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Por fim, um último recurso não-manual que se mostrou relevante para a
segmentação do contraste foi o das imagens bucais (cf. discussão na nota de rodapé 9 e
na seção 5.4). Na unidade que aparece na linha 9, R produz uma imagem bucal,
[simplis], que perdura pelo tempo que a falante leva para realizar os três últimos sinais
da frase, SIMPLES PALAVRA PALAVRA. Esse espraiamento da imagem bucal, do
sinal a ela associado (i.e. SIMPLES) para outros sinais subseqüentes, já apontado por
Sandler (1999: 22), mostra, na perspectiva cognitivista aqui trabalhada, que o segmento
sob escopo da imagem bucal deve ter um estatuto de unidade cognitiva de algum tipo
para o falante. De fato, é impossível pensar como três sinais sob o escopo de uma única
de maneira mais intensa, ora para acompanhar o próprio tronco, ora para acompanhar o olhar, ora para
realizar gestos atencionais com escopo sobre a oração (e.g. tópico, negação). O olhar, por sua vez, se
revela ainda mais dinâmico, deslocando-se não apenas em consonância com o tronco e a cabeça, mas
também ao final das unidades e em pontos discretos em seu interior. Tomados em conjunto, então, esses
diferentes gestos mostram uma interação complexa e dinâmica que exige uma explicação.
Interpretando a prática do contraste como um tipo de “objeto” lingüístico que precisa ser atendido,
nota-se que o seu formulador tem como uma de suas tarefas sinalizar tanto os limites da prática em seu
contexto interacional (suas bordas externas) quanto os limites das diferentes partes que a constituem (as
bordas internas, referentes às unidades mínimas e às partes constitutivas da prática). A hipótese é a de que
esse trabalho de gerenciamento atencional seja feito precisamente por meio de gestos, que, dependendo
do “pedaço” da prática que está sendo sinalizado e do contexto imediato onde ele se insere, interagem de
forma hierárquica para estabelecer diferentes níveis de atenção.
Considere, por exemplo, a figura 49. Na imagem correspondente ao sinal ISSO, R re-estabelece o
contato visual e reorienta parcialmente a cabeça ao interlocutor, enquanto o tronco permanece voltado
para a esquerda. Nesse caso, a combinação hierárquica de gestos atencionais vem indicar,
simultaneamente, dois níveis de salientação frente aos quais o interlocutor deve se orientar: um referente
à unidade mínima então encerrada (a figura); e outro referente à primeira parte contrastada na prática (o
fundo). É como se, por meio da sinalização não-manual em ISSO, R dissesse ao seu interlocutor, com a
cabeça e o olhar, “Preste atenção, pois acabo de delimitar uma unidade mínima de formulação...”, e com
o tronco, “...mas não esqueça que essa unidade diz respeito à primeira parte do contraste”. É plausível
especular, portanto, que quanto mais complexo for um contraste, maior será a quantidade de recursos
formais necessários para a construção de uma prática coesa e eficaz.
Esse emprego do tronco, cabeça e olhos no direcionamento da atenção em mais de um nível revela, tal
como argumentam Perrett e Emery (1994) – cf. capítulo 4, seção 4.5 – que o olhar e a cabeça devam ter
prioridade atencional sobre o tronco, quando ambos interagem num contexto interacional específico. Tal
hierarquia, contudo, como propõem Langton et al. (2000), não implica uma inibição completa dos gestos
atencionais hierarquicamente inferiores, mas sim uma sobreposição de camadas com diferentes graus de
salientação, ou níveis de atenção, frente aos quais o interlocutor deverá se orientar para gerenciar a sua
participação.
A análise sugere ainda que a hierarquia de gestos atencionais deva estar relacionada com a
dinamicidade dos articuladores, de forma que, quanto mais dinâmico um dado articulador (i.e. quanto
menos grupos musculares ele envolver no seu deslocamento), mais alto/prioritário/importante será o nível
de atenção que ele irá sinalizar. No contraste, por exemplo, o tronco e o olhar se colocam,
respectivamente, nos extremos do contínuo “estabilidade dinamismo”, com a cabeça situando-se em
algum ponto entre os dois. Quando níveis hierárquicos de salientação precisam ser estabelecidos, então,
são os articuladores mais dinâmicos que se movem para estabelecer as sucessivas figuras da atenção,
enquanto os menos móveis permanecem estáveis para delimitação dos respectivos fundos.