa longevidade sintetiza a relação sempre
tensa entre a oralidade e a escrita, nas sociedades coloniais, característica pronunciada durante
toda a década em que transcorreram os trabalhos de demarcação na América meridional. A
tensão entre o oral e o escrito foi a origem das muitas vozes que correram pela região
missioneira, alimentando boatos.
O interesse desta análise pelo aspecto da vocalidade não se relaciona com a
percepção das “marcas do oral”, as vacilações, as interjeições próprias da fala ou, para
empregar a terminologia dos lingüistas italianos, o parlato scritto.
143
Relaciona-se, de fato,
com os fragmentos de oralidade que podem ser revelados hoje através da documentação,
tomados como “efeito de oralidade”.
144
Em sociedades como as coloniais, onde a população é
escassamente alfabetizada, o contato é predominantemente realizado pela voz e, por vezes,
alguns documentos registraram manifestações do uso verbal ou comentários tecidos por
terceiros. Entre os documentos consultados, alguns, excepcionalmente, apresentam indícios de
fala, quando se confrontaram universos culturais e algum letrado reproduziu as expressões
nativas verbalizadas. Esses fragmentos de falas, quando transpostas para o texto, recebem nos
manuscritos indicação gráfica de palavras alheias, como fragmentos de testemunhos
agregados a um depoimento.
143
Rafael Cano adverte quanto ao modo de se interpretar a presença da oralidade nos textos antigos, pois os
historiadores da língua têm dedicado atenção a textos onde essa tensão é mais presente, visto que privilegiam as
huellas de lo oral, onde essas marcações são mais perceptíveis (CANO AGUILAR, Rafael. Sintaxis histórica,
discurso oral y discurso escrito. In: BUSTOS TOVAR, José Jesús de (Coord.). Textualización y oralidad.
Madrid: Instituto Universitario Menéndez Pidal: Visor Libros, 2003, p. 33-34).
144
ACHUGAR, Hugo. Histórias paralelas/historias ejemplares: la historia y la voz del otro. In: BEVERLEY,
John; ACHUGAR, Hugo (Ed.). La voz del otro: testimonio, subalternidad y verdad narrativa. Lima:
Latinoamérica Editores, 1992. p. 49-71.
56
Entretanto, como nos indica Lienhard, sempre é necessário lembrar as limitações
metodológicas presentes nesse tipo de informação histórica, pois geralmente trata-se de fontes
geradas sem a participação efetiva do nativo. O autor sinaliza para uma variante considerada a
mais verossímil da fala indígena: o “testemunho do testemunho”.
145
Um informante cita
fragmentos de um diálogo ou reproduz expressões utilizadas por algum ameríndio para apoiar,
por exemplo, a sua argumentação quando questionado em algum pleito em terras americanas.
Inclusive porque essas declarações poderiam ser averiguadas, o que implica uma margem
maior de autenticidade ao “testemunho de testemunho”. Esse recurso poderia ser acionado
sempre que houvesse a necessidade de converter uma fala nativa em prova escrita por parte de
um depoente. Nesse sentido, Peter Burke, ao ponderar quanto às possibilidades de uma
história social do falar, indica que sobre as sociedades do Antigo Regime, durante o
Renascimento, existem algumas fontes razoavelmente fiáveis, garantindo a possibilidade de
empreendimento, nesse sentido.
146
A vocalidade e suas formas de registro, entendidas a partir dessas considerações,
podem contribuir para resgatar a perspectiva de uma parcela da população missioneira.
Muitos dos Guarani presentes nos diversos acontecimentos protagonizados durante os anos de
demarcação apenas expressaram suas opiniões de forma verbal. Através desses indícios de
fala, preservados através da escrita de uma testemunha letrada, ampliam-se as possibilidades
de avaliar as reações indígenas diante desses momentos de tensão. Contudo, sempre é
oportuno esclarecer que, apesar de, em alguns momentos, esta pesquisa procurar distinguir os
diferentes níveis de apreensão e circulação da fala, o seu eixo central é o da produção escrita,
única via possível para captar essa manifestações.
2.2 Índios principais e elite letrada: mestiçagem cultural nas reduções
Na América hispânica a política de valorização das lideranças nativas, através da
cooptação dos índios principais constituiu-se em um dos mecanismos fundamentais para o
êxito da conquista do Novo Mundo. Desde muito cedo, essas lideranças receberam um
tratamento diferenciado em relação aos demais indígenas. A legislação colonial prescrevia
145
LIENHARD, Martin. Testimonio, carta y manifestaciones indígenas (desde la conquista hasta comienzos del
siglo XX). Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1992b (Prólogo, Los textos, 1: “La ‘cita’ y el ‘testimonio del
testimonio’”, p. XVII).
146
Peter Burke, ao argumentar a respeito da viabilidade de uma história social do falar, comenta que nas
sociedades do Antigo Regime “a representação da fala na escrita parece ter sido notavelmente precisa” (BURKE,
Peter. A arte da conversação. São Paulo: Unesp, 1995, p. 35).
57
que, em todas as regiões, desde o século XVI, a população ameríndia devia apresentar uma
distinção entre “nobres” e “vassalos”.
A adoção de medidas dessa ordem foi possível, pois desde os primeiros momentos da
vida cultural hispano-americana houve testemunhos da capacidade indígena (ou mestiça) de
incorporar elementos da cultura ibérica, seja na forma dos novos “produtos”, ou do manuseio
de categorias e de códigos retóricos da cultura ocidental. Tais manifestações e experiências
ficaram registradas nas pinturas e esculturas produzidas pelas elites ameríndias, que atuavam
como intermediadoras culturais obrigatórias entre os europeus e os nativos.
Essa nova perspectiva de entendimento das relações socioculturais avança em
relação às explicações outrora baseadas no binômio resistência e dominação. A mudança de
rumo remete à ruptura operada nas ciências sociais, não mais calcadas em polaridades e
dicotomias, permitindo um espaço de entendimento teórico do papel dos mestiços.
147
Para analisar o caso do México colonial, Serge Gruzinski recorreu ao conceito de
ocidentalização, que expressa as reações indígenas aos modelos de conduta e pensamento
introduzidos pelos europeus.
148
Nesse processo, o autor destaca as permeabilidades culturais
resultantes do contato entre a “cultura” do colonizador espanhol e a “cultura” indígena
conquistada, privilegiando as readaptações e as reapropriações praticadas pelos índios diante
dos modelos da cultura ocidental. As distintas reações manifestas diante do fascínio do
Ocidente (escrita, livro, imagens) determinaram uma reestruturação do pensamento, uma
mestiçagem cultural.
149
A nobreza indígena da Nova Espanha, segundo Gruzinski, por
exemplo, procurou reproduzir ou adaptar-se ao modelo do hidalgo ibérico, construindo uma
identidade apropriada ao modelo “fornecido” pela monarquia hispânica.
150
A historiografia
andina, por sua vez, também dedicou atenção à colaboração direta e indireta dessas elites
indígenas na colonização espanhola.
151
Na realidade, em todas as regiões do Novo Mundo,
147
As leituras atualizadas sobre processos de encontros culturais no período colonial têm permitido superar as
visões bipolares e simplistas, configurando, assim, espaço para novos agentes. Como mencionou Janice
Theodoro “[…] o princípio da oposição colonizador versus colonizado, vencedor versus vencido – refere-se às
formas européias de percepção. Muita coisa escapou a esta história contada com aparente dualidade”
(THEODORO, Janice. América barroca: temas e variações. São Paulo: Edusp: Nova Fronteira, 1992, p. 146).
148
GRUZINSKI, 1991.
149
GRUZINSKI, 2001.
150
GRUZINSKI, Serge. La red agujerada: identidades étnicas y occidentalización en el México colonial (siglos
XV-XIX). América Indígena, v. 46, n. 3, p. 411-433, jul./sept. 1986, p. 415.
151
Para maiores detalhes sobre esse tema, ver: CAHILL, David; TOVÍAS, Blanca (Ed.). Élites indígenas en los
Andes: nobles, caciques y cabildantes bajo el yugo colonial. Quito. Abya-Yala, 2003.
58
tanto as políticas espanholas como as portuguesas foram caracterizadas por uma tendência
muito similar de atração e adaptação das lideranças nativas em favor da causa colonial.
152
A cooptação dos índios principais à sociedade colonial, visando sua integração e
assimilação aos valores do mundo hispânico, foi operacionalizada através da catequese,
associada, por sua vez, à instrução.
153
Essa estratégia educadora mostrou-se um instrumento
eficaz tanto na formação de lideranças ameríndias quanto na interiorização das hierarquias do
corpo místico imperial, adequadas às sociedades indígenas que as reproduziam. Assim, o
tratamento a ser dispensado à nobreza indígena, em diferentes períodos, sempre foi tema
presente na legislação colonial hispano-americana. Os caciques guarani no Paraguai também
foram alvo de atenção por parte das autoridades coloniais, que através de informes
procuravam garantir os privilégios conferidos a esses líderes indígenas. Em meados do século
XVII, por exemplo, a posição de destaque dos caciques junto à sociedade colonial rio-platense
foi novamente informada em um auto. Datado de 29 de janeiro de 1659, esse auto
determinava que os caciques, seus filhos e demais descendentes fossem novamente
distinguidos. O monarca espanhol, em reconhecimento ao papel de destaque desempanhado
pelos caciques guarani, os havia
[…] honrrado y estimado como a tales honrrandolos con el apellido de noble que
usan los españoles llamandoles don fulano etta. Como consta de los padrones y matriculas
antiguas y de los títulos que le han dado de capitanes y corregidores y de las informaciones
certificaciones y demas autos que presento con el juramento y solenidad necesaria.
154
Nessa ocasião, reproduzia-se o mesmo ritual de investidura encenado nas cortes
européias. Afinal, a população indígena valorizava o gestual, e toda a cênica da celebração
contribuía para facilitar a comunicação e conferir importância ao ato, reconhecendo
publicamente a nobreza desses caciques.
Na América de colonização portuguesa, processo semelhante foi verificado junto aos
índios aldeados no Rio de Janeiro. A tese de doutorado de Maria Regina Almeida,
recentemente publicada, indica que a aceitação e fascínio pelos valores ocidentais conferiu um
152
A respeito da importância atribuída ao papel das lideranças indígenas no mundo colonial, ver: ALMEIDA,
2003, p. 150-168.
153
Segundo Pilar Gonzalbo, a instrução “[…] se convirtió en instrumento insustituible de coacción pacífica en
manos de los conquistadores; por otra parte, para los indios representó el vehículo que les permitió el acceso a
la comprensión del nuevo orden(GONZALBO AIZPURU, Pilar. Historia de la educación en la época
colonial: el mundo indígena. México: El Colégio de México, Centro de Estudios Históricos, 2000, p. 19).
154
Archivo General de la Nación, Buenos Aires (doravante A.G.N./BA): Sala IX, Legajo 6/9/3. 1595-1675.
Documento 594 ao 633. Informaciones en favor de los Caciques de la nación Guarani em que se precisa haver
havido siempre caciques. 29 enero 1659.(Copia de los autos de informaciones para esclarecer que todos los
pueblos tienen sus casiques, fecha en 22 marzo de 1678).
59
maior nível de instrução aos indígenas do Rio de Janeiro, inclusive iniciando-os na escrita
alfabética em língua portuguesa.
155
A partir do domínio das técnicas da escrita e do acesso aos
instrumentos básicos, tais como papel e tinta, as populações indígenas promoveram usos
diversos ao seu saber letrado, como indicou admirado o padre Antonio Vieira. Em meados do
século XVII, os índios principais da serra de Ibiapaba escreveram em português cartas “em
papel de Veneza, e fechadas com lacre da Índia”, apresentando aos padres algumas
reivindicações das parcialidades aldeadas no Maranhão.
156
No Paraguai colonial, logo após o estabelecimento em Assunção da Província
Jesuítica homônima a essa região, os padres iniciaram a instrução dos Guarani por eles
aldeados. Na carta ânua de 1610, um missionário registrou que já estava funcionando na
redução recém-instalada de Santo Inácio Mini uma escola em que as crianças compareciam
todos os dias “mañana y tarde, a leer y escribir, acudiendo con mucho fervor, y así se ve el
fruto, porque saben algunos leer y escribir”.
157
Os progressos no aprendizado das letras,
indissociável da catequese, foram rápidos, a se julgar pelo tom otimista e empolgado de outro
jesuíta, em outra ânua, de 1612, que relata como os “[…] niños como niñas muy expertos en
la doctrina y catecismo y los niños van leyendo y escribiendo, ayudan a la misa y cantan ya
en ella”.
158
A grande audiência às escolas, nos primeiros tempos de catequese, foi limitada nas
décadas seguintes, tornando-se a instrução ministrada mais seletiva.
159
Os jesuítas procuraram
concentrar suas atenções na formação de uma elite, como fica evidente nas tentativas de
cooptação dos caciques e de seus descendentes diretos. Apesar das prescrições presentes à
Recopilación de Indias (1680), os critérios para o ensino da escrita nas reduções estavam
orientados por valores que excluíam, evidentemente, as mulheres.
160
Este é o principal motivo
160
A instrução ministrada pelos jesuítas aos tutelados sob sua égide, a partir de 1680, deveria atender às
recomendações presentes à Recopilación de Leyes de Indias, que prescrevia que em cada cidade, pueblo ou
redução deveria existir uma escola “[…] y en los que no pudiese haver mas de una, y hubiesen de concurrir
ambos sexos, fuese con separación; y pasado de diez años las Niñas, no se les permitiese ir mas á la escuela
[…]” (NOTAS a la Recopilación de Indias: origen e historia ilustrada de las Leyes de Indias, por Manuel Joseph
Ayala. Madrid: Ediciones Cultura Hispánica, 1945. Libro I, p. 229).
155
ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Os índios aldeados no Rio de Janeiro colonial: novos súditos cristãos
do império português. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)–Unicamp, Campinas, 2000, p. 152; ALMEIDA,
2003.
156
VIEIRA, Antonio. Escritos instrumentais sobre os índios. Ensaio introdutório de J. C. Sebe Bom Meihy. São
Paulo: Loyola, 1992 (“Relação da missão da Serra de Ibiapaba”, p. 139).
157
Apud MASSARE DE KOSTIANOVSKY, Olinda. La enseñanza en las reducciones. In: JORNADAS
INTERNACIONALES MISIONES JESUÍTICAS, 5., 1994, Montevideo. Anales… Montevideo: [s.n.], 1994, p.
115.
158
Biblioteca Nacional, Madrid (doravante B.N./M): Sala Cervantes. Manuscritos. 1050. Misiones de los jesuitas
en América en el año de 1612. De las dos misiones y reducciones de Nro Sra de Loreto y de Nuestro Padre Santo
Ignacio, p. 19.
159
[…] y entre ellos los mismos Padres jesuitas misioneros de las reducciones hablan de una alfabetización
más bien selectiva” (THUN, 2000, p. 13).
60
da inexistência, ou sequer a menção mesmo indireta, em qualquer documento colonial do
período jesuítico, a respeito de um texto escrito por uma mulher nas reduções guarani. Às
mulheres estava reservada apenas a instrução oral do catecismo. Segundo Cardiel, depois da
missa
Salen de la iglesia, los hombres y muchachos al patio de los Padres, las mujeres y
muchachas al cementerio […] En el patio uno de los cabildantes, de mejor voz y más
afluente en el hablar, repite la plática que hizo el Padre, como puede, y algunos (según
dicen los padres, que suelen oíles sin ser vistos) la repiten casi al pie de la letra; […] Lo que
el cabildante hace con los varones en el patio, hace un viejo señalado y de autoridad con las
mujeres en el cementerio.
161
Assim, através da educação básica preparava-se a elite indígena, diferenciando-a,
portanto, culturalmente, da população em geral. A instrução ministrada segundo os preceitos
cristãos estava voltada inicialmente apenas à leitura do catecismo.
162
Nas reduções jesuíticas,
de fato, houve um forte dirigismo, e os padres selecionavam os Guarani mais aptos para as
escolas missioneiras, inicialmente recrutando entre os filhos dos caciques o seu alunato.
163
Desde a infância, os jesuítas selecionavam e orientavam os mais capazes para o exercício de
alguma atividade especializada. Por meio do ensino ministrado nas escolas de “ler, escrever e
contar”, os jesuítas acompanhavam o desempenho dos Guarani iniciados nas artes y oficios,
ocasião na qual aproveitavam para despertar nos mais habilidosos o gosto pela música. O
canto e a música, manifestações artísticas bastante valorizadas entre os Guarani, foram
aproveitados pelos missionários como instrumentos para avaliar o grau do saber religioso
indígena, revelando como o uso do alfabeto, da escrita fonética, foi a via mais imediata para a
evangelização pretendida.
164
161
CARDIEL, Jose. Compendio de la Historia del Paraguay (1780). Estudio preliminar de José M. Mariluz
Urquijo. Buenos Aires: Fecic, 1984, p. 97.
162
As reduções configuravam-se, no Paraguai colonial, como um espaço social da escrita. Sendo que duas
atividades foram de destaque no uso da escrita: o ensino do catecismo aos catecúmenos e a atenção nas escolas
para os jovens cristãos. Ver: ORUÉ POZZO, 2002, p. 81.
163
Segundo Hernandez, os jesuítas “[…] no se empeñaron en enseñar á todos á leer […]” (t. 1, p. 96),
demonstrando preferência pelos “[…] niños que descubrían buenas capacidad, y muy especial a los hijos de
personas con cargos en el pueblo, eran elegidos para la escuela de leer y escribir” (HERNANDEZ, Pablo.
Organización social de las doctrinas guaraníes da la Compañía de Jesús. Barcelona: Gustavo Gili, 1913. t. 1, p.
93).
164
A escrita nesse contexto é concebida como uma forma de violência. “Bajo condiciones de oralidad, las
personas identifican y resuelven problemas trabajando juntas. La cultura escrita provoca una ruptura de la
unidad: permite y promueve la iniciativa individual y aislada para identificar y resolver problemas. La cultura
escrita produce un tipo distinto de unidad, pasando a través de los distintos grupos sociales y estableciendo
nuevos grupos de interés que manipulan a los analfabetos para satisfacer a sus própios interés.
(PATTANAYAK, D. P. La cultura escrita: un instrumento de opresión. In: OLSON, David R.; TORRANCE,
Nancy (Comp.). Cultura escrita y oralidad. Barcelona: Gedisa, 1995, p. 148).
61
2.3 O cabildo e as lideranças nativas: a tensão entre caciques e corregedores
Uma vez definidos os critérios que pautariam a instrução cristã e a vida em redução,
os jesuítas passaram a estabelecer as bases de uma organização político-administrativa que
procurava congregar as lideranças nativas. Segundo Arno Kern, no início do século XVII, as
primeiras reduções do Paraguai começaram a formar seus cabildos indígenas. A carta ânua de
1626/1627 e o padre Mastrilli Durán, provincial à epoca, mencionavam a instalação de um
cabildo, espécie de conselho de cada redução.
165
Esses cabildos indígenas foram uma
adaptação dos cabildos espanhóis para acomodar a elite nativa e aproveitá-la no
gerenciamento da população.
166
Outro testemunho da precoce formação desses cabildos missioneiros é a transcrição
feita, em 1630, pelos jesuítas, de uma resposta dos Guarani de Santo Inácio Mini. Nessa
ocasião, quando o cabildo foi reunido os indígenas manifestaram-se em decorrência de duas
provisões reais que proibiam os abusos dos espanhóis, limitando o trabalho indígena nos
ervais.
167
A resposta em língua guarani, acompanhada de sua respectiva tradução em
espanhol, demonstra a importância que a escrita desfrutava nessas ocasiões, além de atestar a
atuação dos cabildantes diante de temas polêmicos. Um elevado grau de veneração rondava as
práticas de escrita nas primeiras décadas de evangelização nas reduções, e os jesuítas
souberam tirar proveito desses momentos de conferência com os nativos.
168
As crônicas indicam que, nas reduções, igualmente, houve um tratamento diferencial
aos índios principais, entre os quais eram recrutados os cabildantes, sendo promovida entre
esses a alfabetização na língua nativa. Através de José Cardiel,
169
somos informados dos
critérios que pautavam a instrução “escolar” nas reduções:
165
Sobre a implantação das instituições político-administrativas nas reduções, ver: KERN, 1982, p. 45.
166
BAYLE, Constantino. Cabildos de indios en la América española. Missionalia Hispanica, Madrid, año 8, n.
22, p. 5-35, 1951; FURLONG, Guillermo. Misiones y sus pueblos de Guaraníes. Buenos Aires: Imprenta
Balmes, 1962 (“Gobierno civil de las reducciones”, p. 366-372).
167
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis: tomo I: jesuítas e bandeirantes no Guairá (1594-1640). Introdução,
notas e glossário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951, p: 352 e seguintes: “XLIX –
Resposta que os índios de Santo Inácio Mini deram aos padres Joseph Cataldino e Cristoval de Mendiola,
quando estes lhes comunicaram as privisões reais em que manda aos índios das reduções não sirvam mais que
dois meses, nem sejam levados a maracaju na estação doentia. Acompanhado do testemunho de vários padres da
Companhia. Santo Inacio, 14-VIII-1630.
168
[…] estando todo el cabildo junto de los dichos indios y gran parte del pueblo respondieron todo lo
siguiente que por que se vea la fuerza de sus palabras se pondran en su misma lengua como ellos lo dijeron y se
traducira en nuestra vulgar fielmente al modo que se sigue” (MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1951, p.
352).
169
As obras de José Cardiel apresentam uma descrição geral do funcionamento das reduções, principalmente em
meados do século XVIII, quando as instituições político-administrativas e as atividades econômicas e militares já
estavam plenamente constituídas. Essas descrições, em geral, foram tomadas como o modelo acabado das
reduções, apesar de apresentarem uma defesa do sistema reducional, principalmente os textos escritos no exílio.
62
Vienen a la escuela los hijos de los caciques, de los cabildantes, de los musicos, de los
mayordomos, de los oficiales mecánicos; todos los cuales componian la nobleza del pueblo
en su modo de concebir y también vienen otros si lo pide sus padres.
170
Havia, portanto, uma possibilidade, mesmo que limitada, para o ingresso de outros
indivíduos nas “artes e ofícios”, mesmo sem apresentarem vínculos de parentesco direto com
os índios principais ou oficiais. Os Guarani que recebiam instrução escolar ascendiam à
condição de membros da “elite missioneira”, apresentando condições de fixar os
acontecimentos através da escrita, expressando um pensamento que já não era mais
exclusivamente indígena, mas fruto dessa ocidentalização.
171
O mesmo acontecia com os integrantes dessa elite, que vocalizavam as ordens e
repassavam as decisões aos demais, partilhando com os “não-leitores” as informações que
chegavam por escrito às missões guarani. O papel desempenhado por essa elite nativa também
pode ser mensurado através das funções administrativas existentes em cada redução e nos
mecanismos de cooptação acionados para o êxito da ação missionária. Afinal, cada redução
contava apenas com um ou dois jesuítas para atender uma população que variava entre dois a
três mil habitantes. Sem a colaboração desses índios principais, seria impossível a
organização e o controle das atividades em geral. A transcrição em espanhol da declaração
feita pelo corregedor de São Tomé, Christobal Capyi, em 1669, informando sobre
preparativos dos portugueses para invadir as reduções, é uma amostra da participação desses
índios principais no gerenciamento da vida em missão.
172
Anos depois, quando Portugal
ocupou uma das margens do rio da Prata, fundando, em 1680, a Colônia do Sacramento, entre
as lideranças que atuaram contra os portugueses estava novamente Christobal Capyi e outros
dois Guarani, “todos tres indios de importancia y valor”.
173
Estes exerceram funções militares
de comando junto à tropa missioneira destacada para essa operação, e, nessa ocasião, os
índios principais que participaram do conselho de guerra celebrado após a tomada de
Portanto, é necessária atenção no momento de leitura dessas fontes, visando não absolutizar suas afirmações para
todo o período de existência das reduções.
170
CARDIEL, Jose. Breve relación de las Misiones del Paraguay. In: HERNANDEZ, Pablo. Organización
social de las doctrinas Guaraníes de la Compañia de Jesus. Barcelona: Gustavo Gili, 1913, t. 2, p. 557.
171
Ao tratar do México colonial, Gruzinski demonstra como os índios reproduziram o imaginário ocidental
conferindo uma nova dimensão a partir do processo mimético. E tanto a leitura e a escrita, como a música, e as
demais expressões gráficas, prestavam-se às adaptações e à interpretação inventiva indígena (GRUZINSKI,
2001, p. 93-110).
172
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis: tomo IV: jesuítas e bandeirantes no Uruguai (1611-1758).
Introdução e notas: Helio Viana. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970, p. 345-347.
173
MANUSCRITOS da Coleçao de Angelis: tomo V: Tratado de Madri: antecedentes: Colônia de Sacramento
(1669-1749). Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional: 1954, p. 27-37.
63
Sacramento deixaram seus nomes registrados no final desse encontro
174
. Esse documento é
uma clara demonstração do quanto essas lideranças eram valorizadas, sobretudo em
conjunturas de guerra, e como a prática da escrita estava presente nessas solenidades. Com
efeito, nesses momentos, se ratificava a importância da produção textual entre os Guarani,
manifesta através do registro desses atos. As funções dessa elite ilustrada não estavam
circunscritas apenas às questões capitulares, muito pelo contrário, abrangiam desde o
gerenciamento material às manifestações religiosas e culturais de cada redução. Essa elite
atuava como intermediária entre dois mundos culturalmente distintos.
175
Um exemplo dessa
colaboração e do nível cultural atingido encontra-se no comentário do jesuíta Francisco
Jarque, no último quarto do século XVII, ao referir-se a um desses letrados:
[…] un Cacique Loreto (que al presente vive) se ocupa de componer Platicas, y
Sermones en su lengua, con la disposición, que pudiera un sabio Predicador, de tema,
narración, exordio, pruebas con lugares de Escritura, y Santos, ponderación, persuasión,
epilogo etc. quando ignora algun lugar, le preguntan à un Padre. Asi escritos los Sermones,
los ofrece à los Padres, que entra de nuevo en aquellas Misiones, y les sirven para empezar,
mas que los Cartapacios de Hortensios, y otros mas celebrados Oradores, porque están
discurridos mas al genio de los Indios.
176
Como se pode constatar, os caciques desempenharam um papel de extrema
relevância nos anos iniciais da vida em redução. Motivo pelo qual, ao chegar às aldeias
guarani, os jesuítas sempre dirigiam suas maiores atenções a eles.
177
Aos caciques
missioneiros, igualmente, estava reservado o título nobiliário de Don, que indicava a nobreza
indígena. No entanto esses índios nunca omitiram sua origem, reconhecida inclusive pela
legislação colonial. Havia, por outro lado, uma restrição, determinada por esta mesma
legislação, que impedia a concessão desse título a qualquer indígena, visto que somente
174
CAMPAÑA del Brasil: antecedentes coloniales: tomo I (1535-1749). Buenos Aires: Guillermo Kraft, 1931, p.
218.
175
A respeito do papel dos caciques como “mediadores culturais” na América hispânica, ver: ARES QUEIJA,
Berta; GRUZINSKI, Serge (Coord.). Entre dos mundos: fronteras culturales y agentes mediadores. Sevilla.
Publicaciones de la EEHA, 1997.
176
Apesar de sua obra ter sido escrita longe do Paraguai colonial, o autor aporta dados interessantes de sua
própria experiência missional, e também aproveita escritos de outros jesuítas (JARQUE, 1687, p. 361).
177
A importância dos caciques sempre foi valorizada pelos jesuítas, que procuravam cooptá-los como condição
para o êxito das reduções nos primeiros anos de evangelização. Por meio do relato de um missionário, no início
do século XVII, podemos acompanhar a ação empreendida: “Partiose el Padre confiado mucho en N. S que le
ayudaria y elegió al pueblo un cacique de los mas principales y temidos que hay en aquella tierra que fue
adonde recibieron mal al clerigo y en sabiendo Iabubisi que asi se llama el cacique vino con los demas
principales de su pueblo con muchas muestras de amor y contento a visitar al Padre regalandole con su pobresa
y todos los indios varones y mugeres vinieron a la iglesia a oir la doctrina […]”. B.N./M: Sala Cervantes.
Manuscritos. 1050. Misiones de los jesuitas en América en el año de 1612. De las dos misiones y reducciones de
Nro Sra de Loreto y de Nuestro Padre Santo Ignacio. p. 15.
64
poderia ser conferido aos caciques. Assim, os integrantes do cabildo de São Tomé, através de
um memorial datado de fevereiro de 1742, solicitaram ao provincial Antonio Machoni a
indicação do corregedor dessa redução como “sucesor en el cazicazgo”, pois o falecido Pedro
Apui não possuía parentes próximos ou distantes e a legislação prescrevia a hereditariedade
dessas funções, procurando, dessa maneira, preservar a nobreza dos ocupantes.
178
Esse
episódio singular somente foi conhecido por intermédio de uma averiguação, realizada em
novembro de 1763, duas décadas depois da petição desse cabildo, por ocasião da chegada do
visitador Nicolas Contucci às reduções. O documento indica ainda que, em algumas ocasiões,
as dinâmicas nativas, adotadas para definir a sucessão dos cacicados missioneiros, nem
sempre foram compatíveis com o que prescrevia a legislação colonial, entrando em conflito
frontal com os critérios fixados pelas leis. Em março de 1742, o provincial Antonio Machoni,
provavelmente sob influência do memorial encaminhado pelo cabildo da redução de São
Tomé, nesse mesmo ano, informou ao padre superior as instruções que deveriam ser
repassadas aos demais padres missioneiros. Entre as recomendações, enfatizava que a
[…] todos los caciques se muestre alguna estimación mas, aprecio de sus personas
para que sus vasallos los respecten, y veneren, y para estos a los que son habiles y de bon
proceder, se les dara Oficio en el Cabildo, y en las funciones de la Iglesia se les dara
asiento en los bancos […].
179
Avaliavam os jesuítas que essas medidas contribuiriam para manter o prestígio e a
distinção, fundamentais para a liderança exercida pelos caciques. As recomendações de
Machoni, expedidas no mesmo ano do conflito sucessório em São Tomé, indicam que os
critérios estabelecidos pela legislação colonial e aplicados pelos jesuítas para definir as
funções dos índios principais e dos aspirantes aos cargos da administração reducional
estavam sendo questionados por alguns Guarani missioneiros. Isso levou o provincial a
contemplar o assunto. De fato, como se viu, uma das estratégias de valorização dos caciques
repousava na manutenção do secular tratamento diferenciado aos filhos desses caciques “[…]
y de estos se tendra especial cuidado en su crianza poniendolos en la escuela para que
178
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/6. O visitador Nicolas Contucci menciona, em seu parecer de 1763 sobre
um título de Don, conferido por “equívoco” a um índio que não era cacique: “El qual titulo de Don no da a los
demas que no son caziques, como consta de los despachos varios que tengo en mi poder. Esse documento
indica uma disputa entre os jesuítas e o cabildo indígena na indicação das autoridades capitulares, enfrentamento
de autoridade pouquíssimas vezes documentado.
179
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los Generales. Memorial del P. Provincial Antonio Machoni
para el P.e Superior Sus Consultores, que comunicara a los P.P missioneros de estas Doctrinas del Parana, y
Uruguay em las Segunda Visita de 7 de Marzo de 1742.
65
aprehendan a leer, y escribir aunque no hayan de ser cantores”.
180
A recomendação do
provincial Machoni, no memorial acima citado, indica que as habilidades letradas estavam
sendo concebidas com outra finalidade, não se restringuindo apenas aos usos religiosos.
Afinal, em uma sociedade de escassa alfabetização, a habilidade escritural atuava como signo
de distinção social.
181
A escrita, diante de uma crescente necessidade social, a se julgar pelos
diferentes usos de que desfrutou a tecnologia gráfica em determinadas ocasiões, como nos
conselhos de guerra, passou a conferir maior prestígio aos índios principais.
182
Nas reduções, eram os caciques que possuíam autoridade sobre os seus liderados,
orientando seus homens na execução de tarefas cotidianas. Era entre os caciques de uma
redução que se indicava o capitão militar, principal responsável pelo comando da milícia
guarani.
183
Os cacicados seguiam, portanto, atuantes nas reduções, levando os provinciais a
tomarem cuidado para não comprometer o equilíbrio entre as lideranças nativas. Assim, o
provincial Jaime Aguirre, procurando atender as reivindicações que escutou, em visita às
reduções do Paraná e Uruguai, em 1722, manifestou-se favoravelmente aos caciques, para que
[…] se les restituan algunos de sus vasallos que moran en otros Pueblos, y para atalar las
diferencias y desgustos que semelanta pretensiones suelen originarse”.
184
Tal recomendação
procurava estabelecer uma medida preventiva que contribuísse para o retorno dos índios
evadidos aos seus respectivos cacicados.
Os cabildos missioneiros já estavam funcionando regularmente no século XVIII e o
cerimonial de ascensão dos novos cabildantes, nessa época, estava pautado em uma
solenidade que envolvia a escrita entre seus rituais. Conforme Guillermo Wilde, um dos
aspectos centrais para se compreender o cerimonial estabelecido nas reduções é considerar a
importação de símbolos e rituais de tradição hispânica incorporados à organização das
180
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los Generales. Memorial del P. Provincial Antonio Machoni
para el P.e Superior Sus Consultores, que comunicara a los P.P missioneros de estas Doctrinas del Parana, y
Uruguay em las Segunda Visita de 7 de Marzo de 1742.
181
A esse respeito MELIÀ manifestou a seguinte opinião: “Saber escribir, al menos como amanuense y como
secretario, constituía una habilidad que confería prestigio, aunque no necesariamente poder.” (MELIÀ, 1994,
p. 82).
182
“Consejo de Guerra en el que los jefes Indios opinan por la translación del ejercito al rio San Juan y porque se
apresuren las operaciones, San Gabriel, 23 de julio de 1680”. Ao final do documento os capitães índios
assinaram pelos demais: D. Francisco Ureta; D. Christobal Capiy; D. Ignacio Amandau; D. Juan Angua; D.
Miguel Arabe e D. Geronimo Guarobay (CAMPAÑA del Brasil: antecedentes coloniales: tomo I (1535-1749).
Buenos Aires: Guillermo Kraft, 1931, p. 218).
183
KERN, 1982, p. 41.
184
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/9/5. Compañia de Jesus 1703-1722. Órdenes del P. Provincial Joseph de
Aguirre en la visita de estas doctrinas del Paraná y Uruguay y declaración de algunas dudas en este presente año
de 1722.
66
autoridades nativas, elementos fundamentais para a definição dessa nova estrutura
sociopolítica nas reduções.
185
O missioneiro José Cardiel descreveu de maneira pormenorizada os procedimentos
de posse dos cabildantes eleitos. No primeiro dia do ano, se escreviam os nomes dos
indicados e uma lista era apresentada ao padre para receber seu parecer. Essa lista era
posteriormente enviada ao governador para que este homologasse a indicação. Nesse mesmo
dia, diante do pórtico da igreja, era realizada a posse dos novos cabildantes, e para tanto
[…] ponen los sacristanes una silla ordinaria para el Cura, una gran mesa al lado,
donde se pone el bastón del Corregidor, las varas de los Alcaldes y todas las demás
insignias de los Cabildantes, y también ponen el compás del maestro de música, que es una
banderilla de seda […] y otras insignias de oficios economicos: y con ellas los bastones y
banderas, y demás insignias de los oficiales de guerra: que todos éstos los ponen también
los Cabildantes en su papel […].
186
O resultado do ato de investidura era registrado por escrito, e após esse momento,
recebiam os eleitos as explicações dos padres, ocasião em que eram informados das suas
obrigações como integrantes do cabildo. Nas reduções guarani o número de cargos nos
cabildos, ao que tudo indica, foi ampliado diante da organização e continuidade dos trabalhos
executados por essa elite indígena.
As distintas atribuições exercidas pelos Guarani nos cabildos não eram funções
nativas, sendo definidas pela própria condição colonial. O léxico da língua guarani pré-
contato não contemplava uma denominação para essas atividades, visto inexistirem tais
categorias nas sociedades indígenas. Assim, foram gerados neologismos a partir da língua
guarani para designar esses ofícios no cabildo.
187
Desta maneira, se cunhou a expressão
guarani Poroquaitara, para indicar o corregedor, Ibirayaruçu para os alcaides, Ibirayara para
os alguazis,
188
todos conhecidos como Cabildoiguara (cabildantes).
189
O secretário era o
responsável pelas atas e documentos, motivo pelo qual era denominado Quatiàapohara, ou
seja, o que trabalha nos escritos.
185
WILDE, 2003a, p. 50.
186
CARDIEL, 1913, t. 2, cap. 5, p. 523.
187
Conforme Montoya, no seu Tesoro de la Lengua Guarani: “[…] tampoco tenia nombres con que designarlos,
pero llegaron à ser vocabulos corrientes en las doctrinas, porque ya desde el principio al establecer los cargos
hubieron de darles los Misioneros nombre acomodado al génio de la lengua, ó los mismos índios se lo aplicaron
a cada uno” (apud HERNANDEZ, 1913, t. 2, p. 110, nota 2).
188
Em espanhol “alguacil”, termo que designa oficial inferior de justiça que executa as ordens do tribunal a que
serve, oficial inferior encarregado de executar as ordens dos “alcaldes”.
189
HERNANDEZ, 1913, t. 2, p. 108.
67
Segundo Hernandez, nos cabildos missioneiros há duas funções cuja origem não é
muito clara: o de corregedor e o de tenente de corregedor. Entre essas atribuições, a de
corregedor era a mais importante e competia ao tenente de corregedor desempenhar as
funções de corregedor, em caso de doença ou ausência.
190
Havia ainda um mayordomo
(administrador) para cada redução e, apesar de ser ofício reconhecido na estrutura
administrativa, não atuava nas sessões, exercendo suas funções de maneira desvinculada dos
demais cabildantes.
191
Para esse ofício não foi estabelecido nenhum neologismo,
provavelmente porque não desfrutava de um poder político efetivo, atuando como procurador
dos assuntos coletivos.
Contudo, os aspectos vinculados à promoção social através da escrita entre os
Guarani tornar-se-iam mais evidentes após a expulsão dos jesuítas, como indica um
documento de 1769. Nesse ano, por exemplo, no momento de designar o novo corregedor de
Yapeyu, foi enviada uma carta, em espanhol, ao governador, sugerindo alguns nomes para
ocupar esse cargo. Estava prescrito, entre as indicações de nomes, que os postulantes
deveriam ser “inteligentes por saber leer y escrivir”.
192
Portanto, a escrita passou a apresentar
uma maior importância no provimento das funções exercidas junto aos cabildos missioneiros.
É bastante evidente o papel decisivo desempenhado pelos caciques para o arranque
das reduções; entretanto, durante o século XVIII, a organização interna das reduções gerou
uma forte tensão entre estes e os corregedores. Homens de confiança dos jesuítas, inseridos na
hierarquia colonial pelo cabildo, os corregedores eram lideranças que se amparavam em uma
autoridade conferida pela política administrativa estabelecida nas reduções. Os corregedores e
os cabildantes gozavam de vantagens em relação aos demais índios principais, sendo um
grupo formado e educado pelos jesuítas nas escolas. Integrar esse grupo outorgava vantagens
econômicas e reconhecimento social, pois esses índios pertenciam à elite letrada, e de suas
fileiras recrutava-se a nova elite administrativa das reduções.
O poder dos caciques, por sua vez, decorria de seu prestígio e liderança exercida
junto à população missioneira, e manteve-se sempre atuante nas reduções guarani. Porém, por
vezes, entrou em conflito com o dos corregedores, principal autoridade nativa junto aos
cabildos missioneiros. No século XVIII, ao que tudo indica, os corregedores eram recrutados
entre os índios de maior confiança, selecionados por suas ações e aptidões, diferenciando-se
190
HERNANDEZ,1913, t. 2, p. 112.
191
Eran también cargos públicos, pero no anejos al cabildo, aunque subordinados al mismo, el de Mayordomo
del Pueblo o Procurador” (FURLONG, 1962, p. 371).
192
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1 [carta ao governador notificando a morte do corregedor de Yapeyu].
68
dos caciques, cujo prestígio estava pautado em critérios nativos e preservados pela legislação
colonial.
Entre os índios principais, nem todos estavam inseridos no mundo letrado, sendo as
distintas competências resultantes da própria dinâmica cultural que determinava uma
diferenciação interna dentro desse segmento missioneiro, e também em relação aos demais
homens comuns, conhecidos como aba guaipí ou aba ní.
193
Como a elite missioneira não se
apresentava de maneira homogênea, um dos elementos de diferenciação foi o acesso ao
mundo letrado. A consulta à documentação indígena indica que os caciques, no século XVII,
ao participarem de conselhos de guerra, foram capazes de assinar o próprio nome, mas
quando outros caciques estiveram envolvidos em situações similares, no século XVIII, nem
todos apresentaram a mesma competência, sendo que alguns, inclusive, apenas sabiam grafar
uma cruz.
Os índios principais de cada redução, quando habilitados na escrita, costumavam
indicar a sua própria função no cabildo, prática que demonstra uma posição superior na
hierarquia reducional. As distintas atribuições exercidas pela elite missioneira aparecem
especificadas na documentação. O próprio corregedor, principal magistratura nas reduções, na
segunda metade do século XVIII, costumava iniciar as atas lavrando o seguinte termo: Che
corregidor haé Cabildo (“Eu o corregedor e o cabildo”).
194
Em contrapartida, a influência dos caciques havia sofrido profundas transformações
até o século XVIII nas reduções, e de lideranças destacadas e eloqüentes gradativamente
passaram a ser representantes de sua parcialidade dentro do conselho da redução, que por sua
vez estava submetido ao cabildo. Após a expulsão dos jesuítas, em 1768, foi acentuada e
explicitada a disputa existente entre os cabildantes e os caciques.
195
Inclusive, o governador
de Buenos Aires, Francisco de Paula Bucareli, expressou, desde um primeiro momento, a
necessidade de designar caciques como corregedores e cabildantes. Posteriormente, em
correspondência a Bucareli, o governador interino do departamento das missões orientais,
Bruno de Zabala, alegaria que a política dos jesuítas tinha “[…] abatidos a los caciques a
pocos de ellos los instruiam a leer y escribir solo echando mano de los muchachos que
criaban ya en su servicio y en sacristanes y musicos, por este motivo raro cacique hay que
193
A expressão guarani significa “homem mandado” ou “criado”, “homem desocupado e sem valor”
(DREIDEMIE, 1923 apud BALLESTEROS, Juan Carlos P. La educación jesuítica en las reducciones de
guaraníes. Prol. Carlos A .Uzin. Paraná: Universidad Nacional de Entre Ríos, Facultad de Ciencias de la
Educación, 1979, p. 44).
194
HERNANDEZ, 1913. t. 1, p. 110.
195
WILDE, 2001.
69
sepa leer y escribir […]”.
196
Essa informação é passível de comprovação através das
assinaturas deixadas pelos índios na documentação missioneira. Nos documentos lavrados nas
reduções, na segunda metade do século XVIII, observa-se que os caciques pouco a pouco
foram perdendo importância e deixando de registrar seus nomes.
Os integrantes dessa elite eram aqueles que vocalizavam as ordens e repassavam as
decisões aos demais índios, partilhando, dessa forma, com os não-leitores as informações que
chegavam por escrito às missões guarani. O repasse das ordens oficiais remete ao problema
das distintas competências que envolviam o “letramento”. Enfim, como foi visto, as funções
da elite missioneira não estiveram restritas unicamente às questões capitulares, mas também
diziam respeito ao gerenciamento material, às manifestações religiosas e culturais, sendo os
cabildantes os responsáveis pelo controle social do trabalho, da produção e dos costumes.
Fato que, em determinadas ocasiões, colocava em campos opostos caciques – que não
ocupavam cargos no cabildo – e os corregedores.
2.4 A delegação das práticas letradas nas missões
A história da leitura na América colonial não é redutível a um prolongamento do
modelo de experiência européia, principalmente, pelo fato de que a aquisição da escrita
(alfabética) por sociedades até então ágrafas como a guarani era uma situação ímpar. A
gramaticalização da língua guarani potencializou a transição de um regime de registro para
outro, sendo que, nas reduções, e na maioria dos casos análogos de redução lingüística, essa
passagem deflagrou uma diferenciação nos níveis socioculturais pristinos.
Igualmente é necessário levar em conta que ler, na América colonial, não implicava
obrigatoriamente dominar a escrita – o que dificulta a especificação das competências
díspares. Para determinar o número de prováveis leitores, os historiadores têm recorrido ao
número de livros, textos e diversas formas de acesso à cultura escrita como indicadores do
nível de alfabetização. Certas potencialidades das práticas letradas estão bem além dos índices
mensuráveis de alfabetização, remetendo às diferentes formas de apropriação do texto pelo
leitor.
Nesse sentido, a obra de Roger Chartier sobre “leituras e leitores” no Antigo Regime
é um bom exemplo. O autor procura mostrar como os diferentes usos da leitura e dos mesmos
textos por leitores distintos auxiliam na compreensão de quem eram os leitores populares, no
196
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Carta de Zabala al gobernador, Candelaria 31 de agosto de 1770 (apud
WILDE, 2001, p. 92).
70
século XVIII.
197
Exatamente por negar a possibilidade de qualquer conceituação esquemática,
Chartier advoga que a história cultural deve dar conta de “[…] identificar o modo como em
diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a
ler”.
198
Dessa forma, determina as classificações e exclusões operadas em uma sociedade.
Assim, a leitura não é considerada apenas como um mero ato intelectual, mas pensada como
“[…] prática de múltiplas diferenciações, em função das épocas e dos meios, e a significação
de um texto depende, também, da maneira como ele é lido (em voz alta ou silenciosamente,
na solidão ou com companhia, em recinto privado ou em praça pública)”.
199
As reflexões de Chartier abrem espaço para se discutir as práticas de leitura na
América colonial e suas relações com o problema da delegação do ato de ler e de escrever.
200
Esses leitores, ao praticarem leituras em voz alta para pequenos públicos, facultavam aos
iletrados ou analfabetos o acesso ao mundo da cultura escrita, das práticas letradas.
201
Tal
situação decorre do fato de que a promoção social através da alfabetização é muito difícil,
ainda mais que a capacidade de ler e de escrever não é funcional a todos os tipos de trabalho
desenvolvidos nas reduções, motivo pelo qual o ensino da escrita ficou restrito a um grupo
pequeno. Segundo Jack Goody, a escrita alfabética não necessita a criação de um grupo de
escribas, “[…] no entanto, um processo bastante semelhante ocorre quando a educação letrada
se estende a povos previamente não-letrados (ou até a estratos iletrados)”.
202
A delegação das práticas letradas
está associada às possíveis leituras praticadas pelos
Guarani das missões diante do texto escrito, pois, se a leitura e a escrita são hoje em dia
práticas muito presentes nas atividades cotidianas, no mundo colonial tais modalidades de
circulação e comunicação nem sempre desfrutaram da mesma aceitação. Recompor tais
práticas demanda a construção de uma tipologia da delegação, estabelecida a partir de uma
correlação com as modalidades de usos do escrito nas reduções. Ou seja, explorar as maneiras
de ler que já não ocorrem mais, resgatando-se as “atitudes antigas”, em que as apropriações da
leitura escapam às previsões e expectativas do entendimento estrito do texto, privilegiando,
dessa forma, uma arqueologia das práticas desaparecidas. Como observaram João Hansen e
197
CHARTIER, 2004.
198
CHARTIER, 1988, p. 16.
199
CHARTIER, 1999, v. 2, p. 123.
200
A “delegação da escrita” é um conceito desenvolvido por Armando Petrucci, e refere-se a um fenômeno
muito difundido, principalmente em sociedades imperfeitamente alfabetizadas. Ver: PETRUCCI, 1999a, p. 105-
116.
201
As “práticas letradas” remetem às análises de João Hansen, forjadas a partir do ponto de vista da retórica
(HANSEN, João Adolfo. Leituras coloniais. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura.
Campinas: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil: Fapesp, 1999. p. 169-182; HANSEN, 2004).
202
GOODY, Jack. A lógica da escrita e a organização da sociedade. Lisboa: Edições 70, 1987a, p. 193.
71
Marta Carvalho, a categoria de apropriação apresenta especial interesse em estudos voltados
para as práticas letradas anteriores ao século XVIII iluminista, que chegaram à posteridade na
forma de resíduos arquivísticos.
203
Uma avaliação criteriosa dessa questão implica, portanto, como dito acima, a
tentativa de construção de uma tipologia ainda que provisória da delegação da leitura e da
escrita, que apreenda, horizontal e verticalmente, o alcance dessas práticas letradas. A
delegação horizontal é aqui entendida como uma leitura com pretensões de recepção coletiva,
dirigida ao grande público com mensagens padronizadas e freqüentemente repetidas. A
vertical é concebida como de alcance limitado, restrita a um grupo específico e sem
pretensões de alcance coletivo, divulgada em ambientes mais reservados. Para elaborar essa
tipologia, foram arroladas as ocasiões em que a “cultura do escrito” esteve em circulação,
quando os textos eram lidos para um grande público e, desse modo, sujeitos a uma
apropriação que poderia fugir ao controle dos jesuítas, ou seja, quando as restrições de acesso
à escrita poderiam ser atenuadas pela transmissão oral. Os momentos de leitura coletiva
ocorriam, preferencialmente, nos refeitórios ou durante a celebração das missas, regra comum
em sociedades de tradição clerical. A igreja desempenhava papel central tanto para congregar
fiéis como para ser local de difusão dos textos e das mensagens cristãs. Como comentou o
padre Peramás, durante a celebração da missa,
[…] los niños recitaban diariamente el catecismo en voz alta y cantaban algunas
oraciones de mañana y de tarde, era fácil observar quiénes tenían voces claras y
agradables. A éstos se les enseñaba primero a leer y escribir y luego eran incorporados al
Coro […].
204
A aprendizagem dos textos canônicos no catolicismo estava condicionada pela
oralidade, uma vez que as apropriações eram aurais, feitas de ouvido, e não exclusivamente
resultado de uma apropriação leitora. Momentos de contato entre cultura escrita e oralidade
poderiam ocorrer nas reduções durante os períodos de comunhão, quando toda a população
estava envolvida com os preparativos para as confissões. Após a missa, os que haviam
comungado aguardavam o momento de saudação […] para lo qual tienen escrita una
oración bien larga, y no menos devota la qual leyendo en alta voz, y repetiendola en el
203
HANSEN, João Adolfo; CARVALHO, Marta M. C. Modelos culturais e representação: uma leitura de Roger
Chartier. Varia História, Belo Horizonte, v. 16, p. 7-24, set. 1996 (p. 22).
204
PERAMÁS, José Manuel. La República de Platón y los Guaraníes. Traducción y notas de Juan Cortés del
Pino. Prólogo de Guillermo Furlong. Buenos Aires: Emecé Editores, 1946, p. 105.
72
mistono todos los demas […]”.
205
As orações, através dessa prática, circulavam entre os
Guarani alfabetizados e os não-alfabetizados, permitindo, assim, aos iletrados a memorização
oralizada desses textos.
A própria habilidade individual de decifrar caracteres grafados relaciona-se às
práticas de alfabetização de que as ordens misionarias lançavam mão, no século XVII, no
âmbito de suas estratégias de catequese. Segundo João Hansen, o que importava nessas
estratégias era expandir um uso da leitura (e só da leitura). Estimulando a habilidade de
decodificação dos símbolos escritos, de modo a facultar o reconhecimento de um texto já
conhecido, quando não já decorado, por memória de leituras em voz alta, realizadas por
leitores devidamente autorizados a fazê-las em cerimônias religiosas ou em sala de aula. A
leitura desempenhava, dessa maneira, o papel de auxílio mnemônico em práticas de
recitação.
206
O caráter coletivo dessas leituras em voz alta nas igrejas contrastava com outro
momento, o da reclusão dos confessionários. Nessas ocasiões, os índios estavam submetidos
ao questionamento dos jesuítas, em voz baixa, quase sussurada, e as confissões eram obtidas
muitas vezes por meio de pequenos livros manuscritos, os catecismos e os confessionários.
207
Para facilitar o trabalho missional no Paraguai, Montoya confeccionou, no século XVII, um
Confesionario en guarani,
208
opúsculo manuscrito e bilíngüe destinado a auxiliar na
conversão do gentio. A redação de obras com esse caráter contribuía para uma maior
homogeneização e codificação da língua guarani, além de gerar nos indígenas aldeados os
primeiros efeitos do convívio com a escrita alfabética.
Um dos espaços privilegiados de leitura coletiva nas reduções, além da igreja, era a
plaza mayor. Nesse local ocorriam as principais manifestações coletivas da população
missioneira. Era nela também que eram repassadas as ordens aos índios. Na plaza procedia-
se, então, à leitura de documentos oficiais, como as reais cédulas ou as solicitações dos
governadores, requisitando índios missioneiros para atuar nas milícias ou para prestar
trabalhos ao Estado colonial.
A transmissão desses textos dependia de uma vocalização, modalidade básica da
cultura oral. Ou seja, a voz atuava como única possibilidade de circulação dos textos entre os
não-leitores, sob a forma de memorização ou de leitura, atuando como um reforço às práticas
205
Archivo Histórico Nacional, Madrid (doravante A.H.N.): Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc.
84, n. 1 [relação individual escrita por Escandón a Andres Marcos Burriel, Madri, 18 de julho de 1760].
206
HANSEN; CARVALHO, 1996, p. 16.
207
DAHER, 1999, p. 231-250.
208
M.M.: Confesionario en Lengua Guarani. s/d.
73
letradas. A existência de públicos distintos determinou, inclusive, que a delegação da leitura
no mundo colonial anulasse as possibilidades de uma leitura padrão.
A atividade leitora nas reduções coube, inicialmente, aos jesuítas. Em um segundo
momento, o encargo recaiu sobre a elite indígena. É sempre bom lembrar que a elite letrada
estava em contato direto com as autoridades da administração colonial, envolvida em vários
assuntos, desde a organização interna de cada redução até a participação em ações bélicas e
nas negociações de paz. Quando havia necessidade de algum Guarani escrever um
documento, sem ter a habilidade, recorria ao trabalho de um indivíduo alfabetizado que atuava
como delegado, escrevendo pelos demais. Nas reduções, geralmente, esta função podia ser
realizada pelo quatiapohara, quando os cabildos apresentavam sua formação completa, ou era
atribuída ao maestro de escuela.
Através de uma declaração prestada pelo corregedor da redução de São Francisco
Xavier, Tomas Potira, verificamos o expediente da delegação da escrita por parte de índios
principais, o que demonstra a heterogeneidade cultural dessa elite guarani missioneira. Em
outubro de 1699, no final de sua declaração, o corregedor Potira informou que “[…] por no
saber escrebir pedi al maestro de escuela desta Dotrina llamado Juan Pai […] hiziesse en mi
nombre como lo hizo. D. Thomas Potira”.
209
O fato de o corregedor ter delegado a escrita ao
maestro de escola, ao que tudo indica, foi em função de afinidades, pois optou por alguém
com quem possuía maiores contatos para ser o mediador entre a sua voz e a escrita.
210
Por
outro lado, os documentos consultados não indicam a prática da delegação da escrita,
concebida nesses termos por parte dos secretários.
A elite letrada das missões foi preparada pelos missionários, então, para manter
contatos com a sociedade colonial. No entanto, apesar de alguns índios chegarem a falar e
mesmo a ler em espanhol, a difusão da escrita nessa língua era bastante limitada.
211
O
aprendizado do espanhol, assim como o do latim, por alguns Guarani, constituía-se em
exceção. Sem grande profundidade, o ensino dessas línguas visava instrumentalizar os
catecúmenos para a leitura de recitação. O testemunho do missioneiro Antonio Sepp não
deixa dúvidas sobre a questão:
209
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 347-348.
210
Para uma discussão a respeito desse tema, ver: PETRUCCI, 1999a, p. 40-56.
211
Ensigner l’espagnol supposait une certaine forme d’elitisme ou en tout cas une adhésion au projet colonial
du gouvernement d’Asunción, ce qui n’était pas dans les intentions des Jesuites” (DUVIOLS, Jean-Paul. Langue
et evangélisation dans les missions jésuites du Paraguay. In: BENASSY-BERLING, M.-C.; CLEMENT, J.-P.;
MILHOU, A. (Ed.) Langues et cultures en Amérique espagnole coloniale. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle,
1993, p. 277).
74
Nuestros jóvenes aprenden solamente a leer y escribir textos en lengua castellana o
latina, no para que lleguen a hablar o entender el castellano o el latín, sino para que sepan
cantar en coro canciones en estos idiomas y para que los niños que nos sierven puedan
leernos lecturas españolas o latinas en alta voz, durante las comidas en el refectorio.
212
O fato não impedia o uso dessa habilidade para outras finalidades, visto que os índios
inventavam novas funções para os modelos culturais compartilhados. Nas sociedades
hegemonizadas pelos recursos da oralidade, o grau de familiaridade com a escrita nunca foi
constante. Na realidade, os indivíduos apresentam níveis diferentes de domínio da prática de
escrita. Sem dúvida, foram os Guarani iniciados nas artes e ofícios os que receberam a maior
instrução letrada, uma vez que entre estes figurava o secretário do cabildo, sujeito responsável
pela redação dos acordos e despachos, principal leitor dos documentos recebidos, e repassador
das ordens enviadas às reduções. Outros Guarani também apresentavam aptidão para a escrita,
como os corregedores, administradores, alcaides e certos caciques. Assim, nas ocasiões em
que os Guarani decidiram manifestar sua posição a respeito da demarcação de limites,
escreveram na sua língua cartas às autoridades coloniais.
213
Por sua vez, quando os
governadores enviavam alguma correspondência às reduções, sempre o faziam em espanhol,
mas tomando o cuidado de solicitar que esta fosse vertida à língua nativa em questão.
No momento de maior crise nas reduções, a correspondência enviada para os índios
também esteve acompanhada do respectivo pedido de tradução em guarani. O cuidado em
providenciar uma cópia em língua indígena, além de indicar o público-alvo desses
documentos, confirma a urgência da medida e, principalmente, a preocupação em se fazer
entender. Depois de traduzido em guarani, o conteúdo da carta era divulgado através da
leitura em voz alta na praça maior de cada redução, pelo respectivo secretário
214
. O
comissário Altamirano sempre mencionou essa particularidade do contato in scriptis com os
índios, informando aos ministros espanhóis o cuidado de
212
SEPP, Antonio. Jardín de flores paracuario. Buenos Aires: EUDEBA, 1974, p. 196.
213
Archivo General de Simancas, Valladolid (doravante A.G.S.): Secretaria de Estado, Legajo 7426, folio 60
[carta do cabildo e do corregedor de São João, Miguel Guaycho, ano de 1752]; ou as famosas sete cartas escritas
em julho de 1753: A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 31, 32, 33, 34, 36,3 7, 38 [cartas em
guarani, com tradução].
214
Certa ocasião, Don Ignacio Mbaegui, que se declarou cacique da redução de São João, ao ser questionado
sobre o conhecimento dos Guarani das ordens de mudança, respondeu “[…] que cuando recibieron las ordenes
de S.M en que mandaba se mudasende sus pueblos, fue esta orden leida en la plaza del declarante por el
Secretario del Rodrigo Arandayiu, y preguntado que en que lengua estaba dicho Real mandato, responde que en
lengua Guarani […]” (ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: subsequencias do Tratado de 1750 –
opposição dos jesuítas: depoimentos jurados de onze índios de 11 de fevereiro a 21 de agosto de 1756. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-1938, v. 52, p. 404).
75
[…] enviar a las Misones copias de las tres cartas del Rey, para que traducidas en
lengua Guarani, se lean primeramente en publico, y despúes los Curas las entreguen à los
Indios principales de todos los pueblos, para que à sus solas, y de espacio las lean.
215
Através dessa recomendação conhecemos melhor os procedimentos que regiam a
leitura de ordens oficiais nas reduções. Por suas atitudes letradas, sempre houve a
possibilidade de que alguns integrantes da elite missioneira, sobretudo os escrivães e os
maestros de escola, pudessem ter aprendido algumas regras básicas da escrita em espanhol.
Contudo, mesmo durante esses anos de contato com os demarcadores, os índios sempre foram
fiéis à escrita em guarani, visto, ainda, como língua culta nas reduções.
216
A documentação consultada apresenta indícios de que os secretários atuavam
preferencialmente em ocasiões de contatos oficiais, escrevendo cartas às autoridades
coloniais. A delegação da escrita, voltada para outras funções, ficou reservada ao professores
das primeiras letras, ou maestros de capilla. Contudo, nada impedia que estes últimos também
redigissem documentos com o objetivo de contatar as autoridades, como foi o caso de Juan de
Antonio Cavallaria, maestro de capilla que, em outubro de 1754, escreveu uma resposta à
carta enviada por Gomes Freire aos índios miguelistas.
217
Foi possível constatar em
documentos consultados que, mesmo após a expulsão dos jesuítas, a prática da delegação
seguiu ativa entre os índios missioneiros. Um acontecimento semelhante foi verificado na
redução da Cruz, em novembro de 1769, quando os professores de música Christobal
Guiraygue e Marcos Ybae,
218
além dos maestro de niños Eustaquio Guapayu, foram
requisitados pela população cruzenha para escreverem uma carta ao governador solicitando a
permanência do padre Francisco Yrrazabal.
219
Os documentos missioneiros analisados permitem visualizar a atuação dos delegados
da escrita e avaliar como por meio desse expediente se constituiu uma categoria de letrados
especializados, que manteve a escrita restrita a uma elite, mesmo diante de uma forma de
comunicação de fácil aprendizagem e transmissão como a escrita alfabética. Nesse aspecto, a
215
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7381 Doc. 29: Carta de Altamirano a Joseph de Carvajal y Lancaster.
Buenos Ayres, y julio 22 de 1753.
216
Os inúmeros textos escritos no século XVIII, pelos próprios Guarani, a partir das regras gramaticais
estabelecidas pelos evangelizadores, conferiu ao idioma compartilhado nas reduções um status diferenciado em
relação ao guarani falado nas demais regiões do Paraguai e, principalmente, das formas dialetais dos grupos que
permaneceram nas matas. O investimento lingüístico, tanto dos missionários quanto de alguns indígenas para
normalizar o guarani jesuítico ou missioneiro, conferiu a este a condição de língua oficial, “literária” e culta,
sendo essa a variante a que os Guarani recorrem para expressar-se graficamente.
217
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7430, Doc. 50: Copia de carta escrita en idioma Tape [e traduzida em
espanhol, mandada pelos caciques e demais oficiais de seu exército].
218
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Carta al Exmo Señor. Pueblo de la Cruz y 8 de noviembre de 1769.
219
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Carta al Exmo Señor. Pueblo de la Cruz y 8 de noviembre de 1769.
76
delegação da escrita nas reduções atendia às necessidades práticas da administração
reducional e, sobretudo, definia vínculos entre os jesuítas e os dirigentes indígenas.
2.5 As congregações e as nóminas: espaços e formas de contatos com a escrita
Nas reduções guarani foram estabelecidas congregações religiosas, que eram corpos
orgânicos que visavam aglutinar os fiéis interessados em aperfeiçoar a fé cristã, atraindo
muitos índios – algumas chegando a contar mais de 800 participantes. Havia a congregação de
São Miguel Arcanjo (para meninos e meninas com mais de 12 anos e adultos até 30 anos) e a
da Santíssima Virgem Maria (adultos com mais de 30 anos).
220
Nessas congregações, por
exemplo, os jovens estavam em contato direto com as práticas letradas através da instrução
ministrada pela leitura do catecismo e do ensino dos cantos religiosos. A exigência da
devoção e da aplicação nas liturgias determinava a possibilidade de permanência na
congregação e o fato de memorizarem os textos vocalmente evidencia o assíduo contato dos
Guarani com a “cultura do escrito”.
Através dessas congregações realizavam-se comunhões mensais, festas de padroeiros
e eleições anuais para prefeito e assistentes da congregação.
221
Os congregantes, ao serem
admitidos, recebiam uma carta de esclavitud de la Virgen, que guardavam junto ao peito com
singular estima. Caso alguns índios cometessem infrações ou faltassem às suas obrigações,
eram punidos, e não havia castigo maior do que a perda da carta, retirada pelo próprio
padre.
222
Surpreendente apego ao escrito foi o fascínio que despertou nos congregantes
marianos a carta de paternidade enviada pelo padre Cristobal Altamirano. Na carta ânua de
1675, o padre Cristobal Gomez informa quanto aos cuidados tomados no momento de
divulgar essa carta, exposta de maneira visível a todos Guarani em seus respectivos templos,
em meio a um evento revestido de grande cerimonial. Os congregantes, homens ou mulheres,
faziam fila para ver a carta, e muitos solicitavam cópias, levando os jesuítas a “[…]
220
HERNANDEZ, 1913, t. 1, p. 308.
221
Para uma descrição das atividades e comportamento dos congregantes, ver: B.N./RJ: Coleção de Angelis,
Manuscritos 508 (32) Annuas. Documento número 32. De la doctrina de los SS Apostoles San Pedro y Pablo.
1713 (original).
222
HERNANDEZ, 1913, t. 1, p. 309.
77
confeccionar tales copias en masa, a las cuales muchas llevan colgados en el cuello (sobre el
pecho)”.
223
A posse dessas cópias, cujo valor atribuído era de uma nómina, diferencia e
hierarquiza os sujeitos entre possuidores e despossuídos. Ela proporciona a proximidade do
portador em relação às redes de confiança dos jesuítas, e, ao que parece, confere uma
potencial inclusão no mundo letrado, mesmo dos não-leitores.
Nesse aspecto, resta saber exatamente o que estava sendo valorizado: a vida na
congregação ou a posse de um papel diante da crença no efeito mágico da escrita? A
pesquisadora Rita Marquilhas analisou a orientação mágica do texto escrito em Portugal no
século XVII, constatou a necessidade de formular hipóteses alternativas às avaliações
tradicionais entre nível de alfabetização e crença em escritos com capacidades mágicas.
224
Pois, ao contemplar essas práticas, Marquilhas concluiu que “la vulgarización de la lectura y
de la escritura no implicó la desaparición de los grafismos mágicos, ni de su capacidad para
atraer y convencer”.
225
De acordo com Manuel Peña, que estudou as normas e transgressões presentes na
cultura escrita do Século de Ouro espanhol, foi muito disseminado o uso de papéis escritos
como talismãs entre a população cristã européia, pois havia
la creencia en que el papel de estas fórmulas mágicas (católicas) contenían el mismo
poder protector que el discurso escrito en él, hizo que se copiaran y circularan con amplia
profusión y que, incluso, se llegaran a colocar estrategicamente en aquela parte del cuerpo
propensa a una mayor debilidad o indefensión.
226
Esse poder curativo associado ao escrito também se manifestou junto aos Guarani
missioneiros. Uma fonte histórica informa que, no final do século XVII, eram grandes os
efeitos decorrentes da escrita junto aos enfermos, que em muitos casos “[…] con solo
aplicarles un papelito con el nombre de San Francisco Xavier, que piden escriva el
Misionero, diziendo: Sancte Francisce Xavier, ora pro nobis”.
227
Apenas com esta medida o
convalescente costumava apresentar rápidos sinais de melhora, motivo pelo qual este hábito
223
CARTAS Anuas de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús (desde agosto de 1672 hasta el mismo
més del año de 1675). Trad. de Carlos Leonhardt S.J., Colegio del Salvador. Buenos Aires. (Transcrição: I.A.P.,
São Leopoldo: Unisinos, 1994). p. 18.
224
MARQUILHAS, Rita. Orientación mágica del texto escrito. In: CASTILLO GÓMEZ, Antonio (Comp.).
Escribir y leer en el siglo de Cervantes. Barcelona: Gedisa, 1999, p. 112.
225
MARQUILHAS, 1999, p. 125.
226
PEÑA DIAZ, Manuel. Normas y transgresiones: la cultura escrita en el Siglo de Oro. In: GONZÁLEZ
SÁNCHEZ, Carlos Alberto; VILA VILAR, Enriqueta (Comp. ). Grafías del imaginario: representaciones
culturales en España y América (siglos XVI-XVIII). México: FCE, 2003, p. 133.
227
JARQUE, 1687, p. 361.
78
foi muito difundido entre os Guarani, a adoção dessa prática também estava vinculada ao fato
de que não havia “[…] alli Reliquias de Santo, ni aun Estampas, sino raras. En dicho papel
hallan receta para curar cualquier dolencia”.
228
A falta de estampas, de objetos de veneração, contribuiu para elevar a importância do
escrito, como foram os papéis com nomes de santos, configurando estes como uma espécie de
talismã, de amuleto. A escrita, tanto por sua complexidade quanto por sua autonomia, permite
inúmeras reflexões sobre os seus aspectos cognitivos, sociais, mágicos e mesmo sagrados. O
língüísta italiano Giorgio Cardona considera que, muitas vezes, a escrita era o fundamento, a
fonte única da potência curativa do objeto mágico.
229
Segundo Fernando J. Bouza Álvarez, as práticas culturais da escrita na época
moderna alertam para o fato de que uma “[…] primera forma de contacto entre los iletrados y
la escritura es la que aparece tras las nóminas, cédulas y cartas de tocar que tuvieron una
extraordinaria difusión en los siglos XVI y XVII”.
230
De acordo com Bouza Álvarez, nessas
ocasiões, um manuscrito é quase reduzido a um “abracadabra”, a um amuleto, cujo efeito se
deve ao princípio mágico do contato, sem que haja necessidade de leitura.
Sabemos através do missionário Antonio Sepp que nas reduções bastava um papel
com algo escrito para auxiliar, por exemplo, na localização de um Guarani fugitivo. Esse
jesuíta trabalhou muitos anos como missionário no Paraguai e, certa vez, ao notar a falta de
alguns indígenas, tomou o procedimento de escrever
[…] en una cedula el nombre de algun lugar que mandaba a otro Yndio que fuesse a
tal paraje en busca de aquel fugitivo. Iba el Yndio que muchas vezes havia registrado bien
todo aquel paraje sin hallarle buscarle de nuevo mas por cumplir lo que se mandaba que
por esperanza de hallarle pero yendo con el papelito lo hallaba siempre alli […].
231
Esse relato permite avaliar o quanto representava, para um indígena provavelmente
iletrado, um papel com uma inscrição. Os vários exemplos demonstram a pluralidade dos usos
da escrita nas reduções. Essas práticas remetem às potencialidades inerentes ao escrito que
foram manisfestas em diferentes momentos e ocasiões.
228
JARQUE, 1687, p .361.
229
CARDONA, 1994 (ver Capítulo 5: “Aspectos mágicos, rituales adivinatorios”, p. 147-184).
230
BOUZA ÁLVAREZ, 2001, p. 69.
231
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis: tomo VI: antecedentes do Tratado de Madri: jesuítas e bandeirantes
no Paraguai (1703-1751). Introdução, notas e sumário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1955, p. 183.
79
2.6 Os usos da escrita: a visitação de Andrés de Rada e o controle das práticas letradas
Informações indicam que, para se expressarem graficamente, os Guarani recorriam
aos materiais mais acessíveis. O recurso à escrita, em variadas formas textuais, como
instrumento de conversão dos Guarani foi, como já vimos, amplamente explorado pelos
jesuítas. Nesse aspecto, a sociedade missioneira foi, evidentemente, tributária da civilização
do escrito, reproduzindo práticas que começaram a se configurar durante o Renascimento
europeu.
232
Em 1641, ao celebrarem no Paraguai as festas do primeiro centenário da fundação da
Companhia de Jesus, a expressão escrita assumira outras materialidades, mas sempre com a
mesma finalidade pedagógica cristã. O padre Lupércio Zurbano, em carta ânua de 1642,
dirigida ao Padre Geral da Companhia em Roma, referia-se assim a uma apresentação dos
índios da redução de San Ignacio “[…] hizieron (entre otras) una danza muy ingeniosa de
letras en escudos, los quales, en varios encuentros y lazos, venian a formar el nombre de San
Ignacio”.
233
Com esse recurso mnemotécnico, os jesuítas homenagevam o fundador da
Companhia de Jesus, também padroeiro dessa redução, e igualmente estimulavam os
primeiros contatos com os caracteres do alfabeto latino. Também na redução de Anunciação
de Itapua houve festejos por conta do aniversário de um século da ordem fundada por Inácio
de Loyola. Na porta principal da igreja, estava pintada, sobre um arco de madeira, a Piedade.
Lupercio transcreveu as várias inscrições na igreja:
[…] al otro (arco), la Sabiduria, con ésta: Sapientia comite; en medio, una venerable
matrona, que significaba la Compañia, con la siguiente inscripción: Centenaria Societas
Jesus triumphat. La yglesia estaba a las mil maravillas, llena toda de inscripciones, hasta
los tirantes […].
234
A difusão das verdades cristãs, atráves da palavra escrita, foi feita, assim, nas
superfícies planas do interior das igrejas, como espaço privilegiado para disseminar os valores
do cristianismo. A missa permitia conjugar a comunicação oralizada com a escrita,
familiarizando o auditório indígena com as novas formas de registro.
Na história das reduções do Paraguai administradas pelos jesuítas houve diferentes
períodos de uso da escrita pelos Guarani, atingindo, em alguns deles, níveis surpreendentes,
232
BOUZA ÁLVAREZ, 1992; CASTILLO GÓMEZ, 1997, p. 37-59.
233
PASTELLS, Pablo. Historia de la Compañia de Jesús en la Provincia del Paraguay (Argentina, Paraguay,
Uruguay, Perú, Bolivia y Brasil): según los documentos originales del Archivo General de Indias, extractado y
anotados por Pablo Pastells, S.J. Madrid: Victoriano Suarez, 1912-1933, t. 2, p. 325.
234
Ver: Lupercio Zurbano S.J, Carta Anua de 1642 (PASTELLS, 1912-1933, t.2, p. 325).
80
como podemos observar em algumas informações contidas nas cartas ânuas e, de maneira
indireta, nas instruções dos padres provinciais. Nas cartas ânuas figuram informações que
permitem identificar momentos excepcionais, quando os Guarani recorreram à escrita. Essas
cartas foram elaboradas com o objetivo manifesto de serem divulgadas a uma grande
audiência, o que criou a necessidade de controlar a informação que continham.
235
A
historiografia indica que, em 1541, Inácio de Loyola definiu a exigência da “segunda carta”
(que ficou conhecida como hijuela), de circulação restrita, em que os padres e demais
religiosos registrariam notícias de tipo administrativo e institucional, a ser anexada à carta
principal, que teria por sua vez um papel edificante e acessível a qualquer leitor.
236
Nesses
relatos elaborados com escopo edificante, os jesuítas eventualmente registraram episódios nos
quais a escrita foi um recurso acionado pelos Guarani como forma de comunicação pessoal ou
manifestação de devoção ou contrição.
Convém recordar que tanto a leitura quanto a escrita pretendidas nas reduções
deveriam estar restritas a um cânone específico, no caso o religioso. Os jesuítas, investiram
em uma pedagogia amparada na difusão da capacidade de leitura, e não obrigatoriamente na
capacidade de escrita, procurando, dessa maneira, limitar e controlar usos indesejados à
alfabetização. Entretanto, como observou Petrucci, “a escrita é uma capacidade individual e
totalmente livre, que pode ser exercida de qualquer maneira, em qualquer lugar, e para
produzir o que se quer, estando além de qualquer controle e, em última análise, de qualquer
censura”.
237
Um exemplo desse uso autônomo e sem controle da escrita pelos Guarani pode
ser verificado no caso comentado a seguir.
238
Na carta ânua de 1661, foi registrada uma
contestação de cunho político na redução de São Carlos. O protagonista desse episódio foi
Pedro Mbaiugua, filho do capitão Belisario, “primero y principal” dessa redução, portanto um
Guarani integrante da elite missioneira. Mbaiugua, conforme informaram os próprios jesuítas,
235
As cartas ânuas são relatos que compilam dados e ordenam o material dos missionários sobre assuntos
relativos às reduções. Por vezes são transcrições integrais ou parciais dos informes recebidos. Essas cartas, após
serem redigidas, passavam pelo crivo de um censor de estilo, e depois eram encaminhadas aos consultores de
província, que as avaliavam quanto à perfeição e precisão da resenha a ser divulgada.
236
Para considerações a respeito da prática epistolar jesuítica, ver: EISENBERG, José. As missões e o
pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000, p. 46-
58; a respeito da produção e troca de correspondência entre os missionários jesuítas e a distinção entre “carta
principal” e “hijuela”, ver: LODOÑO, Fernando Torres. Escrevendo cartas: jesuítas, escrita e missão no sécuo
XVI. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n. 43, p. 11-32, 2002.
237
PETRUCCI, Armando. Ler por ler: um futuro para a leitura. In: CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER Roger.
História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999b. v. 2, p. 207.
238
Esse episódio também foi referido pelo historiador Arno Kern ao analisar as instituições político-
administrativas nas reduções. Segundo Kern, o movimento contestatório teve início na redução de Itapua, onde
uma junta de caciques reuniu-se para discutir seus temores e suspeitas diante do receio gerado pela notícia de
uma real cédula, de 1661, que determinava a cobrança imediata de tributos dos Guarani (KERN, 1982, p. 65-69).
81
foi “[…] criado a nuestro lado y en nuestra casa, y no de poco entendimiento diestro en la
musica y con mucha ladinez […]”.
239
A instrução recebida por esse Guarani foi decorrência
do ensino nas “artes e ofícios” ministrado nas reduções, sendo que a capacidade alfabética
geralmente estava associada ao ensino musical, cujo aprendizado qualificava os mais
habilidosos ao exercício dessas tarefas. Após um período em Buenos Aires, ao retornar à
redução, Mbaiugua assumiu o comando de uma sublevação contra o governo temporal dos
jesuítas, utilizando a escrita, na forma de bilhetes, como modo de comunicação para avisar os
ausentes.
240
Essa mobilização insuflada por Mbaiugua, que contou com vários apoiadores,
questionava a administração dos jesuítas, alegando não reconhecer neles autoridade,
afirmando-se: “Nosotros los capitanes del Gobierno temporal del Pueblo que por eso nos
hizo el Rey Capitanes y nos lo encargó.”
241
A liderança exercida por Mbaiugua, influenciada pelo contato com as autoridades
coloniais em Buenos Aires, segundo a narrativa do provincial, provocou um grande abalo na
aliança política dos caciques com os jesuítas, repercutindo inclusive em outras reduções.
Pedro Mbaiugua manteve seu capitanejo sem ceder às ordens, nem mesmo às recomendações
do padre superior. A contestação, feita por um dos apoiadores de Mbaiugua, alertava os
padres, dizendo “[…] que los mandamientos de la ley de Dios no mandava aquello, ni se
hallava en ellos (frase entre ellos muy repetida) como el dezir no era pecado no hazer aquello
que el P. les mandava, pues no estava en los mandamientos de la ley de Dios”.
242
Nesse episódio a escrita atuou como instrumento de apoio à mobilização indígena,
corroborando a liderança desse cacique. Esse motim contestava o poder religioso dos jesuítas
por julgar que estavam excedendo suas atribuições, conflitando com o prestígio dos próprios
caciques. A tensão gerada entre Mbaiugua e os jesuítas demonstra o quanto os Guarani não
eram passivos, e como atuavam a partir de dinâmicas emanadas da interação com a sociedade
colonial. O envio dos bilhetes comprova também que, em determinados momentos, quando
julgavam necessário, os Guarani apropriavam-se dos códigos do próprio colonizador para
atender às suas demandas, sendo a remessa de bilhetes um momento revelador das suas
formas de atuação.
A carta ânua ainda informa que “[…] de alli a algunos dias se descubriero villetes
suyos que embiava a los de su pueblo, repreendiendoles de nuevo porque obedezian a los
239
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 177.
240
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 178.
241
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 178.
242
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 179.
82
padres y no se les hazian fuertes […]”.
243
Nessa ocasião, conforme exposto, a escrita atuou
como veículo para alertar quanto aos possíveis adeptos do levante promovido na redução de
São Carlos, e para intimidar aqueles que se mostravam favoráveis aos jesuítas. Com esse
expediente, Mbaiugua buscava provavelmente ampliar sua capacidade de mobilização e de
intimidação, fazendo uso de um recurso que julgava eficaz no contexto de reivindicação
política.
O episódio parece demonstrar como a alfabetização entre os índios das reduções
havia tomado um rumo inesperado. Os Guarani, ao extrapolarem os usos considerados
aceitáveis da escrita, despertaram preocupação entre as autoridades eclesiásticas da
Companhia de Jesus, que passaram a criar modos mais rigorosos para o controle do exercício
de suas próprias práticas letradas. Na década de 60 do século XVII, houve instruções e
recomendações visando restringir o acesso dos índios à correspondência dos jesuítas.
Provavelmente ciente desse episódio, o visitador Andrés de Rada, logo após a sua
chegada ao Paraguai, emitiu ordens expressas visando restringir o acesso dos Guarani aos
textos escritos pelos padres. Em uma das suas instruções, Rada alertava “[…] no escrivan
villetes, ni cartas algunas a los de dentro o a los de fuera sin licencia del Pe. Procurador o
por lo menos sin remetirlas abiertas […]”.
244
Essa orientação procurava evitar leituras
indesejadas e controlar o acesso dos índios ao material escrito, além de sinalizar para a
dimensão que a leitura e mesmo o uso da escrita estavam assumindo no interior das reduções.
A trajetória de Andrés de Rada – que primeiro esteve na Nova Espanha, arbitrando
os desentendimentos dos jesuítas com Palafox, e depois sua atuação no vice-reinado do Peru –
facultaram-lhe uma experiência importante para a adoção de medidas objetivas na
reorganização da província paraguaia.
245
243
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1970, p. 181.
244
B.N./RJ: Coleção de Angelis. Manuscritos 508 (19) Annuas. Doc. num: 414. Libro de ordenes del Noviciado
de Cordoba. Libro de la Hacienda del Noviciado y Estancia de As Catalina, que mando hacer el Pe Andre de
Rada, visitador. Año 1664.
245
Andrés de Rada era espanhol, natural de Belmonte (1601). Desempenhou o cargo de provincial no México, e
reorganizou a Provincia do Paraguai, da qual foi primeiro visitador (1663/1664) e depois provincial (1665/1669).
Faleceu em Madri (1675); “[…] que al primer año, que empezo la visita el Padre Rada, ó poco después,
recibidas ya las Bulas, se consagro en el Peru, por obispo del Paraguay, cuya diócesis governo concurriendo
con el Padre Andres de Rada, que estuvo gobernando sus años enteros a los suyos, parte como Visitador, y el
resto, como Provincial […] se embarco en Buenos Aires el año de 1670 por orden de su reverendisimo General,
para que en persona, diese a su Majestad, y a su Real Consejo puntual noticia, de lo que avia esparcido contra
los Padres del Paraguay” (JARQUE, 1687, p. 256); Andrés de Rada foi designado para realizar uma
investigação na província jesuítica do Paraguai, devido às acusações de que a Companhia de Jesus não cumpria
as determinações das autoridades, tanto eclesiásticas como civis. A respeito da atuação de Rada no Paraguai, ver:
MÖRNER, Magnus. Actividades políticas y económicas de los jesuitas en el río de la Plata. Buenos Aires:
Hyspamérica Ediciones Argentina, 1985, p. 73-75.
83
Um exemplo desse cuidado com a tecnologia cultural à disposição dos Guarani está
registrado no final de uma extensa carta de Rada. Em abril de 1664, ao formular as novas
instruções que deveriam pautar a conduta e os procedimentos dos missionários, Rada
recomendou diretrizes que deveriam ser copiadas e distribuídas entre todos missionários,
alertando:
Esta carta pasara por todas las Doctrinas del Uruguay, y se copiara en cada una, y se
me avisara del recivo poniendose el viose Ordinario con la firma del P.e de aquella
Doctrina en el Original que ha de bolver a manos del P.
e
secretario como lo dexo
Encargado al P.e Superior. La diligencia en hacer las Copias (mas no por manos de Indios
que no conviene) y de remitir en breve este original para que pase a las siguientes
Doctrinas en cargo a V. Rs Guarde N. Sr a V. Rs en cuyos S.tos Sacrificios , ett.a. (grifo
nosso).
246
Como se pode constatar, havia sérias restrições ao acesso dos Guarani às
informações referentes ao gerenciamento interno da Companhia de Jesus, posto que
encarregar um indígena de copiar tais ordens lhe facultaria tanto a prática da leitura bem como
da escrita. De toda forma, a recomendação de Rada confirma a existência nas reduções dos
serviços de copistas guarani.
Passados alguns anos, o próprio Rada voltou a tratar desse tema, agora na condição
de provincial. Em 1667, de maneira enfática, alertava para que não se permitisse aos índios o
acesso ao material escrito dos padres, como ficou registrado na seguinte ordem:
No se permita que los Indios lean nuestras Reglas en romance quando se leen en el
Refitorio, se no en latin, ni que vean nuestras Ordenes o instrucciones, o cartas de los Sup
es.
porque se eviten algunos inconvenientes, ni que entren en nuestros apocentos estando el P.
ausente, para que se escuse que anden nuestros Libros en manos de Indios y falten otras
cosas de los aposentos, de que lean las cartas y papeles que el P. dexa en la mesa, y pasen
las noticias a los demas Indios, todo lo qual ya se ve de quan gran inconveniente sea.
247
A preocupação do provincial dizia respeito à divulgação de “nuestras reglas”, e
temendo a reação da população missioneira diante da circulação de informações dessa
natureza. Assim, preservando o conhecimento geral das novas medidas adotadas para o
246
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los P. P Generales. Carta del padre Visitador y Provincial
Andres de Rada de 13 de Abril de 1664. Signatura 6976, p. 22/36.
247
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Carta comum de su R. del P. Provincial para todos los P.P de estas
Reducciones del Paraguay y Uruguay. Su fecha 19 de diziembre de 1667. Signatura 6976, p. 48.
84
gerenciamento das reduções, os jesuítas optaram pelo controle epistolar:
248
Si la
alfabetización misionera alcanza posiblemente, en esta área, un mayor porcentaje de la
población que en México (para no hablar de las áreas menos privilegiadas), el control
misionero sobre la cultura literaria es mucho más estricto”.
249
Como se sabe, a atividade epistolar foi a verdadeira chave de todo o sistema
missionário. Quando conjugada ao domínio da escrita em guarani exercia uma mediação
fundamental nas relações entre os jesuítas e a elite indígena das reduções, motivo pelo qual as
medidas prescritas visavam evitar prováveis “distorsões” na leitura indígena – situação que
poderia dar margem a interpretações variadas.
250
Assim, a preocupação com as apropriações das leituras dos Guarani foi que
determinou o controle da circulação da correspondência epistolar dos jesuítas. Nesse sentido,
houve reiteradas recomendações, como vimos, nas instruções de Andrés de Rada, pelo fato da
correspondência jesuítica configurar-se como um instrumento administrativo que “[…]
combinava a demanda por controle institucional da hierarquia com as interpretações prudentes
dos missionários a respeito de suas experiências de campo”.
251
Os jesuítas acima de tudo temiam a perda do monopólio do conhecimento da
mediação entre os leitores e a palavra divina e, conseqüentemente, do controle dos indígenas
reduzidos.
252
Por isso, a leitura não autorizada de cartas ou papéis era infração gravíssima,
visto que o simples repasse dessas informações aos demais poderia, no entendimento dos
jesuítas, dar margem a dúvidas e confusões, exaltando os ânimos dos Guarani. A recepção
dessas mensagens poderia ser fragmentada, condicionando pela apropriação auditiva de um
texto ou pela própria relevância do conteúdo, gerando fortes repercussões entre a população
missioneira.
A leitura em voz alta de documentos alterava o cotidiano das reduções, pois
costumava causar grande expectativa. Em certa ocasião, uma real cédula, datada de 26 de
248
B.N./RJ: Coleção de Angelis, Manuscritos 508 (19) Annuas. Documento n
o
414. Libro de Ordenes del
Noviciado de Cordoba. 1664. Libro de la hacienda del Noviciado de Santa Catalina, que mando hacer el Pe.
Andre de Rada, visitador. Año 1664.
249
LIENHARD, 1992a, p. 70.
250
A apropriação deve ser concebida no sentido de uma pluralidade de usos, da multiplicidade de interpretações
e da diversidade de compreensões dos textos (CHARTIER, 2001b, p. 116-117).
251
EISENBERG, 2000, p. 46-58.
252
As leituras dos amerindios foram motivo de especial preocupação, principalmente quando se estabeleceu na
América (nos vice-reinados de Nova Espanha e Peru) o Tribunal do Santo Oficio. O espírito humanista dos
primeiros evangelizadores foi substituído por uma atitude vigiante da ortodoxia (OSSENBACH SAUTER,
Gabriela. Alfabetización y sociedad en la América de habla hispana. In: ESCOLANO BENITO, Agustín (Dir.).
Leer y escribir en España: doscientos años de alfabetización. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez,
1992, p. 217).
85
fevereiro de 1680, enviada pelo governador de Buenos Aires às reduções, gerou tumulto.
Conforme consta no memorial do padre Diego Altamirano, superior das missões, houve um
grande repúdio por parte dos Guarani à proposta de transferir mil famílias para os arredores da
cidade-porto, e tão logo ouviram a leitura da notícia “[…] instantaneamente se empeçaron a
tumultuar dichos índios, e intentaron matar á los soldados, que llevaron la orden […]”.
253
Contudo, a indisposição não estava voltada contra os leitores (possivelmente um secretário),
mas estava direcionada aos portadores (soldados) da ordem escrita, identificados
imediatamente como responsáveis pela decisão.
Um momento de agitação, de balbúrdia, era o das solicitações de homens para
trabalhos públicos, ou mesmo as convocações para formar as milícias de fronteira, todas essas
situações submetidas à leitura de textos, na forma de listas. Em ocasiões como essa, a
população missioneira mantinha contato com a cultura letrada. Outra oportunidade de
circulação do texto escrito está presente sobretudo nos momentos de repassar ordens dos
superiores aos milicianos, quando então eram lidas as convocações.
Um grande impacto deveria provocar a leitura das listas de convocados, aumentando
o prestígio e conferindo status aos milicianos selecionados, reforçando a crença no gesto da
palavra grafada. O padre Antonio Machoni, em um memorial de março de 1742, recomendava
a escolha de 50 índios jovens e robustos capazes de manejar as armas, para comporem
companhias de milicianos e que se entregassem “[…] a sus capitanes la lista de sus soldados,
para que los conoscan y hagan ler con sus secretarios quando fuere necesario para alguna
función […]”.
254
Portanto, era através da delegação da leitura, nesse caso ao secretário, que os
soldados eram recrutados, estabelecendo uma relação direta com a materialidade do escrito.
Em ocasiões como essas, a intermediação era efetuada por um Guarani cuja função era a de
registrar as atividades executadas, submendo os potenciais soldados ao controle escrito.
Também no processo de seleção do novo cabildo, quando um conselho estava encerrando seu
mandato, era preparada uma listagem com os nomes dos novos candidatos. Em geral, eram
aceitos os nomes indicados na relação enviada ao governador, que procedia à homologação
dos eleitos.
A elaboração de listas com o nome dos indicados para determinadas tarefas era um
procedimento recorrente que também funcionava como elemento de identificação dos eleitos
253
R.A.H.: Memorial de Diego Altamirano, S.J. Fol 4h.Impresa. S.I. Mediados del siglo XVII, Tomo CCXI,
285. Catálogo de documentos de América – Jesuitas.
254
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los P.P. Generales de la Compañía de Jesús y de vários
Provinciales sobre las misiones del Paraguay, p. 298. Catálogo de Manuscritos de América. Sig: 6976.
86
nas reduções. Na realidade, as listas eram confeccionadas para indicação dos integrantes de
um novo cabildo, para recomendar neófitos às congregações e também para escolher,
anualmente, os novos corregedores e assistentes, além de definir os soldados para as milícias
de fronteira. Ou seja, a prática da indicação de nomes por escrito findava por estabelecer uma
distinção social entre indígenas de uma mesma redução.
As listas, além de permitirem uma reorganização da informação e um melhor
gerenciamento dos recursos humanos, também afetavam a cognição.
255
Adotando a
perspectiva proposta por Goody, podemos afirmar que, nesse contexto, há uma estreita
relação entre conservação de registros e os avanços no conhecimento empírico. Portanto,
mesmo os Guarani não-iniciados nas artes y oficios estavam sujeitos às implicações de uma
sociedade regida por práticas letradas, pois, apesar de não dominarem o código escrito,
viviam experimentando as possibilidades advindas dessa tecnologia. Diante da ampla
circulação de textos nas reduções, os Guarani iletrados poderiam formular uma representação
das informações que chegavam por escrito, como eram as ordens recebidas da Espanha ou os
informes que circulavam internamente. Havia, assim, um certo grau de familiaridade por parte
dos não-letrados com documentos escritos e outras modalidades de inscrições.
O convívio com o mundo dos papéis e o domínio dessas práticas letradas por parte
dos índios ilustrados ficaram registrados em algumas situações exemplares. O jesuíta Diego
Palacios, responsável por São Miguel, diante do impedimento de comparecer pessoalmente
junto aos índios gentiles (infiéis), enviou no seu lugar o alferes dessa redução. Esse Guarani
foi encarregado da tarefa de falar aos índios infiéis sobre a conversão à fé cristã. Para facilitar
a tarefa, o jesuíta entregou ao encarregado “[…] un Libro, conducente al intento en su propia
lengua Guarani”.
256
O livro, objeto por excelência da cultura letrada, visava auxiliar a
tentativa de catequese desses índios gentiles e atuar como estímulo à empresa do alferes
miguelista, permitindo tornar visível o texto, fornecendo uma materialidade ao escrito, até
então apenas percebido de forma audível. A importância do livro remete a uma analogia com
a leitura da Bíblia, uma das principais estratégias de catequese praticada pela Igreja católica
no Novo Mundo.
255
GOODY, 1988, p. 86-126.
256
R.A.H.: Lozano, Pedro S.J. Carta del padre Pedro Lozano, de la Compañia de Jesus, de la provincia, escrita al
P. Bruno Morales, de la misma Compañia y provincia, existe en esta Corte de Madrid. 39 pags – 4- impreso. Sig:
9-3501/4. .
87
Os “poderes do escrito”
257
se fizeram presentes ainda em outros âmbitos das
atividades missioneiras. Através da concessão de papéis de permissão, os jesuítas controlavam
a circulação daqueles indígenas pouco engajados nas regras da vida em redução. O provincial
Antonio Machoni, em 1742, recordava a ordem “[…] de que se aprisionen los Indios que van
de un Pueblo â outro sin papel de su Cura; se há de observar con los Indios fugitivos,
ociosos, vagos, y sospechosos, y no con los que son buenos, y no sospechosos […]”.
258
Esta
medida adotada pelo provincial condicionava, portanto, as possibilidades de circulação dos
Guarani de conduta duvidosa à posse de uma autorização por escrito. Tal procedimento
implicava no reconhecimento e na aceitação dessa regra pela população missioneira,
exatamente por compartilharem o valor atribuído à escrita.
Enfim, a alfabetização praticada nas reduções, mesmo restrita a uma elite, promovia
sociabilidades inéditas, permitindo novos modos de relação no processo de evangelização. O
conteúdo da carta acima mencionada remete às implicações da circulação da escrita no
relacionamento de parcialidades indígenas com as demais, visto que o contato era
estabelecido na própria língua guarani, ou seja, a língua geral do Paraguai.
Os diferentes usos e funções que a escrita assumiu nas reduções prepararam a elite
missioneira para manusear o mundo dos papéis, como ocorreu de maneira acentuada a partir
da segunda metade do século XVIII. Nessa época, houve uma disseminação social do uso da
escrita, competindo tanto aos administradores como aos outros cabildantes a faculdade de
registrar graficamente o que acontecia. Essa disseminação foi uma das decorrências do
conflito deflagrado nas reduções, gerando oportunidade para essa elite letrada colocar em
prática seu saber letrado.
259
2.7 Ladinos e bilingüismo nas reduções guarani
A política lingüística dos Habsburgos, a partir dos anos iniciais da colonização,
esteve orientada no sentido de promover uma hispanização geral da população ameríndia, fato
que contrastava com o empreendimento lingüístico assumido pelos evangelizadores que
257
A respeito dos poderes do escrito, ver: MARTIN, Henri-Jean. Historia y poderes de lo escrito. Gijón:
Ediciones Trea, 1999.
258
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Memorial del P.e Provincial Antonio Machoni para el P.e Superior y
Sus Consultores, que comunicara â los P.P Missioneros de estas Doctrinas del Parana, y Paraguay en la Segunda
Visita de 7 de marzo de 1742. p. 296. Sig: 6976.
259
Os integrantes dessa elite missioneira valorizaram o modo escrito de comunicação, trocando diversas cartas e
bilhetes com os indígenas de outras reduções durante o período da demarcação dos novos limites, em meados do
século XVIII. A respeito desse assunto, ver a segunda parte desta tese.
88
atuavam na América desde essa época. A excelente preparação humanística, teológica e
científica desses homens permitiu-lhes elaborar os instrumentos indispensáveis para transmitir
a nova religião e cultura, justificando teologicamente o fundamento de converter na língua do
“outro”.
Em meados do século XVI, os conselheiros da monarquia espanhola seguiam
defendendo seu “programa lingüístico” favorável à hispanização da população ameríndia, ou
pelo menos que os caciques falassem o castelhano.
260
Os conselhos provinciais mostram, no
entanto, que as recomendações publicadas em reais cédulas não eram acatadas, e a
evangelização seguia sendo feita nas línguas gerais.
Uma flexibilização ao problema da castelhanização foi sinalizada com uma resolução
adotada por Felipe II, que procurava contemporizar o impasse, diante do número sempre
reduzido de evangelizadores frente ao de indígenas.
261
Decidiu o monarca que os nativos
poderiam manter suas línguas naturais, mas seriam disponibilizados professores para ensinar
aqueles que manifestassem interesse no aprendizado da língua espanhola. A partir desse
momento, passou a prevalecer o princípio do ensino voluntário.
262
Com essa resolução a
monarquia espanhola “[…] no desistía de educar a la elite, pero abría nuevos conductos para
la difusión del castellano: aprendizaje voluntario y docencia por los sacristanes, critérios que
regirían por un par de siglos”.
263
Essa resolução, como foi dito, não estabeleceu um ensino sistemático do castelhano
aos indígenas, mas sempre houve a possibilidade de que alguns aprendessem
espontaneamente “o romance”, utilizando-o nos momentos de contato com os espanhóis,
ampliando a sua capacidade de expressão oral nessa língua. Alfabetizar e ensinar por escrito a
língua espanhola a milhares de nativos constituía uma tarefa interminável, o que condenava
previamente qualquer decisão da monarquia castelhana nesse sentido. Somente a partir da
Recopilación de Leyes de Indias, publicada em 1681, foi verificada uma mudança substancial
260
ZAVALA, 1946; para uma visão mais geral sobre o tema, ver: ROSENBLAT, Ángel. Los conquistadores y
su lengua. Caracas: Universidad Central de Venezuela, Ediciones de la Biblioteca, 1977; SANCHEZ-
ALBORNOZ, Nicolás. De las lenguas amerindias al castellano: ley o interacción en el período colonial. Colonial
Latin American Review, v. 10, n. 1, p. 49-67, 2001.
261
A respeito das vicissitudes da política lingüística, ver: REAL CUESTA, Javier. Política lingüística en el
Nuevo Reino de Granada durante los siglos XVI y XVII. In: RAMOS PEREZ, Demetrio et. al. Estudios de
política indigenista española en América. Valladolid: CC-SAUV, 1975. v. 1, p. 279-302; GÓMEZ, Thomas.
Langues indigènes et conflits sociaux en Nouvelle-Grenade (XVIe-XVIIIe s.). Mélanges de la Casa de
Velázquez, Madrid, n. 22, p. 269-304, 1986.
262
Para uma discussão pormenorizada quanto ao tema da legislação e o ensino das línguas indígenas, ver:
MÖRNER, Magnus. La difusión del castellano y el aislamiento de los indios: dos aspiraciones contradictorias de
la corona española. In: HOMENAJE a Jaime Vicens Vives: v. II. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1967, p.
438.
263
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 2001, p. 52.
89
na política lingüística que orientava a evangelização praticada em domínios hispânicos; a
nova legislação passou a preconizar o ensino do espanhol em todas áreas. A monarquia
hispânica, diante do mosaíco idiomático que apresentava seus domínios americanos, passou a
defender razões políticas para promover a espanholização do índio.
264
A política lingüística praticada pelos jesuítas no Paraguai foi, desde os seus
primórdios, calcada na língua geral. Sabemos que ao chegarem a essas terras, os jesuítas já
dispunham de alguns intrumentos para consulta, como o gramática de Anchieta,
265
elaborada
para a “língua mais usada na costa do Brasil”, o tupi, e o catecismo elaborado em guarani pelo
franciscano Bolaños.
266
Essas obras foram o ponto de partida para outros empreendimentos,
como, por exemplo, os trabalhos de redução gramatical do idioma guarani de Antonio Ruiz de
Montoya.
A critica ulterior à política lingüística praticada nas reduções pelos missionários pode
ser melhor compreendida quando analisamos os termos da real cédula de 1743, conhecida
pelos jesuítas como Cédula Grande, e o terceiro ponto do documento, que enfatiza a
importância do ensino de espanhol aos índios reduzidos, no Paraguai.
267
A monarquia
espanhola preconizava, assim, se não a alfabetização dos amerindios na língua de Cervantes,
ao menos o seu aprendizado oralizado. Procurava-se diminuir, dessa forma, o problema
existente com os intérpretes criollos, que geravam toda sorte de confusões nos momentos de
contato. Por certo, alguns indígenas das reduções aprenderam a falar o castelhano, como
acontecia com os artesãos nas oficinas missioneiras, quando eram instruídos por mestres
criollos egressos das cidades coloniais. Todavia seguiam sem apresentar aptidão para a leitura
ou para a escrita nesse idioma.
Diversos motivos determinaram a restrição do ensino do idioma espanhol aos índios,
mas nunca foram assumidos publicamente pelos jesuítas durante seu trabalho evangelizador.
O isolamento das reduções, afastadas dos grandes centros populacionais, apresentava-se como
264
SOLANO, Francisco. Aprendizaje y difusión del español entre indios (1492/1820). In: BENASSY-
BERLING, M.-C.; CLEMENT, J.-P.; MILHOU, A. (Ed.) Langues et cultures en Amérique espagnole coloniale.
Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 1993.
265
ANCHIETA, José de. Arte de Grammatica da Lingoa mais usada na costa do Brasil. Coimbra: Antonio de
Mariz, 1595.
266
BOLAÑOS, 1592 (apud MELIÀ, 1992). A respeito desse catecismo, Melià esclarece: “Esta fuera de duda
que la supuesta gramática de Bolaños nunca fue impresa y es muy probable que permaneciera a nivel de
anotaciones didácticas personales” (MELIÀ, 1992, p. 69).
267
Real Cédula previniendo que se há de observar en las misiones y pueblos de indios de los distritos del
Paraguay y Buenos Aires que estan a cargo de los Padres de la Compañia de Jesus [dezembro de 1743]”
(PASTELLS, 1949, p. 544).
90
um fator limitante à hispanização pretendida pela política espanhola, expondo as contradições
existentes entre isolar os indígenas recém-convertidos e promover a sua castelhanização.
268
Nas reduções guarani foi preconizada a distância entre os índios reduzidos e a
população hispano-americana, por receio dos jesuítas, que consideravam a proximidade dos
colonos uma referência negativa, uma má influência à conduta dos índios.
269
Um exemplo
desses efeitos é captado na fala de um Guarani a um missionário, no século XVII, quando
ambos trabalhavam em Buenos Aires: “Como nos aveis enseñado, que no podemos tener mas
que una mujer, y vemos que los españoles, siendo Cristianos, usan de muchas?”.
270
Mesmo
de forma ocasional, os contatos com a sociedade colonial possibilitavam aos Guarani
estabelecerem comparações entre o seu modo de vida e o dos colonizadores. Os jesuítas
julgavam que tais reflexões poderiam comprometer o ideal de conduta prescrito para a vida
em missão.
Por razões dessa ordem, foram adotadas medidas restritivas por parte dos
missionários, procurando evitar uma convivência prolongada nas cidades, o que não impediu
contatos esporádicos com os espanhóis quando saíam das reduções conduzindo mercadorias a
Buenos Aires ou a alguma outra cidade rio-platense. Mesmo assim, em alguns momentos, os
espanhóis chegaram a residir temporariamente nas reduções, como é o caso dos mestres
criollos mencionados pelo procurador da Companhia de Jesus, Juan por Rico.
271
A
possibilidade de uma convivência com a população de origem hispânica dentro das reduções
foi uma situação excepcional e bastante vigiada, mas em outras ocasiões centenas de índios
foram requisitados para trabalharem nas obras públicas em cidades coloniais, a serviço do rei
de Espanha.
272
Na realidade a disseminação do castelhano entre os Guarani missioneiros era um
objetivo de difícil realização, inclusive porque a política lingüística praticada nessas reduções
coloniais estava em oposição às regras preconizadas pela monarquia hispânica para a
268
MÖRNER, 1967, p. 435-446.
269
A respeito dos motivos que pautaram a atitude separatista dos jesuítas, mantendo os Guarani afastados dos
colonizadores, e as restrições à presença de visitantes nas reduções, ver: MÖRNER, Magnus. La corona
española y los foráneos en los pueblos de indios de América.2. ed. Madrid: Ediciones de Cultura
Hispánica/AECI, 1999, p. 279-288.
270
JARQUE, 1687, p. 358.
271
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc. 100. Reparos que se han hecho contra la buena conducta y
gobierno civil de los treinta pueblos de indios guaraníes, que están a cargo de la Compañía de Jesús del Paraguay
y los deshace, con la verdad sencillamente expone de dicho gobierno, el P. Juan Joseph Rico, procurador General
de la misma Compañía y provincia del Paraguay, en esta Corte. Impreso, s. 1 n. a (Siglo XVIII), 36 páginas en 4
272
NEUMANN, 1996.
91
América. Como destacou Melià, a “[…] concepción de un cristiano no español es tal vez el
aporte más original de las reducciones”.
273
Os jesuítas, ao serem questionados, no século XVIII, a respeito do uso praticamente
exclusivo do idioma guarani nas reduções, contestavam que não se tratava de uma política de
separação ou isolamento, alegando que a língua guarani era utilizada pela maioria dos
habitantes do Paraguai e demais segmentos da população colonial.
274
Essa polêmica sempre foi alimentada pela tática jesuítica, comum em toda América
colonial, de mostrar respeito às recomendações e ordens reais; todavia, os jesuítas
continuavam fazendo o que consideravam conveniente.
275
Quando foram acusados de isolamento lingüístico, os jesuítas tratavam de justificar-
se argumentando que ensinavam o espanhol ao Guarani, mesmo se apenas os treinavam na
leitura em língua castelhana.
276
Em uma relação de 1758, atribuída a Nusdorffer, a polêmica
lingüística é assim definida:
[…] que solo hablan estos Yndios su idioma natural, pero que esto no es por
prohibición de los P.ps jesuitas, sino del amor que tienen à su nativo lenguaje, pues en cada
uno de los pueblos hay establecida escuela de leer, y escribir en lengua Española, y que por
ese motivo se encuentra un numero grande de Yndios muy hábiles en escribir, y leer en
español, y aun Latin sin entender lo que leen […].
277
Nusdorffer, ao longo de sua suposta argumentação, escreveu que “nunca he oido
decir que el Indio tiene prohibición de no hablar español”, fato que, segundo ele, já teria sido
denunciado por algum índio “novelero”. Esse jesuíta, inclusive, reconhecia que os Guarani,
em meados do século XVIII, “[…] se explican aun que mal en español, o en un Chaparado
mal cocido, y mal guisado que nos causa risa, solo cuando están muchos años desde
muchachos, se le explican bastantemente”.
278
Essa informação somente comprova o quanto a
273
MELIÀ, Bartomeu. El Guaraní conquistado y reducido: ensayos de Estnohistória. 4. ed. Asunción:
CEADUC-CEPAG, 1997, p. 126. (Biblioteca Paraguaya de Antropologia, v. 5).
274
Maxime Haubert reifica o argumento apresentado pelos missionários no século XVIII, ao alegar que os
jesuítas não procuravam erguer uma barreira lingüística visando proteger seus catecúmenos, pois “[…] fora das
reduções, o guarani é comum a todos os habitantes do Paraguai e, para a maioria dos colonos, seu uso é mais
freqüente e mais fácil que o espanhol; isso acontece ainda em nossos dias” (HAUBERT, Maxime. Indios e
jesuítas no tempo das missões – séculos XVII e XVIII. Tradução por Marina Appenzeiler. São Paulo: Companhia
das Letras: Círculo do Livro, 1990, p. 260).
275
GONZALBO AIZPURU, 2000, p. 182,183.
276
Como vimos, na Cédula Grande de 1743 figurava a cobrança do ensino do idioma espanhol aos Guarani, o
que leva a supor que a instrução nesse idioma era muito limitada nas reduções. Provavelmente, até essa data, o
ensino do espanhol fora restrito, e assim mesmo de maneira instrumental, a alguns indígenas alfabetizados. Para
considerações a esse respeito, ver: KERN, 1982, p. 121.
277
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc. 77.
278
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc. 77.
92
possibilidade de domínio do castelhano era decorrência de um maior convívio com esse
idioma, expondo portanto uma das limitações decorrentes do isolamento lingüístico das
reduções.
279
Entretanto, jesuítas como Nusdorffer preferiam atribuir essas limitações às
capacidades intelectuais dos Guarani, emitindo juízos etnocêntricos: “aprender línguas
nuevas, no es para la cabeza del Indio, que tiene el casco de dos dedos de grueso”.
280
Essas opiniões podem ser contrastadas, por exemplo, com as informações
apresentadas por Nicolas Elorduy, oficial do exército espanhol, em um juízo formado para
averiguar a participação dos jesuítas na rebelião guarani. Ao apresentar sua versão a respeito
do conhecimento do castelhano por parte dos índios, Elorduy declarou ter conhecido um
Guarani, em Santo Ângelo, que falava espanhol. Motivo pelo qual convidou-o a ingressar no
seu aposento. Mas, antes, este indígena tomou o cuidado de certificar-se de que ninguém o
espiava. Questionado por Elorduy diante dessa atitude, o indígena respondeu:
[…] no quisiera lo viesen por que lo dirian al padre y lo mandaria azotar, por que le
dije? Por que se hablar la castilla que aprendi en Buenos Aires y los padres no quieren, que
ninguno Indio hable, y si lo supiere no hay duda me haria azotar.
281
Esse Guarani declarou que aprendeu o castelhano quando trabalhava como
carpinteiro em Buenos Aires, e justificou seu regresso à redução por causa de sua mulher.
Todavia, podemos duvidar do motivo alegado, afinal muitos retornaram às suas reduções
quando souberam dos preparativos para a guerra
282
. Diversos Guarani decidiram abandonar a
vida em redução bem antes do início dos trabalhos de demarcação e, residindo próximo às
cidades coloniais, aprenderam a língua do colonizador. Alguns, depois de anos de vida extra-
reducional, por motivos diversos, decidiam regressar às suas reduções de origem.
Outra possibilidade de aquisição da língua castelhana pelos Guarani foi registrada
por Nicolas Elorduy, dessa vez na redução de São João. Novamente, Elorduy aproveitou para
argüir onde o índio havia aprendido a língua castelhana, e soube que “[…] cuando el P.e
279
MÖRNER, 1967, p. 435-446.
280
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc. 77. p. 17
281
A.H.N.: Sección Estado. Legajo 4798, Caja 1, Doc. 199. Para hacer Juicio, en el punto, asi los Padres Jesuitas
de la provincia del Paraguay, han tenido parte, en la resistencia que el Rey ha experimentado, en los Indios
Guaranis, que goviernan dichos Padres Jesuitas se haze preciso hazer patente, el modo con que dichos Padres
tienen entablado, sus goviernos, esto es, espiritual y temporal. p. 5.
282
Quando os cabildos missioneiros enviaram em julho de 1753 as sete cartas ao governador portenho, o ex-
provincial do Paraguai, Manuel Quirino, comentou que “los fugitivos vuelven de Buenos Aires, y los animan y
dicen todo lo que pasa por alla” (R.A.H.: Sobre el tratado con Portugal en 1750, P. Manuel Qurino; 9-11-5-151;
Sig: 9/2279. p. 111v)
93
Pedro Viedma, vino la primera vez a los Pueblos entro a servirle, y como el P.e no sabia la
lengua Guarany, le hablaba en castilla, con lo que aprendió”.
Esses dois breves exemplos deixam claro que, apesar da opinião eurocêntrica de
Nusdorffer, os índios, quando expostos a situações de contato lingüístico, ao atuarem
diretamente como mediadores entre as possibilidades abertas pelo mundo hispânico na
América, aprendiam com facilidade o castelhano oralmente. Contudo, o bilingüismo foi
bastante restrito nas reduções, apesar do ensino da leitura em espanhol nas escolas. Entre os
habilitados nas artes y oficios, estavam incluídos os músicos, que também recebiam
ensinamentos na língua castelhana, sobretudo a capacidade de leitura. Entretanto, a maior
difusão do castelhano foi na forma oralizada entre aqueles Guarani que mantiveram contato
com a população colonial.
Alguns indígenas, mesmo iletrados, aprenderam com facilidade o castelhano,
particularmente no trato com os espanhóis, como foi o caso de Gerónimo. Através de um
memorial do início do século XVIII, onde estão arrolados os conflitos gerados pela presença
portuguesa na Colônia do Sacramento, localizamos uma informação que indica que entre os
prisioneiros havia “[…] un indio ladino llamado Geronimo bien inteligente y que se daba a
entender en la lengua española y la natural de la lengua Guarani como de edad de treinta
años […]”.
283
A fonte não precisa claramente a origem desse indígena referido como ladino,
mas é deduzível pelo contexto que provavelmente se tratava de um Guarani que em algum
momento esteve aldeado, pois ostentava um nome latino e conhecia a língua geral e o
espanhol. Inclusive, apresentava grande desenvoltura, e mesmo sem ser perguntado,
expontaneamente descreveu outros episódios. O caso de Gerónimo confirma que bilingüismo
por parte de alguns índios sempre foi possível no mundo colonial, principalmente quando
estavam “[…] en contacto con los españoles y aprendían castellano y otras muchas
costumbres españolas, eran los ladinos – latinos – palabra que pasó a significar astuto,
tramposo o malicioso”.
284
A identificação de sujeitos como ladinos rompe com a concepção dicotômica
tradicionalmente enfatizada pela historiografia, que costuma simplificar na realidade colonial
rio-platense a polaridade entre indígenas reduzidos e “índios infiéis”. A historiografia, em
geral, sinaliza outro comportamento possível, justamente o daquele sujeito que está inserido
283
MANUSCRITOS da Coleçao de Angelis, 1954, p. 127.
284
GONZALBO AIZPURU, 2000, p. 234.
94
nos espaços intermédios, manifesto, em muitos casos, na capacidade de recorrer ao idioma do
colonizador, sem contudo abandonar sua perspectiva indígena.
O termo “ladino”, e suas conotações pejorativas, servia para designar esses sujeitos
culturalmente mestiços, que habitavam as diferentes regiões da América hispânica.
285
Na
Nova Espanha, esses indígenas ladinos y españolados inquietavam o clero colonial, pois
despertavam suspeitas quanto a um possível enquadramento desses indivíduos. Segundo
Gruzinski, os “indios tienden a multiplicar los comportamientos originales en contexos en
perpetua evolución, al mismo tiempo que adbican a su identidad indígena cada vez que la
ocasión se presta para ello”.
286
Um caso exemplar, que ilustra essa realidade para o rio da Prata, é referido pelo
padre Domingo Muriel. Na obra História del Paraguay, esse jesuíta menciona um certo índio
de São Tomé que, cansado das obrigações cristãs e do trabalho que executava nas reduções,
tomou o rumo de Buenos Aires.
287
Esse índio era músico, ofício que lhe garantia o sustento, e
diante da convivência com os habitantes da cidade-porto rapidamente se tornou ladino. Em
determinada ocasião, valendo-se da sua competência letrada, “escribió a sus paisanos una
carta circular que era un tejido de desatinos, y a la que él, muy satisfecho, llamaba
exterminio de errores”.
288
Nessa missiva, esse Guarani missioneiro exortava seus
companheiros que seguiam nas reduções a aderirem ao tecó aguiyé, isto é, a vida alegre dos
espanhóis. Esse fato levou Muriel a considerar que “aquel indio era ladino y que le habían
soplado los buenos aires, porque eso sin duda aumentaba su veracidad, sobre todo si había
sido desertor”.
289
Essas informações registradas por Muriel abrangem o período de 1747 até
1767, décadas marcadas por uma ampliação nos contatos entre Guarani missioneiros e
espanhóis, proximidade que favorecia o aprendizado do idioma do colonizador e a valorização
do seu modo de vida.
Foram esses contatos esporádicos ou mais prolongados com o mundo extra-
reducional que possibilitaram aos índios comuns da população missioneira aprenderem
oralmente o idioma castelhano. Este foi o caso particular da redução de Yapeyu, que por ser a
porta de comunicação das reduções com[…] las ciudades cercanas de los Españoles por
285
Um arrazoado das diversas manifestações do índio ladino no México colonial, ver: AGUILAR MORENO,
Manuel. The indio ladino as a cultural mediator in the colonial society. Estudios de Cultura Nahuatl, México:
UNAM, v. 33, p. 149-184, 2002.
286
GRUZINSKI, 1991, p. 277.
287
MURIEL, Domingo. Historia del Paraguay (desde 1747 hasta 1767). Traducida al castellano por el P. Pablo
Hernandez, S.J. Madrid: Librería General de Victoriano Suarez, 1918, p. 323.
288
MURIEL, 1918, p. 323.
289
MURIEL, 1918, p. 324.
95
tierra y por agua, hay entre los Indios muchos que saben algo de la lengua española […]”.
290
Situação similar deveria repetir-se com freqüência nas reduções próximas a Assunção (“los
pueblos de abajo”), exatamente pelo contato facilitado com a população hispanohablante.
Certamente, houve em cada redução um grupo de indígenas aptos a comunicar-se,
minimanente, em castelhano. Entretanto estes preferiam a língua indígena, pois demonstrar
conhecimento oral, mesmo precário, do idioma do colonizador indicava uma posição pouco
valorizada nas reduções, sendo identificados como índios fugitivos: em meados do século
XVIII, o jesuíta Domingo Muriel informou que, nas reduções, o fato de “[…] el hablar en
español es señal, por lo comum, de haber sido tránsfugas […]”.
291
Assim, o bilingüismo atuava como meio de denúncia da vida extra-reducional. Por
essa mesma época, o missionário José Cardiel registrou que quando algum Guarani evadido
retornava a viver na redução “[…] sus paysanos se vurlan de el quando le ven hablar
castellano, poniendo algunos apodos de huidor, andariego, vagabundo […]”.
292
Também há um bilingüismo manifesto por parte da elite missioneira, como é caso do
alferes (posteriormente corregedor) da redução de São Miguel, Joseph Ventura Tiarayú, ou
simplesmente Sepé Tiarayú. Quando a primeira comitiva demarcadora chegou ao território
missioneiro, em fevereiro de 1753, este Guarani manteve contato verbal com os comissários
encarregados de fixar os novos limites, comunicação que demandava algum grau de
conhecimento da língua espanhola, como atesta uma fonte histórica. Ao narrar o encontro
dessa milícia missioneira com os oficiais demarcadores, o jesuíta Thadeo Xavier Henis
registrou que Sepé “[…] sabia pronunciar algunas voces de la lengua española […]”.
293
Conseqüentemente, a facilidade que alguns Guarani demonstravam para o domínio oral da
língua espanhola era mais pronunciada do que os jesuítas costumavam alegar. Isso,
certamente, devia despertar receio junto aos missionários, fazendo com que não facilitassem
os meios para esses indígenas ampliarem seu conhecimento, evitando, assim, o contato com
os colonizadores.
294
290
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis,1969, p. 252.
291
MURIEL, 1918, p. 438.
292
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc. 79.
293
Diário redigido pelo padre Thadeo Xavier Henis, a pedido de Bernardo Nusdorffer (ANAIS da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro, 1937-1938, p. 489), ou COLECCIÓN PEDRO de Angelis. Con prólogos y notas de
Andrés Carretero. Buenos Aires: Plus Ultra, 1969/1970, t. 1, p. 494.
294
Exatamente por considerarem esta proximidade como prejudicial, um missionário como José Perámas, já no
desterro, depois de expulsos os jesuítas da América, no final do século XVIII, disse que “por la misma causa no
se les enseña nuestra lengua castellana” (apud MELIÀ, 1992, p. 103).
96
3 A PRODUÇÃO ESCRITA GUARANI
3.1.1 Materialidades e suportes da escrita guarani
Os materias orgânicos e inorgânicos, sobre os quais os homens inscreveram sinais ou
formas de notação, constituem indícios de uma vontade de produzir registros, deixar
evidências, ou seja, marcas de presença. As superfícies sobre as quais as sociedades grafaram
seus registros são indicadores das motivações que perpassam o exercício das capacidades
gráficas, e podem revelar intenções de distintas naturezas.
295
Visando apreender a dinâmica das práticas letradas nas reduções guarani, entre os
séculos XVII e XVIII, busca-se identificar os distintos suportes do escrito e as formas textuais
produzidas. Revelam-se, assim, diferentes estratégias de conversão nas reduções do Paraguai,
que variaram historicamente, inclusive em função dos recursos materiais disponíveis para a
escrita.
Na fase inicial de evangelização foram utilizados suportes bastante simples para
promover a transmissão de valores básicos do cristianismo aos Guarani. Para difundir os
valores da catequese cristã, os jesuítas recorreram as kurusu kuatia, no caso a “cruz escrita”,
como registrou Montoya em seu Tesoro de la lengua Guarani. A cruz, além de sagrada,
passou a ser portadora da palavra escrita, com uma terminologia própria em língua guarani
para denominar esse objeto.
O recurso adotado nas reduções de escrever mensagens em cruzes possui inegável
relação com as práticas identificadas por Petrucci como “escritas expostas”.
296
Na Europa
encontravam-se disseminadas inscrições de textos, hoje valorizados e analisados por
diferentes disciplinas. Entre os séculos XV e XIX houve uma ampliação dessa prática além
das epígrafes públicas, que passaram a expressar as aspirações de uma população semi-
295
“[…] deve-se lembrar que não há texto fora do suporte que o dá a ler (ou a ouvir), e sublinhar o fato de que
não existe a compreensão de um texto, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das quais ele
atinge o seu leitor” (CHARTIER, 1994b, p. 17). Para considerações a respeito dessa obra de Chartier, ver:
HANSEN, João Adolfo. Leitura de Chartier. Revista de História, São Paulo: FFLCH-USP, v. 133, p. 123-129,
1995. Para uma avaliação dessa questão do ponto de vista da paleográfia, ver Armando Petrucci e Francisco M.
Gimeno Blay: “[…] las diferentes materialidades que, como soportes, vehiculan el discurso escrito contribuyen
a conferir un aspecto determinante a los textos y condicionan de esse modo la recepción del mismo por parte de
los lectores” (PETRUCCI; GIMENO BLAY, 1995, p. 9).
296
O conceito de “escrita exposta” foi proposto por Armando Petrucci: “[…] con este término quiero indicar
cualquier tipo de escritura concebido para ser usado, y efectivamente usado, en espacios abiertos, o incluso en
espacios cerrados, con el fin de permitir una lectura plural (de grupo o de masas) y a distancia de un texto
escrito sobre una superficie expuesta. En efecto, la exponibilidad y, por tanto, la exposición hacen de medio
para un contacto potencialmente masivo, o, en cualquier caso, más relevante numéricamente de cuando pueda
ocurrir con un texto contenido en un libro o en folio, destinado a la lectura individual” (PETRUCCI, 1999a, p.
60).
97
alfabetizada que, segundo Petrucci, disputava espaços de visibilidade aos seus escritos com as
elites e os grupos de poder.
As inscrições expostas que têm a cruz como suporte mantiveram-se operantes na
história missioneira, sinalizando que a redução tem o domínio de um território ou ervais, mas
também que pode ser vista por públicos externos, ou seja, para serem visualizadas pelos
colonizadores ibéricos.
Nos campos de cima da serra, os Guarani recorreram às inscrições em cruzes com o
objetivo de determinar a antecedência na ocupação do território. Quando em 1727 o lusitano
Francisco de Souza Faria abria caminho para passar gado pelos campos de cima da serra, a
primeira coisa que encontrou foram numerosas cabeças de gado. Esses animais faziam parte
da Vaquería de los Pinares, área destinada à criação de gado pelos Guarani missioneiros.
297
Nesse local foram encontradas “cruzes postas por eles em linguagem misturada de espanhol e
tape”, motivo pelo qual esses campos de cima da serra ficariam conhecidos como Cruzes dos
Tapes.
298
Nada se sabe sobre o conteúdo das mensagens escritas nas cruzes, mas é provável
que fossem de avisos alertando a quem competia os animais dessa vacaria. Através do registro
lavrado na câmara de Laguna, em 1734, somos informados da localização de outra cruz “em
cima da serra” que apresentava “uma escrita pela língua da terra”. A inscrição era um aviso
dos Guarani, “oferecendo guerra” para defender o caminho de passagem, conhecido como
“tranqueira”.
299
Em ambos casos, a escrita utilizada pelos indígenas é reconhecida pelo
colonizador, expressando uma situação de precedência em relação à ocupação dessas terras e,
conseqüentemente, de posse dos animais. Os avisos, em escrita latina, eram dirigidos aos
portugueses que, ao procurarem abrir um caminho por terra para conectar a América
meridional com a região das Minas Gerais, saqueavam a Vaquería de los Pinares, localizada
no meio do caminho.
A demarcação do território com cruzes também foi verificada entre reduções quando
pleiteavam a posse de ervais. Para solucionar uma disputa envolvendo a posse de um erval
297
A Vaquería de los Pinares foi estabelecida, em 1721, a partir de um acordo entre as reduções guarani para
garantir o abastecimento de gado. O saque indiscriminado promovido pelos moradores de Buenos Aires e Santa
Fé a outra vacaria, conhecida como do Mar, determinou a adoção de medidas preventivas para garantir o
provimento de carne aos índios missioneiros. “Cuando todos empezaron a advertir que el ganado cimarrón
continuaba disminuyendo, surgieron nuevamente tensiones entre los jesuítas y el cabildo porteño, pero los
indios de los pueblos […] se apresuraron a sacar de la Vaqueria del Mar unas 80.000 cabezas para fundar con
ellas outra vaquería, llamada de Pinares, al sur del río Pelotas y cerca de 400 kilometros al este de los pueblos,
en una región circundada de montañas y bosques” (MÖRNER, 1985, p. 123).
298
CAMPAÑA del Brasil: antecedentes coloniales: tomo II (1750-1762). Buenos Aires: Guillermo Kraft, 1939,
p. 21.
299
Arquivo do Estado de São Paulo: C00257, maço 25, pasta 4, 25.4.18 (Agradeço ao colega de departamento
Fábio Kühn por fornecer-me a referência desse documento).
98
entre São Miguel e São João e a redução de Conceição, o impasse foi solucionado pelo padre
Pedro de Cabrera, que arbitrou em favor de São João. E, para evitar novas dúvidas, demarcou
esta com diversas cruzes, depositando uma lápide inscrita: “Ano de 1742. Assinalaram-se
estes ervais e puseram estas cruzes de pedras com letras que se vêem nelas, por ordem do
padre Pedro de Cabrera, estando presente o corregedor Pedro Chaury, o secretário Francisco
Cuaracy, e outros quatro homens de ambos os povos”.
300
A escrita, nesse momento, atendia à
função de manifestar autoridade de um poder, no caso a do cabildo, instituição reconhecida
nas reduções, e com essa medida encerrar essa disputa. A presença de autoridades indígenas
conferiu a essa cerimônia um caráter solene merecedor de testemunho gráfico público,
demonstrando as relações existentes entre poder e escrita nas reduções. Em outras palavras,
era através da escrita que se demostravam as decisões e se expresava o que Armando Petrucci
denominou instrumentum publicum. O recurso à inscrição em uma lápide denota tanto a
preocupação com a longevidade dessa forma de resolução de conflitos como sinaliza a
disseminação do uso da escrita como prática reconhecida para sacramentar uma decisão.
Esses breves exemplos são indícios de que a escrita exposta nas reduções atuou como
epígrafe pública, no caso a lápide mencionada pelo padre Cabrera, servindo igualmente a uma
manifestação autônoma dos Guarani no caso das cruzes deixadas em cima da serra. Mesmo
sendo uma prática disseminada e reconhecida pelos diferentes protagonistas, provavelmente
as inscrições nessas cruzes foram realizadas sem a presença dos jesuítas, sendo um recurso
espontâneo, acionado livremente por parte dos Guarani para acusarem sua precedência sobre
o território, podendo até mesmo manifestar sua decisão de entrar em conflito.
Entre as inscrições expostas em cruzes, a mais expressiva foi a deixada por Miguel
Mayra no local onde ocorreu o conflito entre a milicia guarani e os exércitos coligados luso-
hispânicos. Essa grande cruz com uma inscrição em guarani registrava os acontecimentos que
resultaram na morte de centenas de indígenas e colocava um limite às pretensões misioneiras
de barrar o avanço das tropas ibéricas.
301
A inscrição sobre a cruz aliava, assim, tanto a
300
Correspondência do Rio Grande do Sul. Demarcação de limites. Vol XI. B.N/R.J. I,5,4,18, Of.124 (PORTO,
Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai. 2. ed. Porto Alegre: Selbach, 1954, part. 1, p. 338).
301
Año 1756. A 7 de febrero pipe omanô corregidor Joseph Ventura Tiarayú Guarini pipe, sábado ramo. A 10
de Febrero pipe oya guarini guasu martes pipe, 9 taba Uruguay rebeguá 1500 soldados rebehae beiaere.
Murubichá retá omanó ônga ape. A 4 de marzo pipe oyapouca ânga co Cruz marangatú. Don Miguel Mayra
soldados reta upe”. Tradução: Ano de 1756. A 7 de fevereiro morreu o corregedor Joseph Ventura Tiarayú em
uma batalha que houve em dia de sábado. A 10 de fevereiro, em uma terça, houve uma grande batalha em que
morreram, neste lugar, 1,5 mil soldados e seus oficiais, pertencentes aos Nove Povos do Uruguai. A 4 de março
mandou Miguel Mayra fazer esta cruz pelos soldados. “Continuaçao do Diario da Primeyra Partida de
Demarcação(B.N./RJ: Cod. 22,1,19 (Mss encadernado/sem paginação). Copia contemporanea. 15fls). Essa
inscrição também figura reproduzida em algumas publicações, entretanto apenas apresentando a tradução ao
português, sem mencionar o texto em guarani (ASSIS BRASIL, Ptolomeu. A Batalha de Caiboaté (episódio
99
expressão cristã diante da morte como a preocupação indígena em formar um registro de
acontecimentos sem precedentes na trajetória missioneira.
Outras modalidades de escrita exposta foram verificadas nas rotinas missioneiras,
como as incrições em tábuas. A inscrições alfabéticas marcaram presença em vários espaços e
aspectos da vida em redução, atuando como poderoso instrumento de catequese, definindo
igualmente os locais prescritos a cada indivíduo na Igreja, reportando a hierarquia
compartilhada pela sociedade missioneira. Sabemos desses dispositivos através das instruções
do padre Andrés de Rada, ao recomendar que
las tablas que se ponen en la Iglesia en que se escriben los nombres de los varones
estaran en el poste inmediato a la puerta del medio y las de las mujeres junto a la puerta
principal con sus señales para que sin ayuda de lectos sepa cada una donde estan su
nombre, y tengase cuydado que por dicha puerta principal ni al entrar ni al salir de la
Missa, Rosario etc. haya indios mirones, y para cautelar lo se valdran los P.P Curas de los
Indios más temerosos de Dios, y de quienes tenga satisfación de que seran fieles en dar
cuenta de los que se desmandaren.
302
As inscrições em letreiros dentro das Igrejas determinavam a distribuição dos fiéis na
platéia, ordenados segundo os preceitos católicos, e, ao mesmo tempo, procuravam estimular
na população a capacidade de identificar o próprio nome. O expediente de expor a escrita em
locais visíveis foi uma prática bastante explorada nas primeiras décadas de evangelização e se
manteve operante em outros momentos, sobretudo pelo caráter coletivo de muitos desses
procedimentos. Para o conhecimento e difusão de algumas orações, como as entoadas na
novena de São Francisco Xavier, recomendou-se que a melhor maneira de serem visualizadas
em cada redução seria garantindo que todos os anos se “[…] podra en una tabla de Buena
letra la Oración que esta trasladada de modo que según las lineas, Son las pausas que ha de
hazer el Indio que la dixesse para que respondan”.
303
Na fase inicial de estabelecimento das reduções, foi comum os jesuítas utilizarem as
celebrações como um momento privilegiado para a memorização visual de palavras
relacionadas aos valores cristãos. Através de uma dança misturavam
culminante da Guerra das Missões). Porto Alegre: Globo, 1935, p. 114; CASAL, Manuel Aires de. Corografia
Brasilica: ou Realação histórica geográfica do reino do Brazil composta e dedicada a sua magestade Fidelissima
por hum presbitero secular do Gram priorado do Crato. Rio de Janeiro: Impressão Reagia, 1817. 2 v., p. 100;
PORTO, 1954, part. 2, p. 238).
302
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los P P. Carta Comun de Andrés de Rada, 19 deziembre de
1667. Sig: 6976
303
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Cartas de los P.P. Nusdorffer, 1735. (Oración San Francisco Xavier).
Sig: 6976
100
[…] las letras que forman el nombre de Maria escritos cada un en su própio escudo,
hasta que poco a poco les ponian en orden, presentándolas a los ojos de los espectadores de
modo que pudiesse leerse claramente […].
304
Esses espetáculos coreográficos foram organizados desde o século XVII, e as
encenações serviam de recurso para fixar, pela visualização da escrita, o nome das santidades
do panteão cristão. A prática dos jesuítas consistia em associar as encenações à visualização
escrita e, dessa maneira, introduzir palavras relevantes do mundo cristão em uma dinâmica
ritual amplamente conhecida. O espetáculo aliava a encenação e toda sua carga dramática ao
didatismo escolar, atráves de recursos mnemotécnicos. Os missionários aproveitavam, dessa
maneira, uma atividade muito prestigiada entre os Guarani, como a dança executada em
momentos de festas, para introduzir elementos provenientes da cultura ocidental, como eram
os caracteres do alfabeto latino.
Desde muito cedo os jesuítas recorreram a realizações de caráter pedagógico em
festejos que contavam com encenações recitadas em guarani e latim, narrando batalhas navais
à luz de tochas, acompanhadas de danças. Foi o caso da celebração da vitória sobre os
“bandeirantes” em M’bororé.
O padre Nicolas del Techo descreveu com riqueza de detalhes as festas que tiveram
ocasião na redução de Encarnación: “Por la tarde los neófitos de M’bororé representaron una
obra dramática, cuyo asunto era la invasión de los mamelucos; estos disponian sus planes y
peleaban, siendo vencidos y puestos en vergonzosa fuga”.
305
Com essa encenação entre os
Guarani, os jesuítas procuravam valorizar os episódios que culminaram na célebre vitória
contra os “bandeirantes”, mantendo atuante essa lembrança entre a população missioneira.
Identifica-se na documentação outro destino reservado à escrita, relacionado à
inscrição funerária nos cemitérios missioneiros. Todavia, não se tratava de uma prática
difundida entre todos Guarani, muito provavelmente marcando alguma distinção entre os
mortos e expressando os critérios reconhecidos como cristãos para a ocasião.
Em 1760, Juan de Escandón elaborou uma relação descrevendo os aspectos
espirituais e temporais sobre o modo de vida dos Guarani reduzidos, e dedicou um parágrafo
ao que ele nomeou de piedade na preparação para a morte e outras coisas. Nessa anotações
registrou
304
RELA, Walter. El teatro jesuítico en Brasil, Paraguay, Argentina: siglos XVI-XVIII. Montevideo:
Universidad Católica del Uruguay, 1988, p. 161.
305
Lupércio Zurbano, Carta Ânua, 1642 (PASTELLS, 1912-1933, t. 2, p.. 324).
101
sobre las sepulturas de los suyos, aunque no siempre, suelen poner su genero
epitafios. Y se reduce a gravar en una pequeña tabla ô tarjeta el nombre del difunto y el año
en que murío, y esta tabla la clavan en el suelo con algunos tarugos, ò de otra manera la
aseguran con la misma tierra sobre la sepultura: y assi en todos los cementerios ay muchas
de estas tablitas al sol y al agua hasta que ellas se pudren al cabo de pocos años.
306
As referências disponíveis sobre as inscrições funerárias nas reduções guarani
indicam a cristianização da prática funerária, como identificar o sepulcro com o nome do
falecido. Lamentavelmente, não dispomos de detalhes quanto a essas inscrições fúnebres
devido à ação do tempo. As únicas inscrições que sobreviveram foram as escritas em pedra,
como aquelas grafadas nas lápides das sepulturas dos padres, quando eram sepultados na
cripta das igrejas.
307
Durante algum tempo, foram utilizados diferentes materiais para o registro gráfico,
como foi a pedra, o couro ou a madeira. Provavelmente, também recorreram ao barro para
grafar algum tipo de inscrição ou desenho, como os esgrafiados encontrados nas lajotas da
igreja da redução de Trinidad.
308
O uso do papel, nos anos iniciais, estava restrito aos
missionários, e os materiais empregados para a escrita nas reduções nos aproximam, como
indica Petrucci, de “[…] una ley de la historia que no se refiere sólo a nuestra tradición
occidental sino a cualquier tradición de escritura, incluidas las de las sociedades históricas
asiáticas y las de las americanas […]”.
309
Os autores que analisam a produção escrita em distintas sociedades partem da
premissa de que há uma correlação entre produção e materiais que lhe dão suporte. Em uma
sociedade com grande produção de textos e amplo uso da escrita, haveria uma utilização de
suportes não muito caros e pouco resistentes. Em contrapartida, nas sociedades em que se
escreve pouco e produz raríssimos escritos são utilizados materiais caros e bastante
resistentes, em geral, reservados a uma minoria.
310
306
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc.84, Exp 1.
307
Este autor reproduz algumas das lápides localizadas no interior das igrejas missioneiras identificando o nome
e a data de falecimento de alguns jesuítas (FURLONG, 1962, p. 260-261).
308
Os trabalhos de arqueologia histórica tem revelaram a criatividade gráfica dos Guarani encarregados da
construção dos prédios que integravam o espaço urbano das reduções (PERASSO, José Antonio; VERA, Jorge.
Diseños esgrafiados e impresiones em materiales de barrro cocido empleados em la construcción de los templos
de San Joaquín, Santísima Trinidad y San José de Caazapá. In: PERASSO, José Antonio. El Paraguay del siglo
XVIII en tres memorias. Asunción: PR Ediciones: CEHILA, 1986. p. 57-80).
309
PETRUCCI, 1999a, p. 274.
310
Em geral, prevalecera sempre a seguinte regra, comum a diversas sociedades: “As inscrições em pedra
conservaram-se; os registros em papiros se desmancharam. Essas diferenças tangíveis deram nascimento à regra
seguinte: ‘Preserva-se muito quando se escreve pouco; preserva-se pouco quando se escreve muito’.”
(EINSENSTEIN, Elisabeth. A revolução da cultura impressa. São Paulo: Ática, 1998, p. 95);Contrariamente a
lo que suele creerse y afirmarse, el papel no fue adoptado en la Europa alfabetizada por una mayor necesidad
de leer, sino más bien por una mayor y más articulada necesidad de escribir.” (PETRUCCI, 1999a, p. 84).
102
No caso missioneiro, o que constatamos é que os primeiros anos de catequese foram
marcados por estratégias que implicavam o uso de materiais duráveis e, portanto, mais
resistentes às intempéries, o que permitiu garantir certa longevidade às instruções. A
quantidade não é abundante, como foi verificado nas décadas seguintes. Quando a
alfabetização já estava consolidada, no século XVIII, houve uma alteração no emprego dos
materiais, o que implicou um uso mais intenso do papel. As dificuldades no abastecimento de
material de escritório à província paraguaia explicam os procedimentos de maximização do
uso do papel por parte dos missionários em suas correpondências. Foram instruídos para
aproveitarem qualquer superficie de papel, e escreverem, inclusive, nas margens em
branco.
311
Essa medida revela algo adicional, não só condicionada ao melhor aproveitamento
dos recursos materiais, mas como uma expressão de vigilância sobre a própria produção
desses papéis.
3.1.2 Copistas e imprensa nas reduções
A cópia de textos foi uma prática comum nas reduções, principalmente antes de
1700. Através do trabalho especializado de alguns Guarani muitas obras foram reproduzidas.
Nas reduções houve, entre a população, indígenas especializados em copiar livros, imitando
os caracteres impressos. A cópia manuscrita de livros era uma prática muito comum na
Europa, sendo o trabalho realizado por várias mãos, denominado pecia. Essa prática chegou a
ser bastante difundida nas reduções, sobretudo diante da capacidade demonstrada pelos
Guarani para as reproduções a partir de cópias. Provavelmente essa atividade deve ter
contribuído para aperfeiçoar o trabalho executado pelos Guarani, como, por exemplo, no
momento de confeccionar os tipos para a impressão.
312
No século XVIII, começaram a ser impressos nas reduções obras em língua guarani,
a partir da instalação de uma máquina tipográfica, conferindo nova materialidade aos textos
escritos.
313
Os jesuítas foram os responsáveis pela construção da primeira prensa tipográfica
311
Y porque minore el gasto del papel que tan costoso suele ser en estas Provincias juzgo la congregación por
conveniente que el provincial responda en la margen de las cartas que recibe cuando los negocios no piden otra
cosa, y assi se encarga a todos que en dichas Cartas dexenen en blanco la margen necesaria para la respuesta.
Y si los particulares cuando mutuo se cartean quieren observar lo mismo entre si obraran mas en apoyo de la
santa pobreza, pero mucho mas conviene evitar Cartas inútiles […]” (B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos.
Carta del Padre Provincial Augustin de Aragon de 8 de Septiembre de 1671. Comun a toda la provincia. p. 63.
Sig: 6976).
312
PLÁ, Josefina. La cultura paraguaya y el libro. Asunción, 1983.(Biblioteca de Estudios Paraguayos, v. 4).
313
Apesar da imprensa inaugurar um novo tempo, o dos livros, não houve uma ruptura na relação entre escrita
manuscrita e escrita impressa. Segundo Armando Petrucci, esta deve ser compreendida como uma “[…] relación
103
rio-platense. Em 1633, já haviam solicitado permissão à V
a
Congregación Provincial del
Paraguay, reunida em Córdoba, para instalar uma tipografia nas reduções, por considerarem
necessária à impressão de obras de caráter catequético, em língua guarani. Entretanto, apesar
do pedido ter sido considerado importante, não foi atendido
314
.
Desde muito cedo, a Companhia de Jesus procurou garantir no Paraguai a presença
de algum hermano coadjutor para viabilizar a instalação de uma prensa tipográfica na região.
Somente no final do século XVII, através de dois missioneiros recém-chegados às reduções, o
padre Juan Bautista Neumann, austríaco, e José Serrano, espanhol, começaram a concretizar a
construção da máquina.
315
Com a ajuda dos Guarani de Loreto, esses dois jesuítas
coordenaram os trabalhos de construção de uma prensa tipográfica de madeira. Para compor
os textos, fundiram em chumbo e estanho os primeiros tipos para impressão nas reduções.
Provavelmente, antes de 1703, já estavam sendo feitos testes com essa máquina:
[…] si bien los primeros ensayos debieron ser más meritorios que brillantes, pues
sabemos que, por carecer la más de las Reducciones del martirologio Romano, hizo el P.
Juan Bautista Neumann en 1700 una edición, de la cual dice ingenuamente el P. Sepp que,
aunque no se podían comparar las letras con las de Europa, mas, al fin, eran legibles.
316
A autorização do vice-rei permitindo o funcionamento dessa máquina tipográfica
data do início do século XVIII. Nessa época, foi atendido o pedido do padre Hernando de
Aguilar, procurador-geral da Companhia de Jesus, concedendo licença para imprimir livros
em língua guarani “en las misiones del Tucuman”. Em 1703, argumentava o procurador
[…] la Provincia de Tucuman tienen su religion muchas reducciones y Doctrinas
Cuia numerosa Christiandad necesita para su mejor instrucción y enseñanza de que en su
lengua materna, que es la Guarani se les ympriman los libros de la Doctrina y otros
documentos especiales […].
317
O pedido apresentado no conselho de junta de guerra das Índias, quando deferido
pelo vice-rei, veio acompanhado da recomendação para se observar e respeitar as leis
que, en cualquier época y en cualquier situación, se desarrolla siempre en el sentido de la diferencia y de la
oposición, pero jamás de la ruptura” (PETRUCCI, 1999a, p. 117. Vide cap. 4: “La escritura manuscrita y la
imprenta: ruptura o continuidad”).
314
PLÁ, 1983, p. 44 (ver cap. 3: “La imprenta misionera”).
315
FURLONG, Guillermo. Orígenes del arte tipográfico en América: especialmente en la República Argentina.
Buenos Aires: Editorial Huarpes, 1946, p. 140; FERNANDEZ, Stella Maris. La imprenta en Hispanoamérica.
Madrid: Asociación Nacional de Bibliotecarios Archiveros y Arqueólogos, 1977, p. 131.
316
GOMEZ RODELES, Cecilio. Imprentas de los antiguos jesuitas en Europa, América y Filipinas (durante los
siglos XVI al XVIII). Madrid: Est. Tip. Sucesores de Rivadeneyra, 1910, p. 26.
317
B.N./RJ: Coleção de Angelis. Manuscritos 508 (22) Annuas. Documento numero 530. Licencia acordada por
el Virrey del Peru de Imprimir libros en lengua guarani, en las misiones del Tucuman.1703.
104
aprovadas pelo conselho de Índias referentes às publicações. A impressão de livros nas
reduções esteve orientada de acordo com essas normas, ou seja, totalmente voltada à
transmissão da catequese. A maior parte dos livros foi impressa em língua guarani. O livro
mais antigo impresso nas reduções é de 1705. Trata-se de uma tradução guarani feita pelo P.
Serrano do tratado De la diferencia entre lo temporal y lo eterno, obra do P. Nieremberg. É,
sem dúvida, um dos livros mais famosos da chamada “literatura ascética”, que havia sido
traduzido não somente em todas línguas vernáculas, como também as consideradas
“exóticas”.
A obra apresenta uma série de gravuras que são reproduções realizadas a partir do
trabalho de Bouttats, elaboradas por índios gravadores, sem deixar dúvidas quanto à qualidade
e nitidez das páginas impressas, atestando o alto grau de refinamento que as artes gráficas
atingiram junto às reduções guarani.
318
Apesar da ampla participação indígena na elaboração
dessas obras, praticamente todas eram reproduções de trabalhos de autores europeus. A
produção de textos impressos na tipografia missioneira provavelmente chegou a afetar
segmentos sociais mais definidos, nos quais os indíviduos eram efetivamente letrados e
manuseavam com desenvoltura os códigos da escrita.
319
Durante as duas décadas de atividade dessa máquina instalada nas reduções foram
impressos aproximadamente 23 livros.
320
Em sua maioria, eram textos com finalidade
religiosa, como indica a consulta às obras impressas nas reduções: catecismos, sermonários,
exemplos e vocabulários, tudo em guarani.
321
A conjugação dessas atividades permitiu que as reduções possuíssem bibliotecas bem
providas, e os catálogos demonstram a existência de um volume apreciável de obras,
predominantemente religiosas.
322
Todas as reduções possuíam uma espécie de arquivo e, nos
318
Essas lâminas podem ser visualizadas na reprodução realizada por um bibliófilo chileno; ver: MEDINA, José
Toribio. Historia y bibliografia de la imprenta en el antiguo virreinato del Río de la Plata. La Plata: Taller de
Publicaciones del Museo, 1892.
319
Para uma discussão enfatizando os aspectos referentes à estrutura social e como esses valores canalizam os
usos da alfabetização e da palavra escrita, ver: DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo: sociedade e cultura no
início da França moderna: oito ensaios. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 157-185.
320
PLÁ, Josefina. El barroco hispano-Guaraní. Asunción: Editorial del Centenario S.R.L., 1975 (ver apêndice
2: “Lista bibliográfica de Misiones”, relação de todas obras impressas nas reduções).
321
FURLONG, 1946, p. 127-149.
322
Uma aproximação dos acervos existentes nas reduções são os inventarios publicados: “Pueblos del Uruguay.
Sigue el catalogo de los libros, que no insertamos, tanto por su extensión, como porque en su mayor parte
consta de obras de teologia y de devoción de poca importancia, y que se repiten en casi todos los inventarios.
Por estas razones, nos limitaremos en éste y en los que siguen á indicar el número total de obras y a citar tan
solo las que por estar escritas en lenguas de los indios, pueden ofrecer algum mayor interés, puesto que dan
idea de los trabajos verdaderamente útiles de los misioneros. En el inventario de este pueblo, el número de
obras asciende á 169.”; ver: BRABO, Francisco Xavier. Inventarios de los bienes hallados a la expulsión de los
105
seus inventários, sempre figuravam livros, sendo que a biblioteca melhor provida era a de
Candelária, sede do superior das missões.
323
Os resultados obtidos nessas tarefas de impressão
foram significativos, e a participação da elite guarani nessas atividades foi decisiva.
Ao que tudo indica, as habilidades letradas indígenas foram canalizadas para essas
atividades, seja através da cópia de documentos, seja nas tarefas tipográficas. Em 1721, na
redução de Loreto, foi impresso o Manual ad usum Patrum Societatis Jesu, com 266 páginas
foliadas e 79 sem numerar. Um ano depois, em Santa Maria Maior, se publicou um espesso
volume de 589 páginas, intitulado Vocabulario de la lengua guarani compuesto por el padre
Antonio Ruiz de Montoya […] Revisto e aumentado por otro religioso de la Compañia de
Jesus. Esses dois livros são atribuídos a Pablo Restivo. Segundo Guillermo Furlong, trata-se
das obras mais perfeitas, confeccionadas nas oficinas tipográficas das reduções, depois do
livro de Serrano.
324
O Manual ad usum Patrum, cuja autoria inegável é de Restivo, contou
com a colaboração de uma equipe de tradutores e consultores nativos, em especial no que diz
respeito à língua guarani, de que Restivo nunca prescindiu em suas obras. Esse livro ficou
conhecido como Manual de Loreto, e segundo o estudo exaustivo de Palomera Serreinat, o
objetivo de sua elaboração foi o de reunir em uma única obra os textos guarani próprios a
ações litúrgicas, evitando o incômodo de manusear simultâneamente dois ou três livros.
325
Este manual é bilíngüe, tendo sido impresso em guarani e latim, sem apresentar nenhuma
palavra em espanhol. A participação indígena nessas tarefas estimulou, provavelmente, os
Guarani envolvidos a elaborarem eles mesmos os seus livros.
3.1.3 Os textos impressos nas reduções: “autores”, mediadores e leituras controladas
A partir do século XVIII os Guarani desempenharam de maneira sistemática as suas
capacidades gráficas, produzindo registros inusitados. Uma referência obrigatória quanto à
aptidão indígena para as letras são as obras de Nicolas Yapuguay, cacique e músico da
jesuítas y ocupación de sus temporalidades por decreto de Carlos III, en los pueblos de Misiones. Madrid: M.
Rivadaneyra, 1872a. 674 p. (nota de rodapé, p. 9).
323
Em 1747, o padre Nusdorffer, ao referir-se às bibliotecas missioneiras, mencionou “[…] que en cada pueblo
se hiciera un nuevo catálogo de libros que hay en todos los demas, por haberse añadido muchos” (FURLONG,
Guillermo. Bibliotecas argentinas durante la dominación hispánica. Buenos Aires: Editorial Huarpes, 1944, p.
57).
324
FURLONG, 1946, p. 144.
325
PALOMERA SERREINAT, 2001, p. 222.
106
redução de Santa Maria Maior.
326
O caso de Yapuguay é uma prova de que os Guarani
apresentavam potencialidades que estavam além da mera capacidade de imitação,
extrapolando as funções de copistas, quando reproduziam livros, gravuras e imagens a partir
de modelos europeus com grande perfeição. Sempre é oportuno recordar que a alfabetização é
um processo assimilado individualmente e, portanto, passível de ser conduzido de diferentes
maneiras.
Esse índio ilustrado redigiu e publicou a sua Explicación de el catecismo en lengua
guarani em 1724. Três anos depois, na redução de São Francisco Xavier, imprimiu a obra
Sermones y exemplos.
327
De acordo com Melià, essa obra apresenta um elevado grau de
complexidade, pois não se trata de uma mera tradução de um texto espanhol.
328
Através
dessas recriações, Yapuguay deixou testemunhos do seu excelente domínio da cultura letrada,
vertendo para a língua guarani categorias da cristandade.
É necessário sublinhar alguns aspectos: sua habilidade com a escrita e o modo como
a conduzia. Yapuguay vertia textos, e isso implicava um exercício de recriação. Sua atividade
era, no entanto, supervisionada, restringindo-se a conteúdos cristãos. Nesse sentido, ele
deveria ser visto como caso exemplar de imersão no mundo da escrita. De toda forma, é
provável se tratar de um caso excepcional, pelo fato de não se encontrar nas fontes
disponíveis qualquer comparação mais detalhada sobre os outros sujeitos que escrevem.
Mesmo diante do protagonismo desse indígena, ao recriar os sermões em língua
guarani sua escrita foi supervisionada, como disssemos. Conforme observou Harald Thun,
329
há uma indicação já na primeira página de sua obra: “Con dirección de un religioso de
Compañia de Jesus”.
330
Houve, enfim, um controle do que se escrevia. Portanto, apesar das
provas irrefutáveis da habilidade escritora dos Guarani, os textos elaborados estavam
direcionados às tarefas devocionais, sem expressar posições pessoais ou explicitar
interpretações indígenas quanto à sua condição.
Esse gênero textual de “reescritura cristã” ou tradução, segundo Villagra-Batoux,
preparou os Guarani para uma reinvenção sistemática da sua língua, estimulando o exercício
326
Uma breve biografia desse índio ilustrado pode ser consultada em: El escritor Guaraní Nicolas Yapuguay. In:
YAPUGUAY, Nicolás. Sermones y exemplos en lengua guaraní. Buenos Aires: Editorial Guarania, 1953. p. V-
IX.
327
YAPUGUAY, Nicolás. Sermones y exemplos en lengua guaraní. Buenos Aires: Editorial Guarania, 1953.
Edição fac-similar impressa na redução de San Francisco Xavier de 1727.
328
MELIÀ, 1992, p. 149.
329
THUN, 2003, p. 13.
330
YAPUGUAY, 1953, p. 1.
107
de recriação lingüística e estilística.
331
Os Guarani, tão afeitos à palavra oralizada, dominaram
bem as letras, ultrapassando as atribuições dos escrivães dos cabildos. A participação indígena
na elaboração desses livros indica uma atividade muito próxima, por parte de alguns Guarani,
a de “escritor”, e o envolvimento com tarefas relacionadas criou as condições para o
estabelecimento de uma outra variante lingüística, chamada “língua missioneira”.
Na historiografia, os trabalhos de Yapuguay despertaram uma polêmica quanto à
existência de escritores nas reduções. Esse tema já foi explorado por Guillermo Furlong, que
após tecer algumas considerações sobre os critérios de originalidade e estilo afirmou: “hemos
de decir que no hubo, que sepamos, escritor alguno entre los indígenas de las Misiones”, para
logo a seguir acrescentar que “si por escritores entendemos a los hombres de cultura
superior, que tuvieron la capacidad de expresar también en forma más o menos original, es
indiscutible que hubo en las Reducciones escritores”.
332
Podemos abordar esses sujeitos que escrevem como mediadores culturais que
dominam códigos diversos. São especialistas em verter e, portanto, especialistas em recriar.
Essas considerações também são válidas para outros Guarani missioneiros que demonstraram
qualidades letradas similares à de Yapuguay. Para fundamentar seus argumentos, Furlong
recorreu às anotações do padre José Peramás, que informam que os Guarani, além de serem
ávidos de ler, também “ellos mismos eran escritores”.
333
Inclusive, este jesuíta afirmou ter
conhecido dois indígenas, “autores de libros no religiosos”, fato que demonstra o quanto a
capacidade de escrever estava bastante disseminada entre os Guarani, permitindo-lhes
produzir gêneros textuais inusitados, sem vínculos obrigatórios com temáticas religiosas.
Como era de esperar, o idioma guarani falado nas reduções esteve permeado de
palavras ocidentais, da cultura cristã. Muitas dessas expressões foram neologismos resultantes
do contato e do convívio cultural. Através da reescrita das orações, dos sermões e da escrita
de obras em guarani, estabeleceram-se os fundamentos do que se pode denominar “língua
clássica” missioneira.
Através dos livros impressos na máquina tipográfica da região rio-platense, foi
publicada uma versão padrão da língua guarani missioneira, que servia tanto para a catequese
como para a preservação lingüística, ou seja, para uma ampla difusão daquilo que era
considerado como um idioma comum, baseado em um exercício contínuo de circulação de
norma. A grande produção de textos impressos nas décadas de funcionamento da tipografia
331
VILLAGRA-BATOUX, 2002a, p. 263 (ver item 2.3.6: “El saber hacer de um Indio ilustrado”).
332
FURLONG, 1962, p. 593.
333
PERAMÁS, 1946.
108
levou Melià a propor a hipótese de que a língua conhecida como missioneira foi uma variante
dialetal conhecida como tape:
Le fait que tous les documents conservés en langue guarani à partir de 1696 ont été
écrits ou imprimés dans les réductions riveraines de l’Uruguay, où les tribus tape étaient
nombreuses, permet d’émettre l’hypothèse que la langue classique des réductions a eu come
base principale le dialecte des tape. Ce dialecte ne devait pas être en lui-meme très
différente de celui que parlaient les indiens guarani du Parana et autre groupes de
l’Uruguay, et c’est pourquoi il a pu être facilement généralisé sans toutefois exclure les
différences dialectales de toutes les tribus.
334
As reduções do Uruguai estiveram diretamente envolvidas nos trabalhos de
elaboração e impressão dos principais gêneros textuais, como foram os dicionários,
vocabulários e catecismos, e os opúsculos de conteúdo religioso apresentavam uma grande
difusão, pois se constituíam em instrumento fundamental na tentativa de substituir os
elementos fundantes da religiosidade guarani e garantir a propagação da fé cristã. Igualmente,
uma parte da população das reduções era egressa de outras regiões, e ao serem transferidas
para o Uruguai, mesclaram elementos de sua fala com a das demais parcialidades
provenientes de diferentes áreas. Pode-se dizer que tais gêneros textuais puderam mediar as
diferenças dialetais entre os Guarani.
Em 1716, na redução de São Nicolau, foi elaborado um compêndio de seis
catecismos, traduzidos ou compostos por diferentes autores. Esse conjunto de obras atesta a
habilidade dos copistas guarani, pela alta qualidade da escrita e ortografia.
335
Segundo Melià,
essa redução, no século XVIII, constituiu-se em um importante centro cultural, pois, além
[…] de ce recueil de catéchismes, on a réalisé dans ce village la traduction guarani de la
‘Conquista espiritual’, c’était en 1733, et le traducteur semble bien être Père Paulo
Restivo”.
336
A Conquista espiritual foi publicada originalmente em espanhol, em Madri, em
1640.
337
Trata-se de uma crônica escrita por Montoya em defesa do trabalho evangelizador
334
MELIÀ, 1969, p. 59.
335
Os Catecismos Varios y Exposiciones de la Doctrina Christiana, de 1716, foram reunidos por um cuidadoso
copista em um volumoso códice que está guardado no Museu Britânico (Londres). Para uma descrição e
reprodução fac-similar dessas peças autônomas, ver: CATECISMOS varios I: el tesoro de la doctrina christiana
en lengua Guarani. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1952.
(Boletim n. 155, Etnografia e Tupi-Guarani, n. 24).
336
MELIÀ, 1969, p. 169.
337
MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista espiritual hecha por los religiosos de la Compañia de Jesús, en las
Provincias del Paraguay, Paraná, Uruguay y Tape. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639a; outras edições:
MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas
Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. 1. ed. brasileira. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985;
109
realizado no Paraguai, narrando as atuações protagonizadas pelos Guarani contra os
“bandeirantes”. Portanto, com o passar dos anos, essa relação poderia ter interessado alguns
indígenas, que assim conheceriam os percalços do período fundacional das reduções. Como a
leitura em espanhol não era estimulada pelos jesuítas entre os catecúmenos, elaborou-se uma
versão dessa obra em guarani para facilitar o acesso dos índios ao conteúdo desse texto. Além
disso, essa versão em língua guarani suprimia algumas passagens, sendo uma seleção
resumida dos capítulos. Sabemos, através de Melià,
los critérios de selección y redacción tienen en vista a un lector guaraní de las
Reducciones del siglo XVIII y por tanto cristiano. No es de estrañar dentro de esta lógica,
por ejemplo, que se haya suprimido en el capítulo que trataba de los “ritos de los indios
guaraníes”, el párrafo relativo a la antropofagía: “del comer carne humana se deja por
justas razones” dice expresamente el traductor. (grifo nosso).
338
A tradução da Conquista espiritual em guarani coube a Restivo, um profundo
conhecedor do trabalho de Montoya e do seu público-alvo, o que o levou a considerar as
possíveis apropriações dos índios que poderiam consultar o livro sem a intermediação dos
jesuítas. Por esses motivos, houve a preocupação de sintetizar o conteúdo e omitir passagens
que poderiam resultar em uma recepção fragmentada e autônoma. O cuidado em controlar o
que seria transmitido pela via da escrita foi uma constante em toda América colonial,
conhecidas as apropriações praticadas por parte das populações indígenas.
A padronização gramatical da língua guarani promovida nas reduções, e a
conseqüente produção de uma “literatura” cristã traduzida, colocou esse idioma indígena,
reelaborado a serviço da catequese, entre as línguas existentes que possuem uma produção
textual.
339
O trabalho letrado executado por esses índios, por muitos anos, foi quase
exclusivamente de tradução e adaptação, mais do que uma atividade propriamente de
expressão criativa, condicionado pela reprodução do cânone religioso.
Em 1727, foi impresso nas reduções o último texto sobre o qual ainda dispomos de
informações e de um exemplar para consulta. Trata-se de um documento atípico, a carta de
MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista Espiritual hecha por los religiosos de la Compañia de Jesús en las
Provincias de Paraguay, Paraná, Uruguay y Tape. Estudio preliminar y notas: Ernesto Maeder. Rosario: Equipo
Difusor de Estudios de Historia Iberoamericana, 1989.
338
MELIÀ, 1992, p. 128.
339
Sabemos que existem centenas de línguas compartilhadas por determinadas coletividades humanas que não
possuem um sistema escrito, pelo simples fato de que ninguém criou um método eficaz para escrevê-las. “[…] a
linguagem é tão esmagadoramente oral que, de todas milhares de línguas – talvez dezenas de milhares – faladas
no curso da história humana, somente cerca de 106 estiveram submetidas à escrita num grau suficiente para
produzir literatura – e a maioria jamais foi escrita. Das cerca de três mil línguas faladas hoje, existentes, apenas
aproximadamente 78 têm literatura.” (ONG, 1998, p. 15).
110
Antequera.
340
Não se trata de uma reescritura religiosa, tampouco foi redigido em guarani.
Trata-se da Carta que el doctor D. Joseph de Antequera […] escribió al Ilmo. y Rvmo Obispo
de el Paraguay, e, segundo Furlong, o bispo de Assunção, em carta ao padre Antonio Garriga,
quis imprimir a carta para desfazer “malícias e boatos”.
341
A impressão de livros em papel apresentava custos elevados para uma produção em
grande escala, nas reduções. O custo do papel foi uma das prováveis causa da suspensão das
atividade tipográficas missioneiras. Por razões materiais, a escrita também foi praticada em
couro. Nesse material foram confeccionados inclusive pequenos catecismos e livros. Por sua
ampla presença no cotidiano missioneiro, os couros foram utilizados como um suporte
facilmente renovável para a escrita, tanto por sua facilidade de inscrição como por sua
abundância na região. Em pergaminho, os índios de Yapeyu relataram os planos de divisão
dessa redução e a reação dos índios diante da presença do comissário enviado pela
Companhia de Jesus para visitar as reduções e definir o ínicio dos trabalhos de demarcação.
342
O pergaminho apresentava uma vantagem em relação ao papel, sendo mais
resistente, mesmo quando exposto às intempéries. Portanto, o que poderia variar era o
material no qual estavam grafados os textos, como indicam as inscrições em papel, cruzes de
madeira e mesmo avisos em pedaços de couro.
Como é possível inferir, após décadas manuseando textos e mesmo produzindo
livros, a população missioneira demonstrava grande familiaridade com os diferentes níveis
das práticas letradas. A convivência entre papéis, documentos, livros e mesmo letreiros com
inscrições, inclusive, possibilitou que os índios não-letrados, pelo contato freqüente com as
materialidades da cultura escrita, apresentassem um domínio razoável dessas práticas nas
reduções. A escrita indígena, registrada em diferentes suportes e com finalidades diversas,
obriga-nos a rever em grande medida as avaliações simplistas que consideravam a atividade
“escriturária” indígena nas missões como um fato menor ou mesmo restrita aos textos
canônicos.
340
Esse documento apresenta, ao final, como lugar de impressão, a seguinte informação: Typis Missionariorum
Paraguariae, in Oppido S. Francisci Xaverij, Anno 1727.
341
FURLONG, 1946, p. 145.
342
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304. “Traduxion de un livro mediano de dies foxas […] 9 octubre
de 1754”. Há outra cópia desse documento no Archivo General de Simancas. Secretaria de Estado, Legajo 7380,
folio 98. Año 1754. Guarani (copia de traducción de un libro escrito en lengua). Estas são duas cópias
manuscritas, e há uma cópia datilografada desse documento: Archivo General de la Nación, Montevideo
(doravante A.G.N./MTV): Colección Falção Espalter [Cópias do Archivo de Indias, Sevilla]. Gobierno de Don
José Joaquim de Viana, Tomo III (1749-1756). Sevilla: [s.n.], 1929.
111
3.2 As formas textuais e suas funções sociais
A maioria dos textos produzidos pelos Guarani nas reduções é o resultado do
trabalho dos secretários
343
ou de índios letrados vinculados às atividades cabildantes. Nesses
textos manifestavam sua habilidade “escriturária”, principalmente através da redação de cartas
ou informes ao Estado colonial espanhol. Entretanto, a escrita, ao extravasar os âmbitos
tradicionalmente reservados a ela, como eram as escolas e cabildos, criava as condições para
que fosse praticada por outros indivíduos que, mesmo inseridos no mundo das letras,
geralmente não faziam um uso mais amplo de sua competência gráfica. Em meados do século
XVIII, as rápidas transformações operadas nas reduções diante da agitação deflagrada pela
presença das comissões demarcadoras proporcionaram novas oportunidades a esses sujeitos
alfabetizados.
Através dos documentos produzidos pela sociedade missioneira, ao longo de várias
décadas de vida em redução, e ainda hoje conservados em arquivos, bibliotecas ou mesmo
coleções documentais, é possível estabelecer uma classificação esquemática sobre as formas
textuais dessa experiência letrada indígena. Portanto, aqui não se pretende analisar a
experiência missioneira unicamente a partir dos conteúdos presentes nos registros escritos,
mas dimensionar os usos que essa sociedade reservou a essa tecnologia em determinados
momentos e a quais demandas respondia.
Qualquer tentativa de classificar as formas textuais elaboradas pelos Guarani
missioneiros, ao longo de sua experiência reducional, deve levar em conta a advertência
formulada por Alcir Pécora, ou seja,
[…] a tendência histórica básica dos mais diferentes gêneros é a de desenvolver
formas “mistas”, com dinamicidade relativa nos distintos períodos, que impedem
definitivamente a descrição de qualquer objeto como simples coleção de aplicações
genérica.
344
Muitas das formas textuais desenvolvidas pelos Guarani não apresentam as
características específicas de um determinado gênero, sendo um desdobramento do modelo
epistolar. A análise conjunta do corpus documental reunido para esta tese indica que houve
diferentes formas de apropriações e manifestações da escrita nos momentos de alvoroto nas
reduções. Os Guarani transgrediram as convenções epistolares, experimentando novas
343
A produção escrita nas reduções, geralmente, foi atribuída ao trabalho dos escrivães: “Una gran parte del
legado manuscrito en lengua guarani salió de las manos de esos secretarios.” (MELIÀ, 1992, p. 137).
344
PÉCORA, Alcir. Máquina de gêneros. São Paulo: Edusp, 2001, p. 12.
112
maneiras de registrar por escrito o vivenciado. E, uma vez encerrada essa fase conturbada, a
escrita assumiu novos usos diante da sua emancipação da tutela jesuítica, quando a produção
de textos deixou de estar associada a períodos excepcionais da história das reduções. Mesmo
com certo risco, creio ser possível classificar as formas textuais dessas mensagens,
principalmente a partir da segunda metade do século XVIII.
113
Quadro 1:
Formas textuais da escrita guarani missioneira
MODALIDADE TEXTUAL CARACTERÍSTICA GERAL PERÍODO VERIFICADO
Bilhete
Documento de dificil conservação,
geralmente mensagens trocadas entre
indígenas que apresentam uma escrita
informal, por vezes sem data,
destinatário nem remetente.
Momentos de agitação, quando
os Guarani procuram comunicar-se
pela via escrita. (século XVII –
década de 60 – , e meados do
século XVIII, quando “voavam os
bilhetes”).
Carta
Escrita voltada à comunicação com
a sociedade colonial, relacionada às
regras epistolográficas cultas e
caligráficas.
A partir de meados do século
XVIII, prolongando-se à segunda
metade.
Memorial
Voltado a expressar uma demanda
extraordinária, com escrita ajustada
para atingir uma determinada
audiência.
Demandas apresentadas através
dessa via são mais freqüentes na
segunda metade do século XVIII,
mas há evidência anterior (1742).
Diário
Modalidade caracterizada pela
anotação, geralmente diária e imediata
aos acontecimentos. O redator costuma
manifestar suas impressões pessoais.
Até o momento apenas foram
localizados dois textos com essa
característica, um de 1702/1704 e
outro de 1752/1754.
Relato pessoal
Procura estabelecer uma memória
de determinados fatos vivenciados
coletivamente.
Textos com essa característica
são raros, a relação de Nerenda é o
principal exemplar conhecido. Há
uma carta de Primo Ybarenda que
pode ser enquadrada nesse gênero.
Ambos textos correspondem ao
período de conflito nas reduções.
Ata de cabildo
Anotação resumida dos temas
tratados nas sessões dos cabildos.
São consideradas tardias nas
reduções e apenas existem
informações para a segunda
metade do XVIII.
Escrita exposta:
cruzes, cartazes
Modalidade voltada para a
comunicação pública, utilizada em
espaço aberto, visando uma leitura à
distância.
Utilizada pelos jesuítas no
início da catequese e apropriada
pelos Guarani para demarcar
território como mensagem com
caratér de ultimato.
Narrativa histórica
Textos com características
históricas de qualquer extensão,
voltados a compilar os principais
acontecimentos registrados na redução.
Registros ordenados
cronologicamente, a partir dos
acontecimentos religiosos.
Essas obras são dadas como
perdidas.
114
Nesse quadro foram identificadas expressões diversas, em que se pode vislumbrar
uma maior ou menor autonomia em relação aos jesuítas, mas igualmente imersas em
preocupações e processos vivenciados no mundo colonial e que demonstram o quanto as
possibilidades da escrita indígena foram ampliadas. Todavia, essa classificação é meramente
uma organização do material empírico, útil no sentido de dar inteligibilidade aos fragmentos
coletados.
Diante do contexto de tensão em que estavam inseridos, os Guarani alfabetizados
aproveitaram as circunstâncias atípicas em que estavam envolvidos e romperam com as
convenções epistolares para alcançar novos objetivos.
A diversificação das formas textuais produzidas pelos Guarani nas reduções, como se
pode observar, foi verificada, mais precisamente na segunda metade do século XVIII. A
consulta a essa documentação permite uma descrição de alguns dos seus aspectos retóricos,
associando-os às finalidades a que estiveram direcionadas.
3.2.1 As cartas
Na América de colonização espanhola, as populações indígenas – principalmente
seus representantes letrados – adotaram, a partir de meados do século XVI, a redação de
cartas como instrumento de contato com o “mundo exterior”.
345
A redação dessas cartas
poderia variar quanto aos conteúdos, à forma e aos idiomas em que foram grafadas.
Por exemplo, a precocidade da prática epistolar indígena foi verificada 30 anos
depois da conquista da cidade de Tenochtitlan. Em 1554, os índios principais do México
escreveram ao príncipe Felipe da Espanha uma demanda visando manter o que hoje
consideramos uma atitude autônoma da população indígena, pleiteando o direito de
autogoverno. Essa carta visava, por um lado, denunciar as dificuldades que estavam
enfrentando e, por outro, demonstrar o conhecimento dessa elite indígena de seus diretos
enquanto súditos do monarca espanhol.
346
A missiva, igualmente, foi a forma textual acionada pelos Guarani letrados para
tornarem públicas suas demandas. Entre os textos indígenas missioneiros, há uma evidente
preponderância do gênero epistolar, tanto de cartas oficiais, de caráter político-administrativo,
345
Hasta la época contemporánea, éstas serán el vehiculo principal del discurso indígena destinado a las
autoridades coloniales o republicanas.” (LIENHARD, 1992a, p. 57).
346
LEÓN-PORTILLA, Miguel. La autonomia indígena: carta al principe Felipe de los principales de México em
1554. Estudios de Cultura Nahuatl, México: UNAM, v. 32, p. 235-253, 2001.
115
como de bilhetes, uma variante dessa modalidade, que se intensifica como forma de
expressão, mas que não está pautada por regras epistolográficas.
347
Nesse aspecto, as correspondências foram dirigidas em três direções: para
autoridades hispânicas, no caso os comissários demarcadores e o governador de Buenos
Aires; como instrumento de comunicação entre Guarani e jesuítas; e como veículo de contato
pessoal entre indígenas rebelados.
Entre os Guarani a escrita epistolar desempenhou a função de contatar a
administração colonial, sendo instrumento diplomático de reivindicação e protesto, voltada
prioritariamente às relações externas. As cartas, em sua maioria assinadas coletivamente,
mencionam os vínculos com o rei de Espanha, destacando a fidelidade à monarquia católica
por sua condição de vassalos e cristãos. Os bilhetes, por sua vez, estavam direcionados para a
comunicação entre os próprios indígenas, sempre redigidos em língua guarani, indicando uma
circulação mais reservada. Aqueles que aparecem traduzidos para o castelhano referem-se a
comunicações entre lideranças de caráter pragmático e disseminando opiniões comuns sobre
mobilização de soldados de guerra.
Nas reduções guarani, as cartas serviram para diversas finalidades, como manifestar
desacordo, expressar insatisfações, enviar um conselho ou, como foi recorrente, convocar
homens para guerra. Segundo Melià, são
cartas formales del Cabildo como tal, pelo las hay también de particulares; a veces
simples tarjetas mediante las cuales se da un aviso, y a veces verdaderos memoriales que
analizan la situación, y dan las razones de su indignación y rebeldia; cartas de intercesión
humilde, unas y verdaderas instrucciones de guerra otras.
348
As cartas poderiam adquirir várias formas textuais, e atingiram níveis elevados de
expressão gráfica nas reduções. Felizmente, ainda remanescem nos arquivos algumas provas
dessa prática de escrita indígena. Esses textos, em boa parte, estão voltados às demandas
oficiais, e são os que apresentaram maiores possibilidades de conservação, comparados
àqueles de caráter pessoal, de que resta um pequeno número de exemplares.
A prática da escrita entre os Guarani foi decorrência de anos de aprendizado que
mantiveram com os mestres jesuítas, sendo marcada pela estrutura da correspondência
inaciana. Segundo Alcir Pécora, “as cartas não testemunham, nem significam nada que a
347
Os bilhetes e as cartas expedidas pelos Guarani missioneiros serão analisadas com maior ênfase na segunda
parte deste trabalho.
348
MELIÀ, 1992, p. 142-143.
116
própria tradição e dinâmica formal não possa acomodar”.
349
Portanto, os Guarani, quando
julgaram que um determinado momento mostrava-se favorável a uma manifestação de
envergadura, merecedora de maior difusão, recorreram às suas capacidades gráficas para
confeccionar textos que expressassem e difundissem suas insatisfações.
Por sua esmerada caligrafia e o cuidado com os espaços em branco, esses
documentos atestam o quanto a epistolografia era uma prática familiar aos índios letrados, e
como estes conheciam as convenções retóricas do gênero.
Essas cartas estavam ajustadas ao seu destinatário, contemplando, portanto, o que
Roger Chartier identificou como sendo
[…] la necesaria “conveniencia” que debe regular los términos del intercambio
epistolar sobre una exacta percepción de los distintos actores de la carta: “el que escribe”,
“aquel a quien escribe”, “aquel de quien se escribe”. Lo esencial consiste en ajustar el
estilo, la materia, y el decoro de la carta a las situaciones y personas a quienes convienen.
350
Entre as correspondências guarani, merece destaque tanto a carta enviada como
resposta ao comissário espanhol, Juan Echavarría, ou mesmo aquelas dirigidas aos próprios
jesuítas. Essa intensa troca de correspondências, como indicou Melià,
351
é melhor
contextualizada quando analisamos o manuscrito que se conserva no Archivo Histórico
Nacional, de Madri, com o título de Relación de lo que la Compañia de Jesus há hecho y
padecido en el Paraguay, y en cumplimiento de las ordenes de su Magestad.
352
Esse
documento reúne a transcrição de várias cartas desse período de intensa agitação e negociação
entre os Guarani, jesuítas e comissários demarcadores.
Uma dessas missivas indígenas foi redigida no logradouro de Santo Antônio, um
posto dentro da extensa estância de São Miguel, no dia 3 de março, poucos dias depois do
primeiro encontro dos índios miguelistas com os comissários demarcadores em Santa Tecla.
O conteúdo dessa carta-resposta ao comissário Echavarría é bastante esclarecedor:
Señor. Nosotros tenemos mui bien entendidos que somos vasallos de Nro Santo Rey, y
como tales veneramos y cumplimos sus mandatos en correspondencia de las promesas que
desde los principios nos tienen hechas. Pero de ningun modo podemos creer, ni aun
sospechar que lo que vosotros intentais sea voluntad suya. Nuestro santo Rey no sabe
ciertamente lo que es nuestro Pueblo, ni lo mucho que nos ha costado. Mirad Señor mas de
349
PÉCORA, Alcir. Cartas à segunda escolática. In: NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do Ocidente.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 374.
350
CHARTIER, 1993, p. 294 (ver cap. 9: “Los Secretarios. Modelos y practicas epistolares”).
351
MELIÀ, 1999, p. 60.
352
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120. Exp. 7.
117
100 años hemos trabajado nosotros, nuestros Padres, y nuestros Abuelos para edificarlo, y
ponerlo en el estado que al preste tiene, haviendo tolerado todos con incesante teson por tan
dilatado tiempo increíbles fatigas hasta derramar nuestra sangre para concluirlo, y
perfeccionarlo. La Iglesia esta fabricada de piedra de silleria, consta el Pueblo de 72
grandes hileras de casas, tiene Yerbales muy grandes, y seis algodonales de mucha
extensión. Las chacras de los Indios de toda suerte de semillas son como mil y quinientas.
Hai en fin otras innumerables obras de toda suerte de labor. Para todo esto hemos
trabajado incesantemente por tanto tiempo cansandonos, y agotando nuestra salud, y
fuerzas en vano y sin provecho? Y será acaso la voluntad de nuestro Santo Rey que todo esto
que tantos sudores, y fatigas nos ha costado, lo perdamos inutilmente?
353
Nessa carta, os Guarani enfatizavam seus vínculos com o território e o orgulho de
pertencer à redução, motivo que dificultava convencê-los a abandonarem seu território e
deixarem as suas reduções, principalmente em favor dos portugueses. Esta carta do cabildo
miguelista expressa o ponto de vista desses Guarani quanto às razões dos transtornos que
atravessavam: “tenemos por muy cierto es que nuestros antiguos e implacables enemigos han
engañado a nuestro Santo Rey”. Os Guarani de São Miguel demonstravam clareza quanto à
realidade colonial e ao conhecimento das circunstâncias que resultaram no Tratado de
Limites. Os argumentos estavam amparados em fatos protagonizados nessas terras, resultado
de sua intensa comunicação e certa autonomia conquistada, permitindo verificar-se através
dessas cartas a compreensão dos Guarani do momento que estavam vivendo e as decisões
futuras em que estariam envolvidos.
Os cabildos, particularmente, elaboraram cartas que refletem o potencial persuasivo
do escrito e demonstram o seu domínio das regras de uma escrita culta, respeitando as
disposições então presentes em manuais de civilidade.
354
Essas cartas estavam dirigidas para a
comunicação com o mundo exterior, ou seja, aos representantes da administração colonial,
como foram as cartas escritas nas reduções rebeladas.
Em maio de 1753, visando colocar em prática as disposições presentes no Tratado de
Limites, o governador de Buenos Aires, José de Andonaegui, através do superior das missões,
Mathias Stroebel, enviou uma carta intimando os Guarani a deixarem suas terras e
reduções.
355
Os cabildos missioneiros responderam, em datas muito próximas, a esse ultimato.
353
MELIÀ publicou essa carta em 1967, sob o título: Quand les indiens guaranis ont fait entendre leur
voix...(Deux letters inédites de 1753). Journal de la Société des Américanistes, LVI-2: 622-628. Paris. Todavia,
apenas tive acesso a uma transcrição ao espanhol dessa carta; ver: A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120,
Caja 1, Doc. 7, p. 27.
354
CHARTIER, 1993 (ver cap. 8: “Los manuales de civilidad. Distinción y divulgación: La civilidad y sus
libros”, p. 246-283).
355
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120. Relación de lo que la Compañia de Jesus há hecho y padecido
em el Paraguay em cumplimiento de las órdenes de Su Magestad. folio 28 [transcrição da carta de Andonaegui
as reduções rebeladas, mas enviada ao Superior das missões Matias Strobel, 12 de maio de 1753].
118
As respostas enviadas pelos cabildos podem ser consultadas no Archivo Histórico
Nacional, de Madri, tanto os originais em guarani como as traduções em espanhol realizadas à
época.
356
Existe, desde 1949, uma publicação em espanhol do conteúdo dessas sete cartas,
publicada pelo padre Francisco Mateos, com o título de Cartas de indios cristianos del
Paraguay.
357
Essas cartas apresentam uma argumentação similar quanto ao seu conteúdo
político, e por sua escrita esmerada foram consideradas por Melià como textos paradigmáticos
dos “escritos políticos dos indios”.
358
Apesar de escritas em língua guarani, essas cartas estão voltadas para um público
externo, pois os argumentos procuram informar e justificar às autoridades hispânicas os
motivos da oposição indígena. O recurso à escrita pelos indígenas na América hispânica, em
termos gerais, apresentou finalidade reivindicatória e foi um expediente freqüentemente
acionado em momentos críticos, de conflito ou de tensão entre as coletividades indígenas e o
mundo colonial. Devido a essas características, Lienhard avaliou que esses “[…] textos no se
inscriben, prioritariamente, en una dinámica literaria, sino en situaciones de conflito”.
359
Entre as cartas escritas pelas reduções rebeladas, destacaram-se duas pelo teor
incisivo das mensagens e por conta do maior envolvimento dessas reduções no conflito, a
saber: as de São Miguel e de São Nicolau. A carta enviada pelos cabildantes de São Miguel
comunica o recebimento da ordem de transmigração e prontamente indaga o governador:
Que hemos errado contra nuestro santo Rey Fernando VI? Pues sabemos muy bien la
voluntad de nuestro Rey. Viviendo el santo rey Felipe V no nos empobreció, antes sí siempre
nos consoló mucho toda su vida, y nos dió también a entender que los portuguese eran sus
enemigos. Cuánto más nuestros Padres que ya murieron nos declararaon muy bien también,
que no eran vasallos del rey de castilla, y ahora solamente, señor, son ayudados los
portugueses. Y tú mismo el año pasado de 1749 enviaste a nuestra estancia de San Miguel a
don Francisco Bruno de Zabala, para desalojar a los portugueses que se habian poblado en
el río Piray, y cuando le enviaste le dijiste: Si no quieren dejar el sitio y tierra los
portugueses, los indios de San Miguel, de San Juan y de San Angel, te ayudarán a echarlos
en hora mala; diciéndole, Señor, también: Si nos los echaren, el Rey se enojará conmigo,
por haberse poblado los portugueses en tierras de mis vasallos. Parece que ahora no te
acuerdas más de lo que tú mismo mandastes, y ahora ayudas a los portugueses para
356
Mélia, em uma publicação de 1970, comenta que o “texto del corregidor, cabildo y caciques del pueblo de
San Nicolas al Señor Gobernador don José de Andonaegui. Sin fecha”, depositado no A H.N, Legajo 120j, n.38,
apresenta erros, pois o “texto en lengua guarani y una supuesta traducción en lengua castellana; en efecto el
texto castellano no corresponde del todo al texto guarani. El texto castellano seria la traducción de otro texto
guarani, que há dejado su impronta en esta traducción” (MELIÀ, Bartomeu. Fuentes documentales para el
estudio de la lengua guaraní de los siglos XVII y XVIII. Suplemento Antropológico, Asunción, v. 5, n. 1-2, 1970,
item d VI, p. 150).
357
MATEOS, Francisco. Cartas de Indios Cristianos del Paraguay. Missionalia Hispanica, Madrid, año 6, n. 16,
p. 547-583, 1949a.
358
MELIÀ, 1970.
359
LIENHARD, 1992b, p. XIV.
119
empobrecernos por engaño y mentira de los portugueses; y ya sabemos, Señor que buscas
soldados en Santafé, en las Corrientes, y hasta en el Paraguay.
360
Evidencia-se, por esse documento, que os Guarani de São Miguel não aceitavam, de
modo algum, as ordens recebidas e, sobretudo, não compreendiam como as reviravoltas na
diplomacia das monarquias ibéricas poderiam beneficiar os inimigos portugueses. A carta é
bastante extensa, e invoca a proteção divina, além de demonstrar o quanto os índios estavam
informados sobre a movimentação de tropas e o compromisso estabelecido com o rei de
Espanha. Ao longo da carta, apresentam argumentos de fundamento cristão que justificam sua
precedência sobre o território:
Dios mismo nuestro señor envió del cielo a San Miguel a nuestros abuelos por esta
pobre tierra: entonces por tierra ni siquiera un español se vaía, sólo la habitaban nuestros
pobres abuelos. Por esto esta tierra no es para los portugueses. La misma santísima
Trinidad envió a san Miguel para ofrecer esta tierra: por esto estamos gustosos con
perdernos delante del santisimo Sacramento, delante de la Madre de Dios y de San
Miguel.
361
No final do texto, retomam novamente um tom enfático, fazendo menção ao auxílio
que providenciavam junto aos demais “parientes cristianos y también los infieles”. Os
Guarani consideravam que essas ordens eram uma injustiça contra esses índios cristãos, fiéis
vassalos do rei, além de manifestar orgulho das benfeitorias realizadas como a igreja, as
estâncias e os ervais. No final da carta, figurava apenas uma menção a “los del Cavildo de San
Miguel”, todavia sem especificar os nomes dos cabildantes envolvidos. Um dado importante
presente na carta era a anuência que representava o nome dos 23 caciques miguelistas. O fato
de figurar os nomes dos caciques indica uma decisão respaldada por uma parcela expressiva
da população miguelista, pois cada cacique representava a vontade dos seus “vassalos”.
A carta enviada pelos Guarani de São Nicolau também revela diversos aspectos
dessa insatisfação guarani
De la mismisima suerte es nuestro santo Rey. Es verdad que vive allá lejos, mas
muestra a todos los que el Señor puso en su amno por vasalos, el ser Rey que Dios le dió y
todo su gran poder, afreadeciendo a Dios con humildad el haberle criado, amándolo y
creyendo en él juntamente. Pues él sabiendo esta tierra hacia donde Dios nos crió, envió a
nosotros a nuestro padre santo Roque Gonzales para que nos enseñase y diese a conocer a
nosotros a Dios, su ser y el ser de cristiano. También nos dice esto el Rey a nosotros
360
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 36a [carta em guarani], 36b [tradução ao espanhol];
MATEOS, 1949a, p. 562-563.
361
Ver nota 355.
120
haciéndolo decir al Padre nos dijese que jamás entraria en esta tierra español, ni uno
siquiera. Esto mismo que entonces al principio hizo avisar a nuestros abuelos, nos lo há
repetido muchas vezes en sus cartas, consolándonos, fortaleciéndonos, trayendonos adonde
nosotros estamos de todas partes, el que seamos para Dios y que creamos sus santos
mandamientos que debemos observar, y que le amemos sin recelo […] También se llega que
tenemos una iglesia grande donde nos juntamos, que nos há hecho sudar y dado mucho
trabajo, y no solo sudar sino que por ella hemos derramado mucha sangre y acabado las
vidas. Por esto en esta tierra no se encuentra quien estime y aprecie lo que hemos trabajado
por nosotros, y sólo lo desprecian. También en esta tierra han muerto entre nosotros
nuestros maestros santos, los padres sacerdotes que por nostros se cansaron tanto, y por
Dios y su amor padecieron todo género de trabajos. Por que, pues, los portugueses tienen
tanta ansia por esta tierra? Dios nuestro señor no la há puesto en sus manos, a nosotros
dió este rincón de tierra para nuestra habitación: esto es lo que hace que no creamos ser
esto mandato de nuestro Rey. Si el Rey supiera el deseo grande que tienen estos
portugueses de apartarnos de esta nuestra tierra, el deseo de perdernos, y lo que nos han
afligido y empobrecido, se enojaria muy mucho y no lo tendría a bien; y cómo asi seria!”
(grifo nosso)
.
362
Através dessa carta, cujo tom indagatório e de cobrança das promessas firmadas
através dos padres é evidente, os cabildantes e caciques de São Nicolau questionavam os
motivos que levaram o “santo rei” a decidir-se em favor dos portugueses. Em seus
argumentos demonstram uma noção apurada do momento histórico em que estavam inseridos,
rememorando os acontecimentos protagonizados, que resultaram “em suor e sangue” e
reconhecendo-se como súditos do rei de Espanha. Tal condição os leva a questionar a ânsia
pela terra por parte dos inimigos portugueses, posicionando-se ao lado de “nuestro Rey”. Os
nicolaístas, inclusive, suspeitavam quanto ao fato dessas ordens terem partido do monarca
espanhol, deixando transparecer que a decisão fora tomada por influência dos portugueses.
Os trechos transcritos acima,demonstram o quanto esses Guarani tinham uma
memória dos acontecimentos trancorridos, desde os primórdios da instalação dessas reduções,
no século XVII. Essas duas reduções estiveram sujeitas ao processo de territorialização, ou
seja, o fato de terem sido refundadas na margem oriental do rio Uruguai.
363
Por esse motivo,
os questionamentos dos Guarani miguelistas e nicolaístas remontam ao início século XVII, o
que pode ser evidenciado, por exemplo, diante da menção à morte do padre Roque Gonzales.
Nas cartas, os Guarani recorriam, assim, a argumentos históricos, expressando
conhecimento do “seu passado”, utilizando-o como fundamento para suas reivindicações,
362
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 36a [carta em guarani], 36b [tradução ao espanhol];
MATEOS, 1949a, p. 559-561.
363
A população Guarani mais recalcitrante a abandonar suas reduções foram exatamente a das reduções
instaladas no Tape (Banda Oriental), entre 1626 e 1637, no caso São Miguel e São Nicolau. Essas duas reduções
foram transferidas para a margem ocidental do rio Uruguai diante das investidas dos “bandeirantes”. E, a partir
de 1680, por motivos de ordem geopolítica, foram reinstaladas novamente na margem oriental do rio Uruguai.
121
sobretudo para defender suas terras.
364
Nesse sentido, os Guarani missioneiros igualmente
manifestavam conhecimento de sua condição de vassalos do rei de Espanha, e, diante de sua
inserção no mundo colonial, procuravam fazer valer as garantias que sua condição social lhes
conferia. Segundo Melià, “esa documentación muestra que los Guaraníes organizan su
pensamiento político y vida social y religiosa conforme a una nueva síntesis que a su vez les
confiere una nueva historicidad”.
365
Através da produção desses textos, recordavam seus
vínculos com a monarquia – intermediados, evidentemente, pelo cristianismo – porém
manifestando seu desagrado com a decisão monárquica.
Contudo, existe na historiografia dedicada ao tema diversas polêmicas em torno das
motivações que levaram esses Guarani missioneiros a escreverem essas cartas ao governador
de Buenos Aires.
366
Para alguns autores, como Felix Becker, paira a suspeita de que os
Guarani foram meras marionetes dos jesuítas, expressando apenas a opinião da Companhia de
Jesus.
367
Aceitar esse argumento como correto implicaria desconsiderar o fato de que os
Guarani orientais já haviam informado, em outras cartas, a sua decisão de não se subordinar
às ordens recebidas. Há provas irrefutáveis das capacidades gráficas dos indígenas, e que
justificam a sua prática epistolar autônoma. É o caso dos textos escritos pelos Guarani
miguelistas aos demarcadores ibéricos, no verão de 1753; ou dos preparativos do cacique de
Yapeyu, Rafael Paracatu, que durante o inverno meridional de 1754 manteve correspondência
assídua com os demais cabildantes da redução.
Antes mesmo do encontro dos índios com a primeira partida demarcadora, a escrita
indígena já circulava entre os Guarani, atuando como importante veículo de informação das
lideranças. Um exemplo disso é a carta que Alexandro Mbaruari escreveu, em São Miguel, ao
364
Maria Celestino de Almeida, ao analisar a experiência dos índios de São Lourenço (Rio de Janeiro), também
demonstra como esses grupos “lançaram sempre mão deste conhecimento histórico em suas reivindicações,
sobretudo quanto à terra. Seus direitos remontavam às origens da aldeia e à doação de terras.” (ALMEIDA,
Maria Regina Celestino de. Os Índios Aldeados: histórias e identidades em construção. Tempo, Rio de Janeiro, v.
6, n. 12, p. 51-71, jul. 2001).
365
MELIÀ, 1999, p. 60.
366
A autenticidade desses documentos guarani pode ser comprovada, por exemplo, através da retórica utilizada.
367
BECKER, Felix. La guerra guaranítica desde uma nueva pespectiva: historia, ficción y historiografía. Boletín
Americanista, Barcelona, n. 32, p. 7-37, 1983. O autor analisa mais os bastidores do conflito na Europa do que
os acontecimentos propriamente ditos, em que os Guarani foram os protagonistas. O registro da discussão quanto
à autenticidade indígena dessas cartas pode ser resgatado no texto de MÖRNER, Magnus. Del estado jesuítico
del Paraguay al régimen colonial guaraní misionero: um proceso de “normalización” historiográfica desde los
años 1950. In: JORNADAS INTERNACIONALES SOBRE LAS MISIONES JESUÍTICAS, 7., 1998,
Resistencia. Anales… Resistencia: Instituto de Investigaciones Geohistoricas/Conicet: UNNE, Facultad de
Humanidades, 1998, p. 9.
122
corregedor Pascual Tirapare, em 20 de fevereiro de 1753, alertando para impedir a passagem
dos oficiais demarcadores.
368
3.2.2 Os memoriais
Os memoriais são uma variante da escrita epistolar pela qual a elite letrada das
reduções procurou uma interlocução mais efetiva com as autoridades coloniais. Trata-se de
uma modalidade de comunicação orientada a encaminhar demandas específicas de uma
coletividade, visando interpelar de maneira direta os representantes do poder colonial.
Geralmente, as práticas epistolares indígenas estão inseridas na relação dos índios com os
seus superiores, como os padres provinciais, ou em casos excepcionais os governadores.
Nesse tipo de texto as regras da escrita estão adequadas à recepção. O memorial, na medida
do possível, ajusta as formas do texto indígena em função do objetivo que quer alcançar,
conforme assinalou Lienhardt: “[…] las colectividades indígenas quieren romper este sistema
de comunicación exclusiva para dirigirse a lo que hoy se llamaria la ‘opinión pública’: es ahí
donde surge la practica de los ‘memoriales’ ”.
369
Este foi o caso do “memorial” entregue pelo cabildo da redução de São Tomé ao
padre provincial Antonio Machoni, cujo conteúdo foi transcrito na correspondência enviada
por Felipe Blanich ao visitador Nicolas Contucci, apresentando a seguinte solicitação:
Nos el Cabildo de Santo Thome llegamos a ti Padre Provincial Antonio Machoni, y te
suplicamos tengas por bien señalar en nombre de Nuestro Rey a Athanasio Mbayari
corregedor actual de este Pueblo por sucessor en el cazicado del difunto Don Pedro Apui,
pues no ay hijos, ny hijas, ny pariente cercanos, ny lejanos algunos del dicho Don Pedro
Apuy, que le puedan succeder.
370
Esse memorial foi apresentado ao provincial Antonio Machoni, em 24 de fevereiro
de 1742, solicitando a sua intevenção na sucessão do corregedor, diante do impasse
ocasionado pela morte da principal autoridade cabildante. O surpreendente dessa solicitação é,
em primeiro lugar, o fato de mencionar uma disputa sucessória junto ao cacicado,
denunciando a existência de disputas, até então sem registros escritos em todo período
missioneiro. Em segundo lugar, sinaliza o fato dos Guarani recorrerem ao expediente da
368
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7433, Doc. 278: Carta de Alexandro Mbaruari al Corregedor Pascual
Tirapare. S. Miguel 20 de feberero de 1753.
369
LIENHARD, 1992a, p. 58.
370
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/6. Carta de Felipe Blanich al visitador Nicolas Contucci. Noviembre, 25 de
1763.
123
escrita, através de um breve memorial, para intervir em um tema que consideravam de grande
importância – o do provimento dos cargos políticos nas reduções – recordando sua vinculação
com a monarquia, ou seja, sua condição de vassalos do rei.
A escolha das lideranças indígenas, apesar de todo o controle exercido pelos jesuítas,
em alguns momentos também necessitou contemplar as demandas internas da sociedade
guarani missioneira. Esse memorial coloca em evidência, igualmente, o uso que os Guarani
destinaram à escrita, manifestando posições coletivas antes dos conflitos demarcatórios – fato
que merece ser realçado diante da exigüidade de documentos escritos pelos Guarani, na
primeira metade do século XVIII. Os memoriais contendo reivindicações similares podem ter
sido produzidos em outros momentos, entretanto não há informações de conflitos dessa
natureza.
Por sua forma de encaminhamento, o memorial indica uma modalidade de escrita em
situações de impasse na organização interna das reduções, quando divergiram missionários e
Guarani quanto a questões relacionadas à indicação das lideranças, ou seja, a quem competia
o poder político no cabildo.
A redação de memoriais foi uma prática presente nas reduções, no último quarto do
século XVIII, portanto, após a expulsão dos jesuítas. A elite letrada missioneira recorreu a
esse expediente para participar às autoridades sobre as situações consideradas extremas. As
reduções de Loreto, São Miguel e São João e Santo Ângelo procuraram equacionar assim
determinados problemas.
Nesse contexto, os memoriais foram uma alternativa utilizada pela elite missioneira
diante da ineficácia de outros expedientes, como as queixas encaminhadas aos
administradores das reduções. A inoperância dos administradores frente às solicitações dos
cabildantes implicou a busca de soluções, e a redação de memoriais foi o meio encontrado
para dar conhecimento dos problemas ao governador.
3.2.3 As atas de cabildo
Encerrado o período de conflito mais agudo nas reduções, a partir da segunda metade
do século XVIII, alguns documentos elaborados pelos Guarani passam a apresentar
características de registro, sob a forma de “resenhas de fato”, podendo ser consideradas como
registros das sessões realizadas nos cabildos. Contudo, somente alguns desses textos
124
apresentam elementos, marcações, que permitem classificá-los como atas, como memória de
atos.
371
Nessa época, os cabildos começaram a atuar mais sistematicamente, elaborando
formas textuais pouco usuais. Segundo Marcos Morinigio, o início da redação das atas de
reuniões é considerado tardio nas missões, motivo pelo qual “[…] alguns documentos relatam
sucessos muito antigos, o que quer dizer que no momento em que este acontecia não foram
comunicados pelos cabildos às autoridades competentes como era de esperar-se, porque ainda
não estavam oficialmente constituídos”.
372
Cabe salientar que, segundo fontes históricas, esses
cabildos já estavam atuando, desde o início do século XVII, em sessões esporádicas, porém
não há referências a registros escritos dessas sessões antes de meados do século XVIII. Dessa
maneira, a indagação deve ser orientada no sentido de esclarecer porque a partir desse
momento os Guarani decidiram redigir tais “atas”.
Os documentos que apresentam essas características fazem parte do corpus de
documentos em idioma Guarani (alguns acompanhado de sua respectiva tradução ao
espanhol) localizados no Museo Mitre, de Buenos Aires.
373
A respeito da existência de outros
documentos com este perfil de “atas”, é importante reproduzir a informação fornecida por
Melià quanto ao seu paradeiro: “En posesión de la Srta Elisa Peña en Buenos Aires se
encontraría outro códice, que contiene igualmente ‘actas’ de cabildos de los pueblos de las
reducciones”.
374
O conjunto de papéis proveniente desses cabildos é muito heterogêneo, contudo é
possível diferenciar algumas dessas modalidades a partir de suas disposições textuais. Como
já foi dito, há um evidente predomínio das cartas, instrumento pelo qual os cabildos
prestavam satisfação ou comunicavam ao governador diferentes temas. Entre esses papéis há
quatro resenhas que correspondem ao ano de 1758, sendo registros referentes aos
acontecimentos transcorridos nas décadas anteriores, na forma de uma reconstituição
resumida dos fatos passados.
O cabildo de Nossa Senhora da Fé elaborou uma relação com ênfase nas hostilidades
que enfrentaram dos Guaicuru nos últimos 20 anos, enfatizando os anos de maior conflito. Por
371
João Hansen, ao analisar as atas da cidade de Salvador no século XVII, por exemplo, observou que é possível
descrever alguns procedimentos retóricos, presentes nesses textos, quando os eventos são estereotipados pelas
fórmulas do resumo (HANSEN, 2004, p. 110).
372
MORINIGIO, Marcos. Sobre cabildos indígenas de las Misiones. Revista de la Academia de Entre-Ríos,
Paraná, ano 1, n. 1, p. 29-37, 1946.
373
M.M.: Collección de documentos en idioma Guaraní correspondiente a los Cabildos indígenas de las misiones
jesuíticas del Uruguay desde el año 1758 al 1785. Referencia 14/8/18.
374
MELIÀ, 1970, p. 151 (item d IX).
125
sua vez, o cabildo de Santiago preparou um relato dos ataques que os indígenas Mocovi
promoveram contra essa redução, nos últimos 10 anos. O cabildo de São Inacio Guaçu relata
as mortes e perdas sofridas pela sua população por ocasião dos ataques dos índios
chaquenhos, nos últimos 20 anos. O cabildo de Santa Rosa fez referência a fatos similares,
quando os habitantes dessa redução foram alvo dos ataques perpetrados pelos Apipone e
Guaicuru.
375
Por apresentarem temáticas similares é de se supor que essas atas foram elaboradas
em resposta a alguma consulta do governador, e que o cabildo aproveitou a ocasião para
elaborar uma relação dos conflitos passados com as demais parcialidades indígenas. A escrita
correspondia ao objetivo de comunicar ao governador a gravidade do problema, para preparar,
possivelmente para o futuro, algum auxílio contra esses inimigos contumazes. Entretanto, os
relatos não recuavam muito em relação à data de redação, retroagindo no máximo às duas
últimas décadas, indicando possivelmente os limites de uma memória coletiva compartilhada.
Os quatro documentos demonstram como, nesse contexto, os cabildos utilizaram a escrita
como suporte para registrar acontecimentos julgados cruciais, como foram os ataques ou
invasões dos indígenas nômades do Chaco.
A documentação consultada indica que a elaboração de escritos com características
de atas pelos cabildos missioneiros tornou-se freqüente após o término da guerra guaranítica.
Os temas abordados demonstram como os índios principais encaminharam as questões mais
imediatas que afligiam a administração das suas respectivas reduções.
Vimos nas atas que identifica-se a preocupação em fixar, em produzir uma memória
dos anos precedentes, quando ainda não estava disseminada a prática de registrar por escrito
temas rotineiros. Um assunto presente nas atas são as relações de soldados e os temas
relativos ao número de índios aptos a pegar em armas. A recorrência desses temas sugere que
mesmo encerrada a fase conflitiva nas reduções, a preocupação central dos cabildantes seguia
relacionada às questões bélicas e, portanto, à condição de guerreiros desses Guarani.
Após a anulação do Tratado de Madri, em março de 1761, ao que tudo indica o
governador de Buenos Aires consultou as reduções a respeito da sua capacidade para formar
375
A possibilidade de conhecer o conteúdo desses documentos somente foi possível a partir dos comentários de
Morinigio a respeito dos temas presentes a essas atas. Ainda segundo este autor, os quatro documentos também
transmitem a confiança depositada pelos Guarani no novo governador, que colocaria um ponto final nas
calamidades enfrentadas por essas reduções (MORINIGIO, 1946).
126
companhias de soldados. As respostas enviadas pelos cabildos formam um conjunto exemplar
dessa modalidade de resenha.
376
A redução de Santa Maria Maior enviou uma resenha contabilizando o número de
homens disponíveis, especificando em quais ocupações estavam envolvidos. Nessa relação,
aproveitaram para informar o número de homens aptos ao manejo das armas, na redução de
São Lourenço, “agregada” à de Santa Maria Maior.
377
Contudo, a informação mais
surpreendente figura logo após a prestação contábil, e permite verificar como a confecção
dessas listas abria espaços para recordações, para um reordenamento da memória indígena:
Pero debemos confesar Señor Exlmo, que estando para armar à toda esta gente, nos
van sacando gemidos los alborotos pasados, en que casi no quedo arma en ser: boca de
fuego se hallaron solas 6 muy maltratadas, y una del Pueblo de San Lorenzo.
Iten unas poquissimas, y malas lanzas. De polvora se hallo algo mas de una arroba.
Se van agora luego fabricando arnas con la prisa posible:
Despues de la destrucción de la caballada en las inquietudes pasadas, se procuro
segun la posibilidad poca de este Pueblo rehazerla: no obstante queda corta para este
armamento: la caballada da que hay, se empleo, y cansó desde el Agosto del año pasado
hasta agora en dar caza a las pocas vacas cimarronas esparcidas por los pantanos, para
tenes el preciso, aunque escaso sustento del Pueblo. (grifo nosso).
378
Através desse informe, os cabildantes de Santa Maria Maior deixam transparecer o
quanto os distúrbios dos últimos anos, causados pela oposição guarani à transmigração,
haviam deixado seqüelas na população, o que ainda estava muito presente no cotidiano
missioneiro, (“nos van sacando gemidos los alborotos pasados”). O ato de contabilizar as
armas e avaliar os efetivos militares disponíveis é relacionado a fatos passados e,
provavelmente, despertara nesses Guarani amargas recordações dos dias em que mobilizaram-
se para a guerra.
Essa resposta atendia a uma ordem-padrão enviada pelo governador aos cabildos,
solicitando que organizassem tropas conforme a orientação fornecida. Deveria cada redução
alistar e formar tropas com cem soldados, além de relacionarem toda a população apta a pegar
376
A documentação reunida para esta tese sinaliza que apesar dos governadores enviarem correspondências às
reduções, durante o século XVII e a primeira metade do século XVIII, estas não costumavam ser respondidas
pelos cabildos, visto que não há qualquer documento ou menção histórica nesse sentido.
377
Como demonstra Carmen Martinez Martín “los indios orientales se fueron acomodando en las reducciones
situadas al outro lado del Uruguay en sucesivas mudanzas” (MARTINEZ MARTÍN, Carmen. Datos estadísticos
de población sobre las misiones del Paraguay, durante la demarcación del Tratado de Límites de 1750. Revista
Complutense de Historia de América, Madrid, n. 24, p. 249-261, 1998). Através de uma planilha com dados
demográficos de dezembro de 1759, podemos constatar que boa parte da população da redução de São Lourenço,
aproximadamente 1,5 mil Guarani, foi transferida para Santa Maria Maior (ver: A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas.
Legajo 120/84, Doc 3).
378
M.M.: Colección de documentos de los cabildos misioneros. Reseña de el Pueblo de Santa Maria Mayor en 8
de Abril de 1761.
127
em armas. Como esta ordem foi respondida por diferentes reduções, é possível comparar a
maneira como se dirigiram ao governador e quais temas foram agregados no momento de
elaboração das relações. A recomendação do governador para formar uma resenha dos seus
recursos disponíveis em cada redução dava condições para estabelecer um registro que
poderia extrapolar os propósitos iniciais do documento, deixando transparecer questões que
estavam na ordem do dia, mas não tinham espaço para registros.
A redução de Itapua, por exemplo, informou o governador Cevallos que, após ter
realizado o recenseamento da população, “se hallan quinientos hombres de tomar armas, que
son diez Compañias de à cinquenta Hombres, todos los quales, como fieles Basallos de
Nuestro Rey, estan promptos con sus Cuerpos”.
379
Contudo, ao final da relação, comunicava
total falta, que tenemos de Armas, pues ni una escopeta siquiera, que pueda servir, tenemos,
ni Polvora, ni Balas, y de cavallos muy escasos”. Esse cabildo, mesmo enfatizando as
precárias condições das suas armas de fogo, demonstrava disposição em colaborar com o
governador para executar qualquer ordem.
Determinados cabildos responderam objetivamente à consulta do governador,
fornecendo somente os dados solicitados: alguns acrescentavam outros dados, esclarecendo
aspectos do momento que atravessavam. Algumas resenhas, por exemplo, informam sobre a
presença de parentes egressos das reduções orientais, convívio que proporcionava uma
recordação mais freqüente dos conflitos protagonizados nas terras orientais. A menção desses
agregados sinaliza o quanto a incorporação de novos habitantes, principalmente os parentes,
havia alterado a rotina de algumas reduções. Porém, a memória dos anos de conflito poderia
explicar a disposição das reduções em colaborar com o governador, mesmo quando não
dispunham de efetivos ou armamento adequado.
Nessas respostas é possível verificar uma disposição comum dos cabildos indígenas,
sintetizada nesta frase da redução da Cruz: “Con esta ocasión reiteramos nuestra rendida
obediência a todos los ordenes […]”.
380
Por que, mesmo desprovidos dos meios necessários,
os cabildos mostraram-se dispostos a colaborar com o governador? A resposta talvez seja o
receio dos Guarani de uma represália. Como já foi mencionado, estavam muito presentes
entre a população missioneira os efeitos devastadores dos últimos conflitos, em decorrência
da negativa de cumprirem a transmigração enviada por escrito pelo governador de Buenos
379
M.M.: Colección de documentos de los cabildos misioneros [resposta da redução de Itapua, 1
o
de maio de
1761].
380
M.M.: Coleccion de documentos de los cabildos misioneros [resposta da redução da Cruz ao governador
Pedro de Cevallos. 25 de abril de 1761].
128
Aires em 1753. Nessa ocasião, os índios adotaram uma postura diametralmente oposta à
anterior, pautada na colaboração irrestrita, provavelmente interessados em garantir uma
relação positiva com as autoridades coloniais, evitando enfrentamento de qualquer natureza.
As resenhas também permitem avaliar a destreza e a familiaridade dos Guarani
letrados na elaboração de textos voltados para o mundo exterior, seja através da maneira como
organizavam as informações, dedicando ênfase à contabilidade do número de soldados, ou
seja respondendo de maneira objetiva e pontual, em forma de um texto, às ordens recebidas.
A maior ou menor extensão das respostas também indica que a prática da escrita não foi
uniforme nessa ocasião, podendo refletir os desníveis socioculturais existentes no seu manejo
entre os indígenas.
3.2.4 O diário
O diário é a forma textual mais fácil de ser identificada entre os escritos voltados a
registrar os acontecimentos pretéritos. A característica predominante dele é a anotação
geralmente imediata dos fatos acompanhados de uma indicação do dia em que os
acontecimentos transcorreram.
381
Os documentos mais eloqüentes dessa prática escriturária
missioneira são textos que apresentam uma narrativa ordenada de maneira cronológica. Esses
escritos são de extraordinário valor histórico, pois permitem avaliar os modos pelos quais os
Guarani percebiam os acontecimentos e o seu interesse em estabelecer uma relação, um
registro deles.
A elite ilustrada das reduções certamente sentiu-se atraída pela idéia de produzir
relatos, mas nem sempre encontrava os meios necessários à escrita, como papel e tinta. E os
secretários, em decorrência do seu ofício, estavam sujeitos a um convívio mais próximo com
os instrumentos de escrita, podendo aproveitar os momentos de quebra de protocolo, como
foram as viagens acompanhando a milícia missioneira, para dar vazão aos seus ímpetos
letrados.
Como foi demonstrado, no século XVIII, alguns Guarani ultrapassaram os âmbitos
reservados à escrita nas reduções, estabelecendo uma relação mais pessoal com o texto, em
momentos atípicos da rotina em redução. O uso ativo da escrita sem vínculos com a
reescritura religiosa foi mais usual entre os secretários de cabildos, tanto pelas facilidades
381
AMELANG, James. El vuelo de Ícaro: la autobiografía popular en la Europa moderna. Madrid: Siglo XXI,
2003, p. 20.
129
inerentes a suas funções de escrivães como pelo seu interesse em elaborar relações de caráter
cronológico.
Recentemente, Bartomeu Melià publicou um documento inédito. Trata-se, como o
título indica, do “Diario hecho por un indio de lo que sucedió en el segundo desalojamiento
de los Portugueses (de la Colonia de Sacramento) el 10 de septiembre de 1704 (hasta el 18 de
marzo de 1705)”.
382
Com aproximadamente 50 páginas, esse texto demonstra o valor
atribuído à escrita pelos Guarani, e as estreitas relações existentes entre as práticas letradas, a
memória e as narrativas de períodos excepcionais, nas reduções do Paraguai. Esta é uma
crônica da expedição que os Guarani missioneiros realizaram até a Colônia do Sacramento,
instalada pelos portugueses em uma das margens do rio da Prata. Relata uma longa viagem,
marcada por muitos contratempos, todos minuciosamente descritos por este escrivão
anônimo, que, por sua aguçada capacidade de observação, mereceu de Melià a denominação
de “repórter de guerra”.
383
Redigido de maneira esmerada, o texto atesta os efeitos da
alfabetização praticada nas reduções.
A história da Colônia do Sacramento foi o móvel das principais animosidades entre
lusitanos e Guarani no rio da Prata, e a ação militar missioneira remonta às últimas décadas do
século XVII, quando os índios auxiliaram o exército hispânico na expulsão dos
portugueses.
384
Ao rumarem em direção a Sacramento, atendendo ao chamado do governador,
os Guarani consideraram esse momento como de grande importância, o que provavelmente
conferiu maior interesse em documentar a excepcionalidade do episódio. Um aspecto a ser
considerado é a possibilidade de escrever longe da vigilância dos jesuítas, sem estar sujeito
aos expedientes de controle existente no espaço das reduções. Uma viagem longa ampliava as
possibilidades, por exemplo, de um secretário relatar os acontecimentos transcorridos durante
o percurso.
Essa crônica-diário, provavelmente, foi obra de um Guarani integrante do cabildo da
redução de Corpus. Segundo Melià, o texto apresenta uma “escritura prolija y esmerada
propia de aquellos secretarios de los pueblos guarani-jesuíticos”.
385
382
“Diario hecho por un indio de lo que sucedió en el segundo desalojamiento de los portugueses (de la Colonia
de Sacramento) en 10 de septiembre de 1704 (hasta 18 de marzo de 1705)”. Traducción. Comunicação na VIII
Jornada Internacionales Misiones Jesuíticas, Encarnación/Paraguay, 28 a 30 de setembro de 2000a.
383
MELIÀ, Bartomeu. Un Guaraní reportero de guerra. Acción: revista paraguaya de reflexión y diálogo.
Asunción, n. 208, p. 20-23, oct. 2000.
384
NEUMANN, Eduardo. Rivalidades luso-guaraníes en la Banda Oriental del Uruguay (1680/1757). Acción:
revista paraguaya de reflexión y diálogo. Asunción, n. 208, p. 24-27, 2000b.
385
MELIÀ, 2000, p. 20.
130
Ao começar a escrever, o escrivão demonstra cuidado com o registro dos dados e
informações da expedição de que participava. A transcrição do parágrafo inicial do diário é
esclarecedora: “El Año de 1704. A 1 de septiembre, la gente de Corpus salió de su propio
pueblo yendo a la guerra. El 12 de Septiembre se juntaron con todos los de los otros pueblos
en el Aguapey Miri en frente de San Carlos”.
386
O relato lança mão da temporalidade
ocidental, pois o escrivão indica o dia, o mês e o ano da saída da redução de Corpus,
informações que sinalizam que o diário foi lavrado in situ, procurando captar a dinâmica dos
acontecimentos enquanto transcorriam. Por suas características, o texto foi elaborado com o
intuito de captar todos os desdobramentos da ação militar, registrando os pormenores e os
percalços que envolveram a expedição em direção à Colônia do Sacramento.
A competência gráfica dos secretários se fez latente nos momentos de estranhamento
com os lusitanos, como vimos. A percepção aguçada do contexto em que estavam inseridos,
envolta em uma longa expectativa, provavelmente contribuiu ao procedimento de registrar
diariamente o périplo da longa jornada rumo a uma das margens do rio da Prata. As anotações
abrangem o período transcorrido entre a saída da expedição até o momento em que os índios
retornam à redução de origem, no caso Corpus.
Como podemos constatar, o estabelecimento de uma memória histórica por parte dos
Guarani esteve condicionada pelo constante enfrentamento com os portugueses, tendo como
ponto de partida as investidas “bandeirantes”, nas primeiras décadas do século XVII. Essa
oposição foi sistematicamente reatualizada através de novos conflitos, potencializados pela
prática da escrita, que cumpria a função de salvaguar a memória dos enfrentamentos com a
gente lusitana. A função social da escrita, em ocasiões de contato com o “inimigo hitórico”,
como foram os portugueses, era a de operar como instrumento de preservação de experiências
passadas consideradas cruciais para a coletividade, reafirmando, assim, a própria importância
que os Guarani missioneiros conferiam a estes confrontos.
Outro documento que apresenta características de diário – o registro de data e
acontecimentos, evidenciando preocupações coletivas – foi localizado entre os despojos da
redução de Yapeyu. Trata-se do registro dos acontecimentos verificados na redução, dos anos
1752 até meados de 1754. O texto foi descrito, a partir de suas características mais evidentes,
como “un livro mediano de dies foxas en pergamino escritas en idioma guarani”.
387
386
MELIÀ, 2000, p. 21.
387
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7380. Año 1754. Guarani (Copia de traducción de un libro escrito en
lengua). “Traduccion de un libro mediano de 10 foxas en pergamino escritas en Idioma Guarani que se hallo
131
A cópia desse documento, existente no Archivo General de Indias, em Sevilha, foi
publicada em 1929.
388
Anos depois, Pablo Pastells, em consulta ao arquivo, localizou o texto
e o incluiu na sua Historia de la Compañia de Jesus.
389
Furlong observa, quase ingenuamente,
sobre a relação: “Lo curioso del caso es que consiguio no tan solo los nombres de los Jefes y
autoridades, pero también todos los pormenores y detalles relacionados con esa ación
militar”.
390
Esse comentário pode ser compreendido como mais uma reedição da concepção
geral dos jesuítas de atribuir poucas capacidades intelecuais aos Guarani. Quando um jesuíta
reconhecia as potencialidades gráficas dos indígenas, tomavam-nas como casos excepcionais,
mesmo quando os letrados direcionavam sua competência alfabética para uma finalidade
“edificante”, como a reescritura religiosa.
Esse texto apócrifo, apesar da sua orientação cronológica, não se ajusta estritamente
às características de um diário, como, por exemplo, a de expressar impressões pessoais do
redator ou registrar interesses e preocupações gerais, apresentando características mais
próximas de uma relação histórica. A redação dessa crônica começa no dia 4 de março de
1754 e, já nas suas linhas iniciais, refere-se ao ano de 1752, para mencionar o plano de
divisão da redução de Yapeyu, proposto pelo então provincial do Paraguai, Manuel Quirino.
Logo a seguir, é mencionado o comparecimento do comissário Altamirano às reduções, sua
estada na redução de Yapeyu e a passagem pela redução da Cruz, de São Borja até o referido
comissário chegar ao seu destino final, São Tomé.
Logo no início, este “livro mediano” faz menção ao ex-provincial Manuel Quirino, e
refere-se ao consentimento dos Guarani dessa redução em colaborar com a divisão da
população antes do início dos trabalhos de demarcação. Provavelmente, isto poderia ser uma
estratégia adotada pelos indígenas: ao sinalizarem a disposição inicial em colaborar, ao que
tudo indica estavam estabelecendo um contraponto à sua negativa à ordem de mudança.
Outra característica dessa relação é indicativa da capacidade notarial do escrivão.
Menciona nomes completos, seja de jesuítas, cabildantes ou caciques, informação sempre
acompanhada das respectivas datas, inclusive com a indicação precisa do dia da semana em
que transcorreram os acontecimentos. Pode-se inferir que esses dados já estivessem esboçados
previamente e que o escrivão não os tenha redigido de memória, em um único momento, mas
entre los despojos de los indios de Yapeyu”. Outra cópia em A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304.
“Traduxion de un livro mediano de dies foxas […] 9 octubre de 1754”.
388
A.G.N./MTV: Colección Falção Espalter [Cópias do Archivo de Indias, Sevilla]. Gobierno de Don José
Joaquim de Viana, Tomo III (1749-1756). Sevilla: [s.n.], 1929.
389
PASTELLS, 1949, p. 194-198.
390
FURLONG, 1962 (ver a nota 4 do cap. 55).
132
contou com o auxílio de outras anotações ou de uma lista de apontamentos que facilitaram a
redação do texto.
O diário é uma evidência da preocupação dos Guarani em forjar um registro dos dias
agitados. Escrever uma crônica era um modo de participar, de atuar nos assuntos mais
candentes, e o rigor ou a ênfase destinados a um determinado tema poderiam servir de indício
da posição social do redator em relação aos lugares de decisão. Essa riqueza de detalhes, a
precisão dos dados, sinaliza a ação de um sujeito acostumado com registros dessa natureza,
como foram os secretários.
O escrivão em questão, ao conferir destaque aos fatos que antecederam a Batalha do
Daymal,
391
procurava formar um registro desses dias e esclarecer, através da relação, os
motivos que justificaram a eclosão do conflito. Por sua vez, a disposição material, na forma
de um livro, sinaliza uma intencionalidade claramente vinculada à preservação do texto,
exatamente por valorar esses episódios como cruciais à história da redução de Yapeyu. A
decisão de escrever em um “livro”, e não em uma folha solta, ainda mais tratando-se de
pergaminho, indicam o tratamento diferencial dispensado ao texto, ou seja, um cuidado com a
conservação das anotações.
3.2.5 Narrativa histórica
A preocupação com a elaboração de testemunhos por parte desse grupo letrado faz
parte da experiência missioneira com a escrita, a se julgar pelo texto em língua guarani
encontrado com um cacique. A posse desse documento é um indício do valor atribuído pelos
indígenas ao registro escrito e, ao que tudo indica, esse texto permaneceu em poder do
cacique guarani por um determinado período. O ato de guardar essas anotações, procurando
preservá-las, remete ao cuidado com informações julgadas cruciais para as gerações futuras.
Contudo, somente dispomos de um fragmento dessa narrativa, e as circunstâncias de sua
localização são desconhecidas. Ela foi reproduzida no apêndice número 21 da obra de
Hernandez, com o seguinte título: “Memoria para las generaciones venideras, de los índios
misioneiros del pueblo de Yapeyu”.
392
A transcrição espanhola desse foi feita em 1826, pelo
vigário geral das Missões.
391
Esse conflito entre os Guarani de Yapeyu comandados por Rafael Paracatu contra o exército espanhol será
comentado na segunda parte deste trabalho.
392
HERNANDEZ, 1913, t. 1, p. 546-549.
133
A narrativa registra acontecimentos relativos à história de Yapeyu e o seu conteúdo
está orientado de maneira cronológica, a partir da perspectiva de ação dos jesuítas. Os
acontecimentos narrados nesse documento apontam para uma narrativa orientada a partir de
uma temporalidade linear. Registros com essa característica permitem salvar do esquecimento
fatos antigos, que assim deixam de estar sujeitos às variações da memória oralizada.
É possível identificar e classificar as formas textuais da produção escrita guarani
missioneira, embora muitos textos tenham sido perdidos. Novamente, Melià informa:
Por desgracia tenemos más notícias sobre la existencia de varias obras literarias
indígenas que ejemplares conservados. Buena parte de esta literatura se há perdido,
especialmente la que nos parece más interesante, ya que por indicios sería la más auténtica
y propia.
393
Hoje, dispomos somente de alguns dados bibliográficos desses livros através da obra
de José Manuel Peramás,
394
que fornece dados que sinalizam a existência de uma
“historiografia indígena missioneira”.
395
Guillermo Furlong, jesuíta e historiador da
Companhia de Jesus, comenta que através da leitura de Peramás soube da existência de livros
escritos por índios: “Hubo en el Pueblo de Corpus Christi un indio llamado Melchor, quien
llegó a escribir una obra de índole histórica, y hubo otro que compuso en elegante guaraní la
Historia del Pueblo de San Francisco Javier”.
396
Lamentavelmente, não dispomos de nenhum
exemplar dessas obras, nem mesmo de cópias, apenas conhecemos referências a esses textos,
dados como perdidos.
397
A principal conseqüência do desaparecimento desses textos é a impossibilidade de
conhecer os aspectos do passado privilegiados pelos Guarani e o quanto a memória indígena
estava permeada pela retórica da cristandade.
393
MELIÀ, 1994, p. 83.
394
José Manuel Perrámas, espanhol, natural de Mataró, chegou ao rio da Prata em meados do ano de 1755, e em
setembro já estava em Córdoba para completar seus estudos de ciências eclesiáticas, permanecendo nessa cidade
até 1760. Entre 1760 e 1763, atuou na redução de Santo Inácio Mini como missionário, retornando a Córdoba,
onde permaneceu até a ordem de expulsão dos jesuítas. Suas obras foram escritas no exílio, em Faenza, onde
faleceu em 1793 (MARZAL, Manuel M. La utopia posible: indios y jesuitas en la América colonial. Lima:
Fondo Editoral: PUC, 1994, t. 1, p. 403-404).
395
PERAMÁS, 1946, p. 160.
396
FURLONG, 1946, p. 145; a mesma informação repete-se em outra obra (FURLONG, 1962, p. 594).
397
Apesar de dadas como desaparecidas, essas obras são conhecidas através de terceiros, como observou
Petrucci: “Todo texto perdido pude sobrevivir, sin embargo, de modo indireto y por lo general en porciones
mínimas a través de las citas hechas por otros autores que tuvieron la posibilidad de leerlo completo o
parcialmente antes de que desapareciera o de tomar esas mismas citas de otros autores y textos que de todos
modos tampoco llegaron hasta nosostros.” (PETRUCCI, Armando. La ciencia de la escritura: primera lección
de paleografía. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 106).
134
Peramás destaca os aspectos referentes à “índole histórica” da elite letrada
missioneira, mostrando que esses textos foram redigidos em “elegante Guarani”, segundo
avalia. Portanto, registravam uma versão nativa, provavelmente ordenando cronologicamente
os fatos do passado. A menção à escrita “elegante” permite inferir que a redação coube a um
índio letrado com pleno domínio da escrita em guarani. As anotações e registros relacionados
ao passado estavam a cargo dos índios principais, daqueles que se sentiam orgulhosos de sua
inserção e, principalmente, da condição que desfrutavam junto à sociedade hispano-
americana. Não sabemos exatamente quando foram escritas as obras de “índole histórica”,
mas com certeza datam da segunda metade do século XVIII. Ao que tudo indica foi a partir
desse período que a elite missioneira dedicou maior atenção em reelaborar por escrito seu
“modo de ser”, valorizando sua inserção no “mundo colonial”.
A “historiografia indígena” praticada nas reduções foi identificada unicamente
através de dados fornecidos por Peramás, no final do século XVIII. Segundo informa, ela
apresenta características textuais similares à produção gerada nas áreas centrais da América
colonial, como na Mesoamérica e nos Andes. Nessas regiões, segundo Lienhard, a
[…] literatura epistolar de los “caciques y principales”, representa a los núcleos más
encumbrados de la aristocracia indígena colonial, quizás los más “aculturados”, pero al
mismo tiempo, también, los más orgullosos del passado autoctono.
398
Nas reduções guarani do Paraguai, verificou-se uma prática comum a outras
coletividades, através do exercício da escrita, quando as
[…] elites sociopoliticas de las sociedades aculturadas identifican, transmiten y
conservan su propia imagen escrita; y al mismo tiempo, recopilan la documentación
histórica de las generaciones anteriores, con las que y en las que se identifican.
399
É oportuno recordar que a produção textual missioneira esteve inscrita em um
horizonte cultural mais estreito, decorrência de um certo “isolamento” das reduções, em
relação às demais áreas do mundo hispânico, sendo esses textos, em boa medida, o reflexo
dessa concepção de vida cristã pretendida pelos jesuítas. Nesses casos, a concepção temporal
estava ordenada cronologicamente, tomando como fato fundante o início da vida em missão,
quando o essencial era a história cristã da redução. É Peramás quem nos fornece, novamente,
um exemplo dessa escrita missioneira
398
LIENHARD, 1992a, p. 67.
399
PETRUCCI, 2002, p. 130.
135
Otro libro fue escrito por un indio del pueblo de San Javier, que era uno de los
descendientes de los primeros pobladores. Refería cómo los jesuitas habían llegado a sus
tierras, cómo fueron recibidos por sus antepasados, relata la muerte del Venerable Padre
Roque González y sus compañeros. Este indio llegó a ser Corregidor de San Javier.
400
Através desses dados, sabemos que a capacidade de produzir textos acompanhou a
experiência reducional dos Guarani, manifestando-se com maior intensidade entre aqueles
indígenas identificados com o projeto reducional, como foram os corregedores. E os indícios
dessa prática são mais acentuados no século XVIII, quando exerceram com maior freqüência
as habilidades letradas adquiridas na vida em missão. Ao que parece, esses textos apresentam
relação direta com a preocupação em estabelecer uma memória escrita dos fatos pretéritos,
motivação deflagrada a partir dos episódios de demarcação territorial.
3.2.6 A diversificação das formas textuais
A presença das comissões demarcadoras no território implicado na permuta, como já
foi demonstrado, deflagrou novos usos para a competência alfabética indígena. A escrita por
motivação própria dos Guarani foi incorporada ao cotidiano missioneiro sem as restrições de
outrora. A diversificação da produção textual guarani também foi decorrência da maior
proporção de indivíduos alfabetizados nas reduções, sobretudo a partir do século XVIII. A
familiaridade de alguns Guarani letrados com diferentes formas textuais foi um fator que
estimulou novos usos para a competência gráfica indígena, ampliando as possibilidades de
uma relação pessoal e mais direta com o mundo dos textos, permitindo eliminar a
interferência dos intermediadores. Segundo Roger Chartier,
Da maior ou menor familiaridade com a escrita depende, pois, uma maior ou menor
emancipação com relação a formas tradicionais de existência que ligam estritamente o
indivíduo a sua comunidade, que o emergem num coletivo próximo, que o torna dependente
de mediadores obrigatórios, intérpretes e leitores da palavra divina ou das determinações do
soberano.
401
Nas reduções guarani, a progressiva ampliação do número de sujeitos capazes de
registrarem por escrito suas opiniões também era o resultado da sobreposição de gerações
alfabetizadas, favorecendo uma modificação nas relações entre os indivíduos e o mundo
400
PERAMÁS apud FURLONG, 1962. p. 594-595.
401
CHARTIER, 1991, p. 119.
136
letrado, cujos reflexos foram progressivos nas rotinas missioneiras. A apropriação da escrita
apresentou níveis bastante elevados, nesse contexto de estranhamento e convívio com os
colonizadores ibéricos. E a manifestação da capacidade de expressão escrita de forma
desvinculada das formas textuais habituais foi verificada com maior intensidade entre os
mayordomos (administradores) das reduções.
3.2.7 Os mayordomos escrevem
No período de conflito nas reduções, a escrita não foi um atributo exclusivo ou
restrito aos secretários, sendo acionada por outros sujeitos, na sua maioria com passagem ou
cargo nos cabildos missioneiros, enfim os indivíduos que foram preparados para as tarefas
administrativas. Vale recordar que, nas reduções, os mayordomos foram assíduos escreventes
na época de conflito e, como integrantes da elite letrada, esses indígenas produziram uma
escrita desvinculada das formas retóricas convencionais, principalmente as de caráter
administrativo. São os escritos desse segmento letrado que apresentam temas, e até mesmo
abordagens novas da realidade, resultado de uma diversificação na produção textual
missioneira.
A incidência da prática da escrita entre os mayordomos ocupantes de uma função
vinculada ao cabildo, mas provavelmente sem participar das decisões, permite formular um
questionamento sobre a relação existente entre os sujeitos que exerceram um uso de suas
capacidades letradas e seus ofícios nas reduções. Competia aos mayordomos o cuidado dos
bens da comunidade, e, para tanto, “como auxiliares suyos habia indios contadores, fiscales, y
almaceneros”, como foi registrado na real cédula de 1743.
402
Em outras palavras,
provavelmente, a prática da escrita esteve relacionada à função específica de um determinado
ofício, como era o dos administradores. Ao que tudo indica, por suas atribuições de
procuradores dos produtos e mercadorias, esses sujeitos exercitavam com freqüência suas
capacidades gráficas direcionadas a uma função contábil. Segundo Rafael Carbonell, o nível
de profissionalismo que demandavam as funções de mayordomo implicava que o “novo electo
contaría con el asesoramiento del mayordomo saliente para llevar bien el control de
productos y mercaderías”.
403
Assim, conforme esse mesmo autor, a partir de 1732, a
permanência nesse cargo não poderia reincidir nas mesmas pessoas por um período superior a
quatro anos. Tal medida visava evitar enraizamento e o exercício despótico dessas funções.
402
HERNANDEZ, 1913, t. 1, p. 111.
403
CARBONELL DE MASY, 1992, p. 224.
137
Os mayordomos, diante da necessidade de acompanhar e controlar a produção,
mantinham comunicação com seus subordinados e posteriormente informavam os demais
cabildantes a respeito do estado das lavouras e mesmo das estâncias. Nesses momentos
prestavam contas aos respectivos cabildos das condições dos bens da coletividade. Os
mayordomos utilizavam livros para anotar os produtos extraídos das chácaras e estâncias,
controlando o que seria estocado nos armazéns missioneiros. Lamentavelmente, não localizei
nenhum desses livros de contas, mas por meio do estudo de Teresa Blumers, dedicado ao
sistema de registros contábeis nas reduções, somos informados que entre os diversos livros
utilizados em cada redução havia o “libro de procuradores y estancias”.
404
Portanto, o exercício da contabilidade requerida no desempenho das atividades
desses administradores e procuradores permitiu-lhes um contato freqüente com o “mundo
sobre papel”. Por meio dessa prática da escrita, exercitaram suas habilidades alfabéticas,
acionada durante os momentos de conflito nas reduções.
A capacidade gráfica desse segmento da elite missioneira permitiu, por exemplo, ao
cacique Rafael Paracatu manter contato epistolar com os mayordomos das estâncias de
Yapeyu. Nessas ocasiões, mantinham-se informados através da comunicação escrita a respeito
dos movimentos dos espanhóis na região.
405
A redução de Yapeyu foi uma das mais
convulsionadas, principalmente diante da passagem do exército espanhol por suas terras.
Procurando obstruir a passagem das tropas hispânicas por suas estâncias, o cacique Paracatu e
os integrantes do cabildo de Yapeyu recorreram à escrita como meio de contato destinado a
agilizar a comunicação e gerir ações conjuntas. Como a estância dessa redução era muito
extensa, os mayordomos foram constantemente contatados e instruídos, e forneciam informes
freqüentes a Paracatu. Algumas dessas correspondências, inclusive, foram coletivas,
constando, ao final, a expressão todos los mayordomos te escrivimos”. Como a de agosto de
1754, reproduzida abaixo:
Dn Raphael Paracatu. Dios te guarde te decimos, nosotros los Mayordomos. Há
llegado a nosotros te papel, tenemos confianza en Dios como tu, y te quedamos agradecidos.
404
CARBONELL DE MASY, 1992, p. 242-248.
405
Refiro-me às cartas apreendidas com o cacique da redução de Yapeyu, Rafael Paracatu, logo após os
incidentes no arroio do Daymal, em outubro de 1754. Esses documentos foram traduzidos e enviada uma cópia
junto à correspondência enviada por Thomas Hilson ao marquês de Valdelirios (A.G.S.: Secretaria de Estado,
Legajo 7425. Doc. 145 y 146: Refire como fué la función, y en qué estado está el Exercito. Arroyo del Daimar 8
de octubre de 1754; A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54 (Relato de P. Escandón (3) 8-
XI-1755): “Cogieronse le al Cacique Paracatu varios papeles y cartas escrita en su propia lengua. Y ante todas
cosas mucha prudencia rubrico de propia mano el governador y luego las mandó traducir para saber lo que
contenia”. (p. 114).
138
Dios nos preserbe de todo mal, y quiera que vivamos en el camino de los Santos
Sacramentos, y que andeis solo en el amor de Dios. Jesus Christo nos manda por su amor, y
nosotros por el nuestro, y esto has de tener siempre ante los otros, y has de pedir a la Virgen
Santissima nos de toda felicidad y pidamos tambien a las Santas Almas que estan delante de
Dios, que pidan para nossotros fortaleza y que nos ayude. Esto te escrivimos para que en
nombre de Dios lo leas. Joseph Aviare te llevo dos aspas de Polbora, y 44: balas, 7: pliegos
de papel blanco, en un canuto de taquara, cinco tercios, y una volsa de tavaco, y como no
savemos en que paro esto, no te escrivimos mas que por que lo sepas, y quien fué el portador
te avisamos. Dios te guarde te decimos. 6 de Agosto de 54: anos, unos pobres como tu, que
te aman: todos los Mayordomos te escrivimos.
Como se pode verificar, a escrita atuou como canal de comunicação entre aqueles
Guarani empenhados na oposição à presença hispânica, atualizando as principais lideranças e
comunicando a determinação dos administradores em seguir resistindo. Através da relação
dos mantimentos enviados pelos mayordomos, é possível inferir a importância que o contato
in scriptis desempenhou nessa ocasião, pois na resposta enviada a Paracatu foi mencionado o
envio de “papel blanco”, matéria-prima destinada a dar continuidade à troca de informações
por escrito.
Entretanto, em algumas dessas cartas enviadas a Paracatu não figura o nome do
remetente ou sequer o ofício desempenhado, dificultando definir a condição sociocultural de
quem as escrevia. Mas podemos pensar que a ausência desses dados fosse uma decorrência da
própria característica da comunicação, travada diretamente dos emissários aos destinatários.
Essas correspondências costumam apresentar, em meio ao texto, argumentos de cunho
religioso, invocando a proteção divina, justificando a decisão dos Guarani de seguirem
resistindo. Contudo, determinadas mensagens apresentavam um texto mais objetivo, voltado
para assuntos específicos, no caso o gerenciamento dos efetivos humanos disponíveis para
uma eventual mobilização armada.
Como se viu, alguns mayordomos notabilizaram-se exatamente pelo fato de terem
deixado testemunhos escritos de suas opiniões, quando participavam ativamente nos
bastidores do conflito, promovendo usos inesperados às suas competências gráficas.
Produziram, nessa época, uma diversificação das formas textuais indígenas. Na documentação
consultada, encontramos evidências da atuação desses sujeitos, principalmente por destinarem
à escrita uma finalidade distinta da habitual. Estes foram os casos de Chrisanto Nerenda,
mayordomo da redução de São Luís, Pasqual Yaguapo e Valentin Ybariguá, mayordomos da
redução de São Miguel.
Através das mensagens enviadas a Paracatu, somos informados de que as respostas
eram imediatas, provavelmente pelo caráter diligente que os Guarani sublevados atribuíam ao
informe escrito. Algumas, por exemplo, foram respondidas no mesmo dia em que chegavam
139
aos destinatários. Através do conjunto das correspondências guarani foi possível constatar a
urgência da escrita e uma preocupação com a rápida resposta.
Em determinados contatos epistolares, os Guarani agregavam expressões como
invieis la respuesta a esta carta”, que são indícios da “escritofilia” que tomou conta das
relações estabelecidas pelos índios letrados com os seus interlocutores, fossem eles
companheiros de redução, demarcadores ou qualquer outra autoridade.
3.2.8 O relato de Nerenda
Em meio a essa expressiva produção de cartas oficiais, com eminente caráter
político-administrativo, e de comunicação pessoal, alguns Guarani aventuraram-se em uma
escrita com características de um relato pessoal e, possivelmente, de um registro da “memória
social”. A excepcionalidade do momento e as novas experiências que vivenciavam
permitiram a alguns indígenas explorar novas potencialidades de sua competência gráfica. A
agitação causada pela chegada das comissões demarcadoras à região determinou a elaboração
de testemunhos inusitados pelos Guarani, registros desses dias conturbados.
As experiências de contato intercultural, vividas principalmente durante o
conturbado ano de 1754, despertou em alguns Guarani da elite missioneira o interesse em
registrar os acontecimentos que protagonizaram ou presenciaram como testemunhas. Nessa
época, a disposição em escrever foi surpreendente, tanto pelo aspecto quantitativo como pelo
qualitativo desses textos. A multiplicação dos escritos, nesse período, permite explorar as
modalidades que a produção textual indígena atingiu nas reduções. O recurso à escrita,
conforme se viu, foi amplamente acionado nesses anos de conflito, comparado com outros
períodos em que os Guarani escreveram. Mas, ao que tudo indica, sua escrita não parece ter se
difundido com autonomia, estando principalmente destinada a acompanhar o fluxo dos
acontecimentos e dos conflitos. Por um lado, a escrita mantinha as principais lideranças
informadas a respeito dos acontecimentos recentes e, por outro, cumpria a função de veicular
uma versão indígena sobre os acontecimentos
Um caso paradigmático foi o do administrador da redução de São Luís, de nome
Chrisanto Nerenda, já citado acima. Depois de retornar do seu cativeiro junto aos portugueses
na tranqueira do Rio Pardo e na vila de Rio Grande, ele redigiu uma longa relação narrando
tudo que havia presenciado, desde a sua chegada ao fortim lusitano, nas margens do rio Jacuí,
140
até o retorno à sua redução de origem.
406
Esse Guarani letrado, de aproximadamente 40 anos,
foi um dos 14 sobreviventes a que Gomes Freire concedeu liberdade em Rio Grande.
407
O que teria levado Nerenda a elaborar uma relação da sua experiência extra-
reducional? Por que decidiu registrar por escrito os acontecimentos que testemunhou? Quais
os motivos determinaram a busca pelo registro escrito?
Sabemos que uma das condições de possibilidade para um relato é a experiência
vivida.
Segundo James Amelang, a escrita pessoal é marcada pelas experiências
excepcionais, por vezes traumáticas, sobretudo aquelas relacionadas a situações de cativeiro,
ameaças ou perseguições.
408
Determinadas situações rompiam com a rotina da vida em
redução, funcionando como estímulo à elaboração de um registro da sobrevivência do
narrador.
Através da narrativa de Nerenda sabe-se que esteve submetido a situações extremas,
por conta das privações e do interrogatório a que foi submetido. Durante aproximadamente
dois meses, entre o início de maio até meados de julho de 1754, o administrador de São Luís
conviveu de maneira direta com os portugueses, navegou pelo rio Jacuí, conheceu
pessoalmente Gomes Freire e foi interrogado, em mais de uma ocasião sobre o modus vivendi
dos jesuítas nas reduções.
Para ele, o momento mais marcante descrito ocorre depois da tentativa frustrada de
um motim na embarcação, na qual os 53 prisioneiros Guarani estavam sendo transportados a
Rio Grande. Logo após os portugueses retomarem o controle da situação, matando vários
Guarani, os soldados começaram a decapitar os índios mortos, utilizando uma ferramenta
descrita por Nerenda como uma “catana”.
409
406
A.H.N.: Clero-Jesuítas, Legajo 120, Caja 2, Doc. 56. Relación de lo que sucedió a 53 Indios del Uruguay,
cuando acometieron por 2
o
com otros muchos el fuerte de los Portugueses del Rio Pardo, escribio un Indio
Luisista que fue uno de estos 53. Llamado Chrisanto, de edad como de 40 años, Indio Capax y mayordomo del
pueblo, traduxo lo un Misionero de la Lengua Guarani en castellano, año 1755.
407
Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa (doravante A.H.U.): Brasil/Limites. Caixa 1, Doc. 51. 1754, junho,
21, Rio Grande de Sao Pedro. Oficio (2 via) do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional)
Gomes Freire de Andrada, ao (Secretário de Estado dos negócios Estrangeiros e Guerra) Sebastião Jose de
Carvalho e Melo, sobre informação recebida do tenente-coronel Tomas Luis Osório, comandante da guarda ou
tranqueira do Rio Pardo, sobre um segundo ataque dos indios Tapes e aprisionamento de alguns deles. Anexo:
oficio (copia).
408
AMELANG, 2003, p. 174.
409
Na relação traduzida por Nusdorffer, não há menção a esse instrumento, apenas referência à decapitação dos
Guarani mortos. As nuanças existentes entre a relação traduzida por Nusdorffer e a outra versão desse relato
sugere que houve alterações no momento da tradução realizada pelo jesuíta, ou Nerenda redigiu mais de um
relato. Em algumas passagens foram omitidos detalhes e em outras adicionadas informações, como, por
exemplo, o fato desse indígena fazer parte da Congregação de São Miguel e da Virgem (sobre as congregações
ver o Capítulo 2, item 2.5, desta tese).
141
Mesmo aterrorizado diante das ameaças a que esteve submetido, Nerenda não
sucumbiu às pretensões dos portugueses, ou seja, a de prestar um depoimento, sob coação,
denunciando a riqueza e a conduta inadequada dos religiosos da Companhia de Jesus na
administração das reduções. Como Nerenda manteve-se inamovível quanto às suas
convicções, os oficiais portugueses, para convencê-lo a formalizar uma denúncia contra os
jesuítas, trouxeram
[…] a nuestra presencia un Indio Borgista fugitivo de su pueblo ya de mucho tiempo
que estaba entre ellos vestido como ellos y con su boca de fuego y espada y me dixeron veis
aqui un indio como tu este ya es Capitan, no ves como esta bien tratado y contento entre
nosotros.
410
Com essa medida procuravam convencer Nerenda das vantagens em colaborar com
os portugueses, mas as tentativas de coação foram infrutíferas. Nerenda questionou, inclusive,
o modo de vida dos seus algozes, pois, durante o período de seu cativeiro, jamais os havia
visto freqüentar a missa ou demonstrarem sinais de devoção:
Señor General, con su lisencia, quiero hablar, y he visto que desde que me han
trahido al Rio Grande nunca he visto oir misa, ni rezar el Rosario, ni en los dias festibos
confesarse, ni comulgar, y esto es lo que hecho menos nosotros, somos vasallos de la Virgen,
y San Miguel, y cada més nos confesamos esta costumbre es la que hecho menos, no
sabiendo, ni aun los dias de fiesta de Presepto, diciendolo: por estas cosas Señor General,
dadme el camino libre para ireme a mi Pueblo.
411
Ao final desse encontro, Gomes Freire decidiu liberar os 14 prisioneiros para
retornarem às suas reduções. O conjunto dessas experiências, aliadas ao desejo de relatar o
vivido, provavelmente foram os motivos que contribuíram para a decisão de Nerenda em
produzir uma memória desses acontecimentos. Mas talvez seja possível que tenha escrito essa
narrativa a pedido de alguém, ou que possivelmente agiu estimulado pelo questionamento dos
interessados em sua experiência.
O relato elaborado por Nerenda atingiu grande repercussão no âmbito missioneiro, a
se julgar pelas informações históricas sobre circulação de cópias. O texto redigido em língua
guarani, provavelmente nos últimos meses do ano de 1754, foi rapidamente traduzido ao
espanhol por Bernardo Nusdorffer, superior das reduções. Segundo a opinião de Guillermo
410
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 56. Relación de lo que sucedió a 53 Indios del
Uruguay […].
411
DOCUMENTOS RELATIVOS a la ejecución del tratado de límites de 1750. Instituto Geográfico Militar,
República Oriental del Uruguay. El Siglo Ilustrado, Montevideo, v. 13, n. 1, p. 1-300, 1938 (p. 237).
142
Furlong, Nusdorffer viu nesse escrito um lenitivo, “ya que ponia de manifiesto el criterio
sensatisimo y la singular valentía de este indios, en decir lo que sabía ser verdad”.
412
Entretanto, havia outras implicações na decisão do superior da Companhia de Jesus de
traduzir e divulgar a relação de Nerenda.
Antes de seguir com a análise do texto, é oportuno mencionar que, em 1758, a
relação de Chrisanto Nerenda também foi referida por Manuel Quirino, ex-provincial do
Paraguai. Ao elaborar um manuscrito compilatório dos principais episódios relacionados ao
Tratado de Madri, Quirino qualificou Nerenda de “índio historiador”, por sua narrativa
minuciosa do período em que permaneceu junto aos portugueses.
413
Ou seja, na batalha de
papéis, esse Guarani adquire o reconhecimento dos jesuítas – os mesmos que catapultaram e
difundiram o texto de Nerenda como uma prova da fidelidade indígena aos ensinamentos
cristãos, mesmo diante de Gomes Freire e toda sorte de ameaças. Outros missionários também
tomaram conhecimento do conteúdo da relação de Nerenda, como Escandón.
414
Certamente
utilizaram o texto como exemplo aos demais Guarani das vantagens da vida em redução.
Todavia, foi através da iniciativa de Nusdorffer de traduzir a relação de Nerenda em espanhol
que conhecemos alguns dados sobre o perfil desse Guarani letrado. A tradução desse texto,
cujo original ficou arquivado na redução de São Luís, de acordo com a anotação do próprio
Nusdorffer, foi concluída em fevereiro de 1755.
415
A decisão de conferir a autoria da relação a um Guarani, explicitando sua condição
sociocultural, provavelmente foi uma medida adotada para resguardar os jesuítas da acusação
recorrente de manipularem os seus tutelados: atribuir o crédito do texto a um índígena
supostamente confereria maior “isenção” ao relato, resultando numa maior veracidade da
narrativa, sobretudo quando divulgada entre a população missioneira. Igualmente, creditar a
autoria do texto a Nerenda poderia maximizar o impacto da narrativa e atuar como um
instrumento de esclarecimento aos demais indígenas, estimulando-os a seguirem vivendo
como fiéis às reduções.
Resta indagar o motivo que levou Nusdorffer a traduzir o texto. Afinal, para divulgá-
lo entre a população missioneira não era necessário traduzi-lo, bastava reproduzir várias
412
FURLONG, Guillermo. Bernardo Nusdorffer y su “Novena Parte” (1760). Buenos Aires: Theoria, 1971, p.
90.
413
R.A.H.: Sobre el tratado con Portugal en 1750. P. Manuel Quirino; 9-11-5-151; Sig: 9/2279. p. 184v.
414
A H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54 (Relato de P. Escandón (3) 8-XI-1755). p. 107.
415
Ao final da tradução, Nusdorffer teve o cuidado de informar: “El original de este papel en Lengua Guarani
esta en el pueblo de S. Luis a donde lo remiti. S. Carlos y febrero 19 de 1755. Bernardo Nusdorffer” (A.H.N.:
Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 56); alguns trechos desse documento foram transcritos por
Furlong em obra dedicada à vida de Nusdorffer (FURLONG, 1971, p. 87-90).
143
cópias e encaminhar às demais reduções. A decisão de Nusdorffer pode ser interpretada como
uma medida voltada a dar conhecimento a outros públicos, particularmente aqueles fora das
reduções, sobre o engajamento e a adesão dos Guarani à vida cristã. Essa tradução,
possivelmente, foi pensada como uma peça de defesa contra as acusações de que os Guarani
viviam coagidos e submetidos a uma vigilância austera dos jesuítas. Por sua longa trajetória
junto às reduções e por ser profundo conhecedor da “realidade colonial”, Nusdorffer
possivelmente procurou com a sua narrativa estabelecer um instrumento para defender-se
contra os inúmeros detratores do trabalho da Companhia de Jesus no Paraguai, sobretudo
aqueles que viam a mão dos jesuítas na rebelião guarani.
416
O texto, por sua circulação durante o período de conflito, demonstra-nos como a
escrita indígena cumpriu uma função de destaque. O relato de Nerenda atuou como uma
maneira de instaurar verdades, pois uma versão foi localizada na redução de São Lourenço,
quando José Joaquim Viana ocupou-a, em maio de 1757.
417
Coube a Nicolas Patrón
encaminhar a tradução dos documentos apreendidos por Viana.
418
A relação localizada na redução de São Lourenço apresenta como tema central o
encontro dos 53 Guarani com os portugueses em Rio Pardo no ano de 1754. Certamente,
trata-se de uma versão da relação atribuída a Chrisanto Nerenda. A historiografia
negligenciou a circulação do texto, que deve ter sido expressiva entre a população
missioneira, pois, como foi demonstrado, outros jesuítas fizeram referência à relação.
Quando Manuel Quirino teceu seu comentário sobre Nerenda, disse que “fue uno de
los cincuenta y tres indios bien capaz de San Luis en una relacion que escrivio vuelto a su
Pueblo, en que a su modo les cuenta a sus paisanos todo el suceso”.
419
Com base nessa
informação pode-se inferir que esse Guarani agiu motivado pelo desejo de transmitir aos
416
O marquês de Valdelirios (espanhol), em carta de 9 de fevereiro de 1756 a Gomes Freire de Andrada,
escreveu as seguintes palavras: “Veras que S.M habeis descubierto assegurandose de que los jesuítas de esta
Provincia son la causa total de la reveldia de los Yndios […].” (B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. 1518.
Relación de lo ocurrido en la expedición que las armas de España y Portugal hicieron al territorio de las
Misiones de los Jesuitas en el Paraguay, para el cumplimiento del Tratado de Límites entre las dos Coronas por
el Secretario de la Expedición Manuel de Silva Nades. Años 1753-1756. S. XVIII . 57 hojas en folio. – 10683. p.
38).
417
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410. Inbentario de todos los papeles, y documentos que han entrado en
esta Secretaria de la Capitania General, tocante a las averiguaciones echas sobre los autores de la desobediencia
de los Indios […].
418
Entretanto, a cópia da tradução existente no arquivo de Simancas omite a primeira linha, onde constava o
nome de Chrisanto Nerenda como responsável pela redação desse texto. Somente foi possível perceber essa
omissão através do cotejo entre a versão impressa, publicada em Montevidéu (1938), com a cópia manuscrita
existente em Simancas (A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410). A reprodução impressa desse texto foi
publicada nos Documentos relativos a la ejecución del tratado de límites de 1750 (DOCUMENTOS
RELATIVOS…, 1938).
419
R.A.H.: Sobre el Tratado con Portugal en 1750. P. Manuel Quirino. 9-11-5-151; Sig 9/2279. p. 183.
144
outros suas experiências extra-reducionais, e procurou, através da escrita – no caso uma
memória pessoal –, narrar os acontecimentos que vivenciou durante seu período de cativeiro.
O ofício de administrador que Nerenda desempenhava na redução de São Luís
sinaliza a sua inserção na organização reducional como membro da elite missioneira. Os
conteúdos dessa relação estavam de acordo com a ótica dos jesuítas, ou seja, de defesa da vida
reducional cristã, o que foi decisivo para a conservação desse texto. Nerenda recorreu à
escrita para expressar uma posição pessoal, o seu estranhamento em relação ao modo de vida
dos portugueses, expressando, dessa forma, sua adesão ao projeto missional – não para
manifestar o tradicional repúdio aos trabalhos de transmigração, expresso em outros escritos
indígenas da mesma época.
Geralmente, os Guarani escreveram textos com finalidade de uso oficial, documentos
conservados em maior quantidade quando comparados, por exemplo, àqueles de caráter
pessoal, como o de Nerenda.
A narrativa de Nerenda assumiu uma dimensão ainda mais importante porque este
foi interrogado no cativeiro, por Gomes Freire de Andrada, general português, e por um
espanhol, como já foi assinalado. Provavelmente, por sua condição de índio letrado, Nerenda
deveria saber expressar-se minimamente na língua castelhana, o que ampliava as suas
possibilidades de comunicação e o interesse por parte dos que o mantinham cativo. A
interlocução que manteve com Gomes Freire e as perguntas às quais foi submetido permitiram
a Nerenda expressar suas próprias conclusões quanto aos episódios que vivenciava.
Apesar de ser uma narrativa em primeira pessoa o relato de Nerenda não se ajusta ao
gênero autobiográfico.
420
Como alertou Amelang, a autobiografia, mesmo sem apresentar
traços distintivos compartilhados por todos os autores, possui a característica comum de
texto retrospectivo que estudia y evalúa el desarrollo interior del sujeto”. No caso, a escrita
de Nerenda apresenta elementos que a aproximam da memória, que é uma forma de escrita
pessoal mais centrada no exterior: “Su mirada se dirige hacia fuera, no hacia dentro”.
421
Amelang, igualmente, alerta para o fato de que nem sempre é fácil distinguir as memórias de
outras formas de escrita em primeira pessoa.
Antonio Castillo Gómez, ao comentar as motivações do ato de escrever, destacou o
fato desse exercício nem sempre corresponder exclusivamente ao apreço individual, posto que
420
A escrita autobiográfica entre os artesãos europeus nos séculos XVI e XVII apresenta grande diversidade, o
que levou Amelang a nomeá-la de “escritos del yo”, para não incorrer em imprecisões conceituais quanto à
classificação dos textos (AMELANG, 2003).
421
AMELANG, 2003, p. 17-18.
145
a escrita “[…] conforman el espacio escrito cuna de la intimidad (privacy), pero igualmente
explicitan la conciencia histórica del sujeto, su postura ante los aconteceres externos y el
lugar de éstos en el orden de la memoria personal”.
422
O conjunto de dados e informações contidas no texto de Nerenda demonstra como
nas reduções alguns sujeitos, em decorrência da sua posição sociocultural – marcadamente
seu contato com o mundo das letras no interior da hierarquia de ofícios nas reduções – foram
capazes de desenvolver uma memória pessoal voltada a difundir uma identidade coletiva.
Através da reconstituição do contexto em que determinados documentos foram produzidos é
possível uma aproximação ao universo de possibilidades que levaram à decisão de redigir um
relato.
A escrita pessoal, dentre outros textos produzidos nas reduções, permite afirmar que
a memória social era relevante no cotidiano missioneiro e nos rumos da vida em redução.
Afinal, os Guarani estiveram diante de acontecimentos excepcionais que justificaram a
necessidade de gerar uma memória a ser conservada em papel. Nos contextos de crise,
ocorreu assim uma disseminação do uso social da escrita, possibilitando que um número
maior de indivíduos usufruíssem da sua competência gráfica, aptos a elaborar um texto
autonômo e, ao mesmo tempo, inseridos no conflito do “mundo colonial”.
3.2.9 O informe de Arazaye
Francisco Arazaye, um Guarani de São Luís, também recorreu às suas competências
gráficas para registrar as negociações que antecederam o ajuste ou a “Convenção de Paz”
assinada em novembro de 1754 com os portugueses.
423
Decidiu redigir, no próprio
acampamento, um informe notificando os demais indígenas que permaneceram na sede da
redução sobre as tratativas que foram mantidas com Gomes Freire. Lamentavelmente,
conhecemos apenas um fragmento do texto em que Francisco Arazaye descreve com detalhes
– inclusive reproduzindo algumas falas – a audiência entre Gomes Freire e alguns índios
principais.
424
O contato direto com os portugueses ainda causava muita apreensão entre os
422
CASTILLO GÓMEZ, Antonio. La fortuna de lo escrito: funciones y espacios de la razón gráfica (siglos XV-
XVII). Bulletin Hispanique, Bordeaux, t. 100, n. 2, p. 343-381, 1998 (p. 354).
423
Em novembro de 1754, devido a uma cheia do rio Jacuí, o general português Gomes Freire de Andrada se viu
obrigado a negociar um “ajuste de paz” com os índios principais de algumas reduções. Tal “ajuste” foi celebrado
visando resguardar a retirada do exército português, e resultou na confeccção de um documento que envolveu
elementos cênicos e rituais visando comprometer os Guarani com os termos presentes ao acordo. Sobre esse
tema, ver o Capítulo 5, item 5.5.1, desta tese.
424
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54. (Relato de P. Escandón (3) 8-XI-1755). Célebre
audiencia que dio el general Freyre â los cabos principales de los indios. Folio 129; ESCANDÓN, Juan de.
146
Guarani, principalmente diante das informações disponíveis, que os retratava como a própria
encarnação do demônio.
425
As circunstâncias que pautaram o encontro e o desfecho que resultou na Convenção
de 1754 despertaram em Arazaye a preocupação em formular um registro. Através da redação
do texto, este luisista demonstrou interesse em narrar o relacionamento com Gomes Freire e,
ao recorrer à transcrição de diálogos dos personagens envolvidos, procurou conferir maior
autenticidade ao seu relato, reproduzindo algumas falas. Lembremos que esse contato
precedeu a uma negociação inusitada, no caso, o ajuste de um armistício com os
portugueses.
426
O envolvimento dos índios principais de São Luís nas negociações com um oficial
português e as informações que chegavam através de outros indígenas – como foi, por
exemplo, o caso de Nerenda – demonstram o quanto a população missioneira era receptiva às
notícias relativas a esses acontecimentos extra-reducionais. Cientes dessa demanda, alguns
optaram por escrever suas experiências de convívio, provavelmente para informar audiências
mais distantes. No caso de Nerenda e de Arazaye, há uma, mesma disposição central que,
provavelmente, presidiu a decisão de recorrer ao papel: a proximidade e negociação com os
portugueses. Pode-se afirmar que são relatos organizados a partir de um contato direto: a
intensidade das negociações, nesses dias, conferiu a cada encontro novas perspectivas,
momentos avaliados como excepcionais, principalmente quando contrastados com a rotina da
vida em redução.
Um traço comum entre os dois relatos é que ambos estão centrados no convívio com
os portugueses, especificamente os oficiais do exército. E como alertou Amelang, ao estudar
os escritos pessoais, na Idade Moderna, a “mayoria de los autores de documentos personales
no sólo hablaron por sí mismos, sino también por los demás”.
427
Portanto, estariam
externando uma inquietação geral, e não apenas individual: o estranhamento dos Guarani, em
um contexto de tensão das relações com o “outro”, estimulava o ato de escrever, reiterando
algumas certezas sobre fatos passados e sobre os portugueses.
História da transmigração dos sete povos orientais. Tradução do espanhol por Arnaldo Bruxel, S.J. Pesquisas,
São Leopoldo, História n. 23, 1983, p. 272-274.
425
Por essa época, Nerenda já havia retornado a São Luís e, provavelmente, já era de conhecimento de uma
ampla parcela da população missioneira as privações decorrentes do seu cativeiro junto aos lusitanos. O relato de
Nerenda, ao que parece, contribuiu para reforçar entre os Guarani a desconfiança em relação aos seus “inimigos
históricos”, despertando entre a elite letrada o interesse em produzir relatos desses momentos.
426
Francisco Arazaye, possivelmente, foi o secretário de São Luís. Ao final de seu texto, registrou: “Esto es lo
que paso el dia 13 de Noviembre. Yo lo escribe â 18 de Noviembre de 1754. Francisco Arazaye”. Essa anotação
indica o cuidado em evitar qualquer confusão na datação dos últimos acontecimentos.
427
AMELANG, 2003, p. 186.
147
3.2.10 Os textos de Pasqual Yaguapo
Pasqual Yaguapo foi um Guarani com destacada atuação durante o período de
conflito nas reduções. Quando as comissões demarcadoras chegaram ao território implicado
na permuta, este indígena letrado ocupava a função de alcaide maior de São Miguel. Nessa
ocasião, escreveu uma carta conjunta com o corregedor de São Miguel, Pasqual Tirapare,
informando ao padre Thadeo Henis dos distúrbios na estância de Santo Antônio.
428
Tudo indica que, nesses anos de rebelião, os Guarani passaram a designar de maneira
autônoma os ocupantes dos ofícios junto ao cabildo, definindo, a partir de uma lógica própria,
o provimento dessas funções. Assim, Yaguapo passou a desempenhar as funções de
mayordomo, ofício que lhe permitia acompanhar de perto a mobilização indígena nas
estâncias.
Através de procedimentos escritos, a elite missioneira procurou instrumentalizar a
população sobre a conduta recomendada diante da proximidade com os demarcadores. Em
mais de uma ocasião, Pasqual Yaguapo, administrador da redução de São Miguel, elaborou
instruções que deveriam ser repassadas aos demais Guarani. Em outubro de 1754, Yaguapo
escreveu uma carta ao tenente Miguel Arayecha; expondo os motivos do envio dessa missiva,
esclarece: “os escriviremos y tambien los caziques del Pueblo, tambien encargamos que no se
dejen engañar”.
Nessa ocasião, Yaguapo alertou
cuando dijere que benga un Casique à hablarnos no salga de la muchedumbre de los
soldados para que con sus muchas palabras los han de engañar, con dadivas, con un calzon,
con un sombrero, con una chupa, o con alguna casaca, o haziendoles oyr varias cosas y
entonces han de fraguar Pleito contra nosotros por todas partes.
429
Por sua condição de administrador e seu envolvimento na mobilização missioneira,
Yaguapo vislumbrou na escrita um recurso capaz de instruir as tropas e, desse modo, evitar
que fossem ludibriadas. A credibilidade atribuída à escrita como instrumento viabilizador de
uma ação conjunta, ficou bastante evidente em outro texto, escrito pelo mesmo Yaguapo.
Em junho de 1755, redigiu um arrazoado de motivos, intitulado “Para los Indios que
han de avistarse con los Españoles, les pongo a la vista lo que han de decir los Indios, para
428
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7410.
429
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42 [carta de Pasqual Yaguapo a Miguel Arayecha]. 22 de octubro
de 1754. Copia:7. Es copia que concuera com la traducción original que queda em la secretaria de mi cargo.
Campamento em el Arroyo Ybacacay Marzo 8 de 1756. Pedro Medrano.
148
que lo oigan todos los Caziques y Cavildos”.
430
O conteúdo dessa mensagem está marcado
por um forte didatismo que procura, através de um diálogo ficcional, instrumentalizar os
Guarani a oferecerem oposição à passagem do exército espanhol pelas terras missioneiras. O
texto, na forma de um manifesto intercalado com um diálogo hipotético, visava instruir os
Guarani que estavam nas estâncias quanto aos argumentos que deveriam verbalizar, caso
encontrassem as comissões demarcadoras. O conteúdo dessa instrução indica que o texto,
muito provavelmente, foi concebido com a finalidade de leitura coletiva, servindo de
instrução geral a toda população, inclusive a caciques e cabildos. A leitura dessa instrução
visava a memorização dos argumentos apresentados, pois, como já foi demonstrado, a
população missioneira estava familiarizada com a leitura oralizada. Vale recordar que, durante
muito tempo, as informações apenas eram disponibilizadas aos Guarani através da leitura em
voz alta, e os indígenas, diante do treinamento recebido, apresentavam grande facilidade para
fixarem os conteúdos apresentados verbalmente. Pode-se dizer que a memória indígena foi
instrumentalizada, primeiro pela voz, depois pela escrita, nesses anos de vida reducional.
Para facilitar a leitura e a memorização, o texto apresenta marcações nas suas
margens com o objetivo de torná-lo acessível a públicos “leigos”, garantindo, assim, maior
eficácia no momento de expor os argumentos a serem reproduzidos oralmente. No final da
instrução, Yaguapo aproveitou o espaço em branco para escrever uma mensagem ao
corregedor Joseph Ventura Tiarayú, o Sepé.
Nela informava sobre um encontro que estava para celebrar-se entre o marquês de
Valdelirios e o governador de Buenos Aires, Andonaegui. Essa entrevista, segundo sua
avaliação, deveria resultar em algo novo. Afinal, as lideranças guarani estavam atentas a todas
as negociações mantidas entre as autoridades ibéricas, e utilizavam a escrita como veículo de
atualização constante sobre as transações, exatamente para anteciparem-se às decisões que
estavam sendo tramadas, procurando com este procedimento obter algum tipo de vantagem do
conhecimento das ações de seus potenciais oponentes.
430
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410. Doc. 6: Una copia en quatro foxas de um papel sin fecha con una
firma que dice: Hixos de San Francisco de Borxa. Y a continuación va outra Copia de uma carta que parece
escrita por Pasqual Yaguapo a Joseph Tiarayú, los dos naturales del Pueblo de San Miguel en 16 de Junio del
año pasado de 1755; BECKER, Felix. Un mito jesuítico: Nicolas I Rey del Paraguay. Asunción: Carlos
Schauman Editor, 1987 (ver apêndice 4: “Argumentos que los Indios deben presentar a los Españoles”, p. 213-
215).
149
3.3 Os novos usos da escrita: memória e temporalidade nas reduções
O desejo de escrever manifestou-se com maior ou menor intensidade entre os
Guarani letrados, como demonstra a documentação consultada, mas a proporção que alcançou
em alguns períodos desperta questionamentos quanto às motivações que determinaram a
busca pelo papel. O que procuravam garantir com a prática da escrita? Por que os papéis
escritos foram valorizados nos anos de demarcação?
Para responder a essas indagações é necessário observar a aquisição da escrita como
um processo inserido nas estratégias evangélicas, visando a conversão dos Guarani. Tal
processo gerou efeitos não esperados e desdobramentos que nos revelam aspectos do que
Gruzinski nomeou genericamente como “colonização do imaginário” indígena.
431
A escrita é o principal recurso para registrar acontecimentos, para estabelecer
memória.
432
E uma das finalidades da escrita é superar o esquecimento. O acesso à memória
coletiva somente é possível através da experiência individual. Particularmente, a memória
indígena é expressa por fragmentos, no caso os poucos resíduos da sua cultura gráfica.
433
Maurice Halbwachs, Jacques Le Goff e Michael Pollak escreveram sobre a
importância dos jogos sociais nos atos de rememorar e esquecer, essenciais para a
constituição de uma identidade coletiva.
434
De um lado, isso se evidencia nos vestígios
documentais de que dispomos para o trabalho de investigação histórica. De outro, cabe aqui
pensar sobre a “memória”
435
e o significado dado ao ato de rememorar, especificamente nas
práticas da catequese. Foco fundamental da catequese jesuítica, a memória, constituída sob a
forma de ordenamento cronológico, calcava-se nos atos rituais e litúrgicos, na encenação
431
Segundo Gruzinski, uma das principais conseqüências da conquista espanhola no México no século XVI foi a
passagem da escrita pictográfica à escrita alfabética e, com esta, “el uso de la escritura modificó la manera de
fijar el pasado. Como entonces no interrogarse sobre el modo en que evolucionaron la organización de la
memoria indígena y las transformaciones sufridas por si contenido, o en torno a las distancias tomadas en
relación con las antiguas y con el grado de asimilación de las nuevas formas de vida?” (GRUZINSKI, 1991, p.
10).
432
Memória será aqui tomada no sentido de uma referência para o presente de fatos passados. Para tanto, deve-se
levar em consideração que a partir da Idade Moderna, com a difusão da alfabetização, a escrita passará a
desempenhar cada vez mais a função de registro dos acontecimentos. Para uma apreciação desse tema e sua
relação com a história em diferentes períodos, ver: POMIAN, Krzysztof. Sur l’histoire. Paris: Gallimard, 1999
(especialmente o cap. 3: “De l’histoire, partie de la mémoire, à la mémoire, objet d’histoire”, p. 263-342).
433
Consideraçõe a esse respeito podem ser consultadas em: MONTOYA, Rodrigo. Historia, memoria y olvido
em los Andes quechuas. Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 135, out./dez. 1998, p. 169.
434
HALBWACHS, Maurice. A mémoria coletiva. São Paulo: Vértice, 1990; LE GOFF, Jaques. História e
memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1996; POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.
435
No século XVIII, a “memória” é definida como a “faculdade d’alma na qual se conservam as espécies das
cousas passadas e por meio da qual nos lembramos do que vimos ou ouvimos […]. A memória é a tesoureira e a
guarda de tudo que se lê, vê e ouve.” (BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Portuguez e Latino. Rio de Janeiro:
UERJ, [s.d.], p. 414. Edição original de 1717).
150
ritual combinada com a escrita e ordenada linearmente. Trata-se daquilo que entendemos
como “narrativa histórica”, que rompe com outras formas narrativas, como a mítica –
identificada não exclusivamente com a narrativa indígena, pois a cristandade também tem
narrativas míticas. Enfim, uma nova forma de ordenar acontecimentos e relatá-los se expressa
dentre os índios, particularmente nos momentos de embate sobre fronteiras territoriais.
Diferentes modalidades, combinando escrita e oralidade, fizeram circular narrativas
que estruturam uma linearidade: cronologias, calendários, festividades, apropriadas pelos
indígenas e reutilizadas em “objetos escritos”, com função catequética.
O domínio da escrita parece sedimentar uma “memória histórica”, que aproxima a
“pedagogia jesuítica” daquilo que Halbwachs enuncia como a diferença entre “memória
coletiva” e “memória histórica”.
436
Conseqüentemente, a memória histórica, calcada nos registros escritos, procura
estabelecer uma transcedência que permita ultrapassar os limites do grupo. Contudo, o próprio
Halbwachs considera o termo memória histórica algo paradoxal, posto que “a memória
coletiva não se confunde com a história, e que a expressão memória histórica não foi
escolhida com muita felicidade, pois associa dois termos que se opõem em mais de um
ponto”
437
.
Por sua vez, Le Goff salienta que a memória coletiva é um elemento essencial para a
identidade, seja individual ou coletiva, mas
[…] não é somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto de poder.
São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou que estão em vias de constituir
uma memória coletiva escrita que melhor permitem compreender esta luta pela dominação
da recordação e da tradição, esta manifestação da memória.
438
De certo modo, os autores nos remetem ao jogo da memória e aos protagonistas dos
atos de rememorar e esquecer como um jogo de forças. Os documentos consultados mostram
indícios de atos por parte dos índios que tentam instaurar uma memória coletiva e, por
conseguinte, uma coesão de um grupo frente a outros.
A memória, concebida a partir desses parâmetros, necessita de suportes físicos e
espaços sociais, como afirma Michael Pollak. É a escrita que fornece os elementos para os
436
Para esse autor a memória coletiva se distingue da histórica em dois aspectos: “É uma corrente de pensamento
contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, já que retém do passado somente aquilo que ainda está
vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém. Por definição, ela não ultrapassa os limites deste
grupo.” (HALBWACHS, 1990, p. 80-84.
437
HALBWACHS, 1990, p. 80.
438
LE GOFF, 1996, p. 476.
151
rituais coletivos que atualizam a existência de uma coletividade, que rememora a si própria e,
também, sua territorialidade. Segundo Pollak, “a referência ao passado serve para manter a
coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar
respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.
439
Escrever é um ato carregado de significados simbólicos, que comporta o
estabelecimento de uma memória das coisas, das idéias e das pessoas por meio da transmissão
dos conhecimentos. Esse era um dos objetivos principais daqueles que escreviam, nos séculos
XVI e XVII.
440
A escrita foi saudada pelos autores da Idade Moderna como um artifício capaz
de superar a perenidade do tempo.
441
Portanto, a escrita, como recurso disponibilizado pelos
jesuítas, primeiramente esteve a serviço da configuração de uma memória que corroborava os
valores da cristandade.
Quem explorou a questão da memória no Novo Mundo e criou um método alfabético
visual foi o franciscano Diego Valadés. Em 1579, escreveu a Rethorica christiana, em que
dedicou 6 capítulos a ars memoriae.
442
A novidade e originalidade de sua exposição sobre arte
de memória refere-se precisamente ao modo como adaptou o método às circunstâncias da
Nova Espanha (México), sua terra natal, particularmente à população indígena a ser
catequizada, público-alvo de sua Rethorica christiana.
443
Valadés atribuía papel fundamental à memória na tarefa de formação das populações
indígenas. Para atingir seus objetivos, retomou a distinção fundamental de Boncompagno dos
tipos de memória.
444
A primeira é a memória natural (biológica), própria de cada indivíduo,
nascida com a capacidade de pensar. A segunda é a memória artificial, que é a memória
adquirida e melhorada por um processo de treinamento e exercício.
445
439
POLLAK, 1989, p. 9.
440
O historiador Fernando J. Bouza Álvarez, ao analisar a Europa da Idade Moderna, procurou esboçar uma
idéia “[…] del progresivo afianzamiento de la escritura entre los siglos XV y XVII dentro de un contexto general
de formas de comunicación variadas (oral/icónica-visual y escrita)”, e como esta em boa medida correspondia a
uma civilização escrita (BOUZA ÁLVAREZ, 1992, p. 10).
441
A memória e sua relação com a escrita foi um dos temas de maior interesse entre os autores na Idade
Moderna, o que levou Fernando J. Bouza Álvarez a observar que ao “[…] largo de los siglos XVI y XVII siempre
suele figurar esa escritura con la que se podia intentar derrotar al tiempo” (BOUZA ÁLVAREZ, 1999, p. 17).
442
VALADÉS, Diego. Rethorica Christiana, ad Petromiacobum Petrutium. Perusiae, 1579.
443
O seu método consistia em facilitar o aprendizado da leitura através de uma tábua alfabética, com objetos e
animais próprios do universo indígena, mas com alusão às letras do alfabeto latino.
444
No estudo dos tratados sobre memória, as Ars memoriae receberam atenção por parte de Frances Yates, que
com seu trabalho El arte de la memoria supriu uma imensa lacuna existente nesse tema, entendida a memória
como arte para o conhecimento (YATES, Frances. El arte de la memoria. Versión española de Ignacio Gomez
de Liaño. Madrid: Taurus, 1974).
445
Na Rethorica christiana, Valadés desenvolveu, segundo Rene Taylor, um “[…] nuevo concepto de la
memoria artificial aplicada a la ética originará una creación artística con el fin de facilitar la retención de las
verdades de la fe a una población que era cristiana y, en su mayoría, no sabían leer” (TAYLOR, Rene. El arte
de la memoria en el Nuevo Mundo. Madrid: Swan, 1987); ver também ALEJOS-GRAU, Carmen José. Diego
152
Os “modos de rememorar” dos Guarani, anteriormente calcado nas músicas, nas
danças e bebedeiras, enfim, nas festas, sofreu grande impacto com o advento da escrita,
especialmente diante da possibilidade de formar registro dos fatos, das vontades e das
opiniões. A introdução da escrita, pode-se afirmar, reordenava as maneiras de rememorar dos
Guarani, que agora compartilhavam os códigos do colonizador a partir de uma sociabilidade
baseada na memória estabelecida através do “mundo do texto”.
Os autos encenados no Novo Mundo eram uma forma de mensagem, cuja tentativa
era a de construir uma representação, uma luta entre Deus e o Diabo, com o exclusivo
propósito de reforçar a “pedagogia inaciana”. As teatralizações atuavam, ainda, nas reduções
como instrumento para produzir memória.
446
Infelizmente, existem poucos ou quase nenhum dado concreto sobre os autos
encenados nas reduções guarani, restando apenas referências indiretas, com exceção de um
fragmento de texto pertencente a um autor anônimo, recolhido da tradição oral, dois séculos
após suas primeiras encenações. Trata-se do auto conhecido como “Auto de Adão”, anotado
pelo historiador paraguaio Dr. Manuel Gondra, relatado oralmente da boca de um velho
Guarani que recordava o texto que havia aprendido com seus antepassados, que viveram nas
reduções antes da expulsão dos jesuítas.
447
Pelo exposto, se constata que a memória oralizada
seguia atuando entre os Guarani mesmo após o abandono da vida reducional, ao reproduzirem
antigos textos concebidos durante o período missional. Ou seja, oralmente eram reproduzidos
os autos aprendidos em uma fonte escrita, reforçando os nexos entre o texto escrito e a
recitação.
O auto referido acima apresenta a dramatização de um episódio bíblico, no caso a
expulsão de Adão do paraíso, com expressões em espanhol, guarani e latim.
448
Os autos e os
sermões representavam, assim, uma efetiva possibilidade de ampliação da circulação do texto
escrito e sua circulação através da memorização.
Valadés educador de Nueva España: ideas pedagógicas de la Rethorica Cristiana (1579). Pamplona: Eunate,
1994.
446
Nas sociedades do Antigo Regime, a capacidade humana de criar ou de estabelecer memória estava
relacionada tanto à escrita quanto às imagens e às palavras verbalizadas. Nesse sentido, as encenações foram um
meio eficaz de comunicação maciça, de estabelecer verdades, e as ordens religiosas souberam valorizar “un
aparato tecnico complejo como a una decoración deslubrante y a los efectos escénicos de gran fuerza emotiva
(GRUNWALD, Guillermo. Historia de la literatura de Misiones. Misones: Editorial Cátedra, 1976, p. 27).
447
RELA, 1988.
448
Em 1587, José de Anchieta escreveu um auto multilíngüe para a festa de São Lourenço (atual cidade de
Niterói, RJ). Nesse auto, um monológo que encena a luta entre o “Bem e o Mal”, Anchieta utilizou expressões
em tupi, latim e português para estabelecer um discurso indígena fictício, voltado a estabelecer “verdades” à
coletividade indígena.
153
Pode-se chamar, como faz Walter Mignolo, “colonização da memória” não somente
o auto-reconhecimento dos Guarani no relato histórico, no que diz respeito à sua origem e ao
pertencimento a um território, como também no sentido do uso da escrita como meio para
isso. Tal condição evidencia-se, como dissemos, na leitura pública de textos e na
especialização de mediadores capazes de ler e escrever, enfim, numa elite indígena letrada.
No Paraguai colonial é notório o fato dos jesuítas recorrerem a diversos métodos de
memorização voltados à catequese, valendo-se das experiências prévias praticadas nas demais
áreas coloniais, como o México e os Andes. Através desses recursos, procuravam inculcar os
preceitos da fé católica às populações guarani. Algumas teatralizações, inclusive, foram
elaboradas a partir de temas de grande repercussão entre os Guarani, pois poderiam contribuir
para criar um sentimento de coletividade diante de fatos considerados fundantes para essa
comunidade.
Nesse sentido, as festas promovidas nas reduções foram caracterizadas por grandes
encenações acompanhadas de recitações em guarani e latim, determinando que a festa da
redução, segundo Maria Cristina Martins, comporta um novo sentido.
449
Os momentos de
celebração congregavam elementos presentes na idéia de reunião, voltados à sujeição, fixação
e educação com finalidade, evidentemente, catequética.
Em determinadas apresentações, inclusive, utilizaram letras do alfabeto latino para
formar palavras, procurando, através desse expediente, facilitar aos Guarani a memorização,
por exemplo, dos nome de santos. A escrita permitia novos modos de relação com as formas
de recordação e a possibilidade de acessar uma memória indígena – e os modos como foi
forjada, o que somente é possível através de fragmentos.
As celebrações poderiam ser anuais ou mesmo diárias, mas também havia uma
terceira modalidade nas reduções, as celebrações de ocasiões especiais.
450
Os Guarani, como
já foi mencionado, celebraram em 1641, a vitória obtida contra os “bandeirantes” em um dos
afluentes do rio Uruguai, o M’bororé, representando uma batalha naval à luz de tochas,
acompanhada de danças. O padre Nicolas del Techo descreveu com riqueza de detalhes as
festas que tiveram ocasião na redução de Encarnación: “Por la tarde los neófitos de M’bororé
representaron una obra dramática, cuyo asunto era la invasión de los mamelucos; estos
disponian sus planes y peleaban, siendo vencidos y puestos en vergonzosa fuga”.
451
Essa
449
MARTINS, Maria Cristina Bohn. Tempo, festa e espaço na redução dos Guarani. Estudos Leopoldenses, São
Leopoldo, v. 1, n. 1, p. 31-47, 1997 (p. 42).
450
WILDE, 2003b, p. 203-229.
451
Lupércio Zurbano, Carta Anua, 1642 (PASTELLS, 1912-1933, t. 2, p. 324).
154
encenação permitia reviver os episódios que culminaram na principal vitória contra os
“bandeirantes”, revertendo a situação a favor dos Guarani. Com efeito, nessa ocasião, como
sugeriu Le Goff, o ato de rememorar entrelaçava uma forma de memória e uma identidade
coletiva.
Nesse aspecto, as celebrações realizadas nas reduções contribuíram para estimular
mecanismos voltados à formação de uma memória coletiva, e uma identidade de um grupo
enquanto tal, pois
[…] introducen en este ámbito un nuevo régimen de temporalidad, el de la “historia”
entendida en un sentido lineal, es decir, el acontecimiento irrepetible. Pero lo hacen
parcialmente, ya que al devenir conmemoraciones y adquirir un caráter repetitivo,
reinstalan una concepción ciclica de tiempo. Apartir de la misma, los acontecimientos
irrepetibles pueden ser revividos mediante su recordación y puesta en escena ceremonial.
452
Entre os Guarani missioneiros a escrita e a leitura foram acionadas desde o século
XVII como formas de fixar uma memória cristã. O provincial Andrés de Rada, em uma carta
ânua, registrou que, na redução de Concepção, após um padre pregar à platéia contra o crime
da hipocrisia e o costume de ocultar pecados de confissão, um Guarani decidiu “[…] llenar
tres hoyas de papel con las listas de sus pecados, entre torrentes de lágrimas. Echose a los
pies del confesor y le entregó el papel entre muchos solozos y bañado de lágrimas […]”.
453
O que pretendia esse penitente com essa atitude? Por que decidiu registrar por escrito
os seus pecados? Por acaso imaginava com esse gesto reparar os pecados cometidos?
Conforme observou Leandro Karnal,
Lembrar é fundamental para a conversão. Repetir é central na constituição desta
memoria salvífica. Lembro meus pecados, lembro a vida de Jesus, lembro a queda de
Lúcifer: historicizo a experiência religiosa para torná-la ainda mais prisioneira da memória
precisa.
454
Nesse caso, a escrita foi acionada como uma finalidade memorativa, voltada a
registrar as faltas cometidas e, assim, revelar e “tornar dizível” ao jesuíta o arrependimento
pelos pecados cometidos. O ato de escrever cumpria a função de um atestado de penitência do
452
WILDE, 2003b, p. 210.
453
CARTAS Anuas de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús (desde el año de 1659 hasta el año de
1662). Trad. de Carlos Leonhardt S.J. Colegio del Salvador. Buenos Aires, 1928. (Transcrição I.A P., São
Leopoldo: Unisinos, 1994). p. 77 (Observação: há uma anotação de Leonhardt esclarecendo que a data deve estar
equivocada, pois menciona uma bibliografia somente publicada em 1664: “Deve ser, sin duda, 1665”).
454
KARNAL, Leandro. Memória infinita para Glória de Deus: os jesuítas e a construção da memória. Revista
Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 135, p. 77-88, out./dez. 1998 (p. 78).
155
índio. Afinal, a escrita permite ordenar, relacionar, fixar e configurar relações que a mera
confissão oral apenas evocava, sem produzir contudo vestígio.
Lamentavelmente não dispomos de maiores detalhes quanto à inserção desse
indígena na organização reducional, mas pode-se suspeitar o perfil desse penitente. O simples
fato de escrever, de possuir a competência alfabética e, principalmente, o acesso a materiais
como papel e tinta, sinalizam a condição sociocultural desse Guarani, e apontam no sentido de
tratar-se de um índio pertencente à elite missioneira. Provavelmente, relacionava-se às
atividades administrativas nas reduções, pois escrever demandava contato com os
instrumentos básicos, acesso facultado a uns poucos indígenas.
Um procedimento freqüente para se estabelecer uma narrativa de histórias e
mitologias cristãs entre os Guarani foi a repetição praticada desde as primeiras décadas da
catequese. O provincial Agustin Aragon orientava, nas instruções de 1672, os padres
missioneiros para que explicassem os
[…] misterios en preguntas, y dandoles las respuestas en palabras claras, y tan breve
que fácilmente puedan retenerlas en sus memorias estas han de hazer no solo a los
muchachos y muchachas; sino a los grandes, y corrigindo talvez estos por medio de los
muchachos para que se corran; y por el contrario premiando algunos de los que mas se
aventajaren.
455
A existência de um número considerável de textos religiosos, utilizados durante os
atos litúrgicos, facilitava a memorização das verdades cristãs pela população missioneira,
apresentando aos Guarani o potencial da escrita. Convém recordar que a memória litúrgica
também era uma modalidade de memória pautada em uma cronologia que orientava o
calendário de festividades cristãs e o próprio transcorrer do dia, combinando a oração ao
fracionamento das horas.
Dessa maneira, como observou Graciela Chamorro,
Para os Guarani históricos, sem dúvida, a experiência colonial e reducional significou
a interferência de uma outra temporalidade na sua história. No caso das reduções jesuíticas,
essa interferência consistiu na passagem de um “todo tempo” livre na selva a um “tempo
para tudo”: no espaço reduzido. Não podemos esquecer a introdução do relógio na vida dos
indígenas.
456
455
B.N./M: Sala Cervantes. Manuscritos. Carta de los P. Generales. Carta del P.Provincial Agustin de Aragon a
los P.es Missioneros. Su fecha Ytapua 8 de mayo de 1672. p. 78. Sig 6976.
456
CHAMORRO, 1998, p. 164.
156
Conseqüentemente, as formas de registro e de temporalidade entre os Guarani foram
gradativamente alteradas nas reduções. Um exemplo desse empreendimento missionário de
disciplinar o tempo para melhor ocupá-lo é o livro de devoção cristã, publicado em Guarani,
intitulado Ara Poru Aguiyey Hába, ou Del buen uso del tiempo.
457
Essa obra, como o título
indica, estava dedicada a instruir os Guarani, passo a passo, como melhor aproveitar o dia,
orientando-os como ocupar as horas de maneira “santa e digna”, procurando otimizar as
tarefas relacionadas à vida em redução.
Durante o período de conflito nas reduções, em seus escritos e cartas, os índios
missioneiros recordavam freqüentemente as vitórias obtidas contra os portugueses quando
atuaram a serviço do rei de Espanha. Muitas das informações que tinham para escrever
podiam ser obtidas através da consulta direta aos “arquivos” existentes em cada redução. A
existência desses locais destinados a organizar os papéis, como foram bibliotecas e arquivos,
destaca a importância conferida à preservação da memória nas reduções. Esses espaços
atuavam como local de consulta: quando surgia alguma dúvida, impasse ou controvérsia, era
possível o encaminhamento de uma solução mediante a consulta prévia a esses acervos
documentais. O cultivo à prática arquivística, condição para salvaguadar as informações do
passado, desfrutou de atenção privilegiada nas missões.
458
A própria sistemática indígena de fazer referência a papéis oficiais, como eram as
reais cédulas, mencionando-as repetidas vezes, revela um longo envolvimento com essas
práticas. É de se supor que os Guarani tivessem acesso direto a esses documentos,
459
reforçando a circulação de informações no espaço reducional e estimulando a elaboração de
outros escritos, como verificado no período de conflito nas missões.
A diversificação no uso da escrita entre os Guarani está diretamente relacionada à
condição sociocultural desses indivíduos, pois, como foi visto, o ensino somente foi acessível
a um grupo limitado e, mesmo diante dessa elitização, a difusão da escrita promoveu
sociabilidades inéditas nas reduções. Um exemplo disso é o do administrador da redução de
São Luís, Chrisanto Nerenda, que fizera uso de sua competência alfabética. O ofício que
ocupava demandava elaborar informes ou prestar contas quanto ao estado dos bens comuns
(principalmente as lavouras e estâncias). Como foi mencionado, os administradores atuavam
457
O jesuíta paraguaio Jose Insaurralde é o responsável por esse livro, publicado em Madri, no ano de 1759.
458
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 7/1/4. Yndice del Archivo Grande. Buenos Aires. O arquivo de Candelária, a
sede das reduções, possuía uma organização invejável.
459
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Exp. 7. Relación de lo que já Compañia há hecho y padecido en
el Paraguay en cumplimineto de las ordenes de Su Magestad. O padre Luis Charlet, em 6 de setembro de 1753,
elaborou um arrazoado das manifestações indígenas, e nessa comentou: “[…] y rebolviendo sus annales se lo
dicen unos à otros […]” (p. 36v).
157
como procuradores dos assuntos relativos à produção de cada redução, e provavelmente
relacionavam-se de maneira freqüente com a escrita para finalidades rotineiras. O controle
desses assuntos passava obrigatoriamente por registros escritos. A partir do uso corrente da
escrita, inicialmente limitado a uma finalidade contábil, foi possível a indíviduos experientes
produzirem modelos textuais melhor elaborados, cujos manuscritos estão muito próximos de
uma escrita de caráter pessoal ou “privado”.
460
Como indicam estudos recentes, tem sido difícil definir a escrita pessoal como uma
única modalidade, pois ela tem diversas formas materiais e não propicia um conjunto
definido.
461
Os escritos pessoais, na Europa, costumam aparecer mesclados com os livros de
contabilidade, aos chamados livros de família dos camponeses,
462
e sua aparição está
vinculada à difusão da alfabetização em diferentes regiões no final da Idade Média e início da
Moderna.
O exercício da escrita de maneira freqüente favoreceu o desenvolvimento de outras
formas textuais e, segundo Antonio Castillo Gómez, apesar de ainda insuficientemente
conhecidas, elas funcionam “[…] comme objets-mémorie, c’est-à-dire comme instruments du
souvenir et outils permettant de formuler les identités personnelles et collectives, relève
également du domaine de l’ecrit”.
463
Entre os escritos pessoais, figuram textos que foram
motivados pelo desejo de formular testemunhos e assim manifestar opiniões que poderiam
atingir outras platéias. Por certo, Nerenda escreveu movido pela expectativa de ser lido por
outros, pelo exercício do seu ofício, quando direcionou sua habilidade para a elaboração de
um texto com características de memória pessoal. Essa forma de memória, por sua vez, como
mencionou Ricardo Garcia “se vincula a la voluntad de transcendencia futura. La referencia
al pasado, la apelación a la historia pretérita se hace cuando se requiere la definición de una
identidad coletiva”.
464
A narrativa de Nerenda, além de formar um registro dessa experiência, servia de
reforço à imagem negativa difundida pelos jesuítas sobre o comportamento dos portugueses.
Através do seu texto, esse índio luisista procurava fazer da sua experiência um exemplo para
460
Para uma discussão a respeito da difusão de novos modelos de escrita deflagrados a partir da alfabetização,
ver: CASTILLO GÓMEZ, 2001a.
461
Refiro-me principalmente aos trabalhos de Antonio Castillo Gómez (2001a, 2004) e James Amelang (2003).
462
TORRES SANS, Xavier. Els llibres de família de pagés (segles XVI-XVIII): memóries de pagés, memóries de
mas. Girona: CCG Edicions: Associació d’Història Rural de les Comarques Gironines: Universitat de Girona,
2000.
463
CASTILLO GÓMEZ, 2001a, p. 821.
464
GARCÍA CÁRCEL, Ricardo. De la memoria personal a la memoria colectiva: algunas reflexiones.
Hispanistica, v. 20, n. 10, p. 3-13, 1993 (p. 6).
158
os demais.
465
Em suma, pelo seu conteúdo sui generis, o texto de Nerenda denunciava os
riscos da proximidade com a gente portuguesa, motivo mais que suficiente para os jesuítas
apoiarem e endossarem sua divulgação entre os demais Guarani.
Essa crônica pessoal apresenta um traço comum aos demais textos elaborados pelos
indígenas letrados nessa mesma época, ou seja, o seu forte caráter devocional. Os argumentos
de Nerenda estavam orientados pela lógica cristã, que serviu de fundamento para as práticas
letradas nas reduções, mas que, nesse momento, também atendiam às necessidades de formar
um registro, legar uma memória social.
As entrelinhas desse texto deixam transparecer, além da preocupação em preservar a
memória, fosse ela individual ou coletiva, uma motivação relacionada ao desejo de
proporcionar lições e de servir como exemplo aos demais Guarani missioneiros. Esse relato,
traduzido à época, e outras versões dele, circularam no período, indicando o autor. Nesse
caso, a escrita é um testemunho um registro de uma experiência extraordinária, calcada no
ímpeto religioso, que segundo Amelang foi a motivação central dos primeiros escritos
populares durante a Idade Moderna na Europa.
466
Outro exemplo dessa memória pautada na escrita pode ser verificado, por exemplo,
na carta enviada em 1752 pelo corregedor de São João, Miguel Guaycho, ao comissário
Altamirano.
467
O conteúdo da carta, que contava com a anuência do cabildo e dos caciques,
apresentava um arrazoado dos motivos da oposição Guarani aos portugueses, alegando que,
desde 1717, o rei havia reconhecido através de uma real cédula os serviços prestados contra
esses inimigos. Recordava ao governador que, durante a visita de Zavala às reduções a real
cédula havia sido amplamente divulgada entre a população, o que, segundo o corregedor
joanista, ainda estava bastante presente na memória de alguns indígenas.
Essa real cédula foi seguidamente mencionada à época, e servia de base para os
argumentos apresentados pelos Guarani para justificar sua oposição à entrega de suas terras.
A sua menção coloca em destaque os efeitos que a circulação de papéis oficiais havia
produzido nas formas de recordação, de rememoração dos índios.
468
465
Ver o item 2 deste capítulo. Os trechos do relato referem-se ao convívio de Nerenda com os portugueses
durante o seu cativeiro.
466
AMELANG, James S. Formas de escritura popular: las autobiografías de artesanos. In: CASTILLO GÓMEZ,
Antonio (Comp. ). Escribir y leer en el siglo de Cervantes. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 129-142.
467
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 60 [carta do corregedor de São João ao comissário
Altamirano].
468
Ao refletir sobre a importância da memória enquanto possibilidade de transcendência da experiência humana,
Francisco M. Gimeno Blay afirmou: “El triunfo de la escritura, de la memoria escrita, hace verosímil la
infinitud de la memoria; se generan textos, documentos que se expanden por doquier y acabarán definiendo las
identidades sociales, individuales y coletivas.” (GIMENO BLAY, 2001b, p. 282).
159
Sabemos, por exemplo, que alguns Guarani tinham à sua disposição anais, cartas e
documentos, estando portanto melhor capacitados a elaborar uma concepção do passado
orientada a partir de narrativas escritas, estabelecendo relações entre diferentes momentos.
Entretanto, é necessário indagar se esta possibilidade de “consulta ao passado” foi extensiva a
toda população missioneira, ou se foi restrita à elite letrada, posto que mesmo os Guarani
iletrados, ainda que não dominassem estritamente os códigos escritos, tinham acesso à cultura
letrada local. Igualmente, o fato de recordarem um documento oficial, como uma real cédula,
pode ser o resultado do próprio ato enunciativo, da encenação ritual e toda a carga simbólica
que revestia sua notificação.
469
Isso elucida o “poder de verdade” da palavra enunciada a
partir da leitura coletiva e ritual de um documento escrito.
A maneira de referir-se ao passado, com datas precisas, foi destacada nas epístolas
elaboradas pela redução de São João. Na carta coletiva que o cabildo dessa redução enviou ao
governador de Buenos Aires, em julho de 1753, os índios novamente mencionavam a real
cédula recebida no ano de 1716, como também referiam os atritos com os portugueses, em
1744, “nos hicieron mal a nosotros: en primer lugar nos mataron cinco estanceiros y seis
llevaron vivos; éstos, aun hasta ahora los tienen por sus esclavos, tres muchachos, dos
muchachas y una mujer; despúes desto destrozaron la estancia”.
470
Ao finalizar a carta, os
Guarani ainda recordaram que, no ano de 1736, o então governador de Buenos Aires, Miguel
de Salcedo, havia dito, por ordem do rei, que os espanhóis deveriam ser “muy amantes de los
pobres indios”.
A referência constante de acontecimentos passados nos coloca diante de duas
situações. A primeira é a possibilidade efetiva desses Guarani disporem de documentos para
consulta, haja vista a quantidade de datas que mencionam, associadas a fatos. O segundo
aspecto refere-se à colonização da memória, que se mostra muito evidente nessas cartas. Pois
conforme observou Walter Mignolo, “[…] si bien todas las culturas tienen formas
equivalentes de fijar y transmitir su pasado la colonización de la memoria terminó por
imponer la história como verdadera forma de hacerlo”.
471
O simples fato de reproduzirem
informações amparadas em documentos administrativos, como as reais cédulas, indica a
469
Para considerações a respeito da soma dos três sistemas de comunicação, no caso a escrita, a oralidade e o
gestual, ver: BECEIRO PITA, Isabel. El escrito, la palabra y el gesto en las tomas de posesión señoriales. Studia
Historica: historia medieval, Salamanca, n. 12, p. 53-82, 1994.
470
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas, Legajo 120, Caja 1, Doc. 32a [carta do cabildo de São João, 16 de julho de
1753, em guarani]; 32b [tradução ao espanhol]; MATEOS,1949a, p. 551-553.
471
MIGNOLO, Walter. Sobre alfabetización, territorialidad y colonización la movilidad del mismo y del otro.
Filología, Buenos Aires, año 24, n. 1-2, p. 219-229, 1989 (p. 226).
160
lealdade dos índios ao rei em momentos importantes de defesa dos interesses da monarquia
hispânica no continente americano a partir de códigos eficazes para a colonização.
Mais do que oferecer acesso à documentação oficial, os jesuítas se esforçavam em
difundir, sempre que possível, informações sobre o passado centradas em episódios
específicos. As narrativas apresentadas aos índios eram representações calcadas nas vitórias
contra os portugueses, negligenciando alguns antecedentes, como foi o êxodo do Guairá
comandado por Montoya.
472
A versão difundida pelos jesuítas era a de que as terras orientais
haviam sido dadas por Deus aos antepassados dos Guarani, procurando estabelecer assim uma
relação de ancestralidade com o território. Os missionários sempre enfatizaram em suas
pregações essa versão que encerra, antes de tudo, uma finalidade antilusitana.
No período da demarcação de limites, de enfrentamento entre Guarani e
colonizadores ibéricos, em novembro de 1754, o comissário da Companhia de Jesus, Luis
Altamirano, em correspondência particular ao padre Pedro Ignacio Altamirano, ao comentar o
posicionamento de alguns missionários estrangeiros a favor dos índios missioneiros, teria
escrito ao seu correligionário:
Porque yo sé, que las tierras de Uruguay a la vanda Oriental, no son de los indios
Guaranies, dadas por Dios a sus antepasados mucho antes de las conquistas, como suponen
los Indios, y repiten los padres en sus representaciones. Y lo sé por los mismos padres y por
las historias. De estas consta que los Indios Guaranies fueran traidos del Guayra (300
leguas distante del Uruguay) por el V. D Antonio Ruiz de Montoya para librarlos de las
tiranias de los Paulistas Portugueses.
473
Nesse sentido, confirma-se a suspeita de que os jesuítas selecionavam os aspectos a
serem enfatizados nas suas narrativas. Mesmo não reconhecendo a veracidade das afirmações
indígenas, não contrariavam inteiramente o argumento da ancestralidade guarani nesse
território. Pelo contrário, ela parece bem explorada pelos padres que atuavam localmente.
Podemos dizer que essa memória “histórica” dos Guarani orientais era “moldada” em grande
parte pelos jesuítas, sendo concebida somente a partir das investidas dos “bandeirantes”
contra as reduções.
474
As narrativas apresentadas jogavam com o passado remoto de uma
comunidade, justamente quando a ação decisiva dos antepassados parecia ter decidido a sorte
472
MONTOYA, 1989, p. 176.
473
R.A.H.: Manuscritos. Papeles de América siglo XVIII. Cartas de jesuitas. Legajo que contiene la
correspondencia del padre Lope Luis Altamirano a el P.Pedro Ignacio Altamirano (1752-1756).
474
Segundo Peter Burke, ao se tratar a memória enquanto fenômeno histórico, como uma recordação que é
seletiva, devemos identificar os procedimentos pelos quais houve essa seleção: “As recordações são maleáveis e
necessitamos compreender a forma como são moldadas e por quem.” (BURKE, Peter. O mundo como teatro:
estudos de antropologia histórica. Lisboa: Difel, 1992, p. 238).
161
desse grupo. Portanto, as recordações desses Guarani relacionavam-se às dificuldades
enfrentadas nos primeiros tempos de vida reducional, determinando que a percepção histórica
dos acontecimentos passados e a memória local se tornassem inseparáveis.
Dessa maneira, nas encenações e narrativas, os jesuítas cultivavam as lembranças de
fatos que contribuíssem à construção de uma memória que reforçasse a invenção dessa
ancestralidade comum na região oriental. Por esse motivo, ao que parece omitiam os fatos
relativos ao êxodo, julgando que poderiam comprometer o sentimento de pertencimento ao
território.
O segundo aspecto a ser contemplado é o ódio estimulado abertamente pelos
missionários, que através de diferentes expedientes (autos, representações, sermões), sempre
procuraram tirar proveito da animosidade contra os portugueses. Ao conceberem uma
determinada interpretação do passado, os jesuítas reforçavam os argumentos antilusitanos que
sustentavam as recordações dos indígenas missioneiros. A construção da memória entre os
Guarani passava, portanto, por definir seus inimigos, sujeitos indispensáveis para a coesão do
grupo. Os jesuítas perceberam a importância e exploraram a persistência dessa “relação de
inimizade” com a gente lusitana.
Conseqüentemente, as manifestações de hostilidade que demonstram os Guarani
contra os portugueses foram nutridas e legitimadas pelos próprios missionários, em toda sua
ação evangelizadora. A justificativa sempre foi muito clara, como ficou registrada na cópia de
uma carta assinada com heteronômio por Nusdorffer, ao refutar as acusações perpetradas
contra Companhia de Jesus. Nela afirmou categoricamente que os Guarani
[…] tienen tal odio implacable ellos lo sabran a lo menos sabe y pueden saber el
libelista, que se lo han merecido dellos, por sus crueldades antigas referidas en la Historia
del Pe Del techo, Vida de Pe Antonio Ruiz, y su Conquista Espiritual, Vida del Pe
Cathaldino, y los misioneiros Ilustres del Paraguay, la cedula de Felipe IV de 1639 […].
475
Os conteúdos de muitos livros, em sua maioria apologias, circularam entre a
população missioneira, principalmente através das pregações dos jesuítas. Possivelmente,
alguns indígenas tiveram acesso direto a exemplares dessas obras, outros apenas como
ouvintes da pregação, principalmente nas missas e sermões. Conhecemos, por exemplo, a
475
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc. 77 [no final do documento está escrito: “Su verdadero
autor es Bernardo Nusdorffer actual Misionero entre los mismos Indios y quien avia sido dos vezes Superior de
Misiones, y una Provincial de toda la Provincia. El mismo me envio de alla = JHS. Juan de Escandon”].
162
tradução ao guarani da Conquista espiritual,
476
de Montoya, obra vertida para o idioma
indígena exatamente para facilitar a leitura dos catecúmenos. A divulgação de narrativas
como esta, a respeito da relação conturbada com lusitanos, servia para manter mobilizada e
unida a população das reduções orientais diante de um inimigo externo comum.
As novas gerações, a partir do êxito contra os “portugueses paulistas”, foram
condicionadas pelas lembranças dessas vitórias, e a memória forjada por elas permitiu a
muitos indígenas tomarem consciência da sua condição.
477
Diante da familiaridade dos
Guarani com a codificação e padronização da escrita na sua língua, foi possível a muitos deles
recorrem à escrita e à leitura com desenvoltura, principalmente nos momentos de crise nas
missões.
Um momento especial, em que os índios recorreram à escrita com objetivo
eminentemente memorativo foi após o conflito em fevereiro de 1756 entre os exércitos
coligados ibéricos e a tropa guarani, conhecido na historiografia como Batalha de Caiboaté.
No local onde transcorreu essa batalha, morreram muitos soldados e lideranças indígenas,
motivo que levou os Guarani a colocarem uma cruz de madeira com uma inscrição
registrando os últimos acontecimentos.
478
Era uma narrativa fúnebre, uma modalidade de
escrita exposta, grafada na própria madeira, em memória a Sepé e aos demais soldados
mortos. A inscrição estava grafada em língua guarani, disposta ao longo do lado direito e do
esquerdo da cruz, prolongando-se pela haste. O texto inscrito na cruz atesta como, nas
reduções, escrita e memória relacionavam-se. Essa forma de registro demonstra o quanto as
categorias ocidentais de tempo e de memória estavam operantes entre os Guarani missioneiros
que, por meio desse recurso, procuravam prestar uma última homenagem aos soldados e – as
lideranças mortos em campo de batalha.
Um exemplo de manifestação de memória na forma epistolar, em momento de crise,
é a carta enviada aos espanhóis por Juachin Guaracuye, tenente da redução da Cruz. No dia 15
de maio de 1756, quando a capacidade de resistência missioneira mostrava-se bastante
comprometida, ele redigiu uma carta em que já nas primeiras linhas recordava a colaboração
das tropas guarani com os colonizadores hispânicos na tomada da Colônia do Sacramento, em
476
Aba reta y caray ey baecue Tupã upe yñemboaguiye uca hague. Publicada com o título geral de Manuscrito
guarani, por Batista Caetano de Almeida Nogueira (ANNALES da Bibliotheca Nacional. Rio de Janeiro, 1879,
v. 6).
477
Alfredo Bosi, ao refletir sobre os tempos, de forma poética, ponderou: “O diálogo com o passado torna-o
presente. O pretérito passa a existir, de novo. Ouvir a voz do outro é caminhar para a constituição de uma
subjetividade própria.” (BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto (Org.). Tempo e história.
São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal da Cultura, 1992, p. 29).
478
Ver a nota 301.
163
1680. No final do texto, avisava aos espanhóis que “apartense de los Portugueses, cuando
nosotros lleguemos”. Atráves dessa mensagem esclarecia que “no queremos mattar a los
Castellanos, à los Portugueses si, queremos consumirlos”.
479
O alerta aos espanhóis,
diferenciando-os dos lusitanos, procurava jogar com o passado remoto de colaboração entre
exército hispano-americano e missioneiros.
480
Se a estratégia fosse exitosa, segundo algumas
lideranças guarani, ela permitiria maiores possibilidades de seguir resistindo à iminente
ocupação das reduções.
A escrita indígena produzida nesse momento permite abordar as maneiras pelas quais
os índios organizaram suas narrativas do passado, onde figuram categorias relacionadas ao
tempo linear. Nesses episódios, a temporalidade indígena estava expressa em parâmetros
ocidentais e, geralmente, os Guarani letrados repetiam sua cantilena de inconformidade com a
entrega de suas terras, demonstrando plena noção de quem eram os seus “inimigos” e
atribuíndo uma dimensão “histórica” aos acontecimentos passados, aliada a um desejo de
resistir à mudança.
Orientados a partir desses parâmetros letrados, a “escritofilia” guarani foi acionada
por um segmento da população que procurava dar conhecimento de sua inconformidade com
as suas condições de vida através de um meio considerado eficaz na sociedade colonial. E
diante da insatisfação gerada com as mudanças em curso, sempre recordavam seus vínculos
com a monarquia espanhola. O domínio da escrita forneceu aos índios letrados um
instrumento importante, acionado em profusão, em tempos de demarcação territorial, para
explicitar o seu desagrado diante das formas de convívio social e permitindo a essa elite forjar
uma memória dos períodos de conflito.
479
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410, Doc. 9 [carta de Juachin Guaracuye ao governador de Buenos
Aires].
480
A condição fronteiriça das reduções implicou a formação de uma milícia armada, uma “tropa auxiliar” que
colaborou em inúmeras facções de guerra, auxiliando o exército hispano-americano. Os Guarani atuaram em
1680, inviabilizando a primeira tentativa portuguesa de estabelecer a Colônia do Sacramento. Também
participaram, no início do século XVIII, da segunda expulsão dos lusitanos dali e, após a reinstalação portuguesa
nessa localidade, por efeito do Tratado de Utrecht, em 1715, colaboraram no cerco a Sacramento entre
1735/1737, quando essa cidadela esteve sitiada por 22 meses.
SEGUNDA PARTE
ESCRITOFILIA INDÍGENA
165
4 A DEMARCAÇÃO DE LIMITES E OS USOS DA ESCRITA
4.1 O Tratado de Madri e o conflito nas reduções
O objetivo do presente capítulo é o de demonstrar os usos que os Guarani
missioneiros destinaram à escrita quando comunicados a respeito dos termos do Tratado de
Madri.
Esse tratado, assinado em 1750 entre as monarquias de Espanha e Portugal,
deflagrou a “reação escrita” dos indígenas. Estabelecia a troca da Colônia do Sacramento, de
domínio português, na margem setentrional do rio da Prata, por sete reduções localizadas na
margem oriental do rio Uruguai.
481
A negociação estabelecida entre as duas monarquias
ibéricas procurava, por meio de um acerto diplomático, colocar um ponto final nos litígios
fronteiriços na América meridional.
482
As medidas foram prescritas com o objetivo de
redefinir as fronteiras entre os domínios ultramarinos de Espanha e Portugal e, assim, evitar
novos confrontos.
483
Entretanto, a negativa por parte da população missioneira oriental à ordem de
transmigração, e o posterior desacato às determinações dos jesuítas, implicou o
estremecimento das relações entre ambos. Apesar dos esforços empreendidos desde 1752, no
sentido de colocar em prática a mudança desses Guarani (aproximadamente 30 mil), não foi
possível convencê-los a executar a nova medida. No ano seguinte, com a chegada dos
comissários demarcadores enviados pelas monarquias ibéricas ao território implicado na
permuta, iniciava-se um dos períodos mais intensos e polêmicos da história da América
meridional.
481
A respeito dos antecedentes e circunstâncias que pautaram as negociações que resultaram nesse tratado, ver:
CORTESÃO, Jaime Zuzarte. O Tratado de Madrid. Brasília: Senado Federal, 2001. Edição fac-similar. 2 v.
(Coleção Memória Brasilera). Para uma leitura atualizada das implicações comerciais e do significado histórico
da Colônia do Sacramento, cidade portuária instalada em pleno espaço platino e pólo de reexportação regional e
internacional, ver: PRADO, Fabrício Pereira. A Colônia do Sacramento: o extremo sul da América portuguesa
no século XVIII. Porto Alegre, 2002. Edição do autor.
482
Para uma discussão dos problemas decorrentes da falta de delimitação entre os domínios ibéricos na região
platina e os intentos de fixar uma fronteira na segunda metade do século XVIII, ver: BANDEIRA, Moniz. O
expansionismo brasileiro: o papel do Brasil na bacia do Prata. Rio de Janeiro: Philobilion, 1985 (ver cap. 3: “A
fundação da Colônia do Sacramento – A teoria das fronteiras naturais – Portugal e Inglaterra no século XVIII –
O tratado de Madrid e a configuração territorial do Brasil”, p. 52-66); BIASI, Susana. Conflictos hispano
portugueses en el Plata, 1750-1777. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1985, p. 7-18.
483
O trabalho das comissões demarcadoras, encarregadas de estabelecer a nova linha de fronteira entre as
possessões ibéricas na América do Sul, acabou por se transformar em uma impressionante aventura. Foram
deslocados para a região geógrafos, astrônomos, matemáticos, desenhistas e engenheiros, que enfrentaram toda
sorte de dificuldades para definir os novos limites. Para uma análise do trabalho desenvolvido pelos técnicos e a
produção de uma cartografia da região, ver: FERREIRA, Mário Olímpio Clemente. O Tratado de Madrid e o
Brasil meridional: os trabalhos demarcadores das Partidas do Sul e sua produção cartográfica (1749-1761).
Lisboa: Comissão Nacional para Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001.
166
Como mecanismo de protesto, os índios letrados das reduções concernidas
recorreram aos usos estratégicos da escrita. Os Guarani externaram, em diversas ocasiões, seu
ponto de vista por escrito, procurando evitar ou impedir a execução do tratado. As iniciativas
da elite indígena visavam estabelecer uma negociação que garantisse a primazia guarani sobre
as terras orientais, algo que nunca foi atendido. Diante da presença das comissões
demarcadoras no território missioneiro, houve um tensionamento das relações entre Guarani e
autoridades ibéricas, circunstâncias que, agregadas a outros fatores, contribuíram para
desencadear uma rebelião colonial.
O conflito deflagrado nas reduções orientais, em meados do século XVIII, ficou
conhecido na historiografia como “guerra guaranítica”, uma rebelião colonial em defesa do
interesse indígena, em detrimento das prerrogativas metropolitanas, sendo um dos temas mais
recorrentes sobre as reduções administradas pelos jesuítas. A crise gerada a partir dessa
rebelião guarani implicou constantes críticas dirigidas à atuação dos missionários na província
do Paraguai, resultando na desarticulação do espaço missioneiro, a partir de meados do século
XVIII, e culminando com a expulsão da Companhia de Jesus dos domínios hispânicos, em
1768.
Na América hispânica, o reconhecimento da existência de textos produzidos pelos
próprios indígenas, desde os primeiros momentos da colonização, tem permitido repensar a
experiência do contato e evidenciar o seu protagonismo em conflitos dessa natureza.
484
A
valorização desses textos indígenas, como documentos singulares de uma época, também tem
despertado a atenção por parte de pesquisadores interessados na temática missioneira.
485
Anteriormente, somente os lingüistas haviam sinalizado, pioneiramente, a existência de textos
escritos pelos Guarani na sua própria língua.
486
Atualmente, a atenção dedicada pelos
historiadores aos textos redigidos pelos ameríndios, aliada a um diálogo com a antropologia,
tem proporcionado novos aportes para a análise sociocultural. Contudo, mesmo as pesquisas
484
Os trabalhos mais conhecidos a esse respeito são: GRUZINSKI, 1991; LEÓN-PORTILLA, 1976; LEÓN-
PORTILLA. Miguel. La imagen de si mesmos: testimonios indigenas del periodo colonial. América Indígena,
México, v. 45, n. 2, p. 277-307, abr./jun. 1985b; LEÓN-PORTILLA, 1997. Para uma aproximação a essa
problemática, consultar a coletânea de textos compilada por: LIENHARD, 1992b.
485
Refiro-me aos trabalhos de Barbara Ganson (GANSON, Barbara. Our warehuoses are empty: Guarani
responses to the expulsion of the jesuitas from the Rio de la Plata, 1767-1800. In: GADELHA, Regina A. F.
Missões Guarani: impacto na sociedade contemporânea. São Paulo: Educ, 1999. p. 41-54; GANSON, Barbara.
The Guarani under spanish rule in the rio de la Plata. Stanford: Stanford University Press, 2003). Recentemente
Bartomeu MELIÀ, que sempre privilegiou os aspectos lingüísticos relacionados à gramaticalização do idioma
guarani, tratou desse tema (MELIÀ, 2004).
486
MORINIGIO, 1946, p. 29-37; MELIÀ, 1969, 1992.
167
mais recentes, voltadas para captar uma nova historicidade desses textos, não privilegiaram os
pressupostos historiográficos.
487
Os indícios dessa prática “escriturária” indígena encontram-se nos papéis
apreendidos pela comissões demarcadoras, e que hoje repousam em arquivos sul-americanos
ou ibéricos (ou seja, documentos dispersos e sem qualquer indexação prévia), como as
notícias e informes presentes na correspondência de jesuítas como Thadeo Henis, Lorenzo
Balda, Bernardo Nusdorffer, Luis Charlet ou José Cardiel.
488
As anotações contidas nos
diários dos oficiais demarcadores, como Jacinto Rodrigues da Cunha
489
, a serviço de “Sua
Magestade Fidelíssima” e Francisco Graell,
490
atuando para “Sua Magestade Católica”,
também acusam as práticas de escrita dos índios. Esses funcionários das monarquias ibéricas
registraram a existência, nos seus diários de campo, de algumas traduções dos documentos em
língua guarani, localizados ao longo de sua marcha até as missões.
Durante o período de conflito, os Guarani escreveram muito, e os documentos
produzidos permitem repensar as relações estabelecidas com o passado missioneiro e o
território oriental. Essa documentação sinaliza uma discussão pouco referida pela
historiografia dedicada ao tema, ou seja, a existência da defesa por escrito daquele que seria o
ponto de vista dos indígenas. Os textos escritos pelos Guarani, e mesmo suas traduções,
podem ser novamente analisados a partir dos aportes da história da cultura escrita.
491
487
Em um artigo dedicado aos textos guarani, MELIÀ centrou atenção à expressão idiomática, delimitando três
momentos de produção desses documentos, que, por sua vez, converteram-se em caracterização de linguagens
(MELIÀ, 1999).
488
Nusdorffer, encarregado de coordenar a transmigração guarani, recebeu sistematicamente notícias de Thadeo
Henis e também de Lorenzo Balda. Motivo pelo qual há informações similares, especialmente entre o “Diário de
Thadeo Henis” que abrange o período que corresponde de meados de janeiro de 1754 a maio de 1756, com os
dados apresentados na relação do padre Bernardo Nusdorffer para o mesmo período. (MANUSCRITOS da
Coleção de Angelis, 1969).
489
CUNHA, Jacinto Rodrigues da. Diário da Expedição de Gomes Freire de Andrada às missões... Revista do
IHGB, Rio de Janeiro, t. 16, n. 10, p. 137-258, 1853a; CUNHA, Jacinto Rodrigues da. Diário da Expedição de
Gomes Freire de Andrada às missões… Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 16, n. 11, p. 259-321, 1853b.
490
DIARIO que el capitán de Dragones D. Francisco Graell ha seguido en la presente expedición de Misiones
contra los siete pueblos inobedientes de la Banda Oriental del río Uruguay, desde el cuartel general de Asamblea,
en Montevideo, día 5 de diciembre de 1755, hasta 21 de junio de 1756. In: COLECCIÓN de documentos
inéditos para la historia de España, por El Marques de la Fuensanta del Valle: tomo CIV. Madrid: Imprenta de
José Perales y Martinez, 1892. p. 449-487; para uma edição bilíngüe em espanhol e português, ver: GRAELL,
Francisco. Passado missioneiro no diário de um oficial espanhol. Tradução Alba Olmi. Santa Cruz do Sul:
Edunisc, 1998.
491
Para um balanço historiográfico a respeito da questão da escrita e sociedade, ver Antonio Castillo Gómez e
Carlos Sáez Sanchez: “La inquietud historiográfica por el estudio de la escrita desde una perspectiva social tuvo
su puesta de largo en la década de los sesenta con la publicación de las primicias científicas de antropólogos e
historiadores preocupados por las transformaciones culturales acarreadas con la introducción de la escritura y
la cuantificación de la extensión social de las capacidades de leer y escribir en el Antiguo Régimen.
(CASTILLO GÓMEZ, Antonio; SÁEZ SANCHEZ, Carlos. Paleografia versus alfabetización: reflexiones sobre
historia social de la cultura escrita. Signo: revista de Historia de la Cultura Escrita, Alcalá de Henares:
Universidad de Alcalá de Henares, v. 1, 1994, p. 134-135).
168
As interpretações históricas orientadas por essa perspectiva teórico-metodológica,
com eminente vocação interdisciplinar, têm privilegiado a análise das funções, usos e práticas
relacionadas com o escrito.
492
Os procedimentos metodológicos em questão têm fornecido
algumas pistas e subsídios importantes para investigar os materiais escritos e desvendar os
significados subjacentes à expressão gráfica. Contudo, o estudo da cultura escrita não deve ser
associado a uma mera análise técnica dos materiais, pois sua prioridade é conhecer as práticas
das sociedade que legaram esses documentos, concebendo a escrita como um conjunto de
práticas que podem contribuir para melhor compreender as mudanças e transformações
socioculturais, num detreminado momento. Enfim, a preocupação central desses estudos é a
de responder aos parâmetros relacionados aos usos sociais da escrita.
Como vimos, a prática da escrita introduzira uma mediação singular entre os
distintos protagonistas, habilitando alguns indígenas a manejar com desenvoltura tal
tecnologia. Esses Guarani letrados inseriram-se em algumas rotinas administrativas do mundo
colonial, ampliando suas possibilidades de contato e interação com a sociedade hispano-
americana. Não podemos pressupor que essa competância alfabética determinasse um
distanciamento dos demais indígenas, mas uma mediação diferenciada com as hierarquias da
sociedade e as suas interações possíveis.
Assim, o “ponto de vista indígena” a que nos referimos não deve ser interpretado
como um uso abrangente que recaiu sobre toda a população missioneira, transformando os
Guarani em um coletivo homogêneo. É uma maneira de referirmos a um momento de
enfrentamento em que uma elite letrada se coloca ora como porta-voz, ora como responsável
por uma versão escrita dessa coletividade.
Quanto aos documentos escritos pelos Guarani, é importante interpretá-los no
contexto de sua produção. Esse desafio nos remete às dificuldades da análise histórica e à
hermenêutica de suas próprias condições de escrita. Nesses textos, os índios recordavam
constantemente às autoridades reais todo o empenho da população missioneira em assegurar
esses domínios ao rei de Espanha.
492
Para considerações a respeito dos objetivos presentes à historia da cultura escrita dos usos e práticas
relacionadas com o escrito, ou seja, os atos de leitura e escrita, ver: Por una historia de la cultura escrita:
observaciones y reflexiones. Signo: revista de Historia de la Cultura Escrita, Alcalá de Henares: Universidad de
Alcalá de Henares, v. 3, p. 41-68, 1996.
169
4.2 Revisitando o tema
As polêmicas suscitadas sobre os episódios do conflito nas reduções geraram uma
bibliografia variada e ampla e, por vezes, tendenciosa. A tentativa de definir a fronteira
meridional detonou a suspeita sobre o envolvimento dos jesuítas (ou de alguns deles) como
responsáveis na incitação dos Guarani missioneiros à rebelião.
493
Essa controvérsia sempre
ocupou um lugar central no debate historiográfico sobre a “guerra guaranítica”, em que foi
atribuída aos jesuítas grande influência no desfecho desses acontecimentos, minimizado o
poder de decisão dos indígenas. Entretanto, o principal óbice à execução da demarcação dos
novos limites foi a negativa indígena de abandonar as reduções. Como sintetizou Clóvis
Lugon, “a resistência dos Guarani reduzira praticamente a nada o famoso Tratado”.
494
Essa
oposição rapidamente transformou-se em uma rebelião que, apesar de não ter sido estimulada
abertamente pelos jesuítas missioneiros, não foi impedida tampouco por eles. E, quando
procuraram intervir, viram suas vidas ameaçadas. Alguns padres, inclusive, são suspeitos de
apoiar e participar da rebelião, atitude que não reflete a posição conjunta adotada por parte da
Companhia de Jesus na polêmica. Apesar dessas desconfianças, a documentação indica,
particularmente através do depoimento prestado por um Guarani, que tanto os jesuítas como
os indígenas estavam divididos quanto ao rumos a seguir diante das ordens recebidas.
495
Qualquer abordagem do tema deve considerar que, durante décadas, os principais
estudos sobre essa rebelião foram elaborados, majoritariamente, por historiadores da
Companhia de Jesus, que tentavam de alguma maneira isentar os jesuítas da eclosão do
conflito. Uma perspectiva mais recente encontra-se nas pesquisas de autores laicos dedicados
493
Para um apanhado das repercussões da “guerra dos sete povos” junto à “opinião pública européia”, ver:
BECKER, 1987, p. 26-29.
494
LUGON, Clóvis. A república “comunista” cristã dos guaranis – 1610/1768. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1977, p. 297-298.
495
A clivagem produzida na sociedade missioneira diante da ordem de transmigração foi muito acentuada. Um
Guarani missioneiro, aprisionado pelos portugueses em 1754, expressou da seguinte maneira o estado de ânimo:
“Perguntados pela razão de não deixarem sahir os Padres responderão com variedade; mas hum que hera da
Aldeya de São Miguel, e que esteve muito tempo em Buenos Aires, disse que os Padres, como igualmente os
Indios estavão divididos em parecerez; huns dizião hera preciso obedecer a El Rey, e por isso se havião antes
feito varias prevenções de carro; mas que recebendose depois hua carta do Pe que governa todas as Missoens
escripta da de Candelaria donde rezide, e vendose nella dizer aos Padres animassem os Indios a defença das
terras, que herão suas, e Sua Magestade Catholica as não podia dar aos Portugueses, novamente os animarão os
P.P ao que havião obrado: que os dois Padres mais contumazes entendião nãos serem castellanos que hu hera o
que governava o Povo de São Lorenço, outro o Padre Tadeu: segundo o que se pode perceber, os Pe Castellanos
alguns quiserão sahir, e se lhe não deu carruagem, sendo falço o dizerse os tinhão feroz.” (A.H.U.:
Brasil/Limites, Caixa 1, Doc. 51, 21 de junho de 1754); documento com conteúdo similar, mas de 1760: A.G.S.:
Secretaria de Estado, Legajo 7405, Doc. 28.
170
aos temas missioneiros, mas interessados em repensar as raízes do conflito a partir da
pesquisa documental.
Entre os estudos elaborados por jesuítas, o texto de João Hafkemeyer procura romper
com a versão pombalina imperante – o antijesuitismo – a respeito das causas da “guerra
jesuítica no Paraguai”.
496
Em um artigo publicado, no início do século XX, este autor recorreu
exclusivamente às informações contidas no diário de Jacinto da Cunha, oficial português
presente na região durante os trabalhos de demarcação, para responder às “velhas e
respeitáveis mentiras de Pombal”, visando, através desse documento, estabelecer uma defesa
sustentada em prova histórica, cuja interpretação tem caráter apologético.
497
O trabalho de Pablo Hernandez busca esclarecer as circunstâncias da expulsão dos
jesuítas dos domínios espanhóis. Nesse estudo, o autor enfatiza as implicações negativas para
a Companhia de Jesus da repercussão provocada pela rebelião indígena.
498
Suas interpretações
são igualmente apologéticas, procurando defender os seus correligionários diante da
perseguição a que estiveram submetidos.
Por sua vez, o trabalho de Guillermo Kratz, publicado em 1954, inscreve-se dentro
do amplo projeto de reconstrução do contexto histórico de expulsão dos jesuítas, e apesar de
apologético, apresenta muitos dados históricos sobre o período
499
. A causa imediata apontada
para a catástrofe em que se precipitou a ordem inaciana é o Tratado de Limites e suas
conseqüências. A pesquisa, amparada preferencialmente em documentação inédita, foi
realizada na sua maioria no acervo do Archivo General de Simancas. O resultado é uma
defesa, bem documentada, das ações dos jesuítas para facilitar as negociações.
O esforço mais surpreendente em esclarecer os anos cruciais do conflito nas reduções
é o conjunto de monografias de Francisco Mateos, publicadas no periódico espanhol
Missionalia Hispanica.
500
Os títulos dos vários artigos expressam com propriedade os
496
HAFKEMEYER, João Batista. Para a história da Guerra Jesuítica no Paraguai: estudo crítico. In:
AZAMBUJA, Graciano Alves de. Annuario do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Gundlach, 1910. p.
281-299.
497
Igualmente sua argumentação é deficiente, pois está embasada em apenas uma fonte documental, e a
interpretação é bastante limitada (BARRETO, Abeillard. Bibliografia sul-riograndense: a contribuição
portuguesa e estrangeira para o conhecimento e a integração do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Conselho
Federal de Cultura, 1973, v. 1, p. 622).
498
HERNANDEZ, Pablo. El extrañamiento de los jesuitas del Río de la Plata y de las Misiones del Paraguay
por decreto de Carlos III. Madrid: Librería General de Victoriano Suárez, 1908.
499
KRATZ, Guillermo. El tratado hispano-portugués de límites de 1750 y sus consecuencias: estudio sobre la
abolición de la Compañia de Jesús. Roma: Institutum Historicum S.I., 1954.
500
MATEOS, Francisco. Avances portugueses y misiones españolas en la América del Sur. Missionalia
Hispanica, Madrid, año 5, p. 459-504, 1948; MATEOS, Francisco. El tratado de límites entre España y Portugal
de 1750 y las misiones del Paraguay (1751-1753), Missionalia Hispanica, Madrid, año 6, n. 17, p. 319-378,
1949b, além de outros artigos nesta revista
171
diversos períodos da rebelião indígena. A pesquisa está apoiada, principalmente, em
documentos do Archivo General de Indias, de Sevilha, mas também localiza e divulga
documentos indígenas inéditos, existentes no Archivo Histórico Nacional, de Madri. Por meio
dessa investigação, Mateos procura isentar os jesuítas, argumentando que estes não foram os
responsáveis pela incitação dos Guarani à rebelião. Os trabalhos de Kratz e Mattteos são o
resultado de uma revisão histórica geral empreendida por historiadores jesuítas, visando
apurar os motivos que levaram à expulsão e à posterior extinção da Companhia de Jesus, no
século XVIII.
A historiografia sul-riograndense, de modo geral, analisou o conflito nas missões
como um capítulo constitutivo da história do Rio Grande do Sul. Na obra História das
missões orientais do Uruguai, Aurélio Porto, amparado na documentação existente na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, principalmente os manuscritos da coleção de
Angelis,
501
apresenta uma cuidadosa investigação histórica sobre a experiência
evangelizadora inaciana. Entretanto, sua análise deixa transparecer uma visão calcada na
simpatia pelo trabalho “civilizador” realizado pelos jesuítas em terras orientais.
502
Foi a partir da publicação do trabalho de um militar, Ptolomeu Assis Brasil, que o
conflito nas reduções ganhou difusão e passou a ser nomeado como “Batalha de Caiboaté”.
503
O general Assis Brasil dedicou esforços para localizar, através das informações contidas nos
diários dos oficiais demarcadores, o ponto exato em que Sepé Tiarayú caiu em campo de
batalha e o local em que, no dia 10 de fevereiro, ocorreu o maior enfrentamento armado entre
a milícia guarani e os exércitos ibéricos.
Guilhermino Cesar, no livro intitulado História do Rio Grande do Sul. Período
colonial, dedicou um capítulo à análise do Tratado de Madri, enfocando o problema a partir
das vicissitudes da expansão territorial da América portuguesa. Apesar de manusear fontes, e
reconhecer os excessos nas interpretações do tema, prefere crer que os Guarani atuavam por
ordem ou com o consentimento dos padres, levando-o a afirmar: “Custa-nos admitir que uma
expedição militar de 1800 indios se organizasse à revelia dos curas […]”.
504
Reproduz, dessa
maneira, resquícios de um debate polarizado, negando aos indígenas a capacidade de agirem e
reagirem por motivações próprias.
501
Os manuscritos de Angelis começaram a ser publicados pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro em 1954
sob a direção de Jaime Cortesão. Ao todo foram publicados 7 volumes (ver Referências).
502
PORTO, 1954.
503
ASSIS BRASIL, 1935.
504
CESAR, Guilhermino. História do Rio Grande do Sul: período colonial. Porto Alegre: Editora do Brasil,
1980, p. 156.
172
Na sua obra-síntese Fronteiras, Moyses Vellinho, ao abordar os problemas
decorrentes da demarcação de limites, menciona rapidamente a Batalha de Caiboaté,
definindo-a como parte integrante dos feitos da personalidade de Gomes Freire de Andrada,
no Sul da América portuguesa. Essa obra é considerada a principal publicação da vertente
nacionalista, e desconsidera complemente a presença indígena antes da chegada do
colonizador lusitano ou qualquer possibilidade de uma manifestação nativa.
505
Uma tendência recente verificada na análise do passado missioneiro é a maior
centralidade atribuída ao conflito nas reduções por parte da historiografia regional. O
acirramento dos conflitos com os demarcadores e a eclosão da rebelião colonial conhecida
como “guerra guaranítica” passaram a ser objeto central em determinadas análises históricas,
deixando o tema de ser abordado como um mero capítulo na formação do Rio Grande do Sul.
Essa mudança de enfoque revela, por um lado, uma maior atenção à pesquisa documental,
calcada em novas fontes, e, por outro, reflete a influência atribuída às populações nativas.
Todavia, essas interpretações não estiveram centradas na indagação sobre a perspectiva
indígena ou seu protagonismo nesses fatos.
Nesse sentido, as pesquisas mais recentes – feitas por autores laicos – têm procurado
desfazer alguns mitos e exageros sobre as missões. Esses autores têm analisado, entre outros
temas, o impacto do Tratado de Madri nas reduções, procurando avaliar os efeitos das
decisões metropolitanas junto à população missioneira. O extenso trabalho de Tau Golim é
fundamentado quase exclusivamente no Diário da expedição e demarcação da América
Meridional e das campanhas D’Missões do Rio Uruguay, escrito por José Custódio de Sá e
Faria, funcionário a serviço de Portugal. O texto apresenta muitas novidades sobre os eventos,
diante das inúmeras informações contidas nesse documento. Esse “diário”, redigido a
posteriori, está baseado em observações pessoais e em informações partilhadas com os
demais oficiais. O exame dos conflitos ocupa espaço significativo nas anotações de José
Custódio de Sá e Faria. A perspectiva é centrada na reconstrução pormenorizada dos
acontecimentos, mais do que numa interpretação com caráter explicativo sobre os
protagonistas e o sentido de suas ações.
506
O processo histórico das missões foi analisado por Júlio Quevedo Santos, com o
objetivo de recuperar as raízes desta rebelião indígena, contextualizando-a na conturbada
505
VELLINHO, Moysés. Fronteira. Porto Alegre: Globo, 1973.
506
GOLIM, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos
jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750/1761). Passo Fundo: EDIUPF; Porto Alegre: Edufrgs,
1998. 624 p.
173
diplomacia ibérica e nos seus desdobramentos, no rio da Prata.
507
A partir do vínculo
estabelecido pelos Guarani com a terra e das alterações impostas ao espaço missioneiro diante
do Tratado de Madri, Quevedo Santos discute o papel desses indígenas cristianizados nas
reduções, enfatizando o desagrado e o posterior desacato à ordem de mudança. A pesquisa
está amparada em fontes impressas, sem chegar a acrescentar novidades ao quadro já
conhecido, e trata de maneira muito generalizada os efeitos da vida em redução para os
indígenas, analisando de maneira homogênea a população missioneira. Não considera, por
exemplo, a diferença entre um Guarani letrado e um iletrado, como reflexo da organização
hierarquizada nas reduções, nem mesmo as funções políticas exercidas por eles junto ao
cabildo.
O trabalho de Rejane Several insere o conflito na dinâmica das relações
metropolitanas, observando como a região platina estava suscetível às negociações
diplomáticas entre as monarquias ibéricas. Segundo a autora, os jesuítas não chegaram a
participar efetivamente na eclosão da rebelião. Contudo, o texto pouco acrescenta ao debate,
pois não chega a formular hipóteses sobre as causas do conflito.
508
Em geral, esses trabalhos amparados em pesquisa documental (principalmente fontes
impressas), mesmo quando motivados a discutir a participação e a importância dos Guarani na
construção das chamadas missões jesuíticas, geralmente concederam pouco ou nenhum
espaço às estratégias indígenas. Esses pesquisadores, apesar de manifestarem preocupação
com a perspectiva guarani nas suas análises, acabam reproduzindo os velhos esquemas da
historiografia, investindo mais na compreensão das estruturas do que na ação indígena como
uma das forças em ação no conflito.
A pesquisa de Barbara Ganson, recentemente publicada, procura romper com as
limitações acima mencionadas. No livro The Guarani Under Spanish Rule in the Río de la
Plata, a autora procura desfazer a tese da passividade dos índios.
509
Nesse estudo, orientado a
partir de aportes da etno-história, Ganson destaca as atitudes de resistência e de oposição
indígenas às decisões metropolitanas, concebendo essas reações como parte do processo de
“transculturação” dos Guarani, e afastando-se do conceito de aculturação, tão comum aos
estudos sobre encontros entre sociedades indígenas e o mundo colonial.
510
Ganson dedica
507
SANTOS, Julio Ricardo Quevedo. Guerreiros e jesuítas na utopia do Prata. Bauru: Edusc, 2000.
508
SEVERAL, Rejane. A guerra guaranítica. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1995.
509
GANSON, 2003.
510
A noção de transculturação apresenta vantagens analíticas, pois destaca um processo complexo, no qual os
colonizados selecionam e inventam novas tradições a partir das tecnologias introduzidas pelos colonizadores. O
conceito de aculturação reduz possibilidades: os indígenas seriam analisados como sujeitos que “perdem” algo
174
atenção também para a “guerra Guaranitica”, e demonstra como os oficiais e a elite indígena
utilizaram os cabildos para negociar com as autoridades hispânicas através de petições e de
outras formas de comunicação escrita.
Algumas pesquisas, mesmo sem apresentar o seu foco em temas regionais ou
indígenas, mencionaram o conflito nas missões como parte de processos mais amplos. Este é
o caso do livro Rebeliones indígenas en la América española, de Ángel Barral Gómez, que, a
partir de um panorama geral, analisa casos concretos.
511
Ao conceber a guerra nas missões
como parte das rebeliões indígenas, este autor contribui no sentido de romper com uma idéia
equivocada de conflito generalizado, fato que não chegou a concretizar-se, visto que nem
todas reduções estavam implicadas na permuta, ou envolveram-se na oposição ao Tratado de
Limites.
512
Em que pese o autor manifestar seu interesse em fugir a uma leitura metropolitana
dessas rebeliões, não consegue romper com a velha rivalidade luso-hispânica, condicionante
que o impede de contemplar, por exemplo, os aspectos relacionados às atitudes indígenas.
Em estudo dedicado à Guerra irregular en la América meridional: siglos XVII-XIX,
cujo objeto central são as guerras na Nova Granada, Eduardo Perez Ochoa dedicou atenção à
“resistência guaranítico-missioneira”, mostrando esse conflito como um dos problemas
decorrentes das questões limítrofes na região platina.
513
A pesquisa é um ensaio de história
social comparada, e o conflito nas reduções é analisado como uma dessas guerras irregulares
verificadas no continente sul-americano. Apesar de sua análise ser restrita à bibliografia
disponível sobre as missões, o autor formula algumas críticas pertinentes a certas tendências
verificadas na historiografia sobre o período.
Um trabalho com enfoque distinto é o do historiador alemão Felix Becker, que centra
sua investigação nas controvérsias em torno da fábula de Nicolas I, “rei do Paraguai”. Esse
autor considera que a fábula de Nicolas I é “um mito jesuítico”, pois atribui a invenção e
mesmo a autoria desse “mito” aos próprios missionários da Companhia de Jesus. Igualmente,
Becker considera que os Guarani, durante a rebelião nas reduções, foram meros marionetes a
frente aos colonizadores, e as mudanças por eles introduzidas seriam tidas como uma resultante natural,
eliminando aspectos relevantes da negociação entre os protagonistas.
511
BARRAL GÓMEZ, Ángel. Rebeliones indígenas en la América española. Madrid: MAPFRE, 1992, p. 252-
258.
512
Em um primeiro momento 11 reduções foram convulsionadas diante da notificação do Tratado de Limites,
pois mesmo sem estarem implicadas na transmigração perderiam parte substancial dos seus ervais localizados na
margem oriental do rio Uruguai, no caso as reduções da Cruz, São Tomé, Conceição e São Francisco Xavier. No
momento da chamada Batalha de Caiboaté, compareceram soldados egressos de nove reduções, principalmente
pelos vínculos parentais entre os Guarani rebelados.
513
PEREZ OCHOA, Eduardo. Guerra irregular en la América meridional: siglos XVII-XIX: ensayos de
Historia Social Comparada con España y la Nueva Granada. Tunja: Academia Boyacense de
Historia/Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colombia, 1994.
175
serviço dos jesuítas.
514
A pesquisa, realizada em sua grande maioria em arquivos europeus,
não domina a realidade regional que analisa, e desconsidera completamente a capacidade das
lideranças indígenas envolvidas.
O interesse dos antropólogos no estudo das sociedades indígenas, durante as últimas
décadas, proporcionou uma revisão do papel das populações ameríndias, implicando uma
reconsideração de determinadas categorias de análise. A noção de guerra nas sociedades
indígenas foi repensada: as guerras indígenas, tal como as conhecemos, historicamente estão
relacionadas ao processo de conquista e colonização de grandes proporções empreendido na
América.
515
. No que tange às manifestações indígenas, um fator fundamental é ater-se às suas
formas e captar as estratégias nativas. Como destacou John Monteiro, é necessário aliar uma
leitura antropológica às informações publicadas e às inéditas que surgem, em coleções e séries
documentais, e mesmo anexos outrora esquecidos nos arquivos e bibliotecas de diferentes
países.
516
Nesse sentido, o período de conflito nas reduções e a complexidade dos encontros e
enfrentamentos entre indígenas e colonizadores nos permite pensar esses episódios singulares
da história da América, reveladores de opiniões, estratégias e modos de relacionar-se com o
mundo colonial por parte dos índios.
Para ter acesso a algumas dessas modalidades de contato dispomos de dados
fragmentados. As informações históricas disponíveis sobre o conflito nas reduções
encontram-se dispersas em vários locais de consulta, tanto na América do Sul como na
península Ibérica. Essa dispersão é um reflexo das sucessivas disputas e fragmentações que
sofreu o território missioneiro.
517
Entre os inúmeros papéis depositados nos arquivos
nacionais, há uma grande diversidade de documentos de posições quanto ao conflito.
As fontes manuscritas sobre o período de conflito nas reduções, por sua vez, também
apresentam grande variedade, como vimos, na forma de correspondência administrativa, de
cartas escritas por jesuítas ou informes variados entre as autoridades envolvidas na
demarcação. Os documentos localizados na península Ibérica são procedentes, em sua
514
BECKER, 1983, 1987.
515
FAUSTO, Carlos. Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp, 2001.
516
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas. In: NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do Ocidente.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 238.
517
A Provincia Jesuítica do Paraguai abrangia, nos séculos XVII e XVIII, uma extensão territorial muito ampla,
abarcando as terras que hoje fazem parte de Estados nacionais, como Paraguai, Argentina (atuais províncias de
Misiones e Corrientes) e Brasil (Rio Grande do Sul). A atual República Oriental do Uruguai não chegou a sediar
nenhuma redução guarani no século XVIII, servindo suas terras como estâncias (vacarias) para produção
pecuária. Os diversos tratados estabelecidos entre as monarquias ibéricas, na segunda metade do século XVIII e,
posteriormente, as disputas territoriais entre os Estados nacionais em formação determinaram as divisões a que
foram submetidas as 30 reduções de índios guarani do Paraguai.
176
maioria, de arquivos espanhóis, e os sul-americanos estão depositados em instituições
argentinas. No Archivo Histórico Nacional (Madri), e no Archivo General de Simancas
(Valhadoli), estão depositados alguns manuscritos escritos pelos Guarani, como também há
cópias de documentos indígenas traduzidas em espanhol e ocasionalmente em português. A
documentação indígena americana corresponde principalmente aos acervos manuscritos do
Archivo General de la Nación (Buenos Aires), sobretudo os maços referentes a Guaraníes,
Misiones e Companhia de Jesus; na capital argentina figuram outros documentos depositados
no Museo Mitre.
518
Entre as fontes publicadas, existem muitas compilações de documentos
sobre o Tratado de Limites de 1750, e, por vezes, entre esses conjuntos de papéis surgem
alguns cuja autoria é atribuída a algum Guarani missioneiro.
519
Os missionários da Companhia de Jesus são igualmente os principais responsáveis
pela redação de uma parcela considerável desses documentos, pois, como comentou Carmen
Martinez, somente a fecunda “pluma de los jesuitas nos puede explicar tantos informes y
relaciones manuscritas que hoy encontramos publicados sobre aquellos conflictos”.
520
Nesse
aspecto, os escritos de Bernardo Nusdorffer, José Cardiel, Thadeo Henis ou Juan de Escandón
merecem leitura minuciosa. Alguns desses religiosos demonstraram ter consciência do
momento que estavam vivendo, do seu significado histórico, especialmente Henis e
Nusdorffer.
521
O padre Thadeo Xavier Henis, natural da Boêmia, era um recém-chegado às missões
quando foi assinado o Tratado de Limites. Sua participação nos acontecimentos é inicialmente
moderada e neutra, mas gradativamente passou a apresentar maior comprometimento com a
causa indígena. Henis escreveu um diário em latím, língua que lhe era mais familiar que o
espanhol, narrando os acontecimentos que presenciou nesses anos de alvoroto indígena.
522
Segundo a versão oficial, esse diário foi encontrado em maio de 1756, quando José Joaquim
518
M.M.: Collección de documentos en idioma Guaraní correspondiente a los Cabildos indígenas de las misiones
jesuíticas del Uruguay desde el año 1758 al 1785. Referencia 14/8/18.
519
. A.G.N./MTV: Colección Falção Espalter [Cópias do Archivo de Indias, Sevilla]. Gobierno de Don José
Joaquim de Viana, Tomo III (1749-1756). Sevilla: [s.n.], 1929; Documentos relativos a la ejecución del tratado
de limites de 1750 (DOCUMENTOS RELATIVOS…, 1938); DOCUMENTOS SOBRE o Tratado de 1750. In:
ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-1938.
v. 52, 53.
520
MARTINEZ MARTÍN, Carmen. El Tratado de Madrid (1750): aportaciones documentales sobre el Río de la
Plata: Documentos del legajo 4798 de la sección de Estado del Archivo Histórico Nacional (Madrid). Revista
Complutense de Historia de América, Madrid, n. 27, p. 283-325, 2001 (p. 291).
521
MARILUZ URQUIJO, Jose María. La historiografia rioplatense sobre el Tratado de Madrid (1750-1850). In:
EL TRATADO de Tordesillas y su época: Congreso Internacional de Historia, v. 3: la ejecución del Tratado y
sus consecuencias. Sociedad V Centenario del Tratado de Tordesillas, 1995, p. 1638.
522
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7400, Doc. 20-21 [diário do padre Thadeo Xavier Henis. Original em
latim, com o titulo de Ephemerides belli Guaranici ab anno millessimo septingentessimo quinquagessimo quarto
(Efemérides de la guerra de los guaraníes), conhecido como “Diário da guerra do padre Thadeo Henis”].
177
Viana ocupou a redução de São Lourenço, sendo objeto de atenção e prontamente traduzido.
O diário suscitou muitas polêmicas, sobretudo por confirmar o apoio espiritual prestado por
um jesuíta estrangeiro aos índios rebelados. Algumas cópias manuscritas desse diário
circularam na época e, anos depois, foi publicada uma versão impressa, atribuída a Bernardo
Ibáñez de Echavarri, que deliberadamente alterou o texto de Henis.
523
As manipulações de
Ibáñez – um ex-jesuíta que tivera uma trajetória conturbada na Companhia de Jesus, tendo
sido desligado da ordem em 1744 e posteriormente readmitido, em 1753, para ser novamente
expulso em 1757 – , visavam comprometer o trabalho missional realizado no Paraguai.
524
Por
essa razão, essa é uma das obras mais difundidas sobre as missões guarani, alimentando
controvérsias quanto à participação dos missionários da Companhia de Jesus no episódio de
rebelião.
As anotações de Nusdorffer, um jesuíta com longa experiência e conhecedor da
realidade missioneira e colonial, foram consideradas pelo padre Guillermo Furlong,
historiador da Companhia de Jesus, como as melhores páginas das repercussões do Tratado de
Limites nas reduções, refletindo o transtorno que as ordens de transmigração causaram aos
Guarani.
525
Entre as suas observações merecem destaque aquelas que indicam o grau de
autonomia demonstrado pelos índios diante do progressivo esfacelamento do poder dos
jesuítas que, em determinadas ocasiões, ficaram restritos às funções religiosas quando a
autoridade temporal retornou às mãos dos caciques. Nusdorffer escreveu a Relacion de todo
lo sucedido en estas doctrinas en orden a las mudanzas de los siete pueblos del Uruguay
526
à
medida que transcorriam os acontecimentos, todavia sem datar precisamente os fatos,
dividindo a relação em nove partes sucessivas.
527
523
Para uma discussão a respeito da autenticidade do diário atribuído a Henis, as circunstâncias da sua
divulgação, bem como uma análise comparativa das versões impressas, ver: CARBONELL DE MASY, Rafael.
Génesis y consecuencias de una obra: efemérides de la guerra de los Guaraníes: atribuido al P. Tadeo Enis, S.J.
In: JORNADAS INTERNACIONALES MISIONES JESUÍTICAS, 5., 1994, Montevideo. Anales…
Montevideo: [s.n.], 1994. p. 125-145.
524
COLECCIÓN General de Documentos tocantes á la tercera época de las conmociones de los Regulares de la
Compañía en el Paraguay. Contiene El reyno jesuítico del Paraguay, por siglo y medio negado y oculto, hoy
demonstrado y descubierto. Su autor D. Bernardo Ibáñez de Echavarri. Va añadido el Diario de la Guerra de los
Guaranies, escrito por el P. Tadeo Henis. Tomo Quarto. Con licencia del Consejo en el Extraordinario. Madrid:
Imprenta Real de la Gazeta, 1770; sobre esta publicação e suas versões, bem como uma biobibliografia de
Bernardo Ibáñez de Echavarri, ver: CARDOZO, Efraim. Historiografia paraguaya: I: Paraguay indígena,
español y jesuita. México: Instituto Panamericano de Geografia e Historia, 1959. (Historiografias), p. 388-394.
525
Para uma biobibliografia da atuação desse proeminente missionário jesuíta no Paraguai, ver: FURLONG,
1971.
526
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 139-300.
527
Nusdorffer teve acesso à documentação dos demais jesuítas, conheceu detalhes das suas sucessivas tentativas
de dissuadir os Guarani de se rebelar, o que confere importância adicional às informações registradas na relação.
Dessas nove partes, algumas foram publicadas em diferentes períodos e locais. Atualmente são conhecidas as
178
As cartas de Lope Luis Altamirano, comissário jesuíta designado para acompanhar
os trabalhos demarcatórios, também registram em detalhes as atitudes de desagrado dos
índios. Em meio à correspondência desse comissário é possível localizar, anexado, algum
documento guarani. Essa documentação, por sua natureza testemunhal, contém muitos dados
reveladores das reações dos Guarani. Esses papéis fornecem elementos para uma abordagem
da perspectiva indígena das relações sociais no âmbito colonial. Nessas epístolas estão
registrados dados que revelam o desagrado dos nativos quanto ao tratado e, principalmente, a
atuação dos jesuítas para facilitar a mudança.
Nesse contexto de troca de correspondência, de guerra de papel, os índios recorreram
à escrita para defender sua posição contrária ao tratado em curso, rompendo com décadas de
“submissão” letrada. Com efeito, a rebelião guarani ainda não foi analisada a partir da cultura
escrita como critério de ordenamento das diferenças culturais. Essa perspectiva pode fornecer
algumas explicações razoáveis quanto às atitudes adotadas pelos indígenas durante o período
de conflito, e dar a conhecer a efetiva participação dos Guarani.
4.3 “Mientras volaban correos por los pueblos”: a escrita emancipada
Mientras volaban correos por los pueblos
528
são as palavras utilizadas pelo jesuíta
missionero Thadeo Xavier Henis, no seu diário, para referir-se, em meados do século XVIII, à
intensa troca de bilhetes e cartas entre os Guarani das missões.
A chegada das primeiras equipes de funcionários encarregados dos trabalhos de
demarcação de limites na América meridional deflagrou entre os Guarani manifestações de
hostilidade.
529
Esses encontros foram caracterizados por desconfianças mútuas, e por uma
intensa circulação de escritos, na forma de cartas e de bilhetes. Houve, igualmente, a
propagação de vozes, e de boataria, que disseminavam informações adicionais.
Além da quantidade de papéis escritos houve também diversidade de textos, posto
que a escrita foi o principal meio de informar e atualizar as autoridades envolvidas na
permuta. A troca de correspondência foi uma constante entre os comissários ibéricos, Gomes
cinco primeiras e a nona parte, esta última divulgada por Furlong, todavia ainda seguem desconhecidas as parte
s6, 7 e 8. Para maiores informações, ver: MARILUZ URQUIJO, 1995, p. 1642.
528
COLECCIÓN General…, 1770, p. 48. O original em latim encontrta-se no Archivo General de Simancas
(A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7400, Doc. 20-21).
529
Refiro-se aos incidentes registrados em Santa Tecla, uma paragem dentro da estância de São Miguel, em
fevereiro de 1753 (A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378, Doc. 89: Copia de la declaracion de lo acaecido
con los Indios Tapes en la oposición que hicieron en no permitir el paso a la primera Partida para la
Demarcación de la Linea divisoria de esta America Meridional y las diligencias que se practicaran para
conseguir el fin de que se Combiniesen con las ordenes del Rey).
179
Freire de Andrada (português) e o marquês de Valdelirios (espanhol), de ambos com o
comissário da Companhia de Jesus, Lope Luis Altamirano, e um expediente muito utilizado
pelos Guarani missioneiros.
A mobilização indígena e os usos estratégicos destinados à escrita foram uma
decorrência direta da presença dessas comissões demarcadoras. A atividade epistolar esteve
conjugada às tentativas dos Guarani de interceptar a correspondência desses comissários, fato
que coloca em evidência as disputas existentes pelo controle das informações escritas por
parte dos diferentes agentes sociais. O período das chamadas “guerras guaraníticas” foi
especialmente dramático diante da redefinição de aliados e oponentes no âmbito reducional.
Afinal, essa era a primeira vez em que Portugal e Espanha conjugavam esforços para colocar
em prática um tratado decidido na península Ibérica e que alterava a geopolítica em suas
possessões ultramarinas.
Segundo as anotações de dois jesuítas, Bernardo Nusdorffer e Thadeo Henis, nessa
época volaban correos por los pueblos. Desses “papéis que voavam”, muitos eram cartas e
bilhetes escritos pelos Guarani, destinados a parentes, aos jesuítas ou às autoridades.
Conforme o clássico Tesoro de la lengua Castellana o Española, de Sebastián Covarrubias,
editado pela primeira vez em 1611, bilhete é o
papel en que se escrive algunas pocas razones de una a outra persona que asiste en el
mismo pueblo. Fue muy buena invención comunicarse con más quietud y tratar las cosas
con secreto, no fiandolas de ningún tercero ni criado, que muchas vezes tuercen la razon.
530
Apesar de sigiloso, o bilhete dependia de um portador, de preferência um
intermediário de confiança, para chegar ao seu destinatário.
A carta, segundo o mesmo Covarrubias, é a “mensaje que se embia al ausente por
escrito en qualquier materia que sea, por cuanto se puede escrivir en papel, en pergamino, en
lienzo brunido, en tabla de madera […]”.
531
E, com este nome geral, há muitas variantes de
cartas. Apesar de configurarem uma mesma modalidade de comunicação escrita, o bilhete
diferia bastante da carta, pois esta apresentava implicações diplomáticas, de um
relacionamento à distância.
As pesquisas sobre a escrita epistolar na Idade Moderna, particularmente no Século
de Ouro espanhol, tem revelado que o incremento na circulação de correspondência diz
530
COVARRUBIAS OROZCO, Sebastián de. Tesoro de la lengua castellana o española. Madrid: Ediciones
Turner, 1979. Edición facsimiliar. (1. ed. 1611).
531
COVARRUBIAS OROZCO, 1979.
180
respeito à ampliação da alfabetização na península Ibérica como nas colônias hispano-
americanas, além dos fatores associados às causas militares e aos efeitos da emigração em
direção ao Novo Mundo.
532
Nesse contexto de comunicação de mensagens, os bilhetes e as cartas, assim como os
chasques
533
(mensageiros), são expedientes voltados para a negociação e, segundo Martin
Lienhard, multiplicam-se nos períodos agudos de conflito étnico-social na América hispânica,
quando se contrapõem “índios” e “não-índios” na sociedade colonial.
534
O uso dos bilhetes pelos Guarani, durante o período de conflito é mencionado com
freqüência na documentação. Todavia, são raros os exemplares que sobreviveram.
535
Os
testemunhos dessa prática de escrita indígena restringem-se, portanto, às anotações de alguns
missionários, e assim mesmo de maneira muito desigual. Em determinados momentos,
conforme o contexto, os jesuítas reproduziram de maneira fragmentária ou resumida o teor
desses bilhetes.
536
Os bilhetes, por sua escrita urgente e imediata, por serem facéis de portar e
mesmo ocultar, foram o principal meio de comunicação utilizado entre os Guarani. Esse tipo
de escrito costuma envolver pessoas próximas, entre as quais não há demasiadas
formalidades. Tampouco segue normas epistolares estreitas, sendo escrito em qualquer tipo de
papel. Lamentavelmente, estas mensagens raramente foram catalogadas ou classificados por
suas características materiais, visto que muitos dos textos apreendidos eram apenas nomeados
“papéis”. Igualmente, a difícil conservação dos bilhetes está relacionada ao fato de que,
depois de chegar ao seu destinatário, esses pedaços de papel perdiam seu valor e, geralmente,
eram destruídos após sua leitura.
Foram os missionários que identificaram as mensagens trocadas entre os Guarani,
definindo-as como bilhetes. Embora saibamos de sua existência, uma análise dos conteúdos
532
Para um arrazoado dos motivos presentes à difusão da epistolografia no Século de Ouro espanhol, consultar:
CASTILLO GÓMEZ, 2000.
533
Chasquis: voz andina (quéchua) para mensageiro. Sempre é oportuno recordar que os incas não possuíam um
sistema de escrita e que as mensagens eram transmitidas verbalmente e com a ajuda de cordas com nós,
chamados de quipus; por essa razão provavelmente desenvolveram muito a memória. O padre José de Acosta,
provincial no Peru no século XVI, ao mencionar como os índios enviavam suas mensagens, comentou: “En todo
el Pirú hubo una curiosidad en los correos, extraña, porque tenía el Inga en todo su reino puestas postas o
correos, que llaman allá chasquis […].” (ACOSTA, José de. Historia natural y moral de las Indias. Edición de
José Alcina Franch. Madrid: Historia 16, 1987. (Crónicas de América, n. 34), p. 404).
534
LIENHARD, 1992b, p. XIV.
535
Localizei no Archivo General de la Nación, em Buenos Aires, dois documentos que se enquadram nessa
modalidade; contudo, são bilhetes datados de 1757, ou seja, depois do conflito de Caiboaté e quando as reduções
orientais já estavam ocupadas pelos exércitos ibéricos.
536
Os jesuítas que sinalizaram com maior freqüência essa prática foram, principalmente, Thadeo Henis,
Bernardo Nusdorffer, Lorenzo Balda e Juan de Escandón.
181
desses bilhetes enfrenta, portanto, sérias limitações, sobretudo o fato de termos acesso a eles
através de escritos jesuítas.
O que os teria motivado os Guarani a contatarem seus companheiros através de
bilhetes? Podendo valer-se dos chasques, por que os Guarani, nesse momento, optaram pela
modalidade de comunicação escrita?
Em primeito lugar, há evidência documental de que nem todos os chasques eram
tidos como inteiramente fiáveis. Em segundo lugar, a escrita instaurara uma outra dinâmica
nas relações, quando se buscavam alianças, em um momento de crise, não só como uma
maneira de interlocução, mas como uma tática para calcular os possíveis passos dos inimigos.
A materialidade da escrita permitia novas formas de contato que a comunicação direta através
de mensageiros não necessariamente propiciaria: a escrita permite anular a distância e
estabelecer uma comunicação em segredo e, igualmente, confere atualidade ao testemunho
passado, recolocando-o na ordem do dia, exigindo uma resposta atual daqueles que se vêem
implicados na interlocução. O ato de escrever pressupõe destinatários capazes de decifrar e
compreender o que foi escrito. Além desses aspectos, a escrita foi um instrumento ligado ao
poder, permitindo por meio da competência alfabética normalizar e produzir idéias. Ou seja, a
cultura escrita atua como fator de controle político.
Uma breve comparação da situação verificada entre os Guarani pode ser estabelecida
com a dos Maori, na Nova Zelândia. No século XIX, o principal uso reservado à alfabetização
pelos aborígenes não foi a leitura, mas sim a escrita de cartas. Segundo Donald Mckenzie, o
“aspecto verdadeiramente miraculoso associado à escrita era sua característica de ser portátil;
ao anular a distância, uma carta permitia que a pessoa que a escrevia estar em dois lugares ao
mesmo tempo […]”.
537
Isso permitiu aos Maori, segundo Mckenzie, o planejamento de uma
guerra, poucos anos depois.
As duas situações são bastante similares. Contudo os Guarani também utilizaram a
escrita para outras finalidades, desempenhando tanto a função de instrumento de negociação
política quanto a de produzir relatos com desenvoltura. Foram também ávidos leitores.
538
Igualmente, a convivência com distintas modalidades textuais, como foram manuscritos e
impressos, favorecera o desenvolvimento de distintas competências gráficas.
537
McKENZIE, Don F. A sociologia de um texto: cultura oral, alfabetização e imprensa nos primórdios da Nova
Zelândia. In: BURKE, Peter; PORTER, Roy (Org.). História social da linguagem. São Paulo: Unesp, 1997, p.
201.
538
Convém recordar que no século XVII um dos motivos de preocupação do provincial Andrés de Rada era
exatamente a leitura, pelos Guarani, da correspondência dos jesuítas. Ver o Capítulo 2 desta tese.
182
A comunicação primus inter pares, realizada entre os Guarani através de bilhetes,
provavelmente foi priorizada pela facilidade de transportar as mensagens – como foi
verificado entre os Maori – e pelo fato dos missionários também lançarem mão desse tipo de
recurso, comunicando-se através de pequenas cartas. Afinal, foi o aprendizado com os jesuítas
que introduziu os Guarani no mundo letrado, o que torna compreensível o fato de adotarem e
darem novos usos à escrita nessas situações.
O jesuíta Altamirano, logo que chegou à redução de São Tomé, informou a
Valdelirios, comissário espanhol, a respeito da dificuldade de fazer chegar as cartas que
enviava aos missionários ou receber as que lhe eram expedidas. Em uma nota, ao final de sua
correspondência, datada de 20 de agosto de 1752, registrou:
Los chasques de acá, no son pronptos, ni seguros hoy: no por eso escusare de avisar a
V.S las novedades que aviere, aunque exponga mi carta a contigencia. Yo espero, que V.S
me dirija sus ordenes por Santa Fe, de Santa Fe al Yapeyu, de donde me embiaran el pliego
de V.S al Pueblo, donde yo este.
539
Em carta anterior, de junho do mesmo ano, Altamirano, ainda em Buenos Aires,
alertava quanto ao problema da circulação de cartas, solicitando “chasques españoles” para
garantir maior segurança à informação expedida.
540
O alerta do comissário indica que os
chasques indígenas não estavam correspondendo às expectativas que o momento requeria,
deixando de repassar as ordens enviadas, obrigando-o a adotar medidas restritivas para
garantir confiabilidade ao sistema de comunicação. Os jesuítas responsáveis pelas reduções
sublevadas buscavam manter o comissário informado quanto aos avanços e recuos da
tentativa de convencer seus tutelados da necessidade de mudança. Depois de um breve e
inicial período de convencimento, os missionários esbarraram exatamente na oposição
empedernida da população de São Nicolau, a mais intransigente em relação à ordem de
mudança.
541
539
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 55.
540
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 55: “Sobre chasques, que por precision han de ser indios,
estaran muy prontos por mi parte: de la suya no se lo que sucederá, por su conocida, natural desidia, y mas
quando no tienen a la vista quien los avive […]. Buenos Aires y junio 4 de 1752. Lope Luis Altamirano.
541
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7377. Doc. 20. Logo que desembarcou em Buenos Aires, o comissário
Altamirano recebeu informações do provincial e escreveu a Jose Carvajal y Lancaster comunicando sua chegada
à América e os planos de viagem às missões para executar a transmigração da população das sete reduções
orientais. Em um pós-escrito a essa correspondência, Altamirano comentou: “Los pueblos ya reducidos a
mudarse son tres, San Nicolas, San Luis y San Lorenzo […]. Buenos Ayres y Abril 28 de 1752”; A.G.S.:
Secretaria de Estado, Legajo 7377. Doc. 21. Três meses depois Nusdorffer informou a Altamirano:Ya dize a
VR e noutra mia que los Nicolaistas se me han vuelto atras pero como entonces no se sabia todavia de
183
O recurso acionado pelos índios dessa redução para insuflar os demais indígenas foi
a escrita, conforme registrou um jesuíta a um correligionário, comentando que os de São
Nicolau “[…] siempre constantes en su resolución no dejavan en este tiempo de enviar
mensajes a los demás para persuadirles, que no consistiesen en la mudanza y lo hicieron tan
bien […]”.
542
Por meio da ação de alguns índios principais de São Nicolau sublevaram-se os
de São Miguel, sendo o artífice dessa operação de resistência Cristoval Paica.
543
Devido à
atuação desse Guarani a resistência alastrou-se, posteriormente, às demais reduções, visto que
três delas – no caso, São Lourenço, São Luís e São Borja – já haviam dado início à mudança.
Nesse momento, os Guarani atribuíam a Altamirano toda a culpa pelo transtorno que estavam
vivendo. Paica chegou a ameaçar de morte o padre comissário.
544
A intensificação na produção textual dos Guarani está diretamente relacionada à
decisão do comissário da Companhia de Jesus, Luis Altamirano, em residir na redução de São
Tomé, para acelerar o trabalho de transmigração, em setembro de 1752. Provavelmente, a
prática epistolar guarani foi estimulada e acentuada a partir da observação freqüente das
trocas de missivas entre os missionários e Altamirano.
As lideranças indígenas estavam cientes das atribuições desse comissário na
coordenação dos trabalhos de transmigração, responsabilidade que implicava em despachar
sistematicamente ordens aos padres missioneiros.
545
Assim, direcionaram suas atenções para a
interceptação de toda correspondência envolvendo o nome do comissário. Portanto, agiram
motivados pela idéia de que interferindo na lógica de circulação das cartas impediriam a
comunicação entre os responsáveis pela demarcação e, inclusive, poderiam valer-se de
informações privilegiadas. É fácil supor que os Guarani, por estarem inseridos em uma
organização social que controlava rigidamente toda informação escrita, perceberam esse
fundamento, no lo he podido ponerlo en la noticia de VR hagolo ahora con esta ocasión […] Bernardo
Nusdorffer. La Cruz y Julio 15 de 1752.”
542
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo, Caja 1, Doc. 7. Breve resumen del Tratado entre la España y
Portugal tocante a varias Provincias de la América Meridional.p. 14.
543
Segundo a opinião do ex-provincial do Paraguai, Manuel Quirino, Paica era “[…] de genio demasiadamente
vivo para Indios, y aun medio alocado” (R.A.H.: Manuscrito. Sobre el Tratado con Portugal en 1750. P. Manuel
Quirino. Sig: 9/2279).
544
Esse índio foi “[…] desterrado por alborotador mayor de su pueblo al de Santa Rosa havia muerto medio
loco, ainque alcanzó los S.S Sacramentos era este el que amenazaba a matar al P. Comisario y se llamaba
Christobal Payca” (MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 238).
545
Altamirano estava ciente desses fatos, motivo pelo qual advertiu por escrito ao padre Luis Charlet: “Vra no ha
hecho bien en decir a los indios, que yo mando la mudanza; debio haver dicho, que la manda el Rey, como es
asi. Vra vengase al paso sin decir a los indios que yo le llamo, ni que viene a verme a ver el P.e Comisario […].
Santo Thome, y octubre 15 de 1752. Luis Altamirano”. (R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mutis –
Colección de documentos de América. Paraguay – legajo encuadernado de papeles varios impresos y
manuscritos sobre asuntos de en la 2 mitad del siglo XVII y sobre la expulsión de los jesuítas de Portugal. 9-11-
5-150; Sig: 9/ 2278).
184
momento como sintomático e passaram a vigiar as maneiras pelas quais os jesuítas tomavam
suas decisões.
Segundo Nusdorffer, quando os Guarani apreendiam alguma carta, logo depois de
concluída a leitura, costumavam comunicar o conteúdo aos seus aliados, e prontamente
acrescentavam,
[…] sus glosas a su modo, aumentandoseles con esto la sospecha contra los
Misioneros y la rabia contra el P.e Comissario à que dan la culpa de todo esto su trabajo,
no nombrandole con otro nombre en su Lengua, sino el de Añanga.
546
Através desses expedientes procuravam reforçar suas suspeitas contra o comissário
atribuindo-lhe, no caso, Altamirano, a alcunha de añanga (“diabo”) como expressão do
desagrado provocado por sua presença entre a população missioneira.
547
A alcunha
significava um um grande insulto, sobretudo pela cultura católica que tinham.
548
Esses
insultos estavam adaptados às circunstâncias históricas, o que reflete e revela muito sobre os
modelos e preocupações dominantes de uma determinada comunidade. Os insultos, proferidos
pelos Guarani em sua própria língua, eram uma maneira de violar as regras presentes à
hierarquia da Companhia de Jesus e de todo clero cristão, constituindo-se, obviamente, em
uma forma extremada de desqualificar aquele que consideravam o mentor das ordens de
mudança.
549
Por meio de outro jesuíta, Juan de Escandón, somos informados de que Altamirano
também fora considerado pelos Guarani como um “Porombotabîcebae, esto es traidor,
engañador, y embustero”.
550
O próprio comissário estava ciente da sua reputação entre os
índios. Em carta ao ministro Joseph Carvajal y Lancaster, escrita em São Tomé, em janeiro de
1753, Altamirano comentou que os índios de São Miguel
[…] se armaron todos y locamente enfurecidos, se negaron a su cura a ejecutar la
mudanza, diciendole a gritos en la plaza, y dentro de la Iglesia que pasaban a este pueblo
546
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 261.
547
A prática de atribuir apelidos às autoridades encarregadas dos trabalhos de demarcação também incidiu sobre
o marquê de Valdelirios. Ver: GANSON, 2003, p. 105.
548
David Garrioch, ao estudar os insultos, em Paris, no século XVIII, avaliou que os seus significados são
específicos de uma determinada época: “Num sentido mais amplo, estudar a maneira como as palavras eram
usadas permite-nos, em certa medida, entrar no mundo mental das pessoas do passado.” (GARRIOCH, David.
Insultos verbais na Paris do século XVII. In: BURKE, Peter; PORTER, Roy (Org.). História social da
linguagem. São Paulo: Unesp, 1997, p. 138).
549
Sobre o papel do insulto na Itália moderna, ver: BURKE, 1995, p. 33.
550
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 52. Carta del Pe. Escandon (original) al P.
Gervasoni, que refiere lo hecho desde el principio hasta la fecha em Cordova a 2 de Septiembre de 1754. p. 26.
185
para quitarme la vida, y hecharme rio abajo; porque ni era jesuita, ni sacerdote, sino un
Portugues seglar de Laguna, que vestido de jesuita, avia engañado a los Padres, para
empobrecerlos a ellos, y perderlos, quitandoles sus tierras y Pueblos.
551
Provavelmente, o modo como o missionário conduziu os trabalhos de mudança
contribuiu para fomentar ainda mais a indignação entre os Guarani.
552
E as manifestações
contrárias à presença de Altamirano determinaram, inclusive, que este viesse a solicitar ao
marquês de Valdelirios escolta para se retirar das reduções,
Y assi ruego a V.S que por caridad se sirva de disponer por si, o por medio del
governador de Buenos Aires, que el theniente de santa fé tenga promptos para mi primer
aviso, veinte, o treinta soldados españoles, que me escolten por el camino hasta dicha
ciudad de santa Fé: lo que al presente se haze mas preciso; porque han vuelto los Infieles
acia el Yapeyu, segun me aviso el Cura de este Pueblo en carta de 20 de este mês.
553
Apesar da retirada de Altamirano do territórrio missioneiro, os Guarani não cessaram
o envio de bilhetes. Na correspondência remetida pelos padres missioneiros a Altamirano
figuram várias menções a esses papéis. Em carta de março de 1753, o jesuíta Luis Charlet
informava:
[…] estos dias escribieron un papel al cabildo pidiendo 30 hombres armados, y se los
envíaron, ni yo lo pude remediar, todo esto por aviso de los de San Miguel, con que hay
ahora unos 200 deste Pueblo en la estancia, y se que pasavan de mil hombres los que
estavan prevenidos en las estancias para dar contra los Señores demarcadores como avise a
Va Ra por octubre […].
554
A estância de São Miguel era uma das mais extensas das 30 reduções, e foi um dos
focos da resistência missioneira. Os logradouros conhecidos como Santo Antônio Velho e São
Xavier eram os principais cenários das articulações miguelistas, de onde os índios enviavam
informações escritas para orientar os demais. Nesses locais, os Guarani estavam aquartelados
e a escrita servia de recurso para convocar reforços, a fim de seguirem até a redução de São
551
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378. Doc. 11.
552
Segundo Felix Becker, a historiografia jesuítica considera que Altamirano não era a pessoa mais apropriada
para realizar tal trabalho, ainda que sem questionar sua integridade (BECKER, 1987, p. 27); e, na avaliação de
um jesuíta como Kratz, “La atuacion de Altamirano se ha criticado mucho y severamente. De las filas de sus
hermanos de Buenos Aires, que no habían tomado parte inmediata en el asunto, hubo de aguantar el oír que su
impetuoso proceder no era el que requería la empresa, y que sus medidas más bien sirvieron para arruinar a los
pueblos y llevar sus vecinos a la insurrección.” (KRATZ, 1954, p. 94).
553
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 79: Carta de Altamirano a Valdelirios […] Sn Thome, 28 de
enero de 1753.
554
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mutis – Colección de documentos de América. Paraguay – Legajo
encuadernado de papeles varios impresos y manuscritos sobre asuntos de en la 2 mitad del siglo XVII y sobre la
expulsión de los jesuítas de Portugal. 9-11-5-150; Sig: 9/ 2278. San Juan y marzo 18 de 1753.
186
Tomé com o objetivo de falarem pessoalmente com o comissário Altamirano. Segundo o
padre Lorenzo Balda, que estava homiziado na redução de São Miguel, os índios “andan a su
voluntad convidandose los de estos Pueblos a los de la otra vanda del Uruguay, y ya de
muchos han tenido sus respuestas de que al menor aviso, que estos les den, se juntaran y por
eso andan sin el menor recelo […].”
555
O conteúdo dos papéis indígenas de circulação interna geralmente era muito
semelhante. Por meio dos informes de Escandón, sabemos que “[…] los Indios de un pueblo
[enviavam bilhetes] â otros en que mutuamente exhortaban â la defensa, y â hazer causa
comun […]”.
556
A convocação através de bilhetes estava direcionada a preparar os Guarani
missioneiros para um possível enfrentamento, temor disseminado diante da presença dos
exércitos ibéricos na região. Como se viu, as mensagens dos indígenas, na forma de cartas e
bilhetes, estiveram orientadas à comunicação com os demais Guarani alvorotados ou, mesmo,
procuravam comunicar às autoridades coloniais a opinião dos índios contrários ao tratado. O
missionário Luis Charlet, em carta escrita da redução de São João em 6 de setembro de 1753,
informou ao padre Roque Ballester: “todos ellos son Indios Guaranis, y que todos ellos se
entienden, y se avisan de dia, y de noche de quanto passa: y todos son parientes. Ellos van, y
vienen conforme quieren sin avisarnos”.
557
Assim, nessas ocasiões, os Guarani agiram de
maneira autônoma, contatando seus parentes e convocando os demais companheiros,
procurando previnirem-se diante das novas circunstâncias.
Num contexto de conflito, destinaram uma finalidade bélica à escrita, reproduzindo
os mecanismos de requisição que predominavam nas relações entre as reduções e o Estado.
Isso os levou a recorrerem aos bilhetes para convocar os demais companheiros à defesa
comum, solicitando a autorização ao cabildo para o envio de mais soldados. A gestão das
negociações políticas e demais temas afins competia ao cabildo e àquelas lideranças
reconhecidas como autoridades pela população. O expediente da escrita também servia como
instrumento de comunicação para denunciar, por exemplo, o comportamento de certos
missionários, conforme registrou Nusdorffer, na época em que os jesuítas ainda procuravam
convencer os Guarani a aceitarem a ordem de mudança,
[…] andaban algunas cartas escritas de Indios de su Real à los Cabildantes de sus
pueblos dos dellas vinieron à mis manos, una escrita al cabildo de Santo Tome, otra al de
555
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 407: Carta de Lorenzo Balda al padre comisario Luis
Altamirano. San Miguel, 11 de febrero de 1753.
556
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54.
557
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 7. p. 36.
187
los Martyres, ambas bien escabrosas, daban los soldados Indios en ellas noticia à sus
cabildos que los dos PP del Yapeyu Cura y compañero se avian portado con los Indios y con
el comun dellos malísimamente […].
558
Como se pode constatar, por meio dessas correspondências os Guarani comunicavam
seus companheiros dos atritos existentes entre missionários e os cabildos, visando esclarecer
as populações vizinhas quanto às causas dos desentendimentos. Essas epístolas tinham como
finalidade neutralizar informações desencontradas, sobretudo aquelas pronunciadas pelos
jesuítas. A mobilização guarani foi sustentada, em parte, através de mensagens escritas e,
obviamente, pela ação direta dos mais revoltados. As lideranças guarani freqüentemente
compareciam às reduções, principalmente as situadas às margens do rio Uruguai, para aliciar
os seus parentes à causa comum. As informações enviadas por meio de bilhetes apresentavam
um caráter de comunicado “oficial”, conferindo às mensagens uma importância adicional,
além da vantagem de poderem ser reutilizadas. Os bilhetes poderiam ser relidos e,
ocasionalmente, circular entre aqueles indígenas encarregados de arregimentar a população à
resistência, cumprindo, nesse contexto, o papel de instrumento de mobilização política. Em
resumo, a circulação desses papéis atesta o quanto a prática da escrita estava disseminada no
cotidiano dessas reduções.
4.3.1 Cartas ao fogo: escrita e lealdade
Durante os meses de agitação nas reduções, diversas cartas foram interceptadas e
apreendidas pelos Guarani. Após serem lidas – e nem sempre bem compreendidas, pois havia
poucos leitores habilitados na língua castelhana, de domínio mais oral – muitas foram
lançadas ao fogo. Como se viu, a decisão de Altamirano de se instalar em São Tomé, para
acelerar a mudança, provocou reações extremadas dos Guarani, que decidiram controlar a
circulação de suas cartas. Caso localizassem alguma contendo ordem suspeita ou endereçada
ao comissário, ao vice-comissário ou ao padre Roque Ballester, era rasgada ou atirada ao
fogo. No momento em que lançavam as cartas ao fogo, segundo informou o padre Escandón
ao padre Gervasoni, costumavam dizer: “Cone añanga quatia, tocay mburu”, e isso quer
dizer: “[…] carta del Diablo, al fuego con ella y quemese con la maldición, ô trampa, porque
de todos los Padres se sospechaban pero especialmente de estos tres”.
559
558
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 267.
559
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 52. Carta del P. Escandon al P. Gervasoni.
Cordoba, 2 de septiembre de 1754.p. 27 y verso.
188
As crônicas dos jesuítas informam que o padre Alonso Fernández tentou por 14
vezes fazer chegar cartas às reduções rebeladas, porém suas tentativas sempre eram
descobertas pelos Guarani.
560
Certo dia, o padre Fernández decidiu esconder algumas
instruções no fundo de um saco de legumes a ser enviado ao padre Carlos Tux, na redução de
São Nicolau. A artimanha do jesuíta surtiu resultado positivo. O padre Carlos Tux recebeu o
saco de legumes e, logo após esvaziá-lo, encontrou as ordens enviadas. Em um domingo,
durante a missa, o padre Tux decidiu ler a carta e as demais instruções recebidas. Entre a
platéia estavam os moradores de São Nicolau, acompanhados de alguns cabildantes de São
Luís. Estes últimos manifestaram uma reação violenta às ordens. As cartas foram
imediatamente retiradas das mãos do padre e queimadas na praça da redução.
561
Segundo a
descrição de Francisco Mateos, os Guarani fizeram uma fogueira e jogaram todas essas cartas,
gritando enfurecidos: “Estos si que son catiás del diablo. No somos nosotros cristianos? Por
qué nos han de quitar la misa? Por qué nos han de sacar a nuestros santos sacerdotes y
privarnos de los sacramentos?
562
Esse episódio também foi registrado por um Guarani missioneiro. O então servidor
de São Miguel, Primo Ybarenda, escreveu uma carta ao governador de Buenos Aires
descrevendo alguns acontecimentos recentes nas reduções. Nesse texto, Ybarenda comenta os
incidentes ocasionados pelos índios de São Luís diante da leitura da carta na igreja de São
Nicolau
[…] entonces fueron 30 soldados de San Luis al pueblo de San Nicolas y a 8 de
septiembre al cavo en la Iglesia en presencia de todos cogieron dichos papeles de manos del
P. Carlos y los quemaron en la plaza; estos es lo que han hecho los de San Luis.
563
Certamente, muitas indagações podem ser formuladas diante da iniciativa de
Ybarenda de comunicar por escrito ao governador esses últimos acontecimentos, como as
divergências existentes entre algumas reduções. Por que diante da desaprovação dos Guarani
560
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc.7. Relación de lo que la Compañia de Jesus há hecho y
padecido en el Paraguay, en cumplimiento de los Ordenes de Su Magestad. p. 38
561
MATEOS, Francisco. La guerra guaranítica y las misiones del Paraguay: Primera Campaña (1753-1754).
Missionalia Hispanica, año 8, n. 23, 1951, p. 270.
562
MATEOS, 1951, p. 271.
563
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42, Doc. 3 [cópia de tradução de uma carta escrita por Ybarenda];
Pastells reproduziu boa parte desse documento, contudo o jesuíta omitiu uma informação fundamental, ou seja, a
questão da autoria desse texto. Pastells atribui a Ybarenda apenas a tradução desse texto, deixando de informar
que foi o próprio Ybarenda quem o redigiu, como consta ao final da cópia traduzida ao espanhol (PASTELLS,
1949, p. 247).
189
com a leitura da carta, os cabildantes de São Luís decidiram queimá-la e não simplesmente
rasgá-la?
A documentação apresenta detalhes de como ocorreu a queima da carta: foi evocada
verbalmente a relação das cartas com o diabo, o que pode ser visto como um ato ritualizado e,
portanto, carregado de significados simbólicos. Como ritual, expressava de forma excepcional
o drama a que estavam submetidos os índios.
Quais são as leituras possíveis dessa dramatização? Uma leitura antropológica pode
indicar o quanto o ritual de queima de objetos tem uma força e um apelo bastante amplo, e
permite inúmeras interpretações, inclusive dos próprios protagonistas. O ritual pode conduzir
os participantes a estabelecer uma interpretação unívoca diante de diversas possibilidades e
incertezas.
564
Os cabildantes parecem fazer um uso político da queima das cartas. De um lado,
acusam os jesuítas de “traição”, forçando a expressão da lealdade através de símbolos do
cristianismo e, de outro, angariam mais indígenas a pactuar com suas posições. Poderíamos
interpretar essas queimas rituais como atos de exigência de lealdade e não diretamente uma
ruptura com os missionários. Em volta do fogo, expressões singulares ou individuais podem
estar sendo conduzidas a consensos coletivos.
Conforme observou Francisco M. Gimeno Blay, queimar papéis e livros é um ato da
mais extrema violência contra a cultura escrita, e costuma ocorrer porque as idéias em um
texto escrito não podem ser rebatidas no momento, ou mesmo argumentar-se imediatamente
contra elas.
565
Ainda esclarece que a eliminação de papéis pode partir tanto do segmento
dirigente quanto dos grupos subalternos, e quando a ação parte dos primeiros sempre
pressupõe eliminar uma memória histórica. De todo modo, a destruição de documentos
implica uma clara intenção de eliminar símbolos de poder.
Quando os luisistas queimaram as cartas na praça maior da redução de São Nicolau,
um dos principais focos de oposição à mudança, procuravam, portanto, romper com um
passado de submissão às ordens escritas provenientes dos superiores jesuítas. Lançavam esses
papéis ao fogo como uma demonstração de que não se curvariam às disposições, que estavam
em contradição com tudo o que lhes fora ensinado. O fogo seria purificador, em analogia a
outros momentos nos quais se recorreu às chamas para extirpar enfermidades ou signos de
564
A título de comparação podemos mencionar o potlach, analisado por Marcel Mauss, como um ritual de
rivalidades entre grupos que, ao queimarem alimentos destinados a um banquete comum, exigem do outro grupo
um ato recíproco. Explicita-se no antagonismo um pacto, uma aliança. Tal pacto reforça a lealdade a um doador
divino, sob o qual os grupos antagônicos estariam igualmente submetidos e “devedores” (MAUSS, Marcel.
Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974).
565
GIMENO BLAY, 2001a.
190
idolatria. O ato de queimar cartas representava, aos olhos de alguns indígenas, que a ordem
nelas expressa deixaria de existir e, portanto, a carta perdia o seu valor. Os cabildantes de São
Luís, com a queima da carta, manifestavam sua reprovação da insistência do padre Alonso
Fernández em tentar informar o padre Tux das novas medidas e, ao mesmo tempo,
expressavam a vontade de manter o missionário longe das instruções do comissário, e, ao que
tudo indica, mais próximo das prerrogativas indígenas.
A destruição de cartas, incineradas na praça maior, espaço central e privilegiado das
celebrações nas reduções, não deixam dúvidas quanto à disputa de poder existente em torno
do controle dos papéis entre Guarani e jesuítas, e explicitam, como vimos, uma dinâmica de
exigência de lealdade pelos indígenas. Afinal, os Guarani seguiam comparecendo às missas,
mesmo que com a finalidade de vigiar o que estava sendo transmitido aos fiéis.
4.3.2 As vantagens da escrita: as tomadas de decisões
Como se sabe, as cartas sempre foram o meio de comunicação mais recorrentemente
acionado para o gerenciamento das reduções, fazendo parte do cotidiano missioneiro e
configurando a espinha dorsal da atuação da Companhia de Jesus.
566
O destino conferido
pelos Guarani à escrita pode ser considerado como um desdobramento do convívio da elite
letrada com os jesuítas. As correspondências indígenas foram direcionadas aos comissários,
aos jesuítas e aos demais Guarani, comprovando o amplo uso de que a palavra escrita
desfrutou como instrumento de comunicação estratégica entre a população missioneira.
O contraste entre esse momento de intenso uso da escrita pelos indígenas e as demais
fases da história missioneira, quando as oportunidades de recorrerem ao papel provavelmente
foram mais rarefeitas, tem sugerido questões instigantes em torno das práticas de escrita nas
reduções, e colocam em relevo os usos da capacidade gráfica como forma de mediar as
relações e as tensões entre os diferentes protagonistas. Como já foi dito, o que causa surpresa
é a exigüidade de testemunhos escritos, de papéis escritos pelos Guarani antes do início dos
trabalhos de demarcação. Provavelmente, esses documentos foram destruídos diante do
desinteresse dos jesuítas na sua conservação, pois alguns documentos, mesmo de maneira
fortuita, acusam a produção de textos pelos Guarani no século XVII.
567
566
EISENBERG, 2000.
567
Refiro-me aos bilhetes escritos por Pedro Mbaigua no início da década de 60 do século XVII e à referência de
uma relação de pecados elaborada por um Guarani penitente mecionada em uma carta ânua nessa mesma época.
191
Conforme foi demonstrado, os jesuítas, durante muitas décadas, controlaram o acesso
dos Guarani missioneiros aos instrumentos da leitura e, principalmente, de escrita. Esse foi o
caso das recomendações do padre Andrés de Rada, no século XVII, procurando restringir o
acesso dos índios à documentação intercambiada entre os jesuítas.
568
Diante do nível de
alfabetização das reduções, os Guarani precocemente manifestaram curiosidade pela
correspondência dos missionários, sendo a capacidade de leitura autônoma um motivo de
apreensão entre as autoridades da Companhia de Jesus. Afinal, não fora com esse intuito que
os jesuítas alfabetizaram os seus catecúmenos. Anteriormente, as habilidades letradas
estiveram restritas àqueles indígenas de maior confiança, como os secretários, ou
eventualmente algum corregedor. E a exigüidade de documentos produzidos pelos Guarani
antes de 1750, expressando opiniões políticas ou testemunhos pessoais, reflete as próprias
restrições e controles impostos pelos jesuítas. Quando os Guarani questionaram as autoridades
religiosas, em um contexto de crise generalizada, surgiram oportunidades para fazer uso das
habilidades letradas, desenvolvidas ao longo de várias gerações. Nesse contexto, começaram a
surgir escritos indígenas em grande quantidade e com uma freqüência pouco usual em relação
a períodos anteriores.
O domínio das práticas letradas aliado à crescente necessidade de produzir registros
permitiram aos Guarani articular as ações preventivas contra as comissões encarregadas de
fixar os novos limites fronteiriços. No final de fevereiro de 1753, pouco antes do encontro
com a primeira partida demarcadora, o tenente guarani Alexandro Mbaruari, por exemplo,
escreveu ao corregedor de São Miguel, Pasqual Tirapare.
569
Através dessa carta, Mbaruari
informava o corregedor dessa redução que, a partir desse momento, contavam com o auxílio
dos “infieles”:
[…] y por eso los Infieles quitaron los cavallos de los Españoles dejandolos mui
pobres para seguirnos como intentaban. Y en esto se conoce que Dios nuestro señor nos
tiene lastima. Y por eso quando se oyere que vienen los pobres Ynfieles que los soldados los
tengan cuidado, y esto lo sepa la gente de la Estancia para que no los maltraten: no se este
dia donde estaran, o quiza estaran en Yapeyu. Aora en esta ocasion son nuestros
Compañeros, y nos han de ayudar de los que nos aborrecen […].
570
Como se pode constatar, as lideranças guarani recorreram à escrita como um recurso
que visava aumentar as possibilidades de uma ação coordenada contra a iminente chegada dos
568
Sobre este assunto, ver o Capítulo 2 desta tese.
569
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7433, Doc. 278 [carta em guarani, anexa ao processo].
570
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378, Doc. 91 [tradução da carta do tenente Alexandro Mbaruari ao
corregedor Pasqual Tirapare, de 20 de fevereiro de 1753. A carta original em guarani está no Legajo 7433].
192
comissários demarcadores às suas terras. Essa carta visava informar o corregedor de São
Miguel sobre a aliança, pouco esperada, estabelecida com as populações indígenas conhecidas
como “índios infiéis”
571
. Por esse motivo, o tenente Mbaruari tratou de antecipar-se aos fatos,
procurando assim evitar possíveis constrangimentos com potenciais aliados.
Quando, no final de fevereiro de 1753, concretizou-se o primeiro contato com os
comissários demarcadores, os Guarani recorreram à escrita como instrumento de negociação.
Após algumas tratativas, somente consentiram no avanço dos comissários espanhóis, barrando
o caminho aos portugueses. Nesse encontro estavam presentes o capitão Joseph Ventura
Tiarayú, então alferes de São Miguel, o alcaide maior Miguel Taisuicay e o secretário Felipe
Zubay. Os três enviaram uma carta em língua guarani a Echavarría, que logo depois de
traduzida foi respondida.
572
Nessa carta, apresentavam as razões pelas quais não abandonariam suas reduções e o
motivo pelo qual seguiriam defendendo-as: “[…] aun con todo eso permitimos, que paséis
por esta tierra, que vivimos; pero a los portugueses no concedemos ni un poquito, que pasen
por estas tierras […]”, agregando que “[…] todos los Caziques se han jurado, y han
determinado que no combiene entregarlas”.
573
O principal óbice à passagem das comissões
demarcadoras, como se pode constatar, era a presença dos portugueses. O discernimento dos
índios miguelistas diferenciando o lusitano do espanhol, seja em função dos uniformes ou
pelo próprio conhecimento que tinham das línguas ibéricas, demonstra a sua percepção
aguçada daqueles que realmente eram os inimigos a serem rechaçados.
Desse modo, comunicavam ao comissário Juan Echavarría a decisão de não
abandonarem as suas terras. Esse comissário, ao responder a carta dos “três índios”, solicitou
esclarecimentos quanto aos motivos que alegavam impedir a execução das ordens reais.
Echavarría, inclusive, aproveitou para solicitar “el favor de su resposta por escrito, que no
dudo tenga en su gente quien se la escriba a cuio favor quedare obligado, y prompto a
servirlos en quanto sea de su agrado”.
574
Com esse pedido, o comissário estimulava o uso da
comunicação epistolar, alegando que a medida visava isentá-lo de futuros “cargos que me
571
O termo “índios infiéis”, apesar do seu caráter etnocêntrico, será mantido pois as fontes referem-se a esses
indígenas dessa maneira. A desigação de “infiéis” diz respeito às populações historicamente conhecidas como
Charrua e Minuano (podendo também figurar como yaros ou guenoas conforme a fonte consultada ) que, de
modo geral, não aceitaram a vida em redução, sendo nomeados de “infiéis” em contraposição àqueles que
aceitaram viver sob a tutelados dos missionários. Sobre esse tema, ver: BRACCO, Diego. Charrúas, guenoas y
guaraníes: interacción y destrucción: indígenas en el Río de la Plata. Montevideo: Linardi y Risso, 2004.
572
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7378, Doc. 91: Copia de una carta que entregaron los Indios al
Comisario de la primera Partida traducida de su Idioma Guarany al Castellano.
573
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7378, Doc. 91.
574
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7378, Doc. 91.
193
puede hacer el Rey” diante do não cumprimento da ordem de transmigração. Dessa maneira,
iniciava-se uma sistemática de trocas epistolares entre Guarani e autoridades reais, que
caracterizaria os demais momentos de conflito nas reduções.
Um exemplo disso é a resposta enviada da estância de Santo Antônio, em 3 de março
de 1753, pelos índios de São Miguel ao próprio comissário Juan Echavarría.
575
A escrita,
nessa ocasião, também serviu aos Guarani para comunicar ao padre Thadeo Henis os
distúrbios provocados na estância de Santo Antônio.
576
Bastava uma notícia ou qualquer
novidade referente à movimentação de soldados, e os Guarani prontamente começavam a
enviar bilhetes ou cartas às demais reduções.
4.4 O autogoverno dos Guarani: o poder de decisão indígena
Os episódios relacionados à demarcação de limites determinaram uma nova
correlação de forças no interior das reduções orientais. O controle político outrora exercido
pelos padres missionários pouco a pouco foi sendo questionado, abrindo espaço para o
surgimento de novas lideranças guarani. O poder temporal dos jesuítas, já contestado em
outros momentos, foi definitivamente confrontado por uma parcela da população missioneira
contrária à aplicação das cláusulas presentes ao Tratado de Limites, particularmente as
referentes ao traslado da população das reduções orientais.
A documentação de circulação interna, de caráter reservado, enviada pelos jesuítas
missioneiros aos seus superiores, permite esboçar abordagens do papel desempenhado pelas
lideranças indígenas durante o período de conflito. Muitos Guarani, por sua posição na elite
indígena, tiveram uma atuação destacada, nesse contexto de crise, frente à redefinição dos
espaços coloniais.
A leitura e o cruzamento das informações históricas têm revelado a presença de
distintos protagonistas indígenas nesse alvoroto missioneiro. Personagens como Alexandro
Mbaruari, Cristoval Paica, Rafael Paracatu, Cristoval Acatu, Miguel Mayra, Pasqual Yaguapo
e Valentin Ybarigua, entre outros, não eram considerados pela historiografia como lideranças
dignas de referência.
577
575
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo120, Doc 7.
576
Documentos relativos a la ejecución del tratado de limites de 1750 (DOCUMENTOS RELATIVOS…,
1938).
577
As pesquisas históricas, em geral, apenas concederam destaque a duas lideranças nos episódios de sublevação
nas reduções: Sepé Tiarayú e Nicolas Ñeenguiru. E mesmo assim, conforme observou Eduardo Perez Ochoa,
La actividad de Sepé há proporcionado elementos a alguns investigadores, para convertir su figura en símbolo
194
As referências aos Guarani missioneiros na documentação em geral são genéricas e
descrevem atitudes muito padronizadas. Durante o período de demarcação, houve a
preocupação, principalmente dos jesuítas, em registrar certos traços de caráter individual de
alguns desses indigenas. Isso decorre de uma atitude de oposição guarani à presença dos
comissários demarcadores. Devido à atuação desses índios principais, encontram-se nas
fontes históricas a descrição de suas características mais particulares, visto que, em alguns
momentos, foi necessário denunciar ou mesmo alertar quanto ao possível grau de
periculosidade de alguns Guarani insurretos.
578
Assim, em janeiro de 1753, Lorenzo Balda,
em carta ao comissário Altamirano, informou a respeito da ação de alguns indígenas. Segundo
este jesuíta, três já mereciam estar desterrados:
[…] Pedro Payca, Miguel Mayra, Agustin Mayra que se hace cacique sin serlo. Estos
han pervertido a los caciques siguientes, Alexandro Guaytipoi, que tiene 9 vasallos.
Clemente Tariuma, que tiene 89. Bernabé Payare que tiene 53. Mariano Payca 44. Feray
106. Yarui 82. y otros que handan a sombra detexado.
579
A importância dos caciques fica evidente diante da indicação do número de vasallos
que cada um comandava, e sinaliza que, nesse contexto de crise, foram deflagradas novas
lideranças. Como se pode observar, nos informes de missionários surgem nomes e
sobrenomes dos principais amotinados. Diante da situação de insubordinação generalizada, o
próprio Balda recomendava na mesma correspondência:
[…] a los tres primeros después de bien sobados los destierre, adonde nunca se vean
y a los otros que se buelvan después de bien sobados, y tambien si fuere entre ellos uno
llamado Felipe Zubai, que es gran revolvedor que sea desterrado por algun tiempo.
580
A sugestão de medidas dessa natureza é uma declaração explícita do quanto estavam
os índios dos cabildos agindo por motivação própria, como agentes políticos autônomos, e
principalmente em oposição frontal às orientações dos jesuítas. Manifestações como essa
evidenciam que não houve passividade guarani e que tampouco eles foram manipulados pelos
de la resistencia indígena, en esa parte de Iberoamérica. Tales análisis históricas se presentan eclipsando a
otras individualidades guerras, inclusive al mismo Nicolas Ñeenguiru […].”(PEREZ OCHOA, 1994, p. 130).
578
A respeito do paradigma onomástico que propõe reconstruir a partir dos nomes identificados nas fontes seriais
o entrelaçado de diversas conjunturas, ver: GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel,
1989a, p. 169-178.
579
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7378. Doc. 38 (Copia): Carta de Lorenzo Balda al padre comisario Luis
Altamirano. San Miguel y enero 18 de 1753.
580
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7378. Doc. 38 (Copia): Carta de Lorenzo Balda al padre comisario Luis
Altamirano. San Miguel y enero 18 de 1753.
195
jesuítas: as atitudes estiveram motivadas por lógicas próprias, resultado da interação com a
sociedade colonial. Nesse sentido, os períodos de maior conflito possibilitaram a emergência
de novas lideranças, mais do que nos de subordinação aos jesuítas, quando os índios não eram
reconhecidos como agentes políticos dotados de autoridade.
A carta de Lorenzo Balda ainda informa sobre Felipe Zubai, secretário de São
Miguel, que, juntamente com Sepé Tiarayú e o alcaide maior dessa redução, manteve contato
com a primeira partida demarcadora, em fevereiro de 1753. Nesses encontros, os secretários
foram figuras-chaves, por suas habilidades letradas e, provavelmente, por apresentarem algum
conhecimento do idioma espanhol. Igualmente, sempre estiveram presentes em situações
solenes, em momentos de tomada de decisão para os rumos da vida em redução. Afinal, estes
eram os sujeitos responsáveis pela memória escrita e, portanto, indivíduos capazes de atuarem
de maneira próxima à lógica ocidental. Outros secretários também participaram em momentos
de contato com os demarcadores, demonstrando as relações existentes entre escrita e poder
nos cabildos missioneiros.
As incertezas diante da chegada dos demarcadores rapidamente abalaram a confiança
depositada nos jesuítas, que seguiam reconhecendo a relevância do trabalho executado pelos
padres nas questões espirituais. Todavia, negavam-se a seguir acatando as ordens relativas às
questões temporais. A tentativa dos jesuítas de cooptar os corregedores – conhecidos como
homens de confiança dos missionários por desempenharem o papel de mediadores entre a
massa indígena e os religiosos – gerou reações violentas por parte dos caciques. Alguns
corregedores correram risco de vida ou foram afastados das suas funções porque procuravam
convencer os demais da necessidade da transmigração.
581
O padre Luis Charlet, ao tentar
convencer um cacique a respeito da transmigração, por exemplo, recebeu a seguinte resposta:
[…] dexate desto padre, y no nos moleste mas sobre ello”.
582
A carta do missionário Lorenzo
Balda ao comissário Altamirano, escrita em São Miguel, no dia 19 de janeiro de 1753,
evidencia essa tensão:
581
Uma relação dos maus tratos aos corregedores é a carta de Luis Charlet, de 27 de março de 1753. “A la vuelta
flecharan al Corregidor le abrieron la cabeza, y les molieron a palos […]. A el de Santo Angel según me
escrivio el padre Piza lo quisieron matar de pesadumbre se murió. A él de San Miguel por poco no lo mataron, y
estuvo sacramentado. A el de San Nicolas lo quisieron matar, y se huyo a la Concepción. A el corregedor de
aquí, y de San Miguel nos lo hicieron apear estando el Pueblo en tumultos […]”. (A.H.N.: Sección Clero-
Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 7. p. 20).
582
R.A.H.: Fondo manuscrito. Colección Mutis. Carta de Charlet a Altamirano. San Juan y noviembre 8 de 1752.
196
Dieronme palabra que no se haria daño pero que se les quitase el Corregidor y que
nadie les tocase mas punto de mudanza; y volviendose a mi me dixeron que les mandasse
cuanto yo quisiese, que me odebezerian, pero que jamás le tocase dicho punto.
583
Os caciques foram os principais responsáveis pela oposição à ordem de mudança, e
diversos episódios ocorreram nas reduções orientais diante da cizânia entre caciques e
corregedores, que se posicionaram, inicialmente, de maneira favorável à mudança, em
desacordo frontal com a decisão dos caciques e demais integrantes do cabildo. O padre Luis
Charlet, missioneiro responsável pela redução de São Lourenço, em carta a Altamirano,
datada de 27 de março de 1753, expressava com clareza essa nova realidade:
Los caciques sin que lo sepamos, si hacer caso de nosotros, envían su gente, se avisan
con sus papeles de día, y de noche, y dicen que si los españoles vienen a ayudar los
portugueses que irán, que harán […].
584
Nesse momento, a voz dos caciques se impôs. O rompimento da aliança jesuíta-
guarani
585
determinou o uso da comunicação escrita que atendia à necessidade de diligência
no repasse das informações. Ou seja, sem implicar a ausência desses indígenas, equiparava
simbolicamente suas decisões àquelas tomadas pelos comissários demarcadores. Assim, os
Guarani colocaram em prática um autogoverno nas reduções. Os indígenas que ainda
mantinham-se receptivos aos jesuítas, por exemplo, foram comunicados por escrito do risco
que estavam correndo. O padre Luis Charlet, em 1753, mencionou um papel que havia
interceptado, cuja mensagem advertia os poucos Guarani que seguiam apoiando os jesuítas:
Hemos sabido que vosotros contra nuestra voluntad estáis obedeciendo al padre por
tanto queremos ir allá; pero antes que lleguemos tratad de irnos con el padre a donde
quisierdes, porque si os hallamos morireis todos à nuestras manos.
586
Por meio desse bilhete, verificamos a manifestação da autonomia de um grupo de
indígenas frente ao poder que anteriormente era prerrogativa exclusiva dos missionários.
Mesmo contando com algum apoio, os religiosos estavam com sua capacidade de
583
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378. Doc. 37 (Copia).
584
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo, Caja 1, Doc. 7. Breve resumen del Tratado entre España y Portugal
tocante a varias Provincias de la América Meridional, p. 20
585
Durante todo o período missional o relacionamento entre os jesuítas e as lideranças guarani foi de uma
constante negociação, e, por vezes, houve momentos tensos, abalando os pressupostos que pautavam essa
aliança. Por vezes, os índios demonstravam interesse em arbitrar em temas relativos ao “governo político”,
conflitando com a autoridade dos padres (AVELLANEDA, 1999, p. 173-200).
586
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 7. p. 26.
197
convencimento debilitada diante do autogoverno guarani. O provincial José Barreda, em carta
ao comissário Valdelirios, escrita em julho de 1753, de Córdoba, reconhecia a falta de
autoridade reinante nas reduções:
[…] ya sin respecto a los Padres tumultuados en comun los privan de los oficios, y
disponen por si sus expediciones de guerra, embiando fuera del Pueblo tropas, cuando antes
de este caso no se atrevia ninguno à salir del Pueblo, sin pedir antes licencia à los
padres.
587
Os Guarani estavam exercendo o seu poder de decisão, enviando “espiões” a todas as
partes. Motivados por dinâmicas próprias chegaram, inclusive, a rebatizar as reduções,
provavelmente com nomes em guarani, abandonando as designações cristãs. A esse respeito,
quem nos informa é o sempre mencionado padre Luis Charlet, encarregado da redução de São
João. No dia 12 de fevereiro de 1753, escreveu “[…] he oido que todos los Pueblos se
apellidan. Esto he juzgado el deber avisarselo”.
588
Charlet somente tomou conhecimento
dessa medida através da fala de um Guarani, sem que fosse posta por escrito, sinalizando que
muitas das estratégias indígenas durante o alvoroto mantiveram-se circunscritas à
comunicação oral.
Um tema explosivo entre os Guarani, por ocasião do primeiro encontro com os
demarcadores em Santa Tecla, foi o valor destinado pelo monarca espanhol para os jesuítas
custearem os trabalhos de transmigração. Como o rei concedeu 4 mil pesos por redução,
totalizando 28 mil, os demarcadores aproveitaram para divulgar aos índios que os padres
haviam vendido as reduções por esse valor.
589
Essa notícia debilitou o relacionamento dos
Guarani com os jesuítas, por sentirem-se traídos, resultando em reações exaltadas e marcadas
pelo desencontro entre as informações orais e as escritas. Segundo Charlet, em carta ao
comissário Altamirano, os Guarani “[…] nos han perdido el amor y no se fian de nosotros
como antes, y sabe Dios en que parara este alboroto […]”.
590
A desconfiança foi agravada
diante da insistência com que os misssionários abordavam o assunto, despertando muitas
dúvidas nos índios quanto ao real interesse dos jesuítas na execução do tratado.
587
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378, Doc. 103.
588
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 7. p. 20.
589
A respeito desse episódio, Nusdorffer informou “[…] havian dados los Remarcadores dos noticias especiales
(suponese fue la gentalla que vino con ello) la primera, que era verded que el P. Comisario era Portugues y
maestro de campo de ellos […] la 2 noticia que alla les dieron fue que los Padres los querian entregar a los
Portugueses y que avian ya recebido la paga” (MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 205).
590
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mutis – Colección de documentos de América. Paraguay – Legajo
encuadernado de papeles varios impresos y manuscritos sobre asuntos de em la 2 mitad del siglo XVIII y sobre
la expulsión de los jesuitas de Portugal. Sig 9/2278. San Juan y marzo 18 de 1753. Luis Charlet.
198
Como já foi dito, nesse contexto de enfrentamentos e de contraposição entre
autoridades foram sendo gestadas novas lideranças nas reduções.
591
Os líderes guarani em
evidência eram reconhecidos pelos demais indígenas, mas desconsiderados como tal pelos
jesuítas. Para coibir a ação dos insubmissos e evitar uma propagação do alvoroto, os jesuítas
procederam ao desterro de algumas lideranças.
592
Contudo, a adoção de medidas como essa
não apresentaram resultados positivos, e a insubordinação alastrou-se a outras reduções,
inclusive àquelas que não estavam envolvidas diretamente na permuta.
A tentativa dos jesuítas de solucionar a negativa indígena com os métodos já
conhecidos, como eram os desterros, esbarrou na posição decidida dos índios principais, que
se negavam a aceitar qualquer tipo de argumento, mesmo quando mediados por suas
lideranças. Em agosto de 1753, Sepé Tiarayú enviou, da estância de Las Yeguas de Santa
Rosa, uma carta informando o padre Miguel de Soto:
[…] voi a hablarle al Alcalde a preguntarle lo que há hablado los Españoles mi P.e y
me há dicho, lo que han hablado, à nosotros con los Españoles mi P.e y me há dicho lo que
han halado, à nosotros nos há embiado el Superior a traer los hijos del Capn Joseph, y
tambien traemos cartas para el Superior de los Indios no para el P.e desean saber los
Superiores la poca gana que tienen los Indios de dejar sus pueblos […].
593
Em outra ocasião, Sepé novamente tentou acalmar os Guarani mais exaltados,
solicitando que permitissem a saída dos religiosos que mantinham incomunicáveis na estância
onde estavam aquartelados. Contudo, mesmo procurando socorrer esses jesuítas, Sepé
recordava ao superior que eles
[…] son los que tienen y enseñan las buenas costumbres: Mirad que no los perdaís
dejandolos irse de con vosotros, ni vosotros los deseéis esto mismo repetio otras tres veces
San Miguel al Cacique Don Alonso Tapayu: Y asi mi santo Padre Superior, tu y los demas
P.P procurad que se encienda, y conserven la luz de la fe, y no que se apaguen en nosotros.
Esto pido por amor de Dios N.Sr […].
594
591
O “liderazgo indígena” teve papel fundamental na organização interna das reduções. Segundo Wilde, “[…] el
régimen jesuítico conservó autonomia a los cacicazgos que se integraron a las reducciones, desarrollo un
lenguaje político que permitió imaginar la nueva comunidad y estandarizó el ritual y la guerra como prácticas
aglutinantes de la población indígena” (WILDE, 2003a, p. 28).
592
Sabemos que de São Miguel foram desterrados Miguel Andaru e Bonifacio Arira, por empenho de Thadeo
Henis, quando procurava recuperar o controle na estância de Santo Antônio. Dos nomes denunciados por Balda
em 1753, alguns reaparecem novamente no manuscrito redigido pelo ex-provincial Manuel Quirino, em 1758.
Nesse texto, Quirino apresenta um balanço dos acontecimentos protagonizados pelos Guarani nos últimos anos,
e menciona alguns índios miguelistas que foram desterrados.
593
Documentos relativos a la ejecución del tratado de límites de 1750 (DOCUMENTOS RELATIVOS…, 1938,
p. 241).
594
R.A.H.: Sobre el Tratado con Portugal en 1750. P. Manuel Quirino. Sig: 9/2279, nota 51.
199
Igualmente, nessa carta, Sepé recordava a aparição de São Miguel,
595
padroeiro da
guerra, e cobrava uma atitude coerente dos missioneiros ao que haviam pregado e ensinado
aos Guarani. E, em meio às tensas negociações, utilizando-se de símbolos cristãos como
maneira de dissuadir e estabelecer termos comuns, configurava-se uma contestação política.
Nesse contexto, alguns jesuítas, inclusive, foram mantidos incomunicáveis ou mesmo
ameaçados de morte. As seguidas tentativas dos jesuítas, no sentido de facilitar aos
demarcadores a execução de seus trabalhos, contribuíram para consumar o rompimento da
aliança com os Guarani que, a partir desse momento, destinaram à escrita uma finalidade
política, ou seja, de instrumento primordial de suas práticas de autogoverno.
4.4.1 A escrita epistolar dos cabildos: os comunicados oficiais ao governador
Em maio de 1753, o governador de Buenos Aires, José de Andonaegui, diante da
negativa indígena das ordens de transmigração, decidiu enviar através do superior das
missões, Mathias Strobel, uma carta de intimidação aos Guarani rebeldes. Andonaegui
provavelmente escreveu, com a anuência de Altamirano, uma carta com as mesmas ameaças
aos capitães e caciques das reduções da banda oriental e a de Conceição, igualmente rebelada.
Como assinalou Francisco Mateos, historiador da Companhia de Jesus, o efeito dessas “[…]
cartas fué desastroso en los indios y los confirmó más en su obstinación de no entregar sus
pueblos y responder con la guerra a las amenazas de guerra que les hacia el gobernador”.
596
Essa conclusão é surpreendente, principalmente por tratar-se da opinião de um jesuíta e pelo
fato de reconhecer que as reações dos Guarani foram resultado dos próprios sinais emitidos
pelos colonizadores.
Ao tomarem conhecimento do conteúdo dessa carta, os índios realizaram suas
assembléias e decidiram aceitar a guerra. Dessa maneira, cada cabildo respondeu
separadamente a Andonaegui e, em julho de 1753, foram enviadas sete cartas a Buenos
Aires.
597
Segundo Bartomeu Melià, essas cartas dos cabildos indígenas são as melhores
páginas de literatura guarani, apresentando grande criatividade expressiva “[…] donde aun a
595
A propósito das aparições, convém recordar: “Decenas de experiencias visionarias, enmarcadas, catalogadas
y difundidas por la Compañia de Jesus, familiarizaron a las multitudes indias y mestizas con el otro mundo de
los cristianos. La visión edificante se comentó y repetió en sermones que solían recurrir a la dramatización y al
psicodrama colectivos. La visión estava estrechamente emparentada con la imagen.” (GRUZINSKI, 1995, p.
112).
596
MATEOS, 1951, p. 246.
597
Uma análise dos conteúdos presentes a essas cartas foi desenvolvida no capitulo 3, primeira parte desta tese.
200
partir de conceptos coloniales, de la vida reduccional, se abre paso a un pensamiento
guarani que entronca con los discursos políticos de los jefes religiosos no colonizados”.
598
Esses documentos, redigidos em língua guarani, são considerados a expressão maior,
mas não única, da articulação política desses indígenas e da noção histórica do momento que
viviam. Há uma certa insistência, por parte de alguns pesquisadores, na análise da
excepcionalidade do momento e das sete cartas, que devem ser analisadas como parte de um
corpus de documentos mais amplo, ou seja, como parte do conjunto da produção escrita
guarani.
É oportuno esclarecer, ainda, que seis dessas cartas estão assinadas coletivamente e
uma individualmente, no caso, por Nicolas Ñeenguiru, corregedor da redução de
Conceição.
599
O cabildo de São Borja, mesmo fazendo parte das reduções orientais implicadas
na permuta, absteve-se de enviar carta ao governador de Buenos Aires. Essa redução não
manifestou qualquer sinal de contrariedade às ordens de mudança. O motivo dessa indiferença
borgista pode ser compreendido, segundo a avaliação de Juan Lagunas, pelo fato de que nesse
[…] pueblo concorren muy distintas circunstancias, que en los demás. Es el peor de
todos, sus casas, y las de los P.P muy malas y viejas, la Iglesia aunque fue buena, muy
deteriorada. Yerbales echos no tienen como los otros, ahora empiezan; sus tierras de
estancias no se les quita, porque caen fuera de la linea divisoria y aun esta su estancia mas
cerca del paraje de la transmigración […].
600
Essa informação esclarece, portanto, que o comportamento dos cabildantes de São
Borja não dizia respeito a um caso exemplar de obediência, mas de certa indiferença ao
traslado e sobre seus reais prejuízos. Também é possível, a partir desses dados, desfazer uma
idéia equivocada e difundida na historiografia ao relacionar automaticamente as sete cartas às
sete reduções orientais. As manifestações de desagrado ao tratado não estiveram circunscritas
apenas àquelas implicadas na permuta de território, estendendo-se a outras reduções,
localizadas na margem ocidental do rio Uruguai.
A comunicação epistolar entre Andonaegui e os cabildos missioneiros revela outro
aspecto do valor conferido à palavra escrita pelos Guarani, principalmente pelo aparato
político-militar que a sustentava. Escrever cartas requeria dominar um conjunto de
convenções que estava muito além da mera alfabetização. Os Guarani letrados, por
598
MELIÀ, 1997, p. 267.
599
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 1, Doc. 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38.
600
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 42. Capitulos de Cartas de Juan Lagunas, año 1753.
201
compartilharem dos valores culturais subjacentes à escrita, responderam prontamente à carta
enviada pelo governador, informando a decisão adotada coletivamente.
Essas cartas são consideradas pela historiografia como um brado autonomista
indígena, e são expressões menos submetidas a controle no período reducional. O conteúdo
dessas epístolas era muito similar, o que indica a existência de muitas conversas e discussões
prévias à escrita. Os argumentos, por sua vez, são o resultado das inquietações expostas nas
assembléias, oscilando entre uma linguagem de súplica (religiosa) e um tom ameaçador
(belicoso). Nessas ocasiões de tensão e de enfrentamento, conforme assinalou Martin
Lienhard, “[…] el discurso indígena destinado a los ‘extraños’ se inscribe en la relación
conflictiva entre el ‘colonizado’ y el ‘colonizador’ ”.
601
A partir desse momento, os cabildos começaram a trabalhar no sentido de congregar
a população indígena em torno de uma postura comum. A escrita foi um dos intrumentos
políticos acionados para a mobilização indígena e, em boa medida, estavam os Guarani
reproduzindo a mesma estrátegia utilizada pelos governadores no momento de requisitar
tropas às missões para auxiliar nas obras públicas e formar facções de guerra. Com esse
prodedimento, os cabildantes demonstravam conhecer os meandros das relações entre escrita
e poder, o que explica a resposta enviada a Andonaegui. Igualmente, a confiança depositada
na escrita e o desembaraço no seu manuseio somente se desenvolvem paulatinamente, através
de um constante e permanente envolvimento com documentos.
602
A familiaridade com a escrita permitia aos Guarani negociarem diretamente com a
administração colonial. Nas cartas que escreviam, alertavam que lutariam até a morte em
defesa de suas terras. Os textos mais determinados partiram de São Miguel e São Nicolau,
exatamente aquelas reduções inseridas no processo de reterritorialização, deflagrado no final
do século XVII.
603
As cartas nos permitem duas considerações. Primeiro, os indígenas fazem uso das
missivas como uma maneira de comunicar às autoridades suas decisões, de acordo com as
formalidades que conheciam como próprias da diplomacia; segundo, como já foi
demonstrado, o uso destinado à escrita pelos Guarani, a partir de meados do século XVIII,
favoreceu a emancipação em relação ao cânone religioso, estimulando a redação de formas
601
LIENHARD, 1992b, p. XIII.
602
CLANCHY, Michael T. From memory to written record: England, 1066-1307. London: Edward Arnold,
1979. Nesse estudo, o autor explora os mecanismos acionados pela monarquia anglo-normanda para estimular o
conhecimento da leitura e escrita pelos proprietários de terras, que geralmente eram cavalheiros, a possuir e
compreender documentos. Contudo, essas medidas demoraram a ser assimiladas por esses proprietários.
603
NEUMANN, 2000a.
202
textuais pouco habituais na sociedade missioneira. Como a comunicação epistolar desfrutava
de uma potencialidade excepcional, considerada mesmo por aqueles que não sabiam escrever,
os Guarani em algumas ocasiões delegaram a escrita. Esse foi o caso verificado entre os
soldados de São Luís, quando tentavam localizar o procurador Roque Ballester. Ao chegarem
à redução de Conceição, onde supunham localizar Ballester, obrigaram o padre Thomas
Garcia a escrever uma carta, ditando o seguinte texto:
Vra escriva al P.e Roque que se vuelva a estar en donde Dios le puso, porque si los de
San Nicolas no quisieron que pasase a la otra vanda, nosotros tampoco queremos; pues no
nos trae cosa buena, que si la trajera, ya le dejariamos pasar: ya sabemos à que viene,
nosotros somos christianos los Quatro mil pesos que recivio el governador por esta tierra
digale V. Ra que luego los buelva, que si los Carais quieren la tierra la han de ganar con la
guerra, y nosotros la hemos de defender hasta morir. Y los Infieles tenemos en nuestra
ayuda. No creemos que nuestro Rey diga, ni mande que nos quiten las tierras que Dios nos
dio […].
604
O conteúdo dessa carta sintetiza as principais questões que pautavam as atitudes
indígenas, quando os Guarani repetiram ao padre procurador os motivos de sua discordância
quanto a entregarem suas terras aos “carais”. O que causa surpresa nessa delegação da escrita
é o fato dos demais comunicados terem sido redigidos pelos próprios indígenas. Por que os
soldados de São Luís recorreram a um jesuíta, ditando-lhe uma carta, principalmente em um
momento marcado por desconfianças? Não haveria algum Guarani letrado entre os soldados
que compareceram a Conceição? Esse episódio coloca em evidência as relações de forças
envolvidas entre os que escrevem, para quem se escreve e aqueles que delegam a escrita.
Qualquer explicação dos motivos que determinaram a adoção dessa medida deve considerar o
quanto os procedimentos relacionados à escrita estavam disseminados entre os Guarani, que
conferiam ao registro gráfico o valor de memória. Em suma, os Guarani procuravam garantir
que suas manifestações não fossem relegadas ao esquecimento.
4.4.2 A palavra escrita e a palavra falada
Como foi exposto, a “reação escrita” dos Guarani foi deflagrada a partir do Tratado
de Madri. No momento em que os cabildos decidiram responder à carta do governador de
Buenos Aires, fizeram-no de um ponto de vista muito particular, ou seja, explicitaram suas
insatisfações na sua própria língua. O domínio da escrita, conforme observou Roger Chartier,
604
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Doc. 7. p. 36. Carta de padre Thomas Garcia, escrita al padre
Ballester. Concepción, 30 de agosto de 1753.
203
favorece a uma maior emancipação em relação às formas tradicionais de existência e,
principalmente, diminui a dependência em relação aos intermediadores obrigatórios, como
intérpretes ou leitores.
605
Contudo, mesmo diante da primazia da escrita, o exercício da expressão verbal
sempre foi um atributo muito valorizado entre os Guarani, mantendo-se ativo durante a vida
em missão. Certa ocasião, ao procurar recuperar o controle outrora existente, o sempre citado
Thadeo Henis ameaçou abandonar os índios que assistia. Em resposta a esse jesuíta, um
cacique que estava presente na ocasião respondeu com a seguinte sentença em guarani:
Peyepeayape orehegui oracione” (“Haveis de apartar de nós a oração”).
606
A palavra agora
não era apenas um atributo dos padres, e os Guarani passaram a assumir as decisões de
questões que extravasavam o âmbito capitular, o que os mantinha dependentes, em última
instância, do aval de um superior, no caso o missionário responsável pela redução.
A palavra era central na cultura guarani, sendo a desenvoltura da fala um atributo
fundamental nessa sociedade. Os dons da oratória sempre foram um dos principais critérios
para reconhecer novas lideranças, e colocaram-se como uma habilidade em disputa entre
religiosos e Guarani. Na sociedade missioneira, os entendimentos e consensos eram obtidos
através das arengas, assembléias em que a eloqüência conduzia às decisões coletivas. Apesar
da centralidade da palavra falada, sempre é oportuno enfatizar a importância que a escrita
conferiu a essas negociações, principalmente por facilitar contatos à distância, incrementando
as possibilidades de arregimentar homens aptos a pegar em armas.
No âmbito missioneiro, a garantia de comunicação e o repasse das ordens deveria
contemplar tanto a expressão verbal como a escrita. A esse respeito, Thadeo Henis deixou um
testemunho esclarecedor. Certa vez, os Guarani de São Luís necessitaram recorrer ao auxílio
dos soldados das demais reduções para expulsar os portugueses que ocupavam as terras de sua
estância. Através dos seus capitães, os luisistas solicitaram
[…] socorro á los de San Juan de palavra y a los de San Miguel por escrito, pues era
preciso oprimir con el numero de la gente al enemigo […] Se negocio con unos y otros; con
estos de palabra, con aquellos por escrito, para que se concordasen, y uniesen sus ánimos, y
las armas, casi con este orden de razones […].
607
605
CHARTIER, 1991, p. 119.
606
Carta ao P. Superior Matias Stobel, datada em Santo Angel 6 de Julio de 1753. Assinada por Tadeo Xavier
Enis (ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-
1938. v. 52, 53. Doc. 139, p. 383).
607
COLECCIÓN General…, 1770. Ver nota 528.
204
A informação de Henis demonstra a plena coexistência das duas formas de
comunicação, a oral e a escrita, na sociedade missioneira durante o alvoroto, sinalizando que a
presença de uma modalidade não implicava prescindir da outra. O repasse de informações
através da vocalização foi muito acentuado na sociedade colonial, e a convivência com a
comunicação escrita proporcionava as condições para o surgimento de boatos, de rumores. A
oralidade comportava a via tradicional de comunicação e, portanto, estava sujeita às
alterações e incompreensões geradas pela transmissão vocal. A documentação gerada durante
os anos de litígio nas reduções apresenta indícios da proliferação de rumores, da circulação de
vozes, o que contribuía para disseminar a dúvida e a desconfiança daqueles que não estavam
próximos aos centros de poder na colônia e, portanto, sem oportunidades de contrapor as
notícias recebidas com outras versões.
608
Apesar da escrita apresentar um caráter destacado, nesses anos de demarcação,
quando inúmeras correspondências foram expedidas e apreendidas como provas e peças de
acusação, um dos principais veículos de difusão de notícias seguia sendo a fala e,
freqüentemente, “corría la voz”. Podem-se imaginar as dificuldades existentes em se
averiguar com rapidez a origem nebulosa de algumas informações, e o quanto isso acabava
alimentando a produção de inúmeros boatos.
609
A circulação de boatos na América meridional foi bastante expressiva nesses anos de
incertezas, e coloca em destaque como, em um contexto de crise, as informações
apresentavam-se de maneira desencontrada. Um exemplo é o comentário de Nicolas Patrón,
tenente governador da cidade de Corrientes, ao marquês de Valdelirios. Em correspondência
datada de outubro de 1753, Patrón informava seu superior que “ahora corren vozes que todos
los caciques han escrito a mi Governador que ya los Pueblos se entregan, hazen la voluntad
del Rey, y que ya no tenemos para que salir”.
610
Entretanto, as sete cartas dos cabildos
afirmavam o contrário: os cabildos haviam informado ao governador Andonaegui, por escrito,
a sua decisão de seguirem resistindo e que não entregariam suas terras de maneira alguma. O
608
A proliferação de boatos foi uma constante durante toda essa década. Para apurar a origem dessas vozes
foram formados vários processos. Um dos últimos foi em 1760, e no expediente do processo se encontra uma
lista, em um pequeno pedaço de papel, das questões que deveriam ser formuladas ao interrogados (A.G.S.:
Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 26: Preguntas del Ynterrogatório.
609
Segundo Peter Burke, estudos históricos sobre boato continuam raros, apesar do exemplo de Georges
Lefebvre, que dedicou um livro inteiro à divulgação do chamado “grande temor” de 1789.
Burke comenta que,
mesmo elaborando uma análise meticulosa desse momento singular da história francesa, Lefebvre pouco
acrescentou quanto às diferentes versões que circularam desses boatos que foram determinantes para a queda da
monarquia e a eclosão da Revolução Francesa (BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Unesp, 2002,
p. 139).
610
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7426, Doc. 377: Carta de Nicolas Patron al Marques de Valdelirios.
Corrientes 12 de octubre de 1753.
205
desencontro de informações foi uma constante durante os trabalhos de demarcação, revelando
disputas de poder através das cartas, por parte das autoridades coloniais, dos demarcadores
ibéricos ou dos indígenas. Isso contribuía para ampliar a tensão nos momento de encontro
com o “outro”, resultando, por vezes, em desfechos violentos, como foram os acontecimentos
verificados em 1754.
206
5 A ECLOSÃO DO CONFLITO E A COMUNICAÇÃO EPISTOLAR
5.1 A primeira campanha nas reduções
A partir de 1754, houve um recrudescimento do uso da comunicação epistolar,
especialmente diante da presença in locus dos exércitos ibéricos, que planejavam acessar as
missões por dois caminhos, de maneira independente. Os encontros entre Guarani rebelados e
os exércitos ibéricos implicaram a produção de papéis para notificar os ministros
plenipotenciários a respeito dos últimos fatos. A troca de correspondência foi bastante
expressiva nesse período, e a guerra de papel antecedeu a ação bélica nas missões. Os índios
missioneiros recorreram com intensidade à escrita durante esse ano, principalmente para
notificar às autoridades coloniais do seu desagrado em relação às ordens de mudança, e para
manter informados os demais indígenas. A produção textual dos Guarani, inclusive,
despertava suspeitas, como observou Barbara Ganson
Spanish officials were not convinced by these Guarani letters. The Marqués de
Valdelirios, the Spanish envoy in charge of the boundary commission, and others thought the
Jesuits, not the Guaraní, had written them because they believed that Guaraní were
incapable of composing such fine manuscrits.
611
A desconfiança foi nutrida, principalmente, diante da imagem de passividade dos
Guarani que os próprios jesuítas haviam contribuído em difundir.
612
Contudo, essa imagem,
extremamente idealizada, agora estava sendo contraposta às atitudes indígenas, expressas
tanto na reação escrita como na oposição armada. As cartas e avisos dos indígenas
constituíram-se em uma novidade nessas negociações com as autoridades coloniais, posto que
estas desconheciam a habilidade letrada dos Guarani. O fato é compreensível, pois na
documentação consultada, referente ao século XVII e à primeira metade do século XVIII, não
há qualquer menção do envio de correspondência dos cabildos missioneiros a elementos da
sociedade colonial. Apesar da escrita fazer parte da rotina missioneira, os cabildos, ao que
tudo indica, não produziram informes, somente os corregedores receberam mensagens
enviadas pelos governadores.
613
611
GANSON, 2003, p. 102.
612
As cartas de Altamirano exemplificam essa avaliação. Inicialmente começou descrevendo os Guarani como
“tontos”, desqualificando-os, até o momento que teve que sair das reduções devido às ameaças de morte. Mudou
radicalmente de opinião, e reconheceu que talvez a única saída fosse a guerra para desalojar os Guarani das
reduções implicadas na permuta.
613
Apesar dos governadores provinciais remeterem cartas aos corregedores missioneiros, não localizamos
nenhuma resposta a essas petições, no século XVII, motivo que leva a supor que as cartas apenas eram lidas (e
207
Durante o período em que as reduções estiveram convulsionadas foram registrados
diversos episódios em que a escrita indígena atuou como um dos principais recursos à
comunicação. As informações consultadas indicam que o ano de 1754 foi um dos mais tensos,
sem qualquer sinal de definição quanto a um provável desfecho para a rebelião colonial.
Havia, inclusive, por parte das autoridades coloniais, o receio de um levante generalizado dos
Guarani missioneiros, principalmente pelas vozes que circulavam sinalizando a disposição
indígena para a guerra.
614
Por meio da narrativa de alguns episódios protagonizados entre indígenas e
autoridades coloniais no qual as trocas epistolares estiveram presentes como instrumento de
negociação política, é possível apontar alguns dos usos atribuídos à escrita e à leitura durante
o período de acirramento de contatos e conflitos em territórrio missioneiro.
5.1.1 Contatos com os portugueses: a escrita mediando acordos
Com o início da primeira marcha em direção às reduções, ficou estipulado que os
portugueses seguiriam pelo rio Jacuí e os espanhóis acessariam o território missioneiro por
outra via fluvial, a do rio Uruguai. Esse movimento, em forma de pinça, por parte dos
exércitos peninsulares, produziu dois focos de conflito, um nos campos do rio Jacui e outro às
margens do rio Uruguai.
615
Os Guarani, ao tomarem conhecimento da presença lusitana nas terras pertencentes à
estância de São Luís, decidiram expulsá-los. Como não encontraram ninguém, apenas uns
atendidas), mas jamais respondidas pelos cabildantes. Ver Archivo Nacional de Asunción: Catálogo General de
la Sección Historia. Archivo Colonial. 1663. “El gobernador agradece al corregedor el envio de 20 indios para
la fortificación de Tobati; 1669. El gobernador pide al Corregidor de San Ignacio quince indios para hacer
embarcaciones, vista la noticia que el enemigo francés intenta invadir el puerto de Buenos Aires”; ou o
Documento LX – Agradecimento pelas armas de fogo recebidas. Cordova, 15-XI-1666. Carta de agradecimiento
del Padre Provincial a los Corregidores, Alcaldes etc. de las Doctrinas del Parana, por haber hecho entrega (sic)
de las armas de fuego. Cordova, y Noviembre 15 de 1666. Andres de Rada (MANUSCRITOS da Coleção de
Angelis, 1970 p. 429).
614
As autoridades lusitanas e hispânicas manifestaram com freqüência o temor de uma insubordinação geral de
todas as reduções guarani; um levante dessas proporções ocasionaria um conflito sem precedentes na região. O
receio dizia respeito à capacidade bélica dos índios missioneiros, que haviam atuado inúmeras vezes em facções
de guerra a pedido dos governadores. O general Gomes Freire, a esse respeito, em 1753, manifestou a seguinte
opinião: “As vozes de que todas as Missoens se levantão poderão ter fundamento para se acreditarem porque
bem reconhecer a cega paixão, com que os Padres pretendem não soltar os Povos, que na última necessidade;
assim nem desprezo esta noticia; nem acredito […]” (A.H.U.: Brasil/Limites. Caixa 1, Doc. 36). O militar
espanhol Francisco Bruno de Zabala, em conselho de guerra realizado no dia 16 de janeiro de 1755, manifestou
sua opinião favorável a ocupar as missões orientais, pois temia que as reduções do rio Uruguai e Paraná viessem
a formar “causa común y nacional” (A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7380. Copia. Campamento de la costa
del Uruguay, 16 de enero de 1755).
615
Informações da marcha do exército espanhol e do exército português podem ser consuladas em: MATEOS,
1951, p. 295-316 (item:12. Marchas del ejército español por el río Uruguay; 13: El ejército portugués em los rios
Pardo y Yacuy).
208
ranchos desocupados, atearam fogo às construções. Nesse local, segundo Escandón, deixaram
[…] escrito en una tabla un cierto cartel de desafio, en que decian a los Portugueses, que si
alli volvian à arancharse estuviesen prevenidos para pelear con un buen mozo de Indios, que
presto lo vendrían a buscar outra vez”.
616
A escrita, nessa oportunidade, cumpriu a função de
advertência, pois os Guarani interpretaram a atitude dos portugueses como uma violação ao
seu território. A mensagem deixada pelos Guarani emuna tabla”, sinaliza uma preocupação
com a durabilidade da advertência, o que permite especular que os índios consideravam a
possibilidade de um retorno dos portugueses a essas terras, justificando esse aviso em tom de
ultimato.
Contudo, um enfrentamento entre indígenas missioneiros e portugueses somente
aconteceria nas imediações da fortificação erguida pelos últimos em Rio Pardo. Como esta
construção fora edificada em terras da redução de São Luís, o comando da milícia coube a um
oficial guarani egresso dessa redução, no caso, Alexandro Mbaruari.
617
Esses episódios
resultaram na prisão de 53 índios e, ao final do conflito, o capitão geral dos missioneiros, o
luisista Mbaruari, estava morto.
618
Entre os capturados figurava Joseph Ventura Tiarayú, cuja
atuação passaria à posteridade.
619
Os Guarani capturados e mantidos em cativeiro foram
enviados para a vila de Rio Grande, diante do receio de uma nova investida missioneira para
libertar os prisioneiros. Durante a viagem de transferência para Rio Grande, segundo o
informe de Freire, alguns Guarani rebelaram-se, valendo-se de facas “[…] trazidas ocultas, ou
havidas na embarcação, degolarão tres sentinelas, e com furia cahindo com paoz sobre a mais
guarnição ferirão mais cinco, correndo os sette que ficarao as armaz de fogo”.
620
Por esse
motivo, houve muito tumulto e os Guarani tentaram atear fogo ao barco. Os soldados
616
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 52 Carta del P. Escandón (original) al P. Gervasoni,
que refiere lo hecho desde el principio hasta la fecha em Cordova a 2 de Septiembre de 1754. p. 26.
617
GOLIM, 1998, p. 295.
618
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 454 [um documento anônimo, de 10 de agosto de 1754,
informa que esses 53 índios procediam de 4 reduções, sendo 31 miguelistas, 10 luisistas, 10 lorenzistas e 2
juanistas].
619
A heroicização desse personagem missioneiro rendeu belas narrativas da literatura anônima. Ver o “Lunar de
Sepé” (LOPES NETO, João Simões. Contos gauchescos e lendas do Sul. Edição crítica com introdução,
variantes, notas e glossário por Aurelio Buarque de Holanda. Prefácio e nota de Augusto Meyer. Posfácio de
Carlos Reverbel. Porto Alegre: Editora do Globo, 1957); mas o principal defensor de Sepé como “proto martir
civil” foi Mansueto Bernardi (BERNARDI, Mansueto. O primeiro caudilho sul-riograndense. Revista do Museu
e Arquivo Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 20, p. 197-220, 1928; BERNARDI, Mansueto. O
primeiro caudilho rio-grandense: fisionomia do herói missioneiro Sepé Tiaraju. Porto Alegre: Globo, 1957. 186
p.) e Manoelito de Ornellas (ORNELLAS, Manoelito de. Tiaraju (o santo e herói das tabas). Porto Alegre:
Livraria do Globo, 1960).
620
A.H.U.: Brasil/ Limites. Caixa 1, Doc. 51. Rio Grande de São Pedro, 21 de junho de 1754.
209
portugueses que estavam escondidos na popa da embarcação abriram fogo contra os índios e,
ao final, apenas 14 Guarani desembarcaram com vida.
621
Ao chegarem os prisioneiros a Rio Grande, Gomes Freire, interessado em conhecer
detalhes do ocorrido, indagou-os sobre o motivo pelo qual atearam fogo à embarcação. Estes
responderam, segundo informou o próprio Freire, que os padres lhes haviam dito que
[…] os Portugueses não dão quartel, e se o dão he para deixar escravos os vivos; que
eles vendo os trazião para o Povoado, entendião hera para servir de escarneo as gentes e
depois matallos, e pelo nao sofrerem visto senão poderem defender, intentavão acabar junto
com os Portugueses.
622
A reputação dos portugueses, conforme comentou Nusdorffer, sempre esteve
presente entre os indígenas pois “[…] es entre ellos tradición muy fresca, que biene de
abuelos a nietos, y lo cuentan los Indios viejos en sus fogones […]”.
623
A reatualização da
oposição à gente lusitana ocorria tanto oralmente como por escrito, através das reais cédulas
enviadas pela monarquia espanhola e repassadas às reduções. Assim, as lembranças dos
Guarani desses inimigos históricos estiveram, sempre, sujeitas a um texto. Isso tornava
possível a configuração de uma memória coletiva para além da fragilidade das recordações
pessoais, que se convertia em acontecimento passível de rememoração.
Interessado talvez em amenizar essa imagem negativa, Gomes Freire decidiu
conceder liberdade aos Guarani sobreviventes. Nessa oportunidade, o general português
aproveitou para enviar por intermédio dos indígenas uma carta aos caciques das reduções
orientais.
624
A estratégia adotada por Freire também foi seguida por José de Andonaegui,
governador de Buenos Aires, que em correspondência a Jose Carvajal y Lancaster comentou:
Tube por conbeniente imitando al general Portugues, remitir Yndias y algunos Yndios
prisioneiros con carta mia a los caciques, Justicias y moradores de todos los Pueblos
Orientales y Occidentales”.
625
621
Os episódios dessa função foram narrados por Chrisanto Nerenda, um dos sobreviventes, e a respeito desses
incidentes relatou “[…] como nosotros en nuestros pueblos nunca tuvimos barcos, ni lo usamos en el Uruguay
no alcanzavamos como estaba hecho, que puertas o esconderijos tenia, ni entradas ni salidas […]”. (A.H.N.:
Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 56. Relación de lo que sucedió a 53 Indios del Uruguay […]. p.
2).
622
A.H.U.: Brasil/ Limites. Caixa 1, Doc. 51. Rio Grande de São Pedro, 21 de junho de 1754.
623
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc. 77. p. 23.
624
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7430, Doc. 53: Copia de la carta que escrivio el general Gomes Freire de
Andrada a los caciques de los siete Pueblos rebelados. Campo del rio Pardo a 18 de Julio de 1754. Nessa carta
Freire informou “[…] quiero embiar a sus respectivos pueblos los prisioneros que les pertenecen […]”.
625
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304.
210
A carta enviada por Freire procurava atrair os Guarani, argumentando sobre a sua
benevolência e a sua disposição para estabelecer uma negociação política. Como se sabe,
atribuía-se à escrita a capacidade de normalizar e regular as relações, conferindo certo grau de
uniformidade aos acertos estabelecidos. Entre os assuntos tratados na resposta enviada a
Freire, os Guarani externaram seu desacordo e indignação com a acusação de não serem
católicos. Acusavam ainda os portugueses de serem “[…] los culpados de llevar nuestra gente
al Rio Grande, y a poco supimos la mortandad, que vos otros hizisteiz en el rio a nuestra
gente […]”.
626
As notícias, ao que tudo indica, foram repassadas por alguns dos 14
sobreviventes que haviam retornado às reduções, entre os quais encontrava-se Chrisanto
Nerenda.
627
Igualmente, demonstravam ciência dos últimos acontecimentos, pois se referiam
com detalhes aos incidentes ocorridos no rio Jacuí, o que demonstra o quanto a informação
atualizada foi privilegiada nesses momentos de conflito.
A carta enviada como resposta a Gomes Freire foi escrita por Juan Antonio
Cavallaria, “maestro de capilla” de São Miguel, na qual procuravam ditar as bases para uma
futura audiência:
nos envieis la respusta a esta carta, para asi sabermos lo que vos determinaes,
veniendo mañana a hablar por bien con nos otros, y juntamente convosco todos los officiales
D. Martin de Echeure, D. Coronel Alpoyn, Francisco Antonio Francisco Pinto Bandeira,
Capitan Joseph Ignacio, Capitan Antonio José Figueroa, que todos estos conociemos muy
bien, y sabemos que todos estos estan ah: Nos tambien teniemos en nuestra compañia 600
minuanes, y bien sabemos que vos otros perguntaes siempre por ellos […].
628
Por meio dessa resposta, os oficiais do exército de São Miguel procuravam
demonstrar conhecimento das preocupações que afligiam seus oponentes e, ao mesmo tempo,
estabelecer um instrumento de mediação política. O envio dessa correspondência para aqueles
que eram considerados como inimigos históricos indica o quanto as dinâmicas culturais
indígenas estavam ajustadas para produzir e operar efeitos específicos nas negociações.
Determinadas funções atribuídas à escrita somente são viáveis em contextos pautados por um
grande domínio das regras epistolares, o que denota um longo envolvimento com os
instrumentos de governo. A redação de documentos voltados a estabelecer uma negociação
política, principalmente com inimigos, revela o grau de domínio da escrita pela elite
missioneira, que a tinha como meio eficaz para produzir informação. Provavelmente, os
626
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7430, Doc. 50 [carta a Gomes Freire, São Miguel, 3 de outubro de
1754].
627
A respeito da narrativa elaborada por esse Guarani, consultar o Capítulo 3 desta tese.
628
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7430, Doc. 50.
211
termos presentes na carta causaram indignação em Freire. Sua reação foi imediata,
respondendo no mesmo dia com renovadas ameaças de guerra aos caciques e demais oficiais
da redução de São Miguel. Ao final do seu texto, de maneira indignada, acrescentou a
seguinte frase, em tom de ameaça: “Si os opusierez experimentareis el castigo, que merece
vuestras deslialtad y rebeldia”.
629
Durante a permanência do exército português, acampado no passo do rio Jacuí,
novos encontros foram celebrados. Gomes Freire se viu obrigado a negociar diretamente com
os índios, devido às dificuldades logísticas. Os acertos que antecederam o armistício – e
fundamentalmente a retirada das tropas portuguesas (surpreendidas pelas cheias do rio
Jacuí),
630
– foram precedidos por uma audiência entre Gomes Freire e algumas lideranças
guarani. Nesse encontro, voltaram a defender sua precedência sobre o território, alegando que
essas terras eram suas e não dos portugueses.
631
A correspondência de Freire contém dados reveladores dos contatos estabelecidos
com as lideranças indígenas. Em carta enviada a Sebastião de Melo (futuro marquês do
Pombal) descreveu com detalhes o encontro que manteve com um Guarani letrado. Ao
informar seu superior sobre o acerto da trégua com os indígenas missioneiros, expressou sua
opinião sobre a conduta do seu interlocutor, o corregedor da redução de São Luís, Francisco
Guacú. Com certa admiração e espanto, afirmou Freire: “[…] este homem hé mais racional, e
fino do que cabe na creação de semelhante gente […]”.
632
Esta apreciação contrasta com a
imagem divulgada nas crônicas dos primeiros conquistadores luso-brasileiros quanto ao
comportamento “bárbaro” atribuído à população missioneira.
633
O reconhecimento das
qualidades de um Guarani missioneiro por um oficial português é, provavelmente, o resultado
do contato direto com a elite indígena no decorrer do conflito, quando esta pôde ser observada
atentamente, dado o seu envolvimento nos acordos e negociações.
Para estabelecer contatos com os oficiais ibéricos, normalmente eram designados os
indivíduos letrados como interlocutores. Todavia, por vezes, alguns Guarani das tropas
629
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7430, Doc. 49.
630
CESAR, Guilhermino. Primeiros cronistas do Rio Grande do Sul: estudo de fontes primárias da história rio-
grandense acompanhado de vários textos. Porto Alegre: Edufrgs, 1981, p. 146-153.
631
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54. (Relato do P. Escandón (3) 8-XI-1755). Célebre
audiencia que dio el General Freyre â los cabos principales de los indios. f.119, 120.
632
“Demarcação do sul do Brasil. Cartas escritas da Fortaleza do Rio Pardo remetidas por hum Alferes da
Guarnição de Santa Catarina para o Rio de Janeiro” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO:
demarcação do sul do Brasil. Direção e redação de Aurelio Paes, Belo Horizonte: Imprensa Official de Minas
Geraes, anno 22, 1928, p. 302).
633
SANTOS, Julio Ricardo Quevedo. As missões jesuítico-guaranis nas crônicas dos primeiros conquistadores
luso-brasileiros do Rio Grande do Sul. Revista Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 271-284,
1989.
212
tentaram passar por caciques, procurando enganar os portugueses. Durante o período em que
o exército lusitano esteve acampado nas margens do rio Jacuí foram verificadas algumas
tentativas nesse sentido. A freqüência com que certos indígenas procuravam os oficiais
lusitanos despertou suspeita e, segundo Escandón, os portugueses logo perceberam a
estrátegia de “[…] algunos que iban dezian que eran Caciques sin serlo, porque se les tratase
con alguna mayor distinción”.
634
Os Guarani sem cargos ou instrução letrada facilmente
perceberam a lógica da distinção que regia os contatos e procuraram tirar proveito das
possibilidades que imaginavam estar associadas a essas oportunidades.
A documentação informa que Gomes Freire chegou a entrevistar-se com outros
indígenas, como foi o encontro descrito por Francisco Arazaye, provavelmente secretário de
São Luís.
635
Esse indígena comunicou por escrito, em novembro de 1754, aos demais Guarani
a decisão tomada por alguns principais de falarem diretamente com o general português. Entre
os presentes à entrevista estava Cristóbal Acatu, que ao ser indagado de sua condição de
cacique por Freire, respondeu: “Yo solo lo soy, estos otros son mi vasallos, y este fue ya
Corregidor de mi pueblo”.
636
As funções desempenhadas nos cabildos e a condição de
liderança exercida nas reduções foram elementos valorizados tanto pelos Guarani como por
seus interlocutores ibéricos. Durante essa entrevista ficou explícito o destaque conferido à
legitimidade dos indígenas, considerados como representantes da coletividade. Apenas em
situações excepcionais, como a mencionada anteriormente, somos informados a respeito das
tratativas prévias que levaram a acordos políticos. Lamentavelmente, muitos acordos
realizados nessa época estiveram circunscritos ao acerto verbal, sem registro escrito.
Contudo, a necessidade de converter a palavra falada em prova escrita tomava conta
das relações socias nas reduções, e os papéis, como as correspondências dos oficiais ibéricos,
fornecem algumas evidências. Entre os documentos enviados a Madri, segundo um
“testemunho de testemunho”, o corregedor de São Luís teria dito que
[…] estaban para enviar a España un gran numero de papeles respondiendo al P.e
Confessor del Rei Católico, el qual en las últimas cartas les aseguraba que no tendria efecto
el tratado, y evacuación de los Pueblos.
637
634
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54. (Relato de P. Escandón (3) 8-XI-1755).
635
As negociações entre os Guarani missioneiros e o general português, Gomes Freire, que precederam o ajuste
de paz foram registradas por esse Guarani. Para maiores detalhes desse documento, consultar o Capítulo 3 desta
tese.
636
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54. Folio 129. Nesse relato, Escandón insere
fragmentos de um texto escrito por, Francisco Arazaye em novembro de 1754.
637
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7381, Doc. 55: “Estos papeles dan noticia con más extensión del estado
en que se hallaba la expedición de los Pueblos el día 15 de febrero de este año (1754), segun resulta de las
213
Como se pode observar, os Guarani consideravam seriamente a possibilidade de
reverter o rumo das negociações por meio da intermediação do confessor do rei, no caso o
padre jesuíta Francisco Rábago.
638
Outras manifestações indígenas, verbais e escritas,
sinalizam a confiança em encontrar uma solução negociada para o impasse gerado com as
demarcações. Isso permite especular a respeito da confiança que depositavam em uma solução
política para a crise gerada a partir da notificação do Tratado de Limites. É de se supor que os
Guarani aceitaram o ajuste de paz proposto por Freire, em novembro de 1754, para a
suspensão das armas como algo circunstancial, pois estavam interessados em ganhar tempo,
na espera de que seus pleitos fossem atendidos pela corte, em Madri.
639
Os termos do
armistício foram redigidos em “língua castellana e tape” e cinco caciques guarani e os demais
oficiais ibéricos subscreveram o documento.
640
Entre os indígenas que assinaram o ajuste
estava o cacique Cristóbal Acatu e Francisco Guacú, corregedor de São Luís. Essas lideranças
já haviam encontrado Freire, o que provavelmente facilitou a definição dos acertos resultantes
no armistício.
A celebração da convenção de paz foi de uma dramaticidade cênica inimaginável, o
que deve ter despertado o interesse de outros caciques. No ritual de assinatura do ajuste
estavam presentes elementos orais e visuais da “cultura do barroco”
641
e sua rica versatilidade
amparada na oratória sagrada. Conforme a ata lavrada por Manuel da Silva Neves, secretário
a serviço de Gomes Freire, os caciques assinaram e “[…] juraron a los Santos Evangelios, en
un Libro dellos, en que pusieron sus manos derechas en mano del Rvdo P.e Tomas Clarque
[…]”.
642
diferentes copias de las cartas que han pasado entre los generales y el Marques de Valdelirios, y los avisos que
há dado el Portugues a su Corte”.
638
A expectativa dos Guarani quanto a uma interferência do padre Rábago a seu favor logo se esvaneceria. Em
1755, esse jesuíra foi destituído do cargo de confessor do rei de Espanha. Para uma contextualização desse
acontecimento, ver: KRATZ, 1954, p. 136.
639
A respeito dessa convenção, consta a seguinte apreciação por parte de Nusdorffer: “[…] lo que oydo por los
Caziques y demas Yndios, que presentes estaban, pidiendole por Dios les concediese tiempo para su recurso que
esperaban que su Magestad Católica, mejor informado de su miserables estado, y vida aplicase su Real piedad,
con tal remedio, que sirviesse de alivio a su miseria”. (A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc.
77. p. 21v).
640
“Copia da Convenção celebrada entre Gomes Freire de Andrade e os caciques para a suspensão das armas
[…] em 14 de Nov 1754. Campo del Rio Jacui” (RELAÇÃO abreviada da república que os religiosos das
províncias de Portugal e Hespanha, estabelecerão nos Dominios Ultramarinos das duas monarchias. E da guerra,
que neles tem movido, e sustentado contra os Exercitos Hespanholes, e portuguezes; e por outros documentos
authenticos. Lisboa: [s.n.], 1757, p. 80); A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7428, Doc. 152.
641
MARAVALL, José Antonio. La cultura del Barroco. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1980.
642
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7428, Doc. 152: Copia 3. Campo do Rio Jacui, 16 de Novembro de
1754. Pe. Tomaz Clarque.
214
Segundo Tau Golim, “a barroquização do acontecimento deu aos índios sentimentos
de eqüidade com o inímigo”, pois o convênio foi assinado e jurado sobre a Bíblia.
643
Certamente, a pompa da cerimônia de assinatura do acordo atraiu a atenção dos demais
Guarani.
644
Nesse mesmo dia, logo após a assinatura da “Convenção de Paz”, três caciques de
São Lourenço vieram a Gomes Freire solicitando que lhes fosse lido o texto do acordo
estabelecido com os caciques de São Luís e Santo Ângelo.
Os integrantes da elite missioneira estavam cientes do quanto a escrita amplia o
poder e permite sua difusão, e que o aumento da complexidade organizativa do poder está
relacionado à necessidade de informação e de controle. A negociação estabelecida pelos
Guarani com os portugueses, seus inimigos históricos, demonstra como a escrita funcionava
como instrumento comprobatório. Isso pode permitir compreender o motivo pelo qual
respeitaram o ajuste de paz estabelecido com os lusitanos e não atacaram o exército de Freire
no momento de sua retirada para Rio Grande. A adoção do procedimento escrito também
permite vislumbrar que foi conferida à negociação uma importância equivalente a de um
acordo entre dois poderes centralizados, o que implicava a necessidade de ampliar a
informação a novos âmbitos. O acordo foi estabelecido, inclusive, na língua das duas partes
envolvidas, sendo conservado como documento oficial e destinado a um arquivo
monárquico.
645
Estimuladas pela perspectiva de que a escrita cria e amplia poder, algumas lideranças
indígenas, motivadas por questões locais, estabeleceram um acordo que não era consensual
entre a maioria dos índios principais das reduções orientais. Bastaria mencionar o fato de que
nenhum Guarani miguelista corroborou o armisticio.
646
O principal interesse de Freire em
estabelecer o acordo era o de garantir que não seria atacado durante a retirada. Provavelmente,
por essa razão, apenas negociou com os caciques de São Luís, Santo Ângelo e São Lourenço,
643
GOLIM, Tau. A guerra guaranítica no diário de José Custódio de Sá e Faria. In: SIMPÓSIO NACIONAL
ESTUDOS MISSIONEIROS, 11., 1997, Santa Rosa. Missões: a questão indígena: anais…. Santa Rosa: Unijuí,
1997, p. 154.
644
As celebrações ocuparam um papel de destaque no ordenamento das atividades nas reduções. A análise dos
poderes dos rituais e os rituais de poder indicam que as celebrações estavam voltadas a instituir um novo padrão
de autoridade política e definir movimentos e lugares de poder. Nesse aspecto, o cerimionial e suas diversas
formas de manifestação nas reduções Guarani possibilitavam a formação de uma memória coletiva (WILDE,
2003b, p. 203-229.
645
Refiro-me ao Archivo General de Simancas, criado no século XVI para guardar os documentos produzidos
pelos órgãos centrais da monarquia hispânica. Se Carlos V foi o criador do Archivo de Simancas, Felipe II foi
seu verdadeiro executor. O Rei Prudente, como era conhecido Felipe II, percebeu claramente que a
administração da extensa monarquia hispânica deveria repousar no controle da escrita, única forma de receber
informação e emitir ordens.
646
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo. 7430. No dia 3 de outubro trocaram cartas Freire e os Guarani de São
Miguel, enfatizando o desejo de que os portugueses recuassem.
215
no caso, lideranças cujas reduções pertenciam às terras que os portugueses ocupavam ou que
cruzariam em sua marcha de retorno à vila de Rio Grande. Por meio desse acordo,
determinadas lideranças guarani estabeleceram uma linha de fronteira, redefinindo aliados e
rivais, procurando salvaguardar seus territórios, mesmo que para isso fosse necessário
reconhecer a presença portuguesa.
O inusitado dessa convenção é que, além de suspender temporariamente as
hostilidades, serviu de reforço à pratica da escrita entre os Guarani. Em suma, a escrita atuava
como elemento de credibilidade às negociações e conferia aos indígenas envolvidos a idéia de
que as decisões tomadas seriam respeitadas. Entretanto, com o tempo, o que fora registrado
nos papéis não correspondeu à realidade.
5.1.2 Contatos com os espanhóis: a escrita definindo aliados e rivais
A proximidade do exército hispânico ao território missioneiro, costeando o rio
Uruguai, gerou atritos com algumas reduções localizadas no caminho percorrido. A redução
de Yapeyu, por exemplo, não estava envolvida no Tratado de Limites, mas os seus moradores
encontravam-se armados e dispostos a impedirem a passagem do exército hispânico por suas
terras. Por essa época, novamente, os Guarani recorreram à escrita, mas dessa vez para
informar seus companheiros. Esse foi o caso do aviso localizado nas proximidades do arroio
Garapey, com data de 8 de julho de 1754. Nesse local havia um papel, onde estava escrito:
Alavado V.S Hijos Alcaldes Anacleto Candire y Alcaldes Fernando vuestro Hijo, este
aviso grande hemos tenido lastimoso aquí en el Pueblo, por eso vá este papel, y la espia de
esta noticia procurad saber ciertamente para avisar al Pueblo lo cierto. Dicen que viene un
embarcación muy grande, y de esta venida sepan quanto antes, por esso espien vosotros,
para saber lo cierto quanto antes en este Pueblo, y esto nomas hijos alcaldes á ambos a dos
este Papel. Dios se digne, de andar con vosotros en 8 de Julio de 1754. Quien de veras os
hama: Corregidor Don Joseph Mendau.
647
Essa mensagem deixada pelo corregedor aos alcaides procurava prevenir a população
de Yapeyu da proximidade dos espanhóis. Os avisos foram uma das finalidades destinadas à
escrita pelos Guarani, visando manter de sobreaviso a população missioneira diante de
647
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo: 7379. Salto Chico del Uruguay 19 de Septiembre de 1754. Andonaegui.
Remetiendo diferentes papeles todos numerados hasta el 16 de distintas providencias, y otras dimanadas de lo
que fue ocurriendo en el camino desgraciado de la primera Campaña.
216
eventuais novidades.
648
Mesmo sem apresentar envolvimento direto na permuta de limites,
Yapeyu foi uma das reduções onde houve maior agitação indígena, devido às desconfianças
geradas contra a administração dos jesuítas.
649
Os avisos disseminados pelo território foram
uma das estratégias das lideranças indígenas como instrumento de autogoverno, meio através
do qual procuravam garantir rapidez na tomada de decisões e, assim, gerar medidas
preventivas. Através de táticas como essas, as lideranças guarani direcionaram seus esforços
para garantir alguma eficácia logística diante da presença do exército espanhol em território
missioneiro.
A documentação desse período sinaliza as reações nativas à presença das tropas
hispânicas, momento em que as informações escritas foram privilegiadas. As dificuldades
materiais enfrentadas pelo exército comandado por Andonaegui estavam relacionadas às
mazelas do inverno, como animais cansados e sem pasto. Procurando amenizar a penúria de
suas tropas, o governador enviou uma carta ao padre Antonio Estellez, missionário em
Yapeyu, comunicando sua chegada com muitos homens e solicitando abastecimento de
animais. O portador dessa carta foi o regidor (cargo equivalente ao de um conselheiro
municipal) da cidade de Corrientes, Bernardo Casajus, que tomou o rumo de Yapeyu
acompanhado de 5 homens e, algum tempo depois, deparou-se com um destacamento de 80
soldados da redução.
A partir do envio dessa correspondência ao jesuíta Estellez foram desencadeados
episódios muito tensos, resultando posteriormente em um enfrentamento armado. Entre as
cartas que Casajus transportava, segundo o relato de Nusdorffer, havia algumas destinadas aos
familiares dos soldados. O pouco que sabemos dessas cartas é que foram lidas
[…] en alta vox y se las explicaban à los indios, pero los que se avian puesto con el
oficio de interpretes no consentian con la explicación de lo P.P antes decian que mentian,
que ellos entendian muy bien la Lengua española y que aquellas cartas constaba que los
querian entregar a los Españoles […].
650
Os jesuítas tentaram por diversos meios esclarecer os Guarani sobre o que estava
acontecendo, contudo não foi possível dissuadi-los, tal era a sua convicção quanto ao
648
O mês de julho foi marcado pela notícia da proximidade de embarcações pelo rio Uruguai, fato que deve ter
despertado a atenção dos Guarani, inclusive, pelo inusitado do acontecimento. O padre Thadeo Henis, no seu
diário, anotou: “Fenecia Julio, cuando unos Correos de Yapeyú avisaron volando ó corriendo, que en el salto
del Uruguay se veían lanchas de españoles; que los Exploradores, y Cruceños se habian encontrado con los
Exploradores españoles, que les habian oído, que por mandato de los Gobernadores otra vez se acercaba el
Exercito […]”. (COLECCIÓN…, 1770, p. 37).
649
MATEOS, 1951, p. 303.
650
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 270.
217
entendimento do conteúdo dessas cartas. Os problemas de entendimento que houve por parte
dos yapeyuanos, parodoxalmente, foram creditados ao fato de muitos Guarani terem mantido
contato com os espanhóis, aprendendo a comunicar-se na língua do colonizador. As noções
que possuíam do idioma castelhano foram adquiridas oralmente, não garantido igual destreza
quanto à capacidade leitora nessa língua. O padre Nusdorffer, um dos informantes a respeito
desse episódio, comentou que os Guarani de Yapeyu “[…] que saben algo de la lengua
española estos en esta ocasión han sido los que mas daño han hecho, porque estos fueron los
interpretes de las cartas […]”.
651
Ao entrevistar-se com os yapeyuanos, Casajus comunicou-lhes que estava a serviço
do governador, e queria entregar pessoalmente uma carta ao padre Estellez. Os Guarani
avisaram que não seria possível, e que eles mesmos levariam a carta às mãos do jesuíta,
depois da autorização do cabildo. A atitude de Casajus, lançando bravatas e zombando das
restrições indígenas, foi tomada como uma afronta ao autogoverno dos Guarani, causando
violenta discussão e resultando na morte do regidor correntino e de mais um companheiro.
Por meio do depoimento de um dos sobreviventes, Matheo Godoy, e dos informes
enviados pelo tenente governador Nicolas Patrón a Valdelirios, foi possível conhecer alguns
detalhes dessa “bárbara ação” que resultou na morte de dois espanhóis.
652
Godoy declarou que
logo depois de Casajus entregar a carta a uno de ellos que parece hera el secretario segun
oyo dezir
653
, os demais Guarani afastaram-se dos espanhóis para “[…] leerla y conferenciar
sobre su contenido, aviendoles prevenido no se arrimassen a sus congresos”.
654
Encerrada a
leitura do documento, os Guarani comunicaram a necessidade de verificar a veracidade dessas
informações, ao que Casajus, segundo o depoimento prestado por Godoy, no dia 6 de agosto,
começou a “cortejar al casique, secretario y a los demas Indios, Indias y Indiecitos”.
655
Segundo essa mesma fonte, Casajus havia demonstrado especial preocupação com o
comportamento do secretário “por reconocerle mucho mas inquieto que los otros”.
656
No seu
depoimento, Godoy ainda menciona que o secretário de Yapeyu manteve uma entrevista
651
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p. 252.
652
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7425, Doc. 144. O militar Thomas Hilson informou por escrito ao seu
superior a respeito do que havia sucedido nesses dias, esclarecendo que “[…] el fruto que se sacó de esta
embaxada fue, perder la vida de todos dos de esta partida, a excepción de Matheo Godoy, que vino con la
noticia, deciendo sela a los pies de su cavallo cuias circunstancias, omito por que me consta se le remitea V.S
testimonio de esta maldad […]. Acampamento sobre el rio Ygarupay y Agosto 18 de 1754. Thomas Hilson”.
653
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304. Arroyo del Tigre, 6 de agosto de 1754.
654
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424. Doc. 284: El teniente-Gobernador. Refiere el suceso de Casajus
con los Indios en la estancia de San Pedro donde le mataron y algunos de los soldados que le acompañaron.
Arroyo de San Sepe y Agosto 2 de 1754. Nicolas Patrón.
655
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304. Arroyo del Tigre, 6 de agosto de 1754.
656
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304. Arroyo del Tigre, 6 de agosto de 1754.
218
prolongada com Casajus. Durante esse encontro, por meio de um “testemunho de
testemunho”, somos informados de que o secretário teria dito o seguinte: “[…] en defensa de
nuestras tierras y pueblos hemos de morir primero que entregar, a lo que estamos dispuestos
y tenemos noticia de esto por cartas de Santa Fee y Corrientes y haora nos quereis engañar
[…]”.
657
Portanto, o secretário rebatia as explicações fornecidas por seus interlocutores
amparado nas informações contidas nos documentos interceptados junto aos soldados. Por
meio dessa audiência, comprova-se o receio dos Guarani de uma ação contra as reduções,
principalmente quando a suspeita estava registrada em papéis. Entretanto, a maneira pela qual
liam os informes e correspondências eventualmente poderia resultar em entendimentos
parciais ou distorcidos, visto que tomavam fragmentadamente as informações. Para
corroborarem as suas desconfianças mencionavam as cartas apreendidas, considerando o texto
escrito como algo que não poderia ser desmentido.
As informações prestadas por Godoy, poucos dias após a morte de Casajus, além de
revelar a função desempenhada pelos secretários, nessas ocasiões de controle epistolar, revela
o quanto esses indíviduos valiam-se das informações escritas para manterem-se atualizados. O
informe de Nicolas Patrón, além de notificar a morte de dois de seus comandados, por
exemplo, também informa sobre o ânimo entre os yapeyuanos. Segundo Patrón, havia grande
prepotência por parte dos Guarani rebelados, alegando que o secretário teria dito o seguinte:
(con estas palavras) ‘Sr Don Nicolas Patron el Rey de España se verá presisado a capitular
con los Guaranis’ ”.
658
Pelo conteúdo da fala é possível identificar duas expectativas indígenas. A primeira
refere-se a um possível êxito diante da mobilização que estavam promovendo, e a segunda
demonstra a confiança depositada nas negociações que estavam sendo feitas junto às
autoridades.
Como demonstrou Michael Clanchy, ao normalizar o conhecimento, a escrita o
converte em algo externo, e uma vez que este se “encuentra fuera del individuo, puede ser
regulado y controlado; se convierte en ‘información’ […]”.
659
Os Guarani, por valerem-se
tanto da escrita quanto da leitura, estavam operando a partir de uma lógica moderna,
ocidental, e ao analisarem as informações contidas nos papéis apreendidos supunham ser
possível estabelecer uma negociação política e, assim, obter o reconhecimento de suas
657
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 304. Arroyo del Tigre, 6 de agosto de 1754.
658
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424. Doc. 284.
659
CLANCHY, Michael T. La cultura escrita, la ley y el poder del Estado. Valencia: Universitad de Valencia:
Seminari Internacional d’Estudis sobre la Cultura Escrita, 1999, p. 2.
219
reivindicações. Afinal, estavam exercendo sua condição de súditos e recorrendo a uma forma
de comunicação que gozava de prestígio junto à monarquia.
660
Nunca saberemos se isso fazia
parte de uma estratégia buscando acordos possíveis ou se era uma tática que os preparava para
um conflito onde estavam definindo claramente seus aliados e rivais. O certo é que os papéis
põem em circulação notícias que dinamizam a explicitação dos potenciais aliados e
opositores.
As autoridades coloniais consideravam essas reações como um sinal de soberba por
parte dos Guarani. Todavia, podemos compreender essas manifestaçoes como a expressão da
autonomia indígena sustentada na comunicação escrita. Ao recorrerem a essa estratégia
política, demonstravam confiança no êxito de seus pleitos, exatamente por atuarem em
concordância com a lógica do colonizador, ou seja, conferindo ao mundo dos papéis a mesma
importância depositada pelas monarquias de Antigo Regime.
Mesmo confiantes em uma solução negociada, os Guarani seguiam hostis à presença
dos espanhóis em suas terras. No dia 6 de agosto de 1754, a redução de Conceição enviou um
papel anônimo à redução de Yapeyu, comunicando aos demais que “llegaron nuestros
enemigos”, ao que acrescentaram: “daos prisa a veniros por que el dia quince de Agosto
estemos prevenidos, por que son muchos los hespañoles que bienen, y por esto mismo sea
quanto antes la venida de nuestros soldados”.
661
A comunicação escrita, nesse caso, servia para informar a iminência da chegada dos
espanhóis e para determinar um prazo para colocarem em prática uma ação defensiva; em
outras palavras, define uma temporalidade aos acontecimentos. Comunicar à distância,
organizar e estabelecer determinadas ações conjuntas são faculdades associadas e derivadas
do exercício das habilidades letradas.
Como a população de Yapeyu seguia em estado de alerta, o cacique Rafael Paracatu
tomou a liderança dos soldados e, com uma tropa ao seu comando, atacou o exército espanhol
acampado nas proximidades do Salto Chico. A decisão precipitada de Paracatu, resultou na
morte de mais de 250 yapeyuanos, na prisão de 70 índios e na captura de seu principal
líder.
662
660
Vale lembrar que a monarquia espanhola, a partir de Felipe II, o rei papelero, amparou o gerenciamento do
vasto império espanhol através do mundo dos papéis. E essa prática administrativa “estaba produciendo una
paulatina escriturizazión de la sociedad, en la que la escritura terminará por afectar de una forma u outra a
capas cada vez más amplias de la población” (BOUZA ÁLVAREZ, 1998, p. 40).
661
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 452.
662
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7427, Doc. 23 [carta de Guillerme Hendrix ao marquês de Valdelirios:
[…] las continuas partidas que estabamos enviando de nuestro acampamento hasta cerca de 300 hombres, les
hizo malograr el premio de su valor enfin se han muerto mas de 250 tapes y mas de 70 prisioneros un cañon de
220
Esse confronto, conhecido na historiografia como Batalha do Daymal, deixou
trágicas recordações à população de Yapeyu.
663
Entre os prisioneiros estava Paracatu, cacique
de Yapeyu, com quem os oficiais espanhóis encontraram várias cartas escritas em língua
guarani. O governador Andonaegui, pessoalmente, rubricou os documentos apreendidos e
mandou traduzi-los, ordenando que se tomasse declaração dos prisioneiros para averiguar os
motivos da resistência. Os Guarani, quando interrogados, acusavam Paracatu como o
responsável por todos os “alborotos y desordenes de su pueblo”. No interrogatório, surgiram
acusações que não foram negadas. Ao contrário, segundo Escandón, esse cacique “[…] antes
confeso de plano que el y otros Caciques que nombró no querian los españoles entrasen en
sus tierras â darles posesion de ellas a los portugueses”.
664
O fato de Paracatu apresentar como justificativa o receio da presença portuguesa
poderia ser apenas uma estratégia para legitimar perante os espanhóis as manifestações
indiscriminadas de hostilidades, revelando somente um dos aspectos da oposição. Pois o
comandante Thomas Hilson, no post-scriptum à sua correspondência enviada a Valdelirios,
pedia diligência quanto a tomar as declarações dos prisioneiros, e recomendava: “Cuidando
con especialidad, del indio Dn Raphael que es el maior picaro, y hechura del que hace
cavesa hoy en los demas Pueblos, con sus insulas de Rey”.
665
Certamente essa advertência é
exagerada, mas de fato Paracatu foi o responsável por coordenar e conclamar os demais índios
de Yapeyu a seguirem resistindo à presença das tropas hispânicas.
Juntamente com esta correspondência, Hilson informou que foram remetidos “[…]
varios papeles que aclaran la general sublevación de estas misiones y sus motores; y por que
imagino que a VS se le remitira estos documentos con la tradución literal de ellos […]”.
666
A
presença in loco das forças hispânicas no territórrio missioneiro, como se pode constatar,
deflagrou grande agitação entre os Guarani, e o conjunto de documentos apreendidos após a
Batalha do Daymal são uma demonstração da importância atribuída à escrita nesse período de
intensa agitação nas missões. Por meio do envio de mensagens, seja na forma de cartas ou
fierro tres estandartes de diferentes colores […] no se han podido escapar mas de diez o doze indios, esta
función duro hasta las 12 del dia q cuya hora llego boca negra […]. De la banda del sur del Daimar y 3 de
octubre de 1754”].
663
O padre Nusdorffer avaliou da seguinte maneira as repercussões entre os Guarani sobre os episódios nas
margens do Daymal: “Fue mucho lo que se sintio en los pueblos la matanza de tantos Indios, aunque los mas
capaces bien alcanzaban que a ninguno outro podian echar la culpa, sino à si mismos por averse ellos
voluntaria y sonjamente expuesto à esta desgratia […]” (MANUSCRITOS da Coleção de Angelis, 1969, p.
275).
664
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 54. f 114.
665
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7425, Doc. 145.
666
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7425, Doc. 145 y 146. Arroyo del Daimar 8 de octubre de 1754. D.
Thomas Hilson. Refiere como fue la función y en que estado está el exercito.
221
breves informes, as lideranças guarani envolvidas na oposição à passagem do exército
espanhol mantiveram-se informadas, comunicando-se freqüentemente, procurando promover
o auxílio mútuo ou, por exemplo, garantindo o abastecimento de artigos necessários à
subsistência e à comunicação.
Em uma carta datada de 4 de agosto de 1754, os cabildantes e os caciques
comunicavam o seguinte:
Alabado Vsa. Dios os guarde muchas veces, os decimos a los cavildantes y a todos
juntos los caciques tambien. Recivimos vuestro papel el Domingo 4 de agosto, y lo leimos
con las lastimosas notícias que nos dais de los españoles, por eso hijos mios que se cumpla
la Voluntad Santa de Dios, en la tierra y en el cielo como se cumple en nosotros, por eso
hijos mios, vosotros tambien haced todo esfuerzo para que no entren en nuestras tierras, que
nosotros haremos lo mismo en ayudaros. Embiaremos avisos a nuestros Parientes. Por solo
deciros esto los escrivimos. Dios sea con vosotros, nuestros hijos, y soldados enteramente.
Os escrivimos nos los cavildantes y caciques de Yapeyu, a vos. Agosto 4 de 1754.
667
Essa mensagem, por seu conteúdo, estava voltada aos mayordomos, os índios que
desempenhavam as funções de administradores das reduções. Eles foram interlocutores
assíduos dos integrantes dos cabildos. Por atuarem nas estâncias foram também os principais
responsáveis pelo repasse de notícias sobre a movimentação do exército espanhol em direção
às reduções.
A comunicação epistolar foi o expediente acionado pelas lideranças de Yapeyu para
promover sua defesa diante da proximidade dos espanhóis, destacando-se, nesse momento a
participação dos mayordomos.
668
A carta de Nicolas Andariyu a Rafael Paracatu confirma a
proeminência dos administradores:
[…] de esse mismo modo los que estamos en el Pueblo, cuidamos de que se cumpla la
Voluntad de Dios quiera su Divina Magestad y nuestros santos Reyes que en toda nuestra
vida andemos segun las palabras de Dios yo te agradezco de que haya hecho confianza de
nuestro mayordomo, por que veo que en todo te obedece, asi lo devemos hacer, y asi lo
quiere Dios. De tierra fuimos y tierra volveremos hazer acavados los dias de la vida, por eso
se algo ay de nuebo, consultalo tambien con el Mayordomo, por que el que cuida de nuestra
hacienda necesita saver de todo: nosotros tambien asi lo hacemos, y por eso el cuidado de
todos nosotros es de distribuir la hacienda, entre nuestros hijos que están necesitados.
669
O autogoverno dos Guarani em Yapeyu, como nas demais reduções sublevadas,
apresentou dois focos de articulação: o núcleo urbano da redução (cujo comando estava a
667
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7425, Doc. 146, Papel 1.
668
Quanto às razões que determinaram a ativa participação dos mayordomos nesses momentos de enfrentamento,
ver o Capítulo 3 desta tese.
669
A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7425, Doc146, Papel 8
222
cargo do cabildo e dos caciques) e as estâncias a cargo dos mayordomos. Por constatar a
importância das estâncias nessas ações de resistência, Paracatu dirigiu atenção a esses locais.
Para o gerenciamento eficiente das operações, Paracatu manteve contato epistolar freqüente,
com os mayordomos e com os demais cabildantes. A troca de correpondência entre as
lideranças guarani esteve voltada para a atualização dos últimos acontecimentos, e servia
ainda de fator de estímulo para manterem sua atitude arredia à presença hispânica em suas
terras.
Os argumentos esgrimidos nessas cartas seguiam uma lógica eminentemente cristã,
pois estavam calcadas em um final triunfalista. Era a escrita de cunho religioso, praticada por
longos anos, que fornecia os modelos retóricos e conceituais dos argumentos que justificavam
a rebeldia indígena e os valores cristãos ensinados pelos jesuítas.
Nesse período, a escrita serviu para reforçar os vínculos pessoais e parentais, e foi
um instrumento acionado para ampliar as possibilidades de promover uma reação conjunta
entre as reduções implicadas na permuta. A elite letrada, ciente das informações
desencontradas que caracterizaram esse conturbado período, procurou evitar
desentendimentos, privilegiando a “razão gráfica” como meio de comunicação.
5.1.3 Estratégias indígenas em tempos de armistício
Durante a primeira campanha as dificuldades logísticas enfrentadas por parte das
tropas hispânicas e portuguesas em território missioneiro determinaram a retirada dos
exércitos. Ao que tudo indica, a decisão contribuiu para reforçar, entre as lideranças
missioneiras, a convicção de que poderiam fazer frente, em qualquer ocasião, aos exércitos
ibéricos.
670
A partir desse momento, os Guarani mais engajados iniciaram uma “campanha”
de esclarecimento aos demais indígenas, aproveitando a ocasião para repetirem ao padre
superior a sua decisão de não acatarem a ordem de mudança.
671
Uma peculiaridade desse período foi a estratégia indígena de disseminar avisos pelo
território, repetindo aos plenipotenciários ibéricos a determinação guarani à resistência. A
comunicação escrita manteve-se operante, servindo tanto para atualizar os jesuítas quanto
670
A.G.S.: Secretaria de estado, Legajo 7381, Doc. 51: “Retirado Don Joseph Andonaegui escribio al Gen de
S.M, que en virtud de lo estipulado por los dos generales en Martin Garcia marchaba por el Rio Yacuy a fin de
atacar por la otra parte á los pueblos rebeldes cogiendolos entre dos fuegos, los justos motivos que le obligaban
á retirarse […]. Rio Grande de San Pedro y Febrero 12 de 1755. Francisco Arguedas”.
671
As fontes não registram nenhum tipo de incidente ou conflito no ano de 1755. As únicas informações
referem-se à atuação de alguns espiões, que provavelmente agiam a mando dos portugueses
.
223
para manter mobilizada e preparada a população missioneira diante de qualquer situação
inesperada.
Nesse contexto, um documento sui generis foi a relação elaborada em São Miguel,
em 16 de junho de 1755, com o título “Argumentos que los indios devem presentar a los
españoles”. O conteúdo era dirigido à população em geral, incluídos caciques e cabildo.
Como o próprio cabeçalho indica, estavam voltados “para los indios que han de avistarse con
los españoles, les ponga a la vista que han de decir los indios, para que lo oigan todos los
caciques y cavildo”. Esse texto, por suas marcações à margem, foi redigido para ser lido em
voz alta, e estava assinado por Pasqual Yaguapo, índio miguelista de destacada atuação na
resistência guarani.
672
A escrita, nesse contexto, foi o veículo para informar e instrumentalizar
a população missioneira quanto aos motivos que deveriam ser verbalizados caso deparassem
com os demarcadores. Essa estratégia visava garantir uma difusão a todos indígenas dos
argumentos a serem expostos. Por sua redação, o texto é a transcrição de um discurso oral,
voltado a expor, de maneira dialogada, um argumento-padrão de oposição indígena à presença
dos funcionários reais em território missioneiro. Como já se demonstrou, a fala foi um dos
principais instrumentos de difusão de notícias no período colonial, e a leitura em voz alta (que
demandava um talento especial), quando bem executada, poderia contribuir para interpelar
uma coletividade. Por outro lado, a possibilidade de circulação do texto estava relacionada à
“memória vocalizada”, por sua grande eficácia junto à população missioneira. A leitura em
voz alta dos textos religiosos havia atuado como um treinamento, estimulando os Guarani a
reter informações de memória e promovia, como foi dito, uma exposição linear organizada
pela escrita.
Ao final desse arrazoado, Yaguapo aproveitou para enviar uma mensagem a Sepé,
agregando algumas linhas ao final do texto. Esse tipo de expediente permite constatar que a
troca de informações entre as lideranças de uma mesma redução foi uma expediente comum
por parte daqueles Guarani empenhados na oposição ao Tratado de Limites. Outra prática
difundida foi a de deixar cartas afixadas em paus cravados ao solo, como as destinadas ao
marquês de Valdelirios e posteriormente localizadas por Andonaegui nas imediações de Santa
Tecla (posto militar espanhol). A carta seguia um modelo de reescritura religiosa e justificava
a primazia guarani sobre as terras, alegando que estavam protegidas por São Miguel e Deus.
O conteúdo alertava os exércitos ibéricos coligados da inevitável reação guarani. Esses eram
informes anônimos, provavelmente lavrados em algum cabildo missioneiro.
672
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410, Doc. 8 (Copia).
224
Através dessa modalidade de texto os Guarani manifestavam sua avaliação, por
exemplo, totalmente negativa a respeito de Gomes Freire, cujo motivo era o de haver
desrespeitado a “Convenção de 1754”, enganando conseqüentemente a todos que haviam se
empenhado no acordo. O exército espanhol encontrou nas proximidades de Santa Tecla, uma
carta ao marquês de Valdelirios, onde diziam:
El Governador del Paraguay, nos avisó bien que Dn Gomez Freire de Andrada V. M
de Dios nos diste tu palabra en Yacuy. Nosotros Señor entonces nunca en esta vida triste nos
dijo que nunca haviamos de andar, ni a nosotros nos estava bien el que nos haya engañado
quando ni mas ni a V.M ni a Dios le parece bien que nos engañes.
673
Estavam os Guarani cientes de que a paz era aparente e que haveria novas investidas
contra as missões orientais e tratavam, portanto, de preparar-se para o futuro enquanto
cultivavam seu ódio contra o plenipotenciário português. Durante os anos cruciais de conflito,
em meados do século XVIII, a fronteira da América meridional apresentava-se dividida entre
os interesses das duas coroas ibéricas e a luta guarani missioneira pela autodeterminação. E,
como já dissemos, nesses momentos cruciais de enfrentamentos, foi intensa a produção
textual guarani.
5.2 1756: a eclosão do conflito
5.2.1 A “guerra guaranítica”
A eclosão do conflito armado nas reduções foi decorrência da movimentação
conjunta dos exércitos espanhol e português ao retomarem, em dezembro de 1755, sua marcha
em direção ao território missioneiro oriental. O exército espanhol, comandado por
Andonaegui reunia aproximadamente 1670 homens e o português, sob as ordens de Gomes
Freire, contava com 1106 soldados.
674
A ação coordenada entre Espanha e Portugal foi a
solução encontrada pelos plenipotenciários para revidar a negativa indígena de aceitar as
ordens de transmigração. Com a medida, sinalizavam uma resposta conjunta à hostilidade
guarani missioneira à presença dos exércitos ibéricos no territórrio implicado na permuta.
673
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 459. Carta de los Caciques que encontro D. Joseph de
Andonaegui colgada en un palo para mi. Santa Tecla, y Junio 13 año de 1755. Na Revista Histórica, de
Montevidéu, há uma cópia, provavelmente dessa carta, contudo indicando outra data.
674
A respeito dos preparativos para a segunda expedição às reduções orientais, ver: KRATZ, 1954, p. 149-150.
225
As informações que circulavam na América meridional a respeito da ação dos
exércitos coligados gerou grande apreensão entre os Guarani. Assim, o ano de 1756 começou
com muitas dúvidas entre os próprios jesuítas, principalmente a respeito de quanto tempo
mais se prolongaria a rebelião. Segundo a opinião de Nusdorffer, este era “o sexto dos nossos
trabalhos e penas”, e os Guarani seguiam
[…] siempre firmes y emperrados desde los fines del año passado volavan sus billetes
en que conbidavan para su defesa a todos sus comarcanos havian convenido que el Gefe
principal a quien havian de estar sujetos todos havia de ser el Corregidor de San Miguel
[…].
675
Como se pode constatar, o padre Nusdorffer novamente referia-se aos bilhetes
indígenas. Estes costumavam “voar” diante da primeira movimentação de tropas em direção
ao território missioneiro, confirmando a primazia de que a escrita desfrutou como instrumento
para avisar e convocar os demais Guarani. Nesse momento, Joseph Ventura Tiarayú, de
alcunha Sepé – cujo destaque fora se consolidando a partir da sua atuação como negociador,
primeiro nos encontros com os demarcadores em Santa Tecla, em 1753, e segundo por suas
façanhas em Rio Pardo, no ano de 1754 – , passou a ocupar as funções de corregedor. Entre os
documentos localizados, figuram algumas cartas dirigidas a Sepé, correspondências que têm
confirmado seu papel como principal liderança guarani. A trajetória de Sepé é uma
demonstração de como a constituição de figuras de autoridade, em um contexto de
tensionamento das relações com os jesuítas, esteve pautada por lógicas próprias à sociedade
indígena.
A notícia de que os exércitos coligados haviam retomado sua marcha em direção às
reduções – e dessa vez melhor preparados – determinou uma imediata reação entre os
Guarani. A movimentação indígena prévia ao combate em Caiboaté foi descrita por Thadeo
Henis da seguinte maneira:
luego que llegó esta noticia cierta al pueblo, al punto casi volaron los Correos, y se
dio aviso á todos los pueblos; los quales ora parecia que querian salir á campaña, ora que
no querian; mas se juzgó que no tardarian.
676
675
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del
Paraguay, el año de 1756 en orden a la entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia
34ff., 32 cms. T. LVI, ff 374-410.
676
COLECCIÓN…,1770, p. 85.
226
Através dessa informação – e supondo que houve uma resposta a essa consulta – é
possível valorar a interlocução escrita que os Guarani mantiveram, nesse momento de tensão,
e perceber que não havia um consenso indígena quanto a participar em um enfrentamento
armado dessas proporções. As incertezas foram ampliadas diante de um comparecimento
pouco expressivo ao chamado de guerra, determinando entre os Guarani a imediata
contabilidade do número de soldados disponíveis. Em carta datada de 1
o
de fevereiro de 1756,
o corregedor da redução de Conceição, Nicolas Ñeenguiru, enviou carta aos seus parentes
avisando que saíram 32 soldados “y unos pocos infieles”.
677
Remanescem nos arquivos poucos vestígios das tentativas de comunicação escrita
pelas lideranças indígenas. Sabemos que chegou aos arquivos somente uma fração ínfima do
que foi escrito pelos Guarani, durante esses anos.
678
Porém, exatamente esses momentos excepcionais despertaram nas autoridades
responsáveis pela demarcação um cuidado especial com os papéis apreendidos. Alguns
funcionários provavelmente ficaram surpresos ou desconfiados diante da competência
alfabética guarani e, mesmo sem compreender o que estava escrito, providenciaram a
tradução e o arquivamento desses papéis junto ao processo correspondente. A simples
presença das autoridades ibéricas no território implicado na permuta obrigava os funcionários
envolvidos na demarcação a atuarem com maior rigor na execução dos processos, ou mesmo a
providenciarem depoimentos que serviriam de provas contra eventuais acusados, produzindo
mais documentos. A burocracia colonial acionada pela monarquia espanhola foi, durante esse
período de conflito, uma pródiga máquina produtora de papéis.
As lideranças guarani eram cientes de que as informações importantes, provenientes
da administração colonial, chegavam às reduções pela via epistolar, e, por valorarem
positivamente os poderes do escrito, essa elite ilustrada adotou igualmente a mesma postura.
Pelo conteúdo de algumas das mensagens, é possível perceber que o estado de ânimo entre os
Guarani era bastante tenso no verão de 1756, principalmente diante da constatação da
proximidade dos exércitos coligados. A movimentação das tropas ibéricas havia despertado
um acentuado interesse por notícias atualizadas. Devido à apreensão que caracterizou esses
dias, Valentin Ybariguá escreveu a Sepé, em 5 de fevereiro, solicitando o repasse imediato de
677
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42; ou PASTELLS, 1949, p. 242 (doc: 4757).
678
Quanto às possibilidades de conservação dos materiais escritos, Antonio Castillo Gómez observou “[…] el
corpus scripturarum a disposición del historiador actual es siempre más limitado y socialmente restringido que
lo fueron entonces las prácticas de escritura. Lo conservado es sólo una parte, y además parcialmente
representativa, de lo producido. Accidentes fortuitos y destrucciones voluntarias se han encargado de ir
construyendo una determinada memoria de la cultura escrita, agravada por ciertos discursos históricos que han
tratado de perpetuarla así.” (CASTILLO GÓMEZ, 1997, p. 27).
227
qualquer informação: “[…] escriban inmediatamente al P. Cura, y que todos los días escriban
lo que hubiere de novo y esto sin falta. Em todos los Pueblos estan desseando saber por
instantes vuestros acaecimentos”.
679
Ybariguá era membro de uma das principais famílias da
redução de São Miguel e, nessa época, ocupava o posto de mayordomo (administrador) da
referida redução.
680
Sua carta revela a preocupação dos mayordomos com a constante
atualização das principais lideranças diante da presença dos exércitos ibéricos no território
missioneiro.
Em fevereiro de 1756, o rumo do conflito começaria a mudar. No dia 7, após um
embate entre uma tropa do exército hispânico e os índios, tombou em combate Sepé. A
identificação do principal chefe indígena somente foi possível por meio de uma das cartas que
este levava na sua algibeira. A missiva em questão era aquela enviada por Ybariguá, com data
de 5 de fevereiro desse ano.
681
Um conselho de guerra foi realizado às pressas para indicar um substituto de Sepé.
Nesses dias, os Guarani realizaram algumas assembléias para decidir que caminho deveriam
seguir, pois, segundo o ex-provincial Quirino, havia os de “más juicio y razón”, partidários de
aguardar a chegada dos demais, e que queriam que “se siguiese la conducta de Sepé y sus
pocos compañeros de ir poco à poco matando à los que se pudiese”.
682
Contudo, havia outros
favoráveis ao enfrentamento aberto, imaginando que seria possível reeditar a ação de Santa
Tecla, quando os Guarani conseguiram fazer com que os demarcadores retrocedessem. A
atitude demonstrava, de um lado, uma prepotência guarani, e, de outro, uma avaliação
equivocada por parte das lideranças a respeito da máquina de guerra organizada pelas
monarquias ibéricas para essa segunda marcha.
Ao final dessas assembléias, segundo os Guarani que participaram das discussões e
notificaram Nusdorffer, ficou decidido que, caso os exércitos ibéricos tentassem novamente
ter acesso às reduções por Santa Tecla, se faria o seguinte: “1) que no se havian de entregar
sino resistir, aunque fuera menester morirse todos en la demanda, y no mudarse tanpoco,
679
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42. Copia 2.
680
Entre los indios si que ay tal nombre, y apellido; que lo es de una de las principales familias del Pueblo de
S. Miguel […] Este indio pues, que entonces era Mayordomo del dicho pueblo, es de quien estaba escrita, y
firmada la carta”. (A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 75. p. 25).
681
CUNHA, 1853a, p. 233-235. Cabe destacar que Jacinto Cunha, ao registrar em seu diário informações sobre a
localização dessa carta, referiu-se a ela como sendo enviada pelos jesuítas, mesmo transcrevendo ao final que
estava assinada pelo “Maior Domo Valentin Ibaringuá”.
682
R.A.H.:. Fondo Manuscrito. Colección Mutis. Sobre el tratado con Portugal en 1750. P. Manuel Quirino; 9-
11-5-151; Sig 9/2279 [segundo o padre Manuel Quirino, os Guarani, mesmo cientes que eram “mucho menos en
número, como los otros alegaban, que los dos Exercitos, no obstante les podrían hacer retroceder a ambos”].p.
250.
228
como se les pedia; 2) que se juntarian con los Ynfieles como se lo havian prometido; 3) que
fuese cavo de todos el Corregidor de San Miguel […]”.
683
Nessas discussões, somente
participaram os Guarani, debatendo na sua língua as questões mais urgentes.
Lamentavelmente, não há qualquer referência a atas e registros escritos desses escontros.
Como já foi dito, a vocalidade regia as decisões coletivas nas sociedades indígenas, quando a
palavra empenhada apresentava muito valor.
684
Para muitos Guarani, letrados ou iletrados, a
decisão já estava tomada muito antes mesmo do encontro com o exército coligado. Afinal,
movimentaram-se para lutar e não para consultar plenipotenciários ibéricos.
Entre os oficiais guarani da redução de São Miguel, um alferes era partidário da
proposta da retirada ao Monte Grande (Caiboaté), aguardando a chegada de mais gente.
Entretanto, um corregedor dessa “banda del Uruguay”, que estava com suas tropas,
[…] porfiava y decia, si ahora no peleamos quando habremos de pelear, otros le
ayudavan diciendo a que hemos venido sino a venzer o murir aunque el numero de los
contrarios es mayor no es ahora tal que si nos animamos no podamos salir con la Victoria
que eso la pelea.
685
Pelo exposto, fica claro que uma parcela dos Guarani estava disposta ao confronto e,
inclusive, considerava que esse era o objetivo dos espanhóis. Em caso contrário, de recuo,
segundo o relato de Nusdorffer, alegavam que “otra vez mas se reduciran a palabras, que no
a obras, como fue la que experimentamos con los portugueses el año pasado en el Rio
Jacui”.
686
Provavelmente, alguns indígenas estavam dispostos a reparar a expectativa
frustrada, posto que determinadas lideranças e soldados guarani mostravam-se indignados
com o fato de não terem lutado em Rio Pardo (Jacuí), quando foi aceito o “ajuste”
(Convenção de 1754) estabelecido entre alguns índios principais e Gomes Freire. Mesmo após
683
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del
Paraguay, el año de 1756 en orden a la entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia
34ff., 32 cms. T. LVI, ff 374-410. San Carlos 31 de diciembre de 1756. Bernardo Nusdorffer, p. 378 (Doc.
número 1976).
684
A antropóloga Katia Vietta, ao trabalhar com um grupo M’bya guarani, no início dos anos 1990, em Maquiné,
município de Osório, RS, constatou que o compromisso verbal seguia como característica entre os Guarani. O
cacique Joancito manifestou que um acordo verbal é a própria palavra de um Guarani (VIETTA, Katia. M’bya:
Guarani de verdade. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)–PPGAS, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 1992, p. 165).
685
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del
Paraguay, el año de 1756 en orden a la entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia
34ff., 32 cms. T. LVI, ff 374-410.. San Carlos 31 de diciembre de 1756. Bernardo Nusdorffer, p. 378 (Doc.
número 1976).
686
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del
Paraguay, el año de 1756 en orden a la entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia
34ff., 32 cms. T. LVI, ff 374-410. p. 378v.
229
esse acordo, afiançado por um documento escrito, redigido na “língua tape e castellana”, os
lusitanos seguiam descumprindo o pactado, o que justificava para muitos indígenas o desejo
de lutar e ajustar contas. O impasse pode ter sido uma decorrência da tensão gerada entre o
que fora acordado por parte das lideranças guarani, afeitas às decisões escritas, e a expectativa
dos soldados missioneiros diante do que se havia decidido nas assembléias indígenas que
antecederam o encontro com os exércitos coligados.
No dia 10 de fevereiro, após entrevistarem-se com os exércitos coligados nas
proximidades do Monte Grande (Caiboaté), ocorreu uma batalha que ficou conhecida na
historiografia como a Batalha de Caiboaté.
687
E, segundo o diário de Francisco Graell, oficial
espanhol, o confronto “durou uma hora e um quarto”.
688
Nessa contenda participaram índios
egressos de nove reduções. Ao final da luta, aproximadamente 1,5 mil Guarani estavam
mortos. O número de mortos e prisioneiros indígenas é controverso, diferindo muito conforme
a fonte consultada.
689
Contudo, o contigente de soldados guarani que compareceram a Caiboaté pode ser
melhor aferido. No verso de uma carta, escrita por Nusdorffer e dirigida ao padre Thadeo
687
No ano de 2001, quando pesquisava na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, consultei um conjunto de
desenhos referentes ao século XVIII. Tratava-se de uma caixa com 12 imagens, que integra a Coleção Morgado
Mateus (49,5,9). Essa coleção foi adquirida em Portugal pela Biblioteca Nacional no ano de 1959. Entretanto,
entre os papéis dessa caixa, faltavam três desenhos (os de número 8, 9,10) remanescendo apenas a descrição
dessas imagens Esses desenhos, segundo as descrições, são as imagens referentes à batalha travada entre os
Guarani missioneiros e o exército coligado em fevereiro de 1755. Em consulta ao acervo do Arquivo Histórico
Ultramarino, em Lisboa, localizei um catálogo intitulado “Relação de algumas especies documentais
pertencentes a varias entidades particulares com interesse para a História Militar do Brasil, cujas reproduções
fotográficas interessam a exposição militar portuguesa, que se projecta efectuar no Rio de Janeiro, por iniciativa
da Revista Defesa Nacional. Lisboa, 1957”. Ao que tudo indica, esses desenhos foram removidos do conjunto
por apresentarem ilustrações de trajes militares. Através desse catálogo, elaborado dois anos antes da venda da
coleção, soube que essas imagens pertenciam ao conde de Mangualde, e ao que parece estão em domínio
privado. A seguir reproduzo a descrição desses desenhos com a numeração conforme consta na relação
elaborada em 1957:
“4) Mapa da Batalha do mesmo dia 10 de fevereiro 1755 em que se ve o destroso que os portugueses fizerão nos
Indios rebelados. Original cart. 630 X 410, colorido (Do Exmo Senhor Conde de Mangualde)
5) Mapa da formatura, e batalha em que nos esperarão os Indios no dia 10 de fevereiro de 1755
Original Cart. 610 X 405, colorido (Do Exmo Senhor Conde de Mangualde)
9) Rio e Passo chamado Queriby (antes da batalha) (S.I, 1755)
Original Crat 635 X 410 mm, colorido (Do Exmo Senhor Conde de Mangualde)”.
Essas imagens provavelmente foram elaboradas a posteriori por algum funcionário que integrava a comitiva de
demarcadores postugueses, após retornarem à peninsula Ibérica diante da anulação do Tratado de Madri, em
1761, o que pode justificar, inclusive, o equívoco na indicação do ano da batalha.
688
DIARIO…, 1892, p. 464.
689
Para uma tabela indicando o número de mortos e prisioneiros em Caiboaté, segundo diferentes fontes, ver:
GOLIM, 1998, p. 436. Uma lista mais acanhada, contendo o número de mortos e prisioneiros nesse mesmo
conflito foi elaborada por História do Rio Grande do Sul dos dois primeiros séculos. 2. ed. São Leopoldo:
Editora da Unisinos, 2002, v. 2, p. 307.
230
Henis, escrita em São Carlos, em 4 de março de 1756, figura a seguinte informação: “Suma
siguiente que pareze ser el numero de índios que concurrieron a la función del Caibate”.
690
O que teria levado os soldados guarani a partirem para um enfrentamento em
situação desvantajosa? Estariam motivados pelo desejo de vingar o líder Sepé, morto três dias
antes? Um depoimento anônimo, intitulado “Noticias que se han adquirido”, que contém uma
narrativa dos principais episódios da oposição guarani, afirma que a vingança pode ter sido a
razão do enfrentamento. Nesse documento, o declarante comenta que Ñeenguiru, logo que
assumiu o comando da milícia missioneira, após a morte de Sepé, orientou os seus soldados
para “[…] marchar al Cerro Caibate del paraje adonde fue difunto Sepé, con el animo de que
en dicho Cerro habian de vengarse de la muerte de dicho Capitan […]”.
691
O documento
também menciona diversos episódios que antecederam o enfrentamento, no dia 10 de
fevereiro, em Caiboaté, no qual a troca de informações por escrito foi a principal forma de
negociação entre a milícia guarani e o exército espanhol.
Como indicam as fontes consultadas, os Guarani demonstraram precipitação no
momento de investirem contra os exércitos coligados, ao abandonarem os procedimentos
adotados até esse momento, no caso, a guerrilha defensiva. Isso consistia em manter as
lideranças atualizadas através de informes escritos que orientavam suas ações em relação aos
potenciais inimigos e eventuais aliados. Ao que tudo indica, de fato, houve impaciência dos
soldados, colocando em dúvida a validade dos acordos estabelecidos por escrito, alegando que
os papéis não passavam de artimanhas para enganar os índios.
Uma outra perspectiva seria a de considerar que os Guarani estavam tomados pelo
desejo de praticar contra os exércitos ibéricos a “violência-vingativa”, assinalada por Susnik
como maneira de extravasar a rígida disciplina a que estiveram submetidos nas reduções.
Como já foi demonstrado, a maneira pela qual os jesuítas narravam o passado aos índios –
apresentando a ancestralidade da posse das terras em que viviam e que eram palco de
atrocidades perpetradas pelos “bandeirantes” – justificava aos Guarani a necessidade de
colocarem em prática a sua vingança.
Passados alguns dias do conflito em Caiboaté, um grupo de Guarani, suspeitos de
atuarem na rebelião, foi capturado e submetido a um interrogatório. Por meio de alguns
depoimentos prestados são identificados os nomes e sobrenomes das demais lideranças
690
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 167: Carta 24 [em uma lista figuravam os seguintes dados:
400 Mig.as; 200 Ap. es; 150 Ju.s; 50 Lo.es; 150 Luis; 210 Jabier; 80 Mart.s ;200 Concep.s; 100 Thom.s ; 150
Borx.s ; 80 Apo = 1770”].
691
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7424, Doc. 165.
231
nativas envolvidas nesses momentos decisivos.
692
Através desses testemunhos e dos papéis
apreendidos nessas operações, é possível resgatar do anonimato e confirmar os nomes dos
demais integrantes dessa elite, particularmente os da redução de São Miguel, um dos
principais focos de oposição ao tratado. Entre os nomes apontados estão os de Pasqual
Yaguapo e Miguel Mayra.
O padre Thadeo Henis, sempre suspeito de apoiar os rebeldes, anotou que a notícia
do conflito em Caiboaté somente chegou à redução de São Miguel dias depois, através de
Bernabé Parabé, índio miguelista que havia abandonado o teatro das operações de guerra e
retornado à sua redução de origem. Na volta, descreveu o combate com traços bastante
funestos. Essa informação, segundo Henis, foi posteriormente confirmada por outros “sugetos
nobles vecinos del mismo lugar”.
693
O defecho desse combate foi trágico. Mas fica evidente que a apregoada unidade do
exército missioneiro e sua eficácia era uma mitificação. Havia muitas clivagens internas,
determinadas pela existência de várias lideranças. Segundo Susnik,
Las milicias misioneiras no constituian una conciencia unitaria; se componían de
cacigazgos-capitanias provenientes de diferentes pueblos, de donde frecuentes disensiones y
animosidades internas como pudo observarse en ocasión de la guerra guaranítica […].
694
Ao que tudo indica, enquanto Sepé comandou os soldados missioneiros, prevaleceu
uma tática de guerrilha, e nunca de enfrentamento aberto.
695
Com a morte de Sepé, Nicolas
Ñeenguiru, corregedor da redução de Conceição, foi indicado às pressas como comandante da
milícia guarani. Todavia, Ñeenguiru não possuía a mesma habilidade guerreira de Sepé, sendo
melhor conhecido por sua capacidade oratória.
Entre a morte de Sepé e o conflito em Caiboaté, passados apenas três dias da perda
do seu principal líder, os Guarani teriam agido pautados, ao que parece, pela vingança. A
determinação guarani de oferecer resistência à presença dos exércitos coligados não contava
692
Com a derrota em Caiboaté, 154 Guarani foram aprisionados e por ordem de Andonaegui, interrogados. Nos
depoimentos de alguns fica evidente o recurso à palavra escrita como meio de comunicação durante a guerra:
[…] que el cacique Zepe escrivio a su Corregidor llamado Francisco Chaca […]” (TESTIMONIO de las
Informaciones actuadas em virtud de Ordenes de los Exmos Señores Don Joseph de Andonaegui y don Pedro de
Cevallos, siendo Gobernador de Buenos Aires, sobre averiguar los motivos que hubo para no vereificar la
entrega de los Pueblos de Misiones de Indios Guaranís, conforme a las Reales Ordenes. Revista Histórica,
Montevideo, t. 7, n. 19, p. 732-740, 1914).
693
ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-
1938. v. 52, p. 532: “Diário redigido pelo padre Tadeu Xavier Henis, a pedido do padre Nusdorffer, de meados
de Janeiro de 1754 a 13 de Maio de 1756”.
694
SUSNIK, 1979-1980, p. 230.
695
PEREZ OCHOA, 1994, p. 129.
232
com uma adesão incondicional de toda população missioneira. Isso explica a participação de
soldados egressos de apenas nove reduções, no caso aquelas localizadas nas proximidades do
rio Uruguai e, portanto, afetadas direta ou indiretamente nas negociações de limites.
696
5.2.2 Resistência nas reduções orientais
Após o conflito em Caiboaté, a comunicação epistolar manteve-se operante no
cotidiano dos Guarani rebelados, como é possível verificar nas tentativas de rearticulação
missioneira. O envio de mensagens e avisos foi o recurso acionado por algumas lideranças
com o objetivo de voltar à carga contra os exércitos ibéricos. Contudo, antes de retomarem os
preparativos para uma nova investida militar, os Guarani destinaram à escrita uma finalidade
memorativa. As comissões demarcadoras, ao retornarem às proximidades do local onde
ocorreu a Batalha de Caiboaté para concluírem os trabalhos de demarcação, encontraram
nesse local uma cruz de madeira com uma inscrição em guarani. Era uma narrativa fúnebre,
uma modalidade de escrita exposta, grafada na própria madeira, em memória à Sepé e aos
demais soldados mortos na batalha.
697
A inscrição indicava, com precisão, o dia dos
acontecimentos derradeiros e era assinada por Miguel Mayra, um dos principais articuladores
da resistência missioneira.
698
Em 4 de março de 1756, esse Guarani de São Miguel,
considerado um dos mais revoltosos, registrou nessa cruz os últimos acontecimentos que
determinaram muitas baixas entre os indígenas.
O tipo de suporte utilizado permite especular sobre a preocupação dos Guarani com a
conservação da mensagem. O recurso à escrita em cruzes, como já foi demonstrado, remonta
aos primeiros anos de evangelização, quando os jesuítas recorreram a inscrições em madeira,
nas kuatia kurusu (cruz escrita) como estratégia missional.
O recurso à inscrição em cruzes já estava incorporado à rotina missioneira. Portanto,
quando, em março de 1756, Miguel Mayra recorreu a esse expediente, fazia uso de uma
estrátegia bastante conhecida. Apesar de uma nítida preocupação com a transcedência
696
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Colección Mata Linares. Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del
Paraguay, el año de 1756 en orden a la entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia
34ff., 32 cms. T. LVI, ff 374-410. Nusdorffer informou em dezembro de 1756 que as reduções que efetivamente
participaram foram nove: Sänto Ângelo, São João, São Miguel, São Lourenço, São Luís, São Nicolau, da
Conceição, Mártires e Santa Maria Maior.
697
Para maiores detalhes, ver a nota 301.
698
Em carta ao comissário Altamirano, em março de 1753, Lorenzo Balda informava em uma nota ao final “Yo
creo que huviera sido, peor que el P.huviese ido VR mi P. Comisario, guardese de Miguel Mayra, y Agustin
Lasaro Mayra, y de Pedro payca, que son los que mas empeño tienen en ir aver a V.R y todos tres merecen, que
nunca buelvan; pero aquí nada se puede hazer con ellos. […] San Miguel, y enero 17 de 1753” (A.G.S.:
Secretaria de Estado, Legajo 7378).
233
expressa na mensagem, esse ato memorativo não serviu de epílogo às manifestações
indígenas. Muito pelo contrário, provavelmente o gesto tenha sinalizado a decisão dos
Guarani de manterem sua atitude de oposição, e, para que as perdas humanas não fossem
esquecidas, sinalizava o local com essa inscrição fúnebre. Motivados por uma determinação
de reparar as mortes de suas lideranças e soldados, seguiram recorrendo à escrita como
instrumento para expressarem a sua inconformidade com a presença militar ibérica em seu
território.
O período compreendido entre os combates em Caiboaté e a ocupação das reduções
orientais, em maio de 1756, foi caracterizado pela tentativa indígena de obstruir a passagem
dos exércitos ibéricos. Durante a marcha dos exércitos coligados até as missões orientais,
várias mensagens foram localizadas. De modo geral, comunicavam a determinação indígena
em não ceder às ordens de mudança. A estratégia guarani de disseminar avisos pelo caminho
a ser transcorrido pelas tropas ibéricas foi avaliada pelos escrivães a serviço das monarquias
ibéricas como mensagens de “conteúdo hostil e impolítico”.
Outra estratégia dos Guarani associada à escrita foi a tentativa – todavia sem êxito –
de dividir ou debilitar a ação conjunta dos exércitos de Espanha e Portugal. Os documentos
localizados ou apreendidos após o conflito em Caiboaté indicam que a interlocução indígena
voltou-se, prioritariamente, ao governador de Buenos Aires, autoridade que seguiam
reconhecendo. Em uma carta redigida na estância de São Lucas, no dia 13 de março de 1756,
os caciques endossaram uma outra carta enviada a Andonaegui, na qual esclareciam que
apesar da boa vontade do rei
[…] los caciques ya se an muerto en esta tierra con sus soldados, pero no por eso se a
de perder vuestras obras Señor pero con todo eso no nos espantamos de este vuestro obrar
Señor, y por eso no nos hemos de salir de estas tierras por abernos las dado Dios, ni
nuestros hijos se quitaran de ellas basta que los Caziques con sus soldados hayan perdido la
vida derramando su sangre en amor de Dios.
699
Nessa mensagem, os Guarani procuravam intimidar a marcha dos exércitos
coligados, e demonstravam confiança em arregimentar mais soldados para um novo
confronto. Mesmo debilitados diante da tragédia em Caiboaté, determinadas lideranças
missioneiras acreditavam na possibilidade de uma rearticulação militar, como indicam
algumas das cartas enviadas ao demais companheiros. Enquanto procuravam colocar em
699
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410, Doc. 5.
234
prática a reorganização de uma milícia missioneira, disseminaram avisos pelo território. Por
meio desses papéis, procuravam estabelecer alguma forma de negociação, com o objetivo de
interromper o avanço dos exércitos ibéricos em direção às reduções. Poucos dias depois, em
correspondência ao marquês de Valdelirios, Andonaegui informou: “[…] se dexaron ver
algunos Yndios y pusieron en un Palo una carta en que me espresavan el numero de gente
que tenian para resistirme fue el dia 20 de marzo”.
700
Nos seus escritos, as lideranças Guarani freqüentemente afirmavam contar com o
apoio dos “índios infiéis”. A apregoada adesão dos ínfiéis bem poderia ser um blefe, visto que
estes não compareceram a Caiboaté com a intensidade anunciada, e o auxílio prestado pelos
Charrua sempre foi muito discreto e pouco fiável.
701
A respeito da participação dessas
parcialidades indígenas no conflito registrado nas missões, Barbara Ganson comentou “The
Guarani War was not composed of multiethnic coalitions; it was strictly a native
rebellion”.
702
Contudo, isso foi uma decorrência da postura refratária desses “infiéis”,
conhecidos historicamente como Charrua e Minuano, em prestar apoio aos Guarani.
O tema da adesão dos “infiéis” foi recorrente entre as lideranças guarani e nas
diversas ocasiões em que escreveram às autoridades colonais enfatizando a expectativa quanto
à chegada de soldados como auxílio à tropa missioneira. Em inúmeras ocasiões manifestaram
confiança nessa colaboração, pois avaliavam que a presença das comissões demarcadoras
implicaria um alinhamento automático de todos indígenas contra os colonizadores,
independentemente de sua etnia ou parcialidade. O fato é que, mesmo depois do resultado
negativo em Caiboaté, as lideranças guarani seguiam à espera da colaboração dos “índios
infiéis” como reforço à tropa missioneira. Provavelmente, determinados integrantes dessas
lideranças guarani possuíam vínculos parentais com alguns caciques das parcialidades
indígenas não afeitas à vida em missão. Através do depoimento de Miguel Mbaruari sabemos,
700
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7427. Doc. 214: Carta de Andonaegui a Valdelirios. Pueblo de San Juan
y Junios 14 de 1756; Luis Lope Altamirano, ao informar Ricardo Wall o término da resistência e guerra dos
“indios rebeldes” comentava: “[…] toda su resistencia (con que se há desvanecido esta calumnia) se reduxo,
Señor, a fixar dichos rebeldes en el tronco de un arbol una carta con muchas amenazas al Gobernador de esta
Plaza, y con la solemne mentira (que se desprecio) de que en el monte grande (donde no se vio después ni un
solo Yndio) los esperaban armados ocho mil. […] Buenos Aires, y agosto 29 de 1756. Luis Lope Altamirano.”
(A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7384, Doc. 37).
701
Para uma aproximação a respeito da participação desses índios no conflito, ver: ACOSTA Y LARA, Eduardo.
La Guerra de los Charrúas en la Banda Oriental (período hispánico). Montevideo: Impresores A Monteverde y
Cia, 1961 (cap. 7: “Los Charrúas y la Guerra Guaranítica.”); CABRERA PEREZ, Leonel. Los “indios infieles”
de la Banda Oriental y su participación en la Guerra Guaranítica. Estudios Ibero-Americanos, Porto Alegre:
PUCRS, v. 15, n. 1, p. 215-227, jun. 1989.
702
GANSON, 2003, p. 115.
235
por exemplo, que o cacique miguelista Gabriel Payaré comunicou ao seu corregedor que os
“infiéis” haviam chegado ao logradouro de São Xavier e cita
[…] una carta escrita por los Indios de San Nicolas á los espresados Infieles para que
el dicho Payare se la leyese y explicase contenia la tal carta una citación que hacian los
Nicolaistas a dichos Infieles, para que viniesen abanzar este destacamento, á cuyo fin se
juntaron todos […].
703
Trata-se de um depoimento de um Guarani acusando o envio de uma carta que visa
arregimentar os “infiéis”. Por um lado, o depoente denuncia uma tentativa de cooptação
através de mensagem, demonstando os nexos entre escrita e poder. Afinal, a correspondência
era um expediente extremamente utilizado pelos governadores de Buenos Aires para convocar
os soldados missioneiros. Portanto, adotaram os Guarani os mesmos procedimentos para
requisitar o apoio militar dos “infiéis”. Por outro, a própria carta remetida a esses índios
confirma a convicção das lideranças guarani de contarem com a sua colaboração como
reforço militar. A iminência da proximidade das tropas ibéricas das reduções determinou a
adoção de medidas voltadas a ampliar a capacidade bélica dos Guarani, como maneira de
fazer frente aos exércitos coligados.
Assim, uma fração das lideranças missioneiras acreditava ser possível equiparar-se
belicamente ao poderio militar dos exércitos peninsulares. Os “índios infiéis”, ao serem
convocados através de uma carta, necessitaram delegar a sua leitura ao cacique Payare. A
princípio, causa surpresa o fato dos Guarani terem recorrido à escrita para comunicar-se com
índios laicos, sabidamente iletrados A decisão permite especular que a atitude dos Guarani foi
dimensionada levando em conta o valor da palavra escrita em negociações.
Contudo, pouco sabemos sobre os vínculos e lealdades estabelecidos entre Guarani e
infiéis. A colaboração dos “índios infiéis” sempre foi esperada pelos Guarani missioneiros,
entretanto a fragilidade desse apoio pode ser comprovada, por exemplo, no relato de Gomes
Freire. Certa ocasião, durante uma conversa entre Freire e um cacique minuano, o general
português comentou: “[…] por mais que decimulamos este trato hum casique de S. Miguel
desconfiou, ou percebeo alguna palavra de Lingoa Castellana, em que o Moreira comigo se
explicava […]”.
704
703
DOCUMENTOS SOBRE o Tratado de 1750. In: ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-1938, v. 52, p. 419.
704
“Demarcação do sul do Brasil. Cartas escritas da Fortaleza do Rio Pardo remetidas por hum Alferes da
Guarnição de Santa Catarina para o Rio de Janeiro” (REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO:
demarcação do sul do Brasil. Direção e redação de Aurelio Paes, Belo Horizonte: Imprensa Official de Minas
236
Pelo conjunto de correspondências apreendidas e o teor de algumas mensagens, é
possível afirmar que a comunicação escrita desempenhou papel destacado na oposição
missioneira. As lideranças guarani fizeram dessa forma de contato o seu veículo de
mobilização e de articulação, como indicam documentos consultados. Através da escrita, os
Guarani procuravam manter ativa a sua capacidade de resistência militar contra a ocupação de
suas terras e reduções. O tenente de São Miguel, Miguel Arayecha, escreveu ao alcaide maior,
Simon Tiarayu, uma longa carta, no dia 24 de março de 1756, estimulando os demais.
Informado dos últimos preparativos para uma nova investida contra os exércitos coligados,
demonstrava grande confiança:
[…] ahora despues de la averia no se les han mostrado nuestros soldados por eso
estan mui confiados en si os mostrareis se han de estremecer, y temblar, y también Dios N.S
los há de acovardar, por eso vosotros han de andar por San Juan y los de San Luis, San
Juan y San Lorenzo, por San Lucas: tambien ya va Ñeenguiru a ayudarnos lleva 450
soldados el tambien os há de ayudar, no quieran desbariar en coger vacas, para comer en el
Pueblo que ya las hay.
705
A leitura dessa carta permite verificar algumas estratégias militares adotadas por
parte das lideranças guarani. A primeira foi a de evitar a dispersão dos soldados, motivo pelo
qual procuraram garantir o abastecimento das tropas. A segunda foi o cuidado em manterem
oculto o exército guarani, pois julgavam que com essa medida obteriam alguma vantagem
logística, como, por exemplo, o fator surpresa. Os mais confiantes na capacidade de
resistência dos Guarani seguiam decididos a oferecer oposição a qualquer movimentação dos
exércitos coligados e, ocasionalmente, enviavam cartas ou deixavam novos avisos de
hostilidade pelo caminho. A escrita, nesse momento, conferia uma identidade comum no
modo de fazer política por parte dos Guarani, quando manifestavam suas insatisfações com os
acontecimentos em curso.
Uma outra característica é explicitada através do diário de Jacinto Cunha, que
informa, por exemplo, que em abril de 1756
Geraes, anno 22, 1928, p. 314). Moreira foi um cacique dos índios “infiéis”, que ora estabelecia aliança com os
portugueses, ora com os guarani missioneiro, sendo bastante mencionado nas fontes de meados do século XVIII.
O padre Antonio Sepp menciona um cacique de nome Moreyra e seu filho que, segundo esse jesuíta, havia sido
convertido ao cristianismo. Contudo, não podemos afirmar tratar-se do mesmo cacique ou de seu filho (SEPP,
1973, t. 2, p. 117-121).
705
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410, Doc. 2: Ynventario de los papeles que el comandante general
Don Joseph Andonaegui entrego por medio de su secretario”.
237
[…] vieram dous Indios da Missão de S. Miguel com cartas dos seus caciques,
cabildes, e povo, e as entregaram ao general mandante, nas quaes, lhe diziam, que de
nenhum modo intentasse elle, e os Portuguezes a irem evacuar as Missões, porque o seu bom
rei, sempre lhes disse e assegurou com suas reaes ordens, que estas terras eram d’elles, que
mesmo Deus lhas deu, e que com taes as defendessem como suas.
706
Nos diários dos oficiais demarcadores, além da informaçao militar típica – como
distâncias percorridas, características do relevo e condições climáticas – estão registradas
notícias das manifestações letradas guarani, pois os escrivães ibéricos registravam diversas
reações desses “índios rebeldes”. Os documentos indicam que, através desses registros, a elite
guarani consolidou uma versão dos fatos e procurou assegurar sua posição frente ao rei,
garantindo a vigência de alguns benefícios que este lhes havia assegurado, precisamente
através de informes escritos, no caso as reais cédulas. Contudo, essa posição e esse
entendimento dos fatos não correspondem inteiramente à vontade geral da população. Essa
carta, em especial, expressa o posicionamento dessas lideranças, que seguiam convictas a
resistirem à ocupação das reduções orientais.
O conjunto de informações históricas de que dispomos indica que mesmo diante
desse esforço já não havia mais consenso, e alguns Guarani, ao perceberem que as condições
de fazer frente à marcha dos exércitos ibéricos eram irrisórias, decidiam abandonar suas
posições. Em um gesto final, alguns indígenas, inclusive, recorreriam a qualquer material para
deixar um aviso, denunciando a sua preocupação em expressar um último juízo sobre os
acontecimentos. Desesperadamente, escreviam em pedaços de couro ou de madeira breves
mensagens, reconhecendo a impossibilidade de seguir resitindo. Francisco Graell, oficial
espanhol que acompanhava o movimento do exército em direção às reduções, informou o
seguinte sobre um aviso escrito em couro, localizado em São Fernando, entreposto da redução
de Santo Ângelo: “Ya nos vamos todos daos prisa a llegar a las tierras que han de ser
vuestras”.
707
Com esse aviso, aqueles Guarani que permaneciam decidos a resistir
renunciavam a essa pretensão, e reconheciam a iminência da ocupação de suas terras. Ao que
parece, há na mensagem um desejo implícito de informar o motivo de sua renúncia, para que
não fosse confundida, poderíamos dizer, com uma derrota.
O ressentimento diante da rendição foi possivelmente amenizado por se tratar do
exército a serviço do rei de Espanha, o mesmo ao qual os Guarani prestavam vassalagem.
Reação diferente foi registrada por Jacinto Cunha, escrivão do exército português. Por meio
706
CUNHA, 1853b, p. 269.
707
DIARIO…, 1892, p. 474.
238
do seu diário, somos informados de um aviso localizado em “um pao em pé, e nelle escritas”
uma mensagem, dizendo: “Vos vindes tomar nossas terras. No nos imos embora, e Deos sabe
o que será”.
708
Essa mensagem dirigida aos portugueses, como se pode observar, era mais
hostil que a outra, dirigida aos espanhóis, e indica um desfecho incerto do enfrentamento
aberto.
Os avisos demonstram como a escrita servia tanto para manifestar resistência como
para expressar uma forma de resignação diante do rumo dos acontecimentos, frente a um e a
outro exército, diferenciados por experiências anteriores.
709
Ambos os avisos foram
encontrados no dia 2 de maio de 1756, quando os exércitos marchavam em direção às
reduções orientais. O conteúdo dessas mensagens permite supor que, após alguns meses de
resistência, uma das milícias guarani que compunha a força de resistência desistira da vigília e
abandonara a sua posição diante da proximidade dos exércitos, enquanto outra parcela seguia
decidida a resistir. Quando as forças militares ibéricas chegaram às proximidades da estância
de São Francisco Xavier, nos primeiros dias de maio, avistaram “grande multidão de Indios,
que divididos em alas como procissão marchavão para nós, divididos com intervalos grandes,
e como quem nos queria cercar, pareceram à vista como couza de 3000 índios”.
710
No dia 3 de
maio, houve um novo enfrentamento, o “reencontro”
711
entre os exércitos coligados e os
Guarani rebeldes. Segundo as anotações dos respectivos escrivães, Francisco Graell e Jacinto
Cunha, a ação contou com um número expressivo de indígenas, algo como 1,5 mil ou 2 mil
Guarani, aproximadamente.
712
A se julgar pelo comparecimento ao “reencontro”, as requisições por escrito das
lideranças guarani foram, em boa medida, atendidas. A principal diferença entre essa ação e a
708
CUNHA, 1853b, p. 277.
709
Como já se viu, os Guarani chegaram a estabelecer um ajuste de paz com o ministro português, Gomes Freire,
em novembro de 1754, cujas disposições não foram respeitadas pelo plenipotenciário lusitano.
710
Resumo do Diário que se fez na marcha do Exercito de S.M. Fidelissima, que dahiu do Rio Grande de S.
Pedro a encontrar com o de S.M. Catholica, para hirem unidos a castigar os povos rebeldes das 7 Missões, que
cede Hespanha e Portugal, sendo general do Exercito Portugues Gomes Freire de Andrada e do Hespanhol D.
José Andonaegue. Povo de Santo Angelo, 22 de junho de 1756 (ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro: inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e Ultramar. “Rio de
Janeiro, 1756-1757”. Rio de Janeiro, v. 71, p. 130).
711
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7378. Doc. 11. “Funziones, que en esta presente Real Expedizion a
tenido con los indios desde que se dexaron beer, hasta la sorpresa del pueblo de San Lorenzo, el Coronel Don
Joseph Joachin de Viana y son las seguintes […] Salto Chico del rio Uruguay, y enero 22 de 1757.” A definição
desse confronto como “reencontro” é de José Joaquim Viana, governador de Montevidéu, ao prestar conta dos
trabalhos executados nessa campanha. Após o período de conflitos, Viana enviou a Espanha uma relação dos
serviços prestados, solicitando promoção, onde se destacam as suas atividades como militar contra os Guarani.
712
No diário de Graell, este menciona que “se presentaron como 1500 á 2000 indios, casi todos montados
(DIARIO…, 1892, p. 475). Jacinto Cunha não chega a informar o número de índios que compareceram, apenas
menciona “uma grande quantidade de Indios todos a cavallo, fazendo-nos cerco pela vanguarda e lado dos
nossos exércitos” (CUNHA, 1853b, p. 279).
239
protagonizada em fevereiro desse mesmo ano em Caiboaté refere-se ao fato de que nessa
ocasião compareceram quase todos montados a cavalo. Após um enfrentamento desordenado,
os Guarani se dispersaram e ficaram à espreita, aguardando um momento melhor para voltar à
carga. Houve algumas investidas às guardas avançadas e à retaguarda. Nesse dia, segundo
anotações de Jacinto Cunha, circulou entre o exército português a notícia de que o governador
de Montevidéu, José Viana, havia falado à distância com um Guarani. Por meio desse contato
verbal, Viana soube o seguinte:
[…] agora não vinham a pé como da outra vez […] mas agora todos estão montados
para lhe não succeder outra vez o mesmo e elle que traz bons cavallos e boas esporas; que já
sabe como há de fazer a guerra a estes exercitos, e tem muito grande numero de indios á sua
ordem para isso […].
713
Através desse testemunho, é possível acompanhar a lógica que presidiu a
rearticulação guarani e contemplar um dos fatores que havia atribuído para justificar sua
derrota militar em Caiboaté.
714
Apesar do comparecimento expressivo de soldados guarani ao
“reencontro”, a ação foi comprometida pela tática de guerra de abordar o inimigo aos gritos e
berros – fator que inviabiliza um ataque surpresa – e pela morte de alguns caciques e de um
corregedor logo no começo do enfrentamento, baixas que provavelmente contribuíram para
enfraquecer o ímpeto guerreiro dos demais.
No mesmo dia 3 de maio, logo após o “reencontro”, Christobal Eranda escreveu uma
carta dirigida aos soldados procurando informá-los dos últimos acontecimentos. A carta
procurava manter os demais Guarani mobilizados. Através da exposição dos últimos conflitos,
Eranda tentava estimular aqueles soldados que haviam abandonado o campo de batalha,
enfatizando as vantagens obtidas em alguns enfrentamentos:
Ayer lunes hicimos parar a los que nos aborrecen a la vuelta del camino Ybabiyu,
igualmente les hicimos guerra por todas partes; los Españoles murieron bastantes, y duro
hasta la tarde, y Dios quizo que hacia el camino de la estancia de San Luis, llegasen los de
la Cruz, y los de Yapeyu, S.Thomé y bastante de los Infieles que se pelearon contra ellos.
715
713
.CUNHA, 1853b, p. 281.
714
Ou seja, se Caiboaté foi um enfrentamento direto, diferente da tática de guerrilha a que estavam habituados.
Alguns meses depois sabemos indiretamente algo sobre a avaliação indígena das causas da sua derrota. Não fora
decorrência somente da mudança na forma de enfrentamento, mas do ponto de vista indígena, foi a falta de
montaria que os colocara em desvantagem. Vale aqui reproduzir o comentário do comissário jesuíta Luis
Altamirano a respeito da importância que os Guarani creditavam à montaria: “Pero aunque se alboritassen; no
pudieran ayudar a los rebeldes, sino en muy corto número, por la gran falta de caballos, que en todos los
Pueblos se experimenta, sin los quales todo indio es nada.” (A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7379, (72
hoja). Buenos Aires, Junio 15 de 1754).
715
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410.
240
Essa carta – cujo conteúdo de caráter militar visar fornecer aos Guarani um balanço
dos feitos bélicos logrados nos últimos dias – demonstra o cuidado em assegurar que não
haveria uma dispersão de todos os soldados como decorrência das últimas mortes. A
indicação precisa do dia da semana em que transcorreu a obstrução da passagem dos exércitos
sinaliza a preocupação das lideranças com o registro detalhado das notícias repassadas. No dia
seguinte, houve nova tentativa de obstruir a passagem dos exércitos e, nessa ocasião,
apresentaram-se 150 índios, formando um esquadrão. No final dessa nova investida, agora
segundo anotação do escrivão Francisco Graell, havia “[…] tres muertos, y entre éstos un
indio de los principales de San Miguel, segun una carta que se le halló”.
716
Como se pode
constatar, a atitude das lideranças guarani de portarem cartas foi bastante difundida,
provavelmente porque esses papéis continham instruções ou informes relativos à
movimentação de soldados. Vale recordar que a identificação de Sepé Tiarayú, abatido em um
enfrentamento prévio à Batalha de Caiboaté, ocorreu por meio de uma carta que levava na sua
algibeira. Ou seja, a comunicação epistolar entre as lideranças guarani, além de permitir a
troca de informações, também ampliava a possibilidade dessas cartas serem repassadas aos
demais indígenas, por meio de leitura. Definir as razões da posse de uma carta é uma tarefa
complexa, mas uma das razões, nesse contexto de expectativa indígena diante do provável
desfecho dos acontecimentos, ao que tudo indica, era para que fosse relida, servindo como um
estímulo aos índios para seguirem guerreando.
Os fracassos acumulados pela tropa missioneira diante das tentativas de obstruir a
passagem dos exércitos coligados, mesmo dispondo de homens a cavalo, colocava um limite
às possibilidades da resistência guarani manter-se ativa.
E, segundo o padre Juan de Escandón,
Desde el dho dia 3 hasta el 8 se han estado quietos unos y otros enviandose
requerimientos y recados. Los indios, conforme les daba opción el tratado, pretendian à más
no poder, quedar con los portugueses, pero en sus pueblos, sin salir de ellos. Los españoles
y los portugueses insistian en que desde luego saliesen de ellos y de todas sus tierras y se lo
dejasen todo libre a los portugueses. Salir de sus pueblos y tierras, replicaban los Indios,
que por ninguno caso lo harian. Y que antes se dexarian matar todos con todas sus mujeres,
e hijos […].
717
716
DIARIO…, 1892, p. 475; GRAELL, 1998, p. 78).
717
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 59, Exp. 5.
241
A avaliação de Escandón permite uma abordagem do principal motivo pelo qual os
Guarani não estavam dispostos a abandonar suas reduções: os vínculos com a sua história,
estabelecidos a partir do início da cristianização. Estavam dispostos, inclusive, a concessões
inimagináveis, como aceitar a presença dos portugueses, para viabilizar sua permanência na
sua redução de origem. Portanto, não era um apego apenas às terras, mas principalmente ao
núcleo urbano, cenário no qual diversas gerações vivenciaram acontecimentos decisivos para
a preservação do grupo em meio à colonização.
As tropas ibéricas já estavam muito próximas às reduções orientais e, inclusive, no
dia 8 de maio, cinco dessas – no caso São Luís, Santo Ângelo, São Lourenço, São João e São
Nicolau – escreveram aos parentes da outra banda, avisando da iminente invasão. Nessa
mensagem, segundo Escandón, comunicavam aos seus parentes, em tom fatalista, estarem
resueltos â morrir si pero en sus pueblos e tierras”. O teor da carta era o seguinte:
Ah! Parientes nuestros todos los que soys Christianos.
Bendito y albado sea el SS.mo Sacramento.
E amados parientes nuestros, Dios nuestro señor y su Ssma Madre quede siempre con
vosotros. Y para siempre as bendita la santa Ley (en que hemos vivido y) que Jesus hijo de
la virgen nos trajo de el Cielo su patria. Esta os escribimos â Dios y aventura, y por la
divina misericordia con toda resignación en las disposiciones de Dios, qual nuestro Señor
Jesus Christo nos la enseño a tener, y teniendo también muy presentes â vosotros en nuestra
memoria, aun quando estamos en el ultimo extremo de nuestras afliciones y desgracias, â
que nos vemos ya reducidos en estos nuestros siete pueblos que Dios nos havia dado: Pues
haveis de saber que ya los Españoles y los Portugueses con todo su exercito empiezan â
apoderarse del pueblo de San Miguel que se acercaron desde el dia tres deste mês de Mayo
[…].
718
Os argumentos cristãos justificavam o discurso apocalíptico, diante da constatação da
impossibilidade dos Guarani deterem a chegada dos exércitos ibéricos. A eminência da
chegada das tropas à redução de São Miguel deixava temerosos os mais envolvidos nas
funções de resistência, receosos de uma destruição completa. Nesse momento, o recurso à
escrita cumpre o papel de recompor a narrativa na forma de aviso. O teor desse texto, em que
se emprega uma retórica cristã, explica o interesse de Escandón por traduzi-lo.
Uma última tentativa de obstruir a marcha dos exércitos ibéricos foi esboçada no dia
10 de maio, junto a uma colina do rio Chuniebi, conforme relatou Viana.
719
Alguns Guarani
fortificaram a colina e tentaram, com o auxilio de “duas peças de artilharia”, impedir a
passagem. Segundo Jacinto Cunha, “[…] logo aos três primeros tiros, se pos tudo em uma
718
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 59, Exp. 5.
719
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7398, Doc. 11 [serviços prestados por Viana].
242
grande confusão, e quando se repetiu a segunda descarga, todos os Indios que se achavam na
dita trincheira e campestre, desapareceram para logo […]”.
720
Algumas pequenas escaramuças
ainda foram verificadas durante o avanço do exército aliado, mas sem comprometer a
movimentação dos soldados.
Pelo exposto, é possível verificar como a escrita ocupou para os indígenas um papel
relevante nesse período, atuando como instrumento de informação e, principalmente, como
garantia da mobilização entre os Guarani de diferentes reduções.
Vale recordar que as duas últimas cartas escritas pelos Guarani – tanto a de Eranda,
no dia 3, e a coletiva, com data de 8 de maio – foram redigidas no calor da emoção, sendo um
testemunho do momento de contato com os parentes, e um instrumento voltado a aplacar as
distâncias, e assim obter ajuda.
Ainda nesse mês de maio, dois dias antes da ocupação de São Miguel, o tenente
Juaquin Guaracuye, da redução da Cruz, escreveu uma carta de caráter coletivo, creditada a
todos de los treinta pueblos”. O conteúdo da mensagem estava dirigido exclusivamente aos
espanhóis e, em tom ameaçador, avisava-os para manterem-se afastados dos portugueses,
esclarecendo:
Nosotros hemos venido los de Yapeyu, de la Cruz, S. Thome, los de San Borja, y todos
los de los Pueblos, y también todos los del Paraná. Por eso, los españoles Castellanos,
apartense de los Portugueses, cuando nosotros lleguemos; para esto os escribimos,
sabremos lo que determinais, nosotros no os hemos hecho nada, no queremos mattar a los
castellanos, a los Portugueses si, queremos consumirlos: esto és lo que hemos de hacer, y
hemos de andar por aqui aunque pasen muchos años. Por eso escribidnos, para que
sepamos lo que determinais.
721
O tenente cruzista aproveitou para enfatizar o ódio secular que nutria contra os
lusitanos, diferenciando um exército do outro, canalizando toda a oposição guarani aos
portugueses, inimigos do rei de Espanha e, portanto, invasores a serem combatidos. Cuidados
dessa ordem indicam o interesse dos Guarani em preservar os vínculos com a monarquia
católica, condição a que jamais abdicaram. No próprio texto, explicam os motivos que
720
CUNHA, 1853b, p. 287.
721
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7410. Doc. 9: [carta a Andonaegue e Zabala]. 15 de mayo de 1756.
Theniente Juachin Guaracuye de el Pueblo de la Cruz; no diário de Jacinto Cunha também há uma menção a essa
carta, contudo sem reprodução textual, apenas menciona: “[…] escrevendo elles uma carta, em que, dizem, é
assignada por todos os povos, as Sr. general castellano, ignorando o que vem elle buscar com os Portugueses a
estas Missões, que si elle quer entrar n’ellas com os castellanos, ou general D. Bruno, que já em outro tempo
entrou néllas, que nenhuma duvida tem elles porém ssssque se aparten dos portugueses, porque elles então nos
acabariam, e se vingariam de termos sempre sido seus inimigos, e de dita carta pediam resposta” CUNHA,
1853b, p. 293.
243
levaram à redação, e solicitam aos espanhóis uma resposta por escrito, comunicando a decisão
adotada. Esse procedimento é uma reedição de uma prática iniciada em fevereiro de 1753,
durante o encontro com a primeira partida demarcadora. Vimos que, geralmente, a escrita foi
acionada por parte das lideranças guarani em contextos de enfrentamento e tensionamento das
relações com os agentes sociais. O fato de os índios alertarem através de cartas demonstra o
quanto havia de negociação nessas práticas. Os Guarani agiam motivados por sinais
diacríticos emitidos pela própria sociedade colonial. Desde o momento em que os exércitos
iniciaram a operação conjunta, ou seja, a segunda campanha em direção às reduções,
nenhuma carta ou aviso deixados pelos Guarani foram respondidos, e as negociações através
da via epistolar com as autoridades colonias mostrava-se esgotada.
5.2.3 A manutenção da escrita: entre a desconfiança e a adesão
O uso da escrita pelos índios, como foi visto, também esteve voltado aos contatos
internos, servindo de instrumento de comunicação entre os Guarani que permaneceram nas
estâncias, arregimentando soldados para impedir o avanço dos exércitos coligados. Com a
chegada das tropas hispano-lusitanas ao núcleo urbano das reduções, a população que
remanescia em suas casas refugiou-se nos arredores. Segundo informou um Guarani, que se
dizia habitante da outra parte do Uruguai (margem ocidental): “em São Miguel estavão
poucas familias e que as mais estavão pelos mattos a hum e outro lado do Povo”.
722
As fontes indicam que muitas famílias, aproximadamente a metade, foram
transferidas pelos jesuítas para as reduções de seus parentes, na outra “banda do rio
Uruguai”;
723
outras aceitaram as ofertas de Gomes Freire e rumaram para o lado português;
porém algumas famílias não se enquadraram em nenhum desses destinos, permanecendo em
território missioneiro, fixando residência nas estâncias.
724
722
ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no
Arquivo de Marinha e Ultramar. “Rio de Janeiro, 1756-1757”. Rio de Janeiro, v. 71, p. 132.
723
Nessa relação escrita pelo ex-provincial do Paraguai este informa: “De los catorce mil doscientos y ochenta y
cuatro, que pasaron hasta principios del año de 1757 : Santo Angel: 2531; San Juan 3347; San Miguel 1035;
San Lorenzo 1459; San Luis 3828; San Nicolas 416; San Borja 1668, Estos se repartieron de este modo según
iban llegando y según la possibilidad que havia se sustenerlos en los otros pueblos, y mayor ô menor peligro de
que se volvisen […]. Cordova y octubre 22 de 1758. Muy siervo de V.Ra manuel Quirino. (R.A.H.: Fondo
Manuscrito. Colección Mutis. Sobre el tratado con Portugal en 1750. P. Manuel Quirino; 9-11-5-151; Sig: 9/
2279. p. 345v)
724
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120/84, Doc. 3. Esse documento é uma tabela, um censo realizado em
dezembro de 1759, indicando as reduções para onde foram transferidos os Guarani egressos das missões
orientais. Entre os locais assinalados como destino se pode verificar que um número expressivo de Guarani de
São Miguel e São Nicolau permaneceram nas suas estâncias.
244
Ao decidirem viver fora do núcleo urbano das reduções, determinadas famílias
enfrentaram dificuldades no convívio com as demais parcialidades indígenas que circulavam
pela região. Os contratempos enfrentados pelo Guarani de São Nicolau resultaram na busca de
proteção junto aos portugueses. Em julho de 1757, Gomes Freire, em ofício a Sebastião José
de Carvalho e Melo, informou ter recebido
[…] hum indios do Povo de São Nicolau com a carta junta: a falta de quem a lece em
Seo Verdadero entender me fez examinados pellos lingoas, pude alcançar serem mandados
da Companhia de humas setenta familias, que estao da outra parte deste rio, e vem fugitivos
dos Indios Minuanos que na sua estância dizem ser o rio Ibicuy, os roubarão, lhes furtaram
humas filhas, e parece matarão alguns […].
725
O recurso à comunicação escrita manteve-se ativo entre a população missioneira, que
permaneceu algum tempo nas estâncias, seja como veículo de contato “diplomático”, como
foi a carta enviada a Gomes Freire, seja como maneira de solicitar algum tipo de ajuda ou
proteção.
Desse período há dois bilhetes em Guarani escritos por um mesmo índio, Hilario
Yrama, alcaide da redução de São Miguel. O primeiro é de quando Yrama vivia na estância
da redução, e decidiu informar seus superiores sobre alguns fatos recentes:
Alabado sea el Santísimo Sacramento. Que Dios (Tupä) guarde a nuestras
Autoridades, Cabildantes y Caciques, todos. De este modo, por medio de este documento os
relato las cosas que se sucedieron por este nuestro Paso de Ybycuy, por donde caminaron
los españoles; los indios desconfian de los españoles, nos dicen los “paganos”. Esto varias
veces lo escuchamos. Por eso nos apresuramos a esconder a la gente en la Estancia, dicen
cuando ellos hablan, conversan entre sí; si bien antes a nosotros nos hicieron esconder
aquellos, poco a poco, si bien lo creyeron siempre solamente lo soportaron y le aceptaron al
final. Mis superiores (o jefes), los de Santo Angel, los de San Nicolás, por eso informaron
mal a los infieles acerca de nosotros: aún a sus propias hijas las dan a los infieles. Esto
nomás por ahora. Escribimos breve ahora a vosotros, nuestros superiores. Bueno, que Dios
Nuestro Señor y la Santa Madre de Dios os acompañe ahora como compañeros para
siempre. En 3 de Agosto 1757. Vuestro pobres hijos, vuestros amigos de verdad. Hilario
Yrama
Así pues, Nuestros superiores, si lo deseáis, envid ahora esos 20 indios, no más 20
indios. Nosotros, aunque no sea más que algunos días estaremos esperando aquí. Nuestros
superiores: esto solamente por ahora.
726
Esse primeiro bilhete é um relato dos índios missioneiros que estavam vivendo fora
da redução, instalados no passo do Ibicuí e, diante da proximidade dos espanhóis, decidiram
725
A.H.U.: Brasil/Limites. Caixa 2, Doc. 132: Oficio de Gomes Freire a Sebastião Jose de Carvalho e Melo. 28
de julho 1757.
726
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/2.
245
esconder “a la gente en la estancia”. Os Guarani que acompanhavam Yrama representam
uma parcela que se mantinha afastada do núcleo urbano e até o momento sem demonstrar
disposição em retornar à sede da redução. No bilhete, o alcaide Hilario ainda se mostrava
ultrajado pelas ofensas proferidas pelos espanhóis, que várias vezes os acusaram de paganos.
O relato também informa a respeito da secular animosidade entre os Guarani e os
chamados “infiéis”. Os Guarani, ao que tudo indica, se reconhecem como vulneráveis perante
esses indígenas, e sugerem às autoridades indígenas que permaneceram na redução o envio de
reforços para empreender uma ofensiva contra seus desafetos, informando, “aunque no sea
más que algunos dias estaremos esperando aqui”. A maneira como esse bilhete foi
encaminhado permite inferir que havia um grupo de Guarani refratários à ocupação e presença
dos espanhóis em São Miguel, contudo estes seguiram mantendo contato com as lideranças
que permaneceram na redução. Um dos objetivos dessa mensagem dizia respeito a demovê-
los de uma atitude avaliada como conformista diante da convivência com os espanhóis.
Como se pode perceber, trata-se de um uso estratégico da escrita. Por um lado, é um
pedido de reforços de efetivos que partiu de alguns índios rebelados, e, por outro, uma
tentativa de cooptação. Motivo pelo qual a mensagem estava destinada a “nuestras
autoridades, cabildantes y caciques, todos”. Ou seja, além de informar àqueles que
permaneceram na redução a respeito dos incidentes registrados no passo do Ybycuy,
procurava-se, por meio dessa mensagem, incitá-los. Como argumento para convencer aqueles
que estavam convivendo com os espanhóis, Hilario mencionava que deveriam desconfiar dos
espanhóis, pois estes os chamavam de paganos.
Verifica-se o quanto a escrita ainda mantinha-se ativa como veículo de comunicação
entre os Guarani e, principalmente, a tentativa de rearticular a rede de comunicação que
antecedeu a invasão das reduções. O texto menciona a proximidade dos espanhóis, dos quais
se ouvem as vozes que conversam entre si e determinando que os Guarani abandonem o local
sem serem molestados. Pelo relato, afirmam que os espanhóis mostraram-se indiferentes à
presença indígena. Essa compreensão, ao que parece, os mantém motivados a dar
continuidade a uma atitude de oposição, pois parecem confiantes na sua capacidade bélica.
Por essa razão, acrescentou ao final da mensagem “se los deseáis, envid ahora esos 20
indios”.
Essa mensagem possuía como finalidade deixar um registro e assim fixar esse
acontecimento, como o próprio Yrama escreveu, “por medio de este documento los relato las
cosas que se sucedieron por nuestro Paso de Ybycuy”. Essa mensagem comportava o desejo
246
de informar um acontecimento procurando produzir um efeito junto aos destinatários, ou seja,
incitá-los a resistirem à presença hispânica.
Há um segundo bilhete de Hilario Yrama (uma “cartita”), também redigido em
guarani, dirigido a Francisco Bruno de Zabala.
727
Este apresenta um tom de retratação.
Expressa um certo arrependimento e tentativa de reconciliação e, nesse momento, reconhece o
governador como uma autoridade necessária. Comenta em tom de lamento que os índios
andavam “como huérfanos, pero soportando únicamente nuestra forma de vivir, confiando en
Dios y tambien en el Governador”, para logo a seguir denunciar o comportamento violento de
alguns índios de outras reduções que “entonces mató a muchos de mis hijos de la estancia”.
Denuncia o comportamento de lideranças indígenas que agiam de modo violento matando
outros Guarani, e expressa as divergências entre os próprios Guarani que se encontravam nas
estâncias, mostrando a dificuldade de administrar o convívio entre os índios missioneiros fora
das reduções.
A carta evidencia que o problema enfrentado nas estâncias era bem mais amplo, pois
dizia respeito também aos “yaros” (“infiéis”), por disputas que envolvem animais e
retaliações a famílias guarani. Os conflitos eram decorrência do roubo de vacas e cavalos, o
que havia gerado inclusive a morte de alguns índios. Hilario, à sua maneira, procurava
informar Zavala dos distúrbios, e agregava que os animais subtraídos estavam reservados ao
Marqués” (provavelmente o marquês de Valdelirios). A intenção da mensagem é de notificar
os conflitos existentes nas estâncias e as dificuldades, em decorrência desses problemas, em
enviar os cavalos prometidos ao marquês, pois estes já teriam sido subtraídos pelos índios de
Santo Ângelo.
A mensagem escrita se autodefine como uma “cartita”. Diferente de um bilhete, está
endereçada a um destinatário, “Don Bruno”, no caso o capitão Francisco Bruno Zavala.
Através dessa cartita, Hilario Yrama reconhece que há lugares de poder e informa sobre os
problemas que estava enfrentando.
Convém destacar que essa segunda mensagem foi redigida com uma diferença de
aproximadamente dois meses em relação ao bilhete anterior, aqui comentado. No primeiro
bilhete transparece uma desconfiança em relação aos espanhóis, enquanto que a segunda
mensagem está encaminhada e reconhecendo os espanhóis como autoridade. A segunda
mensagem está endereçada a um militar do exército espanhol, e demonstra que o mesmo índio
727
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/2. Esses dois textos em guarani não foram guardados junto à uma tradução
realizada a época, diferentemente de outros documentos. Assim, pouco sabemos sobre o efeito causado junto aos
destinatários, pois desconheçemos as circunstâncias em que foram localizados.
247
agora se reportava de maneira distinta, com deferência e respeito: “Dios te guarde Señor
Gobernador y que tus hijos tambien estén bien”.
728
Há uma mudança de atitude bastante evidente, de índio resistente, receoso quanto à
presença hispânica para a de um Guarani que agora dirige-se por escrito ao “governador”
comunicando “te aprecia mucho”. Em um curto espaço de tempo se pode verificar uma nova
postura por meio da comunicação escrita de Hilario Yrama. Ao que parece, essa mudança está
relacionada à constatação de que as divergências com os “infiéis” demandavam uma ajuda
externa diante da impossibilidade de assegurar a sobrevivência de um determinado grupo fora
das reduções. E, através da escrita, Yrama procurava construir uma nova relação com a
autoridade encarregada de prestar assistência às reduções orientais.
As estâncias haviam se tornado um lugar conflituoso e de faccionalismos, e, a partir
do momento em que as lideranças guarani perceberam que seguir resistindo à presença
hispânica representava um alto custo, decidiram retornar ao núcleo urbano da redução.
O cruzamento dessas informações fragmentadas permite demonstrar a fragilidade das
relações existente entre as diferentes parcialidades indígenas, sobretudo os “índios infiéis” e
os Guarani missioneiros, animosidade acentuada em função da própria dinâmica colonial.
Inclusive, as populações missioneiras eram consideradas, no século XVIII, pelo jesuíta Pedro
Lozano, “[…] como muy diferentes en varias cosas de los otros Indios de aquella Provincia y
aborrecidísimos por extremo”.
729
A vivência no espaço reducional determinou uma distinção
sociocultural, determinando que os índios missioneiros fossem vistos e se vissem de maneira
diferenciada em relação aos demais indígenas da região. A escrita, ao alterar as forma de
registro e comunicação dos Guarani, implicou um reordenamento de suas diferenças culturais,
possibilitando a estes estabelecer relações e, por meio das correspondências, tentar construir
novas redes de apoio
730
.
Enfim, pelos documentos comentados até o momento, é possível afirmar que em
diferentes períodos as lideranças indígenas recorreram ao uso da escrita na forma de avisos,
bilhetes ou cartas, tanto para informar companheiros quanto para estabelecer relações com
728
Francisco Bruno de Zavala somente foi designado como governador interino das missões orientais do
Uruguai em 1768. A sua indicação para esse cargo foi decorrência da expulsão dos jesuítas e do sistema de
governo introduzido por Francisco de Paula Bucareli para estabelecer uma organização adequada à
administração das reduções.
729
Apud SUSNIK, 1979-1980, p. 232.
730
Um exemplo dessa tentativa é a carta enviada pelo corregedor de Yapeyu, Miguel Guañuruma, em 8 de
novembro de 1756, ao marquês de Valdelirios, manifestando a intenção do cabildo e caciques em colaborar com
as autoridades hispânicas, reconhecendo-se como vassalos do rei de Espanha e dispostos a “[…] saber vuestra
voluntad, y orden, para obedecer con toda nuestra voluntad; y portanto yo con el Señor Governador Don Joseph
Joaquin saldre al camino a encontraros […]” (A.G.S.: Secretaria de Estado. Legajo 7424, Doc. 181).
248
antigos rivais. Os usos estratégicos destinados à escrita visavam manter certo grau de unidade
nas ações dos Guarani e sustentar o seu autogoverno.
A perspectiva indígena ficou registrada na atuação dessa elite missioneira e nas suas
tentativas de negociação política, legando para a posteridade uma versão indígena sobre esse
período de conflito. Afinal, somente os Guarani ilustrados estavam habilitados nas tarefas
gráficas e, igualmente, acostumados a negociar com as autoridades coloniais.
Os diversos documentos apreendidos – que sabemos ser apenas uma fração do
conjunto de papéis produzidos pelos indígenas demonstram as tentativas de negociação por
parte dos Guarani, e evidenciam que suas reivindicações estavam amparadas, nos papéis em
que recordavam os serviços prestados ao rei, na condição de cristãos e vassalos de Espanha.
Os vínculos com a monarquia espanhola sempre foram mencionados, indicando que a
reelaboração de seu ñande reko (“modo de ser”) era permeado, necessariamente, por sua
inserção no mundo colonial hispano-americano.
Como se demonstrou, a rebelião foi motivada pelo desejo indígena de manter a posse
do território e, principalmente, seguir vivendo nas reduções. Para tanto, os Guarani primeiro
procuraram recordar, em seus escritos, os privilégios conferidos pela monarquia espanhola, e
assegurados nas reais cédulas. Segundo, como suas reivindicações não foram contempladas,
passaram a oferecer outras formas de oposição, seja através das tentativas de obstruírem a
passagem dos exércitos ibéricos, ou disseminando avisos escritos em forma de ultimato
deixados ao longo do território.
Após décadas de convívio com as práticas de leitura e escrita, a elite missioneira
estabeleceu diferentes relações com o entorno colonial – no caso os governadores de Buenos
Aires e mesmo as demais parcialidades indígenas não-reduzidas. Os contatos estabelecidos
pelos Guarani com os diferentes agentes sociais, nesse momento, indicam as estratégias
acionadas e o quanto as práticas letradas lhes haviam conferido um novo modo de
relacionamento com potenciais aliados e rivais.
A escritofilia dos Guarani leva-nos a reconhecer o valor histórico desses documentos
e, para tanto, é necessário romper com a visão tradicional com que concebemos o passado
missioneiro. A documentação arrolada indica que, além dos colonizadores ibéricos, a elite
indígena letrada das reduções também foi capaz de escrever a sua versão a respeito dos
acontecimentos e conflitos em que estiveram envolvidos. O uso da escrita conferiu uma nova
lógica nas maneiras de conduzir os conflitos e estabelecer alianças. A escrita tornara-se um
modo de atuar frente a novos desafios. A capacidade alfabética dos Guarani possibilitava
organizar suas experiências a partir de episódios documentados, e assim atuar frente aos
249
desafios que se apresentavam. Como evidenciamos, foi por meio da escrita que a elite
missioneira buscou angariar forças e definir aliados, revelando-se, a partir dessas práticas,
como agente político no mundo colonial hispano-americano.
250
6 A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS: FUNÇÕES DA ESCRITA INDÍGENA
Em meados do século XVIII, já estava em curso na Europa uma campanha
antijesuítica que resultaria na posterior expulsão da Companhia de Jesus dos domínios
ibéricos. O poder acumulado pelos jesuítas estava sendo constantemente questionado,
sobretudo porque eram vistos como um obstáculo a uma maior afirmação do poder do Estado
monárquico. Primeiro, em 1759, os jesuítas foram expulsos de Portugal e de suas possessões
ultramarinas, em uma ação coordenada por Pombal. Carlos III, por influência dos seus
ministros, executou uma ação espetacular e decisiva quanto à relação da monarquia hispânica
com a Igreja: decretou a Sanção Pragmática, em 27 de fevereiro de 1767, quando expulsou de
todos seus domínios os membros da ordem, tanto na Europa quanto na América.
731
Os jesuítas desempenhavam funções de grande alcance, sobretudo no campo
educacional, gerando sérias desconfianças quanto às suas intenções junto às monarquias
ibéricas, pois eram os mais independentes da autoridade episcopal, os mais devotados ao
papado e os mais resistentes à burocracia real. O poder político, econômico e social angariado
pela Companhia de Jesus, aliado à acusação de que haviam estabelecido um “Estado dentro
do Estado” na província do Paraguai, através da administração das reduções guarani,
apresentou-se como um argumento forte para os críticos à atuação exercida pelos missionários
inacianos.
A decisão de expulsar os jesuítas foi precedida de alguns fatos que resultaram na
execução dessa medida. Entre esses acontecimentos está a eclosão da chamada “guerra
guaranítica”, a publicação em Lisboa da Relação abreviada,
732
seguida de uma novela,
apócrifa, intitulada Historia de Nicolas I.
733
Essas duas obras circularam na Europa e contribuíram para reforçar as críticas à
atuação da Companhia de Jesus no Paraguai durante o conflito nas missões. Os dois textos
731
Ao sancionar a pragmática resolução, de expulsão, Carlos III anunciou que “mis razones solo Dios y yo
debemos conocerlas” (FERRER DEL RÍO, Antonio. Historia del Reinado de Carlos III en España. Madrid,
1856. v. 2, p. 122).
732
RELAÇÃO abreviada da república que os religiosos das províncias de Portugal e Hespanha, estabelecerão
nos Dominios Ultramarinos das duas monarchias. E da guerra, que neles tem movido, e sustentado contra os
Exercitos Hespanholes, e portuguezes; e por outros documentos authenticos. Lisboa: [s.n.], 1757. Há uma nova
edição, creditada a Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês do Pombal: MELO, Sebastião José de
Carvalho e. República jesuítica ultramarina. Apresentação e transcrição: Júlio Quevedo Santos. Gravataí: SME;
Porto Alegre: Martins Livreiro; Santo Ângelo: Centro de Cultura Missioneira, 1989. 38 p. Para uma
aproximação ao impacto bibliográfico dessa obra no século XVIII, ver: CARDOZO, 1959, p. 374-376.
733
HISTOIRE de Nicolas I roy du Paraguai et empereur des mamelus. Ed. fac-similar. Anot. Rubens B. de
Moraes e Augusto Meyer. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1944. 117 p. Esta obra divulgava a fabula de Nicolas
I, rei do Paraguai e contribuiu para difundir a idéia de que os jesuítas haviam estabelecido um “estado dentro do
estado”. Existem inúmeras edições desta obra, que foi muito difundida no século XVIII. Para uma lista com
dados bibliográficos de algumas dessa versões, ver: BECKER, 1987, p. 30-39.
251
serviram de argumentos a uma campanha destinada à incriminar os jesuítas, endossando as
acusasões de terem engendrado um poderoso império em meio aos domínios ibéricos.
6.1 A Relação abreviada: as polêmicas quanto aos documentos e a escrita indígena
A Relação abreviada, obra anônima atribuída a Pombal, publicada em Lisboa, em
1757, chegou no ano seguinte às reduções. Tratava-se de uma notícia da suposta “república”
estabelecida pelos missionários jesuítas no Paraguai, além da acusação de participação direta
na oposição guarani missioneira à execução dos trabalhos de demarcação. A peculiar
organização das reduções no Paraguai – afastadas das cidade coloniais, e dotadas de uma
milícia de fronteira equipada com armas de fogo – favorecia as críticas de que os jesuítas
haviam criado uma verdadeira república, independente da monarquia espanhola. Nesse
sentido, o autor da Relação abreviada, entre os argumentos apresentados, acusava todos os
jesuítas de resistência à autoridade real e que os missionários no Paraguai haviam estimulado
abertamente a revolta indígena.
No final da Relação abreviada, publicada apenas um ano depois de encerrados os
conflitos nas missões orientais, figuravam como anexos traduções portuguesas de três textos
guarani. Os documentos eram textos indígenas apreendidos em território missioneiro, mas
acrescidos de títulos fictícios a fim de comprometer a Companhia de Jesus. Através desse
expediente, visava-se semear a dúvida e imputar aos jesuítas a autoria dessas cartas.
734
Por
esse motivo, a obra foi contestada à exaustão, ponto por ponto, por alguns jesuítas,
principalmente em decorrência dos três papéis traduzidos, segundo um dos religiosos, serem a
única prueba de la multitud de calumnias por el aqui recopiladas”.
Assim, como peça de defesa, foram redigidas várias Refutações à Relação abreviada.
Essas refutações são manuscritos elaborados por jesuítas que estavam em terras paraguaias,
como Bernardo de Nusdorffer e Juan de Escandón. Em meio à exposição de argumentos, os
missionários registraram informações sobre aspectos relacionados à prática “escriturária”
indígena, reconhecendo a competência letrada dos Guarani. Somente uma situação
excepcional como esta, de crítica aguda ao trabalho missional da Companhia de Jesus no
Paraguai, levaria esses religiosos a escreverem sobre assuntos como esse, raramente
734
Dessas três cartas, uma é anônima e as outras duas apresentam ao final o nome dos responsáveis por sua
redação, no caso Valentin Ybariguá e Primo Ybarenda, personagens que comentarei a seguir, no item “Escrita e
trajetórias nas reduções”.
252
contemplados, como são nas Refutações: “Ahora pues este indio, que ciertamente sabia leer,
y escribir (y aun contar) porque no podría el escribir este papel de Instrucciones?”.
735
O reconhecimento da capacidade gráfica guarani por parte dos inacianos não era uma
“novidade”, no entanto, sempre estava relacionado à produção de textos devocionais.
736
Entretanto, nesse momento, essa capacida foi reconhecida de maneira desvinculada da escrita
religiosa, ou de textos relativos à “história” da redução.
737
As “refutações” apresentam riqueza de detalhes e estão cuidadosamente
argumentadas.
738
A estrutura dos textos de Escandón e de Nusdorffer é similar e os dados
fornecidos são parecidos. Provavelmente, a cópia atribuída a Escandón foi baseada na versão
escrita por Nusdorffer, que usou inicialmente um heterônimo.
739
Esses escritos foram verdadeiros processos de defesa, em que os jesuítas dialogavam
com o suposto libelista – no caso, Pombal – e apresentavam argumentos calcados no estudo
das expressões lingüísticas, nas peculiaridades da língua guarani. Por meio desses textos,
procuravam demonstrar que o “alboroto y emperramiento de los indios” não foi estimulado
pelos missionários da Companhia de Jesus, como alguns autores antijesuítas insistiam, e sim
uma atitude genuína dos Guarani.
Na sua refutação, Escandón propunha-se a examinar os três papéis para desfazer as
calúnias difundidas pelo “librito portugués”. Argumentava que, somente com esse recurso,
se vera sin recurrir a otra prueba, que a la que de suyo dan los papeles mismos”,
acrescentando que bastava proceder à perícia caligráfica dos textos e que, prontamente, se
veria que não havia “[…] ni un solo ápice, o tilde, ni otra cosa alguna havia en ellos de mano
ni de pluma de los P.P ni de Padre alguno sino que en todo, y por todos estavan todos tres
escritos desde la Cruz a la flecha; y firma los que la tenian de letra de indios […]”.
740
735
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 75. p. 24v
736
Refiro-me aos trabalhos de Nicolas Yapuguay, que reescreveu em guarani Sermones y exemplos en lengua
guarani, sendo considerado, inclusive, como um “escritor”. Ver o Capítulo 3 desta tese.
737
As limitadas informações de que dispomos a respeito desses textos indicam que estas “histórias”
relacionavam-se à fundação de uma redução à chegada dos jesuítas a região, ou seja, reportava ao início do
cristianismo na região.
738
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 3, Doc. 77. Punta de Fernan. Dorias, y Agosto 20 de 1758=
Muy Sr Mioy mi dueno = D.o Vm su mas afecto servidor = Dn Juan del campo y Cambroneras = Señor Dn
Alexandro de Bique Capitan de caballería del Presidio de Bs As. No final do docuento esta escrito: “Su
verdadero autor es el Bernardo Nusdorfer actual Misionero entre los mismos Indios y quen avia sido dos vezes
Supr de Misiones, y una Provincial de toda la Provincia. Y el mism me la envio de alla= JHS.Juan de
Escandon”.
739
Ao que tudo indica, a cópia atribuída a Escandón foi baseada, ou inspirada, na versão escrita por Nusdorffer,
sendo que o primeiro apresenta alguns dados que não figuram na refutação de Nusdorffer. Conforme indico na
nota anterior, foi o próprio Escandón quem atribuiu a Nusdorffer a autoria do documento, inicialmente assinado
com um heterônimo.
740
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 74. p. 54.
253
Para polemizar e rebater as acusações contra os jesuítas, Escandón questionou,
inclusive, a autenticidade desses papéis: “Y de donde sacara este Português o el que los
tradujo, que estos papeles, que aquí se llaman copias, eran originales, como antes nos
decian? De donde lo avia de sacar?”. O próprio Escandón, em um escrito intitulado
Suplemento de las censuras y licencias”, comentou as circunstâncias em que um dos três
documentos foi localizado: “dicho papel, que recogio Dn Joaquin de Viana, Governador de
Montevideo, y de sus manos paso inmediatamente a la de los portugueses”.
741
Portanto, os três papéis, apesar das suspeitas quanto à sua autenticidade, foram de
fato escritos por Guarani e sem a intermedição dos jesuítas, pois o teor das mensagens refletia
a tensão indígena vivida em função dos últimos acontecimentos. Desses três papéis, dois
estavam assinados, e pelos nomes foi possível localizar nos arquivos outros documentos que
comprovam a capacidade gráfica dos autores.
Os títulos atribuídos a cada um dos papéis traduzidos em português na Relação
abreviada estavam voltados a despertar dúvidas quanto à “autoria” desses escritos: reconhecer
as habilidades letradas de indígenas, mesmo cristianizados, era algo excepcional para um
leitor europeu.
742
Traduções espanholas desses três textos indígenas – realizadas em fevereiro de 1756,
após o conflito em Caiboaté – estão depositadas no Archivo General de Indias (Sevilha).
743
Lamentavelmente, desconhecemos o destino reservado aos originais, se resistiram à ação do
tempo, esquecidos em alguma prateleira de arquivo, ou foram extraviados.
A conservação desses papéis, por mais que pequena, é o resultado da preocupação
das autoridades ibéricas em informar as suas respectivas monarquias da oposição indígena.
Esses documentos são a expressão de uma vontade de instaurar consenso sobre os
acontecimentos e resultam na produção de uma memória, ou seja, no registro dos fatos, o que
explica a sua conservação. Os papéis indígenas eram a prova material de que dispunham os
comissários demarcadores das manifestações de desobediência dos Guarani às ordens reais de
mudança.
741
A H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 5.
742
A difusão em Portugal da imagem dos Guarani missioneiros como bárbaros e hostis foi, em parte, decorrência
das obras de alguns cronistas relatando os ataques e cercos à Colônia do Sacramento. Ver: SÁ, Simão Pereira de.
História topográfica e bélica da Nova Colônia do Sacramento do rio da Prata. Porto Alegre: Arcano 17, 1993;
SYLVA, Silvestre Ferreira da. Relação do sítio da Nova Colônia do Sacramento. Porto Alegre: Arcano 17,
1993. Edição fac-similar.
743
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42 [anexos à correspondência de Andonaegui. Ao final da
correspondência enviada à península Ibérica consta um “Yndize de los Papeles que se le remiten al exmo Señor
Don Francisco Julian de Arriaga”. Nesse índice, dividido em “Duplicados” e “Principales” estão relacionadas
as três cópias publicadas como apêndice documental da Relação abreviada].
254
Nesse sentido, a escrita indígena e a polêmica sobre a autenticidade dos documentos
de “letra de índio” são reveladores das disputas políticas que nos explicam, primeiro, a
existência de documentos como esses e, segundo, que foram tratados, à época, como material
comprobatório da veracidade de argumentos políticos.
6.2 As manifestações escritas dos Guarani diante da expulsão (1768)
744
A ordem de expulsão dos jesuítas, determinada por Carlos III em 1767, tardou
aproximadamente um ano para ser aplicada nas reduções do Paraguai. Os encarregados de
colocar em prática as novas medidas consideravam que não seria tarefa fácil desterrar
aproximadamente 60 missionários dessas reduções. Os responsáveis pela execução seriam os
vice-reis, o presidente de audiências, os governadores, os corregedores, os alcaides maiores
ou qualquer outra autoridade designada. Em todos os casos, os jesuítas expulsos deveriam ser
tratados com “la mayor decencia, atención, humanidad y asistencia”.
745
As medidas a serem adotadas para a saída dos jesuítas dos domínios hispânicos
estavam previstas nas Instruções Gerais, expedidas em Madri em 1
o
de março de 1767, em
que o conde de Aranda orientava os responsáveis pela execução da real pragmática,
minimizando possibilidades de atritos e divergências.
746
Havia entre as autoridades coloniais o receio de que os Guarani manifestassem
oposição à saída dos missionários. Por essse motivo, Francisco de Paula Bucareli, designado
para colocar em prática o real decreto de 21 de fevereiro de 1767, adotou medidas preventivas
visando neutralizar uma possível reação indígena.
Bucareli, por temer uma reedição dos tumultos que caracterizaram a execução do
Tratado de Limites, de 1750, quando os Guarani impediram a execução dos trabalhos das
comissões demarcadoras, solicitou ao padre superior dos jesuítas que enviasse a Buenos Aires
um cacique e um corregedor de cada redução, com a finalidade de
744
A respeito dos documentos escritos pelos Guarani nesse período, MELIÀ emitiu a seguinte apreciação: “[…]
tal vez el grupo de escritos más cusioso y revelador es el que se produjo con motivo del extrañamiento de los
jesuítas, en los que los mismos Guaraníes opinan y enjuician de modo directo o indirecto aquel tiempo
histórico” (MELIÀ, 1999, p. 56).
745
BRABO, Francisco Xavier. Colección de documentos relativos a la expulsión de los jesuitas de la República
Argentina y del Paraguay en el reinado de Carlos III. Madrid: Estudio Tipográfico José María Pérez,1872b, p.
4.
746
Instrucción de lo que deberán ejecutar los comisionados para el estrañamiento y ocupación de bienes y
haciendas de los Jesuítas en españa e Indias, del 1 de Marzo de 1767” (BRABO. 1872b, p. 6-12).
255
interrogarlos acerca del trato de los Padre, y hacerles ver las bondades de S.M y el
interés de sacarles de la ignorancia y esclavitud en que vivían, pero a su vez la otra
intención, era que permanecieron como rehenes hasta tanto se ejecutase la expulsión en
esos pueblos, y se estabeciese una nueva administración.
747
Com essa medida esperava-se neutralizar uma reação indígena como a protagonizada
por parte das lideranças guarani, anos antes. Como assinalou Aurélio Porto, a demora em
colocar em curso as novas medidas decorria do “receio, manifestado pelas autoridades
espanholas, de que os índios se rebelassem e reagissem contra a ordem de expulsão”.
748
Para surpresa geral, não houve sobressaltos diante da solicitação de comparecimento
a Buenos Aires, e em 14 de setembro de 1767, Bucareli informava ao conde de Aranda a
chegada de 30 caciques e 29 corregedores das reduções guarani a essa cidade.
O tratamento dispensado às lideranças indígenas foi de grande atenção, atitude que
procurava angariar confiança e simpatia à causa espanhola, ocasião em que, inclusive,
receberam trajes à espanhola. O resultado dessas medidas e a reação dos Guarani aos bons
tratos podem ser avaliados através de uma carta que os próprios índios escreveram ao
nuestro buen Rey D. Carlos III”. Nessa epístola, registraram sua satisfação com os
privilégios que estavam recebendo e o teor da carta sinaliza que Bucareli havia atingido seus
propósitos. O conteúdo da carta, escrita em guarani e acompanhada de sua respectiva tradução
em espanhol, é o seguinte:
Ya hemos visto, buen Rey, que el Señor os alumbré, por nosotros, por mucha látima
que nos tenia, por habernos sacado de una vida trabajosa.
Como á la persona de V.M., con todo gusto recibimos en nombre de Dios y de V.M.,
buen Rey, á los Padres Sacerdotes que nos dá V.M, para cuidar nuestras almas, diciéndonos
misa todos los dias, y enseñandonos misa todos los dias, y enseñandonos doctrina cristiana
y la santa vida del Señor.
Muchas y repetidas gracias damos á V.M por haber mandado su mesma persona, al
Señor Excelentisimo y Capitan general, D.Francisco de Paula Bucareli, quien há cumplido
bien con nosotros, por amor de Dios y por su amor á V.M., todos los justos (sic) órdenes que
le dió V.M., ayudandonos con látima por nuestra pobreza, manifestandonos al público,
vistiéndonos con vestidos, y tratándonos y llamándonod como á Señores Caballeros,
contentándonos en todo.
Este santo hecho de V.M lo recibimos de mano de Dios con toda humildad: nuestro
Rey, aquellos yerros pasados, que cometimos, ya se acabaron para siempre: perdónemos
por amor de Dios nuestro buen Rey.
A cuatro de Noviembre, dia de San Cárlos, nos cantó misa el señor Obispo de la
catedral, por V.M, alli nos tuvo el señor Gobernador por sus compañeros, con todo gusto, y
747
BONI, Laura; VILLAR, Myriam R. La expulsión de los jesuitas en las diez misiones occidentales del río
Uruguay. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ESTUDOS MISSIONEIROS, 5., Santa Rosa, 1983. Anais… Santa
Rosa: Faculdade Dom Bosco, 1985, p. 236.
748
PORTO, 1954, part. 2, p. 247.
256
acabada la santa misa, nos llevó al fuerte, y llegada la hora de comer, nos sentó á la mesa a
darnos de comer...
Con la disposición de V.M estamos muy contentos de que nuestros hijos han de
merecer el estado sacerdotal. Todos nosotros hemos de aprender la lengua castellana, y
despues de haber apreendido bien, con la voluntad de Dios hemos de procurar ver a V.M
Dios de su santa gracia á V.M y le guarde por muchos años.
749
Essa carta apresenta ao final os nomes dos 59 caciques e corregedores guarani que
estiveram presentes às celebrações acima referidas, e, como destacou Melià, com isso
se evitaba, pensaría el político Bucareli, que las autoridades principales escucharan
las reclamaciones y las quejas de su propia gente, lo que podía llevar a un estado de
rebelión incontrolable, como había ocurrido antes de la “Guerra Guaranítica”.
750
Havia por parte do governador de Buenos Aires o temor de que as lideranças
indígenas se colocassem a favor dos jesuítas, pois, mesmo diante dos transtornos decorrentes
dos trabalhos de demarcação, eles retomaram sua ascendência sobre os Guarani,
reestabelecendo em parte a aliança que mantinham com os seus tutelados. Pelo exposto, fica
evidente que estavam muito presentes, para as autoridades coloniais, as recordações dos
acontecimentos protagonizados pelos Guarani há pouco mais de uma década. Naquela época,
já se temia um levante generalizado das reduções, como explicitou o capitão de Dragões,
Francisco Bruno de Zabala, no conselho de guerra reunido no dia 16 de janeiro de 1755.
751
Contudo, uma vez encerrado o período de conflito nas reduções, alguns cabildos
passaram a responder por escrito às ordens ou às consultas recebidas do governador de
Buenos Aires. Esta fato é novo nas rotinas missioneiras e, possivelmente, contribuiu para
estreitar as relações entre as autoridades coloniais e a elite indígena.
752
Os motivos que
presidiram a decisão dos Guarani de responderem por carta diretamente às ordens recebidas,
sem qualquer mediação, sugerem que uma mudança de relacionamento já estava em curso,
consolidando a emancipação política indígena, ou melhor, a impossibilidade dos jesuítas
voltarem a exercer os mesmos mecanismos de controle vigentes por mais de um século. As
749
BRABO, 1872b, p. 103.
750
MELIÀ, 1999, p. 62.
751
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7380. Copia. Consideraciones que se deben tener para entrar en Consejo
de Guerra, para votar lo mas acertado, y decoroso al Rey. E.S a sus armas y a toda nuestra nación [ao apresentar
seu voto, favoravel a guerra, Zabala argumentou: “[…] y quien dudara hasta aora, ò á lo menos no rezelará, que
de todos los pueblos que componen las misiones situadas a las orillas de los rios Uruguay y Paraná no se forme
una causa comun y nacional? […] Campamento de la costa del Uruguay. 16 de enero de 1755”].
752
Refiro-me aos documentos escritos nos cabildos missioneiros na forma de atas, respondendo a determinadas
consultas realizadas pelo governador de Buenos Aires, Pedro de Cevallos, nos anos de 1758 e 1761 (M.M.:
Collección de documentos en idioma Guaraní correspondiente a los Cabildos indígenas de las misiones jesuíticas
del Uruguay desde el año 1758 al 1785. Referencia 14/8/18.).
257
lideranças indígenas parecem compreender alguns aspectos das mudanças introduzidas nos
“lugares de poder”, desde o Tratado de Madri.
Quanto às circunstancias que pautaram a redação dessa carta, em 1768, Guillermo
Wilde aventa a seguinte possibilidade:
Es posible que esta carta fuera escrita bajo presión del gobernador, pero dada la
cantidad de meses transcurridos puede pensarse que se trató de una actitud genuina. Muy
probablemente los líderes valoraron en gran medida los privilegios y concesiones otorgados
por el gobernador […].
753
Nesse documento apenas figuram os nomes dos corregedores e dos caciques que
compareceram a Buenos Aires, sendo impossível especificar quem foi o responsável por sua
redação, se foi produto da ação de algum indígena ou delegada a um especialista da escrita. A
escrita começava a assumir uma função protocolar, sinalizando a nova maneira pela qual seria
estabelecida a relação de comunicação com a administração colonial, após a expulsão dos
jesuítas.
Um dado presente no texto e que desperta indagação é a disposição indígena em
aprender a língua castelhana. O conjunto de medidas expedidas por Bucareli, em 1768,
nomeadas como “Instrucciones a que se deberán los gobernadores interinos que dejó
nombrados en los pueblos de indios guaraníes del Uruguay y Paraná, no habiendo
disposición contrária de S.M”,
754
apregoava o aprendizado do castelhano. O idioma do
colonizador deveria pautar qualquer modalidade de comunicação, sendo uma condição sine
qua non para a nova administração das reduções.
755
O conjunto de medidas, conhecido como
Instrucciones, estava orientado a favorecer e introducir en estos pueblos el uso de nuestro
753
WILDE, 2003a, p. 109.
754
BRABO, 1872b, p. 193.
755
A tentativa de definir o comportamento das populações indígenas fora inicialmente delineada no Diretório
dos Índios, que vigorou, entre 1757 e 1798, na América portuguesa. O diretório tinha o objetivo de garantir o
patrimônio populacional representado por índios catequizados, dispondo, assim, sobre uma variada gama de
questões, visando promover um ajuste nas condições do ambiente colonial. Sua preocupação central recaía na
tarefa de instruir os índios sobre os meios da civilidade, e a linguagem seria o meio para transmitir o ideal de
civilização. Para colocar em prática esse objetivo, a introdução da língua portuguesa foi um desafio de luta
contra o uso da “língua geral”, empregada pelos jesuítas no trato com os índios. A “língua geral” era vista como
um entrave à integração dos índios à vida civilizada, e concebida como uma “invenção diabólica”. Para uma
discussão pormenorizada dos aspectos presentes ao Diretório dos Índios, ver: ALMEIDA, Rita Heloísa de. O
diretório dos índios: um projeto de civilização no Brasil do século XVIII. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1997. Para uma leitura das implicações presentes à língua geral sob o prisma da história cultural, ver:
DAHER, Andréa. Cultura escrita, oralidade e memória: a língua geral na América portuguesa. In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy (Org.). Escrita, linguagem, objetos: leituras de história cultural. Bauru: Edusc,
2004. p. 17-42.
258
propio idioma. Este es uno de los medios mas eficaces para desterrar la rusticidad” e, como
demonstrou Maeder, foram uma tradução do modelo adotado na América portuguesa.
756
Cabe indagar o motivo pelo qual os Guarani, em sua carta ao rei, estavam
manifestando acordo com as novas medidas, antes mesmo de serem oficialmente divulgadas.
Essa atitude permite vislumbrar uma possível estratégia indígena de adesão imediata à nova
administração, por conta das vantagens que imaginavam estar associadas ao alinhamento
automático com as mudanças em curso.
Apesar do receio do governador Bucareli de uma oposição indígena, somente a
redução de São Luís recorreu à comunicação epistolar, enviando “uma representação, em
termos respeitosos, mostrando a injustiça desse acto, pois estavam acostumados a ser
dirigidos pelos jesuítas, os únicos Padres que haviam conhecido e respeitado”.
757
Nessa carta,
apresentavam um arrazoado dos serviços prestados e solicitavam a permanência dos
missionários inacianos.
El corregidor Santiago Pindó y don Pantaleón Cayuri nos han escrito que nos amas.
Por ello mismo con confianza te escribimos por su mismo intemedio. Los pájaros de toda
clase que el Rey manda que le enviemos, sentimos mucho no tenerlos para enviarlos; esos
pájaros están (en las selvas) donde Dios los crió y huyen de nosotros; así que no podemos
cumplir con lo pedido. Sin que esto obste, nos tenemos por siervos de Dios y de nuestro Rey,
en lo que nos manda cualquier de sus representantes: tres veces fuimos a la Colonia (de
Sacramento) para tomarla; trabajamos para pagar el tributo y ahora suplicaremos a Dios
que aquel pájaro, el más hermoso, que es Dios Espiritu Santo, te lo dé a ti y a nuestro Rey,
para que los ilumine […]
Después de esto, llenos de confianza en ti: Ah Señor Gobernador siendo tú nuestro
verdadero padre, te pedimos ay! Humildemente, con lágrimas en los ojos, que los hijos de
San Ignacio, sacerdote de la Compañia de Jesus, se queden siempre entre nosotros; esto es
lo que pedimos a nuestro santo Rey, en nombre de Dios y por amor suyo. Esto es lo que
pedimos con las lágrimas en los ojos, el pueblo todo, los indios, las mujeres, muchachos y
las muchachas: y especialmente los pobres.
Padres frailes o Padres Clérigos, no los queremos […] Los padres de la Compañía de
Jesus nos tienen piedad y saben conllevarnos, y con ellos somos felices, sirviendo a Dios y el
Rey. Que se así lo deseas daremos un tributo mayor en yerba mate de la buena.
Además: no somos esclavos – no es éste nuestro teko – : somos dignos de aprecio; no
nos parece bien el modo de ser de los Karai (de los españoles) que cada uno se preocupa
sólo de sí mismo, sin ayudar a los propios parientes, sin ni quisiera darles de comer…
758
756
Em estudo comparativo, o pesquisador argentino Ernesto Maeder demonstrou queBucareli, acuciado por la
prisa en ordenar las Misiones, con un conocimiento insuficiente de sus problemas y de la índole de los indios;
prevenido frente a los jesuítas, no parece haber tenido tiempo de elaborar normas originales, sinó que al
disponer del Diretório de Mendonça Furtado, se limitó a traducirlo y adaptarlo a las necesidades de su
gobierno” (MAEDER, Ernesto. El modelo portugués y las instrucciones de Bucareli para las misiones de
Guaraníes. Revista de Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 135-149, 1987, p. 144).
757
PORTO, 1954, part. 2, p. 250.
758
Apud MELIÀ, 1999, p. 62, 63. Esse texto guarani foi publicado por Woodbine Parish, em Buenos Aires et les
provinces de la Plata, traduzido em francês por Martin de Moussy, Description, tomo III, paginas 677-679. Para
259
Essa carta, assinada por “tus pobres hijos, el pueblo todo y el cabildo” de São Luís
em 28 de fevereiro de 1768, despertou suspeitas por parte de Bucareli quanto à sua origem,
motivo pelo qual ordenou averiguar sua autenticidade. Provavelmente, pela defesa aberta à
permanência dos jesuítas, Bucareli suspeitou que a carta fora escrita por um jesuíta que
obrigara todo o cabildo a assinar, “sin manifestarles lo que contenía”.
759
As manifestações escritas dos Guarani, sobretudo da elite missioneira, por ocasião da
expulsão dos jesuítas, não estiveram restritas apenas a esta carta. Tanto Bucareli como Zavala
receberam outras correspondências. A reação indígena às mudanças em curso na região
indicam uma aceitação da nova ordem político-administrativa. Esse é o caso da carta enviada
pelo secretario Juan Antonio Curigua, datada de 4 março de 1768, saudando o novo
governador:
Que Dios te dé siempre una vida buena Señor Gobernador Don Francisco Bucareli.
Damos gracias a Dios y tambien a la Santa madre de Dios y tambien a nuestro santo Rey
Don Carlos III.
Te damos las gracias Señor Gobernador, en esta nuestra humilde tierra, nos agrada
mucho escuchar a tu padre, nosotros tus humildes siervos, los (del) cavildo y también les
agrada a nuestros caciques y a tus humildes siervos, varones y mujeres y hasta a los niños
les agradaria verte y como verdadero representante de nuestro santo Rey, a quien no lo vem,
pero que si te vem a ti se consuelan, por eso solamente te escribimos.
760
Apesar de assinar individualmente, o secretário manifesta uma opinião que, segundo
o conteúdo de sua missiva, é de toda coletividade. O secretário ainda menciona o desejo geral
de toda população de conhecer pessoalmente o novo governador, manifestando uma provável
atitude de adulação à nova autoridade A pesquisadora Barbara Ganson, ao analisar o conteúdo
das cartas, constatou: “on this occasion, nevertheless, elite viewpoints most likely did not
differ substantially from those of Indian commoners”.
761
Ainda segundo Ganson, os textos
escritos pelos Guarani no momento da expulsão dos jesuítas evidenciam a “transculturação”
do guarani, pois adotam “european-stile writing in their native language negociate with
higher Spanish authorities, especially with the Spanish governor in Buenos Aires”.
762
Nesse momento alguns Guarani letrados procuravam interlocução direta com a
principal autoridade encarregada de aplicar as novas medidas administrativas para a região,
uma tradução ao português, ver: LUGON, 1977, p. 307-309; há uma tradução do guarani para o espanhol dessa
carta em: HERNANDEZ, 1913, t. 2, p. 693.
759
BRABO, 1872b, p. 186.
760
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/7. Juan Antonio Curiguá al Sr Gov Don Francisco Bucareli. 4 marzo de
1768.
761
GANSON, 1999, p. 41.
762
GANSON, 1999, p. 53.
260
revelando uma percepção aguçada do momento que estavam vivendo. Portanto, essas cartas
revelam intenções subjacentes a um jogo político, e não deveriam nos levar à busca de
posturas “verdadeiras”, e sim à compreensão das motivações dos envolvidos nesses episódios
relacionados às mudanças em curso.
A comunicação escrita, nesse período, passou a atender a interesses diversos, sendo
um indicador das mudanças. Conforme avaliou Melià,
Algunos caciques en varias de sus cartas se siguieron manifestándose bastante
obsecuentes y aduladores en vistas a ventajas más bien personales, pero también en
consonancia con asimilación de valores propios de la sociedad colonial. Empieza desde esa
época la manifestación de actitudes ambiguas, en las que se mezclan sentimientos de
descarada adulonería de los caciques ante las autoridades coloniales, de pedidos de favores
y nombramientos, así como quejas y reclamos por la nueva administración.
763
6.2.1 Escrita e trajetórias nas reduções
A decisão de Bucareli de comparecer pessoalmente às reduções para executar os
trabalhos de expulsão dos jesuítas foi interpretada pelos indígenas como a consumação da
nova ordem político-administrativa, deflagando atitudes de adesão ou de colaboração às novas
medidas. Um desses momentos foi registrado na redução de São Miguel.
A execução da “Compulsa de los Autos originales de el Pueblo de San Miguel”, que
orientava quanto aos procedimentos a serem adotados no momento de realizar o inventário
dos bens deixados pelos jesuítas nas reduções, especificava em seu preâmbulo que para esse
documento ser validado deveriam estar presentes “algunos individuos del cavildo”.
764
Entre
os Guarani que subscreveram essa compulsa figuravam dois cabildantes miguelistas
conhecidos por sua atuação durante os conflitos demarcatórios: o então tenente Valentin
Ybariguá, e o secretário de cabildo Primo Ybarenda, ambos pertencentes à redução de São
Miguel. Do primeiro, Ybariguá, sabemos que era de uma das principais famílias da redução, e
sobre Primo Ybarenda conhecemos um breve relato descritivo de suas qualidades morais.
765
763
MELIÀ, 1999, p. 63.
764
A.N. Chile, Fj, volume 143. Compulsa de los Autos originales de el Pueblo de San Miguel. “En el dia treinta
de Julio de Mil setecientos y sesenta y ocho años En el Pueblo de san Miguel el capitan de Dragones de Buenos
Aires Don Francisco Bruno de Zabala comisionado por el Excelentissimo Señor Governador y Capitan General
de estas Provincias del Rio de la Plata el Excelentissmo Señor Don Francisco Bucareli y Ursua para la
execucion de la resolución de Su Magestad […] lo firmaron dichos señores, y algunos individuos del Cavildo de
este Pueblo dia, mês y ano = Dn Valinti Ybarigua Theniente de San Miguel = Secretario de cavildo Primo
Ybarenda.” Agradeço a Guillermo Wilde pela cópia desse documento.
765
A.H.N.: Sección Clero-Jesuitas. Legajo 120, Caja 2, Doc. 75. Valentin Barigua: “Entre los indios si que ay
tal nombre, y apellido; que lo es de una de las principales familias del Pueblo de S. Miguel […] Este indio pues,
que entonces era Mayordomo del dicho Pueblo, es de quien estaba escrita, y firmada la carta […]” p. 25. Primo
261
Esses indígenas somente aparecem como agentes porque escreveram e assinaram documentos
expressando opiniões ou relatando fatos e acontecimentos centrais durante o período de
conflito nas reduções e por ocasião da expulsão dos jesuítas. Seus escritos permitem
compreender alguns dos usos que os indígenas destinaram à escrita, em um momento
posterior à expulsão da Companhia de Jesus.
Depois de alguns dias da presença das autoridades responsáveis pela execução das
ordens de expulsão dos jesuítas, foram redigidas duas breves missivas, ambas assinadas por
Valentin Ybariguá. Uma delas estava dirigida ao governador interino das missões orientais,
Francisco Bruno de Zabala, e a outra ao governador de Buenos Aires, Bucareli.
A primeira, com data de 12 de agosto de 1768, a Zavala, saudava a chegada dos
novos religiosos (Pa’í) designados para ocupar o lugar dos jesuítas:
Gracias decimos a Dios (Tupä) y al Santo Rey que nosotros los Pay (Pa’i) vemos en
sus buenas obras así como en su santidad, en todo.
Celebramos y nos congratulamos, Dios (Tupä) ciertamente los trajo a nosotros,
decimos nosotros todos los de San Miguel. Esto que se descubre es lo que te escribimos
brevemente de corazón. Que Dios (tupä), nuestro dueño, os guarde ahora y por siempre.
766
No dia seguinte, ou seja, 13 de agosto, o mesmo Ybariguá escreveu da redução uma
outra carta, a Bucareli, em que roga:
Le pedimos que nos dé estos 338 caballos que tenemos (usamos), porque nosotros
quienes alimentamos a los siervos del Rey, precisamos del caballo para tomar la vaca
simarron, e incluso necesitamos de otros caballos, comprendemos una vez más, danoslo (por
favor), Señor Gobernador en nombre del santo Rey, solamente por esto te escribimos
nosotros los (del) cabildo de San Miguel y los Caciques, en hora buena, Dios te guarde.
767
Ybariguá tinha noção das atribuições políticas de Bucareli e de Zavala, posto que
manteve contato direto com essas autoridades quando participou, no dia 30 de julho, da
Compulsa de autos. O conhecimento das respectivas alçadas de poder que cada autoridade
representava levou Ybariguá a enviar mensagens diferenciadas a cada um. Quanto ao pedido
Ibarenda: “El indio, que asi la escribe y firma, es tambien del pueblo de San Miguel, y era secretario ô
escribano de cavildo de dho pueblo. En la realidad el tal Ybarênda es algo vivaracho, y mas que algo
revoltosillo”.
766
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/7. Carta del Teniente. Don Valentin Ybarigua al gobernador Zavala. San
Miguel 12 de agosto de 1768. (Tradução de Delicia Villagra-Batoux).
767
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/7. Carta del teniente Don Valentin Ybarigua al Sr Gobernador Francisco
Bucareli. San Miguel 13 de agosto de 1768. (Tradução de Angelica Otazú).
262
de cavalos, e a maneira como este o encaminhou, transparece uma prática de registros
relacionada ao controle das estâncias, ou seja, a escrita praticada pelos mayordomos (antigo
cargo de Ybariguá). Os indígenas que desempenhavam essas funções possuíam entre suas
atribuições a tarefa de expedirem e receberem informes relativos à administração dos bens da
comunidade.
Por meio da escrita dessas mensagens, Ybariguá procurou conduzir a nova situação
de maneira a influenciar os novos administradores. Por isso, tratou primeiro de saudar, através
de Francisco Zavala, a chegada dos novos religiosos às reduções para depois enviar ao
governador de Buenos Aires o pedido dos cavalos. O texto é adulatório e, ao que tudo indica,
possuía como escopo preparar o caminho para a solicitação do dia seguinte. Portanto, além do
caráter estratégico da redação das duas cartas, deve-se destacar a competência gráfica desse
Guarani, que o autorizava a barganhar diretamente com as autoridades coloniais.
Para compreender melhor as motivações que levaram Valentin Ybariguá a escrever
essas duas breves mensagens é importante recordar que ele esteve na oposição dos Guarani ao
Tratado de Limites e ocupava, à época, o cargo de mayordomo. As informações que
conhecemos a seu respeito decorrem do fato de que escreveu e assinou uma carta a Sepé
Tiarayú, em 5 de fevereiro de 1756. Foi essa missiva localizada, dias depois, na algibeira de
Tiarayú, morto em uma escaramuça com os soldados comandados pelo governador de
Montevidéu, José Joaquin Viana.
Em 1768, Ybariguá ocupava o cargo de tenente, e recorreu à escrita para expressar
sua posição favorável às mudanças, procurando, ao que tudo indica, dissipar qualquer dúvida
quanto à sua adesão à nova administração. É de se supor que as recordações dos conflitos
passados, quando houve uma intensa mobilização dos Guarani de São Miguel e o desfecho
trágico em Caiboaté, levou-o a adotar, nessa última oportunidade, uma atitude
colaboracionista, evitando qualquer tipo de confrontação. E, possivelmente, esse Guarani
ilustrado julgou que, ao expor sua adesão às Instrucciones de Bucareli, poderia estabelecer
uma relação positiva com a administração colonial. Igualmente, a saída dos jesuítas abria um
espaço para promoção pessoal, o que pode ter influenciado a decisão de Ybariguá de
manifestar-se por escrito. Como esse indígena conhecia os protocolos que regem a escrita de
caráter oficial, procurou fazer uso deles exibindo os recursos simbólicos que acumulara.
Mesmo em um texto breve, foram respeitados os procedimentos necessários a esse tipo de
correspondência, com a indicação clara do destinatário, a saudação de abertura, a informação
principal, seguida do encerramento, e a assinatura. Esse Guarani, por sua formação letrada,
dominava as normas da escrita administrativa e as convenções que regem a epistolografia.
263
Uma trajetória, sem dúvida sui generis, é a de Primo Ybarenda, secretário da redução
de São Miguel. Logo após o conflito em Caiboaté, o governador de Buenos Aires, José de
Andonaegui, tratou de prestar contas ao monarca espanhol dos últimos acontecimentos
registrados em território missioneiro. Nessa ocasião, Andonaegui enviou como anexo de sua
correspondência a Espanha a tradução de alguns documentos indígenas recentemente
apreendidos.
768
Entre os documentos traduzidos há uma relação, uma espécie de memória dos
acontecimentos referentes aos episódios do ano de 1753, escrita pelo então servidor de São
Miguel, Primo Ybarenda.
Esse texto apresentava como destinatário o governador de Buenos Aires, pois assim
indica a primeira frase: “Señor Governador. Este nuestro escrito os embio a las manos para
que nos digais por ultimo lo que há de ser de nosotros, y solo para que os acordeis bien de lo
que haveis de hacer”.
769
Apesar de não apresentar uma data ao final, o texto narra diversos
episódios indicando o dia em que estes transcorreram, demonstrando um cuidado com a
temporalidade dos acontecimentos relatados. Esse cuidado permite inferir a época aproximada
da redação do texto, ou seja, em meados de setembro de 1753. A tônica é de uma certa
perplexidade diante das ameaças de guerra dirigidas aos Guarani, em caso de desacato às
ordens de mudança.
O conteúdo desse texto não é de hostilidade ou de afronta ao governador, mas de
indagação. Entre os temas tratados, inclusive, denuncia o comportamento dos cabildantes de
São Luís por demonstrarem atitudes exacerbadas de desacordo com as ordens de
transmigração. Essa correspondência foi redigida após os cabildos missioneiros enviarem as
sete cartas de protesto às ordens de mudança ao governador de Buenos Aires, e indica que
havia uma inquietação de ordem coletiva diante do rumo dos acontecimentos, pois Ibarenda
inicia o texto no plural “este nuestro escrito”.
A respeito de Ybarenda, sabemos que era considerado “algo vivaracho, y mas que
algo revoltosillo”, segundo a apreciação de Escandón.
770
Esse comentário foi bastante
oportuno, principalmente pelo fato de Ybarenda ter escrito a carta ao governador de Buenos
Aires, provavelmente procurando estabelecer um contraponto, por exemplo, ao conteúdo das
cartas enviadas pelos cabildos.
Independentemente da motivação que norteou a escrita do secretário, no período de
conflito, o fato é que em 1768 Ybarenda seguia exercendo a função de escrivão do cabildo
768
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42, folios 1089 a 1119.
769
A.G.I.: Audiencia de Buenos Aires, Legajo 42. Anexo 3.
770
Ver nota 765.
264
miguelista. Quando Francisco Bruno de Zabala compareceu a São Miguel, em 30 de julho de
1768, para acompanhar o inventário dos bens da redução, ficou surpreso com a caligrafia do
Guarani. Zabala, ao descrever sua entrada em São Miguel, expressou-o a seu modo, com
espanto, em uma nota à margem do documento: “el que há escrito esta carta, es indio de este
pueblo y dictandole yo la há escrito”. O governador Bucareli ao ser informado por Zabala do
fato, comentou: “El indio que escribió la carta de (el pueblo de) San Miguel podrá nombrarse
por maestro de lengua castellana”. E logo a seguir acrescentou o seguinte comentário: “el
indio de San Miguel escribe bien, pero no posee la lengua española, pero dictándole la
escribe (buen secretario)”.
771
Por todos esses indícios, sem dúvida, tratava-se de Ybarenda,
como atestam outros documentos que comprovam sua trajetória como secretário.
Por sua competência letrada, Ybarenda seguiu desempenhando seu ofício, como na
ocasião em que Zavala compareceu em São Miguel, em dezembro de 1768, para instaurar um
processo visando tomar declarações de alguns peões. Ao final desses depoimentos, Ybarenda
subscrevia em espanhol a indefectível sentença: “ante mi secretario de cavildo Primo
Ybarenda”.
772
Em julho de 1771, Ybarenda deixou mais um indício de sua competência alfabética,
ao enviar um ofício ao administrador Julian Gregório solicitando o repasse dos recursos
provenientes da venda dos produtos dessa redução em Buenos Aires. Esse ofício foi escrito
em espanhol.
773
Em dezembro desse ano, outro certificado foi redigido, prestando conta dos
gêneros enviados nos últimos meses a Buenos Aires. No final do documento ficou registrada a
seguinte frase: “la presente firmada por Nos, refrendada del Ynfraescrito secretario de este
nuestro Pueblo de San Miguel”. Entretanto, como querendo resguardar-se, o secretário
agregou a seguinte anotação: “Por mando de sus mayordomos. Primo Ybarenda. Secretario
de Cabildo”.
774
Este certificado sugere negócios praticados pelos mayordomos, em conivência
com os administradores particulares, para obter vantagens pessoais, por meio da venda dos
produtos depositados nos armazéns missioneiros, motivo pelo qual Ybarenda teve a
771
ZURETTI, Juan Carlos. La enseñanza, las escuelas y los maestros en las misiones guaraníes después de la
expulsión de los jesuitas. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, Montevideo, v. 21, p. 148-
168, 1954 (p. 148-149).
772
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7408, Doc. 14: Uruguay 1768. El gobernador de aquellos Pueblos Don
Francisco Bruno de Zabala; copia de sus oficios al Gobernador de Viamon y al Comandante de Río Pardo para
que se retiren de los puestos, restituyen los Yndios y ganados, y entregen los desertores: Respuestas que han
dado. Declaraciones de cinco peones que se cogieron hurtando ganado, y su carta informe con aquello
acompaña.
773
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/2.
774
A.G.N./BA: Sala IX, Lejajo 17/4/5 [certificado dos cabildantes de São Miguel] a 22 diziembre de 1771.
265
preocupação de sinalizar sua isenção na operação.
775
O cuidado desse secretário com a sua
reputação é passível de ser inferido tanto na sentença acima quanto no documento comentado
a seguir.
No ano de 1786, a redução de São Miguel elaborou um memorial bilíngüe, em
guarani e espanhol, para ser enviado ao governador. Nesse memorial figura a seguinte
informação: “[…] que el Corregidor es apto, y instruido en el Ydioma castellano, expongase
en el legalmente lo que contiene esta presentación […]”.
776
Nessse memorial coletivo de São
Miguel, além do pedido de substituição do administrador Manuel Burgos, homem de “poco
espiritu y tanto tardo en resolver”, lê-se ao final: Opa catu oyerure reco rupi Casiques chebe
amoí Cherera ape Primo Ybarenda” (“a ruegos de todos los Caciques que no saben firmar
pongo mi nombre aqui Primo Ybarenda”). Ao que tudo indica, após décadas exercendo o
ofício de secretário bilíngüe, Ybarenda foi requisitado pelos caciques ágrafos exatamente
pelas suas habilidades letradas. Nessa ocasião, Ybarenda atuou a pedido desses caciques
como avalista na elaboração do memorial coletivo.
Com o início da administração civil nas reduções, o acesso aos cargos determinou
enfrentamentos abertos entre os membros da elite, particularmente entre os caciques e o grupo
identificado com as atividades capitulares (corregedores e cabildantes).
777
Os primeiros
possuíam o mando militar sob as parcialidades que lideravam (mboyas), um resquício do seu
antigo poder e prestigio. Os segundos constituíam o grupo conhecido como “mandarines”,
integrado pelos corregedores, cabildantes, fiscais, oficiais e outros indígenas que desfrutavam
de alguma forma de poder e de vantagens relativas. Esses indígenas foram a base de apoio
para a nova administração introduzida por Bucareli.
778
Portanto, os caciques eram reconhecidos como “líderes naturais”, atuando como
representantes da população indígena e, ao delegarem a esse secretário a função de avalista,
estavam confiando-lhe a expectativa da própria coletividade. O fato de Ybarenda ser indicado
para essa função demonstra o quanto suas qualidades, e principalmente, sua competência
letrada, eram valoradas pelos demais Guarani. A sua experiência em assuntos administrativos
775
[…] con la complicidad de los administradores particulares, se transformará pronto en eficaz instrumento
de robos y extorsiones comerciales de los bienes de la comunidad” (SANTOS, Maria Cristina dos. Aspectos de
la resitencia Guaraní: los proyectos de integración en el Virreinato del Río de la Plata (1786-1805). Tese
(Doutorado em Antropología de América)–Departamento de Historia de América II, Universidad Complutense
de Madrid, Madrid, 1993, p. 132).
776
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/3/5.
777
Para uma descrição dos problemas e tensões ocasionados pelo desequilíbrio e desintegração social nas
reduções após a expulsão dos jesuítas, ver: SANTOS, 1993 (cap. 3: “Muchos cargos! Pocos encargos!”, p. 88-
94); WILDE, 2001.
778
MAEDER, 1992a, p. 72.
266
lhe havia conferido as credenciais necessárias para endossar um documento com esse caráter.
Os caciques, ao recorrerem a esse secretário, provavelmente buscavam assegurar que o
conteúdo do documento não sofresse alterações no momento de sua versão ao espanhol,
evitando artimanhas, por exemplo, por parte do corregedor. Esse procedimento igualmente
revela o quanto os caciques de São Miguel, apesar de seu agrafismo, reconheciam e
valorizavam os meandros que perpassavam as relações entre escrita e poder, justificando os
cuidados adotados no momento da redação desse memorial bilíngüe.
Certamente Ybarenda é um exemplo singular de índio especializado na escrita. É um
Quatiapohara. Sua capacidade letrada está relacionada ao ensino de línguas nas reduções
durante o período jesuítico e, ao que tudo indica, poucos Guarani apresentaram uma trajetória
comparável à sua.
Portanto, as trajetórias desses dois indígenas nos permitem conhecer algumas das
possibilidades associadas à competência gráfica, a partir de posições diferentes, mas ambas
relacionadas ao mundo letrado. A respeito de Ybariguá, sabemos que foi a sua capacidade de
escrever em guarani que lhe facultou exercer a função de mayordomo.
Ybarenda, por sua vez, segue o caminho trilhado pelos secretários no exercício de
suas atividades notariais, o que implicava um elevado grau de especialização na prática da
escrita. Tal distinção permitira a alguns detentores desses cargos perpetuarem-se no exercício
das funções de escrivães por décadas. Ressalte-se que a formação de Ybarenda o habilitou a
escrever também em castelhano, exercendo as atribuições de secretário bilíngüe, diante da
exigência dos novos tempos, quando o idioma guarani deixou de ser exclusivo nas reduções.
6.3 Funções da escrita indígena no período pós-jesuítico
As formas textuais elaboradas pelos Guarani no período pós-jesuítico sinalizam
diferentes motivações da busca pelo registro escrito. Através da prática da escrita esses
indígenas encaminharam demandas individuais ou coletivas, comunicando os distúrbios
causados pela má administração, tanto civil como religiosa, às autoridades coloniais. Esses
textos, igualmente, podem servir como um indicador do maior ou menor domínio
sociocultural da “razão gráfica”, e atestam as distintas capacidades e a destreza do indívíduo
encarregado da redação.
A escrita, em guarani ou em espanhol, foi um desses instrumentos pelos quais os
índios missioneiros manifestaram tanto sua conivência quanto seu descontentamento com as
mudanças relacionadas à nova ordem político-administrativa adotada para a região. Além de
267
expressarem posições coletivas, como foram as cartas elaboradas nos cabildos, também
correspondiam a manifestações individuais. Por meio de determinadas missivas, se verifica
uma motivação pessoal quando, por exemplo, um corregedor expressa a sua gratidão a uma
autoridade diante de uma indicação obtida. Com a expulsão dos jesuítas, abria-se a
possibilidade para a elite missioneira pleitear diretamente o acesso aos principais cargos junto
aos cabildos, que se mantiveram funcionando, nos mesmos moldes.
779
A partir de então, os textos passaram a ser desvinculados da escrita religiosa, o que
indica uma autonomia daqueles que escrevem diante de uma emancipação efetiva das formas
convencionais de notação praticadas nas reduções.
Entretanto, com o término da administração jesuítica, a história das missões foi
tratada como decadência geral, sobretudo quando contraposta à época anterior, motivo pelo
qual os pesquisadores consideravam essa etapa sem qualquer atrativo para a interpretação
histórica. Todavia, esse período foi caracterizado pelo término do isolamento político das
reduções, o que proporcionava aos Guarani novas possibilidades de inserção e de interação
com a sociedade colonial hispano-americana.
780
Portanto, esse período histórico esteve
caracterizado por contatos e negociações entre os indígenas e as autoridades coloniais, e de
maneira alguma corresponde ao estereótipo atribuído e difundido pela historiografia
tradicional, como de indiferença por parte dos Guarani missioneiros aos novos
acontecimentos.
Em geral, os estudos históricos sobre as missões reproduziram a imagem de
decadência difundida pelos historiadores da própria Companhia de Jesus, sem que essas pré-
noções tenham sido devidamente questionadas.
781
O jesuíta Pablo Pastells, por exemplo,
seguia repetindo que “la mayoria de los habitantes de los siete pueblos, que tenía una
población total de 30.000 habitantes, se dispersaron huyendo a los montes”.
782
Por esse motivo, até meados do século XX, a imagem de abandono maciço das
reduções permaneceu muito presente na historiografia. Essas interpretações simplistas, e sem
779
Cabildos de índios: “un cacique para que sea corregedor por três años, los demas cargos se provenga como
de costumbre” (HERNANDEZ, 1913, t. 1, p. 184).
780
SANTOS, 1993, p. 19; SANTOS, Maria Cristina dos. Una historia interrumpida: los guaraníes ante el
reformismo. In: JORNADAS INTERNACIONALES SOBRE LAS MISIONES JESUÍTICAS, 8., 2000,
Encarnación. Historia inacabada, futuro incierto. Ed. Bartolomeu MELIÀ. Asunción: CEPAG, 2002. p. 399-
413.
781
Os trabalhos de história regional, que abarcavam o período missioneiro, tampouco demonstraram interesse
pelo estudo da etapa posterior à expulsão dos jesuítas. Durante décadas os únicos autores que contemplaram esse
período foram Carlos Teschauer (TESCHAUER, Carlos. História do Rio Grande do Sul dos dous primeiros
séculos. Porto Alegre: Selbach, 1922. 3 v.) e Aurélio Porto (1954). E, mesmo assim, dedicando apenas um
capítulo ou tópico para descrever a nova administração implantada nas reduções.
782
PASTELLS, 1949, p. XVIII.
268
base documental começaram a ser questionadas a partir de estudos pioneiros, como o de José
Mariluz Urquijo. Segundo esse autor, o “supuesto regreso de los indios a la selva, que
proporcionaba una clave cómoda para explicar la caída vertical de la población misionera,
há sido tan llevado y traído, que ha pasado a ser lugar comun”.
783
Uma mudança de orientação no tratamento dispensado à temática somente foi
verificada nas últimas décadas do século XX, a partir de metodologias e enfoques de outras
aréas do conhecimento, que contribuíram para alterar os pressupostos que pautavam os
estudos tradicionais.
784
Os estudos mais completos e abrangentes sobre o período posterior à
expulsão dos jesuítas são os trabalhos de Ernesto Maeder
785
e de Alfredo Poenitz
786
, que
contemplam desde os aspectos demográficos, a situação político-administrativa e as
implicações econômicas operadas a partir das Instrucciones de Bucareli. Dessa maneira,
atualmente predominam três eixos de abordagem do período pós-jesuítico: as pesquisas de
caráter político-institucional, as de cunho demográfico e os trabalhos com orientação etno-
histórica.
787
O enfoque que adotamos nesse trabalho dialoga com a etno-história, pois esses
estudos têm privilegiado as estratégias e respostas indígenas às demandas da sociedade
colonial, aporte que tem contribuído para romper com a imagem de passividade comumente
associada às populações ameríndias.
788
A partir das pesquisas orientadas por essa perspectiva
teórica, tem-se procurado evidenciar os agentes sociais que protagonizaram ações decisivas
para o desfecho de impasses na época colonial, rompendo com interpretações maniqueístas
comumente presentes no processo de conquista e colonização do continente americano. A
contribuição desses trabalhos tem sido a de demonstrar os indígenas como agentes políticos
autônomos, a partir da sua ação social.
783
MARILUZ URQUIJO, Los guaraníes después de la expulsión de los jesuitas. Estudios Americanos, Sevilla,
v. 6, p. 323-330, 1953.
784
Os estudos de demografia histórica são um contraponto a essa imagem de volta aos matos, ao sinalizarem que
o progressivo esvaziamento dessa reduções implicou um movimento rumo às cidades coloniais (MAEDER,
Ernesto J. A.; BOLSI, Alfredo S. La población de las misiones guaraníes entre 1702-1767. Estudios Paraguayos:
revista de la Universidad de la Asunción, Asunción, v. 2, n. 1, p. 111-137, 1974).
785
MAEDER, Ernesto J. A. Misiones del Paraguay: conflicto y disolución de la sociedad guaraní. Madrid:
Editorial MAPFRE, 1992b.
786
POENITZ, Edgar; POENITZ, Alfredo. Misiones, provincia guaranítica: defensa y disolución (1768-1830).
Posadas: Universidad Nacional de Misiones, Ed. Universitaria, 1993.
787
Essas diferentes abordagens foram delimitadas por Guillermo Wilde em artigo recente (WILDE, 2001, p. 71-
72).
788
GANSON, 1999; HERNÁNDEZ, Juan Luis. Desobediencia y fuga: estrategias guaraníes tras la expulsión de
los jesuitas (1768-1799). In: JORNADAS INTERNACIONALES SOBRE LAS MISIONES JESUÍTICAS, 7.,
1998, Resistencia. Anales… Resistencia: Instituto de Investigaciones Geohistoricas/Conicet: UNNE, Facultad de
Humanidades, 1998. p. 281-297; HERNÁNDEZ, 1999; WILDE, 2001.
269
Antes de abordar as modalidades assumidas pela escrita dos Guarani, convém
esclarecer que não há estudos específicos sobre as formas textuais adotadas nesse momento,
sendo os documentos apenas fonte de informação aos pesquisadores dedicados à temática.
A questão central, portanto, será a de analisar as funções destinadas à competência
gráfica dos Guarani letrados, ou seja, as estratégias relacionadas ao ato de escrever diante do
término do controle exercido pelos jesuítas e as reações ao novo plano de governo para as
reduções. A carência de estudos sobre a produção textual indígena surpreende, principalmente
porque uma parcela desses textos foi redigida em espanhol, o que facilita sua consulta.
A intensidade com que os Guarani recorreram à escrita pode transmitir uma idéia
equivocada, inclusive contraditória, quanto ao montante de indivíduos habilitados a escrever.
O fato de escreverem com certa freqüência, nesse período, não implicava necessariamente um
maior número de sujeitos habilitados na prática da escrita. Segundo Harald Thun, após a
expulsão dos jesuítas, houve “una liberación de la escriptualidad entre los indígenas
alfabetizados
789
. Porém, se essa mudança na administração das reduções permitiu aos
Guarani letrados usufruírem com maior liberdade, sem entraves, o exercício de sua
competência alfabética, essa mudança não foi acompanhada de uma disseminação social da
habilidade gráfica. Igualmente, a escrita praticada nas reduções, gradativamente, deixava de
refletir um certo consenso entre a população missioneira, passando a expressar os interesses
de uma elite relacionada aos lugares de poder.
6.3.1 As listas
As listas constituíram-se em uma das modalidade básicas de contato dos Guarani
com a escrita nas reduções. Como demonstrou Jack Goody, os homens fizeram um largo uso
das listas como forma de escrita, configurando a matriz dos demais modos de registro.
790
Essa
modalidade de escrita é considerada como ordinária, por sua natureza banal e diversa,
principalmente quando contraposta aos textos avaliados como de prestígio e portadores de
informações dignas de preservação e difusão.
Nesse aspecto, o arrolamento de atividades executadas e os nomes dos envolvidos
proporcionaram aos índios missioneiros um convívio assíduo com o registro gráfico. A
disposição e a distribuição dos nomes no papel, geralmente em colunas paralelas, facilitavam
a visualização e a identificação dos indivíduos requisitados, tanto daqueles que prestavam
789
THUN, 2003, p. 15.
790
GOODY, 1988, p. 86-126.
270
trabalho nas obras públicas como dos designados para integrar a tripulação das embarcações,
ou seja, com especificação de pessoas e de sua alocação. Mas esse sistema de anotação
também foi acionado para encaminhar pedidos emanados dos próprios índios. Por tal motivo,
a elaboração de listas pode se constituir em um indicador que permite verificar como algumas
questões inquietavam os Guarani, principalmente a ausência de parentes.
A mudança de administração nas reduções foi concebida pelos caciques e cabildantes
como um momento oportuno para apresentarem por escrito, perante as novas autoridades,
uma relação com os nomes de parentes e companheiros ausentes. Inclusive, surgia a
possibilidade de pleitear o retorno daqueles que haviam sido transferidos de redução, diante
dos desterros praticados pelos jesuítas como medida visando coibir o comportamento dos
mais revoltosos.
791
A política adotada pelo governador de Buenos Aires, Francisco de Paula Bucareli,
como já se viu, esteve voltada a atrair a simpatia dos Guarani e evitar atitudes de contestação
ao novo regime. Motivados por esta nova conjuntura, alguns índios decidiram solicitar ao
governador das missões orientais, Francisco Bruno de Zavala, subordinado do primeiro,
providências quanto ao paradeiro de seus parentes. Por meio de um texto enviado ao
governador Bucareli, Zabala informava a respeito do recebimento de uma solicitação
formulada por “un Indio cacique de el Pueblo de San Juan de quien es ese papel suplica a VE
por que se le remita a su Madre un Hermano y una hermana a que esta en Itapua”.
792
Os requerimentos por escrito foram um dos expedientes acionados pelos índios
letrados para requisitar às autoridades medidas visando reparar essas ausências. A nova
política administrativa, como demonstramos anteriormente, foi rapidamente assimilada, e os
Guarani trataram de aproveitar esse momento para encaminhar algumas solicitações. Assim,
em dezembro de 1768, quando Zabala retornou à redução de São Miguel, recebeu nova
requisição. Nessa ocasião,
Los cabildos de los Pueblos de San Miguel, y San Luis me dieron esos papeles con la
nomina de algunos Yndios que están ahí cuya Mujeres se hallan en dichos Pueblos, algunas
Yndias que están en ese Río Pardo y Jurisdición y sus maridos en los Pueblos dejo a la
Christiana consideración de V.S las resultas de esta separación de matrimonios […].
793
791
Os desterros foram uma das medidas adotadas pelos jesuítas para controlar os indígenas cuja conduta era
julgada como inadequada.
792
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 6/10/7. Carta de F.B de Zavala al gobernador, 11 de agosto de 1768.
793
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7408, Doc. 14): “El gobernador de aquellos Pueblos Don Francisco
Bruno de Zabala […]”.
271
Através desse exemplo é possível verificar como a escrita ordinária foi apropriada
pelos Guarani. Nesse caso, com a finalidade de elaborar listas e informar os nomes dos índios
e índias afastados do convívio, como aquelas famílias que, em 1757, haviam aderido à
proposta de Gomes Freire e seguiram para os domínios lusitanos.
794
Muitos índios, pouco
tempo depois, demonstraram insatisfação com sua opção. Todavia, encontravam dificuldades
em retornar às suas reduções de origem devido ao controle dos portugueses nas principais
passagens de acesso ao território missioneiro.
795
Apesar da rigorosa vigilância, alguns
conseguiram escapar e comunicaram aos seus companheiros sobre as condições de vida a que
estavam submetidos aqueles que seguiam vivendo no lado português.
Os requerimentos e as listas atendiam a uma demanda específica e, nesse caso,
estavam ajustados a solucionar um problema circunstancial. A saída dos jesuítas e o
compromisso acenado pelo governador de Buenos Aires beneficiou a tomada dessa medida.
Essa modalidade de escrita estava fundamentalmente voltada para expresssar um pleito e
deixar um registro, ou seja, produzir um índice de nomes e, assim, evitar esquecimentos. Por
meio desse recurso, garantia-se o encaminhamento formal da solicitação. Os Guarani
valorizaram a oportunidade para efetuar esse pedido e, possivelmente, de envolver as
autoridades em um compromisso com seu pleito de retorno de parentes.
794
R.A.H.: Fondo Manuscrito. Papeles de América siglo XVIII [em uma nota ao final da correspondência do
padre Lope Luis Altamirano este informava: “Se me olvidaba con la prisa que escribo, la noticia, de que Don
Gomez Freyre en su retirada al yacui se llevaba 700 familias de Yndios Guaranis, que de su voluntad se iban
con el por el buen tratamiento que les haze; con esse anzuelo tirará de otras muchas más. El Governador
Ceballos há embiado por dicha familias; no se si se querrán volver”]. Buenos Aires, y Junio 13 de 1757.
795
A.G.S.: Secretaria de Estado, Legajo 7405, Doc. 71: Quartel general de San Borxa. Año de 1759. O
governador Cevallos, instalado na redução de São Borja, mandou tomar declaração de todas as pessoas que
desertaram atraídas pelas vantagens oferecidas pelos portugueses, e que estiveram residindo nos domínios
lusitanos. A um depoente foi perguntado se sabia ou tinha outra coisa a acrescentar ao que havia declarado, e
este respondeu: “[…] que solo se le ofrece añadir, que los Yndios y Yndias que estan en el Rio Pardo, le han
dicho que desean con ansia bolverse a su Pueblos, pero que no pueden intertalo, por que luego que son
descubiertos, o cogidos son castigados severamente, y que tambien para que no lo executen tienen los
portugueses tomados todos los pasos precisos […]”. Outro depoente declarou: “que estan muchos Yndios y
Yndias diciendo, que mejor estavan en sus pueblos, y que si pudieran se avian de bolber, pero expresa el
declarante que no pueden […]”.
272
6.3.2 Escrita e liderança política
Com a emancipação da tutela jesuítica, a elite letrada passou a encaminhar
diretamente as suas demandas ao poder colonial, reorganizando a hierarquia administrativa,
subordinando ou condicionando o preenchimento de determinadas funções à sua habilidade
gráfica.
796
Em junho de 1769, por exemplo, o cabildo de Yapeyu informou o governador da
morte de seu corregedor, e na própria mensagem aproveitaram para indicar alguns nomes que
julgavam aptos a ocupar a função vacante. Entre as qualidades enfatizadas, constava o
seguinte: “estos son Señores ynteligentes por Saber leer y escribir y los siguientes Casiques
caresen de este beneficio”.
797
Nessa oportunidade, os cabildantes elencaram os nomes dos
aspirantes a essa função a partir de critério pautado pela competência alfabética, por julgar
essa habilidade como um requisitos básico ao exercicío da função de corregedor. Os Guarani
letrados estavam dessa maneira referendando a habilidade gráfica como condição para o
exercício da principal magistratura junto ao cabildo. O dominio da escrita, além de prestígio,
agora conferia a esses Guarani precedência em detrimento dos demais indígenas.
Os caciques da redução da Cruz, conjuntamente com o cabildo, em maio de 1769,
enviaram uma correspondência ao governador Bruno de Zabala. Na ocasião, aproveitaram
para elogiar o trabalho do referido governador interino, comentando que “tanbien sabe la
lengua del paraguai por eso el explicar bien, y claro las orden de su magestad”. Contudo,
apesar desse preâmbulo, o objetivo da carta estava voltado a manifestar a insatisfação e o
desagrado da elite guarani diante das restrições impostas pelos religiosos encarregados da
assistência espiritual. A sua excessiva ingerência na administração dos assuntos internos e a
adoção de medidas consideradas abusivas recordavam aos cabildantes atitudes semelhantes às
dos jesuítas,
por eso nosotros Suplicamos, a V.Exa que no nos quite a nuestras mugeres para
hablar y a si los padre lo quere mal por que los padre quere governar, Como tiempo de
antes y a mi el Corregedor y malas palabras que a hijo secretario a los otros muchachos lo
castiga mucho, y el governador defiende a nosotros a nuestros hijos, por eso lo quere mal no
puedo esplicar todo pero mucho sentimiento. (grifo nossso).
798
796
La ‘elite’ indudablemente poseía mayores posibilidades estratégicas que se manifiestan claramente en su
carrera por el ascenso en la jerarquía social. Los cargos del cabildo eran el fin principal de las ambiciones.”
(WILDE, 2001, p. 92).
797
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Yapeyu 21 de junho de 1769.
798
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1 [caciques da redução da Cruz escrevem ao governador, 8 de maio de
1769].
273
Essa correspondência permite avaliar como os Guarani letrados, especialmente os
caciques, lançaram mão da escrita para denunciar um religioso que poderia comprometer a
autonomia política conquistada com a saída dos jesuítas. Através dessa solicitação, os Guarani
demonstravam conhecer os seus direitos e cobravam das autoridades que fossem tratados
conforme os benefícios que a nova administração lhes conferia. Estavam recorrendo à escrita
para formalizar sua insatisfação e assegurar sua condição privilegiada como súditos do rei de
Espanha. Em outras palavras, estavam escrevendo para assegurar sua liderança política, que
estava sendo ameaçada diante do comportamento dos religiosos encarregados pelo governo
espiritual. A recordação e a conseqüente comparação com a maneira de agir dos jesuítas
causava apreensão entre os caciques.
6.3.3 “Todo el pueblo me obligó a escrivir con ellos a pedir
Entre os documentos elaborados após a expulsão dos jesuítas, há um predomínio das
fontes de caratér oficial, principalmente as de cunho administrativo, elaboradas com a
finalidade de estabelecer comunicação entre os cabildos e seus representantes com as
autoridades coloniais, no caso, o governador de Buenos Aires. Como já foi mencionado,
muitos dos documentos missioneiros que repousam em arquivos são o resultado da ação de
indígenas acostumados aos protocolos letrados, como os secretários.
Ocasionalmente, entre os papéis escritos pelos Guarani letrados também figuram
textos de indivíduos que nem sempre estiveram envolvidos com as atividades administrativas.
Esse é o caso, por exemplo, das cartas enviadas pelos professores indígenas da redução da
Cruz ao governador. Ambas as correspondências foram redigidas no mesmo dia e apresentam
conteúdos semelhantes. Apesar de escritas na mesma data e local, bem como voltadas a um
objetivo semelhante, apresentavam diferentes redatores.
Uma delas foi redigida por Eustaquio Guapayu, “maestro de niños” que, em nome de
toda a escola da redução da Cruz, solicitava encarecidamente que, para a boa instrução, fosse
designado:
el hazer cura al P.e Fr Manuel Antonio de Yrrazabal, quien há puesto la escuela
segun dios manda, y el Rey Nuestro Señor lo desea, pues en tres meses se há experimentado
mas adelantamiento en los Niños que en todo en un año estuvieron otros dos. Y basta
Excelentisimo Señor el amor y caridad sobresaliente de este Padres para con los Niños que
no se cansa en enseñar la Doctrina y reso en castellano por cuyo motivo y por el amor que
le han tomado los Ninos y todo el Pueblo me obligo con ellos a pedir a V. Exa y mirando el
aprovechamento de nuestros hijos y tambien en ver que el dicho Padre cumple con las
274
ordenes del Rey motivo tan principal y prendas tan conducentes a un buen pastor de almas
[…].
799
Por meio dessa carta, somos informados de que a população cruzenha designou como
delegado de escrita o “maestro de niños” para fazer pública uma demanda coletiva. O
conteúdo sinaliza uma das preocupações manifestas no período pós-jesuítico: a quem caberia
a instrução, ou melhor, a designação de sujeitos aptos para tal tarefa? O “maestro de capilla
Antonio Tupayu, acompanhado de Marcos Ybabe e Cristobal Guiraygue, todos envolvidos
com o ensino de música na redução da Cruz, reuniram-se para encaminhar um pedido ao
governador solicitando, em nome do rei Carlos III, que fosse designado o frei Manuel
Antonio de Yrrazaval, pois este
ha puesto la Doctrina Christiana en ser en este Pueblo del R.N.S y ha consumido con
su zelo y exemplo de su buena vida y costumbres varios disturbios dandonos a conocer a
Dios, y al rey con tanta claridad que mediante Dios y su Doctrina hemos llegado a conocer
el buen deceo de Nuestro soberano monarca que hasta hoy se nos havia ocultado, pues no
duda el Sr. Governador Dn Francisco Bruno de Zavala la utilidad del padres que tan
claramente nos enseña privandose de su descanzo por adelantarnos en la Doctrina y
castellano y con tanto amor y suavidad que nos obliga a quererlo con tanto amor por la
suma suavidad con que se porta, assi con los grandes: como con el mas minimo muchacho, y
asi Exmo Señor a venir otro sugeto perdemos la buena educación de nuestro muy ama-do
padre e maestro, por lo que suplicamos a V.Ex lo havilite con el curato de este Pueblo.
800
Como se pode observar, as duas cartas tratavam de solicitar a permanência de
Manuel Antonio de Yrrazaval como responsável pelas atividades educacionais. Como
justificativa ao pedido, alegavam a sua competência e o bom trato com toda a população,
sinalizando os progressos que obteve em apenas três meses de atividade. O fato dessa redução
ter enviado duas cartas com o mesmo teor deixa transparecer a inquietação da população
cruzenha diante dos rumos das atividades relacionadas ao ensino. Os gestores desse pedido,
no caso os “maestros”, além de apresentarem o domínio necessário da escrita mantinham um
contato mais próximo com Yrrazaval. Pelas funções que desempenhavam possuíam relação
pessoal com ele. O envio de duas cartas, além de sinalizar a ênfase no pedido, demonstra o
interesse coletivo na manutenção desse educador à frente das atividades. Igualmente, pela
exposição de argumentos, fica evidente uma inevitável comparação com o tratamento que
recebiam anteriormente dos jesuítas, que com sua pedagogia souberam otimizar a instrução
entre os Guarani. A presença de um clérico que conciliava as tarefas espirituais ao ensino
799
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Carta de Eustaquio Guapayu al Exmo. Señor. 8 de noviembre de 1769.
800
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/5/1. Carta de los musicos de la Cruz al Exmo. Señor.
275
contribuiu para cativar as atenções dos Guarani, que ainda associavam o aprendizado à
catequese.
Procurando garantir um parecer favorável à sua requisição, recorreram a um
argumento que lhes parecia convincente: mencionar os progressos no idioma espanhol. A
própria redação na língua do colonizador já sinalizava uma estratégia indígena no sentido de
sensibilizar as autoridades coloniais. Esse pedido difere dos pleitos oficiais, pois partiu de
alguns Guarani letrados que não integravam o cabildo, indicando que a escrita estava
atendendo a outras demandas, servindo de canal de expressão para manifestar as inquietações
da população missioneira, pois, como referiu Tapayu, “todo el pueblo me obligo con ellos a
pedir”. Caberia indagar: por que uma solicitação como essa, que envolvia um tema de
interesse coletivo, não foi encaminhada pelo cabildo?
Uma resposta possível para essa pergunta pode estar na própria urgência do pedido, e
também no fato de que entre os interessados na permanência de Yrrazaval figuravam índios
com capacidade suficiente para encaminhar o pedido. Os “maestros de capilla” já haviam
atuado como delegados de escrita em outros momentos, registrando as demandas dos iletrados
e, nesse momento, acudiram à escrita como mediadores gráficos, procurando intervir em um
assunto de interesse da coletividade. Ao que tudo indica, os professores guarani agiram
pautados pelo entendimento de que a alfabetização corria sérios riscos.
As dificuldades enfrentadas para substituir os antigos mestres jesuítas, segundo
Zuretti, determinou que “en los primeros años prevaleció una costumbre que fue la que se
impuso: la designación de maestros civiles por las autoridades hispánicas”.
801
O provimento
de professores não era tarefa de fácil solução, pois a própria localização das reduções
dificultava o acesso aos locais de ensino. A se julgar por alguns certificados enviados pelos
cabildos e administradores, os “maestros de primeras letras” nem sempre permaneceram
muito tempo nas reduções, cumprindo somente o tempo que lhes fora designado. Ao
encerrarem sua docência, geralmente de um ano, para assegurar seu pagamento, recorriam ao
cabildo para receber um certificado de suas atividade e com isso garantir o recebimento de seu
salário.
802
Ao que tudo indica não havia envolvimento dos cabildantes com a nomeação
desses professores, e lhes competia tão-somente encaminhar as questões administrativas
referentes ao pagamento e expedir os certificados para a remuneração dos professores, o que
801
ZURETTI, 1954, p. 153.
802
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/6/6. Certificado a Dn Bernardo Barela maestro de primeras letras. Yapeyu, 25
de junio de 1772.
276
pode explicar, em parte, a decisão adotada pela população de encaminhar, por sua conta, o
pedido de permanência do religioso.
6.3.4 “Por mi y los demas del cavildo que no saven firmar”: os secretários
A partir do último quarto do século XVIII, as cartas redigidas em espanhol nos
cabildos missioneiros costumavam apresentar a seguinte impronta ao final: “Por mi y los
demas del cavildo que no saven firmar”, e a seguir o nome do secretário responsável pela
redação. Essa frase passou a figurar como uma fórmula, como expressão que encerrava as
correspondências redigidas pelos escrivães encarregados do trabalho de registro das
correspondências voltadas à administração colonial.
Por que, mesmo diante das maiores oportunidades de escolarização ensejadas a partir
das Instrucciones e a entrada de administração laica, as lideranças guarani paulatinamente
deixaram de assinar essas notificações? Ou essa atitude decorria do fato de que os Guarani
constatavam que seus pleitos não estavam sendo respondidos e que a escrita correspondia
apenas a um procedimento rotineiro? Algumas respostas a essas perguntas, sempre muito
provisórias, talvez possam ser vislumbradas.
As requisições encaminhadas pelos cabildos missioneiros colocam em destaque as
potencialidades que os Guarani responsáveis pela escrita de cunho administrativo
vislumbraram para sua competência gráfica. O conjunto das cartas escritas pelos secretários e
outros índios letrados abrange assuntos variados, formando um índice dos temas presentes
nesses anos. No Archivo General de la Nación, em Buenos Aires, há documentos escritos em
espanhol pelos Guarani missioneiros. Esse fato suscita a indagação: o quanto essa mudança de
registro lingüístico foi uma conseqüência direta das novas medidas? Ou essa habilidade já
estava presente entre os Guarani letrados? Essas perguntas decorrem da constatação de que
alguns Guarani rapidamente recorreram ao idioma espanhol para formalizar a sua
comunicação com os autoridades.
A expressão “Por mi y los demas del cavildo” foi o recurso dos secretários para
expressar a existência de um consenso quanto às decisões adotadas no último quarto do século
XVIII, quando passaram a corresponder-se diretamente com o governador ou seus auxiliares.
Ao utilizarem essa frase para encerrar suas correspondências, igualmente estavam sinalizando
que a mensagem estava referendada pelos demais cabildantes.
Geralmente, as cartas redigidas pelos secretários são textos que demonstram a
familiaridade da elite indígena diante dos formalismos presentes no universo letrado. A escrita
277
atendia às demandas diplomáticas e de contato com o exterior, refletindo sobretudo o
aprendizado da ars dictaminis. Maria Luz Mandingorra Llavate, ao avaliar as possibilidades
relacionadas à escrita na península ibérica, alerta que ao se “[…] constituir un periodo
relativamente amplio nos permite advertir las posibles variaciones gráficas y ortográficas,
omisiones y/o repeticiones de palabras, uso de signos de puntuación, alienación del texto,
regularidad y seguridad […]”.
803
Essas advertências também são válidas ao analisarem-se as
cartas produzidas nos cabildos missioneiros após a expulsão dos jesuítas, pois uma série de
marcações gráficas permite acompanhar as alterações introduzidas nessa prática.
Nesse sentido, os secretários foram peças-chaves na elaboração de cartas, por
demonstrarem aptidão para a redação em espanhol. O ato de escrever em espanhol, ao que
tudo indica, comporta uma estratégia indígena no sentido de assegurar uma interlocução direta
com os funcionários responsáveis pela administração das reduções, expressando, portanto, sua
adesão às novas regras administrativas.
804
E, por meio desse recurso, também procuravam
eliminar qualquer forma de intermediação ou possibilidade de mal entendidos de suas
reivindicações em função do trabalho de tradutores.
Nesse aspecto, a escrita, não estando mais submetida a um rígido controle e
vigilância, como exercidos pelos jesuítas, passou a desempenhar a função de testemunho de
uma época, permitindo identificar as condutas e as próprias capacidades gráficas dos
secretários. As cartas dirigidas ao governador pelos cabildos e, em algumas ocasiões, pelos
corregedores, procuravam informar o governador sobre alguma questão urgente e, em outras,
responder a determinadas consultas efetuadas pelo poder colonial.
Essas correspondências, enviadas por um remetente coletivo, como eram os cabildos,
estavam, em sua maioria, voltadas a uma ação petitória, solicitando uma providência do
governador, rogando uma tomada de atitude diante de uma situação considerada limite.
Muitas dessas cartas apresentavam características que as aproximam de uma petição
cscrita, relegando a um segundo plano seus aspectos deliberativos.
805
As petições, e mesmo as
denúncias, não costumavam ser respondidas por seus destinatários, pois estavam isentas do
803
MANDIGORRA LLAVATA, María Luz. Leer y escribir en la Península Ibérica. In: JOHN Lluis Vives: un
valenciano universal. Valencia: Ayuntamiento, 1993, p. 112.
804
Segundo Maria Cristina dos Santos, “[…] el período buorbónico, no solo proporciona un cambio estrutural
en la relación colonia-pueblos decisiones, sino que introduce de cierta forma, un nuevo registro histórico sobre
el, hasta entonces, Guarani jesuítico”. SANTOS, 1993, p. 47.
805
Quanto às petições, Petrucci observou o seguinte:En general una petición por el estilo, por más que
formalmente sea una carta, no tiene el estatuto de epístola, en tanto no se ubica en una cadena de mensajes
vinculadas entre sí por una necesidad biunívoca de respuesta; por el contrario, ésta se pone al inicio de un
proceso de documentación […]” (PETRUCCI, 2002, p. 100).
278
“duplo pacto epistolar”,
806
em decorrência desse tipo de escrita não contemplar as regras
usuais da epistolografia particular. Em outras palavras, a petição visa geralmente informar e,
portanto, não enceta uma troca epistolar entre as partes envolvidas. A relação com a escrita
nesses casos pode caracterizar-se por uma reação à demanda do destinatário, ou seja, quando
a vontade de registro é mais importante para os remetentes que a resposta do destinatário.
Enfim, algumas das expressões de encerramento se parecem mais com um acordo pactado na
própria coletividade, em torno de um pleito e da necessidade de formular um registro das
decisões estabelecidas. E, por esses aspectos, os registros são como uma expressão das
negociações coletivas e de potenciais divergências que chegaram a um termo de acordo.
6.3.5 Certificados, recibos, “razón
A escrita indígena, nesse período, também se manteve a serviço da expedição de
certificados e recibos, ou seja, documentos de natureza contábil e relacionados às transações
comercias que as reduções mantinham com o escritório em Buenos Aires. Alguns desses
recibos, quando redigidos em guarani, costumavam apresentar uma tradução resumida do
conteúdo em espanhol, medida adotada para facilitar a leitura por parte dos funcionários que
desconheciam o idioma indígena.
807
O envio de mercadorias e a definição da tripulação para as embarcações foram
assuntos presentes nas rotinas missioneiras. Os deslocamentos eram controlados pela
expedição de comprovantes escritos. Essas escritas ordinárias são instrumentos voltados para
auxiliar e controlar as tarefas administrativas.
Por vezes, a prestação de contas, o registro de atividades executadas pelos indígenas
requisitados a pedido dos governadores, poderia apresentar uma redação mais elaborada. Um
exemplo é o documento intitulado “Razón de los indios enpleados”, expedido pelo cabildo de
São Lourenço, em novembro de 1779. Tal relação de serviços foi formulada em decorrência
de um “apedimento de el Sr Comandante Dn Joseph Urbana”.
808
Essa relação visava tanto
controlar a execução dos trabalhos solicitados como averiguar os víveres fornecidos, posto
que nem sempre os índios compareciam aos locais designados munidos da “cuenta” referente
806
GUILLÉN, Claudio. Múltiplas moradas: ensayo de literatura comparada. Barcelona: Tusquets, 1998, p. 177-
233.
807
Vale reproduzir o comentário de Teschauer a esse respeito: “E, como os ofícios e informes dos cabildos ainda
viessem escritos em guarani e algumas vezes acompanhados da tradução espanhola – são os papéis que ainda se
conservam […].” (TESCHAUER, 2002, p. 425).
808
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 22/2/7. “Razon de los indios enpleados en el Real Serbizio de este Pueblo de San
Lorenzo desde el añode mil setezientos y dos hasta la fecha de esta (anos de 1773/1779)”.
279
aos mantimentos disponibilizados.
809
O documento relaciona seis anos de serviços executados
pela redução de São Lourenço, sendo um arrolamento ordenado cronologicamente, que inicia
no ano de 1773, e relata os trabalhos prestados nas fronteiras coloniais, indicando o destino
das expedições realizadas pelos Guarani da redução.
Nessas relações sempre houve o cuidado de indicar a data de início de cada
expedição, as armas utilizadas e a quantidade de montarias disponibilizadas. Em cada
descrição figura o nome do capitão militar, indivíduo responsável pela coordenação dos
trabalhos. A lista é detalhada quanto às provisões, relacionando, em alguns casos, o tempo de
duração das operações. A notificação dos percalços nos leva a saber da execução ou não
dessas operações. Em alguns registros, há breves detalhes sobre os itinerários percorridos. No
decorrer de seis anos, mencionam-se os eventuais encontros com os portugueses ao menos em
três episódios, descrevendo em pormenores os desfechos diversos e os infortúnios decorrentes
do fato de serem “surpreendidos” e deixados a pé pelos inimigos, além da eventual perda dos
equipamentos.
Essa lista, provavelmente, foi elaborada reunindo notas e evocando apontamentos
disponíveis no cabildo, pelo fato de trazer datas precisas, número de cavalos, armas utilizadas,
assim como outros apetrechos reunidos para cada operação. Além da natureza contábil
inerente a essa modalidade de escrita, está presente uma preocupação com a temporalidade,
expressa tanto na datação como na duração em termos de dias ou meses de algumas tarefas.
Quanto aos aspectos técnicos desse texto, desperta a atenção a esmerada organização
da lista, estruturada de modo a descrever os dados de forma uniforme e completa. Indica
detalhes como o ano, disposto na margem esquerda, e, no final de cada informação, há um
pontilhado para evitar um preenchimento posterior. Ao final, a lista revela elementos
característicos de uma ata, como aquelas escritas pelos cabildantes e corregedores,
comentando a finalidade de sua elaboração. Além disso, nas duas frases finais, a caligrafia
destoa da utilizada na própria lista. O fato passaria despercebido, se essa não fosse a fórmula
que analisamos: “por mi y por los demás del cabildo que no saven firmar, firmo yo Ignácio
Ndachey secretario de cabildo”.
Como foi exposto, a lista é um instrumento administrativo voltado a atender a uma
requisição diante da solicitação de prestação de serviços executados. Esta razón está voltada a
informar o apoio logístico – de soldados ou de mão-de-obra especializada – às tropas, nas
809
Na Idade Moderna houve uma difusão dos “libros de cuenta y razón”, principalmente entre os artesãos e
mercadores, como também entre os fazendeiros e camponeses. Geralmente nesses papéis estavam registrados de
maneira suscinta os gastos e ingressos referentes às respectivas atividades. Ver: CASTILLO GÓMEZ, 2004.
280
fronteiras de Santa Tecla e Santa Tereza. A inserção de comentários sobre os encontros com
os portugueses reportam a situações excepcionais.
Esse documento condensa um feixe de relações e mostra as potencialidades
relacionadas ao ato de escrever. A redação de textos voltados à prestação de contas poderia
resultar em registros que não seguiam um cânone específico, sendo uma reelaboração das
formas conhecidas.
Uma das características da razón é ser uma variante de uma relação histórica. Como
foi exemplificado, muitos registros apresentam formas mistas, e uma simples lista de serviços
pode apresentar elementos ordenandos anualmente, registrando de maneira sumária as
atividades executadas. Embora organizada graficamente como uma relação cronológica,
poderia adotar elementos de um relato padronizado, contendo breves narrativas de
acontecimentos inusitados e que rompem a linearidade de uma mera contabilidade. Escrever,
nesses casos, além de comunicar o que era solicitado, também estava voltado a conservar
essas informações.
Cabe recordar que a motivação dessa prestação de contas atende a uma demanda
externa, exigindo do cabildo que sistematize acontecimentos pretéritos. Mais do que o registro
meramente numérico, a razón expressa a desenvoltura de um notário que extrapola a
necessidade de listar serviços e evoca episódios ao momento. A necessidade de ordenar os
registros deteminou que os fatos fossem elencados de maneira cronológica. O exercício da
atividade administrativa, a anotação dos trabalhos executados e os mantimentos fornecidos
atuavam como estímulo ao escrivão, no sentido de recordar acontecimentos vinculados a esses
episódios.
Enfim, nesse documento verifica-se uma vontade de memória sugerida através de um
texto que ultrapassa as modalidades convencionais da exigência contábil, pois a prática da
escrita estimula determinadas formas de recordação que costumam aparecem associadas às
exigências administrativas.
6.3.6 Os memoriais
Os memoriais foram o recurso pelo qual a elite letrada procurou estabelecer uma
interlocução direta com as autoridades coloniais. No capítulo dedicado à produção escrita
guarani os memoriais foram descritos como uma variante da escrita epistolar. A maior
incidência desse tipo de expediente foi verificada nos momentos em que as lideranças guarani
procuravam manifestar-se diretamente ou intervir em temas considerados importantes,
281
cruciais. Os cabildantes tentaram interceder em determinados assuntos através da prática
administrativa, expedindo memoriais escritos em espanhol.
Cabe explorar essa modalidade de escrita, evidenciando o sentido dado ao seu uso e a
força argumentativa que a caracterizava. Mais do que uma descrição de fatos e
acontecimentos, há um sentido persuasivo do qual podemos extrair alguns aspectos quanto
aos modos de atuar dessa elite. Os membros dessa elite intervinham em assuntos que
consideravam relevantes para as reduções, prática que os inscrevia e permitia perpetuá-los
nessas funções. Por meio desses recursos, mantinham contato com as autoridades
responsáveis por decisões relacionadas aos destinos das reduções.
A atitude dos Guarani de redigir memoriais manifestou-se com maior freqüência no
período pós-jesuítico, devido ao conflito de autoridades na administração das reduções. A
crescente desintegração social foi o resultado da desarticulação do sistema socioeconômico,
anteriormente baseado na reciprocidade, além de tensões geradas pelos administradores na
condução das atividades produtivas. Nesse contexto, a escrita dos memoriais passou a figurar
como um dos recursos de que os Guarani lançaram mão, procurando defender seus interesses
junto às autoridades coloniais. Nesses escritos, os temas que apresentaram maior incidência
foram os pleitos, visando a restituição da justiça e queixas contra determinados
administradores civis e a conduta de alguns religiosos.
O termo “memorial” aparece também no cabeçalho de alguns desses escritos. Em
geral, o memorial é uma petição em que há uma referência a um pedido anteriormente
apresentado. Havia situações em que as autoridades reconheciam um documento como sendo
um memorial, mesmo sem apresentar tal especificação. Aqui foram agrupados os textos que
possuem uma estrutura argumentativa de pleito e de solicitações, cujos elementos, mesmo
sem um auto-reconhecimento expresso, podem ser inventariados nessa categoria.
O primeiro texto a ser analisado é um memorial elaborado conjuntamente pelas
reduções de São João e Santo Ângelo, que apresenta características textuais semelhantes aos
demais, seja por sua estrutura narrativa ou por sua caligrafia esmerada. Apesar de não figurar
uma indicação, sugerindo a modalidade desse escrito, todavia é considerado pelos
administradores, expressamente, como um memorial.
Quanto a seu conteúdo, apresenta um pleito para que seja designado um cirurgião
para duas reduções, ao invés de seis. Alegavam que dessa maneira seria possível
[…] cortar las Pestes, y Extinguir las Viruelas, queriendo a nosotros por nuestra
parte hazer todo el esfuerzo posible a fin de conseguirlo y entablarlo segun lo disponen los
282
Exemplares que corren impresos deseando tener Cirujano facultativo para solo nuestros dos
Pueblos que avista a tan importante Ocupación de comun acuerdo, unidos, y
manciomunados hemos combenido presentes todas las dichas razones, el pretender ante V.S
y por su mano piadosa en recurso al Sor Yntendente General de Buenos Aires o a nuestro
apoderado general en aquella Capital a cuio fin hazemos a S.As la mas humilde Suplica a
fin de que se nos conceda, busque y contrate Un solo Cirujano que obligandose a Venir a
Servir en su facultad asista Eficaz, cuidadosa y prolijamente a nuestros 2 pueblos en sus
hospitales a nosotros y nuestros hijos.
810
Os cabildantes reivindicavam, por meio desse requerimento, um benefício que estava
assegurado, segundo eles, nos “exemplares que corren impresos”. A referência a um texto
impresso denota o quanto a circulação de um documento com essa característica é percebida
de uma maneira diferenciada em relação à simples informação escrita. Na hierarquia dos
textos a impressão apresenta uma superioridade em relação ao texto manuscrito, conferindo
maior credibilidade às instruções dessa ordem. Essa percepção da natureza distinta da
informação que dispunham levou os Guarani a argumentarem que caso essa medida fosse
respeitada, seria possível minimizar os efeitos das doenças que assolavam essas reduções. Por
meio dos argumentos manifestos nesse memorial, os Guarani demonstravam o quanto
estavam informados de suas garantias como súditos reais, motivo pelo qual procuravam
negociar uma assistência adequada às respectivas reduções. Os documentos provenientes dos
cabildos missioneiros sinalizam as causas que determinaram o recurso à escrita e os
mecanismos pelos quais os indígenas procuraram solucionar as dificuldades mais imediatas.
Outro memorial apresenta a denúncia da redução de São Carlos contra o frei Antonio
Romero, que há quatro anos estava, segundo diziam, insultando os índios. O documento é de
fevereiro de 1772, ou seja, passados quatro anos da expulsão dos jesuítas. A queixa principal
referia-se ao fato do religioso tratar os índios como “perros yndios y malos christianos. Y todo
nuestro pueblo se aya mui disgustado y apique de algun motin en nuestro pueblo por causa
de dicho padre”.
O texto tem o tom de denúncia. Esse documento não é considerado pelos
destinatários como um memorial e tampouco os remententes o especificam no cabeçalho. Ao
final, entretanto, contém uma “nota” dirigida ao governador e capitão geral em que
suplicamos se sirva compadecermos el que el R P salga de nuestro pueblo favor que
reseviremos del patrocinio de V S”. Podemos considerar esse documento como parte dessa
modalidade, pois apresenta uma argumentação centrada na solicitação de tomadas de atitude
810
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/3/5.
283
por parte do governador para reparar um problema detectado e avaliado pelos indígenas como
passível de inviabilizar o funcionamento da redução.
Quanto às estratégias que nortearam a escrita dos memoriais, elas se explicitam de
maneira mais evidente nos três memoriais elaborados pelas reduções de Loreto, São José e
São Miguel.
A redução de Loreto encaminhou dois memoriais, em datas muito próximas. Os
temas tratados permitem averiguar os motivos que determinaram a sua redação e o objetivo a
ser alcançado através desse expediente. O primeiro é dirigido ao tenente-governador Don Juan
Valiente, e apresenta uma esmerada caligrafia. No próprio cabeçalho está indicado tratar-se de
um memorial, cujo objetivo era “saber lo que hay en nuestro pobre pueblo, y a darte lo
asaber para que Vm nos ayude”. Como no memorial de São Carlos, comentado
anteriormente, o motivo de sua escrita visava a denúncia. Nesse memorial, a delação é sobre a
conduta inadequada do padre Juan Batista Garay,
porque el a paseado por todo el pueblo, y entra por todas las casas de las Chinas, y el
esta platicando con las Chinas. Y por motivo de esto aunque no tenga culpa nuestros hijos
los haze castigar de valde a mandado hazer un azote a modo de un rebenque a todos los
oficiales, y con esos los castiga, asi lo manda nuestro Cura.
811
O cabildo e caciques de Loreto tentavam sensibilizar o governador diante dos abusos
padre contra a população, e alegavam estar escandalizados com a sua conduta, considerada
imoral, principalmente por partir de um religioso. Ademais, havia grande intromissão do
padre no gerenciamento dos assuntos temporais, reeditando um dos problemas mais
recorrentes no período pós jesuítico: o conflito de autoridades que marcou a administração de
muitas reduções. O memorial é preciso nessa acusação:
Y siempre el Cura quiere mandar, y governar el Pueblo en Lugar del corregidor
Cavildo y Administrador. Esto manifestamos nosotros Cavildos para que Vm Sepa conforme
tenemos Confianza en Dios, tenemos Confianza en Vm para que obre en Justicia. No
quieremos ya nuestro Cura aqui en nuestro Pueblo y a que mude a nosotros ahora Vm echar
dever lo mejor que le parese.
812
A formalização por escrito de uma denúncia contra o padre, dirigida ao governador
foi o recurso encontrado diante da ineficácia de outros expedientes, como as reclamações
formuladas diretamente ao administrador pelo cabildo. O encaminhamento desse memorial
811
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 17/6/3 [memorial da redução de Loreto]. 24 de abril de 1777.
812
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 17/6/3 [memorial da redução de Loreto]. 24 de abril de 1777.
284
coube ao corregedor Don Diego Yarara, que teve sua reivindicação endossada pelos demais
cabildantes. Esses indígenas fizeram uso do expediente letrado em função do administrador
mostrar-se incapaz de fazer frente à intromissão do religioso em temas que não eram de sua
alçada. O documento ainda informa que o padre tratava os índios “con malas razones, y nos
dize Indios sucios, y Chinas sucias”, ofensas que causavam indignação em toda população.
Transcorridos alguns dias, um novo memorial foi formulado pelos cabildantes de
Loreto, tratando do mesmo tema. Logo no início, comunicavam que já haviam se
manifestado, por três ocasiões, alertando o administrador dos grandes escândalos que estavam
ocorrendo nessa redução devido à conduta do padre Garay. Dessa vez, alegavam razões de
ordem material, como o fato de, nos três últimos anos, as colheitas mostrarem-se insuficientes
devido à sua ingerência em assuntos que não eram da sua competência. Essa denúncia ocorria,
aproximadamente, dez anos depois da expulsão dos jesuítas.
Esse memorial, bastante extenso e mais detalhado do que o anterior, permite
perceber que os indígenas expressavam preocupação com o problema e demandavam medidas
urgentes. O texto revela que a impossibilidade de contar com a colaboração do administrador
levou-os a estabelecerem uma relação direta com os lugares de decisão. Durante a exposição,
escreveram:
Quisieramos omitir el referir la narrativa que hira expuesta si la caridad de el pronto
remedio que pide el grande desasosiego que padecer nuestro Pueblo(?) y naturales, como
gente sencilla y novelera no nos estimulara a ello; Porque de pensar el tomar la pluma,
contra nuestro R.P.C nos tiembla la mano: Pero ya que varios persuaciones venignas y
amorosas que le há echo nuestro Administrador no han surtido mas efecto que enperrarse
mas, por su insaciable codicia que con los ojos desea llevar todo el Pueblo al Paraguay, y
que con genio expotico y lividinoso procura maltratarnos a todos si dicho Administrador no
le fuera a la mano? Como de caridad y de justicia nos toca por derecho de reclamar a
nuestro inmediato Gefe que es Vmd a fin que ponga nuestra queja en violencia. (grifo
nosso).
813
O memorial tinha por objetivo sensibilizar o governador diante da gravidade da
situação e, com isso, garantir uma visita in loco para solucionar o problema em questão. Os
cabildantes estavam cientes dos desdobramentos que esta modalidade de denúncia poderia
acarretar, escrevendo que a sua formalização “nos tiembla la mano”. A elite missioneira
demonstrava reconhecer o potencial persuasivo das denúncias dessa natureza, pois adotava
essa medida diante da ineficácia dos recursos anteriormente acionados.
813
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 17/6/3 [memorial da redução de Loreto]. 1 de mayo de 1777.
285
Pelo grau de tensão nas relações sociais, os cabildantes julgavam que somente a
interferência de uma autoridade externa seria capaz de encaminhar as medidas necessárias e
cabíveis para conter os distúrbios que estavam ocorrendo. Essa redução encontrava-se na
eminência de um motim, o que ocasionaria a fuga dos insatisfeitos e o conseqüente
despovoamento.
Há no documento várias informações sobre episódios decorrentes do conflito de
autoridades que permitem perceber a estratégia dos cabildantes para solucionar essa crise. O
agravamento da situação teria conseqüências desastrosas para a própria viabilidade dos
indígenas como elite sociopolítica, devido ao incremento das fugas.
Esses dois memoriais externam o cuidado dos cabildantes com a recepção de suas
representações, principalmente diante da premência de uma medida eficaz, motivo pelo qual
as lideranças nativas procuram romper com o esquema da interlocução restrita, adotando uma
estratégia que visava sensibilizar uma audiência hierarquicamente superior e atingisse o
denunciado. Assim, recorriam a comparações e tratavam de expor situações que consideravam
capazes de produzir uma reação junto ao governador.
A redação desses memoriais demonstra como a escrita fazia parte da lógica desses
indígenas letrados, e que estes não permaneceram passivos diante da deterioração das relações
de poder nas reduções, readequando-se à nova organização política, com a expulsão dos
jesuítas.
Verifica-se que o memorial é um relato rico em ponderações, mais do que uma
simples descrição de fatos. Busca persuadir os governantes a intervir a partir de uma realidade
previamente construída com o relato dos acontecimentos. Os textos reforçam a exigência da
intervenção e modulam sutilmente os argumentos utilizados, procurando adequar-se a uma
expectativa sobre a credibilidade do leitor a que se destina. O primeiro memorial está centrado
nas falhas morais do padre, e reporta a uma animosidade recorrente entre padres e
administradores. No segundo memorial, o argumento evoca os efeitos nefastos do
comportamento do padre para o gerenciamento material da redução. Ou seja, diante da falta
de resultado e ressonância dos primeiros argumentos, trataram de reformular os nexos dos
argumentos, enfatizando os prejuízos que essa conduta acarretaria para a própria
administração colonial. Nesse sentido, apontam para a iminente ameaça de um translado da
população dessa redução para o Paraguai, o que instigaria o governador a intervir pelo fato
dela deixar de pertencer à alçada do governo de Buenos Aires. Note-se que, através dessa
documentação, podemos conhecer os cálculos e avaliações dos indígenas sobre o
funcionamento administrativo e as hierarquias às quais deveriam se dirigir para o atendimento
286
de seus pleitos. De todo modo, dirigindo-se através de memoriais, mostravam conhecer os
possíveis argumentos cabíveis à situação e poder obter a intervenção do governador.
A redução de São José elaborou um memorial, no ano de 1775, dirigido ao tenente de
governador Juan Vertiz, apresentando como temas centrais o pedido de retorno do antigo
administrador e a designação de um novo religioso para as tarefas espirituais:
[…] se entregue este Pueblo otraves a Dn Manuel Carrera, como nuestro
Administrador pues solo su autoridad y eficacia podra bolver lo a su anterior floreciente
estado: todo lo hemos executado, y es muy cierto Señor que solo el podra remediar este
pobre pueblo y restablezerlo, pues sabe trabajar […].
E, na seqüência, solicitavam o seguinte:
[…] le suplicamos nos mande otros religiosos para curas, pues estos no sirben para el
servicio de dios ni del rey, ni bien del Pueblo por los motivos que expresamos al
Administrador general y dizimos Informe a V.S por no dilatar esta carta; estos padres que
pedimos suplicamos sean lenguarazes, temerosos de Dios, zelosos a nuestras almas,
desinteresados, y que no se intrometan en el manejo temporal como estan haciendo estos.
814
Como o próprio texto informa, a mudança de administrador foi considerada nefasta
por parte das lideranças guarani, motivo pelo qual decidiram interceder junto ao governador,
procurando reverter a situação. Alegavam que a falta de uma autoridade eficaz poderia
comprometer o progresso material da redução, principalmente pelo fato de que estavam
insatisfeitos com a intromissão dos religiosos em questões temporais, o que julgavam causar
transtornos na administração da redução.
Contudo, a questão mais candente estava relacionada ao beneficio da erva-mate
conforme mencionaram ao final:
y mas pronto lo haria se estte año se pudiera hazer Yerba, pero como con el corte del
año de setenta y tres que se hizo sin tiempo, ni razon contra nuestro parezer, y practica por
Don Manuesl Bustamante se atrazo, y en dos dos años no se há podido hazer mas que una
poca para el gasto dejandose de hazer mas de 4000 arrobas por la mala conducta de dicho
Bustamante y asentimiento deste S.or Gov.or (Zavala) a los hechos de Bustamante […].
815
Para uma compreensão dos motivos que presidiram à redação e envio desse
memorial convém comentar a mudança administrativa que estava em curso. Quando o
814
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 17/6/3 [carta da redução de São Jose ao Sr. Gov. e cap. Gen. Dn Juan Joseph
Vertiz, 28 de março de 1775].
815
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 17/6/3.
287
governador de Buenos Aires, Francisco de Paula Bucareli, foi sucedido por Juan José de
Vértiz, este reformou o regime de governo das reduções.
816
Entre as modificações
introduzidas em 1774 estava o desmembramento da jurisdição de algumas reduções, que
deixaram de ser dirigidas por Zavala. As lideranças guarani da redução de São José, cientes
dessa alteração, trataram de aproveitar o momento, avaliado como favorável, para apresentar
suas reivindicações.
O reordenamento promovido por Juan de Vértiz, dividindo as reduções em cinco
departamentos, restringindo a área de atuação de Zavala, foi avaliado pelos cabildantes de São
José como oportuno para enviarem um memorial ao novo tenente governador. Portanto, os
Guarani agiram em um momento específico, procurando aproveitar as mudanças operadas na
organização política. Os cabildantes dessa redução valeram-se desse reodenamento político-
administrativo da região para reapresentarem, novamente, por escrito, suas reivindicações. A
mudança de administrador foi avaliada como um momento oportuno para gestionarem
assuntos pendentes, recorrendo novamente à redação de um memorial.
No ano de 1786 a redução de São Miguel enviou um memorial bilíngüe, em guarani
e espanhol, ao governador Francisco Bruno de Zabala. Esse documento, encaminhado pelos
cabildantes e caciques, informava a respeito dos progressos materiais que vivenciavam, e que
o “feliz estado” e “adelantamiento” do bem comum era o resultado da atuação de um
administrador eficiente. Diante da perspectiva de substituição desse administrador por outro,
redigiram esse memorial, solicitando ao governador o seguinte:
[…] para que segun su alcanse y reflexion ponga outro español de mas alcanse y de
espiritu y que mirase bien a toda la gente de este pueblo mas que este que a benido para
nuestro Administrador Don Manuel Burgos no es por querelo mal ni menos lastimar su
honra pero conosiendo las muchas cosas que ai que hacer en este nuestro Pueblo decimos
que este hombre es apocado de poco espiritu y tardo en resolver a si lo hemos visto de todo
tiempo que estuvo en el Pueblo de San Juan y todos conosen y considerando que entrando
este Español en Nuestro Pueblo uno es de poco penzar se empobresera este Pueblo y como
el es el que a de penzar y nos há de dirigir y mostrarnos su buen exemplo y al mismo tiempo
con su ausencia el aumento de nuestras hasiendas= Y como el es el que a demostrar su buen
exemplo a todos los naturales de ste Pueblo savemos que es algo apasionado a tomar el
Aguardiente y el que toma esto no anda vien y tiene dado repetidas ordenes por esto el
Señor Governador Don Francisco Bruno de Zavala el que proseda a si no tubiese empleo
ninguno y el Señor Governador Intendente General no se hallara informado de este Español
por lo mismo lo a nombrado para nuestro Administrador que hasemos presente […].
817
816
MAEDER, 1992b (ver cap. 1: “Organización política entre 1768 y 1810. Reordenamiento de Vertiz em cinco
departamentos”, p. 28-40).
817
A.G.N./BA: Sala IX, Legajo 18/3/5 [memorial da redução de São Miguel, julho de 1786].
288
Nesse memorial podemos acompanhar como a elite missioneira tratou de pronunciar-
se em períodos de mudança administrativa, apresentando argumentos amparados em questões
referentes ao “bem comum”, não poupando esforços no sentido de participar e tentar decidir
sobre assuntos que consideravam de relevância. As lideranças miguelistas, ao saberem o
nome do novo administrador a ser designado para sua redução, por conhecerem a sua gestão
na vizinha redução de São João,
818
trataram de tomar uma medida que julgavam capaz de
reverter a indicação, procurando intervir nos rumos da nomeação. Expuseram argumentos
sobre a necessidade de uma boa administração para o prosseguimento dos trabalhos e,
principalmente, referiram as más qualidades do administrador. O memorial apresenta clareza
em seus argumentos e uma exposição bem encadeada dos motivos pelos quais refutavam a
indicação. O aspecto inusitado do texto refere-se ao fato dos caciques terem recorrido a um
avalista para acompanhar a elaboração desse memorial, diante das limitações alfabéticas
desses indígenas. Elegeram, para desempenhar essa função, um quatiapohara extremamente
habilitado nas práticas letradas, tanto no idioma guarani quanto no espanhol: Primo Ybarenda.
O fato dos caciques terem solicitado a mediação do secretário desperta algumas
suposições, a começar pelas diferenças existentes nas reduções entre cabildantes e caciques,
que geralmente estavam posicionados em campos opostos. Como já referimos em outro
momento, a indicação de Ybarenda permite especular a respeito de uma provável
desconfiança dos caciques quanto à conduta do corregedor, pois este “es apto, y instruido en
el ydioma castellano”, o que deveria causar algum tipo de receio, exatamente por temerem
alguma manobra fora de controle.
Por outro lado, sabemos que o controle da população passava pelos caciques, e a
possibilidade de êxito nas atividades agropecuárias dependia do trabalho dos índios sob seu
comando. Os caciques, cientes da indicação de um administrador tido e conhecido como
inapto, corroboraram as medidas adotadas, visando evitar complicações no futuro que
poderiam acarretar no despovoamento da redução.
819
Em suma, o conjunto dos memoriais nos demonstra a capacidade desses indígenas de
arbitrar em temas avaliados como relevantes para a manutenção das reduções, de formular
818
No memorial mencionavam conhecimento da conduta do referido administrador, alegando: “así lo hemos
bisto de todo el tiempo que estubo en el Pueblo de San Juan” Note-se que este é um documento referendado
pelos cabildantes e os caciques, e endossado por Ybarenda. Conforme já foi demonstrado, Ybarenda tem uma
trajetória de secretário bilíngüe com méritos reconhecidos por indígenas e administradores.
819
Segundo Juan Luis Hernández, “los indígenas no huyeron de los pueblos por la decadencia económica, sino
porque no estaban dispuestos a sufrir la explotación, la miseria y los agravios que les infrigían, y esta deserción
masiva terminó requebrajando la actividad económica y el sistema de gobierno de la región” (HERNÁNDEZ,
1998, p. 296-297).
289
pleitos e exigir soluções. Os memoriais explicitam a capacidade de expor idéias e tentar
persuadir interlocutores, e foram o instrumento utilizado pelos indígenas para relacionar-se de
maneira direta e oficial com as principais autoridades.
Nesse sentido, os memoriais revelam um acurado conhecimento do funcionamento
de hierarquias da administração colonial. Entretanto, apenas um segmento dessa elite se
reconhece como partícipe das novas regras e busca, através de queixas ou repreentações,
denunciar a deterioração iniciada com a expulsão dos jesuítas. Diferentemente das
modalidades textuais manifestas em outros períodos, agora não estavam impregnadas por uma
retórica cristã. Portanto, o foco está centrado em tecer argumentações voltadas a convencer ou
sensibilizar as autoridades para as questões apresentadas. Esses documentos exibem um alto
grau de elaboração e uma compreensão de fatores que poderiam inviabilizar a existência
dessas reduções, em decorrência das evasões.
O recurso escrito, utilizando a língua do colonizador, deve ser entendido em
diferentes sentidos. De um lado, indica uma busca de interlocução com o poder colonial e, de
outro lado, uma negociação constante entre cabildantes, caciques e outros indígenas letrados.
Note-se que alguns dos documentos são bilíngües e manifestam uma tentativa de obter um
consenso entre os Guarani sobre alguns dos problemas que seriam encaminhados às
autoridades coloniais em Buenos Aires.
Em termos de habilidade escrita, os memoriais evidenciam uma apropriação de
convenções que estiveram na base do aprendizado dos índios. Essa escrita, apesar de decorrer
de uma aptidão individual, está referendada por uma decisão coletiva, como indica a
expressão “Por mi y los demas del cavildo que no saven firmar”. Como foi dito, os memoriais
estão imersos em relações de poder, e nos trazem alguns aspectos já conhecidos das
divergências presentes na elite indígena. Por meio deles, podemos inferir que há um segmento
indígena que domina com fluência a escrita em espanhol: nesse momento, são os secretários
que escrevem e se apresentam como mediadores junto aos representantes do poder colonial.
Desse modo, beneficiam-se da possibilidade de colaboração e manifestam a sua adesão às
novas regras em curso.
A prática da escrita, nesse período, passa a expressar a perspectiva de um grupo de
indígenas que procura estabelecer interlocução direta com as principais autoridades de uma
determinada região. Particularmente a modalidade de escrita conhecida como memorial, por
um lado, continha elementos que exibiam a desenvoltura gráfica de um grupo letrado, e, por
outro, procurava angariar a atenção dos governantes diante da necessidade da adoção de
medidas concretas que assegurassem a perpetuação dessa elite indígena. Os memoriais foram
290
um instrumento útil para expressar determinadas inquietações, mas também um recurso para
os índios relacionarem-se com o poder colonial, ou seja, um expediente através do qual
moviam-se dentro da legalidade. Em suma, um recurso pelo qual os indígenas responsáveis
pelo gerenciamento de uma redução procuravam acionar a administração colonial em
situações avaliadas como excepcionais.
A redação de memoriais tanto revela os usos destinados à escrita nas reduções como
destaca a conjuntura em que fora verificada a necessidade de recorrer a essa modalidade
textual. Nessas manifestações aos governadores, os Guarani letrados praticaram formas
gráficas sem a rigidez de modelos prévios, ao exibirem uma redação mais espontânea.
As críticas às situações julgadas como inadmissíveis levaram os indígenas
alfabetizados a se manifestarem pela escrita, abrindo mão dos modelos retóricos usuais. Nas
ocasiões caracterizadas pelo descontentamento de uma coletividade ou de um determinado
segmento, os Guarani letrados decidiram fazer uso de sua habilidade gráfica.
Como evidenciamos, com o término da administração dos jesuítas, as práticas de
escrita dos Guarani deixaram de apresentar os vínculos com o cânone religioso. As novas
circunstâncias, inclusive, pemitiram o registro de aspectos referentes à vida em redução,
especialmente os problemas que afligiam a coletividade. Paradoxalmente, a mesma elite
letrada que denunciava os excessos praticados pelos administradores ou pelos religiosos
também se servia da escrita para obter benefícios pessoais, destinando, portanto, usos
inusitados à sua capacidade alfabética.
A escrita, nesse contexto de modificações na estrutura socioeconômica das reduções,
possuía entre suas finalidades a de estabelecer uma comunicação oficial com a administração
colonial, que tanto poderia expressar uma demanda coletiva, como foram as queixas e
reclamações contra os administradores, quanto os interesses de um determinado grupo de
indígenas, que procuravam garantir certas vantagens e benefícios.
No período imediatamente posterior à expulsão dos jesuítas, a competência
alfabética, em guarani e agora em espanhol, manteve-se operante como um recurso
freqüentemente acionado por parte dos Guarani letrados. A variedade de usos atribuídos à
escrita evidencia que havia interesses divergentes e conflitantes entre a elite indígena. As
clivagens e disputas passam a ser expressas através dos papéis de maneira mais direta,
trazendo à tona as tensões entre segmentos dessa elite, refletindo o rompimento da
reciprocidade e da redistribuição que caracterizava o regime comunitário nas reduções.
291
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O corpus documental reunido para esta tese indica de maneira contundente o quanto
a prática da escrita foi uma atividade presente nas rotinas dos Guarani missioneiros, como
atestam os vários exemplos apresentados. Mesmo que a alfabetização tenha sido restrita à
elite, essa competência promoveu sociabilidades inéditas entre toda a população, permitindo
novos modos de relação com os outros e com os poderes.
A conquista do alfabeto possibilitou uma interação dos Guarani letrados com a
sociedade colonial em um patamar inusitado. O tratamento atribuído ao idioma guarani pelos
jesuítas a partir da redução gramatical estava associado à prática da catequese. Contudo, os
indígenas destinaram outras finalidades para a escrita.
O convívio com as práticas letradas, desde o século XVII, mostrou que os Guarani
alfabetizados, a partir da reescrita religiosa, alçaram vôo em direção a outras modalidades
textuais, destinando novas funções às suas habilidades com as letras. Os inúmeros textos de
caráter devocional, tais como catecismos, sermonários e cartilhas, serviram de treinamento
para outras formas de expressão gráfica.
A necessidade social da escrita, inclusive, foi uma realidade pronunciada nas
reduções, determinando que a capacidade alfabética desfrutasse de prestígio e conferisse
distinção social aos indígenas letrados. Nesse contexto, diferentes modalidades de texto foram
elaboradas, principalmente no século XVIII, tais como bilhetes, cartas, diários, atas e
memoriais. A diversidade de formas textuais atesta tanto a familiaridade quanto a capacidade
desses indígenas no manuseio da escrita nas reduções. A instrução alfabética permitiu que os
índios elaborassem documentos requintados, inicialmente como copistas e posteriormente
como “autores”, diante de um domínio pronunciado da ars scribendi, que estava muito além
do simples domínio do abecedário.
O que surpreende é a exigüidade de registros, nos arquivos consultados, da prática
“escriturária” guarani anterior ao período da demarcação. Na documentação compulsada há
evidências de que os indígenas já escreviam, no século XVII, de maneira independente,
desvinculados do cânone religioso. As informações disponíveis a respeito da habilidade
gráfica dos Guarani, nesse século, estão praticamente restritas às cartas ânuas.
Essa constatação sugere que a eliminação desses documentos pode ser uma
decorrência do próprio aniquilamento de uma memória indígena. O fato de inexistirem provas
diretas da escrita indígena antes do século XVIII denota o controle e as restrições impostas
por parte dos jesuítas, que procuravam monopolizar a função de mediadores entre a população
292
missioneira e a sociedade colonial, suprimindo qualquer registro das manifestações indígenas
que não fossem aquelas avalizadas pelos missionários.
Ao que parece, todas as formas de textos escritos pelos Guarani nas reduções foram,
em alguma medida, um antídoto contra a amnésia social, um remédio contra o esquecimento.
O interesse indígena em deixar registros de suas experiências e inquietações demonstra o
quanto escrita e memória estavam imbricadas no cotidiano da população missioneira, como
parte de um jogo social no qual escrita e poder também se apresentavam entrelaçados.
Em certo sentido, escrever havia assumido entre a elite missioneira, e mesmo junto
aos indíos iletrados, a condição de um testemunho que imaginavam não seria superado
facilmente. O valor conferido aos poderes do escrito foi decorrência tanto do fato da
organização social ser tributária da “civilização escrita” quanto pelo domínio manifesto pelos
Guarani da alfabetização. O diferencial, portanto, foram as apropriações do escrito e do lido
mediante a capacidade alfabética.
É provável que aqueles indígenas letrados, ao avaliarem a escrita e suas
materialidades como um instrumento capaz de estabelecer verdades, estivessem motivados a
recorrer ao papel e à tinta, procurando também fazer de suas experiências um exemplo para os
demais. A elite letrada guarani utilizou a escrita tanto para transmitir informações, repassar
notícias, quanto para fixar determinados relatos considerados dignos de memória.
De modo geral, o hábito de escrever foi uma atividade bem mais pronunciada do que
as evidências diretas localizadas na documentação consultada (manuscrita ou impressa ). Ao
que tudo indica, os momentos de crise, de tensão ou indefinição foram também aqueles em
que foi verificada a maior incidência da prática da escrita pelos Guarani. As motivações que
presidiram a decisão de alguns indígenas de recorrer ao papel estão, em muitos casos,
relacionadas com a proximidade ou contato com os portugueses. A escrita, em alguns
momentos, foi a depositária de alteridades geradas diante de experiências singulares.
Certamente, em outras situações excepcionais, os Guarani também sentiram a
necessidade de colocar no papel suas inquietações, sempre que as circunstâncias permitiram e,
assim, formar um testemunho de algumas efemérides. Dificilmente teremos certeza das
motivações que presidiram essa decisão de escrever, e de outros fatores que contribuíram para
isso, como, talvez, um certo sentimento de diferenciação em relação aos demais indígenas.
A escrita apresentou destaque em situações-limite, quando serviu como importante
instrumento de articulação política, atuando como um meio eficaz para organizar a resistência
missioneira. O envio de cartas e bilhetes reforçava as redes de relações pessoais, e servia tanto
como canal de informação quanto elemento de solidariedade entre Guarani rebelados. Por
293
meio de mensagens escritas, procuraram fazer valer seus privilégios enquanto súditos de
Espanha, ou mesmo, em algumas ocasiões, negociavam diretamente com os antigos rivais,
como eram os portugueses. A competência letrada permitiu-lhes uma relação direta com as
autoridades coloniais, principalmente com o governador de Buenos Aires, quando
procuravam expressar suas insatisfações.
Como vimos, as correspondências elaboradas nos cabildos missioneiros – por seu
nível de refinamento – são práticas culturais que demandam um domínio da escrita que está
muito além da mera alfabetização, pois requer um contato freqüente com a cultura gráfica. A
habilidade de redigir textos reconhecidos como oficiais, de caráter protocolar, distinguia a
população missioneira das demais parcialidades indígenas da região. Se escrever, por um
lado, permitia um maior envolvimento com a sociedade hispano-americana, por outro,
distanciava os Guarani do mundo estritamente indígena, acentuando suas diferenças em
relação às demais parcialidades.
Por suas potencialidades, a escrita possibilitava estabelecer relações, comparar
acontecimentos e dispunha aos Guarani uma nova forma de temporalidade, pois costumavam
assinalar a data ou o dia da semana ao final de suas mensagens. Essa capacidade de indicar
dados cronológicos permitia-lhes planejar ações, definindo prazos, por exemplo, para
arregimentar soldados, e nos indica a sua aptidão para agir e fazer uso de uma lógica idêntica
à do colonizador. A escrita possibilita perceber o quanto a concepção de tempo cíclica,
característica das sociedades indígenas, foi alterada nas reduções guarani, a partir de uma
nova maneira de mensurar os acontecimentos pretéritos através do tempo histórico, linear.
Com certeza, a instrução letrada ampliou não apenas o campo de experiência, mas
também as expectativas e as reações dos Guarani missioneiros, que fizeram de sua capacidade
alfabética um instrumento capaz de expressar o cálculo de movimentos e a medida do impacto
de suas decisões. Em um momento particularmente dramático, que precedeu o conflito em
Caiboaté, um grupo de índios manifestou seu ceticismo quanto à eficácia dos acordos escritos.
A maneira pela qual algumas lideranças letradas estavam encaminhando as negociações que
envolviam o destino da coletividade, como vimos, foram questionadas. A escrita, portanto,
não foi um valor incondicional, principalmente diante da ineficácia verificada em alguns
acordos estabelecidos pelos papéis. Esse fato determinou o descrédito junto a segmentos da
população quanto à relação – pressuposta – entre escrita e poder, remontando à tensão entre a
oralidade e a escrita nas reduções, sendo essa uma das razões que contribuíram para deflagrar,
no século XVIII, o maior conflito armado nessa região.
294
Nesse período, houve um uso acentuado da escrita por parte da elite letrada guarani.
A competência alfabética foi tanto um instrumento para o autogoverno desses indígenas
quanto um meio acionado para estabelecer negociações com as autoridades encarregadas da
demarcação de limites. O abalo que a presença dessas comissões demarcadoras produziu na
organização interna das reduções possibilitou uma emancipação dos uso da escrita pelos
Guarani letrados – para além da prática dos secretários –, como foi o caso dos alcaides,
corregedores e mayordomos, que destinaram novas funções para o seu saber letrado. A guerra
de papel deflagrada diante da presença dos demarcadores na região possibilitou que eles
recorressem à escrita com a finalidade, talvez, de criarem constância nesses momentos de
intensa movimentação.
Ao que tudo indica, uma vez encerrado o período de rebelião nas reduções, a escrita
indígena iniciou uma trajetória ascendente de emancipação em relação ao controle outrora
exercido pelos jesuítas, incidindo de maneira freqüente no cotidiano missioneiro.
Determinadas formas textuais, como as atas de cabildos, somente foram elaboradas após o
término do conflito. As práticas da escrita experimentaram um vigor durante o período de
demarcação, contudo a capacidade letrada indígena jamais esteve restrita a esse momento
histórico.
Diante da expulsão dos jesuítas dos domínios hispânicos, novas finalidades são
destinadas pelos Guarani à sua aptidão alfabética, quando ocorre uma autonomia acentuada
dessa competência. A partir do término da administração dos missionários, os indígenas
letrados recorreram à escrita para se relacionar de maneira direta com as autoridades
coloniais, quando os jesuítas foram definitivamente alijados do papel de intermediários dos
indígenas.
O fato dos Guarani missioneiros escreverem na sua língua, fazendo uso da instrução
letrada que receberam através do ensino religioso, é uma atitude compreensível, diante das
potencialidades que lhe eram associadas, principalmente de suas conotações políticas. Nesse
contexto, a escrita em idioma guarani também aparece como signo de uma identidade
coletiva. Entretanto, o que causa surpresa é a rapidez com que começaram a escrever em
espanhol depois da expulsão dos jesuítas.
De modo geral, a documentação indica que a partir das Instrucciones de Bucareli, os
Guarani rapidamente passaram a redigir suas queixas, denúncias e pleitos em espanhol. Por
que uma parcela da elite correspondeu favoravelmente às novas exigências da monarquia
hispânica? Ao que tudo indica, adotaram a escrita em espanhol como uma estratégia para
295
facilitar a recepção de suas reivindicações, procurando, igualmente, atender às expectativas do
interlocutor.
Os textos elaborados na segunda metade do século XVIII mostram que houve uma
crescente “escriturização do poder”
820
nas reduções. Os Guarani agiram pautados por um
conhecimento dos vínculos que regiam as relações entre os súditos e os representantes do
poder monárquico na colônia. Através dos papéis, principalmente das cartas e dos memoriais,
procuravam atuar dentro do legalismo das regras escritas. Os instrumentos acionados pelo
poder real, voltados a efetivar a centralização monárquica – através do envio de informes ou
consultas escritas – tiveram uma repercussão acentuada entre os índios missioneiros. Quando
se dirigiam às autoridades coloniais manifestavam um conhecimento dos meandros do poder,
recorrendo a práticas adminstrativas vigentes no Antigo Regime em plena fronteira colonial
entre os domínios ibéricos na América do Sul.
O valor conferido à escrita pelos Guarani no período pós-jesuítico indica uma adesão
às regras do jogo político, das estratégias de negociação, através do domínio dos códigos de
comunicação escrita. Certamente, houve uma clara intenção por parte dos indígenas letrados
na eleição do idioma do colonizador no momento de recorrerem aos governadores.
As pesquisas históricas realizadas nos últimos anos a respeito da organização social
estabelecida nas reduções guarani têm apresentado resultados inovadores frente às
interpretações tradicionais e apologéticas comumente difundidas a respeito do passado
missioneiro. Alguns dos exemplos apresentados ao longo deste trabalho visam demonstrar a
abrangência social da escrita no ambiente reducional e o quanto os vínculos existentes entre
escrita e poder presidiram a decisão das lideranças guarani de enviar mensagens.
Nesse sentido, esta tese procurou demonstrar, como já foi mencionado, os usos que
os indígenas destinaram ao domínio do alfabeto. De modo geral, o estudo das práticas de
escrita entre os Guarani missioneiros fornece um exemplo das modificações desencadeadas
pela razão gráfica, irreversíveis, em uma população que durante séculos comunicou-se pela
oralidade primária.
820
BOUZA ÁLVAREZ, 1998, p. 40.
296
FONTES PRIMÁRIAS
MANUSCRITAS
ARCHIVO GENERAL DE INDIAS (SEVILLA)
Audiencia de Buenos Aires
Legajo 42: Correspondencia con los gobernadores- años: 1728-1760.
1) Gob de Bruno Mauricio de Zavala: 1728/1733 fls. 1 a 42.
2) Gob de Don Miguel salcedo: 1732/1752 folios: 43 a 435.
3) Correspondencia con Don Francisco de Varas para la conducción a B. Aires de D.
Domingo Ortiz de Rozas 1740-1741. folios 436.
4) Gob de Don Domingo ortiz de Rozas 1738 a 1746. folios 583 a 780.
5) Gob de Don Joseph de Andonaegui: 1745 a 1757 fls:781 a 1146.
6) Gob de Don Pedro de Cevallos 1755 a 1760. fls 1147 a 1318.
Documento: 1072 – “Exmo Señor: Quedando el coronel de Infantaria y theniente de Rey Don
Alonso de Vega, para que mande esta Plaza durante mi proxima ausencia hasta las rebeldes
misiones”. Buenos Aires 24 ouctubre 1755. Fmd: Jose Andonaegui.
Documento: 1088 – “Indice de las cartas que el Governador de Buenos Aires escribe en el
navio de Jorge su Capitan y mester Don Ramon de Palacios”.
Duplicadas:
Numero 2: Noticiando las providencias dadas para la segunda expedición de misisones con
Copias de lo que se le escrivio a Don Gomes Freire al Governador de Montevideo sobre
practicos, y al intendente con relacion de la tropa.
Numero 8: Se remiten los seis estandartes y una bandera coxidos a los indios y dixe que el
cañon queda aquí.
Numero 11. Se participa el retroceso que fue preciso hazer de la expedición con motivo de la
total falta de pastos, se dá quenta de la función de 3 de octubre en el para suspender la
expedición con las copias de dicho Consejo de da carta escrita su Ex.a a Don Gomes Freire y
su respuesta.
Numero 12: Se participa el excesso que cometieron los indios del pueblo de Yapeyu con el
rexidor Don Bernardo Casajus.
Folio 1089. Indice de los papeles que se le remiten al Exmo Señor Don Julian de Arriaga.
Arroyo Ybacacay 8 de Marzo de 1756.
Copia 1: Relación de la batalla del dia 10 de febrero con los Indios. “El dia 5 diziembre de
1755 di principio a la marcha para los Pueblos de Misiones […]”.
Copia 2: Traduccion de la carta escrita a Joseph Tiarayu Corregidor de San Xavier Pueblecito
pequeño en cinco de febrero de 1756.
Copia 3: Copia de la traducción de uma carta escrita por Ybarenda de San Miguel que
empieza. “Señor Governador. Este mio escrito os embio a las manos para que nos digais lo
que ha de ser de nosotros […]” Campamento en la estancia de San Luis febrero 28 de 1756.
297
Copia 4: “Jesus. En primer lugar todos los dias que despertamos devemos manifestar que
somos Hijos de Dios Nuestro Señor […]”.
Copia 5: Copia de carta que escribi a los Yndios Caciques y Justicias de los Pueblos rebeldes.
Campo de Santa catalina 16 de febrero de 1756. Es copia de la original. Campamento en el
Arroyo Ybacacay Marzo 8 de 1756.
Copia 6: Derrotero echo hasta en el Pueblo de San Miguel por un Yndio prisionero.
Copia 7: Copia de carta que Pasqual Yaguapo Mayordomo que dize fue del Padre, escrivio al
Theniente Miguel Arayecha. Acavaron de llegar la gente de la Concepción, y de los Martires
en 6 de Febrero.
Copia 8: Copia de carta que escrevi a los caciques, digo a los Curas de los siete Pueblos
rebeldes. Campo en el Arroyo Bacacay 6 de Marzo de 1756.
Copia 9: Corregidor Nicolas Ñeenguiru.. En el paso del Rosario 1 de febrero del año de 1756.
Copia 10: P.C. La inclusa para mi me la entrego el P. rector. Cordoba y 3 Abril de 1751.
Copia 11: Para los Indios que an de avisarse con los Españoles, les pongo a la vistas lo que an
de decir los Indios para que lo oygan todos los Casiques y Cavildos. San Miguel y junio 16 de
1755 años. Quien les ama. Pasqual Yaguapo.
Legajo 304
Documento 28: Buenos aires 14 de abril de 1755
El Governador Andonaegui. Da quenta de una función que tuvo con los indios en el Dayman;
y acompaña copia del consejo de Guerra, sobre suspender la Expedición.
Es copia igual de la traducción del papel en idioma Guarani al Castellano por el Maestro Don
Pasqual Nuñez Capellan de tercio de Corrientes, el que dicho papel se entrego a su señoria por
don Francisco de vera Música, expresando haverle encontrado en la falda del Arroyo
Garapey. Y para que conste lo firme. Miguel Nunez de la Mata
Copia de 16 papeles. “Traduxion de un livro mediano de dies foxas en pergamino. 9 de
octubre de 1754”.
Copia. Acampamento de Jesús. Julio 15 de 1754 (depoimentos)
“En el paraje de Jesus a veinte y dos de Agosto de mil setecientos Cinquenta y quatro años.
Depoimentos tomados de alguns indios.
Copia. Acampamento de Jesús. Julio 15 de 1754. Depoimentos tomados por Nicolas Patrón.
Copia. Arroyo do Tigre 6 de agosto de 1754.
Acampamento del Asalto Chico del Uruguay a 5 de setiembre de 1754.
Ignacio baia: Indio do Pueblo de Yapeyu. Tejedor de lienzo.
Exmo Seño. Halandose proximo de internar a los siete Pueblos de Misiones en la parte
oriental […]”. Arroyo de los Zerroitos, 15 de octubre de 1754. Joseph de Andonaegui
Declaraciones tomadas por Don Nicolas de Elorduy Capitan de Infantaria y mayor Capitán
General de la presente Real Expedición en virtud de un verbal comunicado por el Sr
Governador y Capitan Geral para preguntar a los Indios Tapes, que han conducido del partido
de las Viboras. Campo de la Angostura del río Negro, a veinte y quatro de enero de 1755.
Consideraciones que se deven tener en el Consejo de Guerra para votar lo mas acertado, y
decoroso al Rey N.S a sus Armas, y a toda nuestra NNación. Campo de la Costa del Uruguay
15 de Henero de 1755. Francisco Bruno de Zavala.
Notizia que â havido del Mestre de Campo don Manuel Dominguez(..) sem data e local.
Legajo 323
“Relación fielmente sacada, sobre los documentos originales de los Meritos Políticos y
Militare, hechos en Europa y América por el Brigadier de los Reales ejercitos de S.M Don
298
Joseph Joachin de Viana, Caballero del Habito de Calatrava y gobernador politico y militar de
la Ciudad y Plaza de Montevideo en el Rio de la Plata.
1769-1803: Expedientes sobre el gobierno de indios Guaraníes y Tapes. Conteúdo: Obispo del
Paraguay informa o no cumplimiento de una orden de 31 de enero de 1784. Exmo Señor: Don
Joseph de Galvez Asumpcion del Paraguay y Diez 13 de 1784 Fr Luis Obispo del Paraguay
Certificamos, nos el Corregidor Cavildo y casiques […] Yapeyu, 30 de octubre 1785.
Exmo Señor. Satisfechos del amor y desvelo con que V.Exa como padre principal de la patria
[…] Pueblos del Departamento de San Miguel y Enero 2 de 1798
Legajo 303
Audiencia de Buenos Aires (documento 104): Buenos Aires Septiembre 12 de 1755.Joseph de
Andonaegui
ARCHIVO GENERAL DE LA NACIÓN (BUENOS AIRES)
Fondo Gobierno Colonial – Sala IX
Legajos
Compañía de Jesús: (6/9/3); (6/9/4); (6/9/5); (6/9/6); (6/9/7); (6/10/1); (6/10/2); (6/10/3);
(6/10/4); (6/10/5); (6/10/6); (6/10/7).
Indios: (17/3/5); (18/5/2); (17/4/5); (18/3/5); (18/3/5); (17/5/5).
Misiones: (17/3/4); (16/1/3); (17/3/5); (7/7/7); (17/4/5); (18/5/6);(25/7/6); (22/2/7); (18/7/6);
(18/5/1); (18/5/2).
ARCHIVO GENERAL DE LA NACIÓN (MONTEVIDEO)
Colección Falção Espalter [Cópias do Archivo de Indias, Sevilla]. Gobierno de Don José
Joaquim de Viana, Tomo III (1749-1756). Sevilla: s.n, 1929.
ARCHIVO GENERAL DE SIMANCAS (VALLADOLID)
Secretaria de Estado
Legajo 7374
Doc. 10: Inconvenientes que resultan de la demarcación contratada entre las dos Coronas de
España y Portugal según los tratados impresos en Lisboa. Joseph Quiroga. Buenos Aires 14
de abril de 1751.
Legajo 7377: Cartas de Altamirano (1752).
299
Legajo 7378: Limites: segundas cartas que se recibieron con fechas todas del año de 1753.
Con noticia de los primeros progresos.
Doc. 19: Copia/Carta que el Corregidor, cavildo y Caciques […].
Doc. 38 (Copia): Carta de Lorenzo Balda al padre comisario Luis Altamirano. San Miguel y
enero 18 de 1753.
Doc. 62: Dice el Coronel Francisco Antonio, que el día 26 de febrero avistaron el Puesto de
Santa Tecla […].
Doc. 89: Copia de la declaracion de lo acaecido con los Indios Tapes en la oposición que
hicieron en no permitir el paso a la primera Partida para la Demarcación de la Linea divisoria
de esta America Meridional y las diligencias que se practicaran para conseguir el fin de que se
Combiniesen con las ordenes del Rey. El día 26 de febrero de 1753.
Doc. 91: Copia de la carta escrita a los tres Principales Yndios de las misiones pertenecientes
a los Paderes de la Compañía de jesus. Señor Maestre de Campo del Pueblo de San Miguel
Sepe Señor Alcalde mayor y señor Cazique Principal de dicho Pueblo. Corregidor de San
Miguel y febrero 20 de 1753. Theniente que te amo, Alexandro Mbaruary
Cartas de Jesuítas. Documentos de 1753, Números: 11, 37, 39; 78.
Legajo 7379: Em um atado à parte figura: Depoimentos tomados antes da Batalha de Daymal.
Salto Chico del Uruguay 19 de Septiembre de 1754. Andonaegui. Remetiendo diferentes
papeles todos numerados hasta el 16 de distintas providencias, y otras dimanadas de lo que
fue ocurriendo en el camino desgraciado de la primera Campaña.
Doc. 56 y 57. Carta de Valdelirios a Lancaster. Buenos Aires 25 de mayo 1754.
Doc. 72: Carta de Altamirano a Carvajal. Buenos Aires junio 15 de 1754.
Doc. 85 y 86: Andonaegui informando Caravajal sobre a retirada de tropas após o conflito no
Daymal. Arroyo Zerritos, 15 de octubre de 1754.
Legajo 7380: Copia: Consideraciones que se deben tener para entrar en Consejo de Guerra,
para votar lo más acertado, y decoroso al Rey. E. S a sus armas y a toda nuestra nación.
Año 1754. Guarani (Copia de traducción de un libro escrito en lengua). “Traduccion de un
libro mediano de 10 foxas en pergamino escritas en Idioma Guarani que se hallo entre los
despojos de los indios de Yapeyu”.
Legajo 7381
Doc. 16: Carta escrita por Luis Altamirano ao Padre Asistente de España Pedro de Cespede,
redigida em Santo Thome em 20 de Novembro de 1752. Ao final da carta esta reproduzido o
seguinte texto: “Traslado de la carta del P. Jayme Pasión escrita al P. Francisco Xavier Limp,
cura de San Lorenzo”. Buenos Ayres 3 mayo de 1752.
Doc. 17:Carta de Altamirano a Ignacio Visconti, Santo Thome 20 de Nov de 1752
Doc. 29: Carta de Altamirano a Joseph de Carvajal y Lancaster. Buenos Ayres, y julio 22 de
1753.
Doc. 51: Comunicado da retirada das tropas ibéricas em 1754. Correspondencia de Viana al
Conde de Perelada. Rio Grande 12 de febrero de 1755
Legajo 7382: Limites: Expedición que traxo el Aviso Sacro Familia que salion de Cadiz en 12
de Novembro de 1755 (Leg 9).
Doc. 26 y 27: Para Viana encargandole cuide la execución del Tratado y guerra de los Yndios.
Madrid 7 de octubre de 1755. La firmará el General Wall.
300
Legajo 7384
Doc. 57: Extracto del Diario de la Marcha del exercito y Batalla con los Yndios; Doc. 37:
Carta de Altamirano a Ricardo Wall. Buenos Aires 29 de agosto de 1756. Doc. 39:
Altamirano a Wall. Bs As 28 Nov 1755
Doc. 84: Derrotero que ha hecho el Vaqueano Pedro Marquez que debe llebarse, hasta el
Cerro de Aregua, y haviendole leído al Yndios Francisco se conforma con lo mismo, como el
Yndios Francisco Xavier del Pueblo de San Borja;
Legajo 7385: Os documentos desse legajo são cópias dos documentos apreendidos aos índios,
como a carta dirigida a Sepé (5 de febrero de 1756), a conclama de Pasqual Yaguapo (16 de
junio de 1755), Vide Legajo 7410.
Legajo 7386
Doc. 11 y 28: A Ceballos dandole noticia por mais del estado y maximas del negocio, y
ratificandole el precepto del buen tratamento de Andonaegui. La firmara el Sr Wall. San
Lorenzo 15 de Noviembre de 1756.
Legajo 7387: Inquerito com os índios
Doc. 29 – hojas 10. Copia. Declaraciones, que se han tomado a los indios prisioneros, como a
otros que se han allado convenientes declarasen y según decreto que para el despacho S.E.
Arroyo Caibate 11 de febrero de 1756.
Legajo 7388: Limites: Cartas venidas por la via de Portugal a Madrid en el año de 1757. Y las
que envió aquel Ministerio a S.E en el mismo mes y año, y son duplicados. Igualmente están
las que vinieron en el Aviso Santa Bárbara que los apuntamientos que no sirvieron, y los
últimos que se causaron la resolución de este despacho, en cuyo estado murió Auzmendi Leg
15. Documentos referentes à ocupaçao dos Pueblos e às excusas de Freire em efetuar a
entrega de Colônia. Algumas cartas de Altamirano interceptadas entre outros papéis por Viana
(1753, 1756 e 1757).
Legajo 7394: Año 1758. Limites: Cartas de Ceballos, Valdelirios y otros dependientes de la
Comisión de Limites por la parte del Sur.
Legajo 7398: Limites: incluye distintas ordenes dadas en el año 1762 para habilitar en sus
plazas y sueldos a varios empleados en la Demarcación de Limites.
Doc. 11 y 12: Informe com as funçoes de Viana por ocasiao da resistência dos índios.
Legajo 7399: Indios dispersos pelas estâncias, ordem para recolhê-los (Doc. 48, 49, 60) Copia
de declarações tomadas em Santo Tomé, em 1759. Cartas de Cevallos a Valdelirios.
Legajo 7400: Diario de Thadeo Henis.
Legajo 7401: Documentos de 1759 e 1760. Cópia do depoimento de um indio sobre a divisão
tanto dos indios como dos jesuítas. S. Nicolas, 9 de enero 1760.
Legajo 7402: Documentos de 1758. Correspondencia entre Valdelirios e Gomes Freire.
Documentos referentes às primeiras partidas demarcadoras.
Legajo 7403: Limites. Varios sobre el Tratado de la línea divisória. Instrucciones, etc. Leg 33.
Carta de Altamirano, una assinada em Cadiz; otra S. Thome, Enero 16 de 1753 (Doc. 34).
301
Legajo 7404: Limites. Otro paquete de Cartas duplicadas relativas al Tratado de demarcación
de Límites. Están muitas de ellas por abrir. Leg 35. Muitas são as cópias realizadas por Pedro
Medrano.
Legajo 7405: Varias cartas y documentos de Pedro de Ceballos en abono de los jesuitas, y
entre ellos una informa aún de oficio. Octubre 1760. Leg 30 / Doc. 18: Razón de los
desertores del ejército de S.M que sabe están en el Río Pardo y otros parajes de sus
inmediaciones.
Doc. 71: Quartel general de San Borxa. Año de 1759. Ynformación hecha por el Theniente
Coronel y Mayor General del Exercito. Doc. del 23 al 26: San Borja 4 de Enero de 1760. R.da
en 23 de Octubre.Dn Pedro de ceballos. Yncluye copias de otros papeles pasados entre el y el
marques de Valdelirios, y defendiendo por su parte la conducta de los Padres.
Doc. 28: Mui señor mi. En carta de 22 del pasado me dice V.E respondiendo a la mia de dos,
que sin embargo de todo lo que le expuse, veia que subsisten en todo su vigor las razones que
me insinuo tocante a los dos puntos a que miraba mi antecedente de 2 de Septiembre.
(Depoimento de índio miguelista: índios e padres divididos).
Legajo 7406. Limites: Borradores de todo lo que se ha escrito sobre el Tratado de
demarcación de territorios entre España y Portugal. Limites: Incluye el inventarios de los
papeles que entregó D.Joseph Andonaegui a D.Pedro Ceballos &. Leg n 32.
Legajo 7408: Portugal: papeles antiguos sobre limites en la America Meridional
Doc. 14: Uruguay 1768. El gobernador de aquellos Pueblos Don Francisco Bruno de Zabala;
copia de sus oficios al Gobernador de Viamon y al Comandante de Río Pardo para que se
retiren de los puestos, restituyen los Yndios y ganados, y entregen los desertores: Respuestas
que han dado. Declaraciones de cinco peones que se cogieron hurtando ganado, y su carta
informe con aquello acompaña.
Legajo 7409: Limites: Incluye la información general de Valdelirios sobre que los jesuitas se
habían opuesto, y dificultado la execución del Tratado de Limites &tc. Leg 31.
Carpeta 52 a 54: Cevallos y Valdelirios: sobre la aprehensión executada de mulas y cavallos
en las campañas de Monte-video con portugueses que pasaba al Rio Grande en terreno ya
demarcado (1759).
Legajo 7410
Doc. 6: Una copia en quatro foxas de um papel sin fecha con una firma que dice: Hixos de
San Francisco de Borxa. Y a continuación va outra Copia de uma carta que parece escrita por
Pasqual Yaguapo a Joseph Tiarayú, los dos naturales del Pueblo de San Miguel en 16 de Junio
del año pasado de 1755.
Doc. 9: Carta de Juachin Guaracuye ao governador de Buenos Aires.
Doc. 22: Inbentario de todos los papeles, y documentos que han entrado en esta Secretaria de
la Capitania General, tocante a las averiguaciones echas sobre los autores de la desobediencia
de los Indios, asi de las practicadas por disposición del Exmo Señor Don Joseph de
Andonaegui, como de los papeles que encontro en el Pueblo de San Lorenzo el Brigadier Don
Joseph Juachin de Viana, y del que últimamente ha entregado en Idioma Latino, y de letra
muy menuda, por lo que no se ha podido copiar en estos pocos días, después que los recivi
con su papel de remisión con fecha de 23 de Abril próximo pasado, los quales no han salido
de mi poder, sino para entregarlos al Señor Marques de Valdelirios, quien los tubo en el suio
302
muchos días para verlos y examinarlos, después de lo qual me los bolvio a entregar, y quedan
a mi cargo.
Legajo 7424
Doc. 104: Notizia que da Juan Gomez Rimie, despacho de Chasque de la Partida que Dn Juan
de Chavarria, y el Comandante de la de los portugueses quien paso por esta Ciudad en 24 de
marzo, conduziendo Cartas para los Srs marques de Valdelirios, y Don Gomez Freire de
Andrada.
Doc. 165: Noticias que se an adquirido (Anônimo, relato dos acontecimentos).
Doc. 181: Carta do Corregidor Miguel Guanuruma, Yapeyu, 8 de Nov de 1756 (Guarani y
español).
Doc. 273. “oy dia 10 de noviembre de 1753 se sacaraon las dos copias mandadas las que van
escritas en seis fojas en todo y parte. Patron.
Doc. 284: El teniente-Gobernador. Refiere el suceso de Casajus con los Indios en la estancia
de San Pedro donde le mataron y algunos de los soldados que le acompañaron. Arroyo de San
Sepe y Agosto 2 de 1754. Nicolas Patrón.
Doc. 298: Carta de Nicolas patrón a Valdelrios, Rio de Garupay y agosto 12 de 1754
Doc. 407: Carta de Lorenzo Balda al padre comisario Luis Altamirano. San Miguel, 11 de
febrero de 1753.
Doc. 452: Concepcion 6 de agosto de 1754. Este papel se embio a Yapeyu a Maria santissima,
y a S. Xavier, para que convocaran los Indios contra los españoles.
Doc. 453 y 454. San Lorenzo 1º de agosto de 1754. Un jesuita. Refiere a su sabor lo que
executaron los portugueses con los Indios prisioneros; y dice, que las viruelas empiezan.
doc 459: Carta de los caciques que encontro D. Joseph de Andonaegui colgado en un palo
para mi (S.Tecla, 13 Junio 1755); Doc. 284: El teniente Gob. Refiere el suceso de Casajus con
los Indios en la estancia de Sn Pedro donde le mataron y alg de los soldados que le
acompañaron. 2 oct 1754.
Legajo 7425
Doc. 114: Don Thomas Hilson. Me da noticia de lo que ha sucedido hasta entonces.
Campamento del Rio Ugarapay. Agosto 18 de 1754.
Doc. 145 y 146: Arroyo del Daimar 8 de octubre de 1754. D. Thomas Hilson. Refiere como
fue la función y en que estado está el exercito. Em anexo figuram os 16 documentos
apreendidos en Yapeyu.
Doc.: 383; Montevideo, 25 de marzo de 1756. Thomas Hilson.
Legajo 7426: Papeles en que se fundo la retirada a Buenos Aires y de los Pueblos de
Misiones. Papeles de las declaraciones a los oficiales del Exercito.
Doc. 26: Preguntas del Ynterrogatorio. Janeiro 1760.
Doc.: 27: Carta del Pe. Pedro Sanna al Pe. Bernardo Nusdorffer. Itapua, y Junio 17, 1752.
Doc. 55: Nota al final da carta de Altamirano a Valdelirios (Sobre Chasques)
Doc.: 59 al 62. Santo Thome 18 de octubre de 1752. el P. Altamirano. No se respondió esta
carta, por que llegó después de las de Nov y Dez. Obs: É um dossier, com uma carta em
Guarani e a tradução.
Doc. 79: Carta de Altamirano a Valdelirios. Que todos los Pueblos han vuelto a negarse. Sn
Thome, 28 de enero de 1753.
Doc.: 83. Carta de Balda a Altamirano, San Miguel y enero 18 de 1753.
Doc. 239; Declaração de vários caciques s/d.
Doc. 247: Carta de Guillermo Hendrix a Echavarria.. Sur del salto Chico 30 de agosto de
1754.
303
Doc. 323: Carta de Zabala a Valdelirios. San Juan a 20 de diciembre de 1759
Carta del Gob al Rey. Indice de cartas de varios jesuitas: Barreda, Prov Alonso Fernandez y
visitador Nicolas Contucci.
Doc. 377: Carta de Nicolas Patron al Marques de Valdelirios. Corrientes 12 de octubre de
1753.
Doc.: 378: Corrientes 8 de Noviembre de 1754. D. Nicolas Patron. Que ha llegado con la
gente de su cargo; y me participa otras especies utiles.
Legajo 7427
Doc. 214: Carta de Andonaegui a Valdelirios. Pueblo de San Juan y Junios 14 de 1756.
Legajo 7428: “Indice de cartas de Valdelirios a Gomes Freire: de 1752 a 1761”. (doc 150).
Doc. 152: Copia 3. Campo do Rio Jacui, 16 de Novembro de 1754. Pe. Tomaz Clarque.
Legajo 7429: Papeles relativos a la demarcación de limites en América entre españa y
Portugal, en que entendió el Señor Marques de Valdelirios y fueron entregados por sus
testamentarios en este Real Archivo (Cartas a Ricardo Wall).
Legajo 7430: Papeles relativos à la demarcación de limites en América entre España y
Portugal, en que entendió el Señor Marques de Valdelirios y fueron entregados en este Real
Archivo por sus testamentarios (Cartas de Valdelirios a Gomes Freire).
Doc. 49: Copia de carta del Gel Gomes Freire.
Doc. 50: Copia de carta escrita en idioma Tape.
Doc. 53: Copia de la carta que escribió el Gel Gomes Freire.
Legajo 7431: Papeles relativos a la demarcación de limites en America entre España y
Portugal, en que entendió el Señor Marques de Valdelirios, y fueron entregados en este Real
Archivo por sus testamentarios.
Legajo 7433: Papeles relativos à la demarcación de limites entre España y Portugal. Carta en
Guarany: Tiraparé.
Doc. 278: Carta de Alexandro Mbaruari al Corregedor Pascual Tirapare. S. Miguel 20 de
feberero de 1753.
Legajo 7434: Dois livros, um de número 390 e outro de 395.
ARCHIVO HISTÓRICO NACIONAL (MADRID)
Sección Clero-Jesuitas
Legajo 120
Caja 1
Doc. 7: Breve resumen del Tratado entre la España y Portugal tocante a várias Provincias de
la América Meridional (Total de 64 folios)
Doc. 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38. Carta de los indios (con traducción)
Doc. 42: Capítulos de Cartas de Juan Lagunas, año 1753
304
Doc. 49: (caja 2), Documento n 1. Copia de la carta escrita por el General Gomes Freyre de
Andrada a los caciques comandantes de los Pueblos reveldes.Escrita en el campo del río
Pardo a 18 de Julio de 1754.
Caja 2
Doc. 52: Carta del P. Escandon (original) al P. Gervasoni, que refiere lo hecho desde el
principio hasta la fecha en Cordova a 2 de Septiembre de 1754.
Doc. 54: (Relato de P. Escandón (3) 8-XI-1755) Indice, y serie de las cosas mas notables que
se refieren es esta carta, y cuya mera narración enteramente desvaneze las calumnias que en
esta America Meridional empezaron el año de 1752, y duran aun en Europa este de 1755
contra la Provincia del Paraguay de la Compania de Jhs.
Doc. 56: Relación de lo que sucedió a 53 Indios del Uruguay, cuando acometieron por 2º con
otros muchos el fuerte de los Portugueses del rio Pardo, escribió un Indio Luisista que fue uno
de estos 53. Llamado Chrisanto, de edad como de 40 años, Indio Capax y mayordomo del
pueblo, traduxo lo un Misionero de la lengua Guarani en castellano, año 1755.
Doc. 59: Expediente/Doc 5. (Composta de 9 cartas de Escandon ao P. Gervasoni).
Doc. 60: Esta carta continua la relación que comenzó en la anterior (n.54), y, con las cartas
que forman el numero 59 son como nueve cartas), completa la narración hecha por el P. Juan
de Escandon de lo sucedido en 1756 en las Misiones.
Doc. 74: Refutación de la Relación Abreviada de la República de los P. P Jesuitas impresa en
Portugal (Refutación de Escandón).
Doc. 75: (Es complementario del N 74. Hay 26 folios, aunque el 1 dice “33 hojas”, y 8 notas
pegadas – comentario do arquivista na capa da pasta).
Caja 3
Doc. 77: Copia de una carta; desposta que dio Dn Juan del Campo y Cambronazas Castellano,
avezinado en una de estas Ciudades a Dn Alexandro de Bique Capitan Europeu, su amigo y
conocido que todavía se mantiene en los Pueblos de la otra banda Oriental del Uruguay en las
tropas Reales con ocasión que Dn Alexandro le comunico un libro Português, con el titulo,
Relación abreviada de la Republica que los Religiosos Jesuitas de las Provincias de Portugal y
España, establecieron en los Dominios ultramarinos de las dos Monarquias qdo pidiendole
que le diga en su respuesta su parecer, y Juicio que hazia de dho librito Portugues.
Doc. 84:
Expediente 1: Mi P.Andres Marcos Burriel. Por satisfacer en parte â los deseos, que tantas
vezes V.R me ha insinuado tenia de ver una individual relacion del modo […]. Madrid y Julio
18 de 1760. Juan de Escandón
Expediente 2 (Apendix, o Posdata)
Expediente 3 Almas, y Familias de los 7 Pueblos, y en donde estan. Diziembre 31 de 1759
Expediente 4. Catalógo de la Numeración Annual de las Doctrinas del Rio Parana. Año de
1759.
Doc. 85: (Usurpación de Portugueses, y otras especies conducentes à remediar tanto mal).
Doc. 96, Carpeta 27: Ynventarios de Libros. Rector P.Roque Vallester: Corrientes 4 de
Agosto de 1767.
305
Sección Estado
Legajo 4798
Caja 1
Doc. 199: Para hacer Juicio, en el punto, asi los Padres jesuitas de la provincia del Paraguay,
han tenido parte, en la resistencia que el Rey ha experimentado, en los Indios Guaranis, que
goviernan dichos Padres Jesuitas se haze preciso hazer patente, el modo con que dichos
Padres tienen entablado, sus goviernos, esto es, espiritual y temporal. (Copia).
Doc. 200: Declaración e Informe del Brigader Don Thomas Hilson.
Doc. 202: Extrato en que consta lo substancial de las declaraciones recebidas a los indios
Indios por Nicolas Patron (1760).
Doc. 230: En carpeta separada “a 1756 D. Jose de Andonaegui”.
Doc. 342: Carta a Sepe, de Valentin Ibarenga (copia). Original con su traducción queda en la
Secretaria de mi cargo. Campamento en la estancia de san Miguel. Febrero 28 de 1756. Pedro
Medrano.
Doc. 349: Carta exortatoria que escreveron a los Caciques. S/d y local.
Doc. 351: Carta do Servidor Primo Ibarenda (San Miguel).
Doc. 382: Depoimentos tomados por Diego de Salas em 9 de marzo de 1758.
Doc. 338: Batalla por el Exercito de las dos Coronas C Y F contra los indios de nación
Guarani de los 7 Pueblos rebeldes de la Costa Oriental del Uruguay: dada en el campo del
Serro Caybate dia 10 febrero de 1756.
Procuradoría General de Indias
Caja 1
Expediente 2:“Testimonio de las Juntas Celebradas sobre las temporalidades de los regulares
Expatriados que se titulan de la Compañia de Jesus pertenecientes à la municipalidad de la
Ciudad de Corrientes de que es Superior la Provincial de la M. N y S Ciudad de Buenos Ayres
hasta el dia 21 de octubre de 1771. Buenos Aires 30 diciembre de 1777. Joseph Zengano”. (p.
5).
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (LISBOA)
Paraguay
Caixa 1
Doc. 12: 1753, maio 14, Buenos Aires.
Oficio do Governador e capitao general da Provincia do Rio da Prata, Jose de Andonaegui, ao
comissario das Provincias do Peru, Paraguai e Quito, padre jesuíta, Lope Luis de Altamirano e
a respectiva resposta deste, tratando da nomeaçao de Altamirano para encarregar-se da
evacuaçao dos índios habitantes das missoes jesuíticas, cujo territorio devia ser entregue aos
portugueses, em razao da demarcaçao das fronteiras estabelecidas pelo Tratado de 1750.
306
Brasil/Limites
Caixa 1
Doc. 30: post 1753, junho, 14.
Correspondencias (5 copias) trocadas entre o (Comissario principal espanhol da demarcação
dos limites da America Meridional) Marques de Valdelirios (D. Gaspar de Munive León
garabito Tello y Espinosa) e o (1 Comissario da demarcação dos limites da America
meridional) Gomes Ferire Andrada, sobre a recusa dos índios em evacuarem os Sete Povos
das Missões, area que deveria ser entregue aos Portugueses e os esforços do padre Altamirano
e do padre Alonso Fernandes em demove-los da resistencia.
Doc. 36: 1753, outubro, 1, Colonia do Sacramento.
Oficio (1 via) de Gomes Freire a Sebastiao Jose de Cravalho e Melo sobre os preparativos
para apoiar a incursao de Valdelirios contra os índios dos Sete Povos das Missões dado o
insucesso da viagem do Padre Alonso Fernades ao dito local.
Doc. 47: 1754, abril, 15, Colonia do Sacramento.
Oficio do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional) Gomes freire de
Andrada, ao (Secretário de estado dos negocios Estrangeiros e Guerra) Sebastiao Jose de
Carvalho e Melo,sobre o asalto dos indios Tapes, capitaneados por um padre da Companhia
de jesus, a fortaleza construída acima de Viamao. Anexo: oficio (cópia) e carta ( cópia)
Doc. 51: 1754, junho, 21, Rio Grande de Sao Pedro.
Oficio (2 via) do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional) Gomes
freire de Andrada, ao (Secretário de estado dos negocios Estrangeiros e Guerra) Sebastiao
Jose de Carvalho e Melo, sobre informação recebida do tenente-coronel Tomas Luis Osório,
comandante da guarda ou tranqueira do Rio Pardo, sobre um segundo ataque dos indios Tapes
e aprisionamento de alguns deles.Anexo: oficio (copia).
Doc. 56: 1754, julho, 30, Rio Pardo.
Oficio (2 via) do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional) Gomes
Freire de Andrada, ao (Secretário de estado dos negocios Estrangeiros e Guerra) Sebastiao
Jose de Carvalho e Melo, sobre o início da marcha para as Missoes afirmando que remetera
uma carta aos caciques enviando os prisioneros às suas respectivas aldeias, bem como, na
mesma altura, enviara carta ao general Jose Andonaegui.Obs: anexo ofício e carta (copia) 1
documento em espanhol.
Doc. 58: 1754, setembro, 23, Rio Jacuí.
Oficio de Gomes Freire ao Secretario (Sebastiao Jose Carvalho e Melo) sobre a evoluçao da
marcha para as missoes; o incendio que destruiu grande parte da bagagem dos oficiais e
solicitando que lhes fossem pagos alguns meses de soldo de vantagem, para reparar esta
perda; o contacto com os rebeldes e a comunicação do general castellano Jose de Andonaegui
sobre a impossibilidade de cumprir o acordo de ataque as Missoes, aconselhando-o a retirar
para o Rio Pardo.
Doc. 66: 1755, fevereiro, 15, Rio Grande de Sao Pedro.
Oficio do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional) Gomes freire de
Andrada, ao (Secretário de estado dos negocios Estrangeiros e Guerra) Sebastiao Jose de
Carvalho e Melo, sobre oficio do (comissario principal espanhol da demarcaçao dos limites da
América meridional) Marques de Valdelirios ( D. Gaspar de Munive León Garabito Tello y
Espinosa), que reafirma a intençao de unir os dosi exercitos no posto de Santa tecla, em
setembro e marchar para evacuar os Sete Povos das Missoes.
Doc. 67: 1755, fevereiro, 16, Rio Grande de Sao Pedro.
Oficio do (1 Comisario da demarcaçao dos limites da América Meridional) Gomes freire de
Andrada, ao (Vice-rei do estado do Brasil) conde de Atouguia (Luis Peregrino de Ataide),
remetendo memoria do sucedido ao exercito português entre 28 de junho, data em que
307
embarcou no Rio Grande com destino ao Rio Pardo, e das suas marchas e demais
acontecimentos, até 18 de dezembro de 1754, data em que se retirou outra vez para a vila do
Rio Grande; também envia copias de acordos feitos entre os caciques e as autoridades
militares portuguesas e espanholas no acampamento do rio.
Doc. 70: 1755, fevereiro, 25, Rio Grande de Sao Pedro.
Oficio do coronel Francisco Antonio Cardoso de Meneses e Souza ao (Secretario de estado da
Marinha e Ultramar), Diogo de mendonça Corte Real, sobre o termo da 3 partida da
demarcaçao do Jauru, com exececao de cerca de 25 léguas que nao puderao medir por
oposiçao do gentio e enviando cópia da carta escrita pelo (1 Comisario da demarcaçao dos
limites da América Meridional) Gomes freire de Andrada, aos caciques rebelados dos Sete
Povos das Missoes e das condiçoes de paz pedida por eles.
OBS: anexo ofício (copia) em espanhol.
“Copia da carta que escreveo o general Gomes Freire de Andrada aos Casiques dos Povos
Rebeldes”.Escripta en el Campo de Rio Pardo a 18 de Julho de 1754.
Caixa 2
Doc. 132: Oficio de Gomes Freire a Sebastiao Jose de Carvalho e Melo. OBS: 9 anexos
oficios (copias). 2ª via do oficio, 8 em espanhol,28 de julho 1757, Exmo Sr D.Pedro de
Cevallos. Gomes Freire de Andrada.
Doc. 137: Oficio de Gomes freire a Pombal, sobre a necessidade de padres que falem Guarani
para poder conservar os indios dos sete povos das Missoes.14 de abril 1758 Ilm. S. Sebastiao
Jose de Carvalho Mello. Gomes Freire Andrada.
ARCHIVO NACIONAL DE ASUNCIÓN
Catálogo General de la Sección Historia. Archivo Colonial. 1663.
Documento LX – Agradecimento pelas armas de fogo recebidas. Cordova, 15-XI-1666. Carta
de agradecimiento del Padre Provincial a los Corregidores, Alcaldes etc. de las Doctrinas del
Parana, por haber hecho entrega (sic) de las armas de fuego. Cordova, y Noviembre 15 de
1666.
BIBLIOTECA NACIONAL (RIO DE JANEIRO)
Seção Manuscritos
Coleção de Angelis (microfilmes).
Manuscritos 508 (32) Annuas De la doctrina de los S.S Apostoles San pedro y Pablo. 1713.
(doc original).
Manuscrito 508 (19) Annuas. Documento número 414. Libro de Ordenes del Noviciado de
Cordoba (1664) Documento original.
Manuscrito 508 (20) Annuas. Documento numero 441. Recomendacion a los P.P de las
Misions de aprender lalengua de los indios (1670). Documento original.
Manuscrito 508 (20). Annuas. Documento 427. Indice de las cedulas que se conservan em el
Archivo de la doctrina de la Candelaria.
308
Manuscrito 508 (22) Annuas. Documento número 530. Licencia acordada por el Virrey del
Peru de Imprimir Libros em lengua Guarani em las misiones del Tucuman (1703)
Diário da segunda partida de demarcação da América Meridional, que teve principio na boca
do rio Ibicuy e terminou no salto grande do Paraná. Anno 1759 (Referencia 5,3,17).
Diario da terceira Partida de demarcaçãoi da América meridional, Ano 1753 (Referencia
9,4,1).
Diário de la partida del Exmo procomisario em la División de la America Meridional. Febrero
1752. Original 39 p. (Referencia I, 28,28,19).
“Continuação do Diario da Primeyra Partida de demarcação”. Mss encadernado/Sem
paginação. Cópia contemporânea 15fls. (Referencia 22,1,19).
BIBLIOTECA NACIONAL (MADRID)
Sala Cervantes (Manuscritos)
Cartas de los P. P Generales de la Compañía de Jesús y de varios Provinciales sobre las
misiones del Paraguay, 16 de Julio 1623 a 19 de septiembre 1754. S. XVIII. 175 x 246. 311
paginas numeradas. Encuadernación en holandesa del siglo XIX – 6976.
1050. Misiones de los jesuitas en América en el año de 1612.
Contiene, entre otras cosas, las reducciones y misiones de los indios Guaicurus y de los indios
del Paraná y Paraguay, casas de residencia de Buenos Aires y Santa fe, Gobernación de
Tucumán, casa de residencia de San Miguel de Tucumán, Colegio de Santiago de Chile, casa
de residencia de Mendoza, misiones a los indios de Chiloe, Arauco y Monte Rey, etc.
S. XIX. Copia de un manuscrito de la Biblioteca del Colegio Imperial de Jesuítas de Madrid.
227 x 335. 90 hojas. Tela (Gayangos y Ultramar.) – 19230.
1083. Reparos a la consulta del Consejo de Indias del día 26 de octubre de 1732 sobre los
tributos de los indios del Paraguay que están a cargo de los padres de la Compañía. (Informe
dirigido a D. José Patiño, sobre la memoria de Agüero y el desempeño de su comisión en
Paraguay) Madrid, 7 de octubre 1735. S. XVIII. 37 hojas en folio- 20054
38
.
1084. Informe dado por D. Antonio Alvarez de Abreu a D. José Patiño, sobre el resultado de
la comisión que D. Juan Vázquez de Agüero desempeño en Buenos Aires en 1733 para dar
cuenta al Rey del estado de las misiones de jesuitas en el Paraguay. Madrid, 7 Octubre 1735.
S. XVIII. 22 hojas en folio – 19710
51
.
1086. Resumen del expediente de las Misiones del Paraguay del cargo de la sagrada religión
de la Compañía, sacado del Memorial ajustado del relato Larne, dividido en 12 puntos, según
la instrucción dada por la vía reservada al Ministro Don Juan Vázquez de Agüero en 1733,
que pasó a Buenos Aires. Proceden comunicaciones cambiadas entre el Marqués de la Regalia
y D. Miguel de Villanueva, sobre informe en este expediente. Enero 1743. S. XVIII. 204 x
300. 91 hojas. Holandesa – 20231.
1088. Línea divisoria de los estados de las Coronas de España y Portugal en Asia y América,
acordada por medio del presente Tratado ajustado entre Sus Majestades católica y fidelísima,
309
firmado en Madrid a 13 de este año. En Madrid. En la imprenta del Mercurio. Año 1750. 28
páginas. Folio 2.
1091. Persecución Guaránica o Diario de la guerra guaránica desde Enero de 1754 al 13 de
Mayo de 1756. Escrito a tres columnas. Contiene la primera el texto latino, la segunda el texto
castellano y la tercera las notas y comentarios al texto. El autor, según se deduce de la última
nota es el P. Tadeo Xavier Enis.S. XVIII. 215 x 311. 63 hojas. Encuadernación de pergamino.
(Procede de la Biblioteca de don Justo Zaragoza y de la de Ultramar) – 19242.
1093. Historia del Paraguay, Río de la Plata y Tucuman. Libro 1.Parte primera. Al dorso de la
primera etapa lleva la siguiente nota: (“Presented by Dr Salumiro? Segurolo to Liut. Colonel
Robert Campbell 71 Reg”. En la guarda dice S. XVIII. 224 x 325. 173 hojas. Encuadernación
de pergamino (Ultramar) – 19227.
1104. Noticia circunstanciada del Río Grande de San Pedro, comunicada al señor Gobernador
y capitán general de esta Provincia, por aquel comandante, con fecha de 20 de febrero de
1776. (Buenos Aires, 9 de marzo de 1776).
S. XVIII. 300 x 210. 2 hojas – 18761
7
.
1129. Textos sobre el uso de la liturgia, plática de confesionario y catecismo, para uso de los
jesuitas en las misiones de los indios chiquitos de Concepción y San Miguel. S. XVIII. 155 x
100. 6 + 57 folios. Encuadernación en piel – 20612.
1517. Recopilación de noticias desde el año de 1752 hasta el año de 1759 tanto en orden a los
sucesos de paraguay, cuanto por lo que mira a la persecución de los Padres de la Compañía en
Portugal; causa de la caída del marqués de la Ensenada.
S. XVIII (fines) 176 x 246. 20 hojas. Holandesa -5718.
1518. Relación de lo ocurrido en la expedición que las armas de España y Portugal hicieron al
territorio de las Misiones de los Jesuitas en el Paraguay, para el cumplimiento del Tratado de
Límites entre las dos Coronas por el Secretario de la Expedición Manuel de Silva Nades.
Años 1753-1756. S. XVIII. 57 hojas en folio – 10683, folios 29-84.
1519. Recopilación de noticias, desde el año de 1755 hasta Abril de 1759, tanto en orden a los
sucesos del Paraguay, cuanto a la persecución de los P. P de la Compañía de Jesús de
Portugal, enviadas de un gran Ministro de estado y exparcidas en Nápoles por otro Ministro,
traducidas del toscazo. S. XVIII. 18 hojas en 4 – 11028, folios 127-144.
1522. Relación de cómo fueron desposeídos y arrojados de sus tierras algunos pueblos del
Paraguay. Escrita por el P. Juan de Escandón. S. XVIII. 302 X 210. 53 hojas. Encuadernación
de pergamino – 4185.
1524. Breve noticia de las misiones vivas de la Compañía de Jesús en la provincia del
Paraguay en carta respuesta de su procurador ¿el P. Domingo Muriel? A un jesuita
pretendiente de aquellas misiones. S. XVIII. 102 x 152. 131 hojas. Incompleto por el fin y
falto de algunas hojas en el medio (Ultramar.) – 20119.
1525. Reparos que se han hecho contra la buena conducta y gobierno civil de los treinta
pueblos de indios guaraníes, que están a cargo de la Compañía de Jesús del Paraguay y los
310
deshace, con la verdad sencillamente expone de dicho gobierno, el P. Juan Joseph Rico,
procurador General de la misma Compañía y provincia del Paraguay, en esta Corte.
Impreso, s. 1 n. a (Siglo XVIII), 36 páginas en 4 - 12966
9
.
MUSEO MITRE (BUENOS AIRES)
Collección de documentos en idioma Guaraní correspondiente a los Cabildos indígenas de las
misiones jesuíticas del Uruguay desde el año 1758 al 1785. Referencia 14/8/18.
Confesionario en Lengua Guaraní. s/d.
RESTIVO, Pablo. Phrases selectas y modo de hablar escogidos y usados en la Lengua
Guarani. Sacadas del Thesoro escondido que compuso el autor para consuelo y alivio de los
fervorosos misioneros principiantes en la dicha lengua. En el año 1687. Mss. Prologo, 3 fojas
sin foliar. Texto 633. Indice, 5 fojas, sin foliar (de S. Xavier). Referencia: 14/4/41.
REAL ACADEMIA DE LA HISTORIA (MADRID)
Fondo Manuscrito
Materia: Jesuitas/Paraguay. Sig: 3692/91/ Siglo XVII, (1637) (11 hojas – 667-677).
Carta del padre Geronimo Porcel al P. Geronimo Astete da la Compañia de Jesus (Sevilla).
Carta del padre Geronimo Porcel al P. Juan Batista de los Reyes de la Compañia de Jesús
(Malaga).
Carta del padre Geronimo Porcel al P. Jorge Hemelman rector de la Compañia de Jesus
(Granada).
4) Carta al P.e Juan de Pineda de la Compañía de Jesús (Sevilla).
Materia: Guaraníes/Indios. Sig: 9-3687/56
Oración gratulatoria en tres lenguas – latín, castellano y guaraní – pronunciada por un
indígena de esta nación ante P.P de la Compañia. Según noticia transmitida por el P. Ferrufino
en el año de 1633.Siglo XVII, 1633. 2 hojas (folios 433 y 428). Copia debida al P. Rafael
Pereira.
Jesuitas: 37 – Número 54: Papeles de América siglo XVIII. Cartas de jesuitas, siglo XVII- 11-
11-4-1716; 9/7273. Este legajo, entre sus varios paquetes (Jesuitas, Indiferente, 11-11-2-54,
223) contiene uno con la correspondencia del padre Lope Luis Altamirano a el P. Pedro
Ignacio Altamirano (1752-1756).
Correspondencias
1) Mis. Pe. Pedro Ignacio Altamirano. Buenos Aires y mayo 26 de 1752. Lope Luis
Altamirano.
2) Mi V. Pe. Pedro Ignacio Altamirano Buenos Aires y Junio 13 de 1753 (57) Lope Luis
Altamirano.
3) Mi V. Pe. Pedro Ignacio Altamirano. Buenos Aires y Noviembre 2 de 1754. Luis
Altamirano.
311
4) Mi V. Pe. Pedro Ignacio Altamirano. Buenos Ayres, y Agosto 20 de 1754.Lope Luis
Altamirano.
5) Mi V. Pe. Pedro Ignacio Altamirano. Buenos Aires, y abril 6 de 1756. Lope Luis
Altamirano.
6) Mi P. Comisario General Luis Altamirano. San Lorenzo, y abril de 1753. Francisco Xavier
Limp.
Colección Mutis
Paraguay – Legajo encuadernado de papeles varios impresos y manuscritos sobre asuntos de
en la 2ª mitad del siglo XVIII y sobre la expulsión de los jesuitas de Portugal. 9-11-5-150;
Sig: 9/2278.
Relacción de las Misiones encuadernado rustico, Manuscrito, Siglo XVIII [É do padre
missioneiro José Cardiel] 9 -11-5-144, Sig: 9/2272 “Breve relación de las Misiones del
Paraguay”.
Sobre el tratado con Portugal en 1750, P. Manuel Quirino; 9-11-5-151; Sig:
9/2279.Encadernado. Manuscrito que contém uma relação compilatoria dos fatos e
acontecimentos relativos ao Tratado de Madri. “Estos desafueros discurro, que no se sabran
por halla, y por eso lo escrivo. Cordova y octubre 22 de 1758. Muy siervo de V. Ra Manuel
Quirino”.
Colección Mata Linares
Extracto y dos Reales Cédulas completas para que las misiones de jesuitas del Paraguay sean
consideradas como doctrinas. 1 de junio de 1654. Copia 6 ff., 32 cms. T .XCIX, ff.349-352 y
354-355.
Quinta parte de lo que sucedió en las Misiones del Paraguay, el año de 1756 en orden a la
entrega de los 7 Pueblos del Uruguay a la Corona de Portugal. Copia 34ff., 32 cms. T. LVI, ff
374-410.
Real Cédula dando licencia al jesuita Antonio Ruiz de Montoya para imprimir su obra
encaminada a enseñar la lengua de los indios del Paraguay. Madrid, 25 de marzo de 1639
(Signatura 9-9-4). Copia 2ff., 32 cms, XCIX, ff. 130-131.
312
IMPRESSAS
ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: subsequencias do Tratado de 1750 –
opposição dos jesuítas: depoimentos jurados de onze índios de 11 de fevereiro a 21 de agosto
de 1756. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-1938. v. 52, 53.
______.: inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no Arquivo de Marinha e
Ultramar. “Rio de Janeiro, 1756-1757”. Rio de Janeiro, v. 71.
ANCHIETA, José de. Arte de Grammatica da Lingoa mais usada na costa do Brasil.
Coimbra: Antonio de Mariz, 1595.
ANNALES da Bibliotheca Nacional. Rio de Janeiro, 1879. v. 6
BOTERO, Giovanni. Le relationi universali. Venezia: [s.n.], 1605.
BRABO, Francisco Xavier. Inventarios de los bienes hallados a la expulsión de los jesuítas y
ocupación de sus temporalidades por decreto de Carlos III, en los pueblos de Misiones.
Madrid: M. Rivadaneyra, 1872a. 674 p.
______. Colección de documentos relativos a la expulsión de los jesuitas de la República
Argentina y del Paraguay en el reinado de Carlos III. Madrid: Estudio Tipográfico José
María Pérez,1872b. cxi + 404 p.
CAMPAÑA del Brasil: antecedentes coloniales: tomo I (1535-1749). Buenos Aires:
Guillermo Kraft, 1931.
CAMPAÑA del Brasil: antecedentes coloniales: tomo II (1750-1762). Buenos Aires:
Guillermo Kraft, 1939.
CATANEO, C.; GERVASONI, C. Buenos Aires y Córdoba en 1729: según cartas de los
padres Cataneo y Gervasoni. Estudio preliminar, traducción y notas, arquiteto Mario J.
Buschiazzo. Buenos Aires: C.E.P.A., 1941. (Colección Buenos Aires).
CATECISMOS varios I: el tesoro de la doctrina christiana en lengua Guarani. São Paulo:
Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1952. (Boletim n. 155,
Etnografia e Tupi-Guarani, n. 24).
CARDIEL, Jose. Breve relación de las Misiones del Paraguay. In: HERNANDEZ, Pablo.
Organización social de las doctrinas Guaraníes de la Compañía de Jesús. Barcelona:
Gustavo Gili, 1913. t. 2. p. 514-613.
______. Compendio de Historia del Paraguay (1780). Estudio preliminar de José M. Mariluz
Urquijo. Buenos Aires: Fecic, 1984.
CARTAS Anuas de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús (desde el año de 1659
hasta el año de 1662). Trad. de Carlos Leonhardt S.J. Colegio del Salvador. Buenos Aires,
1928. (Transcrição I.A P., São Leopoldo: Unisinos, 1994).
313
CARTAS Anuas de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús (desde agosto de 1672
hasta el mismo més del año de 1675). Trad. de Carlos Leonhardt S.J., Colegio del Salvador.
Buenos Aires. (Transcrição: I.A.P., São Leopoldo: Unisinos, 1994).
CARTA del Gobernador de Buenos Aires al Conde de Aranda, remitiendole adjunta otra en
idioma guarani (con su traducción castellana), escrita á S.M. por los corregidores y caziques
de treinta pueblos, situados entre los ríos Uruguay y Paraná. In: BRABO, Javier. Colección de
documentos relativos a la expulsión de los jesuítas de la República Argentina y del Paraguay
en el reinado de Carlos III. Madrid: Estudio Tipográfico José Maria Pérez, 1872b. p. 401-
406.
CARTAS en guarani tomadas por el Coronel José Joaquin Viana y orden de este para su
traducción. San Lorenzo, 17-28 Junio de 1756. In: DOCUMENTOS RELATIVOS a la
ejecución del tratado de límites de 1750. Instituto Geográfico Militar, República Oriental del
Uruguay. El Siglo Ilustrado, Montevideo, v. 13, n. 1, p. 229-241, 1938.
COLECCIÓN General de Documentos tocantes á la tercera época de las conmociones de los
Regulares de la Compañía en el Paraguay. Contiene El reyno jesuítico del Paraguay, por siglo
y medio negado y oculto, hoy demonstrado y descubierto. Su autor D. Bernardo Ibáñez de
Echavarri. Va añadido el Diario de la Guerra de los Guaranies, escrito por el P. Tadeo Henis.
Tomo Quarto. Con licencia del Consejo en el Extraordinario. Madrid: Imprenta Real de la
Gazeta, 1770.
COLECCIÓN PEDRO de Angelis. Con prólogos y notas de Andrés Carretero. Buenos Aires:
Plus Ultra, 1969/1970.
CUNHA, Jacinto Rodrigues da. Diário da Expedição de Gomes Freire de Andrada às
missões... Revista do IHGB, Rio de Janeiro, t. 16, n. 10, p. 137-258, 1853a.
______. Diário da Expedição de Gomes Freire de Andrada às missões… Revista do IHGB,
Rio de Janeiro, t. 16, n. 11, p. 259-321, 1853b.
C.P.D.E.A. Colección Pedro de Angelis. Con prólogos y notas de Andrés Carretero. Buenos
Aires: Editorial Plus Ultra, 1969-1970. t. 1-5.
COPIAS de cartas de varios Cabildos de Indios Guaranies, de algunos de sus individuos, y
Curas de sus respectivos Pueblos, que manifiestan el juvilo, y dán gracias por la variación de
su Gobierno opresivo en Comunidad, y por otras providencias particulares del Exmo S.or
Marques de Aviles, siendo Virrey de Buenos Aires. In: LASTARRIA, Miguel. Documentos
para la historia Argentina. Buenos Aires: Facultad de Filosofía y Letras. Instituto
Investigación Históricas, 1914-1921. p. 363-377.
DIARIO que el capitán de Dragones D. Francisco Graell ha seguido en la presente expedición
de Misiones contra los siete pueblos inobedientes de la Banda Oriental del río Uruguay, desde
el cuartel general de Asamblea, en Montevideo, día 5 de diciembre de 1755, hasta 21 de junio
de 1756. In: COLECCIÓN de documentos inéditos para la historia de España, por El Marques
de la Fuensanta del Valle: tomo CIV. Madrid: Imprenta de José Perales y Martinez, 1892. p.
449-487.
314
DOCUMENTOS para la Historia Argentina: Tomo XX: Iglesia: Cartas Anuas de la Provincia
del Paraguay, Chile y Tucumán de la Compañia de Jesús (1615-1637). Buenos Aires: Talleres
S. a Casa Jacobo Peuser, 1929.
DOCUMENTOS RELATIVOS a la ejecución del tratado de límites de 1750. Instituto
Geográfico Militar, República Oriental del Uruguay. El Siglo Ilustrado, Montevideo, v. 13, n.
1, p. 1-300, 1938.
DOCUMENTOS SOBRE o Tratado de 1750. In: ANAIS da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937-1938. v. 52, 53.
EL PRIMER Sínodo del Paraguay y Río de la Plata en Asunción en el año de 1603. Edición
facsimilar. Introducción y notas de Bartomeu Melià. Asunción: CEPAG, 2003.
EL RÍO de la Plata por viajeros alemanes del siglo XVIII, según cartas traducidas por Juan
Mühn S.I. Revista del Instituto Histórico y Geográfico, Montevideo, t. 8, p. 229-325, 1930.
ESCANDÓN, Juan de. História da transmigração dos sete povos orientais. Tradução do
espanhol por Arnaldo Bruxel, S.J. Pesquisas, São Leopoldo, História n. 23, 1983. 436 p.
HENIS, Thadeo Xavier. Diario histórico de la rebelión y guerra de los pueblos guaraníes,
situados en la costa oriental del río Uruguay, del año de 1754. In: COLECCIÓN Pedro de
Angelis. Buenos Aires: Imprenta del Estado, 1836. t. 4. p. 477-563.
HISTOIRE de Nicolas I roy du Paraguai et empereur des mamelus. Ed. fac-similar. Anot.
Rubens B. de Moraes e Augusto Meyer. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1944. 117 p.
JARQUE, Francisco. Insignes misioneros de la Conmpañia de Jesús en la Provincia del
Paraguay. Pamplona: Juan Micoan, 1687.
MANUSCRITOS da Coleção de Angelis: tomo I: jesuítas e bandeirantes no Guairá (1594-
1640). Introdução, notas e glossário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1951.
______.: tomo IV: jesuítas e bandeirantes no Uruguai (1611-1758). Introdução e notas: Helio
Viana. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970.
______.: tomo V: Tratado de Madri: antecedentes: Colônia de Sacramento (1669-1749). Rio
de Janeiro: Biblioteca Nacional: 1954.
______.: tomo VI: antecedentes do Tratado de Madri: jesuítas e bandeirantes no Paraguai
(1703-1751). Introdução, notas e sumário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, 1955.
______.: tomo VII: do Tratado de Madri à conquista dos Sete Povos (1750-1802). Introdução,
notas e sumário: Jaime Cortesão. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1969.
MATEOS, Francisco. Avances portugueses y misiones españolas en la América del Sur.
Missionalia Hispanica, Madrid, año 5, p. 459-504, 1948.
315
______. Cartas de Indios Cristianos del Paraguay. Missionalia Hispanica, Madrid, año 6, n.
16, p. 547-583, 1949a.
______. El tratado de límites entre España y Portugal de 1750 y las misiones del Paraguay
(1751-1753), Missionalia Hispanica, Madrid, año 6, n. 17, p. 319-378, 1949b.
______. La guerra guaranítica y las misiones del Paraguay: Primera Campaña (1753-1754).
Missionalia Hispanica, año 8, n. 23, p. 241-316, 1951.
MELO, Sebastião José de Carvalho e. República jesuítica ultramarina. Apresentação e
transcrição: Júlio Quevedo Santos. Gravataí: SME; Porto Alegre: Martins Livreiro; Santo
Ângelo: Centro de Cultura Missioneira, 1989. 38 p.
MONTOYA, Antonio Ruiz de. Conquista espiritual hecha por los religiosos de la Compañía
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ANEXO
342
LISTA DE DOCUMENTOS INDÍGENAS (GUARANI MISSIONEIRO)
Natureza
Documento
Língua Local/
Data
Autor/ assinado Resumo
conteúdo
Referência Material
1. Diário de
guerra
Guarani
1702/ 04
Anônimo,
provavelmente do
secretário de
Corpus.
Registro do 2
o
cerco Guarani à
Sacramento
Coleção
Particular.
Trad: Melià
Papel
2. Sermones y
exemplos en
lengua Guarani
Guarani
San
Francisco
Javier, 1727
Nicolas Yapuguay
(Cacique e músico de
Santa Maria Mayor)
Reescritura
religiosa em
Guarani dos
semões
dominicais
Fac-similar.
Editorial
Guarani,
Buenos Aires,
1953
Papel
3. Inscriçao em
cruzeiro
(em cima da
serra)
“uma
escrita pela
Língua da
terra”/trad:
português
Camara de
Laguna, 1734
Testemunho de
testemunho
(Anonimo)
Avisos indios
Tapes: oferecer
guerra em
defesa da
tranqueira
A.E.S.P
C00257, maço
25,pasta 4,
25,4,18.
Madeira
4. Inscriçao em
cruz
( em cima da
serra)
“Linguage
misturada
de español
e tape”
Do ano de
1727, mas
redigida
em 1751
Testemunho de
testemunho
(Anonimo)
Nao indica o
teor da
mensagem
Campaña del
Brasil. Antece
dentes colonial
TomoII,1939
p.21.
Madeira
5. Memorial dos
Indios de S.
Thome
Traduçao 24 de febrero
de 1742.
(Mas somente
veio a luz em
1763)
Cabildo de S. Thome
Obs: Quem da
conhecimento desse
memorial é Felipe
Blanich ao escrever
Visitador Contucci.
Pedido al P.Prov
Antonio
Machoni indicar
o corregedor
como sucessor
de cacique.
A.G.N, Sala
IX, 6,10,6.
Papel
6. Carta do
corregedor de
San Juan ao
Comissario
Altamirano
Guarani e
traduçao
ao
espanhol
1752
Cabildo y corregidor
de San Juan Miguel
Guaycho
Provavelmente
out/1752. Papel
em guarani
anexa a carta de
Altamirano ao
Marques de
Valdelirios
A.G.S, Legajo
7426, folio 60
Papel
7.Carta
( escrita de um
índio para outro)
Guarani/
Traduçao
ao español
S.Miguel 20
de febrero de
1753
Carta de Alejandro
Mbaruari al
Corregidor Pascual
Tirapare
A.G.S,
Secretaria de
estado, Leg
7433 doc.278
Papel
8. Carta
Traduçao Estancia de
Santo Anto-
nio, 3 marzo
de 1753
Corregedor, caciques
e cabildo de San
Miguel
Carta dos indios
miguelista ao
comissario Juan
Echavarria
A.H.N
(Madrid)
Leg 120, 7,
Papel
9. Carta ao Pe
Thadeo Enis
Tradução
Estancia
Vieja de Sto
Antonio 19
de marzo de
1753
Correg Pasqual
Tirapare y el Alcalde
Mayor Pasqual
Yaguapo
Guaranis
sublevados
subtraem
cavalos da
estância
Documentos
relativos,MTV,
1938.AGS, Leg
7410. Doc
apreendidos
por Viana em
S. Lourenço
Papel
343
10. Cartas
(ao todo 7)
Guarani 1753 / Julho:
Reduções
orientais
sublevada
Cabildantes Repulsa guarani
missioneira aos
termo presentes
no Tratado de
Madri
Orig: A.H.N
(Madrid)
Matteos, 1949
Papel
11. Carta Tradução
(Citação
indireta)
17 fevereiro
de 1754
José Tiarayu
Resposta ao Pe
Superior: recusa
à mudança e ao
abandono das
terras / Quirini
otra informaçao.
Citada por :
Escandon, p.93
/ Tb in
Manuel
Quirino,
RAH/Madri
Papel
12.Carta
Traduçao
8 de julio de
1754
Corregidor Don
Joseph Mendau
Aviso ao Pueblo
da chega de um
barco
A.G. S
Legajo 7379
Papel
13. “Papel” de
Concepción
Traduçao Concepcion 6
de agosto de
1754
Apocrifo
Este papel se
embio a Yapeyu
a Maria
Santisima, y a S.
Xavier para que
convocaran los
Indios contra los
Hespañoles
A.G.S, Sec
deEstado, Leg
7424, doc 452
Papel
14.Carta
Tradução
Estancia de
las Yeguas,
Santa Rosa
27 de agosto
1754
Jose Tiarayu
Carta de Sepe
Tiaraju ao padre
Miguel de Soto .
Documentos
relativos...
MTV, 1938.
Copia: AGI,
leg 7410. Doc
aprendidos
Viana en S.Lou
Papel
15.Carta Menção/
traduçao
Meados de
1754, perto
De Ararica
Anônimo
(reproduzido por
Escandón em 2
septiembre de 1754)
Aviso de desafio
aos lusos: “ se
alli volvian a
arancharse
estuviesen
prevenido para
pelear”
A.H.N (Md)
Leg 120, 52, p.
26
Madeira
- una tabla
16. Carta a
Gomes Freire
Traduçao
do idioma
tape ao
Espanhol
Sao Miguel,
3 de outubro
de 1754
Maestro de capilla
Juan Antonio
Cavallaria
Pedem para “entregar
os dois de S. Borja” e
“inviesis la respuesta
a esta carta”, sabem
dos mortos no rio
Oficiais de S.M
escrevem a
Freire em
resposta a carta
enviada através
dos prisioneiros
retornados.
A.G.S. Sec
estado, Leg
7430, doc 50
Papel
17. Livro Traduçao
( 9 de
outubro de
1754)
Yapeyu,
1754
“livro
mediano 10
folias”
Cabildantes Agitação em
Yapeyu.
Comissões de-
marcadoras. Atri
tos no Daymal.
Copia/mss:
A.G I; Audie.
de Bs As, 304.
ou Falção
Espalter (1929)
Perga-
minho
18. Carta del
pueblo de San
Miguel al Tente
Miguel Araiecha
Espanhol
Tradução
San Miguel,
22 de octubre
de 1754
Alerta para que
o tenente não se
deixe enganar
pelos
portugueses
PASTELLS,
Tomo VIII, p.
198
Papel
344
19. Convenção
de Paz
Guarani e
espanhol
( redigido
nas duas
línguas)
Rio Pardo,
14/Nov
1754
Assinam: Caciques
de San Luis / Escrito
por Cristovão
Ybaravi
Armistício entre
Gomes Freire e
caciques
missioneiros
In: Relação
Abreviada
A G.S. Sec
Est. Leg 28.
Doc 150./3
Papel
20. Carta ao
povo de San
Luis
Tradução
18 de Nov de
1754.
* Todavia
relata os fatos
ocorridos no
dia 13 de nov
Francisco Arazaye
Notificação aos
índios de San
Luis do
armisticio com
G.Freire
Escandon,
p.272/4
Papel
21. Carta/ Relato
Tradução
Ano de 1754
Um índio de San
Luis
Relato dos
incidentes com
os lusos nos
arredores de rio
Pardo –1754
Doc. Relativo.
MTV, 1938.
Orig. Min. Rel.
Exterior
Papel
22. Carta (Papel
1)
Traduções
anexas ao
informe de
Thomas Hilson a
Valdelirios
Tradução;
documento
apreendido
com
Paracatu
Yapeyu, 4 de
agosto de
1754
Cabildantes y
caciques de Yapeyu
Os de Yapeyu
comentam ter
recebido a carta
enviada por seus
parentes e
respondem no
mesmo dia
A . G.S.
Secretaria de
estado, Legajo
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Papel,
todavia
não indica
a forma:
carta,
bi;hete,
aviso
23. Carta
(Papel 2)
Tradução Sem data Carta de Joseph Cuñi
a Paracatu
A respeito dos
papéis apreen-
didos aos
espanhóis por
Paracatu
A . G.S. Sec de
Estado, Legajo
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
idem
24. Carta
(Papel 3)
Tradução 14 de agosto
de 1754
Carta de Miguel
Xavier Aracu a
Paracatu
Comunica o
envio de um
pedido de
Paracatu
A . G.S. Sec de
Estado, Legajo
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
25. Carta
(Papel 4)
Tradução Agosto de
1754
Cipriano Hayra e
Miguel Xavier Arayu
escrevem a Paracatu
Avisam que os
pedidos foram
enviados “y
tambien la
polvora y el
papel blanco”
A . G.S. Sec de
Estado, Legajo
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
26. Carta
(Papel 5)
Traduçao
7 de agosto
de 1754
Mayordomos
escrevem a Paracatu
Avisa o envio de
polvora e balas e
da de saude de
um Mayordomo
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
27. Carta
(papel 6)
Traduçao 6 de agosto
de 1754
Todos los
mayordomos te
escrivimos ( A
Paracatu)
Comunica o
recebimento de
carta e confiam
em Deus
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
28. Carta
(Papel 7)
Traduçao
14 de Julio de
1754
Carta de Anacleto
Candire a Paracatu
Deseja proteçao
aos caciques e
soldados e
agradece as
palavras de
Paracatu
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
345
29. Carta
(Papel 8)
Traduçao
Sem data
Carta de Nicolas
Andariye a Paracatu
Carta longa
desejando
proteçao Divina
a Paracatu
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
30. Carta
(Papel 9)
Traduçao
Sem data
Carta a Paracatu.
Apocrifa, ao final: “y
que quiera que nos
ayudenmos todos los
Parientes”
Comunica o
recebimento da
carta (convoca-
çao) e confirma
comparecimento
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
31. Carta
(Papel 10)
Traduçao
20 de agosto
de 1754
Anacleto Candire,
escreve a Paracatu
Comenta que
tomou
conhecimento
das ideias de
Paracatu
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
32. Carta
(Papel 11)
Traduçao
Pueblo de
Yapeyu 22 de
agosto de
1754
Escreve Nicolas
Nenguiru (Natural de
Concepción)
Carta de
Neenguiru a
Paracatu sobre
os últimos
movimentos
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
33. Carta
(Papel 12)
Traduçao
17 de
setembro de
1754
Santiago “Caaendi”
(Indios de Yapeyu)
Aviso a Paracatu
da proximidade
dos espanhóis
em Salto Chico
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
34. Carta
(Papel 13)
Traduçao
22 de Julio de
1754
Nao esta assinada
Numero de
soldados movi
lizados: 239
“con ellos andan
17 caciques”
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
35. Carta
(Papel 14)
Traduçao
San Borja 30
de junio 1754
Carta do padre Juan
Francisco de
Valdivieso a todos
cabildantes de
Yapeyu
Solicita aos
cabildantes que
reconsiderem
sus resitencia e
peçam perdao
A.G.S. Sec
Estado, Leg
7425. Anexos
aos folios 145 e
146/ 15 papeles
Idem
36. Carta
(Papel 15)
Traduçao
Candelaria,
14 de enero
de 1754
Resposta de Matias
Strobel a carta dos
caciques
de Yapeuy
Que nao devem
temer nada aos
padres, e para
nao dar crédito a
palavras loucas.
a todos
cabildantes
Idem
37. Recitação
( Texto lido em
voz alta)
Tradução
S. Thome,
1754
Anônimo. Texto foi
lido por um músico
de S. Thome
Invoca a pro-
teção Divina e
denúncia as
pretensões
ibéricas
Escandon,
p.232.
Papel
346
38.
Cartas
Traduçao:
Arrazoado
do
conteúdo:
Yapeyu
Carta enviada a
S.Tome e Martires
pelos cabildantes de
Yapeyu
“(...)ambas bien
escabrosas,
avisando os
cabildos que os
padres de
Yapeyu, Cura e
compañero,
haviam se
portado
malisimamente
Nusdorffer,
1969, p.267.
Papel
39. Relacion de
lo que succedio
a 53 indios en
Rio Pardo
Tradução
para o
espanhol
realizada
pelo P.
Nusdorffer
San Luis ,
19 febrero de
1755
Chrisanto Nerenda
Obs: Ha uma cópia
de um papel de San
Luis (1754) narrando
o encontro com os
portugueses.( Doc
apreendidos Viana,
A .G.S , 7410, doc 5)
Narrativa dos
apuros dos
Guarani apri-
sionados em rio
Pardo por
Gomes Freire
A.H N, ou
Furlong, in
“Nusdorffer e a
novena parte”.
R.A.H/ Quirini:
“ indio
Historiador”
Papel
40. Carta ao
Superior das
Missões
Tradução
Yapeyu, 22
de fevereiro
de 1755
Assinam todos
cabildantes.
Secretário: Miguel
Cuirapoti
Lamenta o fato
do Corg de S.
Tome impedir a
passagem de 3
revoltosos en-
viados ao Sup.
Escandon,
p.294
Mss/Cervantes/
BN, doc: 1522,
Paragrafo 19
Papel
41. Argumen-tos
que los índios
devem presentar
a los españoles
Tradução
San Miguel y
Junio 16 de
1755 años
Na última
linha está
escrito:
“Hijos de San
Francisco de
Borja”.
Pasqual Yaguapo
Obs: No final há uma
carta de Pasqual
Yaguapo a Tiarayu.
Todavia, apenas
identificável nas
cópias manuscritas.
No Furlong este texto
ficou fundido a 1
mensagem ( aviso)
Para los indios
que han de
avistarse con los
españoles, les
ponga a la vista
que han de decir
los indios, para
que lo oigan
todos los caci-
ques y cavildo.
A .G.S;
Valladollid,
Seccion Estado,
Legajo 7410,
fol 8 ( es copia)
A.G.I
(Audiencia de
Bs As, Leg 42)
Papel
42. Copia de
carta traducida
de la lengua
Guarani
Tradução
Santa Tecla
30 de junio
de 1755
Apocrifa
Carta alertando
os exércitos
coligados da
reação Guarani
Diário da 2
Expedicion de
Misiones. In,
Revista
Histórica,
MTV, 1914
Papel
43. Carta de los
caciques que
encontro
D.Joseph de
Andonaegui
colgada en un
palo para mi
Traduçao
Santa Tecla
13 de junio
de 1755
Apocrifa
Mesmo
conteúdo da
missiva 43.
A.G.S,
Secretaria de
Estado, 7424,
doc 459.
Papel
44. Carta del
corregidor
Nicolas
Neenguiru
Tradução
Paso del
Rosário, 1
o
de
febrero de
1756
Nicolas Neenguiru
Carta aos
parientes
avisando que
sairam 32 indios
e soldados
PASTELLS,
Tomo VIII,
p.242. ( Doc.
4757);
A.G.I, Leg Aud
Bs As, 42.
Papel
347
45. Tradução de
carta escrita ao
corregedor Jose
Tiarayu
Tradução
Pueblecito de
San Javier, 5
de fevereiro
de 1756
Maiordomo Valentin
Ibarigua
Pedido de
informaçoes
escritas a respei-
to da oposição
indigena
Relação
Abreviada,
1757 (Lisboa)
In RIHGB,
Tomo XVI,
1853, p.233
Papel
46. Carta de
Pasqual
Yaquapo a
Miguel
Arayecha
(Ver 53)
Tradução
(Copia)
Sao Miguel 6
de fevereiro
de 1756
Mayordomo Pasqual
Yaguapo. Ha 3 datas
na carta. O trecho
mais longo é de 1754
e depois dois textos
curtos de fevereiro de
1756.
Carta ao
Tenente Miguel
Arayecha.
6 fevereiro:
“Acavaron de
llegar la gente
de Concepción y
los Martires”
A.G.I, Leg:
Aud de Bs As,
42, copia n 7.
Papel
47. Carta.
(Parece como
uma instrução)
Tradução
Sem
data/local
Anônima
Recorda as
obrigações e os
conflitos
passados . Culpa
Gomes Freire
pelos distúrbios
Relação
Abreviada,
1757 (Lisboa)
In RIHGB,
Tomo XVI,
1853, p.235
Papel
48. Carta aos
soldados
Tradução
1756
(provavel-
mente)
Xptoval Irapira
Relato aos
soldados dos
sucessos e
baixas militares
Doc. Relativos,
MTV, 1938
Papel
49. Narrativa
Funebre
No diário
consta a
transcrição
Guarani e
uma
tradução
4 de marzo de
1756
Miguel Mayra Registra a data
da morte de
Sepe e o número
de mortos na
batallha de
Caibaté.
B.N/R.J.
Continuação do
diário da
primeira
partida
demarcadora
Madeira
(Cruz)
50. Los indios
plantaron um
palo con una
carta para
nuestro General
Tradução
12 março de
1756
Anônimo
Resumo: Que
los cabildos de
los pueblos se
dan por bien
enterados del
contexto de la
que S.E les
escribio de la
estancia de
Santa Catalina.
Diario de
Graell,p.62.
Papel
51. Carta
Tradução
Estancia de
San lucas, 13
de marzo de
1756
( Carta
avisando
Andonaegui)
“ todos nosotros los
caziques de cada
Pueblo”
Informam o
apoio dos
Charruas e
Minuanos.
Lamenta que
apesar da boa
vontade do Rei
“los caciques ya
se an muerto en
esta tierra con
sus soldados”
A.G.S, Sec Est,
leg 7410
“Ynventario de
los papeles que
el Comandante
general Don
Jose Andonae-
gui entrego por
medio de su
secretario”.
Doc 5
Papel
348
52. Carta
Traduçao Del pueblo
de S.Miguel,
en los dias de
fiesta a
24 de marzo
de 1756
Theniente Miguel
Arayecha escreve ao
alcalde maior Simon
Tiarayu
“tambien ya ba
Neenguiru a
ayudarnos lleva 450
soldados el tambien
os há de ayudar”
Procura
arregimentar
soldados,
acredita na
resistencia
guarani mesmo
depois da
“averia” (doc 2)
A.G.S, Leg
7410.
“Ynventario de
los papeles que
el Comandante
general Don
Joseph
Andonaegui
entrego por
medio de su
secretario” .
Papel
53. Carta del
comum de las
Misiones
Tradução
Abril de 1756
Caciques, cabildos y
letrados
Conteúdo
bastante
impolitico y sin
ninguna
submision
Diario de
Graell,p.70
Papel
54. Carta do
cabildo de S.
Miguel
Tradução
Referência
indireta a
essa carta
8 de abril de
1756
Cabildo e povo de S.
Miguel
O rio (Tropy)
Toropy é
indicado como
local de encon-
tro com os lusos
Diário de
Jacinto Cunha,
RIGHB, 1853
Papel
55. Carta para
S.E em nombre
del comum de
los 30 pueblos
Tradução
17 de abril de
1756,
proximidades
de San
Martinho
Carta comun del
pueblo
Demonstram
sempre ser
impoliticos,
obstinados y
prontos a resistir
á las armas
Diário de
Graell, p.72
Tb citado
Escandon.
AHN, 120, 75,
p.25v.
Papel
56.Traducción
de um papel de
origem indígena
Tradução
Sem data,
local ou
assinatura
Anônimo
Oposição a
entrega dos
povoados aos
portugueses
Pastells, Tomo
VIII, p.257/8
(Doc: 4.767
Papel
57. Carta de
Miguel
Arayecha a
todos cavildos y
caciques
Tradução
1 de maio de
1756
Miguel Arayecha
“...los infieles han
llegado ya, y están de
compañeros nuestros
32 indios y 6 indias”
Informações
sobre a
movimentação
previa a 3 de
maio
A . G.S, Legajo
7410, doc 2
Tradução cartas
localizadas na
surpressa a S.
Lourenço.
Papel
58. Aviso
(grafado em um
haste de
madeira)
Tradução
(...)um pao
em pé e
nelle
escritas(...)
2 maio 1756
Anônimo
“Vos vindes
tomar nossas
terras. Nos nos
imos embora, e
Deos sabe o que
será”
Diario de
Jacinto Cunha,
p.277
(RIHGB, 1853)
Madeira
59. Aviso Tradução San Fernando
puesto de de
S. Angel.
2 maio 1756
Anônimo
“Ya nos vamos
todos daos prisa
á llegar á las
tierras que han
de ser vuestras”
Diário de
Graell, p.76
Couro
60. Carta Traduçao 3 de mayo de
1756
“reencuentro”
“esto no más
Christobal Yrapira”
depois ha un nome no
final; Christobal
Eranda
Participa seus
superiores da
guerra que
fizeram por
todas as partes e
que morreram
muitos
espanhóis
AGS, Sec Est,
Leg: 7410
“Ynventario de
los papeles que
el Comandante
Andonaegui
entrego por me-
dio de su secret
Papel
349
61. Carta aos
parentes
Tradução Sem local,
provavelmte
do dia 6 de
maio
Anonima Aviso da
chegada dos
espanhóis e
pedido de vacas
para comer
A . G.S, Legajo
7410, doc 3
Tradução cartas
localizadas na
surpressa a S.
Lourenço.
Papel
62.
Carta
Traduçao La Cruz, 15
de maio 1756
(“escribimos
nosotros
todos de los
30 pueblos”)
Tenemte Juaquin
Guaracuye
Carta aviso,
exclusiva aos
espanhóis:
afastem-se dos
portugueses.
A.G.S, Sec.
Estado.Leg
7410, doc 9
Papel
63. Carta aos
índios da outra
banda
Tradução Maio de
1756
Os índios de S. Luis,
S. Angelo, S.João,
S.Lourenço e S.
Nicolau
Aviso aos paren-
tes ocidentais
da eminente
invasão das
reduções. Estão
preparadios para
morrer.
AHN. Legajo
120.Clero-
jesuítas, caja 2,
documento 59/
Expediente 5.
64.Carta
Tradução 20 de junio
de 1756
Naturales de San
Luis
Indios escrevem
a J.J Viana para
que les favore-
ciese com
motivo de
nuevas
propostas
Diario de
Graell, p.102
Papel
65.Copia de
carta traducida
al castellano
(Março de 1756)
Carta
escrita por
Primo
Ibarenda ,
servidor de
São
Miguel
Relata os
acontecimen-
tos de 1753,
(Setembro) .
Assinada por Primo
Ybarenda
Missiva dirigida
ao governador
narrando fatos
relacionados as
atitudes dos
indios de São
Luis.
A .G. I, Bs As
42, Anexo 12
de Andonaegui;
PASTELLS,
Tomo VIII,
p.246/7
Papel
66. Carta curta
do pueblo de
Yapeyu ao
Marques ( de
Valdelirios?)
Guarani
c/tradução
Espanhol
Yapeyu, 8
noviembre de
1756
Corregidor Miguel
Guanuruma
Carta de boas
vindas e de
reconhecimento
as autoridades
hispanicas (
A .G .S, Leg
7424, doc 181.
Papel
67. Diario
Tradução
“Diário”
apreendido em
San Lourenço
em 1756
Documentos
relativos,
MTV, 1938.
Orig: Min. Rel.
Exterior
Couro
68.Bilhete Guarani 3 agosto 1757 Hilaryo Yrama Relato aos
guarani que
permaneceram
nas reduções “de
las cosas” que
ocorreram no
Paso do Ybycuy
AGN, Sala
IX,6,10,2
Papel
350
69. Bilhete Guarani 23 Septiem
bre de 1757
( S. Borja)
Aldalde Hilario
( Hilario Yrama)
Bilhete de
Hilario a Bruno
Zavala narrando
incidentes nas
estancias
AGN, sala IX,
6,10,2.
Papel
70. Relação
capitular
Guarani 26 febrero de
1758, S.
Tiago
Diego Ignacio
Tabariyu
Registra número
de soldados,
cavalos e armas
utilizadas nas
ações bélicas
Mitre Papel
71. Carta
( ao Gov de Bs
As)
Guarani San Ygnacio
Guazu, 24 de
febrero 1758
Corregedor Dn
Valeriano Catie
Mitre Papel
72.Carta
( ao Gov de Bs
As)
Guarani Santa Rosa,
26 febrero de
1758
Cabildo Sta
Rosaygua
Mitre Papel
73. Carta ao Pay
Antonio Plozer
Guarani
Candelaria 29
de deziembre
de 1759
Capn Eusebio
Guaracu
Saudação ao
padre Plozer e
pedido de tecido
AGN, sala IX,
6,10,4
Papel
74. Relação
capitular
Guarani 21 de febrero
de 1761, N.
As de Fee
Dionisio Aracurena Relaciona os
conflitos ocorri
dos a partir de
1738
Mitre Papel
75. Carta (ao
Gov de Bs As)
Guarani Trinidad 14
de abril 1761
Secretario Miguel
Yere
Mitre Papel
76. Reseña del
Pueblo de Sta.
Maria Mayor
Guarani/
Espanhol
Santa Maria
Mayor, 8 de
abril de 1761
Assinam os
cabildantes, menos o
secretário!
Relação de
armamentos
preparados para
lutar contra os
lusitanos
Mitre
Papel
77. Informe Guarani/
espanhol
Martyres 16
de abril de
1761
Todos caildantes
assinam
Relação de
soldados e
armas
Mitre Papel
78. Resposta ao
Gov Zevallos
Espanhol San Inacio
Guazu, Mayo
9 de 1761
Valeriano Catie Mitre Papel
79. Carta ao Gov
Cevallos
Guarani/
espanhol
N. S de Fe,
12 de Mayo
de 1761
Todos- cabildantes
assinam
Informam ao
governador o
recebimento da
carta e avisam o
envio dos
soldados soli-
citados
Mitre
Papel
80. Oficio ao
Gov
Guarani/
Espanhol
Cruz, 25 de
abril de 1761
Todos cabildantes
assinam
Referente a
formar milicias
Mitre
Papel
81. Carta ao Gov
Pedro Ceballos
Guarani Itapuã, 1
o
Mayo, 1761
Consta os nomes do
Corregedor, alcaldes,
alferes e regidores
Mitre Papel
82. Carta do
Cabildo de San
Luis
Tradução 28 de febrero
de 1768
“tus pobres hijos, el
pueblo todo y el
cabildo”.
Relata feitos
passados e pede
a permanencia
dos jesuitas
Orig:Brithis
Museun, in
Melia, 1999
(Dhos y esc)
Papel
351
83.Carta ao Gov
Guarani
4 de marzo de
1768
Cecretario Juan Anto
Curigua
Saudação ao
governador
Bucareli.
AGN, sala IX,
6,10,7
Papel
84. Carta escrita
a S.M por los
corregidores y
caciques dos 30
pueblos.
Guarani ,
acompanha
tradução
para o
espanhol
10 de marzo
de 1768
Assinam todos
corregedores e
caciques presentes.
Carta conjunta
dos 30 pueblos
solicitando a
permanência dos
jesuítas ao Rei
Coleccion de
doc. Relativos
a expulsion de
os jesuítas
( Brabo)
Papel
85. Carta ao
Gov. Zavala
Guarani S. Miguel 12
de Agto de
1768
Then Dn Valentin
Ybarigua
Agradece ao
governador o
envio de novos
padres
AGN, sala IX
,6, 10,7
Papel
86.Carta ao Sr
Gov Dn
Francisco
Bucareli
Guarani
S. Miguel 13
agosto de
1768
Then Dn Valentin
Ybarigua
Pedido de
licença ao
governador
Bucareli para
obter cavalos
AGN, sala IX,
6,10,7
Papel
87. Carta:
Orerubicha Sr
Govr Marangatu
Guarani
Yapeyu, 27
de Agosto de
1768
Cabildo rerapipe che
Thnien te Narsiso
Guirabo ayquatia
AGN, sala IX,
6, 10,7
Papel
88. Carta ao Gov
Franco Paula
Bucareli
Guarani 18 septiembre
de 1768
Don Chrysanto
Tayuare
(Yapeyu)
Carta do cacique
Chrisanto
Tayuare ao
Governador
( um pedido)
AGN, sala IX,
6,10,7
Papel
89. Carta ao
Exmo Sr
Guarani
Yapeyu 26 de
Septiembre
de 1768
Diego Guacuyu
AGN, sala IX,
6,10,7
Papel
90. Carta ao
Excmo Sro Govr
y Capn Genl.
Espanhol Pueblo de la
Cruz 8 de
mayo de 1769
Consta o nome de
cabildantes e
cassiques. Secretario
de Cavildo Domingo
Araguira
AGN, sala IX,
18,5,1
Papel
91. Carta ao
Governador
notificando a
morte do Cor
Yapeyu. Cabildo
envia nomes
para prover
cargo
Espanhol
Yapeyu, 21
de Junio de
1769
Alguns cabilbantes
assinam o
documento.Secretario
de cabildo: Santiago
Naia
Eleição de novo
corregedor.
Alguns nomes
são indicados
pois “son
inteligentes por
saber leer y
escrivir”
AGN, sala IX,
18,5,1
Papel
92.Carta ao
Exmo Senor
Espanhol
Pueblo de la
cruz y 8 de
noviembre de
1769
Antonio Tupaye
maestro de música.
Chrs tobal
Guiraygue e Marcos
Ybae –músico
Carta escrita por
mestres de
música
AGN, sala IX,
18,5,1
Papel
93. Carta ao
Ecxmo Sor
Espanhol
Pueblo de la
cruz 8 de
Noviembre
de 1769
Eustaquio Guapayu
( mestre de niños)
Solicita que o Pe
Francisco Manu-
el Antonio Yrra-
zabal fosse indi-
cado como cura
AGN, sala IX,
18,5,1
Papel
352
94.Carta ao
Excmo Sor Govr
y Capn Gral Dn
Franco de Paula
Bucareli y Ursua
Espanhol Yapeyu 28
Noviembre
de 1769
The de Corregr Dn
Chrisanto Tayuare
Cacique solicita
ao Gov o oficio
em que consta a
sua nomeação
de Thenente de
Yapeyu
AGN, sala IX,
18, 5,1
Papel
95. Recibo Guarani/
Espanhol
Candelaria,
14 de marzo
de 1770
Vicente Chiy Recibo da ha
Cienda ao Pue-
blo de Apostoles
referente aos
generos embar
dos para B.Aires
AGN, sala IX,
18,5,2
Papel
96. Recibo
Guarani/
Espanhol
Candelaria,
23 de Marzo
de 1770
Procurador Jacobo
Mañura
Recibo do
procurador de
Martires Venda
de 20 novilhos
AGN, sala IX,
7,7,7
Papel
97. Relação de
Viveres
Guarani
Candelaria,
20 de abril de
1770
Lista com os
gêneros e
quantidades a
serem distribui-
das aos caciques
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
98. Recibo
Espanhol,
mas com
tradução
ao Guarani
Candelária,
11 de agosto
de 1770
Visto Bueno
Zavala
Recibo da
entrega de
cavalos
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
99. Carta ao
Administrador
General
Espanhol S. Borja y
Septiembre
de 1770
Corregidor cavildo y
Admi del Pueblo de
S.Borja
Pedido de
artigos por conta
da construção de
carretas
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
100. Carta as
Senor Admn
General Dn
Juliano Grego
Espinosa
Guarani A 1 de
diziembre de
1770
Assinam varios
cabildantes
Cor/Alc/Reg Secret
de cav Lorenzo
Faustino Yoritu
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
101. Não consta
cabeçalho
( 1 página)
Guarani
Martires 16
de deziembre
de 1770 (?)
Atento servr
Che penderayhupa
tete Noeray poriahu
Estanislao Gueyu
Comunica a
respeito de uns
“ferros” a
resgatar (?)
AGN, sala IX,
22,2,7
Papel
( formato
de bilhete)
102. Oficio
Espanhol Diziembre de
1770
Por mi y por todos
cabildantes que no
saben firmar lo firme
yo por ellos Sec Se-
beriano Yapiyiu/Sec
Bartolome Mbiraba
Esclarece que
tudo o solicitado
chegou bem
acondicionado
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
103.Notificação
de envio de
certificação
Espanhol Loreto y
febrero 25 de
1771
Juan Antonio de
Vgalde
Relaciona os
generos e bens
enviados a
redução
AGN, sala IX,
18, 5,2
Papel
353
104. Ata de
reunião capitular
espanhol
Candelaria 9
de marzo de
1771
Por el Corregr Dn
Juan Paracatu yo el
Secreto de Cavd
Simon Guariho.
Segue assina tura de
3 cabildantes
Relação dos
Gêneros
despachados a
Bs As
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
105. Oficio de S.
Miguel ao adm
Gen. Julian
Gregorio
Espanhol San Miguel 7
de julio de
1771
Secretário de cavildo,
Primo Ybarenda e
demais cabildantes
Pedido de
repasse de
recursos prove-
niente da venda
de produtos em
Bs As
AGN, sala IX,
18, 5,2
Papel
106. Espanhol San Borja 13
Noviembre
de 1771
The de Corregdor
Cvs y Cqs.
The Cor.dor Pedro
Mbaray. Antemi el
secretario de cavildo
Dn Enrique Apoguay
Papel
107.
Certificação de
escla-recimento
Espanhol Santo Thome
a 21 de
dezembro de
1771
A ruego do Corrg.
Por mi y por los
demas de cavildos yo
el Regr Miguel Suyra
Gyagua
Esclarecimento
e prestação de
contas
AGN, sala IX,
17, 4,5
Papel
108.
Certificado
Espanhol San Miguel
22 diziembre
de 1771
Por mando de sus
mayordomos Primo
Ybarenda. Sec de
cabildo.
Certificado de
envio de gêneros
(erva, etc) a Bs
As.
AGN, sala IX,
17,4,5
Papel
109.
Carta al Sr Adm
Gral Dn Julian
Gregorio
Espinoza
Espanhol Corpus, 15 de
Enero de
1772
Cor. Sebastian Jph
Oguenda, Tem
Joaquin Curunde. Por
mi y por los demas
del cavdo que no
subem firmar
Honorato Aguay
SSo de Cav
Solicita
pagamento do
soldo do
Administrador
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
110. Carta do
cabildo ao Sr
Gov y cap Gral.
( 3 pags)
Espanhol San Carlos y
Febrero 9 de
1772
Consta Corg Alcades
e Regidoes. Sec. De
cabildo Mar tin
Yarapi
Reclamação
contra “a
insolencia del
R.P fray Anto
nio Romero...”
A G.N Sala
IX, 22,2,7
Papel
111.Carta ao Sr
Admor Gral de
estos Pueblos
Dn Juan Angel
Lescano
Espanhol
San Carlos 9
de febrero de
1772
Ass Cor, Then,
Alcaldes (1 e 2)
Secretario de cabildo
Martin Yarapi
Aviso de
remessa de erva
mate
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
112. Carta
acusando
recebimento de
erva
Espanhol San Joseph
21 de marzo
de 1772
Ass. Cor Cornelio
Mingu, Casique Dn
Damaso Yboyu,
Casique Dn Jph
Secretario da cavildo
Conrad Chabane
Acusa
recebimento de
generos do povo
de Santa Maria
Maior
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
113. Denuncia
Espanhol San Juan 30
de enero de
1773
Cacique Principal
Ignacio Mbaegue ( y
mas nueve caciques)
Denuncia contra
o Administrador
Antonio
Isasuiribil
AGN, Sala IX,
17,4,6
Papel
354
114. Denuncia
Espanhol
San Juan 10
de febrero de
1773
Cacique Principal
Ignacio Mbaegue ( y
mas nueve caciques)
Denuncia al
protector de
Indios de Bs As
AGN, Sala IX,
17,4,6
Papel
115. Certificado
Guarani Santos
Martires 28
de abril de
1773
Consta o nome do
Corregor, Theniente,
Alcalde (1 e 2 voto).
Covae Cavo ndoyqua
baerape ayquatia che
Andres Chaguarucai
Secreto de Cavildo.
Certificado do
cavildo em favor
de Juan Matheo
Martinez
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
116.Carta Sor
Admor Gral Dn
Juan Angel
Lascano
Espanhol Santiago 10
de Mayo de
1772
A ruego do Correg e
Theniente de Cor.
As:Alcalde de 1 voto
Honorato Mbocachy,
regidor Santiago
Tembetagui de que
doi fee Secret de Cav
Po Santiago Guirati
Fatura dos ge-
neros enviados.
Adverte para
não entregar
vestimenta para
tripulantes ,
serao dadas na
volta.
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
117.Carta do
cavildo
Guarani Corpus 18 de
Mayo de
1772
Ass: Cor Sabastian
Jph Oguenda, Tem
Joaquin Curunde, Ss
de cavildo Honorato
Aguaiy
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
118. Carta ao Sr
Adm Gral Dn
Juan Nagel
Lescano
Guarani
Corpus, 20 de
mayo de 1772
Nderay poriahu
Thom, Paraoyayo
Mitre
Papel
110. Lista de
Indios
Espanhol Jesus, 4 de
junio de 1772
Por mi y los demas
de cavdo que no
saven firmar yo SS
de cavdo Faustino
Jrengari
Indios
tripulantes de
um barco
Mitre Papel
120.
Certificado
Espanhol
Yapeyu 25 de
Junio de 1772
Dn Zotio Chepota,
Dn Franc Tararaay,
Dn Felis Arey, D
Melchor Avera
Certificado em
favor de Dn
Bernardo Bare-
las maestro de
primeras letras
desse pueblo
para q.o paguem
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
121. Certificado
de serviços
prestados
Espanhol Yapeyu 30 de
Junio de 1772
Dn Zotio Chepota.
Dn Franco Tararaay,
Dn Felis Aray, D,
Melchor Avera
Pede ao Adm
para pagar o que
se deve ao
maestro de
embarcação.
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
122. Recibo
Espanhol
e
acompanha
tradução
ao Guarani
Santos
Martires 12
de agosto de
1772
Corregor hae opacaru
Cav.o rehequatia
ndoyapoyu bae
rerapipe che Secreto
Cavo Andres
Chaguanuca
123. Carta al
Franc Bruno de
Zavala Govr de
Prov del Parana
y Uruguay ( 5 p)
Guarani
San Juan a 13
de octubre de
1772
Assinatura de varios
cabildantes e Che
secretario Cavildo
Ambrosio Ticho
AGN, sala IX,
22,2,7
Papel
355
124. Guarani Martires a 6
de febrero de
1773
Corregedor Don
Chrisogono Ybapoti
hae y cavildo. Andres
Chaguarucay Sec de
cavildo
AGN, sala IX,
22,2,7
Papel
125. Informe ao
Administr.
Guarani Marzo 11 de
1773
Secretario Pablo
Aritucu
Lista de gastos Mitre Papel
126. Carta ao Sr
Capitan Genl Dn
Juan Jose de
Vertiz
Guarani
Sn Ygnacio
Miri 23 de
Agosto de
1773
Ass Piloto Fran.co
Añenda . Secretario
Simeon Ybari
Pedido de
licença para
embarcar
mercadorias
AGN, SalaIX,
18,6,6
Papel
127. Carta Al S.r
Governador
Guarani Sn Cosme,
s/d
Piloto Hipolito
Chandi ay quatyamiri
anga ndebey Cecret.o
Mauricio Caaracá
Sobre o
embarque de
mercadorias
AGN, Sala IX,
18,6,6
Papel
128. Carta
ao Adminis-
trador
Guarani
San Lorenzo,
29 de agosto
de 1773
Aiquatia miri ndebe
Sor Gen che
Raimundo Tacurari
Mitre
Papel
129. Carta ao
administrador
Guarani 4 de julio
1774
Don Joseph Angelo Mitre Papel
130.Carta ao Sor
Govr y capitan
Gral Dn Juan
Joseph Vertiz
Espanhol
San Jose, 28
de marzo de
1775
Ass Ubaldo Mpmei
(Then de Cor). Por
mi y los demas de
cavdo que no saven
firmar firmo yo Fran
Xavier Arica Sec de
Cavildo
AGN, sala IX,
17,6,3
Papel
131.Pedido de
licença ao Sr
Thente de
Governador para
Espanhol
Candelaria
7 de
diziembre de
1775
Ass. Regidor de 1
voto Capitan
Francisco Cayra
Pedido de li-
cença para
carregar um
barco de madei-
ras e despacha-
lo a Bs Aires
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
132. Pedido as
Sr Governador
Ynterino
Guarani
com
tradução
ao
espanhol
Buenos Ayres
23 de Agto de
1776
Theneinete de Corr
Leon Tyra , che
Secret Ygn Xavier
Ariapu
Condutores de
generos a BsAs
solicitam um
poncho, um cu-
chillo y bonete
AGN, Sala IX,
17,6,4
Papel
133.Carta ao
Cavildo
Guarani Paysandu, 9
de septiembre
de 1776
Suserbidor Dn
Melchor Abera,
Rufino Chanaha
O casique Mel-
Chor Abera
avisa o cavildo
da intenção de
ataque minuanos
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
134.Carta ao
Gov Dn Juan
Valiente
Guarani
(Com tra-
dução ao
espanhol)
Concepción
Sem data,
(Provavelmen
te de 1776)
Correge Dn Pedro
Curimande e Sec de
cavildo Francisco
Arapy
Quanto a perde
de sua estancia
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
135. Pedido de
licença
Espanhol San Ygnacio
Guazu,
deziembre de
1776
Arruego del Correg
Thoma Paragua. Ass:
Then Ignacio Zabe,
Reg Fernd Yaguaracu
Reg Bernd Ñangara.
Por los demas del
cavdo Bernd Ñangara
Pedido de
licença para
despachar um
barco a Bs Aires
AGN, Sala IX,
17,6,4
Papel
356
136. Carta ao
Sor Govor y
Ten.te Reg
Guarani San Ygnacio
Guasu, s/d
Che reg.dor mayor
ndayapoq .a y cuatia
recorupe oromoy
hera pipe. Secretario
Bern. Ñangara
AGN, Sala IX,
17,6,4
Papel
137. Carta ao
Señor Then
Governador Dn.
Juan Valiente
Guarani
( Acompa-
nha tradu-
ção ao
espanhol)
San Jose, 9 de
noviembre de
1776
Ass: Ubaldo Mpmei
(Corg), Francisco
Borxa Thihe (Ten
Cor). Por mi y los
Cab que no saben
firmar firmo yo Ju-
liano Poti Sec Cavdo
Informa a
respeito do erval
desse pueblo,
queixa contra o
novo
Administrador
AGN, sala IX,
17,6,3
Papel
138. Certificado
Espanhol
San Miguel
19 de
Diziembre de
1776
Correg Rafael Paire.
Por mi y por demas
de cabdo que no
saben firmar Rafael
Cuyu. Secret de
Cavdo
Certificado de
serviço prestado
por Manuel
Angelo como
maestro de
primeras letras
AGN, sala IX,
17,6,4
Papel
139. Carta do
cura de Jesus ao
Governador
Espanhol Jesus, 30 de
novembro de
1776
O cabildo subcreve o
documento. Por mi y
los demas del
cavildo. Alc 2 voto
Leandro Sanday
Arrazoado das
causas da
decadência
material do
Pueblo.
AGN, sala IX,
17,6,3
Papel
140.Carta do
Administrador
de Trinidad
Espanhol Trinidade, 2
de diciembre
de 1776
Cabildantes
subscrevem
documento. Correg
Antonio Taperati,
Alc 1 voto Sabino
Yabie e Por mi y los
demas... Secretário
Feli pe Yepopici
Comunicado
informando a
ruina da Igreja
desse povo
AGN, sala IX,
17,6,3
Papel
141.Ratifica-ção
dos informes
Espanhol Candelaria, 9
de diziembre
de 1776
A petissioin del
Correg, cavildo y
Adminstrador del
citado Pueblo
A respeito da
ruina material de
Jesus e Trinidad
AGN, sala IX,
17,6,3
Papel
142. Razon de
los efectos que
necesita este
dicho Nro
pueblo Asaver
Espanhol
Santiago 19
de deziembre
de 1776
A ruego do Corr e
Theniente Cor. Por
los demas del cavdo
q no saben firmar y
por mi su secrt Juan
Ygno Guapayu.
Pedido de
roupas,
descriminando
gêneros e cores
AGN, sala IX,
17,6,4
Papel
143. Carta ao Sr
Gov
Guarani N. Sra de
Fee
Ass: Mayord.mo
Ciriaco Piracaru.
Capn Silberio Puripo.
Secret Xtobal Pana
AGN, Sala IX,
17,6,2
Papel
144.
Declaração de
recebimento de
animais
Espanhol
San Joseph a
2 de abril de
1777
Ass Correg Cornelio
Mingu – Adm
Manuel
Carrera e casiques.
Sec Ramon Guayuri
Consentimento
quanto a compra
de animais
AGN, sala IX,
18,5,2
Papel
357
145. Carta ao S
Dn Juan
Valiente
(Theniente de
Gov)
Espanhol
Loreto 24 de
abril de 1777
“Y somos su humilde
Criados Cavdos y
casiques”. Consta o
nome dos cabildantes
não assinam! Sec:
Miguel Arapuca
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
146. Carta do
Administrador
ao Theniente de
Gov Dn Juan
Valiente
Espanhol
Loreto a 1 de
Maio de 1777
Ass Lorenzo de Ugar
te. “ Por todos ca-
pitulares de el Cavil
do firmo yo Miguel
Arapuy, Sec Cavdo
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
147. Carta ao Sr
Gov.or
Espanhol
Apostoles 27
de agosto de
1777
Corregd.or, Alcalde
de 1 voto e Alfs Real.
Y por los demas del
Cavdo Ygnacio Che-
rembi Secreto de Cav
Pedido de
licença para
despachar um
barco a Buenos
Aires.
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
148.
Confirmação do
memorial
recebido
Espanhol
San Cosme
25 de enero
de 1778
Arruego del Corregor
q.e no save firmar.
May.mo Migl Guari.
Por mi y los demas
del cav. Q. no saven
firmar. Secreto de
cav Cirilo Yavacu
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
149. Consulta
aos Sres
Corrgor,
Cavildos ae
Casiques
Guarani,
com
tradução
ao
Espanhol
San Carlos 2
de marzo de
1778
Ass: Corrg Juan
Bapta Caya. Alc de 1
voto Ygnacio Mong.
Por mi y los demas
del cavildo y Casi
ques, q no saben
firma. Nicolas Yrie
Resposta do
cabildo.
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
150. Pedido de
licença
Espanhol Corpus 4 de
março de
1778
Ass: Corred Dn
Honorato Aguaiy.
Por mi y los demas
del cabildo que no
saben firmar. Secre-
tario Juan “Cluve”?
Pedido para
remeter um
barco a B. As (c/
mercadoria).
Indica o no de
tripulantes
AGN, Sala IX,
17,6,3
Papel
151.Carta ao
Exmo Sr Virrey
y Capitan Genl
Guarani San Carlos y
Sept.e 30 de
1778
Coreg. Juan Borxa
Caya. Por mi y los
demas de Cavdo que
no saben firmar
Nicolas Yrie,
Secretario de Cav.dos
AGN, Sala IX,
17,6,3
152. Guarani Candelaria 17
de diziembre
de 1778
Ass cabildantes e ca-
ziques. “Por mi y los
demas del cavd q. no
saben firmar firmo yo
Pedro Gueyus. S.Cvd
Mitre
Papel
358
153. Razon de
los indios em-
pleados en el
Real Serbicio de
este Pueblo de
Sn Lorenzo
Espanhol
San Lorenzo,
25 de mayo
de 1779
Consta o nome do
correg e assinatura
de alguns cabildantes
Ao final; Por mi y los
de mas del cabildo
que no saben firmar.
Firmo yo Ygnacio
ndachey Sec Cabildo
Relato cronolo-
gico de 1773 a
1779 dos ser-
vicos prestados
por San Lorenzo
nos últimos 6
anos ao estado
colonial
AGN, sala IX,
22,2,7
Papel
154.Carta ao
Adm Geral del
pueblo de Itapuã
Guarani Itapua, 21 de
febrero de
1783
Assinam varios
cabildantes. Ao final
do doc: ”Por los
demas de Cass q. no
sabe firmar” Secreta
Mitre
Papel
155. Carta ao Sr
Then. Gov
Espanhol Martires, 10
de junio de
1783
ASS. Andres
Chaguarucay, Corrg.
Y por los demas de
cavdo que no saben
firmar firmo yo Ra-
mon Arari, Sec Cavd
Quanto ao
aumento das
vaquerias
AGN, sala IX,
18,3,5
Papel
156. Plano o
mapa del Pueblo
de Santo Thome
Espanhol 9 setiembre
de 1784
Nos el corregedor y
administrador
remitimos el Plano de
las tierras...
Mapa com
inscrição no
rodapé
Particular.
Cópia in
Furlong,
Cartografia,
1936.p.122
Papel
157. Certificado
da Junta
Superior de Real
Hacienda de
Buenos Aires
Espanhol San Luis, 7
de maio de
1785
ASS: Santiago. Ygnc
Pindo. Por los demas
del Cavdo que no
saben firmar
Hermeneg.do Curipie
Secret.o de Cav.do
Sobre os gastos
e destino dos
recursos da Real
hacienda
AGN, Sala IX,
18,3,5
Papel
158. Certificado
ao
Administrador
Espanhol
(É cópia
certificada)
Yapeyu, 30
de outubro de
1785
Em espanhol figura o
nome de varios
indios e depois “Y
por los demas de
Cabildo que no saben
firmar- Hilario
Arado- Sec de cavild
Certifica que o
administrados
prestou serviços
nos ultimos 5
anos.
A.G.I, Leg Aud
Bs As,323
159. Memorial
do Povo de San
Miguel
Guarani,
acompanha
tradução
ao Español
San Luis 14
de julio de
1786
Cherera ape Primo
Ybarenda (Como fiel
avalista dos caciques,
assina “a ruegos”).
Solicita a
substituiçao do
administrador de
S.Migiuel.
AGN, Sala IX,
18,33,5
Papel
160. Certificado
Espanhol S. Inacio
Mini 2 de
octubre de
1786
Por el correg y por
mi Casiano Guacu
(Alcde 1 voto). Por
mi y los demas
Casiano Añenia. Sec
cavildo.
Acusa que não
houve remessas
de frutos nesse
ano
AGN, Sal;a IX,
18,3,5
Papel
161. Memorial
conjunto
Espanhol
San Juan y
Sto Angelo,
deziembre de
1786
Correg Miguel
Apirabe/ Por mi y los
demas de cavdo q.e
no saben firmar/D
Farnco Faya, Sec
cav/ Por mi. Lorenzo
Agua. Sec de cavd
A repeito de
cirurjanos,
enfermidades e
assistencia nas
reduções or.
AGN, Sala IX,
18,3,5
Papel
359
162. Procedi-
mento eleitoral
( 3 pags)
Espanhol.
Copia do
original.
San Nicolas,
13 octubre de
1787.
Ygn Ybariri (Correg)
Severino Yaracuy
(Sec Cavildo)
Normas para a
eleição dos
cabildos
AGN, sala IX,
25,7,6
Papel
163. Certificado
ao
Administrador
de S.Miguel
Espanhol
Pueblos del
Departamento
de San
Miguel y
enero 2 de
1798
Em letra de índio
algumas assinaturas e
dos secretários.
Certifica o bom
governo do
departamento de
S.M pela admn.
do Tn Gov
Sebastian
Planchon
A.G.I, Leg:
Aud Bs As, 323
Papel
164. Copias de
cartas de varios
Cabildos de
Indios Guaranis,
de algunos de
sus individuos, y
Curas de sus
respectivos
Pueblos, que
manifiestan el
juvilo, y dan
gracias por la
variación de su
Gobierno
opresivo en
Comunidad(..)
Espanhol/
impresso
Escuela de
san Xavier, y
Nov 12 de
1800
D. Faustino Tarupa.
Pasqual
Ibaye
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
para la historia
Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
165. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
En 20 de
Noviembre
de 1800, anos
=Pueblo de
Sn Fran.co
Xavier.
Interpretado
al pie de la
letra por el
interprete…
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
para la historia
Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
166. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Pueblo de Sn
Fran.co
Xavier, y
octubre 20,
de 1800.
LASTARRIA,
Miguel. Doc
para la historia
Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
167. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Guarani/
Espanhol
Pueblo de
Itapua á 21 de
Septiembre
de 1800
“no le escriben
en la idioma
castellano, sino
en la lengua
vulgar, y tras
lado al pie de la
letra en Caste-
llano la
significación de
la carta, y es
como sigue:
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
para la historia
Argentina. Bs
As, 1914-1921
360
168. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Pueblo de
Santa Maria
la Mayor, y
Octubre 20,
de 1800
LASTARRIA,
Miguel. Doc.
para la historia
Argentina.BsA,
1914-1921
Papel
169. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Pueblo de Sn
Carlos, y oct
23 de 1800.
LASTARRIA,
Miguel. Doc
para la historia
Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
170. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Pueblo de Sn
Franco
Xavier y Oct
21 de 1800
Roque Cayuta
Corregidor= Bernar-
do Crosa= Alcalde 1
Dn Gavino Naduti=
Por mi, y los demas
de Cabildo que no
saben firmar.=
Eusebio Aguaya Sec
de Cabildo.
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
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Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
171. Copias de
cartas de varios
Cabil-
dos de Indios
Guaranis…
Pueblo de Sn
Franco.
Xavier, y
Enero 20 de
1801.
Roque Cayuta
Correxor= Bernardo
Crosa= Por mi y los
demàs de cabdo que
no saben firmar=
Franco de B.a
Bbatariyu Secretario
de Cabildo.
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
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Argentina. Bs
As, 1914-1921
Papel
172. Copias de
cartas de varios
Cabildos de
Indios
Guaranis…
Espanhol
En 19 de
agosto de
1800
Copia del memorial
de D.n Pedro Jose
Sapi cazique
principal, y
Corregidor del
Pueblo de Atira
LASTARRIA,
Miguel.
Documentos
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Argentina. Bs
As, 1914-1921
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