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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
TRAJETÓRIAS DE VIDA, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE, E PROJETO
POLÍTICO DA BURGUESIA “MUDANCISTA” CEARENSE (1978-1986)
Altemar da Costa Muniz
2007
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2
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em História Social
TRAJETÓRIAS DE VIDA, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE, E PROJETO
POLÍTICO DA BURGUESIA “MUDANCISTA” CEARENSE (1978-1986)
Altemar da Costa Muniz
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em História Social, do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em História.
Orientadora: Maria Paula Nascimento Araújo
Rio de Janeiro
Abril de 2007
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TRAJETÓRIAS DE VIDA, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE, E PROJETO
POLÍTICO DA BURGUESIA “MUDANCISTA” CEARENSE (1978-1986)
Altemar da Costa Muniz
Orientadora: Maria Paula Nascimento Araújo
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História
Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutor em História.
Aprovada por:
_______________________________________________
Presidente, Profa. Dra. Maria Paula Nascimento Araújo
_______________________________________________
Prof. Dr. Celso Corrêa Pinto de Castro
_______________________________________________
Prof. Dr. Marco Aurélio Ferreira da Silva
_______________________________________________
Prof. Dra. Marieta de Moraes Ferreira
_______________________________________________
Prof. Dr. Washington Luis de Sousa Bonfim
Rio de Janeiro
Abril de 2007
4
FICHA CATALOGRÁFICA
MUNIZ, Altemar da Costa.
Trajetórias de vida, espaços de sociabilidade, e projeto político da
burguesia “mudancista” cearense (1978-1986)/ Altemar da Costa Muniz – Rio
de Janeiro: UFRJ/IFCS.
x, 308f.:il.;29,7cm.
Orientadora: Maria Paula Nascimento Araújo
Tese (doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais/Programa de Pós-graduação em História Social, 2007.
Referências Bibliográficas: f.302-308.
1. História do Ceará. 2. História Política. 3. História do tempo presente. I.
Araújo, Maria Paula Nascimento. II.Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação em
História Social. III. Título.
5
RESUMO
TRAJETÓRIAS DE VIDA, ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE, E PROJETO
POLÍTICO DA BURGUESIA “MUDANCISTA” CEARENSE (1978-1986)
Altemar da Costa Muniz
Orientadora: Maria Paula Nascimento Araújo
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História.
Esta pesquisa estuda o processo histórico de construção do projeto político “mudancista” no
Ceará, tomando como foco de análise as articulações entre as trajetórias de vida de quatro
lideranças empresariais, que tiveram importantes papéis no surgimento deste - Bení Veras,
Amarílio Macedo, Tasso Jereissati e Sérgio Machado - com os espaços de sociabilidades,
onde estes homens conheceram-se e como desenvolveram suas concepções e ideários políticos
ao longo de suas gestões no Centro Industrial do Ceará (CIC), nos anos de 1979-1986.
Desta forma identificou-se idéias, valores e comportamentos que alicerçaram a formação da
geração “mudancista”, os formatos organizacionais escolhidos, os interlocutores, formas e
formatos de expressão que usaram para a divulgação de suas idéias, que naquele contexto
gerou um novo bloco histórico na política cearense.
Como conseqüência do desenvolvimento do trabalho, estudou-se também a dinâmica da
articulação deste grupo de empresários com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará
(FIEC como do CIC), onde se percebeu as diferenças em suas lógicas de constituição,
organização e tipos de sensibilidades desenvolvidos.
Palavras chaves: História do Ceará, História Política, História do tempo presente.
6
ABSTRACT
TRAJECTORIES OF LIFE, SPACES OF SOCIABILITY AND POLITICAL
PROJECT OF THE CEARÁ’S “ MUDANCISTA” BOURGEOISIE (1978 – 1986).
Altemar da Costa Muniz
Orientadora: Maria Paula Nascimento Araújo
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social,
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História.
This research studies the historical process of construction of “mudancista” political project
in the Ceará state, taking as analitical focus the articulations between the life trajectories of
four business leaderships - Bení Veras, Amarílio Macedo, Tasso Jereissati and rgio
Machado - which had important roles in the development of this project, and their spaces of
socialization, where these men met each ohter and how they have developed their concepts
and political ideals throughout their managements in the Ceará’s Industrial Center (CIC), in
the years from 1979 to 1986.
Hereby this study identified ideas, values, behaviours - that have found the basis of the
“mudancista” generation - organizational forms, interlocutors, figures and formats used for
spreading their ideas , which all combined generated a new historical movement in the story
of Ceará’s political scene.
As a consequence of this research , it has also been analised the dynamical links between that
group of business executives and the Ceará’s Federation of Industries - FIEC (as well as
CIC ), which identified expressive differences into their logics of constitution, organization
and developed sensitivities.
Key Words: History of Ceará, History politics, History of time present.
7
DEDICATÓRIA
Ofereço esta pesquisa àqueles que pelo trabalho da
tese, tiveram muito pouco de minha presença em
suas vidas, tão valiosas para mim.
A meus filhos Téo e Clarisse, com os quais pouco
pude brincar.
À minha mãe Aldenora e minhas irmãs Aldenira,
Aldenízia e Alrilângela, sem esquecer as “paulistas”
Aurenice e Aldenice.
A meu pai Francisco de Assis Muniz Barbosa.
Aos meus sogros Graça e Genésio.
À Ana Paula, minha esposa, companheira, namorada
e parceira nos sofrimentos dos cumprimentos de
prazos e nas alegrias de compartilhar vida,
intimidade e amor.
8
AGRADECIMENTOS
A produção de um trabalho acadêmico é algo muito árduo, penoso e difícil. Sem a
colaboração direta e indireta de muitas pessoas, seria impossível a sua realização.
Portanto, neste momento, tentarei dizer os nomes daqueles que contribuíram para que
esta tese se materializasse.
Primeiro à Universidade Estadual do Ceará, que permitiu minha ausência por quatro
anos, sem prejuízos salariais.
Aos meus colegas da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central
(FECLESC), que deram continuidade à vida acadêmica, para que eu pudesse estar no Rio de
Janeiro. Obrigado Manoel Alves, Manoel Carlos, Marco Aurélio, Erick Assis de Araújo,
Marcos Diniz e Edilberto Reis.
Ao colega Alexandre Barbalho pela cessão de livros esgotados.
Ao apoio dos meus diretores de Faculdade Rodrigo Maggioni e a Cláudia Régia. Aos
funcionários representados pelo Henrique Oliveira e Clodoaldo Tavares.
Ao Gisafran Jucá e ao Jackson Sampaio pelo empenho que demonstraram para que o
Programa de Qualificação Institucional com a UFRJ se concretizasse.
A CAPES pelo financiamento do PQI.
Aos aconselhamentos e sugestões valiosos dados pelos professores: Francisco Moreira
Ribeiro, Marieta Morais, Ciro Flamarion Cardoso, Carlos Fico e Washington Bonfim.
Às bibliotecárias da FIEC e da Biblioteca Pública Menezes Pimentel.
Às colegas Zilda e Noélia pelo apoio e solidariedade nos difíceis momentos da estada
no Rio de Janeiro.
Aos colegas do Programa de pós-graduação da UFRJ, Fabrício Silva, Fábio Koifman,
Carlos Campelo e Juliana Sorgine, com quem tive diálogos frutíferos e apoios emocionais
importantes.
9
Ao Bira e à Mônica por serem as agradáveis surpresas de amizades, tão difíceis na
“Cidade Maravilhosa”.
Aos companheiros de partido que demonstraram atenção pelo desenvolvimento da tese:
Ilário e Rachel Marques, Cristiano Góis, Airton Buriti e Ítalo Beethoven.
Ao deputado federal José Pimentel, ao Senador Inácio Arruda e ao jornalista Henrique
Cartaxo, pela assistência nas minhas pesquisas em Brasília.
À hospitalidade de Luiz Oswaldo e Elaine, na minha estada no Distrito Federal.
Aos colaboradores da pesquisa, meus cunhados: Patrícia, Camila, Alysson e meus ex-
alunos e amigos: Edinês Brito e Idson Ricart.
Ao Instituto Queiroz Jereissati na pessoa de Rejane Serafim e Nilton Almeida.
A Beni Veras, Nilson Holanda e Antônio Rocha Magalhães pela disposição em me
conceder importantes depoimentos para a pesquisa.
À Maria Castro pelo abstract e ao Danilo Oliveira pela ficha catalográfica.
E por fim, um agradecimento muito especial à Maria Paula, orientadora que sabe
conciliar a cobrança dos prazos e a liberdade de produção intelectual de seus orientandos.
Obrigado.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................11
I CAPÍTULO
ENTIDADES DE CLASSE E POSTURAS POLÍTICAS
I.1. CIC: REAÇÃO SOCIAL E CONSCIÊNCIA DE CLASSE (1919-
1950)........................................................................................................................... .34
I.2. FIEC: CULTURA EMPRESARIAL E POLÍTICA CORPORATIVISTA (1950-
1978)...................................................................................................................................41
I.3. FIESP: POSTURA POLÍTICA-EMPRESARIAL E A RELAÇÃO ESTADO ECONOMIA
(1980-1989)
I.3.1. CONTEXTO NACIONAL.............................................................................................56
I.3.2.CONFLITOS INTRA-EMPRESARIAIS PAULISTAS NA ABERTURA
DEMOCRÁTICA...........................................................................................................59
I.3.3 - A FIESP E O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA................................................69
I.3.4 - PROTECIONISMO E PAPEL DO CAPITAL ESTRANGEIRO.................................75
I.3.5 - A ATUAÇÃO NO CONGRESSO CONSTITUINTE...................................................78
II CAPÍTULO
CIC 1978-1986: RAZÃO ESCLARECIDA E CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO
II.1 - AS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DA CHEGADA AO CIC.........................85
II.2 – BENÍ VERAS: NOVAS BASES NA RELAÇÃO EMPRESÁRIOS E POLÍTICA
(1978-1980)................................................................................................................... 88
II.3 – AMARÍLIO MACÊDO: PROJEÇÃO NACIONAL E CONFLITOS LOCAIS
(1980-1981)....................................................................................................................117
II.4 – TASSO JEREISSATI: REARMONIZAÇÃO EMPRESARIAL E RADICALIZAÇÃO
POLÍTICA (1981-1983)................................................................................................140
II.5 – SÉRGIO MACHADO: MATURAÇÃO DE UM PROJETO POLÍTICO DE ESTADO
(1983-1985)....................................................................................................................167
III CAPÍTULO
1986: PROJETO POLÍTICO E PROCESSO ELEITORAL
III.1. O ETERNO DEUS MUDANÇA.................................................................................202
III.2 AMADORES VERSUS PROFISSIONAIS..................................................................215
III.3. PALANQUES E BASTIDORES.................................................................................240
III.3.1. COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICO-TRABALHISTA................................................240
III.3.2. MOVIMENTO PRÓ-MUDANÇAS........................................................................260
III.3.3. ANÁLISES JORNALÍSTICAS................................................................................280
III.3.4. CONTEXTO PRÉ-POSSE........................................................................................285
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................295
FONTES E BIBLIOGRAFIA...............................................................................................302
11
INTRODUÇÃO
15 de março de 1987. Rua Senador Carlos Jereissati, 901. 07h 30mim. O Sargento
Teixeira e mais dois homens se apresentavam ao futuro governador do Estado do Ceará, o até
então empresário Tasso Ribeiro Jereissati, para se engajarem no esquema de segurança para as
cerimônias de sua posse. Às 08h, chega seu superior, titular da Casa Militar no governo,
Gonzaga Mota, e Júlio Ventura, chefe da Casa Civil do governo que se findava. Às 09h Tasso,
acompanhado de sua mulher Renata, das filhas Carla, Natália e Joana, de sua mãe Dona
Lourdes e de sua sogra Dona Iolanda Queiroz, dirigem-se para a Catedral Metropolitana de
Fortaleza, onde uma multidão aguarda o futuro chefe do executivo cearense. Durante a missa,
um mendigo com roupa surrada e trouxa nas mãos, posta-se em frente ao altar atraindo a
atenção e os olhares de toda aquela gente vestida de paletó e vestidos alinhados. Estático,
acompanha os gestos do padre e reza, até que um dos seguranças pede que se desloque
daquele ponto. Durante o Abraço da Paz, uma senhora da Cidade 2000, um bairro popular de
Fortaleza, aproxima-se e abraça o empresário, entrega-lhe rosas brancas e deseja sorte na
administração. Na saída, o agricultor Francisco Jerônimo Santos, de Brejo Santo, sobe num
dos bancos e improvisa um discurso: “Pelas mudanças Tasso vai governar. É a nova
administração que chega. Tasso é gente da gente”. Depois, chora de emoção por “confiar no
novo governo”
1
. O ex-deputado, ex-amigo e correligionário do pai do novo governador, Oriel
Mota, diz: “Não será por falta de reza que este governo não dará certo”.
Às 09h45mim chega à Assembléia Legislativa, onde assinará o termo de posse e fará
seu primeiro discurso. Alguns promotores do evento mandam cobrir com um pedaço de tecido
o nome de Adauto Bezerra, que encima a fachada da Assembléia
2
. O novo governador é
recepcionado pelas lideranças partidárias representadas na Casa e levado para a Sala do
1
O Povo, 16 de março de 1987, pág. 04.
2
Tribuna do Ceará, 16 de março de 1987, pág. 03.
12
presidente da Assembléia, onde também o aguardam a prefeita Maria Luíza Fontenele, o
ministro dos transportes José Reinaldo, representando o presidente José Sarney, e Mauro
Benevides, representando o Presidente da Constituinte Ulisses Guimarães. Além de Antônio
Câmara, apenas três dos vinte e quatro deputados do PMDB vão cumprimentá-lo. Ao entrar
no Plenário, completamente lotado, encontra além de amigos, familiares e autoridades, as
galerias ocupadas por servidores em greve que trazem faixas com os dizeres: “Tasso, não faça
como o Gonzaga: pague em dia aos servidores do Estado”, “Os servidores da FEBEMCE
receberam o mesmo tratamento que o governo deu aos menores: a indiferença”, “ O Povo quer
mudança: salários em dia para os trabalhadores”, “Gonzaga Mota, cadê o dinheiro? Tratante”,
“Quem vive de promessa é santo. Queremos nossos pagamentos”
3
.
Após assinar o termo de posse, faz um discurso que desagrada a muitos
parlamentares do PMDB. A imprensa dirá mais tarde que, nas entrelinhas da fala do novo
governador, havia uma afirmação de que pretendia governar com o PMDB, mas que não se
deixaria governar pelo PMDB. Um destes deputados chegou a declarar em off para jornalistas
que “logo Tasso vai descobrir que não se faz política sem alguma concessão”
4
.
Na saída do Plenário, Tasso é abordado por uma mulher que pede um contrato de
trabalho para sua irmã. Outra, vestida com a camiseta da campanha, consege furar a segurança
e beijar o recém-empossado.
Ao meio-dia, chega em carro aberto ao Palácio da Abolição, sede do Governo do
Estado do Ceará. Uma multidão saúda o novo governador até ao seu destino final. Lá,
repórteres e autoridades o recepcionam e, ainda na entrada externa do Palácio, Gonzaga Mota
o acolhe. Dirige-se ao palco montado numa área aberta sob palmas, fogos de artifício e pelos
olhares dos populares contidos pelo cordão de isolamento da Guarda Especial do Abolição.
3
O Povo, 16 de março de 1987, pág. 03.
4
Ibidem, pág. 02. Segundo caderno.
13
Após a fala do governador que se despede, um emocionado Tasso Jereissati, como
chefe do executivo cearense, faz a seguinte declaração: “Nosso governo tem um patrão a
quem tudo devemos, que é o povo cearense”. Promete um governo correto em seus propósitos,
“escravo de nosso povo e permanentemente voltado para o serviço à população”. Lembra a
campanha eleitoral e a realidade encontrada no Interior do Estado, onde sua “falta de
experiência” o impede de olhar a pobreza de forma indiferente; de conviver com uma política
espoliativa, que retira dos pobres os mais elementares direitos; de perceber que o povo está
farto de seus padrinhos. Promete não se afastar dos compromissos assumidos, por maiores que
sejam as pressões. “Acoimar os abusos e ilegalidades, exigir dos servidores respeito e bom
tratamento ao povo, além de ser um bom ouvinte para os reclamos da população”. Após o
discurso, acompanha Gonzaga Mota até a saída do Palácio. Assiste a um desfile das tropas da
Polícia Militar e posse aos seus secretários. Ainda recebe uma comissão de servidores
grevistas da área da Saúde
5
.
Depois do Palácio da Abolição, Tasso e sua mulher Renata, junto com os deputados
recém-eleitos Expedito Machado e Moema São Thiago, além do vice-governador Castelo de
Castro e do suplente de senador Esmerino Arruda, sobem num trio elétrico ao som da música
Gritos de Guerra do conjunto Chiclete com Banana:
Vou caminhando entre flores e guerras
Vou deslizando entre o bem e o mal
Um pouco louco entre monstros e feras
Sou cavaleiro do juízo final
A esperança é uma flecha de fogo
Que faz arder no meu coração
Eu canto e grito de novo
Paz nesse mundo e união
5
O Povo, 16 de março de 1987, pág. 03.
14
Com essa trilha sonora, dirige-se para a Beira-Mar, onde mais de 30 mil pessoas
estão concentradas e onde Tasso de improviso, diz: “Quero renovar aqui e agora minha
promessa. A partir de hoje, o Ceará vai mudar. Ajudem-me a enfrentar as pressões, que serão
muitas”
6
.
Iniciava-se assim uma administração cujos líderes eram empresários, formados em
Escolas de Administração e Economia, com uma decidida finalidade de implantar um modelo
de gestão empresarial na máquina pública que, nas suas crenças liberais, significava a melhor
maneira de se criar um Estado desenvolvido e justo para a maioria da população. Os jargões
empresariais passavam a dar novas qualificações às palavras. O povo era patrão e algumas
vezes cliente dos serviços oferecidos pelo Estado.
Contando até 2007, quando Lúcio Alcântara entregou o cargo a Cid Gomes, essa
geração de empresários dirigiu o Estado do Ceará por 20 anos. Na visão destes protagonistas,
foram duas décadas de “sucesso de um bem elaborado Projeto de Desenvolvimento”.
Seus referenciais para embasar esta afirmação estariam no reconhecimento
internacional de organismos, periódicos e instituições; em teses de professores estrangeiros,
como da professora Judith Tendler, do Massachusetts Institute of Technology que, em 1997,
publicou Good Government in the Tropics, posteriormente traduzido para o Brasil como “Bom
Governo nos Trópicos”, em uma pesquisa sobre as políticas públicas do governo cearense nas
áreas de saúde pública preventiva, o apoio ao desenvolvimento de pequenas empresas, a
extensão rural para pequenos produtores e a criação de empregos, ações consideradas como
bem-sucedidas e que teriam criado algo inédito na cultura política brasileira: uma crença
positiva nas políticas públicas; e em um sentimento de que as coisas poderiam funcionar desde
que houvesse comprometimento da sociedade.
6
O Povo, 16 de março de 1987, pág. 04.
15
Segundo Judith Tendler, o que despertou seu interesse para o estado de uma das áreas
mais pobres do Nordeste brasileiro foi um artigo de três páginas da revista The Economist, de
Londres, em dezembro de 1991, sobre as realizações do Governo do Estado do Ceará, que
havia reduzido a folha de pagamento de 87% para 45% da arrecadação no período de 1987 a
1991.
O que talvez mais despertasse atenção tanto da professora como da revista inglesa
fosse o fato de que apesar das medidas adotadas – nitidamente antipáticas politicamente – essa
administração mantivesse altos índices de popularidade, como se comprovava pelos quatro
mandatos conquistados no primeiro turno nos pleitos de 1986, 1990, 1994 e 1998; na
eleição dos três senadores do Estado e na maioria parlamentar no legislativo estadual desde
1990; e no controle de oitenta por cento dos prefeitos.
Tal hegemonia não lembrava em nada os primeiros quatro anos do Governo das
Mudanças
7
, quando apenas seis deputados estaduais faziam parte de sua base na Assembléia
Legislativa; quando a imprensa qualificava de arrogantes e autoritárias as posturas de Tasso e
do secretariado; quando vários secretários foram substituídos para garantir a uniformidade de
pensamento e ação; quando os funcionários públicos, principalmente os professores,
promoviam greves por aumentos salariais e contra a retirada de direitos adquiridos
8
; quando o
Executivo sofria várias derrotas no Judiciário Estadual; quando os movimentos de
Associações Comunitárias e a Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza, dirigidas por
antigos aliados no pleito de 1986, pressionavam por melhores condições de moradia e
assistência social.
Nem dentro da elite do Estado, Tasso encontrou apoio, já que
7
Este termo foi a matriz discursiva de Tasso deste as eleições de 1986 e passou a ser o título dos logotipos das
propagandas do governo estadual: Governo das Mudanças, Avançando nas Mudanças, etc.
8
Um deles foi a revogação da lei estadual que criou o piso salarial dos professores do Estado, instituído no fim
do Governo Gonzaga Mota. Tasso defendeu esta conquista na campanha eleitoral de 1986, mas alegou sua
inconstitucionalidade.
16
chegou a um ponto que não era só a imprensa, eu não podia ir a um restaurante
mais grã-fino que as pessoas me viravam a cara. Era rara a pessoa que não
tivesse perdido alguma coisa, algum bico no Estado
9
.
Tal quadro adverso, entretanto, foi revertido em quatro anos. Ciro Gomes assumiu o
Governo em 1991, com maioria parlamentar; imprensa mais dócil, secretariado monolítico,
funcionários públicos desmobilizados e desarticulados, Justiça mais colaboradora e
movimentos comunitários cooptados.
Além do domínio do poder político, a Geração Cambeba
10
inovou no uso da mídia
nas campanhas eleitorais e nas propagandas governamentais, utilizando formas discursivas,
simbólicas e imagéticas que reforçavam a visão de modernidade do novo Governo. Produções
tecnicamente apuradas, com avançados recursos gráficos e de edição, que obrigou partidos,
candidaturas e administrações a fazerem do marketing uma das principais preocupações e
parcela expressiva de seus gastos. A agência que trabalhou para Tasso, por exemplo, foi
posteriormente utilizada na campanha eleitoral e na propaganda oficial de Fernando Henrique
Cardoso. Portanto, um objeto importante e que ainda não passou por um estudo histórico,
numa perspectiva de maior escala de análise.
O presente trabalho pretende tomar como objeto de estudo histórico a "Geração
Cambeba", o grupo de empresários e políticos que teve uma marcante influência na vida
política do Ceará durante cerca de 20 anos. Pretendemos analisar as trajetórias de vida de suas
principais lideranças e articulá-las com o estudo dos espaços de sociabilidade onde se
conheceram, e compreender suas práticas políticas, lógicas de interesses, motivações,
concepções e ideários políticos, dinâmicas de articulação, gicas de constituição e
9
RIBEIRO, Francisco Moreira (org.). Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Edições Fundação
Demócrito Rocha. 1999, pág. 166.
10
Termo em que a imprensa local e as forças políticas passaram a designar o grupo político do governador. O
nome Cambeba advém do bairro onde está instalado o Centro Administrativo do Governo do Estado. Tasso,
em 1987, transferiu a sede do executivo do Palácio da Abolição - que ficava em área nobre de Fortaleza, mas
muito próxima do Centro comercial e popular da cidade – para este bairro de difícil acesso a estes segmentos.
17
organização, tipos de interlocução, formas de expressão e formatos para a divulgação de suas
idéias, referenciais políticos e empresariais que recusavam e defendiam nos anos de 1978-
1986, quando assumiram a direção do Centro Industrial Cearense (CIC).
Foi neste espaço institucional que se deram as articulações que projetaram a entidade
e seus dirigentes para o cenário político do Estado e do País. As bases do projeto político e a
compreensão dos tipos de ações a serem tomadas para viabilizá-lo maturaram neste período, a
partir de debates sobre a realidade político-econômica nacional e a inserção do Ceará neste
contexto.
A hipótese central que norteou este trabalho foi a idéia de que o referido grupo de
empresários cearenses, nos aspectos de estratégias de atuação e de divulgação de suas idéias e
propostas, além do teor crítico de suas análises sobre o capitalismo e a sociedade no Ceará ,
utilizou-se de estruturas lingüísticas e de condutas de direção, a partir das experiências e
influências oriundas dos movimentos de esquerda, estudantis e de juventudes católicas nas
décadas de 50 e 60; e de que buscaram e conseguiram alterar o padrão das relações políticas
no estado do Ceará, introduzindo um viéis de modernização que, ao mesmo tempo, excluía a
participação democrática de setores mais radicais ligados aos movimentos populares. O
exercício de poder desse grupo, que durou quase 20 anos, expressou, portanto, a construção
concreta de uma hegemonia política de tipo novo.
Na questão das fontes, optamos pela primazia das informações retiradas de periódicos
locais nos anos de 1978 a 1986, embora tenhamos incursionado pelos anos de 1954 ano da
eleição de Carlos Jereissati a deputado federal e de seu embate com Armando Falcão e 1963
ano da sua morte para perceber a argumentações levantadas contra as pretensões políticas
de empresários como Jereissati, Macêdo e Machado. Quanto às décadas de 50 e 60,
pesquisamos nos jornais Correio do Ceará, Tribuna do Ceará, O Povo e Diário do Povo,
periódicos que foram utilizados por demonstrarem, para além da prática jornalística
18
pretensamente plural e democrática, uma posição política de seus editores e proprietários,
enquanto agentes históricos dotados de consciência social e interesses de classe.
Isso não significa a opção por uma visão determinista do caráter político-social da
imprensa como mera defensora dos interesses dos detentores do poder político. Enquanto
especialização ou mesmo incumbência na sociedade capitalista, esses agentes jornalísticos e
políticos desempenham funções nitidamente distintas, embora tenham grande proximidade a
partir da origem de classe, da ideologia de uma forma geral e do trânsito em esferas comuns
11
.
O jornal, embora propriedade privada, é uma instituição da sociedade civil, tem um
importante papel na reprodução e preservação da ordem constituída, funcionando, se não
monoliticamente atrelado ao Estado, pelo menos atuando como uma “indústria de
consciência”, influenciando pessoas, comovendo grupos e mobilizando comunidades, dentro
das contradições que marcam as sociedades. Os periódicos movem-se na direção dada pelas
forças sociais que os controlam e/ou os influenciam, refletindo também as contradições
inerentes às estruturas societárias em que existem
12
.
Enquanto instituição da sociedade civil que analisa fatos e conflitos, a imprensa
também possui, em seu âmbito interno, confronto de idéias, disputa de projetos e lutas
políticas. Seus editoriais representam sua postura frente a questões políticas e econômicas em
evidência e permitem perceber referenciais e posicionamentos nas disputas pela hegemonia do
poder político.
A produção de um editorial não é uma simples opinião isolada do proprietário como
nos fala Marques Melo
13
Nas grandes empresas jornalísticas, a confecção dos editoriais passa por um
sofisticado processo de depuração dos fatos, de conferência dos dados, de checagem das
fontes. A decisão é tomada pela diretoria funcionando o editorialista, que se imagina alguém
11
MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia. São Paulo. Ática. 1989. pág.77.
12
MELO, José Marques de. A Opinião no Jornalismo Brasileiro. Petrópolis. Vozes.1985. pág. 57
13
Ibidem p. 81,
19
integrado na linha da instituição, como intérprete dos pontos de vista que se convenciona
devem ser divulgados. Além disso, o contato com personalidades externas à organização
significa a sintonização com as forças de que depende o jornal para funcionar ou cujos
interesses defende na sua política editorial.
Os editoriais são a expressão da opinião da empresa diante dos fatos de maior
repercussão. Quando falamos em empresa, pensamos não somente nos seus proprietários
nominais, mas nos diferentes núcleos que participam da propriedade da organização
(acionistas majoritários, financiadores, anunciantes e o próprio Estado, que exerce sua
influência via mecanismos fiscais, previdenciários e financeiros).
Estes editoriais, embora dirigidos formalmente à opinião pública, encerram um
diálogo com o Estado. Os editoriais procurariam dizer aos dirigentes do aparelho burocrático
ou aos futuros ocupantes como os donos do jornal gostariam de ver direcionados os assuntos
públicos. É um trabalho de convencimento, persuasão, apoio, contestação e coação ao Estado
para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que representam.
A preferência por O Povo se explica por ser o mais antigo jornal ainda em circulação
no Estado e por ter uma posição de independência editorial a partir da década de 70, que lhe
permitiu circular melhor entre os lobbies e às pressões políticas, de forma que possibilitou a
existência de jornalistas com diferentes concepções de mundo, apesar de ser muito dependente
das propagandas governamentais
14
. Entretanto, consultamos também o Diário do Nordeste e a
Tribuna do Ceará, no período de 1978 a 1986.
Optamos por trabalhar ainda com as charges encontradas ao longo da pesquisa, sem
nenhuma grande pretensão de análise antropológica da imagem, mas com intenção de mostrar
o que era oferecido à opinião pública, em termo de sarcasmo e sátira da cena política.
14
Para mais informações, ver VIDAL, Márcia. Imprensa e poder. O I e II veterados no jornal O Povo. Fortaleza.
Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará. 1994.
20
Entretanto, concordamos com Flores
15
que define a charge como texto que se define pelo uso
híbrido da linguagem. O componente lingüístico seria co-responsável, juntamente com os
componentes gráficos e imagéticos, pelo grau de informatividade e poder argumentativo e
persuasivo da mensagem. Além de documento histórico, teriam ainda a propriedade de
repositório das forças ideológicas em ação, de espelho imaginário de época e de corrente de
comunicação subliminar que, ao mesmo tempo, projetaria e reproduziria as principais
concepções sociais, pontos de vistas e ideologias em circulação, além de demonstrar grande
potencial de questionamento crítico e de confronto de opiniões a respeito da organização
social, dos arranjos políticos e da disputa de poder.
Embora não exista uma conceituação desenvolvida sobre “trajetórias de vida”,
utilizamos as compreensões constatadas em trabalhos de autores como Giovanni Levi, Benito
Schmidt e Francisca Azevedo para defini-las.
Para Levi, as trajetórias de vida permitiriam o reconhecimento do estilo próprio de
uma época, resultante de experiências comuns e reiteradas de indivíduos e grupos. Todo
indivíduo, entretanto, tem uma margem de liberdade que se origina das incoerências dos
confins sociais e que provoca mudanças. Por isto, os procedimentos cognitivos para grupos e
indivíduos são diferentes. A ação individual não pode ser considerada irrelevante ou não
pertinente. Conflitos de classificações, de distinções e representações interessam também à
influência que o grupo socialmente solidário exerce sobre cada um dos membros que o
compõem, além de revelarem as margens de liberdade e de coação dentro dos quais se
constituem e funcionam as formas de solidariedade
16
. Tudo isso, entretanto, sem cair numa
visão voluntarista de indivíduos especiais e clarividentes, que promovem mudanças a partir de
suas forças de mobilização. Estes sujeitos atuam em um contexto (campo de possibilidades)
com sistemas normativos estruturados e historicamente determinados. Tais sistemas, no
15
FLÔRES, Onici. A leitura da charge.Canoas. Editora Ulbra. 2002.p.10 e 11.
16
LEVI, Giovanni. Usos da Biografia, in FERREIRA, Marieta e AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História
Oral, p. 182.
21
entanto, não seriam homogêneos. Suas contradições permitem ações individuais que permitem
manipular e/ou interpretar regras, que expõem o caráter intersticial destas normas
17
.
Contextos assim têm uma realidade fragmentada e descontínua, composta por uma
estrutura de redes matriciais de relações objetivas, nas quais os sujeitos enfrentam conflitos e
consensos. Cada geração desenvolve uma resposta a esses encontros e confrontos, desenhando
os contextos das próximas gerações. Construir uma trajetória de vida, portanto, exige fazer o
entrelaçamento entre uma trajetória específica e as outras esferas de relação e/ ou construção
temporal legados pelos antepassados e reelaborados pelo presente
18
.
Tais respostas são muitas vezes parte de um projeto, ou seja, uma conduta organizada
para atingir finalidades específicas dentro de um campo de possibilidades de dimensões sócio-
culturais. Essas noções de projeto e de campo de possibilidades (contexto) ajudam “na análise
de trajetórias e biografia enquanto expressão de um quadro cio-histórico, sem esvaziá-las
arbitrariamente de suas peculiaridades e singularidades”
19
.
História de vida, entretanto, não é ordenação cronológica dos fatos vividos pelo
indivíduo. É uma avaliação dos fatos dentro de um contexto de processos sincrônicos e
diacrônicos da rede de relações sociais, que localiza o sujeito dentro de um grupo, buscando o
significado deste acontecimento em sua vida como indivíduo e cidadão
20
, sem cair numa
“ilusão biográfica”, de estudar sua vida como um caminho linear, unidirecional, com começo,
etapa e um fim, num sentido de término e de finalidade definida a priori, ou seja, algo
teleológico
21
, mas com a preocupação de ir além dos fatos consumados, indagando sobre o
que foi possível frente às tensões entre o que ficou e o que foi imaginado
22
.
17
SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o retorno do gênero e a noção de contexto, in GUAZELLI,
César Augusto Barcellos et alii. A questão da teoria e da metodologia da história. Porto Alegre,
Ed.Universidade/UFRGS, 2000.
18
AZEVEDO, Francisca L. Nogueira de. Biografia e Gênero, in GUAZELLI. Op.cit., p.136.
19
VELHO, Gilberto, apud SCHMIDT, Op.cit., p. 127.
20
AZEVEDO. Op.cit., p.134.
21
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In FERREIRA. Op. Cit., p.183.
22
LOBRIGA, Sabrina. A biografia como problema. In REVEL, Jacques (org.) Jogos de Escala. Rio de Janeiro.
FGV. 1998.
22
O fenômeno do “mudancismo” cearense ainda não comoveu os historiadores locais,
que nenhum estudo com esse caráter foi feito até o momento, mas produziu uma boa
quantidade de estudos sociológicos que enfocaram os discursos destes empresários sobre
temas como a região Nordeste, a concepção de modernidade, sua auto-representação e seu
papel no contexto local e nacional
23
. Outros estudos abordaram as mudanças na administração
da máquina governamental e sua relação com as políticas públicas de educação, saúde,
relacionamento com a sociedade civil, processo decisório e do papel do Estado no
desenvolvimento econômico
24
. Também foram enfocados o surgimento de novas formas de
organização corporativa e política, possibilitadas pelas transformações do contexto político
depois do primeiro governo de Tasso (1987-1990)
25
.
Destacam-se ainda os trabalhos sobre a problemática econômica das estratégias e
táticas dos empresários-políticos para as reformulações administrativas da máquina estatal,
com destaque sobre a parte fazendária, reordenamento burocrático das secretarias e execuções
orçamentárias
26
.
Todos se concentram no período pós-eleição de 1986, enfocando a geração CIC no
poder, seus desafios e atuação. O processo de construção do projeto político numa perspectiva
histórica não foi uma preocupação destes estudos.
23
COSTA, Liduína Farias Almeida da. O Nordeste e a globalização. Posicionamento dos empresários-políticos
cearenses. Doutorado em Sociologia UFC. 2000; SOUZA, Eduardo Neto Moreira de. No reino da civilização
industrial Fala e o lugar dos empresários na constituição da modernidade no Ceará. Fortaleza. Mestrado em
Sociologia UFC. 2002; LEMENHE, Maria Auxiliadora. Representações da política e organização empresarial.
GT 02. Cultura e política. XX Encontro Anual da ANPOCS. 1996.
24
AQUINO, Jackson Alves de. Processo decisório no governo do Estado do Cea (1995-1998). Fortaleza.
Mestrado em Sociologia UFC. 2000; NOBRE, Maria Cristina de Queiroz. O estado na ordem do capital: o
significado e o alcance das mudanças na “Era Tasso”. Fortaleza. Mestrado em Sociologia UFC. 1999;;
MORAIS, Elvira de. A UECE e a política estadual do ensino superior. São Paulo. Anna Blume. Fortaleza.
Secretaria da Cultura e do Desporto do Estado do Ceará. 2000. GONDIM, Linda Maria de Pontes. Clientelismo e
Modernidade nas políticas públicas. Os “governos das mudanças” no Ceará (1987-1994). Ijuí. Unijuí.1998.
25
ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho. Empresários na política: estudo do pacto de cooperação do Ceará
(1991-1998). Fortaleza. Mestrado em Sociologia UFC. 2000.
26
AMARAL, FILHO, Jair. Dívidas estaduais, reformas e ajustes do Estado e emergência de um novo regime de
acumulação no Ceará. Fortaleza. CAEN/UFC. 1993; BOTELHO, Demartone. Ajuste fiscal e reforma do Estado:
o caso do Estado do Ceará. 1987-1991, CAEN/UFC, 1993; FERREIRA, Assuéro. O crescimento recente da
economia cearense. Revista econômica do Nordeste, Fortaleza, BNB, vol.26, nº 2, p.157-180, abr./jun 1995:
23
Como exemplo, podemos utilizar o trabalho de Linda Gondim, Clientelismo e
modernidade nas políticas públicas: os “governos das mudanças” no Ceará (1987-1994).
Gondim discutiu as características fundamentais do modelo proposto pelo “governo das
mudanças” do ponto de vista das transformações ocorridas na forma de administrar e nas
relações entre Estado e sociedade civil. Sua intenção era de perceber até onde esses
governantes realmente inovaram na forma de administrar, tomando como referencial o
processo de reforma administrativa dos governos Tasso e Ciro, para perceber a eliminação ou
não, das práticas clientelistas que condenavam.
Como fontes, utilizou periódicos e revistas, documentos oficiais (planos, programas,
projetos e estudos realizados por órgãos governamentais ou por universidades e Centros de
Pesquisa, pronunciamentos, mensagens anuais dos governadores à Assembléia Legislativa,
leis e decretos), entrevistas com informantes qualificados feitas pela autora ou por outros
estudos, além de dados estatísticos.
Suas conclusões são de que o modelo de gestão destes governos implantou um novo
paradigma nas relações entre Estado e sociedade civil. O poder público passou a ser gerido
por princípios universalistas de equilíbrio orçamentário, eficiência da máquina administrativa
e probidade no trato com a coisa pública. Embora compartilhassem princípios neoliberais,
propunham um modelo de desenvolvimento onde o governo atuasse como indutor de
investimentos.
No modelo de desenvolvimento econômico adotado, não haveria diferença com o
padrão brasileiro, nem por governos neopatrimonialistas, no que diz respeito à justiça social e
ao bem-estar coletivo. Entretanto, destaca modificação na utilização eficiente dos fundos
públicos, decorrente da ação direta dos empresários na formulação e implementação das
políticas públicas. Dessa forma, fizeram política enquanto donos de empresas, imprimindo
características da atividade empresarial.
24
Apesar disto, os jovens empresários tinham uma grande aceitação popular porque
conseguiam vender tal política como algo de interesse geral da sociedade, já que seria a forma
para acabar com o atraso e a miséria produtos do mau uso da máquina estatal por coronéis e
funcionários públicos corporativistas. Tal concordância, na opinião da autora, explicar-se-ia
pela presença, no Ceará, de um forte Estado patrimonialista e de uma massa de trabalhadores
ocupados em atividades não capitalistas, que tornava difícil “uma luta de classes”.
Nos estudos de análise dos discursos, o trabalho de Liduína da Costa tem uma boa
pesquisa sobre o posicionamento dos empresários-políticos cearenses na inserção da região
Nordeste no processo de Globalização. Ela busca perceber as estratégias discursivas deste
grupo político, para articular nos debates com parlamentares, executivo e agências
financiadoras locais e externas, seu projeto de modernidade com a temática regional
identificada pela opinião pública e acadêmica como uma espécie de ardil das oligarquias
decadentes.
Sua tese é que estes industriais compreendiam que a adequação do Ceará às
requisições de eficiência e competitividade da globalização passava não pela adequação de
sua infra-estrutura produtiva, como também pela substituição das imagens de miséria e
ignorância da população pobre, de elites dirigentes corruptas, por representações de
administradores íntegros e de região promissora para investimentos.
Para tanto, observou os propósitos desses empresários-políticos em relação ao
desenvolvimento regional, demarcando aspectos reveladores de permanências e de mutações
quanto às suas reivindicações pró-Nordeste em diferentes conjunturas, priorizando momentos
em que se explicitaram inflexões em seus discursos na década de 90, durante os governos
Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.
Suas fontes foram dados e informações relacionadas à produção econômica, infra-
estrutura produtiva, demografia, emprego e renda, ocupação, níveis de escolaridade e índices
25
de mortalidade infantil, obtidos no IBGE, SUDENE, Banco do Nordeste, EMBRATUR,
IPEA; jornais Gazeta Mercantil, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do
Brasil, O povo, Diário do Nordeste, O Estado e Tribuna do Ceará; e dos periódicos Veja,
Isto é, Exame, ABAMEC e Update – selecionados a partir de 1990.
Os discursos foram encontrados nas solenidades de posse dos presidentes do CIC a
partir de 1978, anais e relatórios de seminários realizados pelo CIC, atas das atividades
realizadas pela comissão especial mista do congresso nacional para os desequilíbrios
econômicos inter-regionais, discursos proferidos pelos representantes cearenses do PSDB no
Senado e na Câmara, textos relacionados à questão Nordeste produzidos pelo Instituto
Teotônio Vilela, do PSDB, atas da reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE, discursos
do governador Tasso Jereissati em seminários promovidos pelo Banco do Nordeste a partir de
1995, coletânea de textos sobre os desequilíbrios inter-regionais organizados pelo senador
Beni Veras.
O trabalho de José Lindomar Albuquerque Empresários na política: estudo do
Pacto de Cooperação do Ceará (1991-1998) aborda a natureza política de um fórum de
negociação, planejamento e debate que congrega empresários cearenses, com objetivo de
discutir o desenvolvimento do Estado em diferentes perspectivas, o movimento compartilhava
do mesmo ideário político do Governo das Mudanças, sem entretanto, romper com um certo
corporativismo, que seus membros são oriundos de estruturas oficiais e extra-oficiais de
representação empresariais, além de defender isenções fiscais e organizar fóruns setoriais - e
manter uma dependência econômica ao Estado.
Esse estudo permitiu ao autor perceber a falta de rupturas radicais na organização da
sociedade civil brasileira, visto que a lógica pluralista e corporativa conviveriam formando
uma estrutura híbrida que a redemocratização e as tentativas de pactos sociais não
conseguiram superar.
26
Tem o mérito de, no plano metodológico, construir seu objeto a partir de uma
abordagem histórica, fazendo uma articulação entre local, nacional e global, teoria e empiria,
pois a “sociologia teria que entender as singularidades para poder fazer generalizações
plausíveis”, superando estudos empíricos fragmentados e descontextualizados.
Com este objetivo, utilizou-se de metodologia qualitativa a partir de jornais locais,
livros e artigos sobre a temática, além dos periódicos de entidades como FIEC (Federação das
Indústrias do Estado do Ceará), CDL (Clube de Diretores Lojistas) e AJE (Associação de
Jovens Empresários); observação das reuniões do Pacto; entrevista com participantes e ex-
partícipes; identificação dos freqüentadores a partir do ranking da Gazeta Mercantil; súmulas
de reuniões. Isto lhe possibilitou superar a reprodução dos discursos empresariais e pensar o
Pacto em várias dimensões.
Contudo, não existem trabalhos históricos ou de historiadores sobre este
empresariado mudancista. Os que mais se aproximam são dois trabalhos oriundos do IUPERJ:
Josênio Parente A e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites
cearenses e de Washington Bonfim Qual Mudança? Os empresários e a americanização
do Ceará.
Josênio Parente objetiva compreender porque elites frágeis como a cearense,
conseguiram, em dois momentos de sua História (na década de 30 e na de 90), um destaque
desproporcional ao seu peso no federalismo brasileiro, fornecendo idéias e lideranças de
expressão nacional.
Estes momentos citados seriam estruturalmente semelhantes, embora a cada de 30
fosse marcada pelo conservadorismo e a de 90 pela modernidade. Nestes períodos, estaria
havendo uma integração da sociedade e da economia cearense a uma realidade mais global.
Um longo processo de treinamento e socialização de uma elite técnica embasado em uma
ideologia estruturante e socialmente dominante, possibilitaram esse destaque nacional.
27
Sua tese sobre a fragilidade das elites cearenses baseia-se na presença de secas
periódicas, numa economia fundada no binômio gado-algodão e na falta de uma
homogeneidade espacial integradora dessas atividades, de forma que um grupo se fortalecesse
internamente sobre outros de forma hegemônica. Os momentos indicados seriam uma exceção
a essa regra na história política cearense do séc. XX, acrescidos à dominação oligárquica de
Nogueira Accioly e dos coronéis da década de 70
27
.
Washington Bonfim, por sua vez, buscou perceber nos aspectos administrativos e
econômicos do Governo do Estado do Ceara a partir de 1987, um caráter essencialmente
liberal. na perspectiva política, através do estudo dos resultados eleitorais desde 1979,
percebeu a manutenção do caráter oligárquico e centralizado do sistema político do Estado.
Reconhece que, por situações históricas e conjunturais específicas, o Ceará antecipou ao país
na implementação de um modelo de modernização inspirado em padrões funcionais
americanos que busca transformar a estrutura social e econômica, pelo aprofundamento das
relações de mercado, pela competição individual e pelos princípios clássicos que distingue a
filosofia e as práticas políticas liberais. No entanto, utiliza-se das práticas do clientelismo e da
patronagem, como instrumentos funcionais para o avançar nas mudanças da gestão pública.
Suas fontes primárias foram os planos de desenvolvimento dos governadores de 1963
a 1998, mensagens dos governadores à Assembléia Legislativa de 1964-1998,
pronunciamentos de Tasso Jereissati, artigos e pesquisas estatísticas da Fundação Instituto do
Ceará na década de 90, relatórios plurianuais da Secretaria da Fazenda do Ceará na década de
90, artigos e pesquisas da SUDENE durante a mesma década, dados fornecidos pelo
IPEA/PNUD nos anos de 1996 e 1998 para estados do Nordeste e Sudeste, anuários
estatísticos do IBGE, atas do TSE e do TRE-CE.
27
PARENTE, Josênio. A fé e a razão na política: conservadorismo e modernidade das elites cearenses. Fortaleza.
Edições UFC. 2000.
28
Ressalte-se que o trabalho de Bonfim tem uma boa contextualização histórica dos
determinantes e características do surgimento do Governo das Mudanças, como a formação
industrial do Estado, a organização do empresariado em diversas associações representativas,
a história política estadual de 1979 a 1998 através da composição dos secretariados, os
resultados das eleições executivas e legislativas e a renovação da elite político parlamentar,
além de uma pesquisa sobre o desenvolvimento econômico do Estado em comparação com
outros membros da Federação e o histórico e determinantes do ajuste fiscal e do equilíbrio das
contas públicas realizadas pós-1986.
Para o autor, as mudanças verificadas no Ceará de 1987 a 1998 foram feitas pelo alto,
superando resistências ora pelo confronto, ora pela cooptação. Essas transformações seriam
explicadas por vários fatores, como uma bem elaborada campanha de marketing político,
aprofundamento de características modernas de gestão pública e da máquina administrativa e
a condução, por atores burgueses, de uma política que transaciona com o atraso e a marcha
para o futuro sem provocar rupturas no quadro político estadual, a não ser aquelas necessárias
à implantação do novo projeto.
Seriam governos com características de propensão ao aperfeiçoamento das forças de
mercado, com visão de inclusão social mais pelo do emprego do que por políticas sociais
desmercadorizantes, e portadores de uma mensagem de racionalização e de eficiência como
princípios organizadores da sociedade. Um governo moderno, no sentido de vinculação aos
atores do mundo do capital. Americano, na perspectiva de configurar o mundo à imagem e
semelhança de sua própria personalidade, que reconhece sua força no livre jogo da
competição do mercado. Um governo que assume a tarefa de racionalizar o Estado e a
sociedade, configurando as estruturas de incentivo para que o capital encontre lugar para se
desenvolver e termine por moldar os indivíduos às suas feições.
29
A centralização e oligarquização seriam decorrentes da ausência de um ator do
mundo do trabalho capaz de contrapor à hegemonia burguesa, uma pauta de incorporação que
sugerisse um débito menor para com a perspectiva do mercado
28
.
Esses trabalhos, entretanto, não possuem uma intenção de abordagem primária de
cunho histórico. Suas fontes históricas são secundárias, o corte temporal circunscreve-se a
períodos curtos e as conclusões estão fundamentadas em dados estatísticos, nos quais os
espaços para questões como trajetórias de vida, subjetividades e intencionalidades dos sujeitos
históricos não passam das notas de rodapé, ou de algumas páginas.
Percebe-se, nestes trabalhos, o que Burke chamou de característica dos estudos
sociológicos: “o estudo da sociedade humana com ênfase na generalização da sua estrutura”
29
. A extrema preocupação nas minudências de conceituações, do empírico e dos dados
estatísticos, atenuou nestes trabalhos o espaço para a compreensão da ação individual, do
imponderável, da subjetividade com sua riqueza de detalhes, especificidades de
comportamentos, rearticulações e reações que colaboraram para a formação de um grupo
orgânico hegemônico de um novo bloco histórico.
Enquanto referencial de análise sobre a burguesia mudancista do Ceará, optamos por
acompanhar o raciocínio de José Murilo de Carvalho, que estuda os grupos especiais de elite
de um país, como forma de compreensão das escolhas tomadas por uma sociedade frente a
outras opções. Essa elite, por sua vez, precisaria de uma homogeneidade ideológica e de
treinamento pela educação, que reduzira os conflitos intra-elites e forneceria a concepção e a
capacidade de implementar modelos de dominação política.
Quanto maior fosse o êxito e a nitidez da Revolução Burguesa, menor seria o peso do
Estado como regulador da vida social e, portanto, menor o peso do funcionalismo civil e
28
BONFIM, Washington Luis de Sousa. Qual mudança? Os empresários e a americanização do Ceará. Rio de
Janeiro. IUPERJ. Tese de Doutorado em Ciência Política. 1999.
29
BURKE, Peter. Sociologia e História. Porto. Edições Afrontamento. 1980.
30
militar e mais representativa a elite política
30
. Uma citação que ilustra a situação do Ceará,
onde a falta de um desenvolvimento econômico e de uma elite política moderna possibilitou a
criação de uma elite política patrimonialista, um serviço público pesado e ineficiente, além de
uma casta militar detentora do poder desde 1962. Entretanto, abriu brechas de atuação de uma
nova elite empresarial, quando se colocou na condição de linha auxiliadora no
desenvolvimento econômico determinado pela esfera federal.
Entretanto, o próprio Murilo destaca a necessidade de um trabalho biográfico e
genealógico para o melhoramento de sua análise nesse estudo, mas que, infelizmente, não
teria sido possível na obra citada.
Algo que Celso Castro
31
fez para uma delimitação mais precisa do grupo de militares
que chegou ao poder em 1889, com suas diferenças em relação ao restante do Exército e uma
reconstituição mais detalhada de como se desenvolveu essa relação de lideranças. Fez uma
boa articulação entre a cultura, trajetória de vida, realidade social e a ação política de homens
como Benjamim Constant, apoiado nos referenciais metodológicos de Geertz, nos quais a
ação política é vista como informada por um conjunto de concepções derivadas de
preocupações que a transcendem e que buscam dar realidade a essas compreensões, vendo-as
como tendo existência não em mundo diáfano de formas mentais, mas na imediação concreta
da luta facciosa; de Sahlins, com seu conceito de estrutura da conjuntura, em que entre os
eventos particulares e os fenômenos estruturais, ocorreria a realização prática das categorias
culturais em um contexto histórico específico, expresso nas ações motivadas dos agentes
históricos e a microssociologia de sua interação; e Velho
32
, com seu conceito de projeto, no
qual a conduta organizada para atingir fins específicos enfatizaria o caráter consciente da
30
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2003. pág. 19 a
42.
31
CASTRO, Celso. Os militares e a república. Um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro. Jorge
Zahar Editor. 1995.
32
VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 1987. e VELHO, Gilberto.
Projeto e Metamoforse. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 1994.
31
ação, não totalmente racional e sem desprezar elementos inconscientes, para a negociação da
realidade e a construção de identidades sociais.
Para a caracterização histórica da burguesia mudancista e do contexto em que
estavam inseridos, optaremos pelo conceito de bloco histórico de Gramsci, que seria uma
articulação interna de uma situação histórica precisa, feita de uma estrutura social e de uma
superestrutura ideológica e política. O vínculo orgânico entre esses dois elementos se daria
por grupos sociais que operariam na superestrutura: os intelectuais, ou seja, todos os que
teriam um papel organizativo na sociedade. Grupos sociais que teriam consciência da
possibilidade de ação e luta que lhes são consentidas por determinadas condições objetivas
que se tornariam meios de liberdade e instrumentos para criar uma nova forma ético-política.
Ou seja, uma catarse, como o teórico italiano concebe essa passagem qualitativa do momento
puramente econômico ao momento ético-político, onde haveria uma elaboração superior da
estrutura em superestrutura na consciência dos homens
33
.
Além disso, o conceito de “revolução passiva”
34
, tomada de poder pela burguesia
com a neutralização de outras camadas sociais, e de “transformismo”
35
, agregação de
intelectuais das classes subalternas à classe política, para decapitar a direção desses grupos,
será importante para a análise pretendida.
Na perspectiva da análise dos discursos enunciados e analisados ao longo da tese,
recorreremos a Pocock
36
, para quem os pensamentos, para serem considerados históricos,
precisariam apresentar uma atividade ou continuidade de ação, constituída por coisas sendo
feitas e acontecendo, por ações e perfomances, bem como as condições sob as quais essas
ações e perfomances foram representadas e realizadas, condições que, além do mais, foram
direta ou indiretamente modificadas pelas ações efetuadas sob e sobre elas.
33
GRAMSCI, Antônio. Il materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce, Apud PORTELLI, Hugues.
Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1977, pág. 52.
34
GRAMSCI, Antônio. Leterre del cárcere. Apud PORTELLI. Op.cit. p. 70.
35
GRAMSCI, Antônio. Il risorgimento. Apud PORTELLI. Op.cit. p. 70.
36
POCOCK, J.G.A. Linguagens do ideário político. São Paulo. Edusp. P. 63-82.
32
Um dos contextos primários em que um ato de enunciação é efetuado é aquele
oferecido pelo modo de discurso institucionalizado que o torna possível, sem entretanto negar
que outros contextos, para além do lingüístico, confiram ao ato da fala um sentido e uma
história.
Assim, será possível identificar e apreender as linguagens usadas nos discursos e os
atos de enunciação emitidas nessas linguagens, verificar os efeitos dos atos de enunciação, as
circunstâncias e o comportamento de outros agentes que usaram ou que estavam expostos a
essas linguagens e a linguagem dos atos efetuadas pelos agentes.
Pocock dicas de como o historiador pode perceber nos textos uma comunidade de
discurso, que geram idiomas próprios e que o invadidas por outros idiomas, gerados em
outras comunidades. O texto teria e produziria uma diversidade de enunciações, tanto no
passado, como no presente, cujo exemplo da linguagem política ilustra sua condição
intrinsecamente ambivalente, que as intenções dos autores muitas vezes eram diferentes da
perfomance que seu texto produziu.
Quando convenções, paradigmas e diretrizes de uma linguagem política entram em
choque com outras circunstâncias políticas e históricas, ou ocorre a adaptação das velhas
convenções para continuar impondo-se, ou as tensões tornam inconciliáveis as adaptações e se
criam novos usos para a mesma linguagem e, posteriormente, criam-se e se difundem em
novas linguagens, dependendo do número de atores e a diversidade de seus atos.
Quando a linguagem é difundida por um campo de discurso em constante ampliação
e mudança, assume um papel metafórico e paradigmático ao ser usada para responder
problemas em contextos lingüísticos diferentes do que foi criado, caso parecido com o que
ocorreu com os discursos enunciados pela burguesia mudancista, que passou a ser usado para
a formação de outras entidades empresariais, como a Associação dos Jovens Empresários e os
Pactos de Cooperação.
33
Nosso trabalho está dividido em três capítulos:
No primeiro, iremos abordar as entidades empresariais e as práticas políticas dos
industriais cearenses em dois diferentes períodos: 1919 a 1950, quando se funda o Centro
Industrial Cearense, como forma de reação às organizações operárias da época, e de 1950 a
1978, data da fundação da Federação das Indústrias do Ceará e sua atuação nos planos de
desenvolvimento nacional, na participação dos pleitos eleitorais pós-1946, na implantação do
Regime Militar de 1964 e na posse de José Flávio Costa Lima. Ainda nesse capítulo,
abordaremos o papel da FIESP no processo de modernização da FIEC e do CIC na década de
80.
O segundo capítulo abordará sobre a chegada ao poder dos jovens empresários ao
CIC, de 1978 a 1985, enfocando a trajetória de vida dos quatro primeiros presidentes, os
espaços de sociabilidades onde atuaram na juventude, as ações políticas no contexto político
da época, com suas repercussões e a maturação de um projeto político de poder.
O terceiro capítulo se deterá sobre a eleição de governador do Ceará em 1986,
enfocando as articulações em torno do nome de Tasso, as reações empresariais, o papel da
imprensa no fortalecimento de sua candidatura e de sua proposta, as formas de organização e
de atuação do grupo do CIC na vitória de 1986.
Dessa forma, esperamos dar uma contribuição para um importante objeto de estudo,
mas numa perspectiva de reconstituição do processo de formação de uma nova mentalidade
empresarial e política que leve em consideração a História como contexto e como experiência
de vida.
34
I CAPÍTULO – ENTIDADES DE CLASSE E POSTURAS POLÍTICAS
I.1 - CIC: REAÇÃO SOCIAL E CONSCIÊNCIA DE CLASSE (1919-1950).
A primeira iniciativa industrial no Ceará foi a Fábrica de Tecidos Progresso de 1889.
Fundada pelo médico Antônio Pompeu e os bacharéis Tomás Pompeu Filho (herdeiros do
senador Tomás Pompeu de Sousa Brasil) e Antônio Pinto Nogueira Acióly
37
. Nos fins do séc.
XIX, surgiram outras duas fábricas de fiação e tecelagem em Aracati e Sobral.
Tais iniciativas foram possíveis devido à expansão da lavoura algodoeira, que
também gerou fábricas de beneficiamento de algodão em várias outras cidades do interior.
Nos início do c. XX, Fortaleza contava com indústrias de beneficiamento de couros,
cigarros, fundições, tipografias e panificadoras.
Após a Primeira Guerra Mundial, houve uma grande disputa do mercado cearense
pelas empresas nacionais. O Ceará tinha poucos empreendimentos que pudessem ser
chamados de industriais e precisou enfrentar a inundação de produtos fabris oriundos de
outros Estados, a retração do mercado externo pós-guerra e a crise da navegação de
cabotagem para a Amazônia, principal freguês dos cearenses.
Havia, naquele contexto da indústria cearense, uma necessidade de redução das
proporções de descompasso em relação aos parques fabris de outros Estados; de processar
uma parte da matéria-prima exportada, dando-lhe um maior valor agregado; de articular os
interesses comuns dos industriais; e de estudar as oportunidades de novos empreendimentos.
Com estas preocupações, Álvaro de Cunha Mendes articulou um diminuto grupo de
industriais para fundar o Centro Industrial Cearense em 27 de julho de 1919. Álvaro Mendes
era dono de uma moageira e do jornal “Correio do Ceará”, que era a primeira tentativa de
37
Genro do senador Pompeu e futuro governador do Estado de 1896-1900 e 1904-1912, quando foi derrubado
por uma sublevação popular
35
fazer um jornalismo de cunho informativo, rompendo com o jornalismo exclusivamente
político dos periódicos de então
38
.
Como critério de admissão para o Centro industrial, exigia-se a condição de
proprietário ou dirigente de um estabelecimento industrial no Ceará, com pelo menos dez
operários. Pré-condição que excluiu uma considerável percentagem de negócios do Estado,
que não possuíam tal número de empregados.
O contexto da fundação do CIC era de adversidade do quadro sócio-econômico.
Sentiam-se ainda os efeitos da seca de 1915, das enchentes de 1917 e da estiagem de 1919. Os
trabalhadores arregimentavam-se por melhores condições de vida, através de greves, inclusive
sob influência anarquista. Em 1919, os funcionários públicos estavam com os salários
atrasados e o Estado endividado com o Governo Federal e banqueiros franceses. Para agravar
a situação, uma epidemia de gripe mortal ceifou várias pessoas em todo o Estado.
No mesmo ano, além de uma greve geral, houve uma efervescência de mobilizações
operárias e o surgimento do Partido Socialista Cearense. Com seu jornal Ceará Socialista,
denunciava as péssimas condições de vida e trabalho dos operários, apresentava-se como
reformista e defendia a via eleitoral para promover reformas sociais, sem romper com o
sistema de classes
39
. No ano seguinte, ocorreu a fundação da União Geral dos Trabalhadores
Cearenses.
A ascensão dos movimentos operários, que começavam a ecoar no Estado como
reflexo das mobilizações operárias ocorridas no Sul do país naquela década, foi, com certeza,
uma das preocupações dos fundadores do CIC. Entretanto, a historiografia oficial do
empresariado cearense apresenta esta preocupação operária do CIC, mais como uma
“preocupação social cristã” do que um temor “à articulação da diminuta classe operária do
38
Ver NOBRE, Geraldo. Introdução à História do jornalismo cearense. Fortaleza. Gráfica Editorial Cearense
ltda. 1975, pág. 133.
39
Farias, Airton. História da sociedade cearense. Fortaleza, Edições Livro Técnico. 2004. Pág. 304 e 330.
36
Estado”. Ademais, a intenção do CIC era de manter a “harmonia dos interesses” na classe
industrial e que:
nenhum pensamento ou propósito de diminuir ou prejudicar a classe operária,
inspirará os atos do Centro Industrial, esforçando-se pelo contrário, por
melhorar as condições da dita classe
40
.
Sem entrar no mérito do caráter “benemérito” desses industriais, os membros
fundadores do CIC eram, em sua maioria, líderes políticos conservadores do Estado. O
próprio A.C. Mendes era vinculado à Diocese de Fortaleza, de visão católica românica. Outros
membros eram influentes políticos ou filhos destes.
Seu primeiro presidente, por exemplo, o senhor R. Tomás Pompeu de Sousa Brasil,
era filho do Senador Pompeu, importante figura política cearense nos tempos do Império e da
primeira República. Nas páginas de jornais como o do Correio do Ceará, criticava a atuação
moderada do Partido Socialista Cearense, como obra de “operários mal intencionados que
tomavam a si a triste empresa de agitar com as palavras falaciosas e enganadoras, as honradas
classes laboriosas, desempenhando o papel de falsos pregoeiros das reivindicações operárias”.
Para combatê-los, orientava os colegas industriais a “não darem trabalho nas fábricas, como
medida de preservação a esses elementos subversivos da ordem”
41
.
O comportamento do líder empresarial cearense não diferia em nada do
comportamento de seus colegas. Paulistas, mineiros, gaúchos ou cariocas, todos tinham um
viés conservador social, vinculando-se mais estreitamente às oligarquias estaduais do que aos
industriais de outras regiões e dificultando a formação da consciência de classe com uma
visão nacional e a formação de entidades organizativas próprias. A maioria se filiava às
associações comerciais preexistentes e, tardiamente, fundavam suas organizações próprias e
40
Nobre, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Cea. Fortaleza. Ed. Stilus, pág. 392
41
Farias, Airton. História da sociedade cearense, Fortaleza, Edições Livro Técnico. 2004. pág. 330.
37
diferenciadas. O Centro Industrial do Brasil no Rio de Janeiro só foi fundado em 1904,
enquanto o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo o foi em 1928
42
.
R. Tomás Pompeu, que dirigiu o CIC de 1919 a 1920, representava bem seus colegas
cearenses. Embora politicamente influente, representava no Centro o setor têxtil, que, à época,
estava descapitalizado e ultrapassado tecnologicamente. Sua fábrica de tecidos pioneira na
industrialização do Estado, sofreu um incêndio em 1912 e, para mantê-la em funcionamento,
passou a produzir redes para o mercado interno.
Geraldo Nobre afirma não ter tido informações nos jornais em que pesquisou sobre
movimentações, atividades e mesmo diretorias eleitas, no período de 1920 a 1925, que tais
diretorias eram sucedidas anualmente até 1931. A única notícia que encontrou foi a de que no
dia 05 de maio de 1922, o CIC encampou a luta pela remoção do diretor da Estrada de Ferro
de Baturité, que estava sob administração do Instituto de Obras Contra a Seca (IOCS).
Acusava-se tal orgão de não resolver o problema da falta de locomotivas para
transportar as matérias-primas que jaziam nas estações da ferrovia pelo interior do Estado,
causando um enorme prejuízo para seus estabelecimentos.
Outro presidente que conseguiu tornar-se notícia foi o ex-governador João Tomé de
Sabóia e Silva, que administrou o CIC de 1925 a 1926. Sua administração, segundo Geraldo
Nobre, seria considerada contraproducente pelos empresários, tanto por presidir a entidade
conjuntamente com seu mandato de senador, como por levar para o Centro problemas
políticos partidários da época em que administrou o Estado, principalmente suas desavenças
com o Partido Republicano Conservador.
A obscuridade das gestões do CIC ficou mais evidente com a fundação da Federação
das Associações do Comércio e da Indústria (FACIC) em 1929, que conseguiu fazer-se mais
42
GORENDER, Jacob. A Burguesia brasileira. São Paulo. Brasiliense. 1982, pág. 46 e 47.
38
competente na representação do corpo industrial
43
, ocorrendo no Ceará o inverso da
experiência de outros Estados.
A reativação do CIC ocorreu na administração de Bento Lousada Gonçalves, no
período de 1931 a 1939, o qual era proprietário da única fábrica de peixes em conserva da
região Norte do país e casado com a filha de uma influente família de Fortaleza, os Teófilos, o
que lhe permitiu um bom conceito na sociedade, no meio empresarial e político. Com a
reconstitucionalização do Estado, elegeu-se deputado estadual em 1934, relegando a defesa
dos industriais a segundo plano diante dos interesses da agricultura. Os setores agrícolas
defendiam o livre cambismo como forma de atender aos interesses de seus compradores, os
países industrializados, em detrimento das indústrias nacionais, que acusavam de serem
responsáveis pela carestia dos preços, artificiais, fictícias e de estufa
44
.
De 1939 a 1945, Luiz Gonzaga Flávio da Silva dirigiu os destinos da
entidade.Gonzaga era de uma família que iniciou a vida empresarial no ramo de serraria em
1882, e em 1914, em associação com um banqueiro, fundou a Fábrica Nacional de Mosaicos e
Telhas. Em 1925, os dois constituíram a Fábrica de Tijolos Silico-calcáreos, que obteve
grandes lucros devido ao desenvolvimento da construção civil no período.
A gestão de Adriano Deodato de Castro Martins deu-se no período de 1945 a 1947.
Era oriundo do comércio de tecidos e alfaiataria. Em 1906, passou a fabricar carne em lata,
cujo principal mercado era o Extremo Norte, destino de parcela considerável de cearenses
retirantes. Em 1919, em associação com Bento Lousada Gonçalves, entrou no ramo de salinas.
De 1947 a 1959, novamente com Luiz Gonzaga, a entidade passou por um período
de reorganização, quando foi preparada para ser uma linha auxiliar de atuação da FIEC,
articulada desde 1948, mas só fundada oficialmente em 1950.
43
FARIAS, Airton. História da sociedade cearense, Fortaleza, Edições Livro Técnico. 2004. pág. 394
44
GORENDER, Jacob. A Burguesia brasileira. São Paulo. Brasiliense. 1982. p. 54 e 55.
39
De 1931 a 1959, o CIC foi dirigido por empresários do setor salineiro e madereiro,
que eram os setores de maior crescimento nas três décadas em questão, devido à retração dos
setores de fiação e tecelagem, que passavam por problemas com os altos custos de
modernização do parque, a concorrência de outros Estados, a escassez de energia elétrica e a
falta de um uma política de industrialização no Estado e de um banco de fomento.
Além disso, uma cultura perdulária das elites deste setor, com o desvio dos recursos
para a construção de residências luxuosas ou a aquisição de carros importados - que era a
grande febre de consumo da época contribuiu para sua estagnação
45
. O Passeio para ver
vitrines passou a fazer parte do lazer de uma população consumidora, ávida por novidades,
que via na aquisição de novos bens, principalmente os que incorporavam avanços de natureza
tecnológica, uma maneira de inserção no mundo civilizado
46
. Acrescentava-se ao
consumismo, como fator de falência de muitas riquezas, a jogatina desenfreada nos clubes
mais elegantes da cidade. Algumas socialites perdiam nos cassinos e pediam para os maridos
não serem informados e cobrados. Segundo o colunista Lúcio Brasileiro, um dos
administradores de um desses cassinos o teria procurado e lhe perguntado: se os maridos não
podem saber, então quem vai pagar? “Que apareçam logo os amantes”
47
.
Como as atividades salineiras e madereiras eram essencialmente voltadas para o
consumo interno e esses setores estavam em ascensão, com o crescimento espacial e urbano
de Fortaleza, pouco tiveram de se articular para defesa de algum interesse contrariado.
A partir de 1959, o CIC tornou-se uma entidade anexa à FIEC. O motivo para tal fato
foi a necessidade da Federação ter um órgão auxiliar na defesa dos interesses empresariais nas
questões referentes ao processo de industrialização do Ceará. Como órgão sindical,
45
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Cea. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 231.
Sobre a questão do consumo na Fortaleza pós- II Guerra ver, SILVA Filho, Antônio Luiz Macedo.
Paissagens do consumo. Fortaleza no tempo da Segunda Grande Guerra. Fortaleza. Museu do Ceará.
Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará. 2002.
46
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 36.
47
BRASILEIRO, Lúcio. Até agora... Fortaleza. Edições Demócrito Rocha. 2005. pág. 172.
40
subordinado à CLT, a FIEC não possuía uma autonomia suficiente para posicionar-se
satisfatoriamente sobre tal questão. A reforma estatutária do CIC de 1959 oficializou essa
ligação e ampliou o mandato da diretoria de dois para três anos, de forma a coincidir com as
eleições da Federação.
No período de 1959 a 1964, o CIC tornou-se um pólo de aglutinação de setores
descontentes com a política e os problemas econômicos do Estado brasileiro, tanto federal,
quanto regional e estadual. As tardes de sábado do CIC testemunharam reuniões concorridas,
com pessoas de diferentes atividades e classes que ficaram conhecidas como Arca de N,
que, como explica Geraldo Nobre, que, além de membro do Instituto Histórico, era jornalista
do Gazeta de Notícias, economista, geógrafo e prestava serviços a FIEC e SESI no período em
questão:
Era uma alusão ao perigo que viam na tentativa do próprio Governo Federal
de implantar no Brasil uma república sindicalista de feição totalitária, e cujos
opositores somente sobreviveriam com a salvaguarda dos grupos e instituições
até então livres, se unidos na defesa dos princípios da livre iniciativa e da
sociedade afluente
48
.
Outra prática que se tornou comum a partir de 1959, com Valdir Diogo de Siqueira,
foi a cumulatividade da presidência das entidades pelo mesmo nome e no mesmo prédio.
Além disso, instaurou-se uma cultura de reeleições, em que apenas cinco presidentes se
revezaram na direção de 1959 a 1977: Waldyr Diogo de Siqueira (1959-1962), Tomás
Pompeu de Sousa Brasil Neto (1962-1969), José Raimundo Gondim(1970), Francisco
Andrade da Silveira (1971-1977).
A estratégia de utilizar o CIC como linha auxiliar de atuação da FIEC foi tentada, em
1978, por José Flávio Costa Lima, quando convidou jovens empresários a assumir o CIC. O
processo, entretanto, tomou outro rumo não previsto pelo demiurgo, como veremos adiante.
48
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 398.
41
I.2 - FIEC: CULTURA EMPRESARIAL E POLÍTICA CORPORATIVISTA (1950-
1978)
A década de 1950 significou também a fase de modernização dos aparelhos urbanos
da cidade de Fortaleza, cujo principal símbolo foi a inauguração do Porto do Mucuripe, em
1951, e do Cine São Luiz, em 1958. De propriedade de um cearense bem-sucedido
Severiano Ribeiro – era a mais luxuosa sala de exibição do país. Existia ainda a sessão noturna
do cine Diogo, também de Severiano, onde os freqüentadores eram obrigados a trajar “passeio
completo”, modelos caprichados e complementos como luvas e estolas. Para os homens,
exigia-se o uso do paletó. A platéia, tal como na tela, tentava reproduzir o clima de fantasia e
sonhos embalados pelas divas e galãs. Orson Wells chegou a ser impedido de entrar no
referido cinema por não estar vestido adequadamente, quando se encontrava na cidade para
gravar It’s all true, em 1943
49
.
Fortaleza era uma cidade onde a alta sociedade freqüentava os clubes, dos quais
apenas um possuía piscina: o Ideal. Poucas pessoas possuíam automóvel, casas de campo e
praia. Os clubes, portanto, facilitavam o relacionamento social, namoros e casamentos entre as
classes alta e média.
A Capital cearense tinha um ritmo mais lento e tranqüilo, havia uma maior
disponibilidade de tempo para encontros e congraçamentos sociais. Os clubes eram espaços de
forte controle social e familiar, pois a vigilância paterna ocorria mesmo com a ausência da
família, que sempre se encontraria alguém da diretoria ou do círculo de amizade. Pertencer
a um clube conferia ao indivíduo um estatuto de pertencimento, um referencial como cidadão
urbano, tratado com deferência e distinção, e significava uma inserção dentro da realidade
urbana, demarcando seu lugar de sociabilidade. Ter uma “ação” do clube tinha uma dimensão
patrimonial, um fator de exteriorização de poder.
49
FREITAS, Mirtes. A cidade dos clubes. Modernidade e glamour na Fortaleza de 1950-1970. Fortaleza.
Dissertação de mestrado em História. Universidade Federal do Ceará. 2003, pág. 32.
42
Um clube era o lugar estratégico para a reprodução de valores de determinados
grupos sociais. Os bailes e eventos eram cercados de pompa e luxo, amplamente festejados e
enaltecidos pela imprensa e por estúdios fotográficos. A Aba Film, por exemplo, exibia em
sua vitrine os sorridentes e charmosos participantes das festas, nos dias imediatamente
seguintes, dando-lhes um ar de glamour comparável aos artistas de cinema
50
.
Além da vitrine do Aba Film, outra forma de glamour era o aparecimento nas colunas
sociais. O desejo de aparecer nesses espaços dava aos colunistas uma importância equivalente
à de uma autoridade, além de uma grande influência política, que, muitas vezes resultavam em
polpudas sinecuras e concessões, como o caso do colunista Eutímio Moreira, que, para
lembrar ao Governador do Ceará, Flávio Marcílio, a promessa de uma concessão, no dia de
seu aniversário, pagou o bolo que vinha com uma gavetinha na base, a qual aberta, continha a
seguinte mensagem: “Cadê meu cartório?”. Saiu no dia seguinte e permitiu a aposentadoria do
colunista das lides jornalísticas
51
. O próprio narrador desse caso, teria sido nomeado secretário
da Comissão Dinamizadora do Porto do Mucuripe, com a função de fazer a ata das reuniões,
numa carga horária de 30 minutos por semana
52
.
Na década de 60, Klinger Mota era o darling dos militares. Uma festa de sucesso no
período tinha que ter a presença de um comandante militar, um gerente de bancos e Eduardo
Campos, diretor da única estação de TV na cidade. Klinger conseguia a presença dos verde-
olivas mesmo em festas de personae non gratae para o Exército. Certa vez, o colunista
promoveu uma “Noite Cigana” no Iate Clube, com cabana do Exército montada por soldados.
Na véspera, percebeu que ainda não havia encontrado uma cigana e soube de um grupo de
ciganos acampado em Baturité. Pediu ao Comandante da Polícia Militar, Mário Gomes, para
que ordenasse a vinda de uma mulher do grupo, a qual, como resistira ao “convite”, recebeu
50
Ibid., pág. 97-103
51
BRASILEIRO, Lúcio. Até agora... Fortaleza. Edições Demócrito Rocha. 2005, pág.180.
52
Idem. Pág. 187.
43
voz de prisão e foi levada ao Clube. “Mas, quando chegou ao Iate, foi cercada de tanto carinho
que se sentiu a mulher mais livre do mundo”
53
.
Tanta influência talvez explicasse o saudosismo que demonstram com os anos 50,
quando, segundo Geraldo Silveira, a mídia e o merchandising não fabricavam ou compravam
posição social. “As pessoas eram porque eram de fato”. Eram mais cultas, refinadas e
respeitadoras do patrimônio público, por isso as praças era mais encantadoras. Entretanto,
quando o poder econômico superou os valores intrinsecamente humanos, “a dignidade de um
sonho acabou”
54
. Os anos 50 foram uma época em que a definição de status não estava nas
mansões, mas na linguagem, segundo o colunista Flávio Torres, que qualificava de ridículos
os novos ricos que surgiam rapidamente, pois se tornavam “nomes” pelos vínculos mantidos
com a parte comercial das empresas de comunicação
55
.
Os clubes representavam as tendências oriundas da cultura de massa. Outros
movimentos com propostas artísticas mais consistentes, permeadas por reflexões filosóficas e
ideológicas progressistas não encontravam ambiente propício à sedimentação, que os
lazares de então não incorporavam questionamentos aprofundados das questões da cultura
nacional
56
.
Eram clubes extremamente fechados, com critérios rigorosos para a associação, onde
os nomes dos candidatos deveriam ser apresentados por sócios antigos e ser aprovada pela
diretoria.
Nesses espaços mostrava-se o puritanismo, “muitas vezes de aparência”, que marcava
a sociedade fortalezense dos anos 50. Mesmo os casados recebiam reprimendas públicas por
dançarem de rosto colado, como ocorreu no Clube Náutico, onde o diretor Pedro Coelho, aos
53
LOPES, José Augusto. Colunistas e colunáveis. Entrevista sobre o comportamento social. Fortaleza. Editora
ABC. 2000, pág. 47.
54
Idem. pág. 27 e 28.
55
Idem. Pág. 89.
56
FREITAS, Mirtes. A cidade dos clubes. Modernidade e glamour na Fortaleza de 1950-1970. Fortaleza.
Dissertação de mestrado em História. Universidade Federal do Ceará. 2003, pág. 23 e 24.
44
gritos um casal que se comportava dessa forma “para a casa e para a cama”
57
. O colunista
Eutímio foi acusado de “promover a degradação dos costumes da sociedade” quando realizou
o primeiro desfile de maiô de duas peças
58
. Marcondes Viana foi considerado persona non
grata por Gustavo Silva, presidente do Ideal nos anos 60, por sugerir apagar as luzes do salão
de danças “para melhorar o astral”
59
.
Os clubes eram os lugares onde os jovens se encontravam, se divertiam,
incorporavam valores, namoravam e realizavam as festas de seus casamentos. Segundo o
depoimento de um colunista:
A juventude, na sua grande maioria, caracterizava-se pela estatura baixa,
pernas finas, fealdade e cabeça chata. Nos anos seguintes, observou-se uma
evolução para melhor, alcançando um perfil físico diametralmente oposto
àquele, mercê da prática esportiva, da melhoria dos padrões alimentares e até,
presumivelmente, do desuso da rede
60
.
Essa mesma juventude, entretanto, também se organizava em grupos para perturbar
festas e o trânsito urbano. Alguns jovens ostentavam “carrões” da moda importados e eram
chamados de “rabos-de-burro”
61
. Como eram filhos de pessoas importantes, autoridades
policiais toleravam seus atos de acabar festas de 15 anos ao entrarem como “penetras”,
afrontando e agredindo donos e convidados, truncando sessões de cinema, jogando os carros
luxuosos sobre os logradouros públicos, batendo e agredindo desafetos nas “pensões-alegres”,
como se denominavam os cabarés.
Coincidentemente, os pais destes “arruaceiros”, como os denominavam as crônicas
policiais da época, também estavam envolvidos em outra prática criminosa que proliferou
largamente no Ceará: o contrabando. Grandes fortunas foram feitas através do comércio
57
LOPES, José Augusto. Colunistas e colunáveis. Entrevista sobre o comportamento social. Fortaleza. Editora
ABC. 2000, Pág. 32.
58
Ibid.
59
Idem. Pág. 55.
60
Depoimento do colunista social Bayard in GIRÃO, Blanchard. Sessão das Quatro. Fortaleza. Editora ABC.
1998, pág. 69.
61
Uma alusão à resistência anal do muar quando se tentava aplicar algum medicamento por essa via. Significava
que os jovens tinham um comportamento tão arredio quanto aqueles bichos.
45
ilegal, em que o embarque e o desembarque eram feitos pelas praias desertas do extenso
litoral. Contrabandeavam-se carros importados, uísque (que chegou a competir com a cachaça
nos botequins praianos da Zona Norte do Estado), café, cera de carnaúba etc. O contrabando
foi usado como arma nos embates políticos da década, como se verá mais à frente, no caso
Armando Falcão e Carlos Jereissati
62
.
Os cabarés da Fortaleza da década de 1950 eram um importante espaço de
sociabilidade, com mais de uma dezena de casas de prestígio pela animação de seus
programas e pelo elenco de suas mulheres. Os mais conhecidos estabelecimentos desse tipo
eram o Bar da Alegria, Buenos Aires, Pensão Avenida, Império, casa da Nega Isaura, pensão
de Olímpia, pensão da madame Nininha, Honolulu, América, a “80” do Tatá, Estrela,
Graça, Cristalina e a Casa de Ana Maria.
As “pensões alegres” eram casas que hospedavam moças mediante o pagamento de
diárias, cobradas e recebidas na hora do almoço. A inquilina submetia-se ao “regimento
interno” que prescrevia a obrigação de “fazer salão” no cabaré, dançando e fazendo
companhia aos fregueses, incentivando-os a beber, principal fonte de rendimento da casa.
Além disso, eram obrigadas a comparecer ao almoço e ao jantar perante a “madame”, que
poderia despedi-las caso faltassem às refeições, causassem confusão por causa de ciúmes ou
entrassem em discussão com outras a qualquer pretexto. Precisavam ainda comparecer
semanalmente aos órgãos sanitários de controle de doenças venéreas e à Delegacia de Polícia
para a atualização constante de sua ficha, onde sofriam extorsão e humilhação policial.
À dona do cabaré, era obrigatório o envio de relatório semanal à Secretaria de
Segurança, contendo a nominação, o endereço, o número do quarto e, em caso de mudança, o
destino tomado.
62
Esta questão foi abordado em forma de romance por Jader de Carvalho, em Aldeota. Fortaleza. Editora
Fundação Demócrito Rocha. 2003.
46
Vários cabarés possuíam orquestra e ofereciam shows musicais de artistas do rádio.
As mulheres vestiam modelos sensuais de tecidos brilhosos e os clientes, jaquetões de linho
branco acetinado.
No fim da década de 1950, Cordeiro Neto
63
, chefe de polícia e futuro prefeito de
Fortaleza, proibiu a venda de bebidas alcoólicas depois das 19 horas e, posteriormente, a
utilização de orquestras na área central. Abriu-se então o espaço para Margô, Santa e
Gaguinha, que montaram casas na periferia, acessíveis para quem tivesse automóvel, um
privilégio de poucos
64
.
Nesses espaços, os homens davam vazão aos seus “instintos” masculinos,
preservando a virgindade das moças “honestas”. Aprendiam a dançar, a praticar sexo e a
conversar, ações que seriam fundamentais na conquista de futuras esposas, quase sempre
recatadas meninas de família que freqüentavam os clubes, embora alguns chegassem a se
casar com suas “prediletas” das “casas de tolerância”.
A fundação da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, em 1950, também
representou o início de uma cultura corporativa e moderna do empresariado industrial do
Estado, que havia, até então, um sentimento pejorativo para com a palavra “sindicato”,
devido, segundo Geraldo Nobre, ao surgimento da Legião Cearense do Trabalho (LCT).
Fundado em 1931, pelo tenente Severino Sombra, a LCT foi um movimento de
organização e mobilização de trabalhadores, de natureza corporativista e integralista católica.
Seu surgimento esteve associado à expansão do pensamento católico e antiliberal no Brasil
nos anos 1920 e 1930. Esteve ligado ainda ao projeto de recristianização da sociedade
moderna, planejada pela Igreja Católica através do apostolado leigo, reunindo em torno do seu
63
Era também conhecido como “homem da lata”, pois obrigava os presos da cidade a carregar lata de água ou
realizar serviços públicos, como varrer e calçamentar ruas. Certa vez, mandou recolher os pederastas que
vadiavam pelas ruas da cidade e condenou-os à “lata”. Quando o caminhão da polícia passou pela Praça do
Ferreira, tradicional espaço da “molecagem cearense”, foi recebido com vaia. Um dos presos era um “negão”
largo e forte que reagiu aos apupos distribuindo “bananas” e explicando com orgulho: “Não sou veado não.
Eu sou é ladrão” ( in JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. Verso e reverso do perfil urbano de Fortaleza. São
Paulo. Editora Anna Blume. 2003, pág. 150.)
64
GIRÃO, Blanchard. Sessão das Quatro. Fortaleza. Editora ABC. 1998, pág. 129-135.
47
projeto concepções políticas e sociais herdadas de matrizes como o fascismo italiano e o
português
65
.
Como fora um movimento predominantemente político, transmitiu uma imagem
desvirtuada de sindicato. Além disso, a classe empresarial tinha-se enfraquecido no convívio
com o Estado Novo, mostrando-se tímido em reivindicar providências a favor da economia
cearense.
Ademais, de 1939 a 1945, os poucos capitalistas com que contava o Estado
satisfaziam-se com o qualificativo de comerciante, ou no máximo, de banqueiro, como
anteriormente havia se comprazido com o de proprietário. A indústria era considerada uma
atividade pouco recomendável, porque se ligava, em suas origens, ao artesanato e ao trabalho
manual, “objeto de aversão desde os tempos do helenismo”, atividade essencialmente
“doméstica destinada ao consumo interno, ao invés de engrossar o comércio exterior”
66
.
A organização empresarial cearense se dava muito mais em torno da FACIC, que era
uma entidade apartidária e que congregava comércio e indústria, ramos em que
concomitantemente atuavam os burgueses das terras alencarinas.
Mesmo tendo as condições para formar uma Federação de acordo com a CLT desde
1945, a FIEC foi fundada em 1950. As explicações pelo interesse capitalista na montagem
da entidade podem ser encontradas no processo de desenvolvimento que o Estado passava,
com o surgimento de novas fábricas e o fortalecimento das existentes, devido aos
investimentos do Governo Federal, como o projeto de aproveitamento do Vale do São
Francisco, a transformação do DNOCS em autarquia, a implantação da Hidroelétrica de Paulo
Afonso e a criação da SUDENE.
65
CORDEIRO JR. Raimundo Barroso. A legião Cearense do Trabalho in SOUZA, Simone de. Uma Nova História
do Ceará. Fortaleza. Edições Demócrito Rocha. 2000, pág. 325.
66
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 287-288.
48
Outra explicação seria o considerável patrimônio do SENAI e do SESI, que desde
1943 e 1948, respectivamente, funcionavam no Ceará como uma Delegacia Regional sobre
controle da CNI. Em 1951, estas entidades se vincularam à FIEC.
Em 1950, Waldyr Diogo de Siqueira assumiu a presidência da FIEC. Waldyr era
fortalezense, nascido em 1910 e filho do industrial Antônio Diogo de Siqueira, um dos
fundadores do CIC. Formado em Engenharia Civil pela Politécnica da Bahia em 1932, inovou
o ramo da construção civil da Capital do Ceará, com o uso de cimento nas construções de
importantes prédios blicos e privados, numa época em que boa parte das residências eram
feitas de taipa. Atuou também nas áreas de extração de óleos vegetais, fiação e tecelagem,
além de presidir o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Ceará.
Sua administração ampliou o número de sindicatos patronais filiados e ampliou as
ações educacionais, profissionais, artísticas e assistenciais do SESI e do SENAI no Estado.
O segundo presidente, Tomás Pompeu de Sousa Brasil Neto, nasceu no Rio de
Janeiro em 1908. Seu pai, Tomás Pompeu de Sousa Brasil Filho, foi também fundador do CIC
em 1919. Formou-se em Engenharia Civil e Engenheiro Geógrafo pela Politécnica do Rio de
Janeiro e em Arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes. Assumiu a direção da Fábrica
Progresso, fundado por seu avô, Tomás Pompeu Segundo, em 1889, modernizando o nível
tecnológico de seus equipamentos.
Foi presidente do Sindicato da Indústria de Fiação de 1941 a 1964, além de participar
dos sindicatos dos Engenheiros e da Construção Civil. Foi um dos fundadores da FIEC,
fazendo parte da primeira diretoria de 1950 a 1952. Em 1952, entretanto, resolveu fundar junto
com um grupo de empresários, a Organização do Desenvolvimento Econômico do Ceará, que,
teoricamente, era uma entidade que visava equacionar os problemas econômicos do Estado,
pesquisando-lhes soluções e propugnando sua execução. Para tal fim, cuidaria de manter
íntimas relações com as associações de classe, instituições culturais e demais sociedades
49
ativas, para emprestar, com e por intermédio delas, toda a colaboração útil ao poder público,
visando ao bem do povo e ao prestígio do Ceará
67
.
Um artigo da organização, entretanto, gerou uma certa desconfiança do meio político
da época. Dizia o artigo 6º do Estatuto:
Pugnando pela solução de todos os problemas econômicos do Estado, é lícito à
Organização pleitear a participação das classes produtoras na administração
pública, vetadas, porém, as ingerências e manifestações de caráter puramente
político-partidário
68
.
Havia um certo temor da classe política que os empresários, tradicionais
colaboradores de todas as campanhas partidárias em todos espectros ideológicos, quisessem
seguir exemplos de líderes como Carlos Jereissati, que liderava o PTB no Ceará e disputava
com os “profissionais” eleições para cargos majoritários e proporcionais.
Segundo Geraldo Nobre, uma campanha de desmoralização foi levada a cabo para
derrotar candidaturas como a de Diogo Vital de Siqueira, uns dos membros da Organização do
Desenvolvimento Econômico do Ceará, a prefeito de Fortaleza, em data não precisada pelo
historiador. O mesmo problema foi enfrentado por Bonaparte Pinheiro, que, apesar da
campanha pejorativa, elegeu-se deputado federal e, logo depois, mudou-se para o Rio de
Janeiro.
Tal entidade e seus desdobramentos no cenário político da época é um estudo
interessante para nossa pesquisa. Entretanto, a quantidade de fontes sobre nosso objeto nos
impede de um estudo mais aprofundado sobre o assunto. Mas joguemos luzes sobre o caso que
envolveu Carlos Jereissati e Armando Falcão em 1952.
67
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 257.
68
Ibidem.
50
Todos os problemas teriam começado quando Carlos Jereissati havia se recusado a
dar dinheiro para a reeleição de Armando Falcão em 1954
69
. Depois disso, o deputado fez
pronunciamentos na Câmara denunciando as falcatruas do empresário cearense e conseguindo
a instalação de uma CPI em 21 de maio de 1954, em pleno processo de execração pública
contra Getúlio e seus aliados, comandado por Carlos Lacerda e Assis Chateaubriand.
Suas acusações eram que Carlos Jereissati, através do funcionário-chefe da CEXIM-
Fortaleza, José Maria Vasconcelos, havia falsificado, entre os anos de 1950 e 1953, 86
licenças de importação de tecidos de linho e lã, no valor de Cr$ 46.178.613,70. O funcionário
duplicava as licenças legítimas, utilizando o número delas, mas adulterando o nome do
beneficiário, a mercadoria e o valor respectivo
70
.
A importância de Carlos Jereissati no mercado nacional chegou a um ponto tal, que
até firmas importantes como Lundgren, Lhotar, Levy, Bayma Cotran, M. Cunha e Casa Barki
viraram fregueses compulsórios de Jereissati, que, com as operações, aferia um lucro médio de
200%, sem faturar e sem dar recibo para eximir-se dos tributos
71
.
O caso foi arquivado nas instâncias judiciais e legislativas. O funcionário foi punido e
a CEXIM se transformou na CACEX, sem nenhum vínculo com o Banco do Brasil. Alguns
fatos reforçavam a ilação de acordo político para abafar o caso CEXIM. Parsifal Barroso
(PTB) saiu candidato ao Governo do Ceará em 1958, numa aliança com o PSD, mesmo
partido de Armando Falcão, que indicou para senador o ex-governador Menezes Pimentel.
69
Diário do Povo 09 de fevereiro de 1954, pág. 01.
70
FALCÃO, Armando. História do Chefe do PTB no Ceará, Carlos Jereissati, “Imperador do Linho Roubado”,
Rio de Janeiro, s/ed, 1954. Pág. 13.
71
Idem, pág. 14; Diário do Congresso Nacional, 22 de janeiro de 1955, pág. 375-389; Diário do Congresso
Nacional, 07 de maio de 1958, pág. 2077; Diário do Congresso Nacional, 30 de maio de 1957, pág. 3430-
3432; Diário do Congresso Nacional, 18 de abril de 1961, pág. 2506; Diário do Congresso Nacional, 19 de
abril de 1961, pág. 2544; Diário do Congresso Nacional, 15 de julho de 1961, pág. 4874; Diário do
Congresso Nacional, 22 de julho de 1961, pág. 5048; Diário do Congresso Nacional, 01 de agosto de 1961,
pág. 5228..
51
Em 1955 e 1956, Tomás Pompeu Neto presidiu a Associação Comercial do Ceará e,
em 1962, a presidência da FIEC. Foi na sua gestão que o esquecido CIC foi reativado como
espaço onde os empresários
...tomaram posições firmes contra a política do então Governo da República,
em face dos fortes indícios da implantação de um socialismo extremado,
pronto a sufocar a iniciativa particular e a própria democracia liberal
72
.
Ressalte-se que o referido historiador integrava o quadro de servidores do
Departamento Regional do SESI, na chefia do Serviço de Divulgação, Intercâmbio e Pesquisa.
Na gestão de Tomás Pompeu Neto, assumiu a chefia do Departamento Econômico da FIEC,
portanto, um partidário confesso dos “bichos” da “Arca de Noé”.
Nessa administração, o SESI assumiu uma política assistencial, como exemplifica o
Posto Móvel de Abastecimento de 1963. Tratava-se de um vagão de trem que vendia a preço
de custo bens de consumo essenciais a ferroviários e industriários ao longo da estrada de ferro
da Rede de Viação Cearense.
Algo interessante, destacado por Geraldo Nobre, era a política de admissão do Tomás
Pompeu Neto, a qual obedecia a critérios impessoais, tanto para a seleção de novos
empregados quanto para aproveitamento de antigos em novas funções, a partir do parecer de
um especialista em fisiognomonia, que define o caráter de uma pessoa pelo estudo de suas
feições
73
.
Em 1967, assumiu a presidência da Confederação Nacional da Indústria, acumulando
as duas presidências até 1969, quando sai da direção da FIEC. Em 1977, foi derrotado na
pretensão de reeleger-se presidente do CNI .
O terceiro mandatário foi Francisco José de Andrade Silveira, que nasceu em
Fortaleza em 1926 e formou-se em Engenharia pela Mackenzie de São Paulo em 1950. Era
72
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág.305.
73
Idem, pág. 307.
52
filho de comerciantes da cidade de Viçosa do Ceará, que, devido à seca de 1915, migraram
para Fortaleza, onde abriram uma revenda de automóveis da Chevrolet em 1926. Em 1947,
entraram no setor imobiliário e, dois anos depois, construíram uma filial da Coca-cola e
adquiriram uma fábrica de tecidos em Sobral.
A gestão de Francisco José ficou caracterizada pelas homenagens a autoridades e
homens públicos do Ceará e do Brasil: Gal. Tácito Teófilo Gaspar de Oliveira (ex-
superintendente da SUDENE de 1969 a 1970), em 1972; Dr. Antônio Nilson Craveiro
Holanda (pres. do Banco do Nordeste); Raul Barbosa (ex-governador do Ceará, ex-presidente
do Banco do Nordeste e do Banco Interamericano de Desenvolvimento); juiz.Dr. Francisco
Osmundo Pontes (presidente do Tribunal Regional do Trabalho); César Cals de Oliveira Filho
(ex-Governador), em 1975; e José Adauto Bezerra (Governador do Estado), em 1975.
Francisco Silveira presidiu a FIEC até 1977 e continuou presidindo o CIC até 1978,
quando assumiram os jovens empresáros.
O quarto dirigente foi José Flávio Costa Lima. Nascido em 1921, era natural de
Aracati. Diferentemente de seus antecessores na FIEC, preteriu a engenharia para, em 1944,
tornar bacharel em Direito, pela Faculdade do Largo do São Francisco, em São Paulo, como
parte do plano familiar de direcioná-lo para a carreira política, na qual atuara seu avô,
Alexandrino Costa Lima, e seu pai, Alexandre Matos Costa Lima, prefeitos de Aracati. Seu
avô e um irmão deste, Pompeu Costa Lima, tornaram-se vice-governadores do Estado, durante
o período Accioly
74
.
Seus estudos em São Paulo colocaram-no em contato com as lutas estudantis anti-
fascistas e anti-getulistas da sociedade paulista, como a greve estudantil de 60 dias, contra a
74
NOBRE, Geraldo. O processo histórico de industrialização do Ceará. Fortaleza. Ed. Stilus, 1989, pág. 324
53
contratação de Miguel Reale na Cátedra de Filosofia do Direito, devido a sua outrora
militância na Ação Integralista Brasileira
75
.
Em 1944, retornou ao Ceará e, apesar da vontade de seguir uma carreira acadêmica,
assumiu os negócios da família e participou da diretoria da Associação Comercial do Ceará,
além de presidir o Centro dos Exportadores de 1955 a 1956.
Em 1954, José Flávio se candidatou a uma vaga na Câmara Federal pela UDN, mas
não conseguiu a eleição. Em 1958, elegeu-se deputado federal, sendo reeleito em 1962.
Destacou-se como um parlamentar articulador de uma bancada nordestina, “dispersa e
fisiológica”, na defesa da criação do Banco do Nordeste do Brasil.
Apoiou o golpe de 1964 e filiou-se à ARENA. Em 1966, não disputou novo
mandato, por discordar dos rumos da Revolução e para administrar seus negócios. Fundou e
administrou uma companhia de rações para avicultura e afastou-se da política partidária até
1975, quando o governador Adauto Bezerra o indicou para a Secretaria da Indústria e do
Comércio.
Ainda durante sua gestão na Secretaria, foi convidado por um grupo de empresários
descontentes com as sucessivas reeleições de Francisco José de Andrade Silveira, a concorrer
à presidência da FIEC em 1977.
Sua campanha criticou o personalismo das entidades sindicais e seu profissionalismo
- pessoas que largavam seus negócios e viviam de administrar as entidades, numa política
clientelística e nepotista. Sua eleição marcou um momento de renovação em várias entidades
empresariais, como na FIESP no ano seguinte.
Uma das suas preocupações ao tomar posse foi abrir a entidade para a participação de
todos empresários do Estado, visando a oxigená-la e torná-la mais presente nas discussões
75
RIBEIRO, Francisco (org.). Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Edições Demócrito Rocha.
1999 , pág.18.
54
sobre políticas econômicas e de desenvolvimento federais pós-milagre econômico, que
ameaçavam retirar vultosas quantias dos fundos de investimento do Nordeste.
José Flávio, ademais, temia que a apatia, o imobilismo, o absenteísmo e o hermetismo
da Federação, levassem à criação de outra entidade empresarial paralela, como ocorreu em
São Paulo com a criação, na mesma época, da Associação da Entidades Empresarias de Base,
como contraponto à FIESP. Até porque a Federação era formada apenas por representantes
sindicais, que não representavam mais do que a si mesmos, visto a falta de participação dos
associados de base. O CIC, ao contrário, aglutinava os donos ou administradores de empresas,
o que permitia uma maior participação e representatividade empresarial.
Entretanto, não seria despropositada a hipótese de uma pretensão de José Flávio em
ser o futuro Governador do Estado, algo que chegou a ser proposto pelos artífices da União
Pelo Ceará
76
em 1962. A atração da maior quantidade possível de empresários para os
entornos da Federação, servia bem para futuros objetivos político-eleitorais.
Entretanto, somente empresários que não houvessem se comprometido com o
Regime, que possuíssem certa autonomia financeira, com boa formação acadêmica e com
certa experiência política não partidária, poderiam desempenhar uma função de “razão
esclarecida”
77
da FIEC.
Tais pré-requisitos caíam como uma luva, para uma geração de empresários que
estavam obtendo sucesso na direção de suas empresas e que se mantinham afastados de
partidos e entidades, por serem muito críticos à ordem pós-64: Bení Veras, Amarílio Macedo,
Tasso Jereissati, Sérgio Machado, Ignácio Capelo, Byron Queiroz , Assis Machado.
76
A União Pelo Ceará foi um movimento articulado pelo Governador Parsifal Barroso, antigo quadro do PTB,
que rompido com o presidente desta agremiação no Ceará o deputado federal Carlos Jereissati - articula a
candidatura de Virgílio Távora da UDN, nas eleições de 1962, visando derrotar Jereissati, que apoiou Adahil
Barreto. Mesmo perdendo o Governo do Estado, Jereissati se elegeu Senador em 1962. Para este tema,
consultar RIBEIRO, Francisco Moreira. A reação política conservadora: o caso da União Pelo Cea. Rio de
Janeiro, UFRJ, IFCS, Dissertação de Mestrado em História Social. 2000.
77
Termo usado por TEIXEIRA, Francisco José Soares. CIC: razão esclarecida da FIEC. Fortaleza. IMOPEC.
1995.
55
Em vários depoimentos, José Flávio afirmou que os empresários jovens foram
convocados por ele para ajudar nas discussões sobre a situação sócio-econômica do país e do
Estado:
Vocês tão aí tomando uísque escocês no Ideal Clube e jogando pedra na
gente? Vão para o CIC, pelo menos dizer o que que vocês querem
78
.
Noutra entrevista José Flávio explicitou suas intenções com o convite:
Achei que podíamos mobilizar os nossos companheiros através de uma
pregação dinâmica, mobiliza-los para virem trabalhar na Federação da
Indústrias e foi o que fiz com os jovens empresários que estavam à margem do
processo, sem poderem entrar na diretoria da Federação porque era fechada.
Era uma diretoria corporativista: um procurador votava pelo sindicato todinho
na hora da eleição. Então, o voto era dele, não do sindicato...Eu queria mudar
tudo isto. Encontrei aquele empresariado desocupado e eu digo: na hora que
fechamos a gaveta dos nossos negócios, nós abrimos a gaveta dos negócios do
país; na hora em que o empresário fecha o seu negócio, abre a gaveta do
cidadão e é isso que eu quero que vocês venham fazer aqui. (...) Vocês vão
aprender para quando chegarem à Federação, chegarem maduros ... com o
ativismo compatível com as nossas necessidades e com a capacidade de cada
um. Mas é preciso treinar, começar
79
.
Estas declarações denunciavam a condição de tutor e mentor intelectual que José
Flávio pretendia ter sobre o grupo que assumiu o CIC em 1978. Como veremos adiante, tal
controle não ocorreu e ainda gerou atritos entre FIEC e CIC.
78
MARTIN, Isabela. Os empresários no poder. O projeto político do CIC (1978-1986), Fortaleza, Secretaria de
Cultura e desporto do Ceará. 1993, pág. 75.
79
RIBEIRO, Francisco Moreira. (org.). Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Edições Demócrito
Rocha. 1999, pág.32 e 33.
56
I.3 - FIESP: POSTURA POLÍTICA-EMPRESARIAL E A RELAÇÃO ESTADO-
ECONOMIA (1980-1989)
I.3.1 -CONTEXTO NACIONAL
As discussões sobre a função estatal no desenvolvimento econômico inseriram-se na
reformulação do quadro político brasileiro e foram provocadas pelas transformações que os
países centrais e a sociedade nacional passavam com alterações na correlação de forças
políticas.
No caso do Brasil, tais variações encontram sua gênese na crise do Estado
Desenvolvimentista, instaurada a partir de 1980. Neste ano, houve uma quebra da hegemonia
da substituição das importações e do desenvolvimento econômico amparado no tripé capital
monopolista, estatal e multinacional. A crise do nacional desenvolvimentismo impediu o
regime militar de dirigir a aliança instaurada em 1964 e dividiu seus quadros políticos, que
passaram a polarizar-se em torno de interesses e idéias distintas, causando desagregação no
interior do bloco dominante e o distanciamento entre o poder político e a sociedade.
Os choques dos juros e do petróleo, em 1979, evidenciaram o esgotamento das
estratégias de desenvolvimento baseadas no endividamento externo, sem onerar as classes
proprietárias e as empresas estatais. A partir de outubro de 1980, o governo federal passou a
abandonar a política de crescimento e a atacar os problemas de desequilíbrio das contas
públicas de duas formas: preservando linhas de financiamento externas a custos crescentes e
prazos mais curtos e induzindo a recessão para provocar a produção de saldos positivos e
crescentes no comércio exterior, com a finalidade de honrar os compromissos da dívida
externa.
Com a moratória mexicana e a suspensão dos financiamentos dos bancos credores, o
governo foi obrigado a recorrer ao FMI para conseguir empréstimos de emergência que
mantivessem o fluxo de pagamentos de juros e o aval para uma política de ajuste econômico
visando o alongamento dos prazos da dívida externa.
57
Medidas que significaram uma reorientação da política econômica adotada desde
1968 e o rompimento com a unidade do pacto de dominação estruturado pelo Estado
Desenvolvimentista. Além disso, agravava a precária situação sócio-econômica dos
assalariados e onerava de forma desigual os segmentos da aliança pós-64.
Os investimentos na infra-estrutura do país ao longo do período 1980/1985 sofreram
uma queda de 5% ao ano, provocando uma deterioração progressiva da infra-estrutura
produtiva. Os setores privados foram obrigados a trocar investimentos por diminuição de
custos, redução de dívidas e das taxas de crescimento. O capital financeiro, entretanto, foi o
único beneficiado pela política de juros altos para desaquecer a economia e reduzir a inflação,
ampliando assim os ganhos já adquiridos na década de 70.
Os descontentamentos dos setores prejudicados pela nova política econômica se
refletiram em várias situações: nas manifestações e greves dos servidores das estatais, que
passaram a se organizar em associações, mesmo proibidos pela legislação de fazê-lo; na
resistência da tecnoburocracia de se submeter às ações da Secretaria de Controle das Empresas
Estatais (SEST) e mesmo de fornecer-lhe informações; na ação dos empresários de se
organizar em várias associações e criticar a política recessiva de Delfim Neto na grande
imprensa; no tímido apoio da Campanha das Diretas e na adesão à candidatura de Tancredo
Neves ao Colégio Eleitoral
80
.
os empresários dividiram-se entre os defensores de uma política nacional-
desenvolvimentista e os que propugnavam uma visão neoliberal. Ambos defendiam a
necessidade de redimensionar as relações com os credores, revertendo a tendência da
exportação de capitais em que o país se encontrava. Os neoliberais, entretanto, acreditavam
que tal objetivo seria conseguido pela quebra do intervencionismo estatal e pela reativação
dos mecanismos de mercado. O Estado teria que se dedicar somente a políticas sociais
80
SALLUM Jr. Basílio. Labirintos. Dos Generais à Nova república.São Paulo. Hucitec. 1996. pág. 81.
58
compensatórias e abrir a economia a uma maior participação na divisão internacional do
trabalho, concentrando-se na agricultura e na produção industrial com tecnologia
assimilada e importando os produtos de tecnologia mais avançada. Tais idéias tinham a
simpatia das lideranças da agricultura moderna e do empresariado comercial.
os nacional-desenvolvimentistas davam destaque à reforma no sistema financeiro,
para subordiná-lo ao crescimento industrial; à visão do Estado como planificador de um
desenvolvimento autárquico (com ênfase na integração do sistema industrial); e à
internalização de toda a indústria de ponta e à incorporação dos assalariados organizados
mediante uma política negociada de rendas. Seus simpatizantes estavam na indústria privada
nacional e na burocracia empresarial do Estado. A FIESP, por exemplo, localizou-se neste
setor até 1984, quando então passou a integrar a corrente neoliberal.
Aliado ao rompimento da aliança desenvolvimentista, verificava-se, em fins dos anos
70 e em 1983, uma mobilização das classes médias e operárias, , que exigiam um novo papel
no contexto político institucional e econômico. Ocorreram manifestações violentas de
desempregados no Rio de Janeiro e em São Paulo, reforçando a dissociação entre o comando
do Estado, o empresariado e a classe política. Ficava mais forte a crença de que as medidas
recessivas ameaçavam a democratização e enrijeciam o regime militar, devido à irrupção de
violências, o que serviu para aumentar os anseios pela democratização, como forma de aliviar
tais tensões.
Nesse contexto, deu-se o surgimento do manifesto do Grupo dos Oito da Gazeta
Mercantil, que influenciou bastante o Grupo do CIC e levou os dois grupos a uma grande
proximidade. Em vários depoimentos desses empresários cearenses, estes destacavam a
pretensão de incutir na cabeça dos colegas uma cultura paulista, que caracterizavam como
avançada e necessária para a época.
59
Para tentar compreender essa cultura paulista, faz-se necessária uma análise do
movimento empresarial paulista no período de 1978-1986, para, em termos de comparação,
perceber as semelhanças e diferenças das posturas e práticas das duas entidades. Como forma
de delimitação, optar-se-á pela compreensão demonstrada pelos empresários sobre o papel do
Estado na economia, presentes em seus discursos e artigos publicados pelo órgão oficial da
FIESP, a revista Indústria e Desenvolvimento de 1978-1986.
I.3.2 - CONFLITOS INTRA-EMPRESARIAIS PAULISTAS NA ABERTURA
DEMOCRÁTICA
Em setembro de 1980, a revista Indústria e Desenvolvimento publicou um artigo do
presidente da FIESP, Theobaldo De Nigris, intitulado A falta de uma política industrial
coerente. No artigo, reclamava do governo federal a falta de um “conjunto consistente de
princípios norteadores do desenvolvimento industrial brasileiro, cujas decisões eram tomadas
ao sabor dos acontecimentos, sem um exame mais acurado da totalidade econômica do país”.
Ademais, “alterações casuísticas recorrentes geravam perplexidade dos investidores e
produziam um mal maior do que a situação que se buscava corrigir”.
Para surpresa dos leitores, que não estavam acostumados a ver de seu líder tal
postura, afirma:
Sem o estabelecimento de uma linha de ação harmônica, que reflita a
experiência e o consenso dos empresários, a evolução industrial do país
continuará a padecer dos males do tecnicismo estéril, da estranguladora falta
de perspectivas de longo prazo e dos perigos do imediatismo míope, em
prejuízo da prática da saudável economia de mercado
81
.
81
Indústria e Desenvolvimento, setembro de 1980, pág. 12.
60
Como proposta de um programa que possibilitasse o desenvolvimento econômico,
apresentava a aceleração da taxa de crescimento do produto nacional; o aumento da taxa de
absorção da mão-de-obra, principalmente de menor qualificação; a melhoria da distribuição de
renda pessoal e regional; a eliminação da pobreza absoluta; a manutenção da interdependência
externa; e um sistema econômico de decisão descentralizada, baseado na economia de
mercado.
Para que empresários e governos, ainda segundo Nigris, deixassem de ser os
“pronto-socorros dos casos de emergência da economia brasileira”, seria preciso a
participação dos industriais no diagnóstico e na terapêutica de problemas como o
desenvolvimento energético, ciência e tecnologia, substituição das importações, promoção de
vendas externas, localização industrial, empregos e salários e produtividade industrial. Assim,
seria possível ao país alcançar seus desígnios maiores com a flexibilidade exigida pelas
transformações rápidas que ocorriam no plano externo e interno
82
.
Não era usual por parte da presidência da FIEC tal postura crítica e até arrojada na
referência a uma política econômica do governo federal. A explicação para o “fenômeno” era
a disputa eleitoral pela qual a FIESP estava passando naquele ano. A Federação via o
surgimento de duas chapas para a eleição da diretoria, evidenciando a divergência sobre
conduta ideal da liderança empresarial na relação com os governos.
Theobaldo De Nigris, na direção da FIESP desde 1966, representava posturas
acanhadas, pusilânimes e até colaboracionistas com o governo militar. Enquanto o modelo
econômico beneficiou os industriais, não houve maiores críticas a sua atuação, nem mesmo
quando dos debates acalorados sobre a desestatização ocorridos entre 1974 e 1976.
82
Ibdem.
61
Os prenúncios de descontentamento puderam ser detectados pela ação de oito
empresários
83
, escolhidos como os mais representativos, numa consulta feita pelo Gazeta
Mercantil em 1977, a cinco mil homens de negócios do país. Em 26 de junho de 1978,
publicaram um documento de caráter eminentemente político, no qual criticavam a política
econômica e social do governo. Propuseram formalmente a implantação de um regime
democrático no país, por ser o único capaz de “promover a plena explicitação de interesses e
opiniões, dotado, ao mesmo tempo, de flexibilidade suficiente para absorver tensões sem
transformá-las num indesejável conflito de classes”
84
.
A implantação das medidas recessivas do governo federal em fins de 1980 será o
detonador dos descontentamentos dos empresários com seu representante sindical, que
culminará na eleição de Luis Eulálio Bueno Vidigal para a presidência da FIESP.
A importância dessa eleição pode ser medida pelo fato de nenhum eleitor ter faltado
ao pleito e pela presença na posse, em 03 de outubro de 1980, de altas autoridades federais e
do Estado de São Paulo. estavam o vice-presidente Aureliano Chaves, os ministros Delfim
Netto (Planejamento), Camilo Penna (Indústria e Comércio), Ernâne Galvéas ( Fazenda ),
Murilo Macedo ( Trabalho ), o Governador Paulo Maluf, o prefeito de São Paulo, Reynaldo de
Barros, senadores e deputados
85
.
Na solenidade, De Nigris, em um discurso fleumático e sem rancor, prestou contas
dos seus catorze anos de gestão. Destacou que a FIESP, como “partícipe da Revolução”, nada
exigiu, nada reclamou que não fosse o cumprimento da filosofia que inspirou o movimento de
31 de março: a preservação de valores democráticos que, no domínio da economia,
sustentavam a livre empresa.
83
Cláudio Bardella, Severo Gomes, José Midlin, Antônio Ermírio de Moraes, Paulo Villares, Paulo Vellinho,
Laerte Setúbal Filho, Jorge Gerdau Johannpeter, Amador Aguiar, Antônio Augusto Trajano de Azevedo
Antunes.
84
Indústria e Comércio, julho de 1984, pág. 36
85
Vidigal Filho propõe um novo projeto de nação. Indústria e Desenvolvimento, outubro 1980, pág. 30
62
Dizia ainda que, como sempre pautara suas administrações pelo “diálogo, pelo
espírito de colaboração e de crítica objetiva e independente com os governos revolucionários”.
No final, clamou pela unidade do empresariado paulista, exortando seus eleitores a apoiar os
vencedores, superando “personalismos ou divergências meramente subjetivas”
86
.
O discurso de Vidigal, entretanto, expôs as divergências que dividiu os empresários.
Afirmou que sua candidatura transformou uma luta intramuros, num processo político aberto,
consolidando o “direito e o poder dos empresários de influir nos destinos da nação”. Numa
entrevista à revista Senhor explicitou ainda mais o conflito ao dizer que:
...o relacionamento (empresário-governo) tem se dado muito mais pela
atuação de um grupo de pessoas mais ativas ou melhor relacionadas com
o governo, com o afastamento das entidades que deveriam ser os porta-
vozes oficiais do empresário junto ao governo. Este tipo de
relacionamento vai mudar e não acho que vai ser difícil
87
Esta compreensão do novo papel político da FIESP ficou clara também quando,
ainda em seu discurso de posse, resgatou a trajetória histórica da entidade. Em sua visão, a
proposta original da FIESP havia “envelhecido” e seu legado encontrava-se “exaurido”,
que, na sua fundação, no ano de 1938, a luta era pela industrialização do país. Na época, isso
era possível pela ação do Estado. Os empresários, então, atuaram nos órgãos estatais,
incumbindo-se de executar a política intervencionista; enquanto não existiu confronto no
plano global entre capital estrangeiro e nacional, nem entre Estado e empresa, que aquele
pouco participava na produção, tudo deu certo. Em fins da década de 50, quando deu-se o
“esgotamento” desse modelo, devido ao seu próprio sucesso, a FIESP não conseguiu formular
novos programas de ações, apenas repetindo soluções que não respondiam aos desafios da
conjuntura por que passava o país
88
.
86
Idem,pág. 33
87
Idem, junho 1980, pág. 07.
88
Idem, outubro 1980, pág. 31.
63
Teria aceitado, inclusive, um papel coadjuvante no esquema que foi montado em
1964, no qual o Estado novamente assumiu a criação de infra-estrutura, o direcionamento dos
investimentos e o estímulo ou desestímulo às fusões, incorporações e associações. A Carta dos
Oito da Gazeta Mercantil foi citada como a constatação da fragilidade do dirigismo estatal
para a geração de desenvolvimento e progresso social. Era a tomada de consciência de que a
democracia era a única forma de participação no poder político, que até então lhe fora
negado
89
.
Como que numa postura messiânica, Vidigal afirmava que não havia sido feita ainda,
a transição entre o legado da primeira geração de fundadores e dirigentes para os que se
prepararam para enfrentar os novos desafios.
Parecendo arrogar para si a condição de timoneiro dessa transição ainda não
realizada, colocou a público a proposta que seria a marca da sua administração (1980-1986): a
busca de um projeto para a nação, referenciado no que foi delineado no governo de Juscelino
Kubitschek. O projeto, entretanto, seria atribuição não do governo ou da classe política,
mas de toda sociedade – e a FIESP colocava-se na condição de melhor representante.
Com tal respaldo”, Vidigal expôs o que seriam as premissas dessa proposta: a
recusa da recessão como medida econômica terapêutica; o repúdio às tentativas de retrocesso
político e de terrorismo; a defesa da redução da dependência energética, do desenvolvimento
da agricultura, da ativação de gastos sociais, do debate e da negociação permanente
90
.
Como prova de que seria coerente com seu discurso em sua própria “casa”, anunciou
a formação do Conselho Superior de Economia, que contaria com a colaboração de
professores, economistas, sociólogos, historiadores, jornalistas e políticos, visando discutir
grandes temas que afetassem o país como um todo.
89
idem, julho de 1984, pág.37.
90
idem, outubro 1980, pág. 31.
64
Para o presidente eleito, a FIESP, por conta desta atitude, estaria confirmando o que
seria a essência do capitalismo: um complexo de valores econômicos, políticos, morais e até
religiosos. Portanto, a abertura política, tão pedida pela sociedade brasileira, seria completa
com a defesa da livre empresa. Evita-se assim que a sociedade democrática que se anunciava
no futuro não descambasse numa luta de classes de conseqüências imprevisíveis
91
.
Esse sentimento otimista e de auto-compreensão do importante papel histórico que a
classe empresarial tinha naquele momento foi recorrentemente inscrito nas páginas de
Indústria e Desenvolvimento.
Exemplo disto foi a matéria intitulada A abertura chega à indústria paulista. O lead
não fugia ao clima eufórico: “Com a quebra de uma tradição de anos de chapa única às
eleições, a FIESP ganha uma nova dimensão política e maior representatividade junto ao
empresariado”
92
.
Assumir-se como a face mais progressista e politizada não do empresariado, mas
de toda a nação, foi uma das marcas da administração de Vidigal. Isso foi afirmado sem
nenhuma parcimônia ou modéstia em discursos e matérias escritas em jornais da grande
imprensa como demonstraremos mais adiante. Mas, na matéria em questão, uma
preocupação em demonstrar como esta pretensão se confirmava na prática do presidente.
Destacava-se, por exemplo, algumas falas da entrevista à revista Senhor, que explicitava a
pretensão de fazer a FIESP não silenciar sobre o fato consumado e evitar que o fato
consumado ocorresse, antecipando-se o máximo possível às decisões de assuntos que
interessassem à indústria, à economia, à questão social.
Assim, deixava claro que chamava a si a responsabilidade de opinar de forma altiva
e crítica sobre aspectos que interessassem a toda a sociedade brasileira. Conseqüentemente
91
Ibidem, pág. 32.
92
Idem, junho de 1981, pág. 06.
65
suas futuras demandas teriam que ser encaradas pelos colegas empresários, governos e opinião
pública, como interesses coletivos da nação e não meras reivindicações corporativas.
Política, essa palavrinha geralmente mal vista em decorrência de
distorções da própria formação do Estado brasileiro, entrava, assim, de
cheio no cotidiano da vida empresarial, como não podia deixar de ser.
Luis Eulálio Bueno Vidigal Filho dissera na posse, que pensava
politicamente e com ele estava também o empresariado industrial, não
apenas de São Paulo, mas de todo o país”I
93
.
Assim antecedia o parágrafo que comentava a posição parlamentarista de Vidigal,
como que para justificar a abordagem de tal assunto, por um líder empresarial. Para ele, era o
único regime capaz de afastar a má tecnocracia do poder, que sempre tentou afastar o
legislativo do empresariado e da sociedade; que possibilitava a valorização do parlamento e da
eleição parlamentar; e que fortalecia o presidente enquanto instituição, preservando-o das
crises
94
.
Coincidentemente, a adesão parlamentarista surgia no momento de um descenso nos
índices de popularidade de Figueredo e em que as reivindicações por eleições diretas
começavam a surgir. Destaque-se que, durante o ano de 1984, em nenhum momento nas
páginas de Indústria e Desenvolvimento, houve uma só referência à Campanha das Diretas, ou
uma posição da FIESP sobre o assunto.
A justificativa para tal omissão, dada em discurso de Vidigal no seminário sobre o
parlamentarismo, promovido pela própria Federação no dia 18 de maio de 1984, era de que a
discussão sobre a forma de eleição presidencial não esgotava nem resolvia o problema de
transição do regime.
O tema da democracia passava, antes de tudo, pelo tema da “responsabilidade
compartilhada, do exercício não discricionário do poder”. Como a diretoria da FIESP era “um
93
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1981, pág. 8.
94
Ibidem.
66
exemplo de parlamentarização do poder”, a defesa desta forma de governo era quase que
natural pela entidade que acolhia o Seminário
95
.
Assim, esse tipo de parlamentarismo parecia indicar os caminhos que a burguesia
paulista pretendia seguir, caso a impopularidade do presidente desse fôlego a candidaturas
malquistas a seus olhos, como Ulisses Guimarães e Leonel Brizola.
Noutro momento, a publicação destacou os pontos principais de um Projeto de
Nação, colocados num discurso do seu presidente: acreditar na democracia; ser democrático
na prática, e não só na retórica, como aconteceu sempre que os privilégios empresariais
estavam ameaçados; ver na democracia o meio mais adequado para controlar o Estado; ter a
crença democrática como melhor forma de redistribuir renda, ter tributos justos e enfrentar o
problema agrário; democracia com liberdade sindical, organização eleitoral e partidária sem
casuísmos
96
.
Como prova do caráter sincero dessas palavras, citou-se o encontro da própria
FIESP com os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos, que, numa
negociação, sem a intermediação do governo, resultou num acordo salarial em 1981.
Esta defesa da democracia era espantosa para um contemporâneo de Vidigal, que o
viu defendendo o golpe de 1964. A incoerência seria justificada pelo próprio, numa entrevista
ao jornal Zero Hora em maio de 1985. Ao explicar por que não acreditava na volta da
Ditadura confessava:
Fui um dos que participaram da Revolução de 1964 e não me arrependo.
Isso não quer dizer que desejo a volta do regime autoritário que vivemos
97
.
Perguntado se a revolução que ele apoiou era a mesma que terminara, respondeu:
É. Ela evoluiu de uma maneira diferente e demorou mais do que
pensávamos. O final é aquele que desejávamos. A grande maioria daqueles
95
Idem, julho de 1984, pág.35.
96
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1981, pág. 9.
97
Idem , junho de 1985, pág. 14.
67
que participaram da Revolução de 1964 apoiou a Aliança Democrática. O
final, embora tardio, coincidiu com os objetivos daqueles que fizeram a
Revolução de 1964. O período de 21 anos é que nenhum de nós esperava
98
.
Outro fato destacado pela matéria foi a criação do Conselho Superior de Economia,
composto por empresários como o próprio Vidigal, Cláudio Bardella, Paulo Francini, Antônio
Ermírio de Moraes, Dílson Funaro, Henrique Araújo, intelectuais e economistas de renome,
como Adroaldo Moura e Silva, Luiz Gonzaga Veloso, Celso Lafer e Luiz Carlos Bresser
Pereira. A finalidade do órgão era de prestar assessoria à FIESP/CIESP no estudo de
problemas econômicos de São Paulo e do país e encaminhar sugestões às autoridades
governamentais para o seu equacionamento de acordo com os interesses da economia
nacional.
Foi a partir de subsídios fornecidos pelo novo Conselho, que a FIESP divulgou e
entregou ao ministro Delfim Neto um documento, no dia 09 de dezembro de 1980, com
análises da conjuntura nacional, que, segundo a matéria, incluíam-se, seguramente, entre os
trabalhos de maior peso e repercussão de todo o ano e não apenas no âmbito empresarial. A
essência de seu conteúdo era uma peremptória negação à recessão como terapêutica
econômica e uma grande preocupação com o emprego e a manutenção do crescimento
econômico.
Para avalizar a justeza e a representatividade do referido trabalho, Indústria e
Desenvolvimento, citava a repercussão que teve nos editoriais dos grandes jornais de São
Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.
Destacar os discursos com posições políticas da entidade, também no periódico da
FIESP, como na grande imprensa, era uma forma de politização dos associados. Vidigal por
ocasião de uma visita à Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre em
98
Ibidem.
68
14 de maio de 1985, expôs a mensagem num discurso publicado posteriormente com o título
A participação política do empresariado.
Juntamente à condenação da hipertrofia do Estado Brasileiro, que avançava na
economia, pregava a necessidade de os empresários se oporem a tal processo. Lamentava,
entretanto, a pequena quantidade de colegas que percebesse isso e tivessem mudado suas
relações políticas e administrativas com o governo. Este ainda era visto como responsável por
tudo que poderia ser realizado no país e muitos colegas ainda acreditavam que o Estado atuava
dentro dos limites fixados na Constituição.
A mudança de tal postura, continuava Vidigal, dar-se-ia quando os empresários
passassem a emitir opiniões e atitudes claras em face de problemas políticos, econômicos e
sociais do país, quando propusessem formas de melhor encaminhamento para suas soluções,
pois, se isso era um direito para qualquer eleitor, imagine para os
...condutores dos interesses privados e comuns dos cidadãos sob um regime
democrático, que tinham uma visão privilegiada de todas as perspectivas que
se apresentavam numa variedade enorme de assuntos
99
.
No mesmo discurso, acrescentava ainda a necessidade de fortalecer as entidades de
classe como instrumento de atuação política, junto ao Executivo e no Legislativo. Além disto,
aconselhava a aproximação com políticos que defendessem o sistema democrático e de livre
iniciativa, para garantir no interior dos partidos políticos os valores da classe empresarial
como fundamento para o desenvolvimento econômico e social do País
100
.
Nesses e noutros momentos, Vidigal esquivava-se em defender uma militância
política partidária dos empresários. Numa entrevista, em junho de 1986, questionado se o
empresário deveria fazer política e estar presente na Constituinte, sua resposta foi lacônica:
99
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1985, pág. 43-44.
100
Ibidem.
69
Eu acho que sim. Não obrigatoriamente como candidato, mas o empresário
participando da política partidária independentemente
101
.
I.3.3 - A FIESP E O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA
A questão econômica vai assumir a preocupação da FIESP, mesmo quando a política
estava na ordem do dia. Nas proposições para resolver a crise que se vislumbrava com a
política econômica de Delfim Neto, percebe-se ainda a vinculação dos empresários paulistas
ao modelo nacional-desenvolvimentista. Em setembro de 1981, por exemplo, Vidigal, num
discurso na Associação dos dirigentes de vendas do Brasil, em Porto Alegre, listou os efeitos
da recessão para o país e as alternativas à crise.
O mesmo propunha o pagamento das dívidas do Governo com o setor privado; a
retomada, aceleração ou implantação de projetos de investimentos na habitação e transportes
urbanos de massa; e um programa de colonização em grande escala, para atenuar os
problemas da questão fundiária
102
.
Ou seja, a resolução do problema econômico ainda passava pela ação do Estado,
mesmo criticando seu gigantismo. As propostas citadas eram uma receita keynesiana típica de
intervenção estatal para resolver os problemas de excesso de capitais sem oportunidades de
investimentos devido a crises econômicas.
Entretanto, o agravamento da recessão provocada pela política econômica do
Governo Federal nos anos de 1982 e 1983 levou o empresariado ao acirramento sobre a
responsabilidade estatal na crise. Ainda timidamente, a FIESP expôs, em março de 1983, seu
descontentamento, abrindo espaço para um artigo intitulado A nação ameaçada, na sessão de
Debate. Assinado pelo economista José Paschoal Rossetti, o texto diferencia-se dos artigos
mais técnicos publicadas pela revista sobre ao papel do Estado na economia, pelo seu teor
contestatório.
101
Idem, junho de 1986, pág. 32.
102
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1982, pág. 40.
70
Alertava que se corria o risco de “esgarçamento do tecido econômico do país”,
devido à ação nociva do “Estado-empresário”. Este seria o disfunsor perverso, a causa-matriz
da atrofia do tecido privado da micro à grande empresa, tanto urbana quanto rural. Sua
“remoção” seria um dos “poucos caminhos para viabilizar a reconstrução econômica da Nação
e a estabilização das suas instituições sociais e políticas”
103
.
As afirmações de Rossetti tinham pontos em comum com as críticas ao Estado
brasileiro, feitas por vários setores empresariais, acadêmicos e políticos, principalmente no
que se referia ao problema da inflação, apresentada como “filha dileta do déficit público e do
perdularismo federal”
104
.
Em junho de 1984, Indústria e Desenvolvimento publicou um artigo escrito por uma
economista ligada ao Departamento Econômico da entidade, Maria Helena Zockun. Com o
título O papel do Estado na economia, era muito mais um painel das discussões sobre o
assunto, do que a afirmação de postura oficial.
Classificando os estudiosos sobre o assunto de “liberais modernos e
intervencionistas”, reconhecia nestes os mais fortalecidos no debate, devido à crescente
atuação do Estado no campo econômico em todos os países capitalista, além das malogradas
experiências liberalizantes no Chile e na Argentina, que teria “transformado o liberalismo
moderno em mal a ser exorcizado dos programas econômicos nacionais”.
Percebe-se, no entanto, uma franca simpatia da autora às idéias neoliberais, quando
ensaia uma defesa do modelo chileno. Reconhecia que o Chile seguiu à risca as determinações
do FMI e privatizou 349 das 364 estatais existentes. Entretanto, das 13 que sobraram, 8 se
situavam entre os maiores patrimônios líquidos da nação e, portanto, ainda tinham poder de
decisão sobre produção, investimentos e preços. Dizia ainda que a análise superficial dessas
experiências demonstrava que elas não foram tão liberais e ortodoxas como deviam. Até
103
Idem, março de 1983, pág. 40.
104
Ver MUNIZ, Altemar da Costa. As mudanças de linha editorial da Folha de São Paulo (1979-1989).
Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em sociologia da Universidade Federal do Ceará.1999.
71
porque “quando se utilizava tal medida, depois de um longo período de interferência estatal,
podiam surgir distorções inesperadas”
105
.
Ou seja, como não foi feito 100% da lição, mesmo atingindo-se os 90%, a nota para
a política econômica do Chile era zero.
Tal argumentação era a clássica justificativa neoliberal de que “o modelo não foi
completamente implantado”. Sempre existe algo que não foi feito ainda, para justificar o que a
realidade insiste em desmentir: o modelo não traz o desenvolvimento e a fartura de bens e
produtos prometidos na retórica . Na fala de César Benjamim,
Sendo o livre mercado apenas um tipo ideal, incapaz de organizar em
torno de si o conjunto da vida social, a implantação do modelo neoliberal,
por definição, está sempre incompleta. Cria-se assim um discurso que,
como os demais discursos ideológicos, externaliza suas dificuldades e
encontra em si mesmo o secreto motor de sua própria reciclagem. Não
depende do confronto com uma realidade que lhe seja exterior, pois
contém em si as condições suficientes de sua legitimação. É certo que os
êxitos, quando existem, o fortalecem. Mas paradoxalmente, os fracassos
também, pois ele sempre pode acionar uma fuga para a frente: isso e
aquilo estão atrapalhando o mercado. Os liberais terão razões para
repetir esse argumento ad infinitum, pois sempre haverá instituições e
práticas, formais ou informais, que ‘atrapalham’ o mercado
106
.
No segundo momento do artigo, a autora analisa as origens da crise brasileira sob o
ponto de vista da corrente liberal-privatista, que via o crescimento do Estado brasileiro como
responsável pelas alterações nas atribuições entre o setor público e o privado, provocando a
ação do último nas áreas de saúde, educação, polícia, devido ao avanço do primeiro sobre o
mercado. Afirmava ainda que a demanda por mão-de-obra estava se reduzindo na média
porque as estatais estavam conquistando parcelas crescentes do estoque de capital da
105
Indústria e Desenvolvimento. Junho 1984, pág.33.
106
“Sensatos e espertos: subintelectuais em ação”. Revista Atenção!, ano 2, n° 9, 1996. pág. 36/37
72
economia, provocando aumento nas taxas de juros, para investir em plantas produtivas de
grande escala, de alta tecnologia e poupadoras de recursos humanos, criando-se demanda sem
gerar oferta e conseqüente inflação.
Finalizava reconhecendo que era difícil convencer os agentes econômicos e políticos
da viabilidade das medidas liberais em nossa economia, devido “à análise incompleta das
experiências do cone sul” e que, infelizmente, eram as versões mais difundidas
107
.
Uma posição mais clara da FIESP sobre a questão Estado-economia foi encontrada
num artigo que Vidigal escreveu para a Folha de São Paulo, intitulado Um projeto inaceitável,
no dia 08 de maio de 1983. Sem sua cordialidade característica desancava o projeto de lei de
um deputado da base governista, que propunha a estatização do sistema bancário. Dizia que o
projeto merecia o “repúdio de todos que acreditavam no regime capitalista e na livre empresa,
por representar uma perigosa ameaça ao próprio sistema de livre iniciativa”.
Embora reconhecesse que a estatização representava a corrosão da economia de
mercado, não negava a necessidade do Estado como regulador da economia. Defendia essa
atuação, mas somente na produção de bens e serviços, em áreas de segurança ou de capital
intensivo que exigiam longo período de maturação
108
.
No discurso de posse do seu segundo mandato, em 20 de setembro de 1983, Vidigal
defendeu a diminuição do déficit público. Para tanto, seria preciso submeter os investimentos
e dispêndios das estatais a um controle rígido, visando à contenção das taxas de juros internas
e estimulá-las na busca de eficiência, sem repassar os custos derivados da baixa produtividade
a toda sociedade.
Isto se fazia necessário porque o Estado “sugava os recursos financeiros extraídos
dos sacrifícios de adaptação do setor privado à crise”, sem que, entretanto, suas despesas
deixassem de crescer e comprometer a política de recuperação do país. Dizia ainda que era
107
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1984, pág. 34.
108
Indústria e Desenvolvimento, julho de 1984, pág. 39
73
Necessário que o Estado volte ao seu papel tradicional, para que possamos
ter segurança pública, saúde, educação básica, infra-estrutura e demais
benefícios que são suas atribuições indelegáveis, deixando a atividade
econômica para a área privada, exercendo o Estado apenas o poder
regulador que lhe compete
109
.
O discurso ilustrava bem a forma como Vidigal passa a abordar o problema Estado-
economia a partir desse momento. Suas análises começavam fazendo um diagnóstico da
situação econômica do país, ao mesmo tempo em que apontava os agentes internos e externos
que provocavam problemas nesta seara. Além disto, reafirmava a necessidade de abertura à
concorrência externa como forma de colocar à prova a eficiência da “indústria nacional”. Sua
visão de indústria nacional, no entanto, expressava algo eclético.
Nesse mesmo mês, em artigo publicado no Jornal do Brasil, intitulado Crise e
Oportunidade, Vidigal chamava de “perigo filosófico” a idéia, disseminada pela estatização,
de que só o “Estado tinha os recursos e os talentos que faltavam à sociedade para o
desenvolvimento econômico”, o que representava o “comprometimento da própria concepção
do sistema econômico e político que o Brasil historicamente parecia ter escolhido”.
Alegava que, desde a crise de 1929, havia uma separação entre o discurso do poder
público, pretensamente liberal, e sua prática, participante, intervencionista, o que teria
provocado o “predomínio do Executivo sobre os outros poderes”, além da criação de uma
“ética própria, regida por códigos de conduta, feitos por ele mesmo e que a eles submetia-
se”. Deste quadro, teria surgido uma “tecno-estrutura de especialistas que administrava a
máquina estatal por uma lógica sem qualquer referência nas condutas prevalecente na
sociedade”.
Nessa altura da exposição, comentou o principal perigo da mazela da estatização: o
impasse político entre como escolher o presidente e a quem escolher. A primeira pergunta é
109
“Em defesa da livre iniciativa”. ibidem, pág. 33
74
ignorada pelo confesso amigo de Figueredo. A segunda é respondida, dando-se o perfil ideal
do futuro presidente para os empresários paulistas: que ajude a recuperar o sentido de
controle da sociedade sobre o Estado, criando instrumentos que estabeleçam limites ao poder
absoluto do executivo e das estatais; que ajude a recuperar o sentido de participação, ouvindo
a sociedade, através das instituições e não de técnicos e consultores sem nenhuma
representatividade; que ajudasse a recuperar o primado da Ética (sic), referenciando-se na
existente em sociedades modernas, industrializadas e capitalistas, sobre a condução dos
negócios públicos e até para a chegada ao poder, independente da forma direta ou indireta
110
.
Os discursos da presidência da FIESP, passaram a reforçar a visão negativa e
catastrófica sobre o futuro do país, caso a estatização se ampliasse. No discurso à Comissão
Mista do Congresso Nacional, sobre o projeto de lei do Executivo dispondo sobre a Política
Nacional de Informática, em 12 de setembro de 1984, via-se esse tipo de mensagem.
Afirmava à Comissão que o projeto enviado pelo governo criava uma Secretaria
Especial de Informática de amplo espectro, que submeteria ao seu controle qualquer ato
comercial, ou de produção, mesmo local, que estivesse minimamente relacionada à atividade
de informática, o que significaria a completa “estatização do poder de decisão em todos os
quadrantes da sociedade brasileira”.
Aproveitava e apelava para que os congressistas não confundissem o desejável uso
do poder regulador e disciplinador do Estado, “necessário em país de qualquer economia
moderna”, com o intervencionismo estatal que, a pretexto de agir em setores nos quais a
iniciativa privada não tinha plena capacidade de atuar, acabava por inviabilizá-la e substituí-
la
111
.
110
Indústria e Desenvolvimento, julho de 1984, pág. 42.
111
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1985, pág. 36-37.
75
I.3.4 - PROTECIONISMO E PAPEL DO CAPITAL ESTRANGEIRO
Articulado ao embate com os defensores do Estado-empresário, desenvolveu-se na
FIESP uma discussão sobre o papel do protecionismo e do capital estrangeiro no
desenvolvimento industrial, o que ficou patente no discurso feito para a Escola Superior de
Guerra, em 21 de julho de 1981, sobre o papel do lucro e a importância da livre iniciativa.
Em certo trecho, dizia:
Ora, se até hoje os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão
recorrem a esses e outros incentivos como a proteção alfandegária, a
reserva de mercado etc. por que não o Brasil?...A experiência de todos
os países em que o sistema de economia de mercado floresceu, e também
daqueles em que tal sistema estagnou ou foi destruído, mostram que não é
possível prescindir da industrialização e da empresa privada. Não
pretendemos, é claro, que os recursos da nação sejam utilizados,
egoisticamente, pelos empresários industriais. Mas não como fugir à
constatação de que sozinhos, da mesma forma que os seus congêneres de
todo o mundo, eles não contam com o montante de capital necessário aos
investimentos exigidos pelos desafios referidos. Em resumo: à indústria
nacional, subsídios existiram poucos, quase inexistem hoje, e é
imprescindível que existam amanhã
112
.
Entretanto, o próprio orador esclarecia que tal atitude o significava xenofobia.
Reconhecia que a inserção do Brasil na economia internacional era irreversível e que a
“colaboração estrangeira era desejável, desde que controladas as fontes de distorção derivadas
da própria desigualdade de forças entre multinacionais e empresa privada brasileira, de forma
que a última fosse defendida”.
Em discurso na Brazilian-American Chamber of Commerce, em Nova York no dia
01 de fevereiro de 1984, com o sugestivo título Uma condenação ao protecionismo, Luis
Eulálio destacou que, no Brasil, o problema do déficit público estava assumindo a dimensão
112
Idem,, junho de 1982, pág. 46.
76
necessária para combater o desequilíbrio monetário e os descontroles inflacionários,
provocados pela atuação exagerada do Estado em áreas naturalmente destinadas à iniciativa
privada.
Porém, lembrou aos colegas americanos, que parte da crise que o Brasil estava
passando era “culpa da política de recuperação da economia americana, sustentada num
grande déficit orçamentário, com conseqüente aumento das taxas de juros internacionais”.
Portanto, a responsabilidade pela situação brasileira devia-se também às “incertezas
financeiras, às dificuldades de pagar dívidas e do forte protecionismo do primeiro mundo”.
Dessa forma, a recuperação brasileira passava por uma “negociação tripartide entre
empresários-governos-bancos, tendo como referencial para os acordos a evolução do comércio
mundial”
113
.
Entretanto, em maio de 1985, encontramos um Vidigal mais reticente sobre o fim do
protecionismo. Num discurso para a VIII Plenária do Conselho Empresarial Brasil-EUA,
ocorrida em Brasília, defendeu a necessidade de a empresa privada nacional continuar
necessitando da proteção que “sempre foi dada às suas congêneres em todos os países, nas
fases iniciais de sua existência”. A justificativa era de que, mesmo após 30 anos de grande
crescimento, o parque nacional ainda não tinha atingido o nível dos países desenvolvidos.
Assim, a participação do investimento estrangeiro teria que se dar não como
sobreposição de esforços, mas de forma complementar à industria nacional, com o mínimo de
atrito e o máximo de eficiência. O modelo ideal, portanto, seriam as “joint-ventures”, que
facilitariam a “assimilação de tecnologia pelo parceiro nacional, além de unir esforços e
potencialidades, experiência mundial e conhecimento empírico da realidade nacional, regional
ou local”
114
.
Já em entrevista em junho de 1986, defendia:
113
Indústria e Desenvolvimento, julho de 1984, pág. 35.
114
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1985, pág. 44-46.
77
...a reserva de mercado para as empresas brasileiras, e entre estas( e essa
frase é invenção minha, modéstia à parte, de dez anos atrás), as empresas
brasileiras de capital estrangeiro estão incluídas. Não defendo reserva de
mercado por origem do capital, e sim por instalação no país
115
.
Vidigal autodenominou tal postura como ”Nacionalismo Liberal”. A defesa das
indústrias brasileiras e as instaladas aqui tinham como modelo de protecionismo o que
ocorreu com o setor de autopeças, de onde provinha o próprio Vidigal. Em consórcio com a
automotiva estrangeira brasileira, tinha atingido altos níveis de desenvolvimento tecnológico e
competitividade internacional. Com essa referência, localizada e datada historicamente,
defendia o mesmo modelo de política industrial aberta e protegida por tarifas aduaneiras,
para toda a indústria nacional
116
.
Em nenhum momento da discussão, entretanto, a FIESP deixou de dizer-se
nacionalista. Porém, eram defensores de um nacionalismo novo, adaptado aos anos 90, como
dizia Eugênio Staub, dono da Gradiente e diretor adjunto do departamento de tecnologia da
Federação, num artigo chamado O Brasil na contramão.
Lá, reprovava a reserva de mercado da informática, dizendo que o país estava
desenvolvendo um raciocínio tão velho como os computadores de primeira geração, um
raciocínio nacionalista típica dos anos 50. Afinal:
Nacionalistas somos todos nós. O que não podemos é continuar a sê-lo
segundo um molde tão ultrapassado no tempo. Estamos no limiar dos anos
90 e a realidade hoje é a interdependência dos países. Aliás, de qualquer
país
117
.
O que se percebe pelos estudos de discursos e artigos de Vidigal e de seus colegas
dirigentes empresariais é que a condenação à intervenção estatal na economia foi utilizada
115
Idem, junho de 1986, pág. 33.
116
Idem, junho de 1986, pág. 34.
117
Revista da Indústria, fevereiro de 1988,pág. 54.
78
como moeda de troca nas negociações dos empresários paulistas com o capital financeiro
internacional.
Ao longo da década de 80, a aquisição de empréstimos foi dificultada no mercado
interno pelo Governo, que precisava de boa parte da oferta monetária do país, para o
financiamento do déficit público. Restou aos paulistas o crédito externo e uma vinculação
cada vez maior com seus financiadores internacionais, que gerou associações e até a compra
das indústrias nacionais. Não defender tal abertura significava ficar sem capital necessário à
atualização tecnológica e sem espaço de venda no mercado externo.
I.3.5 - A ATUAÇÃO NO CONGRESSO CONSTITUINTE
Vidigal foi escolhido pelo presidente Sarney para representar os empresários na
Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, que tinha a função de fazer um anteprojeto
que serviria de referencial às discussões do Congresso Constituinte. Numa entrevista,
confessou ter sido derrotado em todas as propostas econômicas, sociais, políticas e até nas
judiciárias.
Sua explicação para a rejeição de suas proposições era que, na Comissão, havia um
grupo de “cinqüenta notáveis e notórios, mas completamente fora da realidade, com uma visão
do país poética e não de futuro”
118
.
Estas propostas da FIESP para a Constituinte foram conhecidas a partir do discurso
que Vidigal fez na FIEMG no dia 08 de novembro de 1985.
Havia a defesa de uma Constituição “econômica”, que seria uma Carta enxuta, sem
grandes preocupações específicas e que garantisse o espaço de atuação da livre iniciativa -
“manifestação da liberdade humana e condição da liberdade política” - deixando claro os
limites de ação do Estado na seara produtiva; reservas de mercado seriam admissíveis para
propiciar o desenvolvimento tecnológico em setores não suficientemente desenvolvidos, mas
118
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1986,pág. 32.
79
por prazo determinado; os monopólios, apenas em caso de segurança nacional, indenizando-se
de modo prévio e justo as empresas eventualmente excluídas; o lockout era defendido como
exercício legítimo de proteção do patrimônio em casos de ocupação por empregados em
greves, ou por suspensão do fornecimento de matéria-prima ou componentes indispensáveis à
empresa; ao Estado reconhecia-se o direito de tolher abusos do poder econômico e planejar o
desenvolvimento nacional e regional, através do entendimento entre o capital e o trabalho
119
.
Num artigo de fevereiro de 1986, na revista da APEC, esses pontos foram
novamente expostos por Vidigal, porém embasados numa visão mais filosófica.
Sua visão de liberalismo rejeitava não só o Estado autoritário como também o
“providencialista, que atuava não como moderador, conciliando interesses pela persuasão, mas
como tirano que comandava em prol do que pensava ser o bem dos governados, recusando a
estes o valor maior da liberdade”.
O sistema de mercado era apresentado como “modelo puro de democracia
econômica”, porque da oferta e da procura resultava a vontade geral. Embora reconhecesse
que o sistema gerava distorções, era preferível aos “sistemas regulatórios, autoritários por
natureza, comandados por uma ‘autoridade’ que disciplinava a produção e o consumo,
segundo critérios próprios”. Estes intervencionismos, freqüentemente, produziam mais
distorções que os que pretendia consertar. As mentes humanas, mesmas as mais sábias, eram
mais falíveis que a “mão invisível”.
Assim, não é por mera coincidência que todas as democracias coexistem
com o sistema econômico de mercado. Nem é mera coincidência que o
totalitarismo se implante toda vez que o sistema econômico são (sic)
conduzidos de cima para baixo, autoritariamente, ainda que em nome do
bem último do povo
120
.
119
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1986, pág. 94-99.
120
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1986, pág. 120.
80
Portanto, “todas as constituições liberais seriam tão somente políticas”, o que seria
explicado por duas razões: “no sistema liberal clássico, o plano econômico era domínio da
liberdade individual”, que devia estar fora do alcance do Estado. as renovações
institucionais iniciadas no séc. XVIII, “eram uma reação aos abusos do absolutismo, limitando
seus poderes”.
Ao enunciar, entretanto, que “a questão econômica passou a ser preocupação
constitucional do mundo ocidental no séc.XX”, Bueno Vidigal não explicava os motivos desta
“preocupação”, talvez porque teria que explicar fatos como a Crise de 1929 em todo o mundo
capitalista.
O modelo de Constituição proposto pela FIESP era apresentado como a “solução
para impedir que o Brasil seguisse o caminho da servidão” mesmo título de um livro do
liberal austríaco Hayek - que era o mesmo da “ineficiência e da escassez que levava ao
totalitarismo”. “Uma proposta voltada para o futuro, que refletiria o liberalismo, evitando
soluções autoritárias de um socialismo ultrapassado que só raciocinava com o séc. XIX”
121
.
A partir de outubro de 1986, a FIESP passou a ser dirigida por Mário Amato.
Somem das páginas de Indústria e Desenvolvimento as análises sobre conjuntura política e
econômica do país e a transcrição dos discursos laudatórios e dos inúmeros artigos publicados
na grande imprensa pelo dirigente máximo da entidade. Entra em ação uma postura política
muitas vezes desastrada, como no episódio em que exigiu o descongelamento com tal
radicalidade que Sarney o comparou com “seguidores de Bakunin”. A Folha de São Paulo
publicou uma charge satirizando o episódio, no dia 11 de janeiro de 1986:
121
Ibidem.
81
No lugar dos debates e das sofisticadas exposições de motivos para a
desregulamentação da economia em forma de artigos densos, surgem matérias curtas,
verdadeiras peças de propaganda, que explicitavam uma estratégia de “imposição” da
unanimidade, não dando espaço para visões dissonantes.
O próprio nome do periódico da entidade mudou para Revista da Indústria em 1986.
A saída do termo “desenvolvimento” explicava-se pela visão pejorativa que passou a ter na
nova ordem, como o ex-presidente Vidigal evidencou num artigo de fevereiro de 1986:
A ênfase no desenvolvimento nacional importa em situar o poder do
Estado acima dos interesses do povo. Enfatizar o desenvolvimento
nacional quer dizer aumentar o potencial econômico à disposição do
Estado. Ou seja, enfatizar o Estado-potência e não o bem dos cidadãos
122
.
Os artigos do periódico empresarial paulista, a partir de Amato, serão meras
reproduções dos publicados na grande imprensa. Como exemplo desta nova postura editorial,
122
Indústria e Desenvolvimento, junho de 1986,pág. 122.
82
publicava-se em julho de 1987 uma matéria intitulada França ensina a privatizar, onde
comentava a conferência que Michel Perebeau, encarregado do processo de privatização do
governo francês, deu na sede da FIESP. Diante das notícias auspiciosas do processo de
desestatização gaulês, a revista destacava as comparações que os empresários brasileiros
faziam da situação local, que “esbarrava sempre na falta de vontade política e na resistência da
burocracia estatal”
123
.
Em fevereiro de 1987, uma matéria intitulada As expectativas do empresariado,
colocava a bandeira da FIESP fortalecida pelo nome de Guilherme Afif Domingos, presidente
da Associação Comercial de São Paulo, Miguel Reale e Celso Lafer, juristas e Ruy
Althenfelder, diretor do departamento financeiro da FIESP. Destaca-se a fala de Afif,
posterior candidato a Presidente da República no pleito de 1989, advertindo os Constituintes
para que fizessem a revolução que o terceiro estado queria. Caso contrário, corria-se o risco
de que este a fizesse, como fazia através da crescente insubordinação civil no campo
econômico e com a explosão da economia paralela
124
.
Num artigo de uma página, Paulo Francini, que era vice-presidente da FIESP,
tentava resgatar a tradição da entidade de fazer análises mais consistentes do problema
econômico brasileiro. Com o título Gigantismo estatal: o monstro devora seu criador, via a
hipertrofia estatal em suas práticas paternalistas, clientelistas, populistas e cartoriais, como
herança dos traços culturais oriundos da colonização, passando pelo cadinho de raças e
imigrações que constituíram a “personalidade do país”. Traços aproveitados ao longo da
história política do país “pelos grupos, facções e agentes que ocuparam o poder, visando se
perpetuarem na condição de dirigentes”. “Preocuparam-se durante suas administrações, não
em manter seus apoios diretos, como também em construir um novo e amplo leque”. Disto
não teriam escapado nem mesmo os governos militares, que aumentaram da dimensão estatal
123
Indústria e Desenvolvimento, julho de 1987,pág. 8-9.
124
idem, fevereiro de 1987,pág.4-7.
83
para ampliar via empregos, favores, cotas, subsídios, perdões, autorizações e privilégios, o
seu leque de apoio. Nem mesmo a classe empresarial teria conseguido ficar imune à
cooptação, o que explicaria por que as tentativas de desregulamentação de atividades por parte
do Estado tiveram como opositores interesses privados, desejosos de manter a chance dos
favores distribuídos.
Este estado de coisas tinha produzido o esgotamento do país. A ineficiência no uso
dos recursos públicos chegara ao limite. A União, Estados e Municípios estavam quebrados. A
máquina estava devorando a própria capacidade de governar do Estado que a criou
125
.
Pelo estudo de Indústria e Desenvolvimento e Revista da Indústria, percebe-se a
inserção da FIESP nas discussões sobre o papel do Estado na economia de uma forma mais
ativa no período de 1980 a 1986, por coincidência, durante a administração Vidigal. Mesmo
em sua fase mais ativa, a FIESP expôs, na sua o participação nas Diretas-já, um temor de
que a transição fugisse de seu controle, e de que uma vitória de Brizola ou Ulisses desse uma
tonalidade nacional-popular mais acentuada à política econômica, reordenando por completo
a forma do Estado, de forma contrária aos seus interesses.
Enfim, as posturas políticas da FIESP devem ser compreendidas como produto de
uma disputa de hegemonia, de um projeto político-econômico que ela inicialmente combateu e
ao qual depois aderiu. Não obstante o agravamento da situação econômica internacional e
local, as empresas paulistas tiveram um crescimento econômico considerável.
Tal crescimento aproximou os grandes setores empresariais dos financeiros. Estes
foram ainda mais beneficiados pelas políticas monetaristas, proporcionando o aumento de sua
presença na composição acionária das empresas paulistas, em cargos importantes de
instituições financeiras, nos Governos Federal e Estadual. Além disto, a “desnacionalização”,
125
Revista da Indústria, setembro de 1987,pág. 62.
84
tão temida nos primeiros discursos do início dos anos 80 já tinha levado à falência ou
obrigado à associação com o capital externo uma considerável parte do capital nacional.
A partir de uma lógica de sobrevivência tanto de mercado quanto política, a FIESP
teve que optar pelo lado que mais lhe provesse benefícios. A lógica mercadológica e a análise
de uma pretensa inexorabilidade do triunfo neoliberal no mundo podem ter sido motivos
determinantes da mutação da postura política da FIESP no trato da questão do papel do Estado
na economia.
No período de 1978 a 1984, há uma maior aproximação entre os pensamentos e ações
da liderança empresarial paulista e do CIC. O primeiro seminário do Centro em 1978 foi com
dois representantes do Grupo dos Oito José Midlin e Cláudio Bardella. O próprio Tasso
Jereissati, entretanto, reconheceu que a entidade cearense evoluiu mais em termos políticos.
Os paulistas teriam ficado mais restritos no contato com partidos de oposição e da sociedade
civil. O ápice desta aproximação teria sido a campanha das Diretas-já em 1984. Enquanto o
CIC montou um comitê em defesa da emenda, a FIESP, enquanto instituição, se omitiu das
discussões e manifestações, embora parte do empresariado paulista fosse simpático à causa.
Enquanto o representante do empresariado paulista nas eleições para governador de
1986, Antônio Ermírio de Moraes, candidatou-se pelo PFL, Tasso Jereissati concorreu pelo
PMDB. Enquanto os bandeirantes adotaram uma postura liberal na constituinte, os alencarinos
foram mais próximos das propostas heterodoxas da Confederação Nacional da Indústria.
De qualquer forma, essa relação determinou, e muito, o destaque que os jovens
empresários passaram a ter no cenário político local e nacional a partir de 1978, como
veremos nos capítulos a seguir.
85
II CAPÍTULO – CIC 1978-1986: RAZÃO ESCLARECIDA E CONSTRUÇÃO
DO PROJETO POLÍTICO
II.1 - AS CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS DA CHEGADA AO CIC
Na chegada da década de 1980, o Ceará passava por uma transição política provocada
por modificações de sua estrutura econômica e social. O ponto de referência para a
compreensão das transformações econômicas do Estado estava nos anos 1970, quando
recursos oriundos dos fundos de investimento da SUDENE ajudaram a impulsionar o parque
fabril local.
As industrias cearenses geravam, com menos capital, mais empregos diretos que nos
Estados da Bahia e Pernambuco, que até 1968 recebiam 90% dos recursos e tinham gerado
18.000 empregos. No Ceará, com 8,6%, produziu 9.779 postos de trabalho. O perfil dos
investimentos explicava tal diferença, que, enquanto os vizinhos concentraram seus
recursos em indústrias de capital intensivo e predominantemente de origem externa, o Ceará
fortaleceu seu capital local tradicional nos setores têxtil, de alimentação e vestuário.
Com a manutenção desse perfil, durante toda a década de 70, o Ceará não conseguiu
dotar sua economia com um setor de forte acumulação de capital, que o setor têxtil inter-
relaciona-se apenas com a agricultura e os subsetores de confecções, o que provocou uma
dependência a mercados e a financiamentos federais, impossibilitando a diversificação do
parque industrial local
126
.
O marco no Estado para uma política de desenvolvimento industrial, em consonância
com os incentivos fiscais federais, foi o governo de Virgílio Távora. Em seu primeiro mandato
(1962-1966) implantou um sistema de planejamento estadual visando à atração de
investimentos industriais, que teve como principal realização a eletrificação do Estado com a
energia da hidrelétrica de Paulo Afonso. Seguindo a mesma linha de desenvolvimento
126
BONFIM, Whashington. Qual Mudança. Os empresários e a americanização do Ceará. Rio de Janeiro.
IUPERJ. Tese de doutorado em Ciência Política. 1999. Pág. 79
86
planejado do Governo Federal, os governos de César Cals (1971-1975) e de Adauto Bezerra
(1975-1978), além do segundo mandato de Virgílio (1979-1982), proporcionaram o aumento
da participação do Estado no parque industrial do Nordeste, entre as décadas de 1970 e 1980,
passando de 7% em 1950 para 12% em 1984
127
.
Em 1982, o Ceará estava todo eletrificado e cortado por várias estradas estaduais e
federais, com um razoável serviço de telefonia e um Pólo Industrial que buscava se consolidar
como o terceiro do Nordeste. A agricultura passava por um processo de modernização para
atender as demandas do mercado nacional, visando transformar latifúndios e atividades
extrativas em modernas empresas agropecuárias.
Entretanto, as tentativas de transformações estruturais da indústria e da agricultura
deram-se pela concentração de renda, pelo uso inadequado, tanto tecnicamente como
politicamente, dos recursos públicos e pelo endividamento do Estado, que ficou sem
credibilidade junto às agências de fomento federais.
Ademais, o período de 1979 a 1983 foi de estiagem, que, atrelada ao processo de
distensão e abertura política, provocaram a mobilização e organização camponesa, que, pela
via sindical, lutava pelo direitos de moradia e divisão da produção de acordo com o Estatuto
da Terra. Os conflitos tornavam-se constantes e os camponeses contavam com o apoio e a
solidariedade das CEBs e de cnicos responsáveis pela implementação da política agrícola
estadual e federal, na qual muitos eram militantes e simpatizantes de partidos de esquerda
128
.
Acrescia-se a isto a supressão e a redução dos valiosos e necessários subsídios e
incentivos federais ao Nordeste, mesmo sendo a maior base de sustentação política do
Governo no Congresso Nacional.
Tal conjuntura favorecia ao sugimento de forças de oposição, entre empresários que
não tinham vícios corporativos e nem compromissos políticos com o Regime Militar, que
127
COSTA, Liduína Farias Almeida da. O Nordeste e a Globalização: posicionamento dos empresários-políticos
cearenses. Fortaleza. Universidade Federal do Ceará. Tese de Doutorado em Sociologia. 2000 Pág. 16 e 17.
128
Idem, pág. 22.
87
passaram a se articular no CIC em 1978. Estes jovens industriais viam no contexto econômico
do país e do Estado uma ameaça à capacidade estatal de manter os fundamentos
macroeconômicos locais em situação minimamente sustentáveis para o processo de ampliação
de seus negócios.
Todo este contexto propiciava a germinação de idéias políticas distintas em
relação às das velhas elites. Apreendendo-o, os empresários políticos
compreendiam a necessidade de recriar as estratégias de reprodução do
projeto societário com a qual comungavam e, assim apresentavam-se
politicamente sensíveis aos fenômenos que emergiam na sociedade, como as
demandas de amplos segmentos sociais por democracia, melhoria das
condições de vida, redimensionamento dos papéis do Estado e das suas
relações com a sociedade civil
129
.
Com tal preocupação, os jovens empresários cearenses assumiram o CIC, o que
significava uma compreensão do papel político empresarial diferente da que praticavam os
colegas organizados na FIEC. “Um negócio meio arcaico, de muita discurseira, de muita
falsidade, de muita aparência” como dizia Amarílio Macedo. Uma entidade que fazia parte
dos “grandes cartórios governamentais (do moinho de trigo ao gás, à televisão, aos bens da
mecânica pesada, aos bens de capital) que dava a proteção, o financiamento e a garantia do
lucro”, no dizer de Tasso Jereissati
130
.
Coincidentemente, estas empresas cartoriais eram propriedades dos pais de seus
colegas de CIC, Amarílio Macedo (moinho de trigo), e de sua esposa, Renata Queiroz
Jereissati, uma das herdeiras do Grupo Edson Queiroz (gás e televisão).
129
COSTA, Liduína Farias Almeida da. O Nordeste e a Globalização: posicionamento dos empresários-
políticos cearenses. Fortaleza. Universidade Federal do Ceará. Tese de Doutorado em Sociologia. 2000,
pág. 26.
130
MARTIN, Isabela. Os empresários no poder: o projeto político do CIC (1978-1986). Fortaleza, Secretaria de
Cultura e desporto do Ceará. 1993, pág. 100.
88
Falar criticamente de uma realidade muito próxima, era uma demonstração de senso
auto-questionador, que permitia um capital de credibilidade importante para quem desejava
apresentar-se como a consciência crítica do empresariado cearense, num primeiro momento, e
de toda sociedade estadual e regional, num outro instante.
A compreensão da postura política desses jovens industriais, entretanto, passa não só
pelo contexto político-econômico da década de 1970, mas, principalmente pela trajetória de
vida individual de seus membros. Para efeito de delimitação, enfocar-se-á quatro deles: Beni
Veras, Amarílio Macedo, Tasso Jereissati e Sérgio Machado, na mesma ordem em que
assumiram a presidência do CIC.
II.2 – BENÍ VERAS: NOVAS BASES NA RELAÇÃO EMPRESÁRIOS E
POLÍTICA (1978-1980).
Bení Veras era reconhecido pelos principais participantes da implantação da fase do
Fórum Democrático do CIC, como o principal mentor e líder daquele movimento de
renovação política dos empresários no Ceará, tanto que foi indicado consensualmente para ser
o primeiro presidente do Centro, na fase iniciada em 1978. Os motivos de tal unanimidade,
segundo o próprio Bení em depoimento, dava-se por ter 35 anos, enquanto a média era de 28,
por ter uma maior sedimentação política, devido aos anos de atuação no PCB e no movimento
estudantil secundarista e universitário, e de conseguir ser um ponto de união, nos momentos
de divergências
131
.
Tais qualidades estavam relacionadas a sua trajetória de vida, principalmente na
militância no PCB e no movimento estudantil na década de 1950. Nascido em Crateús, em 18
de agosto de 1935 era filho, neto e primo de militantes do Partidão. Seu pai, Osvaldo Farias
Alcântara, era alfaiate, categoria que teve uma presença marcante na história do PCB no
131
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999, pág. 90.
89
Ceará
132
. Seu genitor, inclusive, devido a uma disputa política municipal com a Igreja Católica
em Crateús, foi expulso da cidade em 1947
133
. Beni, entretanto, tinha se mudado para
Fortaleza no ano anterior, visando a se preparar para a seleção do Liceu, onde seria aprovado
no exame de admissão para o curso Ginasial. Entretanto, participava da militância do PCB
em Fortaleza, fazendo comícios pelo recolhimento de assinaturas para Manifesto de
Helsinque, pedindo a paz mundial.
O Liceu era o mais tradicional estabelecimento de ensino da cidade, fundado em 19
de outubro de 1845. Lá estudavam filhos da elite e dos estratos médios da capital e do interior,
onde proliferavam grêmios estudantis, que realizavam eventos artísticos, literários e políticos.
Segundo um ex-estudante, contemporâneo de Beni Veras, nestas entidades se liam crônicas de
própria autoria; faziam-se discursos comentando temas municipais, estaduais, sociais e
políticos e comentários sobre os livros lidos; realizavam-se debates sobre o assunto;
promoviam-se conferências e debates sobre escritores e políticos locais e de outros Estados
134
.
Sua estrutura curricular belletrista permitia a formação de uma juventude estudantil de boa
erudição e retórica, levando muitos a se tornarem lideranças políticas do Estado.
Beni Veras participou não do grêmio José de Alencar, como também do Centro
Liceal de Educação e Cultura, onde se faziam discussões culturais e filosóficas. Em 1955, foi
eleito Secretário Geral da União Nacional dos Estudantes Secundários (UNES) e presidiu a
União Cearense dos Estudantes Secundários (UCES) de 1957 a 1958. As duas entidades
foram criadas pelo PCB como dissidência do Centro Estudantal Cearense (CEC), até então
principal entidade estudantil do Estado, e da UBES, devido à perda do seu controle no
132
Sobre a história do PCB no Ceará, ler RIBEIRO, Francisco Moreira. O PCB no Ceará: Ascensão e declínio de
1924 a 1947. Fortaleza: UFC/Stylus, 1989.
133
Sobre os conflitos entre comunistas e Igreja na política cearense na década de 1940 ver, NOCA, Francisco
Wilson. Sermões, Matracas e Alcatrão: religiosos e comunistas na luta pelo poder (1946-1950). Fortaleza.
Expressão Gráfica Editora, 1996.
134
RAMALHO, Braulio Eduardo Pessoa . Foi Assim. O Movimento Estudantil no Ceará ( de 1928 a 1968).
ABC: Fortaleza, 2002. pág. 62.
90
congresso da Bahia em 1951
135
. A militância e a necessidade de trabalhar para sustento seu e
dos pais levou-o a concluir seus curso em nove anos, ao invés dos sete exigidos.
Seu primeiro emprego foi de ajudante de um galego armênio chamado Aran
Fermanian, que vendia panelas de alumínio de porta em porta em Fortaleza. Posteriormente, o
mesmo comerciante, montou uma loja de tecidos e cortinas onde Beni Veras também
trabalhou. Também conseguia alguns trocados escrevendo para os jornais O Democrata, do
PCB do Ceará
136
, e Diário do Povo, de Jader de Carvalho
137
.
Num interregno de um ano, em 1951, foi para o Piauí, junto com a família, para
tentarem viver do ofício de alfaiate do pai. Naquele Estado, Beni teve que fazer nova seleção
para o Liceu do Piauí. Aprovado, criou o Grêmio da Escola e participou como delegado no
Congresso da UBES, ocorrido em Belo Horizonte. Entretanto, ele e sua família passaram a ser
perseguidos pelo “povo do reacionário do Piauí”. Em 1952, retornou ao Ceará e sua vida
política no PCB e no grêmio Liceal.
Essa atividade comercial e política deu-lhe uma maturidade maior que dos seus
colegas de colégio e de partido. Por conta disso, tinha uma prática de recrutamento diferente
do proselitismo usual praticado por seus camaradas. Buscava, através de sua “prática diária,
mostrar uma forma exemplar de encarar as coisas e assim conseguia a simpatia e a adesão a
suas idéias”
138
. Para além da forma “sectária” de fazer recrutamento, fazia também uma
propaganda subliminar a partir de atividades de lazer, como piqueniques.
Para Bení, o PCB, na década de 1950, adotou uma linha política “sectária,
excludente e estalinista”, que o impedia de “dialogar com os estudantes e ver o mundo de
forma menos limitada, sem soluções fáceis, mais eclético e amplo”, elementos que passara a
135
Sobre o movimento estudantil do Ceará ver, MUNIZ, Altemar da Costa. Estado Novo e colaboracionismo
estudantil na manutenção da ordem social e política de Fortaleza. In: GADELHA, Francisco Argileu de
Lima; DAMASCENO, Francisco José Gomes; SILVA, Marco Aurélio Ferreira da. (Org.). Outras histórias:
Fortaleza,cidade(s),sujeito(s). Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004.
136
RIBEIRO, Francisco Moreira. (Org.). Cenários de uma Política Contemporânea. Fortaleza: Edições
Fundação Demócrito Rocha, 1999.
137
Conforme depoimento dado ao autor por Beni Veras em 08 de janeiro de 2007.
138
Ribeiro, Francisco Moreira. Op.cit, p.82.
91
ter, quando das viagens a congressos estudantis entre os anos de 1950 e 1952. O contato com
outras pessoas e suas idéias seriam os responsáveis pelo rompimento com o Partido, no ano de
1954, além de outros fatos como o chamamento de Prestes à revolução socialista, “sem haver
condições objetivas para tanto”
139
.
Coincidentemente, 1950 a 1956 foi um período em que a UNE foi dirigida por
setores direitistas, ligados à UDN e apoiados pelo governo americano e aliados. Desde 1946, o
Departamento de Estado dos EUA patrocinava viagens de lideranças estudantis brasileiras
americanófobas, para conhecerem a realidade educacional do país. Através de cursos e
palestras dadas por dirigentes estudantis ianques, como a afamada Helen Rogers, e entidades
como o USAID, cooptou-se um grupo de estudantes às causas estadunidense no contexto da
Guerra Fria e no combate às políticas de desenvolvimento nacional de Vargas. O mais
conhecido foi Paulo Egydio Martins, que dirigiu a UNE de 1950 a 1952 e, posteriormente, foi
ministro no Governo Castelo Branco e governador biônico do Estado de São Paulo
140
. Essa
“direitização” também influenciou a postura de Beni.
Mesmo rompendo com o partido, continuou a sua militância no movimento
estudantil numa prática política em que discutia coisas para além dos próprios “pastos”,
levando-o a uma visão prospectiva de futuro e de mundo, que teriam sido fundamentais para
sua influência no espaço empresarial
141
.
Um fato, entretanto, provocou uma interrupção na militância política de Beni Veras:
em 1954, com vinte anos de idade e diante de uma “paixão arrebatadora”, resolveu casar com
Vanda de Sousa. Abandonou os estudos e foi trabalhar como vendedor do laboratório Anakol
e Fontoura With S/A e do Run Bacardi. Depois, tornou-se gerente de vendas da Casa Inglesa
no Ceará (Organização James Frederick Clark). Nesses empregos, dirigia um jipe e visitava
139
ibidem.
140
POERNER, Artur Jose. O Poder Jovem. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 1979, p.178-204.
141
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999., p.84.
92
cidades pelo interior do Ceará, Piauí, Maranhão e Paraíba, onde conheceu em lócus as
mazelas, problemas e potencialidades, sobre os quais depois teorizaria nos seus estudos sobre
desigualdade regional.
Depois de dez anos de trabalho e uma poupança, resolveu voltar a estudar e parou
sua atividade comercial. Terminou o terceiro ano científico em 1963 e, em 1964, entrou para o
curso de Administração da Universidade Federal do Ceará, fazendo parte da primeira turma
do referido curso.
De 1964 a 1968, Bení Veras teve uma participação muito modesta no cenário
estudantil. Tornou-se presidente do DA Juscelino Kubitscheck, numa época em que o ex-
presidente foi cassado pelo Regime Militar. O cargo lhe provocou o que chamou de
“sofrimento dos diabos”, devido a perseguições de um Major do Exército, colega de turma,
que tentou expulsá-lo do curso e da empresa em que trabalhava, a Saronord, por saber de seu
passado comunista. Sua eleição para presidência do DA teria sido motivada pela falta de outro
nome de consenso, com experiência, maturidade e respeito. Não porque fosse um reconhecido
ativista político.
Desta forma justifica o seu afastamento dos movimentos de contestação à Ditadura:
Estava decidido a estudar. Estudava bastante e isso evitava que
participasse politicamente, aliás não havia clima também (...) porque a
coisa era muito crítica àquela altura.A política no Ceará era incolor.
Então, a revolução aqui, foi aceita com certa passividade. Nós, que éramos
contrários a ela, não nhamos como agir também, porque não havia
espaço para discutir contrário a ela. Não havia espaço para lutar contra
ela. Então, foi aceitar e pronto”.
142
Durante a Ditadura manteve uma postura de resignação com os atos de exceção.
Embora reconhecesse no Movimento de 64 “resquícios udenistas que eram contrários à sua
142
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999.p.85.
93
visão de mundo”, não assumiu posições contestatórias dentro da Universidade, num momento
em que havia uma grande efervescência contra a Ditadura Militar, quando surgiram nomes
como de José Genoíno, presidente do DCE-UFC, e, na área cultural da UFC, os nomes de
Fausto Nilo, Ednardo, Belchior e Fagner. Além disso, em 1966, Beni Veras fez um curso de
extensão em Havard-EUA, sobre Problemas de Desenvolvimento Econômico, tendo como
colega deste curso Gonzaga Mota, futuro governador do Ceará.
Mas, naquela instante de sua vida, após dez anos de um certo sucesso comercial e
preparando-se para ser administrador de empresas, sentia-se muito mais um empresário do
que um cidadão indignado.
Em 1967, Bení termina a Faculdade e torna-se Gerente Geral e Diretor Comercial da
Saronord S/A - Roupas do Nordeste, de 1968 a 1971, uma indústria de confecções,
beneficiária dos recursos de incentivos fiscais da SUDENE, que Beni Veras defenderá
intransigentemente ao longo de sua vida política e empresarial. Depois, torna-se Assistente da
Presidência e Diretor Industrial da Guararapes, de 1972 a 1973; Vice-Presidente das
Indústrias Guararapes, de 74 a 87; e Diretor-Presidente da Confex-Confecções Masculinas
S/A, empresa de sua propriedade, que anos depois destruída por um incêndio.
O Brasil desenvolvimentista permitia essa ascensão social, no qual um filho do
alfaiate comunista tornava-se um empresário do setor de confecções. Na sua experiência de
vida, Beni Veras encontrava argumentos para a defesa do capitalismo, da livre iniciativa, mas,
principalmente, da defesa da intervenção do Estado, do Planejamento Econômico, como
forma de tornar possíveis as mudanças sócio-econômicas que permitiam estas promoções
pessoais.
Beni Veras conheceu Sérgio Machado e Tasso Jereissati pelo ex-colega de
faculdade, Amarílio Macedo, em encontros do Ideal Clube, onde os ventos da distensão
política de Geisel (1973-1979) encontraram as temerárias e indignadas cabeças desses jovens
94
empresários. E será neste mesmo espaço que receberão o convite de José Flávio Costa Lima
para assumirem a presidência do decorativo Centro Industrial Cearense. O convite se tornou
público, em 18 de janeiro de 1978, quando a FIEC fez um chamamento ao empresariado
jovem para participar de sua entidade de classe, “espaço de estudo e de discussão para propor
soluções aos problemas”, pois o jovem industrial não podia “alhear-se do seu movimento
classista e ficar a margem dos acontecimentos”. José Flávio expunha sua intenção ao chamar
este público: “dinamizar as forças que impulsionavam o desenvolvimento industrial do Ceará
e formar lideranças capazes de no futuro assumir a direção dos órgãos ligados ao setor
143
”.
Para dar amplo espaço de atuação para as lideranças jovens, José Flávio propunha
entregar a direção do CIC, que estava “adormecido frente aos múltiplos e palpitantes
problemas da atualidade econômica nacional e local”. A participação destes líderes traria
...um bom nível cultural, porquanto, ao contrário do que aconteceu com as
gerações passadas, os de agora entram na atividade econômica amparados
pelos conhecimentos técnico-científicos adquiridos nos bancos universitários.
Estes jovens – economistas, administradores, técnicos em ciências das finanças
e contábeis, etc devem vir para dentro do Centro, trazendo seus
conhecimentos, suas idéias novas e seus entusiasmos para o debate da
problemática que afeta não a cada um de per si, mas à comunidade nacional e
regional, buscando as soluções mais válidas que interessam aos mais altos
desejos da nação brasileira.
No dia 26 de janeiro, o jornal noticiava a “histórica” reunião com a manchete
“Industriais jovens atendem convocação”. A direção dos trabalhos coube a José Flávio, que,
numa atitude respeitosa ao passado da FIEC e do CIC, chamou para compor a mesa seus ex-
presidentes Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Neto e Francisco Andrade da Silveira. Bastante
sintomático também foi o convite ao jornalista, Demócrito Rocha Dummar, proprietário do
jornal O Povo, que dava amplos espaços para as entidades patronais em suas páginas.
143
O Povo, 18 de janeiro de 1978, pág. 14
95
José Flávio começou sua fala fazendo um histórico do CIC aos jovens que, “pela
primeira vez participavam de uma reunião da FIEC” e expôs suas expectativas para a nova
direção a ser eleita:
É chegado o tempo de ativarmos o CIC como ocorre em São Paulo,
no Rio, no Rio Grande do Sul e em Minas. Porque sendo uma entidade
independente das restrições sindicais, é através dela que o industrial pode se
afirmar. O processo econômico brasileiro reclama uma atuação permanente das
entidades privadas para que possam ser conciliados aqueles esforços e
interesses desenvolvidos pela área oficial com os nossos. O interesse do
governo e o da iniciativa privada são harmônicos.
Temos que trabalhar e lutar para que o Brasil não venha a cair num
regime de capitalismo de Estado ou mesmo num socialismo de Estado
144
.
O discurso explicitava bem o descontentamento do empresariado tradicional com as
políticas econômicas federais que estavam deixando a desejar no aporte de recursos para o
Estado, mas, ao mesmo tempo, sem discordar do caráter político conservador do Regime. O
orador tentava passar aos ouvintes o jogo de cintura que deveriam ter: defender os interesses
do setor, sem rompimentos drásticos com a ordem estabelecida, que era, afinal, a prática da
FIEC. Entretanto, o CIC, por não estar vinculado à legislação sindical, poderia ter mais
liberdade de atuação e crítica.
Todavia, o ex-presidente da FIEC/CIC e CNI, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil Neto,
aproveitou a oportunidade para deixar clara sua discordância sobre o desmembramento da
presidência do Centro com a Federação. Um-mal estar tomou conta da assembléia e foi
contornado quando um dos presentes alegou a inadequada ocasião para tal discussão.
Marcou-se outra reunião para o dia 27 de janeiro de 1978, na sede do CIC, para a
escolha da nova diretoria. Para isso, foi designada uma comissão eleitoral presidida por Álvaro
144
O Povo 26 de janeiro de 1978. Grifo nosso. Algumas citações estão sem o número de página dos periódicos,
porque são do acervo da FIEC e que não fornecia esta informação.
96
de Castro Correia Neto. O evento foi encerrado com um coquetel no bar do CIC no terraço do
Edifício Jangada.
No dia marcado, foi feita a eleição da nova diretoria do CIC, cujos nomes, cargos,
empresas e ramos representados constam da tabela abaixo. Não foi possível, entretanto, ter as
informações por completo de alguns empresários:
CARGOS NOMES EMPRESA RAMO
PRESIDENTE Benedito Clayton Veras Guararapes Confecções
VICE-PRESIDENTE
Álvaro de Castro Correia
Neto
Mercesa Metalurgia
VICE-PRESIDENTE
Airton José Vidal de
Queiroz
Grupo Edson Queiroz
Metalurgia, rádio, tv,
gás, agropecuária,
universidade, etc.
VICE-PRESIDENTE
Francisco Assis
Machado Neto
Mota Machado Construção Civil
VICE-PRESIDENTE
Pedro Philomeno
Ferreira Gomes
Redes Philomeno Confecções
VICE-PRESIDENTE Byron Costa de Queiroz Ivan Bezerra
Têxtil, confeções,
agroindústria
1º SECRETÁRIO
Francisco Hernane de
Holanda Farias
Discon Material de Construção
2º SECRETÁRIO
José Airton Moreira
Angelim
Junta Comercial Órgão público
1º TESOUREIRO Álber Garcia Quinderé Cimaipinto
Concessionária
Chevrolet
2º TESOUREIRO Ignácio Colares Capelo Sapataria Belém Calçadista
DIRETOR
José Maria Moraes
Machado
Bancesa Financeiro
DIRETOR
José Wellington Costa
Rolim
W.J. Construtora Construção Civil
DIRETOR
Roberto Ney Melo
Machado
Nortur Viagens e turismo
DIRETOR
José Sérgio de Oliveira
Machado
Villejack Jeans Confecções
DIRETOR Wilson Maia Aragão Tyrol
DIRETOR Edson Queiroz Filho Grupo Edson Queiroz
metalurgia, rádio, tv,
gás, agropecuária,
universidade, etc.
DIRETOR
João Fernandes
Fontenele
Sindicato dos químicos
DIRETOR Francisco José Ribeiro Grupo Edson Queiroz
metalurgia, rádio, tv,
gás, agropecuária,
universidade, etc.
DIRETOR Tasso Ribeiro Jereissati Grupo Jereissati
shopping center,
hoteleiro, alimentício.
DIRETOR
Amarílio Proença de
Macêdo
Grupo J. Macêdo
moagem, metalurgia,
alimentício,
concessionária
FORD,etc.
CONSELHO FISCAL
João Oswaldo
Studart
Saga Confecções
CONSELHO FISCAL Ednilton Brasil Soarez
Colégio Sete de
Setembro
Educacional
97
CONSELHO FISCAL Jaime Nogueira Pinheiro
BMC Financeiro
SUPLENTE
Eurico de Sousa
Monteiro
Lumes Confecções
SUPLENTE
Jorge Lima de
Albuquerque
Aba Film Fotográfico
SUPLENTE Alexandre Costa Lima
Companhia Brasileira de
Rações
Rações
Algumas considerações podem ser feitas a partir da tabela dada. Primeiramente, a
estrutura administrativa primeva do CIC foi mantida intacta com cinco vice-presidentes, forma
encontrada para atender às veleidades empresariais cearenses que desde 1919 pareciam
manter-se; depois havia uma abertura para administradores de indústrias, setor de serviços e
funcionários públicos, participassem como membros efetivos, já que como entidade civil
possibilitava a filiação individual e não jurídica, como acontecia na FIEC; por último, a forte
presença da indústria de confecções com seis representantes e a metalúrgica com cinco,
perfazendo um total de 11 membros numa diretoria de 26. Destaque-se ainda a ausência da
indústria de óleos vegetais, que, outrora importante, passava por uma forte crise econômica.
A quantidade de jovens mobilizados e a representatividade conseguida demonstraram
a ansiedade de participação e de renovação da classe industrial, que era também o sentimento
de outros setores sociais.
A imprensa do Ceará, sintonizada com a sede de inovações da população na política,
contribuiu, no plano das representações sociais, para a construção da imagem pública dos
novos empresários, como protagonistas ideais do novo
145
.
Exemplo disto foi o editorial do jornal Correio do Ceará de 30 de janeiro de 1978,
intitulado “Iniciativa Louvável”. O referido elogiava a iniciativa de José Flávio Costa Lima de
convocar os novos empresários para uma tomada de posição
146
e que tal idéia devia ser
seguida pelos setores agrícolas e comerciais, de forma a evitar a perpetuação de nomes nas
145
COSTA, Liduína Farias Almeida da. O Nordeste e a Globalização: posicionamento dos empresários-políticos
cearenses. Fortaleza. Universidade Federal do Ceará. Tese de Doutorado em Sociologia . 2000. pág. 28.
146
Esta ação do presidente da FIEC era recorrentemente lembrada, pelos mais diversos jornais, por ocasião de
notícias sobre eventos ou artigos realizados pelos jovens empresários do CIC.
98
mais diversas entidades. Embora estes antigos deres fossem respeitáveis, era hora de
reconhecerem que já haviam lutado muito e de preparar seus substitutos. Porém, o editorialista
percebia, contrito, que a falta de renovação, muitas vezes era explicada pela falta de
sensibilidade da geração mais nova com os problemas classistas. Entretanto, fazia uma
profissão de fé, de que a iniciativa da FIEC seria coroada com a aceitação e o compromisso da
nova geração de empresários em trabalhar pelo Ceará.
Outra expressão desta construção de representação foi a cobertura dada à posse do
CIC, no dia 08 de março de 1978, quando foi dado um grande destaque para os discursos de
José Flávio e de Beni Veras, como a servir de parâmetro de comparação para os leitores.
Beni iniciou seu discurso elogiando o “descortínio” de José Flávio com seus
propósitos renovadores e de desenvolvimento da mentalidade empresarial. Logo depois,
entretanto, fez uma análise pouco chauvinista sobre a realidade cearense. Disse que, apesar da
face moderna e funcional da sociedade, tinha ainda problemas de grande envergadura:
mercado consumidor pequeno, pobre e desigual; incapacidade de sustentar grandes indústrias
de consumo; diferenças salariais gritantes, que impediam a formação de um mercado interno;
existência de uma forte burocracia, apoiada pelo público que o ouvia, que via pecado no lucro
e corrupção no sucesso e por terem poder de distribuir recursos públicos, não vinculados a
lucro, vencia o concurso da iniciativa privada, sem os riscos de falência inerentes ao
capitalismo.
Para o orador, esse tipo de planejamento estatal tinha produzido um tipo de
empresário sem criatividade e sem tino para perceber oportunidades, mas com enorme talento
para conseguir recursos públicos. Os que fossem altivos e cheios de segurança e iniciativa
eram convidados a serem maneirosos, conservadores e oportunistas. Por conta disto as
entidades empresariais brasileiras não tinham expressividade social.
99
Apesar disso, continuava o discurso, o empresário tinha legitimidade de sobra para
influir na formulação de um pacto social, principalmente na adversa realidade cearense, com
poucos recursos naturais, solo de baixa fertilidade, sociedade presa a tradições feudais, baixa
taxa de escolaridade. Não obstante todos estes problemas sugerir uma atitude de conformação,
desânimo e desalento, o cearense agia contrariamente ao esperado. O motivo de tal ação
estaria na qualidade e na fibra dessa gente que
Tem sido legenda em todo o país. E por vários exemplos, como Japão, Coréia e
até a notável Suíça, que é muito mais uma população que um espaço sico,
sabe-se que a alma do povo é que determina o tamanho da catedral.
Como que numa postura pretensiosa para aquele momento, ou uma antevisão do que
teria pela frente, afirmou:
Composto de jovens empresários, em sua maioria, pode o CIC funcionar como
a consciência crítica de nosso meio. Através de múltiplas atividades, podemos
abordar sem preconceitos os problemas de nosso Estado, tendo em vista
encontrar a fórmula certa para que pequenos empresários, governo e povo nos
componhamos de forma adequada.
Somente um pacto social pode nos oferecer uma alternativa à pobreza e ele
deve ter como base o desejo sincero de melhorar as expectativas econômicas
de nosso Estado.
Esta será a busca de nosso trabalho no CIC
147
.
Como prova da boa recepção do discurso de Beni Veras, um editorial de O Povo de
13 de março, definiu-o como “a fala de um jovem dotado de ardor próprio dos moços”, “mas
com uma visão firme do momento histórico, para fazer do Centro Industrial trampolim de
nossas reivindicações e conquistas”
148
.
Este discurso dirigido à platéia, formada em sua maioria pelos empresários “sem
criatividade, maneirosos, conservadores e oportunistas” coadunava-se com pretensão de ser a
147
Tribuna do Ceará, 09 de março de 1978. Grifo nosso.
148
O povo, 13 de março de 1978, pág. 03.
100
“consciência crítica” empresarial. Estas “afrontas” serão comuns até o ano de 1986, não
para os colegas de atividade, como também, e principalmente, para as autoridades e técnicos
de Estado.
Ao mesmo tempo em que atiçava os empresários jovens a se “levantarem”, José
Flávio reproduzia a política do que, numa ocasião, chamou de “bajulação” às autoridades
políticas do Estado, como se depreende da homenagem que os empresários fizeram a Adauto
Bezerra. Este deixava o governo um ano antes do fim de seu mandato, sob acusações de
desvio de verbas na construção do interceptor oceânico de Fortaleza e de ser mandante da
morte de um vigia, que era testemunha num processo movido contra uma empresa de sua
família em Juazeiro do Norte.
Mesmo assim, os industriais foram homenagear o “colega”, que o orador Jaime
Machado da Ponte denominou de “político ditoso”, de homem de empresa que galgava as
esferas da administração e bem geria os negócios do Estado, de indivíduo que via no Estado
uma imensa empresa de complexa engrenagem que reclamava planejamento, objetividade e
concisão na receita e nas despesas, e de administrador progressista, imaginoso, que soubera
dosar o conhecimento técnico e a exeqüibilidade da realidade. Adauto era ainda mostrado
como exemplo aos empresários que se aprisionavam às paredes de sua fábrica ou de um
estabelecimento comercial e que não contribuíam, com sua experiência gerencial, para mudar
as velhas estruturas burocráticas da administração pública
149
. Cabe lembrar que José Flávio foi
secretário de Indústria e Comércio do governo Adauto Bezerra e continuou no cargo no
governo Waldemar de Alcântara.
Outra demonstração da prática bajulatória foi dada em dezembro de 1978, quando a
Associação Comercial do Ceará agraciou com o título de benemérito, por serviços prestados à
149
O Povo 04 de março de 1978, pág. 18.
101
coletividade e ao esforço pelo melhor desempenho da classe empresarial cearense, os ex-
governadores Adauto Bezerra, Virgílio Távora e César Cals
150
.
Essa vinculação, com uma prática tradicional de fazer política, levou uns dos
principais articulistas político do Estado, o jornalista Frota Neto, a escrever, no dia 17 de julho
de 1978, um longo artigo intitulado No novo momento político: onde e como ficam os
empresários do Ceará.
Ao comentar sobre a divisão política dos empresários brasileiros, em que uma parte
assinava um documento preocupado com a abertura democrática, ligados aos setores
tradicionais da economia capitaneados pela CNI
151
, e outra ala endossava um manifesto
propondo um novo pacto social, liderados pelo grupo dos oito, perguntava onde se
enquadrariam os capitalistas cearenses.
Frota Neto afirmava que a maioria dos chefes de indústrias do Estado eram
politicamente conservadores, dependentes da ação do Estado, da sua tutela e do seu apoio,
configurando uma situação denominada de “política das muletas”. Mas havia alguns núcleos
de uma nova geração que, mesmo não assumindo uma postura política, tinha uma informação
diferenciada do jogo político econômico-social. Era uma segunda geração que se formou
longe dos balcões e das máquinas, que estudou as teorizações sobre o comportamento da
sociedade e lhe permitia ver o Brasil diferente dos seus colegas, sabia o que era o capitalismo,
uma sociedade capitalista e o que deveria ser o comportamento de um capitalista. A geração
antiga acomodava-se à sombra do Estado, estendia a mão, saciava a sua sede e se rebelava
quando contrariado ou marginalizado. A geração nova, entretanto, pensava, mas não falava,
sabia, mas não agia.
Analisando a situação política, questionava até onde existiria uma vocação
oposicionista por parte do empresariado cearense. Seu ceticismo com relação ao CIC se
150
Idem 23 de dezembro de 1978, pág. 23.
151
A FIEC assinou este documento e causou uma rusga com o CIC, que discordava veementemente do seu teor
conservador.
102
evidenciava no comentário de que “há quem veja semente nova plantada no Centro das
Indústrias”. Seu pessimismo sobre uma nova postura política do empresariado cearense devia-
se à dependência deste ao poder público e sua impossibilidade de se indispor com um Estado
que controlava a máquina arrecadadora e fiscalizadora
152
.
No caso do CIC, entretanto, o contato e o debate com os agentes do Estado
desenvolvimentista se deram através de uma bem sucedida estratégia de contato político e de
divulgação das visões de ética pública, papel do estado na economia e necessidades da região
Nordeste: os fóruns de debates.
Os fóruns tinham temáticas de interesses empresariais, que eram desenvolvidas por
preleções de especialistas ou por autoridades governamentais, ligados à área em discussão. Os
conferencistas, após a exposição, eram submetidos a questionamentos. As perguntas eram
formuladas por comissões previamente escolhidas e, muitas vezes, expunham os convidados a
situações vexatórias.
Tal prática diferenciava-se muito do tratamento cinco estrelas que tais autoridades
recebiam em palestras na FIEC e na FACIC
153
. Participar de tais fóruns tornou-se temerário e
demandava uma grande preocupação e preparação dos convidados. Com a popularidade e o
sucesso que depois atingiram, era um erro político recusar o chamamento.
Virgílio Távora, nomeado governador do Estado para o ano de 1979 a 1982, quando
foi convidado a falar dos seus planos de governo e a ouvir as propostas da entidade, exigiu
uma pauta para ser submetida a sua apreciação prévia, antes de encarar os “dentes-de-leite
154
dos industriais do Ceará. A alcunha que ele deu à nova geração do CIC era uma compreensão
de que esses jovens representavam o surgimento de uma classe de industriais no Estado,
que, até então, existia apenas grupos de industriais, pois “o cearense tinha o espírito mercantil,
152
O Povo, 17 de julho de 1978.
153
Federação das Associações do Comércio e da Indústria do Ceará.
154
O Povo, 06 de setembro de 1978, pág. 10.
103
muito mais do que industrial”
155
. Ao fim daquele ano, Virgílio chegou a convidar Beni Veras
para se candidatar a senador pela ARENA
156
.
Para atender às condições de Virgílio Távora, o CIC elaborou, a partir de propostas
feitas por seus membros, um documento intitulado seis pontos, que, em essência, propunha a
formação de um “pacto social mobilizando todos os cearenses para uma luta contra a
pobreza”
157
. O encontro de Virgílio com os empresários do Centro, no entanto, ocorreu na
forma de um almoço informal no Ideal Clube no dia 09 de junho daquele ano
158
. Somente em
19 de outubro o Governador VT enviou Gonzaga Mota, então chefe da equipe que elaborava
seu Plano de Governo, para falar em seu nome
159
.
No dia 15 de agosto de 1978. foi a vez do ex-governador e futuro senador “biônico”,
César Cals, a falar com os empresários. Sua fala, propondo um pacto pela criação de empregos
na região, gerou a seguinte observação de Beni Veras:
...esperamos que este ímpeto dele seja capaz de fazer alguma coisa ou, acima
disto, aglutinar correntes, porque, no meu entender, o que mais se precisa é
um ponto de convergência, para que todos possam trabalhar unidos, sem
quaisquer conotações políticas.
Para ficar mais claro a que unidade se referia, Beni declarou mais à frente do seu
depoimento:
Ficamos bastante felizes com a assertiva de César Cals de que ele e Virgílio
serão uma força só em defesa dos interesses do Estado. Se isto for realidade já
terá sido um grande passo, porque cada um tem o seu papel, mas são dois
homens muito voluntariosos e capazes de fazer algo. Assim a gente pode ter
melhores esperanças
160
.
155
Idem, 11 de outubro de 1978, pág. 02.
156
Informação confirmada por Beni Veras em depoimento ao autor em 08 de janeiro de 2007.
157
O Povo 17 de junho de 1978.
158
Idem, 10 de junho de 1978, pág. 18.
159
Idem, 21 de outubro de 1978, pág. 20.
160
O Povo 17 de agosto de 1978, pág. 02.
104
Com essa afirmação Beni mostrava o ceticismo de união entre os dois chefes
políticos, que protagonizavam disputas políticas acirradas pelo Governo do Estado.
No dia 06 de setembro, o senador Mauro Benevides (MDB-CE) e o deputado Ernesto
Gurgel Valente (ARENA-CE), encararam os empresários e conheceram a visão pouco
simpática que tinham da bancada cearense, a quem consideravam omissa em relação aos
problemas econômicos do Estado. Dessa reunião, surgiu a idéia de se aprovar, no Congresso
Nacional, a participação dos empresários no Conselho Deliberativo da SUDENE, medida que,
em 1985, seria aprovada e ocupada por José Flávio Costa Lima. Mauro Benevides chegou a
declarar no evento que havia uma “ditadura de planejamento” no País, que chegava a ser uma
“infligência à autonomia dos Estados”
161
.
Em novembro de 1978, o ex-superintendente da SUDENE e senador eleito pela
ARENA, José Lins, teve cobrado “todo o seu empenho no sentido de conseguir junto às
autoridades federais, um tratamento diferencial para o Nordeste”
162
.
Outra realização dos fóruns eram os Painéis Temáticos. O primeiro deles foi sobre o
papel da SUDENE no desenvolvimento industrial da região, no dia 19 de abril de 1978. O
expositor foi o ex-presidente do Banco do Nordeste, Rômulo de Almeida, e os debatedores
foram o superintendente da SUDENE, José Lins de Albuquerque, o presidente do Banco do
Nordeste, Nilson Holanda, o vice-líder do governo para assuntos econômicos no Senado,
Virgílio Távora, Secretário do Planejamento, Paulo Lustosa, e um representante do CIC,
Antônio da Costa
163
.
O principal elemento diferenciador desses Painéis, frente às palestras realizadas por
outras entidades empresariais, era a presença de pessoas críticas da política econômica e
institucional do Regime Militar, que eram destaque no eixo sul-sudeste, mas que nenhuma
outra entidade civil tinha coragem de trazer para falar ao público cearense.
161
Idem, 07 de setembro de 1978, pág. 02.
162
Idem, 02 de dezembro de 1978, pág. 20.
163
O Povo, 01 de abril de 1978.
105
O caso de Rômulo de Almeida era sintomático, visto, que além de ser ex-presidente
do BNB, era candidato a Senador pelo Estado da Bahia, com um discurso em que acusava a
“marginalização da juventude” brasileira como uma “ameaça seriíssima para o futuro do país”,
além de “criminosa”, caso fosse uma “política intencional”. As novas lideranças que estavam
surgindo, nos últimos dois anos, eram “muito limitadas” e alguns deles pregavam, inclusive, a
abstenção no processo eleitoral.
Como se estivesse falando dos diretores do CIC, Rômulo defendia a necessidade de
expansão, de manifestação vibrante e até mesmo violenta da juventude, justificando tal
postura como inerente à psicologia juvenil, que tinha um pensamento e uma ação radical.
Entretanto, nada que precisasse ser policiada. Apenas absorvido no regime do debate e na
experiência viva”, que a repressão gerava ceticismo, perda da capacidade de mobilização
nacional, corrupção, acomodação, preocupação com os lucros e formas sociais degeneradas
que criavam vícios como os tóxicos, bebida, pornografia e violência.
O ex-presidente do Banco do Nordeste apresentava, como um dos principais
problemas do Nordeste, sua representação política fraca e inibida perante o poder central para
defender os interesses da região, que governadores e senadores eram escolhidos de forma
indireta pelo próprio Governo Federal. Por isso, não acreditava na “falta de líderes”, mas na
falta de “chances” e condições para o surgimento dessas lideranças.
Além dessas posições muitas simpáticas aos membros do CIC, sua indicação também
era explicada por ser conselheiro técnico do Grupo Expedito Machado no Ceará
164
.
O tema central do Painel era O processo de industrialização recente do Nordeste. Os
sub-temas eram disparidades econômicas inter-regionais e intra-regional, diluição de recursos
do FINOR na implementação de programas nacionais, industrialização do Nordeste segundo
as vocações naturais, infra-estrutura e industrialização no Nordeste, mecanismos de
164
O Povo 13 de março de 1978, pág. 09.
106
financiamento, adequação, tempestividade e suficiência de recursos, relocalização e
desconcentração industrial, mecânica de incentivo fiscais de funcionamento como equilíbrio
de capacidade de concorrência, posição hierárquica dos organismos de desenvolvimento do
Nordeste no contexto da administração federal, compatibilidade de tecnologia, absorção de
mão-de-obra e ampliação do mercado, pequena e média empresa e o tratamento requerido
165
.
A intenção do evento, segundo o discurso de abertura do presidente do CIC, era de
“alcançar alguma luz” sobre o futuro da região, que haveria uma sensação de
institucionalização do decrescimento econômico em relação ao resto do Brasil. Já que o
Planejamento centralizado não aportara os recursos necessários, restava “apelar para o
exercício das formas democráticas de pressão”. Para tanto, chamava à responsabilidade os
representantes do Estado para que tornassem clara a dimensão do problema de um Estado
subdesenvolvido de uma região subdesenvolvida. “Em meio à frustração buscamos uma
esperança”
166
.
A ressonância que o evento do CIC teve, tanto em número de participantes como de
cobertura da imprensa, pode ser explicada pelos problemas que os empresários nordestinos
estavam passando com o governo federal, diante da possibilidade da retirada dos incentivos
fiscais.
Como forma de reação por parte das Federações de Indústrias do país, foi promovido
o I Encontro de Empresários do Nordeste, em Salvador, no mês de agosto de 1978.
Nos discursos das lideranças empresariais, ou mesmo em editoriais de jornais, havia
uma unanimidade na compreensão de que o enfoque meramente técnico da realidade se
tornara insuficiente e exaustivo. Faltava, entretanto, o respaldo da ação política que devia se
caracterizar pela aceitação de “um entrechoque com os interesses até agora sempre vitoriosos
de outras regiões, denunciando os privilégios, as injustiças e reclamando um tratamento
165
Idem, 08 de abril de 1978
166
Idem, 22 de abril de 1978, pág. 11.
107
diferenciado para o Nordeste”
167
. Para tanto, seria preciso uma ação política, para além dos
políticos, que envolvessem as “forças dinâmicas da sociedade nordestina”, como seriam
empresários, técnicos, organizações sindicais e comunitárias.
Como forma de se fazer chegar para além de seu público e abrir um canal de diálogo
com estes outros setores sociais, as conferências e as propostas de encaminhamentos do Painel
foram distribuídas em áreas sensíveis à discussão da problemática nordestina. Isso deu início a
uma boa articulação do CIC com universidades, sociedade civil organizada, técnicos e
partidos de oposição, que deram uma boa ressonância aos debates realizados.
Os Fóruns tiveram uma grande repercussão, porque poucos tinham coragem e
recursos para promover encontros com críticos a um Estado tão plenipotenciário como o do
Regime Militar. Como os próprios membros do CIC financiavam os convidados e abriam as
portas da entidade sem cobrar por isso, tornaram-se referências nos meios políticos e
acadêmicos. Não foi à toa que uma das figuras mais folclóricas da esquerda cearense, Tarcísio
Leitão do PCB, utilizando da numerologia do jogo do bicho, afirmou que, no CIC, tinha de
avestruz a vaca.
A boa repercussão dessas iniciativas inseria-se também no desejo coletivo de
surgimento de novas lideranças políticas, como denota a coluna “Política” de O Povo de 09 de
maio, intitulada “Empresariado omisso”, na qual, se lamentava a indiferença do empresariado
cearense com as eleições daquele ano, que nenhum havia se candidatado, ousando, no
máximo, a financiar candidaturas, ou a ficar nas suplências de senatorias como José Macedo e
Afonso Sancho. Embora creditasse essa indiferença ao fato de a representação política da
época ser mais uma área de homologação do Executivo, sem autonomia e iniciativa,
lamentava a posição de reserva adotada pelos chefes de empresas. Como conseqüência desse
“vácuo”, havia a perda do pluralismo, de substância social e a atrofia da representação
167
O Povo 27 de abril de 1978, pág. 03.
108
política, que a visão dos homens de negócios ajudaria para melhorar sua qualidade na solução
das distorções que o Estado teria
168
.
Esse distanciamento empresarial da política partidária foi defendido pelo presidente
da FIEC num discurso em comemoração ao dia da Indústria em maio daquele ano:
No futebol ideológico, entre a esquerda e a direita, nossa posição é a de
‘centro líbero’, afastada, contudo, daquela posição eqüidistante e estática que
o conservadorismo imobilista suscita
169
.
Nos meses de maio e junho de 1978 foram feitos mais dois Fóruns sobre a questão do
algodão, com pouca repercussão na imprensa. A partir de julho, entretanto, a entidade mudou
a táctica para sua realização, dando-lhe uma conotação menos corporativa e mais política, o
que fez o CIC levar aos fóruns convidados com perfis mais polêmicos na análise da
conjuntura nacional.
Naquele mês, o tema escolhido, “Empresário e a Sociedade”, foi exposto por Cláudio
Bardella, José Midlin e Jackson Rabinovitch. Os dois primeiros membros do Grupo dos Oito
da Gazeta Mercantil de São Paulo, que estavam em evidência na mídia nacional, por terem
assinado o Documento dos Empresários, que condenava a política econômica do Governo
Federal e defendia a redemocratização do país.
No debate, Mindlin reforçou suas críticas ao dizer que a renda per capita do país era
“uma realidade estatística, mas uma ficção social”. Embora reconhecesse uma “positiva
racionalização administrativa”, implantada no Estado brasileiro pós-1964, ocorrera também
uma “auto-suficiência da tecnoburocracia dominante”, cujas decisões eram tomadas em
“gabinetes fechados”. Como forma de participar das decisões na área econômica, Midlin
propunha, através da imprensa, a exposição dos planos e pontos de vistas da categoria, de
forma que pudessem ganhar a mentalidade da opinião pública. “Insistir na catequese, porque
168
O Povo 09 de maio de 1978, pág. 02.
169
Idem, 27 de maio de 1978, pág. 18.
109
as idéias levam tempo para ser aceitas”. Indagado, por Expedito Machado, se a culpa pela
marginalização do processo decisório econômico do país não teria sido causada pela omissão
das entidades representativas do setor, Mindlim colocou o problema na estrutura sindical
brasileira “herdada do Estado Novo”.
Bardella reforçou a necessidade de participação do empresariado nos debates sobre as
soluções para as desigualdades nos campos econômico e social, gerados pela “marginalização
dos empresários das decisões da política econômica”. Ademais, defendeu a Abertura Política
como forma de impedir a continuação da pressão financeira oficial do organismo estatal
forte
170
.
A presença, nessa conferência, de importantes lideranças tradicionais da indústria
cearense, como José Flávio, Thomas Pompeu, Edson Queiroz e José Macedo, mostrava a
pretensão do CIC em conseguir a adesão dos setores conservadores do empresariado e da
política, no esforço pela melhoria das “transferências do sul para o Nordeste”, de sensibilizá-
los para “o problema de redistribuição de rendas” no Estado, de tentar congregar em torno de
si “parlamentares dos dois partidos para trabalharem juntos pela melhoria das condições de
vida” dos cearenses e para a necessidade imperiosa de “melhorar a capacidade de consumo das
camadas mais baixas” com aumentos reais do salário mínimo
171
. Para tanto, Beni Veras
advogava a necessidade de se aglutinarem as correntes da política estadual em torno de um
ponto de convergência sem qualquer conotação política, para que todos pudessem trabalhar
unidos
172
.
Quanto se inicia o ano de 1979, a FACIC promoveu um conclave político
empresarial, no dia 10 de janeiro, no qual o destaque eram as três sessões plenárias com
conferências dos políticos José Lins, César Cals, Mauro Benevides e Virgílio Távora. Aos
170
O Povo 15 de julho de 1978, pág. 12.
171
Fala de Beni Veras na coluna “Política” de O Povo, 08 de agosto de 1978, pág. 02.
172
Idem, 17 de agosto de 1978, pág. 02.
110
empresários presentes, coube a função de coordenar as mesas e fazer pedidos a serem
encaminhadas às autoridades de Brasília.
Essa visão apadrinhadora da função política ficava explícita no discurso de abertura
do presidente de honra da FACIC, o suplente de senador José Afonso Sancho. O objetivo do
encontro era a abertura de debates entre lideranças dos setores privados e público, “para a
montagem de um esquema comum de ação”, que objetivava “defender perante o governo da
União as reivindicações básicas do Ceará e aqueles do Nordeste que forem pré-requisitos para
a solução de nossos problemas”, já que se criara o consenso, “no seio das lideranças estaduais,
de que as forças políticas constituíam a vanguarda de qualquer movimento que vise a
aprimorar a filosofia do governo central, que tem como finalidade consolidar a economia
regional e elevar o nível de bem-estar social da população”
173
.
A confiança na ação dos políticos e na intenção do Governo Central se explicava pela
prática, até então comum, de se contar com os recursos federais para os planos de
desenvolvimento regionais, que, muitas vezes, estavam vinculados aos planejamentos
nacionais. Virgílio Távora deixava isso expresso numa entrevista de outubro de 1978, em que
dizia não se preocupar com a dívida de cinco bilhões de cruzeiros do Estado, que seria
“equacionada com as autoridades monetárias do país”, através do reescalonamento da dívida
ativa, permitindo, assim, aumentar o endividamento do Estado, que “nossos planos são no
sentido de acrescer mais 10”
174
. que as pretensões do novo presidente da República, João
Baptista de Figueredo, eram de Abertura Política e de fechamento dos cofres públicos, como
remédio anti-inflação. O Estado provedor estava no fim e não avisaram os políticos e
empresários cearenses.
Tão logo ficaram claros os caminhos que o futuro governo federal tomaria, a FIEC
chamou seus filiados a superarem suas “concepções estacionárias” do processo sócio-
173
Idem, 11 de janeiro de 1978, pág. 11.
174
O Povo, 11de outubro de 1978, pág.02. Íntegra da entrevista em O Povo, 06 de novembro de 1978, págs. 10 e
11.
111
econômico que se desenhava e a se arregimentassem em torno de sua entidade de classe, que
vivia ignorada pelo excessivo individualismo da maioria.
Esses individualistas eram chamados de socialmente míopes, satisfeitos com o
crescimento material que o “regime centralizado” proporcionou, mas que não enxergavam a
“fragilidade social, a tensão latente nas fábricas, nos campos e na periferia, onde grassam o
subemprego, o desemprego” e onde a renda “ofende, humilha e avilta o ser humano, poluindo-
lhe o contrato social”. Criticando a reunião fechada que os governadores do Nordeste tiveram
com a SUDENE e o BNB em janeiro daquele ano, reclamava a exclusão dos empresários e do
povo destas conversas, como se estes não fossem “protagonistas dessa ópera do
desenvolvimento regional, cuja partitura parece, ninguém sabe tocar”. O que estaria falindo
não seria a economia de mercado, mas “os mecanismos políticos” e as elites, pois a pobreza
não seria algo “inelutável”. Portanto, estava na hora da participação empresarial “deixar de ser
meramente reivindicatória”, para transformar-se num “dever inerente à função econômica,
social e política”
175
.
Na transmissão do cargo de Secretário Indústria e Comércio, José Flávio Costa Lima
expôs ainda mais seu descontentamento, a ponto de fazer críticas diretas à “Revolução” que
apoiou em 1964, ao indagar o porquê das responsabilidades dos que assumem serem tão
graves, se todos os deveres vinham sendo cumpridos pelos que saíam? Como se fazia uma
campanha publicitária exaltando o milagre econômico e a potência emergente, para se
enfrentar um endividamento externo de cerca de 40 bilhões de lares e um endividamento
interno de igual importância?
José Flávio seguiu o discurso fazendo uma radiografia da pobreza tecnológica, da
carência dos recursos humanos, do baixo desfrute da pecuária, da insignificante produtividade
da agricultura, da carência tecnológica da indústria, da invasão do capital estrangeiro
175
Idem, 17 de fevereiro de 1979, pág. 20.
112
favorecido pelo poder blico em detrimento da empresa nacional e dos déficits regionais que
levavam o governo a propor um desenvolvimento auto sustentado para o Nordeste, para em
seguida perguntar: “Onde estará o erro, se cada um cumpriu o seu dever?”
Ao final, dizia sair do cargo sem uma consciência tranqüila do dever cumprido, mas
se recusava a aceitar a fala dos “burocratas sectários”, que identificavam os empresários como
“incompetentes que apenas querem privatizar os lucros e socializar os prejuízos”, pois
“quando a burocracia erra, foi a conjuntura; quando o empresário, em função dos erros do
intervencionismo se atrasa, é a incompetência”
176
.
Entretanto, as posições de José Flávio não chegavam a significar uma postura política
diferente no trato com o Governo Federal, tanto que, aproveitando um convite do Ministro da
Indústria e Comércio, Camilo Penna, aos empresários paulistas para mandar propostas para
sua gestão, o presidente da FIEC solicitou a mesmo oportunidade para os cearenses
177
. Com a
aquiescência do ministro, formulou um memorial fazendo uma análise da realidade do Estado,
cuja principal proposta apresentada era o apoio ao projeto do III Pólo Industrial do governo
Virgílio Távora, sendo entregue a Camilo em abril de 1979
178
.
Em maio do mesmo ano, José Flávio e os vice-presidentes Jaime Machado da Ponte e
Luiz Esteves Neto foram visitar o novo comandante da 10ª Região Militar, general de Divisão
Alacir Frederico Werner, para levar seus “cumprimentos de boas-vindas ao nosso Estado e,
numa palestra das mais amistosas e descontraídas, debateram os mais diversos assuntos da
atualidade brasileira e , em particular, da cearense”
179
. Em janeiro de 1980, convidaram o
mesmo comandante para ouvir os percalços que passava os empresários do Nordeste. Depois
176
O Povo 24 de março de 1979, pág. 21.
177
Idem, 24 de fevereiro de 1979, pág. 22.
178
Idem, 07 de abril de 1979, pág. 13.
179
O Povo 23 de maio de 1979, pág. 23.
113
das queixas, o oficial falou pouco e, em sua fala defendeu as medidas tomadas pelo Governo
Federal, as quais tinham sofrido críticas pelos anfitriões
180
.
Como reação ao que se anunciava no novo Governo Federal, a Associação Comercial
do Ceará promoveu ainda um Encontro de Ação Político-empresarial do Nordeste, no qual
congregou os presidentes das Associações Comerciais e das Assembléias Legislativas, além
das lideranças da ARENA e do MDB dos noves Estados da região, mais uma vez priorizando
a articulação política, agora pelas bancadas estaduais. No encontro, foi aprovado um
documento denominado “Declaração de Fortaleza”, em que foi firmado “um pacto de mútuo e
recíproco apoio, com vistas a exercer legítima pressão sobre o governo da República para dele
obterem a institucionalização das diretrizes aqui delineadas”
181
. Das sete diretrizes elencadas,
destacava-se por seu teor incisivo a de número 3, na qual “os signatários desta declaração
estão convencidos e persuadidos de que a ineficácia da ação oficial, deve-se ao fato de o
desenvolvimento do Nordeste jamais haver sido encarado como meta política, realmente
prioritária no contexto dos objetivos nacionais básicos”
182
.
Nos discursos de Aquiles Peres Mota, presidente da Assembléia do Ceará e de
Vicente Salles Linhares, presidente da Associação Comercial do Ceará, mais exemplos de
discursos contundentes contra o Governo. O primeiro dizia que os discursos presidenciais
sobre o Nordeste eram as mesmas “palavras xerografadas ou esteriotipadas”, mas faltava a
elas “o cumprimento cabal da palavra, solenemente empenhada”; criticava o propósito Federal
de enxugar a economia, sanear o mercado financeiro, conter a inflação corrosiva” dando o
mesmo tratamento para Regiões diferentes; qualificava os pacotes “elaborados nos
laboratórios dos milagreiros da feitiçaria governamental”, como meizinhas, homeopatias e
xaropes finos, planejamentos que haviam concentrado a riqueza e democratizado a
pauperização; por fim, defendia a necessidade de gritar, pois “só gritando, é que nos escutam,
180
Idem, 22 de março de 1980, pág. 13.
181
Idem, 12 de agosto de 1979, pág. 12.
182
ibidem.
114
que parece que falamos a ouvidos surdos”. Mas logo se lembrou de que era da ARENA e,
para arrefecer o clima, reconhecia que esses gritos se dirigiam aos qu, “ao longo dos anos, se
encastelaram no Governo da Nação, manipulando projetos, que muitas vezes, distorcem os
bem intencionados propósitos do Governante Maior do País
183
.
No mesmo caminho foi o anfitrião do Encontro, para quem as pressões das Regiões
que se “beneficiam com a manutenção do status-quo não eram fáceis de se vencer pela
“vontade isolada do Presidente da República e de alguns de seus Ministros”. Para tanto,
propunha que se fizessem “contrapressões” que dessem o respaldo necessário para que o chefe
maior da Nação efetivasse a “travessia do fosso”. E mais uma vez reafirmava o condição de
“linha auxiliar da classe política” dos empresários, na função de dar “sugestões e informações
que lhes ocorrem na sua experiência do dia-a-dia”
184
.
O CIC, na contramão desse discurso, promovia a vinda do humorista Millor
Fernandes, para falar sobre o momento político nacional, no dia 03 de agosto de 1979, o nome
que garantiu um bom público e a atenção da imprensa.
Tal atenção foi fundamental para a participação do CIC nas discussões sobre a
desgastada temática nordestina, essencial aos seus interesses empresariais, mas muito
maltratada pelas práticas patrimonialistas dos grupos políticos do Estado. Por não terem tal
vínculo histórico, que a maioria vinha de empreendimentos que nasceram pós-
financiamentos da SUDENE e a partir de investimentos externos ao Estado, buscaram dar uma
nova colaboração à questão, fazendo um contraponto aos discursos da Associação Comercial e
da FIEC, com cobranças mais incisivas aos políticos do Estado.
Talvez com tal finalidade, o CIC ocupou um espaço de duas páginas, no jornal O
Povo de 23 de novembro de 1979. Era a transcrição de uma mesa-redonda promovida pelo
183
O Povo 12 de agosto de 1979, pág. 12. Grifo nosso.
184
Idem, 12 de agosto de 1979, pág. 12
115
periódico com a temática “Empresários pedem ao presidente, repensar sobre o planejamento
do Nordeste”.
Na verdade, parecia muito mais um espaço publicitário do que uma mesa-redonda,
que só os jovens empresários (Bení Veras, Amarílio Macedo, Sérgio Machado, Byron Queiroz
e Tasso Jereissati) participaram. De qualquer forma, o mote da mesa-redonda era a presença
do presidente Figueredo no Ceará naquele mesmo dia da publicação.
Em suas várias falas, Beni Veras reforçou a tese de que a Região recebia menos do
que dava ao Poder Central; que as relações com o centro-sul produziam empobrecimento e os
recursos federais aportados apenas contrabalançavam estas perdas e que, muitas vezes, o
Nordeste era obrigado a comprar produtos caros no Sudeste, quando podia importá-los a
preços mais baixos, enquanto, outras vezes, tolerava um dólar subavaliado, prejudicando as
exportações locais.
Segundo o presidente do Centro, o caso cearense agravava-se não só devido às
adversidades geográficas, climáticas e de solo, como também pela postura equivocada dos
políticos do Estado. Como incensavam o Poder, da mesma forma que muitos faziam, não se
destacavam e escamoteavam a realidade para não desagradar as autoridades. A postura correta
era afirmar
ao poder público que o Nordeste não é uma região espoliada pelo país
como é dentro de si própria uma região de extraordinária potencialidade de
conflitos, e que isso tem de ser tratado enquanto esses conflitos não
explodem
185
.
Mesmo assim, continuava Bení Veras, o empresário acreditava e enfrentava o desafio.
Não era à toa que o Ceará tinha 7% dos investimentos, mas contribuía com 21% dos empregos
criados pela SUDENE.
185
O Povo 23 de novembro de 1979.
116
Ao se referir aos discursos liberais de economistas do eixo Rio-São Paulo, que
defendiam a redução do Estado na economia para diminuir a inflação e, conseqüentemente, a
eliminação dos subsídios para o Nordeste, qualificou-os como possuidores de uma pretensa
“pureza econômica” defendida e nunca vivida. O Nordeste seria muito pequeno para ser
responsabilizado pela inflação no país.
Como que deixando bem clara a visão do papel político de empresário, o presidente
finalizava dizendo:
Entendemos que nossa postura face aos poderes públicos é dentro do nosso
campo de especialidade, das relações econômicas do mercado, etc. Podemos
junto ao governo postular medidas que ajudem a sociedade como um todo
melhorar, a ficar mais rica. O essencial para isto é que tenhamos
legitimidade, que estejamos agindo. Como é o nosso caso, como empresários
e não como força auxiliar do poder público.
Não se transformar em força auxiliar do poder público, significava manter uma
coerência de conduta, enquanto empresário e corporação, com o discurso que condenava as
práticas incestuosas entre Estado e empresas. Para tanto, o CIC se recusava a fazer
reivindicações pessoais, visando a favorecer empresas de pessoas específicas. As demandas
eram feitas em nome de uma coletividade ou de uma política que beneficiasse a todos os
industriais.
Dessa forma, a gestão Beni Veras lançou as bases estratégicas, táticas e discursivas
de divulgação e incorporação do ideário do grupo CIC no cenário político local. Para
demarcar ainda mais a diferença com a prática política da FIEC, com vários históricos de
reeleições de seus presidentes, elegeu-se um novo mandatário que projetaria o Centro para
além das fronteiras cearenses: Amarílio Macêdo.
117
II.3 – AMARÍLIO MACÊDO: PROJEÇÃO NACIONAL E CONFLITOS LOCAIS
(1980-1981).
A gestão de Beni Veras conseguiu lançar as bases do projeto “razão esclarecida”
186
do empresariado. Sua consolidação e projeção nacional, entretanto, foram conseguidas na
administração de Amarílio Macedo.
Como diretor na gestão de Beni, Amarílio se destacou nos contatos com o grupo dos
oito de São Paulo, que possibilitou a vinda do Cláudio Bardella e José Midlin na sede do CIC
para uma conferência.
Em seu discurso de posse, no dia 17 de janeiro de 1980, Amarílio mostrava que a
verve impertinente do Centro continuaria e ficaria até mais aguerrida. Ao comentar a
insegurança que se sentia no ar, devido ao estado inviável de sobrevivência das pessoas que
nada tinham, sentia-se também a falta de rumo daqueles que participaram da definição da
política.
Portanto, um dos desafios de sua administração seria a criação de um senso crítico de
uma comunidade que tinha se desacostumado com este exercício, até porque “fazer história é
assumir uma postura política”.
Além disso, propunha o reforço do caráter político da questão Nordeste para
incentivar as novas gerações de empresários no interesse pelas causas da sociedade,
desempenhando assim um papel político social da maior relevância
187
.
Como destaque na posse, a presença do governador Virgílio Távora, dirigindo os
trabalhos da mesa e encerrando a solenidade com congratulações ao trabalho de colaboração
do CIC ao esforço governamental.
186
“Razão esclarecida” é um termo empregado por TEIXEIRA, Francisco José Soares. CIC: razão esclarecida
da FIEC. Fortaleza. IMOPEC.1995.
187
O Povo, 19 de janeiro de 1980, pág. 04
118
Embora os empresários do CIC fossem contrários aos métodos de fazer política de
Virgílio, mantinham com ele uma boa relação, principalmente por seu histórico de
incentivador e apoiador das políticas de industrialização do Estado. O governador, inclusive,
convidaria Beni Veras a concorrer ao Senado nas eleições de 1982. Era, entretanto, uma
relação conflituosa, cortês e ácida.
A diretoria ficou com a seguinte composição:
CARGOS NOMES EMPRESA RAMO
PRESIDENTE
Amarílio Proença de
Macêdo
Grupo J. Macêdo
moagem, metalurgia,
alimentício, concessionária
FORD,etc.
VICE-PRESIDENTE Ignácio Colares Capelo Sapataria Belém Calçadista
VICE-PRESIDENTE
José Sérgio de Oliveira
Machado
Villejack Jeans Confecções
VICE-PRESIDENTE
Francisco de Assis
Barbosa*
188
VICE-PRESIDENTE Alexandre Costa Lima
Companhia Brasileira de
Rações
Rações
VICE-PRESIDENTE
Álvaro de Castro Correia
Neto
Mercesa Metalurgia
1º SECRETÁRIO
Adalberto Benevides
Magalhães Filho*
IPLAC
Indústria de Metais não
metálicos
2º SECRETÁRIO Cláudio Sidrim Targino*
ypioca Bebidas
1º TESOUREIRO
Marcos Silva
Montenegro*
Fiação e móveis
2º TESOUREIRO
Airton Carneiro
Gondim*
DIRETOR
José Maria Moraes
Machado
Bancesa Financeiro
DIRETOR Fernando Cirino Gurgel*
Metaneide Metalurgia
DIRETOR Herialdo Matos Ramos*
DIRETOR
Ednilson Gomes de
Sousa*
Móveis
DIRETOR Nahme Jereissati* Fiação e Têxtil
DIRETOR
Antônio Maria de Paula
Pacheco *
DIRETOR
Jorge Lima de
Albuquerque
Aba Film Fotográfico
DIRETOR Luis Girão Filho* Móveis
DIRETOR Hermínio Sousa Pinto*
DIRETOR Fernando Dall’Olio*
CONSELHO FISCAL Benedito Clayton Veras Guararapes Confecções
CONSELHO FISCAL Byron Costa de Queiroz Ivan Bezerra Têxtil, confeções, agroindústria
CONSELHO FISCAL Tasso Ribeiro Jereissati Grupo Jereissati
shopping center, hoteleiro,
alimentício.
SUPLENTE
Francisco Assis
Machado Neto
Mota Machado Construção Civil
SUPLENTE
João Fernandes
Fontenele
Química e cosméticos
188
Os asteriscos significam nomes de novatos na direção do CIC
119
Dos 26 cargos, houve a renovação de 14 nomes, que se concentraram nas funções de
diretores. É sintomático identificar que o grupo Edson Queiroz, que tinha três membros na
diretoria anterior, não teve representante. Algo compreensível por talvez sentir-se
constantemente citado nas críticas que o CIC fazia aos cartórios econômicos sustentados pelo
governo. Também se percebe a saída dos representantes não ligados diretamente à indústria. O
núcleo duro da entidade concentrava-se na presidência, vice-presidências e na titularidade do
Conselho Fiscal.
Amarílio Proença de Macedo, mesmo nome de seu avô materno, nasceu em 04 de
maio de 1943 e era filho do mito self-made man José Macêdo. Teve uma formação católica
rígida e fez toda sua formação colegial em escolas católicas, como Imaculada Conceição,
Externato Coração, Externato de Cristo Rei Eucarístico e, em 1955, aos 12 anos de idade, no
Seminário dos Jesuítas em Baturité, cidade a 70km de Fortaleza, onde pretendia estudar para
ser padre
189
. Em 1962, ao fim do Ginásio, com 16 anos, foi morar no Aluisiano, casa ao lado
do provincial dos Jesuítas no Brasil em Recife, e começou o curso científico no Colégio
Nóbrega.
Em Recife, permaneceu um ano, pois, ao fim de 1962, descobriu-se apaixonado
por uma menina que interpretava Eva num jogral que juntou seu Colégio com o da referida
garota. Amarílio fazia o papel de Adão. Com drama de consciência, ouviu do seu confessor:
“Você pode ser bom fora. Vá cuidar de sua vida”. Segundo Macedo, aquelas palavras
significaram um alívio, que descobrira que “não precisava ser padre para fazer o que eu
queria”
190
. O desejo de Amarílio era o que ela denominava “preocupação com o social”. Essa
seria sua explicação pela atração política. “A minha questão relevante, o que me atrai para a
coisa coletiva é a questão social, cujo berço é o Seminário”
191
.
189
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999, pág. 109.
190
Ibid.
191
Idem, pág. 112.
120
Na volta a Fortaleza, estudou na escola laica São João e na Fênix Caixeral,
estabelecimento mantido e voltado para a especialização dos comerciantes da Cidade. Em
1965, entrou no curso de Economia da Universidade Federal do Ceará e, em 1967, tornou-se
presidente do DA.
Militava nos movimentos de contestação à Ditadura, mesmo sendo filho do maior
capitalista da cidade e beneficiado pelo Regime. Seus colegas eram quadros de esquerda e
comumente era visto na companhia deles pelas ruas da cidade. Tal conduta de Amarílio gerava
comentários jocosos dos colegas industriais de José Macedo, como os de Moisés Pimentel,
que interpretava a postura do filho como uma jogada do pai, que era da direita, mas “se
safaria” caso o Partido Comunista chegasse ao poder
192
. Chegou a ser procurado por militares
no Colégio Fênix Caixeral, num dia em que faltara à aula. Mesmo depois de formado, já como
diretor da Cervejaria Astra, não teve seu visto autorizado para ir ao Peru, por se tratar de um
Governo considerando de esquerda pelos militares
193
.
Entretanto, Amarílio nunca foi do PCB, mas da JEC (Juventude Estudantil Católica)
e, posteriormente da JUC (Juventude Universitária Católica) que, em Fortaleza, tiveram a
direção de importantes entidades estudantis, na maioria das vezes em aliança com o PCB.
Seus militantes, diariamente, encontravam-se em frente à Igreja do Rosário, ao final da tarde.
A escolha do local devia ao fato de ser central e pouco movimentada, estar sempre aberta e ter
sido construída pelos negros. A sede das duas entidades era no jornal católico O Nordeste, sob
a orientação de mestres como Lauro de Oliveira Lima
194
e Luíza Teodoro
195
. Ali se discutiam
livros e os últimos artigos do Brasil Urgente, jornal da esquerda católica, dirigido pelo Frei
192
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999,pág. 110.
193
Idem. pág. 113.
194
Nascido em Limoeiro do Norte, Ceará, no ano de 1921, formou-se em direito e filosofia, foi diretor do ensino
secundário do MEC, trabalhou no Ministério da Educação no início da implantação dos planos nacionais de
alfabetização, foi cassado pelo governo militar, pioneiro de um método pedagógico baseado na teoria da
psicogenese de Piaget.
195
Professora de História da Universidade Federal do Ceará e, na época, uma das intelectuais educadoras
vinculadas à Igreja.
121
Carlos Josaphat. A JEC ainda criou em Fortaleza, seguindo orientação nacional, o Centro de
Estudos Sociais (CEDES), que realizava encontros semanais em casa de militantes para
estudar e discutir textos e livros sobre a realidade brasileira. Esses eventos ajudavam a
aprofundar a visão política dos jecistas e nuclear simpatizantes e novas adesões.
Boa parte de sua juventude foi vivida em conflito entre sua vocação “sacerdotal
popular” e sua condição de burguês. No Seminário, Amarílio era colega de alunos pobres, que
não tinham dinheiro para comprar a farda do colégio. A alimentação era tão racionada, que
chegou a ter uma pleurisia (inflamação do pulmão). Até os 17 anos, não aproveitou nada da
fortuna que seu pai passou a acumular
196
, principalmente em seu retorno a Fortaleza, para
onde a família havia se mudado e onde agora vivia em uma enorme mansão. “E me chocava
tanto o contraste do que eu vivia no Seminário, com o que eu encontrava em casa... que quis
sair de casa, porque ficar naquela casa era cometer um pecado”
197
.
O sentimento de pecado, segundo Amarílio, seria a explicação para sua prática de
assistência social e serviços para as comunidades pobres que estavam ao seu redor, fosse no
Seminário ou atrás de sua mansão.
Estas posições cristãs sociais produziram situações vexatórias no ambiente familiar,
como na festa de Natal do Grupo J. Macedo, realizado no Iate Clube em 1965, com
convidados da alta sociedade da Capital. Encarregado de fazer o discurso, Amarílio disse que
não estava muito entusiasmado com o que estava acontecendo ali, porque não tinha nenhum
representante dos operários na festa, pois não tinham dinheiro para comprar roupa e entrar
naquele clube. “Êpa, pára. Deu uma confusão! Dorian Sampaio, que é muito amigo de nossa
196
Sobre J.Macêdo ver CARNEIRO, Glauco. J. Macedo. Uma saga empresarial brasileira. São Paulo. Edicon.
1989. KIRSCHNER Ana Maria. J. macêdo : grande grupo moageiro brasileiro estratégias durante a
regulamentação estatal e na pós-desregulamentação. In http://www.abphe.org.br/congresso2003/
Textos/Abphe _2003_104.pdf.
197
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999.pág. 110.
122
família, muito meu amigo, estava nesse jantar. Adorou. Botou no jornal e fez um auê danado
com esse meu rompante”
198
.
Esse viés católico engajado apareceu em várias ocasiões em que se posicionou como
presidente do CIC. Na primeira entrevista ao ser perguntado sobre o acontecimento mais
importante no ano de 1980, respondeu que fora a vinda do Papa João Paulo II ao Brasil, mas
emendava, destacando as manifestações do representante máximo da Igreja em prol “da
valorização da liberdade e do respeito à pessoa humana”, além da “necessidade de se
encontrar soluções de problemas cruciais como a fome, a pobreza, a utilização da terra e
oportunidade de trabalho para todos”
199
. A mensagem do papa servia de mote para atacar o
“sistema de administração centralizada, institucionalizado no país”. A manutenção desse
sistema levava a Nação a um “processo de descrença nas suas instituições”, algo temerário
num país de dimensões continentais e com “regiões inteiramente distintas pela ecologia e
estágio de desenvolvimento”. Amarílio achava indispensável o “respeito ao direito de cada
pessoa participar da vida do país, transmitindo suas idéias e tendo acesso ao processo de
escolha de seus dirigentes”
200
.
Outro momento que clareia o pensamento de Amarílio, foi sua participação num
programa de televisão de Lúcio Brasileiro, ao lado do seu pai José Macêdo. O colunista
indagou a ambos se estariam no “paredón” se o Brasil caísse no comunismo. Seu pai
confirmou que estaria sem “a menor dúvida”. Ele também disse que sim, entretanto, a culpa
seria dos “colegas empresários insensíveis à problemática social, pois o Brasil tem saída
dentro do regime capitalista, desde com um patronato consciente e responsável”
201
.
198
Idem, pág. 113.
199
O Povo 02 de janeiro de 1981, pág. 15.
200
Ibidem.
201
O Povo, 08 de junho de 1981, pág. 09.
123
Na gestão de Amarílio, os fóruns de debate continuaram com a mesma estratégia dos
anteriores. Entretanto, houve mais convidados externos e mais políticos do que economistas
ou empresários.
A programação de 1980 começou no dia 11 de janeiro, com Luis Carlos Brechert,
diretor administrativo do Grupo Pão de Açúcar; em 15 de fevereiro, o deputado federal Paulo
Lustosa (PDS-CE); 22 de fevereiro, Paulo Francini, da FIESP; 08 de abril, Dom Aloísio
Lorscheider, Cardeal Arcebispo de Fortaleza; 14 de agosto, foi a vez de Abílio Diniz; em 02
de outubro, Maria da Conceição Tavares, com a destacada presença de Virgílio Távora no
auditório; 07 de novembro, Afonso Celso Pastore, então Secretário da Fazenda de São Paulo;
no dia 05 de setembro, Antônio Ermírio de Moraes. Em 1981, no dia 23 de janeiro, Oliveiros
da Silva, diretor do jornal O Estado de São Paulo, que falou sobre o desenvolvimento
nordestino sob a ética sulista; 18 de fevereiro, o jornalista Dorian Sampaio, comentarista
econômico do Sistema Verdes Mares de Comunicação, afiliada da Rede Globo, sobre A
participação do empresário na vida política brasileira; em 29 de outubro, Leonel Brizola, que
acabou não havendo, devido a uma sabotagem no transformador elétrico do prédio do CIC.
Além dos jornalistas Carlos Chagas e Carlos Castelo Branco e mais Henfil, Celso Furtado e
Mário Henrique Simonsen
202
.
Por sua vez, a FIEC resolveu fazer também conferências, mas a escolha dos
conferencistas sempre recaía sobre cnicos e autoridades políticas, como se na
programação de 1980: em 06 de fevereiro, José Macedo, falando de suas impressões sobre a
China comunista; em 13 de fevereiro, Adauto Bezerra; em 1981, iniciou com Nilson Holanda,
em 07 de janeiro; Camilo Calazans, presidente do Banco do Nordeste do Brasil, em 28 de
janeiro; o diretor de relações industriais da Volkswagem, Amon Ganem, em 18 de março;
202
Dos dossiês do CIC, não constava a data destas apresentações.
124
Ricardo Figueredo Jabace, da FINEP, sobre linhas de financiamento a projetos e pesquisas,
em 11 de maio.
Os contratempos que os promotores dos fóruns sofriam, podem ser mesurados por
dois casos: o primeiro envolveu o próprio Amarílio Macedo, que após a conferência do Henfil
e com os boatos que o próximo seria o líder sindical Lula, foi convocado pela FIEC a dar
explicações sobre os objetivos dos fóruns.
Eu vi que eles estavam querendo bater em cima de mim e eu disse: para mim a
maior finalidade, naquela reunião, foi colocar unidos todos os meus amigos
comunistas. Então como eles estavam querendo me afrontar, pensando que eu
estava incomodado com aquele tipo de público, eu inverti. Não era aquela a
finalidade, mas que era pra agredir, eu sai com o inverso. todo mundo
achou graça e relaxou. Mas tinha este tipo de ambiente tenso. Havia uma
ciumeira, porque realmente a FIEC não conseguia lotar metade do auditório e
o CIC estourava a freqüência do auditório. E quando discrepava um pouco de
um assunto de economia, parecia assim que estava havendo um mau uso
daquele espaço
203
.
O segundo envolveu Tasso Jereissati, que pretendia um financiamento da Caixa
Econômica Federal para a construção do Shopping Iguatemi de Fortaleza. Como o presidente
do Banco, Gil Macieira, estava em Fortaleza, Tasso convidou-o para um jantar em sua
residência em que seria recebido o Celso Furtado. Ao saber disso, o presidente da CEF
condicionou sua presença à ausência do homenageado. O anfitrião respondeu que Celso era
seu amigo e que iria à ágape, e Gil fosse se quisesse. Por conta disso, o financiamento não foi
liberado
204
.
O reconhecimento do papel de consciência crítica da sociedade cearense, que o CIC
adquiriu no ano de 1981, pode ser medido por duas conferências. A primeira delas a que
203
Entrevista de Amarílio Macedo in MARTIN, Isabela . Os empresários no poder: o projeto político do CIC
(1978-1986). Fortaleza, Secretaria de Cultura e desporto do Ceará. 1993, pág. 78 e 79.
204
Entrevista de Sérgio Machado in MARTIN, Isabela. Op.cit. pág. 110.
125
Waldimir Pirró e Longo, superintendente do Instituto Nacional de Tecnologia, fez sobre
dependência tecnológica do Brasil. O expositor foi convidado e financiado pelo Centro, mas,
na verdade, era uma indicação de várias entidades civis e públicas, como Associação dos
Professores do Ensino Superior do Ceará, Associação dos Engenheiros Industriais do Ceará,
CREA-CE, Clube de engenharia do Ceará, Centro de tecnologia da UFC e Núcleo de
Tecnologia do Ceará. Era defensor de uma política tecnológica, com preocupações de
desenvolvimento nacional e crítico das políticas de importação de tecnologia, com seus efeitos
de desnacionalização e endividamento do país
205
.
A segunda foi a de Paulo Francini, em 22 de fevereiro de 1980, presidente da
Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento
(ABRAVA). Sua conferência foi sobre o ressurgimento do movimento sindical brasileiro e o
relacionamento capital/trabalho. A principal mensagem do convidado foi a situação
preocupante da falta de organização empresarial para tratar com os novos movimentos
sindicais que surgiram em 1978. Para tanto, defendia uma reorganização empresarial e um
melhor relacionamento entre capital-trabalho
206
.
Essa reorganização começava a acontecer no Ceará e provocava conflitos, como se
percebia na notaentendimento geral”, em O povo de 02 de setembro de 1980. Ali se
noticiava a reunião da FIEC, que juntou Amarílio e José Flávio na mesma mesa, “jogando um
jato d’água nos incendiários que tentavam antagonizar as duas lideranças”. José Flávio
declarava que havia uma identificação de idéias e anseios entre as duas entidades e que tal
afirmação era importante, para acabar com a “onda de intrigas, que tinham a indisfarçável
intenção de transformar em dissensão, o que não passava de divergências irrelevantes quanto
ao enfoque de alguns problemas da atualidade brasileira”.
205
Tribuna do Ceará, 17 de julho de 1981.
206
O povo, 23 de janeiro de 1980.
126
Entretanto, as divergências o eram tão irrelevantes assim. Enquanto o CIC não
perdia a oportunidade de fustigar as autoridades federais, expondo-as à incoerência entre
discursos e práticas, a FIEC mandava “telex de apreço ao Presidente Figueredo, “pelas
decisões anunciadas por ele quando de sua visita ao Ceará”
207
; colaborava com o Ministério da
Desburocratização enviando “sugestões compatíveis com o desejo de Figueredo” em
“desburocratizar a máquina administrativa do País”
208
; participava de banquete, promovido
pela CNI no Rio de Janeiro, como forma de demonstrar o “apoio integral do empresariado
brasileiro ao Presidente”
209
; prestava homenagem de reconhecimento ao secretário da Fazenda
do Estado do Ceará, Ozias Monteiro
210
; subscrevia carta de solidariedade ao Presidente ante os
“atentados terroristas praticados em diversas capitais brasileiras”
211
; fazia reivindicações a
partir da entrega de relatórios para as autoridades, pedindo modificações na política
econômica e de investimentos para o Nordeste, como na entrega do documento “O Nordeste a
Política Econômica Federal” dirigida a Delfim Neto
212
; participava de homenagens ao chefe
da nação, promovidas pela CNI, por sua “posição em favor da livre iniciativa”, através de
decreto que desestatizava numerosas empresas públicas de nosso país
213
”; emitiu telex
manifestando “solidariedade e a esperança no pronto restabelecimento” da saúde de
Figueredo
214
; uma preocupação em negar qualquer tipo de conflito entre as entidades, que,
com muita “segurança e serenidade”, não deixavam dúvida da disposição de “trabalharem
juntas pelo desenvolvimento do Ceará e o fortalecimento da livre empresa em nossa Região e
no Brasil a par de um sistema democrático”.
Mesmo com a preocupação em mostrar unidade de pensamento e ação, o periódico
deixou transparecer as divergências entre os participantes da reunião, sobre os objetivos que
207
Idem,08 de dezembro de 1979, pág. 13.
208
Idem,12 de janeiro de 1980, pág. 13.
209
Idem, 12 de abril de 1980, pág. 13.
210
Ibidem.
211
Idem, 02 de setembro de 1980, pág. 13.
212
O Povo, 26 julho de 1980, pág. 29.
213
Idem, 10 de agosto de 1981, pág. 15
214
Idem, 28 de setembro de 1981, pág. 10.
127
deviam nortear as entidades. Contudo, ressaltava o clima de entendimento como cabia numa
assembléia de homens lúcidos e de honestos propósitos
215
.
Todavia, a relação entre FIEC e CIC voltou a ficar abalada oito dias depois. Em
matéria sobre a vitória da oposição na FIESP, a revista Isto É de 10 de setembro de 1980,
colocou um box com o título “O Ceará também renova”. Dizia que, apesar dos 3.087 km que
separavam São Paulo e Fortaleza, quando se falava em renovação de mentalidade empresarial,
a distância praticamente deixava de existir; e que desde que Beni Veras assumiu em 1977(sic),
havia transformado o que não passava de um agradável local de encontros vespertinos,
totalmente submisso à FIEC em ativo fórum de debates. Tal destaque, numa revista de
circulação nacional e com tal conteúdo, produziria a explicitação de conflitos latentes.
A resposta venho dois dias depois nos jornais da cidade: o CIC não pode dizer que
está renovando liderança. Foi a frase de José Flávio destacada para exprimir a indignação
com a pretensão dos jovens empresários.
A Federação das Indústrias não está disputando nada com o Centro Industrial,
cuja diretoria está existindo por nossa convocação. Portanto os dirigentes do
CIC não podem dizer que estão renovando a liderança industrial no Ceará,
mesmo porque eles não fizeram nem estão fazendo, ainda, nenhuma correta
avaliação do papel que a Federação tem cumprido inegavelmente no trato dos
problemas da indústria cearense perante as autoridades ligadas ao setor
industrial e da República
216
.
Na entrevista, José Flávio deixou claro qual era sua intenção ao convidar a juventude
para dirigir o CIC:
Não entendemos o Centro Industrial com atividades sindicais e propondo-se
ser melhor que a Federação. Agindo assim, acreditamos que não esteja no
exercício de suas prerrogativas. Quando convocamos a mocidade industrial
para compor o Centro foi procurando uma ação participativa, para ela não se
215
Idem, 02 de setembro de 1980.
216
O Povo, 12 de setembro de 1980.
128
omitir das discussões dos problemas e valorizar pela presença numérica nas
reuniões da Federação, o trabalho da liderança industrial do Estado
217
.
Ao colunista Lúcio Brasileiro, Costa Lima revelou-se surpreso e decepcionado com
Amarílio, pois teria “omitido a verdade factual” de que a renovação do CIC foi conseqüência
das mudanças da FIEC, da qual teve que arranhar estruturas e brigar com muita gente
218
.
Noutro momento, declarou a impossibilidade de ser derrubado pelo CIC por ser “responsável
pelo CIC de hoje, eu fiz o CIC e sou do CIC
219
”.
Este discurso de José Flávio reforçava a interpretação dos jovens empresários ao
convite para dirigir o CIC em 1978. Segundo Amarílio Macedo, era uma forma de ter uma
claque a seu favor nos embates com os setores tacanhos do empresariado da FIEC:
A gente tinha a sensação de que Federação era um negócio meio arcaico e de
muita discurseira e de muita falsidade, de muita aparência. A gente não sentia
ali que fosse ambiente pra gente exercitar nossa vontade de participar.(...)
Agora como a gente não tinha nenhum compromisso com o José Flávio e nem
tinha qualquer vocação pra rasgar seda, a gente rapidamente percebeu que o
que o José Flávio queria era claque. Ele pensou que a meninada ia assumir o
CIC, que depois ia ficar seguindo as diretrizes dele. Mas que a meninada
não tinha nada de obediente. A meninada não respeitava nem o papai de casa,
quanto mais o titio José Flávio
220
.
Para Beni Veras, havia uma intenção de acoitamento à forma como a Federação se
posicionava em relação à política e na relação “incestuosa” com o Governo
221
.
Sérgio Machado, entretanto, viu a convocação de José Flávio como importante para a
aglutinação e a organização dos empresários, que se reuniam em diferentes espaços sociais,
predominantemente de lazer, na Fortaleza da década de 70, jovens chefes de indústrias com
217
Ibidem. Grifo nosso.
218
Idem,10 de setembro de 1980, pág. 19.
219
Idem, 27 de junho de 1981, pág. 21.
220
Entrevista de Amarílo Macedo in MARTIN, Isabela. Os empresários no poder: o projeto político do CIC
(1978-1986). Fortaleza, Secretaria de Cultura e desporto do Ceará. 1993, pág. 76
221
Idem, pág. 89.
129
pensamentos e pretensões de atuação corporativa e política semelhantes e que normalmente se
esmaeceria, sem o suporte institucional do CIC.
O grupo começou a se encontrar para conversar um pouco sobre aquele
momento de angústia nacional, local e regional, onde a miséria e a falta de
perspectiva eram crescentes. O grupo queria encontrar um caminho. Mas
naquele primeiro estágio de reunião não encontramos uma bandeira comum de
atuação e isso acabou desagregando, dispersando
222
.
Segundo a definição de Tasso, eram “jovens recém saídos da universidade, com um
pouco de participação frustrada na política estudantil, em função da própria Revolução e do
AI-5”. Entretanto, o sentimento de inconformismo e o desejo de liberdade adquiridos na
universidade, tinham influenciado suas visões de mundo e posturas na vida empresarial
223
.
Naquele momento, entretanto, o discurso do presidente da FIEC era uma advertência,
explicitada na mesma entrevista: “Ninguém vai ganhar a Federação no grito”. Na verdade,
essa foi a intenção de dois deles, Bení Veras e Amarílio Macedo, mas que não conseguiram
uma articulação sequer para tentar concorrer com uma chapa. O nível de resistência da FIEC a
essas jovens lideranças era tão forte, que a chegada na presidência ocorreu no ano de 1992,
com Fernando Cirino Gurgel, seis anos depois que chegaram ao poder estadual. E alguns
setores “obscurantistas” da Federação, no dizer de Lúcio Brasileiro, chamavam a turma do
CIC de “Jangada Cor-de-rosa”, ou seja, comunistas pálidos. Beni Veras chegou a responder
numa entrevista: “Não somos a favor do rosa, mas contra o cinza”
224
.
Não havia interesse, entretanto, por parte do CIC em manter uma briga com a
Federação. Na mesma edição do desagravo de José Flávio, havia uma declaração de Tasso
afirmando não haver outra intenção do grupo que não fosse o diálogo. Ignácio Capelo
222
Idem, pág. 105.
223
Idem, pág. 95.
224
O Povo, 01 de outubro de 1980, pág. 19.
130
reforçava afirmando que inexistia qualquer interesse ou propósito em aspirar a futuros cargos,
como a Federação das Indústrias do Ceará.
O desencontro entre as diferentes gerações empresariais foi motivo de editorial de O
Povo de 13 de setembro de 1980
225
. Ali havia uma súplica para que as divergências não
causassem um fosso entre as atuantes e lúcidas lideranças do empresariado industrial cearense.
A cisão era interpretada como “irrelevantes desencontros, na maneira de ver os
acontecimentos da conturbada fase da vida brasileira”, algo que só teria se aguçado pelo
“esquecimento” de Amarílio, quando da entrevista na revista Isto É, em destacar o trabalho de
“soerguimento da FIEC, em decorrência do qual recuperou-se o CIC”, despertando os
empresários para participarem. Portanto, não havia motivos para “atritos despropositados e
inconseqüentes”. Era necessário superar as “questiúnculas”, que ocorriam devido à falta de
uma aproximação maior entre seus membros, de modo que “juntas pudessem envidar mais
esforços no desenvolvimento do Ceará”
226
.
A proximidade das eleições estaduais foi um dos fatores que explica este atrito entre
FIEC e CIC. Havia uma desconfiança dos meios políticos e empresariais de que Beni Veras,
Tasso, Sérgio e Amarílio estivessem interessados em se candidatar a algum cargo eletivo. Tal
interesse, entretanto, era o mesmo de José Flávio Costa Lima, que, segundo Lúcio Brasileiro,
havia admitido se candidatar à Assembléia Estadual, algo que “só poderá valorizar o nosso
legislativo tão carente”
227
. Reforçando essa pretensão, concordara com o discurso de colega
Adalberto Coelho, da Federação das Indústrias da Bahia: “A saída para tirar o Nordeste da
miséria e salvarmos nossas empresas é fazermos política”. Embora a reportagem não deixasse
clara a conotação dada à palavra política, percebia-se uma visão mais eleitoral, quando o
presidente da FIEC reinterou:
225
Idem, 13 de setembro de 1980, pág. 27.
226
A FIEC e o CIC. O Povo, 13 de setembro de 1980.
227
O Povo, 17 de janeiro de 1981, pág. 23.
131
...estamos cansados de reivindicar benefícios para a Região e sempre somos
tratados em segundo plano. É hora de exigir e não mais pedir soluções para o
Nordeste. A política pode ser o caminho certo”. Se não fizermos política,
estaremos fazendo política. Nós sempre nos orgulhamos de ficarmos fora
do jogo político, mas agora nossa única saída é essa
228
.
As eleições de 1982 não viu nenhuma candidatura do CIC, nem a de José Flávio,
talvez pela percepção de que o jogo eleitoral ainda era muito custoso e monolítico para ser
penetrado por “amadores” . No caso do presidente da FIEC, sua ausência explicar-se-ia pela
recusa em gastar seu próprio dinheiro na campanha.
A partir de outubro de 1980, o CIC passou a fazer visitas a unidades industriais no
interior do Ceará e do Rio Grande do Norte, visando a uma aproximação com ou colegas do
interior, além de “aumentar a capacidade de interferir no processo de busca de novas
alternativas de melhor aproveitamento do potencial que nós temos, sobretudo do potencial
humano”, segundo Amarílio
229
. Nestas visitas, realizadas em ônibus fretados que saíam de
Fortaleza, sintomaticamente em frente ao Palácio da Abolição, sede do Executivo, conhecia-se
as estruturas físicas dos empreendimentos e após uma confraternização
230
. Destacaram-se as
visitas à Companhia Agro-industrial do Vale do Curu, produtora de álcool e açúcar, em 18 de
outubro; Companhia Cearense de Cimento Portland de Sobral, Agroserra de Ubajara e
Agrolusa de São Benedito em 31 de abril de 1981
231
;
A presença do CIC no cenário nacional também se deu pelas páginas do Jornal do
Brasil. Em dezembro de 1980, Tasso Jereissati foi entrevistado pelo JB e sua participação
chegou a gerar comentário efusivo de um empresário cearense radicado no Rio de Janeiro, Sr.
José Trajano Sobrinho, através de um telegrama publicado por Lúcio Brasileiro:
228
Idem, 07 de fevereiro de 1981, pág. 12.
229
Idem, 19 de outubro de 1980, pág. 10.
230
Idem,15 de outubro de 1980, pág. 11.
231
O Povo, 30 de abril de 1981, pág. 09.
132
Reconhecida liderança engrandece Nordeste pt Exigimos participação
política vg até Governo nosso Estado vg hora decisiva pt Ponha coroa
cabeça antes algum aventureiro dela tome conta pt
232
.
No dia 25 de fevereiro de 1981, foi publicada uma análise do Centro sob o título O
Nordeste está perdendo a prioridade nos recursos federais. Nesta, a entidade cearense
procurou demonstrar, através das previsões globais de recursos a serem aplicados na região,
que havia uma dissonância entre os discursos sobre a prioridade conferida ao Nordeste e sua
efetiva aplicação.
A intenção do documento era de:
conscientizar as elites regionais do papel secundário a que estava relegado o
Nordeste no plano das prioridades nacionais, além de proporcionar aos
administradores da região o instrumental necessário a que suas reivindicações
pudessem alcançar maior ressonância junto aos escalões superiores
233
.
A matéria desagradou ao Governo Federal, que escalou Camilo Calazans, presidente
do Banco do Nordeste, para responder às críticas no artigo O BNB e a política prioritária para
o Nordeste, também apresentado no JB do dia 27 de fevereiro. Ali, o titular do Banco
questionou a autenticidade dos dados apresentados pelo CIC e reafirmou o interesse federal no
desenvolvimento da região.
A polêmica evidenciava o sucesso da nova estratégia do CIC, que consistia em
acompanhar de perto os dados orçamentários do Governo Federal, para medir e expor o grau
de coerência entre o discurso e a prática dessas autoridades. Ou, como dizia Sérgio Machado,
para que “o verbo dos nossos homens públicos se transformasse rapidamente em verba”. Na
imprensa local, a repercussão podia ser auferida pelo Editorial de O Povo, chamado Que as
contas sejam refeitas. O periódico explicava a postura do CIC, de colocar em dúvida
232
Idem, 04 de dezembro de 1980, pág. 23.
233
Declaração de Sérgio Machado ao O Povo, de 25 de fevereiro de 1981.
133
afirmações de ministros sobre a realidade regional, causando nesses, reações irritadas, devido
a sua independência numa “região dependente globalmente”. A postura do governo era o
hábito de ter “a última palavra” e que aos nordestinos cabia “aceitar, em silêncio, esse
veredicto”. Tal comportamento tinha sido fortalecido pelos que ocupavam cargos de direção
federais e regionais, ligados ao problema das secas desde a cada de 60, formando um
deserto de crítica em relação às falhas da política governamental”
234
.
Esse fato marcou também o momento em que o CIC terá uma considerável cobertura
do Jornal do Brasil, a ponto de tornar-se co-patrocinador de eventos promovidos pela entidade
cearense como veremos à frente.
Para não ser encarada, entretanto, como uma entidade impertinente, o Centro fazia as
críticas e questionamentos conjuntamente com a afirmação de busca do diálogo e de crença na
sinceridade de intenções dos admoestados, batia e, ao mesmo tempo, afagava as autoridades.
O próprio Camilo Calazans, por exemplo, foi convidado para dar uma conferência no CIC, no
dia 24 de março de 81, onde expôs suas divergências e concordância com as táticas e discursos
utilizados pela entidade anfitriã. Defendeu inclusive a formação de um lobby em favor do
Nordeste unindo empresários e BNB
235
.
Nesse encontro, inclusive, Amarílio em discurso lido na abertura, reafirmou as
declarações feitas no documento polêmico. Chegava a dizer:
Não devemos nos iludir com a importância relativa das cifras aprovadas. De
fato, Cr$ 101,9 bilhões representam em 1981, comparado com o Brasil, apenas
5,9 % dos acréscimos nos saldos de aplicações oficialmente aprovadas para os
bancos federais; 5,4% das despesas da União e 1,5 % das despesas das estatais
federais. Mesmo que se regionalizem as referidas aplicações e despesas (como o
fez a Fundação Getúlio Vargas) verifica-se que o Nordeste em termos
234
O Povo, 30 de junho de 1981, pág. 04.
235
Idem, 25 de março de 1981.
134
agregados, não recebe mais de 15%, apesar de possuir 30% da população
brasileira
236
.
O destaque nacional na defesa dos interesses nordestinos se consolida com a
realização do seminário O Nordeste no Brasil: avaliação e perspectivas, promovido pelo CIC
e pelo JB, nos dias 25 e 26 de junho de 1981, no centro de treinamento do BNB em Fortaleza,
conforme programação divulgada nos jornais locais:
Dia 25 de junho
- 08:00. Sessão solene de instalação com Amarílio Macedo, Virgílio Távora e
Valfrido SalmitoFilho representando o ministro do Interior Mário Andreazza.
- 09:00. I painel Agricultura e desenvolvimento do Nordeste. Conferencista:
Alysson Paulinelli (presidente do Banco de Minas Gerais). Presidente da
mesa: Valfrido Salmito Filho(superintendente da SUDENE). Moderador:
Nilson Holanda. Debatedores: Dom Aluisio Lorscheider (arcebispo de
Fortaleza), João Bezerra Lima (coordenador de programas especiais do
IPEA), e Paulo Rabelo de Castro (redator-chefe da revista Conjuntura
Econômica).
- 14:00. II painel Industrialização e desenvolvimento do Nordeste.
Conferencista: Rômulo de Almeida (ex-presidente do BNB). Presidente da
mesa: Camilo Calazans (presidente do Banco do Nordeste). Moderador:
Nilson Holanda. Debatedores: Antônio Rocha Magalhães(coordenador de
programas especiais do IPEA),José Mindlin (Metal Leve), Firmo Fernandes de
Castro (secretário de indústria e comércio do Estado).
- 17:30. III painel Aspectos políticos do desenvolvimento do Nordeste.
Conferencista: Antônio Carlos Magalhães (governador da Bahia). Presidente
236
O Povo, 28 de março de 1981.
135
da mesa: Virgílio Távora (governador do Ceará). Moderador: Nilson
Holanda. Debatedores: Hélio Ramos (deputado bahiano), Dorian Sampaio
(jornalista sistema verdes mares de comunicação) e Severo Gomes
(empresário paulista).
Dia 26 de junho
- 09:00. IV Painel Avaliação da ação do governo no Nordeste de 1954 até
hoje. Conferencistas: Nilson Holanda (ex-presidente do BNB).Presidente da
mesa: Camilo Calazans, Moderador: José Flávio Costa Lima (FIEC).
Debatedores: senador Marcos Freire (PMDB-PE), João Agripino(Ministro
das Minas e Energia) e Luiz de Gonzaga Mota (secretário do Planejamento do
Estado).
- 14:00. V Painel O papel do Nordeste na divisão regional do trabalho.
João Paulo dos Reis Veloso (ex-ministro do planejamento). Presidente da
Mesa:Paulo Elpídio Menezes Neto( reitor da Universidade Federal do Ceará).
Debatedores: Osmundo Rebouças (chefe de assessoria da Secretaria do
Planejamento e coordenação do Ceará),o economista Werner Baer
(Universidade de Illinois) e Teotônio Vilela (PDS-AL).
- 17:30. VI Painel Alternativas institucionais para o Nordeste.
Conferencista: Celso Furtado (universidade de Sorbonne). Presidente da
mesa: Virgílio Távora. Moderador: Nilson Holanda. Debatedores: Aluisio
Alves (ex-governador do RN), Marcos Freire (PMDB-PE), Benedito Veras (ex-
presidente do CIC).
Em novembro de 1982, os debates se transformaram num livro de quatrocentas
páginas contendo a íntegra dos discursos dos conferencistas. No lançamento, na gestão de
Tasso, ficou claro o papel do Jornal do Brasil no evento. Segundo o presidente do CIC, a
136
participação do periódico carioca, permitiu “a projeção nacional de que carecia para obter a
ressonância capaz de gerar resultados positivos”
237
.
Uma programação extensa e intensa, com muitos nomes referenciais no estudo do
desenvolvimento da Região, de atuação parlamentar e executiva, além de setores
oposicionistas e intelectuais, para garantir os contrapontos aos discursos oficiais. O público
não pagaria inscrições, nem transporte ou alimentação, fornecidos gratuitamente pela
organização. O número de inscrições eram limitadas e feitas previamente na sede do CIC.
Claro que outras discussões sobre a questão regional haviam sido feitas, mas por
órgãos governamentais ou da estrutura sindical tradicional. O evento marcou a retomada da
discussão Nordeste, a partir da sociedade civil fazendo contrapontos e juntando na mesma
mesa ex-exilados e políticos apoiadores da ditadura.
Celso Furtado, por exemplo, criticou a modernização que não investia na criatividade
e transformava as pessoas em “passivos consumidores de padrões de comportamento e
tecnologias geradas em fontes exógenas”. Culpava os “governos autoritários” pela
racionalidade econômica centralizada, que via a sociedade como “um mecanismo” e não um
“processo multiforme que se alimenta de iniciativa e criatividade”. Portanto, o
desenvolvimento do Nordeste teria de ser “inventado na própria região, a partir de sua
realidade ecológica e do patrimônio cultural que cimenta a identidade dos nordestinos”
238
.
Dom Aloísio questionou até “que ponto um governo hoje tem realmente possibilidade
de moderar e ser moderador das influências das multinacionais no campo”?
239
Até José Flávio condenou o “comportamento perdulário”, o assistencialismo
cartorialista” dos dirigentes, que inibia e frustrava as iniciativas, além de atrair a massa pobre
pelo emocional, “deixando-nos vazios de estadistas e plenos de demagogos e politiqueiros”.
Questionou até a construção do Castelão, estádio de futebol de Fortaleza, citando-o como um
237
O Povo, 06 de novembro de 1982, pág. 11.
238
Idem, 27 de junho de 1981, pág. 10.
239
Idem,26 de junho de 1981, pág. 12.
137
disperdício de recurso escasso e como uma “obra de fachada, para o lazer de que não tem o
que comer”
240
.
Beni Veras, que também estava na mesma mesa de Furtado como debatedor, havia
dito numa entrevista, em 20 de junho, que era preciso alertar o resto do país sobre a gravidade
da situação nordestina. No Nordeste era onde menos se crescia no país hvia vários anos e onde
a renda per capita não chegava a um terço da nacional e, em algumas localidades, sequer
chegava aos 200 doláres. Ali, havia populações “com um coeficiente de revolta e um potencial
de agressão muito grande, justificadamente”, pois, “se o nosso sistema econômico não é capaz
de dar às nossas populações alguma forma honesta e correta de sobrevivência, o que se pode
esperar delas? Ou uma revolta, em termos revolucionários, ou o crime e o marginalismo”
241
.
No mês seguinte ao Seminário, o CIC organizou um ciclo de debates sobre A
perspectiva do desenvolvimento do nordeste e do Ceará para os próximos cinco anos. A
intenção era de ouvir os candidatos a Governador do Estado, já que, no ano seguinte, seria a
eleição para o executivo estadual, as primeiras em referendo direto desde 1962. De 21 de julho
a 10 de agosto de 1981, foram ouvidos os ex-governadores Adauto Bezerra e César Cals, o
prefeito de Fortaleza Lúcio Alcântara, os senadores Mauro Benevides e José Lins
Albuquerque, o deputado federal Antônio Moraes, o chefe da Assessoria especial do Governo
do Estado, Aécio de Borba Vasconcelos, e o general Luciano Salgado, chefe de gabinete do
Ministério das Minas e Energia.
Infelizmente, o Centro não conseguiu dar uma ressonância maior aos debates, por
conta do acordo de Brasília, que, por interferência direta do presidente Figueredo, levou os
coronéis do Ceará a fechar com o nome de Gonzaga Mota para o executivo, Adauto na vice-
governadoria e Virgílio Távora para o Senado. César Cals manteve-se no Ministério das
240
O Povo, 06 de julho de 1981, pág. 21.
241
Idem, 20 de junho de 1981, pág. 25.
138
Minas e Energia e garantiu seu filho, César Cals Neto, na Prefeitura de Fortaleza por indicação
do futuro Governador.
Em setembro de 1981, Amarílio protestou contra a exclusão dos Secretários da
Fazenda do Nordeste, no Simpósio sobre o Sistema Tributário Nacional, promovido pela
Comissão de Finanças do Congresso Nacional. Sua revolta maior, entretanto, foi devido ao
comportamento da bancada nordestina, que permitiu o evento naquelas condições, mesmo
sendo a responsável pela maioria parlamentar do Governo naquela Casa
242
.
O respeito e a projeção no cenário nacional serviram para contemporizar os ânimos
da FIEC, que a partir de então, caminhou ao lado do CIC até em ações políticas ousadas para a
época como o apoio às Diretas-já, como abordaremos adiante.
O nível de respaldo adquirido pelo CIC, ao final da gestão, Amarílio Macedo, pôde
ser constatado pela homenagem que recebeu, num jantar de 300 talheres no Iate Clube, no dia
19 de setembro de 1981. Estavam presentes o governador Virgílio Távora, secretários de
Estado, o prefeito de Fortaleza (Lúcio Alcântara), o presidente da FIEC (José Flávio),
presidentes de todos os sindicatos da Indústria e jornalistas.
No discurso de agradecimento, Amarílio ressaltou a necessidade de os colegas não se
limitarem à atividade particular, esperando que outros cuidem dos interesses comuns. Embora
cômoda, essa postura era carregada de riscos, “pois os empresários seriam fiadores da
adequação da ordem econômica à sociedade, por terem ligações permanentes com o poder e
com o Estado que a fixa e a mantém”. Para ter-se um regime político legítimo e estável, os
empresários não deviam compactuar com casuísmos que beneficiavam apenas grupos
particulares, “indiferentes a repercussões sobre a credibilidade do sistema político”. Era
necessário que os industriais fossem vistos pela coletividade pobre e consciente, como
“instrumentos úteis para romper a sua secular pobreza”. Para isto seria necessário participar da
242
O Povo, 23 de setembro de 1981, pág. 10.
139
efervescência daqueles dias ombro a ombro com as forças vivas da sociedade, defendendo um
modelo de justiça social.
A estes novos tempos , temos que agregar nossa inteligência e criatividade, de
modo que a sociedade possa se beneficiar, de forma justa , do resultado de
nossa capacidade de gestão, senso de oportunidade, adaptabilidade às
mudanças, somadas ao esforço produtivo da classe trabalhadora. Se formos
competentes, a nova ordem poderá ser desenvolvida a partir do nosso
incipiente capitalismo, fortalecendo-o e preservando o seu caráter social,
como ocorreu na maioria dos países desenvolvidos. Assim, poderemos
construir uma nação de homens livres, infensa às soluções fáceis e enganosas
do totalitarismo e do oportunismo
243
.
Amarílio Macêdo convidava seus colegas para assumir a liderança na formação de
uma nova organização política com preocupação de justiça social. Havia a clareza de que isso
se daria numa aliança com vários segmentos sociais. Por isso a necessidade de ouvir e dialogar
com os seus mais diferentes representantes.
A preocupação em arregimentar pessoas para dialogar o levou a ser uma peça
importante na eleição de 1986, bem como o motivo para seu rompimento com Tasso no ano
seguinte, como veremos adiante.
Além da homenagem dos colegas empresários, Amarílio foi saudado pela imprensa
como o presidente que tinha feito do CIC:
conhecido e respeitado em todo o país pelas promoções e posições que
vem assumindo em favor do Nordeste, da reabertura democrática e da
necessidade de ser criada uma classe política forte, competente e capaz
de influenciar e assumir o poder
244
.
243
Tribuna do Ceará, 05 de novembro de 1981.
244
Idem,19 de setembro de 1981.
140
II.4 – TASSO JEREISSATI: REARMONIZAÇÃO EMPRESARIAL E
RADICALIZAÇÃO POLÍTICA (1981-1983).
No dia 15 de setembro de 1981, Tasso Jereissati foi eleito presidente do CIC.
Terceiro presidente da nova fase iniciada em 1978, sua eleição mantinha a coerência do grupo,
que criticava as reeleições constantes das tradicionais entidades de classes. Logo após o pleito,
Tasso, em declaração à imprensa presente, antecipava o caráter que assumiria sua gestão.
Somos uma entidade política que prega e debate idéias, mas sem qualquer
vínculo partidário. Tem um compromisso a nível estadual, regional e nacional,
com a formação o mais rápido possível, de uma classe política competente e
forte, capaz de influenciar a até assumir o poder
245
.
As declarações do novo presidente expunham uma realidade percebida por vários
setores sociais, mas não assumida publicamente pelo Centro. No meio político, entretanto, as
declarações não causaram maior repercussão. Os jovens empresários eram vistos como uma
promessa futura, que, para concretizar-se, passaria primeiro pela posse da FIEC, de alguns
cargos de terceiro e segundos escalões, mandatos de vereadores e deputados para se fazerem
ameaças ao fechado mundo político cearense. Os políticos “profissionais” não viam aqueles
“meninos” como uma ameaça, já que não tinham uma filiação partidária e seus discursos eram
genéricos e pouco objetivos para a arena eleitoral. Entretanto, alguns desmentidos sobre
pretensões políticas eram recorrentes
246
.
Tasso reforçava essa tranqüilidade, quando, na mesma entrevista, declarava de que
manteria e aprofundaria os programas de ação desenvolvidos por Beni e Amarílio, no
incentivo ao debate visando a obter subsídios para a solução dos problemas do Ceará, do
Nordeste e do país como um todo. Antecipava sua estratégia para rearmonizar a relação com a
FIEC, ao afirmar que o CIC tinha seu “próprio espaço de atuação, sem nenhuma pretensão de
245
O Povo, 16 de setembro de 1981. Pág. 10.
246
Idem, 17 de setembro de 1981, pág. 02.
141
sobrepor a nenhuma outra entidade empresarial”. Defendia, porém, a união destas para o
intercâmbio de idéias, num “diálogo franco e aberto que permitisse um melhor
encaminhamento das sugestões para os problemas políticos, econômicos e sociais”
247
. Essa
estratégia foi bem sucedida, fazendo com que a FIEC se tornasse uma aliada nas posturas
políticas assumidas nos anos de 1984 e 1985.
José Flávio, na eleição de Tasso, declarava que CIC e FIEC eram uma sociedade só,
uma continuidade da Federação, com possibilidade de desenvolver um “universal no nosso
Estado” e com muita “garra”, algo que nunca duvidara de que eles fossem capazes de fazer e,
por isso, podia se “orgulhar de ter acreditado na atuação da diretoria do CIC
248
.
Sua diretoria ocorrida no biênio 1981-1983 ficou assim constituída:
CARGOS NOMES EMPRESA RAMO
PRESIDENTE Tasso Ribeiro Jereissati Grupo Jereissati
shopping center, hoteleiro,
alimentício, metalurgia
VICE-PRESIDENTE
José Sérgio de Oliveira
Machado
Villejack Jeans Confecções
VICE-PRESIDENTE
Francisco Assis
Machado Neto
Mota Machado Construção Civil
VICE-PRESIDENTE Válder Ary* IPLAC Metais não metálicos
VICE-PRESIDENTE Fernando Cirino Gurgel Metaneide Metalurgia
VICE-PRESIDENTE
Airton José Vidal
Queiroz
Grupo Edson Queiroz
Metalurgia, rádio, tv, gás,
agropecuária, universidade, etc.
1º SECRETÁRIO Alexandre Costa Lima
Companhia Brasileira de
Rações
Rações
2º SECRETÁRIO Fernando Dall’Olio
1º TESOUREIRO
Marcos Silva
Montenegro
Têxtil e móveis
2º TESOUREIRO Cláudio Sidrim Targino Ypioca Bebidas
DIRETOR
Adalberto Benevides
Magalhães Filho
DIRETOR
Francisco Régis Monte
Barroso*
DIRETOR Luis Prata Girão* Movéis
DIRETOR Antônio Lúcio Carneiro*
DIRETOR Hermínio Sousa Pinto
DIRETOR
Cândido Silveira
Quinderé*
Cimaipinto Comércio de veículos
DIRETOR
Carlos Leite Barbosa
Pinheiro*
DIRETOR Ignácio Colares Capelo Sapataria Belém Calçadista
DIRETOR Sérgio Gentil*
DIRETOR Byron Costa de Queiroz Ivan Bezerra Têxtil, confeções, agroindústria
CONSELHO FISCAL José Maria Moraes Bancesa Financeiro
247
O Povo, 16 de setembro de 1981, pág. 10.
248
Idem, 21 de setembro de 1981, pág. 08.
142
Machado
CONSELHO FISCAL
Joacir Demétrio de
Sousa*
CONSELHO FISCAL
Germano Magalhães
Franck*
SUPLENTE Benedito Clayton Veras Guararapes Confecções
SUPLENTE Jorge Alves Lima
SUPLENTE
Amarílio Proença de
Macêdo
Grupo J. Macêdo
moagem, metalurgia,
alimentício, concessionária
FORD,etc.
O quadro mostra a diminuição de pessoas novas na direção. Eram 14 na gestão de
Amarílio e passaram a 09. Houve também o retorno do Grupo Edson Queiroz à diretoria do
CIC, com Airton José Queiroz, cunhado do novo presidente, indicando-se um clima de
contemporização com as divergências internas do segmento industrial. Além disso, houve
ainda um aumento na representatividade da indústria de móveis.
A posse de Tasso, no dia 06 de novembro de 1981, na sede da FIEC, foi prestigiada
por Virgílio Távora , Aloísio Lorscheider, Albano Franco (CNI) e vários empresários locais e
de outros Estados. No discurso de posse, reforçou a tese do CIC como um “conjunto
harmonioso de pessoas e idéias, para pensar os problemas que afligiam o Brasil no geral e a
comunidade nordestina em particular”. Utilizou dados estatísticos para reforçar sua denúncia
da perda de renda per capita da região de 1960 a1970 e reafirmou a rejeição do Centro a este
quadro, onde na relação entre Nordeste e Sul, havia uma distância maior da que separava o
centro-sul brasileiro da Europa Ocidental.
Era necessário um esforço conjunto para “mudar a fase de maior bolsão de pobreza
da América Latina”, onde fome, desnutrição, mortalidade infantil e carência do homem do
campo, sem terra para habitar e produzir, agravava-se com o desemprego e o analfabetismo,
pois sem “a solução destes problemas sociais, não haveria nenhuma perspectiva em longo
prazo para o empresário”.
Para que não pairasse qualquer dúvida sobre a fonte inspiradora dessas idéias,
ressaltou que esses posicionamentos seriam oriundos de um “ideário que se alicerçava na
143
consciência de que os bens econômicos estavam marcados por um endereçamento social e de
liberdades individuais, que um capitalismo humanizado seria capaz de garantir”, pois só a
“livre empresa” tinha legitimidade para realizar o bem comum, baseado na criação de
emprego e renda, que “justamente distribuído resultaria no aumento do bem-estar social”.
Embora reforçasse em nome do grupo a “oposição à socialização dos meios de
produção”, também concordava com a “ação disciplinadora e democrática do Estado, na
defesa dos legítimos interesses da sociedade”. Entretanto, a garantia de “não-fragilização” do
ser humano na relação Homem-Estado e Homem-Homem seria a presença, no corpo social,
das associações de empregadores, empregados, partidos políticos e a Igreja. “Protagonistas da
história, que, buscando influenciar os demais, no seu esforço de acomodação dentro do mesmo
espaço nacional, assegurariam a prática democrática”.
Finalizava reforçando a posição favorável do CIC
...à Abertura Política deflagrada pelo presidente Geisel e continuada pelo
presidente Figueredo, porém, ainda em estágio anterior ao da plenitude
democrática que é a aspiração do povo brasileiro
249
Um discurso onde se percebia o deslocamento das análises e comentários críticos das
posturas empresariais, para os políticos e suas práticas. Que propunha uma preocupação do
governo e do empresariado com a justiça social, que não era possível “continuar havendo
uma ilha de prosperidade num mar de miséria”. Já que a longo prazo, esta miséria se voltaria
contra os empresários. Cientes disso, segundo Tasso, e até por uma questão de instinto de
sobrevivência, os industriais reclamavam mudanças, mas dentro de um capitalismo social,
cujos modelos apontados seriam EUA, Japão e Europa ocidental.
Respondendo à indagação sobre a existência de incompreensões dos empresários
antigos às questões e discussões levadas pelo CIC, Tasso afirmava que a “mentalidade aberta”
249
O Povo, 07 de novembro de 1981.
144
e “avançada” não seria uma questão de idade, mas de idéias. Porém, não se poderia desprezar
o que os empresários antigos fizeram, toda a base construída em “circunstâncias muito mais
difíceis” e sob a qual “estamos trabalhando em cima da capitalização feita”
250
. Defendia,
ainda, a reforma agrária como coisa que tem que ser encarada”, para ajudar no processo de
industrialização e de fixação do homem no campo. Negava a possibilidade de o CIC, enquanto
entidade, apoiar políticos ou partidos: “Nós nunca teríamos a pretensão de ser um segundo
IBAD. Isso seria um anti-objetivo nosso”. Fazia críticas à política econômica implantada por
Delfin Neto, qualificando-a de “teoria monetarista ortodoxa”, que acreditava conseguir baixar
a inflação com recessão. Idéia que considerava inválida para a realidade brasileira, que não
possuía “nenhum antídoto contra o desemprego”.
Indagado se pretendia continuar a tradição política do seu pai, candidatando-se a
algum cargo eletivo, iniciou com um ditado popular: “Ninguém pode dizer que dessa água não
beberei”. Mas, na continuação, dizia que não tinha pretensão de entrar diretamente em
política, mas de “fazer política”, participando através da formação de opinião e discutindo
grandes assuntos
251
.
A questão sobre se seguiria ou não os caminhos políticos do pai, acompanhava Tasso
havia um certo tempo. E, talvez sempre que se via diante dela, viesse à mente o enfarte
fulminante em 09 de maio de 1963, as cenas do corpo velado e enterrado por um público
estimado em 15 mil pessoas, segundo os jornais da época. Talvez também lembrasse dos
vários editoriais e artigos que falaram sobre as qualidades e virtudes do pai e até tenha se
indignado com o escrito por Jader de Carvalho, na Tribuna do Ceará. “Não absolvo os
mortos. E jamais aceitei, quanto a eles, o falho e parcial julgamento do povo”. Continuava o
polêmico jornalista que Carlos Jereissati tinha um bom coração, principalmente para aqueles
que sabiam lhe retribuir pelas urnas. Empregara muita gente, mas demitira também por
250
O Povo, 16 de novembro de 1981, pág.09.
251
Ibidem.
145
interesse ou conveniência política. Seu dinheiro explicava o círculo de amizades,
principalmente a de Getúlio, a presidência do PTB cearense, a força decisiva na política
estadual, a intimidade de Jango, o exercício cotidiano da bondade às expensas dos cofres dos
Institutos, o amaciamento e a conquista de milhares de corações com ouro nem sempre ganho
com o suor do rosto, duas eleições para deputado e uma para senador e uma imensa
capacidade de resistência.
Acrescentava ainda que, no governo de Parsifal Barroso, Carlos abusara do seu
prestígio pessoal e político para sangrar o Tesouro em milhares de contos, como na venda
superfaturada de tratores velhos de sua propriedade para a Secretaria de Agricultura controlada
pelo PTB.
Porém, reconhecia suas qualidades: inteligência, argúcia, realismo, coragem, senso de
oportunidade. Por isso, desejava-lhe uma “terra bem leve”. Concluía esperando reencontrá-lo
no inferno, caso existisse, e “êle com aquêle sorriso sem fim e aquêles olhos sem ódio, há-de
estirar-me a destra: -Li seu artigo. Muito obrigado. Você foi sincero”
252
.
A família Jereissati era emigrante do Líbano, de onde chegaram ao Brasil em 1902 e
se estabeleceram em Fortaleza em 1908, explorando o comércio de bacalhau e tecidos, o que
lhes proporcionou uma boa fortuna. Carlos Jereissati nasceu em Fortaleza, em 1917
253
,
como filho de uma família abastada. Estudou nas melhores escolas da cidade, sem chegar a
fazer um curso superior. Como bom mascate, prosperou no comércio e abriu indústrias. Era
um empresário comum, quando, em 1946, deu uma virada em sua vida.
Getúlio Vargas, recém-deposto e persona non grata para as classes dominantes, veio
ao Ceará em prol da campanha a Governador do General Onofre Muniz (PTB). Os políticos
negavam-se a hospedá-lo, temerosos de cair em desgraça com as elites econômicas do Estado.
Carlos aceitou a incumbência e prodigalizou-se em gentilezas ao ex-ditador. O gabinete da
252
Tribuna do Ceará, 14 de maio de 1963, pág. 03
253
GUIDO, Maria Cristina. MOURA Gisela. In Dicionário Histórico-bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro.
Ed. FGV. Pág. 2835/36.
146
residência usado pelo ex-presidente teve suas portas fechadas e somente abertas por ocasião de
importantes reuniões familiares.
Em 1948, assumiu a presidência do PTB no Ceará e conseguiu comandar ou
concentrar em torno de si os acontecimentos políticos do Estado. Em 1950, com uma
surpreendente aliança com a UDN, apoiou o candidato deste partido, Edgar Arruda, para o
governo. Neste mesmo ano, capitalizou a grande popularidade de Getúlio na campanha para a
presidência, quando voltou a se hospedar na sua casa. Em 1954, elegeu para Governador o
udenista Paulo Sarasate e fez vice-governador, seu advogado, Flávio Marcílio, nome
desconhecido da política e professor da Faculdade de Direito do Ceará, além de Parsifal
Barroso para o Senado, sendo este escolhido posteriormente Ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio
254
.
Carlos, no mesmo pleito, conseguiu uma vaga como deputado federal, segundo os
adversários, para se proteger na imunidade parlamentar, das investigações na Justiça e no
Congresso, sobre as acusações de Armando Falcão (PSD), de que subornava funcionários do
Banco do Brasil para conseguir falsas guias de importação.
Em 1958, rompeu com a UDN e, em aliança com o PSD, elegeu Parsifal Barroso
Governador. Dois anos depois, rompia com o mesmo, por ter demitido da Secretaria de
Agricultura, Brito Passos, indicado pessoal da cota do PTB. Em 1961, quando da crise pós-
renúncia de Jânio Quadros, viajou até a Europa para se solidarizar e apoiar João Goulart. Em
1962, perdeu a eleição de Governador para Virgílio Távora, candidato de uma ampla
coligação denominada União pelo Ceará, mas conseguiu sua eleição para Senador, graças a
práticas como de atender à população que o procurava pedindo solução para “problemas” que
os afligiam e por ocupar a televisão defendendo-se das acusações que os adversários lhe
faziam. Algumas vezes, esses atendimentos duravam de oito da manhã às duas da
254
Correio do Ceará, 10 de maio de 1963, pág. 03.
147
madrugada
255
. Mesmo derrotado, antes de morrer, tinha conseguido atrair para o PTB dois
deputados federais da União pelo Ceará e articulava a integração do PTB na base de apoio do
governador Virgílio Távora
256
.
Tasso era o terceiro filho de seis irmãos. Nascido em 1948, foi estudar e morar no Rio
de Janeiro, com cinco anos de idade, por causa da eleição de Deputado Federal do pai.
Estudou no Guido Fontgoland, no Colégio São José Marista, como interno e no Santo Inácio
do Rio. O motivo de tantos Colégios era uma indisciplina adquirida como forma de proteção
contra alunos maiores, nas experiências de internato. Tasso considerava essa experiência
“profundamente infeliz”, pois, aos 10 anos de uma experiência familiar intensa, teve que
conviver com garotos desajustados “que os pais esperavam endireitar com a rigidez e a
disciplina”
257
. Como era muito ingênuo e entrou num Colégio “cheio de feras”, apanhava de
todo lado. Então resolveu virar o “mais malandro da turma” para não ficar “só levando ferro”.
Numa dessas reprovações, o pai lhe impôs como castigo percorrer o interior do Ceará,
acompanhando-o na campanha para o Senado de 1962. Após a morte do pai, retornou ao Rio e
estudou no Colégio Andrews.
Sua mãe, Maria de Lourdes, assumiu o controle dos negócios e da família e buscou
guiar os filhos exclusivamente na direção empresarial. Via assustada os antigos
correligionários do marido falecido, cassados e perseguidos pelo Regime, como o ex-
presidente João Goulart e antigos chefes comunistas, visita freqüente em sua casa. Mesmo
com tanto temor, Tasso ainda participou do movimento estudantil nos anos de 1964 e 1965,
fez parte do Grêmio do Colégio Santo Inácio e participava das reuniões da Associação
Metropolitana dos Estudantes Secundaristas(AMES). Em 1967 e 1968, na Fundação Getúlio
Vargas de São Paulo, participou timidamente de algumas campanhas para entidades estudantis
255
Ibidem.
256
Ibidem, pág. 04.
257
Revista Playboy. Janeiro de 1998, pág. 43.
148
e se engajou numa greve em 1968, coincidindo com o AI-5, que rendeu a reprovação de todos
os participantes e o fechamento dos Diretórios Acadêmicos.
O próprio Tasso reconhece esse período de sua vida como importante na definição de
uma postura política frente ao Regime, que esses movimentos, “embora não de esquerda,
não eram de direita”, mas amplos, no sentido de aglutinar desde liberais a comunistas, em
movimentos contra o autoritarismo. No Colégio Santo Inácio, havia uma forte presença
lacerdista e Tasso sempre se postava do lado anti-lacerdista, também influenciado pelo
passado janguista e getulista do pai
258
.
Em 1972, terminou o curso de Administração de Empresas na FGV e, procurando
“uma vida mais tranqüila”, resolveu voltar a Fortaleza. Sete meses depois, casava-se com
Renata Queiroz, com quem namorava antes de se mudar definitivamente. Seu casamento se
transformou no grande acontecimento da cidade. Afinal, Renata era herdeira da maior fortuna
do Estado e de um sistema de comunicação que englobava até a Televisão Verdes Mares,
filiada à Rede Globo.
A união, entretanto, necessitou de uma conversa constrangedora entre noivo e futuro
sogro. Nas proximidades do casamento, Edson Queiroz convidou Tasso para um uísque num
final da tarde de sábado. os dois e uma garrafa de Dimple 12 anos. Muito tímido, o pai da
noiva sorvia o terceiro gole e nada de falar sobre qual assunto queria tratar. Tasso então
perguntou: “tenho a impressão que o senhor quer tratar do casamento? ... “O senhor vai
querer dizer que será com separação de bens?”. Edson tentou explicar, mas Tasso cortou:
"Nossos negócios são muito inferiores aos seus, mas minha mãe, também não quer confusão.
Vai ser realmente em separação de bens. Mas vou lhe pedir que o senhor nunca esqueça que o
noivo foi quem propôs”
259
.
258
RIBEIRO, Francisco Moreira. Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza.
Fundação Demócrito Rocha. 1999, pág. 157 a 158.
259
BRASILEIRO, Lúcio. BRASILEIRO, Lúcio. Até agora... Fortaleza. Edições Demócrito Rocha. 2005. Pág.
15.
149
Não o casamento projetou Tasso na pequena mídia local. Ele pautava os
lançamentos de seus empreendimentos com uma bem encetada campanha publicitária,
colocando em evidência não só a iniciativa, como a sua própria pessoa. No lançamento do
Shopping Center Um, por exemplo, fez um almoço para a imprensa no Hotel Savanah, de sua
propriedade, para apresentar o projeto financiado pela Caixa Econômica Federal. Montou
junto com Guto Benevides uma agência de publicidade para tratar exclusivamente da
preparação de inauguração do shopping. Contrataram o cantor Ednardo para fazer um jingle
com a seguinte letra:
Depois que acabaram
Com a coluna da Hora
Depois que derrubaram
O abrigo central
O centro da cidade
Mudou pr’a outro local
Lá tem ar pra respirar
Tem coisas lindas pra olhar
Tem muitas coisa pra
comprar
Pois, o Centro agora é o
Center Um
260
.
Como a loja-âncora
era do supermercado Pão de
Açúcar-Jumbo, fizeram uma
campanha publicitária de
televisão onde apareciam
partes de um elefante a cada
semana, com a reação das
pessoas. A cena final trazia o
elefante inteiro, com o povo
260
BENEVIDES, Augusto César Guto. Entre o poder e a madrugada. Fortaleza. RBS. 2001, pág. 34
150
vibrando e motoristas descendo para saudá-lo. Foram pintadas pegadas de elefante por toda
cidade, que se sincronizavam na frente do estabelecimento. Um outdoor trazia uma frase que,
atualmente, com projetos de revitalização da área central da cidade, soaria politicamente
incorreta: “Saia do centro”, pois o empreendimento se concentrava na Aldeota, bairro em
expansão desde a década de sessenta, que concentrava a classe alta e média da cidade.
Mas a principal
propaganda foi a vinda de
um elefante de verdade,
que percorreu a cidade em
cima de um caminhão
anunciando a inauguração,
que ocorreu no dia 06 de
novembro de 1974, com a
presença do Governador
do Estado, César Cals Filho. Depois da inauguração, o paquiderme foi utilizado para
transportar as crianças pelo Shopping por mais alguns dias.
Em 1982, Tasso inaugurou o Shopping Iguatemi de Fortaleza, com a mesma ousada
estratégia de propaganda usada para a inauguração do Center Um. No dia da inauguração do
Iguatemi, dia 02 de abril, o jornal O Povo encartou um caderno especial de 17 ginas,
trazendo informações sobre o empreendimento inaugurado, além de matérias sobre shopping
centers e a economia”, shopping centers e o desenvolvimento social”, “o governo e o
desenvolvimento dos shopping centers”, shopping centers e a sociedade moderna” e
shopping centers no Brasil”
261
. O material tinha o objetivo de mostrar as vantagens de um
261
O Povo, 02 de abril de 1982. Caderno Especial “Shopping Center Iguatemi”.
151
centro de compra climatizado, com amplo estacionamento e segurança, a uma cidade ainda
muito acostumada ao comércio do Centro.
Sua abertura foi saudada como a “adesão de Fortaleza ao novo sistema de
comodidades oferecido pela sociedade de consumo. Obra de fôlego, empreendimento arrojado
que consagra os que tiveram coragem de fazê-lo, no caso os jovens empresários Tasso e
Carlos Francisco Jereissati. É Fortaleza metropolizando-se”
262
.
Na inauguração evidenciou-se a importância de Tasso no mundo político e
empresarial. Estavam presentes o governador Virgílio Távora e o vice-governador Manoel de
Castro; o Governador de São Paulo, Paulo Maluf; o presidente da Assembléia Legislativa,
Antônio Santos; o prefeito de Fortaleza, Lúcio Alcântara; os senadores Mauro Benevides e
Amaral Furlan (SP) e vários deputados do Estado do Ceará.
Em seu discurso, Tasso agradeceu aos 6.000 homens que construíram o shopping,
aos lojistas que acreditaram no empreendimento e à Caixa Econômica, que o financiou e
ofereceu a obra ao seu pai, Carlos Jereissati, de quem teria “herdado amor por esta terra e a
lição de que o trabalho constrói”. Virgílio Távora, em seu discurso, ressaltou que aquele
evento significava a evolução comercial de Fortaleza, com a conseqüente redução do “cheiro
de mofo do provinciamento e mais um passo no caminho da transformação em tentacular
metrópole”. Salim Maluf exortou os empresários cearenses a não terem “medo do lucro, medo
do progresso”, que engrandecia os povos e proporcionava justiça social, pela geração de
riquezas e empregos. Lembrou ainda que a grandeza de seu Estado, em parte, era feita pelo
trabalho de cearenses, que acumularam riquezas e permaneceram ou retornaram para
continuar a obra do progresso, citando o caso de Tasso como exemplo do que falava
263
. Esta
presença do Governador Bandeirante foi, posteriormente, uma arma contra a candidatura de
Tasso ao Governo do Ceará, como se verá no próximo capítulo.
262
O Povo, 02 de abril de 1982, pág. 26.
263
Idem, 03 de abril de 1982, pág. 12.
152
Além do Iguatemi, outro empreendimento de Tasso, que será utilizado para sua
propagação como jovem empresário ousado, será a Refrigerantes Cearenses, fundada em
1983, como produtora da Coca-cola para o Ceará. O controle dessa concessão era o fim de
uma briga que a Coca-cola Indústrias Ltda teve com a antiga concessionária Fortaleza
Refrigerantes, liderada por Sérgio Philomeno, deputado federal pelo PDS-CE. A questão
começou quando a fábrica cearense questionou na justiça os critérios utilizados pela matriz
para a fixação de preços do concentrado, passando a adquiri-lo através de pagamentos
efetuados diretamente ao juiz. Quando a Coca-cola fixou em 20% do faturamento líquido pelo
concentrado, outra ação da empresa cearense pediu a devolução dos 80% a mais que teria sido
pago. Como represália, a Coca-cola suspendeu o fornecimento de concentrado, o liberando
por determinações judiciais
264
.
A disputa ganhou projeção estadual, não pelo fato de envolver o deputado
Philomeno e a Coca-cola, como pelos comunicados oficiais que as duas partes publicaram nos
jornais, dirigindo-se ao mercado cearense. A Fortaleza Refrigerantes comunicava que suas
relações contratuais com a fábrica carioca estavam em pleno vigor e, portanto, autorizada a
fabricar os refrigerantes. Aproveitava para vender a imagem de uma empresa cearense
agredida pelo capital estrangeiro, quando informava, no mesmo comunicado, que “qualquer
medida tomada pela multinacional Coca-cola Industrias Ltda, no sentido de dificultar o normal
funcionamento da empresa será objeto de procedimento judicial e de denúncia às autoridades
competentes de abuso do poder econômico
265
”.
A Coca-cola Indústrias Ltda, por sua vez, publicou outro comunicado informando “o
término de suas relações contratuais com a empresa Fortaleza Refrigerantes S/A, desde 05 de
novembro do corrente”, e que não havia nenhuma decisão judicial que lhe obrigasse a fornecer
264
O Povo, 24 de novembro de 1983, pág. 13.
265
Idem, 25 de março de 1982, pág. 01.
153
os concentrados de seus produtos à querelante. Tranqüilizava os cearenses, entretanto, quanto
ao fornecimento do produto, que se realizaria por outros centros de distribuição
266
.
Em entrevista, o representante da Coca-
cola, Almir Matos, alegava como motivos de
rompimento do contrato, problemas na
qualidade dos produtos e atrasos de pagamentos
pela fábrica cearense
267
. Enquanto a briga
transcorria, faltava o refrigerante no mercado,
ou surgiam com o sabor completamente
modificado, numa tentativa de plagiar a fórmula
americana, feita pela fábrica de Philomeno. A
atenção que o litígio despertou na opinião pública mereceu até uma charge do Sinfrônio, na
qual uma garrafa de Coca-cola era representada como um canhão sobre rodas e com o pavio
acesso, como a anunciar a continuação do episódio para um final explosivo
268
.
Tasso investiu três bilhões de cruzeiros na construção de uma nova fábrica, a
Refrescos Cearenses Ltda., no distrito industrial de Fortaleza, financiada em parte pelo Banco
do Nordeste. Tasso fez questão de declarar que, mesmo “numa crise de graves proporções,
como a que hoje o País atravessa, permanecemos otimistas em relação ao futuro do Brasil.
Acreditamos na viabilidade do Ceará e do Nordeste e, por isso, continuamos investindo
aqui”
269
. Sérgio Machado também conquistou uma concessão para a produção de Coca-cola
em Natal (RN), no mesmo período
270
.
O segredo empresarial de Tasso era o acesso privilegiado à grande imprensa do país,
aos quadros políticos e administrativos importantes nos Governos e às instituições bancárias
266
Ibidem, pág. 03.
267
O Povo, 23 de novembro de 1982, pág. 11.
268
Idem, 24 de novembro de 1982, pág. 04.
269
Idem, 23 de julho de 1983, pág.08.
270
Idem, 07 de agosto de 1983, pág. 09.
154
federais, fruto do passado político do pai, quando antigos correligionários ocupavam cargos
importantes, e do sucesso empresarial do Grupo La Fonte em São Paulo, em que o irmão tinha
contatos políticos mais conservadores. Era dos quatro líderes estudados, o de mais fácil acesso
aos vários setores empresariais e políticos, mesmo os mais conservadores.
A gestão de Tasso, entretanto, será muito secundada pela presença constante do
vice-presidente, Sérgio Machado. A presença de Sérgio fazia-se forte nos artigos, entrevistas,
reportagens e fotos nos jornais, como em artigo de 26 de novembro de 1981, depois da
posse, em que acusava o procedimento de elaboração dos orçamentos federais de “opaco,
restrito e discriminatório”. O governo atuaria sem a sociedade civil, apenas com o apoio de
técnicos, concebendo balanços sem ativos, em que os programas destinados ao Nordeste
sequer ultrapassavam 15% dos dispêndios nacionais, quando a Região representava 30% da
população brasileira. E, explicitando sua verve polemista, afirmava:
...é a bancada nordestina no Congresso Nacional aquela que assegura, nos
momentos difíceis, a maioria de que o Governo precisa. Mas não
contrapartida, razão porque a Região continua marginalizada. É oportuno
colocar como hipótese de governo, uma solidariedade de mão única
271
.
Finalizava dizendo que só os “diferentes grupos que se consolidavam na totalidade da
Nação tinham direito de administrar a destinação do dinheiro público, cabendo ao Estado
apenas executar o que a nação determinava”. com a abertura política, os “orçamentos
opacos, converter-se-iam em translúcidos”.
Demonstrando que tal opinião não era mera retórica, o CIC promoveu uma mesa
redonda, no dia 15 de dezembro de 1981, com o superintendente da SUDENE, Valfrido
Salmito, o governador Virgílio Távora, o diretor geral do DNOCS, José Osvaldo Pontes e o
presidente do BNB, Camilo Calazans. A finalidade era de discutir os recursos necessários ao
271
Os orçamentos federais, o Nordeste e a abertura. O Povo, 26 de novembro de 1981.
155
atendimento das necessidades da Região, antes da reunião do Conselho Monetário Nacional -
que definia o orçamento das estatais – para influenciar no desfecho da alocação de verbas.
Essas estratégias tornavam os órgãos federais co-aliados do CIC - e não co-
adversários como pareceu com as críticas de fevereiro de 1981 na discussão e definição das
prioridades para a Região. Entretanto, a política econômica recessiva de Delfim Neto
impossibilitou o atendimento das reivindicações dos empresários, deixando-os ainda mais
descontentes com o Governo Federal.
O ano de 1982 se iniciará com uma pesada artilharia dos empresários contra as altas
taxas de juros. Tasso chega a declarar que estavam “sufocando a atividade produtiva em favor
do sistema financeiro”, que os banqueiros estavam matando a “galinha dos ovos de ouro”,
referindo-se aos empresários, “porque não raciocinam a longo prazo” e que era melhor não
vender os produtos fabricados que vendê-los e descontar as duplicatas nos bancos, os quais
acabavam ficando com todo o lucro.
272
No ano seguinte, Tasso chegou a aconselhar os
empresários a não pagarem as dívidas com os bancos, para que os banqueiros ficassem
preocupados, o que gerou a indignação dos financistas que chegaram a conjecturar que o
presidente do CIC “ou estava falido e se estivesse era uma prova de incompetência
empresarial – ou estava louco e se estivesse deveria ir para o hospício”
273
.
Estas críticas mais contundentes levaram Tasso à projeção nacional, como se percebe
pela participação no programa de promoção conjunta da Gazeta Mercantil e Televisão
Bandeirantes, Crítica e Autocrítica, em 09 de fevereiro de 1982, juntamente com Jessé
Montello, Jorge Wilson Siqueira Jacob (Grupo Fenícia) e Celso Mortone (USP). Em 28 de
agosto de 1982, o retrato de Tasso apareceu ao lado de todas as personalidades nacionais
entrevistadas do Programa, em página dupla do Gazeta Mercantil
274
.
272
O Povo, 12 de janeiro de 1982, pág. 11.
273
Tribuna do Ceará, 24 de fevereiro de 1983.
274
Gazeta Mercantil, 28 de fevereiro de 1982.
156
Em 11 de fevereiro, o CIC promoveu o Seminário “As perspectivas econômicas para
1982”, com importantes figuras nacionais: Maria da Conceição Tavares, Adroaldo Moura e
Luiz Gonzaga Beluzzo. Do Ceará, apenas Osmundo Rebouças. O evento ocorreu num hotel de
Fortaleza e foi muito concorrido por jornalistas, políticos e acadêmicos
275
.
Em setembro, os empresários do CIC foram os debatedores do Programa Questão
Aberta, produzido em Fortaleza pela TV Verdes Mares, que entrevistava o presidente da
FIESP, Luis Eulálio Bueno Vidigal. Participaram Sérgio, Tasso, Amarílio e Jo Flávio da
FIEC
276
.
Para além dos embates com a política econômica, o CIC manteve os fóruns trazendo
em 26 de janeiro de 1982, Jessé Montello, presidente do IBGE; em 05 de março, Marco
Antônio Rocha, comentarista econômico da Rede Globo; em 15 de abril, o candidato do PT a
governador, Américo Barreira; em 29 de junho de 1982, Gonzaga Mota, candidato do PDS;
em 20 de outubro de 1983, Milton Dallari, Secretário Especial de Abastecimento e Preços.
No plano das atividades mais internas ao Estado, mantiveram-se as visitas aos
empreendimentos pelo interior, como ao Promovale, projeto de irrigação para o Baixo e
Médio Jaguaribe, em 13 de fevereiro de 82, que contou com as presenças do governador
Virgílio Távora, o vice-governador Manoel de Castro e do empresário José Macedo
277
.
Demonstrando a reaproximação com os setores mais conservadores do empresariado.
No mês de outubro de 1982, o CIC promoveu, junto com a Escola de Administração
Fazendária, um Seminário, seguido de debates, sobre a Economia de Milton Friedmam, a
partir de 10 “tapes” gravados, onde expunha suas idéias, qualificadas pelo Centro de
“monetarismo ortodoxo”. Como para esclarecer a visão que a entidade promotora tinha das
posições do professor da Escola de Chicago, Amarílio Macedo concedeu uma entrevista, na
qual acusava o governo de financiar o crescimento das estatais, em detrimento da economia
275
Diário do Nordeste, 12 de abril de 1982.
276
Diário do Nordeste, 13 de setembro de 1982.
277
O Povo, 15 de fevereiro de 1982, pág. 10.
157
nacional e de não priorizar a redução das diferenças regionais de desenvolvimento. Ponderava
ainda que a discussão da privatização como política corretiva da estatização, era um tema
“eivando de motivações econômicas, políticas e ideológicas”, que não havia certeza sobre a
eficiência da iniciativa privada, caso assumisse o controle de toda a economia, para conter
abusos.
Com uma frase explicitou sua veia keynesiana:
O lassez-faire está morto. Faleceu nos EUA, na Europa, em todo o mundo
desenvolvido. Em toda parte cresceu a intervenção, no leste europeu, nos
países socialistas, na Itália, França, Inglaterra, um pouco menos na América
do Norte. Qual a dose certa? Difícil responder, pois não existem doenças,
existem doentes. Resta à sociedade tentar intervir para podar os excessos,
domesticar a fera e estabelecer sólidas regras do jogo. É inviável tentar
privatizar a Petrobrás, a Eletrobrás, a Siderbrás, a Embratel, a Vale, a
Portobrás, o Banco do Brasil, a RFFSA, a ECT, as Caixas Econômicas, a
Nuclebrás e tantas outras. Melhor prevenir do que remediar e, neste sentido,
devemos estar atentos e questionar a fundo a necessidade de implantação de
novas e enormes estatais
278
.
Além de Amarílio, o comentário de Beni Veras, ao falar sobre a política econômica
de Delfin, em janeiro de 1983, também explicitava uma vertente nacionalista. A elevação dos
juros, como forma de baixar a inflação, era comparada ao antigo método de cura da febre
amarela, no qual se injetava leite no paciente, fazendo a temperatura subir acima dos 40º,
matando-se então o vírus, mas também levando alguns pacientes que não suportavam a
terapia. Uma política desnacionalizadora das empresas brasileiras e a conseqüente assunção
das multinacionais, “devido à dependência das empresas locais aos recursos bancários, de
juros altos e pela obrigação, devido a acordo com o FMI, de transferir de 30 a 50 bilhões de
dólares para o Exterior no prazo de três anos”. Uma transferência de “empresas, terras, bens
278
O Povo, 06 de outubro de 1982, pág. 11.
158
de raiz e outros patrimônios para controle de grupos estrangeiros, que não teremos recursos
nem produção para repor o capital”
279
.
Com as eleições estaduais de 1982, marcadas para 15 de novembro, o CIC realizou
debates com os candidatos a governador, no primeiro semestre daquele ano. Apesar das
críticas ao Governo Federal, no campo político-eleitoral estadual, os empresários do CIC
ainda tinham muita simpatia por Virgílio Távora e isso foi um dos fatores que possibilitou o
apoio à candidatura de Gonzaga Mota. Gonzaga conhecia Amarílio e Beni Veras desde o
tempo de Universidade na década de 1960. Como técnico do BNB, estabeleceu uma relação
mais próxima com o empresariado do Estado, que se estreitara a partir de 1978, quando foi
nomeado chefe do Plano de Governo e depois secretário de planejamento de Virgílio. Além
disto, seu perfil de 39 anos e a condição de professor de Economia da Universidade Federal do
Ceará, participante da elaboração de rios planos de desenvolvimento para o Nordeste dava-
lhe uma aura de autonomia política que se concatenava com os ideais do Centro.
Na verdade, Gonzaga Mota teve apoio de toda classe empresarial, dos setores
agrários e dos chefes políticos. Sua vitória acachapante deixou Mauro Benevides resistente a
enfrentar uma nova empreitada na eleição de 1986, abrindo espaço assim para a candidatura
“aventureira” de Tasso Jereissati, como se verá à frente.
A expectativa do CIC em torno de Gonzaga Mota pôde ser medida pelo discurso de
Tasso, no jantar oferecido ao governador eleito no Náutico Atlético Clube, em 10 de janeiro
de 1983. Falando em nome da FIEC, Clube de Diretores Lojistas, Associação Comercial, a
Federação das Associações da Indústria e Comércio do Cea (FACIC), a Federação dos
Bancos e outras entidades presentes, disse que aquele encontro era, na verdad, “uma reunião
de trabalho que objetivava levar a primeira contribuição ao novo governo”.
279
Idem, 11 de janeiro de 1983, pág. 11.
159
Lembrou a Gonzaga que sua vitória era “fruto de um momento histórico de
descontração política”, de “desarmamento dos espíritos” que caracterizava uma etapa do
processo democrático, na qual se “frustravam as doutrinas ‘salvadoras’ impostas ao povo,
pelos que, dispondo de poder e força, temiam submeter seus procedimentos à consideração
popular”. Essa situação, entretanto, não seria uma dádiva, mas uma conquista da sociedade
brasileira que fez predominar seus ideais libertários e democráticos, “materializada na ação
firme e decidida do presidente João Figueredo”.
Não obstante, continuava o orador, o sistema de centralização econômica havia
levado o país ao “vexame” de renegociar sua dívida, curvando-se aos credores e às suas
políticas recessivas de desemprego, elevado custo do dinheiro e concentração de renda.
Questionava se a redução dos gastos estatais preservaria as prioridades regionais e sociais, ou,
mais uma vez, se o preço seria pago pelas pessoas e Estados mais pobres.
Tasso fez então uma análise de conjuntura estadual, identificando os fatores
responsáveis pelo momento econômico sombrio vivido pelo Ceará: a seca implacável desde
1979, o sistema tributário nocivo aos interesses nordestinos, o serviço da dívida sufocante, a
elevada carga do funcionalismo volumoso e improdutivo, refletindo no inadequado uso do
poder, a aplicação dos parcos recursos disponíveis para investimento, e a gestão do
Estado, que impedia a opção por uma política econômica compatível com os anseios da
coletividade.
Entretanto, reforçava as grandes esperanças da classe empresarial naquele governo, o
primeiro eleito nos últimos 20 anos, e, por isso, com legitimidade para fazer com que o
mandato se devesse
... unicamente ao povo que o elegeu e somente ao qual se ligam seus
compromissos. (...) sua condição técnica e sua juventude capacitam-no a
identificar as melhores opções. (...)Registramos com satisfação, sua intenção
de realizar um governo ético, pois o Estado é de todos e para todos é que se
160
deve voltar. Compreendemos que tendências, grupos e facções devem ser
referenciais episódicos quando se está em elevado débito para com a
sociedade no mesmo momento em que a ele se pede mais sacrifícios pelo bem
comum.(...) para crédito de sua palavra, governará de maneira límpida e
clara, buscando as melhores opções no quadro da pobreza, situando-se acima
do faccionismo, do apadrinhamento, do paroquialismo e de práticas
semelhantes que tanto mal tem causado ao Ceará.(...) para que o governo nos
solicite novos sacrifícios é necessário que ele seja gerido eficientemente, sem
os desperdícios ou favoritismos, na convicção que ele gere os resultados que
retira da sociedade
280
.
O discurso gerou um grande aborrecimento de Virgílio Távora. Ali começava o fim
da relação de boa vizinhança, que o Centro vinha mantendo com ele desde 1978. As posturas
dos líderes do CIC, nos anos de 1983 a 1986, indicavam a quebra de uma posição secundária
ou atrelada aos movimentos políticos e partidários no cenário local e nacional, que
caracterizava a cultura política empresarial tradicional, acostumada a angariar favores públicos
pela bajulação e pelo tráfico de influências. O colunista José Rangel classificou o discurso de
Tasso como sisudo e um recado jamais dado pela liderança empresarial a um futuro
governador
281
.
Mesmo com o tratamento recebido ao longo dos anos de 1979 a 1982, o Nordeste
mostrou todo o seu conservadorismo político, elegendo todos os candidatos do PDS a
governadores e dando ao governo uma maioria absoluta na representação da Câmara dos
Deputados. O motivo dessa opção ficava claro com a nota publicada na coluna “Política” de O
Povo, intitulada “A Vez do Nordeste”, em que o jornalista comentava a declaração de
Figueredo ao Governador eleito da Paraíba, deputado Wilson Braga: “Agora é a vez do
Nordeste. Estou com o Nordeste e não abro”. Depois qualificava de “figura de retórica” a
obrigação do Presidente de tratar bem todos os Estados, que na verdade todos puxavam
280
Arquivo da FIEC (1977-1989)
281
O Povo, Caderno Fame,15 de janeiro de 1983, pág. 03.
161
“brasas para esquentar as suas sardinhas”. Como a falta de um nordestino na Presidência da
República era a explicação para a assistência insuficiente à Região, acreditava o autor da nota
que Figueredo, devido a suas vitórias eleitorais, seria “pródigo para com esta região nacional,
habitada por um terço da população nacional e que, na pior das hipóteses, deveria receber um
terço dos recursos da União e não recebe mais que um oitavo”. Entretanto, recusava-se a
admitir que estava pregando a punição para os Estados que votaram contra o governo, “mas de
favorecer a quem mais necessita e foi mais fiel politicamente”
282
.
Até o CIC, de alguma forma, alimentava essa tese, como se depreende das
declarações de Ignácio Capelo. A perda de todo o país para a oposição, com exceção do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, tornara o Nordeste, com seus governadores eleitos e,
portanto, respaldados pela autoridade das urnas, a principal base política do Governo Federal.
Era “uma oportunidade que nunca surgiu em nosso passado e nunca surgirá no futuro”. Se o
Nordeste não tirasse vantagens econômica naquele momento, “não conseguiria mais
nunca”
283
.
Das análises sobre o quadro nordestino
pós-eleições, a que se demonstrou mais correta
foi a charge de Sinfrônio, na qual três cearenses
caracterizados brincavam de “passe-adiante” com
a frase de Figueredo, com o resultado final dando
“era uma vez o Nordeste”
284
.
Em 17 de janeiro de 1983, em conjunto
com o Jornal do Brasil, o CIC promoveu uma
reunião dos governadores eleitos do Nordeste,
282
Idem, 28 de novembro de 1982, pág. 02.
283
O Povo, 29 de novembro de 1982, pág. 09.
284
Ibidem, pág. 04.
162
cuja temática era a anunciada Reforma Tributária Nacional, anteriormente criticada pelo
próprio Centro por não ouvir os representantes do Nordeste, no ajustamento ao novo quadro
político nacional.
Carlos Viacava, secretário geral do Ministério da Fazenda e os integrantes da
comissão interministerial que trataria do assunto estavam presentes, evidenciando a projeção
nacional do evento. A programação estava dividida em quatro módulos:
- Dia 17/01. Módulo I. 08:30 Política tributária e política econômica. O presidente
da mesa era Virgílio vora. Os conferencistas João Alves Filho e João Durval,
governadores eleitos de Sergipe e Bahia; Nilson Holanda, ex-presidente do BNB; e
Maílson da Nóbrega, assessor econômico do Ministério da Fazenda.
- Módulo II. 10:45 O ajustamento do sistema tributário ao novo quadro político.
Presidida por Camilo Calazans, presidente do BNB, tinha como conferencistas os
governadores eleitos da Paraíba, Wilson Braga; do Maranhão, Luis Rocha; do
vice-governador eleito de Alagoas, João Tavares ; e o vice-líder do governo na
Câmara para assuntos econômicos e financeiros, Paulo Lustosa.
- Módulo III. 14:30 O novo quadro político e seus efeitos na política econômica.
Presidido pelo governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, tinha como
conferencistas Tancredo Neves, governador eleito de Minas Gerais; Roberto
Magalhães , governador eleito de Pernambuco; José Bona de Medeiros, vice-
governador eleito do Piauí; José Armando de Oliveira, superintendente adjunto da
SUDENE; e Lúcio Alcântara, deputado federal.
- Módulo IV. 16:30 A proposta da comissão interministerial de reforma tributária.
José Sarney, senador do Maranhão, era o presidente. Na condição de conferencistas
Carlos Viacava; Gonzaga Mota; José Agripino Maia, governador eleito do Rio
163
Grande do Norte; Akihiro Ikeda, assessor do Ministério do Planejamento; e Ibraim
Eris, secretário da comissão interministerial
285
.
Ao contrário do Seminário “O Nordeste no Brasil: avaliação e perspectivas”, o
Encontro dos Governadores Eleitos teve um viés governista em todos seus módulos, até
porque todos os governadores eram do PDS. A parte destoante, entretanto, veio do próprio
anfitrião e do discurso do único governador de oposição presente, Tancredo Neves.
No discurso de abertura, Tasso Jereissati fez uma crítica ao centralismo econômico
que não foi capaz de se sensibilizar com as carências da Região, alfinetou as lideranças
políticas que estariam “presas a um sistema político sufocante”, que não puderam se impor de
modo a influir na escolha das prioridades do País. Por isso, a intenção do CIC, ao promover o
Encontro, era “a busca de um ajustamento no sistema tributário do país à sua face real”.
Favorecendo essa intenção, era citado o clima político, devido a abertura democrática, e a
pressão dos problemas sociais “agravada pela seca impiedosa, que fazia a face nordestina
continuar muito parecida com a que comoveu D. Pedro II”.
Apelando para a ameaça de instabilidade política, preconizava:
O exame sob qualquer aspecto da problemática regional, revela que ela não
pode ser mantida, indefinidamente, não por sua profunda injustiça, como
principalmente por falta de condições de manter essas populações
permanentemente caladas
286
.
Esta postura corajosa e impertinente das lideranças do CIC chamou a atenção de
Tancredo Neves. Posteriormente ao evento, questionou-os pelo afastamento das disputas
eleitorais, e ao mesmo tempo, encorajou-os a se candidatar. A conversa foi responsável pelo
destino político-eleitoral que o grupo cearense deu a partir de 1984.
285
Diário do Nordeste, 15 de janeiro de 1983.
286
Diário do Nordeste, 18 de janeiro de 1983.
164
No que essa atividade inovava em termos de pressão junto ao Governo Federal?
Poder-se-ia encontrar a resposta num artigo do jornalista Dorian Sampaio, no qual ressaltava
que, até então, “tínhamos sido a Região dos memoriais, dos telex, dos papéis assinados, das
convocações classistas, do apego a senadores e deputados”, “num trabalho exaustivo e de
rentabilidade discutível”, já que estes estavam acostumados a esta “política gremista”, na qual
ao final das contas, apareciam como “salvadores da pátria”, dignos da “gratidão imorredoura
dos contemporâneos e dos posteros”. Portanto, achava oportuna “a interferência direta e
desvinculada das lideranças empresariais na conquista das velhas reivindicações, tão adiadas,
senão esquecidas
287
”.
Dorian poderia também ter ressaltado que o evento garantia uma visibilidade a
Tasso, que logo depois recebeu convite para compor um painel do II Fórum de Política
Salarial, promovido pela Associação Comercial de São Paulo
288
. O representante dos
industriais cearenses debateu com o senador Carlos Chiarelli (PDS-RS), Almir Pazzianoto
(secretário de trabalho de São Paulo) e Carlos Chagas (O Estado de São Paulo), “As
conseqüências políticas da nova lei salarial”.
O presidente do CIC ressaltou, no evento, que a política salarial “assumiu grandes
proporções institucional devido à falta de uma política de emprego”. Culpa do modelo
econômico desenvolvimentista praticado, que acumulara de capital e expandira o produto, mas
não gerara empregos nas proporções “das necessidades nacionais que permitisse uma justa
distribuição de renda”. Os “ziguezagues” na política salarial seriam a “ginástica do poder
público para tentar suprir o vácuo de uma política de emprego” que, por via de “conseqüência
política”, reduziria as tensões sociais. Afirmou ainda que havia um “divórcio entre o Estado e
a Nação”, como se podia perceber pelo centralismo político, pela falta de acesso às
287
O Povo, 19 de janeiro de 1983, pág. 12.
288
Esta informação foi conseguida através de um recorte de jornal no arquivo da FIEC. Não havia, porém,
referência ao jornal nem a data da matéria. Presumimos que seja entre fevereiro e abril de 1983.
165
informações sobre o que acontece no recesso do poder e pelo monólogo dos que falam ao
povo, mas não o escutam.
A presença de Tasso neste Fórum de Política Salarial expressava a busca do
empresariado nacional por uma articulação nacional, que enfrentasse a agudização da crise
econômica, provocada pela política recessiva de Delfin Neto. O CIC e conseqüentemente
Tasso - foi guindado a porta-voz dos empresários nordestinos e passou a se posicionar ainda
mais sobre temáticas nacionais, colocando-se em rota de colisão com o Governo Federal.
Por isso, também endossou, em agosto de 1983, o “Documento dos Doze”, no qual
líderes industriais, reunidos em fórum da Gazeta Mercantil, dirigiram-se à Nação tecendo
severa críticas à política econômica do Governo e apontando caminhos para aliviar os
problemas nacionais.
Sérgio Machado reforçava essa postura oposicionista do seu presidente, quando
afirmava a necessidade de modificação nos rumos da política econômica, pois uma “recessão
programada, num país sem qualquer seguro social para o desemprego, era um ato
extremamente perverso”. Cândido Quinderê, diretor do CIC, por sua vez, defendeu uma
renegociação da dívida externa, ainda em condições para uma moratória negociada, “já que a
preocupação dos credores não era menor que a do país, frente a impossibilidade dos
compromissos serem resgatados”
289
.
A defesa do mercado consumidor interno e da classe média tornou-se também tema
do CIC, quando da implantação do Decreto 2064, que limitava os reajustes salariais para quem
ganhava acima de três salários mínimos e aumentava a alíquota do ICM, que incidia sobre o
preço final dos produtos.
Sérgio Machado, eleito presidente, mas não empossado, considerou-o um
instrumento contra a classe média, além de não tratar o principal problema da política
289
O Povo, 13 de agosto de 1983.
166
econômica, que era o custo financeiro. Como alternativa para contenção do gasto público,
propunha a “racionalização das aplicações de recursos e uma estruturação mais adequada do
serviço da dívida”.
Aliadas aos questionamentos sobre política econômica, o Centro ainda fazia crítica ao
modelo de desenvolvimento regional, que passaram a ter mais ressonância nacional, após
outubro de 1983, quando as cheias no Sul, conseguiu mobilizar os meios de comunicação,
artistas, sociedade civil e jogadores de futebol em favor das vítimas. O claro tratamento
diferenciado dado às vitimas das enchentes e das secas, que se arrastava desde 1979, obrigou a
mídia do Centro-Sul a também se mobilizar em favor dos nordestinos.
A notabilidade da Questão Nordeste no plano nacional passou a ser creditada ao CIC,
que teria tido a “idéia de gritar” contra a miséria e a fome junto aos órgãos de imprensa do Rio
de Janeiro, São Paulo e Brasília, antes mesmo das enchentes. Nem mesmo o medo de
desagradar o Planalto ou os empresários do Sul, que investiam na Região, teria impedido o
Centro de fazer as denúncias, que naquele momento, pareciam estar a caminho de solução
290
.
Ao fim de seu mandato, Tasso foi reconhecido como um dos cinco mais importantes
líderes empresariais do Nordeste, segundo o Balanço Anual de 1983 da Gazeta Mercantil
291
.
Também recebeu a Medalha do Mérito Legislativo da Câmara Municipal de Fortaleza em 28
de outubro de 1983
292
. Em novembro, chegou a ser convidado por Doutel de Andrade para ser
o chefe político do PDT no Ceará. Segundo O Povo, Tasso resistia mas ainda não tinha dado a
resposta “por considerar a proposta do Governador Brizola, com quem papeou até madrugada
no Hotel Esplanada, o ano passado, da maior seriedade para o país”
293
.
Porém, será durante a presidência de Sérgio Machado, que o CIC irá se consolidar
como força política nacional e passará pela maior prova de fogo de sua existência: a defesa do
290
Idem,11 de outubro de 1983, pág. 06.
291
O Povo, 02 de dezembro de 1983, pág. 06
292
Idem, 29 de outubro de 1983, pág. 02.
293
Idem,28 de novembro de 1983.
167
restabelecimento do pleito direto para a presidência da República, colocando-se em rota de
colisão no Estado e no País, com as forças políticas e empresarias conservadoras.
II.5 – SÉRGIO MACHADO: MATURAÇÃO DE UM PROJETO POLÍTICO
DE ESTADO (1983-1985)
José Sérgio de Oliveira Machado assumiu a direção do CIC em 01 de dezembro de
1983. na sua eleição, declarava que a nova diretoria tinha em vista a discussão do momento
econômico brasileiro, ressaltando a necessidade de participação nas diretrizes da política
econômica do Governo “que vem efetivando-se a reboque dos acontecimentos”. Também
pretendia manifestar a opinião para acordos internacionais mais reais e executáveis, que
permitissem a retomada do crescimento econômico, evitando-se o desemprego e o
sucateamento do parque industrial do País. Entretanto, reforçava que se “cobraria posturas
políticas mais enfáticas dos parlamentares estaduais na defesa dos interesses da região”
294
.
A diretoria ficou com a seguinte composição:
CARGOS NOMES EMPRESA RAMO
PRESIDENTE
José Sérgio de Oliveira
Machado
Villejack Jeans Confecções
VICE-PRESIDENTE
Cândido Silveira
Quinderé
VICE-PRESIDENTE Byron Costa de Queiroz Ivan Bezerra
Têxtil, confeções,
agroindústria
VICE-PRESIDENTE Fernando Cirino Gurgel Metaneide Metalurgia
VICE-PRESIDENTE Alexandre Costa Lima
Companhia Brasileira de
Rações
Rações
VICE-PRESIDENTE Benedito Clayton Veras Guararapes Confecções
1º SECRETÁRIO
Marcos Silva
Montenegro
Têxtil e móveis
2º SECRETÁRIO
Francisco Carlos Abreu
Moura
1º TESOUREIRO Fernando Dall’Olio
2º TESOUREIRO Hermínio Sousa Pinto
DIRETOR Luis Prata Girão Movéis
DIRETOR
Francisco Régis Monte
Barroso
DIRETOR Edson Queiroz Filho Grupo Edson Queiroz Metalurgia, rádio, tv, gás,
294
Idem, 11 de outubro de 1983, pág. 09.
168
agropecuária, universidade,
etc.
DIRETOR
Carlos Leite Barbosa
Pinheiro
DIRETOR
Germano Magalhães
Franck
DIRETOR
José Maria Moraes
Machado
Bancesa Financeiro
DIRETOR Ignácio Colares Capelo Sapataria Belém Calçadista
DIRETOR
Francisco Assis
Machado Neto
Mota Machado Construção Civil
DIRETOR
Amarílio Proença de
Macêdo
Grupo J. Macêdo
moagem, metalurgia,
alimentício, concessionária
FORD,etc.
DIRETOR Tasso Ribeiro Jereissati Grupo Jereissati
shopping center, hoteleiro,
alimentício, metalurgia
CONSELHO FISCAL Herialdo Matos Ramos
CONSELHO FISCAL
Adalberto Benevides
Magalhães Filho
CONSELHO FISCAL Álber Garcia Quinderé Cimaipinto Concessionária Chevrolet
SUPLENTE
Ciro Moreira Cavalcante
Filho*
SUPLENTE
Marcos Pompeu de
Sousa Brasil*
SUPLENTE Cláudio Sidrim Targino Ypioca Bebidas
Uma diretoria com a menor participação de novos membros. apenas duas pessoas, em
contraposição aos 14 de Amarílio e 09 de Tasso. A fama adquirida pela entidade e a projeção
de ser membro de sua direção, explicam a permanência dos diretores e a pouca abertura para
neófitos.
Foi o momento de maior intervenção do CIC na arena política, por conta do processo
sucessório presidencial, que com a recusa do General Figueredo em definir seu candidato,
abriu-se o espaço para o surgimento de várias candidaturas dentro do Governo e da oposição.
Entretanto, um outro fator iria polarizar o debate da sucessão: a campanha pela aprovação da
emenda Dante de Oliveira no Congresso Nacional, que restituiria as eleições diretas para
presidente.
Sérgio tinha as características apropriadas para dirigir a entidade num momento tão
politizado. Desde sua infância, respirava política no ambiente familiar. Seu pai, Expedito
Machado do PSD, foi deputado estadual de 1954 a 1958 e Deputado Federal de 1958 a 1962.
169
Reelegeu-se com expressiva votação em 1962 e, em maio de 1963, tornou-se, Ministro da
Viação de João Goulart.
Tal vínculo com o governo deposto em 1964 causou a cassação dos seus direitos
políticos, notícia que soube através do rádio no dia de seu aniversário, 15 de junho, e com ele
estava na lista o ex-presidente Juscelino Kubitschek, com quem encontrou no exílio em Paris.
Na época, Sérgio com catorze anos de idade, estava chegando dos EUA, onde estivera fazendo
um curso em Cambridge, Massachussets e resolveu acompanhar o pai no exílio, enquanto duas
irmãs ficaram internas no Rio de Janeiro e dois irmãos ficaram em Fortaleza
295
.
A experiência do exílio servira como parâmetro de comparação entre o “ápice e a
adversidade”, bem como aprender que o “poder é efêmero, passageiro, que o prestígio é da
pessoa jurídica e não da pessoa física”, além do privilégio de conhecer e conversar muito com
o ex-presidente JK sobre História e industrialização do Brasil e de presenciar suas grimas de
saudade do país.
Na verdade, o contato de Sérgio com a política ocorria desde a infância, pois a casa
do seu pai, era um centro de reuniões. Embaixo de um de flamboyant, os políticos se
encontravam quase diariamente. Sérgio sentava-se num banquinho para ouvir as conversas
296
.
Em 1965, voltou ao Brasil e serviu ao Exército no Rio de Janeiro, na Fortaleza de São
João, onde chegou a ser promovido a Cabo. Em 1967, passou nos vestibulares para
Administração pela FGV e Economia pela Cândido Mendes. Participou do Diretório
Acadêmico e dos principais momentos do movimento estudantil da época, como o protesto
pela morte de Edson Luiz, a Passeata dos Cem Mil e até da Comissão que foi a Brasília
295
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999, pág. 175.
296
Ibidem, pág, 177.
170
conversar com Costa e Silva
297
. Participava dos grupos que bebiam e discutiam no bar O
Lagoa e assistia aos filmes culturais do Paissandu
298
.
Sérgio não explica como, apesar de toda essa liderança e sendo filho de um ex-
ministro de Jango, conseguiu servir ao Exército, seguir normalmente sua vida acadêmica e se
formar nas duas instituições em 1970, embora uma pista ao declarar que fazia parte do
grupo que ficara na “linha democrática e achamos que esse era o caminho que a gente deveria
trilhar no confronto das idéias”
299
. Diz ainda que recebera vários convites de firmas
estrangeiras, mas que fez “questão de não trabalhar em empresa multinacional e nem queria
começar trabalhando em empresa familiar”. Escolheu sua primeira experiência administrativa
na Fábrica Gomes da Costa, em Niterói. Como morava na Urca, levava três horas para chegar
ao emprego e donde saia depois das 22:00 h. Entretanto, sempre mantivera um grupo de
estudos no qual se discutia o momento político e econômico do país. Também auxiliara vários
colegas de movimento estudantil que estavam em dificuldade, através de empregos e outros
auxílios.
Chegou a se submeter ao admition para fazer mestrado de Administração em Stanford
e foi aprovado, mas teve que fazer “o mestrado na prática” em Fortaleza, quando seu pai
comprou uma indústria têxtil falida em 1973. Isso se tornou uma prática comum às empresas
dos Machados. Compravam empresas em situação pré-falimentar e levavam-nas a situações de
destaque no mercado nacional. Foi assim com a Companhia Ceará Têxtil (73), Villejack Jeans
(79) e Têxtil União (1980). Em 1983, enveredaram também pela franquia da Coca-cola no Rio
Grande do Norte.
Apesar da vida empresarial movimentada, Sérgio sempre ficava “atento com as coisas
da política” e mantinha o contato mais estreito com o Tasso, a quem conhecia desde criança,
de que foi vizinho no Rio e em Brasília, com quem estudou e de quem tinha o mesmo grupo
297
Ibidem , pág. 176.
298
Ibidem, pág. 180.
299
Ibidem, pág. 176.
171
de amigos. Embora conhecesse Amarílio, não tinha uma relação estreita com ele e Beni
conheceu no processo sucessório do CIC.
Embora sua posse fosse vista como a continuação da filosofia de trabalho e de ação
do CIC, como fórum de debates das questões sociais, políticas e econômicas do Nordeste
300
,
alguns sinais de mudança apareceram, como a mensagem do cartunista Mino
301
, em um bom
espaço pago no jornal O Povo às véspera da posse de Sérgio.
Embora não se saiba o motivo que levou Mino a publicar tal nota, algumas questões
ficam evidentes tanto no texto quanto no desenho. Ressaltava-se a necessidade de o CIC
debater a realidade local e menos a nacional como tinha acontecido nos fóruns desde 1978
para que as discussões acendessem idéias salvadoras e produzissem práticas em prol da
comunidade.
Antevendo dificuldades para o encaminhamento de tal proposta, apelava para a força
da geração dos que viveram e sofreram as agruras da Ditadura, para “remover montanhas”,
“vencer forças adversas” e “transformar o presente” de crise em futuro próspero e de bem-
estar. Remover, vencer e transformar eram lemas fortes e que denotavam uma auto-confiança
na possibilidade de efetivá-los.
A representação de um “Memorial da Indiferença” à legião de famintos ao lado de
uma “horda de problemas seculares” se referia ao problema da seca, que, desde 1979,
castigava o Ceará, reforçando a imperiosa missão do CIC de trazer para o centro das atenções
os problemas do país e do Estado, geradores da miséria absoluta , de forma a serem resolvidos
e não mais protelados.
300
O Povo, 02 de dezembro de 1983, pág. 06
301
Ibidem, pág. 08
172
Suas palavras eram reforçadas pelo
desenho de um membro do CIC estilizado,
laureado pela representação clássica da
figura feminina da República, que,
embasados na lei, representada por um
papiro, apontavam para a mesma direção,
mostrando o caminho para grande número
de pessoas engravatadas, que parecem
representar parlamentares ou empresários,
de olhares impassíveis e atentos. Ao fundo,
o Congresso Nacional, de onde brota um
Mandacaru, símbolo da resistência da
natureza e do homem nordestino às
estiagens, e os símbolos da industrialização,
chaminés e engrenagens, observados pelos
olhares atentos e ansiosos de mãe e filho
nus e provavelmente famintos.
Mino finalizava o texto lembrando a importância da entidade que Sérgio assumia,
bem como a responsabilidade na preservação desta, ao mesmo tempo em que o tranqüilizava
com o apoio de todo o time, a diretoria do CIC, e da torcida, a opinião pública.
O discurso de posse de Sérgio indicava as novas pretensões do Centro. Embora
fossem tradição seus teores impertinentes, na sucessão de Tasso, foram mais veementes e
diretos, conforme se denota deste trecho:
Não podemos entender diante dos graves problemas que o país atravessa
que a classe política eleja como prioridade o debate da sucessão presidencial,
não como uma possibilidade de solução de tais problemas, mas como simples
173
acomodação de interesses individuais, normalmente materializados na obtenção
de cargos públicos ou favores pessoais
302
.
Uma condenação explícita à forma como se desenvolviam as articulações para a
definição do candidato do PDS, que, naquele momento, era disputada por Paulo Maluf, Mário
Andreazza, Hélio Beltrão, Aureliano Chaves e Marco Maciel. O momento era identificado
como de necessidade para colaborar com a melhoria do país. Para tanto, o CIC faria sua parte,
“estimulando lideranças a questionar o governo, políticos e demais segmentos representativos,
para que fossem introduzidas reformas profundas reclamadas pela população”.
Outra “mudança necessária” seria a de postura dos “tecnocratas” brasileiros que
negociavam com o FMI. Não falavam como representantes de um país rico em recursos
naturais e de bases empresariais sólidas. Aceitavam imposições, “sem se darem conta de que
era possível negociar com soberania e legitimidade, em condições que pudessem ser
cumpridas e aceitas pela sociedade brasileira”.
Embora reforçasse que sacrifícios seriam necessários, eles deviam ser “repartidos
entre credores e devedores, que os passivos brasileiros representavam boa parte dos ativos
dos financiadores”.
Ao final do discurso, fazia uma previsão: ou se “voltava ao desenvolvimento
econômico ou se ingressaria num caos social que resultaria na falência das elites”. Porém
lembrava que países não quebravam, mas as elites eram substituídas no poder. Uma
demonstração de preocupação do empresariado do CIC, sobre a possibilidade do poder ser
controlado pelos setores populares em ascensão: operários, comunidades eclesiais de base,
associações comunitárias etc. Algo que impossibilitaria uma política estadual de
desenvolvimento centrada no fortalecimento dos empresários locais.
302
O Povo, 03 de dezembro de 1983, pág. 08.
174
Tasso Jereissati, no seu discurso de despedida, endossa o teor da fala de Sérgio. As
estruturas da região Nordeste precisavam ser mudadas, para viabilizar seu desenvolvimento.
Porém isto exigiria “decisão política”, que estava em falta na postura de seus representantes na
esfera federal
303
.
A apatia da classe política foi reforçada por rgio no artigo “A Receita do FMI”,
publicado no dia seguinte ao de sua posse, com análises apuradas das ações econômicas do
Governo Federal. No artigo, vislumbra-se um economista de viés keynesiano e
desenvolvimentista, que acreditava na possibilidade de reversão do modelo de
desenvolvimento sócio-econômico imposto pelo governo federal e FMI, desde que em ações
embasadas na “teoria e na experiência histórica”.
Os erros das medidas econômicas eram localizadas nos meados de 1950, 1964 e
1973, quando teria se dado ao capital estrangeiro e estatal um papel fundamental no
fortalecimento de uma “indústria nacional-alienígena”. Este modelo teria impossibilitado o
surgimento de uma tecnologia baseada na realidade local, uma dependência aos insumos
básicos e peças importadas, a oligopolização do setor secundário nacional, o endividamento
estatal pela necessidade de financiamento de grandes projetos de lucratividade duvidosa, a
elevação da importância do Estado como agente e regulador da economia, a adoção de política
monetária e fiscal gidas e inúteis para conter uma inflação causada pela dependência da
importação de insumos básicos e pela oligopolização da indústria nacional, o favorecimento
da compra de empresas nacionais por estrangeiras, sem que significasse uma adição de
riquezas e a hipertrofia do Estado e de alguns setores industriais, que provocavam o aumento
da necessidade de captação financeira por via fiscal e financeira.
A complexidade da situação econômica do país, continuava Sérgio, estava
produzindo uma perplexidade e uma passividade frente aos acordos com as entidades
303
O Povo, 10 de dezembro de 1983, pág. 08.
175
financeiras internacionais, que sempre indicavam a recessão como remédio independente do
paciente e da doença. O próprio médico o FMI não passaria de um advogado do “Grupo
dos Dez”, com políticas econômicas ultrapassadas, com diminuto poder financeiro, de
insucessos na maioria dos países onde seu receituário foi aplicado e que “no dizer de Keynes
já nasceu morta”
304
.
A imobilidade da sociedade e de empresários, preocupados com seus negócios, podia
até ser compreensível, mas não dos políticos, que deveriam se unir à sociedade para
posicionamentos mais efetivos contra tais acordos.
O CIC abraçou a campanha pelas Diretas-já de forma incisiva por fatores como o
descontentamento com a política econômica federal e a compreensão de que a democracia
daria vez aos jovens empresários, criaria um Estado diferente que “pudesse existir para a
maioria” e que permitisse mudar a tradicional relação de exclusão política e econômica da
Região
305
.
Uma de suas primeiras ações foi a promoção de um debate, no dia 07 de dezembro de
1983, com cinco deputados federais do PDS que apoiavam as eleições diretas, dentre eles o
cearense Lúcio Alcântara
306
. O debate causou uma boa impressão nos convidados,
principalmente pela fala incisiva de Sérgio Machado, que identificou no sufrágio direto o
desejo de toda a nação brasileira”. Um momento que provocou risos do plenário foi a
lembrança de que os três senadores do Estado Virgílio Távora, JoLins e Almir Pinto -
eram contrários ao retorno do voto direto
307
. Para Tasso, presente no debate, seria um caso de
“cara-de-pau” revoltante dos pretensos representantes do povo cearense
308
.
304
O Povo, 04 e 11 de dezembro de 1983, pág. 12
305
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea, Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha. 1999, pág. 182.
306
O Povo, 07 de dezembro de 1983, pág. 06.
307
Idem, 09 de dezembro de 1983, pág. 06
308
idem, 10 de dezembro de 1983, pág. 02
176
Essa fala incisiva teve ressonância nos órgãos de imprensa, que destacaram a
“profunda transformação nas relações entre a classe política e a empresarial”, onde esta
deveria cobrar de seus políticos, tanto no executivo quanto no legislativo, mudanças nas regras
do jogo da sucessão presidencial, para que os vários segmentos da sociedade civil pudessem
ser reconhecidos como eleitores e consultados na adoção de políticas públicas. Mais do que
“inflação ou dívida externa”, a principal preocupação da sociedade era a de ocupar “legítimos
espaços que permitissem a sobrevivência da livre-iniciativa, encolhida pela hipertrofia do
Estado”. Finalizava dizendo que “o empresariado, parcela do povo, sabe onde lhe aperta o
sapato. Infelizmente, o governo parece andar descalço”
309
.
Até a eleição de Raúl Alfonsin na Argentina e sua decretação de moratória, virou uma
boa justificativa para a causa das Diretas. Segundo Sérgio, um Presidente eleito pelo povo,
“tinha um respaldo da nação para conseguir melhores condições nas negociações com os
credores internacionais”
310
.
No dia 22 de dezembro, durante almoço de confraternização com 21 empresários e
jornalistas, promovida pelo CIC, foi feita uma votação “livre e direta”, com a finalidade de
escolher os melhores senadores, deputados federais e estaduais do Ceará. Além disso,
avaliaram o desempenho do Governador e do Prefeito de Fortaleza, através de notas que iam
de 1 a 10. O resultado desagradou aos políticos, que viam nos empresários do CIC seus
financiadores e colaboradores.
Virgílio Távora obteve três votos, empatado com o “Senador Vieira
311
e atrás de
José Lins com cinco. Como melhores deputados federais, Paulo Lustosa teve a unanimidade
dos votantes, seguido de Lúcio Alcântara com 13. Nos estaduais, o ranking ficou com Ciro
309
O Povo, 11de dezembro de 1983, pág. 04
310
Idem, 18 de dezembro de 1983, pág. 06
311
Senador Vieira era o codinome do jornalista Francisco Vieira Filho, que atuava na imprensa cearense nas
décadas de 40 e 50, como colunista social. Era irreverente, zombeteiro e debochado, mas fazia tanto sucesso
que políticos como Martins Rodrigues incluíam-no nas caravanas eleitorais, para rir de suas piadas in
GIRÃO, Blanchard. Sessão das Quatro. Fortaleza. Editora ABC. 1998, pág. 254.
177
Gomes, Barros Pinho e Fernando Mota (9, 5, 5 respectivamente). As notas do governador
tiveram média de 4,57 e do prefeito César Cals Neto 2,76
312
.
Interessante é que outra entidade empresarial o Clube de Dirigentes Lojistas
também realizou enquête semelhante, com resultados parecidos com os do CIC. Entretanto,
a realizada pelo Centro provocou várias manifestações, desde declarações conformadas com o
resultado, como do governador Gonzaga Mota
313
, até indignadas como de Aquiles Perez Mota,
presidente da Assembléia Legislativa do Ceará, que classificou de “debochada” e acusou os
empresários de serem “ingratos” com Virgílo vora, que viabilizou empréstimos e
financiamento para empresários que estavam falidos ou sem capital de giro”
314
.
Outro virgilista, o deputado estadual Marconi Alencar, sugeriu que os empresários,
quando quisessem um senador para resolver seus problemas, buscassem o “senador Vieira”.
Ao mesmo tempo, aproveitava para lamentar que uma entidade que teve uma excelente
imagem no tempo de Tasso Jereissati, caísse no ridículo promovendo tamanha “proeza”
315
.
Nesses discursos, aflorava a percepção que os políticos tradicionais tinham de si e dos
empresários no espaço político. Portanto, seriam os parlamentares os verdadeiros responsáveis
pelo desenvolvimento industrial do Estado, resolviam problemas junto ao Governo e, por
isso, os donos de fábricas deviam ser eternamente gratos e, conseqüentemente, seus
apoiadores.
O colunista Paulo Verlaine, entretanto, veio em defesa do CIC, alegando que a
sondagem servia para mesurar o descontentamento dos setores mais conscientes do
empresariado com a representação política do Estado. A alegada “ingratidão” dos industriais
era atenuada com o esclarecimento de que a sondagem referia-se à atuação parlamentar e
312
O Povo, 23 de dezembro de 1983, pág. 06.
313
O Povo, 24 de dezembro de 1983, pág. 06.
314
Idem, 27 de dezembro de 1983, pág. 02.
315
Idem, 29 de dezembro de 1983, pág. 02.
178
executiva tendo como base o ano de 1983. Ressaltava ainda que os políticos deveriam
acostumar-se com as críticas e menos com os “aplausos efêmeros e sem autenticidade”
316
.
O desgaste da classe política cearense, principalmente a ala tradicional, pode ser
dimensionada pela nota da coluna Vertical de 07 de dezembro de 1984, que alertava para o
perigo de o Nordeste ser desprezado pela área econômica do futuro governo de Tancredo
Neves, que a equipe responsável para elaborar o programa de emergência, formada por
indicações do PMDB e da Frente Liberal, não tinha compromissos com a região. Finalizava
indicando que as vozes que se levantavam para protestar contra a “nova discriminação a esta
sofrida região”, era “mais uma vez”, dos líderes empresariais e não das lideranças políticas
317
.
Em 06 de janeiro, o CIC começou sua agenda política, com um debate sobre eleições
diretas e indiretas, sucessão presidencial e reformulação partidária, numa mesa-redonda
composta de três políticos com distintas posturas partidárias: Flávio Marcílio, Lúcio Alcântara
(ambos do PDS) e Chagas Vasconcelos (PMDB). A finalidade anunciada era de trazer para o
empresariado do CIC uma discussão que fugisse do conservadorismo político, pois haveria um
“exagerado anti-comunismo de algumas autoridades governamentais”.
No dia 19 de janeiro, o conferencista foi ninguém menos que o candidato à
Presidência da República Hélio Beltrão, anunciado como um “presidenciável diferente dos
outros” por ter um discurso “sem apelo político”, já que trataria de temas como “desesperança,
esperança, frustração, êxito, burocracia, desburocratização, sucessão, credibilidade, candidatos
e desconfianças”
318
.
Entretanto, sua fala foi política e arrancou vários aplausos dos presentes,
principalmente quando afirmou:
316
Idem, 30 de dezembro de 1983, pág. 02.
317
O Povo, 07 de dezembro de 1983, pág. 06.
318
Idem, 18 de janeiro de 1984, pág. 06.
179
O País inteiro está repousando numa cadeira de balanço, embalada pelo
ganho fácil da especulação, ao mesmo tempo em que insensatos empresários
trabalham para produzir, criar empregos, ajudar o Brasil a crescer
319
.
Todos os brasileiros, prosseguiu o candidato, estariam vivendo na fila do Governo
Federal, mais particularmente, na fila do Planejamento”, significando a intensificação das
“graves desigualdades” intoleráveis e um esquema de liquidação da Dívida Externa, que
reduziria o país a uma nação de terceira classe. A concentração “assustadora” dos recursos
submetia tudo e todos à ótica central e uniformizante da burocracia, que ocupava o lugar do
espaço político, e os governadores a um irritante processo de desgaste perante os órgãos
federais, que tinham que regularmente recorrer, reduzindo sua autoridade. Ademais, o país
estaria sofrendo um processo de desestabilização, por estar sendo governado por gente que
não o conhecia e que tinha uma visão imaginária sobre o mesmo, sem representatividade
popular e calcado sobre estruturas aparatosas que contrastavam “frontalmente com a
simplicidade do seu povo”
320
.
Uma crítica ao modelo econômico de Delfin Neto, sem, entretanto mostrar seu
conhecimento sobre políticas de desenvolvimento do Nordeste, alegando que estava ali para
ouvir o Nordeste e não apresentar uma proposta pronta.
Entretanto, o candidato preferido dos empresários brasileiros e, mais particularmente
dos cearenses era Aureliano Chaves. Às vésperas de sua presença no Estado, vários
empresários deram sua opinião sobre o vice-presidente. Para Tasso Jereissati, o respaldo
popular era o apoio básico do qual o futuro presidente precisava para um governo promover os
ajustamentos econômicos e sociais necessários. E Aureliano era o preferido nas pesquisas.
Para o presidente do Sindicato das Indústrias de Confecção, Vicente Paiva, o candidato do
PDS teria a possibilidade de organizar sem “trauma”, do ponto de vista jurídico e institucional,
319
Idem, 20 de janeiro de 1984, pág. 02.
320
O Povo, 20 de janeiro de 1984, pág. 02
180
a retomada do desenvolvimento, com conseqüente melhora do setor social e distribuição de
renda, inclusive do ponto de vista inter-regional. Sérgio Machado preferiu reforçar a
necessidade de legitimidade do próximo chefe do Executivo, que seria possível com uma
eleição direta. Do candidato, esperava a definição do tratamento a ser dado ao Nordeste, não
apenas nas intenções, mas nas proposições de ação com soluções de caráter regional e não
individual. Inácio Capelo esperava um presidente que acabasse com a “Ditadura Econômica”,
onde a economia nacional não ficasse nas mãos de tecnocratas, de questionáveis capacidades e
responsabilidades. Do próximo chefe de Estado, esperava um homem conseqüente,
responsável, honesto e competente, que quisesse e soubesse governar e tivesse a dimensão de
um estadista, requisitos que, segundo Capelo, reunia o político mineiro, além de ser capaz de
uma gestão onde a economia ligar-se-ia mais ao potencial do mercado interno
321
.
No dia 27 de fevereiro, em um jantar para 300 empresários no Ideal Clube, mais uma
vez Tasso falou em nome das entidades empresarias cearenses FIEC, CIC, FACIC e CDL
demonstrando seu respaldo político. Na sua fala, ressaltou os grandes políticos cearenses que
estavam “intrinsecamente” ligados aos “anseios democráticos do seu povo” e que, por isso,
confiava naqueles que votariam “em nosso nome”, “como nós votaríamos, se pudéssemos
votar”. Lembrava aos integrantes do Colégio Eleitoral, que tinham responsabilidades sociais e
lealdade para com a comunidade que representavam. Os empresários estariam vigilantes e
tranqüilos, pois “eles e os parlamentares sabiam que não era justo substituir as aspirações
coletivas, pelas ambições particularistas que se alimentam da troca de favores”
322
.
Ao se referir à política econômica Federal, disse que
Por mais paradoxal que possa parecer, os compromissos externos que
deverão ser resgatados com a produção nacional, estão conduzindo à
desativação das atividades produtivas internas. O modelo brasileiro privilegia
321
O Povo, 14 de fevereiro de 1984, pág. 08.
322
Idem, 28 de fevereiro de 1984, pág. 06.
181
o investimento especulativo e castiga, severamente, quem ousa investir na
produção
323
.
No dia seguinte, Aureliano deu uma conferência na Federação das Associações do
Comércio, Indústria e Agricultura (FACIC), com a presença de destacadas autoridades do
Estado como o Governador Gonzaga Mota, o Presidente da Assembléia Legislativa Aquiles
Mota, o Presidente do Tribunal de Justiça Saulo Queiroz, o Senador Virgílio Távora,
Secretários do Governo Estadual, além de vários Deputados. O clima pró-Aureliano se
evidenciava quando o presidente da FACIC, João Hudson Saraiva, num ato falho, chamou o
presidenciável de presidente, arrancando aplausos da platéia.
Aureliano apresentou-se como um crítico do avanço do Estado sobre áreas onde a
livre iniciativa era mais competente. Disse que a intervenção estatal deveria, através de uma
normatização legal, atuar só onde a empresa privada não podia e reduzir sua presença na vida
do cidadão, principalmente para a pequena e média empresa “sufocada por um cipoal de leis,
decretos-leis e portarias, deixando-as à mercê do Fisco e sem créditos”.
Após a exposição, Sérgio Machado indagou sobre as mudanças que o candidato faria
na política do Governo Federal frente aos problemas das secas. Aureliano respondeu que
estava estudando, mas que existia um “diagnóstico e uma terapêutica, faltando apenas a
mudança de atitude e de renovação política”. Porém, não trataria o Nordeste como um todo,
que a realidade cearense seria diferente da realidade da Bahia. Defendeu a definição em Lei
dos recursos destinados à região, “para que sua liberação não dependesse do humor dos
governantes”, pois era preciso acabar a condição de “eternos pedintes”, que estava se
tornando “natural”, dos Governadores do Nordeste, que não tinham dinheiro sequer para pagar
323
Idem, 29 de fevereiro de 1984, pág. 04.
182
o funcionalismo, sem o favor do Poder Central, sendo este “o caminho mais curto para a
corrupção”
324
.
Entretanto, o presidenciável Aureliano Chaves mostrou seu conservadorismo
político, ao dizer que, em nenhum momento, abjurava a “Revolução de 1964”, cujos
“princípios democráticos” queria ver implantados integralmente.
Além da crítica ao sistema e da política econômica de Delfim, o CIC se preocupou
em encampar as mobilizações pelas Diretas-já no Estado. Montou um comitê pró-diretas,
aberto a todos os segmentos da sociedade civil e usou seu poder de influência política, para
pressionar a bancada federal cearense pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Uma
dessas formas foi a publicação de um manifesto no Jornal do Brasil em 24 de abril de 1984,
onde se dizia confiante em todos os integrantes da bancada do Estado no Senado Federal e na
Câmara dos Deputados, pois saberiam tomar as decisões que se harmonizassem com as
aspirações nacionais, “hoje tão evidentes através da mais diferentes manifestações por parte da
sociedade brasileira”
325
. A nota tinha duas assinaturas: Sérgio Machado, como presidente, e
de José Flávio Costa Lima, que subscreveu como Conselho Deliberativo do Centro. A
presença de Flávio evidenciava a importância que o CIC havia assumido para o empresariado
cearense, na definição de posturas a serem tomadas nas questões políticas nacionais.
Mesmo com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, o CIC não deixou de fazer
pressão sobre os parlamentares que não votaram ou que se ausentaram no dia 25 de abril, tanto
que agraciou os oitos deputados federais do Estado, que apoiaram as Diretas-já, com o troféu
Dragão do Mar, criado pelo comitê Teotônio Vilela, como foi denominado o movimento pró-
diretas do Ceará
326
. Ainda promoveu manifestações pró-sufrágio presidencial na vinda de
Paulo Maluf, no dia 15 de julho, tanto ao longo do trajeto do aeroporto para o hotel, quanto,
em frente ao Náutico, clube onde se realizara o jantar que lançara a chapa Maluf e Flávio
324
O Povo, 29 de fevereiro de 1984, pág. 04.
325
Jornal do Brasil, 24 de abril de 1984.
326
O Povo 06 de maio de 1984, pág. 02.
183
Marcílio. Este, inclusive, foi o responsável pela presença de empresários anti-malufistas, mas
que foram prestigiar seu lançamento, como foi o caso do próprio Tasso Jereissati
327
.
Quando esgotadas as possibilidades de aprovação das eleições Diretas e com o
surgimento da candidatura de Tancredo Neves, Sérgio Machado visitou várias capitais,
conversando com políticos e homens de empresas influentes para sondar a disposição de apoio
ao nome do Governador mineiro, onde teve certeza da vitória do governador mineiro sobre a
“autocracia” de Maluf. Concomitantemente aos contatos externos, montou-se o Comitê pró-
Tancredo, no dia 05 de julho em Fortaleza
328
, com uma Comissão Central formada por Beni
Veras, Adísia Sá (jornalista de O Povo), Paulo Martins Rodrigues (médico) e Paulo Elpídio de
Menezes Neto (ex-reitor da UFC)
329
.
A comissão externava sua posição, numa declaração de Beni Veras, de que se tentaria
a conscientização da população à idéia de que a oposição teria que conquistar o poder, em
eleição direta ou indireta, para o país sair do fundo do poço onde o meteram
330
. Em 31 de
julho conseguiram a aglutinação de um números de colegas empresários suficientes para
montar um comitê de empresários, que propugnava mudanças, mas sem “grandes traumas,
sem violência e sem rancores incontroláveis”
331
.
Esses temores de radicalidade mudancistas ficavam mais explícitos com a atitude da
FACIC de manter a homenagem ao Exército, que fazia desde 1958, “exaltando a figura
imortal de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, no ensejo da transcorrência da
Semana do Exército”
332
.
Enquanto transcorria o processo eleitoral, mais recessiva tornava-se a política
econômica e mais aumentava o descontentamento, até de notórias figuras conservadoras do
327
O Povo 14 de junho de 1984, pág. 06.
328
O Povo 04 de julho de 1984, pág. 06.
329
O Povo, 06 de julho de 1984, pág. 02.
330
Idem, 08 de julho de 1984, pág. 06.
331
Idem, 01 de agosto de 1984, pág. 02.
332
Idem, 17 de agosto de 1984, pág. 06.
184
empresariado cearense, que chegaram a defender uma moratória da Dívida Externa
333
, como
proclamou José Flávio em várias ocasiões. Seu discurso, entretanto, era algo isolado e não
refletia o conjunto da diretoria da FIEC, pelo menos no seu plano de ação, como se denotava
da notícia de seu retorno às funções de presidente da Federação em março de 1984, quando
conclamou os membros da entidade a “envidarem esforços para tornar o empresariado
cearense mais participativo” e assim ter representatividade “para o encaminhamento das
soluções que o país necessitava”, pois “quando uma sociedade não se organizava
devidamente, o que sobra é o Estado”
334
.
Entretanto, ao mesmo tempo em que fazia a proclamação, apresentava Jaime
Pinheiro, dono do Banco Mercantil de Crédito, que vinha convidar a FIEC para participar da
palestra do Senador Roberto Campos, que aconteceria no dia seguinte. O presidente da FIEC
fez críticas sobre as altas taxas de juros, na frente do convidado banqueiro, mas culpou ao
governo pelos patamares das taxas.
Na mesma página e logo abaixo, noticiava-se a reunião do CIC com o Sindicato dos
Médicos, o Centro Médico Cearense, diretores dos principais hospitais de Fortaleza e
autoridades do INAMPS, que ocorreria naquele mesmo dia (22 de março), visando o debate
sobre “questões de saúde do povo, o relacionamento entre o INAMPS e a rede hospitalar e a
participação do médico nos problemas sanitários do Ceará”. Informava ainda da realização do
Seminário “Os grandes desafios”, em conjunto com a revista Exame que traria à Fortaleza
nomes como Celso Furtado, Adroaldo Moura da Silva (USP), Paulo Francini (FIESP), além da
participação do Governador Gonzaga Mota. O objetivo do evento era o debate sobre “controle
de inflação, balanço de pagamentos, exportações, política monetária, endividamento externo,
evolução do PIB”, além da crise política, soluções institucionais, fortalecimento dos governos
estaduais e os “caminhos para a conciliação nacional”. Anunciava-se ainda a vinda em abril do
333
Idem,03 de fevereiro de 1984, pág. 09.
334
Idem, 22 de março de 1984, pág. 10.
185
Senador Marco Maciel, candidato a Presidente da República e do também Senador do PDT,
Saturnino Braga
335
.
As duas matérias evidenciavam a diferença da postura política e institucional das
duas entidades no trato da discussão dos problemas nacionais e regionais. Enquanto a FIEC
trazia o conhecido governista Roberto Campos, o CIC abria-se para ouvir as vozes dos
diferentes setores da sociedade civil, além de políticos dissonantes e oposicionistas ao
Governo Federal.
Naquela altura dos acontecimentos até o Governador Gonzaga Mota, era um desses
oponentes, fazendo críticas e protestos públicos ao governo federal, projetando-se na mídia
nacional e irritando Figueredo, que chegou a devolver uma carta, redigida pelo próprio
governador cearense no ano anterior, de apoio ao candidato que o presidente indicasse.
Mas a situação fiscal e econômica do Estado começava a minar esta popularidade.
Contratações ocorriam a rodo, como no dia 14 de agosto de 1983, quando o D.O. do Estado,
em 166 páginas, listava mais de quinze mil contratações, sem seleção pública. Os prometidos
concursos não saíam, a produção de publicidade pessoal era imensa e cara, o pagamento de
um mês da dívida do Estado exigia a arrecadação de quatro meses e os recursos federais para o
Estado estavam sendo retidos para pagamento de débitos com o Banco do Brasil, BNH e
BNDES
336
.
Aliado à falta de recursos federais, acrescia-se a falência e a concordata das empresas
e indústrias do Estado, devido ao plano de estabilização do Poder Central. Até na produção de
uma nota para protestar contra tal situação, exigindo-se atenção das autoridades nacionais, se
evidenciava a diferença de postura política dos empresários. Alguns queriam um documento
335
O Povo, 22 de março de 1984, pág. 10.
336
O Povo, 23 de março de 1984, pág. 04.
186
brando para “não ferir susceptibilidades” e outros pretendiam “manifestar-se
desabusadamente”
337
.
De forma conservadora ou progressista, os empresários cearenses buscavam debater,
conhecer e intervir na realidade na qual estavam inseridos. Realizavam, pelo CIC, um ciclo de
debates com caráter de evento nacional, chamado “Grandes desafios brasileiros”, em que Beni
Veras definia-o como “espaço de opinião, crítica e sugestão para o surgimento da ‘luz’ do
entendimento que o país necessitava para superar suas grandes necessidades”.
José Flávio, pela FIEC, era chamado pelo todo-poderoso Delfim Neto para discutir,
com outros empresários brasileiros, assuntos ligados à inflação”. Sérgio Machado e Ignácio
Capelo eram convidados pelo CAEN (programa de pós-graduação do curso de Economia da
Universidade Federal do Ceará) para participar de um painel sobre Conjuntura Econômica
Brasileira. A FACIC anunciava a visita do Sr. Antônio Bezerra Peixoto, coordenador Regional
do INCRA, para falar em seu auditório, sobre o “problema fundiário do Estado do Ceará,
envolvendo as tensões sociais”. Todas estas atividades foram publicadas num único dia de
março de 1984
338
.
No dia 30 de março, Delfim também receberia uma comissão de entidades
representativas dos empresários do Ceará, onde o CIC não foi listado na matéria
jornalística
339
.
Talvez preocupado com o sucesso da empreitada, José Flávio reclamou a um
colunista social, da postura dos colegas empresários, líderes classistas e políticos que a “única
coisa que estão fazendo é aplaudir... por qualquer coisa, e homenageiam por qualquer
esforço”, produzindo uma postura acomodada dos homens públicos do Estado, que
337
Idem, 27 de março de 1984, pág. 16.
338
O Povo, 28 de março de 1984, pág. 10.
339
Idem, 29 de março de 1984, pág. 10.
187
precisavam mostrar “uma folha de serviços realmente significativa”, pois “do contrário o
reconhecimento se transforma em bajulação”
340
.
O discurso de José Flávio mirava nos colegas empresários da Federação, para
conseguir fazer frente à ascensão nacional do “ingratos” garotos do CIC, como se evidenciava
pela realização do ciclo de debates “Os grandes desafios do Brasil”, promovido pelo CIC e
pela Editora Abril.
Naquele momento as críticas do CIC ao modelo econômico do Estado brasileiro,
eram mais incisivas e, portanto, com maior repercussão no país. Tasso, por exemplo, após
fazer exposição dos números sociais adversos do Estado e mostrar os modestos valores
necessários para atenuar o problema via irrigação, perguntava:
Porque não se resolve este problema? Será que nós, dirigentes não
conseguimos dar alguma condição de vida mais humana a nossos homens?
Este sistema que estamos vivendo no Brasil não é um sistema capitalista. É um
sistema capenga. O sistema capitalista é o que distribui renda, não o que
concentra renda.
No debate do CAEN, realizado no mesmo dia, Sérgio Machado denunciava o risco de
internacionalização de toda a economia brasileira, com a exigência dos credores de pagamento
da dívida via ativo fixo das estatais
341
.
Interessante que, mesmo com toda esta evidência, Sérgio Machado aparecia menos
nos noticiários políticos que Tasso Jereissati, que no dia 19 de maio, aparecia em duas notas
de duas colunas políticas diferentes do jornal O Povo. Na primeira, comunicava-se sua
participação na comitiva de empresários brasileiros, convidados pelo Ministério das Relações
Exteriores, para acompanhar o presidente Figueredo na viagem ao Japão e China. Na segunda
comentava-se a “corda” que estava sendo dada para que Tasso e Herbert Aragão, presidente
340
Ibidem, pág. 20.
341
O Povo, 30 de março de 1984, pág. 09.
188
do CDL, se candidatassem a Deputado Federal
342
. Tasso desmentiu a notícia no dia 26 de
julho
343
. Em agosto, foi indicado para o prêmio “Quem é quem” na economia cearense,
promovido pela Revista Visão e O Povo
344
.
Enquanto isso, a comissão de 11 entidades classistas do Ceará recebia de Delfin Neto
um rotundo “não” ao pedido de juros subsidiados para resolver seus problemas de caixa.
Como consolo receberam a promessa de fazer “o possível para melhorar as condições das
empresas nordestinas”. Concordou, entretanto, com o pleito cearense de constituir uma
comissão para estudo individual de cada caso das empresas em situações difíceis, com
“aplicação de um planejamento de rolagem de dívidas, em prazos compatíveis com a situação
de cada uma, incluindo períodos de carência para o início dos pagamentos”
345
.
A prometida comissão chegou a Fortaleza a partir de 12 de abril e recebeu todos os
setores econômicos do Estado para ouvir as queixas e reivindicações. Os principais problemas
eram a falta de crédito para capital de giro em bancos oficiais, além das dívidas contraídas
através da Resolução 63 do Banco Central
346
.
Este dois exemplos mostravam a diferença entre FIEC e CIC. Enquanto a primeira
utilizava sua condição institucional para barganhar recursos visando atender demandas
específicas e localizadas, o CIC buscava discutir projetos gerais, deixando as questões
individuais para a ação de cada empresário.
Contrariamente ao esperado pelos industriais, aumentava o número de pedidos de
concordata e mais uma vez o CIC ia além na análise dos motivos desta alternativa à falência.
Cândido Quinderé, vice-presidente do Centro, qualificava as altas taxas de juros e a recessão
interna, como um problema conjuntural que não se normalizaria “enquanto a economia como
um todo não estiver mais sadia”. Inácio Capelo pregava que o sistema bancário, que tivera
342
Idem, 19 de maio de 1984, págs. 06 e 16.
343
Idem, 26 de julho de 1984, pág. 06.
344
Idem, 13 de agosto de 1984, pág. 10.
345
Idem, 31 de março de 1984, pág. 10.
346
Idem, 26 de abril de 1984, pág. 12.
189
períodos de “lucros fartos”, deveria “aceitar a concordata, que faz parte do risco e é uma
medida legal, perfeitamente justificável”
347
.
Concomitantemente à defesa das empresas diante da crise, o CIC também levantou
questões de cunho nacionalista, principalmente quando se referia ao FMI ou outra agência
multilateral. Sérgio Machado, por exemplo, criticou a exigência do Banco Mundial, para que a
SUDENE criasse uma superintendência adjunta, para cuidar especificamente dos pequenos
produtores. Embora não discordasse da necessidade de apoiar a agricultura familiar, via o fato
como “uma imposição desagradável” para a alocação de recursos no Projeto Nordeste
348
.
O Projeto Nordeste era considerado muito estratégico para a Região. Visava prestar
ajuda direta aos pequenos produtores rurais, através de meios para uma melhor distribuição de
renda, como educação, saúde, saneamento básico, agilização da reforma agrária, oferta de
crédito para a produção e elevação do nível tecnológico na agricultura. Para ter uma percepção
mais ampla sobre ele, além de exercer influência sobre sua montagem, o CIC trouxe o
economista Antônio Rocha Magalhães, da Secretaria de Planejamento da Presidência da
República e principal coordenador do Projeto, para uma conferência
349
. O próprio palestrante
reconheceu que os grupos políticos ainda não haviam se voltado para a problemática
nordestina, por isso, a participação do empresariado cearense na luta pelo desenvolvimento do
mercado consumidor da Região tinha que ser travado junto ao governo
350
.
Mesmo preocupados com a sucessão presidencial, os diretores do CIC não
descuidaram da política estadual e realizaram um seminário tendo como foco o primeiro ano
do Governo Gonzaga Mota. De 03 a 17de julho de 1983, fizeram debates com secretários e
políticos, analisando como estaria o Governo depois de “cinco anos de seca, quatro meses de
347
O Povo 11 de abril de 1984, pág. 10.
348
O Povo 18 de abril de 1984, pág. 10.
349
O Povo 27 de abril de 1984, pág. 06. Magalhães, inclusive, será o Secretário de Planejamento no primeiro
governo Tasso (1987-1990).
350
O Povo, 28 de abril de 1984, pág. 12.
190
inverno regular e muitos discursos políticos do Governador”
351
. Era uma forma de manter um
apoio crítico a um Governador que apoiaram eleitoralmente e alimentaram muita expectativa,
que estava sendo chamado por setores empresariais tradicionais de egoísta por sobrepor “sua
ideologia política aos reais interesses do Estado, conseqüentemente de sua população”
352
.
Ao mesmo tempo o CIC estreitava sua relação com os movimentos sociais,
principalmente o sindical, como se percebia das declarações sobre as mudanças na política
salarial que o Governo Federal fez em setembro de 1984. Ignácio Capelo lembrava sua defesa
de reposição salarial do trabalhador desde 1979, “quando o arrocho salarial passou a ser mais
intenso”. As mudanças na política salarial representavam “o atestado de um governo cujas
características são a incoerência, a inconstância e a inconseqüência”. Capelo propunha
reajustes salariais que acompanhassem a inflação, pois, nos balanços das empresas, os salários
estavam ocupando “o terceiro ou quarto lugar entre os itens de despesas, estando à sua frente
os custos financeiros e a tributação”
353
.
Beni Veras criticava a proposta de livre negociação, para os que ganhavam acima de
três salários-mínimos, devido à “insuficiente organização dos trabalhadores em seus
sindicatos, para que pudessem discutir com a mesma força do empregador”. “Isso seria como
a luta entre Davi e Golias”. a liberdade sindical, com sindicatos atuantes e organizados
colocariam o trabalhador em “pé de igualdade com o empregador”. A estratégia de redução
dos salários para baixar a inflação, já tinha se demonstrado inadequada e tornara a “sociedade
inviável e o povo já não podia mais pagar tal custo”
354
.
O discurso afinado com os movimentos sociais e com a esfera empresarial, bem como
a destacada articulação na Frente pró-Tancredo do Estado, levou ao jornalista F.S.Cartaxo
Rolim a escrever um artigo denominado “Empresários na cena política”, destacando a
351
Idem, 17 de julho de 1984, pág. 06
352
Idem, 27 de agosto de 1984, pág. 19.
353
Idem,15 de setembro de 1984, pág. 11.
354
O Povo, 15 de setembro de 1984, pág. 11.
191
desenvoltura dos empresários, que se movimentavam entre políticos com mandatos,
intelectuais de esquerda, operários, líderes comunitários, estudantes e funcionários públicos,
numa “miscelânea ideológica” difícil nas “paragens marcadas pelo encastelamento de grupos”.
Uma situação comprovadora de que “novas forças estão saindo dos casulos e expondo-se ao
sol calorento da opinião pública”, ocupando espaços políticos, protegidos pela aragem da
Abertura. Entretanto, tinham peculiaridades, pois possuíam uma “razoável homogeneidade de
pensamento frente às questões fundamentais colocadas na ordem do dia dos problemas
nacionais e regionais”; agiam em bloco; tinham consciência de seu papel no processo político
local; assumiam postura de oposição à oligarquia, embora timidamente; expressavam uma
reação aos interesses dos chefes dos clãs tradicionais, principal “obstáculo ao florescimento de
novos agentes políticos”; diferenciavam-se dos empresários que atuaram na política cearense,
nas décadas de 50 e 60, por serem “irrequietos e exigentes cobradores de prática coerente com
o discurso”.
O crescimento deste movimento era interpretado como a “confluência de anseios
nascidos da intuição da classe operária e de camadas médias urbanas, sensíveis às mensagens
de transformações sociais epidérmicas”
355
.
Como que complementando esta análise, o mesmo jornalista, dias depois, ao
comentar o rompimento de Gonzaga Mota com os Coronéis, apresentava o fato como a
criação de condições para a emergência de novas lideranças, exigindo-se “competência na
administração das contradições no seio da oligarquia”
356
.
No mesmo dia 02 de novembro, a coluna “Política” de O Povo, mostrava como o CIC
mantinha-se em alta no cenário nacional, através de dois fatos: a participação de Sérgio
Machado num debate de televisão, promovido pela Abril Vídeo em São Paulo, e a
homenagem do governador de Pernambuco, Roberto Magalhães, a Tasso Jereissati, que o
355
Idem, 09 de setembro de 1984, pág. 04.
356
O Povo, 02 de novembro de 1984, pág. 04.
192
retirou do público presente na inauguração de uma fábrica em Petrolina, para postar-se ao seu
lado no palanque oficial, onde estavam José Sarney e Marco Maciel
357
. Em dezembro, Tasso
foi nomeado para o Conselho de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria,
cujo presidente era o Senador Albano Franco
358
. Em fevereiro de 1985, foi um dos poucos
empresários a comparecer ao almoço que a bancada do PMDB cearense ofereceu a Ulysses
Guimarães, na residência do deputado Luiz Pontes, o que despertou novas suspeitas de
ingresso na vida política, logo desmentido sob a alegação que sequer era filiado a um
partido
359
.
Tasso era membro da Câmara de Comércio Brasil-EUA e, constantemente ia àquele
país para participar de reuniões ou de seminário de atualização política, econômica e social em
Chicago, berço da escola liberal de Milton Friedmam. No mês de novembro, Tasso levou
Sérgio Machado, que, no retorno, espantou-se com a quantidade de adesões que Tancredo
estava recebendo: “o historiador que pesquisar nossa história nos últimos dois anos vai ficar
maluco”
360
.
Este contato com os EUA e suas Escolas Liberais, pareciam não influenciar naquele
momento os membros do CIC. Sérgio Machado, em debate sobre os 25 anos da SUDENE, por
exemplo, elogiou os progressos conseguidos na Região, mas lamentava a grande concentração
de renda e o aumento do fosso que separava o Nordeste do resto do país, com seu bolsão de
miséria, onde 90% da população viviam em condições de absoluta miséria e altos índices de
mortalidade infantil.
Para mudar tal quadro, propugnava a criação de um novo modelo de
desenvolvimento, que se destinasse à Região empresas estatais que se tornassem “um
instrumento ideal para provocar o desenvolvimento”, mas empresas que não usassem
357
Ibidem, pág. 06.
358
Idem,15 de dezembro de 1984, pág. 06
359
Idem, 12 de fevereiro de 1985, pág. 02.
360
Idem,21 de novembro de 1984, pág. 06.
193
tecnologia poupadora de mão-de-obra e que dessem apoio aos pequenos. Como “modelo
ideal”, citava a indústria de informática e propunha ainda uma Reforma Agrária, a formação
de reservas hídricas para expansão da fronteira irrigada e a estabilização da produção agrícola,
além de uma política de crédito que priorizasse a produção, ao invés da especulação
financeira.
Tudo isso, entretanto, exigia tornar a Questão Nordeste prioritária, algo que
aconteceria pela aglutinação e fortalecimento das lideranças nordestinas, com a volta da
democracia, com o fortalecimento do Congresso, onde as lideranças seriam ouvidas e “Os
deputados teriam que representar bem as suas bases, sob pena de não se reelegerem”
361
.
Ou seja, a democracia era a condição institucional apropriada para se fazerem ouvir,
influenciar a representação política, na obtenção de uma política de desenvolvimento que
tornasse a Região uma prioridade nacional.
Mas o CIC também era dotado de um senso crítico sobre os responsáveis internos
pelo atraso da Região, como Beni Veras demonstrou num longo artigo. A Região jamais tivera
uma elite capaz de dialogar com os donos do poder, pois tinha uma base econômica frágil e
sujeita à regularidade climática. Nunca se sentiu comprometida com as misérias, por ver nelas
o contraponto e o suporte da cultura “dos sobrados”. Uma elite reacionária, alienada, fraca,
pobre e artificial, mantida por subsídios federais, que ocupava as melhores terras e mantinha
relações de trabalho desiguais, que se prestava a um “estranho pacto”, no qual entregava o
progresso ao centro sul, em troca da não modernização das relações políticas regionais, que
dava suporte ao autoritarismo nacional, tendo em contra-partida a consagração de seu mando
local, em detrimento do desenvolvimento regional e que entregavam aos tecnocratas e
militares a “solução de nossos problemas”, para se qualificarem como os mais amigos, os que
361
O Povo, Caderno Especial Jubileu de Prata. 25 anos SUDENE. , 15 de dezembro de 1984. págs. 06 e 07.
194
mais apoiaram, aplaudiram e angariaram votos, os responsáveis pelo caminho da bajulação e
da subserviência que levara a região à estaca zero
362
.
Continuando seu discurso, Beni lembrou que a criação da SUDENE, em 1958,
devera-se à pressão das Ligas Camponesas. Portanto, os Governadores do Nordeste que
estavam apoiando Tancredo Neves Gonzaga Mota, Roberto Magalhães, Agripino Maia
deviam lembrar que o bom poder não vinha da “sabedoria solitária, aurida na universidade, no
gabinete ou no quartel, mas do livre jogo democrático, onde as diversas camadas da sociedade,
exerciam soberanamente a cidadania, pressionado e lutando pelos seus direitos e
necessidades”.
Como contraponto, disse que a “alienação coletiva era algo estéril e concorria para a
consolidação de lideranças tíbias e distantes da realidade da região”. O reconhecimento dos
direitos do Nordeste passava pela formação de uma opinião pública regional, onde os pobres
explicitassem suas carências e que servissem de base das lideranças, “que deviam endireitar a
espinha e engrossar a fala, se não quisermos ser ultrapassados pelo mar de miséria que corria e
que haviam sido tão bem escondidos”.
363
Esta boa visão sociológica da realidade nordestina de Beni Veras foi mais uma vez
apresentada ao público quando José Sarney, vice-presidente na chapa de Tancredo Neves,
esteve em Fortaleza. No seu discurso o ex-presidente do CIC saudou os parlamentares do
Estado que iriam sufragar a chapa oposicionista no Colégio Eleitoral, dizendo que estavam
“resgatando a dívida do sistema político acumulada com o povo, privado de eleger seu
Presidente”. Os parlamentares restauravam o conceito da classe política, manchada pelos que
tinham uma longa carreira de corrupção e que buscavam coroá-la barganhando a Presidência
da República, “colocando um homem sem qualquer afinidade com o povo, incapaz de
acreditar em qualquer valor ético, e dedicado exclusivamente a tomada do poder”.
362
O Povo, Caderno Especial Jubileu de Prata. 25 anos de SUDENE. 15 de dezembro de 1984., pág. 09.
363
Ibidem.
195
O Estado brasileiro daquele momento era uma instituição “sem povo”; um “poder
unitário acima do Congresso, da Federação e da classe política”; que retirava dos Estados a
renda e concentrava nas mãos de “poucos tecnocratas”; que viciava a legislação eleitoral com
casuísmos estapafúrdios como senadores biônicos, voto vinculado, proibição de alianças
partidárias e Colégio Eleitoral. O apoio à candidatura do PMDB seria o engajamento na luta
pela plenitude democrática, que “elite alguma é capaz de encaminhar o equacionamento de
nossos problemas, a menos que ela se torne instrumento do povo”.
Mudar o Brasil, entretanto, pressupunha a “consolidação de instituições democráticas
estáveis e a eliminação dos absurdos desníveis acumulados, tanto ao nível das classes sociais
como ao nível regional”, provocados pelo Milagre Econômico, que concentrara renda e
produzira “uma relação colonial dentro do mesmo país”.
Citava como exemplo disso a cidade de Fortaleza, que como “uma boa colônia”,
preservava para os turistas uma visão moderna e razoavelmente limpa, mas escondia os pobres
e miseráveis na periferia, possuía vários “penduricalhos da civilização industrial para o
desfrute de ínfimas minorias”, enquanto a maioria padecia com os índices sociais africanos. A
seca e seu cenário de fome e miséria era uma prova da falta de ação das elites da região em
assumir os problemas e “coordenar uma ação política capaz de mover o eixo do poder”.
Embora reconhecesse a liderança nacional e regional de Sarney, lembrava que, no
passado, alguns filhos do Nordeste, estiveram no “Poder maior”, e deixaram-se “ofuscar pelo
brilho da civilização do centro sul e passaram a representar para um público nacional,
buscando demonstrar isenção justamente do distanciamento em relação aos nossos
problemas”.
“Nada havia sido feito no Nordeste” devido à incapacidade dos nordestinos de
sensibilizar o poder, que o espetáculo deprimente das carências podia ser esquecido
“mediante o simples clic do desligar de uma televisão” e nossos governantes podiam afastar a
196
depressão “passeando pelos campos verdes de Brasília, em alamedas de floridas espatódias”.
A Capital Federal teria um ar de “prosperidade e distanciamento” e o presente parecia “sempre
estável”, tornando difícil, portanto, a intranqüilidade dos “donos do poder” com as
dificuldades regionais. Numa democracia, entretanto, os líderes da região poderiam participar
da “festa cívica do aplauso e da crítica”, fazendo valer o peso de 30 milhões de habitantes,
capazes de votar e de se manifestar democraticamente.
Beni ainda lembrava a Sarney que seu mandato não era algo dado
incondicionalmente, mas uma delegação pela via legal, para que o Estado compreendesse que
não se devia forçar a “pacífica gente” do Nordeste a aprender a lutar pela via da “sublevação e
do terrorismo”. E, de forma altiva, afirmava:
De V. Excia. esperamos as palavras que nos infundirão maior confiança em
nosso futuro. O Nordeste deu muito para a reconstrução do Estado
democrático e desta vez não se dispõe a representar o papel de Pedro Pedreiro
ou de candango de Brasília, que assiste a inauguração fora da faixa de
segurança e fica proibido de entrar
364
.
Beni Veras demonstrava a compreensão que tinha sobre desenvolvimento do
Nordeste ao defender o “patrocínio” do Estado, como “ponto de partida”, “um motor novo”, já
que o pouco dinamismo econômico local impediria o crescimento. Entretanto, defendia que
mais que dinheiro, era necessário oportunidades para incentivar as indústrias mais apropriadas
para a Região, ou seja, as que podiam gerar empregos de forma a desenvolver a massa
populacional. As elites cearenses teriam se mostrados incompetentes na distribuição
eqüitativa da riqueza e portanto, devia-se pensar de modo contrário. A crítica de Beni se
explicava pelo fato de os investimentos do FINOR servirem para empresas de capital
364
O Povo, 31 de dezembro de 1984, pág. 03.
197
intensivo, o que forçava os industriais nordestinos partirem para uma concentração intensiva
de capital, restringindo bastante o emprego de mão-de-obra
365
.
A FIEC, por sua vez, apresentou um documento de três laudas com “proposições
imprescindíveis ao desenvolvimento da Região”, defesas genéricas como a “recuperação da
SUDENE como órgão gestor do desenvolvimento regional”, aprovação do Plano Diretor da
entidade pelo Congresso, reestruturação do seu Conselho Deliberativo, reduzindo a presença
do Governo Federal e ampliando a regional com a presença de empresários e da Universidade,
restabelecimento das fontes oriundas das deduções do Imposto de Renda para o FINOR, não
liberação de recursos do Fundo para empresas estatais, reforma tributária; reestruturação do
sistema financeiro nacional, desenvolvimento regional de longo prazo, ênfase nos
investimentos relacionados ao aperfeiçoamento do fator humano, dentre outras propostas
366
.
Na verdade, a FIEC parecia se incomodar com o novo quadro político que se
desenhava, como se percebe da fala de José Flávio em 06 de fevereiro, na sede da Federação.
Confessava que não havia se empolgado com o entusiasmo das massas que lutava por
“mudanças”, termo que considerava haver se tornado slogan desde o Império, passando pelas
Repúblicas e 1964, sem mudar os problemas econômicos-sociais enfrentados e que
continuariam após a posse de Tancredo e a reabertura das instituições democratas. Acusava o
discurso mudancista de retórica esquerdista que transitava pelo centro e pela direita como uma
“ladainha vaga”, que a ideologia era algo falso, de “cantochão fofo, sem conteúdo cívico,
sem embasamento ético”. Ademais, o jogo da busca pelas posições no novo governo dava
amostra do que seriam as “mudanças”, que o clamor das manifestações amortecera-se e seu
eco não repercutia mais, frente ao “pragmatismo das espertezas”, ao balet burlesco”, “à
coreografia da concupiscência, à licenciosidade dos tempos alimentada pela impunidade”. A
365
O Povo, 01 de março de 1985, pág. 02-06. Caderno Debates do Povo.
366
Idem, 23 de janeiro de 1985, pág. 10.
198
classe política era apresentada como “passageiros de Trens da Alegria”, com bilhetes de
“comissão ou de omissão”.
Citando a frase de um “conhecido sociólogo político”, dizia em forma de lei “Fica
proibida a enumeração de objetivos gerais com os quais todo mundo está de acordo. É
compulsória a especialização de métodos, instrumentos, agentes econômicos e prazos de
execução”.
Para Costa Lima, seus associados seriam os agentes econômicos, que trabalhavam e
dirigiam a produção, os homens necessários ao momento pós-posse, por isso, procurava dar
“idoneidade sindical” à FIEC e convocar todos ao trabalho, visando a fortalecer a entidade
para os debates a que seriam chamados. A mudança ocorreria pelo preparo dos
empresários, “da brasilidade”, “da revolução pelo cumprimento da lei e da punibilidade dos
que abusam do poder político e econômico”
367
.
Mudando as posturas, enquanto a FIEC se encaminhava para uma postura mais
oposicionista, o CIC, defendia o novo governo. Sérgio Machado aprovou as primeiras
medidas econômicas que a suspenderam, por sessenta dias, os financiamentos à indústria e
comércio, alegando tratar-se de medidas transitórias para atender à austeridade que seria
permanente e a atividade produtiva, que seria privilegiada em detrimento da especulação,
saindo-se “da economia do papel para a economia da produção”
368
.
Tasso fez o mesmo no telejornal Bom Dia Ceará do dia 21 de março, onde ressaltou o
carisma do presidente Tancredo e a maneira ética e correta como se portava o vice-presidente
José Sarney
369
.
Em maio, o CIC foi convidado pela Presidência da República, a participar da reunião
do Conselho Deliberativo da SUDENE, tendo recebido atenção tanto de Sarney quanto do
vice-presidente Marco Maciel
370
.
367
O Povo, 07 de fevereiro de 1985, pág.12.
368
Idem 20 de março de 1985, pág. 10.
369
Idem,22 de março de 1985, pág. 06.
199
Dias depois, Sérgio e Tasso foram convidados pela editora Abril para compor a
platéia de um debate com os ministros do Planejamento, Fazenda, Indústria e Comércio, e da
Agricultura, respectivamente João Sayad, Francisco Dorneles, Roberto Gusmão e Pedro
Simon, que se realizou no auditório Petrônio Portela do Senado Federal
371
.
Em 14 de junho de 1985, Tasso era o único empresário nordestino, num grupo de dez
convidados para uma reunião com José Sarney em Brasília, na qual defendeu a redução das
taxas de juros, que “dependia apenas da redução das taxas de captação no mercado financeiro,
feitas pelo governo anterior e principal culpado pela sua impopularidade”
372
. Pediu também a
participação do Nordeste no Plano Nacional de Desenvolvimento e a preocupação do governo
com o sucesso da iniciativa privada, através de uma redução dos juros
373
.
No mesmo dia, Sérgio Machado aparecia nas páginas dos jornais defendendo a
reforma agrária do governo federal, duramente atacada pelo ex-ministro Armando Falcão, que
a considerava uma ameaça ao direito da propriedade. O presidente do CIC considerava
imprescindível a reforma para o crescimento de uma classe média rural, que seria a principal
“barreira para qualquer processo de socialização exarcebada”. Ademais, forma-se-ia uma
cadeia de pequeno produtores e novos consumidores, que possibilitaria o aumento da
produção de alimentos para o mercado interno do Estado
374
.
Em 19 de junho, defendia a portaria da SUDENE que disciplinava os investimentos
do FINOR, que estava sendo criticada por setores econômicos da Região. A medida, segundo
Sérgio, visava corrigir distorções que podiam denegrir a imagem do Fundo. Retirava recursos
dos setores deficientes e encaminhava-os para as atividades de “retorno garantido e
eficiente”
375
.
370
Idem, 25 de maio de 1985,pág. 06.
371
O Povo, 28 de maio de 1985, pág. 06.
372
Idem, 13 de junho de 1985, pág. 09.
373
Idem, 15 de junho de 1985, pág. 10.
374
Idem, 13 de junho de 1985, pág. 09.
375
Idem, 19 de junho de 1985, pág. 14.
200
O vínculo com o Governo Federal tornou-se tão forte que João Sayad, Ministro do
Planejamento, promoveu um encontro com lideranças políticas e empresariais do Nordeste em
Fortaleza, no dia 06 de setembro de 1983, para discutir o Plano Nacional de Desenvolvimento,
em atendimento à reivindicação de Tasso. Solicitou então ao CIC a organização do evento
376
.
Na abertura, Sérgio saudou a Nova República, que se abria para o “planejamento
democrático”, que era a primeira vez na História do país que a sociedade era convocada
para debater e apresentar críticas e sugestões “ao principal documento orientador de sua
política econômica”
377
.
A popularidade da Nova República, entretanto, naquele contexto pré-cruzado, não era
das melhores. A vitória de Maria Luiza do PT, nas eleições para Prefeitura da Capital, levou
os empresários do CIC a se preocupar com “a mudança qualitativa no processo político”. Algo
que exigiria dos políticos uma nova postura, estilo e ação. Para tanto, segundo declaração de
Sérgio, era preciso que “os outros partidos transfiram para a ação administrativa o que pregam
nas praças públicas”
378
.
Seu pai, Expedito Machado, membro do PMDB, defendeu uma análise profunda,
desapaixonada e “cartesiana” para que esses fenômenos (causas da vitória do PT) fossem
detectados, para que não ocorressem “surpresas nos resultados do pleito do próximo ano,
quando estão sendo escolhidos os novos governadores, vice-governadores, senadores e
deputados”
379
.
Talvez com a mesma preocupação o CIC, em dezembro de 1985, tentou lançar o
nome de Tasso para ser candidato a Governador do Estado, através do Superintendente
adjunto da SUDENE, Moslair Cordeito Leite, durante uma reunião dos empresários com
jornalistas. A coluna “Política” do O Povo debitou o lançamento da candidatura a uma
376
O Povo, 04 de setembro de 1985, pág. 06.
377
Idem, 07 de setembro de 1985, pág. 06.
378
Idem, 28 de novembro de 1985, pág. 04.
379
Idem,17 de novembro de 1985, pág. 05.
201
iniciativa individual de Moslair, influenciado pelo “clima da reunião”. Deu espaço ainda para
as justificativas do autor da idéia, que via em Tasso, “um empresário que se firmou perante o
seu setor, do qual se destaca pela competência com que age e pelo respaldo político que seu
nome tem perante a sociedade cearense”
380
. A nota se mostrava simpática à idéia, embora
também demonstrasse uma certa reserva, quanto à sua viabilidade.
Dois dias depois, no mesmo espaço, encontrava-se um comentário da “boa
repercussão” da indicação de Tasso para o Governo do Estado, nos meios empresariais e
políticos
381
, mas não houve maiores inserções de comentários e notícias até abril de 1986,
quando Tasso é anunciado por Gonzaga Mota, como candidato do PMDB.
Esse lançamento, entretanto, reforça a tese de que o CIC já vislumbrava, no apagar do
ano de 1985, a possibilidade de apresentar-se como uma alternativa política, frente aos
evidentes desgastes das lideranças políticas do Estado, como se evidenciava com a eleição de
Maria Luíza.
Esta tomada de consciência de agente histórico e as características que a disputa
eleitoral tomou na eleição de 1986, bem como o papel da imprensa na criação de uma mística
“mudancista”, será o objeto de análise do próximo capítulo.
380
O Povo 29 de dezembro de 1985, pág. 02.
381
O Povo 31 de dezembro de 1985, pág. 02.
202
CAPÍTULO III
1986: PROJETO POLÍTICO E PROCESSO ELEITORAL
III.1. O ETERNO DEUS MUDANÇA
de janeiro de 1986. Fortaleza tinha uma movimentação pouco comum para um dia
pós-réveillon, em que tradicionalmente as ruas estariam pouco movimentadas, retratando o
estado de cansaço e fadiga da maioria de seus habitantes. Entretanto, algo diferente estava
acontecendo. As ruas do entorno do Palácio do Bispo sede da Prefeitura Municipal no
centro da cidade, viam um intenso movimento de carros, ônibus e pedestres desde as primeiras
horas da manhã.
Várias emissoras de rádio e tevê, periódicos locais e da pretensa “grande imprensa”
do sudeste, juntamente com as principais lideranças nacionais do Partido dos Trabalhadores,
estavam presentes.
Todos aguardavam o fenômeno” Maria Luíza Fontenele, primeira prefeita eleita da
capital cearense depois da implantação da Nova República. Sua inesperada vitória, derrotando
as principais forças políticas do Estado, e sua filiação ao PT deram um relevo nacional à posse
municipal.
Uma manchete dava a dimensão do clima de expectativa
e de esperança pela mudança política que cercava aquela posse:
“O destino de Fortaleza, nas mãos de Maria“
382
. Até uma
indústria de laticínios, procurando capitalizar esse estado de
espírito, publicou uma foto da nova prefeita com um copo de
leite. Acima, desejava, em letras garrafais: “Saúde Prefeita”
383
.
O desejo de mudanças do eleitorado da capital passou a
ser objeto de preocupação das lideranças políticas do Estado que,
naquele ano, passariam por eleições legislativas e de Governo.
382
O Povo, 02 de janeiro de 1986, pág. 1.
383
Ibidem, pág. 5.
203
Expedito Machado, pai de Sérgio Machado, como que resgatando a fala do filho num artigo
de 1983, afirmava: O PMDB tem que mudar imediatamente ou o povo fará as mudanças à
nossa revelia, como nas eleições para prefeito”. Para tanto, pregava o fim das divisões entre
pré-históricos (oriundos do antigo PSD e MDB), históricos (os que entraram através da
implantação da sigla PMDB) e novatos (os que se filiaram juntamente com o governador
Gonzaga Mota em 1984, na maioria, ex-integrantes da ARENA, PDS e PFL)
384
.
Entretanto, esta mudança encontrava uma dificuldade em se fazer crível ao
eleitorado, pois o nome do partido à sucessão estadual - Mauro Benevides - representava um
modelo tradicionalista de fazer política. Na ocasião, defendia até uma aliança com o
“coronelato”, já que, por seu ponto-de-vista, unidos seria impossível vencê-los. Mauro e o
PMDB tinham uma histórica dependência de alianças com os coronéis para vencer embates
eleitorais. Na eleição para o Senado, em 1974, quando Mauro foi eleito, foram beneficiados
com a cisão entre César Cals (então Governador do Estado) e Virgílio Távora, que apoiou sua
candidatura oposicionista. Na eleição de Carlos Castelo para a presidência da Assembléia
Legislativa em 1984, na escolha dos delegados estaduais para o Colégio Eleitoral e na
indicação de Barros Pinho para a prefeitura de Fortaleza em 1985, necessitaram dos votos
oriundos de Adauto Bezerra (vice-governador de Gonzaga Mota).
Ademais, o PMDB havia perdido o élan progressista de centro-esquerda a partir do
surgimento do PT e da legalização dos partidos comunistas. A derrota de Paes de Andrade
para Maria Luiza no ano anterior confirmava isso.
Visando construir uma candidatura que tivesse um amplo arco de aliança e impedisse
novas “surpresas”, Mauro Benevides, Gonzaga Mota e o vice-governador Adauto Bezerra,
passaram a dialogar visando a reedição de uma nova União Pelo Ceará, na qua várias forças
384
Expedito quer mudar PMDB ante do povo. O Povo , 05 de janeiro de 1986, pág. 2.
204
políticas, venceram divergências e se uniram contra o PTB de Carlos Jereissati, em 1962,
conseguindo,assim, a eleição de Virgílio Távora para governar o Estado.
Apesar da incontestável liderança de Mauro Benevides no PMDB, tal articulação foi
repudiada pela base do partido que, em reunião do diretório estadual em 27 de fevereiro,
deliberou pela candidatura própria em aliança com o PFL, desde que este aceitasse o cargo de
vice-governador
385
. Essa reação da base exigiu a busca de outra solução que atendesse às
ansiedades “mudancistas” das bases partidárias e da população.
Outros políticos joviais, mas que militavam nos partidos tradicionais, buscaram
capitalizar a onda “mudancista”, apresentando-se como renovação no cenário político
cearense. Era o caso dos deputados federais Paulo Lustosa e Lúcio Alcântara, membros do
PFL e ex-empedernidos militantes da ARENA e do PDS. O primeiro era de família tradicional
de Sobral, adversária dos Ferreiras Gomes que, pelo apoio a Tancredo e Sarney, tornou-se
Ministro da Desburocratização. Lúcio Alcântara era filho do ex-governador do Ceará
Waldemar Alcântara (janeiro de 1978 a março de 1979) e ex-prefeito nomeado de Fortaleza
(1979-1982).
As pretensões dos dois, entretanto, estavam sendo truncadas pelo desejo e primazia
do vice-governador Adauto Bezerra de voltar a dirigir o Estado
386
. Adauto buscava capitalizar
sua participação na implantação da Nova República e também se apresentava como renovado
e renovador. Tal intento o fez protagonizar uma situação hilária: no dia 03 de janeiro, o
senador Virgílio Távora retornava a Fortaleza, após longo período de ausência do Estado
provocado por problemas de saúde. Como de praxe, foi recepcionado por aliados e
385
O Povo, 17 de fevereiro de 1986, pág. 2.
386
Adauto Bezerra representava uma forte e influente família política oriunda de Juazeiro do Norte - região sul
do Estado. Empresário e banqueiro, tinha governado o Estado de março de 1975 a janeiro 1978. Elegeu-se
deputado federal em 1978 e, em 1982, vice-governador na chapa de Gonzaga Mota. Em 1984, apoiou a eleição
dos delegados estaduais que iriam eleger Tancredo Neves em 1985. Para maiores informações sobre a família
Bezerra, LEMENHE, Maria Auxiliadora. Família, Tradição e Poder.São Paulo.Anna Blume.1994.
205
correligionários. Adauto foi lá, mas não quis ser fotografado ao lado de Virgílio e de César
Cals, chegando a discutir com o fotógrafo que tentava fazê-lo.
O cartunista Sinfrônio representou bem a comicidade da situação, mostrando Adauto
escondido atrás de uma cortina, no show do reencontro dos três coronéis.
Essa ânsia dos políticos tradicionais de
apresentarem-se renovados levou o jornalista Jorge
Henrique Cartaxo a compará-los com um personagem
de Alejo Carpentier na obra O recurso do método, um
refinado ditador caribenho, que vivia em Paris, e que
recorrentemente enfrentava generais golpistas e
rebeliões populares, os quais o forçavam a retornar e se
embrenhar pelas selvas, combatendo os inimigos; após
a vitória, aparecia impecável na sacada do palácio para falar e conquistar as massas. Numa das
contendas, foi traído pelo seu Ministro da Guerra. Percebendo que o uso militar seria um
recurso menor, frente à necessidade de novamente conquistar o povo que estava influenciado
pelo “aroma enigmático das transformações”, pensa num discurso para reverter a situação.
Lembrou que o golpista era neto de alemão, nacionalidade em guerra com a França e cujo
Governo, numa estratégia de arregimentação do povo gaulês, condenava o discurso racista
germânico por ser incompatível com o cristianismo. Lembrou também que seu país era
composto de mestiços, índios e negros. Estava montado o discurso e a estratégia para
conseguir novamente o apoio popular.
Para o jornalista, o fato novo que levou os políticos cearences a buscarem novos
discursos teria sido Maria Luíza, que denominava de uma “nova estrela, caída da cauda do
cometa da Nova República”. Por isso, buscavam reeditar uma nova União pelo Ceará,
unificando os discursos e não desarticulando a ordem.
206
Essa sensação de vazio, de falta de um nome que capitalizasse o sentimento de
mudanças, preocupava também as lideranças do CIC. Após a tentativa de emplacar o nome de
Tasso para o Governo, no fim do ano anterior, a entidade passou a ser tratada com mais
severidade.
Lúcio Brasileiro chegou a escrever que a entidade estava perdendo sua unidade de
pensamento e ação, além da filosofia inicial de pôr o coletivo acima do individual. Para
intitular a nota e reforçar essa diminuição de influência, apresentava quatro vezes a sigla
gradativamente substituindo as letras maiúsculas por minúsculas
387
.
Reforçando a idéia
de desvirtuamento do CIC, o
professor Cléber Aquino, da
USP, em palestra para o
Clube de Diretores Lojistas
em Fortaleza, defendia que o CDL assumisse um papel político definido e não-partidário, com
instrumentos de contribuição ao desenvolvimento da comunidade e não apenas dos interesses
próprios. Por representar um empresariado coeso, jovem em termos de idéias e de forte poder
econômico na comunidade, a entidade lojista seria a mais apropriada para tal missão, que
outras congêneres haviam sido sepultadas pela não adaptação dos valores à nova realidade (se
referindo à FIEC) e outra por se perder em lutas internas pelo poder (CIC)
388
.
No dia 17 de janeiro, Tasso Jereissati, Assis Machado Neto e Cândido Quinderé
almoçaram com o presidente da República José Sarney, no Palácio Alvorada
389
. Como
noticiado posteriormente, as conversas no jantar rodaram em torno da sucessão cearense
390
.
Naquele momento, Sarney buscava manter a Aliança Democrática nos Estados, ameaçada de
387
O Povo, 10 de janeiro de 1986, pág. 03
388
O Povo, 06 de fevereiro de 1986, pág. 10.
389
Idem, 18 de janeiro de 1986, pág. 04.
390
Idem, 21 de janeiro de 1986, pág. 02.
207
esfacelar-se com as disputas eleitorais. Para tanto, arquitetava candidaturas que fossem as mais
consensuais possíveis para PFL e PMDB. Tasso parecia ser um balão de ensaio para tal
pretensão.
No entanto, um fato postergou tal definição e manteve a sensação de vazio na
sucessão estadual. No dia 25 de janeiro, após consultas de rotina em Cleveland, como fazia
regularmente, Tasso foi submetido a uma cirurgia coronariana, que lhe implantou duas
mamárias e uma safena. “Como são duplas, sai com seis pontes no peito. Um recorde”
391
.
Dentre os vários telefonemas que recebeu, estavam o do presidente José Sarney
(PMDB) e do ministro da Educação Marco Maciel (PFL)
392
. Na ligação atendida pela esposa,
Sarney perguntava sobre como estava “o nosso Tasso” e terminava soltando uma sutileza
política: “Diga a ele para ficar bom. Vou precisar muito dele no Ceará”
393
.
Outro agravante para a dificuldade de definição de um nome era a compreensão, tanto
dos empresários como das forças partidárias tradicionais, de que o novo Governador não
poderia ter nenhuma pretensão política posterior ao mandato. O descalabro financeiro e
administrativo do Estado exigiria uma ação enérgica do futuro ocupante do Palácio da
Abolição que, conseqüentemente, produziria a perda de correligionários e amigos na primeira
hora do mandato, o que explicava a preferência dos potenciais candidatos do PMDB Mauro
Benevides, Barros Pinho e Expedito Machado pelas duas vagas de senador
394
ficando o
Executivo no plano secundário.
Nos jornais evidenciava-se o descontentamento com os nomes oferecidos. Um
editorial de O Povo de 17 de fevereiro, por exemplo, deplorava o nível das negociações, que
buscavam juntar correntes ideológicas adversas, mais com preocupações em partilhar cargos
do que com um pacto para a execução de um programa mínimo em favor do Estado. Seria
391
RevistaPlayboy, janeiro de 1998, pág. 36.
392
O Povo, 03 de fevereiro de 1986, pág. 02.
393
Revista Senhor, 10 de março de 1987, pág.
394
O Povo, 25 de janeiro de 1986, pág. 4.
208
preciso inicialmente pensar um programa para redimir o Estado, depois a pessoa talhada para
executá-lo. “Era tempo de se conduzir o processo eleitoral para patamares condizentes com o
tempo novo inaugurado em março de 1985”
395
.
Até entre setores do PDS surgiram propostas no sentido de se reeditar a estratégia de
1982, quando um nome novo, Gonzaga Mota, assegurou a vitória do governo. Na fala de
Manoel de Castro, ex-governador do Estado (1982-1983), o ideal seria de um nome buscado
preferencialmente ou entre as “lideranças empresariais ou mesmo na política, desde que fosse
uma pessoa de senso, para tirar o Estado da situação caótica em que se encontrava”
396
.
Existia um sentimento de inconformismo e intolerância dos empresários do Estado
com as práticas de empreguismo e nepotismo, tanto cearense quanto Federal. Fernando
Macedo, do grupo J. Macedo, ao perguntar ao ministro do planejamento, João Sayad, durante
uma conferência no CIC sobre o Plano Cruzado, a respeito de como Governo Federal iria
reduzir o número de funcionários “ociosos, contratados por força política que lotavam os trens
da alegria”, expressou esse sentimento. Tal intervenção recebeu uma efusiva aclamação da
plenária
397
.
Se Fernando Macedo tivesse talentos mediúnicos, teria feito a pergunta a um colega
que estava no auditório e não ao ministro convidado. Após um mês de sua cirurgia, Tasso
Jereissati retornava timidamente à sua atuação corporativa. Cumprimentou pessoalmente o
ministro Sayad e reafirmou o apoio dos empresários do Centro ao plano econômico.
O debate serviu também para que Assis Machado Neto, presidente do CIC, reforçasse
o apoio da entidade ao Cruzado, pois “os juros escorchantes, decorrentes da estrutura
econômica do país, emperravam a máquina da produção, desorientavam as decisões do setor
produtivo, premiavam a especulação em detrimento da produção e perdia-se a noção de valor
395
Idem, 17 de fevereiro de 1986, pág. 06.
396
Idem, 21 de fevereiro de 1986, pág. 03.
397
Idem, 07 de março de 1986, pág. 2.
209
do cruzeiro. O Cruzado representava a luz que todos procuravam no fim do túnel das
incertezas de até então”
398
.
A decretação do Plano Cruzado, em 27 de fevereiro de 1986, provocou uma
reviravolta no cenário político nacional e estadual, significando um novo elemento na
definição de uma candidatura. A adesão popular na fiscalização dos preços e a deflação no
mês de março, fizeram de candidaturas apoiadas por Sarney e pelo PMDB os preferidos do
eleitorado para o pleito de 1986.
Aliado ao Plano econômico, outro fato veio contribuir para a possibilidade de uma
nova candidatura com feições empresarias: o lançamento de Antônio Ermírio de Morais para a
sucessão paulista. Como indicador da repercussão e expectativa que tal fato provocou, várias
lideranças industriais se posicionaram.
Paulo Vellinho, superintendente da fábrica de ar-condicionado Springer Admiral,
declarou que os políticos estavam desacreditados e “só procuravam os empresários para
financiamento das campanhas”, separando o empresário do cidadão, que tinha direitos de
opinar e se candidatar. Expressou inclusive sua disposição de se candidatar a um cargo eletivo,
como o próprio governo do Estado do Rio Grande do Sul
399
.
Pio Rodrigues Neto, empresário cearense, expressou sua euforia dizendo-se capaz de
passar uma temporada em São Paulo fazendo campanha para Antônio Ermírio, que empolgava
pelos métodos de trabalho e pelo carisma
400
.
Para o jornalista Morais Né, Antônio Ermírio representava “o momento de
engajamento e de reação contra as cúpulas partidárias que subordinavam questões político-
administrativas à conveniências de grupos oligárquicos”. Era uma advertência aos grandes
partidos que “se recusavam a conhecer a emergência de novos nomes, capazes de renovar a
vida política nos seus fundamentos e nas suas práticas”. Entretanto, reconhecia que o apego do
398
O Povo, 11 de março de 1986, pág. 2.
399
Idem, 27 de março de 1986, pág. 4.
400
Idem , 04 de abril de 1986, pág. 4, Segundo Caderno.
210
empresário paulista à “organização e ao método, ao trabalho e à eficiência, não o tornava o
tipo desejado por políticos afeitos ao uso da máquina administrativa como uma sociedade de
ações entre amigos”
401
.
Aristides Braga, Superindentente de Desenvolvimento da Bolsa de Valores Regional,
definia o industrial de São Paulo como político na acepção maior da palavra, que anos
defendia os interesses nacionais contrariando pessoas e grupos influentes, deixando de lado
seus negócios para defender suas idéias em conferências, seminários e entrevistas. Agia e
pensava em nome do bem coletivo, respeitando os direitos alheios, como fazia com os seus
setenta mil empregados. Era uma candidatura extra-partidária, mas necessária naquela
primeira fase de redemocratização que o país vivia, em que muitas lideranças políticas
notáveis estavam fora dos partidos. “Representava o Brasil de confiança, respeito e fé nos seus
destinos, no seu trabalho e nos horizontes largos. Era o Brasil do Cruzado, do fim da
especulação financeira, do apoio à produção. Do empresário que reinveste todo o lucro nas
empresas, pagando impostos e colaborando para a formação de um novo perfil do político
brasileiro”
402
.
Entretanto, a candidatura do capo bandeirante também gerou reação negativa entre os
setores políticos tradicionais, que chegaram a formular a tese da conspiração empresarial”.
No jornal Tribuna do Ceará, de propriedade do banqueiro, empresário e senador pelo PDS,
Afonso Sancho
403
, via-se um exemplo de tal argumento. Os empresários queriam não uma
boa bancada na Constituinte, como também os governos estaduais. O que provocaria o
aumento dos custos das campanhas. Ademais, ressaltava que estes empresários não tinham
partidos “nem compromissos”, mas tinham dinheiro, prestígio e espaço na imprensa.
401
Candidato Controverso. O Povo, 07 de abril de 1986, pág. 6.
402
O Povo, 08 de abril de 1986, pág. 6.
403
Num dos eventos do CIC, em 05 de setembro de 1980, Sancho protagonizou um bate-boca com Antônio
Ermírio que deixou os presentes bastante constrangidos. O motivo foram os ataques do paulista aos
banqueiros e as taxas de juros.
211
Finalizava chamando os empresários de “aventureiros que queriam influenciar a futura
constituição em benefício do poder econômico”
404
.
Esta guinada empresarial preocupou Adauto Bezerra que, através de um interlocutor,
afirmou que durante seu governo (1975-1978), tratou a administração pública como empresa,
pois havia utilizado os recursos oriundos do Fundo de Participação dos Estados unicamente na
execução de obras, ao contrário do que ocorria com Gonzaga Mota, que os utilizava para o
custeio
405
. Tal declaração gerou os primeiros choques do Governador com o seu vice,
tornando ainda mais difícil a manutenção da Aliança Democrática no Estado, que estava sendo
costurada desde o dia 23 de março em torno de Tasso, que estava presente em Brasília para
conversar com autoridades federais
406
.
No dia 02 de abril de 1986, teve repercussão no Ceará a notícia vinculada por O
Globo, de que Jereissati estaria sendo cogitado como candidato a governador, servindo como
ponto de reatamento da Aliança Democrática no Ceará e era apresentada como a “solução
paulista”. Tasso, entretanto, negou qualquer contato de partido ou político para tal
empreitada
407
.
Sete dias depois, Tasso conversou demoradamente com Gonzaga Mota na residência
oficial
408
e despistou sobre sua candidatura. Viu como uma lisonja a comparação com Ermírio
de Moraes. Entretanto, reconhecia como ponto em comum entre eles “as idéias e as missões
que se propunham a fazer, sacrificando suas atividades particulares em favor de mudanças
profundas no quadro político e administrativo do Estado em que viviam”
409
.
404
Empresários continuam eufóricos. Tribuna do Ceará, 03 de abril de 1986, pág. 07.
405
O Povo, 03 de abril de 1986, pág. 2.
406
Idem, 22 de março de 1986, pág. 2.
407
Idem, 02 de abril de 1986, pág. 3.
408
Idem, 11 de abril de 1986, pág. 2.
409
Idem, 09 de junho de 1986, pág. 2
212
No dia seguinte, antes de embarcar para Brasília onde se encontraria com Marco
Maciel
410
, Adauto Bezerra foi indagado por repórteres sobre a provável candidatura de Tasso.
Afirmou que tinha muito respeito pela sua inteligência e dinamismo, mas que o candidato
deveria sair dos quadros políticos militantes. Entretanto, se os partidos achassem de encontrar
um nome sem mandato eleitoral, o do empresário emergiria como solução.
José Rangel, um colunista social, repassou a informação, vinda de “conhecido
político cujo grupo já tinha candidato”, de que não vingaria a tentativa de imitar São Paulo no
lançamento de um empresário para o governo do Ceará, pois “nenhum deles tem preparo
físico para a luta”; que apesar de ser filho de político, Tasso não alimentava tal pretensão e
pretendia participar da vida política muito mais no “plano do ideário do que no envolvimento
pessoal”
411
.
O termo “preparo físico” parecia se referir tanto à condição pós-operatória de Tasso,
quanto à falta de uma musculatura política advindo de anos no exercício da vida partidária,
uma forma de desqualificar a pretensão de empresários sem militância em agremiações
eleitorais e a tentativa de repetir a solução paulista no Ceará.
Entretanto, dirigentes empresariais gostaram da novidade e trataram de dar mais
fôlego ao debate. Sérgio Machado qualificou Tasso como fórmula “arejadora” da política
estadual, embora achasse difícil para um empresário a decisão de abandonar uma empresa para
dedicar-se à política. Roberto Pessoa, do setor de avicultura, achava positivo, visto que eram
os empresários que “pagavam as contas de campanhas e eram os primeiros a serem
prejudicados com aplicações errôneas do dinheiro público. Embora reconhecesse que um
empresário dificilmente seria um bom parlamentar, a experiência de administração privada lhe
permitiria ser um bom executivo
412
.
410
Idem, 03 de abril de 1986, pág. 2.
411
O Povo, 06 de abril de 1986, pág. 2, Segundo Caderno.
412
Empresariado aceita candidato da classe. O Povo, 10 de abril de 1986, pág. 2.
213
A repercussão da postulação de Tasso pode ser medida pelo artigo O herói
providencial”, do jornalista Jorge Henrique Cartaxo. O título era um termo de Maquiavel, que
qualificava homens que aproveitavam oportunidades históricas, ocupando espaços de ausência
com grandeza e talento. O Ceará precisava de um nome jovem, capaz de resgatar a histórica
tradição de engajamento em momentos políticos importantes e na revelação de nomes com
dimensão nacional. Tasso teria conseguido pela militância empresarial e política discreta,
conquistar a autoridade necessária e o respeito indispensável da sociedade para disputar o
governo do Estado
413
.
Tal reverberação da candidatura peemedebista exigiu dos antigos quadros políticos do
Estado a encenação de uma postura de indiferença e despreocupação. O senador Virgílio
Távora (PDS), por exemplo, embora reconhecesse valor no nome de Tasso, lembrava que o
Ceará não era eminentemente empresarial. O deputado federal Evandro Ayres de Moura
(PDS) via a candidatura do ex-presidente do CIC, como influência da postulação de Antônio
Ermírio e que havia dificuldades de uma candidatura desse nível ser vitoriosa, embora pudesse
receber considerável quantidade de voto
414
.
No mesmo dia em que eram declaradas essas opiniões, Tasso era recebido por Sarney
para “agradecer a atenção dispensada durante o tempo que esteve internado em Cleveland”.
Nos meios políticos, entretanto, viu-se o encontro como o desencadeamento da conversa com
Gonzaga Mota em 09 de abril
415
.
No dia 13 de abril de 1986, foi noticiada a candidatura de Tasso Jereissati pelo
PMDB, com a aquiescência de Sarney, Gonzaga Mota e Mauro Benevides. A notícia, dada
pela imprensa, surpreendeu as bases peemedebistas. Alguns chegaram a reafirmar apoio à
413
O Povo, 12 de abril de 1986, pág. 2.
414
O Povo, 12 de abril de 1986, pág. 3.
415
Ibidem, pág. 4.
214
candidatura de Mauro Benevides, embora reconhecessem a contemporaneidade das idéias de
Tasso, que traduziam a renovação propugnada pela agremiação
416
.
Numa reunião dos peemedebistas históricos, na casa de Mauro Benevides,
declarações denunciavam o tom de desconfiança da viabilidade eleitoral da nova candidatura:
“o Governador iria conseguir o que queria, acabar com o PMDB”; “a solução encontrada era
ótima, mas para Adauto Bezerra”; “fazer o nome de Tasso em seis meses no interior do Estado
seria tarefa árdua”.
Os históricos defensores de Tasso, entretanto, alegavam que o simples anúncio da
candidatura havia desestabilizado o PFL, que ocupou os espaços que pôde para atacá-lo; que
apesar de não ter uma vida partidária, tinha destacada atuação política e que havia participado
de várias lutas do PMDB; e ainda acrescentava-se o fato de sua candidatura ter dividido o
empresariado, antes majoritariamente adautista
417
.
O anúncio oficial, entretanto, só ocorreu no dia 14 de abril, junto com uma declaração
de Expedito Machado, que via a indicação de Tasso como uma lição ao PMDB paulista, que
havia se recusado a indicar o empresário Antônio Ermírio de Moraes
418
. Sérgio Machado,
entretanto, fez questão de ressaltar que Tasso não era uma candidatura dos empresários, mas
de toda a sociedade e não apenas de um setor dela
419
.
Dois dias depois, em almoço na casa do deputado estadual Luiz Pontes, Mauro
Benevides comunicava a Tasso a aceitação do seu nome pelo PMDB para a sucessão estadual.
Ao lado do candidato, estava seu cunhado Airton Queiroz
420
, dono de vários meios de
comunicação e afiliada à Rede Globo, que deu o aval às pretensões de Gonzaga Mota em
anunciar o marido de sua irmã, segundo nos declarou Gonzaga Mota.
416
Idem, 13 de abril de 1986, pág. 2.
417
Os prós e os contras do novo nome. O Povo, 15 de abril de 1986, pág. 02.
418
O Povo, 14 de abril de 1986, pág. 2.
419
Ibidem
420
Idem, 16 de abril de 1986, pág. 02
215
Numa entrevista, Mauro Benevides contou que, desde 1982, e na campanha das
Diretas-já, quando Tasso montou o comitê supra-partidário, Ulisses havia convidado o
empresário para se filiar ao PMDB, pensando numa candidatura a Deputado Constituinte.
Entretanto, Tasso havia se filiado somente em março de 1986, já visando sua candidatura para
governador
421
.
III.2 AMADORES VERSUS PROFISSIONAIS
A charge de Sinfrônio publicada
no dia 20 de abril, materializava
as discussões que polarizaram os
primeiros dias de lançamento de
Tasso para governador. A
condição político-profissional do
vice-governador e a amadora do
peemedebista eram usadas de
forma a se dar conotações
positivas e negativas, conforme
o lado em questão na contenda.
Para os defensores do vice-governador, a candidatura Tasso era uma confissão
antecipada de derrota eleitoral, que se apresentava para a disputa um nome sem nenhum
profissionalismo político, embora Tasso fosse bastante conceituado dentro da classe
empresarial e de uma família de tradição política
422
.
Adauto Bezerra, ao ser indagado sobre a candidatura do filho de Carlos Jereissati, fez
outra pergunta ao repórter: “O que é mais fácil para você, disputar com um profissional ou
421
Idem , 18 de maio de 1986, pág. 13.
422
O Povo, 14 de abril de 1986, pág. 02.
216
com um amador?” Valorizando uma candidatura que até recentemente era dita como sem
consistência eleitoral, Adauto ainda tentou criar um clima de cizânia no PMDB, dizendo que
iria procurar Mauro Benevides para se solidarizar com o ex-senador e lhe oferecer uma vaga
para a Câmara Alta na coligação PFL/PDS
423
. Posteriormente, condenou a forma como Tasso
ingressara na política que, como numa escola, ninguém podia começar por cima.
Como no aprendizado começamos no primeiro grau, segundo e universidade.
Na política não é diferente. Temos que ser vereador, vice-prefeito, deputado
estadual, federal e governador, nesta ordem. Em 28 anos, penso que não
entendo nada de política, imagine quem está começando agora?
424
César Neto, deputado federal do PDS e filho do então ministro das Minas e Energia,
César Cals, apontava a nova candidatura do PMDB como a consolidação da vitória da
coligação PFL/PDS, já que era um empresário virtuoso, mas não era um político militante
425
.
Aquiles Peres Mota, deputado estadual pelo PDS, foi mais além. Identificava a
candidatura Tasso como parte de “um lobby empresarial que queria tomar o poder em todo
país”
426
. Ademais, acreditava que a apresentação de um nome extra-partidário, significava um
recibo de pobreza dos quadros partidários e de riqueza (no sentido de influência e domínio) de
seus dirigentes, ao importar pessoas de outras áreas para ocupar cargos de natureza
eminentemente política
427
.
Foi neste sentido também um editorial de primeira gina do jornal Tribuna do
Ceará, em que afirmava não ser possível sacar um nome do colete, sem a vivência política que
o cargo de governador requeria. Ademais, Tasso era muito jovem e melhor teria sido seu
lançamento para deputado ou senador, em que teria uma atuação mais tranqüila, de acordo
com seu estado de saúde, e no qual conheceria melhor os “meandros” da vida política, até
423
Idem, 15 de abril de 1986, pág. 02
424
O Povo, 04 de agosto de 1986, pág. 03.
425
Idem, 15 de abril de 1986, pág. 08
426
Idem, 16 de abril de 1986, pág. 02
427
Ibidem, pág. 03.
217
porque as lideranças políticas “não se exporiam numa campanha, para serem rifadas pelo
eleito, que não havia feito o "estagio necessário para conhecer de perto o sofrimento, as
noites indormidas, as despesas e o comprometimento com os correligionários”
428
.
Como reação a argumentação do “amadorismo político”, houve respostas de vários
jornalistas e líderes empresariais. José Rangel condenava os que diziam que “cada um deve
ficar na sua área de atuação”. Tasso significava o fortalecimento da classe política, que se
beneficiaria de sangue-novo e teria maior credibilidade junto à opinião pública
429
.
Francisco Lima lembrou que o homem, desde Aristóteles, era considerado animal
político. Ministros, sindicalistas e empresários faziam política conforme os talentos e as
ocasiões que dispunham. Portanto, classe política “seria uma contrafação inerente a todos os
indivíduos, tanto quanto gênero humano e seres sociais”
430
.
Acrescentou ainda, que a tese da “candidatura nata” era uma presunção de que a
classe política seria mais política que os eleitores, uma situação semelhante ao que havia
ocorrido na economia, na qual “os costumes e os conceitos esdrúxulos levaram o cidadão a se
conformar com a inflação e a usura bancária”. A candidatura Tasso tinha o “condão de
desmanchar este vício incrustado na sociologia brasileira. Qualquer cidadão poderia pleitear
posto na administração pública”.
Entretanto, ressaltava que sua análise não era uma defesa da candidatura do
empresário:
Apenas nos animamos a mostrá-la como novidade, naquela compreensão de
coisa não esperada. Como, de outra parte, esta “coisa nova” nos leva ao
entusiasmo de mudanças que, obviamente, desencadear-se-ão daqui para a
frente, na presença de forças catalíticas
431
428
Tribuna do Ceará, 19 de abril de 1986, pág. 1. Grifos nossos.
429
Reações que não amedrontam. O Povo, 15 de abril de 1986, pág. 02, Segundo Caderno.
430
O Povo, 16 de abril de 1986, pág. 04.
431
A nova Candidatura. O Povo, 19 de abril de 1986, pág. 02.
218
Expedito Machado, buscando reforçar estas “forças catalíticas”, fez uma metáfora
para explicar a boa receptividade de Tasso, principalmente entre os mais jovens. “Eles acham
bonito o entardecer, mas querem o amanhã”. Como o PMDB não tinha este nome que
representasse o novo, “foi buscá-lo na classe empresarial, onde o espírito de liderança não
havia sido chamuscado pelo arbítrio”
432
.
Tasso, por sua vez, reconhecia que era um amador do poder, mas que também era um
profissional do espírito público. Considerava como políticos todos os que participavam da
vida pública, que tinham consciência dos problemas, que lutavam por melhores condições para
a Região e o Estado, que “todos tinham direito de disputar cargos eletivos e que tais cargos
não podiam ficar restritos aos que tinha militância partidária”
433
.
Endossando esse discurso, a classe empresarial cearense foi mais efusiva. O
presidente do Clube de Diretores Lojistas de Fortaleza, Hebert Aragão, achava que o
lançamento de Tasso significava o encontro do PMDB com o desejo de renovação política do
empresariado. Luis Girão, empresário do setor de laticínios, defendeu que o PFL repensasse
sua decisão de romper com a Aliança Democrática, pois Tasso era inteligente, correto,
empreendedor e carismático. José Flávio Costa Lima, presidente da FIEC, destacou
sensibilidade para a ação pública, competência e disciplina para o trabalho do candidato.
Destacou ainda que sua apresentação para o Governo do Estado era a prova do desgosto dos
industriais e do povo com os métodos utilizados na política, como empreguismo e
paternalismo, que “criaram um círculo vicioso de falência dos Estados e inviabilidade do
aporte de recursos para infra-estrutura social e de produção”
434
.
Ao longo dessas discussões, sobre a legitimidade e o caráter da candidatura do ex-
presidente do CIC, ocorreram avaliações que caracterizavam o lançamento do dono do
Iguatemi como uma ação de Gonzaga Mota, visando manter a influência no futuro governo,
432
Tribuna do Ceará, 22 de abril de 1986, pág. 03.
433
O Povo, 17 de abril de 1986. pág. 02.
434
O Povo ,16 de abril de 1986, pág. 03.
219
que lhe permitiria uma recondução em 1991. Uma charge de Sinfrônio exprimia bem este
ponto de vista: Tasso, em primeiro plano, com uma aparência deslumbrada e sob a luz de três
holofotes, apresentava-se num palco de um espetáculo denominado cenário político. Totó,
com um sorriso maquiavélico, atrás das
cortinas e com uma placa de diretor
pendurada no pescoço, afirmava: é o melhor
para o papel principal
435
.
Outras falas comparavam Tasso a um
artista, no sentido de dar uma noção de
carisma e destemor como, por outro lado,
tachá-lo de artificial e produto de
propaganda. Como exemplificação da primeira situação, uma charge o representava como o
personagem Pedrinho, do Sítio do Pica-pau Amarelo. De pés descalços, maltrapilho e armado
com uma baladeira (“estilingue” no Ceará), desafiava as assombrações e bichos que tinham as
cabeças dos três coronéis que desafiaria no processo eleitoral. Virgílio era uma cobra, César
Cals um morcego e Adauto uma velha árvore assustadora.
435
O Povo, 14 de abril de 1986, pág. 06.
220
No caso do enfoque mais adverso, outra charge reforçava sua condição social,
ilustrando-o em vestimenta de luxo e cartola, destacando o corpo robusto, típico de um
burguês bem alimentado, com “feições européias” nas quais se destacavam seus olhos verdes e
o lábio carnudo, com um certo ar blasé
436
.
Na maioria dos artigos, colunas e declarações do período percebia-se uma boa receptividade
ao nome de Tasso. Destacava-se o fato de ter oito empresas no Estado, que davam emprego a
2500 pessoas
437
; de ser possuidor de qualidades necessárias para gerir o Estado
438
; de ter
revolucionado o setor comercial de Fortaleza, quando abriu os shoppings Center Um e
Iguatemi
439
, que provocaram uma mudança no sentido do desenvolvimento econômico da
cidade para a área nobre.Muitas vezes, as matérias chegavam ao limite de uma peça
publicitária, como a do dia 17 de abril, na qual em letras centrais e garrafais, lia-se:”Tasso
quer renovação dos métodos políticos”. No subtítulo, o destaque da resposta de Tasso sobre
sua condição de não profissional da política: “Ele diz que é um profissional do espírito
público”. Abaixo, uma grande foto do candidato em uma mesa de trabalho, tendo ao fundo o
retrato do seu pai, o ex-senador Carlos Jereissati,
dando relevância à sua relação com a política
cearense e seu cuidado com a preservação da
memória paterna. O candidato aparecia na foto
com uma camisa de malha esportiva pouco
usada por ele em suas aparições públicas até
então que reforçava sua jovialidade,
principalmente quando comparado ao adversário
Adauto Bezerra. A decoração da sala, por sua
436
O Povo, 18 de abril de 1986, pág. 2.
437
Idem, 15 de abril de 1986, pág. 02
438
Tasso Decolou. O Povo,14 de agosto de 1986, pág. 4, Segundo Caderno.
439
Tasso e as duas revoluções. O Povo, 15 de abril de 1986, pág. 04, Segundo Caderno.
221
vez, transmitia uma aura de modernidade e austeridade
440
, valores que eram considerados, por
diferentes líderes políticos e empresariais, como ideais para um próximo governador.
A figura paterna, mais uma vez, teria um peso muito forte ao longo da campanha.
Inicialmente sondado para ser uma reedição da União Pelo Ceará, começava uma campanha
na mesma condição que seu genitor em 1962, disputando contra uma Aliança conservadora.
Ao longo da campanha eleitoral haverá uma constante referência àquela eleição
441
, que iniciou
o domínio dos Coronéis no Estado, que representou a derrota, visto que não conseguira eleger
Adahil Barreto, seu candidato a Governador, e a vitória (a eleição para o Senado) do pai de
Tasso contra as “forças oligárquicas”. Por ironia do destino, peemedebista como Mauro
Benevides, Carlos Castelo (que seria o vice-goverenador de Tasso), Expedito Machado e Paes
de Andrade eram do PSD e adversários de Carlos Jereissati naquele pleito.
Nas visitas que passou a receber em seu escritório de trabalho, prefeitos, vereadores e
deputados mais antigos sempre tinham uma história do ex-senador do PTB para contar
442
.
Estas referências “anti-oligárquicas” ao passado do senador Carlos Jereissati foram
questionadas pelos correligionários de Adauto Bezerra. O jornalista Temistócles Castro e
Silva, por exemplo, fez uma leve ameaça de trazer à baila as recordações de 1954, quando a
Câmara Federal instaurou uma CPI para apurar denúncias de contrabando, feitas pelo
deputado federal Armando Falcão
443
. Posteriormente, as acusações de contrabando foram
lembradas num dos momentos mais tensos da campanha, como se verá adiante.
Oito dias depois o mesmo articulista, ainda buscando tirar a aura “anti-oligárquica”
de Carlos Jereissati, lembrou que suas vitórias eleitorais, bem como as bases do PTB, foram
conseguidas pelo apoio de forças oligárquicas como de Chico Monte, chefe político de Sobral.
Ademais, Carlos havia sido um dos apoiadores do governo Parsifal Barroso na eleição de
440
O Povo, 17 de abril de 1986, pág. 2
441
União pelo Ceará foi movimento de direita. O Povo, 02 de abril de 1986, pág. 03; O Povo , 18 de abril de
1986, pág. 02.
442
O Povo, 25 de abril de 1986, pág. 02.
443
Recordando 1954. O Povo, 29 de abril de 1986, pág. 06.
222
1958, quando de forma clientelista, havia indicado apadrinhados. Ao romper com o governo
em 1962, conseguira eleger-se senador graças à máquina da Previdência Social, dada por
Jango e “dinheiro muito nos municípios”. Encerrava afirmando que:
O sr. Tasso Jereissati não conhece a história política do Ceará, nem está
preparado para o exercício do cargo que pretende pleitear. Seus
pronunciamentos são apenas retórica demagógica ao estilo da Nova
República: renovação, mudanças. (...) Se continuar com esse discurso
demagógico e medíocre, o candidato do PMDB terá uma derrota maior do
que a esperada
444
.
Entretanto, o vínculo que alguns membros do PFL tinham com Carlos Jereissati
causou deserções em prol da candidatura de Tasso, como Aldenor Nunes Freire, secretário
geral do PFL, que, além de trabalhar para o ex-senador, tinha afetividade pelo filho “a quem
viu crescer”
445
. O vereador Ademar Arruda, numa visita do candidato do PMDB à Câmara
Municipal, lembrou que chegou a trocar suas fraldas. Na mesma solenidade, o vereador do
PMDB, Marcus Fernandes, declarou que os olhos verdes de Tasso representavam a esperança
do povo cearense
446
.
Estes adjetivos exaltadores da juventude e da beleza” de Tasso, destacados num
primeiro momento, passaram a incomodar os dirigentes peemedebistas, que chegaram a
solicitar aos correligionários que evitassem se referir aos atributos físicos do candidato, ou de
que trocaram suas fraldas ou deram mamadeira
447
.
Além das qualificações sobre a condição amadora e profissional das principais
candidaturas postas, a campanha eleitoral também gerou uma disputa semântica da palavra
Renovação. Virgílio Távora, por exemplo, achava que renovação não era a mera questão
etária: “tivemos ‘renovação’- no Estado e no Município e a mudança foi para pior”
448
,
444
“Forças Oligárquicas”. O Povo, 06 de maio de 1986, pág. 06.
445
O Povo, 23 de abril de 1986, pág. 02.
446
O Povo, 03 de maio de 1986, pág. 02.
447
Idem, 05 de maio de 1986, pág. 02.
448
Idem, 17 de abril de 1986, pág. 04.
223
referindo-se a Gonzaga Mota e Maria Luiza. Temístocles do Castro e Silva afirmava que
renovação para o PMDB significava empregos para parentes e amigos. Para exemplificar,
citava as pressões que Gonzaga Mota estava recebendo para “renovar seu governo”, ou seja,
“demitir os que conquistaram os cargos através das urnas, para colocar os que queriam a
máquina pública para a campanha eleitoral”
449
. Leorne Belém, deputado do PDS, não via
renovação em torno de nomes, mas de programa. Salientava que depositar esperanças em
alguém por conta da juventude e de bom discurso poderia representar decepção, que os
Coronéis teriam condições de montar o plano administrativo de renovação para o Ceará
450
.
Adauto Bezerra concordava que existia a necessidade de renovação e de mudança de
mentalidades. Entretanto, esta inovação não estaria na juventude “mas no bom para melhor”,
no progresso e no desenvolvimento
451
.
Cinco dias depois de lançado e reconhecido como candidato do PMDB, Tasso só teve
o primeiro contato com o Diretório Estadual no dia 18 de abril. Na chegada, foi bastante
aplaudido e cumprimentado. Entretanto, o empresário sabia que, devido às circunstâncias da
articulação e lançamento de sua candidatura, precisava conquistar a militância peemedebista.
Visando isso, destacou na sua fala que sua candidatura se efetivaria se fosse para unir o
PMDB. Essa união passaria pelo contato que faria com os deputados estaduais e os vereadores
do partido, numa movimentação que um deputado apelidou de “confessionário cívico”
452
.
A primeira experiência pública, com direito a discurso como candidato, deu-se no dia
26 de abril, na cidade de Sobral. Logo no aeroporto, numa primeira surpresa, foi saudado pelo
prefeito Joaquim Barreto, que era filiado ao PDS. No Teatro São João foi realizado um ato
com a presença de lideranças políticas da região: os deputados Ciro Gomes, Chagas
Vasconcelos e Francisco Figueredo, além do ex-prefeito Euclides Ferreira Gomes (pai de
449
Apenas “slogan”. O Povo, 25 de abril de 1986, pág. 06.
450
Belém: renovar não é apenas ser jovem. O Povo, 29 de abril de 1986, pág. 03.
451
O Povo, 11 de maio de 1986, pág. 12.
452
O Povo, 19 de abril de 1986, pág. 02.
224
Ciro). Estavam presentes, segundo os jornais, mil pessoas. Mas a imprensa destacou a reação
do público feminino que saudava o candidato com predicativos como “menino bonito”,
“gatão”, além de comentários do tipo “olha como ele é bonito e tem os olhos verdes”, “quem
gosta de velho é fundo de rede”. Tasso depois confessaria que esse discurso de estréia o
deixara tão apreensivo que, durante o pronunciamento, só conseguiu disfarçar o tremor das
mãos segurando uma providencial agenda
453
. Ciro ainda aproveitou para levar Tasso até o
maestro José Wilson Brasil, ex-cabo eleitoral do seu pai. Depois houve uma passeata pelas
principais ruas de Sobral sempre cercado de populares
454
.
Tornar Tasso conhecido era a principal preocupação do comando da campanha
peemedebista. Uma das estratégias foi colar sua imagem à de Sarney, que estava com grande
popularidade, devido ao Cruzado. Para tanto, produziram uma imagem de “amigo do
presidente”, a partir do convite para integrar a comitiva presidencial que, no dia 04 de maio,
visitou Portugal.
A estratégia mostrou-se ainda mais eficaz quando, em Portugal, foi apresentado a
Mário Soares, pelo próprio Sarney. Houve uma demorada conversa entre os três, despertando
a atenção das delegações portuguesa e brasileira
455
. No retorno a Fortaleza, no dia 10 de maio,
foi recebido por charanga, trio elétrico e duas mil pessoas no aeroporto, dentre elas o
governador Gonzaga Mota, Mauro Benevides e seus colegas do CIC: Beni Veras e Assis
Machado
456
.
Essa estratégia exigiu um contra-ataque dos adversários para diminuir a importância
do convite. Paulo Lustosa, Ministro da Desburocratização que, sem sucesso, buscou ser
convidado, dizia que os empresários só teriam função comercial para atrair negócios para suas
453
Idem,15 de março de 1987, pág. 04.
454
Idem, 27 de abril de 1986, pág. 02.
455
Idem, 07 de maio de 1986, pág. 05.
456
O Povo, 11 de maio de 1986, pág. 02.
225
empresas
457
. Themístocles Silva qualificou de “gaiata”
458
a tentativa pemededebistas de
qualificar de apoio eleitoral o que era apenas um “convite” do Ministério das Relações
Exteriores, para um outro evento empresarial, paralelo à visita presidencial, cujos custos eram
pagos pelos próprios convidados. A foto de Tasso ao lado de Sarney e sua apresentação a
Mário Soares, foram exibidas como um oportunismo de assessores, que tinham se aproveitado
de um encontro previamente programado do Presidente com a delegação brasileira. A
repercussão na imprensa sulista foi debitada a ex-empregados do empresário que eram
jornalistas no Jornal do Brasil e em O Estado de São Paulo
459
.
Dois dias depois, Tasso deu uma longa entrevista, na qual expôs algumas de suas
concepções políticas e administrativas, reessaltando que privilegiaria a competência, numa
provável equipe de governo, a fim de mudar a realidade de miséria da população do Estado,
com mortalidade infantil, falta de alimentos, educação e saúde, e que pretendia
“municipalizar” seu governo, dando infra-estrutura aos pequenos municípios e apoiando as
microempresas através de compras da merenda e de carteiras escolares na própria região.
Mostrou orgulho de sua condição de “amador” na política, falou que estava se “sacrificando
em prol do bem público”, que não teria como se utilizar do governo para beneficiar suas
empresas, numa velada crítica a Adauto Bezerra. Embora se reconhecesse como empresário,
sua candidatura estaria para além dos seus interesses corporativos. Para ele o sucesso de seus
empreendimentos se devia ao trabalho constante e não à “mera continuidade de atividades
ganhas em herança”, que era uma das acusações dos adversários. Negou que tivesse o controle
sobre o Sistema Verdes Mares de Comunicação, afiliado da Rede Globo no Estado e de
propriedade de sua sogra. Numa postura de modéstia, atenuou a importância de sua viagem a
Portugal com Sarney, mostrando que já tinha feito parte de outras missões no Governo
Figueredo. Defendeu o pagamento da Dívida Externa em níveis que não comprometessem o
457
Idem, 05 de maio de 1986, pág. 02.
458
Expressão popular cearense que designa algo engraçado, ridículo e espalhafatoso.
459
O Povo,03 de junho de 1986, pág. 06.
226
crescimento econômico do país, “podendo-se até decretar moratória no caso de insensibilidade
do FMI”. Apesar de reconhecer que a máquina estadual estava inchada, descartou demissões
sem antes ver as possibilidades de uso dos funcionários excedentes. Defendeu ainda concurso
para ingresso no serviço público e se disse contrário ao emprego de cabos eleitorais. Ao
responder se, após quatro anos, conseguiria fazer o que se propunha, fez uma afirmação que
reforçava a imagem de “herói providencial” descrito por Jorge Henrique Cartaxo:
Eu não sou o Jesus Cristo salvador. Eu sou a peça de um momento
histórico. Se caiu a missão para mim, tem uma engrenagem toda que exige
mudança. Por um acaso eu entrei, como podia ser qualquer um. Não posso é
me recusar a ajudar a História
460
.
Como reação à entrevista, Themístocles Silva qualificou Tasso “de sonhador e jejuno
em política”. Orgulhar-se e acreditar no sucesso administrativo, sendo amador, seria uma
confusão entre política e politicalha. Só o profissional da política, alicerçado na experiência,
seria capaz de desenvolvê-la de modo a identificar-se com os anseios populares. Compor o
secretariado pelo critério da competência, sem as injunções das forças partidárias, seria
criar um governo isolado. Ademais, troçava da proposta de fazer edificações e carteiras
escolares no próprio município: “O candidato do PMDB pretendia criar um mini-Estado em
cada um dos 151 municípios do Ceará, sendo necessário para o cumprimento de tal proposta a
construção de mini-laboratórios para produzir vacinas e mini-usinas de Paulo Afonso para
gerar energia”
461
. Tasso não conhecia os hábitos, costumes e necessidades do povo cearense,
pois nunca havia sido vereador ou sequer funcionário público e enganava sua boa-fé com
discurso de fim da miséria
462
.
Este discurso “municipalista”, entretanto, ajudou no processo de cooptação de vários
líderes políticos do interior do Estado. Declararam apoio ao candidato do PMDB os líderes de
460
O povo, 12 de maio de 1986, pág. 11; 11 de maio de 1986, pág. 13
461
Idem, 16 de maio de 1986, pág. 06.
462
Idem, 23 de maio de 1986, pág. 06.
227
Penaforte, Quixadá, região do Cariri
463
, Chaval
464
, Canindé, Maranguape
465
, Visçosa do
Ceará, Uruburetama
466
, Forquilha, Jaguaruana
467
, Camocim
468
, Cascavel
469
, Ereré, Iracema,
Alto Santo, Taboleiro do Norte, Chorozinho, Limoeiro do Norte, Jaguaruana, Carnaubal
470
.
Além dos prefeitos de Granja
471
, Ubajara, Quixeramobim
472
, Jaguaretama
473
, Tiang
474
,
Juazeiro do Norte
475
, Boa Viagem
476
, Quixelô
477
, Aracati
478
e Jaguaribara
479
.
Estes apoios eram também causados por defecções provocadas por acordos políticos
não cumpridos pelos Coronéis, como a falta de auxílio financeiro às candidaturas
proporcionais apoiadas por essas lideranças. Contou ainda a percepção da simpatia e adesão
do eleitorado de suas regiões em favor do “Galeguim dos i azul” (epíteto de Tasso cantado
em música de campanha) e suas reais possibilidades de vitória.
No dia 23 de maio, Sarney visitou o Ceará, inaugurando um programa de irrigação
em Juazeiro do Norte. Houve uma disputa entre os candidatos do PMDB e do PFL para
aparecer mais tempo ao lado do popular Presidente do Plano Cruzado. Adauto chegou com o
chefe da Nação e postou-se ao seu lado, não saiu nem mesmo quando o cerimonial pediu que
se afastasse um pouco. Tasso e Gonzaga conseguiram aparecer por poucos minutos
480
.
Adauto mostrou força política junto ao Presidente justamente na região de Juazeiro, município
dirigido pelo PMDB.
463
O Povo, 18 de maio de 1986, pág. 02.
464
Idem, 14 de junho de 1986, pág. 03.
465
Idem, 15 de junho de 1986, pág. 02.
466
Idem, 18 de junho de 1986, pág. 02.
467
Idem, 19 de junho de 1986, pág. 02.
468
Ibidem, pág. 03.
469
Idem, 05 de agosto de 1986, pág. 03.
470
Idem, 26 de setembro de 1986, pág. 03.
471
Idem, 11 de junho de 1986, pág. 02.
472
Idem, 12 de junho de 1986, pág. 02.
473
Idem, 13 de junho de 1986, pág. 02.
474
Idem, 24 de junho de 1986, pág. 02.
475
Idem, 01 de julho de 1986, pág. 03.
476
Idem, 05 julho de 1986, pág. 03.
477
Idem, 23 de julho de 1986, pág. 03.
478
Idem, 10 de setembro de 1986, pág. 03.
479
Idem, 11 de setembro de 1986, pág. 05.
480
Idem, 24 de maio de 1986, pág. 12.
228
Após este embate, o candidato do PMDB deu uma declaração mais ofensiva sobre a
que herança renunciaria no governo. Com chamada de “Tasso promete acabar com
clientelismo político”, a matéria divulgava declaração do empresário de que “eliminaria a
política clientelista”, vista como “conseqüência do sistema oligarca implantado no Ceará
pelos Coronéis”. Prática que o povo não aceitava mais, por representar a destruição de seu
potencial produtivo e o impedimento do avanço econômico do Estado
481
.
Alguns dias depois, voltava à ofensiva, declarando que os Coronéis haviam nomeado
funcionários por interesses políticos imediatos, superlotando a administração estadual.
Portanto, sua candidatura não poderia ser responsabilizada pelo atraso do pagamento dos
salários dos servidores estaduais
482
, desobrigando-se assim de defender ou de criticar Gonzaga
Mota.
Em entrevista a um programa de rádio, voltou a repetir que o modelo político do
coronelismo “precisava da miséria para permanecer no poder, que tal era montado nos
favores e no clientelismo, sem os quais os chefes políticos não teriam como negociar votos e
perderiam o poderio de seus currais eleitorais”., o que provocaria uma “miséria humana”
que, devido à ineficiência do Estado para atender às necessidades de saúde, educação e
transporte, tornava o cidadão dependente da interferência do seu chefe político. A construção
do Ceará, em contraponto à reconstrução proposta por Adauto Bezerra, dependeria de uma
máquina governamental eficiente que atacasse os indicadores de subdesenvolvimento. Não
pretendia fazer um governo de grandes obras, mas de apoio à pequena indústria, ao pequeno
produtor rural e às comunidades interioranas que, de fato, geravam emprego e produziam com
eficiência, mantendo o homem no seu local de nascimento
483
.
As palavras de Tasso passaram a ter mais ressonância devido à campanha em prol de
uma eleição sem práticas eleitorais assistencialistas ou currais eleitorais, feita pela CNBB e o
481
O povo, 27 de maio de 1986, pág. 02.
482
Idem, 04 de junho de 1986, pág. 03.
483
Idem, 27 de junho de 1986, pág. 03.
229
arcebispo Dom Aloísio Lorscheider. Embora políticos, acadêmicos, jornalista e outros
formadores de opinião concordassem com a necessidade de acabar com os currais, poucos
acreditavam na possibilidade de tal fato ocorrer em curto prazo, não pelas práticas dos
políticos em busca do voto, mas pela própria “cultura” arraigada no eleitor por tantos anos.
Isso ficava patente com a charge de Sinfrônio, em que o arcebispo Dom Aloísio era
desenhado na frente de um curral aberto, cheia de gado, claramente representando eleitores. O
Cardeal apontava de forma firme o caminho que os animais-eleitores deveriam seguir, mas
estes, de forma resistente, permaneciam no lugar. Um deles perguntava: “E ai fora,o que que a
gente vai ganhar?”
484
.
Como reação à ofensiva anti-
oligárquica, Themístocles Silva vai
retomou as acusações ao pai do
candidato, a quem acusava de usar
currais eleitorais, empreguismo e
clientelismo para se eleger deputado
e senador. Tasso seria um jovem
deslumbrado que “pegou corda”,
cheio de contradições e inveja, a
serviço da demagogia esquerdista.
Acusava-o de humilhar o homem do sertão ao equipará-lo a gado em curral; de falar em
miséria por ouvir dizer, que nunca tivera contato com as populações do interior; e de
enganar ao dizer que iria combater a miséria, algo impossível, que “até nos EUA havia
miseráveis”. Reafirmava que o homem do campo iria votar em Adauto e nos coronéis, “por
ser grato àqueles que deram melhores dias ao Ceará”
485
. O clientelismo era apresentado como
484
O Povo, de julho de 1986, pág. 06.
485
Idem, 13 de junho de 1986, pág. 06.
230
uma solicitação do homem do campo, frente às deficiências do Estado e gentilmente
atendida pelos políticos
486
”. Isso acontecia naquele momento e assim seria ainda durante
muito tempo, e “nem dez ou vinte anos de governo Tasso, modificaria este panorama”, que
não tinha sido capaz sequer de dar uma reviravolta no setor onde atuava, explicando-se assim,
seu pouco destaque no meio empresarial. Portanto, como político, sua “missão tendia ao
fracasso por falta de competência para empreendê-la e efetivá-la”
487
.
Essa tese da gratidão iniciou uma discussão sobre o significado da palavra. Para o
deputado Ciro Gomes, se tal tese fosse válida, “a eleição de Figueredo ou Geisel estaria
garantida no próximo pleito para Presidente, como gratidão do povo brasileiro pelas obras de
20 anos de Ditadura”
488
.
O jornalista Francisco Lima contra-argumentou que “qualquer virtude e sentimento,
que ao contrário de libertar a pessoa, cegasse a consciência individual, a ponto de agir
incondicionalmente, não seria virtude ou mesmo sentimento”. A gratidão deveria se
manifestar no “reconhecimento do benfeitor, não na desfiguração da personalidade ou no
desfibramento do caráter. Mudar de idéia por gratidão, ou pensar a partir da razão de outro,
seria despir-se de todos os valores que se encarnam no ser humano”. Depois listava uma série
de ingratidões cometidas entre os coronéis ao longo de seus governos e questionava o direito
de se pedir ao povo o pagamento de uma gratidão que não resgataram entre si. Mesmo uma
grande figura política como Virgílio Távora, com vários serviços prestados ao Estado, não
teria direito a cobrar gratidão, pois significaria “uma grande ingratidão não já se sentir
retribuído à altura”. Dever-se-ia incutir no povo o voto não em favor de “benfeitores”, mas em
favor do Estado, que “precisava de uma sacudidela para se elidir a dependência que
caracterizavam suas relações com a sociedade”. “...o voto de gratidão é uma anomalia. É a
486
Idem, 27 de junho de 1986, pág. 06. Grifo nosso.
487
Ibidem
488
O Povo, 19 de junho de 1986, pág. 02.
231
alienação flagrante. É o apelo insensível dos que não vislumbram o povo fora dos seus
domínios arbitrários”
489
.
Eufrasino Neto, que era líder do Governo na Assembléia Legislativa, concordava
com a tese do voto pela gratidão. Por isso acreditava na vitória do PMDB, que tinha acabado
com o aumento do custo de vida e a inflação. As obras dos Coronéis, ao mesmo tempo em que
eram erguidas, subiam na mesma proporção a inflação, miséria, desemprego e a taxa de
mortalidade infantil, o que não geraria gratidão
490
.
Talvez acreditando na tese da gratidão, os correligionários de Adauto passaram a
investir na defesa dos funcionários públicos municipais e estaduais. Uma boa parte dos 140
mil servidores dos dois executivos, deviam seus empregos ao clientelismo político, dos anos
70 e 80. Com tal pretensão,
criticaram a demissão de 30 mil
servidores de Fortaleza, contratados
sem concurso, na gestão do
peemedebista Barros Pinho em 1985,
defenderam a aprovação de uma Lei
Estadual que propunha a efetivação
de 90 mil funcionários, contratados
sem processo seletivo e condenaram
a iniciativa do deputado
peemedebista Chagas Vasconcelos,
que entrou no STF para impedir o
“trem da alegria”.
489
Idem,28 de junho de 1986, pág. 06.
490
O Povo, 29 de junho de 1986, pág. 03.
232
Publicou-se uma nota, de pretensos funcionários, que parabenizava Adauto Bezerra
pelo seu aniversário. Agradecia de público os reajustes e os pagamentos em dia, durante todo
o seu governo
491
. Na mesma edição, numa outra página, outra nota de mesmo teor, que
intentava falar em nome da população em geral
492
.
Tasso se manteve distante dessa questão, embora não deixasse de reconhecer o
excesso de servidores. Entretanto, dizia não pensar em demissões e apenas cogitava
remanejamentos.
Para demarcar sua diferenciação progressista com o adversário, prestou solidariedade
aos movimentos de luta pela terra. Liderados pelas CEBs, num momento em que o secretário
de segurança do Estado, Feliciano de Carvalho, responsabilizava-as pelos conflitos e mortes
que estavam ocorrendo no Ceará, Jereissati fez elogios públicos à figura de Dom Aloísio
Lorscheider, arcebispo de Fortaleza, a quem definia como um interlocutor importante e a
quem sempre procurava ouvir. Definiu o trabalho das CEBs como de esclarecimento e de
busca da dignidade do indivíduo e da pessoa humana
493
. Amarílio Macedo, um dos colegas do
CIC, chegou a declarar, numa entrevista que Tasso havia feito, uma reforma agrária em suas
terras em Itapipoca
494
. Um deputado do PFL, entretanto, negou a versão de Amarílo, dizendo
que, na verdade, as terras teriam sido “invadidas” por agitadores, incentivados pelas CEBs,
que não sofreram nenhum tipo de reação por parte do “fraco” Jereissati
495
.
Uma estratégia de campanha foi dar novas versões para fatos indicados como prova
do compromisso histórico do candidato do PMDB com a ética e a transparência, como
apontar o passado clientelista dos apoiadores de Tasso,como no artigo de 08 de julho, em que
Themístocles se referia ao prefeito de Boa Viagem, José Vieira Filho, que declarara apoio ao
“dono da Coca-cola”, porque iria desmantelar toda a oligarquia dos coronéis. Lembrava o
491
Idem, 03 de junho de 1986, pág. 01.
492
Ibidem, pág. 02.
493
O Povo, 19 de junho de 1986, pág. 03.
494
Idem, 08 de agosto de 1986, pág. 02.
495
Tribuna do Ceará, 09 de agosto de 1986, pág. 02.
233
jornalista que o referido chefe municipal, quando deputado estadual, apresentou projeto de lei
dando o nome de Adauto Bezerra à sede do Poder Legislativo e que era genro de um histórico
chefe político e prefeito de Monsenhor Tabosa, Waldemar Dias Cavalcante, pai de sua esposa,
a deputada estadual Maria Dias, a quem elegeram num esquema de clientelismo e oligarquia
que funcionava nos dois municípios.
As argumentações para desqualificar o prefeito de Boa Viagem acabaram revelando
as práticas políticas utilizadas nos processos eleitorais, em que o voto era dado para além da
gratidão do povo, como Themístocles defendera anteriormente numa polêmica com Tasso.
Confessou que, nas eleições de 1974 e de 1984, a referida família havia assegurado a dois
candidatos a deputados federais do PDS, respectivamente ligados a Adauto Bezerra e Virgílio
Távora, quase dez mil votos. “E eles não conheciam sequer dez pessoas na região”
496
.
As intervenções de Themístocles elucidavam a lógica clientelística que orientavam as
práticas políticas tradicionais do Ceará. O jornalista havia sido deputado pela UDN na década
de 50 e tinha sido um ferrenho adversário de Carlos Jerreissati. Tinha uma personalidade
polêmica e uma postura de embate, evidenciando seu caráter conservador e reacionário, como
no artigo em que fez uma análise comparativa entre as posturas e discursos de Antônio
Ermírio e Tasso Jereissati, para explicar o “fracasso” das duas candidaturas em seus
respectivos Estados. Eram arrogantes ao se apresentarem como se estivessem fazendo um
favor, ou como se não houvesse alguém melhor do que eles para governar seus Estados.
Faziam pouco caso dos partidos e, em entrevistas, se declaravam anti-políticos. Tasso e
Ermírio não entendiam que a política, tanto a cearense como a paulista, obrigava que os
governadores atendessem a deputados e prefeitos com os mesmos instrumentos de uma
entidade de assistência social”. Não era admissível para quem tinha noção de política, que
homens sem qualquer experiência no ramo se apresentassem como Messias e empolgassem a
496
O Povo, 08 de julho de 1986, pág. 6.
234
opinião pública. “Não é o dinheiro que faz o carisma, assim como a arrogância não produz
simpatia”. Como um prefeito do PMDB poderia votar em Tasso se, de antemão prevenia que
não atenderia ninguém? Como um deputado se engajaria na sua campanha, se sabia que não
poderia indicar ninguém na próxima administração? Como conseguir, dessa forma, apoio na
Assembléia para aprovar as “reviravoltas”?
497
.
Para Themístocles e seus correligionários do PDS, o profissional da política era uma
entidade assistencial para prefeitos e deputados: representantes do “povo sofrido”. Teria que
ter um “carisma e uma simpatia” que viria do uso assistencial dos recursos públicos, pelo
atendimento das “reivindicações” dos cabos eleitorais, pela nomeação dos indicados pelos
apoiadores na administração. O clientelismo era conseqüência e não causa das deficiências do
Estado. O político profissional devia ser gentil e atender aos pedidos do homem do campo,
que não falaria pessoalmente ou através de uma entidade, mas pelos líderes locais. A pobreza
do camponês seria um caso natural, que fugia ao desejo de países mais ricos, como os EUA,
de pôr fim a ela. Portanto, pensar em acabá-la seria “demagogia e má-fé” para com o eleitor.
A estratégia peemedebista, visando a torná-lo mais conhecido, começou a produzir
resultados mesmo antes do início da campanha eleitoral. Numa visita a Parazinho, distrito do
município de Tianguá, região serrana da zona Norte do Estado, para participar dos festejos
dedicados à padroeira Nossa Senhora do Livramento, teve duas surpresas. Encontrou o Bispo
de Tianguá, Dom Timóteo Cordeiro, que lhe contou uma reminiscência: tinha sido em
Parazinho que os pais de Tasso haviam ficado noivos. A outra deu-se durante uma missa,
quando observou uma faixa, que contrastava com as outras: Ó Virgem do Livramento, livrai-
nos dos coronéis
498
.
A “presença” do pai foi uma constante ao longo da campanha de 1986. Não pelos
vários testemunhos que ouvira, como também pelas acusações dos adversários sobre a origem
497
O Povo, 18 de julho de 1986, pág. 06.
498
O Povo, 03 de julho de 1986, pág. 04.
235
da fortuna da família e pelas lembranças da campanha de 1962, quando Tasso foi obrigado a
acompanhá-lo, como castigo por ter perdido o ano na Escola
499
. Reforçando esse passado, a
presença de Antônio Cirilo da Silva, motorista do seu pai desde 1951, que, ao longo da
campanha de 1986, fazia às vezes de secretário. Escaldado pela experiência de outras
campanhas mais acirradas, levava sempre consigo Coca-cola gelada dentro de um isopor, para
evitar que o “menino”, referência que fazia a Tasso, bebesse algo oferecido por algum
estranho
500
.
A difícil campanha de 1962, que elegera Carlos como senador, trouxe efeitos que ele
sentiria no enfarte de 1963. Foi uma eleição na qual provou sua força política, enfrentando o
ex-aliado Parsifal Barroso, a quem Carlos bancou a indicação e a vitória de 1958, e toda uma
coligação que envolvia PSD e UDN. Tal como Parsifal, Tasso também romperia, no ano
seguinte, com o seu “criador” Gonzaga Mota.
Durante a campanha, Mota teve posturas que iam de encontro ao que condenava
Tasso. Quando instado a falar do Governador, fazia uma defesa pontual, como na questão do
atraso salarial, ao grande número de funcionários e as práticas clientelistas. Quando,
entretanto, era confrontado a comentar as práticas do aliado peemedebista, solicitava que a
pergunta fosse feita ao próprio. Numa entrevista ao programa Revista Política, da Rádio
Assunção, condenava a prática da partilha dos cargos pelos Coronéis. Declarou que não tinha
nenhum parente no Governo e que, mesmo eleito, ainda não os teria. Ao ser informado de que
Gonzaga Mota tinha vários na administração, solicitou que isso fosse perguntado a ele. Além
disso “esperava que estas nomeações fossem provisórias e não definitivas”
501
.
499
Idem,16 de março de 1987, pág. 05.
500
Idem, 15 de março de 1987, pág. 08.
501
O Povo, 27 de junho de 1986, pág. 03.
236
Questões como essas, além de o ritmo e as estratégias da campanha estarem
ocorrendo à margem da presença e da anuência de Totó, fizeram com que o mesmo ameaçasse
se retirar da campanha
502
.
Gonzaga Mota, numa
entrevista ao Jornal do Brasil, do
dia 17 de julho, declarou que
participaria da campanha de Tasso
se fosse chamado. No dia seguinte,
para um jornal cearense, reclamou
dos que o estavam chamando de
fardo pesado e que, portanto, não
se ofereceria, ficando afastado da
campanha. Aproveitou ainda para
expor seu descontentamento com
o Governo Federal e disse que a miséria havia crescido no país, que a Reforma Agrária não
avançara e que o Plano Cruzado estava ameaçado, bem como a frágil democracia brasileira.
Terminava dizendo-se desiludido com a política e que não via a hora de retornar à
Universidade Federal do Ceará, ao Banco do Nordeste e ao seu sítio em Maranguape “para
criar patos e plantar bananas”
503
.
Tasso chamou a si a defesa de Sarney. Declarou que o problema do atraso salarial
dos servidores estaduais não era do Plano Cruzado, do Governo Federal ou do Governador,
mas “de todos os que, por omissão ou participação, tinham deixado o Estado chegar à situação
de excesso de funcionários, ineficiência da administração pública, falta de arrecadação para
saldar a folha de pagamento”. A solução para resgatar a dívida com o funcionalismo passava
502
Idem, Segundo Caderno. 07 de julho de 1986, pág. 02.
503
Idem,18 de julho de 1986, pág. 02.
237
pela necessidade de primeiro se resolver os problemas internos, para depois cobrar de alguém
do contexto externo
504
.
Para complicar ainda mais a situação, uma declaração em off de Tasso, feita a uma
emissora de televisão local, vazou. Nela, o peemedebista dizia que, se o Governador estivesse
plantando bananas, ele já teria a vitória como certa
505
. A resposta de Gonzaga Mota deixou
explícito o grau de tensão com o candidato do seu partido:
O sr. Jereissati talvez pense que eu sou subordinado do ilustre presidente Sarney.
Não sou. Ele está equivocado. Sou, sim, com muita honra, Governador do Ceará,
para em nome dos cearenses, dizer sempre a verdade, que não é inimiga de
ninguém. Critico para ajudar. Não bajulo para agradar. Quanto à candidatura
do sr. Jereissati, realmente ela não é minha, conforme ele salientou. É dele, que
fará dela o que quiser
506
.
O conflito provocou a disseminação de boatos da desistência de Tasso, da troca de
candidato do PMDB e, até mesmo, da inegebilidade do empresário por não ter se
desincompatibilizado do Conselho de Política Econômica e Social no prazo legal.
Tasso se desincompatibilização do citado e de mais nove cargos e funções que
exercia, demonstrado a importância do candidato no universo empresarial e político:
presidente do conselho de administração da FRUTOP, presidente do conselho de
administração da Agropecuária Arvoredo, diretor do CIC, conselheiro do Conselho
Empresarial Brasil-EUA, membro do Conselho Universitário da UNIFOR, membro do
Conselho de representantes da FIEC, membro do Conselho de Índices ao Consumidor,
primeiro vice-presidente da Asociação Brasileira de Shopping Centers, membro do Conselho
de Administração da Losango S.A
507
.
504
O Povo, 19 de julho de 1986, pág. 02
505
Idem, 20 de julho de 1986, pág. 02
506
Ibidem.
507
O Povo, 17 de julho de 1986, pág. 03.
238
O reatamento entre Tasso e Totó ocorreu após reunião com o presidente Sarney,
no dia 21 de julho. Dois dias depois, na residência oficial do governador, as arestas foram
aparadas e, no fim, posaram abraçados para a imprensa
508
. Até o fim da campanha, não houve
maiores atritos, embora as críticas veladas às posturas do chefe do Executivo continuassem.
Com a paz interna restabelecida, a campanha teve sua pré-estréia com a publicação
da coluna “Palanque”, um espaço franqueado aos candidatos, pelo jornal O Povo, para
apresentação de propostas, mas que se tornou um ringue. Talvez isso explique por que o
periódico só a tenha utilizado nesse pleito.
A primeira intervenção do PMDB na coluna buscava reforçar, na consciência dos
eleitores, a possibilidade e a necessidade de ocorrerem mudanças no Governo do Ceará.
Lembrava que transformações haviam chegado ao Brasil e a Fortaleza, que os currais
eleitorais estavam acabados, pois, em cada cidade do interior, havia uma “liderança intelectual
e juvenil bem informada e ansiosa de fazer do voto o instrumento de mudanças reais no
quadro político”. Além disso, os médios e pequenos proprietários, incluindo os camponeses
sem-terra, tinham acesso à informação, através da televisão e sabiam ser os coronéis
responsáveis pelo afundamento do Estado. Como resultado, “os coronéis iriam sobrar”
509
.
Debitava-se ao empreguismo eleitoreiro o inchamento da máquina pública, que teria
se iniciado com Virgílio Távora, em 1963, para acomodar os correligionários do PSD e da
UDN, que formaram a União Pelo Ceará. Para combater essa situação, propugnava destemor e
coragem, qualidades que Tasso tinha, para que o eleitor atenuasse seu medo e pessimismo. O
“medo de autoridade” era denunciado como um sentimento cultivado pela Ditadura Militar,
que, através das perseguições, nutria tal temor
510
.
Tasso era apresentado como candidato destemido, da juventude e do progresso.
Adauto era uma das “eternas múmias da política cearense”, múmias sem unidade, cheias de
508
Idem, 24 de julho de 1986, pág. 02.
509
Idem, Coluna Palanque. 29 de julho de 1986, pág. 05.
510
O Povo, 30 de julho de 1986, pág. 02.
239
mágoas entre si, sem sinceridade, pois mesmo sendo antigas beneficiárias da Ditadura, se
declaravam defensoras da liberdade e da democracia. Envolvidas em escândalos de
repercussão nacional como o que envolveu César Cals, ministro da Minas e Energia, no caso
dos contrabandos de ouro na Amazônia, denunciados por uma CPI da Câmara dos
Deputados
511
.
Tasso era a candidatura “das idéias e da razão”, como contraponto ao
“sentimentalismo de gratidão do povo” defendido pelos coronéis. Numa entrevista, declarou
que o povo “não queria pão e circo, nem um benfeitor, nem um santo. Mas um governo
sério”. Portanto, se os jornalistas “quisessem rever o passado, entrevistassem os coronéis. Se
quisessem antecipar o futuro, voltassem a procurá-lo”. As afirmações de certeza da vitória dos
membros da coligação PDS/PFL/PTB eram desdenhadas e qualificadas como produto de uma
mentalidade de 25 anos de Ditadura, que antecipadamente se sabia quem ganharia, situação
diferente daquele pleito em que todos estavam sendo amadores em cargos majoritários
escolhidos pelo voto direto.
Eu nunca fui governador, mas nem os outros foram candidatos. foram
governadores, senadores, mas nunca foram candidatos. Estamos todos
estreando em cargos majoritários, nas disputas, portanto ninguém tem
experiência nisso. Convém lembrar que não é mais nomeação
512
.
Lançadas as bases dos discursos de cada lado, a campanha eleitoral oficial começou
em agosto, trazendo muita polarização e acirramento, com os amadores dando um “baile de
competência” organizacional e de marketing sobre os profissionais.
511
Idem, 31 de julho de 1986, pág. 05.
512
Idem, 01 de agosto de 1986, pág. 02.
240
III.3. PALANQUES E BASTIDORES
III.3.1. COLIGAÇÃO DEMOCRÁTICO-TRABALHISTA
Na primeira participação da Coligação Democrático Trabalhista (PFL/PDS/PTB), na
coluna “Palanque”, noticiou-se sobre o sucesso da Convenção, que contara com a participação
de muitas representações municipais e finalizou-se com o discurso de Adauto: “profundo
conhecedor dos problemas do Estado”. No mesmo espaço, prometia ajuda à Prefeitura
Municipal de Fortaleza
513
e dava destaque às analises e afirmações que desqualificavam o
PMDB. Citaram Villas Boas Correa, que apontava o PMDB como responsável pela crise de
transição da Nova República, devido a sua condição de partido não confiável; Hélio
Jaguaribe, que acusava o PMDB de fisiológico
514
; Iranildo Pereira – vice-presidente do
PMDB-CE que acusou os setores fisiológicos do partido de impedir a Reforma Agrária.
Além dos depoimentos, falaram do atraso de quatro meses dos funcionários públicos
municipais de Santana do Acaraú, cuja prefeita era do PMDB; das brigas entre o deputado
federal Haroldo Sanford e o candidato à Câmara Alta, Osmundo Rebouças, que disputavam os
mesmos currais eleitorais; e os gastos com a convenção estadual, um “acinte aos servidores
em atraso”. Lembraram a perda da presidência do BNB e da superintendência da SUDENE,
como prova do desprestígio da legenda no Ceará
515
. Acusavam Mota de inerte frente à praga
do Bicudo nos algodoais do Estado e de impor seu candidato a Senador ao PMDB
516
.
Além de acusações, os textos da Coligação apresentavam uma linguagem
pretensamente popular, com expressões comuns às comunidades carentes de Fortaleza. No
texto intitulado “As fumaças da Convenção”, simulava o alvoroço e incômodo que as bombas
e os foguetes do evento adversário haviam provocado nas “mulheres, homens maltrapilhos e
crianças barrigudas do Conjunto Tancredo Neves, do outro lado do rio Cocó, no Lagamar”.
513
Dirigentes do PT, durante a campanha de 86, receberam ajuda financeira dos Coronéis. Em janeiro de 1987,
seis foram expulsos pelo Diretório Estadual, inclusive o presidente Gilvan Rocha.
514
O Povo, 01 de agosto de 1986, pág. 05. Coluna Palanque.
515
Idem,30 de julho de 1986, pág. 05. Coluna Palanque.
516
O Povo, 01 de agosto de 1986, pág. 05. Coluna Palanque.
241
Um “popular” explicava os motivos dos fogos: era a “festa do peemedebê... é a candidatura do
dr. Tasso. Tanto dinheiro queimado pra nada...”. As reticências pareciam querer dar a idéia de
espanto e surpresa ante tal “espetáculo de luxo e riqueza”. Em seguida, postando-se na
condição de esclarecedor do povo, a Coligação explicava que a festa era um “espetáculo de
luxo e riqueza, digno de Pérsia (sic) das estórias de encantamento e das melhores técnicas do
pão e circo”. Algo perigoso, que “por um passe de mágica, ou por sortilégios de uma
fadinha de olhos verdes” buscava “combater a miséria do povo com frases feitas e promessas
falaciosas”, embaindo “os crédulos com espetáculos das Mil e uma noites”. Algo que seria
“cômico, se não fosse trágico”.
Buscando reforçar o sentimento de escândalo com a convenção peemedebista, fazia a
relação entre o poder e a força do dinheiro fácil das multinacionais, dos grupos oligopolistas
e do próprio poder público, articulados no Ceará em torno de um candidato fundamentalmente
elitista”
517
.
Em resposta, o PMDB lembrava que convenções, por maior que fossem, não
garantiam vitória,.principalmente aquelas feitas na base do arrebanhamento de crianças e
pessoas sem vivência política. Entretanto, a realizada pelo partido significava “a retomada da
participação popular no processo sucessório”. O público estava motivado pela necessidade de
“derrotar as oligarquias dominantes”, sentimento que transcendia “aos próprios partidos” e se
projetava “como uma grande manifestação popular”. Era o “prenúncio de uma festa muito
maior e mais significativa, a ser celebrada, com o mesmo esplendor, depois de 15 de
novembro”. O “extravasamento de um sentimento de euforia nascido da alma de um povo
triste, por muito tempo frustrado em seus direitos e em seus anseios de liberdade e de
progresso e bem-estar”. Sem entrar nas acusações da festa como expressão do poder
517
Idem, 04 de agosto de 1986, pág. 05. Coluna Palanque.
242
econômico”, reverte a caracterização para “uma festa feita para o povo” que “merece e vai ter
muito mais ainda”
518
.
As duas coligações retratavam o povo na condição de triste, maltrapilho, sofrido e
pobre. Com a diferença de que a Coligação Democrática vinculava essa situação a uma
realidade inexorável e imutável da humanidade. “Até nos EUA tem pobreza”.
A coligação do PMDB, entretanto, explicava a miséria como produto de uma prática
política que a reproduzia e precisava dela para sobreviver. Suas análises denunciavam a
situação, como um chamamento de uma luta em prol do bem-estar coletivo contra a
manutenção do privilégio de uma minoria.
Como contra-ofensiva, a caracterização de Tasso como indiferente às condições de
vida do povo cearense. Ele levaria uma vida luxuosa, opulenta, “sem nunca estender a mão a
um operário”. Os Coronéis, “assim como os grandes líderes políticos”, surgiram pelo trabalho
em prol da coletividade. Quem sobrevivia em função da miséria alheia, para se manter em
evidência política e tentar sensibilizar o eleitorado, eram os comunistas, aliados de Tasso.
Assim a tônica anti-comunista começava a ser ressuscitada e ganhará progressivamente maior
relevo na estratégia eleitoral da Aliança Democrático-trabalhista.
A adjetivação coronéis”, por sua vez, foi repelida ou assumida em determinadas
circunstâncias pela coligação PFL-PDS-PTB: assumida quando significava a identificação
popular do trio de “ex-benfeitores”; repudiada quando se atrelava a práticas de nepotismo,
fisiologismos, clientelismo, reprodutores e beneficiados da miséria cearense. Para contrapor
essa tese, alegou-se que foram os ex-governadores que trouxeram a energia de Paulo Afonso,
que implantaram o sistema de captação de água Pacoti-Riachão, que construíram avenidas
largas, o Centro de Turismo e de Convenções, o Distrito Industrial, postos de saúdes, sistema
de saneamento e escolas. “Como poderiam querer o povo na miséria se estas obras
518
O Povo, Coluna Palanque. 05 de agosto de 1986, pág. 05.
243
significavam a melhoria na qualidade de vida deste?”
519
. Ademais, a principal característica
da oligarquia mais conhecida na História do Ceará, a de Nogueira Accioly, era a grande
quantidade de parentes que estavam incrustados na administração estadual, “coisa que
Gonzaga Mota fazia com muita semelhança”
520
.
A partir de setembro, passou-se a caracterizar o candidato do PMDB como
representante da Coca-cola
521
e, portanto, das multinacionais. Além disso, passou a listar
dossiês de empresários e aliados de Tasso, que receberam financiamentos públicos.
Empreendimentos que aumentaram em muito suas riquezas ou que fracassaram pela
“incompetência” administrativa de seus proprietários.
Como exemplo dos casos de fracassos, estava o de Iranildo Pereira, vice-presidente
do PMDB, com a empresa Companhia Industrial de Tianguá
522
. Sérgio Machado foi citado
pela ampliação do patrimônio a partir de recursos da SUDENE, que lhe permitiu adquirir
Têxtil União, Villejack, Coca-cola de Mossoró e Natal
523
. Amarílio Macedo “mesmo quando
apoiava causas esquerdistas” se beneficiava dos recursos da SUDENE, dos subsídios do Trigo
e da articulação política conservadora do pai José Macedo
524
.
Em setembro, houve a publicação de uma declaração de José Flávio Costa Lima
sobre a candidatura do colega empresário. Qualificava como uma “confissão da falência do
PMDB”, que Tasso, em momento algum de sua vida, demonstrou interesse pelos destinos
do Ceará. Seus negócios eram limitados ao aluguel de lojas “que não produz empregos, não
gera impostos e não traz qualquer contribuição social”. Os principais investimentos da família
519
O Povo, Coluna Palanque. 06 de agosto 1986, pág. 05.
520
Idem, Coluna Palanque. 08 de agosto 1986, pág. 05.
521
Idem, Coluna Palanque. 03 de setembro de 1986, pág. 05.
522
Ibidem.
523
Idem, Coluna Palanque. 05 de setembro de 1986, pág. 05.
524
Idem, Coluna Palanque. 08 de setembro de 1986, pág. 05.
244
Jereissati estariam em São Paulo, e, enquanto o Ceará estava passando por seca, Tasso estava
esquiando na Suíça ou nos Natais de Nova Iorque
525
.
O que levaria Flávio Costa, tão ponderado e político, fazer tal comentário e publicá-
lo? Talvez a explicação estivesse na sua sucessão à frente da FIEC, após quase uma década de
presidência, uma permanência muito criticada pelo CIC. Numa enquête feita pelo colunista
Lúcio Brasileiro entre os diretores desta entidade, José Flávio recebeu notas baixas de vários
deles. Inácio Capelo deu seis; Byron Queiroz, sete (ressaltando que poderia ser maior se
tivesse deixado a presidência antes); Beni Veras, oito; e Sérgio Machado, nove
526
.
Dez dias depois, José Flávio procurou a redação do jornal O Povo para “apresentar
suas despedidas e agradecer o apoio do jornal à sua administração”. Numa entrevista editada,
fez críticas veladas ao comportamento do grupo do CIC, que brilhou e ofuscou sua atuação na
FIEC. Numa delas, defendia a necessidade de uma ligação mais direta e permanente com a
autoridade do Estado, superando a fase do divórcio entre Estado e classe empresarial. Dizia
também que a crítica dos membros da Federação, sobre política econômica do país e do
Estado, eram construtivas e sem omissões e que o Estado tinha bons representantes políticos,
que não podiam ser acusados de indiferentes à problemática do desenvolvimento do Ceará.
Finalizava reafirmando que foi ele quem convocou o empresariado jovem, que estava fora das
entidades de classe e que não participavam dos sindicatos, mas que pouco participaram da
vida da Federação
527
.
O Movimento Pró-mudanças qualificou a fala José Flávio como preconceituosa com
o comércio dos shoppings centers. Explicava a postura do dirigente industrial como um
problema de nunca ter tido a mesma dimensão da entidade que presidia. Tudo por causa de
uma vaidade insaciável em ouvir elogios “ou de preferência a própria voz”, o que o tornara tão
ideologicamente atrasado quanto a UDN golpista e elitista dos anos 50, da qual fizera parte.
525
Idem, Coluna Palanque. 12 de setembro de 1986, pág. 05..
526
O Povo, 25 de agosto de 1986, pág. 08.
527
Idem, 06 de setembro de 1986, pág. 12.
245
Sua visão de economia e política era provinciana. Por isso teria sugerido, em nota assinada ao
presidente da República, cuidado com a Abertura Democrática, que deveria ser mais lenta e
cuidadosa. Teria sido sempre uma sombra das iniciativas de outras organizações empresariais.
Movia-o uma:
...profunda frustração com a humanidade inteira, que não foi capaz de
perceber nele o mais belo, o mais sábio, o mais bonito e o mais inteligente
dos homens. O sucesso, tanto empresarial quanto político de Tasso, dói mais
em José Flávio por inveja, ao sentir a proximidade inevitável de um fim
melancólico
528
.
A tréplica de José Flávio foi publicada no mesmo espaço, dois dias depois. Como o
título da nota do Movimento Pró-mudanças era “A caravana passa...”, Costa Lima o
denominou de “Caravana e caravanas”. Ali, o discurso “mudancista” era apresentado como
“um pano de boca para esconder os interesses que buscavam empregos e privilégios de
negócios”. Tasso era a nata da plutocracia cearense, que convencia os cidadãos
sinceramente preocupados” com o Ceará, por serem politicamente impúberes. O Movimento
Pró-mudanças era uma união de siglas que iam do vermelho ao ultravioleta, uma “sinistra
aventura de personalidades arrogantes e autoritárias”, de profissionais do sectarismo
ideológico, que poderia levar o Ceará para sérios impasses administrativos e anti-
democráticos. Embora reconhecesse a necessidade de métodos e processos novos, não via a
possibilidade de isso ocorrer com administradores sem qualquer vivência no campo da coisa
pública. Mesmo no plano nacional, as mudanças ocorreram com Tancredo e Sarney. Não com
seus filhos e netos. Tasso, ao defender o fim da miséria, demonstrava desconhecimento da
Teoria Econômica do Desenvolvimento e do Terceiro Mundo. Portanto, corria-se o risco de,
ao fim da sua gestão, continuar na mesma gesticulação contra a miséria, sob a cobertura de
uma mercadização (sic) personalista em proveito próprio. Técnica na qual seus assessores
528
O Povo, Coluna Palanque.13 de setembro de 1986, pág. 05.
246
eram tecnicamente respeitáveis. A alegada inveja do “sucesso político” de Tasso “iria se
confirmar ao fim da gestão”. Se conseguisse o que pregava, dar-lhe-ia os sinceros e públicos
abraços. Entretanto, achava difícil o eleitorado acreditar no secular e anacrônico discurso
antioligárquico e no sinistrismo esdrúxulo do movimento “mudancista”, pois assim como o
Brasil buscou mudanças em Tancredo e Sarney, em função da longa vivência pública, o Ceará
iria certamente eleger Adauto Bezerra
529
.
As declarações traziam à tona as animosidades latentes, desde o episódio Isto É de
1980. Bastou apenas uma fagulha para o pavio curto da disputa eleitoral detonar o conteúdo
do barril de resentimentos.
Em setembro, Tasso ultrapassou Adauto nas pesquisas. Como reação, a Coligação
Democrática (PFL/PTB/PDS) passou a tentar desqualificar as sondagens de opinião. Para
tanto, citava o exemplo das eleições para prefeito de Fortaleza, São Paulo, Recife e Goiânia.
Ademais, acusava os
jornalistas e irmãos, Paulo
Ernesto e Egídio Serpa,
como influenciadores das
colunas políticas de O
Globo e do Jornal do Brasil.
Além de correspondentes
desses jornais no Estado,
eram responsáveis pelas
notinhas encomiásticas a
Jereissati e detratoras a
Adauto, o que explicava o
529
O Povo, Coluna Palanque 17 de setembro de 1986, pág. 05..
247
interesse inédito destes órgãos pela campanha cearense
530
.
O advogado da Coligação, Aroldo Mota, qualificou as pesquisas do Ibope de irreais,
acusando a Rede Globo de fazer negócio com o PMDB local para colocar Tasso como
preferido do eleitorado. Além disso, a emissora tentava boicotar Adauto Bezerra da mesma
forma que fizera com Maluf
531
. Até porque, segundo o jornalista Themístocles, “os
imbecis” acreditariam nesse tipo de pesquisa
532
.
As objeções ao resultado das pesquisas careciam de credibilidade. A Coligação se
utilizou delas como propaganda, quando seu resultado lhe favorecia. De qualquer forma as
sondagens se tornaram uma dor-de-cabeça e uma assombração para os Democrata-
trabalhistas, como ironizava o chargista Sinfrônio.
Os ataques, que antes se concentravam em Gonzaga Mota e no PMDB, passaram a
ser mais diretos. Tasso foi acusado de pressionar os comerciantes para apoiá-lo, sob pena de
suspensão do fornecimento de gás Butano - empresa que pertencia à sua sogra de Coca-
cola
533
e de Farinha de Trigo
534
.
A acusação produziu uma piada registrada pela coluna “Política” de O Povo. Além
desta ameaça pró-Tasso, outros cavalheiros pró-Adauto estariam chantageando comerciantes
com ameaças de corte do crédito bancário e algodão áreas de atuação do candidato do PFL.
Depois uns “barbudinhos” espalharam o boato de que quem não votasse no PT, do padre
Haroldo, morreria sem extrema-unção
535
.
Tasso também foi acusado de farsante e oportunista, pois convidara e cortejara
Maluf, às vésperas da eleição presidencial, na inauguração do Shopping Iguatemi em 1981.
Hospedou-o no Hotel Esplanada, de sua propriedade, gratuitamente durante uma semana.
530
Idem, Coluna Palanque.15 de setembro de 1986, pág. 05.
531
Idem,Coluna Palanque.16 de setembro de 1986, pág. 05.
532
Idem,17 de setembro de 1986, pág. 02.
533
O Povo, 18 de setembro de 1986, pág. 02.
534
Idem, Coluna Palanque.08 de outubro de 1986, pág. 05.
535
Idem, 24 de setembro de 1986, pág. 04.
248
Posteriormente teria aderido a Tancredo quando a candidatura Maluf se mostrara inviável
536
.
As fotos de Tasso ao lado do ex-governador paulista foram utilizadas como prova do seu
oportunismo eleitoral, também como defesa das acusações de traidor da Nova República que
o Pró-mudanças fazia contra Adauto, por se aliar com malufistas
537
.
Em setembro, a Coligação fez várias mudanças na campanha, visando a torná-la
ainda mais ofensiva. O jingle da campanha, parodiando uma lambada cujo título era “Eu
tenho pena de você” e que era cantada na versão original pelos peemedebistas, foi trocado
por um frevo. Tiraram-se o paletó e a gravata de Adauto. Foram inseridas vinhetas
eletrônicas
538
e o slogan “Agora é a vez do povo”, que os adversários apontavam como um
ato falho, uma confissão da exclusão do povo no passado, para “A hora é do bom senso”
539
. O
coordenador do setor de imprensa da campanha foi assumida por Aquiles Peres Mota, vice-
governador da coligação Democrático-trabalhista e velho desafeto da família Jereissati
540
.
Estas mudanças mostraram suas faces dois dias depois. Na “Palanque” foi publicada
uma nota intitulada “Recordando....” sob o pretexto de relembrar as traições que Getúlio
Vargas teria sofrido no ano de 1954. Como exemplo de perfídia, citava o caso do presidente
do PTB do Ceará, que aproveitando da influência junto ao Governo Federal, subornara um
funcionário do Banco do Brasil, para fraudar guias de importação de linho. Assim conseguira
triplicar sua fortuna. Quando o caso veio a público, Getúlio teria determinado a apuração do
caso e proibira a entrada de Carlos Jereissati no Palácio do Catete. Além disso, através de uma
iniciativa do Deputado Armando Falcão, abriu-se uma CPI na Câmara dos Deputados. A nota
finalizava afirmando que o investigado, como “homem precavido [...] cuidou logo de adquirir
um mandato, para esconder-se nas imunidades”
541
.
536
O Povo, Coluna Palanque.22 de setembro de 1986, pág. 05.
537
Idem, 03 de outubro de 1986, pág. 03.
538
Idem,24 de setembro de 1986, pág. 02.
539
Ibidem, pág. 04.
540
Idem,18 de setembro de 1986, pág. 02.
541
O Povo, Coluna Palanque.22 de setembro de 1986, pág. 05.
249
Como o resultado da acusação não gerou nenhuma reação do Pró-mudanças ou
comentários da imprensa, a Coligação Democrática fez a mesma acusação, de forma mais
explícita e ofensiva, dois dias depois.
Com o título de Mudancista de Araque” afirmava que seria obrigação cívica da
Coligação mostrar a “História recente do Ceará e dos seus homens públicos, apontando os que
enriqueceram na política”, para evitar a repetição dos fatos que ocorrera na década de 1950.
Lembrava que, assim como o filho, Carlos Jereissati não tinha nenhuma atuação
política, até que, em 1946, hospedou o recém-deposto presidente Getúlio Vargas, que lhe
entregou a direção do “quase inexistente” PTB no Ceará. Levando os negócios para a política,
conseguiu acumular “fabulosa fortuna, das maiores do Nordeste”. A explicação dessa
ascensão financeira seria o tráfico de influência junto ao Banco do Brasil, para obtenção de
licença para importação de tecidos e trigo, quando estavam proibidas novas cotas. Além disso,
beneficiara-se com o emprego de parentes em órgão federais, principalmente a Previdência,
que estaria mal naquele momento, por conta de um “início comprometedor” por conta de
dirigentes que se tornaram “sócios ocultos da entidade”.
Dessa forma, eram explicados o “Hotel Savanah, apartamentos na Volta da Jurema,
fazendas e sítios, enquanto se transferia para São Paulo o núcleo de operações”. Tal riqueza
“permitia a morada de Tasso num palácio, esquiar na Suíça e passar o Natal em Nova Iorque”.
“Tipo de consumo perdulário, quase sibarita”, que seria uma das causas da miséria no Ceará.
A explicação para a aceitação do desafio eleitoral era debitada a problemas de
afirmação dentro do clã familiar. Teria sido afastado dos negócios de São Paulo e, no clã
doméstico, os cunhados não admitiam sua ingerência no Grupo Edson Queiroz. A eleição
seria a oportunidade de mostrar o valor não observado pelos parentes. Acrescentava-se ainda,
como prova de seus “profundos desvios de personalidade”, a compra de sua classificação
250
entre os dez maiores empresários do Brasil, além dos convites para as viagens internacionais
do Presidente Figueredo.
Finalizava explicando que o Ceará era miserável por causa de empresários que
transferiam suas poupanças para São Paulo e por causa de uma Previdência que não assistia
aos trabalhadores, pois tivera seus recursos embolsados para serem aplicados nos negócios
especiais da construção de Brasília. Portanto, o eleitor cearense não iria permitir o reembolso
dos fabulosos recursos gastos na ultrajante campanha da mentira que explorava a boa-fé do
povo
542
.
O Movimento Pró-mudanças resolveu então responder. Qualificou as declarações
contra Carlos Jereissati como perda do senso de ridículo e da vergonha, afirmando que as
desonestas considerações dos porta-vozes dos Coronéis tentavam mostrá-lo como um vilão,
mas não diziam que havia sido inocentado pela Justiça e pelos eleitores que o elegeram
Senador nas eleições de 1962, ano em que, num histórico discurso na televisão, “desfez toda
a campanha contra a sua honra patrocinada pelos coveiros da democracia: David Nasser,
Carlos Lacerda e Armando Falcão”, e que, no seu velório, havia uma fila que ia da
Assembléia Legislativa ao Cemitério São João Batista (algo em torno de 2 Km), como mais
uma “prova da isenção popular diante das injúrias que o senador sofrera”
543
.
No dia 04 de outubro, no programa eleitoral da Coligação na TV, o candidato a vice-
governador, deputado estadual Aquiles Peres Mota, afirmou que Tasso havia herdado uma
herança duvidosa do seu falecido pai. Além disso, acusava a Tasso de vender sua casa para a
própria mulher, com quem era casado com separação de bens, para se livrar de confisco,
devido à falência de uma de suas empresas
544
.
O Movimento Pró-mudanças percebeu, nesse discurso insistente, uma ameaça à
imagem de seriedade e honradez de Tasso. Resolveu então responder à altura e de uma forma
542
O Povo, Coluna Palanque.24 de setembro de 1986, pág. 05.
543
Idem, Coluna Palanque.25 de setembro de 1986, pág. 05.
544
O Povo, 07 de outubro de 1986, pág. 04.
251
que pudesse capitalizar politicamente. Na segunda-feira, dia 06 de outubro, o PMDB fez uma
cerimônia de desagravo a Tasso em sua residência, com a presença de deputados federais,
estaduais e vereadores, Mauro Benevides e Gonzaga Mota. Por orientação da coordenação de
campanha, o ofendido ficou calado “devido à emoção”. Na verdade, Tasso era conhecido pelo
seu “pavio curto”. Para evitar que explodisse em público, orientaram-no a se calar. Pela
primeira vez na campanha, Renata Jereissati fez uso da palavra para ressaltar o amor do
marido pelo falecido pai. Confessou que a aceitação do esposo em concorrer ao Governo
gerara “uma crise que a deixou sem dormir e chorar durante uma semana”. Mas,
posteriormente, deu seu apoio por “acreditar que Tasso estaria desempenhado uma missão
confiada a ele por Deus e que seu pai não tivera tempo de concluir”
545
. As outras falas foram
mais políticas, solidárias e desqualificadoras da atitude desrespeitosa e desesperada da
Coligação.
No programa da TV, a ofensa foi levada ao limite do sentimentalismo. Mostraram
imagens antigas de Tasso ao lado dos pais e irmãos ainda adolescentes e do enterro de Carlos
Jereissati tendo como fundo musical Pai Herói de Fábio Júnior
546
. Depois foram mostrados os
depoimentos de Mauro Benevides, Cid Carvalho (candidatos ao senado) e Expedito Machado
sobre o ex-senador. Este ressaltou que Carlos “era um homem sem ódio, nem rancor, nem
ressentimento de qualquer pessoa... E foi tão agredido, tão atacado, que terminou morrendo do
coração”. Por sua vez, o apresentador do programa, Carlos Capelleti, ao ler o texto, “não
conteve a emoção e chorou”
547
.
Apesar de qualificarem as denúncias como desonestas, covardes e caluniosas não
houve uma preocupação em esclarecer o ocorrido no longínquo ano de 1954. Esse fato até
hoje incomoda o atual Senador Tasso Jereissati, como demonstra sua ação de processar o
545
Ibidem.
546
Interessante que a matéria, pretensamente objetiva do O Povo, chegou ao limite de transcrever toda a letra da
música.
547
O Povo, 07 de outubro de 1986, pág. 04.
252
presidente do Partido dos Trabalhadores, Ricardo Berzoini. O presidente do PT declarara à
Folha de São Paulo, de 02 de setembro de 2006, que Tasso deveria ser mais cuidadoso nas
denúncias contra o governo Lula, pois seu pai também havia sido alvo de acusações
pesadas
548
.
A denúncia de Aquiles teve o mérito de causar o repúdio do presidente do PDS do
Ceará, “pelo enxovalhamento da memória do ex-amigo a quem guardo sempre uma
lembrança que eu muito reverencio”. Flávio Marcílio era advogado e amigo de Carlos
Jereissati, que o guindou à condição de vice-governador na articulação para as eleições de
1954.
549
.
No fim das eleições, Homero Sanchez, responsável pelas pesquisas de opinião da
campanha de Tasso, confessou que a fala de Aquiles teria rendido uma média de 200 mil
votos “de presente”. “Nos velhos tempos, este reconhecimento daria a Aquiles, no mínimo,
uma cadeira de Secretário de Estado”
550
.
A partir de 29 de setembro, a Coligação Democrática-trabalhista passou a usar
estratégia de denunciar o candidato do PMDB como representante de multinacionais e
espoliador dos trabalhadores. Num momento “mediúnico”, qualificou as falas “pretensamente
progressistas”, que atraíam até os comunistas, como estratégias de “implantação... por meio
de um processo de mistificação, de uma monstruosa oligarquia político-econômica em que
determinados grupos, praticantes do monopólio e do oligopólio, dominariam por inteiro a vida
do Estado”
551
.
Na propaganda eleitoral da televisão, denunciou os privilégios de Tasso, pelo uso
gratuito da água fornecida pela CAGECE para sua empresa Refrescos Cearenses. Mostrando
duas torneiras abertas, o locutor fazia a pergunta: “Esta é a água fornecida pela CAGECE. O
548
Idem,14 de setembro de 2006, pág. 23.
549
Idem,’07 de outubro de 1986, pág. 04.
550
Idem,20 de novembro de 1986, pág. 04.
551
O Povo, Coluna Palanque. 29 de setembro de 1986, pág. 05.
253
que ocorre quando você pára de pagar sua conta?Nesse momento, a torneira menor parava
de jorrar, enquanto a maior continuava derramando. Continuava o locutor: “E o que acontece
quando uma empresa do Sr. Tasso Jereissati, candidato do Governador e do Partido
Comunista, passa dois anos sem pagar a conta de água? O que acontece? O que acontece? O
que acontece? É essa a mudança que você quer?”
552
.
No mesmo programa, Tasso era apontado como “o verdadeiro oligarca”, pois deteria o
instrumento influenciador de consciências: os espaços em programas de rádio e jornal, o
monopólio do gás butano e os interesses de empresas multinacionais
553
.
A partir de 03 de outubro, resgatou-se a mensagem anti-comunista para execrar a
candidatura peemedebista. Reproduziram e distribuíram amplamente na Região do Cariri,
uma carta escrita pelo Padre Cícero em 1930. Nela o “taumaturgo do Cariri” alertava o povo
de Juazeiro contra os comunistas e pedia a abstenção popular para com os candidatos que
recebessem apoio dos adeptos do marxismo. Jereissati ainda era acusado pel panfleto de não
gostar do Santo Padre e dos romeiros
554
.
Em Canindé, outro centro de romaria do Estado, um panfleto anti-comunista,
“contendo calúnias ao candidato do PMDB e aos partidos comunistas”, teve autoria atribuída
ao vigário episcopal, frei Lucas Dolle. Irritado, o pároco ironizou os detratores, convidando-os
a “estudarem um pouco de filosofia para saberem o que realmente é essa ideologia, e só
depois disso abrirem a boca para falar”. Os que confundiam os padres com os comunistas
seriam ignorantes e considerava aceitável a união do PMDB com os comunistas, visto que
estavam legalizados pela constituição.
555
Esta estratégia da Coligação serviu de análises e comentários de jornalistas e
chargistas, como Mino, aliado confesso dos “mudancistas”. Na charge, um Adauto
552
Idem,03 de outubro de 1986, pág. 03.
553
Ibidem.
554
Ibidem, Coluna Palanque. pág. 05.
555
O Povo, 12 de outubro de 1986, pág. 02.
254
“destemperado”parecia gritar a “ofensa” de comunista a Tasso, que, com ar de
despreocupado, desfilava com o braço no ombro de um padre, que demonstrava uma feição de
contentamento com a companhia do candidato
556
.
O Cardeal Lorscheider, por sua vez, não via nenhum perigo no comunismo, que
“havia tido sua vez e estava superado”. O problema era o uso do anti-comunismo “como um
espantalho”. Pior que o comunismo seria a “falta de justiça e de respeito mútuo, que subvertia
toda ordem. Era a perseguição a pessoas, desrespeitando-as e faltando com a caridade
fraterna”
557
.
No dia 17 de outubro, a Coligação
Democrática-trabalhista publicava um anúncio
intitulado “Tasso quer comunismo mais forte
no Ceará”. O título se baseava numa entrevista
de Tasso à revista Senhor, de 10 de junho de
1986, que creditava o apoio do PCB à sua
candidatura, como uma evolução de
compreensão deste. Num novo ambiente
político estadual, o partido cresceria com mais facilidade. A nota ainda dizia que seriam
entregues aos comunistas as Secretarias de Educação, de Agricultura e o Iterce (espécie de
INCRA estadual). Assim, haveria uma “lavagem cerebral na área de Educação e as invasões
no meio rural, orientadas pela quinta coluna comunista”. Conclamava o povo a livrar o Ceará
da nefasta influência comunista, elegendo Adauto, que não tinha matado oficiais e praças do
Exército enquanto dormiam em 1935, nem um comerciante de São Benedito em 29 de agosto
556
Idem, 15 de novembro de 1986, pág. 07.
557
Idem, 16 de outubro de 1986, pág. 03.
255
de 1970, nem um sargento da FAB em 27 de outubro de 1970 e finalizava dizendo: “Tudo
pela Democracia. Tudo pelo Ceará”
558
.
Um panfleto distribuído em Juzeiro do Norte trazia o seguinte apelo:
Pelo bem que você quer ao Padre Cícero, nós lhe pedimos que não vote no
partido da Besta Fera, nem nesse candidato que se juntou ao comunismo.
Pelo amor de Cristo e pelo amor de Padre Cícero, defenda Nossa Senhora
das Dores e o nosso santo Juazeiro. Abra os olhos e veja a traição nos
olhos verdes da cobra comunista, injetados de sangue, que vem com o
nome de Tasso. Veja o perigo
559
.
A de defesa Pró-mudanças baseou-se não na negativa da condição de comunista
de Tasso, como na exposição das várias e incoerentes tentativas da Coligação de macular o
candidato do PMDB. Chamaram-no de representante das multinacionais, malufista, sonegador
e filho de contrabandista. Ademais, tanto Adauto quanto Lúcio Alcântara haviam tentando
conseguir o apoio dos comunistas para a manutenção da Aliança Democrática no Ceará.
Alertava ainda para o risco do anti-comunismo usado pela “forças direitistas que promoveram
a revolução de 64”. Assim como seu candidato, nomes como Getúlio Vargas, Juscelino
Kubitscheck, Tancredo Neves e José Sarney, também haviam sido apoiados pelos partidos
comunistas. Mas, para marcar sua diferença, declarava que a “união visava a construção
nacional, a democracia plena e a justiça social”. Quando se chegasse ao “porto da democracia,
cada um toma o seu rumo”. Os ataques e mentiras deviam-se à origem udenista dos Coronéis,
que, sempre que estavam prestes a perder uma eleição, pediam ajuda aos militares
560
.
Na segunda quinzena de outubro, um panfleto apócrifo mostrava desenhos de Tasso
em “paixões homossexuais”
561
.
558
O Povo, 17 de outubro de 1986, pág. 03
559
Idem, 18 de setembro de 1986, pág. 04.
560
O Povo, 17 de outubro de 1986, pág. 03.
561
Idem, 21 de outubro de 1986, pág. 04.
256
Cabos eleitorais visitavam os idosos de Juazeiro, dizendo que se a besta fera dos
olhos verdes ganhasse, suas aposentadorias acabariam
562
.
Em novembro Tasso, é apresentado como um homem que tinha nojo de povo e de
vereador e que recusava fazer um simples gesto de cortesia, como “estender as mãos para
vereadores de Nova Russas” e como um criminoso ambiental, por soterrar o mangue do
Cocó
563
para construir o shopping Iguatemi e outros empreendimentos imobiliários
564
.
Mas foi com o discurso anti-comunista que a Coligação conseguiu os melhores
resultados. Após as eleições, os coordenadores da campanha de Tasso reconheceram o
trabalho que deu a neutralização do pavor provocado na capital e no interior. Foi necessária a
divulgação de entrevista de Dom Aloísio Lorscheider e padres de influências em seus
municípios, além de fotos ao lado de sacerdotes. Se a campanha demorasse mais um mês,
poderia ter ocorrido uma reversão do quadro eleitoral
565
.
A Coligação também se caracterizou por protagonizar os incidentes de violência da
Campanha, como o atentado à rádio Educadora, de Crateús, pertencente a Expedito Machado.
No dia 19 de agosto, Emanuel Cardoso, vereador do PFL, disparou três tiros contra os
equipamentos da emissora
566
. O motivo de sua ação era a revolta pelas palavras agressivas do
radialista Antônio Alberto Andrade Leite, contra Fernando Cardoso Linhares, o presidente do
PFL local. Dias antes, Linhares havia despertado a ira dos Machados quando fez declarações
questionando a liderança da família no município.
Foi o primeiro de uma série de incidentes resultantes da explosiva mistura entre a
sucessão estadual e política municipal, com suas formas “peculiares” de resolver dissidências.
Esses incidentes foram denunciados pelo Pró-mudanças como “práticas conhecidas
do coronelismo para intimidar o PMDB”. Entretanto, reafirmava que não se intimidaria e
562
Idem, 26 de outubro de 1986, pág. 02.
563
Reserva de matas e mangues da cidade de Fortaleza.
564
Idem, 04 de novembro de 1986, pág. 05.
565
Idem, 17 de novembro de 1986, pág. 02.
566
Idem, 20 de agosto de 1986, pág. 05.
257
continuaria a levar sua mensagem ao povo o verdadeiro alvo da violência dos seus
adversários. Expedito Machado considerava o procedimento de seus adversários como uma
“incapacidade de reagir a argumentos com argumentos”. O PFL protocolou ão no TRE
contra o radialista Antônio Alberto e o diretor Sérgio Machado, por difamação e calúnia
visando benefício eleitoral
567
.
Nos comícios de Juazeiro do Norte, Bela Cruz e Sobral, ocorreram conflitos entre
apoiadores de Tasso e Adauto. Nesta última cidade, Sávio Bezerra, sobrinho de Adauto,
acompanhado de mais quatro pessoas, tentou impedir a colagem dos cartazes peemedebistas
que anunciavam o comício, apresentando armas e colando os cartazes da Coligação
Democrático-trabalhista por sobre os do Movimento Pró-mudanças
568
.
O ato foi nomeado como formas “de conturbar o processo eleitoral e amedrontar os
eleitores que ousavam insurgir-se contra o voto de cabresto”. Entretanto, conclamava os
eleitores a se mobilizarem para dar um basta definitivo à desordem que interessa aos
coronéis”
569
.
Em Reriutaba, região Norte do Estado, distante 337 km de Fortaleza, Tasso sentiu
pessoalmente as agressões dos adversários logo na chegada. Seu helicóptero posou no Estádio
Municipal e encontrou seus portões trancados, por ordem do próprio prefeito. Teve que
escalá-los para chegar ao local do comício, onde foi vaiado ostensivamente por um grupo de
adautistas localizados em frente à Prefeitura e próxima do palanque. Tasso fez um discurso
ofensivo dizendo que mudar o Ceará não era distribuir “um par de dentadura nova ou um par
de óculos, como fazem os coronéis. Mudar significa apresentar novo estilo de campanha, em
que o povo possa se manifestar livremente de acordo com sua consciência. Significa pregar
uma mensagem nova, de reviravolta de todo o processo administrativo e político do Estado,
567
O Povo, 21 de agosto de 1986, pág. 02.
568
Idem, 23 de agosto de 1986, pág. 02.
569
Ibidem, Coluna Palanque pág. 05.
258
montado até pouco tempo na base assistencialista, coronelista e paternalista”
570
. Na saída, o
helicóptero do candidato fez um rasante sobre a Prefeitura, fazendo muita poeira sobre os
correligionários do PFL.
Em Forquilha, região Norte do Estado, o apresentador dos comícios de Tasso, Paulo
Limaverde, sofreu uma tentativa de seqüestro que foi imputada ao prefeito José Antonio
Martins (PFL). Além dess,a acusação o chefe do executivo local também foi denunciado por
tentar proibir comício na praça principal, distribuir leite da merenda escolar para esvaziar o
comício adversário, de esmurrar uma correligionária do PMDB e ainda de impedir ligações do
monocanal da empresa de telefonia, pertencente à Prefeitura, para os correligionários de
Tasso
571
.
Em Tabuleiro do Norte, um proprietário de um posto de gasolina pró-Adauto mandou
cortar a energia elétrica que alimentava o palanque do PMDB, que continuaram o comício sob
a luz de faróis de carro
572
.
Em Juazeiro do Norte, um grupo liderado por José Assaré invadiu uma residência que
afixava cartazes de Tasso, rasgou-os e ainda colou os de Adauto Bezerra, chegando ainda a
ameaçar a dona de casa Manoela Ribeiro Salviano, caso arrancasse seus cartazes e colocasse
novamente os do candidato do PMDB
573
.
Em Tianguá, foi apedrejado o carro do candidato a senador pelo PMDB, Esmerino
Arruda. O prefeito fechou as entradas da cidade e um de seus irmãos fez um comício do PFL
numa rua que dava acesso ao comício de Tasso. Dois filhos seus foram ao hotel onde estava a
comitiva peemedebista para fazer intimidações
574
.
570
O Povo, 25 de setembro de 1986, pág. 04.
571
Idem,26 de setembro de 1986, pág. 04.
572
Idem,30 de setembro de 1986, pág. 02.
573
Idem, 04 de outubro de 1986, pág. 02.
574
O Povo, 06 de outubro de 1986, pág. 03.
259
Em Itapipoca, a população ficava sem assistir aos programas eleitorais gratuitos, por
cair o sinal da transmissora local
575
.
Em Santana do Acaraú, o juiz eleitoral, Marcos Vinicius dos Santos, tentou impedir
um comício do PMDB e mandou retirar as faixas de boas-vindas à comitiva “mudancista”. O
magistrado era acusado ainda de invadir residências para retirar cartazes e deixar os de Adauto
intactos nas ruas
576
.
Em Palmácia, a prefeita Felismina Macambira Capelo fechou a praça municipal com
cerca de madeira e ofereceu um churrasco à população. Mesmo assim o comício reuniu quatro
mil pessoas, num descampado em frente ao Centro Comunitário, em pleno meio dia. A nota
de destaque foi a presença do Vigário Djacir Cavalcante usando a camiseta do candidato e
falando que Tasso seria eleito “para cumprir a profecia de que os poderosos serão derrubados
dos seus tronos”
577
.
Em 08 de novembro, na cidade de Ipú, o coronel reformado do Exército, Pedro
Martins, foi alvejado com vários tiros disparados pelo suplente de vereador do PFL, Manuel
Guedes de Sousa. Martins trocara o apoio à Adauto por Tasso três meses antes. Os disparos
atingiram também a cinco populares que estavam na mesma feira-livre onde ocorreu o
incidente
578
.
Em Tianguá, o filho do prefeito Antônio Murilo Nunes foi alvejado e ferido por um
disparo efetuado por um pistoleiro. O prefeito Tancredo Nunes se envolvera com outros
incidentes tendo como rival seu irmão, João Nunes, filiado ao PFL
579
.
Entretanto, o Movimento Pró-mudanças também cometeu violências, embora não
tenha assumido destaque na imprensa e sem uma orientação deliberada do comando da
campanha. Tasso, numa entrevista, confessou que um correligionário informou da ameaça de
575
Idem, 08 de outubro de 1986, pág. 02.
576
Idem, 12 de outubro de 1986, pág. 02.
577
Idem, 26 de outubro de 1986, pág. 04.
578
Idem, 09 de novembro de 1986, pág. 18.
579
Idem, 13 de novembro de 1986, pág. 18.
260
um grupo em lhe jogar ovos, mas pedia calma pois o irmão do líder do grupo “está na minha
casa, com um revólver apontado para a cabeça dele. Se esse fizer alguma coisa, o irmão
paga”. Segundo Jereissati, “Graças a Deus não jogaram ovo nenhum”
580
.
III.3.2. MOVIMENTO PRÓ-MUDANÇAS
Na “Palanque” destinada ao PMDB, no dia 02 de agosto, foi feita a chamada para a
convenção do partido: o “início do afastamento da possibilidade de retorno do desastre
econômico ao executivo cearense”. Os mesmos que reconheceram “de forma inconsciente”,
que o povo nunca teve vez nos seus 22 anos de governo, ao escolher como lema de campanha
“agora é a vez do povo”. Tasso se propunha “à renovação e ao aperfeiçoamento das
instituições de forma prudente, sem atropelar as pessoas e os fatos”
581
.
O leitor que tivesse aceitado o convite e fosse à convenção, pensando em encontrar
os acanhados encontros do PMDB, certamente tomaria um susto. Dez mil pessoas ocuparam
as ruas adjacentes e as dependências da Assembléia Legislativa, que, ironicamente, chamava-
se Adauto Bezerra por propositura do deputado José Vieira Filho, agora apoiador da
candidatura Tasso. Dezenas de charangas das candidaturas proporcionais e três trios elétricos
prenunciavam a poluição sonora que caracterizaria o pleito. Além do plenário da Casa, houve
comício no lado externo do Parlamento e à noite no Carlito Pamplona, bairro proletário da
capital, com um show de Beth Carvalho.
Ao lado de Franco Montoro, Tasso e sua mulher Renata, chegaram ao local às 10:45,
tendo muita dificuldade para adentrar no plenário 13 de maio. Seu discurso pediu aos
cearenses a “oportunidade de mudar o perfil político e econômico do Estado, como o PMDB e
Sarney já estavam fazendo”. Esta solicitação era “legitimada pelo passado do PMDB e dos
partidos aliados, que estiveram ao lado do povo quando tudo lhe era tirado em nome de um
580
Playboy janeiro de 1998, pág. 48.
581
O Povo, 02 de agosto de 1986, pág. 05.
261
pseudo desenvolvimento cuja finalidade, não era a melhoria das condições de vida da
população”. Os Coronéis, chamados de “delegados nomeados pelos generais de Brasília”,
com suas obras faraônicas, não se preocupavam com a importância delas para o povo.
“Enquanto a miséria crescia, consolidava-se uma elite espoliativa, que, em meio à
escassez de recursos, entregava-se à caça predatória de qualquer fonte de enriquecimento,
causando uma revolta popular atenuada pela ideologia da resignação e desesperança”.
Propunha para romper a cadeia do círculo vicioso da pobreza uma atuação em três elos:
“busca de oportunidades para todos, promoção da educação e empenho pela saúde”. Prometia
prioridade para pequenos e micro-empresários. Interiorização do desenvolvimento,
descentralizando a administração e articulando-a com os governos municipais, educação
voltada não só para o crescimento intelectual, “mas para tornar o indivíduo apto para o
processo produtivo e capaz de reivindicar seus direitos de cidadão”, democratização da saúde,
medicina preventiva e acesso de todo cidadão aos cuidados primários
582
.
A tônica sarcástica da Convenção foi dada por Gonzaga Mota que, referindo-se aos
escândalos que envolveram os três coronéis do Estado, pediu aos opositores, sem citar nomes,
que, ao invés de críticas, “lhe jogassem as pedras preciosas, as esmeraldas para que pudesse
transformá-las em dinheiro para pagar o salário atrasado do funcionalismo. O dinheiro
depositado na Suíça para executar os projetos em favor do povo”. O “dinheiro da agiotagem e
dos juros extorsivos para pagar a dívida de 10 bilhões de cruzados do Estado”
583
.
Adauto replicou pedindo nomes dos que teriam cometido tais ações,
responsabilizando Mota pela queda do vel da campanha, acusação que o PMDB também
faria ao ex-vice-governador
584
. Uma justificativa para que os oponentes iniciassem uma
campanha de acusações cada vez mais ofensivas.
582
O Povo, 03 de agosto de 1986, pág. 02.
583
Ibidem, pág. 04.
584
Idem,Coluna Palanque 09 de agosto 1986, pág. 05..
262
A estratégia “mudancista” buscava capitalizar a juventude, a “beleza” européia e o
sucesso do peemedebista com o público feminino. Criaram até um comitê de recepção que
ficou conhecido como “namoradinhas de Tasso”, formado por belas garotas dos municípios
visitados, geralmente parente e amigas das lideranças locais. Tinham a função de “atacá-lo”
para abraçá-lo e beijá-lo. Uma das “namoradinhas” declarou que “não deixaria de votar nele
para votar nos outros candidatos horrorosos que aparecem por aqui”. Outra, que “sabia que ele
é bonito, mas não sabia que era tão cheiroso”.
585
Themistocles Silva
qualificou a estratégia de
“besteirol, criado pelos
Goebels caboclos do PMDB e
do CIC, que significava uma
falta de respeito com a
opinião pública”
586
.
Posteriormente, o cerco
feminino tornou-se
espontâneo. Tasso era cercado
e abraçado pela multidão com
a mesma efusão de um artista
conhecido nacionalmente. Esse “sucessochegou a ser tema de charge, que mais parecia uma
propaganda eleitoral sub-reptícia
587
. A partir do comício de Sobral, em 22 de agosto, Tasso
passou a ser chamado pelas suas fãs eleitoras de “Gatasso”
588
.
585
Idem, 10 de agosto de 1986, pág. 02.
586
O Povo, Coluna Palanque, 13 de agosto de 1986, pág. 05.
587
Idem, 20 de agosto de 1986, pág. 06.
588
Idem, 23 de agosto de 1986, pág. 02.
263
Além da “beleza” de Tasso, algo mais chamava a atenção do público: seu helicóptero,
que fazia muito sucesso entre a população. Poucos sertanejos resistiam à tentação de chegar
perto. Outros tentavam entrar dentro do aparelho. O “voante” era tido como a melhor forma de
propaganda, ganhando até do carro de som
589
.
O único debate com todos os candidatos a Governador ocorreu no dia 08 de
setembro, na Rádio AM do Povo. As intervenções foram publicadas por O Povo em quatro
páginas. O momento de destaque foi a pergunta feita a Tasso por Adauto.
Após elencar as obras que realizou quando governador, Adauto indagava como
conseguiria num mandato de quatro anos erradicar a miséria no Ceará, fazendo diferente do
que tinha sido feito na sua administração.
Tasso começou dirigindo-se a Adauto como “Caro Coronel”, explicou que não
pretendia erradicar a miséria em quatro anos, mas fazer um governo que, “pela primeira vez”,
se voltasse para o problema da miséria absoluta no Estado. Continuou citando dados que
demonstravam uma boa assessoria de seus acompanhantes, Sérgio Machado e Beni Veras:
Todas essas obras que foram feitas no seu governo se chocam com a realidade.
A realidade é que o Ceará em relação ao país empobreceu. A realidade é que o
nível de vida da população não melhorou. A realidade é que quando o
Nordeste é um terço da renda per capita do país, o Ceará tem 60 por cento
da renda per capita do Nordeste. A realidade é que em cada mil crianças,
duzentas morrem de fome antes de completar um ano de idade. A realidade é
que 51% das crianças não freqüentam escolas. A realidade é que o cearense
médio vive menos que o brasileiro médio. A realidade é que 53% de nossa
população urbana é analfabeta. A realidade é que a cada três cearenses que
produzem no campo, dois não têm terra. A realidade é que 69% do sertão é
analfabeto, 70% da população ativa do Ceará ganha um salário mínimo ou
menos, enquanto o quadro no Brasil é de 50%. A renda do sertanejo é 1/10 da
renda do brasileiro. 38% da população de Fortaleza ganha meio salário
mínimo ou menos. O governo, as obras, tem que se refletir no ganho de
589
Idem, 15 de setembro de 1986, pág. 02.
264
qualidade de vida do povo. isso no meu entender, é a grande diferença de
visão. Governo é para atender à maior parte da população e melhorar e vida
desta população. Se se fazem obras e mais obras e elas não atenderam este
objetivo, a maneira de ver Governo está errada. Governar num Estado pobre
como o nosso, é atender às carências mais básicas desta população: matar a
fome, dar educação, dar saúde, dar escola e voltar toda a máquina
administrativa do Estado, voltar todo o poder, não para a manutenção do
poder propriamente dito, mas para aumentar o bem-estar desta mesma
população
590
.
Ao replicar, Adauto disse que Tasso não respondera à pergunta. Apenas falara de
ações em áreas que tinham sido trabalhadas por sua administração e, portanto, sem dizer
como diminuiria a miséria. Tasso fez a tréplica novamente pelo ataque. Segundo ele, de nada
adiantariam escolas e hospitais construídos aplicando-se política clientelista onde a saúde
virava moeda eleitoral para fortalecer chefes políticos, empregar médicos da “curriola”. Uma
educação em que o professor era designado conforme sua facção política e a quem prestava
conta de suas responsabilidades e não à sociedade e aos alunos.
A mentalidade fundamental e sine qua non para se mudar qualquer coisa é
que esta execução tem que ser competente e descomprometida de vínculos
políticos eleitoreiros. Este é o grande problema de nosso Estado. É a
operacionalização desses projetos e desses planos
591
.
Além de representante do clientelismo político e do atraso sócio-econômico do
Estado, Adauto também foi acusado de boicotar o Plano Cruzado. Segundo as acusações, seu
banco praticava taxas de juros exorbitantes e extorsivas de 4,99%, como as que foram feitas
nos empréstimos para a Prefeitura de Fortaleza. A tabela oficial feita por um “acordo de
590
O Povo 09 de setembro de 1986, pág. 12.
591
O Povo, 09 de setembro de 1986, pág. 12
265
cavalheiros” entre banqueiros e Governo era de 2,9%
592
. A pergunta que se fazia era: “Adauto
estaria ajudando a Fortaleza, como prometia na sua campanha, ou estaria sendo ajudado?
593
.
A condição de banqueiro servia para se criar uma idéia de usurário, explorador de
bancários e arrogante, como fez o PMDB na “Palanque” de 07 de agosto. Aproveitando uma
declaração de Adauto, que sugeria a Gonzaga Mota voltar “para trás de um balcão do Banco
do Nordeste, de onde nunca deveria ter saído”, impingiam a ele um menosprezo da
capacidade de funcionários do BNB, governarem o Estado. Entretanto, segundo ainda o
PMDB, a declaração não causava espanto para alguém que tinha obrigado seus bancários a
trabalharem no de maio daquele ano, como comprovava uma denúncia à Delegacia
Regional do Trabalho.
Acusado de beneficiamento pela política econômica-financeira da Ditadura Militar,
que “sacrificou setores industriais produtivos, bancários e operários”, em prol da categoria de
Adauto, que apenas lucraram “sem nada a oferecer à sociedade”. “Um coronel dobradinha
de banqueiro”
594
.
Adauto era “o velho da sociedade”, enquanto Tasso o empresário produtivo “o novo,
a dinâmica, a eficiência”, que garantiria a consolidação da democracia e o desenvolvimento
em bases progressistas, coisa que não se alcançaria com “herdeiros da Ditadura, nem com
velhos especuladores que engordam com a pobreza do nosso povo”
595
. A partir de agosto, o
Pró-mudanças passou a chamar a frente Democrática-trabalhista de “Coligação anti-diretas”,
por vários de seus membros terem votado contra a aprovação da Emenda Dante de Oliveira
em 1984
596
.
O contra-ataque da Coligação Democrática-trabalhista lembrava que enquanto a
campanha de Tasso agredia os banqueiros, Gonzaga Mota adulava seus diretores para
592
Idem, Coluna Palanque, 09 de agosto 1986, pág. 05.
593
Idem, Coluna Palanque, 12 de agosto de 1986, pág. 05.
594
Idem, Coluna Palanque, 23 de agosto 1986, pág. 05.
595
O Povo, Coluna Palanque, 23 de agosto 1986, pág. 05.
596
Idem, Coluna Palanque, 30 de agosto 1986, pág. 05.
266
conseguir empréstimos. Recordava também que o candidato havia sido dono do Banco dos
Importadores, quando o transferiu para José Afonso Sancho. Seu próprio pai, além de dono de
Banco, devia sua fortuna ao Banco do Brasil, que lhe fornecia “as licenças falsas de
importação de tecidos”
597
.
A partir de 09 de agosto, o Comitê do PMDB passou a se chamar de Movimento Pró-
mudanças (PMDB, PCB, PC do B, PDC), assinando assim seus textos na “Palanque”. Como
exemplo da auto-imagem que o movimento tinha de si, ou que queriam passar para o
eleitorado, destaca-se esta frase: “o Movimento Pró-Mudanças é o grande pulmão sadio da
democracia”
598
.
Novamente, o termo “mudança” passou a ser o carro-chefe da campanha. Tasso
passou a ser apresentado como o continuador da luta anti-oligárquica começada pelo pai. Até
o Padre Cícero, muito mais próximo da tradição coronelista do Estado, foi apresentado como
o homem que “iniciou a luta contra as oligarquias para defender os interesses do povo”, no
comício em Juazeiro, em 16 de agosto. Por essa afinidade de luta contra os coronéis, “tinha
certeza de que receberia as bênçãos que pediu ao falecido benfeitor da Cidade”
599
.
Outra forma de demonstrar a modernidade da candidatura Jereissati, era a divulgação
dos editoriais, artigos e matérias de jornais e revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, sobre as
eleições do Ceará. Normalmente, teciam elogios ao ex-presidente do CIC e faziam objeções à
candidatura de Adauto. Em agosto, o Movimento Pró-mudanças reproduziu, na primeira
página de O Povo, editorial do Jornal do Brasil, intitulado “Democracia no Mapa”. Falava
sobre sucessões que despertariam as atenções da opinião pública brasileira, por representarem
de forma transparente a disputa entre o passado e a nova cidadania em busca de afirmação.
Como deixar de reconhecer, no Ceará, por exemplo, que a candidatura de
Tasso Jereissati, mais do que a legenda do PMDB, representa o espírito
597
Idem, Coluna Palanque, 25 de agosto 1986, pág. 05.
598
Idem, Coluna Palanque, 21 de outubro de 1986, pág. 05..
599
Idem, 17 de agosto de 1986, pág. 02.
267
empresarial moderno e, portanto, a modernização da sociedade elevada
pela confiança democrática ao governo do Estado? Não é possível que o
Ceará seja mantido prisioneiro de uma trindade de coronéis (com o sentido
rural e castrense) na idade da expulsória política. Retiram-se da vida
militar, mas querem mandar na política como nos (bons para eles) tempos
em que a sociedade não conseguia fazer a sua vontade prevalecer através
do voto
600
.
A partir de setembro, quando Tasso ultrapassou Adauto nas pesquisas, o Movimento
Pró-mudanças começou a comparar sua ascensão na preferência do eleitorado com a vitória
que Tancredo havia infligido a Paulo Maluf no Colégio Eleitoral do ano anterior
601
.
Essa radicalização verbal
passou a ser lamentada em vários
artigos, editoriais e nas charges,
como numa em que Tasso e Adauto
com feições de ódio em seus rostos,
com uniformes de número 15 e 25,
respectivamente os números de seus
partidos, e eram representados como
jogadores desleais que usavam de
golpes baixos e irregulares para
vencerem
602
.
Em fins de outubro, depois de chegar a 15 pontos de vantagens nas pesquisas, Tasso
começou a perder pontos para Adauto, efeito da ofensiva anti-comunista da Coligação.
600
O Povo, 21 de agosto de 1986, pág. 01.
601
Idem, Coluna Palanque. 02 de outubro de 1986, pág. 05.
602
Idem, 28 de outubro de 1986, pág. 06.
268
Para atenuar a ofensiva adversária, Tasso fez uma visita surpresa a Sarney no dia 21
de outubro, sendo recebido fora da Agenda e sendo fotografado ao seu lado. Na saída, foi
cercado por repórteres que lhe fizeram perguntas sobre a campanha. Ao responder sobre a
ofensiva anti-comunista da Coligação, fez pouco caso dos seus efeitos, embora confessasse
que pessoas estariam lhe perguntando se tomariam seus filhos, destruiria a estátua de Padre
Cícero ou fecharias Igrejas. Diante da explicação sobre a origem udenista dos coronéis para
tal estratégia, os repórteres lembraram a Tasso que Sarney era da UDN. Sem se constranger
rebateu: “Mas era da bossa-nova. Era dissidente”
603
.
Sinfrônio, entretanto,
comparou a visita de Tasso à de um fiel
(Tasso) ao padre (Sarney). Uma enorme
agenda em forma de confessionário
testemunhava a confissão do candidato,
em posse de oração sob o olhar
satisfeito do Presidente
604
.
Ainda como forma de barrar a
queda nas pesquisas, o Movimento Pró-
mudanças deu destaque a um escândalo
noticiado pelo Jornal do Brasil em 28 de outubro, envolvendo o Banco Industrial do Ceará,
de propriedade de Adauto Bezerra.
Antônio Carlos Couto Falcão, filho de um primo do ex-ministro Armando Falcão,
deu um milionário golpe, no valor total de cem milhões, em vários empresários do Estado,
que apostaram em investimentos envolvendo compra e venda de dólares, de abril a setembro
603
O Povo, 22 de outubro de 1986, pág. 02.
604
Idem, 23 de outubro de 1986, pág. 06.
269
de 1985. A base dessas operações era uma conta fria, aberta pelo acusado no BIC, com a
autorização dos diretores da instituição, sob o nome fictício de Manoel Amaro.
Em depoimento à polícia, o ex-gerente Renato Faria Araújo declarou que esse
expediente era utilizado até por diretores do banco, dentre eles o próprio Adauto Bezerra. O
acusado se refugiou no exterior, deixando um prejuízo ao BIC de seis bilhões e oitocentos
milhões de cruzeiros. O próprio Banco denunciou o caso à polícia, esperando reaver o
prejuízo, mas, após perceber a gravidade do caso, deixou a denúncia ficar engavetada durante
a gestão do então secretário de segurança José Feliciano de Carvalho, o que teria sido um dos
motivos de Gonzaga Mota para demiti-lo da pasta
605
.
O Pró-mudanças apresentou a denúncia no seu programa eleitoral e entrevistou, em
Belo Horizonte, Renato Farias, principal acusador e ex-gerente da agência onde teria ocorrido
o caso. Na entrevista, declarou que tinha sido demitido para servir de “bode expiatório”, que
não tinha sido morto, por interferência de um desembargador, amigo do seu sogro e que seu
apartamento tinha sido invadido e revirado três vezes.
O locutor do programa informava, por sua vez, que o ex-gerente lutava para esquecer
o pesadelo e recomeçar sua vida. Tornara-se um homem doente do coração, tendo que tomar
remédios todos os dias. Depois, o deputado estadual Ciro Gomes, falava que os protagonistas
de tal escândalo não teriam a ousadia de governar um Estado se houvesse “uma mínima
exigência de dignidade na ação política”, que o poder político era buscado apenas para
“garantir a impunidade e o exercício leviano da ação econômica, mesmo à custa da
especulação e do rompimento das fronteiras do lícito, do correto, do que se acha honesto”. O
PMDB, ainda segundo Ciro, queria tirar o Ceará das ginas policiais dos grandes jornais do
país, por outras que mostrassem as mudanças que Tasso significaria
606
.
605
O Povo, 29 de outubro de 1986, pág. 11.
606
Idem, 30 de outubro de 1986, pág. 04.
270
Após a publicação do escândalo envolvendo o BIC, a jornalista Vanda Célia, do
Jornal do Brasil, responsável pela reportagem, sofreu intimidações. Em Brasília, onde ela
estava quando se deu a publicação da matéria, ligações anônimas ameaçavam montar uma
“cruzeta
607
” para envolvê-la com tráfico de cocaína, caso retornasse a Fortaleza. Mesmo
temerosa, voltou à Fortaleza, mas ficou assustada quando um pretenso policial civil pediu a
ficha da repórter na recepção do Hotel. Após este fato, retornou ao Rio de Janeiro
608
.
A Coligação, por sua vez, acusou Tasso de ser um “rapaz ambicioso e inexperiente”,
que não fora sequer vereador, e “omisso diante dos dramáticos problemas do Ceará”, de não
estender sequer um tijolo para a construção de uma escola, de ser um magnata cuja fortuna
tinha origem no contrabando e na corrupção, de tentar se passar por amigo do presidente
Sarney, mas era sabotador do Plano Cruzado, por aumentar seus preços usando do artifício do
maquilamento
609
, de ser sonegador de impostos e tarifas, incentivador do crescimento dos
comunistas e de mentir quando afirmava que fazia reforma agrária em suas terras
610
.
A elevação dos níveis de acusação entre as
duas frentes exigiu a intervenção do TRE, que, no
dia 31 de outubro, suspendeu por 24 horas a
propaganda eleitoral de Tasso e Adauto, ão que
foi muito elogiada pela imprensa
611
e pelo chargista
Sinfrônio, que via na punição uma espécie de
esparadrapo na boca dos briguentos. Entretanto,
607
Termo policial para caracterizar a colocação de drogas em carros ou residências de um inocente para
incriminá-lo.
608
O Povo, 06 de novembro de 1986, pág. 02.
609
Prática de empresas para furar o tabelamento de preços. Um produto já existente no mercado recebia pequenas
modificações e era apresentado como lançamento. Única forma aceita para majoração de preços.
610
O Povo, 30 de outubro de 1986, pág. 04.
611
Idem,01 de novembro de 1986, pág. 02.
271
não acreditava na eficácia da medida para pôr termo às agressões, como explicitava os dedos
em forma de chifre dos oponentes
612
.
Depois da suspensão dos programas, o Movimento Pró-mudanças priorizou a
apresentação de suas propostas para o Ceará, ao invés de revidar as “maledicências
coligacionistas”. Tasso explicitava uma das preocupações da nova administração: “Governar
sem melhorar a qualidade, o padrão de vida de nossa população e cada um dos cearenses, não
é governar”. Prometia trabalho, mas explicitando a diferença com o empreguismo praticado
pelos coronéis, que comprometia os recursos “que deveriam ser aplicados em infra-estrutura –
sim capazes de gerar empregos produtivos, trabalhos eficientes e geradores de riquezas e
dignos para toda a população do Estado”
613
.
A tendência da vitória de Tasso era o visível, que Lúcio Brasileiro, em 10 de
novembro, proclamava os vitoriosos: a “esplêndida geração de novos empresários que
abandonou os gabinetes de suas empresas para lutar na rua por um ideal... movidos
unicamente a espírito público”
614
.
No mesmo dia, esses “esplêndidos empresários” davam mais uma prova de sua
modernidade no último comício do Movimento Pró-mudanças. Inovaram nas estruturas físicas
de palco, som, iluminação e efeitos especiais, para a estupefação do público estimado em 100
mil pessoas. No palco, o apresentador do programa mudancista, Carlos Capelletti, a cantora
dos jingles Rosaly Lima e os cantores Erasmo Carlos e Sandra de Sá. Como surpresa para o
evento, a presença do Governador de São Paulo, Franco Montoro.
Os shows pirotécnicos, poucos comuns no Estado até então, e o uso do raio laser
formando mbolos da campanha num painel branco, “foram uma atração à parte”. O palco
tinha a altura de quase três metros e dois palcos, onde o inferior foi destinado para os oradores
612
Idem, 06 de novembro de 1986, pág. 06.
613
O Povo, 04 de novembro de 1986, pág. 04.
614
Idem, 10 de novembro de 1986, pág. 08.
272
e o primeiro para os artistas, incluindo o candidato peemedebista. No discurso, foi ressaltado
pelo jornal o seguinte trecho:
...o Ceará que todos sonhamos é aquele que não tenha mais pobreza, não
tenha mais miséria e que todo o povo resgate seu direito de cidadão para ter
acesso livre à educação, saúde, alimentação, à terra. Por isso, no dia 15,
vamos todos juntos mudar e dizer que chega de miséria, chega de pobreza,
chega de coronel e viva o novo Ceará.
O discurso “esquerdista” de Tasso ficou ainda mais explícito numa mensagem que
levou a sua assinatura na “Palanque” de 11 de novembro. O texto iniciava-se falando do
consenso entre as forças democráticas da necessidade de mudanças profundas, e, como
defensor delas, se dirigia aos que as desejavam. Culpava as estruturas sociais, econômicas e
políticas do país pela marginalização da maioria do povo cearense das benesses do progresso,
situação que era agravada por formas seculares de dominação, que haviam se cristalizado no
poder, mantendo um quadro de arcaísmo, ineficiência administrativa, injustiça social e
exclusão da cidadania, sustentado por um pilar poderoso: o controle da máquina
governamental, que reparte privilégios para poucos, migalhas para alguns e nada para a
grande maioria”. Mudar o poder político seria o primeiro passo para as outras mudanças.
Embora reconhecesse que sua candidatura não seria uma “panacéia para todos os males da
nossa terra”, sentia-se capaz de promover a soma de energias de pessoas organizadas em seus
partidos, associações, sindicatos etc, para promover as “grandes inadiáveis mudanças
estruturais”, desmantelar a máquina oligárquica e a “abertura de caminhos que levam a um
poder participativo”. A disputa de 15 de novembro não seria de natureza ideológica, mas
política, em que de um lado estariam os que queriam promover mudanças dessas estruturas,
mesmo com diferentes posições de classe, ideológicas e credos. Do outro, os que se juntam
pela coesão dos privilégios e a manutenção das estruturas atuais de poder. Finalizava
conclamando aos que queriam mudanças profundas, independente da convicção ideológica e
273
do partido a juntar-se ao “grande esforço dos que querem descortinar um novo panorama na
vida política, social e econômica de nossa terra”
615
.
No dia seguint, o Pró-mudanças publicou, em duas páginas, uma bonita foto de um
homem com um bebê nos ombros, que, de costas, pareciam assistir a um comício ou se
dirigindo a algo luminoso. O bebê segurava uma bandeira da campanha de Tasso. Em títulos
garrafais, a mensagem para o eleitor que votaria três dias depois: A MUDANÇA ESTÁ EM
SUAS MÃOS
616
.
Abaixo, uma mensagem subjacente da certeza de vitória, mas convidando aos
indecisos a participar, dos que promoveriam a Mudança:
O desejo de mudar o Ceará cresce a cada dia no coração do povo cearense.
Junto com esse desejo vem crescendo a candidatura de Tasso Jereissati. A cada
615
O Povo, Coluna Palanque.11 de novembro de 1986, pág. 05.
616
O Povo 12 de novembro de 1986, pág. 10 e 11.
274
dia novas adesões. A cada comício mais popularidade. A cada hora maior a
certeza da vitória. Faltam apenas três dias para o Ceará mudar. A mudança,
agora, está em suas mãos. A partir de 15 de novembro estará nas mãos do povo
cearense, que irá governar o Estado junto com Tasso Jereissati.
A mudança seria, portanto, algo novo, precioso, que exigiria cuidados, dedicação e
compreensão, mas com um futuro certo e bonito. Bastaria apenas o eleitor adotá-la como algo
de sua responsabilidade no cuidar e no prover.
Este sentimento de euforia deu mostras de sua existência em Paracuru. Lá, a fiscal do
PMDB, Maria Cícera, batizou a filha que nasceu no dia 17 de novembro de Tassiana
617
. Em
Fortaleza um motorista de táxi substituiu, durante a campanha, a placa do veículo pela
logomarca de Tasso
618
. O colunista Lúcio Brasileiro, por sua vez, exultava o “fenômeno
Tasso” como uma “coisa cearense, só nossa”, sem nada a ver com o panorama nacional
619
.
Dois dias depois de iniciada a contagem dos votos, a diferença pró-Tasso era tão
nítida, que Sinfrônio comparou a vitória
do empresário a um banho, dado com
Coca-cola sobre um acabrunhado e
aborrecido Adauto Bezerra, dentro de
uma tina de madeira, representação
clássica, oriunda do cinema, para a
limpeza de meninos “arteiros”, mal-
educados e desobedientes
620
.
Em entrevista coletiva, no dia 16
de novembro, Tasso reconheceu que sua possível vitória significava uma última oportunidade,
dada pelo povo, para que as elites fizessem uma “revolução pelo voto”:
617
O Povo, 18 de novembro de 1986, pág. 11.
618
Idem, 20 de novembro de 1986, pág. 08.
619
Ibidem.
620
Idem, 18 de novembro de 1986, pág. 06.
275
Ou nós fazemos um revolução pelo voto, agora, no Ceará, começando a dar
condição de vida condigna para a maioria da população ou ela não dará
outra chance igual. Estamos conscientes da responsabilidade e da nossa
posição, que é de humildade, de conhecer que apenas somos uma peça
pequena em todo o processo de mudança e, por uma série de circunstâncias,
fizemos parte dela”.
621
Durante a entrevista coletiva dada por Tasso, Sérgio Machado, um dos coordenadores
de sua campanha, cochilava encostado numa das paredes do comitê onde se realizava a
audiência. Era a representação do esforço de cinco meses de campanha, viajando muito e
dormindo pouco, acompanhando o candidato nos comícios e, no fim do dia, assistindo aos
programas eleitorais gratuitos, gravados em cassete, pois também era um dos responsáveis
pela produção destes
622
.
A estrutura da campanha foi uma amostra à parte do grau de organização
administrativa dos empresários neófitos na política. Montaram-se dois grupos: o político e o
de mobilização social. O primeiro ficava sob o comando de Sérgio Machado, que tinha a
função de criar estratégias e negociar o apoio com candidatos proporcionais e partidos. O
outro, sob o comando de Amarílio Macedo, reeditava a organização de comitês a partir das
categorias profissionais e de atuação social, usada na campanha das Diretas-já, onde se visava
ouvir estas categorias e delas extrair propostas que seriam as bases do projeto político-
administrativo que Tasso tinha para o Estado. Conforme noticiário da imprensa, estas
propostas eram discutidas pelo candidato do PMDB, que escolhia as que mais parecessem
importantes dentro do programa e da plataforma eleitoral.
Ou seja, não se formulava um projeto a partir de uma discussão com todos os
segmentos sociais do Estado. Indicavam-se as bases do projeto e, sobre estas, se definiam as
propostas que seriam apresentadas ao comando da campanha. Mesmo com tais limitações,
621
O Povo 17 de novembro de 1986,pág. 03.
622
Idem, 18 de novembro de 1986, pág. 02.
276
algumas destas sugestões foram utilizadas no governo de Jereissati. O próprio Amarílio
Macêdo, responsável pelo comitê que ficou conhecido como Pró-mudanças, confidenciou que
após a apuração e confirmada a vitória eleitoral, Beni Veras teria dito: “Manda a moçada pra
casa que agora a gente precisa trabalhar”
623
.
O comitê de médicos foi exemplo desta mobilização. Sua demanda era a isenção da
área de saúde de qualquer ação de natureza político-partidária, além da priorização das ações
médicas e de saúde que envolvessem nutrição e saneamento. Um dos coordenadores do
comitê, Marcos Penaforte, tornou-se secretário de Saúde no primeiro governo Tasso
624
.
Esta divisão bem organizada da administração de uma campanha chamou tanto a
atenção, que se tornou pauta de várias matérias pós-eleição. Uma destas mostrava como a
“divisão fez a força” da vitória de Tasso, com uma bem organizada e orquestrada organização,
onde o alto comando era formado por “sete meninos grandes”. Sérgio Machado exercia a
função de “carregador de piano” e de “pára-raios” sobre o qual todos os descontentamentos
deveriam cair. Amarílio Macedo era o “animador de comunidade”, reunindo profissionais e
diversas categorias. Beni Veras era o “cérebro” que supervisionava e integrava as ações de
forma imperceptível. Assis Machado era um “prefeito”, arrumando os apetrechos para os
espetáculos de arte e civismo. Inácio Capelo, Cândido Quinderé e Byron Queiroz foram os
colaboradores
625
.
No dia seguinte, outra matéria de página inteira, mostrava como “Da União e trabalho
de um grupo nasceu a vitória de Jereissati. A história da Campanha/Empresa”. Ali se
destacavam as estratégias e organização da campanha, além de seus protagonistas e histórias
ao longo de seis meses
626
.
623
RIBEIRO, Francisco Moreira. Cenários de uma política contemporânea. Fortaleza. Fundação Demócrito
Rocha, 1999, pág. 121.
624
O Povo, 21 de agosto de 1986, pág. 02.
625
Idem,20 de novembro de 1986, pág. 04.
626
Idem,21 de novembro de 1986, pág. 07.
277
Homero Sanchez, responsável pelas análises das pesquisas na campanha, foi outro
foco de atenção das matérias. Numa delas, o “bruxo”, reconheceu que Tasso ganhou devido a
ações embasadas por pesquisas de opinião. Nas primeiras pesquisas, contatou-se que a
população aceitava o coronelismo, não por senso de solidariedade, mas por um sentimento de
fatalidade e pela falta de esperança. Percebeu-se depois que a fatalidade tinha possibilidade de
modificação, uma “tendência latente na população de mudança”, provocada pela Campanha
das Diretas e a eleição de Tancredo Neves.
Esse desejo latente tinha um obstáculo para ser aproveitado pela campanha: o
desconhecimento de Tasso pelos eleitores. Por conta disso, foi definida a visita de Tasso a
todos os municípios do Ceará, mesmo naqueles onde não havia ninguém para recebê-lo, como
forma de massificar seu nome antes da propaganda obrigatória. Em algumas das cidades onde
se realizavam comícios, a falta de apoio era tão grande que não havia sequer a quem pedir um
copo de água
627
.
Ainda segundo Homero, a união dos três coronéis facilitara os ataques, já que o apoio
de apenas um deles dificultaria a estratégia ofensiva da campanha cearense, que foi
reconhecida, pelo próprio sociólogo, como a melhor de todo o país na época.
A imagem jovem, rica, de olhos azuis, loura e bonita de Tasso levava vantagem sobre
a figura de Adauto. Essa representação juvenil, aliada à consciência da possibilidade de
mudança, levou os eleitores a ignorar suas lideranças locais, que, nas primeiras pesquisas,
eram consideradas fortes, obrigando-as a correrem atrás de seus liderados para não perderem
espaço. Uma candidatura que, pela “primeira vez na história do Nordeste”, foi ganha por um
grupo de empresários jovens, que dirigiram uma campanha e ganharam contra todos os
princípios tradicionais de política no Ceará, usando um tipo de marketing mercadológico igual
ao que usavam para vender seus produtos.
627
O Povo, 21 de novembro de 1986, pág. 02.
278
Embora estivesse no Ceará quatro vezes ao longo da campanha, Homero assistia
aos programas eleitorais de todas as coligações, através de fitas gravadas e enviadas por
malotes no dia seguinte
628
.
Outro entrevistado, o publicitário Giácomo Mastroianni, creditou a vitória de Tasso
ao apoio popular, da imprensa inclusive do sul do país – e ao acerto na estratégia de
marketing. A Coligação perdeu porque não teve uma campanha partidária, e sim, de
candidatos. Não teria havido na verdade “grandes alquimias”, mas apenas o resultado de um
trabalho criterioso, de mais de dois meses, antes da propaganda oficial.
Mastroianni foi requisitado por um amigo empresário do CIC, de São Paulo para o
Ceará, onde prestava serviço numa agência que tinha clientes do porte da rede de
supermercados Carrefour. Através do convite participou da parte publicitária da campanha,
que estava sob a responsabilidade da CBBA/Propeg. A agência havia criado o conceito “O
Brasil mudou. Mude o Ceará”. O publicitário confessou que achava difícil tornar conhecido
um homem sem vivência político-partidária e que era conhecido nas camadas mais
elitizadas. A estratégia escolhida fora fortalecer a imagem de Tasso, conjuntamente com o
PMDB, partido de Sarney e presidente do Plano Cruzado, defender-se dos ataques que viriam,
orientando Tasso conhecido pelo seu “pavio curto” a não perder o controle emocional e
criando uma “Usina de Maledicências”. Esse setor era responsável em tomar conhecimento,
nos locais públicos, das conversas e boatos reinantes sobre Tasso, que eram convertidas em
perguntas não agressivas ao candidato e levadas ao ar. Isto teria possibilitado a “imunização”
do peemedebista e a manutenção de uma imagem tranqüila e serena, embora firme e decidida.
A campanha tinha todos os ingredientes de uma peça publicitária: um cliente (o PMDB), um
produto (Tasso) e um público (eleitorado).
628
Idem, 20 de novembro de 1986, pág. 05.
279
Giácomo ainda falou da produção dos programas de televisão e rádio, para a qual foi
montado um Núcleo de Operação, com uma ilha de edição, cujo acesso era vedado a qualquer
pessoa que não fosse da coordenação da campanha ou dos profissionais da agência de
publicidade. Informou das várias canções compostas, desde um frevo baseado numa música
cantada por Elba Ramalho, até um jingle dramático intitulado “Nasce um novo tempo” que
dizia no seu refrão:
Chega de tanta pobreza, de miséria absoluta
Vamos mudar este Estado, unidos na mesma luta
Este povo cearense, do sertão ao litoral
Não pode viver tão mal, precisa viver melhor
Esta canção foi gravada por Roseli Lima e produzida pela Spot Tape (RJ). Para levar
maior animação nas concentrações e comícios, Fausto Nilo criou a peça “Vamos dar a
decisão”, que foi gravada pela Som Livre, com apoio da Globo, em equipamento de 16 canais.
A campanha ainda teve o apoio de Raimundo Fagner, Dominguinhos e Chico Buarque, que
chegou a gravar um “testemunhal” adotando a candidatura de Tasso.
Ao fazer uma comparação entre o programa da Coligação com o Pró-mudanças,
Mastroianni apontava uma desvantagem com a plástica do apresentador e de seu candidato.
Tasso e Capeletti apresentador do programa - “tanto fotografavam bem, como resistiam a
um close”, pois tinham rosto limpo, feições finas, iam fundo nos olhos do telespectador e
transmitiam emoção, condição imprescindível para o sucesso comercial de um produto. Já
Irazer Gadelha apresentador da Coligação e com traços típicos de cearense
629
- tinha lábios
grossos e a cabeça chata. Adauto tinha um tique de voz que perturbava o teleouvinte.
Ademais, a Coligação pecara por ignorar as pesquisas de opinião
630
.
629
Irazer Gadelha era também apresentador dos telejornais da Televisão Verdes Mares, propriedade da sogra de
Tasso. Logo que o jornalista apareceu nos programas da Coligação, foi despedido pela emissora.
630
O Povo, 24 de novembro de 1986, pág. 12
280
Depois dos organizadores e publicitários, o foco das coberturas jornalísticas centrou-
se nas pessoas que dividiam da intimidade do novo governador. No dia 20 de novembro, sua
esposa foi matéria de capa do segundo caderno de O Povo, intitulada “Jovem, sincera,
confiante: assim é Renata Jereissati”. Na entrevista, vislumbrou-se algo do homem e marido
Tasso. Renata casara com 19 anos e contava, à época, treze anos de matrimônio. Tinha, como
preocupação exclusiva a administração da sua mansão, do séqüito de empregados e das três
filhas. Tivera uma educação diletante dominando quatro idiomas inglês, francês, espanhol e
alemão – e cursos de Administração de Empresa e Economia. Mas somente em agosto
daquele ano havia assumido função na administração geral do Shopping Center Iguatemi.
Tinha horror à política e sequer se interessava pelo seu noticiário. Quando soube das intenções
do marido, entrou em pânico, pois acreditava ser o fim de sua vida tranqüila. Tentou dissuadi-
lo com a estratégia de não lhe dirigir a palavra por um mês.
Até agosto, quando começou a acompanhar Tasso na campanha, nunca havia
mantido qualquer contato com a favela e a pobreza do Estado, o que a deixou chocada e
deprimida durante um certo tempo. Para ela, Tasso assumia o governo como uma “missão
movida pelo idealismo e pela vontade de melhorar as condições de vida do povo”. Embora
concordasse com a necessidade de medidas de saneamento básico para isso, acreditava na
premência de uma formação profissional como forma de dar uma função produtiva aos setores
carentes do Estado
631
.
III.3.3. ANÁLISES JORNALÍSTICAS
Algumas apreciações sobre as eleições de 1986 buscavam, no calor dos
acontecimentos, dar lógica ao quadro eleitoral que se desenhava, como Auto Filho, no artigo
de 04 de outubro, intitulado “A queda de alguns mitos”. Tendo como base de avaliação uma
631
Idem, 20 de novembro de 1986, pág. 02.
281
pesquisa da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da Universidade Federal do Ceará,
sobre os fatores influenciadores do voto, propagava a ineficiência das estratégias baseados no
“voto de cabresto”, já que poucos entrevistados declararam decidir o voto pela influência de
prefeitos, chefes políticos e por favores prestados. Entretanto, o melhor do artigo foi sua
avaliação dos fatores determinantes para tal mudança política: os jovens que haviam recebido
o estatuto da cidadania através das comunidades eclesiais de base; os líderes sindicais; as
mulheres vanguardistas de movimentos sociais urbanos e rurais; a dissolução da relação de
subordinação dos filhos aos pais “traço psicossocial básico da cidade interiorana”; a
generalização do processo de urbanização e o conseqüente dissolvimento dos laços de
compadrio; o conhecimento do mundo pelo solitário vaqueiro, do humilde lavrador e do pobre
da periferia, através da televisão e do rádio; a influência capilar da Universidade e a presença
multiplicadora e ativa do universitário nas comunidades servidas por ela.
Por fim, demonstrava acreditar que a mensagem de mudança, trazida por um jovem
sem passado político, com imagem produzida por competentes profissionais, com campanha
bancada pelo partido situacionista - ainda popular - e impérios empresariais, com tentáculos
que atingiam os recantos longínquos do Estado, era algo quase invencível. Pois do outro lado,
havia partidos pobres e candidatos medíocres, homens que representavam o velho Ceará, com
todos os defeitos do amadorismo e dos vícios da política do passado
632
.
Numa assertiva quase “premonitória”, o mesmo jornalista afirmava num artigo
posterior que Tasso seria a ameaça de extensão da cartelização econômica para o Governo
do Estado. Portanto, seria questionável o apoio dos setores sociais organizados, sem as
garantias políticas de que o processo de democratização da sociedade e sua
“descoronelização”, não redundassem num “perverso mecanismo social que substituiria a
democratização, pela manipulação eletrônica das massas e transfira a máquina estatal aos
632
O Povo, 04 de outubro de 1986, pág. 12.
282
shyllocks da economia urbana”. Até porque a campanha milionária, o domínio do seu comitê
por figuras destacadas do mundo empresarial e os compromissos assumidos com os adesistas
de última hora, não permitiam uma compatibilidade entre o discurso de combate à miséria e a
base social de apoio do candidato
633
.
Enfim, uma preocupação com o processo de mexicanização do Brasil, a partir da
vitória do PMDB, bem como a falta de uma alternativa política que servisse de mediação
orgânica entre a sociedade e o Estado, além de “força de pressão para evitar o risco da
cartelização do poder pelos gestores da economia industrial”
634
.
Francisco Lima chamava a atenção para o fato do grupo que sustentava a candidatura
peemedebista insistir no combate aos coronéis sem dar uma dimensão exata ao coronelismo:
“uma realidade que empobrecia e fustigava a honra”. Mudar a sociologia política seria
“quebrar os grilhões da cadeia de dependências afetivas e econômicas” que prendiam o eleitor
ao padrinho político do lugar, que poderia ser o prefeito, o comerciante rico, o fazendeiro.
Como prova da persistência deste quadro, citava o fato de “que uma eleição se contava não
pelo apoio popular, mas pelo comprometimento dos alcaides municipais”
635
.
Wanda Célia, repórter de política do Jornal do Brasil da sucursal de Brasília, via na
candidatura Tasso mais uma surpresa para o país a primeira teria sido Maria Luiza, pois o
candidato do PMDB, não teria feito acordos com os veteranos líderes políticos que
dominavam a poderosa máquina eleitoral do Interior, coisa que estaria sendo feita na Bahia
com Waldir Pires e em Pernambuco com Miguel Arraes. Sua explicação era que tal
diferencial estaria no fato de a classe empresarial jovem e bem sucedida representada por
Jereissati e numa aliança com o PMDB – ter percebido que o PT poderia ser uma ameaça real
633
O Povo, 14 de outubro de 1986, pág. 06.
634
Idem, 19 de novembro de 1986, pág. 07.
635
Idem, 21 de outubro de 1986, pág. 06.
283
e que os coronéis não seriam uma opção para um governo de metas sociais. A vitória de Maria
Luiza teria feito esse empresariado enxergar o caminho à vitória eleitoral
636
.
Outro artigo que chamava a atenção pela inusitada defesa dos coronéis tinha como
título “E viva o coronel!”, de 12 de novembro de 1986, de autoria de Quintílio de Alencar
Teixeira. Embora reconhecesse que pudesse parecer antiquado, ultrapassado, ou defasado -
como qualificavam os “fogosos intérpretes da nova ordem política, ungidos pelo poder de
mando” preferia ficar com os coronéis do sertão que enfrentavam “a burlesca inquisição”
que misturava “feios pecadores de ontem e democratas puro-sangue de hoje”. O “coronel
matuto” era autêntico, rude e ignorante, mas havia ditado as raízes da estabilidade política-
econômica do Estado. Representava uma “rija comporta contra a inundação de perigosas
idéias exóticas”, hostis à formação histórica e aos sentimentos cristãos do cearense. Chamava
de ilusória a crença na perda da fibra ancestral e na capacidade de comandar dos netos e
bisnetos dos coronéis. Eles ainda eram grandes e poderosos e estavam ramificados em
numerosas famílias, proprietárias de terras e de bois.
Embora alguns de seus descendentes estivessem envernizados pela civilização
capitalista e menosprezassem seu passado, as grandes decisões políticas ainda passavam pela
chancela dos coronéis do interior. Os novos coronéis já não viviam “à mercê dos exploradores
de sua ingenuidade”, pois informavam-se pelos órgãos de comunicação e tinham, na família
ou nos amigos leais, as orientações que os impediam de cair nos “alçapões de espertos
arrivistas”.
Àqueles que acreditavam que iriam partilhar os despojos dos coronéis, arregaçando
as mangas e se esbaldando em demagogia (clara referência a Tasso), após o pleito, veriam um
decepcionante fiasco. Pois as estruturas, que pareciam combalidas, ainda tinham alicerces
636
O Povo, 22 de outubro de 1986, pág. 07.
284
sólidos. Os que tinham o apoio desses chefes tradicionais “incorruptíveis” ainda controlariam
o poder político “dentro da sistemática dos velhos clãs”.
Embora reconhecesse que os coronéis estivessem “evoluindo” devido ao avanço da
“civilização”, eles controlavam as rédeas do “fogoso corcel, impondo-lhe a marcha mais
conveniente às reivindicações coletivas”. Se na atualidade “éramos grandes”, isso ocorria
sobre a sombra e a descendência deles. Portanto não havia como hostilizá-los.
Finalizava confessando seu grau de envolvimento com o sujeito histórico em questão:
Devo meu medíocre sucesso ao coronel do sertão, meu padrasto à frente. Vejo-
o ainda como sustentáculo da ordem vigente. E não me pejo de gritar a plenos
pulmões:
- Viva o coronel!
Numa das avaliações sobre a vitória de Tasso, destacou-se a feita por AndHaguete,
cientista político da Universidade Federal do Ceará, intitulada “A modernização prometida”.
No artigo, o peemedebista é apresentado como a encarnação da vitória de uma modernização
sobre o tradicionalismo político, econômico e social. Tendo como peculiaridades sua pertença
ao empresariado jovem, uma educação universitária avançada adquirida em centros
acadêmicos de excelência, escapava do provincianismo local e representava o
amadurecimento lento de uma organização classista e homogênea, fruto de um projeto
coletivo e não de uma ambição individual. Grupo de jovens, que nos anos 70, haviam notado
“a fraqueza do empresariado local como grupo de pressão, sua submissão aos poderes
políticos constituídos e seu atraso técnico e ideológico em relação ao empresariado do Centro-
Sul do país, eles procuraram a emancipação dos pais-fundadores e do tradicionalismo”.
Reconhecia que a modernização proposta por Tasso, seria de uma reforma liberal e
burguesa para o Estado, com o fortalecimento do mercado interno pelo trabalho produtivo, sob
a orientação da iniciativa privada. Uma modernização política sem nepotismo, favoritismo,
incompetência, corrupção e ineficiência. Uma modernização social pela igualdade de
285
oportunidades, fim da miséria absoluta, mais educação e saúde como condições da cidadania
liberal. Identificava como inimigos do projeto a situação financeira do Estado a histórica
dependência econômica e política do Ceará, a reação empresarial e latifundiária, o
fisiologismo e conservadorismo do PMDB, os vícios adquiridos do funcionalismo, a
mentalidade e o comportamento clientelísticos das classes médias e do povo carente. Por fim,
profetizava que a História julgaria Tasso e seu grupo, segundo o cumprimento da promessa
modernizadora
637
.
III.3.4. CONTEXTO PRÉ-POSSE
No dia 16 de novembro, Lúcio Brasileiro elencou 23 “mandamentos” para o “Estado
sair ganhando” no próximo governo, como se fossem conselhos pessoais a um amigo. Pelo
que elencou e pelo que foi feito na primeira administração de Tasso, parece que o próprio
Governador eleito ou pessoas do grupo do CIC, sopraram as primeiras medidas que seriam
tomada a partir de 15 de março de 1987. Destacava o seguinte: a montagem da equipe por
competência, espírito público, compromisso com as reformas, capacidade de trabalho e
reputação ilibada; atendimento a pedidos de deputados apenas quando visassem o interesse
público; permanência até o fim do mandato; mudança imediata do secretário sem sintonia e
produtividade; indicação de grupos políticos a partir de listas tríplices e com possibilidade de
veto pelo Governador; afastamento da vida social; denúncia do não-enquadramento do vice-
governador às determinações morais do titular; relatório mensal das ações de Governo em
televisão; audiência bimestral com lideranças comunitárias para conhecer suas carências;
visitas ao interior com objetividade administrativa voltada para os interesses das populações
locais; contato permanente com a Igreja; audiência a líderes empresariais de espírito público;
637
O Povo, 19 de novembro de 1986, pág. 07.
286
recusa a demagogias bobas, como ir a futebol e quermesse, e cuidado especial na escolha do
secretário da Fazenda
638
.
Nas recomendações, percebia-se críticas veladas à administração de Gonzaga Mota e
a setores tradicionais do PMDB.
José Rangel, numa prova de que seus vitoriosos colegas do high society haviam lhe
repassado informações privilegiadas, antecipou os problemas que Tasso teria com a ala do
PMDB, que queria a antecipação da discussão sobre a constituição do “staff” do Governo.
Reforçava, entretanto, que o secretariado do novo Governador dar-se-ia sem cor partidária e
só depois de ouvir seus amigos do CIC
639
.
Essa pressão avolumou-se e chegou no seu ápice em março de 1987, quando foi
anunciado o secretariado “mudancista” dentro de um contexto adverso para o futuro
Governador.
Em março de 1987, a situação do funcionalismo público estadual e municipal era
desesperador. Os primeiros estavam com dois meses de atraso, enquanto os municipais
estavam sem receber desde outubro de 1986, além de não terem recebido o reajuste de 34% de
março a dezembro de 1986. Eram 140 mil servidores estaduais e 320 mil de Fortaleza. O
Banco do Estado do Ceará estava sob intervenção do Banco Central e os repasses do Governo
Federal usados para cobrir as dívidas para com a União. Havia uma expectativa de seca e o
decréscimo da arrecadação
640
. O Estado não tinha recursos para manter o custeio da máquina
administrativa. O caixa do Tesouro estava zerado e não havia disponibilidade financeira para
saldar os vencimentos de janeiro e fevereiro. Ademais, Tasso teria que pagar uma parcela de
200 milhões de cruzados de empréstimos contraídos no valor de 550 milhões, que os
Bancos só emprestavam ao Estado em até três parcelas de pagamento. As perdas oriundas das
safras de algodão e castanha significaram um prejuízo da ordem de 300 milhões de cruzados
638
Idem, 16 de novembro de 1986, pág. 08.
639
O Povo, segundo caderno 19 de novembro de 1986, pág. 02.
640
Idem, 01 de março de 1987, pág. 06.
287
para o erário estadual. Os municípios estavam sem receber os repasses da cota de 20% do
imposto sobre circulação de mercadoria (ICM). O Fundo de Participação dos Estados (FPE)
sofrera uma queda nominal e real em comparação com 1986
641
.
Na educação, os números eram também sofríveis. Segundo estimativas técnicas,
352.468 crianças entre 7 e 14 anos estavam fora da escola. De um total de 1.334
estabelecimentos de ensino, apenas 422 estavam na zona rural. 50% dos professores
municipais ganhavam menos de um salário mínimo. 1.461.000 pessoas, acima dos 15 anos,
eram analfabetas. 658.000 não conseguiam ter acesso à escola. Na zona rural, a escolaridade
dificilmente saia do primário. Muitos professores estavam fora de sala prestando assessoria ou
em disponibilidade de outros órgãos. De cada 1.000 crianças que nasciam, 126 morreriam
antes de completar um ano, colocando o Ceará na condição de segundo colocado na América
Latina, perdendo apenas para a Bolívia
642
.Uma situação de “terra arrasada” que, entretanto,
parecia não incomodar Gonzaga
Mota, que continuava fazendo
articulações políticas visando a
sucessão de 1990, indiferente à
situação que seria deixada para o
sucessor. Uma charge de Sinfrônio
representava o sentimento da opinião
pública do Estado naquele momento:
a situação do Ceará era comparada à
Roma incendiada, e Gonzaga Mota, o
próprio imperador Nero, que se
inspirava na destruição para fazer
641
Idem, 06 de março de 1987, pág. 13.
642
O Povo, 14 de março de 1987, pág. 05.
288
composições musicais
643
.
A visão de Tasso sobre a situação falimentar do Estado, numa crítica direta a Gonzaga
Mota, não veio de sua própria mão, mas através de um artigo de Paulo Ernesto Serpa no artigo
Virtude política e descaso administrativo”. Mota era apresentado como homem de atitudes
inusitadas, inesperadas e fora de esquadro. Sua instabilidade emocional era utilizada para
explicar os altos e baixos de sua administração. Sua aceitação como nome de consenso entre
os coronéis e o presidente Figueredo confirmariam sua condição de “afilhado da Ditadura
Militar”, que pretendiam manter o poder de mando acostumando a população ao clientelismo
e ao caciquismo político. Teria surpreendido quando rompeu com os seus criadores e a
impressão destes, de que seguiria com fidelidade canina o Acordo de Brasília. A vitória, com
mais de 600 mil votos de diferença teria lhe dado a impressão de representar mais do que o
Ceará, aportando-se em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, falando mensagens novas que
tiveram repercussão nacional e granjearam-lhe popularidade. Apoiou as Diretas-já e a
candidatura de Tancredo-Sarney, quando naufragou a de Auréliano Chaves. Tentou ser
Ministro e inventou uma campanha popular pelo Fico, para justificar sua não ida ao Planalto
Central, quando o esperado convite não veio. Mesmo com influência no Governo Federal, não
conseguiu impedir a intervenção no Banco do Estado do Ceará, devido a irregularidades
cometidas pelo seu presidente, Fernando Terra, indicação do seu irmão Fernando Mota, e que
teve no deputado estadual do PFL, outro Fernando Mota, o principal denunciador dos
problemas da instituição bancária local. Embora tivesse em fevereiro daquele ano, uma
avaliação positiva de 73% dos cearenses, o descalabro administrativo revelado em março
daquele ano seria suficiente para esconder sua “alva dentadura” e não realizar seu último
desejo: sair do Abolição nos braços do povo
644
.
643
Idem, 09 de março de 1987, pág. 06.
644
O Povo, 14 de março de 1987, pág. 04.
289
Naquele ano, Gonzaga Mota foi passar o carnaval na praia do Barro Preto. Tasso
Jereissati subiu a serra de Pacoti
645
, para finalizar as articulações em torno do novo
secretariado, anunciado em 06 de março. Neste, percebia-se um Tasso ainda reticente em
impor um secretariado ao seu gosto, fazendo concessões ao PMDB histórico e gonzaguista,
embora tenha apontado seus colegas de CIC e de técnicos oriundos do BNB nos cargos mais
estratégicos
646
. A escolha do secretariado, entretanto, será a primeira de uma série de brigas e
descontentamentos do PMDB tradicional com o futuro governador
647
.
A nuvem negra na relação de Tasso com o PMDB, provocou temores sobre o futuro
das prometidas mudanças, uma vez que havia a compreensão de que, rendendo-se à
chantagem, Tasso se tornaria refém de uma prática clientelista. Recusando, sofreria o boicote
da maioria parlamentar de seu partido.
Nos artigos da época, percebia-se essa expectativa levando-se a questionamentos de
quanto tempo a moralidade e a austeridade demorariam como norma da administração, frente
à resistência das tradicionais classes políticas. Pádua Campos exemplificava esse receio com
um fato ocorrido com Perilo Teixeira, um deputado estadual, líder na Assembléia do
Governador Faustino de Albuquerque (1947-1951).
Procurado por um correligionário que lhe pedia um favor junto ao Governo sem
amparo legal, deu a seguinte resposta: “Compadre, como você sabe, o nosso governo ainda
está começando e coisas como essa que você me pede têm que ser adiadas para depois que ele,
governo, se prostituir”. Ou seja, outros governos teriam começado com puridos moralistas”,
entretanto, depois cediam a pressões e conveniências política e tudo voltava ao “que era
dantes, no quartel de Abrantes”. Embora reconhecesse que as resistências seriam fortes,
acreditava que elas seriam abrandadas se maior fosse a decisão de não transigir. Defendia a
necessidade de Tasso governar para além dos costumes da classe política, para implantar a
645
Idem, 01 de março de 1987, pág. 04.
646
Idem, 07 de março de 1987, pág. 02.
647
Idem, 13 de março de 1987, pág. 04.
290
moralidade e conseqüentemente conseguir o apoio da opinião pública e de políticos de espírito
público
648
.
Antônio Carlos Machado, professor da UFC, embora reconhecesse que o tema das
mudanças continuara em discussão após as eleições, ela estava ameaçada pela forma pouco
aberta da equipe que elaborava o plano de governo. “Confinada ao Cambeba”, não manteve
uma aproximação mais estreita e direta com os segmentos e entidades representativas da
comunidade. Até porque as mudanças de maior alcance e relevância social ocorreriam pela
resistência às pressões dos interesses estabelecidos e pelo fomento à organização e
mobilização dos setores historicamente marginalizados
649
.
Paulo Roberto Pinto lembrava que para o aprofundamento das mudanças política,
econômica e social do Ceará não deveria se contentar apenas com o quadro estadual, mas
alcançar os municípios, numa “manobra hábil de conquista dos prefeitos interioranos,
atraindo-os para uma adesão consciente às bandeiras mudancistas”. Sem ferir a autonomia
municipal, somente com a concordância dos prefeitos, se implementar-se-iam idéias
reformistas com planejamento e ordenação das administrações municipais. Sem isso, qualquer
tentativa de interiorização do desenvolvimento redundaria em fracasso, que o município
seria a “célula base não apenas do Estado, mas também da nacionalidade”
650
.
Outro editorial lamentava a situação de atraso salarial do funcionalismo, prevendo
dificuldades do futuro Governo para restituir o equilíbrio perdido das finanças estaduais, em
decorrência da insensatez e do empreguismo sem medida. Qualificava tal postura como
política de terra arrasada, que não deixara pedra sobre pedra, legando para os futuros
administradores a tarefa de cobrir os rombos. Esperava o jornal, entretanto, que tal quadro
servisse de lição para o futuro, de forma a não se repetir licenciosidades perpetradas em troca
648
O Povo, 01 de março de 1987, pág. 07.
649
Idem, 01 de março de 1986, pág. 07.
650
Idem, 08 de março de 1986, pág. 06.
291
de votos e simpatias populistas, que “a dilapidação dos cofres públicos é um tipo de crime
infelizmente sem punição entre nós, mas funesto à coletividade”
651
.
Enquanto isso, Tasso viajou para São Paulo onde receberia o prêmio Senhor 1986,
que, pela primeira vez, desde 1981, escolhera um empresário fora do eixo Rio de Janeiro-São
Paulo. O empresário cearense foi destacado na capa, no editorial e numa reportagem de oito
páginas com ilustrações que registravam desde sua infância aos momentos da campanha do
ano anterior. No editorial, a escolha era justificada como forma de atender a várias
reclamações e para corroborar as virtudes pessoais do homem de negócios, “talentoso na arte
do risco, numa terra onde a natureza é ingrata e o capital escasseia, assim como a água”.
Contemplava também o político que “saiu de dentro da casca do empresário, escolado na
ousadia, símbolo da modernidade”, “um exemplo coletivo, na figura emblemática de um dos
representantes da intrépida geração de empresários jovens do Ceará – a turma do CIC”. Tasso
tinha o “condão” de retemperar a alma e de redimir a utopia do progresso com face humana,
tornando-a visível para além da Itália, Alemanha e Suécia
652
.
Na reportagem da revista Senhor, exaltava-se seu altruísmo por trocar, por quatro
anos, a confortável direção de um império empresarial, por uma dívida de 10 bilhões de
cruzados; o comando de 120 mil funcionários, “quase todos improdutivos”; a responsabilidade
de dar de comer a três milhões de miseráveis e um empreendimento que faturava menos do
que gastava. O Governo era comparado a uma “cruz”, uma cruel realidade de indigência
absoluta, de fome e mortalidade que o Tasso político carregaria, auxiliado pelo Tasso
empresário administrador. A dualidade político e empresário era mostrado pela publicação
como algo “belo”, que explicava a ascensão do homenageado de 38 anos de idade, que, no ano
anterior, recém-saído de uma delicada cirurgia cardíaca, tomara a impetuosa ou irresponsável,
parodiando o próprio Senhor 86, de aceitar a candidatura para uma derrota previsível, para
651
O Povo, 12 de março de 1987, pág. 06.
652
Revista Senhor, transcrita em O Povo, 10 de março de 1987, pág. 03.
292
perder dinheiro e o pleito. Uma atitude Kamikazi explicada pela “simpatia ancestral pela
política” e por um “mosaico de situações”, como o descontentamento com as práticas políticas
dos coronéis e a ligação com o PMDB, que o levaria a uma candidatura novata, inexperiente e
que jamais subira a um palanque
653
.
Em São Paulo, almoçou com jornalistas no Nacional Clube, onde descreveu a
administração pública do Ceará como “um monstro indescritível”. À noite recebeu o prêmio
Senhor 86 das mãos de Mário Amato (presidente da FIEC). No discurso condenou a
convivência com a “vergonha da pobreza absoluta, da mortalidade infantil, do analfabetismo e
da fome e de tantos males que nos amesquinham e entristecem”, e conclamou os colegas a
entender que “a revolução social” teria de ser feita pelas “lideranças livres e conscientes de
suas amplas responsabilidades” sociais, numa postura de “desejo conjunto, força volitiva, de
convicção política e ideológica”. Entretanto, os empresários deveriam olhar para além dos
interesses em curto prazo, imediatistas e egoístas, que a propriedade privada seria um
direito sacramentado por lei, porém era também um dever social, “um instrumento de
produção para o bem comum”. Defendeu a redução do pagamento do serviço da Dívida
Externa, a contenção e a redução da inflação, dos juros e do estatismo exacerbado que
descaracterizava o modelo sócio-econômico do país, e pediu apoio a Sarney para se fortalecer
e encontrar as saídas da crise que o Ceará atravessava
No dia seguinte, foi entrevistado pelo jornal “Bom Dia São Paulo” da TV Globo.
Na imprensa, sinais da austeridade que viriam eram dados por notícias de colunas,
como a que informou que na posse de Tasso, os convidados teriam direito a um copo
d’água
654
. No entanto, os três mil convidados foram servidos, após a solenidade de posse, com
coquetel de frutas e salgadinhos variados sob o encargo do Náutico, tradicional clube de
653
Ibidem.
654
O Povo, 13 de março de 1987, pág. 06.
293
Fortaleza. Organizadores das festividades promoveram festas populares em cinco localidades
da Capital, com despesas cobertas pelo próprio governador e amigos empresários.
Como
forma de
demonstrar o
compromisso com o
fim da miséria, as
repartições públicas
do Estado
receberiam a foto oficial do governador eleito e uma outra, oriunda da campanha eleitoral, em
que uma família sertaneja comia, tendo ao fundo uma parede com o cartaz de Tasso ao lado
das imagens de santos da sua devoção
655
.
No dia 15 de março, dia da posse várias mensagens de felicitações e cumprimentos
foram publicadas. Destacou-se pelo conteúdo e tamanho a do Grupo Pão de Açúcar, parceiro
dos empreendimentos dos Jereissati desde a década de 1970. Um material de meia página,
onde Tasso era desenhado num traço de grafite em camisa despojada, com uma fisionomia
serena, olhar voltado para o
leitor, demonstrando uma
calma que sugeria ao
receptor uma predisposição
de confiança no futuro
governante. A mensagem
escrita não deixava dúvida
sobre o tipo de sentimento
655
O Povo, 14 de março de 1987, pág. 02.
294
que se pretendia cultivar. “No horizonte do Ceará nasce um novo tempo. Governo Tasso
Jereissati. Toma posse o líder que nos conduzirá rumo às mudanças e ao futuro, a bordo da
nave chamado desenvolvimento”.
295
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No dia 15 de março de 2002, o jornal O Povo, de Fortaleza, iniciava uma série de
reportagens com o título “Era Tasso - 15 anos”. Era, segundo o próprio periódico, “menos um
balanço e mais uma contribuição ao significado histórico dessa ‘Era Tasso’. Sem
ideologização ou partidarização, jornalisticamente se começa aqui a contar histórias desses 15
anos. Não a História”
656
.
A afirmação de que se procurava falar das histórias e não da História denotava a
polêmica que envolvia a análise desse período no Estado. A pretensão de se fazer uma análise
“desideologizada ou partidarizada” significava abordar os temas pouco agradáveis aos
mudancistas como concentração de renda, aumento da desigualdade social, dos índices de
criminalidade e a falta de diálogo com os movimentos sociais e a academia. Isso pode ser
percebido já na primeira matéria.
Com a manchete Especialistas analisam mudancismo, anunciava o lançamento do
primeiro volume de uma coletânea de estudos acadêmicos, denominada de A Era Jereissati.
Modernidade e Mito, editada pela fundação Demócrito Rocha pertencente ao mesmo jornal
e organizadas por dois professores da Universidade Federal do Ceará Josênio Parente e
João Arruda. A publicação pretendia fazer “uma reflexão objetiva sobre o discurso e a prática
do ‘Governo das Mudanças’ e de seus personagens principais”
657
.
Entretanto, a anunciada “objetividade” não agradou aos mudancistas, que, até o
momento em que escrevemos, a empresa jornalística não publicou os volumes dois e três
anunciados e prontos desde o ano de 2002, que tratariam “das experiências de organização
social e participação” e o último faria “um balanço dos avanços e recuos da Era Jereissati”.
656
O Povo, 17 de março de 2002, pág. 21.
657
Idem, 15 de março de 2002, pág. 20
296
Na continuação da rie, o jornal trouxe os acontecimentos políticos que levaram
Tasso a ser candidato do PMDB
658
, o papel do CIC como plataforma política de preparação de
lideranças para o projeto mudancista
659
, o ocaso dos coronéis cearenses e os “causos” da
campanha de 1986
660
, as medidas de ruptura e de moralização dos primeiros meses de
governo
661
, o isolamento do mundo político e o fechamento em torno do CIC
662
. Depois, a
série fez entrevistas com ex-membros do CIC e alguns intelectuais.
André Haguette, sociólogo e reconhecido quadro teórico do PSDB, fez uma defesa
ponderada dos 15 anos da Era Tasso, reconhecendo a complexidade de julgar um governo,
diante da impossibilidade de separar fatos e valores, dados e argumentos nem sempre
totalmente racionais. Para explicar a afirmação, usava a imagem de um copo com água pelo
meio. Para uns ele estaria meio vazio, para outros meio cheio. Os “meio vazio” viam o
aumento da concentração de renda, a permanência da pobreza no campo e nas cidades, o estilo
forte e centralizador de governar, a não renovação da classe política do Estado, a manutenção
de alianças com políticos tradicionais, a não transparência na condução das finanças do
Estado, a não elevação dos salários dos funcionários, a contratação temporária de professores
não concursados, a diminuição dos investimentos em áreas sociais, a manutenção do déficit
habitacional, o não equacionamento da relação agricultura de subsistência com o emprego e a
renda dos 40% da população rural.
Embora parecesse não discordar dos argumentos adversos, Haguette mostrava sua
visão de “meio cheio”. Tasso trouxera uma nova maneira de lidar com a coisa pública e de
fazer política, elevando o desempenho administrativo, evitando o empreguismo, pagando o
funcionalismo em dia, diminuindo o clientelísmo; haveria uma rede institucional que atenderia
ao cidadão, elevando o bem-estar social dos pobres; havia implantado projetos estruturantes e
658
O Povo, 17 de março de 2002, pág.21
659
Ibidem, pág. 22
660
Ibidem, pág. 23
661
O Povo, 18 de março de 2002, pág. 18
662
Ibidem, pág. 19
297
coerentes de desenvolvimento no turismo, na infra-estrutura, na industrialização, na
agricultura e na expansão do ensino superior e tecnológico no interior; provocara uma
constante elevação do PIB cearense, acima do brasileiro; diminuíra a mortalidade infantil e
universalizara o ensino fundamental.
Entretanto, acreditava que os frutos desse desenvolvimento seriam possíveis
resolvendo o estrangulamento na agricultura de subsistência, na qualidade da educação
escolar, na resolução do déficit habitacional e na renovação da classe política
663
.
As questões levantadas pelo prof. Haguette, cinco anos atrás e vinte anos depois da
posse de Tasso, dão uma boa dimensão do que significou essas duas décadas de administração
“mudancista”. Mesmo o fim formal desse ciclo de poder, com a eleição de Cid Gomes, não
significou o fim da influência de Tasso, que o partido do senador hoje faz parte da base de
sustentação do novo Governo na Assembléia Legislativa.
Talvez, o Ceará ainda permanecerá um bom tempo sobre o estigma da Geração CIC,
como o próprio Tasso chegou a prever numa entrevista cinco anos atrás. “Tenho certeza que a
sua geração gostando ou não de mim não vai aceitar mais práticas que eram usuais e
aceitas como parte da vida”
664
.
Entretanto, a preocupação dessa pesquisa não era de estudar o Governo das
Mudanças, mas os principais protagonistas do “mudancismo” e entender o que diferia esses
empresários dos seus colegas da FIEC e de como desenvolveram seus papéis de líderes de um
novo bloco histórico, de uma nova hegemonia.
A identificação dessa diferença pela trajetória de vida se mostrou acertada. Suas
biografias revelaram vivências que os aproximaram dos movimentos partidários, estudantis,
eclesiásticos e populares, que buscavam uma renovação na estrutura econômica, na
663
O Povo, 19 de março de 2003, pág. 07.
664
Idem, 24 de março de 2003, pág. 23.
298
organização política e no tecido social do Brasil, num período prenhe de contradições e
mudanças, como nas décadas de 50 e 60 do século passado.
As formas de sociabilidade desses grupos colocavam o talento retórico e de
comunicação do indivíduo, aliados à capacidade de articular idéias e analisar a realidade social
a partir dos paradigmas consensualmente definidos como corretos pelo coletivo, como
elemento definidor de sua importância dentro da associação. Exigia-se ainda um
comportamento que expressasse o desprendimento com a riqueza material, a fidelidade à
causa eleita pela organização e a solidariedade aos despossuídos do sistema. Havia uma
disciplina de horários e atividades a serem cumpridas, que demandava uma atitude militante e
de abenegação.
Ao mesmo tempo, seus vínculos com o mundo real e pragmático dos negócios lhes
davam uma dimensão mais crítica de suas possibilidades de atuação no movimento a que
pertenciam, impedido-os de se envolver em manifestações ou ações que lhes cobrassem um
alto preço a ser pago, como o exílio e a prisão, ou seguir uma carreira parlamentar, destinados,
no Regime de então, àqueles que não demonstravam pendores “comunistas”.
Acompanharam, portanto, os acontecimentos políticos e econômicos na região cinza
da iniciativa privada sem assumir, entretanto, atitudes adesistas ou simpáticas ao Regime
Militar, mesmo quando a política econômica os favorecia.
Por sua vez, a complexificação da economia brasileira, que exigia formas mais
racionais e eficientes de administração empresarial, impuseram à FIEC a necessidade de
contar com a participação deste público jovem, de bom nível cultural, amparados pelos
conhecimentos técnico-científicos adquiridos nos bancos universitários, com idéias novas e
entusiasmos.
299
Mas a Federação acreditou muito na formação exclusivamente técnica” dos cursos
de Administração e Economia que estes empresários fizeram, ou José Flávio acreditou ter
condições de controlá-los, por ter uma maior experiência política, estatal e parlamentar.
O que não se contava é que esses jovens tivessem uma visão de mundo muito mais
progressista e arejada, do que a maioria dos chefes de indústrias do Estado, politicamente
conservadores e dependentes da ação do Estado. Mesmo não assumindo uma postura política,
tinha uma informação diferenciada do jogo político econômico-social. Faziam parte de uma
geração que se formara longe dos balcões e das máquinas, mas que estudara as teorizações
sobre o comportamento da sociedade, que lhes permitiam uma visão de Brasil, de capitalismo,
de sociedade capitalista e o que deveria ser o comportamento de um capitalista.
Nas palavras do próprio Beni Veras, havia uma clareza sobre aonde queriam chegar:
“ir contra a desorganização da economia da Região, a má utilização dos recursos públicos.
Chegar na abertura política e econômica”
665
.
Numa perspectiva mais sociológica, entretanto, para além da subjetividade dos atores
sociais, deve-se reconhecer que representavam um setor social, uma fração de classe que
haviam dispensado a intermediação tradicional dos políticos, para aplicar um projeto de poder
adequado às aspirações do segmento industrial moderno, e que queriam abrir espaço às novas
forças econômicas, obstruídas por uma estrutura produtiva comandada pelo segmento agro-
comercial e garantida por um aparelho de Estado de caráter patrimonialista, paternalista e
clientelista, ao mesmo tempo em que buscavam impedir a ascensão de aspirações
democráticas mais radicais que atrapalhassem seus negócios, como do novo sindicalismo
surgido no ABC paulista e dos movimentos populares. Também se recusavam a incorporar-se
aos instrumentos partidários tradicionais, querendo assumir o comando das transformações
que se anunciavam, como bem ponderou Valdemar Menezes
666
.
665
Entrevista de Beni Veras ao autor em 08 de janeiro de 2007.
666
Waldemar Menezes in O Povo, 19 de março de 2003, pág. 07
300
Como lembrava Lemenhe
667
, esse projeto de poder foi sendo lentamente gestado.
Inicialmente para ser encaminhado por forças políticas mais progressistas. Mas, à medida que
a própria dinâmica das mudanças institucionais foi oferecendo possibilidades e os militares
perdiam a sua legitimação, passou-se a trabalhar com perspectivas de intervenção direta na
gestão da máquina pública. Nada com conotação messiânica ou carismática, ou racional, mas,
com uma compreensão dos seus próprios limites e de sua condição de classe empresarial, não
queriam mais um interlocutor junto ao poder central. A vitória de Tasso significava o começo
de um novo ciclo de poder, uma maneira diferente de reger a política, de se relacionar com
grupos organizados e realizar políticas públicas.
Tasso foi o caso único de um candidato vitorioso que não havia exercido nenhum
cargo político estatal antes de chegar ao Governo do Estado. Mesmo Gonzaga Mota havia
sido Secretário de Planejamento antes de ser ungido por Virgílio Távora para ser candidato.
Tasso representava um setor do empresariado muito comprometido com os destinos
da economia local, de singularidade periférica e dependente no contexto da Federação
Brasileira, mas que soube romper “com o seu passado, cuja marca foi a de se aproveitar da
política, da violência política e da subordinação do atraso como alavancas para sua realização
como classe”
668
.
Uma burguesia que assume a condição de agente histórico e intelectual orgânico de
um novo bloco histórico, no bojo de uma dinâmica de americanização do Ceará. Uma
modernização conservadora que associa o processo de aprofundamento do capitalismo no país
ao modelo de funcionamento americano, no qual se buscaria a eliminação do Estado
patrimonial, onde a eficiência fosse o traço marcante da organização administrativa
669
.
667
Ibidem, pág. 21.
668
VIANNA, Nelson Werneck. Apud BONFIM, Washington. Reforma do Estado e desenvolvimento econômico
e social no Ceará: singularidade e contexto histórico. In MORAES, Filomeno (orgs). Reforma do Estado e
outros estudos. Fortaleza. Fundação Konrad Adenauer, 2004. pág. 68.
669
BONFIM, Washington. Qual Mudança. Os empresários e a americanização do Ceará. Rio de Janeiro.
IUPERJ. 1999, pág. 28.
301
Como todo projeto político, tiveram sucessos e fracassos, mas, inegavelmente,
deixaram um legado de organização e ética administrativa, que durante anos ainda irá
perseguir as várias forças políticas que assumirem o poder no Estado do Ceará.
302
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